value stream mapping: um estudo do … para o alcance desta almejada vantagem competitiva, na medida...

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VALUE STREAM MAPPING: UM ESTUDO DO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO ESTADO FUTURO NA EMBRACO SLOVAKIA MAURICIO CRIPPA (UFC) [email protected] Jose de Paula Barros Neto (UFC) [email protected] A adoção do modelo de manufatura enxuta tem assegurado a muitas empresas uma vantagem competitiva suportada pela busca contínua da máxima eficiência de seus processos. No mercado de compressores para refrigeração, em especial, a pressão porr constantes reduções de preço, aliadas a melhorias de desempenho e qualidade dos produtos, torna a eficiência operacional fator ainda mais crítico para o sucesso e a própria sobrevivência organizacional. Com base nessas premissas, em 2004, a Embraco Slovakia iniciou o processo de implantação da manufatura enxuta a partir da utilização do Value Stream Mapping, para identificar em seus processos as oportunidades de redução de desperdícios e maximização da criação de valor. Este estudo de caso objetiva descrever o processo de acompanhamento das ações para a implantação do estado futuro e a percepção dos envolvidos quanto à efetividade destas ações para os resultados da unidade. Com base em questionários com perguntas abertas, as pessoas envolvidas no projeto concordaram que a implantação do VSM foi uma importante ferramenta para empresa, de forma a se tornar, desde então, um processo contínuo para levantamento das oportunidades de melhoria. Destacou-se ainda a importância de se utilizar uma empresa de consultoria local para a efetividade do processo, reduzindo as barreiras culturais e de linguagem. Finalmente, a eficácia das ações apontadas pelo VSM foram evidenciadas nas auditorias externas, realizadas de acordo com os Critérios de Excelência do Prêmio Nacional da Qualidade (PNQ). Palavras-chaves: Fluxo de valor, VSM, Lean, Manufatura enxuta, Embraco, Whirlpool XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

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VALUE STREAM MAPPING: UM

ESTUDO DO PROCESSO DE

IMPLANTAÇÃO DO ESTADO FUTURO

NA EMBRACO SLOVAKIA

MAURICIO CRIPPA (UFC)

[email protected]

Jose de Paula Barros Neto (UFC)

[email protected]

A adoção do modelo de manufatura enxuta tem assegurado a muitas

empresas uma vantagem competitiva suportada pela busca contínua da

máxima eficiência de seus processos. No mercado de compressores

para refrigeração, em especial, a pressão porr constantes reduções de

preço, aliadas a melhorias de desempenho e qualidade dos produtos,

torna a eficiência operacional fator ainda mais crítico para o sucesso e

a própria sobrevivência organizacional. Com base nessas premissas,

em 2004, a Embraco Slovakia iniciou o processo de implantação da

manufatura enxuta a partir da utilização do Value Stream Mapping,

para identificar em seus processos as oportunidades de redução de

desperdícios e maximização da criação de valor. Este estudo de caso

objetiva descrever o processo de acompanhamento das ações para a

implantação do estado futuro e a percepção dos envolvidos quanto à

efetividade destas ações para os resultados da unidade. Com base em

questionários com perguntas abertas, as pessoas envolvidas no projeto

concordaram que a implantação do VSM foi uma importante

ferramenta para empresa, de forma a se tornar, desde então, um

processo contínuo para levantamento das oportunidades de melhoria.

Destacou-se ainda a importância de se utilizar uma empresa de

consultoria local para a efetividade do processo, reduzindo as

barreiras culturais e de linguagem. Finalmente, a eficácia das ações

apontadas pelo VSM foram evidenciadas nas auditorias externas,

realizadas de acordo com os Critérios de Excelência do Prêmio

Nacional da Qualidade (PNQ).

Palavras-chaves: Fluxo de valor, VSM, Lean, Manufatura enxuta,

Embraco, Whirlpool

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

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1. Introdução

O acirramento da concorrência em praticamente todas as indústrias tem sido tema e

justificativa constante de diversos estudos científicos. Complementarmente, muitos desses

estudos destacam a eficiência da manufatura como uma relevante fonte de vantagem

competitiva (CORRÊA; PROCHNO, 1998; ALBUQUERQUE; SILVA, 2002), através do

suporte às estratégias da organização e do desenvolvimento de capacidades dinâmicas que

assegurem essas vantagens de forma sustentável. Para muitos autores (WOMACK; JONES,

1998; GIRARDI et al., 2006 TAYLOR; HINES, 2008) o modelo de Lean Manufacturing

(Manufatura Enxuta), baseado no sistema Toyota de produção oferece importantes

ferramentas para o alcance desta almejada vantagem competitiva, na medida em que permite

reduzir o trade-off entre flexibilidade, qualidade e custo, critérios até então considerados

mutuamente excludentes.

A implantação do modelo de manufatura enxuta parte da identificação dos desperdícios

(muda) no processo, os quais incluem ociosidades, movimentações desnecessárias, esperas ou

estoques, sucata e retrabalho, entre outros (WOMACK; JONES, 1998; ROTHER; SHOOK,

2002; WOMACK; JONES; ROSS, 2004). Utiliza-se para este levantamento a ferramenta de

VSM (Value Stream Mapping - mapeamento da cadeia de valor), a qual busca desenhar o

processo produtivo, desde a colocação do pedido de compras no fornecedor até a entrega do

produto final ao cliente, numa análise conhecida como porta-a-porta.

