verdade e liberdade

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1 VERDADE E LIBERDADE. SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE (Martin Heidegger) Apostila de Hermógenes Harada, 1970 (SEMINÁRIO: 2º SEMESTRE, 1970) SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE 1ª Reunião: em vez de uma apresentação Carl-Friedrich von Weizsäcker é o iniciador de Max-Planck-Instituto para investigação das condições de vida do mundo técnico científico. Conta entre os maiores cientistas atuais que, como experto na moderna física teorética e filosófica ao mesmo tempo, procura mostrar o condicionamento antropológico- filosófico do modo de ser humano chamado ciências; tenta conscientizar o mundo científico contemporâneo da necessidade de sentir a responsabilidade humano- ética nesse nosso século de energia atômica. Weizsäcker é um cientista de avantaguarda que sente e pensa hodiernamente e vê na ciência e técnica contemporâneas a decisão, a chance, o risco, a tentação de ser-homem de uma forma nova, cheia de responsabilidade, perigos e promessas. Enquanto tal, tem muita afinidade com Heidegger. Em vez de amontoar datas sobre a vida de Heidegger, talvez seja mais interessante para nós, ouvir o testemunho de Weizsäcker, que em poucas palavras traçam o perfil espiritual de Heidegger. Quanto a dados biográficos de Heidegger, peço que cada qual procure se informar como puder nas enciclopédias, nas orelhas dos livros de Heidegger etc. O importante para você é que tenha simpatia por um autor e a partir dessa simpatia procure aos poucos conhecê-lo, cada vez melhor, como quando procuramos conhecer um amigo nos detalhes da sua vida. Testemunho de Weizsäcker sobre Heidegger, feito numa entrevista na televisão alemã, aos 24 de setembro de 1969. Hoje, tenho a tarefa de dizer em duas palavras algo sobre Heidegger. No entanto, justamente a Filosofia de Heidegger nos esclarece que não é possível esclarecer em 4 minutos a Filosofia de Heidegger. Por isso, gostaria tão-somente de testemunhar que, segundo a minha opinião, Heidegger é o filósofo mais importante do século XX, talvez o filósofo do século XX. Quem sabe contribua para a compreensão se eu descrever como fiquei conhecendo Heidegger. Foi assim. Naquele tempo, eu era um jovem físico, aluno de Werner Heisenberg. Alguém teve a seguinte idéia e a sugeriu a Heidegger: Heidegger convidaria Heisenberg, juntamente com o meu tio médico Viktor von Weizsäcker (célebre professor de medicina). Assim, poder-se-ia criar um contacto entre Heisenberg e Weizsäcker e provocar um diálogo sobre o problema de relacionamento entre a Medicina (como o meu tio a concebia) e a Física (como Heisenberg a compreendia). Diálogo, portanto, sobre a

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Anotações de Frei Hermógenes Harada para o Seminário "Sobre a Essência da Verdade", realizado no 2º semestre de 1970.

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    VERDADE E LIBERDADE. SOBRE A ESSNCIA DA VERDADE (Martin Heidegger)

    Apostila de Hermgenes Harada, 1970 (SEMINRIO: 2 SEMESTRE, 1970)

    SOBRE A ESSNCIA DA VERDADE

    1 Reunio: em vez de uma apresentao

    Carl-Friedrich von Weizscker o iniciador de Max-Planck-Instituto para investigao das condies de vida do mundo tcnico cientfico. Conta entre os maiores cientistas atuais que, como experto na moderna fsica teortica e filosfica ao mesmo tempo, procura mostrar o condicionamento antropolgico-filosfico do modo de ser humano chamado cincias; tenta conscientizar o mundo cientfico contemporneo da necessidade de sentir a responsabilidade humano-tica nesse nosso sculo de energia atmica.

    Weizscker um cientista de avantaguarda que sente e pensa hodiernamente e v na cincia e tcnica contemporneas a deciso, a chance, o risco, a tentao de ser-homem de uma forma nova, cheia de responsabilidade, perigos e promessas. Enquanto tal, tem muita afinidade com Heidegger.

    Em vez de amontoar datas sobre a vida de Heidegger, talvez seja mais interessante para ns, ouvir o testemunho de Weizscker, que em poucas palavras traam o perfil espiritual de Heidegger. Quanto a dados biogrficos de Heidegger, peo que cada qual procure se informar como puder nas enciclopdias, nas orelhas dos livros de Heidegger etc.

    O importante para voc que tenha simpatia por um autor e a partir dessa simpatia procure aos poucos conhec-lo, cada vez melhor, como quando procuramos conhecer um amigo nos detalhes da sua vida.

    Testemunho de Weizscker sobre Heidegger, feito numa entrevista na televiso alem, aos 24 de setembro de 1969.

    Hoje, tenho a tarefa de dizer em duas palavras algo sobre Heidegger. No entanto, justamente a Filosofia de Heidegger nos esclarece que no possvel esclarecer em 4 minutos a Filosofia de Heidegger. Por isso, gostaria to-somente de testemunhar que, segundo a minha opinio, Heidegger o filsofo mais importante do sculo XX, talvez o filsofo do sculo XX.

    Quem sabe contribua para a compreenso se eu descrever como fiquei conhecendo Heidegger. Foi assim. Naquele tempo, eu era um jovem fsico, aluno de Werner Heisenberg. Algum teve a seguinte idia e a sugeriu a Heidegger: Heidegger convidaria Heisenberg, juntamente com o meu tio mdico Viktor von Weizscker (clebre professor de medicina). Assim, poder-se-ia criar um contacto entre Heisenberg e Weizscker e provocar um dilogo sobre o problema de relacionamento entre a Medicina (como o meu tio a concebia) e a Fsica (como Heisenberg a compreendia). Dilogo, portanto, sobre a

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    pergunta, se existe um encontro entre a Medicina e a Fsica na compreenso da realidade e do homem.

    O dilogo foi realizado. E Heisenberg levou-me consigo como seu assistente. Foi no ano de 1953 na pequena cabana de Heidegger em Todtnauberg, na Floresta Negra.

    Ns estvamos sentados num pequeno quarto, ao redor de uma mesa estreita. Heidegger ocupava uma das extremidades da mesa. Ao seu lado, um contra o outro, Heisenberg e Weizscker.

    Estes comearam pois a falar um com o outro. Falaram muito excitados, durante talvez uma hora. Discutiram e tambm brigaram. E finalmente se engalfinharam de tal sorte na mtua oposio que j no se entendiam mais.

    Foi somente ento que Heidegger que os auscultava atentamente se imiscuiu na discusso.

    Dirigiu-se a um dos disputantes e disse: portanto, Sr. Weizscker, se eu entendi bem, o Sr. Pensa o seguinte... E seguiram trs frases perfeitamente claras. E Weizscker: Sim, exatamente isto que eu quis dizer!

    A seguir dirigiu-se Heidegger ao outro disputante: Sr. Heisenberg, o Sr., se que o entendi certo, pensa isso assim... De novo Heidegger formulou trs frases bem precisas. E Heisenberg: Precisamente, foi isso que eu queria ter dito.

    Ento, continua Heidegger, parece-me que o relacionamento entre as posies dos senhores pudesse talvez ser o seguinte. E novamente seguiram quatro ou cinco frases. Cada um dos oponentes respondeu: Sim, talvez assim pudesse ser. Sob essa base poderemos continuar a discusso. E o dilogo continuou.

    Esta cena, o meu primeiro encontro com Heidegger, me levou a perceber que Heidegger, abstraindo-se totalmente da prpria doutrina que ele propagou nas suas escritas, capaz de auscultar e compreender o pensamento alheio, de compreender melhor do que as prprias pessoas que o pensaram.

    Diria pois: Isto um Pensador. Isto tudo que hoje gostaria de dizer sobre ele (Weizscker, 1969).

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    2 Reunio: Sobre a essncia da verdade

    Ao ler um texto, seja talvez a sua atitude a de aprender. Voc l com a inteno de ab-prender, para tirar do livro o que est ali contido: uma doutrina, um ensinamento, um conhecimento.

    Essa atitude, no entanto, no funciona com os textos de Heidegger. Pois, ali trata-se de um questionamento. Desde a primeira linha at a ltima, movimenta-se, desenvolve-se um processo, um caminho de indagao, de pergunta.

    Antes de mais nada, portanto, voc deve entrar na jogada do questionamento.

    Com outros termos, ao ler, voc deve despertar em voc a pergunta, a indagao e seguir fielmente o fio do desenvolvimento da pergunta.

    Se no tem muita facilidade de penetrao num texto, talvez porque voc no abriu na sua mente rasgos de questionamentos. Talvez tudo dependa de acordar o seu intelecto para a atitude de questionamento. preciso que voc desperte da ingenuidade.

    Abrir em si feridas de questionamento, na terminologia de Heidegger, se chama: colocar a questo. Colocar a questo significa: trabalhar um problema de tal maneira que ele se torne insuportavelmente pesado para voc, ao ponto de se transformar numa questo de sua vida.

    Ao ler o livro de Heidegger experimente ficar atento a trechos nos quais voc pode meter, fincar a unha da sua compreenso. Um texto filosfico como uma muralha lisa, macia; para escal-la voc deve descobrir nessa superfcie uma fenda, onde possa fincar uma unha.

    Para a seguinte reunio:

    1. Conseguir o texto; ler todo o texto

    2. Preparar especialmente o trecho introdutrio:

    a) entender todos os termos que ali ocorrem.

    b) entender todas as construes gramaticais que ali ocorrem.

    c) dizer de que se trata nessa introduo (por escrito).

    d) tentar responder por escrito as seguintes perguntas:

    quantos conceitos de verdade ocorrem nesse trecho?

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    quais os qualificativos que o trecho d essncia?

    que idia de Filosofia voc encontra no trecho?

    conforme o trecho, em que relao est o mundo da Filosofia e a vida cotidiana?

    qual o argumento que Heidegger aduz nesse trecho para dizer que importante o questionamento da essncia da verdade?

    1. Fazer as seguintes perguntas em particular para si mesmo:

    o que verdade para mim? Uso e abuso desse termo. Na minha vida acho que estou vivendo conforme a verdade. Preocupo-me com a verdade? Mas o que afinal a verdade? Uma palavra oca? Tem importncia uma pergunta sobre a verdade?

    uso tambm a palavra essncia. O que essncia para mim? Uma simples questo acadmica?

    Como vivo a minha vida de reflexo? Deixando-me levar pela corrente montona dos acontecimentos cotidianos? Sem reflexo? Sem procurar a essncia das coisas?

    a Filosofia trata de coisas abstratas, ao menos aparentemente. Por que ento voc estuda a Filosofia? Como erudio? Como treino para pensar? Ser que vale a pena o estudo da Filosofia? Se no vale a pena, o que vale a pena para voc? E nisso que vale a pena viver para voc, que funo exerce o que chamamos de verdade?

    experimente, pois, com todo o empenho esquentar a sua cuca, perguntando, confrontando-se, preocupando-se com a pergunta: O que a verdade para mim? Para a minha vida?

    Talvez voc ter uma resposta pronta... Talvez uma resposta que um lugar comum. Um chavo. Um slogan. Experimente ento perguntar-se: estou seriamente convencido disso ou digo isso porque ouvi dizer?

    Depois de ter se esquentado muito com essas perguntas, ler de novo, bem devagar, a introduo. Despertar em si uma grande vontade, sim, necessidade de saber o que afinal a Verdade!

    O termo essncia em alemo : Wesen. Wesen tem o sabor dinmico de: sendo. Aquilo que dinamicamente est agindo, sustentando, vitalizando... Para ns tambm a essncia conota algo de nuclear, central, de fundamental importncia. Aquilo que faz com que a verdade seja vida, ncleo, a dinmica a essncia da verdade. O que ser afinal de contas isto: a essncia?

