versão final artigo linguagem e interação 2015

19
Congresso Internacional Linguagem e Interação 3 São Leopoldo, 2015 A REFERENCIAÇÃO E A INFERENCIAÇÃO EM ATIVIDADES DE PRODUÇÃO E COMPREENSÃO TEXTUAL NO ENSINO TÉCNICO Alinne Santana Ferreira 1 [email protected] Resumo: Este artigo discutirá os resultados prévios da pesquisa-piloto do doutorado em Linguística realizada em aula do componente curricular Leitura e Produção de Textos numa turma de primeiro módulo do curso de técnico em secretariado, oferecido pelo Instituto Federal de Brasília (IFB). Esta pesquisa é balizada pela Sociolinguística Interacional, por conceber a linguagem em sua natureza social (GOFFMAN, 1964), e apresenta teorias que discutem a construção das referências e inferências na perspectiva sociocognitivista (VYGOSTSKY, 1978; MARCUSCHI, 2001; MORATO, 1996 e 2003 TOMASELLO, 2003) por perceber a questão referencial e inferencial como etnográfica e interacionista. Para compreender como se estabelece o processo de negociação dos sentidos dos textos entre professora- pesquisadora e alunos, discutirei acerca das pistas de contextualização (GUMPERZ, 1982), da construção de andaimes (BRUNER, 1983; BORTONI-RICARDO, 2003) e da zona de desenvolvimento proximal (VYGOSTSKY, 1978). Defenderei que o trabalho com atividades de leitura e compreensão textual são fundamentais para o alcance do letramento social, sob o viés ideológico, como instrumento de transformação social dos alunos (STREET, 2006). Os dados gravados e analisados partiram de uma pesquisa-ação. Os resultados parciais indicam que os processos de internalização conduzem a construção de referências e inferências, e isso permite a construção de sentidos no texto por meio da consciência do sentido das coisas fornecida pelas experiências sociais e culturais dos estudantes. Palavras-chave: Referenciação. Inferenciação. Sociocognição. 1 Contextualização da pesquisa 1 Docente efetiva do Instituto Federal de Brasília - IFB/Cursa doutorado em Linguística na Universidade de Brasília no PPGL/UnB na linha de pesquisa: Língua, Interação Sociocultural e Letramento. 4

Upload: alinne-santana

Post on 08-Sep-2015

232 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Versão Final Artigo Linguagem e Interação 2015

TRANSCRIPT

Congresso Internacional Linguagem e Interao 3So Leopoldo, 2015

Congresso Internacional Linguagem e Interao 3So Leopoldo, 2015

Titulo do trabalhoNome dos autores por extenso

4

71

Revista Entrelinhas Vol. 5, n. 1 (jan/jun. 2011)A REFERENCIAO E A INFERENCIAO EM ATIVIDADES DE PRODUO E COMPREENSO TEXTUAL NO ENSINO TCNICOAlinne Santana Ferreira[footnoteRef:1] [1: Docente efetiva do Instituto Federal de Braslia - IFB/Cursa doutorado em Lingustica na Universidade de Braslia no PPGL/UnB na linha de pesquisa: Lngua, Interao Sociocultural e Letramento.]

[email protected]

