v.8 n.1 janeiro/abril 2005 salvador-ba · ção democrática, requer mais do que admitir que...

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ISSN 1808-124X jan./abr. 2005. n. 1 p.5-124 Gest. Ação Salvador v. 8 v.8 n.1 janeiro/abril 2005 Salvador-BA

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ISSN 1808-124X

jan./abr. 2005.n. 1 p.5-124Gest. Ação Salvador v. 8

v.8 n.1 janeiro/abril 2005Salvador-BA

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Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. Disponível também em: <http://www.gestaoemacao.ufba.br>

Projeto Gráfico: Helane Monteiro de Castro Lima.Normalização: Sônia Chagas Vieira (Coord.) e José Raimundo Paim de Almeida.Revisão: Regina Maria de Sousa Fernandes, Katia Siqueira de Freitas, Charlie Palomo (Espanhol) e Robert Girling (Inglês).Diagramação e formatação: Helane Monteiro de Castro Lima e Léia Verônica de Jesus Barbosa.Capa: Maria Lúcia Ganem Assmar e Helane Monteiro de Castro Lima.Produção Editorial: Helane Monteiro de Castro Lima.Impressão: Legal Gráfica e Editora

Gestão em Ação é um periódico editado sob a parceria e responsabilidade da Linha de Pesquisa Políticas e Gestão em Educação do Programade Pós-Graduação em Educação da FACED/UFBA e do Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público (ISP/UFBA). Aceitaparcerias e colaborações, reservando-se o direito de publicar ou não os textos enviados à redação. Os trabalhos assinados são de inteiraresponsabilidade de seus autores.

Periodicidade: Quadrimestral Tiragem: 1.500 exemplares Circulação: abril 2005.

Indexada em:Bibliografia Brasileira de Educação-BBE, INEP.Biblioteca Nacional <http://periodicos.bn.br/cgi-bin/isis/wwwisis/[tcg=999]/[in=ser.in]/>Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura (CREDI/OEI)-España.Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales e Humanidades da Universidad Nacional Autônoma de México (CLASE/UNAM).Universitat de les Illes Balears (UIB) - Spain <http://sls.uib.es/search*cat/s?SEARCH=gestao&submit=Cercar>

Inscrita em:Biblioteca Ana Maria Popovick (BAMP/FCC) <http://www.fcc.org.br/biblioteca/index.html >Sumários de Periódicos do Acervo FEUSP <http://www.fe.usp.br/biblioteca/publicacoes/sumario/jul/F_i.htm#Gestão%20em%20Ação>

Afiliada a Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC)Avaliada pelo Qualis/Capes 2003 - Nacional B.Disponível no Portal Capes/MEC <http://www.periodicos.capes.gov.br>

Editor: Katia Siqueira de Freitas, Ph.D.

Universidade Federal da BahiaFaculdade de Educação-FACED.Programa de Pós-Graduação em EducaçãoLinha de Pesquisa Políticas e Gestão em EducaçãoAv. Reitor Miguel Calmon, s/n - Vale do CanelaSalvador/BA Brasil - CEP:40110-100Tel./Fax. (71) 3263-7262

Redação:Universidade Federal da BahiaCentro de Estudos Interdisciplinares para o Setor PúblicoAv. Adhemar de Barros, Campus Universitário de Ondina.Pavilhão IV- Salvador/BA Brasil CEP: 40170-110Tel./Fax. (71) 3235-8290 e 3263-6491homepage: http://www.gestaoemacao.ufba.brE-mail: [email protected]

Conselho Editorial Nacional: Antonio Carlos Xavier (IPEA); Celma Borges Gomes (UFBA); Denise Gurgel (UNEB); Jorge Lopes (UFPE);Katia Siqueira de Freitas (UFBA); Lauro Carlos Wittman (FURB); Magna França (UFRN); Maria Eulina Pessoa de Carvalho (UFPB); NelsonWanderley Ribeiro Meira (FABAC); Regina Vinhaes Gracindo (UnB); Vicente Madeira (UCP/RJ). Conselho Editorial Internacional: Abrilde Méndez (ICASE - Universidade do Panamá); Brigitte Detry Cardoso (U.Nova de Lisboa - Portugal); Ernestina Torres de Castillo (ICASE -Universidade do Panamá); Fábio Chacón (Empire State College-USA); Felicitas Acosta (IIPE/Argentina); Luiz Enrique Lopez (PROEIB-Cochabamba/Bolivia); Maria Clara Jaramillo (PROEIBAndes em Cochabamba -Bolívia); Rolando López Herbas (Facultad de Humanidades YCiencias de La Educacion.Universidad Mayor de San Simon.Cochabamba-Bolivia).

Comitê Científico Nacional: Ana Maria Fontenelle Catrib (UNIFOR); Antônio Cabral Neto (UFRN); Avelar Luiz Bastos Mutin (GAMBÁ);Dora Leal Rosa (UFBA); Edivaldo Boaventura (UFBA); Heloisa Lück (PUC/PR); Jerónimo Jorge Cavalcante Silva (UNEB); José Vieira deSousa (AEUDF); Katia Siqueira de Freitas (UFBA); Lourdes Marcelino Machado (UNESP/Marília); Miguel Angel Garcia Bordas (UFBA);Nicolino Trompieri Filho (UFC); Nigel Brooke (GAME/UFMG); Robert Evan Verhine (UFBA); Rogério de Andrade Córdova (FE/UnB);Romualdo Portela de Oliveira (USP); Theresinha Guimarães Miranda (UFBA); Walter Esteves García (Instituto Paulo Freire). ComitêCientífico Internacional: Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO- Portugal); Charlie Palomo (UNTREF- Argentina); Horst Von Dorpowski(The Pennsylvania State University – EUA); Javier Murillo (UAM- Espanha) José Gregório Rodriguez. (Universidad Nacional de Colômbia– Colômbia); Marcel Lavallée (UQAM); Mirna Lascano (Northeastern University of Boston - EUA); Robert Girling (Sonoma State University– EUA); Wayne Baughman (American Institutes for Research-EUA).

Os artigos enviados à Gestão em Ação são encaminhados aos seus pares para avaliação, preservando-se a identidade dos autores.

Revista financiada com os recursos, do Programa Gestão Participativa com Liderança em Educação (PGP/LIDERE), doados pela The FordFundation e pela Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia (FINEP-MCT).

Gestão em Ação/ Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFBA; ISP/UFBA. - v.1,n.1 (1998) - Salvador, 1998 -

Quadrimestral

ISSN 1808-124X

1. Educação - Periódicos. I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. 2. Universidade Federal da Bahia. Centro de Estudos Interdisciplinares parao Setor Público.

CDU 37(05)CDD 370.5

ACEITAMOS PERMUTAS

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Sumário /Summary

EditorialEditorial

Regina Maria de Sousa Fernandes

(Re) Significação do projeto político-pedagógico no projeto de cidade(Re)Signification of Political-Pedagogical Project in the city project

Ilma Passos Alencastro Veiga

Tendências e perspectivas de estudos sobre ensino superior nomundo contemporâneo: breve panoramaTrends, perspectives and indicators of research about higher learning in the contemporary of the world:

a brief panorama

José Vieira de Sousa

Autonomia, democracia em contexto escolar: uma leitura críticaa partir de quatro trabalhos de investigaçãoAutonomy, democracy and participation: a critical analysis from four research projects

Leonor Maria Lima Torres

(Des)Centralização em educação no Brasil: face de um modelopolítico(Des)Centralization of education in Brazil: a political model

Elton Luiz Nardi

Seis anos de Fundef: avaliação e recomendaçõesSis years of Fundef: evaluation and recommendations

Maria Iza Pinto de Amorim Leite

Compreendendo a gestão democrática pela via de pluralidadelingüística circulante na escolaUnderstanding the democratic management for the way of the circulating linguistic plurality in

the school.

Carlos Alberto Ferreira Danon

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Reforma educativa, exclusão e racismo na BahiaEducation reform, exclusion e racism in Bahia

Bernd ReiterRita de Cassia Dias

Instruções editoriais para autoresPublishing instructions for Authors

Política Editorial Gestão em Ação (GA)Publishing Politics

Publicações PermutadasExchange Publications

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Editorial

Gest. Ação, Salvador, v.8, n.1, p.5-6, jan./abr. 2005

Em momentos de reflexão pessoal sobre osistema educacional do país, surge sem-pre uma pergunta: afinal, qual o sistemade educação que se quer para o Brasil?

Há que se levar em conta, e em muita con-ta, a incidência dessas “respostas” con-tidas nesta Gestão em Ação:

— um sistema público de ensino com au-tonomia, democrático, sem discrimi-nações, racismos e intolerâncias.

— um sistema público de ensino cujosatores ouçam falar de solidariedade,cidadania, república, direitos etc., eque sejam esses conceitos vincula-dos à sua prática de vida.

— escolas destinadas a todos e comensino de qualidade.

Esses anseios são repassados de manei-ra enfática em todos os resultados deestudos constantes nesta revista. Só paraexemplificar, ressaltam-se, inicialmente,os estudos “(Re) Significação do projetopolítico-pedagógico no projeto cidade”e “(Des)Centralização em educação noBrasil”, que além de suas funções tradici-onais (econômica, social, política e pres-tações de serviços) estão comprometidoscom a intencionalidade de formar, pro-mover e desenvolver pessoas conhece-

doras de seus direitos e obrigações coma sociedade na qual vivem, e que a partirdo conhecimento e da identificação coma própria cidade, nela exerçam, uma açãonão só part icipat iva mas tambémtransformadora.

Em sendo um processo inovador, o proje-to político-pedagógico além de enfatizara construção da autonomia, da gestãodemocrática, propicia a comunicação e asemeadura de valores elevados como ada solidariedade.“Somos os homensocos, os homens empalhados, uns nosoutros amparados” - escreveu T.S.Eliot.Está em curso um evidente processo dedesumanização, crescem as desigualda-des sociais. À universidade cumpre con-tribuir de forma decisiva, dentro da suafunção social, para que os jovens recu-perem a capacidade de sonhar e se libe-rem do imediatismo de hoje, e se tornemcidadãos conscientes do mundo glo-balizado. A sobrevivência de todos e opapel da universidade, buscando parcei-ros, cooperação de entendimento entreas comunidades farão surgir um novo ca-pítulo da história: o capítulo da criativi-dade, da reinvenção, da reconstrução.

Surgirão outros novos caminhos os quaisindicados pela pesquisa. É freqüentemente

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discutido que a chave desta questãopassa pela introdução de mudanças naspessoas e na cultura das organizaçõesem que elas trabalham. Mas não estará aquestão colocada ao contrário, ou malcolocada?

Que perspectivas há para a prática doexercício democrático e de autonomianas organizações (unidades) escolaresnum contexto de uma administraçãocentralizadora e autoritária?

Estas e outras indagações, sobre osmodelos de administração e gestão dosistema educacional e das escolas, sãotambém preocupações além-mar. É o quecomprova o trabalho: “Autonomia, de-mocracia em contexto escolar: uma lei-tura crítica a partir de quatro trabalhosde investigação.”

O município de Vitória da Conquista nosseis anos de implantação do Fundep,por meio de pesquisas realizadas che-gou às mesmas conclusões de estudosfeitos em outros municípios e estadosbrasileiros: “é importante colocar todasas crianças na escola, porém, mais impor-tante ainda, é oferecer a essas criançasum ensino de qualidade”.

Considerar a diversidade lingüística paraorientar um trabalho escolar, que caminhena direção de uma postura de organiza-ção democrática, requer mais do queadmitir que existem culturas diferentesdotadas de signos plurais. A escola háque reconhecer a importância no legadoda diversidade cultural e lingüística doeducando. Para citar Mário de Andrade:

ninguém não faz uma l ínguacolet iva, quem a cr ia é nin-guém e que por mais que elegeneralize, as suas generalizaçõesnão passam de uma criatura in-dividual

Dois fatores estruturais emperramo sucesso mais duradouro da re-forma educacional empreendidano Brasil e de modo específico,na Bahia: a permanência de prá-ticas de cunho racista e elitistaque permeiam toda a sociedadebrasileira, garantindo a manuten-ção de uma situação de privilégioe a divisão da educação em doissistemas – um para perpetuaçãoda exclusão, e outro para a ma-nutenção de privilégios...

A escola pública, mesmo melhorandoainda não pode competir com a escolaprivada.

“Há dois mil anos te mandei meu grito,/Que embalde desde então corre o infini-to.../ Onde estás, Senhor Deus?”

Regina Maria de Sousa FernandesLicenciada em Letras, UFBA.

Especialista em Pesquisa Educacional, UNESCO/INEP/USP.Integrante do PGP/LIDERE.

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Ilma Passos Alencastro Veiga1

acontecer o desenvolvimento humano emcondições de igualdade de oportunida-des” (PIZARRO, 2004, p. 92).

A segunda parte está centrada na compre-ensão do projeto de cidade, abordandoaspectos relativos à concepção de cidadeeducadora e suas principais características.Em seguida, trato da (re)significação doprojeto político-pedagógico no contextode inovação emancipatória.

1. O CENÁRIO DE UMA SOCIEDADEBIPOLAR

A sociedade brasileira está inevitavelmenteconectada ao projeto proposto para nossopaís, ou seja, mergulhada na dinâmica dasrelações de poder, em escala internacional.

Do ponto de vista econômico, desde adécada de 1980, o capital internacionalvem consolidando a hegemonia mundial,fundamentada na lógica de acumulaçãofinanceira, que opera em um ambientecrescentemente desregulado.Para tanto,foram definidas medidas visando asseguraro retorno dos empréstimos e investimentosmultinacionais às nações em processo de

Resumo: Tendo como preocupação central es-timular a reflexão sobre a (re)significação doprojeto político-pedagógico no projeto de cidade,a autora traz à tona a situação socioeconômicae política da sociedade brasileira para entendero momento que estamos vivendo. Trata-se deempreender e construir caminhos que permitam acomunicação entre cidadãos e promovam oprotagonismo cultural e educacional, caminhosque nos conduzem à compreensão da cidadecomo lugar onde acontece a vida. O potencialeducativo da cidade envolve processos educaci-onais formais, não-formais e informais em cons-tantes interações. O projeto político-pedagógicoda escola é um meio de engajamento coletivo.É um processo de vivência democrática a fim derecuperar o caráter público e gratuito da educaçãoestatal.

Palavras-chave: Educação; Cidade Educadora;Projeto político-pedagógico; Cidadania.

Inicialmente, procuro apresentar um brevequadro da situação socioeconômica e po-lítica da sociedade brasileira para enten-der o momento que estamos vivendo eressaltar a importância da (re)significaçãodo projeto político-pedagógico no projetode cidade. Trata-se de empreender econstruir caminhos que permitem a co-municação entre os cidadãos e promovemo protagonismo cultural e educacional,caminhos que nos conduzem à compre-ensão da cidade como lugar onde acon-tece a vida e “é o lugar onde pode e deve

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desenvolvimento como o Brasil. Estimu-lado o endividamento, segue a inflaçãogeneralizada. O combate à insegurançafinanceira propiciou a definição de meca-nismos de controle, por meio de ajustesestruturais e entre outras medidas foiinstituída a exigência de aprovação anualde superávits fiscais para os devedoresjunto aos organismos internacionais.

Como conseqüência, temos convividocom o aumento da carga tributária, a di-minuição de gastos com pessoal, a redu-ção de verbas em áreas fundamentais,entre elas a educação, a saúde, a ciênciae a tecnologia, o aumento do desempregoe da violência.

As orientações formuladas no âmbitodas políticas governamentais tendem aseguir as orientações de organismosmultilaterais como é o caso do Banco Mun-dial (BIRD). O processo que estamos vi-vendo é, sem dúvida, a transição da soci-edade industrial fragmentada para asociedade globalizada. O fenômeno daglobalização se baseia na idéia de ummercado global, de uma economia globalque está provocando uma acumulaçãode capital nas mãos de uma minoria –grandes bancos e multinacionais que con-trolam o mercado mundial – e a ampliaçãoda desigualdade em escala tambémmundial. Uma das conseqüências maisgraves do processo de globalização é aacumulação de riqueza em poucas mãos eo aumento da pobreza. Há, portanto, umaenorme diferença entre ricos e pobres(GOMEZ-GRANEL ; VILA, 2004, p.22).

Nossa sociedade faz parte de um mundosubordinado a uma mudança. A educaçãodeve

[...] qualificar o cidadão para queviva nesse mundo, deve combatero analfabetismo científico e pro-mover o interesse pelas novas ori-entações científicas, pelas últimaslinhas de aplicação tecnológica epelas recentes mudanças acon-tecidas no campo do conhecimen-to social. A cidade deve constituiro âmbito de contato, de debate ede acesso ao conhecimento paratoda a cidadania (GOMEZ-GRA-NEL; VILA, 2004, p.21).

No campo educacional os impactos daglobalização estão por ser devidamentedimensionados, impondo novas demandassobre a educação básica e superior, a fimde “[...] produzir uma força de trabalhoqualificada e apta a atrair os investimen-tos do capital financeiro internacional”(VIEIRA, 2002, p.23). Isso ocorre nummomento em que os recursos para ospaíses pobres são mais escassos do queantes, o que gera condições adequadaspara que os organismos internacionaisimponham suas regras aos países maisnecessitados e endividados.

As implicações desse movimento glo-balizado também se fazem sentir - e demaneira concreta - no desenvolvimentodo meio urbano, ou seja, no desenvolvi-mento da cidade. Brarda e Rios (2004,p.17) chamam atenção para o fato de queo fenômeno da globalização

[...] identifica um processo quemostra a intensificação dos flu-xos (informação, mercadorias,capital, pessoas) portadores, noespaço e no tempo, de novas for-mas de pensar, de produzir, de sevincular ou de se relacionar.

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(Re)Significação do projeto político-pedagógico no projeto de cidade

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Basicamente os autores se referem aoutra modalidade de estruturação do es-paço que representa a organização demegarregiões com conjuntos de escritóriosgigantescos, grandes hotéis, “shoppings”,edifícios inteligentes, hipermercados, lo-jas de conveniência, “fast-food”, como aslanchonetes McDonald’s etc. Há umapadronização dos espaços que criamilhas de cidade global, alteram a noção deespaço público, que foi substituído poráreas privadas de uso restrito. Há perdade significados das formas urbanas e,portanto, uma incapacidade para sentira cidade como um bem coletivo. Aglobalização influencia os processos deidentificação das pessoas porque põe di-ante delas a homogeneização de consu-mos, de espaços e de formas, que atuamcomo modelos para igualar-se ou influen-ciar-se. No entanto, isto não significa anegação de culturas locais.

2. PROJETO DE CIDADE COMO AÇÃOEDUCADORA

Diante das colocações anteriores e parafazer frente às mudanças e transformaçõesdo momento atual, os governos locais,ou seja, os municípios procuram articularum conjunto de propostas, ações eestratégias que lhes permitam enfrentarcom mais segurança os desafios e tensões,propiciando a sua população maioresoportunidades de desenvolvimento ecrescimento individual e coletivo.

É, sem dúvida, um desafio que muitasvezes extrapola as possibilidades dos

governos locais pois existe uma quanti-dade de problemas que transcendem ascompetências e responsabilidades daesfera administrativa municipal. ParaPizarro (2004) há duas alternativas: seguiras orientações da cultura burocrática dosórgãos públicos ou, pelo contrário, am-pliar o papel do executivo e garantir asliberdades públicas na jurisdição dascidades.

As intervenções políticas e sociais dagestão local, em uma cidade com igualdadede condições, significa

[...] pensar o social no mesmoquadro estratégico que a reformaeconômica e a proteção jurídica,propondo-se, portanto, um novomodelo de desenvolvimento...(CABEZUDO, 2004, p.93).

É, portanto, responsabilidade e com-promisso do governo a garantia documprimento dos direitos humanos, afim de atender o primeiro princípio daCarta das Cidades Educadoras, conhecidatambém por Declaração de Barcelona(2004, p.47):

1)Todos os habitantes de umacidade terão o direito dedesfrutar, em condições deliberdade e igualdade, dos meiose oportunidades de formação,entretenimento e desenvolvi-mento pessoal que a própriacidade oferece. Para que isso sejapossível, dever-se-ão levar emconta todas as categorias, comsuas necessidades particulares.

Sob esta perspectiva a cidade contém, defato, um amplo leque de possibilidadeseducativas, de origem de intenções e deresponsabilidades diversas. E para que isso

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aconteça o projeto de cidade se sustentana premissa de que “toda a cidade éeducativa, mas não educadora”(BRARDA; RIOS, 2004, p.30). É impor-tante salientar que o projeto de cidadeeducadora situado no contexto em queas relações são desiguais e injustas, é umprojeto desafiante. É desafiante porqueremete as pessoas a construírem a demo-cracia e a ampliá-la cada vez mais, apoi-ando-se na educação para auxiliar naconstrução da cidadania. Trata-se de umadecisão política que envolve uma passa-gem da cidade como cenário de açãoeducativa para a cidade como agenteeducador.

O projeto de cidade educadora por serde natureza pública está comprometidocom propósitos democráticos, como ode garantir serviços públicos ou igualdadede acesso e de oportunidades de todosos cidadãos. Oportunidade para o conhe-cimento do mundo, o enriquecimento in-dividual e a possibilidade de soluçõessolidárias.

O potencial educativo da cidade envolveprocessos educacionais formais, não-formais e informais em constantesinterações. Isso significa considerar aimportância pedagógica de novoscenários e de outros recursos com finseducativos, tais como museus, biblio-tecas, oficinas temáticas, campanhas,associações de bairros, organizaçõesnão-governamentais, partidos políticos,igrejas, movimentos sociais, entre outros.

O projeto de cidade educadora, portanto,não está fechado em si mesmo, masse relaciona com o entorno, isto é, com

(...) outros núcleos urbanos dopaís ou cidades parecidas de ou-tros países, relação que implicanovas aprendizagens, intercâm-bio e solidariedade, enriquecendoa vida de seus habitantes(CABEZUDO, 2004, p. 12).

Nesse sentido, é uma cidade integradano país onde se localiza. A característicade interação com as demais cidades éfonte de aprendizagem, de cultura, delazer às formas e oportunidades detrabalho, na gestão da cidade, que serátanto mais educadora quanto mais de-mocrática.

As ações necessárias para promover areferida passagem implicam ter comocritério básico a intencionalidade de en-sinar e aprender elementos fundamentaisdo processo educativo. Brarda e Rios(2004), a partir das idéias apresentadasno Seminário de Cidades Educadoras doCone Sul, Uma alternativa para os go-vernos locais, realizado na cidade deRosário, Argentina, em 1998, delimitaramtrês organizadores necessários paracompreender a passagem da cidadeeducativa para a cidade educadora. Sãoeles: aprender a cidade como objeto deaprendizagem, aprender na cidade comocontexto e aprender da cidade comoagente educativo (BRARDA; RIOS, 2004,p.40). A figura 1 (p.11) ilustra os trêsorganizadores necessários à passagem dacidade educativa para a cidade educadora.

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(Re)Significação do projeto político-pedagógico no projeto de cidade

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Além de suas funções tradicionais (eco-nômica, social, política e de prestação deserviços) o projeto de cidade está com-prometido com a intencionalidade deformar, promover e desenvolver os cida-dãos: crianças, jovens, adolescentes,adultos e idosos. Essa função educadoradeverá estar explicitada em seu projeto:investir na educação significa desenvol-ver a pessoa, prepará-la para o exercícioda cidadania e para o trabalho.

O desenvolvimento da pessoa deve serdirecionado à luz de uma visão teórico-educacional que leve em conta asdimensões social, profissional, estética,ética, intelectual, física etc.

O conceito de cidadania centra-se nacondição básica de ser cidadão, isto é,sujeito histórico, social, político e cultural,sujeito de direitos e deveres a partir de umacondição universal – porque assegurada

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Figura 1

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na Carta de Direitos da Organização dasNações Unidas – e de uma condiçãopeculiar – a Constituição Federal queproclama os direitos humanos funda-mentais. Carneiro (1998) enfatiza que aconcepção de cidadania atualmente sedesloca também para o âmbito dasociedade civil, não se deixando prenderapenas à ação do Estado ou à relaçãocom ele. Na verdade, esse deslocamentosolidifica os laços sociais, permitindorealizar vivencialmente uma críticasobre a concepção de Estado em suarelação com o indivíduo (ARAÚJO, 2000).A Constituição proclama os direitoshumanos fundamentais. São direitos detodo e qualquer cidadão. A cidadaniademocrática é a caracterização dosdireitos de quatro gerações. A figura 2(p.13) sintetiza esses direitos.

O trabalho é concebido como expressãocriadora e transformadora. Além derepresentar uma oportunidade departicipação social, o trabalho é, paraas pessoas, a oportunidade de asseguraras condições para uma vida mais digna.Não se pode desconhecer a relaçãoentre trabalho e educação. Se o trabalhodefine o próprio ser do homem, há quese procurar, pela educação, bem orientarpara a significação do trabalho.

Formar pessoas, cidadãos e trabalhado-res conhecedores de

[...] seus direitos e obrigações comrespeito à sociedade e que, a partirdo conhecimento e da identifica-

ção com a própria cidade, empre-endam uma ação participativa etransformadora desta (CABE-ZUDO, 2004, p.13).

Pensando num projeto de cidade educa-dora, vale destacar a importância daspremissas básicas discutidas por Gadottie Padilha (2004) e, sinteticamente, apre-sentadas a seguir:

• busca instaurar com todas suas ener-gias a cidadania plena, ativa;

• estabelece canais permanentes departicipação;

• incentiva a organização das comuni-dades para que elas tomem em suasmãos o contato social da cidade;

• persegue a utopia das cidades justas,produtivas, democráticas e sustentá-veis;

• rompe com o controle político das eliteslocais e as formas clientelistas de go-vernar;

• estabelece uma nova esfera públicade decisão não-estatal, como o orça-mento participativo, a constituinteescolar;

• cria novas relações, novas formas degestão, novos espaços de negociação;

• estimula a reapropriação da cidade porseus cidadãos como protagonista ativada gestão pública;

• tem vontade política apoiada numaética;

• incorpora o conflito com práticas danegociação e que publicize a informa-ção.

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(Re)Significação do projeto político-pedagógico no projeto de cidade

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Figura 2

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O que se precisa fazer é trabalhar paraampliar a qualidade, a adequação e ainovação das funções tradicionais eeducadoras das cidades. Um projeto decidade é uma obra coletiva. Não é com

projeto de prefeitura, mas oprojeto de toda a cidade, um pactopara transformar a educação nachave do conhecimento e daconvivência (VINTRÓ, 2004, p.55).

3. O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGI-CO NO CONTEXTO DA INOVAÇÃOEMANCIPATÓRIA

Considerando a inovação como produçãohumana, parto da idéia de que suas basesepistemológicas estão alicerçadas nocaráter emancipador e argumentativo daciência emergente. A inovação procuramaior comunicação e diálogo com ossaberes locais e com os diferentes atorese se realiza em um contexto que éhistórico e social, porque humano. Aciência emergente opõe-se às clássicasdicotomias entre ciências naturais/ciências sociais, teoria/prática, sujeito/objeto, conhecimento/realidade. Trata-se,portanto, de buscar a superação dafragmentação das ciências e suasimplicações para a vida do homem e dasociedade.

Os processos inovadores lutam contraas formas instituídas e mecanismos depoder. É um processo de dentro parafora. Essa visão reforça as definiçõesemergentes e alternativas da realidade.

Assim, ela deslegitima as formasinstitucionais, a fim de propiciar a argu-mentação, a comunicação e a solidarie-dade.

O projeto político-pedagógico, no bojoda inovação emancipatória, enfatizamais o processo de construção. É a con-figuração da singularidade e da particu-laridade da instituição educativa. Bicudoafirma que a importância do projeto resi-de “no seu poder articulador, evitandoque as diferentes atividades anulem-seou enfraqueçam a unidade da instituição”(BICUDO, 2001, p.16). Inovação e proje-to político-pedagógico estão articula-dos, integrando o processo com o pro-duto porque o resultado final não é sóum processo consolidado de inovaçãometodológica no bojo de um projeto polí-tico-pedagógico construído, desenvolvidoe avaliado coletivamente, mas é um pro-duto inovador que provocará tambémrupturas epistemológicas. Não podemosseparar processo de produto. Nessesentido

[...] Construir o projeto políti-co-pedagógico para a institui-ção educativa significa enfren-tar o desafio da inovaçãoemancipatória ou edificante,tanto na forma de organizar oprocesso de trabalho pedagógi-co como na gestão que é exercidapelos interessados, o que impli-ca o repensar da estrutura depoder (VEIGA, 2003, p.277).

Sob esta ótica, o projeto é um meio deengajamento coletivo para integrar açõesdispersas, criar sinergias no sentido de

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(Re)Significação do projeto político-pedagógico no projeto de cidade

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buscar soluções alternativas para di-ferentes momentos do trabalho pedagó-gico-administrativo, desenvolver osentimento de pertença, mobilizar osprotagonistas para a explicitação deobjetivos comuns definindo o nortedas ações a serem desencadeadas,fortalecer a construção de uma coerênciacomum, mas indispensável, para quea ação coletiva produza seus efeitos.

E para concluir...

(Re)significar o projeto polít ico-pedagógico no projeto de cidade e soba perspectiva da inovação emancipatóriaé um processo de vivência democráticaà medida que todos os segmentos quecompõem a comunidade escolar eacadêmica participam dela, tendocompromisso com seu acompanha-mento e, principalmente, nas escolhasdas trilhas que a instituição irá seguir.Dessa forma, caminhos e descaminhos,acertos e erros não serão mais daresponsabil idade da direção ou daequipe coordenadora, mas do todo queserá responsável por recuperar o caráterpúblico, democrático e gratuito daeducação estatal, no sentido de atenderos interesses da maioria da população.

Para modificar sua própria realidadecultural, a instituição educativa deveráapostar em novos valores. Em vez dapadronização, propor a singularidade;em vez de dependência, construir aautonomia; em vez de isolamento e

individualismo, o coletivo e a partici-pação; em vez da privacidade do trabalhopedagógico, propor que seja público;em vez de autoritarismo, a gestãodemocrática; em vez de cristalizar oinstituído, inová-lo; em vez de qualidadetotal, investir na qualidade para todos.

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(Re)Signification of political-pedagogicalproject in the city project

Abstract: Having as her central concernstimulate reflection about (re)signification ofpolitical-pedagogical project in the city project,the author brings the socio-economic andpolitical frame of Brazilian society in order tounderstanding the moment we live now. It dealswith undertaking and building ways that allowcommunication among citizens and promotecultural and educational leadership, ways thatlead us to an understanding of the city as aplace where l ife happens. The educationalpotential of the city involves formal, non-for-mal and informal educational processes inconstant interaction. The political-pedagogicalproject of a school is a means for collectiveengagement. I t is a process of democraticexperiencing whose goal is restoring theeducation provided by the state to its publicand free character.

Keywords : Education; City as Educator;Political-Pedagogical Project; Citzenship.

(Re)Significación del proyecto polít ico-pedagógico en el proyecto de ciudad

Resumen: Teniendo como preocupacióncentral est imular la (re)significación delproyecto político-pedagógico en el proyectode ciudad, la autora trae a la superficie lasi tuación socioeconómica y polí t ica de lasociedad brasileña para entender el momentoque estamos viviendo. Se trata de emprender yconstruir caminos que permitan la comunicaciónentre ciudadanos y promuevan el protagonismo

Artigo recebido em: 07/03/2005.Aprovado para publicação em: 22/03/2005.

Ilma Passos Alencastro Veiga

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Sobre a autora:

1Ilma Passos Alencastro Veiga, Ph.D.Doutora em Educação. Professora Titular, Pes-quisadora Associada Sênior, UnB. ProfessoraUniCEUB.E-mail: [email protected]

Endereço: SQN 205, bl.G, ap.603 - Plano Piloto,Brasília/DF, Brasil. CEP.:70834-070.

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cultural y educacional, caminos que nosconducen a la comprensión de la ciudad comolugar adonde acontece la vida. El potencialeducativo de la ciudad involucra procesoseducativos formales, no formales e informalesen constante interacción. El proyecto político-pedagógico de la escuela es un medio decompromiso colectivo. Es un proceso devivencia democrática con el fin de recuperarel carácter público y gratuito de la educaciónestatal.

Palabras claves: Educación; Ciudad Educadora;Proyecto Político-Pedagógico; Cidadania.

(Re)Significação do projeto político-pedagógico no projeto de cidade

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superior no mundo contemporâneo,ressaltando perspectivas e tendênciasevidenciadas por investigações recentesrealizadas em diversas regiões, foca-lizando esse nível de ensino em suasesferas pública e privada.

Com o objetivo de alcançar esse objetivo,a reflexão proposta parte do pressupostoque a própria opção por um objeto deestudo já envolve o pesquisador em umareflexão que demanda definições deposturas e relações entre ele e o objeto, àmedida que o problema a ser investigadoleva, em seu processo de desvelamento,ao reconhecimento de que não há críticaepistemológica sem crítica social. Abusca dessas posturas e relações estáimersa em um processo de rupturas econtinuidades, visto que a construção doobjeto nas ciências humanas é umtrabalho de fôlego e não uma “[...] coisaque se produza de uma assentada, poruma espécie de ato teórico inaugural”(BOURDIEU, 1994, p. 26). Essa premissaparece orientar um grande número depesquisas sobre o ensino superior nomundo e no Brasil, considerando-se que,

José Vieira de Sousa1

Resumo: O presente artigo discute tendências,perspect ivas e indicadores decorrentes depesquisas sobre o ensino superior no mundocontemporâneo, na América Latina e Caribe,bem como no contexto brasileiro. Nele são evi-denciados os temas que têm recebido maior aten-ção pelos pesquisadores da área em cada umadas regiões mencionadas, a configuraçãoinstitucional que vem caracterizando os sistemasde ensino superior em várias partes do mundo,além de formas adotadas para a produção e di-vulgação dos estudos a respeito desse nível deensino. Particularmente, em relação ao Brasil,destacam-se a heterogeneidade institucional dosistema de ensino superior desse país e a tensãoentre as esferas pública e privada historicamentepresente nesse mesmo sistema.

Palavras-chave: Ensino superior; AméricaLatina; Caribe; Estudos universitários.

Para poder compreender o siste-ma de seu tempo, não bastaconsiderá-lo como ele hoje seapresenta, porque todo e qualquersistema educativo é um produtohistórico, que só a história podeexplicar. É uma verdadeira insti-tuição social. Nem é mesmo raroque a história de um país venhaa refletir-se nele (DURKHEIM,1975, p.56)

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa apresentar umbreve panorama de estudos sobre o ensino

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cada vez mais, a complexidade dessesistema de ensino tende a ser objeto depreocupação de vários grupos de atorese instituições, bem como de políticasgovernamentais.

