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A PRESENÇA DO NEGRO E DA ÁFRICA NAS APOSTILAS DE GEOGRAFIA DA REDE POSITIVO Victor Hugo Beñák de Abreu Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-Raciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre. Professor Mário Luiz de Souza, Doutor Rio de Janeiro Maio de 2016

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Page 1: Victor Hugo Beñák de Abreu

A PRESENÇA DO NEGRO E DA ÁFRICA NAS APOSTILAS DE GEOGRAFIA DA

REDE POSITIVO

Victor Hugo Beñák de Abreu

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-Raciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre.

Professor Mário Luiz de Souza, Doutor

Rio de Janeiro Maio de 2016

Page 2: Victor Hugo Beñák de Abreu

A PRESENÇA DO NEGRO E DA ÁFRICA NAS APOSTILAS DE GEOGRAFIA DA

REDE POSITIVO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-Raciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre.

Victor Hugo Beñák de Abreu

Aprovada por:

________________________________________________________

Presidente, Prof. Mário Luiz de Souza, Doutor (Orientador)

________________________________________________________

Prof.ª Tânia Mara Pedroso Müller, Pós-Doutora

_________________________________________________________

Prof.ª Mariana Araújo Lamego, Doutora - (UERJ - Departamento de

Geografia)

Rio de Janeiro Maio de 2016

Page 3: Victor Hugo Beñák de Abreu

iii

Page 4: Victor Hugo Beñák de Abreu

iv

AGRADECIMENTOS

A caminhada até a defesa do mestrado foi intensa. Ao longo dos processos de pesquisa

e escrita ocorreram diversas transformações em meu cotidiano, desde minha adaptação ao

Colégio Pedro II, passando pelo nascimento de meu filho Leonardo Mendes Beñák e, até o

momento da defesa da dissertação, estamos esperando uma linda princesa que está prestes a

nascer. Assim, agradeço a Deus, o Grande Arquiteto do Universo, por permitir alcançar esta

etapa e por ter colocado pessoas maravilhosas ao longo dessa caminhada.

Agradeço à minha esposa, Lidiane Mendes da Silva, que se dedicou exclusivamente,

nestes últimos dois anos, em criar um ambiente favorável e agradável para que eu pudesse

concluir meus objetivos.

Agradeço aos meus pais, Lucy Santos de Abreu e José Carlos Beñák de Abreu, pela

abdicação material ao longo dos anos e os esforços para que pudessem deixar como principais

heranças disciplina e conhecimento.

Agradeço à minha irmã, Cíntia Beñák de Abreu, pelas diversas trocas que tivemos ao

longo de nossos anos de trabalho juntos e gostaria de dizer o quanto sinto sua falta em meu

dia a dia. Agradeço ao meu cunhado e amigo Eduardo Brito e ao meu afilhado Carlos Eduardo

pelos incentivos constantes.

Agradeço, em especial, ao meu Orientador o Professor Doutor Mário Luiz de Souza

pela dedicação e pelo empenho. Sempre gentil e prestativo foi um grande incentivador e

inspirador para a conclusão deste trabalho.

Agradeço a todos os professores do Programa de Relações Étnico-Raciais do CEFET,

em especial, as Professoras Doutoras Tânia Mara Pedroso Müller e Mariana Lamego pelas

aulas maravilhosas e inspiradoras e que me encaminharam até aqui.

Agradeço aos meus amigos de turma, em especial, as amigas Michelle Botelho e Gisele

Ferreira pelas diversas conversas e incentivos e ao amigo Paulo Antônio pelas trocas

constantes de informações.

Agradeço ao meu amigo Walker Antero pela ajuda em diversos momentos desta

pesquisa.

Agradeço aos amigos do Colégio Pedro II pelos incentivos, em especial, ao Professor

Nilo Sérgio, ao amigo Leandro Almeida e aos companheiros do Departamento de Geografia.

Page 5: Victor Hugo Beñák de Abreu

v

RESUMO

A PRESENÇA DO NEGRO E DA ÁFRICA NAS APOSTILAS DE GEOGRAFIA DA

REDE POSITIVO

Victor Hugo Beñák de Abreu

Orientador: Professor Mário Luiz de Souza, Doutor

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-Raciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre.

A presente pesquisa tem como objetivo verificar a presença do Negro e do Continente Africano nas Apostilas de Geografia da Rede Positivo de Ensino, em específico, no segmento Ensino Médio, tanto no aspecto quantitativo quanto na abordagem dessa temática. Este trabalho teve como fonte de pesquisa 12 (doze) apostilas do Sistema Positivo de Ensino (SPE), específicas da disciplina geografia. Todos os materiais correspondem ao segmento Ensino Médio, do 1º (primeiro) ano ao 3º (terceiro) ano. Sendo 4 (quatro) volumes para cada ano (ou série, como o SPE denomina) e um volume para cada bimestre. A metodologia é composta por duas etapas: sendo a primeira quantitativa e a outra qualitativa. Na primeira etapa, portanto, realizamos um levantamento dos conteúdos presentes nas fontes. Posteriormente, criamos categorias gerais com o objetivo de encaixar os temas ou assuntos inseridos nos SAE da Rede Positivo. Reconhecemos seis categorias: (1ª) Astronomia e Cartografia, (2ª) Atividades econômicas e relações comerciais (3ª) Ciência Geográfica e seus conceitos (4ª) Elementos Naturais, recursos minerais e produção de energia (5ª) Dinâmica populacional, movimentos migratórios e Urbanização e (6ª) Questões políticas. Os dados empíricos levantados serviram de base para a construção de apontamentos qualitativos sobre a presença ou não da África e dos negros no Brasil no SAE da Rede Positivo e de que forma estão sendo inseridos ou disponibilizados para o trabalho em sala de aula. A análise qualitativa foi fundamentada em conceitos e categorias, dentre eles: raça, ideologia, ideologia racista, hegemonia e contra-hegemonia. Dos resultados obtidos com as análises do material apostilado, vimos que das doze apostilas, nenhuma inseriu as palavras negros ou negras em seus textos. Dessa maneira, foi constatado um silenciamento sobre os negros e uma subrepresentatividade do continente africano nas páginas do SAE Positivo. Esse silenciamento que reforça e valoriza os valores brancos como universais e a negação dos valores não-ocidentais, determinando quais racionalidades devem ser inseridas no processo educacional.

Palavras-chave: Relações Raciais; Sistema Apostilado de Ensino; Continente Africano

Rio de Janeiro Maio de 2016

Page 6: Victor Hugo Beñák de Abreu

vi

ABSTRACT

THE PRESENCE OF BLACK AFRICA AND THE GEOGRAPHY OF WORKING MATERIALS OF POSITIVE NET

Victor Hugo Beñák de Abreu Advisor: Professor Mário Luiz de Souza, Doutor

Abstract of dissertation submitted to Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-Raciais - Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca CEFET/RJ as partial fulfillment of the

requirements for the degree of Master.

This research aims to verify the presence of the Negro and the African continent in the Geography Handouts for teaching in Positivo Chain of Schools, in particular, in high school segment, both in quantitative terms and in the approach to this theme. This work has a source of research twelve (12) handouts used in Teaching Positive System (SPE), specific for the geography discipline. All materials correspond to the high school segment, from the first (1st) year to the third (3rd) year, comprised of four (4) volumes for each year (or series, called as PES) and a volume for each term. The methodology consists of two stages: the first being the quantitative and the latter qualitative. In the first step, therefore, we conducted a survey of the contents presented in the sources. Subsequently, we created general categories in order to fit the subjects or subjects taught in the SAE of Positivo Chain of schools. We recognized six categories: (1st) Astronomy and Cartography (2nd) economic activities and trade relations (3rd) Geographic Science and concepts (4th) Natural Elements, mineral resources and energy production (5th) Population dynamics, migration and urbanization and (6th) political issues. The collected empirical data were the basis for the construction of qualitative notes on the presence or absence of Africa and blacks in Brazil in the SAE for the Positivo Chain of Schools and how they are being inserted or available for work in the classroom. The qualitative analysis was based on concepts and categories, including race, ideology, racist ideology, hegemony and counter-hegemony. From the results obtained from the analysis of handout material, we saw that the twelve handouts, none entered the black or dark words in their texts. Thus, it was found one silencing about black and underrepresentation of the African continent in the SAE Plus pages. This is the silencing that reinforces and enhances the white as universal values and the denial of non-Western values, determining which rationales should be included in the educational process. Keywords: Race Relations; Apostilled system of education; African continent

Rio de Janeiro May, 2016

Page 7: Victor Hugo Beñák de Abreu

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 1

CAPÍTULO I – IDEOLOGIA E RACISMO .................................................................................. 4

I.1 Ideologia e representação social ........................................................................................... 4

I.2 Raça como instrumento analítico ......................................................................................... 11

I.3 Ideologia Racista ................................................................................................................. 19

I.3.1 Uma análise sobre a atuação de Ideologias Racistas no mundo e no Brasil ................. 19

I.4 Racismo no Brasil ............................................................................................................... 24

I.4.1 O Racismo no Brasil: uma breve análise do período entre o final do século XIX e início

do XX .................................................................................................................................... 24

I.4.2 As transformações a partir de 1930 e a construção do "mito da democracia racial" .... 32

CAPÍTULO II - EDUCAÇÃO, GEOGRAFIA E IDEOLOGIA ..................................................... 38

II.1 Educação, hegemonia e contra-hegemonia ....................................................................... 38

II.2 A importância da Educação contra o Racismo ................................................................... 45

II.2.1 A Geografia escolar e a Lei 10.639/03 ......................................................................... 52

II.2.2 A geografia e a questão racial ...................................................................................... 59

CAPÍTULO III - LIVRO DIDÁTICO, APOSTILA E IDEOLOGIA ............................................... 67

III.1 Ideologia e poder: o papel do Livro didático e da apostila na sala de aula ......................... 67

III.2 As contribuições do livro didático e da geografia na construção da identidade nacional .... 70

III. 3 Livro didático e a questão racial: um diálogo com a colonialidade do poder e do saber ... 76

CAPÍTULO IV - ANÁLISE DAS APOSTILAS E RESULTADOS OBTIDOS ............................. 86

IV.1 O que compreendemos por apostila ................................................................................. 86

IV.2 As semelhanças e as diferenças entre os Livros didáticos e as Apostilas ......................... 89

IV.3 A preparação do solo para o recebimento das sementes dos Sistemas de Apostilados de

Ensino: algumas transformações no acesso aos Institutos de Ensino Superior. ....................... 91

IV.4 Descrição do Grupo Positivo e do Sistema Positivo de Ensino ........................................ 94

Page 8: Victor Hugo Beñák de Abreu

viii

IV.4.1 Da expansão dos sistemas de ensino em direção à rede pública de educação .......... 95

IV.4.2 Da escala de abrangência do Sistema Educacional Positivo ...................................... 98

IV.5 Sobre o objeto da pesquisa ............................................................................................. 100

IV.6 Da análise metodológica das Apostilas ........................................................................... 105

IV.7 Dos resultados da pesquisa quantitativa e das análises qualitativas dos dados .............. 107

CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 130

APÊNDICE I - QUANTITATIVO DE MENÇÕES AOS CONTINENTES ................................. 137

ANEXO I - PROGRAMAÇÃO DE CONTEÚDOS PARA O ENSINO MÉDIO ......................... 138

Page 9: Victor Hugo Beñák de Abreu

ix

LISTA DE FIGURAS

Gráfico IV.1 - Participação dos continentes ao longo dos textos ............................................ 110

Gráfico IV.2 - Porcentagem de apresentações dos continentes - América Regionalizada ...... 111

Gráfico IV.3 - Referências ao continente americano - Apostilas da Segunda Série ................ 112

Gráfico IV.4 - Referências ao continente americano - Apostilas da Terceira Série ................. 112

Gráfico IV.5 - Temas com maiores menções ao continente africano ...................................... 113

Gráfico IV.6 - Menções ao continente africano - 2ª série x Por unidade de Trabalho.............. 116

Gráfico IV.7 - Continentes por Tema - 1ª série ....................................................................... 119

Gráfico IV.8 - Menções ao continente africano - 1ª série x Por unidade de trabalho ............... 120

Gráfico IV.9 - Menções ao continente africano - 3ª série x Por unidade de trabalho ............... 123

Page 10: Victor Hugo Beñák de Abreu

x

LISTA DE TABELAS

Tabela IV.1- Relação entre Assuntos abordados x Categorias em todas as apostilas ............ 105

Tabela IV.2 - Categorias temáticas principais e distribuição das unidades de trabalho pelas

séries ..................................................................................................................................... 108

Tabela IV.3 - Categorias x Distribuição das unidades de trabalho na 1ª série – EM ............... 108

Tabela IV.4 - Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 2ª série - EM ............... 109

Tabela IV.5 - Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 3ª série - EM ............... 109

Tabela IV.6 - Unidades de trabalho com maior quantidade de menções ao continente africano

............................................................................................................................................... 114

Page 11: Victor Hugo Beñák de Abreu

1

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como objetivo verificar a presença do Negro e do Continente

Africano nas Apostilas de Geografia da Rede Positivo de Ensino, em específico, no segmento

Ensino Médio, tanto no aspecto quantitativo quanto na abordagem dessa temática. Alinhado a

esse objetivo geral, elencamos os objetivos específicos que nortearão nossa dissertação: a)

Identificar a difusão de aspectos da ideologia racista através dos textos dispostos nos Sistemas

Apostilados de Ensino (SAE) e as possíveis visões de mundo construídas; b) Compreender,

em que medida, as políticas educacionais direcionadas para a população negra e o campo de

suas reivindicações têm sido atendida pelos SAEs de geografia; c) Entender como as relações

raciais são (re)produzidas nos SAEs. A escolha pelo segmento [Ensino Médio] se dá por dois

motivos: primeiro, pelo fato de ser o último ciclo do ensino básico e de passagem em direção

ao mercado de trabalho, onde as práticas sociais se tornam mais intensas. Segundo, é o

segmento que detenho maior experiência como docente e em que mais atuei em sala de aula

com materiais apostilados ou Sistemas de Ensino1.

A motivação para a realização deste trabalho surgiu com a minha experiência docente

em escolas particulares e públicas onde foram adotados, por algumas instituições, os Sistemas

Apostilados de Ensino (SAE). A adoção de apostilas pelas instituições em que trabalhei

ocorreu de maneira vertical, imposta pela direção da escola. Estas que enxergavam nas

apostilas uma solução para a manutenção dos alunos na instituição e a possibilidade de

desenvolvimento de propagandas para a entrada de novos alunos. Tais instituições de ensino,

que adotaram os sistemas apostilados enquanto eu lecionava, sofriam com a saída de alunos e

buscavam uma transformação da visão de "escola tradicional" para "escolas cursos" voltadas

para o vestibular. Assim, esse "ar de modernidade" que apostila levava para as escolas, na

verdade, não coincidia com o meu olhar sobre o material apostilado, no qual, por intermédio de

minha prática docente, identifiquei alguns problemas teóricos e pedagógicos. Não que os livros

usados anteriormente não tivessem problemas, mas as apostilas não estavam em um nível

mais avançado ou de "modernidade" como se propunham.

Outros fatores motivadores para esta pesquisa foram as "imagens" estereotipadas que

os alunos explanavam ao trabalharmos os assuntos relevantes ao continente africano e a

história dos negros no Brasil. Essa perspectiva foi aprofundada a partir dos conteúdos

trabalhados nas aulas ministradas no Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-

Raciais (PPRER), em específico, da Prof.ª Pós-Doutora Tânia Mara Pedroso Müller sobre: A

1"Os SAEs são oriundos de empresas privadas com fins lucrativos que atuam vendendo produtos e serviços educacionais por meio

de modelo de franquias para as escolas privadas e do modelo de parcerias para escolas públicas. Essas empresas - pelo menos as maiores e com maior atuação no mercado educacional brasileiro - têm como característica comum terem sido originadas dos antigos cursos pré-vestibulares e elaborarem material didático conhecido como apostila" (BEGO, 2013 apud BEGO; TERRAZAN, 2015. p. 62)

Page 12: Victor Hugo Beñák de Abreu

2

imagem do negro no Livro Didático, onde os diversos debates me orientaram em resgatar

minhas inquietações em relação aos Sistemas Apostilados de Ensino e as relações raciais

existentes nos conteúdos. Tais inquietações iniciaram-se após concluir uma especialização, no

ano de 2006, em Educação brasileira e diversidade étnicorracial no qual, ao longo de minha

prática docente, me permitiu um novo olhar sobre os SAE e as relações raciais no Brasil.

Sendo assim, a ausência de conteúdos expondo questões raciais em escala nacional, as

abordagens ou silenciamentos sobre o continente africano e dos negros no Brasil nos SAE

estimularam o desenvolvimento deste trabalho.

A função ideológica que as apostilas assumem na formulação ou construção de visões

de mundo (que serão ministradas em sala de aula) vai ao encontro do objetivo desta pesquisa

ao verificar a presença do Negro e do Continente Africano nas Apostilas, pois a forma que

estes assuntos são abordados nas páginas faculta diversas interpretações que podem

encaminhar para uma reprodução do racismo no espaço escolar e no Brasil. O silenciamento

desses temas pelos SAE também direcionam para a manutenção das relações raciais

assimétricas existentes, marcada pelo favorecimento dos brancos. BENTO (2002) Entretanto,

as abordagens dos conteúdos referentes aos Negros e ao Continente Africano possam, ao

invés de reproduzirem uma sociedade racista, encaminhar o desenvolvimento de lutas

antirracistas no âmbito escolar. Estes materiais ganham relevância quando apreendemos a

escala de abrangência das metodologias de ensino propostas, ou seja, grande número de

escolas e alunos que utilizam-se dos SAE da Rede Positivo de Ensino. Tais metodologias

difundidas pelos apostilamentos, na verdade, são propostas ideológicas de trabalho escolar

que envolvem um conjunto de práticas pedagógicas, administrativas e de marketing que

acabam por condicionar o trabalho executado pelas escolas e os profissionais que ali

trabalham. Estes materiais centralizam as práticas, encaminham os planejamentos e engessam

os conteúdos que devem ser ministrados. Desta maneira a presente pesquisa visa contribuir

para a ampliação do debate e fornecer subsídios para a reflexão de como a formação escolar

pode ser produtora ou reprodutora de ideologias racistas, através da conformação de

conteúdos e como é que podem reforçar o preconceito e a discriminação racial, seja pela visão

que passam sobre o negro,seja pela ausência de uma abordagem que se possa se contrapor

aos estigmas que se estabeleceram em nossa sociedade sobre a população negra e sobre a

África. Assim sendo, a presente pesquisa se alinha com os estudos que buscam enriquecer a

construção de conhecimentos sobre como a educação escolar pode ser inserida na luta política

contra o racismo no nosso país.

Seguindo os objetivos expostos, essa dissertação está dividida em quatro seções

centrais. No capítulo um, partindo do princípio de que o racismo é uma ideologia, que ao se

materializar na sociedade gera as mais diversas consequências, apresentamos os principais

Page 13: Victor Hugo Beñák de Abreu

3

aspectos teóricos que embasaram a nossa dissertação, em especial, categorias e conceitos

como: ideologia, ideologia racista, raça e racismo no Brasil.

No capítulo dois trabalhamos o papel fundamental da educação escolar como um

espaço para se combater os estigmas presentes na sociedade brasileira com relação à

população, partindo do princípio de que a sala de aula também é um espaço de difusão e

legitimação de uma hegemonia e/ou de contra-hegemonia. Assim, refletimos sobre a Geografia

escolar e a Lei 10.639/03 destacando suas contribuições no reposicionamento do negro nas

relações raciais no mundo da educação. No capítulo três nos dedicamos a debater a

importância dos materiais escolares, em específico, os livros didáticos e as apostilas, como

referenciais de estudo e como difusores de ideologias, funcionando como um "veículo portador

de sistema de valores". BITTENCOURT (2013) Desse modo apontamos as contribuições do

livro didático de geografia na construção da identidade nacional brasileira, além de

desenvolvermos um diálogo entre o livro didático e a presença de uma colonialidade do poder

e do saber. No capítulo quatro apresentamos os aspectos metodológicos que nortearam a

nossa pesquisa e o levantamento dos dados e a análise oriunda do trabalho sobre as nossas

fontes.

Page 14: Victor Hugo Beñák de Abreu

4

CAPÍTULO I – Ideologia e Racismo

I.1 Ideologia e representação social

Com crescimento das indústrias culturais, a ampliação dos meios de telecomunicações

e a expansão das diversas formas de mídia, o conceito de ideologia ganhou mais visibilidade,

pois a consciência das massas passou a ser moldada de forma mais incisiva e "a verdade é

que em nossas sociedades tudo está "impregnado de ideologia", quer a percebemos, quer

não". (MÉSZÁROS, 2004).

Segundo István Mészáros, a ideologia propagada pela classe dominante, tem uma

ampla mordomia, pois já controla efetivamente as instituições culturais e políticas da sociedade

portanto, pode usar e abusar abertamente da "linguagem" sem correr o risco de ser

publicamente desmascarada. (MÉSZÁROS, 2004)

CHAUÍ (2013) reforça a posição de István Mészáros ao afirmar que "o campo da

ideologia é o campo do imaginário, não só no sentido da irrealidade ou fantasia, mas no

conjunto coerente e sistemático de imagens ou representações" tidas como capazes de

explicar e justificar a realidade concreta. Tanto CHAUÍ (2013) quanto MÉSZÁROS (2004)

identificam que a classe dominante é capaz de propagar ideias capazes de manipular as

massas, desenvolvendo uma explicação parcial da realidade, construindo um imaginário capaz

de manipular e perpetuar o domínio da classe dominante sobre os subordinados, por

intermédio do poder, centrado no controle das principais instituições e da mídia.

Mas o que seria a ideologia? Como muitos autores se dedicam a debater esse tema, a

ideologia é uma categoria que, de acordo com o pensador utilizado, pode gerar interpretações

das mais diversas sobre as suas características, impactos e importância para o entendimento

de uma sociedade e da ação do homem sobre essa. Diante disso, destacamos que nesse

subitem, não iremos esgotar ou fazer um debate extenso sobre as diferenças interpretações

sobre esse tema, mas destacar a visão de ideologia que serve como elemento teórico para o

nosso trabalho.

Começaremos a nossa exposição demonstrando uma posição muito presente no

pensamento marxista sobre a ideologia, gerada a partir de uma determinada leitura das obras

de Marx, como vemos na definição apresentada pela filósofa Marilena Chauí (2013):

"A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros de uma sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar, o que devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um conjunto de ideias ou representações com teor explicativo (ela pretende dizer o que é realidade) e prático ou de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças

Page 15: Victor Hugo Beñák de Abreu

5

sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuí-las à divisão da sociedade em classes, determinada pelas divisões na esfera da produção econômica. Pelo contrário, a função da ideologia é ocultar a divisão social das classes, a exploração econômica, a dominação política e a exclusão cultural oferecendo aos membros da sociedade o sentimento de uma mesma identidade social, fundada em referenciais unificadores como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Justiça, a Igualdade, a Nação." (CHAUÍ, 2013, pág 117-118)

CHAUÍ (2013) reforça os argumentos acima, quando coloca que:

"Por meio da ideologia, são montados um imaginário e uma lógica da identificação social com a função precisa de ocultar a divisão social, ignorar a contradição, escamotear a exploração e a exclusão, dissimular a dominação e esconder a presença do particular, enquanto particular, dando-lhe a aparência do universal. A ideologia é o exercício da dominação social e política por meio das ideias. Não é um ideário, mas o conjunto de ideias da classe dominante de uma sociedade e que não se apresenta como tal, e sim oculta essa particularidade, apresentando-se como se valesse para todas as classes sociais." (Chauí, 2013 pág. 126)

Podemos perceber, na fala de CHAUÍ (2013), o processo de "naturalização" e

sedimentação de ideologias dominantes, tornando a exploração das classes mais abastadas

justificadas e perpetuando essa exploração. A construção de um imaginário e uma lógica por

meio da ideologia acarreta um processo de naturalização das desigualdades, estas que são

encaminhadas em direção ao campo do que é "de direito", consentindo de forma "legal" a

sociedade segregadora. CHAUÍ (2013) aponta que nesse processo a figura do Estado se torna

importante na manutenção dos privilégios das classes dominantes e, de alguma maneira, cria

uma "homogeneidade, perante a lei, de todos os cidadãos". Isto é, produz uma sensação de

representação para as diversas classes sociais, através das instituições e ações estatais, e

transfere para os "maus homens ou homens injustos" o fardo da desigualdade social existente,

como podemos perceber nas palavras de CHAUÍ (2013):

"O imaginário ideológico responde a essa necessidade. Por um lado, fornece aos membros da sociedade dividida e separada do poder a imagem da indivisão (isto é, uma sociedade unificada pela unidade estatal, e esta como expressão ou síntese da vida social) e, por outro, elabora para a classe que detém o poder não uma imagem de si e do social que faça do poder uma dimensão que distingue a sociedade e o Estado, mas que faça desse Estado um representante homogêneo e eficaz da sociedade no seu todo. A ideia de que o Estado representa toda a sociedade e de que todos os cidadãos estão representados nele é uma das grandes forças para legitimar a dominação dos dominantes. (CHAUÍ, 2013. p. 130)

A figura do Estado é direcionada, em especial, pela elite econômica e reforça, através

de políticas específicas para as classes mais abastadas, essa segragação social. Porém, é por

intermédio desse mesmo Estado que os cidadãos sentem-se representados e vislumbram uma

Page 16: Victor Hugo Beñák de Abreu

6

centralização e o desenvolvimento de um imaginário de universalidade de direitos. Nesse

sentido, "a operação ideológica passa por dois ocultamentos: o da divisão social e o do

exercício do poder por uma classe social sobre a outra." CHAUÍ (2013)

A divisão social do trabalho separou os proprietários dos não proprietários, dando aos

primeiros poder sobre os segundos, criando uma exploração política e econômica de uma

classe sobre a outra. A autora reforça a importância do controle do Estado por parte das

classes dominantes e da produção de ideologias quando diz: "(...) a classe que explora

economicamente só poderá manter seus privilégios se dominar politicamente e, portanto, se

dispuser de instrumentos para essa dominação. Esses instrumentos são dois: o Estado e a

ideologia." Portanto, podemos identificar, segundo CHAUÍ (1980) e como salientado

anteriormente, o "Estado aparece como a realização do interesse geral mas, na realidade ele é

a forma pela qual os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade ganham a

aparência de interesse geral". CHAUÍ (1980)

"O Estado é uma comunidade ilusória. Isto não quer dizer que seja falso, mas sim que ele aparece como comunidade porque é assim percebido pelos sujeitos sociais. Estes precisam dessa figura uni ficada e unificadora para conseguirem tolerar a existência das divisões sociais, escondendo que tais divisões permanecem através do Estado. O Estado é a expressão política da sociedade civil enquanto dividida em classes. Não é, como imaginava Hegel, a superação das contradições, mas a vitória de uma parte da sociedade sobre as outras." (CHAUÍ, 1980. p. 27)

O grande papel coercetivo do Estado é garantido pelas leis e através de seus aparelhos

de repressão. Estas leis são direcionadas para regular e manter os privilégios das classes

dominantes, sendo assim, as leis aparecem como instrumento legal de dominação, mas não

como violência, e sim, como aparato legal. "A lei é direito para o dominante e dever para o

dominado" CHAUÍ (1980).

"(...) se o Estado e o Direito fossem percebidos nessa sua realidade real, isto é, como instrumentos para o exercício consentido da violência, evidentemente ambos não seriam respeitados e os dominados se revoltariam. A função da ideologia consiste em impedir essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legítimo, isto é, como justo e bom. Assim, a ideologia substitui a realidade do Estado pela idéia do Estado – ou seja, a dominação de uma classe é substituída pela idéia de interesse geral encarnado pelo Estado. E substitui a realidade do Direito pela idéia do Direito – ou seja, a dominação de uma classe por meio das leis é substituída pela representação ou idéias dessas leis como legítimas, justas, boas e válidas para todos." (CHAUÍ, 1980. p. 35)

Page 17: Victor Hugo Beñák de Abreu

7

Seguindo as leituras sobre as visões de ideologia, o tipo de abordagem realizada por

Chauí tem o mérito de demonstrar que uma das principais funções da ideologia é a "operação

para fazer com que o ponto de vista particular da classe que exerce a dominação apareça para

todos os sujeitos sociais e políticos como universal, e não como interesse particular de uma

classe determinada." Contudo, KONDER (2001) defende que esse tipo de abordagem acaba

gerando uma visão muito estruturalista e mecanicista da ideologia, restringindo e retirando uma

riqueza do processo de complexidade e contradição sobre as formas de ideologias e as

disputas das propostas ideológicas na sociedade. Nessa mesma linha, HALL sustenta que

esse tipo de abordagem, mesmo trazendo referências teóricas importantes para o debate da

ideologia, acaba por reduzir essa temática: "especificamente às manifestações do pensamento

burguês e, sobretudo, às características negativas e distorcidas deste." (HALL, 2003).

Ainda no campo marxista, GRAMSCI traz uma ampliação do conceito de ideologia.

Como boa parte dos pensadores que se debruçam sobre esse tema, GRAMSCI aponta o poder

da ideologia na sociedade:

(...) "ideologia", poderemos dizer, desde que se dê ao termo "ideologia" o significado mais alto de uma concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas." (GRAMSCI, 1978 p. 16)

Embora haja, no discurso ideológico, um processo que pretenda universalizar o

imaginário construído pela classe dominante, GRAMSCI (2000) crê na existência de uma

diversidade de ideologias que derivam de diferentes classes, ou seja, que em cada classe pode

haver ideologia capaz de manter ou perpetuar "dominadores" e "dominados", mas também

podem levar a um processo contra-hegemônico. Como cita HALL (2003): "Gramsci não

defende a idéia da incorporação total de um grupo na ideologia de outro. Para ele vários

sistemas e correntes de pensamento filosófico coexistem".

O conceito de ideologia em GRAMSCI (1978) é um pouco mais simples na articulação

das palavras do que CHAUÍ (2013), entretanto, não menos importante:

A definição de ideologia em GRAMSCI (1978) permite pensar de forma diferente de

CHAUÍ (2013) ao admitir uma análise para além de um "reducionismo" ou "economismo"2,

visão esta que influencia a definição e apreciação do conceito de ideologia por parte da autora.

Gramsci acredita na existência de diversas contra-ideologias e que o predomínio da

ideologia dos setores dominantes não se dá de forma automática, bastando uma modificação

na área econômica. Para esse pensador italiano, só podemos entender esse predomínio, nas

sociedades urbanas industriais, onde haja uma sociedade civil forte e estabelecida, através do

2 Estes termos são utilizados por Hall com o intuito de demonstrar que: "(...) a abordagem reduz toda formação social no nível do

econômico, e concebe todos os outros tipos de relação social como algo direta e imediatamente "correspondente" ao econômico enquanto "determinante em última instância" " (HALL, 2003 pág. 303)

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8

processo de hegemonia, como sustenta Hall: "O conceito de ideologia de Gramsci está

intimamente ligado ao conceito de hegemonia que representa a capacidade da classe

dominante em dirigir e dominar, intelectual e moralmente, a outra classe." (FREITAG, 1986

apud SOUZA, 2006 pág. 228).

Para Gramsci “é na sociedade civil que se trava a batalha pela hegemonia"

SEMERARO (1999). Segundo SEMERARO (1999), para GRAMSCI, a sociedade civil:

"(...) compreende os organismos privados e voluntários, como os partidos, as diversas organizações sociais, os meios de comunicação, as escolas, as igrejas, as empresas, etc - se caracteriza pela elaboração e difusão das ideologias e dos valores simbólicos que visam a "direção"." (SEMERARO, 1999. p. 74)

A sociedade civil apresenta uma importância na derterminação dos rumos da economia,

além de ser produtora e propagadora de ideologias e de forças concretas de unificação da

sociedade. Por isso, Gramsci "considera a sociedade civil não apenas o espaço das iniciativas

econômicas, mas também a manifestação das forças ideológicas e culturais.” SEMERARO

(1999) Sendo assim, as escolas, inseridas na visão de Gramsci como pertencentes à

sociedade civil, apresentam um papel fundamental na construção de contra-ideologias ou

manutenção das ideologias vigentes, com isso, podemos perceber a importância dos discursos

existentes nos livros ou nas apostilas, os mesmos podem ser emancipadores e libertários ou

perpetuadores de ideologias dominantes, e as escolas e os professores apresentam um papel

fundamental.

Outra definição de ideologia que escapa desse reducionismo econômico, apresentado

na visão e leitura de ideologia de CHAUÍ (2013), é a de Stuart Hall:

"Por ideologia eu compreendo os referenciais mentais- linguagens, conceitos, categorias, conjuntos de imagens do pensamento e sistemas de representação - que as diferentes classes e grupos sociais empregam para dar sentido, definir, decifrar e tornar inteligível a forma como funciona a sociedade." (HALL, 2003 pág. 250)

Dentro de uma análise menos reducionista ou economista, Stuart Hall, alinhado com a

proposta de GRAMSCI, entende ideologia a partir de sistemas de representação, em que os

referenciais mentais são "formas pelas quais as idéias diferentes tomam conta das mentes das

massas e, por esse intermédio, se tornam um "força material" e passam a agregar ou unir,

mantendo um domínio e liderança sobre a sociedade". HALL (2003) Para Hall o estudo da

Teoria da ideologia "nos ajuda a analisar como um conjunto particular de idéias passa a

dominar o pensamento social de um bloco" HALL (2003). A teoria da ideologia, também, está

relacionada aos conceitos e linguagens do pensamento prático que determinam uma forma de

Page 19: Victor Hugo Beñák de Abreu

9

poder, cria consciência e novas concepções de mundo, além de conduzir as massas em uma

ação contra o sistema dominante.

Para HALL (2003) "Marx empregou com frequência o termo "ideologia" para se referir

especificamente às manifestações do pensamento burguês e, sobretudo, às características

negativas e distorcidas deste." Se posicionando contra a visão reducionista que alguns

imputam ao conceito de ideologia trabalhado por Marx, HALL (2003) defende que esse "nunca

desenvolveu qualquer explicação geral sobre o funcionamento das idéias sociais, que seja

comparada à sua obra teórica sobre as formas e relações capitalista de produção" e, confessa

que o problema da ideologia no marxismo começou quando esse conceito foi considerado

como teorização completa. HALL (2003), na citação abaixo, faz uma análise do conceito de

ideologia hoje, e o compara com o disseminado nas obras de Marx, esta leitura de Marx, que

apresenta grande influencia nas obras sobre ideologia de CHAUÍ (2013):

"Em nossa época — como pode ser comprovado pela definição acima — o termo "ideologia" adquiriu um sentido mais amplo, descritivo e menos sistemático do que nos textos marxistas clássicos. Hoje e utilizado para denominar todas as formas organizadas de pensamento social. Isso abre espaço para "distorções" de grau e natureza. Certamente, o termo se refere ao domínio do pensamento pratico e lógico (a forma, afinal, pela qual a maioria das idéias pode se prender nas mentes das massas e levá-las a agir), e não simplesmente a "sistemas de pensamento" bem-elaborados e internamente consistentes. Quero dizer com isso tanto os conhecimentos práticos quanto os teóricos que nos possibilitam "fazer uma idéia" da sociedade, em cujas categorias e discursos "vivenciamos" e "experimentamos" nosso posicionamento objetivo nas relações sociais." (HALL, 2003. p. 268)

Como é possível perceber na leitura acima, tanto para HALL (2003) quanto para

GRAMSCI (1978) não existe um único pensamento ideológico dominante ou "ideologia

dominante unificada e coerente que permeie tudo" HALL (2003), e sim, uma guerra de

posições3.

Em outras palavras, Hall concorda que a sedimentação de ideologias dominantes e o

processo de "naturalização" dessas ideologias no cotidiano e nas práticas sociais as tornam,

muitas vezes, inquestionáveis por grande parte da sociedade. As ideologias criam uma

hierarquização "natural", estratificando a sociedade de forma econômica, racial ou cultural,

desenvolvendo um pensamento de que os membros de uma sociedade formam uma

engrenagem e que cada um possui uma função, e todo cidadão trabalha em benefício de algo

em comum a todos. Entretanto, HALL (2003) questiona essa posição de ideias dominantes

incontestáveis, distorcidas e condena a ideia sobre o 'juízo fraco das massas', ou seja, levanta

3 Em seu livro, Da Diáspora: identidades e mediações culturais, Stuart Hall (2003) faz uma análise do conceito de hegemonia de

Gramsci, referindo-se ao processo de expansão, manutenção e de luta pela hegemonia, no qual pode ocorrer a partir de duas formas- através da " 'guerra de manobras', em que tudo se condensa em uma única frente e em um único momento de luta e há uma única ruptura estratégica na "defesa dos inimigos" que, uma vez alcançada, possibilita às novas forças "invadir e obter uma vitória (estratégica) definitiva", Em segundo lugar, existe a "guerra de posições", que deve ser conduzida de forma demorada, envolvendo várias frentes de luta; onde raramente se consegue abrir um único caminho que garanta a vitória definitiva na guerra."

Page 20: Victor Hugo Beñák de Abreu

10

o questionamento sobre a incapacidade das massas de apreender sobre a cooptação de

ideologias dominantes e somente nós, de sabedoria superior, seríamos capazes de

identificarmos essas distorções.

De maneira geral, HALL (2003) acredita que as massas são capazes de identificar as

ideologias e a exploração do capital dentro de uma determinada característica. Como podemos

verificar abaixo:

"As "distorções" abrem imediatamente a questão da razão de algumas pessoas — aquelas que vivenciam suas relações com suas condições de existência através das categorias de uma ideologia distorcida — não serem capazes de reconhecer essa distorção, enquanto nos, com nossa sabedoria superior ou armados de conceitos adequadamente formados, o somos." (HALL, 2003. p .274)

Para HALL (2003) quando "deixamos as falsas ideias" e abrimos nossa mente para o

real, é nesse momento, provavelmente, a concepção mais ideológica de todas, ficamos

seguros, pois os sistemas de representação parecessem não nos dominar e "quando

perdemos de vista o fato de que o sentido é uma produção de nossos sistemas de

representação, caímos não na Natureza, mas na ilusão naturalista: o cume (ou a profundidade)

da ideologia."

Podemos perceber essa dominação das ideias das massas no livro "Pele negra,

máscaras brancas" de Frantz Fanon, onde ressalta que os jovens antilhanos, em sua maioria,

só se reconheciam como negros a partir do momento em que chegavam à França. Pois, nas

Antilhas, esses mesmos jovens negros, não identificam as relações raciais e sociais de forma

clara e não percebendo as distorções entre a elite branca e a massa, esta formada

principalmente por negros. Sendo assim, ao realizarmos uma leitura do termo negro, levando

em consideração a proposta de HALL (2003), que "aborda as distintas cadeias de significantes

para o termo "negro", percebemos, que o mesmo termo [negro], não apresenta uma

correspondência fixa", variando o lugar e o território, o mesmo termo, carrega conotações bem

distintas, como podemos perceber no fragmento abaixo:

"O sistema caribenho era organizado pelas finas estruturas de classificação dos discursos coloniais de raça, organizadas em uma escala ascendente até o termo máximo "branco" - este último sempre fora do alcance, o termo impossível, "ausente", cuja presença-ausência estruturava toda a cadeia. Na luta ferrenha por um lugar e uma posição, que caracterizava as sociedades dependentes, cada grau da escala possui uma profunda importância. Em contrapartida, o sistema inglês era organizado em torno de uma dicotomia mais simples, mais apropriada à ordem colonizadora: "branco/não-branco". O significado não é um reflexo transparente do mundo na linguagem, mas surge das diferenças entre os termos e categorias, os sistemas de referência, que classificam o mundo e fazem com que ele seja apropriado desta forma pelo pensamento social e o senso comum." (HALL, 2003 .pág. 188)

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11

Podemos notar que os diversos espaços são estruturados por sistemas ideológicos e

produzem em suas representações, significados por meio de seus diversos "significantes".

Esses significados, sedimentados como "cômodos", são embutidos no senso comum criando

classificações e hierarquizações na sociedade, e essas diferenciações podem ser absorvidas

como "naturais". Assim, "Algumas vezes experimentamos a ideologia como se ela emanasse

livre e espontaneamente de dentro de nós, como se fôssemos sujeitos livres, funcionando por

conta própria". (HALL, 2003) "Mas na verdade, somos condicionados pelos discursos

ideológicos que nos aguardam desde o nosso nascimento direcionando o nosso lugar." (HALL,

2003)

I.2 Raça como instrumento analítico

Esta parte do trabalho visa contribuir para o debate sobre a categoria de raça, mas não

dentro de um viés biológico e sim, como um instrumento analítico de validade sociológica e

histórica, influenciando no entendimento de como alguns indivíduos são excluídos, enquanto

outros apresentam uma facilidade de acesso e vantagens nas relações de poder.

Segundo o professor e pesquisador Kabengele Munanga "a palavra raça deriva do

italiano razza, que por sua vez veio do latim ratio, que significa sorte, categoria, espécie."

MUNANGA (2010) O conceito de raça foi utilizado, inicialmente, pela zoologia e botânica como

critério para classificação das espécies e depois passou para classificar os seres humanos:

"No latim medieval, o conceito de raça passou a designar a descendência, a linhagem, ou seja, um grupo de pessoa que têm um ancestral comum e que, ipso facto, possuem algumas características físicas em comum. Em 1684, o francês François Bernier emprega o termo no sentido moderno da palavra, para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente contrastados, denominados raças. Nos séculos XVI-XVII, o conceito de raça passa efetivamente a atuar nas relações entre classes sociais da França da época, pois utilizado pela nobreza local que si identificava com os Francos, de origem germânica em oposição aos Gauleses, população local identificada com a Plebe. Não apenas os Francos se consideravam como uma raça distinta dos Gauleses, mais do que isso, eles se consideravam dotados de sangue ―puro‖, insinuando suas habilidades especiais e aptidões naturais para dirigir, administrar e dominar os Gauleses, que segundo pensavam, podiam até ser escravizados. Percebe-se como o conceito de raças ―puras‖ foi transportado da Botânica e da Zoologia para legitimar as relações de dominação e de sujeição entre classes sociais (Nobreza e Plebe), sem que houvessem diferenças morfo-biológicas notáveis entre os indivíduos pertencentes a ambas as classes." (MUNANGA, 2010 pág. 1)

Podemos perceber, nas palavras de MUNANGA (2010), que o conceito de raça passa a

ser empregado como linhagem ou descendência e, posteriormente, é utilizado para classificar

a diversidade humana criando um processo de hierarquização racial e de dominação. Para o

Page 22: Victor Hugo Beñák de Abreu

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autor: "os conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o

pensamento. Mas, infelizmente desembocaram numa operação de hierarquização que

pavimentou o caminho do racialismo." MUNANGA (2010) Antes de aprofundarmos as

consequências desse racialismo que é utilizado de maneira a hierarquizar e a dominar, cabe

destacar que o processo de classificação é normal, e que faz parte da natureza humana

diferenciar, classificar, organizar.

"Em qualquer operação de classificação, é preciso primeiramente estabelecer alguns critérios objetivos com base na diferença e semelhança. No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor d’água entre as chamadas raças. Por isso, que a espécie humana ficou dividida em três raças estancas que resistem até hoje no imaginário coletiva e na terminologia científica: raça branca, negra e amarela."(MUNANGA, 2010 pág. 2)

É a concentração de melanina que define a cor da pele, dos olhos, cabelos, sendo 1%

do nosso gene responsável por esse patrimônio genético. No século XIX outros critérios

morfológicos foram utilizados como forma de classificação e hierarquização das raças:

"(...) a forma do nariz, dos lábios, do queixo, do formato do crânio, o angulo facial, etc. para aperfeiçoar a classificação. O crânio alongado, dito dolicocéfalo, por exemplo, era tido como característica dos brancos ―nórdicos‖, enquanto o crânio arredondado, braquicéfalo, era considerado como característica física dos negros e amarelos. Porém, em 1912, o antropólogo Franz Boas observara nos Estados Unidos que o crânio dos filhos de imigrados não brancos, por definição braquicéfalos, apresentavam tendência em alongar-se." (MUNANGA, 2010 pág. 3)

Segundo SCHWARCZ (1993) "o termo raça é introduzido na literatura mais

especializada em inícios do século XIX, por Georges Cuvier, inaugurando a existência de

heranças físicas permanentes entre os vários grupos humanos (STOCKING, 1968. p.28 apud

SCHWARCZ, 1993. p. 47). Em seu livro: "O Espetáculo das raças", (1993), Lilia Moritz

Schwarcz, desenvolve uma análise do termo raça ao longo do século XIX, o que possibilitou a

identificação de duas vertentes científicas que utilizavam o conceito de raça de maneira

diferente, sendo elas: os cientistas monogenistas (vinculados mais aos estudos etnológicos) e

os poligenistas (cientistas direcionados pela antropologia cultural). Os monogenistas, vertente

preponderante até meados do século XIX, "acreditavam que a humanidade era una. "O

homem, segundo essa versão, teria se originado de uma fonte comum" SCHWARCZ (1993),

ou seja, todas as raças tinham uma origem em comum, entretanto, algumas estavam mais

evoluídas, enquanto outras raças estariam em maior estado de degeneração. Portanto,

SCHWARCZ (1993) identifica que "nesse tipo de argumentação vinha embutida, por outro lado,

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13

a noção de virtualidade, pois a origem uniforme garantiria um desenvolvimento (mais ou

menos) retardado, mas de toda forma semelhante." SCHWARCZ (1993)

Inicialmente, a vertente monogenista, não acreditava em um processo de evolução das

raças, visto que esta vertente foi influenciada, principalmente, pela Igreja e contestada, pela

vertente poligenista, com uma análise de raça, mais científica e biológica. Como podemos

perceber nesta explicação sobre o poligenismo, em que a autora SCHWARCZ (1993), destaca

as variações de análise desta vertente.

"A versão poligenista permitiria, por outro lado, o fortalecimento de uma interpretação biológica na análise dos comportamentos humanos, que passam a ser crescentemente encarados como resultado imediato de leis biológicas e naturais. Esse tipo de viés foi encorajado sobretudo pelo nascimento simultâneo da frenologia e da antropometria, teorias que passavam a interpretar a capacidade humana tomando em conta o tamanho e proporção do cérebro dos diferentes povos." (SCHWARCZ, 1993. p. 48)

Com o desenvolvimento das ideias de evolucionismo de Charles Darwin, junto à

divulgação de seu livro: "A origem das espécies", em 1859, o embate entre os monogenistas e

poligenistas amenizou-se. SCHWARCZ (1993) Entretanto, a obra de Darwin passou a ser

utilizada como proposta para análises e justificativas do comportamento humano que segundo

SCHWARCZ (1993) "conceitos como "competição", "seleção do mais forte", "evolução" e

"hereditariedade" passavam a ser aplicados aos mais variados ramos do conhecimento."

