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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO VICENTE ESTEVAM A MÚSICA E A CRIAÇÃO DE VALORES NA EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE RETÓRICA ARGUMENTATIVA ENTRE ORADORES E AUDITÓRIOS NA CONTEMPORANEIDADE Rio de Janeiro OUTUBRO /2017 Vicente Estevam

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

    FACULDADE DE EDUCAÇÃO

    VICENTE ESTEVAM

    A MÚSICA E A CRIAÇÃO DE VALORES NA EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE

    RETÓRICA ARGUMENTATIVA ENTRE ORADORES E AUDITÓRIOS NA

    CONTEMPORANEIDADE

    Rio de Janeiro

    OUTUBRO /2017

    Vicente Estevam

  • A MÚSICA E A CRIAÇÃO DE VALORES NA EDUCAÇÃO: UMA

    ANÁLISE RETÓRICA ARGUMENTATIVA ENTRE ORADORES E AUDITÓRIOS NA

    CONTEMPORANEIDADE

    Tese apresentada como requisito parcial para

    obtenção do titulo de Doutor em programa de Pós-

    graduação em Educação da Universidade Federal

    do Rio de Janeiro (UFRJ). Área de concentração

    Inclusão, Ética & Interculturalidade.

    Orientador Prof. Dr. Renato Jose de Oliveira

  • DEDICATORIA

    A grande lei do universo e suas divindades celestiais pela força intrínseca em constante

    movimento eterno que transformadas pelo espirito corporificado em argumentos evidenciam a

    anima em logica-intuitiva expressiva verbal no formato de música, letras, argumentações e

    teses pela própria instância vital e factual humana de criação de valores

    Aos meus ascendentes ítalos-bolivianos e aos meus pais Joao Estevam, Maria do Carmo do

    Nascimento, Teresa de Jesus Mestre (Madrastra) e Quitete (Padastro), como também minha

    madrinha Maria Vacabarba Rosario, concomitante a meus descendentes pelo esforço em

    sempre tentarem proporcionar-me as melhores noções concretas e confiáveis na vida

    Aos meus amores e desamores, amigos e inimigos que de alguma forma me ensinaram a ser

    forte em face das dificuldades contempladas e, que de, contribuíram com o peso certo para que

    as noções fossem admitida em acordo preferíveis.

    Aos meus mestres: Maestro, Compositor e Arranjador, Prof Nelson Macêdo, os violonistas;

    prof. Othon G. Rocha Filho, prof. Juarez Carvalho, os prof. Dr. Paulo Pedrassoli, prof. Dr.

    Adeilton Bairral, Prof Dr. José Nunes Fernandes, Vanda Bellard Freire, Renato Jose de Oliveira

    e o Prof Nobuo Yanai de japonês que me ensinaram como obter a sabedoria dos conhecimentos

    para conceber o caminho do meio em face da diversidade para reconhecer oradores e auditórios

    particulares e invisíveis.

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus mestres professores: Othon G. Rocha Filho, Juarez Carvalho, Hélio e Carlos

    Delmiro, Antônio Adolfo, Hélvius Vilela, Sérgio Benevenuto, Maestro Nelson Macêdo. Aos

    professores Dr. Paulo Pedrassoli, Dr. Adeilton Bairral, Prof. Dr. Jose Fernandes, Profº Dra.

    Ana Ivenick, Prof º Drº, Vanda Bellard Freire Lima, Prof. Dr. Renato Jose de Oliveira que me

    ensinaram como obter a sabedoria dos conhecimentos em face da diversidade de oradores e

    auditórios;

    A todos os professores das disciplinas eletivas e obrigatórias que compuseram o histórico deste

    curso d pós-graduação para que eu pudesse obter o conhecimento necessário para o

    desenvolvimento da elaboração da tese;

    A Nossa querida Solange Rosa secretaria do programa de pós-graduação da UFRJ/FE por toda

    atenção dispensada a mim, durante o período do referido curso supracitado, como também por

    sempre ter um cafezinho pronto para suportar os momentos difíceis, extensivos a todos os

    funcionários que contribuíram pela segurança e limpeza dessa instituicáo

    Ao nosso Itamar da xerox por toda atenção e confiança em seu atendimento, no sentido de

    oferecer várias opções de pagamento por seus serviços; a família Bittencourt de Niterói que

    contribuíram para que o alcance do foco e ótica do olhar desse estudo não se desviassem nem

    se perdessem.

    Aos Doutores em saúde: o cardiologista Roberto Maiolino, a angiologista Drº Solange

    Chalfoun de Matos, o cirurgião cardiologista da polícia militar Dr. André , cirurgião

    oftalmológico Dr. José Neto, que me proporcionaram a ideia de continuidade deste estudo e

    me derem uma segunda chance em admitir possíveis acordos futuros para que eu possa

    continuar ora como um orador, ora como auditório nesse grande plenário universa;

    Em face das novas demandas profissionais para o músico, a todos os mestres, peritos da polícia

    federal, do curso de pós-graduação do Instituto de Pós-Graduação (IPOG) da primeira turma

    do Rio de janeiro em pericia criminal e ciências forenses que me permitiu abranger a visão de

    orador músico para auditórios diversos e distintos e formular estatutos estáveis para a esfera da

    justiça federal ;

    Ao meu mestre em perícia judicial da Escola de Administração Judiciária (ESAJ) Exmº Sr.

    Desembargador Reinaldo Alberto Pinto que proporcionou a possibilidade e a noção concreta

    dessa função de peito a categoria profissional de músico como orador e auditório na esfera

    jurídica estadual;

    Ao meu mestre do curso de pós-graduação da Peritos On Line, o Exmº perito Dr. Carlos Rubens

    que me deu a chance de expandir e abranger a função de perito musico orador para a esfera da

    justiça trabalhista.

    Em tempo agradeço aos professores da banca que me deram em última instancia a possibilidade

    de arrumar as ideias em que acredito defender.

  • Epigrafe

    A vida humana é um processo de criação de valores e a educação deve nos orientar para esse fim

    (TSUNESSABURO MAKIGUTI, 1999)

  • ESTEVAM, Vicente. A Música e a Criação De Valores Na Educação: Uma Análise Retórica Argumentativa Entre Oradores E Auditórios Na Contemporaneidade. 2017. Tese

    (Doutorado em Educação) -Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro,

    Rio de Janeiro, 2017.

    No contexto da educação musical novas formas de relação, por um lado, vivenciam

    novas experiências espaço-temporais ligadas aos avanços, à multiplicação dos recursos

    tecnológicos e à industrialização da cultura. Por outro lado, vivenciam a complexidade do

    esvaziamento da música do seu papel sociocultural pela sua transformação em bem de consumo

    ou em objeto isolado de suas relações socioculturais, bem como dos seus amplos significados

    pela passividade e pela massificação dos ouvintes no que se refere à educação. Para o

    desenvolvimento desta pesquisa, foram escolhidos como objetos de análise os Projetos Político

    Pedagógicos Institucional (PPPI) do Conservatório Estadual de Leopoldina (CEL), na zona da

    Mata de Minas Gerais, e da Escola de Música Villa-Lobos (EMVL), situada no município do

    Rio de Janeiro. Os dois PPPIs permitem abrir problematizações referentes à educação musical,

    na perspectiva de entender em que medida essas propostas pedagógicas privilegiam ou não a

    construção de significados e valores culturais no momento histórico marcado pelas formas de

    relação apontadas. A análise dos dois documentos foi conduzida com o aporte da Teoria da

    Argumentação ou Nova Retórica elaborada por Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca. A

    esse referencial teórico-metodológico somaram-se contribuições de autores do campo da

    educação, como Vanda Bellard Freire, e de pensadores que estudam a contemporaneidade,

    como Gilles Lipovetsky e Michel Maffesoli, entre outros. A pesquisa documental realizada, de

    caráter qualitativo, buscou, assim, trazer algumas respostas para questões como a

    impossibilidade da quantificação do universo de significados, crenças, motivos, valores e

    atitudes sobre a música no campo da educação na contemporaneidade. O estudo apontou que

    os PPPs analisados apresentam lacunas e limitações em suas articulações com os pressupostos

    válidos para a constituição de um novo olhar que busque superar conflitos e tensões notórias

    advindas da modernidade. Isso compromete o nível de contribuição para a construção de uma

    proposta que aponte para uma perspectiva social mais flexível no que diz respeito à arte e à

    educação, a qual sustenta não haver fronteiras estabelecidas e sim uma outra avaliação de

    espaço-tempo, tanto ética quanto moral, em suas expressivas sonoridades específicas, em seus

    comportamentos, em suas reavaliações.

    Palavras-Chaves: Educação Musical, Música, Teoria da Argumentação, Analise Retorica,

    Criação de valores

  • ABSTRACT

    ESTEVAM, Vicente. Music And The Creation Of Values In Education: An Argumentative Rhetorical Analysis Between Speakers And Audiences In The

    Contemporaneity. 2017. Thesis (Doctorate in Education) -Faculty of Education, Federal

    University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

    The subject of this thesis is part of new forms of musical education relations, on the

    one hand, on the path of new space-time experiments linked to the progress of the plethora of

    technological resources and the industrialization of Culture. On the other hand, from the

    experience of the complexity of music that empties their socio-cultural role for its

    transformation into a consumer good or an object isolated from their socio-cultural relations,

    large; By the passivity and the mass of the listeners in relation to Education. For the

    development of this research, we chose Pedagogical Policy Projects (PPP) from Leopoldina

    Music Conservatory (LMC) and the School of Music Villa-Lobos (SMVL) in Rio de Janeiro.

