value stream mapping: um estudo do … para o alcance desta almejada vantagem competitiva, na medida...
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VALUE STREAM MAPPING: UM
ESTUDO DO PROCESSO DE
IMPLANTAÇÃO DO ESTADO FUTURO
NA EMBRACO SLOVAKIA
MAURICIO CRIPPA (UFC)
Jose de Paula Barros Neto (UFC)
A adoção do modelo de manufatura enxuta tem assegurado a muitas
empresas uma vantagem competitiva suportada pela busca contínua da
máxima eficiência de seus processos. No mercado de compressores
para refrigeração, em especial, a pressão porr constantes reduções de
preço, aliadas a melhorias de desempenho e qualidade dos produtos,
torna a eficiência operacional fator ainda mais crítico para o sucesso e
a própria sobrevivência organizacional. Com base nessas premissas,
em 2004, a Embraco Slovakia iniciou o processo de implantação da
manufatura enxuta a partir da utilização do Value Stream Mapping,
para identificar em seus processos as oportunidades de redução de
desperdícios e maximização da criação de valor. Este estudo de caso
objetiva descrever o processo de acompanhamento das ações para a
implantação do estado futuro e a percepção dos envolvidos quanto à
efetividade destas ações para os resultados da unidade. Com base em
questionários com perguntas abertas, as pessoas envolvidas no projeto
concordaram que a implantação do VSM foi uma importante
ferramenta para empresa, de forma a se tornar, desde então, um
processo contínuo para levantamento das oportunidades de melhoria.
Destacou-se ainda a importância de se utilizar uma empresa de
consultoria local para a efetividade do processo, reduzindo as
barreiras culturais e de linguagem. Finalmente, a eficácia das ações
apontadas pelo VSM foram evidenciadas nas auditorias externas,
realizadas de acordo com os Critérios de Excelência do Prêmio
Nacional da Qualidade (PNQ).
Palavras-chaves: Fluxo de valor, VSM, Lean, Manufatura enxuta,
Embraco, Whirlpool
XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no
Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.
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1. Introdução
O acirramento da concorrência em praticamente todas as indústrias tem sido tema e
justificativa constante de diversos estudos científicos. Complementarmente, muitos desses
estudos destacam a eficiência da manufatura como uma relevante fonte de vantagem
competitiva (CORRÊA; PROCHNO, 1998; ALBUQUERQUE; SILVA, 2002), através do
suporte às estratégias da organização e do desenvolvimento de capacidades dinâmicas que
assegurem essas vantagens de forma sustentável. Para muitos autores (WOMACK; JONES,
1998; GIRARDI et al., 2006 TAYLOR; HINES, 2008) o modelo de Lean Manufacturing
(Manufatura Enxuta), baseado no sistema Toyota de produção oferece importantes
ferramentas para o alcance desta almejada vantagem competitiva, na medida em que permite
reduzir o trade-off entre flexibilidade, qualidade e custo, critérios até então considerados
mutuamente excludentes.
A implantação do modelo de manufatura enxuta parte da identificação dos desperdícios
(muda) no processo, os quais incluem ociosidades, movimentações desnecessárias, esperas ou
estoques, sucata e retrabalho, entre outros (WOMACK; JONES, 1998; ROTHER; SHOOK,
2002; WOMACK; JONES; ROSS, 2004). Utiliza-se para este levantamento a ferramenta de
VSM (Value Stream Mapping - mapeamento da cadeia de valor), a qual busca desenhar o
processo produtivo, desde a colocação do pedido de compras no fornecedor até a entrega do
produto final ao cliente, numa análise conhecida como porta-a-porta.
Este estudo de caso foi desenvolvido com base no projeto de implantação das técnicas
preconizadas na manufatura enxuta na Embraco Slovakia S.r.o. (ESK), a partir do
mapeamento do seu fluxo de valor e da definição das ferramentas a serem utilizadas. A
pesquisa considera o processo subsequente ao de mapeamento da cadeia de valor e objetiva
analisar, através de entrevistas, a percepção das pessoas envolvidas no projeto, nos níveis
operacionais e gerenciais, de como se deu o acompanhamento e suporte técnico às atividades
definidas, as dificuldades encontradas e os ganhos obtidos com a aplicação do modelo.
Este artigo é composto por mais cinco seções, além desta introdução, sendo uma revisão
teórica dos conceitos e técnicas de manufatura enxuta e VSM, uma caracterização a empresa,
a apresentação da metodologia adotada para coleta e análise dos dados, uma análise dos dados
coletados e, por fim, uma conclusão dos achados deste estudo e sugestões para possíveis
trabalhos futuros.
2. A Manufatura Enxuta e o Mapa de Fluxo de Valor
Com o crescimento da participação dos veículos japoneses no mercado mundial, a partir da
década de 1970, baseados em princípios tão diversos como alta confiabilidade, diversidade de
modelos e baixo custo, o modelo de produção fordista começa a ter sua fundamentação e
eficácia questionadas (WOMACK; JONES; ROOS, 2004; HOLWEG, 2006).
De acordo com Holweg (2006), foi esta perda de competitividade que levou os Estados
Unidos, em especial o Massachusetts Institute of Technology (MIT), a criar um programa de
estudos que buscasse entender o processo pelo qual o Japão, um país recém-recuperado de
uma guerra que o deixou arrasado, com escassez de matérias-primas e com uma base limitada
de fornecimento, conseguia disponibilizar produtos diversificados, de qualidade e
relativamente baratos, quando comparados com seus competidores americanos e europeus.