Conforme analisado por SCHWARCZ (1993), Francis Galton em 1883, baseando-se em

ideias de darwinismo social cria o termo eugenia4, onde buscava comprovar, através de

estudos estatísticos e genealógicos, que a capacidade humana era função da hereditariedade

e não da educação. Das vertentes monogenistas e poligenistas surgiram duas escolas que

nortearam as ciências relacionadas aos estudos etnológicos e a antropologia cultural, sendo

aqueles ligados a corrente ou escola denominada de "evolucionistas sociais" e estes ao

"darwinismo social", definidas segundo SCHWARCZ (1993) como:

"Segundo os evolucionistas sociais, os homens seriam "desiguais" entre si, ou melhor, hierarquicamente desiguais, em seu desenvolvimento global. Já para os darwinistas sociais, a humanidade estaria dividida em espécies para sempre marcadas pela "diferença", e em raças cujo potencial seria ontologicamente diverso. De um lado, congregados em torno das sociedades de etnologia, estariam os etnólogos sociais (também chamados de evolucionistas sociais ou antropólogos culturais), adeptos do monogenismo e da visão unitária da humanidade. De outro, filiados a centros de antropologia, pesquisadores darwinistas sociais, fiéis ao modelo poligenista e à noção de que os homens estariam divididos em espécies essencialmente diversas." (SCHWARCZ ,1993. p. 62)

4 "Transformada em um movimento científico e social vigoroso a partir dos anos de 1880, a eugenia cumpria metas diversas. Com

ciência, ela supunha uma nova compreensão das leis da hereditariedade humana, cuja aplicação visava a produção de "nascimentos desejáveis e controlados"; enquanto movimento social, preocupava-se em promover casamentos entre determinados grupos e- talvez o mais importante - desencorajar certas uniões consideradas nocivas à sociedade." (SCHWARCZ, 1993. p. 60)

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14

A leitura científica do termo raça no século XIX foi influenciada pelo conceito de

evolução das espécies de Charles Darwin. O conceito de evolução das espécies era baseado

em um processo de seleção natural, através da manutenção dos animais mais fortes ou mais

resistentes e por intermédio da transmissão de seus genes aos seus herdeiros, assim

constituiriam uma raça forte e resistente. As correntes científicas relacionadas aos estudos

populacionais passaram a se apropriar do conceito darwinista, que segundo SCHWARCZ

(1993), o utilizaram de forma errônea, permitindo desenvolver um processo de diferenciação e

explicação das desigualdades sociais e econômicas existentes entre as nações, gerando uma

distorção ideológica.

Se à luz do Iluminismo, os homens passaram a "ser iguais", como explicar as diferenças

sociais existentes naquele período? O conceito de raça, somado ao determinismo geográfico,

implantado na conjuntura em questão, auxiliaram na construção ideológica, ocultando os reais

motivos de atraso e avanço das nações. "Para os darwinistas sociais, o progresso estaria

restrito às sociedades "puras", livres de um processo de miscigenação, deixando a evolução de

ser entendida como obrigatória." SCHWARCZ (1993) As nações mais desenvolvidas eram

formadas por "raças puras", segundo as correntes evolucionistas do século XIX, em especial a

raça branca, não miscigenada, o que explicava o elevado nível de desenvolvimento

socioeconômico, imputando a raça à característica ideológica de ser o agente da superioridade

de uma civilização sobre o mundo.

Esta abordagem acabou relacionando o atraso das nações, em especial as ocidentais,

pautado no processo de degeneração das raças. Este processo de degeneração foi vista pelos

evolucionistas como caminho para a explicação das diferenças sociais entre as nações,

causada, segundo alguns cientistas do século XIX, pelo processo de miscigenação.

Regressando nas questões relacionadas à ideologia, podemos perceber como existiam

diversas lacunas e como houve a criação de um imaginário para as massas depositando os

desdobramentos da concentração de capital, produzida pela separação ou divisão social do

trabalho entre proprietários e não proprietários, nas diferenças físicas, raciais e, sobretudo na

miscigenação e no processo de degeneração. Assim, houve uma relação das aptidões

psicológicas e intelectuais à manutenção das raças puras e não degeneradas, promovendo um

imaginário e permitindo explicações, por meios de ideias deterministas, evolucionistas e

darwinistas da sociedade, e não por meio de leituras marxistas que permitem visualizar a

evolução e concentração do capital pelas classes dominantes.

O conceito de raça, baseado em uma análise biológica que levava a uma visão de raças

superiores e raças inferiores, permitiu uma distorção ideológica que sustenta uma

diferenciação dos seres humanos através de uma perspectiva de progresso, com base em uma

percepção racial da sociedade, utilizando-se de conceitos evolucionistas sociais, darwinistas

sociais e deterministas, induzindo o pensamento racial brasileiro, que mais à frente iremos nos

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15

aprofundar. De antemão, podemos dizer que essa noção do conceito de raça relacionado à

questões biológicas de diferenciação e a hierarquização, promoveram o surgimento de

correntes no Brasil que incentivaram o processo de branqueamento da população, com a

entrada de diversos migrantes, em especial, italianos.

Já no século XX, com o desenvolvimento e aprofundamento nos estudos sobre as

heranças genéticas descobriu-se que um indivíduo de mesma raça pode ter patrimônio

genético mais distante do que de pertencentes a raças diferentes.

"Sendo assim, os cientistas "chegaram a conclusão que raça não é uma realidade biológica, mas sim apenas um conceito aliás cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em raças estancas. Ou seja, biológica e cientificamente, as raças não existem." (MUNANGA, 2010 pág. 3)

MUNANGA (2010) diz que mesmo o conceito de raça não existindo, "não significa dizer

que todos os indivíduos são geneticamente semelhantes." Assim, "Os patrimônios genéticos

são diferentes, mas essas diferenças não são suficientes para classificá-las em raças,

sobretudo, em raças puras estanques." MUNANGA (2010) De maneira geral, podemos

perceber nas palavras de MUNANGA (2010) a confirmação da existência de diferenciações

genéticas entre os seres humanos, contudo, a porcentagem que se refere as diferenças de cor

da pele, cabelo, etc é ínfima demonstrando que o fenótipo é apenas um variante genético,

contanto, sem relação com capacidades intelectuais ou psicológicas, comprovado pelas

pesquisas científicas sobre o genôma5 humano.

O problema da raça no sentido biológico está ligado às relações existentes entre a raça

e suas qualidades psicológicas ou aptidões, ou seja, quando relacionamos um indivíduo da

raça branca como mais inteligente, bonito, honestos e, indivíduos da raça negra, como mais

preguiçosos, menos honestos, menos inteligentes, "(...) a raciologia tinha um conteúdo mais

doutrinário do que científico, pois seu discurso serviu mais para justificar e legitimar os

sistemas de dominação racial do que como explicação da variabilidade humana." (MUNANGA,

2010). Segundo HALL (2006) "A raça é uma categoria discursiva e não uma categoria

biológica." A raça funciona como categoria organizadora, utilizando aspectos físicos - cor da

pele, textura do cabelo, entre outras para diferenciar socialmente um grupo de outro. Mesmo a

categoria raça não apresentado caráter científico "não afeta como a lógica racial e os quadros

de referência raciais são articulados e acionados, assim como não anula suas consequências."

(DONALD E RATTANSI, 1992, p. 1 apud HALL, 2006, p. 63) Isso significa que, mesmo o

conceito de raça perdendo esse significante biológico, ainda permanece como hierarquizante,

definindo relações de poder assimétricas, como podemos perceber nas palavras IANNI (2004):

5 De forma simples, podemos dizer que genoma é o código genético do ser humano, ou seja, o conjunto dos genes humanos. No

material genético podemos obter todas as informações para o desenvolvimento e funcionamento do organismo do ser humano. Este código genético está presente em cada uma das células humanas. (Toda Biologia.com, disponível em: http://www.todabiologia.com/genetica/genoma.htm. Acesso em 05 de Maio de 2015.)

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16

"A ―raça‖ não é uma condição biológica como a etnia, mas uma condição social, psicossocial e cultural, criada, reiterada e desenvolvida na trama das relações sociais, envolvendo jogos de forças sociais e progressos de dominação e apropriação. Racionalizar uns e outros, pela classificação e hierarquização, revela-se inclusive uma técnica política, garantindo a articulação sistêmica em que se fundam as estruturas de poder. Racializar ou estigmatizar o ―outro‖ e os ―outros‖ é também politizar as relações cotidianas, recorrentes, em locais de trabalho, estudo e entretenimento; bloqueando relações, possibilidades de participação, inibindo aspirações, mutilando práxis humana, acentuando a alienação de uns e outros, indivíduos e coletividades. Sob todos os aspectos, a ―raça‖ é sempre ―racialização‖, trama de relações no contraponto e nas tensões ―identidade‖, ―alteridade‖, ―diversidade‖, compreendendo integração e fragmentação, hierarquização e alienação." (IANNI, 2004. p. 23)

Na citação acima, IANNI (2004) define raça como sendo uma "(...) condição social,

psicossocial e cultural, criada, reiterada e desenvolvida na trama das relações sociais (...)",

este trecho nos permite pensar a identificação do indivíduo à raça, isto é, se raça é

desenvolvida nas tramas das relações sociais, as características físicas como definição das

mesmas - como marcas simbólicas6 - não são consideradas suficientes para determinar uma

raça, há nessa relação um sentimento de pertencimento e de identificação do sujeito. Por

intermédio da citação acima, também podemos perceber que IANNI (2004) destaca que a

racialização pode agir em concomitância com o desenvolvimento de estigmas, sendo assim, o

fragmento nos permite compreender como a categoria raça pode ser manipulada para uma

visão ideológica direcionando ou orientando relações de poder assimétricas, levando em

consideração características físicas que se transformam também em sociais, assim,

bloqueando o acesso de determinados grupos ou pessoas e ampliando as disparidades.

Vemos então, com base nas palavras de IANNI (2004) o conceito de raça como uma categoria

de análise da sociedade, utilizada de forma a classificar e desenvolver relações assimétricas

de poder, justificadas através de ideologias racistas, estas baseadas de forma parcial ou total7

na própria ciência, construindo uma explicação parcial da realidade. Sob essa lógica as

ideologias racistas são capazes de desenvolver, no imaginário da população, uma visão de

mundo que irá se manifestar em diversos setores (nas artes, na educação, nas relações

sociais, entre outros) em que a categoria raça será a base estrutural para justificar as relações

desiguais. Mesmo o conceito de raça deixando de ser analisado sobre o viés biológico, pode

assim mesmo, nessa distorção ideológica, ser utilizado de forma a hierarquizar as relações

sociais.

6 Hall, 2006. p. 64

7 Em seu livro O espetáculo das raças, SCHWARCZ (1993) aborda que a apropriação parcial das ideias científicas estrangeiras foi

fundamental para justificar a criação de ideologias racistas no Brasil, de modo a estigmatizar o negro na criação da nação brasileira.

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17

Stuart Hall reforça essa abordagem da raça como categoria analítica e constructo

ideológico quando diz que: " 'Raça' é uma construção política e social. É a categoria discursiva

em torno da qual se organiza um sistema de poder socioeconômico, de exploração e exclusão

- ou seja, o racismo." HALL (2003)

Para HALL (2006) a categoria raça está inserida no processo de exclusão e dominação,

na qual, a classificação baseada em traços físicos, relacionados às aptidões intelectuais,

psicológicas, entre outras, é hierarquizante, geradora de assimetrias sociais e (re)produtora de

ideologias racistas. Contudo, a visão de raça no sentido biológico foi sendo alterada ao longo

dos últimos anos, em específico, a partir da segunda metade do século XX e "tem sido

substituída por definições culturais as quais possibilitam que a raça desempenhe um papel

importante nos discursos sobre nação e identidade nacional." HALL (2006) Com essa

aproximação do conceito de raça em relação à cultura, passamos a ter o alinhamento de "raça"

com nacionalidade, patriotismo e nacionalismo, substituindo as correntes biológicas vinculadas

aos estigmas de inferioridade e superioridade, apresentando a nação como unificada,

homogênea em sua branquitude.8

O desenvolvimento de comunidades imaginadas9, definidas com a criação de um

nacionalismo, se faz necessário um processo de homogeneização, negando os "outros" e

reproduzindo ideologias dominantes. No caso do Brasil, veremos mais a frente, como esse

processo de desenvolvimento do nacionalismo, alterando a visão de raça no sentido biológico

por uma visão cultural, baseando-se em autores como Gilberto Freyre, criou um dos piores

racismos do mundo, um "racismo à brasileira", capaz de envolver grande parte da população

em um mito da democracia racial. Entretanto, deixaremos esse debate avançar quando

falarmos de racismo no Brasil.

Na mesma linha, abordada até aqui, também temos GUIMARÃES (2003), no qual

percebeu que a definição de raça depende da visão que é utilizada, e que a categoria

apresenta dois sentidos analíticos: um reivindicado pela biologia genética e outro pela

sociologia. Entretanto, o autor destaca que "a construção de raça baseada em traços

fisionômicos, de fenótipo ou de genótipo, é algo que não tem o menor respaldo científico."

Guimarães reforça quando diz que:

"(...) as raças são, cientificamente, uma construção social e devem ser estudadas por um ramo próprio da sociologia ou das ciências sociais, que trata das identidades sociais. Estamos, assim, no campo da cultura, e da cultura simbólica. Podemos dizer que as ―raças‖ são efeitos de discursos;" (Guimarães, 2003, p. 96)

8Gilroy, 1992.p. 87 apud Hall, 2006. p. 64

9 Ver Benedict Anderson, Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo, 2008.

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18

Como foi exposto, existe um eixo em comum entre os autores inseridos nesta parte do

trabalho, todos concordam que a noção de raça, no sentido biológico, não pode ser encarada

como apropriada para o conceito e que precisamos enxergá-la como uma construção social e

política. Por que política? A "questão racial revela, de forma particularmente evidente,

nuançada e estridente, como funciona a fábrica da sociedade, compreendendo identidade e

alteridade, diversidade e desigualdade, cooperação e hierarquização, dominação e alienação."

IANNI (2004) Se racializar é dividir, separar, fragmentar, classificar também o é, hierarquizar.

IANNI (2004) Sendo assim, o processo de racialização implementado em determinadas

sociedades, é segregador e capaz de relacionar marcas em estigmas e produzindo

manifestações discriminatórias e:

"(...) geralmente fazem parte de técnicas de preservação de interesses e privilégios, elas podem ser tomadas, ao nível interpretativo, como elementos que impedem ou dificultam a instauração ou expansão das relações democráticas, obstruindo a circulação de pessoas, segundo a sua competência ou qualificação." (IANNI, 1987 p. 332)

Quando a categoria "raça" está assentada em algum signo ou traço, os indivíduos em

causa são identificados, classificados, hierarquizado, priorizado e subalternizados e

transformam essas características em estigma, manifestando o racismo, a xenofobia,

preconceito. Como podemos identificar nas palavras de IANNI (2004):

"Aos poucos, o traço, a característica ou a marca fenotípica transfigura-se em estigma. Estigma esse que se insere e se impregna nos comportamentos e subjetividades, formas de sociabilidade e jogos de forças sociais, como se fosse ―natural‖, dado, inquestionável, reiterando-se recorrentemente em diferentes níveis das relações sociais, desde a vizinhança aos locais de trabalho, da escola à igreja, do entretenimento ao esporte, das atividades lúdicas às estruturas de poder . Note-se que o estigma não atinge apenas aqueles que pertencem a ―outras‖ etnias, já que atinge também a mulher, o operário, o camponês, os adeptos de outras religiões, o comunista. Trata-se de elaboração psicossocial e cultural com a qual a ―marca‖ transfigura-se em ―estigma‖, expresso em algum signo, emblema, estereótipo, com o qual se assinala, demarca, descreve, qualifica, desqualifica, delimita ou subordina o ―outro‖ e a ―outra‖, indivíduo ou coletivo. Este é um aspecto fundamental da ideologia racial: o estigmatizado, aberta ou veladamente, é levado a ver-se e a movimentar-se como estigmatizado, estranho, exótico, estrangeiro, alheio ao ―nós‖, ameaça; a despeito de saber que se trata de uma mentira." (Ianni, 2004. p. 23)

A ideologia para HALL (2003) são representações, conceitos, categorias utilizadas

pelas diferentes classes para justificar e dar sentido a maneira como funciona a sociedade,

com isso, podemos perceber que as ideologias racistas, reproduzidas pelas classes

dominantes através de seus intelectuais, podem "racializar" com o objetivo de manter as

estruturas dominantes de poder, desenvolvendo estigmas, onde segundo IANNI (2004)

"desqualifica, delimita ou subordina o outro e a outra, indivíduo ou coletivo". Sendo assim,

Page 29: Victor Hugo Beñák de Abreu

19

quando os traços físicos apresentam significantes que levam ao estigma, podemos perceber

que são as ideologias racistas atuando no processo de subalternização do outro, esse "outro"

que se encontra fora do padrão, que no Brasil, esse padrão pode ser lido e visto como

"branquitude". Mesmo que a categoria raça, em uma análise biológica tenha se tornado

obsoleta para delimitação das relações de poder na sociedade, esses estigmas permanecem

no seio da sociedade como parâmetros para relações sociais assimétricas. Veremos no

próximo tópico, como essas relações raciais são modeladas por discursos ideológicos racistas

em nossa sociedade.

I.3 Ideologia Racista

I.3.1 Uma análise sobre a atuação de Ideologias Racistas no mundo e no Brasil

As ideologias, segundo CHAUÍ (1980), apresentam razões determinadas para surgirem,

sendo assim, podemos identificar uma dessas razões através do aparecimento do conceito de

"raça" na Europa, que brota para distinguir nativos e estrangeiros, conhecidos e estranhos,

como ressalta IANNI (1996):

"A raça, como a classe e a nação, foi um conceito desenvolvido primeiramente na Europa para ajudar a interpretação de novas relações sociais. Todas três devem ser olhadas como modos de categorização que foram sendo cada vez mais utilizados à medida que um maior número de europeus se apercebeu da existência de um crescente número de pessoas ultramarinas que pareciam ser diferentes deles. E porque o seu continente atravessou em primeiro lugar o processo de industrialização e era muito mais poderoso que os outros, os europeus impuseram inconscientemente as suas categorias sociais aos povos que em muitos casos agora as adotaram como suas." (IANNI,1996. p. 8)

O conceito inicial de raça na Europa, como destacado por IANNI (1996), está muito

próximo da construção de uma "identidade racial" baseada na ideia de alteridade, ou seja, o

europeu se identifica como tal a partir de uma oposição, que vem de fora do continente, o que

acaba por reforça as identidades legitimadoras10 ou a formação de uma "identidade ocidental

europeia". Para IANNI (1996) o processo de globalização acelera e intensifica os movimentos

populacionais e, com isso, agravam-se e generalizam-se xenofobias, etnicismos, preconceitos,

intolerâncias, autoritarismos, anti-semitismos, racismos e fundamentalismos. A grande

variedade de identidades, nações, nacionalidades, diversidades no mundo gera um processo

de integração e fragmentação, dentre os quais sobressaem os problemas raciais.

10 Segundo Manuel Castlles, identidades legitimadoras são introduzidas pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de

expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais. (CASTLLES, 1999. p. 25)

Page 30: Victor Hugo Beñák de Abreu

20

Segundo IANNI (1996) a questão racial ultrapassou os limites da escala nacional e

envolve uma escala de análise mais ampla, abrangendo problemas raciais através de uma

análise global, possibilitada pela intensificação do processo de globalização dos últimos anos.

Como coloca o autor:

"Sim, a questão racial deixou de ser apenas ou principalmente nacional, transbordando muitíssimo as fronteiras geográficas, sociais, políticas e culturais das nações, em todo o mundo. Ainda que prevaleçam muitas das suas características nacionais, surgiram outras de âmbito regional e mundial. Mais do que isso, as suas características nacionais mudam de significado, na medida em estão sendo crescentemente influenciadas pelas relações, processos e estruturas que se desenvolvem em escala mundial." (IANNI,1996. p. 8)

A intensificação dos fluxos materiais e imateriais possibilitado nos últimos anos do

século XX e no começo do século XXI engendrou diversas modificações, ampliando a escala

de análise dos problemas relacionados às questões raciais, pois, questões relacionadas à

nacionalidade "mal resolvidas" fermentaram a desagregação e estimularam a formação de

movimentos ou construções ideológicas que reforçam o racismo, a xenofobia,

fundamentalismos, etc. Não se coloca aqui o enfraquecimento do Estado Nação, que para

Milton Santos este não ocorreu e é mais uma visão da globalização como fábula11. Entretanto,

mesmo com a fragmentação ocasionada em parte pelo processo de globalização, o surgimento

de novas identidades, em especial, com o fim da bipolaridade e o surgimento de movimentos

étnicos, acabou por reforçar, mesmo com a ampliação da economia em escala global, uma

"tendência psicológica das pessoas olharem para algumas coisas com as quais elas possam

se identificar, uma espécie de refúgio da globalização." (HOBSBAWN, 1995. p.7 apud IANNI,

1996. p. 15)

A fragmentação ocasionada pelo processo de globalização reforça a formação de

identidades e localismos, e estes avigoram movimentos de xenofobia e racismos, como

podemos perceber nas palavras de CASTTELS (1999).

"Quando o mundo se torna grande demais para ser controlado, os atores sociais passam a ter como objetivo fazê-lo retornar ao tamanho compatível com o que podem conceber. Quando as redes dissolvem o tempo e o espaço, as pessoas se agarram a espaços físicos, recorrendo à sua memória histórica. Quando o sustentáculo patriarcal da personalidade desmorona, as pessoas passam a reafirmar o valor transcendental da família e da comunidade como sendo a vontade de Deus." (CASTTELS, 1999. p. 85)

11 Em seu livro: "Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal", Milton Santos destaca três visões

sobre a globalização: uma como fábula (como querem que olhemos esse processo), outra como perversidade e a terceira, por uma outra globalização: ele destaca que "Não é que o Estado se ausente ou se torne menor. Ele apenas se omite quanto aos interesses das populações e se torna mais forte, mais ágil, mais presente, ao serviço da economia dominante." (SANTOS, 2008. p.66)

Page 31: Victor Hugo Beñák de Abreu

21

Para CASTTELS (1999) "Deus, a família e a nação fornecem códigos inquebrantáveis

em torno dos quais uma contra-ofensiva a cultura da realidade virtual." Portanto, nas palavras

de CASTTELS (1999) identificamos um apoio de identidades reforçadas com base num

localismo, marginalizando o outro, àquele que não segue os padrões criando e perpetuado

conforme a "memória" o mantém. Sendo assim, "esse é o contexto em que se reabre o debate

sobre a identidade e alteridade, ou diversidade onde alguns buscam a identidade pretérita ou

imaginária, a caminho da nostalgia, outros a identidade futura, possível ou imaginária" IANNI

(1996), transformando a "identificação" em tempos de globalização em algo fluido, episódico e

fugaz.

A categoria raça é utilizada como base das tramas das relações sociais, "nas quais

emergem traços fenótipos ou marcas étnicas, como signos de semelhanças, diferenças,

polarizações ou propriamente oposições." IANNI (1996) Essas tramas sociais são alimentadas

por elementos do passado e de elementos presentes, incorporando, recriando ou modificando

o padrão das relações raciais, (re)produzindo o racismo quando essas relações são baseadas

em disputas de poder e processos de hierarquizações. Para IANNI (1996) o racismo é

produzido quando as características étnicas ou os traços fenótipos são transformados em

estigmas e a formação de ideologias raciais, enraizam-se nessa complexa teia de relações

sociais, envolvendo estilos de vida ou visões de mundo.

A construção de visões de mundo nas relações sociais pode desenvolver confrontos

através de desigualdades ou contradições que se revelam a matéria prima de xenofobias,

preconceitos, intolerâncias, como sugerido por IANNI (1996). Portanto, tanto para IANNI (1996)

quanto para GRAMSCI (1978) as ideologias funcionam como visões de mundo e que podem

ser refletidas em diversos segmentos da sociedade, como nas artes, nas leis e ao mesmo

tempo, essas visões de mundo direcionam a coletividade a "forma de pensar e de agir". Em

tempos de globalização, essas ideologias se reforçam com a questão racial, atribuindo valores

embutidos de relações de poder, cristalizando ou naturalizando as desigualdades raciais ou

sociais. Como reforça as palavras de IANNI (1996):

"Sob certos aspectos, as ideologias podem ser sínteses do complexo jogo das relações por meio das quais encontram, acomodam, confrontam e tensionam diversidades e desigualdades, ou estilos de vida e visões de mundo. As ideologias taquigrafam, reiteram, naturalizam ou cristalizam identidades e antinomias, ou diversidades e antagonismos. O racismo pode ser um elemento básico, frequentemente essencial, da "identidade" com a qual se apresenta o indivíduo, grupo, coletividade ou povo. Uma parte importante da identidade do branco europeu, ou do branco norte-americano, depende da sua afirmação de superioridade em face de "outros", tais como africanos, asiáticos, latino-americanos ou outros." (IANNI, 1996. p. 19)

Ao relacionarmos as colocações de IANNI (1996) com as definições sobre o conceito de

ideologia em GRAMSCI e HALL identificamos a formação de visões de mundo, no período

Page 32: Victor Hugo Beñák de Abreu

22

atual, que criam e recriam representações, que acabam legitimando as relações sociais

desiguais, que podem ser vistas, também, por intermédio de relações raciais assimétricas.

Estas que hierarquizam e perpetuam visões das elites dominantes, em suas classes ou não, e

que acabam se amparando em suas representações para justificarem a desigualdade social,

racial, preconceitos, xenofobismos. Tais representações, acabam perpetuando representações

que reforçam relações desiguais a partir da reprodução ideológica. Com isso, podemos

entender que as ideologias racistas estão na base das relações sociais, tais relações são

injustas, desiguais, competitivas, o que produz o "preconceito como uma técnica política de

poder." IANNI (2004).

Para IANNI (2004) a sociedade é uma "fábrica de intolerâncias" capaz de produzir e

reproduzir estigmas, exacerbando interesses políticos específicos de uma classe, casta ou

grupo racial. Essas intolerâncias são legitimadas pela construção de ideologias racistas que se

reproduzem, naturalizam e sedimentam-se no senso comum da sociedade, encarando o

preconceito, a discriminação e o racismo como algo inerente ao desenvolvimento social, ou

seja, reproduzindo uma subalternização do outro com o objetivo de perpetuação do poder

dominante.

Segundo MUNANGA (2012) "discriminação propriamente dita é negação da igualdade

de tratamento aos diferentes transformada em ação concreta ou comportamento observável". A

construção de visões de mundo, voltadas para promover ou facilitar o ajustamento e o

predomínio dos brancos às situações sociais, direcionam as práticas no dia a dia,

transformando-se de apenas ideologia racista em uma atitude discriminatória ou racista.

MUNANGA (2012) destaca alguns exemplos de discriminação, ou seja, quando as ideologias

racistas saem da teoria e do pensamento e revelam-se em uma prática a negar o tratamento

igual ao outro: negar a hospedagem a uma pessoa negra num hotel, recusar um emprego a

uma mulher, se recusar a alugar uma casa a um homossexual, etc.

No Brasil, essas atitudes discriminatórias não são vistas pela maioria como

discriminatória ou racista. Muitos vêem que racismo se dá apenas da forma como houve na

África do Sul através do apartheid com a existência de um racismo institucionalizado. O

racismo no Brasil baseou-se em ideologias construídas e reproduzidas, em especial, nos

séculos XIX e XX com o desenvolvimento de um país moderno, no qual a raça tinha um papel

fundamental. Um conjunto de ideologias racistas, baseadas nas ciências e na literatura da

época, insistiam na reprodução de um racismo científico e, já na primeira metade do século XX,

com a "valorização do mestiço" pelas leituras de Gilberto Freyre, desenvolve-se uma visão de

país multicultural e miscigenado, um verdadeiro paraíso racial. Não entraremos em detalhes,

nesse momento do trabalho, como se construiu o racismo no Brasil, mais a frente iremos

abordar de forma mais clara e elucidativa.

Page 33: Victor Hugo Beñák de Abreu

23

Conforme descrito por MUNANGA (2012), discriminação é a negação da igualdade de

tratamento, contudo, essa negação é uma criação ideológica, política e cultural desenvolvida,

mantida e reproduzida pela formação e sedimentação de ideologias racistas que tendem a

favorecer uma determinada classe ou coletivo. Esses coletivos ou classes dominantes

defendem interesses econômicos e possibilitam a perpetuação, através do controle das

instituições, de uma ideologia do branqueamento e desvalorização do negro, subalternizando-o

por intermédio de políticas de favorecimento da imagem do branco como referência e não a

imagem do negro, "a ideologia do negro e do mulato será expressão social da outra, nos

termos em que a relação de dominação-subordinação é posta e delimitada pela ideologia racial

do branco." IANNI (1987).

"A ideologia racial dos que discriminam, dos que mandam, os quais podem ser "brancos" ou outros, sintetiza e dinamiza a intolerância, a xenofobia, o etnocismo, o preconceito ou o racismo. É a ideologia racial que articula e desenvolve a gama de manifestações, signos, símbolos ou emblemas com os quais indivíduos e coletividades "explicam", "justificam", "racionalizam", "naturalizam" ou "ideologizam" desigualdades, tensões e conflitos raciais. O racista fundamenta em argumentos que parecem consistentes e convincentes a sua "taxionomia" e "hierarquização", distinguindo, delimitando, segregando ou estranhando o "outro": negro, árabe, judeu, índio, chinês, oriental e assim por diante." (IANNI, 2004. p. 24)

Como mencionado na citação acima por IANNI (2004) "é a ideologia racial que articula e

desenvolve a gama de manifestações", produzindo representações no imaginário da sociedade

capazes de direcionar a maioria em prol de interesses particulares, criando símbolos com

significados e significantes que variam em tempo e espaço, difundindo relações sociais e

raciais de subalternização do outro. A "ideologia racial" ao se tornar um conjunto de ideologias

racistas, designa "técnicas de estigmatização recorrente e reiterada em diferentes formulas e

verbalizações, desenvolvendo a metamorfose da marca em estigma." IANNI (2004) Essas

ideologias racistas são transmitidas por diversas gerações através dos meios de comunicação,

instituições escolares, indústria cultural, instituições religiosas, partidos políticos impedindo ou

dificultando a expansão das relações democráticas. IANNI (1987)

"Em síntese, a discriminação, as barreiras, os estereótipos organizados em ideologias raciais, operam como componentes ativos recorrentes num sistema societário que, de conformidade com a estrutura de dominação vigente, deve ser preservado. Muitas vezes, as distinções entre grupos que se definem como racialmente diversos e desiguais exprimem, em geral de modo mistificado, relações reais de dominação-subordinação." (IANNI, Raças e classes sociais no Brasil. p. 337)

É a construção de ideologias racistas que permitiram o desenvolvimento de

representações subalternizadas dos negros na sociedade, essas representações direcionam as

Page 34: Victor Hugo Beñák de Abreu

24

leituras da sociedade e possibilita a formalização de explicações sobre a posição e o papel do

negro na sociedade. Por intermédio dessas representações que se fundem no imaginário da

sociedade estão somados os diversos obstáculos criados para a manutenção de uma ideologia

do branco, respaldada no controle das instituições, na formulação de leis voltadas para o

benefício desta elite, na produção de uma ciência com base epistemológica eurocentrada com

forte tendência ao processo de racialização e hierarquização com objetivo de manter as atuais

relações assimétricas de poder. É por intermédio dessas ideologias que realizamos uma

interpretação e a construção de uma visão de mundo que se reflete nas leis, na cultura, na

educação, e acaba por reproduzir uma desigualdade racial e a produção de discriminação e

atitudes racistas.

Com isso, faz-se necessário analisarmos como ocorreu a construção das ideologias

racistas no Brasil e como a importação de conceitos científicos possibilitou a formulação de

uma base que justificava a exploração e manutenção de relações de poder baseadas em uma

análise racial.

I.4 Racismo no Brasil

I.4.1 O Racismo no Brasil: uma breve análise do período entre o final do século XIX e

início do XX

Com o surgimento de um país "moderno" e republicano, final do século XIX e início do

século XX, muitos intelectuais brasileiros, como Euclides da Cunha, Silvio Romero e Raimundo

Nina Rodrigues passam a importar ideias estrangeiras, estas totalmente deterministas. Esses

autores construíram ou ajudaram a desenvolver uma noção de nacionalidade, fundamentada

em um solo epistemológico com os parâmetros raça e meio. Para Ortiz (1994) "a questão racial

tal como foi colocada pelos precursores das Ciências Sociais no Brasil adquire na verdade um

contorno claramente racista."

Algumas teorias influenciaram a inteligentsia brasileira: "o positivismo de Comte, o

evolucionismo de Spencer e o darwinismo social." ORTIZ (1994) Segundo SCHWARCZ (1993)

é importante refletir sobre a originalidade do pensamento racial brasileiro, pois acabou

utilizando-se do que se adaptavam as necessidades da pesquisa científica e descartando o

que de certa forma era "problemático para a construção de um argumento racial no país".

Segundo ORTIZ (1994) "o evolucionismo se propunha a encontrar um nexo entre as

diferentes sociedades humanas (...) aceitando como postulado que o "simples" evolui

naturalmente para o mais "complexo" sociedades ocidentais". ORTIZ (1994) Essa teoria da

evolução social justificou as diferenças econômicas, culturais e sociais existentes entre os

Page 35: Victor Hugo Beñák de Abreu

25

países no final do século XIX e início do século XX,e como já citamos foi utilizada como base

de ideologias racistas capazes de analisar o europeu como centro da humanidade, o mais

evoluído, a referência na cultura e, os "outros" como em processo de evolução ou sem

condições intelectuais e morais para isso. O evolucionismo social sublinhou-se a noção de

evolução humana, onde as raças não estavam cristalizadas no tempo e sim, havia uma

referência una entre elas, mas que algumas raças se encontravam mais è frente no processo

evolutivo, em especial, as raças europeias. SCHWARCZ (1993)

Para ORTIZ (1994) "pode-se dizer que o evolucionismo em parte legitima

ideologicamente a posição hegemônica do mundo ocidental." Embora a teoria evolucionista

possa explicar de maneira geral o "atraso" civilizatório brasileiro, somente ela não bastava. No

Brasil, algumas peculiaridades o diferenciam do continente europeu, e os parâmetros raça e

meio foram acrescentados na construção de uma identidade12 nacional brasileira.

O determinismo geográfico se propunha em analisar o desenvolvimento da sociedade a

partir de fatores como clima, umidade, fertilidade da terra, etc. Mas, se o Brasil apresenta todas

essas características naturais, por que não "evoluímos"? Segundo Buckle (apud ORTIZ, 1994,

p. 17): "a resposta, pueril, mas convincente para o momento, era simples: por causa dos ventos

alísios". Para Ortiz (1994) "o resultado dessa interpretação é: onde a natureza suplanta o

homem, a cultura europeia tem dificuldades em se enraizar, o que determinaria o estágio ainda

bárbaro em que permanece o conjunto da população brasileira." O meio era responsável em

determinar as limitações sociais e econômicas de um povo ou região, mas no caso do Brasil,

somente essas limitações produzidas pelo meio não justificavam nosso atraso. Sendo assim, o

conceito de raça passa a moldar as justificativas de atraso em conjunto com o determinismo

geográfico.

Um dos autores que relacionou o "atraso" do Brasil frente às características do meio foi

Euclides da Cunha. Segundo ORTIZ (1994) Euclides da Cunha faz uma análise do nordestino

e procura descobrir os defeitos e as vicissitudes do homem brasileiro, identificando sua força

[dos nordestinos] a partir de uma visão determinista. O autor, Euclides da Cunha, em destaque

na obra de ORTIZ (1994) ressalta que: "o nordestino só é forte na medida em que se insere

num meio inóspito ao florescimento da civilização européia", assim, na visão euclidiana a

mestiçagem enfraquecia o indivíduo e implicava a perda de identidade. Mas no caso dos

sertanejos, Euclides da Cunha, considerou que só esse mestiço se adaptaria a tal região

inóspita.

12Segundo o dicionário de Sociologia, identidade coletiva é a “aptidão de uma coletividade para reconhecer-se como grupo;

qualificação do princípio de coesão assim interiorizado (identidade étnica, identidade local, identidade profissional); recurso que daí decorre para a vida em sociedade e a ação coletiva.” A criação de identidades ocorre por intermédio do processo de diferenciação, como citado no próprio dicionário: “Em relação ao exterior do grupo, a construção de uma identidade coletiva implica um movimento de diferenciação, a partir do qual se afirma a autonomia coletiva.

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26

O autor de "Os Sertões", Euclides da Cunha, segundo BECHELLI (2009) desenvolve

uma relação direta entre clima e características inatas ao mestiço, utilizando-se dos conceitos

raça e meio [determinismo geográfico] como determinantes ou peculiares aos mestiços, como

podemos ver abaixo:

"Dentro do quadro de formação da ―raça histórica‖ brasileira, ele faz uma relação importante entre o clima e a sua influência no comportamento humano, ilustrando a ação do clima como agente na mudança do comportamento. Assim, o escritor via que a nova ―raça histórica‖ brasileira, além de moldada pela mistura racial, ainda seria bastante influenciada pela ação climática." (BECHELLI, 2009. p. 231)

Segundo MUNANGA (2008), Euclides da Cunha via o mestiço como "desequilibrado,

um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens e sem a atitude intelectual dos

ancestrais superiores." Para Euclides da Cunha "a mestiçagem entre raças superiores e

inferiores apaga as qualidades das primeiras e faz reaparecer as das últimas." MUNANGA

(2008)

Outra visão determinista geográfica parte do autor Thomas Buckle que segundo

SCHWARCZ (1993), condenava o Brasil sem mesmo nunca ter vindo aqui, pois, devido às

grandes extensões de formações vegetais, já estaria fadado ao fracasso, em comparação a

civilização inglesa onde a natureza local não é tão abundante.

Entretanto, para aqueles que abraçavam essas ideologias deterministas, somente o

determinismo climático ou geográfico não era suficiente para explicar a condição brasileira. A

problemática raça irá nortear o pensamento nacional, repetindo a mesma função política e

ideológica presentes em outras nações: "ela é vista como a base fundamental de toda a

história, de toda política, de toda estrutura social, de toda a vida estética e moral das nações."

(Ortiz, 1994). Essas teorias científicas voltadas para um evolucionismo social, darwinismo

social e o determinismo geográfico passam a balizar a construção do Brasil e de seu povo, a

formação de uma nação. Portanto, o fim da escravidão ou lei como a do Ventre Livre e do

sexagenário passam a estimular a produção de ideologias capazes de perpetuarem as

relações de poder, sendo assim, a raça passa a nortear essas novas relações.

Durante o período que se seguiu à escravidão no Brasil, tivemos um número de

africanos, como relata ANDREWS (1998) entre nove a doze vezes maiores que aquele

exportado para os Estados Unidos e no momento de suas respectivas independências,

constituindo que a proporção de escravos no Brasil era mais que o dobro de escravos em

comparação com a população norte-americana.

Para TEXEIRA (2006), durante o período colonial, a sociedade viveu com o racismo e a

discriminação sem maiores problemas, como podemos identificar na citação abaixo.

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"No começo, a cor ou raça dos negros estava associada ao escravo, que detinha um lugar determinado no sistema colonial. Durante este período, a sociedade conviveu com o racismo e a discriminação sem maiores problemas porque o escravo não era visto enquanto cidadão dotado de direitos. Seu lugar estava determinado por nascimento. Com o fim da escravidão e o advento da República muda também a visão do negro na sociedade. É a partir daí que o racismo ganha novos contornos que podem permanecer até os dias de hoje." (TEIXEIRA, 2006. p. 264)

Em uma conjuntura caracterizada pelo enfraquecimento e final da escravidão, e pela

formação de um novo projeto político no país, "as teorias raciais se apresentavam como

modelo teórico viável na justificação do complicado jogo de interesses que se montava."

SCHWARCZ (1993). O desenvolvimento de políticas imigratórias estimulou a conservação de

uma hierarquia social extremamente rígida, onde as relações raciais passam a ser colocadas

de forma a perpetuar relações de poder assimétricas entre brancos e negros.

O Brasil passa ser visto como um país que possui uma população formada por três

raças: o branco, o negro e o índio, entretanto, o branco é visto como superior já, "o negro e o

índio são identificados como entraves ao processo civilizatório" ORTIZ (1994).

"Na medida em que a civilização européia não pode ser transplantada integralmente para o solo brasileiro (vimos que o meio ambiente é diferente do europeu), na medida em que no Brasil duas outras raças consideradas inferiores contribuem para a evolução da história brasileira, torna-se necessário encontrar um ponto de equilíbrio." (Ortiz, 1994. p. 20)

O índio não era visto como problema, pois estava predestinado à desaparecer, já o

negro, era encarado como um real problema após a abolição e para a construção de uma

identidade nacional e para o desenvolvimento do país.

Como criar uma identidade nacional em um país marcado pela presença de raças

inferiores? O mestiço é fruto da relação entre raças desiguais e transmissor de uma herança

biológica defeituosa como: "a apatia, a imprevidência, o desequilíbrio moral e intelectual e a

inconsistência seriam qualidades naturais do elemento brasileiro." ORTIZ (1994)Essa

hegemonia da raça branca sobre os negros e índios, favoreceu a política de branqueamento da

população brasileira, que passou a ser estimulada em prol da construção de um Estado

nacional no futuro. Como cita Ortiz (1994) "é nessa cadeia da evolução social que poderão ser

eliminados os estigmas das ´raças inferiores', o que politicamente coloca a construção de um

Estado nacional como meta e não como realidade presente."

Nessa disputas de ideias, predominou aquela que via na miscigenação, buscando o

branqueamento, a solução para o Brasil. Os setores da intelectualidade, no final do século XIX,

que abraçavam a questão raça como fator predominante para o futuro da nação brasileira,

estabeleceram uma adaptação da teoria racial oriunda da Europa à realidade brasileira. Nessa

adaptação, se reconhecia o negro como um entrave, mas passaram a pregar a miscigenação,

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buscando o branqueamento da população, como forma de dentro de um período de tempo

eliminar o elemento negro da sociedade brasileira. Sob essa lógica, a miscigenação deixou de

ser um mal, e sim, a solução para o fim do presença do negro que impedia a realização do

desenvolvimento do país.

Analisando esse período da construção da identidade nacional, podemos constatar uma

série de ideias vindas de fora, entretanto, algumas delas, aproveitadas em parte, conforme as

necessidades dos autores, como podemos ver em ORTIZ (1994).

"Aceita-se primeiramente uma teoria "estrangeira" na medida em que ela possui algo em comum com outras teorias já utilizadas - no caso, a problemática do meio ambiente. No entanto, parte dessa teoria é ignorada, uma vez que entra em contradição com problemas que lhe são externos - a questão racial brasileira." (Ortiz, 1994. p . 32)

Para realizar a construção da identidade nacional brasileira, os intelectuais utilizaram os

parâmetros raça e meio, adaptaram ideias estrangeiras as suas teorias e implantaram o mito

das três raças, contudo, o mestiço e o negro, eram considerados indolentes, apáticos e

representavam o negativo, isto é, o Brasil estava fadado ao fracasso.

Esse possível fracasso no processo de formação da nação ou do povo foi colocado por

alguns autores do final do século XIX e início do século XX, como por exemplo, Silvio Romero.

Romero não defendia a construção de uma teoria racial para privilegiar a superioridade das

elites, mas era contraditório em suas análises raciais, colocando o negro como fundamental na

história brasileira, entretanto, o branco era o agente principal da cultura. Colocava o negro

como superior ao índio, mas destacava que o negro produzia uma influência negativa para a

formação da nação. Segundo BECHELLI (2009), Romero defendeu em seus estudos a

mestiçagem, e, tal mistura racial poderia formar algo novo, Silvio Romero via na mestiçagem a

formação do povo, mas, ao mesmo tempo, acreditava no processo de branqueamento com a

manutenção dos genes da "raça branca portuguesa" com uma análise da raça através de um

viés biológico e darwinismo social, essa miscigenação era para Romero inevitável e poderia

eliminar o sangue negro. Como reforça BECHELLI (2009):

"Para Romero, o conceito de raça faz parte da estrutura central de seu pensamento, da sua forma de ver e entender a sociedade brasileira. Ele interpretava a raça como um passo importante para a compreensão do ser humano, de suas qualidades e defeitos. Compreender a noção de raça era poder compreender as razões que moviam as sociedades. Nessa perspectiva, era essencial entender a evolução do povo brasileiro através da sua formação racial. O Brasil era visto por ele como um povo produzido pela mistura de três raças, a branca, a negra e a índia. Isoladamente, nenhuma dessas três raças podia simbolizar o que era o Brasil, mas juntas, através da miscigenação, poderiam gerar algo novo, um novo povo, o povo brasileiro. Era a mestiçagem a chave para a compreensão do que era realmente o Brasil." (BECHELLI, 2009. p. 62)

Page 39: Victor Hugo Beñák de Abreu

29

Para Silvio Romero o negro só é válido quando se mistura com o branco gerando o

mestiço, o negro isolado não é levado tanto em conta, uma vez que ele junto com o índio

compõe a "raça inferior". BECHELLI (2009)

BECHELLI (2009) reforça a visão da leitura de Silvio Romero sobre a mestiçagem,

quando diz que:

"Mais do que tudo, a mestiçagem aparece aqui [nas obras de Silvio Romero] como parte de um processo, como uma massa em formação para atingir um objetivo maior. O povo brasileiro, a nação brasileira, por assim dizer, são vistos como algo em formação, que ainda não existe ou está acabado. É um produto que está se formando. Dentro desse processo, ele elege o português que, sendo representante de uma raça superior, poderia assim conduzir e dar as diretrizes para o país." (BECHELLI, 2009. p. 63)

A mestiçagem, para Silvio Romero, era a vitória do branco rumo à transição necessária

para a formação da nação brasileira, este branco que se miscigenou ao negro e ao índio para

se adaptar às características climáticas e superá-las, determinou a formação de um novo povo,

mestiço, mas em processo de transformação ou em formação onde prevaleceriam os

caracteres dos brancos. Já os negros e os índios eram utilizados como fonte de explicações

para o atraso brasileiro, portanto, a mestiçagem na visão de Silvio Romero, destacada por

BECHELLI (2009), jamais foi visto como algo negativo, mas fundamental para a formação do

Brasil. "Era a mestiçagem que ajudava a caracterizar o país e dar-lhe identidade."

Silvio Romero acredita no processo de branqueamento da população através da

manutenção ou predominância biológica e cultural branca e o desaparecimento dos elementos

não-brancos, como afirma MUNANGA (2008):

"(...) Sílvio Romero coloca a crucial questão de saber se a população brasileira, oriunda do cruzamento entre as três raças (branca, negra e índia) tão distintas, poderia fornecer ao País uma feição própria, original. Acreditava no nascimento de um povo tipicamente brasileiro, que resultaria da mestiçagem entre essas três raças e cujo processo de formação estava ainda em curso. Mas, desse processo de mestiçagem, do qual resultará a dissolução da diversidade racial e cultural e a homogeneização da sociedade brasileira, dar-se-ia a predominância biológica e cultural branca e o desaparecimento dos elementos não-brancos." (MUNANGA, 2008. p. 49)

Conforme analisado por MUNANGA (2008) no livro: "Rediscutindo a mestiçagem no

Brasil", João Batista Lacerda acreditava que negros, índios e mestiços desapareceriam dentro

de um século, enquanto Silvio Romero confiava no desaparecimento dos traços não-brancos

entre três a quatro séculos.

