versos amalia libro

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Amor de Mel Amor de Fel Tenho um amor Que não posso confessar Mas posso chorar Amor pecado Amor de amor Amor de mel Amor de flor Amor de fel Amor maior Amor amado Tenho um amor Amor de dor Amor maior Amor chorado Em tom menor Em tom menor Maior o fado Choro a chorar Tornando maior o mar Não posso deixar de amar O meu amor em pecado Foi andorinha Que chegou na primavera E eu era quem era Fado maior

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Poesias de Amalia Rodrigues.En la casa de la artista siempre se juntaron grandes actores culturales como poetas,pensadores,cantantes .Ella misma ha sido un delicada escritora. Aqui de su pluma .

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Page 1: Versos Amalia Libro

Amor de Mel Amor de Fel

Tenho um amor

Que não posso confessar

Mas posso chorar

Amor pecado

Amor de amor

Amor de mel

Amor de flor

Amor de fel

Amor maior

Amor amado

Tenho um amor

Amor de dor

Amor maior

Amor chorado

Em tom menor

Em tom menor

Maior o fado

Choro a chorar

Tornando maior o mar

Não posso deixar de amar

O meu amor em pecado

Foi andorinha

Que chegou na primavera

E eu era quem era

Fado maior

Cantado em tom de menor

Page 2: Versos Amalia Libro

Chorando um amor de dor

Dor de um bem e mal amado

Amália Rodrigues

................................................................

Asa do Vento

Sou charneca sou monte

Brisa a correr ligeira

Sou água fresca

A correr na fonte

Sou rosada

Roseira

Sou o cheiro das flores

Fé do meu pensamento

Filha d'amores

Irmã das dores

Sou mãe

Do sofrimento.

Tenho no peito

Um pássaro encantado

Que anda sem jeito

A mim amarrado

Sou charneca sou monte

Sou noite enluarada

Flor de alecrim

Ramo de jasmim

Page 3: Versos Amalia Libro

Sou papoila

Encarnada

Sou flor de Primavera

Sou sonho de Verão

Planície aberta

Praia deserta

Que espera

A tua mão

Coração fruto

Que é maduro e verde

Meu choro enxuto

Dor que se não perde

Sou charneca sou monte

Sou manhã perfumada

Planície aberta

Praia deserta

Sou ilha

Abandonada

Sou charneca sou monte

Verde fruta colhida

Erva cidreira

Mansa Oliveira

Sou lágrima

Page 4: Versos Amalia Libro

Perdida

Asa de vento

Inimiga da sorte

Roseira brava

Não há quem me corte

Amália Rodrigues

..................................................

Cá Por Dentro da Cabeça

Cá por dentro da cabeça

Vazia como eu a tenho

Por estranho que me pareça

Atendendo ao seu tamanho

Cá por dentro da cabeça

Estão as idéias da vida

Queira Deus não me aconteça

Ficar com ela partida

Amália Rodrigues

...............................................

Cá Vou Cantando, Cantando

Cá vou cantando, cantando

Cá vou chorando, chorando

Page 5: Versos Amalia Libro

Cantando chorando e rindo

Lembro agora a minha rua

Não é minha nem é rua

E tudo me vai fugindo

Cala-te lá rapariga

Já não posso com a cantiga

E a minha avó ralhava

Mas eu que no meu pensar

Não fazia mal cantar

Cantava e não me calava

Amália Rodrigues

...........................................

Carta a Amélia Rey Colaço

Os destinos são fatais

Foi só por duas vogais

Foi o e em vez do a

Só por serem desiguais

Duas pequenas vogais

A diferença que faz

Quem inventou os destinos

Que logo de pequeninos

Nos fazem como Deus quis

Inventou duas vogais

Page 6: Versos Amalia Libro

Que nascerão desiguais

Para pôr os pontos nos ii

Amélia queria ter sido

Só o não fui por um triz

O meu a tratou-me mal

O seu e fê-la uma grande atriz

Amália Rodrigues

............................................

Carta à Irmã Détinha

A final fiquei pasmada

Está bem melhor do que eu

Que não tenho fé em nada

Deus lhe pague esta alegria

De me deixar encantada

Você que bem me conhece

Sabe que às vezes parece

Que não dou pelo que acontece

Que não gosto de crianças

Que sou seca e sou distante

Bem...passemos adiante!

O que eu lhe queria dizer

E dizer não me dá jeito

Do nó que tenho no peito

Com saudades do Tomás

Page 7: Versos Amalia Libro

E saudades do Miguel

Que são uns filhos da mãe

Parece que você tem

A varinha do condão

Onde você põe a mão

Fica logo diferente

Mesmo o Souto que era cão

Parecia que era gente

Por mim peço-lhe perdão

De assim me ter encontrado

Ou por outra, tão deitado,

E ri aquele bocado

Com os versos da figueira

Foi porque a tinha ao meu lado

Vou esperar o resultado

Fiada na medicina

Tanto remédio tomado

E a fraqueza não declina

Mas se ela declinar

E eu me poder levantar

Lá irei ver a menina

A menina e os meninos

A carta já vai comprida

E é pouco divertida

Mas ando tão desnutrida

Que até me sobe ao miolo

A falta de nutrição

Page 8: Versos Amalia Libro

Vou hoje comer um bolo

Parece que melhorei

Té comi um bolo rei

Sabe do que me lembrei?

A fava que me calhava!...

Amália Rodrigues

.....................................................

Carta a Vitorino Nemésio [1]

Talvez que o anjo esquecido,

O anjo da poesia,

Se tenha de mim perdido

Sem reparar que o fazia...

Por isso me faltam asas

E me sobejam as penas

De um desejo inalcançado:

Que eu gostava de voar

Até ao anjo perdido

O anjo de mim esquecido,

Que por mim é tão lembrado.

Ai se eu tivesse voado

Aonde queria voar

Não estava agora a rimar

Versos de asas cortadas.

Voava junto de si

Assim fico aonde me vê

Page 9: Versos Amalia Libro

Mesmo pregadinha ao chão

Com asas de papelão

E sem entender porquê.

Pois a uns faltam-lhe asas

Mas por ter asas cortadas

Sofrem uns e outros não?

Eu tenho sofrido muito

Nos meus voos ensaiados

Que ao querer sair do chão

Ficam-me os pés agarrados,

...E por falar dos pés

Com versos de pés quebrados

Perdoe lá a quem os fez

Pelo mal dos meus pecados

Só os fiz por timidez

Que tenho em me dirigir

A quem tem por lucidez

Razão para distinguir

O bom e o mau Português.

Assim à minha maneira

Aqui venho responder

Desta forma tão ligeira

Que a sério não pode ser!

