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ISSN 1516-8891 jan./abr. 2004. n.1 p.05-116 Gest. Ação Salvador v.7 v.7 n.1 janeiro/abril 2004 Salvador-BA

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ISSN 1516-8891

jan./abr. 2004.n.1 p.05-116Gest. Ação Salvador v.7

v.7 n.1 janeiro/abril 2004Salvador-BA

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Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.Disponível também em: <http://www.gestaoemacao.ufba.br>

Projeto Gráfico: Helane Monteiro de Castro Lima.Normalização: Sônia Chagas Vieira.Revisão: Regina Maria de Sousa Fernandes, Katia Siqueira de Freitas,Charlie Palomo (Espanhol/Ingles) e Robert E.Verhine.Diagramação e formatação: Helane Monteiro de Castro Lima e Léia Verônica de Jesus Barbosa.Capa: Maria Lúcia Ganem Assmar e Helane Monteiro de Castro Lima.Impressão: Gráfica e Editora Esperança

Gestão em Ação é um periódico editado sob a parceria e responsabilidade da Linha Temática Política e Gestão em Educação (LTPGE) doPrograma de Pós-Graduação em Educação da FACED/UFBA e do Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público (ISP/UFBA).Aceita parcerias e colaborações, reservando-se o direito de publicar ou não os textos enviados à redação. Os trabalhos assinados são de inteiraresponsabilidade de seus autores.

Periodicidade: Quadrimestral Tiragem: 1500 exemplares Circulação: junho 2004.

Revista financiada com os recursos do Programa Gestão Participativa com Liderança em Educação (PGP/LIDERE), doados pela Ford Fundatione pela Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia (FINEP).

Indexada em:Bibliografia Brasileira de Educação-BBE, INEP.Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura (CREDI/OEI) - España.

Inscrita em:Biblioteca Ana Maria Popovick - BAMP/FCC.

Afiliada a Associação Brasileira de Editores Científicos - ABECAvaliada pelo Qualis 2003 - Nacional B.

Editor: Katia Siqueira de Freitas, Ph.D.

Universidade Federal da BahiaFaculdade de Educação-FACED.Programa de Pós-Graduação em EducaçãoLinha Temática Poliítica e Gestão em EducaçãoAv. Reitor Miguel Calmon, s/n - Vale do CanelaSalvador/BA Brasil - CEP:40110-100Tel./Fax. (71) 245-9941

Redação:Universidade Federal da BahiaCentro de Estudos Interdisciplinares para o Setor PúblicoAv. Adhemar de Barros, Campus Universitário de Ondina.Pavilhão IV- Salvador/BA Brasil CEP: 40170-110Tel./Fax. (71) 235-8290 e 237-1018 (r.233)homepage: http://www.gestaoemacao.ufba.brE-mail: [email protected]

Conselho Editorial Nacional: Antonio Carlos Xavier (IPEA); Celma Borges Gomes (UFBA); Denise Gurgel (UNEB); Jorge Lopes (UFPE);Katia Siqueira de Freitas (UFBA); Lauro Carlos Wittman (FURB); Maria Eulina Pessoa de Carvalho (UFPB); Nelson Wanderley Ribeiro Meira(FABAC); Regina Vinhaes Gracindo (UnB); Vicente Madeira (UCP/RJ). Conselho Editorial Internacional: Abril de Méndez (ICASE -Universidade do Panamá); Brigitte Detry Cardoso (U.Nova de Lisboa - Portugal); Ernestina Torres de Castillo (ICASE - Universidade doPanamá); Fábio Chacón (Empire State College-USA) ; Felicitas Acosta (IIPE/Argentina); Maria Clara Jaramillo (PROEIBAndes em Cochabamba-Bolívia); Rolando López Herbas (Facultad de Humanidades Y Ciencias de La Educacion.Universidad Mayor de San Simon. Cochabamba-Bolivia).

Comitê Científico Nacional: Ana Maria Fontenelle Catrib (UNIFOR); Antônio Cabral Neto (UFRN); Avelar Luiz Bastos Mutin (GAMBÁ);Dora Leal Rosa (UFBA); Edivaldo Boaventura (UFBA); Heloisa Lück (PUC/Curitiba, PR); Jerónimo Jorge Cavalcante Silva (UNEB); JoséVieira de Sousa (AEUDF); Katia Siqueira de Freitas (UFBA); Lourdes Marcelino Machado (UNESP/Marília); Miguel Angel Garcia Bordas(UFBA); Nicolino Trompieri Filho (UFC); Nigel Brooke (GAME/UFMG); Robert Evan Verhine (UFBA); Rogério de Andrade Córdova (FE/UnB); Romualdo Portela de Oliveira (USP); Walter Esteves García (Instituto Paulo Freire). Comitê Científico Internacional: Carlos AlbertoVilar Estêvão (UMINHO- Portugal); Charlie Palomo (UNTREF- Argentina); Horst Von Dorpowski (The Pennsylvania State University –EUA); Javier Murillo (UAM- Espanha) José Gregório Rodriguez. (Universidad Nacional de Colômbia – Colômbia); Marcel Lavallée (UQAM);Mirna Lascano (Northeastern University of Boston - EUA); Robert Girling (Sonoma State University – EUA); Wayne Baughman (AmericanInstitutes for Research).

Gestão em Ação/ Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFBA; ISP/UFBA. - v.1, n.1 (1998) - Salvador, 1998 -

Quadrimestral

ISSN 1516-8891

1. Educação - Periódicos. I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. Progra-ma de Pós-Graduação em Educação. 2. Universidade Federal da Bahia. Centro de EstudosInterdisciplinares para o Setor Público.

CDU 37(05)CDD 370.5

Os artigos enviados à Gestão em Ação são encaminhados aos seus pares para avaliação, preservando-se a identidade dos autores.

ACEITAMOS PERMUTAS

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Sumário

EditorialRegina Fernandes

Projeto Político-Pedagógico como mecanismo de autonomia escolarAntônio Cabral NetoTatiane Campêlo da Silva

Os desafios da instituição educativa frente à descentralização dagestão

Sueli Menezes PereiraAnalígia BeckerAriadne Schmidt Furtado

Educação ambiental e gestão participativa na explicitação e resoluçãode conflitos

Carlos Frederico Bernardo Loureiro

Educação liberal centralizadora na Bahia sob o império de Pedro I(1822-1830)

Antonietta d'Aguiar Nunes

A recente expansão do ensino superior privado no Distrito Federal:uma análise de suas principais motivações no período 1995-2001

José Vieira de Sousa

Movimento dos docentes do ensino fundamental e médio do Estadoda Bahia

Mara SchwingelMaria Sacramento AquinoNelson Wanderley Ribeiro Meira

Avaliação da disciplina semiologia e semiotécnica: a contribuiçãodo aluno de enfermagem

Maria Jocilene Oliveira Martins SantosAna Maria Fontenelle CatribLuiza Jane Eyre de Souza Vieira

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Instruções editoriais para autores

Política Editorial Gestão em Ação (GA)

Publicações permutadas

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Platão em seu livro "A república" na parteem que se refere à educação, chama a in-fância, período compreendido entre 0 a 7anos, de a "Idade dos Contos" e afirmaque, a educação, nessa faixa etária, deveacontecer através dos contos.

A proposta de trabalhar as virtudes atravésdos contos infantis é uma prática naturale louvável; por meio dela podemos desen-volver nas crianças as suas melhores qua-lidades, tomando como exemplo as das dosheróis, sempre presentes na trama. A liçãodos contos é necessariamente clara nummundo onde as injustiças sociais e as di-ferenças econômicas são flagrantes: o gostoda criança pela leitura, desde cedo, promovea capacidade de ela transitar entre as váriaslinguagens que lhe vão permitir interpre-tar o mundo e os seres humanos em umdesejo contínuo de aprender e inventar.Inventar sempre. "O homem inventou aroda para ir mais longe, construiu casa queo abriga e a roupa que o protege do sol e dofrio", por que não defender a escola umaeducação que motive a atuação do alunona sua criação, na sua expressão, navivência em grupo, garantindo-lhe sucessoe presença mais viva na sala de aula e per-manência na escola? Como? Há um esforçoquantitativo para pôr gente na escola. Nãohá o mesmo esforço para dotar de conteú-do a ação pedagógica e humana das esco-las. Ao lado disso, nas casas dos ricos,dos remediados e dos pobres desapareceu

a mesa da sala de jantar. Centro de forma-ção moral e psicológica da criança. Nessamesa eram desenvolvidos valores da sen-sibilidade, do gosto, da amizade, da solida-riedade, do patriotismo. Uma nação só écapaz de se firmar a partir de uma socieda-de com um mínimo de exigência ética emoral. E não havendo essas exigências asociedade continuará de mais a mais sedistanciando dos seus ideais, da ética e dosvalores civis da república.

Hoje não há mais mesa na sala de jantaronde se praticava também o contar e o ou-vir histórias, atividades fascinantes eprazerosas da mente humana. Não há esco-la com definição de uma política pedagógi-ca que seduza o aluno com projetos con-tendo valores imprescindíveis para o seutrilhar pela vida de real cidadão.

Segundo Dewey, a educação é um proces-so de vida e não a preparação para a vidafutura; e a escola deve representar a vidapresente tão real e vital para o aluno comoa que ele vive em casa e na comunidade.Faz-se necessário a mudança de posturapedagógica fundamentada na concepçãode que a aprendizagem só acontecerá sehouver situações significativas para o alu-no, fazendo-o ativo, participativo, reflexivo.E o trabalho com projetos propicia a fre-qüente execução de tarefas por todos osalunos, tornando-os ativos, participativos,reflexivos, também atores do projeto polí-

Editorial

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tico pedagógico. O professor, portanto,passa a ser mais ainda mais importante naseleção das informações essenciais. Assim,acontecendo surgirá a etapa da sensibi-lização, de motivação e naturalmente cadaaluno contribuirá, mesmo de forma embri-onária, com a sua parte na organização ena elaboração de um trabalho pedagógicode significado e protagonizado tambémpela comunidade, o que será uma demons-tração de autonomia escolar.

A boa escola será aquela que submeterseus alunos à maior quantidade possívelde experimentações e pesquisas, nas quaiso professor desempenhe o papel de facili-tador, saindo da passividade tão comumna escola tradicional para uma educaçãoprática interdisciplinar com interligaçãodas várias ciências particulares, visandouma transformação da realidade; esquece-

ríamos, com o exercício da gestão democrá-tica e autônoma, os resquícios do governocentralizador d. Pedro I ainda tão presen-tes na "educação de nível elementar" dasnossas escolas conforme ressalta, nestarevista, a professora Antonietta d'AguiarNunes.

A transição qualitativa que o país precisafazer, é sabido, encontra obstáculos difíceis.O despreparo do professor é um deles.Quase a metade (46,7%) dos docentes darede pública só tem nível médio. Os saláriosda carreira são de R$320,00 mensais emmédia. Num contexto de carência de recur-sos como o atual, será muito difícil melho-rar rapidamente esse quadro, mas deixar deagir agora, para que o país dê o salto qua-litativo de que tanto necessita, significacondenar as crianças de hoje ao empregoprecário de amanhã ou ao desemprego.

Regina FernandesLicenciada em Letras, UFBA.

Especialista em Pesquisa Educacional, UNESCO/INEP/USP.Integrante do PGP/LIDERE.

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Projeto Político-Pedagógico como mecanismo de autonomiaescolar

Antônio Cabral Neto1

Tatiane Campêlo da Silva2

Gest. Ação, Salvador, v.7, n.1, p.7-23, jan./abr. 2004

Resumo: Este artigo analisa a contribuição doProjeto Político-Pedagógico para o fortalecimen-to da autonomia da escola. Contempla uma dis-cussão sobre autonomia como uma das dimensõesda gestão democrática, destaca a contribuição doProjeto Político-Pedagógico para concretizar aautonomia no espaço escolar e analisa aimplementação do Projeto Político-Pedagógicoem escolas públicas estaduais, evidenciando as suaspossibilidades e limites na edificação da autono-mia pedagógica. Os resultados da reflexão desen-volvida sobre o tema revelam que a autonomianão se constrói apenas com a definição de umordenamento jurídico. Este é importante, porémnão é suficiente para criar todas as condições ne-cessárias à concretização da autonomia. Consta-ta-se, na realidade pesquisada, o surgimento deuma tomada de consciência, por parte dos educa-dores, sobre a necessidade de construir mecanis-mos coletivos de gestão pedagógica.

Palavras-chave: Projeto Político-Pedagógico;Autonomia da escola; Participação.

As discussões empreendidas no decor-rer dos primeiros anos da década de 1990sobre a reforma do Estado brasileiro têmenfatizado a necessidade de aprimorara capacidade de gestão das instituiçõespúblicas, objetivando construir umanova racionalidade, adequada às estra-tégias neoliberais.

Nesse cenário, o governo propõe para osetor educacional um conjunto de reformas

pautadas na descentralização e na autono-mia. Essas reformas têm por objetivo au-mentar a capacidade do Estado paraimplementar programas educacionais emparcerias com organismos internacionais(principalmente com o Banco Mundial),voltadas para melhorar a produtividade dosistema educacional.

A defesa da autonomia, nesse contexto,engloba as dimensões administrativas, fi-nanceiras e pedagógicas das instituiçõeseducacionais para gerir o seu projeto edu-cacional (CABRAL NETO; ALMEIDA,2000).

O foco de interesse da discussão realizadaneste artigo centra-se na análise do ProjetoPolítico-Pedagógico como mecanismo deedificação da autonomia no âmbito dasunidades escolares.

AUTONOMIA COMO DIMENSÃO DAGESTÃO DEMOCRÁTICA

O tema da autonomia assume, no cenárioeducacional da década de 1990, no Brasil,uma ênfase acentuada. Isso pode ser cons-

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tatado tanto nos debates acadêmicos e naliteratura da área quanto nos documen-tos que contêm as formulações da políticaeducacional do referido período.

A implementação da autonomia, conformeo previsto nos instrumentos normativos,tem desdobramentos nos mecanismosde gestão das escolas públicas. Essasdesdobramentos podem ser traduzidos,segundo Barroso (1998), em diferentesmedidas, que vão desde o reconhecimentoe reforço da autonomia da escola, promo-ção de associações entre escolas e a suaintegração em territórios3 mais amplosaté a adoção de modalidades específicasde gestão adaptadas às novas deman-das da sociedade.

Ainda de acordo com esse mesmo autor,a autonomia da escola resulta sempre daconfluência de várias lógicas e interesses.É um campo de forças, em que se con-frontam e se equilibram diferentes de-tentores de influência, destacando-se ogoverno, a administração, os professores eoutros membros da sociedade local. Épor isso que a autonomia tem de serconstruída, em cada escola, de acordo comsuas especificidades locais, privilegian-do uma perspectiva mais sócio-organi-zacional.

Bacelar (1997) evidencia que a autonomiada escola só se concretizará, se algunsrequisitos forem atendidos; entre eles, ocompromisso de todos quantos se encon-

tram envolvidos no processo educativo. Eisso não é impossível, mas é um processomuito lento, tanto pela falta de cons-cientização política da maioria dos envol-vidos que atuam na escola e pela incapaci-dade de auto-crítica, como pela ausênciade um espírito democrático, que objetivefins coletivos em vez de alcances indivi-duais.

Segundo Barroso (1995), a autonomia daescola envolve duas dimensões: a jurídico-administrativa e a sócio-organizacional. Aprimeira dimensão corresponde à compe-tência que os órgãos próprios da escoladetêm para decidir sobre matérias nas áre-as administrativa, pedagógica e financeira.Na segunda dimensão, a autonomia consis-te no jogo de dependências e interdepen-dências que uma organização estabelececom o seu meio e que definem sua identi-dade.

O autor alerta para o fato de que a autono-mia da escola precisa ter em conta aespecificidade da organização escolar, sen-do construída pela interação dos diferen-tes atores organizacionais em cada escola.A interação desses diferentes atores con-duz à conjugação de diferentes interessesque são necessários saber articular.

A autonomia é, pois, o resultado do equilí-brio de forças numa escola entre os váriosdetentores de influência. A autonomia daescola pressupõe a autonomia de seusatores.

3Barroso (1998) utiliza o conceito de territorialidade, para significar uma grande diversidade de princípios, dispositivos e processos inovadores,no domínio da planificação, formulação e administração das políticas educativas. Ou seja, o termo é utilizado para designar o processo dedeslocamento do centro de poder para a escola. As características principais desse movimento são: afirmação dos poderes periféricos,mobilização local dos atores e contextualização da ação política.

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Projeto Político-Pedagógico como mecanismo de autonomia escolar

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A autonomia deve ser compreendida comoum dos aspectos relevantes para a edi-ficação da gestão democrática, todavia,verifica-se que nas escolas públicas existeuma autonomia, ainda, restrita. Na maioriadas vezes essas escolas limitam-se apenasa executar tarefas propostas pelos gover-nos federal, estadual e municipal.

É importante sublinhar que, no caso bra-sileiro, após décadas de cultura políticacentralizada e clientelista, torna-se difícilreverter esse quadro apenas pelo discur-so oficial que prevê a implementação daautonomia nas escolas públicas. Nessecenário, a autonomia construída, nosmoldes defendidos por Barroso (1998),enfrenta dificuldades reais, consideran-do que a atual organização do sistemaeducacional, pauta-se em uma concepçãode descentralização que realça o desloca-mento de responsabilidades da execuçãode tarefas para o âmbito da escola, mas aomesmo tempo busca manter, no nívelcentral, a concepção das políticas e ocontrole do poder decisório.

Os limites da autonomia escolar são de-marcados, dentre outros fatores, pela re-lativa incapacidade de decisão no âmbitointerno das escolas. Assim, verificamos,na realidade pesquisada, que a comuni-dade escolar não tem poder decisório,uma vez que essas decisões são hierar-quizadas. Os diretores recebem os progra-mas concebidos fora do espaço escolarpara serem executados; a partir daí, osprofessores tomam conhecimento dessesprogramas e, muitas vezes, não se com-

prometem com a sua operacionalização,porque não se sentem atores partícipesdo processo.

Demarcamos, entretanto, que no atualcenário não podemos descartar as pos-sibilidades de criarmos alternativas deconquistar a autonomia construída. Osatores escolares precisam estabelecerum processo de inter-relação e concomi-tantemente, buscar um caminho autôno-mo, mesmo conscientes de seus limites.

PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICOCOMO DIMENSÃO DA AUTONOMIA

A elaboração do Projeto Político-Peda-gógico é prevista nas orientações da polí-tica educacional brasileira para a décadade 1990. Essas orientações são expressas,dentre outros documentos, na Lei deDiretrizes e Bases da Educação (LDB),Lei nº 9394/96 e no Plano Nacional deEducação (2001) que atribuem ao ProjetoPolítico-Pedagógico um papel de desta-que na construção da autonomia peda-gógica da escola.

A LDB, em seu Título IV, Artigo 12,determina que os estabelecimentos deensino, respeitadas as normas comunse as de seu sistema de ensino, terão aincumbência de:

I - elaborar e executar suas propostaspedagógicas;

VI - informar os pais e responsáveissobre a freqüência e o rendimento dosalunos, bem como sobre a execução desua proposta pedagógica.

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Antônio Cabral Neto - Tatiane Campêlo da Silva

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Na seqüência, a referida Lei destaca, no ar-tigo 13, que os docentes incumbir-se-ão de:

I- participar da elaboração da propostapedagógica do estabelecimento de en-sino;

II- elaborar e cumprir plano de trabalho,segundo a proposta pedagógica do es-tabelecimento de ensino.

Segundo a LDB, cabe à escola elaborare executar sua proposta pedagógica (art.12) e aos docentes e a toda comunidadeescolar participar da sua elaboração(art.13). E cabe ao diretor ser o dinami-zador do processo, definindo-se como líderpedagógico e não só administrador.

De acordo, ainda, com a LDB, a escola éincumbida da elaboração do projeto, masdeve respeitar às normas comuns e às dorespectivo sistema de ensino.

No que concerne ao nível do Planejamento,o Plano Nacional de Educação (2001,p.21), entre os objetivos e metas do ensinofundamental destaca a importância daelaboração do Projeto Pedagógico, ao as-sumir a pretensão de

Assegurar que, em três anos, todasas escolas tenham formulado seusProjetos Pedagógicos, com obser-vância das Diretrizes Curricularespara o ensino fundamental e dosParâmetros Curriculares Nacionais.

Se o Plano Nacional entrou em vigor apartir do ano de 2001, e, se a pretensãoera, no prazo de três anos, possibilitaràs escolas a elaboração de seus projetos,significa dizer que o período ficaria com-preendido ente 2001 e 2004. O alcance

dessa meta depara-se com algumas di-ficuldades no contexto das escolas pú-blicas. No Rio Grande do Norte, porexemplo, a preparação dos atores edu-cacionais e a falta de motivação para ela-borar o Projeto Político-Pedagógico têmse constituído em uma limitação real parao cumprimento desse objetivo. O que setem observado é a secundarização doProjeto Pedagógico e um maior privilé-gio do Plano de Desenvolvimento da Esco-la (PDE), porque a elaboração deste úl-timo se baseia em normas rigidamenteestabelecidas pela Secretaria de Edu-cação/Banco Mundial.

Há casos em que o Projeto Político-Pe-dagógico é elaborado, porém é vistocomo algo intocável que precisa serprotegido e guardado, perdendo, dessaforma, a sua função de orientar o traba-lho de todos os profissionais da escola.

É preciso esclarecer que as leis e decretosnão são suficientes para concretizar arealização da autonomia escolar. As leise decretos servem para favorecer umaporte legal da autonomia, mas, sozi-nhos, não conseguem fazer muita coisa.Autonomia não pode ser decretada, massim construída (BARROSO, 1996a).

No atual cenário torna-se pertinenteconceber o Projeto Político-Pedagógicocomo um dos elementos facilitadoresda autonomia escolar. Ele deve constituir-se em um instrumento de trabalho para deli-near com clareza o que deve ser realizadoe as estratégias políticas e pedagógicas

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Projeto Político-Pedagógico como mecanismo de autonomia escolar

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para atingir os resultados esperados. Ne-ves (1995, p.113) sublinha que a:

autonomia é a possibilidade e a capa-cidade de a escola elaborar e imple-mentar um projeto Político-Pedagó-gico que seja relevante à comunidadee à sociedade a que serve.

No Brasil, a autonomia pode ser vista,na maioria das escolas, como decretada e,em reduzidos casos, como conquistada.Decretada porque a lei cria um facilitadorinstitucional e seus agentes são vistoscomo atores educacionais, o que lhesconfere uma legitimidade e um fundamen-to legal. Todavia, não basta decretar aautonomia e investir em infra-estrutura, épreciso que os atores educacionais sejamcapazes de exercê-la (CANÁRIO, 1996).

Autonomia requer desburocratização,desregulamentação e transparência. A le-gislação deve concentrar-se em aspectosbásicos e comuns ao sistema, bem comona fiscalização das questões que envolvamrecursos públicos: autonomia muito re-gulamentada deixa de ser autonomia. Aautonomia da escola pública é um desafiopara os atores educacionais que buscama elaboração e a construção do ProjetoPolítico-Pedagógico para atingir tal au-tonomia (BUSSMANN, 1995).

Destacamos que no processo de elabora-ção e execução do Projeto Político-Peda-gógico, torna-se preciso superar a visãoconservadora e extrapolar o centralismoburocrático o que pressupõe o envolvi-mento de diferentes instâncias que atuamno campo educacional. O coletivo da escoladeve participar ativamente da construção

de seu Projeto Político-Pedagógico, expri-mindo sua intencionalidade pedagógica,cultural, profissional.

Pensar o Projeto Político-Pedagógico deuma escola é pensar a escola no conjuntoe a sua função social. Se essa reflexão arespeito da escola for realizada de formaparticipativa por todas as pessoas nelaenvolvidas, certamente possibilitará aconstrução de um projeto de escola con-sistente e possível (VEIGA, 2001).

Toda e qualquer organização que pretendaimplantar e desenvolver prática de nature-za participativa deve ter por base o exercí-cio do diálogo. Uma das dificuldades parao desenvolvimento de formas políticas departicipação e diálogo é a existência da cul-tura autoritária no interior das organizações(VEIGA, 1995, p.56).

O Projeto deve assegurar a presença dafamília, questionando e participando dagestão democrática da escola. Isso exigecoordenação de forma cooperativa, respei-tando as responsabilidades de cada um,pois

[...]a família não é convidada da es-cola, num dia especial do ano, marca-do por muita propaganda, mas sujeitoativo do cotidiano escolar e partícipede suas decisões e orientações [...] odia da família na escola é a consagra-ção da prática do espontaneísmo, es-vaziando a escola de seu conteúdo pe-dagógico e diminuindo sua função deconstruir e socializar o conhecimentoe, assim, contribuir para o enriqueci-mento cultural (SILVA, 2001, p.1).

A participação, no sentido que estamosconceituando, tem em vista a construção de

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um projeto de escola, inspirado em prin-cípios democráticos. Nessa perspectiva, de-veria criar condições reais para oenvolvimento consciente dos atores escola-res na proposição de ações que devem ter amarca da escola e não das instituições alhei-as ao seu âmbito.

PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO:UMA REFLEXÃO SOBRE A EXPERI-ÊNCIA EM ESCOLAS ESTADUAIS

Diretrizes delineadas

O Estado do Rio Grande do Norte, seguin-do as orientações delineadas no PlanoNacional, define a sua política educacio-nal para a década de 1990, enfatizando anecessidade da adoção de estratégiasdescentralizadoras. Nessa direção, o Pla-no Estadual de Educação para Todos(1994/2003) defende a construção de me-canismos para o fortalecimento da gestãoeducacional, estabelece a universalizaçãodo ensino como uma prioridade e argu-menta a necessidade de se elaborar eimplantar uma proposta Político-Peda-gógica, coletivamente, objetivando criaras condições para promover a autonomiapedagógica da escola.

Para reforçar essa autonomia, o Plano Es-tadual de Educação (1994, p.14) propõe o

desenvolvimento de um projeto pe-dagógico que permita ultrapassar osbaixos índices de desempenho do sis-tema educacional e ampliar as condi-ções de permanência do aluno naescola.

Os instrumentos de construção de uma

escola pública democrática, segundo esseplano, são os Projetos Político-Pedagógicose os Conselhos Escolares. Esses Conselhosseriam uma instância de decisão colegiada,com a função de gerir a escola democrati-camente, representando os diferentessegmentos da comunidade escolar, e deexercer um papel ativo na construção,acompanhamento e avaliação do ProjetoPolítico-Pedagógico.

O Projeto Político-Pedagógico é delineado,no âmbito do Plano Estadual, como frutoda interação entre os objetivos e as priori-dades da coletividade, que estabelece, pormeio da reflexão, as ações necessárias àconstrução de uma nova realidade. É, antesde tudo, um trabalho que exige comprometi-mento de todos os envolvidos no proces-so educativo: professores, equipe técnica,alunos, pais e a comunidade.

Para tornar realidade essa pretensão, aSecretaria de Educação do Estado do RioGrande do Norte elabora um conjunto dedocumentos, contendo as orientações téc-nicas para nortear a formulação do ProjetoPolítico-Pedagógico das escolas. No pri-meiro documento "Projeto Político-Pedagó-gico: uma construção coletiva", os argu-mentos formulados assinalam que a prin-cipal finalidade do Projeto Político-Peda-gógico diz respeito à construção da auto-nomia escolar. Argumenta, ainda, que a ca-pacidade de a escola delinear sua própriaidentidade significa resgatá-la como espaçopúblico, lugar de debate, do diálogo, fun-dado na reflexão coletiva.

Segundo, ainda, o referido documento, o

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Projeto Político-Pedagógico da escolabusca a democratização do processo deplanejamento; a melhoria da qualidade doensino; o incentivo às atividades culturais;o desenvolvimento da avaliação institu-cional da escola; a agilização da práticaadministrativo-pedagógica com qualidadee o provimento de condições facilitadoraspara o efetivo cumprimento dos fins daescola.

Nesse documento, encontra-se, também, adefesa de que o Projeto Político-Pedagó-gico organiza o trabalho pedagógico daescola na busca de melhorias na qualidadedo ensino. Na construção do Projeto, estarásempre presente uma relação recíprocaentre a dimensão política e a dimensãopedagógica da escola.

Um segundo documento que orienta a ela-boração do Projeto Político-Pedagógico dasescolas denomina-se "Projeto Político-Peda-gógico como alternativa para re-dimensionara escola pública". Nesse documento, desta-ca-se que a elaboração e construção do Pro-jeto Político-Pedagógico deve consideraros seguintes princípios: a) a concepção doprojeto pedagógico da escola deve estarnecessariamente articulada a um projetomais amplo de gestão democrática daescola pública e b)o Projeto Político-Peda-gógico deve ser construído coletivamente.As diretrizes contidas no referido documen-to realçam que a participação no processode elaboração e execução do Projeto Polí-tico-Pedagógico deve ser uma decisão dosatores educacionais organizados no inte-rior da escola a partir de uma análise com-prometida do papel que a escola pública

deve assumir no presente momento.

O terceiro documento, "Gestão Democráticada Rede Estadual de Ensino" tem porobjetivo orientar o desenvolvimento, a for-mulação e consolidação de um projeto deescola buscando um horizonte político,aberto, democrático, cidadão, criativo,dialógico e plural.

Nesse mesmo documento é explicitadoque a gestão democrática da escola exigea compreensão dos problemas postos pelaprática pedagógica. A gestão democráticaimplica, segundo os argumentos delinea-dos, em repensar a estrutura de poder daescola, tendo em vista a socialização doconhecimento. Elege a participação comoum mecanismo essencial para dinamizaçãoda ação escolar.

Nesse sentido, reforça que a participaçãodeve envolver todos os atores educacio-nais, garantir a produção de um planeja-mento no qual estejam contemplados osdiferentes "olhares" da realidade escolar,possibilitando, assim, a criação de vínculosentre pais, alunos, professores, funcionáriose especialistas. Especifica, ainda, o docu-mento que a presença do debate democrá-tico possibilita a produção de critérios cole-tivos na orientação do processo da gestãodemocrática que, por sua vez, incorporasignificados comuns aos diferentes atoreseducacionais, colaborando com a identifi-cação desses com o trabalho desenvolvidona escola. Favorece a execução de açõespor meio de compromissos construídosentre aqueles diretamente atingidos peloplanejamento educacional.

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As orientações expressas nos documentosda Secretaria de Educação do Rio Grandedo Norte, como fica evidenciado nessebreve delineamento, configuram a neces-sidade da implementação de um ProjetoPolítico-Pedagógico concebido de formacoletiva e que contribua para a autonomiada escola.

Os contornos da elaboração e implanta-ção do Projeto Político-Pedagógico4

Projeto Político-Pedagógico: possibili-dades e limites na elaboração

A participação é considerada tanto nasorientações governamentais (plano e le-gislação) quanto na literatura específicacomo sendo uma dimensão essencial àelaboração do Projeto Político-Pedagógico.

Nesse sentido, é importante evidenciarcomo os técnicos e docentes se integramao processo de elaboração do PPP dasescolas nas quais trabalham.

No que concerne à participação dos atoreseducacionais, no processo de elaboraçãodo Projeto Político-Pedagógico, constata-seque os técnicos se envolvem nessa ativi-dade de forma mais efetiva do que docentes,em todas as etapas. Na etapa de realizaçãodos estudos de fundamentação, momentoem que ocorre maior participação de to-dos as categorias de atores, o quadro evi-denciado foi o seguinte: 77,1% dos técni-cos e 56,3% dos docentes declaram terparticipado de forma ativa. Na segundafase - elaboração do diagnóstico - 75,0%

dos técnicos e 38,7% dos docentes dizemter se envolvido com esse procedimento.Nas duas fases seguintes verifica-se, ain-da, uma menor participação dos docentes:no momento de definir a concepção deeducação (20,4%) e na sistematização doProjeto Político-Pedagógico (20,4%).

A participação dos técnicos nesses doismomentos também foi menor em relação àsfases anteriores - estudos de fundamenta-ção e diagnóstico. A participação dostécnicos na definição da educação e sis-tematização do Projeto Político-Pedagó-gico foi, respectivamente, de 54,2% e47,9%, portanto mais intensa do que aparticipação dos docentes. O quadro de-lineado, a partir dos dados da pesquisa,demonstra que, em todos os momentos, ostécnicos participaram mais intensamentena elaboração do referido Projeto do que osdocentes.

A situação observada no presente estu-do difere daquela constatada por CabralNeto e Almeida (2001, p.16-17) em pesqui-sa realizada no âmbito de escolas públicasestaduais do Estado do Rio Grande doNorte. No estudo dos autores referidosencontra-se uma ponderação:

essa situação representa um dadoemblemático porque os professores,como um dos segmentos importantesna implementação do Projeto Políti-co-Pedagógico, são os que menos seenvolvem com a sua sistematização.

A situação constatada expressa uma reali-dade preocupante, uma vez que a partici-pação de todos os atores educacionais no

4 As informações referidas nesta parte do artigo foram coletadas em 12 escolas públicas da rede estadual de ensino do município de Natal, Estadodo Rio Grande do Norte. Nessas escolas foram entrevistados 60 técnicos e 120 professores..

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processo decisório deve ser uma caracte-rística importante na concepção do Proje-to Político-Pedagógico. Essa característicaparticipativa imprime, necessariamente, amarca que o transforma em um instrumen-to técnico-político que favorece a constru-ção de uma escola autônoma no âmbitopedagógico.

A participação apresenta-se como umimperativo na feitura do Projeto Político-Pedagógico porque ele contém as dire-trizes essenciais para orientar a ação polí-tica e pedagógica da escola. A sua formu-lação caracteriza-se, principalmente, por ex-pressar os interesses e necessidades dosatores envolvidos e por ser concebido econstruído com base na realidade local ecom a participação conjunta da comuni-dade escolar.

Nesse entendimento não apenas a parti-cipação dos técnicos e dos docentes naelaboração do Projeto Político-Pedagógi-co é importante; a comunidade tambémdeve ser convocada para tomar partedesse processo. Na realidade pesquisadaisso não se concretizou. Além disso, faz-se necessário realçar que a participaçãodeve ser correta e adequadamente lidera-da pelo gestor da escola. Esse profissio-nal historicamente tem tido pouca parti-cipação na dimensão pedagógica dagestão, priorizando, quase sempre, as ati-vidades administrativas. Os dados da pes-quisa evidenciam que essa tendência estáfortemente presente no cotidiano dasescolas estaduais do Município de Natal.

A participação como elemento basilar

no fortalecimento da autonomia deveser uma constante em todos os momentosde formulação do Projeto Político-Pedagó-gico. A pouca presença dos docentes,principalmente na sistematização doreferido Projeto, pode ser um indicativoda fragilidade desse instrumento paranortear o trabalho pedagógico. Obser-va-se que nas escolas, o Projeto Pedagó-gico continua, quase sempre, sendo umdocumento que a escola elabora, masque, raramente, cumpre a função de serum guia para a ação docente. Poucos sãoos professores que detalham os seusplanos de trabalho tomando como re-ferência o Projeto Político-Pedagógico daescola. Isso indica que mesmo parte da-queles professores que diz participar daelaboração do Projeto Pedagógico não outiliza como instrumento de sua açãodocente, caracterizando, dessa forma,uma prática individualista na concepçãodo programa de sua disciplina, o quefragiliza o seu trabalho pedagógico.