Page 40: Victor Hugo Beñák de Abreu

30

Um pouco diferente de Silvio Romero, "o autor Raimundo Nina Rodrigues desacreditava

na tese desenvolvida, segundo a qual era possível desenvolver o Brasil a partir da fusão da

cultura branca com as contribuições negras e índias." MUNANGA (2008)

Para Nina Rodrigues os negros e os índios eram "espécies incapazes". O autor Nina

Rodrigues não propôs a formação de uma unidade homogênea através do branqueamento,

mas a institucionalização e a legalização da heterogeneidade, por intermédio de uma figura

jurídica denominada responsabilidade penal atenuada. MUNANGA (2008) Como podemos ver

em MUNANGA (2008):

"Sendo dadas as desigualdades entre as raças, seriam necessárias modificações na responsabilidade penal. A regra do contrato na sociedade brasileira, que considera todos os indivíduos iguais perante a lei, que é uma medida de defesa social, converte-se em pura repressão: índios, negros e mestiços não têm a mesma consciência do direito e do dever que a raça branca civilizadora porque ainda não atingiram o nível de desenvolvimento psíquico, seja para discernir seus atos, seja para exercer o livre-arbítrio." (MUNANGA, 2008. p. 51)

Conforme descrita acima, Nina Rodrigues estabelecia uma visão do mestiço atribuindo-

o características inatas, que deveriam ser levadas em conta pelos legisladores e autoridades

policiais. "Consequentemente, aos negros e aos índios deveria ser atribuída uma

responsabilidade penal atenuada e aplicado um código penal diferente daquele da raça

branca." MUNANGA (2008)

Segundo MUNANGA (2008) Nina Rodrigues, acreditava na degradação do cruzamento

das raças e, os colonizadores, foram os responsáveis por esse processo, pois os portugueses

eram vistos por Nina Rodrigues como gente da pior espécie, atrasados e arredios da civilização

europeia. Essa degradação das raças, segundo Nina Rodrigues, estava ligada também, "ao

insucesso do processo de catequese, ao calor excessivo do clima à riqueza do solo."

MUNANGA (2008)

Para Nina Rodrigues o processo de branqueamento ocorreria de forma diferenciada,

sendo o sul do Brasil formado por uma maioria de brancos e o norte, devido ao clima quente

servindo de barreira para expansão do branco. Portanto, Nina Rodrigues via na mestiçagem

brasileira não um processo de branqueamento, como destacava Silvio Romero, e sim, um

enegrecimento da população. Tanto Silvio Romero quanto Euclides da Cunha, citado em partes

anteriores do texto, acreditavam na inferioridade do mestiço e, a mistura das raças não levaria

a sobreposição da raça negra pela branca, ao contrário, a mestiçagem iria criar uma nova

"espécie inferior" até ao próprio negro. MUNANGA (2008)

No processo de criação da nação ou formação do "povo" brasileiro, no final do século

XIX e início do XX, havia outros autores com vozes discordantes das doutrinas racistas da

época. Um deles, segundo MUNANGA (2008), foi Manuel Bonfim. Para Bonfim o atraso

brasileiro não estava ligado à mestiçagem e sim, aos problemas herdados da era colonial,

Page 41: Victor Hugo Beñák de Abreu

31

desenvolvendo uma mentalidade de enriquecimento repentino, a ausência de tradição

científica, o arraigado conservadorismo político e a ausência de organização social. MUNANGA

(2008) Manuel Bonfim, conforme analisado por MUNANGA (2008), "criticou a política

populacional brasileira, por haver abandonado os ex-escravizados, depois da abolição. Bonfim

recomendava o aumento do ensino e a diversificação da economia como saída."

Outro autor discordante das ideias racistas foi Edgar Roquete Pinto. Este foi

influenciado pela obra de Euclides da Cunha, "refutava a teoria da degenerescência dos

mestiços de Euclides da Cunha" MUNANGA (2008), identificava que o negro e os mestiços se

tivessem recebido uma educação apropriada, seriam capazes de grande processo. Roquete

Pinto não creditava os problemas brasileiros à diversidade racial, "o problema residia na

educação de todos, claros e escuros." MUNANGA (2008)

Autores como Roquete Pinto e Manuel Bonfim, do mesmo período de Raimundo Nina

Rodrigues, Euclides da Cunha e Silvio Romero possuíam visões diferentes sobre o "atraso"

brasileiro e em relação ao processo de mestiçagem no Brasil. Para Roquete Pinto e Manuel

Bonfim a construção da identidade nacional não estaria na raça. As ideologias racistas foram

vitoriosas e funcionaram como base para a construção da identidade nacional até a primeira

metade do século XX, de forma mais específica até a década de 1930, quando entra em cena

Gilberto Freyre com o Livro Casa Grande e Senzala e transforma a visão negativa sobre o

mestiço e os negros e constrói uma imagem totalmente diferente sobre a mestiçagem no Brasil,

no entanto, não menos racista.

O ideal do branqueamento seria uma "utopia futura"13 para a sociedade brasileira.

Segundo SCHWARCZ (1993) João Batista Lacerda foi convidado a participar do I Congresso

Internacional das Raças, em Julho de 1911 e uma das teses apresentados pelo autor foi a de

que: "o Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e

solução" (LACERDA, 1911 Apud SCHWARCZ, 1993. p. 11) Em uma análise sobre João Batista

Lacerda, SCHWARCZ (1993) destaca que segundo o autor, o "país era descrito como uma

nação composta por raças miscigenadas, porém em transição", desenvolvendo uma sensação

de que, em um determinado período, o povo brasileiro, passaria por um processo de

branqueamento. Percebemos nas palavras de SCHWARCZ (1993) uma visão poligenista nas

posições de Lacerda, onde justifica, com bases científicas da época, o processo de

branqueamento da população fortalecendo a visão do negro e dos índios como atrasados e

obstáculos à formação de uma identidade nacional. Para SCHWARCZ (1993) "Lacerda,

poligenista convicto, acreditava na existência de vários centros de criação humana, mas

continuava supondo que a evolução era única em direção à civilização." Sendo assim, João

Batista Lacerda, ao desenvolver seus estudos sobre os Botocudos, "descobria o exemplo

13 Termo utilizado por ORTIZ, 1994.

Page 42: Victor Hugo Beñák de Abreu

32

máximo de inferioridade humana, e apontava no branqueamento a grande perspectiva nacional

diante do inevitável fenômeno de depuração das raças." SCHWARCZ (1993)

SCHWARCZ (1993) ressalta o ideal de branqueamento proposto por Lacerda.

"No Congresso Internacional das Raças (1911), por exemplo, o discurso proferido por Lacerda soava sobretudo como um alento. Uma esperança no branqueamento, uma certeza irrestrita nas conclusões da ciência evolutiva, a crença em suas projeções populacionais, que, contrariando os censos demográficos, previam um país cada vez mais branco. É sempre a imagem do cientista que, confiante em suas bases teóricas, se desprende da realidade imediata para dialogar com os modelos e doutrinas que adota." (SCHWARCZ ,1993. p.94)

Como podemos observar, esse processo de miscigenação baseado no branqueamento

reforçou na sociedade o racismo em relação aos negros, visto que se estabeleceu uma

distorção ideológica no qual à população negra era imputada uma série de estigmas ligadas a

fatores intelectuais e morais não apenas inferiores ao negro como um perigo a sociedade.

I.4.2 As transformações a partir de 1930 e a construção do "mito da democracia racial"

Os parâmetros raça e meio nortearam o desenvolvimento da nacionalidade até os anos

de 1930, a partir desse período há uma transformação no território brasileiro com o processo

de modernização por intermédio das indústrias e da urbanização. Foi a partir de 1930,

principalmente com o Estado Novo (1937-45) e a Segunda República (1945-64), que o Brasil

ganhou definitivamente um "povo", ou seja, inventou para si uma tradição e uma origem.

MAGALHÃES (2002) Os parâmetros de raça e meio, já não são suficientes para explicar e

contemplar a formação da identidade nacional brasileira, com isso, o conceito de raça (no

sentido biológico e evolucionista), em que colocava os negros como inferior e o mestiço como

uma mistura negativa, é substituído pelo parâmetro cultura.

"A idéia fundamental da nova nação é a de que não existem raças humanas, com diferentes qualidades civilizatórias inatas, mas sim diferentes culturas. O Brasil passa a ser pensar a si mesmo como uma civilização híbrida, miscigenada, não apenas europeia, mas produto do cruzamento entre brancos, negros e índios." (MAGALHÃES, 2002. p.117).

Com a industrialização a partir de 1930 e a lei de 2/314 de Vargas, favorecendo a

contratação de trabalhadores brasileiros, o mestiço e o negro foram incorporados ao mercado

14 "Na Constituição de julho de 1934, o parágrafo 6 do artigo 121 determinava que restrições deveriam ser impostas à entrada de

imigrantes com o objetivo de garantir a “integração étnica e capacidade física e civil do imigrante”. Essas restrições estipulavam o limite anual, para cada nacionalidade, de dois por cento do número total dos respectivos membros já fixados no Brasil nos cinqüenta anos anteriores à aprovação da lei. Ficou ainda proibida, de acordo com parágrafo seguinte do mesmo artigo, a concentração de imigrantes em qualquer parte do território brasileiro." (GERALDO, 2009. p. 176)

Page 43: Victor Hugo Beñák de Abreu

33

de trabalho em grande quantidade. Essas medidas possibilitaram um grande fluxo de

trabalhadores pelo território brasileiro com migrações internas voltadas, principalmente, para os

centros urbanos do Sudeste.

Magalhães (2002) identifica algumas medidas tomadas pelo período republicano:

"(...)1) o reconhecimento da escravidão como um sistema inumano e aviltante (ao contrário da justificativa monarquista, escravista, da escravidão como tempo da colonização cultural dos negros e índios (...) 2) o reconhecimento da dívida cultural que a nação brasileira tem em relação aos negros(...)3) a idéia de que em quanto povo, os brasileiros "ultrapassam" os elementos formadores da nação." (MAGALHÃES, 2002. p. 120)

Com esses parâmetros desenvolvidos pelo período republicano, a transformação de

raça em termo cultural é reforçada por Gilberto Freyre em seu livro Casa Grande e Senzala

mencionando que "todo brasileiro mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma e no corpo a

sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro." (FREYRE, 2003. apud

MAGALHÃES, 2002. p. 121)

Quando todos os brasileiros passam a ter uma herança negra, branca ou indígena,

integrando-os de forma unívoca nacionalmente, passam a ter dificuldades na definição de

quem é negro no Brasil. ORTIZ (1994) chama atenção para "a construção de uma identidade

mestiça que deixa ainda mais difícil o discernimento entre as fronteiras de cor." Neste

momento, o mito das três raças é reforçado de maneira positiva, o que antes fadava o Brasil ao

fracasso, agora, é uma característica prosaica, e que cria uma ilusão de que todos são iguais e

apresentam um passado em comum, e encobre os conflitos raciais, possibilitando a todos se

"reconhecerem como nacionais". ORTIZ (1994)

Segundo MUNANGA (2008) a grande contribuição de Gilberto Freyre foi ter mostrado

que índios, negros e brancos tiveram contribuições positivas na cultura brasileira, sendo a

mestiçagem, que antes era vista por Nina Rodrigues, Silvio Romero, João Batista Lacerda,

Euclides da Cunha e outros como dano irreparável ao Brasil, para Freyre era uma imensa

vantagem. Como analisa MUNANGA (2008):

"Freyre consolida o mito originário da sociedade brasileira configurada num triângulo cujos vértices são as raças negra, branca e índia. Foi assim, que surgiram as misturas. As três raças trouxeram também suas heranças culturais paralelamente aos cruzamentos raciais, o que deu origem a uma outra mestiçagem no campo cultural. Da idéia dessa dupla mistura, brotou lentamente o mito de democracia racial; "somos uma democracia porque a mistura gerou um povo sem barreira, sem preconceito."" (MUNANGA, 2008. p. 77)

A identidade nacional brasileira, a partir da década de 1930, foi construída sob o mito da

democracia racial, ou seja, a sociedade brasileira é marcada por uma sensação de convivência

Page 44: Victor Hugo Beñák de Abreu

34

pacífica,"sem racismo", "segregação", "preconceito" e que todos vivem de maneira harmoniosa.

ANDREWS (1998) destaca na citação abaixo que Gilberto Freyre foi um dos principais autores

brasileiros e um dos responsáveis pela criação do mito da democracia que se perpetuou nas

relações sociais, levando a uma reprodução e amplificação da segregação dos afro-brasileiros,

através da construção de ideologias racistas capazes de manter uma sensação de falta de

obstáculos para a ascensão dos negros, desenvolvendo no imaginário a ideia de uma nação

igual, sem conflitos e com as mesmas oportunidades, bastando o "cidadão brasileiro" ir à luta,

ele conseguiria alcançar suas metas profissionais, econômicas e outras.

"Em vários livros e artigos publicados entre as décadas de 1930 e 1970, Freyre foi convincente no desenvolvimento do tema de um ―Novo Mundo nos trópicos‖, do Brasil como uma terra quase (não totalmente, mas quase) isenta de preconceito racial, e que poderia servir de exemplo parao resto do mundo resolver seus problemas raciais. Ele encontrou as raízes desse ―Novo Mundo‖ na experiência colonial do Brasil, e sobretudo em sua experiência supostamente benigna com a escravidão. Enfatizando os níveis relativamente baixos de preconceito racial entre os colonos portugueses no Brasil, e a escassez de mulheres européias na colônia, Freyre argumentou que o Brasil proporcionou o ambiente ideal para a mistura racial entre os senhores europeus e as escravas africanas. A ampla miscigenação ―dissolveu‖ qualquer vestígio de preconceito racial que os portugueses poderiam ter trazido de Europa, ao mesmo produzindo uma grande população de raça miscigenada. O resultado foi ―uma das mais harmoniosas uniões da cultura com a natureza e de uma cultura com outra que as terras deste hemisfério jamais conheceram‖. E quando o Brasil passou para os séculos XIX e XX, esta ―união harmoniosa‖ de negros com brancos formou a base da ―democratização ampla‖ da sociedade brasileira, e sua inexorável ―marcha para a democracia social‖." (ANDREWS,1998. p 28).

Ao mencionar alguns pontos principais das ideias de Gilberto Freyre, ANDREWS (1998)

identifica uma das maiores formas de controle racial e social do mundo, um “Racismo à

brasileira”. ANDREWS (1998) identifica também, que a visão do Racismo à brasileira ainda se

reproduz entre as classes dominantes, desenvolvendo uma cortina de fumaça e difícil de ser

dissipada para que possamos enxergar os detalhes desse forte controle racial. Como reforça

GONÇALVES (2006):

"Criado por elites brancas e laboriosamente inscrito no imaginário social, com a contribuição de eminentes cientistas sociais, o mito da democracia racial que se supõe existir no Brasil foi, provavelmente, um dos mais poderosos mecanismos de dominação ideológica já produzidos no mundo. Apesar de toda a crítica que a ele foi feita, permanece irresistivelmente atual. Por meio dele, ressalta-se o caráter miscigenador da sociedade brasileira: um povo mestiço, misturado, aberto aos contatos inter-raciais. Em uma palavra: pluriétnico." (GONÇALVES, 2006, p. 67).

Segundo MAGALHÃES (2001) com o fim da negação da categoria raça como

característica biológica e evolucionista, das políticas (direitos), culturais e sociais entre os

negros e os brancos ou descendentes de europeus, incorporou-se a numa única matriz híbrida,

Page 45: Victor Hugo Beñák de Abreu

35

em termos biológicos, culturais, sociais e políticos é o que MAGALHÃES (2001) denomina de

"Democracia Racial brasileira". Para MAGALHÃES (2001) Freyre foi o responsável pela difusão

do mito da democracia racial nas ciências sociais e os artistas modernistas e regionalistas nas

artes, desenvolvendo uma "solução" para a questão racial no Brasil.

O domínio luso-brasileiro sobre a cultura não é visto como hegemônico possibilitando

uma valorização da mestiçagem, permitindo assim a inserção do negro e do índio na formação

da nação brasileira, portanto, segundo MAGALHÃES (2001), a "estratégia nunca foi de

segregação dos negros e mestiços, mas de criação de um "transformismo" e de um

"embraquecimento" incorporando mestiços bem sucedidos ao grupo dominante." Esse

processo fica claro na abordagem de Oracy Nogueira sobre uma das formas ideológicas e

materiais do racismo brasileiro que ele denominou como preconceito racial de marca e

preconceito racial de origem.

Segundo NOGUEIRA (2006) o preconceito racial no Brasil é determinado como um

preconceito de marca e não de origem como nos Estados Unidos da América. Para

NOGUEIRA (2006) quando o preconceito de raça é vinculado à aparência, isto é, "quando

toma por pretexto para suas manifestações os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os

gestos, o sotaque, diz se que é de marca".

Ao analisar as diferenças entre o preconceito de marca e de origem, NOGUEIRA (2006)

destaca que no Brasil, a ideologia racial é ao mesmo tempo assimilacionista e

miscigenacionista. NOGUEIRA (2006) aponta que há uma forte expectativa para que o negro

desapareça, pelo sucessivo cruzamento com o branco e a noção geral é de que o

branqueamento da população será a melhor solução.

A ideologia assimilacionista deixa em aberto a importância do negro na constituição da

nação brasileira, desenvolve-se um "silêncio" sobre suas representações na sociedade,

permitindo assim, uma reprodução da ideologia do branco e a manutenção de relações

assimétricas de poder. É um processo de aculturação onde NOGUEIRA (2006), "espera-se que

indivíduo de outra origem, abandone, progressivamente, sua herança cultural, em proveito da

"cultura nacional". Sob esse prisma, a miscigenação, inserida na ideologia da democracia

racial, deixou de ser um caminho para acabar com o problema do negro para o futuro da

sociedade brasileira, e virou a marca de um país sem conflitos raciais. Bastante difundida pelos

livros didáticos, literários e pela mídia, durante muito tempo vigorou o discurso único do Brasil

como paraíso racial, sem conflitos e com uma relação de tratamento e de igualdade não

encontrada em lugar nenhum do planeta. Como podemos identificar nas palavras abaixo.

"Não obstante acobertar uma forma velada de preconceito, a ideologia brasileira de relações inter-raciais, como parte do ethos nacional, envolve uma valorização ostensiva do igualitarismo racial, constituindo um ponto de referência para a condenação pública de manifestações ostensivas e intencionais de preconceito, bem como para o protesto de elementos de cor contra as preterições de que se sentem vítimas. Além disso, dado o orgulho

Page 46: Victor Hugo Beñák de Abreu

36

nacional pela situação de convivência pacífica, sem conflito, entre os elementos de diferente procedência étnica que integram a população, as manifestações ostensivas e intencionais de preconceito assumem o caráter de atentado contra um valor social que conta com o consenso de quase toda a sociedade brasileira, sendo por isso evitadas". (NOGUEIRA, 2006. P. 298)

Existe no Brasil uma ideologia do branqueamento denunciada por NOGUEIRA (2006),

onde ressalta que quando um mulato ou "preto "sobe" socialmente, ele se desinteressa pela

sorte de seus companheiros de cor, chegando a negar a existência de preconceito." Cabe aqui,

levantarmos uma questão importante, a ideologia racista produzida e reproduzida pelos

instrumentos da sociedade civil, como escolas, partidos, igrejas, difundem uma sensação de

que uma melhor redistribuição da renda no Brasil poderia solucionar os possíveis problemas

raciais existentes. Esta perspectiva de análise nos remete ao conceito de ideologia de CHAUÍ

(2013) onde há um reducionismo econômico criticado por HALL (2003), no qual a autora

determina à questão econômica como uma última instância de análise e de solução.

Ficou evidente com o tempo, que a elite se apropria de um negro com elevado status

social e o coloca como exemplo ou referência para outros negros, negando assim a existência

de obstáculos para se alcançar um status na sociedade. Entretanto, não podemos confundir

obtenção de status social com o "fim do racismo" no Brasil

O mito da democracia racial brasileira começa a ser “dissolvido” segundo ANDREWS

(1998) através do autor Florestan Fernandes em uma pesquisa solicitada pela UNESCO na

década de 1950, onde atacavam o “mito” da democracia racial, revelando a realidade da

desigualdade e da discriminação racial no Brasil. SOUZA (2006) reforça que além de Florestan

Fernandes, citado anteriormente, os autores Guerreiro Ramos (1950, 1957) e Abdias

Nascimento (1982) tinham como finalidade o desmascaramento da democracia racial brasileira,

"mas alguns estudiosos serão acusados de americanizar as relações raciais brasileiras e

praticando um racismo às avessas." SOUZA (2006)

"O mito da democracia racial se desgastou com o fortalecimento do movimento negro, já no fim da ditadura militar, com denúncias sobre racismo e discriminação racial, e a acusação do mito como ideologia que impedia a ação anti-racista e a busca por uma identidade racial positiva" (MAGALHÃES, 2002 p.160).

E MAGALHÃES (2002) reforça o desgaste do mito da democracia racial na década de

1970 quando diz:

"(...) a democracia racial que se implantara no país nos anos 1930, seja como ideal de relações não-discriminatórias e não segregacionistas, seja como pacto político de participação das massas urbanas, seja como integração dos negros à nação, tal democracia pressupunha o papel subordinado de práticas religiosas de origem africana e o caráter sincrético da contribuição dos negros

Page 47: Victor Hugo Beñák de Abreu

37

à cultura nacional: não havia lugar para direitos a identidade ou singularidade. Mas, em meados dos 1970 era a reivindicação de tal identidade e singularidade que começava a ser atendida pelo Estado brasileiro, ao menos, no terreno da cultura." (MAGALHÃES, 2002. p. 161)

Um dos grandes problemas na sociedade é subrepresentatividade dos negros. Não

existem políticas, para a inserção dos negros, em massa. Por isso, que o mito da democracia

racial, é um "mito". Ele não cumpriu o que prometia. Houve a construção de uma ideologia

racial unindo a ideia raça a cultura e desenvolvendo, no Brasil, o chamado 'paraíso racial'. Este

"paraíso Racial" cria a sensação de permitir uma ascensão de "qualquer raça", por intermédio

de seus próprios esforços e de forma mais equitativa. MAGALHÃES (2002)

Houve, portanto, uma transformação do pensamento racial brasileiro com o surgimento

da República, a imagem do mestiço indolente, apático, atrasado é transformada em uma

"representação" ou contribuição enorme para a formação da sociedade brasileira. Não

somente os mestiços, mas também os negros. A formulação de ideologias racistas, a partir da

década de 1930 no Brasil, passam a influenciar as artes, as leis, criando uma concepção de

mundo nos brasileiros capaz de ocultar as diferenças raciais e tornar universal a sensação de

igualdade no Brasil. A utilização de exemplos de Racismo institucionalizados como nos

Estados Unidos e na África do Sul, possibilitaram o reforço da ideia de Brasil como Paraíso

Racial. Entretanto, vivemos em um país com uma da piores formas de estigmatização do outro

no mundo, capaz de "ocultar a divisão social, ignorar a contradição, escamotear a exploração e

a exclusão, dissimular a dominação e esconder a presença do particular, enquanto particular,

dando-lhe a aparência do universal." CHAUÍ (2013)

Como demonstramos no transcorre desse capítulo, a ideologia racista, busca através da

imputação de aspectos morais, intelectuais e culturais, relacionados à raça, estabelecer uma

diferenciação entre os seres no qual uns detém as condições para ocupar os melhores cargos

e serem os condutores da sociedade rumo ao progresso, enquanto outros estão fadados as

ocupações menos valorizadas e podem ser um perigo para qualquer processo civilizatório ou a

vida na sociedade dentro de parâmetros éticos de sociabilidade. Nesse processo, os estigmas

imputados a população negra tem, em termos de distorção ideológica, a função de legitimar tal

visão e tornar a exclusão social e econômica sofrida pelos negros, como também o preconceito

a discriminação que se abate sobre esses, independente da sua classe social, como algo

natural.

Mas como também demonstramos, nesse processo não há nada de natural. Tal

processo é fruto de uma construção social, regido por determinados interesses, no qual houve

o envolvimento de intelectuais, que munidos de uma determinada visão de ciência e progresso,

estabeleceram uma forma de abordagem dessa questão que depois foi difundida na sociedade,

através de meios de comunicação, escolas e outros aparelhos “privados” de hegemonia, além

Page 48: Victor Hugo Beñák de Abreu

38

da ação do Estado. Então foi um processo resultante de atores políticos e difundidos na

sociedade das mais diferentes formas.

Capítulo II - Educação, geografia e ideologia

II.1 - Educação, hegemonia e contra-hegemonia

A educação pode atuar na produção e reprodução do pensamento dominante,

corroborando com a manutenção das estruturas assimétricas de poder entre as classes sociais

ou na produção de novas concepções/visões de mundo (leituras do mundo) que não

dissimulem as relações de poder assimétricas e que sejam capazes de desenvolver

pensamentos e práticas contra-hegemônicas.

Para seguirmos nessa abordagem, faz-se necessário retornamos aos assuntos tratados

no capítulo anterior, onde destacamos a concepção de GRAMSCI (1978) sobre ideologia e seu

poder sobre a sociedade. Segundo o autor, o conceito de ideologia está ligado "a uma visão de

mundo, que se manifesta na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as

manifestações de vida individuais e coletivas." Vimos, também, que GRAMSCI (1978) crê na

existência de ideologias dominantes produzidas, principalmente, pela Sociedade Civil. Os

conceitos de ideologia e hegemonia em GRAMSCI (1978) estão ligados, pois, para ele,

"hegemonia é a capacidade da classe dominante em dirigir e dominar, intelectual e

moralmente, a outra classe." SOUZA (2006) O conceito de hegemonia de Gramsci, segundo

MODESTO (2014), se "antepõe à ideia de dominação". Para Gramsci, conforme MODESTO

(2014), "o conceito de hegemonia remete à ideia de direção, sendo vista como um complexo

sistema de relações e mediações, ou seja, uma completa capacidade de direção."

"(...) hegemonia é, ao mesmo tempo, direção ideológico-política da sociedade civil e combinação de força e consenso para obter o controle social. Os grupos sociais adquirem legitimidade nas interpretações promovidas por Gramsci. Uma classe ou grupo pode exercer seu domínio sobre o conjunto social porque não apenas é capaz de impor esse domínio, mas também de fazer os demais grupos sociais aceitarem-no como legítimo." (ACANDA, 2006 apud MODESTO, 2014. p. 84)

O conceito de hegemonia em Gramsci, portanto, relaciona o domínio das classes

dominantes sobre os dominados quando consegue dar a direção moral e intelectual da

Page 49: Victor Hugo Beñák de Abreu

39

sociedade, passando a agir como classe dirigente. Sendo assim, a Sociedade Civil15 é o

principal componente para a produção da hegemonia, pois é nela que se "difundem as

representações ideológicas" que se quer legitimar e obter o consenso na sociedade, como

consta nesse trecho do Caderno do Cárceres:

"A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como ocorre no caso dos grupos sociais fundamentais, mas é "mediatizada", em diversos graus, por todo o tecido social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente os "funcionários". Seria possível medir a "organicidade" dos diversos estratos intelectuais, sua conexão mais ou menos estreita com um grupo social fundamental, fixando uma gradação das funções e das superestruturas de baixo para cima (da base estrutural para o alto). Por enquanto, podem-se fixar dois grandes "planos" superestruturais: o que pode ser chamado de "sociedade civil" (isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como "privados") e o da "sociedade política ou Estado", planos que correspondem respectivamente, à função de "hegemonia" que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de "domínio direto" ou de comando, que se expressa no Estado e no governo "jurídico". Estas funções são precisamente organizativas e conectivas. Os intelectuais são os "prepostos" do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) Do consenso "espontâneo" dado pelas grandes massas da população à orientação pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce "historicamente" do prestígio (e, portanto, da confiança) obtido pelo grupo dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de coerção estatal que assegura "legalmente" a disciplina dos grupos que não "consentem", nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais desaparece o consenso espontâneo." (GRAMSCI, 2000. p. 21)

Os intelectuais, "em diversos graus da sociedade", atuam na construção de um

consenso "espontâneo". Este é estimulado pelo processo de "mediatização" que acaba por

induzir à maneira como se deve enxergar o mundo. Portanto, a forma de ler o mundo perpassa

pela visão desenvolvida pelos intelectuais que atribuem valores e significados ao que deve ser

valorizado ou não. Esse juízo de valor é possibilitado pela mediação do prestígio e da

confiança depositada pela sociedade nos intelectuais. Quando o consenso deixa de ser

espontâneo, a Sociedade Política adentra como uma forma de "assegurar legalmente a

disciplina" daqueles grupos que não estão em comunhão com o projeto global, determinado

pelas classes dirigentes. A hegemonia das classes dirigentes ocorre não somente na política,

mas, sobretudo, em relação ao controle sobre a cultura, e assim, o desenvolvimento de uma

contra-hegemonia se dá com a criação de uma contra-cultura.

"Na Sociedade Civil as classes procuram ganhar aliados pra seus projetos através da

direção e do consenso." MORAES (2010) A classe dominante mantém um controle sobre os

meios de produção e de repressão, "mas principalmente pela capacidade de produzir e

15"Definida por GRAMSCI como arena da luta de classes, a sociedade civil é um âmbito de múltiplas relações de poder e

contradições, lugar de disputa de sentidos entre forças e grupos sociais, "esfera pluralista de organizações, de sujeitos coletivos, em luta ou em aliança entre si, [...] o espaço da luta pelo consenso, pela direção político-ideológica" (COUTINHO, 2000, p.18 apud MORAES, 2010. p. 58)

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40

organizar o consenso, a direção política, intelectual e moral dessa sociedade." (ACANDA, 2006

apud MODESTO, 2014. p. 84).

Seguindo nesse sentido MODESTO (2014) define hegemonia em Gramsci como a

"habilidade do grupo dominante em não tentar impedir as manifestações dessa diversidade, e

sim, cooptá-las para seu projeto global de construção da trama social." Já, hegemonia em

Gramsci segundo o MORAES (2010), "pressupõe a conquista do consenso e da liderança

cultural e político-ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre outras."

Os dois autores, MORAES (2010) e MODESTO (2014), realizam uma leitura do

conceito de hegemonia em Gramsci como o domínio e o direcionamento de uma classe sobre

a outra com o intuito de legitimar e universalizar seus interesses específicos como vontade

coletiva. A hegemonia é construída de forma lenta e gradual e o direcionamento que é dado

pela classe dominante, segundo MORAES (2010), não depende somente de força material e

sim, deve ser alcançado por intermédio de estratégias de argumentação e persuasão,

modificando valores e mentalidades.

E, nesse sentido, a escola entra com um papel importante na produção de discursos e

sentidos para legitimar o poder da classe dominante sobre os dominados. A burguesia,

portanto, segundo MODESTO (2014), se vê obrigada a desenvolver consensos e, a escola16,

em nossa visão, é uma das formas de se determinar a direção e os rumos do que deve ser

idealizado sobre algo. Assim, as escolas são fundamentais como propagadoras de ideologias

que acabam direcionando "o pensar" a partir de uma "pedagogia da classe dominante".

"O processo de hegemonia inclui, então, disputa pelo monopólio dos órgãos formadores de consenso, como imprensa, partidos políticos, sindicatos, Parlamento etc, "de modo que uma só força modele a opinião e, portanto, a vontade política nacional, desagregando os que discordam numa nuvem de poeira individual e inorgânica."" (GRAMSCI, 2000. p. 265 apud MORAES, 2010. p. 67)

A criação de intelectuais por parte das classes é uma forma de se apropriar e cooptar

aqueles que são contra o pensamento hegemônico. Portanto, essa visão da educação como

respaldo para a reprodução hegemônica está baseada em Gramsci tendo como princípio

norteador a relação das classes sociais e a produção dos seus intelectuais.

GRAMSCI (2000) vê nos intelectuais o papel de condutores ou direcionadores da

produção do consenso "espontâneo". Sendo estes intelectuais não necessariamente

estudiosos, por exemplo, um empresário pode ser visto como um intelectual, pois passa a ter

suas determinações seguidas e se torna uma pessoa que serve de referência para outros e

16 "Gramsci considera os aparelhos privados de hegemonia como sendo aqueles portadores materiais da visão do mundo em

disputa, em luta pela hegemonia que agregam novos "aparelhos hegemônicos" que são gerados pela luta das massas (como sindicatos, os partidos, os jornais de opinião, etc), como também, os velhos "aparelhos ideológicos de Estado", herdados pelo capitalismo, tornaram-se algo "privado", passando a fazer parte da sociedade civil em seu sentido moderno (é o caso das Igrejas e, até mesmo, do sistema escolar). (MODESTO, 2014. p. 87)

Page 51: Victor Hugo Beñák de Abreu

41

acaba por orientar valores, ideias, posturas. Contudo, a escola, os partidos políticos e a Igreja

são os principais locais de produção desses intelectuais e de legitimação do poder das classes

dominantes por intermédio da construção de um consenso "espontâneo".

O professor, como um intelectual, é referência para seus educandos. Ele tem prestígio e

a confiança dos mesmos no processo de educar. Essas referências facilitam a construção de

leituras do mundo que o docente irá passar aos seus alunos.

Nos últimos anos, o papel da família no processo de educar foi reduzido com a

"hipertrofia da escola17". Assim, SAVIANI (2011) destaca que "a forma de educação dominante

no ocidente é a escolar." Desse modo, o papel do professor como referência ganha peso na

construção de influências que auxiliem na leitura de mundo que o educando irá se apropriar.No

entanto, podemos questionar quais leituras de mundo serão orientadas pelo professor.Nesse

sentido, o conceito de hegemonia em APPLE (1982) é fundamental para entendermos esse

levantamento entre educação como um ato político consciente ou não.

"(...) a hegemonia não se refere a um amontoado de significados que residem em nível abstrato em algum canto no "topo de nossa mente." Refere-se, antes, a um conjunto organizado de significados e práticas, ao sistema central, efetivo e dominante de significados, valores e ações que são vividos. Precisa ser compreendida a um nível diferente da "mera opinião" ou "manipulação" (APPLE, 1982. p. 14)

O professor na figura de um intelectual acaba por difundir ideologias que auxiliam no

processo de manutenção da hegemonia das classes dirigentes ou estimulam a criação de

novos olhares e leituras que o aluno aprende a fazer do mundo. Esse papel de incentivar o

educando a apreender que diversas vozes são silenciadas vai depender da visão de mundo

desse educador e da sua própria formação de professor, pois suas leituras, se influenciadas

por ideologias das classes dirigentes, acabam por dissimular as lutas e os conflitos na busca

da redução das relações sociais assimétricas de poder. Como APPLE (1982) destaca em seus

estudos, um dos maiores problemas dos educadores e seres políticos está em: "(...) apreender

formas de compreensão do modo como os tipos de recursos e símbolos culturais, selecionados

e organizados pelas escolas, estão dialeticamente relacionados com os tipos de consciência

normativa e conceitual "exigidos" por uma sociedade estratificada." (APPLE,1982. p.10)

O reconhecimento de que uma sociedade estratificada produz símbolos culturais é

fundamental para o professor compreender sua função diante do magistério e perceber que as

escolas "produzem e reproduzem formas de consciência que permitem a manutenção do

controle social sem que grupos dominantes tenham de recorrer a mecanismos declarados de

dominação". APPLE (1982) No entanto, esse autor admite que reconhecer esses símbolos não

é tarefa fácil, mesmo para os docentes. Segundo APPLE (1982) "a educação não é um

17 Termo utilizado por SAVIANI (sem data) para se referir ao crescimento da escola em número de alunos e ao mesmo tempo de

sua antecipação ao inserir em seus muros alunos cada vez mais jovens, além de ampliar o tempo de escolaridade.

Page 52: Victor Hugo Beñák de Abreu

42

empreendimento neutro, que, pela própria natureza da instituição, o educador estava

implicado, de modo consciente ou não, num ato político." Em outras palavras, por mais que

pareça um paradoxo, nem sempre o docente percebe o poder de manutenção ou de

transformação que o processo educacional detém, em termos políticos.

Essa relação entre educação, ato político e professor, assume maior forma quando

estabelecemos uma análise desse tripé a partir do eixo entre hegemonia e a educação escolar.

APPLE (1982) parte dos estudos de Raymond Williams sobre o conceito de hegemonia em

Gramsci, para demonstrar o quanto a sala de aula, serve como um dos espaços para

construção de uma visão de mundo que se quer hegemônica. Conforme analisado por APPLE

(1982), Raymond Williams aponta a hegemonia como alguma coisa que é "verdadeiramente

total, não é fraca como a ideologia, mas sim, satura a sociedade a um tal ponto que acaba por

constituir o limite do senso comum para a maioria das pessoas que se acham sob seu

domínio." Hegemonia, portanto, na leitura de Raymond Williams "(...) todo um corpo de práticas

e expectativas; nossas tarefas, nossa compreensão comum do homem e de seu mundo. É um

conjunto de significados e valores que, à medida que são experienciados como práticas,

apresentam-se como se confirmando reciprocamente." (WILLIAMS, Raymond apud APPLE,

1982. p. 15)

As instituições educacionais servem como ferramentas para o processo de

incorporação de significados orientados pela cultura dominante, atuando nesse processo de

construção de uma hegemonia. Raymond Williams chama de tradição seletiva "a forma em

que, de todo um campo possível de passado e presente, escolhem-se como importantes

determinados significados e práticas, ao passo que outros são negligenciados." Seguindo essa

abordagem teórica, APPLE (1982) sustenta que a escola não é neutra, muito menos a prática

docente, pois "essa reivindicação ignora o fato de que o conhecimento que se introduz na

escola é uma escolha de um universo muito mais vasto de conhecimento e princípios sociais

possíveis." Assim, APPLE (1982) afirma que:

"Valores sociais e econômicos, portanto, já estão engastados no projeto das instituições em que trabalhamos, no "corpus formal do conhecimento escolar" que preservamos em nossos currículos, nas nossas maneiras de ensinar, e em nossos princípios, padrões e formas de avaliação. Uma vez que esses valores agora agem através de nós, quase sempre inconscientemente, a questão não está em como se manter acima da escolha. Está, antes, em quais são os valores que se devem, fundamentalmente escolher."(APPLE, 1982. p. 19)

Para APPLE (1982), portanto, vivemos sobre um conjunto de ideologias, que por

intermédio da construção de significados, passam a se incorporarem em nossos valores. O

predomínio de valores e princípios incorporados pela sociedade a partir das classes

dominantes ocorre de forma incisiva e direciona a um processo hegemônico e, ao mesmo

tempo, desenvolve uma aceitação dos "dominados" que encaram como "natural" ou agem de

Page 53: Victor Hugo Beñák de Abreu

43

forma inconsciente. A escola, segundo APPLE (1982), é um dos principais locais para o

desenvolvimento desse consenso "espontâneo" sobre os valores difundidos pelas classes

dirigentes. E para APPLE (1982), quando através da escola a sociedade enxerga a existência

da hegemonia das classes dirigentes, acaba na verdade, não sobrepondo os valores

difundidos, mas escolhendo apenas o caminho a seguir.

A visão do professor direcionada sobre um determinado assunto em sala de aula acaba

por nortear as primeiras leituras que o educando irá obter sobre um determinado tema, e,

dependendo da forma em que for ministrado o conteúdo, pode-se obter uma manutenção de

uma ordem hegemônica que reproduz relações sociais e raciais assimétricas ou a formação de

uma leitura de mundo, por meio dos conteúdos, que seja transformadora, libertadora.

Mas, será que o sistema educacional está vedado somente a reproduzir a "pedagogia

dominante"? Dentro da Sociedade Civil existem diversos conflitos, portanto, não existindo um

consenso sobre uma dominação da classe dominante, isto é, existem aqueles que não são

reprodutores do pensamento hegemônico e não são cooptados pelo projeto global e acabam

por produzir novas visões, que a partir das leituras sobre Gramsci são denominadas de contra-

hegemônicas. Isto é, se a sociedade civil é uma arena de lutas que reproduz as ideias das

classes dominantes, esta mesma arena de lutas é capaz de enfraquecer os consensos

firmados.

Nos estudos de MORAES (2010), no texto: "Comunicação, hegemonia e contra-

hegemonia: a contribuição teórica de Gramsci", o autor destaca o papel da mídia em reduzir o

fluxo de ideias contestadoras da ordem vigente, esvaziando as análises críticas e expressões

de dissensos. Para o autor, existem poucas vozes no debate e, as que existem (geralmente,

uma pequena parcela da população é quem controla os meios de comunicações enquanto a

maioria é consumidor das informações), são condicionadas em não alterar ou afetar os

interesses econômicos, corporativos ou políticos vigentes. As informações difundidas na mídia

acabam ganhando uma função social de "informar a coletividade" e a sensação de um filtro

realizado pelos jornalistas com o intuito de informar somente o que é de relevância para todos.

No entanto, o autor contesta essa ideologia baseada no processo de informar a todos e indica

que a mídia acaba por orientar as funções e papéis na sociedade.

Existe uma série de ideologias que diariamente criam e recriam leituras do mundo que

direcionam ao pensamento denominado de hegemônico. A contra-hegemonia está relacionada

à construção de formas diferenciadas das leituras que fazemos do mundo e das relações de

poder existentes, ou seja, a contra-hegemonia está baseada no desenvolvimento de novas

possibilidades, do múltiplo, da diversidade e não em uma visão única e universal da sociedade

pautada em visões das classes dirigentes. Assim, na contra-hegemonia tem-se a busca pelas

diversas vozes e existências na sociedade, não se limitando à cultura hegemônica.

Page 54: Victor Hugo Beñák de Abreu

44

Dessa maneira, MORAES (2010) aponta um dos desafios do pensamento contra-

hegemônico:

"Um dos desafios centrais do pensamento contra-hegemônico consiste em alargar a visibilidade pública de enfoques ideológicos que contribuam para a reorganização de repertórios, princípios, e variáveis de identificação e coesão, com vistas à alteração gradual e permanente das relações de poder." (MORAES, 2010. p.73)

Embora MORAES (2010) tenha um foco na comunicação concentrada nas mãos de

poucos e clama por uma desconcentração ou reorientação do controle dessas fontes

divulgadoras das informações, a escola, em nosso entender, também necessita de uma nova

roupagem, uma busca por uma "visibilidade pública de enfoques ideológicos para a construção

de novos repertórios ou conteúdos". A hegemonia, portanto, não é uma construção monolítica

e, sim, o resultado de uma "relação de forças entre blocos de classes em dado contexto

histórico e, a contra-hegemonia institui o contraditório, findando com a ideia de uníssono e

universal" como apontam as ideologias desenvolvidas pelas classes dominantes e legitimadas

pelos aparelhos privados de hegemonia, como as escolas.

A educação é uma peça fundamental na construção de uma visão crítica da sociedade,

pode atuar como reprodutora das ideologias dominantes ou como ferramenta na construção de

novos modelos e de ruptura das relações de poder hegemônicas. O silenciamento de grupos

subalternos é uma das formas encontradas pela educação escolar de dissimular essas

relações assimétricas de poder e desenvolver a ideia de que todos estão caminhando em uma

única direção e, o Estado é o organizador desse processo. No entanto, é através de uma

educação libertadora que novas forças ou as silenciadas pelas classes dominantes ascendem

no cenário e reorientam as relações sociais e de poder existentes.

A educação não é determinada de maneira absoluta pela sociedade como

apontam algumas correntes pedagógicas, como a Crítico-reprodutivista. Para esta concepção a

educação escolar é moldada conforme os interesses das classes dominantes e, desse modo, é

reprodutora das relações de poder assimétricas. Como um todo, a "Educação é sim

determinada pela sociedade, mas que essa determinação é relativa e na forma de ação

recíproca - o que significa que o determinado também reage sobre o determinante." SAVIANI

(2011) Esta corrente pedagógica, que acredita em um processo dialógico entre a determinação

da educação pelas classes dirigentes e a mesma educação como libertadora das concepções

dominantes, é denominada por SAVIANI (2011) de histórico-crítico.

SAVIANI (2011) ao se referir a Pedagogia Histórico-Crítica aponta que tal concepção

surgiu a partir da escola, em específico, das práticas dos educadores. Dessa maneira, o

processo educacional ganha o sentido de que "(...) é preciso se posicionar diante de

contradições e desenredar a educação de visões ambíguas, para perceber claramente qual é a

Page 55: Victor Hugo Beñák de Abreu

45

direção que cabe imprimir à questão educacional." SAVIANI (2011) Assim, o professor, fazendo

parte de um processo que é ao mesmo direcionador e orientador de leituras que o educando

poderá construir do mundo, deve buscar os diversos lados das histórias, as vozes silenciadas

ou abafadas, as lutas subtraídas em suma, as diversas existências.

Podemos afirmar que o sistema educacional apresenta um papel fundamental na

manutenção das relações de poder assimétricas na sociedade ao tentar construir uma coesão,

uma ideia de unidade, dissimulando a segregação social, racial e espacial e potencializando a

produção do consenso.

II.2 - A importância da Educação contra o Racismo

Nosso objetivo nesta etapa do trabalho não é abordar de forma detalhada educadores e

correntes pedagógicas que influenciaram a educação brasileira, e sim, desenvolver um diálogo

entre a educação e as relações raciais no Brasil e atentar para a influência que a educação

apresenta no combate ao racismo não só no interior da escola, mas na transformação das

relações assimétricas de poder na estrutura racial da sociedade brasileira.

Em seu livro, "Afro-brasileiros, cotas e ação afirmativa: razões históricas", SISS (2003)

faz uma releitura do sistema educacional brasileiro, ao colocar como objeto de análise a

participação do negro neste processo. Segundo SISS (2003) no período Imperial brasileiro, a

Constituição de 1834 implementava o ensino primário gratuito aos cidadãos, no entanto, o

governo priorizava o acesso aos cursos superiores e ao Colégio Pedro II, que era "a principal

via de encaminhamento às faculdades e local de formação dos quadros do governo." A

exclusão de uma imensa maioria do processo educacional básico e superior possibilitava a

formação de um grupo seleto de pessoas, brancas, que sabiam ler e escrever e que votavam e

determinavam as diretrizes políticas. Ainda sobre SISS (2003), para ele, "O ensino básico não

se situava no horizonte das prioridades das classes dirigentes desse regime, que, na prática,

ignoravam a existência de brancos pobres e de africanos e de seus descendentes

escravizados ou livres." Portanto, as análises feitas por SISS (2003) sobre o acesso dos negros

aos bancos escolares no período Imperial no Brasil, destacam mais "os debates que

realizações" subrepresentando o negro no processo educacional.

Segundo ASSIS (2003) e MUNANGA (2008) o negro, com o fim da abolição, passa a

ser visto como um diferente capaz de disputar com os brancos os espaços de poder existentes

na sociedade. Sendo assim, o desenvolvimento de práticas racistas torna-se uma forma de

impedir o acesso em massa de negros aos espaços de decisão e de produção intelectual.

Já no período Republicano criam-se novos olhares sobre o Brasil, "dando início à

construção de um país moderno com discussões sobre federalismo, democracia e educação."

SISS (2003) No entanto, os negros permanecem em menor número nos bancos escolares.