Constituindo um dos setores de grandeimportância no processo de adequaçãodos projetos políticos das nações ànova ordem mundial, o ensino superiorrevela-se como um espaço social quetem buscado formas de alterar sua confi-guração. Tal fato reforça a convicçãoda necessidade de maiores investigaçõesque explicitem o quadro complexo e he-terogêneo que envolve as instituiçõesque compõem esse sistema.

Ao mesmo tempo, diferentes percepçõesconcebem o ensino superior como umespaço de interpretações múltiplas, tan-to no âmbito do público quanto do priva-do. Essa conexão de diferentes áreas dosaber tem contribuído para a produçãode pesquisas e trabalhos relevantes,como o realizado pela Organização dasNações Unidas para a Educação, a Ciên-cia e a Cultura (UNESCO) em 19982. Osdesafios, apontados por esse estudo, aserem enfrentados pelo ensino superiorpodem ser agrupados em cinco grandeseixos: (a) o aumento da demanda deacesso à qual esse nível de ensino está

submetido; (b) a contínua redução dosrecursos financeiros; (c) a preservaçãoda qualidade e pertinência das medidaspara sua implementação e avaliação; (d)o problema do emprego dos diplomadosque exige um exame dos graus e diplo-mas universitários; (e) a internaciona-lização dos métodos pedagógicos, daformação e da pesquisa no ensino supe-rior.

As questões suscitadas pelos eixos apre-sentados permitem-nos afirmar que, atu-almente, o sistema universitário mundialcontinua a se defrontar com uma sériede dilemas, vários deles decorrentes e,simultaneamente, geradores do seu su-cesso. Em âmbito mundial, tem assumidocaracterísticas e se comportado de formadiferente nos diversos países, estimulandoa realização de pesquisas a respeito, tantopor parte de grupos de pesquisadoresligados à academia quanto pelo próprioEstado. Em termos históricos, pode serconsiderado um dos primeiros relatóriossubsidiados por um governo, tratando doensino superior, o estudo realizado comoparte dos esforços empreendidos pelareforma da Universidade de Calcutá, naÍndia, em 19113.

Devido à grande importância atribuídaao ensino superior para o desenvolvimen-

2 Este estudo é resultado da Conferência Mundial sobre Educação Superior, convocada pela direção geral da UNESCO e realizada noperíodo de 5 a 9.10.1998, em Paris, quando foram aprovados dois documentos básicos: Declaração Mundial sobre a EducaçãoSuperior no Século XXI: visão e ação e marco de ação prioritária para a mudança e o desenvolvimento da educação superior. Desseevento, participaram mais de 180 países e cerca de quatro mil pessoas que discutiram a especificidade e os desafios do ensino superiorno final do século XX, 120 delegações nacionais oficiais, presididas pelos seus respectivos ministros, representantes de parlamentos,da rede privada, de associações de universidades internacionais e regionais, de associações de professores e estudantes, pesquisadoresda área e reitores. Antecederam esta grande reunião cinco conferências regionais preparatórias, realizadas em Beirute, Dakar, Havana,Palermo e Tóquio.3 Posteriormente, este documento influenciou diversos outros governos no uso de relatórios afins na definição das políticaseducacionais voltadas para esse nível de ensino.

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to social, ao longo do século XX intensi-ficaram-se os estudos sobre o sistema deensino superior no mundo, produzidospelas mais variadas instâncias, como, porexemplo, governos, agências e organis-mos internacionais, instituições públicase privadas, sindicatos e associações detrabalhadores da educação, entidadesmantenedoras, grupos de pesquisadorese investigadores independentes.

Nessa perspectiva, constata-se, no mundocontemporâneo, a necessidade crescentede um entendimento mais amplo acercada natureza das instituições acadêmicasque compõem o ensino superior, suas fun-ções e seus componentes-chave. Tambémhá o reconhecimento da demanda de in-vestigação dos processos que se verificamno interior das instituições universitárias,visando subsidiar a compreensão sobre asua dinâmica, sejam elas públicas ou pri-vadas. Esse interesse tem sido expresso porum número considerável de organismos in-ternacionais ligados ao financiamento depesquisas a respeito dos sistemas de ensinosuperior.

Particularmente, na última década, arevisão das políticas do Banco Mundial4

para o ensino superior estimularamestudos comparativos sobre esse nívelde ensino, ainda que pese contra estamesma instituição a acusação de que,freqüentemente, os resultados de suas

pesquisas sejam mantidos como confi-denciais. Em função disso, a não dispo-nibilidade de certos dados para a comu-nidade científica mais ampla cria dificul-dades para um conhecimento abrangentee pormenorizado desta modalidade deensino, principalmente no que se refereà esfera privada.

Estudos como os de Sadlak & Altback(1997) apontam as seguintes tendênciasem relação ao desenvolvimento docampo do ensino superior em nívelmundial:

a) expansão em áreas geográficasonde atualmente é fraco ou inexistente;

b) possível perda de espaços, poralguns centros de pesquisa, para no-vos grupos, em função das reduçõesfinanceiras que as pesquisas dessenível de ensino enfrentam;

c) permanência de possíveis confu-sões pelo público que usufrui os re-sultados dos estudos sobre essesetor educacional, causada pela dis-tância entre pesquisas institucionaise outras de caráter nitidamente aca-dêmico;

d) acentuação e continuidade de suacaracterização como uma área de in-vestigações interdisciplinares;

e) possível diminuição de estudos degrande porte, em âmbito nacionale internacional, devido às restriçõesorçamentárias.

4 Nascido no pós-guerra, o Banco Mundial é um organismo multilateral de financiamento que conta com 176 países mutuários, inclusiveo Brasil. Entretanto, são cinco os países que definem suas políticas: Estados Unidos da América/EUA, Japão, Alemanha, França e ReinoUnido. Esses países participam com 38,2% dos recursos do Banco. Entre eles, os EUA detêm em torno de 20% dos recursos gerais eo Brasil aproximadamente 1,7%. A liderança norte-americana se concretiza também com a ocupação da presidência e pelo poder deveto que possui.

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A partir do exposto, a análise propostaneste artigo privilegia uma abordagemque parte do mais amplo para o maisespecífico. Assim, estruturalmente, otrabalho consta de três partes. Na primeiraparte, apresentam-se tendências, pers-pectivas e alguns indicadores resultantesde pesquisas sobre o ensino superior,realizadas em nível internacional, porestudiosos da área. Na parte seguinte,situa-se a mesma discussão no contextolatino-americano e caribenho. Por último,é abordada a realidade brasileira, mere-cendo destaque o caráter heterogêneo damorfologia do sistema de ensino superiorem nosso país, bem como a relaçãopúblico-privado construída no interiordesse mesmo sistema.

ESTUDOS SOBRE O ENSINOSUPERIOR EM ALGUMAS PARTESDO MUNDO

Pesquisas recentes indicam que nasnações industrializadas, os grupos têmconseguido ampliar suas condições deacesso ao sistema universitário, enquantoem outras mais desenvolvidas – Canadáe Estados Unidos da América, porexemplo – o êxito tem sido maisplenamente alcançado. Outros países,no entanto, como é o caso daquelessituados na costa do pacífico, atendemcerca de 40% da clientela que deveriaser absorvida pelos seus sistemasuniversitários (ALTBACH , 1997).

Diante da complexidade deste cenário,nas várias regiões do planeta têm sidorealizadas conferências e discussõessobre os novos desafios a seremenfrentados pelo ensino superior. Naregião da América Latina e Caribe, aConferência Regional foi realizada emHavana (novembro/1996); na ÁfricaSub-Saarana, em Dakar (abril/1997);na Europa, a reunião ocorreu na cidadeitaliana de Palermo (setembro/1997); asnações árabes reuniram-se em Beirute(março/1998); Canadá e Estados Unidosdiscutiram na cidade de Toronto (abril/1998) e os países caribenhos de origemanglo-saxônica, alemã e francesaencontraram-se na Ilha de Santa Lúcia(junho/1998).

Porém, apesar das dificuldades ineren-tes à investigação do ensino superior,diversos fatores têm estimulado pes-quisas a seu respeito. Muitos pesqui-sadores internacionais vêm procurandose organizar em vários grupos nacionaise regionais, como, por exemplo, aAssociation for Institutional Researchin The United States , consideradaatualmente uma das maiores organizaçõesvoltadas para pesquisa no mundo. Nocaso da Europa, a European Associationfor Institutional Research ultimamentetem procurado expandir seus estudospara aspectos mais abrangentes doensino superior, ultrapassando seutradicional foco de atenção – a pesquisainstitucional (ALTBACH, 1997).

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Em nível mundial, uma tendência adestacar nos estudos realizados sobre osistema de ensino superior refere-se aointeresse evidenciado pelas instituiçõesem conhecer a si mesmas, diante do seupróprio crescimento, fertilizando umcampo significativo para a pesquisa nosistema universitário de muitos paísesdesenvolvidos, como Estados Unidos,Austrália, Canadá e Inglaterra. Tambémmerece destaque a criação – nessesmesmos países – de centros de investigaçãoe departamentos preocupados com apesquisa especificamente voltada para oensino superior. Esses fatores têmdemandado, por parte dos governos, arealização de estudos de alcance nacionalque possam subsidiar a formulação depolíticas educacionais que orientem oprocesso de crescimento desse nível deensino como um todo.

Também é importante considerar que autilização maciça das novas tecnologiasda informação tem ajudado bastantedisseminar os resultados de pesquisasnacionais sobre o ensino superior. Alémdisso, um grande número de jornais na-cionais tem se dedicado a discutir e di-vulgar dados sobre a situação do ensinosuperior de seus respectivos países,embora sua circulação não ultrapasse oslimites dos países que os produzem e umaparte considerável deles seja editadaapenas em inglês, como é o caso doContents Pages In Education5 .

Há, somente na China, aproxi-madamente 400 Jornais dedica-dos ao ensino superior. Aproxi-madamente seis publicados poruniversidades isoladas e raramentedivulgados fora da instituição(ALTBACH, 1997, p.12).

Constituem exemplos mais importantesdesses jornais: Ide Journal, no Japão;Universidad Futura , no México;Canadian Journal Of Higher Education,no Canadá e Change e Língua Franca,nos Estados Unidos. Outros têm menorreconhecimento internacional – JournalOf Higher Education, na Índia e o SouthAfrican Journal of Higher Education,na África do Sul. Paralelamente, temcrescido nos últimos anos no mundo, apublicação de l ivros tratando dosproblemas do ensino superior, o que temchamado a atenção de algumas editorase entidades especializadas – JessicaKingsley Publishers, Pergamon Presse Open University Press (Inglaterra);Garland Publishers, Jossey-Bass e JohnHopkins Universty Press (Estados Uni-dos); TamaGawa University Press (Ja-pão); Campus Verlag (Alemanha) eLemma Publishers (Holanda).

A partir do apresentado até aqui, épossível apontar alguns dados sobre asituação do ensino superior em nívelmundial. Na África Sub-Saarana, o ensinosuperior é um fenômeno particularmenterecente, ainda vivendo o seu sistema soba influência de suas heranças coloniais,da situação política interna e da natureza

5Este jornal publica bimestralmente lista de artigos a respeito do ensino superior, constituindo-se em uma fonte bibliográfica fundamentalpara localizar informações afins em periódicos de língua inglesa, em todo o mundo.

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das relações entre o governo e as insti-tuições que dele fazem parte. Priorita-riamente desenvolvido em universidadesdesde o período colonial, o ensino supe-rior dessa região africana caracteriza-secom um fenômeno desenvolvido empoucas universidades de destaque –Ibadan, Legon, Dakar e Makerere. Fun-dadas nos anos 60, essas universidadesatravessaram uma grave crise nos anos80 e na década seguinte continuaramenfrentando uma situação difícil que temprejudicado tanto a pesquisa quanto opróprio desenvolvimento do ensino su-perior local. Nessa área africana, os go-vernos têm procurado incentivar o desen-volvimento de pesquisas sobre o ensinosuperior, sendo elas basicamente voltadaspara a obtenção de dados importantes quesubsidiem a formulação de políticas edu-cacionais para a promoção de mudançasno setor.

Porém, de acordo com Guedegbe (1997),a África do Sul representa um caso es-pecial no contexto descrito, à medida quea vida acadêmica no seu ensino superiorsofre, em geral, os efeitos do apartheid.O caráter segregacionista do meio uni-versitário ameaça a liberdade e algumasatividades acadêmicas, fazendo com queum dos grandes desafios deste país sejacriar formas de acesso dos seus jovense não apenas de uma elite ao ensino su-perior. Vale ressaltar, também, que grandeparte das pesquisas realizadas por estu-diosos africanos ou estrangeiros quetrabalham nessas instituições é patroci-

nada ou comissionada por organismosinternacionais – Banco Mundial, Fun-dação Rockefeller e Unesco.

No caso da Região Árabe, a maior partedas instituições de ensino superior foicriada na década de 50 do século passado,funcionando de várias formas, como,por exemplo, estabelecimentos públicose privados, afiliados a instituições árabese estrangeiras – Universidade Americana,em Beirute e Universidade Americana,no Cairo. Porém, em função de suas po-líticas educacionais, há diferenças signi-ficativas na distribuição do número deinstituições que ofertam o ensino superiorno mundo árabe. O Egito e a Jordâniadestacam-se como países importantes emrelação ao desenvolvimento do ensinosuperior na região. De acordo com pes-quisas realizadas por Abbas (1997), em1992, havia 14 universidades no Egito;12 na Jordânia; 8 na Arábia Saudita; 6na Argélia, no Iraque, na Líbia, no Mar-rocos e na Palestina; 5 no Líbano e Sudão;4 na Síria; 3 na Tunísia; 2 em Bahrain eno Yemen; 1 no Djibuti, nos EmiradosÁrabes Unidos, no Katar, no Kuwait, naMauritânia, em Oman e na Somália,totalizando 92 (noventa e duas) universi-dades nessa região.

Situando a discussão no Sul da Ásia,é preciso considerar as fortes influênciasdo legado colonialista sobre o sistemade ensino superior dessa região,notadamente em países como Índia,Paquistão, Bangladesh e Sri Lanka. No

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caso da Índia, os estudos revelam queo ensino superior não tem sido efetiva-mente assumido como prioridade go-vernamental, apesar de esse país contarcom uma entidade de pesquisainstitucional – Conselho Nacional dePesquisa Educacional e Treinamento –criada em setembro de 1961. NoPaquistão, há apenas um órgão voltadopara a implementação desse nível deensino – Comissão de Concessão6 Uni-versitária, estabelecida em 1973. EmBangladesh, existe a Associação Uni-versitária de Bangladesh e no SriLanka, o Conselho Nacional de EnsinoSuperior, criado em 1966 e substituídopelo Comitê de Concessão Universitária,em 1978. Ao apresentar resultados deinvestigações feitas sobre o ensino su-perior nessa região, Jayaram (1997) alertaque países como os três anteriormentemencionados enfrentam uma situaçãoparticularmente difícil em relação ao en-sino superior, além de praticamente nãorealizarem pesquisas a esse respeito.

Ao analisar a pesquisa sobre o ensinosuperior em um sistema diversificado ede massa, Hearn (1997) afirma que aspesquisas formais sobre esse nível deensino nos Estados Unidos da Américapodem, talvez, ser datadas nos últimosanos do século XIX. Para ele, nesseperíodo e início do século XX, taispesquisas assumiram quatro formas:histórica, ecológica, antropológica eadministrativa. Porém, o mesmo autor

adverte que, de maneira geral,

[...] a qualidade das históriasinstitucionais do início desteperíodo não era, e muitas podemser vistas como pouco mais quematerial promocional. Estas his-tórias mostram, também a con-cretização do fato de que as ins-tituições poderiam ser estudadas,e que, dependendo da forma deestudo, poderiam também sernovamente apreciadas, e talvezaté aprimoradas (HEARN, 1997,p.273).

De 1920 a 1945, um total de 27 institui-ções norte-americanas passou a ofere-cer mais cursos superiores e, entre 1945e 1963, outras 64 criaram cursos dessetipo. Todavia, antes de 1950, esse cresci-mento passou a ter como parâmetro aoferta de cursos, realidade que mudounos anos 50 e 60, em conjunto com umextraordinário crescimento e uma com-plexidade cada vez maior do ensino su-perior americano no período. Em síntese,pode-se afirmar que o sistema ampliou-seconsideravelmente nas três décadasseguintes, fazendo com que a área de pes-quisa do ensino superior norte-america-no se mostrasse grande e diversificadanos anos 90.

Na década passada, uma extraordináriavariedade de instituições e estruturasestava envolvida na produção e disse-minação da pesquisa americana sobre oensino superior. De acordo com Hearn(1997), os estudiosos desse nível de en-sino nos EUA podem ser divididos emquatro categorias gerais: professores do

6 O sentido atribuído a esta Comissão é de concessão (do inglês “grant”).

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ensino superior; professores atuantesem outros níveis/áreas; unidades admi-nistrativas existentes nos campi e emoutros órgãos; organizações e gruposdiversos. Os estudos desse mesmo autormostram que, nas duas últimas décadas,novos temas emergiram entre os pesqui-sadores do ensino superior norte-ameri-cano: concepção sobre a qualidade dametodologia; concepção acerca dos ru-mos da disciplina; aspirações no campodos estudos sobre o ensino superior;concepção a respeito das relações dosestudos com as políticas e práticasinstitucionais.

Na Europa Central e Oriental, o ensinosuperior tem suas especificidades deter-minadas, dentre outros fatores, pelasintensas transformações políticas, econô-micas e sociais pelas quais vêm passandoos ex-países socialistas que compõemessa região. Na Romênia, por exemplo, apesquisa no ensino superior tem sido tra-dicionalmente realizada dentro das princi-pais universidades, basicamente nas áreasde Pedagogia e Psicologia – Universida-des de Bucareste, Cluj-Napoca e Iasi. Naantiga Iugoslávia, a investigação a esserespeito teve seu espaço asseguradoquase exclusivamente em um cenário deinstituições universitárias. Destacam-se,como problemas comuns, que merecematenção por parte dos antigos paísescomunistas da Europa Central e Oriental:a) melhoria nos processos de seleçãode candidatos para esse nível de ensino;

b) carência de pesquisas sobre a situa-ção social e profissional dos habilitados;c) avaliação da organização e eficáciaeducacional nas propostas de estudo acurto prazo; d) planejamento e previsãodo desenvolvimento do ensino superior.(JABLONSKA-SKINDER; SADLAK,1997).

ENSINO SUPERIOR NA AMÉRICA-LATINA E CARIBE: ALGUNS INDI-CADORES

No contexto da América Latina eCaribe, o ensino superior tem sidoabordado por um número considerávelde pesquisadores que procuram destacara vastidão, a diversidade e as transfor-mações sofridas pelo setor. Nas últimasdécadas do século XX, muitos dosestudos produzidos sobre a realidadelatino-americana revelaram a preocupa-ção com a coleta de dados e a formulaçãode estratégias visando contribuir paraque as universidades superassem o sub-desenvolvimento nesses países. Particu-larmente nos anos 60 do mesmo século,conceitos e categorias como, por exem-plo, desenvolvimento versus subdesen-volvimento, progresso, transformaçãosocial, modernização, reforma e gestãode recursos humanos ganharam forçanas pesquisas realizadas.

Na década seguinte, o ceticismo e algumasabordagens políticas críticas asseguraramespaço, propiciando o desenvolvimento

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de tendências variadas no ensino supe-rior. Guadilla (1997) sustenta que, nessaépoca, as tendências que caracterizaramas discussões sobre o ensino superi-or latino-americano foram: a) conceitos-chave como “universidade necessá-ria” e “consciência crítica”; b) combi-nação da abordagem da dependência“centro-periferia” com outras teoriaspopulares da época, em que conceitoscomo “reprodução” e “aparelhos ideo-lógicos do Estado” se fundiram com ateoria da dependência; c) oposição àsvárias atividades sobre “desenvolvi-mento e educação” sustentada por or-ganizações e instituições como o Pro-grama das Nações Unidas para o De-senvolvimento (PNUD) e o EscritórioRegional da Unesco para a Educaçãona América Latina e Caribe; d) análiseteórica do ensino superior, incluindo ametodologia ativa e/ou participativa dapesquisa, inspirada no pensamento po-lítico-educacional de Paulo Freire e notrabalho analítico de Fals Borda.

Durante a década de 80, as pesquisasdiversificaram-se, cobrindo um grandenúmero de áreas, predominando, noentanto, temas como financiamentos pú-blicos e privados e qualidade nos siste-mas universitários. Para Guadilla (1997),ao longo da referida década, as pesqui-sas desenvolvidas pelo Banco Mundial,em relação à América Latina e ao Caribe,diziam respeito, principalmente, ao fi-nanciamento e à eficiência dos siste-mas de ensino superior. Em contrapartida,

no período entre 1980 e 1989, o temamenos predominante consistiu em

[...] estudos prospectivos sobre oensino superior; os recursos hu-manos no ensino superior e seudesenvolvimento; cooperaçãointernacional, regional e institu-cional no ensino superior e ser-viços de extensão e relações co-munitárias (GUADILLA, 1997,p.106)

Ainda na primeira metade dos anos90, o debate no ensino superior naAmérica Latina se diversificou, destacan-do-se questões como, por exemplo, mo-dernização, redes de pesquisa e infor-mação, formas não tradicionais de ensi-no superior, avaliação, cooperação (in-ternacional, regional e institucional),universidades e institutos de ensino su-perior, estudos de graduação e novastecnologias educacionais. Por outrolado, verificou-se pouco interesse dospesquisadores em investigarem, no perí-odo 1990-1995, a heterogeneidade dasinstituições e a relação ensino superiorpúblico versus privado (GUADILLA,1997).

Em geral, constata-se uma diversificaçãodesses estudos, ao longo das duas últi-mas décadas. Esse quadro fez emergirnovas reflexões, que têm levado muitasinstituições latino-americanas a contri-buírem para avanços significativos napesquisa a respeito da situação do ensi-no superior na região. Dentre as institui-ções regionais, merecem destaque o Insti-tuto Internacional para la Educación Su-

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perior en América Latina y el Caribe, origi-nado a partir do Centro Regional para oEnsino Superior na América Latina,por decisão tomada na 29ª Reunião daConferência Geral da Unesco (Caracas,outubro/novembro de 1997); CentroInteruniversitário para o Desenvolvi-mento (CINDA), em Santiago; FaculdadeLatino-Americana de Ciências Sociais, cujoprincipal escritório localiza-se em CostaRica e o Conselho Latino-Americano deCiências Sociais, sediado em Buenos Aires.

Especificamente no contexto da Améri-ca Latina, na década passada, Brasil,Chile, Colômbia, México e Venezuela sãopaíses que apresentam um elevado ní-vel quantitativo de pesquisas sobre oensino superior, representando cerca de72% dos estudos realizados e relatadosao Centro Regional para o Ensino Su-perior na América Latina/CRESALC,considerando o período entre 1980 e1995, conforme mostra a Tabela 1.

A Tabela 2 (p.27), por sua vez, especificaas instituições latino-americanas quemais se destacaram na região compesquisas sobre o ensino superior, noperíodo de 1990-1995.

No Chile, as pesquisas sobre ensinosuperior têm sido realizadas no meiouniversitário e complementadas por ins-tituições como o Centro Interuniversitáriopara o Desenvolvimento e a Faculdade

Tabela 1 - Estudos produzidos sobre o Ensino Superior na América Latina e Caribe,por país (1980-1995).

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Tendências e perspectivas de estudos sobre ensino superior no mundo contemporâneo: um breve panorama

Fonte: Guadila, 1997.

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Universidad del Cuyo – Escuela de Ciências Sociais e Política b 1 1 3

Centro de Estudios de Estado e Sociedad/CEDES 1975 20 7 b

FLACSO, Educação e Sociedade 1982 2c 2 4

Universidade Estadual de Campinas b 1c 2 11Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA 1945 c 3 b

Núcleo de Pesquisa sobre o ensino superior/NUPES - Universidade de São Paulo

1988 b b 51

Universidad Nacional de Colombia b b b 36

Maestros em Administração Universitaria, Universidad de Los Andes

b b b 31d

Universidade de Costa Rica b b 5 27

Instituto Tecnológico de Costa Rica b b b 3

Oficina de Planificasión de educación Superior/OPES-CONARE 1976 42 35 b

Centro para Estudos sobre Universidades/CESU - Universidade Nacional do México/UNAM

1976 42 35 b

Centro de Pesquisas Educacionais e Servço/CISE – UNAM 1977 56 42 57e

Universidad Autónoma Metropolitana/ Pesquisa sobre Universidades

1987 15 6 b

Mestres em Ensino Superior/ Universidad Central de Venezuela/ Centro de Estudio para el Desarrollo -CENDES

1972 b 8 b

Universidad Central de Venezuela 1960 4c 4 25

Centro Interuniversitario de desarrollo/CINDA 1974 grupos abertos 3 11

Comissâo Economica para América Latina/ CEPAL 1950 b b

Propostas Regionaisf

Centro Regional para o Ensino Superior na América Latina/ CRESALC

1978 1 - 24

IDRC/Canadá b b 10g b

Daniel Levy – SUNY at Albany (USA) b 1 b 29

Projetos Publicações

Fonte: CRESALC, 1995 (GUADILLA, 1997, p.113-114).

InstituiçãoPaís Data de criação Pesquisadores

México

Venezuela

Regional

Fora da

Região da

América Latina

e Caribe

Argentina

Brasil

Colômbia

Costa Rica

Tabela 2 - Pesquisas realizadas por Instituições latino-americanas sobre o EnsinoSuperior (1990-1995).7

7 Esclarecimentos/legenda: (a) A informação foi solicitada a 67 instituições e 22 responderam; (b) Não foram recebidas as informações sobreeste item; (c) Esta é uma instituição interdisciplinar e o quadro reflete apenas aquelas que realizam pesquisas sobre o ensino superior; (d)Dissertações de Mestrado; (e) A informação se refere aos relatórios de 1995; (f) Educação e conhecimento: o eixo para uma transformaçãojusta e produtiva, 1992; (g) Projetos financiados.

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Latino-Americana de Ciências Sociais.Na Colômbia, grande parte da pesquisasobre esse nível de ensino é desenvol-vida pela Universidad de Los Andes, denatureza privada, e pela UniversidadNacional de Colômbia, enquanto noMéxico há um considerável número deinstituições que realizam estudos sobrea organização do ensino universitário,como, por exemplo, a UniversidadeAzcapotzalco, fundada em 1987. AVenezuela, por sua vez, conta com aUniversidad Pedagógica Libertador, ins-

tituição voltada para a investigação daestrutura do ensino superior, além deoutras cinco universidades que oferecemcursos de pós-graduação stricto sensu,orientados para pesquisas sobre esseníve l de ens ino , destacando-se aUniversidad Central de Venezuela.

Considerando o seu alcance e nível deestabilidade, é possível classificar ossistemas de ensino superior na AméricaLatina em quatro blocos.

Países Porte dos sistemas de ensino superior

Brasil, Colômbia, México e Venezuela De proporções significativas em nível regional e estáveis institucionalmente.

Costa Rica, Cuba e Porto Rico, Peru e Uruguai Pequeno ou médio em âmbito regional, porém com estabilidade institucional considerável.

Argentina, Chile, Equador, Peru e Uruguai Significativos, mas com instituições acadêmicas que sofrem diferentes tipos de instabilidade.

Bolív ia, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá e República Dominicana Pequeno e com pouca estabilidade institucional.

Classificação feita com base nos estudos de Guadilla (1997, p.121-125).

Quadro 1 - Sistemas de Ensino Superior na América Latina e Caribe, por país.

Reunido em Santiago/Chile (1993), oComitê Intergovernamental do ProjetoPrincipal de Educação para a Améri-ca Latina e Caribe aprovou as diretri-zes que ficariam conhecidas comoPROMEDLAC V. Nessa ocasião, o Bra-sil apresentou o seu alinhamento àofensiva política e econômica entãodesencadeada na região. Considerando aeducação estratégica e crucial para onovo milênio, elegeu três objetivos prin-cipais: superação e prevenção do analfa-betismo, universalização da educação

básica e melhoria da qualidade da edu-cação, expressos em dois eixos de ação.O primeiro eixo – institucional – defen-dia a “profissionalização” dos atores doMinistério da Educação/MEC e dassecretarias estaduais e municipais deeducação. O segundo eixo – pedagógico– enfatizava a profissionalização da açãoeducativa, propondo-se melhorar osníveis de qualidade das aprendizagens,definindo os conteúdos e métodos deensino e a organização necessária aessa qualidade.

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Tendências e perspectivas de estudos sobre ensino superior no mundo contemporâneo: um breve panorama

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Três anos depois, no período entre 18e 22 de novembro de 1996, foi realizadaem Havana a Conferência Regional so-bre Políticas e Estratégias para a trans-formação da Educação Superior naAmérica Latina. Posteriormente, os docu-mentos que subsidiaram as discussõespromovidas nesse encontro foram com-pilados na obra La educaciona superiorem el siglo XXI. Visión de AméricaLatina y el Caribe (UNESCO,1997).

De acordo com Albornoz (1997), as idéi-as básicas discutidas no referido eventoe que, em certa medida, traduzem o esta-do da arte da discussão da educaçãosuperior na América Latina e Caribe são:a) o conhecimento científico adquire es-pecial importância nas atuais sociedadesdo mundo; b) entre os especialistas de-dicados ao tema, não há um acordo emrelação ao que significa a qualidade comoexigência social formulada nacional einternacionalmente para a universidadecomo instituição; c) o financiamento dosistema de educação superior é reconheci-do pelos especialistas como talvez a di-ficuldade fundamental enfrentada pelasuniversidades em nível regional; d) asnovas tecnologias da informação e comu-nicação constituem um conjunto de inova-ções cujo impacto na educação superiordeve ser apreciada pelos especialistas; e)a reforma de cooperação internacionalentre instituições de educação superiordeve pressupor a idéia de uma cooperaçãohorizontal.

Ao analisar as principais tendências daeducação superior na América Latina eCaribe, Yarzábal (1999) ressalta que nasúltimas décadas têm sido produzidasmudanças na região, as quais devem serconsideradas em profundidade pelosespecialistas que se dedicam ao tema.Dentre as principais transformaçõesverificadas, o autor destaca:

(I) uma considerável expansãoquantitativa; (II) um importan-te aumento da oferta privada;(III) uma marcada diversifica-ção institucional; (IV) uma se-vera restrição do gasto públicoem educação e (V) uma acentu-ação assimétrica da interna-cionalização (YARZÁBAL,1999, p.21).

Na visão do mesmo autor, para combateros problemas decorrentes dessas trans-formações, é necessário que os paíseslatino-americanos e caribenhos elaborempolíticas, definam estratégias e executemprogramas universitários que visem forta-lecer os processos de integração da região.

A HETEROGENEIDADE INSTITUCIO-NAL DO ENSINO SUPERIOR BRA-SILEIRO

Ancorado em contextos sociais diversose particularizados, o ensino superior bra-sileiro possui vários cenários que expres-sam uma pluralidade tanto do ponto devista da natureza quanto da dependênciaadministrativa das instituições que o com-põem. Essa realidade demanda estudos

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que tratem esse grau de ensino em suaheterogeneidade, visando combater odiscurso de sua suposta homogeneidade,pretensamente ideologizado. Esta questãotem sido discutida por vários pesquisado-res que, mesmo assumindo perspectivasde análise diferentes, convergem para acrítica a abordagem ideologizada queinsiste em tratar o sistema de ensino su-perior brasileiro como algo homogêneo,tomando a “universidade brasileira”como referência para tratar esse mesmosistema em seu conjunto, a despeito desua ampla diversidade institucional(MARTINS, 1989; VELLOSO, 1991;DURHAM, 1993; SCHWARTZMAM,1996; TRIGUEIRO, 2000; SAMPAIO,2000).

Nessa perspectiva, é preciso estar atentoaos equívocos da tradição acadêmicaque utiliza a expressão “universidadebrasileira” não somente para designarcentros de ensino e produção originalde conhecimentos, mas também para sereferir à totalidade de um complexosistema, com práticas bastante diferen-ciadas. É necessário, portanto, consideraras diferenças que existem tanto entre asinstituições públicas e privadas quantono interior desses dois segmentos, visto

[...] que, mais do que um possívelequívoco de construção delinguagem, estamos diante daperspectiva, no mínimo ques-tionável, de enfocar a estruturaçãode um campo educacional ondeos estabelecimentos universitáriosconstituem, no estado atual, aexceção (MARTINS, 1997,p.160).

Ao tomar a parte pelo todo, essa posturaanalítico-discursiva cria obstáculos aoconhecimento das constantes mudançasverificadas no âmbito das instituições deensino superior que passam porprocessos de expansão, procurandojustificar uma estrutura educacionalacentuadamente elitista e ocultar umarealidade extremamente diferenciada.Marcado por estabelecimentos queapresentam diversidade institucional,vocações dis t intas e dis t r ibuiçãoespacial diferenciada, o sistema deensino superior brasileiro impossibilitaa construção de categorias analíticascomplexas assentadas em categoriasmonolíticas para explicar sua hetero-geneidade.

Considerando, dentre outros, a hetero-geneidade da morfologia institucionaldo ensino superior alguns estudos têmsustentado a tese de que a proliferaçãoda rede privada traduz uma manifesta-ção perversa da expansão do setor edu-cacional brasileiro, bem como a antítesede sua efetiva democratização. Esses mes-mos estudos alertam para o fato de queno campo complexo do ensino superiorbrasileiro – formado pelo conjunto dos sis-temas público e privado – as instituiçõesque o compõem

[...] estabelecem não só relaçõesde luta e de concorrência visandoà maximação de uma rentabili-dade simbólica, mas também decomplementaridade em termosde divisão do trabalho intelectual(MARTINS, 1988, p.32).

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Cabe ressaltar, ainda, o fato de ser oBrasil o país latino-americano que detéma menor taxa bruta de escolarizaçãouniversitária e a mais elevada média degasto anual por aluno nas instituições denatureza pública. A taxa de escolarizaçãobruta dos cidadãos brasileiros que seencontram matriculados no ensinosuperior gira em torno 13% (MEC,2002)8, proporção explicitamente abaixode outros países latino-americanos –Argentina (39%), Uruguai (30%), Chile(27%), Venezuela (26%) e Bolívia (23%).Essa distância aumenta bastante quandoo percentual brasileiro é comparado comos de outros países desenvolvidos –EUA (80%); França, (50%); Inglaterra(48%) e Espanha (46%). Obviamente,frente a esses dados, o Brasil precisaampliar, de forma considerável, o índicede acesso dos seus cidadãos de 18 a 24anos ao ensino superior. Considerandoessa necessidade, é relevante indagar:quem o fará e como?