Este programa, nomeado Internacional Motor Vehicle Program (IMVP), reuniu acadêmicos e
profissionais dos Estados Unidos, Europa e do próprio Japão, e foi o responsável por entender
e divulgar as técnicas de produção utilizadas nas indústrias japonesas, em especial na Toyota
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(HOLWEG, 2006).
Estas técnicas de produção, conhecidas inicialmente por Toyota Production System (TPS),
foram apresentadas em diversas teses publicadas pelo IMVP e, mais tarde, compiladas no
livro “A Máquina que Mudou o Mundo”, de Womack, Jones e Roos, publicado originalmente
em 1990 (HOLWEG, 2006) e desenvolvidas com mais profundidade técnica no livro
“Sistema Toyota de Produção do ponto de vista da engenharia de produção”.
Basicamente, o conceito de “enxuta” está associado à otimização das ações que criam valor
(WOMACK; JONES, 1998), ou seja, reduzir, ou mesmo eliminar, todos os desperdícios
(muda, em japonês), que se constituem em atividades, ou esperas, que absorvam recurso, mas
não agreguem valor ao cliente. Para tanto, a manufatura enxuta apoderou-se e adaptou
diversas técnicas e ferramentas de produção, em especial do Controle da Qualidade Total,
para identificar e eliminar pontos de desperdício, tais como materiais em espera,
movimentações internas, manutenções corretivas, tempo de set-up de equipamentos,
inspeções de recebimento, retrabalhos etc.
Para Rother e Shook (2002), uma das condições essenciais para iniciar um processo de
manufatura enxuta é identificar o processo, detalhando cada atividade que cria valor e aquelas
que adicionam apenas custo. Este mapeamento do fluxo do processo, ou fluxo do valor, visa
demonstrar os pontos onde há oportunidades de melhoria do processo (redução de
desperdícios) através de técnicas de otimização da capacidade, redução de tempos ociosos,
redução de estoques, multifuncionalidade etc.
Womack e Jones (1998) concluem ainda que o pensamento enxuto (Lean Thinking) se baseia
em cinco princípios básicos: (1) Valor, o qual deve sempre ser especificado pelo cliente; (2)
Cadeia de Valor, que são todas as etapas ligadas às tarefas de concepção e lançamento de um
produto, gerenciamento da informação e transformação física; (3) Fluxo, que se refere à
eliminação total das paralizações em todos os processos de produção; (4) Produção Puxada,
onde o cliente é o único responsável pelo andamento do processo produtivo; e (5) Perfeição, a
qual surge por meio da exposição contínua dos desperdícios, através de transparência e
feedback constantes.
Para Queiroz, Rentes e Araújo (2004), o objetivo principal da produção enxuta é o fluxo de
valor enxuto da matéria-prima ao produto acabado. Por sua vez, Rother e Shook (2002)
afirmam que, para que este o fluxo enxuto seja criado, a empresa deve “aprender a enxergar”,
e a técnica mais apropriada para isto é o mapeamento do fluxo de valor.
O mapa do fluxo de valor, proposto por Rother e Shook (2002), baseou-se nos princípios do
pensamento enxuto proposto por Womack e Jones (1998) e, conforme Moreira e Fernandes
(2001, p. 3), “é uma ferramenta qualitativa que consiste na representação destes fluxos de
forma simples [...] através de desenhos e [...] ícones facilmente identificáveis”. Ainda segundo
Moreira e Fernandes (2001) e Calado, Ruggiero e Cooper (2003), o mapa do fluxo de valor,
engloba o fluxo de materiais, que representa o fluxo das matérias-primas, desde o fornecedor
até o cliente, através de cada operação interna de produção, e o fluxo de informação, que se
refere às informações de recebimento da ordem de vendas, ordens de expedição, fabricação e
de compras. O processo de mapeamento do fluxo, por sua vez, possui quatro etapas: (i) a
escolha de uma família de produtos; (ii) o desenho do estado atual; (iii) o desenho do estado
futuro; e (iv) a descrição do plano de trabalho.
A escolha da família de produtos é necessária, pois se torna muito difícil e demorado mapear
todos os produtos de uma só vez, assim deve-se priorizar uma linha de produtos com base em
sua importância e valor para o cliente. O desenho do mapa do estado atual é a descrição
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gráfica de como a empresa, ou os fluxos de materiais e informação da empresa, encontra-se
no momento. Inicia-se com a representação do cliente, em seguida dos processos, dos
fornecedores principais e do fluxo de informação. Finalmente acrescentam-se as respectivas
informações de cada processo, como takt-time, capacidade, frequência de manutenção, tempo
de espera etc. O desenho do mapa do estado futuro é uma idealização de como seria o novo
fluxo de valor após a eliminação (ou redução) dos desperdícios encontrados no mapa de
estado atual. Rother e Shook (2002, p. 58) descrevem oito questões chave para o estado
futuro: (1) qual o takt-time da linha; (2) se a produção será disposta em “supermercados” ou
encaminhada diretamente à expedição; (3) quais os processo que admitem um fluxo contínuo;
(4) onde serão definidos os processos “puxadores” de produção para colocação dos
“supermercados”; (5) em que ponto será programada a produção; (6) como será nivelado o
mix de produção; (7) qual o tamanho dos lotes (kanbans) a serem trabalhados; e (8) quais as
melhorias de processo serão necessárias para fluência do fluxo conforme especificado. Por
fim, a descrição do plano de trabalho refere-se justamente à descrição das atividades
previstas na questão oito da etapa anterior, as quais devem possuir objetivos, metas e prazos
claramente definidos.