Para que a participação assuma um cará-ter educativo e contribua para a edificaçãode um processo democrático e autôno-mo, torna-se necessário desencadear umaação no interior da escola para sensibili-zar todos segmentos que nela atuam, nosentido de convencê-los da importânciado Projeto Político-Pedagógico construídocoletivamente. Essa compreensão é ain-da pouco evidenciada na realidade parti-cular da escolas estaduais do Municípiode Natal, Estado do Rio Grande do Norte.

A pertinência de um trabalho de sensibi-lização dos atores escolares sobre a im-

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portância da elaboração coletiva do Proje-to Político-Pedagógico é realçada na li-teratura sobre o tema. Vasconcellos (2000,p.175), por exemplo, destaca que antes dese iniciar a elaboração do Projeto Político-Pedagógico, é preciso uma etapa de sensi-bilização, de motivação, de mobilização,a fim de que a tarefa de elaborar o projetoseja assumida coletivamente e tenha sig-nificado para a comunidade.

A realidade constatada indica a necessidadede se realizar, no âmbito escolar, um trabalhode sensibilização junto aos técnicos e, maisparticularmente, junto aos docentes, paradespertar sobre a necessidade de umaparticipação mais efetiva na edificação doProjeto Político-Pedagógico. Isso porquea sensibilização possibilita ao indivíduotomar decisões, seguir caminhos, procurarformas mais condizentes de ser, frente aomundo; um indivíduo capaz de pensar, cri-ticar e refletir sobre as ações. Todas essaspossibilidades ficam enfraquecidas diantedo distanciamento existente entre a partici-pação dos atores envolvidos no processode elaboração do Projeto Pedagógico e aspossibilidades imanentes a esse coletivo.

A ausência desse processo de sensibilização,junto às escolas estaduais do municípiode Natal, parece ter sido um dos fatoresque contribuíram para a fragilidade da par-ticipação dos docentes e técnicos na ela-boração do Projeto Político-Pedagógico. Adecisão de elaborar o citado projeto não foitomada pela escola. Foi uma decisão da Se-cretaria de Educação, sem uma discussãoprévia com as escolas, para sensibilizá-lasda necessidade e importância do ProjetoPedagógico.

Vale ressalvar que a participação dos pro-fessores e técnicos na elaboração da PPP,está prevista nos artigos 12 e 13 da LDB(9394/96). Nesse dispositivo legal, especi-fica-se, inclusive, a necessidade de utiliza-ção de mecanismos, como a sensibilizaçãoe capacitação dos docentes para imple-mentar o Projeto Pedagógico.

Não se trata de querer colocar em práticaos princípios normativos de qualquerforma. Às vezes a pressa para cumprir osdispositivos legais pode criar uma situa-ção artificial, transformando uma açãomedular para a organização da escola, emapenas mais uma atividade burocrática semsignificado educativo. Como bem assinalaNeves (1995), a motivação e o envolvi-mento da comunidade escolar não se fa-zem com decreto, nem com publicidade. Aseu ver, há necessidade de um convenci-mento de que a participação de cada umdetermina o rumo diferenciado no que sequer construir.

Desse ponto de vista, uma política desti-nada a reforçar a autonomia pedagógicanão pode limitar-se à produção de umquadro legal que defina normas e regrasformais para a partilha de poderes e a dis-tribuição de competências entre os dife-rentes níveis de administração, incluindoo estabelecimento de ensino. Ela precisaassentar-se, sobretudo, na criação decondições e na montagem de dispositi-vos que permitam, simultaneamente, liber-tar as autonomias individuais e dar-lhesum sentido coletivo. Assim, é necessáriopossibilitar aos atores educacionais (téc-nicos e docentes) condições objetivas e

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subjetivas para que participem do proces-so de construção e implantação do Proje-to Político-Pedagógico.

A avaliação objetivada pelos técnicos edocente de escolas públicas estaduais doMunicípio de Natal, Estado do Rio Grandedo Norte revela uma realidade que ex-pressa uma situação de fragilidade na par-ticipação desses atores na elaboração doProjeto Político-Pedagógico. O nível departicipação constatado está muito longedo recomendado nas orientações oficiais ena literatura como sendo necessário à ela-boração de um projeto coletivo.

Enquanto nas orientações oficiais e na li-teratura encontra-se uma forte recomen-dação no sentido de que o Projeto Pedagó-gico seja elaborado pela comunidade e pe-los atores educacionais, os dados revelamque nas escolas públicas estaduais do Mu-nicípio de Natal ocorre um distanciamentoentre o proclamado e a prática vivenciada.

Em síntese, os dados da pesquisa revelamque houve uma participação decrescente,tanto dos técnicos quanto dos docentes,nas fases de elaboração do Projeto Político-Pedagógico. Essa tendência pode ser de-corrente de uma falta de motivação dosatores, para desenvolver um trabalho parao qual não foram preparados nem sensibi-lizados. Outro aspecto que deve ser consi-derado, principalmente, em relação aosdocentes - categoria cuja participação foiinferior em todas as fases de elaboração doPPP - é a situação de desânimo provocadapelas condições de trabalho.

Essa é uma referência ao fato de que osprofessores das escolas públicas têm jorna-das muito extensas, e em várias unidadesde ensino, dificultando a sua participaçãono processo de construção coletiva doProjeto Político-Pedagógico. Um outro fa-tor importante diz respeito às especificidadesde funções. Assim sendo, os técnicos parti-cipam mais intensamente, devido às atribui-ções de seus papéis no chão da escola.

Projeto Político-Pedagógico: avaliandoa participação dos atores na fase deexecução

A avaliação dos técnicos e docentes, noque concerne à sua participação na exe-cução do Projeto Político-Pedagógico ex-pressa uma situação que encerra um con-junto de dificuldades.

Os dados da pesquisa indicam que 4,2%dos técnicos e 0,7% dos docentes avalia-ram a sua participação na execução doProjeto Político-Pedagógico como ótima.Essa participação foi considerada boa por16,7% dos técnicos e por 12,75% dos do-centes. A grande maioria classifica o seuenvolvimento como tendo sido regular(técnicos 27,1% e docentes 19,7%). O con-ceito ruim, por sua vez, foi atribuído por4,2% dos técnicos e 8,4% dos docentes.No item péssimo, registram-se ospercentuais de 6,3% para os técnicos e12,0% para os docentes.

A fragilidade do envolvimento dos referi-dos profissionais nessa fase do ProjetoPolítico-Pedagógico é reforçada, também,pela não disponibilidade de uma parcela

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significativa dos técnicos (41,5%) e dosdocentes (46,5%) para avaliarem o seuenvolvimento na execução do referidoprojeto.

As constatações revelam uma dificuldadedas lideranças da escola para articularmecanismos apropriados a fim de envolveros atores educacionais na execução doProjeto Político-Pedagógico. Essa situaçãoguarda uma relação com a constatada nafase de elaboração do referido Projeto,quando os entrevistados avaliaram o seuenvolvimento de forma insuficiente.

Essa dificuldade de envolver os profissio-nais que atuam na escola com a execuçãodo Projeto Político-Pesdagógico, podefragilizar esse importante instrumento dedescentralização pedagógica e de produ-ção da autonomia escolar. Nesse sentido,Cunha (1998) lembra que o Projeto Polí-tico-Pedagógico, como instrumento dedescentralização interna, objetiva a revi-são e o aperfeiçoamento dos processos detrabalho escolar, mediante a participaçãode todos na programação e controle dasatividades escolares. Como instrumentogerador da autonomia institucional, cons-titui-se em eixo de criatividade, de con-trole, de responsabilização e de convergên-cia na atuação dos atores educacionaisinternos e externos, em torno de intençãocomum.

Na construção da autonomia, revestido decaráter político-administrativo, o Projetopode ser considerado como um instru-mento catalisador de esforços, iniciativas,recursos e, ainda, disciplinador dos rumos

da instituição.

O projeto pedagógico ordena, articula,dirige e regula a concepção, a execução ea avaliação do planejamento escolar, docurrículo e da própria organização da ins-tituição. Ao concorrer para a efetividadedesses mecanismos, poderá suprimir ocunho autoritário e meramente burocráticoque os tem caracterizado na prática escolar.

Efetivamente, o problema crucial no siste-ma educacional não é a falta de propostas,mas sim a execução delas. É preciso rompercom essa cultura, pois as escolas precisamde ação, e execução (CUNHA, 1998).

Nesse sentido, destaca-se a necessidadede que o acompanhamento da execuçãodo Projeto Pedagógico seja uma ação cole-tiva e não só restrita à Secretaria de Edu-cação ou ao corpo de direção da escola. Emuma perspectiva de administração democrá-tica, os técnicos, os docentes e a famíliadevem participar da definição das formase dos mecanismos de acompanhamentodo Projeto Político-Pedagógico. Essa com-preensão reforça o posicionamento segun-do o qual a participação deve ser exercidapor todos e em todos os momentos da vidaescolar. A situação constatada na pesquisaindica uma realidade pouco satisfatória emrelação a esse aspecto, haja vista a parti-cipação efetiva do coletivo no Projeto Polí-tico-Pedagógico em todas as suas etapaspoder ser considerada insuficiente para asua legitimação.

A falta de um acompanhamento siste-mático do Projeto Político-Pedagógico, narealidade pesquisada, pode significar a

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ausência de uma avaliação das atividadesque foram planejadas. Essa ausência, deum acompanhamento mais sistematizadodo referido Projeto, impossibilita tambémuma compreensão da dimensão do projetoe das ações a serem executadas, fragilizandoa gestão participativa da escola.

Para desencadear modificações na institui-ção escolar, favorecendo a construção daautonomia, é necessário superar essa si-tuação de inércia e promover o engajamentoresponsável, dinâmico, contínuo, criativoe auto-regulável dos atores educacionais,bem como convocar a comunidade,beneficiária do serviço público educacio-nal, para a co-participação e co-responsa-bilização nesse processo.

O acompanhamento e execução de umprojeto pedagógico concebido comoreferencial para o trabalho em uma dadaescola deve ser produção de todos os ato-res educacionais desse espaço escolar. Aidentificação dos problemas a serem resol-vidos, das possibilidades de intervenção etransformação da realidade são inerentesas formas de acompanhamento do ProjetoPolítico-Pedagógico (GUIMARÃES, 1998).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A autonomia não se define apenas pelaexistência de um determinado ordenamentojurídico. Se este último pode ser impor-tante com vista a uma maior dinâmica naautonomia das escolas, a autonomia, no en-tanto, tem de partir da própria dinâmica daescola na construção de sua identidade.Trata-se, pois, de uma mudança de percep-

ção da escola como espaço de repetição,para a noção da escola como lugar deprodução e inovação (BARROSO, 1996a).

Para que a escola seja realmente um espaçodemocrático e não se limite a reproduzira realidade sócio-econômica em que estáinserida, cumprindo ordens e normas aela impostas por órgãos centrais da edu-cação, deve-se criar um espaço para aparticipação e reflexão coletiva sobre oseu papel junto à comunidade. Na ausên-cia desse espaço para viabilizar a parti-cipação, a escola tende a elaborar umProjeto Político-Pedagógico que priorizaa reprodução da realidade sócio-econômicae impossibilita uma real autonomia da es-cola. Essa reprodução inviabiliza a parti-cipação autêntica dos atores educacionaisque se limitam, muitas vezes, à repetição,descaracterizando, dessa forma, uma açãoreflexiva indispensável à autonomia daescola. Autonomia é construção e nãoimposição.

Nas escolas investigadas pela pesquisa, oque predominou foi a implantação deProjetos Políticos-Pedagógicos impostospela Secretaria de Educação. Não houveum processo de sensibilização dos técni-cos e docentes para discutir e analisar aimportância de a escola delinear açõescoletivamente. Essa situação resultou emuma frágil participação dos atores educa-cionais em todos as fases do Projeto Polí-tico-Pedagógico. Essa participação é maistênue entre os docentes do que entre ostécnicos. Uma grande maioria dos docen-tes demonstrou um quase total desconhe-cimento a respeito do Projeto Político-Pe-

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dagógico da escola. Muitos docentes,inclusive, optaram por não responder oquestionário, por não terem elementossignificativos que dessem sustentaçãoàs suas respostas.

Outro aspecto relevante que a pesquisademonstrou é que o Projeto Político-Pe-dagógico, na realidade, não está se con-cretizando de forma significativa e quemuito pouco se tem feito para mobilizara sua dinamização. A escola está maispreocupada com o gerenciamento dosrecursos financeiros advindos da CaixaEscolar do que, necessariamente, comaspectos pedagógicos, esquecendo as re-lações que existem entre estes e os demais.

A questão da autonomia escolar e de seudesdobramento em um Projeto Político-Pedagógico, nas escolas públicas, estásujeita a interferências de órgãos externosresponsáveis pela organização, adminis-tração e controle da rede escolar.

Os órgãos centrais, com maior ou menoramplitude, tendem a desconhecer a pecu-liaridade de distintas situações escolarese orientam como se todas as unidades fos-sem idênticas ou muito semelhantes. Aconseqüência mais indesejável desse pro-cedimento diz respeito às tentativas dehomogeneização daquilo que é substan-tivamente heterogêneo. Acrescente-se aisso o fato de que as escolas ficam ou sen-tem-se desoneradas da responsabilidadepelo êxito de seu próprio trabalho, uma vezque ele é continuamente objeto de in-terferências externas. E ainda que essasinterferências sejam bem intencionadasnão levam em conta serem as escolas pú-

blicas bastante diversificadas, portanto,não podem ser tratadas de maneira unifor-me. Essa foi a tendência observada nasescolas pesquisadas: havia uma hetero-geneidade de situações (qualificação dostécnicos e docentes, condições materiais,nível de experiência, entre outros) que nãoforam considerados pela SEC, na im-plantação do Projeto Político-Pedagógico.

É aí que reside um grave problema daescola pública, e é para resolvê-lo quese reivindica a autonomia da escola noprocesso de elaboração e execução doProjeto Político-Pedagógico, a partir dacriação de condições reais e levando emconsideração as peculiaridades das esco-las. A situação constatada, em escolaspúblicas do Município de Natal, denota anecessidade de a escola percorrer um ex-tenso caminho para concretizar uma ges-tão participativa que resulte na constru-ção de mecanismos para viabilizar umtrabalho pedagógico que contribua, mes-mo dentro de seu limite, para a melhoriada qualidade social do ensino.

No entanto, a fragilidade na concepçãoe implantação do Projeto Político-Pedagó-gico não descarta o reconhecimento desua importância como algo que começa aser pensado no âmbito das unidades es-colares.

Nas escolas pesquisadas, o quadro seapresenta bastante diversificado quantoao estágio de implementação do ProjetoPedagógico, porém todas elas, de umaforma ou de outra, estão preocupadascom essa dimensão da reforma.

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Os aspectos realçados são indicativos dasdificuldades de se implantar, na escola,um Projeto que se constitua em uma açãoconsistente para a construção de uma au-tonomia real. Entretanto, pode-se afirmarque existe no interior das escolas, aindaque de forma embrionária, uma participaçãodos atores educacionais na elaboração doProjeto Político-Pedagógico, significandoque, apesar dos limites apontados, se iniciano espaço escolar um germe de algo quepoderia avançar em direção ao que Barroso(1996) chama de autonomia construída.

Cabe demarcar, por último, que o ProjetoPolítico-Pedagógico é apenas uma oportu-nidade para a tomada de consciência dosprincipais problemas da escola, das possi-bilidades de solução e definição das res-ponsabilidades coletivas, para eliminar ouatenuar as falhas detectadas, porém suaimplantação é muito difícil.

Não obstante a insistente e cansativa retóri-ca sobre a necessidade do trabalho partici-pativo, e a imposição de órgãos escolaresque reúnem professores, pais e alunos, nãohá, geralmente, no Brasil, a tradição de umesforço coletivo para discutir, analisar e bus-car soluções no âmbito das escolas. Assim,não é tarefa fácil elaborar e implantar coleti-vamente o Projeto Político-Pedagógico noespaço das instituições públicas de ensino.

É preciso, todavia, insistir na necessidadede alterar práticas conservadoras, aindapresente nos espaços dos órgãos centraise das escolas e construir alternativas de-mocráticas com vistas a um trabalho peda-gógico de qualidade social. Para isso, não

há fórmulas prontas, e convém não esperarauxílio de uma inexistente “ciência dos pro-jetos” ou de roteiros burocratizados. Ela-borar o Projeto Político-Pedagógico é umexercício de autonomia escolar.

A experiência de gestão pedagógica des-centralizada, viabilizada por meio da ela-boração e implantação do Projeto Políti-co-Pedagógico, da escola, expressa umarealidade complexa. Essa experiência, aomesmo tempo em que é recortada porenormes dificuldades, possibilita osurgimento de elementos inovadores quenão podem ser desconsiderados. Os pró-prios entrevistados, em suas avaliações,evidenciam essa dinâmica, na medida emque apontam aspectos positivos e difi-culdades na trajetória por eles vivenciada.

Enfim, não existem receitas ou modelosacabados. Cada escola precisa descobrir assuas potencialidades para que possaconstruir a sua autonomia, tomando comoreferência as condições subjetivas e ob-jetivas presentes na sua realidade. É preci-so ter presente que a realidade é sempremais complexa do que possam imaginaros formuladores da política que propõemmedidas legais para a autonomia da escola.

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Political and Pedagogic Project as a mecha-nism for achieving school autonomy

Abstract: This article analyzes the contributionof the Political and Pedagogic Project to reinforceschool autonomy. It discusses autonomy as partof the democratic management and emphasizesthe contribution of the Political and Pedagogic

Artigo recebido em: 04/02/2004.Aprovado para publicação em: 29/03/2004.

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REFERÊNCIAS

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Projeto Político-Pedagógico como mecanismo de autonomia escolar

Project to the implementation of schoolautonomy. It also analyzes the application of thisProject in state government schools, highlightingits possibilities and limitations regarding pedagogicautonomy. Resuts show that autonomy cannotonly be based on legal provisions. These areimportant but not sufficient to create all necessaryconditions to autonomy attainment. Evidencedemonstrates that educators are becoming awareof the importance of creating collectivemechanisms of pedagogic management.

Keywords: Political and Pedagogic Project;Local autonomy schools; Participation.

Proyecto Pol i t ico-Pedagogico como me-canismo de autonomia escolar

Resumen: Este artículo analiza la contribucióndel Proyecto Político-Pedagógico alfortalecimiento de la autonomía de la escuela.Contempla una discusión sobre la autonomíacomo una de las dimensiones de la gestión demo-crática, destaca la contribución del Proyecto Po-lítico-Pedagógico para concretar la autonomíaen el espacio escolar y analiza la implementacióndel Proyecto Político-Pedagógico en la escuelaspúblicas estatales, evidenciando sus posibilidadesy limitaciones en la edificación de la autonomíapedagógica. Los resultados de la reflexióndesarrollada sobre el tema revelan que laautonomía no se construye sólo con la definiciónde un ordenamiento jurídico. El es importanteaunque no suficiente para crear todas lascondiciones necesarias para la concreción de laautonomía. Se constata, en la realidad investigada,el surgimiento de una toma de conciencia, porparte de los educadores, sobre la necesidad deconstruir mecanismos colectivos de gestión pe-dagógica.

Palabras-clave: Proyecto Político-Pedagógico;Autonomía de la escuela; Participación.

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Antônio Cabral Neto - Tatiane Campêlo da Silva

Sobre os autores:

1Antônio Cabral NetoDoutor em Educação pela Universidade de SãoPaulo. Professor do Departamento de Educação edo Programa de Pós-Graduação em Educação daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte(UFRN). Pró-Reitor de Graduação da UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte.E-mail: [email protected]

Endereço: Rua engenheiro Nelson Bahia,n .1854, Cidade Jard im, Nata l / RN CEP. :59078-280

2 Tatiane Campêlo da SilvaMestre em Educação, UFRN. Professora do Pro-grama de Qualificação Profissional para Educa-ção Básica (PROBÀSICA), UFRN.E-mail:[email protected]

Endereço: Rua Escritor Alceu d’Amoroso Lima,n.161, Pitimbú, Natal/RN CEP.:59069-460

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Os desafios da instituição educativa frente à descentralização dagestão

Resumo: A escola, como instituição educativa,deve levar em consideração o perfil de cidadãoque se compromete a formar correspondendo aosanseios da comunidade frente aos desafios im-postos pelo mundo globalizado em que vive-mos. Neste âmbito, percebemos a importânciada participação da comunidade escolar, de for-ma autônoma e consciente, em todas as deci-sões tomadas pela escola, principalmente, naconstrução do seu projeto político-pedagógico.No entanto, a falta de clareza dos profissionaisda educação, frente às políticas educacionais,calcadas na descentralização da gestão educaci-onal, tem feito com que a escola reproduza osmodelos centralizados de gestão dando poucaimportância à participação, tanto da comuni-dade interna como da externa, dificultando ademocratização da gestão. Estes são fatos quenos levam a analisar mais particularmente arealidade em questão.

Palavras-chave: Descentralização; Gestão Edu-cacional; Projeto Político-Pedagógico.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é uma decorrência dapesquisa, em andamento, intitulada "A es-cola e a comunidade frente à democratiza-ção da gestão escolar" que está sendo de-senvolvido com base nas determinaçõesdas atuais políticas educacionais, cuja di-retriz central tem sua ênfase na democrati-zação da gestão, uma prerrogativa dos es-paços de autonomia legalmente instituídos.Através de debates, entrevistas e questio-

nários, bem como análise de projetos peda-gógicos, o campo de pesquisa é a rede deescolas municipais de Santa Maria, RioGrande do Sul.

Com esta investigação, pretendemos co-nhecer como a escola municipal enfrentaos grandes desafios que se colocam paraas instituições educativas pelas políticaseducacionais que têm na descentra-lização administrativo-pedagógica a suacaracterística mais marcante.

Pela Constituição de 1988, que institui agestão democrática nas instituições públi-cas de ensino, é lhes dada a possibilidadede decidir sobre sua identidade e é nesteprocesso que se consolida, através da par-ticipação coletiva, o que se entende pordemocracia como direito e dever de parti-cipar, o que é um direito de cidadania.

Esta é uma posição assumida em Bobbio(2000), quando afirma que democracia é ogoverno de muitos, o governo do povo, emcontraposição ao governo de poucos. Nestesentido, como indica o autor, o povo é en-tendido como conjunto de cidadãos aquem cabe o direito de tomar decisõescoletivas.

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Este trabalho trata, portanto, da partici-pação da comunidade escolar na ocupa-ção dos espaços de autonomia conferidalegalmente à instituição educativa de modoque esta exerça seu poder de decisão nosentido de melhorar a qualidade do ensi-no e, também , a partir dessa intervenção,formar cidadãos conscientes da realida-de social na qual estão inseridos.

De acordo com Aurélio Buarque deHollanda, "autonomia" é entendida como"o direito ou faculdade de se reger porleis próprias; emancipação; independên-cia" o que leva à idéia de liberdade paraagir.

Segundo Urzúa & Puelles (1997, p.141),autonomia escolar diz respeito ao “tipode escola que necessitamos para fazer fren-te aos caminhos atuais do mundo sem fron-teiras, cada vez mais influenciado pela re-volução tecnológica”. Supõe superar es-truturas autoritárias e descomprometidascom a realidade social e substituí-laspor uma escola democrática eparticipativa, isto é, “um espaço públicoque faz da participação da comunidadeo eixo da organização escolar".

Isto configura a necessidade, tanto da co-munidade interna, como da comunidadeexterna à escola, a partir da represen-tatividade de cada segmento composto deprofessores, pais, alunos, funcionários epessoas interessadas em conhecer e parti-cipar das decisões da vida escolar, a garan-tia de que a escola poderá encontrar cami-nhos para enfrentar, de forma crítica econtextualizada, alternativas para superar

a organização burocrática, setorizada, in-dividualista e distanciada da compreensãoda realidade social em que se insere.

Isto implica em entender que o conheci-mento da realidade social e das políticaseducacionais, imbricadas nas determina-ções do mercado globalizado, que tem naciência e na tecnologia e seus impactos nocontexto sociocultural com reflexos navida das comunidades, representa o gran-de desafio da escola na construção do seuprojeto político-pedagógico, projeto esteque tem a responsabilidade de inserir oaluno para participar desta sociedade com-plexa e excludente, com competência econsciência política.

O teor deste trabalho, portanto, se refereà escola, à comunidade, ao projeto políti-co-pedagógico como resultado do espa-ço de autonomia, temas que podem sersintetizados na gestão democrática que,conforme a Constituição Federal de 1988, éo balizamento das decisões da sociedadehoje e, portanto, da instituição escolar.

A partir destas referências, buscamosdesenvolver idéias para reflexão queauxiliem as instituições educativas a en-frentar o desafio da democratização dagestão numa perspectiva crítica, de modoque os profissionais da educação tantocompreendam as determinações domundo do mercado globalizado comoutilizem-se dos espaços possíveis deautonomia na construção de uma esco-la cidadã.

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A GESTÃO DEMOCRÁTICA NOCONTEXTO NEOLIBERAL

A importância da participação da comu-nidade interna e externa à escola, especi-almente dos profissionais da educação,deverá ter, consciente e criticamente, co-nhecimento das políticas educacionais paraque a construção da identidade da escolanão seja, apenas, mais o cumprimento deuma burocracia sem sentido edescomprometida com a formação dacidadania, mas sim a busca de qualidadepara a escola pública brasileira a partir dosinteresses da sociedade.

Esta qualidade tem de ter presente o tipode cidadão que a escola pretende formare organizar-se para operacionalizar suaspropostas. Isto não se dará se a escola nãoassumir criticamente seu espaço de auto-nomia e, nesta, não contar com a participa-ção efetiva da comunidade escolar.

Neste processo, importante se faz umaanálise das políticas macroeconômicasque se refletem nas decisões da escola,visto que, numa época em que tanto sefala em democracia e se apregoa a partici-pação da sociedade como coadjuvante dedecisões tomadas pelo Estado, o temaoportuniza uma série de reflexões. Destaforma, qualquer esforço que se faça, como objetivo de trazer o centro decisório dasações da escola para perto da comunidade,só será possível quando houver a com-preensão do fenômeno educacional den-tro de um contexto mais amplo, onde estãopresentes os elementos culturais, políticose, sobretudo, econômicos.

Toda proposta de integração entre a escolae a sua respectiva comunidade - pais, pro-fessores, alunos, funcionários - que deixede contemplar essa realidade, bem comocompreender sua dinâmica interna e, ain-da, entender como a totalidade destesprocessos se reflete na educação, resultaingênua e, por conseguinte, inócua.

Tendo isto presente, entendemos que acomunidade, responsável pelas decisõesda escola, deverá ter consciência políticade que a descentralização administrativa,pedagógica e financeira, fundamento dagestão democrática, ao mesmo tempo emque representa um espaço para garantiros anseios da comunidade, também re-presenta os interesses do capital no mo-delo neoliberal, pelo qual as principaisinstituições sociais vinculadas ao Esta-do estão organizadas em função dos in-teresses do capital privado, do que é pos-sível concluir que a conjuntura político-econômica vigente no sistema social, sereflete, inevitavelmente, no campo edu-cacional.

Esta reflexão afirma a idéia de que a escolaassume um grande desafio com a compre-ensão do duplo espaço em que ela estáinserida, ou seja, o de compreender, critica-mente, as propostas neoliberais para nãotransformar a escola pública num espaçoprivado e o de resguardar o espaço públicopara a sociedade, entendendo este nãocomo a estadualização da educação, mascomo um compromisso do Estado em man-ter a escola pública como direito de todos.Desta forma, o Estado deve garantir os re-cursos necessários para que a escola não

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deixe de ser um espaço público e este é,efetivamente, o grande desafio da insti-tuição educativa, isto é, o de compreen-der as políticas educacionais no conjuntodas políticas do mercado globalizadocomo garantia deste espaço.

Isto nos leva a afirmar a diferença entre asesferas pública, privada e estatal, pelaqual a escola, como espaço público, éaprisionada pelos interesses do Estadoque, por sua vez, numa sociedadeneoliberal, está a serviço do privado. Ga-nha, portanto, sentido a permanência doEstado no cenário da educação públicabrasileira e não a abdicação de seu papelde provedor de bens públicos. Este é umdos compromissos da sociedade e, especi-almente, da comunidade escolar comoelementos de controle do Estado, no senti-do de empenhar-se numa democracia ca-paz de ampliar a presença da sociedadecivil no âmbito do Estado e, com isto, evi-tar as armadilhas neoliberais de priva-tização da escola pública.

Pelas políticas neoliberais que reduzemo tamanho do Estado para as questõespúblicas e o colocam a serviço do privado,a escola deverá, portanto, ter presente quea gestão democrática não é uma benessedo capital. Sem esta visão, isto pode con-fundir as decisões, acriticamente tomadasna escola, visto que pelas políticas edu-cacionais atuais, há o surgimento de es-paços mais democráticos. Os problemasespecíficos são transferidos para espa-ços de decisões próximos da comunida-de escolar.

Assim, como explica Pereira:

As novas determinações do capital...se traduzem no processo de descentra-lização de poder em todas as áreassociais onde, aí, se inclui o sistemaeducacional no qual a escola, a menorparcela deste sistema, passa a ser olugar, por excelência, de suas própri-as decisões. Nesta perspectiva a edu-cação precisa ser resolvida localmen-te a partir de decisões do coletivo es-colar (PEREIRA, http://www.ufsm.br/adeonline).

Insere-se, portanto, a própria legislaçãoeducacional nas determinações do capital,numa pretensão de responder às exigên-cias do mundo do trabalho, o que se tra-duz na LDB- Lei 9394/96- por seu caráterefetivamente descentralizador, colocando agestão democrática como principal forma deintegração da educação com a nova dinâ-mica de organização da sociedade.

A Lei, ao estabelecer que a escola deveaproximar-se da comunidade, possibilitaum modelo participativo de gestão nosentido de que sejam buscadas alterna-tivas de solução para os problemas edu-cacionais brasileiros que são, em gran-de parte, gerados pela própria estruturado capital, visto as característicasexcludentes de nossa escola em todos osníveis.

Os aspectos referidos, sinalizam para que aintegração entre escola e comunidade nãoapenas signifique o cumprimento de umadeterminação legal e, sim, a compreensãolúcida das questões das políticas macroeconômicas que estabelecem as diretri-zes das políticas educacionais. Isto implicaem ocupar os espaços possíveis para a

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organização de uma escola pública comodireito de todos, gratuita e obrigatória,como garantia da formação de cidadãoscomprometidos com a transformação so-cial, para o que se faz necessária a parti-cipação da comunidade.

Assim, a comunidade é instigada a refletir,a tomar parte nas decisões levadas a cabopela escola e a participar, rompendo comos esquemas centralizadores, ainda hojeexistentes e fortemente comprometidoscom os interesses do capital pois, peladescentralização - entendida aqui comofenômeno incorporado pela educação,decorrente das transformações ocorridasnos níveis mais amplos da organização dosistema social - a educação deve se valerdesta prerrogativa legal e buscar suaintegração com a comunidade, no sentidode alavancar processos de transformaçãona sociedade.

É preciso, então, que ocorram mudançasna gestão escolar e que estas se manifes-tem no projeto político-pedagógico, quedeverá conter propostas de integraçãoentre a escola e sua respectiva comunida-de, no sentido de fazer com que estaparticipe da definição de suas políticas eprojetos educacionais, amplamente com-preendidos no contexto social brasileiro,como país dependente do sistema globalde mercado.

A CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍ-TICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA NAREALIDADE INVESTIGADA

A instituição educativa deve levar em

consideração o perfil de cidadão que secompromete a formar, bem como osanseios da comunidade frente aos desa-fios impostos pelo mundo globalizado emque vivemos. Neste âmbito, percebemosa grande importância da participação dacomunidade, de forma autônoma, em to-das as decisões tomadas pela escola,principalmente, na construção do seuprojeto político-pedagógico.

De acordo com a LDB, o projeto político-pedagógico de uma escola deverá ser re-presentativo dos interesses de uma comu-nidade escolar, lúcida de seus propósitos eesta é uma das prerrogativas que se salientacomo característica fundamental de umaescola que, se utilizando dos espaços pos-síveis da autonomia concedida legalmen-te, constrói, também, lucidamente, a suaidentidade.

Na posição de Veiga (1995, p.13), o ProjetoPolítico-Pedagógico

(...) é uma ação intencional (...). Épolítico no sentido de compromis-so da formação do cidadão para umtipo de sociedade (...). É pedagógi-co no sentido de definir as açõeseducativas e as características ne-cessárias das escolas de cumpriremseus propósitos e sua intencionalidade.

Tomando a posição da autora, afirmamosa responsabilidade das instituições educa-tivas com o compromisso de construir asua identidade que, resultante da descen-tralização das políticas educacionais, co-locam na base do sistema, ou seja, na es-cola, a responsabilidade de buscar alterna-tivas inovadoras que lhe possibilitem uma

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melhor qualidade de ensino, o que se retra-ta em seus projetos. Com isto a escola es-tará criando, num processo participativo,sua caminhada de propostas e ações queidentifiquem a construção gradativa desua autonomia, especialmente político-pedagógica, fonte de todas as decisões.

Verificamos que este é um compromissoque tem sido objeto de grandes preocu-pações e grandes indefinições das insti-tuições educativas, objeto da investiga-ção em questão, que deverão ter, comoponto de partida, a sua própria realidadeatravés da avaliação de seus avanços edescontinuidades, do que se propõe e doque realmente faz em busca da forma-ção de cidadãos capazes de enfrentar omundo do trabalho e capazes de criarcondições de superação dos problemasdo cotidiano pela compreensão crítica dosmesmos.

O político e o pedagógico estão implícitoscomo dimensões essenciais do que sedetermina como uma identidade para aescola, em função de sua intencionalidade,situação esta causadora de grandes con-flitos nas instituições em estudo, o quesinaliza para a falta de clareza do signifi-cado do papel político da escola com re-flexos na proposta pedagógica.

O que observamos, de concreto, é que aescola se mantém, ainda, isolada do con-texto, assim como toma decisões isoladas,tanto da comunidade interna na suatotalidade, como da comunidade externa.Isto se traduz na ausência de propostasinovadoras e comprometidas com osinteresses sociais.

Considerando estes dados, observamosque a escola municipal não ocupa seuespaço de autonomia e, com isto, assumeuma postura individualista, distancian-do-se do que se preconiza como gestãodemocrática, da participação coletiva.

Nesta perspectiva, necessariamente oprojeto pedagógico não se sustenta comoidentidade de uma escola voltada paraformar o cidadão comprometido com atransformação social. Limita-se a cumpriras determinações centralizadas nas Se-cretarias Municipais de Educação quetêm, fortemente, ainda, como base desustentação o clientelismo político e osinteresses imediatos do partido políticono poder.

Isto faz com que a escola municipal deixede responder aos anseios da comunidadee, o que é pior, de buscá-la como partici-pante da construção de uma nova escolaque esteja voltada para a inserção críticado sujeito no seu contexto e não para aexclusão social.

Ao contrário, um projeto pedagógicocomprometido com os interesses sociaistem como ponto de partida o tipo de ci-dadão que se propõe a formar e para quetipo de sociedade. Isto indica que a es-cola deve ter presente, tal como pensaRousseau, que a educação é um fator decidadania.

