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Participe da campanha Valores que Ficam. Até 30 de abril, quem declara o Imposto de Renda pelo modelo completo pode destinar até 3% do valor devido ao Fundo da Criança e do Adolescente da sua cidade ou região. E, de maio a dezembro, você também pode fazer uma doação diretamente na conta do Fundo da Criança e do Adolescente, deduzindo na declaração do ano seguinte. Todo valor destinado a Hospitais, APAEs, Ligas de Combate ao Câncer e outras entidades sociais é fiscalizado por órgãos competentes, e você ainda acompanha de perto os resultados.Saiba mais em www.valoresqueficam.al.rs.gov.br

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ALMANAQUE

Lançado em 1994, o filme The Paper (O Jornal, na versão bra-sileira) é um filme de comédia que mostra a rotina de trabalho e os problemas pessoais da equipe de um tabloide de Nova York. Em meio a isso, a trama gira em torno de dois brancos assassi-nados e dois jovens negros que são acusados de terem come-tido o crime e a tentativa de alguns repórteres de mostrarem que os jovens acusados são inocentes. A obra, dirigida por Ron Howard, conta com a atuação de Michael Keaton, Glenn Close, Marisa Tomei, Randy Quaid e Robert Duvall.

Há seis décadas, foi criado um marco do jornalismo cultu-ral brasileiro e também do design editorial no País. Em março de 1959 era lançada no Rio de Janeiro a revista Senhor. Rea-lizada por um grupo de jornalistas, artistas plásticos e inte-lectuais, revelou-se como uma das mais importantes revistas do País na época, cobrindo, principalmente, cultura, política, economia e entretenimento.

Lançada pela editora Delta – responsável pela Enciclopédia Delta-Larousse –, a Senhor teve como diretores de criação o jornalista Nahum Sirotsky e o artista plástico Carlos Scliar, apoiados pelos jornalistas Paulo Francis e Luiz Lobo, o pintor Glauco Rodrigues e o cartunista Jaguar. Também contou, en-tre seus colaboradores, com os escritores Clarice Lispector e João Guimarães Rosa. A equipe de arte da revista ainda cres-ceu com a chegada de Caio Mourão e Bea Feitler.

Apesar de sua vida curta - apenas 57 edições, entre 1959 e 1964 -, a revista foi considerada revolucionária, investindo em textos primorosos e contando com um projeto gráfico e editorial na vanguarda das publicações brasileiras de então.

Os 60 anos da revista Senhor

O Jornal

“Todas as coisas devem ser examinadas, debatidas e in-

vestigadas sem exceção e sem preocupações pelos sentimen-

tos de qualquer pessoa.”Denis Diderot (1713 - 1784)

“O jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir

e humanizar mediante a confrontação descarna-

da com a realidade.”Gabriel Garcia Marquez (1927 - 2014)

“O jornalista é um poeta delicado: sempre acha o rascunho mais sincero do que o publicado.” Mário Quintana (1906 - 1994)

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SUMÁRIO

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Almanaque

Mix

Aquário

Mix

Entrevista: Alexandre Garcia

Matéria de Capa: Jornalismo investigativo

Coluna do Tibério Vargas

Opinião: Mário Rocha

Grandes Nomes: David Nasser

Galeria: A hiperinflação e o jornalismo econômico

Sumário

Diretor-GeralJULIO RIBEIRO

Diretora-ExecutivaNELCI GUADAGNIN

Textos:MARCELO BELEDELI

Diagramação/ Arte Final ESPARTA PROPAGANDA

Imagens:Fotografias da entrevista:Jefferson Bernardes/Agência Preview

[email protected]

ImpressãoCOMUNICAÇÃO IMPRESSA

ComercializaçãoPORTO ALEGRE: (51) 3231 8181e (51) 99971 5805 comNELCI GUADAGNIN

PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DA REVISTA.

RUA SALDANHA MARINHO, 82 PORTO ALEGRE - RSCEP 90160-240 FONE/FAX (51) 3231 8181

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MIX

A Biblioteca Nacional disponibilizou para consul-ta gratuita o acervo completo da Manchete, revista ilustrada publicada semanalmente no país entre 1952 e 2007. Os arquivos estão no site da Heme-roteca Digital (http://memoria.bn.br) projeto que já digitalizou outros jornais e revistas brasileiros. Marcada por sua concepção moderna, inspirada na francesa Paris Match, pelo otimismo e pelo fo-tojornalismo, a Manchete foi a segunda maior re-vista do Brasil em sua época, atrás da tradicional O Cruzeiro (1928-1975). Em certo momento, chegou a desbancar a concorrente.

Revista Manchete

De acordo com um estudo realizado nas universidades de Princeton e de Nova Iorque, publicado pela revista Science Advances em janeiro, pessoas mais velhas, que não nasceram na era digital, têm mais dificuldade em distinguir notícias falsas das verdadeiras. O levantamento avaliou o perfil de 3,5 mil internautas no Facebook durante a eleição presidencial de 2016 nos Estados Unidos. Aqueles que têm idade superior a 65 anos compartilharam sete vezes mais notícias falsas do que os com idades entre 18 e 29 anos.

Notícias falsas 1

Notícias falsas 2Pesquisa do Ibope Conecta sobre o que mais per-

turba internautas brasileiros apontaram que 46% dos entrevistados se sentem incomodados com as notícias falsas. Na segunda posição, com 15% das menções, está conexão ruim. Os usuários de internet ainda mencio-naram pessoas mal-intencionadas (11%) e arrogantes (10%), publicidade em sites e aplicativos (8%).

O que mais incomoda os internautas no BrasilFake News – 46%Má conexão de acesso – 15%Pessoas mal intencionadas – 11%Pessoas arrogantes – 10%Publicidade em sites e aplicativos – 8%Exposição exagerada de pessoas – 4,5%Pessoas fingindo felicidade – 2,5%Perfis falsos – 1,5%Outros – 2,5%Fonte: Ibope Conecta

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ele foi tudo isso!) e poder apreciar sua biblioteca, seus objetos pesso-ais, seus quadros, me conectou a um momento em 2006, quando as-sisti a uma palestra de Sábato, na Faculdade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. Um encontro que mar-cou minha vida. Enquanto ele fazia suas “confissões de um escritor” e discorria sobre os 90 anos de vida, eu chorava na plateia. Depois, tirei foto com ele, pedi autografo e ainda ganhei as 30 páginas que ele havia lido por mais de uma hora.

Voltando à casa nos arredores de Buenos Aires, uma das coisas que mais me chamou a atenção foi ver a sua máquina de escrever, uma mo-delo elétrica dos anos 60/70, que re-manescia ali parada naquela peça que serviu de quarto aos filhos e de-pois de “oficina” ao grande escritor.

Daquela máquina saíram al-gumas das páginas mais fortes e geniais da literatura latino-ameri-cana, nela foram gestados perso-nagens trágicos e arrebatadores, nela foram escritas milhares de laudas, que depois seriam incen-diadas pelo exigente escritor. En-fim, aquela máquina, agora ali calada, havia sido testemunha de dias e noites intermináveis em que Ernesto Sábato havia se deba-tido em seu mundo interior, bus-cando apaziguar a sua alma em textos catárticos.

Óbvio que vocês já imaginaram o quanto eu gostaria de ter aquela máquina em minha coleção. Tive que me contentar em apenas foto-grafá-la. Ela, agora, habita os meus sonhos. Num deles, recorrente, eu me sento à sua frente e escrevo uma pequena novela, que vai per-correr o mundo, como um novo “O Tunel”. Com certeza, um delírio.

Resta-me voltar aos meus leilões...

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Eu gosto muito, também, de coi-sas antigas. Algum maldoso dirá: claro,tu gostas de ti. É verdade. Mas, eu gosto muito de objetos an-tigos. Pelo design, pela história que carregam e pela ideia de viagem no tempo que eles me emprestam.

Meu hobby é participar de lei-lões na internet. Isso virou quase um vício, daqueles que a gente começa arrematando uma ino-cente miniatura de Cadilac 1947 e quando vê já comprou dezenas de despertadores, telefones analógi-cos, porcelanas inglesas do início do século passado e um monte de máquinas de escrever. Sim, eu já tenho umas 20. Está bem, que nes-te número têm algumas doações de amigos (atenção, ainda conti-nuo aceitando acréscimos ao meu acervo ☺ ).

Eu vou com bastante frequência à Buenos Aires, desde a década de 1990. Nos últimos nove anos, te-nho ido duas a três vezes por ano, por conta de uma das minhas fi-lhas, ou ambas, estarem morando por lá. E, por incrível que pareça, nessas dezenas de vezes, nunca ti-nha ido visitar a casa em que mo-rou, trabalhou e morreu Ernesto Sábato, em Santos Lugares.

Sábato é um dos meus escritores preferidos, um dos maiores que a América Latina já produziu, autor de clássicos como “Sobre Heróis e Tum-bas” e “Abadon, o Exterminador”.

