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Pedra & Cal n.º 35 Julho . Agosto . Setembro 2007 23 INTRODUÇÃO A humidade ascensional manifesta- -se em paredes de construções anti- gas quando estas estão em contacto com água ou com solo húmido, pelo facto dos materiais constituintes apresentarem elevada capilaridade e de não existir um corte hídrico efi- caz. Este fenómeno pode estar asso- ciado a águas freáticas e/ou superfi- ciais. A ascensão capilar progride até que se verifique o equilíbrio entre a eva- poração e a capilaridade. Sempre que se reduzem as condições de evaporação com a colocação de um material impermeável, como por exemplo azulejos, a altura da ascen- são capilar aumenta até se atingir um novo equilíbrio a uma cota mais elevada. A altura de progressão da humida- de ascensional depende das condi- ções climáticas das ambiências (temperatura e humidade relativa), da insolação, da espessura da pare- de, da porosidade dos materiais e da presença de sais. A secagem dos materiais está de- pendente da concentração de vapor de água na ambiência (Ca') e da con- centração de água na superfície dos materiais (Cs'). Nas construções his- tóricas não há grande variação entre a temperatura do ar interior e a tem- peratura da superfície interior das paredes, pelo que, quando a humi- dade relativa é elevada, a diferença Cs' - Ca' tende para zero, tal como o fluxo de secagem. Na prática, as hu- midades ascensionais atingem a co- ta mais elevada no Inverno, quando a humidade relativa do ar é maior. Por sua vez, a insolação provoca a elevação da temperatura da face ex- ESTUDO DE CASO Tema de Capa Ventilação da base das paredes como técnica de tratamento da humidade ascensional Uma Igreja do norte de Portugal Fig. 1 Fachada principal da Igreja de Vilar de Frades VILAR DE FRADES V2.QXD 03-11-2007 9:42 Page 1

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Pedra & Cal n.º 35 Julho . Agosto . Setembro 2007 23

INTRODUÇÃOA humidade ascensional manifesta--se em paredes de construções anti-gas quando estas estão em contactocom água ou com solo húmido, pelofacto dos materiais constituintesapresentarem elevada capilaridadee de não existir um corte hídrico efi-caz. Este fenómeno pode estar asso-ciado a águas freáticas e/ou superfi-ciais.A ascensão capilar progride até quese verifique o equilíbrio entre a eva-poração e a capilaridade. Sempreque se reduzem as condições de

evaporação com a colocação de ummaterial impermeável, como porexemplo azulejos, a altura da ascen-são capilar aumenta até se atingirum novo equilíbrio a uma cota maiselevada.A altura de progressão da humida-de ascensional depende das condi-ções climáticas das ambiências(temperatura e humidade relativa),da insolação, da espessura da pare-de, da porosidade dos materiais eda presença de sais.A secagem dos materiais está de-pendente da concentração de vapor

de água na ambiência (Ca') e da con-centração de água na superfície dosmateriais (Cs'). Nas construções his-tóricas não há grande variação entrea temperatura do ar interior e a tem-peratura da superfície interior dasparedes, pelo que, quando a humi-dade relativa é elevada, a diferençaCs' - Ca' tende para zero, tal como ofluxo de secagem. Na prática, as hu-midades ascensionais atingem a co-ta mais elevada no Inverno, quandoa humidade relativa do ar é maior.Por sua vez, a insolação provoca aelevação da temperatura da face ex-

ESTUDO DE CASOTema de Capa

Ventilação da base das paredes como técnicade tratamento da humidade ascensional

Uma Igrejado norte de Portugal

Fig. 1 � Fachada principal da Igreja de Vilar de Frades

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terior da parede, o que, por termo-migração, conduz a humidade parao interior, condicionando o compor-tamento de fachadas com diferentesorientações.

DESCRIÇÃO SUMÁRIADO EDIFÍCIOA Igreja de Vilar de Frades, tambémdesignada Igreja do Mosteiro deSão Salvador, fica situada em Arei-as de Vilar, no concelho de Barcelos(fig. 1). Este templo está classificadocomo Monumento Nacional. É umimóvel afecto ao Instituto Portu-guês do Património Arquitectónico- IPPAR � desde 1992.O edifício original, que terá sido fun-dado em 566 pelo Bispo S. Martinhode Dume, foi totalmente destruídodurante as invasões muçulmanas. Aigreja foi posteriormente reconstruí-da no séc. XI. A partir do séc. XVIsucederam-se diversas intervençõesde ampliação e de remodelação quealteraram significativamente o tem-plo e a área envolvente.A igreja é confinada a Sul peloclaustro e pelo Mosteiro. O seu inte-rior apresenta uma planta crucifor-

ENQUADRAMENTODA INTERVENÇÃOCom o objectivo de dar continui-dade às anteriores intervenções rea-lizadas pelo IPPAR, nomeadamen-te, a estabilização estrutural da Igre-ja, a realização de um sistema dedrenagem de águas freáticas no pe-rímetro exterior do edifício e no in-terior da nave e a impermeabiliza-ção do pavimento da nave central,aquele Instituto solicitou ao gabi-nete Prof. Eng.º Vasco Peixoto deFreitas, Ld.ª a elaboração de um pa-recer sobre o comportamento face à

me. A nave central é coberta poruma complexa abóbada nervurada.Lateralmente à nave existem diver-sas capelas abobadadas e a Nascen-te situa-se a capela-mor.As paredes exteriores do alçadoNorte da Igreja e da envolvente dacapela-mor são reforçadas por con-trafortes (fig. 2).

