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apresentação

artigosEducação superior no Brasil e a formaçãodos profissionais de saúdecom ênfase no envelhecimentoAlex da Silva Xavier; Lilian Koifman

Discursos que formam saberes:uma análise das concepções teóricas emetodológicas que orientam o material educativode formação de facilitadores de EducaçãoPermanente em SaúdeGrasiele Nespoli; Victoria Maria Brant Ribeiro

La praxis como fundamento de una educación parala salud alternativa: estudio de investigación-acciónen el Programa de Crecimiento y Desarrollo enMedellín, ColombiaFernando Peñaranda-Correa; Julio NicolasTorres-Ospina; Miriam Bastidas-Acevedo; GloriaEscobar-Paucar; Adriana Arango-Córdoba; FráncyNélly Pérez-Becerra

A formação pedagógica institucionalpara a docência na Educação SuperiorCláudia Chueire Oliveira; Maura Maria MoritaVasconcellos

Abordagens de ensino e pesquisa na pós-graduaçãoem saúde: da realidade da disciplinaà ‘utopia’ transdisciplinarJosé Renato Gomes Castro; Bruno José BarcellosFontanella; Egberto Ribeiro Turato

O ensino de pediatria na atenção básica em saúdeentre as fronteiras do modelo biomédico e aperspectiva da integralidade do cuidado:a visão dos médicos supervisoresAlice Yamashita Prearo; Agueda Beatriz PiresRizzato; Sueli Terezinha Ferreira Martins

Integração “ensino-serviço” no processo demudança na formação profissional em OdontologiaMirelle Finkler; João Carlos Caetano; Flávia ReginaSouza Ramos

Estudo qualitativo da integração ensino-serviço emum curso de graduação em OdontologiaAna Luiza de Souza; Daniela Lemos Carcereri

Sociologia das profissões e percepção deacadêmicos de Odontologia sobre o AgenteComunitário de Saúde em Saúde BucalRodrigo Otávio Moretti-Pires; Levi Abraão MarinhoLima; Maria Helena Machado

Solicitações profissionais e sociais de professores decursos de enfermagem no BrasilPaulo Gomes Lima; Patrícia Leal de Freitas Santos

v.15, n.39, out./dez. 2011 ISSN 1414-3283

comunicação saúde educação

A formação ético-humanista do enfermeiro: umolhar para os projetos pedagógicos dos cursos degraduação em enfermagem de Goiânia, BrasilJuliana de Oliveira Roque e Lima; ElizabethEsperidião; Denize Bouttelet Munari; VirginiaVisconde Brasil

Assistência farmacêutica no Sistema Único de Saúde(SUS): percepções de graduandos em FarmáciaClaudia Benacchio Nicoline; Rita de Cássia PadulaAlves Vieira

Formação do psicólogo para a saúde mental:a psicologia piauiense em análiseJoão Paulo Macedo; Magda Dimenstein

Sistematização de estratégias de ensinar-aprenderpesquisa na graduaçãoZuleica Maria Patrício; Maria Regina Silvério; IveteMaria Ribeiro; Janete Elza Felisbino; Ingrid MayBrodbeck; Greice Wessler Medeiros Martins;Gilmara Medeiros Vieira da Silva; Adriana Elias dos Reis

Simulação como estratégia de ensino emenfermagem: revisão de literaturaIlka Nicéia D’Aquino Oliveira Teixeira; Jorge ViníciusCestari Felix

Responsabilidade social da Educação Superior:a metamorfose do discurso da UNESCO em focoAdolfo Ignacio Calderón; Rodrigo Fornalski Pedro;Maria Caroline Vargas

Educação a Distância (EaD) em Física MédicaWellington Furtado Pimenta Neves-Junior; CecíliaMaria Kalil Haddad; Fernando Sequeira Sousa; IvanTorres Pisa

espaço abertoRole-playing: estratégia inovadora na capacitaçãodocente para o processo tutorialIeda Francischetti; Ana Carolina Lemos Corrêa;Camila Mugnai Vieira; Carlos Alberto Lazarini; LilianMaria Giubbina Rolin; Márcia Oliveira Mayo Soares

notas breves

criaçãoDe que formaRenan do Espírito Santo Tobias Duarte; Erika AlvarezInforsato

vídeo: Mas de que Forma/Fôrma?, 2007Renan do Espírito Santo Tobias Duarte

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v.15, n.39, p.971, out./dez. 2011 971COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

Com alegria registramos a escolha do tema da formação para este número daRevista Interface – Comunicação, Saúde, Educação que, desde seus primeirosfascículos, vem manifestando um compromisso com seu tempo e com uma“política estética”, tão expressa nas páginas de suas diferentes edições. Com apostura de contribuir para uma “textualidade heterogênea”, vem assumindo opapel de se constituir num laboratório de ideias, de culturas e de saberes. Por sisó, a própria Revista se constitui como um espaço de formação.

Este termo, porém, exige uma reflexão conceitual para alcançar suas reaispossibilidades de comunicar um significado. Pode estar ligadopreponderantemente, ao mundo do trabalho e à força produtiva, atribuindo àexpressão formação um caráter pragmático e utilitário. Mas pode assumir umavisão mais ampla de cunho humanista, que atribui à formação uma condiçãoaxiológica, alargando a perspectiva anteriormente mencionada.

A compreensão do significado de formação tem profunda relação com o lugare o tempo em que se realiza. Se entendermos a formação como processo vital,que acompanha o homem enquanto ele vive, os lugares da formação serãomúltiplos, assim como o tempo dedicado para tal.

A virada epistemológica, que favoreceu a ruptura com os princípios da ciênciamoderna, favoreceu a compreensão de que os processos de formação sãointencionais, incluem a subjetividade dos envolvidos e se instituem em contextoshistóricos e geográficos definidos. Nesse sentido, formação é sempre auto-formação, mesmo contando com estímulos externos. Coerente com essesprincípios, instalou-se a busca de uma genealogia para fazer avançar oconhecimento e construir teorias que pudessem ajudar a explicação dosfenômenos. Tal perspectiva distanciou-se das grandes generalizações porqueprocurou valorizar tanto as regularidades quanto as especificidades das construçõescotidianas.

Esse pode ser o estruturante que alinha os diferentes estudos apresentadosneste número da Revista que tem a formação como principal eixo articulador. Semdistanciar-se do campo que dá especificidade ao tema, amplia a compreensão dosprocessos de formação, assumindo a sua complexidade e a importância doprotagonismo na sua produção.

Inova, ainda, a Revista, ao publicar pela primeira vez, nesses 15 anos de suatrajetória, uma reflexão em linguagem de vídeo intitulada “Mas de que forma/fôrma?” uma expressão absolutamente pertinente para explicitar a ambíguapossibilidade que o vocábulo formação contém. A linguagem de imagens seconstitui na materialização de uma experiência de formação que assume asubjetividade como valor em que “as sensações serão o ponto de partida, com oobjetivo de construção de um território com várias teias, suficiente para darconsistência às experiências vividas”.

Esta é a trilha para a humana formação, na feliz expressão de Miguel Arroyo.Completa ela a perspectiva de formação como caminho, trajetória, investigação,reflexão, companheira inseparável da experiência. Esta inspiração permeia ostextos apresentados neste número de Interface, que deseja ter nos leitoresparceiros de apreensão dos seus significados.

Maria Isabel da CunhaConselho Editorial Científico

Interface – Comunicação, Saúde, Educação

972 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.972, out./dez. 2011

We are pleased to inform the choice of the theme of education for this issue ofRevista Interface – Comunicação, Saúde, Educação. Since the beginning, theJournal has been committed to its time and to an “esthetic policy”, expressed inthe pages of its different editions. With the aim of contributing to a“heterogeneous textuality”, it has been playing the role of being a laboratory ofideas, cultures and knowledge. In itself, the Journal is a space of education.

However, the term education requires a conceptual reflection to achieve itsreal possibilities of communicating a meaning. It can be preponderantly linkedwith the world of labor and productive force, having a pragmatic and utilitariancharacter. But it can assume a broader humanistic view, in which case it acquiresan axiological condition, enlarging the above-mentioned perspective.

The understanding of the meaning of education has a profound relation to theplace and time in which it takes place. If we understand education as a vitalprocess, which accompanies man while he lives, the places of education will bemultiple, as well as the time dedicated to it.

The epistemological turn, which has favored disruption with the principles ofmodern science, has supported the understanding that the education processesare intentional, include the subjectivity of the involved individuals and areinstituted in defined historical and geographical contexts. In this sense, educationis always self-education, even with external stimuli. Coherent with theseprinciples, the search for a genealogy to make knowledge advance has beeninstalled, so as to build theories that might help explain phenomena. Suchperspective is distant from the great generalizations because it has attempted tovalue both regularities and specificities of daily constructions.

This may be the structuring element that aligns the different studies presentedin this issue of the Journal, which has education as the main articulating axis.Without ignoring the field that gives specificity to the theme, it broadens theunderstanding of the education processes, assuming their complexity and theimportance of protagonism in their production.

The Journal also innovates by publishing, for the first time, in 15 years oftrajectory, a reflection in video language entitled “Mas de que forma/fôrma?”(But in what form?), an absolutely pertinent expression to manifest the ambiguouspossibility that the word formação (education) has. The image language is thematerialization of an education experience that assumes subjectivity as a value, inwhich “the sensations will be the point of departure, with the objective ofconstructing a territory with many webs, sufficient to give consistence to the livedexperiences”.

This is the trail to humana formação (human education), as proposed byMiguel Arroyo. It completes the perspective of education as path, trajectory,investigation, reflection, an inseparable companion of experience. This inspirationpervades the texts presented in this issue of Interface, which wishes that itsreaders become partners in the apprehension of its meanings.

Maria Isabel da CunhaScientific Editorial BoardInterface – Comunicação, Saúde, Educação

Educação superior no Brasil e a formação dos profissionaisde saúde com ênfase no envelhecimento

Alex da Silva Xavier1

Lilian Koifman2

XAVIER, A.S.; KOIFMAN, L. Higher education in Brazil and the education of health careprofessionals with emphasis on aging. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.973-84, out./dez. 2011.

In this article we discuss professionalhealth education with focus on aging,based on the higher education publicpolicy in Brazil. We used the case study ofUniversidade Federal Fluminense (UFF).The central issue was considered theaging of the country’s population, whichstrengthens the need to educate healthprofessionals so that they are able toassist this specific group with quality.Based on the bibliographic survey of thearea, we indicate that changes in thehealth professional’s characteristicshappen as a consequence oftransformations in the social-politicalcontext, mainly the expansion ofcapitalism and the globalization process,which produce changes in the highereducation public policies. We concludethat educating health professionals whoare suitable to the social demands hasbeen a challenging task; however, in thecase of UFF, we have found an educationdirected to the care of the agedpopulation, with curricula changes aimingto make the best of such characteristic.

Keywords: Public policies. HigherEducation. Aging.

Neste artigo discutimos a formaçãoprofissional em saúde com foco noenvelhecimento, a partir da políticapública de Educação Superior no Brasil.Utilizamos o estudo de caso daUniversidade Federal Fluminense (UFF).Consideramos, como questão central, oenvelhecimento populacional no país,que reforça a necessidade de formação deprofissionais de saúde que atendam, comqualidade, as especificidades dessegrupo. Apoiados no levantamentobibliográfico da área, apontamos que asmudanças de característica do profissionalde saúde se dão em consequência dastransformações do contexto sociopolítico,sobretudo a expansão do capitalismo e oprocesso de mundialização, queimprimem mudanças nas políticaspúblicas de Educação Superior.Concluímos que formar profissionais desaúde adequados às demandas sociaistem sido desafiador, entretanto, no casomais profundamente estudado, o da UFF,encontramos uma formação voltada parao atendimento à população idosa, commudanças de currículos aprimorando talcaracterística.

Palavras-chave: Políticas públicas.Educação Superior. Envelhecimento.

1 Centro UniversitárioPlínio Leito. Av.

Visconde do Rio Branco,123, Centro. Niterói,

RJ, Brasil. [email protected]

2 Departamento dePlanejamento em

Saúde, Programa dePós-Graduação em

Saúde Coletiva, Institutode Saúde da

Comunidade,Universidade Federal

Fluminense.

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Introdução

Na atualidade, torna-se cada vez mais comum a percepção da necessidade de se formaremprofissionais de saúde para o Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério da Saúde, nessa perspectiva,tem investido esforços no sentido de manter, na agenda, as políticas públicas de formação direcionadasaos serviços, buscando aproximar as escolas de Formação em Saúde dos serviços de saúde, comobjetivo final de melhorar a qualidade da assistência prestada (Ceccim, Armani, Rocha, 2002). De igualmodo, políticas voltadas para grupos específicos também buscam corresponder a tal expectativa. Assim,tomaremos como exemplo a ser discutido as políticas cujo objeto principal é o indivíduo idoso.

Para tanto, consideramos que as medidas tomadas no âmbito da educação influenciarãoconstantemente o sistema de saúde. É consenso, entre os autores (Sguissardi, 2006; Macedo et al.,2005; Catani, Oliveira, Dourado, 2001; Albuquerque, 1995), que mudanças são tensionadasmundialmente, para que o sistema de educação corresponda às demandas do sistema capitalistavigente, onde a formação deve corresponder à produção de um profissional polivalente e flexível nomenor espaço de tempo possível.

Segundo Catani, Oliveira, Dourado (2001, p.68-9),

As necessidades decorrentes do processo de mundialização implicam novos cenárioscompetitivos, ocasionando a absorção de novos formatos organizacionais. Tais alterações sãoperceptíveis pela absorção da microeletrônica, em larga escala, desde as relações da indústriacom os bancos e com o sistema financeiro até as infra-estruturas e serviços públicos, nível dequalificação de mão-de-obra, qualidade do serviço de pesquisa, dentre outros. A tecnologiatornou-se fator fundamental no contexto em que a competitividade e a produtividade setornaram dogmas absolutos e sinônimo de luta pela sobrevivência no mundo dos negócios.Portanto, nesta ótica empresarial, verifica-se que grande parte das vantagens está associada àqualificação dos recursos humanos e à qualidade dos conhecimentos produzidos. Por isso, aquestão da formação e da produção do conhecimento passou a ser de fundamental interessedas empresas, especialmente das transnacionais.

No cenário brasileiro, observa-se, a partir de pressões externas - sobretudo do Banco Interamericanode Desenvolvimento, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e outros - a cessão das obrigaçõesdo Estado e o ajuste estrutural aumentados no primeiro governo do presidente Fernando HenriqueCardoso (entre 1995 e 1998). Nesse período, foram aprovadas grandes modificações na EducaçãoSuperior, resultando no desencadear do atual panorama de ensino universitário (Catani, Oliveira,Dourado, 2001; Silva Jr., Sguissardi, 1999).

O artigo tem por objetivo discutir a formação profissional em saúde com o foco no envelhecimento apartir da política pública de Educação Superior no Brasil. Nessa perspectiva, utilizamos o estudo de casoda Universidade Federal Fluminense (UFF) como suporte para a discussão. Entendemos que oenvelhecimento populacional em curso no país assume características específicas, e a busca dessa parcelada população por serviços de saúde aponta para a necessidade de formação profissional em saúde queatenda com qualidade o indivíduo idoso, em conformidade com os princípios norteadores do SUS.

Metodologia

O artigo é parte integrante do projeto de pesquisa “Implementação da Política Nacional de Saúde daPessoa Idosa nos Cursos de Graduação em Saúde da Universidade Federal Fluminense”, submetido aoComitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Antônio Pedro. O objetivo é discutir a formaçãoprofissional em saúde com o foco no envelhecimento, a partir da política pública de Educação Superiorno Brasil. Para desenvolver a pesquisa, utilizamos metodologia qualitativa do tipo estudo de caso da UFF.

Primeiro foi realizada análise documental, onde se verificaram os documentos. Inicialmente, asDiretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de graduação em Saúde, seguidas das portarias da Câmara

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de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação (que tratam dacarga horária mínima dos cursos de graduação em saúde), e grades curriculares dos cursos de graduaçãoem saúde da UFF.

Em segundo lugar, foram realizadas 23 entrevistas semiabertas, distribuídas entre os seguintes atoressociais: sete coordenadores, 12 professores e quatro alunos de graduação dos cursos de Enfermagem,Educação Física, Farmácia, Medicina, Nutrição, Odontologia, Psicologia e Serviço Social da UFF, eobservação das escolas onde se localizavam os cursos estudados.

Foram selecionados como agentes da pesquisa: os coordenadores de curso das graduações supracitadas;professores que lecionavam disciplinas voltadas para o envelhecimento (ou que reconhecidamente eramreferência para esse assunto na universidade em questão) e alunos que já tivessem cursado disciplinas sobreos temas de geronto/geriatria. Quanto à escolha do número de participantes, destacamos que, dos oitocoordenadores, um não apresentou disponibilidade de tempo, impossibilitando a entrevista. Em relação aosprofessores, a quantidade de entrevistados reflete a totalidade de docentes de referência nas escolas. Já onúmero de alunos foi intencional e não de amostra probabilística.

Em relação à técnica de análise utilizada para as entrevistas, realizamos uma aproximação da AnáliseTemática (Minayo, 2008), com o processo de categorização dedutiva, buscando compreender em quemedida os cursos de graduação em Saúde da UFF implementam a inclusão da geronto/geriatria em suasgrades curriculares (Moraes, 2003).

Todas as entrevistas foram gravadas, o que possibilitou que os dados fossem submetidos à pré-análisepor intermédio de sucessivas escutas das falas, seguidas de organização das categorias buscadas(disciplina, formação dos professores, atividades complementares e interação entre os cursos e ensinocomo possibilidade de mudança), e, na sequência, análise dos dados.

Políticas públicas e formação em saúde

Historicamente, pode-se observar que, a partir de 1930, com a criação do Ministério da Educação eSaúde Pública (MESP), incluiu-se a educação na agenda política do governo. Em 1934, então, comoparte da 2ª carta constitucional promulgada, destacou-se um capítulo específico descrevendo aeducação brasileira, onde é encontrada também, pela primeira vez (nas constituições existentes atéentão), citação direta sobre a Educação Superior no país. Desde então, o processo de formulação depolíticas de Educação Superior sofre reorientações, até assumir a atual configuração estrutural com apromulgação da 5ª carta magna em 1988. A Constituição, que foi chamada de Cidadã, apresenta, alémdo conjunto de legislação complementar, o destaque para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação,sancionada em 1996 (Lima, Fonseca, Hochman, 2005; Silva Jr., Sguissardi, 1999).

Para Collares, Moysés e Geraldi (1999), a educação possui dois objetos: a formação intelectual e aformação social do homem. Em tal contexto, a formação sempre possui uma intenção, seja maisdeterminística ou dinâmica. No caso da determinística, demonstra, geralmente, grande rigidez noprocesso, com interesse em determinar a ação futura do indivíduo a partir do passado. No caso daformação dinâmica, considera a constituição do sujeito no próprio processo, que interage com aconstrução do conhecimento. A nosso juízo, a segunda abordagem possibilita a formação de sujeitosmais criativos e reflexivos, capazes de articular saberes e construir novas práticas.

A esse respeito, o texto constitucional de 1988 descreve em seu artigo 205: “A educação, direito detodos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e suaqualificação para o trabalho” (Brasil, 2000, p.118 - grifo nosso).

A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases - LDB), que estabelece asdiretrizes e bases da educação nacional, descreve, em seu parágrafo 2º, do artigo 1º, que “a educaçãoescolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho [grifo nosso] e à prática social” (Brasil, 2002, p.27).Assim, dentre os princípios em que o ensino deverá ser ministrado (art. 3º, item XI), encontramos o de“vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais” (p.28).

Ambos os documentos (Constituição Federal de 1988 e LDB) citam a qualificação para o trabalhocomo objetivo da educação. Neste momento, concordando com Leite, defendemos o conceito de

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qualificação entendido como “capacidade de mobilizar saberes para dominar situações concretas detrabalho e transpor experiências adquiridas de uma situação concreta a outra” (Leite apud Freitas, Saul,2007, p.19). Segundo Motta e Aguiar (2007), as modificações no mundo do trabalho exigemvalorização da subjetividade, e, baseados nessa ideia, propõem a utilização do conceito de competênciapara considerar a formação profissional em saúde. Para esses autores, formação por competênciaremeteria, necessariamente, a um caráter polissêmico – condição de articular saberes em dada situaçãoreal e prática –, potencializando a subjetividade do indivíduo presente no conceito de qualificação.

Considerando a graduação em Saúde e a formação em Geriatria e Gerontologia, especificamente, aspolíticas públicas que tratam do idoso relatam a necessidade de realização de ações articuladas entrediversos setores (Brasil, 2006a). Entretanto, o setor de saúde acaba sendo o local onde se percebe ounão o atendimento às necessidades de formação profissional. Conforme aponta a Política Nacional deSaúde da Pessoa Idosa, não temos, hoje, profissionais em número suficiente para atendimento dasnecessidades dessa população. Surge, como desafio, a conformação de uma estrutura de cuidado esuporte qualificados, além da necessidade de formação de equipes multiprofissionais e interdisciplinarescom conhecimento em envelhecimento e saúde da pessoa idosa.

Assim, o Ministério da Saúde formulou a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde,instituída em 2004 e alterada em 2007, com intuito de transformar e qualificar a Formação em Saúde. Éverdade que a implementação da mesma tem sofrido alterações. Todavia, se de um lado ocorremmudanças dos atores políticos envolvidos com a implementação dessa política pelo Estado, o queprovoca momentos de fragilização intercalados por momentos de potencialização, de outro, esseprocesso - conforme sugerem Arretche (2005) e Menicucci (2007) - permite momentos dereformulação constante, impondo um caráter dinâmico à implementação da política.

A proposta da Educação Permanente em Saúde foi propagada com o objetivo de intervir na carênciaestrutural encontrada na formação dos profissionais de saúde (Lopes et al., 2007). A mesma estávoltada, essencialmente, para a aprendizagem em serviço, a partir dos desconfortos vivenciados nopróprio cotidiano do trabalho, com o que pretende dialogar com as práticas e concepções vigentes,buscando problematizá-los (Lopes et al., 2007; Ceccim, 2005a). É um modelo em que o profissional écolocado no núcleo do processo ensino e aprendizagem, onde são considerados todos os processos desubjetivação, valorizando-se sua capacidade criativa e o conhecimento produzido na práxis. Assim, aeducação permanente apresenta-se como duplamente produtora, haja vista a produção do cuidado (nocaso da saúde) assim como a produção do trabalhador (Franco, 2007; Ceccim, 2005b; Ceccim,Feuerwerker, 2004), destacando que a formação se dá no próprio cotidiano do serviço (Brasil, 2009).

No caso da educação para a saúde, Franco (2007, p.436) afirma:

A atividade de trabalho na saúde produz enunciado durante todo o seu processo. Pela suanatureza relacional, a dinâmica do trabalho vivo em ato traz a possibilidade de ter o mundoda saúde em transformação e, sobretudo, a implicação dos sujeitos com a atividadeprodutiva. Tudo isso traz, em si, a potência da mudança dos trabalhadores e dos usuários. Aprodução pedagógica ocorre pari passu à produção do cuidado, sendo constitutivos damesma os processos de cognição e formação de novas subjetividades.

No que diz respeito à formação profissional em Gerontologia, Motta e Aguiar (2007) afirmam que asmudanças no mundo do trabalho trazem a valorização da subjetividade e a ideia de formação porcompetência, entendida como a condição de articular saberes em dada situação real e prática. Dessamaneira, a educação permanente vem responder a tal perspectiva, levando em consideração osprocessos de constituição do sujeito.

Mudanças na graduação

A LDB, reafirmando parte do artigo 207 da Constituição Federal, traz ao processo de graduação, apartir de 1996, importantes mudanças que proporcionam um novo desenho da Educação Superiorbrasileira. Seu artigo 53 concede ampla autonomia às universidades, contribuindo para o aumento do

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número de vagas, o aumento do número de cursos e a ampliação do setor privado de ensino (Brasil,2002).

Para aqueles cursos de graduação denominados, segundo o Conselho Nacional de Saúde, de grandeárea da saúde (Biologia, Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia,Fonoaudiologia, Medicina, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social eTerapia Ocupacional), os dados até 2003 descrevem o quadro que comentamos a seguir.

Quanto à localização podemos observar que o número de vagas e egressos dos cursos de graduaçãoem Saúde não acontece de maneira uniforme no território nacional. A Região Norte e a Centro-Oeste,a seguir, são as que possuem menor registro, enquanto a Região Sudeste concentra grande quantidadede cursos. Ao somarmos os números relativos às ofertas das regiões Norte, Centro-Oeste, Nordeste eSul, as mesmas não correspondem a 50%, ou seja, o Sudeste possui oferta majoritária em cursos desaúde (Brasil, 2006b).

Quanto à ampliação do setor privado de ensino de graduação, verifica-se que 70% dos cursos deSaúde, 85,3% das vagas e 67% dos egressos são oriundos de instituições privadas. Soma-se a isso ofato da multiplicidade de currículos para cada curso, conforme determinação de cada instituição deensino, dado que, a partir da Lei 9.394/96, o processo de autonomia das universidades também permitea elas estabelecerem os currículos de seus cursos e programas (Brasil, 2006b, 2002).

Com esses dados, propomos uma reflexão sobre as intencionalidades do processo de autonomia,gerado a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), nas instituições deEnsino Superior (IES) e em seus cursos de graduação. É evidente o vertiginoso crescimento do númerode instituições de Educação Superior privadas verificado a partir dos anos 90 do século passado. Essatendência só foi interrompida em 2008, conforme demonstrado no último censo da Educação Superiorrealizado. Especialistas responsabilizam a integração – seja por fusão ou por compra das instituições –por esse decréscimo. Todavia, garantem que este acontecimento não interfere significativamente nocrescimento do número de vagas ofertadas.

No período de 2001 a 2004, a Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação publicouas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos cursos de graduação em Saúde, com intuito de orientara elaboração dos currículos e, ao mesmo tempo, assegurar a flexibilidade conquistada. Procurandoestabelecer uma relação entre as diretrizes, a transição demográfica, a transição epidemiológica e aatenção à saúde do idoso, avaliamos as DCNs de cada um dos cursos (considerados pelo ConselhoNacional de Saúde como profissões de saúde). Constatamos que, em relação aos conhecimentosexigidos para se alcançarem as competências e habilidades específicas por curso (conteúdos essenciais àformação de cada um desses profissionais), apenas os cursos de Educação Física, Enfermagem, Medicinae Nutrição referem-se diretamente ao envelhecimento ou ao idoso em suas respectivas DCNs.

Assim, ao relacionarmos a demanda da população idosa por serviços de saúde e a responsabilidadedas IES com a formação voltada para a realidade dos serviços de saúde, percebemos que, a despeito daideia de oxigenação dos componentes curriculares e a possibilidade de aproximação dos cursos degraduação a uma realidade profissional (anteriormente limitada nos “Currículos mínimos”), encontra-seuma flexibilização excessiva dos currículos e ‘aligeiramento’ da formação acadêmica. Tal processo, aomenos no caso das graduações em Saúde, além de não garantir a aproximação da academia com arealidade dos serviços, tem contribuído para a falta de conteúdo de Geriatria e/ou Gerontologia noscurrículos. Entre outros motivos, vemos que a diminuição da carga horária mínima para os cursos degraduação aumenta a disputa entre os conteúdos necessários à integralização dos cursos e parece acirraro corporativismo nas profissões de saúde, à medida que sustenta cargas horárias extremamente distintas(entre 3200 e 7200).

Conforme a literatura (Motta, Aguiar, 2007; Diogo, 2004), observa-se que, apesar do rápidoaumento do número de idosos no Brasil (senescentes e senis) e consequente aumento da utilização dosserviços de saúde por essa faixa etária, o número de Instituições de Ensino Superior que têmdisponibilizado disciplinas direcionadas ao envelhecimento, em seus cursos de graduação em saúde,tem sido pequeno.

Para Catani, Oliveira, Dourado (2001, p.11),

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A questão central nesse cenário de diversificação e diferenciação da educação superior noBrasil, no tocante à reformulação curricular dos cursos de graduação, não parece ser o daflexibilização curricular em si, uma vez que esta é expressão de diferentes concepções edesdobramentos acadêmicos. Por essa razão, é preciso ter claro que a política oficial, ao seapropriar e redirecionar essa temática, em uma perspectiva pragmática e utilitarista de ajuste aomercado, reduz a função social da educação superior ao ideário da preparação para o trabalho,a partir da redefinição de perfis profissionais baseados em habilidades e competênciashipoteticamente requeridas pelo mercado de trabalho em mutação [grifo nosso].

As IES, em um contexto geral, muitas vezes apontam para a preocupação em formar acadêmicoscom habilidades e competências por demais específicas, reforçando uma formação menos generalista epriorizando certa inclinação a especialização já na graduação. Nesse contexto, deixa a desejar emquestões que realmente dizem respeito ao trabalho, como, por exemplo, a abordagem doenvelhecimento na graduação, que é encontrada de forma incipiente. É evidente o fato de as IES nãoformarem seus profissionais de saúde com habilidades e competências para abordarem o idoso e oprocesso de envelhecimento na mesma velocidade em que se dá o envelhecimento populacionalbrasileiro e o aumento do número de idosos nos serviços de saúde. O que se observa, de forma geral,quando olhamos para as graduações pensando o envelhecimento, é um descompasso entre a formaçãoe a transição demográfica.

Vale aqui registrar que compreender a realidade dos serviços de saúde significa, também, questionarquem são os sujeitos que buscam este serviço. Não para corresponder a uma atuação em saúdereducionista baseada em uma formação tradicional e biologicista, mas sim a uma atenção integral ecentrada no sujeito. O envelhecimento populacional brasileiro é um fato. Aproximadamente 14% dapopulação do nosso país são compostos por idosos, e estima-se, para o ano de 2025, o sexto lugar noranking mundial. É verdade que novas imagens e representações a respeito da velhice brasileira têmsurgido, desenhando um perfil mais positivo dessa fase vivida com heterogeneidade – sobretudoquando nos referimos às condições físicas e mentais. Entretanto, não é possível desconsiderar aspesquisas, quando apontam para a maior utilização dos serviços públicos de saúde por idosos,enfatizando a maior frequência nas internações, bem como maior tempo de ocupaçãocomparativamente às demais faixas etárias (Veras, 2009; Nunes, 2004). O relato de uma professora deum dos cursos de saúde da UFF é um exemplo: “A demanda maior de pacientes tratados é de idosos,70% de idosos. Se entrar na Cardiologia do Hospital Antônio Pedro, no 7º andar, dos quatro leitos, três,quiçá quatro, são idosos, idosos mesmo, 80, 90 anos”.

Em um contexto de utilização do serviço de saúde por uma faixa etária específica, entendemos quecabe à formação superior a função social de preparar seus profissionais de saúde para assistirem taissujeitos com um olhar biopsicossocial do processo saúde-doença. Entretanto, alguns autores (Motta,Aguiar, 2007; Diogo, 2004) afirmam que a academia não tem formado nessa perspectiva, ao menos,não de forma direta, objetiva, assumindo isso como uma necessidade social. Apostamos que, para alémdas questões de transições demográficas e epidemiológicas, aproximar o aluno das limitações decompreender o envelhecimento a partir da idade cronológica, relativizar a ideia de que a discriminaçãode idosos parte do fato de os mesmos se encontrarem excluídos da cadeia de produção, e criticar osmecanismos disciplinadores da gerontologia sobre a vida humana, são dispositivos que poderão interferirbeneficamente na atuação profissional em saúde. Acreditamos que a divisão de disciplinas por faixaetária, o oferecimento de disciplina no campo da Gerontologia e a valorização da necessidade dainterdisciplinaridade, são estratégias que podem beneficiar a abordagem biopsicossocial do idoso. Nessesentido, compactuamos com a ideia de que a Geriatria está contemplada nesse campo, com aresponsabilidade de identificar, prevenir e/ou tratar as doenças comuns na velhice.

Por Gerontologia entendemos: o campo que se propõe estudar/compreender os fenômenosmultifacetados e multifatoriais, com intuito de responder aos aspectos biológicos, sociais, psíquicos,legais e outros que envolvem o envelhecimento. O campo gerontologia diferencia-se da disciplina dadoque o primeiro atua dentro e fora dos limites da universidade, quando a segunda limita-se ao interior damesma (Prado, Sayd, 2006; Papaléo Netto, 2002).

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v.15, n.39, p.973-84, out./dez. 2011 979COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

No mais, destacamos a necessidade de maior aproximação entre o ensino e os serviços de saúde. Aindissociabilidade entre os dois possibilita que, consequentemente, o aluno tenha contato, durante aformação, com o cotidiano do trabalho em saúde, correspondendo ao desafio de produção de saúde emato, o que proporciona o aprendizado do cuidado em conjunto com a população assistida. Para além deaprender uma abordagem gerontológica, tal aproximação é um investimento na compreensão darealidade complexa dos serviços de saúde, incluído o cuidar da população que envelhece comcaracterísticas especificas desse serviço.

Em estudo anterior realizado na UFF, com intuito de verificar a construção do modelo a partir do qualos currículos dos cursos de Medicina têm se apoiado, Koifman (2001) considera que a abordagem dedisciplinas por faixa etária propicia uma formação mais humanista. Possivelmente, essa abordagem, quepermite uma ação educativa problematizadora presente no curso de Medicina dessa instituição,contribui para a diferença quando se compara essa universidade com as demais presentes no cenário daeducação brasileira. Motta e Aguiar (2007) alertam que o modelo biomédico hegemônico, da formacomo está implantado, torna secundários os aspectos sociais, econômicos e subjetivos na determinaçãodo processo saúde-doença, sugerindo que modelos mais ampliados para uma abordagem ao idosodeverão utilizar-se da Gerontologia.

Em relação às tendências e perspectivas do desenho do campo de pesquisas com idosos no Brasil, em2002 era possível observar que as mesmas possuíam maior enfoque na disciplina Geriatria –aproximadamente 58% da produção (Freitas et al., 2002). Porém, nessa mesma pesquisa, quando foiestratificada a produção por níveis - graduação, mestrado, doutorado e livre-docência -, ficou claro que,nos dois níveis mais altos, a produção no campo da Gerontologia era o dobro daquela localizada naGeriatria. Segundo os autores do trabalho, tal fato se devia à necessidade de as pesquisas sobreenvelhecimento nesses níveis não ficarem limitadas aos fatores físicos e biológicos, mas alcançarem umavisão psicossocial e cultural. Compreender que o processo saúde-doença é construído por intermédio dasinterações psicossociais e culturais, para além daquelas físicas e mentais, é admitir que os profissionaisprecisam aproximar-se dessa dimensão já na graduação. Mesmo porque a grande parcela dosprofissionais de assistência nos serviços de saúde, geralmente, não busca os cursos stricto sensu.

Acreditamos, concordando com os demais autores (Motta, Aguiar, 2007; Papaléo, 2002), que ainterdisciplinaridade é essencial na abordagem do indivíduo idoso, uma vez que o processo deenvelhecimento é construído por intermédio de fatores diversos, tais como: biológicos, psicológicos,sociais, religiosos e culturais. E intervir positivamente nesta faixa etária significa propor estratégiascriativas de práticas interdisciplinares que valorizem o indivíduo dentro de seu contexto social.

Considerada a escassez de recursos de saúde para atendimento à saúde do idoso, a Política Nacionalde Saúde da Pessoa Idosa expõe a necessidade de formação de profissionais para atuarem comenvelhecimento, estando tal necessidade contemplada enquanto diretriz da própria política. Aintersetorialidade é apresentada como estratégia para o alcance da diretriz em questão. Como exemplo,temos: a necessidade de ações do setor educação que possam dar suporte ao setor saúde, como inclusãode disciplinas específicas que abordem o envelhecimento nos currículos de graduação; utilização demetodologias, material didático e currículos que atendam a PNSPI; além de incentivo à criação de CentrosColaboradores de Geriatria e Gerontologia. Trata-se de apostar em ações interligadas que beneficiem aformação profissional em saúde, uma postura que pode ser verificada em documentos que antecedem aPNSPI, dentre eles a Lei Orgânica da Saúde, a Política Nacional do Idoso e o Pacto Pela Saúde.

Além da Educação, mantendo-se a ótica da intersetorialidade, em 8 de agosto de 2007, o governofederal publica a portaria nº 1.873/07, que institui o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) paraelaboração do Plano Nacional Integrado de Ações de Proteção à Pessoa Idosa – Sistema Único daAssistência Social (SUAS) e Sistema Único de Saúde. Configura-se, assim, uma conduta direcionada aoacompanhamento e abordagem integral e integrada da pessoa idosa.

A despeito do número incipiente de IES que organizam a temática idoso em seus currículos,constatamos que existe uma formulação crescente de políticas posicionadas no campo da proteçãosocial que tensionam a existência do tema nos cursos de graduação em saúde. Isso sugere umaexpectativa para implementação desses documentos nos próximos anos. Acreditamos que as IEScaminham para um período de adequação de seus currículos e campos de prática educacional.

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Alertamos, aqui, que os movimentos e órgãos sociais ligados aos idosos possuem importância ímpar,dado que reivindicações desse campo geralmente são acolhidas pela academia - a exemplo, observamoscomo a PNSPI tem sido implementada nos cursos de graduação em saúde da UFF, apostando queexperiências exitosas são passíveis de reprodução.

Os cursos de graduação em saúde da UFF

O estudo abrangente de Paula (2008), realizado no município de Niterói, com o objetivo de traçarum perfil das instituições de Educação Superior desse município, aponta a UFF como a únicauniversidade pública existente na localidade.

Das 14 profissões consideradas pelo Conselho Nacional de Saúde como categorias de saúde, aUniversidade Federal Fluminense possui 11 cursos em funcionamento. Enquanto os cursos deFisioterapia e Terapia Ocupacional têm seus projetos pedagógicos e currículos já formulados aguardandoimplementação, o curso de Fonoaudiologia iniciou sua primeira turma no primeiro semestre letivo de2010 em Nova Friburgo, e os cursos de Biomedicina e Educação Física estão com as suas respectivasprimeiras turmas em curso em Niterói. Os demais cursos encontram-se estabelecidos e passam oupassaram recentemente por processos de reformulação. Alguns, como é o caso da Nutrição e daFarmácia, mantêm dois currículos simultâneos em andamento (o antigo e o reformulado) (UniversidadeFederal Fluminense, 2008; Brasil, 1998). Segundo Paula (2008), a UFF é a instituição de EducaçãoSuperior de maior importância na cidade onde está localizada, que, em 2004, registrava 16 instituiçõesde Educação Superior, 15 delas privadas. Apesar de estar presente em 15 municípios do estado do Riode Janeiro, a UFF tem, em Niterói, seu município sede, onde as faculdades, escolas e institutosencontram-se distribuídos ao longo de vários bairros. Concordamos com a autora quanto à relevânciadas atividades de pesquisa e extensão desenvolvidas pela UFF para o desenvolvimento do município edo estado do Rio de Janeiro. Dentre essas, destacamos os projetos de pesquisa e extensão voltados aoenvelhecimento, como os desenvolvidos pela Escola de Serviço Social e pelo Programa Interdisciplinarde Geriatria e Gerontologia.

Ao estudarmos o caso da UFF, como nosso campo de pesquisa, pudemos observar que, na graduaçãoem Farmácia, as mudanças acontecem de forma vertical e destinam-se a cumprir exigências doMinistério da Educação relacionadas à formação do farmacêutico, que, atualmente, tem obrigatoriedadede formar-se generalista. Já no Curso de Nutrição, o processo de reformulação ocorreu de formaparticipativa e a partir da compreensão da necessidade de mudanças pelo conjunto de atores envolvidosno curso, para maior aproximação do Sistema Único de Saúde.

Na UFF, o curso oferecido pela Faculdade de Farmácia era industrial, com a possibilidade dehabilitação em Bioquímica (ênfase em Alimentos ou Análises Clínicas). Para cumprir tais exigências, ocurso aumentou o tempo de integralização, passando de quatro anos e meio para cinco anos deformação. No caso de Nutrição, a alteração curricular não significou aumento no tempo deintegralização do curso.

Avaliando a grade curricular dos citados cursos da UFF em funcionamento, verificamos que osmesmos apresentam cargas horárias extremamente heterogêneas, variando aproximadamente entre trêsmil e nove mil horas. Nesse ponto, temos nosso primeiro questionamento quanto às consideraçõespreliminares: flexibilizar a formação a ponto de possibilitar tamanha diferença entre cursos permitecategorizá-los, muitas vezes, especulando-se o lugar que cada um deles deve assumir no desempenhodas profissões. Institucionalmente, falamos de cursos que, apesar de classificados como categorias desaúde pelo Conselho Nacional de Saúde, encontram-se trancados em seus institutos e/oudepartamentos com lógicas organizacionais distintas. Se as políticas de saúde3 têm buscado a criação deequipes multiprofissionais e de um saber que é construído por meio do biopsicossocial, as universidadesainda reproduzem seus nichos corporativos.

Durante o nosso trabalho de campo para produção destes dados, foi comum que os entrevistadosse referissem a estruturas de organização não mais existentes na UFF, teoricamente, como é o caso doCentro de Ciências Médicas ou Centro de Estudos Gerais. Pelo que parece, tais estruturas permanecemno modo com que os indivíduos operam suas ações profissionais.

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Para Motta e Aguiar (2007), a verticalização e a departamentalização dasestruturas universitárias e o viés corporativista, que disputam saberes ecompetências específicas, proporcionam aos alunos vivências contrárias à ideia deinterdisciplinaridade.

Continuando a avaliação das grades curriculares, excluindo a MedicinaVeterinária, foi possível, a princípio, identificar o conteúdo envelhecimento apenasnos cursos de Enfermagem e Medicina, já que apenas esses cursos possuem estadisciplina na modalidade obrigatória, e as disciplinas optativas e eletivas não sãodiscriminadas na grade curricular. Todavia, em entrevistas com os coordenadores eprofessores dos cursos, constatamos que os cursos de Educação Física,Odontologia, Serviço Social também apresentavam disciplinas específicas voltadaspara a atenção ao idoso, entretanto apenas na modalidade optativa. Consideramosque o oferecimento de disciplinas apenas na modalidade optativa coloca oconteúdo em uma posição frágil, já que, em alguns cursos, podem deixar de seroferecidas em um determinado momento em que se julgue outra disciplina maisimportante. Em entrevista, uma professora, ao ser questionada quanto àimportância dessa disciplina ser oferecida na modalidade obrigatória, responde:“Na verdade, não só essa disciplina como várias outras deveriam ser obrigatórias,só que o currículo tem dar conta de uma série de conteúdos”. O fato sugere queas disciplinas em modalidade optativas disputam entre si para se manterem.

Em todos os cursos que oferecem disciplinas optativas voltadas para a atençãoao idoso, foi possível localizar a abordagem no campo da gerontologia, inclusivena graduação em Enfermagem e Medicina. Por outro lado, as disciplinasobrigatórias, além de se localizarem no campo específico da Geriatria, concorremcom conteúdos de adultos jovens, conforme relato de um dos entrevistados:

“Estas duas disciplinas [obrigatórias] não trabalham especificamentecom idosos, elas trabalhão com adultos e idosos em situaçõesclínicas. Todas as patologias clínicas de adultos e idosos. A disciplinaque discute hoje a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa e assuas implicações sociais, as questões sociais que envolvem oenvelhecimento e os aspectos biológicos do envelhecimento humanoé a optativa”.

Considerações finais

É premente a necessidade de formação profissional em Saúde para o SUS.Nesse contexto, o Ministério da Saúde tem investido esforços no sentido demanter, na agenda, políticas públicas de formação direcionada aos serviços,buscando aproximar escolas e serviços de saúde, com fins de qualificar aassistência prestada. Em contrapartida, mudanças são tensionadas mundialmentepara que o sistema de educação corresponda à economia capitalista vigente,exigindo formação profissional polivalente e flexível. Defendemos que aimplementação da PNSPI, especificamente no que diz respeito à formação deprofissionais de nível superior em Saúde, encontra-se neste campo de discussão e,como tal, pode contribuir para exemplificar alguns avanços e retrocessos naperspectiva da formação para atendimento das necessidades da população. O queleva-nos a afirmar que, de um modo geral, a formação não tem atendido ànecessidade do Sistema Único de Saúde.

E isso tem ocorrido a despeito das orientações das Diretrizes CurricularesNacionais dos Cursos de graduação em Saúde, para a necessidade de formar

3 Referimos-nos àsDiretrizes CurricularesNacionais – que, em suamaioria, citam o trabalhoem equipe, a PolíticaNacional de EducaçãoPermanente em Saúde –uma vez que propõem agestão colegiada, aPolítica Nacional deSaúde da pessoa Idosa –logo que, dentre suasdiretrizes, temos oestímulo às açõesintersetoriais, comobjetivo de alcançar aatenção integral, além daprópria legislação queregulamenta o SistemaÚnico de Saúde – cujaintegralidade deassistência é umprincípio. Entendemosque a atenção integral sóé possível de seralcançada à medida quecaminhamos em direçãooposta à fragmentaçãodas práticas e saberes,possibilitando diálogo etrabalho em equipe, eapostamos que, quandoas políticas investem emuma perspectiva deintegralidade,essencialmente apontampara este entendimento.

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profissionais capazes de intervirem no processo saúde-doença prevalente. Tal flexibilidade, somada àtensão por formação em período/cargas horárias totais de curso cada vez menores, ameaça a garantiade uma formação que corresponda efetivamente ao perfil demográfico e epidemiológico, ditado peloenvelhecimento populacional. As mudanças relativas à necessidade de formar profissionais de nívelsuperior em saúde com habilidades e competências específicas para lidarem com o idoso, de maneirageral, não correspondem ao rápido envelhecimento populacional vivenciado no Brasil. Existem avançosquando nos referimos à formulação e implementação de políticas públicas de formação específicas nocampo da gerontologia, mas destacamos a urgência de se aumentar a velocidade de implementação dasmesmas e divulgação de experiências exitosas nesse campo.

No caso da UFF, percebemos uma tendência à implantação de disciplinas específicas que abordam oenvelhecimento em seus cursos de graduação em Saúde e uma aproximação da necessidade dos serviçossaúde. Acreditamos que a Universidade encontra-se na construção de um modelo de Formação emSaúde que considera o idoso em suas especificidades. Todavia, entendendo ser a função do profissionalde saúde atender ao doente e à doença, alertamos para o risco de que os currículos privilegiem a ideiade Geriatria que desconsidere os determinantes sociais da saúde. Problematizamos, ainda, a noção deGeriatria especificamente como especialidade médica. Ora, se entendemos que cabe à Geriatriaidentificar, prevenir e/ou tratar aquelas doenças comuns no envelhecimento, reduzi-la a uma profissão –neste caso a Medicina – seria desconsiderar a atuação dos demais profissionais de saúde na intervençãodo processo saúde-doença. A nosso ver, a geriatria presta-se à clínica, seja na medicina, na enfermagem,na fisioterapia ou em qualquer outra profissão de saúde. Reforçamos a postura de apoio à implementaçãoda disciplina de Gerontologia, pois, afinal, acreditamos que, nela, a Geriatria está contemplada. Docontrário, estaríamos negando a função precípua da atuação dos profissionais de saúde.

Em relação às disciplinas obrigatórias, Enfermagem na Saúde do Adulto e do Idoso I e II, MedicinaIntegral do Adulto e do Idoso I, II, III e IV, conforme nome e conteúdo das mesmas, observamos quesuas ementas não tratam especificamente do velho, o que possibilita concorrência entre as faixas etáriasa serem abordadas. No mais, a maior parcela dos conteúdos trabalhados parece estar voltada à Geriatria,enquanto aquelas que privilegiam a Gerontologia encontram-se na modalidade optativa, e assimapresentam possibilidade de não serem oferecidas em um determinado momento da história do curso.

Para além da existência das disciplinas especificamente voltadas ao desenvolvimento de capacidade ehabilidade com idosos, registramos a existência de disciplinas outras que abordam tal relação,demonstrando a abordagem do tema de maneira transversal no curso. Nesse sentido, destacamos asseguintes disciplinas: Trabalho de Campo Supervisionado I, Internato em Clínica Médica (Curso deMedicina), Metodologia da Pesquisa, Enfermagem em Saúde Coletiva I e Fundamentos de EnfermagemI e II (curso de Enfermagem), que, a partir da Gerontologia, trabalham seus objetos específicos. Nestescasos, salientamos que a manutenção de tal aproximação acontece devido à iniciativa particular dosprofessores responsáveis por tais disciplinas no momento, o que sugere certa instabilidade naperpetuação da abordagem do tema desta maneira.

Colaboradores

Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito.

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Discutimos la formación profesional en salud enfocando el envejecimiento, a partir delas políticas de educación superior en Brasil. Utilizamos el estudio de caso de laUniversidad Federal Fluminense (UFF). Consideramos como cuestión central elenvejecimiento de la población en Brasil, que muestra la necesidad de la formación deprofesionales de salud que puedan ofrecer atención con calidad a las especificidades deeste grupo. A partir de la revisión bibliográfica, destacamos que los cambios decaracterísticas en el profesional de salud se desarrollan como consecuencia de lastransformaciones del contexto socio-político, principalmente la expansión delcapitalismo y el proceso de mundialización que promueven cambios en las políticaspúblicas de educación superior. Concluimos que formar profesionales de saludadecuados a las demandas sociales es un desafío, pero, en el caso de la UFF,encontramos una formación encaminada a la atención a la población anciana, concambios curriculares que mejoran tal característica.

Palabras clave: Políticas públicas. Educación Superior. Envejecimiento.

Recebido em 09/04/10. Aprovado em 11/01/11.

Discursos que formam saberes:uma análise das concepções teóricas e metodológicas que orientam o material educativode formação de facilitadores de Educação Permanente em Saúde

Grasiele Nespoli1

Victoria Maria Brant Ribeiro2

NESPOLI, G.; RIBEIRO, V.M.B. Discourses that form knowledge: an analysis of thetheoretical and methodological conceptions that guide the educational material for thetraining of facilitators of Continuing Education in Health. Interface - Comunic., Saude,Educ., v.15, n.39, p.985-96, out./dez. 2011.

This study analyzes the main theoreticaland methodological conceptions thatguide the educational material of Cursode Formação de Facilitadores de EducaçãoPermanente em Saúde (Education Coursefor Facilitators of Continuing Education inHealth). The educational material,understood as an important pedagogicaltool, articulates fundamental themes forthe development of Sistema Único deSaúde (Brazil’s National Health System).We have identified eight central axes ofthought (propositions) that point toguidelines for the management of newpractices in the health field. ContinuingEducation in Health is seen as a co-management strategy that considers workas a space of educational practices and ofproduction of subjectivities.

Keywords: Continuing education. Health.Policy. Health knowledge, attitudes,practices.

O presente estudo faz uma análise dasprincipais concepções teóricas emetodológicas que norteiam o materialeducativo do Curso de Formação deFacilitadores de Educação Permanente emSaúde. O material educativo, entendidocomo uma importante ferramentapedagógica, articula temas fundamentaispara a construção do Sistema Único deSaúde. Foi possível identificar oito eixoscentrais de pensamento (proposições)que apontam diretrizes para oagenciamento de novas práticas nocampo da saúde. A Educação Permanenteem Saúde é concebida como umaestratégia de cogestão que tem otrabalho como espaço de práticaseducativas e de produção desubjetividades.

Palavras-chave: Educação continuada.Saúde. Política. Conhecimentos, atitudese prática em saúde.

* Elaborado com baseem resultado de

investigação da linha depesquisa Educação

Permanente em Saúde doLaboratório de Currículo e

Ensino do Núcleo deTecnologia Educacional

para a Saúde, daUniversidade Federal do

Rio de Janeiro.1 Laboratório de Educação

Profissional em Gestão emSaúde, Escola Politécnica

de Saúde JoaquimVenâncio, Fundação

Oswaldo Cruz. Av. Brasil,4365, Manguinhos. Rio

de Janeiro, RJ, Brasil.21.040-900.