Quem nos recebeu na casa foi sua neta, Luciana, para uma visita cercada de emoção. Andar pelos cô-modos percorridos e habitados pelo grande físico, escritor e pintor (sim,

Máquinas de sonhosAQUÁRIO

JULIO [email protected]

Julio Ribeiro é jornalista e publisher da Athos Editora

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A violência contra profissionais da imprensa no Brasil subiu em 2018, revela o relatório anual “Violações à Liberdade de Expres-são” da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT). O documento registra três assassinatos de jornalistas como retaliação ao exercício da profissão, contra um em 2017. O número de violações não letais – atentados, agressões, ameaças e ofensas – saltou 50%, de 76 para 114 registros. O relatório mostra que 49% dos casos de violência registrados estão relacionados às coberturas das eleições, da greve dos caminhoneiros e da conde-nação e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

MIX

Em 2019, segundo previsão da empresa de consultoria eMa-rketer, Google e Facebook levarão uma fatia de quase 60% do volume de investimento em anúncios digitais que, pela primeira vez nos Estados Unidos, será maior que o realizado nos meios tradicionais, como TVs, rádios, jornais e revistas. As novas estimativas, indicam que o mercado publicitário norte--americano receberá neste ano cerca de US$ 130 bilhões, o que corresponde a um crescimento de 19% em relação a 2018 e a 54% do total investido em publicidade no país. Os dispositivos móveis, diz a pesquisa, devem ficar com dois terços do total, cerca de US$ 87 bilhões.

O estudo Global Media feito pela Demanda, em-presa brasileira de pesquisas de mercado, aponta que o conteúdo mais consumido pelos brasileiros são notícias, citadas por 89% dos entrevistados. Logo após estão as redes sociais, acessadas por 84% dos usuários de aparelhos eletrônicos. O canal mais citado pelo qual os entrevistados consomem notí-cias foram os smartphones, com 80%; seguido pelo computador, com 67%. Com queda na intenção de uso, jornais e revistas ainda foram mencionados por 60% dos entrevistados ficando na 3ª colocação.

Publicidade digital nos EUA é maior que a da TV e jornais Consumo de notícias

A editora Culturama, de Caxias do Sul, assumiu, em 2018, a licença para a publicação das revistas Mickey, Pato Donald, Tio Patinhas, Pateta e Aventuras Disney. As primeiras edições sob o comando da empresa gaúcha, que está há 15 anos no mercado, chegaram em março a lojas, bazares, bancas, supermercados e farmácias de todo o País. Além disso, em abril, a empresa disponibilizará uma loja online, com o objetivo de ampliar acesso aos Quadrinhos Disney. As revistas foram publica-das durante 68 anos no Brasil pela Editora Abril.

Editora gaúcha assume revistas da Disney

Cresce violência

à imprensa no Brasil

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Já vives há 43 anos em Brasília. Durante esse tempo vivendo no centro da política brasileira, como o Brasil se transformou?

Faz 43 anos que cheguei em Bra-sília, em 16 de março de 1973, em um voo de Porto Alegre. Eu vinha de Buenos Aires, chamado pelo Jornal do Brasil. Não conhecia a cidade e me apaixonei no primeiro dia, uma paixão que dura até hoje. Não cos-tumo me aproximar muito dos polí-ticos, os comparo a uma árvore, e o conjunto deles forma uma floresta. Prefiro olhar a floresta e não a árvo-re. Nesses 43 anos, vi a ciclotimia do Brasil, o sobe e desce. Quando esta-mos subindo, indo bem, parece que somos masoquistas e fazemos tudo para algo dar errado. Talvez, porque a gente acha que não merece. É como a gente aprendeu no catecismo, que todo gozo é pecado, todo prazer leva ao fogo do inferno. Já tivemos o “Milagre Brasileiro”, com o Brasil

ticipação popular. Nesses últimos 40 anos, pelo que vi, o partido que fica na oposição está mais na rua, manifesta-se mais do que quem está na situação. A militância sempre foi de um lado só. Agora tem dos dois lados. Eu até diria de dois extremos. Tem gente que ficou muito entusias-mado com a nova militância e foi para o extremo oposto. Tínhamos um lado só e agora temos dois. Ga-nhamos vida política, há dialética. As pessoas foram para a rua, não esporadicamente, como os fiscais do Sarney no plano Cruzado, não como apenas para derrubar o Collor, mas há militância mais constante, graças às redes sociais.

Mas as mobilizações estão mais fra-cas no momento. Qual o motivo?

As pessoas podem estar acreditan-do na ficção que está no noticiário. Recentemente, fui almoçar com o mi-nistro das Relações Exterior, Ernesto

crescendo uma média anual de 11,% durante três anos consecutivos, e jogamos fora. Há pouco, tivemos a maior recessão da história. Então, há uma ciclotimia nesse país. Quando a gente está no auge do otimismo e do entusiasmo, que são necessários para estimular a economia, o investi-mento, o emprego, a gente dá um jei-to para alguma coisa dar errada. Vejo hoje, por exemplo, gente combaten-do a reforma da Previdência, que é o que pode salvar o país desse déficit enorme, e ao mesmo tempo aplau-dindo a corrupção, pedindo para ti-rar da cadeia os condenados corrup-tos. O óbvio seria o contrário! Parece que a gente enlouqueceu, somos um país de masoquistas que acham que estamos destinados a sofrer para me-recer o paraíso.

Não houve avanços positivosnesse período?

Acho que o Brasil avançou na par-

“O Brasil é ciclotímico e masoquista. Quando as coisas

começam a dar certo, damos um jeito de colocar tudo a perder”

Aos 78 anos, e com 63 anos atuando em veículos de imprensa, Alexandre Garcia é um veterano do jornalismo que não pensa em parar de atuar. Gaúcho de Cachoeira do Sul, foi reconhecido por gerações de brasileiros por falar sobre os bastidores da política em Brasília, onde vive há 43 anos.Em dezembro de 2018, após mais de 30 anos na Rede Globo, saiu da emissora, mas não do jornalismo. Segue com co-mentários políticos transmitidos por mais de 200 emissoras de rádios e com artigos em dezenas de jornais pelo País. No entanto, Garcia vê como grande potencial o jornalismo no meio digital. Com quase 1,2 milhão de seguidores no Twitter, e planejando começar um canal no YouTube, o veterano aposta nas novas mídias como caminho para informar e expressar opiniões de qualidade para o público. Nessa entrevista para a revista Press, Alexandre Garcia fala sobre sua visão a respeito da política brasileira, as expectativas para o novo governo e opina sobre a qualidade do jornalismo atual no Brasil, entre outros temas.

ALEXANDRE GARCIA

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Entrevista:Julio Ribeiro

Fotos:Arquivo pessoal

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ENTREVISTA

Araújo, também porto-alegrense, e conheci outra pessoa, diferente da-quela que havia conhecido pelo no-ticiário. Então, fiquei pensando, será que estamos vivendo numa ficção, longe da realidade? Esse ministro era outro, não era aquele que havia sido apresentado pela imprensa. Tal-vez o noticiário tenha desanimado muita gente, como se houvesse uma série de problemas que não existem. Vi, recentemente, notícia falando que o ministro da Educação não vai ser demitido. Mas, quem disse que seria demitido? Quem disse isso foi um jornalista. Mas o ministro não depende de um jornalista, depende do presidente. Comentaristas falam “o ministro ainda goza da confiança do presidente”. Qualquer ministro que não goza da confiança do presi-dente está na rua, isso é óbvio. Estão valendo como fatos obviedades, fofo-cas, e as pessoas não estão usando de forma devida as redes sociais para verificar o que é verdade ou mentira.

Há militância na imprensa?Há mais de 20 anos fui fazer uma

palestra na Universidade de Bra-sília (UnB) e nela disse para alunos do último semestre que jornalismo é veracidade, clareza, simplicidade, objetividade e também isenção e neutralidade. Quando eu disse isso o professor da cadeira deu um salto e disse que não ensinava dessa for-ma. Disse que ensinava seus alunos —palavras dele — a serem “militan-tes ideológicos para combaterem o status quo opressor”. Então, as pes-soas estão sendo formadas como militantes. Não foi isso que aprendi na Famecos, na PUCRS. Claro, para quem for editorialista, comentarista, é preciso ter opinião. Mas, o repór-ter tem que reportar os fatos. O fato não precisa de ajuda. Se a gente qui-ser ajudar o fato, a gente acaba de-turpando o próprio fato. Temos que contar o que aconteceu para as pes-soas. O que tem acontecido é que a

imprensa está perdendo o principal patrimônio, que é a credibilidade.

A perda da credibilidade da im-prensa faz o público não saber no que acreditar? Essa onda de fake news não acontece porque faltam fontes fidedignas?

Há uma frase de um romano anti-go, Tertuliano, que dizia credo quia absurdum — creio porque é absur-do. Então, as pessoas estão acredi-tando no absurdo, não estão parando para pensar que não seria possível o que veem. Alguém diz “o ministro Sérgio Moro pensa que..”. O repórter agora virou leitor de pensamento?

Foi cunhado até um termo, a “ex-trema imprensa”. Essa expressão é verdadeira?