Este estudo de caso foi desenvolvido com base no projeto de implantação das técnicas

preconizadas na manufatura enxuta na Embraco Slovakia S.r.o. (ESK), a partir do

mapeamento do seu fluxo de valor e da definição das ferramentas a serem utilizadas. A

pesquisa considera o processo subsequente ao de mapeamento da cadeia de valor e objetiva

analisar, através de entrevistas, a percepção das pessoas envolvidas no projeto, nos níveis

operacionais e gerenciais, de como se deu o acompanhamento e suporte técnico às atividades

definidas, as dificuldades encontradas e os ganhos obtidos com a aplicação do modelo.

Este artigo é composto por mais cinco seções, além desta introdução, sendo uma revisão

teórica dos conceitos e técnicas de manufatura enxuta e VSM, uma caracterização a empresa,

a apresentação da metodologia adotada para coleta e análise dos dados, uma análise dos dados

coletados e, por fim, uma conclusão dos achados deste estudo e sugestões para possíveis

trabalhos futuros.

2. A Manufatura Enxuta e o Mapa de Fluxo de Valor

Com o crescimento da participação dos veículos japoneses no mercado mundial, a partir da

década de 1970, baseados em princípios tão diversos como alta confiabilidade, diversidade de

modelos e baixo custo, o modelo de produção fordista começa a ter sua fundamentação e

eficácia questionadas (WOMACK; JONES; ROOS, 2004; HOLWEG, 2006).

De acordo com Holweg (2006), foi esta perda de competitividade que levou os Estados

Unidos, em especial o Massachusetts Institute of Technology (MIT), a criar um programa de

estudos que buscasse entender o processo pelo qual o Japão, um país recém-recuperado de

uma guerra que o deixou arrasado, com escassez de matérias-primas e com uma base limitada

de fornecimento, conseguia disponibilizar produtos diversificados, de qualidade e

relativamente baratos, quando comparados com seus competidores americanos e europeus.

Este programa, nomeado Internacional Motor Vehicle Program (IMVP), reuniu acadêmicos e

profissionais dos Estados Unidos, Europa e do próprio Japão, e foi o responsável por entender

e divulgar as técnicas de produção utilizadas nas indústrias japonesas, em especial na Toyota

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(HOLWEG, 2006).

Estas técnicas de produção, conhecidas inicialmente por Toyota Production System (TPS),

foram apresentadas em diversas teses publicadas pelo IMVP e, mais tarde, compiladas no

livro “A Máquina que Mudou o Mundo”, de Womack, Jones e Roos, publicado originalmente

em 1990 (HOLWEG, 2006) e desenvolvidas com mais profundidade técnica no livro

“Sistema Toyota de Produção do ponto de vista da engenharia de produção”.

Basicamente, o conceito de “enxuta” está associado à otimização das ações que criam valor

(WOMACK; JONES, 1998), ou seja, reduzir, ou mesmo eliminar, todos os desperdícios

(muda, em japonês), que se constituem em atividades, ou esperas, que absorvam recurso, mas

não agreguem valor ao cliente. Para tanto, a manufatura enxuta apoderou-se e adaptou

diversas técnicas e ferramentas de produção, em especial do Controle da Qualidade Total,

para identificar e eliminar pontos de desperdício, tais como materiais em espera,

movimentações internas, manutenções corretivas, tempo de set-up de equipamentos,

inspeções de recebimento, retrabalhos etc.

Para Rother e Shook (2002), uma das condições essenciais para iniciar um processo de

manufatura enxuta é identificar o processo, detalhando cada atividade que cria valor e aquelas

que adicionam apenas custo. Este mapeamento do fluxo do processo, ou fluxo do valor, visa

demonstrar os pontos onde há oportunidades de melhoria do processo (redução de

desperdícios) através de técnicas de otimização da capacidade, redução de tempos ociosos,

redução de estoques, multifuncionalidade etc.

Womack e Jones (1998) concluem ainda que o pensamento enxuto (Lean Thinking) se baseia

em cinco princípios básicos: (1) Valor, o qual deve sempre ser especificado pelo cliente; (2)

Cadeia de Valor, que são todas as etapas ligadas às tarefas de concepção e lançamento de um

produto, gerenciamento da informação e transformação física; (3) Fluxo, que se refere à

eliminação total das paralizações em todos os processos de produção; (4) Produção Puxada,

onde o cliente é o único responsável pelo andamento do processo produtivo; e (5) Perfeição, a

qual surge por meio da exposição contínua dos desperdícios, através de transparência e

feedback constantes.

Para Queiroz, Rentes e Araújo (2004), o objetivo principal da produção enxuta é o fluxo de

valor enxuto da matéria-prima ao produto acabado. Por sua vez, Rother e Shook (2002)

afirmam que, para que este o fluxo enxuto seja criado, a empresa deve “aprender a enxergar”,

e a técnica mais apropriada para isto é o mapeamento do fluxo de valor.

O mapa do fluxo de valor, proposto por Rother e Shook (2002), baseou-se nos princípios do

pensamento enxuto proposto por Womack e Jones (1998) e, conforme Moreira e Fernandes

(2001, p. 3), “é uma ferramenta qualitativa que consiste na representação destes fluxos de

forma simples [...] através de desenhos e [...] ícones facilmente identificáveis”. Ainda segundo

Moreira e Fernandes (2001) e Calado, Ruggiero e Cooper (2003), o mapa do fluxo de valor,

engloba o fluxo de materiais, que representa o fluxo das matérias-primas, desde o fornecedor

até o cliente, através de cada operação interna de produção, e o fluxo de informação, que se

refere às informações de recebimento da ordem de vendas, ordens de expedição, fabricação e

de compras. O processo de mapeamento do fluxo, por sua vez, possui quatro etapas: (i) a

escolha de uma família de produtos; (ii) o desenho do estado atual; (iii) o desenho do estado

futuro; e (iv) a descrição do plano de trabalho.