Objetivando uma melhor compreensãodesse quadro, no Brasil, tem sido cres-cente o número de pesquisas sobre oensino superior, destacando-se a consi-derável produção dos programas depós-graduação de várias áreas do co-nhecimento e núcleos de estudos liga-dos às universidades. Um desses centrosé o Núcleo de Pesquisa sobre o EnsinoSuperior (NUPES), da Universidade de

São Paulo – criado em 1989 – cujas pes-quisas interdisciplinares são desenvol-vidas por especialistas de diversasáreas. Numa fase mais contemporânea,o NUPES/USP constituiu-se no primeironúcleo a realizar pesquisas sobre o ensi-no superior brasileiro, tendo publicado39 trabalhos no primeiro ano de seufunc ionamen to (USP, 1990). Suastemáticas de estudo têm se mostradobastante variadas: organização e ope-ração sistema universitário, mercado detrabalho; políticas governamentais deavaliação, financiamento e formação deprofessores; custos do ensino superiore natureza das profissões e mudançasque as afetam; pesquisa científica eacadêmica; o acesso à educação e aosfinanciamentos públicos e privados. Aopesquisar a organização do ensino uni-versitário, o referido núcleo de pesquisatem feito também análises comparativassobre os sistemas de ensino superior naAmérica Latina.

Também merece destaque o Núcleo deEstudos sobre Ensino Superior da Uni-versidade de Brasília (NESUB), criadoem 1996 que, ligado ao Centro de EstudosAvançados e Multidisciplinares da UnB,visa à realização de estudos sobre temasrelevantes do ensino superior, atravésde projetos de pesquisa de alcance regi-onal e nacional e da promoção de inter-câmbios institucionais e interdisciplinares.

8 Esse percentual refere-se à relação entre o total de matrículas no ensino superior, independentemente da faixa etária dos alunose o total da população de 20 e 24 anos. Caso se considere apenas a população dessa faixa etária, o percentual baixa para 7,7%, taxaque se aproxima a uma das mais baixas do mundo, conforme dados divulgados pelo Ministério da Educação, no ano de 2000.

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Com efeito, o reconhecimento darelevância do ensino superior para adinâmica do projeto político nacionalé observado, dentre outros motivos, noconsiderável aumento da produçãocientífica sobre esse nível de ensino,verificado na primeira metade dadécada de 90. O estudo de Morosini eSguissardi (1998), por exemplo, procurouverificar a produção acadêmica sobreo ensino superior brasileiro ocorridaentre 1968-1995, analisando um totalde 4.546 documentos produzidos noperíodo – artigos, resumos, notícias,dispositivos legais/atos normativos,notas, resenhas, editoriais, depoimentos,relatórios, séries documentais eapresentações. Os temas maisfreqüentemente abordados por essaliteratura em relação ao ensino superiorbrasileiro, no referido período, foram,em ordem decrescente:

Políticas de Educação Superior(828 obras–18,5%), Ensino (783–17,4%), Universidade e Sociedade(506–11,2%), Avaliação (406–8,9%), História da EducaçãoSuperior (365–8,0%), Pesquisa(307–6,8%), Corpo Discente(262–5,7 %), Extensão (250–5,4%), Corpo Docente (239–5,2%), Organização Acadêmica eGestão (193–4,2%), Manutençãoe Financiamento (180–3,9%),Autonomia (106–2,3%), Ensino,Pesquisa e Extensão (57– 1,2%),Natureza Jurídica das Instituiçõesde Ensino Superior (53 –1,1%) eCorpo Técnico-Administrativo(11-0,2%) (MOROSINI; SGUIS-SARDI, 1998, p.8)9

Um outro estudo investigou, de formamais específica, o estado da arte e gestãoda educação no país, no período entre1991 e 1997 (WITMANN e GRACINDO,2001), analisando um considerávelnúmero de pesquisas da área. Esseconjunto de pesquisas foi distribuídoem 11(onze) categorias.

Quase 70% das pesquisas analisa-das concentram-se em cinco ca-tegorias: profissionais de educa-ção; políticas de educação; ges-tão da escola; escola, institui-ções educativas e sociedade; ges-tão da universidade (WITMANN;GRACINDO, 2001, p.17)

As conclusões desse estudo destacamo fato de que o ensino público é o uni-verso da maioria das pesquisas, sendoreduzido o número de trabalhos que têmpor objeto o estudo de uma instituiçãoprivada. Além disso, os estudos compara-tivos entre o público e privado tiveram es-paço reduzido até meados do períodoinvestigado. Constatou-se que das 922pesquisas realizadas apenas 33 delas tra-tavam da relação público e privado10. Me-rece destaque, nesse estudo, o registrode que o segmento privado faz-se presen-te em uma série de outros indicadores,porém de forma transversal e não comotema discutido em sua especificidade,quando o foco é o campo da educaçãosuperior brasileira.

Todavia, conforme os referidos pesqui-sadores, os trabalhos vinculados à esfe-

9 Um exame mais detalhado dos dados encontrados revela que, dentre os temas abordados pela literatura acadêmica, o ensino superiorprivado não é discutido em sua especificidade, mas de forma diluída em várias outras temáticas.10 Ao todo, foram analisados 1.170 documentos, dos quais 248 foram excluídos da pesquisa por impertinência (temática ou temporal)ou por insuficiência de dados.

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ra privada abriram espaço, na primeirametade da década passada, para o ba-lanço crítico dos aspectos positivos enegativos de uma instituição privada deensino superior. Essa perspectiva analíticacorresponde às pesquisas que objetivama compreensão de temáticas vinculadasao setor privado como identidadeinstitucional, concepções, papéis docentee discente, expansão e avaliação, dentreoutros.

Por último, cabe ressaltar que, no âmbi-to da esfera pública, estudos recentessobre o ensino superior no país têm re-velado preocupação com a questão social,imprimindo um caráter eminentementepolítico à discussão. Sobretudo, a análi-se da noção de esfera pública envolverelações entre a noção de efetividadessocial e o conceito de público, enfocandoconcepções e desdobramentos efetivosde processos e ações voltadas para aressignificação da esfera pública e suademocratização, particularmente no quese refere ao ensino superior.

CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho foi apresentarum panorama geral dos estudos sobre oensino superior no mundo, ressaltandoas tendências, perspectivas e indicadoresevidenciados nesses mesmos estudos.Para tanto, a opção metodológica foide, inicialmente, discutir o tema em nívelmundial, em seguida no âmbito daAmérica Latina e Caribe e, por último,no contexto brasileiro.

Levou-se em conta, nessa reflexão, queao eleger um objeto de estudo, énecessário que o pesquisador reflita arespeito da atividade que desempenha,dos fundamentos sociais e dasfinalidades culturais que orientam suapenetração no mundo objetivo queorigina a pesquisa empreendida. Nessaótica, a escolha que um pesquisadorfaz de um dado objeto e os aspectos queele pinça para explicar esse mesmoobjeto não configuram operações neutrase desprovidas de estreitos vínculos como contexto social mais amplo. Naverdade, a relação sujeito-objeto sofre oefeito das teorizações acerca de umadeterminada realidade, visto que ainterpretação dada pelo sujeito ao objetoé sempre um processo de (re)construçãodo real.

Partindo da premissa de que nenhumsaber é absoluto, verifica-se que, emnível mundial, nacional e local, o ensinosuperior tem se constituído em umcampo, cada vez mais, interdisciplinar.Em várias partes do mundo, organismosinternacionais, nacionais, regionais elocais têm aumentado seu interesse empesquisar o ensino superior, configu-rando-o como um campo construído apartir de embates e lutas em torno desua interpretação, suscitando olharesdiferentes de quem produz estudos arespeito. Esse olhar diferenciado ocorreem função da posição que vários atoresou grupos de atores assumem em relaçãoa esse campo específico, contribuindo

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para o crescimento de uma atenção amplae generalizada sobre o assunto.

Do ponto de vista das políticas públicas,o ensino superior é encarado pelosgovernos dos diferentes países comoelemento estratégico para os seusrespectivos projetos de desenvolvimentonacional, configurando-se – talvez maisque nunca – como objeto de disputa dediversos grupos de atores presentes emum campo marcado pela importância ealcance social das instituições que ocompõem. Nessa perspectiva, estudosrecentes vêm mostrando considerávelpreocupação com a análise do papel queo Estado tem assumido no processo deexpansão do ensino superior, nas esferaspública e privada.

No caso do Brasil, as investigações deum grupo heterogêneo de escolas – como,por exemplo, universidades, centrosuniversitários, faculdades integradas eestabelecimentos isolados – devem-se,dentre outros motivos, à compreensão deque pesquisas com distintas instituiçõeseducacionais possibilitam enfocar asdiversas maneiras como são construídassuas identidades no campo do qual fazemparte, bem como a explicitação de suasvocações.

Considerando a heterogeneidade dosistema de ensino superior no país, valelembrar dois pontos importantes. Oprimeiro diz respeito à trajetória de suaevolução, que o tem constituído em umcampo acadêmico extremamente com-

plexo. O segundo refere-se à relaçãopúblico/privado, a qual tem sido objetode um considerável número de estudos,destacando-se aqueles que discutem opapel do Estado na política de privatiza-ção do nível superior.

Em suma, as pesquisas desenvolvidassobre os sistemas ensino superior vêmevidenciando que os fenômenos presen-tes em sua configuração – em nível demundo, América Latina/Caribe e Brasil –não se esgotam na quantificação de suasrespectivas redes escolares, suscitandopermanente combate à dicotomia quanti-dade/qualidade. Particularmente, emrelação ao Brasil, é preciso considerarque a morfologia do seu sistema deensino superior vem passando pormuitas transformações e reconfiguraçõessignificativas, as quais podem intensificara diferenciação das instituições que ocompõem e aumentar a heterogeneidadeque já caracteriza as esferas pública eprivada. Certamente, em sua amplitude,esse fenômeno de reconfiguração temacrescentado novos elementos à tensãoexistente entre essas duas esferas.

Artigo recebido em: 28/02/2005.Aprovado para publicação em: 03/03/2005.

Trends, perspectives and indicators ofresearch about higher learning in thecontemporary of the world: a brief panorama

Abstract: This article discusses trends,perspectives and indicators of research abouthigher learning in Latin America and theCaribbean in a Brazilian context. In this article,we review the subjects that have gained more

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Tendências e perspectivas de estudos sobre ensino superior no mundo contemporâneo: um breve panorama

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attention from researchers. Besides, we emphasizethe institutional context that characterizes thehigher education systems in several parts ofthe world. We evaluate the aspects of Brazil'ssystem particularly, we emphasize the insti-tutional heterogeneity of this country's higherlearning system and the tensions between publicand private education that are historicallypresent in this system.

Keywords: Higher education; Latin America;Caribbean; University studies.

Tendencias y perspectivas de estudios enla educación superior en el contemporáneodel mundo: un breve panorama

Resumen: Este artículo discute las tendencias,perspectivas y los indicadores corrientes deinvestigaciones sobre educación superior en elmundo contemporáneo, en América latina yCaribe, y en contexto brasileño. En esteartículo, evidenciamos los temas que tienen másatención de investigadores de esta área de lainvestigación en cada una de las regionesmencionadas, la configuración institucional queviene caracterizando a los sistemas de educaciónsuperior en varias partes del mundo, además deformas adoptadas para la producción ydivulgación de los estudios al respecto de estenivel de educación. Particularmente, en relaciónal Brasil , se destacan la heterogeneidadinstitucional del sistema de educación superiorde este país y la tensión entre las esferas públicasy privadas históricamente presentes en estesistema.

Palabras claves: Educación superior; AméricaLatina; Caribe; Estudios universitarios.

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Sobre o autor:

1José Vieira de SousaDoutor em Sociologia, Universidade de Brasília(UnB). Mestre em Educação, UnB. Professor daUniversidade de Brasília (UnB).E-mail:[email protected]

Endereço Postal: Departamento de Planejamentoe Administração, Faculdade de Educação,Universidade de Brasília, Campus Darcy Ribeiro,Asa Norte, Brasília/DF, Brasil. CEP.:70010-020

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Tendências e perspectivas de estudos sobre ensino superior no mundo contemporâneo: um breve panorama

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Resumo: Tomando como ponto de partida aanálise crítica de quatro trabalhos de investigaçãorealizados recentemente em contextosportugueses e brasileiros sobre a problemática daautonomia, democracia e participação no campoeducativo, a autora reflecte sobre o estado actualda investigação sociológica no domínio daeducação escolar em Portugal, problematizando aideia de autonomização da autonomia, enquantotendência hegemónica presente nos actuaispensamentos político e investigativo. Adoptandoum registo predominantemente reflexivo eproblematizador em torno desta temática, conclui-se o trabalho com a enunciação de um conjuntode interrogações de cariz teórico e metodológicosusceptíveis de consti tuir possíveis pontosde partida para futuras investigações no campoda política, da administração e gestão educacional.

Palavras-chave: Autonomia; Democracia;Cultura organizacional.

INTRODUÇÃO

Partindo de uma análise realizada a quatrotrabalhos de investigação apresentadospor autores portugueses e brasileiros noâmbito do II Congresso Luso-Brasileiro -Política e Administração da Educação.Investigação,Formação e Práticas,realizado em Braga, Portugal em Janeiro

de 20012, desenvolverei neste espaço umaleitura crítica sobre uma das problemáticasmais actuais do campo educativo — aautonomia, a democracia e a participaçãoem contexto escolar. Efectivamente, ocampo temático em que se inscrevem asprincipais linhas investigativas subja-centes aos quatro trabalhos que serãoalvo de reflexão, tem constituído, emPortugal e no Brasil, um dos domínios maispertinentes e polémicos dos actuaisestudos produzidos em torno da política eadministração da educação.

Numa primeira secção apresentarei, emlinhas genéricas, os temas, os objectivosde investigação, as estratégias meto-dológicas e as conclusões maissignificativas dos quatro estudos,procurando ir de encontro ao registoteórico e metodológico dos autores.Numa segunda secção procurareiesclarecer os pressupostos de partidaque orientaram a reflexão em torno datemática da autonomia, democracia e

Leonor Maria Lima Torres1

2 Os quatro trabalhos que foram objecto de análise neste artigo foram apresentados no painel Investigação do supracitado Congresso

e comentados por dois especialistas convidados, um português e um brasileiro. Neste painel específico tive o prazer de partilhar a funçãode comentadora com o meu colega brasileiro Afrânio Mendes Catani, da USP, São Paulo. Os quatro trabalhos encontram-se publicadosnas Actas do II Congresso Luso-Brasileiro - Política e Administração da Educação. Investigação, Formação e Práticas. Braga:Centro de Estudos em Educação/IEP/Universidade do Minho, 2002 (Edição em CD-ROM).

Autonomia, democracia em contexto escolar: uma leitura críticaa partir de quatro trabalhos de investigação

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participação, tecendo breves conside-rações sobre as especificidades dopanorama investigativo português nocampo educativo. Prossigo a minhareflexão numa terceira secção, com aproblematização do fenómeno quedesigno de autonomização da autonomia,para desmontar sociologicamente oseventuais efeitos deste raciocínio políticoe investigativo. Termino este artigo comum conjunto de interrogações sobre estaproblemática com o intuito de apontarpossíveis pontos de partida para futurasinvestigações sobre a realidade educativanos contextos português e brasileiro.

APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOSDE INVESTIGAÇÃO

Os quatro trabalhos que serão alvo deanálise (dois textos de autoresportugueses e dois textos de autoresbrasileiros) enquadram-se justamentenuma linha de investigação que adoptaa escola como objecto de estudo empírico(embora articulado com outras dimensõesmais meso e macro analíticas como oEstado e o Mercado), em sentido genérico,e a temática da democracia, participação,autonomia, descentralização, em sentidomais específico. Três dos textos resultamde investigações empíricas desen-volvidas nas escolas, remetendo o leitorpara o confronto e para a interpretaçãodos resultados à luz dos modelos teóricosadoptados.

Trabalho 1: Parcerias e poderes naorganização escolar

O primeiro texto português da autoraMaria Norberta Falcão (Bolseira ME),intitulado Parcerias e Poderes naOrganização Escolar: Lógicas e Dinâ-micas (2002) oferece-nos um conjuntode reflexões interessantes sobre aslógicas e as dinâmicas de um “Conselhode Escola”, durante a aplicação experi-mental do novo ordenamento jurídicode direcção, administração e gestão dasescolas do ensino não superior,consagrado no D.L. nº172/91 de 10 deMaio. O estudo decorreu durante o anode 1994/1995 numa escola secundáriaem aplicação experimental. Este estudo,inspirado no modelo teórico construídopor Lima (1992, p.148)- Planos, estrutu-ras e regras organizacionais: problemasde focalização no estudo da escola eadoptando como quadro teórico dereferência o modelo político, procuraresponder às seguintes questões:

a) Quais as dinâmicas de participação e asrelações de poder que se estabelecem noórgão de direcção da escola?

b) Qual o impacto que se faz sentir dopoder profissional dos professores emrelação aos novos actores educativos deacordo com o D.L. nº 172/91 de 10 de Maio?

c) Até que ponto estes novos actoreseducativos participam na tomada dedecisão das políticas da escola?

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Optando por uma metodologia de índolequalitativa com recurso a três técnicasde investigação: a análise documental, aentrevista e a observação não partici-pante, a autora avança com algumasconclusões, aqui muito sintetizadas:

1. O acentuar de uma reacção de carizcorporativo dos professores, que oslevou a utilizar estratégias que não pu-sessem em causa o seu grupo de inte-resses (manipulação da agenda de tra-balhos e dos horários das reuniões,utilização de uma linguagem fechada,por exemplo), (trans)formando-os naprincipal clientela do conselho de escola;

2.Uma “pseudoparticipação”(PATEMAN,1970) dos actores não professores;

3. A existência apenas de “parceiro definanciamento”(CHARLOT,1994) noconselho de escola, e não, de acordo coma tipologia do mesmo autor, a construçãode parcerias de “concepção”, isto é, quedefinissem, concebessem e realizassemas políticas educativas da escola;

4. A desvalorização do conselho de es-cola foi uma variável permanente du-rante este estudo;

5. O órgão com mais visibilidade na es-cola é o director executivo;

6. O conselho de escola, o conselho pe-dagógico e o director executivo manti-veram uma relação conflitual;

7. O estudo demonstrou que os princí-pios consagrados no preâmbulo do pró-prio decreto (D.L. nº 172/91 de 10 deMaio), democracia, participação, auto-nomia, apresentados como “conquistas”,

não passam essencialmente do níveldo “modelo decretado”, estando assimpresente uma “reforma-decreto” e nãouma “reforma-mudança” (Lima, 1994).Consideramos que estes princípiosserão dificilmente aprofundados semantiverem as mesmas práticas cen-tralistas da administração.

Trabalho 2: Um Discurso Autonómicopara o Local com uma Prática Cen-tralizadora Global?

O segundo texto, igualmente de umautor português, José Luís Bruno (EB2 e 3/Sec. de Niza), intitulado UmDiscurso Autonómico para o Local comuma Prática Centralizadora Global?,remete-nos para uma nova fase dapolítica educativa portuguesa, carac-terizada por Lima (2000, p.69) de pós-reformista. O autor procura analisar aforma como os diferentes actores daorganização escolar percepcionam osvários aspectos da mudança decorrentesda aprovação do Decreto-Lei nº115-A/98, de 4 de Maio, intitulado “Regimede autonomia, administração e gestãodos estabelecimentos públicos daeducação pré-escolar e dos ensinosbásico e secundário, bem como dosrespectivos agrupamentos”. Partindo doestudo de um agrupamento vertical deâmbito concelho, sucessor de umaEscola Básica Integrada policentrada,procurou-se responder às seguintesquestões:

a) Que incidência teve este regime deautonomia na estrutura educativa de todoo concelho;

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b) que leitura e que representações têm osprotagonistas locais das relações esta-belecidas com a administração central,regional e local.

Suportado teoricamente pelo modeloanalítico desenvolvido por Licínio Limae pelo modelo político (na perspectivamicropolítica) e recorrendo às técnicasda entrevista e da análise documental,este trabalho sinaliza alguns aspectosreferentes às seguintes categorias: espe-cificidade do agrupamento, a situação dospais e das associações de pais, as relaçõescom a direcção regional de educação ecom o centro de área educativa, o funcio-namento da assembleia de escola e doconselho pedagógico, entre outrosaspectos.

De forma breve, registamos aqui a con-clusão final do autor:

A decisão política de publicar o115-A/98 resultou de negociaçõesglobais com os representantesdos sindicatos, das autarquias edas associações de pais mas, naprática, reordenou-se a rede eregulamentou-se a gestão local.O discurso político decretou“preambulicamente” a autonomiamas, um ano depois, as escolascontinuam como serviços peri-féricos do estado (BRUNO, 2002,p.12).

Trabalho 3: Eleição de Directores:Contribuições para a Construção daGestão Democrática da Escola Pública

O terceiro texto, de uma autora brasileira,Lucia Helena Teixeira (Universidade

Federal de Juiz de Fora), intitulado Eleiçãode Directores: Contribuições para aConstrução da Gestão democrática daEscola Pública (2004), fruto de umapesquisa mais ampla (Eleição de direc-tores como mecanismo de democratiza-ção da gestão da escola), desenvolveu-se em quatro escolas da rede municipal deensino, durante os anos de 1998 e 1999.

Partindo da ideia de construção dademocracia, perspectivada por referênciaao método, à forma e ao conteúdo, aautora envereda pela análise desteprocesso de construção democráticaespecificamente na unidade escolar,elegendo o fenómeno das eleições comocategoria de análise. No entanto, umadas particularidades deste estudo resideno facto de não restringir o seu enfoqueexclusivamente ao acto eleitoral, antesprivilegiando o estudo dos momentos edos contextos que antecedem e sucedemo processo eleitoral, através do recursoàs técnicas da entrevista, da análisedocumental e da observação.

Ancorado em duas dimensões de análise,a escola vista na perspectiva deconstituição de espaço institucionaldemocrático e a desigualdade e apluralidade democrática na escola, àsquais a autora faz corresponder cincocategorias operacionais (relações interpes-soais, tomada de decisões eestabelecimento de prioridades referentesà primeira e fluxo de informações, gruposde interesses no ambiente da escola einfluências dos grupos ideológicos, para

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a segunda) o texto prossegue na tentativade abordar a questão da democratizaçãono espaço da instituição escolar.

Entre as diversas conclusões avançadasneste trabalho, destacamos as seguintes:

1. a acção dos directores eleitos não temsido orientada para a consolidação demecanismos de participação na tomadade decisões e o estabelecimento deprioridades sobre questões vitais aofuncionamento das escolas;

2. Continuidade das práticas rotineirase de obediência à hierarquia estabe-lecida pela estrutura tradicional eburocrática da unidade escolar;

3. A postura dos directores é autori-tária e centralizadora. No modelo deorganização prevalecente, não há es-paço para o surgimento e a consolidaçãoda participação comprometida noprocesso de tomada de decisões sobreo funcionamento da unidade escolar ea definição da sua identidade a partirde uma proposta pedagógica que re-presente o compromisso da maioria.

A autora lança o seguinte desafio:

O espaço da escola pode vir aser democrático a partir domomento que viabiliza a luta detodos, em seu interior, contras asdesigualdades. E esta luta seexpressa no fazer pedagógico. Éaí o campo capaz de articular otécnico e o político, o público e oprivado, o particular e o colectivo(TEIXEIRA, 2004, p.13).

Trabalho 4: Publicização da GestãoEscolar na Bahia

O quarto e último texto é da autoria dedois investigadores brasileiros, JoséAlbertino C. Lordelo e Katia SiqueiraFreitas (Universidade Federal da Bahia) eintitula-se Publicização da GestãoEscolar na Bahia (2002). Inscritotematicamente nas questões ligadasà redefinição do papel do Estado e domercado, do público e do privado, elegecomo principal objectivo o debate emtorno das implicações do terceiro sectornas políticas educativas, especificamenteno que concerne ao desenvolvimento daautonomia escolar, da participaçãocomunitária e do controle social daspolíticas públicas.

Diferenciando-se dos anteriores pelofacto de o teor das reflexões desen-volvidas não assentar directamente numapesquisa empírica, o que ressalta demais significativo neste trabalho, é ainvocação da problematização de umaárea temática pouco estudada emPortugal, mas que começa a despoletarinteresses investigativos vários, atépelas suas relações ainda não muitotransparentes (pelo menos no nossocontexto educativo) com as questões daautonomia e da democratização dasescolas.

Os autores procuram sinalizar algunsaspectos identificativos das organizaçõesisonômicas, confrontam as diferentesabordagens que subjazem aos três

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sectores - ao Estado (primeiro sector), aomercado (segundo sector) e ao terceirosector (constituído por organizações semfins lucrativos ou não governamentais)e, de igual modo, procuram explicitarconceptualmente os significados atri-buídos à palavra publicização, contra-pondo-a a outras realidades como aprivatização.

Uma das partes deste trabalho em quea componente analítica é mais forte, éaquela que questiona os limites e aspossibilidades da gestão escolar publi-cizada. Destacamos aqui uma daspassagens que nos parece mais signifi-cativa:

O que singulariza o terceiro sectorsão os valores que encarna como,o altruísmo, a campaixão, asensibilidade para com osnecessitados e o compromissocom o direito de livre expressão.Haveria assim, duas ideiassubjacentes fundamentais. Aprimeira é a iniciativa individualem prol do bem público e, asegunda, o valor da solidariedade.Em tese, uma gestão publicizadareúne muito mais condições parao exercício da participação e daautonomia político-pedagógica,administrativa e financeira do queuma entidade estatal (LORDELO;FREITAS, 2002, p.11).

MATRIZ ORIENTADORA DA ANÁLISE

Na medida em que o desenvolvimento deum olhar mais ou menos crít ico eproblematizador sobre os estudos pro-duzidos pressupõe necessariamente aconvocação de um conjunto de pressu-

postos teórico-conceptuais e político-ideológicos de referência, que orientame dão significado às leituras produzidas(a que não será alheia a influência dassuas próprias agendas investigativas emcurso), parece-me fundamental começar,justamente, pela explicitação daquelespressupostos. Necessariamente breve,este enquadramento será mais panorâmicodo que especifíco, mais equacionadordo que explicativo, enfim, mais próximode um registo de sinalização do que deinterpretação.

Em primeiro lugar estamos em presençade uma temática complexa e multirre-ferencial, no sentido em que exige ocruzamento de diferentes olhares (opolítico, o educativo, o histórico, o socio-lógico, o organizacional, o pedagógico,o filosófico), e que por isso, tem suscitadodiferentes abordagens e pontos de vistafrequentemente antagónicos, mas que noessencial, apresentam a particularidadede, pelos menos aparentemente e doponto de vista retórico, reconhecerem aimportância (e a urgência) na concretizaçãoda tão proclamada democratização daescola pública.

Contudo, sem querer enveredar porqualquer espécie de revisão dos jánumerosos trabalhos produzidos nestedomínio (pois extravasaria os limites eos objectivos deste artigo), não podereideixar de registar neste espaço, algunsmarcos que têm contribuído para o pro-gressivo enriquecimento dos debatesdesenvolvidos fundamentalmente em

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torno da democratização do sistemaeducativo português:

a) A consolidação crescente de uma áreade estudo/intervenção cada vez mais inter-disciplinar (cf. Levantamento de bi-bliografia portuguesa sobre administração,gestão e autonomia das escolas desde1995-2000, coordenada por João Barroso);

b) A visibilidade política, social eacadémica de um conjunto de autores/investigadores (mais especificamente dasciências da educação) portuguesesespecializados na abordagem destasquestões;

c) O interesse igualmente expressivomanifestado por grupos de professores(e simultaneamente estudiosos) por estamatéria;

d) A organização de diversos con-gressos, palestras, seminários, acções deformação sobre este objecto de estudo;

e) A criação de cursos de especializaçãoe de mestrados em Educação, em diversasespecialidades onde esta matéria constituiobjecto privilegiado de análise e pesquisaempírica.

Em segundo lugar, a pluralidade detrabalhos produzidos sobre a autonomia,a democracia e a participação no sistemade administração do ensino e das escolasorganizacionalmente referenciadas temcontribuído, de forma bastante incisiva,para a problematização destes conceitos,

para a desocultação das suas apropriaçõespolíticas, ideológicas e pedagógicas bemcomo para a perspectivação crítica doalcance democratizador das várias refor-mas educativas portuguesas. Se do pontode vista da reflexão teórica estamos empresença de um vasto e rico campoanalítico, no que se refere a estudos funda-mentalmente empíricos, que elejam a escolacomo um objecto de estudo autónomo,como uma realidade teórica e empíricacomplexa, constata-se uma certafragilidade (quantitativa e qualitativa),apesar de nos últimos anos se poderencontrar indícios reveladores de umapossível alteração deste cenário.

Ao defender a ideia de que existe umrelativo subdesenvolvimento no domíniode investigação eminentemente empíricanão tanto sobre as escolas, mas sobretudona escola, com a escola e a a partir daescola (LIMA, 1996, p.27), nomeadamenteno âmbito das questões ligadas àautonomia, democracia e participação(numa perspectiva meso-analítica), estou areferir-me em primeiro lugar ao carácterdemasiado conjuntural de grande parte dostrabalhos produzidos, em grande medidacondicionados pelas pressões temporaisrelacionadas com os prazos estabelecidospara a sua defesa ou conclusão. Asescolas têm frequentemente constituídoobjectos de estudo empírico apenasdurante fracções de tempo extremamentereduzidas para que se possa desenvolverum estudo aprofundado das práticas, dasrepresentações, das políticas efectivamenteactualizadas no quotidiano escolar. Estas

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condicionantes/limitações inerentes àprática investigativa têm conduzido àadopção de perspectivas essencialmentemacro ou micro analíticas o que apenasnos permitem aceder a imagens,fragmentos, recortados num certo tempo,de como os actores organizacionalmentelocalizados, vão reagindo às reformasem curso.

Tenho vindo a insistir neste ponto,deliberadamente, porque me parecefundamental face à especificidade dotema em debate. Senão vejamos: aoanalisar a literatura especializada sobreesta área temática, identifiquei algunsconsensos teóricos e conceptuais derelevo que gostaria de registar. Oprimeiro, o mais expressivo, diz respeitoa uma espécie de rejeição generalizadaquanto às potencialidades da autonomiadecretada e, consequentemente, naaposta e defesa veemente de umaautonomia construída3 por referência àsespecificidades da organização escolar.O segundo, na minha óptica maissusceptível de se tornar retórico masque constitui a essência ontológica doconceito, é aquele pressuposto quedefende a autonomia como um valorintrínseco à sua organização, isto é, aosactores educativos, traduzindo-se, destemodo, mais como um meio do que comoum fim. Ora, estes dois consensos, como

lhes chamei acima, só se manifestam aonível da reflexão teórica, pois logo quedeslocamos o olhar para as políticaseducativas, designadamente para aanálise de algumas reformas em particular,cedo nos deparamos com contradições,incoerências e, mesmo, negações dospressupostos acima sinalizados4 .

Afinal a autonomia que deveria serconstruída, continua a ser (re)decretada,aquilo que deveria ser um valor,rapidamente se transformou numa téc-nica, altamente manipulativa, paraalcançar a eficácia, a eficiência, aqualidade total, a excelência escolar,sempre sob o controlo (re)centralizadordo Estado.

A AUTONOMIZAÇÃO DA AUTONO-MIA COMO TENDÊNCIA POLÍTICA EINVESTIGATIVA

Se da facto a construção de uma culturada autonomia na vida das escolas, comodefende João Barroso (1996, p.25) pres-supõe o accionamento de uma espécie de

campo de forças , onde seconfrontam e equil ibramdiferentes detentores deinfluência (externa e interna)dos quais se destacam: ogoverno, a administração,professores, alunos, pais eoutros membros da sociedadelocal (BARROSO, 1996, p.20)

3 Convocamos estas duas designações, frequentemente, utilizadas como campos conceptuais dicotómicos e mutuamente exclusivos com ointuito de ilustrar um dos consensos mais expressivos e assinalados ao nível da nossa comunidade científica, mas não podemos deixar deassinalar, nesta sede, o reducionismo analítico que lhe está subjacente, fundamentalmente ao espartilhar a realidade social, política e educativa,como se apenas esta última obedecesse a processos socialmente construídos e desconectados com os outros domínios.4Sobre a problematização sociológica dos múltiplos sentidos de autonomia subjacentes ao campo político e organizacional, sugerimos a análisedos trabalhos de Estêvão (2001, 2003), onde o autor se debruça sobre o processo de construção política da autonomia e os modos de apropriaçãosocial concretizada pelos actores em contexto escolar.

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então não podemos desvincular estedebate de três aspectos fundamentais:

1. Do questionamento do grau desensibilidade democrática, participativae autonómica dos cidadãos portuguesesnos vários contextos sociais e orga-nizacionais de pertença, face à vigênciade um regime político democrático de 30anos; ou dito de outro modo, até queponto 30 anos de vivência democráticacontribuiu para estender os valorescentralmente associados à democracia àspráticas sociais internas e externas àsfronteiras das organizações e dos várioscontextos formais da interacção social?

2. Na medida em que estou a circunscrevero debate às escolas e ao sistemaeducativo, como caracterizar a culturademocrática, participativa dos actoresem contextos escolares? Se parece existiralgum consenso relativo quanto ao factode a autonomia constituir um valor cujainteriorização depende das oportunidadesreais de a praticar, isto é, da capacidade dese aprender pela prática ou de se instituiraquilo a que alguns autores têm vindo adesignar por uma pedagogia da auto-nomia, então, que traços idiossincráticospodemos identificar nas nossas escolasquanto às esferas aqui mencionadas?

3. Tem-se dito frequentemente, em várioscontextos de debate, que a chave destaquestão passa pela introdução demudanças nas pessoas e na cultura dasorganizações em que trabalham. Mas nãoestará a questão colocada ao contrário,

ou mesmo mal colocada? A autonomiavista como um valor associado a práticasdemocráticas e participativas, é elaprópria uma dimensão constitutiva daprópria cultura organizacional escolar,não redutível exclusivamente à dimensãoexplicitamente política (sob a formaclássica de autogoverno), mas antesestendida e imanente às várias formas deacção organizacional: pedagógico-educacional, social, administrativa, entreoutras.

4. Adoptando a perspectiva analíticadesenvolvida por Estêvão em diversostrabalhos (cf. por exemplo, ESTÊVÃO,2001; 2003), onde o autor reflecte sobreos múltiplos sentidos atribuídos àautonomia pelos actores escolares emfunção dos vários mundos invocados noquotidiano escolar (industrial, cívico,mercantil, doméstico e mundial), poderáa autonomia vir a constituir-se como umprocesso centrado na “reactivação desubculturas escolares, de recriação dequadros informais de sociabilidade e depoder[…]” (ESTÊVÃO, 2003, p. 89) ou, emcontrapartida, não passará de umaconstrução reprodutora das tendênciasculturais centralistas e formalistas?