A expressão tem um significado forte, mas também é um aviso. Eu adoro crítica, ela ajuda muito, senão você persiste no erro. No entanto, muita gente não percebe que essa crítica não é apenas uma maldade, uma má intenção, mas sim é uma sacudida. Qual é nosso papel? é fo-mentar fofoca, imaginar histórias? Isso não é de hoje, apenas foi exacer-bado. No livro Entradas e Bandeiras, do Fernando Gabeira, ele conta um fato que constatei quando cheguei em Brasília. Terminado o fechamen-to do jornal, os jornalistas iam para um boteco para um happy hour, e comentavam e inventavam fatos. O Gabeira estava numa dessas rodas quando, dois dias depois, viu nos jornais um desses fatos inventados na mesa do bar. Ele tinha vindo do exílio na Suécia, em 1979, e ficou chocado com a leviandade como in-ventávamos notícias. Só que agora isso se exacerbou. Há um grupo que não aceita resultado de eleição: isso é confissão de amor ao totalitarismo! O mesmo grupo não aceita resul-tado de sentença judicial, e apoia a ditadura do Maduro na Venezuela. Parece que é óbvio que é um com-

portamento antidemocrático, mas continuam se beneficiando das van-tagens da democracia, que é a liber-dade de expressão, de pensamento e de discordar. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) pareça não concordar muito com essa liberdade.

Isso não gera dúvida quanto ao fu-turo do jornalismo? De um lado, temos profissionais para quem a verdade não importa muito. O público sente que não tem fon-tes de informação com credibi-lidade, mas também temos um público afeito a acreditar no que lhe parece verdade. O jornalismo está com dias contados?

Isso está começando nas faculda-des. Ou melhor, na derrubada de valores democráticos e éticos nas próprias escolas. Quando houve a tragédia de Suzano, vi um “especia-lista” — que é considerado especia-lista pelas produções dos programas — dizendo que a escola não está cumprindo seu papel de formar ci-dadãos. Quem forma cidadão é a família, é em casa! A escola é para ensinar, a família é para educar e

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ALEXANDRE GARCIA

formar cidadania. Então, começa daí, a família desestruturada, ou sem tempo para tratar desses assuntos, ou já é segunda, terceira geração que não recebeu essa formação. Depois, na faculdade confirma isso, com os mitos de que a ideologia é mais im-portante do que a verdade, que a democracia tem que ser curvar às ideias de igualdade, fraternidade. Tudo muito bonito, mas nunca fun-cionou em lugar nenhum do mun-do. O sujeito entra com essa missão de salvar os oprimidos, uma utopia, e aí se perde nisso, e o jornalismo se enfraquece por perda de credibi-lidade. Isso está saltando aos olhos de todo mundo. Não é só por causa das redes sociais que caíram as ti-ragens dos jornais, a audiência dos noticiários. Foi, também, por causa disso. As pessoas estão perdidas, al-gumas são ingênuas e acreditam em qualquer coisa, outras militantes só acreditam nas verdades da militân-cia, e outros se revoltam porque se sentem enganados, pois percebem que foram usados com desinforma-ção. Isso é coisa antiga, já acontecia na União Soviética e na Alemanha

nazista. E daí temos profissionais que defendem militância ao invés de fazer a defesa de valores éticos, da família, da lei e da ordem, tudo o que dá paz a um país e permite a prosperidade. O papel do jorna-lismo diante disso é o de trabalhar como uma instituição a favor do país, que contribua para a prospe-ridade nacional, o que gera prospe-ridade para a própria instituição do jornalismo. Mas isso entra na onda do masoquismo, queremos sofrer.

Os veículos tradicionais foram perdendo relevância, tanto pelo modelo de negócio, mudanças na forma de consumo de informa-ção, mas também pela perda de credibilidade no dia a dia. Isso é um caminho irrecuperável? Uma conta no Twitter pode ser tão ou mais relevante quanto os jorna-lões tradicionais?

Se for dar uma opinião muito pes-soal, estou muito feliz por ter uma conta no Twitter que já tem 1,2 mi-lhão de pessoas de audiência. Eu ponho uma opinião sobre a invasão da escola de Suzano e no outro dia

tem mais de um milhão de visualiza-ções. Tanto estou satisfeito que estou entrando no YouTube. Agora, essa concorrência foi demonstrada na última eleição, em que políticos tra-dicionais, conservadores no que diz respeito às estratégias, pois ficaram usando marketeiros, com gastos de campanha gigantescos, foram der-rotados por um vencedor que gastou R$ 2,5 milhões usando rede social, que é uma espécie de corpo a corpo numa nova praça de comício, que é a digital. Mas não creio que essa perda de relevância seja irrecuperável. O próprio mundo digital oferece alter-nativas para as mídias tradicionais. Eu não vejo que haja sentença de morte para os veículos, nesse mo-mento eles são sacudidos a ver al-ternativas no mundo Digital, que é o das novas gerações.

Dentro da sua experiência acom-panhando política, o Jair Bolsona-ro é uma situação sui generis no cenário nacional?

Não, não é. Meu primeiro voto foi no Bolsonaro da época, que se chamava Jânio da Silva Quadros, em 3 de outubro de 1960. Teve ou-tro semelhante, Fernando Collor de Mello. Mas, o Bolsonaro não é novo na política, ele esteve mais tempo na política do que no Exér-cito. As pessoas que o chamam de “capitão” deveriam chamá-lo de deputado, pois ele foi mais tempo deputado do que oficial do Exérci-to. Acho que já tivemos candidatos novidade, que vieram com uma aura de salvadores da pátria. Bol-sonaro tem que ter o cuidado de evitar seus erros. Jânio Quadros deu as costas para o Congresso, Collor deu as costas para o Con-gresso, a própria Dilma deu as costas para o congresso. Já o Lula tentou “abarcar” o Congresso. O Itamar Franco sempre negociou com o Parlamento, e o Fernando Henrique Cardoso também.

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ENTREVISTA

Sempre se pensa na negociação clientelista, em torno de cargos, emendas. É esse tipo de nego-ciação?

Essa é uma novidade que não é surpresa, foi discutida na campa-nha de Bolsonaro. A negociação vai ser negociação mesmo e não “toma lá, dá cá”. Isso era uma coisa nor-mal. Já se dizia na campanha que essas anormalidades, que eram normais, não iam acontecer. Pelo que vejo em Brasília, é o que acon-tece, a negociação é de verdade, dos assuntos que estejam em pauta, como reforma da Previdência, onde se pode ceder, onde se pode mudar. isso que está sendo discutido hoje. Negociação é ver que fulano quer ser relator, ou presidente de comis-são. O que se viu em governos ante-riores é que cada partido que apoia o governo tem um curral ministe-rial, é dono do ministério, e lá faz as maiores barbaridades. Acho que isso mudou. Claro, o governo recém começou, e a relação com o Parla-mento se iniciou de fato logo depois do Carnaval, como tudo no Brasil. Então, ainda carece de tempo para avaliar o rumo.

Não é novidade um governo querer diminuir o tamanho do Estado?

Novidade, como ideia, não é. Todo mundo sabe que tem que reduzir o tamanho desse mastodonte lento que é o estado brasileiro. Mas, um governo fazer esse plano funcionar é novidade. Por isso mesmo eu tenho dito que a oposição mais forte con-tra o governo não virá dos partidos oposicionistas, mas de dentro do estado brasileiro. A reação daque-les que não querem abrir mão das boquinhas, o corporativismo. Lula tentou fazer reforma da Previdên-cia, ele mesmo sabia que não ia dar certo esse modelo que está aí, mas as grandes centrais sindicais, as corpo-rações, foram contra, e ele teve que retirar o projeto de reforma que ti-nha sido elaborado pelo Antonio Pa-locci. O texto de agora foi elaborado pelo governo, mas quem vai fazer a reforma é o representante de cada um de nós, nosso empregado que está no Congresso. Se queremos que a Previdência brasileira sobreviva, que o estado brasileiro sobreviva, e que não voltemos a ter que pagar tudo através de inflação, acho que a gente tem que lembrar em quem

votou e pressionar nosso empregado que está lá no Congresso, trabalhan-do em nosso nome.

Já disseram que o Brasil não tem solução enquanto não houver re-forma do Judiciário. Muitas das questões do Legislativo e do Exe-cutivo acabam sendo decididas pelo STF. isso pode se resolver dentro da institucionalidade?

Acho que o pessoal do STF tem que reler a Constituição. Eles não são po-der constituinte, não podem fazer as leis, ele têm que interpretar a Consti-tuição. E precisam ler especialmente o artigo quinto, que afirma que todos são iguais perante à lei. Se a pessoa é mulher ou homem, se tem uma cor ou outra, ou determinada preferên-cia, eles estão legislando diferente. Não entendo isso, todos são iguais perante a lei. Os ministros do Supre-mo são indicados pelo presidente da República e depois precisam ser aprovados pelo Senado. Então, são levados a uma subserviência polí-tica para conseguir o cargo, ficam devendo favores. Aliás, em termos financeiros, um bom advogado ga-nha muito mais que um ministro do Supremo. Talvez, esse desejo de estar no STF seja por vaidade. Com 43 anos de Brasília, não entendo essa empolgação pelo poder, tendo em vista que o poder é uma espécie de escravidão também. Mas, tem que fazer a reforma do Judiciário, entre outras. Aliás, em 1993, no quinto ano da Constituição, estava previs-ta uma reforma constitucional sem precisar do quórum qualificado de 60% na Câmara e no Senado. Eu vi os projetos de reformas feitos pelo Nelson Jobim, pelo Antônio Carlos Konder Reis, pelo Antônio Kandir e pelo Ibrahim Abi-Ackel, era uma pequena comissão. Tinham prepa-rado as reformas tributária, previ-denciária, administrativa, política e do Judiciário. Só que tudo tropeçou na reforma administrativa, que pre-

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grande reforma na estrutura política brasileira. Tem muita gente jovem, idealista. Estão dando soco em ponta de faca, mas estão dando este soco, estão sangrando e vão tentar passar suas ideias. Eles me dão esperança, esses novos políticos que vieram tra-zidos pelas urnas em outubro.