Page 56: Victor Hugo Beñák de Abreu

46

"No período que vai do início do século XX até a implantação do Estado Novo e no contexto de uma ideologia dita liberal então vigente, a educação irá se constituir numa das principais demandas dos afro-brasileiros. Era ela concebida como o único canal possível de integração à sociedade e de ascensão social." (SISS, 2003. p. 38)

A Frente Negra Brasileira estimulava através de canais como a mídia escrita,

direcionada aos negros, "a necessidade dos pais colocarem seus filhos nas escolas, também,

de que os próprios pais a frequentassem, inclusive à noite." SISS (2003) Essa era vista pelo

movimento na época como uma forma de alcançar uma ascensão social. Já na década de

1930 com a construção de um "Brasil moderno", há uma reconfiguração da identidade nacional

(como já levantado aqui, em capítulo anterior), onde Gilberto Freyre, segundo SISS (2003),

direciona a mestiçagem biológica vista como negativa para o país em direção a um viés

cultural, ou seja, "a mestiçagem é percebida como sendo altamente positiva, completando

"definitivamente os contornos de uma identidade que há muito vinha sendo desenhada."

"A se creditar em Freyre, através da mestiçagem a sociedade brasileira constitui-se como sincrética; portanto, as portas da igualdade de realização econômica, social e política estão abertas aos diversos grupos raciais exatamente por não existir aqui discriminação que tenha por base a raça ou cor. Por consequência, as desigualdades raciais são mantidas fora da arena política, local por excelência da resolução de conflitos." (SISS, 2003. p. 51)

É, portanto, junto com a construção de um "paraíso racial brasileiro" que o processo

educacional é colocado como facultado a todos. E esse acesso colocado como aberto a todos

e fácil acesso, é na verdade, formado por diversos obstáculos que se iniciam nas estruturas

precárias que a maior parte dos estudantes negros encontra nas escolas SISS (2003), somado

as clivagens sociais e espaciais que dificultam a mobilidade tanto vertical (socialmente), quanto

horizontal pelo espaço e ao processo de discriminação e racismo que acabam por dificultar à

maioria dos negros a inserção no ensino básico de qualidade.

Nas décadas de 1940 e 1950 os negros continuaram sendo inseridos de forma lenta no

processo educacional, como vemos nos dados abaixo.

"(...) em 1940, os brancos tinham uma possibilidade 3,8 vezes maior que os não-brancos de completar a escola primária, 9,6 vezes maior de completar a escola secundária e 13,7 vezes maior de receber um grau universitário. Em 1950, as possibilidades passam a ser de 3,5 vezes maior na escola primária, 11,7 vezes maior na escola secundária e 22,7 vezes maior no nível superior." (HASENBALG,1979. p.186 apud SOUZA, 2006. p.246)

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47

Dando um salto no tempo, em 1999, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -

IBGE, segundo SOUZA (2006), declarou em uma pesquisa18 que "a taxa de analfabetismo para

brancos é de 8,4%; para os negros é de 21,6% e para os pardos é de 20,7%", evidenciado as

diferenças de acesso e de condições de estruturas escolares vivenciadas ou não pelos negros

e pardos (Acreditamos que os pardos somam-se aos negros). Dessa maneira cria-se uma

imagem do negro que para SOUZA (2006) é revelada como "negro sem instrução"

desenvolvendo este estereótipo reproduzido como sendo inerente à raça ou a cor de pele, no

caso do Brasil, servindo para legitimar a ideologia racista reinante.

Utilizando dados mais recentes, apenas para fins de ilustração das disparidades

existentes no acesso, manutenção e qualificação dos negros em relação aos brancos, na

Síntese de Indicadores Sociais - uma análise das condições de vida da População Brasileira -

2009, produzida pelo IBGE, destaca-se que a população jovem de 18 a 24 anos de idade com

11 anos de estudo é considerada como essencial para avaliar a eficácia do sistema

educacional de um país. De maneira geral, foi constatado que no Brasil os jovens apresentam

uma escolaridade baixa, apenas 36,8%, muito embora, segundo o IBGE tenha dobrado em

relação ao ano de 1998. Ou seja, existem poucos jovens com um nível de escolaridade que

alcance 11 anos de estudos no país, mas, quando esses dados caminham para uma análise a

partir da cor ou "raça" os brancos apresentavam 40,7% enquanto pretos e pardos 33,3%.

No entanto, embora uma análise da escolaridade a partir da raça ainda demonstre que

os negros em relação aos brancos apresentam estatísticas inferiores, nos últimos anos,

segundo SOARES et al (2007), os indicadores sociais entre os anos de 1995 a 2005

apresentaram uma redução considerável, apontando um crescente acesso de negros aos

diversos segmentos da educação brasileira. Para SOARES et al (2007)a taxa líquida de

matrícula é o fator mais importante como ferramenta de análise da educação, pois ele relaciona

a porcentagem de meninos e meninas frequentando a escola no nível adequado. Ou seja, sem

a distorção entre a idade do aluno e sua série ou ano.

Segundo SOARES et al (2007) os níveis de acesso à creche e a pré-escola vêm

aumentando consideravelmente e os diferenciais entre brancos e negros neste segmento, são

bastante pequenos. Já, na faixa etária entre 7 a 10 anos, no primeiro ciclo do ensino

fundamental, aumentou o número de alunos neste segmento, passando de uma taxa de

matrícula líquida de 76,1% de negros no ano de 1994/95 para 92,4% em 2005, os brancos se

encontram com 96%. No segundo ciclo do ensino fundamental, a taxa líquida de matrícula de

alunos negros e negras de 11 a 14 anos é de 68%. Isto significa, segundo SOARES et al

(2007) "que muitos desistiram ou se encontram ainda no primeiro ciclo do ensino fundamental,

enfrentando repetência e com poucas perspectivas de atingirem um nível de escolaridade mais

elevado."

18 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - 1998.

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48

No Ensino Médio, conforme SOARES et al (2007), dois entre três jovens negros já

desistiram da escola sem ingressar no Ensino Médio ou se encontram em defasagem com o

ensino. Já em relação aos jovens brancos, dois entre três jovens estão no nível adequado, a

caminho da conclusão do ensino médio. Mesmo assim, embora os brancos ainda tenham uma

estatística mais favorável, nos últimos anos - entre 1995 a 2005, conforme os estudos de

SOARES et al (2007) - os negros saíram de uma taxa de matrícula líquida no Ensino Médio de

12,1% para 36,2%.

SOARES et al (2007) aponta que a probabilidade de um branco chegar ao ensino

superior é de 19,0% e de um negro 6,6%. Embora a taxa referente aos negros seja inferior a

dos brancos, nos últimos anos (1999 - 2005), saiu de 2,5 para 6,6%, ou seja, um crescimento

considerável se olharmos que em anos anteriores, de 1995 a 1998, passou de 2,0% [em 1995]

para apenas 2,1% [em 1998].

Nos últimos anos as estatísticas de acesso de estudantes negros e negras, em

especial, nos primeiros ciclos de ensino básico praticamente se universalizaram (não estamos

levando em conta a qualidade desse acesso). Houve também uma ampliação do acesso aos

níveis médio e superior de escolaridade, no entanto, as disparidades entre negros e brancos

ainda existem, em menor grau, recuaram e as taxas líquidas de matrícula vêm caindo para os

dois ciclos do nível fundamental.

É bem verdade que o mito da democracia racial, ideologia racial vigente até a metade

do século XX, favoreceu a manutenção desse fosso entre negros e brancos no acesso e

sustentação nos bancos escolares. Portanto, a raça como um instrumento no sentido biológico

desapareceu, mas como controle político e ideológico, ainda permanece como forma de

clivagem social.

Esse pequeno recorte histórico demonstra o quanto o benefício que o processo da

educação escolar pode trazer para a população negra, só recentemente teve um maior

incremento. Contudo, não basta o acesso da população negra a escola e a universidade para

que a educação se transforme em algo proveitoso socialmente para esse segmento. O poder

de transformação que a educação detém, só surtirá o efeito esperado se a população negra

tiver acesso a uma educação escolar de qualidade e que possa responder as suas

necessidades.

SISS (2003) ressalva que: "a educação ocupa um lugar histórico e fundamental nos

processos de construção e de implementação de cidadania plena dos diferentes grupos raciais

ou étnicos brasileiros". SISS (2003) Para o autor, a educação é uma ferramenta de

estratificação social capaz de possibilitar processos de mobilidade vertical ascendente. Nesse

caso, a verticalização social não é capaz de eliminar as práticas racistas na estrutura da

sociedade, no entanto, permitiria a criação de referências para os estudantes negros, por

exemplo.

Page 59: Victor Hugo Beñák de Abreu

49

As escolas que encontramos hoje, ainda apresentam conteúdos que acabam por

reforçar estereótipos criados em relação à população negra, práticas docentes que intensificam

as desigualdades raciais na escola, com profissionais pouco preparados para rever seus

conteúdos e práticas, além, de uma educação voltada para o mercado de trabalho e não para

possibilitar o desenvolvimento de mentes que sejam capazes de reconhecerem o silenciamento

de diversas lutas pelas classes dominantes. Dessa forma, SOUZA (2006) vê a escola como:

"A escola, em tese, deveria ser um lugar onde a igualdade de oportunidades fosse plenamente exercida. No entanto, a escola brasileira tem privilegiado as propostas curriculares que reproduzem a ideologia da classe dominante e, consequentemente, negligencia as necessidades do aluno negro que é a parte mais prejudicada da população escolar." (SOUZA, 2006. p.250)

De maneira geral, a educação brasileira esteve pouco receptiva a entrada de negros em

massa, em especial, nas instituições de qualidade do país e nos cursos superiores mais

concorridos. Nesse sentido, a educação que poderia apresentar-se como uma forma de luta

anti-racismo, acaba por reproduzir tendências raciais assimétricas da sociedade.

"O Racismo é a mais pura dominação de um grupo étnico que se coloca em lugar de

suposta superioridade sobre outro grupo étnico, que se situa em uma posição de suposta

inferioridade." STREY (2011) Mas, como a educação pode atuar em um movimento anti-

racismo? A educação é um dos caminhos para a eliminação do racismo no país. Nesse

sentido, a educação funciona como uma forma de denúncia das relações raciais desiguais

existentes não somente na escola e no ensino básico, mas como levanta STREY (2011), nos

Institutos de Ensino Superior do país ou como em casos de negros que são condenados pelos

seus aspectos físicos nos tribunais de "justiça". Assim, a educação pode atuar como uma forma

de quebrar o silêncio do racismo à moda brasileira desmitificando a democracia racial existente

que ainda se propaga pelas salas de aula, pelos conteúdos ministrados, currículos, etc.

A Educação antirracista, segundo MUNANGA (2008/2010), tem a obrigação de

"reconhecer a diversidade cultural" e, a partir dela, haverá uma proteção das culturas

minoritárias. Ou seja, a educação precisa reconhecer as diversas existências no âmbito escolar

e trabalhar os mais variados assuntos ou conteúdos, não somente um padrão monocultural. A

hierarquização dos conteúdos acaba por direcionar e legitimar o que se deve trabalhar em sala

de aula e o que é "relevante ou não". Portanto, MUNANGA (2008/2010) vai ao encontro de

APPLE (1982) quando afirma que existe uma hierarquização de conteúdos determinando a

relevância do que deve ser trabalhado em sala e o que é silenciado. Como mencionamos em

parágrafos anteriores, APPLE (1982) chamou de "tradição seletiva" este processo de

legitimação e construção de relevância apenas para determinados assuntos.

Page 60: Victor Hugo Beñák de Abreu

50

Tais conteúdos selecionados, como afirma MUNANGA (2008/2010), incentivam a construção

de uma "educação eurocêntrica que não respeita nossas diversidades de gêneros, sexos,

religiões, classes sociais, "raças" e etnias." Para MUNANGA (2008/2010), portanto, deve-se

construir uma educação voltada para os Direitos Humanos onde "realizaria todas as pessoas e

promoveria relações de paridade e de equidade entre sexos e as raças como garantia do

respeito de todos e de todas na resolução dos problemas humanos." MUNANGA (2008/2010).

"A educação reivindicada pelo movimento negro no Brasil, argumenta Nilma Lino Gomes, atravessa uma situação de tensão dupla entre configurar-se, de fato, como direito social para todos, e reconhecer e respeitar as diferenças. Ao assumir essa dupla função, acrescenta Gomes, a escola brasileira desde a educação básica até o ensino superior é responsável para construir práticas, projetos e iniciativas eficazes de combate ao racismo e de superação das desigualdades raciais" (GOMES, op. cit. p. 102 apud MUNANGA, 2008/2010. p.45)

A busca por uma educação antirracista deve ocorrer por intermédio do reconhecimento

da valorização da "diversidade (histórica e cultural) e ao conhecimento do outro visando todas

as formas de comunicação intercultural." MUNANGA (2008/2010) O reconhecimento das

diversidades permite novos olhares e a possibilidade de tratar os "desiguais de forma desigual",

ou seja, em uma sociedade em que as oportunidades não são as mesmas, tratar de maneira

igual a todos é sucumbir na ausência de direitos para determinados grupos. A cidadania

completa perpassa pelo acesso do cidadão à educação. Assim, medidas voltadas para a

inserção dos negros, como as políticas afirmativas, tem como um dos objetivos garantir a

entrada aos diversos segmentos do sistema educacional.

Portanto, ressalva MUNANGA (2008/2010):

"Enquanto o modelo clássico de educação partia de uma concepção geral abstrata da igualdade, próxima da ideia da cidadania e, a partir, construía uma hierarquia social fundamentada no mérito, o novo modelo de educação que defendemos parte da observação das desigualdades de fato e procura corrigi-las ativamente por meio de políticas afirmativas, dentro de uma visão realista e não idealizada." (MUNANGA, 2008/2010. p.46)

MUNANGA (2008/2010) aponta que o processo de globalização não promoveu a

homogeneização ou um alisamento do espaço, ao contrário. Para MUNANGA (2008/2010), a

globalização intensificou o surgimento de movimentos que pleiteiam o reconhecimento de suas

identidades e uma busca por uma "convivência igualitária das diversidades." Tais movimentos,

que buscam "construir políticas sobre a diversidade cultural e implantá-las no sistema

educacional." MUNANGA (2008/2010)

Então, como seria uma educação antirracista? Segundo MUNANGA (2008/2010) uma

"educação cidadã baseada nos valores da solidariedade e do respeito das diversidades que

Page 61: Victor Hugo Beñák de Abreu

51

garantem nossa sobrevivência, enquanto espécie humana." OLIVEIRA (2006) dialoga com

MUNANGA (2008/2010) quando destaca que os estudantes devem ser sujeitos de sua própria

história e que, a educação não seja suficiente, é necessária para que seus usuários se

"apropriem de seus conhecimentos sobre os fatores determinantes da sua situação, quer seja

material, física, psíquica, emocional, socioeconômica ou particularmente racial, tenha

condições de interferir em situações a serviço do bem estar humano."

Mas para que ocorra um processo de reconhecimento das diversas identidades e

apropriação do conhecimento em prol de intervenções dos sujeitos a serviço do bem-estar da

humanidade e pela uma educação antirracista, OLIVEIRA (2006) aponta que é de fundamental

importância uma concepção pedagógica comprometida com a promoção da população negra.

Segundo OLIVEIRA (2006) as séries iniciais têm sérios problemas em relação ao

conhecimento propagado pelos cursos de pedagogia que perpassam uma visão limitada de

cada área que o professor terá que trabalhar. Lembramos que no ensino infantil e no primeiro

ciclo do ensino fundamental um único professor é responsável por ministrar diversas

disciplinas, desse modo, para autora, "não permite ao licenciando a aquisição de

conhecimentos das áreas com as quais irá trabalhar." Ou seja, não há um aprofundamento nos

temas, devido a essa formação geral. O profissional da educação, conforme OLIVEIRA (2006),

deve:

"(...) adquirir a habilidade de selecionar conteúdos a partir pelo menos dos seguintes critérios: relevância social e acadêmica, o contexto em que vivem os alunos, a diversidade fenotípica, cultural e socioeconômica e as expectativas da comunidade em relação ao papel social da educação escolar." (OLIVEIRA, 2006. p.51)

Para a autora OLIVEIRA (2006), portanto, cabe ao professor o papel de criar um filtro

dos conteúdos considerados relevantes e adequados à realidade do lugar e, ao mesmo tempo,

atentar para os saberes sobre a população negra. Segundo OLIVEIRA (2006) a implementação

de uma pedagogia progressista é a única maneira de se construir uma "concepção

comprometida com a transformação da sociedade e, portanto, com a eliminação de qualquer

tipo de discriminação." OLIVEIRA (2006) A autora destaca que a Escola Nova não apresenta a

capacidade de inserir no âmbito escolar uma educação das diversidades, pois o escolanovismo

não tem o compromisso com a transformação social e sim, com o ajustamento do educando à

sociedade, algo que vai de encontro com as propostas tanto de OLIVEIRA (2006) quanto de

MUNANGA (2008/2010).

A educação escolar é um elemento de vital importância na luta contra o racismo nos

nossos dias. Com o trabalho escolar, abre-se uma forma de lutar contra o racismo,

demonstrando seu conceito, os interesses inseridos no seu processo, a força dos estigmas,

como se difundi na sociedade e seu impacto sobre a população negra. Em outras palavras,

favorece a luta contra o racismo, no qual munidos por uma ideologia anti-racial, se utiliza o

Page 62: Victor Hugo Beñák de Abreu

52

conhecimento e a reflexão para inverter a visão ideológica que sustenta o preconceito e a

discriminação contra o negro, principalmente numa sociedade como a nossa no qual reina um

racismo camuflado.

II.2.1 - A Geografia escolar e a Lei 10.639/03

Respondendo a uma demanda histórica do Movimento Negro, desde o período da

Frente Negra, a Lei 10.639/0319determina que os estabelecimentos de ensino insiram,

obrigatoriamente, a História e cultura afro-brasileira, assim como da História da África, dos

negros e dos africanos tanto nos estabelecimentos públicos e privados de ensino no Brasil. A

criação da Lei 10.639/03 é justificada pelo reconhecimento da necessidade de políticas

públicas e de reparação social, implementadas pelo Estado brasileiro, o que possibilitou o

desenvolvimento de novas referências na própria escola e nos livros didáticos sobre a história

dos negros no Brasil e do continente africano, reforçando a luta contra a visão de Brasil como

"país da Democracia Racial".

Para SANTOS (2015) a Lei 10.639/03 serve como “um poderoso e central instrumento

na superação do racismo" utilizando como ferramenta a educação. A lei 10.639/03 e as

políticas afirmativas20 são consideradas por SANTOS (2015) como as maiores conquistas das

lutas implementadas pelo Movimento Negro no Brasil, tais conquistas iniciaram alterações

significativas no combate ao racismo, em especial, nos bancos escolares.

―As desigualdades não são, portanto, geradas apenas em um momento específico (como o exame de ingresso na universidade, o vestibular), mas são resultados das múltiplas manifestações do racismo por toda a trajetória educacional dos alunos, em todos os níveis do ensino, desde a Educação Infantil até a formação universitária em todos os seus estágios.‖(SANTOS, 2015. p. 318)

A criação das políticas afirmativas é uma vitória do Movimento Negro, no entanto, ao

pensarmos em um exemplo de ação afirmativa como a política de cotas para negros nos

Institutos de Educação Superior, vemos que é uma política não definitiva, temporária, com o

19O texto da Lei 10.639/03 na íntegra determina que: "Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares,

torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste

artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.§ 2

o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo

escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras." (BRASIL, Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm, acessado em 05/01/2016) 20

Ações afirmativas ou políticas afirmativas são entendidas como políticas públicas que pretendem corrigir desigualdades

socioeconômicas procedentes de discriminação, atual ou histórica, sofrida por algum grupo de pessoas. Para tanto, concedem-se vantagens competitivas para membros de certos grupos que vivenciam uma situação de inferioridade a fim de que, num futuro estipulado, esta situação seja revertida. Assim, as políticas de ação afirmativas buscam, por meio de um tratamento temporariamente diferenciado, promover a equidade entre os grupos que compõem a sociedade. (BERNARDINO, 2002. p.256)

Page 63: Victor Hugo Beñák de Abreu

53

intuito de redução das diferenças raciais, nos bancos escolares, entre negros e brancos. Já a

Lei 10.639/03 possui uma capacidade de atacar as bases produtoras desse Racismo à

brasileira. As transformações nas práticas docentes, no ensino em relação ao continente

africano e aos negros no Brasil vem auxiliando na redução dessa visão de branquitude inserida

nas escolas brasileiras e nos conteúdos ministrados.

O Geógrafo Renato Emerson dos Santos defende que:

"(...) o objetivo da Lei é reposicionar o negro e as relações raciais no mundo da educação, o que requer inserir conteúdos, mas também rever conteúdos, rever práticas e posturas pedagógicas, materiais e métodos pedagógicos, rever conceitos e paradigmas, transformar a forma como as escolas executam a coordenação das relações raciais no seu cotidiano (marcado pela reprodução da discriminação e pelo silenciamento diante do racismo), transversalizar a discussão pelas diferentes disciplinas, enfim, uma pauta bastante robusta, diversa e complexa que mexe diretamente nos jogos de poder em todos os âmbitos de construção e regulação das práticas educativas." (SANTOS, 2015. p. 320)

A Lei 10.639 extrapola os limites da sala de aula e influencia uma revisão nas relações

de poder na sociedade brasileira. Esta revisão nas relações de poder se dá a partir de uma

educação que assegure o direto à cidadania, estabelecendo o reconhecimento de suas

identidades e garantindo seus direitos. Reconhecer, segundo o parecer sobre o assunto:

"Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana", desenvolvido em 2004 pelos autores

Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (Relatora), Carlos Roberto Jamil Cury, Francisca

Novantino Pinto de Ângelo e Marília Ancona-Lopez, implica:

""justiça social e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos aos negros", "adoção de políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade", "exige que se questionem relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que desqualifiquem os negros e salientam estereótipos depreciativos", "valorizar, divulgar e respeitar os processos históricos de resistência negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes na contemporaneidade", "exige valorização e respeito às pessoas negras""(BRASIL, MEC. 2004)

Portanto, a Lei 10.639/03 desencadeia uma série de transformações que de forma

concomitante são necessárias para sua aplicação e, ao mesmo tempo de sua aplicação nas

instituições de ensino, tornar-se-ão fundamentais para o reconhecimento das diversidades

étnico-raciais e a necessidade de se repensar as relações raciais continuamente.

A criação da Lei 10.639 não garante a aplicação de seu texto nos conteúdos escolares

de forma a contemplar os reconhecimentos necessários à construção de uma sociedade

menos desigual racialmente. Existe uma diferença entre a criação da Lei 10.639/03 e sua

aplicação. Segundo SANTOS (2011) a Lei 10.639 encontra no espaço escolar uma gama de

atores que não estão preparados para sua aplicação, além de materiais pedagógicos

Page 64: Victor Hugo Beñák de Abreu

54

desprovidos do conteúdo proposto e inadequados oferecendo uma base para a reprodução do

racismo. Sendo relatadas, em trabalho publicado pelo autor, algumas dificuldades encontradas

pelos docentes em escolas públicas, entre elas: dificuldade de formação sobre o tema, falta de

materiais que auxiliem na preparação das aulas sobre o tema e o engessamento do currículo

da disciplina geografia.

Dessa forma, SANTOS (2011) fala sobre o ambiente em que a Lei 10.639 irá encontrar

nas instituições de ensino.

"Ela encontra um ambiente escolar composto majoritariamente por atores que não foram preparados para construir uma educação anti-racista, bem como materiais pedagógicos inadequados e portadores de aspectos que oferecem sustentação à reprodução do racismo. É neste ambiente que alguns professores, pais, coordenadores pedagógicos, direções escolares, bem como ativistas anti-racismo, travarão disputas por interpretações na aplicação da Lei." (SANTOS, 2011. p.07)

Há uma série de dificuldades encontradas por SANTOS (2011) para a aplicação da Lei

10.639/03 nas instituições de ensino. Um deles é o próprio texto da Lei, ao não colocar

diretamente a palavra ou disciplina geografia. Esta não inserção deixa dúvidas ou cria uma

sensação de não responsabilidade dos professores de geografia em trabalharem com o

conteúdo descrito pela Lei 10.639. A ausência da palavra geografia não justifica a exclusão dos

conteúdos propostos pela Lei 10.639 nos currículos e práticas docentes, até porque, no próprio

texto consta que: "Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão

ministrados no âmbito de todo o currículo escolar." (BRASIL, 2003) Isto significa que mesmo a

disciplina geografia não sendo introduzida como especial no texto da Lei, os conteúdos sobre a

História e cultura afro-brasileira devem estar inseridos no currículo.

O professor e pesquisador Renato Emerson dos Santos destaca a geografia como uma

ciência capaz de desenvolver construções de visões de mundo capazes de determinar na

direção de uma educação antirracista ou em prol da igualdade racial.

"Aspectos ligados à questão racial integram os conteúdos programáticos do ensino escolar de Geografia, mas, a agenda colocada pela Lei 10.639, enquanto conquista das lutas históricas do Movimento Negro no Brasil, enseja a revisão da forma como o ensino desta disciplina vem contemplando (ou não) tais problemáticas: A Lei busca rever currículos, rever conteúdos, rever práticas pedagógicas. Ela enseja uma reflexão crítica acerca de como essas questões são tratadas dentro do ensino de Geografia, mo intuito de que este saber, fundamental na construção de visões de mundo e comportamentos e posicionamentos, contribua com o projeto de "educar para a igualdade racial". (SANTOS, 2013. p.22)

A geografia transmitida aos alunos do ensino básico, por intermédio de suas

construções ideológicas, condiciona e proporciona a formação de visões de mundo que podem

Page 65: Victor Hugo Beñák de Abreu

55

caminhar em direção as construções hegemônicas de poder. A geografia escolar, portanto, é

associada pelos alunos (através de um senso comum) como a ciência responsável pelo estudo

da nação, do "território nacional", destacando principalmente, os aspectos naturais que formam

as paisagens brasileiras. Não iremos abordar agora esta relação entre geografia e a

construção da nação brasileira, mas, é necessário entender que esta disciplina escolar

funcionou como fonte de construção de uma nação racialmente desigual, dissimulando as

hierarquias espaços-sociais criadas.

Yves Lacoste, na década de 1970, em seu livro: "A geografia - isso serve em primeiro

lugar, para fazer a guerra", questiona a relação entre os conhecimentos geográficos escolares

e universitários trabalhados em sala de aula. Estes utilizados para a memorização e o "saber

espacial" dominado e controlado pelo Estado e por suas instituições para manterem um

controle sobre as relações de poder desiguais. Para Lacoste, a geografia escolar dissimulava,

"aos olhos de todos, o terrível instrumento de poder que é a geografia para aqueles que detêm

o poder." LACOSTE (2008)

A geografia escolar, até a década de 1970, seguia um paradigma denominado como

geografia moderna ou tradicional. Com a produção científica de alguns autores, entre eles,

Milton Santos e Yves Lacoste, houve uma denúncia da geografia escolar e universitária

trabalhada em sala de aula e a geografia dominada pelo Estado no controle do saber e das

relações de poder exercidas por e através do domínio do espaço geográfico21.

"Na verdade, a função ideológica essencial do discurso da geografia escolar e universitária foi sobretudo a de mascarar por procedimentos que não são evidentes, a utilidade prática da análise do espaço, sobretudo para a condução da guerra, como ainda para a organização do Estado e prática do poder." (LACOSTE, 1988. p. 25)

A função da geografia escolar denunciada por Lacoste e Milton Santos na década de

1970, era de dissimular a realidade, "fazia da geografia um saber simples, inútil e ingênuo, mas

só na aparência", "por trata-se de um poderoso recurso de inculcação de idéias que convergem

aqui para a legitimação do Estado." MOREIRA (2007). A geografia, portanto, legitimou a

construção de uma nação com o desenvolvimento de uma ideologia centralizadora,

universalizante entre os povos que existiam, vinculando-os ao território brasileiro. A sensação

de que os "brasileiros" formam uma engrenagem e que todos trabalham em prol de um bem

comum, isto é, uma visão criada como universal, na verdade, como vimos no capítulo um, é

formada como sendo um direito/dever de todos, mas, esse direito é dado somente a alguns

cidadãos.

21 "O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de

ações não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá." "Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma com se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma." (SANTOS, 2009. p.63)

Page 66: Victor Hugo Beñák de Abreu

56

A geografia escolar tem um papel fundamental em realizar a construção de visões

variadas do mundo, leituras diversas que não sejam centradas em uma única direção

hegemônica. Buscar desenvolver uma leitura contra-hegemônica da sociedade e interpretar

como essas relações de poder determinam ou são produzidas a partir de suas relações

espaciais é uma função que a geografia como ciência deve desempenhar e transmitir essas

formar de leituras do mundo em sala de aula.

Segundo SANTOS (2013), a geografia escolar tem um papel fundamental para a

formação humana. A Lei 10.639 aplicada ao ensino de geografia insere a temática racial, no

entanto, a forma como essa temática é abordada na prática depende da forma como o

professor enxerga a sociedade, ou seja, de sua visão de mundo. Nesse sentido, SANTOS

(2013) destaca que o "sentido de aprender e ensinar geografia são se posicionar no mundo."

Para o autor, se posicionar no mundo é: "(i) conhecer sua posição no mundo, e para isto o

indivíduo precisa conhecer o mundo"; (ii) tomar posição neste mundo, que significa se colocar

politicamente no processo de construção e reconstrução deste mundo." (SANTOS, 2013. p. 27)

"Posicionar-se no mundo" é desenvolvido no olhar do discente, não somente pela

escola ou muito menos, pela geografia, entretanto, esta disciplina escolar tem um papel

fundamental na construção de visões de mundo. Tal processo, geralmente, é construído a

partir de uma visão do capital, desenvolvendo uma análise da sociedade em uma escala linear,

pautada em um "reducionismo econômico" HALL (2003) e inserido como uma linha evolutiva

das sociedades no mundo. Essa linearidade evolutiva, por exemplo, pode ser percebida na

classificação dos países em mais ou menos “evoluídos". Esse processo de uma visão única e

linear sobre a "evolução da sociedade" tende a ser extremamente reducionista ao

economicismo e, ao mesmo tempo, induz a construção pelos discentes e, até mesmo pelos

docentes, de um processo de hierarquização racial na comunidade internacional, no qual, os

países ditos desenvolvidos acabam sendo indicados como "superiores" não só

economicamente e sim, ao inserir nessa classificação uma relação cultural hegemônica. Ou

seja, como mencionamos em parágrafos anteriores, essa geografia que induz a relação entre

brancos na Europa, negros na África, amarelos na Ásia acaba por relacionar desenvolvimento

econômico e a construção de estereótipos que encaminham rumo a uma análise racial em

conjunto, no entanto, essa visão deixa subentendido essa relação de superioridade de

determinados espaços geográficos e suas respectivas composições raciais. É uma análise

determinista do espaço, ultrapassada, mas que se o docente não tiver o cuidado de aprofundar

e apresentar aos alunos que essa visão é mais econômica e não racial, pode deixar tácito um

determinismo geográfico que direciona para uma relação racial assimétrica de poder entre os

continentes ou países. Por isso, rever conteúdos, como propostos por SANTOS (2013, 2011), é

repensar a geografia que é trabalhada em sala de aula, não somente inserindo novos

conteúdos, mas revendo os que já são trabalhados.

Page 67: Victor Hugo Beñák de Abreu

57

Para SANTOS (2013) posicionar-se no mundo é reconhecesse como parte integrante

de um determinado espaço e ao mesmo tempo produtor do espaço, as relações sociais que

existem em um determinado espaço são produzidas a partir dele e, de forma dialética, as

relações sociais formam ou modelam os espaços. Como reforça SANTOS (2013) ao abordar a

relação entre a produção do espaço e o espaço como produtor e condicionador das relações

espaciais.

"(...) as noções que aprendemos/ou ensinamos sobre geografia servem para saber interpretar este mundo, conhecer a sua posição no mundo e agir neste mundo. Isto implica conceber o espaço geográfico como estrutura - e, a partir disso, estudar sua organização, seus elementos, seus objetos, etc. - e, também como experiência: as posições que os indivíduos e grupos sociais ocupam, bem como as relações que eles vivenciam, condicionam trajetórias sociais que são, também, trajetórias espaciais, o que nos permite apontar as inscrições sócioespaciais de indivíduos e grupos como sendo experiências das relações sociais, econômicas e de poder." (SANTOS, 2013. p.29)

Desenvolver uma geografia em sala de aula e nas universidades que não dissimule a

realidade vai ao encontro da Lei 10.639/03. Concordamos com SANTOS (2013) quando o autor

destaca que a geografia é uma ciência que auxilia na criação de "interpretações do mundo" e,

tais leituras, são orientadas por uma visão eurocentrada, baseada em uma geografia com viés

evolucionista de sociedade, colocando o continente africano nas diversas páginas dos livros da

disciplina de geografia como apenas atrasado, marginalizado, rústico, selvagem. RATTS et al

(2007)

Pensando nas leituras de mundo que a geografia pode oferecer aos educandos,

vemos em SILVA (2014), uma proposta de trabalho que é analisada como uma interpretação

contra-hegemônica, denominada pela autora como "geografia das existências" que pode ser

adotada na direção da formação escolar demandado pela Lei 10.639/03 SILVA (2014) define

geografia das existências como:

"(...) busca por novas metodologias e novas epistemes que possam produzir novos olhares e novas interpretações sobre o mundo. Necessidade de um método dialógico que valorize o banal, os homens e mulheres comuns, o cotidiano. Que valorize, portanto, a relação dialógica (troca de saberes) e dialética (a busca da totalidade analítica) capaz de aprofundar a compreensão entre as relações entre dominação e resistência, entre racionalidade hegemônica (rotinização das práticas sociais) e insurgências (novas visões de mundo)." (SILVA, 2014. p. 32)

A "geografia das existências" sugerida por SILVA (2014) dialoga com a Lei 10.639/03,

pois a construção de novas metodologias e novas epistemes ajuda na aplicação da mesma.

Page 68: Victor Hugo Beñák de Abreu

58

A valorização das relações do cotidiano, do "banal" aprofunda os conhecimentos sobre

as relações espaciais e de poder existentes em diferentes escalas. Tais relações deixam

grafadas no espaço e criam hierarquias que estão baseadas nas relações sociais com base em

uma "organização racializada de relações de poder."

SANTOS (2013) relaciona o racismo e suas lutas com as marcas espaciais deixadas

nessas relações e, vê a Lei 10.639/03 como uma inspiração para a construção de novos planos

de aula, conteúdos e subsídio a reflexão do ensino de geografia e do negro na sociedade

brasileira.

"As relações raciais, o racismo, e, evidentemente, as lutas contra este, são, portanto, grafadas no espaço e, no mesmo movimento em que nele se constituem, também condicionadas por ele. Podemos falar, de "expressões espaciais das relações raciais, do racismo e das lutas antirracismo. A compreensão destas expressões fornecem não apenas novos temas a serem trabalhados no ensino escolar de Geografia, mas também subsídios à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira e no mundo da educação, propostas pela Lei 10.639. Portanto, são questionamentos que, mesmo apesar de difícil transposição didática, iluminam questionamentos e a revisão de práticas no cotidiano escolar, que são as propostas da Lei." (SANTOS, 2013. p.30)

A geografia escolar ao abordar a História e cultura afro-brasileira, assim como da

História da África, dos negros e dos africanos deve deixar evidente que as relações raciais são

"grafadas no espaço geográfico", algumas vezes determinadas por ele, e outras, determinantes

na construção e formação do mesmo espaço. Essas "geo-grafias"22, ou seja, essas marcas

espaciais que são deixadas/criadas a partir de relações de poder assimétricas é, diversas

vezes, baseada em uma organização racial da sociedade e condiciona as leituras de mundo

que são (re)produzidas pelos educandos. Essas leituras tendem a legitimar os conhecimentos

e saberes advindos do "norte" e negando os saberes produzidos pelo sul ou pelos subalternos.

Desta maneira, entendemos a geografia como um instrumento de libertação na busca de uma

educação contra-hegemônica capaz de apreender o espaço geográfico como uma

representação das lutas, em especial, no caso da Lei 10.639/03, as lutas antirracismos

enveredadas pelo Movimento Negro no Brasil. A geografia, portanto, tem um papel de não

esconder as posições hegemônicas desenvolvidas com a manutenção de uma colonialidade do

poder, do saber e do ser, mas, ao mesmo tempo, tem que desenvolver formas do educando

apreender que tais relações não se dão de forma pacífica e que há movimentos contrários ao

poder hegemônico e que, tais poderes, possuem formas de legitimação que dissimulam a

realidade e criam cortinas capazes de ofuscar as lutas dos subalternos.

22 Forma de escrever geografia retirada de SANTOS (2013), que destaca as relações de poder e suas marcas deixadas no

espaço.

Page 69: Victor Hugo Beñák de Abreu

59

II.2.2- A geografia e a questão racial

Para SANTOS (2011), a raça é um constructo social funcionando como um princípio

ordenador de relações sociais. Nesse sentido, "a geografia apresenta relação direta com a

constituição das relações raciais" QUIJANO (2007 apud SANTOS, 2011) Nessa mesma linha,

SANTOS (2011) destaca que este constructo social tem relação direta com a geografia, pois ao

citarmos a palavra "negros", nos remetemos a ideia de origem histórico-geográfica: África.

"Quando falamos em "brancos", o mesmo se repete, com a ideia de uma origem que remete a

Europa. O mesmo para "índios" associados à América; "amarelos", associados à Ásia."

SANTOS (2011)

SANTOS (2011) chama a atenção para o fato de que mesmo sabendo que na Europa

não há somente brancos, que o continente africano não é composto somente por negros, na

América e na Ásia não há somente índios e amarelos, mesmo assim, "há um conjunto de

associações artificiais que sustentam - tentando, de certa forma, "naturalizar" - constructo de

"raça". Estas relações entre raça e espaço são geográficas, sendo que "a visão de mundo que

a geografia constrói pode alicerçar as identidades raciais." SANTOS (2011) destaca que a

geografia é responsável por: "Associação entre grupos raciais e regiões de origem, que dá

esteio à permanência da ideia de raça enquanto reguladora de comportamentos, valores e

relações sociais, econômicas e de poder." SANTOS (2011). Isto é, a geografia pode difundir

visões de mundo que acabam relacionando estereótipos à determinados espaços geográficos,

além:

"(...) de desenvolver outras relações como uma visão de evolução linear ao separar países desenvolvidos e subdesenvolvidos, conferindo poder e associando grupos cuja a geograficidade e "corporeidade" são remetidos à herança e ligação com estes países e povos ditos "desenvolvidos" e, portanto, superiores." (SANTOS, 2011. p. 11)

Não vamos pensar em uma escala tão grande como a escala mundial, mas, vamos

reduzir esta para uma escala nacional de abordagem das relações raciais. Embora, estas

relações raciais não sejam baseadas pela raça como uma construção biológica, a mesma,

funciona ainda como hierarquizante e é acionada em diversos momentos de lutas e de

manutenção nas relações de poder cotidianas.

Segundo IANNI (2004), "racializar ou estigmatizar o "outro" e os "outros" é uma forma

de politizar as relações cotidianas." Esta frase de IANNI (2004), nos permite indagar sobre

como a produção do espaço geográfico está associada diretamente as relações raciais que se

desenvolvem nele e, como este espaço pode direcionar as relações existentes. Estigmatizar o

outro é uma forma de delimitar os espaços de acesso que este terá, ou seja, um estigma

funciona como um delimitador não somente social, em relação à ascensão vertical de um

indivíduo, e sim, um bloqueio no seu deslocamento horizontal.

Page 70: Victor Hugo Beñák de Abreu

60

Não estamos nos referindo aqui há um processo de segregação espacial puramente

racial no Brasil, mas, vemos que a categoria raça é um fator delimitador de acesso aos

espaços. Como destaca SANTOS (2013), ao mencionar a relação espacial de convivência

entre negros e brancos no Brasil, no entanto, quando o acesso à riqueza é colocado em

disputa, o racismo funciona ou opera como um condicionante ou obstáculo no acesso às

riquezas.

"Mesmo apesar de, em determinadas esferas, espaços e momentos da construção do tecido social haver relações horizontais entre negros neste país, a diferença racial é mobilizada em detrimento dos negros em momentos onde está em jogo o acesso às riquezas que a sociedade produz: o racismo opera criando, recriando, reproduzindo, aprofundando e perpetuando as desigualdades sociais." (SANTOS, 2013. p.31)

O autor Marcelo Lopes de Souza, que não trabalha diretamente com as questões

raciais e a produção do espaço geográfico, e sim, com as relações de classes sociais na

composição dos espaços das cidades, destaca em seus estudos, que a categoria raça é

acionada também na constituição do espaço junto ao fator renda. Isto significa que existem

determinados espaços nas cidades que apresentam um número maior de brancos ou de

negros.

Este trabalho não tem como objetivo analisar a organização interna das cidades

brasileiras, no entanto, ao mencionarmos a relação entre geografia e raça, as cidades são

excelentes "colchas de retalhos", ou seja, apresentam uma variedade de espaços, estes

"diversificados pelas atividades econômicas que a compõe, pelos grupos que habitam e, tais

espaços, contam com a atuação de diversos agentes em sua construção, um deles, o Estado,"

SOUZA (2005) que acaba proporcionando as classes mais abastadas o acesso aos melhores

locais das cidades, tanto para moradia quanto para o lazer." Portanto, as cidades se tornam um

bom laboratório para entendermos a relação entre espaço geográfico e raça.

Em uma passagem do livro: "ABC do desenvolvimento urbano", SOUZA (2005) destaca

que os "espaços residenciais se diferenciam entre si sob o ângulo socioeconômico", para o

autor, a variável renda é a principal definidora dessa diferenciação de acesso aos espaços das

cidades com maiores serviços e estruturas urbanas. No entanto, o autor destaca que os fatores

renda e raça atuam juntos, como podemos ver no trecho em destaque.

"Os espaços residenciais, como se sabe muito bem, também se diferenciam entre si sob o ângulo socioeconômico. No Brasil, ao menos de forma direta, a variável renda é a principal definidora dessa diferenciação. O que não quer dizer, contudo, que, indireta ou mediatamente, outros fatores, especialmente o fator étnico ("racial"), não esteja entrelaçado, historicamente, com o fator renda: a maioria dos moradores de favelas nas cidades do Sudeste, do Nordeste e do Centro-Oeste do Brasil é afrodescendente (negros e mulatos), e mesmo no Sul do país, onde há uma presença muito mais expressiva de brancos pobres

Page 71: Victor Hugo Beñák de Abreu

61

residindo em favelas, boa parte da população favelada descende de escravos africanos; isso mostra, muito eloqüentemente, a força de uma inércia de uma "liberdade" formalmente conquistada há mais de um século, mas que não veio acompanhada de condições reais de acesso à qualificação profissional, à educação e à moradia digna, do que resultou uma reprodução, geração após geração, de um quadro geral de pobreza e estigmatização." (SOUZA, 2005. p. 66)

Vemos nas palavras de SOUZA (2005) uma prevalência de negros em espaços

denominados de favelas nas regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil.

Segundo SOUZA (2005) o processo de urbanização é marcado por apresentar a

formação de espaços destinados a grupos com que, "devido à sua pobreza, à sua etnia ou a

outro fator são forçados a viverem em certas áreas (geralmente as menos atraentes e bonitas,

menos dotadas de infra-estrutura, mais insalubres etc.)". O autor define esse processo de

alocação forçada de determinados grupos dentro de espaços específicos nas cidades como

segregação induzida. Estes espaços acabam sendo estigmatizados e estereotipados pelas

classes dominantes como áreas de exclusão e de insegurança.

O pesquisador e professor Andrelino Campos em seu livro: "Do quilombo à favela",

identifica uma relação em que os grupos dominantes produziram "a estigmatização de

espaços" e, estes espaços foram apropriados pela classe trabalhadora. Segundo o autor, "o

favelado é considerado classe perigosa atualmente por representar o diferente, o Outro, no que

se refere à ocupação do espaço urbano." CAMPOS (2007) aponta para a existência de negros,

brancos, "paraíbas", "baianos" nas favelas, todos classificados como pobres e considerados

pela opinião das classes dominantes como perigosos, no entanto, ressalva que o negro é

atingido de modo mais virulento por esses estigmas e estereótipos.

Segundo SANTOS (2013) o racismo atua como limitador de acesso à renda ou riquezas

materiais, ou seja, agindo de forma anterior na história de acesso aos espaços nas cidades

brasileiras.

"A reprodução de barreiras sociais, baseadas em raça, torna o racismo,nesta perspectiva, um dos principais mecanismos produtores de brutal concentração de renda e de riquezas que caracteriza a sociedade brasileira, na medida em que ele consegue, através de complexos processos de discriminação com impedimentos e favorecimentos ao longo da trajetória dos indivíduos (no acesso à educação, no acesso ao emprego, etc.), impedir e/ou dificultar o acesso de significativa camada da população a essas riquezas que o país produz." (SANTOS, 2013. p.31)

Segundo SANTOS (2013) as relações horizontais, de convivência entre negros e

brancos e as relações verticais, nas quais ocorre o processo de hierarquização, é que "vão

permitir uma representação da sociedade como uma "democracia racial."" O autor destaca em

seu texto que um homem branco, que trabalha como um selecionador de pessoas para

empregos pode em seu balcão de empregos negar o acesso de um negro a um determinado

Page 72: Victor Hugo Beñák de Abreu

62

cargo/vaga, mas, ao chegar em casa pode se encontrar com um amigo negro. Para SANTOS

(2013) "o homem branco "sabe" onde a raça, a cor, o pertencimento racial é importante como

critério (de seleção) regulador das relações sociais e onde não é."

Nesse sentido, para SANTOS (2013), há uma "Geo-grafia dos comportamentos e das

práticas nas relações raciais e se soma à distribuição espacial dos grupos raciais, constituindo

espacialidades materiais e simbólicas." Isto é, existem determinados espaços que são

delimitados pela ação de determinados grupos e acaba por legitimar o uso de violências contra

grupos que não estão inseridos no padrão ou no formatado aceito pelo grupo dominante.

Esses espaços preferenciais formados por grupos com características sociais (renda),

raça e religiões semelhantes acabam se tornando "espaços de resistência", não somente nas

cidades, mas, também, no campo. Desse modo, SANTOS (2013) aponta para um processo de

mapeamento de comunidades negras ou remanescentes de quilombos realizado pela

Fundação Cultural Palmares como um instrumento de reconhecimento destes grupos. Segundo

o autor são "grafagens espacial de lutas contra as formas de opressões, no início contra a

escravidão e, hoje, contra o racismo e suas múltiplas dimensões." Para SANTOS (2013) "Tais

lutas, portanto, não são lutas apenas pela propriedade, mas, sim, lutas por territórios e por

territorialidades, o que implica a defesa de práticas, tradições e matrizes culturais que fundam

suas identidades e fundam o próprio grupo. (BOURDIEU, 1989 apud SANTOS, 2013).

Os quilombos, portanto, representam espaços de resistência como bem destaca

SANTOS (2013).