Queiroz, Rentes e Araújo (2004, p. 3) destacam que, ainda que muitas pessoas sejam
envolvidas na implantação do pensamento enxuto e no mapeamento do fluxo de valor, uma
única pessoa deve ser designada para liderar o processo de implementação do estado futuro,
devendo ser “alguém que enxergue através das fronteiras dos fluxos de valor de uma família
de produtos e que faça as coisas acontecerem”. Por fim, Rother e Shook (2002) afirmam que o
que torna o fluxo de valor enxuto é fabricar os produtos em um fluxo contínuo completo, com
lead time suficientemente curto para permitir a produção somente dos pedidos confirmados e
com o tempo de mudança zero entre os diferentes produtos.
3. Whirlpool S.A. – Unidade Compressores
A unidade de compressores da Whirlpool S.A., inicialmente chamada de Embraco, Empresa
Brasileira de Compressores S.A. foi fundada em 1971, a partir de uma joint-venture entre três
produtores nacionais de refrigeradores, Cônsul, Prosdócimo e Springer, como alternativa à
importação de compressores herméticos (SANTOS, 2005). Com a Resolução 354 de 1975,
que estabelecia o depósito compulsório de 100% do valor das importações, os demais sócios
da Cônsul optaram por deixar o negócio, de forma que a Cônsul, agora parte do grupo
Brasmotor, o qual incluía também a Brastemp, absorve integralmente o capital da Embraco
(CHIAVENATO, 1982).
Em 1992, com a obtenção de sua primeira certificação ISO 9001, a Embraco inicia a
construção do Modelo de Gestão Embraco (MGE), suportada pela Fundação Cristiano Ottoni
(atual FDG). Fortemente embasado no modelo de Gestão da Qualidade Total (TQM), o MGE
utiliza técnicas que integravam desde o planejamento estratégico e o gerenciamento da rotina
na fábrica, à gestão do meio ambiente, das pessoas e da mudança cultural. Continuamente
melhorado e auditado por avaliadores externos com base nos Critérios de Excelência da
Fundação Nacional da Qualidade, o MGE seria paulatinamente exportado às unidades
externas, de acordo com as necessidades e prioridades de implantação de cada planta.
De acordo com o estudo da SOBEET (2007), o processo de internacionalização iniciou em
1994, devido à instabilidade econômica do Brasil na década de 1990 e ao crescimento da
relevância da Embraco como fornecedor mundial de compressores, a empresa decide
internacionalizar suas operações, diluindo assim parte de seu risco sistemático. Nesse ano a
Embraco adquire uma unidade italiana de compressores, a Aspera, a qual pertencia já ao
grupo Whirlpool. Na sequência, em 1995, a Embraco firma parceria com a empresa de
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eletrodomésticos Snowflake, na China, criando a joint venture Beijing Embraco Snowflake
Compressor Company, em Pequim (SOBEET, 2007; WHIRLPOOL, 2010). Em 1998 a
Embraco instala sua terceira unidade no exterior, na cidade de Spišská Nová Ves, Eslováquia
(SOBEET, 2007).
Além das quatro unidades de produção de compressores, a Embraco conta ainda com uma
fundição e uma unidade de componentes elétricos e unidades condensadoras, respectivamente
em Pirabeiraba e Itaiópolis, ambas em Santa Catarina, e duas unidades de componentes
eletrônicos, a EECON (Embraco Electronics), sendo uma também em Joinville, Santa
Catarina e outra em Qingdao, na China. Por fim, a Embraco possui escritórios de vendas e
centros de distribuição nos Estados Unidos, México e Itália (WHIRLPOOL, 2010).
Em 2006, através de uma reorganização societária, os grupos Multibrás e Embraco, que
vinham respondendo independentemente à controladora, juntaram-se em uma única entidade
jurídica, formando a Whirlpool S.A., a qual conta com duas unidades de negócio,
Eletrodomésticos e Compressores. Esta junção permitiu maior alinhamento entre as
estratégias da holding norte-americana e da Embraco, maior sinergia entre as unidades
brasileiras e um melhor planejamento tributário.
3.1. A Embraco Slovakia S.r.o.
Instalada em 1998, a Embraco Slovakia S.r.o. (ESK) iniciou sua produção em 1999, na cidade
de Spišská Nová Ves, na kraj (região) de Košice, a cerca de 400 quilômetros a leste da capital
Bratislava. Inicialmente planejada para receber as linhas de produção de compressores e
unidades condensadoras para refrigeração comercial (vending machines, balcões frigoríficos
etc.), as quais foram transferidas da unidade italiana, a planta eslovaca sentiu desde o início o
choque de três culturas diferentes: italiana, brasileira e eslovaca.
Spišská Nová Ves, no início da construção da unidade da Embraco, era uma cidade de pouco
mais de 30 mil habitantes, voltada para atividades agrárias e um pequeno comércio local.