És um veterano revigorado com novos rumos de carreira? Quais os teus panos?

Pois é, acho que estou revigora-do. Tomara que tenha tempo bas-tante para fazer tudo o que quero. Estou preparando um bom estúdio aqui em casa, outro dia um dono de produtora disse que já tenho o melhor estúdio em relação às pro-dutoras de Brasília. Então, estou animado. Eu disse para os emis-sários que vieram tentar me levar pro Palácio do Planalto que eu não quero ser porta voz do Planalto, quero ser porta voz de todo mun-do. Não quero ficar limitado a uma ideia, a um governo, a uma empre-sa. Prefiro ser escravo das minhas ideias, fiel aos meus princípios, à democracia, à ética, aos valores morais. A gente tem que ajudar a melhorar este país. Não vou atuar como missionário, vou atuar como jornalista racional. Quero levar substantivos, não levar nem adje-tivos nem interjeições.

ALEXANDRE GARCIA

via que o município que não tivesse renda própria voltaria a ser distrito. Ai o Orestes Quércia, que era presi-dente do PMDB e também líder mu-nicipalista, para não perder os votos, fez o PMDB boicotar essas reformas, que estamos discutindo até hoje. Re-formas que teriam sido facilmente feitas em 1993 não aconteceram por causa de uma pessoa.

O STF é encarado como inimigo da população brasileira. Que so-lução se pode ter?

Não vejo solução. Há reações, como movimento de impeachment o ministro Gilmar Mendes, por exem-plo. Mas, temos um atual presidente do STF que trabalhou anos para o PT e para José Dirceu e toma a iniciati-va de libertar José Dirceu da prisão. Perdeu-se o senso! A gente fica es-perando que nossos representantes achem soluções para essas questões da nacionalidade. Eu não lembro, há 40 anos, que o Supremo adotasse essas posições, ou que ministro do Supremo desse entrevista toda hora, dando palpite. A gente dizia que juiz fala nos autos.

Hoje está na cabeça da população aquela frase, “basta um cabo e um soldado para fechar o STF”..

Essa ideia nem passa pela cabeça de um democrata.

Mas o sentimento da população de que precisa uma solução drás-tica existe!

Muita gente votou no Bolsonaro sem ter muita visão de poderes, achando que ele pode interferir no Supremo, no Congresso. Não pode, ele é presidente do poder Executivo; na Câmara, o chefe é o presidente da Câmara; no Senado, o presidente do Senado; e, no Su-premo, o presidente do Supremo. Agora, a opinião pública é a ver-dadeira fonte do poder, pois “todo o poder emana do povo, e em seu nome será exercido”. Hoje, a parte de “em seu nome será exercido” sofreu uma melhora com as redes sociais. O exercício desse poder po-pular está mais próximo de seus re-presentantes e governantes eleitos. As redes sociais aproximam mais as pessoas, e quem trabalha com rede social, como é o caso do presidente da República, pode ouvir as pessoas todos os dias.

Os grandes temas, como reforma da Previdência, pacote anticri-me, novo pacto federativo, conse-guem passar no Congresso?

O Congresso está diferente. Tem muita gente nova, disposta a colo-car em prática os compromissos de campanha, isso é uma novidade. A eleição de outubro promoveu uma

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MATÉRIA DE CAPA

O termo jornalismo investigativo, entretanto, é rechaçado por aqueles que entendem que todo jornalismo é investi-gativo. Essa ideia foi propagada, por exemplo, pelo jorna-lista e escritor Gabriel García Márquez. Em um discurso histórico na Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), em

1996, Gabo fez uma análise da profissão – que chamava de a melhor do mundo – traçando os eixos que devem nortear a formação dos jornalistas. Entre eles, estava a investigação.

“Toda a formação deve se sustentar em três vigas mestras: a prioridade das aptidões e das vocações, a certeza de que a investigação não é uma especialidade dentro da profissão, mas que todo jornalismo deve ser in-vestigativo por definição, e a consciência de que a ética não é uma condi-ção ocasional, e sim que deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro.”

O jornalista, nessa visão, deveria ser preparado para vislumbrar a in-vestigação, sempre, como uma possibilidade. Mas produzir jornalismo investigativo não é uma decisão que compete apenas ao profissional. As condições oferecidas pelas empresas e a rotina das redações, muitas ve-zes, impedem que fatos possam ser investigados a fundo, com o rigor es-perado das reportagens investigativas.

“Todo jornalismo seria, em tese, investigativo, porque é preciso desco-brir as coisas para levar a público”, comenta Mauri König, um dos jorna-listas mais premiados do País. “Só que, se falarmos que todo jornalismo

Todo jornalismo não deveria ser

investigativo?

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Qualquer fato que possa ser noticiado precisa, primeiro, ser apurado, inves-tigado. Não se chega ao lead sem fazer perguntas fundamentais, mas elas po-dem conduzir o repórter a um processo mais complexo de construção da notí-cia, em que será necessário aprofundar as análises e buscar provas para chegar a respostas que estão sendo acoberta-das. É aí que começa a distinção entre o jornalismo cotidiano e o jornalismo investigativo.

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A essência do jornalismo é a investigação.

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MATÉRIA DE CAPA

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Renan Antunes de Oliveira – jor-nalista que já atuou nos principais jornais do país, como Estadão, Folha de S.Paulo, Gazeta do Povo, Veja e RBS – defende que “todo jornalismo é investigativo”. Oliveira venceu o Prêmio Esso de Jornalismo, na ca-tegoria nacional, em 2004, com a reportagem A Tragédia de Felipe Klein, publicada no Jornal Já. Foi a primeira vez que um jornal do Rio Grande do Sul ganhou na categoria nacional. No mesmo ano, foi consi-derado o Jornalista do Ano, no Prê-mio Press.

“Convencionou-se que esse jorna-lismo mais elaborado é investigati-vo”, critica, lembrando que mesmo as pautas mais simples podem ren-der investigações. O papel do repór-ter é estar no local do fato e pergun-tar. “Tu vai lá e pergunta, investiga”, frisa Oliveira, que hoje atua, entre outros, para a Agência Pública, The Intercept e Diário do Centro do Mun-do (DCM).

Humberto Trezzi, jornalista que integra o GDI, da RBS, também não é adepto do termo jornalismo in-vestigativo, mas ressalta que, hoje, ele está consagrado e é usado para descrever o trabalho que gera de-núncias. “Como nem todo jornalista

faz denúncia, então, consagraram o jornalismo de fazer denúncia como jornalismo investigativo, mas, às ve-zes, ele nem é (investigativo), pois se baseia em dossiês.”

Por isso, tão importante quanto saber o que é jornalismo investiga-tivo é entender o que ele não é. Uma confusão, nesse sentido, é a produ-ção de matérias sobre investigações. Buscar e reproduzir conteúdos que estão em autos, inquéritos e de-núncias oficiais de órgãos como o Ministério Público. “É aquela maté-ria mais trabalhada, mais aprofun-dada, que trata de coisas que não estão em relatórios, por exemplo”, conceitua Carlos Wagner.

Com uma carreira no jornalismo investigativo por mais de 30 anos no jornal Zero Hora, Wagner foi vencedor de 38 prêmios, sendo sete Prêmio Esso Regionais, e é autor de nove livros-reportagem. Para o re-pórter, fazer jornalismo investigati-vo é descobrir algo que ainda “não está no papel”.

Francisco Amorim, professor uni-versitário e pesquisador do Grupo de Pesquisa Jornalismo Digital da UFRGS, lembra a importância de distinguir a reportagem em profun-didade da prática jornalística diária,

é investigativo, vamos colocar um acidente que aconteceu aqui na es-quina no mesmo nível do caso Wa-tergate”, pondera.

A diferença na apuração dos dois fatos é gritante. “Sobre o acidente que aconteceu ali na esquina, você vai ali, entrevista uma testemunha, ouve o guarda de trânsito e constrói a matéria, o acidente está ali, está vi-sível, não tem como acobertar. Agora, no caso do Watergate, o Partido Re-publicano estava tentando esconder os vestígios das escutas ilegais feitas na sede do Partido Democrata, tanto é que Bob Woodward e Carl Bernstein (repórteres do The Washington Post) levaram dois anos nessa investiga-ção.” O escândalo levou à renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974.

O que é e o que não é jornalismo investigativo

Não existe uma definição que des-creva precisamente o que é jorna-lismo investigativo. Muitas vezes, o que ajuda a esclarecer é a própria experiência de quem atua na área. Para König, um pressuposto básico para configurar uma investigação é que haja a tentativa de ocultação da informação.