"São lutas de resistência contra o "alisamento do espaço" promovido pela expansão das formas capitalistas e do meio-técnico-científico-informacional como matriz de relação entre sociedade e natureza: mesmo com a ressalva sobre a diversidade de configurações destas comunidades, com diferentes graus de assimiliação cultural e/ou preservação/atualização de matrizes ancestrais, o próprio processo de luta enseja a revalorização (e, muitas vezes, até mesmo a refundação) destas matrizes, na medida em que elas passam a ser condição para seu reconhecimento - o que pode ser bastante salutar enquanto potência de negação do avanço das matrizes do meio-técnico-científico-informacional que configuram o imperialismo e a globalização contemporânea. (SANTOS, 2013. p.37)

O "alisamento (analítico) do espaço" apontado por SANTOS (2013) vai ao encontro de

Milton Santos quando em seu livro: "Por uma outra globalização", descreve a globalização

como uma fábula, perversidade e como possibilidade. Segundo Milton Santos, a globalização

é uma fábula ao expandir a ideia de "aldeia global", por exemplo. Isto é, ao afirmarem que a

comunicação se tornou possível em escala planetária, "deixando saber o que se passa em

qualquer lugar". No entanto, essas informações "sobre o que aconteceu não vem da interação

entre as pessoas, mas do que é veiculado pela mídia, uma interpretação interessada, senão

interesseira, dos fatos." Outra questão levantada pelo autor, que é utilizada como fábula no

Page 73: Victor Hugo Beñák de Abreu

63

processo de globalização, é o "mito do espaço e do tempo contraídos", sendo que esta

velocidade está ao alcance de apenas alguns grupos ou pessoas. SANTOS (2008)

"Aldeia global tanto quanto espaço-tempo contraídos permitiram imaginar a realização do sonho de um mundo só, já que, pelas mãos do mercado global, coisas, relações, dinheiros, gostos largamente se difundem por sobre continentes, raças, línguas, religiões, como se as particularidades tecidas ao longo de séculos houvessem sido todas esgarçadas. Tudo seria conduzido e, ao mesmo tempo, homogeneizado pelo mercado global regulador." (SANTOS, 2008.p. 41)

O processo de globalização descrito por SANTOS (2008), portanto, ao funcionar como

uma fábula utiliza-se da construção ideológica de um "mundo só", criando a sensação de que

todos consomem o que se é produzido, que se utilizam dos meios de comunicações, mas, na

verdade, estão restritos a uma pequena parcela dos países e pessoas do planeta. Essa

expansão do sistema capitalista baseado no consumo e na exploração do trabalho cria uma

imagem de homogeneização, e, segundo SANTOS (2008), "fala-se, também, de uma

humanidade desterritorializada e a existência de uma cidadania universal." Para o autor "a

humanidade desterritorializada é apenas um mito."

O professor e pesquisador Rogério Haesbaert destaca em seu texto: Identidades

territoriais, a confusão criada por alguns quando mencionam o processo de desterritorialização

produzido pela globalização. Para ele, "há uma confusão entre o desaparecimento dos

territórios com o simples debilitamento da mediação espacial nas relações sociais", ou seja,

existe sim uma redução ou enfraquecimento da base territorial nas relações sociais, mas não

sua ausência. Para HAESBAERT (1999) a supressão total do espaço acarretaria na existência

de uma cyberespaço no qual, "as relações socioeconômicas quanto ao processo de

identificação fossem agora fluidos ao ponto de não necessitarem mais do "território", e como se

este fosse unicamente formado por uma base concreta, material."

O "alisamento (analítico) do espaço" assinalado por SANTOS (2013) revela uma

supressão das diversas identidades existentes, sendo "universalizadas" pelo processo de

Globalização, ou seja, a expansão do sistema capitalista e de seu modo de produção das

relações sociais e espaciais se daria por todo o globo de forma "homogênea". O que na

verdade, como já mencionamos em parágrafos anteriores, não ocorreu e nem há pretensões

de se desenvolver dessa maneira. Na verdade, o movimento de criação de uma pretensa

formação de "universalidades", através do processo de globalização, também acarretou o

surgimento de novas identidades, que segundo MUNANGA (2008/2010) são denominadas de

identidades de resistência se opondo ao projeto de homogeneização. Para HAESBAERT

(1999), "paralelo a esta mercantilização, a identidade também pode ressurgir como uma forma,

consciente ou não, de contraposição ao processo excludente engendrado pela globalização."

Page 74: Victor Hugo Beñák de Abreu

64

Mas, o que entendemos por identidade? Seguimos aqui a linha de HAESBAERT (1999)

ao definir identidade como:

"Identificar, no âmbito humano-social, é sempre identificar-se, um processo reflexivo, portanto, e identificar-se é sempre um processo de identificar-se com, ou seja, é sempre um processo relacional, dialógico, inserido numa relação social. Além disso, como encaramos a identidade como algo dado, definido de forma clara, mas como um movimento, trata-se sempre de uma identificação em curso, e por estar sempre em processo/relação ela nunca é una, mas múltipla. Toda identidade só se define em relação a outras identidades, numa relação complexa de escalas territoriais e valorações negativas e positivas." (HAESBAERT, 1999. p. 174)

E complementa a definição de identidade, quando menciona que:

"Finalmente, a(s) identidade(s) implica(m) uma busca de reconhecimento (TAYLOR, 1994) que se faz frente à alteridade, pois é no encontro ou no embate com o outro que buscamos nossa afirmação pelo reconhecimento daquilo que nos distingue e que, por isto, ao mesmo tempo, pode promover tanto o diálogo quanto conflito com o Outro." (HAESBAERT, 1999. p.175)

A geografia como disciplina escolar apresenta uma função importante na construção de

visões de mundo, influenciando na formação ou reprodução de identidades. Estas funções não

competem somente à geografia, no entanto, esta ciência ao trabalhar a relação entre a

construção do espaço e as relações sociais existentes, acaba por orientar a formação de

identidades.

É fundamental pensarmos no espaço geográfico como um produto e produtor das

relações sociais, sendo, espaços apontados como marginalizados pelas elites econômicas ou

étnicas, como "espaços de resistência". Os quilombos como destacamos na leitura de

SANTOS (2013) se enquadram nesse processo de resistência à expansão de certos padrões

de acumulação capitalista, na geografia agrária trabalhada em sala de aula, na maioria das

vezes, tais espaços sequer são destacados como áreas de manutenção da cultura negra e de

resistência. Portanto, existe uma relação importante entre espaço geográfico e a formação de

identidades. No caso da identidade negra, a manutenção de determinados espaços, como os

quilombos é um resguardo da memória da luta dos negros e, essa luta, não findou. Para

HAESBAERT (1999) "uma característica geral da identidade, é que ela recorre à uma

dimensão histórica, do imaginário social, de modo que o espaço que serve de referência

"condense" a memória do grupo." As identidades vinculadas ao espaço geográfico são

definidas por HAESBAERT (1999) como "identidades sócio/territoriais". Sendo assim, o autor

compreende por identidades sócio-territoriais como:

Page 75: Victor Hugo Beñák de Abreu

65

"Trata-se de uma identidade em que um dos aspectos fundamentais para sua estruturação está na alusão ou referência a um território, tanto no sentido simbólico quanto concreto. Assim, a identidade social é também uma identidade territorial quando o referente simbólico central para a construção desta identidade parte do ou transpassa o território." (HAESBAERT, 1999. p. 178)

Não estamos afirmando que a constituição da identidade negra está vinculada a um

espaço geográfico específico, mas as "geo-grafias" das lutas auxiliam na manutenção da

memória dos Movimentos Negros no Brasil e, trabalhar estas "geo-grafias" em sala de aula, é

uma das formas de se aplicar aos conteúdos (da disciplina escolar geografia) a Lei 10.639/03.

Nesse sentido, demonstrar em sala de aula que em um processo de classificação, o Outro,

nem sempre é facilmente reconhecido, auxilia ao educando entender que "as diferenças

identitárias, cultural, portanto, tendem a diluir-se na desigualdade e o extremo dessa

transformação é dado pelo racismo." Desta maneira, desenvolve habilidades que acabam

permitindo ao educando fazer uma leitura dos conceitos de "espaço geográfico" e de "território"

como "Produto e produtor de identidades".HAESBAERT (1999)

Retornando ao processo de "alisamento (analítico) do espaço" notado por SANTOS

(2013), desenvolve uma invisibilidade de determinadas identidades existentes no espaço, pois,

se ignora a presença do "outro" e é por intermédio de clivagens sociais e do racismo que se

mantém as desigualdades sociais e relações assimétricas de poder. Este alisamento (analítico)

causado pelas leituras do espaço com um viés da expansão capitalista e também por

intermédio de uma visão monocultural da sociedade, acaba por "homogeneizar as análises do

espaço" suprimindo as principais diferenças existentes. SANTOS (2013) cita em seus estudos

um caso de alisamento analítico do espaço, quando em um de seus trabalhos sobre

comunidades negras rurais no centro-oeste do Paraná, ao procurar autoridades do Poder

Judicial, obteve suas reivindicações desacreditadas recebendo respostas como: "No Paraná

não há negros!"

Analisando, portanto, a relação Globalização e alisamento analítico do espaço vemos

que o processo de intensificação dos fluxos e das trocas não ocorre de forma homogênea pelo

espaço e, muito menos entre as pessoas. Os meios técnicos-científicos se expandem de forma

assimétrica pelo globo, no entanto, a atual fase de globalização proporciona a formação de

identidades "contínuas ou descontínuas, fragmentadas ou sobrepostas".HAESBAERT (1999)

Segundo HAESBAERT (1999), existem três manifestações identitárias: (i)"as identidades

"globais" ou a diluição das identidades pela globalização" (ii) "as identidades de resistência,

geralmente saudosistas, retomando ou reforçando antigas memórias coletivas, como no caso

dos neocolonialismos" (iii) "as novas identidades pluriculturais, fruto de um diálogo entre o

global/universal e o local/particular." Estas duas últimas são denominadas como

transterritoriais segundo HAESBAERT (1999) e como pós-modernas conforme Stuart Hall.

Page 76: Victor Hugo Beñák de Abreu

66

Há na era da Globalização não um processo de homogeneização do espaço e das

identidades e sim, uma superposição de identidades onde as fronteiras do Estado-nação não

são os limites de algumas identificações23. Não ocorre com o avanço dos meios técnicos-

científicos-informacionais um desaparecimento do território, mas, em alguns casos seu

enfraquecimento como lócus na construção e manutenção das identidades. HAESBAERT

(1999)

"(...) é importante ressaltar que esta descontinuidade e esta superposição territorial-identitária não significa a perda de valor ou de relevância do território e das identidades territoriais. Se o território for visto não apenas como o locus de relações de poder que se fortalecem (ou debilitam) através de mediações espaciais, mas como um meio de identificação e de reformulação de sentidos, de valores, então devemos enfatizar que tanto a identidade "transterritorial" não é uma identidade a-territorial, como também as identidades territoriais nos moldes mais tradicionais não estão desaparecendo, mas se reformulando." (HAESBAERT, 1999. p. 185)

Até aqui, portanto, vimos que o espaço geográfico e o território24, conceitos importantes

inseridos na geografia acadêmica e escolar, são produtores e produtos de identidades. O

alisamento (analítico) do espaço acaba negligenciando as diversas identidades existentes e

suas manifestações espaciais, dando às manifestações espaciais e culturais hegemônicas a

continuidade de sua soberania. A Lei 10.639/03 (ao tornar obrigatório o Ensino sobre História

da África, dos africanos e dos negros no Brasil) possibilita um diálogo interessante entre as

territorialidades, a formação de identificações, a manutenção da memória e a possibilidade de

abertura de uma nova leitura na geografia escolar que não se baseie apenas numa visão

economicista e reducionista de mundo, mas que permita um olhar para as diferentes

existências e, como tais existências modelam o espaço e lutam pelo não silenciamento ou

invisibilidade de suas causas. O educador deve levar o educando a pensar que esses

silenciamentos acabam por criar uma legitimidade daqueles que estão em voga e justificam a

criação de formas de manutenção das desigualdades sociais e relações de poder assimétricas,

utilizando-se do racismo como clivagem social. Estas hierarquias baseadas na raça são

refletidas e refletem na construção do espaço e na delimitação dos territórios, desenvolvendo

em diversos casos a relação entre espaço e "estigmatização do outro". Este outro que é

considerado não somente o diferente do padrão, mas estereotipado e inferiorizado.

23

"Falamos "identificações" porque se tratam muito mais de processos do que de formas bem definidas, e muito mais de identidades plurais do que de identidades singulares." (HAESBAERT, 1999. p.187) 24

Entendemos, assim como SOUZA (2005), que o conceito de território deste trabalho "é fundamentalmente um espaço defnido e delimitado por e a partir de relações de poder."

Page 77: Victor Hugo Beñák de Abreu

67

Capítulo III - Livro didático, apostila e ideologia

III.1 - Ideologia e poder: o papel do Livro didático e da apostila na sala de aula

Ao realizarmos os levantamentos bibliográficos relacionados à geografia e os sistemas

de apostilas identificamos uma escassa produção científica. Isto significa que a realização

deste trabalho pode contribuir para aprofundar e propor novos olhares sobre os Sistemas de

Apostilados de Ensino e sobre a utilização de apostilas em substituição aos livros didáticos.

Nesse sentido, ao nos debruçarmos sobre nosso objeto de estudo (as apostilas do Sistema

Positivo de Ensino), percebemos que a maior parte da produção científica está relacionada aos

livros didáticos e não as apostilas produzidas pelos SAE. Sendo assim, utilizaremos como base

para o nosso trabalho alguns questionamentos, apontamentos e levantamentos já realizados

sobre os livros didáticos, até porque, como reforça AMORIM (2008):

"(...) o livro didático é precursor do material apostilado, pois sua utilização está intimamente arraigado ao histórico educacional brasileiro, enquanto as apostilas são mais recentes e atreladas as escolas particulares - remetem a uma certa modernidade. E ainda afirmamos que é seu contemporâneo, pois atualmente o consumo de livros didáticos é bastante grande, coexistindo com o dos materiais apostilados." (AMORIM, 2008. p. 9)

Desse modo, as palavras de AMORIM (2008) nos direcionam na elaboração de uma

pesquisa que possa misturar as funções dos livros didáticos e das apostilas nas salas de aula,

ou seja, algumas pesquisas, em especial as que analisam conteúdo dos livros didáticos podem

servir como base para os estudos relacionados as apostilas produzidas pelos SAE. Pois, em

diversos estabelecimentos escolares, as apostilas assumem o lugar do livro didático e não

funcionam como complemento. Portanto, nosso trabalho fundamenta-se nessas situações em

que a apostila adentra em substituição ao livro e acaba assumindo suas funções e

desenvolvendo outras que serão analisadas mais a frente. Em resumo, trabalharemos tanto

com pesquisas elaboradas sobre as apostilas quanto em relação ao livros didáticos pois, em

determinados espaços educacionais, assumem o mesmo papel.

Segundo BITTENCOURT (2013) o livro didático ainda é a menção para muitos

professores, pais e alunos e, que apesar do alto valor dos livros, ainda são referenciais de

estudo. Sabemos que existem diversos materiais didáticos em uma instituição escolar, no

entanto, o livro didático ainda mantém uma relação entre a produção científica e a escola.

Ademais, é através do livro didático que muitos profissionais da educação conseguem manter

um contato com as transformações da disciplina que ministram. O excesso de aulas, turnos de

Page 78: Victor Hugo Beñák de Abreu

68

trabalho, baixa remuneração, entre outros problemas que já conhecemos nos sistemas

educacionais brasileiro elevam a importância do livro didático como fonte de conhecimento.

Desse modo, podemos perceber a necesidade de estudarmos os materiais didáticos,

independente de ser um livro ou apostila, pois, estes materiais são utilizados no cotidiano

escolar, em massa e formam uma referência tanto para os alunos quanto para os professores.

Mas BITTENCOURT (2013) compreende que:

"O livro didático é, antes de tudo, uma mercadoria, um produto do mundo da edição que obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercialização pertencentes à lógica do mercado. Como mercadoria ele sofre interferências variadas em seu processo de fabricação comercialização. Em sua construção interferem vários personagens, iniciando pela figura do editor, passando pelo autor e pelos técnicos especializados dos processos gráficos, como programadores visuais, ilustradores. É importante destacar que o livro didático como objeto da indústria cultural impõe uma forma de leitura organizada por profissionais e não exatamente pelo autor." (BITTENCOURT, 2013. p. 73)

Como ressaltado na citação acima, o livro didático apresenta-se como uma mercadoria

pertencente à lógica do mercado, sendo construído por diversas vozes e olhares. Essa

polifonia está presente não somente nos livros didáticos mas também, nos sistemas de

apostilados de ensino. O processo de apropriação da produção do material didático

desconfiguram os discursos propostos pelos autores em prol de um mercado editorial. Essas

vozes são atravessadas por ideologias que refletem na escolha das imagens e no sentidos

propostos. BITTENCOURT (2013) Desse modo, não podemos enteder que o livro didático é

um instrumento pedagógico neutro. Além de ser produzido por diversos atores, ainda sofre com

influencia do mercado que acaba direcionando a concepção do livro e, o próprio Estado, com

suas normas para a elaboração dos livros e de seus conteúdos, como no caso de utilização

desses artefatos pedagógicos pelas escolas públicas, onde só é possível mediante aprovação

pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Para BITTENCOURT (2013) "o livro didático é

limitado e condicionado por razões econômicas, ideológicas e técnicas". A autora destaca que

a simplificação de textos por parte de influencia do mercado, Estado ou do próprio autor pode

reduzir a capacidade de reflexão por parte dos leitores.

Segundo BITTENCOURT (2013), o livro didático apresenta algumas características que

o tornam um elemento corriqueiro no processo de ensino-aprendizagem, sendo: 1°) "O livro é

um depositório de conteúdos escolares" (O livro realiza uma ligação entre os saberes

acadêmicos e a escola, além de sintetizar os conteúdos sugeridos pelo currículo da

disciplina25); 2°) "O Livro didático é um instrumento pedagógico" (Apresenta uma metodologia

que proporciona ao professor uma facilitação no processo de ensino) e 3°) "O livro didático é

25 "O livro didático tem sido, desde o século XIX, o principal instrumento de trabalho de professores e alunos, sendo utilizados nas

mais variadas salas de aulas e condições pedagógicas, servindo como mediador entre a proposta oficial do poder expressa nos programas curriculares e o conhecimento escolar ensinado pelo professor." (BITTENCOURT, 2013. p. 72)

Page 79: Victor Hugo Beñák de Abreu

69

um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura"

(BITTENCOURT, 2013. p.72)

Um outro autor que dialoga com as posições de BITTENCOURT (2013) é CHOPPIN

(2004), embora de nacionalidades diferentes, os dois se utilizam dos livros didáticos como

objeto de suas pesquisas. CHOPPIN (2004) ao realizar um estudo sobre a História dos livros e

das edições didáticas identifica algumas funções que os livros didáticos ou escolares podem

assumir.

Para CHOPPIN (2004) os livros escolares assumem funções, como: função referencial,

instrumental, ideológica e cultural e a função documental. A função referencial está ligada,

segundo CHOPPIN (2004), ao suporte de conteúdos, "ele constitui o suporte privilegiado dos

conteúdos educativos, o depósito dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo

social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações." CHOPPIN (2004. p. 553) Já

a função instrumental está ligada aos métodos de aprendizagem que, para CHOPPIN (2004),

os exercícios, textos propostos entre outros métodos contidos no livro escolar que facilitam ou

favorecem a "aquisição de competências disciplinares ou transversais, a apropriação de

habilidades". A função documental, segundo CHOPPIN (2004), é marcada pelo fornecimento

de documentos, textos que possam desenvolver o espírito crítico do aluno, no entanto, chama

a atenção para a necessidade de um processo de qualificação elevado dos professores. Para

ele, "essa função surgiu muito recentemente na literatura escolar e não é universal, sendo

encontrada em locais que incentivam a iniciativa pessoal do aluno criando uma autonomia."

CHOPPIN (2004) A função ideológica é considerada por ele como mais antiga, sendo assim

CHOPPIN (2004) chama a atenção para:

"(...) o livro didático se afirmou como um dos vetores essenciais da língua, da cultura e dos valores das classes dirigentes. Instrumento privilegiado de construção de identidade, geralmente ele é reconhecido, assim como a moeda e a bandeira, como um símbolo da soberania nacional e, nesse sentido, assume um importante papel político. Essa função, que tende a aculturar - e, em certos casos, a doutrinar - as jovens gerações, pode ser exercer de maneira explícita, até mesmo sistemática e ostensiva, ou, ainda, de maneira dissimulada, sub-reptícia, implícita, mas não menos eficaz." (CHOPPIN, 2004. p.553)

Tanto CHOPPIN (2004) quanto BITTENCOURT (2013) relacionam o livro didático como

uma ferramenta para produção e reprodução de ideologias. Estas ideologias tendem a ser

aquelas elaboradas pelas classes dominantes, que acabam direcionando o que estudar, como

estudar, para que e para quem. Desse modo, se as classes dominantes conseguem um

controle da produção do material escolar, elas também, determinam como este material será

produzido e o que ele deterá de conteúdo.

Page 80: Victor Hugo Beñák de Abreu

70

Como podemos identificar, quando BITTENCOURT (2013) diz:

"Assim, o papel do livro didático na vida escolar pode ser o de instrumento de reprodução de ideologias e do saber oficial imposto por determinados setores do poder e pelo Estado. É necessário enfatizar que o livro didático possui vários sujeitos em seu processo de elaboração e passa pela intervenção de professores e alunos que realizam práticas diferentes de leitura e de trabalho escolar." (BITTENCOURT, 2013. p. 73)

Os livros didáticos, em especial os de geografia, podem dissimular a realidade

reiterando o que trabalhamos no capítulo deste trabalho quando mencionamos que uma das

funções da ideologia é naturalizar as desigualdades. Estes livros escolares apresentam um

papel de difusão de ideologias ou de produção das mesmas, permitindo a manutenção de

pensamentos hegemônicos, no entanto, estes mesmos livros permitem a libertação através da

criação de contra hegemonias, com uma conscientização do educando e não uma

dissimulação da realidade.Portanto, a prática ou os usos que se realizam com o livro didático

em sala de aula serão fundamentais para a produção de um ensinoautônomo ou,

simplesmente, manter-se como um artefato pedagógico reprodutor de ideologias dominantes e

fonte de lucro de editoras.

Por que o uso que se faz do livro escolar em sala de aula é o diferencial? Retornando

ao pensamento de GRAMSCI “é na sociedade civil que se trava a batalha pela hegemonia"

SEMERARO (1999), sendo a escola um componente da sociedade civil e produtora de

ideologias, é também por intermédio dela e com o auxílio dos aparatos pedagógicos que o

pensamento hegemônico quanto contra-hegemônico são (re)produzidos.

Vejamos no próximo tópico esta relação entre a difusão de ideologia por intermédio do

livro didático, quando pensamos na construção do Brasil nação no século XIX para o XX. Os

livros escolares foram fundamentais na criação de um povo e da imaginação do território e do

lugar do brasileiro.

III.2 - As contribuições do livro didático e da geografia na construção da identidade

nacional

Os livros escolares, segundo CHOPPIN (2004), funcionaram como uma referência

fundamental na consolidação dos Estados nacionais no século XIX. Esses contribuíram na

formação das novas gerações e aos poucos "passaram a substituir as famílias, total ou

parcialmente, as autoridades religiosas, o livro escolar tornou-se um símbolo da soberania

nacional." CHOPPIN (2004) Nesse sentido, uma das funções impetradas pelo livro didático

Page 81: Victor Hugo Beñák de Abreu

71

está no processo de "construção de identidades nacionais ou de preservação/consolidação do

Estado Nação". CHOPPIN (2004)

Desse modo, livro escolar é um difusor de ideologias, sendo fundamental na reprodução

de signos, símbolos e significados capazes de aproximar as pessoas e reforçar esse

sentimento de Nação, criando uma sensação de que nossos esforços contribuem para a

manutenção dessa Nação. No entanto, a sensação de fazermos parte dessa grande

engrenagem é uma das principais funções da ideologia. CHAUÍ (2003). Este sentimento de

pertencer a algo maior, supranacional, formado por um grupo de pessoas que apresentam uma

identificação em comum é chamado por ANDERSON (2008) como "Comunidades Imaginadas".

Segundo ANDERSON (2008), o conceito de Nação é fundamentado como:

"Assim, dentro de um espírito antropológico, proponho a seguinte definição de nação: uma comunidade política imaginada - e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana.Ela é imaginada porque mesmo os membros da mais minúscula das nações jamais conhecerão, encontrarão ou nem sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles." (ANDERSON, 2008. p. 32)

E reforça a ideologia de comunhão, quando explica a nação como uma comunidade.

"(...) ela é imaginada como uma comunidade porque, independente da desigualdade e da exploração efetivas que possam existir dentro dela, a nação sempre é concebida como uma profunda camaradagem horizontal." (ANDERSON, 2008. p. 34)

Os textos de ANDERSON (2008) e de CHOPPIN (2004) apresentam questões

relevantes para pensarmos na relação entre nacionalismo, construção do Brasil como Nação,

livro didático e ideologia. CHOPPIN (2004) ressalta a fundamentação que o livro escolar

desenvolve na formação das novas gerações, substituindo a família e a religião no processo de

criação de identidades. Essas identidades que são forjadas pelo processo de ensino-

aprendizagem na escola. Entretanto, os conteúdos programáticos vigentes nos livros didáticos

seguem uma linha, como o próprio CHOPPIN (2004) destaca, de reproduzir o que as classes

dominantes propõem, levando a construção de um pensamento hegemônico ou ideologias

hegemônicas. No desenvolvimento do Brasil Nação, citado no capítulo um de nosso trabalho,

vimos como o processo de construção do povo brasileiro passou por uma iniciativa dos

grandes pensadores e escritores do final do século XIX e início do XX, condicionado o

desenvolvimento do Brasil à construção de uma Nação que precisaria ser branca, para que

pudesse dar certo. Já na década de 1930, com o desenvolvimento do mito da miscigenação,

difundi-se pelo país o mito da democracia racial, este que dissimula uma subrepresentatividade

do negro na sociedade brasileira.

Page 82: Victor Hugo Beñák de Abreu

72

Vemos, assim como CHOPPIN (2004), o livro didático como componente fundamental

na produção da identidade nacional. Identidade nacional no Brasil forjada baseando-se no ideal

de branqueamento proposto pelos cientistas no início do século XX, utilizando-se do conceito

de raça dentro uma perspectiva biológica e não como uma construção social. Portanto,

CHOPPIN (2004) destaca que as pesquisas realizadas nos livros didáticos que apresentam

cunho ideológico e cultural "quase sempre trazem respostas ou menos esclarecimentos às

questões que a sociedade contemporânea se coloca." CHOPPIN (2004) Estas respostas são

dadas a partir de uma de Estado ou das classes dominantes.

CHOPPIN (2004) reforça o papel do livro didático como um facilitador na construção de

identidades, sendo uma delas a nacional, quando destaca que países com autonomia recente

se utilizam dos livros escolares para difundir uma construção de unidade nacional. Sendo

assim, as pesquisas que pretendem destacar um período no tempo e no espaço que tenham

influenciado a produção de livros escolares, se deparam, constantemente, com o

fortalecimento ou construção de uma nacionalidade.

"A análise desses temas mostra ainda que determinadas questões são frequentemente retomadas em cada país: as que se referem à formação da identidade nacional, e que são as mais comuns, notadamente em países que conquistaram autonomia ou que a recuperaram recentemente, ou ainda naqueles nos quais o poder político preocupa-se em consolidar ou alimentar - por razões diversas - o sentimento de nacionalidade. Dentre as questões também muito frequentes destacam-se as que se relacionam com a inserção social, desde a aprendizagem de regras de boas maneiras até a educação para a cidadania, ou ainda as referentes à aprendizagem da leitura." (CHOPPIN, 2004. p. 556)

Os autores FRANÇA, CARVALHO (2015) argumentam que o livro escolar de geografia

foi fundamental para a construção da identidade nacional brasileira, "difundindo discursos

legitimadores para a construção do Estado-Nação, contribuindo para a sustentação dos

interesses e projetos de diferentes das classes dominantes nacionais. Os autores ressaltam

que os livros escolares, em especial, de "geografia obtiveram um papel unificador e

centralizador desfavorecendo os questionamentos à unidade territorial e à centralização do

poder político, assim como temiam as rebeliões escravas." FRANÇA, CARVALHO (2015)

Há, portanto, uma relação direta entre CHOPPIN (2004) e FRANÇA, CARVALHO

(2015) onde ambos os autores destacam o papel do livro didático na construção ideológica de

nação, no desenvolvimento de uma construção imaginária difundida pelas escolas e

reproduzida nas páginas dos livros.

O livro de geografia, em especial, ao se utilizar no Brasil de conteúdos curriculares que

almejam a memorização e não uma análise crítica das formações espaciais possibilitava a

criação de uma visão orgulhosa, ufanista sobre o Brasil. Nesse sentido, os livros de geografia

ou manuais tiveram alguns papéis na delimitação imaginária do território. Para FRANÇA,

Page 83: Victor Hugo Beñák de Abreu

73

CARVALHO (2015) os "livros escolares fundamentaram a difusão de valores pátrios e

sentimentos nacionalistas, enaltecendo o "nosso país" e destacando suas potencialidades."

Contribuíram para a naturalização do Estado-Nação (silenciando as minorias e negligenciando

qualquer tipo de formação espacial anterior ao surgimento do Estado brasileiro), além de:

"Os geógrafos, em particular, têm uma longa tradição em mitificar o Estado-nação, em tratar como único algo que é múltiplo. Em ressaltar a "nossa" identidade nacional sem a preocupação de demonstrar que essa identidade com o Estado-nação foi forjada segundo os interesses de grupos sociais hegemônicos em determinados momentos históricos." (FRANÇA, CARVALHO, 2015. p. 281)

Os livros didáticos de geografia ou manuais se apoiavam em uma conjuntura voltada

para um período de valorização do nacional, em especial, no período do Governo de Getúlio

Vargas com a criação de políticas nacionalistas. Tais livros didáticos eram desenvolvidos a

partir de um conteúdo marcado em enaltecer características naturais do Brasil: O maior Rio do

mundo, a maior floresta do Mundo, etc, no entanto, esse tipo de abordagem e a memorização

desses conteúdos em nada contribuíam para uma formação crítica dos educandos.

A filósofa Marilena Chauí em seu texto: "Brasil: mito fundador e sociedade autoritária"

aprofunda o papel desempenhado pela difusão de conhecimentos sobre o território nacional

direcionados para exaltação de aspectos naturais e da criação de uma imagem de povo

receptivo, sem conflitos. Essa ideologia difundida pelas escolas por intermédio dos livros

didáticos, em especial, de geografia, permitiram a construção "em certos momentos, de

crermos na unidade, na identidade e na indivisibilidade da nação e do povo brasileiros, e, e

outros momentos, conceber a divisão social e a divisão política sob a forma dos amigos da

nação e dos inimigos a combater." CHAUÍ (2000)

CHAUÍ (2000) destaca que em algumas pesquisas realizadas, os entrevistados sentiam

orgulho de ser brasileiros e que tais motivos estavam pautados na natureza do país e no

caráter do povo, além de apresentar o povo como trabalhador, lutador, alegre, divertido,

conformado e sofredor. É evidente a construção de um imaginário, ou seja, a produção de uma

comunidade imaginada com traços em comum que conectam à quase todos em processo

unificador. Essa ideologia fundamenta-se na apropriação da educação e na reprodução dessas

imagens positivas do país, com visão ufanista, com o objetivo de manter uma unidade na

diversidade.

A filósofa ressalta que o poder ideológico de cooptar o pensamento da população e

direcioná-lo para uma visão unificadora é capaz de nos induzir a sensação de que fazemos

parte de uma engrenagem que funciona para o bem de todos, no entanto, não é desse modo

que a realidade é experimentada. CHAUÍ (2000) nos leva a questionar tal engrenagem do

sistema quando indaga sobre a exclusão ou subrepresentação de diversos grupos na

Page 84: Victor Hugo Beñák de Abreu

74

sociedade, em especial, os negros com os diversos obstáculos ideológicos criados para a

marginalização.

"A força persuasiva dessa representação transparece quando a vemos em ação, isto é, quando resolve imaginariamente uma tensão real e produz uma contradição que passa despercebida. É assim, por exemplo, que alguém pode afirmar que os índios são ignorantes, os negros são indolentes, os nordestinos são atrasados, os portugueses são burros, as mulheres são naturalmente inferiores, mas, simultaneamente, declarar que se orgulha de ser brasileiro porque somos um povo sem preconceitos e uma nação nascida da mistura de raças. Alguém pode dizer se indignado com a existência de crianças de rua, com as chacinas dessas crianças ou com o desperdício de terras não cultivadas e os massacres dos sem-terra, mas, ao mesmo tempo, afirmar que se orgulha de ser brasileiro porque somos um povo pacífico, ordeiro e inimigo da violência. Em suma, essa representação permite que uma sociedade que tolera a existência de milhões de crianças sem infância e que, desde seu surgimento, pratica o apartheid social possa ter de si mesma a imagem positiva de sua unidade fraterna." (CHAUI, 2000. p. 5)

VLACH (2012) relaciona a construção do saber escolar com poder. Segundo ela, a

escola é a "principal instituição porque há uma relação entre saber e poder, ou seja, qualquer

que seja o saber, ele não se desvincula das relações de poder que o engendraram." Portanto,

a escola como uma base de reprodução das ideologias nacionalistas, tendo como ferramenta

os livros escolares, reforça a difusão de saberes criados e desenvolvidos pela burguesia. Esta

burguesia que passou a defender a escolarização, segundo VLACH (2012) quando assumiu o

poder político, passando a transmitir conteúdos direcionados ao desenvolvimento do

nacionalismo patriótico o que confirma a relação entre saber e poder. A difusão desses

saberes, como já descrito aqui, funcionam como saberes universais, isto é, de todos.

Segundo FRANÇA, CARVALHO (2015) até a década de 1930, os livros abordavam

conteúdos em uma escala nacional, valorizando ou enaltecendo aspectos com o objetivo de se

criar uma unidade. A partir da década de 1930, com a influência da escola francesa os livros

escolares de geografia passam abordar conteúdos direcionados aos estudos regionais,

abordando "a memorização de aspectos descritivos tomando como base um recorte regional e

a organização dos conteúdos em segmentos estanques (relevo, clima, vegetação, população)."

FRANÇA, CARVALHO (2015)

Os principais livros didáticos de geografia ao do século XX, segundo FRANÇA,

CARVALHO (2015) foram norteadores na construção e reprodução de ideologias de cunho

nacionalista e, esses livros, contribuíram para um processo de formação da sociedade

brasileira. Esta sociedade marcada por um racismo à brasileira, que dissimulava o processo de

marginalização do negro através, principalmente, do mito da democracia racial e da

miscigenação. FRANÇA, CARVALHO (2015) citam os principais autores de livros didáticos de

geografia do século XX, sendo um deles, Aroldo de Azevedo, como podemos identificar nas

palavras abaixo:

Page 85: Victor Hugo Beñák de Abreu

75

"Em 1937, Aroldo de Azevedo publicou seu primeiro livro didático. Os componentes ideológicos desta obra estavam correlacionados aos preceitos ideológicos do Estado Novo (1937-1945). Utilizado como veículo de difusão de ideologias hegemonicistas, este livro incorporava discursos em defesa, por exemplo, do "progressivo" embranquecimento populacional que garantiria uma nova "qualidade" de população ao país. Segundo esta perspectiva, de caráter racista, o embranquecimento da população capacitar-nos-ia a usufruir do progresso e da democracia." (FRANÇA, CARVALHO, 2015. p. 287)

CHOPPIN (2004) informa em seu artigo que em muitos países, os livros didáticos

abordam temas que em outros locais são silenciados. Em outros locais, o livro pode apresentar

de forma exaustiva um determinado conteúdo. "Não garantindo àqueles que estão sob a

jurisdição do Estado o direito de se expressar livremente." (CHOPPIN, 2004. p. 556) Nesse

sentido, CHOPPIN (2004) afirma que o livro didático não apresenta uma neutralidade, isto é, é

produzido com e a partir de intencionalidades ou "motivações diversas, segundo a época e

local, e possui como característica comum apresentar a sociedade mais de modo como

aqueles que, em seu sentido amplo, conceberam o livro didático não simples espectadores de

seu tempo: eles reivindicam um outro status, o de agente." (CHOPPIN,2004. p.557)

"O livro didático não é um simples espelho: ele modifica a realidade para educar as novas gerações, fornecendo uma imagem deformada, esquematizada, modelada, frequentemente de forma favorável: as ações contrárias à moral são quase sempre punidas exemplarmente; os conflitos sociais, os atos delituosos ou a violência cotidiana são sistematicamente silenciados." (CHOPPIN, 2004. p.557)

CHOPPIN (2004) reforça seu posicionamento sobre a manipulação da realidade ou

construção de uma dada realidade mediante os discursos desenvolvidos pelas classes

hegemônicas. Determinados conteúdos podem direcionar para discursos hegemônicos, que

por sua vez, ocultam ou silenciam vozes que acabam sendo identificadas como de menor

expressão na sociedade. "Não é suficiente, no entanto, deter-se nas questões que se referem

aos autores e ao que eles escrevem; é necessário também prestar atenção àquilo que eles

silenciam, pois se o livro didático é um espelho, pode ser também uma tela." (CHOPPIN, 2004.

p.557)

Para nos auxiliar na construção do livro didático como um instrumento de poder e

divulgador de saberes inerentes as classes dominantes, no próximo tópico iremos buscar como

os livros didáticos apresentam as relações raciais no Brasil.

Page 86: Victor Hugo Beñák de Abreu

76

III. 3 - Livro didático e a questão racial: um diálogo com a colonialidade do poder e do

saber

Até esta etapa, identificamos algumas posições que o livro didático pode desempenhar

na sala de aula e na construção da identidade nacional brasileira, sendo, em especial, o livro

de geografia escolar um dos mais significativos na construção de um imaginário unificador e

centralizador. Portanto, vimos que os livros didáticos e as apostilas (nas quais creditamos o

mesmo papel do livro didático em sala de aula) funcionam como: referenciais de estudos,

funcionam como uma aproximação entre a produção científica e a escola, servem de referência

para alunos e professores, seguem uma lógica mercadológica e não são considerados um

instrumento neutro. (BITTENCOURT, 2013) Sendo assim, podemos inferir que os livros

escolares basearam-se em discursos hegemônicos ao serem desenvolvidos, silenciando

diversas vozes.

SILVA (2003) destaca que os discursos racistas, existentes nos livros didáticos, muitas

das vezes são percebidos pelos estudantes negros, refletindo em resultados piores dentro do

processo de ensino. Nesse sentido, o autor destaca que:

"A representação dos negros em livros didáticos foi preocupação explícita a partir da constituição do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1979, tendo como uma das principais reivindicações a mudança na educação escolar, de modo e extirpar dos livros didáticos, dos currículos e das práticas de ensino os estereótipos e os preconceitos contra os negros." (GUIMARÃES, 2002 apud SILVA et al, 2013. p. 129)

A lei 10.639/03 apresenta uma função fundamental na transformação desses

estereótipos e dos preconceitos contra os negros. Esta lei não altera somente as práticas em

sala de aula sobre o ensino da África e dos negros no Brasil, vai além do conteúdo do livro

estimulando uma preocupação dos editais de aceitação dos livros didáticos para as escolas

públicas, atualmente, chamado de PNLD (Plano Nacional do Livro Didático). Portanto, (SILVA

et al, 2013) realizaram uma pesquisa sobre a articulação dos editais do PNLD e do PNBE

(Programa Nacional Biblioteca da Escola) dos anos 2000 com o objetivo de "analisar em que

medida as críticas das pesquisas e dos movimentos sociais dialogavam com as políticas

promoção de igualdade racial gestadas ou propostas pelo próprio MEC." Os autores (SILVA et

al, 2013) identificaram pouca efetividade das políticas nos livros didáticos, "em razão, de as

formas de discurso racista presentes nos livros serem, via de regra, implícitas." (SILVA et al,

2013) Portanto, o Estado tem um papel importante como norteador da editoração dos livros,

por intermédio da criação de leis e editais que determinam filtros para a produção dos livros

escolares e sua adoção pelas escolas públicas no Brasil. As editoras que não almejam perder

mercado acabam buscando formas de adaptação as exigências para que não fiquem de fora

do mercado das escolas públicas. No entanto, como colocado nas pesquisas de (SILVA et al,

Page 87: Victor Hugo Beñák de Abreu

77

2013), os livros escolares ainda não se transformaram como deveriam, reproduzindo de forma

implícita o racismo à brasileira.

Dentro dos editais analisados, os autores (SILVA et al, 2013) destacam a utilização do

termo tolerância. Para eles, este termo induz a um discurso racista implícito, pois se cria a

sensação de um padrão de humanidade e quem se encontra fora desse padrão deve ser

tolerado. Como ressaltam os autores:

"Em relação à promoção de igualdade étnico-racial, diversas normativas utilizam o termo tolerância como forma de propor o convívio. No entanto, esse termo afirma, implicitamente, que existe um padrão de humanidade que deve simplesmente tolerar a convivência com o outro, ou seja, estabelece o não-hegemônico como outro, afirmando a diferença como desvio. Estamos em acordo com as críticas formuladas por SILVA (2002) de que tal termo é estigmatizante e a tolerância é coerente com uma perspectiva que hierarquiza. Para estabelecer uma relação de reciprocidade, tratar-se-ia de respeito à diferença." (SILVA et al, 2013. p. 131)

Segundo SILVA et al (2013), a relação entre negros e brancos nos livros didáticos são

marcadas pela existência de uma hierarquia racial, sendo o branco colocado como

"representante natural da humanidade." Para os autores, o silêncio e a representação dos

negros acompanhados de brancos "estereotipa os negros estabelecendo posições de

subalternidades como singulares e naturais aos negros." SILVA et al (2013)

Em seus levantamentos, SILVA et al (2013) identificaram diversos posicionamentos nos

livros escolares de Língua portuguesa que estereotipavam e hierarquizavam os negros e os

brancos, sendo eles: crianças negras em posições subalternizadas, discursos relacionando os

negros aos escravos, coisificação do negro, a África sendo representada como selvagem,

rural, pobre, poucos personagens negros colocados como construtores do saber científico e

colocados na ocupação de espaços de miséria. SILVA et al (2013) ressalta que os

personagens brancos não eram colocados dessa maneira e sim, como representantes naturais

da humanidade, "construtores dos saberes científicos, associadas à educação, ao lazer e às

práticas de cidadania." SILVA et al (2013)

Em um estudo sobre as representações da África e da população negra nos livros

didáticos de geografia, RATTS et al (2007) destacam que "um dos principais alvos de atuação

dos movimentos contra o racismo é a educação formal, pois esta se mostra impregnada de

ideologias que negativizam os segmentos não-brancos." RATTS et al (2007) ao desenvolverem

uma relação entre educação e racismo identificam que mesmo a população negra compondo

um segmento de mais da metade da população brasileira, "a cultura e a estética negra são

invisibilizadas e, em determinados momentos, negativizadas frente a um padrão branco."

RATTS et al (2007) destacam que "violências físicas e simbólicas sofridas cotidianamente por

Page 88: Victor Hugo Beñák de Abreu

78

estudantes negros em suas trajetórias escolares proporcionam o retardo e a evasão destes do

espaço escolar." E reforça quando diz que:

"Podemos afirmar que a educação, marcada por relações e métodos pedagógicos que privilegiam um grupo em detrimento de outro, proporcionam um ensino excludente que desconsidera a pluralidade étnico-racial presente em sala de aula. Deste modo, observa-se a atuação de forma marcante do racismo no cotidiano escolar, desde as relações entre profissionais da educação, professores, professoras e estudantes, chegando até o material didático utilizado para efetivação do ensino." (RATTS et al, 2007.p. 49)

Desse modo, RATTS et al (2007) enfatizam o silêncio do debate das relações raciais

desiguais no Brasil dentro do espaço escolar e a violência simbólica e física vivenciadas por

estudantes negros, ressaltando o processo de naturalização das desigualdades que os

materiais escolares reproduzem. Os currículos, também no trabalho de RATTS et al (2007) são

colocados como pouco democráticos, onde na maioria dos casos estudados, não abordaram a

questão étnico-racial no Brasil. Não entraremos aqui no debate sobre currículo, no entanto, o

livro didático funciona muitas vezes como organizador do currículo escolar. É nele que os

professores e estudantes encontram de forma sintetizada os conteúdos solicitados pelo

currículo.

Em seus estudos sobre os livros didáticos de geografia e as representações da África e

dos negros nos mesmos, RATTS et al (2007) identificaram alguns problemas: a) "poucas

referências e menções sobre a população negra nos livros;" b) "apresentações da população

negra se caracterizam, na grande maioria dos casos, em estereótipos."

Tanto RATTS et al (2007) quanto SILVA et al (2013) destacam em seus produto de

pesquisa sobre livros didáticos as imagens estereotipadas sobre a África como selvagem e

rústica desenvolvendo uma visão evolucionista da sociedade, sendo a Europa como o ápice

desse desenvolvimento e representante da humanidade. Ambos os autores citados destacam

as imagens dos negros vinculados à pobreza e a miséria, "representados em funções sociais

inferiores e de baixo prestígio social." RATTS et al (2007) As imagens dos negros vinculadas à

escravidão no período colonial é constante nos livros estudados pelos autores, ou seja, livros

de geografia e língua portuguesa como reprodutores de estereótipos em relação aos negros na

sociedade brasileira.

Portanto, RATTS et al diz que:

"É importante romper com essas estigmatizações que constituem papéis sociais restritos e explicitar a diversidade de ocupações e funções que são e podem ser exercidas na sociedade por pessoas negras. As representações sobre o segmento negro presentes nos livros didáticos de Geografia em questão não proporcionam o surgimento de modelos relevantes que ajudem na construção de uma auto-imagem positiva do(a)s estudantes negros e negras. Contribuem, sim, para uma ideologia do embranquecimento, uma vez que a população negra é excluída simbolicamente ou estereotipada nas

Page 89: Victor Hugo Beñák de Abreu

79

representações dos conteúdos imagens que lhes são transmitidos." (RATTS et al, 2007.p. 53)

É necessário observarmos as palavras de SILVA et al (2013) e de RATTS et al (2007)

sobre as representações que são criadas em relação a população negra no Brasil, no entanto,

a maioria dos estudos analisados para o desenvolvimento deste trabalho destacam os

problemas do racismo no Brasil sendo pertencentes aos negros e não aos brancos. Existem

diversos estudos envolvendo questões raciais no Brasil, tais estudos, abordam os livros

didáticos como meio de reprodução e criação dessas relações, no entanto, BENTO (2002)

chama a atenção para a criação de um silenciamento das responsabilidades do branco no

desenvolvimento de uma subrepresentação do negro na sociedade.

"No Brasil, o branqueamento é freqüentemente considerado como um problema do negro que, descontente e desconfortável com sua condição de negro, procura identificar-se como branco, miscigenar-se com ele para diluir suas características raciais." (BENTO, 2002.p.25)

Nesse sentido, tanto BENTO (2002) como SILVA et al (2013) e RATTS et al (2007)

colocam que nas relações raciais no Brasil o branco aparece como modelo universal de

humanidade. É necessário idealizarmos que esse modelo criado pela elite como um problema

do negro é, na verdade, uma criação de diversas formas de manutenção dos privilégios dos

brancos nos quais, indicam que o problema da marginalização, subrepresentatividade do negro

na sociedade não é um problema do branco. A esta dissimulação do branco sobre o negro

BENTO (2002) denomina como branqueamento.