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    O que voc imagina quando diz:

    a verdade dessa frase: 2 + 2 = 4?

    a verdade de minha Vida,

    a verdade da Boa-Nova,

    a verdade da obra de arte,

    a Verdade vos far livres,

    isto de fato verdade?

    Voc est dizendo a verdade?

    Quem me garante que o que voc diz verdadeiro?

    a verdade desse livro.

    Que diferena existe entre a verdade e:

    veracidade

    autenticidade

    real, factual realidade.

    Para o estudo da Filosofia, de grande importncia voc ter o grande desejo de ter uma experincia originria de um profundo pensamento que pode transformar a sua vida. de importncia vital ver num filsofo como Heidegger, no um sbio acadmico de idias abstratas e longe da vida, mas sim algum que teve uma profundssima experincia do Pensamento que lhe abriu toda uma viso nova, todo um mundo riqussimo em sentido da Vida. Se voc quiser aproveitar algo para a sua vida, do Pensamento filosfico, deve livrar-se da maneira vulgar, diria burguesa, de encarar a filosofia como um saber acadmico, abstrato e sem vida. Deve enfrentar a Filosofia com serenidade mortal, como quem luta com o Pensamento uma luta livre. Se voc Esprito, se o Pensar uma realidade, ento voc responsvel por sua capacidade de Pensar. E a luta corpo a corpo com o Pensamento na experincia real da reflexo se chama Filosofia.

    Ao ler um autor, no considere a leitura como um passatempo acadmico, como ocupao de utilidade para o enriquecimento cultural, como erudio. Filosofar assim, ter a Heidegger nesse esprito, perder o tempo num humanismo romntico do passado. Filosofar como erudio tem tanta importncia para a Vida como a conversa ridcula dos gr-finos sobre as lutas sangrentas em Vietnam. Leitura filosfica e filosofar tm somente um sentido real, se voc est disposto a

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    sangrar e entrar em crise da sua Vida, para que o Pensamento comece a adquirir um peso insuportvel, peso que pode ameaar o seu mundo instalado e ingnuo.

    Mas... qual a sua atitude, a sua concepo de um estudo?

    3 Reunio: Sobre a essncia da verdade

    No texto original, em vez de sobre a Essncia..., temos a palavra vom (Vom Wesen der Wahrheit).

    Vom equivale ao nosso de. Portanto, em vez de Sobre a Essncia da Verdade, melhor dizer: Da Essncia da Verdade.

    Para que esta observao pedante e minuciosa?

    Por causa da estrutura do ttulo e do livro. Nessa partcula vom est concentrada toda a problemtica do livro!

    Da Essncia (Von Wesen) uma expresso propriamente ambgua.

    De pode significar: sobre. Mas tambm: a partir de, pela fora e pela graa de. Portanto: Da Essncia da Verdade pode significar:

    a) Sobre a essncia da verdade;

    b) A partir da essncia da verdade.

    No caso a) voc est, por assim dizer, fora da verdade, tem a essncia da verdade diante de si como objeto da sua pergunta, indaga, fala sobre ela. Mas, nesse caso, resta uma questo fundamental: ao falar sobre, donde que voc fala? Qual a sua posio, a norma, a medida que voc usa para falar sobre? Qual a sua pr-suposio? A partir de que viso, de que enfoque, de que dimenso fala voc sobre?

    No caso b) voc no tem a Essncia da Verdade diante de si, mas por assim dizer atrs de si. Voc, se fala, fala a partir da Essncia da Verdade, envolvido, acossado, entusiasmado, na possesso da Essncia da Verdade. A Essncia da Verdade o agente, o sujeito da sua fala.

    A estrutura, tanto do fenmeno a) como a do b), so ocorrncias banais do cotidiano. Experimente voc mesmo descobrir 3 exemplos para o caso a) e outros 3 para o caso b).

    O importante para nossa leitura no entanto indagar:

    Como se relacionam a estrutura a) e a estrutura b)? Que conexo existe entre o falar sobre e o falar a partir de?

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    O livro comea falando sobre a Essncia da Verdade. Fala-se sobre ela isso ou aquilo. Fala-se bem, fala-se mal. Fala-se de modo concreto, vital, utilitrio; fala-se de modo abstrato, inutilmente, de maneira alienante e alienada. Tudo isso, todos esses que falam isso ou aquilo sobre a Essncia da Verdade, donde que eles falam? O que que os move, qual o agente da sua fala sobre a Verdade?

    Com outras palavras: o que fala sobre a Essncia da Verdade j est impulsionado por algo que est nele, que o envolve, algo que mais fundamental do que e anterior ao falar sobre a Essncia da Verdade.

    Essa dimenso mais fundamental e anterior o que se expressa pelo termo: da (a partir de) Essncia da Verdade. Portanto, o caso b) o fundamento do caso a).

    O livro faz, portanto, no seu caminhar, o seguinte processo: comea perguntando e falando sobre a Essncia da Verdade. Mas ao perguntar sobre vai descobrindo ao leitor as razes donde nasceu a estrutura do falar, perguntar sobre. Imerge portanto na pressuposio da estrutura falar-sobre, isto , vai Histria, examina geneticamente os fundamentos, donde o falar-sobre aure a sua verdade e sua constituio. Mas ao fazer isso o texto vai nos revelando aos poucos uma estrutura que no mais o falar-sobre, mas algo como a prpria presena da Verdade que nos capacita a falar-sobre a Verdade.

    Ns, homens, enraizados na estrutura da Verdade que tem a forma de falar-sobre, estamos virados para o objeto, estamos presos por assim dizer a essa estrutura do falar-sobre. Diretamente no podemos ver o lugar a partir do qual olhamos e enfocamos os nossos objetos. Por isso ao examinarmos A Essncia da Verdade, s podemos falar sobre a Essncia da Verdade, ao passo que ao fazermos isso, ns na realidade j estamos falando e perguntando a partir da Essncia da Verdade.

    Como virar a cabea e ver a origem a partir da qual estamos falando, pensando, investigando? Parece no haver outro meio a no ser caminhar, falar-sobre e nesse processo, dentro dele, auscultar e captar a presena de uma estrutura originria.

    Por isso o texto desse livro deve ser lido nesse jogo de ambigidades que, no falar sobre, sempre nos insinua um falar a partir de.

    Tarefa para a seguinte reunio:

    1. Ler o 1 Captulo.

    2. Cada qual individualmente tentar entender o texto.

    3. Um grupo formula por escrito as perguntas sobre os pontos que o grupo (ou um dos membros do grupo) no entendeu. Formular tambm perguntas capciosas

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    que sondem a medida da compreenso do grupo-adversrio. Ler o texto portanto sob o enfoque de fazer boas perguntas.

    4. Outro grupo deve ler e preparar o texto de tal maneira que consiga responder s eventuais perguntas feitas por outro grupo.

    5. Cada qual individualmente tente procurar 2 exemplos concretos de um falar-sobre, no qual se manifesta o falar a partir de. Fazer isso por escrito.

    Algumas sugestes de perguntas a fazer a si mesmo enquanto l o texto do 1 captulo:

    O que ser afinal de contas esse misterioso real? Quando entendo sob o termo verdadeiro o real: o que esse real?

    O que significa quando digo: , existe? O que eu imagino, por ex., quando digo: Deus existe? Deus real? O Esprito real?

    Como que voc imagina a criao do mundo? Voc diz: Deus criou o universo. Portanto, cada coisa foi criada por Deus. Como que eu imagino tudo isso? Voc ao ler a concepo da Idade Mdia como est descrita no texto, acha tudo isso estranho? Ou ela corresponde mais ou menos ao que voc pensa e imagina?

    O nosso conhecimento espiritual. O objeto l fora de mim, p. ex., a montanha material. Como possvel uma adequao? Um conhecimento? Como possvel conhecer a grandeza da Montanha, se a montanha no entra na minha cabea? Como voc imagina o conhecimento?

    Ao ler, faa sempre de novo perguntas a voc mesmo. Seja homem de perguntas, tente ter muita iniciativa perante voc mesmo em se formular boas perguntas. A sua inteligncia se torna cada vez mais viva, enquanto voc tem a capacidade de fazer a si mesmo boas perguntas-estopins que acordam o seu pensar.

    Se voc tiver muita dificuldade de entender o texto, no desanime.

    Faa uma luta livre com o texto.

    E, se de fato no funcionar, pergunte, d um jeito de abrir uma fenda no texto.

    4 Reunio: Sobre a essncia da verdade

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    O ttulo do primeiro captulo : o conceito usual da verdade.

    O mtodo fenomenolgico de Heidegger quase sempre comea a sua anlise com o usual. Com a compreenso que possumos na vida cotidiana. Comea tateando a palavra que usamos na nossa vida normal e procura descobrir a estrutura que lhe est atrs. Por isso, se voc quiser compreender o texto, deve fazer o mesmo. Pronunciar a palavra verdade, observar como voc a usa, e ouvir, auscultar em voc mesmo, que sentido a palavra verdade tem em geral. Voc deve pois escutar a voz que vem do interior da palavra.

    Voc vai ouvir vrias vezes. O uso da palavra verdade na vida cotidiana nos e-voca diferentes sentidos. Ouvir a algazarra ou o murmrio vago e confuso dessas vozes e tentar ouvir neles um tom fundamental, alto, que possa ser um trao comum em todos os sentidos.

    A seguir vou rapidamente traar o fio do problema da verdade no texto de Heidegger.

    O conceito usual, em uso, da verdade nos indica que o piv da dificuldade est na concordncia: adaequatio. Pois quando digo verdade eu entendo: aquilo que faz com que isto ou aquilo (frase, juzo, coisa) seja verdadeiro: Seja verdadeiro significa: corresponda, concorde com a) o que devia ser, e b) com o que .

    a) O que devia ser: uma idia, norma, ideal. Uma finalidade, o ponto final onde algo que atualmente deve chegar para se tornar aquilo que ele em si , devia ser. Aqui h um movimento de transcendncia. Trans-cendncia no sentido de ir para alm do que atualmente, superar (metafsica...).

    b) O que : a realidade hic et nunc. Quando emito um juzo: isto assim, essa enunciao em relao coisa apresenta um movimento de transcender a si mesmo para ir sua norma que aquilo que na minha frente.

    Portanto: em ambos os casos, quando falo da verdade, estou falando desse movimento de transcendncia. Na transcendncia h o ponto de partida e o ponto de chegada. H tambm o movimento de superar o ponto de partida, isto , ir para alm de...

    O ponto de partida e correspondentemente o ponto de chegada podem tomar vrias formas e denominaes: por exemplo

    Dentro/fora; eu aqui/a coisa l; juzo/objeto; conhecimento/realidade; sujeito/objeto; homem/mundo; mundo/Deus; contingente/absoluto; natural/sobrenatural; presente/futuro; realidade/utopia; comeo/fim; etc. etc.

    Em que relao esto o ponto de partida e o ponto final?

    Em que consiste o movimento de superao, de transcendncia?

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    Os dois plos, a saber, o ponto de partida e o ponto de chegada, so plos existentes em si, independentemente um do outro?

    No assim que um no pode existir sem o outro; que ambos so correlativos como pai e filho?

    Donde vem essa correlao? a correspondncia?

    O movimento de transcendncia no justamente o que cria essa correlao? No esse movimento de transcendncia que cria os plos de correlao?

    Se for assim, ento o problema embaraoso. Pois o uso comum do conceito de verdade comea a reflexo j fixando como existentes em si, bvios, sem problemas, o ponto de partida e o ponto de chegada. E pergunta: como essas duas coisas esto ligadas?!

    Que tal se o problema for anterior? Que tal se os pontos fixos como existentes em si fossem por assim dizer resultantes do movimento de transcendncia? O problema da verdade se torna ento problema do movimento de transcendncia.