Apesar de a população possuir formação educacional elevada, característica européia e, em
especial do antigo modelo comunista, não havia qualquer direcionamento para a indústria e
a tecnologia, essenciais para o business Embraco. Além disso, a saída ainda recente do
modelo comunista, criava um ambiente avesso à competição e, assim, pouco propício ao
crescimento individual e da empresa.
Num segundo momento, definiu-se também a transferência de parte das linhas de produção de
refrigeração doméstica, da Itália para a Eslováquia. Neste segmento, a função qualidade
tornava-se ainda mais importante, sobretudo quando considerados os maiores volumes
negociados, o poder de barganha dos principais clientes (Whirlpool, Electrolux, Bosch etc.) e
a obsolescência técnica das linhas de produção italianas e de alguns dos produtos transferidos,
aliados à baixa capacitação tecnológica dos colaboradores eslovacos.
Com maciços investimentos na reforma da linha de produção de compressores para
refrigeração doméstica, na revisão da linha de produtos, objetivando maior desempenho e/ou
redução de custos e em capacitação e treinamento para os funcionários através cursos in-
company, convênios com escolas técnicas e universidades locais e transferência de know-how
entre matriz e filial, a Eslováquia conseguiu superar os desafios de qualidade e tornar-se um
fornecedor confiável para o grupo.
Já em 2004, a Embraco Slovakia produzia quatro modelos de compressores e unidades
condensadoras e contava com linhas de produção tanto para refrigeração comercial quanto
para refrigeração doméstica, constituindo-se na maior unidade estrangeira. A unidade havia
recém concluído a certificação de seu sistema de gestão ambiental, ISO 14001 e estava
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consolidando a implantação do modelo de gestão corporativo. Superado o desafio da
qualidade, os fatores de entrega (logística) e custos (produtividade) tornavam-se agora
imperativos para a manutenção da rentabilidade da planta eslovaca.
O crescimento da economia, a partir da entrada na Eslováquia na União Europeia e novos
investimentos externos e internos, a possibilidade de migração da força de trabalho a outros
países europeus, a maior competição pela mão-de-obra qualificada local e a baixa atratividade
da região para trabalhadores, sejam estrangeiros ou eslovacos, forçou significativamente o
aumento do custo da mão-de-obra, o que demandava um incremento na produtividade.
Buscou-se então a melhoria da eficiência da manufatura através da utilização de técnicas mais
apuradas de gestão da produtividade e da qualidade, tais como o Lean Manufacturing e o Six
Sigma. Inicialmente, como algumas ferramentas aplicadas no Lean também faziam parte do
modelo de TQM, já adotado pelo MGE, definiu-se aplicar o VSM, identificando possíveis
fontes de desperdícios a serem reduzidas, objetivando maior adição de valor ao produto.
Para a implantação do VSM, sendo esta uma técnica ainda pouco conhecida mesmo na matriz,
o processo contou com a participação de uma consultoria eslovaca, o Fraunhofer IPA
Slovakia (IPA), a qual treinou as pessoas envolvidas nas ferramentas do Lean e auxiliou na
geração dos mapas e propostas de melhoria. O IPA é uma entidade suportada pelo instituto
alemão Fraunhofer e pela Universidade de Žilina, os quais já eram parceiros estratégicos da
Embraco, o que facilitou o contato e a interação entre consultores e os envolvidos no projeto.
Foram desenvolvidos quatro mapas do fluxo de valor, representando o estado presente das
linhas de fabricação. Estes mapas identificaram desperdícios como estoques intermediários,
manutenções corretivas, alto tempo de set-up, gargalos com tempo-ciclo acima do takt-time
da linha de montagem, excesso de operações manuais entre outros.
Uma vez concluídos os mapas do estado presente, identificados os principais desperdícios e
propostas as ações corretivas, observou-se a possibilidade de melhoria da taxa de Valor
Adicionado (relação entre o tempo de produção efetiva e o tempo total de produção) e
redução do lead time total de produção em todas as linhas de fabricação. Com os mapas de
estado futuro devidamente apresentados e aprovados pela alta gerência, foram definidos
planos de ação que incluíam alterações nos fluxos fabris e nos fluxos de informação
(planejamento), um cronograma de implantação das melhorias e um conjunto de indicadores
de desempenho para acompanhamento dos resultados.
4. Procedimentos Metodológicos
Este trabalho consiste num estudo exploratório e se utiliza do método de estudo de caso para
entender como se deu o processo de implantação da manufatura enxuta em uma organização,
através da percepção de seus colaboradores-chave sobre o acompanhamento e suporte técnico
às atividades definidas, as dificuldades encontradas e os ganhos obtidos com sua aplicação. A
decisão por uma pesquisa exploratória é suportada por Theodorson e Theodorson (1970 apud
PIOVESAN; TEMPORINI, 1995) e por Malhotra (1993 apud RÉVILLION, 2003), para
quem este método permite ao pesquisador escolher as técnicas mais adequadas para sua
pesquisa, decidir quais as questões necessitam de maior ênfase e investigação e entender as
razões e motivações das pessoas, gerando ideias para o melhor entendimento do problema.