    The two PPPs allow us to discuss musical education in order to understand to what extent these

    pedagogical proposals favor the construction of meanings and cultural values in the historical

    period marked by the forms of relations analyzed. These two documents were analyzed with

    the theory of the Argumentation or New Rhetoric of Chaim Perelman and Lucie Olbrechts-

    Tyteca. This theoretical framework is close to the contributions of authors in the field of

    education, such as Vanda Bellard Freire and other thinkers who study the contemporary world,

    such as Gilles Lipovetsky and Michel Maffesoli. The study sought answers to such questions

    as the impossibility of quantifying the universe of meanings, beliefs, motivations, actions and

    values on music in contemporary education. It has been found that the PPPs analyzed have

    shortcomings and limitations in their articulations with valid assumptions so that a new look

    can be built in order to seek to overcome the conflicts and the notorious tensions. This

    compromises the level of contribution to the construction of a proposal that is moving towards

    a more flexible social perspective on art and education, as it does not support the established

    borders but a Another evaluation of space-time, both ethical and moral in their specific

    expressive sounds in their behavior, in their new evaluations.

    Keywords: Music Education, Music, Argument Theory, Rhetorical Analysis, Values Creation

  • RÉSUMÉ

    ESTEVAM, Vicente. Musique et valeurs de la création dans l'éducation: analyse de

    la rhétorique argumentative entre les intervenants et auditoriums contemporanéité. 2017. Thèse

    (doctorat en éducation) -scolaire de l'éducation, Université fédérale de Rio de Janeiro, Rio de

    Janeiro 2017.

    Cette these s’agit dans le cadre de nouvelles formes de relations d'éducation musicale, d'une

    part, l'expérience de nouvelles expériences espace-temps liés aux progrès de la pléthore de

    ressources technologiques et l'industrialisation de la culture a. Por D'autre part, l'expérience de

    la complexité de la musique vidant leur rôle socio-culturel pour sa transformation en un bien

    de consommation ou d'un objet isolé de leurs relations socio-culturelles, ainsi que son sens

    large par la passivité et la masse des auditeurs par rapport à educação. Par le développement

    de cette recherche, nous avons été choisis comme objets d'analyse des projets politiques

    pédagogiques (PPP) du Conservatoire de Leopoldina (CEL) et de l'école de musique Villa-

    Lobos (EMVL), situé à Rio de Janeiro. Les deux PPP permettent des problématisations

    ouvertes sur l'éducation musicale en vue de comprendre dans quelle mesure ces propositions

    pédagogiques favorisent ou non à la construction des significations et des valeurs culturelles

    dans la période historique marquée par les formes de relation analysées. Ces deux documents

    ont été analysés avec la théorie de la Argumentation ou Nouvelle Rhétorique de Chaïm

    Perelman et Lucie Olbrechts-Tyteca. A ce cadre théorique se rapprochent les contributions des

    auteurs dans le domaine de l'éducation, comme Vanda Bellard Freire et d’autres penseurs qui

    étudient le monde contemporain, comme Gilles Lipovetsky et Michel Maffesol. L´étude a

    cherché des réponses à des questions telles que l'impossibilité de quantifier l'univers des

    significations, croyances, motivations, atitudes et valeurs sur la musique dans l'éducation

    contemporaine. On a constaté que les PPP analysés montrent des restrictions dans leurs

    articulations avec des hypothèses valides pour former un nouveau regard qui cherche à

    surmonter les conflits et les tensions notoires résultant de manque de caractère moderne. On a

    identifié que ces restrictions peuvent entraver la construction d’une proposition qui point vers

    une perspective sociale plus souple en ce qui concerne l'art et l'éducation, car il ne supporte pas

    les frontières mis en place, mais une autre évaluation de l'espace-temps, à la fois éthique et

    moral dans leurs sons expressifs spécifiques dans leur comportement, dans leurs nouvelles

    évaluations.

    Mots Clés: Éducation Musicale, Musique, Théorie de l’argumentation, Analyse Rhétorique,

    Création de Valeurs

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 12

    1. A CONTRIBUIÇÃO DA NOVA RETÓRICA COMO CAMPO DE PENSAMENTO PARA AS

    ANÁLISES SOBRE MUSICA E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO SOCIAL CONTEMPORÂNEO 32

    1.1 Considerando as Contribuições da Nova Retórica ..................................................................... 32

    1.1.1 A Música e a Criação de Valores pela Contribuição da Nova Retórica............................. 40

    2 A INSEPARABILIDADE ENTRE MÚSICA, EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE ......... 49

    2.1 Discutindo a Contemporaneidade ............................................................................................... 49

    2.1.1 Discutindo a Música............................................................................................................ 55

    3. A ESCOLHA DOS DADOS E A INTERPRETACÁO À LUZ DA TEORIA DA

    ARGUMENTAÇÃO ............................................................................................................................. 73

    3.1 Da Escolha dos Dados ................................................................................................................ 76

    3.1.1 As Noções de Valores e Verdades dos Dados .................................................................... 80

    4. ANÁLISE RETÓRICA DOS PPP ’s do C.E.L. e E.M.V.L ....................................................... 88

    4.1 As Identidades Sociais ................................................................................................................ 89

    4.1.1 Das Análises do CEL e da EMVL ..................................................................................... 91

    CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................. 110

    Referências Bibliográficas .................................................................................................................. 118

    ANEXO I ............................................................................................................................................ 126

    Projeto Político Pedagógico do Conservatório Estadual e Leopoldina (CEL)................................ 12630

    ANEXO II ................................................................................................. Erro! Indicador não definido.

    Projeto Político Pedagógico da Escola de Música Villa-Lobos (EMVL)................................................150

  • 12

    INTRODUÇÃO

    Há, sem dúvida, uma mudança notória no mundo onde não mais se permitem que as

    antigas premissas e pressupostos advindos de critérios a priori, ou seja, de conceitos baseados

    na lógica matemática, apoiados em verdades absolutas, respondam e equilibrem as tensões e

    conflitos apresentados pelo formato sócio-orgânico de caos, neste momento histórico, por um

    contexto de fome, banalização da violência, destruição do meio ambiente, corrupção na esfera

    política e banalização da cultura. (OLIVEIRA, 2015)

    A presença deste contexto, somada à inovação de grandes avanços tecnológicos

    determinados e determinantes pelos planos políticos, sociais, econômicos e filosóficos, faz com

    que a música e a educação passem a exercer, nesses planos, duas representações que

    contribuem no que diz respeito à possibilidade de amenizar contradições e incompatibilidades

    em um campo de disputa por pensamentos hegemônicos no qual se constata uma fragilidade

    epistemológica, como salienta Frigotto (2003).

    Sob o rigor de estatutos como o do movimento do multiculturalismo, música e

    educação são representantes culturais de todas as vozes envolvidas nesse campo de pensamento

    e, assim, podem dialogar para discutirem juízos de valor em comum acordo, que expressam a

    vontade em delinear novas diretrizes, estudos e atualizações sobre antigas noções e superar os

    novos desafios que se aproximam e com isso amenizar conflitos e incompatibilidades.

    Por assim dizer, na atualidade, música e educação, tomadas pelo prisma multicultural,

    buscam evitar o reducionismo ou a guetização de certas formas culturais, por reconhecimento

    de uma pluralidade, uma diversidade pelas quais se admite pensarmos esse momento histórico

    como um campo de pensamento (CANEN, 2002 PENNA, 2005).

    Pela lógica do campo de pensamento, outros olhares paralelamente mais abrangentes,

    permitem esse mesmo reconhecimento por análises argumentativas, tanto no âmbito da música,

    quanto no âmbito da educação da contemporaneidade admitidos pela concepção da ideia de

    auditório e oradores com a ênfase na racionalidade em que o Logus profere-se por uma lógica

    de considerações admitidas ou com preocupação voltada para a argumentação e não para as

    técnicas utilizadas sobre o Ethos e o Pathos na antiga retórica (OLIVEIRA, 2016).

    Buscamos, dessa forma, entender por quais noções filosóficas subjacentes os discursos

    admitem acordos ou imposições políticas, pedagógicas, sociais e filosóficas, evitar

    reducionismos, o que, por sua vez, sugere uma nova tomada de decisão ao desenvolver um

  • 13

    ponto de partida de argumentações para que se possa propor e, a partir daí, estabelecer novos

    acordos sobre outras premissas gerais e particulares. (PERELMAN, 2005)

    Acordos como estes, ou sob admissão de juízos em comum, trazem à tona a

    possibilidade de interligar concepções entre o que é constituído como real para alguns e sobre

    o que é constituído como preferível para outros, fora ou dentro desse campo em que se

    expressam por discursos retóricos de gênero epidíctico (aqueles que buscam realçar valores ou

    a comunhão acerca de determinados valores) e por meio de propagandas apoiadas em noções

    hierárquicas, factuais e seus lugares de verdade. (ALVARENGA, 2013).

    Outros aspectos, ainda, dentro desse imenso campo de pensamento a serem

    considerados por autores que trazem em seus argumentos a possibilidade de problematizações

    e questionamentos para que se possam iniciar possíveis negociações de novos acordos comuns

    a todos nesse momento histórico como apresentado mais acima.

    Trazendo o que Oliveira (2016) apresenta as contribuições dos conceitos de Perelman

    e Olbrechts-Tyteca (2005) admitimos que todo espaço, como campo de pensamento, torna-se

    um campo de oradores e auditórios, onde há interação entre o ato e a pessoa, ou seja, os atos

    que envolvem a música (ouvir, escutar, apreciar, criar, executar, criticar) podem modificar o

    sujeito em sua expressividade. Também consideramos que o desenvolvimento pleno da pessoa

    não ocorre somente para quem aprende música, mas também para quem ensina.

    Nessa perspectiva, as considerações dos oradores Estevam e Jardim (2014) permitem

    conceber o espaço de educação musical como um espaço mais abrangente, além de um campo

    de transmissão de conhecimentos pelo docente, algo como um campo de argumentações e

    negociações de distâncias das vozes docentes e discentes e de outros envolvidos.

    Essas considerações acima coadunam com o que a oradora Penna (2010, p. 13)

    compreende sobre a música, a qual é vista “como uma atividade essencialmente humana, de

    criação de significações, e como uma linguagem culturalmente construída, de caráter

    dinâmico”.