Amália Rodrigues

...................................................

Carta a Vitorino Nemésio [2]

Page 10: Versos Amalia Libro

Ai meu querido professor

O senhor fez-me chorar

Apesar do bom humor

Com que se quis disfarçar.

Não se pode ser mais triste

New ter-se maior razão

Em tudo aquilo que disse,

Do pobre deste país.

Também eu, senhor professor,

Estou triste como o senhor,

Sem poder desabafar

Por não saber versejar.

Mas não me posso calar

Falo comigo sozinha:

Aonde a terra que eu tinha?

Aonde os heróis que amava?

Ou eu andava enganada

Amando o que muito amei?

Francamente já não sei

Aonde está a razão.

Só me dói o coração,

E o coração não engana.

A mim nunca me enganou

De si sempre ele gostou!

E continua a gostar.

Por isso me fez chorar;

Page 11: Versos Amalia Libro

Chorou o meu coração

Que lhe sentiu a razão.

Ai meu querido professor

Eu nunca fui sua aluna

Não tenho instrução nenhuma,

Como é que posso entender

O que o senhor quis dizer

Sem saber ler nem escrever?

Há coisas, senhor professor,

Que até se entendem melhor

Se se não é complicado.

Há quem, por ter estudado

Tudo o que outros escreveram,

Entre as letras se perderam,

Já não sabem sequer quem são;

Perderam o coração

Que não se deve perder...

Renego a preparação

De gente tão preparada,

De angústias fazedores

Tudo em nome da justiça

[Desculpe mas digo Chiça!

E eu não sou malcriada]

Mas há coisas que por feias

Dizem melhor das idéias

Que nos passam pela cabeça...

A mim, faltam-me argumentos

Page 12: Versos Amalia Libro

Mas ficam-me os sentimentos:

Com eles gosto de si,

Com eles o distingui,

Sem saber ler nem escrever!

Amália Rodrigues

...............................................

Contigo Fica o Engano

Tu andas atrás de mim

Como a pêra atrás do ramo

Tu andas p'ra me enganar

Contigo fica o engano

Contigo fica o engano

Como havia de ficar

Como a pêra atrás do ramo

Andavas p'ra me enganar

Ai vai do vira

Quem ficou a rir

De ti fui eu

Ai vai do vira

O raminho é meu

E o engano é teu

Ai vai do vira

Até Judas mau

Page 13: Versos Amalia Libro

Se arrependeu

Ai vai do vira

Quem te vira

A ti sou eu

Tu andas p'ra me enganar

Mas és tu o enganado

Ainda tu estás a mondar

Já tenho o trigo ceifado

Hás de comer muito pão

Hás de sofrer muito frio

Se não me deitas a mão

Eu vou-me deitar ao rio

Amália Rodrigues

.............................................................

Depois Disto...Desisto

Tantas coisas que já li

Outras tantas que vivi

Fazem de mim o que sou

Ai se eu tivesse esquecido

Tudo o que tenho vivido

E o coração decorou

Tudo é questão de memória

Page 14: Versos Amalia Libro

É o nosso pensamento

Que a vida nos vai passando

A memória faz história

Do que foi cada momento

Que nós vamos recordando

Isto da alma é segredo

Ninguém sabe desvendar

Os porquês de tudo isto

Sabemos que tarde ou cedo

Iremos a enterrar

E depois disto... desisto

Amália Rodrigues

.....................................

Desespero

Se o desespero ensinasse

Eu já sabia viver

Talvez alguém me pagasse

O que me anda a dever

Se o desespero ajudasse

Eu era muito ajudada

Talvez não desesperasse

De ser tão desesperada

Page 15: Versos Amalia Libro

Se o desespero não fosse

Como parece que é meu

Se o desespero não fosse

Seria o que é: sou eu

Amália Rodrigues

..................................................

Entrei Na Vida a Cantar

Entrei na vida a cantar

E o meu primeiro lamento

Se foi cantando a chorar

Foi logo com sentimento

Com as outras raparigas

Pelas ruas a brincar

Corri ao som das cantigas

Parava só p'ra cantar

Mas tarde já mulherzinha

Cantei meu primeiro amor

E também cantei sozinha

A minha primeira dor

A vida tenho passado

Alegre triste a chorar

Page 16: Versos Amalia Libro

Tem sido vário o meu fado

Mas constante o meu penar

Amália Rodrigues

...............................................

Estranha Forma de Vida

--------------------------------------------------------------------------------

Foi por vontade de Deus

Que eu vivo nesta ansiedade

Que todos os ais são meus

Que é toda minha a saudade

Foi por vontade de Deus

Estranha Forma de Vida

Que estranha forma de vida

Tem este meu coração

Vive de vida perdida

Quem lhe daria o condão

Que estranha forma de vida

Estranha Forma de Vida

Coração independente

Coração que não comando

Vives perdido entre a gente

Page 17: Versos Amalia Libro

Teimosamente sangrando

Coração independente

Estranha Forma de Vida

Eu não te acompanho mais

Pára deixa de bater

Se não sabes onde vais

Porque teimas em correr

Eu não te acompanho mais

Estranha Forma de Vida

..................................................

Eu Vivo a Vida Perdida

Viver é estar-se perdido

Não sei se o terei ouvido

Se o li ou inventei

Desta ou daquela maneira

Não sou menos verdadeira

Nesta verdade que achei

Eu vivo a vida perdida

Sem esperança de me encontrar

Eu vivo e vai-se-me a vida

A tentar compreender

Sem conseguir entender

Porque me sinto perdida

Porque me sinto viver

Page 18: Versos Amalia Libro

Cantai-me o último fado

Peço flores dai-me flores

Que eu já vou a enterrar

Já me mataram as dores

Do sol que eu tinha no olhar

Ficou-me a noite tão escura

Talvez fosse de chorar

Amália Rodigues

.......................................................

Faz-me Pena

Que culpa tem o destino

Deste destino que eu tenho

Se o desgosto é pequenino

Eu aumento-lhe o tamanho

É meu destino

Se o desgosto é pequenino

Eu aumento-lhe o tamanho

Se o desespero matasse

Eu já teria morrido

Talvez alguém me chorasse

Talvez o tenha merecido

Page 19: Versos Amalia Libro

Talvez alguém

Talvez alguém me chorasse

Talvez o tenha merecido

Sinto que cheguei ao fim

Das ilusões que não tive

Porque alguém gosta de mim

Algo de mim sobrevive

Cheguei ao fim

Mas se alguém gosta de mim

Algo de mim sobrevive

Adeus que chegou a hora

Há muito a venho esperando

E se por mim ninguém chora

Faz-me pena e vou chorando

Já vou embora

E se por mim ninguém chora

Faz-me pena e vou chorando

Amália Rodrigues

...........................................................