CARACTERIZAÇÃO DOS ELEMEN-TOS CONSTRUTIVOS EM ANÁLISEAs paredes exteriores e os con-trafortes são em alvenaria de grani-to. Existe uma diferença de cerca deum metro entre a cota do terrenoque confina as paredes do alçadoNorte e da capela-mor e a cota dopavimento interior, pelo que estasparedes se encontram parcialmenteenterradas (fig. 3).Por razões de segurança, a fundaçãodos quatro contrafortes do alçadoNorte da Igreja foi reforçada. Paratal, foram executados elementos embetão armado que contornam a faceexterior dos contrafortes e parededa Igreja (fig. 4).Os pavimentos interiores são emlajeado de granito.

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Fig. 2 � Aspecto exterior da capela-mor Fig. 3 � Sondagem realizada no exterior dacapela-mor

Fig. 4 � Reforço dos contrafortes do alçado Norte(Fonte: IPPAR)

Fig. 5 � Face interior de uma parededa capela-mor

Fig. 6 � Manchas de humidade no pavimento dacapela com Pia Baptismal

Fig. 7 � Traçado dos sistemas de ventilação dabase das paredes

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humidade da Igreja de Vilar de Fra-des. As preocupações do IPPARcentravam-se nas patologias asso-ciadas à humidade existentes na ca-pela-mor e capelas laterais.A metodologia para os trabalhos dereparação proposta no estudo de

diagnóstico foi posteriormente inte-grada no projecto de execução daempreitada de tratamento de pavi-mentos e paredes face à humidadeque, tal como a anterior intervenção,teve como coordenador de projectoo Arq.º Alfredo Ascensão. A em-

1. Impermeabilização (telas betuminosas); 2. Brita ou godo; 3. Canal de ventilação em betão armado pre-fabricado; 4. Tubos de PVC ( 0 315 mm); 5. Caixa de ventilação; 6. Grelha em aço inox; 7. Ligação àrede de drenagem de águas pluviais

ESTUDO DE CASOTema de Capa

Fig. 8 � Pormenor do canal do sistema exterior de ventilação da base das paredes

Fig. 9 � Contorno exterior da capela-mor após aconclusão do sistema de ventilação exterior

Fig. 10 � Abertura do sistema de ventilação exte-rior da base das paredes

preitada foi realizada pela empresaSTAP � Reparação, Consolidação eModificação de Estruturas, S. A..

O PROBLEMA

Nas visitas realizadas ao edifício ve-rificou-se que existiam "manchas

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verdes" na face interior das paredesda capela-mor, sobretudo até cercade um metro de altura (fig. 5), e queo lajeado dos pavimentos da capela--mor e das capelas laterais, zonasque ainda não haviam sido inter-vencionadas, se encontravam com-pletamente saturados de humidade(fig. 6).

AS CAUSASA humidade existente quer na basedas paredes, quer nos pavimentos,que não foram alvo de intervenção,terá tido origem na ascensão capilar.Na situação em análise verificámosque as condições de evaporação sãodesfavoráveis devido à elevada hu-midade relativa e insuficiente venti-lação no interior da Igreja.Ao executar-se o reforço das funda-ções dos contrafortes foi colocadauma cortina de betão armado emparte da envolvente da Igreja, que foiposteriormente impermeabilizada.

embora seja uma técnica de correc-ção interessante, poderá ser poucoeficaz em paredes de granito degrande espessura devido à hetero-geneidade dos materiais que a cons-tituem. Assim, de modo a aumentara capacidade de secagem das pare-des em contacto com o solo, foi pro-posta a realização de um sistema deventilação na sua base (fig. 7).O sistema de ventilação da base dasparedes visa também compensar oeventual agravamento da ascensãocapilar resultante da impermeabili-zação dos pavimentos em lajeado degranito da capela-mor, das capelaslaterais e do transepto.Na face exterior das paredes da en-volvente foi criado um canal de ven-tilação pela acção do vento, consti-tuído por elementos prefabricadosde betão (fig. 8). Este canal é pon-tualmente aberto ao ar exterior porintermédio de grelhas verticais (figs.9 e 10).O canal contorna as paredes exterio-res e os contrafortes. A realização deuma cortina de betão, para reforçodas fundações do alçado Norte, im-permeabilizou a base das paredesimpossibilitando o tratamento destazona. A ligação entre o canal prefa-bricado em betão e as caixas de ven-tilação com grelha foi realizada comtubos de PVC.Na face interior das paredes foi co-locado um tubo perfurado com umdiâmetro de 200 mm (manilha de be-tão), imediatamente abaixo do lajea-do de granito (figs. 11, 12 e 13). Exis-tem dois subsistemas distintos nointerior da Igreja, ambos com venti-lação forçada.