Resumo: Este artigo discutir os resultados prvios da pesquisa-piloto do doutorado em Lingustica realizada em aula do componente curricular Leitura e Produo de Textos numa turma de primeiro mdulo do curso de tcnico em secretariado, oferecido pelo Instituto Federal de Braslia (IFB). Esta pesquisa balizada pela Sociolingustica Interacional, por conceber a linguagem em sua natureza social (GOFFMAN, 1964), e apresenta teorias que discutem a construo das referncias e inferncias na perspectiva sociocognitivista (VYGOSTSKY, 1978; MARCUSCHI, 2001; MORATO, 1996 e 2003 TOMASELLO, 2003) por perceber a questo referencial e inferencial como etnogrfica e interacionista. Para compreender como se estabelece o processo de negociao dos sentidos dos textos entre professora-pesquisadora e alunos, discutirei acerca das pistas de contextualizao (GUMPERZ, 1982), da construo de andaimes (BRUNER, 1983; BORTONI-RICARDO, 2003) e da zona de desenvolvimento proximal (VYGOSTSKY, 1978). Defenderei que o trabalho com atividades de leitura e compreenso textual so fundamentais para o alcance do letramento social, sob o vis ideolgico, como instrumento de transformao social dos alunos (STREET, 2006). Os dados gravados e analisados partiram de uma pesquisa-ao. Os resultados parciais indicam que os processos de internalizao conduzem a construo de referncias e inferncias, e isso permite a construo de sentidos no texto por meio da conscincia do sentido das coisas fornecida pelas experincias sociais e culturais dos estudantes. Palavras-chave: Referenciao. Inferenciao. Sociocognio.

1 Contextualizao da pesquisa Este trabalho ir apresentar a anlise prvia de dados da pesquisa de doutorado vinculada ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica da Universidade de Braslia. Esses dados se referem pesquisa-piloto em que foi gravada uma aula na turma de primeiro mdulo do curso Tcnico em Secretariado em um dos 10 campi do Instituto Federal de Braslia.O curso de Tcnico em Secretariado possui entrada semestral com durao de trs semestres letivos. Dentre os componentes curriculares do curso, as disciplinas de Lngua Portuguesa comtemplam habilidades de leitura e escrita de diversos gneros textuais no primeiro mdulo e, no segundo e terceiro mdulos, so apresentados gneros textuais referentes prtica profissional de um(a) secretrio(a) (carta comercial, ofcio, memorando, ata, e-mail, etc). A escolha de pesquisar como ocorrem os processos de construo do sentido do texto em turmas do primeiro mdulo se deu por ser este o momento no qual os alunos comeam a se familiarizar com os diversos gneros textuais e, principalmente, com gneros escritos.Como a entrada para os cursos tcnicos ocorre por sorteio e no por processo seletivo, como nos demais institutos federais do pas, as turmas dos cursos tcnicos so bastante mistas. Possuem alunos que terminaram o ensino mdio h pouco tempo, alguns que j fazem ou fizeram uma graduao, outros que terminaram seus estudos por meio da EJA (Educao de Jovens e Adultos), ou at mesmo estudantes que esto distantes da educao formal h muitos anos. preciso considerar que muitos desses alunos no possuem contato com gneros textuais escritos, e o processo de leitura/compreenso do texto se torna uma grande dificuldade para esses estudantes e um grande desafio para os professores. Por essa razo, os professores de Lngua Portuguesa desse campus produzem materiais didticos voltados para a leitura e compreenso de alguns gneros textuais, tais como tirinhas, charges, artigos jornalsticos, documentrios, anncios publicitrios, msicas gneros textuais mais abordados nesses materiais didticos.Em todos os materiais h uma preocupao com a leitura do texto, com a compreenso de seus principais aspectos e com a produo de pargrafos nos quais os estudantes externam a compreenso dos textos. Sempre, ao final de cada etapa, ocorre a produo de algum gnero textual como resenha de filme, resumo, dissertao, carta ao leitor, dentre outros.Este recorte da pesquisa de doutoramento analisar excertos de uma aula que fazia parte do projeto Mdia e Consumismo, desenvolvido por alguns professores de portugus em parceria com a docente do componente curricular Sociedade e Meio Ambiente. Como se trata de pesquisa-ao, coloco-me como a professora-pesquisadora que no somente observa, como na etnografia tradicional, mas participa com intuito de promover mudanas no contexto pesquisado. (BORTONI-RICARDO, 2008; BARBIER, 2007; ESTEBAN, 2010) Apresentei dez textos publicitrios em encontro anterior e propus que as alunas trabalhassem em duplas ou trios para analisarem um desses textos. Elas fizeram a leitura e apresentaram o que haviam compreendido na aula seguinte, que foi gravada e ter dois momentos analisados neste artigo. Foram gravadas, ao todo, duas horas/aula, que correspondem ao total de uma hora, seis minutos e trinta e trs segundos de gravao.2 A compreenso do texto: alm da leituraAtividades de leitura e de compreenso do texto fazem parte das aulas de portugus, especialmente, aps a dcada de 80 com o advento da lingustica textual no Brasil. No entanto, as prticas de leitura em sala de aula concebiam o texto na perspectiva gramatical, importando-se com questes de ordem fonolgica, morfolgica, sinttica e semntica. A partir da dcada de 90, os estudos da lingustica textual voltaram-se para uma abordagem sociocognitivista por meio do estudo da referenciao numa abordagem muito mais interacionista, que concebe as questes sociais de produo do texto, incluindo a concepo de construo social dos gneros textuais. Assim, afirma Kock (2001, p. 17) que: Os textos no so apenas meios de representao e armazenamento (arquivos) de conhecimento portanto, no so apenas realizaes lingusticas de conceitos, estruturas e processos cognitivos mas sim formas bsicas de constituio individual e social do conhecimento, ou seja, textos so lingustica, conceitual e perceptualmente formas de cognio social. (Koch, 2001, p.17)