O estudo de caso, por sua vez, é descrito por Yin (2010, p. 39) como um método que
“investiga um fenômeno [...] em profundidade e em seu contexto de vida real, especialmente
quando os limites entre o fenômeno e contexto não são claramente evidentes”, sendo
recomendado por Godoy (2010, p. 121) “quando se quer focar problemas práticos,
decorrentes das [...] situações individuais e sociais presentes nas atividades, nos
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procedimentos e nas interações cotidianas”.
Além da pesquisa bibliográfica que suportou a revisão teórica, o estudo contou com a análise
de documentos da organização e de entrevistas com as pessoas envolvidas no processo de
implantação das ações definidas para implantação do modelo Lean. Dentre os documentos
analisado cabe destaque os relatórios da Avaliação MGE de 2003 e 2005 (EMBRACO, 2003;
2005), os quais evidenciam o impacto da aplicação das técnicas do Lean Manufacturing e
cujos pareceres são utilizados como uma das fontes de validação dos resultados da pesquisa.
É importante destacar que o pesquisador teve participação ativa durante o processo de
desenho dos estados presente e futuro dos mapas de fluxo de valor, atuando como facilitador
do projeto e da comunicação entre a matriz corporativa e a unidade local e entre esta e a
empresa de consultoria externa. Ressalta-se, entretanto, que este estudo não objetiva avaliar o
processo de mapeamento em si, mas sim a efetividade na implantação das ações definidas por
este mapeamento, de acordo com a percepção dos envolvidos.
A definição da empresa para o estudo de caso deveu-se a três critérios considerados relevantes
para a pesquisa: (i) tratar-se de filial em implantação do modelo de manufatura enxuta; (ii)
disponibilidade e acesso aos dados; (iii) existência prévia de uma cultura gerencial
predominante.
O primeiro critério é retratado na própria caracterização da empresa, que descreve a
organização analisada como uma filial estrangeira da Whirlpool S.A. – Unidade de
Compressores, as quais, tanto matriz quanto filial, encontrava-se iniciando processo de
implantação da manufatura enxuta em suas unidades. O segundo item é consequência da
participação efetiva do pesquisador na primeira fase do projeto (mapeamento do fluxo de
valor), viabilizando assim o contato posterior com a organização e as pessoas envolvidas, o
acesso aos dados e o próprio conhecimento prático dos processos organizacionais. Por fim, o
terceiro quesito também se apresenta descrito na caracterização da empresa, a qual possuía
um modelo de gestão próprio e reconhecido como de excelência, através de auditorias anuais
baseadas nos Critérios de Excelência do PNQ.
Para coleta de dados foi definida uma entrevista estruturada com as pessoas envolvidas no
mapeamento e ações subsequentes. Segundo Byrne (2004, apud SILVERMAN, 2009), a
entrevista qualitativa permite acesso às atitudes e valores dos indivíduos, sendo que perguntas
abertas podem obter respostas mais ponderadas e, por isso, proporcionam um melhor acesso
às visões, interpretações, entendimentos, experiências e opiniões dos entrevistados.
A definição por entrevista estruturada deveu-se à necessidade de se enviar o questionário por
correio eletrônico, uma vez que a maior parte dos respondentes encontra-se no exterior, uma
vez que Boni e Quaresma (2005) destacam como vantagens do uso da entrevista estruturada a
não necessidade da presença do pesquisador, a abrangência de uma área geográfica mais
ampla e maior direcionamento do tema. Entende-se, entretanto, a limitação da interação entre
entrevistado e entrevistador devido à escolha deste modelo.
O questionário da entrevista não objetiva uma quantificação das respostas dos entrevistados,
mas sim a identificação da percepção geral do processo de implantação de um novo modelo
de gestão da manufatura. Para Fraser e Gondim (2004, p. 148), “uma das principais
finalidades da pesquisa qualitativa é a de apresentar, de forma ampla e representativa, a
diversidade de pontos de vistas de um determinado grupo”.
Entretanto, é de se esperar que pessoas em diferentes níveis organizacionais e em diferentes
processos tenham pontos de vista, expectativas e mesmo conhecimentos diferentes em relação
a determinado assunto ou projeto (STONER; FREEMAN, 1995). Com base nessa premissa,
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decidiu-se aplicar questionários com o mesmo teor, porém com perguntas diferentes,
dependendo da posição hierárquica e do processo em que o respondente esteja relacionado.
Os questionários possuem de cinco a dez questões, além de uma seção de identificação
pessoal com informações acerca do nome, posição e tempo de empresa.
De acordo com Godoi e Mattos (2010, p. 308) “uma das decisões metodológicas inevitáveis e,
por vezes, incômoda no trabalho de investigação qualitativa é a decisão sobre quem, quantos e
quantas vezes entrevistar”. Sobre isso, Fraser e Gondim (2004, p. 147) acrescentam que,
numa entrevista qualitativa, o critério mais importante não é o tamanho da amostra, uma vez
que “a finalidade não é apenas quantificar opiniões e sim explorar e compreender os
diferentes pontos de vista”. Ainda segundo estas autoras, deve-se pensar no número de
entrevistas levando-se em conta os objetivos da pesquisa, os diferentes ambientes e o
esgotamento do tema.