    A esse respeito, o orador Carrilho (1994) salienta que uma forma de poder agir sobre

    as incompatibilidades é o abandono da “lógica que as produziu; e, muito especialmente, das

    concepções que fizeram da necessidade a trava mestra da compreensão e da universalidade a

    norma suprema da compreensão do sujeito e da razão”. (CARRILHO, 1994, pág 09-10 ) Isso é corroborado, igualmente, pelo orador Agamben (2007) ao afirmar que, em um

    mundo onde tudo é necessário, inevitável e sagrado, só nos resta abandonar as soluções que

    nos foram apresentadas na modernidade.

  • 14

    Assim, é possível perceber a música, a educação e a produção humana não como

    resultantes de uma visão clássica liberal ou neoliberal, mas como um imenso auditório ou

    campo de pensamentos que se complementam, como também podem legitimar valores

    incompatíveis nesse momento atual e que se retroalimentam, culminando no surgimento de

    duas sociedades em total discrepância em seus projetos de modernismo, modernização e

    modernidade. (FRIGOTTO, 2003).

    A partir dessa visão de deslocamento, há a possibilidade de mudanças para olhares

    mais abrangentes, portanto um estudo dentro de uma visão que possa refletir sobre os

    argumentos e as noções da música e da educação na contemporaneidade. Esse olhar traz em si

    uma relevante contribuição, que amplia e tenta responder reiteradas inquietações e

    questionamentos, suscitados por diversos autores e profissionais e debatidos em eventos

    científicos, literários e políticos para a área da educação e da música, como também

    representados em normas legais. (ARIANI & CONCEIÇÃO & ESTEVAM & INÁCIO,

    MILANO & TEIXEIRA & ZORZETTI, 2013)

    Tais questionamentos e inquietações apresentam-se de certa forma já integrados a uma

    noção de sociabilidade, pelas demandas de maior abrangência em suas práticas sociais. Entre

    as considerações mais pertinentes a esse respeito está a de Queiroz(2004), que argumenta que,

    para haver uma prática social abrangente, a educação musical tem que dar conta de todas as

    vozes envolvidas no processo, vozes que permitem aproximar a sociedade da música e da

    educação.

    Em acordo com essas considerações, vislumbramos os argumentos de Canclini (2000)

    que admitem na contemporaneidade o processo de reconversão de vozes que passam

    despercebidas em suas expressividades por comtemplarem um novo modelo de aproximar a

    sociedade da música e da educação.

    Nesse caso, torna-se possível perceber no estado de cultura atual, vozes que não são

    ouvidas dentro desse campo de pensamento, que Perelman (2005) conceitua como auditório, e

    que a música e a educação passam conjuntamente a contribuir com seus oradores no sentido de

    amenizar tensões, superando desafios ao admitir novos acordos.

    A partir desses conceitos, percebemos que há acordo também com as considerações

    de Freire (2017), que argumenta a impossibilidade de uma pratica educacional musical na

    atualidade sem as noções de amplitudes socioculturais ou de seus auditórios, como também

    com as considerações de Jardim (2007), as quais permitem entender que a aula de música

    projeta-se como um evento produtivo em prol da formação de um ser humano consciente em

    seus direitos e deveres.

  • 15

    Procuramos, dessa maneira, com este estudo, contribuir e compreender antigos

    acordos estabelecidos, fomentando, com um novo olhar, noções que possam interpretar esses

    dados. Para tanto, trazemos uma nova concepção da retórica, a teoria da argumentação de

    Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), que nos permite perceber quais escolhas podem

    abandonar as lógicas que as produzem e, por fim, reinseri-las em novos acordos estabelecidos

    pelas participações de todas vozes, ou seja, com a participação dos seus auditores invisíveis.

    A teoria da argumentação, em primeira instância, apresenta a retórica pelo olhar não

    centralizado do Ethos (dimensão do orador) ou do Pathos (dimensão do auditório), mas pelo

    equilíbrio entre Logos (razão), Ethos e Pathos no que se refere aos acordos a serem

    desenvolvidos.

    Essa visão permite situar autores como oradores ou auditórios e o público como orador

    e auditor, contribuindo, assim, para torná-los visíveis em suas vozes, embora não se possa

    descartar que em outros momentos históricos possam ter participado como oradores e

    dialogado com outros possíveis oradores e auditórios. De todo modo, o que defendemos é

    reunir as múltiplas estruturas sócio-musicais que ocorrem em um contexto cultural, permitindo

    que se apresentem ora como oradores, ora como auditórios.

    A guisa de exemplo, podemos dizer que caminham nessa direção as contribuições de

    autores ou oradores como: Revesz (1953), Netl (1956), Gaston (1968), Blacking (1973),

    Sloboda (1985), Radocy (1988), Schafer (1992), que, apesar de certas dissonâncias de

    pensamento pedagógico e didático, conseguem considerar a música, a sociedade e a educação

    inseparáveis de suas relações socioculturais, o que permite apontar um campo de pensamento

    mais abrangente.

    Autores como estes passam a ser possíveis oradores com a relevância de admissão de

    acordos na medida em que amenizam as várias tensões e conflitos em face de suas pesquisas

    em fronteiras epistemológicas. Por um lado, eles entendem a música em sua vertente

    antropológica e filosófica formal como lógica, embora não deixem clara a questão sobre sua

    origem. Por outro lado, pelos olhares da sociologia musical, Etnomusicologia e Antropologia,

    percebem a música dentro da necessidade do ser humano de se comunicar em suas relações

    sociais.

    Outra autora e oradora Souza (1997, 2004), preconiza que pensar a música como

    inserida no contexto das relações socioculturais na contemporaneidade aponta para uma

    pedagogia que traga um fortalecimento discente/docente em suas capacidades reflexivas

    críticas e experimentais pela profusão de um novo paradigma de status cultural de

    reestruturação da linguagem, o qual podemos denominar de comunicacional e polissêmico.

  • 16

    No que se refere ao paradigma referido acima, diversos autores-oradores, entre eles,

    Lyotard, Rouanet, Lipovetsky, Carrilho, Boaventura Santos, Doll e Maffesoli apresentam

    pressupostos para formulações de noções sobre o estado de cultura atual, denominadas de

    Modernidade, Hipermodernidade, Pós-Modernidade.

    Essa contemplação pelo estado de cultura ermitir entender as fronteiras não como

    rupturas e sim como processos de muitos caminhos realizados que conduziram as relações

    humanas presentes ou na perspectiva em futuro. Noções estas que estabeleceram critérios a

    priori balizadas pelo estatuto absoluto da verdade (SANTOS, 1991; WHITROW, 2005)

    Noções estas, que, ainda, podem ser avaliadas e legitimadas em seus estatutos,

    verificadas em sua integridade e examinadas a partir de seus fatos, verdades, valores,

    hierarquias e lugares e, assim, compor e propor novos acordos entre concepções presumíveis e

    preexistentes sobre o real e as que sugerem versar sobre o preferível e determinam escolhas

    existentes.

    Notamos, nessas duas visões, ainda uma questão paradoxal no que diz respeito à

    alteridade, à diversidade de identidades individuais e coletivas do paradigma denominado de

    pós-moderno, veiculada pela cultura popular imagética, que concomitante ao paradigma da

    modernidade, mescla-se aos princípios homogeneizadores e critérios de valores e, que, por sua

    vez, gera conflitos, tensões e embasa as práticas educacionais, de modo a:

    •Compartimentalizar e fragmentar para melhor controlar;

    •Pensar segundo uma racionalidade técnica e dualista;

    •Pôr em ordem, seriar, ordenar, controlar usando fortes

    enquadramentos e previsibilidade absoluta;

    •Conceber um planejamento linear, passando de um ponto a outro, em

    sequência estabelecida previamente e tomada como ideal e absoluta.

    (SANTOS & DIDER & VIEIRA & ALFONSO, 2011, p.215 ).

    Penna (2005) considera que, no caso da música e da educação, a valoração da

    alteridade, diversidade e do pluralismo dá-se pela criação de uma poética musical ou em um

    estágio em que se promove uma possibilidade de linguagem cultural artística em comum

    acordo. No caso da prática social, a música e a educação devem estar atentas às questões de

    formação de caráter unilateral, essencialista ou contextualista.

    Queiroz (2005, p. 55) preconiza que “toda atividade de ensino da música requer o

    desenvolvimento de práticas que devem se caracterizar como expressões musicais

    significativas e não simplesmente como um conjunto de exercícios para a assimilação de

    aspectos técnicos e estruturais”.

  • 17

    Queirós (2005) ainda complementa que, diante da complexidade em que o ensino

    musical encontra-se, há a necessidade de se ressignificar as experiências na contemporaneidade

    para buscar alternativas que ampliem o sentido de suas preocupações metodológicas, técnicas

    e curriculares, para valores de vivência de expressão artística, social e cultural.

    Assim, dentro desse panorama inicial, a problemática da arte musical na educação

    aponta, além de tudo, para uma mudança na concepção sobre a educação musical, já que há

    grande espaço intervalar entre a frustração de um projeto de mundo e outro, construído sobre

    novas relações-culturais, sociais, políticas e econômicas. (SANTOS & DIDER & VIEIRA &

    ALFONSO, 2011).

    Nessa direção, surgem novas formas de trazer respostas para a problemática dos

    conflitos da arte musical na educação, em restituir o significado e o papel da educação musical

    na contemporaneidade, em suas configurações admitidas pelo novo ou velho paradigma

    estético, político e sociocultural, denominados como Pós-Modernidade, Hipermodernidade, ou

    ainda com mais denominações, a saber: Modernidade Avançada, Segunda Modernidade,

    Modernidade Líquida, Modernidade Tardia.

    Os efeitos dessas configurações da modernidade, no mundo contemporâneo do século

    XXI, revelam também, além de mudanças nas concepções sobre a música e a educação

    separadamente, visões que as concebem de modo integrado, inseparável, emergindo na

    constituição de uma nova forma de visão de mundo. (ROUANET, 1987; MAFFESOLI, 1998;

    LIPOVETSKY, 2004; SANTOS & DIDIER & VIEIRA & ALFONSO, 2011).

