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XII Semana de Extensão , Pesquisa e Pós-Graduação – SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis Variação linguística em aula de língua estrangeira: os “espanhóis” no mundo atual globalizado Julia Oliveira Osorio Marques Mestre UNISINOS [email protected] Silvia Regina Delong Mestre UNISINOS [email protected] Resumo: As variações da língua espanhola faladas, aprendidas e estudadas no mundo atual globalizado costumam ser subjugadas por uma única forma linguística, a prestigiada norma culta, de superioridade valorativa normalmente incontestada. Contudo, assim como o indivíduo pós-moderno possui identidades dinâmicas, as línguas também estão em constante mudança e são sociohistoricamente situadas. Considerando-se o mundo contemporâneo pós- moderno e globalizado e as identidades híbridas dos falantes, as línguas também enriquecem-se no seu hibridismo e pluralidade. Desse modo, os inúmeros espanhóis falados no mundo devem ser explorados nas aulas de língua estrangeira a partir de um posicionamento valoroso que busca inclusão e legitimidade desses espanhóis, evitando um sentido da língua enquanto ferramenta ideológica imperialista, discriminatória e excludente. Assim sendo, este estudo, de natureza bibliográfica e exploratória, traz como modelo uma unidade didática norteada pela teoria sociocultural de aprendizagem a fim de ilustrar uma das possíveis maneiras de se trabalhar a temática da variação linguística em espanhol. Busca-se com este estudo, acima de tudo, a conscientização de professores e alunos sobre a relevância do devido reconhecimento das variações linguísticas da língua espanhola. Além disso, tendo em vista o uso crescente de ferramentas digitais auxiliares nos processos de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, visa-se também trazer à tona a questão da variação linguística mediante a elaboração de uma unidade didática por intermédio de uma ferramenta digital de edição colaborativa na internet, tendo como alvo alunos brasileiros do sexto ano do ensino fundamental falantes de português como primeira língua. 1 Introdução Estudiosos afirmam que a variação linguística tem como objeto de estudos o caos linguístico, pois são as variantes da norma culta de alguma língua que estão em pauta. Entretanto, embora haja muito enfoque nesta forma padrão, não se pode negar que sendo as línguas entidades dinâmicas, vivas, e em constante modificação, consequentemente, as línguas periféricas encontram-se em maior número em relação às suas variantes normativas. Porém, não se trata meramente de quantidade, mas sim de relevância

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Variação linguística em aula de língua estrangeira: os “espanhóis” no mundo atual globalizado

Julia Oliveira Osorio Marques Mestre UNISINOS [email protected] Silvia Regina Delong Mestre UNISINOS [email protected]

Resumo: As variações da língua espanhola faladas, aprendidas e estudadas no mundo atual globalizado costumam ser subjugadas por uma única forma linguística, a prestigiada norma culta, de superioridade valorativa normalmente incontestada. Contudo, assim como o indivíduo pós-moderno possui identidades dinâmicas, as línguas também estão em constante mudança e são sociohistoricamente situadas. Considerando-se o mundo contemporâneo pós-moderno e globalizado e as identidades híbridas dos falantes, as línguas também enriquecem-se no seu hibridismo e pluralidade. Desse modo, os inúmeros espanhóis falados no mundo devem ser explorados nas aulas de língua estrangeira a partir de um posicionamento valoroso que busca inclusão e legitimidade desses espanhóis, evitando um sentido da língua enquanto ferramenta ideológica imperialista, discriminatória e excludente. Assim sendo, este estudo, de natureza bibliográfica e exploratória, traz como modelo uma unidade didática norteada pela teoria sociocultural de aprendizagem a fim de ilustrar uma das possíveis maneiras de se trabalhar a temática da variação linguística em espanhol. Busca-se com este estudo, acima de tudo, a conscientização de professores e alunos sobre a relevância do devido reconhecimento das variações linguísticas da língua espanhola. Além disso, tendo em vista o uso crescente de ferramentas digitais auxiliares nos processos de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, visa-se também trazer à tona a questão da variação linguística mediante a elaboração de uma unidade didática por intermédio de uma ferramenta digital de edição colaborativa na internet, tendo como alvo alunos brasileiros do sexto ano do ensino fundamental falantes de português como primeira língua.