Feijoca Catarina

Olha o feijão carrapato

Page 20: Versos Amalia Libro

Que é vagem na minha aldeia

Tenho a pedra no sapato

Ninguém ma tira da ideia

O feijão diz à feijoca

Quando lhe toca a ramada

Dá-me cá uma beijoca

Antes de seres descascada

A feijoca Catarina

Mais o feijão Catarino

Queriam uma menina

E nasceu-lhe um menino

Tira o marmelo do forno

Tira o nariz da panela

Toma o café que está morno

Não me abras a janela

Menina minha menina

Onde vais a estas horas

Ó dona da minha sina

Que já sei aonde moras

O galo que tinha medo

Que a dona fosse matá-lo

Saiu de noite em segredo

Page 21: Versos Amalia Libro

E foi à missa do galo

Amália Rodrigues

...................................................

Flor De Lua

--------------------------------------------------------------------------------

Solidão

Campo aberto

Campo chão

Tão Deserto

Meu Verão

Ansiedade

Meu irmão

De saudade

Campo sol

Girassol

Branco lírio

Ilusão

Solidão

Meu martírio

Torna a flor

Minha Flor

Campo chão

Page 22: Versos Amalia Libro

Torna a dor

Minha dor

Solidão

Vai no vento

A passar

Um Lamento

A gritar

Dó ré mi

Mi fá sol

Dó ré mi

Girassol

Velho cardo

Esguio nardo

Flor de Lua

Mi fá sol

Girassol

Eu sou tua

Torna a flor

Minha flor

Campo chão

Torna a dor

Minha dor

Solidão

Grita o mar

Page 23: Versos Amalia Libro

Geme o vento

Teu olhar

Meu tormento

Chora a lua

Flor dourada

Madressilva

Madrugada

Canta a lua

Seminua

Flor mimosa

Sargaçal

Roseiral

Minha rosa

Chora a fonte

Reza o monte

Branca asa

Canta a flor

Chora a flor

Campa rasa

Amália Rodrigues

............................................................

Fiquei à Espera de Ti

Fiquei à espera de ti

Esperei-te todo o dia

Page 24: Versos Amalia Libro

E tu deixaste-me aqui

Esqueceste que existia

Fiquei à espera de ti

Mas o dia foi passando

E tu deixaste-me aqui

À espera desesperando

Fiquei à espera de ti

E parou-me o coração

Mas tu deixaste-me aqui

Com a minha solidão

Fiquei à espera de ti

Com meu coração parado

Mas tu deixaste-me aqui

Isso não te deu cuidado

Fiquei à espera de ti

Horas cheias de ansiedade

E tu deixaste-me aqui

Sem nenhuma caridade

Fiquei à espera de ti

E continuo esperando

E tu deixaste-me aqui

E eu vou desesperando

Page 25: Versos Amalia Libro

Fiquei à espera de ti

A adivinhar que não vens

E tu deixaste-me aqui

A morder os teus desdéns

Fiquei à espera de ti

Estava tão esperançada

E tu deixaste-me aqui

À espera desesperada

Fiquei à espera de ti

Queria ver-te chegar

E tu deixaste-me aqui

Deixaste-me aqui ficar

Amália Rodrigues

...............................................

Fui Ao Mar Buscar Sardinhas

Fui ao mar buscar sardinhas

Para dar ao meu amor

Perdi-me nas janelinhas

Que espreitavam do vapor

A espreitar lá do vapor

Vi a cara dum francês

Page 26: Versos Amalia Libro

E seja lá como for

Eu vou ao mar outra vez

Eu fui ao mar outra vez

La o vapor de abalada

Já lá não vi o francês

Vim de lá toda molhada

Saltou de mim toda a esperança

Saltou do mar a sardinha

Salta a pulga da balança

Não faz mal não era minha

Vou ao mar buscar sardinha

Já me esqueci do francês

A ideia não e minha

Nem minha nem de vocês

Coisas que eu tenho na ideia

Depois de ter ido ao mar

Será que me entrou areia

Onde não devia de entrar

Pode não fazer sentido

Pode o verso não caber

Mas o que eu tenho rido

Nem vocês queiram saber

Page 27: Versos Amalia Libro

Não é para adivinhar

Que eu não gosto de adivinhas

Já sabem que fui ao mar

E fui lá buscar sardinhas

Sardinha que anda no mar

Deve andar consoladinha

Tem água sabe nadar

Quem me dera ser sardinha

Amália Rodrigues

...............................................

Fui Atrás da Lua

Fui atrás da lua

Levou-me o luar

Que na minha rua

Me andava a espreitar

Venho atrás da lua

Perdi o luar

Que na minha rua

Me andava a espreitar

Apanhei pampilhos

Que são amarelos

Deixei lá os milhos

Page 28: Versos Amalia Libro

Deixei os marmelos

Cantavam papoilas

Cantigas p'ró ar

E andavam moçoilas

Também a cantar

Amália Rodrigues

.......................................

Gostava de Ser Quem Era

Tinha alegria nos olhos

Tinha sorrisos na boca

Tinha uma saia de folhos

Tinha uma cabeça louca

Tinha uma louca esperança

Tinha fé no meu destino

Tinha sonhos de criança

Tinha um mundo pequenino

Tinha toda a minha rua

Tinha as outras raparigas

Tinha estrelas tinha lua

Tinha rodas de cantigas

Gostava de ser quem era

Page 29: Versos Amalia Libro

Pois quando eu era menina

Tinha toda a Primavera

Só numa flor pequenina

Amália Rodrigues

.........................................

Gosto de te Ver Assim

Gosto de te ver assim

Gosto de ti ao meu lado

Mas tu não gostas de mim

E andas muito afastado

Gosto de te ver assim

Com qualquer coisa no rosto

A dizer-me que é por mim

Que andas assim bem disposto

Gosto de ter ver assim

A fingir não entender

O sofrimento ruim

Da doença de te querer

Gosto de te ver assim

Mas gostava ainda mais

Que esse assim fosse por mim

Ai Amália, aonde vais...

Page 30: Versos Amalia Libro

Amália Rodrigues

.......................................................

Grilo

Grilo grilo grilo

Grigrigrigrigri

O que era aquilo

Que eu nunca vi

Afinal aquilo

Com tanta bravata

Se era mesmo grilo

Parecia barata

Amália Rodrigues

...............................................