Ora, parece-me que o debate sobre estasquestões tem frequentemente estrangu-lado as abordagens sobre as escolas, aoautonomizar a autonomia como objectode estudo desgarrado do seu contextocultural e social. E é aqui que os estudossobre a escola pouco têm adiantado,sobretudo porque se tem insistido dema-

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siado na análise dos aspectos maisformais e institucionais, decalcandoainda o paradigma centralista e repro-dutor do sistema de ensino. As pesquisasna escola e sobre a escola ainda nãonos permitem, de um ponto de vistasociológico, tirar conclusões general-izadas quanto à identificação dasespecificidades na construção e recons-trução das práticas participativas edemocráticas (não estritamente políticas,no sentido da posse e exercício do podergestionário ou directivo) e nos processosde edificação de comportamentos eestruturas autonómicas.

Isto é tanto verdade para a formalizaçãopolít ica do “regime de autonomia,administração e gestão dos estabeleci-mentos públicos da educação pré-escolare dos ensinos básico e secundário, bemcomo dos respectivos agrupamentos” -que assenta em medidas não muitoatentas ao conhecimento das espe-cificidades das escolas, emboraretoricamente se reconheça a suarelevância - como para a interpretação queestá a ser desenvolvida em torno darecente experimentação deste regime daautonomia. De facto, apesar de muitosestudos já se terem realizado em tornodeste objecto, fica a sensação des-confortável de pouco se saber (no sentidosociológico do termo) do ponto de vistadas racionalidades dos diversos actoresescolares e dos sentidos atribuídos às suaspráticas. Resta-nos então todo umconjunto de recentes pesquisas empíricasdesenvolvidas em diferentes contextos

escolares que têm tido o importante condãode identificar algumas especificidadesao nível de manifestações democráticas eparticipativas, confirmando assim ocarácter produtor e recriativo das escolasface a um sistema aparente de carizreprodutor. Assim, algumas escolasrevelam a ausência quase absoluta demecanismos de participação democrática;outras ensaiam timidamente algumaspráticas, assumindo uma forma quaseclandestina, outras ainda, adoptam umposicionamento deliberadamente maisassumido, confrontando e desafiandoregularmente as várias estruturasregionais do sistema educativo, decarácter desconcentrado, com umacapacidade de decisão em áreas deintervenção não previstas formalmente,onde são arriscadas medidas demo-craticamente construídas nestas escolas.

Com efeito, nos últimos dez anos temosassistido ao desenvolvimento de estudos(de índole teórica e empírica) que refutama tese de que a organização escolarconstitui uma instância exclusivamentereprodutora do poder macrocentral, pelocontrário, a escola cada vez mais se temvindo a assumir como uma organizaçãoprofundamente diferenciada do ponto devista das suas especificidades sócio-culturais e simbólicas cf. TORRES(1997; 2004). Contudo, apesar destadiversidade de situações diagnosticadas,é também relativamente consensual entreos autores da especialidade que asescolas, em sentido muito genérico, nãotêm autonomia política e as suas práticas

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participativas são muito reduzidas, equalitativamente inexpressivas porquerelegadas para as esferas da execuçãoadministrativa e pedagógica.

NOTAS FINAIS: SUPERAVIT DEREFLEXÃO E DÉFICIT DE ACÇÃODEMOCRÁTICA

Para concluir, julgo não estar a serexagerada quando defendo que nosencontramos numa situação carac-terizada por uma espécie de superavitde reflexão e um déficit de acçãodemocrática e participativa nas váriasesferas sociais. Ou como diria AlmerindoAfonso, a autonomia não tem passadode “tópico discursivo na história recentedos modelos de administração dasescolas” (AFONSO, 1999, p. 122). E aquestão que eu coloco é tão simples-mente a seguinte: passados 30 anos degestão democrática nas escolas portu-guesas, que alterações, que mudançasreais ocorreram nas nossas práticasparticipativas enquanto professores, ges-tores, orientadores, colegas de trabalho?

As abordagens desenvolvidas nos quatrotrabalhos referenciados permitiram-me,enquanto leitora/comentadora, identificaralgumas questões pertinentes, que seafiguraram, de alguma forma, comotransversais aos vários trabalhos e, quepor isso, serão colocadas em jeito deinterrogações/reflexões finais. Estouem crer que a generalidade destasinterrogações representam na actualidadealguns dos mais pertinentes dilemas

(teórico-científicos) com que se debatemas investigações em educação, designa-damente as abordagens sociológicasem torno da instituição escolar:

1. Na medida em que três dos textos aquicomentados desenvolvem as suasanálises em confronto com os resultadosde pesquisas empíricas efectuados nasorganizações escolares, a questão quecoloco é essencialmente de naturezametodológica: estaremos de facto, empresença da adopção de uma metodologiamuito próxima de um estudo de caso,como referem os dois autoresportugueses, ou antes, face a uma outrasituação que eu preferia designar de casoem estudo? Que implicações teóricas econceptuais estas diferentes modalidadesde investigação poderão suscitar para acompreensão da temática da autonomia,da participação e da democracia nasescolas?;

2. A análise de parcelas específicas econcretas da realidade organizacionalparece constituir uma via frequentementeutilizada pelos investigadores em geral,cuja preocupação primeira é a deproceder à clássica delimitação doobjecto de estudo, para que este possaser estudado com a devida e exigidaprofundidade. Mas, no caso específicodas ciências sociais e humanas e ,sobretudo quando se abordam questõessobre a autonomia, part ic ipação,democracia, vistas como valores que seinteriorizam e praticam no quotidianosocial e escolar, como compreender os

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significados das práticas e das repre-sentações dos actores localizados emdeterminados contextos (por exemplo noConselho de Escola, na Assembleia deEscola, no Conselho Pedagógico, e outros)sem que se recorra ao seu enquadramentona especificidade e identidade culturalda escola? Dito de outro modo, aoisolarmos para efeitos de investigaçãouma unidade analítica (seja o funciona-mento de um órgão escolar, seja umdeterminado acontecimento particular(ex.Eleições), não estaremos a reproduziruma espécie de laboratório artificialmenterecortado do social-cultural-organiza-cional, sujeito ao teste ou ao ensaio dosmodelos teóricos, descurando-se, porconseguinte, os seus processos deinserção, no fundo, os bastidores, queno caso da organização em análise, aescola, acabam por ser o palco educativo:os grupos de professores e suas inte-racções privilegiadas, os alunos e assuas práticas participativas não formais;os funcionários e o seu papel de edu-cação para a cidadania, para a justiça, ospais e os encarregados de educação eos seus modelos de escola e ensino etc.

3. Outro ponto merecedor de interro-gação diz respeito à problematizaçãode um pressuposto simples que perpassapor todos os trabalhos aqui comentados:o déficit de autonomia, de participaçãoe de democracia nas escolas poderá serdebatido sem que se tome também emconsideração o grau de consolidação daprópria cultura participativa e demo-crática das sociedades portuguesa e

brasileira, ainda que continuemos adefender a função emancipatória da escolarelativamente à educação nestes valores?Ou seja, a prática da democracia, daparticipação e da autonomia dos profes-sores no contexto escolar, por exemplo,enquanto grupo profissional específico,não estará muito conectada com as suaspráticas democráticas fora da organizaçãoescolar? Como perspectivar uma peda-gogia da autonomia ou segundo Lima,(1999), uma autonomia da pedagogia daautonomia) ou da participação quandoexercida por um grupo que só muitoesporadicamente a exerce?

4. Face ao anteriormente equacionado,como perspectivar o impacto da actualemergência do terceiro sector naspolíticas educativas? Se em relação àrealidade brasileira este processo pareceavançar com algum vigor, em relação aocontexto português e reproduzindo aquias reflexões de Almerindo Afonso

[...] poder-se-á imaginar a possi-bilidade de transformação dasactuais escolas públicas emorganizações do terceiro sector?Poder-se-íam antecipar asvantagens e desvantagens dadefinição de um bem públicolocal como resultado exclusivode um compromisso entre oEstado e as organizações doterceiro sector? Poderiam, porexemplo, as associações de paisvirem um dia a transformar-seem organizações típicas doterceiro sector? (AFONSO, 1999,p.133)

5. Uma outra questão, mais direccionadapara os nossos colegas brasileirosrelativamente à publicização da gestão

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escolar: como tem sido potencializadoo funcionamento real da gestão escolarpublicizada, atendendo a que assenta naprática de valores essencialmentedemocráticos e participativos, quando ocontexto social e político da sociedadebrasileira ainda se confronta com ahegemonia de valores contraditórios eonde o fortalecimento democrático daesfera pública ainda não se encontraconsolidada? Que distâncias ou discre-pâncias entre o modelo virtual concebidoe o que está ser praticado?

6. Por último, não poderia deixar deequacionar a seguinte situação: é comum,na nossa comunidade de referência,distinguirmos o modelo de autonomiadecretado do modelo de autonomiapraticado, para visibilizar desarticu-lações, contradições, incoerências entreas lógicas centrais heterolocalizadas eas práticas actualizadas pelos actoresem contexto escolar. Olhando retrospec-tivamente para as várias reformaseducativas produzidas e implementadasnos últimos anos em Portugal e no Brasil,especificamente no que diz respeitoaos modelos de administração e gestãodo sistema educativo e das escolas, comoperspectivar o processo de democra-tização e de autonomia nas organizaçõesescolares num contexto de umaadministração centralizada e autoritária?Que contributos teóricos e empíricos osdiferentes trabalhos aqui comentadospoderão fornecer para enriquecer odebate sobre esta questão?

A leitura crítica que acabei de esboçarem relação à problemática da autonomia,democracia e participação em contextoeducativo a partir do contributo dequatro estudos de origem portuguesa ebrasileira, mais do que um exercício demera reflexão pessoal pretende propor-cionar um momento de part i lha eeventual debate com os leitores destarevista , de algumas preocupaçõesteóricas, políticas e investigativas quenos últimos anos de investigação (eleccionação, sobretudo nos cursos depós-graduação) tenho vindo a registare a reflectir no âmbito de outros traba-lhos académicos. Mais do que um pontode chegada, as várias interrogaçõessinalizadas ao longo deste trabalhodeverão ser perspect ivadas comopossíveis pontos de partida parainvestigações futuras, numa óptica deaprofundamento do conhecimentosociológico do campo educativo e,correlativamente, de compreensão dascondições e possibilidades reais dedemocratização da educação e dasescolas portuguesa e brasileira.

Autonomy, democracy and participation:a critical analysis from four researchprojects

Abstract: Based on the critical analysis of fourresearch projects carried out recently inPortuguese and Brazil ian contexts on theproblematic of the autonomy, democracy andparticipation in the educational field, the authorreflects on the current state of sociologicalresearch with respect to schooling in Portugal,

Artigo recebido em: 28/02/2005.Aprovado para publicação em: 05/03/2005.

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and question the idea of autonomy. We concludethe work with a set of theoretical andmetodological questions which constitute possiblestarting points for future research in the fieldof the politics of educational management.

Keyword: Autonomy; Democracy; Organiza-cional culture.

Autonomía, democracia y participación encontexto de la escuela: un análisis críticode cuatro trabajos de investigación.

Resumen: Tomando como punto de partidaun análisis crí t ico de cuatro trabajos deinvestigación realizados recientemente encontextos portugueses y brasileños sobre laproblemática de la autonomía, la democracia yla part icipación en el campo educativo, laautora reflexiona sobre el estado actual de lainvestigación sociológica en el dominio de laeducación escolar en Portugal, problematizandola idea de autonomización de la autonomía, entanto tendencia hegemónica presente en losactuales pensamientos político e investigativo.Adoptando un registro predominantementereflexivo y problematizador respecto de estatemática, concluye el trabajo con unaenunciación de un conjunto de interrogacionesde cariz teórico y metodológico susceptibles deconstituir posibles puntos de partida para futurasinvestigaciones en el campo de la política, laadministración y la gestión educacional.

Palabras claves: Autonomía; Democracia;Cultura organizacional.

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Autonomia, democracia em contexto escolar: uma leitura crítica a partir de quatro trabalhos de investigação

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1 Leonor Maria Lima TorresDoutora em Educação, área de conhecimento deOrganização e Administração Escolar.ProfessoraAuxiliar no Deptº de Sociologia da Educação eAdministração Educacional do Instituto de Edu-cação e Psicologia da Universidade do Minho.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Universidade do Minho.Institutode Educação e Psicologia. Campus Universitáriode Gualtar, Braga, Portugal. CEP: 4710-057.

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INTRODUÇÃO

O Brasil do passado e o Brasil atual,contrariamente ao que pode sugerir umahistória de mais de quinhentos anos, nãoguardam tantas distinções. Pelo menos éassim que podemos encarar os traçosassumidos pelo Estado e sua ação emtermos de políticas públicas e, nestas, a

educacional, como se quer argumentarneste texto.

O Estado patrimonialista tem guardadodesde o Brasil colônia, apesar da in-corporação de um caráter mais moderno,estreitas relações políticas típicas destemodelo político, o que o tem historica-mente sustentado e permitido definir umquadro de políticas educacionaisconsoantes com seus princípios einteresses, ao passo em que promove asustentação dos que dele se servem.

Enquanto recorte desses expedientescaracterizadores das polít icas quepresidem a educação brasileira, interessa-nos situar a descentralização, no sentidode discutir alguns contornos que têmsido assumidos por ela (ou pela própriacentralização) no quadro das políticaseducacionais e o espaço reservado àdescentralização, obscurecida pelocentralismo que se mantém reafirmado.

Para tanto, iniciamos com a tentativade mostrar características do Estadobrasileiro e seu modelo político, associando

Elton Luiz Nardi1

(Des)Centralização em educação no Brasil: face de um modelopolítico

Resumo: Visando discutir os contornosassumidos pela descentralização da educação noBrasil, o estudo busca situar o modelo políticoque preside a ação do Estado, recorrendo aostraços da formação desse modelo polí t icobrasileiro e suas características históricas deordem patrimonial. Retoma uma breve discussãode nível conceitual para os termos “centra-l ização” e “descentralização”, sugerindo otendencioso sentido atribuído pelo Estado,consoante com o quadro de regulaçãopretendido. Conclui procurando firmar oargumento em torno da existência de um modelopolítico voltado à recentralização da gestãoeducacional brasileira, destacando o cautelosoestudo das medidas dele decorrentes comomecanismo importante e necessário para umacompanhamento atento das micromudanças,considerando o conjunto relativo ao modo deregulação adotado, em que se si tua adescentralização.

Palavras-chave: Políticas educacionais; Des-centralização; Regulação Social.

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o papel assumido por esse Estado nadefinição e execução de polít icaseducacionais.

Por conta das convenções que têmpresidido o uso das expressões“centralização e descentralização”,buscamos também discutir o nívelconceitual e sentidos inerentes àapropriação desses termos, o quecontribui para o que se aborda na parteseguinte e, para além disso, quanto aodestaque ao que, mais recentemente, seconvencionou chamar de ressignificaçãode conceitos.

Por fim, a caracterização do modelo dedescentralização que tem marcado oempreendimento do Estado nestes diase a crítica a ele é o que ainda se buscaalçar neste texto, em cuja tentativaprocuramos firmar o argumento emtorno da existência de mecanismos decontrole que, sob forte apelo descen-tralizador, reforça, em oposição, acentralização do poder, já chamada derecentralização.

BRASIL: MODELO POLÍTICO EPOLÍTICA DE EDUCAÇÃO

O Estado brasileiro, marcado pelocomando de um estrato socialhistoricamente constituído, é o berço eo sustentáculo de uma política que tem

sido descrita como de ordem patrimonial(FAORO, 1987; HOLANDA, 1971). Nessemodelo ibérico de Estado em que seassenta nossa cultura política2, umestrato social detém o poder e dá contade sua perpetuação nessa condição, deforma que este mesmo Estado égovernado na perspectiva de pro-priedade, em que a autoridade constróie preserva poderes pessoais totais, cujaordem patrimonial é mais resistente quea própria periodicidade dos governos,defendera Faoro (1987). Para este autor,o patrimonialismo3 é o eixo principalda cultura política brasileira, tendo oestamento burocrático como sua criatura,o qual se traduz num quadro deadministração do Estado que, forjadopor uma minoria, mantém padrões decontrole sobre a maioria.

Desse modelo polít ico, em que ascaracterísticas patrimonialistas sãoindicadas como uma constante desde oBrasil colônia, porém, não mais comoapontara Faoro (SCHWARTZMAN,2003), tem sido associados outrosconceitos aproximados como mando-nismo, coronelismo e clientelismo, nosquais, argumenta Carvalho (1997),assentam-se v isões macrossocia isdistintas no quadro evolutivo da históriado Brasil, sendo importante compreendera natureza dessas expressões dedominação.

2 A cultura política aqui referida é aquela que, segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004), compõe-se do conhecimento e sua distribuiçãoentre os indivíduos, as tendências e as normas partilhadas pelos integrantes de uma unidade social que se refletem nos fenômenos políticos.3 O mesmo termo é usado por Max Weber para se referir a um tipo de dominação tradicional dentre formas de dominação política em quesão inexistentes claras divisões entre as esferas de atividade pública e privada.

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(Des)Centralização em educação no Brasil: face de um modelo político

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Se de moldes históricos é a dominaçãopolítica patrimonial brasileira, é importantedestacar que algumas tintas modernasnão foram suficientes para lhe revestirde outro sentido. Quer-se dizer que apesarde uma fachada moderna em que seencerra um suposto modelo burocrático,racional e legal, terá sido o própriopatrimonialismo, resistente e dominador,capaz de se articular nessa nova forma,dela se nutrindo ao passo em que acontamina, tornando-se porto seguro demuitos que, não logrando substituí-lo, aele se aliam (LIMA, 1996). Schwartzman(1988) refere-se a esse processo comoforma neopatrimonial, uma formamoderna de incorporação política, em cujatransição para a modernidade carregauma pesada burocracia administrativa,além de uma sociedade civil desarticulada.

Será igualmente importante lembrar queo próprio debate sobre Estado nacional enação se reveste de característicasidentitárias de um Estado como o centro.A nação teria o Estado como “princípiogenético-constitutivo”, conclui Lessa(1989 apud LIMA, 1996, p.34), afinaltivemos um Estado nacional antes mesmode uma nação. Então, a construção danação tem sido posta como a grande metaque, mesmo assentada em diversosprojetos, desde o império, porém nãoalcançada, teria em algum lugar do futuroo seu existir, com o Estado como agentedemiúrgico.

Enquanto se fez por manter o perfilpatrimonialista do modelo políticobrasileiro, diversos padrões de gestãoforam sendo sucedidos, guardandoestreitas relações políticas assentadasnaquele modelo e no que poderíamoschamar de “seus congêneres”, o quepermitiu que, apesar de certas matizesmodernistas transpassadas com o tempo,não fossem efetivamente postas a perigoas colunas que sustentam os “expedientespatrimonialistas”.

Como se quer destacar, a natureza doEstado brasileiro e a relação deste com asociedade configuram um recorte quedistingue o Brasil de outras democraciase, por conseguinte, conjugam um quadrohistórico de circunstâncias político-sociais que acabam por caracterizar aação política.

Nesse cenário, como explica Höfling(2001, p.31), as políticas (públicas)sociais, entendidas como ações queacabam por determinar a proteção socialpretendida pelo Estado, dentre as quaissituamos a educação, preservarão “asrelações sociais de de terminadaformação social”, analisada sob variadasperspectivas.

Barreto (1994), destacando a freqüenteacentuação do papel ideológico daeducação apontado pelos estudossociológicos em torno da políticaeducacional brasileira, destaca osestudos mais recentes sobre políticas

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públicas como importante referencial queconfere uma outra ótica de interpretaçãoda política educacional. Para tanto, traz asanálises de Claus Offe e Nicos Poulantzassobre as políticas estatais, contudo,diferenciando seus posicionamentos:

[Enquanto que para Poulantzas]as polí t icas estatais somentese orientam na direção dos inte-resses majoritários da sociedadepor força de pressões externasao próprio Estado, em funçãodas limitações estruturais queeste apresenta, Offe procurademonstrar que o móvel daspolí t icas do Estado é forte-mente determinado a partir dointerior do próprio Estado, pormeio de agentes do aparelhopolítico-administrativo, ao qualo autor atribui ampla margemde autonomia relativa(BARRETO,1994, p.6).

Aqui Barreto (1994, p.9) quer salientarque a idéia de autonomia relativa em Offee Poulantzas guarda distinção. Enquantonaquele a autonomia relativa do Estadotem o político como ordenamento deprocessos da esfera econômica, neste opolítico é destacado como objeto dereflexão, focalizando a luta de classes.Contudo, sugere que em ambas as análisesé construída a dificuldade de explicar amudança, pois “[...] a explicação tende acircunscrever-se ao âmbito da própriaesfera em apreço”.

Ainda para a mesma autora, serão asanálises feitas por aqueles autores,integrantes do quadro europeu, contri-buições para estudos relativos ao Estadoe às políticas públicas na América Latina,

defendendo a impossibilidade de umasimples transposição de tais interpretaçõesa esta realidade. Segundo ela, em funçãodas mudanças que têm cingido o Estadode âmbito latino-americano, há necessidadede análises a partir dos contextos social,econômico e político em que elas ocorrem.

No Brasil, a autonomia relativa é mantida,tendo o Estado a condição de mediaçãodos interesses do capital e de controledas massas, num processo de auto-fortalecimento buscado por este mesmoEstado na lida de suas funções regula-doras, fruto da disputa do poder internocom o capital internacional. Aqui, situaras políticas sociais significará considerara incapacidade do Estado brasileiro deresponder às necessidades da área social,fruto dos efeitos do modelo econômicoque adota. Essa característica tende a seagravar especialmente pelo “estiloexcludente de governo autoritário” comoé o brasileiro, que carrega consigo outrofator, o da extrema centralização(BARRETO, 1994, p. 10).

Tendo-se em questão a regulação exercidapelo Estado, donde são aludidas formastidas alternativas no sentido da suamodernização, desburocratização eeficiência, será oportuno abrir brevediscussão sobre modos com que essaregulação estatal pode se dar. Para tanto,é de destacável valor a contribuição deJoão Barroso (2003) que, referindo-se àstendências emergentes em estudos deeducação, aponta os efeitos de “conta-

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minação, hibridismo e mosaico” comonovos modos de regulação política nocampo educativo, por via da “regulaçãoinstitucional”4 que carrega as dimensõesde regulação, coordenação, controle einfluência exercidos por aqueles queocupam postos de comando enquantoautoridade legítima.

Explica Barroso (2003) que o efeitocontaminação diz respeito à trans-ferência de conceitos relativos àspolíticas e medidas praticadas em outrospaíses, destacando-se que, por vezes, nãoultrapassa a dimensão retórica, enquantoque por outras, dizem respeito àconvergência com finalidades maisampliadas.

Quanto ao efeito de hibridismo, JoãoBarroso (2003, p.29) explica se tratar da

[...] sobreposição ou mestiçagemde diferentes lógicas, discursose práticas na definição e acçãopolíticas, o que reforça o seucaráter ambíguo e compósito.

Afonso (1999) tem se referido aomecanismo chamado de “quase-mercado”,decorrente das políticas de convergêncianeoliberal e neoconservadora quemarcam a nova direita. Para este autor,trazendo a contribuição de Roger Dale(1994), novas formas e combinações nocampo do financiamento, o fornecimentoe a regulação em educação podem ser

tomados como exemplos concretos depolíticas públicas associadas a essemecanismo, portanto, ao efeito dehibridismo.

O efeito mosaico, sugerindo a ausênciade um agregado coerente de elementos,constitui um conjunto de medidasavulsas, voltadas a situações e públicosespecíficos. Essas medidas costumamvisar práticas de desregulação eprivatização, tendo sido mais evidentesem atitudes do poder público quanto àflexibilização da oferta escolar.5

Será possível destacar, então, que ocontrole exercido pelo Estado se fazsentir por via de práticas reguladorasburocráticas e centralizadas, contudo,mantidos processos de auto-regulaçãopelo mercado, notadamente nomeadosde descentralização.

AFINAL, QUAL É A DESCENTRA-LIZAÇÃO?

Face às relações até aqui estabelecidas,em que se vê clara aproximação dacentralização como mecanismo constitui-dor do Estado regulador, neoconservador,será oportuno questionar de quedescentralização se fala no nível destemesmo Estado e, também, de quealternativas a esta são demarcadas emcampo oposto àquele modelo.

4A regulação institucional aludida por Barroso, de acordo com Maroy e Dupriez (2000), diz respeito às ações praticadas por uma instância,como o governo, no sentido de orientar as ações e interações dos atores envolvidos e sob essa autoridade.5Barroso destaca alguns exemplos do efeito mosaico, dentre os quais estão os school vouchers (cheques-ensino), as contract schools que sãoescolas públicas que operam através de um contrato com um organismo público, a privatização da gestão, a flexibilização das normas etc.

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Se a formação do Estado moderno estevefortemente relacionada a práticascentralizadoras na gestão das políticaspúblicas, quando do esgotamento desdemodelo a descentralização passa ocupara pauta dos debates. Nos anos 90 amplasreformas são deflagradas, atingindo asestruturas do Estado e o seu regime defuncionamento.

O já iniciado discurso da necessidade dedescentralização no campo da educaçãobrasileira na década de 80 torna-seacentuado a partir dos anos 90, sustentadopela necessidade de eficácia, eficiênciae competitividade, típicos do modelo deracionalidade econômica. Lembra Martins(2001), que daí emergiu um consensointernacional: a existência de uma crisenesse setor, assegurada por ineficientesprogramas forjados de forma centralizadapelo Estado. Isso, segundo Carnoy &Castro (1996 apud MARTINS, 2001), teriaindicado a necessidade de se rever a açãodo Estado, conduzindo à transferência departe dos mecanismos de atuação parainstâncias regionais, locais ou à sociedadecivil, por via de parcerias consoantescom relações de mercado.

Se o discurso descentralizador, construídoalternativamente ao período históricobrasileiro em que se constituírampropostas aos efeitos da ditadura militar,se postara como um referencial para ummodelo de descentralização em educaçãoentão defendido, o que se observa nosanos 90 é uma espécie de renovação

daquelas propostas, uma ressignificação,de sorte que, por via da descentralizaçãoadministrativa e financeira, seriampreservadas formas de controle peloEstado.

Freitas (2002), em artigo versando sobrea formação de professores no contextodos anos 90, através do qual relembra asquestões que norteavam os debates emtorno da democratização da educaçãobrasileira, designa as reformas em cursocomo o retorno da concepção tecnicistade educação, numa alusão ao modelobrasileiro das décadas de 60 e 70,altamente criticado e rebatido nos anos80. Contudo, reafirma a autora, esseretorno se deu sob “nova roupagem”,permeada de medidas que fossemconvergentes à nova ordem que seassenta na reestruturação produtiva dospaíses.

No centro desse processo, situa-se ocaráter descentralizador propalado epromovido pelo Estado, o qual éconsubstanciado por um processo detransferência de responsabilidades aoutras instâncias de governo (estaduaise municipais) ou às comunidades locais,notadamente no que tange à prestaçãode serviços educacionais. Essa prática éseguida de um conjunto de metaseducativas pretendidas, as quaiscondicionam o processo por nãopermitirem que o poder de decisão sejadescentralizado. Como igualmenteconcluem Simón e Merodo (1997), em

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texto sobre o processo de descentralizaçãoeducacional na Argentina, é a tradiçãocentralista do Estado que não desaparece,mas apenas estabelece novas relaçõesque se valem de um processo de promoçãoda submissão, fortemente calcado pormecanismos de controle.

Uma das formas consagradas dessecontrole tem sido apontada por váriosautores, dentre os quais Almerindo JanelaAfonso (1999). Trata-se do recurso daavaliação externa, basicamente repor-tando-se aos rendimentos de alunosatravés de testes padronizados calcadosem modelos internacionais. Por contadesses testes, em que se demonstrariamos níveis de eficácia e eficiência dossistemas de ensino e que, portanto,remeteriam às próprias escolas autônomaso sucesso ou o peso do fracasso, seriamjustificadas as ações intervencionistas doEstado.

CENTRALIZAÇÃO/DESCENTRA-LIZAÇÃO: SOBRE UMA LINHADIVISÓRIA

Ao que se parece evidenciar, a descen-tralização tomada no discurso correnteabarca sentidos demasiadamente provo-cativos, ao passo que indica guardarconsiderável grau de relatividade.Adotada como toda e qualquer prática dedistribuição de funções e contestadaquanto sua legitimidade em função de nãoenvolver o poder de decisão, tido comoelemento central, a descentralização tem

sido objeto de inúmeros estudos quetendem a resguardar o conteúdo de umou de outro significado.

Discutindo tal situação, Elba Siqueira deSá Barreto (1994) analisa que, no caso detender à vontade política mais ampla departicipação, haveria bom grau depossibilidade de geração de modalidadesmais democráticas, representativas dosinteresses de variados segmentos dasociedade. Afora isso, considerando astípicas práticas de descentralização como“outorga de autonomia” (MARTINS,2001), (comumente de cunho operativo),denuncia Barreto (1994, p.13), que adescentralização

[...] pode implicar apenas umnovo arranjo das forçashegemônicas entre as váriasesferas de poder, feito a partir depolíticas patrimonialistas queprocuram barganhar a assunçãode novas responsabilidades pelopoder local em troca deconcessões a interesses de alcancereduzido.

Se esse quadro é o que sinaliza o contextoem que se podem ver tomadas as práticascentralizadoras e descentralizadoras, seráoportuna a retomada do campo conceitualdestes dois tipos.

Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004, p.329) introduzem uma discussão conceitualsobre centralização/descentralização,caracterizando-as como “fórmulascontendo princípios e tendências, modode ser de um aparelho político ou admi-nistrativo [...] não conceitos imediatamente

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operativos.” Além disso, dizem que suatotalidade é restrita ao campo teórico,não havendo tanto uma quanto a outraem estado puro (pólos ideais), sendo quecentralização e descentralização seconst i tuem em problemas semprepresentes na organização do Estado. Oque resta, defendem os autores, é “avaliaros instrumentos jurídicos através dosquais, respectivamente, eles podem servalorizados” (BOBBIO, MATTEUCCI ePASQUINO, 2004, p.330). Restará, comoúnico caminho de transformação, omovimento de abrandamento num dossentidos que representam.

Explicam os mesmos autores que, naperspectiva de movimentos de contínuaconcentração e de desagregação, o quecaracteriza um processo de contínuaalternância entre centralização e descen-tralização, a idéia de critério do mínimoindispensável pode ser aceito. Assim,teríamos centralização...

[...] quando a quantidade depoderes das entidades locais e dosórgãos periféricos é reduzidaao mínimo indispensável [...][e descentralização] quando osórgãos centrais do Estadopossuem o mínimo de poderindispensável para desenvolveras próprias atividades (BOBBIO,MATTEUCCI e PASQUINO,2004, p.330).

Dentre várias outras, algumas consi-derações de Bobbio, Matteucci ePasquino (2004) indicam-nos atenção nonível deste estudo. Uma delas é que adescentralização como um problema não

se apresenta de maneira igual em todosos lugares, sendo preciso identificá-lonum ambiente social e na respectivaépoca histórica. A outra é que numarelação descentralização – democracia,a luta por aquela esteve principalmenteatrelada à própria luta pelas autonomiaslocais, na linha de objetivos de de-mocratização. Contudo, argumentandosobre uma visão romântica que temidealizado o conceito de descentraliza-ção, destacam que a dicotomia fundadana dis t inção entre central ização edescentralização levou à polarizaçãode valores entre ambas, a primeirarelacionada à liberdade, autogovernodemocrático, já a segunda relacionadaao pólo autocrático e totalitário, idéiasque se situam

numa época na qual uma sériede valores genericamente sinte-t izáve is no conceito dedemocratismo, constituíram abase de muitas transformaçõesinstitucionais (BOBBIO, MAT-TEUCCI e PASQUINO, 2004,p.332).

Por fim, ainda acenando sobre a rela-tividade que abarca a descentralização,em função do seu sentido predominante,será oportuno destacar que atravésdela pode-se identificá-la com váriasideologias o que evidencia a importânciade se considerar o momento histórico eo desenvolvimento social que seprocessa numa determina sociedade,haja vista a possibilidade de que elaseja aparente.

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Contemporaneamente será pos-sível apurar se a persistência daidéia de Descentralização traduza permanência de valores eideologias do precedente períodoainda válidos na realidade atualou se estamos nos defrontandocom algo novo que poderá trazerpossibilidades de um conflito devalores (BOBBIO; MATTEUCCI;PASQUINO, 2004, p.333).

Ainda na linha conceitual e de sentido, adiscussão sobre centralização e descen-tralização parece ser favorecida a partirda idéia de “centro”. Dela poderemosfocalizar a questão da tomada de decisões,cuja relação estreita com o centro a põenas mãos daquele grupo que expressa asua vontade política, não necessariamentecomungada pela coletividade. Em outrosentido, um afastamento em relaçãoao centro de decisões remeteria a umconjunto mais ampliado, diríamos maisdescentralizado.

Oliveira (1999), considerando a classificaçãofeita por Rondinelli e colaboradores(1986), discute quatro tipos de des-centralização: a desconcentração, quecorresponde à delegação de autoridadea setores hierarquicamente inferiores noâmbito do próprio governo central; adelegação, que diz respeito à transferênciade responsabilidades administrativasa organizações não integrantes daestrutura regular do governo central,porém sob controle indireto; a devolução,com a atuação de unidades subnacionaisde governo, que não estão sob o controledireto do governo central; e a privatização,

correspondente à transferência deresponsabilidades a organizações forada estrutura regular do governo, ou seja,de cunho privado.

Se estas são formas que acabam porcaracterizar a moldagem das políticaseducacionais, será oportuno questionarquais as inclinações que têm quandoolhadas como parte de um quadropolítico.

Ozga (2000), referindo-se ao contextoda investigação em políticas educa-cionais, parte do pressuposto de que apolítica educacional está imbuída porum processo que designa de “econo-mização”, ou seja, a dominação deinteresses econômicos que dominam oconteúdo e o próprio processo educativo.Afora o fato de tomá-lo como comumaos países desenvolvidos, encontra-remos na argumentação da autorarelação com a realidade brasileira.

No espectro da economização referidapor Ozga (2000) estão situados princípiosde mercado6 e este, destaca a autoratrazendo argumentos da Dale (1994), “foinegociado para aqueles que nele estãoenvolvidos”. Ozga dirá ainda, que alegimitidade de mercado é sustentadaatravés de um processo despolitização daeducação, construída por via da “[...]invasão de sistemas de poder e dinheirona vida social, económica e política[...]”(DALE, 1994, p.29).

6Aqui Geni Ozga (2000) refere-se à filosofia econômica neoliberal, fundante da crença no mercado livre.

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É Claus Offe que contribui com a análisede Ozga (2000), e no prosseguimento danossa, quando alerta que essa despo-litização é construída por um Estado queprecisa se contrapor aos ataques quenascem de mecanismos de participaçãodemocrática. Aqui se tratará não daabolição desses indesejáveis ataques,mas propriamente de sua neutralização,de forma a torná-los ineficientes.Ademais, será importante atentar paratoda a situação em si, “porque o fato dese valorizarem os mercados aumentou afragmentação, o localismo e a flutuação[...]” (OFFE, 1996 apud OZGA, 2000, p.29).