1 Introdução Estudiosos afirmam que a variação linguística tem como objeto de estudos o caos linguístico, pois são as variantes da norma culta de alguma língua que estão em pauta. Entretanto, embora haja muito enfoque nesta forma padrão, não se pode negar que sendo as línguas entidades dinâmicas, vivas, e em constante modificação, consequentemente, as línguas periféricas encontram-se em maior número em relação às suas variantes normativas. Porém, não se trata meramente de quantidade, mas sim de relevância

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ideológica. As variações linguísticas, assim como os seus falantes, tendem a ser subjugadas pela língua padrão. E é essa principio valorativo que deve ser frustrado em sala de aula, pois toda língua merece reconhecimento quanto a sua legitimidade. No mundo atual globalizado e pós-moderno as línguas tem se tornado ainda mais mestiças, visto que as distâncias temporais e espaciais estão cada vez menores. Ademais, é por intermédio do estudo das variantes da língua em uso que nos deparamos essencialmente com questões de ordem social. Por esse motivo, almejamos trazer a tona a relevância do estudo da variação linguística na academia e também nas salas de aula de língua estrangeira (LE). Este estudo tem como pressuposto fundamental o entendimento de que a aprendizagem é uma prática social e assim como essa, outras premissas vigotskianas permeiam o nosso entendimento de como o ser humano ensina e aprende. Contudo, não será abordado aqui questões teóricas aprofundadas a respeito da teoria sociocultural visto não ser este um dos nossos objetivos. A fim de ilustrar como a questão da variação linguística pode ser explorada de forma prática, em sala de aula de LE, propomos um modelo de unidade didática intitulada Los alimentos1, a qual está inserida no módulo Calidad de vida2 de um curso de espanhol mediante uma ferramenta digital de edição colaborativa na internet. De forma alguma pretendemos contemplar as infinitas variações lexicais na sua totalidade, pois isso seria impossível e tampouco é este o nosso objetivo. O importante é que os alunos construam conhecimento na nova língua de modo que tenham condições de negociar sentidos e interagir diante da diversidade lembrando constantemente que a sua própria língua e a maneira de falar também é apenas uma das incomensuráveis variações existentes. Para isso, neste estudo serão tratadas, de forma sucinta, questões teóricas sobre variação linguística, em especial enfocando a língua espanhola. Dentro disso, serão abordados os tópicos mestiçagem linguística e politicas linguísticas. Posteriormente, argumentaremos sobre a globalização, cultura digital e ensino/aprendizagem de LE, que se desdobra na questão do ensino de espanhol como LE e na explanação do modelo de unidade didática que sugerimos. Por fim, algumas considerações acerca do estudo serão discutidas. 2 Variação linguística Tendo como foco de estudos a língua na sua heterogeneidade, e