    Ainda na atualidade, no que compete a uma visão da educação sobre a música e a

    sociedade, novas formas de relação, por um lado, vivenciam, cotidianamente, novas

    experiências espaço-temporais ligadas aos avanços, à multiplicação dos recursos tecnológicos

    e à industrialização da cultura.

    Por outro lado, as novas formas de relações vivenciam, cotidianamente, a

    complexidade do esvaziamento da música, no tocante ao seu significado como papel agregador

    sociocultural em bem de consumo ou em objeto isolado de suas relações socioculturais, bem

    como dos seus amplos significados pela passividade e pela massificação dos ouvintes no que

    se refere à educação. (SANTOS 1991; FREIRE, 2011).

    Goergen (2011) em acordo com os oradores acima aponta um caminho sob a

    responsabilidade social diante desse momento histórico, ou seja, admite que é possível uma

    reformulação a partir de um novo olhar mais abrangente, ou o que Carrilho (1994) nos esclarece

    como desviar-se da lógica que a produz.

  • 18

    Essa complexidade referida acima traz novos questionamentos ao ensino da música

    como: No estado de cultura da sociedade atual, em que sentido a música na educação da

    contemporaneidade pode dar conta dos auditórios inativos ou não participativos? Que

    concepção interdisciplinar a respeito da música deve ser adequada à educação na

    contemporaneidade em crise a partir do reconhecimento dos auditórios invisíveis?

    Oradores como Makigut (1999) e Ikeda (2010), por sua vez, trazem aportes

    interessantes para a educação que podem ser adicionados à questão sociocultural da música por

    preconizarem a importância de entabular discursos, ou seja, promover e legitimar a pratica da

    argumentação entre oradores e auditórios, deslocando-os para todos os sentidos no sistema

    educacional.

    Chamamos a atenção, portanto, para a necessidade de promover o diálogo, o qual

    potencializa a criação de valores. Oradores como Ikeda (2010), que acrescenta que a educação

    deve encorajar o potencial precioso que os alunos possuem, levando-os a manifestar sua

    personalidade com entusiasmo e vigor através do diálogo. Assim, a educação revitaliza-se ao

    exigir de todos nós uma postura de mudanças que vá ao encontro do diálogo com todas as

    camadas sociais.

    Nesse sentido, vislumbramos na contribuição da autora-oradora Freire (2011) a

    possibilidade de diálogo na questão musical, convergindo com o que Makiguti (1999) e Ikeda

    (2010) preconiza, pois é possível entender que o inevitável acesso da sociedade à música,

    inserida integralmente no contexto orientador educacional e social do século XXI, habilita a

    pensar o seu ensino como um fenômeno sociocultural, a partir de sua inter-relação como

    atividade e produto humano histórico e sociocultural (e não como um objeto isolado interligado

    somente aos cânones educacionais).

    A respeito da preocupação de Freire (2011) sobre a ênfase do ensino musical em

    priorizar as questões metodológicas, técnicas e curriculares, podemos ainda dizer que, nesse

    sentido, o orador Estevam (2013) percebe que fenômenos como evasão e fracasso escolar são

    observados no sistema estadual de educação regular de Minas Gerais, que em face de um alto

    índice flutuante mensal e anual de evasão evidencia, nessas circunstâncias, problemas entre

    acordos admitidos por noções nobilitantes em detrimento de noções confiáveis entre o que é

    real e preferível (OLIVEIRA, 2011).

    Em busca de respostas, defendemos que sejam registradas em seus projetos político-

    pedagógicos (PPPIs) novas inciativas interdisciplinares musicais em prol de privilegiar a

    diversidade, ou seja, motivar também interação dialógica social para a música, em vez de,

    somente, música para a sociedade.

  • 19

    Conforme analisado (ESTEVAM, 2010), essa instituição não apresenta novas

    iniciativas metodológicas significativas, o que caracteriza uma tendência em manter-se dentro

    da mesma linha de pensamento pedagógico, ou seja, uma concepção humanista tradicional,

    marcada pelos cânones da modernidade já referida mais acima.

    Oliveira (2012, p 118) assim sintetiza essa concepção supracitada: “com o advento

    dos ideais iluministas no século XVIII afirmou-se o princípio de subjetividade: as sociedades

    passaram a ser compreendidas como sendo formadas por indivíduos autônomos que escolhem

    os próprios destinos. Tal princípio encarnava as aspirações do homem burguês, que pretendia

    universalizar sua visão de mundo”.

    Percebemos até aqui, em Oliveira (2012), que, tanto no âmbito da música, quanto no

    da educação, essas noções suscitadas trazem à tona acordos antigos que geram e imprimem um

    caráter elitista e se separam por duas vertentes denominadas uma de cultura popular e outra de

    cultura erudita.

    Para o desenvolvimento desta pesquisa elegemos, entre os doze conservatórios, os

    documentos do Projeto Político Pedagógico do Conservatório Estadual de Leopoldina (CEL)

    localizado na zona da mata do estado de Minas Gerais, em face de vários fatores: pela

    importância de sua representação como polo sociocultural responsável pela formação dessa

    região; Pela localização geográfica permitir o estreitamento da distância entre as cidades do

    Rio de Janeiro e Minas Gerais, no que diz respeito à questão temporal e o fácil deslocamento

    do Rio de Janeiro até a cidade de Leopoldina; pelo relacionamento profissional entre o

    pesquisador e a instituição facilitar o trânsito necessário à realização da investigação pretendida

    nesses documentos.

    O CEL embora esteja mais voltado para as questões das práticas sociais, ainda hoje,

    apresenta em seu Projeto Político pedagógico (PPP) as mesmas questões que Estevam (2010;

    2016) descreve como algumas incompatibilidades e contradições concebidas entre acordos

    preestabelecidos e novas noções posteriormente acordadas, a saber:

    •Distância entre as propostas políticas (governo do estado) e suas articulações

    pedagógicas na prática

    •Distância entre as vozes e expectativas dos sujeitos envolvidos no âmbito dos

    Conservatórios

    •Distância entre a concepção teórico-pedagógica e a prática dos atores envolvidos

  • 20

    Além da possibilidade de trazer problematizações, novas questões e noções mais

    confiáveis, essas distâncias permitem a oportunidade de serem diminuídas pelo âmbito de

    novos acordos entre o auditórios e oradores, categorias que serão mais bem detalhadas à frente.

    É importante, também, não deixar de lado que preocupações como problemas

    metodológicos, técnicos, curriculares e a transmissão de conhecimento, passam a se processar

    por acordos de valores, lugares, fatos e verdades voltadas para a construção de saberes na

    tentativa de implementação de contribuições pedagógicas que se legitimem por significados e

    valores culturais presentes num dado momento histórico. (SILVA, 2008; GABRIEL, 2007).

    Dentro dessa mesma realidade a presente pesquisa volta-se para a preocupação

    investigativa sobre os tipos de fatos e verdades, valores, lugares e hierarquias presentes nos

    documentos dos PPPs do CEL, no sistema educacional de Minas Gerais.

    Nesse sentido, a fim de desenvolver o estudo pela investigação documental, elegemos

    concomitantemente ao CEL, a Escola de Música Villa-Lobos (EMVL) integrada a Secretaria

    de Estado de Cultura e subordinada à Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de

    Janeiro. Esta instituição é um centro de referência popular do ensino musical técnico-

    pedagógico que apresenta cursos (de formação inicial, básico e técnico-profissionalizante)

    oferecidos à população fluminense, destacando-se ainda a amplitude de seus projetos em

    parceria com a FUNARJ (EMVL/FUNARJ) que atende a quatro municípios do estado.

    Esse curso técnico de nível médio da EMVL oferece através de editais a possibilidade

    de capacitar e habilitar o aluno em instrumentos de sopro (flauta transversa, oboé, saxofone,

    clarineta, trombone e tuba), instrumento de cordas (violino, viola, violoncelo, e contrabaixo

    acústico), piano, percussão sinfônica, canto, violão, regência coral e instrumental, produção de

    áudio, documentação e editoração de partituras, composição e arranjo musical.

    Percebe-se nesse pequeno perfil do curso técnico de nível médio do EMVL que o

    mesmo apresenta uma formação, capacitação e habilitação profissional, possibilitando uma

    formação instrumental com estrutura orquestral, duos, conjuntos regionais, canto e coral o que

    supõe uma proposta pedagógica semelhante ao CEL, que, segundo Estevam (2010) e Oliveira

    (2012), mantém valores pedagógicos de um dado momento histórico da modernidade.

    Nesse sentido, esses formatos dos PPP’s do CEL e da EMVL permitem abrir

    problematizações referentes à educação musical, na perspectiva de entender em que medida

    essas propostas pedagógicas privilegiam ou não a construção de significados e valores culturais

    no momento histórico marcado pelas transformações socioculturais que apontamos,

    envolvendo oradores e auditórios que ainda estão invisíveis.

  • 21

    Trata-se, portanto, segundo as preocupações dos autores (ou oradores) estudados, de

    desenvolver um estudo de caso comparativo documental nessas instituições para entender as

    incompatibilidades e as teorias contraditórias nesses projetos pedagógicos e suas práticas

    relacionadas às vozes envolvidas e ao mesmo tempo invisíveis neste processo.

    Formação esta relacionada a uma visão de mundo que abre espaço para a perspectiva

    de um conhecimento confiável de reconhecimento sociocultural dos conteúdos, bem como para

    promover uma formação interdisciplinar e multicultural. (FAZENDA, 1994, 2013; DOLL,

    1997; OLIVEIRA, 2001; CANEN, 2009).

    Lück (2007) aponta para uma visão interdisciplinar nesse conjunto de situações, onde

    emerge a necessidade de uma atualização ou de uma visão da realidade mais abrangente que

    transcenda os limites disciplinares e conceituais do conhecimento. Portanto, para a formação

    de pessoas com possibilidades de enfrentar desafios em seus ambientes culturais e naturais,

    com consciência da realidade humana e social.

