variaÇÃo linguÍstica e ensino de lÍngua portuguesa
DESCRIPTION
Trata-se de um artigo elaborado a partir de reflexões e práticas vivenciadas no cursode formação de professores, da disciplinaConteúdo e Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa.TRANSCRIPT
-
Revista Eletrnica da Faculdade Metodista Granbery
http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377
Curso de Pedagogia - N. 6, JAN/JUN 2009
VARIAO LINGUSTICA E ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA:
consideraes sobre a prtica da linguagem em sala de aula
GARCIA REIS, Andreia Rezende e colaboradoras1
ABSTRACT
This paper is a result of a number of reflections and practices experienced by the students of Portuguese Language Teaching - Content and Methodology, a subject of the Teacher Formation Course of the Granbery Methodist College. Both students and professors have discussed issues on linguistic variation and language teaching. This paper is aimed at analyzing the linguistic varieties of Brazilian Portuguese, reflecting upon linguistic prejudice, proposing the development of new linguistic skills by the students and reporting the practical activities carried out at different schools in regard to the linguistic varieties of Portuguese Language. We propose that Portuguese Language Teaching at schools should take into consideration and respect the linguistic diversity of Portuguese Language, fighting linguistic prejudice towards underprivileged non-standard varieties of the language. Key words: Portuguese Language. Linguistic Variation. Teaching. Linguistic Prejudice.
RESUMO
Trata-se de um artigo elaborado a partir de reflexes e prticas vivenciadas no curso de formao de professores da Faculdade Metodista Granbery, na disciplina Contedo e Metodologia do Ensino de Lngua Portuguesa, em que discentes e docente discutiram questes sobre a variao lingustica e o ensino de lngua portuguesa. Os objetivos do texto aqui apresentado so observar a variedade lingustica do portugus brasileiro, refletir sobre o preconceito lingustico, propor o
1 Este texto foi elaborado a partir de um estudo sobre a variao lingustica e o ensino do portugus e de prticas vivenciadas em salas de aula no curso de Pedagogia da Faculdade Metodista Granbery. Ele foi escrito pelas discentes do 5. perodo em 2008/02 e pela professora Andreia R. Garcia Reis, coordenadora das atividades realizadas e responsvel pela disciplina Contedo e Metodologia do Ensino de Lngua Portuguesa no curso. As alunas participantes das atividades e co-autoras do texto so: Sue Ellen Reis Oliveira Nascimento, Maria Alice Rodrigues Nazareth, Katie Martins Mello, Raphaela Abib Pimenta, Marlia das Graas de Araujo, Maria Isabel de Azevedo Lacerda, Neusa Elena Rodrigues de Moraes, Fabiane Aparecida Nicodemos, Luzitana Madalena do Nascimento Silva, Valeria Vasques Gomes, Nathlia Augusto Crivelaro e Marta Lucia da Rocha.
-
2
desenvolvimento de novas habilidades lingusticas pelos alunos e relatar as atividades prticas realizadas em diferentes escolas com relao variedade lingustica do portugus. Defende-se que a prtica do ensino de Lngua Portuguesa na escola precisa assumir e respeitar a diversidade lingustica do portugus e combater o preconceito lingustico de variantes dialetais no prestigiadas.
Palavras-chave: Lngua portuguesa. Variao lingustica. Ensino. Preconceito lingustico.
1. INTRODUO
O trabalho com a lngua portuguesa na escola tem sido tema de muitas
reflexes por parte de diferentes pesquisadores, professores e gestores
educacionais nos ltimos anos. Isso porque cada vez mais frequente a
preocupao de oferecer aos alunos, matriculados no Ensino Fundamental e Mdio,
a possibilidade de refletirem acerca da lngua portuguesa e de seus diferentes usos
sociais, para que possam, assim, praticar a linguagem com maior segurana e
adequao s suas necessidades.
Quando pensamos na lngua portuguesa e no seu processo de ensino-
aprendizagem, no podemos desconsiderar as diferentes variedades lingusticas
que a compem no territrio nacional, fazendo com que ela seja uma nica lngua,
mas bastante diversa do ponto de vista do lxico, da pronncia, das construes
sintticas e dos sentidos estabelecidos a partir dessas construes. Estamos
assumindo, ento, que a lngua portuguesa apresenta diferentes formas e usos
tomados pelos falantes, ouvintes, leitores e escritores e que essa variedade no
pode ser desconsiderada pelos professores de lngua dos vrios nveis escolares.