Aqui, conduzindo-nos ao caso brasileiromais recente, poderemos reconhecer oexercício neutralizador provindo dostão defendidos processos participativos.Especialmente nos anos 90, quando seassiste a um substancial conjunto dereformas educativas assentadas nocontexto da própria reforma do Estado,a descentralização fora alçada à condiçãonecessária para a própria construção deum sistema político democrático. Asreformas de cunho descentralista seriam,então, expressão de maiores benefíciosà sociedade, especialmente no que tangeà gestão das políticas públicas, numaalusão à própria democratização, de sorteque a idéia de descentralização se fazassociar à de democratização enquantoa centralização à de ineficiência eineficácia (BOBBIO; MATTEUCCI;PASQUINO, 2004; ARRETCHE, 1996).

A própria Constituição brasileira de1988 tratou da participação popularcomo parte do processo polít ico,instituindo mecanismos promotores derepresentações de segmentos sociais nosentido da tomada de decisão sobredeterminados problemas públicos,indicando a dinâmica social comoelemento de influência na formulação eimplementação de políticas.

Assim, retomando a denúncia de quevivemos um período permeado dediscursos, aparentemente apolítico econsensual, porém com forte apelo àracionalidade econômica e gestionária,Lima (2002) contribui com o debatesobre centralização/descentralizaçãodestacando a importância de se ter dadosempíricos acerca dos cenários queforem tomados. Contudo, sustentadopelo traçado teórico, é claro em sugeriro estrategismo subjacente às políticaseducacionais proclamadas como des-centralizadoras, em que se vê mantidaa centralização das decisões políticas eestratégicas e desconcentradas asestruturas operacionais, numa flagranteatitude de condução de novos poderesao centro, restando a discussão em tornode quem concebe e quem executa. Umavazia divisão de poder.

CONTORNOS DA (DES)CENTRALI-ZAÇÃO NO BRASIL: PARA UMACONCLUSÃO

Do que até aqui tenhamos empreendidoenquanto matizes de políticas edu-

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cacionais, será válido questionar sobreo paradigma de política educacional quetem presidido o modelo recente para ocampo da educação brasileira e, sob talcontextualização, situarmos aquele querege a (des)centralização.

De pronto, no contexto brasileiro emque se assenta o discurso e as açõesdescentralizadoras por parte do Estado,não é o enfraquecimento do nível centraldo governo que se tem evidenciado. Seráantes disso, no quadro das medidasdescentralizadoras, um processo depreservação do poder decisório central,mais associado à desconcentração,incapaz de ameaçar aquelas estruturasque, no de Estado, estão consolidadas.Em sentido oposto, explica Lobo (1990),falaríamos de uma descentralização, oque implicaria a transformação de umaparato político-institucional fundado embases centralizadoras, com a passagemde parcelas de decisão, o que certamenteabalaria as estruturas de poder.

Num contexto permeado de articulaçõescom organismos internacionais, em queas reformas recentes são denunciadascomo um estrategismo político, demar-cadas com um caráter recentralizadorno âmbito das políticas educacionais(AZEVEDO, 2002; SHIROMA; MORAES;EVANGELISTA, 2000; BIANCHETTI,1997), desde marcos legais até a criaçãode consensos internos (TIRAMONTI,1997), a descentralização empreendidaindica estar consoante com a instituição

de um perfil em que progressivamenteo Estado fica desincumbido da provisãode recursos para o sistema educacional,reservando-se, contudo, a função ava-liativa e de controle.

Sublinhadas as características queparecem revestir o modelo de descen-tralização no Brasil, será importanteatentar que, se por um lado há umaevidente valorização de processosdeclarados descentralizadores, por outrose acentuam as ambigüidades quanto aoseu sentido, denunciadas especialmentena prática. Tudo isso contribui parareforçar os argumentos que vêm tomandoespaço no debate atual sobre arecentralização do poder, evidenciandosobremaneira o efeito de hibridismoreferido por Barroso (2003) e outros, comomodo de regulação estatal, através doqual simultaneamente são desencadeadasestratégias de controle e de promoção dadescentralização, o que nos permitereconhecer o caráter misto das políticaseducacionais. Então, em se tratando deum modo de regulação estatal, vê-se quea forma como são definidas e executadasas políticas educacionais contribuipara que a própria regulação não sejafacilmente reconhecida.

A reflexão atenta sobre essa realidadee suas dimensões sugere cuidadosoacompanhamento do contexto (e dopróprio texto) das políticas educacionaisseguida de uma repolitização no debatesobre polít icas educacionais. Não

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descurar das questões de fundo seráimportante para a compreensão do quepretendem as atuais políticas, porque aretórica acerca do valor dos modelosempreendidos costuma não ser des-cuidada, assim como declaradamentenão cos tumam ser os artefatosnormativos. Então, contribui LicínioLima (2002), é o referencial teórico quetomaremos em análise enquanto dadosempíricos forem sendo constituídos e,portanto, deverão integrar esta tarefa,especialmente tratando-se de um cenárioem que se processam muitas micro-mudanças.

No todo, é defensável a idéia de umadinâmica mais ampliada da sociedade, emque se encerre a construção de umademocracia bem menos frágil do que aque vivemos. Será o caso de se pretender(e se empreender) uma outra propostapolítica, capaz de um novo sentido para adescentralização da educação, alternativoao destes tempos de recentralização.

Decentralization of education in Brazil:a political model

Abstract: In analysing decentralization ofeducation in Brazil , this study develops apolitical model Brazilian model which relatesto Brazil's historical patrimonial order. After abrief discussion of the terms "centralization"and "decentralization", we conclude that whatis occuring is a re-centralization of the Brazilianeducational management.

Keywords: Educational politics; Decentra-lization; Regulation.

Artigo recebido em: 03/01/2005.Aprovado para publicação em: 16/02/2005.

(Des)Centralization en la Educacion en elBrasil: cara de un modelo diplomático.

Resumen: Teniendo como objetivo para discu-tir los contornos asumidos por la descen-tralización de la educación en el Brasil, el estudiobusca situar el modelo político que preside laacción del Estado, recorriendo los trazos de laformación de este modelo político brasileño ysus características históricas de ordenpatrimonial. Retoma una breve discusión denivel conceptual para los términos "centra-lización" y "descentralización", sugiriendo eltendencioso sentido atribuido por el Estado,consonante con el cuadro de regulación preten-dido. Concluye buscando fundamentar el argu-mento en torno de la existencia de un modelopolítico dirigido a la recentralización de lagestión educacional brasileña, destacando el cau-teloso acompañamiento atento a las micro-transformaciones, considerando el conjunto re-lativo al modo de regulación adoptado, en quese sitúa la descentralización.

Palabras claves: Política educativa; Descen-tralización; Regulación.

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Sobre o autor:

1Elton Luiz NardiDoutorando em Educação, Universidade do Valedo Rio dos Sinos (UNISINOS). Mestre em Educa-ção, Universidade do Contestado (UnC)/Univer-sidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pro-fessor na Universidade do Oeste de SantaCatarina (UNOESC - Xanxerê). Orientadora:Doutora Berenice Corsetti.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Rua Independência, 460/303,Centro, Xanxerê/SC, Brasil. CEP: 89.865-000.

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Maria Iza Pinto de Amorim Leite1

Seis anos de Fundef: avaliação e recomendações

Resumo: Criado no contexto da Reforma doEstado, o Fundo de Desenvolvimento e Manu-tenção do Ensino Fundamental e Valorizaçãodo Magistér io (Fundef) , const i tui-se numapolítica pública de financiamento do ensino.Este artigo apresenta uma avaliação do impac-to do Fundef no sistema municipal de educaçãode Vitória da Conquista e faz recomendaçõesvisando a superação de limitações e aspectosnegativos detectadas. Resultado de uma pes-quisa que utilizou o percurso metodológico doestudo de caso, este trabalho apresenta comoimpactos positivos o aumento da matrícula noensino fundamental; a implantação de classesde 5ª a 8ª séries; a construção de escolas e salasde aula; a regularização do pagamento dos pro-fessores e a implantação do serviço de trans-porte escolar para estudantes e professores dazona rural. Verificou-se que muito há ainda porfazer: aprovação do Plano de Carreira dos Pro-fessores; melhoria da qualidade de ensino; qua-lificação dos professores; melhoria das condi-ções salariais dos professores; melhoria nos ín-dices de aprovação escolar e maior participa-ção do Conselho de Controle Social do Fundef.Criar um Fundo de Desenvolvimento e Manu-tenção da Educação Básica (Fundeb) é uma dasrecomendações apresentadas para superar aslimitações do Fundef.

Palaras-chave: Fundef; Financiamento daEducação; Vitória da Conquista, Bahia, Brasil.

Sintonizado com a nova Lei de Diretrizese Bases da Educação Nacional, nº 9394/96 e com a Emenda Constitucional n° 14/96 que o criou, o Fundo de Manutençãoe Desenvolvimento do Ensino Fundamen-

tal e Valorização do Magistério (Fundef),também denominado de Fundão, se carac-teriza, basicamente, pela sua naturezacontábil, promovendo uma redistribuiçãofinanceira através da qual destina 60% dasreceitas da educação à manutenção e de-senvolvimento do ensino fundamental.Regulamentado pela Lei Nº 9424/96, oFundef é, segundo o MEC (2000a, p.9),"um exemplo inovador de instrumento depolítica social que articula três níveis degoverno e incentiva e promove a partici-pação da sociedade", visando atingirobjetivos estratégicos mencionados nobalanço do Fundef 1998 a 2000 (BRA-SIL..., 2000a) e complementados nobalanço 1998 a 2002 (BRASIL..., [2002]):

– promover a justiça social através da in-clusão de alunos dos segmentos maispobres da população;

– promover eqüidade entre estados emunicípios através do mecanismo deredistribuição de recursos baseadono número de alunos matriculados;

– reduzir os desníveis interestaduais einterregionais estabelecendo o valormínimo nacional e procedendo a comple-

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mentação necessária para o cumpri-mento desse valor mínimo;

– promover a melhoria qualitativa daeducação como resultado dos meca-nismos de redistribuição financeira;

– assegurar a valorização do magistérioatravés da melhoria da remuneração eda qualificação dos professores;

– promover o engajamento da sociedadeno processo de acompanhamento daaplicação dos recursos destinadosexclusivamente ao ensino fundamen-tal público através da instalação e fun-cionamento dos Conselhos de Acom-panhamento e Controle Social do Fundefnos estados e municípios.

Este artigo trata dos resultados e reco-mendações da pesquisa concluída em2003, tese de doutoramento em Educaçãoda autora. Utilizando a metodologia doestudo de caso (YIN, 2001), a pesquisateve por objetivo a avaliação do Fundefno Sistema Municipal de Educação deVitória da Conquista, estado da Bahia(LEITE, 2004), tomando como referênciaum período de seis anos antes (1992 a1997) e seis anos depois (1998 a 2003) daimplantação do Fundo. Dados referentesà estatística educacional e financeira fo-ram analisados num trabalho que tambémouviu vinte entrevistados de diferentessetores envolvidos na oferta do ensinofundamental no município.

A história da educação no Brasil nosmostra quão desprestigiada vem sendoa escola pública que sempre passou pordificuldades financeiras, apesar de sercolocada como prioridade nos discursos

políticos. Os percentuais de analfabetis-mo, reprovação e evasão escolar, os bai-xos salários pagos aos professores e aprecariedade das instalações físicas demuitas escolas públicas, principalmentena zona rural, podem ser tomados comoreferenciais da desatenção dos gover-nantes com a manutenção e desenvol-vimento da escola pública no país. Ape-sar de estar definido em Lei (BRASIL...,1988) a aplicação de pelo menos 25%da receita dos estados e municípios emeducação, sabe-se que em muitos esta-dos e municípios, dada à baixa arrecadaçãoou à demanda muito grande por escola,esse percentual não tem sido suficientepara a oferta de uma educação públicade qualidade, para todos os alunos emidade escolar. Sabe-se também que esta-dos e municípios há que não aplicam omínimo definido por lei, desviando os re-cursos da educação para outras rubri-cas e/ou para fins particulares.

A escassez de verbas, a incompetência eimprobidade administrativa na utilizaçãodos recursos existentes têm sido umaconstante na história do financiamentoda educação no Brasil. Se 25% da receitade estados e municípios não têm sidosuficientes para a oferta de uma escolapública de qualidade, é preciso buscaroutras fontes de financiamento para aeducação e/ou aumentar esse percentual.Se os governantes não têm competênciapara uso eficiente das verbas disponí-veis, é preciso que sejam orientados. Seusam as verbas da educação para finsilícitos, que sejam punidos. Para isso se-

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Seis anos de Fundef: avaliação e recomendações

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ria necessário um amplo processo de inves-tigação que não pode se limitar às atas, re-latórios e balancetes oficiais já que osrelatores podem utilizar diferentes artifíci-os para camuflagem e ocultação das des-pesas ilícitas. Se as atas dos Conselhos deEducação e de Acompanhamento do Fun-do de Manutenção e Desenvolvimento doEnsino Fundamental e Valorização do Ma-gistério (Fundef) passam pelo crivo de seusrespectivos presidentes que decidem oque deve constar ou sair dos registros, pode-se esperar que alterações aconteçam, tam-bém, nos relatórios e balancetes contábeis.

Quando há escassez, é necessário racio-nalizar, acompanhar e avaliar o uso dopouco disponível. Foi esse o sentido dasmedidas empreendidas no financiamentoda educação, decorrentes dos princípiosgerais da Reforma do Estado: por dezanos, prioridade para o ensino fundamen-tal e redistribuição das verbas disponí-veis. Os procedimentos utilizados paracálculo do custo aluno-ano e da receitade cada município e estado com o ensinofundamental vieram ratificar a existênciade poucos recursos para a educação namaioria dos municípios brasileiros, já que63,8% deles receberam complementaçãoem 2002. A proposta do Fundef vem inovaros mecanismos de financiamento nosentido de não apelar para novos instru-mentos de arrecadação e de utilizar umpercentual ínfimo de contribuição da União,sem aumentar substancialmente, portanto,as verbas já disponíveis para a educaçãoe apostando na diversidade existente nas

receitas de estados e municípios (CAS-TRO, 1999; DAVIES, 1999; 2001; BRA-SIL. . . ,1999; 2000a; 2000b; 2002;MELCHIOR, 1987; MONLEVADE;FERREIRA, 1997; VERHINE, 1999; 2002).

É inegável que os municípios que vêmrecebendo complementação em suas recei-tas têm conseguido ampliar a oferta doensino fundamental. No entanto, no mo-mento em que o mecanismo redistributivoimplementado pelo Fundef abre perspecti-vas de aumento da receita do ensino fun-damental, a prática brasileira de "dar umjeitinho" e de "levar vantagem" tornou-seperceptível na ampliação e registro dematrículas no ensino fundamental. Em Vi-tória da Conquista, estado da Bahia, nãose tem notícias de denúncias de matrículasfantasmas, como vem acontecendo emoutros municípios. O "jeitinho" adotadopara aumentar a receita foi contar, comode ensino fundamental regular, alunos dealfabetização e de jovens e adultos, prá-tica que vem sendo adotada, também, emoutros municípios. Não se questiona,aqui, a importância do aumento da receitapara o ensino fundamental para os mu-nicípios que passam por carência financei-ra. Surge uma série de questões quandose analisa o "jeitinho" adotado pelos muni-cípios para obtenção de maior volume deverbas para o ensino fundamental. Pode-secolocar, em primeiro plano, o reflexo dessasmedidas no processo educativo em geral:como a escola se propõe a formar cidadãosparticipativos e responsáveis, dando, elaprópria, exemplo de burla e faz-de-conta

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na organização de seus dados estatístico-financeiros? Sem a pretensão de esgotaras possibilidades, pode-se colocar maisduas outras questões que talvez insti-guem a realização de outros estudos: Seo objetivo é o ensino fundamental, de quemaneira as verbas do Fundef têm benefici-ado os alunos de alfabetização e de jovense adultos cujas matrículas têm sido compu-tadas para o cálculo da receita? Se os me-canismos de inclusão desses alunos vêmsendo aceitos e utilizados nos cálculos pararedistribuição das verbas, por que nãoincluir, de direito, esses alunos nos benefí-cios do Fundef?

A adoção desses mecanismos de amplia-ção de matrícula no ensino fundamental,em Vitória da Conquista e em outros muni-cípios, provocou a redução das matrículasatribuídas à educação infantil inibindo oinvestimento em creches, e eliminou dosdados oficiais do Ministério de Educação(MEC) e do Instituto Nacional de Estudo ePesquisa em Educação (INEP) os alunosdo Programa Repensando a Educação deAdolescentes, Jovens e Adultos (Reaja).Têm-se, graças a esses mecanismos, duasrealidades estatísticas paralelas: os dadosde controle interno da Secretaria Munici-pal de Educação (SMEC, 1992-2001, 2002),e aqueles que são fornecidos, através doCenso Escolar, para o MEC/INEP. Paraeliminação dessa farsa estatística e maiorinvestimento em educação infantil e dejovens e adultos, tem sido recomendada aextensão da cobertura do Fundo para todaa educação básica. Desse modo ter-se-á,

em cada município, a corrida por novasmatrículas não só no ensino fundamentalmas, também, na educação infantil eno ensino médio. É preciso verificar seos 40% das verbas para educação queficaram fora do Fundef serão suficientespara que estados e municípios possaminvestir na ampliação e melhoramento daeducação infantil, da educação de jovense adultos, do ensino médio e do ensinosuperior.

O mérito do mecanismo redistributivoestá em evitar que se tenha, num mesmoestado, uma distância muito grande en-tre os municípios que arrecadam e apli-cam muito e os que arrecadam e aplicammuito pouco em educação. Apesar deinserido no contexto de racionalizaçãodo uso das verbas existentes, preconiza-do pela Reforma do Estado, pode-seapontar como mérito maior da propostado Fundef a possibilidade de comple-mentação, pela União, da receita de esta-dos e municípios que não tenham arre-cadação suficiente para aplicar o valormínimo aluno/ano. A partir do momentoem que o Governo Federal define valoresmínimos muito baixos, reduzindo a suaparticipação na complementação dasverbas do Fundef, os governos estadu-ais e municipais mais pobres passam aoperar com um volume de verbas insufi-ciente para imprimir qualidade na ofertado ensino fundamental público. Se, porum lado, a redistribuição imprime umcaráter "fraternal" em que os municípiosde cada estado passam a distribuir a

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receita de cada um, com todos, a reduçãogradativa do custo mínimo aluno/ano,pode conduzir ao rateamento da pobrezanos estados que arrecadam menos.

O mecanismo redistributivo implementadopelo Fundef tem seus méritos já que noBrasil há uma diversidade muito grandeentre seus estados e municípios, entretan-to, para que não se chegue a igualar porbaixo a qualidade da educação pública,recomenda-se urgência nos estudos paradefinição no custo-aluno-qualidade, quejá deveria estar vigorando desde 2002,partindo tanto do que define a própria leido Fundef quanto do estudo das necessi-dades e dos custos reais na manutençãodo ensino fundamental.

A distribuição de responsabilidades en-tre estado e municípios em relação à ofertada educação básica é uma medida quecontribui para racionalizar administrativae financeiramente os gastos com educa-ção. A implantação do Fundef contribuiupara que os municípios pudessem assu-mir o ensino fundamental, entretanto, osdados oficiais dão conta da manutençãode escolas e alunos do ensino fundamen-tal nas redes estaduais, evidenciando arelutância dos estados em transferiremsuas escolas e alunos do ensino funda-mental para as redes municipais já que,desse modo, perderiam o controle dasverbas referentes a esses alunos. Comisso, a municipalização do ensino funda-mental em Vitória da Conquista está sen-do significativa, apenas, em relação às

classes de 1ª à 4ª série, já que a redeestadual continua com um percentualelevado de alunos de 5ª à 8ª série(68,26%), além de deter ainda 18,53% dosalunos de classes iniciais que deveriamestar na rede municipal (SEC/BA).

Além da questão do poder que se colocapor trás do gerenciamento das verbas doensino fundamental, dificuldades admi-nistrativas vêm se interpondo na transfe-rência de professores e escolas para arede municipal. Quando a rede estadualpassa seus alunos para a rede municipal,continua com a responsabilidade adminis-trativo-financeira em relação aos profes-sores e aos prédios escolares. Com isso,escolas e professores continuam narede estadual: as escolas ocupadas comalunos de 5ª à 8ª série, e, entre os pro-fessores, aqueles que não possuem gradu-ação, ficam ociosos, à espera de vaga ouaposentadoria. Para que seja concluído oprocesso de municipalização do ensinofundamental e da educação infantil, e aestadualização do ensino médio, previstosem lei, pode-se recomendar, atendidas asressalvas feitas anteriormente, a criaçãode um fundo para toda a educação básica,utilizando-se os princípios redistributivose, principalmente, a complementação pelaUnião, tal como adotados pelo Fundef.A criação de um fundo abrangendo todaa educação básica já vem sendo debatidadesde a proposta do Fundo de Manuten-ção e Desenvolvimento da Educação Bá-sica (Fundeb), apresentada pelo Partidodos Trabalhadores (1999). A estruturação

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das bases e normas para implementação deum fundo com essa abrangência exige es-tudo criterioso que conduza a propostasde superação das dificuldades encon-tradas no Fundef e que atenda as pe-culiaridades de um fundo que pretendeatender a níveis de ensino que se en-contram sob a tutela administrativa e fi-nanceira de diferentes esferas governa-mentais. Espera-se que este seja o sentidodos estudos do Grupo de TrabalhoInterministerial designado pela Portaria/MEC nº222 de 14 de novembro de 2003(BRASIL..., 2003) para analisar a propostade criação e implementação do Fundeb,em substituição ao Fundef.

No caso do Fundef, o fato do atendimen-to ao ensino fundamental se dar pelasredes estaduais e municipais possibili-tou a redistribuição dos recursos. Comoo atendimento ao ensino médio é com-petência só do estado e a educação in-fantil, só do município, o mecanismoredistributivo adotado no Fundef podenão atender às especificidades dessenovo fundo. Se encontradas soluçõesviáveis para os desafios administrativose financeiros, um fundo abrangendo todaa educação básica poderá contribuir paraa municipalização de todo o ensino fun-damental (1ª à 8ª série), para expansão doensino médio e ampliação da oferta daeducação infantil e de jovens e adultos.

Uma das conseqüências esperadas daimplantação do Fundef, em Vitória daConquista, era o reajuste imediato do

salário dos professores que vêm bata-lhando pela elevação do piso salarial dacategoria. Os reajustes concedidos, en-tretanto, ficaram muito aquém das ex-pectativas do professorado. De um modogeral o que se pode observar é quemelhorias salariais aconteceram nas lo-calidades em que os professores recebi-am salários ínfimos, que chegavam a ser,em muitos casos, menores que o saláriomínimo oficial. A elaboração do Plano deCarreira dos Profissionais da Educação éum mecanismo previsto pelo Fundefque pode contribuir para a definição demelhores salários para os professores,entretanto, em Vitória da Conquista eem outros municípios, ainda não foiaprovado esse plano. Para recomposi-ção das perdas salariais dos professoresrecomenda-se maior empenho do Gover-no Federal no sentido de assessorar ecobrar a elaboração, aprovação eimplementação de Planos de Carreiraque contribuam para a valorização emelhor remuneração dos professores emtodo o território nacional.

A baixa remuneração dos professores éum referencial do valor que os gover-nantes têm atribuído à educação. En-quanto os dirigentes não se convence-rem, de fato, da importância da educaçãopara a promoção do desenvolvimento dopaís, o financiamento da educação e aremuneração dos professores terão queser ajustados a mecanismos de redis-tribuição que, até o momento, não têmpossibilitado aos governos estaduais

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e municipais a oferta de uma educaçãopública de qualidade com remuneraçãodigna de seus profissionais, apesarda comprovada melhoria que tem severificado na média nacional e doNordes te , após a implantação doFundef. A composição de verbas paraesse fim poderá acontecer com o au-mento do custo mínimo aluno-ano e,conseqüentemente , o aumento dacomplementação da União, recomenda-da anteriormente.

O aumento da cobertura, da receita e dossalários, verificados nos seis primeirosanos da implantação do Fundef, apontapara melhorias em relação a indicadoresde quantidade. É preciso observar, en-tretanto, que, além da redistribuição deverbas e da universalização do ensinofundamental, está entre os objetivos doFundef a oferta de ensino de boa quali-dade, através da racionalização do usode recursos e da valorização do magisté-rio. Como indicadores de qualidade fo-ram analisados no estudo de caso reali-zado em Vitória da Conquista: número dealunos por turma, gasto aluno-ano, qua-lificação dos professores, rendimento emovimentação dos alunos, fiscalização econtrole social dos recursos e democrati-zação da gestão.

O processo ensino-aprendizagem, ofere-cido às crianças e adolescentes, exigeatenção e acompanhamento diferenciadose constantes, por isso, é de se prever que,atuando com classes menores, o profes-

sor tenha melhores condições de realizarum trabalho pedagógico eficiente, emespecial quando se trata das séries inici-ais do ensino fundamental em que osalunos são crianças de seis a dez anos.Manter a média de alunos por turmaconsiderada adequada (em torno de trintaalunos) é uma medida administrativa efinanceiramente mais simples que reduzira média de alunos por professor. Nasclasses de 1ª à 4ª série esta média poderiaser reduzida se, ampliando-se a cargahorária das atividades diárias dos alunospara dois turnos, cada professor ficasseresponsável por uma única turma. Ape-sar da jornada de oito horas diárias parao aluno ser uma bandeira defendida porgestores e educadores, trata-se de umamudança que, além da vontade política,exige maior investimento em recursos fí-sicos, humanos e financeiros por partedos governos Federal, estaduais e muni-cipais, o que requer, pelo menos, a dupli-cação das instalações físicas existentes ea reestruturação do processo pedagógico.Ciente das dificuldades de ordem finan-ceira e pedagógica, e da dimensão dasmudanças que isso requer, recomenda-sea implementação gradativa da jornada deoito horas/dia para os alunos da educa-ção infantil e do ensino fundamental emtodas as escolas públicas brasileiras, oque possibilitará, ao professor com re-gime de quarenta horas semanais, se de-dicar a uma única turma e a estudos queresultarão em melhor qualidade no seudesempenho e de seus alunos.

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Os recursos financeiros que vêm sendoaplicados no ensino fundamental emVitória da Conquista, mesmo com as ver-bas do Fundef, não têm contribuído parao aumento das despesas por aluno/ano(PMVC/SF, 1994 a 2001; SMEC, 1992 a2001). Indexando-se os valores (IGP-DI- base: junho de 1999) verificou-se que,em 2001 (R$ 460,24) a rede municipalteve praticamente o mesmo gasto alu-no/ano realizado em 1996 (R$458,21).Desse modo, o mérito que se pode atri-buir ao Fundef, em Vitória da Conquista,é o de ter permitido a manutenção damédia de gastos aluno/ano apesar doaumento da matrícula. Sem as verbas doFundef, ao aumento da matrículacorresponderia uma redução nos gastosaluno/ano, tanto na rede municipal deVitória da Conquista, quanto nos demaismunicípios brasileiros. Pode-se ter umaidéia de quão baixo tem sido o gastoaluno-ano nas escolas municipais esta-belecendo uma comparação com asmensalidades pagas em escolas particu-lares e com o limite dedutível para des-pesas com instrução na Declaração doImposto de Renda Pessoa Física (IRPF).Na declaração referente ao ano base 2003,esse limite foi de R$1.998,00. Em Vitóriada Conquista a despesa anual por alunono ensino fundamental, numa escola par-ticular, fica em torno de R$ 1.760,00, valorque, na escola pública, é empregado naeducação de quatro alunos. Pode-se aqui,recomendar que, na revisão do custo alu-no-ano, em busca do custo aluno-ano-qualidade, sejam utilizados como

referenciais o custo aluno-ano em es-colas particulares e o limite para despe-sas com instrução no IRPF.

A formação do professor é um dos ele-mentos que interfere diretamente naqualidade do trabalho pedagógico de-senvolvido na escola. Daí a recomenda-ção, na Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional (LDB/96) e noFundef, de graduação dos professoresque atuam no ensino fundamental, ten-do acontecido em muitos municípios oempenho dos gestores na realizaçãode cursos de licenciatura para o quadrodocente, em convênio com as univer-sidades mais próximas e utilizando ver-bas do Fundef. Em Vitória da Conquistao aumento do número de professoresgraduados foi muito pequeno (de 12,04%em 1996, para 24,55% em 2001) e acon-teceu principalmente devido ao ingressode professores habilitados. Segundoos gestores financeiros, as verbas dis-poníveis, mesmo com a complementaçãodo Fundef, não são suficientes para arealização de curso de graduação paratodos os professores da rede. Mais umavez se depara com a insuficiência de ver-bas. Com a revisão dos valores mínimosaluno-ano, recomendado anteriormente,os gestores municipais poderiam contarcom recursos para habilitar seus pro-fessores e promover condições paramelhorar a qualidade do ensino funda-mental oferecido pelas redes públicasmunicipais. A qualificação dos professo-res, entretanto, não é uma atribuição per-

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manente das redes estaduais e munici-pais. É uma medida que se impõe nessemomento de re-arrumação das condiçõesde oferta do ensino fundamental jáque os próximos concursos para docen-tes deverão selecionar professores quetenham curso superior. Em vista dissopode-se recomendar, aos governos Fe-deral, estaduais e municipais, a dotaçãode recursos específicos para que osmunicípios promovam cursos para gra-duação do quadro docente tanto doensino fundamental quanto dos demaisníveis da educação básica.

O aumento da matrícula e da relação alu-no/professor e aluno/turma, aliado àausência de um programa de qualificaçãoe formação permanente do corpo docente,podem ter levado à redução das taxasde aprovação na rede municipal de Vi-tória da Conquista, em contraste com arede estadual e, principalmente, com arede particular que conseguiu, de 1996para 2000, aumentar os percentuais deaprovação de 90,48% para 95,72%. Aqueda nos percentuais de aprovaçãopode ser tomada como indicador da baixaqualidade do ensino oferecido na redemunicipal, podendo ser apontada, tam-bém, como responsável pelo aumentodas taxas de evasão no ensino fundamen-tal que passam de 12,67%, em 1996, para15,58%, em 2002, tendo alcançado, em2000 (19,12%), o maior percentual verifi-cado no período de 1992 a 2002. Sabe-seque fatores sociais outros também res-pondem pela evasão escolar, mas é ine-

gável que a realização de um trabalhopedagógico de boa qualidade pode esti-mular a permanência do aluno na escola.Uma boa atuação docente poderá con-tribuir, também, para a redução dospercentuais de transferências que au-mentaram de 1996 (2,62%) para 2002(3,32%) tendo alcançado 5,2% em 1998.Considerando que a situação em Vitóriada Conquista se repete em outros municí-pios brasileiros, recomenda-se, para redu-ção das taxas de reprovação, de evasão ede transferências nas redes estaduais emunicipais, um investimento maior namanutenção e desenvolvimento do ensi-no fundamental que possibilite a formaçãopermanente do corpo docente e a im-plantação de uma melhor estrutura físi-ca e de acompanhamento pedagógicoque certamente proporcionarão a melho-ria da qualidade no ensino desenvolvidopela rede pública. Deve-se considerar que,entre as causas da reprovação e da eva-são, além de razões de ordem psicológica,social e econômica, encontram-se aque-las de ordem institucional e pedagógica,como o desempenho insatisfatório deprofessores com formação precária e afalta de infra-estrutura física nas unida-des escolares, que têm inviabilizado aoferta de uma educação de boa qualidade,capaz de contribuir para a promoção e apermanência do aluno na escola.

A avaliação interna e externa de políti-cas sociais públicas é um instrumentoimprescindível e polêmico que vêm sendocolocado no plano geral da Reforma do

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Estado (PEREIRA, 1997; 1998), ratificadona lei do Fundef. Os resultados finais(aprovação, reprovação, evasão) obtidosem cada escola, são registrados semquestionamento nem análise das condiçõesque os produziram. A avaliação do de-sempenho de professores e alunos pre-cisa ser melhor discutida a fim de que seestruture uma sistemática que passe ase constituir rotina no processo pedagó-gico de todas as escolas e redes públicasde ensino. Sabe-se da complexidade quecaracteriza o processo de avaliação;sabe-se que altas taxas de aprovação po-dem não significar, necessariamente, bonsresultados na aprendizagem escolar;sabe-se da relutância de professores egestores em se submeterem a processosavaliativos; sabe-se da interferência defatores subjetivos prejudicando a im-parcialidade na avaliação e sabe-se dapossibilidade de produção e adulteraçãode dados para composição de resultadosdesejáveis esperados. Tudo isso pode edeve ser considerado na montagem deum sistema de avaliação que tenha porobjetivo a melhoria do desempenho dasescolas e não a punição das escolas ca-rentes. Pode-se conseguir a melhoria daqualidade da escola pública com maiorinvestimento na formação e remuneraçãodo professor, na infra-estrutura e no for-necimento de materiais pedagógicosadequados, entretanto, é a avaliação sis-temática, interna e externa, que possibili-tará a contínua realimentação e o aperfei-çoamento do trabalho desenvolvido noensino público. É essa avaliação que

fornecerá dados sobre as necessidadese avanços, possibilitando a programaçãode ações direcionadas prioritariamentepara a superação dos problemas e difi-culdades detectados.

No momento em que se realizam estudose debates tendo em vista a implementaçãode uma rotina de avaliação de políticaspúblicas no Brasil, pode-se recomendaraos gestores federais, estaduais e muni-cipais, um investimento cerrado na cons-trução de uma sistemática de avaliaçãonas instituições de ensino básico queabsorvam as vantagens e superem as li-mitações do atual Sistema de Avaliaçãodo Ensino Básico (SAEB) e do ExameNacional do Ensino Médio (ENEM). Adefinição de metas e ações, aimplementação de sistemas de supervisãoe avaliação e a vinculação entre recursose objetivos, características dos contratosde gestão, propostos para as Organiza-ções Sociais, na implementação da Re-forma do Estado (BRASIL..., 1998), pode-riam ser tomados como referência naestruturação do sistema de avaliação aquirecomendado.