Infelizmente essa percepo de texto como forma de cognio social ainda no faz parte da crena de uma parcela de professores de portugus que atuam nas sries finais do ensino fundamental, no ensino mdio e na educao de jovens e adultos por diversos motivos que englobam questes referentes formao do professor de lngua materna. Desse modo, o texto passa, na maioria das vezes, a ser usado unicamente como recurso para ensinar a nomenclatura gramatical. Assim, os estudantes que procuram os cursos profissionais como forma de acenderem socialmente, por meio da profissionalizao, no possuem habilidades de leitura que contemplem a compreenso do texto alm da decodificao de fonemas, morfemas e sintagmas.Portanto, as habilidades profissionais exigidas para o curso de secretariado pressupem fluncia na leitura de diversos gneros textuais que circularo no contexto escolar e profissional.2.1 Referncia e Inferncia: da mente para o coletivo Para iniciar essa discusso, preciso apresentar o conceito das pistas de contextualizao e a importncia delas para ativar a reflexo do texto pelos alunos. Consoante Gumperz (2002, p. 08), elas constituem pistas lingusticas, verbalizadas ou no, que levam os falantes a negociarem significaes durante a interao. Esse conceito parte das premissas que:(a) uma interpretao sempre depender do contexto em que os atos de fala ocorrem e (b) os pressupostos contextuais moldam a interpretao dos interagentes.Desse modo, os estudos sociointeracionais focam-se no discurso dos interagentes e nos sentidos que vo sendo construdos ao longo da interao. So nas prticas discursivas que as categorias so definidas e estabilizadas, ou seja, a referenciao ocorre em um processo dinmico que inclui tambm o processo interacional entre os falantes. (LIMA E FELTES, 2013, p. 32).Marcuschi (2001, p.38) afirma que a atividade de referenciao est atrelada atividade de interao face a face, tanto nas produes orais como nas escritas:(...) a referncia, na relao face a face, muito menos uma determinao lingustica e muito mais uma ao conjunta num processo interativo com atividades inferenciais realizadas na enunciao, sem esquecer que a cognio situada exerce um papel central. Disse na relao face a face, mas poderia certamente admitir qualquer tipo de enunciao, tanto escrita como falada. Em suma, parece que a determinao referencial prev um processo de arbitragem interativamente controlado. (MARCUSCHI, 2001, p. 38)