A escolha da família de produtos é necessária, pois se torna muito difícil e demorado mapear

todos os produtos de uma só vez, assim deve-se priorizar uma linha de produtos com base em

sua importância e valor para o cliente. O desenho do mapa do estado atual é a descrição

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gráfica de como a empresa, ou os fluxos de materiais e informação da empresa, encontra-se

no momento. Inicia-se com a representação do cliente, em seguida dos processos, dos

fornecedores principais e do fluxo de informação. Finalmente acrescentam-se as respectivas

informações de cada processo, como takt-time, capacidade, frequência de manutenção, tempo

de espera etc. O desenho do mapa do estado futuro é uma idealização de como seria o novo

fluxo de valor após a eliminação (ou redução) dos desperdícios encontrados no mapa de

estado atual. Rother e Shook (2002, p. 58) descrevem oito questões chave para o estado

futuro: (1) qual o takt-time da linha; (2) se a produção será disposta em “supermercados” ou

encaminhada diretamente à expedição; (3) quais os processo que admitem um fluxo contínuo;

(4) onde serão definidos os processos “puxadores” de produção para colocação dos

“supermercados”; (5) em que ponto será programada a produção; (6) como será nivelado o

mix de produção; (7) qual o tamanho dos lotes (kanbans) a serem trabalhados; e (8) quais as

melhorias de processo serão necessárias para fluência do fluxo conforme especificado. Por

fim, a descrição do plano de trabalho refere-se justamente à descrição das atividades

previstas na questão oito da etapa anterior, as quais devem possuir objetivos, metas e prazos

claramente definidos.

Queiroz, Rentes e Araújo (2004, p. 3) destacam que, ainda que muitas pessoas sejam

envolvidas na implantação do pensamento enxuto e no mapeamento do fluxo de valor, uma

única pessoa deve ser designada para liderar o processo de implementação do estado futuro,

devendo ser “alguém que enxergue através das fronteiras dos fluxos de valor de uma família

de produtos e que faça as coisas acontecerem”. Por fim, Rother e Shook (2002) afirmam que o

que torna o fluxo de valor enxuto é fabricar os produtos em um fluxo contínuo completo, com

lead time suficientemente curto para permitir a produção somente dos pedidos confirmados e

com o tempo de mudança zero entre os diferentes produtos.

3. Whirlpool S.A. – Unidade Compressores

A unidade de compressores da Whirlpool S.A., inicialmente chamada de Embraco, Empresa

Brasileira de Compressores S.A. foi fundada em 1971, a partir de uma joint-venture entre três

produtores nacionais de refrigeradores, Cônsul, Prosdócimo e Springer, como alternativa à

importação de compressores herméticos (SANTOS, 2005). Com a Resolução 354 de 1975,

que estabelecia o depósito compulsório de 100% do valor das importações, os demais sócios

da Cônsul optaram por deixar o negócio, de forma que a Cônsul, agora parte do grupo

Brasmotor, o qual incluía também a Brastemp, absorve integralmente o capital da Embraco

(CHIAVENATO, 1982).

Em 1992, com a obtenção de sua primeira certificação ISO 9001, a Embraco inicia a

construção do Modelo de Gestão Embraco (MGE), suportada pela Fundação Cristiano Ottoni

(atual FDG). Fortemente embasado no modelo de Gestão da Qualidade Total (TQM), o MGE

utiliza técnicas que integravam desde o planejamento estratégico e o gerenciamento da rotina

na fábrica, à gestão do meio ambiente, das pessoas e da mudança cultural. Continuamente

melhorado e auditado por avaliadores externos com base nos Critérios de Excelência da

Fundação Nacional da Qualidade, o MGE seria paulatinamente exportado às unidades

externas, de acordo com as necessidades e prioridades de implantação de cada planta.

De acordo com o estudo da SOBEET (2007), o processo de internacionalização iniciou em

1994, devido à instabilidade econômica do Brasil na década de 1990 e ao crescimento da

relevância da Embraco como fornecedor mundial de compressores, a empresa decide

internacionalizar suas operações, diluindo assim parte de seu risco sistemático. Nesse ano a

Embraco adquire uma unidade italiana de compressores, a Aspera, a qual pertencia já ao

grupo Whirlpool. Na sequência, em 1995, a Embraco firma parceria com a empresa de

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eletrodomésticos Snowflake, na China, criando a joint venture Beijing Embraco Snowflake

Compressor Company, em Pequim (SOBEET, 2007; WHIRLPOOL, 2010). Em 1998 a

Embraco instala sua terceira unidade no exterior, na cidade de Spišská Nová Ves, Eslováquia

(SOBEET, 2007).

Além das quatro unidades de produção de compressores, a Embraco conta ainda com uma

fundição e uma unidade de componentes elétricos e unidades condensadoras, respectivamente

em Pirabeiraba e Itaiópolis, ambas em Santa Catarina, e duas unidades de componentes

eletrônicos, a EECON (Embraco Electronics), sendo uma também em Joinville, Santa

Catarina e outra em Qingdao, na China. Por fim, a Embraco possui escritórios de vendas e

centros de distribuição nos Estados Unidos, México e Itália (WHIRLPOOL, 2010).