Grito

Silêncio

Do silêncio faço um grito

E o corpo todo me dói

Deixai-me chorar um pouco

De sombra a sombra

Há um céu tão recolhido

De sombra a sombra

Já lhe perdi o sentido

Ó céu

Page 31: Versos Amalia Libro

Aqui me falta a luz

Aqui me falta uma estrela

Chora-se mais

Quando se vive atrás d'ela

E eu

A quem o céu esqueceu

Sou a que o mundo perdeu

Só choro agora

Que quem morre já não chora

Solidão

Que nem mesmo essa é inteira

Há sempre uma companheira

Uma profunda amargura

Ai solidão

Quem fora escorpião

Ai solidão

E se mordera a cabeça

Adeus

Já fui p'r'além da vida

Do que já fui tenho sede

Sou sombra triste

Encostada a uma parede

Adeus

Vida que tanto duras

Vem morte que tanto tardas

Ai como dói

A solidão quase loucura

Page 32: Versos Amalia Libro

Autora: Amália Rodrigues

.................................................

Horas de Vida Perdida

Horas de vida perdida

À procura de viver

Vai-se à procura da vida

Não a encontra quem quer

Quem sou eu para dizer

Quem sou eu para o saber

Nem sei se sou ou não sou

Ninguém pode conhecer

Isto de ser e não ser

Sem saber sei entender

Assim sei o que não sei

Sinto que sou e não sou

Entre o que sei e não sei

A minha vida gastei

Sem conseguir entender

Ai quem me dera encontrar

As rimas da poesia

Ai se eu soubesse rimar

Tantas coisas que eu dizia

Page 33: Versos Amalia Libro

Amália Rodrigues

..................................

Ilusão

O mundo fez em bocados

O meu pobre coração

Que eu trazia sem cuidados

Na palma da minha mão

Roubaram-me a confiança

E a ilusão com que nasci

Desde então perdi a esperança

E nunca mais me iludi

A vida desfez em choro

O sol que eu tinha no olhar

Na solidão onde moro

Meus olhos são p'ra chorar

Meus olhos são p'ra chorar

Meu Coração p'ra sofrer

Minhas mãos para fechar

Meu corpo para morrer

Amália Rodrigues

............................................

Page 34: Versos Amalia Libro

Lágrima

--------------------------------------------------------------------------------

Cheia de penas

Cheia de penas me deito

E com mais penas

E com mais penas me levanto

No meu peito

Já me ficou no meu peito

Esse jeito

O jeito de te querer tanto

Desespero

Tenho por meu desespero

Dentro de mim

Dentro de mim o castigo

Não te quero

Eu digo que não te quero

E de noite

E de noite sonho contigo

Se considero

Se considero que um dia

Hei de morrer

No desespero

Page 35: Versos Amalia Libro

Que tenho de te não ver

Estendo o meu xaile

Estendo o meu xaile no chão

Estendo o meu xaile

E deixo-me adormecer

Se eu soubesse

Se eu soubesse que morrendo

Tu me havias

Tu me havias de chorar

Uma lágrima

Por uma lágrima tua

Que alegria

Me deixaria matar

Autora: Amália Rodrigues

..............................

Lavadeira Cheirosa

Lá p'rós lados da Malveira

Conheci a malva rosa

Que era uma lavadeira

Que andava sempre cheirosa

Nas camisas sem botões

Ela pregava o botão

Page 36: Versos Amalia Libro

Tudo por cinco tostões

E ainda dava o sabão

Foi um dia lavar roupa

A casa d'um senhorio

E a danada da garota

Achou que ele era bonito

Cheira bem a malva rosa

Dizia todo o freguês

E ela sempre bem cheirosa

La lá mais uma vez

Ai menina da Malveira

Que cheiras a malva rosa

Deixa-me ver a maneira

De eu te cheirar tão cheirosa

Amália Rodrigues

...................................................

Lavava No Rio Lavava

--------------------------------------------------------------------------------

Lavava no rio lavava

Gelava-me no frio gelava

Page 37: Versos Amalia Libro

Quando ia ao rio lavar

Passava fome passava

Chorava também chorava

Ao ver minha mãe Chorar

Cantava também cantava

Sonhava também sonhava

E na minha fantasia

Tais coisas fantasiava

Que esquecia que chorava

Que esquecia que sofria

Já não vou ao rio lavar

Mas continuo a chorar

Já não sonho o que sonhava

Se já não lavo no rio

Porque me gela este frio

Mais do que então me gelava

Ai minha mãe minha mãe

Que saudades desse bem

Do mal que então conhecia

Dessa fome que eu passava

Do frio que me gelava

E da minha fantasia

Já não temos fome mãe

Page 38: Versos Amalia Libro

Mas já não temos também

O desejo de a não ter

Já não sabemos sonhar

Já andamos a enganar

O desejo de morrer

Amália Rodrigues

...............................................

Mãos Desertas

Nesta solidão que é minha

Mora a minha inquietação

E esta angústia que me mata

Mora no meu coração

Salvai o meu coração

Que se queima na fogueira

No fogo desta paixão

Que será pr'á vida inteira

O nosso amor, meu amor

É bom e faz-me sofrer

Prazer que me traz a dor

Do medo de te perder

Amália Rodrigues

......................................................

Page 39: Versos Amalia Libro

Menina da Saia Verde

Menina da saia verde

Menina do verde olhar

Quem por amores se perde

Muito terá que chorar

Menina da saia verde

E do avental de folhos

Quem por amores se perde

Não sabe onde põe os olhos

Menina da saia verde

Que bem que lhe fica a saia

Quem por amores se perde

Deixa-me a mim de atalaia

Menina da saia verde

Eu já lhe vejo encarnada

Quem por amores se perde

Troca as cores não vê nada

Menina da saia verde

Ai que verde que ainda é

Quem por amores se perde

Olarilarilolé

Page 40: Versos Amalia Libro

Amália Rodrigues

................................

Menina Menina

Olhei um arbusto

Que era o meu busto

E entre sargaços

Estendi os meu braços

Pelos areais ficaram meus passos

E dos meu cabelos caíram os laços

No meu coração

Ficaram Cansaços

Perdi meus abraços entre a solidão

E o meu coração

Na palma da mão

Deixei-o ficar

Caiu-me no chão

Caiu-me no chão

Deixei-o ficar

Que sem coração

Não se pode amar

Disseram-me estrelas

E desejei tê-las

Disseram-me céu

Page 41: Versos Amalia Libro

E o céu era meu

Disseram-me amor

Conheci a dor

Disseram-me irmão

E era traição

Disseram-me lua

E eu dormi na rua

Disseram-me Deus

Ai pecados meus

Menina menina

Flor de Primavera

Quem te deu a sina

Quem tua já era

Amália Rodrigues

.........................