Assim, a referenciao se constri na ao interativamente controlada (MARCUSCHI, 2001, p.38), sendo ela uma atividade colaborativa, e no uma simples conveno lingustica. (MARCUSCHI, 2001, p.37)O texto produzido numa arena interativa que abarca crenas, cultura, lngua, contextos situacionais e outros aspectos que ajudam a construir o conhecimento compartilhado. (MARCUSCHI, 2001, p.43)Os processos de referenciao e de inferenciao, alm de serem um construto mental, so, primordialmente, de mbito cultural e social, construdos pelo processo de cognio social e cultural. Nesse sentido, Tomasello (2003, p. 126) defende a capacidade e tendncia de cada ser humano de se identificar com outros seres humanos. Para esse autor, essa a capacidade sociocognitiva fundamental que sustenta a cultura humana. Por isso, quando um ser humano est aprendendo atravs do outro, ele se identifica com esse outro e com seus estados intencionais e s vezes mentais. (TOMASELLO, 2003, p.08)O processo de interao em sala de aula, em momentos de compartilhamento de crenas e experincias para compreenso do texto, , portanto, motor da transformao qualitativa na cognio humana (MORATO, 2002, p. 89). Isso torna a linguagem o meio principal de mediao da atividade cognitiva. (MORATO, 2002, p.92)Portanto, a compreenso do texto construda a partir da interao sociocultural entre professora e alunos. nesse momento que os interagentes se reconhecerem e constroem, de maneira colaborativa, os sentidos que permeiam o texto.A referenciao, antes vista como questo semntico-filosfica, regida, at ento, por questes de vericondicionalidade arraigadas lngua como estrutura, precisa ser tratada hoje como atividade discursiva e colaborativa, pois construda pela cognio socialmente construda e interativamente negociada nas aes sociais. (KOCH, 2012, p.130 e MARCUSCHI, 2001, p. 42)Marcuschi (2008, p. 248) apresenta e defende o paradigma de que compreender inferir. As inferncias, para ele, lidam com os aspectos de compreenso de texto, que no podem ser relacionados to somente aos aspectos lingusticos. Aspectos antropolgicos, psicolgicos e factuais fazem parte do processo to complexo que envolve a compreenso do texto. (MARCUSCHI, 2008, p. 249).

As inferncias so, pois, processos cognitivos nos quais os falantes ou os ouvintes, partindo da informao textual e considerando o respectivo contexto, constroem uma nova representao semntica. [...] As inferncias introduzem informaes por vezes mais salientes que as do prprio texto. (MARCUSCHI, 2008, p.249)

As inferncias, portanto, tm bases lgicas, semnticas, pragmticas e cognitivas. Por isso, o sentido resultado da explicitao de inferncias discursivamente produzidas, e, para que um enunciado possa ser entendido por mais de um indivduo, ele deve permitir projeo de sentidos. (MARCUSCHI, 2007, p. 88)O recorte dos dados que sero analisados neste trabalho demonstram, como analisarei mais adiante, que as inferncias so realizadas de duas maneiras: primeiramente pelas referncias construdas internamente, baseadas nas prticas culturais do estudante, a partir dos backgrounds; j a segunda realizao diz respeito interao face a face em sala de aula.Isso posiciona este trabalho numa perspectiva discursiva e cognitiva em vez de somente cognitiva, pois reconhece a cena comunicativa como condio fundadora dos processos interpretativos (SALOMO, 2005, p. 157). Ou seja, os estudantes constroem suas referencias por meio dos espaos mentais (FAUCONNIER, 1994) somados interao sociocultural.3 Discusso dos dados da pesquisa-pilotoApresentarei, a seguir, alguns excertos das interaes referentes construo de sentidos de 03 textos publicitrios. O primeiro texto publicitrio trata de uma campanha de arrecadao de agasalhos.