Para Rousseau (apud Ferreira,1993),cidadão é aquele que aprende a inibir asua inclinação e de centrar-se em simesmo, a libertar-se de seus próprioslimites e encontrar a sua plenitude na

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experiência política e, neste caso, o indi-víduo deverá estar sempre a serviço dosinteresses da comunidade.

Contrariando as idéias da sociedade li-beral em que vivemos, a afirmação deRousseau implica entender a educaçãopara a cidadania como o exercício dodireito ao trabalho, ao saber, acesso aosdireitos sociais e consciência política,além de outros fatores que envolvem asua participação consciente nas decisõesda sociedade. Este é um ponto fundamen-tal a ser definido no projeto político-pe-dagógico de uma instituição educativa,visto que, sem a definição de cidadania,os outros elementos do projeto se tornampalavras sem sentido, sem finalidade.

Nesta ótica, Veiga (1995) aponta princípiosbásicos do projeto pedagógico de umaescola democrática, entre eles, a igualdadede acesso e permanência na escola e oprincípio da qualidade. Efetivamente, estes,coerentes com a Constituição Federal de1988 e com a Lei 9394/96, são princípiosdemocráticos norteadores do projeto, vei-culando a idéia de educação de qualidadepara todos, independente da classe socialà que pertença o educando.

O importante nesse processo é a partici-pação consciente dos elementos envol-vidos na construção do projeto, pois semessa prerrogativa, os princípios nortea-dores da igualdade, da qualidade e dadiversidade tornam-se apenas um dis-curso sem operacionalização na práticaescolar.

Conforme Silva (1997, p.8),

(...) todo projeto é sempre um projetopolítico-pedagógico, pois traz em siembutida toda uma filosofia e ideologiaque se pretende implantar. Ele deli-neia a identidade da escola. Construído,deve ser vivido evidenciado em todosos momentos por todos os envolvidosno processo educativo da escola, pas-sando pelos níveis da organização daescola como um todo até a organiza-ção da sala de aula. O que se ensina eo porque se ensina deve estar coloca-do numa teoria que lhe dê suporte,que convide a reconciliação da teoriacom uma prática, comprometida coma solução dos problemas da educaçãoe do ensino da unidade escolar e,ainda, comprometida com uma cons-tante e contínua avaliação de seu tra-balho.

Este processo só se dará com a partici-pação do coletivo escolar, para o que agestão democrática constitui um impor-tante espaço, no qual a totalidade dasações da escola, sejam elas políticas oupedagógicas, são definidas por toda acomunidade escolar. Tirando proveito dessaproposta, a escola pode se transformarnum espaço de formação da cidadania.

Nesta mesma linha de pensamento,Guimarães & Marin (1998, p.38), lembramque um projeto não deve ficar somenteem termos de reflexão, atendendo àsexigências burocráticas, mas partir paraa fase de concretizações. Tal como afir-mam os autores citados:

O projeto pedagógico não pode res-tringir-se a discussões e reflexões.Esses procedimentos deverão ante-ceder e oferecer elementos para atomada de decisão, pois trata-se doplano de ação coletivo. A coordenação

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exerce uma função imprescindívelnesse âmbito, pois tem a tarefa de(co) ordenar as ações do coletivo como objetivo de registrar os resultadosdo processo reflexivo e as decisõestomadas, garantir que os encontrospara as discussões, análises, reflexõese estudos não se percam no esqueci-mento, caso não sejam sistematiza-dos, organizadas e formalizadas combase no referendo do coletivo.

Tomando estas referências, observamosque não basta a escola esperar apenaspela participação espontânea da comuni-dade, tanto interna como externa, masbuscar estratégias para ir até as institui-ções da comunidade e inseri-las nestasdiscussões com conhecimento necessá-rio para isto, o que faz da escola a granderesponsável por esclarecimentos e pelaconstrução de uma consciência crítica ereflexiva de todos os envolvidos, tantoem relação as macro, como asmicroestruturas sociais no mundo capi-talista dependente em que vivemos.

O compromisso da escola implica emredefinir o papel que pais, alunos e comu-nidade desempenham e como devem de-sempenhar dentro da estrutura escolar. Istoimplica em encontrar alternativas queestejam voltadas para tornar a escola umainstituição a serviço da transformação darealidade existente, não ficando apenas nareflexão e sim na concretização dos ideaispensados e propostos no conjunto dacomunidade escolar. Estas são exigênciasque se tornam imprescindíveis na cons-trução de um projeto político-pedagógicocomprometido com a formação da cida-dania.

A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA CO-MUNIDADE NA CONSTRUÇÃO DAAUTONOMIA ESCOLAR

Tomando as prerrogativas até entãoconsideradas no presente texto e levandoem conta a descentralização adminis-trativa proposta pelas atuais políticaseducacionais, a escola deve conquistaro seu princípio de autonomia no sentidode construir sua identidade.

No que diz respeito à descentralizaçãoadministrativa, pedagógica e financeira aser garantida pelos sistemas de ensinoàs unidades escolares, a comunidadeescolar assume compromissos nas to-madas de decisões que, até então, apenasa elas se submetia, visto as políticascentralizadoras que, historicamente,determinaram a organização escolar.

Este é o grande desafio que faz da comu-nidade, juntamente com os profissionaisda educação, um elemento responsávelpelos destinos da escola.

Na prática, através de dados desta pesqui-sa, apesar de o discurso atual das escolasestar em consonância com as propostasdas atuais políticas públicas com base nagestão democrática em busca da formaçãoda cidadania, isto não acontece, o que indi-ca que a relação entre a teoria e a prática,entre o discurso e a operacionalização doprojeto político-pedagógico, especialmen-te no tocante à sua construção coletiva,revelam a inconsistência e a insegurançaem que se encontram as escolas frente aosnovos desafios.

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Os desafios da instituição educativa frente à descentralização da gestão

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De concreto, concluimos que, mesmo comum projeto pedagógico construído, asinstituições em estudo não têm formas deoperacionalizá-lo, servindo este maiscomo uma burocracia sem significadopara as práticas escolares que se desen-volvem de forma convencional. Por suavez, a escola ainda está buscando na co-munidade apenas apoio para problemasdisciplinares e para resolver problemaseconômicos emergenciais. Além disto,indica, por suas ações e propostas, quenão tem um projeto de integração com acomunidade na conquista de decisõesmaiores, do que concluimos que as esco-las não estão preparadas para assumirseu espaço de autonomia.

CONCLUSÕES PARCIAIS

Podemos dizer que os fatos que ocorremna realidade são profundamente dinâmicos,trazendo novos desafios para a escola, oque implica na sua profunda transforma-ção, visto que, ao longo da investigaçãorealizada, observou-se que o desconheci-mento das políticas educacionais por par-te dos docentes é um fator significativopara a não concretização da democratiza-ção da escola e, naturalmente, um fatorimpeditivo da conquista da autonomia.Conserva-se esta, ainda, na expectativadas decisões de órgãos superiores e, o pior,calcada, em sua organização, na divisãodo trabalho.

Desta forma, a escola terá uma grandecaminhada para a formação de um coleti-vo escolar, onde se insira a comunidade,

não por suas características assistenciaise sim por suas decisões comprometidascom a formação de cidadãos para convi-ver e buscar soluções numa sociedadedependente e que tem como característicaa exclusão social.

Concretizar estes propósitos exige umaorganização escolar em que se integrem oadministrativo e o pedagógico e isto, na-turalmente, trará alterações em toda a es-trutura organizacional da escola, na qual avisão de globalidade supere a fragmenta-ção das atividades e de todos os envolvi-dos com este compromisso.

Esta é uma proposta em que deve estarcalcada a escola no seu conjunto, o queacontece quando a instituição se dá contados espaços a serem conquistados e dasua própria responsabilidade nestasconquistas pois, organizada a partirde uma estrutura centralizadora, ainda seencontra no estágio das expectativas dasdecisões da Secretaria Municipal de Edu-cação, bem como da utilização apenasdo espaço da sala-de-aula para o tra-balho com os alunos a partir de proble-mas imediatos, sem uma análise maisampla do contexto em que se insere.

Neste caso, a escola deixa de se valer dademocracia direta e delega a outros o seupróprio espaço de decisão. Essa posição,assumida em Bobbio (2000), demonstra oenfraquecimento do princípio do gover-no popular e do distanciamento da for-mação para a cidadania.

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A gestão democrática, ao contrário, exi-ge e propicia a participação da comuni-dade interna e externa para participar,conscientemente, das transformações daescola no sentido de reduzir as desigual-dades, impedindo a exclusão social. Esteé um requisito necessário para um proje-to político-pedagógico de uma instituiçãoeducativa que esteja cumprindo seu pa-pel social, sob pena de que esta, mesmonum processo coletivo de decisões, cum-pra as determinações do capital sob a égidedo neoliberalismo, sem consciência dosignificado real do que isto representapara uma organização que esteja efetiva-mente comprometida com a transforma-ção social.

Estas são as conclusões a que chegamos,até o momento.

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The challenges of educational institutionsfacing decentralizing management

Abstract: The school as an institution, shouldconsider the profile of citizenship it intends toobtain through its educational process. The abovementioned profile should match the social desirescaused by the challenges emerging of the globallyconnected world where we use to live. Theimportance of the participation of the schoolcommunity in the decision-making process, in anautonomous and responsible way, particularly inthe definition of the political-pedagogic project,can be perceived. An obstacle in the developmentof this alternative is the not so clear conscienceof education professionals about the adoptededucational policies. These policies are built onthe basis of a descentralizing managerial process.Notwith-standing, a frequent reaction of the schoolis to reproduce centralized models of management,giving not the necessary emphasis in participation,from inward and outward community, creatingdifficulties to the democratization of mana-

Artigo recebido em: 03/12/2003.Aprovado para publicação em: 15/04/2004.

gement. These facts induce us to analyse moreaccuratelly the here mentioned reality.

Keywords: Decentralization; Educational mana-gement; Political-Pedagogic Project.

Los desafios de la institucion educativafrente a la descentralizacion de la gestioneducativa

Resumen: La escuela, en tanto institucióneducativa, debe tener en consideración el perfilde ciudadano que se compromete a formarcorrespondiendo a las aspiraciones de la comunidadfrente a los desafíos impuestos por el mundoglobalizado en el que vivimos. En ese ámbitopercibimos la importancia de la participación dela comunidad escolar , de forma autónoma y cons-ciente, en todas las decisiones tomadas por laescuela, principalmente, en la construcción de suproyecto político-pedagógico. Sin embargo, lafalta de claridad de los profesionales de laeducación, frente a las políticas educacionales,inspiradas en la descentralización de la gestióneducacional, tiene hecho que la escuela reproduzcalos modelos centralizados de gestión dando pocaimportancia a la participación, tanto de lacomunidad interna, como de la externa dificul-tando la democratización de la gestión. Estos sonhechos que nos llevan a analizar más particular-mente la realidad en cuestión.

Palabras-clave: Descentralización; Gestión edu-cacional; Proyecto Político-Pedagógico.

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Os desafios da instituição educativa frente à descentralização da gestão

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Sobre as autoras:

1Sueli Menezes PereiraDoutora em Educação. Professora da UniversidadeFederal de Santa Maria (UFSM/RS). Diretora daAssociação Nacional de Política e Administraçãoda Educação-Seção RS-(ANPAE/RS).E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Rua Benjamin Constant, n.768/203 - Santa Maria/RS, Brasil. CEP: 97050-020.

2Analígia BeckerAcadêmica dos Cursos de Educação Especial ePedagogia na UFSM/RS. Bolsista PIBIC/CNPq.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Rua Artur da Costa e Silva, n.74,Lajeado/RS, Brasil. CEP: 95900-000.

3Ariadne Schmidt FurtadoAcadêmica do Curso de Pedagogia na UFSM/RS.Bolsista PROLICEN/UFSM.E-mail: [email protected]

Endereço Postal.: CEUII, Apto 4211, Cx.Postal5041, Santa Maria/RS, Brasil. CEP: 97111-970.

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Ambiental (Lei 9795/1999), instrumentoslegais e documentos governamentais queasseguram à temática um caráter trans-versal, indispensável e indissociável dapolítica educacional brasileira.

Dentre os diferentes espaços pedagógi-cos em que se concretizam as práticas eexperiências metodológicas em EducaçãoAmbiental, além da instituição escolar, his-toricamente dois outros se destacaram nocenário nacional: as Unidades de Conser-vação (UCs) e a atuação direta em comu-nidades específicas, principalmente jun-to às chamadas populações tradicionaise aos grupos socialmente excluídos emnúcleos urbanos. Em relação às UCs, nãosó estas são objeto direto de atenção dosprojetos realizados por órgãos governa-mentais de meio ambiente das três esfe-ras de poder, como a ação educativa eparticipativa em seus espaços privilegiadosde gestão - os Conselhos Gestores - pas-sou a ter destaque e caráter obrigatóriona Lei 9.985 de 18/07/2000, que define oSistema Nacional de Unidades de Conser-vação (ROCCO, 2002). No que se refereàs comunidades, as denominadas popu-lações tradicionais estão envolvidas nasexperiências em UCs e em áreas preserva-

Educação ambiental e gestão participativa na explicitação eresolução de conflitos

Carlos Frederico Bernardo Loureiro1

Resumo: Este artigo apresenta conceitosestruturantes da prática educativa ambientalvoltada à gestão democrática de conflitos estabe-lecidos em torno do uso e apropriação dos recur-sos naturais em unidades territoriais delimitadas.A teorização é feita com base em experiênciasocorridas em Unidades de Conservação e em co-munidades, cujas atividades foram realizadas emespaços públicos de concertação entre atores so-ciais, por meio de processos educativos parti-cipativos e informais. Em síntese, são destacadaspremissas que contribuem para a reflexão doeducador e a atuação social qualificada e coerentecom uma perspectiva crítica e emancipatória daEducação Ambiental.

Palavras-chave: Educação Ambiental; Gestãodemocrática; Conflito Ambiental.

ASPECTOS INICIAIS

No Brasil, as discussões afetas à Edu-cação Ambiental adquirem caráter públi-co em meados da década de 1980, com arealização dos primeiros encontros na-cionais, a atuação crescente das organi-zações ambientalistas e a ampliação daprodução acadêmica relacionada à cha-mada "questão ambiental". Sua importân-cia para o debate educacional se explicitaformalmente na obrigatoriedade consti-tucional, em 1988, nos ParâmetrosCurriculares Nacionais e na Lei Federalque define a Política Nacional de Educação

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das, em função de estarem assentadas pró-ximas a estas ou inseridas nestas, em lo-calidades não urbanizadas e com menorgrau de degradação e ocupação humana.Constituem-se, portanto, em grupos soci-ais que classicamente se apresentam comode interesse para instituições governamen-tais e não-governamentais envolvidas coma conservação e a gestão ambiental. Aspostas à margem pelo processo produtivocapitalista em seu movimento de urbani-zação são objeto de atenção especial dostrabalhos realizados por ONGs de carátersocioambiental, movimentos sociais epoder público (ao inserir o componenteEducação Ambiental nos projetos sociaise de intervenção territorial).

Dada à relevância e ao aumento quantita-tivo das ações constituídas nesses espa-ços e em função da experiência vivenciadapelo autor em projetos aí executados2, nopresente artigo, desenvolvemos um con-junto de conceitos que são estruturantesda Educação Ambiental e que fornecemuma orientação efetiva para aqueles queatuam ou pretendem atuar junto a sujeitosque vivem em elevado estado de vulne-rabilidade socioambiental.

DE QUE EDUCAÇÃO AMBIENTALESTAMOS FALANDO?

O modo como se realiza a Educação nassociedades contemporâneas complexas eas diferentes compreensões da relaçãosociedade-natureza (sentido estrito) quepermeiam o movimento ambientalista e

demais movimentos sociais não nos per-mite definir uma única Educação Am-biental, mas uma miríade de tendênciasconstituídas por sujeitos distintos, comvisões paradigmáticas de natureza e desociedade, numa rede de interesses e in-terpretações em permanente conflito ediálogo (CARVALHO, 2001).

Ao analisarmos a história da EducaçãoAmbiental no Brasil, podemos categorizar,para efeito de compreensão didática,seguindo esquema de Lima (2002) e asconsiderações de Loureiro (2003 e 2004),dois grandes blocos político-pedagógicosque se constituíram nos últimos trintaanos e no interior dos quais se estabelece-ram inúmeras tendências que conformam oseu processo contínuo de construção. Mes-mo não sendo únicos nem homogêneos,os destacamos, pois obtiveram hegemonia,por diversos motivos que não cabe aquiabordá-los, na produção acadêmica e teóri-ca, nas articulações das redes de educado-res ambientais e na definição da PolíticaNacional de Educação Ambiental.

Um primeiro bloco, que poderíamos de-nominar conservador ou comportamen-talista, é caracterizado por: propostas queimplicam no reformismo superficial dasrelações sociais e de poder, não raramentereforçando situações de alienação e subor-dinação; pouca ênfase nos aspectos políti-cos da ação pedagógica; dicotomizaçãodas dimensões naturais e sociais, diluindoa especificidade das sociedades humanasna natureza; sobrevalorização das solu-

2 Dentre as experiências, destacamos as realizadas com o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) na comunidade daIlha de Paquetá/RJ e em comunidades do entorno da Baía de Guanabara, no ano 2000; e a executada em 2002 e 2003 em unidades deconservação do estado do Rio de Janeiro, numa parceria institucional entre Ibase e Ibama.

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ções tecnológicas, subjetivistas e da apren-dizagem experimental; e ênfase na educa-ção como processo comportamentalista emoral. Geralmente, estão fundamentadasem concepções holísticas-espiritualistase sistêmicas clássicas ou funcionalistas,no ambientalismo pragmático norte-ameri-cano e nas pedagogias de orientação libe-ral, tecnicista ou escola-novista, seguindoclassificação de Saviani (1989). O outro,que poderíamos chamar de emancipatório,crítico ou transformador, é caracterizadopela politização e publicização das ques-tões ambientais, entendidas como ineren-temente sociais e históricas. Esta tambémse define pela valorização da democracia edo diálogo na explicitação dos conflitosambientais, em busca de alternativas queconsiderem o conhecimento científico, asmanifestações culturais populares e umanova ética nas relações sociedade-naturezapautada e construída em processos coleti-vos de transformação social, enquantocondição básica para se estabelecer pata-mares societários que requalifiquem nossainserção na natureza. Pensa a relação cul-tura-natureza sem estabelecer dualismosou diluições da natureza humana na natu-reza (enquanto totalidade). É um bloco nor-malmente inspirado na pedagogia freireanaou histórico-crítica, na dialética marxista,na Teoria da Complexidade, na EcologiaPolítica e no ambientalismo radical.

Dentro deste amplo cenário que define eredefine o próprio sentido da práxiseducativa ambientalista, a posição teóricapor nós assumida pressupõe a EducaçãoAmbiental inserida no segundo grupo

categorizado, sendo, portanto, um processoeducativo permanente que tem por fina-lidade a construção de valores, conceitos,habilidades e atitudes que possibilitem oentendimento da realidade de vida e a atu-ação lúcida e responsável de atores soci-ais individuais e coletivos no ambiente(LOUREIRO, 2000).

Assim, a Educação Ambiental não tem afinalidade de reproduzir e dar sentidouniversal a modos de vida e a valores degrupos dominantes, hegemonicamenteapresentados ou compreendidos comoadequados à harmonização com a natureza(como se esta fosse uma exterioridade àhistória), impondo condutas. Seu sentidoprimordial é o de estabelecer processospráticos e reflexivos que levem à consoli-dação de valores que possam ser entendi-dos e aceitos como favoráveis à susten-tabilidade global, à justiça social e à pre-servação da vida. Este ponto merece tododestaque, posto que não é incomum ob-servarmos projetos de Educação Ambientalsendo promovidos por órgãos governa-mentais e instituições da sociedade civil como objetivo de levar grupos sociais em si-tuação de exclusão a aceitarem padrõesculturais e comportamentais previamenteestabelecidos e a assumirem certos proble-mas como prioritários. O fato é que estesprojetos, à luz do referencial adotado, de-veriam fundamentalmente estabelecerprocessos participativos de ação consci-ente e integrada, fortalecendo o sentidode responsabilidade cidadã e de pertenci-mento a uma determinada localidade.Afinal, em Educação todos são sujeitos

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da transformação individual e coletiva, nãopodendo haver passividade diante domundo.

Ao pensarmos e realizarmos uma Educa-ção Ambiental crítica e emancipatória,voltada para a democratização no acessoe apropriação dos bens naturais, para agestão participativa e o exercício da cida-dania, capaz de levar os sujeitos a serecolocarem no ambiente e a se ressigni-ficarem como natureza, resgatar o con-ceito de práxis associado à educação tor-na-se fundamental. No dizer de Konder(1992), a práxis é a atividade concreta pelaqual o sujeito se afirma no mundo, modi-ficando a realidade objetiva e sendomodificado, não de modo espontâneo,mecânico e repetitivo, mas reflexivo, peloauto-questionamento, remetendo a teo-ria à prática. Práxis "implica a ação e areflexão dos homens sobre o mundo paratransformá-lo"(FREIRE, 1988, p.67). Por-tanto, é a atividade que pressupõe sujei-to livre e consciente e na qual não ocorre adicotomia teoria e prática, objetividade esubjetividade, nem a supremacia de umdos pólos sobre o outro.

Práxis se refere à ação intersubjetiva. Éuma atividade relativa à liberdade e às es-colhas conscientes, feitas pela interaçãodialógica e pelas mediações que estabele-cemos com o outro, a sociedade e o mun-do. É, portanto, um conceito nuclear paraa educação e, particularmente, para a Edu-cação Ambiental, uma vez que conhecer,agir e se perceber no ambiente deixa de serum ato exclusivamente teórico-cognitivo,

espiritual ou experimental e torna-se umprocesso que se inicia nas impressões ge-néricas e intuitivas e que vai se tornandocomplexo e concreto na práxis.

Nos educamos na atividade humana cole-tiva com sujeitos localizados temporal eespacialmente. Ter clareza disso é o quenos leva a atuar em Educação Ambiental,evitando o discurso genérico de que todosnós somos igualmente responsáveis evítimas do processo de degradaçãoecossistêmica. Educar é agir consciente-mente em processos sociais que se cons-tituem conflitivamente por atores sociaisque possuem projetos distintos de soci-edade, que se apropriam material e sim-bolicamente da natureza de modo desi-gual. A práxis educativa transformadorae ambientalista é, portanto, aquela que for-nece as condições para a ação modificadorae simultânea dos indivíduos e dos grupossociais; que trabalha a partir da realidadecotidiana, visando à superação das rela-ções de dominação e de exclusão que ca-racterizam e definem a sociedade capita-lista globalizada. Assim, a educaçãodialógica, apoiada no conceito de práxis,se define como “a atividade de um sujei-to que, ao enfrentar o desafio de mudar omundo, enfrenta também o desafio depromover sua própria transformação"(KONDER, 1992, p.117).

TERRITORIALIDADE, COTIDIANI-DADE E VULNERABILIDADE SOCIO-AMBIENTAL

Um dos pressupostos da Educação Am-biental é trabalhar os problemas especí-

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Educação ambiental e gestão participativa na explicitação e resolução de conflitos

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ficos de cada grupo social, principalmen-te quando se tem por finalidade básicaa gestão de unidades territoriaisdemarcadas, sem, contudo, deixar de arti-cular tais problemas às questõesmacrossociais em que se inserem e à visãointegradora do ambiente. Os grupos pos-suem peculiaridades ligadas à situaçãoparticular de seus ambientes, ao modocomo interagem neste e à percepção quali-tativa dos problemas. É a partir da açãoterritorializada dos diferentes atores sociais,com seus distintos interesses, compreensõese necessidades que se instauram os confli-tos, acordos e diálogos pela apropriação eusos do patrimônio natural e se realizam osprocessos educativos voltados para a ges-tão democrática do ambiente (LOUREI-RO, 2002). Logo, podemos entenderterritorialidade enquanto síntese integradoraentre o natural (sentido estrito) e o humanolocalizada histórica e espacialmente, olocus de atuação cotidiana e educativano qual ocorre a transformação das rela-ções sociais na natureza.

A cotidianidade se refere ao lugar ocupadoe habitado pela pessoa, àquilo que nos for-nece um ponto concreto a partir do qualexercitamos nossa cidadania diariamente,nos relacionamos com sujeitos, em queprocuramos a coerência entre desejos, pen-samentos e atitudes. Cotidianidade não é ro-tina (fazer por fazer e de modo repetitivo),mas o espaço imediato de realização edesenvolvimento do indivíduo. As gran-des transformações históricas só se con-cretizam quando são incorporadas aomodo de vida das pessoas e à sua exis-

tência cotidiana, vinculando o particular aopúblico, o microssocial ao macrossocial.Segundo Gadotti (2003, p.24):

É no cotidiano que podemos aprendera nos olhar, aprender a falar, a ouvir,a ver, a viver uma vida banal ou não.A banalidade está em não reconhecero valor de cada instante, a só atri-buirmos valor aos grandes momen-tos, aos momentos 'heróicos' da vida.

Cotidianidade e territorialidade são con-ceitos-chave pois, ao nos referirmos aoprocesso educativo, precisamos entenderonde cada educador e educando se situa(comunidade, família, classe social, culturaregional, individualidade) de modo apromovermos uma prática que seja simul-taneamente específica e universal, quereconheça a diversidade na busca daigualdade, evitando um "educar para todos"que desconsidere os sujeitos concretos.

Assim entendido, quando objetivamoseducar para explicitar as condições devida, a realidade existente, transformando-a,faz sentido destacar os grupos sociais emsituação de maior vulnerabilidade ambientalcomo meio para redefinir as relações so-ciais que estabelecem os padrões de inclu-são e exclusão, democratizando, intervin-do e entendendo a sociedade em suas con-tradições. Além desse aspecto, destacamosque o processo desencadeado com talposicionamento perante a sociedade éindissociável das ações capazes de tornara Educação Ambiental uma política de go-verno democrática e universalista, con-solidada nacionalmente.

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Em termos conceituais, cabe esclarecerque, por estado de vulnerabilidade socio-ambiental, entendemos a situação degrupos específicos que se encontram: (1)em maior grau de dependência direta dosrecursos naturais para produzir, trabalhare melhorar as condições objetivas de vida;(2) excluídos do acesso aos bens públi-cos socialmente produzidos; e (3) ausen-tes de participação legítima em proces-sos decisórios no que se refere à defini-ção de políticas públicas que interferemna qualidade do ambiente em que sevive.

A finalidade de uma Educação Ambientalque incorpore a perspectiva dos sujei-tos sociais excluídos não é a de reforçaras desigualdades de classes, mas, por meiodo reconhecimento de que elas existem,estabelecer uma Educação Ambientalcontextualizada e crítica, que explicite osproblemas estruturais de nossa socieda-de e as causas básicas do baixo padrãoqualitativo da vida que levamos. Concor-dando com Gould (2004), é por meio daintervenção política no funcionamentoexcludente e desigual das economias ca-pitalistas que os grupos sociais em situa-ção de vulnerabilidade podem ampliar ademocracia e a cidadania, invertendo oprocesso de degradação das bases quepossibilitam a vida no planeta. Sem dú-vida, evidenciamos nosso amadurecimen-to intelectual quando não naturalizamos,reificamos ou homogeneizamos a reali-dade, sendo capazes de agirmos consci-entemente no próprio movimento con-traditório que é a história.

AMBIENTE E CONFLITO AMBIENTAL

O conceito de ambiente aqui adotadoexpressa um espaço percebido, com dife-rentes escalas de compreensão e inter-venção, em que se operam as relaçõessociedade-meio natural. Exprime umatotalidade, que só se concretiza à medidaque é preenchido pelos sujeitos indivi-duais e coletivos com suas visões demundo (GONÇALVES, 1989 e 2000). Oambiente não é o espaço natural inde-pendente da ação social, mas o resultadode interações múltiplas e complexas,mutáveis e dinâmicas, limitadas em re-cortes espaço-temporais que permitema construção do sentido de localidade,territorialidade, identidade, pertenci-mento e de contextualização para ossujeitos individuais e coletivos.

Em uma perspectiva crítica de EducaçãoAmbiental, a degradação das condiçõesde sustentação da vida planetária deve-se a um conjunto de variáveis inter-conexas que se dão em bases sociais, eco-nômicas, culturais e políticas estrutural-mente desiguais, que conformam a socie-dade contemporânea. Tal estrutura fazcom que o processo de exposição aosproblemas ambientais, bem como a defi-nição e percepção destes, também se-jam diferentemente constituídos e dis-tribuídos.

Precisamos avançar na compreensão darelação entre desigualdade na exposiçãoaos riscos ambientais e justiça social. Paraisso, é fundamental o reconhecimento dopatrimônio natural como bem coletivo, que

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deve ser gerido de forma sustentável,democrática e inclusiva. Esta postura, evi-dentemente, articula-se com a consolida-ção da percepção do uso e conservaçãodos bens naturais como parte de um pro-cesso social e econômico de concertaçãoe confronto de interesses, de reconheci-mento de identidades políticas, de participa-ção cívica e de construção de valoresdemocráticos nas decisões sobre a vidacomum, ampliando a capacidade da soci-edade reverter a lógica produtiva dasinjustiças ambientais, entendidas como:

a condição de existência coletivaprópria a sociedades desiguais ondeoperam mecanismos sociopolíticosque destinam a maior carga dos danosambientais do desenvolvimento agrupos sociais de trabalhadores, po-pulações de baixa renda, segmentosraciais discr iminados, parcelasmarginalizadas e mais vulneráveis dacidadania (ACSELRAD et al, 2004,p.10).

Não há democracia nem educação paraa cidadania sem a explicitação de confli-tos. A aceitação de que a sociedade alémde plural é permeada por visões de mun-do, interesses e necessidades distintas eestruturalmente antagônicas está implíci-ta em processos efetivamente democráti-cos, nos quais se incluem as oposições, ten-sões e contradições entre direitos e de-veres, indivíduo e coletividade, público eprivado, liberdade e igualdade. Uma "peda-gogia do consenso" que desconsidere estesaspectos tende a secundarizar o caráter pro-cessual, coletivo e participativo da açãodialógica em educação. E mais, no que serefere especificamente à EducaçãoAmbiental, definir “a priori” um estado de"harmonia com a natureza" a ser buscado

por todos, pressupõe a idealização de algoatemporal e ahistórico, a existência de umestado perfeito pouco defensável quan-do se pensa e conhece a dinâmica dassociedades humanas no planeta.

Por conflitos ambientais, entendemos comosendo aqueles que envolvem:

[...] grupos sociais com modos dife-renciados de apropriação, uso e signi-ficação do território, tendo origemquando pelo menos um dos grupostem a continuidade das formas queadotam de apropriação do meioameaçada pelos impactos indesejáveisdecorrentes das práticas de outrosgrupos. O conflito pode derivar dadisputa por apropriação de uma mes-ma base de recursos ou de bases dis-tintas, mas interconectadas porinterações ecossistêmicas mediadaspela atmosfera, pelo solo, pelas águasetc. O tipo de conflito que aqui iden-tificamos tem por arena uma mesmaunidade territorial compartilhadapor um conjunto de atividades cujoacordo simbiótico é rompido em fun-ção da denúncia dos efeitos indesejá-veis que a atividade de um dos agentesproduz sobre as condições materiaisdo exercício das práticas de outrosagentes (ACSELRAD, 2003, p.03).

Todavia, o reconhecimento de que a so-ciedade é constituída por conflitos, nãosignifica, em uma perspectiva democráticae dialógica, que não ocorram negociaçõese busca de consensos que resultem na re-solução de um problema identificado, massim compreender que os acordos se dãoem uma base conflitiva na qual nos move-mos e que a capacidade de buscar o diálo-go, a aproximação e o respeito define oamadurecimento da participação social epolítica existente em uma sociedade. Odiálogo não elimina as contradições, mas

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as pressupõem. O outro, pressupostopara que se dê o diálogo, gera a incerte-za, a necessidade de reflexão, de empatiae de transformação permanente dos valo-res culturais e condições de existência. Eé esse nosso movimento de objetivaçãopela ação no mundo, que se dá pelaintersubjetivação, pelo esforço de maiorcompreensão mútua, que faz com que a li-berdade de se afirmar ocorra mediante oreconhecimento da necessidade do outro.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E ESTRA-TÉGIAS PARTICIPATIVAS

A participação é um processo que gera ainteração entre diferentes atores sociais nadefinição do espaço comum e do desti-no coletivo. Em tais interações, como emquaisquer relações humanas, ocorrem re-lações de poder que incidem e se manifes-tam em níveis distintos em função dos in-teresses, valores e percepções dos envolvi-dos.

A participação é a promoção da cidadania,a realização do sujeito histórico, o ins-trumento por excelência para a construçãodo sentido de responsabilidade e depertencimento a um grupo, classe, comu-nidade e local (BAUMAN, 2000). Numcerto sentido rousseauniano, a partici-pação é o cerne do processo educativo,pois desenvolve a capacidade do indiví-duo ser "senhor de si mesmo".

Sob um enfoque emancipatório da Educa-ção Ambiental, se a participação local e co-munitária estiver orientada para reivindi-

cações específicas que não sejam vistascomo parte orgânica da "grande política",corre-se o risco desta ser integrada aosistema sociopolítico vigente ou a encon-trar soluções fragmentadas e isoladas,sem implicações societárias. São os re-correntes casos de "experiências bem su-cedidas" ou "exemplares" que se esgo-tam em si. Apesar de válidas, não obtêmressonância nas políticas de governo esuas estratégias de desenvolvimento eco-nômico, dificultando a articulação e areplicação destas junto a processosmacropolíticos de reversão do quadro demercantilização da vida observado nocapitalismo globalizado.

Assim, a busca por novas formas degovernabilidade democrática passa pelopoder local e pela ampliação da esferapública, pois é a ação na territorialidadelocal, articulada às questões políticas doEstado-Nação, que torna os conflitos etensões mais visíveis e permite aos atoressociais se relacionarem mais intensamente,tornando o processo de reconfiguraçãodas formas políticas e culturais e aconcertação entre os envolvidos umatarefa árdua, mas qualitativamente indis-pensável para a mudança de padrõessocietários.

Em termos de procedimentos metodoló-gicos que permitam trabalhar com taispremissas, considerando que os docu-mentos nacionais e internacionais sobreEducação Ambiental destacam a partici-pação como um dos seus pressupostosindissociáveis (LOUREIRO, 2003), e con-

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siderando as formulações encontradasem Pedrini (1997), somos por afirmar queas metodologias participativas são asmais propícias ao fazer educativoambiental.

Inauguradas nas ações políticas e depesquisas sociais inseridas no campo dateoria marxista em finais do século XIX,ampliadas no decorrer do século XX, nocampo da educação, com as práticas deeducação popular e o uso da pesquisa-ação e da pesquisa participante, compu-seram-se em uma variedade de estilosparticipativos (ALVES-MAZZOTTI, 1998;THIOLLENT, 1987; MINAYO, 1996)cuja descrição não cabe no presente ar-tigo. Contudo, no geral, podemos indicarque são objetivos norteadores dasmetodologias participativas em educação:

• Conduzir a ação educativa no sentido docrescente comprometimento com amelhoria da qualidade de vida;

• Conduzir os problemas da educação demaneira integrada, em processo parti-cipativo das forças sociais locais;

• Conduzir a ação educativa dentro de umaperspectiva de educação permanente, apartir da formação de consciência crítica;

• Conduzir a ação educativa de modo aapoiar e estimular a manifestação de indi-víduos e grupos na transmissão e recriaçãodo patrimônio cultural;

• Vincular os processos educativos comas atividades econômicas e políticas.