[email protected] Laboratório de Currículo

e Ensino, Núcleo deTecnologia Educacional

para a Saúde,Universidade Federal do

Rio de Janeiro.

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Apresentação

[...] porque organizar a gestão e a atenção em saúdeé uma pedagogia [...]. (Brasil, 2005d, p.50)

Os atuais desafios de construção do Sistema Único de Saúde (SUS) refletemdiretamente na necessidade de revisão dos processos de formação profissional ede organização do trabalho em saúde para se promover uma reorientação dosmodelos de atenção e das práticas de gestão e cuidado. Neste sentido, nas últimasdécadas, muitas iniciativas têm buscado instituir uma política de formaçãoprofissional orientada para a integração das práticas de educação, saúde e trabalho,com base na adoção de mecanismos coletivos e interdisciplinares de organizaçãodos serviços e instituições formadoras.

Hegemonicamente, os processos de educação continuam centrados emmodelos verticais de repasse de informações, e as mudanças no processo degestão do trabalho são operadas, muitas vezes, numa dimensão político-administrativa - e, consequentemente, pouca atenção é dada aos mecanismos etecnologias cotidianos e à dimensão do trabalho vivo em ato, como consideraMerhy (2002) quando destaca que o trabalho em saúde acontece no encontroentre sujeitos, nas relações sociais, isto é, ele é produzido em ato, portanto, é umtrabalho vivo. O trabalho na saúde opera por núcleos tecnológicos nãodependentes somente dos equipamentos, mas, também, das tecnologias-não-equipamentos. Nesse caso, a reestruturação produtiva é algo mais intenso do queum rearranjo econômico e está estrategicamente articulada a novos territóriostecnológicos não materiais, isto é, subjetivos. No entanto, no campo da saúde, osmecanismos de gestão continuam presos às tecnologias duras, que versam sobreequipamentos e instrumentais burocráticos, e às tecnologias leve-duras, quereproduzem um modelo normativo, baseado na divisão técnica e social do trabalhoe na fragmentação dos processos de cuidado3.

Para Ceccim (2004), inovar os processos de formação dos trabalhadores dasaúde significa romper os tradicionais modelos de formação caracterizados porlinhas de capacitações que respondem à fragmentação do processo de trabalho,dificultando a apreensão da complexidade que envolve o processo saúde-doençapor trabalhar de forma descontextualizada e baseada na transmissão deinformações e conhecimentos.

Motta, Buss e Nunes (2005), analisando as dificuldades no processo deformação profissional, apontam três níveis diferenciados de análise: conceitual,metodológico e contextual - ou seja, é preciso compreender os conceitos quepermeiam as práticas e abordagens pedagógicas; estabelecer diálogos com oprocesso de trabalho em saúde, “de forma que este possa de fato informar sobreos problemas do trabalho e suas possíveis estratégias educacionais deenfrentamento”; e “aprofundar a compreensão dos novos contextos em que sedão à organização do trabalho” (Motta, Buss, Nunes, 2005, p.4).

Muitos são os questionamentos no campo da educação em saúde e muitas sãoas tentativas de transformação dos modelos de gestão e de atenção à saúde,algumas perseverantes, outras mais efêmeras, de acordo com a intensidade dosinvestimentos políticos, governamentais, financeiros, tecnológicos e micropolíticos.Neste sentido, um movimento de busca por novas estratégias político-pedagógicaspara o SUS culminou na publicação, em fevereiro de 2004, da Portaria 198, queinstituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) no Brasil,que define a Educação Permanente em Saúde (EPS) como:

3 Segundo Mehry (2002,p.49), “as tecnologiasenvolvidas no trabalhoem saúde podem serclassificadas como: leves(como no caso dastecnologias de relaçõesdo tipo produção devínculo, autonomização,acolhimento, gestãocomo forma de governarprocessos de trabalho),leve-duras (como nocaso dos saberes bemestruturados que operamno processo de trabalhoem saúde, como a clínicamédica, a clínicapsicanalítica, aepidemiologia, otaylorismo, o fayolismo)e duras (como no casodos equipamentostecnológicos do tipomáquina, normas,estruturasorganizacionais)”.

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[...] um conceito pedagógico, no setor da saúde, para efetuar relaçõesorgânicas entre ensino e as ações e serviços e entre docência eatenção à saúde, sendo ampliado, na Reforma Sanitária Brasileira,para as relações entre formação e gestão setorial, desenvolvimentoinstitucional e controle social em saúde. (Brasil, 2004, p.1)

A Portaria também definiu que a condução da PNEPS deve ser efetivadamediante um Colegiado de Gestão Locorregional configurado como Polo deEducação Permanente em Saúde (PEP), que deve atuar como instânciainterinstitucional. Em 2007, a Portaria nº 1.996, sem alterar o conceito deEducação Permanente definido pela Portaria 198 de 2003, instituiu novas diretrizese estratégias para a implementação da PNEPS, ajustando-a às diretrizesoperacionais e ao regulamento do Pacto pela Saúde:

A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde deveconsiderar as especificidades regionais, a superação dasdesigualdades regionais, as necessidades de formação edesenvolvimento para o trabalho em saúde e a capacidade jáinstalada de oferta institucional de ações formais de educação nasaúde. (Brasil, 2007, p.2)

Desta forma, a Portaria 1.996 definiu que a condução regional da PNEPS seráfeita por meio dos Colegiados de Gestão Regional (CGR), com participação dasComissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço (CIES). Desta forma, os CGRdevem considerar as especificidades locais e elaborar um Plano de Ação Regionalde Educação Permanente em Saúde, enquanto as CIES participam da formulação,condução e desenvolvimento da PNEPS.

Mesmo com as alterações no âmbito da Política Nacional, a principal estratégiade formação da EPS é o curso semipresencial de Formação de Facilitadores deEducação Permanente em Saúde, executado pela Educação a Distância da EscolaNacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (EaD/Ensp/Fiocruz). Nocontexto da Portaria 198, o curso foi financiado pelo Ministério da Saúde eoferecido para os profissionais indicados pelos PEP e, no contexto da Portaria1.996, passou a ser oferecido de acordo com as demandas institucionais. Oobjetivo do curso, tal como consta no portal4 da EaD/Ensp/Fiocruz, é formardiversos atores vinculados às diferentes práticas e processos de trabalho em saúde,visando à ampliação da capacidade de implementação de processos de EducaçãoPermanente no SUS, como Política de Formação dos Profissionais de Saúde.

A modalidade semipresencial possibilita que o curso estabeleça uma dinâmicade formação descentralizada e regional, flexível às diferentes realidades sociais enecessidades de saúde. Para tanto, conta com um Ambiente Virtual deAprendizagem (AVA), com outras ferramentas de comunicação (fax, telefone ecorreio) e um material educativo impresso composto por cinco livros que orientamo processo de ensino-aprendizagem. Ocorrem dois encontros presenciais, um noinício do curso, outro ao final. Durante a modalidade a distância, a interação entreos facilitadores e tutores ocorre por meio dos fóruns e demais ferramentas decomunicação do AVA ou por telefone, e o material educativo que dirige oautoestudo é a base de leitura para orientar o processo de aprendizagem comdiferentes atividades e textos.

O debate travado em torno da EPS amplia o olhar sobre a educação quandopropõe mudanças que versam sobre: interdisciplinaridade, integração de saberes epráticas, produção de subjetividades criativas e novas formas de operar o trabalho

4 Disponível em: <http://www.ead.fiocruz.br/

curso/index.cfm?cursoid=612>. Acesso

em: 18 jan. 2011.

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que prioriza o diálogo entre diferentes atores (gestores, profissionais, usuários, estudantes, conselheirosetc.), em um outro formato (circular, horizontal, participativo e democrático). A EPS responde a umanecessidade de reconstruir os processos de formação no âmbito do SUS, estendendo-os a todos osatores envolvidos com a gestão e produção de cuidado.

A abertura teórica e prática incentivada pela EPS e a complexidade dos processos de gestão demudanças no âmbito do SUS indicam muitas possibilidades de investigação no campo da educação emsaúde. Por isto, na tentativa de compreender a construção teórica e metodológica da EPS, no processode formação dos facilitadores, apresenta-se, neste trabalho, uma análise das principais concepções quenorteiam o material educativo do Curso de Facilitadores de EPS. Tomar o material educativo do cursocomo objeto de investigação permite enfocar um dispositivo pedagógico de grande importância, umavez que, no contexto de formação dos facilitadores, é o “guia do aluno” para participação e organizaçãodo processo de ensino e aprendizagem. No material educativo estão inscritas as concepções e ideiasque norteiam a construção da EPS, sobretudo aquelas traçadas pela Portaria 198, que institui novossentidos para a gestão da educação e do trabalho na saúde.

Para análise do material educativo, este trabalho apoia-se no entendimento da linguagem comoprática discursiva, como define Foucault no livro “Arqueologia do Saber” ao referir que os “discursos sãopráticas que formam sistematicamente os objetos de que falam” (Foucault, 2009, p.55). A articulaçãoentre saber e poder feita por Foucault amplia as concepções acerca da linguagem, que deve serapreendida pelo seu potencial de produzir sentidos sociais e subjetividades, pois os sujeitos são,também, efeitos dos discursos. A concepção da linguagem como prática discursiva nos remete a pensara dimensão política dos textos e dos materiais educativos, em particular, no que tange à produção deregimes de verdades. Para Foucault (1996, p.9), “[...] a produção do discurso é ao mesmo tempocontrolada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que tem porfunção conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada etemível materialidade”.

Foucault (1996) afirma que o discurso não apenas traduz as lutas ou os sistemas de dominação, masé também aquilo por que, pelo que se luta [...] (p.10). Como prática discursiva, o texto não é umelemento “transparente ou neutro”, e sim uma forma de exercício de poder, do mesmo modo, “todosistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos,com os saberes e os poderes que eles trazem consigo” (p.44).

Desta forma, analisar o material educativo do Curso de Formação de Facilitadores de EPS significaapreendê-lo como prática discursiva, como um texto comprometido com a produção de sentidos para aeducação e a saúde. O material educativo é um dispositivo de intervenção na realidade, em que ideiascirculam, conformam concepções e produzem formas de ver o mundo. Portanto, a análise do materialeducativo do curso buscou compreender quais concepções estão presentes na construção metodológicada EPS no sentido de perceber o que estão inventando no campo da educação em saúde, visto que odiscurso é acontecimento e é sempre no âmbito da materialidade que se efetiva, que é efeito(Foucault, 1996, p.57).

Como orientação para a análise do material educativo, foram consideradas as seguintes questões:. O que se entende por EPS? Quais concepções orientam a abordagem da EPS?. Quem é o facilitador de EPS? Quais suas responsabilidades?. Quais são os métodos para o desenvolvimento da EPS?

O desenho organizativo e a proposta pedagógica do curso

O material educativo é composto por cinco livros5, sendo um de Orientações e quatro Unidades deAprendizagem. Uma das unidades de aprendizagem (Integradora) é desenvolvida nos dois encontrospresenciais, enquanto as demais são desenvolvidas a distância.

O livro de Orientações para o curso apresenta a Educação a Distância como uma modalidadeeducacional sustentada pela indissociabilidade entre teoria e prática, pela concepção do saber comoconstrução coletiva e pelo professor como um facilitador do processo participativo de ensino-aprendizagem. Este livro apresenta, também, a estrutura do curso e sua dinâmica modular que permite

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ao aluno construir seu próprio percurso com base em um plano de estudoestruturado pelas suas “motivações, vivências, necessidades e contexto profissional”(Brasil, 2005a).

A Unidade Integradora tem o objetivo de potencializar a construção da EPS apartir dos problemas identificados nas locorregiões, fomentando, nos encontrospresenciais, a troca de experiências e a integração entre os facilitadores e destescom os PEP. A Unidade de Análise do Contexto da Gestão e Práticas de Saúdecentra-se na elaboração de conceitos e contextos que sustentam as práticas desaúde, apresentando a integralidade como eixo de construção de novos desenhosorganizativos de atenção à saúde e a educação permanente como estratégia degestão de coletivos, ressaltando a importância da informação e do planejamentoneste processo. A Unidade Práticas Educativas no Cotidiano do Trabalho em Saúdeapoia o desenvolvimento de práticas de EPS trazendo, como cenário de educação, otrabalho e as vivências dos facilitadores, tornando a aprendizagem significativa. Porfim, a Unidade Trabalho e Relações na Produção do Cuidado em Saúde parte desituações reais (casos), situando, no cotidiano, o potencial de mudança das práticasde cuidado (Brasil, 2005a).

A proposta pedagógica do curso fundamenta-se no construtivismo:

que reconhece o indivíduo como agente ativo de seu próprioconhecimento, que constrói significados e define sentidos erepresentações da realidade de acordo com suas experiências e vivências.Esse enfoque assume, como eixo principal, o pensamento critico eprodutivo e a atividade consciente e intencional do aluno na resoluçãodos problemas encontrados na realidade. (Brasil, 2005a, p.17)

Inscrições da Educação Permanente em Saúde

O material educativo de formação dos facilitadores aborda diversos desafios paraa construção do SUS, que demandam conhecimentos diversificados e específicos queatendam à complexidade do fenômeno saúde-doença. Por isso, os processos deeducação precisam ser flexíveis e abertos para acolher as diferentes demandas deformação permanente. Neste sentido, a EPS aponta a necessidade de se superar aformação profissional orientada pelo modelo biomédico-positivista, centrado nafragmentação do processo de trabalho e na produção de especialismos técnico-científicos, visto que esse modelo se mostra insuficiente diante da complexidade doprocesso saúde-doença, por não considerar o sujeito em sua integralidade. Paracompor novos arranjos organizativos para o SUS, é preciso produzir uma novaracionalidade por meio de práticas educativas que levem em conta a realidade, oscontextos de organização do trabalho e de enfrentamento dos problemas de saúde(Brasil, 2005e).

Por isto, a EPS é uma abordagem que prioriza o diálogo, a cooperação e aintegralidade entre os espaços de gestão, atenção, formação e controle social, deforma a ampliar “a potência do sistema para enfrentar e resolver problemas comqualidade” (Brasil, 2005d, p.133). Diferencia-se por ser uma abordagem que foca osprocessos educativos para a gestão do trabalho da saúde, a partir da construção desujeitos ativos, autônomos e éticos. Entende a educação como inerente às práticassociais e como um processo de mediação que pode produzir novas racionalidadespara a saúde, especialmente, pela horizontalização e pela democratização dasrelações de poder e dos mecanismos decisórios no âmbito das organizações,instituições e serviços de saúde.

5 Os livros do Cursoestão disponíveis em<http://portal.saude.gov.br/portal/sgtes/visualizar_texto.cfm?idtxt=22760>.Acesso em:18 jan. 2011.

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As práticas educativas devem ser operadas na perspectiva da aprendizagem significativa - que ocorrequando o objeto de aprendizagem se relaciona de forma substantiva com aquilo que a pessoa já sabe(Brasil, 2005c, p.13). Quer dizer, a aprendizagem se processa na reflexão sobre a ação, sendo o espaçode trabalho o principal cenário de aprendizagem. Trata-se de se compreender que o conhecimento éuma construção social e de se ampliarem as possibilidades de produção de práticas alternativas àquelascentradas no saber especializado que, geralmente, não levam em conta a singularidade e os contextosde aprendizagem. Essa proposta político-pedagógica quer construir novos saberes, o que:

implica identificar interesses, confrontar os saberes anteriores (pré-existentes) com asrealidades; desequilibrar certezas ou desestabilizar convicções (rupturas epistemológicas);garantir condições para o diálogo; construir uma nova forma de aproximação, formulação ecomunicação com os saberes produzidos. (Brasil, 2005d, p.131)

A proposta político-pedagógica da EPS está intrinsecamente ligada à gestão do trabalho e se orientapelas possibilidades micropolíticas de romper a lógica predominante de organização da atenção e docuidado na saúde. Toma o trabalho como território de inscrição das práticas de educação e como pontode problematização, análise e intervenção. Trata-se de um trabalho para atuar a favor da defesa da vidae da produção de redes solidárias e cuidadoras, o que requer a reversão do modelo hegemônicocentrado no consumo de consultas médicas, procedimentos, medicamentos e exames sofisticados.

Analisando o conteúdo do material educativo, podemos perceber a articulação de temasfundamentais para a construção do SUS: conceito de saúde e doença, desenhos organizativos deatenção à saúde, gestão de coletivos, estratégias de educação permanente em saúde, cotidiano dotrabalho e produção do cuidado, integralidade, informação e planejamento. O material educativo situa ofacilitador no seu campo de ação e competências, o qual abrange os processos de ensino, gestão,atenção e controle social (Brasil, 2005b, p.29), e apresenta alguns eixos centrais de pensamento, queorganizamos em oito proposições. Essas proposições, apresentadas a seguir, constituem o resultado daanálise desse material e apontam diretrizes para o agenciamento de novas práticas de saúde.

1) Saúde significa nossa capacidade de enfrentar os problemas da vidaO material educativo aborda o fenômeno saúde-doença em sua historicidade, como uma produção

que responde às condições sociais, políticas e econômicas de determinadas épocas e contextos. Trazuma concepção ampliada na qual “promover saúde é atuar para mudar positivamente os elementosconsiderados determinantes da situação saúde/doença” (Brasil, 2005d, p.34). Enfoca que a

promoção e o cuidado dependem do acesso à informação, de direitos sociais, da organizaçãoda vida em coletivos e da decisão política de praticar os princípios que caracterizam umasociedade democrática, como a equidade, a solidariedade, o respeito aos direitos sociais e ajustiça social, definindo as ações que objetivem a modificação dos determinantes e doscondicionantes da saúde nos ambientes de moradia, vida e trabalho. (Brasil, 2005d, p.34-5)

Assume o risco como categoria central para pensar a prevenção de doenças e promoção da saúde; ea doença como experiência integrante da vida, da busca incessante pela saúde. Assim, as práticas decuidado devem estar comprometidas com o fortalecimento da autonomia dos sujeitos no processo deluta e defesa da vida.

2) O trabalho na saúde é vivo em ato por agenciar sentidos para a saúdeA EPS parte do pressuposto de que o trabalho em saúde ocorre no encontro entre as pessoas, é

relacional, acontece no momento de sua atividade produtiva, portanto é um trabalho vivo em ato. Oespaço do trabalho é o espaço da micropolítica, em que as mudanças e os rearranjos organizacionaisocorrem, por meio de pactos a favor do interesse coletivo. A EPS quer ativar processos vivos de trabalhoque possam desnaturalizar a realidade, desterritorializar práticas e erguer novos valores para a saúde, istoé, travar uma luta entre atos instituídos e movimentos instituintes, de criação (Brasil, 2005d, 2005e).

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3) A EPS deve possibilitar novas combinações do desenhotecnoassistencial do SUS

A EPS objetiva atingir outro núcleo duro do trabalho da saúde, compreendidocomo a organização da atenção ou seu desenho tecnoassistencial, que diz respeitoà maneira como são organizados e combinados os diversos saberes, práticas etecnologias de intervenção no processo saúde-doença-rede de atenção. Prefere-sefalar em “desenho” do que em “modelo” - pois o que define um modelo é apossibilidade de difusão de um determinado desenho; e em “tecnoassistencial” aoinvés de “técnicoassistencial”, pois se trata de uma combinação de recursostecnológicos e modalidades assistenciais, “ordenados como estratégia institucionalpara a atenção à saúde das pessoas e das populações e para a gestão das ações,serviços e sistemas de saúde” (Brasil, 2005d, p.81). A ideia predominante dodesenho tecnoassistencial é o formato de uma pirâmide, com complexidadecrescente, estando, na base, a atenção básica e, no topo, o hospital (consideradode alta complexidade). Entretanto, nessa concepção, os hospitais são maisvalorizados e percebidos como mais resolutivos e complexos, já que concentramequipamentos e procedimentos especializados, deixando a atenção básica no lugardo simples e do comum. Assim, não se reconhece a complexidade e aespecificidade de trabalhar na atenção básica que requer a habilidade de conhecercontextos, comunicar, produzir subjetividades, transformar hábitos ecomportamentos, trabalhar em equipe interdisciplinar etc.

4) A EPS prevê a integralidade e a construção de uma rede ininterruptade cuidados

O desenho tecnoassistencial do SUS deve responder às necessidades de saúdee atender os princípios do SUS. Um dos princípios destacados pela EPS é aintegralidade, entendida como um princípio de “ampliação da leitura eintervenção sobre os problemas enfrentados pelos usuários” (Brasil, 2005d, p.100),um princípio que direciona os serviços a uma prática ampliada de atenção à saúde,que acolhe os usuários como sujeitos integrais que possuem contextos singularesde vida. Portanto, a integralidade visa tecer uma rede de cuidados que atenda àsnecessidades dos indivíduos e da população, de forma a garantir um cuidadointegral e, ao mesmo tempo, a democratização dos processos de participaçãosocial e de decisão política. A integralidade é valorizada como um princípio queimplica mudanças nas relações de poder para que, efetivamente, o trabalho sejaconstruído de forma interdisciplinar e rizomática, isto é, ramificado e organizadopor conexões que não obedecem a uma ordem hierárquica vertical ou burocrática,mas a uma dinâmica de reciprocidade. No contexto de construção do desenhotecnoassistencial centrado nos interesses dos usuários e da população, é precisoredefinir a clínica, transformando-a em espaço de inclusão dos sujeitos e de seuscontextos de vida, ampliando-a para dar conta da produção de saúde no cotidianodas práticas de cuidado.

5) O trabalho deve estar organizado para resolver os problemas desaúde, dos indivíduos e das coletividades

No que tange à organização do trabalho, a EPS prioriza o trabalhointerdisciplinar, em equipe (Brasil, 2005e), e define como eixos de organização: aidentificação e análise de problemas, o planejamento e a avaliação. Prioriza asinformações como ferramentas fundamentais para os processos políticos e foca odesenvolvimento de habilidades para planejar, negociar, mediar conflitos, articular,dialogar e avaliar6. Para a EPS, um problema não pode ser compreendido fora deseu contexto (que inclui os atores que o interpretam), pois não existe como algo

6 No SUS, as informaçõessão produzidas com

diversas finalidades eservem para produção de

conhecimentos eoperações. Oferecem

elementos para análisede uma determinada

situação (ou problema) eservem para o

planejamento e paraavaliação das ações,

ampliando oconhecimento sobre opróprio sistema e suas

unidades de produção.

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natural. Ao contrário, é resultante das relações sociais. Para uma melhorcompreensão de um problema, é importante: processá-lo minuciosamente,partindo da descrição de suas características, explicação de seus determinantes econdicionantes, passando pela elaboração de um plano de ação para solucioná-lo,e culminando na análise e avaliação do processo de implementação do plano e deorganização do trabalho. Ou seja, o planejamento é fundamental para odesenvolvimento da EPS, pois ajuda a entender os problemas e a reconhecer asfacilidades, as dificuldades, os responsáveis, os recursos e o tempo necessário paraos enfrentamentos. Já a avaliação deve acontecer de forma gradual e acompanhartodos os momentos de construção do trabalho para, assim, poder corrigir possíveisrumos no decorrer do processo (Brasil, 2005d, p.157).

6) A EPS é uma estratégia de gestão de coletivosA importância de fortalecer a participação social no âmbito da gestão do SUS

abre um caminho para a democratização e a inclusão de diferentes saberes,pessoas e grupos sociais na luta política em defesa da vida. A EPS aposta nofortalecimento de redes sociais como experiências de gestão de coletivos que setornam possíveis com a efetiva participação social que, para além das formasinstituídas de governo, é também “inesperada, criativa, aberta, misturada”. (Brasil,2005d, p.62). Desta forma, a EPS tem como objetivo a gestão de coletivos ou acogestão, quer dizer, a gestão compartilhada, na qual o poder fica disperso e osarranjos formam redes. Estamos nos referindo a uma abordagem para aaprendizagem coletiva e para democracia participativa (Brasil, 2005d).

7) O facilitador é um sujeito implicado nos movimentos de mudançae na produção de subjetividadesO facilitador de EPS é um sujeito em construção, com habilidades para mediar

os processos de gestão do trabalho e articular diferentes componentes, como aparticipação social, a formação dos trabalhadores e a organização do cuidado. Suaatribuição principal é o olhar crítico sobre as práticas de atenção, gestão, ensino econtrole social, que deve orientar o desenvolvimento de processos educativoscentrados nas necessidades dos diversos sujeitos, outros facilitadores, envolvidoscom o trabalho da saúde: profissionais, gestores, usuários, conselheiros,professores etc. O facilitador deve estar aberto para o encontro entre diferentessaberes, permitindo a troca e a construção coletiva de respostas aos problemas desaúde. Deve estar sempre atento às necessidades político-pedagógicas dasequipes e promover projetos capazes de mediar a construção de conhecimentos eestratégias para gestão do SUS. Neste sentido, deve atuar na produção desubjetividades autônomas, participativas e solidárias.

8) Os métodos de EPS devem levar à reflexão das práticas cotidianasAs atividades pedagógicas das Unidades de Aprendizagem levam à reflexão

sobre as formas como operamos o trabalho na saúde (na gestão, no cuidado, nocontrole social e no ensino) e apresentam métodos de análise como: o“Fluxograma Analisador” (Brasil, 2005e), a Rede Analisadora do Processo deTrabalho (Brasil, 2005c), a Técnica de Estimativa Rápida e o Planejamento (Brasil,2005d). Além disso, o curso propõe a Roda7como principal método de produçãode coletivos e como possibilidade de reversão do atual desenho tecnológico eassistencial do SUS, permitindo a construção de novas práticas de gestão, em queas decisões são horizontalizadas, os arranjos engendrados coletivamente e asresponsabilidades divididas e compartilhadas. A roda é uma referência central paraa produção de redes/malhas de cuidado, contrapondo-se às formas tradicionais de

7 O método da rodatambém foi discutido porCampos (2000) comouma nova estética degestão do trabalho emsaúde.

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gestão, caracterizadas por organogramas piramidais e verticais de organização dotrabalho. O desenho da roda sugere novas formas de andar a vida e de fazergestão, pautadas no diálogo, na conversa, na construção conjunta.

Algumas considerações sobre a construção da EducaçãoPermanente em Saúde

O material educativo do curso fundamenta-se na necessidade de sereorientarem os projetos e ações educativas, dando maior autonomia aostrabalhadores para gerirem suas próprias práticas, desafiando os serviços de saúdea promoverem processos educativos com base no mundo do trabalho e acomporem redes no campo da saúde que fortaleçam a participação social. Aformação profissional deve ser reinventada e reconstruída na interdisciplinaridade ena alteridade, quer dizer, em colaboração entre saberes e na interação entre ossujeitos. Isto ressalta a importância de se inovarem e inventarem práticas, criaremespaços democráticos de negociação e de construção de um trabalho agenciadorde saberes e fazeres comprometidos com a defesa da vida (Merhy, 2002;Campos, 2000).

A EPS enuncia uma prática discursiva que reforça a necessidade de se superar aformação profissional orientada pelo modelo biomédico-positivista, e faz umacrítica às abordagens pedagógicas nas quais predominam processos educativosverticalizados, pautados na transmissão de informações e na reprodução dotecnicismo, enfatizando o desenvolvimento de tecnologias que levem em conta aprodução de subjetividades participativas, nômades, implicadas ética epoliticamente na construção de nossa história.

Ceccim, em 2004, apontou que a EPS faz inflexões com diferentes abordagensteóricas e pode ser compreendida de diversos modos. No campo da educação,transita pelo pensamento de Paulo Freire8, quando aponta as perspectivas daAprendizagem Significativa e considera que o sujeito aprende desde seusconhecimentos prévios e suas motivações; da Educação Popular, quando enfatiza aeducação como uma prática de transformação social; e da Problematização queprioriza a experiência vivida no processo de aprendizagem. Além disso, resulta domovimento da educação continuada e outros de mudança da formaçãoprofissional, e faz interface com saberes da Análise Institucional9 e daSocioanálise10. A EPS prioriza a produção de uma abordagem capaz de ressignificaro trabalho pela sua dimensão micropolítica e subjetiva, rompendo com formascristalizadas e instituídas de agir. Partindo da realidade, quer ampliar a capacidadede se detectarem problemas reais, buscando soluções adequadas e colaborandocom a produção de respostas originais e criativas, bem como apropriadas aoscontextos sociais.

A EPS também se alimenta de muitas ideias que estão em debate no campo dasaúde e na luta pela produção de novos paradigmas para a gestão, educação ecuidado. Pauta-se nos referenciais: 1) da Saúde Coletiva, quando faz uma crítica aoparadigma científico moderno e à produção da divisão social do trabalho (Campos,2003; Almeida Filho, Paim, 2000); 2) da Promoção da Saúde, quando incorpora oconceito de “empowerment” (empoderamento) para destacar diretrizes defortalecimento da participação social (Brasil, 2005d); 3) do movimento em Defesada Vida (Carvalho, 2005; Campos, 1997), quando ressalta que as práticas de saúdedevem estar comprometidas, ética e prioritariamente, com a proteção da saúde ecom a defesa da vida; 4) e da micropolítica do trabalho vivo (Merhy, 2002),quando enfatiza que a transformação deve acontecer no cotidiano das práticas desaúde e nas relações entre os sujeitos.

8 FREIRE, P. Educaçãocomo prática da

liberdade. 19.ed. Rio deJaneiro: Paz e Terra,

1989; FREIRE, P.Pedagogy of the city.

New York: Continuum,1995.

9 LOURAU, R. Análiseinstitucional. Petrópolis:

Vozes, 1975.

10 FOUCAULT, M.Microfísica do poder. Riode Janeiro: Graal, 1998;

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Fazendo uma articulação de conceitos e ideias, oriundos de diferentes campos, a EPS não estabelecemodelos nem fórmulas, ao contrário, indica a plasticidade das práticas e a centralidade dos sujeitos naconstrução do trabalho e de redes solidárias de inclusão e proteção social. Apresenta-se como umaabordagem político-pedagógica, um discurso, que busca superar as concepções dicotômicas eestabelecer relações sistêmicas, organizadas em rede e a favor da vida. Trata-se, como considera Merhy,de uma pedagogia que:

usufrui de todas as que têm implicado com a construção de sujeitos auto-determinados ecomprometidos sócio-historicamente com a construção da vida e sua defesa, individual ecoletiva – que se veja como amarrada à intervenção que coloca no centro do processopedagógico a implicação ético-política do trabalhador no seu agir em ato, produzindo ocuidado em saúde, no plano individual e coletivo, em si e em equipe. (Merhy, 2005, p.174)

Concluímos que o material educativo mantém vivo o discurso difundido no processo de formulaçãoda Política Nacional de Educação Permanente. Desta forma, recuperar os pressupostos da EPS é umaforma de reforçar: i) a tríade saúde-educação-trabalho; ii) a importância de uma formação voltada para aprodução de subjetividades, habilidades, técnicas e saberes adequados à construção do SUS; iii) anecessidade de investimento em tecnologias, meios e métodos de cogestão que possam dar autonomiaaos sujeitos envolvidos com a construção do trabalho, dos processos formativos, da atenção e daspráticas de cuidado.

Colaboradores

As autoras trabalharam juntas na análise do material investigado. Grasiele Nespolifoi responsável pela redação do artigo e Victoria Maria Brant Ribeiro pela suaorientação e revisão.

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NESPOLI, G.; RIBEIRO, V.M.B.

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v.15, n.39, p.985-96, out./dez. 2011 995COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

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NESPOLI, G.; RIBEIRO, V.M.B. Discursos que forman saberes: un análisis de lasconcepciones teóricas y metodológicas que guían el material educativo para laformación de facilitadores de Educación Permanente en Salud. Interface - Comunic.,Saude, Educ., v.15, n.39, p.985-96, out./dez. 2011.

El presente estudio es un análisis de las principales concepciones teóricas ymetodológicas que guían el material educativo del Curso de Formación de Facilitadoresde Educación Permanente en Salud. El material educativo, visto como un importanteinstrumento educativo, articula los temas clave para la construcción del Sistema Únicode Saúde. Fue posible identificar ocho pilares centrales del pensamiento(proposiciones) que señalan las directrices para nuevas prácticas en el campo de lasalud. La Educación Permanente en Salud se concibe como una estrategia de cogestiónque tiene el trabajo como un espacio de prácticas educativas y de producción desubjetividades.

Palabras clave: Educación contínua. Salud. Política. Conocimientos, actitudes y práticaen salud.

Recebido em 20/09/10. Aprovado em 09/01/11.

La praxis como fundamento de una educaciónpara la salud alternativa: estudio de investigación-acciónen el Programa de Crecimiento y Desarrollo en Medellín, Colombia

Fernando Peñaranda-Correa1

Julio Nicolas Torres-Ospina2

Miriam Bastidas-Acevedo3

Gloria Escobar-Paucar4

Adriana Arango-Córdoba5

Fráncy Nélly Pérez-Becerra6

PEÑARANDA-CORREA, F. et al. Praxis as a foundation for an alternative healtheducation: an action research study in the Growth and Development MonitoringProgram in Medellin, Colombia. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.997-1008, out./dez. 2011.

The aim of this study was to reflect onFreire’s Education Model in a healtheducation environment in order topromote its theoretical development. Anaction research was developed, whoseobject was the Growth and DevelopmentMonitoring Program of children inMedellin, Colombia. The study involvedthe use of participant observation in themeetings of this program, and analysis ofthe information focusing on a continuousreflective process. Educators-researchersanalyzed their own pedagogical practices,aiming to transform health education intoa more dialogic and productive practice.Findings showed difficulties to changetraditional educational practices in thescope of health services, but from a praxisperspective, reflection was found to be animportant process in transformingpractice. The emergence of the student asa subject with specific experiences andconditions helped the educators-researches to understand the meaning ofa human-based education. The need toconsider caregivers as central subjects andchild rearing as a central topic in healthprograms was highlighted.

Keywords: Health education. Childrearing. Growth and development.

La propuesta fue reflexionar sobre laeducación problematizadora en unambiente de educación para la salud ycontribuir a su desarrollo teórico, en unproceso de investigación-acción, teniendocomo objeto el programa de crecimiento ydesarrollo en Medellín. El estudio incluyóel uso de la observación participante delprograma de desarrollo de los niños yanálisis de la información centrada en unproceso reflexivo permanente. Loseducadores-investigadores analizaron susprácticas pedagógicas, intentandotransformar la educación en salud en unapráctica más dialógica y productiva. Seencontraron dificultades para cambiar laeducación tradicional en el ámbito de losservicios de salud. Se evidenció laimportancia de la reflexión en latransformación de la práctica. El educandocomo sujeto, con experiencias ycondiciones particulares contribuyó a lacomprensión de una educación centradaen el ser humano. Se resaltó la necesidadde considerar los adultos como agentescentrales y la educación infantil como ejedel programa.

Palabras clave: Educación en salud.Educación del niño. Crecimiento ydesarrollo.

1 Facultad Nacional deSalud Pública,

Universidad deAntioquia. Calle 62,n.52-59, Medellín,

Colombia.fernandopenaranda@

gmail.com2,3,5 Facultad de Medicina,

Universidad deAntioquia.

4 Facultad deOdontología, Universidad

de Antioquia.6 Enfermera.

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Introducción

La educación para la salud ha cumplido un papel importante en la salud pública, reconocido enescenarios como las conferencias de Alma Ata (OPS, 1978) y Ottawa (OMS, 1986). Aun así, existecontroversia sobre sus orientaciones pedagógicas y sus logros (OMS/OPS, 2006; Nutbeam, 2006;Gazinelli, 2005; Morrel et al., 2000).

La pedagogía tradicional y la pedagogía conductista, que algunos agrupan como pedagogía“instruccional” (González, 1999), configuran la base pedagógica predominante de la educación para lasalud, situación que puede explicarse, al menos, por dos razones. La primera la constituye elconservadurismo del modelo educativo tradicional, bajo el cual los profesionales de la salud enseñan almínimo coste, esto es, con base en su experiencia en el sistema formal de educación (Bourdieu,Passeron, 1998). La segunda se refiere a la estrecha relación de la pedagogía conductista con el modelobiomédico, en sus tres características básicas: una orientación normalizadora, su fundamento en laciencia positivista, (Robinson, Hill, 1999; Achard, 1980; Foucault, 1977) y finalmente su caráctermedicalizador (Foucault, 1977).

Implementar perspectivas alternativas de educación para la salud que confronten el modelobiomédico y la forma convencional de entender la salud, centrada en la enfermedad, ha sido un asuntomuy complejo, y generalmente los intentos se quedan en el discurso o en asuntos formales (Peñaranda-Correa et al., 2006; Gazinelli, 2005; Greene, Simons-Morton, 1988). En relación con los logros de laeducación para la salud, su controversia no es menos aguda. A propósito, la OMS/OPS expresan:

A pesar del desarrollo de nuevas estrategias de educación en salud el avance en este temano es evidente […] El modelo medicalista continúa influenciando en forma desmedida unenfoque por enfermedad y riesgo, menospreciando la influencia de las condiciones y losdeterminantes sociales. (OMS/OPS, 2006, p.8)

En Colombia surgió desde la década del setenta el Programa de Crecimiento y Desarrollo como uncomponente de la atención materno-infantil. En el marco de la reestructuración del Sistema de Salud, sedenominó desde el año 2000 como “Norma técnica para la detección temprana de las alteraciones delcrecimiento y desarrollo en el menor de diez años” (Colombia, 2000), incluido en el Plan Obligatoriode Salud.

La historia del programa en la ciudad de Medellín provee una interesante experiencia con respecto alintento por promover una perspectiva alternativa al modelo preventivista. Se fomentó un modelo deatención grupal con el propósito de fortalecer la dimensión educativa del programa y socializar lasexperiencias de las madres respecto a la crianza de sus hijos. Como fruto de esta experiencia y bajo lainfluencia de la Carta de Ottawa, a principios de los noventa se realizó una propuesta desde laconcepción de promoción de la salud, con la cual se buscó trascender la orientación morbicéntrica queprevalecía hasta el momento. Se cambió entonces el nombre de “Crecimiento y Desarrollo” por el de“Salud Integral para la Infancia” (SIPI), en un intento por desarrollar un programa desde la salud y nodesde la enfermedad, y cuya dimensión educativa estaba fundada en el diálogo de saberes.

Desde finales de la década pasada, nuestro equipo de investigación ha realizado varios estudios paracomprender la dimensión educativa del programa. Se encontró que la propuesta SIPI había logradocambios importantes, relacionados, en particular, con la incorporación de profesionales de diferentesáreas de la salud y de las ciencias sociales al programa, lo cual mejoró el diagnóstico y la atención de lasalternaciones del crecimiento y desarrollo de los niños, así como la información suministrada. Sinembargo, se evidenció que aun educadores conocedores y comprometidos con la propuesta de diálogode saberes terminaban realizando prácticas pedagógicas centradas en modelos informativos ypersuasivo-motivacionales que correspondían al modelo que se pretendía transformar (Peñaranda-Correaet al., 2006).

Los hallazgos revelaron que se produce una resignificación de las propuestas alternativas, dentro delas concepciones hegemónicas, que termina por neutralizar su poder transformador y que mantiene elstatu quo (Peñaranda-Correa et al., 2006). De acuerdo con Tones (2002), persisten en la educación para

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v.15, n.39, p.997-1008, out./dez. 2011 999COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

la salud la imposición unilateral de contenidos y significados por parte de los profesionales de la salud yla adopción de posiciones poco dialógicas y poco democráticas. Lo anterior, contrapuesto a lasexpectativas de los adultos significativos para el logro de una crianza más segura, satisfactoria yproductiva en aras de su propio bienestar y el del niño, evidenció que en el programa opera unencuentro entre racionalidades diferentes: los cuidadores, desde el saber cotidiano, y los profesionalesde la salud, desde la perspectiva biomédica (Bastidas-Acevedo et al., 2007).

Pero la transformación del modelo pedagógico implica además otro reto: llevar a la práctica lacomprensión teórica desarrollada. Como lo sostienen varios autores, no se da una directa aplicación dela teoría a la práctica (Gazzineli, 2005; Greene, Simons-Morton, 1988) y es necesario transitar por elcamino de una investigación más ligada a la acción, en el marco de la espiral de la praxis:conceptualización-práctica-reflexión (Cendales, 2001; Fals Borda, 2001; Bosco Pinto, 1987). Con elpropósito de avanzar en la construcción de una perspectiva educativa para el Programa de Crecimientoy Desarrollo, basada en el diálogo de saberes, y de aportar al desarrollo teórico en educación para lasalud que promueva alternativas al modelo instruccional fundado en el modelo biomédico, el equipo deinvestigación se embarcó en un proyecto de investigación-acción, cuyos resultados se presenta acontinuación.

Metodología

En tanto la intención era profundizar en un proceso reflexivo sobre la práctica educativa en el ámbitode la salud, se retomó a Stenhouse (2004) y su propuesta de una educación basada en la investigación,en la cual el educador se convierte en un investigador de su propia práctica educativa. Para este autor, lainvestigación en el campo de la educación debe centrarse en la praxis, de tal forma que, partiendo de lapráctica educativa y por medio de la reflexión, el educador pueda acceder a una perspectiva teóricaenriquecida para regresar a la práctica y resolver problemas concretos. Stenhouse entendía lainvestigación como un instrumento para desarrollar conciencia crítica sobre la educación desde unaperspectiva emancipadora. En el mismo sentido, Freire (2004, 1975) se pronuncia sobre la importanciade sustentar la educación en la praxis, y Hatton y Smith (1995) destacan la trascendencia de losprocesos reflexivos para la formación de los maestros. En concordancia con estos planteamientos, sellevó a cabo una investigación-acción cuyas características centrales, según Reason y Bradbury (2001),son: la producción de conocimiento útil para los involucrados, el logro de nuevas formas de comprenderla realidad, la participación de todos los implicados y el desarrollo de un proceso emergente y evolutivotan importante como los resultados mismos.

Desde este referente metodológico y epistemológico, se decidió realizar la investigación en el marcodel Programa de Crecimiento y Desarrollo de la institución de salud adscrita a la Universidad deAntioquia, en Medellín, Colombia. Al Programa asisten, con sus hijos, estudiantes, profesores yempleados no docentes de la institución, y en él participan regularmente tres de los investigadores, encalidad de profesores de pediatría. El equipo investigador tendría entonces un doble papel: el deeducadores como integrantes del equipo de salud y el de investigadores de su propia práctica educativa.

Entre febrero y agosto del 2007, se avanzó en la etapa de preparación interna del equipo a través dela reflexión teórica sobre diálogo de saberes. Se partió de una revisión de los principales postuladosteóricos de Paulo Freire, complementada con otros autores de la corriente de educación popular. ParaBosco Pinto (1987, p.55-6): “la teorización no debe quedarse simplemente como un trabajo verbal omental del equipo. Es indispensable hacer un esfuerzo para escribirla con el propósito de queobjetivándose, se transforme en un instrumento de trabajo a ser utilizado en las fases ulteriores de lametodología”.

En este sentido, la preparación teórica originó un artículo que presentó las reflexiones de unaeducación para la salud pensada desde el diálogo de saberes (Bastidas et al., 2009), paso previo a losdemás momentos de la investigación.

El proyecto fue aprobado por el Comité de Ética de Investigación de la Facultad Nacional de SaludPública. Los adultos significativos participaron de manera voluntaria, después de explicarles los objetivos

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de la investigación, de garantizarles la confidencialidad y de plantearles la posibilidad de retirarse encualquier momento, además de que podían continuar en el Programa regular de la institución.

Entre agosto del 2007 y octubre del 2008, se llevó a cabo el desarrollo de la propuesta educativa,con un grupo de 11 niños y sus cuidadores adultos significativos (11 madres, 8 padres, 5 abuelas y unabuelo) asistentes al programa, quienes participaron como educandos. Se desarrollaron diez sesiones,desde el ingreso de los niños al programa cuando tenían un mes de vida hasta que cumplieron loscatorce meses. Algunas sesiones se desarrollaron con los adultos significativos y sus hijos, bajo elformato regular del programa, que incluye actividades educativas y el monitoreo del crecimiento ydesarrollo. Otras, intercaladas con las anteriores, se realizaron únicamente con la presencia de losadultos significativos para reflexionar sobre la crianza y el proceso educativo vivido. La asistencia a lassesiones fue, en general buena. Hacia el final de la investigación dejaron de asistir tres niños con susrespectivos acompañantes.

Las actividades educativas de las sesiones con niños y adultos significativos se iniciaban con unsaludo general de los asistentes. Posteriormente cada uno de los adultos significativos compartía suexperiencia en la crianza y sus inquietudes respecto a ésta. Seguidamente se generaba una discusióndonde participaban tanto los adultos significativos como los educadores – investigadores paraproblematizar y analizar los asuntos expuestos. Al finalizar la sesión se hacía un cierre para evaluar losprincipales logros, avances, inquietudes y dificultades en torno a la crianza.

En las sesiones con adultos significativos solos, una vez hecho el saludo de costumbre y habercompartido las experiencias vividas e inquietudes respecto a la crianza, se pasaba a un momento dereflexión y análisis sobre la crianza misma y el proceso educativo vivido en el programa.

A medida que avanzaron las sesiones los adultos significativos fueron adquiriendo más confianza y sehicieron más expresivos para compartir sus experiencias y el contexto en el que estaban viviendo lacrianza. Cada vez profundizaron más en sus reflexiones sobre asuntos íntimos y de gran impactoemocional.

La recolección y análisis de la información se realizaron de manera simultánea y su desarrollo se dioen dos ámbitos: las sesiones con los adultos significativos, registradas en diarios de campo, y lasreuniones del equipo investigador, plasmadas en actas. El análisis se centró en un proceso de reflexiónsistemática del equipo investigador, dado que la particularidad del proyecto requería cambios inmediatosy continuos en el proceso educativo. La investigación se fundamentó en la praxis como un asuntodialéctico de acción-reflexión y teorización, que permitió reorientar permanentemente el desarrolloinvestigativo hacia los aspectos más significativos (Lincoln, Guba, 2000).

Resultados

Como producto de la praxis, se generó un proceso gradual de transformación de las prácticaseducativas en el marco del programa, a partir de la propia transformación de los investigadores-educadores, de la transformación de los educandos y de la transformación, tanto de los ambientes deaprendizaje como de las relaciones construidas en el seno de estos. Si bien corresponden a un procesointegrado, para fines expositivos los resultados se presentarán a manera de tres grandes categorías: elsurgimiento del sujeto, las prácticas pedagógicas y, finalmente, la construcción de una identidad grupaly la transformación de los educandos. Asimismo, el texto toma la forma de relato, en tanto los hallazgosse fundamentaron en la praxis de los investigadores en el marco de un proceso de sistematización.

El surgimiento del sujeto

Durante el transcurso de las sesiones, pasamos de un conocimiento superficial de los educandoshacia una comprensión más profunda de cada uno de ellos y sus situaciones particulares. Así, los adultossignificativos-educandos surgieron como sujetos: ya no era un grupo homogéneo, sino un grupo depersonas, cada una con una historia y unas condiciones singulares, vividas por individuos concretos enun contexto particular. Con ello, fuimos comprendiendo de una manera más amplia las condiciones

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sociales, culturales y humanas en las cuales estos adultos llevaban a cabo la crianza de sus hijos.Paulatinamente, hicimos un tránsito hacia el reconocimiento de sus expectativas, alegrías, tristezas,sueños y frustraciones en relación con la crianza, con su rol en ella y con las transformaciones queoperaban en los ámbitos personal, familiar, laboral o escolar, según el caso. En cada uno de aquellosadultos había un drama complejo, lleno de conflictos, para los cuales se generaban, de maneracontinua, equilibrios inestables y cambiantes.

Este hallazgo mostró las limitaciones de una educación basada en recomendaciones generales,comunes para todos, que busca la homogenización. Se encontró que nuestros discursos comoprofesionales-educadores tenían distintos sentidos para los educandos, quienes los resignificaban deacuerdo con sus condiciones y características personales y socioeconómicas. Asimismo, reconocimosque cualquier indicación normativa podría tener efectos muy diversos, algunos positivos y otrosnegativos, debido a la complejidad de los equilibrios que los adultos significativos debían negociar demanera permanente en su cotidianidad. Con ello, el equipo empezó a mirar con prudencia la tendenciaa reaccionar mediante una “intervención” (prescripión) en la vida de los demás.

Las prácticas pedagógicas

Tres sucesos centrales fueron decisivos en la transformación de nuestras prácticas pedagógicas: unacrisis respecto a nuestro papel como educadores, la consolidación progresiva de los propósitos queguiaron la experiencia educativa y la transformación de los contenidos en “temas generadores” (Freire,1975, p.112).

En las primeras sesiones, nos vimos abocados a una crisis sobre nuestro papel como educadores. Nosdimos cuenta de lo difícil que era para nosotros llevar a la práctica las concepciones de una educaciónalternativa. Nos costaba trabajo escuchar a los educandos: tendíamos a interpretar sus inquietudes desdelas categorías biomédicas y la respuesta a las mismas se daba sin indagar por el sentido que éstas teníanpara los educandos. Reconocer lo difícil que era superar el modelo “instruccional” tan cuestionado entrabajos anteriores produjo una crisis de identidad en el equipo y generó inseguridad sobre la relacióncon los conocimientos disciplinares y con el conocimiento de los educandos. Esta falta de coherenciaentre los ideales y las acciones nos generó frustración.

Sin embargo, la crisis se empezó a resolver en la medida en que, sin desechar nuestrosconocimientos disciplinares, estos se fueron relativizando para acceder a posiciones más plurales. Deotro lado, la lectura de Freire (2004) nos mostró que la coherencia es una meta por alcanzar, y ellorequiere un profundo y continuado esfuerzo de reflexión y autocrítica. Hacia el final de la octava sesión,se logró mayor claridad sobre los propósitos que debían guiar una educación basada en el diálogo desaberes para el programa, consignados así:

. promover el desarrollo humano de los adultos significativos y su seguridad para realizar una crianzamás productiva y satisfactoria para ellos y para los niños y niñas;

. generar una experiencia educativa que facilite mayor comprensión de la crianza que los adultossignificativos se encuentran realizando, de tal manera que se convierta en un espacio para que ellospuedan comprenderse mejor como personas y en su función de crianza, y apoyar así la construcción desu identidad;

. generar un ambiente educativo propicio para apoyar a los adultos significativos en sus necesidadesrespecto de la crianza, cualificando nuestra capacidad para escucharlos y aprender de ellos.

Estos propósitos buscaban consolidar una propuesta centrada en el sujeto, que facilitara a loseducandos la construcción de principios generales sobre la crianza, orientados desde sus particularidadesy en correspondencia con los significados que estos tenían para ellos. Habíamos logrado trascender lapreocupación por verificar el cumplimiento de comportamientos preestablecidos por el conocimientobiomédico. La preocupación se centraba más bien en comprender como estos principios, construidospor cada uno de ellos, les eran útiles para sus vidas, para comprender mejor la crianza y comprendersemejor ellos mismos.

Siguiendo a Freire y su idea del diálogo como un acto de “fe en los hombres” (Freire, 1975, p.104),a medida que ganábamos más confianza en los adultos como educandos y en nosotros como

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educadores, se pasó gradualmente de sesiones fuertemente estructuradas, con un derrotero decontenidos preestablecidos, a sesiones más flexibles. De esta manera, las sesiones, más que comoinstancia para informar, se concibieron como escenario para tramitar las inquietudes, las necesidades ylos intereses de los educandos. Sin embargo, este cambio estaba cruzado por un conflicto alrededor delos intereses dispares entre educandos y educadores. Un formato abierto y más libre siempre planteabala inquietud de dejar por fuera de la discusión conocimientos importantes para los adultos significativosen su función de crianza y para la salud de los niños.

Reconocimos la imposibilidad de desarrollar todos los temas que a nosotros se nos ocurrían comonecesarios o, por lo menos, la imposibilidad de trabajarlos de forma productiva para ellos y nosotros. Elproceso educativo no debería estar centrado entonces en la enseñanza, sino en el aprendizaje: losadultos aprenderían más sobre aquello que necesitaban, y el desarrollo de un conocimiento productivoestaría relacionado con una vinculación “vital-afectiva” por parte de los educandos.