Figura 01

Disponvel em: http://www.firemulticom.com.br/blog/wp-content/uploads/2009/08/campanha-do-agasalho-2009.jpg

Durante a discusso dessa figura, as alunas que a analisaram realizaram inferncias voltadas para o reconhecimento de uma pizza na imagem, todavia, no perceberam que a pizza era constituda de croch e tambm no relacionaram o texto verbal com o texto no verbal. Podemos confirmar isso com o excerto que segue:

01ALUNA 1: Bom, ns observamos que tambm, por algumas coisas a, na imagem, mas no levando em

02 considerao somente isso, a gente viu como uma, como pessoas n, que tm muito poder aquisitivo,

03que s vezes na hora de doar eles no doam tudo o que podem, s vezes, doam a mnima parte ou ento

04s vezes pegam aquilo que eles tm e simplesmente descartam, n. No dividem.

05PROFESSORA: Por que vocs pensaram exatamente pessoas de alto poder aquisitivo?

06ALUNA 1: Porque na pizza, ela t bem incrementada, n. Ah, ento, o modelo dela mostra assim que

07 seria uma coisa, digamos, cara no nosso ponto de vista.

08PROFESSORA: (...) Observe quanto colorido, n, e qual a primeira impresso, exceto o grupo, que

09olhou com mais detalhes, qual a primeira impresso que vocs tiveram quando eu coloquei o slide?

10ALUNA 1: T colorido, n?

11PROFESSORA: () colorido, mas...

12ALUNA 1: um croch?

13PROFESSORA: , um croch. Voc pensou que era o qu? A pizza mesmo, a prpria pizza?

14ALUNA 1: um croch?

15ALUNA 2: Eu pensei que era tambm.

16PROFESSORA: Voc pensou que era o que, a pizza mesmo, a prpria pizza?

17ALUNOS 2: No, no um croch.

/.../

18PROFESSORA: um croch, de pizza. um croch representando... Vocs pensaram o qu? (...)

19ALUNA 3: Eu pensei que era uma (torta) diferente, desenhada.

20PROFESSORA: () Tambm faz sentido porque, aquelas tortas, n, tem as tortas, eh, redondas, n,

21 recheios, bem (). Bom, o que est escrito aqui? Agora eu quero que vocs entendam. Eu vou ler pra

22 vocs: Passar frio to duro quanto ter fome. Doe agasalhos. (...) Ah, ah, ah! Agora de novo, algumas

23 pessoas falaram que foi feita de croch, mas a gente tambm pode interpretar isso aqui como um croch, mas o croch de que material?

24ALUNOS: De l.

25PROFESSORA: De l. Por qu? Porque a l um... representa o agasalho, n. uma forma prtica, boa,

26 n, de representar o agasalho.

27ALUNA 1: Doe um pedacinho...

28PROFESSORA: Doe um pedacinho que voc tem, ou seja, doe um agasalho. ... uma mensagem que

29 voc tem que parar e refletir porque seno voc vai pensar que uma campanha pra doar comida, mas

30 nesse caso no pra doar comida, pra doar agasalhos.

As trs alunas encarregadas de apresentar turma o que haviam compreendido do texto publicitrio, a princpio, construram inferncias voltadas ao significado mais usual dado pela imagem da pizza. Inferiram que este alimento era consumido pelas pessoas com melhores condies sociais, pois considerado caro, consoante o ponto de vista do trio (linhas 01-07). Alm disso, relataram que a imagem podia ser tambm uma torta. (linha 19).As alunas ativeram-se, primeiramente, linguagem no-verbal do gnero textual publicitrio e no externaram nada a respeito do que estava escrito no cartaz publicitrio. Sendo assim, li o que estava escrito no cartaz publicitrio em Letras pequenas: Passar frio to duro quanto ter fome. Doe agasalhos (linha 22). O pedido imperativo no ltimo perodo somado segunda pista de contextualizao fornecida, quando indago a turma acerca do material que o croch havia sido confeccionado (linhas 23-26), leva-as a perceberem que a pizza dividida significava frao, que condiz com a proposta da campanha publicitria de convencer os interlocutores a doarem agasalhos.H, nesse contexto, o fornecimento de pistas de contextualizao, que se encontram na superfcie da mensagem e devem estar situadas no contexto da interao. Elas servem como recurso de sinalizao dos pressupostos contextuais. Tais sinais podem ter uma srie de realizaes lingusticas dependendo do repertrio lingustico dos participantes. (GUMPERZ, 1982, p. 131) As pistas que forneci s alunas as ajudaram a criar novos referenciais esses construdos, nesse momento, por meio da interao face a face em sala de aula, que as levaram a fazer inferncias mais prximas aos objetivos do texto publicitrio em questo. O segundo texto publicitrio que ser analisado refere-se famosa marca de usque Teachers, com slogan: Chega de dar dor de cabea a seu pai. D Teachers.