Carlos Wagner FRANCISCO AMORIMJornalista (ex-Zero Hora) Professor e pesquisador UFRGS

HUMBERTO TREZZIJornalista do GDI RBS

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A caneta como arma

O jornalismo investigativo é onero-so, mas não só pelo lado financeiro. Para os repórteres, o preço chega a ser imensurável. A pressão, as agres-sões e as ameaças não são incomuns em investigações jornalísticas. E o inimigo, dependendo da situação, é invisível ou difícil de identificar. É o caso de reportagens que denunciam o crime organizado, quando uma classe inteira se sente atingida.

Mauri König avalia que, nesse caso, o jornalista está mais vulne-rável quando faz denúncias contra corrupção policial do que política. “Uma banda pobre de uma corpo-ração policial é uma minoria, que seja 5%. Você vai conseguir citar os nomes de uma pequena quantidade do grupo, mas os outros também vão se sentir incomodados. Dessa banda pobre, qualquer um deles pode fa-zer alguma coisa contra você.”

Essa situação, König enfrentou, de forma muito grave, em três ocasiões. Em 2000, durante as investigações sobre O recrutamento de crianças brasileiras para o serviço militar do Paraguai, o jornalista foi espan-cado e ameaçado por policiais para-guaios. “Me espancaram quase até à morte.” A reportagem investigativa (“Meninos às armas”) foi publicada e venceu prêmios nacionais e inter-nacionais de jornalismo.

Pouco tempo depois, em 2003, König foi obrigado a deixar Foz do Iguaçu, onde vivia, por conta de ameaças feitas por policiais. Nessa época, o repórter era corresponden-te de A Gazeta do Povo. Por conta das ameaças, o jornal promoveu sua transferência temporária para a su-cursal de Curitiba.

“Mas quando eu voltei, no mesmo dia, o meu editor, em Foz do Iguaçu, me falou que eu precisava sair por-que um delegado o procurou e disse que os policiais queriam me pegar

especialmente no atual contexto da informação online. “Ainda estamos presos a uma lógica de que tudo precisa ser feito muito rápido, e isso prejudica a investigação e prejudica a apuração.”

Como resultado, as matérias aca-bam ficando muito sujeitas ao dis-curso oficial, distanciando-se do que

se espera de uma investigação. “É uma questão de perceber que essa noção antiga, de dar antes, de dar primeiro, no fluxo contínuo de pu-blicação nas redes sociais e sites, acaba levando o jornalismo se en-curralar e só depender da primei-ra verificação.”

O filme spotlight, que conta a história da

equipe de investigação do jornal the boston globe,

serviu de inspiração para a criação do grupo de

investigação da rbs , GDI

A REVISTA ALEMÃ DER SPIEGEL investigou a conduta de um de seus jornalistas

mais premiados,CLAAS RELOTIUS, que

teria inventado várias reportagens

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para fazer o serviço completo. Me mudei em definitivo para Curitiba.” König era casado e tinha dois filhos. Acabou se separando e ficando dis-tante do convívio com as crianças.

Há seis anos, em dezembro de 2012, já instalado em Curitiba, ca-sado e com um filho de dois anos, König enfrentou novas ameaças, por conta de reportagens que denun-ciavam o uso indevido de viaturas oficiais para fins pessoais na polícia paranaense.

Na segunda-feira, 17 de dezembro de 2012, ele chegou à redação de A Gazeta do Povo, às 14h. Imediata-mente, foi informado que haviam sido feitas três ligações para o jornal (uma delas para a vice-presidência do Grupo Paranaense de Comuni-cação, detentor da publicação), com ameaças contra o jornalista.

A informação era de que cinco po-liciais do Rio de Janeiro haviam sido contratados e já estavam na cidade, a caminho de sua casa para metra-lhá-la. “Passei desde a segunda-feira até sexta-feira, todos os dias mu-dando de hotel, com guarda-costas, levando minha mulher e meu filho, que tinha dois anos.” Na sexta-feira, ela saiu da cidade para nunca mais voltar e no sábado, ele se exilou do país, no Peru.

A trajetória profissional de König, que já soma quase 30 anos, vai virar filme. Produzido pela Ecocinema e Transparência Internacional, o do-cumentário The Thinnest Border estreia em junho de 2019 e será o primeiro da série My Pen is My Gun.

Resgate da investigação contra a crise no jornalismo

Em dezembro, o Grupo de Inves-tigação da RBS (GDI) completou dois anos de uma atuação que Humber-to Trezzi, um dos 10 jornalistas que integram o time, considera única. “O único grupo de jornalismo investiga-

tivo em redação é o nosso. Existem vários jornalistas investigativos em grandes jornais e até em jornais de porte médio, mas um grupo de-dicado exclusivamente a isso só na RBS.” Desde 2016, o GDI produziu mais de 60 reportagens investigati-vas para a RBS.

A criação do grupo foi uma deci-são da diretora de jornalismo Marta Gleich e a inspiração veio do filme Spotlight, de 2015. A obra conta a história da equipe de investigação formada no jornal The Boston Globe no início dos anos 2000, que relatou casos de abuso sexual e pedofilia por membros da Igreja Católica de Boston. Esta investigação recebeu o Prémio Pulitzer de Serviço Público em 2003.

Trezzi lembra que a ZH tem uma tradição de investigação que vem desde os anos 1960. “Temos vários prêmios importantes. Uma das re-portagens premiadas é ‘Meninas Prostitutas’, do Carlos Wagner e Nilson Mariano, que nunca fizeram parte de nenhum grupo de investi-gação. Essa matéria ganhou o Prê-mio Esso regional e colocou muita gente na cadeia.”

Ele detalha que o objetivo do GDI é sistematizar a produção de inves-

tigações jornalísticas. “A caracterís-tica do jornalismo aqui no Brasil é cotidiana. Você trabalha no dia a dia e, eventualmente, tem uma pauta aprovada para investigação. A pro-posta do grupo é o oposto. O pessoal, prioritariamente, se dedica à inves-tigação e, de vez em quando, faz algo do dia a dia.”

Para ele, a decisão de investir nes-se tipo de cobertura é difícil, porque a produção é cara e demorada. Mas a intenção, afirma, “é louvável”. “Descobriram que o GDI traz retor-no para a empresa, então, ao mesmo tempo em que tem custo, para man-ter os repórteres afastados do dia a

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RENAN ANTUNES DE OLIVEIRAJornalista freelancer

MAURI KONIGJornalista e escritor

O jornalismo investigativo é oneroso, mas não só pelo lado financeiro. Para os repórteres, o preço chega a ser imensurável. A pressão, as agressões e as ameaças não são incomuns em investigações jornalísticas

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dia e fazer viagens, tem o retorno do público, que anseia pelas reporta-gens do grupo. Eles mandam e-mail perguntando quando terá a próxima reportagem, dão muito retorno, gos-taram bastante.”

No entanto, para o veterano Car-los Wagner, a falta de mais equipes de jornalismo investigativo nos veí-culos brasileiros é resultado de um processo de precarização do traba-lho de reportagem. “Com o passar dos anos, as redações foram destro-çadas. Um repórter, hoje, precisa fazer cinco ou seis coisas, tem uma carga de trabalho enorme, mas ga-nha menos do que antigamente. Ele simplesmente não tem tempo para se informar”, reclama.

Segundo Wagner, essas dificulda-des do trabalho estão criando uma escola de jornalismo de base pudica. “Hoje se noticia relatório de delega-do, sentença de primeira instância, como se fossem verdades absolutas. Não se incentiva ir atrás de nada. A crise da profissão não é culpa das redes sociais, é por causa dos con-teúdos. E isso foi erro das próprias empresas.”

Novos formatos na produção da reportagem investigativa

Os caminhos para a produção da reportagem investigativa nem sem-pre passam pelas grandes redações. Grupos mantidos com financiamen-to público, como a Agência Pública, criada em 2011, provam que é pos-sível fazer jornalismo investigativo independente.

Marina Dias, coordenadora de Co-municação da Agência Pública, ex-plica que o grupo se mantém a partir de duas formas de financiamento: via fundações, que doam recursos, e via financiamento coletivo, ban-cado pelo público (crowdfunding). A maior parte dos valores vem de fundações, como a Fundação Ford

e a Olk, que fazem contribuições recorrentes, mas não interferem na produção das reportagens.

Desde que foi criada, a Pública já lançou três campanhas de cro-wdfunding. Somadas, elas arrecada-ram R$ 213 mil, usados para finan-ciar 34 reportagens investigativas. “Nas três campanhas permitimos que o público escolhesse a pauta que iríamos fazer. Era uma forma de se relacionar com nossos leitores e de fazê-los participar.” Com menos de 10 anos de história, a Pública já é o terceiro veículo de comunicação mais premiado do país. No total, são mais de 30 prêmios nacionais e in-ternacionais.

Quando os filtros falham

Em dezembro de 2018, a revista alemã Der Spiegel informou que ini-ciou uma investigação interna para apurar a conduta de um de seus jor-nalistas mais prestigiados: Claas Re-lotius. Reconhecido pela produção de reportagens investigativas, Relo-tius recebeu diversos prêmios, entre eles o de Jornalista do Ano, concedi-do pela CNN.