Surgió la idea de trabajar con base en temas generadores, como lo propuso Freire, orientados afacilitar en los educandos un análisis más amplio y profundo de su realidad, que propiciara su propiatransformación y la de sus situaciones concretas. Esperábamos llevar a cabo una secuencia decodificación y decodificación que permitiera analizar de manera conjunta con los adultos significativossus propias situaciones de crianza, y compartir con ellos la construcción teórica que como profesionalesnos había permitido llegar a una comprensión más profunda de la crianza. Pero la experiencia nosmostró que no se avanzaba hacia una visión de conjunto, como lo esperábamos, construyendo unaexplicación teórica ordenada y articulada con categorías bien definidas. Se avanzaba más bien haciaprocesos reflexivos que permitían a los educandos construir verdades secuenciales y cambiantes,referidas a contextos particulares, y articuladas desde referentes distintos a la lógica con la cual losprofesionales de la salud estamos acostumbrados a trabajar. Otras lógicas operaban en estos análisis:afectivas y culturales.

Con esta experiencia cambió la concepción de temas generadores y la forma de desarrollarlos en lassesiones. Se decidió entonces trabajar con base en las inquietudes y problemas propuestos por loseducandos, en sus propios términos, al entender que la vinculación afectiva y la tramitación de lasemociones eran centrales para generar un proceso reflexivo, que ahora se consideraba la base denuestra práctica educativa. Ese proceso permitía a los educandos relacionar su acción con losconocimientos y, en este orden de ideas, tener en cuenta una teoría, pero no la teoría que nosotroshabíamos construido, sino la que cada uno de ellos elaboraba para explicar su propia realidad yencontrar soluciones pertinentes a sus propias situaciones y características personales.

Construcción de una identidad grupal y transformación de los educandos

La construcción paulatina de una identidad de grupo con la cual educandos y educadores se sintierontranquilos fue fundamental para el logro de prácticas pedagógicas más dialógicas y la construcción derelaciones más productivas. Así, en la medida en que se fue generando un espacio más abierto y demayor confianza entre los participantes, los educandos asumieron un papel más activo y constructivo.

Los adultos significativos comenzaron a reconocer más ampliamente la importancia de sus propiosconocimientos y a concebir el escenario educativo como una instancia de análisis y reflexión, dondecada uno compartía sus puntos de vista para construir conocimientos, ideas y referentes, con el fin detomar sus propias decisiones. El haber compartido sus angustias, necesidades, problemas y situacionesparticulares con otras personas que atravesaban por situaciones similares, en un ambiente comprensivo,permitió a los adultos significativos sentirse escuchados y no juzgados, con lo cual encontraron apoyopara construir sus identidades como madres o padres.

Este sentimiento grupal se vio reforzado en el transcurso del programa entre educandos que sefueron compenetrando y solidarizando entre sí. Con ello, se observó cómo en las sesiones buscabanespacios para compartir sus experiencias de crianza, sus preocupaciones y sus alegrías; se mostrabaninteresados en los problemas de los demás y querían aportar en búsqueda de soluciones. Este procesode integración no trascendió el espacio del programa —una de nuestras expectativas iniciales—, perofue un elemento clave en la construcción de relaciones y ambientes de aprendizaje más productivos.

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Los resultados

Con el correr del tiempo, los educandos modificaron algunas situaciones conflictivas que implicaba lacrianza, pero también se encontraron con problemas que no pudieron cambiar de manera sustancial. Sinembargo, aunque algunas situaciones no se hubieran modificado drásticamente, sintieron que el hechode “desahogarse” y compartir sentimientos y experiencias que nunca habían expresado a otros, asícomo conocer otras vivencias igualmente difíciles, les había servido para mitigar su angustia yfrustración, pero también para aprender a mirar de modo diferente su realidad, en la medida en que lacomprendían desde un contexto más amplio.

En las dos últimas sesiones se realizó una evaluación que buscaba promover la reflexión sobre lacrianza que habían vivido durante los catorce meses transcurridos y el proceso educativo llevado a caboen el programa. Los adultos manifestaron sentirse más competentes para la crianza, principalmentecomo producto de su interacción con los niños y con su entorno, pero también reconocieron el papelde apoyo del programa y el aprendizaje logrado en él. Como educandos, habían tomado sus propiasdeterminaciones de manera tranquila, sin sentirse juzgados o intimidados en el programa: un logrorelacionado con haber llevado a cabo un proceso de discusión y reflexión sobre sus vidas y sus prácticasde crianza que les permitió desarrollar una posición más crítica hacia estas.

Este análisis final nos sirvió para reconocer el valor de comprender las necesidades del educando yrespetar su autonomía, permitiendo que tome decisiones acordes con su contexto. En estascondiciones, el proceso educativo es útil para ayudarles a resolver asuntos complejos y a fortalecer sucriterio y seguridad en su función de crianza, de allí que la evaluación de un programa como el decrecimiento y desarrollo debería trascender la verificación de “logros” impuestos desde la perspectivabiomédica y darle una mayor importancia al desarrollo de las personas.

Discusión

La crisis respecto del papel del equipo como educadores mostró que la implementación de unapropuesta de educación alternativa al modelo “instruccional” y al modelo biomédico implica ir más alládel planteamiento de Bourdieu, respecto a que el educador requiere conocer “los mecanismos máselementales de la transmisión cultural […] para combatir lo que yo llamo efecto de destino, y latendencia de los profesores a creer que ellos juzgan a la persona, cuando en vedad juzgan a individuossociales” (Bourdieu, 1998, p.174). Se requiere también de un profundo proceso de reflexión críticasobre la práctica pedagógica, un proceso penoso y difícil, en tanto exige una “vigilancia constante quetenemos que ejercer sobre nosotros mismos para evitar los simplismos, las facilidades y lasincoherencias burdas” (Freire, 2004, p.49). Adecuando los términos de Bourdieu, no es fácil transformarel habitus “pedagógico” del educador, lo cual sustenta la pertinencia de la investigación-acción para elcampo de la educación, como lo sostiene Stenhouse (2004).

De otro lado, la fuerza con la cual irrumpió el educando como sujeto en esta investigación hizo focalizarla mirada en el ser humano, no solo en relación con la dimensión pedagógica, sino también en cuanto a laconcepción de salud. Se reconoció con ello una perspectiva autopoyética de la salud (Granda, 2008), conun ser humano que construye su salud en interacción con su medio ambiente; en este sentido, es posibleafirmar que corresponde a una visión ontológica de la salud, en la cual el individuo “es” saludable, siéndoloa su manera. La salud tiene que ver con el desarrollo humano y el desarrollo de capacidades (Sen, 1996), loque implica, a su vez, la construcción del mundo social con el que el sujeto interactúa (Freire, 2004) y, porende, superar la dualidad individuo-ambiente (Granda, 2008; Carvalho, 2005).

A partir de los resultados, también se comprendió que la salud constituye un “estado de equilibrio[…]. Pero todo intento de compensar una perturbación mediante un contrapeso significa, a la vez, laamenaza de una nueva pérdida de equilibrio en el sentido contrario” (Gadamer, 1996, p.128-9).Reflexionar sobre los equilibrios inestables y continuados que los adultos significativos constantementedeben negociar en sus cotidianidades ponen de manifiesto la necesidad de rescatar la racionalidadprudente (phronesis) para el educador (Granda, 2008; Gadamer, 1996).

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1004 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.997-1008, out./dez. 2011

Desde este punto de vista, parecen insuficientes las clasificaciones respecto de los modelos deeducación para la salud que proponen Salleras et al. (2008), Serrano (1990), Greene y Simons-Morton(1988), Sharma y Romas (2007), así como las salidas para superar la inconmensurabilidad paradigmáticade los referentes pedagógicos, por un lado ecléctica o, por otro, integracionista. Más bien habría quereconocer un mundo plural respecto de los modelos pedagógicos en la educación para la salud yplantear opciones a los modelos convencionales desde sólidas fundamentaciones epistemológicas ypedagógicas. Para ello, los insumos teóricos que aportan Freire y la educación popular latinoamericanaconstituyen valiosas contribuciones para avanzar hacia la construcción de propuestas alternativas.

Cuando se precisaron los propósitos de la educación que se estaba llevando a cabo se partió de unproceso centrado en el ser humano. Con ello se reconoció la pertinencia de considerar al ser humanocomo un ser consciente, crítico, autónomo y libre; un ser trascendente, transformador, que crea yrecrea, que conoce y comprende y que está abierto a la realidad; un ser histórico, social y cultural, queno está solo y, por lo tanto, está en relación con el mundo y con otros (Freire, 2005, 2004, 1998, 1975).

El diálogo es, en esencia, un proceso comunicativo que se da en el marco de un contexto cultural(Freire, 2005). Siguiendo a Habermas (1987), se puede afirmar que el diálogo de saberes requiere unaposición “fenomenológica”, en la cual el mundo objetivo es una construcción intersubjetiva a través dela argumentación. Ello contrasta con la utilización no comunicativa de un saber proposicional, basado enun estado de cosas y en un mundo objetivo, ajeno al individuo, que constituye el ámbito de la ciencia.Esta perspectiva comunicativa implica reconocer la presencia del mundo de la vida como sustento detoda comprensión (Habermas, 1987) o, como lo plantea Bruner (1998), que la psicología popular osentido común, aunque cambie, no se ve sustituida por paradigmas científicos. Lo anterior pone laeducación para la salud en el terreno de la interpretación, es decir, de la subjetividad humana y, portanto, en una perspectiva constructivista de la realidad.

En este contexto, es posible avanzar más allá de una educación centrada en la información y eldesarrollo de unos contenidos preestablecidos por los agentes de salud. A pesar de las fuerzas queejercen el modelo biomédico y los mecanismos de la transmisión cultural, cabría la posibilidad deencontrar vías alternas desde la “educación problematizadora” (Freire, 1975, p.132). Siguiendo a estemismo autor (1996, 1975), problematizar quiere decir analizar los fenómenos —en este caso, la crianzacomo experiencia humana— desde una perspectiva más amplia, identificando fuerzas, influencias ycondicionantes, de tal manera que pueda superarse lo particular para acceder a una perspectiva generaly poder así resignificar la realidad y la acción personal como punto de partida para fortalecer lacapacidad de transformarlas. En este orden de ideas, desde una dimensión problematizadora, seentendió que al narrar sus experiencias, en el marco de un proceso de escucha y de reflexión, loseducandos ampliaron la comprensión de su situación como personas y “criadores” en un contextohistórico, social, cultural y económico particular. Las narrativas, el proceso reflexivo y la construcción deprincipios generales como teorías explicativas y morales ligadas a la racionalidad cotidiana permitieron latransformación de ellos como personas e, incluso, facilitaron algunos cambios de sus situacionessociales. En este sentido, con Dewey (Hatton, Smith, 1995), se reconoció en el pensamiento reflexivoun pensamiento orientado a la solución de problemas y hacia el desarrollo de una conciencia crítica(Freire, 1975). Así, se promueve en los educandos (y también en los educadores) la capacidad derevisarse a sí mismos y su situación en medio de un ambiente de discusión sobre sus condiciones comoindividuos localizados en un contexto social, económico y cultural. De esta manera, aunque no hubieranlogrado hacer grandes cambios en las condiciones materiales de manera inmediata, los educandos selocalizaron de manera diferente hacia las “situaciones límites” (Freire, 1975), con lo cual se perfila laposibilidad de transformaciones en el horizonte.

Pero en este caso, la educación problematizadora se planteó también en un ambiente de soporte ycomprensión, dadas las situaciones conflictivas de los adultos significativos. Así, la identidad grupal y eldesarrollo de la capacidad de escucha constituyen asuntos centrales, y como lo plantea Freire: “Nopuedo negar mi atención decidida y amorosa a la problemática más personal de este o aquel alumno oalumna. […]. No puedo negar mi condición de persona, de la que se deriva, a causa de mi aperturahumana, cierta dimensión terapéutica“ (Freire, 2004, p.138).

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Ahora bien, la educación, como cualquier proceso de interacción humana, está mediada porrelaciones de poder y por los conflictos que suscitan intereses y perspectivas culturales diferentes(Mejía, Awad, 1999; Bruner, 1998). Esta condición implica asumir una perspectiva plural ante larealidad, “respaldado por la voluntad de negociar nuestras diferencias en la manera de ver el mundo”(Bruner, 1998, p.43).

Desde esta experiencia, las propuestas de Habermas respecto de la construcción de consensosbasados en la argumentación y en el establecimientos de criterios aceptados por todos los actores(Habermas, 1987) y los planteamientos de negociación cultural (Mejía, Awad, 1999) son insuficientespara comprender un proceso de educación dialógica como el vivido en el programa. Precisamenteporque se reconoce la existencia de conflictos y relaciones de poder en el escenario educativo, habríaque tener en cuenta la dimensión hermenéutica del diálogo fundada en la comprensión:

Cuando intentamos entender un texto no nos desplazamos hasta la constitución psíquicadel autor, sino que, ya que hablamos de desplazarse, lo hacemos hacia la perspectiva bajo lacual el otro ha ganado su propia opinión. Y esto no quiere decir sino que intentamos que sehaga valer el derecho de lo que el otro dice. Cuando intentamos comprenderle hacemosincluso lo posible por reforzar sus propios argumentos. (Gadamer, 2006, p.361)

Este desplazarse no es ni empatía de una individualidad en la otra, ni sumisión del otro bajolos propios patrones; por el contrario, significa siempre un acenso hacia una generalidadsuperior, que rebasa tanto la particularidad propia como la del otro. El concepto dehorizonte se hace aquí interesante porque expresa esa panorámica más amplia que debealcanzar el que comprende. (Gadamer, 2007, p.375)

Consideraciones finales

Es necesario tener en consideración que los resultados de la educación para la salud no constituyenun asunto neutral, pues dependerán de las concepciones pedagógicas y de las intenciones de losactores. En este orden de ideas, habrá que tener en cuenta también el sentido que los resultados tienenpara los educandos y avanzar hacia la construcción de indicadores como acuerdos entre los educandos yeducadores, en el marco de una perspectiva dialógica. Ahora bien, una condición dialógica precisa deuna actitud de respeto hacia el otro, de sus conocimientos, sus sentimientos y de su contexto social,económico y cultural. Así mismo una disposición para aprender en el diálogo, para dejarse transformar ypara extender su horizonte de sentido en la medida en que puede localizar sus propios puntos de vistadentro de un marco de significado más amplio e incluyente. Esto quiere decir que un horizonte desentido enriquecido le permite relativizar sus propias concepciones y posiciones hacia la realidad y haciael otro. De esta manera se podrá avanzar hacia el desarrollo de acciones educativas más productivas ysatisfactorias para ambos actores.

Colaboradores

Los autores Miriam Bastidas, Julio Nicolás Torres, Gloria Matilde Escobar y FernandoPeñaranda trabajaron juntos en todas las etapas de la producción del manuscrito. Lasautoras Francy Nelly Pérez y Adriana Arango participaron en el diseño de lainvestigación, en el trabajo de campo y en el análisis de la información, ademásrevisaron el manuscrito final.

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1006 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.997-1008, out./dez. 2011

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1008 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.997-1008, out./dez. 2011

PEÑARANDA-CORREA, F. et al. A práxis como a base de uma educação em saúdealternativa: um estudo de pesquisa-ação no programa de crescimentoe desenvolvimento em Medellín, Colômbia. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15,n.39, p.997-1008, out./dez. 2011.

Propondo a reflexão sobre a educação problematizadora, em um ambiente de educaçãopara a saúde, e contribuir para seu desenvolvimento teórico, foi desenvolvida pesquisa-ação tendo como objeto o programa de crescimento e desenvolvimento em Medellín,Colômbia. O estudo envolveu o uso da observação participante das reuniões doprograma de monitorização do crescimento e desenvolvimento de crianças, e a análise dainformação focada em um processo reflexivo. Durante o processo, os educadores-pesquisadores analisaram suas próprias práticas pedagógicas, visando transformar aeducação em saúde numa prática mais dialógica e produtiva. Encontraram-sedificuldades para mudar a educação tradicional no âmbito dos serviços de saúde, masevidenciou-se a importância da reflexão na transformação da prática. O educando comosujeito, com experiências e condições particulares, contribuiu para a compreensão daeducação centrada no ser humano. Ressalta-se a necessidade de se considerarem osadultos como atores centrais e a Educação Infantil como eixo do programa.

Palavras-chave: Educação em saúde. Educação infantil. Crescimento e desenvolvimento.

Recebido em 05/08/10. Aprovado em 09/02/11.

A formação pedagógica institucionalpara a docência na Educação Superior

Cláudia Chueire Oliveira1

Maura Maria Morita Vasconcellos2

OLIVEIRA, C.C.; VASCONCELLOS, M.M.M. The institutional pedagogical developmentfor Higher Education teaching. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.1011-24, out./dez. 2011.

The paper presents results of a researchstudy related to higher education teachingand pedagogical development. Its objectiveis to contribute to the development processof teachers who act in higher education, bygathering subsidies for the elaboration ofinstitutional programs. The methodologicaloption was based on the qualitativeapproach, of an exploratory-descriptivenature; a questionnaire was the datacollection instrument, administered toteachers and students from undergraduatecourses. The results indicate that theconstruction of the higher educationteaching and the good learning processrequire institutional, pedagogical andadministrative investments, as well asmaterial; the higher education teachingcareer demands institutional proposals andinitiatives which can alter teaching andlearning dimensions with a technical-pedagogical support; the quality ofeducation must surpass the one-sidednessof research as instrumentalization for theteaching action; the institutionalpossibilities and limits reflect choices ofprofessionalization and allow the mappingof epistemological teaching bases in thehigher education field.

Keywords: Teacher education. Faculty.Higher education. Professional practice.

Apresentam-se resultados de uma pesquisasobre docência e formação pedagógica nauniversidade, visando contribuir para oprocesso de formação dos docentes queatuam na Educação Superior, colhendosubsídios para a elaboração de programasinstitucionais. A opção metodológicapautou-se na abordagem de cunhoqualitativo, de caráter exploratório-descritivo. O questionário foi o instrumentopara a coleta de dados junto aos docentes eestudantes de cursos de graduação. Osresultados indicam que a construção dadocência superior e o ensino de boaqualidade precisam de investimentosinstitucionais pedagógicos, administrativose materiais; a carreira docente universitáriarequer propostas e iniciativas institucionaisque alterem dimensões do ensino e daaprendizagem e sua sustentação teórico-pedagógica; a qualidade do ensino devesuperar o equívoco da unilateralidade dapesquisa como instrumentalização para aação docente; as possibilidades e limitesinstitucionais refletem escolhas daprofissionalização e permitem mapeamentodas bases epistemológicas da docência nocampo da Educação Superior.

Palavras-chave: Formação de professores.Docentes. Educação Superior. Práticaprofissional.

* Relatório de Pesquisafinanciada pelo CNPq

(Processo 475845/2007),aprovado pelo Comitê de

Ética da Área e Comitêde Ética Envolvendo

Seres Humanos.1,2 Departamento de

Educação,Centro de Educação,

Comunicação e Artes,Universidade Estadual deLondrina. Rodovia Celso

Garcia Cid - PR 445,Km380. Campus

UniversitárioLondrina, PR, Brasil.

[email protected]

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A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA INSTITUCIONAL ...

1012 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1011-24, out./dez. 2011

Introdução

Este texto, parte integrante de uma pesquisa referente à formação pedagógica de docentes daEducação Superior, pretende colaborar com a construção de um conjunto de conhecimentos peculiaresà atuação e à formação pedagógica do docente universitário. A pesquisa realizou-se em dois momentosdistintos. Na primeira fase, foram coletadas informações junto aos alunos formandos de vinte e quatrocursos de graduação de uma instituição de Ensino Superior pública estadual (IPES). Na segunda, foramouvidos os docentes dos mesmos cursos e IPES.

Atuando como professoras de didática na graduação, em disciplinas de formação pedagógica emcursos de especialização e no mestrado em educação, desde a década de 1990, nossas atividadesprofissionais estão ligadas à formação de professores. A oportunidade de trabalhar com docentesoriundos das mais diversas áreas do conhecimento nos fez perceber a existência de lacunas na formaçãodo professor da Educação Superior.

Martins e Romanowski (2010) são enfáticas ao declararem que a discussão relativa à didática e àformação de professores é urgente neste começo de século. Elas consideram que os “educadores-sujeitos”, em estudos sobre as práticas de formação, “[...] desenvolvem-se num processo de pesquisa-ensino que problematiza a prática pedagógica, analisa-a criticamente e propõe novas práticas [...]”(p.61).

Nosso ponto de partida pautou-se, portanto, na esteira do trabalho de Vasconcellos (2005), que, aoabordar a formação pedagógica de docentes de Educação Superior, apresentou indicadores danecessidade de essa formação acontecer de forma mais explicitada e efetiva no interior das instituiçõeseducativas.

Com base nesta constatação, entendemos que seria importante conhecer as percepções dosdocentes e dos estudantes de graduação a respeito do trabalho docente e da qualidade do ensinovivenciado. Acreditamos que as respostas dos sujeitos podem auxiliar na identificação de necessidades,críticas e sugestões para os processos de formação e atuação do docente de Educação Superior.

A docência na Educação Superior

As crises do capitalismo que marcaram o século XX agravaram as novas formas de dependênciaeconômica dos países em desenvolvimento para com os organismos internacionais. Entre os produtosoferecidos como tábuas de salvação, a educação das populações apresentou-se como fator importanteno conjunto de medidas para a construção de uma nova ordem mundial, visto que, no enquadramentoao templo da globalização, da competitividade e da reestruturação produtiva, poderia ser o meio “[...]capaz de permitir a formação de um trabalhador [para] atender às exigências do mercado” (Maués,2003, p.90).

A relação social travada entre trabalho e constituição do capitalismo é elemento importante para secompreender a maneira como o homem vem organizando a produção de sua vida material e como temse caracterizado, para os dias de hoje, o trabalho alienado, uma vez que grande parte dos trabalhadoresnão possui poder de decisão sobre os processos ou sobre o produto de seu trabalho. Dito de outraforma, a lógica da venda da força de trabalho para outro que detém os meios de produção (capital)estabelece subordinação e dominação nas relações e faz com que o produto do trabalho passe a serestranho ao trabalhador (Freitas, 1996; 1995).

Estas considerações são necessárias para se situar o papel da educação no mundo capitalista. Falardas relações entre trabalho e educação implica retomar aspectos da acumulação do capital e dodesenvolvimento da ciência, da cultura e da formação dos trabalhadores. A exigência de permanenterequalificação como condição de trabalho tem resultado na expansão da oferta de cursos superiores degraduação e de pós-graduação. Por sua vez, a influência do Estado mínimo, sobretudo por reduzir aempregabilidade, estimula um afluxo dos profissionais liberais ao exercício da docência na EducaçãoSuperior, cuja oferta de emprego apresenta-se em expansão.

Assim, tratar das questões da atuação docente é uma das tarefas da universidade, mas estudosevidenciam que a ação de grande parte dos professores é improvisada, sem qualquer formação

OLIVEIRA, C.C.; VASCONCELLOS, M.M.M.

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pedagógica (Pimenta, Anastasiou, 2002). A docência na Educação Superior, notadamente, deixa deconsiderar características específicas dos cursos, dos estudantes e dos conteúdos. Atuar na EducaçãoSuperior significa trilhar uma carreira que é ascendente de acordo com o grau de titulação cada vezmaior que lhe é exigido; ensinar, produzir e disseminar conhecimento, entre outras funções complexasque envolvem o mundo universitário. Dessa maneira que é possível o combate à apologia do mercadocomo instância central e organizadora da vida docente coletiva. Ensinar na Educação Superior significa,literalmente, participar de um processo simultâneo de formação humana discente e docente, em que aadesão ao projeto de consolidação e emancipação intelectual, científica e cultural não se divorcia domecanismo de produção e socialização deste projeto, visto que o ensinar com qualidade social naEducação Superior agrega, necessariamente, ensino, pesquisa e extensão. Para tanto, consideramosimportante destacar que a docência na Educação Superior envolve, em algum momento da carreiraprofissional, a administração do ensinar e do pesquisar, o que pressupõe atividades que não seimprovisam, mas, ao contrário, requerem um diagnóstico e planejamento para atendimentocircunstanciado e coerente com as exigências.

Deste modo, compete às universidades assumirem “[...] compromissos institucionais [que criem]espaços e modalidades de discussão, reflexão e análise crítica da atividade docente, com o propósito deassegurar maior qualidade ao ensino de graduação” (Borba, Ferri, Hostins, 2006, p.207). Além disso, éda competência das universidades o ensino superior de boa qualidade para os profissionais que forma,com uma sólida base filosófico-científica, que permita ao sujeito exercer com criticidade seu papel decidadão.

Diante do exposto, considerar o contexto institucional no qual ocorre o trabalho docente é deextrema importância, já que podemos verificar, no cotidiano da vida universitária, que ainda há umapreocupação com a competência do profissional na sua área de formação, que se manifesta no estímuloda instituição e no aval de seu departamento para a realização de cursos de pós-graduação com ênfasena pesquisa de seu campo de origem. De acordo com Fernandes (1998), o desempenho do professoracaba ficando sem uma reflexão sistematizada que traga sua prática pedagógica como foco de análise.

A preocupação com a qualidade do ensino que o docente oferece à comunidade estudantil aindanão apresenta discussão ampliada. Amaral (2010) afirma que o bom professor é aquele que épesquisador do seu campo teórico, que compreende a historicidade do processo do conhecimento, masque também reconhece que a socialização do “arcabouço científico-cultural” (p.27) às novas gerações ésua tarefa primeira, ou seja, ensinar!

Com a ampliação da capacidade de análise e percepção crítica sobre os limites das generalizações/especificidades do processo de construção do conhecimento científico, “o contexto pode ser o ponto‘concreto’ de partida, mas a elaboração do pensamento e o desenvolvimento da capacidade deabstração [...] fundamentais para a apreensão do conhecimento sistematizado” (Ramos, 2003, p.9),reforçam a urgência da discussão.sobre o significado de os professores serem sujeitos de sua própriahistória, com a grande responsabilidade de serem protagonistas de novos arranjamentos sócio-históricos.Isso só é possível a partir da compreensão da atividade docente como trabalho produzido e que produzrelações sociais, transformador da realidade (Oliveira, 2005).

A revisão de literatura, os nossos trabalhos de doutorado e a observação da realidade do ensino nocotidiano das instituições revelaram um panorama que aponta, cada vez mais, para a necessidade deformação pedagógica dos professores de Educação Superior. Trata-se de um requisito essencial para oexercício do magistério superior de boa qualidade. Isaia (2006, p.80) afirma que

[...] as bases para o enfrentamento dos desafios relativos à docência superior pressupõeminiciativas conjuntas de professores e alunos, em consonância com seus contextos institucionaise com as políticas de Educação Superior, a fim de favorecerem o desenvolvimento institucional eprofissional de todos aqueles que labutam nesse nível de ensino.

Assumimos, portanto, um conceito de formação docente que implica diagnosticar as necessidadesde uma instituição e de sua comunidade e o desenvolvimento de programas e atividades paraatenderem a estas necessidades.

A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA INSTITUCIONAL ...

1014 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1011-24, out./dez. 2011

A formação de professores é uma área de investigação e de práticas que, no âmbito da didática e daorganização escolar, estuda os processos pelos quais os professores adquirem ou melhoram seusconhecimentos para intervirem profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e dainstituição (Pachane, 2006). Mesmo assim, vale lembrar a contradição presente neste fato e tão bemexplicitada por Dalben (2010, p.166):

Parafraseando Veiga (2009), formar professores é uma aventura [...] Consideramos trabalhodocente como uma práxis e, com tal deve ser analisada no contexto da organização escolar.Quando nos lançamos na aventura de formar professores, embora saibamos que seja umatarefa bastante desafiadora, sabemos que esta tarefa se faz num terreno profundamentevulnerável [...] quando pensamos que formamos docentes para diferentes espaços e contextos.

Sabemos que há aspectos que são importantes “qualidades” que os professores devem possuir,visando proporcionar um “ambiente pedagógico eficaz para diferentes tipos de alunos” (Maués, 2008,p.6). Porém alertamos que, descolado do amparo institucional, produz a ausência ou a insuficiência dascondições geradoras de produção de conhecimentos e formação de profissionais qualificados para omagistério superior.

A possibilidade de “[...] superar a ilusão de que as idéias têm por si só o poder de transformação,atuando sobre a consciência dos indivíduos” (Ramos, 2003, p.8) deve-se dar no processo de formaçãodo professor, realizado junto à realidade do seu exercício profissional, das condições de trabalho, dovalor atribuído ao conhecimento produzido pela humanidade - para além da redução do conhecimentoao domínio de um conjunto de informações que se destinam à aplicação direta ao seu trabalho, ou seja,além da perspectiva de instruir, fornecer dados, esclarecer e atualizar o professor.

A produção do conhecimento sobre a qualidade do ensino praticado na universidade ainda é umcampo novo; e acreditamos que uma das responsabilidades dos profissionais da área da educação étrabalhar em prol da construção de um corpo consistente de conhecimentos, voltados especificamentepara a formação do docente de Educação Superior, para que, cada vez mais, as dificuldades relativas aessa formação sejam superadas (Vasconcellos, 2005).

O caminho metodológico do estudo

O trabalho realizado articulou questões de cunho teórico e empírico, estabelecendo relações esignificados que apreendessem especificidades de uma dada situação. Em que pesem os limitesinerentes a qualquer tipo de pesquisa, realizamos um estudo com base na análise de depoimentos dedocentes e estudantes de graduação, ou seja, sujeitos que também organizam suas experiências econvivem com a prática pedagógica cotidianamente na Educação Superior e em um dado contextosociocultural. São, portanto, coautores dos processos de ensinar e de aprender na Educação Superior.

Justificamos nossa escolha baseadas em Vasconcellos (2002), que, ao estabelecer critérios paranortear possibilidades de ações transformadoras, expõe sobre a identificação da necessidade de umnúmero significativo de envolvidos em uma instituição. Para o autor, como a necessidade é um produtode interpretação valorativa, indica a possibilidade de transformação decorrente do poder de ação e derecursos disponíveis em dadas circunstâncias.

O questionário foi o instrumento de coleta de dados e de interlocução com os sujeitos querepresentaram o universo desta investigação. A opção pela utilização de questionários é justificada porRichardson et al. (1999), para quem o questionário, apesar de algumas limitações e de acarretar algunsproblemas em relação à devolutiva e confiabilidade, é um instrumento que traz uma série de vantagensem relação a outros. Há a uniformidade da ordem das perguntas e das instruções e, num espaço curtode tempo, obtém informações de um número considerável de pessoas.

Richardson (2007) chama a atenção para os cuidados que o investigador deve ter com as técnicas depesquisa, uma vez que estas não são elementos neutros, mas, meios para se obterem informações.Minayo (1994, p.14) enfatiza que a ciência social é intrínseca e extrinsecamente ideológica e que “[…]

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toda ciência é comprometida”. Sendo assim, está imbuída de interesses e visões de mundohistoricamente construídos e pode se submeter ou resistir aos esquemas das políticas de dominaçãovigentes.

Ao se elaborarem os instrumentos de coleta de dados, é fundamental ter clareza em relação a estaquestão para se compreender a relação entre “pesquisador” e “pesquisado”, protagonistas de umprocesso de desenvolvimento (Richardson, 2007, p.19). O autor nos lembra que tanto os questionárioscomo a entrevista não são um fim em si mesmo, mas imprescindíveis instrumentos de coleta, e queutilizá-los de forma adequada é responsabilidade do pesquisador.

O exame da realidade foi por nós compreendido no sentido metodológico da reflexão que serelaciona ao sentido epistemológico, visto que “[...] o cerne do procedimento metodológico dizrespeito à construção, no pensamento, do desenvolvimento das contradições presentes na prática,incluindo suas possibilidades de superação” (Freitas, 1995, p.71).

Neste caso, a abordagem de cunho predominantemente qualitativo, de caráter exploratório-descritivo, foi considerada o caminho mais adequado a trilhar, por privilegiar os significados, asexperiências, os motivos, os sentimentos, as atitudes e os valores dos docentes e dos alunos envolvidoscom o fenômeno a ser investigado: a docência na Educação Superior em diferentes áreas, qualidades doensino vivenciado e as possíveis relações com proposições de formação docente, expressão de um “[...]conjunto de expressões humanas constantes nas estruturas, nos processos, nos sujeitos, nos significadose nas representações” (Minayo, 1994, p.15).

Fruto de um trabalho investigativo que reconhece, nos fatos descritos, “símbolos de uma cultura quepossui núcleos contraditórios para realizar uma crítica informada sobre eles” (Minayo et al., 2006, p.89),temos plena consciência de que os dados são provisórios, relativos ao conjunto e contexto em questão,todavia, da mesma forma e pelo mesmo motivo, devem ser reconhecidos como importante fonte deinformação.

A coleta de dados, mediante um questionário, foi realizada com 64 docentes e 715 alunos de cursosde graduação de uma universidade pública estadual.

O instrumento para os alunos responderem foi formulado com três questões. Na primeira questão,solicitamos que assinalassem a opção (ruim ou péssimo, fraco, razoável, bom, muito bom) que melhorcaracterizasse o ensino recebido durante o curso. A segunda questão requereu dos alunos queapontassem os problemas de ensino vivenciados durante o curso. A terceira questão solicitou queapresentassem considerações sobre o que seria um bom ensino na universidade.

Aos docentes, apresentamos o resultado da primeira questão respondida pelos alunos, em gráficorelativo ao curso, e indagamos se os mesmos consideravam existirem problemas de ensino; em casoafirmativo, que explicitassem quais eram. As demais questões aos docentes solicitaram a opinião arespeito da possibilidade de se desenvolverem programas institucionais de formação pedagógica e, anteas respostas positivas, quais poderiam ser os resultados para a melhoria do ensino e da docência.

A realidade investigada em questão

Um dado que merece destaque, inicialmente, foi a distribuição de setecentos e quarentaquestionários aos docentes e a obtenção de apenas 64 respostas de 17 cursos. Consideramos este fatoum sintoma bastante expressivo e contraditório. A não-ocupação dos professores de espaços depesquisa que pretendem ouvir as suas vozes diminui um campo, um tempo e um espaço depossibilidade do registro de suas presença e identidade profissionais.

André (2010, p.278) assevera que, quando se pretende “[...] conhecer mais e melhor os professorese seu trabalho docente [é] porque temos a intenção de descobrir os caminhos mais efetivos paraalcançar um ensino de qualidade”, o que remete necessariamente a um “trabalho colaborativo entrepesquisadores e professores”. Cunha (2010, p.131) também nos auxilia nesta reflexão:

[...] perceber a ação docente como inserida num campo de tensões representa um avançopara as teorias e práticas da formação de professores [...] o exame da construção do campocientífico da educação [deve ter] estruturas de conhecimento fundamentais, que farão parte

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dos processos formativos com larga duração. Certamente é a mirada que os atinge e ocontexto em que se recontextualizam que trarão formatos distintos e os legitimarão emcondições peculiares.

Outros dados são importantes sinalizadores desta investigação. A percepção dos 715 alunos de 24cursos indica que o ensino recebido foi regular (262 respostas) ou bom (295 respostas). Considerandoque a maioria dos estudantes avaliou como bom o ensino recebido, passamos a analisar as respostasobtidas na segunda e terceira questões, que arrolam os motivos que caracterizaram o conceito.Apresentamos alguns depoimentos para, posteriormente, comentá-los:

“Um bom ensino se baseia em: professores qualificados e bem pagos; salas de aula comrecursos didáticos variados, investimento em trabalhos de campo de qualidade; investimentoem laboratórios onde se possa ver a parte prática do curso”. (aluno do curso de Geografia)

“Começando por um efetivo cumprimento dos horários de aula, do conteúdo programáticoe professores que gostam de ensinar e que conseguem fazer isto, mas esta questão érelativa, depende do aluno também. A universidade deve dar as mínimas condições deestudo aos alunos, por exemplo, silêncio durante as aulas, salas de aula com carteirasdecentes e janelas que funcionam”. (aluno do curso de Matemática)

“Inicio das disciplinas na data certa, professores em todas as disciplinas, professores ealunos engajados e empenhados”. (aluno do curso de Serviço Social)

“Aulas regulares, com professores fixos e capacitados para o trabalho. Recursos físicosdisponíveis. Professores que gostem e estejam satisfeitos com o trabalho, pois quem ganhaé o aluno”. (aluno do curso de Serviço Social)

O bom ensino seria, portanto, para os alunos, aquele que é realizado com base em uma prática deação sociointelectual, cujo resultado permitiria a intervenção emancipatória dos estudantes natransformação da realidade. As percepções dos alunos indicam um conjunto de ações e decisões queenvolvem a disposição dos professores, a conscientização dos alunos e a intervenção institucional.Separadamente, os elementos deste conjunto não se efetivarão em um ensino de boa qualidade social.Poderão demonstrar êxitos parciais, entretanto não farão parte de soluções efetivas. Alguns professorestêm a mesma percepção. Exemplificamos:

“[...] entendo que existem os seguintes pontos a considerar: a) os alunos aparentementesão poucos estimulados no ambiente familiar (visão crítica dos problemas); b) a sociedadetampouco favorece esses estímulos, a despeito da internet, etc. [...] c) com exceção de cursospedagógicos, os professores universitários são profissionais liberais na posição deprofessores, sem preparo algum para essa função. Comumente, usam seu ‘instinto’ para oexercício da docência num mundo com alta comunicação (EAD, etc.), há necessidade demaior preparo para esse exercício”. (docente do curso de Engenharia Civil)

“A qualidade não pressupõe apenas os ‘problemas de ensino’, ainda numa instituiçãocomplexa como a universidade brasileira”. (docente do curso de Pedagogia)

“Acho que os alunos tratam o problema da falta de docente como qualidade do curso. ODesign Gráfico foi criticado sem considerar a necessidade de docentes específicos porestratégias políticas e desde sua criação tem sofrido com um rodízio de docentestemporários, a sua maioria de 20 horas. No ano de 2008 teve turma que ficou sem professoraté julho e disciplinas que tiveram três docentes e isso afeta e muito a qualidade do curso”.(docente do curso de Design Gráfico)

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v.15, n.39, p.1011-24, out./dez. 2011 1017COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

“Os dados parecem revelar o bom aproveitamento do curso apesar da falta de espaço físicoadequado [...] e no caso do curso de Artes Cênicas o espaço físico é co-autor no processo detrabalho desenvolvido, certamente que nossos estudantes apontam tal falta que revela umproblema de ensino”. (docente do curso de Artes Cênicas)

Os depoimentos registrados nas questões iniciais, ou seja, a qualidade do ensino que se vivencia,remetem-nos a uma discussão, neste artigo, de dois aspectos: a disposição para a docência e a atuaçãoinstitucional na docência.

De acordo com as manifestações dos sujeitos (alunos e professores), alguns docentes não estão“preparados” para o exercício do magistério. Um aluno do curso de Química considera que:

“O bom ensino em uma universidade consiste na contratação de verdadeiros docentes, ouseja, professores. Acredito que uma separação entre professor e pesquisador deveria serfeita, pois há muitos pesquisadores que não gostam de ministrar aulas, logo os alunos quearcam com as conseqüências de uma aula ruim”.

A declaração de um docente do curso de ciências sociais referenda a expressão do aluno ao afirmarque há

“[...] falta de entrosamento entre os docentes, desconhecimento do PPP [Projeto PolíticoPedagógico], desprezo pela habilitação em licenciatura [...]”.

O sentido da função “ensinar” requer a aquisição de conhecimentos pedagógicos, aqueles quetratam de princípios fundamentais de organização do trabalho docente, tais como políticas educacionais,sistemas curriculares, comunicação na situação de ensino, planejamento de ensino, avaliação daaprendizagem, entre outros. Bazzo (2008) apresenta indicações de promoções institucionais emprogramas de formação docente que são esclarecedoras do conjunto de ações e decisões necessárias aobom ensino na Educação Superior. De acordo com a autora,

[...] poderiam ser objeto de estudos e pesquisas desde as discussões dos projetospedagógicos de cada curso até questões percebidas com merecedoras de maior reflexão nosprocessos de avaliação institucional, hoje instalados em todas as universidades brasileirasem atendimento ao que determina o programa SINAES [Sistema Nacional de Avaliação daEducação Superior]. Essas atividades seriam permanentemente acompanhadas pelospróprios professores, bem como pelos alunos e pela instituição nos seus diversos níveis eempreendimentos avaliativos, sempre, porém, de características diagnósticas eemancipatórias. Nesse processo, poder-se-ia esperar, em médio prazo, que o professor, aoperceber a importância do seu papel na tarefa educativa dos jovens para além da técnica edo domínio dos conteúdos específicos, fique cada vez mais envolvido pelas questões daeducação e da real aprendizagem/formação de seus alunos, de tal sorte que, na mesmamedida da importância que dá às pesquisas de sua área específica de conhecimento, engaje-se na investigação e na descoberta de novas e desafiantes maneiras de desenvolver oensino. (Bazzo, 2008, p.12)

Os cursos de pós-graduação têm sido o principal veículo de preparação do docente de EducaçãoSuperior. Muitas vezes, porém, não há a formação para a docência. Não se questionam, nem nos editaisde concursos nem no cotidiano das instituições, elementos que indiquem que o profissional que dominauma área de conhecimento seja capaz também de realizar a transposição didática necessária a um bomensino. Como descrevem Pimenta e Anastasiou (2002, p.142-3):

Institucionalmente, uma vez aprovado no concurso ou contratado, o professor recebe umaementa, um plano de ensino do ano anterior e, com isso em mãos, o horário de trabalho que

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lhe cabe desempenhar. A partir daí, as questões de sala de aula, de aprendizagem e deensino, de metodologia e de avaliação são de sua responsabilidade, [...]. Ou seja, reforça-seaí o processo de trabalho solitário, extremamente individual e individualizado; o professor édeixado à sua própria sorte e, se for bastante prudente, evitará situações extremas nas quaisfiquem patentes as falhas de seu desempenho.

A formação em cursos stricto sensu tem priorizado as atividades de pesquisa e as associa, comfrequência, à essência direta do trabalho docente. A introdução de estágios de docência é umaalternativa interessante, a título de introdução aos pressupostos de formação do corpo docente superior,todavia requer que a discussão do significado de tais experiências seja efetivada como uma relaçãoorgânica de todas as etapas do processo de ensinar e aprender e com os diferentes sujeitos envolvidos(Bazzo, 2008). Porém não podem ser vivências únicas e exclusivas de formação, há que se buscar porformatos mais expressivos de inclusão de processos formativos iniciais e continuados.

Vale destacar que processos mais expressivos de formação do docente superior requerem aadministração negociada entre as partes. Oportunidades de cooptação podem ser propostas comroupagens que favoreçam o negligenciar das restrições de tempo real de trabalho, as condições deefetivo exercício do magistério e as necessidades pedagógicas da docência superior que abrangem oaluno, o professor e o conteúdo a ser desenvolvido. Em outras palavras, os processos formativos nãopodem ceder aos moldes de conveniências econômicas, que requisitam o docente como colaborador naconsecução de padrões mercadológicos e de produtividade para a Educação Superior, que apelam paraparcerias que se destinam a um pseudodesenvolvimento profissional e que trazem mais intensificaçãodo trabalho docente. Como exemplo, podemos destacar um excerto, já citado, das manifestações dosalunos que admitem o bom ensino permeado por “[...] efetivo cumprimento dos horários de aula, doconteúdo programático e professores que gostam de ensinar e que conseguem fazer isto” (aluno docurso de Matemática). Docentes que “conseguem ensinar” na Educação Superior fazem parte de umgrupo de profissionais que admitem: o planejamento, a preparação das aulas, o estudo dos temas, aorganização do ambiente de ensino e de aprendizagem, a proposição de ações críticas e inovadoras,entre outras, em um conjunto de tensões de diversidades e de demandas acadêmicas.

Outro aspecto evidenciado pelos depoimentos de alunos e professores diz respeito ao envolvimentodas instituições de Ensino Superior (IES) na docência. São consideradas desde a organização pedagógicados cursos até as condições materiais das estruturas físicas. Para os alunos que colaboraram com estainvestigação, é importante que haja “[...] professores bem preparados e que tenham didática para daraula [e] laboratórios para desenvolvimento das atividades”. (aluno do curso de Ciência da Computação)

Um docente do curso de química assim se manifesta: “[...] as condições de ensino poderiam serainda melhores. Como por exemplo: mais materiais no laboratório, técnicos mais bem preparados ecom melhor boa vontade para preparar as aulas”. Já um docente do curso de Agronomia afirma: “Élógico também que cursos pedagógicos de formação ajudariam muito na reciclagem dos professores,vejo isso, pois também atuo no ensino médio onde os professores recebem este tipo de formação”.

A criação de um ambiente pedagógico favorecedor da aprendizagem deve considerar a superaçãode três grandes problemas: corpo docente em efetivo exercício profissional; espaços e estruturas físicascompatíveis com as necessidades dos cursos, e acompanhamento e avaliação institucional dos processospedagógicos vivenciados. Transcrevemos, a seguir, mais alguns dos depoimentos dos sujeitos queexemplificam as situações destacadas:

“Falta de materiais decentes para as aulas práticas e técnicos mal preparados para ajudar.Professores (alguns) péssimos, que não deveriam estar dando aula dentro de umauniversidade tão grande”. (aluno do curso de Química)

“Falta de professores, muita troca de professor em uma disciplina, atraso para início dadisciplina (disciplina anual que as aulas iniciaram em setembro)”. (aluno do curso de ServiçoSocial)

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v.15, n.39, p.1011-24, out./dez. 2011 1019COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

“Muitos docentes passam nos concursos (efetivos e/ou temporários) tendo pouca ounenhuma experiência prática. Quando vão atuar não sabem relacionar seu conteúdo com ocotidiano real. Ficam muito preocupados em formar pesquisadores e esquecem de formarprofissionais”. (docente do curso de Educação Física)

“A falta de preparo se confunde com o desânimo do docente, desânimo pelo baixo salárioou pela falta de perspectiva profissional, ambos aspectos são culpa do governo e dadesorganização/descaso para com a educação brasileira. Política e Educação nãocombinam”. (aluno do curso de Ciências da Computação)

“Falta de professores para algumas disciplinas, professores sem didática, materiaisdesatualizados, falta de alguns livros na biblioteca”. (aluno do curso de Administração)

“Creio que temos problemas de ensino em Engenharia Civil porque a maioria absoluta dosdocentes não teve formação para ensino profissional”. (docente do curso de EngenhariaCivil)

As condições das estruturas físicas, dos ambientes de ensino e aprendizagem, das motivações econtratação docente aparecem como sendo precárias, desatualizadas, insuficientes e, até mesmo,incompatíveis com uma proposta pedagógica de formação de profissionais em nível superior. Isaia eBolzan (2007, p.174) consideram que a realidade de muitas IES está distante de uma “[...] políticaconsistente, sistemática e organizada, que leve em conta as peculiaridades de cada domínio e docontexto institucional concreto para o qual se orienta”, ou seja, os processos formativos profissionais,entre os quais deveriam estar, inclusive, aqueles direcionados aos professores.

É importante trazer para o debate, portanto, a opinião dos docentes relativa aos processos deformação. A maioria dos docentes participantes (42 professores) é favorável ao desenvolvimento deprogramas institucionais de formação pedagógica. Aqueles que não são favoráveis indicam que osproblemas não são de ordem didática ou pedagógica, mas de dedicação de professores e alunos.

Os argumentos dos docentes que apoiam a ideia dos programas de formação institucional remetema muitos pontos, entre eles: a inserção do professor no espaço universitário, o reconhecimento demetodologias de ensino mais apropriadas ao curso, discussão ampliada da função social da universidade,processo de avaliação da aprendizagem, acompanhamento pedagógico das reformulações dos projetospedagógicos dos cursos etc. Apresentamos algumas manifestações:

“Sinto-me totalmente desamparada em relação a minha formação e do exigido pelas IES.Tudo fica por conta do professor: trabalhar com novas tecnologias, trabalhar as diferençasem sala de aula, entender as dificuldades dos estudantes, mesmo que estas estejam muitoalém da incumbência do professor. Além disto, o professor tem que desenvolver projetos,participar de comissão, ter uma carga horária didática muito acima dos existentes eminstituições bem conceituadas do país. Enfim, penso que se exige muito do professor emuito pouco (quase nada) é dado para a execução das exigências. Sem contar a falta deinfra-estrutura. Como trabalhar em laboratórios de informática se não tem técnicos e/oumonitores que nos auxiliem. Como ter um “bom” método de avaliação numa sala com 60,80 estudantes. Como trabalhar em sala o desinteresse dos estudantes. Como trabalhar afalta de conteúdo matemático que vem se acumulando desde a alfabetização. Como daraulas numa universidade em construção com marretas, brocas, martelos o ano todo nacabeça do professor e do estudante. Como exercer, de fato, a profissão de professor se amaior parte do tempo ficamos envolvidos em imbróglios administrativos, burocráticos epolíticos. Que programa desenvolver eu não sei”. (docente do curso de Matemática)

“Programas relativos a orientação pedagógica do professor, para trabalhar com as aulas/alunos. Muitas vezes o docente domina a teoria (principalmente no âmbito da psicologia) /

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prática, mas tem muita dificuldade na transmissão dos conteúdos”. (docente do curso dePsicologia)

“Os resultados são em longo prazo, acho importante uma formação integral que envolvaprática de ensino, formas de levar o conhecimento ao aluno que o faça participar mais,avaliação, entre outros. Somente melhoraremos o ensino se o professor conseguir controlarefetivamente todas as etapas do ensino-aprendizagem”. (docente do curso de Agronomia)

“Didática, metodologias de ensino, uso de novas tecnologias de ensino em sala de aula,tanto para professores quanto para alunos”. (docente do curso de História)

“Talvez um levantamento das inovações adotadas pelos docentes e que estão trazendoresultados positivos e que estejam cristalizadas por pesquisas e não pelo ‘achismo’”.(docente do curso de Matemática)

As manifestações dos docentes nos remetem à discussão de que é preciso que a universidadereconheça a importância do trabalho docente na difusão do conhecimento por meio da pesquisa, masque dê a mesma importância à docência. Lüdke (2005, p.12) utiliza uma expressão muito interessante,a “invisibilidade docente”, para tratar da formação de professores, e considera que,

Rompendo com a invisibilidade do trabalho docente, desenvolvem um programa unindosaber e ação na atuação do professor, que assume também o papel de pesquisador [...]centrar-se na situação de trabalho seria condição e garantia de uma pesquisa produtiva ecom sentido [...] rompendo com a separação hierárquica entre o pesquisador e o professor.

Trouxemos, novamente, o binômio ensino-pesquisa, considerando que, para que não hajadesvinculação, os programas de formação não podem se resumir a eventos isolados e pontuais.Acreditamos que os programas de formação docente devem ser articulados à pesquisa, à produçãoacadêmica que é desenvolvida na universidade.

A indicação de problemas institucionais é consequência de um rol de propostas de “obrigação deresultados”, que hoje é imposta ao professor e que não considera, muitas vezes, as questões estruturaisdas IES, tais como: condições de trabalho, turmas com número excessivo de alunos, ausência de políticade valorização do magistério, entre outras. São condições que incidem sobre o trabalho docente,tornando-o precário, e correspondem ao discurso hegemônico da mercantilização do conhecimentocomo princípio da excelência (Maués, 2008).