Figura 02

Disponvel em: http://ccsp.com.br/imagecache/_img/full/anuarios/15/960x720_1166.jpg

Esse texto gerou muita discusso, pois as primeiras inferncias realizadas pelas alunas 1 e 2, responsveis pela apresentao desse anncio, no condiziam com a proposta da campanha publicitria. Isso ser demostrado no excerto que segue.

01ALUNA 1: Bom, ai ta falando ai que invs do filho .. () dar dor de cabea, dar trabalho pro pai dele, deve

02dar um usque desse ai, o.

03PROFESSORA: Chega de dar dor de cabea para o seu pai

/.../

04PROFESSORA: Chega de dar dor de cabea para seu pai. Eh, vocs entenderam que ento... deixa-me

05ver se e... se e mais ou menos isso que a DN falou. Em vez de dar dor de cabea, dor de cabea, no

060708

09sentido de trabalho, de Teachers, que e a marca do usque. E ai? Existe outra forma, outras formas de a gente tambem, eh, eh... essa e uma forma, uma forma vivel, realmente de compreender, mas existem

outras formas, outra forma de entender.

/.../

ALUNA 2: Eu pensei () dor de cabea, dor do trabalho, dor de cabea e dor ()

10ALUNA 3: Pode dar dor de cabea (), no... bebida alcolica.

11PROFESSORA: Ah sim, mas essa propaganda aqui ela e uma propaganda que e pra vender o usque.

12ALUNA 3: Sim, e, eu entendi ()

/.../

13ALUNA 4: Eu tambm entendi assim, que essa marca era melhor do que as outras.

14PROFESSORA: Ento a R e a J entenderam que as outras marcas de usque do dor de cabea e

15Teachers e uma marca que no da. /.../ Ento, existem essas duas formas de a gente pensar, tanto no

16sentido de dar dor de cabea, trabalho... Ai, esse filho me da dor de cabea. ((exemplificando))

/.../

17ALUNA 3: Acaba viciado, alcolatras.

18PROFESSORA: E ai a outra acepo que e a que a J e a R colocaram de que usque de m

19qualidade da dor de cabea, ou seja, no de dor de cabea, no de outros usques. De Teachers. Que e a

20marca, a melhor marca. Ento, e uma propaganda de vender o produto mas que, ne, e um anncio

21publicitrio que traz essas duas formas de leitura e no existe uma forma certa ou errada, o objetivo

22e conjugar essas duas formas de leitura. A dor de cabea do trabalho e a dor de cabea da ressaca, tomar

23uma bebida alcolica de baixa qualidade.