Em termos de operacionalização dessesobjetivos que norteiam as metodologiasparticipativas, na prática educativa vol-tada para a resolução dos conflitos cotidi-anos e concretos, é oportuno levar emconsideração alguns aspectos no planeja-mento pedagógico das atividades(FUNDACIÓN ..., 2001):

1.Reconhecer o problema como algoconstruído na dinâmica social e inte-grante da realidade, suas causas, inte-resses e argumentos produzidos pelaspartes envolvidas.

2.Explicitar os posicionamentos dis-tintos e suas implicações sociais e po-líticas.

3. Saber se colocar no lugar do outro.

4.Ter o diálogo como princípioindisso-ciável do processo.

5.Atacar o problema e não as pessoasem suas individualidades.

6.Assumir uma postura de coopera-ção, solidariedade e respeito.

7.Usar a criatividade e o conhecimen-to disponível para encontrar alterna-tivas.

8.Estabelecer mecanismos de avalia-ção coletiva das alternativas criadas,a partir de critérios definidos e acei-tos consensualmente pelos atores so-ciais.

9.Negociar as bases que assegurem ocumprimento do que for acordado,construindo o senso de responsabili-dade e de convivência democrática.

A concretização desses aspectos é em siexpressão de uma aprendizagem conjun-ta e de vivência democrática em socie-

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dade, fundamentais ao ato de educar, pos-to que compreendemos a Educação como:

[...] uma prática social cujo fim é oaprimoramento humano naquilo quepode ser aprendido e recriado a partirdos diferentes saberes existentes emuma cultura, de acordo com as neces-sidades e exigências de uma socieda-de. Atua, portanto, sobre a vida hu-mana em dois sentidos: (1) desenvol-vimento da produção social, inclusi-ve dos meios instrumentais etecnológicos de atuação no ambien-te; (2) construção e reprodução dosvalores culturais (LOUREIRO;AZAZIEL e FRANCA, 2003a, p.12).

O que foi dito até aqui são categoriasgerais para um fazer participativo em Edu-cação Ambiental que considere o "lugar"a partir do qual cada grupo social interageno ambiente. Servem como subsídios àconstrução de estratégias não-formais,numa abordagem educacional inclusiva edialógica.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL, ESPAÇOPÚBLICO E POLÍTICA PÚBLICA

O espaço público é aquele em que nosreconhecemos, discutimos e decidimos.É aí que se constrói um mundo comum emúltiplo, posto que reflete as perspecti-vas diferenciadas dos cidadãos. É o es-paço do exercício da política por meio dodiálogo e da negociação (ACSELRAD,1993), garantindo a substantividade dademocracia e a institucionalização de ca-nais diretos de decisão sobre os desti-nos coletivos para além dos mecanismosformais encontrados nos modelos clássi-cos de democracia liberal. Atualmente, sãoexemplos de espaços públicos instituídose voltados para a "questão ambiental", a

partir dos quais cabe a atuação educativaambientalista: conselhos setoriais,temáticos ou de gestão de unidadesterritoriais; Agenda 21 comunitária, local,regional, municipal, estadual e nacional;fóruns temáticos ou populares; comitêsgestores de bacias hidrográficas; e co-missões paritárias. Em síntese, quandopensamos em espaços de participação so-cial como estes, pressupomos que lutascoletivas contra as agressões ambientaise pelo respeito aos direitos da populaçãosão lutas pela garantia do caráter públicodo ambiente e pela ampliação da demo-cracia.

No processo contraditório, plural e dinâ-mico que caracteriza a história de formaçãodo Estado brasileiro, o poder público, aoestabelecer suas políticas ambientais,explicita o sentido de sustentabilidadeque assume. E, por meio de seus canaisinstitucionais e normativos, marca os pro-cessos de mediação de interesses e de con-flitos entre diferentes grupos e classes pelouso e acesso ao patrimônio natural, bemcomo pela orientação política e ideológicahegemonizada. Isso significa afirmar quetoda e qualquer política pública, mesmo re-alizada em nome do bem comum e do inte-resse coletivo, não é neutra, pois ao deci-dir a destinação de determinados recursosmateriais estabelece quem ganha e quemperde no processo (QUINTAS e GUALDA,1995).

Políticas públicas podem ser definidascomo ações planejadas de governo, comoinstância do Estado capaz de operacionalizarpolíticas universalistas, includentes e igua-

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litárias. Estas se baseiam, em uma socieda-de democrática, na construção coletiva eparticipativa, envolvendo os agentes so-ciais representativos de determinada pro-blemática ou tema. Normalmente, a viabi-lidade destas se sustentam em dois pila-res: (1) a busca constante de diálogo,apoio dos envolvidos e obtenção de con-senso quanto às diretrizes, aumentando ograu de aprovação e capacidade deimplementação; (2) a definição de normas,instâncias públicas deliberativas e procedi-mentos para a solução dos conflitos e situa-ções imprevistas que surgem no processo.

Considerando os aspectos mencionadose o atual cenário da Educação Ambientalno país, inferimos que, apesar da mobili-zação dos educadores ambientais e daaprovação da Lei que define sua PolíticaNacional, esta ainda não se consolidou emtermos de política pública de caráter de-mocrático e universal, o que, inclusive,justifica os recentes encaminhamentos emâmbito federal. Contudo, no atual gover-no está sendo possível, não semtensionamentos internos, construir espa-ços de diálogo que envolvem redes, uni-versidades, Ministério do Meio Ambientee Ministério da Educação; além de se terconseguido a implantação do ÓrgãoGestor da Política Nacional de EducaçãoAmbiental, prevista em Lei desde 19993.Tal feito, cabe ressaltar, apenas sinalizaem determinada direção, mas não podeser entendido como a certeza de que ateremos como política pública nacional-mente consolidada, principalmente, se

considerarmos que as orientações eco-nômicas voltadas para os interesses domercado continuam dominantes, mesmoem um governo relativamente disposto aodiálogo com os movimentos sociais.

Assim, para a viabilização de ações locaisbaseadas nos conceitos trabalhados noartigo, no sentido de se evitar que cadaexperiência meritória pela iniciativa e pelacoerência interna se esvazie de sentidosocial ou seja algo válido em si, mas sempossibilidade de se desdobrar por faltade uma política pública efetiva, é estratégi-co criarmos canais e processos coletivosque propiciem:

1.A transversalização do ambiental em todasas esferas do Estado e seu aparato, aproximan-do as políticas dos ministérios centrais às doMinistério do Meio Ambiente; e a qualificaçãodos servidores públicos, problematizando omodo como enxergam a “questão ambiental” eampliando a compreensão desta.

2. A garantia de estrutura material nos Minis-térios do Meio Ambiente e da Educação e deinfra-estrutura de apoio ao Órgão Gestor daPolítica Nacional de Educação Ambiental, comocondição elementar para a implementação deprogramas de alcance nacional.

3. O estabelecimento de canais de diálogo eacompanhamento do Órgão Gestor da Políti-ca Nacional de Educação Ambiental e seuComitê Assessor, tendo por foco as ONGs,movimentos sociais, organizações popularese instituições acadêmicas, por meio da criaçãode veículos de divulgação de informações, re-alização de eventos nacionais e fortaleci-mento de fóruns regionais e redes.

3 Em termos de precisão e correção histórica, é importante dizer que a regulamentação da Lei Federal e seu Órgão Gestor foramfeitas em junho de 2002, portanto, no final da gestão Fernando Henrique Cardoso. Contudo, o que ressaltamos é que o efetivo funcio-namento desta instância começou a ocorrer no governo Lula.

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Environmental education and participatorymanagement in the unveiling and solutionof conflicts

Abstract: This article presents concepts thatstructure the environmental education praxisaimed at the democratic management of conflictsestablished around the use and appropriation ofnatural resources in limited territories. The theory

4. A ampliação de fundos ambientais nas trêsesferas de governo, estabelecendo democrati-camente prioridades de investimento de recur-sos públicos e privados.

5. A priorização e consolidação de programasque articulem a educação formal com a não-formal e a informal, num processo educativopopular e permanente.

6. A aproximação entre redes e movimentoscoletivos de educadores ambientais e outrasfrentes democráticas que buscam redefinir omodelo de Estado e de sociedade (rede de jus-tiça ambiental, de ecossocialistas e de jornalis-tas ambientais; movimento sindical; movimen-tos de trabalhadores rurais; movimento de re-forma urbana; Fórum Social Mundial etc).

7. A maior articulação e diálogo dos educa-dores ambientais com os setores que classi-camente debatem e influenciam a PolíticaNacional de Educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação Ambiental é múltipla emconceitos e abordagens e criativa no seufazer pelo país. A nossa intenção nessetexto foi basicamente a de apresentarpremissas conceituais e metodológicase sinalizar para estratégias de ação polí-tica que se inserem no âmbito de umapráxis educativa e ambientalista que sejatransformadora das condições de vidados grupos sociais. Nesse sentido, pro-curamos destacar conceitos estru-turantes de uma Educação Ambientalemancipatória e voltada para a gestãodemocrática em unidades territoriais de-finidas, que permitem um fazer educativoparticipativo e inclusivo, contrapondo-nos às concepções de Educação Ambiental

dualistas entre o social e o ambiental e àsposturas politicamente conservadorasque reforçam uma lógica excludente ediscriminadora de culturas populares.

Chamamos a atenção para a necessidadede se considerar os espaços públicos,possíveis de serem instituídos no contex-to da política ambiental do país, como ex-celentes oportunidades de articulaçãopolítica e ação educativa, por meio dosquais se pode gerir conflitos, estabelecernegociações, questionar a realidade, eaprofundar nossa aprendizagem cons-tante no que refere ao outro, encontrandocoletivamente as melhores alternativaspara cada situação concreta.

Por fim, buscamos elencar alguns pontosque estão na pauta de debates dos edu-cadores ambientais, a partir de determinadoentendimento de política pública, quepodem ajudar a construir caminhos queconsolidem no Brasil uma EducaçãoAmbiental que consiga articular organi-camente as ações locais às estratégiasnacionais e regionais e que esteja vin-culada às políticas de Educação e proje-tos de transformação societária.

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Educação ambiental e gestão participativa na explicitação e resolução de conflitos

Artigo recebido em: 12/03/2004.Aprovado para publicação em: 12/04/2004.

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Carlos Frederico Bernardo Loureiro

is constructed based in situations that took placein conservation units and in communities, whoseactivities were carried out in public spaces ofagreement among social actors, throughparticipatory educational and informal processes.In short, the article highlights the assumptionsthat contribute to reflections about a qualified andcoherent social action with a critical andemancipatory perspective of environmentaleducation.

Keywords: Environmental education; Democraticmanagement; Environmental conflict.

Educacion ambiental y gestion participativaen la explicacion y resolucion de conflictos

Resumen: Este artículo presenta conceptosestructurantes de la práctica educativa ambientalapuntada a la gestión democrática de conflictosestablecidos en torno del uso y la apropiación delos recursos naturales en unidades territoriales de-limitadas. La teorización está hecha en base aexperiencias ocurridas en Unidades deConservación y en comunidades, cuyas actividadesfueron realizadas en espacios públicos deconcertación entre actores sociales, por medio deprocesos educativos participativos e informales.En síntesis, son destacadas premisas quecontribuyen a la reflexión del educador y a laactuación social calificada y coherente con unaperspectiva crítica y emancipatoria de laEducación Ambiental.

Palabras-clave: Educación Ambiental; Gestióndemocrática; Conflicto ambiental.

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Sobre o autor:

1Carlos Frederico Bernardo LoureiroDoutor em Serviço Social - ESS/UFRJ. ProfessorAdjunto da Faculdade de Educação da UFRJ.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Rua Almirante Tamandaré, 36/203 - Flamengo, Rio de Janeiro/RJ, Brasil.CEP:22.210-060.

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Educação liberal centralizadora na Bahia sob o império dePedro I (1822-1830)

Resumo: O artigo estuda um período pouco co-nhecido da educação baiana: o do governo do im-perador Pedro I (1822-1830), considerado liberalpor governar com constituição, porém limitadopelo poder Moderador que conferia ao imperadorexcepcionais poderes e levava a um governo efe-tivamente centralizador. Analisa-se a educaçãobaiana durante a vigência desta constituição, fala-se na 1ª lei sobre criação de escolas de 1as letras edo método monitorial sugerido por ela, da instru-ção superior e de outros níveis e modalidades deensino no 1º império brasileiro e como isto foiaplicado na província da Bahia. Comenta-se olevantamento feito em 1829 por Domingos An-tonio Rabello sobre a situação educacional baiana,constatando estar ela em situação privilegiada emrelação às demais províncias do Império. Fala-seainda dos reflexos, sobre o ensino, provindos dasrestrições às ordens religiosas.

Palavras-chave: Política educacional; Bahia;História da Educação.

Antonietta d´Aguiar Nunes1

INTRODUÇÃO

Quando, em 16 de dezembro de 1815, oBrasil foi elevado a Reino Unido a Portugale Algarves, tendo os três reinos o mesmomonarca, as antigas capitanias ultramarinasbrasileiras passaram a ser províncias, masnão possuíam qualquer autonomialegislativa, devendo, como antes, obedeceràs leis gerais do Reino, só que agora doReino do Brasil e não mais do de Portugal.

Falecendo d. Maria I em 9 de março de1816, no Rio de Janeiro, o até então Prínci-pe Regente d. João assumiu o título de d.João VI, reinando, como seus antepas-sados, de forma ainda absolutista. Osportugueses, depois de expulsos os fran-ceses de seu território, haviam pedido queo rei voltasse a residir em Portugal, o queele protelou. Em 1820 houve naquele paísuma revolução liberal que começou nacidade do Porto, reclamando a elabora-ção de uma constituição cerceadora dospoderes reais que d. João VI também de-veria jurar e acatar, se pretendesse conti-nuar reinando em Portugal. Exigiram naocasião que ele retornasse à Europa, oque ele acabou fazendo.

Depois da volta de d. João VI a Portugalpor imposição das Cortes Portuguesas,d. Pedro, na qualidade de Príncipe Regenteno Brasil, baixou um decreto sobre instru-ção, em 28 de junho de 1821, que estava empleno acordo com os princípios liberaisda época, declarando ser livre a qualquercidadão o ensino, e abertura de Escolasde primeiras letras em qualquer partedeste Reino, quer seja gratuitamente, querpor ajuste dos interessados, sem dependên-

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cia de exame, ou de alguma licença (APEB-Livro De Decretos Imperiais,1823/25, p.153).

Cedo os deputados brasileiros às CortesPortuguesas descobriram a intenção damaioria dos deputados lusos de retornarà situação anterior de submissão do Brasil,que deveria voltar a ser parte do reinoportuguês, perdendo sua autonomia. Es-creveram então às Câmaras Municipais queos elegeram, perguntando como deveriamvotar; as Câmaras foram no geral unânimesem responder que o Brasil continuasse aexistir como Reino separado, e declara-ram d. Pedro como seu Defensor Perpétuo.As Cortes determinaram sua volta a Por-tugal, mas ele decidiu ficar no Brasil,continuando a governar em sua qualidadede Príncipe Regente. Em alguns pontos dopaís os portugueses aqui residentes insis-tiram em obedecer às ordens das CortesPortuguesas, desacatando d. Pedro, ehouve luta em muitos pontos; finalmenteos brasileiros venceram, e a independênciado Brasil foi efetivada.

Embora tivesse declarado o Brasil inde-pendente em 7 de setembro de 1822, d.Pedro de Orleans e Bragança teve quelutar para consolidar a independência e aunidade do seu império recém-fundado.Foi necessário vencer as resistênciasportuguesas ocorridas na ProvínciaCisplatina, no Maranhão, no Piauí, noPará, e, sobretudo na Bahia, onde os por-tugueses ocuparam Salvador e muitosbaianos lutaram contra eles no Recôncavoda baía de Todos os Santos.

Afinal, com a fuga dos portugueses em 2de julho de 1823, o Exército Libertador en-

trou vitorioso na Bahia. Os conventos defrades de nacionalidade portuguesa, quehaviam acompanhado o general Madeirade Melo em sua fuga para Portugal, foramrequisitados pelo imperador, constituiram-se em propriedades nacionais, como foi ocaso dos conventos dos agostinianos naPalma e dos carmelitas descalços em SantaTereza, que depois abrigaram instituiçõeseducativas.

D. Pedro precisou desenvolver todo umtrabalho diplomático - após, finalmente,expulsar do Brasil os portugueses queresistiram - para fazer reconhecer a nossaindependência pelas várias potênciaseuropéias. Portugal só veio a aceitar estanova situação em 1826.

Por fim, era necessário organizar interna-mente o novo governo, estruturá-lo poli-ticamente, o que foi feito - ainda dentrodo espírito liberal que dominava na época- através da convocação de uma Assem-bléia constituinte para elaborar a Consti-tuição do país.

Enquanto preparava a constituição, a as-sembléia legislava, em 20 de outubro de1823, aprovou uma lei abolindo os privi-légios do Estado na área da instrução,criando o princípio da liberdade do ensi-no sem restrições e definindo a gratuidadedo ensino primário a todos os cidadãos(MOURA, 2000, p.81-83).

Insatisfeito com os rumos - para ele ex-cessivamente liberais - tomados pelaAssembléia, o Imperador a dissolveu eencarregou uma comissão para redigirum texto constitucional, que ele outorgou

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em 25 de março de 1824, incluindo nela,além dos três poderes clássicos (Executi-vo, Legislativo e Judiciário), um quarto po-der, o Moderador, exercido apenas pelapessoa do Imperador, e que o colocavaacima de todos os demais poderes.

A EDUCAÇÃO BAIANA DURANTEA VIGÊNCIA INICIAL DA CONSTI-TUIÇÃO

A Constituição de 1824, no artigo 179 doseu título 8o, afirmava que a inviola-bilidade dos direitos civis e políticos doscidadãos brasileiros seria garantidapor: item XXXII- A instrução primária égratuita a todos os cidadãos (grifo nãoexistente no original) e item XXXIII -Colégios e Universidades aonde serãoensinados os elementos das Ciências,Belas Letras e Artes (CAMPANHOLE;CAMPANHOLE, 1971, p.602).

Declarando-se gratuita a instrução primá-ria, o Estado seria obrigado a providenciaros meios para que isto ocorresse. Mas em-bora se dissesse que isto valia para todosos cidadãos, não era enfatizada igualmen-te a obrigatoriedade de estudos, o que defato acabava eximindo o Estado de provi-denciar escola para a totalidade dos brasi-leiros em idade escolar. Apenas a partir de1840, já no segundo reinado portanto, osrelatórios ministeriais consideraram neces-sário o estabelecimento da obrigatoriedadedo ensino. O Regulamento de 1854 o esta-beleceu, mas de uma maneira tão impreci-sa, que ficou inoperante (ALMEIDA,1989, p.38).

De qualquer maneira, porém, reconhecia-sea importância de educar-se a populaçãodo recente império. Os deputados cône-gos Januário da Cunha Barbosa e JoséCardoso Pereira Mello e o dr. AntonioFerreira França apresentaram na Assem-bléia Geral um projeto de lei sobre a cria-ção de escolas de primeiras letras, oupedagogias, em todos os lugares. Esteprojeto, transformado em lei a 15 deoutubro de 1827, determinou que em to-das as cidades, vilas e lugares mais po-pulosos houvesse as escolas de primeirasletras consideradas necessárias. Sua loca-lização e quantidade seriam indicadas pelospresidentes dos conselhos municipais, ou-vidas as câmaras. Nelas seria ensinado(art.6o):

a ler e escrever, as quatro opera-ções de aritmética, prática de que-brados, décimas e proporções, asnoções mais gerais de geometriaprática, a gramática da língua naci-onal e os princípios da moral cristãe da doutrina da religião católicaromana, proporcionadas à compre-ensão dos meninos; preferindo paraas leituras a Constituição do Impérioe a História do Brasil (APEB - LivroDe Decretos Gerais, 1827, p.5;129).

Esta lei preconizava ainda que os pro-fessores fossem formados na capital daprovíncia e admitidos por exame, em ca-ráter vitalício e com estipêndio anual má-ximo de Rs 500$000 (quinhentos mil réis),só fazendo jus o professor a uma gratifica-ção - não superior a um terço do ordenado- depois de 12 anos de regular exercíciono magistério2. A lei sugeria ainda a exis-tência em cada capital de uma escola deensino mútuo, que deveria existir também

2 Por ser a primeira lei que tratava dos professores no novel país, foi a sua data - 15 de outubro - tomada mais tarde como sendo a datacomemorativa do Dia do Professor no Brasil.

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nas outras vilas onde o número de alu-nos e de prédios escolares assim o permi-tissem. Deveria haver ainda professoraspara meninas, onde se tornasse necessá-rio. A fiscalização de tais escolas seriafeita pelos presidentes dos conselhos decada lugar onde se situasse(m) a(s)escola(s).

As Câmaras Municipais também tinham,pela lei de 1º de outubro de 1828, o direitode inspecionar as escolas primárias, masisto era pouco feito. Em geral, o controleda Câmara limitava-se aos atestados deassiduidade dos professores para quepudessem receber seus ordenados do te-souro público. Esta lei teria falhado, en-tre outras causas, por falta de professo-rado qualificado, não atraído pela parcaremuneração, que na maioria dos casosnão atingia sequer o teto estabelecidopor lei. Quanto às escolas femininas, em1832 o ministro José Lino dos SantosCoutinho3 só conseguiu identificar 20funcionando em todo o império. A fiscali-zação das câmaras municipais mostrou-sede todo inoperante (SUCUPIRA, 1996,p.58-59; ALMEIDA, 1989, p.60).

Em 16 de janeiro de 1828 mandou o go-verno uma circular às câmaras da pro-víncia para que, de acordo com a lei de15 de outubro de 1827, indicassem ascadeiras de primeiras letras que convinhacriar, determinando os lugares que, pelasua população, deveriam receber talbenefício. (Na Bahia, apenas em 1830 estalista ficou pronta, indicando a necessi-dade de cerca de 160 escolas primárias

em toda a província, sendo que 30 delasna capital). Além disto, o governo re-comendou ao lente visitador das aulaspúblicas que corrigisse os professoresque davam muitos feriados, pois, alémdas quintas-feiras em que não haviaaula, começavam as férias a 1o de dezem-bro, com prejuízo para a instrução dosalunos (AMARAL, 1923, p.38, 57-63).

Em 1828 o então presidente da provínciada Bahia, Gordilho de Barbuda [Viscon-de de Camamu], mencionava em seurelatório anual a lei de 15 de outubro de1827, mandando criar escolas elementa-res, porém afirmava que, dadas as difi-culdades, tratou de início apenas dasescolas da cidade do Salvador, tendo tidoproblemas em achar os edifícios neces-sários para se pôr em prática o métodolancastriano (sic) recomendado pelalei (BARBUDA, 1828, p.2).

O MÉTODO MONITORIAL OU LEN-CASTERIANO

Antes mesmo da lei de 15 de outubro de1827, Decisão de d. Pedro I datada de22 de agosto de 1825 havia mandado,através da Secretaria de Estado dos Ne-gócios do Império, promover nas Provín-cias a introdução e o estabelecimento deEscolas públicas de primeiras letras peloMétodo Lencasteriano, que já se achavam,segundo o mesmo texto, geralmente ad-mitidas em todas as nações civilizadas;tem a experiência mostrado serem muitopróprias para imprimir na mocidade osprimeiros conhecimentos (Col. Decisõesdo Império do Brasil de 1825, p.112).

3 Baiano, participara da comissão que levou a D.Pedro I a lei de 15 de outubro de 1827 e, em 1849, publicaria na Bahia um livrosobre educação feminina: Cartas sobre a educação de Cora - (PEIXOTO, 1980, p.155).

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O ensino mútuo, praticado nas escolaspara órfãos de guerra criadas em Paris porFleurus Pawlet em 1773 e fechadas em1795, consistia em confiar a um alunomelhor formado o papel de instrutor paraum pequeno grupo de seus condis-cípulos. O escocês André Bell introdu-ziu um sistema análogo na Inglaterra,com grande sucesso. O pedagogo inglêsJoseph Lancaster o propagou na Améri-ca. Na França, Lazare Carnot e Degérandoapoiaram o movimento pelo qual a Res-tauração em seus começos (1814) se en-tusiasmou. A fórmula do ensino mútuopermitia dissimular a insuficiência deprofessores (ARÉNILLA e outros, 2000,p.204).

O método de ensino utilizado em finsdo séc. XVIII nas escolas de primeirasletras era principalmente o individual, emque o professor se dedicava a um alunopor vez, fazendo-o ler, escrever e calcular;e enquanto um deles estava com o profes-sor, os demais trabalhavam em silêncioe sozinhos. O emprego de meios coerciti-vos garantia o silêncio e o trabalho, e cadaprofessor afinal dedicava pouco tempo acada aluno. Não existia um programa aser adotado e eram comuns as variações deescola para escola (BASTOS, 1997, p.116).

No final do séc XVII, sob a inspiração deJean-Baptiste de La Salle (1615-1718) foiintroduzido o método simultâneo, queconsiste em o professor instruir e dirigirsimultaneamente todos os alunos, querealizam os mesmos trabalhos, ao mesmotempo. O ensino se tornou coletivo, apre-sentado ao grupo de alunos reunidos

em função da matéria a ser ensinada. Osalunos são divididos de maneira mais oumenos homogênea, de acordo com seugrau de instrução. Para cada grupo ouclasse um professor ensina e adota mate-rial igual para todos. Generalizou-se nasescolas primárias do Brasil a partir de1850, sendo praticado até os nossos dias(BASTOS, 1997, p.116-117).

O método do ensino mútuo foi, de certaforma, esboçado nas escolas monásticas,nas escolas dos Irmãos da Vida Comum,e em certas escolas de caridade no perí-odo anterior à Revolução Francesa. AndréBell (1753-1832), médico e pastor angli-cano, aplicou princípios do método nasÍndias Inglesas, onde dirigiu um orfanatoem Madras, de 1787 a 1794. Não podendocontar com mestres capacitados, teve aidéia de utilizar os melhores alunos comomonitores para transmitir os conhecimen-tos que haviam aprendido com o profes-sor para os seus colegas. Com isso con-seguiu instruir um grande número dealunos e, quando retornou à Inglaterra,publicou em 1797 um Ensaio onde rela-tou sua experiência. Nesta ocasião, JosephLancaster, da seita dos Quackers, criouno ano de 1798, em Londres, uma escolapara crianças pobres (800 meninos e 300meninas) onde, para instruir gratuitamentemuitos alunos sem utilizar muitos pro-fessores, dividiu a escola em várias clas-ses, colocando em cada uma delas, comomonitor, um aluno com conhecimento su-perior aos dos daquela classe, sob a di-reção imediata do professor. Com isso,um só professor poderia dirigir, com or-dem e facilidade, uma escola de 500 ou

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até mais alunos. Publicou também os re-sultados de sua experiência e estimuloua abertura de inúmeras escolas utilizan-do o seu método. O monitorial system ouméthode mutuelle baseia-se no ensinodos alunos por eles mesmos. Todos osalunos da escola, centenas sob a direçãode um só mestre, ficam reunidos numvasto local dominado pela mesa do pro-fessor que está colocada sobre um es-trado. Na sala, enfileiram-se as classes(conjuntos de aquisições e conhecimen-tos; a primeira corresponde aos iniciantes)tendo em cada extremidade, o púlpito domonitor e o quadro-negro. As classes sãogeralmente 6 em que os alunos são agru-pados por semelhança de nível de co-nhecimento. Cada classe tem um progra-ma a desenvolver de leitura, escrita earitmética, e um ritmo determinado de es-tudo. Cada programa se divide em oitograus hierarquizados, que devem ser per-corridos sucessivamente. O trabalho emcada classe é dirigido pelo monitor, alu-no mais avançado que os colegas a quemo professor, antes do início da aula, dáuma explicação especial e indicaçõesparticulares. O monitor transmite aos co-legas os conhecimentos dados pelo pro-fessor. Está sempre havendo um movi-mento de classificação dos alunos quemais se distinguem, que podem entãomudar de classe ou mesmo passar a dirigiruma classe com conhecimentos inferioresaos seus (BASTOS, 1997, p.117-118).

A INSTRUÇÃO DE NÍVEL SUPERIORNO 1º IMPÉRIO

No começo do séc. XIX, os brasileirosque tinham diploma de curso superior,

o haviam cursado na Europa. Só a partirde 1808, com a vinda da Família Real, éque passaram a existir cursos deste nívelno Brasil, mas bastante escassos: duasEscolas de Medicina (Bahia e Rio de Janei-ro) e mais tarde, com d. Pedro I, uma Aca-demia de Belas Artes (Rio de Janeiro) e doisCursos Jurídicos (São Paulo e Olinda).Ainda assim, existem alguns dados so-bre a população que detinha este nívelde instrução em nosso país.

Edelweiss apresentou uma lista da quanti-dade de estudantes baianos e brasileirosque fizeram cursos na Universidade deCoimbra, nos cem anos que se seguiramà sua reforma sob Pombal em 1772; aela foi acrescentada uma coluna deporcentagens, para melhor avaliação(QUERINO, 1955, p.136).

TOTALEstudantes Estudantes Porcentagem

baianos brasileiros de baianos (%)

1772-1800 112 527 21,25

1801-1814 28 116 24,14

1815-1827 149 355 41,96

1828-1849 24 145 16,55

1850-1872 3 99 3,03

Total 316 1242 25,44

Período

Por esta tabela se vê, em primeiro lugar,que, mesmo no período das lutas pelaindependência do nosso país e da grandeanimosidade aqui existente contra osportugueses, não diminuiu, até aumen-tou, a quantidade de brasileiros - ebaianos em especial - que iam fazer cur-so superior em Coimbra. E que, depoisda Independência e de seu reconheci-mento por Portugal, em 1826, este número

Fonte: QUERINO, 1955 (mencionando lista publicada no v.62 dosAnais da Biblioteca Nacional).

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diminuiu consideravelmente.E mais:constatamos que eram baianos, no total,pouco mais de um quarto de todos osbrasileiros estudantes em Coimbra noscem anos considerados, o que revela umaefetiva proeminência da Bahia em relaçãoao restante do país, no que se refere aestudos de nível superior.

Em 1820 foi criada no Rio de Janeirouma Academia de Belas Artes e elaboradoo seu estatuto. Ela não veio a funcionarimediatamente; em 1826 seu estatutofoi revalidado e só depois disso é queela começou a funcionar.

Decisão de d.Pedro I de nº 78, datada de17 de julho de 1822 determinava quenenhum (aluno) mais seja admitido(na Academia Médico-cirúrgica do Riode Janeiro, e isto certamente valia tambémpara a da Bahia) sem os conhecimentosprecisos para bem entender as lições deFisiologia, cuja cadeira está já separadada Anatomia em virtude do Decreto de10 do corrente (Col. Decisões do Impériodo Brasil em 1822, p.63)

No ano de 1825, constatando a grandefalta de bacharéis formados para ocuparos lugares de magistratura do novel im-pério, e julgando não convir continuardemandando a Coimbra ou a países es-trangeiros a sua formação, um decretodatado de 9 de janeiro, assinado pelo Mi-nistro do Império, Estevão Ribeiro deResende, criava na Corte e cidade do Riode Janeiro um curso jurídico com todas ascadeiras e lentes, tendo igualmente osprivilégios das Universidades. Este decre-

to não chegou, porém, a ter execução (Col.de Decretos, Cartas e Alvarás do Brasil,1825, p.4 e MinJusNegInt-OrgProgMin,1962, p.11).

Em 1826 instalou-se em 19 de outubrono Rio de Janeiro a Academia de BelasArtes que teve seus Estatutos aprova-dos por Decreto imperial datado de 30de setembro deste ano (Col. Decisõesdo Império do Brasil, 1826, p.110-122).

Mais tarde, em 1827, o Governo Imperialelaborou uma lei de 11 de agosto em quecriou dois cursos de Ciências Jurídicase Sociais, um na cidade de São Paulo eoutro na de Olinda (MinJusNegInt-OrgProgMin, 1962, p.20). Esta lei determina-va em seu art. 8º que os estudantes quequiserem matricular nos cursos jurídicosdevem apresentar as certidões que mostremter a idade de 15 anos completos e deaprovação de Língua Francesa, Gramáti-ca Latina, Filosofia Racional e Moral eGeometria (APEB - Livro de DecretosGerais 1827, p.17). O curso seria dado emcinco anos, nos quais seriam seguidasnove distintas cadeiras jurídicas. O certifi-cado de aprovação seria obtido através deexames feitos nos próprios cursos jurídi-cos, por dois professores peritos nasrespectivas matérias designados pelo Di-retor da Academia, a quem competia pre-sidir os trabalhos da Comissão. Em 7 denovembro de 1831, os novos Estatutosdas Academias de Ciências Jurídicas doImpério previam a incorporação a estasinstituições de seis outras cadeiras,onde seriam ministrados aos candida-tos ao curso superior, os conhecimentos

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exigidos nos Preparatórios, das disciplinas:Latim, Francês, Inglês, Retórica, FilosofiaRacional e Moral, Aritmética e Geometria,História e Geografia (NUNES, 1984, p.54).

O Colégio Médico-cirúrgico da Bahia -que, como o do Rio de Janeiro, forareorganizado pela Carta Régia de 29 dedezembro de 1815 e assim permaneceudurante o 1º Império - tinha a duração deseis anos, com os lentes e demais em-pregados pagos pela nação. Quanto aocurso ministrado, Rabello (1929, p.152-153)a seguinte distribuição das matériaslecionadas: 1º ano - Anatomia Geral eQuímica Farmacêutica; 2º ano - Fisiologia;3º ano - Higiene, Patologia e Terapêutica;no 4º- Operações e Obstetrícia; no 5º e 6ºanos - Matéria Médica, Medicina prática,uma cadeira de Química Geral e outra deFarmácia. Pelo Decreto da AssembléiaLegislativa, sancionado pelo Imperadore publicado em 9 de setembro de 1826,ampliou-se a liberdade aos alunos que,tendo concluído o curso de 5 anos recebe-riam carta de Cirurgião; os que fizessemseis anos, carta de Cirurgião Formado, po-dendo exercitar a Cirurgia e Medicina emtodo o Império. Se depois fossem estudarmais 3 anos em qualquer Universidade(francesa ou européia), voltavam Dou-tores em Medicina.

OUTROS NÍVEIS E MODALIDADESDE ENSINO

O imperador Pedro I não se preocupouapenas com a instrução de nível elementare superior, seus decretos abrangiam tam-bém outros níveis e modalidades deensino.

Em 29 de janeiro de 1825, João Vieirade Carvalho, Ministro e Secretário deEstado dos Negócios da Guerra, baixouinstruções para o aprimoramento deoficiais do Exército acompanhando De-creto Imperial desta data em que clara-mente expressava:

Convindo muito que os Oficiais doExército do Brasil possuam conheci-mentos próprios de sua profissão, nãose limitando aos das três armas emparticular, mas devendo abranger emgeral a combinação das mesmas, atática, estratégia e os diferentes ramosde Artilharia e Engenharia, ordenouSua Majestade o Imperador, que fossemmandados alguns Oficiais à Europa,aonde se instruíssem nas diferentesescolas militares, passando depois aostrabalhos práticos de cada um dos ra-mos a que se tiverem aplicado, paraque um dia paguem com seus conhe-cimentos a dívida da sua educação(Col. De Decretos, Cartas e Alvarásdo Brasil, 1825, p.13).