Menina Que Sabe Ler

Menina que sabes ler

Também sabes soletrar

Diga lá minha menina

Quantos peixes tem o mar

Quantos peixes tem o mar

Page 42: Versos Amalia Libro

Eu ainda os não contei

Vou aprender a nadar

Pois contar ainda não sei

Vou aprender a nadar

Meu senhor nadar não sei

Só depois lhe posso dar

A resposta que não dei.

Amália Rodrigues

...............................

Meu Coração Sem Direito

Lá foi o tal coração

Que eu tinha contravontade

Lá foi aquele ladrão

Não sei para que cidade

O meu velho coração

Que ficou triste comigo

Por causa desse ladrão

Não volta a ser meu amigo

Pobre de quem envelhece

Por fora do coração

Que novo nos aparece

Com uma nova paixão

Page 43: Versos Amalia Libro

Meu coração sem direito

De bater tão apressado

Anda dentro do meu peito

Onde não cabe coitado

Vai-te embora coração

Eu não sou boa morada

Onde mora a solidão

Não há lugar p'ra mais nada

Amália Rodrigues

.............

Morrinha

Ai sonhos prantos rios vosso corpo

De lírio e hortelã agreste

São sonho que morre

São água que corre

Que da minha sede

Bebeste

Na minha cama há um lençol de linho

Que hoje é como eu sozinho

A sua brancura

E a minha ternura

São minha loucura

Page 44: Versos Amalia Libro

Meu espinho

Na minha solidão que é toda minha

Na minha solidão sozinha

Tristeza em botão

Que eu guardo na mão

Crescendo crescendo

Morrinha

Amália Rodrigues

..................................

Nasçam os Amores

Lembram lenços a acenar

Lembram bandeirinhas brancas

As nuvens que andam no ar

Nossa Senhora medita

Do Céu em paz a descer

E a manhã está tão bonita

Morram dores

E nasçam os amores

Abram flores

A cantar

Oliveira

Na paz do olival

Page 45: Versos Amalia Libro

Dá-me a tua flor primeira

Natal

Sobre uma nuvem além

Eu vi mas não posso crer

O menino e sua mãe

Menino de mãos macias

Sejam teus gestos primeiros

Louvados todos os dias

Amália Rodrigues

......................................

O Bicho de Conta

O bicho de conta

Todo se fechou

Na minha mão tonta

Quando o apanhou

E nela ficou

Todo enroladinho

Fez-me comichão

O raio do bichinho

Encontrei o mocho

Agarrei o gato

O mocho era coxo

Page 46: Versos Amalia Libro

Era gago o gaio

Mas fugiu-me o coxo

E falou-me o gaio

Ora vai do vira

À noite é que eu saio

Fui atrás da lua

Encontrei o sol

E vi os pauzinhos

A um caracol

Amália Rodrigues

.......................................

O Fado Chora-se Bem

Moram numa rua escura

A tristeza e a amargura

A angústia e a solidão

No mesmo quarto fechado

Também lá mora o meu fado

E mora meu coração

Tantos passos temos dado

Nós as três de braço dado

Eu a tristeza e a amargura

À noite um fado chorado

Sai deste quarto fechado

Page 47: Versos Amalia Libro

E enche esta rua tão escura

Somo vizinhos do tédio

Senhor que não tem remédio

Na persistência que tem

Vem persistência que tem

Vem p'ró meu quarto fechado

Senta-se ali a meu lado

Não deixa entrar mais ninguém

Nesta risonha morada

Não ha lugar p'ra mais nada

Não cabe lá mais ninguém

Só lá cabe mais um fado

Que neste quarto fechado

O fado chora-se bem

Amália Rodrigues

...........................................

Ó Gente da Minha Terra

Ó gente da minha terra

Agora é que eu percebi

Esta tristeza que trago

Foi de vós que a recebi

É meu e vosso este fado

Page 48: Versos Amalia Libro

Destino que nos amarra

Por mais que seja negado

Às cordas de uma guitarra

Sempre que se ouve um gemido

Duma guitarra a cantar

Fica-se logo perdido

Com vontade de chorar

E pareceria ternura

Se eu me deixasse embalar

Era maior a amargura

Menos triste o meu cantar

Amália Rodrigues

.............................

O Mosquito Mordeu-me No Olho

Passou um mosquito

Mordeu-me no olho

Não vi a lagarta

Comi o repolho

Comi a larga

Que o repolho tinha

E disse à lagarta

Que a couve era minha

Page 49: Versos Amalia Libro

E a lagartinha

Deu-me uma resposta

E eu não repito

Que você não gosta

O raio da lagarta

Tão mal se portou

Um raio que a parta

Tanto me enjoou

Comi a lagarta

Fiquei enjoada

Mordeu-me o mosquito

E não vejo nada

Vejo agora ali

Aquilo que eu queria

Vi o que já vi

Que é da minha tia

É o seu burrico

Que passa na estrada

Aqui já não fico

Vou nele montada

Burro sem ser burro

Burro sem burrice

Burro inteligente

Que grande chatice

Page 50: Versos Amalia Libro

Sem andar p'rá frente

Nem andar p'ra trás

Apanhou-me rente

Deu-me um coice...zais

Amália Rodrigues

...........................

Ó Pinheiro Meu Irmão

Ribeiro não corras mais

Que não hás de ser eterno

O verão vai-te roubar

O que te deu o Inverno

Até a lenha do monte

Tem sua separação

Duma lenha se faz santos

E d'outra lenha

Se faz o carvão

Ando caída em desgraça

O que é que eu hei de fazer

Todos os santos que pinte

Demônios têm que ser

São tão grandes minhas penas

Que me deitam afogar

Page 51: Versos Amalia Libro

Vêm umas atrás das outras

Tal como as ondas

Andam no mar

Apanho e como as raízes

Que estão debaixo da terra

Só as ramas não as como

Porque essas o vento as leva

Ó pinheiro meu irmão

Tu também es como eu

Também tu estendes em vão

Ó pinheiro meu irmão

Teus braços p'ró céu

Amalia Rodrigues

...................................

O Tempo Dantes Corria

O tempo dantes corria

E eu ainda corria mais

Mas vi-te e desde esse dia

Que correm mais os meus ais

O tempo dantes corria

E com ele meus folguedos

Mas vi-te e desde esse dia

Page 52: Versos Amalia Libro

Correm p'ra ti meus segredos

O tempo dantes corria

E eu corria para a vida

Mas vi-te e desde esse dia

Fiquei de vida perdida

O tempo dantes corria

E eu vivia a correr

Mas vi-te e desde esse dia

Que corro só p'ra te ver

Amália Rodrigues

....................................