    Posso chamar a transcendncia de liberdade, pois um movimento de superao e libertao.

    O problema da verdade se transforma no problema da Liberdade.

    E se a liberdade como o movimento de transcendncia a estrutura fundamental do homem, o problema da verdade, no fundo, problema da estrutura fundamental do ser-homem.

    Em vez de liberdade-transcendncia posso dizer tambm: existncia = ex-sistncia. A estrutura do homem existir, isto , ser, conservar-se no movimento do ex, isto , na abertura constante de se superar. O problema da verdade o problema da ex-sistentia, portanto um problema ex-sistencial.

    Mas donde vem que o homem ex-sistentia? Por que no como pedra, que no necessita para ser do movimento de transcendncia?

    Haveria para o homem a possibilidade de no ser transcendncia? De ser o presente puro, sem o dever-ser? O que ser originariamente homem? A estrutura bipolar da transcendncia no uma modalidade menos originria do ser-homem? O que ser originariamente homem?

    Eis como o problema abstrato da adequao se transformou na indagao pela essncia originria do ser-homem como ex-sistentia.

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    Tarefa para a seguinte reunio:

    1. O trabalho dessa vez vai ser individual.

    Cada qual deve ler e reler de novo o primeiro captulo.

    2. Anotar todas as palavras que voc no entende. Tentar ver se entende. Anotar para perguntar na prxima reunio. Portanto: fazer a tentativa de entender o texto do primeiro captulo to bem que no lhe reste nenhuma palavra ou frase que no entenda.

    3. Ler essa apostila para entrar na problemtica heideggeriana. E, a partir dessas explicaes, tentar ler novamente o captulo para ver se entende um pouco mais.

    4. Ao ler, tomar sempre de novo uma atitude de independncia intelectual. Criar em si certo brio e ambio de querer descobrir voc mesmo o sentido do texto, sem facilmente recorrer ao outro. A tenso e a fossa so necessrias para que a compreenso tenha depois peso. Depois de muita luta, ento consultar.

    1. Protocolo da 3 reunio do seminrio: sobre a essncia da verdade

    Referente: Paulo Lus (ca. 15 minutos). Paulo falou como representante do grupo A. Distinguiu dois tipos de existncia:

    a) existncia do senso comum

    b) existncia filosfica.

    Traou os caractersticos de ambas as existncias que demonstram nitidamente as diferenas entre si: Caractersticas opostas: a) comum a todos os homens em geral b) s a pequeno nmero de dotados especialistas; a) concreta, vital, prtica b) abstrata, longe da vida, teortica; a) cotidiana, sensvel, palpvel b) especial, inteligvel, intelectual, irreal; a) normativa para a vida prtica b) essencial, aprofundada intelectualmente.

    As diferenas eram to opostas que entre o a e o b parecia no haver reconciliao.

    Surge ento o problema: como se relacionam a existncia do senso comum e a existncia filosfica?

    A discusso nos mostrou o seguinte relacionamento:

    A existncia do senso comum uma existncia que esqueceu e, por conseguinte, ignora o fundamento da sua existncia. Ela funciona e opera dentro de uma limitao, de uma bitola, sem saber donde vem o lan, a fora e o sentido da sua totalidade.

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    A filosofia, isto , a existncia filosfica no outra coisa do que a busca do fundamento, do sentido originrio da existncia do senso comum. Portanto, as verdades reais do senso comum, s sero compreendidas originariamente na sua limpidez e autenticidade a partir da verdade essencial revelada pela investigao da existncia filosfica. Nesse sentido a verdade-essncia num sentido mais profundo e autntico a verdade real, vital.

    Aqui surgiu outra pergunta: mas como a existncia do senso comum desperta para a necessidade do questionamento essencial?

    Pelo esgotamento, pelo bloqueio ocorridos no prprio seio da existncia do senso comum. Dali o sentido positivo dos fenmenos como tdio, angstia, esvaziamento do sentido, crise etc. Ou pela invaso e pelo impacto vindos de fora, do encontro com outra dimenso mais forte e originria.

    A partir dessa discusso, ficou-nos claro o seguinte:

    O que Heidegger chama de verdades do senso comum no devem ser confundidas com as verdades vitais da existncia autntica, onde as ocorrncias so manifestaes espontneas e dinmicas da plenitude da Vida.

    A existncia do senso comum em Heidegger j est numa situao de decadncia e fossilizao.

    Essa situao a situao histrica da estrutura ocidental que a estrutura da ratio.

    Para que nessa estrutura de ratio surja a dimenso do questionamento essencial necessrio imergir na situao da existncia do senso comum, para lev-lo ao esvaziamento, na esperana de que dali surja a chance de aprofundamento.

    Reflexo para ambos os seminrios

    A filosofia, segundo Hegel, o mundo s avessas, visto a partir da s razo humana (cf. Que Metafsica, Captulo 1). Em vez de s razo humana podemos dizer o senso comum.

    O senso comum a nossa existncia cotidiana, cara a cara com a realidade. o senso prtico, concreto, palpvel, o mundo da verdade real.

    A filosofia para esse mundo de realidade um mundo abstrato, intil e sem eficincia real. Para a descrio dessa oposio entre a existncia do senso comum e a existncia filosfica cf. a introduo do livro Sobre a essncia da verdade.

    Por que o mundo s avessas? s avessas indica a direo oposta ao normal. s avessas o outro lado daquilo que estamos vendo. O filosfico em relao ao homem do senso comum aquele sujeito que anda de pernas para o ar e cabea

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    para baixo, como quem anda dando continuamente cambalhotas. Se o senso comum v que as montanhas esto firmes, assentadas majestaticamente nos seus alicerces inabalveis, o filsofo, como v tudo s avessas, de cabea para baixo, v as montanhas penduradas, como que ameaadas a cada momento de cair, de se precipitarem no abismo sem fundo do cu. Voc j imaginou que se no fosse a atrao da terra, todas as coisas soltas cairiam para cima? (cf. Chesterton).

    O caracterstico do homem do senso comum a sua objetividade.

    Objetividade aqui significa: virado para o objeto, para o ser. Virado, enfocado para a coisa diante de si. real. rea-lista. coisista. Est dirigido, fascinado, apossado pelo ente. Certamente, ele tambm subjetivo. Ele se olha a si mesmo e se define: eu sou o sujeito. Mas ao fazer isso, ele est dirigido a si mesmo como a um ente real (res: objeto), a um objeto; ele tem a pr-tenso de captar o subjetivo objetivamente.

    A existncia do senso comum, portanto, uma existncia sobre a coisa.

    A Ex-sistncia, abertura sobre a coisa. Para isso, o pensar, o falar e o perguntar dessa existncia pensar sobre, falar sobre, perguntar sobre: isso ...; o que isso? A verdade do senso comum portanto a verdade sobre.

    A existncia filosfica fica intrigada com tudo isso. Ela se pergunta: Por que que o senso comum no capaz de captar a si mesmo a no ser objetivamente, a no ser objetivando-se como objeto? necessrio sempre e absolutamente falar, pensar e perguntar sobre? No haveria a possibilidade de no pensar, falar e perguntar-sobre, mas a partir de si mesmo?

    O que esse sujeito que se chama a existncia-do-senso-comum, existncia que se estrutura como abertura, a tenso debruada sobre a coisa, sobre o ente? Essa abertura ela mesma deve ser tambm objeto, necessariamente? Ou no ser uma realidade que est para alm ou quem sabe para aqum da existncia objetiva, portanto, tambm do subjetivo objetivista da existncia do senso comum?

    Se para o senso comum a res, a realidade, o objeto um dado a partir do qual tudo enfoca, tudo ordena e constri, para a existncia filosfica ele por assim dizer o trmino de uma tendncia, por assim dizer o pro-ducto de uma abertura. Abertura que um dado, um estar-ali antes do objeto.

    A existncia do senso comum dirige-se a, encontra-se com os entes, vive e opera no meio deles, ocupa-se com eles, considera-se ela mesma como um ente entre os entes. Mas no percebe que tudo isso possvel porque j est ali aberto um mundo, dentro do qual algo como isso ou aquilo se torna possvel e recebe um sentido.

    A existncia filosfica no se interessa por isso ou aquilo, no por ela ser abstrata, mas porque ela percebe que anterior a isso ou aquilo necessrio preocupar-se

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    pela abertura, pela totalidade em que isso ou aquilo aparece e tem sentido como isso ou aquilo.

    Com outras palavras, a filosofia no se dirige a coisas, mas sim possibilidade das coisas, s condies fundamentais que possibilitam as coisas.

    Coloque-se agora na situao de uma vaca, de um boi ou se quiser de um coelho. Voc v tudo sob o enfoque do capim suculento. A realidade, os entes para voc se constituem de diferentes modalidades de capim, a realidade das coisas so medidas segundo o grau de intensidade de suculncia. Num mundo assim constitudo, a medida do real a suculncia. Uma pedra, p. ex., no existe, no real, e, se real, ela o somente enquanto tem referncia suculncia, aqui sob o aspecto de no-capim. Voc j viu um coelho comendo uma catedral de pedra? Voc (enquanto coelho, vaca, boi) v uma rosa. Voc dir: que gostosa! A beleza no ser. A beleza no-tragvel. Portanto, na dimenso, no mundo, no horizonte da suculncia a rosa enquanto bela no existe. Como voc est s virado, aberto s coisas enquanto suculncia, o real, o prtico, o palpvel o comestvel. A partir dessa realidade, tudo quanto no comestvel, ou no existe ou est fora do mundo, ou abstrato, irreal, imprtico. E, se existisse uma vaca que comeasse a questionar a totalidade da sua impostao e comeasse a desconfiar que a sua realidade um produto de uma determinada e limitada abertura, as outras vacas normais diriam: est cismando com um mundo irreal, uma vaca des-locada, fora do real, o seu mundo s avessas. Mas a vaca filosfica como teve a intuio da situao a partir da qual algo como rosa se torna real s enquanto comestvel, dir: vocs deveriam ver o seu mundo s avessas, pois s avessas significa: ser fundamental, ir s razes do mundo comestvel.

    Voc no vaca, nem boi, muito menos um coelho. Voc homem. Mas como homem, voc est virado para as coisas, chama tudo de ente, de objeto. Voc pode reduzir tudo quanto encontra a um ltimo ncleo de compreenso: o ente. De tudo, voc pode dizer: , algo, coisa, objeto, ente. Ser que a sua situao diferente da vaca, do coelho? Em vez de comestvel diz voc: ente.

    A partir de que, donde, de que situao fala voc?

    O que possibilita que voc tenha esse tipo de abertura na qual tudo lhe aparece como ente? No somos prisioneiros de uma dimenso, no somos cativos de um tipo de totalidade, onde, devido nossa limitao, no somos capazes de ver e perceber realidades que esto diante do nosso nariz, porque no somos capazes de operar a no ser dentro do horizonte do ente? Mas o horizonte que no do ente, ser que ainda horizonte? O que afinal?

    O primeiro captulo de Que Metafsica nos coloca no centro dessa desconfiana. Desconfiana que nos faz questionvel a coisa mais bvia do mundo comum. Faz problemtico, faz digno de questionamento, o fundamento mais evidente de todo o nosso pensar, falar e ser. Ser no entanto to evidente?

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    A partir desse questionamento, o conceito de nada comea a tomar uma importncia vital. Pois o nada parece ser uma realidade que no se encaixa dentro da dimenso do ente.

    O que afinal o nada? Por que tudo ser e no nada?

    Essa reflexo baseada no Que Metafsica vale tambm para os que fazem o seminrio de Sobre a Essncia da Verdade. Pois, a mesma reflexo vale para o que ali dissemos de: falar sobre a verdade e falar a partir da verdade.