Definiu-se então a amostra a partir da relevância da relação do entrevistado para com o
projeto, ou o impacto deste em seus respectivos processos. Com base nestes critérios, foram
enviados nove questionários, dos quais dois não retornaram e dois retornaram sem resposta às
questões, sob a alegação de que os entrevistados não se sentiam aptos a respondê-las. Os
entrevistados, quando a serem citados, serão designados por uma numeração aleatória.
De acordo com Forza (2002), o pesquisador deve aplicar um pré-teste para identificar se (i) as
instruções estão claras; (ii) as questões estão claras; (iii) há problemas no entendimento de
que tipos de respostas são esperados; e (iv) o processo de aplicação do questionário. Neste
estudo, o pré-teste foi aplicado a dois respondentes, o coordenador local de gestão e o gerente
corporativo de Lean, que além de responderem aos seus respectivos questionários, ainda
analisaram os questionários posteriormente enviados aos demais respondentes.
Para Paiva Jr., Leão e Mello (2007) o real valor de um instrumento de pesquisa é dado pela
sua validade. Esta, de acordo com estes autores, pode ser observada como (i) aparente, que se
refere a quanto o método utilizado apresenta o resultado esperado; (ii) instrumental, que
avalia adequação dos resultados obtidos pelo método avaliado, com outros obtidos por
métodos alternativos e já validados; e (iii) teórica, que trata da própria legitimidade dos
procedimentos metodológicos utilizados.
Como forma de validar dados coletados na entrevista e a análise final, o estudo foi triangulado
com respondentes, com a empresa e com a teoria. Segundo Paiva Jr., Leão e Mello (2007, p.
5) a triangulação “contribui tanto por meio de validade quanto de confiabilidade, compondo
um quadro mais evidente do fenômeno por meio da convergência”.
A triangulação com os respondentes foi realizada através de contatos posteriores com os
respondentes cuja resposta ou comentário divergisse muito daquelas obtidas nos demais
questionários. Já a validação com a empresa aconteceu de duas formas, através da análise
documental, no caso as Avaliações MGE de 2003 e 2005 (EMBRACO, 2003; 2005) e através
da revisão posterior do próprio estudo de caso, realizada pela pessoa de contato na empresa, a
qual deu seu parecer quanto a adequação dos achados da pesquisa. Por fim, a triangulação
junto a teoria foi realizada durante a análise dos dados coletados e é referenciada nos achados
da pesquisa, comentados na seção 6, das Considerações Finais.
A principal limitação, inerente à estratégia de pesquisa de estudo de caso, conforme colocado
por diversos autores (YIN, 2010; CESAR; ANTUNES, 2008) é a sua dificuldade de
generalização dos resultados encontrados. Além desta limitação, existe a possibilidade de
perdas de tradução, uma vez que todos os questionários foram respondidos em inglês e para
posterior tradução ao português e a necessidade de envio do questionário por correio
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eletrônico em vez de entrevista presencial, a qual que poderia assegurar maior entendimento
das questões pelos entrevistados (FORZA, 2002; FRASER; GONDIM, 2004; SILVERMAN,
2009).
Por fim, pelo caso descrito ter ocorrido entre 2004 e 2005, ainda que as atividades de
implantação e atualização do modelo Lean perdurem até hoje, as respostas dadas pelos
entrevistados podem ter sofrido influência de suas experiências posteriores e do próprio
andamento subsequente do projeto, alterando assim sua percepção original.
5. Análise dos Dados Coletados
De acordo com os questionários respondidos, parece haver consenso entre os coordenadores
locais do projeto que a utilização dos consultores eslovacos, pela própria identificação cultural
e facilidade do idioma, permitiu maior interação e comprometimento dos envolvidos para com
o projeto, bem como entendimento dos conceitos e da aplicação do Lean. De acordo com os
respondentes:
(ENTREVISTADO 1): [A utilização de] uma empresa de consultoria da Eslováquia
foi importante devido às barreiras de idioma […] nós fizemos testes com empresas
que não falavam eslovaco, mas a implantação foi bastante difícil […] com uma
consultoria local, o comprometimento sempre foi maior.
(ENTREVISTADO 2): O consultores locais foram cruciais para o sucesso, não só
com que a facilidade do idioma, mas também por conhecerem e ajudarem com os
aspectos culturais [da Eslováquia].
A menção dos aspectos culturais como fatores de sucesso do projeto é corroborada por Powell
(1995), em um estudo sobre a aplicação da qualidade total como fonte de vantagem
competitiva. Segundo ele, apenas os aspectos intangíveis da qualidade total, como a cultura,
obedeceriam às condições necessárias à criação e sustentação de uma vantagem competitiva.
Parece haver um entendimento comum sobre o nível de suporte e de comprometimento da alta
direção durante e após o desenho dos mapas de estado atual e futuro, o que foi destacado
pelos respondentes como um dos pontos fortes.
(ENTREVISTADO 5): Houve um equilíbrio adequado entre planta e corporação;
com o matriz trazendo conhecimento e a planta implementando e fazendo os
“ajustes finos” necessários.
(ENTREVISTADO 7): […] quando todos sabem o que é essencial para a
sustentabilidade da empresa, fica muito mais fácil de se conseguir o
comprometimento e suporte necessários.
As respostas acima vão ao encontro de Beer (2003), que afirma que para se mobilizar energia
e comprometimento para a mudança, deve haver uma identificação conjunta do problema.
Assegurar que as pessoas entendam o porquê da mudança, é vital não só para motivação, mas
também para criar um sentimento de urgência.