Em 2006, através de uma reorganização societária, os grupos Multibrás e Embraco, que

vinham respondendo independentemente à controladora, juntaram-se em uma única entidade

jurídica, formando a Whirlpool S.A., a qual conta com duas unidades de negócio,

Eletrodomésticos e Compressores. Esta junção permitiu maior alinhamento entre as

estratégias da holding norte-americana e da Embraco, maior sinergia entre as unidades

brasileiras e um melhor planejamento tributário.

3.1. A Embraco Slovakia S.r.o.

Instalada em 1998, a Embraco Slovakia S.r.o. (ESK) iniciou sua produção em 1999, na cidade

de Spišská Nová Ves, na kraj (região) de Košice, a cerca de 400 quilômetros a leste da capital

Bratislava. Inicialmente planejada para receber as linhas de produção de compressores e

unidades condensadoras para refrigeração comercial (vending machines, balcões frigoríficos

etc.), as quais foram transferidas da unidade italiana, a planta eslovaca sentiu desde o início o

choque de três culturas diferentes: italiana, brasileira e eslovaca.

Spišská Nová Ves, no início da construção da unidade da Embraco, era uma cidade de pouco

mais de 30 mil habitantes, voltada para atividades agrárias e um pequeno comércio local.

Apesar de a população possuir formação educacional elevada, característica européia e, em

especial do antigo modelo comunista, não havia qualquer direcionamento para a indústria e

a tecnologia, essenciais para o business Embraco. Além disso, a saída ainda recente do

modelo comunista, criava um ambiente avesso à competição e, assim, pouco propício ao

crescimento individual e da empresa.

Num segundo momento, definiu-se também a transferência de parte das linhas de produção de

refrigeração doméstica, da Itália para a Eslováquia. Neste segmento, a função qualidade

tornava-se ainda mais importante, sobretudo quando considerados os maiores volumes

negociados, o poder de barganha dos principais clientes (Whirlpool, Electrolux, Bosch etc.) e

a obsolescência técnica das linhas de produção italianas e de alguns dos produtos transferidos,

aliados à baixa capacitação tecnológica dos colaboradores eslovacos.

Com maciços investimentos na reforma da linha de produção de compressores para

refrigeração doméstica, na revisão da linha de produtos, objetivando maior desempenho e/ou

redução de custos e em capacitação e treinamento para os funcionários através cursos in-

company, convênios com escolas técnicas e universidades locais e transferência de know-how

entre matriz e filial, a Eslováquia conseguiu superar os desafios de qualidade e tornar-se um

fornecedor confiável para o grupo.

Já em 2004, a Embraco Slovakia produzia quatro modelos de compressores e unidades

condensadoras e contava com linhas de produção tanto para refrigeração comercial quanto

para refrigeração doméstica, constituindo-se na maior unidade estrangeira. A unidade havia

recém concluído a certificação de seu sistema de gestão ambiental, ISO 14001 e estava

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consolidando a implantação do modelo de gestão corporativo. Superado o desafio da

qualidade, os fatores de entrega (logística) e custos (produtividade) tornavam-se agora

imperativos para a manutenção da rentabilidade da planta eslovaca.

O crescimento da economia, a partir da entrada na Eslováquia na União Europeia e novos

investimentos externos e internos, a possibilidade de migração da força de trabalho a outros

países europeus, a maior competição pela mão-de-obra qualificada local e a baixa atratividade

da região para trabalhadores, sejam estrangeiros ou eslovacos, forçou significativamente o

aumento do custo da mão-de-obra, o que demandava um incremento na produtividade.

Buscou-se então a melhoria da eficiência da manufatura através da utilização de técnicas mais

apuradas de gestão da produtividade e da qualidade, tais como o Lean Manufacturing e o Six

Sigma. Inicialmente, como algumas ferramentas aplicadas no Lean também faziam parte do

modelo de TQM, já adotado pelo MGE, definiu-se aplicar o VSM, identificando possíveis

fontes de desperdícios a serem reduzidas, objetivando maior adição de valor ao produto.

Para a implantação do VSM, sendo esta uma técnica ainda pouco conhecida mesmo na matriz,

o processo contou com a participação de uma consultoria eslovaca, o Fraunhofer IPA

Slovakia (IPA), a qual treinou as pessoas envolvidas nas ferramentas do Lean e auxiliou na

geração dos mapas e propostas de melhoria. O IPA é uma entidade suportada pelo instituto

alemão Fraunhofer e pela Universidade de Žilina, os quais já eram parceiros estratégicos da

Embraco, o que facilitou o contato e a interação entre consultores e os envolvidos no projeto.

Foram desenvolvidos quatro mapas do fluxo de valor, representando o estado presente das

linhas de fabricação. Estes mapas identificaram desperdícios como estoques intermediários,

manutenções corretivas, alto tempo de set-up, gargalos com tempo-ciclo acima do takt-time

da linha de montagem, excesso de operações manuais entre outros.

Uma vez concluídos os mapas do estado presente, identificados os principais desperdícios e

propostas as ações corretivas, observou-se a possibilidade de melhoria da taxa de Valor

Adicionado (relação entre o tempo de produção efetiva e o tempo total de produção) e

redução do lead time total de produção em todas as linhas de fabricação. Com os mapas de

estado futuro devidamente apresentados e aprovados pela alta gerência, foram definidos

planos de ação que incluíam alterações nos fluxos fabris e nos fluxos de informação

(planejamento), um cronograma de implantação das melhorias e um conjunto de indicadores

de desempenho para acompanhamento dos resultados.