Ao estudarmos alguns autores e propostas pedaggicas relacionados ao
ensino de lngua portuguesa, tivemos a oportunidade de ler e refletir sobre as
questes presentes no livro Educao em Lngua materna: a sociolingustica na sala
de aula, da professora Stella Bortoni-Ricardo e, a partir das discusses realizadas
no curso de formao de professores, desenvolver atividades prticas e de pesquisa
em escolas pblicas e privadas da cidade de Juiz de Fora/MG. Aps os estudos
feitos e a participao em diferentes momentos de reflexo sobre os resultados
obtidos com o trabalho, nos propomos a escrever este texto, que visa observar a
-
3
variedade lingustica do portugus brasileiro; refletir sobre o preconceito lingustico;
propor o desenvolvimento de novas habilidades lingusticas pelos alunos e relatar as
atividades prticas e de pesquisa realizadas em diferentes escolas com relao
variedade lingustica do portugus.
A primeira parte do texto dedicada ao cumprimento dos trs objetivos
iniciais, uma vez que sero abordados a variao do portugus brasileiro, o
preconceito oriundo das diferentes formas de falar a lngua e a preocupao em
favorecer a aquisio de habilidades lingusticas pelos alunos. A segunda parte
trar o relato das atividades desenvolvidas nas escolas e algumas reflexes
pertinentes a elas. A terceira parte dedicada s consideraes finais.
2. VARIAO LINGUSTICA E ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA
A afirmao de que a lngua portuguesa apresenta uma enorme
variedade dialetal e que essa variedade precisa estar a servio da ampliao do
conhecimento letrado dos alunos ainda causa alguns incmodos em professores de
lngua materna. Tais professores acreditam que a escola o espao para a prtica
do portugus padro e onde no h lugar para as outras variedades. No entanto, ao
pensarem e pautarem suas prticas escolares nessa premissa, eles deixam de lado
variedades dialetais pertencentes a diferentes culturas, que precisam ser valorizadas
e reconhecidas, pois so legtimas e pertencem tambm ao que chamamos de
lngua portuguesa do Brasil. Os prximos tpicos do artigo vo tratar um pouco da
variedade lingustica do portugus, do preconceito que as variedades diferentes da
padro enfrentam e da defesa de um trabalho com os diferentes dialetos pela
escola.
2.1. A variao lingustica no portugus brasileiro
No h muito tempo que a lngua falada tem sido analisada como objeto
de estudo. A lngua portuguesa falada no Brasil, tema deste artigo, oferece a
possibilidade de uma pesquisa detalhada, uma vez que no possui uma unidade
lingustica, ou seja, apresenta diferentes formatos.
-
4
Segundo Bagno (2004), o portugus falado no Brasil no uno, embora
pertena a uma nica lngua. Para o autor:
[...] a verdade que no Brasil, embora a lngua falada pela grande maioria da populao seja o portugus, esse portugus apresenta alto grau de diversidade e de variabilidade, no s por causa da grande extenso territorial do pas que gera diferenas regionais bastante conhecidas e tambm vtimas, algumas delas, de muito preconceito -, mas principalmente por causa da trgica injustia social que faz do Brasil o segundo pas com pior distribuio de renda em todo mundo (BAGNO, 2004, p.16).
Sendo assim, possvel encontrar no Brasil uma grande variedade
lingustica, devido tanto a caractersticas regionais como tambm por diferenas
sociais. Um exemplo notvel a mudana do padro oral que se observa no meio
urbano e rural.
No processo de aprendizado da lngua portuguesa possvel destacar
trs ambientes, segundo Bortoni-Ricardo (2006), nos quais se desenvolve o
processo de socializao da criana: a famlia, os amigos e a escola. Tais ambientes
podem ser chamados de domnios sociais. Dessa maneira, o indivduo fala de
acordo com o que aprende nesses domnios e ao ingressar na escola que a
criana aprende que existem outros padres de linguagem. preciso ressaltar que
de acordo com o nvel social e/ou preparo intelectual da famlia, o educando pode j
dominar de certa forma a fala prestigiada.