Após a primeira implantação do VSM, o projeto de manufatura enxuta tomou força em todas
as unidades produtivas da Embraco, agora sob uma gestão corporativa dedicada ao tema e
com coordenadores locais dedicados à divulgação e implantação do modelo. O próprio VSM,
de acordo com um dos respondentes, passou a ser uma ferramenta de avaliação periódica da
eficiência do processo.
(ENTREVISTADO 1): [...] desde aquela época, nós atualizamos o VSM duas vezes
por ano; nós temos um VSM geral, para toda a planta, e um VSM detalhado para
cada processo, com identificação das oportunidades nos fluxos de materiais e
informações, processos, qualidade, segurança etc.
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Além disso, parece haver quase um consenso entre os respondentes sobre a efetividade do
mapeamento e o alinhamento com os objetivos e metas da unidade.
(ENTREVISTADO 2): A efetividade da implementação ficou em torno de 85-90%.
(ENTREVISTADO 5): O início da implantação do VSM foi muito valiosa, uma vez
que esta se tornou a ferramenta oficial para identificar e definir o status atual e as
ações de melhoria.
(ENTREVISTADO 7): Houve um alinhamento perfeito [entre as ações propostas e
os desafios da manufatura] e nós temos plena confiança de que este seja o caminho
para o alcance de um “Desempenho Classe Mundial”.
Apesar de, de maneira geral, a ferramenta ter atingido seus objetivos iniciais, não estava claro
a todos os envolvidos o alinhamento do projeto com as estratégias locais ou corporativas, ou
mesmo com uma implantação abrangente do Lean Thinking. Dentre os respondentes que
destacaram a questão do alinhamento estratégico e conceitual do VSM, foram obtidas duas
respostas que confirmaram o alinhamento, enquanto outros dois apontavam o contrário.
(ENTREVISTADO 2): 100% alinhado [com as estratégias corporativas]. Todas as
estratégias foram desdobradas da Visão de Futuro da empresa e […] alinhadas com
os objetivos corporativos…
(ENTREVISTADO 5): [A] Embraco Slovakia desdobrou o planejamento
estratégico para a planta, sob um alinhamento total com o planejamento estratégico
corporativo […] VSM, que foi implantado de acordo com as diretrizes corporativas,
foi uma das iniciativas que suportavam a […] Visão [de Futuro].
(ENTREVISTADO 7): Naquele momento nós não tínhamos um Planejamento
Estratégico de Operações local. Nós tínhamos um Desdobramento de Objetivos &
Metas. […] Foi uma decisão corporativa “top-down”.
(ENTREVISTADO 8): […] o projeto não estava claramente alinhado com as
estratégias corporativas. Naquele momento nós estávamos agindo para melhorar a
excelência operacional de nossas plantas, mas não havia uma iniciativa abrangente
que direcionasse este tipo de mudança de paradigma [...] O projeto foi exatamente
a implantação de uma ferramenta, sem qualquer estratégia de implantação de um
“Lean Thinking”.
A questão do alinhamento estratégico pode ainda ser observada em uma das oportunidades de
melhoria apresentadas no relatório da Avaliação MGE (modelo Critérios de Excelência do
PNQ), a qual recomenda “melhorar os métodos de desdobramento das estratégias a fim de se
estabelecer uma relação clara entre as ações [da unidade] e as estratégias corporativas”
(EMBRACO, 2003, p. 35),
A oportunidade citada acima, entretanto, parece referir-se mais a um problema na estruturação
e comunicação das estratégias e ações a todos os envolvidos do que efetivamente um
desalinhamento estratégico. Este resultado é ainda verificado por Canépa, Rigoni e Bordbeck
(2008) que, ao analisar as práticas e a maturidade do alinhamento estratégico em 52
organizações industriais e de serviços, identificou que menos de 9% delas possuíam um nível
otimizado de comunicação e entendimento das estratégias organizacionais.
O relatório de Avaliação do modelo de gestão de 2003, também destaca e necessidade de se
estabelecer um road map e um plano para a melhoria da gestão da operação, além de destacar
carências nos sistemas de medição de desempenho, de forma a permitir maior efetividade na
identificação prévia de possíveis falhas (early failure detecction), sugestões estas que abrem
caminho para uma implantação mais abrangente do modelo de manufatura enxuta.
A Figura 1 apresenta os resultados da Avaliação MGE, comparativamente aos anos de 2003 e
2005, anos respectivamente anterior e posterior à implantação do VSM e corrobora a
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percepção dos envolvidos na implantação do VSM, sobre a importância das técnicas
utilizadas para a melhoria da eficiência operacional e dos resultados da unidade. A pontuação
crescente demonstra a evolução dos processos gerenciais e dos resultados dos processos
relacionados à produção, fornecedores e outros processos de apoio, após a implantação das
ações previstas no plano de estado futuro do fluxo de valor de acordo com a Avaliação MGE,
a qual é realizada por uma equipe de avaliadores externos à empresa e é baseada nos Critérios
de Excelência do Prêmio Nacional da Qualidade (PNQ)
Critérios e Itens Pontuação
Máxima 2003 2005
7. Processos
7.1. Gestão de Processos Relativos ao Produto 30 18 21
7.2. Gestão de Processos de Apoio 20 12 12
7.3. Gestão de Processos Relativos aos Fornecedores 20 10 12
8. Resultados
8.4. Resultados Relativos aos Fornecedores 30 09 09
8.5. Resultados dos Processos Relativos ao Produto 80 24 32
8.7. Resultados dos Processos de Apoio e Organizacionais 50 10 15
Fonte: Embraco (2003; 2005); adaptação do autor.