Os docentes têm sido alvo do produtivismo acadêmico instalado nas políticas e ações direcionadas àEducação Superior. Desse modo é considerado

[...] “competente” aquele docente que consegue cumprir as exigências das agências defomento, ou seja aprovando projetos de pesquisa, solicitações de financiamento departicipação em eventos e tantos outros indicadores estabelecidos a partir da lógicamercantilista. (Maués, 2008, p.10)

Tal pensamento altera a natureza da docência, por retirar a importância de um conjunto de açõesque gere formação ética nos alunos, que manifeste interações de boa qualidade entre os paresprofessor-aluno e aluno-aluno, que favoreça clareza, organização e adequação das linguagens usadasnas aulas, que garanta aprofundamento nas especificidades do ensino de cada área do conhecimento.Em outras palavras, o domínio do conhecimento expressado na situação de ensino requer o trato com ostrês elementos didático-pedagógicos: aluno, conteúdo e professor, para além da metodologia específicade uma área da pesquisa. Trata-se, conforme nos indicam Borba, Ferri e Hostins (2006), de umcompromisso social de base ético-política óbvia.

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v.15, n.39, p.1011-24, out./dez. 2011 1021COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

A ausência de responsabilização institucional sobre a docência superior tem transformado o professor

[...] em empreendedor que precisa ser capaz de celebrar, por meio da instituição, convênios,atrair empresas que se interessem em financiar suas pesquisas e montar seus laboratórios,transformando-se assim em pessoas quase jurídicas que conseguem realizar “negócios” quevão tornar a instituição mais competitiva. Isso representa uma intensificação do trabalho, namedida em que exige mais tempo desse profissional, muitas vezes tendo que estender ajornada de trabalho para além das oito horas, a fim de poder realizar todas essas atividadesque agora são dele esperadas. (Maués, 2008, p.11)

Neste momento, vale a pena lembrar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988(Brasil, 1994), quando trata sobre as questões que envolvem a educação nacional (Capítulo III – daEducação, da Cultura e do Desporto, seção 1 – Da Educação), estabelece como princípio, entre outros,a “valorização dos profissionais do ensino” (art. 206, V) e a “garantia de padrão de qualidade” (art. 206,VII) para o ensino. Mais recentemente, na forma da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, asdiretrizes e bases da educação nacional foram materializadas e acrescentadas de Portarias, Decretos eResoluções que trazem regulamentações mais ordinárias.

Enricone (2007) postula que os problemas da prática educacional de nível superior não podemcontinuar a se resumir a “problemas meramente instrucionais” (p.151), ao contrário, devem ser objetode ações e discussões que envolvam “uma mudança simbólica em movimento” (p.155), considerando omodo como a “dimensão profissional do docente universitário tem a ver com o funcionamento depolíticas de administração” (p.156) nos níveis pedagógico, pessoal e institucional. Para a autora,qualquer modalidade de educação universitária de professores deve “[...] partir das intenções e dosvalores do presente e orientar-se para as expectativas do futuro, que nunca está determinado, ainda quedependa das possibilidades entre as alternativas agora existentes” (p.157).

O trabalho do docente universitário - enquanto combinação de demandas complexas que envolvemo ensino, a pesquisa, a extensão, a pesquisa do ensino, o ensino para a pesquisa, a extensão comosocialização etc. - com frequência, não encontra os princípios constitucionais e os decorrentes legaisassegurados nas IES.

Algumas considerações

A título de apresentar algumas ideias conclusivas, lembramos que nossa investigação junto aosprofessores e alunos permitiu reforçar a questão de que a carreira docente universitária requer quesejam apresentadas propostas pelas IES cujas iniciativas alterem dimensões do ensino e daaprendizagem com argumentação/sustentação teórico-pedagógica.

Ao docente, profissional da educação, compete: participar na elaboração dos projetos pedagógicosdos cursos, zelar pela condução do processo de ensino que vise à aprendizagem dos alunos, produzirconhecimentos e disseminá-los como um bem da humanidade, entre outras atribuições. É necessário,portanto, que, na administração da vida universitária, sua carreira docente também seja incluída.

Se, por um lado, os estudos na área já apontam necessidades de programas institucionais que amparemo exercício no magistério superior, por outro lado, ainda é perceptível o equívoco da unilateralidade dapesquisa como instrumentalização para a ação docente. As necessidades formativas dos docentes daEducação Superior têm complexidade ímpar, em especial pela consideração de que o processo deformação iniciou-se, mesmo que não intencionalmente, quando aluno dos cursos de graduação. Assim, asuperação/manutenção de modelos de ordem didático-pedagógicos refere-se a um conjunto de ações deinvestigação, análise e discussão de práticas pedagógicas institucionalizadas, como recursos importantespara o planejamento não só de ensino, mas, também, dos sistemas educativos superiores.

Além disso, quaisquer que sejam as iniciativas institucionais, uma análise mais rigorosa da qualidadedo ensino vivenciado por docentes deve partir da construção das experiências já vivenciadas pelossujeitos, um marco que permita ser uma espécie de referência sistemática dos investimentos pessoais,

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1022 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1011-24, out./dez. 2011

pedagógicos, materiais, administrativos. O campo do conhecimento tratado na forma de conteúdo deensino, as concepções e valores atribuídos à prática pedagógica cotidiana precisam ser consideradoscomo elementos fundamentais de formação docente, os quais são tão necessários quanto a pesquisa naárea específica.

Lembramos, ainda, que as condições materiais e objetivas do trabalho docente são aspectosfundamentais para o desenvolvimento da Educação Superior de boa qualidade. Mais do que umincentivo a um investimento de envergadura maciça, trata-se de mostrar, para a sociedade, aimportância da formação do docente que irá formar outros tantos profissionais, muitos deles docentestambém. Apesar de dificilmente percebida por esta sociedade, a importância reside em açõesprioritárias para a própria vida do homem. O cidadão, que vive em um tempo em que odesmantelamento das estruturas sociais luta arduamente para manter a hegemonia capitalistadominadora, precisa reconhecer, no docente do ensino superior, uma classe de trabalhadores queenfrenta precarização nas relações e condições de trabalho. O aligeiramento das formações, a expansãodesordenada de cursos superiores, a ausência de estruturas físicas compatíveis com a produção daciência são, juntamente com o tempo disponibilizado, alguns dos exemplos de condições materiais queprecisam ser repensadas. Os recursos destinados ao ensino perecem diante daqueles dirigidos àpesquisa, levando à diminuição da resistência da cultura instalada do alto desempenho produtivo.

O foco no valor central das possibilidades e limites institucionais poderá ser avistado na superaçãodos problemas, irá refletir nas escolhas e nas tomadas de decisão do objeto de trabalho daprofissionalização em nível superior - produzido e atualizado com a pesquisa - e permitirá omapeamento das bases epistemológicas da docência no campo da Educação Superior. A empreitada deuma Educação Superior de qualidade requer a absoluta prioridade da ordem política, do caráterorganizativo e produtivo da ciência e da cultura, e da ação humana participativa na construção social.

Colaboradores

Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito.

Referências

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A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA INSTITUCIONAL ...

1024 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1011-24, out./dez. 2011

OLIVEIRA, C.C.; VASCONCELLOS, M.M.M. La formación pedagógica institucional parala docencia en la Enseñanza Superior. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.1011-24, out./dez. 2011.

El texto presenta resultados de pesquisa relativa a docencia y formación pedagógica enla universidad. El objetivo fue contribuir para el proceso de formación de docentes queactúan en enseñanza superior, recogiendo subsidios para la elaboración de programasinstitucionales. La opción metodológica fue el planteamiento cualitativo, exploratoriodescriptivo. El cuestionario fue usado para colectar datos junto a los docentes yestudiantes de cursos de graduación. Los resultados indican que la construcción de ladocencia superior y la enseñanza de buena calidad necesitan inversiones institucionalespedagógicas, administrativas y materiales; la carrera docente requiere propuestas einiciativas institucionales que alteren dimensiones de la enseñanza y aprendizaje consustentación teórico-pedagógica; su calidad debe superar el equívoco de launilateralidad de la pesquisa como instrumentación para la acción docente; lasposibilidades y límites institucionales reflejan la selección de la profesionalización ypermiten el mapear de las bases epistemológicas de la docencia en la universidad.

Palabras clave: Formación de profesores. Docentes. Enseñanza superior. Prácticaprofesional.

Recebido em 11/08/10. Aprovado em 23/01/11.

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Abordagens de ensino e pesquisa na pós-graduaçãoem saúde: da realidade da disciplina à ‘utopia’ transdisciplinar

José Renato Gomes Castro1

Bruno José Barcellos Fontanella2

Egberto Ribeiro Turato3

CASTRO, J.R.G.; FONTANELLA, B.J.B.; TURATO, E.R. Approaches to teaching and researchin graduate courses in the health field: from the reality of the discipline to thetransdisciplinary ‘utopia’. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39, p.1025-38,out./dez. 2011.

The field of postgraduate medical educationfaces sharp criticism against certainweaknesses regarding production,dissemination and use of new knowledge,and it is expected that professors promotetechnical skills and relevant levels ofepistemological study. The objective was toanalyze the manifestations of postgraduateprograms coordinators regarding theoreticalframeworks, meanings and differencesbetween the disciplinary, multi, inter andtransdisciplinary approaches. During 2008,seven interviews were recorded; in general,they revealed that there were difficulties inthe recognition of the mentionedapproaches, justified by their own trainingas doctors and researchers. Non-theoreticalnotions tended to be expressed, but theywere apparently supported by theirprofessional practices and clinicalknowledge, which historically deal withcomplex clinical research subjects. It isargued that there should be an expansion ofthe possibilities of pedagogicalmanagements grounded on the precepts ofthe emerging paradigm, which are possiblyalready employed and taught, eveninformally, in the years of clinical training.

Keywords: Health postgraduate programs.Medical education. Research. Epistemology..Paradigm.

O campo de ensino e pesquisa na pós-graduação em saúde enfrenta contundentescríticas a certas fragilidades quanto àprodução, divulgação e utilização de novosconhecimentos, cabendo aos formadorespromover competências técnicas e níveispertinentes de aprofundamentoepistemológico. Objetivou-se analisar asmanifestações de coordenadores deprogramas de pós-graduação sobrefundamentação teórica, significados ediferenças entre os enfoques disciplinar,multi, inter e transdisciplinar. Pelasentrevistas realizadas com os sujeitos foipossível constatar, de modo geral,dificuldades para reconhecimento dosenfoques, justificadas pela formação nocampo das Ciências Médicas. Noçõesateóricas tenderam a ser expressas, masaparentemente ancoradas em práticasprofissionais e conhecimentos clínicos quehistoricamente já lidam com objetos deestudo e de cuidado complexos.Argumenta-se por uma ampliação daspossibilidades de gestões pedagógicasfundamentadas no paradigma emergente,possivelmente já empregado e ensinadoinformalmente nos anos de formação clínica.

Palavras-chave: Programas de pós-graduação em saúde. Ensino. Pesquisa.Epistemologia. Paradigma.

* Elaborado com baseem estágio pós-

doutoral do autorprincipal. Sem conflito

de interesse e comaprovação pelo Comitê

de Ética em Pesquisacom Seres Humanos

da instituição.1,3 Departamento dePsicologia Médica e

Psiquiatria, Faculdadede Ciências Médicas,Universidade Estadualde Campinas (FCM/

Unicamp). CidadeUniversitária ZeferinoVaz, Distrito de Barão

Geraldo, Campinas, SP,Brasil. 13.083-970.

[email protected] Departamento de

Medicina, Centro deCiências Biológicas e

da Saúde, UniversidadeFederal de São Carlos.

v.15, n.39, p.1025-38, out./dez. 2011 1025COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

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ABORDAGENS DE ENSINO E PESQUISA NA PÓS-GRADUAÇÃO ...

1026 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1025-38, out./dez. 2011

Introdução

A orientação por um determinado enfoque em ensino e pesquisa é necessária para a consecução deresultados em relação à formação de pesquisadores capazes de atuar sobre os desafios relacionados aoprocesso saúde-doença materializado nas vidas dos sujeitos e das comunidades. Para tanto, destaca-se anecessidade de certo domínio de concepções teóricas e de habilidades práticas dos intelectuaisresponsáveis pela coordenação desse processo formativo, seja assumindo e reproduzindofundamentações epistemológicas mais restritas a condicionantes tradicionais, seja adotando pressupostosque reconheçam instâncias fenomênicas emergidas de contextos complexos.

Com atenção a tais aspectos, apresentamos, neste artigo, parte dos resultados de uma pesquisa cujotema é o discurso de coordenadores de programas de pós-graduação stricto sensu (PPG) na área dasCiências Médicas de uma instituição universitária pública brasileira. São analisados os dados levantadosem entrevistas com esses profissionais – todos docentes e pesquisadores, quase todos da profissãomédica –, especificamente quanto ao que revelam sobre o tipo de enfoque de ensino e pesquisa poreles dinamizado e, possivelmente, pelos respectivos programas aos quais pertencem. Busca-se, assim,avançar no processo de discussão crítica sobre os conhecimentos e aprofundamentos epistemológicosrelativos às fundamentações teóricas, significados e diferenças que caracterizam os enfoques disciplinar,multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar, considerando a indicação hipotética de que os discursosdos coordenadores dos PPG podem se revelar insuficientes no reconhecimento de qualidades efundamentos que norteiam os diferentes tipos de enfoques em ensino e pesquisa.

Investigações sobre as responsabilidades dos intelectuais, sobre os resultados sociais de suas práticase sobre os aspectos ideológicos presentes no pensamento científico já foram tratadas em várias obras,algumas delas clássicas (Marx, Engels, 1987; Weber, 1977; Mannheim, 1968). No presente texto,atualizam-se essas preocupações, direcionando-as ao processo de formação em pesquisa na áreamédica. Procurou-se incorporar as contribuições que discutem possibilidades, limites e responsabilidadesdos intelectuais, bem como necessidades e possíveis distorções dos sistemas de ensino, aglutinandoelaborações dos campos da Epistemologia Médica (Canguilhem, 2006, 1977; Foucault, 1994, 1987,1986, 1985, 1981) e da Sociologia do Conhecimento (Freidson, 2009; Bourdieu, 1983; Bourdieu,Passeron, 1982).

Parte das inquietações motivadoras desta pesquisa pauta-se na dúvida quanto à possibilidade efetivade se prepararem profissionais para trabalhar com sofrimentos e doenças de pessoas e comunidades,estabelecendo condutas terapêuticas amplas e eficazes, sem que estes tenham visão do locus queocupam no contexto sócio-histórico e dos paradigmas que sustentam suas ações investigativas (Turato,2003).

JustificativasQuatro são os níveis de justificativas que sustentam o direcionamento da investigação e das

discussões propostas a partir do material coletado.Primeiramente, indica-se, no decurso dos últimos cinquenta anos, a existência de contundentes

críticas aos rumos da construção dos conhecimentos científicos e à lógica dos sistemas de ensino (Kuhn,2003, 1979; Demo, 2002; Santos, 2000; Popper, 1979). Os fazeres acadêmicos calcados unicamente natradição newtoniano-cartesiana continuam influenciando de forma determinante o sistema de produção(pesquisa), divulgação (ensino) e utilização (consumo) de conhecimentos (D’Ambrósio, 1999, 1997). Aessas críticas somam-se os posicionamentos que denunciam abusos de poder e a existência deinsuficiências e limitações epistemológicas nas práticas de pesquisa (Capra, 2002, 1997, 1992; Morin,2000a, 2000b, 2000c, 2000d, 1995; Morin, Baudrillard, Maffesoli, 1993).

Em segundo lugar, destacam-se insuficiências ligadas especificamente aos fazeres clínicos na áreamédica/saúde e às precariedades de discussão epistemológica existente nesses campos científicos desaber. A Medicina (como representante de relevante destaque na área da saúde) não estaria assumindoum comprometimento ético de enfrentamento de questões amplas decorrentes de seu caráterindissociável entre ciência e tecnologia, aspectos que hoje se determinam reciprocamente (Japiassu,1994, 1992, 1976). Identificam-se críticas e indicações da necessidade de níveis mais qualificados de

CASTRO, J.R.G.; FONTANELLA, B.J.B.; TURATO, E.R.

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formação de docentes, pesquisadores e clínicos especializados (Turato, 2003; Nunes, 1995; Camargo Jr.,1993, 1990; Minayo, 1991), em razão da fragilidade do sistema educacional médico quanto a questõescomo: o adoecer, o cuidar e ser cuidado (Ferraz, 2001), a autonomia do sujeito que adoece, acompreensão de fenômenos humanos (Ilário, 2001), as responsabilidades médico-profissionais (Garciaet al., 2007; Ribeiro, 2005; Tesser, Luz, 2002; Almeida, 2001) e a hegemonia do modelo biomédico(Cardoso, Camargo, Llerena, 2002; Stagnaro, 2002; Cadavid, 2001; Koifman, 2001; Epstein, 1999).

O terceiro ponto de justificativa incorpora pressupostos teóricos e cosmovisões expressos emconstrutos como: complexidade, complementaridade e interdependência, transdisciplinaridade, ética ebioética, incerteza e caos, dialógico/holográfico (Marteleto, 2007; Morin, 2000a, 2000b, 2000c, 2000d;Nicolescu, 1999; Morin, 1996; Morin, Baudrillard, Maffesoli, 1993). Eles explicitam posicionamentosque vêm obtendo compreensão e reconhecimento, ao mesmo tempo em que operam transformações,mesmo que modestas, em discursos e realidades. Esse processo carrega significativa herança de avançosemergidos de pensadores de diferentes áreas de conhecimento, como: Física, Biologia (Maturana, 1998,1995; Maturana, Varella, 1997; Bohm, 1992; Heisenberg, 1962; Bohr, 1961), Educação (Capra, 2002,1992; Collares, Moysés e Geraldi, 1999; D’Ambrósio, 1999, 1997; Assmann, 1996; Freire, 1991; Freire,Pichon-Rivière, 1991), Teologia, Filosofia e Ética (Boff 2000, 1999, 1997; Bachelard, 1996), assim comode manifestações artísticas nas suas mais diversas formas de expressão.

Isso posto, é possível reconhecer a consonância deste trabalho com o que se nomeia paradigmaemergente, que vem assumindo contornos progressivamente mais claros e aceitáveis mediantepesquisas que consideram a interferência da subjetividade do cientista (Neubern, 2000) e aspossibilidades explicativas de realidades e fenômenos complexos, desde os sistemas biológicos maissimples até o caso da pessoa humana em suas relações intrapessoal e/ou intersubjetivas, grupal oumacrossocial (Iribarry, 2003; Chaves 1998; Weill, 1993, 1987).

Essas posições e direcionamentos permitem revisões do processo de cuidado e das concepções deÉtica/Bioética (Cruz-Coke, 2005; Luna, Salles 2000), bem como das tendências metodológicas históricasda Medicina (Coelho, Almeida Filho, 2002; Ayres, 1994), pressupondo o resgate de competênciaspráxico-epistemológicas pouco valorizadas no processo de formação e desenvolvimento de pesquisasnas universidades.

A última etapa de apresentação das justificativas é respaldada pela constatação de que a produçãode novos conhecimentos tende a manter a tradição disciplinar, sem elementos teórico-metodológicosfavorecedores do enfoque inter ou transdisciplinar (Castro, 2006).

Assim é que todas essas indicações de ‘fragilidades no sistema’ compõem o conjunto deargumentos justificadores da tentativa de desvelar o tipo de formação oferecida pelos PPG a partir dosdiscursos dos intelectuais responsáveis por tal processo.

Pressupostos teóricos

Para respaldar o processo de análise e discussão dos resultados, elegeram-se pressupostos teóricosrelacionados às noções de paradigmas tradicional e emergente, bem como às de enfoques disciplinar,multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar.

Consideram-se características do paradigma tradicional (velho paradigma, paradigma newtoniano-cartesiano, paradigma positivista) o rigor disciplinar que postula a objetividade e a eliminação do sujeito;a matematização, a hiperformalização, a hiperabstração e o decorrente enclausuramento disciplinar; aredução da realidade mais complexa à menos complexa; a tendência de reaproximar os campos doconhecimento realizando, por exemplo, uma redução do biológico ao físico-químico, do antropológicoao biológico (Morin, 2000c).

A justaposição do paradigma tradicional com os pressupostos que delineiam o paradigmaemergente (paradigma da complexidade, novo paradigma) permite identificar o que passa a servalorizado nessa nova cosmovisão: no lugar da eternidade, a história; em vez do determinismo, aimprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização;em vez da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem; em vez danecessidade, a criatividade e o acidente (Santos, 2000).

ABORDAGENS DE ENSINO E PESQUISA NA PÓS-GRADUAÇÃO ...

1028 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1025-38, out./dez. 2011

Destacam-se, ademais, as considerações a respeito dos enfoques disciplinar e multidisciplinar emensino e pesquisa, este último caracterizado como atividades e projetos dos quais vários especialistas,com seus respectivos conhecimentos, participam, permanecendo cada qual com a visão mais ou menosrestrita à sua área (Assmann, 2001). Essas reais opções de prática de pesquisa mantêm-se comosocialmente justificáveis (Luz, 2009), embora, em muitos casos, apenas reproduzam a ideologiapositivista e levem a resultados socialmente limitados e, por vezes, comprometedores. É possívelconsiderar que tais enfoques ainda representem ideais dos saberes que carregam as tradiçõesacumuladas desde o advento do método científico moderno; podem ser qualificados, portanto, comoportadores de vieses característicos do paradigma tradicional.

Já os enfoques interdisciplinar e transdisciplinar – este reconhecido como a tentativa mais abrangentede processo de transformação das dimensões práxicas no universo acadêmico – demonstram sintonia emrelação aos elementos que qualificam o que tem sido nomeado como paradigma emergente.

Com relação à interdisciplinaridade, o enfoque reside na tentativa de extrapolar a mera justaposiçãodas contribuições disciplinares, estabelecendo-se um intercâmbio entre especialistas de diversas áreasdo conhecimento científico, uma vez que se reconhece a insuficiência de contribuições que se mantêmrestritas à dimensão disciplinar.

Difícil de edificar, porém anunciado em discursos de experimentados teóricos, o enfoquetransdisciplinar procura coordenar as disciplinas e interdisciplinas nos sistemas de ensino, com base emuma axiomática geral que considere questões éticas, políticas e culturais (Gadotti, 2000).

A transdisciplinaridade não pretende constituir-se como uma ciência das ciências – a expressão - e apráxis que dela poderia surgir - indica a assunção de posturas cooperativas (D’Ambrósio, 1997), ficando,inclusive, implícitas as possibilidades de construção de conhecimentos sem a necessidade de se excluire desvalorizar mitos, religiões e outros sistemas interpretativos.

Método

Esta pesquisa é orientada por pressupostos metodológicos qualitativos (Nunes, 2005; Turato, 2003;Minayo, 1991). Por meio deles, pretendeu-se revelar, com a coleta de dados, significações eintencionalidades subjacentes às condutas dos entrevistados em relação a si mesmos e em suas relaçõescom os grupos acadêmicos com que convivem como gestores de PPG.

A explicitação dos pressupostos apresentados acima serviu de base para a formulação de trêsquestões disparadoras utilizadas nas entrevistas. Para o momento, destaca-se a primeira delas, relativa àsnoções teóricas que, segundo os coordenadores de pós-graduação, caracterizariam cada um dos quatrotipos de enfoques em ensino e pesquisa (disciplinar, multi, inter e transdisciplinar).

A seleção dos sujeitos da pesquisa foi intencional e por conveniência, admitindo-se que cabe aosresponsáveis pela análise dos dados identificar, integrar e processar as discussões e considerações emfunção da compreensão dos limites e da natureza dos dados contingencialmente obtidos.

Procurou-se entrevistar a totalidade dos coordenadores de programas de pós-graduação stricto sensuvinculados à área da saúde de uma universidade pública brasileira, pertencentes às seguintes áreas deavaliação da Capes (Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior do Ministério daEducação do Brasil): Medicina I, Medicina II, Medicina III, Saúde Coletiva, Enfermagem e CiênciasBiológicas II. Tais sujeitos, em função do locus que ocupam e por dever de ofício, são portadores de umconjunto de informações, entre elas a do tipo de enfoque de ensino em pesquisa assumido por seuPPG. Dessa forma, podem garantir a fidedignidade dos dados, uma vez que respondem, institucional,ética e tecnicamente, pelos resultados do processo de construção de conhecimentos científicos e pelamodificação ou reprodução dos mecanismos institucionais de validação pelos pares. Do mesmo modo,respondem, mesmo que indiretamente, pelos resultados sociais que advêm da prática dos novospesquisadores formados, assim como pela utilização dos novos conhecimentos em escala social.

Garantiu-se o anonimato dos sujeitos, informados dos objetivos da pesquisa, assim como do sigilo dotratamento da autoria das falas. A pesquisa foi aprovada por um Comitê de Ética em Pesquisa, tendo osparticipantes assinado um termo de consentimento livre e esclarecido.

CASTRO, J.R.G.; FONTANELLA, B.J.B.; TURATO, E.R.

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As entrevistas tiveram duração média de sessenta minutos. O entrevistador, primeiro autor desteartigo, procurou cuidar, desde os primeiros momentos, do estabelecimento de clima de cordialidade,empatia e confiança entre entrevistador-entrevistado, evitando-se a adição de desconfortos de ordemintelectual ou afetiva, além dos já potencialmente intrínsecos à temática abordada.

Procedeu-se à leitura das questões disparadoras que compuseram o roteiro de entrevista semidirigidade questões abertas (Turato, 2003; Morse, Field, 1995), técnica favorecedora de uma coleta de dadosabrangente e profunda sobre representações e experiências profissionais e pessoais dos entrevistados.As falas foram integralmente gravadas e transcritas. As demais manifestações comportamentaisinterpretadas como relevantes foram registradas no diário de campo do pesquisador.

A análise do material coletado procurou seguir os fundamentos dos passos metodológicos dafenomenologia (Sadala, 2004; Martins, 1992; Martins, Bicudo, 1989; Merleau-Ponty, 1971). Iniciou-secom escutas e leituras repetidas do material, associadas à postura de abertura aos fragmentos,correspondendo ao procedimento das “leituras flutuantes”, que favorecem o conhecimento dasnarrativas e a emersão de hipóteses compreensivas sobre os núcleos de sentido nelas presentes(Minayo, 2007; Bardin, s/d).

Empreendeu-se, a seguir, um processo descritivo do que foi considerado como experiênciasapreendidas na consciência de cada entrevistado (Martins, 1992), objetivando-se refletir sobre essesconteúdos vividos, cujas expressões verbais, por vezes reveladoras de insights psicológicos, forammantidas em sua forma original. Procurou-se, então, tematizá-los por meio da circunscrição de unidadesde significado (Sadala, 2004), alvo de processo metodológico interpretativo de natureza ideográfica.

Por fim, pôs-se em execução o processo nomotético de identificação das convergências das análisesde cada entrevista, visando sistematizar e mostrar possíveis invariantes representadas pelas confluênciasdas perspectivas dos sujeitos participantes (Sadala, 2004).

Os autores participaram desse processo de análise, que favoreceu a verificação da hipótese inicial e,ao mesmo tempo, a aproximação racional dos fundamentos teóricos em que se apoiou o processointerpretativo.

Resultados

Este artigo contempla, conforme explicitado, parte do que foi o projeto original de pesquisa, umavez que o material dos depoimentos fornece outras discussões. Das três questões propostas, destaca-sea primeira delas, foco de nossa atenção neste artigo:

Considerando que a literatura especializada indica a existência de quatro diferentes tipos deenfoques em ensino e pesquisa – sendo eles nomeados, respectivamente, como enfoques disciplinar,multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar, o/a Senhor(a) poderia discorrer sobre as característicasde cada um desses enfoques e, além disso, tecer críticas pertinentes a cada um deles?

Foram obtidos sete depoimentos no ano de 2008, com coordenadores(as) de PPG. Tinham, emmédia, vinte anos de vinculação institucional e faixa etária entre 45 e 55 anos. Tais relatos possibilitarama elaboração de duas categorias, a seguir explicitadas.

Dificuldades justificadas pelas áreas de formação e de atuação

Menções ao fato de se responsabilizarem por áreas de conhecimento à parte dos cânones dasciências humanas, por terem formação biomédica, estiveram presentes:

“Minha formação é... mais assim... na área médica... mas... assim... ah... eu gostaria que vocêtivesse em mente que eu sou... [cita a especialidade médica] ... e muitas vezes partes dessas...eh... discorrer sobre esses assuntos... ah....não é muito fácil pra mim...”. [S2]

ABORDAGENS DE ENSINO E PESQUISA NA PÓS-GRADUAÇÃO ...

1030 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1025-38, out./dez. 2011

Houve a assunção do fato de não se ter estudado, intencional e objetivamente, os referidosenfoques e abordagens, tendo as informações dessa natureza sido absorvidas a partir da informalidadede conversas com os pares:

“Nunca estudei ....assim ...sistematicamente essas abordagens... sei por conversas informaiscom colegas...”. [S3]

Tal justificativa se apoia no esforço pessoal e no fato de a formação (em nível de pós-graduação) terorigem na área médica. Refere-se a uma busca individualizada, autodidática, ratificando – na opiniãodos entrevistados – a condição fragmentária de sistemas institucionais de ensino para concretizareminiciativas com efetivos níveis de trabalho coletivo na construção de propostas e de atividadescooperativas:

“Então minha formação é assim... praticamente... autodidata... e assim, também em termosde formação profissional ...”. [S4]

Observou-se uma tendência ao redirecionamento do foco argumentativo, com alguns entrevistadosbuscando contraposição à questão proposta, valendo-se da indicação da tipologia do discurso da áreaqualitativa em comparação ao tipo de atividade ou linha acadêmica com a qual tinham maior afinidade,o que indica a assunção de uma postura aparentemente comum, reproduzida nas instituições de ensino,de dicotomizar abordagens quantitativas e qualitativas:

“Bom... primeiro que é assim, embora exista na literatura, a gente tem que parar epensar...; ...difícil o seu discurso... muito qualitativo... pra nós que somosquadradinhos...”. [S6]

Os participantes demonstraram reconhecer suas tradicionais origens como sendo impeditivas paramodificar posturas pessoais ou, mesmo, institucionais. O reconhecimento explícito de um dos sujeitosem relação à sua formação caracteristicamente disciplinar pareceu uma forma inicial de tomada deconsciência, não demonstrando, entretanto, clareza em relação à dinâmica reprodutiva que sustentaessa tradição em seu próprio cotidiano de profissional de saúde, pesquisador e docente:

“Eu vivi essa formação... muito limitada... disciplinar mesmo!... durante a minhaformação acadêmica...”. [S7]

As noções sobre os enfoques disciplinar, multi, inter e transdisciplinar

A tentativa de os entrevistados ampliarem suas considerações pessoais relacionadas às noções sobreos enfoques reforça as indicações, presentes na categoria anterior, de reconhecimento da dificuldade detrabalharem fora dos aspectos tradicionais contidos em suas próprias histórias de formação acadêmica:

“O disciplinar, na minha opinião, é o muito mais confortável, que a gente domina...; ...e aí...fica fácil porque a gente não sai do nosso limite...”. [S2]

“Ele [o disciplinar] está condicionado a um grupo de profissionais com a mesma formação eestarem trabalhando em um projeto cujo alcance temático fica restrito...”. [S3]

“O disciplinar... ah... normal... foi... somos disciplinares... é o trabalho voltado para adisciplina... dentro da área de conhecimento...”. [S6]

A não-diferenciação entre os termos foi expressa de modo claro por alguns sujeitos:

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“Então quando você fala de disciplinar, multidisciplinar, pluridisciplinar ... é uma linguagempouco usual na minha área, muito pouco usual...”. [S1]

“O inter e o multidisciplinar... ah... confusão... penso que são as mesmas coisas...”. [S6]

Noutro momento, o S1 adquire uma suposta confiança na diferenciação das características entre doisdos enfoques; entretanto ele não chega a expressá-las e não tem clareza sobre elas, mas sua aparentesegurança ao apresentar uma ‘noção correta’ (na verdade, bastante descontextualizada) já serve de basepara criticar os pares no contexto acadêmico:

“Disciplinar e interdisciplinar eu tenho bastante clareza... agora os colegas usam meio quecomo sinônimos, se você apertar mesmo, eles não sabem diferenciar...”. [S1]

A fragilidade argumentativa nas tentativas de explicitação dos pressupostos do enfoquemultidisciplinar e nas considerações sobre as práticas ligadas a possíveis projetos, ou também aos queestão em execução, indica inconsistência epistemológica. A aparente postura de segurança e domínioda temática e de suas decorrências, como iniciativas para lidar com os desdobramentos e demandasdesses mesmos projetos, deixa transparecer um posicionamento algo espontâneo ou improvisador, quenão expressa as bases para o reconhecimento do paradigma com que se trabalha:

“Sempre na nossa área está presente a multidisciplinaridade... trata do processo saúde-doença... uma série de saberes que compõem essa... esse cuidado... isso pra gente é meiocomum”. [S2]

“O enfoque multidisciplinar... é quando a pergunta que eu tenho não pode serrespondida... ah... só com as ferramentas que eu domino... então, eu convido um colega queeu acho que domina...”. [S3]

“O multi... eu teria que buscar a psiquiatria, a cardio... pra resolver as questões na minhaárea, né? (nome da área/programa). ...Extrapola um pouquinho, indo pro multi...”. [S5]

Apesar da farta veiculação das expressões ‘interdisciplinar” e “interdisciplinaridade’ em âmbitopedagógico, pode-se inferir uma real dificuldade para explicitarem suas noções definidoras sobre osfundamentos do enfoque interdisciplinar:

“E... o interdisciplinar, que na nossa área aqui... é a necessidade de dialogar com outrossaberes, não só com outros saberes, mas com outras áreas e outros profissionais... outrasformas de explicar...”. [S2]

“Eu poderia ficar pensando pra você... interdisciplinar...; ...então eu preciso do projeto e, praresponder à minha pergunta, eu preciso de um outro conhecimento... de uma outra pessoa...aí nós fazemos uma associação...; ...mas o nome científico disso... eu não sei... o que meinteressa é o resultado que vai dar...”. [S4]

Os entrevistados tenderam, inicialmente, a não explicitar noções sobre enfoque transdisciplinar,tendo sido necessário instá-los. Falas concernentes à transdisciplinaridade variaram, partindo de umafranca postura de desconhecimento sobre a expressão:

“A transdisciplinaridade?... ah... a transdisciplinaridade... eh... não sei muito bem o que queé... o processo de ir e vir do conhecimento... ah... estou conjecturando...”. [S2]

“O trans... eu acho que extrapolaria qualquer disciplina mesmo... que extrapolaria muito...sei lá... eu não sei se está bom...”. (risos) [S5]

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“Agora... a transdisciplinaridade... o transdisciplinar... é isso eu não sei bem... ah... quandotranscende...’”. [S6]

O que foi expresso sobre esse enfoque associou-se notavelmente também a noções ligadas àprodução de mercadorias, equipamentos, patentes, com intenções comerciais e/ou tecnológicas deinovação material:

“O que vai ajudar o paciente é uma visão que se tem agora... transdisciplinar... nós temostrabalhado com o instituto de química, a engenharia de materiais, a biologia molecular,gerando novos materiais e patentes...”. [S7]

Como últimos destaques, mencionam-se as referências a posturas e fazeres representativos denoções teórico-epistemológicas sobre como se identificarem resultados transdisciplinares no cotidianosocioinstitucional:

“Acho que, por exemplo, quando o jornalismo quer divulgar alguns conhecimentoscientíficos...”. [S6]

“E por que que nós estamos chamando de transdisciplinar? Porque eles [outrospesquisadores envolvidos em um mesmo projeto] estão entendendo o que nós estamosfalando, nós estamos entendendo o que eles estão falando ...eu não estou fazendo aminha parte e encaminhando o paciente... [referindo-se a ações isoladas]”. [S7]

Discussão

As categorias aqui formuladas partiram de fundamentos epistemológicos validados porquestionamentos da objetividade do conhecimento (Marx, Engels, 1987; Weber, 1977; Mannheim,1968) e pela crítica ao papel dos intelectuais e instituições que autorizam os regimes de verdade epoder (Bourdieu, 1983; Bourdieu, Passeron, 1982). Partiram, também, de investigações referentes àvalidação de discursos, a partir dos quais indivíduos e grupos distinguem o verdadeiro do falso,assumindo, consequentemente, um correspondente poder (Foucault, 1986, 1985, 1981). Asconsiderações de Freidson também serviram de ponto de confirmação dos resultados sociais das práticasreproduzidas nos ambientes profissional-técnico e acadêmico-científico, ainda que tenha pesquisado adinâmica profissional médica sob outros objetivos (Freidson, 2009).

Foram observadas recorrentes justificativas dos entrevistados frente às dificuldades quereconheceram possuir quanto aos significados dos diferentes tipos de enfoque que embasam a questãonorteadora. Apresentaram variações, porém se configurariam, ao olhar dos autores, comoracionalizações defensivas de possíveis ansiedades frente à problemática via de regra pouco conhecida.Solicitados a se colocarem sobre questões que consideraram ‘não dominar’, e sentindo-se responsáveispelo processo de formação de pesquisadores, revelaram importante angústia ao constatarem nãoconseguir se manifestar quanto aos fundamentos processuais de ensino utilizados em seus PPG.

A assunção do fato de não terem adquirido conhecimentos – intencional e objetivamente – sobre osreferidos enfoques e abordagens, deixando que informações dessa natureza fossem absorvidas ‘apenas’por transmissão oral e informal em conversações com os pares – compõe um quadro que ratificaria ahipótese inicial deste trabalho.

A percepção da insuficiente representação dos fundamentos teórico-epistemológicos e dareprodução do enfoque disciplinar em seus cotidianos institucionais parece ser admitida como ponto deequilíbrio e normalidade do sistema de ensino que coordenam. Embora aparentemente não intencional,o fazer “normal”, presente na fala “normal... foi... somos disciplinares... é o trabalho voltado para adisciplina... dentro da área de conhecimento...” [S6], incita a uma digressão quanto à normalidade daciência (ou ciência normal) (Kuhn, 2003).

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Extrapolando a compreensão de tal conceito para o contexto do ensino de práticas científicas, osinformantes sugeriram exercer um ‘ensino normal’ e por ele advogar, embora tal prática se demonstreinsatisfatória para se avançar no conhecimento de variados problemas de pesquisa, anunciando as ditasanomalias e crises, conforme as expressões de Kuhn (Kuhn, 2003).

Os resultados indicam a existência de um certo consenso entre os entrevistados sobre aconveniência da continuidade da tradição disciplinar na qual foram educados, tendo como justificativa adificuldade para se trabalhar além das perspectivas do modelo ou da lógica disciplinarizante. Os própriostermos que expressam as alternativas ao disciplinar (inter e transdisciplinar) mostram-se ainda sendoincorporados a seus vocabulários.

Ao se considerar o uso desses termos pelos participantes da amostra estudada, dir-se-ia queveiculam, antes, significados simbólicos do que icônicos. Utilizando a terminologia da teoria dasrepresentações sociais (Moscovici, 1978), útil nesta discussão, já que os resultados configuraram umacontraposição de dois universos simbólicos, o universo reificado dos epistemólogos se contrapõe aouniverso consensual dos entrevistados, embora, a priori, fosse esperado que estes últimos fossem parteda audiência qualificada das teorizações epistemológicas. Em alguns relatos, foram observadasancoragens conceituais num dos sentidos mais familiares do termo disciplina – especificamente nosentido de “matéria” ou “assunto escolar”. Já a expressão-conceito transdisciplinar revelou-se aindamais distante do universo epistemológico em questão, configurando-se, por isso mesmo, no contextoinvestigado, como possibilidade irrealizável, utópica – pelo menos num futuro próximo, pensam osautores. Pontos considerados presentes na amostra, quanto aos enfoques de ensino e pesquisa, foram:dificuldades teóricas, embora possivelmente compreendam e utilizem intuitivamente os conceitos;percepção de sua utilidade; possível conformismo diante dos entraves de se implantarem mudanças, emnível atitudinal.

Como contraponto à discussão feita até aqui, e ainda na busca de possíveis ancoragens utilizadaspelos entrevistados na incorporação dos conceitos de inter e transdisciplinaridade, foram chamativas asrecorrências, em suas falas, de aspectos de suas práticas clínicas enquanto profissionais de saúde. Adespeito da fragilidade argumentativa nas tentativas de explicitação de seus pressupostos, utilizaram-sede imagens e ideias de um objeto de estudo que pode ser visto como tipicamente complexo, ou seja,pessoas que a eles recorrem enquanto clínicos, em busca de tecnologias multidimensionais (envolvendoentrevistas, exames físicos, elaborações preventivas, diagnósticas, prognósticas, terapêuticas etc.). Aprática clínica, e paradigmaticamente a Medicina, é área em que a complexidade do objeto ‘serhumano’ se expressa agudamente. Nesse sentido, os entrevistados se expressaram quanto a:encaminhar pacientes, ser um clínico, aderir a tratamentos e prevenções, bem como a interconsultoriaentre especialistas médicos. Tal pode ser visto como saberes práxicos, que “pra gente é meio comum”[S2, referindo-se ao processo de saúde-doença-cuidado]. Assim, a despeito das insuficiências teóricasquanto aos conceitos pesquisados, os entrevistados permitem inferir que dispõem de atributosatitudinais e suficiências práxicas da dimensão clínica, resultante tecnológica última dos saberesdesenvolvidos nas iniciativas que coordenam.

Considerações finais

O conjunto de fundamentações teórico-epistemológicas oriundas das obras de pensadores quedemarcam as preocupações do universo da Sociologia do Conhecimento, somado ao exercício cotidianode estimular uma ação crítica pautada em perspectivas praxiológicas que procuram operartransformações dentro dos ditames do chamado novo paradigma ou paradigma emergente, favorecerama coleta de depoimentos suficientes para se reconhecer a existência de fragilidades na forma decompreender, em níveis consequentes e ideais, as atuais tendências pedagógicas e enfoques em ensinoe pesquisa. Não obstante as diferenças entre objetivos, eventos históricos e objeto de análise nas obrasreferenciadas, há convergências em seus posicionamentos quanto ao papel dos intelectuais e àspossibilidades propiciadoras de melhores níveis de emancipação daqueles que compõem o universoacadêmico.

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Os enunciados constatados nas entrevistas apontam a continuidade de sistemas de ensino quevalidam uma lógica tradicional e disciplinarizante. Dessa forma, ainda que não se consiga verificar a açãoindividual dos participantes por meio das entrevistas, infere-se que favoreçam limitações técnico-profissionais. Em nível racional, entende-se que há um delineamento precário de sistemas complexosoperantes nos cuidados com o humano, em particular nos processos de adoecimento da pessoa. Osdados ratificam a percepção das dificuldades sociais e a manutenção de níveis insuficientes de açãopolítica diante da perpetuação de práticas que dirigem a construção de novos conhecimentos científicos.

Na revisão etimológica e semântica e de elementos críticos sobre a história da ciência, fecha-se estareflexão lembrando que Morin já notava a palavra disciplina como originalmente designativa de umobjeto de ‘autoflagelação’ e que permitia, portanto, a autocrítica (Morin, 2000b). Metaforicamente, épossível, hoje, perceber o flagelo dos sujeitos da aprendizagem e dos especialistas que se aventuramem esforços de pesquisas fora de sua estrita área de formação e titulação. Como consequência, tem-seque tais fatos se perpetuam através de posturas disciplinarizantes que, no máximo, podem serconsideradas como representantes do enfoque multidisciplinar (Castro, 2006).

Diante da experiência acadêmica da categoria profissional da qual os entrevistados fazem parte (sãoformadores com responsabilidades múltiplas: docência em cursos de graduação e pós-graduação,liderança de grupos de pesquisa, gestão direta ou indireta de políticas públicas articuladas) e diante desuas vocações expressas na escolha de profissões que, de forma modelar, lidam com objetoscomplexos, pesquisas como esta devem ser sensibilizadoras para um aprimoramento cotidiano decompetências direcionadas à materialização de perspectivas epistemológicas mais integrativas eintegradoras. Para o enfrentamento intelectual das questões epistemológicas relativas aos problemas depesquisa complexos, típicos dos objetos médicos, parece indicada uma progressiva ancoragempedagógica e conceitual nos mesmos fundamentos da lógica de pensamento complexo que, ao menosem tese, já é constituinte da boa prática clínica.

Colaboradores

José Renato Gomes Castro foi o responsável pela concepção da pesquisa, coleta dedados, planejamento e execução tanto da análise quanto do processo interpretativodos dados, e a redação do primeiro texto; participação nas revisões subsequentes eaprovação da versão final. Bruno José Barcellos Fontanella participou do processointerpretativo dos dados, da revisão crítica do primeiro rascunho, da organização dasversões subsequentes do texto e da aprovação da versão final. Egberto Ribeiro Turatoparticipou do processo interpretativo dos dados, da revisão crítica das várias versões dotexto e da aprovação da versão final do manuscrito.

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CASTRO, J.R.G.; FONTANELLA, B.J.B.; TURATO, E.R. Enfoques de enseñanza einvestigación en la pos-graduación en salud: de la realidad de la disciplina a la‘utopía’ transdisciplinaria. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.1025-38, out./dez. 2011.

La enseñanza y investigación en la pos-graduación em salud afronta contundentescríticas en relación a la producción, difusión y utilización de nuevos conocimientos,cabiendo a los formadores el fomento de habilidades técnicas y también nivelesapropiados de profundización epistemológica. El objetivo fue analizar lasmanifestaciones de coordinadores de programas de pos-graduación sobre losfundamentos teóricos, significados y diferencias entre los enfoques disciplinario, multi,inter y trans-disciplinario. En las entrevistas hechas fueron observadas dificultades parareconocimiento de los enfoques, justificadas por la formación en Ciencias Médicas. Loscordinadores tendieron a expresar ideas vinculadas aparentemente a la prácticaprofesional y en conocimientos clínicos y que, históricamente, ya se ocupan de temasde estudio y de cuidado complejos. Se argumenta a favor de una ampliación de lasoportunidades educativas basadas en los dictados del paradigma emergente,posiblemente ya empleados y enseñados de manera informal en los años de formaciónclínica.

Palabras clave: Programas de pos-graduacion en salud. Enseñanza. Investigación.Epistemologia. Paradigma.

Recebido em 26/07/10. Aprovado em 11/11/10.

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O ensino de pediatria na atenção básica em saúdeentre as fronteiras do modelo biomédico e a perspectivada integralidade do cuidado: a visão dos médicos supervisores*

Alice Yamashita Prearo1

Agueda Beatriz Pires Rizzato2

Sueli Terezinha Ferreira Martins3

PREARO, A.Y.; RIZZATO, Á.B.P.; MARTINS, S.T.F. Pediatrics teaching in primary heath carebetween the boundaries of the biomedical model and the perspective of integrality ofcare: the view of the supervisor doctors. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.1039-51, out./dez. 2011.

This is a study on medical education thatfocuses on pediatrics teaching in primarycare. The aim is to analyze thecontribution of the discipline of Socialand Community Pediatrics in the 4th yearof the Medicine undergraduate course atthe Botucatu Medical School,Universidade Estadual Paulista. Thisqualitative research was based on a casestudy. The analysis was grounded on thesocial-historical approach, according toVygotsky’s studies. We found out whatthe supervisors considered to be relevantlearning to their contribution to themediation process so that students canlearn about work at primary health care,something that they would not be able toreach by themselves. The interviews withthe doctors revealed signification nucleiwhich are common to all these actors: theimportance of the diversification ofteaching scenarios, learning the mainhealth problems, integral childcare withemphasis on the bond, and the student’sopportunity to learn about healthpromotion.

Keywords: Medical education. Pediatrics.Primary health care. Case studies.

Trata-se de estudo sobre educaçãomédica, focalizado no ensino de pediatriana atenção básica, com o objetivo deanalisar a contribuição da disciplina dePediatria Social e Comunitária no 4º anode graduação em medicina da Faculdadede Medicina de Botucatu, UniversidadeEstadual Paulista.Utilizou-se metodologiaqualitativa de pesquisa, tendo comoestratégia o estudo de caso. A análise foifundamentada na abordagem sócio-histórica, subsidiada pelos estudos deVigotski. Identificou-se o que ossupervisores consideraram comoaprendizados relevantes a suacontribuição no processo de mediaçãopara que os estudantes aprendam sobre oprocesso de trabalho na atenção básica, oque não poderiam alcançar sozinhos. Asentrevistas transcritas revelaram núcleosde significação comuns: importância dadiversificação de cenários de ensino,aprendizado dos principais problemas desaúde, integralidade no atendimento dacriança, com ênfase no vínculo eoportunidade do estudante aprendersobre promoção da saúde.

Palavras-chave: Educação médica.Pediatria. Atenção primária à saúde.Estudos de caso.

* Elaborado com base emPrearo (2007).

1 Departamento dePediatria, Faculdade deMedicina de Botucatu,

Universidade EstadualPaulista (FMB/Unesp).

Distrito de Rubião Júniors/n. Botucatu, SP, Brasil.

[email protected]

2 Departamento dePediatria, FMB/Unesp.

3 Departamento deNeurologia, Psicologia ePsiquiatria, FMB/Unesp.

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Introdução

A diversificação de cenários na educação dos profissionais da saúde é uma tendência destacada nasdiretrizes curriculares do curso de Medicina (Brasil, 2001). Entretanto, vários autores têm enfatizado quea mudança de cenário simplesmente não garante a formação de um profissional capaz de reconhecer eatuar considerando as necessidades de saúde da população (Pontes, Rego, Silva Júnior, 2006; Bulcão,2004; Garcia, 2001; Feuerwerker, 1998). Assim, evidencia-se a importância de estudos que sinalizem oque é necessário, do ponto de vista do ensino médico, para se alcançarem transformações no perfil doprofissional de saúde que se está formando.

Campos (2005), ao apresentar um documento preliminar para discutir diretrizes para o ensinomédico na rede básica de atenção primária à saúde em todas as regionais da Associação Brasileira deEducação Médica (ABEM), sustenta que, na Atenção Básica à Saúde (ABS), deveriam ser resolvidos 80%dos problemas de saúde da população. Segundo o autor, colocam-se, para a ABS, três funçõesimportantes: o acolhimento à demanda; a busca ativa com avaliação de vulnerabilidade, e a clínicaampliada que leva o profissional a intervir sobre a dimensão biológica ou orgânica de riscos ou doenças.Devem-se considerar não só as dimensões sociais bem como as da subjetividade e da saúde coletiva,realizando procedimentos de cunho preventivo e de promoção à saúde, no seu território.

Em estudo da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) sobre o ensino de pediatria em escolasde medicina da América Latina, com participação de 194 faculdades ou escolas de medicina, Puga eBenguigui (2003) recomendam aumentar a prática que o aluno realiza fora do hospital, incluindopráticas sociais, comunitárias e em nível primário de atenção. A ampliação do tempo desta práticajustifica-se pelo fato de permitir ao aluno aprender sobre o processo de atenção de forma integrada,incluindo aspectos de prevenção e promoção da saúde.

Tendo em vista a prática de ensino do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina, Unesp-Botucatu, em atenção básica desde 1994, com apoio da literatura acima citada e sob a luz dasrecomendações da OPAS e ABEM, o presente trabalho analisou a contribuição da disciplina de PediatriaSocial e Comunitária para um ensino, na graduação, que se destina à integralidade do cuidado naAtenção Básica à Saúde.

A disciplina de Pediatria na Comunidade – o caso em estudo

Desde sua implantação, em 1963, a Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) vem aprimorando epromovendo o diálogo entre a universidade, a comunidade e os serviços de saúde, formandoprofissionais e realizando estudos que contribuam para a melhoria da qualidade dos serviços de saúdeoferecidos à população e para a transformação social (Cyrino, 2005).

A integração do aluno de graduação em pediatria fora do ambiente do Hospital Escola e de seusambulatórios iniciou-se em 1994, quando passou a ter alunos do 4º ano de Medicina atuando emUnidades Básicas de Saúde Municipais, de forma contínua, com supervisão dos médicos pediatras dosserviços (aqui denominados médicos supervisores) e coordenação de docente do Departamento dePediatria. São pequenos grupos de sete a oito alunos, distribuídos em três Unidades Básicas de Saúde(UBS), participando do atendimento à criança e ao adolescente, e realizando atividades com a EquipeMultiprofissional de Saúde Escolar do Município de Botucatu que atua junto à comunidade emprogramas de Educação em Saúde.