"Na verdade, quando se estuda o branqueamento constata-se que foi um processo inventado e mantido pela elite branca brasileira, embora apontado por essa mesma elite como um problema do negro brasileiro. Considerando (ou quiçá inventando) seu grupo como padrão de referência de toda uma espécie, a elite fez uma apropriação simbólica crucial que vem fortalecendo a auto-estima e o autoconceito do grupo branco em detrimento dos demais, e essa apropriação acaba legitimando sua supremacia econômica, política e social. O outro lado dessa moeda é o investimento na construção de um imaginário extremamente negativo sobre o negro, que solapa sua identidade racial, danifica sua auto-estima, culpa-o pela discriminação que sofre e, por fim, justifica as desigualdades raciais." (BENTO, 2002.p.25)

Para BENTO (2002) o "foco da discussão é o negro e, há um silenciamento sobre o

branco." Assim, levando em consideração que os livros didáticos persistem em difundir

conteúdos com uma visão do negro escravo, BENTO (2002) "diz que o legado da escravidão

para o branco é um assunto que o país não quer discutir, pois os brancos saíram da escravidão

com uma herança simbólica e concreta extremamente positiva, fruto da apropriação do

trabalho de quatro séculos do outro grupo." (BENTO, 2002. p. 27)

Page 90: Victor Hugo Beñák de Abreu

80

Desse modo, BENTO (2002) nos leva a questionar o papel do branco no processo de

criação, manutenção e de práticas de discriminação dos negros. Para BENTO (2002) existe

uma discriminação provocada por interesse de manutenção dos privilégios dos brancos na

sociedade. Para a autora, um dos primeiros sintomas da existência de uma branquitude no

Brasil é o reconhecimento das desigualdades raciais pelos brancos, mas que não relacionam à

discriminação. Os brancos, portanto, relacionam a subrepresentação do negro na sociedade

com o processo de escravidão e, se colocam à parte ou são silenciados nesse processo.

Apesar de BENTO (2002) não trabalhar em sua pesquisa diretamente com os livros

escolares ou apostilas, há uma relação direta entre diversas pesquisas realizadas sobre os

materiais pedagógicos/escolares e a subrepresentação do negro na sociedade. Pouco se vê

sobre como os brancos são representados nesse processo de ensino/aprendizagem.

BENTO (2002), ao se referir sobre o processo de branquitude e desenvolvimento de

uma sociedade onde outro, não-branco é marginalizado, retrata como primeiro passo para este

processo a "exclusão moral". Segundo ela, a "exclusão moral" "é a desvalorização do outro

como pessoa e, no limite, como ser humano. Os excluídos moralmente são considerados sem

valor, indignos e, portanto, passíveis de serem prejudicados ou explorados." (BENTO, 2002.p.

29)

BENTO (2002) reforça em seu texto esse processo de criação de uma imagem negativa

do outro (o não-branco) como forma de manutenção de uma relação de poder assimétrica.

"Assim, o que se observa é uma relação dialógica: por um lado, a estigmatização de um grupo

como perdedor, e a omissão diante da violência que o atinge; por um lado, um silêncio suspeito

em torno do grupo que pratica a violência racial e dela se beneficia, concreta ou

simbolicamente." (BENTO, 2002. p.29)

Sendo assim, para BENTO (2002), "a melhor maneira de se compreender a branquitude

e o processo de branqueamento é entender a projeção do branco sobre o negro, nascida do

medo, cercada de silêncio, fiel guardiã dos privilégios." Os livros escolares apresentam,

portanto, uma função ideológica fundamental na construção deste mundo da branquitude,

colocando o não-branco como o outro e passível de ser desprezado e marginalizado. Desse

modo, cabe-nos aqui, uma reflexão sobre a construção desse branco como representante

natural da humanidade repetidamente colocado nos livros didáticos.

Os estudantes, em sua maioria, acreditam que os conteúdos disponibilizados pelos

livros didáticos de geografia sejam fundamentais para a construção de um saber. No entanto,

são poucos estudantes ou professores que questionam a origem desses saberes. Para quem

são produzidos esses saberes? Com que objetivo? De onde vêm esses saberes? Nesse

sentido, o livro escolar é de relevante importância na produção do contato entre o saber escolar

e o saber universitário ou acadêmico. BITTENCOURT (2013) Os livros acabam assumindo uma

função de contemplar uma atualização, normatização e organização dos conteúdos para os

Page 91: Victor Hugo Beñák de Abreu

81

docentes e discentes que acabam direcionados pelas atividades propostas. COUTO (2015)

descreve que os professores de geografia que trabalham, hoje, em escolas públicas, enfrentam

diversos problemas em suas práticas pedagógicas como: "o desinteresse dos alunos, a

ausência das famílias, e grandes dificuldades de leitura e escrita de textos por parte dos

alunos." Estes fatores reforçam a importância do livro escolar como meio divulgador de

conteúdos e logo, este artefato pedagógico, passa a ser um centralizador de divulgação dos

saberes.

Um dos vieses para a construção de livros escolares capazes de reproduzirem uma

branquitude e branqueamento da sociedade está na relação entre o local de produção deste

conteúdo e a construção e desenvolvimento das ciências. Para isso, voltemos um pouco no

colonialismo. Este momento da história, segundo SANTOS (2004), foi concebido pela

modernidade como "missão civilizadora", dentro do qual o desenvolvimento europeu apontava

o caminho para o "resto do mundo". Entretanto, o fim desse processo de colonização não se

resumiu à retirada da administração além mar do colonizador, diversas heranças permanecem

no espaço geográfico, nas relações sociais, nas relações econômicas e política. Essa

manutenção das relações do colonialismo enquanto manutenção das relações sociais é

denominado de colonialidade, onde essas relações desiguais, também se perpetuam na

produção do conhecimento.SANTOS (2004)

Nessa perspectiva, MIGNOLO (2004) ressalta que "hoje, a descolonização já não é um

projeto de libertação das colônias, com vistas à formação de Estados-nação independentes,

mas sim o processo de descolonização epistêmica e de socialização do conhecimento."

(MIGNOLO, 2004. p.668)

Segundo QUIJANO (1992) em seu texto: Colonialidade e Modernidade/Racionalidade a

colonialidade é como uma forma de colonização do imaginário. Este imaginário construído é

reproduzido com o auxílio dos livros escolares, como vimos anteriormente no texto, ao

mencionarmos a contribuição destes na construção do imaginário de nação. Esse controle

sobre as ciências, exercido pela manutenção de formas diferenciadas de poder, criou uma

legitimação do que é importante e do que deve ser trabalhado em sala de aula e colocado nos

livros escolares. Portanto:

"A repressão recaiu sobre os modos de conhecer, de produzir conhecimento, de produzir perspectivas, imagens, sistemas de imagens, símbolos, modos de significação; sobre os recursos, padrões e instrumentos de expressão formalizada e objetivada, intelectual ou visual. Foi seguida pela imposição do uso dos próprios padrões de expressão dos dominantes, assim como de suas crenças e imagens referidas ao sobrenatural, as quais serviram não somente para impedir a produção cultural dos dominantes, mas também como meios muito eficazes de controle social e cultural, quando a repressão imediata deixou de ser constante e sistemática." (QUIJANO, 1992. p. 438)

Page 92: Victor Hugo Beñák de Abreu

82

Nessa perspectiva, há um silenciamento daqueles que são considerados fora do padrão

do colonizador. Mas, qual é o padrão do colonizador? Segundo GROSFOGUEL (2008) "na

América chegou o homem heterossexual/branco/patriarcal/cristão/militar/capitalista/europeu

com suas hierarquias globais enredadas e coexistentes no espaço e no tempo."

GROSFOGUEL (2008) enumera alguns pontos desse domínio ou controle mantido pela

colonialidade. "Sendo uma dessas formas de controle a manutenção das relações sociais

hierárquicas por intermédio do desenvolvimento epistêmico que privilegia a cosmologia e os

conhecimentos ocidentais relativamente ao conhecimento e às cosmologias não-ocidentais."

(MIGNOLO, 1995, 2000; QUIJANO, 1991. apud GROSFOGUEL, 2008. p.123)

Essa episteme ocidental é refletida nas páginas dos livros escolares como vimos em

RATTS (2013), onde o autor identificou que existem poucas referências e menções sobre a

população negra nos livros de geografia. Portanto, entendemos a colonialidade do poder

segundo a concepção de GROSFOGUEL (2008), em que o autor define-a como:

"(...) conceptualizo a colonialidade do poder como um enredamento ou, para usar o conceito das feministas norte-americanas de Terceiro Mundo, como uma interseccionalidade (Crenshaw, 1989; Fregoso, 2003) de múltiplas e heterogêneas hierarquias globais ("heterarquias') de formas de dominação e exploração sexual, política, epistêmica, econômica, espiritual, linguística e racial, em que a hierarquia étnico-racial do fosso cavado entre o europeu e o não europeu reconfigura transversalmente todas as restantes estruturas globais de poder. O que a perspectiva da "colonialidade do poder" tem de novo é o modo como a idéia de raça e racismo se torna o princípio organizador que estrutura todas as múltiplas hierarquias do sistema-mundo. (QUIJANO, 1993) (GROSFOGUEL, 2008. p.123)

O autor MIGNOLO (2004) ao se referir à colonialidade do poder e do saber, destaca o

papel da língua como combustível para o processo de expansão da ciência e da construção

das identidades, no entanto, essa expansão foi difundida a partir de centros e não da periferia,

ou seja, negaram o desenvolvimento de ciência que não fosse a europeia centrada em uma

modernidade completamente evolucionista. Para MIGNOLO (2004) o problema não está na

"ciência" e sim, como a "revolução científica" foi concebida. Segundo ele, a "autocelebração

que ocorreu em paralelo com a crença emergente na supremacia da "raça branca", negou ao

restante da humanidade a capacidade de pensar.

Existe, portanto, uma relação direta entre a manutenção das relações de poder

hierárquicas com a construção da modernidade e do racismo apontado por BENTO (2002). A

constituição dos valores brancos como universal e a negação em nome dessa modernidade

ocidental dos valores não-ocidentais, foi fundamental na reprodução de uma modernidade que

silenciava outras racionalidades e valores incutidos em outras culturas. Quais valores

respaldaram a modernidade? Segundo MIGNOLO (2004) são: "valores cristãos, entenda-se de

Page 93: Victor Hugo Beñák de Abreu

83

base católica e protestante: a fé, a ciência, a liberdade, a democracia, a justiça, os direitos

humanos, etc". Para o autor, "o lugar de enunciação a partir do qual se fizeram e refizeram

todas as classificações foi uma variação do mesmo: homem, europeu e branco." O poder

dessa tríade e sua difusão como universal, deu aos discursos científicos uma sensação de

"lugar nenhum de enunciação", logo um pressuposto de neutralidade na análise.

Para GROSFOGUEL (2008) o conhecimento emana de um determinado lugar situado

em uma esfera de poder e que o sujeito que fala é "aquele que está sempre escondido, oculto,

apagado da análise. A "egogeopolítica do conhecimento" da filosofia ocidental sempre

privilegiou o mito de um "Ego" não situado." (GROSFOGUEL, 2008. p.119)

O autor reforça os argumentos acima, quando coloca que:

"(...) todo o conhecimento se situa, epistemicamente, ou no lado dominante, ou no lado subalterno das relações de poder, e isto tem a ver com a geopolítica e a corpo-política do conhecimento. A neutralidade e a objetividade desinserida e não situada da egopolítica do conhecimento é um mito ocidental." (GROSFOGUEL, 2008. p 119)

O desenvolvimento de uma análise universal da população construída com uma base

epistemológica europeia é colocada como "um ponto de vista que se representa como não

tendo um ponto de vista" GROSFOGUEL (2008). Segundo o autor, ao "esconder o lugar de

enunciação a dominação e a expansão coloniais europeias/euro-americanas conseguiram

construir por todo o globo uma hierarquia de conhecimento superior e inferior e,

consequentemente, de povos superiores e inferiores." (GROSFOGUEL, 2008. p. 120) A

posição de GROSFOGUEL (2008), em relação ao desenvolvimento de um "lugar

epistemológico sem ponto de vista". Essa sensação de neutralidade de quem fala, na verdade,

não existe. A construção de uma ideologia dominante é estruturada a partir de "hierarquias de

classe, sexuais, de gênero, espirituais, linguísticas, geográficas e raciais do "sistema-mundo

patriarcal - capitalista - colonial - moderno"." (GROSFOGUEL, 2008. p. 118)

A modernidade não existe sem a colonialidade. MIGNOLO (2004) A transformação do

paradigma teológico para o científico, dentro da própria modernidade, desenvolveu uma

centralização da epistemologia ocidental onde a ciência produzida por esse centro reduzia a

significância dos conhecimentos e saberes produzidos fora deste eixo.

Para MIGNOLO (2004) esses saberes produzidos a partir de um centro e para um

grupo hegemônico, controlando o tempo e o espaço, foi difícil de ser percebido como uma

continuidade das relações hierárquicas de poder construídas sobre a égide da modernidade.

Sendo assim, o autor menciona que:

Page 94: Victor Hugo Beñák de Abreu

84

"(...) incapacidade dos historiógrafos para perceber que a epistemologia ocidental era ao mesmo tempo a história das realizações modernas e dos adiamentos e das negações coloniais, pode parecer surpreendente se presumirmos que esta historiografia se apóia na razão, e não na fé." (MIGNOLO, 2004. p. 675)

Por que a colonialidade se tornou difícil de ser desvendada ou visível? MIGNOLO

(2004) responde está questão ao afirmar que a "colonialidade, permaneceu invisível sob a idéia

de que o "colonialismo" seria um passo necessário em direção à modernidade e à civilização."

Além dessa ideologia de evolução civilizatória tendo como o ápice o europeu ocidental,

para MIGNOLO (2004), outra razão para a invisibilidade da colonialidade é o simples fato de

somente metade da história ser contada, ou seja, relatada pelo olhar da modernidade e do

colonizador. Ao realizarmos conexões entre o conceito de colonialidade com as pesquisas

sobre as representações da população africana e negra nos livros escolares e apostilas, vemos

uma exaltação da ciência produzida a partir de um centro. Nos livros de Geografia, RATTS et al

(2007) apresentam um problema identificado na análise da representação dos negros e da

África nos livros didáticos, o predomínio de uma visão econômica do mundo enaltecendo os

grandes da economia capitalista e construindo diversos estigmas sobre o continente africano

como selvagem, excluído, ultrapassado. Além, de reproduzir em seus textos e iconografias os

brancos como referência da humanidade e, os negros, em funções sociais menos

desfavorecidas, legitimando suas posições assimétricas na sociedade.

Em seu artigo, MIGNOLO (2004) reconhece que a "modernidade tem duas faces, uma

libertadora e outra despótica." a construção de uma modernidade "libertadora" começaria,

segundo o autor a partir da construção de perspectivas daqueles que "sofreram as

consequências do lado "mau" da modernidade" que iremos produzir e contribuir para um

mundo com diferentes racionalidades. Para MIGNOLO (2004) não deve haver um lado "bom"

da modernidade, um lado uni-versal e sim, um lado pluri-versal. Como destaca o autor:

"Não basta abraçarmos a perspectiva da modernidade e sentirmo-nos culpados e fazermos um esforço honesto para corrigir os erros. Os problemas não estão no erro. O problema é que não pode haver um caminho uni-versal. Tem de haver muitos caminhos, pluri-versais. E este é o futuro que pode ser alcançado a partir da perspectiva da colonialidade com a contribuição dada pela modernidade, mas não de modo inverso." (MIGNOLO, 2004. p.678)

Pensar a modernidade seguindo noutra direção não é proposta de Walter Mignolo, e

sim, começarmos a pensar a partir daquilo que foi negado ou silenciado pela modernidade. Ao

construirmos um novo polo de difusão de saberes e conhecimentos estaremos reproduzindo

um silenciamento e uma negação de outras racionalidades. Portanto, uma convivência entre

diversas racionalidades poderia contribuir para uma ciência menos hierárquica.

Desse modo, QUIJANO (2005) revela que o conceito de raça como instrumento de

classificação social da população só foi implementado a partir do processo de colonização da

Page 95: Victor Hugo Beñák de Abreu

85

América, não havendo textos que possam direcionar estudos sobre essa forma de classificação

antes da ocupação europeia na América. Para o autor, os europeus já possuíam contatos com

africanos e asiáticos, no entanto, essa forma de classificação utilizada para hierarquização não

fundamentava as relações sociais. A construção da Europa como centro, inicia-se no

colonialismo europeu e sua expansão pelo resto do mundo, "reproduzindo ou elaborando uma

perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela a elaboração teórica da idéia de raça

como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus."

QUIJANO (2005) Há uma implementação de um processo de naturalização de inferioridade

dos povos dominados por intermédio de seus traços fenotípicos relacionando tais traços as

suas supostas aptidões mentais, e dessa maneira essa relação que relacionava traços físicos

com capacidade intelectual foi decisivo no processo de estruturação da sociedade e de suas

relações de poder. QUIJANO (2005)

A Europa, em específico a Europa ocidental, cria sua condição de centro capitalista

mundial impondo sobre as regiões colonizadas e populações um formato de "sistema-mundo".

Diversas identidades geoculturais são produzidas a partir da Europa, apontado ao não europeu

aquilo que ele não era/é, "concentrando sob sua hegemonia o controle das subjetividades, da

cultura, e em especial do conhecimento, da produção do conhecimento." QUIJANO (2005) De

que forma realizaram este processo? QUIJANO (2005) aponta para três fundamentais passos

para a criação de um eurocentrismo: 1°) "expropriam as populações colonizadas de seus

descobrimentos culturais em benefício do centro europeu; 2°) reprimiram as formas de

produção de conhecimento, seu universo simbólico, seus padrões de expressão e em 3°)

forçaram aos colonizados a aprenderem parcialmente a cultura dos dominadores." QUIJANO

(2005. p.111)

Portanto, QUIJANO (2005), aponta para um controle Europeu com a associação entre o

etnocentrismo colonial e a classificação racial universal colocando os mesmos como superiores

aos demais povos. "De acordo com essa perspectiva, a modernidade e a racionalidade foram

imaginadas como experiências e produtos exclusivamente europeus." QUIJANO (2005)

A modernidade produziu uma cortina de fumaça sobre os conhecimentos e saberes

produzidos por não-europeus, destinando as epistemologias do norte um reconhecimento

maior do que as do sul, o material didático, em especial o livros escolares, foram fundamentais

no processo de difusão de discursos com vieses branco, capitalista, patriarcal, heterossexual

que se propagaram por um dos principais meios de difusão ideológica que é a escola. Esta

mesma escola que pode funcionar como local de luta contra ideologias hegemônicas ou como

reprodutora das classes dominantes. A cortina de fumaça criada pela modernidade ocultou as

colonialidades do poder e do saber, ou seja, o controle exercido por grandes centros

econômicos e a manutenção de uma relação de dependência além, de uma produção

epistemológica eurocentrada. A criação de um processo de evolução da sociedade para

Page 96: Victor Hugo Beñák de Abreu

86

alcançar o patamar existente na sociedade europeia é inserido de forma constante nos livros

escolares, dando sentido a um processo de evolucionismo onde, colocado por alguns autores

já citados até aqui, a África é representada como atrasada, primitiva. Essa representação é

refletida na relação entre o continente e seus descendentes negros, no qual acabam criando

uma visão deturpada do continente. A raça, portanto, é utilizada como forma de organização da

sociedade, sendo o livro didático de geografia de grande relevância para a construção de uma

unidade nacional brasileira, favorecendo uma visão de paraíso racial, sem conflitos e

silenciando os privilégios que os brancos obtiveram com o fim da escravidão.

CAPÍTULO IV - Análise das Apostilas e Resultados obtidos

IV.1 O que compreendemos por apostila

Segundo o dicionário Aurélio a palavra apostila tem diversos significados como: "a)

Texto que acrescenta a um documento; b) Nota ou apontamento à margem de um livro ou

escrito; c) Livro em que se reúnem essas notas ou apontamentos; d) Folha ou conjunto de

folhas que contêm o resumo da lição."26 GOMES (2012) ressalta que o termo apostila "nem

sempre é encontrado para se referir a artefatos utilizados em processos de escolarização."

Para o autor, "a designação apostila parece ser frequentemente associada a artefatos que

ofereciam conteúdos de forma resumida e de forma suplementar." Ele também destaca que o

termo apostila pode ser aplicado como forma de esclarecimento ou complementação.

(GOMES, 2012. p. 44). NUNES (2012) também destaca, assim como GOMES (2012), que o

termo apostila é entendido como "adição a algo anterior", para isso, o autor buscou definições

em dicionários, mas, ressaltou que esse "complemento a algo anterior" é, diversas vezes,

utilizada como única fonte de conhecimento. A apostila é o material principal em diversos

estabelecimentos de ensino.

Como GOMES (2012), entendemos que o termo apostila "é um artefato pedagógico27".

No entanto, que tipo de artefato pedagógico é esse? Para nos ajudarmos na definição do que é

apostila, é necessário buscarmos alguns autores que já se propuseram a estudar as apostilas

escolares. BUNZEN (2001) realizou um estudo em quatro escolas particulares na cidade de

Olinda, em Pernambuco, que usavam como material didático ou aparato pedagógico as

Apostilas Escolares (AEs)28. Nessa pesquisa, BUNZEN (2001) percebeu a existência de

formatos/tipos de AEs diferentes: 1°) "apostilas produzidas na própria escola por um único

26 APOSTILA. In: Dicionário Aurélio. ed. on line. Disponível em:<http://dicionariodoaurelio.com/apostila>, Acesso em: 19, out. de 2015. 27 Termo utilizado por GOMES (2012) em sua tese: "As apostilas dos sistemas de Ensino sob uma lógica empresarial." 28 Termo utilizado por BUNZEN (2001).

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87

educador;" 2°) "apostilas produzidas na própria escola por um grupo de professores;" 3°)

"apostilas produzidas, principalmente, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil (São os Sistemas

Apostilados de Ensino)" e 4°) "apostilas fotocópias de livros didáticos que não respeitam os

direitos autorais das editoras." BUNZEN (2001)

As diferentes formas de apostilas encontradas por BUNZEN (2001) evidenciam certa

dificuldade na criação de uma única definição sobre apostila. Uma definição universal não

caberia para todos os formatos de apostilas existentes e trabalhadas nas diversas instituições

escolares. Em um estudo sobre os Sistemas Apostilados de Ensino, AMORIM (2008), definiu

apostila em sua pesquisa como:

"(...) é um material didático, pois está relacionado ao ensino. Em qualquer de seus formatos, desde aquela que é preparada por um professor para uma aula específica, até a que é produzida em largas escalas industriais, as apostilas sempre objetivam compilar conhecimentos que devem ser transmitidos aos educandos." (AMORIM, 2008. p. 9)

Nesse sentido, entendemos que apostila é um material didático, que apresenta uma

"compilação" de conhecimentos funcionando como um "facilitador" para o educando e para o

educador no processo ensino-aprendizagem. Pode apresentar mais características como uma

abordagem mais moderna e atual, contendo um baixo custo de produção e podendo ser

adaptada a diversos processos educacionais. Além disso, servem de Marketing e mídia para as

instituições escolares, sendo vista como um material de qualidade.29

É evidente que a descrição acima não possibilita abraçar a todos os formatos, tipos e

usos das apostilas escolares no Brasil. Até porque, alguns tipos de apostilas apresentam uma

visão de pouca modernidade, sendo fotocópias de livros didáticos, de baixa qualidade de

visualização e pouco atrativas para os alunos.

A definição de apostila utilizada nesta pesquisa é a necessária para classificar as

apostilas escolares que são objetos de estudo deste trabalho. Estas apostilas se enquadram na

classificação três (3) proposta por BUNZEN (2001), ou seja, apostilas produzidas no sul e

sudeste do Brasil ou chamadas de Sistemas de Ensino Apostilado. Estes sistemas apresentam

investimentos elevados do grande capital editorial e se expandem das instituições particulares

em direção ao ensino público, somando um grande número de educandos inseridos nesse

modelo. Neste sistema, a apostila não é o único material utilizado por essas empresas, ela é

apenas o "carro chefe" 30, sendo criado toda uma estrutura de processo de ensino no qual a

apostila é uma das peças dessa enorme engrenagem. As apostilas funcionam como porta de

entrada para o Sistema de Ensino, ou seja, a adoção da apostila labora como um caminho para

outros serviços como: tira-dúvidas on line, portal com vídeos complementares, programas para

29 Para criarmos um sentido de apostila, foi utilizado alguns autores de extrema relevância para este trabalho: AMORIM (2008;2012), BUNZEN (2001), CARMAGNANI (1999), BEGO (2013). 30 PIERONI (1998) destaca o uso do material apostila como fundamental para a expansão do ensino franqueado da rede Anglo. Sendo este material o suporte para a entrada de novos aparatos pedagógicos, como simulados, provas e outros.

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análise ou acompanhamento do aluno e de seu desempenho, simulados, entre outros. Dessa

maneira, a apostila assume o papel de carro-chefe na inserção de novos serviços, mas

também, acaba por direcionar as práticas docentes em sala de aula. Como os professores no

Brasil apresentam elevada carga horária de trabalho os SAE reduzem o tempo gasto de

planejamento e, dessa maneira, acaba por nortear quais conteúdos devem ser ministrados e

de que forma. AMORIM (2008) Assim, os SAE acabam por legitimar os conteúdos que são

importantes e que devem ser apresentados aos discentes e ministrados pelos docentes.

Nesse sentido, AMORIM (2008) destaca que o material apostilado deve ser utilizado

pelo docente, isto é, não pode ser negligenciado e que se tratando de uma escola da rede

particular, franqueada a algum SAE, o professor corre o risco de ser enquadrado como inapto a

lecionar no estabelecimento. AMORIM (2008), portanto, indica uma imposição para a utilização

do material apostilado e, em sua pesquisa, chama a atenção para o uso do material apostilado

como uma "única fonte de saber dentro da sala de aula."

Refletindo mais um pouco sobre os formatos de apostilas identificados por BUNZEN

(2001), pude perceber, em minha carreira no magistério, a existência de diversos tipos de

apostilas, inclusive, já fui produtor de apostilas de geografia, tanto individualmente como em

conjunto com a equipe de geografia das instituições escolares. Geralmente, essas instituições

eram colégios-curso voltados para o vestibular e preparatório para as carreiras militares. As

apostilas produzidas por um educador ou por uma equipe de educadores de uma determinada

instituição escolar apresentam uma escala de mercado reduzida, sendo utilizada, na maior

parte, em sua própria escola. No entanto, o processo de crescimento dos cursos vestibulares e

a ampliação da concorrência pelas vagas nos vestibulares ampliaram à procura pelos métodos

ou sistemas que proporcionavam possíveis vantagens aos candidatos. Isto é, cursos viraram

grandes empresas que se apropriaram desse sistema de apostilas alcançando uma tiragem

elevada de materiais e abarcando todo o território nacional. Acreditamos que as apostilas

classificadas por BUNZEN (2001) como produzidas por um educador ou por uma equipe de

educadores da própria escola seja, em uma escala de desenvolvimento mercadológica, um

princípio formador dos grandes Sistemas de Ensino31 no Brasil. Isto é, a descoberta desses

sistemas de "aprovação" no vestibular possibilitou a expansão em escala nacional de uma

visão de material "de qualidade" para as escolas "franqueadas ou parceiras" 32.

Nesse sentido, o estudo das apostilas nesse trabalho se vincula aos Sistemas de

Apostilados de Ensino, que funcionam não como um complemento para algo anterior, e sim,

como dito na introdução deste tópico, como material centralizador das práticas docentes,

31 Entendemos, assim como GOMES (2012) "que o termo Sistema de Ensino será utilizado para representar um conjunto que

envolve kits de produtos e serviços produzidos e comercializados por empresas de grupos privados como o Grupo Positivo." 32

PIERONI (1998) destaca a existência de dois tipos de parcerias entre os sistemas de ensino e a escolas que utilizam seus materiais pedagógicos (que se utilizam das apostilas e permanecem com suas características de origem) e as escolas franqueadas Sobre o uso do termo franqueado, PIERONI (1998) destaca a existência dessa nomenclatura justificando-a como já utilizada pelos executivos de seu estudo de caso no Sistema Anglo de Ensino. Ressalta que a venda de franquias ou unidades parceiras dá direito ao uso da marca e dos produtos da empresa, treinamento dos funcionários, layout único, acompanhamentos dos resultados.

Page 99: Victor Hugo Beñák de Abreu

89

direcionador dos conteúdos programáticos, determinante na distribuição das cargas horárias

das disciplinas.

IV.2 As semelhanças e as diferenças entre os Livros didáticos e as Apostilas

É necessário levantarmos alguns pontos em que os livros didáticos e as apostilas

apresentam de semelhanças e diferenças, pois, neste trabalho utilizamos alguns autores que

estudam somente os livros didáticos e, desse modo, usamos seus apontamentos, que incidem

sobre os livros escolares, para analisarmos os materiais apostilados. Ou seja, nos baseamos

nesta pesquisa, não somente em pesquisadores dos SAE, mas também em autores que

estudam livro didático para analisarmos as apostilas, pois, assim como AMORIM (2008) em

sua dissertação de mestrado: "Reflexões críticas sobre os Sistemas Apostilados de Ensino",

cremos em mais aproximações entre as apostilas e os livros didáticos do que diferenças. Em

resumo, algumas análises sobre os livros didáticos podem ser utilizadas para os materiais

apostilados, pois os mesmo apresentam mais semelhanças do que diferenças.

Refletindo sobre essas aproximações e diferenças entre os livros didáticos e as

apostilas, resolvemos desenvolver uma lista que aponte tais características. Para isso,

utilizaremos os levantamentos feitos pelo autor AMORIM (2008) como uma forma de nortear

nossos apontamentos.

Semelhanças

1. "Os dois materiais pertencem à literatura didática;" AMORIM (2008)

2. "Os livros e as apostilas apresentam uma influência política", ou seja, como estes

materiais apresentam-se como produtores e reprodutores de ideologias, o governo e as

empresas privadas acabam por utilizá-los como forma de cooptação dos educandos em

direção as ideias inseridas nos materiais; AMORIM (2008)

3. Tanto os livros quanto as apostilas são fontes de interesses econômicos das editoras que

acabam vendendo para o governo e para as instituições particulares de ensino; AMORIM

(2008)

4. Os livros e as apostilas possuem limitações nos conteúdos propostos; AMORIM (2008)

5. Existe uma imposição na utilização dos dois materiais didáticos pelas escolas; AMORIM

(2008)

6. "A utilização das apostilas e dos livros como única fonte de saber em sala de aula;"

AMORIM (2008)

7. "Os livros e as apostilas privilegiam a memorização dos conteúdos que são considerados

úteis e pertinentes." AMORIM (2008)

Page 100: Victor Hugo Beñák de Abreu

90

Diferenças

1. O livro didático esteve ao longo de seu surgimento no Brasil e de seus primeiros usos,

"entrelaçado as escolas públicas, diferente das apostilas que apresentam sua gênese

vinculada à rede privada de Ensino"; AMORIM (2008)

2. "As apostilas são renovadas anualmente e tendem a ser bimestrais", já os livros, em

especial no setor público de educação, são renovados de três a quatros anos de uso e

são repassados para os alunos do segmento anterior, sendo reutilizados. As apostilas,

portanto, apresentam um "ar de modernidade" devido sua rápida transformação em

relação aos eventos que precisam ser estudados para os processos seletivos

universitários; AMORIM (2008)

3. Os esquemas rígidos de divisões de aulas bimestrais nos sistemas de apostilas

facilitam, segundo AMORIM (2008), os professores que possuem grande carga horária

e não apresentam tempo disponível para a preparação de aulas.

Acrescentamos, segundo o nosso olhar e de outros autores (NUNES, 2012; PIERONI,

1998; ADRIÃO et al, 2009) que imergiram nos Sistemas Apostilados de Ensino, outras

divergências e convergências entre os dois materiais.

Diferenças

1. As apostilas apresentam um respaldo de "qualidade de ensino", pois esses sistemas já

foram aplicados em seus locais de origem e foram eficazes (segundo os próprios

sistemas apostilados) no processo de acesso dos estudantes no vestibular, os livros

não deixam garantias de "qualidade";

2. As apostilas não são avaliadas pelo MEC ou pelo PNLD para que possam ser adotadas

pelas escolas públicas no Brasil e muito menos pelas instituições particulares de ensino;

3. Os Sistemas de Apostilamento ganham força no período de expansão neoliberal no

Brasil, com políticas voltadas ao processo de privatização e, diversos municípios

pequenos no país acabaram adotando estes materiais pedagógicos como "solução" dos

problemas do sistema educacional local; já a expansão dos livros didáticos passa por

um controle de distribuição e de escolha por intermédio do Estado, iniciando-se nas

décadas de 1930 e 1940 com o Governo Getúlio Vargas difundido em específico

políticas de cunho nacionalistas;

4. As apostilas são materiais pedagógicos que estão inseridos em um kit que são

oferecidos/vendidos em conjunto com apoio administrativo, pedagógico e de marketing;

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91

5. Existência de programas que acompanham o desempenho dos alunos e seus possíveis

resultados no vestibular.

Semelhanças

1. Tanto os livros quanto as apostilas acabaram buscando os Objetos Educacionais

Digitais (OED´s) como forma de estimular a adesão de escolas ao material da editora.

Desse modo, as apostilas não são exclusivas nesse mercado de conteúdos digitais.

2. Como trabalhamos com apostilas voltadas aos professores, estas apresentam

orientações metodológicas assim como os livros didáticos voltados aos professores,

portanto, é uma outra convergência importante que demonstra um direcionamento

descrito como "sugestivo" ao trabalho docente em sala de aula.

Em outras palavras, as apostilas dos sistemas de ensino acabam, no dia a dia em sala de

aula, assumindo o lugar como única fonte de saber, ou seja, a apostila quando adotada por

alguma instituição escolar franqueada substitui o livro didático e passa a ter uma função de

referencial. Embora as apostilas do Sistema Positivo de Ensino sejam denominadas de "livros

integrados digitais"33, dando a entender que o material seja impregnado de complementos na

internet, ainda assim, acreditamos em um número maior de semelhanças do que diferenças

entre os livros didáticos e as apostilas. Até porque, em diversos livros didáticos hoje, existem

portais que os alunos e professores podem acessar conteúdos complementares, não se

restringindo as apostilas dos Sistemas de Ensino. Nesse sentido, as apostilas e os livros

didáticos apresentam mais semelhanças do que diferenças, em especial, quando assumem o

lugar de referencial, centralizadora dos conteúdos e determinando a prática docente.

IV.3 A preparação do solo para o recebimento das sementes dos Sistemas de

Apostilados de Ensino: algumas transformações no acesso aos Institutos de Ensino

Superior.

O processo de adoção de Sistemas Apostilados de Ensino pelas Instituições escolares

se intensifica na década de 1990, principalmente devido a expansão dos cursos preparatórios

voltados para o vestibular.

33 Partindo de minha experiência em diversas escolas do Rio de Janeiro percebi que os alunos utilizam-se pouco das ferramentas

complementares à apostila, pois as escolas dificilmente disponibilizam internet para os alunos em sala. Portanto, as apostilas assumem o lugar do livro didático como referência de local de conteúdos e como ponto de apoio para a preparação das aulas dos professores, mesmo que haja uma gama de complementos na internet que podem ou não ser acessado pelo discente, ou até mesmo, pelos docentes.

Page 102: Victor Hugo Beñák de Abreu

92

BEGO (2013) destaca que os cursos preparatórios iniciam-se já no período imperial,

quando comparamos a atuação dos colégios particulares da época com as atuais intenções

dos colégios-curso.

"Considerando, em lato sensu, que a atuação de determinados estabelecimentos com o intuito explícito e intencional de preparar unicamente para o Ensino Superior possa ser comparado à atuação dos atualmente conhecidos "cursinhos pré-vestibular", podemos afirmar que os estabelecimentos de ensino com tais características já existiam no cenário brasileiro desde os longínquos tempos do Brasil império." (BEGO, 2013. p 49)

Mas como BEGO (2013) aponta, é a partir dos anos de 1960 que o acesso aos

Institutos de Ensino Superior (IES) passa a se dar através de um modelo calcado no vestibular

favorecendo a formação de grupos de vestibulares e fundações34:

"A análise histórica da evolução do exame vestibular mostra que as provas elaboradas, aplicadas e avaliadas "artesanalmente" pelas respectivas IES com a finalidade de verificar qual o grau de domínio dos candidatos acerca de certo conteúdo estipulado que os habilitasse aos estudos em nível superior se modificaram em modalidade. Com o aumento da demanda e com o apogeu das grandes fundações (Fundação Carlos Chagas, CESGRANRIO, VUNESP, FUVEST etc.), tornaram a execução e avaliação desses exames altamente sofisticadas e especializada. Se com o emprego da nova modalidade e de novos métodos houve o aumento da objetividade e agilidade na elaboração, aplicação e correção das provas, também ocorreu o aumento de sua seletividade". (BEGO, 2013. p. 70)

E reforça quando diz que:

"As alterações experimentadas pelo exame vestibular na década de 1960, responsáveis pelo aumento de sua complexidade e exigência, juntamente com a modificação de sua modalidade, tornando compulsoriamente classificatório devido à grande concorrência, fizeram com que a atuação dos cursinhos se tornasse imprescindível. A formação secundária realizada nas escolas parecia não mais se mostrar suficiente para que os alunos conseguissem enfrentar os diversos exames vestibulares organizados pelos IES." (BEGO, 2013. p 72)

Desse modo, a transformação do processo de seleção favoreceu a classe média e alta,

pois esses segmentos tinham condições financeiras de investir em cursos pré-vestibulares que

direcionava os seus filhos para os processos seletivos das Universidades. No entanto, era um

"adestramento" para a realização das provas, onde as aprovações dos alunos do curso no

vestibular consolidavam o sistema de ensino como de "qualidade", aumentando o mercado dos

"cursinhos: "Para as camadas de classe média que aspiravam ascensão social por meio de sua

inserção nos cursos tradicionais das instituições públicas de excelência, restava a alternativa

34 Ver BEGO (2013), no capítulo Origem, evolução e consolidação dos Sistemas Apostilados de Ensino na Realidade Brasileira,

Tese de Doutorado.

Page 103: Victor Hugo Beñák de Abreu

93

de frequentar os cursinhos a fim de conseguir enfrentar a concorrência dos exames

vestibulares." BEGO (2013)

É a partir desse processo de aprovação nas universidades que se pontuava que os

sistemas de ensino nos cursos davam certo. As práticas eram resumidas por "aulas expositivas

e a utilização de apostilas como literatura didática exclusiva." BEGO (2013) Com isso, na

década de 1970 ocorreram diversos investimentos empresariais tornando os cursos empresas

com aspirações maiores no mercado educacional e, em especial, no mercado editorial e nos

sistemas de ensino. Começam a se expandir pelo país o sistema de franquia dos grandes

cursos vestibulares do Brasil, entre eles a Rede Positivo de Ensino. (BEGO, 2013). Ademais,

BEGO (2013) enfatiza a utilização de convênios entre colégios privados e cursinhos e,

também, a transformação de cursinhos em colégios privados, desenvolvendo assim, um novo

modelo de colégio, o colégio-curso. "Os colégios-curso que tinham sua expansão restrita à

atuação nos diversos níveis de ensino e no aumento do número de colégios sob sua

administração direta, na década de 1970 e 1980, passaram a ampliar seu nicho de mercado a

partir do modelo de franquias." BEGO (2013)

Como ressaltado anteriormente, estes sistemas adotados pelos colégios-cursos serão

vendidos por meio de franquias. Nesse processo de franquia, segundo BEGO (2013), as

escolas que adotavam tais modelos tinham que adquirir e implementar outros instrumentos e

práticas pedagógicas presentes no contrato de franquia, além das apostilas, como: portais

educativos na internet, CD-ROM e até formação continuada dos professores. Ou seja: "Não

são compradas apenas apostilas, mas sim, toda uma metodologia e ideologia de ensino."

(PIERONI, 1998 apud BEGO, 2013. p76)

A metodologia utilizada pelas apostilas dos Sistemas de Ensino se expandiu nos últimos

anos pelas redes educacionais públicas e privadas do Brasil, abarcando cada vez mais um

número maior de alunos e de municípios que buscam nas apostilas soluções para problemas

relacionados ao baixo índice da educação municipal nas provas de avaliação da educação

básica. Contudo, estes Sistemas de Ensino acabam direcionando o processo pedagógico e

determinando a construção de valores. Principalmente, ao nortearem os conteúdos que devem

ser ministrados e aqueles que são negligenciados ou silenciados. Assim, não é "apenas" uma

expansão de um material didático e um conjunto de instrumentos pedagógicos, mas formas de

se ler o mundo que serão legitimadas através das diversas ferramentas desenvolvidas pelos

Sistemas de Ensino, tendo como carro chefe as apostilas, que acabam centralizando as

práticas docentes e se tornando, em alguns casos, o único local de acesso ao conhecimento.

A existência de diversos Sistemas de Ensino como: SER, COC, Positivo, Anglo,

Objetivo, Pitágoras, Dom Bosco, etc acarretou a busca por instituições franqueadas e uma

disputa de acesso aos novos mercados. Assim, para além das escolas privadas, as instituições

públicas de ensino passaram a se tornar novos mercados para os Sistemas de Ensino. Com

Page 104: Victor Hugo Beñák de Abreu

94

propagandas voltadas para a melhoria do desempenho escolar, o que acabou por interessar

alguns municípios paulistas (como podemos ver nos estudos de ADRIÃO et al (2009))que

buscam possíveis melhorias que os SAE prometem nos índices da educação básica local.

O autor também destaca que a expansão deste sistema está ligada aos potenciais

mercados que se abrem com as vantagens de "privatizar" o sistema educacional. Nesse

sentido, BEGO (2013) aponta o número de educandos abarcados pelos SAE em 2002, sendo

"o número de alunos só dos cinco grandes grupos (Anglo, COC, Objetivo, Pitágoras e

Positivo35) somados era da ordem de 1,3 milhão." BEGO (2013. p. 76) Esses sistemas

cresceram não somente na rede privada de ensino, algumas redes públicas do Brasil adotaram

esses SAE como modelo de educação a ser seguido. Em um artigo publicado na Revista

Espaço Acadêmico, Raymundo de Lima destaca que dos 645 municípios do estado de São

Paulo, 129 já haviam adotado um sistema de apostilado de ensino, isto no ano de 2006.

Nesse sentido, abrem-se caminhos para os sistemas de apostilados de ensino

abarcarem um grande número de alunos em todo o território nacional, expandindo-se das

escolas particulares para as públicas, para além de uma transferência de responsabilidade do

Estado para as empresas privadas. Portanto, estes SAE seguem um modelo mercadológico

com uma "pedagogia universal", como descrito por LIMA (2006), "envolto numa áurea pós-

moderna", no entanto, apresenta-se como uma dissimulação pedagógica direcionada para um

adestramento do educando em prol de uma "vaga" no gargalo denominado de vestibular.

IV.4 Descrição do Grupo Positivo e do Sistema Positivo de Ensino

As pesquisas pioneiras realizadas por PIERONI (1998) sobre os Sistemas Franqueados

de Ensino já relatavam as dificuldades de se apropriar de dados e informações mais profundas

em relação às empresas que expandiam seus materiais e métodos de ensino "de qualidade"

pelo país. PIERONI (1998), como já descrito aqui, abordou o crescimento da Rede Anglo de

ensino e de seu sistema de apostilas. Em nosso trabalho, iremos utilizar como objeto de

estudos as apostilas da Rede Positivo ou Grupo Positivo. Nesse sentido, também encontramos

dificuldades em encontrar informações mais aprofundadas que as disponíveis no próprio site

do Grupo Positivo e, em específico, no Sistema de Ensino Positivo.

35 "Atualmente, o Sistema Positivo de Ensino é utilizado por 2.100 instituições de ensino, distribuídas pelo Brasil e no Japão em um

universo que abrange 530 mil alunos e 53 mil professores." (fonte:http://www.editorapositivo.com.br/editora-positivo/sistemas-de-ensino/sistema-positivo-de-ensino.html, acessado em 24/08/15)

Page 105: Victor Hugo Beñák de Abreu

95

IV.4.1 Da expansão dos sistemas de ensino em direção à rede pública de educação

Para CAIN (2014) em seu estudo sobre a Organização do Trabalho Pedagógico na

Escola e o Sistema Apostilado de Ensino, neste caso, utilizando-se de outro sistema de ensino,

mas, que também fragmenta a relação entre o privado e público. CAIN (2014) aponta que o

Sistema UNO36 de ensino oferece um serviço especializado e diferenciado para as escolas

públicas, sendo propagado pelo próprio sistema UNO de ensino que o mesmo auxilia os

sistemas públicos no aprimoramento de suas avaliações e realiza a formação continuada de

professores e gestores. A autora destaca algumas frases, utilizadas no site da empresa, que

atribuem ao sistema UNO de ensino como uma solução para a política educacional, sendo

ferramentas ou instrumentos fundamentais na busca pela qualidade de ensino e, com a

utilização do material apostilado pelo governo local, garantiria êxito educacional com o alcance

de bons resultados. A autora CAIN (2014) enfatiza o uso de avaliações externas aos

municípios como um fator de aproximação e de facilitador para a entrada dos Sistemas de

Apostilados de Ensino no Sistema educacional público brasileiro

ADRIÃO et al (2009) realizou um estudo sobre a adoção de sistemas de ensino

pelos municípios de São Paulo entre os anos de 1996 e 2006. Esse período é marcado por

apresentar-se como um momento de privatizações diversas no território nacional e, segundo os

autores, a educação municipal em São Paulo utiliza-se da crise de eficácia da educação

pública como justificativa para essa "simbiose" entre o Estado e o capital privado. Os autores

denominam de sistemas de ensino, pois, a adoção desses modelos que deram certo em algum

local acaba por definirem normas pedagógicas, preparação para as avaliações externas ao

município, cursos para os professores, material didático, entre outros. Para os autores ocorre

"uma transferência da lógica de organização privada para o setor público, ao invés de reverter

esses recursos públicos para a melhoria ou consolidação do aparato governamental necessário

à manutenção e ao desenvolvimento do ensino."

Os autores, ADRIÃO et al (2009), indicaram uma matéria da revista Veja online, de

2007, que teve a intenção de apontar uma gestão da educação particular em substituição à

educação pública como sendo um caminho para a modernidade escolar, um novo modelo de

administração. Um modelo neoliberal apoiado pela mídia que tem interesses diversos nesse

processo, pois, diversas editoras são fornecedoras desses materiais didáticos e outros

36 Segundo informações do site da Empresa, o Sistema UNO de Ensino "foi criado a partir da sólida experiência da Editora

Moderna na edição de livros didáticos e paradidáticos." Criado em 1997 é um Sistema de Ensino Apostilado. A palavra UNO é o nome do Sistema e não uma sigla. Site <http://www.sistemauno.com.br/main.jsp?lumChannelId=40288081217A3CCD01217CC13B252114>, acessado em 17 de maio de 2016.

Page 106: Victor Hugo Beñák de Abreu

96

aparatos para esses municípios, a privatização na educação é uma forma de garantia do

mercado.

