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MÁ THESIS 5 1996 365-394

REACÇÃO E COMPROMISSO NO FIM-DE-SÉCULO: O primeiro surto de tendências neo-românticas.

JOSÉ CARLOS SEABRA PEREIRA

Quando em 1975 publiquei Decadentismo e Simbolismo na Poesia Portuguesa, e mesmo quando depois se generalizou o acolhimento do constructo histórico-literário ali proposto, nem todos reconheceram ou compreenderam que, de acordo com os fundamentos teóricos e a perspectiva metodológica dos estudos de periodologia literária, a minha tese não pretendia consequentemente dar um quadro exaustivo - nem na vertente do inventário diacrónico, nem na vertente da definição e ilustração textual dos sistemas estético-literários - de toda a poesia do fim-de-século (e ainda menos de toda a sua vida literária). Pretendia explicitamente, pois, historiar, descrever e interpretar a dominante do dinamismo estrutural do período literário, isto é, o Decadentismo e o Simbolismo como estilos epocais prevalecentes, mas não exclusivos; e, ao mesmo tempo, assinalava que, em posição secundária, actuavam também no mesmo período outras tendências estético-literárias - umas, remanescentes do período anterior (Realismo, Naturalismo, Parnasianismo), outras só então emergentes (embora com variáveis relações com a tenaz tradição de literatura menor romântica).

Tratava-se, neste último caso, de certas tendências neo-românticas, que, aliás, ao longo de Decadentismo e Simbolismo na Poesia Portuguesa, várias vezes eram referidas nas discrepâncias dos periódicos, nas alternativas dos textos programáticos, nas inflexões ou contrapontos das obras poéticas. Ficava apontado, em suma, um surto finissecular de tendências neo­românticas - mais policêntricas que heterogéneas, mais convergentes que díspares, no seu comum lusitanismo.

Já então eu entendia que se impunha refazer e aprofundar o estudo desse policêntrico surto de Neo-Romantismo lusitanista no fim-de-século. De facto, até então episódico e lacunar, esse estudo ressentira-se sempre da hiperbolização de uma das suas tendências (o neogarretismo promovido por Alberto de Oliveira e cuja designação ainda hoje se vê extrapolada para

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indevidamente denominar toda a componente neo-romântica da literatura finissecular). Mas ressentira-se também do deficiente enfoque das suas características e das suas ilustrações textuais paradigmáticas (o Só de António Nobre, na lírica, e Os Meus Amores, de Trindade Coelho, na narrativa) fora das correlações reactivas com o Decadentismo e o Simbolismo, na dinâmica hegemónica do período e na estruturação global daquelas obras exemplares. Mesmo quando surgira, através de Augusto da Costa Dias, uma alteração qualitativa no estudo desses paladinos do Neo­Romantismo lusitanista, a proficiente consideração do «Nacionalismo literário» da Geração de 90 como manifestação artística da Crise da Consciência Pequeno-Burguesa viu a sua pertinência interpretativa afectada pelas injunções de um modelo de análise ideológica que se revelava ora unilateral (para Alberto de Oliveira), ora desajustado (para Trindade Coelho), ora nocivo à evidenciação da excelência poética (para António Nobre).

Desde então defendi, em passos de vários trabalhos, que a visão histórica e crítica do fim-de-século deveria actualizar-se pela compreensão da confluência sistémica das suas várias propostas neo-românticas (apesar das diferenciações nominais e circunstanciais) e pela compreensão de que, nessa confluência, elas emparelhavam (mas em dissidência compensatória) com os esteticismos decadentista e simbolista na oposição à modernidade científica, técnica e sociológica oriunda do Iluminismo: enquanto Deca­dentismo e Simbolismo se lançavam nesse litígio em nome do dissídio baudelairiano entre tal modernidade e a autotélica modernidade artística, aquelas tendências neo-românticas moviam-lhe oposição pelas peculiares motivações do seu heterotelismo afectivo, moralizante e nacionalizante (a caminho do seu desenvolvimento e do seu papel hegemónico no primeiro quartel do século XX).