4. Procedimentos Metodológicos

Este trabalho consiste num estudo exploratório e se utiliza do método de estudo de caso para

entender como se deu o processo de implantação da manufatura enxuta em uma organização,

através da percepção de seus colaboradores-chave sobre o acompanhamento e suporte técnico

às atividades definidas, as dificuldades encontradas e os ganhos obtidos com sua aplicação. A

decisão por uma pesquisa exploratória é suportada por Theodorson e Theodorson (1970 apud

PIOVESAN; TEMPORINI, 1995) e por Malhotra (1993 apud RÉVILLION, 2003), para

quem este método permite ao pesquisador escolher as técnicas mais adequadas para sua

pesquisa, decidir quais as questões necessitam de maior ênfase e investigação e entender as

razões e motivações das pessoas, gerando ideias para o melhor entendimento do problema.

O estudo de caso, por sua vez, é descrito por Yin (2010, p. 39) como um método que

“investiga um fenômeno [...] em profundidade e em seu contexto de vida real, especialmente

quando os limites entre o fenômeno e contexto não são claramente evidentes”, sendo

recomendado por Godoy (2010, p. 121) “quando se quer focar problemas práticos,

decorrentes das [...] situações individuais e sociais presentes nas atividades, nos

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procedimentos e nas interações cotidianas”.

Além da pesquisa bibliográfica que suportou a revisão teórica, o estudo contou com a análise

de documentos da organização e de entrevistas com as pessoas envolvidas no processo de

implantação das ações definidas para implantação do modelo Lean. Dentre os documentos

analisado cabe destaque os relatórios da Avaliação MGE de 2003 e 2005 (EMBRACO, 2003;

2005), os quais evidenciam o impacto da aplicação das técnicas do Lean Manufacturing e

cujos pareceres são utilizados como uma das fontes de validação dos resultados da pesquisa.

É importante destacar que o pesquisador teve participação ativa durante o processo de

desenho dos estados presente e futuro dos mapas de fluxo de valor, atuando como facilitador

do projeto e da comunicação entre a matriz corporativa e a unidade local e entre esta e a

empresa de consultoria externa. Ressalta-se, entretanto, que este estudo não objetiva avaliar o

processo de mapeamento em si, mas sim a efetividade na implantação das ações definidas por

este mapeamento, de acordo com a percepção dos envolvidos.

A definição da empresa para o estudo de caso deveu-se a três critérios considerados relevantes

para a pesquisa: (i) tratar-se de filial em implantação do modelo de manufatura enxuta; (ii)

disponibilidade e acesso aos dados; (iii) existência prévia de uma cultura gerencial

predominante.

O primeiro critério é retratado na própria caracterização da empresa, que descreve a

organização analisada como uma filial estrangeira da Whirlpool S.A. – Unidade de

Compressores, as quais, tanto matriz quanto filial, encontrava-se iniciando processo de

implantação da manufatura enxuta em suas unidades. O segundo item é consequência da

participação efetiva do pesquisador na primeira fase do projeto (mapeamento do fluxo de

valor), viabilizando assim o contato posterior com a organização e as pessoas envolvidas, o

acesso aos dados e o próprio conhecimento prático dos processos organizacionais. Por fim, o

terceiro quesito também se apresenta descrito na caracterização da empresa, a qual possuía

um modelo de gestão próprio e reconhecido como de excelência, através de auditorias anuais

baseadas nos Critérios de Excelência do PNQ.

Para coleta de dados foi definida uma entrevista estruturada com as pessoas envolvidas no

mapeamento e ações subsequentes. Segundo Byrne (2004, apud SILVERMAN, 2009), a

entrevista qualitativa permite acesso às atitudes e valores dos indivíduos, sendo que perguntas

abertas podem obter respostas mais ponderadas e, por isso, proporcionam um melhor acesso

às visões, interpretações, entendimentos, experiências e opiniões dos entrevistados.

A definição por entrevista estruturada deveu-se à necessidade de se enviar o questionário por

correio eletrônico, uma vez que a maior parte dos respondentes encontra-se no exterior, uma

vez que Boni e Quaresma (2005) destacam como vantagens do uso da entrevista estruturada a

não necessidade da presença do pesquisador, a abrangência de uma área geográfica mais

ampla e maior direcionamento do tema. Entende-se, entretanto, a limitação da interação entre

entrevistado e entrevistador devido à escolha deste modelo.

O questionário da entrevista não objetiva uma quantificação das respostas dos entrevistados,

mas sim a identificação da percepção geral do processo de implantação de um novo modelo

de gestão da manufatura. Para Fraser e Gondim (2004, p. 148), “uma das principais

finalidades da pesquisa qualitativa é a de apresentar, de forma ampla e representativa, a

diversidade de pontos de vistas de um determinado grupo”.

Entretanto, é de se esperar que pessoas em diferentes níveis organizacionais e em diferentes

processos tenham pontos de vista, expectativas e mesmo conhecimentos diferentes em relação

a determinado assunto ou projeto (STONER; FREEMAN, 1995). Com base nessa premissa,

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decidiu-se aplicar questionários com o mesmo teor, porém com perguntas diferentes,

dependendo da posição hierárquica e do processo em que o respondente esteja relacionado.

Os questionários possuem de cinco a dez questões, além de uma seção de identificação

pessoal com informações acerca do nome, posição e tempo de empresa.