Em decorrência da Reforma do Estado,caracterizada como democrática e liberal,as prefeituras municipais vêm empreen-dendo modificações em sua estrutura efuncionamento. Para democratização dagestão municipal vêm sendo implantadosos Conselhos do Orçamento Partici-pativo. Em Vitória da Conquista esse con-selho contava com vinte e nove (29) con-

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selheiros titulares e, no V Congresso doOrçamento Participativo, realizado nosdias 19, 20 e 21 de setembro de 2003, essenúmero foi ampliado para sessenta equatro (64). A participação de cerca detrezentos delegados, eleitos nas zonasurbana e rural, no referido congresso,pode ser um indicativo do envolvimentoda sociedade na gestão do orçamentomunicipal de Vitória da Conquista. É ne-cessário, entretanto, que estudos se rea-lizem no sentido de analisar e avaliar ofuncionamento desses conselhos em todosos municípios brasileiros. Os resultadosdesses estudos poderão indicar açõesque assegurem o real envolvimento de di-ferentes setores da sociedade na gestãomunicipal.

O funcionamento do Conselho de Acom-panhamento e Controle Social do Fundef(CACS) em Vitória da Conquista vemdeixando muito a desejar e, pelo que vemsendo constatado nas CPI do Fundefe em pesquisas como a de Aragão (2003),a situação dos conselhos de outros mu-nicípios não é diferente da que se verifi-cou em Vitória da Conquista. Para queos CACS funcionem, realmente, comomecanismo de acompanhamento e con-trole social em todos os estados e muni-cípios, pode-se ratificar algumas das re-comendações pontuadas por Verhine(2002) e Aragão (2003): 1) que seja revis-ta a formação dos CACS, promovendo,de fato, o envolvimento dos segmentossociais na sua composição bem como nadiscussão das funções do conselho e do

papel dos conselheiros; 2) que seja es-tabelecido um fluxo de informações en-tre o CACS e os gestores educacionaisque possibilite a produção e divulgaçãode informações sobre as receitas e des-pesas do Fundef não só para os segmen-tos representados no conselho mas, tam-bém e sobretudo, para a comunidadeescolar e para a sociedade em geral; 3)que sejam realizados cursos para osconselheiros visando suprir lacunas emrelação ao conhecimento de políticaspúblicas e a habilidades específicasrequeridas para o exercício de suas fun-ções; 4) que o conselho seja presididopor um representante da sociedade e nãomais pelo Secretário da Educação Muni-cipal ou seu representante para que, defato, possa acontecer a fiscalização dagestão educacional no município; 5) que,a exemplo das situações de disponibi-lidade de funcionários públicos de umsetor para outro, cada membro do CACS,ao ser indicado, tenha à disposição, parao exercício da função de conselheiro, umaparte de sua carga horária regular de tra-balho, sem ônus para a gestão pública.

Os resultados obtidos nas escolas queaderiram à organização do ensino emciclos se constituem nos primeiros sinaisde melhoria qualitativa na rede municipalde Vitória da Conquista com impacto fa-vorável que já se faz perceber pela co-ordenação pedagógica da Secretaria Mu-nicipal de Educação de Vitória da Con-quista (SMEC/VC) e pelos pais dos alunosque estudam em escolas da zona urbana

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incluídas no Ciclo de Vitória da Con-quista (LEITE, 2004). Os impactos fa-voráveis nesse primeiro ano do Ciclo deVitória da Conquista se constituem numaperspectiva promissora de melhoria qua-litativa da rede municipal de educação nospróximos anos e pode-se creditar aoFundef esses resultados já que o ciclo foiimplementado graças às verbas comple-mentares que o município vem recebendopara manutenção e desenvolvimento doensino fundamental. O Ciclo de Vitória daConquista, ao oferecer reforço paralelopara os alunos que apresentam dificuldadesde aprendizagem, pode ser tomado comoum pequeno passo, e talvez uma soluçãointermediária, em direção à oferta da jor-nada de oito horas diárias para os alunosdo ensino fundamental. Pode-se recomen-dar a análise de estudos já realizados nosestados que estão vivenciando a realida-de dos ciclos e a realização de novos es-tudos de modo a constatar a viabilidadeadministrativa, financeira e pedagógica daimplantação do ciclo em todas as redespúblicas estaduais e municipais.

Quando se busca investigar o impacto doFundef, um dos entraves fica por contada falta de informações dos profissionaisa respeito deste Fundo. Em várias entrevis-tas realizadas constatou-se que o entrevis-tado não estava minimamente informadoa respeito. Uma constatação desse desco-nhecimento pode ser verificado nas entre-vistas em que professores e diretores atri-buem ao Fundef benefícios obtidos comverbas de outras fontes, como o ProgramaDinheiro Direto na Escola (PDDE), ou

confundem o Fundef com o Fundo Nacio-nal de Desenvolvimento da Educação(FNDE) e com o Fundo de AssistênciaEducacional (FAED). Considerando queo desconhecimento por parte de gestorese professores inviabiliza ou, pelo menos,dificulta o alcance dos objetivos previstos,recomenda-se a elaboração e remessa dematerial informativo sobre o Fundef paracada professor do ensino fundamental emtodas as escolas brasileiras, principalmen-te da zona rural, sugerindo que sejam ana-lisadas em conjunto por professores, di-retores e coordenadores pedagógicos.Este material poderia ser montado comuma seleção de informações colhidas emdocumentos elaborados pelo MEC, comoo Manual de orientação do Fundef (BRA-SIL..., 2000b) e os três balanços que fo-ram publicados mas não chegaram até amaioria dos professores (BRASIL..., 1999;2000a; 2002). Se for aprovada aimplementação do Fundeb, prevista parao ano de 2005, estende-se para o novo Fun-do a recomendação de maior divulgaçãode material informativo para que não serepitam as lacunas constatadas em relaçãoao Fundef.

Como resultados do estudo de caso quedeu origem a este artigo, pode-se apontarcomo aspectos negativos na oferta do en-sino fundamental em Vitória da Conquis-ta, depois do Fundef: o aumento do nú-mero de alunos por professor (de 31,40,em 1996, para 36,44, em 2001); o aumentoda reprovação escolar (de 11,68%, em1996, para 28,48%, em 2002); a reduçãodo salário real dos professores (de 1998 a

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2001, com valores indexados, 22,05% deredução no salário médio), do número deescolas (de 229, em 1996, para 226, em2001) e da taxa de promoção escolar (de73,04%, em 1996, para 52,62%, em 2002);o funcionamento precário do Conselho deAcompanhamento e Controle Social doFundef (57,14% dos professores acreditamque o Conselho não vem cumprindo comsuas funções); o descumprimento da Leido Fundef no que se refere à habilitaçãodo quadro docente em nível superior (foisomente em 2004 que teve início o cursopara formação universitária de cerca deoitocentos professores da rede municipal,em convênio com a Universidade Estadualdo Sudoeste da Bahia(UESB)) e à elabora-ção do Plano de Carreira para o Magisté-rio; a desinformação dos profissionais daeducação no que se refere à implantaçãodo Fundef (73,35% dos professores nãose consideram informados) e ao funcio-namento do seu Conselho de Acompa-nhamento e Controle Social (55,7% dosprofessores declararam não ter informaçõessobre os Conselhos).

Pode-se apresentar como impactos po-sitivos do Fundef, na rede municipal deVitória da Conquista: aumento da receitaem Educação e Cultura (86,02%, de 1997para 2001, com valores indexados, IGP-DI-base: junho de 1999); aumento da ma-trícula total (33,93%, de 1997 para 2003) edo ensino fundamental (76,51%, de 1997para 2003); aumento do número de pro-fessores (32,2% de 1996 para 2001); au-mento do número de turmas (13,6% de1996 para 2001); aumento do percentualde professores com ensino superior

(169,56% de 1996 para 2001); regularizaçãodo pagamento do salário dos profissionaisda educação; aumento da participaçãodo município na matrícula do ensino fun-damental (de 49,54%, em 1997, para58,77%, em 2002); implantação de pro-cessos democráticos de gestão com ofuncionamento dos Colegiados Escolarese do Orçamento Participativo; implanta-ção de classes de 5a à 8a série na zonaurbana e na zona rural; implantação doserviço de transporte escolar para alunose professores da zona rural; construçãode escolas e salas de aula (de 1997 para2002 foram construídas 121 salas de aula).

Segundo os entrevistados, depois que foiimplementado o Fundef, os professorestêm trabalhado com mais tranqüilidadesem se preocuparem com atrasos de sa-lário. Na zona rural, nas escolas recém--construídas, professores e alunos se ale-gram com a merenda e com os materiaisescolares que chegam à escola, mesmosendo estes em quantidade insuficiente.Os gestores financeiros se sentem maisà vontade sabendo que, com as verbasdo Fundef, tem sido possível cumprir ocompromisso de pagar em dia a folha desalários, cientes de que, sem as verbasdo Fundef seria impossível o cumpri-mento deste e de outros compromissos.É inegável a existência de mudanças narede municipal desde a implantação doFundef e o ano de 1998 passa a se consti-tuir num marco para a realização de es-tudos do ensino fundamental em Vitóriada Conquista e nos demais municípiosbaianos e brasileiros.

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Tentando uma síntese, pode-se afirmarque as melhorias mais significativasque aconteceram na rede municipal,após a implantação do Fundef, estive-ram ligadas a aspectos quantitativos.Resultados mais contundentes de em-preendimentos em prol de mudançasqualitativas, como a implantação doscolegiados escolares, do orçamentoparticipativo e do ciclo de Vitória daConquista, ainda não se fazem perceberclaramente e merecem estudos específi-cos. O rendimento nas escolas munici-pais parece trazer de volta a dicotomiaquantidade/qualidade verificando-sedesempenhos piores à medida que au-menta o número de alunos matriculados.Os resultados constatados até o mo-mento levam a concluir que muito háainda por fazer no sentido de melhorar asituação das escolas da rede municipalcom empreendimentos que visem aaprovação do Plano de Carreira dos pro-fissionais da educação, a melhoria daqualidade de ensino, a qualificação dosprofessores, a otimização das condiçõessalariais dos professores, o aumento dosíndices de aprovação escolar, a reduçãodos índices de abandono escolar e a atu-ação mais eficiente de todos os profissi-onais envolvidos no processo educativo.

As conclusões a que se chegou em Vi-tória da Conquista são praticamente asmesmas que se verificam em estudosrealizados em outros municípios e esta-dos brasileiros. A necessidade de inves-timento na qualidade do ensino começa

a falar mais alto depois que se conseguiuchegar muito perto da universalizaçãoda oferta. É importante colocar todasas crianças na escola, porém, mais im-portante ainda, é oferecer a essas cri-anças um ensino de qualidade, que real-mente contribua para a formação docidadão capaz de participar, com seutrabalho, no desenvolvimento econômi-co e social do país. A existência de tra-balho/emprego para todos é uma outraquestão que será melhor enfrentada eresolvida com indivíduos/cidadãos bemeducados.

Já se passaram seis anos da implantaçãodo Fundef (1998 a 2003), estamos quaseno final do ano sete e ainda não termi-nou o prazo de dez anos previsto paraa vigência do Fundef, entretanto, os resul-tados das avaliações que têm sido feitasem todo o país forneceram indicadoresque apontam para a necessidade de re-estruturação da política de financiamen-to da educação, em especial para esten-der os benefícios alcançados pelo ensinofundamental às outras etapas e espe-cificidades de ensino: educação infantil,ensino médio, educação de pessoas jo-vens e adultas, educação especial eeducação rural. Assim é que nos encontra-mos na expectativa da aprovação daEmenda Constitucional que deverá criaro Fundeb, cujas diretrizes vêm sendodiscutidas em colóquios realizados emalguns estados brasileiros, conformeconsta no site do MEC: Palmas - TO(17/07/2004); Teresina -PI (12/07/2004);

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Belo Horizonte - MG (05/072004); SãoPaulo-SP (30/06/2004); e Porto Alegre-RS(21/06/2004). São dez as diretrizes e jus-tificativas do Fundeb, discutidas nessasreuniões e divulgadas pelo MEC (2004):

1) Um fundo único para cadaUnidade da Federação [...]2) Exclui impostos administradospelas receitas municipais [...]3) Inclui os 25% dos impostosestaduais, mais os do Fundef [...]4) Reparte por matrícula no en-sino básico, diferenciando poretapa (infantil, fundamental, mé-dio) e especificidade (educação dejovens e adultos, especial, rural,etc.), mas autoriza o gasto comuniversidade. As matrículas emcreches seriam consideradas, mascom corte de renda [...]5) Exclui os inativos de formaprogressiva [...]6) Revincula de forma progressi-va recursos da educação vincula-dos (Desvinculação de Receitasda União- DRU), parte dos quaisdestinar-se-á a complementar oper capita dos estados mais po-bres [...]7) Reformula o salário-educação,admitindo o gasto em todo ensi-no básico [...]8) Estabelece como piso para oensino fundamental o per capitavigente à época da promulgaçãoda emenda constitucional que criao Fundeb [...]9) Recursos adicionais da Uniãoservem de contrapartida, alémde saldar eventual débito doFundef [...]10) Controle da efetividade dogasto por meio de certificaçãouniversal de freqüência e quali-dade.

Enquanto a proposta do Fundeb passapelos trâmites finais tendo em vista suaimplantação em 2005, fica a expectativa deter, com o Fundeb, a superação dos pontos

Artigo recebido em: 10/08/2004.Aprovado para publicação em: 04/11/2004.

Sis Years of Fundef: evaluation and re-commendat ions

Abstract: Created within the context of theReform of the State, the Primary EducationFund for the Maintenance and Development ofSchooling and Teacher Valorization (Fundef)consti tutes a public policy that addresseseducational f inance. This study sought toevaluate Fundef in the municipal school systemof Vitória de Conquista. Using a case studymethodology, this work reveals that positiveimpacts include an increase in primary schoolenrollments, the innitaition of classes in the5th to 8th grades, the construction of schoolsand classrooms, the normalization of teacherpay, and the improvement of school transportservices for students and teachers in rural areas.It was also verified that much remains to bedone. Challenges that must be addressed includeapproving a career plan for teachers, improvinginstructional quality and teacher qualificationlevels, increasing teacher salaries, raising schoolapproval rates, lowering school drop out rates,and promoting wider part icipation in theCouncil for the Accompaniment and SocialControl of Fundef.

Keywords: Fundef; Educational finance; Vi-tória da Conquista, Bahia, Brazil.

Seis anos de Fundef: evaluación y re-comendaciones

Resumen: Creado dentro del contexto de laReforma del Estado, el Fondo de Desarrollo yMantenimiento de la Educación Fundamental yValorización el Magisterio (Fundef), seconsti tuye en una polí t ica pública definanciamiento de la educación. Este artículopresenta una evaluación del impacto del Fundefen el sistema municipal de educación de Vitóriade Conquista. Utilizándose una metodología deestudio de caso, este trabajo presenta como

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Maria Iza Pinto de Amorim Leite

de estrangulamento vivenciados no Fundefe a implementação de medidas que, defato, contribuam para a melhoria da qua-lidade da educação pública oferecida nasescolas brasileiras.

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impactos positivos el aumento de la matrículade educación fundamental, la implantación declases de 5º a 8º grado, la construcción deescuelas y aulas, la normalización del salario delos profesores y la implantación de un serviciode transporte escolar para estudiantes yprofesores de zonas rurales. Se verificó quetodavía hay mucho por hacer: aprobación deun plan de carrera de los profesores, mejoría dela calidad de la enseñanza, calificación de losprofesores, mejoría de las condiciones salarialesde los profesores, mejoría de los índices deaprobación escolar y mayor participación delConsejo de Control Social del Fundef.

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Sobre o autor:

1Maria Iza Pinto de Amorim LeiteDoutora em Educação,UFBA.Mestre em CiênciasSociais, PUC/SP. Professora da Universidade Esta-dual do Sudoeste da Bahia (UESB).E.mail: [email protected]

Endereço Postal: Avenida Olívia Flores, n.900.Bairro Candeias, Vitória da Conquista/BA, Brasil.CEP: 45.055-090

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Maria Iza Pinto de Amorim Leite

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Resumo: Este texto visa estabelecer uma ponteentre as temáticas, gestão democrática epluralidade lingüística no universo da educação. Aanálise parte de um campo empírico ambientadoem uma escola pública estadual localizada naperiferia urbana da cidade de Salvador-Ba. Situaa problemática a partir da memória dos registrosde pesquisa de um diálogo entre um aluno doEnsino Médio e uma coordenadora pedagógica,demonstrando que a gestão da escola não possuiuma cultura organizacional sensível à diversidadelingüística circulante no território institucional.Entende o conceito de gestão para além da noçãotécnico-administrativa, definido, aqui, como todatrama de poder que se modela na escola paraorientar sua dinâmica de funcionamento. Assim,defende que a gestão escolar democrática deveconsiderar o sujeito e o seu repertório subjetivo,em oposição, ao modelo administrativo burocráti-co que tem na impessoalidade marca basilar. Énessa abordagem que a conexão entre gestão es-colar participativa e a diversidade lingüística épossível, ao se deslocar o eixo da organizaçãoadministrativa da diretriz funcional para o enfoquehumano-qualitativo. A escola é vista como umainstituição identitária que para efetivar uma ges-tão horizontal necessita de um plano gestivo quealcance e contemple a linguagem do conjunto deseus atores sociais em processo de comunicaçãopermanente.

Palavras-chave: Pluralidade lingüística; GestãoDemocrática; Escolas.

INTRODUÇÃO

ABC do sertão

Lá no meu sertãoPros cabloclo lê

Têm que aprender

Um outro ABCO jota é jiO éle é lê

O ésse é si, mas o érreTêm nome de rê

Até o ypsilon, lá é pssiloneO eme é mê, o ene é nê

O efe é fê, o gê chama-se guêNa escola é engraçado

ouvir-se tanto “ê”A, bê, cê, dê

Fê, guê, lê, mêNê, pê, quê, rê

Tê, vê e zé

(Zé Dantas e Luiz Gonzaga)

A conexão entre uma gestão escolar de-mocrática e o estabelecimento de umapostura curricular sensível à diversidadelingüística parece se configurar em algoabstrato. Embora, essas questões este-jam presentes na pauta das demandaseducacionais na contemporaneidade sãoanalisadas com outras correspondências.Muito tem se discutido para se viabilizaruma gestão efetivamente horizontal. Acrescente implantação, nos últimos quin-ze anos, de órgãos colegiados nas esfe-

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ras municipais e estaduais ratifica estapolítica, ainda que se tenha crítica aestrutura funcional burocrática que severifica no exercício do cotidiano escolar.Paralelamente, os estudos culturais têmalertado para a necessidade da escola seconstruir como um espaço acolhedor dadiversidade social, intercambiando valo-res e idéias que se cruzam no ambienteescolar e se comunicam através de lin-guagens diversas.

Esta lacuna que dissocia a administraçãoescolar da prática político-pedagógicaé conseqüência do entendimento gerencialadministrativo que, ainda, se perpetuana compreensão da gestão do ensino. Aescola com esta marca edifica um perfilorganizacional absolutamente técnico,voltado para o funcionamento da máqui-na administrativa. Nesta compreensão,administrar uma escola significa botara engrenagem para se movimentar. Man-tém-se a higiene do espaço, cuida-sedas instalações físicas, fiscalizam-se oshorários dos professores, verifica-se oestoque do almoxarifado... A lógica ma-quinal restringe-se ao funcionamentooperativo, isto quer dizer que a gestãoescolar articula-se apenas com os fórunsde poder burocratizados. Assim, a ges-tão funcional distancia-se da complexi-dade escolar, isentando-se das questõespolítico-pedagógicas inerentes à edu-cação.

Nesta perspectiva, a gestão escolar éesvaziada de sentido, assumindo um

perfil, exclusivamente, administrativoque se orienta apenas para a racionali-zação do uso dos recursos financeirose intelectuais, além das atividades decoordenação e controle de pessoal. Aorganização da escola estabelece umafronteira clara com os aspectos pedagó-gicos que fundamentam o projeto políti-co da instituição. A comunicação entreessas duas regiões torna-se superficial,definida em uma estrutura hierarquizadaque contempla apenas os segmentos queestão no topo da estrutura operacional.

A possibilidade de compreender a di-versidade lingüística circulante na es-cola estabelecendo um intercâmbio coma estrutura organizacional escolar foidespertada no programa de pós-gradua-ção do mestrado em Educação eContemporaneidade da Universidade doEstado da Bahia (UNEB). Enquanto,aluno regular do programa, vinculado àlinha de pesquisa, Gestão escolar e de-senvolvimento local sustentável, realizoo projeto Gestão participativa: em de-fesa da democracia no universo esco-lar. Este trabalho visa a análise do dis-curso ideológico e das ações administra-tivas chamadas de democráticas ouparticipativas direcionadas à escola pú-blica a partir de 1980. O campo empíricoda pesquisa destaca a instituição políticacriada no Estado da Bahia para o desen-volvimento da suposta ação democráticaeducacional, ou seja, o Colegiado Esco-lar. Nesta perspectiva, é que busco com-preender o processo de constituição e

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funcionamento do Colegiado Escolar emuma escola de Ensino Médio da periferiaurbana da cidade de Salvador-Bahia.

No trajeto do curso, ao cumprir os crédi-tos institucionais, fiz a disciplina, Língua,cultura e escola que fora fundamentalpara situar a língua como um instrumentode poder e dominação. Na sala de aula,as discussões travadas eram sempreratificadas com exemplos que caminha-vam sempre para ilustrar o quanto aescola pública segrega a fala dos pobres,dos negros, das mulheres, dos gays, dosnordestinos... Tínhamos uma amostra deprofessores s igni f ica t iva , éramos,aproximadamente, vinte testemunhasda exclusão lingüística que opera aqui,ali e acolá...

É nesse ambiente que percebo o elo entrelinguagem e gestão. Enquanto era esti-mulado a refletir sobre as línguas faladasna escola, lembrava dos diálogos con-flituosos que presenciei na experiênciacomo professor de Sociologia na escolaonde desenvolvo o projeto de pesquisado curso de mestrado. Uma memória pa-rece mais viva, talvez porque tenha umteor de tensão mais cru. Penso querecontá-la sob a forma de diálogo, comode fato ocorreu, aguça mais nossa sensi-bilidade. Peço desculpas pelos detalhesque ficaram no início do ano letivo de2003.

“Aluno: Professora (coordena-dora) estou vindo aqui, porquenão fiz a prova de física e profes-sora disse que é a senhora quetem que dar uma autorizaçãopara eu fazer a 2ª chamada.Coordenadora: O atestado mé-dico?Aluno: Eu não tenho, eu não caídoente não. É que eu trabaio. Eno dia eu tava trabaiano.Coordenadora: Trabaiano?Aluno: É.Coordenadora: Trabaiano. Estemenino, do 2º ano do EnsinoMédio, não fez a prova de Físicaporque estava trabaiano (Refe-rindo-se a uma professora pre-sente na coordenação em risos.).Aluno: A senhora está gozandode mim porque estou falandoerrado. Eu sei que falo errado,mas minha língua só acerta di-zer assim.2”

A conversa sugere que quando se tratade educação não é possível dissociar aproposta político-pedagógica da escolacom os seus fóruns organizacionais. Ainstituição de ensino possui um perfilestrutural que abriga uma diversidadeampla de atores sociais, que ao inter-agirem proporcionam um cruzamentocultural. Além disso, tal si tuaçãodemonstra a não interação entre osdiversos setores da escola, pois é sabidoque nesta escola, existe um grupo deprofessores que discutem a questão dadiversidade lingüística sob o ponto devista interacionista, o qual reconhecequalquer enunciado como legítimo edefende sua circulação junto a outrasformas presentes no espaço escolar. Estegrupo tem incentivado, através de uma

2 Diálogo travado entre um aluno do Ensino Médio e uma coordenadora escolar na sala da coordenação pedagógica no turno noturno, minutosantes do início das aulas. A conversa ocorreu na presença de vários professores e tornou-se um objeto de chacota indicativo para sugerir oatraso intelectual dos alunos. Apenas uma professora de língua portuguesa reage, considerando a variação lingüistica um traço de identidade.Seu discurso foi ignorado naquele momento. Ainda hoje conta-se este caso na escola. Se não fosse verdade seria folclore.

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série de atividades, a constante expressãooral dos estudantes, para que dessaforma a troca de informações entreeles possa ajudá-los a perceberem,compreenderem e buscarem a apreensãode formas diversas de expressão sem,contudo, hierarquizá-las ou classificá-lascomo melhores ou piores.

A sensibilidade à diversidade culturale o preconceito lingüístico, simul-taneamente, habitam, na escola emconvivência tensa. Representam acomplexidade do território escolar quenão pode ser visto sob um único enfoqueou olhar. A gestão, ao largo da ambien-tação política da escola não consegueenxergar, nem uma coisa, nem outra.Então, deve-se contemplar a construçãode uma cultura organizacional quevisualize a coexistência das diferençassócioculturais. Nesta perspectiva, estetrabalho visa localizar uma proposta degestão escolar que sinalize a variaçãolingüística como traço identitário dacomunidade escolar.

GESTÃO: UM CONCEITO MULTI-FOCALIZADO DAS ESTRUTURASORGANIZACIONAIS DA ESCOLA

A gestão escolar constitui toda tramade poder que se modela na escola paradefinir sua dinâmica de funcionamento.O termo gestão corresponde a umahiper grandeza que absorve os universospedagógico e administrativo relacio-nando-os. Entendida assim, a gestãorefere-se ao conjunto de ações que

demandam decisões políticas paraviabilizar o cotidiano da escola. Obje-tivamente efetiva-se pela tomada dedecisões que definem diretrizes, ações eprocedimentos que assegurem o usointeligente e sustentável dos recursoshumanos, intelectuais, materiais efinanceiros disponíveis.

A articulação entre os aspectos técnico-administrativos e as questões pedagó-gicas e políticas da educação não devemser vistas como um acoplamento entreduas instâncias que seriam originalmenteautônomas com papéis bem definidos.Trata-se, apenas, de perceber a escolacomo uma instituição inteira. A vertenteadministrativa mais tradicional fracionaa escola em microfóruns de poderformando um arcabouço político tãofragmentado que se torna difícil o seuremodelamento em uma unidade parti-cular que pode se reconhecer e serreconhecida através de uma identidadeinstitucional própria.

Embora pareça redundante, a escolapossui um perfil organizacional ímpar,na medida em que abriga uma culturaorganizacional definida por Libâneo(2004, p. 97-98) como:

(...) O termo cultura organiza-cional vem diretamente associadoà idéia de que as organizações sãomarcadas pelas interações sociaisentre as pessoas, destacando asrelações informais que ocorremna escola, para além de umavisão meramente burocrática dofuncionamento da instituição.Essa idéia da escola como um

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sistema sociocultural vemsuscitando cada vez maisinteresse por causa de suasimplicações no funcionamentoda escola, especialmente noprojeto pedagógico, naconstrução do currículo e nasformas de gestão.

O deslocamento central, em termos derelevância, que a noção de gestão nestalinha fornece à análise da educação nacontemporaneidade reside na transpo-sição do enfoque técnico-qualitativopara o enfoque humano-qualitativo. Oprimeiro centra energia administrativano funcionamento da máquina buro-crática, mediada por profissionais que serelacionam cumprindo papéis determinadosverticalmente. O segundo, em oposição,pressupõe a escola como um universo,contraditoriamente tenso e harmônico,alicerçada por sujeitos históricos diferentesque necessitam de uma mediaçãohorizontal, a qual seja capaz de ouvir enegociar interesses distintos no processode construção de gestão escolar dequalidade.

O enfoque humano-qualitativo toma aescola como uma organização identitária,na medida em que ela engendra umainstituição particular, que se reconhece eé reconhecida através da linguagemutilizada pelos atores sociais que acompõem. Reconhecer a variação dalinguagem, sobretudo no âmbito daoralidade é um passo para a escolamapear o universo simbólico e culturalem seu entorno. Como sugere Magalhães(2001, p.213), “o discurso é um modo deação sobre o mundo e os outros”. A

comunicação oral, então registra o mundodo sujeito e sua interação com o outro.Aqui parece que está o ponto chave paraa escola organizar sua gestão. Aefetivação de uma gestão democráticafundamenta-se, necessariamente, naexpressão da comunidade escolar,refletida na fala de seus atores, os quaisdevem, também, criar mecanismos paragarantir a escuta por parte da instituiçãoescolar.

A gestão escolar assim entendida rompecom a tradição brasileira que histori-camente toma a administração em umadimensão, exclusivamente, técnica quese efetiva através de uma ação reguladaburocraticamente. Essa linha encontrafundamento nas raízes do autoritarismo ese caracteriza como uma polít icahegemônica vinculada aos interessesdos grupos dominantes. Este modeloadministrativo racional é descrito porLima (2001) que considera o consenso ea clareza dos objetivos organizacionaisprincípios basilares. O pressuposto é aexistência de processos administrativose de tecnologias claras e transparentes.Nesta ótica, o gerenciamento é destinadoao funcionamento da instituição, que nãopercebe ou não prioriza a dinâmicainterativa dos sujeitos que compõem acomplexidade da escola.

Esta concepção de administraçãoburocrática encontra eco no pensamentode Weber (apud Lima , 2001, p.21):

A experiência tende univer-salmente a mostrar que o tipopuramente burocrático de

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sujeitos a diversos espaços sociais,estabelecendo critérios para discrimi-nação que marcam fronteiras territoriaisrígidas e excludentes.

É nesse sentido que Foucault (2000,p.43-44) alerta:

[...] em escala muito mais ampla,é preciso reconhecer grandesplanos no que poderíamosdenominar a apropriação socialdos discursos. Sabe-se que aeducação, embora seja, de direito,o instrumento graças ao qual todoindivíduo, em uma sociedade comoa nossa, pode ter acesso a qualquertipo de discurso, segue, em suadistribuição, no que permite e noque impede, as linhas que estãomarcadas pela distância, pelasoposições e lutas sociais. Todosistema de educação é umamaneira política de manter ou demodificar a apropriação dosdiscursos, com os saberes e ospoderes que eles trazem consigo.

Este trabalho, então, se comunica com aconcepção de Fortuna (2001, p.112):

Não se pode desconsiderar adimensão subjetiva das práticasdesses atores, com seus valores,suas concepções, suas imagens,seus desejos, seus fantasmas,enfim, com toda a sua história devida, que entra como o dote quecada um traz consigo para ointercâmbio entre essas relações.Nessa troca, se inscreve a históriacoletiva, se constrói, se forma osujeito coletivo.

A gestão escolar se refere e é referidapor toda esta dinâmica que os atoressociais expressam em coletividade.Contemplar estes registros identitáriosdo sujeito é perceber os condicionantessubjetivos presentes na estrutura orga-

organização administrativa – istoé, a variedade monocrática deburocracia – é, de um ponto devista puramente técnico, capazde alcançar o mais alto grau deeficiência e é, neste sentido, omeio formalmente mais racionalde promover o controle im-perativo sobre os seres humanos.

Do ponto de vista conceitual, o modeloadministrativo burocrático pauta-se nahierarquia organizacional caracterizadapor competências que são definidas comtransparência e objetividade. Contradito-riamente, legitima-se no fundamentodemocrático para garantir sua reprodução.O argumento central é que a burocraciainstitucional, teoricamente, não privilegianenhum indivíduo particular, uma vez queopera na lógica da estrutura verticalizadaimpessoal. O gerenciamento a partir dalógica da instituição, acaba, em últimainstância, por homogeneizar o tratamentoa todos os indivíduos em sua coletividade.Aliás, este é o princípio fundamental dademocracia jurídica.

Duas questões merecem discussão nestaatmosfera: primeiro, não existe congruênciaentre a realidade objetiva e o acesso dosindivíduos nos ambientes sociais; segundo,quando, o aparelho administrativo éconstruído em função de uma projeçãoinstitucional de qualidade abstrata, perde-se a matriz identitária e subjetiva dossujeitos que fazem e vivem a instituição.Aqui reside a fragilidade desse esquemabem fundamentado teoricamente. Arealidade concreta apresenta contradiçõessituadas em uma estrutura de poderhegemônico que impede o acesso dos

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Compreendendo a gestão democrática pela via da pluralidade lingüística circulante na escola

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nizacional da escola. As marcas indi-viduais, que, em geral ficam camufladasou são negadas no jogo operativo dagestão escolar precisam ser reveladas,ou melhor, são os elementos essenciaisque mobilizam uma gestão efetivamentedemocrática. Isto quer dizer que a gestãoescolar democrática tem como foco edestino o sujeito, e não a instituição emum contexto macrossocial desfocadada realidade sociohistórica.

Ratificando a escola como um territórioreflexivo da realidade social objetivaFerreira (2001, p.295) considera:

Que a escola consti tui-se nolócus para a qual afluem todasas crianças, jovens e adultos queaspiram a formação e a ins-trumentalização para a vida emsociedade como único canalresponsável em fornecer o“passaporte” que os capacite àcidadania e ao mundo dotrabalho, já é uma certezaincontestável para todos.

Ainda que muitas sejam asconcepções sobre a relaçãoeducação e sociedade, educaçãoe produção da existência oueducação e atividade econômica,todas elas partilham de algumasquestões indubitáveis à estacondição humana que constituia razão de ser de toda instituiçãoescolar: a formação humana dohomem e da mulher em suaampla dimensão, pessoal eprofissional.

Acredito que não existm escola e modeloorganizacional no plano da abstraçãoirrestrita. A gestão escolar se faz e seorganiza com a ação política dos sujeitosconcretos que apresentam seus interesses,

suas contradições, seus sentimentos...Suas histórias de vida a partir de umalinguagem identitária. A fala é um dosmecanismos de revelação desses sujeitosque a gestão da escola tem teimado emnão escutar em toda sua diversidade.

DESPERTANDO A ESCUTA PARA ASFALAS CIRCULANTES NA ESCOLA

Ouvir o indivíduo é estabelecer umprocesso de comunicação com signifi-cado bilateral, onde os sujeitos falam ese posicionam a partir do seu lugar nomundo. Mas, para que a fala dos sujeitosrevele sua posição no mundo é precisoque seja compreendida no universo desua produção. A escola é um lugar, e,portanto tem uma forma de expressãoparticular. Mas, os sujeitos que fazem aescola vêm de diversos lugares: bairro,igreja, raça, gênero, classe que, também,têm expressividade própria. Então paraque a interação ocorra, o primeiro pontoé reconhecer a multiplicidade de lin-guagens que interpretam diferentementea realidade.

A esse respeito Magalhães (2001, p. 214)salienta:

[...] o discurso se relacionadialeticamente com a estruturasocial. Tal relação dialética écompreendida do seguinte modo:em sentido amplo, o discurso émoldado pela estrutura social nonível societal, pelas relações declasse social, gênero e etnia, bemcomo nos níveis institucionale situacional, por normas econvenções discursivas e não-discursivas. A determinação doseventos discursivos varia de

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Ao se conduzir desta forma, a escolaentende sua linguagem como a lingua-gem, e não como uma linguagem. Nãose trata de fazer um trocadilho depalavras repetidas, mas uma sinalizaçãoque a escola precisa reconhecer e fazercircular as diversas formas de lingua-gens presente em seu raio de alcance.A ruptura lingüística entre a escola e acomunidade edif ica uma prát icapedagógica etno-cêntrica que rebateautoritariamente na proposta de gestãoescolar. A fala dos alunos é reflexo dacomplexidade social vivida, sobretudo,o espaço familiar. Desconsiderar estareferência é assumir uma posturahegemônica que impede a participaçãodos pais e alunos nas esferas decisóriasdo planejamento educacional.