1 Em português (Pt): Os alimentos 2 Pt: Qualidade de vida

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almejando distanciar-se do núcleo de referência da Linguística dos anos 60, o linguista americano William Labov passou a questionar as variantes consideradas padrões e não-padrões de determinadas comunidades, diferentemente do que se costumava fazer nos estudos da linguagem até então. O autor é considerado referência inicial nos campo da sociolinguística. Até aquele momento, o conceito de língua enquanto abstração dicionarizada predominava entre os estudiosos da área. De modo geral, os seus antecessores acreditavam que a língua deveria ser comandada por normas únicas e parcialmente atingíveis por alguns poucos considerados como seus “possuidores”. Esse modelo de compreensão sobre a língua entende que somente um determinado grupo de falantes, os chamados nativos, se apropriam de fato dela, sendo que atualmente é sabido que a própria palavra “nativo” é de difícil definição. A sua existência está mais vinculada a um imaginário popular do que propriamente à realidade da população mundial, que hoje é essencialmente caracterizada pela sua heterogeneidade, tanto no que se refere a questões identitárias, quanto a grupos culturais. Cada região do mundo possui uma forma característica de uso da língua, seja em termos culturais, gramaticais, etc. A língua espanhola, em especial, é atualmente falada oficialmente por mais de 20 países, sendo que cada um deles possui suas micro-peculiaridades e cada região possui suas características. Entretanto, ainda é comum o questionamento sobre qual país fala a língua "corretamente". Seria a Espanha ou algum país da América Latina? Outras vezes, sequer há uma indagação, pois como a maioria dos livros didáticos de ensino de espanhol são feitos na Espanha3, e esta fora uma grande potência, que colonizou grande porção do planeta, a ideologia já está, a partir desses fatos, disseminada. Nesse sentido, o apego a uma única verdade ou perspectiva parece permear a nossa concepção de uso da língua. Em outras palavra: o imperialismo linguístico persiste e acaba sendo refletido também nas salas de aula de LE. Rajagopalan (2012, p. 78) afirma que o ensino de línguas faz parte da política linguística de um país. Segundo ele, muitas vezes a ideologia se apresenta de forma muito sutil de modo a passar desapercebida, o que ele chama de ideologia velada. Além disso, Goettenauer (2005, p. 64), afirma que é necessário desvendar o mito do espanhol “correto” e tentar minimizar as 3Contudo, a partir de 2011 houve a inclusão das Línguas Estrangeiras (atualmente é Inglês e Espanhol) no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD 2011 - anos finais do Ensino Fundamental e PNLD - 2012 - Ensino Médio).

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comparações e os julgamentos e achar que as formas de expressão mais adequadas são as da língua vernácula. Enfim, o que não devemos é difundir a ideia de que há uma língua pura, pois o hibridismo linguístico não somente é um fato como também caracteriza a riqueza e o dinamismo das línguas. 2.1 Mestiçagem Linguística Sobre essa questão, Rajagopalan (2003) ratifica o fato de indubitavelmente haver o que ele chama de línguas “mestiças”. O autor critica Max Muller quando este afirma que não pode haver línguas mistas. Além de insipiente, esse posicionamento ideológico revela o desejo pela manutenção de uma “pureza linguística”, o que não passa de uma utopia. Rajagopalan (2003) afirma que não se pode mais escapar da “mestiçagem” da língua nos dias atuais e concorda com Jean-Jacques Rousseau quando este declara que, lamentavelmente, “o falante que, de modo geral, o linguista quer celebrar é o falante ideal, não contaminado pelo contato com os outros, uma espécie de bom selvagem” (ROUSSEAU APUD RAJAGOPALAN, 2003, p. 63, grifo adicionado). Este seria então o falante “puro”, desprovido de contaminação linguística. Se a língua é um dos principais artefatos culturais utilizados, e se como os demais artefatos, o ser humano a utiliza para estabelecer uma relação mediada com o mundo, é esperado que a língua, tendo essa condição, se adeque a demanda de mediação com as pessoas na medida em que mudanças ocorrem. Sendo assim, com ainda mais evidência na atualidade, devido a fenômenos da globalização, o fato de haver mestiçagem linguística não deveria representar grande surpresa. A concepção de língua como sistema puro e imutável está a serviço se uma ideologia imperialista e excludente, mantida por grupos dominantes que utilizam a língua para exercer o seu poder e alcançar seus interesses político-ideológicos. A forma como isso acontece é assunto de política linguística. 2.2 Políticas linguísticas Calvet (2007, p. 145) define política linguística como “o conjunto de escolhas conscientes referentes às relações entre língua(s) e vida social”. Segundo o autor, a partir de ações in vitro4, é possível modificar uma língua e

4 Segundo, Calvet (2007, p. 145), ações in vitro se referem à intervenções sobre as práticas sociais a partir de estudos científicos realizados por linguistas, os quais servem para uma posterior intervenção por parte dos chefes de estado.