Os médicos pediatras, que, desde o início, se dispuseram a receber alunos nas UBS Municipais,eram, em sua maioria, profissionais formados pela Faculdade de Medicina de Botucatu.

Todas as atividades a serem desenvolvidas foram previamente discutidas e, posteriormente,construídas, respeitando-se a opinião dos profissionais da rede de serviços de saúde e representantes dacomunidade - atitude essa presente nos discursos oficiais, mas de difícil execução prática.

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Pressupostos teóricos

Este estudo teve, como um dos referenciais teóricos, a pedagogia histórico-crítica formulada porSaviani (2000) que, segundo o próprio autor, é a articulação de uma proposta pedagógica que tenha ocompromisso não apenas de manter a sociedade, mas de transformá-la a partir da compreensão doscondicionantes sociais e da visão de que a sociedade exerce determinação sobre a educação e esta,reciprocamente, interfere sobre a sociedade, contribuindo para sua transformação.

Para a compreensão do papel do médico supervisor e do aprendizado do estudante num cenário deensino diversificado, a Unidade Básica de Saúde, buscou-se a contribuição da perspectiva sócio-históricade Vigotski (2001, 1995), que vem sendo utilizada também no campo da Educação Médica, por seusconceitos de mediação, processo de desenvolvimento e de aprendizagem a partir do trabalhoprofissional.

Objetivo geral

Analisar a experiência educacional desenvolvida pela disciplina de Pediatria Social e Comunitária, naAtenção Básica, no 4º ano da Faculdade de Medicina de Botucatu.

Objetivo específico

Analisar os significados atribuídos pelos médicos supervisores de estudantes em relação aos objetivosda disciplina e aos aspectos relevantes a serem vivenciados pelos estudantes na comunidade.

Métodos

Foi empregada a metodologia qualitativa de pesquisa, tendo como estratégia o estudo de caso (Yin,2001), uma escolha determinada pela adequação ao tipo de questão do estudo, de cunho educacional,no campo da formação de profissionais de saúde.

A entrevista representa um instrumento básico de coleta de dados dentro da pesquisa qualitativa,sendo um dos principais utilizado nas pesquisas sociais, pelo seu caráter de interação entre pesquisadore pesquisado (Lüdke, André, 1986).

Existem várias modalidades de entrevista, mas a semiestruturada foi a escolhida no estudo, poispossibilita, ao entrevistado, discorrer sobre o tema proposto com certa liberdade e, ao pesquisador, fazeradaptações para abordar suas hipóteses ou pressupostos (Thiollent, 1987).

População-alvo

O público-alvo foi constituído de sete médicos supervisores dos alunos em Centros de Saúde eUnidades Básicas de Saúde, com, no mínimo, quatro anos de experiência de ensino de graduação.

Instrumentos e procedimentos de coleta de dados

As entrevistas foram realizadas pela própria pesquisadora, gravadas com autorização dosentrevistados e transcritas por profissional treinado. Após a transcrição, o material foi lido pelosentrevistados, que aprovaram os textos.

Procedimentos de análise dos dados

Os materiais estabelecidos para serem analisados, dentro de uma proposta de pesquisa qualitativa,foram as entrevistas e os documentos existentes sobre a disciplina.

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Inicialmente, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo de Bardin (1977). Segundo a autora, aprimeira etapa é a descrição e a enumeração das características do texto, resumida após tratamento. Asegunda etapa é a interpretação e a significação concedida a essas características. A inferência (deduçãológica) é o procedimento intermediário que permite a passagem explícita e controlada da descrição àinterpretação.

Na pré-análise, foram realizadas várias leituras flutuantes das transcrições das entrevistas, buscandouma familiarização com as mesmas e seguindo as orientações de Aguiar (2000) e Aguiar e Ozella(2006).

Outra fase da análise foi a leitura que possibilitou um agrupamento de pré-indicadores, pelasimilaridade e pela complementaridade ou contraposição. Nesse sentido, Aguiar e Ozella (2006, p.8),citando Vigotski, relatam que “quando diversas palavras se fundem numa única, a nova palavra nãoexpressa apenas uma idéia de certa complexidade, mas designa todos os elementos isolados contidosnessa idéia”. Essa afirmação reforça o que se observou quando, foi possível, a partir dos pré-indicadores,avançar para indicadores.

Esses são importantes para que seja possível identificar conteúdos que revelem a essência dossujeitos. Esta fase é a análise propriamente dita, em que é possível identificar as contradições queacontecem, os sentidos e significados que vão se revelando nas falas - é o momento da construção dosnúcleos de significação.

Aspectos éticos

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Faculdade de Medicina deBotucatu, Unesp.

Resultados e discussão

A visão dos médicos que participam do curso

Caracterização dos médicos pediatras supervisores dos estudantesDos médicos que participavam da supervisão de estudantes do quarto ano em UBS e no Centro

Saúde-Escola (CSE), sete foram entrevistados. Dentre eles, três têm recebido alunos desde 1994 epuderam, assim, relatar sobre o curso de Pediatria Social e Comunitária do Departamento de Pediatriadesde seu início. A análise das falas dos médicos permitiu identificar núcleos de significação, dos quaisforam selecionados os mais representativos para os profissionais que atuavam com estudantes nacomunidade.

. a importância da diversificação de cenários de ensino, como base para o aluno vivenciar asprincipais necessidades de saúde da população;

. a importância do perfil do supervisor que identifica, na relação universidade, serviços ecomunidade, um espaço de aprendizagem;

. a importância do aprendizado centrado na prática cotidiana em atenção básica;

. o aprendizado dos principais problemas de saúde;

. a experiência na comunidade como oportunidade para vivenciar a complexidade da atençãoprimária;

. a integralidade no atendimento da criança.A atenção básica na comunidade foi identificada pelos supervisores como um outro cenário, que não

o hospitalar, onde o estudante pudesse aprender o que acontece na comunidade e como a populaçãolida com problemas reais.

O primeiro núcleo de significação que surgiu das falas dos médicos foi “a importância dadiversificação de cenários de ensino, como base para o estudante vivenciar as principais necessidadesde saúde da população”:

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Ao ressaltar a necessidade de conhecer outros cenários que não o hospital, o médico 7 enfatiza,ainda, a importância de o estudante entrar em contato com as principais necessidades de saúde dapopulação, relembrando que, na sua própria formação, não vivenciou esse tipo de oportunidade.

“A gente se formou praticamente sem ter noção do que... De como a população vive [...]Quais são as intercorrências, quais são os problemas que uma comunidade enfrenta e quevocê vai enfrentar depois que você se forma. [...]”. (médico 7)

Autores como Mendes, Silva, Moysés (1996, p.425), ao discutirem sobre a especificidade do ensinona Atenção Primária e junto à Comunidade, destacam que o mais importante não é a mudança simplesde cenário, mas, sim, de objetivos educacionais

[...] o objetivo fundamental é organizar a reflexão sobre o trabalho médico, tendo a clínicacomo fio condutor. A especificidade do atendimento médico nos Centros de Saúde aparece,então, como problema em aberto, problema que vai ser enfrentado pela constanteexperimentação de modos de trabalho do médico nesses serviços.

Outro tema presente no discurso de todos os médicos, constituindo o segundo núcleo designificação, foi a “importância do perfil do supervisor, que identifica, na relação universidade,serviços e comunidade, um espaço de aprendizagem” - sendo destacada a relevância de ele conhecer oSistema Único de Saúde (SUS) e seus programas, a comunidade onde trabalha, as possibilidades de cadaárea, além de perceber a importância da experiência em atenção primária:

“Ele tem que conhecer todos os programas que têm na rede... pra você conseguir orientar oque pode ser feito e o que está sendo feito [...] E eu acho que um outro ponto importante éconhecer a comunidade que ele vai trabalhar”. (médico 2)

Em relação ao perfil de supervisor, pode-se recorrer ao trabalho de Batista e Silva (1998), que, aoinvestigarem os atributos de um bom professor em saúde, identificaram, entre outros, aquelesvinculados à dimensão do domínio científico da área em que atua: saber o conteúdo, pesquisar osassuntos abordados na disciplina, atuar na prática assistencial; ter experiência como profissional desaúde. Nesse sentido, os supervisores de estudantes de pediatria, do presente trabalho, tambémapontam o valor da experiência profissional e o saber fazer na prática.

“O conhecimento que a gente tem é um conhecimento da prática do dia-a-dia [...]. Eu achoque é o compromisso de estar crescendo junto [...]. Se eu não tiver compromisso com oaprendizado, eu acho que não dá pra ser supervisor”. (médico 5)

São valorizadas neste estudo, e também por autores como Batista e Silva (1998), as atitudes dosupervisor perante o estudante: saber ouvir, respeitar, incentivar o estudo, estar disponível para dúvidas,ter paciência com o não-saber do aluno, estimular a pesquisa. São atitudes que aparecem na fala de umdos médicos supervisores:

“Na segunda semana, você precisa ter a percepção de que você precisa conversar com eles:“olha, vocês são ótimos, mas vocês precisam estudar mais. Vocês estão esperando que eu dêtudo. Quer dizer, eu posso discutir ou não, mas eu percebo que eles estão estudando”.(médico 5)

Como se trata de supervisores clínicos, há os que destacam a postura frente ao usuário, valorizandoa ética, o respeito:

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“Agora, como é que tem que ser essa pessoa? [...] Aberta, disposta a olhar, disposta a seabrir, disposta a... Realmente, olhar cada pessoa que entra pra consultar com você comooutra pessoa. Cada pessoa é uma pessoa. Que tem um nome, né?”. (médico 7)

Portanto, a supervisão de um médico que está inserido na atenção básica de saúde, que se mostraatento, atuando como mediador para que o aluno aprenda, problematizando as questões identificadasna prática diária, estimula e favorece a inserção do estudante no trabalho médico.

Menin e Menin (2006) valorizam a variabilidade de experiências de aprendizagem que acomunidade oferece, capaz de produzir mudanças nos estudantes, professores e supervisores noprocesso de ensino-aprendizagem.

Garcia (2001), ao discutir a importância da aproximação do estudante do cotidiano do trabalho doprofissional de saúde na atenção primária, cita Góes, que utiliza o referencial de Vygotsky, definindoeducar como: “[...] o educar se realiza através de mediações entre sujeitos (dimensão pedagógica) eentre discursos (dimensão discursiva), em situações experimentadas. O trabalho tem por função permitiresta mediação entre sujeitos e seus discursos, em ação, tornando as vivências de aprendizadosignificativas” (Garcia, 2001, p.91).

Reforçando esses aspectos relacionados com a importância do trabalho, da exposição do estudante auma situação na comunidade com possibilidades de mediações entre estudante-supervisor, estudante-mãe-criança ou estudante-profissional de saúde, percebe-se melhor o potencial que representaespecificamente esse cenário. Pois ele oferece diferentes situações de aprendizado, distintas daquelaspróprias da academia, ou do ambiente hospitalar ou, ainda, do ambulatório de especialidades.

Para se compreender o papel do professor na comunidade, é essencial observar que, quando o alunochega à UBS, ele apresenta o que Vigotski (2001) chamou de “nível de desenvolvimento atual” emrelação aos vários aspectos considerados relevantes para a sua formação nesse cenário, para os quais jápossui uma relativa autonomia para realizá-los (por exemplo, abordagem inicial da mãe). Ao mesmotempo, o estudante não possui ainda autonomia para realizar várias outras tarefas, necessitando dacolaboração de outras pessoas - o que o autor nomeou como “zona de desenvolvimento próximo ouimediato”. São processos que se encontram em desenvolvimento e precisam ser estimulados. Nessecontexto, qual seria o papel do médico supervisor? Possibilitar, como mediador, que a aprendizagem doaluno, na comunidade, seja mais eficaz do que aquela possível se estivesse sozinho, criando condiçõespara que o estudante se desenvolva prospectivamente.

O terceiro núcleo de significação é o da “importância do aprendizado centrado na práticacotidiana em atenção básica”.

Esse aprendizado foi dos mais salientados pelos médicos. Um deles destaca os diferentes momentosde aprendizagem como: o aprender a dinâmica da UBS, que é bastante complexa, além dos problemasde saúde mais frequentes; e a prevenção e promoção da saúde; conhecer a postura do estudante emrelação ao serviço público; otimizar a relação estudante-usuário, e, por fim, incorporar uma visãointegral da família e da criança.

Em relação à aprendizagem centrada na prática, os médicos assim se expressaram:

“você consegue aprender lá no posto de saúde. Tem puericultura e tem as doenças queexigem bastante retornos, assim... E alguns alunos pegam, assim, a evolução das doenças.[...] E dá pra aprender em cima do caso, né?”. (médico 3)

Nos momentos de aprendizagem, cita-se o aprendizado da dinâmica de trabalho:

“Primeira coisa, quando o aluno chega, é conhecer a unidade. Onde fica a pós-consulta,onde fica a pré-consulta, onde fica o arquivo... A assistente social, onde fica a cozinha, né?Onde fica a inalação... [...] Primeira coisa, eu explico é o funcionamento [...]. Pra eles veremtodos os passos que o paciente faz dentro da unidade básica de saúde”. (médico 1)

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Sabe-se que, no dia a dia, com o tempo, em qualquer local de trabalho, o ser humano consegueaprender.

O conhecimento do cotidiano da unidade de saúde, as tarefas ali desenvolvidas são, portanto, osprimeiros passos para que o estudante perceba a realidade deste cenário de aprendizagem e decuidado. O trabalho em uma UBS, desenvolvido no cotidiano, segue alguns princípios. Nessa pesquisa,aprofundou-se como se dá esse aprendizado. A percepção, através da sensorialidade, pode estimular aatenção, o raciocínio, os sentimentos. Desse modo, a orientação do educador pode favorecer odesenvolvimento do indivíduo. Nesse sentido, Leontiev (1996), na mesma perspectiva de Vigotski(2001), afirma que o psiquismo é um produto da experiência sócio-histórica humana. Ele estádeterminado pelas condições sociais nas quais vivem os indivíduos concretos, isto é, reproduz certascaracterísticas da realidade material e social com a qual esses indivíduos interagem.

O autor afirma, ainda, que, na base do desenvolvimento dos significados e sentidos, está o conteúdosensível (sensações, imagens de percepção, representações). Deste modo, como a vida cotidiana seconstitui numa esfera do ser social, pode-se dizer que o psiquismo humano, de forma geral, sintetiza oureproduz certas características da cotidianidade. Em suma, pode-se, então, falar em determinadasformas de pensamento, sentimento e ação tipicamente cotidianos (Rossler, 2004).

Para entender, também, o aprendizado baseado na prática, a teoria da vida cotidiana de Agnes Hellertem sua contribuição. Para Heller (1989,1984), a formação dos indivíduos começa sempre nas esferas davida cotidiana. Esse processo de formação se inicia já no momento de seu nascimento e da inserção nouniverso cultural humano, e se estende por toda a vida.

Portanto, para aprender sobre atuação na atenção básica é preciso vivenciar essa experiênciacotidiana. Entre as várias características do cotidiano, destaca-se aquela que pode contribuir nacompreensão do trabalho em uma Unidade Básica de Saúde, enquanto aprendizado, para quem, na vidaprofissional, irá atuar nessa mesma prática. Esta característica do aprendizado no cotidiano é a imitação,quando o estudante vivencia diferentes formas de os pediatras se comunicarem com as mães emsituações de consulta. A imitação permite aprendizados sobre anamnese e exame físico, comodestacado por outro médico:

“Puericultura: a gente vai fazer o atendimento, a gente vai ver como é que tira a história,como e o que é que a criança come, o que é que a gente orienta, como é que está odesenvolvimento, como é que a gente examina. Então ele vai fazer, hoje, uma puericultura debebezinho. Amanhã, outra puericultura. No primeiro dia, ele vai com medo de pegar onenezinho. Não sabe como é que faz o exame neurológico. No final do último... Do mês, elejá está com uma prática boa de fazer avaliação de desenvolvimento neurológico”. (médico 5)

Observa-se que o aprendizado, no dia a dia, depende de diferentes variáveis, de diferentescaracterísticas do cotidiano, sintetizadas no dizer de Schraiber (1998, p.384):

Quando falamos do exercício de aplicar o conhecimento no cotidiano ou mesmo o depraticar técnicas aprendidas na escola, estaremos diante daquela parte da prática emsaúde que trata da relação do profissional com a biodiversidade dos fenômenos emsaúde e que se perpassa com a diversidade da vida social. Assim, como é freqüente sedizer que cada caso de paciente é um caso, diz-se que o caso típico só aparece noslivros e que na prática profissional todos os casos sempre se apresentam com variaçõesda norma. Para o médico o saber da ciência é importante, mas principalmente comoconverter tudo isto no saber operante, como comunicar isto ao paciente, ouvindo eacolhendo suas dúvidas e angústias.

Outro núcleo de significação destacado pelos médicos supervisores aponta “O aprendizado dosprincipais problemas de saúde” como fundamental no ensino na atenção básica, constituindo-se noquarto núcleo de significação.

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“Então um aluno, na unidade básica de saúde, ele pode ver as doenças comuns queaparecem todos os dias e que podem ser tratadas [...] Casos também, doenças com umpouco de mais complexidade que podem ser atendidas e acompanhadas num posto”.(médico 1)

Na análise documental dos programas da disciplina de Pediatria Social na Comunidade, é destacado oaprendizado dos problemas mais prevalentes de saúde da criança. Como o ensino na UBS é realizado noatendimento da demanda, espera-se que o estudante entre em contato, conheça e valorize os casos depuericultura e as doenças de maior frequência, bem como sua prevenção. Os espaços do hospitaluniversitário e dos ambulatórios de especialidade, ao cumprirem seu papel de centro de referência parao sistema de saúde vigente, deixaram de ser os locais adequados para o ensino das doençasprevalentes, pois neles são atendidos os usuários cujos problemas de saúde necessitam de um arsenaltecnológico e de profissionais cada vez mais especializados.

Campos (1999) destaca que o Brasil precisa dos hospitais terciários, mas esses são inadequados parao ensino de graduação de Medicina e Enfermagem. São serviços ótimos para a residência, pós-graduação e realização de pesquisa de ponta. Mas não estariam, segundo o autor, servindo para formarmédicos com capacidade e responsabilidade clínica integral.

Marcondes (1998), em editorial da revista Pediatria (São Paulo), destacava que, em estudoenvolvendo 19 escolas médicas do estado de São Paulo, o ensino da atenção primária estava presenteem sete escolas das nove que responderam ao questionamento. Os departamentos mais envolvidoseram os de Medicina Preventiva e Pediatria.

Afirmo que o pediatra é um médico diferente de qualquer outro profissional de Medicina.Trabalhando com crianças e mães, eles têm uma enorme percepção sobre os fatoresambientais e relações humanas. Lidando com pessoas em crescimento e desenvolvimento,os pediatras enfatizam a Medicina geral e têm uma atenção aguçada para o preventivo nasua prática médica. (Marcondes, 1998, p.171)

É do senso comum a concepção de que, na unidade básica, só existem casos e situações simples, oque não corresponde à realidade, e os médicos supervisores fizeram essa constatação, que se constituiuno quinto núcleo de significação, o da “experiência na comunidade como oportunidade paravivenciar a complexidade da atenção primária”.

“A complexidade da inter-relação que existe entre a queixa física que a criança vemapresentando e a relação desta criança, deste pacientinho com a comunidade, com a família,com a escola, ou... A relação disso com a forma como os pais estão experimentando a suasituação naquela mesma época... O que é que está acontecendo dentro da família... Como éque a criança está se desenvolvendo...”. (médico 7)

“É de outra natureza as queixas que vêm pro consultório na comunidade. É um ser humanose expressando em toda a sua extensão, toda a sua totalidade”. (médico 7)

A citação acima é um exemplo de que aquela falsa ideia de apenas “casos simples” precisa serproblematizada. Seja através da vivência do estudante nesse cenário, além do aprimoramento de suacapacidade de escuta, de observação e das discussões com os supervisores, que reconhecem essacomplexidade e buscam mostrá-la.

Schraiber e Mendes-Gonçalves (2000) explicitam como o conceito de atenção primária tem sidoassociado a uma assistência de baixo custo, tratando-se de um serviço simples e quase sempre compoucos equipamentos, contendo uma prática fadada a ser uma “medicina simplificada”. Esses autorescitam Donnangelo e Pereira (1979) para explicar a origem histórica da prestação de serviços, quedestinava-se a ampliar a cobertura dos serviços para a população mais carente e excluída, estendendo aassistência médica de forma simplificada e barata. Mas, as enormes dificuldades na extensão dos

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serviços, ou, até mesmo, para manter a cobertura, tornaram-se algo muito mais complexo do que seimaginava.

Schraiber e Mendes-Gonçalves (2000) explicam que, na atenção primária, muitas situaçõescotidianas constituem casos instrumentalmente simples e que, por vezes, são patologicamente maisfáceis, mas que nem por isso deixam de envolver uma grande complexidade assistencial.

O sexto núcleo de significados que emergiu das falas dos médicos foi o “da integralidade noatendimento em pediatria”. Esses destacaram, como importante aprendizado para o estudante: avisão integral da criança e da família, a sua não-fragmentação, a possibilidade de um enfoque que nãoseja centrado só na doença ou no diagnóstico, mas, também, no indivíduo, no ser humano.

“No mesmo dia, a gente vê criança que foi só para a puericultura, criança que é asmática,criança com retardo de desenvolvimento, criança que você tem que orientar a alimentação,criança que você tem que fazer orientação ambiental, criança que você, às vezes, precisa demedicamento. Essa variedade acaba, assim, deixando eles fascinados, né? Como que omédico da unidade tem que raciocinar durante o período para ele resolver diversas coisas epensar em tudo. E ver a orientação, e ver a parte de higiene mental da criança, e ver a partedo vínculo da criança, e ver com resolve o problema da creche, e ver se está inserida ou senão está inserida”. (médico 5)

“Que ele veja um ser humano. Não compartimentalizado, não dividido em especialidades,não dividido em... Diagnósticos..”.. (médico 7)

Seis médicos supervisores relataram como fundamental que o estudante vivencie o vínculo queexiste entre o profissional e a população de cada área de abrangência. Este vínculo é possível através dainteração e, dessa forma, a comunicação deve ser bastante valorizada.

“Então é diferente quando você atende o paciente a primeira vez e se você atende elehá dez anos, né?. Então você também tem isso: mostrar que você também faz vínculocom o paciente. Às vezes o paciente pergunta, tem liberdade de falar as coisas. Ou, àsvezes, nem sempre o paciente vai falar tudo na primeira vez. Às vezes vai falar numasegunda vez [...] devido a que isso é importante no 4º ano, né? Ele vivencia essevínculo”. (médico 1)

As práticas pediátricas, identificadas por meio do discurso dos profissionais, revelam que, para osmédicos, o cuidado com a criança e sua família é o ponto central da consulta, pois qualifica o trabalhodo profissional e fortalece o aprendizado de uma clínica ampliada.

“Quando eu chego na sala, eu falo, “oi, tudo bem? Como está a senhora?” Trato pelo nomea mãe, trato pelo nome as crianças... Os alunos que vão lá, eu acho que percebem issotambém... [...] Faz sete anos que eu estou lá. Eu acho que esse tempo lá de convivência coma população é o essencial pra um posto de saúde ou um programa de médico da famíliaatuar. Fazer com que aquele posto de saúde se torne uma referência, eu acho que éessencial”. (médico 3)

“Você conhece todo mundo, as famílias, a dinâmica, o local que eles vivem né? Porque agente vai na escola, porque a gente vai na creche... Então, tudo isso ajuda nessa visãointegral da criança mesmo? Ela inserida onde ela vive, onde ela estuda, onde ela brinca...”.(médico 5)

A relação estudante-usuário aparece como um aprendizado importante na comunidade, a partir davivência com um profissional que tenha um bom vínculo com sua população.

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“A questão da postura, da... Do respeito... Naquela hora que a gente fica meio aborrecidocom o que ela fala [...]. Então é essa coisa da empatia, né? Quer dizer, tentar se colocar nolugar dela pra entender melhor porque é que ela faz ou deixa de fazer isso ou aquilo, né? E,de um modo geral, eles (os estudantes) têm tido, assim... Eu acho que eles têm atendido,assim, com carinho, com atenção, com postura de médico mesmo”. (médico 6)

Franco (2001), ao discutir a qualidade na prática pediátrica em relação ao modelo pedagógico queprivilegia o ensino tradicional, relata que os pediatras participantes de seu estudo reconheceram que aescola médica não propiciou a ampliação do núcleo de atuação do médico, onde a clínica privilegiou oenfoque do objeto corporificado, ou seja, apenas o enfoque no biomédico. Durante o processoformativo naquele modelo, o estudante estaria impedido de perceber que o processo de atenção ecuidado é também tecnologia, e que deve ser aprimorado com a incorporação de elementos como ovínculo, a responsabilização, a troca e a comunicação.

No presente trabalho, o que foi identificado no discurso de dois médicos supervisores, sobre a clínicaampliada e sobre o vínculo, reveste-se de grande importância, enquanto possibilidade de uma formaçãodiferente para os estudantes de graduação inseridos na atenção primária nos serviços de saúde emBotucatu.

Alguns médicos destacaram a postura do estudante um tanto quanto preconceituosa em relação aoserviço público, e a possibilidade de mudança ao atuar na Atenção Básica:

“Então eles começam a ver que o sistema de saúde municipal, ele é, em algunsmomentos, dependente do serviço da universidade, mas que ele tem uma organizaçãoprópria [...]. E passando pelos diferentes profissionais, eles vêem a atuação. Eu achoque eles mudam a postura e passam pra uma valorização maior do sistema público”.(médico 5)

Em relação aos temas destacados pelos médicos como essenciais na formação dos futurosprofissionais, estão referidos nas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Medicina (Brasil, 2001, p.38),que apontam para uma

[...] formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, pautado emprincípios éticos, no processo de saúde-doença, em seus diferentes níveis de atenção,com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectivada integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromissocom a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano.

Nessa perspectiva, o papel mediador do supervisor dos estudantes, dos outros membros da equipede saúde e do docente responsável, segundo Vigotski (2000), é fundamental para que o estudantealcance aprendizagens próprias desse cenário, como é o caso da clínica ampliada, que pode estargarantida, desde que essa seja a intencionalidade de todos os supervisores.

Considerações finais

A construção do ensino de Pediatria na Comunidade, na FMB, realizou-se, ao longo do tempo,dentro de um processo histórico, em conjunto com as experiências de integração docente-assistencialdo então Departamento de Saúde Pública, uma vez que os docentes formuladores dessa disciplinaacreditaram na introdução de um novo cenário de ensino – a Comunidade - e que hoje, consolidado,mereceu ser estudado no presente trabalho. Deve-se mencionar que, segundo Kisil e Chaves (1994), osProjetos “Uma Nova Iniciativa na Formação dos Profissionais de Saúde” (Projetos UNI) e, maisrecentemente, o Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina (Promed)

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(Brasil, 2002) e o Programa Nacional de Reorientação da Formação em Saúde (Pró-Saúde) (Brasil, 2005)têm sido importantes políticas indutoras e incentivadoras de um processo de mudança da formação dosprofissionais da área de saúde e suas práticas, exigindo dedicação, tanto dos profissionais da academiacomo dos serviços e comunidade.

Foi possível identificar, pela análise dos núcleos de significação, que o ensino de pediatria nacomunidade tem contribuído para que alguns dos objetivos traçados pelos docentes formuladoresfossem atingidos, como: o de conhecer a realidade das famílias consultadas, das escolas, projetos ecreches, além das doenças mais prevalentes, medidas de prevenção e promoção da saúde.

O presente trabalho mostrou que, no ensino da Atenção Básica, se faz necessária uma produçãosistematizada de conhecimento e de avaliações contínuas, que possibilitem a superação, por exemplo,da falsa dicotomia entre teoria e prática.

Os médicos destacaram que a Atenção Básica, como cenário de ensino, favorece a formação de umprofissional conhecedor das necessidades de saúde de uma população, o que vem ao encontro de umadas propostas presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais, para os cursos de medicina.

O desafio colocado é o de como inovar e integrar, efetivamente, esse cenário, de modo transversal,em todo o curso de medicina.

Atualmente, as pesquisas em Educação Médica tornam-se cada vez mais necessárias. Serão elas que,nos momentos de avaliação da e na Escola Médica, orientarão sua trajetória na busca concreta decumprir seu papel social.

Colaboradores

As autoras Alice Yamashita Prearo, Águeda Beatriz Pires Rizzato e Sueli TerezinhaFerreira Martins participaram integralmente de todas as etapas da elaboração do artigo.

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El estudio presenta una contribución de la pediatría social y comunitaria en el 4º añolos de graduación en medicina de la Facultad de Medicina de Botucatu, UniversidadeEstadual Paulista, Brasil. Se utilizó una metodología de investigación cualitativa, conuna estrategia de estudio de caso. El análisis se basó en el enfoque histórico-social,apoyado por los estudios de Vigotsky. Se encontró lo que los supervisores de disciplinaconsideran como aprendizaje relevante a su contribución en el proceso de mediaciónpara que los estudiantes aprendan sobre el proceso de trabajo en los cuidados básicos,lo que no podrían lograr por sí solos.Las entrevistas con los médicos revelan núcleos designificación que son comune: la importancia de los diferentes entornos de enseñanza,el aprendizaje de los principales problemas de salud, integración en el cuidado delniño, con énfasis en el vínculo y oportunidad del estudiante para aprender sobrepromoción de la salud.

Palabras clave: Educación médica. Pediatría. Atención primaria de salud. Estudio de caso.

Recebido em 05/01/10. Aprovado em 24/10/10.

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Integração “ensino-serviço” no processo de mudançana formação profissional em Odontologia

Mirelle Finkler1

João Carlos Caetano2

Flávia Regina Souza Ramos 3

FINKLER, M.; CAETANO, J.C.; RAMOS, F.R.S. Teaching-service integration in the changeprocess in Dentistry training. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.1053-67, out./dez. 2011.

This study aims to evaluate the integrationof dentistry courses with the public healthservices network. The collected data wereused with a qualitative methodology in acase study in which 15 courses participa-ted, and were articulated to a theoreticalframework for the analysis of changes inthe undergraduate courses. According tothis framework, the actual ‘teaching-service’ integration is conceived as‘teaching, management, care and socialcontrol’. The results indicate imprecisionregarding this theme, associations withthe healthcare system that cannot becharacterized as effective integration, andthe practically nonexistent integration ofteaching-care-management-social control,or at best, a process which is incipient andunder construction, with gaps. Thus, it canbe concluded that, overall, Braziliandentistry courses need to improve in termsof the alliances and strategic actions basedon permanent health education, so thatthe new curricular changes can effectivelycooperate with the SUS (Brazil’s NationalHealth System).

Keywords: Teaching-care integrationservices. Higher education. Teaching.Dentistry courses. Dental staff.

Este trabalho analisa como ocorre aintegração dos cursos de Odontologiacom a rede pública de saúde. Para tanto,tomam-se os dados coletados em umestudo de caso do qual participaram 15cursos, articulando-os a um referencialteórico para análise das mudanças nagraduação, no qual a integração “ensi-no-serviço” é concebida de formaampliada como “ensino, gestão,atenção e controle social”. Os resulta-dos indicam uma imprecisão sobre otema, vínculos com o sistema de saúdenão caracterizáveis como integraçãoefetiva, e a praticamente inexistenteintegração ensino – atenção – gestão –controle social, ou no máximo, umprocesso incipiente e em construção, comlacunas na articulação com a gestão dosserviços e o controle social. Conclui-seque os cursos precisam avançar em muitonas alianças e ações estratégicas com basena educação permanente em saúde, a fimde que as novas mudanças curricularessejam efetivamente capazes de colaborarcom o aperfeiçoamento do SUS.

Palavras-chave: Serviços de integraçãodocente-assistencial. Educação superior.Ensino. Escolas de Odontologia. Recursoshumanos em Odontologia.

1 Departamento deOdontologia, Centro de

Ciências da Saúde,Universidade Federal de

Santa Catarina (CCS/UFSC). Campus

Universitario Reitor JoãoDavid Ferreira

Lima,Trindade,Florianópolis,SC, Brasil.

[email protected] Departamento de Saúde

Pública, CCS/UFSC.3 Departamento de

Enfermagem, CCS, UFSC.

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A integração “ensino-serviço” no contexto das Diretrizes Curriculares Nacionais

Há um consenso na literatura da educação de profissionais da saúde quanto à hegemonia doparadigma biologicista, centralizado no profissional e nas técnicas. Este modelo pedagógico hegemônico,centrado em conteúdos compartimentados e isolados, que fragmentam o ser humano em especialidades,dissociando os conhecimentos das áreas básicas e clínicas, foca o ensino-aprendizagem no espaço daprática hospitalar e clínica, medicaliza o social, orienta para o mercado, incentiva a especialização precocee a incorporação tecnológica, a partir de bases pedagógicas tradicionais, perpetuando, assim, o modelovigente e ineficiente de práticas em saúde (Ramos, Padilha, 2006; Brasil, 2004).

Por estas razões, organizações docentes e estudantis constituíram movimentos organizados naprodução de melhores caminhos para a transformação dos cursos em saúde (Brasil, 2004). Estesmovimentos contribuíram com a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), que devemser compreendidas dentro do contexto da Reforma Sanitária Brasileira (Morita, Kriger, 2004). Apublicação destas diretrizes é um dos indicativos do atual momento de mudanças no entrecruzamentodos mundos da saúde e da educação e da visibilidade da formação profissional como política públicaprioritária (Ramos, Padilha, 2006).

No sentido de tornar o SUS uma rede de ensino-aprendizagem na prática do trabalho, algumas dasestratégias implementadas incluíram: a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, oPrograma Aprender SUS, a Residência Multiprofissional em Saúde (Brasil, 2004) e o Programa Nacionalde Reorientação da Formação Profissional em Saúde, que passou a incentivar transformações nosprocessos de formação, com base na reorientação teórica, nos cenários de prática (integração docente-assistencial, diversificação dos cenários e articulação dos serviços assistenciais com o SUS) e nareorientação pedagógica (Brasil, 2005). Embora estas estratégias estejam proporcionando avançossignificativos, especialmente na Enfermagem e na Medicina, em relação à Odontologia, percebe-se umatraso histórico nestes movimentos de mudança (Morita, Kriger, 2004).

Em qualquer área, formar profissionais com perfil adequado significa propiciar a capacidade deaprender a aprender, de trabalhar em equipe, de comunicar-se, de refletir criticamente e de aprimorarqualidades humanistas. Na discussão mais específica em Odontologia, ressalta-se a importância,também, da inserção precoce do graduando em seu contexto profissional, das clínicas integradas decomplexidade crescente, da melhoria na formação em Saúde Coletiva e da diversificação dos cenáriosde aprendizagem (Morita, Kriger, 2004), bem como um cuidado com a formação ético-humanista dosenvolvidos (Finkler, 2009).

Estas demandas encontram, na integração “ensino-serviço” (IES), um lócus privilegiado para areflexão sobre a realidade da produção de cuidados e a necessidade de transformação do modeloassistencial vigente, tecnocentrado, para um modelo que considere como central as necessidades dosusuários (Albuquerque et al., 2008).

A IES pode ser definida como o trabalho coletivo, pactuado e integrado de estudantes e professoresda saúde com trabalhadores dos serviços e seus gestores, visando à qualidade da atenção à saúde, daformação profissional e ao desenvolvimento dos trabalhadores dos serviços. Seria, portanto, umelemento em si mesmo constitutivo de uma nova maneira de pensar a formação, não se tratando detransformar o espaço dos serviços e comunidade em extensões dos hospitais e das clínicas dos cursos,mas sim, de construir espaços de aprendizagem com a incorporação de docentes e estudantes àprodução de serviços em cenários reais. Assim, os docentes constituiriam parte dos serviços e osprofissionais dos serviços seriam corresponsáveis pela formação acadêmica (Albuquerque et al., 2008).

Não é possível pensar a mudança da formação profissional sem a discussão sobre a IES, até por seruma estratégia fundamental para a consolidação do SUS. Sob o marco legal, os dois setores - saúde eeducação - legítima e legalmente devem ocupar-se da formação na área, de forma articulada,promovendo a cooperação técnica entre os respectivos Ministérios (Haddad et al., 2006) e submetendoas principais decisões à participação popular (Brasil, 2004).

Uma avaliação em relação às mais recentes mudanças dos cursos de Odontologia indicou que aaderência média das graduações às DCNs foi de 77% (regular). Entre as características de um grupo defaculdades com menor aderência, observou-se a ausência da integração com a rede de serviços e

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projetos político-pedagógicos (PPPs), redigidos de forma a reproduzirem parte das DCNs, mas semhaver uma correspondência com as realidades observadas. Já nos cursos com maior aderência, verificou-se uma maior diversificação dos cenários de ensino, considerados essenciais para o desenvolvimento doperfil profissional voltado para o SUS, uma vez que é no mundo do trabalho que devem acontecer asmaiores experiências educativas (Haddad et al., 2006). Entre outras dificuldades - como as de integraçãocurricular, de desenvolver PPPs inovadores, de estabelecer interdisciplinaridade, de formar para umperfil generalista com corpo docente especializado -, observou-se a dificuldade em se utilizar a rede deserviços como espaço de aprendizagem e em estabelecer parcerias para estágios supervisionados(Haddad et al. 2006).

Neste contexto, instituiu-se o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), que,de 2009 a 2011, fomentará grupos de aprendizagem tutorial no âmbito da Estratégia Saúde da Família(ESF), viabilizando o aperfeiçoamento e especialização em serviço dos profissionais, bem como ainiciação ao trabalho e estágios, aos estudantes, de acordo com as necessidades do SUS (Brasil, 2008).Pretende-se, assim, avançar no processo de IES, à medida que se reconhece e valoriza o papel dosprofissionais da rede, com o respaldo do professor tutor, oriundo da universidade (Brasil, 2007).

Há, portanto, um momento de políticas públicas favoráveis para que o SUS seja, de fato, consideradoo interlocutor essencial na formulação e implementação dos PPPs, para o que as DCNs assumem umpapel estratégico no seu aperfeiçoamento (Morita, Kriger, 2004):

A formação do cirurgião-dentista deverá contemplar o sistema de saúde vigente no país, aatenção integral da saúde no sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe [...] de forma articulada ao contexto social, entendendo-acomo uma forma de participação e contribuição social. (Brasil, 2002, p.10)

Estas diretrizes podem ser alcançadas à medida que os cursos de graduação construam eimplementem PPPs tendo a integração ensino-serviço como um elemento central do processo dereestruturação da formação profissional. Mas isto tem acontecido? De que forma? O objetivo destetrabalho consiste em compreender a valorização que os cursos de Odontologia brasileiros têm atribuídoà IES como uma estratégia capaz de potencializar mudanças na formação profissional, bem comoidentificar como esta integração tem sido realizada, encaminhando reflexões que buscam cooperar comos atuais desafios à formação de um novo perfil profissional.

Antes ainda, é necessário resgatar algumas referências teóricas do campo das mudanças na formaçãode profissionais de saúde, no sentido de possibilitar a análise da IES nos novos currículos e práticas deformação.

Para Feuerwerker (2002), transformar a formação profissional exige mudanças profundas queimplicam alterações não apenas de concepções e práticas, mas também de relações de poder nasuniversidades, nos serviços de saúde e no campo das políticas. A base destas propostas é ademocratização, com a construção de espaços de poder amplamente compartilhados, o que requer aarticulação estratégica de grupos que acumulam poder e conhecimento, que são capazes de refletircriticamente e que, ao associarem heterogeneidades organizadas e construírem canais de comunicaçãoe discussão coletiva, ganham potência em suas ações.

Almeida (1999) representou, em três planos de profundidade, as mudanças na formação demédicos, que podem ser aplicados às mudanças na formação dos demais profissionais da saúde. Noprimeiro plano o autor situou as mudanças superficiais, geralmente pontuais e parciais, onde asinovações atingem as atividades, os meios e as relações técnicas entre os agentes de ensino e oprocesso de ensino. Essas mudanças produzem alterações isoladas de conteúdos, ou de relações, ou deprocessos. É o plano quantitativo, que pode conduzir a mudanças do tipo “inovação”. No segundo planoestão as mudanças mais abrangentes que passam pela reinterpretação das bases conceituais daeducação profissional, tendo como resultados alterações nas relações sociais durante a formaçãoacadêmica. É o plano qualitativo, que pode conduzir a mudanças do tipo “reforma”. No terceiro plano,situam-se as alterações que buscam introduzir uma nova ordem no processo de produção deprofissionais e nas suas relações com a estrutura socioeconômica, englobando toda a sociedade e o seu

INTEGRAÇÃO “ENSINO-SERVIÇO” NO PROCESSO DE MUDANÇA ...

1056 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1053-67, out./dez. 2011

contexto. Resultam em alterações gerais dos conteúdos, dos processos e dasrelações, implicando: a substituição da prática profissional, desenvolvimento detecnologia apropriada, articulação biopsicossocial, intersetorialidade e superação dadissociação entre estudo, trabalho e controle social. É o plano da relevância, capazde conduzir a mudanças do tipo “transformação”.

Utilizando esse esquema de Almeida (1999), Feuerwerker (2002) acrescentaque tais planos implicam, também, a utilização de referenciais teórico-conceituaisdiferentes quanto à educação e à saúde: o primeiro plano corresponderia àconcepção tradicional de educação e à biologicista em saúde, predominando areprodução das práticas hegemônicas; o segundo corresponderia à concepçãohumanista (libertária) da educação e ao conceito ampliado de saúde, buscando-sealternativas às práticas hegemônicas por meio das práticas de reflexão crítica eproporcionando uma democratização nas relações; enquanto o terceirocorresponderia à concepção pedagógica crítica-reflexiva e ao pensamentoestratégico em saúde, visando à constituição de sujeitos, à busca de práticastransformadoras e à incorporação de outros sujeitos sociais ao processo deeducação e de saúde.

No mesmo sentido, Lampert (2002) elaborou uma tipologia da implementaçãode mudanças nos currículos de graduação médica, variando de um perfil tradicional,inovador com tendência tradicional, inovador com tendência avançada, até umperfil avançado, respectivamente e gradualmente correspondentes ao modelohegemônico de formação em saúde (flexneriano) até o paradigma da integralidade.Ao analisar algumas escolas médicas, a autora observou, em todas, algumainiciativa de inovação recente, mesmo na de tipologia tradicional, sendo que ascom reformas curriculares de tipologia avançada, decorrentes de propostasrecentes, ainda não totalmente consolidadas. De estudos como este, advém aconstatação de que a formação em saúde passa por mudanças em direção àstransformações desejadas, ainda que a tendência de inovação seja carente detempo e de forte apoio reflexivo, acompanhamento e avaliação, pois muitas dessasmudanças vão de encontro à política neoliberal e à cultura voltada para a doença.

Os resultados encontrados por Finkler (2009) na análise das mudançascurriculares nos cursos de Odontologia vão ao encontro dos obtidos por Lampert(2002), destacando-se dentre os principais avanços: a valorização da formação dosprofessores, a preocupação com o desenvolvimento de profissionais capacitados aatuar nos serviços públicos, a integração do currículo acadêmico e odesenvolvimento de competências profissionalizantes precocemente. Por outrolado, os atrasos mais evidentes relacionaram-se: à pequena valorização daformação humanística, cultural e política dos estudantes, à orientação didática eaos cenários de ensino-aprendizagem, bem como à ausência de tutoria e daavaliação somativa, por conta dos pressupostos e métodos ainda bastantetradicionais do processo educativo. Já o enfoque teórico dos cursos e suaintegração com os serviços públicos, embora com indícios de alguns avanços,foram identificados como fragilidades, sinalizando alguns dos desafios que asmudanças curriculares em Odontologia precisam assumir4.

Vale ainda resgatar o “quadrilátero da formação para a área da saúde” deCeccim e Feuerwerker (2004), que concebe a questão específica da IES ou“ensino - serviço - comunidade” de forma ampliada ao considerar os quatroelementos que tomam parte neste processo: ensino, gestão, atenção e controlesocial. Isto porque o componente “serviço” não pode ser restrito à noção depráticas de atenção, mas deve revelar uma estrutura de condução das políticas, agerência do sistema e organização de conhecimentos do setor. O componente“comunidade” deve conter algo além da interação com a população, envolvendo

4 Em trabalho prévio,analisou-se a formaçãoética dos estudantes deOdontologia no Brasil, apartir de coleta de dadossobre os múltiplos fatoresque tomam parte nesteprocesso e que vãodesde o perfil teóricodos cursos e as diversasquestões referentes àabordagem pedagógicaaté as questões maisdiretamente relacionadasà abordagem ética(Finkler, 2009). Esteestudo, por sua vez,toma alguns daquelesdados, a fim de discutirem profundidade aquestão específica da IES,não como mais umelemento da formaçãoético-pedagógica, mascomo um dos elementos-chave para redefinir operfil do egressoacadêmico, à luz dasDCNs.

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a noção de relevância e responsabilidade social do ensino, aberto à interferência desistemas de avaliação, regulação pública e estratégias de mudança que envolvem ocontrole social. No componente “ensino”, além do reconhecimento dos papéis dedirigentes e docentes, destaca-se a articulação com o movimento estudantil comoator político das instituições formadoras. Essa imagem de um quadrilátero se propõeà construção e organização de uma gestão da educação na saúde integrante dagestão do sistema de saúde, redimensionando a imagem dos serviços e valorizando ocontrole social. Pode, assim, ser um instrumento útil para a análise das mudanças emcurso na formação profissional em saúde.

Procedimentos metodológicos

Este estudo exploratório descritivo empregou a abordagem qualitativa por serconsiderada a mais adequada à compreensão de fenômenos específicos edelimitáveis mais pelo seu grau de complexidade interna do que por sua expressãoquantitativa.

Os cursos participantes foram selecionados de modo a compor uma amostra dasua distribuição nacional, em termos de proporção entre cursos públicos e privados(30% e 70%, respectivamente), e de localização, por regiões geográficas (70% nosul e sudeste e 30% nas demais regiões), totalizando 15 cursos.

A coleta de dados foi iniciada após a aprovação ética do projeto de pesquisa,consistindo de três etapas: na primeira, um questionário5 foi enviado aoscoordenadores dos cursos, sendo que cada questão possuía três possíveis afirmações,dentre as quais deveriam eleger a que mais se assemelhava à experiênciapredominantemente vivenciada no curso. De um modo em geral, estas afirmaçõesforam elaboradas pensando-se em três situações distintas que caracterizariam oprocesso de mudanças curriculares, paralelas ao modelo de ensino que desenvolvem:desde o mais tradicional, hegemônico, nos moldes flexnerianos (respostas A),passando pelo inovador (respostas B), em direção ao mais avançado, a caminho dereformas transformadoras na construção do paradigma da integralidade (respostas C)(Lampert, 2002, p.171). Neste trabalho, recortam-se as três questões diretamenterelacionadas ao objeto aqui em foco, conforme apresentado no Quadro 1.

A partir dos primeiros resultados, a segunda etapa pôde ser iniciada, buscando-seum aprofundamento da análise das experiências dos dois cursos de resultados maisdiferenciados entre si quanto à IES. Solicitaram-se, às instituições selecionadas,documentos tais como o PPP e o currículo, que permitiram uma aproximação doarcabouço teórico-metodológico dos cursos.

Na terceira etapa, buscou-se uma aproximação mais concreta com a realidadeacadêmico-pedagógica, por meio de entrevistas semidirigidas, observação direta deatividades acadêmicas e grupos focais, que permitiram a triangulação dos dados. Emtodas estas estratégias, a amostragem foi delimitada pelo critério de saturação dosdados.

Uma vez transcritas as falas das entrevistas e dos grupos focais e agrupadas asinformações registradas no diário de campo, os dados coletados foram: (1)ordenados, (2) categorizados, (3) reordenados de acordo com as categorias iniciaisgerando categorias temáticas, e, por fim, (4) analisados a partir da interpretaçãodestas categorias, à luz das referências teóricas pertinentes.

5 Utilizou-se comomodelo o

questionárioconstruído por

Lampert (2002,p.275-279).

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Um panorama da integração “ensino-serviço”nos cursos de Odontologia brasileiros

As respostas fornecidas em cada questão foram agrupadas e classificadas (Tabela 1) de acordo com operfil dos cursos com relação ao processo de mudanças curriculares que vêm desenvolvendo econforme o referencial teórico-metodológico adotado.

Os dados demonstram que apenas dois coordenadores consideraram que o perfil dos egressos deseus cursos ainda é o tradicional, no qual o profissional é formado para um mercado de trabalhobasicamente liberal, com alta valorização das especializações clínicas. Possivelmente, as mudançasrecentes no trabalho em saúde (implantação das Equipes de Saúde Bucal na ESF e dos Centros de

Quadro 1. Questões do questionário empregado mais relacionadas à integração “ensino-serviço”

1. PERFIL DO EGRESSO - Esta Escola predominantemente...

a) forma cirurgiões-dentistas com perfil liberal e generalista, com acentuada ênfase no uso de tecnologias e naimportância da especialização para o mercado de trabalho

b) forma cirurgiões-dentistas com perfil generalista, orientados para a competitividade do mercado de trabalholiberal e com algum preparo para trabalhar no setor público, segundo os princípios do SUS

c) forma cirurgiões-dentistas com um perfil generalista, humanista, autônomo, crítico e reflexivo, familiarizadoscom os serviços de saúde (SUS) e capacitados a atuar de acordo com as necessidades da sociedade, segundo osprincípios do SUS

Justificativa:Evidência(s):

2. ENFOQUE TEÓRICO - Esta Escola predominantemente...

a) ministra o curso sob enfoque biomédico/clínicob) ministra o curso buscando um equilíbrio no enfoque biológico e no socialc) ministra o curso sob enfoque epidemiológico, enfatizando os processos sociais na determinação dos fenômenos

de saúde-doençaJustificativa:Evidência(s):

3. INTEGRAÇÃO COM OS SERVIÇOS DE SAÚDE - Esta Escola predominantemente...

a) tem corpo docente que não participa dos serviços de saúde (SUS) e do seu planejamento na sua área deinfluência, assim como os dentistas dos serviços também não participam na docência

b) tem docentes que participam esporadicamente dos serviços e do planejamento do sistema de saúde público eprofissionais dos serviços que eventualmente participam na docência

c) tem serviços docentes-assistenciais integrados com o sistema de saúde público, sendo que seus docentesparticipam do planejamento e da avaliação do sistema em sua área de influência

Justificativa:Evidência(s):

Tabela 1. Somatórios das respostas dos coordenadores dos 15 cursos participantes, classificados por questão e deacordo com o perfil dos cursos com relação ao processo de mudanças curriculares

Questão/perfil

1. Perfil do egresso2. Enfoque teórico3. Integração com serviçosTotal

Tradicional (resposta A)

2013

Inovador (resposta B)

6116

23

Avançado (resposta C)

748

19

FINKLER, M.; CAETANO, J.C.; RAMOS, F.R.S.

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Especialidades Odontológicas) contribuem em parte para que a maioria das faculdades comece a sepreocupar em preparar cirurgiões-dentistas com um perfil generalista, capazes, pelo menosrazoavelmente, de trabalhar no SUS. Contudo, os sete coordenadores que elegeram a resposta maisabrangente, não fizeram referências às qualidades citadas no enunciado da alternativa – “perfilautônomo, crítico e reflexivo”, no máximo comentando o perfil humanista desejado e, ainda assim,com poucas evidências. Deste modo, algumas das características importantes para o exercício daprofissão parecem não ser suficientemente valorizadas e desenvolvidas. Tampouco houve justificativasou evidências do fato de os egressos estarem realmente “familiarizados com os serviços de saúde”, oque seria um importante indicativo dos esforços para a IES.