A escola deve, então, incorporar arelatividade cultural como um princípionorteador de um currículo que reflitauma gestão democrática e participativa.Podemos considerar que Lopes (1996,p.38) ratifica esta posição, embora emoutro campo de análise, discutindo oensino de língua estrangeira, quandodestaca:

A literatura especializada sobreo ensino de cultura enfatiza anoção de relatividade cultural ouda visão antropológica decultura como um dos pontosbásicos a serem seguidos peloprofessor nas aulas de línguasestrangeiras de modo a nãopassar para os alunos conceitosestereotipados da cultura queestá sendo transmitida. Alémdisso, os autores são unânimesem afirmar que o ensino de

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Compreendendo a gestão democrática pela via da pluralidade lingüística circulante na escola

acordo com a instituição, como,por exemplo, o direito, aeducação, a mídia ou o domíniosocial específico.

Assim, não basta à gestão escolar construirum espaço físico e legal para participaçãoda comunidade, a exemplo do ColegiadoEscolar. Koch (2002) registra a necessi-dade de se criar uma postura pedagógicaculturalmente sensível que reconheça evalorize a fala do sujeito em seu lugar deorigem. Desta forma, pode-se construirum ambiente favorável à revelação deinteresses que serão negociados ediscutidos democraticamente. A crista-lização da linguagem escolar comopossibilidade única de comunicação oucomo horizonte superior a ser atingidoartificializa o debate democrático emtorno da gestão escolar.

Terzi (1995, p.95) alerta:

[...]A criança que não dominaas habilidades privilegiadas pelaescola não é vista conforme seudesenvolvimento, mas confor-me o que lhe falta para atingiro padrão pressuposto pelaescola, ou seja, o seu déficit. Daíque os pesquisadores busquemanalisar a história de letramentopara averiguar o que faltou àcriança e o que causou essedéficit e não para apontar ascaracterísticas de letramento dacomunidade e a falha da escolaao não considerar essas carac-terísticas e a sobrepor a ela, ou aimpor, uma orientação diferente.Pressupõe-se com isso que ospesquisadores esperam que acomunidade altere sua orientaçãopara adequá-la à escola e nãovice-versa.

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cultura deve ser feito de maneiraexplícita e integrado ao ensino.Acrescentam alguns, ainda, queé impossível se tornar bilíngüesem se tornar bicultural.

Parece incongruente a reflexão dessaposição com a análise em curso. Emprincípio parece contraditório relacionarargumentos referentes a temáticas tãodistantes. Aqui está sendo feita umarelação entre a gestão da escola e suarelação com o universo lingüístico dacomunidade, enquanto, Moita Lopes (1996)aborda os fundamentos políticos dadocência de l íngua estrangeira. Ocruzamento é viável, pois esta discussãopauta-se na variedade lingüísticacirculante no meio escolar, nesta direçãocomunidade e escola falam línguasdiferentes. Não chegam a ser estrangeiraentre si, mas, guardam distância quevalidam esta ponte.

Considerar a diversidade lingüísticapara orientar um trabalho escolar quecaminhe na direção de uma postura deorganização democrática requer maisdo que admitir que existem culturasdiferentes dotadas de signos plurais.Então, trata-se de reconhecer que osatores sociais que se deslocam dediversas culturas e se encontram naescola trazem não só uma fala, mas,também, uma interpretação de vidapautada em valores que traduzem abeleza do arco-íris social. O que aquiestá sendo chamado de interpretação devida foi o que Freire (2001, p.11) chamoude leitura de mundo.

[...] processo que envolvia umacompreensão crítica do ato deler, que não se esgota nadecodificação pura da palavraescrita ou da linguagem escrita,mas que se antecipa e se alongana inteligência do mundo. Aleitura do mundo precede aleitura da palavra, daí que aposterior desta não possaprescindir da continuidade daleitura daquele.

Quando a leitura de mundo torna-seum elemento contínuo na formação dosujeito, desfaz-se a crítica equivocadaque a escola ao considerar a realidadelingüística do indivíduo, o reduz a ummundo conhecido e experienciado. Asinalização de Freire (2001) alerta parao papel central da escola em ampliar olastro sociocultural do educando. Aescola deve considerar e valorizar aleitura de mundo anterior como ponto departida para outros mundos. Aqui, nãose pretende determinar a chegada, aliáso indivíduo nunca chega, mas semprecaminha e a escola pode favorecer oencontro da trilha.

CONCLUSÃO

A democracia tem mostrado ser umprocesso conflituoso e o seu alcancenão se dá através de determinaçõesoficiais e legais, ou seja, não basta quese institucionalize a descentralização dasdecisões para a escola caminhar em umritmo que supere a cultura do mando eda burocracia.

Assim, a implantação e regulamentaçãodo Colegiado Escolar, por exemplo, nãoautomatiza uma gestão escolar democrática

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como proclama a propaganda estatal.É necessário criar uma cultura demo-crática e exercê-la, esta é a condiçãoessencial para o funcionamento da gestãoescolar de maneira descentralizada. Éna vida diária da escola que esta culturavai sendo alimentada e construídacoletivamente a partir da contribuiçãode todos os atores sociais que fazem eestão na escola.

A construção da gestão escolar de-mocrática, então, pressupõe o debateefetivo entre os diversos atores sociaisrepresentantes da comunidade emdefesa de seus interesses. No planoconcreto, este debate ocorre a partirda interação dos sujeitos sociais quetrazem para a escola suas referências delinguagem. Então, a escola configura-secomo o campo que promove umanegociação, muitas vezes tensa, entre osinteresses comunitários. Para tanto, éfundamental patrocinar a comunicaçãoentre os diversos elos dessa cadeia,considerando as diferenças identitáriasreveladas nos textos falados, escritosou representados pela comunidadeescolar.

A mediação do jogo entre os interessessociais faz da escola uma instituiçãocom responsabilidade particular:garantir a memória, a história dosgrupos em interação no mundo. Nãose deve perder de vis ta que é nautilização da linguagem que as culturashumanas elaboram os significados econstroem as representações que con-

ferem sentido à existência. Então, é namanifestação lingüística que o sujeitoindividual e coletivo adquiri as refe-rências significativas que validem suaidentidade, passando a se reconhecer eser reconhecido.

Nesse sentido, a escola precisa elaborarum plano de gestão que consideretodas as representações lingüísticashorizontalmente. Isto implica em explicaras diferenças de comunicação pe laprópria diferença. Ao tempo em que sãodiferentes, as culturas, também, sãoincompletas. Então é no debate de idéiase na construção de regras de coexistênciaque se completam garantindo a vida. Àescola cabe o desafio de promover umagestão da comunicação das diferenças.

Artigo recebido em: 13/10/2004.Aprovado para publicação em: 06/11/2004.

Understanding the democratic managementfor the way of the circulating linguisticplurality in the school.

Abstract: The article intends to establish a linkbetween the themes democratic administrationand linguistic plurality in the educationenvironment. The analysis takes a state publicschool in the city of Salvador-Bahia reviewing adiscussion between a student at high school anda pedagogical co-ordinator; it shows that thedemocratic administration in school does not havea culture of sensitive organization towardslinguistic plurality. This article contends thatdemocratic school administration should considerthe individual-subject and its structure inopposition to an impersonal, bureaucraticadministration. Using this approach, the linkbetween school administration and languageplurality becomes possible. The school is takenas an institution which, to achieve effectivedemocratic administration, needs an adminis-trative plan in order to communicate effectivelywith all sectors of the school community.

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Compreendendo a gestão democrática pela via da pluralidade lingüística circulante na escola

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Keywords: Linguistic plurality; DemocraticAdministration; Schools.

Comprendiendo la gestión democrática porvía de la pluralidad lingüística circulanteen la escuela

Resumen: El artículo se propone establecerun puente entre las temáticas de gestióndemocrática y pluralidad l ingüíst ica en eluniverso de la educación. El análisis parte deun campo empírico si tuado en una escuelapública estatal localizada en la periferia urbanade la ciudad de Salvador-BA. Sitúa la problemáticaa partir de la memoria de los registros deinvestigación de un diálogo entre un alumno deeducación media y una coordinadora pedagógica,demostrando que la gestión de la escuela noposee una cultura organizacional sensible a ladiversidad lingüística circulante en el territorioinstitucional. Comprende el concepto de gestiónmás allá de lo técnico-administrativo, definidoaquí como toda trama de poder que se modelaen la escuela para orientar su dinámica defuncionamiento. De esa manera, defiende quela gestión escolar democrática debe considerarel sujeto y su repertorio subjetivo, en oposiciónal modelo burocrático que t iene en laimpersonalidad su marca basal . Es en esteabordaje en que la conexión entre gestiónescolar participativa y la diversidad lingüísticaes posible, al desplazar el eje de la organizaciónadministrativa de la directriz funcional alenfoque humano-cualitativo. La escuela es vistacomo una insti tución identi taria que paraefectuar una gestión horizontal necesita de unplan de gestión que contemple la lengua delconjunto de sus actores sociales dentro delproceso de comunicación permanente.

Palabras claves: Pluralidad lingüística; Gestióndemocrática; Escuelas.

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Sobre o Autor:

1Carlos Alberto Ferreira DanonMestrando em Educação e Contemporaneidade,Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Espe-cialista em Metodologia Pesquisa e Extensão,UNEB. Licenciado em Ciências Sociais pela Uni-versidade Federal da Bahia (UFBA). Professorde Sociologia e Educação na Universidade Estadualde Feira de Santana, Professor de MetodologiaCientífica, Faculdades Jorge Amado (FJA).Orientadora: Doutora Nadia Fialho.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: R. Carlos Gomes, 85/416, Cen-tro, Salvador/BA, Brasil. CEP: 40.060-330

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Reforma educacional, exclusão e racismo na Bahia

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EDUCAÇÃO NO BRASIL - NUANCESCONTEMPORÂNEAS

Apresentamos neste texto uma discussãosobre os resultados da pesquisa de-senvolvida durante o período de junho 2001a janeiro 2002, pela equipe do Howard

Samuels State Management and PolicyCenter, da City University of New York,Graduate Center3 , estudando a reformaeducacional em Salvador - Bahia. A nossaabordagem para a obtenção dos dadosvaleu-se de estratégias qualitativas,usando principalmente a observaçãoparticipativa e entrevistas semi-estruturadas, instrumentos que nospermitiram uma introspecção nas rotinasdiárias de seis escolas públicas baianasque oferecem o ensino fundamental da1ª à 8ª série e o ensino médio e de duasescolas comunitárias mantidas porassociações de bairro, oferecendo oensino fundamental de 1ª à 4ª série.

A cidade de Salvador foi escolhida porter em curso uma reforma educacionaliniciada em 1999 através do ProgramaEducar para Vencer pelo maciçocontingente de alunos afro-brasileiros,refletindo as características demográficasgerais desta cidade.

Resumo: Este artigo apresenta os achados prin-cipais da nossa pesquisa, desenvolvida durante operíodo de junho 2001 a janeiro 2002 sobre areforma educacional em Salvador - Bahia.Concluimos que dois fatores principais impedemo maior sucesso desta reforma. Primeiro, detec-tamos um sistema de racismo estrutural, respon-sável por nortear as percepções que professores,diretores e administradores tinham sobre o alunadopobre e negro nas escolas pesquisadas, no sentidode esperar e exigir pouco desses alunos. Baixasexpectativas resultavam em baixo empenho.Segundo, encontramos que a educação pública,mesmo melhorando, ainda não pode competircom a educação privada. Como consequência, es-colas públicas continuam reproduzindo exclusãoe escolas privadas continuam reproduzindo privi-légio.

Palavras-chave: Reforma; Educação Pública;Racismo; Exclusão; Educar para Vencer.

3 Esta pesquisa é um estudo comparativo que abrangeu uma análise de reformas semelhantes na África do Sul, Nicarágua, México e Suldos Estados Unidos. Em cada país uma equipe de pesquisadores procedeu da mesma forma – focalizando em regiões com populaçõeshistoricamente excluídas (populações negras, indígenas, mulheres, crianças etc). Este projeto de pesquisa teve o apoio das FundaçõesFord e Rockefeller e foi coordenado pela Profa. Dra. Marilyn Gittell, diretora do Howard Samuels State Management and Policy Center.Estapesquisa contou com a colaboração da Profa. Dra. Kátia Siqueira de Freitas, PGP/LIDERE- ISP/UFBA. Os resultados completos destapesquisa foram publicados sob o titulo Old and New Frontiers in Education Reform: Confronting Exclusion in the Democratic Tradition,Lanham: Lexington Books, 2005.

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O interesse principal que norteou esteprojeto de pesquisa foi o de averiguar seas reformas nacionais e estaduais dos is tema educacional bras i le i ro ,iniciadas em 1996 com a edição da Leide Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional (Lei 9394/96), efetivamenteproduziram al terações no cenárioeducacional e se tais alterações foramcapazes de impactar as real idadesvividas pelos alunos nas salas de aula,especialmente no que tange ao impactodas reformas na situação de populaçõeshistoricamente excluídas, com atençãoespecial para a população afro-brasileirae o contexto da discriminação racialpresente nas escolas e salas de aulas,enfoque justificado pela relevância doracismo como uma das causas prin-cipais da exclusão social e do fracassoescolar (ANDRÉ, 2001; ABRAMOVAY,2002).

PANORAMA DO FRACASSO ESCO-LAR NO BRASIL: AS CAUSAS DAREFORMA

Historicamente o sistema educacionalbrasileiro tem ficado atrás dos sistemaseducat ivos da maior ia dos out rospaíses latino-americanos. Um estudodo Banco Mundia l que comparasistemas educacionais primários doCaribe e da América Latina, publicadoem 1994, constatou que somente o

Haiti teve um índice mais baixo deconclusão na educação primária e queo Brasil seria o último na lista, se oíndice de alunos que concluíram aeducação primária sem repetir fosseconsiderado (WOLFF; SCHIEFEL BEIN,VALENZUELA, 1994).O índice brasileirode analfabetismo adulto em 1996, era14.7% (31.5% para as pessoas acima de50 anos); para o Nordeste, este índiceera de 28.7% (52.7% para as pessoasacima dos 50). Em comparação, asregiões sul e sudeste do Brasil tiveramum índice de analfabetismo adultode 8.7% (22% para as pessoas acimados 50 anos)4. Se o aspecto raça forconsiderado, as diferenças tornam-seainda mais claras. Os brasileiros brancosreduziram seus índices totais deanalfabetismo de 11.9% em 1991 para9% em 1997. Brasileiros negros, aocontrário, tiveram um índice deanalfabetismo de 31.5% em 1991,conseguindo reduzi-lo para 22.2% em19975. Em termos de anos médios deestudo, a população brasileira alcançouuma média de 6 anos em 1996, masa população adulta nordestina sóchegou a uma média de 4.4 anos deescolarização no mesmo ano6.

O mesmo quadro se aplica para o acessoàs escolas e para a permanência regularda população em idade escolar.

4 Dados do IBGE-PNAD 1996. Não incluem as populacões rurais do norte.5 Este número é exatamente igual para indivíduos declarados “preto/a” e “pardo/a”, seguindo as convenções do IBGE. Nós usamos o termo“negro” quando somamos os números de “pretos/as” e “pardos/as”. Dados do IBGE. Censos Demográficos 1991/PNAD. Dados não incluemas populacões rurais do norte. Estes dados podem ser comparados em proporcionalidade com os apresentados no Censo 2000, confirmandoque a situação da população negra pouco foi alterada.6 Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, 1996; PNUD/IPEA, 1996 e MEC/INEP/SEEC, baseado em dados do PNAD de 1995e 1996. Dados não incluem as populacões rurais do norte.

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Reforma educacional, exclusão e racismo na Bahia

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Em 1996, 41.9% da população baianaacima dos 15 anos e 74.9% da populaçãoacima de 50, estava completamenteanalfabeta (comparando com 28.9%em nível nacional). Os últimos dadosdisponíveis do Instituto Brasileiro deEstatística e Geografia (IBGE) sobreníveis educacionais na região Metro-politana de Salvador são de 1996. Elesmostram que somente 15% da populaçãoacima de 20 anos teve mais de 4 anosde instrução7. A ssim, em 1996, 85% dosbaianos moradores da região metro-politana não tinham completado o cicloeducacional elementar, segundo ospadrões brasileiros de educação, estesindivíduos são considerados “anal-fabetos funcionais”.

Estatísticas recentes indicam que maisde 70% dos alunos baianos no ciclofundamental (1ª à 8ª série) repetiramuma ou mais vezes (MANUAL..., 2002).Em 2000, os índices de repetência nasséries iniciais do ensino fundamental emescolas públicas na Bahia (1ª à 4ª) era de67,7%, comparando com uma média

O Nordeste fica atrás em qualquer categoria.

nacional de 43,7%. As estatísticas de1999 indicam que os alunos nas escolaspúblicas baianas repetiram em média 3vezes antes de concluírem a 8ª série,comparados com uma vez em nívelnacional. Os dados sobre repetência,distorção idade/série e fracasso escolar,considerados juntos com uma coberturade escolas públicas baianas de somente90% para os alunos de 7 a 14 anos,mostram que para os alunos baianos, 85%dos que são atendidos em escolaspúblicas, é muito baixa a probabilidadede completar a 8ª série.

Mas estes dados ainda não captam oquadro completo do fracasso escolarnordestino e baiano em específico. Istoporque a conclusão do curso, de modoalgum, garante uma preparação efetivapara os alunos. De acordo com avaliaçãoda qua l idade de educação bás ica(níveis 1 a 11), executados pelo SAEB,em 2001, 50% dos estudantes baianosque concluíram a 8ª série, saem daescola sem ter adquirido as habilidadesbásicas...8

7 IBGE: Pesquisa Mensal de Emprego - Tema Trabalho - abril de 1996.8 Informação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Básico (SAEB) 2001

Quadro 1- Indicadores de Produtividade do Sistema de Ensino por regiões brasileiras

Fonte: Castro apud Verhine (2000).

INDICADOR NORTE NORDESTE SUDESTE SUL CENTRO-OESTE

TAXA ANALFABETISMO DE ADULTOS – 1996 11,6 28,7 8,7 8,9 11,6

TAXA DE PROMOÇÃO – 1ª Série – 1997 43.0 45.0 83.0 75.0 58.0

TAXA DE REPETÊNCIA – 1ª Série – 1997 55.0 53.0 16.0 25.0 41.0

TAXA DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE 1ª Série - 1998 51.2 54.1 14.7 10.5 25.1

% DOCENTES C/ ENSINO SUPERIOR – 1998 17.3 24.1 63.1 61.2 47.6

GASTO POR ALUNO (R$) – ENSINO FUND. - 1995 302 278 608 535 457

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A REFORMA EDUCACIONAL BRA-SILEIRA

A história da reforma do sis temaeducacional brasileiro moderno começanos anos de 1930. O debate sobre a baixaqual idade do s is tema educacionalbrasileiro e da necessidade de sua reformasão históricos, entretanto, este debate,raramente se t raduziu em passosdecisivos de melhoria da qualidade dosistema educacional público9.

O último esforço nacional de reformaculminou com a promulgação de umanova Lei para reger o sistema de ensinonacional a Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional (Lei 9394/96), rede-finindo prioridades educacionais eabrindo caminho para mudanças nasdiretrizes curriculares nacionais, paraa inclusão de questões contemporâneascomo temas transversais na elaboraçãodos currículos, para a gestão democráticae participativa das escolas, para o envol-vimento de pais e das comunidades navida escolar, a ampliação da autonomiada escola, e para sanar as finanças dasescolas e do sistema educacional comoum todo.

Um elemento crucial que mostrou terinfluência significativa neste particularfoi o Fundo para a Manutenção e oDesenvolvimento da Educação Funda-mental e a Valorização do Magistério(Fundef). O FUNDEF foi projetado paraalcançar duas metas prioritárias: definir

as esferas de atuação estadual emunicipal, garantindo uma organizaçãomais racional da educação e garantiros recursos financeiros para que osmunicípios pudessem assumir a educaçãofundamental, através do repasse diretode uma quantia mínima (R$ 315,00 em2001) cada aluno matriculado no sistemamunicipal. Este fundo trouxe grandeincentivo para a matrícula do maiornúmero possível de alunos, o queresultou no aumento do orçamentomunicipal, tendo grande impacto nosmunicípios mais pobres do país emespecial nas regiões norte e nordeste.Como resultado, foi posta em marchauma tendência para que os municípiosefetivamente assumissem as responsa-bilidades educacionais que a Cons-tituição Federal de 1988 definiu: amunicipalização. Como um resultadodireto do FUNDEF, as cidades brasileirasaumentaram sua participação naeducação fundamental de 37,2% detodas as matrículas no ciclo fundamentalem 1996, para 51% em 2000 (RO-DRIGUES; GIAGIO, 2001).

O Estado da Bahia somente começousua reforma educacional em 1999. Umempréstimo do Banco Mundial no valorde US$ 68 milhões, beneficiando direta-mente o governo do Estado da Bahiadurante os anos de 2000 a 2002, coincidiucom o começo desta reforma. Uma dasrazões principais do governo da Bahiaprocurar este empréstimo internacionalfoi a ineficácia financeira dos sistemas

9 O título do livro do trabalho de Birdsall’s and Sabot’s 1996 sobre educação no Brasil é emblemático neste sentido. Chama-se “OpportunityForegone” (Oportunidade Perdida).

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educacionais estaduais e municipais. Emalguns municípios rurais, os alunosestudavam em média de 15 anos atécompletar a 4ª série (HANUSHEK;GOMES NETO; HARBISON, 1996). NoNordeste, a defasagem idade/série nociclo fundamental, foi reduzida de80,6% em 1991, para 64,1% em 1998,mas este era ainda o índice mais alto dopaís (a média no Brasil era de 46,6% em1998). Índices altos de repetência estavamportanto, “obstruindo” o fluxo dos alunosno sistema educativo público baiano,porque na medida em que os alunos maisvelhos não avançavam, não abriam vagaspara novos ingressos. Invest i r emqualidade educacional portanto, eratambém uma promessa de reduzir custos.

METAS ALCANÇADAS

A maioria dos estudos sobre a reformaescolar, iniciada por Fernando HenriqueCardoso (FHC) e seu ministro daEducação Paulo Renato Souza, concordaem dizer que ela foi bem-sucedida porter ampliado o acesso à educação dapopulação brasileira em idade escolar (7a 14 anos) (LAMOUNIER; FIGUEIREDO,2002).

Em 2000, 97% desta população eraatendida pela escola, comparados com85% em 1989, embora os índices parao nordeste fossem significativamentemais baixos, pois a cobertura escolaratingiu somente 90% da população em

200010. O FUNDEF foi freqüentementeavaliado como um instrumento eficazcrucial na descentralização do sistemaeducacional brasileiro, capaz de pôrordem num sistema que tem sofridohá muitas décadas de uma falta dedivisões claras das responsabilidadesestaduais e municipais. O FUNDEFtambém garantiu condições financeirasmínimas nas escolas de municípiosrurais pobres11. O foco que o PresidenteFHC e sua equipe deram à educaçãobásica foi capaz de contrabalançar o pesoimpróprio da educação universitária,consumindo acima de 50% do orçamen-to educacional brasileiro até então(CAIXETA, 2002). Como resultado diretoda expansão de matrículas no ensinofundamental, o número de matrículas noensino médio também expandiu em 71%de 1994 a 200112.

Nossa análise da reforma baiana mostrouque os programas de capacitação deprofessores gradualmente causaramimpacto na qualificação destes profis-sionais e na qualidade do ensino.ALei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96)requer que todos os professores do ensinofundamental tenham nível universitário.Aos professores já contratados sem nívelsuperior foram oferecidas oportunidades(embora limitadas) de voltar a estudar pormeio de incentivos e programas específicosde formação e capacitação em serviço eformação continuada. O mesmo se aplicapara a qualificação de diretores. É parte

10 Dados do IBGE, 2000.11 Em 2002, este valor mínimo foi de RS $ 415,00 ao ano por aluno matriculado em escolas municipais e estaduais.12 Dados de MEC / INEP.

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É parte desta reforma, no sistema mu-nicipal, que a comunidade escolaratravés de órgãos colegiados (compostospor um representante de cada um dosseguintes segmentos: pais, comunidade,professores, funcionários e alunos) elejaos (as) gestores(as) escolares.

No sistema estadual, os diretores têmque passar por um curso e avaliaçõesde desempenho para serem elegíveispara o cargo.Comparando as escolaspesquisadas mostrou-se que um(a)dire tor(a) bem informado(a) , bemtreinado(a) e comprometido(a) podefazer uma diferença significativa nosresultados alcançados pela escola.Encontramos diretores(as) compro-metidos(as) que efetivamente tinhamse empenhado em aplicar as reformas,mas também encontramos outros(as)menos envolvidos que não as executa-ram ou porque ignoravam suaexistência ou por mero comodismo. Osreflexos disso eram claros nas estruturasescolares, desde o aspecto físico,passando pela disponibilidade dosrecursos e as relações interpessoais,até atingir os resultados alcançadospelos estudantes no seu processo deensino-aprendizagem.

As novas diretrizes nacionais de 1996são avaliadas positivamente por teremuma perspectiva de qualidade para aescola que é excelente, embora muitasvezes os padrões altos e as genera-lizações dessas diretrizes se choquemcom realidades locais muito díspares.

Nas escolas da nossa amostra encon-tramos muitos professores que admi-tiram ser incapazes de ensinar compadrões tão elevados e complexosencadeamentos teórico-práticos comoos que são requisitados.

Comparar o sistema escolar municipalcom o sistema estadual levou-nos àconclusão de que a municipalização ea crescente autonomia escolar impac-tam de forma positiva a eficiênciaadministrativa das escolas. A autonomiafacultada às escolas – municipais eestaduais – garantiu a realização deprojetos inovadores, respondendo aproblemas locais específicos. Algumasescolas criaram parcerias com ONGse Fundações para garantir recursosfinanceiros específicos para enfrentarproblemas como a v io lência , adegradação do patrimônio físico oumesmo para realizar projetos comolaboratórios de informática ou salasde aula especia is , out ras a tuaramdiretamente na proposta pedagógicaelaborando currículos afrocêntricosidentificados com o público alvo dasescolas da rede municipal. Uma dasdiretoras entrevistadas nos explicou:

“Antes de ficarmos autônomos,se o professor de educação fisicaprecisava de uma bola nova,ele t inha que escrever umacarta para mim, e eu tinha queencaminhar um pedido aogoverno do Estado. Demoravasemanas até receber a nova bola,e nesse tempo, não se podiajogar. Os professores ficavam tãofrustrados com essa demora queeles nem faziam mais o pedido.

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Agora que temos autonomia, oprofessor vem diretamente a mime eu arranjo uma bola nova empoucos dias.13”

Uma parte central da reforma baianade 2000 a 2002 foi o projeto de “Regu-larização de Fluxo Escolar” . Esteprojeto tornou-se uma necessidadeporque o sistema escolar baiano ficoumuito atrás de outros estados brasileirosem termos de índices de analfabetismo,anos médios de educação e qualidade daeducação, refletindo em índices muitoelevados de repetência e fracassoescolar. Em 2000, o índice de repetênciaem escolas públicas baianas do ensinofundamenta l a inda e ra de 67 ,7%,comparados com uma média nacionalde 43,7%. Em 1997, só 62% dos alunosem escolas públicas fundamentaisbaianas foram promovidos a cada ano(BRASIL..., 2001; VILLELA, 1997).

Altos índices de repetência tornarama educação pública baiana, no nívelfundamental, extremamente cara, pois aretenção de um número elevado dealunos criou uma falta de espaço físicopara novos alunos – um problema aindaagravado pelo fato de que a maioriadas repetências ocorria na primeira esegunda séries do ensino fundamental.Novas escolas teriam de ser construídaspara os novos alunos, numa época em

que os índices totais de natalidadedeclinavam. O elemento central dareforma em vigor na Bahia focalizoumuito fortemente a regularização dofluxo escolar dos alunos.“Classesaceleradas” foram criadas, para traba-lhar os conteúdos curriculares de doisanos em um ano14. Observamos que apressão para atingir as metas definidaspela administração estadual e peloBanco Mundial é repassada aosprofessores, que são freqüentemente“lembrados” da importância dapromoção de série de quantos alunos forpossível, garantindo assim a liberaçãodo fluxo regular do sistema.

BUSCANDO EXPLICAÇÕES: DEQUEM É A RESPONSABILIDADEPELO FRACASSO ESCOLAR?

Explicação n° 1: o responsável é o aluno

A maioria dos professores e gestoresentrevistados, freqüentemente, responsa-bilizou as condições socioeconômicasdos alunos pelo seu baixo desempenho econseqüente fracasso. Esse mecanismode culpabilização das vítimas incluiu tantoos alunos quanto seus pais, pois houvesempre uma relação direta do fracassoescolar com o fato de as famílias estarem

13 Entrevista conduzida em 25/08/01.14 Observando estas aulas e entrevistando os professores que as executaram ficou evidente que era um projeto irreal pretender ensinar emum ano o que normalmente é ensinado, a duras penas, em dois. Embora o governo estadual selecionasse professores motivados para dar estasaulas, os treinasse e os acompanhasse durante o ano letivo, a maioria dos professores entrevistados declarou que se sentia mal preparada pararealizar este trabalho. Muitos professores também apontaram para o fato de que muita pressão é feita sobre eles para promoverem os alunos,mesmo que estes não tenham alcançado as habilidades necessárias. Esta pressão pareceu originar-se no governo estadual e foi passado aosdiretores em forma de metas previamente estabelecidas de promoção. A pressão para promover alunos mal preparados e “liberar” o sistemapara os novos matriculados é um exemplo da influência de grupos alheios ao sistema educacional como o Banco Mundial, uma vez que osgovernos federal e estadual se vêem sujeitos a cumprir as metas arbitrariamente determinadas para manter o fluxo de dinheiro. A pressãoé desta forma passada do Banco Mundial para as administrações centrais (federal/estadual), para as secretarias de educação, para os diretorese finalmente aos professores.

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deixando de cumprir a sua parte noprocesso educativo. Os alunos afro-brasileiros pobres eram sistematica-mente responsabilizados através de umdiscurso generalizado de incompetênciaquase “oficial” de que “eles [os alunos]não querem nada”, significando que elesnão estão motivados para aprender. Asnotas de campo, feitas durante a visitaa uma das escolas públicas estaduaisilustram este fato:

A diretora ficou claramenteperturbada e insegura por causada nossa visita. Sua escola estavaem péssimas condições físicas,suja e acabada e extremamentecercada, parecendo uma prisão.As paredes das várias salas forampichadas e várias cadeiras foramquebradas. A água tinha pene-trado e criava charcos dentro dealgumas salas de aula. A escolanão tinha biblioteca. Andandopelos corredores, ficou óbvio quemuitas turmas estavam sem aulase os professores estavam ausentes.As turmas sem professor ficavamlivres e os alunos corriam peloscorredores, fazendo barulho einterrompendo as aulas queefetivamente aconteciam. Cadajanela tinha grades de ferro, aentrada geral da escola eravigiada, de modo que ninguémpodia entrar ou sair semautorização prévia. Os alunostinham se revoltado contra esteambiente de prisão, quebrandoalgumas barras das grades.Depois de nos mostrar a escola,a diretora explicou que oproblema principal da escola eraa pobreza da vizinhança (Diáriode Campo, 09/2001).

Segundo a diretora

Esta é uma vizinhança perigosae muito pobre. (…) As pessoas

sempre arrombam a grade eentram para roubar equipa-mento e para jogar futebol nonosso pátio de recreio. (…) Nomês passado alguém entrou etomou banho no nosso reser-vatório de água” 15 (Diário deCampo, 09/2001).

O discurso e a atitude desta diretoraclaramente localizaram as causas dofracasso escolar nas condições físicas ena pobreza da vizinhança. Embora o itemraça não tenha sido mencionado, ficoutambém claro que “condições socio-econômicas ruins” compunham umconceito racializado, uma vez que todosos alunos e residentes da vizinhança eramnegros. Isto se tornou ainda mais evidenteporque a diretora tentou constantementese distanciar desta realidade. Perguntadase ela também vivia naquele bairro, elaafirmou com veemência que vivia “numbairro bom” bastante longe dali. Suaapresentação pessoal e característicasfísicas bastante diversas daquelapopulação, também reforçavam seudistanciamento simbólico, tudo em seucomportamento funcionava como umlembrete da sua posição social distintae superior, realçando sua distância socialdos alunos e da vizinhança da escola.Citamos o discurso desta diretora porqueela representa uma atitude típica, queencontramos em quase todas as escolasexaminadas: alunos pobres e negros sãoculpados pelo seu fracasso nas escolas quefrequentam. Parece haver uma correlaçãodireta entre estas duas variáveis – quantomais pobre e mais negro for o aluno,menos se espera dele.

15 Entrevista conduzida em 12/09/2001.

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Uma análise mais profunda desteaparente “não querer nada” dos alunosaponta para outras explicações, inclusiveuma resistência àquilo que está sendooferecido a eles nas escolas.

Em entrevista, uma educadora e ex-secretária de educação municipal nosapresentou a seguinte compreensão dosfatos:

Os pais procuram muito aescola, eu vejo isso muito nointerior. Os pais conseguemidentificar a escola como umaquestão estratégica para seusfilhos. É tão estratégico que elenão pode deixar de ir para aescola, e isso é tão óbvio pelaquantidade de vezes que osmeninos saem e entram naescola. Você ter uma criança querepete 8 vezes uma primeirasérie é porque aquilo é muitoimportante para ele, porqueninguém repete nada 8 vezessem achar que é importante. Eo pai coloca sobre a escola umaresponsabilidade enorme, a pontode chegar na escola e perguntarassim: O quê que você acha queeu devo fazer com meu filho?Eu estou tendo dificuldade aqui.O que é que eu faço com meufilho? Meu filho está consumindodroga, o que que eu faço com meufilho? A escola é muito referênciapara os pais16.

Nesta perspectiva alternativa, não sãoos alunos e seus pais que não sãomotivados para aprender. Antes é a escolaque falha em responder às necessidades edemandas desta parecela da populaçãocarente. O discurso de culpabilização dosalunos pelo seu fracasso cumpre a funçãode desculpar o fracasso do sistema escolare de projetar o problema não na escola,mas na condição dos seus alunos. Uma

vez que a maioria dos alunos das escolaspúblicas baianas é negra e pobre, estediscurso veicula um racismo escamoteado,pois alunos pobres e negros certamente têmo mesmo potencial de aprendizagem quequalquer aluno rico e branco, o que diferesão as oportunidades de realização destepotencial.. Ë o sistema que falha quandoesse potencial não é aproveitado – masisto, inevitavelmente influencia namotivação dos alunos de forma negativa.