No ano passado, um outro jorna-lista que trabalha como freelancer para a revista, Juan Moreno, desco-briu que uma de suas matérias, so-bre milícias no Arizona, havia sido inventada. O caso se tornou um es-cândalo, já que ainda não é possível identificar dentre as matérias pro-duzidas por Relotius, desde 2011, quais seriam verdadeiras ou não. Segundo a Associated Press, a revis-ta alertou que identificou evidências de que o jornalista cometeu “fraude jornalística” por vários anos.

Essa não é a primeira ocorrência de fraude jornalística. Outros dois casos emblemáticos foram os dos jornalistas Jayson Blair, do New York Times, e Janet Cook, do The Wa-shington Post. Em 2003, a descoberta

de que Blair havia plagiado uma ma-téria, sobre a morte de um soldado americano, levou a uma investiga-ção que constatou fraudes em mais de 70 reportagens publicadas por ele entre 2002 e 2003.

No caso de Janet Cook, a reporta-gem inventada por ela e publicada no The Washington Post, contando a história de uma criança viciada em heroína. A matéria chegou a vencer o prêmio Pulitzer, que foi devolvido.

Essas fraudes mostram que os fil-tros, fundamentais ao jornalismo, estão falhando. “O jornalismo não pode partir de pressuposições, do à priori”, alerta Francisco Amorim. “Jornalismo é apreensão, documen-tação e divulgação da realidade.”

Na investigação jornalística e no jornalismo guiado por dados, os con-troles precisam ser ainda mais rígi-dos. “É um ponto central: não basta encontrar, coletar, tratar e analisar os dados. É preciso ter um tratamen-to de proteção, armazenamento e de possibilidade de verificação dessas informações”, orienta Amorim.

Essa atenção tem um aspecto de proteção do próprio jornalista. Ha-vendo esse cuidado de documenta-ção e registro, o profissional, caso sofra algum processo judicial, con-segue demonstrar à Justiça qual foi o caminho e como chegou à matéria. Para Amorim, os veículos não podem abrir mão desse controle. “As em-presas com estruturas cada vez mais enxutas, muitas vezes, abandonam, as estruturas de checagem interna”, critica.

Outro ponto que é fundamental, acrescenta Amorim, é elaborar o pla-no de contingência para reportagens investigativas, algo que ainda é pou-co comum no Brasil – um dos países em que mais se matam jornalistas em trabalho. O objetivo do plano de con-tingência é fazer uma análise de to-dos os riscos e estabelecer ações a se-rem tomadas em caso de emergência.

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[email protected]

Em 2019 está completando 50 anos do lança-mento do irreverente semanário carioca O Pasquim, que circulou pela primeira vez em 26 de junho de 1969, com uma tiragem de 20 mil exemplares para todo o Brasil. Desculpem,

fazia faculdade, era repórter da Zero Hora e comprei o primeiro número. Simplesmente. Tenho o exemplar aqui do meu lado, amarelado. A entrevista principal, que dava a manchete do jornal, era com o polêmico cronista social Ibrahim Sued, aquele da frase “os cães ladram enquan-to a caravana passa”. A chamada de capa era “Ibrahim: sou imortal sem fardão”. Títulos secundários remetiam para matéria com a atriz Odete Lara sobre Cannes e ar-tigo do Chico Buarque dizendo por que era torcedor do Fluminense. O texto na última página, “Um tricolor em Roma”, trazia uma foto do cantor, de calça jeans e sem camisa, descalço, batendo bola. Para os pesquisadores, lá vão os colaboradores da primeira edição: Jaguar, Tarso de Castro, Claudius, Ziraldo, Millôr Fernandes, Nísio Ba-tista Martins, Sérgio Cabral, Fortuna e Luís Carlos Maciel.

O Pasquim foi criado por Tarso, Jaguar, Sérgio Cabral (o pai, não o rebento corrupto), Claudius e Maciel, com diagramação do designer Carlos Prósperi. Na segunda edição, estreou o Henfil. A erudição e ironia de Paulo Francis (1930-1997) valorizaram o jornaleco a partir do 6º número. Na maturidade, ele se tornou de direita. Sérgio Augusto, culto e cinéfilo, articulista do Estadão em sábados alternados, passou a colaborar na nona pu-blicação. Ivan Lessa (1935-2012), que depois desta ex-periência e da censura foi para Londres e nunca mais voltou, se agregou ao projeto na 27ª edição. Numa en-trevista na Inglaterra, pouco antes de morrer, a repórter perguntou se ele, por acaso, decidisse voltar ao Brasil, onde imaginava que pudesse trabalhar. “Em qualquer coisa, já fiz até publicidade”, respondeu Lessa.

Em quatro meses a tiragem de O Pasquim pulou para 80 mil no número 16 e no fim do ano de 1969 chegou à marca espetacular de 200 mil exemplares. Em plena ditadura militar, tornou-se um sucesso editorial incrí-vel. Matérias eram vetadas ou cortadas parcialmente, atentado à bomba fracassado, exemplares apreendidos

nas bancas por forças paramilitares, mas ele saía. Ta-lento não faltava e havia sempre textos suficientes para substituir. Na parede do meu apartamento havia um pôster da Leila Diniz, de biquíni, foto em preto e bran-co, publicada na página central de uma edição de 1970. Guardo os 100 primeiros números. A relíquia está num armário, na minha biblioteca.

Longas entrevistasO jornal alternativo tinha como matéria principal

uma longa entrevista. Desfilaram por suas páginas ar-tistas, esportistas, religiosos, naturalistas, escritores, celebridades, figuras polêmicas e contraditórias. Toda a redação participava do pingue-pongue, sempre rega-do com muito uísque. O Pasquim modernizou o texto pergunta-e-resposta, visto com restrições pela impren-sa por exigir menos criatividade. Todo o debate era transcrito, inclusive conversas laterais entre os partici-pantes, além do ambiente, a garrafa, o gelo e os copos, cenas de humor, tornando a leitura agradável. O foco era mais no comportamento, na pilhéria, do que na po-lítica, para driblar os censores.

O machão YustrichUma das entrevistas de maior repercussão foi com o

técnico do Flamengo, Yustrich, um mato-grossense de Co-

O Pasquim, 5 0 a n o s

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rumbá, batizado como Dorival Knippel, de origem alemã. Felipão seria uma donzela perto do comandante rubro--negro. A capa do número 42 de 10 de abril de 1970 é ilus-trada por algumas respostas em letras garrafais:

“Vocês acham que não? Eu, pelo menos, como profissio-nal, tinha uma impressão horrível do Doval.”

“Não, eu nunca considerei João Saldanha técnico. Todo mundo sabe que ele é dado a libações alcoólicas.”

“Minha filha que é tudo para mim, mais ninguém. Ela nunca namorou. Eu continuo ignorando e nunca vi mi-nha filha com namorado. E espero nunca ver. É uma igno-rância, uma boçalidade, uma estupidez da minha parte. Eu reconheço, mas para mim é assim, tem de ser assim.”

“Eu, graças a Deus, nunca tive oportunidade de traba-lhar com jogadores homossexuais.”

“Recebi seis tiros, quatro me pegaram. O papai aqui continuou tranquilo.”

Os concorrentes sisudosOs dois concorrentes de O Pasquim eram sisudos, fala-

vam sério. O primeiro que surgiu foi Opinião, que circu-lou de 23 de outubro de 1972 a 8 de abril de 1977. Entre seus colaboradores estavam o crítico literário Antônio Cândido, o jornalista e romancista Antônio Callado, o notável Darcy Ribeiro e o mito comunista Oscar Nie-meyer. De 7 de agosto de 1975 a 1981, no fim sem perio-dicidade regular, foi publicado o Movimento. Nas suas páginas ditavam cátedra FHC, o sociólogo Perseu Abra-mo, o cientista político e brizolista Moniz Bandeira e o historiador Nelson Werneck Sodré. Tinham conteúdo, mas não sabiam brincar. Para zombar do academicis-mo da esquerda tradicional, O Pasquim se dizia “lúcido, válido e inserido no contexto”, um bordão eternizado.

O surfista do IbirapuitãUm dos itens do meu currículo que eu mais me orgu-

lho é ter escrito para O Pasquim durante dois anos, 1986 e 1987. Convidado por Coi Lopes de Almeida, que edita-va quatro páginas em Porto Alegre para serem incluídas na edição nacional vendida no Sul, publiquei crônicas e notas nas “Dicas”, uma das seções mais concorridas do jornal. Um dos meus textos, em página inteira, foi “O surfista do Ibirapuitã”. O semanário criado no Rio de Ja-neiro pelo gaúcho Tarso de Castro enfrentou a ditadura com deboche, mas sucumbiu na democracia e no enfa-donho politicamente correto dos novos tempos. Morreu em 1991, aos 22 anos. Deixou saudades em mim.

Turma do Pasquim:Jaguar, de óculos, e Paulo de Tarso, ao centro

Tibério Vargas foi, durante dois anos, colunista do Pasquim, em Porto Alegre

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circulação pública, livremente, não obstante o estado de sitio decretado e mantido pelo governo.”