Em 9 de agosto deste mesmo ano de 1825,uma Carta imperial criou na Bahia ascadeiras de língua francesa e de língua in-glesa, (Aulas ditas Maiores, equivalentesao atual nível médio) nomeando para ensi-nar ambas as línguas a Manuel José EstrelaJúnior. A criação destas cadeiras - comolembrado ao presidente da província daBahia, João Severiano Maciel da Costa -serviria ainda de princípio ao SeminárioArquiepiscopal desta província4 (Col. DeCartas, Alvarás e Decretos do Brasil em1825, p.77).

O Seminário foi reaberto funcionandoinicialmente no antigo convento dosagostinianos, na Palma, apropriado pord. Pedro depois da fuga de todos os pa-

4O Seminário Arquiepiscopal fora criado desde 1815, mas sofrera interrupção na época da luta pela independência.

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dres aí residentes, de nacionalidade portu-guesa, com o general Madeira de Melo,embarcados para Portugal em 2 de julhode 1823.

A SITUAÇÃO EDUCACIONAL BAIANA

Domingos José Antonio Rabello (1929) nosrelatou as aulas existentes na Bahia em 1828,por sua localização nas freguesias. Citouapenas quatro locais onde se ensinava pelométodo lencasteriano ou monitorial: nascadeiras nacionais de primeiras letras dasfreguesias da Sé e São Pedro e no Colégiode Órfãos de S. Joaquim, as três em Salva-dor, e na freguesia de N.Sra. de Nazaré, navila de Pedra Branca (hoje Santa Terezinha),onde o visconde deste título, DomingoBorges de Barros, tinha, em sua fazenda,para os filhos dos moradores, uma Aula deprimeiras letras pelo Ensino Mútuo.

Para melhor visualização da situação edu-cacional da província, elaborou-se umatabela das cadeiras existentes na Bahia,a partir das informações de Rabello. Cons-tatou-se que, no total, ele citou a existênciade "cadeiras nacionais de primeiras letras"em 59 das 107 freguesias então existentes,sendo que em 36 outras havia "aula parti-cular de primeiras letras". Igualmentemencionou Aulas nacionais de GramáticaLatina em 30 freguesias, e em 35 outras, ashavia particulares. Num primeiro cálculoporcentual constatou-se que 88,8 % dasfreguesias baianas tinham aulas de primei-ras letras: 55,2% das paróquias tinham aulas"nacionais" ou públicas, 33,6% aulas par-ticulares, e apenas 11,2 % não possuíamqualquer local onde se pudesse aprender a

ler, escrever e contar. As aulas de Gramáti-ca Latina já indicavam um nível mais ele-vado de instrução, equivalente talvez hojeao nível da 5ª à 8ª séries do ensino funda-mental, e existiam em 60,7 % de todas asfreguesias da província, o que leva a con-cluir que ao menos havia uma certa preocu-pação, tanto do poder público quanto mes-mo da população residente, em relação àaprendizagem institucionalizada. As Au-las maiores, que eram exigidas nos Pre-paratórios para ingresso em cursos supe-riores, como Retórica, Filosofia, Geometria,Grego, Desenho, Música, Teologia Moral,Inglês e Francês, só existiam mesmo nacapital, Salvador, muitas delas públicas.

Por Lei de 27 de agosto de 1828, assinadapelo Ministro do Império, José ClementePereira, dava-se regimento para os Conse-lhos Gerais de Província, aos quais os pre-sidentes de província deveriam anualmenteapresentar relatório (MinJusNeg Int-OrgProgMin, 1962, p.22).

Em 1830 o Conselho Geral da Província daBahia, em execução dos artigos 2o e 11o daLei de 15 de outubro de 1827, finalmentechegou a marcar o número e localidadesdas escolas de Primeiras Letras que julga-va necessárias na província: 164 ao todo,relacionadas por comarca (AMARAL,1923, p.56-63)

Certamente pela preocupação liberal delaicização, um Decreto Imperial de 28 dejunho de 1830 proibiu o estabelecimentode novas casas religiosas de qualquer tí-tulo ou denominação que fosse e deter-minando que por espaço de dez anos a

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partir da data de publicação deste decretonão se admitiria nenhum noviço paraas comunidades religiosas então existen-tes, de um e outro sexo (TOBIAS, 1987,p.147). E uma lei de 9 de dezembro domesmo ano determinava a extinção daCongregação dos padres de São FelipeNery ou Congregação dos Oratorianos,em Pernambuco e na Bahia. Em Pernam-buco eles tinham um colégio, mas nãoainda na Bahia. Em Salvador a congrega-ção tinha um hospício na ladeira daPreguiça (BARBOSA, 1970, p.73 eAMARAL, 1921-1922, p.288), cuja fun-dação fora autorizada por El Rei desde12 de abril de 1756. Depois de extinta acongregação, o patrimônio deste hospí-cio em Salvador passou a ser adminis-trado pela Mesa da Casa Pia dos órfãosdo colégio de São Joaquim (MACEDO,1919, p.84). Estas restrições às ordensreligiosas refletir-se-iam certamente napossibilidade de encontrar mestres paraos diversos níveis escolares, dado queaté então eram utilizados vários membrosdo clero como professores por possuíremníveis educacionais mais avançadosque a média da população.

No final do 1º império, não se tinhamdados estatísticos muito precisos sobrea real situação das escolas na provínciada Bahia. O presidente da província daBahia, José Egídio Gordilho de Barbuda(depois Visconde de Camamu, 05/11/1828a 28/02/1830) dizia em seu relatóriode 28 de fevereiro de 1830:

De todas as partes da Província serepresenta a necessidade da criaçãode novas escolas, e a este Conselho

compete marcar o número das que de-vem haver. A vontade de aprender écertamente grande, o que bem seprova com o número de alunos quefreqüentam as escolas da cidade [deSalvador], em relação ao dos anosanteriores, montando os de primei-ras letras a 2.952 e 264 meninas; asaulas maiores tem tido sempre seu au-mento, e no curso jurídico de Olindaentre 55 escolares, que acabaram oprimeiro ano, 34 são filhos da Bahia(Fala do Presidente Visconde deCamamu, 1830, p.2).

No final do ano, na sua Fala em 1º dedezembro, o presidente Luís Paulo deAraújo Bastos (depois barão [1841] evisconde [1854] dos Fiais - 13/04/1830a 07/04/1831) também só dava dadosgenéricos:

Prospera igualmente quanto é possí-vel a província na instrução; só den-tro da capital há quatro colégios deeducação, a saber: o dos Órfãos, e trêsparticulares; dezessete aulas públicasde Estudos preparatórios, dezenoveditas particulares, sendo o maior nú-mero destas nos colégios, vinte e trêsAulas públicas de Primeiras letras, vintee duas ditas particulares; entre as au-las pública já há duas que ensinamperfeitamente pelo sistema de Ensi-no mútuo, e três entre as particula-res. Há mais o colégio Médico-cirúrgico.O número [de alunos] emtodas as Aulas é de dois mil quinhen-tos e trinta e cinco, em que há au-mento comparativamente com os alu-nos que as freqüentavam o ano passa-do, especialmente quanto ao sexofeminino (Fala do presidente LuísPaulo de Araújo Bastos, 1830, p.1).

Em todo o caso, ambos os presidentesda província julgavam auspiciosa a si-tuação do ensino, a vontade de apren-der e a freqüência que diziam ser cadavez maior de alunos nas escolas.

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CONCLUSÃO

Com a independência do Brasil e suaconstituição em Império, houve a preo-cupação não só da consolidação de suasfronteiras e reconhecimento externo daexistência de um novo país, como deorganizar o novo governo. No que se re-fere a ensino, um artigo da Constituiçãodeterminava que o ensino primário seriagratuito e, em 1827, uma lei determinavaa existência em todos os locais populo-sos de escolas de primeiras letras e regu-lamentava o trabalho dos professores. Afalta inicial de mestres habilitados levouà recomendação imperial de utilização dométodo monitorial ou lencasteriano quepermitia, com menos professores, atingir-se um número bem maior de alunos.

Apesar da monarquia brasileira serconstitucional, o Poder Moderador in-serido na Constituição concentrava ospoderes no imperador, que de fato gover-nava de forma centralizadora.

Dentro do espírito laicizante da filosofialiberal que se expandia na época, o Impe-rador requisitou para o Estado prédiosde conventos abandonados por religio-sos que se mostraram fiéis às CortesPortuguesas, proibiu não só o estabeleci-mento no Brasil de novas ordens religio-sas, como o ingresso de noviços nas jáexistentes, dificultando assim sua reno-vação e cerceando sua proliferação; eextinguiu a Congregação dos Oratorianos,que possuíam um colégio em plenofuncionamento em Pernambuco. Isto na-turalmente se refletiu no ensino, pois se

de um lado o prédio de alguns conventosvieram a abrigar instituições educativas,por outro, grande parte das aulas pú-blicas até então tinha professores pro-venientes do clero e a partir daí tornou-semaior a dificuldade de se encontrarbons mestres para as diversas escolas.

Houve ainda neste período o cuidadocom a criação de cursos de nível superiorpara substituir a antiga prática de seestudar no Reino. Foi instalada e deu-seestatutos à Academia de Belas Artes noRio de Janeiro, fortaleceram-se os estu-dos existentes de Medicina e Cirurgia (naBahia e no Rio de Janeiro), e criaram-sedois cursos de Ciências jurídicas em SãoPaulo e Olinda.

Durante a vigência do 1º Império, a Bahiajá possuía , em 89% de suas localidades,escolas primárias e em 61% dos lugaresaulas de Gramática Latina, além de algu-mas Aulas maiores que preparavam osalunos para ingresso em cursos de nívelsuperior, na capital. Além disso existiam emSalvador dois cursos de nível superior:um Seminário Maior para formação depadres e um Colégio médico-cirúrgico.Também muitos baianos se dirigiam àUniversidade de Coimbra para obterformação em nível superior, sendo estauma das províncias em que a instruçãoestava melhor disseminada em todo oImpério.

Mas é preciso lembrar que ainda predo-minava na economia brasileira o sistemaescravista, e que aos escravos não erapermitido freqüentarem as escolas pú-

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The centralized liberal education in Bahiaunder the empire of Pedro I (1822-1830)

Abstract: The article studies a very little knownperiod of Bahian education: the one of theemperor Pedro I (1822-1820). He wasconsidered liberal because he governed with aconsti tution, but this was l imited by theModerator Power, which conferred to theemperor exceptional powers and lead to acentralized government. The Bahian educationduring this time is analysed, the first law forthe creation of primary (elementary)schools ismentioned and also the monitorial systemsuggested by this law. Higher education and otherlevels and modalities are also considered in theBrazilian first empire and how all this wasapplied in the province of Bahia. The registermade by Domingos Antonio Rabello in 1829about the educational si tuation in Bahia iscommented, evidencing that i t was in aprivileged situation in relation to the otherprovinces of the empire. The consequences foreducation due to the restrict ions made toreligious orders are also related.

Keywords: Educational policy; Bahia; Historyof the education.

Educación liberal centralizadora en Bahíabajo el imperio de Pedro I (1822-1830)

Resumen: El artículo estudia un período pococonocido de la educación bahiana: el delgobierno del emperador Pedro I (1822-1830),considerado l iberal por gobernar con laconstitución, sin embargo marcado por el Po-der Moderador que confería al emperador po-deres excepcionales y llevaba a un gobiernoefect ivamente central izador. Se ana l iza laeducación bahiana durante la vigencia de estaconstitución, se habla en la 1ra. ley sobre lacreación de escuelas de primeras letras y delmétodo monitorial sugerido por ella, de la

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Educação liberal centralizadora na Bahia sob o império de Pedro I (1822-1830)

instrucción superior y de otros niveles y mo-dal idades de enseñanza en el 1er. imperiobrasileño y como eso fue aplicado en la provinciade Bahia. Se comenta el levantamiento hechoen 1829 por Domingos Antonio Rabello sobrela situación educacional bahiana, constatandoestar ella en situación privilegiada en relacióna las demás provincias del imperio. Se hablaademás de las consecuencias sobre la enseñanzaprovenidas de las restricciones a las órdenesreligiosas.

Palabras-clave: Política educacional; Bahia;Historia de la educación.

Artigo recebido em: 19/01/2004.Aprovado para publicação em: 27/03/2004.

blicas. Considerando que os indivíduosnesta situação de subserviência eram amaioria da população, o quadro otimistado nível de instrução dos brasileirosno primeiro império toma de fato pro-porções bem mais reduzidas.

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Sobre a autora:

1Antonietta d´Aguiar NunesDoutora em Educação, Faculdade de Educação daUniversidade Federal da Bahia (FACED/UFBA).Historiógrafa do Arquivo Público do Estado daBahia (APEB). Professora de História da Educação- FACED/UFBAE-mail: [email protected]

Endereço postal: Ladeira do Gabriel, n.13 - Largo2 de julho, Salvador/BA, Brasil. CEP.: 40060-080.

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INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo dis-cutir os resultados de pesquisa sobre orecente processo de expansão do ensinosuperior privado no Distrito Federal/DF,ocorrido no período entre 1995 e 2001. Aanálise privilegiou as motivações quelevaram à criação das instituições que

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constituem esse segmento no contexto dapolítica educacional definida para aeducação superior nos dois mandatos dogoverno Fernando Henrique Cardoso/FHC (1995-1998) e (1999-2002), conside-rando que tal expansão ocorreu em umcurto intervalo de tempo, em compara-ção àquele de instalação e consolidaçãodo subcampo estudado (1968-1993).

É importante explicitar a noção desubcampo para este estudo. O campo doensino superior do DF é composto pelasinstituições públicas e privadas. Dessecampo mais amplo, a pesquisa recortou osegmento privado, concebendo-o comoum subcampo do primeiro. Nesta lógica,quando houver referência ao subcampoinvestigado, ao longo do trabalho, deve-se entender que nele estão sendo incluí-das as Instituições de Ensino Superior(IES) de caráter privado.

Esta pesquisa encontra sua justificativano fato de o ensino superior privado noBrasil ainda não contar com um númerosuficiente de investigações que aprofun-

Resumo: O presente estudo trata do processo deconstituição do ensino superior privado do Dis-trito Federal, enfatizando sua recente expansãoocorrida no período entre 1995 e 2001. Basica-mente, o objetivo da pesquisa foi o de examinar alógica dessa expansão, buscando entender a relaçãode tal fenômeno com a dinâmica da educação supe-rior verificada em nível nacional, na última década.Verificou-se que o segmento pesquisado configu-ra-se em um espaço no qual os agentes e institui-ções nele inseridos possuem interesses distintos eestabelecem, simultaneamente, relações de cum-plicidade e concorrência. Quatro fatores básicoscontribuíram para que as instituições pesquisadastenham identificado suas concorrentes mais diretas- as posições que ocupam no segmento do qualfazem parte, sua proximidade geográfica, a natu-reza dos cursos que ofertam, ainda que variemsuas habilitações, e o perfil da clientela que dispu-tam.

Palavras-chave: Ensino superior; Instituiçõesde Ensino Superior; Distrito Federal; PolíticaEducacional.

1O conteúdo deste artigo constitui-se numa síntese da tese de doutorado defendida em junho de 2003, no Instituto de Ciências Sociais/Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília/UnB, intitulada O ensino superior privado no Distrito Federal: uma análise de suarecente expansão (1995-2001).

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dem sua dinâmica e composição, contri-buindo para a reflexão sobre sua realposição no campo do ensino superior. Amaior parte das investigações sobre essenível de ensino tem sido produzida pordocentes-pesquisadores que são e fa-zem parte do sistema de ensino públicoe/ou estão vinculados às entidadesrepresentativas desse setor. Oportuna-mente, lembra-se que "[...] ninguém ébom juiz porque não há juiz que não seja,ao mesmo tempo, juiz e parte interessa-da." (BOURDIEU, 1983, p.32). No caso doDistrito Federal, constata-se ausênciaquase completa de estudos que tratem dadinâmica que vem assumindo a rede deensino superior local. Nesse cenário, cons-titui exceção o estudo de Martins (1997) queinvestiga o ensino superior privado local,no período de 1973-1993.

Porém, à medida que no ano de 2001, deum total de 3.030.754 estudantes brasilei-ros do ensino superior, 69% deles encon-travam-se matriculados em instituiçõesprivadas, é preciso reconhecer que o nívelde graduação é, do ponto de vista quanti-tativo, dominado pelo segmento privado.Taxas como essa colocam o Brasil, de acor-do com relatório divulgado pelo BancoMundial, entre os oito países que apresen-tam percentuais mais elevados de alunosna rede de ensino superior privado.

Em uma amostra de 41 países, este relatóriosituava o Brasil como um dos países commais alto percentual de matrículas no ensi-no superior privado, em torno de 60%. Deacordo com o mesmo documento, os ou-tros sete países que apresentavam realida-

de semelhante seriam Filipinas, Coréia doSul, Japão, Bélgica, Indonésia, Colômbia eÍndia (BANCO MUNDIAL, 1996, p.5).

A situarmos a proposta deste estudo noâmbito das instituições de ensino superi-or privado do Distrito Federal, compartilha-mos a idéia de que

[...] a análise sociológica das for-mas escolares de classificação, taiscomo podem ser observadas em umaconjuntura particular, permitem o de-senvolvimento de questões que todapesquisa pode e deve se colocar, so-bre agentes e situações profundamen-te diferentes (BOURDIEU, 1989, p.21).

Considerando que o conjunto das insti-tuições pesquisadas situa-se no escopo doensino superior, o presente estudo estáorganizado em três partes. A primeiraparte apresenta o espaço onde se situa oobjeto do estudo-ensino superior brasi-leiro, pondo em relevo o processo deinstalação e expansão da rede privada deensino superior local.

Em seguida, registram-se o marco teórico eos aspectos metodológicos da pesquisa -instituições pesquisadas, atores selecio-nados, instrumentos e técnicas que pos-sibilitaram a coleta dos dados, bem comosua perspectiva de análise.

Na terceira parte do texto, explicitam-se asmotivações que levaram à criação das ins-tituições que compõem ensino superiorprivado no DF, em determinadas áreas e/ou regiões desta unidade federativa, ten-do como referência a política educacio-nal adotada para o ensino superior nadécada passada.

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ALGUNS DADOS SOBRE O ENSINOSUPERIOR BRASILEIRO: A RELAÇÃOPÚBLICO E PRIVADO

Nos últimos trinta anos, o ensino superi-or brasileiro tem sofrido consideráveismudanças em sua morfologia. Essas alte-rações têm ocorrido em diversos aspec-tos desse sistema, implicando a instala-ção de uma tipologia variada de estabele-cimentos com característicasinstitucionais e práticas acadêmicas bas-tante diferenciadas. A heterogeneidadeinstitucional e os dilemas atualmente en-frentados pelo ensino superior brasileirotornam relevante examinar como se(re)configura a tendência histórica de in-centivo ao crescimento de vagas no ensi-no privado.

Cabe ressaltar, também, o fato de ser o Bra-sil o país latino-americano que detém amenor taxa bruta de escolarização uni-versitária e a mais elevada média de gas-to anual por aluno nas instituições denatureza pública. A taxa de escolarizaçãobruta dos cidadãos brasileiros que seencontram matriculados no ensino supe-rior gira em torno de 13%, proporção ex-plicitamente abaixo de outros paíseslatino-americanos, como, por exemplo,Argentina (40%), Uruguai (30%), Chile(20,6%), Venezuela (26%) e Bolívia(20,6%).

No caso do Brasil, o percentual apresen-tado refere-se à relação entre o total dematrículas no ensino superior, indepen-dentemente da faixa etária dos alunos eo total da população com idade entre 20

e 24 anos. Caso se considere apenas apopulação dessa faixa etária, o percentualbaixa para 7,7%, taxa que se aproxima auma das mais baixas do mundo (BRA-SIL, 2000, p.11). Visando ampliar essepercentual, o Plano Nacional de Educa-ção, aprovado pela Lei nº10.172, de09.01.2001, fixou para os próximos dezanos, a partir de sua publicação, a metade que, pelo menos, 30% dos jovensbrasileiros com idade regular possamfreqüentar uma IES.

Ao analisar este quadro, o Parecer 05/00do Conselho Nacional de Educação (2000,p.437) ressalta que no âmbito da educa-ção superior brasileira,

[...] o primeiro problema a ser en-frentado diz respeito à necessidade deprever a sua ampliação [...] O nívelindustrial e tecnológico do Brasilexige uma expansão acelerada dessenível de ensino, especialmente porqueo crescimento foi muito reduzido nosúltimos quinze anos.

A distância entre os números apresenta-dos aumenta bastante quando o percentualbrasileiro é comparado com o de outrospaíses desenvolvidos-EUA, 80%; França,50%; Inglaterra, 48% e Espanha, 46%.Assim, o Brasil precisa ampliar, de formaconsiderável, o índice de acesso dos seuscidadãos de 18 a 24 anos ao ensino supe-rior. Considerando essa necessidade, cabeindagar: quem o fará e como?

Na década passada, o país assistiu a umnovo surto de expansão da educação su-perior. Dessa forma, em 1991, do total de1.565.056 matrículas na graduação, 959.320

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estavam na rede privada (61,0%) e605.736 na pública (39,0%). Dez anos de-pois, as IES públicas contavam com939.225 matrículas (31,0%), enquanto ose to r p r ivado e ra responsável por2.091.529 matrículas, correspondendo acerca de 69,% do total (BRASIL, 2002,p.24).

Levando em conta os dados relativos aonúmero de estabelecimentos de ensinosuperior no mesmo período, constata-seque em 1991 existia no Brasil um totalde 893 IES. Dessas, 222 eram públicas(25,0%) e 671 pertenciam ao segmentoprivado (75,0%). Em 2001, havia no país1.391(87%) instituições de ensino supe-rior, sendo 183 (13%) de natureza públicae 1.208 vinculadas à rede privada.

Em termos percentuais, durante o período1995-2001, houve um aumento de 94,4%no número de cursos de graduação criadosno país, considerando-se que em 1995 eramofertados 6.252 cursos e, em 2001, essetotal chegou a 12.155, representando acriação de, em média, 2,7 cursos por dia,em seis anos.

A EXPANSÃO DO SEGMENTO SUPE-RIOR PRIVADO NO DISTRITO FEDE-RAL (1995-2001)

Até 1993, o DF contava com quatorzeinstituições voltadas para o ensino su-perior3: uma pública (Universidade deBrasília) e treze vinculadas à esfera pri-vada (três faculdades integradas e dezestabelecimentos isolados). A única insti-

tuição pública de ensino superior entãoexistente foi criada em 1962 e as duasprimeiras de natureza privada, em 1968.

Porém, no período entre 1995 e 2001, ocrescimento do referido segmento, mesmoseguindo uma tendência nacional, mostrouíndices bastante elevados. Nesse perío-do, foi criado um total de 52 (cinqüentae dois) estabelecimentos de ensino su-perior no DF, sendo apenas um de na-tureza pública, ligado a uma secretariade governo (saúde). Esse elevado númerode instituições privadas vem concorren-do para mudanças significativas no seg-mento do ensino superior de interessedesta pesquisa.

Diferentemente do que ocorreu no mo-mento de instalação da rede, essas no-vas instituições passaram a desenvolversuas atividades em diversas cidades doDF, notadamente, naquelas com umapopulação mais numerosa e, em algunscasos, com renda mais elevada. Sua cria-ção foi mais acentuada nos anos de 1998,1999 e 2001 - respectivamente, 12, 7 e 17IES - correspondendo a 80,0% do totalde estabelecimentos estudados.

Em 1995 havia, no Brasil, um total de 684IES privadas, passando esse númeropara 1.208 no ano de 2001 - como ressal-tado anteriormente - o que representouum crescimento da ordem de 76,6%. Po-rém, no mesmo período, o aumento donúmero de instituições privadas mos-trou-se bem mais acentuado no DF, àmedida que passou de apenas 12 (doze)

3Por dedicar-se, exclusivamente, à formação de diplomatas e estar diretamente vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, o InstitutoRio Branco, fundado no Rio de Janeiro, em 1945, e transferido para a Capital da República nos anos 60, não está incluído no total de IESapontadas ao longo da presente pesquisa.

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A recente expansão do ensino superior privado no Distrito Federal: uma análisede suas principais motivações no período 1995-2001

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José Vieira de Sousa

Quadro 1 - Instituições de ensino superior criadas no DF (1995-2001)

Nº IES Organização Mês/Ano Local Instrumentos Categoria acadêmica de criação legais/Órgãos administrativa

1 O [*] Faculdade 21.995 Guará Decreto S/N Particular2 D Faculdade 21.996 Sobradinho Parecer 028/1996 CNE/CES Particular3 AF Faculdade 111.997 Brasília Parecer 627/1997 CNE/CES Particular4 K Instituto 21.998 Brasília Parecer 005/1998 CNE/CES Particular5 Faculdade 31.998 Brasília Parecer 128/1998 CNE/CES Particular6 Faculdade 51.998 Brasília Parecer 236/1998 CNE/CES Particular7 Q Faculdade 51.998 Brasília Parecer 249/1998 CNE/CES Particular8 U Faculdade 61.998 Brazlândia Parecer 296/1998 CNE/CES Particular9 I Faculdade 61.998 Brasília Parecer 369/1998 CNE/CES Particular10 S Faculdade 61.998 Ceilândia Parecer 460/1998 CNE/CES Particular11 A Faculdade 81.998 Taguatinga Parecer 494/1998 CNE/CES Particular12 AH Faculdade 81.998 Brasília Parecer 515/1998 CNE/CES Particular13 Y Faculdade 81.998 Brasília Parecer 541/1998 CNE/CES Particular14 AB Instituto 101.998 Brasília Parecer 656/1998 CNE/CES Particular15 AF Faculdade 121.998 Brasília Parecer 789/1998 CNE/CES Particular16 AF Faculdade 31.999 Brasília Parecer 150/1999 CNE/CES Particular17 Z [**] Universidade 21.999 Brasília Portaria 160/1999 CNE/CES Particular18 F Faculdade 51.999 Taguatinga Parecer 399/1999 CNE/CES Particular19 J Faculdade 61.999 Recanto das Parecer 409/1999 CNE/CES Particular20 E Faculdade 61.999 Lago Norte Parecer 611/1999 CNE/CES Particular21 AH Faculdade 71.999 Brasília Parecer 620/1999 CNE/CES Particular22 AF Faculdade 71.999 Gama Parecer 705/1999 CNE/CES Particular23 J Faculdade 81.999 Recanto das Parecer 730/1999 CNE/CES Particular24 O Faculdade 101.999 Guará Parecer 863/1999 CNE/CES Particular25 AD Faculdade 101.999 Samambaia Parecer 882/1999 CNE/CES Particular26 AF Faculdade 101.999 Gama Parecer 916/1999 CNE/CES Particular27 I Instituto 121.999 Brasília Parecer 1096/1999 CNE/CES Particular28 AH Faculdade 121.999 Brasília Parecer 1.132/1999 CNE/CES Particular29 AH Faculdade 22.000 Brasília Parecer 006/2000 CNE/CES Particular30 R Faculdade 32.000 Brasília Parecer 248/2000 CNE/CES Particular31 G Faculdade 42.000 Taguatinga Parecer 256/2000 CNE/CES Particular32 M Faculdade 52.000 Taguatinga Parecer 371/2000 CNE/CES Particular33 AF Faculdade 62.000 Gama Parecer 481/2000 CNE/CES Particular34 H Faculdade 72.000 Ceilândia Parecer 550/2000 CNE/CES Comunitária35 AI Faculdade 122.000 Taguatinga Parecer 1032/2000 CNE/CES Particular36 O Faculdade 22.001 Guará Parecer 082/2001 CNE/CES Particular37 AL Faculdade 52.001 Brasília Parecer 095/2001 CE/DF Pública 38 P Faculdade 22.001 Taguatinga Parecer 111/2001 CNE/CES Particular39 AJ Faculdade 32.001 Sobradinho Parecer 174/2001 CNE/CES Particular40 T Faculdade 52.001 Lago Sul Parecer 439/2001 CNE/CES Particular41 B Faculdade 72.001 Taguatinga Parecer 648/2001 CNE/CES Particular42 Instituto 72.001 Gama Parecer 805/2001 CNE/CES Particular43 Faculdade 72.001 Brasília Parecer 818/2001 CNE/CES Particular44 AM Faculdade 72.001 Brasília Parecer 896/2001 CNE/CES Particular45 AI Faculdade 82.001 Taguatinga Parecer 983/2001 CNE/CES Particular46 AG Faculdade 122.001 Sobradinho Parecer 553/2001 CNE/CES Particular47 AC Faculdade 122.001 Brasília Parecer 565/2001 CNE/CES Particular48 V Instituto 122.001 Samambaia Parecer 610/2001 CNE/CES Particular49 AF Faculdade 122.001 Gama Parecer 613/2001 CNE/CES Particular50 AC Instituto 122.001 Brasília Parecer 695/2001 CNE/CES Particular51 AF Faculdade 122.001 Gama Parecer 1.335/2001 CNE/CES Particular52 AF Faculdade 122.001 Gama Parecer 1.340/2001 CNE/CES Particular

I

W

* É importante ressaltar que, em função de motivos éticos e do compromisso firmado com os entrevistados de que seus respectivosestabelecimentos não teriam seus nomes revelados, as instituições pesquisadas serão identificadas por letras, ao longo do presenteestudo. ** A Instituição Z começou a atuar no ensino superior como estabelecimento isolado em 1972, na cidade de São Paulo, tendo sidotransformada em universidade pela Portaria Ministerial 550/88. No DF, foi autorizada a funcionar pela Portaria 160/99, de 05.02.1999,quando teve aprovada a alteração do seu estatuto, permitindo-lhe incluir suas unidades universitárias também nas sedes regionais deGoiânia (GO) e Manaus (AM).Fontes: Conselho Nacional de Educação e Conselho de Educação do Distrito Federal.

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para 63 (sessenta e três), revelando umaumento de 425,0%. Em função do processoexpansionista, o ensino superior localmostra-se heterogêneo e com um númeroconsiderável de instituições (65), incluin-do-se neste total, as duas de naturezapública (BRASIL, 2002, p.21)

Considerando estes dados e diante daexpansão pela qual vem passando o ensi-no superior privado local, novas ques-tões têm aparecido para a rede formadapor essas instituições. Dentre tais ques-tões, merecem reflexão as formas comoas escolas que compõem essa rede têmbuscado ajustar-se, tanto à política defini-da pelo Ministério da Educação (MEC)para esse nível de ensino, quanto às de-mandas sociais e à luta concorrencial queestabelecem entre si.

DIMENSÃO TEÓRICO-METODOLÓ-GICA DA PESQUISA

A pesquisa buscou sua fundamentaçãoteórica no pensamento sociológico dePierre Bourdieu, particularmente na noçãode campo.

Dentre os vários conceitos formuladospelo autor para explicitar sua compreen-são a respeito do mundo social, estão osque ele denomina de campo e habitus.Para ele, quanto mais complexa for asociedade, mais ela se encontra diferen-ciada em campos diversos-político, ci-entífico, cultural, educacional, filosófico,artístico etc - os quais, dotados de umadinâmica própria e uma especificidade,estruturam a ação dos agentes.

Apesar de haver um número variável decampos em cada sociedade, estes apre-sentam regularidades comuns entre si,possibilitando o estabelecimento de leismais gerais que os regem (BOURDIEU,1983). Mesmo possuindo característicasespecíficas, os campos não se compor-tam de forma estanque, propriedade quepermite aos agentes certa mobilidadede transitar entre os vários recortes darealidade social. No campo, todos os agen-tes nele envolvidos têm um certo númerode interesses essenciais em comum. Paratransitar no campo os atores devemidentificar as formas de capital (capitalsimbólico) que se mostram eficientespara participar do jogo nele praticado -capital econômico, capital cultural ecapital social.

Assim, o campo pode ser definido comoum espaço social dotado de estruturaprópria - relativamente autônoma sobreoutros campos sociais - e de objetivos es-pecíficos que lhe garantem uma lógicaparticular de estruturação/funcionamento.Embora se relacionem entre si, os campossão dotados de uma hierarquia interna, oque faz com que seus objetos de disputase interesses particulares sejam irredutíveisàs lutas e interesses de outros campos(BOURDIEU, 1992).

Dentro do campo, os atores e as institui-ções lutam, considerando as regras defini-doras da disputa. Como partilham visões edependem da cooperação mútua para odesenvolvimento do próprio campo, osatores participam de uma luta regulada poruma doxa que valida seus capitais e suas

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ações. Podemos entender a doxa como

[...] tudo aquilo que constitui o pró-prio campo, o jogo, os objetos dedisputas, todos os pressupostos quesão tacitamente aceitos, mesmo semque se saiba, pelo simples fato dejogar, de entrar no jogo (BOUR-DIEU, 1983, p.91).

Segundo Bourdieu, campo e habitussão dois conceitos indissociáveis, man-tendo entre si uma relação de solicitaçãomútua. O habitus consiste em um con-junto de disposições baseadas em "es-truturas estruturantes" que implicam uma"interiorização da exterioridade", capaz delevar os agentes situados em condiçõessociais diferentes a adquirirem disposiçõestambém diferenciadas, de acordo com seumomento histórico e sua posição em umdeterminado sistema social. Enquantoprincípio organizador de respostas queprocuram adaptar-se às exigências de umcampo, o habitus revela-se como uma"gramática geradora de condutas". Eleindica um conhecimento adquirido e adisposição incorporada, bem como a pos-tura de um agente em ação. É, portanto,produto de estratégias práticas do fazercientífico.

Como "história incorporada" pelo agentepor meio de sua inserção em espaços so-ciais diversos, o habitus informa a condutado ator e de suas estratégias de conser-vação e/ou de transformação das estru-turas, que se encontram no princípio desua produção. Porém, os agentes nãoagem obedecendo a determinações mecâ-nicas oriundas do sistema social, masorientam suas ações por um senso prático,o qual equivale ao sentido do jogo a ser

jogado pelos atores em um certo camposocial onde as posições estão postas.

Ter o sentido do jogo é ter o jogo napele; é perceber no estado prático nofuturo do jogo. Enquanto o mau jogadorestá sempre fora do tempo, sempremuito adiantado ou muito atrasado, obom jogador é aquele que antecipa,que está adiante do jogo (BOURDIEU,1996, p.144).

Diante da natureza do objeto e de sua di-nâmica, optou-se por conjugar a noção decampo com a proposta metodológicaapresentada por John B. Thompson (2000)- estudioso britânico da teoria da ação deBourdieu. Este interesse foi motivado pelofato da referida proposta partir das noçõesde campo e habitus formuladas porBourdieu e de sistematizar uma discussão,cuja ênfase recai sobre as formas e osprocessos sociais dentro e pelos quais asformas simbólicas permeiam o mundosocial.