De acordo com Godoi e Mattos (2010, p. 308) “uma das decisões metodológicas inevitáveis e,

por vezes, incômoda no trabalho de investigação qualitativa é a decisão sobre quem, quantos e

quantas vezes entrevistar”. Sobre isso, Fraser e Gondim (2004, p. 147) acrescentam que,

numa entrevista qualitativa, o critério mais importante não é o tamanho da amostra, uma vez

que “a finalidade não é apenas quantificar opiniões e sim explorar e compreender os

diferentes pontos de vista”. Ainda segundo estas autoras, deve-se pensar no número de

entrevistas levando-se em conta os objetivos da pesquisa, os diferentes ambientes e o

esgotamento do tema.

Definiu-se então a amostra a partir da relevância da relação do entrevistado para com o

projeto, ou o impacto deste em seus respectivos processos. Com base nestes critérios, foram

enviados nove questionários, dos quais dois não retornaram e dois retornaram sem resposta às

questões, sob a alegação de que os entrevistados não se sentiam aptos a respondê-las. Os

entrevistados, quando a serem citados, serão designados por uma numeração aleatória.

De acordo com Forza (2002), o pesquisador deve aplicar um pré-teste para identificar se (i) as

instruções estão claras; (ii) as questões estão claras; (iii) há problemas no entendimento de

que tipos de respostas são esperados; e (iv) o processo de aplicação do questionário. Neste

estudo, o pré-teste foi aplicado a dois respondentes, o coordenador local de gestão e o gerente

corporativo de Lean, que além de responderem aos seus respectivos questionários, ainda

analisaram os questionários posteriormente enviados aos demais respondentes.

Para Paiva Jr., Leão e Mello (2007) o real valor de um instrumento de pesquisa é dado pela

sua validade. Esta, de acordo com estes autores, pode ser observada como (i) aparente, que se

refere a quanto o método utilizado apresenta o resultado esperado; (ii) instrumental, que

avalia adequação dos resultados obtidos pelo método avaliado, com outros obtidos por

métodos alternativos e já validados; e (iii) teórica, que trata da própria legitimidade dos

procedimentos metodológicos utilizados.

Como forma de validar dados coletados na entrevista e a análise final, o estudo foi triangulado

com respondentes, com a empresa e com a teoria. Segundo Paiva Jr., Leão e Mello (2007, p.

5) a triangulação “contribui tanto por meio de validade quanto de confiabilidade, compondo

um quadro mais evidente do fenômeno por meio da convergência”.

A triangulação com os respondentes foi realizada através de contatos posteriores com os

respondentes cuja resposta ou comentário divergisse muito daquelas obtidas nos demais

questionários. Já a validação com a empresa aconteceu de duas formas, através da análise

documental, no caso as Avaliações MGE de 2003 e 2005 (EMBRACO, 2003; 2005) e através

da revisão posterior do próprio estudo de caso, realizada pela pessoa de contato na empresa, a

qual deu seu parecer quanto a adequação dos achados da pesquisa. Por fim, a triangulação

junto a teoria foi realizada durante a análise dos dados coletados e é referenciada nos achados

da pesquisa, comentados na seção 6, das Considerações Finais.

A principal limitação, inerente à estratégia de pesquisa de estudo de caso, conforme colocado

por diversos autores (YIN, 2010; CESAR; ANTUNES, 2008) é a sua dificuldade de

generalização dos resultados encontrados. Além desta limitação, existe a possibilidade de

perdas de tradução, uma vez que todos os questionários foram respondidos em inglês e para

posterior tradução ao português e a necessidade de envio do questionário por correio

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eletrônico em vez de entrevista presencial, a qual que poderia assegurar maior entendimento

das questões pelos entrevistados (FORZA, 2002; FRASER; GONDIM, 2004; SILVERMAN,

2009).

Por fim, pelo caso descrito ter ocorrido entre 2004 e 2005, ainda que as atividades de

implantação e atualização do modelo Lean perdurem até hoje, as respostas dadas pelos

entrevistados podem ter sofrido influência de suas experiências posteriores e do próprio

andamento subsequente do projeto, alterando assim sua percepção original.

5. Análise dos Dados Coletados

De acordo com os questionários respondidos, parece haver consenso entre os coordenadores

locais do projeto que a utilização dos consultores eslovacos, pela própria identificação cultural

e facilidade do idioma, permitiu maior interação e comprometimento dos envolvidos para com

o projeto, bem como entendimento dos conceitos e da aplicação do Lean. De acordo com os

respondentes:

(ENTREVISTADO 1): [A utilização de] uma empresa de consultoria da Eslováquia

foi importante devido às barreiras de idioma […] nós fizemos testes com empresas

que não falavam eslovaco, mas a implantação foi bastante difícil […] com uma

consultoria local, o comprometimento sempre foi maior.

(ENTREVISTADO 2): O consultores locais foram cruciais para o sucesso, não só

com que a facilidade do idioma, mas também por conhecerem e ajudarem com os

aspectos culturais [da Eslováquia].

A menção dos aspectos culturais como fatores de sucesso do projeto é corroborada por Powell

(1995), em um estudo sobre a aplicação da qualidade total como fonte de vantagem

competitiva. Segundo ele, apenas os aspectos intangíveis da qualidade total, como a cultura,

obedeceriam às condições necessárias à criação e sustentação de uma vantagem competitiva.

Parece haver um entendimento comum sobre o nível de suporte e de comprometimento da alta

direção durante e após o desenho dos mapas de estado atual e futuro, o que foi destacado

pelos respondentes como um dos pontos fortes.

(ENTREVISTADO 5): Houve um equilíbrio adequado entre planta e corporação;

com o matriz trazendo conhecimento e a planta implementando e fazendo os

“ajustes finos” necessários.