Portanto, entre os anos de 1996 a 2007 foi constatado pelos autores ADRIÃO et al

(2009) que os municípios menores em número de habitantes (entre 10.000 a 50.000

habitantes) obtiveram um número maior de adesões aos sistemas de ensino privados. Ou seja,

de um total de 645 municípios nos estado de São Paulo, 161 haviam adotado algum sistema

de ensino, sendo 150 deles municípios entre 10.000 a 50.000 habitantes.

Para os autores a explicação para esse fenômeno de adesão de sistemas de ensino pelos

municípios pequenos ocorre pois:

"Tal situação parece confirmar a hipótese de que os pequenos municípios possuem condições mais adversas, do ponto de vista político e operacional para a oferta educacional. Complementarmente, tendem a ser mais permeáveis à pressão das empresas privadas, tendo em vista que a constituição da esfera pública em tais situações tende a ser mais frágil, aproximando-se o privado do público de maneira mais cotidiana e informal. Nestas circunstâncias, as relações se dão muitas vezes de maneira pessoalizada e regidas pelo clientelismo, condição na qual a filiação partidária é quase irrelevante." (Holanda, 1971 apud ADRIÂO et al, 2009. p.805)

Segundo ADRIÃO et al (2009) alguns pontos importantes sobre a adoção de sistema

de ensino pelos municípios paulistas como a falta de critério técnico ou social para adesão dos

sistemas pelos governos municipais, sem licitações e sendo inseridos mediante vontade do

executivo, ou seja, de muitos prefeitos das pequenas cidades. Outros pontos importantes são

"fragilidade conceitual e pedagógica dos materiais e serviços comprados pelos municípios".

Foi constatado por ADRIÃO et al (2009) que as Comissões Parlamentares de Inquéritos

dos municípios investigados pela adesão aos sistemas educacionais privados, que as redes

de forneciam materiais diferentes em qualidade para as redes privadas e públicas. Outra

questão levantada é o duplo pagamento pelo mesmo serviço, ou seja, os autores chamam a

atenção para as verbas já existentes do Governo Federal para a aquisição de livros didáticos

por intermédio do PNLD, no entanto: "A compra de materiais apostilados é efetuada com

percentual dos recursos constitucionalmente vinculados à Manutenção e Desenvolvimento do

Ensino, que poderiam ser destinados a outros aspectos das atividades pedagógicas para

melhoria da educação local." ADRIÃO et al (2009)

Outro ponto abordado em relação à expansão dos sistemas de ensino pelas redes

públicas de São Paulo é que as empresas privadas têm como meta o lucro, a reprodução

ampliada do capital, desse modo ocorre uma "submissão do direito à qualidade do ensino à

lógica do lucro." Sendo que o discurso oficial busca legitimar a aquisição desses materiais e

desse processo pedagógico sustentando que: "padronização/homogeneização de conteúdos e

currículos escolares como parâmetros de qualidade". Segundo ADRIÃO et al (2009), a

padronização é justificada pelos dirigentes como forma de eliminar as desigualdades entre as

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97

escolas. Essa prática expropria o direito das escolas de organizarem suas práticas a partir de

suas necessidades locais, indo de encontro a Lei de Diretrizes e Bases.

"As instituições privadas que oferecem os sistemas de ensino, com algumas exceções e variações, tendem não só a determinar os conteúdos a serem desenvolvidos pelos professores, mas também os tempos de trabalho, as rotinas e a metodologia de ensino. Também a assessoria prestada, com variações de regularidade e de práticas, atua monitorando a implementação do material comprado pela municipalidade." (ADRIÃO et al, 209. p. 811)

Os autores ADRIÃO et al (2009), portanto, acabam indicando uma das respostas para o

questionamento levantado sobre a diferenciação das apostilas e dos sistemas de ensino

positivo utilizados pela rede particular e pela rede pública, um dos motivos é a transferência de

alunos da rede particular em direção à rede pública, levando-se em consideração que o modelo

particular, legitimado pela "qualidade atestada em suas instituições de origem" iria acarretar

uma transferência em massa entre as redes. Buscando informações sobre essa diferenciação

no sites do SPE (Sistema Positivo de Ensino)37 e do Sistema de Ensino Aprende Brasil foi

perceptível as diferenças de apresentação dos portais que atendem ao segmento privado

(portal Positivo de Ensino) e ao segmento público (Aprende Brasil). A sensação para quem

acessa aos portais é a de que o da rede privada franqueada possui mais conteúdos digitais e,

aparentemente, é mais organizado. Entretanto, como não foi possível adentrar na área restrita

aos usuários, fica essa dúvida sobre as diferenças ou semelhanças entre os portais de acesso

aos usuários dos sistemas do Grupo Positivo. No Sistema Aprende Brasil são disponibilizados

alguns componentes como: o portal Aprende Brasil, o Livro Didático Integrado, a Assessoria

Pedagógica, o Sistema de Monitoramento Educacional do Brasil (SIMEB)38 e o Hábile.39 Já, as

escolas que adotam o SPE, isto é, as instituições privadas de ensino, passam a obter outros

tipos de suporte como: Assessorias pedagógicas, financeira, jurídica e administrativa, além de

apoio ao marketing, o Livro didático, acesso ao portal positivo, ao Hábile e acesso ao centro de

formação Positivo com atendimento aos professores com uma constante formação presencial

ou a distância.

Assim como PIERONI (1998) analisou o SAE e as escolas franqueadas da Rede Anglo

de Ensino e percebeu variações nas relações entre o sistema de ensino e a escola franqueada,

37 O Grupo Positivo apresenta algumas "soluções educacionais" diferentes para as escolas públicas e privadas. Assim, o Sistema

Positivo de Ensino (SPE) é voltado somente para as escolas privadas e o Sistema Aprende Brasil é direcionado, especificamente, as instituições públicas. 38

Segundo a editora positivo: "O SIMEB é uma ferramenta de gestão das informações educacionais que possibilita monitorar os

resultados alcançados e propicia o desenvolvimento de planos de ação para o avanço na qualidade de ensino em cada município.", Disponível em: <http://www.editorapositivo.com.br/editora-positivo/sistemas-de-ensino/aprende-brasil.html>, acessado em: 15 de fevereiro de 2016. 39

"O hábile coleta e sistematiza informações a respeito do desempenho dos alunos do 4º e do 8º ano do Ensino Fundamental por

meio de testes e questionários contextuais aplicados na própria escola. Ele verifica se os alunos têm capacidade de raciocinar, estabelecer relações e chegar a conclusões. As disciplinas verificadas são:– Língua Portuguesa (enfoque na leitura);– Matemática (ênfase em resolução de problemas);– Ciências (foco nos fenômenos naturais e tecnologia)." Disponível em: <http://www.editorapositivo.com.br/editora-positivo/sistemas-de-ensino/aprende-brasil.html>, acessado em: 15 de fevereiro de 2016.

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98

o mesmo acontece com Grupo Positivo, que diferencia o acesso dos estudantes, professores e

gestores da rede pública em relação à rede privada de ensino.

Os SAE expandem-se nas décadas de 1970 a 1990, com maior intensidade pelas redes

privadas, e, a partir de da década de 1990 passam a buscar as escolas públicas. Dessa

maneira, as apostilas apresentam-se como carros-chefe para a entrada de um kit que são

vendidos em conjunto com o apoio administrativo, pedagógico e de marketing. Tais sistemas

de apostilamentos buscam uma expansão da venda de seus produtos, que prometem

qualidade, mas que acabam condicionando o trabalho docente. Pois o interesse maior do

Sistema Apostilado de Ensino está no processo de padronização e na manutenção de uma

"qualidade de origem", ou seja, desenvolve-se uma sensação de "solução pedagógica,

administrativa e de marketing", baseada em experiências propagadas pelo próprio SAE a partir

de suas unidades de origem, que deverão ser aplicadas as escolas franqueadas, sejam elas

publicas ou privadas.

Nesse processo de adesão ao SAE enfraquece a autonomia pedagógica necessária a

prática docente, amplia-se a busca por resultados e legitimam-se conteúdos que os materiais

determinam, inserindo as apostilas como única fonte de saber. AMORIM (2008) Desse modo,

as apostilas condicionam uma construção ideológica a partir de seus direcionamentos

metodológicos e administrativos que se inserem por intermédio do KIT que passa a ser

denominado de Sistema de Ensino. A adoção deste [KIT] dificulta a escola franqueada

desenvolver uma visão da diversidade, assim, produz uma conformação ideológica tanto para

os alunos quanto para alguns professores, que acabam por utilizar o material como

centralizador das aulas. AMORIM (2008)

IV.4.2 Da escala de abrangência do Sistema Educacional Positivo

O Grupo Positivo se intitula a maior corporação do segmento de educação e tecnologia

no Brasil.40 Fundada em 1972, apresenta uma área de atuação diversificada que atinge

segmentos como: a educação, o setor gráfico-editorial e informática. Como mencionado

anteriormente, essa data de fundação do grupo coincide com a conjuntura que possibilitou o

processo de expansão dos Sistemas de Apostilados de Ensino pelo país, com a participação

dos cursos pré-vestibulares como carros-chefes desses sistemas que eram ou são

relacionados com "qualidade de ensino" e aprovação no vestibular. Dessa maneira, o Grupo

Positivo atua como uma Holding na organização e na atuação desses três segmentos, sendo

os segmentos gráfico-editorial e educacional do grupo os mais importantes para este trabalho,

pois são estes os responsáveis pelo processo de inserção e produção dos Sistemas de Ensino.

40 As informações sobre o Grupo Positivo foram retiradas, em especial, do site: <

http://www2.positivo.com.br/portugues/grupo/grupo.htm>, acessado em 15 de fevereiro de 2016.

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99

A Editora Positivo e a Posigraf atuam sob o comando do Grupo Positivo, sendo a editora

fundada mais recentemente que o Grupo, no ano de 2004. A Editora Positivo atua nos

Sistemas de Ensino e Livros além da produção de periódicos, sendo a Divisão de sistemas de

Ensino, dentro do Grupo Positivo, os responsáveis pelo contato com as escolas públicas e

privadas que adotam o sistema educacional. Existe uma diferença entre os Sistemas de Ensino

adotados pelas escolas públicas e privadas. Nas escolas privadas o Sistema de Ensino

Positivo é o adotado, já, nas escolas públicas pelo Brasil, o Sistema de Ensino Aprende Brasil

que é o inserido nos estabelecimentos educacionais.

O sistema positivo está entre os mais adotados pelos municípios paulistas.

Como destacam os autores:

"O mapeamento realizado permite afirmar que a empresa responsável pelo maior número de contratos com municípios paulistas é o COC, instituição oriunda de Ribeirão Preto, no interior do estado, seguida pelo Positivo, pelo Objetivo e pelo OPET" (ADRIÂO et al, 2009. p.806)

Segundo o Grupo Positivo seus serviços estão espalhados pelos 26 (vinte e seis)

estados brasileiros e mais o Distrito Federal e, atualmente, mantém negócios com outros

continentes como: Ásia, Europa e África. Segundo um mapa disponibilizado pela empresa em

seu site, o grupo tem serviços inseridos nos Estados Unidos da América, Brasil, Moçambique,

Senegal, Portugal, Itália, Alemanha, Dinamarca, Inglaterra e Japão. Então, espacializando sua

área de atuação, o Grupo Positivo atua em diversos países como uma multinacional, no

entanto, não deixa certo os serviços que são prestados nesses locais e, muito menos, quais

empresas são filiadas aos seus sistemas de ensino. Em 2001, na cidade de Nova Iorque, EUA,

o Sistema Positivo é adotado pela Escola Internacional das Nações Unidas, para crianças

filhos de diplomatas.

O grupo atua em diversos segmentos educacionais, desde o ensino infantil até o ensino

superior. O Grupo apresenta sedes escolares próprias de onde nasceu o modelo de Sistema

de Ensino, possui uma escola de idiomas (Centro de Línguas Positivo), Curso Pré-vestibular

(Curso Positivo) e a Universidade Positivo todos esses localizados na capital Curitiba (PR). No

Ensino Superior já apresenta 26 cursos de graduação e três programas de Mestrado e um de

Doutorado, além de centenas de cursos de especializações.

Com relação ao público atingido pelos Sistemas de Ensino ou com algum acesso aos

serviços do Grupo Positivo, o site do Grupo Positivo "parte dos 10 milhões de alunos que o

Grupo Positivo atende em sala de aula, estão os 535 mil alunos do Brasil, Japão e EUA que

estudam em 2.400 escolas que adotam o SPE. O Sistema Aprende Brasil possui 600 escolas

franqueadas com um total de 180 mil alunos abarcados pelo material do Grupo Positivo.

A editora positivo que nos últimos anos ficou entre as maiores fornecedoras de livros

para a rede pública de ensino, por intermédio dos Planos Nacionais do Livro Didático. Segundo

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100

o PNLD e o PNLEM, a editora positivo, entre os anos de 2005 a 2013, vendeu para o Governo

um total de 46.124.12841 exemplares de livros, ficando atrás apenas das editoras: Moderna,

FTD, Ática, Saraiva e Scipione. Dessa maneira, podemos vislumbrar o universo de alunos e

escolas que apresentam algum contato com o material do Grupo Positivo e que esses

materiais são produtores de valores, sentidos, visões e leituras de mundo que acabam por

direcionar o pensamento não somente dos educandos, mas dos professores que acabam por

se basearem no material didático como fundamentador de suas aulas e norteador de seus

planos de aula.

IV.5 - Sobre o objeto da pesquisa

Como foi citado na Introdução dessa dissertação, o nosso trabalho empírico teve como

fonte de pesquisa 12 (doze) apostilas do Sistema Positivo de Ensino, específicas da disciplina

geografia. Todos os materiais correspondem ao segmento Ensino Médio, do 1º (primeiro) ano

ao 3º (terceiro) ano. Sendo 4 (quatro) volumes para cada ano (ou série, como o SPE

denomina) e um volume para cada bimestre. As apostiladas foram utilizadas no ano letivo de

2011 e, todas datam de períodos anteriores em suas fichas catalográficas: O Volume um, da

primeira série, é do ano de 2009, os outros volumes (2,3 e 4) são de 2007. Todos os volumes

da segunda série datam do ano de 2007 e, na terceira série temos os volumes 1, 2 e 3 de 2008

e o volume 4 de 2009. Portanto, todas as apostilas analisadas foram produzidas posteriores a

Lei 10.639/03. (Ver Anexo I, nele encontram-se os conteúdos de todas as apostilas por série.)

Nesse trabalho empírico, nos concentramos apenas nas apostilas destinadas aos

docentes42, não tendo como foco as apostilas destinadas aos discentes. Destacamos que tal

escolha metodológica, em nada atrapalha a pesquisa referente ao trabalho com as questões

sobre a África e os afrodescendentes junto aos discentes, visto que não há diferenças no

material do aluno e do professor com relação aos conteúdos ou as atividades das matérias,

mas em alguns pontos como listados abaixo:

1º) O material de apoio pedagógico encontra-se somente nas apostilas dos docentes. Sendo

que, nas apostilas de volume 1 (um) de cada série ou ano, há orientações compostas pelo

Projeto Pedagógico contendo a concepção de Ensino, a organização didática do material,

sugestão de avaliação, orientações metodológicas e a programação de conteúdos de geografia

para todo o Ensino Médio;

41 Disponível em:< file:///C:/Users/User/Downloads/evolucao_pnld_por_editora_2005-2013-v2%20(1).pdf>, acessado em: 15 de

fevereiro de 2016. 42

Por que analisaremos as apostilas dos docentes? As apostilas destinadas aos docentes apresentam somente a disciplina do

mesmo. Isto é, ao professor de geografia lhe é dado uma apostila com apenas o conteúdo de geografia, já para o aluno o material é composto por todas as disciplinas do bimestre vigente. Outro motivo para análise do material docente está relacionado ao material adquirido para pesquisa, doado por um professor de uma escola privada franqueada a Rede Positivo de Ensino.

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101

2º) O material do aluno é composto por todas as disciplinas sugeridas pelo SPE, o professor

recebe somente a de sua disciplina, não tendo acesso as outras matérias.

Não faremos uma análise detalhada do Projeto pedagógico ou das orientações

metodológicas inseridas nas apostilas. Entretanto, vale ressaltar que o Projeto Pedagógico

ressalva que: Segundo o texto, a abordagem metodológica visa a "transposição das inovações

acadêmicas paraa realidade do Ensino Médio"43 e outra questão em destaque é o

conhecimento empírico dos alunos como fonte a ser valorizada pelo material e professores. O

Projeto pedagógico é o mesmo nos três segmentos, vindo sempre no volume 1 (um) de cada

série (ano). No Projeto Pedagógico não há referências as questões africanas e dos negros no

Brasil, mas também, não encontramos nenhuma referência específica aos outros continentes.

O texto do Projeto Pedagógico aborda mais a relação entre o Ensino de Geografia e os

conceitos geográficos, além de apresentar a estrutura da apostila, apontando a existência de

uma "organização didática" do material. Nesta organização proposta pelo SPE encontram-se

partes da apostila em que o aluno e o professor encontrarão seções como: "Interpretando e

refletindo", "Pesquisando", "Lendo mapas", "Interagindo e relacionando", "Revisando",

"Desafio", "Lendo gráficos", "A geografia mora ao lado" e "Geografia e arte".

O trabalho empírico com nossas fontes indicou que em todos os volumes há

orientações metodológicas. Estas contêm alguns textos complementares e o gabarito

(resolução) das atividades das apostilas, além de algumas sugestões de atividades. No final

de cada material ou apostila encontram-se as Atividades - Padrão ENEM (Exame Nacional do

Ensino Médio). Nesse segmento de exercícios há todos os eixos temáticos do ENEM:

Matemáticas e suas tecnologias, Ciências da Natureza e suas tecnologias, Linguagens e suas

tecnologias e Ciências Humanas e suas tecnologias. No entanto, em algumas das fontes

pesquisadas não foram encontrados o eixo Ciências Humanas e suas tecnologias.

Nas orientações metodológicas das unidades do material estudado encontramos alguns

apontamentos sugeridos pelos autores e dirigido aos professores. Estas orientações

metodológicas têm como objetivo auxiliar (ou direcionar) a implementação dos conteúdos

programáticos em sala de aula. Os apontamentos que destacaremos nas orientações

metodológicas das apostilas das três séries, abordam, em alguns casos, o Continente Africano,

mas em nenhuma delas foi mencionada a presença dos negros no Brasil. Sendo assim,

destacamos abaixo alguns pontos dessas orientações metodológicas.

Na unidade doze, do volume quatro da primeira série, que possui como tema: "Dinâmica

da População Mundial", as orientações indicam um debate sobre intolerância ao

multiculturalismo. Esta sugestão baseia-se em uma charge (que se encontra na parte

destinada aos conteúdos e não as orientações metodológicas) que destaca a intolerância em

relação aos islâmicos. Assim, a atividade sugere que o professor incentive aos alunos a

43 Texto inserido no Projeto Pedagógico do SAE Positivo, ano de 2007.

Page 112: Victor Hugo Beñák de Abreu

102

buscarem reportagens que enfatizam intolerâncias religiosas para que sejam comparadas à

charge da apostila. Embora o capítulo tenha uma perspectiva de se trabalhar o tema proposto

em uma escala mundial, as orientações não indicam a análise das intolerâncias religiosas

existentes em escala nacional, em específico, sobre as pessoas que adotam as religiões afro-

brasileiras. Sugerir a busca por uma reportagem de cunho nacional e voltada para as religiões

afro-brasileiras incentivaria a criação de novos olhares sobre a visão de "Brasil: um país sem

conflitos".

Na mesma unidade destacada acima, existe um "Desafio"44 proposto na apostila, que

diz: "O Zimbábue é um país subdesenvolvido que apresenta indicadores pertinentes a sua

situação econômica. Contudo, seu crescimento vegetativo é igual à de alguns países

desenvolvidos. Por que isso ocorre?" CARVALHO JÚNIOR (2007) A partir do questionamento,

como sugestão de atividade, as orientações metodológicas apresentam uma pesquisa na qual

o aluno deverá 1º) buscar indicadores socioeconômicos sobre alguns países africanos; 2º)

desenvolver uma tabela comparando o Brasil, a Noruega e o país africano escolhido. Esta

tabela comparativa deve conter os seguintes indicadores, conforme a sugestão: Renda per

capita; expectativa de vida; taxa de analfabetismo; taxa de natalidade; taxa de mortalidade;

crescimento vegetativo; crescimento demográfico; mortalidade infantil.

A partir da montagem da tabela (com os dados baseados nos critérios sugeridos) os

alunos devem montar um texto que analise as informações e criar um Ranking dos países

analisados. Para o autor, esta atividade proposta tem como finalidade: "Esta atividade pode

ajudar na desmistificação do continente africano como um "oceano de crianças esquálidas" e

um "batalhão de analfabetos", pois certos países da África possuem alguns indicadores

melhores que os do Brasil e, até mesmo, mais próximos aos da Noruega do que da média

africana." CARVALHO JÚNIOR (2007)

O autor aponta que uma forma de dissipar as construções imaginárias negativas sobre

o continente africano é mostrando imagens de algumas cidades africanas modernas. Outra

maneira seria trabalhar com textos sobre iniciativas bem-sucedidas em termos de

desenvolvimento e qualidade de vida. CARVALHO JÚNIOR (2007) sugere alguns países a

serem trabalhados nesta atividade: "Moçambique, Zimbábue, Namíbia, Ilhas Seychelles,

Tunísia, Líbia, Gabão e África do Sul."

Estes apontamentos sugeridos pelo autor aparecem nas orientações metodológicas

voltadas somente aos docentes, entretanto, nos textos destinados aos alunos sobre o

continente africano não há uma preocupação em não "estereotipar a África". A aproximação da

África de maneira constante a aspectos negativos (tais aspectos relacionados aos critérios

destinados aos exercícios descrito no parágrafo anterior) reforça imagens de um continente

44 Nas apostilas existem alguns desafios propostos pelos autores. Tais desafios são marcados por atividades com maior grau de

dificuldade ou que levam a questionamentos sobre um determinado tema.

Page 113: Victor Hugo Beñák de Abreu

103

marginalizado, excluído, primitivo ou atrasado. Caso a sugestão de atividade (sugerida pelo

autor com o objetivo de quebrar estereótipos sobre a África) não seja implementada pelo

docente, corre-se o risco de reprodução de apenas "imagens" negativas sobre o continente

africano.

Nas orientações da segunda série, volume um, que tem como tema: "Território brasileiro

e sua Regionalização", há uma sugestão de leitura do livro de Gilberto Freyre: "Casa Grande e

Senzala", com o intuito de utilizar o capítulo um deste com os alunos. No capítulo encontram-se

informações sobre a colonização brasileira. Segundo o autor CARVALHO JÚNIOR (2007) esta

obra é considerada "uma das mais relevantes do século XX para a compreensão do Brasil e

seu povo." Para ele, Gilberto Freyre "discute a formação da sociedade brasileira com ênfase na

sociedade açucareira, monocultora, escravocrata e patriarcal nordestina." É necessário

destacar que embora o autor da apostila sugira o uso dos textos de Gilberto Freyre para

trabalhar com os alunos, este mesmo autor não lança algumas questões levantadas sobre o

"mito da democracia racial" perpetuada a partir das ideia de Gilberto Freyre, onde se criou uma

sensação de país sem conflitos raciais, um paraíso racial. Silencia a existência do mito da

democracia racial. Não é que seja "proibido" usar os textos de Gilberto Freyre, mas que junto a

eles tenha-se uma visão crítica da maneira em que Freyre coloca as relações raciais no Brasil.

Na contracapa dos volumes 1 (um) existe um código para os docentes para que tenham

acesso ao portal positivo. Nos volumes 2,3 e 4 existe um lembrete sobre o Portal Positivo e

suas ferramentas para compor o material apostilado. Isto é, o Sistema Positivo denomina o

objeto de estudo como "Livro didático integrado", termo utilizado com o objetivo de vincular o

material apostilado às ferramentas complementares como: simuladores (ambientes que

permitem simular alguns experimentos, segundo o material descrito na apostila), ENEM e

vestibular (notícias, informações, provas oficiais comentadas e questões similares ao ENEM)

Atlas do corpo humano, atlas histórico e atlas geográfico. Portanto, o que aqui chamamos e

reconhecemos como apostila, o SPE denomina de livro, sendo o mesmo integrado ao portal e

suas ferramentas. Dessa maneira, supõe-se que todos os alunos apresentam acesso à internet

seja em casa ou nas escolas, pois somente assim, podem usufruir de todas as possibilidades

que o SAE Positivo oferece e torna este material, como denominado pela Rede, um "Livro

Didático Integrado". Outro ponto em destaque, é que as apostilas apresentam referências

bibliográficas em cada volume, fator essencial para o aprofundamento do docente sobre os

temas sugeridos pela grade curricular do sistema positivo.

Em todas as apostilas analisadas, na contracapa, foi identificado um selo de parceria

entre o SAE Positivo e uma Organização Não-Governamental voltada para a manutenção da

Mata Atlântica. O Grupo Positivo destaca seu apoio e suporte a uma causa social importante

que é a conservação da natureza e que a ONG atua no processo de educação ambiental e no

desenvolvimento do uso racional dos recursos naturais.

Page 114: Victor Hugo Beñák de Abreu

104

Em relação às autorias do material pesquisado é destinado na bibliografia, que se

encontra na contracapa, para os autores: Ronaldo Donato Spinardi45 - responsável pelos

volumes 1 e 2 da primeira série. Este autor é professor, com experiência em Geociências e

especialização em Geografia Humana pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente atua

em pré-vestibulares, colégios e cursos voltados para concursos públicos. O autor dos volumes

3 e 4 da primeira série e 1 e 2 da segunda série é o Professor Doutor Ilton de Carvalho

Júnior46. Este autor possui Doutorado em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), é

professor da Universidade Estadual de Maringá e participa do grupo de pesquisa Educação

Geográfica e Formação de Professores de Geografia (EDUPROGEO). Atua na orientação de

professores na rede pública do estado do Paraná, tem experiência no ensino de Geografia nos

níveis fundamental, médio e superior. Já a autora Luiza Angélica Guerino47 é responsável pelos

volumes 3 e 4 da segunda série. Esta possui graduação e licenciatura plena em Geografia pela

Universidade de São Paulo (USP), especialização em Metodologia de Ensino na Universidade

Positivo, entre os anos de 1997-2008.Atuou como Coordenadora da equipe de geografia e do

setor responsável por esta disciplina na Editora Positivo elaborando materiais didáticos para o

ensino fundamental II e Ensino Médio. Por último, a Professora Doutora Eliane Regina Ferreti48

com a produção intelectual dos quatro volumes da terceira série. A autora tem Doutorado em

Geologia pela Universidade Federal do Paraná, possui experiência em Geociências, com

ênfase em Geologia Ambiental e atualmente trabalha como autônoma em consultoria

educacional e ambiental. Apresentou vínculo com a Editora Positivo entre os anos de 2005 a

2010.

Os materiais chegaram até a mim por intermédio de um professor amigo, de geografia,

que trabalha em uma escola particular na Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro, no

município de Mesquita. Como estou inserido na rede pública federal de ensino e, atualmente,

adotamos livros escolares, fui buscar esse material indicado com outros profissionais do

magistério. Não iremos destacar neste trabalho dados sobre a escola.

45

Informações obtidas a partir da Plataforma Lattes. Última atualização do currículo Lattes até esta data: 16/11/2012. Disponível em:< http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4326545Y6>, acessado em 15 de abril de 2016. 46

Informações obtidas a partir da Plataforma Lattes. Última atualização do cúrriculo Lattes até esta data:18/05/2015. Disponível em: < http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4508072Z4>, acessado em 15 de abril de 2016. 47

Informações obtidas a partir da Plataforma Lattes. Última atualização do cúrriculo Lattes até esta data:17/02/2014. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4728844P8>, acessado em 15 de abril de 2016. 48

Informações obtidas a partir da Plataforma Lattes. Última atualização do cúrriculo Lattes até esta data:29/06/2015. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4767031E4>, acessado em 15 de abril de 2016.

Page 115: Victor Hugo Beñák de Abreu

105

IV.6 - Da análise metodológica das Apostilas

A metodologia é composta por duas etapas: sendo a primeira quantitativa e a outra

qualitativa. Na primeira etapa, portanto, realizamos um levantamento dos conteúdos presentes

nas fontes. Posteriormente, criamos categorias gerais com o objetivo de encaixar os temas ou

assuntos inseridos nos SAE da Rede Positivo. Reconhecemos seis categorias49: (1ª)

Astronomia e Cartografia, (2ª) Atividades econômicas e relações comerciais (3ª) Ciência

Geográfica e seus conceitos (4ª) Elementos Naturais, recursos minerais e produção de energia

(5ª) Dinâmica populacional, movimentos migratórios e Urbanização e (6ª) Questões políticas,

como consta na tabela a seguir:

Tabela IV.1- Relação entre Assuntos abordados x Categorias em todas as apostilas

Assuntos Abordados nos conteúdos das séries Categorias

C150

C2 C3 C4 C5 C6 1ª série

Ciência Geográfica x

Astronomia x

Fusos horários x

Cartografia: Ciência e arte de representar a superfície terrestre x

Evolução Geológica da Terra x

Atmosfera e climas x

Biomas, biodiversidade e questão ambiental x

Hidrosfera x

Recursos energéticos e desafios ambientais x

Atividade Industrial x

Atividade agrícola x

Dinâmica da população mundial x

Movimentos migratórios x

2ª série

Território brasileiro e sua regionalização x

Relevo brasileiro x

Dinâmica climática e problemas ambientais x

Domínios vegetais brasileiros: classificação e degradação ambiental x

Hidrografia brasileira e gestão dos recursos hídricos x

Espaço agrário brasileiro x

Recursos energéticos brasileiros x

49

Estas categorias foram criadas a partir de uma análise dos assuntos e temas abordados, assim, acreditamos que tais categorias encaixam todos as unidades de trabalho e contemplam os conteúdos abordados pelos mesmos. 50

(C1) Astronomia e Cartografia, (C2) Atividades econômicas e relações comerciais (C3) Ciência Geográfica e seus conceitos (C4) Elementos Naturais, recursos minerais e produção de energia (C5) Dinâmica populacional, movimentos migratórios e Urbanização e (C6) Questões políticas.

Page 116: Victor Hugo Beñák de Abreu

106

Espaço industrial brasileiro x

Espaços dos serviços no Brasil x

População brasileira x

Movimentos migratórios no Brasil x

Urbanização brasileira x

3ª série

Um século marcado por conflitos x

Espaço geopolítico Mundial durante a Guerra Fria x

Fragilidade das Fronteiras x

Nova Ordem Mundial x

O mundo globalizado x

Mundo sob a ótica do neoliberalismo x

Vivemos na era da informação x

Comércio Mundial x

Geopolítica ambiental x

Conflitos Mundiais x

EUA: potência hegemônica? x

Potências emergentes x

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Estas categorias englobam os diversos assuntos abordados pelos materiais

apostilados, que apresentam diversas escalas de análise geográfica. Na primeira série,

predominam os assuntos referentes a uma escala de análise mundial, com certa relevância

dada aos assuntos das 1ª, 2ª,4ª e 5ª categorias. Já na segunda série, identificamos os

conteúdos voltados para uma escala nacional, com ênfase nas categorias: 2ª, 4ª e 6ª. Os

assuntos abordados na terceira série preconizavam as categorias: 2ª e 6ª, em uma escala

geográfica de análise mundial.

A partir dessas categorias e de sua presença nas apostilas, de acordo com a série

citada, através da leitura dos textos51 dos conteúdos, realizamos levantamentos em relação à

abordagem do Continente Africano ou dos Negros nas apostilas. Nesse caso, nosso

procedimento metodológico se assentou em primeiro levantar todos os pontos que

mencionavam o Continente Africano ou algum país da África e, até mesmo, uma nacionalidade

de origem africana. Assim, abrimos um enorme espaço para que o continente pudesse ser

mencionado em diversos assuntos, dos mais variados possíveis. Somado a isso, os mesmos

critérios utilizados para quantificar o Continente Africano nas apostilas usamos também, para

determinar a presença dos outros continentes: América (subdividida em Anglo-Saxônica e

América Latina), Ásia, Europa e Oceania. Foram desconsiderados dados sobre a Antártida.

Portanto, criamos uma quantificação da presença, não somente da África e dos negros no

material, mas de quase todos os continentes, com exceção da Antártida, pela sua pouca

51 Não consideramos as tabelas ou gráficos. Somente os textos corridos e as caixas de textos complementares para realizar o

processo de quantificação.

Page 117: Victor Hugo Beñák de Abreu

107

importância no tema deste trabalho. Desse modo, levantamos o número de vezes que o

continente africano aparece frente aos outros continentes e aos temas abordados. Assim,

diagnosticamos quantas vezes o aluno vai ver sobre a África ao logo do Ensino Médio, com

base do no currículo do SAE da Positivo. Esse aspecto quantitativo também foi estendido à

abordagem presentes sobre a população negra, nas nossas fontes, tendo como parâmetro as

palavras negro(s) e negra(s)como critério para quantificar a presença dos negros no Brasil no

material apostilado.

Após o processo de quantificação, passamos a destacar em que categorias, conteúdos

e séries o continente africano e os negros no Brasil foram mais abordados ou se foram

mencionados. Criamos uma tabela constando a série, volume, conteúdo abordado, página,

parágrafo, linha, descrição da citação realizada e o contexto, além, da referência se foi ao

continente africano ou aos negros no Brasil. Também criamos gráficos e tabelas com os dados

levantados: contendo os assuntos das apostilas e a abordagem do tema pesquisado, a relação

continente africano e negros no Brasil e os conteúdos por série, as categorias criadas e a

presença ou não da África e dos negros no Brasil, além da comparação com as menções feitas

aos outros continentes que não o africano.

Após os levantamentos dos dados empíricos citados efetuamos um trabalho qualitativo

sobre a presença ou não da África e dos negros no Brasil no SAE da Rede Positivo tendo

como foco de análise a forma como estão sendo inseridos e disponibilizados a partir das

apostilas. Portanto, a análise qualitativa foi fundamentada em conceitos e categorias

trabalhadas nos capítulos um, dois e três deste trabalho, dentre eles: a categoria de raça,

ideologia, ideologia racista, hegemonia e contra-hegemonia.

IV.7 Dos resultados da pesquisa quantitativa e das análises qualitativas dos dados

A partir de uma análise dos conteúdos programáticos do Ensino Médio detectamos que

na primeira série tem um total de 13 unidades de trabalho (capítulos) ao longo das quatro

apostilas, a segunda série apresenta 12 unidades e a terceira série 12 unidades de trabalho.

Através dos conteúdos das apostilas desenvolvemos seis categorias que contemplassem a

distribuição dos assuntos pelas mesmas. Dessa maneira, encontramos o seguinte resultado,

como podemos ver na Tabela IV.2.

Page 118: Victor Hugo Beñák de Abreu

108

Tabela IV.2 - Categorias temáticas principais e distribuição das unidades de trabalho pelas séries

Categorias Temáticas Principais Quantidade

Astronomia e cartografia 3

Atividades econômicas e relações comerciais 10

Ciência Geográfica e seus conceitos 1

Dinâmica populacional, movimentos migratórios e urbanização 5

Elementos naturais, recursos minerais e produção de energia 10

Questões políticas 8

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Como se pode observar, o levantamento empírico apontou que as categorias atividades

econômicas e relações comerciais e elementos naturais, recursos minerais e produção de

energia, obtiveram uma maior abrangência de unidades de trabalho, seguido de questões

políticas, dinâmica populacional, movimentos migratórios e urbanização e Astronomia e

cartografia.

Nas apostilas de cada série, os dados empíricos também constataram que há uma

diferença em termos de distribuição da presença das categorias. No caso da primeira série, por

exemplo, encontramos esses resultados:

Tabela IV.3 - Categorias x Distribuição das unidades de trabalho na 1ª série – EM

Categorias x Distribuição das unidades de trabalho da 1ª série - EM

Categorias Distribuição das

unidades de trabalho

Astronomia e cartografia 4

Atividades econômicas e relações comerciais 2

Ciência Geográfica e seus conceitos 0

Dinâmica populacional, movimentos migratórios e urbanização 2

Elementos naturais, recursos minerais e produção de energia 5

Questões políticas 0

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Nas apostilas da primeira série há um número maior de capítulos ou unidades de

trabalho referentes à parte física da geografia e de assuntos voltados a Astronomia e

Cartografia, passando pela A evolução geológica da Terra, Atmosfera e climas, Biomas e

biodiversidade, Hidrosfera, Recursos energéticos até adentrar em assuntos relacionados a

questões mais econômicas como: Atividade industrial e agrícola. Mais a frente, os conteúdos

abordados referem-se a temas relacionados aos estudos populacionais.

Na segunda série, predominam unidades de trabalho relacionadas aos elementos

naturais, recursos minerais e produção de energia, como indica a tabela abaixo:

Page 119: Victor Hugo Beñák de Abreu

109

Tabela IV.4 - Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 2ª série - EM

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Outras categorias abordadas na segunda série são: Atividades econômicas e relações

comerciais, Dinâmica populacional, movimentos migratórios e urbanização e questões

políticas. No entanto, um aprofundamento nas unidades de trabalho, revelou-se que embora

haja assuntos/temas parecidos com os da primeira série, as escalas geográficas de abordagem

são diferentes.

Nos conteúdos relacionados à terceira série, vigora a questão da abordagem frente a

questão política:

Tabela IV.5 - Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 3ª série - EM

Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 3ª série - EM

Categorias Distribuição das

unidades de trabalho

Astronomia e cartografia 0

Atividadeseconômicas e relações comerciais 5

Ciência Geográfica e seus conceitos 0

Dinâmica populacional,movimentos migratórios e urbanização 0

Elementos naturais,recursos minerais e produção de energia 0

Questões políticas 7

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

As categorias presentes nas unidades de trabalho da terceira série adotam temas

referentes à geopolítica internacional, como o período Pós-Segunda Guerra Mundial - mundo

bipolar, a construção de um mundo multipolar, a expansão do neoliberalismo, além, de

questões voltadas para o comércio internacional. Vemos, portanto, uma concentração de

assuntos voltados para categorias políticas e econômicas na terceira série, como podemos

observar na Tabela IV.5.

É perceptível, quando nos aprofundamos nos assuntos abordados por cada unidade de

trabalho, uma divisão de escalas de análises geográficas inseridas na distribuição dos temas

por série. Na primeira série e terceira são trabalhados conteúdos com base em análises

Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 2ª série - EM

Categorias Distribuição das

unidades de trabalho

Astronomia e cartografia 0

Atividadeseconômicas e relações comerciais 3

Ciência Geográfica e seus conceitos 0

Dinâmica populacional, movimentos migratórios e urbanização 3

Elementos naturais, recursos minerais e produção de energia 5

Questões políticas 1

Page 120: Victor Hugo Beñák de Abreu

110

geográficas em um escala, principalmente, Global. Nos conteúdos da segunda série são

privilegiados os assuntos em escala nacional, abordando temas relacionados ao Brasil. Não

que as outras séries não destaquem o Brasil ao longo do texto, mas é na segunda série que se

dá uma ênfase aos temas relacionados ao território nacional.

O trabalho com as fontes indicou que as unidades de trabalho do SAE Positivo

apresentam uma geografia voltada em função de eixos temáticos e não dentro de uma

geografia em escala regional. Em outras palavras, não há divisão dos estudos de forma mais

tradicional com base nos continentes subdividindo essas análises continentais em, inicialmente

a geografia física de todo o continente e, somente depois as relações desenvolvidas pela

geografia humana e suas transformações no espaço geográfico, como diversos livros didáticos

ainda persistem realizar. Os temas adotados pelas unidades de trabalho permitem o

desenvolvimento de uma geografia mais contextualizada. Existe apenas um único capítulo que

aborda de forma específica um país, no caso os Estados Unidos da América.

No entanto, esta pesquisa tem como um de seus objetivos, buscar quantas vezes o

continente africano e os negros no Brasil aparecem trabalhados nos textos das apostilas do

Sistema Positivo de Ensino. Para isso, desenvolvemos uma análise de todos os outros

continentes, com a intenção de compararmos quantas vezes eles [o continente africano e os

negros no Brasil] são trabalhados nos assuntos, em quais temas ocorrem, em quais séries

mais aparecem, de que maneira são abordados.

Ao buscarmos informações sobre os continentes, em especial, sobre a África,

realizamos um levantamento do número de menções encontradas ao longo dos textos. Assim,

chegamos a formação de diversos dados, entre eles a porcentagem referente à participação

dos continentes ao longo dos textos, de todas as séries, como vemos no gráfico IV.1.

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Gráfico IV.1 - Participação dos continentes ao longo dos textos

América36%

Ásia27%

África6%

Europa30%

Oceania1%

Participação dos continentes - Em todas as séries

Page 121: Victor Hugo Beñák de Abreu

111

O levantamento dos dados baseou-se em menções, destaques ou apontamentos

realizados nos textos que se aludiam a algum continente. Nesse sentido, através leitura do

gráfico IV.1 vemos uma referência maior ao continente americano, sendo a maior parte

voltadas ao Brasil e aos Estados Unidos da América. Estas referências ao continente

americano em maior porcentagem devem-se também, aos conteúdos da segunda série que

são destinados a uma geografia do Brasil e, ao único capítulo ou unidade de trabalho das

apostilas que destacam os EUA como uma Potência Hegemônica.

Uma considerável parte das unidades de trabalho (num total de 8 de 37) estão inseridas

na categoria:Questões Políticas, sendo muitas dessas "questões"relacionadas aos Estados

Unidos, o que acabou incrementando as referências ao continente americano. Por isso,

resolvemos ao longo da pesquisa, fragmentar as referências ao continente americano em:

América Latina e América Anglo-saxônica, apenas para fins de uma análise mais fiel das

representações sobre o continente.52

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Gráfico IV.2 - Porcentagem de apresentações dos continentes - América Regionalizada

Desse modo, no gráfico IV.2, percebemos uma diferença de 8% entre as citações

referentes a América Latina e Anglo-saxônica. Não é uma diferença tão elevada, pois na

segunda série as citações são mais constantes em relação à América Latina, como já

mencionamos, é o momento em que as apostilas da segunda série aprofundam-se em

assuntos voltados para o Brasil, como podemos identificar no gráfico IV.3 onde as referências a

América Latina são mais elevadas em relação a América Anglo-saxônica.

52 Essa divisão regional do continente baseia-se em critérios culturais e econômicos no processo de regionalização, desse modo,

os Estados Unidos e o Canadá, por apresentarem um nível sócio-econômico mais elevado são apontados de forma diferenciada ao longo das unidades de trabalho, em especial, nos temas destinados à questões políticas e econômicas em escala global.

32122%

21514%

40427%

846%

44530%

171%

Porcentagem de apresentações dos continentes - América Regionalizada

América Latina

América Anglo-Saxônica

Ásia

África

Europa

Oceania

Page 122: Victor Hugo Beñák de Abreu

112

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Gráfico IV.3 - Referências ao continente americano - Apostilas da Segunda Série

A América Anglo-saxônica ganha mais referências quando, na terceira série, são

abordados mais assuntos com destaques as categorias: Questões políticas e Atividades

econômicas e relações comerciais. Nesse momento, os EUA junto com o Canadá (bem menos

citado) passam a ser mais abordados, pois assuntos referentes à constituição de uma bipolar,

sua transformação na década de 1990 em multipolar e a expansão do neoliberalismo e a

Globalização, acabam por suscitar os EUA como potência econômica e militar, desse modo,

esses países ganham notoriedade nos textos. (Veja o gráfico IV.4)

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Gráfico IV.4 - Referências ao continente americano - Apostilas da Terceira Série

0

10

20

30

40

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

mero

de r

efe

rên

cia

s

Unidades de Trabalho

Referências ao continente americano - Apostilas da Segunda série

América Latina

América Anglo Saxônica

0

5

10

15

20

25

30

35

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

mero

de r

efe

rên

cia

s

Unidades de Trabalho

Referências ao continente americano- Apostilas da Terceira série

Latina

Anglo Saxônica

Page 123: Victor Hugo Beñák de Abreu

113

Outro continente que recebe grande destaque é a Europa, com 30% das referências.

Tais citações ocorrem principalmente na primeira e terceira séries. A Ásia, com 27%, ganha

mais destaque na primeira série e na terceira série, assim como o continente europeu. Sendo

China, Japão e Índia os países mais citados nos textos. A Oceania recebe menor número de

menções e, quando surge nos textos, a Austrália é o país com maior número de referências,

seguido da Nova Zelândia, países com maior poder econômico no continente.

O total de menções identificadas sobre a África nos textos das apostilas equivale a

apenas 6% das citações realizadas aos continentes, como vimos no gráfico IV.2. Assim, o

continente africano se apresenta a frente somente da Oceania. Dentre as unidades de trabalho

das apostilas, o continente africano é abordado em maior número nos temas voltados para os

conflitos mundiais, inserido na categoria: Questões políticas, como indica o quadro

abaixo(Gráfico IV.5):

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Gráfico IV.5 - Temas com maiores menções ao continente africano

Como podemos ler no gráfico IV.5,os temas relacionados aos conflitos mundiais,

seguido dos movimentos migratórios detêm maiores inserções da África em seus textos. Cabe

ressaltar que esses dois temas estão inseridos na terceira série e primeira série. Ademais, é

nesse momento em que os conteúdos (no material do SPE) estão relacionados a uma escala

de análise mais global. Os demais temas como: "Evolução Geológica da Terra", "Nova Ordem

Mundial", "Um século marcado por conflitos", "Atividade Industrial" e "Dinâmica da população

mundial", que também apresentam um maior número de menções sobre o continente africano,

assim como "Conflitos Mundiais" e "Movimentos Migratórios" estão dispostos na primeira e

terceira séries, como demonstra a tabela abaixo:

0

5

10

15

20

25

Conflitos Mundiais

Movimentos migratórios

Evolução Geológica da

Terra

Nova Ordem Mundial

Um século marcado por

conflitos

Atividade Industrial

Dinâmica da população

mundial

Temas com maiores menções ao continente africano

Page 124: Victor Hugo Beñák de Abreu

114

Tabela IV.6 - Unidades de trabalho com maior quantidade de menções ao continente africano

Posição Temas Nº de vezes Série

1º Conflitos Mundiais 23 3ª

2º Movimentos migratórios 22 1ª

3º Evolução Geológica da Terra 5 1ª

4º Nova Ordem Mundial 4 3ª

5º Um século marcado por conflitos 3 3ª

6º Atividade Industrial 3 1ª

7º Dinâmica da população mundial 3 1ª

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Daqui em diante, começaremos nossas análises por série, iniciando-se a partir da 2ª

série, pois, é local em que a construção de ideologias racistas, em escala nacional, se

apropriam de forma "mais evidente" das mentes dos estudantes com a propagação do mito da

democracia racial e da miscigenação, em especial, nas unidades relacionadas à população

brasileira e as relações étnico-raciais. Portanto, iniciaremos com apontamentos sobre em que

locais a África e os negros no Brasil serão abordados na segunda série.