Figura 1 – Quadro comparativo da pontuação obtida na Avaliação MGE nos anos imediatamente anterior e
posterior à implantação do VSM, nos itens relacionados.
NA Figura 1, a pontuação referente ao item Máximo representa o número máximo de pontos
possível de serem obtidos pelas empresas que cumprirem todos os requisitos exigidos pelo
PNQ, enquanto nos itens 2003 e 2005 observa-se as pontuações obtidas pela Embraco
Slovakia durante as Avaliações, nos respectivos anos, denotando a melhoria nos processos e
resultados impactos pelo VSM.
6. Considerações Finais
O mapeamento do fluxo de valor na Embraco, e em especial na Embraco Slovakia, objeto
deste estudo, em 2004, constitui-se como um marco na mudança de um paradigma de gestão
baseada no modelo TQM para o modelo lean. Inicialmente previsto a se tornar mais uma
ferramenta dentro do “guarda-chuva” de técnicas gerenciais representando pelo MGE, o VSM
acabou tomando corpo e identificando necessidades que, aliadas a um cenário político-
econômico desfavorável, tornaram premente a busca por um modelo gerencial mais focado no
processo operacional, preconizado pelo Lean e suas ferramentas derivadas do Sistema Toyota
de Produção (TPS).
Pode-se considerar que o estudo alcançou os objetivos estabelecidos ao identificar as
percepções das pessoas envolvidas com o projeto VSM acerca de seu alinhamento com as
estratégias organizacionais e as metas da unidade, bem como sobre o processo de
implementação e follow up das ações descritas nos mapas de estado futuro, destacando os
pontos fortes e fraquezas deste processo.
As informações disponibilizadas pelos respondentes confirmam a relevância da ferramenta
como direcionadora das ações de melhoria operacional e o impacto e aderência destas aos
objetivos e metas da unidade. Esse aspecto foi fundamental para suplantar a ausência de um
desdobramento mais claro da estratégia corporativa aos envolvidos, a qual poderia ter afetado
o comprometimento destas funções, sobretudo no nível gerencial da unidade. Esta observação
corrobora o estudo de Canépa, Rigoni e Brodbeck (2008, p. 126), o qual afirma que haver
reconhecimento da importância da comunicação como critério e prática de alinhamento
estratégico, mas que estes aspectos ainda devem ser melhor trabalhados nas organizações, “a
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fim de obter maior integração e amplitude, e relações consolidadas que assegurem ações
estratégicas”.
Foi destacado também que a utilização de uma consultoria local para suportar o projeto
auxiliou a reduzir barreiras como idioma e aspectos culturais, sobretudo dadas as condições
especiais deste projeto, como o baixo conhecimento do método pela matriz e suporte
corporativo e a iminente mudança na modelo gerencial adotado até então. De acordo com
Mehri (2006) a questão cultural está entre as maiores críticas ao modelo Lean, na medida em
que muitas empresas “transplantam” o modelo japonês à sua realidade, sem observar
idiossincrasias de cada organização, como ambiente, comportamento e cultura. Com relação à
adoção da consultoria local é importante mencionar que ficou evidenciado na resposta aos
questionários que a corporação preocupou-se com a seleção da consultoria contratada,
assegurando assim o alinhamento estratégico com a matriz e o modelo de gestão e
padronizando globalmente os procedimentos adotados.
Por fim, cabe mencionar que todos os respondentes observaram ser o VSM uma prática
salutar, que veio ao encontro das necessidades da planta, como forma de identificação de
oportunidades de melhoria, suportando os objetivos e metas locais, fato este comprovado na
avaliação do modelo de gestão (Avaliação MGE) e abrindo caminho para uma abordagem
mais ampla de Lean Thinking. Entretanto, um ponto deve ser observado pela empresa, o qual
se refere à resposta da controladoria em ter tido pouca participação no projeto e não estar apta
a identificar os impactos do VSM nos resultados financeiros. Considerando o resultado do
estudo de Lewis (2000), onde ele estuda três empresas, na Inglaterra, Bélgica e França,
respectivamente, e conclui que a implantação do Lean não assegura melhoria “automática”
dos resultados financeiros, sugere-se uma atenção maior da empresa e maior envolvimento
das funções de controladoria nos resultados do programa de manufatura enxuta.
Como sugestão para estudos futuros, recomenda-se ampliar o escopo deste estudo para as
demais unidades da empresa que também implantaram o VSM, bem como atualizar as
informações aqui constantes acerca do processo de implementação do Lean Thinking. Além
disso, devido ao caráter restritivo à generalização dos resultados, inerente ao modelo de
estudo de caso, sugere-se ampliar o escopo deste estudo à outras empresas, neste e em outros
segmentos, a fim de se ter uma visão mais ampla e geral de como as pessoas, em diversos
níveis organizacionais, percebem e se relacionam com um novo programa que demande a
mudança de uma cultura organizacional já estabelecida, como no caso estudado.
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