    Por esta mesma linha de pensamento, Fazenda (2013) define interdisciplinaridade

    como uma atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento, posicionando-se contrariamente

    à concepção pensada como junção de disciplinas que validam o currículo apenas na formatação

    de sua grade.

    Assim, segundo Fazenda (1994; 2013), assumir uma perspectiva interdisciplinar

    significa reconhecer competências, incompetências e limitações inerentes às próprias

    disciplinas que constituem campos de pesquisa e/ou ensino. Trata-se de assumir uma postura

    aberta, problematizadora e questionadora, apoiada na liberdade crítica, no diálogo e na

    colaboração recíproca entre pesquisadores e/ou docentes.

    Pesquisar e/ou ensinar, para essa autora referida acima, não visam apenas à

    valorização técnico-produtiva, mas, ao contrário, permitem desenvolver a capacidade criativa

    de transformar a realidade histórica em um sentido humanizante, isto é, libertador dos valores

    padronizados, hierarquias e imposições que limitam o conhecimento e, por conseguinte, as

    ações desenvolvidas pelos sujeitos sociais.

    Percebemos, a partir desses aportes preconizados, que a possibilidade de formação

    pela perspectiva interdisciplinar permite compreender como os conhecimentos musicais podem

    estar de acordo com as premissas mais importantes para uma formação significativa,

    permitindo assim mudar ou reduzir atitudes, crenças ou valores que orientam os Projetos

    Políticos Pedagógicos, ainda marcados pela presença de vozes não ouvidas ou invisíveis.

    Enfim, esta pesquisa propõe, além de dar continuidade a pesquisa realizada no

    mestrado (que foi uma análise dialética das vozes envolvidas no fenômeno da evasão pela

  • 22

    flutuação percebida anualmente naquela instituição pela escola de música da UFRJ), analisar

    os argumentos apresentados nos PPP's do CEL e EMVL mais atuais.

    Dessa forma, buscamos agora novos sentidos e significados em prol de uma

    possibilidade de contemplar uma perspectiva da interdisciplinaridade nos PPP’s do CEL e da

    EMVL, almejando que isso não se dê só no âmbito dos Conservatórios e na EMVL, mas como

    possibilidade de contribuir para os debates no campo dos fundamentos para o ensino de música

    em todos os níveis, bem como para a educação em geral.

    O sistema educacional musical é perpassado, na contemporaneidade, por muitas

    tensões entre os princípios e os critérios de valor ou ecos do paradigma moderno que

    fundamentaram e embasaram toda a concepção da educação musical e dessa forma não

    promovem maior amplitude de seus auditórios, que não são ouvidos.

    Há um contraponto com os processos das transformações globais e os avanços

    tecnológicos, bem como com a nova configuração em construção do alunado, o qual contempla

    sujeitos de um mundo plural inserido em novas concepções espaço-temporais que contribuem

    para a configuração das diferenças, da assimetria entre os diferentes. Esses diferentes

    configuram o que chamamos de auditórios invisíveis, os quais, por meio do diálogo e não da

    aquiescência passiva ao que é ditado por professores e/ou instituições, podem vir a assumir a

    condição de oradores.

    Face ao que comentamos até aqui, defendemos que o sistema educacional musical se

    abra para novos olhares inquietos, mas inativos, não participativos ou invisíveis ou não

    escutados, pelas posturas de interpretações científicas que Maffesoli (1998) aponta como uma

    nova forma de organizar e compreender o mundo a partir de uma ruptura caracterizada pela

    desautorização da razão na construção de possibilidades para a projeção do homem no futuro

    por um homem que vive o presente. Tal ruptura, o próprio Maffesoli (2003, p.46) chama de

    pós-moderna e caracteriza como “uma sucessão de agoras, uma concatenação de instantes

    vividos com mais ou menos intensidade”.

    Lipovetsky (2004), ao contrário, percebe tais concepções como uma inconsistência

    sobre a temporalidade ou uma forma linear e pouco dialética da história. Pontua o rótulo “pós-

    moderno” como um neologismo que serviu apenas para salientar uma mudança de direção ou

    uma reorganização de sintomas socioculturais. Nesse contexto, diagnostica o pós-modernismo

    como ultrapassado e aponta para o surgimento de uma nova modernidade, denominada de

    hipermodernidade, alicerçada em três axiomas constitutivos da própria modernidade anterior:

    o mercado, a eficiência técnica, o indivíduo.

  • 23

    A escolha dessas abordagens não implica desconhecimento ou desinteresse em relação

    a outros autores que têm estudado as sociedades atuais. De fato, desde que Lyotard (1989), nos

    anos 1970, caracterizou tais sociedades como pós-modernas, diferentes abordagens vêm sendo

    conduzidas, o que nos coloca frente à necessidade de fazer escolhas. Estas se deram mais em

    função das aproximações existentes entre os olhares de Maffesoli (2002, 2004) e de Lipovetsky

    (2004, 2005) em relação ao nosso próprio olhar do que por entendermos que há inconsistências

    ou deméritos nas abordagens realizadas por outros autores.

    No que compete à educação musical, a partir de oradores em diálogo com Freire

    (2011), ou seja, outros representantes de auditórios especializados e não especializados, os

    novos olhares referidos acima permitem vislumbrar perspectivas pedagógicas

    interdisciplinares que se desenvolvam em prol da diversidade sociocultural em uma interação

    dialética, à medida que ao se reformular esses movimentos de socialização e de individuação

    novos conjuntos de valores são agregados.

    Face ao panorama supracitado, vários fatores permitem justificar esse estudo

    comparativo, entre as instituições do CEL do estado de Minas Gerias e a EMVL do estado do

    Rio de Janeiro.

    Destacamos a seguir os mais importantes: (a) Dar continuidade ao aprofundamento

    científico iniciado pela investigação acerca da criação de subsídios para o ensino de música;

    (b) Trazer novas contribuições científicas para a área da educação musical, abrangentes e

    desdobradas para o campo curricular, formação de professores e ressignificações para a

    superação de impasses em assuntos pedagógicos não só no âmbito da educação musical, mas

    também em todos os segmentos da educação.

    Há muitos estudos sobre a Educação Musical no Brasil no âmbito dos Programas de

    Pós-graduação Stricto sensu. Consultando o Banco de Teses e Dissertações da Capes, ao

    empregar a expressão exata “Educação Musical”, cento e cinquenta e sete (157) trabalhos

    foram localizados. Este banco de dados está sendo atualizado e, no momento da presente

    consulta (janeiro /2016), só disponibilizou informações até o ano de 2011. Há que ressaltar que

    no banco de teses da Faculdade de Educação da UFRJ há duas teses defendidas,

    respectivamente nos anos de 2012 e 2014.

    Dessa forma, objetivamos de maneira geral investigar em que sentido as questões da

    contemporaneidade apresentam-se nos discursos dos PPP’s e nas práticas pedagógicas das duas

    instituições escolhidas para o desenvolvimento desta pesquisa (CEL e a EMVL), bem como se

    há elementos que apontam para o desenvolvimento de abordagens interdisciplinares com

    significados e valores multiculturais.

  • 24

    Mais especificamente objetivamos:

    •Analisar e comparar os PPP’s do CEL e da EMVL pela visão da teoria

    da argumentação e da interdisciplinaridade;

    •Compreender o que se entende por estado de cultura atual nos PPP’s

    em estudo;

    Para desenvolver a investigação pretendida, adotamos como referencial teórico a teoria

    da argumentação de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, (2004, 2005) a qual se

    apresenta, segundo Oliveira (2011), como campo de pensamento que possibilita fazer reflexões

    e análises sobre fenômenos humanos sociais e identificar todo ideário desatualizado e

    embasado em dados de um certo momento histórico sob a condição de verdade inquestionável.

    Na medida em que aludimos à força dos argumentos, os conceitos básicos de orador

    e auditório, redimensionados da visão clássica da retórica pela teoria da argumentação de

    Perelman e Olbrechts-Tyteca (2004, 2005), empregada em acordo com Oliveira já apresentado

    mais acima (2016). Orador é concebido como todo aquele que profere um discurso (oral ou

    escrito) voltado para a persuasão de outrem, que se constitui em seu auditório. Auditório, por

    sua vez, é o conjunto daqueles a quem o orador se dirige, mas não possui apenas um papel

    passivo, pois faz o julgamento dos argumentos que lhe são apresentados pelos oradores,

    aderindo a eles, em diferentes níveis, ou mesmo rejeitando-os. (OLIVEIRA, 2016)

    Esses conceitos permitem também deslocamentos para a prática pedagógica como

    prática de natureza dialógica, tomando o aluno como sujeito de saber, pois argumentar é ter

    apreço pelo interlocutor. Quando se torna efetivamente sujeito do saber, o aluno sai da condição

    de auditório invisível e se torna orador, expressando sua voz e seus anseios.

    Sob a ótica dos pressupostos apresentados pelos autores referidos nos itens

    supracitados, a construção de conhecimento sobre uma perspectiva curricular flexível e

    abrangente nesta pesquisa tomou como referencial teórico a visão da teoria da argumentação e

    da interdisciplinaridade, conforme já mencionado, por ambas considerarem aspectos para o

    desenvolvimento de uma visão de mundo pelo viés de uma reflexão analítica, a partir da qual

    o discurso educacional pode ser discutido. (OLIVEIRA, 2011).

    A esta escolha, somaram-se as contribuições de Lipovetsky (2004, 2005), Maffesoli

    (2012, 2014) e Freire (1994), que trazem discussões importantes sobre o estado atual de cultura,

    ou seja, compreender as relações humanas na contemporaneidade para o desenvolvimento

    deste trabalho, no que refere à configuração em uma visão de acordo entre o mundo hiper ou

    pós-moderna. Há entre os três autores um ponto de convergência que contempla um caráter

  • 25

    mutável, interativo e dialógico que se apresenta na sociedade contemporânea, que explicitamos

    abaixo.