Com relação ao enfoque teórico, as escolas relataram ministrar seus cursos predominantementebuscando um equilíbrio no enfoque biológico e social, sendo poucas as que se baseiam no enfoqueepidemiológico com ênfase na determinação social do processo saúde-doença. Observa-se, portanto, oindício positivo de que nenhum curso seguiria com o paradigma biomédico-clínico, ao quecorresponderia um perfil de egresso tradicional. Contudo, constatou-se nas evidências relatadas umaatribuição de responsabilidade quase exclusiva às disciplinas de Saúde Coletiva pela concepção socialdeste enfoque teórico. É inegável a contribuição destas disciplinas, mas questionável a manutenção,ainda hoje, de outras disciplinas na visão estritamente biológica, até mesmo porque “os estudantesvalorizam as diferentes áreas do conhecimento do mesmo modo que a maior parte de seus docentes”(Finkler, 2009, p.163). Desta forma, é também duvidoso que um curso consiga formar profissionais sobo enfoque teórico indicado, se este enfoque está restrito a poucos.

Já a questão que abordava diretamente a IES foi a que mais apresentou inconsistências entre asrespostas eleitas e as justificativas e evidências apontadas, o que demanda cautela na análise. Asinconsistências se devem, basicamente, ao conceito de serviços docente-assistenciais e de IES, que,apesar de constar por extenso no questionário, parece não ter sido sempre considerado ou não serconhecido por todos, ou, ainda, ser confundido com outras atividades. Apenas três faculdadesdemonstraram indícios de alguma IES. As demais se referiram ao vínculo criado entre os cursos e osserviços por conta de convênios para o ressarcimento de atendimentos, de parcerias para campos deestágios, da presença de docentes que também são funcionários municipais ou estaduais, e deprofissionais dos serviços que trabalham na escola. Porém, estes vínculos com o SUS não são indicativosde que o ensino-aprendizado esteja sendo desenvolvido sob suas diretrizes, em cenários reais de práticae conjuntamente com os profissionais dos serviços, gestores e usuários, co-participem tanto do ensinoquanto do planejamento, execução e avaliação dos serviços.

De fato, percebe-se uma confusão conceitual no meio acadêmico e o uso indiscriminado de termoscomo IES, estágio docente-assistencial, estágio curricular supervisionado, estágio intra e extramuros,internatos, entre outros, de modo que novos nomes podem ser atribuídos a práticas já tradicionais, numaapenas aparente adequação às DCNs. Tome-se, como exemplo, o estágio curricular que as DCNspreconizam que seja desenvolvido sob supervisão docente, de forma articulada e com complexidadecrescente ao longo do processo de formação, tendo uma carga horária mínima de 20% do total (Brasil,2002).

No entanto, a Associação Brasileira de Ensino Odontológico define o estágio curricular como o“instrumento de integração e conhecimento do aluno com a realidade social e econômica de sua regiãoe do trabalho em sua área [...] o atendimento integral ao paciente que o aluno de Odontologia presta àcomunidade, intra e extramuros” (ABENO, 2002, p.39).

Mas, como afirmam Tumang, Rigolon e Gasparetto (2004), o estágio intramuros não contempla ocontato do aluno com a realidade social, pois essa realidade é mascarada pela estrutura institucional queinterfere nas relações. O atendimento ao paciente onde ele vive é distinto do atendimento no espaçoescolar que é familiar ao próprio aluno e que reproduz os seus próprios valores. No ambiente externo éque o papel social do estudante é transformado, quando ele se coloca frente aos desafios da populaçãoque vai atender (Werneck et al., 2007).

Porém, o fato de o estágio ser extramuros tampouco assegura a aderência às DCNs, pois não garanteque haverá integração com o mundo do trabalho, não implica necessariamente na articulação com oSUS, nem no envolvimento crescente ao longo e desde o início da formação. Mas, para formar

INTEGRAÇÃO “ENSINO-SERVIÇO” NO PROCESSO DE MUDANÇA ...

1060 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1053-67, out./dez. 2011

profissionais com o perfil adequado, os cursos precisam promover atividades práticas com estascaracterísticas, em cenários de ensino diversificados. Isto exige sair das práticas profissionalizantesrealizadas em clínicas de ensino de especialidades para as clínicas integradas e atividades extramuraisem unidades do SUS, com graus crescentes de complexidade, bem como substituir os serviços própriosisolados da rede por serviços próprios completamente integrados, com mecanismos institucionais dereferência e de contrarreferência (Morita, Kriger, 2004).

Indo além, o estágio supervisionado, na lógica da IES, pressupõe a supervisão das atividades doestudante tanto por docentes quanto por profissionais dos serviços. Esta preceptoria externa é umelemento pedagógico fundamental, visto que concebe o trabalho como fonte de saberes e deexperiência (Werneck et al., 2007).

Estágios supervisionados em escolas, creches, asilos, hospitais, internato em saúde coletiva ouinternato rural, embora possam ser bastante válidos sob alguns aspectos (Moimaz et al., 2008; Wernecket al., 2007; Medeiros Jr. et al., 2005; Werneck, Lucas, 1996), de um modo em geral não possibilitam oalcance dos objetivos das DCNs. Isto porque não é possível, por meio de atividades pontuais e isoladasno currículo, estabelecer-se um compromisso social, já que o envolvimento costuma ser de curtaduração (Werneck et al., 2007). Além disto, a interação ativa do aluno com a população e com osprofissionais deve ocorrer a partir de problemas reais, assumindo-se responsabilidades crescentes(Morita, Kriger, 2004). Portanto, é questionável também a realização destes estágios visando à IESsomente ao final do curso, quando toda a formação prévia do estudante o preparou para uma atuaçãodesarticulada das demandas dos serviços.

Quando hoje se menciona o termo IES, é preciso se ter em mente que as tentativas nesse sentidonão são novas. Há um acúmulo de experiências cujos resultados já mostraram que a associaçãouniversidade-serviço-comunidade, juntamente com um programa de apoio, são as estratégias que maisproporcionam acumulação de recursos de poder entre os atores interessados em transformações, tantona formação universitária, quanto na atuação dos serviços (Almeida, Feuerwerker, Llanos, 1999).

A estratégia de integração docente-assistencial (IDA), nas décadas de 1970 e 1980, foi a pioneira naarticulação de cursos de medicina, enfermagem, odontologia e outros com os serviços. Apesar de teremcontribuído de forma significativa para a construção do SUS, o seu impacto na formação profissional foilimitado, pois muitas das experiências inovadoras permaneceram isoladas nas universidades e tambémporque as relações estabelecidas com os serviços eram bastante verticais, considerados mais cenáriosque parceiros (Feuerwerker, 2002). Além disto, as relações entre os atores envolvidos davam-se apenasde forma bilateral, por conta da IDA (universidade/serviços), da extensão universitária (universidade/comunidade) e da atenção primária à saúde (serviços/comunidade) (Albuquerque et al., 2008).

A Rede IDA foi um fecundo espaço de criatividade para gestar ideias e lideranças fundamentais nodesenvolvimento do setor, tal como o Programa UNI, no início dos anos noventa, que considerava acomunidade sujeito de seu próprio destino, contando com dois parceiros: a universidade e os serviços.Sua proposta era construir estas parcerias (“integração ensino-serviço-comunidade”) para atransformação da educação profissional, a reorganização dos serviços e para o fortalecimento daorganização comunitária (Chaves, 1993).

A entrada dos projetos UNI na Rede IDA constituiu a Rede UNIIDA, que se construiu como um atorsocial, buscando influenciar as políticas públicas, como, por exemplo, no trabalho em torno da propostadas DCNs para as profissões da saúde (Feuerwerker, 2002). Vale, portanto, observar que as DCNspossuem, em seu âmago, os resultados acumulados das experiências prévias de integração “ensino-serviço- comunidade”:

A formação do cirurgião-dentista deverá contemplar o sistema de saúde vigente no país [...]exercer sua profissão de forma articulada ao contexto social, entendendo-a como uma formade participação e contribuição social [...] proporcionando condições para que haja benefíciomútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando edesenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação através deredes nacionais e internacionais (Brasil, 2002, p.10).

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Evidencia-se, portanto, que a concepção de integração “ensino-serviço-comunidade” quepermeia este documento não confere com os conceitos e entendimentos expressos peloscoordenadores dos cursos, levantando indícios de que a real IES é ainda incipiente.

Uma análise mais aprofundada sobre esta realidade foi possível com o seguimento da pesquisa,para o que, tanto o curso que se revelou o mais tradicional quanto o curso aparentemente maisavançado foram escolhidos (Curso T e Curso A, respectivamente).

Focando a integração “ensino-serviço” na prática:uma aproximação da realidade vivenciada em dois cursos de Odontologia

O trabalho de análise qualitativa do novo PPP do Curso T evidenciou a preocupação principal com aadaptação do curso às DCNs. Uma das principais mudanças realizadas consiste na reestruturação docurrículo com a integração das disciplinas profissionalizantes, por meio do trabalho multidisciplinar nasclínicas de complexidade crescente. Ainda hoje, as disciplinas pré-clínicas e clínicas deste cursopossuem, cada uma, o seu próprio ambiente de ensino-aprendizagem. No novo currículo, as disciplinasdo ciclo profissionalizante deverão atuar integradamente; no entanto, as disciplinas do chamado ciclobásico não foram pensadas sob esta mesma lógica, fato justificado pelo “modo ainda tradicional deorganização burocrática e administrativa da instituição”.

Outra ressalva se faz ao conceito de multidisciplinaridade, restrito ao trabalho conjunto de disciplinasapenas do curso de Odontologia. Experiências de ensino-aprendizagem multiprofissional não estãoprevistas, nem mesmo no estágio supervisionado extramuros onde atuam estudantes de diferentescursos de graduação em saúde, uma das poucas atividades acadêmicas desenvolvidas nos serviços. Lá osestudantes permanecem durante um mês, no último período do curso, sob supervisão de um professorsubstituto, exercitando seu aprendizado clínico. As demais atividades desenvolvidas nos serviços estãolimitadas a uma disciplina introdutória de saúde coletiva, que proporciona uma aproximação superficialcom o SUS aos estudantes que nela se matriculam (por ser optativa), e a um estágio curricular emambiente hospitalar. Os estudantes, no entanto, parecem sentir falta de uma aproximação do ensinocom a realidade dos serviços, pois assim se manifestam:

“A gente tá aprendendo uma coisa que é totalmente correta, como no livro, e quando chegalá fora, como na experiência do posto de saúde assistindo um dentista, meu Deus do céu, étotalmente diferente!” (estudante 1, grupo focal, curso T)

“Isso aqui é um serviço público, né? Só que a gente trabalha de uma forma quase se fossede uma forma particular. Se a gente for pro serviço público de verdade, num posto de saúde,aí você vê o que é!” (estudante 2, grupo focal, curso T)

O coordenador do curso afirma que tão logo o curso disponha de incentivos financeiros tentaráequipar algumas Unidades Básicas de Saúde (UBS) para levar os estudantes aos serviços. Contudo, nãohá estratégias delineadas neste sentido.

Por todos estes aspectos, percebe-se que o Curso T pouco valoriza a IES e não a desenvolve: não háplanejamento em comum com os serviços nas áreas de influência do curso, nem mesmo um serviço dereferência e contrarreferência das clínicas da faculdade estruturado com o SUS. Não há previsão de umprograma de integração docente-assistencial, nem um diálogo iniciado com os gestores dos serviços,estando a participação de profissionais da rede no ensino limitada à atuação clínica em um serviço depronto-atendimento do curso. Os termos “saúde da família” e “controle social”, por exemplo, constamuma única vez em todo o PPP, ainda que nele estejam inclusas as ementas de todas as disciplinasrelacionadas à Saúde Bucal Coletiva. Portanto, resultam escassas as situações de ensino-aprendizagempensadas na rede de saúde, envolvendo profissionais, usuários e gestores. É evidente que um novocurrículo vai sendo aperfeiçoado concomitantemente com a sua implantação, e que as ausências aquiindicadas poderão vir a ser contempladas, mas, de qualquer maneira, o não-dito no PPP de algumaforma também diz sobre as escolhas, valores e possibilidades de cada curso.

INTEGRAÇÃO “ENSINO-SERVIÇO” NO PROCESSO DE MUDANÇA ...

1062 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1053-67, out./dez. 2011

Uma segunda mudança curricular enfatizada diz respeito a uma maior importância em relação àstemáticas da saúde coletiva. É possível perceber a valorização das diferentes áreas pela distribuição dotempo curricular entre elas (Figura 1); e, efetivamente, as disciplinas que estão diretamente relacionadasà saúde coletiva e aos serviços públicos passaram a ocupar, de 5,30% no antigo currículo, 9,75% dotempo da nova matriz curricular, devido à inclusão de quatro disciplinas de Saúde Bucal Coletiva aolongo da formação.

Humanidades Saúde Coletiva Pesquisa Complementares Básicas Laboratoriaise clínicas

6,93% 5,81% 5,30%9,75%

0,00%5,81%

0,00% 2,29%

24,48%20,86%

63,26%

58,53%Currículo antigo Currículo novo

Figura 1. Distribuição da carga horária entre as disciplinas agrupadas por temas, nos currículos antigo e novo do Curso T

Contudo, o aumento da carga horária destinado à temática é um indicador limitado, uma vez quepuramente quantitativo. A aparente redistribuição do tempo entre os temas curriculares se devebasicamente ao aumento no total de horas do curso. Isto fica evidente ao se observarem as disciplinasbásicas, que ocupavam 24,48% do tempo, e que, no novo currículo, passaram a equivaler a 20,86%,embora a redução tenha sido de apenas 15 horas-aula. Do mesmo modo, as disciplinas pré-clínicas eclínicas, que antes representavam 63,26% do total, apesar de terem sido aumentadas em número,agora constituem 55,53% do tempo curricular.

Assim, as mudanças propostas pelo novo currículo não são indicativas de um reequilíbrio entre oenfoque biológico/clínico hegemônico e o social/epidemiológico, ou de uma provável alteração doperfil do egresso. De acordo com a classificação de Almeida (1999), aperfeiçoada por Feuerwerker(2002), a reforma curricular em implementação neste curso se enquadra no plano mais superficial demudanças na formação em saúde, caracterizada por algumas inovações pontuais, sem alteração daconcepção tradicional de educação e da concepção biologicista em saúde, e, portanto, com umaprovável reprodução das práticas hegemônicas nas duas áreas.

Já o PPP do Curso A levou a sério as DCNs, adequando-o às diretrizes a partir da convicção danecessidade de mudanças nas concepções e estratégias curriculares, e não apenas pela demandaexterna ao curso. Esta motivação está muito relacionada aos seus dirigentes, devido a sua formação eexperiências prévias e a sua capacidade de liderança e articulação de um grupo docente que somaforças no alcance das metas instituídas no novo currículo. As principais ênfases do PPP recaem sobre anecessidade de mudanças nas concepções acerca do processo ensino-aprendizagem, as inovaçõesmetodológicas que buscam a integração curricular, o trabalho multidisciplinar e a interatividade dosestudantes.

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A integração curricular foi possível pela união dos antigos ciclos básico e profissionalizante em quatroeixos estruturais, transversais e multidisciplinares. Os estudantes são inseridos precocemente noscontextos profissionais: no primeiro semestre eles já estão presentes nas UBS, sendo integrados àsEquipes de Saúde da Família (SF) como observadores (com envolvimento crescente ao longo do curso),e, no segundo semestre, na clínica odontológica da faculdade. Essa entrada precoce nos diferentescenários de ensino-aprendizagem é uma das questões que reforçam a valorização da interatividadeacadêmica, também percebida quanto às inovações em termos de metodologia de ensino: aproblematização vem sendo empregada no curso como o referencial educativo para as atividades depromoção de saúde realizadas no contexto da SF. No momento da pesquisa, os alunos do último anoutilizavam o PBL em uma das quatro disciplinas, mas a intenção era de capacitar um maior número dedocentes para o seu emprego e utilizá-lo também como referencial filosófico-pedagógico do curso.

Outra questão evidenciada relacionava-se à preparação do estudante para atuar no mercado detrabalho, tanto público quanto privado. A ênfase na saúde coletiva e nos serviços públicos de saúdepode ser confirmada pela quase triplicação da carga horária atribuída a estas temáticas em relação aocurrículo anterior (Figura 2).

Figura 2. Distribuição da carga horária entre as disciplinas agrupadas por temas, nos currículos antigo e novo do Curso A

Humanidades Saúde Coletiva Pesquisa Complementares Básicas Laboratoriaise clínicas

4,24% 6,86% 5,30%

14,07%

1,41%

90,9%2,12%

6,10%

21,90%

13,63%

65,00%

50,00%

Currículo antigo Currículo novo

Ainda que o número de horas total do curso tenha sido um pouco ampliado, uma melhordistribuição do tempo dedicado a cada área foi possível pela integração das disciplinas básicas,laboratoriais e clínicas do antigo currículo, diminuindo significativamente a proporção de suas cargashorárias em favor das demais temáticas.

Há, também, outros indicadores, desde a missão da instituição universitária até os diferentes cenáriosde aprendizagem no SUS com graus crescentes de complexidade, que confirmam a importância dasaúde coletiva no curso, revelam sua consciência pela responsabilidade social e a valorização da IES.Contudo, esta integração é ainda parcial: o sistema de referência e contrarreferência entre a escola e oSUS funciona apenas para algumas das especialidades clínicas, sendo os pacientes oriundos de demandalivre atendidos no curso sem nenhuma integração com a rede. Além disso, os estudantes atendemclinicamente as famílias da ESF na clínica do próprio curso, embora o PPP preveja “que as Equipes deSaúde Bucal acompanharão os trabalhos dos acadêmicos como preceptores”. Assim, o atendimentoclínico reabilitador continua desvinculado do mundo do trabalho, isolado da interação com osprofissionais da rede, da gestão do sistema e do seu controle social.

INTEGRAÇÃO “ENSINO-SERVIÇO” NO PROCESSO DE MUDANÇA ...

1064 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1053-67, out./dez. 2011

Os docentes relatam dificuldades nesta integração, experimentadas desde o planejamento do novocurrículo, pela pequena participação da gestão dos serviços nas oficinas da reforma curricular, e,sobretudo, na realização dos estágios em campo. Questões administrativas com a Secretaria Municipalde Saúde e alguns problemas de relacionamento junto à coordenação de Saúde Bucal são apontadoscomo entraves significativos para uma maior IES, mas consideram estar avançando ao longo do tempo.Se retomarmos, aqui, o conceito do “quadrilátero para a formação em saúde” (Ceccim, Feuerwerker,2004), ficam evidenciadas as lacunas que dificultam a reformulação das práticas que precisamestabelecer relações orgânicas entre si.

Retomando a classificação de Almeida (1999) aperfeiçoada por Feuerwerker (2002), a reformacurricular neste curso se enquadra no segundo plano de mudanças na formação em saúde,correspondente à concepção humanista de educação e ao conceito ampliado de saúde. A instituição,assim, progride na busca de alternativas às práticas hegemônicas, considerando o social em direção àspráticas de reflexão crítica. Mas ainda precisa investir em uma maior integração ensino-gestão-atenção-controle social e no trabalho multiprofissional e interdisciplinar, para que a profundidade das mudançaspossa ser considerada efetivamente como uma reforma, e não apenas como inovações.

A classificação do Curso A, considerado o mais avançado dentre os cursos pesquisados, comoestando no segundo plano de profundidade em relação às mudanças no processo de formação emsaúde, é indicativa de que os cursos de Odontologia ainda têm um longo caminho a percorrer emdireção a mudanças mais profundas que sejam capazes de promover uma verdadeira transformaçãosocial. Segundo Feuerwerker (2002), os cursos precisariam investir não só no trabalho multiprofissionalinterdisciplinar e na efetiva integração IES, mas também na atuação inter-setorial, na efetiva articulaçãobiopsicossocial, no controle social, na associação entre estudo e trabalho, e na transformação do poderem autoridade compartilhada. Assim, as mudanças poderiam ser não apenas técnicas e sociais, mastambém políticas, o que corresponderia ao plano de maior profundidade de mudanças.

Considerando-se que os resultados indicaram a praticamente inexistente integração do mundo daescola com o mundo do trabalho em saúde em uma instituição (curso T) e o processo apenas incipientena outra (curso A), ficam evidenciadas as limitadas ações dos cursos de Odontologia quanto à integraçãoensino-gestão-atenção-controle social, bem como alguns dos desafios àqueles que pretendem avançarno processo de mudanças da formação profissional.

Considerações finais

Todos os esforços prévios de IES em Odontologia tiveram pouca sustentabilidade, pois sempredependeram de uma adesão ideológica de docentes e estudantes e da voluntariedade dos professores,mais do que do apoio institucional e da participação do quadro docente como um todo (Morita, Kriger,2004).

Recentemente, no entanto, o apoio institucional começa a se fazer presente por meio de políticaspúblicas e de programas, pelo menos nos 32 cursos de Odontologia que fazem parte das 67 instituiçõesselecionadas para o PET-Saúde em 2009. Este momento político favorável vem ao encontro dosresultados desta pesquisa, reveladores de uma apenas incipiente integração entre os cursos deOdontologia e o SUS, no momento imediatamente anterior ao lançamento do PET-Saúde. Talinvestimento de recursos e esforços no fomento desta integração revela-se promissor, pois nossasmudanças curriculares serão socialmente tão relevantes quanto forem nossos avanços no processo deintegração ensino–gestão–atenção–controle social.

Aproximar-se dos serviços de saúde tem de ser uma opção consciente e oficial de cada um doscursos. Esta aproximação deve ser conduzida na forma de uma proposta-convite aos serviços, para que olocal do desenvolvimento das atividades dos estudantes passe a ser o mesmo que os profissionaisenfrentam no cotidiano de suas práticas. Nele, o sujeito do aprendizado não deve ser visto como mão-de-obra (Werneck, Lucas, 1996), pois a contrapartida do ensino para os serviços deve se dar nacolaboração para a reorientação da prática de atenção à saúde, de um modelo tecno-assistencialhegemônico, centrado na produção de procedimentos, para um modelo centrado nas necessidades

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sociais. Portanto, os cursos não devem impor esquemas preconcebidos que possam prejudicar apercepção da realidade ou predefinir propostas de trabalho, mas adequar as atividades demandadaspelos municípios aos objetivos da formação profissional.

A integração poderá acontecer quando existir, tanto para a escola quanto para a rede, umaintencionalidade complementar e convergente, com objetivos comuns e peculiares, capazes deconstituir espaços pedagógicos com vivências que possibilitem, para ambas, ganhos reais. Nestecontexto, a realidade que ensina é, ao mesmo tempo, objeto do aprendizado, gerando reflexão, críticae autocrítica, constituindo-se no substrato fundamental à formação pessoal e profissional do acadêmico(Werneck et al., 2007). Mas a integração só acontecerá de fato quando pensada longitudinalmente,desde o seu início da graduação, de modo que, ao final de cinco anos, o formando se sinta familiarizadoe comprometido com o SUS, capacitado a atuar na transformação do seu modelo de atenção, de gestãoe de controle social.

Sabe-se que nada disto é tarefa simples, pois exige uma organização de coletivos centralmentecomprometidos com a dimensão pedagógica das práticas de ensino, de atenção à saúde, de gestãosetorial e de controle social, e com a defesa do interesse público na política de saúde e de educaçãonacionais. Contudo, é o caminho que precisa ser trilhado em cada curso da área da saúde, despertandosensibilidades, reflexão e diálogo, promovendo negociações, aproximações, rearranjos, superações,enfim: um processo que precisa ser calcado na certeza de que a construção de cidadania e dademocracia dependem fundamentalmente do sucesso no trabalho intersetorial da saúde e da educação.

Colaboradores

Mirelle Finkler responsabilizou-se pela produção da pesquisa e pela elaboração doartigo. João Carlos Caetano e Flávia Regina Souza Ramos responsabilizaram-se pelaorientação da pesquisa e pela revisão crítica do artigo.

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INTEGRAÇÃO “ENSINO-SERVIÇO” NO PROCESSO DE MUDANÇA ...

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FINKLER, M.; CAETANO, J.C.; RAMOS, F.R.S. Integración “enseñanza-servicio” en elproceso de cambio en la formación profesional en Odontología. Interface - Comunic.,Saude, Educ., v.15, n.39, p.1053-67, out./dez. 2011.

Este trabajo intentó evaluar la integración de las licenciaturas de Odontología con lared pública de salud. Para eso, se toman los datos recolectados con metodologíacualitativa en un estudio de caso con 15 cursos, articulados con un referencial teóricopara el análisis de los cambios en la formación en salud, en lo cual la integración“enseñanza-servicio” es concebida como enseñanza, gestión, atención y control social.Los resultados indicaron una confusión conceptual acerca del tema, vínculos con elsistema de salud distintos de la integración y la prácticamente inexistente integraciónenseñanza-atención-gestión-control social, o como máximo, un proceso incipiente y enconstrucción. Se puede así considerar que los cursos de Odontología brasileñosnecesitan avanzar en las alianzas y en las acciones estratégicas con base en la educaciónpermanente en salud, a fin de que los nuevos cambios curriculares sean efectivamentecapaces de colaborar con el Sistema Único de Salud.

Palabras clave: Servicios de integración docente asistencial. Educación superior.Enseñanza. Escuelas de Odontología. Personal de Odontología.

Recebido em 18/02/10. Aprovado em 22/09/10.

nlima
Stamp

Estudo qualitativo da integração ensino-serviçoem um curso de graduação em Odontologia *

Ana Luiza de Souza1

Daniela Lemos Carcereri2

SOUZA, A.L.; CARCERERI, D.L. Qualitative study of the teaching-service integration inan undergraduate Dentistry course. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.1071-84, out./dez. 2011.

This qualitative study aimed toinvestigate, through individual and groupinterviews, the teaching-serviceintegration between a public university insouthern Brazil and the public healthservices. The data were analyzedfollowing the Thematic Content Analysis.Two thematic axes and four categoriesemerged. The thematic axis calledActivator grouped aspects developed inthe program, and the axis underConstruction revealed the difficulties thatwere observed. The identified categorieswere: Teaching-Service Partnership;Curricular Structure; Paradigm Change;and Teaching Practices. It was concludedthat the participants understand theteaching-service integration as a potentialstrategy that can contribute to theprocess of change of practices in healtheducation, although there are resistantgroups. The curricular restructuringcollaborated to develop new actions ineducation, as well as to improve theteaching and service integration.

Keywords: Teaching-care integrationservices. Dental education. Dental staff.

Este estudo, de abordagem qualitativa,investigou, por meio de entrevistasindividuais e em grupo, a integraçãoensino-serviço entre uma universidadepública do sul do Brasil e os serviçospúblicos de saúde. Os dados foramanalisados sob a Análise Temática deConteúdo, e, na análise, emergiram doiseixos temáticos e quatro categorias. O eixotemático Ativador agrupou aspectosdesenvolvidos no programa e o eixo emConstrução revelou as dificuldadesobservadas. As categorias identificadasforam: Parceria Ensino-Serviço; EstruturaCurricular; Mudança de Paradigma ePráticas Pedagógicas. Conclui-se que osparticipantes compreendem a integraçãoensino-serviço como potencial estratégiacolaboradora do processo de mudança depráticas na formação em saúde, apesar dehaver grupos resistentes. O processo demudança de práticas se desenvolveuativamente a partir da reestruturaçãocurricular. A integração ensino-serviço é umdos eixos que busca solidificar a propostacurricular, por meio de ações diversas nainterface do ensino com o serviço.

Palavras-chave: Serviços de Integraçãodocente-assistencial. Ensino deOdontologia. Recursos humanos emOdontologia.

* Elaborado com base emSouza (2010), pesquisaparcialmente financiada

por bolsa de estudos doPrograma de Fomento à

Pós-Graduação daCoordenação de

Aperfeiçoamento dePessoal de Nível Superior

(Capes).1 Doutoranda, Programa

de Pós-Graduação emCiências da Saúde,

Faculdade de Ciências daSaúde, Universidade de

Brasília. SQN 214, BlocoF, apto. 513. Asa Norte.

Brasília, DF, Brasil.70.873-060.

[email protected]

2 Departamento deOdontologia, Programa

de Pós-Graduação emOdontologia,

Universidade Federal deSanta Catarina.

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Introdução

A inadequação da formação em saúde ao longo do tempo tem gerado consequências prejudiciais aosistema de saúde e à saúde da população, como: o desequilíbrio entre oferta e demanda deprofissionais, a má-distribuição, as dificuldades de fixação, as competências e o conhecimento limitado,o desenvolvimento de estratégias equivocadas de gestão frente à realidade do serviço e à demandapopulacional (Brasil, 2009). É no descompasso que existe entre a formação dos profissionais e asnecessidades da população que está a grande barreira da relação Serviços de Saúde/Ensino em Saúde(González, Almeida, 2010).

Dentre as características que contribuíram para a inadequação da formação dos profissionais de saúdeestá a fragmentação de conteúdos e a centralização do professor especialista no processo ensino-aprendizagem. Essa configuração do ensino privilegia a excessiva especialização e o distanciamento doprofissional de saúde da preparação para o cuidado resolutivo e contínuo à população (Albuquerque etal., 2009). Campos et al. (2009) consideram a aprendizagem centrada no professor socialmenteirresponsável, devido à postura passiva dos participantes (estudantes, docentes e gestores) nesteprocesso.

Desde o Movimento de Reforma Sanitária Brasileira, diversas iniciativas têm sido propostas paraenfrentar este descompasso entre as necessidades da população e o caráter formativo em saúde, dentreelas a reestruturação do processo de formação dos recursos humanos. Um marco histórico para areorientação da formação em saúde foi a promulgação da Constituição Brasileira, em 1988, que, noArtigo 200, dispõe que o Ministério da Saúde é responsável pela ordenação da formação de recursoshumanos na área da saúde (Brasil, 2007). O Quadro 1 sumariza eventos importantes da última décadano Ensino em Odontologia.

Desde então, o governo tem se comprometido a cumprir a legislação, porém, isto tem sido feitocom emprego variável de recursos e em diferentes intensidades. Uma das vertentes importantes dareestruturação é a integração ensino-serviço, que envolve: o quadro docente das universidades, ostrabalhadores da saúde, a reorganização curricular dos cursos de graduação e pós-graduação, e oestabelecimento de vínculos com os serviços públicos de saúde.

A integração ensino-serviço é compreendida como eixo do processo pedagógico, integra auniversidade aos serviços de saúde, privilegia o estudante, seus conhecimentos, expectativas eexperiências no processo de ensino-aprendizagem. O conteúdo programático do curso é elaborado deacordo com a prática em situação real de ensino e com o ambiente de trabalho. Portanto, o estudantetem a oportunidade de unir seus conhecimentos à prática do serviço e refletir sobre seu papel e atitudesjunto à comunidade (Morita, Haddad, 2008; Pereira, Ramos, 2006; Yoder, 2006).

Os currículos precisam ser construídos e reconstruídos cotidianamente com o intuito de promoverefetivas mudanças no Ensino Superior, priorizando o pensamento, a crítica e a criatividade (Lemos,

Quadro 1. Eventos históricos que marcaram o ensino da Odontologia na última década

1988

1990

1993

2002

2003

2004

2005

2008

Constituição Federal – Saúde na ConstituiçãoRegulamentação do Sistema Único de Saúde

Sancionada Lei Orgânica da Saúde

II Conferência Nacional de Saúde Bucal

Aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Odontologia

Criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde

III Conferência Nacional de Saúde BucalCriação do Fórum Nacional de Educação das Profissões na Área da Saúde (FNEPAS)

Criação do Pró-Saúde (SGTES)

Criação do PET-Saúde e UNA-SUS (SGTES)

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Fonseca, 2009). O foco deve ser na aprendizagem, oportunizando, ao estudante, a possibilidade detransformar, elaborar, integrar o novo conhecimento ativamente, rompendo com esquema de aulas eavaliação fechada (Campos et al., 2009).

As novas DCN são o eixo orientador do atual projeto político-pedagógico de um curso de graduaçãoem Odontologia, em uma universidade pública situada no sul do Brasil. Os incentivos do Pró-Saúde edo PET-Saúde ampliaram o espaço de discussão entre a universidade e os serviços públicos de saúde e arepresentatividade da integração ensino-serviço no cotidiano de ambas as instituições.

O início das atividades junto aos serviços de saúde nesta universidade aconteceu na década de1970, no contexto do movimento nacional na época denominado integração docente-assistencial.Atualmente, a universidade conta com a chamada Rede Docente Assistencial, responsável peloprocesso de articulação ensino-serviço, da qual participam profissionais da Secretaria Municipal deSaúde, docentes, estudantes e representantes dos Conselhos de Saúde (SMS, 2008).

A última reestruturação curricular do curso de graduação em Odontologia foi oficializada em 2006,com a aprovação de um projeto político-pedagógico que reúne dois eixos principais: o eixointerdisciplinar, ou da interação comunitária, e o eixo multidisciplinar. No eixo da interação comunitária,as atividades de integração ensino-serviço se iniciam no segundo semestre e se desenvolvem até ooitavo semestre, no âmbito da atenção básica. Posteriormente, a atuação dos estudantes contemplaserviços de média e alta complexidade até o final do curso, no décimo semestre. As atividadesdesenvolvidas no serviço são orientadas por docentes e preceptores que acompanham os estudantes noscenários de prática (Coordenadoria do Curso de Graduação em Odontologia, 2006).

O currículo propõe aprendizagem construtivista, onde o estudante é responsável por seuaprendizado e o docente é o orientador do processo. As disciplinas são organizadas em eixos integradose a formação ocorre em clínicas integradas de complexidade crescente, nos serviços e na comunidade.Há combinação de estratégias de ensino-aprendizagem de acordo com as características socioculturaisda instituição, da sociedade e das necessidades dos estudantes (Alonso, Antoniazzi, 2010). O professornão é mais o centro do processo pedagógico e a doença é substituída pela saúde como estruturafundamental do processo de aprendizagem (Campos et al., 2009).

Este importante desafio a ser vencido pela universidade na ressignificação dos processos de ensinar –aprender – atuar deve ser acompanhado por meio de estratégias que possibilitem o direcionamentoadequado das ações. Frente a esse contexto, justifica-se compreender a integração ensino-serviço apartir da percepção de seus participantes, procurando identificar os fatores que direcionam e/oudistanciam o referido Curso de Graduação em Odontologia da operacionalização de seu atual projetopolítico pedagógico.

Percurso metodológico

Utilizou-se a metodologia qualitativa, e os dados foram coletados através da realização de entrevistasindividuais e em grupo. Os métodos qualitativos têm sido aplicados de forma adequada para respondertemas complexos, com os quais pesquisadores em saúde se confrontam, como a avaliação de reformase mudanças organizacionais para oferta dos serviços de saúde, sob o ponto de vista de pacientes,profissionais de saúde e administradores (Pope, Mays, 2005). Segundo Flick (2004, p.28), “A pesquisaqualitativa é orientada para a análise de casos concretos em sua particularidade temporal e local,partindo das expressões e atividades das pessoas em seus contextos locais”.

A seleção dos participantes para as entrevistas foi intencional, seguiu a lógica dos objetivos doestudo e o envolvimento dos participantes com o objeto de investigação. No âmbito dos serviços desaúde, envolveu gestores e cirurgiões-dentistas preceptores dos estudantes, nos cenários de prática dosserviços públicos de saúde. No âmbito da instituição de ensino, envolveu gestores, docentes eestudantes. Os estudantes participantes do estudo foram aqueles que se encontravam inseridos no novocurrículo e que, no momento da coleta de dados, realizavam atividades nos serviços públicos de saúde.Portanto, participaram estudantes do primeiro ao quinto semestre do curso de graduação emOdontologia.

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A pesquisa totalizou 14 participantes — número determinado pelo procedimento de saturaçãoteórica dos dados, baseado nos critérios de resposta aos objetivos do estudo, recorte do objeto doestudo e referencial teórico (Yin, 2005). As entrevistas tiveram uma duração média de quarentaminutos, foram registradas com o auxílio de um gravador de voz digital, e estruturadas a partir de umroteiro de questões norteadoras, cujo foco foi o programa de integração ensino-serviço.

Esse estudo foi realizado em observância à norma 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e suascomplementares, com aprovação junto ao Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos.

Após a coleta dos dados e transcrição das entrevistas, as informações foram analisadas seguindo ospressupostos da Análise Temática de Conteúdo. A análise perpassou por três etapas principais: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação junto ao referencialteórico. Durante a pré-análise foi realizada leitura flutuante do material, e estabelecimento das unidadesde registro (categorização inicial). A fase de exploração do material procurou atingir o núcleo decompreensão do texto, através da classificação das informações em categorias e especificação dos eixostemáticos (Minayo, 2006; Bardín, 1979).

Resultados e discussão

A análise das informações possibilitou a identificação de dois eixos temáticos: um eixo ativador e umeixo em construção. O eixo temático ativador é aquele onde se encontram os aspectos desenvolvidos,em direção à reflexão e mudança de práticas. Por outro lado, o eixo em construção representa a faceem desenvolvimento, onde se encontram as dificuldades e entraves observados em diferentesdimensões do processo.

Os eixos temáticos orientaram a identificação de quatro categorias: parceria ensino-serviço; estruturacurricular; mudança de paradigma; e práticas pedagógicas. Aliados ao referencial teórico, os dadosgeraram o seguinte esquema (Figura 1).

Figura 1. Esquema ilustrativo dos eixos temáticos e categorias

EIXO ATIVADOREIXO EM CONSTRUÇÃO

A PARCERIAENSINO-SERVIÇO

A ESTRUTURACURRICULAR

AS PRÁTICASPEDAGÓGICAS

Ensino/aprendizagem

O estudantenos serviços

A formação dodocente e do

preceptor

As atividadesno ensino eno serviço

A disposiçãodisciplinar

A sobrecarga

A interface entre auniversidade e osserviços de saúde

A rede de integração

As estratégias detrabalho

A credibilidadee pertinênciada proposta

A morosidadedo processode mudança

A presença degrupos resistentes

A MUDANÇA DEPARADIGMA

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Os resultados são descritos a seguir, acompanhados da discussão, divididos entre as categoriasanalisadas. Fragmentos de entrevistas acompanham a discussão e estão em destaque.

Parceria ensino-serviço

A integração ensino-serviço faz parte de um processo de reflexão de práticas curriculares, planos econteúdos de ensino, que têm sido consolidados à medida que o curso de graduação em Odontologiaavança em semestres.

O estabelecimento da parceria entre a Universidade e os serviços públicos de saúde obteve maiorrepresentatividade à medida que as questões curriculares foram motivadas pelas Diretrizes CurricularesNacionais e por programas colaboradores, como o Pró-Saúde e o PET-Saúde (Brasil, 2009, 2005, 2002;Silva, 2008). Surgiu, então, a Rede de Integração, dotada de regimento próprio e membros diretores deambas as instituições, o que possibilitou o estabelecimento de relações de trabalho diferenciadas e apossibilidade de tomada de decisões pactuadas. São exemplos de tais decisões: a escolha dos locais deatuação dos estudantes nos cenários de prática e a aplicação de recursos do Pró-Saúde e do PET-Saúde.A decisão sobre as unidades de saúde que recebem os estudantes considera: a garantia de estabilidadedas atividades do serviço com a presença do ensino, a disponibilidade dos cirurgiões-dentistas daunidade em atuar na preceptoria, a estrutura física e pessoal da unidade, a necessidade social e ointeresse à formação.

Para modificar o contexto da parceria entre universidade e serviço, as instituições pesquisadas têminvestido na ampliação e aprimoramento da estrutura física do serviço, na formação dos preceptores, narealização de pesquisas no nível da atenção básica e na atuação dos estudantes em diferentes ocasiões,potencializando atividades de prevenção, educação e recuperação da saúde. As experiências deintegração vivenciadas até o momento foram agradáveis aos participantes, e os gestores se destacamcomo principais articuladores do processo.

Feuerwerker e Sena (2002) ponderam as características essenciais de uma proposta de inovaçãocurricular: a organização curricular em módulos integrados, baseados em problemas extraídos darealidade; metodologias ativas de ensino-aprendizagem; prática nos serviços, interação com acomunidade desde o início do curso e avaliação permanente do processo. Estas características se fazempresentes no Curso analisado por este estudo e de maneira crescente têm sido consolidadas.

A universidade participa do Programa PET-Saúde. O programa PET foi idealizado como uma dasações intersetoriais potencializadoras do Pró-Saúde, pois favorece a atuação pedagógica na atençãobásica, com o envolvimento de preceptores, docentes e estudantes. Visa o desenvolvimento depesquisas, práticas de atenção e formação dos estudantes e preceptores. Reforça a importância dadesconcentração de papéis e responsabilidades, e da formação pedagógica para atuação dos preceptorescomo educadores e participantes ativos do desenvolvimento curricular (Brasil, 2009, 2008; Silva, 2008;Schmidt, 2008). Tais iniciativas fortalecem a corresponsabilização das instituições: a universidade naprestação do cuidado e os serviços na atuação junto à formação (Albuquerque et al., 2008).

De acordo com Araújo e Zilbovicius (2008); Morita e Haddad (2008) e Silva (2008), as atividades queintencionam a integração teórico-prática, o trabalho em equipe e a prestação de cuidado integral àsaúde têm a possibilidade de potencializar a formação, a reorganização do modelo de atenção e oenfrentamento das necessidades em saúde da população. A integralidade do ensino em saúde afirma aformação pautada no cuidado humanizado e na promoção da saúde (González, Almeida, 2010).

A combinação de critérios utilizada na parceria universidade/serviço é julgada adequada frente aoproposto pelo Ministério da Saúde e da Educação, e às diretrizes do Pró-Saúde (Brasil, 2008, 2005). Aintegração, através da Rede de Integração, é um pilar importante das atividades entre ensino e serviço,pois se trata de uma proposta formalizada. Segue os desígnios da Lei 8.080/1990 (Artigo 14), que dizque deverão ser criadas comissões permanentes de integração entre os serviços de saúde e asinstituições de ensino profissional e superior, com o intuito de cooperar técnica e cientificamente e paraproposição de prioridades na formação e na educação permanente (Brasil, 1990). Tais direcionamentosvão ao encontro da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Superior e das Diretrizes CurricularesNacionais (Brasil, 1990, 2002).

ESTUDO QUALITATIVO DA INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO ...

1076 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1071-84, out./dez. 2011

Estrutura curricular

As incursões dos estudantes nos cenários de prática ocorrem desde o segundo semestre do curso degraduação em Odontologia, onde são desenvolvidas atividades na atenção básica. Entretanto, os níveissecundário e terciário de atenção (média e alta complexidade) são contemplados somente após o sextosemestre do curso.

Previamente às atividades de campo, existe uma fase de planejamento e orientação teórica, ondedocentes, preceptores e estudantes contribuem na definição das atividades a serem executadas e têm aoportunidade de manifestar sua opinião.

“E aí a gente está participando nesse processo junto, em alguns momentos nós atécomentamos que agora estamos tendo que ajudá-los [os estudantes] a decidir o que elesvão pesquisar. Claro que sempre tentamos pensar o que será útil para eles e que tambémpossa dar um retorno para nós no Centro de Saúde, como muitos aqui tiveram, nostrabalhos, nas pesquisas. Isso foi algo bastante enriquecedor”. (preceptor B)

Por outro lado, existem algumas atividades sem planejamento, que fazem com que oencaminhamento dos estudantes seja diretamente aos cenários de prática, sem que haja um diálogoprévio com o serviço, o que prejudica a dinâmica das atividades.

“Eu vejo que às vezes existe algum conflito, porque a Universidade quer que eles[referindo-se aos estudantes] façam determinada coisa, mas que na prática não condiz coma nossa realidade. Então acaba criando um certo conflito ou um desconforto entre o serviçoe a Universidade”. (preceptor C)

As atividades no início do curso ficam centradas na atenção básica, um espaço privilegiado para aexploração do ambiente, da unidade de saúde, dos recursos e da dinâmica da comunidade. Osexercícios focam, sobretudo, o diagnóstico da situação de saúde da população, e não o enfrentamentode problemas pelos estudantes. Nos semestres mais avançados, o programa prevê que os estudantesexecutem atividades variadas em todos os níveis de atenção, direcionadas à Odontologia e à saúdegeral, com participação em grupos de promoção e educação em saúde. Tal planejamento está emconcordância com os direcionamentos relatados por Morita e Haddad (2008).

Entre as atividades já realizadas pelos estudantes, destacam-se aquelas fundamentadas naepidemiologia geral e bucal, bioestatística, planejamento, programação e avaliação em saúde bucal,aplicadas à comunidade. O reconhecimento da estrutura do serviço e a coleta de dados epidemiológicossão atividades relevantes na formação direcionada aos serviços públicos de saúde. Os estudantesanseiam pela possibilidade de ampliarem sua atuação na comunidade:

“Então eu acho que o trabalho é importante, não tem que parar, mas pode se tornar bemmelhor, pode ampliar. E não só no sentido que eu estou fazendo agora de ajudar os outros,não. Quando eu estiver na sexta fase quero fazer uma coisa maior ainda, tentar resolver osproblemas”. (estudante D)

As atividades das disciplinas da Saúde Pública/Coletiva têm recebido atenção diferenciada pelosestudantes, que têm as enfrentado com mais seriedade, apresentando-se mais participativos e ativos.

“Ali eu sinto que há uma diferença de interesse pela disciplina, os alunos comparecem a aula,a participação deles na aula, comentários e tudo mais. O que para mim é diferente, é novo, eeu estou atribuindo a esta mudança toda que já começou no currículo deles”. (docente B)

A atribuição de valores às disciplinas precisa ser conduzida de maneira equilibrada. Historicamente,as disciplinas que envolvem aspectos biológicos e intervenções clínicas recebem maior investimento e

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ganham destaque no currículo. Já as disciplinas que propõem reflexões e ações no campo da ética e dasciências humanas recebem pouca atenção (Albuquerque et al., 2009). Este é um dos paradigmas que anova estrutura curricular pretende modificar, trazendo, aos estudantes, tais disciplinas equilibradamentena formação contextualizada.

Os estudantes reconhecem que as disciplinas encontram-se articuladas e percebem a relaçãoexistente entre a formação social e técnica, posicionando o conhecimento sobre o SUS como parteglobal da formação (Araújo, Zilbovicius, 2008). Tais achados estão consoantes com os relatos de Matose Tomita (2004), que realizaram entrevistas com estudantes e concluíram que, apesar da permanênciada visão mercadológica, há concepção ampliada da Saúde Coletiva.

As atividades de planejamento criam espaços coletivos de discussão, onde as propostas podem seracompanhadas, avaliadas e tornam-se motivadoras para o comprometimento dos participantes (Schmidt,2008). A formação pautada na integralidade deve associar estágios na atenção básica a outros camposde produção da saúde, durante todo o curso. Diversas escolas têm direcionado as atividades da mesmamaneira que o curso observado neste estudo, o que se percebeu como uma atitude relevante, porémnão eficaz na integração dos campos de conhecimento da profissão e multiprofissionais (Brasil, 2008).

A avaliação do Ministério da Saúde prevê que, mesmo em fases iniciais do curso, é importante queos estudantes percebam a integração entre os níveis de assistência, para que sejam capazes dedesenvolver habilidades que possibilitem a produção de níveis crescentes de saúde na população,equilibrando ações sociais e formação técnica. Dessa maneira, cria-se oportunidade para oenfrentamento de diferentes problemas, em todos os cenários onde ocorre a prática profissional(Araújo, Zilbovicius, 2008; Brasil, 2008; Morita, Haddad, 2008).

As atividades em cenários de prática, aliadas ao conteúdo teórico do Curso, geram alta carga horáriasemanal, diminuindo a flexibilidade curricular, limitando a participação dos estudantes em projetos deextensão e pesquisa, que poderiam contribuir com a sustentabilidade das mudanças (Brasil, 2008). Aalta carga de atividades também traz sobrecarga ao trabalho dos gestores, docentes e preceptores. Estadificuldade foi relatada por Lemos e Fonseca (2009), que realizaram entrevistas — e, unanimemente, osentrevistados criticaram a elevada carga horária semanal, que limita o tempo de dedicação ao estudo e aatividades extras. Um dos entrevistados considerou a carga horária um verdadeiro “massacrepedagógico”.

Neste estudo, os preceptores relataram que a formação profissional até então não fazia parte daagenda de trabalho, e que o acréscimo de mais uma função sobrecarrega a estrutura do serviço. Taisconsiderações também são relatadas por González e Almeida (2010).

Mudança de paradigma

Há certeza de objetivos pelos participantes.

“Não dá para nós querermos que hoje esteja desse jeito e amanhã de outro. O currículomudou então amanhã já vai ser diferente. Não! A coisa é gradativa. Temos que nosfortalecer com as pequenas mudanças que acontecem, que daí tu tá vendo que antes nãoera assim e agora já é. Então já melhorou. Então não está sendo em vão”. (gestor B)

A credibilidade e a pertinência das ações são percebidas pelos participantes do programa deintegração ensino-serviço, que sentiam necessidade da mudança de práticas:

“Mas por muito tempo eu sonhei em ter estudantes que vissem o que acontece na realidade[...]. Normalmente ele não imagina aquilo ali, ele não sabe como se articula um serviço desaúde, como se trabalha em equipe, como se conhece a população, como se consegue fazeratenção básica para uma determinada região, ele não tem essa noção. Por mais que eleaprenda na Universidade o que é o SUS, ele vai ver a realidade lá no serviço”. (preceptor A)

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Uma das características desejáveis na formação é o desenvolvimento de capacidades para o trabalhomultiprofissional e interdisciplinar. Ferreira et al. (2006) destacam que a solidariedade deve estarpresente entre os atuantes na equipe, para que compartilhem saberes e práticas. No curso de graduaçãoem Odontologia analisado por este estudo, até o momento não foi possível organizar atividadesintercursos que estimulariam o trabalho interdisciplinar, devido à dificuldade em conciliar o horário dasdisciplinas e dos docentes e à capacidade física limitada de algumas unidades de saúde. Para reverteresse quadro, está sendo realizado um movimento através da Rede de Integração, onde oscoordenadores dos cursos de Enfermagem, Medicina, Odontologia e outros cinco cursos da área dasaúde discutem a possibilidade de se articularem momentos comuns de aprendizagem.

“Se tiver dentro duma Unidade só estudantes da Odontologia, é uma realidade, se vocêtiver uma equipe de saúde que envolve a Odonto, Medicina e quem sabe, futuramente,Fisioterapia, Nutrição, etc.; você possa fazer um trabalho conjunto das várias especialidadesem prol de um objetivo comum, em benefício da instituição, do aluno e da comunidade”.(preceptor A)

Segundo o Relatório do II Seminário Nacional do Pró-Saúde, o arranjo para o direcionamento deatividades multiprofissionais pode ser feito através de: alocação dos estudantes nos mesmos campos deestágio; desenvolvimento conjunto de atividades entre diferentes cursos da área da saúde; atividades deextensão e pesquisa; e interação em ambientes onde há Residência Multiprofissional em Saúde daFamília. Outro dispositivo é a criação de disciplinas ou módulos integradores como promotores deatuação coletiva.

A qualificação dos profissionais de saúde para o trabalho multiprofissional é um objetivo a seralcançado. As atividades práticas nas comunidades devem ser priorizadas entre os profissionais, para quea organização do trabalho em equipe reconheça a limitação de um único profissional para atender asnecessidades de saúde do indivíduo e da comunidade, em todos os níveis de atenção à saúde (Loch-Neckel et al., 2009).

Percebe-se o conflito entre o novo e o velho, a busca por novas maneiras de praticar, formar eproduzir conhecimento em saúde. A reforma traz questões que direcionam a construção de sujeitoscoletivos e ao êxito das ações em saúde (Feuerwerker, Sena, 2002). Compreende-se que o processo dereflexão de práticas é gradativo e moroso, visto o enraizamento das práticas vigentes. A morosidade dasmudanças acompanha o processo de reforma do setor saúde, induzidas pelo SUS e suportadas pormovimentos sociais e recursos financeiros (Araújo, Zilbovicius, 2008).