Olha a Ribeirinha

Olha a ribeirinha

Que sonhou ser rio

Sonho de grandeza

De ribeira presa

Que vai com certeza

Deixar de sonhar

Anda ribeirinha

Corre ligeirinha

Não choras sozinha

Page 53: Versos Amalia Libro

Mais chorou o mar

Olha a ribeirinha

Que é do sonho que ela tinha

De pedra, pedrinha a pedrinha

Vai correndo a ribeirinha

Vi a ribeirinha

Que triste que vinha

Sonhou a ribeira

Com a terra inteira

A correr ligeira

Seu sangue gastou

Da mesma maneira

Sequei eu ribeira

Da mesma maneira

Meu sonho secou

Ai a ribeirinha

Que tinha o sonho que eu tinha

Chorando, gotinha a gotinha

Vai secando a ribeirinha

Amália Rodrigues

Page 54: Versos Amalia Libro

Os Teus Lindos Olhos Pretos

Os teus lindos olhos pretos

Teus olhos de negro olhar

Olham-me tão inquietos

Que me andam a inquietar

Inquieta se te não vejo

Inquieta por te não ver

Inquieta-me o que eu desejo

E o medo de o dizer

Cá me ando com a ternura

Que tem o tem negro olhar

Nunca vi tanta negrura

Mesmo no escuro a brilhar

Amália Rodrigues

...................

Perdoai Senhor

Deus me perdoe o pecado

Que não há de perdoar

O de ter na vida andado

Sem ter vontade de andar

Perdoai Senhor pecados

Page 55: Versos Amalia Libro

De meu pobre coração

Que eu trazia sem cuidados

Na palma da minha mão

Deus me perdoe o pecado

E que pese na balança

Depois de o ter confesso

Que peço perdão sem esperança

Faço ato de contrição

Senhor meu Deus perdoai-me

Dou-vos o meu coração

Em troca dele ajudai-ma

Perdoai-me meu Senhor

Senhor do meu coração

O pecado ainda maior

Perdoai-me a ingratidão

Amália Rodrigues

.................................

Perlimpimpim

Perlimpimpim

Com galhardia

Lá vem a banda

A marchar

Page 56: Versos Amalia Libro

Com o marcar

Da bateria

Olha os rapazes

Que lindos modos

E que afinadas

São quarenta

Parece um

E tocam todos

Cadenciados

Os seus passinhos

Enfileirados

Como vês

Vão três a três

Todos certinhos

Tchim pum tchim pum

Fazem os pratos

Tchim pum tchim pum

Fazem saltar

O coração

Dos mais pacatos

Vão saxofones

E Clarinetes

Parecem d'oiro

Page 57: Versos Amalia Libro

Os cornetins

Parecem d'oiro

Os cornetins

Mais os flautins

E os trompetes

Pim pim pim pim

Faz o flautim

Pim pim pim pim

Me faz assim

O coração

Dentro de mim

Olhem ali

Aquele miúdo

Pim pim pim pim

Toca Ferrinhos

Com ar de quem

Toca tudo

O meu rapaz

É o do bombo

Olhou p'ra trás

Para me ver

Zás catrapás

Que grande tombo

O contrabaixo

Page 58: Versos Amalia Libro

Que vai ao alto

Para acertar

Com o compasso

Deu agora

Um grande salto

E cada um

Toca o que sabe

Na opinião

Do pelotão

O sabichão

Nunca lá cabe

Se desafina

Alguma nota

Foi a má sina

E logo o baixo

Toca alto

E não se nota

Não é sinfónica

Mas é harmónica

A dominante

É a alegria

E a amizade

A sinfonia

Page 59: Versos Amalia Libro

Amália Rodrigues

..................................

Por Que Voltas De Que Lei

Por que voltas de que lei

Vem este sentir profundo

Por te saber como sei

Me sinto dona do mundo

Por que espada de que rei

Meu amor é fogo posto

És tanto de quanto amei

Que és tudo de quanto gosto

Por este amor que te tenho

Por ser assim como sou

És inferno donde venho

És o céu para onde vou

Por que voltas de que lei

És tudo de quanto gosto

Me perdi e me encontrei

Nas voltas que tem teu rosto

Por que voltaste de que rei

Em meu peito teu desenho

És tanto de quanto amei

Page 60: Versos Amalia Libro

Que és todo o mundo que tenho

E de tão rica que estou

Nunca tão pobre fiquei

Por ser assim como sou

E te saber como sei

Amália Rodrigues

.........................

Quadras Soltas

Joguei às cinco pedrinhas

Perdi todas as jogadas

Quando vi que tu não vinhas

Pedrinhas eram pedradas

Papoila grito de cor

Tanto trigo te quer bem

Mais quero eu ao meu amor

Amor que amor não me tem

Tenho um lindo namorado

Que me ama perdidamente

Tem um defeito coitado

Ama assim toda a gente

Quem o seu amor perdeu

Page 61: Versos Amalia Libro

E não queria ter perdido

Anda a chorar como eu

Que trago o meu no sentido

Abri-te o meu coração

Tu fechas-me a tua casa

E não te vejo senão

Com um grãozinho na asa

Ao alto céu eu subi

Fiz escritura com Deus

Quando te der morte a ti

Quando te der morte a ti

Nessa hora morra eu.

Amália Rodrigues

.......................................

Quando Lavava No Rio

Quando lavava no rio

Ao pé de um grande salgueiro

Olhei para cima e vi-o

Mas ele vi-me primeiro

Sentei-me de madrugada

Na minha cama vazia

Era uma alma penada

Page 62: Versos Amalia Libro

Nem sonhava nem dormia

Tu estrela da manhãzinha

Que me olhas lá do céu

Gostava que fosses minha

Que o teu brilho fosse meu

Deixai-me com passarinhos

Que quando andam no chão

Que saltando pelos caminhos

Me alegram o coração

Deixai-me viver nos montes

Comendo frutos da terra

Bebendo água das fontes

Deixai-me perder na serra

Correndo correndo a terra

Dá tantas voltas redondas

Voltas que fazem o vento

O vento que faz as ondas

Amália Rodrigues

..................................