    Por um lado, Lipovetsky (2005) concebe esse caráter mutável não como ruptura, mas

    como o desenvolvimento de uma nova versão sociocultural individualista pós-moralista e

    democrata, em contraponto ao seu primeiro processo ambíguo e contraditório da era moderna,

    voltado à cultura do sacrifício e do dever. Surgem ideologias que contradizem os seus próprios

    princípios democráticos modernos individualistas, ou seja, uma sociedade que traz um

    comportamento desenvolvido pela individualidade sem cultuar o dever, fixando um novo

    mecanismo social de avaliação dos critérios morais.

    Para o autor, as décadas finais do século XX presenciaram a aceleração da

    modernidade e não a sua derrocada. Nesse contexto, cabe citar: proliferação cada vez maior de

    bens de consumo e da oferta de serviços individualizados, crescimento vertiginoso da

    comunicação de massas, esgarçamento do respeito às normas disciplinares de cunho

    autoritário, cepticismo em relação às propostas revolucionárias de mudança social, hedonismo

    e culto da estética, etc. Lipovetsky (2004, p. 53) pergunta então:

    Hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hiperterrorismo, hiperindividualismo,

    hipermercado, hipertexto – o que mais não é hiper? Ao clima de epílogo segue-se

    uma sensação de fuga para adiante, de modernização desenfreada, feita de

    mercantilização proliferativa, de desregulamentação econômica, de ímpeto técnico-

    científico, cujos efeitos são tão carregados de perigos quanto de promessas.

    Por sua vez, Maffesoli (2012) concebe essa mudança como um estado de saturação

    relacionada à infecundidade da matriz de pensamento da era moderna para com este novo

    modelo de convergência entre o velho e o novo. Critica o modelo filosófico herdado da tradição

    monoteísta, a qual afirma que só existe um verdadeiro Deus, imanente ao universo ou criador

    de tudo que existe. Tal visão é própria da tradição semítica que não se adequa a uma forma

    politeísta, a um modo de viver policultural caracterizado pela situação atual.

    No que diz respeito à interação de opostos, a tradição, por sua vez, trata:

    [...] de preservar, por medo, por dogmática, os valores que se elaboraram em um dado

    momento (Séculos XVII e-XIX) em um dado lugar: Europa. Valores próprios ao

    “contrato-social” e que se apresentam como sendo universais, aplicáveis sem

    distinção, em todos os lugares e em todos os tempos. (MAFFESOLI, 2012, p.5)

    Esboça-se neste panorama uma tensão conflitante que transcende a questão econômica

    pela conquista de um projeto de futuro na concepção do aqui e agora e, assim, de novos valores,

  • 26

    quais sejam, obter o que for possível no imediatismo do momento presente. Maffesoli (2012)

    denomina esta tensão como uma crise “Societal”:

    Conceito que expressa a natureza dos fenômenos sociais observados na pós-

    modernidade. Designa, portanto, os fenômenos ligados à ocupação de novos

    territórios, a emergência de novos valores que levam os indivíduos a eternizarem o

    instante, vivendo-o com toda a intensidade possível. Enquanto a vida social se apega

    a projetos futuros (melhores condições de trabalho, de saúde, de habitação, de

    alimentação, etc.), a vida societal busca o que almeja no aqui e no agora. Tudo o que

    for projetado para o depois não serve, pois o presente é o tempo de fazer, sentir e

    conquistar o que for possível. (MAFFESOLI, 2012)

    Maffesoli (2012) salienta ainda que essa crise societal estabelece as suas novas

    interrelações como uma Proxemia:

    Conceito que expressa as novas relações que os grupos comunitários ou tribos

    estabelecem com os espaços e ambientes nos quais circulam. Tais relações podem ser

    de natureza integradora (convivência pacífica com outras tribos) ou discriminatória,

    quando determinadas tribos buscam excluir os diferentes dos espaços que

    frequentam.(MAFFESOLI, 2012)

    Aponta, também, outro aspecto importante da característica do pensamento pós-

    moderno: A vida quotidiana se apresenta pela exploração econômica, imposição moral,

    simbólica e ideológica. O senso comum passa a conceber o mundo humano-social em

    contraponto às metanarrativas, que são discursos apoiados em um formalismo de caráter

    dogmático que credita à razão a explicação por todo conhecimento e toda verdade absoluta, em

    contraponto a uma cultura enraizada do dia-a-dia no espaço da socialidade, um concretismo

    cultural que se opõe à civilização racional. Desenvolve-se o sincretismo filosófico, o levar em

    conta o “não racional” (grifo do autor), mas sem que isso signifique tornar-se irracional.

    (MAFFESOLI, 2012; OLIVEIRA, 2013).

    A oradora Freire (1994), dentro dessa discussão, relaciona alguns aspectos

    importantes do pensamento pós-moderno, no que compete à música, à sociedade e à educação

    integrada à pesquisa científica: relação sujeito-objeto; relativização dos conceitos, inclusive os

    de conhecimento, de verdade e de música; valorização da concepção dos sistemas abertos em

    redes pluralistas, ao invés de sistemas fechados e estruturas estáticas e generalizáveis;

    valorização da transitoriedade e transformação como processos permanentes;

    redimensionamento dos conceitos de espaço e tempo, relativizando o enfoque cronológico;

    valorização do subjetivismo, das diversidades e das minorias; em detrimento de relatos

    universalistas, sem que haja, porém, perda de perspectiva total.

  • 27

    Freire (1994) preconiza, ainda, que tratar de música dentro do pensamento pós-

    moderno significa repensar alguns aspectos específicos fundamentais pelo fato de não se tratar

    apenas de uma troca de rótulos e sim de rediscutir todos os limites e reducionismos. Nesse

    sentido defende que haja:

    •Revisão e relativização do campo de pesquisa, de muitos conceitos e métodos e dos

    próprios limites das pesquisas;

    •Valorização da heterogeneidade (inclusive das culturas);

    •Valorização da subjetividade, abrindo maior espaço para as percepções dos

    diferentes sujeitos que interagem nos processos (críticos, compositores, ouvintes,

    intérpretes, editores, produtores musicais, professores e alunos, etc) e expressam

    diferentes visões de mundo;

    •Qualidade dos questionamentos (questões que abordam aspectos que dão espaço à

    subjetividade), Flexibilidade metodológica (os métodos e referenciais teóricos não

    são necessariamente totalmente pré-definidos), Utilização de conceitos e

    metodologias com abertura de espaços para a heterogeneidade e a diversidade

    cultural.

    Percebemos, a partir dessas considerações, que os enfoques argumentativos são mais

    indicados para interagir em prol de acordos interativos e dialógicos do que os discursos formais,

    legados pelo racionalismo científico. Este, segundo Vernant (1990) e (Pessanha, 1994) se acha

    separado da língua falada e se volta para uma linguagem matemática em detrimento de uma

    lógica do conceito e da qualidade, pois estes se posicionam em um lugar de ordem contrário

    aos questionamentos críticos.

    No que diz respeito à educação musical, a teoria da argumentação apresenta-se como

    construto que leva a possíveis revisões do conceito da razão, pois, conforme assinala Pessanha

    (1994, p.221): “se constitui uma das mais importantes contribuições, em nosso século, à revisão

    do conceito da razão, incidindo particularmente sobre a questão da cientificidade no campo das

    ciências humanas e sociais”.

    Pessanha (1994), por sua vez, conceitua como eterna a razão que vincula verdades

    intemporais à adesão efetiva ou pressuposta de um auditório e a contrapõe com a razão histórica

    que se manifesta na deliberação e na argumentação que permite passar à adesão a outras teses

    que se trata de promover.

    Por este viés a teoria da argumentação segundo Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005)

    permite transitar além dos limites dos territórios da racionalidade científica, pois embora estude

    preferencialmente o logos, que é a parte racional do discurso, não deixa de apontar para os

    condicionamentos não verbais e de ordenamento do auditório que a retórica teve como regra

    por muito tempo, conforme mencionamos anteriormente: ethos e pathos. O ethos diz respeito

  • 28

    à pessoa do orador (como se apresenta, como organiza os raciocínios, etc.) e o pathos às

    disposições do auditório (que interesses tem, que expectativas nutre sobre o orador, etc.).

    Pessanha (1994), ainda, acrescenta que a teoria da argumentação constitui também a

    revitalização e a reformulação de aspectos fundamentais da razão grega que resgata a

    possibilidade de um enriquecimento da questão lógica em toda amplitude. Para além da visão

    clássica, essa teoria expande os conceitos de orador e de auditório.

    Dentro de uma visão da contemporaneidade que contemple um contraponto filosófico

    à razão como critério de conhecimento e à lógica formal como sustentáculo da objetividade, a

    teoria da argumentação pode dialogar com as abordagens feitas sobre a interdisciplinaridade,

    pois Fazenda (1991, p.15) defende que para o olhar interdisciplinar “nenhuma forma de

    conhecimento é em si mesma exaustiva. Tenta, pois o diálogo com outras fontes de saber,

    deixando-se irrigar por elas”.

    Fazenda (1991, 1994, 2013) esclarece ainda que a interdisciplinaridade, por esta linha

    de pensamento, assume uma atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento pensar aspectos

    que envolvem a cultura do lugar onde se formam professores. Dessa forma, vai em busca de

    alternativas para conhecer mais e melhor, abrir frente à possibilidade de desvendar novos

    saberes.

    Em relação à elaboração de novos saberes, a visão da interdisciplinaridade para a

    música apresenta uma forma de conceber possíveis acordos entre oradores e auditórios de

    diferentes disciplinas para formulação de valores imprescindíveis para a construção de um

    conhecimento que supere as tensões e conflitos nessa área em âmbito profissional e torne válido

    seu olhar mais ajustado com essa realidade.

    Para a educação, Oliveira & Mazzotti (2002) consideram a interdisciplinaridade

    como uma coordenação de diversas disciplinas com vistas a tratar mais adequadamente tópicos

    comuns a cada uma delas, coordenando as contribuições que possam fornecer para melhor

    compreender o objeto de estudo. Esta concepção contrapõe-se à concepção limitada da

    interdisciplinaridade como uma ciência unificável.