De acordo com Bagno (2004), fenmenos lingusticos como a troca do /l/
pelo /r/ (como em craro, Crotirde, finar, etc.) so encarados como sinal de atraso
mental daqueles que falam dessa forma. Os que chegam escola, sejam
professores ou educandos, com esse tipo de linguagem, passam por diversos
desafios. O professor muitas vezes no sabe como trabalhar com essas diferenas
ou s vezes ele prprio apresenta diferenas da lngua padro a ponto de no
perceb-las nos alunos ou at mesmo ignor-las. O importante ressaltar que o
falante tem uma organizao e uma estrutura da lngua nativa, capaz de falar com
competncia e naturalidade, alm de entender outros falantes da mesma lngua.
Na literatura brasileira, possvel encontrar exemplos da variedade
cultural expressos na forma de falar dos brasileiros, como a do personagem Chico
Bento, de Maurcio de Souza, e nas obras de Carmo Bernardes. Tais elementos nos
levam a uma reflexo sobre a lngua portuguesa no Brasil, suas caractersticas e
-
5
sua variao, especialmente as diferenas entre o Brasil urbano e o Brasil rural.
(BORTONI-RICARDO, 2006, p.18).
Bortoni-Ricardo (2006) destaca o crescimento da populao brasileira e a
intensa migrao para a cidade, em que esses habitantes do meio rural trouxeram
consigo sua diversidade cultural e lingustica. De forma semelhante, imigrantes de
outros pases tambm contriburam para as diferenas da fala de acordo com a
regio por eles ocupadas. Em suma, a diversidade cultural e lingustica brasileira
resultado de soma de fatores no s geogrficos como tambm culturais e tnicos.
Todas essas formas de falar devem ser valorizadas e trabalhadas pelo professor em
sala de aula, de forma a cultivar no educando uma conscincia multicultural.
2.2. O preconceito lingustico
O livro Preconceito Lingustico, de Marcos Bagno, aborda de maneira
profunda o tratamento preconceituoso ao qual submetido o falante que no se
enquadra norma padro. A obra apresenta ainda as diferenas existentes no
portugus falado no Brasil e defende que elas devem ser encaradas como uma
caracterstica da identidade nacional e no como subverso norma culta. Bagno
(2004) recusa a noo simplista, que separa o uso da lngua em certo e errado,
dedicando-se a uma pesquisa mais profunda e refinada dos fenmenos do
portugus falado e escrito no Brasil. Visando combater o preconceito no dia a dia, na
atividade pedaggica de professores em geral e, particularmente, de professores de
lngua portuguesa, o autor analisa oito mitos relacionados ao preconceito lingustico
e prova que eles no se sustentam. Sero mencionados alguns deles.
No mito n1 - A lngua portuguesa falada no Brasil apresenta uma
unidade surpreendente, o autor fala da diversidade do portugus falado no Brasil e
destaca a importncia de as escolas e todas as demais instituies voltadas para a
educao e a cultura abandonarem esse mito da unidade do portugus no Brasil e
passarem a reconhecer a verdadeira diversidade lingustica de nosso pas.
No mito n4 As pessoas sem instrues falam tudo errado, Bagno
argumenta a partir da noo de que qualquer manifestao lingustica que fuja ao
tringulo escola-gramtica-dicionrio considerada, sob a tica do preconceito
lingustico, errada.
-
6
No mito n8 O domnio da norma culta um instrumento de ascenso
social, Bagno diz que o domnio da norma culta de nada vai adiantar a uma pessoa
que no tenha seus direitos de cidado reconhecidos plenamente e que no basta
ensinar a norma culta a uma criana pobre para que ela suba na vida.
De acordo com a perspectiva adotada pelo autor:
O preconceito lingstico est ligado, em boa medida confuso que foi criada, no curso da histria, entre lngua e gramtica normativa. Nossa tarefa mais urgente desfazer essa confuso. Uma receita de bolo no um bolo, o molde de um vestido, um mapa-mndi no o mundo... Tambm a gramtica no lngua. A lngua um enorme iceberg flutuando no mar do tempo, e a gramtica normativa a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visvel dele, a chamada norma culta. Essa descrio, claro, tem seu valor e seus mritos, mas parcial (no sentido literal e figurado do termo) e no pode ser autoritariamente aplicada em toda resto da lngua afinal, a ponta do iceberg que emerge representa apenas o quinto do seu total. Mas essa aplicao autoritria, intolerante e representativa que impera na ideologia geradora do preconceito lingstico (BAGNO, 2004, p. 9 e 10).