    5 Reunio: Sobre a essncia da verdade

    Favor ler o segundo captulo que fala da possibilidade interna de concordncia. O texto no comeo fcil de entender. Comea a ficar difcil, quando comea a determinar mais detalhadamente em que consiste a concordncia entre a enunciao e a coisa.

    Peo que leia o trecho mesmo que seja difcil. No largue a idia de que voc que deve descobrir o sentido do texto. A descoberta, por pequena que seja, se for sua, de mximo valor. A seguir, somente algumas reflexes para talvez facilitar (ou dificultar?) a abordagem do texto.

    1 Reflexo: A dificuldade principal na compreenso do texto somos ns mesmos. Quando falamos de ou ouvimos falar de conhecimento, objeto, coisa, comportamento, adequao etc. j temos uma determinada imagem pr-estabelecida, epistemolgica ou psicolgica de tudo isso. P. ex.: quando dizemos: esta pedra, eu a pressuponho como algo ali existente anterior a mim, como se pedra fosse sempre pedra como ela est ali na minha frente, como se bastasse eu simplesmente captar a sua imagem como ela . Ou quando falo da imagem da pedra, eu me imagino guisa de uma mquina fotogrfica que recebe na cmara interior a imagem do objeto exterior. Heidegger diz: necessrio suspender a f nessa precompreenso para intuir a realidade como ela . (Na linguagem da filosofia contempornea essa suspenso se chama reduo; e volta intuio direta da realidade: volta--coisa-ela-mesma).

    O que Heidegger faz nesse captulo 2 no outra coisa do que analisar a estrutura de um jogo (S P), quando dizemos p. ex. esta pedra quadrada.

    O termo-chave usado por Heidegger Vor-stellen. Vor-stellen significa colocar na frente. No texto portugus temos apresentar, representar ou presentear. Pode-se dizer tambm: objetivar, apreender, conceber. Nesses termos como apresentar (ad-presentar), representar, objetivar, apreender, conceber etc. o piv da questo est em vor-stellen, isto , colocar na frente = fazer com que aparea.

    Voc aponta para a pedra e diz: isto aqui pedra. O isto aqui colocado na frente como pedra. Mas antes, j ao apontar e dizer isto aqui, coloquei o

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    apontado como isto aqui na frente. Experimente perguntar: o que afinal esse X-coisa que est ali como o ncleo de todas as atribuies que eu fao dele? Essa coisa X no se perde no infinito, sempre para frente? Portanto, ao dizer isto aqui pedra, como coloca o ente na frente, faz aparecer assim como pedra? E dessa pedra que lhe aparece, que lhe vem ao encontro, como pedra, voc diz adiante quadrada, pesada, grantica etc. etc. Todos esses qualificativos (o assim como) que voc vai atribuindo pedra so como que explicaes de uma abertura criada pelo fato de esse algo-X lhe aparecer assim como ele . Portanto, anterior s atribuies e enunciaes que voc faz das coisas, j est ali um relacionamento, um comportamento dentro do que algo lhe aparece, algo que vem ao encontro, se lhe resiste assim como ele , se torna ob-jecto.

    A possibilidade de eu me relacionar com o objeto depende dessa abertura, na qual o ente se coloca como ob-jeto na minha frente e se me apresenta assim como ele . Que abertura essa? Que abertura essa a partir da qual eu posso fazer um juzo como esse: essa pedra quadrada? a questo colocada no fim do captulo 2 e que introduz ao captulo 3.

    2 Reflexo: Ns em geral somos ingnuos no que se refere objetividade. Pensamos: o objeto est ali; eu posso conhec-lo objetivamente. O conhecimento objetivo o prottipo da verdade!... Heidegger pergunta: a partir de onde fala essa mania de objetividade? Ver o ente como objeto objetivo no j um comportamento, uma referncia determinada ao mundo, uma abertura especial para com o mundo que j uma tomada de posio? O que acha voc?

    Quais so os critrios de objetividade? No existe tambm o objetivo do subjetivo? O que significa nesse caso o objetivo?

    3 Reflexo: Quando falamos de colocar na frente (vor-stellen) o ente como objeto (em portugus apresentar = adpresentar) no devemos pensar s nos casos de objetivao coisista, como p. ex., esta pedra na minha frente. Esta objetivao no seno uma das modalidades de objetivao num sentido mais pregnante de tornar-se consciente numa acepo carregada de: sentir o peso da presena.

    P. ex. quem ama v mais do que quem no ama, isto , o amor abre uma tica na qual certos aspectos se me tornam presentes de uma forma ntida, se tornam objetivados, ao passo que para quem no tem essa tica, tais objetos no surgem assim como eles so, no existem.

    Experimente mudar o seu modo de ver e considerar p. ex. alegria, contrio, dio, angstia, fome, sede (fome e sede da Justia!), trabalho, preguia, curiosidade, ambio etc. etc. e vendo-os no como atos psicolgicos e sim como ticas, oculares, referncias ao mundo, como registros de ser, como horizontes, onde se abrem diversas possibilidades de novos tipos de objetos.

    Depois de ler o que se disse acima, examine-se a si mesmo. Desconfio que voc entendeu tudo subjetivamente, isto : como se esse ocular, essa abertura fosse um ato meu, um ato psicolgico, subjetivo. Mas, ateno, percebe voc que ao

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    dizer isso, ao conceber a voc assim como sujeito do ato subjetivo, voc se objetivou e colocou a voc mesmo como algo na sua frente? Sua frente? Frente de quem? Pense muito nesse ponto, experimente quebrar a cabea com esse fenmeno. importante para voc entrar no modo de pensar contemporneo.

    Tarefa para a seguinte reunio:

    1. Ler o captulo 2 at voc suar frio, tentando compreender todas as frases ali ditas e explic-las com suas prprias palavras.

    2. Um dos grupos dar dois exemplos, bem marcantes, de objetivao no sentido de uma abertura da tica. Descrever em detalhes esses fenmenos.

    3. Outro grupo estudar bem o texto do 2 captulo, para ver se consegue estar de prontido a fim de usar os exemplos apresentados pelo outro grupo para ilustrar e explicar o texto do captulo 2.

    A teoria do conhecimento

    A denominao teoria do Conhecimento designa imediatamente que se trata de um conhecimento sobre o conhecimento.

    Se interpretamos a teoria como um conjunto de doutrinas, conhecimentos certos e hipteses, organizados sistematicamente, podemos dizer: a teoria do conhecimento uma disciplina cientfica que tem como objeto o conhecimento. De fato, dentro da organizao institucional do ensino filosfico nas universidades ela uma das disciplinas filosficas. Disciplina, alis, ainda relativamente nova. Chama-se tambm epistemologia (doutrina do saber), gnoseologia (doutrina do conhecimento), notica (doutrina do pensamento) ou criteriologia (doutrina dos critrios da verdade).

    Como disciplina a teoria do conhecimento constitui um cabedal de doutrinas, conhecimentos e hipteses sistematicamente agrupados. O centro sistemtico de tal agrupamento, o enfoque, a pressuposio fundamental de tal conjunto (e por conseguinte a explicao, o cunho do prprio conjunto) varia conforme a posio de cada autor, de cada escola filosfica ou da poca. Se tenho, por exemplo, como pressuposio fundamental a psicologia mecanicista do sculo passado, hei de explicar o conhecimento como um fenmeno psquico que funciona conforme a lei mecnica, explicada conforme a concepo mecanicista. A teoria do conhecimento se torna assim um ramo da psicologia. Poder-se-ia portanto concluir que cada autor, cada escola, cada cincia e cada poca tm a sua teoria do conhecimento.

    Mas por outro lado podemos fazer a seguinte reflexo:

    O conhecimento um fenmeno objetivo.

    Coloco esse objeto na minha frente como objeto de investigao.

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    Um objeto posso enfoc-lo sob diversos aspectos: tenho p. ex. o aspecto fisiolgico, psicolgico, histrico, filosfico, ciberntico, fsico, qumico, psicoteraputico, lgico, sociolgico, etimolgico etc. Todos esses enfoques constituem uma cincia. Se eu ajuntar os conhecimentos de todos esses aspectos tenho a Teoria do Conhecimento.

    Voc v logo a dificuldade de tal empreendimento. Pois surgem imediatamente perguntas como essas:

    Como ajuntar num sistema coerente tantos aspectos e enfoques diferentes? Basta simplesmente justapor essas explicaes heterogneas como um tapete de retalhos? Se isto no basta, sob que ponto de vista, sob que enfoque vou organizar todos esses dados diferentes? Com outras palavras: qual o enfoque, o objeto formal da Teoria do Conhecimento?

    Todos esses enfoques das diversas cincias, todas essas cincias so por sua vez tambm conhecimentos. Pressupem portanto o conhecimento como algo j conhecido, bvio. As cincias esto portanto dentro de uma determinada posio geral a respeito do conhecimento e a partir dali, j dentro do horizonte dessa sua posio, elas investigam o seu objeto. Assim no podem sair de si para investigar a si mesmas de fora como conhecimento. Para investigar as cincias como conhecimento seria necessria uma outra cincia que tivesse essas cincias como objeto e as enfocasse quatenus conhecimento. Essa cincia seria a teoria do conhecimento. Mas ento volta de novo a pergunta: o que , como o enfoque da teoria do conhecimento?

    A teoria do conhecimento do passado no faz reflexes bsicas que poderiam elucidar essas perguntas acima mencionadas. Por isso ou eram de fato justaposies fragmentrias de conhecimentos heterogneos ou era simplesmente uma explicao do conhecimento a partir de uma posio filosfica j assumida. Assim, temos p. ex. a epistemologia tomista, escotista, positivista, idealista etc.

    Devido a essas dificuldades e falta de uma penetrao fundamental, a teoria do conhecimento como disciplina perdeu a sua cotao. Passou a ser considerada como tema da Histria da Filosofia, p. ex., a teoria do conhecimento em Franz Brentano, em Sto. Thomas, no Marxismo etc. E onde ela ainda cultivada ou se trata de um enorme amontoado tremendamente complexo de explicaes parciais fragmentrias ou de um enfoque particular filosoficamente ingnuo a partir de uma tomada de posio inanalisada.

    Portanto, a meu ver, a teoria de conhecimento considerada como disciplina, como uma cincia, se ela quer ser uma explicao filosfica do conhecimento, torna-se algo muito problemtico. Isto : torna-se um problema de uma reflexo filosfica.

    Na filosofia no se deveria portanto falar de teoria de conhecimento, mas muito mais do problema do conhecimento.

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    Como problema, o conhecimento est intimamente ligado com o prprio problema da filosofia. Pois a filosofia conhecer. Ao fazer do conhecimento um problema, a filosofia est perguntando pela sua prpria essncia: o que afinal a filosofia?

    Aqui nesse crculo, nessa pergunta que pergunta sobre si mesma, est toda a dificuldade e o modo de ser sui generis do conhecer filosfico, do conhecer filosoficamente o conhecimento.

    Se quiser ser filosfica, a teoria do conhecimento deve acabar numa estrutura circular. Sair de um questionamento objetivo de uma coisa que est na minha frente, chamada conhecimento, para se transformar num questionamento fundamental: o que afinal a prpria filosofia?

    Reduzir tudo a um estado de questionamento circular poderia ser a tarefa da filosofia. Portanto, se na filosofia falamos da teoria do conhecimento, ento isso no significa fornecer conhecimento sobre algo existente, dar informaes variegadas sobre o objeto conhecimento, mas sim mostrar que o conhecimento um problema a partir de sua raiz. nesse sentido que dissemos acima: na filosofia no se deveria falar de teoria do conhecimento, mas sim de problema do conhecimento.

    Poder-se-ia perguntar pela utilidade de tal empreendimento.

    Em lugar de resposta, gostaria de expor um processo de transformao da pergunta operada dentro da teoria do conhecimento. A exposio esqueltica e simplificada. Pretende to-somente insinuar a ossatura do problema.