Embora tenha sido prevista uma dre-nagem periférica exterior ao reforço,a barreira que foi criada condiciona atransferência de humidade.

A INTERVENÇÃO � REALIZAÇÃODE UM SISTEMA DE VENTILAÇÃODA BASE DAS PAREDESExistem diversas técnicas para o tra-tamento de paredes sujeitas aos efei-tos da humidade ascensional. A exe-cução de um corte hídrico atravésda injecção de produtos químicos,

1. Elementos metálicos; 2. Peça prefabricada em betão; 3. Tela de PVC (1 mm); 4. Pedra reacertada; 5. Areia; 6. Tubo de ventilação; 7. Geotêxtil

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Fig. 11 � Pormenores do sistema interior de ventilação da base das paredes

Fig. 12 � Trabalhos de realização do sistema deventilação interior na capela-mor

Fig. 13 � Tubagem perfurada do sistema de ven-tilação interior

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A admissão de ar ao subsistema doalçado Norte é realizada a partir deuma grelha exterior, junto à fachadaPoente do transepto. A exaustão érealizada por um ventilador de ve-locidade variável que entra em fun-cionamento quando a humidade re-lativa no exterior da Igreja é inferiorà existente no interior da conduta deventilação (figs. 14 e 15).No subsistema Sul a admissão é fei-ta por rasgos nos degraus (fig. 16) eno pavimento de duas capelas late-rais. Esses rasgos estão ligados a cai-xas prefabricadas em betão, queconduzem o ar à tubagem de venti-lação ao longo do contorno das ca-pelas. A exaustão realiza-se para oclaustro (fig. 17). Existe extracçãomecânica quando a humidade nointerior da tubagem de ventilação ésuperior à do interior da Igreja.Cada subsistema de ventilação inte-rior da base das paredes (higro-re-gulável) inclui os seguintes equipa-mentos para controlo do dispositivode extracção de ar:● duas sondas de humidade relativae temperatura;● dois transmissores de humidade

relativa e temperatura;● um módulo de controlo;● um sistema de aquisição de dados.

Uma das sondas de cada subsistemafoi colocada no interior da tubagemde ventilação. As restantes foraminstaladas no exterior da fachadaNorte e numa das capelas laterais.As sondas estão ligadas a um mó-dulo de controlo que, comparandoos valores das duas humidades rela-tivas (interior e exterior da tuba-gem), irá ligar ou desligar o disposi-tivo de extracção mecânica do sub-sistema.O sistema de aquisição de dadosdestina-se a armazenar os valoresrecolhidos pelas sondas para moni-torização do funcionamento do sis-tema.

CONCLUSÕESA ventilação da base das paredes,apesar de exigir uma intervenção si-gnificativa para a sua implementa-ção nos edifícios históricos, tem co-mo base uma tecnologia simples.A implementação na Igreja de Vilarde Frades de um sistema de venti-lação da base das paredes, para tra-tamento da humidade ascensional,que incluiu a execução de um canalexterior ventilado naturalmente e acriação de um sistema de ventilaçãopelo interior das paredes associadoa extracção mecânica, com um ven-tilador de velocidade variável hi-gro-regulável, tem conduzido a re-sultados muito satisfatórios.O sistema de ventilação interior dasparedes é actualmente objecto de in-

VASCO PEIXOTO DE FREITAS,Engenheiro,Professor Catedrático da Faculdade deEngenharia da Universidade do Porto,Director do Laboratório de Física dasConstruções

ISABEL SERENO,Arquitecta, IPPAR � Instituto Portuguêsdo Património Arquitectónico

ALFREDO ASCENSÃO,Arquitecto, Alfredo Ascensão & PauloHenriques Arquitectos, Ld.ª

PEDRO FILIPE GONÇALVES,Engenheiro, Prof. Eng.º Vasco Peixoto deFreitas, Ld.ª

ANA SOFIA GUIMARÃES,Engenheira, Laboratório de Física dasConstruções da Faculdade de Engenhariada Universidade do Porto

MIGUEL SANTOS,Engenheiro, STAP � Reparação, Conso-lidação e Modificação de Estruturas, S. A.

vestigação pelo Laboratório de Físi-ca das Construções da Faculdade deEngenharia da Universidade doPorto, nomeadamente, através damonitorização do seu funcionamen-to, com vista à quantificação do de-sempenho.

ESTUDO DE CASOTema de Capa

BIBLIOGRAFIAFREITAS, V. P.; TORRES, M. I.; ASCENSÃO, A.;GONÇALVES, P. F. Tratamento da humidade ascen-sional na Igreja de Vilar de Frades. Estudos/Pa-trimónio n.º 3, pp. 54-62. IPPAR, 2002.

Fig. 14 � Abertura de extracção do subsistemainterior Norte

Fig. 16 � Rasgo no degrau de uma capela lateralpara admissão ao subsistema interior Sul

Fig. 17 � Equipamentos do subsistema interiorSul

Fig. 15 � Localização dos equipamentos de con-trolo do subsistema interior Norte

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