Mas, afinal, o que seria o preconceito lingustico? Para Bagno (2004), a
atitude que consiste em discriminar uma pessoa devido ao seu modo de falar. Em
geral, o preconceito lingustico exercido pelas pessoas que ocupam as classes
sociais dominantes, que tiveram acesso educao formal e, portanto, norma
padro de prestgio. Assim, essas pessoas acreditam que seu modo de falar mais
certo, mais bonito que o das pessoas sem instruo formal ou com pouca
escolarizao. Ou seja, o preconceito lingustico apenas um disfarce para um
profundo preconceito social, no a linguagem da pessoa que discriminada, mas
a prpria pessoa em sua identidade individual e social.
2.3. O conhecimento das variedades lingusticas pode gerar a aquisio de
novas habilidades
H diversos fatores que contribuem para a grande variao no portugus
falado do Brasil. Podemos destacar alguns fatores, como questes histricas e
culturais, analfabetismo, diferenas sociais, etc.
Para Bortoni-Ricardo (2006), h a necessidade de a escola e tambm os
professores considerarem as diferenas do portugus na estrutura social, nas
-
7
normas e nos valores culturais que condicionam o comportamento lingustico dos
falantes. Para isso, no pode deixar de haver uma metodologia adequada, que
tenha como base os estudos lingusticos e sociolingusticos j desenvolvidos pelos
pesquisadores dessas reas.
Como citam os Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua Portuguesa
(1997, p.21), - PCNs-LP:
O domnio da lngua tem estreita relao com a possibilidade de plena participao social, pois por meio dela que o homem se comunica, tem acesso informao, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constri vises de mundo, produz conhecimento.
A partir disso, a escola deve assumir como objetivo prprio a ampliao
do nvel de letramento dos alunos. Como os alunos chegam s diversas escolas,
espalhadas por todo o pas, com diversos nveis de conhecimento prvio, elas
devem proporcionar a ampliao de habilidades lingusticas paulatinamente,
permitindo aos alunos conhecerem e usarem as diversas variedades lingusticas em
seus contextos adequados, mas sabendo que a que predomina e exigida pela
sociedade dominante a lngua padro, que "abre" portas e d acesso ao poder e
conquistas sociais.
Os professores, como defende Bortoni-Ricardo (2006, p. 38), precisam
buscar desenvolver uma pedagogia que seja culturalmente sensvel aos saberes dos
educandos, que esteja atenta s diferenas entre a cultura que eles representam e a
cultura adotada pela escola, como uma forma de conscientizar os educandos sobre
as diferenas tanto culturais quanto lingusticas.
S com o trabalho efetivo com as diferentes variedades lingusticas,
inclusive com a padro, que o aluno capaz de conhecer e respeitar essas
variedades, sabendo adequar o uso da linguagem aos diferentes contextos
discursivos dos quais participa.
O professor interessado e consciente da variedade lingustica presente no
Brasil poder construir propostas metodolgicas que visem o crescimento e o
aprimoramento lingustico de seus alunos, contribuindo para que tenham uma
atuao mais consciente, prazerosa e crtica na sociedade da qual fazem parte.
Uma prtica de extrema importncia o monitoramento da linguagem oral
pelos alunos em atividades do uso da modalidade falada da lngua em instncias
-
8
pblicas, como em uma entrevista ou apresentao de um trabalho na escola.
"Monitorar a linguagem quer dizer prestar ateno ao que estamos falando ou
escrevendo e cuidar mais de um planejamento mental em nossa exposio." (Pr
Letramento, fascculo 7, p.13. 2007).
No entanto, o monitoramento da escrita acontece com maior frequncia e
mais cobrado pela escola, devido ao carter permanente da escrita se comparado
ao carter momentneo da fala. Isso no quer dizer que a escola no precise
trabalhar com situaes em que os alunos vo monitorar a sua fala, pelo contrrio,
atividades dessa natureza so fundamentais para que haja reflexo de prticas orais
e novas habilidades sejam desenvolvidas.