    Quando se fala de conhecimento, pensa-se num determinado fenmeno. P. ex. num sentido estrito da palavra, uma cabeada na parede, a apreenso do vermelho quente da gravata estrambtica, o gosto azedo da laranja verde, o calafrio ao sentir na nuca uma aranha caranguejeira no so conhecimentos. Antes denominados com o termo experincia.

    Conhecimento propriamente dito se estrutura num juzo: isto ..., portanto S (Sujeito) P (Predicado). J quando perguntamos: O que isso? funcionamos dentro de um esquema, onde h o objeto diante de mim, sobre o qual (objeto) perguntamos. A resposta dada tambm na mesma estrutura, p. ex., isto branco. Tem-se um ncleo de atribuio, ao qual atribumos uma cor, uma qualidade, uma propriedade etc.

    Se examinarmos de uma forma muito ingnua e simplificada essa maneira de ser do conhecimento judicativo, percebemos que a concepo da nossa situao a seguinte: diante de mim existe um objeto (uma coisa) independentemente de mim. Aqui estou eu, o sujeito que conhece. Eu atribuo a essa coisa diante de mim a cor branca. E a cor branca pertence de fato ao objeto. Tenho o conhecimento que a coisa branca. Essa coisa, porm, contm vrios aspectos, os quais posso ir aos poucos descobrindo. Assim aumento o meu conhecimento. Enquanto voc sem muita suspeita funciona dentro desse modo de ver as coisas, no h

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    problemas. Mas, um dia, voc percebe que nem tudo que voc atribui ao objeto, de fato, pertence ao objeto. Voc pode se enganar. Ao se enganar redondamente sobre um objeto voc leva um susto. De repente, naquela f ingnua que voc possua pelas coisas, entra uma fenda. Voc sente que o objeto, a coisa algo estranho a voc. Percebe que existe uma distncia entre voc (o sujeito do conhecimento) e o objeto. Objeto l, eu aqui! Como que o objeto l entra no meu conhecimento aqui? Como que acerto a coisa? Como possvel o conhecimento? O que o conhecimento? O que o objeto? O que o sujeito do conhecimento? Voc despertou para o problema do conhecimento. De sbito, voc assaltado por um terrvel pensamento: que tal, se tudo, que penso ser assim no for assim, tudo que penso ser, no for? Se tudo for iluso? Sonho? Projeo da minha mente? O problema se torna dramtico quando o objeto do seu conhecimento tem um significado vital para voc: p. ex. Deus, certeza da cincia para qual consagrei toda a minha vida etc.

    Notemos bem como o interesse da pergunta se transformou. Antes voc esteve dirigido ingnua e confiantemente para o objeto e perguntava curioso, vido de saber: o que isso? Examinava, se corrigia e ia aumentando o conhecimento sobre o objeto.

    Agora, depois daquele surgimento repentino de dvida, o seu interesse se virou sobre o prprio conhecimento e pergunta: como possvel o conhecimento? Qual o critrio de certeza do meu conhecimento? O que afinal o conhecimento?

    Ao questionar assim, voc pode estar animado de um interesse vital de adquirir a certeza do seu conhecimento. Procurar ento colocar a base da sua certeza ou no sujeito que conhece ou no objeto, de alguma forma, por uma ligao. Dessas tentativas surgem diversas tendncias filosficas que denominamos: realismo, realismo crtico, idealismo, subjetivismo etc.

    Essa linha de investigao, porm, no se mostrou muito frutfera, por isso, hoje est abandonada. E isso pelo seguinte motivo.

    Antes de toda essa discusso, se o objeto tem a primazia ou o sujeito, ao analisarmos o fenmeno conhecimento, percebemos que o sujeito e o objeto e o seu relacionamento (= conhecimento) j so elementos constitudos, formados de uma estrutura anterior.

    Quando digo: eu, sujeito, aqui e o objeto l na minha frente S O, j pressuponho que haja um campo aberto que possibilite algo como o sujeito e o objeto e o conhecimento, uma rea onde aparecem esses elementos.

    Conseguir ver essa abertura uma tarefa muito difcil, que exige certo treino de reflexo intuitiva. Se voc consegue compreender a filosofia contempornea ou no, depende justamente dessa intuio que consegue ver essa abertura. Essa abertura recebeu o nome de Subjetividade ou Eu transcendental. Com uma grande margem de simplificao, podemos dizer que hoje essa abertura recebe muitas vezes tambm o nome de: Da-sein, Existncia, Situao. uma abertura

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    que constitui uma dimenso de profundidade e no coincide com o eu emprico que est contraposto ao objeto, pois anterior a ele, mais originrio. Essa abertura na qual cada coisa recebe o seu sentido peculiar diferente conforme a poca. Ela pode se chamar: eidos (Plato), energia (Aristteles), Substncia (Idade Mdia), Esprito (sculo XIX), Conscincia, Eu, Subjetividade (incio do sculo XX), Dasein, Existncia (sculo XX), hoje em dia: funo, estrutura.

    Notemos que o problema do conhecimento transformou-se na busca da abertura funcional, dentro da qual o homem encontra o ente (incluindo-se a si mesmo) e o coordena dentro de um mundo de sentidos que brotam da respectiva abertura fundamental. O problema do conhecimento a busca do ncleo originrio da totalidade de sentido. Se voc denomina essa abertura fundamental de Ser, o problema do conhecimento se torna o problema do Ser. E o problema do Ser o problema da Metafsica. O problema do conhecimento no fundo o problema da Metafsica.

    Vemos assim que o interesse da busca se transforma de uma simples busca de propriedade de um objeto numa indagao da profundidade do Ser.

    Portanto, hoje, o interesse da Filosofia em relao ao conhecimento tratado na perspectiva desse problema do Ser.

    Continua porm existindo a teoria do conhecimento que no vai na direo da profundidade do Ser, mas que constri na direo do acmulo de dados informativos acerca do conhecimento. Essas teorias de conhecimento tm certamente o seu valor. Mas, se voc quer ter a ltima evidncia de seus fundamentos, mister investigar na direo do Problema do Ser (bibliografia para isso, voc encontra nas referncias: cf. HEGENBERG, 1965; HESSEN, 1952; HEIDEGGER, 1969).

    6 Reunio: Sobre a essncia da verdade

    Uma sugesto reflexiva de como entender as p. 27 e 28.

    Eu tenho um objeto na minha frente. Digamos uma roda de bicicleta. Esta coisa toma uma posio em relao a mim. Se coloca de encontro a mim.

    O que quer dizer isso?

    Dou um pontap na roda de bicicleta. A roda se ope (ob-pe) a mim. Faz resistncia. Cria um relacionamento. Mas nesse relacionamento de pontap, a coisa toma posio assim como obstculo, resistncia. A roda de bicicleta no relacionamento pontap re-age, se ob-pe, vem ao meu encontro como, coisa-dura-que-machuca-o-meu-p. Ela no se ob-pe a mim como uma pea de mquina.

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    A coisa ao se me opor (ob-por = por-se de encontro a) se coloca dentro de uma dimenso (inter-esse), de um mbito aberto, onde essa coisa recebe o sentido, aparece, se posiciona, se ob-jectiva como resistncia-que-me-machuca-o-p. Est sob um determinado modo de posio.

    Que seja um modo de posio ou ob-posio voc o percebe logo quando compara esse modo de aparecer como resistncia-a-pontap com um outro modo de aparecer como roda-de-bicicleta. O pontap voc no o d roda de bicicleta enquanto (os escolsticos diziam: Qua ou quatenus = assim como) roda de bicicleta, mas sim enquanto resistncia-coisa.

    Para que voc possa se encontrar com esta coisa como roda de bicicleta, ela deve aparecer, deve se colocar sob o modo de posio: pea de mquina chamada bicicleta. Mas para se colocar, isto , aparecer como roda de bicicleta, esta coisa j deve estar dentro de uma dimenso, onde algo como roda de bicicleta seja possvel, tenha um sentido, uma funo: dentro do mbito da mquina. Numa cultura onde no existe a abertura mquina, a bicicleta jamais aparecer, jamais vir ao nosso encontro como bicicleta. Ela ser talvez um gafanhoto esquisito supradimensional p. ex. dentro da dimenso natureza.

    Isto quer dizer: l onde a roda de bicicleta aparece como roda de bicicleta, isto , como uma pea de mquina, esta coisa cobre, implicita, contm em si, descortina um mbito aberto, um horizonte dentro do qual ela pode vir ao nosso encontro como pea de mquina.

    Portanto, ao se ob-por a ns como esta roda de bicicleta, esta coisa, j me manifesta simultaneamente todo um horizonte, de inter-esse, cobre, percorre um mbito aberto, onde ela se torna possvel, toma uma posio e recebe um sentido.

    Mas no assim que abra simplesmente o horizonte mquina e fique nisso. Ela abre uma viso, um ocular, um horizonte, uma perspectiva, todo um mundo chamado mquina e ao mesmo tempo se posiciona, se afirma, se estabelece como algo estvel, como sentido fixo, dentro dessa perspectiva.

    Com outros termos: a roda de bicicleta exerce uma funo dentro de um todo que bicicleta. Ela pea, isto , uma funo estabilizada materialmente. Esta funo, porm, est em funo de outra funo estabilizada, at constituir a bicicleta. Mas a prpria bicicleta est em funo de outra funo e assim aos poucos temos uma rede imensa de funes que constituem digamos o mundo da mquina. O mundo da mquina, o mbito aberto algo como uma energtica de expanso, uma espcie de lan vital. As peas, as mquinas individuais so como que materializaes, estabelecimentos, fixaes das funes dessa energtica total, dessa abertura.

    No termo ob-por, na partcula ob est insinuada a abertura, no termo por o estabelecimento.

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    Essa abertura, esse mbito aberto, no nosso caso, o lan, o poder, a potncia do mundo da mquina que com uma grande margem de impreciso existem mquinas-instrumentos e mquinas tecnolgicas poderamos chamar de lan tecnolgico, um modo de ser, que no criado pela apresentao, isto , por meu ato subjetivo de representar a coisa assim, nem pelo fato de a coisa se me apresentar assim. anterior. Eu posso me relacionar a essa coisa assim, essa coisa se me apresenta assim, porque tanto eu como a coisa j estamos dentro desse mbito aberto, dentro desse campo de relao: do inter-esse.

    O relacionamento entre a enunciao e a coisa j opera dentro desse campo de relao, ou melhor, a realizao, a atualizao, a concretizao dessa abertura.

    Portanto, o que possibilita a manifestao de algo assim como pea de bicicleta o mbito da tcnica. E o que possibilita o comportamento ou o relacionamento tpico tcnico para com a roda de bicicleta o mbito da abertura tcnica.

    Por conseguinte: a abertura anterior ao relacionamento. O relacionamento deve pois adequar-se abertura.

    Recapitulando

    primeira vista, quando falamos da verdade da enunciao pensamos assim: a enunciao (o meu conhecimento, o sujeito aqui, o juzo, a frase) e o objeto (a coisa sobre a qual se faz a enunciao) e o relacionamento entre a enunciao e a coisa (adequao, o comportamento).

    Vimos que a enunciao e a coisa se baseiam no relacionamento (comportamento). E esse relacionamento ou comportamento se baseia, se d no seio de um mbito aberto que poderemos chamar de horizonte.

    O que se manifesta, assim, chamamos de ente, isto , aquilo que est presente.

    Esquema:

    1. Enunciao Adequao coisa

    2. (enunciao) ad presentao (coisa)

    3. (enunciao) ad presentao (coisa)

    comportamento

    4. (enunciao) ad presentao (coisa)

    comportamento

    mbito aberto-Abertura

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    O ente aquilo que se torna presente no movimento de ad-presentao do comportamento.