As formas simbólicas correspondem auma ampla variedade de construçõessignificativas, como, por exemplo, ações,textos e manifestações verbais que, porexpressarem um significado para deter-minados grupos, podem ser interpreta-das e compreendidas buscando-se a ló-gica de sua formulação. Adotando umraciocínio também relacional, Thompsonpostula que as formas simbólicas estãoinseridas em contextos e processos sócio-históricos específicos que permitem suacriação, construção e recepção pelosagentes sociais.

A partir do exposto, o estudo tomou deempréstimo a classificação proposta por

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Thompson (2000) para discutir as posiçõesassumidas pelas instituições no subcampopesquisado. Essa classificação parte dasnoções de campo e habitus analisadas an-teriormente e pressupõe que, dentro de um

campo de interação, é possível identificartrês tipos de grupos: grupos que ocupamposições dominantes, grupos que detêmposições intermediárias e grupos quepossuem posições subordinadas.

Os critérios definidos para a classificaçãoapresentada no Quadro 2 foram:

• as estratégias de luta adotadas pelasinstituições, reveladas na fala dos en-trevistados e observadas ao longo dapesquisa em relação a cada uma delas;

• a opção das várias instituições porserem criadas em determinadas áreas e/ou regiões do DF, visando atender cli-entelas com determinados perfis;

• a quantidade de instituições vinculadasa cada mantenedora e a marca distintivaque vem sendo criada por elas no ce-nário educacional pesquisado;

• o número e a natureza dos cursosofertados pelas mesmas instituições;

Dividido em dezenove Regiões Adminis-trativas, o Distrito Federal localiza-se nocentro geográfico do país e possui uma

área de 5.782,8 km2. Desse total, Brasília4

foi a única inicialmente planejada, con-centrando-se nela a maior parte dosempregos existentes e os níveis de rendamais elevados, comparados com os dasdemais regiões.

O Mapa 1 (p.97) apresenta as diferentesregiões que compõem o DF.

De acordo com dados do Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística (IBGE)(2002) a população local, em 2000, erade 2.051.146 habitantes, havendo umtotal de 233.884 jovens com faixa etáriaentre 20 e 24 anos, correspondendo a11,4% do total. O DF apresentava, àépoca, uma densidade demográfica de352,16 hab/km2, taxa superior a do Esta-do de São Paulo, que ultrapassava 36milhões de pessoas residentes (148,96hab/km2).

4Administrativamente, Brasília é apenas uma das dezenove Regiões Administrativas do DF e compreende as Asas Norte e Sul e a áreacentral do Plano Piloto. Porém, Brasília também pode ser entendida como a parte correspondente à cidade originalmente prevista, oque envolveria três Regiões Administrativas - Brasília, Lago Norte e Lago Sul. Ao longo do presente estudo, a expressão RegiãoAdministrativa será utilizada como equivalente às cidades que compõem à área do DF.

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Quadro 2- Posições ocupadas pelas IES do DF

Classificação elaborada com base em THOMPSON, 2000, p.206-212.

Posições das IES Códigos das instituições pesquisadas Total %

Dom inantes C, J, K, L, Z, AA, AF, AH e AK 9 23,00

Interm ediárias A, G, I, O, R,Q e Y 7 18,00

Subordinadas B, D, E, F, H, M, N, P, S, T, U, V, X, W , AB, AC, AD, AE, AG, AI, AJ, AL e AM 23 59,00

39 100,00

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Coleta dos dados e atores selecionados

O estudo apresentou um caráter explo-ratório e uma perspectiva de análisedescritiva que buscou, ao longo da inter-pretação dos resultados, a constante ilus-tração não só com os dados levantados,mas também com o conteúdo das falasdos atores selecionados, as quais expressa-ram seu entendimento sobre o objeto in-vestigado.

Trabalhou-se com entrevistas semi-estruturadas, realizadas individualmente,entre outubro de 2001 e abril de 2002,objetivando levar os fundadores e/ou diri-gentes das instituições privadas a expres-sarem as crenças estruturantes dos seusdiscursos acerca do objeto. Porém, como acompreensão da relação público e privadoconstituiu-se um pilar fundamental do es-tudo realizado, também foram entrevis-tados os dirigentes dos dois estabeleci-mentos públicos locais, totalizando 39mantenedoras que, juntas, possuíam 65IES, à época da coleta dos dados. Foisolicitado, a cada entrevistado, permissãopara gravar a entrevista, obtendo-se aautorização de todos, com exceção dos di-rigentes de duas escolas.

Do total de mantenedoras privadas inves-tigadas, três são universidades (umapública e duas de natureza privada), um écentro universitário (privado) e trinta ecinco são estabelecimentos isolados (umde caráter público e trinta e quatro de ca-ráter privado). No segmento público, umaé universidade e outra é estabelecimentoisolado.

Recorreu-se também à análise de docu-mentos norteadores da política educacio-nal brasileira para a educação superior noperíodo estudado; relatórios e sinopsesdesse nível de ensino produzidos peloMEC/INEP; arquivos de jornais e noticiá-rios a respeito das instituições investigadase do ensino superior brasileiro como umtodo. Além disso, foram examinados do-cumentos elaborados por entidades cien-tíficas e acadêmicas, destacando-se a As-sociação Nacional de Pós-Graduação ePesquisa em Educação e a AssociaçãoNacional de Pós-Graduação e Pesquisaem Ciências Sociais, e publicações peri-ódicas da Associação Brasileira deMante-nedoras de Ensino Superior, den-tre outros. Merece destaque a atençãodada às portarias baixadas pelo MEC eaos pareceres do Conselho de Educaçãodo Distrito Federal e do Conselho Nacionalde Educação, relacionados às instituiçõesestudadas, bem como a questões gerais doensino superior brasileiro, no período deinteresse da pesquisa.

A observação foi utilizada, visando captarelementos que concorressem para umamelhor condução das entrevistas e subsi-diar a compreensão de algumas questõesapresentadas pelos atores selecionadosdurante a realização das mesmas. Pro-curou-se observar as IES pesquisadas,ainda que informalmente, na perspectivade detectar situações cotidianas que le-vassem a um entendimento mais claro desuas posições no ensino superior priva-do do DF.

Foram contatados, ao todo, 42 (quarentae dois) atores, dos quais apenas um não

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colaborou para realização da entrevista.Como dois deles dirigiam, ao mesmo tempo,duas instituições, entrevistaram-se para apesquisa quarenta e um atores-sete do sexofeminino (17%) e trinta e quatro do mascu-lino (83%).

PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES PARAA RECENTE EXPANSÃO DA REDE

A análise da trajetória acadêmica dos en-trevistados anteriormente mencionados re-velou que a grande maioria deles possuiuma formação bastante heterogênea, distri-buindo-se seus cursos de graduação emdiversas áreas, destacando-se Administração,Comunicação Social, Direito, Economia,Engenharia, Matemática e Pedagogia.

Especializações lato sensu foram cursadaspor vinte e sete dos entrevistados (66%),também em áreas variadas, como, porexemplo, Administração, Direito e Educação.

Considerados como uma das condiçõespara a obtenção de prestígio nas respecti-vas áreas de atuação dos entrevistados, osestudos de pós-graduação stricto sensu emnível de mestrado foram realizados por maisda metade deles, (56%). No âmbito do dou-torado, dez atores, correspondendo a 24%do total5, possuíam este nível de formação.

A experiência profissional dos interlo-cutores mostrou-se também diversificada:docência e gestão no ensino superior pú-blico e privado, atuação em políticas pú-blicas para o ensino superior e em Secreta-rias Estaduais de Educação, consultoriasdiversas e direção do Sindicato dos Esta-

belecimentos Particulares de Ensino do DF.Merecem destaque as consultorias reali-zadas por alguns deles na elaboração deprojetos acadêmico-institucionais paraIES privadas locais. Nesse sentido, dez de-les desenvolveram essas atividades, par-ticipando das negociações com as Comis-sões de Especialistas nomeadas pelo MEC,visando à implantação de novos cursos.Tais consultorias foram prestadas para asescolas dirigidas pelos atores à época dacoleta dos dados e outras nas quais eles jáhaviam atuado.

Em geral, os atores selecionados evidencia-ram a construção de uma trajetória voltadapara a área escolar, na docência e gestão.Em função disso, apenas seis deles (15%)atuaram em suas respectivas áreas de for-mação inicial - Administração de Empresas,Engenharia, Informática e Jornalismo-antes de se dedicarem à educação superior.Alguns atores migraram do ensino superiorpúblico para o ensino superior privado eum número maior deslocou-se dentro desseúltimo, no plano do DF, nos dois períodosde constituição da rede estudada. Váriosatores trabalhavam, à época da coleta dosdados, simultaneamente em mais de umainstituição, normalmente como gestor emuma e professor em outra.

As análises empreendidas partiram dopressuposto de que a fala de um agentepode contribuir para a representação dodiscurso de grupos de agentes e/ou insti-tuições, centrando-se a discussão nasprincipais motivações apresentadas pelossujeitos da pesquisa para a criação das IESprivadas locais.

5A época da coleta dos dados, outros quatro atores cursavam o doutorado nas áreas de Administração (Portugal), Didática (Canadá),Matemática (UnB) e Odontologia (Universidade de Taubaté).

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Tomando como referência a análise dosrelatos colhidos, tais motivações podem seragrupadas em dois grandes eixos. O pri-meiro refere-se à existência de uma expres-siva demanda pelo ensino superior local e osegundo, ao fato de as instituições insta-ladas no período entre 1962 e 1993 teremse concentrado na área do Plano Piloto6,a despeito de uma clientela existente nasdemais Regiões Administrativas.

De acordo com os atores selecionados,31 das instituições pesquisadas (79,0%)foram criadas em determinadas áreas e/ouregiões do DF porque havia, nesses locais,uma clientela que precisava ingressarno ensino superior e que, por razões di-versas, não tinha acesso a esse nível deensino. Nesta perspectiva, foi recorrentena fala dos entrevistados a justificativade que era preciso "atender às demandas dacomunidade", embora as explicações paraessa motivação sejam diversas.

Desse conjunto de instituições, nove delasforam criadas no referido período, con-centrando-se quase todas em áreas cen-trais de Brasília, visando formar profis-sionais para compor os quadros dos pode-res Executivo, Legislativo e Judiciário queatuavam na Capital Federal. Com exceçãoda universidade pública local, que veioconstruindo um ethos e uma prática maisacadêmica, as demais orientaram suasatividades, no mesmo período, predomi-nantemente visando formar profissionaispara o mercado de trabalho (MARTINS,1997).

As IES privadas que compõem esse grupovêm ocupando posições diferenciadasno segmento do qual fazem parte, em fun-ção de vários fatores, como, por exemplo, omomento em que foram criadas e o númerode cursos a que se propuseram inicial-mente ofertar ou ampliar, nas décadas se-guintes. Assim, as instituições instaladasno contexto da expansão verificada noensino superior privado brasileiro, nosanos 60/70, iniciaram suas atividades jáofertando vários cursos, fato que pareceter contribuído para que todas viessemassegurando posições dominantes nosubcampo investigado.

Com efeito, no Brasil, a década de 80 foimarcada por um realinhamento do ensinosuperior privado, por razões estruturais eoutras relacionadas mais diretamente aoprocesso de gestão das instituições quecompõem esse segmento. Em função disso,as IES locais, criadas na mencionada déca-da, normalmente, começaram suas ativida-des com uma quantidade reduzida de cur-sos, quando a rede privada já passava porum período de retração no país e no DF. Àexceção de uma delas, as demais vêmocupando posições subordinadas, oferecen-do apenas de um a quatro cursos até aépoca de coleta dos dados.

As outras 22 instituições, que também seinstalaram visando atender à demandaexistente para o ensino superior, surgiramna recente fase de expansão do segmentoprivado. Vários dos seus fundadores eramproprietários de escolas de educação básica7

6 O Plano Piloto corresponde ao traçado geral da Região Administrativa de Brasília, sendo formado pelas Asas Sul e Norte, áreas centraisda cidade.7 De acordo com o artigo 21, inciso I, da Lei 9.394/96, a educação básica é formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensinomédio. As instituições investigadas, que surgiram como prolongamento de escolas de educação básica, concentraram suas atividades,predominantemente, nos dois últimos níveis de ensino mencionados e estão localizadas em diversas regiões do DF.

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que atenderam, durante duas ou três déca-das, uma clientela que vem diminuindo,consideravelmente desde o início dos anos90, principalmente na Região Administra-tiva de Brasília em função de mudançasno perfil da população.

Em decorrência de tal quadro, quinze des-sas instituições, correspondendo a 38,0%do total, surgiram como prolongamento desuas escolas de educação básica. Essa re-alidade, ao mesmo tempo em que acompa-nhou uma tendência nacional, mostrou-sediferenciada em relação à origem daquelasinstituições criadas no período entre 1968e 1993, quando a quase totalidade delasjá surgiu como IES (MARTINS, 1997). Comexceção de quatro instituições que com-põem esse grupo, as demais ainda com-partilhavam instalações (às vezes ampli-adas), à época da coleta de dados, com asescolas que lhes deram origem. Segundoseus fundadores e/ou dirigentes, essa op-ção devia-se, freqüentemente, ao fato detais instalações, normalmente, ficaremociosas em alguns turnos e "já conhece-rem bem”8 os alunos egressos de suas esco-las de educação básica. Assim, várias des-sas IES tenderam a buscar, entre os alunosatendidos pelas escolas em destaque, can-didatos às vagas aos cursos superioresque passaram a ofertar.

O Colégio [Instituição E] é um dosque decidiram investir no ensino su-perior. Começou em uma pequenaescola instalada em uma das casas doLago Norte, em 1978. A partir de1986, passou a oferecer o ensino fun-

damental e médio. A faculdade entrouem funcionamento no ano 2000. OColégio [Instituição E] conta atual-mente com cerca de 1,1 mil alunos(MESQUITA, 2002, p.9).

Ainda que, de maneira geral, tenham refor-çado o discurso de que suas instituiçõestambém foram criadas, visando atenderàs demandas por ensino superior, os fun-dadores de outros onze estabelecimentos(todos já tendo começado a funcionarcomo IES), apresentaram justificativascomplementares para essa motivação. AInstituição D, por exemplo, instalou-se,em 1996, na cidade de Sobradinho, apósverificar que ainda não havia nenhumaconcorrente na região, apesar da demandaali existente, em função de proximidadecom a região norte do entorno. Desse con-junto, a referida instituição foi a primeiraa ser criada no recente período de expan-são do ensino superior privado do DF, jána condição de IES.

Essa tática revelou que, desde o início dasegunda metade da década passada, asinstituições pesquisadas vêm sendo cri-adas em determinadas áreas e/ou regiõesprocurando atender às demandas educa-cionais e profissionais de uma clientelaem potencial. Numa perspectiva diferente,uma outra foi instalada na cidade de Sa-mambaia, em 2001, mediante o reconheci-mento da igreja protestante que a mantémde que, à semelhança das congregaçõescatólicas locais, era preciso criar tambémuma escola de ensino superior, no DF,ligada àquela ordem religiosa.

8 Dentre outros, ilustram bem esta tendência os casos das Instituições M, S e AI. No caso da primeira, a escola que lhe deu origem começoua atuar com educação infantil na década de 70, oferecendo, gradativamente, outros níveis de ensino até se transformar em IES; a segundainstalou-se em Ceilândia porque nessa cidade já havia uma marca bem colocada no mercado pela escola da qual surgiu como prolongamento.Por sua vez, a terceira foi criada em Taguatinga pelo fato de seus quatro mantenedores já possuírem cinco escolas de educação básica naregião e terem a intenção de absorver parte dos alunos oriundos de suas escolas.

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Se as duas instituições citadas encon-tram-se em Regiões Administrativasopostas e ao redor de Brasília, as outrasnove concentraram-se na área do PlanoPiloto. Essa localização geográfica di-ferenciada foi definida pela clientela quedesejavam atender, pelas identidades quepretendiam construir no segmento estu-dado, conforme os relatos colhidos.

Nesse sentido, ao se instalar em áreacentral da Capital Federal, a InstituiçãoK revelou a intenção de se voltar paraatender a uma clientela com renda maiselevada, o que tem contribuído, em certamedida, para a garantia de uma posiçãodominante diante das demais. O reconhe-cimento dessa posição por várias concor-rentes ocorreu ao mesmo tempo em quealgumas dirigiram-lhe críticas, alegandohaver uma proximidade dos seus funda-dores com o campo político. A ligaçãodessa instituição com o campo políticofoi registrada, também, por alguns jornaise revistas de circulação nacional e local,como ilustrado a seguir:

O ministro da Educação, Paulo RenatoSouza, pôs fim, na semana passada, auma situação que vinha deixando oministério em situação constrange-dora. Demitiu seu chefe de gabinete[...] sua mulher recebeu, em 1998,autorização do MEC para abrir a[Instituição K].Em pouco mais de doisanos, a instituição transformou-se emuma das gigantes do ensino superiorda cidade, com treze cursos e 4.000alunos (DIEGUEZ, 2001, p.34).

No caso da Instituição R, seu fundadorargumentou que os executivos e/ou oscandidatos a posições no mercado detrabalho voltados para a área de negóciosconcentravam-se nessa mesma região enão em outras, tidas como periféricas.

Cabe ressaltar que essa última IES jáfoi criada pensando em avançar, em pou-co tempo, para a pós-graduação lato sensuno setor de negócios, o que se concretizouum ano após sua instalação.

Outras três instituições foram criadas nasaída sul de Brasília, por ser um localestratégico, que possibilita o acesso avárias outras cidades do DF, cujos gru-pos populacionais demandam por ensinosuperior. De acordo com o fundador deduas instituições situadas nessa área,as IES sob sua direção poderiam, ainda,capitalizar a marca consolidada da es-cola de ensino médio e do curso pré-ves-tibular que pertencem ao mesmo grupomantenedor e que ali atuaram por maisde vinte anos, projetando-se no DF.

Criada por vários docentes que já sedeslocaram consideravelmente no seg-mento do ensino superior privado local,a Instituição AC também se instalou naregião de Brasília, diante da possibili-dade de ocupar parte do prédio de umatradicional escola de educação básicaque se encontrava ociosa há algum tem-po. Enquanto isso, a Instituição AM co-meçou a funcionar próxima a uma outra,a qual está vinculada e se localiza nessamesma região.

Por sua vez, a Instituição AL (pública)aproveitou as instalações de propriedadeda Secretaria de Saúde do DF, órgão aoqual era subordinada. Por ocasião do seuprimeiro processo seletivo, realizado emjulho de 2001, essa instituição contou comum total de 5.404 candidatos e sofreu umaação do Ministério Público Federal e do

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Ministério Público do Distrito Federal eTerritórios, solicitando a suspensão desseexame e a proibição das matrículas e doinício das aulas. Esses órgãos alegavamque o GDF não vinha cumprindo os requi-sitos constitucionais definidos para aeducação básica e que, por isso, não pode-ria investir na educação de nível superior.A referida ação foi cassada, a partir doentendimento de que

[...] no Distrito Federal, sempre rei-nou o império do ensino superiorprivado, via de regra, de má quali-dade e de alto custo para a populaçãolocal [...] decretar a suspensão dovestibular mili ta justamente emdesfavor do interesse público(REZENDE, 2001, p.17).

Além disso, sua mantenedora visava in-corporar uma escola de ensino médio,destinada a formar profissionais na áreade saúde, que funcionava no mesmo localdesde os anos 70.

Os dados analisados revelam que, emgeral, as motivações para a criação dasIES pesquisadas em determinadas árease/ou regiões do DF convergiram para anecessidade de atender às demandasapresentadas para o ensino superior.Essa demanda foi justificada normalmen-te pelo crescimento populacional local,ocorrido na década passada. A Tabela1, a seguir, indica os números a respeito,considerando o intervalo entre 1996 e2000.

Como se pode perceber, a partir dos dadosapresentados, a Região Administrativa doParanoá apresentou o maior percentualde crescimento populacional no períodoconsiderado, embora nessa região não te-nha sido criada nenhuma IES na recentefase de expansão do segmento privado lo-cal, o que se explica, em parte, pela rendados seus habitantes9. Numa direção oposta,

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9 Apesar de existir desde a fundação de Brasília, apenas em 1989 esta cidade foi transformada na Região Administrativa VII. Em 1997,registrava uma da rendas mensais mais baixas do DF (R$ 119,48), enquanto Brasília possuía R$ 968,89 e Taguatinga R$ 428,68. Em contrapartida,apresentava um tamanho médio de família de 4,31, índice superior ao das outras duas cidades mencionadas, respectivamente, 3,75 e 4,20.

Tabela 1- Evolução populacional do DF, por Região Administrativa (1996-2000)

Fonte: COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO PLANALTO CENTRAL, 2002, p.5.

R eg ião Adm inistra tiva 1996 2000 % de crescim entoRA I – B ras ília 199.019 222.456 11 ,77RA II – G am a 121.630 135.339 11 ,27RA III – Taguatinga 228.240 246.211 7,87RA IV – B razlând ia 47 .516 52.634 10 ,77RA V – Sobrad inho 101.092 112.226 11 ,01RA V I - P lana ltina 115.832 128.555 10 ,98RA V II – P aranoá 44.182 51.771 17 ,17RA V III – N úcleo B andeiran te 31 .205 34.948 11 ,99RA IX – C eilând ia 342.832 379.386 10 ,66RA X – G uará 102.913 114.604 11 ,36RA X I – C ruzeiro 55 .726 62.801 12 ,69RA X II – S am am baia 157.399 172.830 9,80RA X III – Santa M aria 87 .745 96.034 9,44RA X IV – São S ebastião - 48 .918 -RA XV – R ecanto das E m as 51.995 56.803 9,24RA XV I – Lago S u l 28 .406 32.634 14 ,88RA XV II – R iacho Fundo 21.368 23.571 10 ,30RA XV III – Lago N orte 25 .701 29.135 13 ,36RA X IX – C andango lând ia - 15 .305 -Distr ito Federal - 2 .020.965 -

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e apesar de Taguatinga revelar o menorpercentual no mesmo período, foi nessacidade que ocorreu a criação de nove dasinstituições pesquisadas, no período entre1995 e 2001. Situações dessa naturezaatestam que, ao se instalarem em determi-nadas áreas, essas escolas levaram emconta outros fatores que não somente onúmero de habitantes, como, por exemplo,o nível de renda da população e os setoresda economia predominantes nessas mes-mas áreas.

Um grande número de IES privadas, jáatuantes na região de Brasília, foi a se-gunda motivação apontada pelos outrossete estabelecimentos pesquisados (18,0%),para sua criação em diversas áreas do DF,fator que se mostrou associado, também, àexistência de uma demanda a ser atendida.Desse conjunto, merece destaque o casoda Instituição H, que se instalou emCeilândia por acreditar que, nessa cidade,poderia melhor contribuir para uma parce-la expressiva da população carente local,oferecendo-lhe ensino superior10.

Um exame mais detalhado dessa justifi-cativa revelou que as opções desse grupode escolas também possuem nuances quemerecem ser destacados. A Instituição G,por exemplo, apesar de sua mantenedorae da escola da qual é prolongamento si-tuarem-se em Brasília, foi criada emTaguatinga, devido à estrutura do prédioali construído para abrigá-la.

É porque lá eu tinha espaço físico emcondições de me apresentar. Minha

maior unidade é em Taguatinga. Lá éque eu tenho prédio grande e vistoso[...] Vamos acabar criando um Insti-tuto. Essa é uma tendência e vamosentrar com o Direito, porque acha-mos que o Direito dá prestígio (Relatodo fundador da Instituição G, colhidoem outubro de 2001).

Observou-se que não somente o fato de apopulação de Taguatinga possuir umarenda mais elevada do que várias outrascidades do DF definiu essa opção. Na rea-lidade, o fundador da referida instituiçãoreconheceu, também, a importância de suaIES funcionar em um prédio com maioreschances de impressionar a clientela quebusca um curso superior e disputar essamesma clientela com as concorrentes.

Por sua vez, a Instituição J foi criada naregião do Recanto das Emas porque seufundador acreditava que era preciso in-vestir no desenvolvimento daquelas cida-des que ainda se encontravam em estadoembrionário na última década11. No casoda Instituição O, a cidade do Guará foiescolhida, devido ainda não haver nenhu-ma IES funcionando no local e por existiruma clientela de classe média que poderiaarcar com os investimentos decorrentesde matrícula em uma instituição particular.

Inicialmente prevista para funcionar noLago Sul - área nobre, porém de difícilacesso aos grupos moradores de outrasregiões do DF interessados no ensinosuperior - a Instituição T transferiu-separa Taguatinga, porque os fundadoresconsideraram aquela região mais atrati-va, em termos de demanda por esse nível

10 Essa instituição é de natureza comunitária, sua mantenedora atua em vários estados brasileiros e tem como princípio estatutário instalar seusestabelecimentos de ensino de quaisquer níveis junto a comunidades de baixo poder aquisitivo.11 A cidade de Recanto das Emas foi criada em 1993, tendo sua origem associada ao remanejamento de grupos populacionais que viviam emvárias áreas invadidas no DF ou que não possuíam moradia própria.

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de ensino, do que a primeira. Além disso,levou-se em conta o fato de a referidacidade fazer parte de uma região que,juntamente com Ceilândia e Samambaia,apresenta um nível populacional expressi-vo. De acordo com dados oficiais, o total dehabitantes dessas três cidades chegava a798.427 no ano de 2001, correspondendo a39,5% da população do DF. Ainda segun-do a mesma fonte, a área formada poressas três cidades constitui um eixo dedesenvolvimento local (COMPANHIA ...,2002. p. 3).

Em função, dentre outros motivos, do li-mitado capital econômico dos man-tenedores, algumas instituições foraminstaladas em cidades nas quais aindanão havia muita concorrência. Esse é ocaso das Instituições AG e AJ, criadasem Sobradinho que, embora situadas ge-ograficamente próximas uma da outra,oferecem cursos diferentes, e de umterceiro estabelecimento, localizado namesma cidade. Situação semelhante justi-ficou a criação da Instituição W, na cidadedo Gama, à medida que passaria a ser aúnica IES nessa cidade a ofertar licenci-aturas.

Em geral, a instalação das instituiçõespesquisadas em diferentes áreas e/ou regi-ões conduz à suposição de que a recentereconfiguração do ensino superior priva-do local tem estimulado os grupos queresidem em várias cidades ao redor deBrasília a estudar em IES mais próximasdos locais onde moram e/ou trabalham.Essa tendência vem se consolidando, adespeito dessa cidade ainda se constituir

no principal centro empregador do DF, oque, nas décadas anteriores, levou osalunos a freqüentarem os estabelecimen-tos que nela se localizavam.

Constatou-se, assim, que as estratégiasadotadas para a criação das IES em foco,seguiram, em parte, uma tendência naci-onal verificada na década passada, a qualse traduziu pela "instalação de estabeleci-mentos particulares em localidades aindapouco exploradas pela iniciativa privadade ensino superior." (SAMPAIO, 2000,p.93). Em um curto espaço de tempo, al-terou-se consideravelmente um cenáriocaracterizado pela existência de poucasinstituições privadas locais, destinadas àeducação superior. Reguladas pelo princí-pio da concorrência, tais instituiçõesmostraram-se diversificadas em termos deopções e alternativas para a clientela-objeto que as procuram.

Vale ressaltar que as diretrizes da políticaeducacional definidas pelo governo FHCem seus dois mandatos foram percebi-das pelas instituições pesquisadas deforma positiva, por terem permitido àesfera privada ampliar o atendimento àdemanda apresentada para esse nível deensino.A mesma política foi defendidapela totalidade dos atores vinculados àrede privada como benéfica ao país, devi-do ao grande contingente de pessoas queainda não conseguem acessar ao ensinosuperior, especialmente no âmbito daesfera pública. A mesma política seria, des-ta forma, o elemento fundante do pro-cesso expansionista verificado no ensi-no superior privado, em nível de Brasil e

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de Distrito Federal, a partir da segundametade da última década.

Por outro lado, notadamente as institui-ções que ocupam posições dominantessustentaram que, se o MEC favoreceu umapolítica de expansão, visando aumentar onúmero de vagas no ensino superior pri-vado, o referido órgão deve implementaros mecanismos já existentes para acompa-nhar esse mesmo crescimento. Paralela-mente, reconheceram que, ao estimular essesegmento para atender a demanda exis-tente, o governo poderá enfrentar, em umfuturo próximo, maiores dificuldadespara garantir o controle da qualidade darecente expansão de IES privadas no país,e, sobretudo, no DF.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do estudo foi o de desvelar asmotivações que explicam a recente expan-são do ensino superior privado do DistritoFederal, privilegiando o período entre1995 e 2001. Nessa reflexão, tornou-seimportante realizar a discussão de formaarticulada ao período de instalação econsolidação desse setor educacional(1968-1993).

Considerou-se, no presente estudo, asfalas dos fundadores e/ou dirigentes dasescolas pesquisadas, como formas sim-bólicas dotadas de significado e inten-cionalidade. Os relatos desses atorescaracterizaram-se, portanto, como expres-sões de um agente em relação a outrosagentes (ou instituições) dentro do segmen-to investigado.

Esse princípio remeteu à idéia de que tantoos atores selecionados quanto suas res-pectivas instituições estão inseridosdentro de um contexto sóciohistóricoespecífico e dotados de recursos e capitaisde tipos variados. O universo dessasinstituições revelou que estas são bastan-te heterogêneas, corroborando a tendên-cia verificada na morfologia institucionaldo ensino superior brasileiro como um todo.

Nessa perspectiva, algumas questõesmerecem destaque na conclusão destetrabalho. Cabe destacar, por exemplo, quea recente expansão do ensino superiorprivado local ocorreu possibilitando ainstalação das IES em várias cidades doDF, ao contrário do que se verificou nafase de instalação, ocorrida no períodoentre 1968 e 1993, quando houve uma con-centração dessas instituições na regiãode Brasília. Em função da distribuiçãoespacial que essa rede de escolas vemassumindo em sua expansão, a demandapara o ensino superior tornou-se objetode acirradas disputas por parte dos atorese instituições nela inseridos.

À medida que as demandas locais para oensino superior modificaram-se na décadapassada, as referidas instituições procu-raram acompanhá-las, por meio de estra-tégias diversas - criando novos cursos degraduação, atendendo às exigências domercado, atualizando os currículos doscursos que ofertavam etc.

Independentemente das posições quesuas respectivas instituições ocupam nosegmento estudado, todos os fundadores

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e/ou dirigentes mostraram-se favoráveisà expansão do setor, embora também te-nham defendido a necessidade de mecanis-mos governamentais mais efetivos paracontrolá-la. Nessa perspectiva, sustenta-ram que o Estado deve assumir o seu papelde avaliador do ensino superior no paíse que a política de avaliação adotada peloMEC para o ensino superior implicoumudanças no relacionamento entre o go-verno e as IES. Tais mudanças sinaliza-ram alterações nos mecanismos burocrá-ticos e tradicionais, pelos quais se davaa dinâmica entre as agências estatais e ossegmentos público e privado.

Com efeito, o subcampo estudado inte-gra um campo mais amplo - o do ensinosuperior brasileiro - motivo pelo qual deveser percebido de forma relacional. Sob esseângulo, os dados coletados confirmaramhaver, nesse subcampo, como em qualqueroutro campo, um objeto de disputa e atoresdispostos a participarem do jogo, visandoalcançar determinados alvos. Assim, asreflexões construídas a partir do referen-cial teórico utilizado neste estudo eviden-ciaram que as instituições pesquisadascompõem um segmento que, para ter oseu desenvolvimento garantido, depende,ao mesmo tempo, de cooperação mútuae concorrência dessas mesmas institui-ções e dos agentes nelas inseridos.

Essas mesmas IES tenderam a alegar queas concorrentes, ocupantes de posiçõessubordinadas, não mostram um foco defi-nido de atuação no que se refere às suasproposta de atuação. Em outro sentido,aquelas que possuem uma identidade mais

definida sustentaram que a condição sinequa non para garantir sua sobrevivênciano segmento investigado é especializar-se em um setor do mercado e construir suamarca distintiva em torno dele, com quali-dade. Nessa perspectiva, algumas institui-ções que possuem mais prestígio diantedas demais foram criadas em áreas quepodem, em princípio, distingui-las dasconcorrentes.

Na percepção de um considerável númerodas instituições em foco, a expansão dosegmento do ensino superior privado doDF, no período entre 1995 e 2001, ocorreuem função do lucro que este podia ouainda pode oferecer. Porém, essas mes-mas instituições assumiram que as concor-rentes que centrarem a atenção apenas noaspecto da rentabilidade, esquecendo-se deuma gestão mais acadêmica, enfrentarãomaiores dificuldades de sobreviver, de-vido à competição intensificada.

O estudo revelou, também, que as IESprivadas localizadas no DF estão seguindouma tendência nacional, concebendo suaspropostas, em grande parte, segundo a ló-gica da concorrência do mercado.Sobesse ângulo, foram criadas disputandoalunos-clientes que possuam perfis dife-renciados e uma demanda igualmentediversificada. Essa clientela mostra-sedistinta em função de diversos fatores,como, carreiras que busca, cursos ofer-tados, localização geográfica e identidadesperseguidas pelas instituições no seg-mento pesquisado.

Finalizando, deve-se reafirmar que no atualcontexto do Distrito Federal, o segmento

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REFERÊNCIAS

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The recent expansion of private superioreducation in the federal district: an analysisof its main motivations in period 1995-2001

Abstract: The present study deals with theconstitution process of the private collegeeducation in the Distrito Federal, emphasizing itsrecent expansion from the year 1995 to 2001.Basically, the objective of the present researchwas to examine the logic of this expansionsearching to understand the relation of suchphenomenon with the dynamics of the verifiedsuperior college in national level, in the lastdecade. The study proved that the private collegeeducation institucions of the Distrito Federaldevelop, simultaneously, relations of associationand competion. Four basic contribute toidentifying the competitors - these factors canhappen associated or not and they are: theirranking position in that segment, proximity toother institutions, the kind of courses offeredand their clientele profile.

Keywords: Private college; Distrito Federal;Educational Politics.

La reciente expansión de la enseñanza su-perior privada en el Distrito Federal: unanálisis de sus principales motivacionesen el periodo 1995-2001

Resumen: El presente estudio trata del procesode constitución de la enseñanza superior privadadel Distrito Federal, enfatizando su recienteexpansión ocurrida en el período de 1995 y 2001.

Básicamente, el objetivo de la investigación fueel de examinar la lógica de esa expansión, bus-cando entender la relación de tal fenómeno comla dinámica de la educación superior verificadaen el nivel nacional, en la última década. Severificó que el segmento investigado se configuracomo un espacio en el cual los agentes einstituciones en el insertos poseen intereses dis-tintos y establecen, simultáneamente, relacionesde complicidad y concurrencia. Cuatro factoresbásicos contribuyeron para que las institucionesinvestigadas tengan indentificado concurrenciasmás directas-las posiciones que ocupan en el seg-mento del cual forman parte, su proximidadgeografica, la naturaleza de los cursos que ofrecen,aunque varíen sus habilitaciones, y el perfil de laclientela que se disputan.

Palabras-clave: Enseñanza superior privada;Distrito Federal; Política educacional.

do ensino superior privado mostrou-sebastante diversificado. Efetivamente, asinstituições que o compõe são distintasem termos de propostas, vocações, marcas,produtos e serviços que possibilitam oatendimento à demanda - ainda que par-cial - a um nível de ensino que o Estadonão consegue prover. Em função dessaheterogeneidade, a esfera privada pode serpercebida como um bloco apenas quando sepretende contrastá-la com a esfera pública.