Os educadores, principalmente aqueles que atuam nas sries iniciais do
Ensino Fundamental, devem se atentar para a necessidade de trabalhar as
diferenas da modalidade falada e escrita da lngua com seus alunos, desde o incio
da vida escolar. O dialeto trazido pelos educandos para a escola deve ser
respeitado, mas tambm devem ser apresentadas a eles outras variedades
lingusticas, tanto aquelas desprestigiadas socialmente quanto a variedade de
prestgio.
3. RELATOS DE ATIVIDADES PRTICAS
Nesta parte do artigo, sero apresentados alguns relatos das atividades
prticas e de pesquisa desenvolvidas em escolas pblicas e privadas da cidade de
Juiz de Fora/MG, tendo como objetivo a reflexo das variedades lingusticas
utilizadas pelos falantes dentro e fora do ambiente escolar. As atividades foram
realizadas a partir de leituras e discusses ocorridas no curso de Pedagogia da
Faculdade Metodista Granbery, mais especificamente nas aulas de Contedo e
Metodologia do Ensino de Lngua Portuguesa, e foram conduzidas por pequenos
grupos de discentes.
Uma das aes das discentes pesquisadoras foi uma entrevista com uma
professora do quinto ano do Ensino Fundamental e observaes de suas aulas, em
uma escola privada.
A professora relatou ao grupo um procedimento que ela adotou h pouco
mais de dois anos e que vem demonstrando bons resultados. Segundo ela, logo nos
-
9
primeiros dias de aula so feitos os combinados com a turma, explicando aos
alunos que algumas atitudes a serem tomadas por ela os ajudaro em sua vida
escolar e que eles devem agir sem rejeio ao seu pedido, j que esto em um
ambiente propcio para o aprendizado, a escola.
O combinado entre alunos e professora que nos momentos em que
uma palavra ou expresso da lngua portuguesa for usada diferentemente da forma
preconizada pela norma padro do portugus, eles tero o dever de ressaltar esse
uso e sugerir outra possibilidade, como forma de adequar o discurso s situaes
formais de sala de aula.
Segundo a professora, o combinado foi criado com a inteno de criar
um ambiente em sala de aula que propicie a reflexo dos usos lingusticos pelos
alunos, assumindo a importncia deles reconhecerem e utilizarem uma variedade
considerada prestigiada em situaes pblicas e de maior formalidade. No entanto,
tambm explicado e exemplificado para a classe, em diferentes momentos e com
o apoio de diferentes recursos pedaggicos, que existem variedades lingusticas que
devem ser respeitadas e que se os alunos pararem para observar, eles mesmos
adotam diferentes usos da linguagem oral no seu cotidiano.
Como foi relatado pela professora, os alunos tm compromisso com o
monitoramento de sua fala, principalmente em algumas atividades desenvolvidas,
como o jornal falado e relatos feitos pelos alunos em diferentes situaes, e isso
contribui para a aquisio de novas habilidades lingusticas.
Outra atividade realizada por um grupo de discentes foi com crianas da
Educao Infantil, com idade entre cinco e seis anos, cujo objetivo era mostrar um
pouco da variedade lingustica existente no portugus brasileiro.
No primeiro momento foi proposto aos alunos que assistissem ao filme
Um dia de co, da turma da Mnica, e depois de terminado o filme fossem
destacadas as falas consideradas desprestigiadas produzidas pelo personagem
Cebolinha.
As palavras destacadas pelos alunos foram escritas no quadro e, a partir
de ento, as crianas fizeram a leitura de cada uma delas2. Depois que os alunos
liam as palavras no quadro, era feita uma comparao entre a pronncia do
personagem Cebolinha e a pronncia utilizada pelos alunos. Houve uma conversa 2 Nem todos os alunos dessa turma j leem com fluncia, alguns leem e outros ainda esto se apropriando do sistema da escrita, mas todos participaram da atividade.
-
10
com os alunos sobre a variedade lingustica do portugus, incentivando-os a
observar diferentes formas de falar.
Para finalizar, a professora realizou uma brincadeira com os alunos
denominada de Batata-quente, em que eles estavam sentados em crculo e um
objeto era passado enquanto uma msica era tocada. Quando a msica era
interrompida, o aluno com o objeto na mo lia uma das palavras escritas no quadro,
da forma como ele est habituado a pronunci-la. Aqueles alunos que ainda no
sabiam ler tinham ajuda de um colega ou da professora.