    7 Reunio: Sobre a essncia da verdade

    Um esquema do captulo 3:

    1 Passo: Algumas perguntas que resumem a situao da problemtica, exposta no captulo 2, ressaltando o arcabouo fundamental da questo.

    Os passos da pergunta nos levam tese: A essncia da verdade liberdade.

    2 Passo: A afirmao a essncia da verdade liberdade, o senso comum j a conhece: portanto nada de novo!? Para a busca da verdade voc no deve ter a coao. Liberdade da imprensa, liberdade de opinio, liberdade poltica, religiosa etc.! Ateno: essa compreenso do senso comum superficial. No toma a srio a afirmao: a liberdade a prpria essncia da verdade. A verdade liberdade, a liberdade verdade.

    Uma tese alis estranha, surpreendente ao nosso modo geral de pensar! A tese... deve portanto, surpreender. Na surpresa, no entanto, eu me desperto para a problemtica.

    3 Passo: O senso comum, no entanto, tenaz. Volta carga, agora com outra objeo. E diz: mas como isso possvel? Liberdade e Verdade no se coadunam bem. No assim que a verdade a norma absoluta e objetiva, em si, acima do homem, segundo a qual o homem orienta a sua liberdade? Se assim, como pode a verdade encontrar seu apoio e fundamento na liberdade do homem? No isso uma perigosa tese do relativismo e subjetivismo?

    4 Passo: Essa objeo se baseia num pr-conceito, isto , numa determinada concepo j preestabelecida da liberdade humana. O que liberdade do homem, todo mundo sabe... Pois a liberdade uma propriedade do homem. O homem tem a liberdade. Sabemos ns? Sabemos ns o que o homem? to bvio que o homem possui a liberdade? Ou no antes assim que a liberdade possui o homem? O que pois a essncia da liberdade?

    Resumindo: O que a essncia da verdade?

    A verdade a adequao da enunciao com a coisa.

    A adequao da enunciao com a coisa baseia-se na ad-presentao.

    A apresentao se radica no comportamento.

    O comportamento se radica no mbito aberto.

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    O mbito aberto surge da liberdade.

    Liberdade a essncia do homem.

    A essncia do homem tem o seu fundamento no SER.

    Portanto: com uma margem de impreciso bastante grande, podemos dizer:

    A adequao da enunciao com a coisa est no campo da lgica.

    A apresentao no campo da teoria do conhecimento.

    O comportamento no campo da psicologia.

    A liberdade no campo da antropologia.

    O fundamento da essncia do homem no ser est no campo da ontologia.

    Assim a busca da essncia da verdade que inicia com a busca da adequao lgica, se transforma e termina na busca do fundamento ontolgico da essncia do homem.

    Uma reflexo:

    Na p. 29 fala-se de Liberar-se para uma medida que vincula. Para isso necessrio estar livre para aquilo que est manifesto no seio do aberto.

    A formulao de Heidegger s se torna compreensvel se voc procura ver o fenmeno. Por isso indispensvel voc tentar e-vocar um fenmeno (experincia) que manifeste a evidncia da formulao.

    Quando falamos de liberdade, em geral, a primeira coisa que nos vem mente a liberdade de coao. Ser livre significa: no estar coagido, preso, condicionado por ou de alguma coisa.

    Aqui em Heidegger no se trata tanto dessa liberdade de coao. Trata-se antes de liberao de coao, digo liberao de uma possibilidade, ou melhor, de abertura de uma possibilidade que cria todo um mundo de vnculos, normas, valores, sentidos e obrigaes. Mais do que livrar-se de alguma coisa, trata-se da capacidade de assumir todo um mundo novo.

    Imagine p. ex. um missionrio ocidental que entra em contacto com uma tribo de ndios nas selvas brasileiras. A partir do seu mundo ocidental, ele a considera como um povo primitivo. Tenta compreend-la, mas sempre de novo reduz o mundo ndio ao seu mundo ocidental, explica-a, interpreta-a a partir do seu ocular europeu. Acha-a tola, primitiva, sem cultura, digna de compaixo, quer promov-la, convert-la. Vive com ela, luta, trabalha, mas fracassa pastoralmente.

  • 26

    Certo dia, de repente, no sei como, ao ver um velho feiticeiro fazer um gesto estranho, estala na mente do missionrio uma experincia, uma intuio de que o velho est a viver a partir de uma concepo fundamental totalmente diferente da sua, concepo cuja profundidade ele de repente vislumbra, por um instante. Desde esse momento, muda a atitude do missionrio. Perde a segurana do seu julgamento, perde a altivez do europeu desenvolvido, percebe que est mais humilde diante do outro, se surpreende com enorme desejo de se abrir para o novo-e-outro mundo que ele no compreende. E, de sbito, comea a sentir o seu mundo europeu como um obstculo, como um bitolamento que lhe impede de libertar o olhar para o outro como o outro .

    Depois de muita luta, fracasso e boa vontade, ele percebe um dia que se transformou. Ele sente que o seu olhar tornou-se dcil medida do mundo ndio, percebe que no o interpreta de fora, mas como que se situa no meio dele, e a partir da abertura originria desse mundo, deixa-se vincular, deixa-se levar pela lgica interna que emana dessa experincia originria do mundo ndio. E des-cobre todo um mundo riqussimo de sentidos, valores, descobre uma lgica interna complexssima que na sua flexibilidade e riqueza supera de longe a lgica clara e racionalista do seu mundo europeu. E o missionrio percebe que se testou no seu mago, abriu-se uma comporta de evidncia no seu corao, donde emana uma viso nova, libertadora de suas energias vitais.

    Mais ou menos nesse sentido que Heidegger fala aqui de liberdade.

    Experimente evocar na sua vida alguns outros exemplos desse livrar-se para uma medida que vincula, o estar livre para aquilo que est manifesto no seio do aberto. P. ex. o fenmeno simpatia, pudor, ver um quadro de arte, compreender o outro etc.

    Experimente comparar esse conceito heideggeriano de liberdade e o que voc entende comumente por liberdade.

    Sugesto de trabalho para a seguinte reunio:

    1. Ler com muito vagar o captulo 4; a essncia da Liberdade. Dizer em resumo com prprias palavras aquilo que voc entendeu dessa leitura. Portanto, ler e mesmo que voc no entenda tudo, dizer, mas dizer mesmo, aquilo que voc acha ter entendido. E fazer isso de maneira bem precisa e resumida. Fazer isso em particular. Depois, em grupo, cada qual expe o que ele entendeu. No discutir quem tem razo. Mas procurar ver o que h de comum nas compreenses dos membros do grupo. Fixar esse comum. No grupo, ao ouvir o outro, cada qual anote o que achou interessante, novo, na compreenso do outro. Depois dessa reunio, tente ler de novo o captulo, para ver se entende agora melhor o texto. Esse trabalho no precisa ser apresentado na reunio seguinte, no seminrio.

    2. Para a reunio seguinte do seminrio, cada qual em particular tentar comentar as seguintes frases do captulo 3, dando um exemplo ilustrativo:

  • 27

    a) A tese segundo a qual a essncia da verdade... a liberdade deve, portanto, surpreender (p. 30) (sugesto: a admirao o comeo da filosofia. A Bblia diz: O temor de Deus o incio da sabedoria. A surpresa pode ser tambm o incio do conhecimento? Em que sentido? Pode dar um exemplo?)

    b) Como entender em mido a seguinte frase da p. 31: Esta origem humana da no-verdade apenas confirma, por oposio, que a essncia da verdade em si reina acima do homem.

    8 Reunio: Sobre a essncia da verdade

    I. O comentrio do texto: A enunciao recebe sua conformidade... considerado como a essncia da verdade (p. 28/29).

    Sob o ponto de vista abstrato-formal o texto diz:

    1. A enunciao conforma-se com a coisa.

    2. Mas essa conformidade, ela, a enunciao no tem de si, nem da coisa-na-minha-frente.

    3. Ela recebe essa conformidade da abertura do comportamento.

    4. Portanto, somente atravs da abertura do comportamento que o que manifesto se torna norma, a medida diretora de uma apresentao adequada, isto , da adequao da enunciao com a coisa.

    5. Isto significa: o comportamento na sua abertura j deve ter recebido, j deve ter assumido algo como uma estrutura, algo como medida universal que sirva de norma para toda e qualquer apresentao, isto , para toda e qualquer adequao da enunciao com a coisa.

    6. Se assim, ento, a essncia da verdade deve ser originariamente procurada no na adequao da enunciao com a coisa (= proposio, juzo), mas sim naquilo que possibilita essa adequao, isto , na abertura do comportamento que por sua vez assume a medida universal da abertura originria, caracterizada por Heidegger pela formulao: o que manifesto.

    NB: So praticamente sinnimos os termos: apresentao, adequao da enunciao com a coisa, juzo, proposio.

    Resumindo: originariamente temos o mbito aberto como o que manifesto. Esse mbito d a medida ao e comanda o comportamento. O comportamento por sua vez uma abertura que recebe a medida de sua abertura do mbito aberto originrio e possibilita a adequao da enunciao com a coisa.

  • 28

    O que dissemos permanece no abstrato e formal. necessrio concretiz-lo para termos uma intuio do fenmeno. Vamos pois fazer uma tentativa de ilustrao.

    A tentativa:

    A concepo tradicional da verdade, coloca a essncia da verdade na proposio, isto , na adequao da enunciao com a coisa.

    Em vez de dizer a adequao da enunciao com a coisa podemos tambm dizer: adequao do intelecto e da coisa.

    Dentro dessa concepo tradicional h duas correntes opostas.

    Uma diz: A primazia est com a coisa. O intelecto recebe a medida da verdade da coisa, ele se conforma com a coisa: o objetivismo.

    A outra diz: A primazia est com o intelecto. A coisa recebe a medida da verdade do intelecto. A coisa se conforma com as formas inatas do intelecto. o subjetivismo.

    O subjetivismo e o objetivismo se opem. So contrrios. Enquanto continuarem a se opor, no h sada para a questo. como se fosse a oposio entre duas pessoas, das quais uma diz: preto; e a outra diz: branco.

    Preto branco

    Sujeito objeto

    Intelecto coisa.

    Um exame mais crtico no entanto nos mostra o seguinte: tanto o preto como o branco esto em oposio base de um fundamento comum. Esse fundamento comum a tonalidade da cor que a intensidade da luz.

    Tanto o preto como o branco so duas modalidades extremas da tonalidade da luz. Tanto o preto como o branco tm a mesma estrutura: a luz.

    Conforme a intensidade da presena da luz que se chama claridade, temos a tonalidade: preto, diferentes escalas de preto, cinzento, diferentes escalas de cinzento, branco, diferentes escalas de branco.

    Isto significa: entre o preto e o branco no h propriamente oposio. Existe sim uma escala de intensidade na claridade. Por isso, ingenuidade afirmar que o preto tem a primazia e serve de medida ao branco ou vice-versa, que o branco tem a primazia e serve de medida ao preto.

  • 29

    A verdadeira primazia tem a claridade que serve de medida tanto para o preto como para o branco.

    Aplicando esse exemplo ao relacionamento intelecto e coisa, sujeito e objeto, podemos dizer: sujeito e objeto so dois momentos de uma estrutura anterior que possibilita uma tal realidade como sujeito e objeto e o seu relacionamento.

    At aqui creio que voc acompanhou o pensamento. Faamos uma parada aqui para revisar a mente e ver se de fato voc est vendo a realidade. No assim que voc diz: sujeito aqui, objeto l, o relacionamento, e esses trs momentos tm uma estrutura comum? E imagina a coisa assim:

    Relacionamento

    S O

    estrutura comum

    Isto apenas um esquema. Enquanto voc no consegue realizar como esse esquema funciona na realidade, voc no est vendo o fenmeno.

    Como funciona esse esquema na realidade?

    Como o sujeito? O objeto? O relacionamento?