Mais uma vez, foi necessrio fornecer pistas lingusticas para que as alunas compreendessem que o sentido do termo dor de cabea, naquele contexto, estava relacionada ingesto de bebida de m qualidade. Nesse sentido, consumir a marca de usque Teacher`s representava a possibilidade de o filho dar essa marca de bebida de presente ao seu pai, objetivo maior do texto pubicitrio. Por isso, entre as linhas 13 e 23 do excerto acima, so fornecidas pistas lingusticas que levassem as alunas 1 e 2 a compreenderem o sentido do texto publicitrio. Durante esse momento da interao, as alunas 3 e 4 fazem a inferncia condizente com o objetivo do anncio e, assim, colaboram com a construo coletiva de inferncias. E, para fechar, (linhas 20-23), fiz o arremate da discusso, no excluindo as primeiras inferncias realizadas, mas atentando as alunas para o reconhecimento do texto como anncio publicitrio que objetiva convencer os sujeitos a comprarem o produto.Acerca desse excerto analisado, convm ressaltar que a construo das inferncias um processo que muito contribui com o letramento das alunas. Por isso, durante atividades de leitura, o professor no deve contrapor os alunos com o sentido considerado, para ele, o correto. O foco desta pesquisa e construir proposta didtica que auxilie professores no apenas de Lngua Portuguesa, como tambm das diversas reas do conhecimento, a construrem coletivamente as inferncias durante essas atividades. Por isso, mesmo que as referncias dos estudantes no correspondam s esperadas pelo docente, faz-se necessria a construo coletiva de andaimes, que levem os alunos a perceberem as diversas possibilidades de sentido dos textos estudados em sala de aula.Defendo a proposta da construo de andaimes na interao face a face. Esse termo foi cunhado pelo psiclogo Jerome Bruner, em 1983 (originalmente, scaffolding) e muito divulgado e estudado por Bortoni-Ricardo (2003). Prope-se que o sujeito mais experiente conduza o menos experientes fornecendo degraus (andaimes) com vistas consolidao do saber. Soma-se essas concepes, o conceito de zona de desenvolvimento proximal ZDP, exposto por Vygotsky (1978, p. 86): a distncia entre o nvel de desenvolvimento real determinado pela resoluo de problemas de modo independente e o nvel de desenvolvimento potencial, determinado pela resoluo de problemas sob a orientao de adultos ou em colaborao com pares mais capazes. (VYGOTSKY, 1978, p.86)

Assim, o desenvolvimento consiste num processo do uso das ferramentas intelectuais somadas interao cultural com interagentes mais experientes no uso dessas ferramentas. (FINO, 2011, p. 277 ) por meio da linguagem que ocorre a resoluo coletiva de problema por meio da orientao do interagente mais experiente, que, no contexto de sala de aula, pode ser o professor ou um colega, conforme ocorreu nas interaes descritas acerca da construo de sentidos relacionados aos textos publicitrios (figuras 01 e 02).4 Consideraes FinaisOs excertos analisados serviram para demonstrar como as inferncias so construdas no processo interacional por meio do processamento das pistas de contextualizao e como a construo coletiva do conhecimento na interao em sala de aula faz a compreenso do texto ser muito mais abrangente.O reconhecimento e estudo das teorias das pistas de contextualizao, da construo de andaimes e da zona de desenvolvimento proximal propostas, respectivamente, por Gumperz (1982), Bruner (1983) e Vygotsky (1978) validam a afirmao de que por meio da interao sociocultural que as atividades de leitura se tornam mais dinmicas e levam os alunos menos experientes a vivenciarem momentos de aprendizagem do texto, levando-os ao letramento social (STREET, 2006) e fazendo-os sujeitos mais independentes e crticos, pois conseguem ampliar suas perspectivas ao entrarem em contato com as diversas possibilidades que um texto fornece a eles.Street (2006, p. 470-471) entende os letramentos como lugares de negociao e de transformao. (...) Negociao das posies sociais atribudas a um grupo de pessoas com identidades marginalizadas. Essa concepo de letramento deve ser aplicada realidade desta pesquisa-piloto por contribuir para o agenciamento dos estudantes, tornando-os mais conscientes e crticos por meio da compreenso e reflexo crtica dos discursos disseminados pelos textos.Como resultado parcial desta pesquisa prvia, pode-se afirmar que as referncias culturais, sociais e ideolgicas auxiliam na construo de inferncias. As alunas possuam referncias que no abarcavam todas as possibilidades de sentido contidas nos dois textos e, por isso, construram inferncias que no comtemplavam o entendimento completo deles. Porm, a ampliao dessas referncias por meio do compartilhamento de ideias entre as alunas somadas ao fornecimentos de pistas, ampliaram a compreenso do texto.Por fim, os dados apresentados neste trabalho apenas fornecem reflexo prvia sobre a construo de referncias e inferncias nas prticas de leitura e de compreenso dos gneros textuais. Os estudos posteriores podero reforar e ampliar o resultado apresentado, alm de detalhar uma proposta concreta para o trabalho com a compreenso de textos em turmas de primeiro mdulo dos cursos tcnicos.

