verão do pier 2

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T inha tudo para dar errado: o píer era uma horrorosa estrutura de madeira, aço e ferro enfiada mar adentro, em plena Ipanema, com o único propósito de escorar tubos de esgoto até alto-mar. Para fixar as pi- lastras, toneladas de areia foram re- tiradas do fundo do mar e espalhadas na praia formando dunas artificiais. Quem passava na calçada da Vieira Souto simplesmente não conseguia en- xergar o mar. Tinha tudo para dar errado, mas, no comecinho de 1972, o conjunto formado pelo píer medonho, pelas dunas de araque e por um pu- nhado de surfistas, artistas, desbun- dados, poetas, hippies e malucos de todos os tipos transformou o lugar no point do verão. Aquele seria o Verão do Píer. Ou, dependendo da vontade do freguês, o Verão das Dunas. Tanto faz. O que se sabe é que, de lá pra cá, Ipanema não parou mais de inventar seus verões. Sem o Verão do Píer — o primeiro a criar uma tribo em Ipanema — pro- vavelmente não existiria o Verão do Circo, o Verão da Lata e nem o Verão do Apito. É possível até que não exis- tisse nem o Posto 9 nem o Coqueirão. Naquele 1972, havia algo de novo no ar e, especialmente, no mar. Quando a corrente vinha dos lados do Leblon, encontrava uma barreira formada pe- los pilares e pelas chapas de ferro que formavam o emissário submarino, ali em frente à Farme de Amoedo. A onda então recuava um pouco, como se fosse empurrada para trás, elevando e aplanando o fundo de areia, deixando- o na medida para o surfe. — Era como os corais do Havaí, só que no quintal da nossa casa — explica Marco Telles, o Coyote, editor do site pierdeipanema.com.br, dedicado exclu- sivamente às histórias daquela época. — A história do Píer começou nas ondas. Depois disso, cada onda que vinha era melhor que a outra. Nunca se tinha visto esquerdas tão perfeitas em Ipanema. Os surfistas — que já se queixavam do excesso de forasteiros do Arpoador — foram os primeiros a chegar ao lugar. Depois vieram as menininhas bonitas que sempre vão atrás deles, os hippies, o cheiro de parafina, a maresia, a paz e o amor, os violões, o incenso, os sovacos ca- beludos, os intelectuais, a festa, o pôr do sol e os malucos que cis- maram de bater palma para ele. Por fim, veio Gal Costa.a Jovens observam o nascer do sol nas Dunas da Gal, também conhecida como Dunas do Barato, em 1º de janeiro de 1972 Eurico Dantas/21-3-1972

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verãoT

inha tudo para dar errado: o píerera uma horrorosa estrutura demadeira, aço e ferro enfiada maradentro, em plena Ipanema, com

o único propósito de escorar tubos deesgoto até alto-mar. Para fixar as pi-lastras, toneladas de areia foram re-tiradas do fundo do mar e espalhadasna praia formando dunas artificiais.Quem passava na calçada da VieiraSouto simplesmente não conseguia en-xergar o mar. Tinha tudo para darerrado, mas, no comecinho de 1972, oconjunto formado pelo píer medonho,pelas dunas de araque e por um pu-nhado de surfistas, artistas, desbun-dados, poetas, hippies e malucos detodos os tipos transformou o lugar nopoint do verão. Aquele seria o Verãodo Píer. Ou, dependendo da vontadedo freguês, o Verão das Dunas. Tantofaz. O que se sabe é que, de lá pra cá,Ipanema não parou mais de inventarseus verões.

Sem o Verão do Píer — o primeiro acriar uma tribo em Ipanema — pro-vavelmente não existiria o Verão doCirco, o Verão da Lata e nem o Verãodo Apito. É possível até que não exis-tisse nem o Posto 9 nem o Coqueirão.Naquele 1972, havia algo de novo no ar

e, especialmente, no mar. Quando acorrente vinha dos lados do Leblon,encontrava uma barreira formada pe-los pilares e pelas chapas de ferro queformavam o emissário submarino, aliem frente à Farme de Amoedo. A ondaentão recuava um pouco, como sefosse empurrada para trás, elevando eaplanando o fundo de areia, deixando-o na medida para o surfe.

— Era como os corais do Havaí, só queno quintal da nossa casa — explicaMarco Telles, o Coyote, editor do sitepierdeipanema.com.br, dedicado exclu-sivamente às histórias daquela época. —A história do Píer começou nas ondas.

Depois disso, cada onda que vinhaera melhor que a outra. Nunca setinha visto esquerdas tão perfeitasem Ipanema. Os surfistas — que já sequeixavam do excesso de forasteirosdo Arpoador — foram os primeiros achegar ao lugar. Depois vieram asmenininhas bonitas que sempre vãoatrás deles, os hippies, o cheiro deparafina, a maresia, a paz e o amor, osviolões, o incenso, os sovacos ca-beludos, os intelectuais, a festa, opôr do sol e os malucos que cis-maram de bater palma para ele. Porfim, veio Gal Costa.a

Jovensobservam o nascer do sol nas Dunas da Gal, também conhecida como Dunas do Barato, em 1º de janeiro de 1972Surfistaaomar na altura da Farme deAmoedo: pilares e chapas usados naconstrução do píer melhoraram as ondas

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