(ENTREVISTADO 7): […] quando todos sabem o que é essencial para a

sustentabilidade da empresa, fica muito mais fácil de se conseguir o

comprometimento e suporte necessários.

As respostas acima vão ao encontro de Beer (2003), que afirma que para se mobilizar energia

e comprometimento para a mudança, deve haver uma identificação conjunta do problema.

Assegurar que as pessoas entendam o porquê da mudança, é vital não só para motivação, mas

também para criar um sentimento de urgência.

Após a primeira implantação do VSM, o projeto de manufatura enxuta tomou força em todas

as unidades produtivas da Embraco, agora sob uma gestão corporativa dedicada ao tema e

com coordenadores locais dedicados à divulgação e implantação do modelo. O próprio VSM,

de acordo com um dos respondentes, passou a ser uma ferramenta de avaliação periódica da

eficiência do processo.

(ENTREVISTADO 1): [...] desde aquela época, nós atualizamos o VSM duas vezes

por ano; nós temos um VSM geral, para toda a planta, e um VSM detalhado para

cada processo, com identificação das oportunidades nos fluxos de materiais e

informações, processos, qualidade, segurança etc.

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Além disso, parece haver quase um consenso entre os respondentes sobre a efetividade do

mapeamento e o alinhamento com os objetivos e metas da unidade.

(ENTREVISTADO 2): A efetividade da implementação ficou em torno de 85-90%.

(ENTREVISTADO 5): O início da implantação do VSM foi muito valiosa, uma vez

que esta se tornou a ferramenta oficial para identificar e definir o status atual e as

ações de melhoria.

(ENTREVISTADO 7): Houve um alinhamento perfeito [entre as ações propostas e

os desafios da manufatura] e nós temos plena confiança de que este seja o caminho

para o alcance de um “Desempenho Classe Mundial”.

Apesar de, de maneira geral, a ferramenta ter atingido seus objetivos iniciais, não estava claro

a todos os envolvidos o alinhamento do projeto com as estratégias locais ou corporativas, ou

mesmo com uma implantação abrangente do Lean Thinking. Dentre os respondentes que

destacaram a questão do alinhamento estratégico e conceitual do VSM, foram obtidas duas

respostas que confirmaram o alinhamento, enquanto outros dois apontavam o contrário.

(ENTREVISTADO 2): 100% alinhado [com as estratégias corporativas]. Todas as

estratégias foram desdobradas da Visão de Futuro da empresa e […] alinhadas com

os objetivos corporativos…

(ENTREVISTADO 5): [A] Embraco Slovakia desdobrou o planejamento

estratégico para a planta, sob um alinhamento total com o planejamento estratégico

corporativo […] VSM, que foi implantado de acordo com as diretrizes corporativas,

foi uma das iniciativas que suportavam a […] Visão [de Futuro].

(ENTREVISTADO 7): Naquele momento nós não tínhamos um Planejamento

Estratégico de Operações local. Nós tínhamos um Desdobramento de Objetivos &

Metas. […] Foi uma decisão corporativa “top-down”.

(ENTREVISTADO 8): […] o projeto não estava claramente alinhado com as

estratégias corporativas. Naquele momento nós estávamos agindo para melhorar a

excelência operacional de nossas plantas, mas não havia uma iniciativa abrangente

que direcionasse este tipo de mudança de paradigma [...] O projeto foi exatamente

a implantação de uma ferramenta, sem qualquer estratégia de implantação de um

“Lean Thinking”.

A questão do alinhamento estratégico pode ainda ser observada em uma das oportunidades de

melhoria apresentadas no relatório da Avaliação MGE (modelo Critérios de Excelência do

PNQ), a qual recomenda “melhorar os métodos de desdobramento das estratégias a fim de se

estabelecer uma relação clara entre as ações [da unidade] e as estratégias corporativas”

(EMBRACO, 2003, p. 35),

A oportunidade citada acima, entretanto, parece referir-se mais a um problema na estruturação

e comunicação das estratégias e ações a todos os envolvidos do que efetivamente um

desalinhamento estratégico. Este resultado é ainda verificado por Canépa, Rigoni e Bordbeck

(2008) que, ao analisar as práticas e a maturidade do alinhamento estratégico em 52

organizações industriais e de serviços, identificou que menos de 9% delas possuíam um nível

otimizado de comunicação e entendimento das estratégias organizacionais.

O relatório de Avaliação do modelo de gestão de 2003, também destaca e necessidade de se

estabelecer um road map e um plano para a melhoria da gestão da operação, além de destacar

carências nos sistemas de medição de desempenho, de forma a permitir maior efetividade na

identificação prévia de possíveis falhas (early failure detecction), sugestões estas que abrem

caminho para uma implantação mais abrangente do modelo de manufatura enxuta.

A Figura 1 apresenta os resultados da Avaliação MGE, comparativamente aos anos de 2003 e

2005, anos respectivamente anterior e posterior à implantação do VSM e corrobora a

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percepção dos envolvidos na implantação do VSM, sobre a importância das técnicas

utilizadas para a melhoria da eficiência operacional e dos resultados da unidade. A pontuação

crescente demonstra a evolução dos processos gerenciais e dos resultados dos processos

relacionados à produção, fornecedores e outros processos de apoio, após a implantação das

ações previstas no plano de estado futuro do fluxo de valor de acordo com a Avaliação MGE,

a qual é realizada por uma equipe de avaliadores externos à empresa e é baseada nos Critérios

de Excelência do Prêmio Nacional da Qualidade (PNQ)

Critérios e Itens Pontuação

Máxima 2003 2005

7. Processos

7.1. Gestão de Processos Relativos ao Produto 30 18 21

7.2. Gestão de Processos de Apoio 20 12 12

7.3. Gestão de Processos Relativos aos Fornecedores 20 10 12

8. Resultados

8.4. Resultados Relativos aos Fornecedores 30 09 09

8.5. Resultados dos Processos Relativos ao Produto 80 24 32

8.7. Resultados dos Processos de Apoio e Organizacionais 50 10 15

Fonte: Embraco (2003; 2005); adaptação do autor.