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consequentemente, as relações sociais. A dificuldade está na tentativa de se impor politicamente uma língua nacional que pode não ser bem acolhida pelo povo. Para melhor elucidar esta questão, Calvet (2007, p. 154) descreve mudanças linguísticas ocorridas na Catalúnia, Espanha, e como a população buscou recuperar a sua língua antiga. O castelhano fora a língua dominante, e o catalão, a dominada. Porém, em 1978 optou-se pelo castelhano como a língua oficial do estado, que deixava de ser referida como espanhol, por caracterizar a língua de Castela, e não mais da Espanha. Depois disso, em 1983 houve uma lei de normatização linguística na Catalunha, a qual determinava que todos os estudantes, independentemente de serem catalães, deveriam aprender ambas as línguas, sendo que as atividades esportivas, publicitárias e comerciais deveriam ser realizadas em Catalão. Sendo assim, observa-se que apesar da imposição de línguas oficiais, muitas vezes as comunidades linguísticas acabam optando o modo pelo qual pretendem utilizar a língua, independentemente das pressões políticas de entidades governamentais. E essas diversas formas de usá-la, são variações que demonstram a diversidade linguística existente em um mesmo território, como no caso de Castela. Percebe-se, então, que é possível haver a coexistência de línguas diferentes em um mesmo território político. Apensar da aparente invisibilidade do fenômeno, não se pode negar a sua existência. Dessa forma, não é surpreendente que algumas línguas oriundas de contextos plurilíngues elejam uma língua como a sua. Essas escolhas podem estar relacionadas ao status que uma determinada língua representa ou a sua força ideológica. É por esse motivo que os materiais didáticos devem contemplar variedades da língua alvo. Deve-se ter o cuidado para que através deles não se imponha uma única variação, sob o risco de estar, mesmo que ingenuamente, se posicionando ideologicamente em favor de uma única perspectiva, que em geral, acaba sendo aquela dos interesses políticos e mercadológicos. Considerando o modo, a rapidez e a frequência com que os povos atuais migram de um lado para outro, trocam entre si elementos culturais e se comunicam, observa-se o quanto a globalização atual favorece e reforça o hibridismo e a pluralidade de artefatos culturais, sendo um deles, a língua. Assim, com o advento da internet, o estreitamento das distâncias temporais e espaciais entre as pessoas tornou-se um fato indubitável. E com isso, o ensino/aprendizagem de LE, especialmente quando auxiliado por

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ferramentas digitais, demanda uma nova forma de favorecer ZDPs5, de fazer mediações e propiciar construções de conhecimento como nunca antes. 3 Globalização, cultura digital e ensino/aprendizagem de LE A partir do surgimento da rede mundial de computadores, a internet, e dos atuais meios de comunicação e transporte, as noções de tempo e espaço relativizaram-se. O mundo se tornou globalizado e de modo inédito. Segundo Kumaravadivelu (2006, p. 130), a globalização é “uma série multidimensional de processos sociais que criam, multiplicam, alargam, intensificam interdependências e trocas sociais no nível mundial” (STEGER apud KUMARAVADIVELU, 2006, p. 130). De acordo com o autor, a comunicação entre as pessoas tornou-se potencialmente instantânea e as relações sociais, assim como a linguagem e os demais aspectos referentes à cultura, também sofreram interferência desse fenômeno global redefinido pela comunicação eletrônica. Desse modo, como os contextos de ensino/aprendizagem não estão alheios a fenômenos sociais dessa dimensão, a cultura digital passa a fazer parte desses ambientes. Da mesma forma, como uma via de duas mãos, os diferentes cenários de ensino/aprendizagem também passam a influenciar a cultura da era digital. A cultura digital é considerada a etapa mais atual e complexa de uma evolução temporal no tratante às diversas culturas de linguagem existentes e a ela precedentes, tais como a cultura oral, a escrita e a impressa. Após estas surgiram ainda a cultura de massas, a midiática e então, a digital, que é caracterizada pelos novos modos de comunicação com base nas redes eletrônicas. Havelock (1996, p. 293) afirma que na cultura digital a ação está cada vez mais incorporada a métodos de aprendizagem e relacionamento social através do uso da máquina. A memorização já não é mais o objetivo principal, visto que outros sentidos são também utilizados. Machado (2007) comenta que com essa nova condição de sujeito do ciberespaço, o ser humano, mais do que nunca, conta com o auxílio da máquina, tornando-se, assim, um sujeito-maquínico. Assim sendo, as novas ferramentas digitais de edição colaborativas da internet vem de encontro a esse novo sujeito-maquínico pós-moderno e a esse novo mundo globalizado, onde as demandas já não se localizam em um único

5 ZDPs: Zonas de Desenvolvimento Proximal, que é o espaço simbólico de aprendizagem em que o conhecimento potencial se torna real.