    No que diz respeito ao ensino da música, observamos que o sistema educacional

    estadual da educação regular de Minas Gerais está organizado em doze conservatórios como

    polos socioculturais representantes legais dessa região e responsáveis pela formação básica,

    fundamental e do ensino médio. Estas instituições baseiam o seu ensino no modelo do

    Conservatório Francês, reguladas pelos órgãos pertinentes de cada estado, ou seja, seguem uma

    lógica ou soluções apresentadas pela linha de pensamento do paradigma técnico-linear de uma

    concepção humanista tradicional pertinente à linha de pensamento modernista, que objetiva o

  • 29

    desenvolvimento centrado na essência, na vida e na atividade e não em uma visão abrangente

    e de transformação social. (FREIRE, 1991; ESTEVAM, 2010).

    Em vista disso, o escopo dessa pesquisa, de caráter qualitativo, buscou dialogar com

    autores afinados com essa ótica e com autores que não se afinam com ela, evidenciando o

    processo argumentativo pelas possibilidades de reflexões e de análises sobre fenômenos

    humano-sociais. (OLIVEIRA, 2011).

    Foi empregada uma metodologia que adota uma visão dinâmica e abrangente, visando

    analisar processos e fenômenos dentro de uma totalidade. Para tanto, mostrou-se pertinente o

    desenvolvimento de uma análise documental relacionada a uma interpretação argumentativa,

    que trouxe dados relevantes para o estudo.

    Sobre a importância da pesquisa qualitativa, André (1995) e Santos Filho (1997),

    esclarece os pontos básicos principais:

    (a) Visão de mundo ou premissas subjacentes:

    As definições individuais ou coletivas constroem a realidade social, concebendo o

    homem como sujeito e ator;

    (b) Relação entre o pesquisador e o objeto pesquisado:

    Por entender a realidade criada ou moldada pela mente do sujeito, a perspectiva

    qualitativa não contempla a distância entre o investigador e o investigado”;

    (c) Relação entre fatos e valores;

    A concepção de mundo baseia-se nos interesses e situações do indivíduo,

    considerando que a construção da realidade é influenciada e refletida pelos interesses

    e propósitos das pessoas;

    (d) Objeto da pesquisa: Considera a compreensão ou a interpretação do fenômeno

    social como objeto principal da pesquisa com base nas interações da própria vida dos

    atores

    (e) Foco: O foco da pesquisa dá prioridade à experiência individual, , bem como ao,

    processo pelo qual são construídos seus significados

    (f) Método: A partir dos dados, são definidas as características principais do processo,

    analisa-se em que relações de propriedade os conceitos são validados resumindo em

    uma síntese holística e/ou análise comparativa;

    (g) Papel do pesquisador: Caracteriza-se pela imersão do pesquisador no fenômeno a

    ser interpretado

    (SANTOS FILHO, 1997, p. 39-45).

    O estudo de caso, segundo Trivinõs (1987), é pertinente à pesquisa qualitativa e

    documental. A escolha pelo estudo de caso nesta pesquisa se deu porque a intenção foi realizar

    um estudo descritivo e interpretativo de situações educacionais específicas: no conservatório

    de Leopoldina (CEL) e na Escola de Música Villa-Lobos.

    Quanto à interpretação dos dados coletados da análise documental, Triviños (1987)

    comenta que o papel do pesquisador consiste não em captar a realidade, mas em analisar com

    propriedade todos os elementos coletados na mesma.

  • 30

    Com esses caminhos metodológicos e o referencial teórico adotado, o presente estudo

    buscou fazer uma aproximação mais profunda com os documentos analisados. O intuito foi

    construir, a partir da percepção de contradições e conflitos, revelados pelos PPPs, um

    conhecimento sobre a questão, propiciando a criação de subsídios que possam contribuir para

    superar as tendências de cristalização, homogeneização e hierarquização no âmbito

    pedagógico.

    Alguns conceitos adotados embasaram esses procedimentos, como o conceito de

    música, entendido não como um significado abstrato, mas como elemento atuante na

    construção da sociedade (com seus oradores e auditórios invisíveis). Sob esse panorama

    teórico-metodológico, os seguintes passos foram percorridos:

    (a) revisão de literatura

    (b) análise documental (projeto pedagógico);

    (c) análise argumentativa das informações levantadas.

    Com base no que foi exposto, a investigação pretendeu desenvolver uma análise

    crítica dos documentos estudados. Pretendeu-se gerar, também, subsídios para análise de outras

    situações similares, ou seja, a partir dos estudos centrados no Conservatório de Leopoldina e

    na Escola de Música Villa-Lobos, construir subsídios aplicáveis a outras instituições voltadas

    para a educação musical.

    Neste momento, apresentamos uma prévia a respeito dos capítulos deste trabalho. O

    primeiro e o segundo capítulo corresponderam ao referencial teórico da pesquisa e ao diálogo

    sobre a relação da música com a sua inseparabilidade sociocultural.

    No primeiro capítulo, foi desenvolvida uma discussão sobre a contribuição da Nova

    Retórica, apresentando suas categorias como base para as análises dos argumentos coletados

    como dados.

    No segundo capítulo, o estudo apresentou a discussão da Música na Educação da

    contemporaneidade sob a ótica de uma visão mais abrangente, onde na inseparabilidade

    sociocultural seja possível dialogar com vozes como oradoras ou auditoras até o momento não

    consideradas como interlocutoras. Nesse sentido, trata-se de desenvolver a relação da música

    com a educação e a sociedade, inseridas na concepção da interdisciplinaridade

    No terceiro capítulo, foi discutida a escolha paradigmática metodológica no que se

    refere a coleta de dados para a construção de conhecimento da pesquisa. Tratou-se de aplicar

    um sistema de organização estrutural, analítico e interpretativo dentro de uma linha de

    pensamento, bem como abrir possíveis diálogos interativos entre outras linhas de pensamento

  • 31

    com instrumentos e ferramentas que auxiliam todo o processo de abordagem, questionamento

    e problematização levado a cabo no decorrer da pesquisa.

    No quarto capítulo, a análise interpretativa de todo o material coletado e interpretado

    trouxe à tona uma releitura dos documentos estudados, questionados e problematizados à luz

    das argumentações apresentadas.

    No quinto capítulo, foram feitas considerações finais sobre o campo de pensamento

    da música na educação, procurando mostrar as possíveis contribuições interativas dialógicas

    que podem levar a acordos voltados para a superação de desafios e dificuldades na

    contemporaneidade.

  • 32

    1. A CONTRIBUIÇÃO DA NOVA RETÓRICA COMO CAMPO DE PENSAMENTO

    PARA AS ANÁLISES SOBRE MUSICA E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO SOCIAL

    CONTEMPORÂNEO

    1.1 Considerando as Contribuições da Nova Retórica

    Pelo que podemos considerar como o campo de pensamento do mundo ocidental, na

    atualidade, integrado às opiniões e ao senso comum impacta diretamente com o que a

    hegemonia da filosofia ocidental classifica como uma categoria de argumentos de segunda

    categoria, de uma fragilidade e inferioridade nociva à formulação de proposições que ostentam

    os seus estatutos de verdade.

    Estabelece-se, por este viés, dois mundos diversos: Por um lado, um mundo construído

    e apreendido sem distorção da realidade. Por outro, um mundo sensível, construído pelo senso-

    comum e as opiniões como enganoso, frágil e alienado à realidade.

    No que se refere ao mundo, filosoficamente, oriundo da antiguidade antes do século

    VI a.C. emerge a acepção da retórica não como disciplina, mas como um estado de espírito

    pelas análises contínuas da comunicação ou da oratória humana organizada pelas questões na

    alusão ao ideal de uma educação e nas discussões realizadas na assembleia associada aos traços

    encontrados na Ilíada de Homero.

    Duas formas, duas escolas ou duas linhas de racionalidade apresentam-se nestas

    concepções. Remonta aos gregos do século VI a.C. a forma oral pela transmissão de um

    conjunto de saber de conhecimento comum por narrativas lendárias, cantos poéticos com

    acompanhamento musical com vastas composições épicas que funcionam como enciclopédia

    e memória coletiva passadas de geração em geração.

    Depois do século VI a.C. os gregos creditam à forma escrita o advento de um novo

    modo de reflexão e inteligibilidade caracterizado pela prosa ou pela explicação de uma teoria

    fundante formulada pelos Sophos ou sábios, dentre os quais destacam-se: Tales, Anaxímandro

    e Anaxímenes chamados mais tarde de Philósophos por Heráclito no século V a.C.

    Nos séculos vindouros a partir do século VI a.C. a consciência grega sobre a retórica

    diverge, subdivide-se e traz à tona concepções diferentes nas margens que separam os antigos

    e os modernos, onde a acepção ou consciência da retórica dá-se por métodos e regras como:

    (a)instrumento de imposição pública pelo peso da eloquência nos julgamentos finais dos

    aéropagos (tribunais); (b) poder encantatório da palavra quanto à pertinência das provas

    (VERNANT, 1990 p-475; MEYER & CARRILHO & TIMMERMANNS, 2001).

  • 33

    Para Meyer & Carrilho &Timmermanns (2001) a retórica de certa forma sempre esteve

    presente desde a antiga Grécia voltada para análise contínua da comunicação ou da linguagem

    entre duas propostas. Essa mesma presença percebe-se também nas inquietações de Nietzsche,

    onde a existência dessas duas propostas embutidas subjetivamente em suas proposições

    metafísicas, uma voltada para o mundo antigo da Grécia e outra voltada para o mundo moderno,

    o que o traz à tona como primeiro pensador a tentar deslocar a ideia do pensamento da

    passividade acrítica construída por uma proposta em relação a outra, o que evidencia uma

    potência inerente para reflexões sobre a sua concretude como pensador.