O responsável n°. 2: o professor

Há também vozes que se fazem ouvir paradenunciar a atitude dos professores comocolaboradores nesta ação de esface-lamento da educação pública. Uma dasdiretoras entrevistadas salientou que osprofessores da escola eram os elementoscentrais em todo o processo. Ela explicouque muitos professores não executaramdurante o ano as atividades que elespróprios tinham planejado e registradono Plano de Desenvolvimento da Escola(PDE), por mero comodismo.. .

Há professores que se neguema executar as ações do PDE,dizem que eles não são pagospara isso. Outros somente preten-dem executá-las (Entrevistaconduzida em 07/10/01).

Os diretores constantemente acusavamos professores de não estarem com-promissados com seus trabalhos, o quepudemos constatar pelo elevado númerode turmas sem aulas, devido à falta dosprofessores. Muitos deles usavam asrazões mais simplórias possíveis para não

16 Entrevista conduzida em 06/09/01.

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ensinar, preferindo envolver a sala ematividades de lazer não programadas.

André (2001) nos mostra como a dife-renciação inconsciente (que ela chamade “diferenciação selvagem”, segundo opedagogo francês Perrenoud) é umaprática muito comum entre professoresbrasileiros, que tendem a classificar seusalunos de antemão como vencedoresou perdedores, dando origem assim afavoritos e à sintomática negligênciaaos desfavorecidos.

Da mesma forma, a maioria dosprofessores usava códigos sociaiscomo vestimenta, estilo de cabelo eoutras maneiras e objetos associados apadrões de consumo de classe média,que servem claramente como delimitadorda sua posição social diferente daquelaocupada por seus alunos. Identificam-sesempre como membros “da classemédia” , enquanto seus alunos sãopertencentes à “classe baixa” ou “pobre”.Por outro lado, a maioria dos alunos seauto-classificava também como membrosdesta dita classe média. Não obstante,não ter sido possível realizar umapesquisa de declarações de pertencimentoracial, tornou-se evidente nos discursosque a maioria dos professores nãopoupava esforços para se definir como“branco,” classificando seus alunosordinariamente como “negros”. Era claro,

no entanto, para o observador, que amaioria dos professores em nada sedistanciava do coletivo dos alunos, noque se referia à identificação racial.

Explicações alternativas: causassistêmicas e racismo

1. Racismo

Ao nosso ver, alunos e professores sãoambos vítimas de causas estruturais esistêmicas, conjurando para obstruiruma reforma educacional mais eficientee efetiva. Na medida em que os alunossão culpados pelo fracasso escolar, assoluções desenhadas pela reformafocalizam excessivamente os alunos esuas supostas “deficiências”. Um exemploclaro desta visão distorcida é a grandeênfase dada ao “Projeto do Programa deEnriquecimento Instrumental (PEI)”17

no sistema de ensino médio, fazendo daBahia o único lugar do mundo onde talprograma é aplicado em massa numarede oficial de ensino. Na prática, esteprojeto consistiu em treinar professoresdo ensino médio para poderem aplicartestes especiais que visam melhorar acapacidade cognitiva dos alunos. Emmédia, eram dedicadas duas horas porsemana a esta classe especial, requerendodois professores em cada sala de aula –para classes com mais de 25 alunos(que era normalmente o caso).

17 PEI significa “Programa de Enriquecimento Instrumental” e é baseado no trabalha do psicólogo israelense Reuven Feuerstein quedesenvolveu sua teoria nos anos 1940 baseado no seu trabalho com crianças órfãs ou crianças que foram separados de seus pais como resultadodo Holocausto. Na página de internet de Feuerstein (http://www.icelp.org/), seu trabalho é descrito como um “programa de intervençãobaseado na crença que a inteligência é modificável e não fixa, e projetado para aumentar as habilidades cognitivas necessárias para pensarindependentemente. Os objetivos do PEI são afiar o pensar crítico, usando os conceitos, habilidades, estratégias, operações e atitudes neces-sárias para aprender independentemente; diagnosticar e corrigir deficiências das habilidades do pensar; e ajudar indivíduos a “aprender comoaprender” (Tradução de Bernd Reiter).

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O “PEI” foi criado para desenvolver ashabilidades cognitivas de crianças comdeficiências e traumas específicos. Asolução “PEI” responde portanto, a umaanálise do “problema” do ensino públicobaiano na qual o problema é localizadona baixa capacidade cognit iva doalunado composto predominantementepela população negra e pobre da cidadede Salvador.

Segundo o discurso dominante, estadeficiência cognitiva é causada pelapobreza e pela “experiência culturalpobre” do alunado - eufemismosaltamente carregados com conotoçõesraciais e culturais. À medida em que nosalunos são realçados problemas deordem cognitiva através do rótulo de“problemáticos” outras causas estru-turais da sociedade brasileira/baianacomo o racismo são ofuscadas e asinstâncias municipais e estaduaisconseguem dissimular um quadro socialde exclusão que permanece intocado.

Em última análise, a aplicação do PEInão contribuiu para que os mecanismosresponsáveis por reproduzir a exclusãosocial dentro das escolas públicasbaianas fossem debelados, ao contrário,ao canalizar recursos para o PEI, umaestrutura sabidamente onerosa, acondição real e marginal da educaçãopública manteve-se intocada. E aindapior, ao localizar os problemas educa-cionais nos alunos, sem dividi-los como sistema escolar, as escolas e suasrotinas alimentam um círculo vicioso

que projeta o fracasso para os corposdos alunos, reduzindo ao mínimo aspossib i l idades de eles te rem umaexperiência de aprendizagem positiva,emancipatória, capaz de apoiar seudesenvolvimento pessoal.

Como já sinalizamos anteriormente, asestratégias discursivas que apontampara o alunado como principal culpa dodo fracasso escolar, têm uma conotaçãoracista. O “racismo à brasileira” estruturatoda e qualquer interação social no Brasile influencia de forma negativa o esforço dereformar o sistema educacional baiano.Marli André (2001) apoiada em outrosestudiosos, aponta para a questão dadiferença étnica em sala de aula e asdificuldades encontradas para a realizaçãode um trabalho com enfoque específiconeste particular. De acordo com váriaspesquisas, raça tem sido um temarepetidamente evitado no Brasil emencionar esta questão muitas vezes foijulgado como uma prática “racista”,daqueles acusados de importar estereó-tipos raciais dos Estados Unidos, oupior ainda, trazer em si certos complexosde inferioridade. Certamente, o nãoreconhecimento da diferença facilmentese traduz em não permitir que ela seestabeleça com algo positivo na sociedade.Além do mais, evitando a explicitação ea discussão mais generalizada das basesteóricas que sustentam as relaçõesraciais, facilita-se sua perpetuação

Na sociedade brasileira, esta tendênciafavorece a perpetuação da ideologia da

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“democracia racial” e de uma homo-geneidade cultural a partir da visãoeuropéia, na qual elementos africanos,na melhor das hipóteses, influenciaramde forma branda e bucólica os “donos daterra,” herdeiros de ricas e louváveistradições européias. Isto se vê claramentenas escolas, mesmo naquelas em queo contigente de afro-descendentes ésignificativo, como é o caso das escolaspesquisadas neste estudo. Questões dediscriminação racial, de negação dopertencimento étnico-racial, das religiõesde matriz africana muitas vezes não sãosequer mencionadas e, quando tocadasno contexto escolar, são vinculadas aorótulo de folclore, sem o reconhecimentode seu lugar epistemológico e formadorna sociedade.

Nossas observações nas escolas confir-maram tal prática. Um exemplo típico foiencontrado numa escola pública deensino médio. Nas salas de aula não sernegro, via de regra, significa ser tratadocomo portador de um atributo positivo,uma qualidade, colocando o indivíduoacima de qualquer suspeita, tratamentodistinto do que é dado às pessoasinequivocamente negras que são muitasvezes encaradas com suspeita e levadasa fazer esforços extras para provar querealmente têm interesse e que queremaprender.

Observamos, de modo geral, os alunosmais escuros se agruparam nos fundosda sala, respondendo às baixas ex-pectativas e aos pobres estímulos dos

seus professores com letargia ou comrevolta. Em salas mais homogêneas, ondetodos eram negros e pobres, muitosprofessores julgavam que o alunadointeiro era predestinado a ter rendimen-tos baixos e a falhar. Muitos professoresinterpretaram o baixo desempenho dosseus alunos e seu comportamento pertur-bador nas salas como “normal”, nãorequerendo qualquer ação. Desempenhoacadêmico ruim, falta de atenção edistúrbios constantes eram “norma-lizados” pelos professores que nãoesperavam nada diferente. Índicesextremos de ausência de professoresera outro sinal a demonstrar a falta deinteresse dos professores por seusalunos. Na maioria das salas reinava umclima geral de “desistir dos alunos”, oque foi ainda agravado pelo cenáriogeral da sociedade, na qual as chancesde alcançar um bom trabalho, de fato,eram muito restritas para estes alunosegressos da escola pública. Desta formaencontramos um dos fatores maisseveros para a produção do fracassoescolar dentro das próprias salas. Em vezdos alunos “não querendo nada” encon-tramos professores e escolas inteiras“não esperando nada” dos seus alunos.

Para piorar a situação e evitar qualquerpossibi l idade de problematizar eenfrentar esta pratica, a reprodução não-refletida de estereótipos raciais andavaconstantemente acoplada à negaçãoconstante desta prática. Quase todos osprofessores entrevistados evitaramconversar sobre cor, raça, ou discrimi-

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nação em suas salas de aulas e nosconteúdos de seus programas de curso.

Esta prática acaba contribuindo para aconsolidação de uma hierarquia racialna qual ser mais negro significa ser maispobre e menos capaz. Era chocantetestemunhar que em escolas inteiramen-te negras (corpo docente, discente etécnico), os desenhos nos corredores,feitos pelos próprios alunos e os materiaisproduzidos pelos professores, quaseexclusivamente representavam padrõeseuropeus, com a predominância decaracteres físicos de pessoas brancas,loiras com olhos azuis, inclusiverepresentando as famílias dos alunos,numa projeção alucinada da realidadeem que se vive. Desta forma, a maioriadas escolas públicas baianas, segu-ramente, está longe de poder executaras diretrizes curriculares nacionaisespecialmente, no que toca à questãoda Pluralidade Cultural em um enfoqueemancipador.

Embora a literatura sociológica sobrediscriminação racial no Brasil sejaabundante, a educação pública baiananão absorveu este conhecimento e nãoo integrou nas suas rotinas diárias, nem

da formação de professores, nem dosalunos. O racismo como um elementoestrutural da sociedade quase nunca étratado, e caso seja mencionado, é viade regra, reduzido a um preconceitoindividual excepcional ou a complexosde inferioridade inerentes aos perten-centes à raça negra, tirando portanto, daesfera da política pública a necessidadede seu enfrentamento.18

Na nossa pesquisa, os alunosclassificados como negros eram fre-quentemente forçados a posicionar-sedentro de um sistema que somenteoferecia duas opções: eles poderiamtentar compensar sua falta de “brancura”com um habitus “hipercorreto”, eprocurar assim, uma mobilidadeindividual via embranquecimentosimbólico e “passar-se por branco”. Oueles poderiam se conformar com asexpectativas negativas que seus profes-sores tinham deles e entrar num ciclode frustração que tende a levar aofracasso. Desta forma, a maioria dasescolas baianas cria processos deimposição de uma socialização viaembranquecimento, operacionalizadapela normalização de padrões brancoseuropeus, com todos os graves custospsicológicos associados a este processo.

18 Esta negligência não somente caracteriza as escolas públicas de ensino fundamental e médio da nossa amostra, mas também o níveluniversitário. Analisando o cadastro de teses de mestrado e doutorado na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Bahia -pudemos identificar que desde 1974, um total de 407 teses e dissertações foi registrado na biblioteca, destes trabalhos somente setelidavam com questões raciais - menos que 2%. Desses sete, somente três usavam uma aproximação analítica para examinar o impactode desigualdades raciais na sala de aula. Um dos três trabalhos analíticos discute a especificidade dos discursos de alunos negros, aincapacidade das escolas primárias públicas de reconhecer estas especificidades e o impacto resultante, a saber uma taxa de repetênciamais elevada e maiores índices de fracasso de alunos afro-brasileiros. Esta tese foi defendida em 1977. Uma tese (1996) descreve osefeitos de estereotipagem negativa de mulheres negras, o que diminui suas chances de encontrar “bons trabalhos” e as empurra aostrabalhos onde uma postura de ser submisso é requerida. A única tese que usa algumas das análises sociológicas disponíveis paraexaminar os efeitos de racismo estrutural em escolas foi defendida em 1990. O autor explica e usa a teoria de embranquecimento eargumenta em favor de destacar um processo civilizatório negro, que atualmente vem sendo sufocado pelo discurso oficial de “rea-lização e mérito branco” e, perante a ideologia da “passividade negra e da sua falta de contribuição.” Estes conceitos foram usados,pelo autor para analisar os mecanismos de exclusão que funcionam dentro de escolas e salas de aula, mas que refletem sobre a sociedadebrasileira como um todo.

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2. A reprodução de privilégio e exclusãovia educação pública e privada

A reforma educacional empreendidapelo estado brasileiro tem obtidosignificativas conquistas no que toca àtendência para a universalização doensino fundamental e sua progressivaextensão para o ensino médio, no quese refere aos esforços para ampliar aspossibilidades de formação adequadapara os profissionais da educação, paraa alocação de recursos públicos e parao aprimoramento dos meios de fisca-lização da utilização destes recursos eespecialmente, através da introdução daspolíticas de ação afirmativa (políticasfocalizadoras anunciadas em 2002),que visam ampliar o acesso pleno àcidadania, àqueles indivíduos e grupossociais que foram cerceados ao longodo processo de desenvolvimento dasociedade brasileira e especialmente, noque se refere ao acesso ao sistema deeducação nacional, como são exemplosclaros as populações negras, periféricas,os povos indígenas, as mulheres, aspessoas portadoras de necessidadeseducativas especiais, os adultos emoradores de zonas rurais.

De modo geral, no entanto, nossapesquisa aponta para o fato de que apesardos diferentes esforços empreendidostanto na formação de professores, nacapacitação de pessoal técnico, quanto naalocação de recursos e desenvolvimentode programas e projetos, a educação

pública básica permanece marginal naBahia, mesmo depois da reforma iniciadaem 1999.

De acordo com a maioria dos professoresentrevistados, ser professor de ensinopúblico básico ainda é “a última e menosatrativa opção” para os recém-graduadospela universidade. As escolas públicas,desta forma, acabam atraindo umcontingente pouco motivado para lidarcom as demandas dos estudantes,especialmente os da rede pública deensino.. Tornar-se um professor da redepública não era uma opção ideal paranenhum deles, mas apenas o únicotrabalho disponível e adequado ao baixoinvestimento que eles desejavam fazerna carreira.

Salários médios que variam de R$ 600 a700 reais por mês (incluídas as gratifi-cações) eram sintomáticos de umfenômeno mais amplo, que é o prestígiomarginal da educação pública nasociedade brasileira. O aprendizado crucialdepois de sete meses de pesquisa e maisdois anos de análise de dados e revisãoda literatura secundária, é que há umaeducação pública básica no Brasil e écaracterizada por ser “uma educaçãopobre para os pobres”. Em outraspalavras, o usufruto de uma educação dequalidade, direito de todos, manteve-secomo um privilégio de poucos, mesmodentro da rede pública, onde sãonomeadas aquelas escolas que podemservir como referência de um ensino de

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qualidade, algo que, guardando as devidassingularidades e proporções, deveria seruma característica da rede pública comoum todo, uma vez que, em tese, toda arede dispõe dos mesmos recursos, sejameles financeiros e/ou humanos. Asescolas públicas ainda são as escolas dosexcluídos. Desta forma, escolas privadasforam transformadas em “escolaspadrão”, verdadeiros “espaços brancos”e escolas públicas mantêm-se como“espaços negros”, com todo o cunhopejorativo que essa palavra tem nasociedade brasileira/baiana, sendo umsinônimo de baixa qualidade de ensino,pouca ou nenhuma aprendizagemsignificativa, desempenho e compromissoquestionáveis dos profissionais nelasalocados. Estas representações sociais daescola pública devem se tornar um dospontos constantes das agendas públicas,seja dos órgãos representativos de classe,seja da sociedade civil organizada oudas esferas governamentais, uma vezque tem ferido de morte todo o trabalhopositivo que tem sido feito em muitasdas escolas das redes municipal eestadual de educação.

Declarações sobre a “decadência doensino públ ico após 1950” foramsintomáticas e muito frequentes desde ocomeço da nossa pesquisa de campo.Mas como a ex-secretária de educação

municipal nos explicou:

“Fala-se muito que a escolapública era ótima, eu mesmaestudei numa escola públicaaté a 8ª série, por exemplo. Aescola pública era ótima depoisficou ruim. A escola pública eraótima, mas atendia 30% dafaixa etária que devia atender,então era uma escola públicade elite, era ótima, porque aelite estava dentro dela.19”

O fato é que antes de 1950, o sistemaeducacional público baiano ofereciaeducação de boa qualidade a menos de40% da população em idade escolar(ABREU apud RODRIGUES, 2001, p.19)Como este privilégio tornou-se maisacessível à população, a qualidadeeducacional caiu significativamente.Quando a cobertura quase universal foialcançada (nos finais dos 1990) ela perdeusua funcionalidade como meio de as-censão social. Como explica Hirsch(1976), educação é também um bem“relacional” que somente propiciavantagens se a maioria não a tem. Àmedida em que brasileiros pobres e negrosganharam acesso às escolas públicas, aselites abandonaram o sistema, colocandoseus filhos e suas filhas em escolasprivadas. Uma vez que o ensino básico nãoserviu mais para a manutenção deprivilégio, as universidades públicascomeçaram a cumprir este papel e oorçamento público para a educação seguiuo rumo das elites.20

19 Entrevista com uma ex-secretária municipal de educação, conduzida em 06/09/01.20 Outro fator acaba por complicar ainda mais a performance do sistema educacional público. é o impacto negativo das disputas políticas entreo Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e o governo da Bahia. Como o governo da Bahia permaneceu um blococorporativista, dominado por elites tradicionais, os professores sindicalizados (mas de 80%) se colocam de início fora das reformas, colocan-do-se “na oposição” de forma rígida e categórica. Vários diretores informaram que era muito mais difícil envolver os professores sindica-lizados na reforma educacional, em especial na hora de aplicar as novas Diretrizes e Bases Curriculares, pois todas as ações demandamtrabalho e dedicação extra. A posição predominante da maioria dos professores sindicalizados parecia ser que “nada de bom jamais pode virdeste governo”.

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CONCLUSÃO: FATORES ESTRUTURAISFORA DE ALCANCE DA REFORMA?

Detectamos dois fatores estruturais queemperram o sucesso mais duradouro dareforma educacional empreendida no Brasile na Bahia, de modo mais específico: apermanência de práticas de cunho racistae elitista que permeiam toda a sociedadebrasileira garantindo a manutenção de umasituação de privilégio face aos grupospopulares e a divisão da educação em doissistemas - um para a perpetuação daexclusão, e outro para a manutenção deprivilégio. Observamos que o perfil dosalunos varia significativamente entreescolas privadas e públicas, nas quais osprofessores encaram situações muito maisdifíceis. Quase todas as escolas públicasanalisadas nesta pesquisa tiveramproblemas com violência entre alunos etrabalhavam com porcentagens relati-vamente altas de alunos com problemasdomésticos. Gravidez prematura, uso dedrogas e exposição prévia à violência eramfrequentes entre os alunos de escolaspúblicas e muito menos freqüentes, emborapresentes, nas escolas privadas dos maisprivilegiados. Escolas públicas, portanto,necessitariam de recursos institucionaisextras, de apoio especializado aos seusprofessores para que estes pudessemresponder adequadamente às situaçõesdifíceis e estressantes que encontram tãofreqüentemente na rotina das salas deaula. No entanto, a precarização da estruturae uma espécie de sensação de desamparogeral é o que normalmente se vê.

Os já privilegiados, capazes de pagar poruma educação privada, recebem um apoioextra, e os necessitados de atenção ededicação recebem o “tratamento mínimo”.A frustração gerada por esta negligênciaé a maior causa para a transformação dosalunos em bodes expiatórios de um sistemaque praticamente abandonou a escola etudo que nela vive, à própria sorte. Paramuitos professores da rede pública seutrabalho tornou-se um ato de fé, mal pagoe pouco reconhecido, pesando no seubem-estar e na sua saúde. Uma diretoramuito dedicada nos confessou: “Duranteos últimos anos, eu perdi minha saúde eeu desisti da minha vida familiar [praestar aqui]” (Entrevista, Outubro, 2001).

Alterar este quadro certamente requer umesforço prolongado e consistente e muitochão há de ser percorrido, mas a direção, aonosso ver, é clara: primeiro, práticas ediscursos racistas que consolidam umahegemonia cultural européia devem seranalisados, desmantelados e substituídospor referenciais verdadeiramente multi-culturais, através dos quais cada cultura éreconhecida por seu valor próprio; segundo,devem ser encontradas formas de inibir atendência de uso dos domínios públicospara fins privados e para a de reproduçãodos privilégios das elites. A escola públicaprecisa ser construída como uma escolade qualidade para todos, especialmente paranegros e pobres.

Artigo recebido em: 03/11/2004.Aprovado para publicação em: 08/03/2005.

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Reforma educacional, exclusão e racismo na Bahia

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Education reform, exclusion e racism inBahia

Abstract: This article presents the major findingsof our research on education reform in Salvador,Brazil, carried out during seven months, from June2001 to January 2002. We found two major factorsthat severely limited the overall success of theBahian Education Reform. First, structural racismconsistently influenced the outlooks teachers,principals, and state representatives, lowering theexpectations they held toward poor afro-brazilianstudents. Low expectations became a self-fulfillingpromise. Secondly, we found that public education,although improving, is still not able to competewith private education. As a consequence, publicschools reproduced exclusion and private schoolsreproduced privilege.

Keywords: Reform; Public Education; Racism;Exclusion; Educar para Vencer Program.

Reforma educativa, exclusion e racismo enBahia

Resumen: Este artículo presenta los resultadosprincipales de nuestra investigación sobre lareforma educativa en Salvador, Brasil, realizadadurante siete meses, junio de 2001 a enero de2002. Encontramos dos factores importantes quelimitaron seriamente el éxito total de la reformaeducativa en Bahía. Primero, detectamos unsistema de racismo estructural, responsable deinfluenciar las percepciones que profesores,directores y administradores tenían sobre elalumnado pobre y negro de las escuelasinvestigadas, en el sentido de esperar y exigirpoco de estos alumnos. Las bajas expectativasdevinieron en un bajo desempeño. Segundo,encontramos que la educación pública, aúnmejorando, no puede competir con la educaciónprivada. Como consecuencia, las escuelas públicascontinúan reproduciendo exclusión y las escuelasprivadas continúan reproduciendo privilegio.

Palabras claves: Reforma; Educación pública;Racismo; Exclusion; Programa Educar paraVencer.

Gest. Ação, Salvador, v.8, n.1, p. 97-116, jan./abr. 2005

Bernd Reiter - Rita de Cassia Dias

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Sobre os Autores:

1Bernd ReiterPh.D. em Ciencias Politicas do Graduate Centerda City University of New York (CUNY). VisitingProfessor, Latin American and Caribbean Studies,University of South Florida, Tampa.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Howard Samuels Center, n. 365,Fifth Avenue - New York, NY 10016, USA.

2 Rita de Cassia Dias Pereira de JesusDoutoranda em Educação, Universidade Federalda Bahia (UFBA). Mestra em Educação, UFBA.Bacharela em Direito. Universidade Católica doSalvador (UCSAL). Pedagoga (UFBA). Membroda equipe do Programa de Formação Continuadade Professores FACED/UFBA - Projeto Irecê.Orientador: Prof. Doutor Roberto Sidnei AlvesMacedo.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Universidade Federal da Bahia-(UFBA) Faculdade de Educação(FACED), 3°andar, Projeto Irecê/Formacce. Av. ReitorMiguel Calmon, s/n, Vale do Canela, Salvador/BA, Brasil. CEP: 40110-100.

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A aceitação para publicação de qualquer trabalho está subordinada à prévia aprovação doConselho Editorial da GA e ao atendimento das condições especificadas.The acceptance forpublication of any work is subject to the approval of the Editorial Committee of the Gestaoem Acao and to meeting any specified conditions. In order to be considered, submissions should be:

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Artigos em periódicos – autor; título; nome do periódico; local onde foipublicado; número do volume e do fascículo; páginas inicial e final doartigo; mês; ano.Periodical articles - author; title; name of the periodical; place where published;number of the volume; initial and final page numbers of the article; month; year ofpublication.

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– Serão fornecidos, gratuitamente, ao autor principal de cada artigo cinco exemplares donúmero da revista em que seu trabalho foi publicado. A Gestão em Ação não se obriga adevolver os originais das colaborações enviadas. Os textos assinados são de responsabili-dade de seus autores.

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Revista Gestão em AçãoA/c Dra. Katia Siqueira de Freitas,Universidade Federal da BahiaCentro de Estudos Interdisciplinares para o Setor PúblicoAv. Adhemar de Barros, Campus Universitário de Ondina, Pavilhão.IV –Salvador, BA, Brasil CEP. 40.170-110,ou para o e-mail:[email protected]: http://www.gestaoemacao.ufba.br

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Política Editorial Gestão em Ação (GA)

TÍTULO I - DO OBJETIVO

Art. 1º A Gestão em Ação (GA), editada sob a parceria e responsabilidade da Linha de Pesquisa Políticase Gestão em Educação (LPGE), do Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED/UFBA e doCentro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público (ISP/UFBA)- tem por objetivo a difusão deestudos, pesquisas e documentos relativos à educação superior, à pós-graduação e aos processos dagestão, da educação presencial, aberta,continuada e a distância, bem como questões relativas às políticaspúblicas, planejamento, descentralização e municipalização do ensino, autonomia, avaliação e financi-amento.

TÍTULO II - DO PÚBLICO ALVO

Art. 2º A Gestão em Ação (GA) tem como público-alvo docentes e alunos de pós-graduação, pesquisa-dores e gestores de instituições de ensino superior e de pesquisa, gestores de associações científicas eprofissionais, dirigentes e técnicos da área da Educação e demais órgãos envolvidos na formação depessoal e produção científica.

TITULO III - DAS RESPONSABILIDADES

Art. 3° As responsabilidades da Gestão em Ação (GA) serão exercidas por um Editor, um ConselhoEditorial e um Comitê Científico.

§1° Exercerá a função de Editor um Professor Doutor vinculado à Faculdade de Educação daUniversidade Federal da Bahia (FACED), ao Programa de Pós-Graduação em Educação daUFBA, à Linha de Pesquisa Políticas e Gestão em Educação (LPGE) e ao Centro de EstudosInterdisciplinares para o Setor Público (ISP), voluntariamente.§2° Compete ao Editor:I. convocar e coordenar as reuniões do Conselho Editorial e do Comitê Científico;II. distribuir os artigos recebidos para publicação ao Comitê Científico e/ou aos consultores ad hoc;III. coordenar os trabalhos de editoração, produção e distribuição da revista.

Art. 4° Compete ao Conselho Editorial elaborar a política editorial do periódico.

§1° Integram o Conselho Editorial da revista 17 membros com mandato temporário:I - um representante do ISP;II - um representante da LPGE;III - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pelo ISP;IV - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pela LPGE;V - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pelo PGP/LIDERE;VI - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pelo Comitê Científico.§2° Os membros do Conselho Editorial serão designados, com número igual de suplentes, paraum mandato de dois anos, sendo possível a prorrogação de mandato.§3° Não há limite de prorrogação do mandato de suplentes.

Art. 5° O Comitê Científico tem por competência emitir pareceres sobre as contribuições encaminhadasà GA e opinar sobre sua qualidade e relevância.

§1° O Comitê Científico será constituído por membros, escolhidos por sua competência acadêmi-ca e científica em áreas relacionadas à pós-graduação, podendo ser substituídos a critério doConselho Editorial.

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Art. 6° Compete ao PGP/LIDERE, a LPGE e ao ISP manter a Secretaria-Executiva da GA sob acoordenação do Editor.

Art. 7° Compete à Líder de Publicações e Coleta de Dados do PGP/LIDERE a divulgação,editoração, produção gráfica, controle de assinantes e distribuição das versões eletrônicas eimpressas da GA.

TÍTULO IV - DA PERIODICIDADE E DAS SEÇÕES DA REVISTA

Art. 8º A Gestão em Ação terá periodicidade quadrimestral e contará com as seguintes seções:- Editorial;- Estudos - divulga trabalhos de caráter acadêmico-científico (conforme especificado noArt.10º).

Art. 9° A revista terá divulgação impressa e eletrônica.§1° A revista impressa será distribuída gratuitamente, a título de permuta, para progra-mas de pós-graduação, pró-reitorias de pós-graduação e bibliotecas de instituições deensino superior, órgãos públicos, mantendo possibilidade de subscrição para assinatu-ras.§2° A publicação eletrônica da revista terá acesso gratuito.

TÍTULO V - DA ORIENTAÇÃO EDITORIAL

Art. 10º Serão aceitos trabalhos originais que sejam classificados em uma das seguintes moda-lidades: resultados de pesquisas sob a forma de artigos: ensaios; resumos de teses; dissertações;monografias; estudos de caso.

Art. 11º O autor será comunicado do resultado da avaliação do seu trabalho em até 90 (noventa)dias.

Art. 12º Serão remetidos a cada autor 05(cinco) exemplares do número em que for publicada asua colaboração.

Art. 13º A publicação de artigos não é remunerada, sendo permitida a reprodução total ou parcialdos mesmos, desde que citada a fonte.

Art. 14º Os artigos assinados serão de responsabilidade exclusiva de seus autores, não refletindo,necessariamente, a opinião da GA/PGP/LIDERE/ISP/FACED.

Art. 15º A critério do Conselho Editorial da GA, poderão ser aceitas e publicadas colaboraçõesem língua estrangeira.

Art. 16º Os originais podem ser adaptados para fins de editoração, em adequação às normas da GA.

Art. 17° As colaborações para a GA devem ser enviadas à redação, de acordo com as normaseditoriais.

Art. 18° Toda autoria dos pareceres e dos artigos, durante o processo de avaliação, será mantidaem sigilo.

TÍTULO VI - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 19° Os casos omissos e as dúvidas suscitadas na aplicação do presente Regimento serãodirimidos pelo Conselho Editorial da GA.

123Gest. Ação, Salvador, v.8, n.1, p.123-124 jan./abr. 2005

Publicações Permutadas

AE AMBIENTE E EDUCAÇÃOFURG

CADERNO CRHEDUFBA

CADERNOS CAMILLIANIRevista da São Camilo/ES

CADERNOS DE PESQUISA EMADMINISTRAÇÃOUSP

CADERNOS PPG-AUUFBA

CADERNOS UFSUFS

CIÊNCIA HOJEInstituto CIÊNCIA HOJE

EDUCAÇÃO E SOCIEDADECEDES

EDUCAÇÃO EM FOCO: REVISTA DEEDUCAÇÃOUFJF

ENSAIO - Avaliação e Políticas Públicasem educaçãoFundação CESGRANRIO

FÊNIXNUPEP/UFPE

FORMADORES: VIVÊNCIA E ESTUDOSFaculdade Adventista da Bahia

FORUM CRÍTICO DA EDUCAÇÃOInstituto Superior de Estudos Pedagógicos-ISEP

FÓRUM DE COORDENADORESUMESP

GESTÃO EM REDECONSED

LINGUAGENS EDUCAÇÃO E SOCIEDADEUFPI

O&S- ORGANIZAÇÃO E SOCIEDADEUFBA

QUAESTIO - REVISTA DE ESTUDOS DEEDUCAÇÃOUNISO

REVISTA AVALIAÇÃORAIES/UNICAMP

REVISTA BRASILEIRA DE INOVAÇÃOFINEP/RJ

REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA EADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃOAssociação Brasileira de Educação Políticae Administração da Educação-ANPAE

REVISTA CANADARTUNEB/ABECAN

REVISTA CIÊNCIA & EDUCAÇÃOUNESP

REVISTA CIENTÍFICA ECCOSUNINOVE

REVISTA DA AATRAssociação de Advogados de TrabalhadoresRurais no Estado da Bahia - AATR

REVISTA DA FAEEBAUNEB

REVISTA DE CIÊNCIAS MÉDICAS EBIOLÓGICASICS/UFBA

REVISTA DE ESTUDOS UNIVERSITÁRIOSUNISO

REVISTA DE EDUCAÇÃOCentro de Estudos e Assessoria Pedagógica-CEAP

124

REVISTA DO MESTRADO EM EDUCAÇÃOUFS

REVISTA EDUCAÇÃOPUC/RS

REVISTA EDUCAÇÃOUNISINOS

REVISTA EDUCAÇÃOUFSM/RS

REVISTA EDUCAÇÃO E LINGUAGEMUMESP

REVISTA EDUCAÇÃO E PESQUISAUSP

REVISTA EDUCAÇÃO EM QUESTÃOCCSA/UFRN

REVISTA EDUCAÇÃO EM REVISTAUFMG

REVISTA EM ABERTOINEP

REVISTA ESTUDO E DEBATEUNIVATES/RS

REVISTA INTER-AÇÃOUFG

REVISTA LINHAS CRÍTICASUnB

REVISTA LINHAS DO PROGRAMA DEMESTRADO EM EDUCAÇÃO E CULTURAUDESC/SC

REVISTA PROPOSIÇÕESUNICAMP

REVISTA REFLEXÃO E AÇÃOUNISC/RS

REVISTA SÉRIE-ESTUDOSUCDB/MS

TEIAS - REVISTA DA FACULDADE DEEDUCAÇÃO DA UERJUERJ

REVISTA DE EDUCACIÓN-PAIDEIAUniversidad de ConcepciónC h i l e

REVISTA DE FILOSOFIA Y TEOLOGIA ALPHAOMEGAAteneo Pontificio Regina ApostolorumRoma-Itália.

REVISTA DIÁLOGO IBEROAMERICANOUniversidad de GranadaEspanha

REVISTA DO FÓRUM PORTUGUÊS DEADMINISTRAÇÃO EDUCACIONALUniversidade de Lisboa/Faculdade dePsicologia e Ciências da EducaçãoPortugal

REVISTA FUENTESUniversidad de SevillaEspanha

REVISTA PORTUGUESA DE EDUCAÇÃOUniversidade do MinhoPortugal

REVISTA PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO ECULTURAColégio Internato dos CarvalhosPortugal

REVISTA TAREAAsociación de Publicaciones EducativasPerú

Gest. Ação, Salvador, v.8, n.1, p. 123-124, jan./abr. 2005