RefernciasBARBIER, R. A pesquisa-ao. Traduo Lucie Didio. Braslia: Liber Livro Editora, 2007.

BORTONI-RICARDO, S. M. Processos interativos em sala de aula e a pedagogiaculturalmente sensvel. Polifonia, 07: 119-136, 2003.

______. O Professor Pesquisador: introduo pesquisa qualitativa. So Paulo: Parbola, 2008.

BRUNER, J. Childs Talk: learning to use language. New York: Norton, 1983.

ESTEBAN, M. P. S. Pesquisa Qualitativa em educao. Porto Alegre: Artmed, 2010.

FAUCONNIER, G. Mental Species. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

FINO, C. N. Vygotsky e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP): trs implicaes pedaggicas. In: Revista Portuguesa de Educao, vol. 14, nmero 02, pp. 273-291. Disponvel em: http://www3.uma.pt/carlosfino/publicacoes/11.pdf , acesso em: 30 mar. 2015.

GUMPERZ, J. J. Discourse strategies. Cambridge: Cambridge University Press. 1982.______. Convenes de contextualizao. Trad. Jos Luiz MEURER, & Viviane Heberle. In: RIBEIRO, B & GARCEZ, P (orgs.). Sociolingustica Interacional. So Paulo: Loyola, 2002.Koch, I. G. V. Lingustica textual: quo vadis? D.E.L.T.A., 17:especial, 2001 (11-23).

______. Flagrantes da Construo Interacional dos Sentidos. In: BRAIT, B e SOUSA-e-SILVA, M. C. Texto ou discurso? So Paulo: Contexto, 2012. P. 129-143.

LIMA, S.M. C. e FELTES, H. P. de M.. A Construo de referentes no texto/discurso: um processo de mltiplas ncoras. In: CAVALCANTE, M.M. e LIMA, S. M. C. (Orgs). Referenciao: teoria e Prtica. So Paulo: Cortez, 2013.

MARCUSCHI, L. A. Atos de Referenciao na Interao Face a Face. Cad.Est.Ling., Campinas, (41):37-54, Jul./Dez. 2001.

______. Atividades de referenciao, inferenciao e categorizao na produo de sentido. In: MARCUSCHI, L. A. Cognio, linguagem e prticas interacionais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.

______. Produo textual, anlise de gneros e compreenso. So Paulo: Parbola, 2008.

MORATO, E. Linguagem e Cognio. So Paulo: Plexus Editora, 2002.

SALOMO, M. M. Razo, Realismo e Verdade: o que nos ensina o estudo sociocognitivo da referncia. In: KOCH, I. V; MORATO, E. M e BENTES, A. C. Referenciao e Discurso. So Paulo: Contexto, 2005, p.p 152-168.

STREET, B. Perspectivas Interculturais sobre o Letramento. In: Filologia, linguistic. Port., n 08, 2006, p. 465-488. Disponvel em: http://dlcv.fflch.usp.br/sites/dlcv.fflch.usp.br/files/Street.pdf , acesso em 14 de dez. de 2013.

TOMASELLO, M. Origens Culturais da Aquisio do Conhecimento Humano. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

VYGOTSKY, L. S. Mind in society: the development of higher phychological processes. Cambrige MA: Harvard University Press.

5