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A recente expansão do ensino superior privado no Distrito Federal: uma análisede suas principais motivações no período 1995-2001

Artigo recebido em: 25/02/2004.Aprovado para publicação em: 29/03/2004.

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Sobre o autor:

1José Vieira de SousaDoutor em Sociologia, Universidade de Brasília(UnB). Mestre em Educação, UnB. Professor daAssociação de Ensino Unificado do Distrito Federal(AEUDF). Centro Universitário de Brasília/(UNICEUB).E-mail:[email protected]

Endereço Postal: Associação de Ensino Unificadodo Distrito Federal - Colegiado do Curso de Pedago-gia (AEUDF). SETS 703/904, Asa Sul - Brasília, DF.Brasil. CEP.: 70390-045.

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INTRODUÇÃO

A política educacional como processo deintervenção social é própria dos anos pos-teriores ao movimento revolucionário de1930, uma vez que a Primeira República secaracterizou pela ausência de uma políticanacional voltada para a educação. A edu-cação pública no Brasil, historicamentesempre esteve atrelada aos interesses daeconomia. O contexto histórico-social deemergência dos ideais de construção de umaeducação pública no Brasil se delineia coma desestruturação do Estado Oligárquico.

A economia, até então fundamentada nomodelo agrário-exportador, passa pelas

transformações da fase da substituição dasimportações. A configuração centraliza-dora assumida pelo Estado, cujo controle ea tutela sobre a organização política da so-ciedade civil se combinaram com uma atua-ção intervencionista em relação ao funcio-namento da economia, conferiram ao Estadoo papel de agente fundamental da transfor-mação social. E é neste momento que os di-reitos sociais assumem um papel ambíguo:instrumentos de controle do Estado sobreos trabalhadores e fonte de reconhecimentoe incorporação de demandas historicamen-te colocadas pelas lutas de setores da soci-edade.

O movimento, que levou Getúlio Vargas aopoder, tem sido interpretado como momentode significativo abalo das estruturas doEstado Oligárquico. Por outro lado, repre-senta a adoção de medidas que inaugura-ram uma nova fase das relações do Estadocom a sociedade. As forças que conduzi-ram Vargas ao poder em 1930 não eramhomogêneas. Em termos políticos, o que seinstaurou de fato, na época, foi um Estadode conciliação.

Com este formato de Estado de concilia-

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Resumo: A partir da caracterização de diferentesmovimentos sociais que surgem nas sociedadescapitalistas, este artigo propõe-se a estudar aslutas em defesa da educação pública através dosmovimentos sociais dos professores, frente aosinteresses da globalização da economia. Faz umabreve contextualização dos aspectos sócio-político-econômico-culturais que norteiam os movimentossociais, e mais especificamente, o movimento so-cial dos trabalhadores da educação no Estado daBahia.

Palavras-chave: Movimento Social; Educação,Professores; Educação Pública.

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ção, o governo Vargas para acomodar astensões e conciliar as posições contrárias,diante da crise econômica e política in-terna e mundial, proporcionou conces-sões aos diferentes grupos, em troca deapoio a sua permanência no poder.

A Primeira Guerra Mundial propiciou osurgimento de um parque industrial degrande importância para a economia brasi-leira.

O Brasil, notadamente país de economiaagro-exportadora e, muitas vezes, demonoculturas - cana de açúcar, café,cacau -, teve, por força da Primeira GrandeGuerra de dar início ao seu processo deindustrialização, via política de substi-tuição de importações.

Mais tarde, com a crise da bolsa de NovaIorque em 1929 e suas conseqüências ne-fastas para a economia mundial, o Brasilnovamente sentiu o impacto em sua econo-mia agro-exportadora e indústria incipiente.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial,abre-se um período de expansão e prospe-ridade econômica em quase todo o mundocapitalista. As economias dos países consi-derados centrais, ou industrializados en-tram num longo ciclo de crescimento, sus-tentadas por produtividade crescente, ouseja, fase em que buscava o aumento da pro-dutividade, fundamentada na divisão por-menorizada do trabalho. O capital e os mei-os de produção foram, cada vez mais, seconcentrando nas mãos de poucos capita-listas que precisavam de um grande con-tingente de trabalhadores nas suas in-

dústrias. Passa a fazer parte da conjuntura:o protecionismo alfandegário, a defesa daindústria nascente, a regulamentação dosprincipais fatores de produção, a amplia-ção do mercado interno, a formalização eregulamentação das atividades sindicais.

As mudanças provocadas pelas forçaspolíticas e econômicas criaram condiçõesefetivas de mudanças no quadro geral dasociedade que desde a década de 1920vinham sendo estudadas, analisadas ediscutidas. A estrutura de ensino em to-dos os seus níveis era um dos itens maisdiscutidos.

Neste contexto, Silva (1980) argumenta queo sistema educacional (cópia, sobretudo,do modelo francês) se constituíra paraatender às exigências de uma classe agráriaque detinha o poder, e necessitava repro-duzir os seus quadros.

O ensino primário público e o ensinotécnico-profissional (destinados ao povo)foram pouco difundidos na época. A Con-ferência Interestadual de Ensino Primário,realizada em 1921, revelara a situação hu-milhante da educação popular no Brasil.O Distrito Federal tinha, nessa época, 41%(quarenta e um por cento) de sua popula-ção infantil sem escolas; Santa Catarina,43% (quarenta e três por cento); Rio Gran-de do Sul, 44% (quarenta e quatro porcento); e São Paulo 56% (cinqüenta e seispor cento). O quadro era mais grave emoutras regiões do País: Alagoas, Bahia,Piauí e Goiás tinham respectivamente: 95%(noventa e cinco por cento), 94% (noventae quatro por cento), 96% (noventa e seis

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por cento) e 95% (noventa e cinco porcento) da sua população infantil sem escola.

Em face disso, pode-se afirmar quedurante a 'República dos Coronéis'a educação no seu sentido amplo,expressa o modo como o Brasil sevincula ao mercado internacional detrabalho, isto é, como produtor/for-necedor de matérias- primas e consu-midor de produtos industrializados(NEPOMUCENO, 1994, p.118).

A educação passa a ser considerada comouma pré-condição para a reconstruçãosocial. A "instrução para todos" passa aser a palavra de ordem para o desenvol-vimento. A erradicação do analfabetismoé defendida, e a instrução do povo é co-locada como a base da organização soci-al. Porém, isto só seria possível mediantea adoção de uma escola pública, universale gratuita com objetivos de produzir umnovo homem, uma nova sociedade pelaação redentora da educação.

Nos anos 40 e 50, O Movimento em Defesada Escola Pública demarcou um novotempo para a educação brasileira. A de-manda pela qualificação de mão-de-obraconstruiu as bases e as diretrizes para auniversalização da escola pública. Nestemomento, o país havia crescido economi-camente, mas contava com um sistemaeducacional arcaico.

Entretanto, os ideais de uma educaçãopensada com o fim de redimir a sociedadee construir um mundo novo e igual paratodos, já não eram novos quando surgi-ram no Brasil. Os ideais deste movimentotiveram início com o contexto das Revo-

luções Industrial e Francesa, na origemdo pensamento liberal, decorrente dastransformações que estruturaram a soci-edade burguesa no século XVIII.

Vale registrar que, para a economia clás-sica do século XVIII, o que interessavaera que as massas se tornassem ordeirasno seu convívio social, no "seu devidolugar". O que interessava era a educaçãovoltada para o trabalho e produção damercadoria, descaracterizando a concep-ção original clássica de cidadania.

Essa ênfase no poder da educação deixa-va de lado uma análise aprofundada dasbases estruturadoras e organizadoras dasociedade brasileira, de modo que:

a ênfase posta na educação teve omérito de chamar a atenção para anecessidade de universalizar a instru-ção elementar, cumpriu também umafinalidade menos consciente, mas nãomenos verdadeira, que era a de masca-rar a realidade da exploração econô-mica, deslocando do plano da produçãopara o plano educacional a origem dasquestões mais relevantes da socie-dade brasileira (NEPOMUCENO, 1994,p.122).

Analisando O Manifesto dos Pioneirosda Educação Nova (1932), cabe registrara preocupação em relação aos novosvínculos que deveriam se estabelecer en-tre a nova educação e a realidade nacio-nal que se queria construir:

Na hierarquia dos problemas nacio-nais, nenhum sobreleva em impor-tância e gravidade ao da educação.Nem mesmo os de caráter econômi-co lhe podem disputar a primazia nosplanos de reconstrução nacional. Poisse a evolução orgânica do sistema cul-

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tural de um país depende de suas con-dições econômicas, é impossível de-senvolver as forças econômicas ou deprodução, sem o preparo intensivo dasforças culturais e o desenvolvimentodas aptidões à invenção e à iniciativaque são os fatores fundamentais doacréscimo de riqueza de uma sociedade(NEPOMUCENO, 1994, p.121).

Em decorrência dessas transformações,com vista ao atendimento de construçãode um novo perfil de trabalhador para omercado via escolarização, também sofre-ram modificações: o papel do educador, anatureza dos programas, métodos e téc-nicas de ensinar e aprender. Enfim, todosos aspectos da instituição escolar sofrerammodificações, a partir da nova concepçãodo entendimento de educação:

A educação é um processo que apre-senta dificuldade e o aluno vai se in-teirando dessas dificuldades. Cabe aoprofessor mobilizar todo o potencialdo educando e integrá-lo ao processoeducativo como um processo global(NEPOMUCENO, 1994, p.120)

Neste contexto, propício ao desencadea-mento de conflitos sociais decorrentesdo modelo econômico vigente,concentrador de rendas em mãos de umaminoria que exclui a maioria do processoprodutivo, destacam-se as atividades eatuação dos sindicatos que exprimem apreocupação dos operários (os trabalha-dores), que não dispõem de outra coisasenão sua força de trabalho, subordinan-do-se aos interesses e a força do capital,mantendo com este uma correlação deforça sempre desigual.

A luta dos professores para atingir gran-des objetivos políticos torna indispensá-vel um trabalho organizado da categoria,

através de organizações e sindicatos. A lutados professores é a luta pela educação dequalidade, pela valorização do Magistério.É o início de um longo caminho a ser tri-lhado: o caminho da organização viasindicatos:

A defesa dos interesses imediatos dostrabalhadores, papel básico do sindi-cato para credenciá-lo junto à sua base,exige hoje uma capacidade efetiva dapresença do sindicalismo no cotidia-no da vida do trabalhador a partir dolocal de trabalho. A identidade declasse só pode ser desenvolvida a par-tir da disputa que se dá dentro doslocais de trabalho. Para desempenharesse papel de forma adequada, o sin-dicato deve repensar sua prática, suaorganização e seu funcionamento(LORENZETI, 1994, p.56).

Após os anos 60 e 70, novos movimen-tos sociais não puderam ser conveniente-mente apreendidos pelo pensamento revo-lucionário. As transformações aceleradasdeste último século colocaram em chequea própria idéia da revolução. Vivemos ummundo plural de ações e de movimentosde um sem número de grupos de interes-ses coletivos da vida social: ecologia,etnia, gênero, sexualidade, espiritualidade,paz, cidadania, dentre tantos outros. Abusca de unidade dessa multiplicidade deinteresses requer um novo fazerpolítico.Requer um ajuste e entendimen-to de uma economia onde o dinheiro setornou efetivamente dinheiro mundial,girando 24 horas por dia, por todos oscantos do mundo.

O desafio de uma transformação rá-pida e dinâmica no ambiente políticoe social, requer, também, dos atoressociais e principalmente de seus líderes,a capacidade para perceber, analisar e

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interpretar as complexas interaçõesexistentes na sociedade, suas contradi-ções e conflitos e mais ainda, anteci-par e compreender a dinâmica das mu-danças sociais, motivando as pessoasa lutarem pelos seus direitos, deverese responsabil idade da cidadania(RATTINER, 1992, p.56)

Segundo Gohn (2001), as demandas dasociedade civil por educação nos anos 80deve-se à busca de respostas para proble-mas de ordem estrutural, gerados pelaforma da acumulação capitalista, associa-da às conjunturas políticas do País. Parafins de análise, sistematiza as demandasnas seguintes áreas, temas ou problemáticas:

a) Demandas educacionais na sociedade:

Educação ambiental; Educação sobre opatrimônio histórico cultural; Educação paraa cidadania; Educação sanitária e de saúdepública; Educação popular; Educação demenores e adolescentes; Educação de mi-norias étnicas: índio; Educação contra dis-criminações: sexo, idade, cor, nacionalidade;Educação para deficientes; Educação parao trânsito e de convivência em locais públi-cos; Educação contra o uso de drogas; Edu-cação sexual; Educação contra o uso daviolência e pela segurança pública; Educa-ção para a geração de novas tecnologias.

No Brasil, especificamente, com o fim deum período de vinte anos de exercício depoder pelos governos militares, aredemocratização lenta e gradual do País,num exercício cotidiano de cidadania, no-vos direitos são exigidos e exercitados, aindaque não em sua plenitude. Por exemplo, háa eleição direta do primeiro presidente civil,

bem como o seu processo de impeachment,num processo sem precedentes, inclusiveem países cujo processo democrático jáestá mais sedimentado; há a preocupaçãocrescente com o uso/apropriação de novastecnologias, muitos governos financiam,com taxas de juros baixas, equipamentosde informática para seus professores, alémda inserção dessas máquinas em escolaspúblicas.

b) Demandas para a educação escolar:

Educação infantil: creches e pré-escolas;Ensino Fundamental e Médio; as deman-das da Universidade; as demandas pornovas leis educacionais do ensino; En-sino noturno.

Destaca-se a organização da categoria dosprofessores, principalmente, das escolaspúblicas. De um lado este fato é histórico edemarca uma nova postura desse profissi-onal que no passado teve uma outra repre-sentação junto à sociedade, como um serrespeitado, com prestígio e status, tendosempre uma aura de abnegação e dedica-ção. Por outro, a categoria perdeu o statusdevido aos baixos salários. Os estudantesde maior talento e/ou maior poder aquisiti-vo nunca fazem opção pelo magistério oupelas licenciaturas.

É desse período, por exemplo, a Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional,em vigor, Lei nº 9.394/96, que, embora te-nha alguns senões, traz em seu bojo avan-ços consideráveis, como a inclusão daeducação a distância - que nenhuma ou-tra LDB teve a ousadia de incluir -, a exi-

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gência de um percentual mínimo de profes-sores com titulação mínima de mestradopara atuar em universidades, além da tãodiscutida e recém-revogada obrigato-riedade de formação em nível superiorpara os docentes da Educação Infantil.

CONTEXTO DO MOVIMENTO

Com a identificação das principais causasdo atraso, da desvalorização e do caos daeducação na Bahia, a categoria dos pro-fessores volta-se para a organização inter-na de sua associação - Associação dosProfessores Licenciados da Bahia (APLB):

Esta entidade constitui-se numa for-ma de participação política, pois per-mite a conjugação de esforços para ga-rantir a continuidade das atividades eassegurar a proteção legal aos seusparticipantes, através dos estatutosaté aqui construídos (SANTOS, 1993,p.122).

A APLB-BA teve sua origem na decisãode 11 (onze) licenciados signatários da atade sessão de sua fundação, a 24 de abrilde 1952. Os objetivos definidos na ata deFundação inspiraram o primeiro Estatutoda Entidade, elaborado em 26 de abrilde 1957, registrado no Cartório de Títu-los, sob protocolo no 27296, registro no1417, Livro 19-A e publicado no DiárioOficial do Estado em 1959, quando desua reorganização.

Por sua vez, os objetivos da Associaçãoestavam fundamentalmente vinculadosaos objetivos da Faculdade de Filosofia,criada na década de 30. Sociedade civilcom sede em Salvador, capital do Estado

da Bahia, que se destina: a) criar o espíritode classe entre os licenciados por Facul-dades de Filosofia; b) pugnar pelos maiselevados ideais da cultura e progresso;c) lutar pelos direitos e regalias que sãofacultados aos licenciados por Faculdadesde Filosofia; d) ser órgão representativo,judicial e extra judicialmente de todos oslicenciados por Faculdade de Filosofia aela filiados.

A Faculdade de Filosofia confere diplomaaos primeiros licenciados do Estado. Como novo segmento de quadro docente, olicenciado, cria-se divergência destescom os professores catedráticos. Os ca-tedráticos (profissionais de outras áreastrabalhando em educação) defendiam que,desde que submetidos a concurso públi-co, estavam aptos para exercer o magisté-rio. A partir dos desentendimentos (ques-tões salariais, carga horária, dentre ou-tros) entre catedráticos e licenciados de-sencadeia-se a reorganização da Associa-ção em 1959 que passa a denominar-seAssociação dos Professores Licenciadosdo Brasil-Secção da Bahia.

Paralelamente, na Bahia, as transforma-ções do capitalismo de modelo agrário-exportador para a substituição das im-portações se associam às primeiras ativi-dades urbano-industriais, com fortecontribuição para o desenvolvimentonacional. O início da industrialização,na Bahia, ocorre na década de 50, com ainstalação das atividades de exploraçãoe prospecção do petróleo, na área doRecôncavo Baiano.

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Nas décadas de 1960 a 1980, o processode industrialização se amplia com as ins-talações do Complexo Industrial deCamaçari com suporte da petroquímica,fundamentada no modelo de alianças decapital privado-internacional e do Estadocom características de capital monopolista.Com as características do capitalismo,difundido em todo o mundo como modode produção, os trabalhadores recebemsalários não condizentes com a riquezaproduzida pelos assalariados.

É importante evidenciar que o crescimen-to e a expansão da profissão de professorna Bahia, associa-se ao período deimplementação da industrialização e aurbanização do Estado, que passa a de-mandar maior qualificação do trabalhador.

Durante o governo de João Goulart, asatividades sindicais ampliaram-se eoficializaram-se, porém, com as mudançasna conjuntura política de 1964 desenca-deou-se um retrocesso nas reivindicaçõesem função da repressão social, conse-qüentemente, uma redução de novasfiliações aos sindicatos, principalmentedos professores, com maior controle einfluência do aparato governamental.

Em 1978, as reivindicações do movimen-to dos professores na Bahia se ampliamem relação aos primeiros movimentos(momento de fundação da entidadeAPLB-1952) com as lutas pelo aumentodos salários, cumprimento do Estatuto doMagistério, regularização da situaçãofuncional (garantias da Lei de Diretrizese Bases da Educação Nacional, LDB, Leinº 5.692/71). A categoria, até então, era

dividida em quatro segmentos: efetivos,contratados, auxiliares de ensino e ser-viços prestados.

Com base em dados da pesquisa deSantos (1993), em 1952, o número de as-sociados da APLB era 9.402 associados,enquanto que em 1978, reformulam-se oscritérios para o ingresso de novos asso-ciados (independente de ser licenciadoou não) para o seu quadro que chega a51.906; em 1989, atinge um total de80.392 associados. E hoje, 2003, segundoentrevista concedida pelo Diretor de Im-prensa da Associação, Weslen Moreira,esse número se aproxima dos 60 mil as-sociados. Outro dado digno de nota,revelado pelo referido Diretor, é o númerode associados em Salvador: 12.000.

É interessante acrescentar que, a APLBconta com representação e atuação em200 (duzentos) dos 417 (quatrocentos edezessete) municípios baianos sejaatravés de Núcleos, seja através de De-legacias. Criou recentemente página naInternet (www.aplbsindicato.org.br)pretende assim, chegar a um númeromaior de pessoas, associadas ou não, comdados sobre Educação, direitos e deve-res dos profissionais da Educação, es-clarecendo dúvidas e ainda realizandoenquetes.

Essa preocupação da APLB-Sindicatoem ouvir as bases, procurar informarfiliados ou não, é louvável, principal-mente quando se observa que em seuprocesso reivindicatório os professoresenfrentam repressão política e policial.

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Para Santos (1993), a proposta de levaras discussões da APLB até as escolas eramuito difícil. "(...) até para chegar numaescola a gente recebia cachorro, polícia". Afigura do representante da Associaçãopor escola não repercutia no meio doprofessorado. Presume-se que esta resis-tência derivava do medo, calcado duranteo tempo da repressão mais intensa doEstado, na mediação dos conflitos sociais.Por outro lado, a pressão da APLB nosentido de mobilização, tenha contribuídopara que no interior da escola professo-res buscassem, cada vez mais, vincular otrabalho pedagógico aos interesses daclasse, no cotidiano do seu trabalho.

O processo de redemocratização do País,na década de 80, encoraja os professoresda Bahia a colocarem na pauta das rei-vindicações dentre outras, o fim da re-pressão política e policial aos professo-res, sofridas no decorrer das campanhassalariais. Borges em sua pesquisa, combase em reportagens dos jornais A Tardee Tribuna da Bahia de 1982, registrou que:

Vale lembrar que a greve deflagradapelos professores em 1982 foi a maisviolenta em termos de repressõespolítico-ideológicas e policiais à açãogrevista dos professores. Líderes domovimento são demitidos e transfe-ridos das unidades escolares em quetrabalham para outras regiões bemmais afastadas da cidade. A solidarie-dade dos demais professores e dos es-tudantes das escolas em que lecionam,faz com que o movimento dos pro-fessores cresça nas ruas e aumentemas tensões nas suas relações com ogoverno do Estado. Forças policiaisarmadas reprimem as manifestações.Seguem-se medidas como corte de

ponto, suspensão de salários para to-dos os professores, além de outraspressões para suspensão da greve(BORGES, 1993, p.263).

Uma das reivindicações por melhorescondições de trabalho do movimento dosprofessores estaduais na década de 80,refere-se à qualificação do magistério, emfunção da urgência de melhorar a quali-dade do ensino, o que requer como pré-requisito, a preparação do educador paraos diferentes níveis de ensino. É im-portante observar o que Borges consta-tou em suas pesquisas:

As várias formas de contrataçãoilegal dos professores propiciam cadauma delas níveis de exigência e decredenciamento para o exercício domagistério, extremamente flexíveis.Em 1987, o levantamento cadastraldos professores feito pela Secreta-ria de Educação constata a existênciade mais de cinco mil professores.Dentre estes encontram-se motoris-tas, trombe-tistas, agentes de porta-ria, um sargento com curso de oficialpor correspondência para suboficial,uma exímia datilógrafa, um especi-alista em mecanografia, e outrastantas pessoas que nem sequer con-cluíram o 10 grau. Todos eles con-tratados pelos governos anteriores,como professores não licenciadospara ensinar nos cursos de 1o grau eaté 20 graus da rede estadual de ensi-no (BORGES, 1997, p.260).

Este quadro exposto com relação à formade ingresso, caracteriza o nível de formaçãoe o despreparo do professorado e suadesvalorização como profissional da educa-ção; não se restringe apenas à forma de ad-missão no magistério; demonstra, também,uma certa inoperância do governo no sen-tido de melhorar a capacitação profissional.

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Movimento dos docentes do ensino fundamental e médio do Estado da Bahia

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Enfim, uma falta de projeto político paraos investimentos em Educação no Estado,como um todo.

No início da década de 80, o professorcontinua lutando para ocupar um espaçode participação e de responsabilidade,apropriando-se ao nível da consciênciae do conhecimento. Os professoresbaianos, ao identificarem as causas dadesvalorização da educação, conseguemampliar o movimento com a participaçãode pais, estudantes e a comunidade, demodo que o movimento passa a ter maiorvisibilidade, aceitação e entendimentopela comunidade de um modo geral.

A negociação tem sempre, portanto,uma conotação política e leva à no-ção de reconstrução e de mudança dasituação conflitiva. Aparece comouma conduta da mudança aceita co-letiva e conscientemente. Estas mu-danças, sejam impostas ou desejadas,ensejam negociações, que podem serpercebidas, do ponto de vista positi-vo, como uma capacidade de todosde participar nas decisões coletivas(BORGES, 1997, p. 280).

As expectativas para a construção de umanova política educacional com a Consti-tuição da República Federativa do Brasil,de 1988, provavelmente tenham contri-buído para esvaziar as lutas em torno dasquestões educacionais. Entretanto, na prá-tica, estas esperanças não se concreti-zam, mas, no início dos anos 90, novasformas de ação coletiva começam a serbuscadas, através dos movimentos soci-ais. Isto, graças ao processo de entendi-mento da importância das organizaçõespara a resolução dos problemas e confli-

tos, na busca do exercício da cidadania.Em 1989, a APLB passa à condição deSindicato, com a denominação de Sindi-cato dos Trabalhadores em Educação.Caracteriza-se, assim, o movimento dosprofessores do Estado da Bahia, face àscondições político-sociais favorecidaspelo modelo político e econômico que seestabeleceu no referido Estado.

Esta criação se processa em clima de mui-tas divergências internas da entidade e demuitos conflitos com a Secretaria da Edu-cação do Estado da Bahia, quer pelas

diferentes correntes político-ideoló-gicas, quer pelo exemplo que a prá-tica cotidiana de vários movimentossociais tem demonstrado ao longo dosanos 80, em termos de processos deaprendizagem e de exercício da cida-dania. O fato real é que a Educaçãoadquiriu, na última década do séculoXX, a nível do discurso e da retórica,uma visibilidade nunca dantes recebida.Isto não tem significado, até o mo-mento, ações efetivas corresponden-tes, mas tem criado, a nível do sensocomum, uma grande base de legiti-midade (GOHN, 2001, p.07).

A partir de 1989, a luta dos professoresantes deflagrada através das greves de1978, 1979, 1980, 1982 e 1985 se amplia,adquirindo caráter de luta de massa,proporcionando uma nova fase de re-organização da APLB-BA, apesar dasrepressões e perseguições:

(...) nesse instante, dezenas de solda-dos chegaram sob o comando do te-nente Adolfo. Eles investiram sobreo professorado tomando e rasgandotodos os cartazes, e, numa tática deintimidação, o tenente Adolfo reve-lou que as 'bombas (de gás) estão lá

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Mara Schwingel - Maria Sacramento Aquino - Nelson Wanderley Ribeiro Meira

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no carro. Se insistirem a gente joga'(Jornal da Bahia, 14 maio 1982, ci-tado por SANTOS, 2001, p.116).

Por outro lado, em todo processo de análi-se dos diferentes momentos de reivindi-cações do movimento dos professores,não só na Bahia, mas em nível geral, é im-portante atentar para as argumentações ereflexões no que se refere a corporativis-mo e postura de defesa de interessesparticulares, dentro dos movimentos soci-ais, não só dos professores, mas de outrascategorias.

Gohn (2001) caracteriza assim, a organi-zação dos professores do Ensino Fun-damental e Médio na década de 80: movi-mento articulado, basicamente por melhorescondições salariais; fechado em guetoscorporativistas, mergulhado no sectarismopartidário; perdendo assim, os rumos daconstrução da sua própria identidade;instrumento de manobra de grupos políti-cos bem aparelhados.

O exercício da autonomia como um valorinegociável, deve fazer parte das políticase estratégias em defesa dos interessesdos Movimentos Sociais, das diferentescategorias. O atual sindicalismo no cum-primento do seu verdadeiro papel devearticular seus interesses imediatos comum programa mais geral para o conjuntoda sociedade, articular interesses em de-fesa da democracia e da cidadania, noconjunto das reivindicações políticas eeconômicas, sem, contudo, se subordinare se confundir ao papel dos partidos.

CONCLUSÕES

O mundo contemporâneo tornou-se muitodiferente daquele das primeiras décadasdo século passado, apesar de os objetivosdos donos dos modos de produção conti-nuarem os mesmos: a exploração da mais-valia dos trabalhadores, o aumento do lu-cro.

As inovações tecnológicas e de gestão alte-raram completamente o processo produ-tivo e de trabalho. Repensar a prática e aqualificação do sindicato é hoje uma im-posição em qualquer ambiente de trabalho.Qual o papel do sindicato no mundoglobalizado? Tem ele o mesmo poder deaglutinação da categoria de antes? Na áreade Educação, as estratégias dos sindicatostêm funcionado?

Vivemos profundas e urgentes transforma-ções, que exigem grandes mudanças naprática e na organização sindical, mudan-ças que possam fundamentar as resoluçõesdos atuais problemas, na perspectiva decontribuir para a elaboração do que se faznecessário para o atendimento dos atuaisproblemas do trabalhador brasileiro. Nes-te momento, um dos grandes problemasdo trabalhador brasileiro está atreladoa qualificação da mão-de-obra.

No histórico do movimento dos professo-res do Estado da Bahia, a capacidade deefetivação de acordos entre os atores emconflito não são freqüentes. As reivin-dicações encaminhadas permanecemconstantes, as mesmas de décadas an-teriores.

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REFERÊNCIAS

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SILVA, M. dos S. A educação brasileira no Esta-do Novo . São Paulo: Livraria Panorama/Li-vramento,1980.

Os baixos salários, a não-prioridade paraas questões da educação, caracterizam adesvalorização do magistério. A criação doEstatuto do Magistério não significou asua imediata implantação e garantia detodos os direitos dos professores.

O ideal de educação pública, gratuita e dequalidade, tão defendido por Anísio Teixeira,ainda não é realidade. Entretanto, a buscapor esse ideal se concretizará na medidaem que os profissionais da Educação e acomunidade perceberem a imensa forçaque têm os movimentos sociais. Assim,da junção de pais e mestres, a escolapública poderá ressurgir como fênix e sero início de uma sociedade mais justa eigualitária.

Movement of the teachers of the basic andaverage education of the State of the Bahia.

Abstract: From the base of an understandingof different movements in capititalist societiesthis art icle studies the effort of socialmovements to defend public education in theface of globalization. Following a contextualiza-tion of the socio-political and economicconditions which orient these movements, westudy the effots of teachers' unions in the Stateof Bahia.

Keywords: Social movements; Education;Teachers; Public Education.

Movimiento de los docentes de educaciónbásica y media del Estado de Bahia

Resumen: A partir de la caracterización de di-ferentes movimientos sociales que surgen enlas sociedades capitalistas, este artículo sepropone estudiar las luchas en defensa de laeducación pública a través de los movimientos

Gest. Ação, Salvador, v.7, n.1, p.87-98, jan./abr. 2004.

Mara Schwingel - Maria Sacramento Aquino - Nelson Wanderley Ribeiro Meira

Artigo recebido em: 18/12/2003.Aprovado para publicação em: 10/03/2004.

sociales de los profesores, frente a los interesesde la globalización de la economía. Hace unabreve contextualización de los aspectos socio-político-económico-culturales que orientan losmovimientos sociales, y más específicamente,el movimiento social de los trabajadores de laeducación en el estado de Bahía.

Palabras-clave: Movimiento Social; Educación-Profesores; Educación Pública.

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Sobre os autores:

1Mara SchwingelPedagoga, Universidade Federal da Bahia, UFBA.Especialista em Educação Inclusiva, UniversidadeVale do Taquari,UNIVATES/RS. Professora da Fa-culdade Regional de Filosofia, Ciências e Letras deCandeias, FAC/BA.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Universidade Federal da Bahia- UFBA, Centro de Estudos Interdisciplinarespara o Setor Público - ISP. Av. Adhemar de Bar-ros, Campus Universitário de Ondina, PavilhãoIV, Salvador/BA, Brasil.CEP: 40170-110

2Maria Sacramento AquinoEspecialista em Educação de Adultos,UniversidadeFederal da Paraíba, UFPB.Mestra em CiênciasAgrárias, Universidade Federal da Bahia, UFBA.

Professora Adjunta da Universidade do Estadoda Bahia, UNEB. Campus V.E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Universidade do Estado daBahia, UNEB. Faculdade de Educação.Loteamento Jardim Bahia, S/N, Centro - SantoAntonio de Jesus/BA, Brasil. CEP: 44.570-000.

3Nelson Wanderley Ribeiro MeiraPedagogo, Faculdade de Educação da Bahia,FEBA. Mestre em Educação,Universidade Fe-deral da Bahia, UFBA. Professor da FaculdadeRegional de Filosofia, Ciências e Letras deCandeias, FAC/BA. Diretor da Associação Naci-onal de Política e Administração da Educação-Seção Bahia-(ANPAE/BA).E-mail: [email protected]

Endereço Postal: Av. Joana Angélica, 1576/503Nazaré, Salvador/BA, Brasil. CEP: 40500-002.

Movimento dos docentes do ensino fundamental e médio do Estado da Bahia

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Maria Jocilene Oliveira Martins Santos1

Ana Maria Fontenelle Catrib2

Luiza Jane Eyre de Souza Vieira3

Avaliação da disciplina semiologia e semiotécnica: a contribuiçãodo aluno de enfermagem

INTRODUÇÃO

No início de uma disciplina

O período inicial de inserção na faculdadeengloba a expectativa do aluno acerca domundo universitário, de seus sonhos e pla-

Resumo: O contato com novas disciplinas, du-rante a formação acadêmica, é um momento queorigina questionamentos e um certo grau de ansi-edade que podem repercutir na aprendizagem efutura atuação profissional. Este trabalho tevecomo propósito conhecer a concepção do acadê-mico de enfermagem acerca da disciplina deSemiologia e Semiotécnica em Enfermagem. Tra-ta-se de um estudo descritivo, realizado com 29alunos do 4º semestre do curso de enfermagem deuma universidade privada, em agosto de 2000. Aentrevista semi-estruturada foi utilizada como ins-trumento de coleta e os resultados apontaram queas expectativas dos alunos são direcionadas parao primeiro contato com o ambiente hospitalar,em conhecer os professores e se iniciar no cuida-do ao cliente; enfatizam como pontos positivosna disciplina a oportunidade do início das aulaspráticas, da ampliação do relacionamento pro-fessor-aluno com os profissionais das instituições,como também, proporciona momentos de refle-xão. Conclui-se que o aluno atribui à disciplinaum marco na transição para o contato com arealidade profissional o que requer, por parte dosdocentes e discentes, uma prática dialógica, for-talecendo o processo de ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: Avaliação; Processo ensino-aprendizagem; Prática dialógica.

nos para o futuro dos novos conhecimen-tos dos professores e dos colegas umaesperança que se traduz na procura deum novo vôo, quando é também almejadauma identificação com professores quepossam envolver, motivar e interessar oaluno com relação ao processo de suaaprendizagem. O contato com novas dis-ciplinas, no decorrer do curso origina umcerto grau de ansiedade no aluno.

Para o acadêmico de enfermagem que érepleto de emoções e imaginação, e queao vivenciar a realidade universitáriaexperimenta muitas vezes expectativa eangústia, que não se modificam quandoo aluno se depara com a disciplina deSemiologia e Semiotécnica por ser tãocomentada e tão esperada porque iráproporcionar-lhe o primeiro contatoacadêmico com o ambiente hospitalar ecom o cliente. É o estar diante do novo.Considerando o pressuposto, este traba-lho tem como propósito averiguar a con-cepção do aluno iniciante, acerca da dis-ciplina de Semiologia e Semiotécnica emEnfermagem.

Esta disciplina constitui uma novidadepara a enfermagem que enfoca o exame físi-

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Avaliação da disciplina semiologia e semiotécnica: a contribuição do aluno de enfermagem

co do ser humano e segundo Gataldi eCarmo (1998), tem como característicaproporcionar ao aluno a aprendizagem detécnicas e fundamentação científica dosprocedimentos de enfermagem e a utiliza-ção de uma certeza de ser capaz de enfren-tar as situações com que se depara e ne-cessitam ser vividas por eles, no sentidode constituir seus objetivos e descobrir asbarreiras a superar.