Na unidade de trabalho: "Território brasileiro e sua regionalização", a África é apontada

como uma região que apresenta em suas faixas de fronteira conflitos étnicos e territoriais

devido à existência de culturas híbridas nestes espaços o que acarreta a formação de

embates. Portanto, quando o continente é constantemente destacado como uma área de

intensos conflitos acaba por reforçar uma ideia de primitividade e de atraso levantado por

alguns autores com RATTS et al (2007) e LIMA (2004). Conflitos existem em diversos locais,

no entanto, este estereótipo da África como região de guerras e demarcações de fronteiras é

propagado com maior constância do que outras características como as culturais e os

conhecimentos existentes na África.

Em outro momento, na mesma unidade de trabalho (Território brasileiro e sua

regionalização), é destacado o acordo assinado pela África do Sul com mais onze países em

relação à Antártida. Este país [África do Sul] aparece diversas vezes nas menções ao

continente, pois é a maior potência econômica regional e, tendo em vista que as unidades de

trabalho contemplam mais temas relacionados às questões econômicas, a África do Sul ganha

mais referências ao logo dos textos.

Na unidade de trabalho: "Relevo brasileiro", o continente africano é mencionado como

sendo uma área que apresenta problemas relacionados ao processo de erosão dos solos o

que acaba por intensificar questões relacionadas à fome.

"A erosão afeta com particular intensidade as regiões tropicais, como o Brasil, devido à combinação de altas temperaturas e elevada pluviosidade, com desmatamento de florestas tropicais e práticas agrícolas inadequadas. Assim, causas naturais e humanas se combinam para gerar um dos problemas ambientais mais graves do Brasil e do mundo. Na África, a erosão dos solos tem trazido graves crises econômicas e intensificado o problema da fome. No

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115

Brasil, representam prejuízos da ordem de milhões de dólares" (CARVALHO JÚNIOR, 2007. Apostila 2ª série, Positivo)

É interessante salientar, que neste texto, que relaciona problemas como a elevada

pluviosidade, desmatamento e práticas agrícolas inadequadas, combinando causas naturais e

humanas no processo de intensificação da erosão, tanto no Brasil quanto no continente

africano, acaba por reforça uma imagem da África como continente da fome. Não que este fato

[a fome] não assole o continente, mas sim, a questão de não mencionar pontos que

possibilitem visões não estereotipadas do continente é que acabam reforçando, mesmo na

geografia física, uma construção do continente africano como receptáculo dos maiores

problemas sociais, políticos, econômicos e sociais existentes. Desse modo, o educando

relacionará a África sempre a questões negativas e como fonte de problemas, caso não seja

inserido nos conteúdos, outros olhares e leituras que não simplifiquem à África a problemas.

Será que não existe uma atividade agrícola na África, antiga (tradicional) ou moderna, que

atenda as reduções das perdas de solo através de uma prática de manejo do solo mais

adequada?

Saltando da unidade 1 (um) do volume 2 (dois) da segunda série, partimos em direção

ao volume 3 (três) da apostila, onde o continente africano volta a ser mencionado. Isto ocorre

somente na unidade 9 (nove). Ou seja, temos um salto de seis unidades de trabalho em que

não há menções sobre o continente africano ou sobre os negros no Brasil. Na unidade de

trabalho 9 (nove) encontra-se o conteúdo: Espaços de Serviços no Brasil,e o país africano

Angola é citado por apresentar baixa taxa de escolarização na faixa etária acima de 15 anos e,

assim, é colocado com os demais países: EUA, Reino Unido, Suécia, Brasil, Índia, Coréia do

Sul e Argentina. Com o objetivo de se fazer uma comparação entre as diferentes escolaridades

existentes. Mais uma vez, o continente africano, representado por Angola fica como pior índice

de escolaridade na faixa etária acima de 15 anos. Esses dados apenas reforçam a África como

um continente sem instrução e com baixo nível de escolaridade, assim como podemos ver nos

estudos de RATTS et al (2007), onde em diversos livros didáticos de geografia, o continente é

inserido em um contexto de pobreza, fome, baixa escolaridade, selvagem, rudimentar e

atrasado. De maneira geral, o SAE da Rede Positivo segue um padrão, até aqui, parecido com

os livros escolares analisados por RATTS et al (2007).

Page 126: Victor Hugo Beñák de Abreu

116

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Gráfico IV.6 - Menções ao continente africano - 2ª série x Por unidade de Trabalho

A unidade de trabalho 10 (dez), do volume 4 (quatro) da segunda série, apresenta o

tema: "População brasileira" e é fundamentalmente iniciado a partir dos conceitos de populoso

e povoado criando uma análise da distribuição espacial da população pelo território.

Posteriormente, os assuntos são direcionados para a relação entre crescimento vegetativo nos

países desenvolvidos e subdesenvolvidos, onde relacionam "qualidade de vida" as

transformações nas taxas populacionais e reforça uma visão de "evolução da população".Essa

evolução baseia-se em uma visão comparativa a partir da dinâmica da população europeia.

Cabe-nos questionar que uma comparação entre as diversas formas de sociedades,

utilizando-se como critérios os dados que enaltecem a "dinâmica" populacional europeia, acaba

por colocar como "atrasado" as outras etapas de modificações existentes no mundo. Estas

análises comparativas entre dinâmicas populacionais que desenvolvem "etapas de evolução"

sem levar em conta a existência de questões culturais, religiosas e outras, enaltecem uma

visão eurocentrada do mundo. As diversas formas de transformações das populações em

diversos espaços,analisadas a partir somente desse comparativo com a dinâmica populacional

europeia, acaba por "nortear" os caminhos que uma "evolução" da população deve seguir.

O crescimento demográfico brasileiro é fragmentado em três fases: 1872-1940; 1941-

1970 e a partir de 1971, apontados fatores que levaram ao processo de redução da natalidade

e mortalidade e do crescimento vegetativo. Existe um subitem denominado "desigualdades" na

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2ª Série

Menções ao continente africano - 2ª série x Por Unidade de Trabalho

Page 127: Victor Hugo Beñák de Abreu

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unidade dez, no entanto, não são abordadas relações raciais nesse tópico, apenas questões

relacionadas às evoluções econômicas com reflexos sociais e as desigualdades vinculadas a

fatores históricos, ou seja, herdadas do processo histórico.

Os resultados em relação às palavras negros ou negros não foram encontrados. Isto é,

em nenhum conteúdo abordado pelas apostilas (em todas as séries) menções utilizando as

palavras: negros ou negras foram encontradas. Apenas no volume quatro, da segunda série,

onde se trabalha os conteúdos referentes aos movimentos migratórios no Brasil, é que foi

mencionado "a presença da cultura afro-brasileira - na cozinha, na música, na forma de falar."

(GUERINO, 2007.p.17)

Essa presença é citada dentro de um contexto de incorporação de culturas trazidas

pelos imigrantes à cultura brasileira. Cabe ressaltar que os negros escravizados vieram como

mão-de-obra e não como imigrantes. Os imigrantes vieram com o objetivo de buscarem novas

opções de melhoria de vida, diferente dos negros que forçadamente foram trazidos e obrigados

a trabalharem para os brancos. A presença citada no texto da apostila que destaca a

participação da cultura afro-brasileira cria uma sensação de que no Brasil os negros

"contribuíram" para o desenvolvimento cultural como coadjuvantes nesse processo, deixando a

entender que a cultura hegemônica absorveu alguns "pontos positivos". Portanto, identificamos

nessa passagem da apostila alguns processos destacados por NOGUEIRA (2006) na

construção da "identidade nacional brasileira", esta fundamentada em uma ideologia racial

marcada pelo assimilacionismo, ou seja, "deixa em aberto a importância do negro na

constituição da sociedade brasileira" desenvolvendo um silêncio em relação às representações

negras e possibilitando uma reprodução da ideologia do branco e relações assimétricas de

poder. Mesmo que o texto cite a presença do negro na cozinha, na música e na forma de falar,

não há um aprofundamento de como essas relações entre as culturas ocorrem. Esse silêncio

sobre os negros contribui para fortalecer a ideologia de um país miscigenado, sem conflitos,

um verdadeiro paraíso racial, desenvolvido a partir dos anos de 1930.

Nesta mesma unidade de trabalho, no tópico: "Migrantes - busca por uma vida melhor"

é destacada a entrada de diversos imigrantes no Brasil no período que vai de 1850 até 1930,

no entanto, não é mencionado o processo de branqueamento que estava inserido nesta política

de atrair brancos europeus, como podemos perceber no fragmento a seguir, retirado da

apostila: "Durante o século XIX foi intenso o fluxo de imigrantes europeus que vieram ao Brasil

em busca de uma vida melhor. Estimulados pela política governamental de ocupação das

terras do sul, eles imigraram, mas na condição de trabalhadores livres." (GUERINO, 2007.

p.17)

Não existe nenhum capítulo específico ou parágrafo, em todas as fontes analisadas,

que faça menções sobre os negros. Não é forjado nos textos das apostilas uma construção do

Brasil por intermédio do mito das três raças, mas, há um silenciamento. Este que acaba por

Page 128: Victor Hugo Beñák de Abreu

118

reforçar a manutenção de práticas racistas no ambiente escolar e na sociedade. Não se

constrói, em um capítulo de fundamental importância, uma reorientação de uma análise apenas

quantitativa da sociedade brasileira, assim, perpetuando ideais hegemônicos produzidos pelas

classes dirigentes. Não ocorre uma reorientação ou releitura dos conteúdos sobre a população

brasileira com base nas relações raciais, mas, mantém-se uma visão do país como uma

unidade e estável e assim, difunde a existência de uma democracia racial, visto que nos

conteúdos não se desenvolve de forma a se contrapor a essa ideologia.

Um redirecionamento das análises sobre o assunto "população brasileira" permitiria

uma reformulação de leituras e visões de ideologias que insistem na formação analítica da

sociedade brasileira como uma única identidade, e assim, atentaríamos para a composição de

uma sociedade múltipla, diversa, como destaca MUNANGA (2010), ao ressaltar a importância

da construção de uma educação multicultural e sua contribuição no desenvolvimento de

variadas leituras do mundo. "A escola tem a obrigação de reconhecer a diversidade cultural e

proteger as culturas minoritárias" MUNANGA (2008/2010), no entanto, não é o que

encontramos nas páginas das apostilas da segunda série da Rede Positivo de Ensino. As

apostilas de geografia da segunda série silenciam o poder exercido sobre os dominados, e

assim, acaba por reproduzir uma sociedade com relações raciais assimétricas de poder. Essa

ausência e o silenciamento prejudicam o processo de identificação dos estudantes negros à

história das condições da população negra e o desenvolvimento de referenciais não-brancos.

Pois, se o livro didático é um portador de sistema de valores, como aponta BITTENCOURT

(2013), o silenciamento do negro favorece a manutenção dos valores do "branco", já que estes

estão arraigados nas estruturas social e econômica brasileira.

O livro didático ou as apostilas formam um depositório de conteúdos escolares

BITTENCOURT (2013), realizando uma conexão entre a Academia e a escola básica, e, diga-

se de passagem, que as próprias orientações pedagógicas inseridas no volume um de cada

série, induzem a essa reflexão de que, "os livros didáticos integrados" da Rede Positivo

pretendem fazer esse elo entre a Academia e escola de ensino básico. Esse destaque dado

nas orientações pedagógicas nos leva a pensar as apostilas como "moderno", algo que está

em constante atualização, diferente dos livros que apresentam um tempo maior para

transformações em seus conteúdos.

Se um dos objetivos das apostilas é demonstrar atualização e modernidade, está

faltando buscar os diversos estudos realizados nos últimos anos sobre as questões raciais nos

livros escolares e as relações raciais nas escolas brasileiras, além, de trabalhos voltados para

a desconstrução do mito da democracia racial no Brasil. Pois, o que não encontramos nas

páginas das apostilas da segunda série da Rede Positivo foram menções as relações raciais

no Brasil. Dessa maneira, voltando aos estudos de CHOPPIN (2004), o silenciamento de

determinados conteúdos servem para direcionar conteúdos hegemônicos, este que acabam

Page 129: Victor Hugo Beñák de Abreu

119

por menosprezar as diversas vozes existentes, em específico, as de menores expressões na

sociedade.

Nas apostilas da primeira série predominam conteúdos referentes às categorias:

Elementos naturais, recursos minerais e produção de energia, Astronomia e cartografia. O que

encaminha as menções ao continente africano em direção aos aspectos físicos do continente,

e não necessariamente, as relações raciais e de poder que este trabalho pretende levantar nas

páginas das apostilas. Mesmo assim, cabe aqui alguns apontamentos sobre a construção que

as apostilas da primeira série desenvolvem sobre os negros ou o continente africano. Mas, de

antemão sabendo que os negros não foram citados em nenhum momento nas páginas do SAE

da Rede Positivo e, não somente na segunda série.

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Gráfico IV.7 -Continentes por Tema - 1ª série

Nos temas relacionados à primeira série predominam citações/menções referentes aos

continentes europeu, americano e asiático. O continente africano só ganha notoriedade no

último capítulo ou unidade de trabalho, em que o tema refere-se aos movimentos migratórios,

como podemos visualizar no Gráfico IV.7. Entretanto, vamos nos aprofundar no que é

abordado nessas menções ao continente africano ao longo de todos os capítulos.

Na unidade de trabalho: "Movimentos Migratórios", o continente africano é destacado

como uma área de emigração, fato relacionado à baixa qualidade de vida. O texto chama a

atenção para migrações internacionais, em específico, para a entrada de africanos e latino

americanos na Europa, pois, afetam as estruturas econômicas nacionais, "determinam os

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1ª Série - Continentes por Tema

América

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África

Europa

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padrões de distribuição e densidade populacional, alteram os tradicionais componentes

étnicos, linguísticos e religiosos, inflamam tensões internacionais." O texto destaca os

imigrantes como alvos de movimentos xenófobos, a intensificação do reforço de identidades

nacionais e ressalva a inserção de debates como o multiculturalismo. No entanto, há somente

menções ou apontamentos sobre o que a imigração pode ocasionar de movimentos contrários

a entrada no continente europeu. Não existe um aprofundamento sobre as causas que levam

aos movimentos xenófobos, ao reforço de identidades nacionais e muito menos, sobre a

importância relacionada ao debate em relação ao multiculturalismo em período de

globalização.

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Gráfico IV.8 - Menções ao continente africano - 1ª série x Por unidade de trabalho

Na unidade de trabalho 13 - "Movimentos Migratórios" é onde reside o maior número de

referências ao continente africano na primeira série, mas, a África foi citada anteriormente ao

capítulo treze em outras unidades, como em Astronomia, onde o Egito é referido como uma

região importante na contribuição à construção da ciência cartográfica. Outro destaque dado ao

país é a informação de que o Egito adota o horário de verão. Isto ocorre na unidade três que

apresenta como tema: Os Fusos horários. Na evolução geológica da terra, na unidade de

trabalho 5, o continente africano é mencionado como área atingida pelo tsunami de 2004

ocorrido no Oceano Índico e, também é citado o encaixe dos litorais sulamericano e africano,

onde tal evidência foi utilizada por Alfred Wegener para a comprovação da Teoria da Deriva

Continental.

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Menções ao continente africano - 1ª série x Por unidade de trabalho

Page 131: Victor Hugo Beñák de Abreu

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De maneira geral, a África é citada nos conteúdos da primeira série sem nenhum tipo de

aprofundamento. No entanto, na produção industrial - unidade de trabalho 10 - o continente é

citado como antiga área de expansão colonial. O país África do Sul ganha destaque como

região produtora de petróleo e como área com maior número de indústrias que se formaram

com um processo de substituição de importações, entretanto, tal produção industrial ainda é

considerada irrisória na relação produção industrial x per capita. A África do Sul é inserida nos

textos como região de maior atração de fluxos migratórios internos. Este fato está ligado à

posição econômica do país na África subsaariana como maior economia, atraindo fluxos de

diversas áreas do continente. Entretanto, também é destacada como área de repulsão, em

especial, em direção à Europa, onde os textos abordam que ocorre uma fuga de cérebros

agravando o problema do subdesenvolvimento.

Outro ponto de destaque em relação ao continente africano é na unidade de trabalho

sobre a hidrosfera - unidade 8. Nesta parte os cidadãos africanos são mencionados como

pessoas que sobrevivem com menor número de litros de água por dia.

Na unidade de trabalho 12, com o tema: "Dinâmica populacional mundial" – são

trabalhadas as fases de evolução da população com base em uma visão linear, ou seja, cria-se

a sensação de que todas as dinâmicas populacionais devem passar pelo mesmo caminho. Tal

passagem baseado em um norte dado pela Europa, que já está em uma etapa da dinâmica

populacional "mais avançada". Essa linearidade evidencia um processo de “evolução” a partir

de reduções nas taxas de mortalidade (com avanços na medicina, no acesso a saneamento

básico, ampliação da rede hospitalar, medicina preventiva, etc) e de taxa de natalidade. No

entanto, as reduções nestas taxas estão diretamente ligadas aos processos de urbanização

ede industrialização dos países. Desse modo, o próprio texto da apostila assume essa visão

linear de evolução que está baseada em uma comparação com dinâmicas populacionais de

países desenvolvidos e induz o educando a refletir que os países subdesenvolvidos não

alcançarão os últimos estágios53 da evolução populacional já obtida por alguns países

europeus. No entanto, cabe ressaltar que mesmo em uma visão linear de evolução, para que

tais estágios finais sejam alcançados pelos países africanos, há a necessidade de

modificações nas estruturas de alguns países. O texto da apostila chama a atenção para esse

modelo linear de evolução e que, em nossa visão, negligencia a diversidade populacional e

local desenvolvendo um "alisamento analítico" e reforça a visão de uma África atrasada.

53 Os estágio são: 1ª Fase - As taxas de natalidade e mortalidade flutuam apresentando crescimento vegetativo mínimo; 2ª Fase -

Redução da taxa de mortalidade e manutenção de elevada taxa de natalidade acarretando ampliação do crescimento vegetativo; 3ª Fase - As taxas de natalidade se reduzem com maior velocidade enquanto as taxas de mortalidade continuam a cair, assim, a população cresce em um ritmo lento; 4ª Fase - Baixas taxas de mortalidade e de natalidade ocasionando estabilidade demográfica, proporcionando elevada expectativa de vida para a população. Na Fase 5 - As taxas de mortalidade ultrapassam a de natalidade causando um declínio da população.

Page 132: Victor Hugo Beñák de Abreu

122

"O modelo é eurocêntrico, pois assume que todos os países passariam pelos mesmos quatro estágios. Todavia, as previsões mais recentes parecem indicar que muitos dos países menos desenvolvidos, particularmente no continente africano, dificilmente alcançarão um alto nível de desenvolvimento." (CARVALHO JÚNIOR(b), 2007. p. 10)

A análise da população mundial inserida nas fontes está baseada em uma visão linear

e, este modelo é incapaz de considerar inúmeros fatores e eventos que interferem nas

dinâmicas populacionais como: religião e cultura. Assim, não há a construção de novos olhares

pelas fontes analisadas sobre esse processo de evolução da população mundial, em especial,

em relação aos países subdesenvolvidos onde se encaixa o continente africano. Esta proposta

com base em uma comparação com os estágios de evolução da Europa ("eurocentrado"

segundo a própria fonte analisada) é utilizada como alicerce para os estudos sobre a

população mundial. Um dos motivos deve ser o objetivo central do material que é a aprovação

no vestibular, que se utiliza dessa condição linear de dinâmica populacional.

Em relação à geografia física abordada nas páginas da primeira série, os exemplos não

colaboram para a construção de uma geografia da África não estereotipada, assim, a fome

relacionada a problemas acabam por reproduzirem imagens que se difundem por diversos

livros didáticos ou escolares, que é a de um continente atrasado, como destacam os estudos

de RATTS et al (2007) e LIMA (2004).

É visível, ao longo dos textos das apostilas da primeira série, que o continente africano

não apresenta tanta relevância nos temas e favorece, nos momentos em que é mencionado,

para reforçar alguns estereótipos de continente primitivo, atrasado, marginalizado. Não há a

construção de posicionamentos contra essas visões, e sim, a manutenção de uma visão linear

de evolução balizada num reducionismo econômico, no qual o continente africano é

constantemente decretado como área pouco evoluída. Passemos agora para uma análise dos

dados referentes à terceira série.

A terceira série apresenta unidades de trabalho voltadas para as categorias: questões

políticas, atividades econômicas e relações comerciais. Sendo assim, uma série de unidades

de trabalho que buscam a reconstrução de fatos e transformações políticas importantes no

século XX. O mundo pós-guerra de 1945, a bipolaridade entre EUA e a URSS e,

posteriormente, a formação de um mundo multipolar e o desenvolvimento de uma doutrina

econômica neoliberal são pontos abordados pelas unidades de trabalho da terceira série. E

desse modo, até a quinta unidade, o continente europeu recebe maior ênfase e menções, pois

o mesmo foi palco da segunda guerra mundial e seus desdobramentos, além de ser uma

região difusora de políticas neoliberais na década de 1980/90. O continente asiático passa a

ganhar mais evidência nas unidades de trabalho finais, onde os temas: conflitos mundiais e

potências emergentes são trabalhados.

Page 133: Victor Hugo Beñák de Abreu

123

O continente africano foi abordado em maior número na primeira série, entretanto, é na

terceira série em que os temas das unidades de trabalho são voltados para uma geografia que

permite a construção de uma análise das relações raciais existentes. Portanto, afirmamos que

mesmo a primeira série apresentando mais menções, os temas sugeridos pelas apostilas da

terceira série são mais importantes para este trabalho. Assim, como os temas relacionados à

segunda série, onde se trabalham no SAE Positivo questões relacionadas ao Brasil.

Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)

Gráfico IV.9 - Menções ao continente africano - 3ª série x Por unidade de trabalho

Nas primeiras unidades de trabalho da terceira série, o continente africano foi

mencionado a partir de alguns países socialistas que recebiam auxílio da URSS, sendo eles:

Etiópia, Angola e Moçambique. Outros países mencionados são: Tanzânia e o Congo que são

apontados como países com baixo desenvolvimento social e econômico e que precisam de

melhorias na qualidade de vida. Essas menções são realizadas nas unidades de trabalho: Um

século marcado por conflitos mundiais, Fragilidade das fronteiras e Nova Ordem Mundial.

Na unidade de trabalho 8 - "Comércio mundial", o continente africano é comparado com

a União Europeia na construção de uma união aduaneira, tipo de bloco econômico que há

Tarifa Externa em Comum, redução das barreiras alfandegárias e possível circulação de

pessoas intrabloco conforme as normas de adotadas por cada país da formação. Assim, a

Associação Aduaneira da África Austral (Sacu - Southern AfricaCustoms Union) recebe um

singelo destaque no texto, mas, importante para demonstrar alguns processos econômicos que

se desenvolveram no continente africano e, bastante localizado envolvendo a maior potência

econômica da África, a África do Sul.

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3ª Série

Menções ao continente africano - 3ª série x Por unidade de trabalho

Page 134: Victor Hugo Beñák de Abreu

124

Na unidade de trabalho: "Conflitos Mundiais" -É o local em que a África apresenta maior

número de menções ou citações. É nesta unidade que se apresenta uma parte específica do

texto sobre a África, ou seja, com um total de quatro parágrafos e mais uma página inteira com

a existência de dois mapas do continente africano. O primeiro com a temática: "Pontos de

tensão na África" e o outro, com o tema: "HIV/AIDS na África". Este é o momento do continente

africano com maior ênfase no material apostilado Positivo ao longo das três séries.

Dessa maneira, o texto tem início com uma abordagem sobre o norte da África, onde

países como Saara Ocidental são apontados como àquele que busca sua independência de

Marrocos. Egito, Líbia e Argélia são mencionados como países que apresentam conflitos

internos. Cabe ressaltar que até a data de uso do material, o ano de 2011, as Revoltas

Populares denominadas de Primavera Árabe não haviam acontecido.

"Grande parte dos países do continente africano também convivia com conflitos e tensões oriundos do período de colonização e do processo de descolonização. A situação tornou-se muito problemática, pois, nas regiões em conflitos, a guerra favoreceu o aumento da pobreza, a disseminação de doenças (dificuldades de higiene, abastecimento de água potável e tratamento de esgoto). Em decorrência disso, o número de infectados por HIV (AIDS) aumentou, comprometendo a reconstrução dos países. A junção desses fatores trouxe efeitos catastróficos aos países africanos que, além de sofrerem as consequências da devastação causada pela guerra, foram afetados, ainda, em suas capacidades de gerarem riquezas, em razão do fato de a AIDS ter se tornado uma epidemia, já que os serviços médicos não conseguem atender ao número crescente de infectados." (FERRETI(d), 2009. p. 8)

O texto citado acima reflete algumas imagens desenvolvidas pelos livros didáticos que

acabam por reproduzirem apenas os aspectos negativos que o continente africano apresenta.

A África é mencionada como área de conflitos oriundos da colonização e do processo de

descolonização e os conflitos herdados desses processos acarretaram problemas como a

dificuldade de expansão das redes de saneamento básico, ampliação da pobreza e da falta de

higiene e a proliferação do vírus HIV. Assim, este fragmento da apostila da terceira série

encaixa-se nos apontamentos feitos pelos estudos de RATTS et al (2007) e de SILVA et al

(2013), onde as imagens estereotipadas nos livros didáticos reduzem o continente a aspectos

negativos e, ao abordar de forma diferente o continente europeu ou os EUA desenvolve essas

partes do mundo como representantes da humanidade. Sendo o homem branco a referência

para este processo de valorização. Portanto, a África apresenta sim uma grande difusão do

vírus da AIDS e de infectados, no entanto, nas fontes analisadas predominam representações

negativas do continente o que acaba por naturalizar essa visão de "primitivo" e "atrasado"

como apontado por RATTS et al (2007), e neste processo de "naturalização" que se perpetuam

nos materiais didáticos os estereótipos sobre a África.

Nos estudos de RATTS et al (2007) há um destaque para as poucas referências e

menções a população negra, e é o mesmo caso do SAE Positivo onde a maioria das

Page 135: Victor Hugo Beñák de Abreu

125

apresentações da população africana insere-se como estereotipadas. O continente africano é

apresentado vinculado à pobreza e a miséria, além de conflitos que acabam por justificarem a

existência de tais disparidades sociais e econômica entre os continentes.

No conteúdo sobre potências emergentes, unidade de trabalho 12 - terceira série, a

África do Sul é apresentada como país pertencente aos estudos de Goldman Sachs onde a

construção de uma previsão dos países com elevadas possibilidades de crescimento e para

futuros investimentos inseriu nesse grupo a África do Sul. Ponto em destaque no texto em que

apresenta os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) como "economias

estabilizadas recentemente, grandes reservas de recursos naturais, mão de obra numerosa e

em processo de qualificação, investimentos em infraestrutura e melhorias nos índices sociais."

FERRETI (2009) Este ponto, embora insira outros países no grupo BRICS, além da África do

Sul, cria uma visão do continente diferenciada e não estereotipada como selvagem, pobre,

miserável e marginalizada.

A ausência do continente africano em diversos temas reflete alguns pontos já

mencionados neste trabalho, quando abordamos pontos relacionados à colonialidade do poder

e do saber. Primeiro que o silenciamento da África em diversas unidades de trabalho acaba por

constituir os valores brancos como universais e negação dos valores não-ocidentais

determinando quais racionalidades devem ser inseridas no processo educacional.

MIGNOLO (2004) e GROSFOGUEL (2008) atentam para a criação de uma ciência

pautada em discursos que desenvolvem uma sensação de neutralidade. A construção de uma

leitura de mundo a partir de uma visão europeia passa pelo processo de ocultar a origem do

lugar de enunciação, assim, essa neutralidade de análise acaba por determinar os assuntos

que são relevantes ou não. Nesse sentido, o silenciamento dos negros e sua subrepresentação

são formas de manter relações assimétricas de poder e de não interferir na manutenção dos

privilégios adquiridos pelos brancos, conforme aponta BENTO (2002).

A criação de uma imagem negativa do não-branco é uma forma de manutenção de

relações assimétricas de poder. BENTO (2002) Para BENTO (2002) a manutenção dos

privilégios dos brancos está no processo de projeção sobre os negros, como o silenciamento

que detectamos nas páginas das apostilas do SAE Positivo, no qual, acaba por resguardar o

branco e insere o não-branco como passível de ser desprezado e marginalizado,

desenvolvendo uma construção do branco como representante da humanidade como é

representado de forma repetidamente nos livros didáticos e nas apostilas do Sistema de Ensino

da Rede Positivo.

As fontes analisadas silenciam a participação dos negros na sociedade brasileira e a

luta do Movimento Negro no Brasil na busca por uma igualdade racial. Já o continente africano

ao ser abordado é apresentado, na maioria das vezes, como área de grande concentração de

aspectos negativos e, desta maneira, desenvolve uma relação em que os educandos acabam

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126

"naturalizando" e associando a África as diversas características negativas mencionadas, e

dificilmente busca-se apontar os pontos positivos e contribuições que este continente

apresenta.

Nesse sentido, destacamos que as fontes analisadas em nada contribuem para o

combate ao racismo no Brasil, pois as mesmas ao reproduzem construções estereotipadas do

continente africano e silenciam os negros em suas páginas o que acaba por reforçar as

relações raciais assimétricas existentes no Brasil e, portanto, as fontes analisadas não

funcionam como instrumentos pedagógicos no combate a ideologia racista no país.

Page 137: Victor Hugo Beñák de Abreu

127

Conclusões

Os Sistemas Apostilados de Ensino aparecem junto aos cursos pré-vestibulares e se

expandem por diversas instituições privadas de ensino no país. Passam a ganhar força em

direção as instituições públicas. Estas que se utilizam dos sistemas apostilados como

referência de "qualidade de ensino" e buscam por melhorias nos índices de educação

municipal. O termo SAE é utilizado para se referir a uma série de ferramentas administrativas e

pedagógicas que vão além do material denominado de apostila, acoplando ferramentas digitais

e virtuais, processos de capacitação dos professores, análise dos rendimentos escolares e

determinação do modelo pedagógico e dos conteúdos abordados.

As apostilas e os livros didáticos funcionam como referências para os estudantes e

professores. Em alguns estudos sobre livros didáticos, como de BITTENCOURT (2013), estes

materiais escolares podem assumir uma função centralizadora, ganhando um peso na prática

dos docentes e condicionando os conteúdos que devem ser ministrados ou negligenciados.

Vemos, portanto, os Sistemas Apostilados de Ensino como uma forma de controle sobre

diversas áreas em que a instituição escolar deveria deter liberdade de escolhas, assim como

os docentes, que acabam utilizando o material como uma forma de centralizar os assuntos

trabalhados em sala e auxilio na redução do tempo gasto na preparação de aulas.

Dos resultados obtidos com as análises do material apostilado, vimos que das doze

apostilas, nenhuma inseriu as palavras negros ou negras em seus textos. Esse silenciamento

do papel do negro na construção da sociedade brasileira e das lutas anti-racistas em diversos

setores, não somente na educação, reforçam as construções realizadas na década de 1940

através de "imagens de uma sociedade brasileira" baseada no mito da democracia racial, com

a existência de um paraíso racial.

Nas unidades de trabalho da segunda série, as páginas relacionadas ao estudo da

população brasileira, silencia os negros e não insere as relações étnico-raciais nos conteúdos

pertinentes ao tema. A população brasileira é trabalhada a partir de uma geografia baseada,

inicialmente, em dados estatísticos, e posteriormente, introduzem as fases ou políticas

demográficas nacionais ao longo do século XX e questões relacionadas à qualidade de vida e

os fatores vinculados a desigualdade social. Entretanto a raça como componente de

investigação da sociedade não entrou em operação nos textos.

Dessa maneira, foi constatado um silenciamento sobre os negros e uma

subrepresentatividade do continente africano nas páginas do SAE Positivo. Esse silenciamento

que reforça e valoriza os valores brancos como universais e a negação dos valores não-

ocidentais, determinando quais racionalidades devem ser inseridas no processo educacional.

Há uma construção de uma análise universal da população a partir de uma base

epistemológica europeia, que incide sobre a ideia de uma visão sem construção ideológica, e

Page 138: Victor Hugo Beñák de Abreu

128

que atua de forma neutra nas construções analíticas do espaço. Assim, vemos a manutenção

de uma colonialidade do poder e do saber nas páginas do SAE Positivo onde apenas um lado

da história é contado, e, que muitas vezes, compreende uma visão de evolução linear criando

uma sensação de que a colonialidade é uma etapa que os países precisam enfrentar para se

alcançar a modernidade.

Nesse sentido, o continente africano, em poucos momentos, foi mencionado de forma

positiva nos textos. Em sua maioria foi relacionado à fome, pobreza, problemas ambientais,

conflitos e epidemias de AIDS, apenas, reforçando os estudos já realizados por RATTS et al

(2007), onde diversos livros didáticos de geografia também foram apontados como difusores de

estereótipos e estigmas em relação ao continente africano. O SAE da Rede Positivo acaba por

reforça esses estereótipos sobre o continente africano, mesmo após a criação da Lei 10.639/03

que estimula uma educação que trabalhe com conteúdos relacionados à cultura africana, aos

negros no Brasil e o continente africano.

A lei 10.639/03 é de fundamental importância para incentivar uma reformulação de

conteúdos, práticas docentes e currículos que permitam a inserção de novos olhares sobre a

sociedade e refaça os olhares centrados em uma única cultura. Embora a geografia não esteja

inserida no texto da lei, a implementação do ensino da cultura africana e afro-brasileira nos

currículos devem estar inseridos com o objetivo de garantir uma educação transformadora ou

libertadora.

A educação tem um papel fundamental na construção da cidadania plena dos diferentes

grupos raciais na sociedade. SISS (2003) O processo de educar se transforma em uma das

principais ferramentas para o desenvolvimento de uma sociedade menos desigual, mais

multicultural e que possibilite as diversas existências e proteção das culturas minoritárias. A

educação influi no processo de criação de leituras do mundo que não podem se submeter a

apenas a um lado da história, a uma visão somente monocultural.

Nas instituições de ensino do país é que se constroem a maioria das ideologias que

acabam por direcionar/orientar as visões de mundo, por intermédio de significados

incorporados pelas classes vigentes, incentivando o predomínio da cultura dominante. Ou seja,

a educação pode apresentar um papel de reprodutora das ideologias dominantes e direcionar

na construção de uma hegemonia das classes dominantes ou pode redirecionar os conteúdos

e práticas de modo que permitam aos educandos o desenvolvimento de leituras não

monoculturais, e sim, de uma diversidade de culturas e o reconhecimento de uma luta contra-

hegemônica que seja capaz de permitir as diversas existências.

A escola acaba por direcionar através dos conteúdos ministrados, do material didático e

da prática dos professores por acompanhar o papel da mídia na reprodução da ideologia

dominante, ao silenciar os diversos atores e seus projetos. Entretanto, a escola e mídia não

são apenas locais de reprodução, mas, podem se tornar os meios para a construção de uma

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129

contra-ideologia dominante ou contra-hegemonia. A reorientação dada pela escola instituindo o

contraditório do poder hegemônico cria tensão no que antes era universal, uníssono e estável.

A educação escolar é um elemento de vital importância no combate ao racismo. Com

o trabalho escolar têm-se a oportunidade de aprofundar-se sobre a existência do conceito de

racismo, os interesses envolvidos nesse no processo de criação de desigualdades raciais,

desmistificar os estigmas e estereótipos construídos na sociedade, em específico sobre a

população negra. A Educação tem o papel fundamental na luta contra-hegemônica e, através

dela pode-se construir ideologias anti-raciais e se utilizar o conhecimento produzido e a

reflexão para inverter o preconceito e a discriminação contra os negros.

Nos últimos anos a educação escolar tem se expandindo em número de alunos

abarcados e os negros estão, nos primeiros anos do ensino básico, praticamente, no mesmo

nível de acesso que os brancos. No ensino médio e superior houve uma ampliação de acesso

aos negros, entretanto, ainda resta diferença considerável, em especial, na promoção ao

ensino superior que apresenta o vestibular como um grande filtro. A raça como um instrumento

no sentido biológico desapareceu, no entanto, seu princípio político e ideológico ainda funciona

como uma clivagem social, determinando uma subrepresentação dos negros na sociedade.

Cabe ressaltar, que apenas o acesso dos negros à educação formal não garante uma

reorientação e a busca por uma contra-hegemonia. É necessário o ingresso em um formato

educacional de qualidade que possa atender as demandas do Movimento Negro, com o

reconhecimento de uma educação multicultural e que valorize a diversidade.

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Page 146: Victor Hugo Beñák de Abreu

136

TERRAZAN, Eduardo Adolfo; BEGO, Amadeu Moura. "Características das apostilas de

ciências da natureza produzidas por um sistema apostilado de ensino e utilizadas em

uma rede escolar pública municipal", Revista Ensaio, v.17, n.1, pp. 59-83, abril de 2015.

TEXEIRA, Moema de Poli. "Relações raciais na sociedade brasileira." PENESB (População

Negra e Educação Escolar) n.7, pp. 261-284, novembro de 2006.

VLACH, Vânia Rubia Farias. Ideologia do Nacionalismo Patriótico. In: Para onde vai o Ensino

de Geografia. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. (Org.), 10ª edição, São Paulo, ed.

Contexto, 2012.

Page 147: Victor Hugo Beñák de Abreu

137

Apêndice I - Quantitativo de menções aos continentes - Em todas as apostilas e

séries

1ª série

Total

Vol. 1 Vol. 2 Vol.3 Vol.4

U.1 U.2 U.3 U.4 U.5 U.6 U.7 U.8 U.9 U.10 U.11 U.12 U.13

AméricaLatina 1 1 6 0 11 3 6 5 2 5 4 3 17 64

América Anglo

Saxônica 3 2 3 1 0 3 4 0 9 8 4 5 28

70

Ásia 3 1 1 2 17 0 3 0 29 20 2 11 45 134

África 0 1 1 0 5 0 2 1 1 3 2 3 22 41

Europa 1 4 1 1 2 0 3 0 25 17 2 8 64 128

Oeania 0 0 1 0 1 1 0 0 1 0 0 1 3 8

2ª série

Total

Vol. 1 Vol. 2 Vol.3 Vol.4

U.1 U.2 U.3 U.4 U.5 U.6 U.7 U.8 U.9 U.10 U.11 U.12

Latina 28 38 10 10 13 13 14 4 11 12 16 4 173

Anglo Saxônica 1 6 1 0 2 2 3 0 3 4 5 0 27

Ásia 3 16 2 0 1 1 3 0 4 2 8 0 40

África 2 2 0 0 0 0 0 0 1 0 2 0 7

Europa 9 4 1 1 1 0 2 0 3 8 13 1 43

Oeania 2 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 4

3ª série

Total

Vol. 1 Vol.2 Vol.3 Vol.4

U.1 U.2 U.3 U.4 U.5 U.6 U.7 U.8 U.9 U.10 U.11 U.12

Latina 7 0 5 10 30 3 1 5 1 6 4 12 84

Anglo Saxônica 17 22 6 8 13 3 4 11 1 6 24 3 118

Ásia 46 13 6 10 14 2 10 2 1 80 9 37 230

África 3 0 1 4 1 0 0 1 0 23 1 2 36

Europa 48 51 33 11 47 5 4 11 6 30 8 20 274

Oeania 3 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 5

U = Unidade de trabalho

Page 148: Victor Hugo Beñák de Abreu

138

Anexo I - Programação de Conteúdos para o Ensino Médio

Programação de conteúdos para o Ensino Médio - Sistema Positivo de Ensino

Série/ano Unidade de Trabalho

Volume 1

1ª 1

Ciência Geográfica

Lugar, território e Espaço

O que se entende por lugar

Como conceituar o território

Espaço geográfico

Estado-Nação e território

1ª 2

Astronomia

Assim teve início a Astronomia

Qual a Origem do Universo?

E depois vieram as galáxias...

Onde estamos?

1ª 3

Fusos Horários

Resolução de problemas com fusos horários

Linha Internacional de Mudança de data

Tempo Universal Coordenado (UTC)

Hora Legal

Horário de Verão

Fusos Horários brasileiros

1ª 4

Cartografia: Ciência e arte de representar a superfície terrestre

Desenvolvimento histórico da ciência Cartográfica

Orientação por meio dos elementos naturais

Coordenadas Geográficas

Meios artificiais de orientação

Representação da superfície

Projeções cartográficas

Carta?Mapa?Planta? Qual a diferença?

Finalidade dos mapas

Escala do mapa

Tamanho da Escala

Curvas de nível

Sensoriamento Remoto

Aerofogrametria

Simbologia cartográfica

Page 149: Victor Hugo Beñák de Abreu

139

Série/ano Unidade de

Trabalho Volume 2

1ª 5

Evolução Geológica da Terra

Agentes internos de formação do relevo

Teoria da Tectônica de placas

Estrutura interna da Terra

Processos endógenos de formação do relevo terrestre

Agentes externos de formação do relevo terrestre

Principais tipos de erosão

1ª 6

Atmosfera e climas

Atmosfera

Camadas da atmosfera

Poluição atmosférica

Umidade atmosférica

Pressão atmosférica

Circulação geral da atmosfera

Climas e sua dinâmica

El Niño

La Ninã

Classificação climática

1ª 7

Biomas, biodiversidade e questão ambiental Paisagens naturais: biomas e biodiversidade

global

Grandes biomas globais

Florestas

Campos

Tundra

Deserto

Biopirataria

Unidades de Conservação

1ª 8

Hidrosfera

Águas continentais

Águas oceânicas

Problemática da água

Série/ano Unidade de

Trabalho Volume 3

1ª 9

Recursos Energéticos e Desafios Ambientais

Classificação das fontes de energia

Fontes modernas de energia

Fontes alternativas de energia

Desigualdade na produção e no consumo de energia

1ª 10

Atividade Industrial

Três Revoluções Industriais

Industrialização em países Desenvolvidos e

Page 150: Victor Hugo Beñák de Abreu

140

Subdesenvolvidos

Desigualdade na distribuição das indústrias e os fatores locacionais

Principais tipos de indústrias

1ª 11

Atividade Agrícola

Sistemas Agrícolas ou Agrossitemas

Comércio mundial de alimentos

Série/ano Unidade de

Trabalho Volume 4

1ª 12

Dinâmica da População Mundial População - Desigualdade, dinamismo e

diversidade

Conceitos básicos: população absoluta e população relativa

Distribuição da população mundial

Indicadores socioeconômicos

1ª 12

Crescimento da população e modelo de transição demográfica

Estrutura da População

Teorias Demográficas

1ª 13

Movimentos Migratórios e Urbanização

Migração:conceitos e classificações

Principais fluxos migratórios

Tendências atuais envolvidas no aumento da migração internacional

Série/ano Unidade de Trabalho

Volume 1

2ª 1

Território brasileiro e sua regionalização

Localização geográfica e fronteiras

Fusos horários

Soberania e Segurança Nacional

Formação do território brasileiro

Organização Político-administrativa

Complexos Regionais: Amazônia, Nordeste e Centro-Sul

2ª 2

Relevo Brasileiro

Arcabouço geológico e produção mineral

Classificações do Relevo

Deslizamentos de Terra e erosão dos solos

Ocorrências de Terremotos no Brasil

Série/ano Unidade de Trabalho

Volume 2

2ª 3

Dinâmica Climática e Problemas Ambientais

Relação sociedade-clima no espaço brasileiro e problemas ambientais climáticos

Principais características dos climas brasileiros

Classificação dos climas brasileiros e paisagens climatobotânicas

Page 151: Victor Hugo Beñák de Abreu

141

Fenômenos climáticos e grande impacto socioeconômico

4

Domínios vegetais brasileiros: Classificação e degradação ambiental

Biomas brasileiros

Domínios morfoclimáticos

Vegetação brasileira e questão ambiental

5

Hidrografia brasileira e gestão dos recursos hídricos

Bacias hidrográficas brasileiras

Aproveitamento econômico das bacias hidrográficas

Série/ano Unidade de Trabalho

Volume 3

2ª 6

Espaço agrário brasileiro

Setores da economia

Extrativismo vegetal no Brasil

Pesca

Agrossitemas

Produção agropecuária brasileira

Ambiente e agrossitemas

2ª 7 Recursos energéticos brasileiros

Fontes de energia

2ª 8 Espaço Industrial brasileiro

Concentração industrial

2ª 9 Espaços de serviços no Brasil

Setor Terciário e duas diversificações

Série/ano Unidade de Trabalho

Volume 4

2ª 10

População brasileira

Indicadores populacionais

Crescimento demográfico - política demográfica

Estrutura da População

Qualidade de vida

2ª 11

Movimentos migratórios no Brasil

Fluxo migratório do campo para as cidades

Migrantes: busca por uma vida melhor

Migrações internas: sempre presentes na formação do espaço brasileiro

Um novo fluxo interno está se delineando

Emigração: Nova tendência?

2ª 12

Urbanização brasileira

Espaço urbano brasileiro

Metropolização

Problemas sociais urbanos

Impactos ambientais no sistema urbano

Page 152: Victor Hugo Beñák de Abreu

142

Série/ano Unidade de Trabalho

Volume 1

3ª 1

Um século marcado por conflitos mundiais Transformações no espaço mundial entre

guerras

Mundo bipolar: oposição entre capitalismo e socialismo

Guerra fria

Mudanças no espaço econômico mundial: Nova divisão internacional do Trabalho

Da disputa ideológica do mundo bipolar à relação Norte X Sul

3ª 2

Espaço Geopolítico Mundial durante a Guerra Fria

Criação da Organização das Nações Unidas

Surgimento das Alianças Militares: Pacto de Varsóvia e OTAN

Qual o papel da OTAN no Mundo atual?

3ª 3

Fragilidade das fronterias

A URSS chega ao fim

Mikhail Gorbatchev e as políticas da Glasnost e Perestroika

Fragmentação do mundo Socialista e criação da Comunidade dos Estados Independentes -CEI

Economias em Transição

Série/ano

Unidade de Trabalho

Volume 2

3ª 4

Nova Ordem Mundial

Mundo multipolar

Acentuam-se as diferenças entre Norte e Sul

3ª 5

Mundo Globalizado

Surgimento da globalização

Gobalização da produção e do consumo: um processo excludente

Grandes corporações multinacionais

Papel dos blocos econômicos na economia globalizada

Grandes Organismos Internacionais

3ª 6

O mundo sob a ótica do neoliberalismo

Modelo Neoliberal

O Brasil na onda Neoliberal

Série/ano

Unidade de Trabalho

Volume 3

3ª 7

Vivemos na Era da Informação Da Revolução Industrial às Modernas

Tecnologias

Transformações produzidas pelo Meio Técnico-científico-informacional

Processos Produtivos

Importância dos Tecnopolos e das Cidades Globais

Page 153: Victor Hugo Beñák de Abreu

143

3ª 8

Comércio Mundial

Organização Mundial do Comércio

Políticas Protecionistas

Grandes Eixos do Comércio Mundial

3ª 9

Geopolítica Ambiental Embate entre preservação ambiental e produção

econômica

Desenvolvimento sustentável, sustentabilidade e sociedade sustentável

Terceiro Setor

Série/ano

Unidade de Trabalho

Volume 4

3ª 10

Conflitos Mundiais

Minorias étnicas e políticas nacionalistas

11 de setembro de 2001:Terrorismo Globalizado

Conflitos no Oriente Médio

Narcotráfico

3ª 11

EUA: Potência Hegemônica

Expansão econômica dos EUA

Influência dos EUA no Mundo Atual

Desigualdades de um país hegemônico

3ª 12

Potências Emergentes

Aspectos econômicos

Aspectos sociais