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tempo e espaço pré-determinados. Dito isso, uma reflexão sobre a relevância da variação linguística nas aulas de espanhol parece ser mais do que uma necessidade nos dias atuais. As aulas de espanhol precisam transcender técnicas pedagógicas de decodificações lexicais e o aprendizado da língua estrangeira precisa ser visto como o acesso a uma ferramenta cultural significativa que auxilia os aprendizes a se inserirem no mundo enquanto cidadãos globais. De acordo com os PCNs de 1998, (BRASIL, 1998, p. 43), a língua estrangeira é parte da construção da cidadania. Enquanto parte da educação formal, ela propicia uma complexa reflexão sobre a realidade social, não sendo excluídos os âmbitos políticos e econômicos da questão. Esta situação de capacitação leva a libertação do indivíduo. Por isso, as aulas de espanhol, sejam elas por meios digitais ou não, devem contemplar variações linguísticas de modo a oferecer aos alunos um leque de artefatos linguístico-culturais para que possam utilizar a língua como uma ferramenta de empoderamento, auxiliando na construção do seu conhecimento para que tenham acesso mais direto a intercâmbios socioculturais. E acima de tudo, tendo consciência da sobre a legitimidade das línguas periféricas, que os alunos se tornem cidadãos mais participativos e críticos. 3.1 O ensino de espanhol como LE As provas do ENEM6 têm demonstrado que o ensino/aprendizagem de espanhol nas escolas públicas, de modo geral, não tem atingido satisfatoriamente a meta de tornar os alunos interculturalmente competentes mediante a língua espanhola. Apesar disso, o espanhol não deve ser negligenciado. Trata-se de uma língua de extrema relevância na sala de aula. Primeiramente, o espanhol é o segundo idioma mais falado no mundo e “é uma das mais importantes línguas mundiais da atualidade” (SEDYCIAS, 2005, p. 38). Além disso, é um idioma reconhecido como língua oficial em mais de 20 países. E não menos importante, de acordo com site o Etnologue (2014), a língua espanhola é a segunda língua mais falada no mundo. Perdendo apenas para o mandarim, ela é usada por mais de 400 milhões de pessoas. Sendo assim, é preciso criar – e cumprir – políticas educacionais que promovam o acesso a esta ferramenta sociocultural. Desde o advento do Mercosul 7 , muitos professores brasileiros têm contribuído com o ensino/aprendizagem da língua espanhola. Por esse motivo é importante que 6 Exame Nacional do Ensino Médio 7 Mercado Comum do Sul

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professores sejam capacitados para dar conta da demanda que hoje se apresenta no país. Para isso, é preciso que os profissionais sejam estimulados a refletir e avaliar criticamente o livro didático usado nas aulas. Muitas vezes ele é produzido por editoras espanholas que pouco levam em consideração a realidade do aluno brasileiro e o contexto no qual ele está inserido.

Por esse motivo, Silva (2005, p. 182) ressalta que na área de ensino de espanhol como língua estrangeira para brasileiros é preciso que se elabore materiais mais adequados às necessidades especificas dos alunos. A preocupação dos métodos de elaboração de material didático geralmente está a serviço de uma demanda comercial. Muitas vezes os livros ofertam apenas informações sobre a língua absolutamente desconectadas do conhecimento prévio dos alunos e das suas reais necessidades.