    A contemporaneidade que Fucks (1991) sugere como um campo diversificado de

    sentidos representa-se pelo transitório, o efêmero e o passageiro em face das circunstâncias

    históricas, ou seja, entre o limite do passado e do futuro. Apresenta em seu bojo uma

    reaproximação com as questões espaciais e de temporalidade em: (a) Parmênides, pela noção

    do Ser Perfeito; (b) Platão, pela dicotomia Aparência/Realidade ou Ilusão/Verdade; (c) Galileu,

    pela decifração formal da perfeição do universo que deu ao mecanicismo um status científico

    ; (d) Descartes, pela prova racional e analítica que reaproxima a concepção da perfeição

    mesclada com o formal lógico racional. Com os dois últimos, emerge a explicação do mundo

    pelo mecanicismo tecnológico e científico pela divinização do cientificismo. (OLIVEIRA &

    LEMGRUBER, 2011).

    Cunha (2011), no que se refere a superar esses estágios supracitados em face de uma

    nova era - expressa como um acordo entre os pressupostos da vertente de Maffesoli (1998,

    2010, 2012) pós-moderna e a que Lipovetsky (2004, 2005, 2013) denomina de

    hipermodernidade -, alerta sobre o perigo do mundo sem distorção da realidade na formulação

    de saberes formais que, apesar de não estarem relacionados ao erro, à ilusão, ao logro, à

    insegurança, apresentam-se por estratégias de persuasão como legitimação do poder. Tal

    legitimação exibe algumas características: (a) há um conjunto de visões ressignificadas por

    dicotomias antigas como racionalidade-irracionalidade, objetividade-subjetividade e certeza-

    incerteza, com a possibilidade dessas visões exercitarem não só a legitimação do poder, mas a

    dominação e o disciplinamento; (b) há o perigo de reflexos negativos que a legitimação do

    poder de dominação e de disciplinamento desses conjuntos de visões formulam aos

    conhecimentos produzidos pelas ciências e pela historiografia, no sentido de valida-los como

    narrativas do senso comum e da religião em detrimento do saber sistematizado.

    Por esse viés, há a possibilidade da Doxa (ou o saber que se dá pela relação imediata

    com o objeto, no patamar das opiniões e do senso comum) substituir o Logos, no patamar do

  • 34

    conhecimento mediatizado pela razão em detrimento das teorias, o que diminui o poder de

    defender-se através de uma argumentação rigorosa.

    Refletem-se, assim, na contemporaneidade do século XXI as afirmativas relacionadas

    a concepções que sustentam a tese de autoridade científica no que diz respeito às formulações

    de conhecimento pelo formal lógico que integra as concepções de verdade, Aparência/Ilusão e

    a concepção da perfeição. Nesse patamar a retórica torna-se instrumento voltado para

    pensadores que não se adaptam ou seguem os estatutos, parâmetros e paradigmas tradicionais.

    (CUNHA, 2011).

    Sob este prisma, pensar a contribuição da nova retórica na contemporaneidade,

    significa trazer à tona sua renovação ou uma atitude de desvelar, reler e reintegrar a

    possibilidade de libertação do pensamento integrado à Retórica em busca do verossímil, do

    provável. Isso, por sua vez, significa romper com uma concepção que não privilegia a dialética

    e não permite também a permanência argumentativa na retórica tradicional nos meandros das

    discussões dialógicas da comunicação.

    Meyer & Carrilho & Timmermanns (2001, p.211 e 212) mostram três grandes

    momentos importantes nessa tentativa de reconstrução do pensamento, bem como trazem

    contribuições na intenção de assinalar: (a) a derrocada dos Mythos, que transformaram

    argumentos entre deuses e homens acerca de suas ações em poesias, analogias e metáforas, que

    se constituíram em representações simbólica e logicamente formais elaboradas pelo logos

    científico, (b) o humanismo do Renascimento ante a reformulação do logos na necessidade

    absoluta de Deus, (c) a derrocada dos valores e referências do sujeito moderno.

    O primeiro momento, a derrocada dos Mythos, tornou a retórica desacreditada na

    passagem do século VI a.C. a partir de uma nova proposta para explicar ou responder sobre o

    mundo e seus fenômenos e os homens através de conceitos e proposições formuladas pelos

    Sophos e não mais pela metafísica, mas que permitiu a Aristóteles perceber seus pontos fracos

    e reconstruir um esquema sistemático para a sua revalidação dialética.

    O segundo momento, o humanismo, por sua vez, ante a reformulação do Logos a

    partir de Descartes propõe uma nova forma de dialogar com base na busca pela verdade

    certificada pela racionalidade da certeza cientifica amparada pela matemática. A retórica passa

    a ser deslocada para um segundo plano e traz em si uma fragilidade em seus argumentos

    comparados à Doxa. Porém as suas contradições permitiram a alguns autores mostrar novas

    possibilidades dialéticas a serem reconstruídas.

    O terceiro momento contribui no sentido em que se percebe o sujeito moderno passivo

    e racionalizado pelas questões morais, éticas, políticas e socioculturais, voltando-se para as

  • 35

    tentativas de reconstrução e renovação iniciadas pelos filósofos vienenses e alemães, assim

    como pela escola de Wittgenstein, retomada nos anos sessenta do século XX (pela escola de

    Bruxelas Dupréel, Perelman e Meyer). Segundo Pessanha (1994, p. 226), as correntes

    filosóficas mencionadas questionam as dificuldades encontradas pelas “noções da razão única,

    universal e intemporal típica do projeto do racionalismo moderno”.

    A partir dessa característica intelectual para além das revoluções científicas e do papel

    preponderante da linguagem, que se transforma em matriz das ciências humanas renovada pelo

    que Perelman (2005) e Reboul (2000) consideram como uma nova proposta, argumenta-se a

    possibilidade de um espaço de convivência ente a dialética e a razão (MEYER & CARRILHO

    & TIMMERMANNS, 2001).

    Percebe-se em Perelman (2005) que sua teoria da argumentação, desenvolvida pela

    perspectiva do conceito de logos, apresenta os conceitos básicos da retórica tradicional, ou seja,

    orador (Ethos), palavra (Logos) e auditório (Pathos) pelo referencial da dialética retira a

    subalternização ou a dependência de cada um desses elementos, apresentando um grande

    potencial para se pensar a educação por um novo caminho onde a linguagem (ou o Logos) não

    formalizada não significa um terreno da desrazão e, sim, supõe haver um orador e um auditório

    que viabiliza a natureza dialógica de seus discursos para entender a prática pedagógica, os seus

    documentos e discursos educacionais. (OLIVEIRA & LEMGRUBER, 2011, P. 26)

    Para Pessanha (1994) essa visão de Perelman altera a noção definitiva de auditor ou

    de auditório que a retórica antiga atingia pela palavra, introduz inovações no campo da

    argumentação e amplia o alcance da palavra, ou melhor, da argumentação da palavra para esse

    auditor ou auditório que pode, também, ser um leitor.

    Dentro desse contexto, além de Perelman (2005), entram em cena debates entre

    detratores e defensores das ciências que sustentam uma sensibilidade voltada para a utilidade

    da retórica segundo a teorização de Aristóteles, que a redefine por um sistema filosófico

    diferente do utilizado pela erística dos sofistas.

    Este termo é relativo a erística, substantivo feminino que em filosofia significa a arte

    das discussões lógicas e subtis e adjetivo proveniente do grego eristikós, caracterizado por

    raciocínios que participam das discussões sutis em controvérsias que gosta de disputar. O

    segundo termo como substantivo masculino está caracterizado como controversista, polemista

    que Reboul (2000, p. 27 e 28) preconiza como aquele que profere a controvérsia por um

    raciocínio rigoroso que respeita as regras da lógica e que faz triunfar o absurdo ou o falso.

    (REBOUL, 2000; CUNHA, 2011).

  • 36

    Esses defensores ou pensadores apresentam-se como contrários aos parâmetros

    racionais tradicionais, no sentido de tentar entender toda a complexidade em um campo de

    pensamentos, de estudos e de fenômenos sociais e, ao mesmo tempo representar o papel de

    destacar a retórica como instrumento de libertação de ideologias.

    Outro aspecto importante é que entre todos os pensadores que se inclinam nesse

    caminho há uma ligação profunda com a contribuição dos filósofos da Grécia Antiga, mas há

    também, os que, como Perelman, se inclinam integralmente em sua utilização para análises da

    comunicação humana por suas principais características e seus importantes efeitos. (MEYER

    & CARRILHO & TIMMERMANS; CUNHA, 2001, p. 24, 25, 2011).

    Meyer & Carrilho & Timmermans (2001, p. 231) permitem perceber como legitimada

    e válida a proposta reabilitadora da nova retórica de Perelman, quando argumentam, como

    referido mais acima, que haviam propostas sobre a renovação da retórica presente nos

    pensadores da Grécia, do Renascentismo, da modernidade, ou seja, nos períodos de Homero a

    Platão, no renascimento e no século XX, pensadores que buscavam demonstraram um caminho

    reabilitador.

    Reboul (2000), nesse sentido, explicita a contribuição importante que influenciou

    Perelman (2005) na construção do seu tratado da argumentação, ou seja, a definição da retórica

    por Aristóteles que desde a Grécia antiga a integra em um sistema filosófico distinto do

    utilizado pelos sofistas e a interliga a uma dinâmica dialética da argumentação, onde o jogo

    dialético permite instrumentalizar as velhas técnicas retóricas por outros vieses, a saber:

    •A retórica é útil, porque, tendo o verdadeiro e o justo mais força natural que os seus

    contrários, se os seus julgamentos não são proferidos como conviria, é

    necessariamente por sua única culpa que os litigantes [cuja causa é justa] são

    derrotados. Sua ignorância merece, portanto, censura;

    •Ainda mais conquanto possuíssemos a ciência mais exata, há certos homens que

    seria fácil persuadir fazendo nosso discurso aberrar-se apenas nessa fonte; o discurso

    segundo a ciência pertence ao ensino, e é impossível emprega-lo aqu