Práticas pedagógicas

Percebe-se a concordância dos participantes com a reflexão sobre as atividades, entretanto essaanuência não é unânime. Os interesses mercadológicos prevalecem nas falas de alguns estudantes. Estamesma conduta foi observada por Lemos e Fonseca (2009).

“Vai influenciar para pessoas que não conhecem a profissão. Meu pai é dentista também,entende? Eu acho que ele já tem uma carreira, já tem a clínica e eu vou usufruir disso. Masuma pessoa que não tem essa base vai... Hoje em dia o mercado está acirrado, muitosdentistas. Eu acredito que essas pessoas, por exemplo, muita gente da nossa sala, vai para opostinho, vão fazer PSF, essas coisas... Porque o mercado está difícil, tem que ser muito bompara ganhar clientela, essas coisas. Eu acho que a tendência é essa, o pessoal tentar procuraremprego no PSF, se encaixar no SUS”. (estudante C)

Existe a divisão de opiniões dos estudantes entre favoráveis e desfavoráveis à mudança. Aqueles queacreditam na mudança consideram a formação atual um diferencial de empregabilidade no futuro, e osdemais não consideram que a reestruturação curricular pode contribuir de alguma maneira na suaformação.

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“Eu sempre achei esse currículo novo a melhor opção. E se eu tivesse entrado no currículoantigo e tivesse vendo o currículo novo acontecer, eu iria voltar, assim como um monte degente já voltou, eu iria voltar, a despeito de me formar antes, entrar no mercado de trabalho.Eu tenho noção de que o meu currículo é muito melhor para o meu futuro”. (estudante D)

O grupo de docentes também se apresenta heterogêneo quanto à concordância com as mudançascurriculares.

“É porque são pessoas que se formaram há muito tempo, que sempre atuaram em clínicaprivada, que a perspectiva deles é o consultório privado. [...] Alguns desqualificam todo oesforço tanto da coordenação quanto dos outros profissionais que estão, mas eu acho que éisso, a gente precisa estar tensionando”. (docente A)

Alguns estudantes consideram as atividades nos cenários de prática a parte mais importante docurso, que aliadas à orientação teórica, oportunizam um olhar crítico ao Sistema, fundamentado naaprendizagem contextualizada.

“Então eu acho que com essas atividades a pessoa vê um outro jeito do SUS. Então ela temuma experiência ótima. Porque aí a gente saiu ótimo, vendo o SUS perfeito para trabalhar.Nós achávamos que o SUS era tudo largado... O que a gente viu foi uma coisa bemorganizada e isso vai nos ajudar bastante, não só pensando em atender no particular, comonos Postos de Saúde”. (estudante A)

O depoimento acima representa a visão dos estudantes sobre os serviços públicos, considerando-osde baixa qualidade e insuficientes. Tal percepção é relatada por Santa-Rosa et al. (2007), que realizaramgrupos focais e observaram a modificação dessa visão após as atividades de campo, assim comoobservado entre alguns estudantes envolvidos neste estudo. Os gestores e os trabalhadores dos serviçospúblicos percebem tal impressão no grupo de estudantes e docentes, gerando desconforto na relaçãoensino/serviço (preceptor/estudante/docente).

“E acho que ainda existe o problema do preconceito, esse é muito forte. De que existe umaOdontologia de consultório e uma Odontologia de serviço público. [...] Ele pode não serclaro, mas tu percebes que existe essa visão de que no serviço público é algo, vamos dizerassim, de menor qualidade. Então que se nós trabalharmos com nossos alunos para elesirem para as Unidades, que eles vão sair profissionais com menos qualidade, menosformados. É triste”. (gestor A)

No presente estudo, tanto os preceptores quanto os docentes encontram-se fragilizados enecessitam de formação para atuar de maneira mais resolutiva na nova lógica curricular. A relação entrepreceptores e docentes é percebida como a mais delicada entre os participantes do programa, e podeser fortalecida por meio de atividades conjuntas que estimulem o conhecimento um do outro, a trocade saberes e o compartilhamento de responsabilidades.

As dificuldades no processo fazem com que os preceptores sintam-se desestimulados com asatividades no ensino, e isso reflete no seu aproveitamento e participação. O grupo de docentestambém vivencia dificuldades em relação às atividades de campo, demonstrando resistência emacompanhar os estudantes nos cenários de prática e no aceite da proposta de mudança.

Na comunidade, os estudantes realizam atividades que dinamizam o trabalho da equipe de saúde,instigando atitudes crítico-reflexivas dos profissionais.

“Então existe uma riqueza bastante grande dessa presença dos alunos ali dentro da Unidadede Saúde e não só pela pesquisa, mas também as intercorrências trazem muitos benefíciospara eles, e para a gente. Querendo ou não, dá uma reflexão tanto do profissional que estáali dentro tanto dos alunos, porque entra em choque de informações e de realidade”.(preceptor C)

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Toassi (2008) observou que a resistência frente à implantação de um currículo modular foimanifestada principalmente por docentes, enquanto os estudantes se mostraram receptivos e avaliarampositivamente a mudança. No presente estudo foi observado que os docentes apresentam resistênciaem relação à modificação de suas práticas de ensino, e alguns estudantes não se sentem sensibilizadose inseridos na proposta, concordando com os achados de Schmidt (2008).

Historicamente, o professor de Odontologia é o profissional bem-sucedido, com disponibilidade parao ensino. As necessidades provenientes da atividade docente no contexto educacional atual demandam,além da formação técnica, a didático-pedagógica (González, Almeida, 2010). A formação do professor éum desafio para as instituições de Ensino Superior e depende da motivação pessoal e, sobretudo,institucional. Com a falta de motivação, os professores desenvolvem sua profissionalidade docente deforma empírica e intuitiva, baseados, especialmente, em experiências pessoais (Bazzo, 2007). Percebe-se a necessidade de formação dos docentes na dimensão didático-pedagógica. Sobretudo, os docentesdevem se dispor a atuar de forma diferente, ensinar e aprender de modo diferente, pois a condutainovadora no processo de ensino-aprendizagem requer a utilização de metodologias de ensino queestimulem a participação dos estudantes, como protagonistas do aprendizado, e posicionem os docentese preceptores como orientadores (Schmidt, 2008; Toassi, 2008; Moysés, 2004).

Um dos grandes acréscimos trazidos com a formação aliada ao serviço é o conhecimento dosserviços públicos de saúde como realmente estão estruturados (Moysés, 2004). Outro benefícioimportante proveniente das atividades de campo é o contato com a comunidade, que proporciona aoportunidade de percepção do indivíduo, inserido no meio social, possibilitando a formação humanizadaem saúde (Araújo, Zilbovicius, 2008).

O processo de corresponsabilização deve ser fortalecido. No serviço, facilitaria o envolvimento dospreceptores e buscaria o envolvimento dos gestores das unidades de saúde. No ensino, acorresponsabilização pelo serviço traz a possibilidade de potencializá-lo (Araújo, Zilbovicius, 2008;Morita, Haddad, 2008). Tais dificuldades também se encontram presentes no relatório do seminárionacional do Pró-Saúde, que sugere a formação técnica e pedagógica dos docentes (Brasil, 2008).

De acordo com González e Almeida (2010, p.760), “identificar a necessidade de mudança, buscarnovos conceituais e explorar práticas inovadoras” são elementos indispensáveis, mas não suficientespara superar o paradigma hegemônico instalado nas instituições de ensino. É preciso aproximação ecomprometimento de todos os participantes, fazendo com que as mudanças cheguem às salas de aula.

Observa-se que todas as categorias sinalizam aspectos ativadores e em construção do programa deintegração ensino-serviço. Para sintetizar e tornar mais clara a visualização dos resultados, foi elaboradoum esquema posicionando os dados em relação aos eixos temáticos (Quadro 2).

Quadro 2. Quadro-síntese dos resultados aliados aos eixos temáticos

EIXO ATIVADOR

Rede de integração universidade/serviço: trabalho intersetorial

Bom relacionamento entre gestores: articulação do processo

Novas práticas na dinâmica ensino/serviço

Formação dos estudantes

Inserção nos cenários de prática: aliam necessidades do ensino edo serviço

Planejamento conjunto das atividades

Receptividade dos participantes

Busca por equacionar falhas e dificuldades

Há certeza de objetivos: credibilidade e pertinência das ações

Metodologias de ensino-aprendizagem

EIXO EM CONSTRUÇÃO

Institucionalização da proposta

Definição de papéis dos participantes

Sobrecarga de atividades

Alta carga horária curricular

Deficiência na variabilidade dos cenários de prática

Heterogeneidade da relação docente/preceptor

Presença de grupos resistentes

Corresponsabilização do ensino e do serviço

Formação de docentes e preceptores

Atividades multiprofissionais intercursos

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Considerações finais

Com este estudo, foi possível compreender, a partir da percepção dos participantes, a integraçãoensino-serviço entre os serviços públicos de saúde e o curso de graduação em Odontologia, de umauniversidade localizada no sul do Brasil. A categoria parceria ensino-serviço destaca-se como eixoativador, enquanto os demais aspectos observados dividem-se entre o eixo ativador e em construção. Aintegração ensino-serviço é percebida como potencial estratégia colaboradora do processo de mudançade práticas na formação em saúde, apesar de haver grupos resistentes.

O processo de mudança de práticas se desenvolveu ativamente a partir da reestruturação curricular eda reforma do projeto político-pedagógico do curso. A integração ensino-serviço é um dos eixos quebuscam solidificar a proposta curricular, através de ações diversas na interface do ensino com o serviço.

A formalização da integração ensino-serviço, através da rede de integração, é uma potencialidadeque colabora com o diálogo entre as instituições, os gestores e os demais participantes do processopedagógico, fortalecendo a relação interinstitucional. As atividades de integração têm tido umaarticulação adequada entre as instituições, e as dificuldades fazem parte do processo de mudança e têmsido corrigidas conforme o progresso do curso, em diferentes momentos, após exaustivas avaliações ediscussões.

As atividades previstas dentro da nova dinâmica curricular demandam mais tempo e dedicação dosparticipantes. Os estudantes sentem-se limitados pela alta carga horária do curso para dedicarem-se aatividades extras, como projetos de extensão, pesquisa e estágios. Os preceptores sentem dificuldadeem aliar suas atividades regulares ao ensino, o que pode ser amenizado com a adesão de maisprofissionais. Já no caso dos docentes, para distribuição das atividades, está sendo realizada a ampliaçãodo quadro docente, por meio da contratação de professores efetivos e substitutos.

A sobrecarga dos espaços físicos do ensino e, sobretudo, do serviço tem sido amenizada com oinvestimento de recursos, advindos sobretudo do Pró-Saúde, na ampliação, equipamento e melhoria dosambientes utilizados pelos estudantes.

Os cenários de prática estão concentrados na atenção básica e inserem os estudantes nas unidadesde saúde. Observou-se a necessidade de inclusão de maior variedade de cenários de prática nosperíodos iniciais do curso, pois é importante que os estudantes percebam, desde o início, aaplicabilidade dos princípios da integralidade.

Também são necessárias atividades motivadoras de enfrentamento de problemas em saúde pelosestudantes. Atualmente, as atividades nos cenários de prática focam o diagnóstico, o reconhecimentoda comunidade e suas características. Espera-se, com o decorrer do curso, desenvolver atividades quemotivem os estudantes ao enfrentamento de problemas e situações adversas em saúde, para odesenvolvimento de características de autonomia profissional.

A formação dos estudantes se percebe diferenciada em relação às disciplinas de caráter social, aocontato com a comunidade e ao conhecimento do Sistema Único de Saúde. Tais direcionamentos sãoadequados frente ao previsto pelo Ministério da Saúde e da Educação (Brasil, 2009).

Evidenciam-se as novas abordagens de ensino-aprendizagem, como a utilização de metodologiasque estimulam a participação ativa dos estudantes e propõem uma avaliação processual frente àproposta de ensino.

A receptividade dos participantes frente à proposta se mostrou heterogênea; alguns são muitofavoráveis, no entanto, existe a presença de grupos resistentes, especialmente entre os docentes. Adissolução desses posicionamentos poderia ser realizada através da divulgação do projeto e do contextoem que está envolvido (parte de um movimento nacional e mundial) para todos os participantes. Dessamaneira facilitaria a conscientização da dimensão dos acontecimentos e da necessidade iminente daparticipação.

Os docentes precisam ser capacitados para atuação fora da universidade, para o acompanhamentodas atividades dos estudantes nos cenários de prática. Os preceptores precisam de formação didático-pedagógica para interação adequada com os estudantes nos serviços públicos de saúde.

De modo geral, observou-se que todas as dificuldades identificadas pelo estudo têm sidoenfrentadas. Apesar das resistências e fragilidades, a perspectiva futura é positiva. Como caminhos a

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seguir, visualizam-se: a necessidade de capilarizar o projeto através da divulgação, desenvolverambientes de diálogo entre os participantes, para que compartilhem conquistas e dificuldades; eoferecer atividades de formação.

Para acompanhamento e avaliação totalizadora do curso, recomenda-se a realização de estudosemelhante quando as atividades curriculares inovadoras contemplarem todos os semestres. Os novosestudos podem incluir os gestores das unidades de saúde e a comunidade nas entrevistas, visto que estafoi uma limitação do presente estudo.

A integração ensino-serviço mostra-se fundamental para a operacionalização do atual projeto políticopedagógico do curso de Odontologia envolvido neste estudo.

Dentre as soluções para os problemas encontrados na relação entre as instituições estudadas,destaca-se a longitudinalidade das ações. A continuidade e conclusão do projeto de reforma curricularem curso contribuirão para a consolidação dos espaços de diálogo construídos e para uma maiorintegração entre os envolvidos durante o planejamento, realização e avaliação das atividadespedagógico-assistenciais.

Colaboradores

Ana Luiza de Souza realizou a pesquisa do referencial teórico, a coleta e análise dosdados; elaborou o relatório da pesquisa e o artigo. Daniela Lemos Carcereri participoucomo orientadora durante todas as fases da pesquisa e da elaboração do manuscrito.

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SOUZA, A.L.; CARCERERI, D.L. Estudio cualitativo de la integración docencia-servicio enun curso de graduación de Odontología. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15,n.39, p.1071-84, out./dez. 2011.

Este estudio cualitativo ha investigado, mediante entrevistas individuales y grupales, laintegración docencia-servicio entre una universidad pública en el sur de Brasil y losservicios públicos de salud. Los datos fueron analizados mediante el análisis decontenido, y los resultados mostraron dos ejes temáticos principales y cuatro categorías:el eje temático activador agrupa aspectos desarrollados en el programa y el eje enconstrucción revela las dificultades observadas. Las categorías identificadas han sido:asociación docencia-servicio: estructura curricular; cambio de paradigma y prácticaspedagógicas. Se concluyó que los participantes entienden la integración docencia-servicio como potencial estrategia colaboradora para el cambio de prácticas eneducación en salud, aunque hay grupos resistentes. El proceso de cambio de prácticas seha desarrollado activamente después de la reestructuración curricular. La integracióndocencia-servicio es uno de los ejes que tiene por objeto consolidar el plan de estudios através de diversas acciones en la articulación de la enseñanza con el servicio.

Palabras clave: Servicios de integración docente-asistencial. Enseñanza de Odontología.Recursos humanos en Odontología.

Recebido em 06/07/10. Aprovado em 09/01/11.

Sociologia das profissões e percepção de acadêmicosde Odontologia sobre o Agente Comunitário de Saúdeem Saúde Bucal

Rodrigo Otávio Moretti-Pires1

Levi Abraão Marinho Lima2

Maria Helena Machado3

MORETTI-PIRES, R.O.; LIMA, L.A.M.; MACHADO, M.H. Sociology of professions andDentistry academics’ perception about the Community Health Agent in Oral Health.Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39, p.1085-95, out./dez. 2011.

Professional action in the Family HealthProgram requires that dentists have anattitude that breaks with traditionalclinical practices, such as the articulationwith the Agente Comunitário de Saúde(Community Health Agent – ACS) in thiscontext of teamwork. These questionsrefer to the field of Sociology of HealthProfessions. This article investigates theperception of Dentistry academics aboutthe ACS performance in oral health work.Concerning the methodology, we used40 interviews with Dentistry academicsfrom a federal university, and theinterviews were treated by ahermeneutical-dialectical process. Theresults point to lack of training inmultiprofessional teamwork, difficulties inworking in Public Health, and also lack ofknowledge about the tasks of the FamilyHealth Team members, in particular aboutthe ACS’s tasks within Oral Health.

Keywords: Medical sociology. Dentalstudents. Family Health. Healthmanpower. Oral Health.

A atuação profissional no Programa deSaúde da Família exige dos odontólogosuma postura que rompa com práticasclínicas tradicionais, a exemplo daarticulação com o ACS neste contexto detrabalho em equipe. Estas questõesremetem ao campo da sociologia dasprofissões de saúde. O presente artigoobjetiva investigar a percepção deacadêmicos de Odontologia sobre aatuação dos ACS junto ao trabalho deSaúde Bucal. Em termos metodológicos,foram utilizadas quarenta entrevistas comacadêmicos de Odontologia de umauniversidade federal, tratadas por umprocesso hermenêutico-dialético. Osresultados apontam para a falta deformação no trabalho em equipemultiprofissional, a existência dedificuldades para atuação em SaúdeColetiva, assim como para a deficiênciano conhecimento das atribuições dosmembros da equipe de Saúde da Família,em especial sobre as atribuições dos ACSjunto à Saúde Bucal.

Palavras-chave: Sociologia médica.Estudantes de Odontologia. Saúde daFamília. Recursos humanos em saúde.Saúde bucal.

1 Programa de Pós-Graduação em Saúde

Coletiva, Departamentode Saúde Pública, Centro

de Ciências da Saúde,Universidade Federal deSanta Catarina. CampusUniversitário, Trindade,Florianópolis, SC, Brasil.

[email protected] Universidade Federal do

Amazonas.3 Escola Nacional de

Saúde Pública.

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Introdução

A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988 foi um marco inicial e histórico de profundasmudanças no setor da saúde, desencadeando uma reorganização do sistema e de diversos mecanismos,procurando sua implementação de fato no arcabouço dos princípios ideológicos da Universalidade,Equidade e Integralidade.

Na década de 1990, a necessidade de transformação levou à reformulação da atenção primária,processo que estabeleceu o Programa de Saúde da Família (PSF) como estratégia para a consolidação dosistema dentro dos referidos princípios fundamentais.

O PSF traduz avanços no modelo de atenção pela priorização da atenção primária frente à atençãohospitalar ou ao nível especializado. Em termos de processo de trabalho, formaliza, dentro do SUS, amudança da prioridade na doença e no indivíduo para o foco na saúde e na coletividade - maisparticularmente, na família, de forma integral e contínua (Brasil, 2006).

Neste modelo há um caráter diferenciado no processo de trabalho, constituído por equipemultidisciplinar, com ações intersetoriais e participação da população, o que exige novas formas deatuação e postura dos profissionais de saúde inseridos, incluindo os odontólogos (Baldani et al., 2005).Neste ínterim, preconiza-se romper com as práticas tradicionais na assistência, voltadas para processosbiológicos, redirecionando o enfoque para o processo de determinação social da saúde (Rabello,Cotbino, 2001). A configuração do trabalho no PSF oferece condições legais para atuaçãomultidisciplinar, capaz de estabelecer conexões entre os conhecimentos de uma profissão e os de outra,com a finalidade de atuação em novas práticas sem excluir a identidade de cada um (Baldani et al.,2005; Moysés, Silveira Filho, 2002; Rabello, Cotbino, 2001).

A pesquisa nacional de amostras por domicílio revelou graves deficiências em termos de Saúde Bucalna população brasileira (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2000), resultando na inclusão daOdontologia entre a equipe mínima do PSF em dezembro de 2000. Em teoria, a inserção da SaúdeBucal no modelo possibilitaria romper com a exclusão não apenas de acesso aos serviços desta natureza,mas também pela lógica do cuidado integral que foge ao curativismo, tecnicismo e biologicismo (Souza,Roncalli, 2007; Calado, 2002).

Mesmo anteriormente à inclusão da Saúde Bucal no PSF, há registros de experiências bem-sucedidasde incorporação do odontólogo no PSF, o que corrobora a importância deste profissional para a saúdeintegral. No intervalo de dez anos da incorporação (2001-2010), o número de equipes de Saúde Bucalaumentou de 2.248 para 20.103 em todo o país, demonstrando a importância do incentivo do Estadopara a consecução da Odontologia neste novo modelo (Brasil, 2010).

Moysés, Moysés e Krüger (2008) defendem que existem problemas críticos para o plenodesenvolvimento do PSF em termos da inserção da Saúde Bucal em seu escopo, sobretudo em relação àdeficiência deste modelo em termos práticos, de consonância com seus princípios norteadores, e à faltade qualificação dos odontólogos para o modelo, já que sua formação pauta-se no modelo biomédico.

A inserção do odontólogo no processo de trabalho em Saúde da Família gerou discussões sobre aformação dos profissionais de saúde frente às demandas deste modelo de atenção. A necessidade de seformar um profissional que cuide da Saúde Bucal de acordo com os princípios da Saúde da Famíliamostrou-se premente, de forma que os Ministérios da Saúde e da Educação têm discutido novasorientações para os currículos de graduação. Essa realidade não se aplica apenas à Odontologia, mas ademais áreas da saúde, em especial a Enfermagem e a Medicina, as três profissões de nível superiorque se inserem no PSF atualmente (Moretti-Pires, 2008).

Em particular, um tema imbricado neste contexto é atuação do Agente Comunitário de Saúde (ACS),que exerce funções de grande importância ao estar implicado no contato permanente da equipe com apopulação e no vínculo com os usuários, sendo, muitas vezes, membros da própria comunidade. Apesarda não-exigência de formação técnica específica, suas principais funções referem-se à identificação deproblemas e distúrbios de saúde na população, havendo necessidade de conhecimentos básicos desaúde, articulando o conhecimento geral com saberes específicos de cada área, entre elas a Saúde Bucal(Brasil, 2006).

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Paralelamente, a atuação do ACS diz respeito, também, ao seu papel como educador para a saúde,fortalecendo a capacidade da própria população de enfrentar os problemas de saúde, em um genuínoprocesso de empoderamento, uma vez que seu processo de trabalho o leva a estar na interface entrecomunidade e equipe de saúde (Silva, Trad, 2005; Silva, 2001; Gonzaga, Müller-Neto, 2000).

No entanto, é exíguo o debate sobre o envolvimento do ACS e a equipe de Saúde Bucal (Levy,Matos, Tomita, 2004; Nunes et al., 2002), tema que incide diretamente na efetivação do PSF enquantomodelo de atuação de equipes multiprofissionais de fato (Moretti-Pires, 2008).

Este contexto tem especial interesse para o campo da Sociologia das Profissões de Saúde.Investigações que se refiram às articulações das profissões/ocupações no locus privilegiado da Saúde daFamília ainda são exíguas na literatura científica.

Guimarães e Rego (2005) apresentam que o trabalho em equipe é complexo e apresentaconsequências importantes para as corporações profissionais da saúde, que se constituem como tal porpossuírem características, historicidades e processos de trabalhos que as distinguem das demais. Atemática pode tornar-se acirrada e tensa entre as diversas corporações, a exemplo do episódio daregulação do ato médico, no início do século XXI (Pucca, 2006; Guimarães, Rego, 2005; Machado,2000).

Freidson (1994, 1970) afirma que os saberes profissionais e suas especificidades referem-se àautonomia profissional, questão central para o entendimento sociológico das profissões. A existência deconhecimentos próprios à profissão remete ao trabalho especializado e à base epistemológica própria,institucionalmente consagrada. Paralelamente, o PSF exige, no trabalho em equipe, o exercício dossaberes e práticas compartilhadas, com vistas às necessidades do usuário de maneira integral, além dasespecialidades clínicas.

A atuação em equipe multiprofissional nos moldes do PSF prescreve a articulação entre todas asprofissões, criando uma zona comum de troca de conhecimentos, de certa forma na contramão doesoterismo corporativo, termo que descreve a característica do saber exclusivo de cada profissão paraFreidson (1970).

Uma vez que os acadêmicos de Odontologia se tornarão os futuros odontólogos, e que estes, pelainserção da categoria no PSF, terão sua atuação na estratégia com seus limites e competênciasprofissionais aplicadas junto às demais profissões/ocupações, o presente trabalho teve por objetivoinvestigar a percepção dos acadêmicos de Odontologia sobre o papel do ACS frente à atuação emSaúde Bucal, assim como levantar o que é considerado e o que não é considerado como açãoprivilegiada dos odontólogos no âmbito deste modelo de atenção.

Percurso metodológico

O presente estudo teve uma abordagem qualitativa, justificando-se que esta permite levantar apercepção e compreensão dos problemas a partir dos próprios sujeitos que os vivenciam (Leopardi,2002), permitindo a obtenção de informações sobre aspectos específicos de um fenômeno, no que serefere a sua origem e sua razão de ser (Haguette, 2001). Seu maior ganho é, exatamente, a capacidadede incorporar significado e intenção aos atos, às relações e às estruturas sociais, sendo essas últimastomadas, tanto no seu advento como na sua transformação, como construções humanas significativas(Minayo, 2000). Trata-se de uma metodologia que abarca aspectos da realidade que escapam a simplesquantificação e extrapolações, características da ciência positivista (Crotty, 2003). As pesquisasqualitativas indicam a procura essencial pela natureza dos fatos (Berg, 2004).

Com relação ao recrutamento dos sujeitos, após aula regular do curso, o pesquisador explicou oprojeto aos acadêmicos do último período, convidando-os a tomarem parte do estudo. Foramentrevistados quarenta acadêmicos de Odontologia, de ambos os sexos, e de uma Instituição de EnsinoSuperior do Estado do Amazonas, todos do último ano do curso investigado, de um total de 42universitários.

Em termos instrumentais, utilizou-se a técnica de entrevista individual com roteiro semiestruturado(Minayo, 2000), com questões que versavam sobre a importância e qualificação dos ACS para atuação

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em Saúde Bucal no PSF, o que estes profissionais deveriam saber, e quais as funções dos ACS para coma população adscrita.

Foram critérios de inclusão dos sujeitos: ser discente da Universidade Federal do Amazonas; cursarOdontologia; estar cursando o último período no ano de 2008; cursar todo o curso na mesma turma queos outros sujeitos; não ter cursado outro curso de graduação anteriormente. A inadequação a qualquerdos critérios foi considerada como único critério de exclusão.

Todas as discussões foram registradas por meio de gravação com fita magnética. Todas as gravaçõesforam transcritas na íntegra — material sob o qual se realizou leitura exaustiva para apropriação doconteúdo, seguindo o modelo para tratamento, redução e análise, conforme preconizado pela literatura(Campos, Rodrigues, Moretti-Pires, 2011; Minayo, 2000). A análise pautou-se na hermenêuticadialética (Minayo, 2002), perspectiva adotada pela reflexão que se funda na práxis, na busca pelacompreensão atrelada à análise crítica da realidade, processualmente seguindo as etapas deconfrontação, convergências e divergências das categorias (Campos, Rodrigues, Moretti-Pires, 2011),registrando a interpretação/dialética e legitimação de falas nos resultados, assim como preconizado notalhe metodológico empregado.

A análise pautou-se no conteúdo da Política Nacional de Atenção Básica (Brasil, 2006), quenormatiza o funcionamento do PSF e atribuições profissionais, nas Diretrizes da Política Nacional deSaúde Bucal (Brasil, 2004); em literatura especializada em Saúde Coletiva (Moretti-Pires et al., 2007;Baldani et al., 2005; Lima, Moura, 2005; Levy, Matos, Tomita, 2004; Calado, 2002); e nos pressupostosda Sociologia das Profissões (Machado, 2000; Machado, 1995; Freidson, 1994; 1970), utilizando-se umaperspectiva hermenêutico-dialética (Minayo, 2002).

O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos daUniversidade Federal do Amazonas (CEP/UFAM), obedecendo todos os procedimentos preconizados nalegislação brasileira sobre pesquisa com seres humanos.

Resultados

Os acadêmicos entrevistados, de uma maneira geral, apresentaram certa noção básica do que é (ou oque deveria ser) um ACS, em perspectiva consonante com as diretrizes do PSF. Atribuem ao ACS aresponsabilidade pela atenção primária da população assistida. No que concerne especificamente à SaúdeBucal, os ACS têm atuação frente aos cuidados da higiene oral, técnicas adequadas de escovação,prevenção e diagnósticos de problemas simples, além do papel de educador para saúde bucal.

“O ACS deve saber sobre higiene bocal, hábitos alimentares saudáveis para a dentição,fatores que influencie no processo da cárie, [...] Instrução de higiene oral, orientação...,técnicas de escovação e higiene, para instruir as pessoas que são visitadas”. (entrevistado 22)

“O AC deve primeiramente saber ensinar a seus pacientes, técnicas adequadas de uma boahigiene bucal. Deve saber passar para as pessoas como deve ser usado o fio-dental, comodeve ser feita a limpeza bucal, quais os produtos devem ser utilizados”. (entrevistado 13)

A concepção de que o ACS tem importância emergiu. No entanto, para estes futuros odontólogos,aqueles que atualmente desempenham a função não estão devidamente capacitados para exerceremações em Saúde Bucal, justificando tal percepção pela falta de orientação quanto à problemática, faltade recursos e falta de disponibilidade de tempo para este exercício.

“Os ACS devem ser qualificados para desempenharem a função. Com certeza deveriamsaber muito mais coisas do que já sabem. É muito complicado o PSF funcionar com agentesignorantes, pois eles não conseguem passar para o restante da equipe o que realmenteocorre na comunidade”. (entrevistado 03)

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“Não poderiam ter uma maior efetividade, pela pouca disponibilidade de material e tempo”.(entrevistado 37)

“Deveria saber quais cuidados tomar, com a finalidade de todos terem saúde bucal e nãoterem cáries. Eles não estão preparados para isso”. (entrevistado 01)

Para parte dos entrevistados, os ACS deveriam ter melhor qualificação para o trabalho, no sentido deque fossem capazes de realizar funções que não se constituem pertinentes legalmente aos ACS, com ajustificativa de diminuição das filas nos hospitais, melhor atendimento aos pacientes e auxílio aosodontólogos. Estas afirmações mostram indício da falta de formação destes futuros odontólogos para aSaúde da Família, uma vez que desconhecer a importância de cada profissional em sua especificidade,de maneira articulada com as demais profissões, torna-se uma questão grave quando se pensa nainserção destes futuros profissionais no PSF.

“O ACS deve saber tudo, conhecimento nunca é demais. Deveriam fazer exames maiscomplexos, com mais dedicação aos estudos científicos”. (entrevistado 07)

“Precisam ter noção sobre Lesões orais, com relações sistêmicas, noções de lesões pré-cancerigenas, técnicas de escovação, noções de cronologia eruptiva dental”. (entrevistado 19)

“Deveriam saber fazer um tratamento demasiadamente sofisticado como: canal,clareamento, ou limpezas muito elaboradas [...]. Porém não podem por falta de tempo erecurso, para que eles também aprendam”. (entrevistado 21)

“Acho que o ACS deveria ter pelo menos curso superior, ou entender sobre saúde”.(entrevistado 22)

Parte dos estudantes aponta que a dificuldade dos ACS em exercer corretamente suas funções estárelacionada à falta de conhecimento sobre as diretrizes do PSF. No entanto, não apontam como ou quaisseriam os tópicos a serem abordados para uma capacitação desta natureza.

“Deveria saber primeiramente a importância do PSF, as metas deste programa e o papel doACS”. (entrevistado 10)

“Devem saber relacionar a Odontologia com outras áreas da saúde para que realmente oPSF funcione”. (entrevistado 33)

Os acadêmicos revelam falta de conhecimento apropriado sobre os princípios e processo de trabalhono PSF, em termos específicos da Odontologia, e os saberes e práticas a compartilhar com os demaisprofissionais, entre eles o ACS. Tal situação pode ser associada à grande carga de conhecimentostécnicos específicos da formação profissional, altamente biologicista. Ao debater o tema ‘saúde’, osfuturos odontólogos apresentam dificuldades em analisar as outras categorias profissionais em paralelo àssuas funções, o que denuncia, no mínimo, falta de informação e vivência multiprofissional e junto aoprocesso de trabalho em Saúde da Família.

Em um talhe oriundo de modelo de ação odontológica, que segmenta prevenção e cura, osentrevistados responderam que a atuação dos ACS junto à Saúde Bucal se refere às ações preventivas eeducativas, não só com visitas domiciliares, mas também em palestras e acompanhamento/detecção deproblemas bucais com imediato encaminhamento a unidade de Saúde da Família, para os cuidados pelosodontólogos. Há total desconsideração sobre a possibilidade de trabalho conjunto, ou que extrapole olimite de protocolos, ou, mesmo, da Educação para a Saúde como ações de cunho diferente depalestras. O ACS não é percebido como um profissional a serviço do empoderamento, sendo aludidocomo um recurso humano a serviço da vigilância em saúde, mas não da promoção em saúde.

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“O ACS tem que saber fazer prevenção e curativos, e saber encaminhar casos mais gravespara centros especializados”. (entrevistado 03)

“Ele deve prevenir o aparecimento e o aumento do numero de cáries na população”.(entrevistado 09)

“Trabalhar na prevenção e informação da população sobre a prevenção da placa bacteriana eprevenção de doenças”. (entrevistado 19)

“Ele deve levar panfletos sobre o controle de câncer bucal e poderia se instruído por um cd alevar informações e ensinar os pacientes a fazer curto exame. Se constatar alguma alteraçãotecidual, procurar um dentista com ajuda do agente”. (entrevistado 40)

Discussão

Com a criação e implementação do PSF no Brasil, houve mudança significativa na necessidade deprofissionais preparados para o trabalho no novo talhe da Atenção Primária, desencadeando a discussãosobre mudanças na constituição das equipes de saúde, incluindo profissões tradicionalmente liberaiscomo a Odontologia. Estas discussões não se referiram apenas a este aspecto de interesse ao sistemade saúde, mas também ao anseio das corporações por novos postos, uma vez que existem alterações nomundo do capital como um todo neste período, que afetaram diretamente o locus privilegiado deatuação profissional (Guimarães, 2005), em particular no mundo do trabalho dos odontólogos (Moretti-Pires, 2005).

Em uma aproximação da história da Odontologia com a Medicina no Brasil, fica claro que a oferta deserviços médicos ao sistema público diferiu significativamente quando comparado à inserção daOdontologia, na medida em que esta procura o setor público quando a remuneração oriunda dosconsultórios particulares não é mais satisfatória. Tal fato é creditado à crise do mercado de trabalho daOdontologia a partir da década de 1980 (Moretti-Pires, 2005).

Diferente da categoria médica, em que existe prestação de serviços particulares conveniados juntoao SUS pelo princípio da complementaridade do setor privado, a categoria dos odontólogos tem a vendade seus serviços exclusivamente de forma assalariada (Souza, Roncalli, 2007).

As crescentes dificuldades de um mercado de trabalho imerso no processo de reestruturaçãoprodutiva do capital, acrescidas à remuneração garantida pelo trabalho no serviço público, além da não-dependência do pagamento dos pacientes, fazem do setor uma oportunidade ansiada pelas categoriasnão médicas de saúde, que batalham pela sua inserção no trabalho de Saúde da Família.

De maneira diferente de outras corporações profissionais — como os fisioterapeutas, osnutricionistas, os assistentes sociais — a inserção do odontólogo no PSF foi vitoriosa, fundamentada nasnecessidades da população com relação à Saúde Bucal (Pucca, 2006), através do já referidolevantamento epidemiológico nacional que denunciou a demanda por ações curativas odontológicaspara a maioria dos brasileiros.

Uma vez que a proposta do PSF se pauta não apenas na ação curativa, mas sim em uma visãoampliada de Saúde, rapidamente questionou-se a formação do odontólogo, na medida em que sedistancia desta perspectiva. A promoção de saúde é um dos baluartes que sustentam este modelo deatenção, sendo que o odontólogo é formado para a prática clínica em consultório particular, para otrabalho individual sobre o paciente, perfil dicotômico ao trabalho em PSF (Moretti-Pires, 2008, 2005).

Os odontólogos buscam inserção em Saúde da Família como forma de resistência às mudanças nomundo do trabalho e à perda das características liberais da profissão, mesmo sem a capacitação para otrabalho em equipe de saúde e a articulação com outros setores. Vale ressaltar que os acadêmicosinvestigados cursam faculdade que segue formalmente as Diretrizes Nacionais Curriculares para osCursos de Odontologia, que orientam a formação do odontólogo para o trabalho no SUS (Moretti-Pires,2008).

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Guimarães e Rego (2005) defendem que, para efetividade do trabalho multiprofissional, faz-senecessária a reavaliação dos saberes e competências específicas de cada formação, preservando limitese respeitando a divisão do trabalho, mas não desconsiderando a necessidade de ações em comum,remetendo a questionamentos, tais como: quais competências diferenciam-se entre as tradicionais e asda Saúde da Família? Para quais profissões/ocupações?

No caso específico do presente trabalho, a inserção da Odontologia no PSF já é uma realidadeconcreta, inclusive com debates na literatura sobre a adequação, entre o ensino universitário, em formarpara o SUS/PSF (Ciffo, Ribeiro, 2008). No entanto, o mesmo não pode ser afirmado com relação aosestudos sobre profissionalização e outras temáticas próprias da Sociologia das Profissões.

Na medida em que o monopólio de saberes, como exposto, é um requisito para a profissionalização,transmitida de quem a possui para os futuros pares, debate-se: na proposta da ação profissional emSaúde da Família, a equipe multiprofissional fere o princípio dos monopólios específicos de cadaprofissão?

Ao se questionar qual o papel do ACS frente à Saúde Bucal, os futuros profissionais transitaram entreuma perspectiva de desconhecimento do que esta ocupação poderia desempenhar até um clarodesconhecimento sobre os limites profissionais da atividade da Odontologia, uma vez que diversas dasatividades atribuídas aos ACS são próprias da identidade profissional do odontólogo.

Pereira e Pereira Neto (2003) reafirmam a perspectiva de que uma das etapas da profissionalizaçãorepousa no valor social de determinada profissão. Uma abordagem muito adequada para o modelo deatuação em Saúde da Família, vez que fulgura, entre suas diretrizes, o imergir da equipe na realidadeem que a população encontra-se. A equipe tem ampla possibilidade de mostrar e firmar seu valor socialpara a população.

Mas em que estes princípios referem-se ao processo de construção profissional na academia? Emque medida o odontólogo, objeto do presente estudo, aprende estas competências que seriam detodos os que atuam em Saúde da Família e não apenas dele? Esta dimensão deve fazer parte daformação do odontólogo? Mas, profissionalizar não é legar um conhecimento específico e de monopóliocorporativo?

As sociedades atuais desenvolveram o pensamento de que o profissional não é apenas um indivíduocapaz de resolver problemas concretos relacionados aos problemas do cotidiano da população, mastambém um indivíduo detentor de conhecimento que lhe proporciona um poder deautorregulamentação, considerado uma das maiores ambições das profissões atuais, proporcionando, àprofissão, a capacidade de delimitar os próprios limites de atuação (Souza, Roncalli, 2007).

No caso específico do modelo de Saúde da Família, o interesse do Estado e da sociedade supera ointeresse específico das corporações. Há indícios de que os cursos universitários não conseguiram, até opresente, adequação a esta realidade, preservando o talhe tradicional. Ao mesmo tempo, há constantesiniciativas do Estado para a migração da formação que prima pela especialidade para outra que se tornefortemente pautada na generalidade, a exemplo do Pró-Saúde (Brasil, 2005).

Reafirma-se que o debate contemporâneo sobre as profissões de saúde e sua articulação no SUS nãose refere apenas a mudanças internas nas universidades e nos modelos pedagógicos. Antes, diz respeitoao processo de formação e desenvolvimento da divisão social do trabalho em saúde que,historicamente, consolidou-se na especialização e monopólio do saber.

Para Machado (1995), os conhecimentos ímpares e a existência de trabalho próprio que não pode serdesempenhado por mais nenhum outro tornam a Medicina e a Odontologia profissões em termossociológicos, havendo clientela específica para sua negociação profissional. As características do SUS vãoà contramão do trabalho em saúde especializado, primando pela promoção de saúde conduzida porgeneralistas. Generalistas em equipes multiprofissionais que foquem na Saúde da Família e no entornosociocultural dos pacientes, exigindo uma formação e profissionalização diferenciada da tradicional,conforme Moretti-Pires (2008).

No que concerne ao presente estudo, os entrevistados dão a impressão de fundamentarem suasrespostas a partir da experiência do dia a dia como usuário do sistema de saúde, a despeito dasdisciplinas relativas à saúde pública. Ao se referirem ao trabalho neste setor, a maior preocupação dizrespeito à orientação sobre saúde bucal para a população, como medida de ação junto à coletividade,

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1092 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1085-95, out./dez. 2011

também revelando silêncio sobre outras formas de atuação. Esta falta de perspectiva sobre possibilidadesde atuação não tradicional segue paralela ao conceito de que os ACS deveriam ter noções deprocedimentos odontológicos mais complexos, o que vai ao encontro de um paradoxo: na compreensãodestes futuros odontólogos, quais os limites da atuação multiprofissional em termos operacionais? Atéque momento ou em que o odontólogo e o ACS compartilham o mesmo objeto no processo detrabalho? As especificidades do trabalho odontológico, assim como a articulação que será exigida emPSF e no SUS, foram discutidas com estes acadêmicos no processo de formação profissional? Quais sãoas especificidades processuais e tradicionais de cada categoria profissional que devem ser respeitadasnesta nova forma de organização do trabalho?

Na medida em que os ACS são trabalhadores selecionados a partir do capital social que dispõem,facilitam a interface entre os demais profissionais de Saúde da Família e a sociedade em que seinserem. A capacitação destes profissionais, portanto, é de suma importância para se atingirem osobjetivos do programa, que parte de uma lógica de planejamento embasado na realidade dos quevivem os problemas de saúde, incluindo, nestes, os pertinentes à Saúde Bucal (Lima, Moura, 2005).

Apesar de os depoimentos revelarem este conteúdo, não operacionalizam quais seriam os saberes eas práticas gerais, o que também não está claro nos documentos oficiais utilizados como fundamento daanálise dos resultados (Brasil, 2006, 2004).

Há evidencias empíricas de que a capacitação dos profissionais do PSF para o trabalho em conjuntoem saúde bucal é deficiente, inclusive com problemas quanto ao envolvimento das comunidades e àavaliação da efetividade/eficácia de ações de saúde bucal realizadas (Moretti-Pires et al., 2007). Aindase preserva o enfoque tradicionalista e segmentário. Levantam-se outras questões: qual é o corpo deconhecimento multiprofissional? Qual é o corpo de conhecimentos da equipe de PSF além dasobreposição de conhecimentos específicos das corporações?

Em especial para a Odontologia, o PSF tem se tornado uma importante instância da inserção doodontólogo recém-formado no mercado do trabalho. Paralelamente, a expansão do número deodontólogos na atenção primária está calcada, na perspectiva do programa, como importante estratégiade reorientação assistencial, não apenas na expansão quantitativa de serviços, mas qualitativa em termosde transformar o SUS, de fato, em profunda coerência com seus princípios norteadores.

O presente estudo limitou-se a investigar a percepção dos acadêmicos de Odontologia sobrequestões eminentes da Sociologia das Profissões no âmbito da prática profissional em Saúde da Família,dada sua característica que incide no paradoxo entre a formação profissional em saberes privilegiados àcorporação odontológica e a atuação em equipe multiprofissional, tomando a articulação do odontólogocom o ACS como emblema de análise.

Há que se ressaltar a necessidade de estudos pela perspectiva sociológica empregada, que abordemalguns limites do presente trabalho, tais como: a diferença entre os achados e a articulação daOdontologia no PSF na percepção dos ACS, assim como dos próprios odontólogos que atuam nomodelo de atenção. Outra limitação que incita a investigação posterior é a importância da Saúde Públicanos cursos de Odontologia – responsáveis pela profissionalização; da mesma forma que a motivaçãopara o trabalho em Saúde da Família.

Considerações finais

Os dados empíricos reafirmam o debate na literatura científica sobre a necessidade de se criaremmecanismos de capacitação permanente às equipes de Saúde da Família. Tal capacitação deverá estararticulada desde o ensino de graduação, uma vez que, neste espaço, se desenvolvem as competênciasespecíficas que mediarão futuras ações dos profissionais de saúde.

Por outro lado, odontólogos e os ACS estão próximos dentro das equipes de PSF. Próximosfisicamente. Próximos em termos de objetivos comuns frente às demandas populacionais. Próximos emtermos de possibilidades de atuação. No entanto, distantes na prática diuturna, um impulso que originoua presente investigação. Os dados empíricos do presente estudo evidenciam a ausência de instrumentoscurriculares que permitam que vivenciem esta proximidade de áreas, não apenas em vistas à questão de

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efetivar o trabalho em equipe como um fato, mas também pela necessidade em termos de saúde bucalque as populações apresentam. A capacitação dos ACS nesta área, mesmo na forma de orientaçãoteórica, como no preparo para a identificação de problemas que necessitem intervenção odontológica, éum encaminhamento necessário para o verdadeiro entrosamento entre esta categoria e as categoriasodontológicas, sejam estas odontólogos, técnicos de saúde bucal ou atendentes de saúde bucal.

No entanto, o debate deve caminhar, também, para a questão das competências e dos limites decada profissão/ocupação em Saúde da Família, para a existência do objeto e processo de trabalho queefetive a Equipe enquanto tal, não apenas como a ação conjunta de diversas corporações no mesmopaciente.

O presente trabalho traz considerações sobre a problemática no contexto do ensino odontológico.Fica a necessidade de investigação junto aos próprios ACS, assim como junto às demais categoriasodontológicas, havendo lacunas a serem investigadas por outros trabalhos na temática à luz daSociologia das Profissões.

Colaboradores

Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito.

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La actuación profesional en el Programa de Salud Familiar exige a los dentistas unaactitud capaz de romper con las prácticas tradicionales de clínicos, tales como laarticulación dentro de la ACS en este contexto de trabajo en equipo. Estas cuestiones serefieren a la sociología de las profesiones de salud. En este artículo se investiga lapercepción de académicos de Odontología sobre el desempeño de los ACS en eltrabajo de salud oral. En términos metodológicos, se utilizaron 40 entrevistas conacadémicos de Odontología de una universidad federal, tratadas por un procesohermenéutico-dialéctico. Los resultados apuntan a la falta de formación en el trabajoen equipo multiprofesional, las dificultades en el rendimiento de la Salud Colectiva,tales como la deficiencia de los conocimientos sobre las atribuciones de los miembrosdel equipo de Salud de la Familia, en especial sobre las tareas de lo ACS dentro de lasalud oral.

Palabras clave: Sociología médica. Estudiantes de Odontologia. Salud de la Família.Recursos humanos en salud. Salud bucal.

Recebido em 25/01/10. Aprovado em 11/11/10.

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Stamp

Solicitações profissionais e sociais de professoresde cursos de enfermagem no Brasil

Paulo Gomes Lima1

Patrícia Leal de Freitas Santos2

LIMA, P.G.; SANTOS, P.L.F. Professional and social requests of the nursing professor inBrazil. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39, p.1097-109, out./dez. 2011.

In this work we analyze the professionaland social requests of the nursingprofessor in Brazil in view of therequirements, identity and didactic-historical training of their knowledge fieldthrough a literature review. The findingspointed to a necessary reflection in thearea, breaking the purely instrumentallogic both of the teacher and of theprofessional to be trained, as the action-reflection-action sieve gradually occupiesthe centrality of the interaction betweenknowledge and action in a humanizedperspective.

Keywords: Nursing. Faculty nursing.Didactic-pedagogical training.

Neste trabalho analisamos as solicitaçõesprofissionais e sociais do professoruniversitário de cursos de enfermagem noBrasil frente às exigências histórico-metodológicas da enfermagem e dosprofissionais que exercem a docêncianessa área, por meio de uma revisão deliteratura especializada. As conclusõesapontam para uma necessária reflexão daárea, rompendo com a lógica meramenteinstrumental, tanto do professor quantodo profissional a ser formado, à medidaque o processo de ação-reflexão-açãoocupa a centralidade da interação dossaberes e fazeres, em uma perspectivahumanizadora.

Palavras-chave: Enfermagem. Docentesde enfermagem. Formação didático-pedagógica.

1 Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu,Universidade Federal da

Grande Dourados(UFGD). Rua Barão doRio Branco, 570, apto

203. Jd. Clímax,Dourados, MS, Brasil.

[email protected]

2 UFGD.

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Introdução

No final do século XIX, um processo de urbanização lento e progressivo já se fazia sentir nas cidadesque possuíam áreas de mercado mais intensas, como São Paulo e Rio de Janeiro. Esse processoacompanhava algumas mudanças político-econômicas no Brasil, como, por exemplo, a passagem da faseagroexportadora para a incipiente fase urbano-industrial, que teria mais ênfase na década de 1930,quando as cidades começavam a receber um contingente significativo de pessoas por conta do arranjoindustrial inaugurado na recém república brasileira. As escolas de enfermagem surgem, portanto, aindano final do século XIX, para dar conta de um contingente populacional crescente nas cidades frente aosdesafios sociais e de mercado, cuja regularização da profissão do enfermeiro deu-se no século XX,corporificando status específico e solicitações de formação educacional para o seu exercício, cada vezmais sistematizadas.

Geovanini et al. (2002) acentuam que, no início da história da enfermagem, a preocupação era aformação de profissionais para dar assistência a doentes e feridos a partir de uma perspectivainstrumental e curativa. Nesse âmbito, a dimensão causa-efeito, comumente associada ao positivismo,ocupava a centralidade nas escolas de formação de enfermeiros, o que influenciaria significativamente ahistória da enfermagem liderada pela tradição de ensino dos países desenvolvidos, cujos modelos osdemais países acabariam por assimilar.

Em relação à formação docente para o exercício do magistério no curso de enfermagem no Brasil,muitos profissionais buscavam noutros países (especialmente Estados Unidos e França) o seu referencialpraxiológico, o que lhes conferia status e reconhecimento a ponto de ocuparem cargos de direção deescolas de enfermagem que, até então, ficavam sob a responsabilidade de enfermeiras americanas efrancesas. A orientação pedagógica recebida pelos professores brasileiros de enfermagem centrava-sena dimensão pragmática causa-efeito transversalizando o século XX e chegando aos dias atuais (Pinhel,2006). Essa última afirmação solicita, de forma recorrente, algumas indagações, como seguem.

Ao longo do tempo, temos ou não desenvolvido, no Brasil, a formação de professores para o EnsinoSuperior de enfermagem com uma perspectiva não meramente reducionista e utilitarista? Osacadêmicos da área desenvolvem uma perspectiva de ressignificar a enfermagem para além do cunhoassistencialista, isto é, num processo de formação continuada em que o ensino, a pesquisa e a extensãoestejam sempre evidenciadas?

Considerando essas questões e a partir da trajetória e desenvolvimento da enfermagem em nívelSuperior, o objetivo deste trabalho é problematizar a formação didático-pedagógica de professores nessaárea e as recorrências significativas de sua intervenção numa perspectiva mais ampla, isto é, para alémdo caráter instrumental da profissão.

Organizamos este trabalho em quatro momentos interligados. O primeiro listando as exigênciashistórico-metodológicas da enfermagem e dos profissionais que exercem a docência nessa área; osegundo, um breve histórico do curso Superior de enfermagem no Brasil. O terceiro, a problematizaçãoda identidade profissional do professor de Ensino Superior nos cursos de enfermagem e, finalmente, assolicitações da formação didático-pedagógica requeridas desse profissional, considerando ocomprometimento com a sua ação interventiva e respectiva ampliação da perspectiva profissional.