Estado de sítio. Brrr!!! Esta excep-cionalidade do poder segue na Cons-tituição Cidadã de 1988. São apenas três artigos – 137, 138 e 139. Eles estabelecem as duas justificativas: I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; (máximo de 30 dias, renovável por igual período) e II – declaração de es-tado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. (enquanto durar o conflito).

O Congresso Nacional, hoje, preci-saria validar por maioria absoluta a intenção da Presidência da Repúbli-ca. Ao fazê-lo, sancionaria o item III do artigo 139, permitindo o advento de “restrições relativas à inviolabi-lidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de in-formações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei”. Aí, chama o Rui!

Mario Rocha é jornalista e professor da Fabico

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Ponce de León a teria encontrado. Na verdade, só achou a Península da Fló-rida. Se não fosse uma lenda, talvez o Águia de Haia, banhado nela, ainda estivesse voando pelos céus brasilei-ros e pondo as coisas no seu devido lugar lá em Brasília.

Sim, é possível que Rui (com i) Bar-bosa aspergisse sua sapiência jurídica e talento incontestado para a diplo-macia sobre o atual cabeça do Itama-raty. Aquele mesmo, que investe sua lança contra o globalismo e endeusa o nacionalismo assegurando, nos infor-ma o Nexo, que “os valores só existem dentro de uma nação, dentro de uma cultura, enraizados em uma nação, e não em uma espécie de éter multilate-ral abstrato.”

Pois Rui (com i) Barbosa ganhou o epíteto em 1907, lá na Holanda, por obra do então chanceler, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco das cédulas de 1.000 cru-zeiros. Reconhecia uma brilhante atu-ação durante a 2ª Conferência Inter-nacional da Paz. Haia, Holanda, Águia de Haia, sacaste?

Vivo fosse, nosso Rui teria bem à mão, agora, quando governante cha-ma a imprensa de inimiga, o texto do pedido de habeas-corpus nº 3.539. Ele o escreveu “em favor d’O Imparcial, Correio da Manhã, A Época, A Noite e A Careta” e “em defesa da liberdade dos Diretores, Redatores, Revisores e Vendedores”.

Discursando ante o Supremo Tri-bunal Federal em 9 de maio de 1914, defendeu os direitos dos referidos jornais “e, geralmente, de todos os outros diários e revistas, que aqui se imprimem, a fim de que, escudados com esta garantia constitucional, se possam imprimir e distribuir pela

Quem, como eu, acompanha O Sé-timo Guardião (escandalizam-se as patrulhas: Mário, como podes ligar na Globo Golpista e, ainda por cima, olhar novelas?) quer que a fonte da juventude eterna exista, banhe e con-serve Luz (Marina), Marilda (Letícia Spiller), Rita de Cássia (Flávia Ales-sandra), Clotilde (Adriana Lessa), as gracinhas Louise Marie (Fernanda de Freitas) e Lourdes Maria (Bruna Linz-meyer) ...

Antes que a patrulhada denuncie o machista, vou acrescentando que a tal fonte também deveria preservar os gatões Bebeto (Eduardo Sperone), Gabriel (Bruno Gagliasso traiu mesmo na vida real a maravilhosa Giovana Ewbank?), e Murilo (Eduardo Mosco-vis), os impagáveis Adamastor (Theo-doro Cochrane) e Marcos Paulo (Nany People), os “velhinhos” Sóstenes (Mar-cos Caruso) e Olavo (Tony Ramos), os meia-boca Eurico (Dan Stulbach) e Sampaio (Marcello Novaes) ...

A história da fonte de águas mira-culosas é antiga. Vem lá das calendas greco-romanas como um rio que des-cia do Monte Olimpo. Dádiva secreta dos deuses. O explorador espanhol

A ruivinha de 23 anos (30/06/1995) tem o pomposo nome de Marina

de Souza Ruy (com y) Barbosa. Ao casar, adicionou um Negrão na

sua vida, o do Alexandre. Consta que é tetraneta do Águia de Haia

e parece não ter parentesco com o novelista Benedito, que ostenta

o mesmo sobrenome composto. Sinto muito, mas não é sobre

ela que preciso escrever nestes tempos que urgem e rugem.

Barbosas-maravilha, Rui e Marina!

MÁRIO ROCHA

OPINIÃO

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GRANDES NOMES DAVID NASSER

Poucos profissionais da im-prensa brasileira foram tão famosos e polêmicos quanto David Nasser. Pos-

sivelmente o jornalista mais renoma-do das décadas de 1940 e 1950, Nasser conseguia reunir, em um mesmo in-divíduo, muito talento e sensibilida-de, nenhum escrúpulo, e excessiva brutalidade.

Era um homem de imenso talento. Escreveu livros de grande repercus-são - quase sempre apoiados ou ba-seados em suas próprias reportagens - e compôs cerca de 300 músicas. Foi repórter numa época em que jorna-lismo e entretenimento eram, muitas vezes, indistinguíveis. Seus textos eram primorosos, embora boa parte

deles estivesse cheio de “licenças po-éticas” - quando não eram mentiras deslavadas.

Terceiro dentre sete irmãos, Da-vid Nasser nasceu na cidade paulis-ta de Jaú, em 1º de janeiro de 1917, filho de imigrantes libaneses. Viveu a infância no Rio de Janeiro. O pai, Alexandre Nasser, era comerciante de joias e pedras preciosas – e nunca fora fotógrafo das expedições do ma-rechal Cândido Rondon e da Coluna Prestes, como David chegou a escre-ver em seus artigos, anos mais tarde. Quando tinha nove anos, a família mudou-se para Caxambu, no sul de Minas Gerais. Foi entregador de pão na cidade mineira. De volta ao Rio de Janeiro, trabalhou numa loja de joias

e ajudava na renda familiar como ca-melô. Teve meningite, que lhe deixou seqüelas. Andava com dificuldade, cambaleante, tinha os movimentos das mãos atrapalhados, derrrubava coisas, sujava-se quando comia. Dati-lografava com dois dedos.

Aos 17 anos, fez estágio como con-tínuo em O Jornal, onde conheceu o magnata da imprensa Assis Chateau-briand, dono dos Diários Associados. A permanência em O Jornal, contu-do, foi breve. Após desentendimento com Urbano Ganot, diretor do diário, foi demitido.

Em 1936, Nasser foi contratado por Roberto Marinho, diretor de O Globo, onde atuou por quase nove anos. Data desse período o início de

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prensa e Propaganda (DIP), órgão de controle e censura à imprensa do Estado Novo (1937-1945).

Freddy Chateaubriand convidou Nasser para fazer parte da equipe do semanário. Prometeu-lhe que suas matérias seriam assinadas, o que não ocorria em O Globo, de onde saiu de-finitivamente em 1944.

David Nasser e Jean Manzon se tornaram a primeira grande dupla de repórter e fotógrafo do jornalis-mo brasileiro. Manzon trouxe para O Cruzeiro a sua experiência na re-

sua carreira como letrista, época em que passou a frequentar o Café Nice, ponto de encontro de compositores e intérpretes, que ficava próximo à redação de O Globo. Seu primeiro sucesso foi “Nega do cabelo duro”, de 1940, em parceira com o lutador de boxe Rubens Soares. No ano se-guinte, compôs “Canta, Brasil” em parceria com Alcyr Pires Vermelho, inspirada em “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, sucesso absoluto no carnaval de 1939. Herivelto Martins foi outro dos muitos parceiros musi-cais, com quem escreveu inúmeras canções, como “Camisola do dia”, “Pensando em ti”, “Ave-Maria no Morro” e “Atiraste uma pedra”.

Em 1943, Nasser foi para a revista O Cruzeiro, dos Diários Associados, em meio a uma importante reforma gráfica e editorial que fez do sema-nário uma revista de fotorreporta-gem. Jean Manzon, experiente fotó-grafo francês, foi o expoente dessa modernização. Veio para o Brasil em 1940 quando, na Europa, a Fran-ça sofria a invasão alemã. Aqui, trabalhou no Departamento de Im-

vista francesa Match, na qual eram publicadas diversas reportagens fo-tográficas repletas de imagens raras e exclusivas, obtidas com espertezas, como ofertas de retratos a funcioná-rios do segundo escalão, formando assim uma rede de informantes, ou ainda forjando situações.

Uma das reportagens mais famo-sas da dupla foi “Barreto Pinto sem máscara”, publicada em 29 de junho de 1946. Exibia o deputado federal Edmundo Barreto Pinto, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), trajando cueca samba-canção e fraque. O de-putado acabaria cassado por quebra de decoro parlamentar. Na versão de Barreto Pinto, a dupla havia prometi-do que só usaria a imagem da barriga para cima, como conta Luiz Maklouf Carvalho, no livro Cobras Criadas, que descreve a carreira da dupla em O Cruzeiro.

Como “grande ilusionista” do jor-nalismo, Nasser escreveu sobre uma visita que fez junto com Manzon a al-deia xavante, onde os índios teriam sido fotografados pela primeira vez. A matéria trazia 26 fotos em 20 pági-

Com Jean Manzon, David Nasser formouuma das duplas maislendárias da históriado jornalismo brasileiro, tendo produzido reportagens antológicaspara a revista semanal O Cruzeiro

Aos 17 anos, David Nasser fez estágio como contínuo em O Jornal,

onde conheceu o magnata da imprensa Assis

Chateaubriand, dono dos Diários Associados

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aparecia ao vivo – era fanho, tinha a dicção atrapalha-da. Seus textos eram lidos por Alberto Curi, e “assina-dos” por uma imagem em que aparecia datilografando.