Quando o Domingo Chegava

Page 63: Versos Amalia Libro

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Quando o domingo chegava

Vestia a saia amarela

E o meu avental de folhos

Mais roupa não precisava

Que o meu avental de folhos

E o sol que eu tinha nos olhos

Com a minha saia amarela

Com o meu avental de folhos

Com o meu corpete encarnado

Calçava a minha chinela

Notava-se me nos olhos

Que já tinha namorado

Domingos da minha rua

Não é minha nem é tua

O limão anda na roda

Alargai-vos raparigas

Lembram-me ainda as cantigas

Que enchiam a rua toda

Cantigas de boca em boca

Boca de criança louca

Ora chorando ora rindo

Page 64: Versos Amalia Libro

Domingos da minha rua

Não é minha nem é tua

E tudo me vai fugindo

Quando o domingo chegava

Vestia a saia amarela

E o meu lenço cor de rosa

Calçava a minha chinela

Que bem dançava com ela

Que nisso era caprichosa

Com a minha saia amarela

Todos Olhavam p'ra ela

Depois olham-me nos olhos

Não era feia catraia

Ficava-me bem a saia

E o meu avental de folhos

Quando o domingo chegava

Tinha uns tostões que guardava

E comprava um pirolito

Metia o dedo na bola

E ficava toda tola

Achava aquilo bonito

Quando o domingo chegava

Chegava a segunda-feira

Page 65: Versos Amalia Libro

La-se a minha alegria

E aí pela sexta-feira

Já meu coração sorria

Amália Rodrigues

.......................................

Quando Se Gosta de Alguém

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Quando se gosta d'alguém

Sente-se dentro da gente

Ainda não percebi bem

Ao certo o que é que se sente

Quando alguém gosta d'alguém

É de nós que não gostamos

Perde-se o sono por quem

Perdidos de amor andamos

Quando alguém gosta d'alguém

Anda assim como ando eu

Que não ando nada bem

Com este mal que me deu

Page 66: Versos Amalia Libro

Quando se gosta d'alguém

É como estar-se doente

Quanto mais amor se tem

Pior a gente se sente

Quando se gosta d'alguém

Como eu gosto de quem gosto

O desgosto que se tem

É desgosto que dá gosto

Amália Rodrigues

........................................

Quem Conseguir Esquecer

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Quem conseguir esquecer

Que veio cá para morrer

Pode guardar ambições

Pode rir pode viver

Se não pensar em morrer

Pode viver de ilusões

Quem conseguir esquecer

Que veio cá para morrer

É mais feliz do que eu

Page 67: Versos Amalia Libro

Faça eu o que fizer

Não posso deixar de ver

Morrer tudo o que nasceu

Amália Rodrigues

........................................

Quero Cantar Para a Lua

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Quero cantar para a lua

Deixem-me cantar na rua

Pois foi da rua que eu vim

Vim da rua vim das pedras

Nada sei das vossas regras

Regras não são para mim

Deixem-me chorar ao vento

Deixem andar meu lamento

Pode ser que chegue ao céu

Deixem-me o meu pensamento

Que embora seja tormento

Que seja mas seja meu

Amália Rodrigues

.....................................

Page 68: Versos Amalia Libro

S. João Menino

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Ó meu S. João Menino

Dá-me cá a tua mão

P'ra me mudar o destino

Ó meu rico S. João

Ó meu S. João Menino

Dá-me cá a tua mão

Ö meu rico S. João

s. João das Fontaínhas

Vim de longe S. João

Já gastei as chinelinhas

Dá-me meu S. Joãozinho

Dá-me cá a tua mão

Que eu ponha nela um raminho

Lá das Serras do Marão

Eu prometo S. João

Pecar o menos que posso

E que depois do serão

Rezo sempre um padre nosso

Page 69: Versos Amalia Libro

Eu trago-te S. João

Raminhos de bem querer

Faz S. João que o João

Me faça sua mulher

Que eu trago-te S. João

Raminhos de bem querer

Ó meu S. João

Ó meu S. João

Tu és o santinho

Do meu coração

Ó meu S. João

Ó meu S. João

S. João menino

Dá-me a tua mão

Amália Rodrigues

.....................

Saloia Bonita

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Lá p'rós lados da Malveira

Há uma saloia bonita

Tem a cor duma roseira

E a quem mexe nela pica

Page 70: Versos Amalia Libro

Ai que bonita maneira

Tem ela no seu andar

Passa e lá vai a roseira

A picar quem a olhar

Todos sabem que o João

Gosta daquela roseira

P'ra lhe colher o botão

Dava a sua vida inteira

Mas a saloia é que não

Quer o João da Malveira

Já deu o seu coração

Por isso pica a roseira

Por isso pica a roseira

Roseira de linda cor

Sua cor é verdadeira

Roseira dum só amor

Lá anda pela Malveira

A rosa dum só amor

Pelos caminhos ligeira

A picar seja quem for

Amália Rodrigues

Page 71: Versos Amalia Libro

Se Deixas de Ser Quem És

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Meu amor d'alfazema

De alecrim e rosmaninho

Queria fazer-te um poema

Mas perco-me no caminho

Nossa Senhora das Dores

Meu raminho d'oliveira

Eu ando cega d'amores

Não me cureis a cegueira

Nossa Senhora das Dores

Sede a minha padroeira

Entra em mim um mar gelado

Em dias que te não vejo

Sou um barco naufragado

Mesmo sem sair do Tejo

Ai de mim que ando perdida

Que ando perdida de amores

Perdida entre temores

Perdida entre as marés

Ai de mim fico perdida

Page 72: Versos Amalia Libro

Se deixas de ser quem és

Tens mãos macias de gato

Meio manso meio bravio

Olhas às vezes regato

Outras mar e outras rio

Amália Rodrigues

.........

Se é Vida Não me Parece

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Tinha duas mãos abertas

E o sentimento do mundo

Tenho agora as mãos desertas

E um desgosto profundo

Se é vida não me parece

A este acontecimento

Que tão pouco me apetece

Chamo eu aborrecimento

P'rá vida ser tão cantada

Tem de ser melhor por certo

Não é decerto a maçada

Page 73: Versos Amalia Libro

Que eu tenho neste deserto

É morte o que me acontece

E morta ainda me espanto

Da vida que não merece

Nem mesmo este desencanto

Que vontade de chorar

Ai pranto de sete rios

Que ânsia de descansar

Amortalhada de estios

Amália Rodrigues

............................

Sofrendo da Alma

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Mais do que o corpo é a alma

É a alma que me dói

Que foi sofrendo da alma

Que a minha vida se foi

Que foi sofrendo da alma

Que a minha vida se foi

Mais do que o corpo é a alma

Page 74: Versos Amalia Libro

É a alma que me dói

Há muito que não sonhava

E esta noite sonhei

Sonhei hoje que tem amava

Deus o que eu hoje sonhei

Longe do meu pensamento

A ideia de te amar

Amei-te em sonho um momento

Vê lá o que eu fui sonhar

Foi sonho que não esperava

Sonho que me deslumbrou

Não sabia que te amava

E hoje não sei quem sou

Amália Rodrigues

...................

