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V ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS
FLORIANÓPOLIS, 04 A 07 DE OUTUBRO DE 2010
O CONCEITO DE HEARTLAND NA GEOPOLÍTICA CLÁSSICA:
FUNCIONALIDADE E LIMITES PARA A ANÁLISE DA
REGIÃO CENTRAL DA AMERICA DO SUL
RESUMO EXPANDIDO PARA APRESENTAÇÃO DE POSTER NO GT17: ENERGIA E MEIO AMBIENTE
Autores:
Lucas Kerr de Oliveira
Tatiana de Souza Leite Garcia
O conceito de Heartland na Geopolítica clássica: funcionalidade e limites
para a análise da região central da America do Sul
Lucas Kerr de Oliveira
Tatiana de Souza Leite Garcia
Introdução
A noção de Heartland, literalmente “coração da terra”, ou também, “coração do
mundo”, também chamado pelo seu mentor – John H. Mackinder –, de “área pivô”, antes de
ser propriamente uma nome dado para uma região, refere-se a um conceito teórico. Este
conceito foi desenvolvido para categorizar uma vasta região no “coração da Eurásia”, o maior
de todos os continentes da Terra, ou “Ilha-Mundo”. Aquela região, cujas fronteiras
geográficas, ou delimitação original, variaram segundo diferentes análises e percepções do
próprio autor, posteriormente foram revisadas e re-aplicadas por inúmeros pensadores do
século XX.
O Heartland foi definido originalmente como um e vasto território, com amplo potencial
para a agricultura, pecuária, extrativismo ou assentamento de grupos humanos. Rica em
recursos naturais de toda sorte, além de terras férteis ou potencialmente agricultáveis, vastas
reservas de recurso hídricos, planícies, estepes e florestas, a zona “pivô” da Eurásia incluía,
em suas definições originais, a idéia de rios caudalosos, enormes jazidas de recursos
minerais metálicos e não metálicos, do ferro e manganês ao fósforo e potássio, mas também
muito relevante, enormes reservas de recursos energéticos como carvão mineral e petróleo,
este último principalmente na região do Mar Cáspio. Neste sentido, a disponibilidade de
recursos energéticos parece, à luz da atualidade, central naquele conceito original.
Além de ser uma zona rica em recursos naturais, o Heartland é uma região
subpovoada, que, em termos históricos, nunca foi totalmente dominada por um único
império, no máximo, áreas significativas desta grande região foram dominadas pelos grandes
impérios dos Hunos e dos Mongóis. O que ajudava a reafirmar a hipótese de que esta região
seria inexpugnável a uma ofensiva militar empreendida por uma potencia naval, já que nunca
antes, a região havia sido controlada por povos vindos das regiões periféricas ou litorâneas
da Eurásia. Cercada de extensos acidentes geográficos como cadeias montanhas, grandes
rios, planaltos e alguns desertos, alem de áreas permanentemente congeladas, o Heartland
mostrava-se como uma região que seria virtualmente impossível de ser conquistada por uma
potencia naval de fora da Eurásia que simplesmente realizasse um grande desembarque
anfíbio em qualquer uma das grandes penínsulas do continente (Europa, Oriente Médio, Sul
e Sudoeste Asiático, alem da Ásia Oriental).
Alguns autores tentaram aplicar estes conceitos criados para à Eurásia, na América
do Sul, como o conceito de “área de soldadura”, de Couto e Silva, embora sem considerar
como tão relevantes os recursos energéticos potenciais existentes nesta região, incluindo o
potencial hidrelétrico e indiretamente o potencial hidroviário, as ricas reservas de gás natural,
e a maior reserva de lítio conhecida no mundo, na Bolívia. Este último, especificamente
destaca-se como um dos minerais estratégicos para desenvolver um novo paradigma
energético não baseado em recursos fósseis, que possivelmente seria um paradigma de
transição para um modelo ainda mais limpo e renovável no futuro.
Método, Hipóteses e objetivos
Os objetivos deste artigo são: analisar os benefícios e limites explicativos do uso do
conceito teórico de Heartland, entendido como Área-Pivô ou “coração” geográfico do
continente, para o entendimento de fenômenos de longa duração na América do Sul,
envolvendo região com algumas destas características no continente sul-americano.
A análise parte da comparação entre as características definidoras da área pivô
original, na Eurásia, com as de uma hipotética área similar no continente sul-americano,
assim como as recomendações possíveis em termos de estratégia para as grandes
potências da época.
Considera-se que, assim como o debate teórico entre diferentes autores da
Geopolítica do século XX mostraram limites para o conceito original de Heartland, este
apresenta limitações ainda maiores para aplicação em outro continente, como a América do
Sul, embora seu uso possa ajudar a remodelar a estratégia brasileira de integração sul-
americana, assim como algumas das políticas de segurança e defesa do país, pensadas em
termos regionais. Destaca-se a centralidade dos territórios da Bolívia e Paraguai, além do
norte da Argentina e centro-noroeste do Brasil, para pensar em uma região absolutamente
vital para o processo de Integração Sul-Americano, quando se considera que este processo
é um projeto de Estado de longo prazo vital para o Brasil no século XX.