A terceira atividade realizada pelas discentes foi uma entrevista com
professores e coordenao pedaggica de uma escola da rede particular, cujas
questes eram sobre a utilizao da modalidade falada da lngua no ambiente
escolar.
Durante as entrevistas, as pedagogas relataram que se preocupam em
monitorar suas falas quando esto participando de momentos de maior formalidade,
principalmente em atendimento aos pais ou responsveis pelos alunos, uma prtica
constante na escola onde trabalham. Em outros momentos, em dilogos mais
descontrados, uma delas disse no se preocupar com a linguagem por ela
praticada, mesmo estando na escola, entre colegas de trabalho e/ou alunos.
Um fato bastante comum e que foi relatado quando o monitoramento da
fala torna-se uma prtica recorrente e, s vezes, ocorrem hipercorrees, ou seja,
correes em palavras ou expresses que no deveriam ocorrer, havendo excesso
de zelo na pronncia das palavras e, assim, a professora acaba cometendo um
equvoco ao pronunciar certas palavras.
A quarta atividade desenvolvida foi aplicada com um grupo de alunos que
frequenta as aulas do Laboratrio de Aprendizagem de uma escola pblica, espao
em que eles fazem os deveres solicitados, tiram dvidas e tm experincias que os
ajudaro a acompanhar o contedo desenvolvido em sala de aula. Os encontros do
Laboratrio acontecem fora do horrio regular das aulas e o nmero de alunos
reduzido, em torno de dez em cada encontro. Esses alunos tm entre oito e dez
anos.
Para iniciar a atividade, foram levadas para o grupo algumas tirinhas e
histrias em quadrinhos do personagem Chico Bento, que foram lidas e discutidas
por todos. Em seguida, as discentes pesquisadoras que neste momento eram as
-
11
responsveis pelo trabalho com os alunos - pediram que eles observassem as
palavras e expresses caractersticas da fala rural, presentes na interao oral entre
os personagens das histrias.
Em seguida, foi feita uma votao para a seleo da tira da qual as
crianas mais gostaram, sendo proposto que fosse feita a reescrita das falas com o
emprego de expresses e palavras prprias da fala urbana, substituindo aquelas
caractersticas da variedade rural. Ao elaborarem a reescrita, foi solicitado ateno
ao emprego da lngua padro, pois tratava-se da modalidade escrita.
A reescrita foi lida e discutida pelos alunos, que fizeram uma comparao
entre os dois dialetos empregados, atentando-se para o fato de que as duas falas
so certas, embora pertenam a dialetos diferentes. Foi discutido o preconceito
lingustico existente por parte daqueles que consideram o dialeto rural errado e feio,
ressaltando o prestgio social que cada um dos dialetos rural e urbano tem em
nossa sociedade. Outra questo discutida foi a diferena entre as modalidades
falada e escrita, no que diz respeito ao carter convencional desta. Ainda nesse
encontro, foi feita uma lista das palavras comparando aquelas usadas nos dilogos
da historinha do Chico Bento e aquelas utilizadas na reescrita.
Com o objetivo de dar continuidade ao trabalho com as variedades
lingusticas rural e urbana, foi proposta a escrita de um editorial pelos alunos, em
que eles deveriam defender a presena do personagem Chico Bento no ambiente
escolar, como forma de os alunos terem contato com sua cultura e seu dialeto. O
editorial foi escrito em conjunto pelos alunos e publicado no Jornal-mural da escola.
A ltima atividade a ser relatada neste artigo foi uma breve pesquisa, com
os alunos de uma escola pblica, sobre a presena do personagem Chico Bento na
escola, por meio de suas histrias nas revistas em quadrinhos. Depois de conversar
com vrios alunos, de diferentes idades e anos letivos, as discentes pesquisadoras
observaram que as histrias do Chico Bento no so trazidas para a escola como
possibilidade de os alunos terem contato com o dialeto rural.
Um dos questionamentos feitos aos alunos entrevistados se eles
gostariam de ler e conhecer mais sobre a cultura e o modo de falar do personagem
Chico Bento, uma vez que todos disseram j conhec-lo e terem lido suas histrias.
Como as respostas eram quase sempre negativas, as discentes pesquisadoras
argumentavam a respeito da importncia de todos conhecerem uma linguagem
-
12
diferente e que no deve ser considerada errada, pois pertence cultura rural.