Figura 1 – Quadro comparativo da pontuação obtida na Avaliação MGE nos anos imediatamente anterior e

posterior à implantação do VSM, nos itens relacionados.

NA Figura 1, a pontuação referente ao item Máximo representa o número máximo de pontos

possível de serem obtidos pelas empresas que cumprirem todos os requisitos exigidos pelo

PNQ, enquanto nos itens 2003 e 2005 observa-se as pontuações obtidas pela Embraco

Slovakia durante as Avaliações, nos respectivos anos, denotando a melhoria nos processos e

resultados impactos pelo VSM.

6. Considerações Finais

O mapeamento do fluxo de valor na Embraco, e em especial na Embraco Slovakia, objeto

deste estudo, em 2004, constitui-se como um marco na mudança de um paradigma de gestão

baseada no modelo TQM para o modelo lean. Inicialmente previsto a se tornar mais uma

ferramenta dentro do “guarda-chuva” de técnicas gerenciais representando pelo MGE, o VSM

acabou tomando corpo e identificando necessidades que, aliadas a um cenário político-

econômico desfavorável, tornaram premente a busca por um modelo gerencial mais focado no

processo operacional, preconizado pelo Lean e suas ferramentas derivadas do Sistema Toyota

de Produção (TPS).

Pode-se considerar que o estudo alcançou os objetivos estabelecidos ao identificar as

percepções das pessoas envolvidas com o projeto VSM acerca de seu alinhamento com as

estratégias organizacionais e as metas da unidade, bem como sobre o processo de

implementação e follow up das ações descritas nos mapas de estado futuro, destacando os

pontos fortes e fraquezas deste processo.

As informações disponibilizadas pelos respondentes confirmam a relevância da ferramenta

como direcionadora das ações de melhoria operacional e o impacto e aderência destas aos

objetivos e metas da unidade. Esse aspecto foi fundamental para suplantar a ausência de um

desdobramento mais claro da estratégia corporativa aos envolvidos, a qual poderia ter afetado

o comprometimento destas funções, sobretudo no nível gerencial da unidade. Esta observação

corrobora o estudo de Canépa, Rigoni e Brodbeck (2008, p. 126), o qual afirma que haver

reconhecimento da importância da comunicação como critério e prática de alinhamento

estratégico, mas que estes aspectos ainda devem ser melhor trabalhados nas organizações, “a

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fim de obter maior integração e amplitude, e relações consolidadas que assegurem ações

estratégicas”.

Foi destacado também que a utilização de uma consultoria local para suportar o projeto

auxiliou a reduzir barreiras como idioma e aspectos culturais, sobretudo dadas as condições

especiais deste projeto, como o baixo conhecimento do método pela matriz e suporte

corporativo e a iminente mudança na modelo gerencial adotado até então. De acordo com

Mehri (2006) a questão cultural está entre as maiores críticas ao modelo Lean, na medida em

que muitas empresas “transplantam” o modelo japonês à sua realidade, sem observar

idiossincrasias de cada organização, como ambiente, comportamento e cultura. Com relação à

adoção da consultoria local é importante mencionar que ficou evidenciado na resposta aos

questionários que a corporação preocupou-se com a seleção da consultoria contratada,

assegurando assim o alinhamento estratégico com a matriz e o modelo de gestão e

padronizando globalmente os procedimentos adotados.

Por fim, cabe mencionar que todos os respondentes observaram ser o VSM uma prática

salutar, que veio ao encontro das necessidades da planta, como forma de identificação de

oportunidades de melhoria, suportando os objetivos e metas locais, fato este comprovado na

avaliação do modelo de gestão (Avaliação MGE) e abrindo caminho para uma abordagem

mais ampla de Lean Thinking. Entretanto, um ponto deve ser observado pela empresa, o qual

se refere à resposta da controladoria em ter tido pouca participação no projeto e não estar apta

a identificar os impactos do VSM nos resultados financeiros. Considerando o resultado do

estudo de Lewis (2000), onde ele estuda três empresas, na Inglaterra, Bélgica e França,

respectivamente, e conclui que a implantação do Lean não assegura melhoria “automática”

dos resultados financeiros, sugere-se uma atenção maior da empresa e maior envolvimento

das funções de controladoria nos resultados do programa de manufatura enxuta.

Como sugestão para estudos futuros, recomenda-se ampliar o escopo deste estudo para as

demais unidades da empresa que também implantaram o VSM, bem como atualizar as

informações aqui constantes acerca do processo de implementação do Lean Thinking. Além

disso, devido ao caráter restritivo à generalização dos resultados, inerente ao modelo de

estudo de caso, sugere-se ampliar o escopo deste estudo à outras empresas, neste e em outros

segmentos, a fim de se ter uma visão mais ampla e geral de como as pessoas, em diversos

níveis organizacionais, percebem e se relacionam com um novo programa que demande a

mudança de uma cultura organizacional já estabelecida, como no caso estudado.

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