    Vamos e-vocar uma experincia. Existem encontros nos quais nos sentimos humildes. P. ex. voc encontra uma pessoa pobre, sem muito estudo, simples, talvez at marginalizada na sociedade. Digamos que ela o empregado da sua firma que tem a funo de varrer os bros. Sua linguagem humilde, ele o trata de senhor, servial. Voc o trata como um Joo ningum, impessoalmente, como um operrio da sua firma, uma pea insignificante no conjunto da sua firma. Certo dia, voc est de mau humor. E descarrega a sua irritao sobre o empregado. Voc o humilha injustamente. O pobre homem no re-age. Ele aceita a humilhao. Mas de sbito voc percebe que ele ao aceitar no se avilta, no se torna servil, voc sente nitidamente uma transparncia nesse homem, uma grandeza humana: a dignidade. H nele algo de superior, superioridade que no se eleva humilhando-me, rebaixando-me, mas uma superioridade ontolgica, que est-ali simplesmente sendo, singelamente como a rosa que floresce sem o porqu. E nessa transparncia voc sente um calor humano de compreenso. Ao aceitar a humilhao o pobre me aceita no como chefe, como superior, mas como uma pessoa mal-humorada que precisa de compreenso do amigo. H nessa aceitao do pobre algo de cordial, amor de simpatia pela minha fraqueza, uma doao generosa que vem ao meu encontro como servio gratuito e livre minha pessoa humana. E, de repente, compreendo o que humildade; A essncia

  • 30

    da humildade se me torna presente, se ad-presenta, se torna objetiva, no como coisa, no como idia abstrata, mas como o que manifesto na concreo dessa pessoa.

    Para voc que quer compreender o que a essncia da verdade de mxima importncia ver que esse o que se manifesta no a coisa esse sujeito humilde ali. Esse empregado na minha frente como que o representante da dimenso de profundidade chamada humildade, o lugar de concentrao da humildade; Certamente, a dimenso-humildade no algo separado dessa pessoa, pois nela que se torna presente na nitidez e plasticidade da sua manifestao. Mas no uma qualidade que esse sujeito diante de mim possui como sua propriedade psicolgica. Antes, pelo contrrio, a Humildade que possui essa pessoa como humilde, a presena da dimenso-humildade que d o brilho, o sentido, a grandeza a essa pessoa. Se essa pessoa humilde, isto vem porque ela est, aparece luz desse o que manifesto, a humildade.

    Essa presena da Humildade me transforma. Ela me faz tambm transparente, me faz aceitar a aceitao do pobre com gratido, com a gratido de quem recebe, eu me sinto no como superior, como poderoso, mas sim como algum que se abre com gratido simpatia do outro. Com outras palavras, tomo a mesma atitude do pobre empregado, me torno humilde, surjo como objeto dentro da mesma dimenso-humildade de que envolve o empregado. Assim, entre mim e o empregado, surge um relacionamento, um comportamento chamado: aceitao mtua na simpatia e generosidade gratuita.

    Tanto eu como o empregado e o relacionamento somos como que trs momentos de concretizao de uma mesma luz daquilo que manifesto: da Humildade.

    A humildade o mbito aberto, no qual se torna possvel algo como eu humilde, o empregado humilde em relacionamento humilde, em cujo seio, concreta e viva, se torna presente a medida da Humildade como aquilo que manifesto.

    II. Algumas sugestes para a interpretao do captulo 4: a Essncia da Liberdade.

    1. A reflexo anterior sobre a Humildade foi uma tentativa de insinuao como devemos entender o que manifesto.

    A reflexo evoca um trecho j analisado por voc no captulo 2, p. 28: Ali se diz: Todo o comportamento, porm, se caracteriza pelo fato de, estabelecido no seio do aberto, se manter referido quilo que manifesto enquanto tal. Somente, isto que, assim, no sentido estrito da palavra, est manifesto foi experimentado precocemente pelo pensamento ocidental como aquilo que est presente e j desde h muito tempo, chamado ente.

    De fato, os gregos chamaram de ente (n ontologia) a totalidade daquilo que se manifesta, se revela, se mostra, se torna visvel nele mesmo. A totalidade daquilo

  • 31

    que est luz, ou que pode ser trazido luz do dia; o que se manifesta, se mostra, se revela como aquilo que nele mesmo!

    Essa formulao porm abstrata.

    O que quer dizer essa formulao em concreto?

    A chave da questo est na formulao: como aquilo que nele mesmo.

    Vamos refletir sobre esse ponto, mo de um exemplo j batido.

    Vejo uma rosa. O que a rosa naquilo que ela nela mesma? Nela mesma. Em ela. Isto significa: a rosa algo que est dentro dela mesma. Dentro de qu? Dela mesma? Um absurdo incompreensvel, jogo abstrato de palavras? Sim. Mas isto acontece, porque as nossas palavras so incapazes de nos comunicar o que est manifesto diante dos nossos olhos.

    Antes de prosseguir na nossa reflexo, necessrio conscientizar-nos de um entrave que nos dificulta a compreenso. Esse entrave a nossa pr-compreenso cotidiana que funciona em ns inconscientemente, quando colocamos uma pergunta como essa: o que a rosa naquilo que ela nela mesma?

    Experimente formular essa pergunta e se examinar: como concebe a realidade ao fazer essa pergunta? No assim que ao dizer o que a rosa eu j tenho na mente um esquema pr-concebido da realidade como algo que est pronto na minha frente, algo-rosa que tem atrs da aparncia sensvel um ncleo chamado essncia ou substncia, ncleo que constitui aquilo que a rosa em si?

    Da existncia de uma tal pr-compreenso devemos nos conscientizar e neutralizar assim a sua influncia. Pois essa pr-compreenso nos bitola o olhar de ante-mo, nos impede a viso livre daquilo que se manifesta ele mesmo.

    Uma vez imunes da influncia dogmatizante dessa pr-compreenso, a primeira coisa que vemos que a rosa se manifesta cada vez diferente, conforme a dimenso em que ela se revela a si mesma. A rosa po na dimenso da pobreza de uma vendedora, filha na dimenso do jardineiro, a bela do seu corao, para a dimenso do Pequeno Prncipe, Deus na dimenso mstica de um Angelus Silesius.

    A rosa no em si, j pronta, como coisa. Ela se manifesta cada vez diferente, se revela naquilo, isto , na dimenso em que ela aparece cada vez diferente como ela mesma.

    Descobrir as diferentes dimenses, abrir e descortinar diversos horizontes, onde, cuja luz, cuja claridade a rosa se manifesta na sua significao, cada vez diferente, lmpida, sem confuso de dimenses, isto fazer aparecer o ente,

  • 32

    deixar-ser o ente, fazer de algo um fenmeno, deixar o ente ser naquilo que pode ser.

    Mas, se assim, no existe a rosa em si?

    No existe a rosa como aquilo que ela em si mesma? Qual a rosa entre as diversas dimenses possveis de rosa, a rosa por excelncia? Onde ela se revela de maneira mais evidente como ela mesma?

    Essa pergunta no pode ser respondida de fora, de um modo geral. A resposta s possvel na intuio concreta, factual. Em que sentido? Como?

    Imagine p. ex. um S. Francisco. Toda a luta pela converso, dias de dvida, angstia, orao, busca do sentido da sua vida. Todo o processo de despojamento e transformao, at aquele momento, onde grita diante do bispo de Assis e de seu pai Pedro: Pai nosso que estais nos cus... O jovem Francisco, depois dessa cena, ao vagar pelas ruas da cidade, encontra entre os escombros de um muro, uma rosa silvestre. Singela, alegre, abandonada gratuidade da existncia. Sem o para que, sem o por que, simplesmente ali como graa. O jovem Francisco pra diante dessa rosa e agradece. A rosa se lhe revela como a concentrao viva, cristalizao csmica do sentido do universo: Abba, Pai! A rosa aqui se revela como aquilo que ela nela mesma na mxima concentrao, como a quinta essncia, como o princpio, a fonte do sentido do universo.

    Passa por ali um botnico. Ele diz para si: Uma rosa, uma planta, uma coisa viva, orgnica, celular, composio qumica etc.

    O que mais rosa? A planta ou a concentrao csmica do sentido da Vida? Heidegger dir: a rosa de S. Francisco mais rosa, talvez a rosa por excelncia, porque concentra mais intensamente o sentido do ser. Ali, a rosa se manifesta, se revela como ela mesma naquilo que ela a partir de si como ela mesma. o que manifesto.

    Essa rosa, no entanto, no deve ser interpretada como sinal, como indicao para algo que est alm dela. No assim que tenho primeiro uma doutrina sobre a gratuidade do Amor do Pai e aplico esse conhecimento rosa, chamando-a de um smbolo, de uma figura.

    Trata-se de uma intuio, trata-se de um ocular que se rasga no ser, onde a rosa ela mesma nasce, surge, se revela como a presena viva e concreta do amor gratuito do Pai, de tal sorte que posso dizer: a rosa a dimenso graa, todo um mundo chamado graa.

    O ente neste sentido coincide portanto com a dimenso que na filosofia atual se chama: coisa-ela-mesma. E a coisa-ela-mesma no algo como objeto, mas a presena da intensidade do ser como a dimenso concretizada da profundidade humana.

  • 33

    Esta profundidade humana da qual o ente recebe o seu sentido a experincia de um fundamento original oculto do homem que se chama ser-a, ou Dasein (p. 31). Esse ser-ali chama-se tambm Liberdade. E a liberdade se define: o que deixa-ser o ente (p. 32).

    Liberdade como deixar-ser-o-ente significa: fidelidade, docilidade, doao ao que manifesto, abertura originria que se chama altheia.

    2. O texto da p. 22: O entregar-se ao carter... Toda a frase tem o carter de desvelado. Como entender essa frase? E principalmente como entender a estrutura da ex-sistncia? Talvez um exemplo possa nos servir de apoio para compreender esse texto da p. 33.

    Antes dissemos que o comportamento no deve ser entendido como um ato psicolgico de um sujeito j pr-existente como uma substncia coisa.

    O termo comportamento designa a totalidade de correlao eu-objeto-relacionamento, constituda na dinmica processual de ad-presentao. no comportamento que surgem o eu, o objeto e a relao.

    Esse surgimento do eu, objeto e relao, podemos chamar com risco de ser entendido psicologicamente de consciencializao.

    P. ex. o viver assim ao lu, na onda dos acontecimentos, no propriamente comportamento. Vegetar na vida tambm no comportamento.

    No comportamento h sempre uma ex-posio (p. 33).

    Uma tomada de posio, a partir de um despertar para o que est alm do estado factual de mim mesmo.

    Vamos ilustrar o que dissemos com um exemplo.

    Estou no refeitrio e no meio de um zunido indefinido murmuro sem entusiasmo o Pai-Nosso. O meu pensamento anda no sei onde, um cansao agradvel de estmago cheio toma conta de mim e o Pai-Nosso que estou pronunciando no outra coisa do que o murmrio confuso no qual flutuo meio sonolento, entediado.

    Voc abre um livro-relatrio do campo de concentrao em Saigon. Cmaras de tortura, fossa de concreto armado, onde os prisioneiros vivem se que isso ainda viver um estado infra-animal. Voc abre o jornal: guerras, lutas, seqestros, assassinatos, injustia, roubo, destruio absurda e cruel. Voc abre o livro de Histria: uma corrente ininterrupta de matana, prepotncia, opresso dos pobres. Voc abre os olhos ao seu redor. E de repente passa-lhe pela cabea a orao: Pai Nosso... A tese: Deus Amor... o slogan: Deus bom, Pai... Tome a srio a realidade-noite da Terra dos homens. Tome a srio que cada uma dessas pessoas esmagadas seu pai, sua me, seu irmo, sua irm, seu filho, sua filha.