Sou Filha das Ervas

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Trago o alecrim

Trago o saramago

Cheira-me a jasmim

Page 75: Versos Amalia Libro

O resto que trago

Trago umas mezinhas

Para o coração

Feitas das ervinhas

Que apanhei no chão

Sou filha das ervas

Nelas me criei

Comendo as azedas

Todas que encontrei

Atrás das formigas

Horas que passei

Sou filha das ervas

E pouco mais sei

Rosa desfolhada

Quem te desfolhou

Foi a madrugada

Que por mim passou

Foi a madrugada

Que passou vaidosa

Deixou desfolhada

A bonita rosa

Page 76: Versos Amalia Libro

Ramos de salgueiro

Terra abrindo em flor

Amor verdadeiro

É o meu amor

Papoila que grita

No trigo doirado

Menina bonita

Rainha do prado

Amália Rodrigues

.....................

Tenho Campos Tenho Flores

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Tenho campos tenho flores

Tenho sol e tenho o céu

Tenho o mar e tenho amores

Que mais posso querer eu

Depois do dia vem noite

Depois da noite vem dia

E depois de ter saudades

Vem as saudades que havia

Page 77: Versos Amalia Libro

Porquê esta ânsia louca

Que de repente me invade

Que não quer a minha boca

Dizer que é mais que saudade

Será que valho a canseira

Do nosso tempo perdido

Não sei de qualquer maneira

Acho o retracto parecido

Amália Rodrigues

.........................

Tenho Desgostos de Amor

Tenho desgostos de amor

Não quero deixar de os ter

Para mim seria pior

E quero guardá-los bem

É um mal de bom sabor

Quando se gosta d'alguém

Tenho desgostos d'amor

E quero guardá-los bem

Não quero que a minha dor

Faça sofrer mais alguém

Tudo é verdade e caminho

Page 78: Versos Amalia Libro

Tudo leva ao mesmo fim

O mundo todo inteirinho

Não há ninguém que não chore

Tudo passa tudo morre

E tenho pena de mim.

Amália Rodrigues

..............................

Tenho Dois Corações

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Eu tenho dois corações

Dentro e fora do meu lar

Eu tenho dois corações

Já me não podem bastar

Quando a tristeza é tão triste

Qual dos dois sofrerá mais

O que é real não existe

Eu tenho dois corações

Ambos eles irreais

Dois corações o primeiro

Pertence à rua e ao pecado

Page 79: Versos Amalia Libro

O segundo é cativeiro

De quem me fez caminheiro

Sem nunca ter caminhado

Amália Rodrigues

.......................................

Tenho Uma Cabra Cabrita

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A rola põe-se na rua

O botão põe-se na casa

Vem o sol e vai a lua

E a formiga perde a asa

Perco eu a inspiração

Tudo o que faço não rima

Já perdi o que foi para baixo

E vou perder

O que vem para cima

Tenho uma cabra cabrita

Que lindos saltos me dá

É uma cabra tão bonita

Que é cabra mas não é má

Page 80: Versos Amalia Libro

Tenho uma abelha rainha

Que da minha aldeia trouxe

Linda toda amarelinha

Da cor do seu mel tão doce

Tenho um grilo na gaiola

Um galo na capoeira

Tenho na porta uma argola

E vivo desta maneira

Tenho um noivo militar

Que já me deu um anel

Só espero p'ra me casar

Que ele saia do quartel

A casca da fava não é

Igual à da ervilha

E também o garrafão

É diferente da bilha

Vinho leva o garrafão

Cheia de água vai a bilha

Já tenho a fava na mão

Já só me falta a ervilha

Amália Rodrigues

...................................................

Page 81: Versos Amalia Libro

Teus Olhos São Duas Fontes

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Teus olhos são duas fontes

Que eu queria ver chorar

Agua a correr pelos montes

Que chegasse ate ao mar

Teus olhos são meus pecados

Teus olhos pecados são

Que eu mesmo d'olhos fechados

Sei aonde teus olhos estão

Teus olhos são andorinhas

Que aparecem com o calor

Meu amor vê se adivinhas

O que já sabes de cor

Teus olhos duas asinhas

Que tu bates de mansinho

Teus olhos são andorinhas

Que perderam o caminho

Autora: Amália Rodrigues

................................

Page 82: Versos Amalia Libro

Tive Um Coração Perdi-o

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Tive um coração perdi-o

Ai quem mo dera encontrar

Preso no fundo do rio

Ou afogado no mar

Quem me dera ir embora

Ir embora sem voltar

A morte que me namora

Já me pode vir buscar

Tive um coração perdi-o

Ainda o vou encontrar

Preso no lodo do rio

Ou afogado no mar

Amália Rodrigues

.........................

Trago Fados Nos Sentidos

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Page 83: Versos Amalia Libro

Trago fados nos sentidos

Tristezas no coração

Trago os meus sonhos perdidos

Em noite de solidão

Trago versos trago sons

Duma grande sinfonia

Tocada em todos os tons

Da tristeza e da agonia

Trago amarguras ao molhos

Lucidez e desatinos

Trago secos os meu olhos

Que coram desde meninos

Trago noites de luar

Trago planícies de flores

Trago o céu e trago o mar

Trago dores ainda maiores

Amália Rodrigues

.....................

Vi o Menino Jesus

Vi o Menino Jesus

Que bonito que ele vinha

Trazia estrelas de luz

Ou eram brincos que tinha

Page 84: Versos Amalia Libro

Cabelos de seda tinha

Deu-lhos Nossa Senhora

Com pezinhos de andorinha

Andava pelo céu fora

Nossa Senhora

Meu roseiral

Enchei de rosas

Este Natal

Dois passarinhos azuis

Nos seus olhos lhe vi eu

Voando descendo à terra

Cantando voando ao céu

Lá vai uma lá vão duas

Três estrelinhas brilhando

Anda o Menino Jesus

À roda delas brincando

Vi o Menino Jesus

Seus olhos são estrelinhas

Suas mãos sinal da cruz

Seus pezinhos de andorinhas

Andam as nuvens ligeiras

Page 85: Versos Amalia Libro

E as estrelas no céu

A dizer umas às outras

O meu menino é meu

Amália Rodrigues

.............................................

335 Gafanhotos

335 gafanhotos

30 carochas

3 cabrochas

335 gafanhotos

Eu de galochas

30 carochas

Eram cem sapos

Cabras cabrochas

Vinham patinhos

Pintainhos

Outros bichinhos

Engraçadinhos

E as galinhas

Molhadinhas

Estupidazinhas

Iam atrás

Page 86: Versos Amalia Libro

Amália Rodrigues