Porém, para que a aprendizagem não seja descartável, Garcez (2008) explica que os professores de Língua Estrangeira devem ser, antes de tudo, educadores em Língua Estrangeira. Devem ser aqueles que se preocupam com os seus alunos, que preparam suas aulas com afeição, que dialoga com eles, que respeita o modo de ser de cada um (sua etnia, religião, costumes, modo de falar, etc.), que aprendem com eles e que ensinam o que lhes é útil e o quê faz sentido para suas vidas. Desse modo, é tarefa primordial do professor levar os alunos da escola pública a se tornar cidadãos críticos e reflexivos, capazes de produzir e compreender textos de diversos gêneros em língua espanhola. 3.2 A unidade didática A seguir oferecemos uma – dentre várias outras possíveis – sugestão de configuração de uma unidade didática de um curso de espanhol tendo em vista a nossa concepção ideológica acerca do ensino/aprendizagem da língua em um ambiente virtual. Para isso, elegemos o PBworks como ferramenta eletrônica devido a sua facilidade de acesso e manuseio e por ser uma ferramenta de edição potencialmente conjunta e colaborativa. Almejando elucidar a nossa ideologia acerca do assunto, algumas tarefas são descritas e justificadas. Após uma explanação por parte do/a professor/a acerca dos objetivos da unidade e o tema do módulo – Calidad de vida8 – sugerimos que o curso, com duração de dez horas seja distribuído em cinco aulas de 2 horas, ou então, dez encontros de uma hora. No início da primeira aula, pede-se aos alunos que respondam perguntas sobre seus hábitos alimentares. A última

8 Pt: Qualidade de vida

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pergunta utiliza o verbo gostar em espanhol, o qual normalmente não é aprendido facilmente devido a uma significativa diferença sintática com relação ao português. Aproveita-se, então, a oportunidade para trazer à tona de forma explicita uma pequena tabela contendo alguns verbos relativos a gostos e preferências, tais como gustar 9 e encantar 10 , conjugados com todos os pronomes pessoais do espanhol. Depois disso, é oferecido um vídeo com uma música intitulada A mí me gustan las hamburguesas11, com o qual os aprendizes podem ver, ouvir e acompanhar a letra da música, que repete inúmeras vezes a estrutura a mí me gustan. Como a letra da música também oferece bastante vocabulário relativo a comida, solicita-se que os alunos olhem para imagens de alimentos diversos presentes logo abaixo do vídeo e destaquem aqueles referidos na letra da canção. Nesta etapa os alunos já tiveram a oportunidade de falar, ler e escutar em espanhol. A terceira atividade proposta nesta primeira aula focaliza a produção oral. Aos alunos pede-se que olhem imagens de diversos alimentos potencialmente presentes em seus refrigeradores. Eles devem conversar com um/a companheiro/a de classe sobre os alimentos utilizando o verbo haber12 – na forma impessoal: hay 13 . Depois disso, eles devem clicar em um link oferecido abaixo, o qual os direcionará para uma outra página onde podem colaborativamente escrever sobre o que foi previamente conversado. Eis então uma oportunidade de produção escrita e tarefa colaborativa. É válido ressaltar que, tendo em vista que o público alvo são alunos brasileiros falantes de português, já nos primeiros dias de aula podem ser destacadas as inúmeras semelhanças entre o idioma português e o espanhol. Devido a isso, a metodologia para estes alunos seria absolutamente distinta caso eles falassem, por exemplo, mandarim como língua materna; teriam que primeiramente construir conhecimento prévio sobre noções mais básicas acerca da língua. Como neste caso, as duas línguas neolatinas possuem significativa semelhança, pode-se ser exigir dos aprendizes uma certa produção, tanto oral quanto escrita, assim como uma certa compreensão, tanto auditiva quanto textual desde os primeiros dias. Em um segundo encontro, a aula inicia com produção oral, quando devem responder perguntas propostas na plataforma digital, as quais