  • 34

    E reze ento o Pai Nosso... Chame a Deus, que tudo isso permite, de Pai, se voc puder... Ele Pai? No tambm todo-poderoso?

    A orao do Pai-Nosso se me torna infinitamente difcil, pesada. Ele se manifesta como realidade, nitidamente, brutalmente como um soco no estmago. Para voc dizer Pai nosso, voc se expe a uma tremenda aventura de auto-superao. Antes, o Pai-Nosso era um murmrio que brotava sem dificuldade do bem-estar do meu estmago cheio e satisfeito. Era por assim dizer um epifenmeno, uma sensao de sonolncia indiferente, irreal do meu eu. Agora, de repente, estou como que colocado na parede, encurralado, na iminncia de me expor ao que manifesto, de assumi-lo, isto , de entregar-me ao carter de ser revelado (p. 33). Voc est numa situao onde colocada a exigncia: Diga Pai se voc pode! Esse poder uma nova relao com voc mesmo. um novo comportamento para com voc mesmo.

    Voc deve assumir todo seu ser de at ento, para se ex-por nova abertura que lhe dita a medida de deciso. pois a Liberdade. Na medida em que voc pode entregar-se ao que se manifestou como Pai, na medida em que voc se autosupera e se transcende para o revelado, na medida em que consegue se abrir face terrvel do Pai, voc ex-siste, voc .

    Esse ex-sistir portanto um recuo. Quando voc rezava no refeitrio, voc no recuou diante do ente. Vivia numa simbiose amorfa, sem conscincia do que o Pai-Nosso. Agora, nessa exposio, o ente Pai se lhe manifesta como objeto da sua deciso, se manifesta nitidamente como a realidade a que voc deve se expor, colocando em xeque o eu, para se abrir estrutura da autosuperao como a transcendncia de si mesmo na entrega ao revelado. Recuo no sentido de tenso-despertadora que faz aparecer o objeto nitidamente diante de voc como exigncia de deciso.

    Essa estrutura que Heidegger chama de Da-sein (ser-a), Ex-sistncia, Exposio, Transcendncia, a essncia da Deciso, isto , da Liberdade, e constitui a experincia de um fundamento original oculto do homem!

    Sugesto de trabalho para a seguinte reunio:

    1. Ler o captulo 4, mo dessa apostila.

    2. Ler especialmente analisando frase por frase o texto:

    A Liberdade foi primeiramente determinada como... abertura do aberto, isto , a presena (o a) o que (p. 32-34).

    3. Tentar ento compreender o que significa: deixar-ser o ente.

  • 35

    4. Consegue na sua prpria vida e-vocar uma experincia onde voc deixou-ser o ente?

    5. Em grupo, peo fazer um trabalho que talvez seja um tanto difcil, mas que bastante fascinante, ao menos para mim:

    O PUNHAL

    A Margarida Bunge

    Numa gaveta h um punhal.

    Foi forjado em Toledo, em fins do sculo passado: Lus Melian Lafinur deu-o a meu pai, que o trouxe do Uruguai; Evaristo Carriego segurou-o algumas vezes.

    Aqueles que o vem sentem necessidade de brincar um pouco com ele; percebe-se que h muito o estavam buscando; a mo se apressa a apertar a empunhadura que a espera; a folha obediente e poderosa movimenta-se com preciso dentro da bainha.

    O punhal quer outra coisa.

    mais do que uma estrutura feita de metais; os homens o pensaram e o formaram para um fim muito preciso; , de certo modo, eterno, o punhal que ontem noite matou um homem em Tacuaremb e os punhais que mataram Csar. Quer matar, quer derramar sangue brusco.

    Numa gaveta da escrivaninha, entre rascunhos e cartas, o punhal conta interminavelmente o seu simples sonho de tigre, e a mo se anima quando o dirige, porque o metal se anima, o metal que em cada contato pressente o homicida para o qual os homens o criaram.

    s vezes me d pena. Tanta dureza, tanta f, to tranqila ou inocente soberba, e os anos passam, inteis (BORGES, ano, p. 66).

    Este trecho do escritor e filsofo argentino: Jorge Lus Borges. Aqui temos um exemplo de deixar-ser o ente. Borges deixa-ser o punhal naquilo que manifesto como punhal.

    Refletindo o que Heidegger diz de Liberdade como deixar-ser o ente, ser que voc consegue ver por que esse texto um exemplo para o deixar-ser-o-ente, portanto, para a Liberdade?

  • 36

    Ler o texto de Borges, tentando entrar no corao do punhal...! E tente intuir o que manifesto. Se voc conseguir ver, ento voc mesmo nesse intuir est deixando o punhal ser. Depois disso, consegue dizer o que voc viu?

    Para a seguinte reunio, cada grupo poderia apresentar uma descrio do que viu, para ilustrar os textos abstratos de Heidegger sobre a liberdade como deixar-ser o ente, entregar-se ao desvendado etc.

    9. Reunio: Sobre a essncia da verdade

    Reflexo acerca do 4o captulo.

    1. Na nossa leitura, talvez voc tenha percebido um fato muito importante. Importante para a compreenso do estudo da filosofia.

    Voc inicia a leitura disposto a buscar a resposta para a pergunta: o que a Verdade? Motivo, talvez curiosidade. Talvez um mero desejo de informao ou simples ocupao. Talvez uma verdadeira sede de saber, cultura. Ou, quem sabe, uma dura necessidade de resolver a dvida que se apossou de sua mente.

    Cada qual, a partir de uma atitude em frente ao texto comea a entrar no processo da leitura. Atitude em frente ao texto que expresso da sua atitude perante a filosofia, perante o estudo em geral. Esta, por sua vez, se entrosa numa tomada de posio talvez inconsciente perante a sua vida. Toda essa rede de atitude, da qual a sua atitude perante o texto somente uma das articulaes, no apenas uma atitude moral. antes uma pr-compreenso. Algo como ocular, enfoque preestabelecido, que voc carrega consigo. tomada de posio intelectiva. O processo de leitura, em vez de responder pergunta o que a verdade?, leva voc a se confrontar com essa sua pr-compreenso. Ficar confuso p. ex. uma confrontao. Pois se o texto o deixou confuso, voc est colocado diante da pergunta: por que fiquei confuso? Talvez, a minha atitude intelectual esteja bitolada no sentido de achar que o estudo deve dar resposta pronta s minhas perguntas guisa do catecismo da doutrina crist. Ou talvez o que possuo de cabedal de conhecimento no passe de meros conceitos recebidos, jamais refletidos, uma espcie de etiquetas que uso para ordenar as situaes ao redor de mim. Verdade, liberdade, ser que j travei uma luta corpo a corpo com esses conceitos, confrontando-os com a realidade que eu vivo, que nos cerca? Mas afinal como vivo? Qual a minha ex-sistncia? O grau de transcendncia? Qual a minha existncia intelectual? O grau de confronto com teologia, filosofia? Receptiva na atitude dcil, filial, sem o distanciamento da conscientizao confrontal? Atitude de aluno que informado. Informao. Erudio. Cabedal de conhecimento. Para mais tarde us-lo etc...

    Mas... e voc mesmo?

  • 37

    O texto de Heidegger, se voc consegue entrar em luta com ele, leva-o necessariamente a um confronto. Em vez de me responder s perguntas e dissipar as dvidas, ele comea a me revelar a minha estrutura mental. Comea a me mostrar que jamais pensara com res-ponsabilidade sobre a realidade muito sria e pensada, como p. ex. verdade, liberdade. O texto comea ento a sacudir, a abalar meus pr-conceitos, mostra a necessidade de me dispor para a transformao do pensar (p. 31). Transformao alis, que traz consigo o risco de revisar todo o meu modo de ser, ver, sentir e julgar. Nesse sentido talvez a reflexo uma coisa bastante perigosa e no algo inofensivo e abstrato. Talvez seja necessrio estudar, refletir como quem salva a sua pele...

    Um tema para a reflexo individual: por que sou to insensvel para o peso de tudo quanto lemos, pensamos e estudamos? Parece que me envolve uma nuvem de leviandade acadmica que considera como material de informao, erudio, saber, instrumento de pastoral as realidades explosivas e periculosssimas da Vida como: Deus, Liberdade, Verdade, Mal etc. Donde vem que temos ao redor de ns um mundo de conceitos, etiquetas e pr-conceitos que nos fazem cegos e insensveis para a Experincia da Realidade na qual estamos metidos at o pescoo? Donde vem que tantos anos de estudos nos tiram a capacidade de admirar, de nos angustiar, de nos surpreender? De nos deixar atingir? Por que perdemos o vigor, o frescor, a vulnerabilidade do Esprito? Donde vem essa tendncia em mim de nivelar tudo no j-conhecido, de acostumar-me a tudo, de no conseguirmos mais dar a nitidez e a plasticidade s coisas ao nosso redor? Essa tendncia de acostumamento, no qual o frescor da experincia originria decai para o cotidiano montono, tedioso e sem colorido, est intimamente ligado com o que Heidegger chama de: no verdade no desvelamento (p. 36), isto : o encobrimento ou erro.

    2. Heidegger afirma na p. 31 que reflexo sobre o relacionamento fundamental entre a verdade e liberdade nos leva ao questionamento da essncia do homem etc.

    Experimente ver bem o processo. Voc comea uma reflexo pegando a ponta do fio de um problema: o problema da essncia da verdade. Um problema nunca est s. O fio de um problema nos eleva imediatamente s suas implicaes. Logo que voc comea a des-fiar uma questo, vem junto toda uma rede de outros problemas. Com outras palavras: a busca da essncia da verdade ao mesmo tempo busca da essncia da liberdade, essa ao mesmo tempo a busca pela essncia do homem. E esta por sua vez uma pergunta pelo Ser. Na filosofia necessrio ter a pacincia e coragem de assumir esse des-fiamento em diferentes direes, ao mesmo tempo. De aceitar como algo natural esse estilo de investigao na qual, quando voc comea num ponto surgir aos poucos todas as implicaes ali contidas.

    3. Heidegger chama o fundamento latente essencial do homem: Da-sein. Da-sein traduo literal do termo latim: Ex-sistentia.

  • 38

    Na linguagem comum e nas filosficas que se baseiam no senso comum, usamos o termo existncia para indicar algo que real em contraposio ao fictcio, ao irreal. Existncia aquilo que faz com que algo seja real, e no fictcio ou irreal.

    Em Heidegger o termo significa a estrutura de profundidade fundamental do ser-homem.

    Ele escreve ex-sistncia.

    Sistncia no ex. Sistir no ex significa: constituir-se e manter a sua consistncia (sistencial) a partir de uma abertura (ex).

    Tomemos um exemplo da coragem. Coragem no uma coisa que voc adquire como objeto j existente diante de voc. A coragem uma abertura, um modo de ser no qual, tomando todo seu ser, voc deve entrar. Mas esse entrar no um entrar no espao j existente. um abrir-se e manter-se renovando-se sempre de novo nessa abertura. Aqui surge a estrutura que poderamos caracterizar como contnua autoassumpo, renovao contnua, na qual cada passo que voc d deve reassumir todo o seu ser passado e se expor de novo abertura-coragem que vai se tornando cada vez mais ntida, que vai se desvelando no que ela ; e ao se revelar exige por sua vez o engajamento renovado e potenciado. o transcender-se a si mesmo, a autosuperao. nesse movimento dinmico que vai se constituindo cada vez mais plstica e nitidamente o eu-coragem ou o eu-corajoso e esse eu-corajoso uma espcie de ocular que me faz ver ao meu redor todo um mundo de valores de coragem.

    Essa estrutura da ex-sistncia no fundo uma compreenso originria do que coisisticamente chamamos de estrutura sujeito-objeto.

    Portanto, Heidegger no quer eliminar a estrutura sujeito-objeto. Aqui, ele pretende ver o fundamento originrio dessa estrutura. Ou, em outr