Julgo já ter dado, entretanto, algumas contribuições ensaísticas para um renovador estudo do surto finissecular de tendências neo-românticas lusitanistas. Mas tenho mantido inédito o texto de uma englobante conferência que lhe dediquei em Viseu, no quadro da minha respon­sabilização pelo ensino da Literatura Portuguesa no pólo local da Universidade Católica - justamente quando, em conjunção com a sábia orientação académica do saudoso Prof. Doutor Júlio Fragata, S. J., Monsenhor Celso Tavares da Silva actuava in loco como inexcedível impulsionador e figura tutelar da implantação desse pólo universitário viseense ... e encontrava ainda generosa disponibilidade para acompanhar e acalentar os meus gostos e esforços intelectuais.

É essa conferência que aqui publico, em singela homenagem à nobreza humana e à lucidez cultural de Monsenhor Celso Tavares da Silva.

1. As manifestações doutrinárias do Neo-Romantismo lusitanista são

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antecipadas pela difusão do teatro de inspiração histórica e do teatro que, com ou sem essa inspiração histórica (pense-se nas comédias de Fernando Caldeira e nos "dramas íntimos" de Schwalbach), é de exaltação sentimental e com traços retóricos, pitorescos e patrióticos que só se integram coerentemente dentro das suas coordenadas estéticas e ideológicas. Este teatro constitui, portanto, e ao contrário do que por vezes se tem deixado supor (na esteira da designação consagrada de drama histórico), mais do que uma ilustração antecipatória e desgarrada de um dos seus vectores. Constitui a sua verdadeira tradução no drama enquanto forma natural da literatura - como noutra forma natural da literatura o são narrativas de Lopes de Mendonça e de Júlio Dantas, mais tarde de D. João de Castro e Antero de Figueiredo ... e, logo, a prole romanesca de Campos Júnior.

Este Neo-Romantismo revela-se efectivamente poligenésico; e surge, durante todo o último decénio de Oitocentos, partilhado em correntes ou grupos ou tendências que, não clarificando essa sua condição de parentes de uma farrn1ia literária, se combatem (v.g., Manuel da Silva Caio contra Alberto de Oliveira), ou se disputam, ou se sobrepõem (Trindade Coelho após Palavras loucas) sob designações diferentes - neo-Iusitanismo, neo­garretismo, nacionalismo literário, novolusismo, etc. Todavia, sob todas as erupções suas se pode descobrir a mesma constelação de motivações; e desde os primórdios da erupção teatral se podem encontrar - sobretudo na obra de Silva Caio - manifestações líricas e narrativas do Neo-Romantismo lusitanista.

Mais radicado, naturalmente, no húmus da realidade portuguesa do que o Decadentismo e o Simbolismo - assim se queria doutrinariamente e assim o possibilitavam as nossas condições sociais, culturais e literárias -, o Neo-Romantismo lusitanista aparece mais desprendido de correlações com os seus equivalentes estrangeiros; e, ao contrário do que acontece com os pátrios Decadentismo e Simbolismo, a sua difusão precede a dos movimentos gauleses correspondentes.

Na década de 90, o Neo-Romantismo lusitanista deflagra, quer teoricamente (com destaque para as Palavras loucas de Alberto de Oliveira), quer liricamente como faceta secundária ou fase esporádica de obras predominantemente decadentistas (Só de António Nobre, O Morgadinho de D. João de Castro, Saudades e O jardim da M01le de Júlio Brandão, Náufrago e O Poeta Saudade de Afonso Lopes Vieira, Partindo da Terra de Antero de Figueiredo, etc.). Enquanto tal, responde à crise de espírito e de sensibilidade decadentista e começa por evidenciar o vector ruralista; daí, via casticismo e tradicionalismo, assume quer os caracteres ligados a uma diferente reacção mental anti-positivista, quer os postulados e as consequências da defesa do génio autóctone e do popu­larismo estético.

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