Depois de conversas com vrios grupos de alunos, foi solicitado a alguns deles que
produzissem uma carta para o Chico Bento, convidando-o a vir escola para que
todos pudessem conhec-lo.
O contedo das cartas produzidas pelos alunos revela que muitos deles
apresentam preconceito lingustico mediante a fala do personagem, pois vrios
alunos relataram nos textos que o personagem burro e que deveria vir estudar com
eles para aprender a ler, escrever e falar corretamente. Muito possivelmente os
alunos, assim como grande parte da populao, tm a crena de que o dialeto rural
errado e precisa da interveno da escola para corrigir essa fala.
4. CONSIDERAES FINAIS
Como j foi mencionado no incio deste texto, ele surgiu de discusses,
estudos e prticas desenvolvidas por discentes e docente nas aulas de Lngua
Portuguesa do curso de formao de professores. No final do semestre, ao
relatarmos o que foi observado e refletirmos sobre o trabalho com as diferentes
variedades lingusticas na escola, chegamos a algumas consideraes relevantes,
que nos fazem rever prticas e discursos to fortemente presentes nas escolas.
A primeira considerao que fazemos ressaltar o conhecimento, por
parte do professor de Lngua Portuguesa, das caractersticas sociolingusticas da
sociedade brasileira, reconhecendo que esta lngua no s aquela presente nos
grandes centros urbanos do pas. O desconhecimento das variedades lingusticas do
portugus brasileiro impede que o professor tome, como objeto de ensino-
aprendizagem de suas aulas, o portugus tal qual falado e escrito pelas pessoas,
em diferentes situaes concretas e com diferentes objetivos comunicativos. Ao
planejar suas aulas, o professor precisa escolher textos que sejam representativos
de todas as culturas e dialetos que compem o portugus, fazendo deles objeto de
reflexo e possibilidade de aprendizagem para a vida.
Tanto a escola como os professores que nela atuam precisam
conscientizar-se de que ainda h muito preconceito lingustico com relao queles
que fazem uso de um dialeto no prestigiado pela sociedade. Os alunos, quando
chegam escola, muitas vezes trazem consigo uma cultura e um dialeto que ela
-
13
desvaloriza, ao consider-los de pouco prestgio social. O papel da escola o de
acolher e respeitar os diferentes dialetos, mas tambm possibilitar o aprendizado e o
conhecimento de diferentes variedades lingusticas, como forma de incentivar a
aquisio de novas habilidades da linguagem oral e escrita.
Os relatos apresentados neste texto, embora oriundos de breves
reflexes e de prticas bastante simples nas escolas, revelam que possvel
desenvolver um trabalho crtico e instigante com a lngua portuguesa em sala de
aula. preciso que haja investimento na formao do professor e tambm que haja
incentivo pesquisa, para que, a partir da percepo do que vem ocorrendo nas
escolas, possamos contribuir com um ensino de lngua mais significativo e prazeroso
tanto para os discentes quanto para os professores.
REFERNCIAS
BAGNO, Marcos. Preconceito Lingstico: o que , como se faz. So Paulo: Loyola, 2004. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educao em lngua materna: a sociolingustica na sala de aula. So Paulo: Parbola, 2006.
BRASIL. Secretaria de educao fundamental. Parmetros Curriculares Nacionais: lngua portuguesa 1 a 4 srie. Braslia: MEC / SEF, 1997. BRASIL. Ministrio da Educao. Pr-Letramento: alfabetizao e Linguagem. Braslia: Secretaria de Educao Bsica, 2007. CAGLIARI, Luiz Carlos. A lingstica e o ensino de portugus. In: ________. Alfabetizao e Lingstica. 10 ed. So Paulo: Scipione, 2003. GARCIA REIS, Andreia Rezende e MARCONDES, Glucia Siqueira. Diversidade Lingustica e o processo ensino-aprendizagem. Revista Acadmica da Faculdade Metodista Granbery. Jan/Jun, 2008. MOLLICA, Maria Ceclia. Fala, letramento e incluso social. So Paulo: Contexto, 2007. ROJO, Roxane. (org.). A prtica de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. So Paulo: Mercado de Letras, 2000.
-
14
SOARES, Magda. Letramento: um tema em trs gneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autntica, 2003. _____. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 14 ed. So Paulo: Editora
tica, 1996.