Um de seus principais inimigos políticos foi o gaúcho Leonel Brizola. Durante todo o ano de 1963, Nasser es-creveu vários artigos insultando Brizola. A desavença entre os dois chegou à agressão física, quando, em de-zembro de 1963, num encontro casual no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, foram ao chão, aos socos. So-bre o episódio escreveu: “se Kennedy, que era Kennedy,

não pode evitar a bala de um louco de Dallas – como pode-ria eu escapar ao coice de um pangaré de Carazinho? São acidentes do trabalho.”

Com o golpe de 1964, estrei-tou relações com os militares, fazendo ampla defesa do re-gime e aderindo ao discurso ufanista. Tornou-se guru de Mário Andreazza, ministro dos Transportes, e foi abas-tecido por informações sigi-losas sobre guerrilha urbana. Suas relações com militares, fazendeiros e empreiteiros influentes contribuíram para seu crescimento financeiro durante o período.

Durante as décadas de 1960 e 1970, Nasser defendeu publicamente a atuação dos

“empreiteiros de Jesus”, como chamava os esquadrões da morte de policiais. No Rio de Janeiro, foi criada o grupo Scuderie Le Cocq, uma homenagem ao detetive Milton Le Cocq, morto em 27 de agosto de 1964. Quando a Scuderie Le Cocq foi legalizada, em 1971, Nasser foi oficialmente escolhido seu presidente de honra.

Em junho de 1967, David Nasser foi afastado de O Cruzeiro por causa de artigo no qual criticava a polí-tica comercial do governo brasileiro. No mesmo ano, embora mantivesse o nome no expediente da revista dos Diários Associados, passou a escrever para a re-vista Manchete. Voltou à revista O Cruzeiro em 1970, e seguiu ligado à publicação até 1975, ano em que a re-vista saiu de circulação. Finalmente, em 1976, retornou à Manchete.

Deixou uma fortuna em imóveis e fazendas à esposa, Isabel, quando faleceu em 10 de dezembro de 1980, ví-tima de câncer de fígado. Seu corpo foi velado no pré-dio da Manchete. Atendendo a um desejo seu, a bandei-ra da Scuderie Le Cocq guarneceu o caixão.

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GRANDES NOMES

nas. O fato é que eles nunca chegaram perto dos indí-genas. Duvida-se até mesmo que Manzon tenha de fato feito as fotos. O material teria sido aproveitado de um filme feito pelo DIP, departamento de propaganda do Estado Novo, onde Manzon havia trabalhado.

A dupla conseguiu fotografar May-lin Soonn Chiang, mulher de Chiang Kai-shek, o líder chinês, que esteve no Brasil em 1944. Era um furo. Ao que se apura, o próprio David Nasser, vestido de mulher, se fez passar pela chine-sa. Numa ''reportagem'' de 1944 (43 dias nas selvas ama-zônicas), ele diz ter passado longa temporada na selva, sem ter colocado os pés fora do Rio de Janeiro.

Para concorrer com Nelson Rodrigues, que publicava o folhetim Meu Destino É Pecar, em O Jornal, sob o pseudôni-mo de Suzana Flag, David Nas-ser inventou uma personagem para o Diário da Noite, outra publicação dos Diários Asso-ciados: Giselle - A Espiã Nua Que Abalou Paris. O Diário da Noite anunciou que com-prara "com exclusividade" as memórias da bela mulher que dormia com nazistas obtendo informações para as forças aliadas durante a Segunda Guerra Mundial. Para garan-tir a verossimilhança, o Diário chamou a série de "documentário" traduzido do original francês por um certo jornalista italiano chamado Carlos Tancini, que estaria de passagem pelo Rio de Janeiro - e que nunca existiu. A série escrita por David Nasser teve 59 capítulos. Jean Manzon, era o encarregado de produ-zir as fotos de Giselle. Segundo Freddy Chateaubriand, "nunca houve Giselle, ela nunca abalou Paris, mas o Di-ário da Noite foi o jornal de maior circulação daquela época. O Manzon trazia aquelas fotos não sei de onde, e o David escrevia com aquela facilidade".

Nasser foi homenageado em 1954 por Assis Chateau-briand, seu admirador, por quem era chamado de “be-duíno de uma figa” ou “turco louco”, com uma matéria de oito páginas em O Cruzeiro, sob o título “David, o repórter”. Dali em diante, ele apareceria no expediente da revista como “repórter principal”.

Em 1959, Nasser tornou-se também um dos diretores de O Cruzeiro e passou a assinar o primeiro artigo da revista. Na TV Tupi, suas crônicas foram lidas no pro-grama “Diário de um repórter”, entre 1962 e 1970. Não

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Há 50 anos, no dia 13 de dezembro de 1968, o governo do general Costa e Silva baixou o Ato Institucional nº 5, o AI-5, que marcou o período mais duro do regime militar (1964 - 1985). O ato, que vigorou até dezembro de 1978, deu poder de exceção aos governantes para fazer punições arbitrárias. Para a imprensa, foi mais um capítu-lo da longa história brasileira de censura à comunicação.

alcançou incríveis 72,78%. Em termos anuais, em 1993, no seu ápice, chegou a quase 2.500%.

A cada novo plano, os jornais são obrigados a explicar as mudanças ocorridas no dia-a-dia de empresas e pessoas, quais as novas “regras do jogo” e os efeitos dos planos eco-nômicos. O leitor precisa saber como sua vida será afetada. Também, torna-se comum jornais publicarem listas de pre-ços de produtos todas as semanas, com comparações entre diferentes pontos de vendas. A inflação era tratada como

um “dragão”, um monstro que devora-va a renda da população.

Foi somente a partir de março de 1994, com a implantação do Plano Real, que o “dragão” se enfraqueceu. No entanto, esse também foi outro mo-mento de grande atuação da imprensa econômica.

A peça mais sofisticada do Real foi a criação da Unidade Real de Valor (URV). Ela foi um indexador diário que convi-veria com o hiperinflacionado cruzeiro real de março a junho de 1994 e, em 1º de julho daquele ano, o substituiria, re-batizada de real. Os jornalistas se des-dobraram para explicar o que era aque-la “criatura” e como iria funcionar na prática. Mas o trabalho compensou. A população foi entendendo e adotando o

uso da URV. No fim de maio, 92% das indústrias já usavam a URV. A moeda virtual tinha se disseminado, tornado a ado-ção do real mais fácil.

Em 1º de julho de 1994, com adoção do real, terminava a era da correção monetária, dos preços congelados e da inflação mensal acima de dois dígitos. No total, de julho de 1964 a julho de 1994, segundo cálculos da Fundação Ge-túlio Vargas (FGV), a inflação acumulada no Brasil foi de 1.302.442.989.947.180,00% (para simplificar, 1 quatrilhão e 302 trilhões). A hiperinflação deixou um histórico de es-tagnação, desordem econômica e empobrecimento de famí-lias. No entanto, o esforço para cobrir seus efeitos nefastos e as tentativas para remediá-la ajudaram a fortalecer o jor-nalismo econômico no Brasil.

No entanto, mesmo na época era difícil para a população acompanhar todas as reviravoltas causadas pelos planos econômicos fracassados do governo e os efeitos das altas dos preços no bolso dos cidadãos. Para atender a essa de-manda, os veículos acabaram alterando o jornalismo eco-nômico no Brasil.

Até anos 1970, as editorias de economia nos jornais bra-sileiros eram pequenas, e muito focadas nas ações governa-mentais e empresariais. No entanto, com o crescimento da inflação no final do regime militar, pautas que estivessem ligadas com as finanças das classes médias e po-pulares começaram a aparecer mais. Os veículos passam a investir pesa-damente no chamado “Jornalismo de Serviço”, buscando aproximar-se das necessidades imediatas dos leitores. Questões ligadas a condomínios, se-guros, financiamentos habitacionais e orçamento doméstico passam a ser comuns. Instala-se também um pa-drão de jornalismo didático, com te-mas do dia-a-dia, no modelo “enten-da como se faz isso”.

No fim da década de 1970, os índi-ces de inflação beiravam os 40% anu-ais. Nos anos 1980, a década perdida, a situação se complicou, após dois choques do petróleo e maxidesvalorizações cambiais. À forte retração na taxa de expansão econômica somou-se o crescimento galopante da inflação, em meio a um processo de indexação de preços, salários e contratos no País.

Com a inflação se tornando um problema cada vez mais sério, as editorias de economia se adaptam e especializaram repórteres no segmento de economia popular, dedicando boa parte da cobertura para a área de abastecimento.

Depois de sucessivas tentativas frustradas de estabiliza-ção da moeda com os planos Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991), o índice anual de inflação subiu de 330% na década de 80 para 764% en-tre 1990 e 1994. Em fevereiro de 1990, mês que antecedeu o lançamento do primeiro plano do governo Collor, a taxa

A hiperinflação e o jornalismo econômico

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