O interesse em realizar esta pesquisa foidespertado pela experiência vivenciada aolongo do curso e por ocasião do acom-panhamento do aluno como monitora dadisciplina de Semiologia e Semiotécnica.Nessas experiências têm-se observado queo aluno universitário, principalmente docurso de enfermagem, ao ingressar na aca-demia carreia dúvidas, questionamentos,incertezas, com sede de descobrir e vivenciarcoisas novas e de conhecer a prática pro-fissional.

A universidade prolonga o colégio quasesem interrupção. Para a maioria dos estu-dantes é uma nova etapa, ou mesmo umanova vida que vai começar, pode-se es-perar dela uma intensidade de existênciaaté então desconhecida.

Para Jorge (1997), escolher um cursoconfiando na sua qualidade, é ter segu-rança de optar por um caminho que pro-porcione satisfação pessoal e aprendiza-gem suficientes para capacitar o aluno adesenvolver suas potencialidades [...]querer significa ter vontade. A vontade écarregada de força para batalhar e conse-guir adquirir a competência técnica e os

conhecimentos teóricos necessários aobom desempenho profissional.

O aluno de enfermagem, na sua grandemaioria, não se identifica com o curso deenfermagem na primeira opção, acreditandoque escolheu uma profissão que irá lheproporcionar satisfação pessoal e aprendi-zagem suficiente para capacitá-lo a de-senvolver suas potencialidades. Outrosescolhem por conveniência, utilizandocomo estratégia para ter uma carreira quese adeque à sua disponibilidade. Algunsrecebem influências externas, na escolhado curso, sendo conduzidos por opiniõesde pais, amigos, colegas e pessoas, quetêm significado em suas vidas e servem dereferências. São vários os motivos que le-vam o aluno a escolher a enfermagemcomo caminho.

Ao considerar a necessidade da idea-lização de perspectivas de vida profissinalna construção de identidade do jovem,Jorge (1997, p.55) afirma que,

[...] a conseqüência de ter um cami-nho mesmo não querendo, tem sig-nificado importante na vida do aluno,pois ser universitário representa po-sição social e um caminho de hori-zonte para alcançar seus objetivosa longo prazo.

Os alunos ao ingressarem no curso deenfermagem, principalmente, aqueles quenão têm um conhecimento da profissãoque escolheram e ingressaram por umacaso, sentem no geral uma necessidadede iniciar, as aulas práticas, que lhes pro-piciem um contato maior com a profissãode enfermagem.

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Maria Jocilene Oliveira Martins Santos - Ana Maria Fontenelle Catrib - Luiza Jane Eyre de Souza Vieira

No curso de graduação em enfermagemos alunos vivenciam aulas teóricas, au-las práticas em laboratório e experiênciasnas instituições de serviços de saúde (hos-pitais, unidades básicas de saúde etc),além da disciplina Estágio Supervisiona-do, sendo que, no primeiro, segundo eterceiro semestres, o aluno tem aulas teó-ricas de disciplinas voltadas para práticaprofissional e aulas práticas, em labora-tório de Anatomia, Histologia, Patologia,Imunologia, Biologia Molecular, dentre ou-tras, ou seja, disciplinas da área básica doscursos de saúde.

Alguns alunos se sentem perdidos, inse-guros e com dificuldade de adaptação, pornão terem possibilidades que lhes ofereçaminformações concretas sobre a prática pro-fissional, tornando difícil, muitas vezespara o aluno, o reconhecimento de sua es-colha. Muitos irão em busca de outrosalunos de semestres mais avançados, comobjetivo de adquirirem informações arespeito de disciplinas que lhes proporcio-nem o primeiro contato com a práticaprofissional.

Para Jorge (1997), a dificuldade de adap-tar-se ao mundo universitário significapara o aluno não saber lidar com o desco-nhecido e ao iniciar sua vivência univer-sitária descobrir que existem muitas bar-reiras a serem superadas, portanto sen-tem-se inseguros, pois a realidade paraeles não era a que imaginariam encontrar,o que favorece sentimentos de incertezae insegurança perante a nova realidade.

E nesta busca o aluno se depara com asdisciplinas de Semiologia e Semiotécnica

em Enfermagem, que segundo Posso(1999) são disciplinas tradicionais docurrículo médico, que passaram a integraro currículo de enfermagem no momento damudança do currículo mínimo para currí-culo pleno, visando contemplar a realida-de do mercado de trabalho, pois inquieta-ções e questionamentos dominavam os do-centes comprometidos com o processo deensino e aprendizagem do acadêmico deenfermagem.

Essa disciplina tem como característicaproporcionar ao aluno o conhecimento ereconhecimento de sinais e sintomas fun-damentando a elaboração de um cuidadoindividual e sistemático em que estejamenvolvidos o conhecimento e a habilidadetécnica para realizar a avaliação física eemocional da pessoa humana. Foi inseridana proposta curricular do curso de gradua-ção em enfermagem, no sentido dereorientar e integrar objetivos para aconstrução desse processo educativo,valorizando o desenvolvimento das poten-cialidades cognitivas, psicomotoras eafetivas ou comportamentais do aluno deenfermagem.

Ao se depararem com essa disciplina tãocomentada, tão esperada, e que irá lhesproporcionar o primeiro contato com oambiente hospitalar e com o cliente sãooriginadas no aluno expectativa, curiosi-dade e angústia. E essa curiosidade e ex-pectativa ocasionadas não são somenteem relação às disciplinas mas tambémem relação aos profissionais.

De acordo com Postic (1993, p.142), parao aluno, o professor é o representante

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Avaliação da disciplina semiologia e semiotécnica: a contribuição do aluno de enfermagem

simbólico de uma força que pode ser ad-quirida pelo domínio do próprio funciona-mento intelectual e do próprio comporta-mento.

A educação no seu sentido mais abrangentecaracteriza-se por ser esclarecedora namedida em que estimula o raciocínio e aconstrução do aprendizado. SegundoSouza, Cardoso e Barroso (2000, p.27), aeducação de um povo torna-se um cami-nho na construção da cidadania com aconseqüente análise crítica da realidade.

O aluno imagina a sala de aula como umambiente onde as atividades pedagógicasestejam centradas nas suas necessida-des e voltadas para sua valorização comoagente efetivo do ensino-aprendizagem.

Mediante esta contextualização decidiu-sefazer esta pesquisa que objetiva conhecera concepção do acadêmico de enfermagemacerca da disciplina de Semiologia eSemiotécnica, do curso de enfermagem daUniversidade de Fortaleza (UNIFOR).

MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo explo-ratório, realizado em agosto de 2000 com29 alunos do 4º semestre do curso deenfermagem, de uma universidade priva-da. Como instrumento de coleta de da-dos, utilizou-se a entrevista semi-estru-turada, que constavam categorias pré-de-finidas versando sobre a expectativa doaluno em relação a disciplina, modo dese ministrar a disciplina e disciplinas estu-dadas que facilitassem o aprendizado daSemiologia e Semiotécnica em Enfermagem.

Para operacionalizar a coleta de dadosoptou-se pelo primeiro contato entre osprofessores da disciplina e os alunos apósuma apresentação pessoal que envolveuos docentes e discentes. A priori foi utili-zada, como técnica de quebra gelo, a es-tratégia na qual os alunos escolheramalgum objeto retirado de seus pertencespessoais e discorreram sobre o significa-do de tal objeto com sua vida pessoal edurante sua formação acadêmica, visandoa construção profissional. Após este mo-mento aplicou-se a entrevista contendoquesitos que correspondiam as categoriasintencionalmente estabelecidas que pudes-sem responder ao objetivo de se conhe-cer a concepção do aluno a respeito dadisciplina que estava se iniciando.

Foi enfatizado o sigilo do material coletado eacrescido que não seria necessário qual-quer tipo de identificação visando, alémde preservar o anonimato dos envolvi-dos, que se pudesse captar informaçõesque retratassem, de modo fidedigno, asconcepções pessoais dos participantes.

Os dados coletados foram transcritos naíntegra e agrupados na forma de categori-as, em conformidade com as idéias deMinayo(1993), a qual refere que a noçãode tema está ligada a uma afirmação arespeito de determinado assunto, com-portamento, feixe de relações que podeser graficamente apresentado através deuma palavra, uma frase ou um resumo.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os dados coletados foram analisadosqualitativamente favorecendo à identifi-

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Maria Jocilene Oliveira Martins Santos - Ana Maria Fontenelle Catrib - Luiza Jane Eyre de Souza Vieira

cação e classificação dos temas apresen-tados a seguir.

a) Expectativas dos acadêmicos comrelação à disciplina

O aluno percebe que é importanteaprofundar o conhecimento para exercerplenamente sua prática. Conforme os rela-tos identificados, os acadêmicos de enfer-magem, na sua maioria, estão com suasexpectativas voltadas para o primeirocontato com o ambiente hospitalar, algunspara lidar com o doente e outros em comoaprender a lidar com ele, visto que cadapessoa é única.

De acordo com Potter e Perry (1999, p.16),as pessoas reagem diferentemente à do-ença ou a sua ameaça. As reações indivi-duais, comportamentais e emocionais de-pendem da natureza da doença, da ati-tude do cliente em relação a ela, da reaçãodos outros e das variáveis do comportamen-to do doente.

Falas expressam tal interpretação:

Espero que seja bastante proveitosajá que é uma das disciplinas que nosdá oportunidade de ter o primeirocontato com o ambiente hospitalar.

Minha expectativa principal é que eupossa aprender como lidar com opaciente como agir e como proce-der em vários casos.

Desde o primeiro semestre estava an-siosa para fazer Semiologia porquetinha vontade de estagiar e conhecero que é mesmo enfermagem, porqueaté agora só tive matérias básicasda maioria dos cursos.

A integração entre discentes e docentesproporciona um crescimento mútuo que

em nível do curso de enfermagem é bas-tante favorável e ambos terão maiorespossibilidades de aprendizagem.

Quando se fala em adquirir novos conhe-cimentos os alunos imediatamente se re-ferem ao bom professor como meio maisfácil de aprendizagem. Bom ensino e bomprofessor ambos são difíceis de definir.

Perrenoud (2000, p.72) ao discorrer sobre oenvolvimento dos alunos em suas apren-dizagens e em seus trabalhos ressalta que acompetência profissional apela para re-cursos mais precisos:

[...] de um lado, uma compreensãoe um certo domínio dos fatores edos mecanismos sociológicos, didá-t icos e psicológicos em jogo nosurgimento e na manutenção do de-sejo de saber e da decisão de apren-der; de outro, habilidades no campoda transmissão didática, das situa-ções, das competências, do traba-lho sobre a transferência dos conhe-cimentos, todos eles recursos paraauxiliar os alunos a conceberem aspráticas sociais para as quais são pre-parados e o papel dos saberes que astornam possíveis.

Os relatos dos participantes corroboram aexpectativa que os alunos têm em relação atríade professor, aprendizagem e motiva-ção:

Espero adquirir mais conhecimen-tos de forma a pô-los em pratica deforma digna e com responsabilida-de ao longo da carreira profissio-nal.

Que os professores sejam não sóinstrumentos de aprendizagem masque incentivem os alunos a busca-rem o seu verdadeiro objetivo.

Penso em fazer a junção prática teo-ria pois tenho receio e sou muitoansiosa para procurar fazer o melhor

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para o meu cliente ... não ficar ape-nas na teoria.

Eu estava com muito medo pois éuma disciplina muito grande, masdepois que conheci vocês, professoras,acho que vamos ser uma famíliabastante unida.

Reforçando o conteúdo dessas afirmaçõesSouza, Cardoso e Barroso (2000) defendemque a educação transformadora está liga-da, também, à postura do professor, à suaformação epistemológica e às estratégiasestabelecidas no processo de ensino eaprendizagem, como também, com a relaçãoque se estabelece entre o professor e aluno.

b) Pontos positivos da disciplina

Referindo-se aos pontos positivos quesupõem serem proporcionados pela disci-plina, os participantes enfatizam a oportu-nidade do inicio de aulas práticas, da am-pliação do relacionamento professor-alunocomo também, do contato com outros pro-fissionais das instituições de saúde. Acres-centam que se torna positivo também, osmomentos que terão para refletir a cons-trução acadêmica visando a sedimentaçãode uma prática profissional ética e cidadã.

As falas ilustram as interpretações:

Aprender a lidar com os clientes utili-zando a comunicação.

Acreditar que é o momento de conhe-cer a si e aos outros, precisamos traba-lhar a ação e a reflexão para desem-penhar um melhor serviço de saúde.É através dela que vamos ter o pri-meiro contato com seres humanos,vamos poder começar a colocar emprática o nosso cuidar com o próxi-mo.

Rosa (1994) ressalta que no ideal cons-

trutivista o aluno é o centro do pólo daaprendizagem, pois deve estar constan-temente mobilizado para pensar e cons-truir seu conhecimento.

Outra vertente identificada nos discursosdos participantes diz respeito, positiva-mente, sobre o fazer técnico que seria con-templado pela execução da semiotécnicado exame físico. Identifica-se como um dosfatores de motivação da disciplina a possi-bilidade real do exercício da habilidadepsicomotora que requer a maturidade doaluno aliada à destreza para executá-la. Poroutro lado, da mesma forma que encanta edesperta o interesse do aluno tambémocasiona medo de não ser capaz de desen-volver tais habilidades que são inerentesà execução de um exame físico competente.

Os discursos evidenciam tal compreensão:

Os pontos fortes da disciplina para ocurso são as técnicas de sinais vitais,exame físico que são técnicas queaprendemos e iremos executá-lasposteriormente.

[...] só tenho medo de errar nomestécnicos ou de me assustar com al-guma coisa pois nos hospitais exis-tem várias doenças e eu não estouacostumada.

Introdução da prática de enferma-gem, desde o exame físico a outrasatividades mais exigentes.

Até agora, no curso, ansiava porcomeçar a "colocar a mão na massa",vejo como uma forma de iniciar a prá-tica, a começar a lidar de fato com opaciente.

Observa-se que a maioria dos entrevista-dos acha que o ponto positivo da discipli-na seria o inicio da realização de aulas prá-ticas em hospitais. Alguns percebem essa

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positividade no contato com o paciente e,outros, com a oportunidade de desempe-nhar as técnicas do exame físico. Outrosentrevistados acreditam que essa discipli-na é o alicerce da profissão. Algumas falasilustram tal constatação:

As aulas práticas que no caso serãoministradas em hospitais,onde nosdará mais chances de estarmos maisperto da situação real.

Até agora no curso, ansiava porcomeçar a colocar a mão na mas-sa. Vejo com uma forma de iniciara pratica.

É através dela que vamos ter o pri-meiro contato com seres humanosvamos começar a colocar em prá-tica o nosso cuidar.

Teremos o primeiro contato com astécnicas e procedimentos de comotratar e examinar o paciente e ocontato com o próprio paciente.

Nos capacitar a sermos bons pro-fissionais sendo uma cadeira debase (alicerce) na prática, que erao que muitos esperavam desde ocomeço do curso

A Semiologia e Semiotécnica em Enferma-gem é uma disciplina teórico-prática e alu-no tem a expectativa de que esta contribuana sua preparação para iniciar a arte docuidar, salientando, como um dos propó-sitos, a importância da humanização do cui-dado e do relacionamento interpessoal. En-tende-se que tal preparação inicia-se emsala de aula, compreendida não somentecomo os espaços físico dos campus uni-versitários ou a visualização da desigual-dade social nas instituições de saúde, masprincipalmente, na construção de relacio-namentos fraternos e solidários entre do-centes e discentes que, com certeza, flui-

rão para num futuro relacionamento profis-sional-cliente, fundamentado na ética.

Foram ainda relatados como ponto forteda disciplina o relacionamento existenteentre professor-aluno e profissionais doscampos de prática, a experiência que iriamadquirir, como também, a possibilidade derefletirem sobre a consolidação da práticaprofissional.

Para Vasconcelos (1995), deve-se construiruma relação professor-aluno baseada naafirmação da dignidade do outro como serhumano, incluindo o respeito, a atenção, acomunicação; não se deve vincular ao pre-conceito, à rotulação, à exclusão e resgateda autoridade. Freire (1996, p.86) acrescen-ta que

[...] o bom professor é o que conse-gue, enquanto fala, trazer o aluno atéa intimidade do movimento de seupensamento. Sua aula é assim um de-safio e não uma "cantiga de ninar".Seus alunos cansam, não dormem.Cansam porque acompanham as idase vindas de seu pensamento, surpre-endem suas pausas, suas dúvidas, suasincertezas.

Algumas verbalizações expressam essacompreensão:

Relacionamento professor-aluno.trabalhos discussão dos assuntos.amizade com os profissionais e res-peito.

Essa é uma disciplina importante,pois é a partir dela que eu real-mente vou me ver no papel de en-fermeiro.

É como se fosse um começo e é des-se começo que vai definir a minhacarreira.

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Cury (2003, p.79) em sua obra Pais bri-lhantes, professores fascinantes é enfáti-co ao afirmar que bons professores educamseus alunos para a profissão contudo,professores fascinantes educam para avida. Acrescenta que,

[...] os mestres fascinantes podem serameaçados e desprezados, mas suaforça é imbatível. (...) Seus alunosadquirem um bem extraordinário:consciência crítica. Por isso, não sãomanipulados, controlados, chanta-geados. Num mundo de incertezas,eles sabem o que querem.

c)Como a disciplina deve ser ministrada

Constatou-se que para alguns alunos asaulas deveriam ser dinâmicas, comintegração entre professor e aluno, comcalma e paciência, ética e responsabilidade;para outros, deveria acontecer bastante au-las práticas. Assegurando esta interpreta-ção eis os discursos:

Acho que dinâmica é o mais apro-priado para o aprendizado da disci-plina pois além de ficar mais fixa amatéria nos vamos nos soltandomais com o grupo de uma forma sim-ples e clara.

O importante aqui será a relaçãoaluno-professor, acho que essa boarelação facilitará o nosso aprendi-zado.

Sempre com bastante prática, que éo que nos dá a certeza do aprendiza-do e confiança.

Com disciplina, ética e responsabi-lidade por que vamos cuidar davida das pessoas.

Demo (1996) dá ênfase ao fato de que oprofessor ainda deve ser um profissionalda educação pela pesquisa - decorrendo

pois a necessidade de mudar a definiçãodo professor como perito de aula, já que aaula que apenas ensina a copiar é absolutaimperícia. Ressalta também, que a relaçãoprofessor-aluno deve ser de parceria, tor-nando o questionário reconstrutivo e aemancipação como desafio comum.

Especificando a construção do currículo deenfermagem, Garcia e Silveira (1998) con-sideram que as disciplinas têm como umdos objetivos, conhecer e executar os pro-cedimentos básicos de enfermagem, fun-damentados em teorias científicas neces-sárias ao desenvolvimento dos cuidadosao cliente, família e comunidade, relacio-nando aspectos psicológicos, físicos, so-ciais e espirituais, incentivando acriatividade e a sensibilidade que o cuidarcomporta. Além de que, no transcorrer dodesenvolvimento de técnicas, é necessárioestabelecer uma interação docente-discentepermeada pela parceria e pelo compromissode um sentir e um aprender-fazer mútuos.

Estudo anterior realizado por Gondim,Araújo e Silva (2000) sobre esta disciplina,em um outro momento historicamentecontextualizado, concluiram que a meto-dologia utilizada pela disciplina era acessí-vel e moderna, possibilitava ao aluno umestudo atual, dinâmico e necessário naformação do profissional. As autorasacrescentaram que,

[...] existe necessidade de maior va-lorização do saber, do aproveitamen-to e tranformação do conhecimentotrazido pelo alunado, além da neces-sidade de valorização pessoal e da as-similação de suas opiniões, tornandoo ensino participativo.

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Entende-se que questionamentos sobre aoperacionalização de conteúdos progra-máticos no ensino superior deva ser umaconstante pois as demandas sociais avan-çam de uma maneira extremamente rápida.

d) Disciplinas que contribuem para oaprendizado da Semiologia e Semiotécnicada Enfermagem

Considerando a transversalidade dos con-teúdos nos currículos acadêmicos faz-senecessário que o aluno compreenda ereflita a importância das disciplinas minis-tradas, nos semestres anteriores, comoum alicerce que compõe a sedimentaçãoe construção do conhecimento.

A proposta curricular do curso de enferma-gem tem, inclusive, como pré-requisitospara a disciplina de Semiologia eSemiotécnica da Enfermagem as discipli-nas de Deontologia e Patologia Humana.Porém, não foram somente estas discipli-nas, constituídas como pré-requisitos, asevidenciadas nos relatos dos alunos dapesquisa.

Eis as falas que corroboram tal afirmação:

Ao meu entender, estão mais relaci-onadas a disciplina de MPE [Meto-dologia da Prática de Enfermagem],que nos familiariza, teoricamente,com o ambiente do enfermeiro; Fi-siologia e Patologia Humana quenos proporcionam noções de conhe-cimento do corpo humano, seu fun-cionamento e desequilíbrio.

Acho que todas que eu fiz desde o 1°semestre são de importante valor evão ajudar-me.

Principalmente Deontologia pois, foia partir dessa cadeira que senti o meu

amadurecimento quanto ao profis-sional que desejo ser... e não apenasessa. A verdade é que as disciplinasvoltadas para a Enfermagem sãoválidas e nos ensina como exercer,com dedicação, competência, essaciência.

Deontologia, Metodologia da Práti-ca de Enfermagem, Fisiologia etc.porque são disciplinas que fornecembases para o relacionamento, o com-portamento e a prática da enferma-gem, assim como na relação entrepaciente-enfermeiro.

Considerando a compreensão do alunoevidenciado nos relatos, identifica-se umaampliação sobre a importância dos conteú-dos pois, todo o conhecimento do qual oser humano apreende, tem sua parcela deenriquecimento na vida pessoal e, por ex-tensão, na vida profissional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aluno atribui à disciplina um marco natransição para o contato com a realidadeprofissional o que requer, por parte dosdocentes e discentes, o exercício de umaprática dialógica que possa fortalecer oprocesso de ensino e aprendizagem.

Outrossim, esse aluno evidencia nos rela-tos que anseia pelo contato com o cliente,associa o desempenho da profissão nofazer apesar, de fortes indícios, reivindica-rem a construção do conhecimento acadê-mico fundamentado na ética, nos valoreshumanos, no científico e, ressalta, para queessa formação seja efetiva, que haja umaaproximação maior entre as pessoas envol-vidas e responsáveis pela construção dosaber acadêmico que fundamenta o fazerde um profissional consciente, ético ecidadão.

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Avaliação da disciplina semiologia e semiotécnica: a contribuição do aluno de enfermagem

Evaluation of health assessment discipli-ne: nurs ing s tudent’s contr ibut ion.

Abstract: The contact with new disciplines, duringthe academic formation is one moment thatoriginates doubts and a certain anxiety degree thatit can echo in the learning and future professionalperformance. This work had as purpose to knowthe Nursing Health Assessment as discipline. It isa descriptive study, accomplished with 29 studentsof the 4th semester of the nursing course, a privateuniversity, in August of 2000. Semi-structuredinterview was used as collection instrument andthe results pointed that the students 'expectations are addressed for the first contactwith the hospital atmosphere, in to know theteachers and to begin in the care to thecustomer; they emphasize about positive pointsin the discipline as the opportunity of thebeginning of the practical classes, of therelationship teacher-student 's enlargement,with the professionals of the institutions, aswell as, it provides moments of reflection. It isconsidered that the student attributes to the dis-cipline a mark in the transition for the contactwith the professional reality that requests, on thepart of the teachers and students, a dialogic practice,strengthening the teaching-learning process.

Keyword: Evaluation; Teaching (process);Learning Processes.

Evaluacion de la disciplina semiologia ysemiotecnica: la contribucion del alumnode enfermeria

Resumen: El contacto con nuevas disciplinas,durante la formación académica, es un momentoque origina cuestionamientos y un cierto grado deansiedad que puede repercutir en el aprendizaje yfutura actuación profesional. Este trabajo tuvocomo propósito conocer la concepción delacadémico de Enfermería acerca de la disciplinade Semiología y Semiotécnica en Enfermería. Setrata de un estudio descriptivo, realizado con 29alumnos del 4° semestre del curso de Enfermeríade una universidad privada, en agosto de 2000. Laentrevista semiestructurada fue utilizada comoinstrumento de recolección y los resultadosapuntaron que las expectativas de los alumnosestán dirigidas al primer contacto con el ambien-te hospitalario, en conocer los profesores y en

iniciarse en el cuidado del paciente; enfatizancomo puntos positivos de la disciplina laoportunidad del inicio de las clases prácticas, de laampliación de la relación profesor-alumno conlos profesionales de las instituciones, comotambién, proporciona momento de reflexión. Seconcluye que el alumno atribuye a la disciplina unmarco en el transición para el contacto con larealidad profesional lo que requiere, por parte delos docentes y alumnos, una práctica dialógica,fortaleciendo el proceso de enseñanza-aprendizaje.

Palabras-clave: Evaluación; Proceso enseñanza-aprendizaje; Práctica dialógica.

Artigo recebido em: 01/10/2003.Aprovado para publicação em: 24/01/2004.

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Sobre as autoras:

1Maria Jocilene Oliveira Martins SantosAcadêmica do Curso de Enfermagem da Universida-de de Fortaleza (UNIFOR). Monitora da disciplinaSemiologia e Semiotécnica em Enfermagem em 2000.E-mail: [email protected]

2Ana Maria Fontenelle CatribDoutora em Educação (FACED/UFBA). ProfessoraTitular do Mestrado em Educação em Saúde e doCurso de Pedagogia da UNIFORE-mail: [email protected]

3Luiza Jane Eyre de Souza VieiraDoutora em Enfermagem, Universidade Federal doCeará (UFC). Professora do Curso de Graduação edo Mestrado em Educação em Saúde da UNIFOR.Enfermeira do Instituto Dr. José Frota, Fortaleza,CE.E-mail:[email protected];

Endereço Postal: Fundação Edson Queiroz - Uni-versidade de Fortaleza (UNIFOR), Depto Educaçãoe Saúde. AV. Washington Soares, 1321, EdsonQueiroz, CEP.: 60.811-905, Fortaleza/CE, Brasil.

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Maria Jocilene Oliveira Martins Santos - Ana Maria Fontenelle Catrib - Luiza Jane Eyre de Souza Vieira

VASCONCELOS, C. dos S. Planejamento: planode ensino-aprendizagem e projeto educativo. SãoPaulo: Libertad, 1995.

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A GESTÃO EM AÇÃO (GA) é uma publicação semestral e irá considerar para fins de publicaçãotrabalhos originais que sejam classificados em uma das seguintes modalidades:

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linhas e de no máximo três palavras-chave (ver NBR 6028/1990, da ABNT).

Gest. Ação, Salvador, v.7, n.1, p.111-112, jan./abr. 2004

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– As referências bibliográficas devem ser completas, apresentadas ao final do artigo, emordem alfabética, obedecendo às Normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas– ABNT (NBR 6023/2002), por exemplo:

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Artigos em periódicos – autor; título; nome do periódico; local onde foi publicado;número do volume e do fascículo; páginas inicial e final do artigo; mês; ano.

ESTÊVÃO, C. V. A administração educacional em Portugal: teorias aplicadas e suaspráticas. Revista de Administração Educacional, Recife, v.2, n.6, p.9-20, jul./dez.2000a.

Heller, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS – INEP.Ministro dá posse ao Conselho do FUNDEF. 27 de maio de 1998. Disponível em:<http://www.inwp.gov.br/notícias/news> Acesso em: 12 fev.2003

– Serão fornecidos, gratuitamente, ao autor principal de cada artigo cinco exemplares do númeroda revista em que seu trabalho foi publicado. A Gestão em Ação não se obriga a devolver osoriginais das colaborações enviadas. Os textos assinados são de responsabilidade de seusautores.

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Política Editorial Gestão em Ação (GA)

TÍTULO I - DO OBJETIVOArt. 1º A Gestão em Ação (GA), editada sob a parceria e responsabilidade da Linha TemáticaPolítica e Gestão em Educação (LTPGE), do Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED/UFBA e do Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público (ISP/UFBA)- tem porobjetivo a difusão de estudos, pesquisas e documentos relativos à educação superior, à pós-graduação e aos processos da gestão, da educação presencial, aberta,continuada e a distância, bemcomo questões relativas às políticas públicas, planejamento, descentralização e municipalização doensino, autonomia, avaliação e financiamento.

TÍTULO II - DO PÚBLICO ALVOArt. 2º A Gestão em Ação (GA) tem como público-alvo docentes e alunos de pós-graduação,pesquisadores e gestores de instituições de ensino superior e de pesquisa, gestores de associaçõescientíficas e profissionais, dirigentes e técnicos da área da Educação e demais órgãos envolvidos naformação de pessoal e produção científica.

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§1° Exercerá a função de Editor um Professor Doutor vinculado à Faculdade de Educação daUniversidade Federal da Bahia (FACED), ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA,à Linha Temática Política e Gestão em Educação (LTGE) e ao Centro de Estudos Interdisciplinarespara o Setor Público (ISP), voluntariamente.§2° Compete ao Editor:I. convocar e coordenar as reuniões do Conselho Editorial e do Comitê Científico;II. distribuir os artigos recebidos para publicação ao Comitê Científico e/ou aos consultores ad hoc;III. coordenar os trabalhos de editoração, produção e distribuição da revista.

Art. 4° Compete ao Conselho Editorial elaborar a política editorial do periódico.

§1° Integram o Conselho Editorial da revista 17 membros com mandato temporário:I - um representante do ISP;II - um representante da LTGE;III - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pelo ISP;IV - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pela LTGE;V - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pelo PGP/LIDERE;VI - um representante da comunidade científica nacional e um representante da comunidadecientífica internacional, indicados pelo Comitê Científico.§2° Os membros do Conselho Editorial serão designados, com número igual de suplentes, paraum mandato de dois anos, sendo possível a prorrogação de mandato.§3° Não há limite de prorrogação do mandato de suplentes.

Art. 5° O Comitê Científico tem por competência emitir pareceres sobre as contribuições enca-minhadas à GA e opinar sobre sua qualidade e relevância.

§1° O Comitê Científico será constituído por membros, escolhidos por sua competência acadê-mica e científica em áreas relacionadas à pós-graduação, podendo ser substituídos a critério doConselho Editorial.

Gest. Ação, Salvador, v.7, n.1, p.113-114, jan./abr. 2004

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Art. 6° Compete ao PGP/LIDERE, a LTGE e ao ISP manter a Secretaria-Executiva da GA sob acoordenação do Editor.

Art. 7° Compete à Líder de Publicações e Coleta de Dados do PGP/LIDERE a divulgação,editoração, produção gráfica, controle de assinantes e distribuição das versões eletrônicas eimpressas da GA.

TÍTULO IV - DA PERIODICIDADE E DAS SEÇÕES DA REVISTA

Art. 8º A Gestão em Ação terá periodicidade quadrimestral e contará com as seguintes seções:- Editorial;- Estudos - divulga trabalhos de caráter acadêmico-científico (conforme especificado no Art.10º).

Art. 9° A revista terá divulgação impressa e eletrônica.§1° A revista impressa será distribuída gratuitamente, a título de permuta, para programas depós-graduação, pró-reitorias de pós-graduação e bibliotecas de instituições de ensino supe-rior, órgãos públicos, mantendo possibilidade de subscrição para assinaturas.§2° A publicação eletrônica da revista terá acesso gratuito.

TÍTULO V - DA ORIENTAÇÃO EDITORIAL

Art. 10º Serão aceitos trabalhos originais que sejam classificados em uma das seguintesmodalidades: resultados de pesquisas sob a forma de artigos: ensaios; resumos de teses;dissertações; monografias; estudos de caso.

Art. 11º O autor será comunicado do resultado da avaliação do seu trabalho em até 90(noventa) dias.

Art. 12º Serão remetidos a cada autor 05(cinco) exemplares do número em que for publicadaa sua colaboração.

Art. 13º A publicação de artigos não é remunerada, sendo permitida a reprodução total ouparcial dos mesmos, desde que citada a fonte.

Art. 14º Os artigos assinados serão de responsabilidade exclusiva de seus autores, nãorefletindo, necessariamente, a opinião da GA/PGP/LIDERE/ISP/FACED.

Art. 15º A critério do Conselho Editorial da GA, poderão ser aceitas e publicadas colabo-rações em língua estrangeira.

Art. 16º Os originais podem ser adaptados para fins de editoração, em adequação às normasda GA.

Art. 17° As colaborações para a GA devem ser enviadas à redação, de acordo com as normaseditoriais.

Art. 18° Toda autoria dos pareceres e dos artigos, durante o processo de avaliação, serámantida em sigilo.

TÍTULO VI - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 19° Os casos omissos e as dúvidas suscitadas na aplicação do presente Regimento serãodirimidos pelo Conselho Editorial da GA.

Gest. Ação, Salvador, v.7, n.1, p.113-114, jan./abr. 2004

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PUBLICAÇÕES PERMUTADAS

CADERNO CRHEDUFBA

CADERNOS CAMILLIANIRevista da São Camilo/ES

CADERNOS UFSUFS

EDUCAÇÃO E SOCIEDADECEDES

EDUCAÇÃO EM FOCO: REVISTA DE EDUCAÇÃOUFJF

ENSAIO - Avaliação e Políticas Públicas em educaçãoFundação CESGRANRIO

FORUM CRÍTICO DA EDUCAÇÃOInstituto Superior de Estudos Pedagógicos - ISEP

GESTÃO EM REDECONSED

REVISTA AVALIAÇÃOUNICAMP

REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃOAssociação Brasileira de Educação Política e Administração da Educação - ANPAE

REVISTA CANADARTUNEB/ABECAN

REVISTA CIÊNCIA & EDUCAÇÃOUNESP

REVISTA DA AATRAssociação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia - AATR

REVISTA DA FAEEBAUNEB

REVISTA DE ESTUDOS UNIVERSITÁRIOSUNISO

REVISTA DE EDUCAÇÃOCentro de Estudos e Assessoria Pedagógica - CEAP

REVISTA DO MESTRADO EM EDUCAÇÃOUFS

Gest. Ação, Salvador, v.7, n.1, p.115-116, jan./abr. 2004

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REVISTA EDUCAÇÃOPUC/RS

REVISTA EDUCAÇÃO EM QUESTÃOCCSA/UFRN

REVISTA EM ABERTOINEP

REVISTA ESTUDO E DEBATEUNIVATES/RS

REVISTA INTER-AÇÃOUFG

REVISTA LINHAS CRÍTICASUnB

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REVISTA REFLEXÃO E AÇÃOUNISC/RS

REVISTA SÉRIE-ESTUDOSUCDB/MS

TEIAS - REVISTA DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UERJUERJ

REVISTA DE EDUCACIÓN - PAIDEIAUniversidad de Concepción - Chile

REVISTA DIÁLOGO IBEROAMERICANOUniversidad de Granada - Espanha

REVISTA DO FÓRUM PORTUGUÊS DE ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONALUniversidade de Lisboa/ Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação - Portugal

REVISTA PORTUGUESA DE EDUCAÇÃOUniversidade do Minho - Portugal

REVISTA PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E CULTURAColégio Internato dos Carvalhos - Portugal

REVISTA TAREAAsociación de Publicaciones Educativas -Perú