Para a análise das hipóteses levantadas é utilizado o método comparativo em três
níveis, começando pela comparação entre as características físicas, os elementos
geográficos e históricos que compõem o conceito de Heartland ou área-pivô, como aplicado
por Mackinder na Eurásia, e as características similares de região hipoteticamente
semelhante na América do Sul. Também são consideradas as perspectivas e limites
explicativos teórico-conceituais, comparadas com outras teorias geopolíticas e com o uso de
outras explanações teóricas para as disputas e potenciais conflitos regionais, como o modelo
explicativo dos Complexos Regionais de Segurança, conforme utilizados por Barry Buzan &
Olé Waever, que também apresenta problemas ao ser aplicado na América do Sul.
Considerações Finais e Conclusões parciais
Por fim são consideradas as recomendações feitas para as respectivas potências de
origem dos autores que cunharam os conceitos geopolíticos clássicos aqui comparados, em
termos de estratégia ou geoestratégia para seus respectivos países, e analisada a
inviabilidade de se utilizar este tipo de recomendação para um país como o Brasil, em termos
de projeção de forças além da América do Sul. Dentre as conclusões parciais, destaca-se
que o conceito apresenta vantagens explicativas e políticas para a estratégia brasileira de
defesa da Integração Sul-Americana, quando comparado a outros conceitos de teóricos da
geopolítica defensores da tese do poder terrestre, como o conceito de Rimland, como
utilizado por Nicolas Spykman, ou ainda quando comparado com conceitos da área de
Seguraça Internacional, como o modelo de Complexos Regionais de Segurança.
Ao mesmo tempo, esta análise demonstra a necessidade de se repensar a estratégia
brasileira para a América do Sul, considerando a centralidade dos projetos de construção de
infra-estrutura física comum aos países sul-americanos (transportes, energia e
comunicações), especialmente através da Área-Pivô ou coração do continente, como parte
absolutamente vital do projeto para consolidar o processo de Integração da América do Sul.
Destarte, o desenvolvimento de forma social e ambientalmente sustentável dos recursos
energéticos desta região pivô da América do Sul, mostra-se como basilar para permitir que
seu desenvolvimento seja igualmente sustentável e favoreça a justiça social e a cidadania na
região, ao mesmo tempo, acelerando a transição para um novo paradigma energético mais
limpo e seguro.
Também considera-se que as Instituições multilaterais, sejam estas
intergovernamentais ou, no futuro, supranacionais, são centrais para estabilizar este
processo e proteger a viabilizar que a construção desta infra-estrutura leve em conta
aspectos como a participação política, além dos impactos positivos e negativos em termos
econômicos, sociais e ambientais locais e regionais.
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APÊNDICES
Cartogramas elaborados pelos autores
Mapa 1 – Geopolítica da América do Sul
Mapa 1: Mapa Azimutal Eqüidistante centralizado na América do Sul. Nota-se a grande distância que o continente se encontra do centro da “Ilha-Mundo” mackinderiana, a Eurásia. Reforça a hipótese de que apenas através da Integração Sul-Americana o continente terá alguma relevância geopolítica global no século XXI. Elaborado com o software AZ_PROJ v. 1.1.6 beta5.
Mapa 2 – Delimitação da “Área Continental de Soldadura” de Couto e Silva
Adaptado pelos autores a partir de COUTO E SILVA (1967, p. 88).
Mapa 3 – As principais Fronteiras Tríplices do Brasil e o centro Geopolítico da América
do Sul na fronteira Brasil-Bolívia
Mapa Azimutal Eqüidistante centrado na Fronteira Brasil-Bolívia. Cada tríplice fronteira está circundada por uma circunferência de raio de aproximadamente 1000km. O ponto central do cartograma está situado em 16,26 Sul 60,16 Oeste, simultaneamente à mesma distância aproximada das tríplices fronteiras Brasil-Paraguai-Argentina e Brasil-Bolívia-Peru (pouco mais de 1150 km de distância de cada). Dentro do círculo formado por um raio de 2200km deste ponto central estão localizadas todas as 6 tríplices fronteiras brasileiras destacadas no mapa. Elaborado com o software AZ_PROJ v. 1.1.6 beta5.
Mapa 4 – O centro Geopolítico da América do Sul e as principais concentrações urbanas
Mapa Azimutal Eqüidistante centrado na Fronteira Brasil-Bolívia (16,26 Sul 60,16 Oeste), mostra as principais cidades com mais de 500 mil habitantes (dados de 2002). Nota-se que a partir deste ponto central, em um raio de 2300 km encontram-se as principais cidades do Cone Sul e dentro de um raio de 3100km estão todas as maiores cidades do continente sul-americano. Elaborado com o software online AZ_PROJ v. 1.1.6 beta5.
Mapa 5 – O Heartland da América do Sul e as macro regiões do continente
O Heartland sul-americano e as principais regiões geoestratégicas do continente. Editado pelos autores a partir de mapa azimutal eqüidistante elaborado com o software online AZ_PROJ v. 1.1.6 beta5. Destaca-se um raio de 4000km a partir do ponto central localizado na Tríplice Fronteira Brasil-Bolívia-Paraguai (aprox. 20,17 Sul 58,16 Oeste), dentro do qual esta localizado todo o continente sul-americano. Nota-se que as 5 regiões do Rimland sul-americano cercam o Heartland e o separam por distancias consideráveis do mar aberto. No caso do Escudo Andino, a cordilheira dos Andes e os planaltos andinos formam a principal barreira física que protege o Heartland do contanto direto com o Oceano Pacífico.