9 Pt: gostar 10 Pt: adorar 11 Pt: Eu gosto dos hambúrgueres 12 Pt: haver 13 Pt: há

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correspondem ao grau de salubridade dos alimentos. Aproveitando a presença de uma conjugação do verbo tener14 em uma das perguntas, recorre-se a estrutura do verbo de forma mais explicita ao se visualizar um pequeno quadro com a conjugação completa em espanhol. Posteriormente, há uma atividade de entrevista, que deve ser realizada em pares, durante a qual os alunos devem fazer perguntas uns aos outros, inspirados nas imagens de alimentos com duas ou mais palavras sinônimas oriundas de diversos países onde a língua espanhola é falada. Neste exercício observa-se um grande enfoque na variação linguística referente ao substantivos relativos a alimentos. Eis uma oportunidade para o/a professor/a explorar as diferenças regionais, inclusive comparando com as diferenças existentes para os mesmo alimentos em português. Neste momento, possivelmente, os alunos passem a adquirir uma maior conscientização de si mesmos ao perceberem que no seu próprio idioma tampouco há uma única possibilidade de se referir aos objetos e que todas as variantes são possíveis sem prejuízo à “verdade”. Além disso, pode-se aproveitar a circunstância para promover a desconstrução de concepções cartesianas com polaridades radicalmente opostas e excludentes acerca da língua, como neste caso, a ideia de certo e errado; ou melhor, certo ou errado. Entendimentos como este apenas levam a exclusão das variações linguísticas socialmente menos prestigiadas. Enfim, nesta seção, almejamos descrever uma parte das aulas criadas na ferramenta digital PBworks de modo a demonstrar os nossos objetivos, metodologia e pressupostos teóricos subjacentes às tarefas. Em todas as aulas houve uma preocupação constante em trabalhar com as habilidades de produção e compreensão oral e escrita, assim como gêneros textuais das mais variadas partes do universo hispânico. Dessa forma, trabalha-se aspectos socioculturais, gramaticais, bem como a variação linguística, necessários ao ensino/aprendizagem da língua espanhola dentro de um modelo colaborativo, de modo que as aulas façam sentido para os aprendizes. Por fim, cabe a cada professor/a avaliar a(s) sua(s) turma(s) e adequar a ferramenta às suas necessidades específicas. 4 Considerações finais Penetrado pela fluida cultura digital da atualidade, o ser humano passa a desenvolver uma nova maneira de construir conhecimento, em que as interações possuem outras configurações e a máquina representa uma 14 Pt: ter

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extensão do ser humano. Ampliam-se as ferramentas de ensino/aprendizagem. Agora, mais do que nunca, os aprendizes contam com outros artefatos, os quais medeiam a sua relação com o mundo. Em busca do desenvolvimento de novas habilidades socioculturais mediante a língua nova, os alunos constroem conhecimento interagindo com pares cuja localização física pode não ter grande relevância como tivera em outras eras. Ferramentas como o PBworks oportunizam a realização de tarefas colaborativas, as quais transformam informação em conhecimento. Contudo, é o/a professor/a profissional que irá avaliar e contextualizar o material para cada situação de modo a atender as suas necessidades. Assim, em contextos de aprendizagem, sejam físicos ou virtuais, com um grande número de alunos, contemplar as necessidades de aprendizagem individuais de cada um não é uma simples tarefa. Contudo, dentro do possível, deve-se oferecer aos alunos uma amostra das inúmeras possibilidades de uso da língua para que eles mesmos possam empregar o seu novo conhecimento, não somente em situações de avaliação escolar, como também em situações cotidianas. Dessa maneira, com uma aprendizagem significativa para eles, língua e cultura deixam de ser concebidas enquanto meras listas de vocabulário as quais levam a conclusões estereotipadas. Assim, eles aprendem a transitar criticamente entre os povos e na medida em que desconstroem pré-conceitos, redefinem a própria língua e as suas variações. Logo, torna-se claro para eles que ao considerar uma certa variação linguística como “errada” ou inferior, não é somente a fala que está sendo discriminada; são os próprios falantes. Referências CALVET, Louis-Jean. As políticas linguísticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. 180 p. GARCEZ, Pedro. Actas del Primeiro Encontro de Professores de Português Língua Estrangeira do Uruguai. Vol. VII. Uruguay: 2008. Cap. 6: Educação linguística como conceito para a formação de profissionais de língua estrangeira. p. 51-57. GOETTENAUER, Elzimar. O ensino do espanhol no Brasil: passado, presente e futuro. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. Cap. 8: Espanhol: língua de encontros. p. 61-69.

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