Enfermagem e docência universitária: exigências histórico-metodológicas

O desvelamento de um objeto histórico se dá pela disposição do professor (pesquisador) sobre oobjeto pesquisado, ou seja, pelo desenvolvimento de sua ação – que é a primeira leitura da realidadecontextual, de como se apresenta e de como se articulam todos os elementos e situações a elapertinentes, situando um panorama da instituição, evento, curso, formação profissional, dentre outros(Lima, 2007). A ação leitora sobre a realidade permitirá o acesso ao diagnóstico da realidade,solicitando, ao pesquisador, uma reflexão intencional sobre as problemáticas identificadas e de comomanter, aperfeiçoar ou transformar o que já é proveitoso para todos os atores.

A reflexão sobre a ação possibilitará a sugestão do coletivo frente às questões que se colocam nocotidiano, mas também, em nível individual, servirá ao professor como ponto de autoavaliação

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permanente quanto à validade e aproveitamento do que está desenvolvendo e como aprimorar oumudar de direção pedagógica, se for o caso. O terceiro momento dialético e concomitante do processoserá o retorno à própria prática ou ação, evidenciando uma ação transformada e disposta ao processo detransformação dos fazeres e amadurecimento do investigador ou do educador, em se tratando de suaprática didático-pedagógica. Não se pode destacar, nesse sentido, esse ou aquele elemento como omais relevante do contexto desvelado, mas, no conjunto, procurar entendê-lo sob o eixo central daação-reflexão-ação. Esta é nossa proposta a seguir.

Um episódio relevante no contexto histórico da sistematização da enfermagem, tanto na Inglaterra,com Florence Nightingale, quanto no Brasil, com Anna Nery, está ligado ao papel do voluntarismoexercido em períodos de guerras, imprimindo os valores militares como o valor de espírito de serviço(Rodrigues, 2000). A exigência histórica, explicitada no Brasil entre o final do século XIX e início doséculo XX, que se delineava quanto à formação do enfermeiro, além de se assentar numa baseepistemológica meramente instrumental, recorria, paralelamente, ao sentimento ideológico salvacionistada profissão, qualificando-a como objeto de ação missionária. Esse processo era interiorizado tanto peloprofessor de Ensino Superior que formava o enfermeiro, quanto pelo próprio profissional formado ou emformação, que materializava tal ideário em sua força de trabalho. Afora esse quadro, a inclinação para aprofissão em nível de gênero fora circunscrita ao gênero feminino, isto é, somente nas mulheres ascaracterísticas humanizadoras e voluntaristas seriam reunidas, a ponto de doarem-se para o exercício daprofissão, a exemplo do que fazia uma mãe.

Pires (2007) afirma que esta disposição social da profissão era conveniente: âmbito religioso edimensão de gênero, simplificando, inclusive, o trabalho da docência para esta área, uma vez que ocaráter instrumental e utilitarista já havia sido incorporado pelos candidatos à enfermagem.

Historicamente, a disciplinaridade orientou a formação profissional do enfermeiro em áreasespecíficas de atendimento preventivo e curativo. Tal orientação deveu-se ao tratamento científicoválido e aceito pela ciência, destacadamente a partir do século XIX, quando da inauguração dopositivismo. Assim, as contribuições objetivas das ciências naturais passariam a ser o vetor daepistemologia do campo científico como um todo, colocando à margem quaisquer outras possibilidadesde desenvolvimento e tratamento dos objetos.

Isso se deveu, inclusive, à secundarização das ciências humanas na estrutura curricular de formaçãodo enfermeiro - o que ainda continua nos dias atuais - relegada a espaços espremidos no início ou finalda estrutura curricular, dentre os conteúdos considerados “nobres” ou centrais da enfermagem,reduzindo, ao mínimo necessário, a sua carga horária, e o pior, muitas vezes sem a necessáriaarticulação com a totalidade do curso (Oguisso, Freitas, 2007).

É indispensável que os enfermeiros se apropriem de conhecimentos de outras disciplinas, dentre elasa História, a Filosofia, a Sociologia, refletindo um mundo que não se apresenta sem intencionalidades naexploração do trabalho e formação histórica de mentes e mão de obra que garantam o seufuncionamento pertinente. A ação-reflexão-ação sobre sua condição profissional, social e cidadã édimensão imprescindível para a formação integral do profissional, quer seja do professor de EnsinoSuperior que escolheu a enfermagem como área de atuação ou do candidato a enfermeiro ouenfermeira que, ressignificando sua prática, a exercerá numa dimensão mais ampla do conhecimento,não reduzida ao fazer utilitarista, mas como uma das interfaces da produção do conhecimento emarticulação com outras áreas.

A exigência histórica de mercado para a qualificação profissional, a partir da formação inicial,simplesmente continua com o mesmo projeto tradicional de reproduzir competências e habilidadesnecessárias ao atendimento do desenvolvimento ideológico do capital. É necessário observarmos que,quando o professor de Ensino Superior, particularmente da área de enfermagem, não se dá conta dessalógica, não tomará posse de leituras distintas das solicitações sociais da própria profissão e nem sequerde seu papel de agente transformador na perspectiva de outra exigência histórica – a da concretudesocial, que deve primar pelo desenvolvimento do profissional em sua totalidade, considerando asdistintas possibilidades e campo de imersão do enfermeiro não dissociado do quadro macrossocial queenvolvem questões econômicas, culturais e orientadas por condicionantes sócio-históricos.

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Curso de Enfermagem em nível Superior no Brasil

Segundo Lima (2008), a exigência histórico-emancipadora do Ensino Superior no Brasil não deveprescindir da problematização acerca da docência no espaço universitário, e sua respectiva formaçãocontinuada deve se constituir objeto de constante atualização e recorrência, reivindicando a coerênciapropriamente científica da universidade como local privilegiado do conhecimento e da consistênciaentre o arcabouço discursivo e respectivas intervenções nas práticas pedagógicas.

As diretrizes da docência universitária no Brasil reiteram essa necessidade por meio das finalidadesda Educação Superior, como se segue na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96(Brasil, 1996), no Capítulo V – da Educação Superior:

Art. 43 – A Educação Superior tem por finalidade:I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores

profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na suaformação contínua;

III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento daciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimentodo homem e do meio em que vive;

IV – promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituempatrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formasde comunicação;

V – suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar acorrespondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estruturaintelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais eregionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação dereciprocidade;

VII – promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas ebenefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.

Depois de mais de uma década da promulgação desta lei, ainda procuramos romper politicamentecom os modelos e ideologias subjacentes também nos cursos superiores. No âmbito da docênciauniversitária na enfermagem e como um todo, o reposicionamento sociopolítico dessa solicitação não sedá de forma abrangente, visto que os paradigmas hegemônicos historicamente situados sobre aconcepção de cientificidade (validação das ciências naturais como expressão do valor científico centradona precisão, mensurabilidade, neutralidade, dentre outros) exercem expressões significativas sobre osfazeres docentes (Lima, 2008), inviabilizando um olhar mais plural sobre a missão e função da docênciano Ensino Superior e das possibilidades de sua transformação. Goergen (1997, p.28) nos diz que, namedida em que a nossa sociedade está se tornando a sociedade do conhecimento, faz-se urgente “[...]reinventar uma ética social e coletiva que zele pela educação da razão em sentido mais abrangente,que não inclui apenas o teórico (a ciência), mas também o prático (as relações dos homens entre si ecom a natureza)”, mesmo em face da polêmica de que o sentido da razão foi perdido ao longo damodernidade.

Certamente, esse olhar traz elementos pontuais para a atualidade da discussão sobre as pistasnecessárias que o professor do curso de enfermagem deve levar em consideração no desenvolvimentode seu trabalho na universidade. A tomada de consciência do processo de formação unidirecional docurso pode ser percebida pelos aspectos históricos no Brasil, apresentados a seguir, e que servem comopano de fundo para encaminhamentos necessários quanto ao papel do professor universitário no cursode enfermagem.

No final do século XIX (1889), inaugurada a república no Brasil, imediatamente foram evidenciadosproblemas em distintas áreas infraestruturais, inclusive na saúde. Um das mais emergentes era a falta depessoal qualificado para o atendimento à população, exigência esta demandada pelo crescente interessehegemônico que apostava no crescimento industrial, ainda em projeto no Brasil. Assim, por meio do

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Decreto 791/1890 (Brasil, 2010), para dar conta das solicitações do Hospício Nacional de Alienados ouHospício Dom Pedro II, foi criada a Escola de Enfermeiros e Enfermeiras, que seria denominada deEscola Alfredo Pinto, e que tinha como referencial formativo o modelo francês (ensino profissionaluniforme coordenado por grupo específico da área de conhecimento).

Terminada a primeira guerra mundial, foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública, pormeio do Decreto 3.987 de 02/01/1920 (Brasil, 1921), iniciando, assim, o serviço de visitadoras, quetinha por objetivo atender aos enfermos em suas casas, visando à prevenção mais do que a cura dadoença (Paixão, 1969). Até então não existia uma escola de enfermagem propriamente dita,reconhecida oficialmente, o que viria acontecer somente com a criação do citado Departamento. Valedestacar que os interesses do mundo capitalista estavam disseminados em inúmeras fundações eorganismos multilaterais de apoio técnico e financiamento, garantindo ideologicamente sua hegemonia.Não distante desta realidade, por meio do apoio de uma instituição norte-americana, a FundaçãoRockfeller, foi fundada oficialmente a EEDNSP (Escola de Enfermagem do Departamento Nacional deSaúde), criada pelo Decreto 15.799 de 10/11/1922 (Brasil, 1923), entrando em funcionamento em 19/03/1923, cuja orientação da formação profissional assentava-se na enfermagem nightingaleana.. Aeducação nightingaleana propunha uma educação de enfermeiros com base em postulados decomodidade, necessidade, saúde, prevenção e manejo do ambiente, separada e orientadadiferentemente da medicina (Huarcaya, 2003). Numa tentativa de listagem, Geovanini et al. (2002)afirmaram que as primeiras escolas de enfermagem no Brasil foram: Alfredo Pinto, Escola da CruzVermelha do Rio de Janeiro, Escola Anna Nery, Escola Carlos Chagas, Escola Luisa de Marillac, EscolaPaulista de Enfermagem e Escola de Enfermagem da USP.

Três anos mais tarde (1926), a primeira escola oficial de enfermagem no Brasil (EEDNSP) receberia onome de Escola de Enfermeiras Dona Anna Néry (pioneira brasileira da enfermagem). Nesse períodoainda não existia universidade oficialmente reconhecida no Brasil, o que viria acontecer somente depoisda criação do Estatuto das Universidades Brasileiras, com Francisco Campos (1931). Somente por meiodo Decreto 21.321 de 18/06/1946 (Brasil, 1964), no início da retomada da democratização no Brasilpela queda de Vargas, é que esta escola se integrou à Universidade do Brasil.

A grande reforma do ensino de enfermagem ocorreu em 1949, pela lei n° 775 de 06 de Agosto de1949 (Brasil, 1974), que padronizou o ensino de enfermagem. E do Decreto n° 27.426 de 14 deNovembro de 1949, o qual estabeleceu o currículo para a formação do enfermeiro (Brasil, 1949).

Com a promulgação da LDBEN 4.024/61 (Brasil, 1961), levando em consideração as transformaçõeseconômicas e necessidade de mão de obra com mais fluidez, cujo ideário era encampado, inclusive,por alguns intelectuais na área da saúde, duas emendas foram incorporadas no artigo 47, que tratava dacriação do ensino técnico da enfermagem em grau Médio, e nos artigos 90 e 91, que incluíam aassistência da enfermagem ao escolar. Esse encaminhamento resultou no Parecer 171/1966 (Brasil,1966), que regulamentava os cursos técnicos de enfermagem no Brasil, e o reconhecimento,propriamente dito, da enfermagem como curso Superior (Araújo, Silva, 2007).

O currículo do curso de enfermagem numa perspectiva instrumental – cujo centro era o manejo detécnicas – a partir da Lei 5.540 de 1968 (Brasil, 1968), é ainda mais enfatizado, sobretudo, por conta dainfluência norte-americana, naturalizada, inclusive, por meio de acordos bilaterais, com uma iniciativadiferente – a inclusão das disciplinas sociologia e psicologia, numa orientação funcionalista ebehaviorista. Nesse momento histórico em que vivia o Brasil (ditadura militar), a inclusão das disciplinasacima, conforme o Parecer CFE 163/72 (Brasil, 1972), pode ser considerado um avanço, tendo em vistaa ênfase de especialização do curso.

No final da década de 1960, a despeito de os estudos teóricos da enfermeira Wanda de Aguiar Hortaapontarem para a necessidade do registro no planejamento da assistência (Carrijo, 2007), para acompreensão e melhor intervenção do enfermeiro em seu cotidiano, as práticas dos docentesuniversitários ainda eram centralizadas no modelo mecanicista de formação e instrumentalização dosfuturos profissionais. Se havia, de um lado, uma projeção para mudança de planificação instrumental daformação, por outro, os parâmetros e finalidades tecnicistas no processo ensino-aprendizagem nauniversidade permaneciam inalteráveis. Esse quadro apresentou o mesmo arranjo nas legislações oficiaisnacionais e subnacionais, até mesmo ante a LDBEN 9394/96 (Brasil, 1996), que garantia a formação de

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distintos perfis profissionais no Ensino Superior, considerando o mundo do trabalho e suas solicitaçõescomo ponto de partida.

Em 2001, foi homologado o parecer CNE/CES n° 1133/2001 (Brasil, 2001b), que definiu asDiretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação, e a Resolução n° 03/2001 (Brasil, 2001a),instituiu as diretrizes específicas para o ensino de graduação em Enfermagem (Machado, 2007), mas,ainda assim, o processo interdisciplinar de formação não se consubstanciou como questão resolvida.

Do ponto de vista da lógica capitalista, tanto a enfermagem quanto qualquer outro curso universitáriosó encontram respaldo quando articulados ao “mercado de trabalho”, e não necessariamente ao“mundo do trabalho”. Eis o explícito legal e a sua operacionalização diferenciada implícita, característicade uma sociedade dualista, cuja leitura o professor de Ensino Superior, nos cursos de enfermagem,necessita problematizar, ressignificando a sua ação formativa do profissional cidadão verdadeiramentepara o mundo do trabalho em todas as suas múltiplas determinações.

Perspectiva profissional e social da enfermagem:uma problematização da identidade docente

A enfermagem, em sua origem, está relacionada com a missão da igreja ou pessoas leigas quetinham desenvolvido um espírito missionário, cuja base centrava-se na caridade e misericórdia(Rodrigues, 2000). Daí a proliferação das Casas de Misericórdia (do coração que se inclina aos pobres), apartir do século XV, lideradas por Ordens religiosas distintas e a modelação do conceito de enfermagemcomo a arte e a ciência do cuidar, característicos da missão do cristianismo, sobretudo no que dizrespeito aos desfavorecidos econômica e socialmente. Com o passar dos séculos e modificaçõesderivadas das novas formas de produção, a enfermagem como área de conhecimento solicitamodificações quanto às políticas públicas sociais.

A enfermagem como profissão surgiu com Florence Nightingale (1820-1910), reconhecida comoprecursora da Enfermagem Moderna (Carrijo, 2007). No decorrer da história, Florence destacou apeculiaridade do trabalho em enfermagem quando o distingue das tarefas domésticas e reconhece oseu cunho científico, conferindo-lhe status específico e autoridade como área de conhecimento,despontando a enfermagem profissional (Abrão, 2006) como de formação específica. Entretanto, comodestacado anteriormente, a enfermagem como profissão possui enredo diferenciado em sua trajetória,pois está intimamente ligada ao servir social. A sua relação com a sociedade é permeada pelosconceitos que se estabeleceram na sua trajetória histórica e que influenciam, até hoje, a concepção doque é, e qual o seu significado enquanto profissão da saúde (Padilha, Borenstein, 2006).

A enfermagem como área de conhecimento profissional está articulada ao contexto social em todo omundo. Sua prática está profundamente interligada com os fatos sociais, culturais, históricos e políticos,com os quais os seres humanos vivem e se relacionam (Huarcaya, 2003). Entretanto, várias são asdimensões de sua compreensão, enquanto profissão e enquanto prática social ao longo do processohistórico (Abrão, 2006).

Para Paixão (1969), existem três elementos principais para se compreender tais dimensões, os quaisconstituem a profissão do enfermeiro, a saber: o espírito de serviço (ou ideal), habilidade (arte) eciência. Porém, destaca que o mais importante é o espírito de serviço, por ser uma inclinação natural nohomem, ser social por excelência. Para Shinyashiki (2006), as pessoas que assumem o papel deenfermeiro não somente assimilam novos conhecimentos e aprendem novas habilidades, mas imergemem uma nova cultura com expectativas de valores e normas e, acrescentamos, na possibilidade derecriação e ampliação do mundo e seus arranjos contextuais.

Kemmer e Silva (2007) enfatizam que a enfermagem como profissão tem caminhado para aformação de um corpo próprio de conhecimentos científicos, buscando, por meio de estudos epesquisas, a sua definição como ciência. Entretanto, Pai, Schrank e Pedro (2006) denunciam que otrabalho de enfermagem no Brasil acontece, muitas vezes, sob condições precárias de recursos humanose materiais, baixos salários, ambientes insalubres, dividido por tarefas e com extensas horas de trabalho,e que, na maioria das vezes, não oferece local apropriado ao descanso.

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Huarcaya (2003) destaca que o sentido da identidade profissional não consiste em atingir um modeloideal de enfermeiro, mas de entender sua história, situar-se no contexto e olhar em perspectiva.Significa, também, a reconstrução da autoimagem e da autoestima, a procura de satisfações profissionaisdentro do trabalho realizado.

Perante esse amplo campo de significações e ressignificações profissionais e acadêmicas, coloca-se odocente do curso de enfermagem, que pode orientar-se por uma ação interventiva centrada naformação instrumental do cuidar humano, como sinalizam os autores tradicionais da área, ou, semperder o foco, ampliar as possibilidades de o futuro profissional enxergar-se num contexto social maisamplo, isto é, o de estudioso permanente da área.

Nessa diretriz, as interlocuções com as questões macrossociais podem contribuir para a elaboraçãode uma identidade profissional comprometida e coerente com o projeto de emancipação social, assimos profissionais não são reduzidos a “fazedores” parcelizados de tarefas, mas construtores deconhecimento em serviço ou em espaço permanente de formação continuada, o que os impulsiona arefletir sobre a formação docente para o curso de enfermagem com maior profundidade.

A formação docente para o curso de enfermageme a trilogia ensino-pesquisa e extensão: aspectos didático-pedagógicos

Cumpre ao docente universitário a ampliação de sua visão acerca do conhecimento, dos saberespedagógicos necessários ao desenvolvimento de sua atribuição, das possibilidades de sua própriaformação profissional continuada e acerca dos princípios que prezam pela dignidade e eticidade (dentreoutros) humanas: sua, dos seus alunos, de sua comunidade e do homem em todo o universo de suaprodução. Esta ampliação necessária se caracteriza pelo “desarmar-se” acerca de concepções acabadassobre o conhecimento historicamente produzido, isto é, cabe ao educador assumir que, por meio dostempos, o conhecimento do homem se amplia e se refaz, se corrige e possibilita novas leituras de ummundo que precisa ser redescoberto a cada encontro e a cada achado científico que se elabora, e que,por sua vez, deve ser estudado e entendido à luz de teias relacionais intrínseca e extrinsecamente,conforme as possíveis visões de totalidades científicas e humanas que se apresentam disponíveis e emprocesso de construção.

Para a enfermagem, a formação do docente segue os mesmos referenciais dos demais cursossuperiores no Brasil, isto é, considerando a sua formação em nível de graduação, especializações ecursos Strictu Sensu (Mestrado e Doutorado). A partir da última LDBEN 9394/96 (Brasil 1996), a ênfasedeve se dar na contratação de professores com nível Strictu Sensu em, pelo menos, 1/3, considerandoos demais níveis (graduação e especialização) a partir do mérito de cada candidato e exigênciasinstitucionais dentre outros.

O perfil do profissional a ser formado para a área da enfermagem, consequentemente, como vimosno artigo 43 da LDBEN 9394/96, prima pela formação inicial e continuada desse profissional, o querequereria intervenções diferenciadas cujos referenciais possam exprimir a leitura do real. Entretanto,observamos que historicamente os referenciais epistemológicos para a enfermagem orientam grandeparte dos futuros profissionais, para o grupo dos executores, reduzindo de forma utilitária “o cuidar” aosentido de abnegação de sua tradição.

Segundo Huarcaya (2003), o modelo nightingaleano adotou muito do espírito religioso que norteouas práticas do cuidado como atividades específicas de enfermagem. A escola de Florence serviu demodelo para a enfermagem em vários países do mundo. O modelo vocacional era um modelointernalizado e legitimado pelas alunas durante o processo de formação. Florence Nightingale destacavaque a Enfermagem era um chamado, uma vocação em que as enfermeiras poderiam mostrar suadocilidade, sua “vocação de serviço”, relacionadas com a obediência religiosa.

A filosofia de vida de Florence permeava todo o currículo de sua escola. Ela acreditava que a saúdedeveria estar presente tanto na alma como no corpo. Seu currículo não tinha um conjunto de metas aser atingido, sua ênfase centrava-se nos talentos e habilidades das estudantes que compartilhavam amissão do enfermeiro e que deveriam ser desabrochados. De acordo Pinhel (2006), o treinamento era

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uma forma de fazer com que a aluna usasse seus recursos intelectuais inatos, logo, a escola deveriaensinar à enfermeira sua função de ajudar o paciente a viver.

Portanto, a enfermagem era entendida como uma arte que requeria treinamento organizado, práticoe científico; a enfermeira deveria ser uma pessoa capacitada a servir a medicina, a cirurgia e a higiene,e não a servir aos profissionais dessas áreas. Florence defendia que a enfermagem era corolárionecessário desses campos e que, para o bem-estar dos pacientes, a enfermeira deveria saber adaptarsuas habilidades ao trabalho da equipe e, para isso deveria obedecer, de forma inteligente, assolicitações do campo. Conforme Pimenta e Anastasiou (2002), ainda que os docentes universitáriospossuam experiência expressiva na área de atuação, há um despreparo e um desconhecimentocientífico do que seja o processo de ensino-aprendizagem.

O o docente universitário deve ampliar permanentemente a sua compreensão do próprioconhecimento, seu processo evolutivo e as maneiras possíveis de comunicá-lo. Dessa maneira, despertaem si e nos alunos a condição de protagonistas na descoberta das manifestações do conhecimento emsua vivência e interpretação; assim, o conhecimento não deve ser entendido com viés determinista,mas como um objeto em construção, solicitando a sensibilização do educador e do educando, emcomunhão, para “aprender a aprender”, para considerar possibilidades, para reunir hipóteses e paraentender que o homem mobiliza a história e mobiliza-se com a história num processo de vir-a-ser,considerando e reconsiderando seus encaminhamentos à luz da reflexão de seus desafios, como objetoprocessual e dinâmico e, por isso mesmo, sujeito a possíveis transformações na medida em que constróios seus saberes.

Nesse olhar, para Reibntz e Prado (2006), tornar-se professor na área de enfermagem requer maisdo que ser bom profissional, isto é, são necessárias competências especificas que vão além dascompetências requeridas para um bom enfermeiro. E, vale lembrar, que provocar a construção dasensibilização para as mesmas é um dos desafios do professor, ou seja, além de ser capaz de desdobrare dominar o campo do conhecimento deve educar o olhar contextual (seu e do estudante) sobre ahistoricidade vivenciada e os respectivos condicionantes sociais, o que certamente contribuirá com atransformação tanto do processo educacional, como dos indivíduos em seus posicionamentos.

Todavia, toda transformação gera um conflito, uma vez que provoca rupturas de conceitos, hábitos,preconceitos e comportamentos, dentre outros. Pode-se dizer que uma pedagogia transformadora ésempre uma pedagogia do conflito (Padovani, 2007). Nessa diretriz, Freire (1996) acrescenta que aformação de professores deve estar inserida numa reflexão sobre a prática educativa em favor daautonomia dos indivíduos, uma vez que os homens se educam por meio de intercâmbios, socializaçõese da construção da história do conhecimento humano.

As bases epistemológicas do curso de enfermagem, as intervenções didático-pedagógicas e a leituratransversalizada do professor, a partir desse conjunto identificado, reúnem parte dos elementos para oexercício significativo de sua intervenção. Parte, porque esse primeiro passo necessita estar articulado aodesenvolvimento discente e sua compreensão do mundo concreto, das contribuições da área queescolheu e das inferências provocadas pela dialogicidade recorrente da ação-reflexão-ação. O trabalhotransversal do docente da área de enfermagem não se reduz puramente ao campo didático-pedagógico,mas não prescinde do mesmo para formação significativa do profissional, dado que pressupõe pontos deencontro das distintas áreas do saber que primam pelo conhecimento do objeto em sua totalidade.Assim, os conteúdos são atravessados como integrantes da totalidade e que encontram sentido comoutras interconexões, pois o mundo mudou, as pessoas mudaram, e a simples constatação davelocidade em que ocorrem transformações em nossa vida cotidiana já nos mostra que estamos diantede uma nova sociedade, uma outra realidade que nos envolve e nos desafia (Lima, 2008).

Nesse sentido, Antunes (2002) reforça a necessidade de capacitação permanente do docente comoprofissional consciente da responsabilidade sobre sua atuação, que precisa adquirir melhorconhecimento de si mesmo, no que é, no que faz, no que pensa e no que diz, e, ao mesmo tempo,sobre o outro, portanto, numa relação si-outro num processo de ressignificação dos saberes e fazeres.Ebisui (2004), por meio de pesquisa realizada entre professores que ministram aulas no curso deenfermagem, concluiu que os próprios profissionais caracterizam como frágil uma intervenção docente

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que não ressignifique o rol de conhecimentos específicos de sua área; logo, a responsabilidade doformador nunca pode perder de vista a dimensão crítica, criativa, inovadora, ética, facilitadora e,acrescentamos, problematizadora do processo ensino-aprendizagem.

Em relação ao papel do professor, por meio do olhar freireano, inferimos que a tomada deconsciência para uma prática pedagógica ressignificada na/e pela convivência é um exercício deaprendizagem que aprimora o reconhecimento de que os conhecimentos, os valores, os sentidos dasações docentes são construídos por múltiplas vozes, que solicitam encontros dialéticos permanentes,mas que, em si, estão sempre em estado de “novidade de encaminhamentos e propósitos”, não pelainediticidade de temáticas da escola e seu entorno, mas pelo acuramento do olhar sobre osfundamentos, consequências e implicações que tais objetos demandam frente a interesses identificadosque inquietam os interlocutores por seu ocultamento; dessa maneira, a prática pedagógica ressignificadana convivência possibilita uma outra forma de aprendizagem para os alunos, para o professor e para todaa comunidade escolar.

O espaço de convivência não é o espaço onde os conflitos não existem, muito pelo contrário, étambém o espaço onde se possibilita a exposição dos conflitos, mas longe de se constituir um muro delamentações, caracteriza-se como uma “ponte” onde ninguém poderá atravessar no lugar dosinterlocutores, porque a travessia, sendo personalizada, é um caminho de todos; assim, as resoluçõesdos conflitos são encaminhadas, são pensadas, são discutidas a partir da evocação das inquietações dossujeitos. Sabe-se que as respostas podem até não serem consensuais, respeitada a diversidade dasindividualidades, mas podem alcançar uma dimensão democrática significativa em relação à unidade(uno) dos objetivos que todos compartilham, mesmo que de ponto de vista diferenciado; assim, mudamos sujeitos, e a prática pedagógica será orientada por uma autoridade legitimada em múltiplas leituras,onde todos, ao mesmo tempo, são atores e protagonistas da vida real da escola (Lima, 2010).

Dessa maneira, a pesquisa como parte inerente ao trabalho do professor universitário para o curso deenfermagem será ressignificada, porque orientada por uma finalidade profissional e social comprometidacom as devolutivas institucionais e populacionais. O sentido da pesquisa norteada por uma dimensãotransversalizada possibilita as percepções e dimensões da própria carreira: para o professor, o despertar eaprofundamento na construção do objeto; para o aluno em interação recorrente, a aprendizagem eprodução do conhecimento ressignificado, e, para ambos, o desvelamento do mundo e do homem.

As práticas de extensão, por sua vez, articuladas às perspectivas destacadas, têm como objetivo asocialização e a disponibilização do acesso às contribuições científicas e tecnológicas, não excluindoquaisquer pessoas num processo contínuo de universalização do conhecimento. As grandespreocupações de países desenvolvidos, entretanto, são constituídas por outra lógica: formar um exércitoconsumidor compatível, tanto na academia quanto numa dimensão social mais ampla. O âmbito decompreensão ressignificado pelo professor de Ensino Superior do curso de enfermagem o impelirá aposicionar-se com intervenções sociopolíticas ressignificadas, isso não significa que somente tangenciaráo aporte instrumental da profissão e papel específico da área, ao contrário, poderá expandir de formatransversal o alcance do processo ensino-aprendizagem e construir um espaço universitárioproblematizador.

Nesse contexto, a educação universitária assume a tarefa social de despertar, no homem, aconsciência de si e do outro no mundo, contribuindo, de forma relevante, para o seu crescimentoformativo e informativo, favorecendo o exercício ativo em todos os processos de sua história (eimplicações advindas desses). Dessa forma, poderá desfazer as tramas reducionistas dessa realidadehistórica (que é, sobretudo, vivida), considerando o universo relacional que possui essencialmente umcaráter multidimensional, cuja finalidade maior é a de elevar o homem à categoria de sujeito de suaconstrução histórica, mediatizada pela compreensão, interpretação e crítica de sua realidade. Lima(2010) observa que a valoração do homem como ser que se autoproduz, transforma e se transforma nodesvelamento do mundo e dos demais homens, adquire um caráter libertador; nas palavras de PauloFreire (1980, p.34), a sua “a vocação ontológica do homem – vocação de ser sujeito – e as condiçõesem que ele vive: em tal lugar exato, em tal momento, em tal contexto”.

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Considerações finais

Nota-se que, à medida que o docente tem clareza em relação aos seus projetos e leitura doscondicionantes sócio-históricos, há uma relevante contribuição para sua formação profissional conscientee compromissada, assumindo um papel significativo de colaboração e transformação do aprender-ensinar no ciclo ação-reflexão-ação. Assim, é necessário que o profissional de enfermagem, em seuprocesso de formação inicial, continuada ou de intervenção pedagógica na práxis, tenha consciência doamplo espectro da profissão, não como dádiva do sobrenatural, mas como processo em construção.

Tal perspectiva contribui para se compreender a intervenção pedagógica na enfermagem como umaprofissão para além do instrumentalismo. Nesse caso, o professor, como pesquisador de seu própriocampo, é responsável por contribuir com a formação de profissionais competentes e conscientes dadimensão de sua intervenção no contexto social e, acima de tudo, que entendam que o educar estáinserido em todos os momentos da enfermagem, pois, se ensina e aprende no exercício da construçãodo conhecimento.

Organizar a prática pedagógica sob o prisma da reflexão-na-ação não é, e jamais foi, sinônimo depermissividade ou de reducionismo, mas, ao contrário, é aperfeiçoá-la, tornando-a dinâmica, criativa eagradável; nesse caso, o professor é ator e autor social, que deve primar por sua formação e atualizaçãopermanente, ao mesmo tempo em que busca seu aperfeiçoamento e superação em cada olhar, tendo oaluno como um interlocutor ativo do processo ensino-aprendizagem e todos os outros professores comotessitura da mesma rede, construída e compartilhada por atores sociais históricos, dentre os quais oprofessor de Ensino Superior na enfermagem pode contribuir significativamente.

A visão de conjunto toma a totalidade como fio condutor, a fim de acompanhar todo um processoque se torna revolucionário no afrontamento ao reducionismo e à fragmentação, rumando-se àproposição de delineamentos coerentes e consistentes com o real social e educacional - revisão essaque não admite mais padronizações dos próprios saberes e fazeres da escola nem de verdades e visãode homem determinadas por conta de manutenção de vontades particulares daí a importância de umaeducação compreensiva balizada em valores sociais, antropológicos, políticos, filosóficos, culturais e,sobretudo, valores humanos universalizados.

Esse norteamento é o veículo que vai situar a universidade, destacando o curso de enfermagemcomo elemento de transformação social; assim, importa que o professor, em seu processo de formaçãocontinuada, conheça e inclua o comprometimento pela educação: a totalidade da leitura do contextopelo qual atravessa o mundo, o planeta, o país, o Estado, o município, o bairro, a comunidadeextraescolar, a escola e a universidade, como objetos indissociáveis do conhecimento no exercício desua prática docente.

Consideradas as múltiplas determinações sócio-históricas, é necessário ressignificar a formação doprofessor do ensino superior em enfermagem, instrumentalizando-o com saberes e fazeres crítico-reflexivos, imprescindíveis à formação de profissionais-cidadãos. Esta não se esgota na área das ciênciasnaturais, uma vez que seu objeto tem início e recorrência no humano: assim, um não nega o outro e,consequentemente, a transversalidade recorrente aprimora e fornece elementos necessários para seucrescimento e aperfeiçoamento contínuos.

Ressaltamos que não há pretensão de respondermos a todos os questionamentos referentes ao tematratado. Desejamos, sim, oferecer elementos para trazer à luz esse campo de discussão e indicarperspectivas de pesquisa para futuros trabalhos. A formação do professor de Ensino Superior no Brasilnecessita ultrapassar a lógica de uma ciência determinista que, não raras vezes, exclui o homem de suahumanização, isto é, valida somente aspectos pontuais, deixando à margem o que julga descartável, daítornar tangencial, no currículo do enfermeiro, as solicitações das ciências humanas. Cremos que o teorcomunicacional e interdisciplinar entre as áreas de conhecimento enriquece a formação profissional dequalquer profissional e, particularmente, a visão do docente universitário, cujo trabalho contempla aformação de inúmeros atores sociais que, por sua vez, poderão compartilhar ou aprofundar taissolicitações como um recorrente vir a ser, sem esquivar-se dos fazeres necessários à sua profissão — eiso porquê da centralidade da formação profissional e social do professor de enfermagem no crivo ação-reflexão-ação.

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Colaboradores

Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito.

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v.15, n.39, p.1097-109, out./dez. 2011 1109COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

LIMA, P.G.; SANTOS, P.L.F. Solicitudes profesionales y sociales del profesor universitariode enfermería en el Brasil. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.1097-109, out./dez. 2011.

En ese trabajo analizamos las solicitudes profesionales y sociales del profesoruniversitario del curso de enfermería en Brasil frente a las exigencias, identidad yformación didáctico-histórica de su campo de conocimiento por medio de una revisiónde literatura especializada. Las conclusiones apuntaron para una necesaria reflexión delárea, rompiendo con la lógica meramente instrumental tanto del profesor cuanto delprofesional a ser formado, a medida que el cribo acción-reflexión-acción ocupa lacentralidad de la interacción de los saberes y haceres en una perspectiva humanizada.

Palabras clave: Enfermería. Docentes de enfermería. Formación didáctico-pedagógica.

Recebido em 09/08/10. Aprovado em 22/02/11.

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A formação ético-humanista do enfermeiro: um olharpara os projetos pedagógicos dos cursos de graduação em enfermagem de Goiânia, Brasil *

Juliana de Oliveira Roque e Lima1

Elizabeth Esperidião2

Denize Bouttelet Munari3

Virginia Visconde Brasil4

LIMA, J.O.R. et al. The ethical-humanistic education of nurses: analyzing the pedagogicprojects of the nursing courses in Goiânia (GO, Brazil). Interface - Comunic., Saude,Educ., v.15, n.39, p.1111-25, out./dez. 2011.

This qualitative study with a documentaryresearch design aims to identify anddescribe the inclusion of the ethical-humanistic framework in the PedagogicProjects of the Courses (PPC) of Nursingin the city of Goiânia, state of Goiás. Theresearch was developed in five HigherEducation Institutions through the studyof the PPC, in which we searched forterms that referred to the ethical-humanistic approach. Two categorieswere generated: “The education of theethical-humanistic professional” and“The focus of integrality in the PPCcontext.” Among 218 analyzedsyllabuses, only in forty of them did wefind some term related to the studiedframework. Despite the limited number ofselected syllabuses, the detailed analysisof the documents allowed to identify, inall their extent, relevant theoretical-philosophic aspects of this framework.Thus, the research presents elements thatcan promote reflections, making theprinciples of the ethical-humanisticframework effectively guide thecurriculum reform in accordance with thecurrent Brazilian educational legislation.

Keywords: Nursing education. Pedagogicproject. Curriculum. Humanism. Ethics.

Trata-se de estudo de abordagemqualitativa, com delineamento de pesquisadocumental, cujo objetivo é identificar edescrever a inserção do referencial ético-humanista nos projetos pedagógicos doscursos de graduação em Enfermagem deGoiânia, Brasil. A investigação foidesenvolvida em cinco instituições deEnsino Superior por meio da análise dosreferidos projetos, nos quais buscamostermos que faziam referência à abordagemético-humanista, gerando duas categorias:“A formação do profissional ético-humanista” e “O enfoque daintegralidade no contexto dos projetospedagógicos dos cursos”. Das 218ementas analisadas, em apenas quarentaencontramos algum termo relacionado aoreferencial estudado. A análise detalhadadesses documentos permitiu identificar,em toda a sua extensão, aspectos teórico-filosóficos relevantes desse referencial. Oestudo apresenta elementos que poderãopromover reflexões, fazendo com que osprincípios do referencial ético-humanistasejam efetivamente norteadores dareforma curricular de acordo com a atuallegislação educacional brasileira.

Palavras-chave: Bacharelado emEnfermagem. Projeto pedagógico.Currículo. Humanismo. Ética.

* Elaborado com base emLima (2009), trabalho

vinculado ao Núcleo dePesquisa em Enfermagem

na Gestão,Desenvolvimento de

Pessoas e da Tecnologiade Grupo no Contextodo Trabalho em Saúde

(NEPEGETS).Apoio: Capes.

1-4 Faculdade deEnfermagem,

Universidade Federal deGoiás. Rua 227 Qd 68,

S/N, Setor LesteUniversitário. Goiânia,

GO, Brasil. [email protected]

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1112 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1111-25, out./dez. 2011

Introdução

A institucionalização da enfermagem como área do ensino ocorreu em 1922, na mesma época emque aconteceu o advento da enfermagem brasileira. A partir dessa época, o ensino da enfermagemvem sofrendo grandes transformações nas atividades pedagógicas devido às exigências do mundocapitalista. Em 1961, fixaram-se as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e foi criado o ConselhoFederal de Educação com competência para definir os currículos mínimos dos cursos. Mas foi em 1996que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB foi criada e o conselho passou a serdenominado de Conselho Nacional de Educação. Esse conselho tinha como competência definir asDiretrizes Curriculares Nacionais dos cursos (Lopes Neto et al., 2006; Silva, 1986).

Antes da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), os currículos dos Cursos de Graduação em Enfermagemseguiam modelos norte-americanos e franceses. Após muitas reformulações, o Ministério da Educação,por meio da Resolução nº. 3 CNE/CES de 2001, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para osCursos de Graduação em Enfermagem (DCN/ENF) com o objetivo de orientar os currículos das IES naformação do enfermeiro (Brasil, 2001).

As DCN/ENF descrevem que as IES deverão assegurar ao aluno a formação que valorize a dimensãoética e humanista, favorecendo a ele o desenvolvimento de atitudes e valores orientados para acidadania e solidariedade. As diretrizes determinam os princípios, fundamentos, condições eprocedimentos da formação do enfermeiro, norteando os Cursos de Graduação em Enfermagem naconstrução do seu Projeto Pedagógico do Curso (PPC) , assim, prepararem o futuro profissional para oatendimento e compromisso da saúde da população (Brasil, 2001).

A intenção das DCN/ENF é oferecer diretrizes para que a formação seja desenvolvida por meio decompetências e habilidades, necessitando, assim, de experiências e oportunidades de ensino-aprendizagem que vão além do cognitivo. Por meio da formação por competências, espera-se que ofuturo profissional seja capaz de articular diversos conhecimentos na solução de problemas do cotidiano,relacionando cultura, sociedade, saúde, ética e educação, garantindo capacitação de profissionais comautonomia para assegurar a integralidade da assistência (Fernandes et al., 2005).

Dessa forma, uma mudança nos currículos de enfermagem, que siga as orientações das DCN/ENF,poderá ser um meio de formar enfermeiros críticos, reflexivos, criativos, com compromisso político, ecapazes de enfrentar problemas complexos na área da saúde. Contudo, para que haja a efetivaçãodesse novo modelo curricular, que as DCN/ENF propõem, é necessário que todos os envolvidos nesseprocesso sejam responsáveis pela mudança (Fernandes et al., 2003).

Em toda essa mudança é indispensável que o professor esteja preparado tanto para as habilidadesespecíficas de sua área, como, também, para as habilidades relacionais que podem favorecer oudificultar o aprendizado desejado, pois o docente passa a ser não mais o transmissor, mas sim omediador para se alcançar o conhecimento.

Observando as dificuldades encontradas pelo corpo docente de determinada IES, por ocasião da suareformulação curricular, em que o PPC estava sendo reconstruído com vistas a atender às DCN/ENF,Esperidião (2005) desenvolveu um estudo que, por meio da pesquisa-ação, propiciou amplo debate entreos docentes acerca do processo de construção e tomada de consciência necessários para a formação doenfermeiro pautada no referencial ético-humanista. Neste sentido, a autora destaca que apenas tomarconsciência de algo, não garante que sejam tomadas atitudes que irão concretizar o que está sendoproposto, podendo, entretanto, promover novos investimentos para enfrentar as dificuldades e direcionarações pertinentes ao alcance desejado, mais especificamente à efetivação da mudança curricular.

Ribeiro et al. (2005), ao analisarem e discutirem as DCN/ENF, ressaltando o enfoque ético-humanista, apontam que a discussão gerada nesse documento deixa “clara a preocupação com asolidariedade e cidadania, como saber conviver com o aprender a ser e o aprender a viver juntos,elementos que constituem a essência do humanismo e da ética como mola mestra do comportamentohumano e das ações profissionais” (Ribeiro et al., 2005, p.403).

A necessidade do investimento na formação de profissionais de saúde sob a ótica ético-humanista écondição indispensável para a consolidação do SUS. Qualquer cidadão, na condição de usuário dosserviços de saúde, público ou privado, pode perceber a necessidade de se melhor qualificarem os

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v.15, n.39, p.1111-25, out./dez. 2011 1113COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

trabalhadores da saúde, visto suas dificuldades no atendimento de questões inerentes aos princípioshumanísticos no cotidiano assistencial.

No estudo realizado por Gomes et al. (2008), cujo objetivo foi avaliar a humanização da assistênciahospitalar na percepção de pacientes hospitalizados, numa perspectiva etnográfica, a competênciahumana foi o componente mais destacado. Esta foi caracterizada por atitudes e formas de comunicaçãoe informação onde prevaleceram narrativas que retrataram atitudes de indiferença, grosseria e descaso,poder associado ao status financeiro e ação individualizada, sem espírito de equipe, e, também, acomunicação desfavorável, já que o paciente não era tratado pelo nome, nem olhado com interesse, ea linguagem utilizada era incompreensível à maioria.

A humanização depende de mudanças das pessoas, da valorização em defesa da vida, napossibilidade do aumento do grau de desalienação e de transformação do trabalho em um métodocriativo e prazeroso (Campos, 2005).

Segundo Casate e Corrêa (2005), as mudanças nos currículos de enfermagem, dando destaque àsCiências Sociais e Humanísticas, são de fundamental importância à humanização da assistência, poisestas podem contribuir na busca das abordagens em saúde diante das demandas públicas no setor.

Em 2004, o Ministério da Saúde, reconhecendo graves lacunas no SUS, entre elas, a “falta depreparo dos profissionais para lidar com a dimensão subjetiva que toda prática de saúde supõe”,substituiu o PNHAH (Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar) pela PolíticaNacional de Humanização da Atenção e Gestão no Sistema Único de Saúde, o HumanizaSUS (Brasil,2004a). Os idealizadores dessa proposta pretendiam que a humanização da assistência não fosse vistacomo mais um programa a ser aplicado aos serviços de saúde, mas como uma política transversal, emtoda rede do SUS, que valorizasse os diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde:usuários, trabalhadores e gestores (Brasil, 2004a).

A humanização é um meio de interferência nas práticas de saúde, levando em consideração que osatores envolvidos no processo, quando mobilizados, são capazes de mudar a realidade, transformando asi próprios. E a Política de Humanização só será efetivada se conseguir agregar “o que fazer” com “ocomo fazer”, relacionando conceito, conhecimento e prática (Benevides, Passos, 2005).

Nessa direção, é importante que as IES considerem, na formação do enfermeiro, além dos princípiosdoutrinários do SUS (universalização, descentralização, regionalização, equidade e integralidade), asorientações do HumanizaSUS, as quais são também contempladas nas DCN/ENF. Desta forma, oenfoque ético-humanista poderá contribuir para que os futuros profissionais sejam capazes de valorizaras dimensões subjetivas e sociais da relação interpessoal com seus clientes e com toda equipemultidisciplinar envolvida na assistência à saúde (Brasil, 2004a, 2001).

Tais abordagens levam a considerar que, para se empreenderem ações na área da saúde, é preciso abusca constante de conhecimento, que pode iniciar-se na sala de aula, onde o aluno aprende a refletir,analisar e compreender a prática. Espera-se que este processo continue durante a vida profissional,“pois o conhecimento não é algo acabado, mas uma construção que se faz e refaz de forma dinâmica”(Camacho, Santo, 2001, p.14).

Por essa razão, procurando conhecer a formação do enfermeiro com base nas orientações das DCN/ENF, propusemos este estudo com o objetivo de identificar e descrever a inserção do referencial ético-humanista nos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Graduação em Enfermagem de Goiânia-GO.

Metodologia

Pesquisa documental, que se caracteriza pelo levantamento de dados restritos a documentos,escritos ou não. Esses são classificados segundo a fonte oriunda de: 1) arquivos públicos – municipais,estaduais e federais, arquivos particulares e fontes estatísticas; e 2) documentos escritos, iconografia,fotografias, objetos, canções folclóricas, vestuário e folclore (Marconi, Lakatos, 2006).

O Projeto Pedagógico do Curso (PPC), utilizado como objeto de análise neste estudo, se enquadra,de acordo com a classificação de Marconi e Lakatos (2006), como documento escrito, pois provém defontes de arquivos particulares das instituições participantes.

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1114 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1111-25, out./dez. 2011

O município de Goiânia (GO) possuía, na ocasião da realização da presente investigação, seisinstituições que disponibilizavam cursos de graduação em Enfermagem. Todas foram convidadas aparticipar do estudo, por meio de uma visita da pesquisadora a cada instituição de Ensino Superior, naqual foi feita reunião com os diretores e/ou coordenadores de curso, com vistas a esclarecer a temáticae delineamento da pesquisa.

Já no primeiro contato, duas IES manifestaram-se interessadas em participar da pesquisa e, nas outrasquatro, as coordenadoras do curso se comprometeram a consultar os diretores para um possível aceitena participação. Posteriormente, três delas concordaram em participar do estudo, e uma, após teranalisado a documentação, manifestou-se contrária a fazer parte da presente investigação.

Para a condução da mesma, o projeto que deu origem ao estudo foi aprovado pelo Comitê de Éticae Pesquisa da Universidade Federal de Goiás. Os responsáveis pelas IES oficializaram a participação pormeio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Dessa forma, tivemos cinco instituições participantes, sendo uma pública e quatro particulares. Asinstituições foram denominadas por letras (A, B, C, D e E), para que fosse garantido sigilo quanto à suaidentificação e preservação dos envolvidos, atendendo os princípios éticos da pesquisa desenvolvidacom seres humanos (Brasil, 1996).

A cópia dos PPC foi disponibilizada na íntegra aos pesquisadores, que, tendo em vista os objetivosdo estudo e para facilitar a coleta das informações pertinentes à pesquisa nos projetos, utilizaram uminstrumento que permitiu a análise dos dados gerais da instituição e do curso, dados relacionados aoprocesso de construção dos PPC e a inserção do referencial ético-humanista em toda a sua extensão.

Os dados que emergiram da análise dos PPC foram submetidos à análise qualitativa atendendo asorientações de Bogdan e Biklen (1994), considerando que são voltadas, especificamente, parainvestigação nos contextos educacionais. Os autores sugerem que esse procedimento deve ser realizadopasso a passo e iniciado logo após a coleta dos dados.

De acordo com tais orientações, primeiramente, realizamos várias leituras de todos os PPC com aintenção de preencher os dados do instrumento relativos à caracterização da instituição e do curso. Nasequência e com base no conteúdo e terminologia encontrados nas DCN/ENF (Brasil, 2001), noHumanizaSUS (Brasil, 2004) e em alguns estudos da literatura, como Esperidião (2005); Ribeiro et al.(2005); Almeida (2007), iniciamos o processo de identificação das categorias de codificação, ou seja,palavras ou termos que tratavam do referencial ético-humanista no PPC em toda sua extensão, em áreasou disciplinas que apresentam este enfoque presentes no ementário do curso.

Durante essas leituras, grifamos as unidades de registro que se relacionavam ao referencial ético-humanista, presentes nos PPC das instituições envolvidas. Tal procedimento possibilitou anotar algumaspalavras ou termos que, posteriormente, formaram as seguintes categorias de codificação: ético,humanista, solidariedade, relação interpessoal, valorização e integralidade. Após o entendimento dosentido de cada uma dessas categorias de codificação, foi possível agrupá-las em duas categorias: “Aformação do profissional ético-humanista” e “O enfoque da integralidade no contexto dos PPC”.

Para apresentação de trechos ou aspectos destacados dos dados analisados, os mesmos foramidentificados com a sigla PPC, seguida por uma letra para diferenciar as instituições.

Resultados e discussão

Caracterização das IES e dos cursos de graduação em Enfermagem

O tempo de existência das IES no município de Goiânia varia entre três e 49 anos, enquanto os doscursos de Enfermagem variam entre dois e 34 anos. Todos os cursos das IES investigadas funcionam emregime semestral. Três cursos têm duração de oito semestres e dois têm duração de nove e dezsemestres, respectivamente. Dentre os cinco cursos de graduação em Enfermagem pesquisados, apenasum deles oferece também a opção de Licenciatura em Enfermagem. O turno de oferta dos cursos évariado: um curso oferece vagas no turno diurno, um no turno matutino e noturno, e três oferecemvagas em turno integral. A carga horária total dos cursos varia entre 3.660 e 5.215 horas.

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Em outubro de 2008, foi aprovado, por unanimidade, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), oParecer CNE/CES nº 213/2008, que estabelece a Carga Horária Mínima para o Curso de Graduação emEnfermagem, sendo recomendado o mínimo de 4.000 horas (Brasil, 2008). Esse parecer já sinaliza quealguns cursos de graduação em Enfermagem de Goiânia, que não contemplam essa carga horária,precisarão rever seus PPC.

O total de docentes que formam o quadro efetivo dos cinco cursos de graduação em Enfermagemdas IES investigadas é de 169 docentes, variando entre 27 e 43 docentes por IES. Em relação àqualificação desses docentes, encontramos: 21% doutores, 50% mestres, 28% especialistas e apenas1% graduado em Enfermagem.

Existe, no Brasil, um grande estímulo para a formação dos docentes de nível Superior. O Ministérioda Educação, a fim contribuir com a formação dos docentes, implantou o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG). Instituído já há alguns anos junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior (Capes), em 2004, implantaram o PNPG 2005-2010. Um dos seus objetivosfundamentais é a expansão do sistema de pós-graduação que leve a expressivo aumento do número depós-graduandos requeridos para a qualificação do sistema de Ensino Superior do país, do sistema deciência e tecnologia e do setor empresarial (Brasil, 2004b).

Cada IES organiza sua matriz curricular de modo distinto. Encontramos duas que a organizam emmódulos: em uma delas existe um módulo por semestre, e cada módulo é composto por disciplinas; naoutra, os módulos se conformam em Unidades Pedagógicas e Eixos Temáticos e cada unidade apresentao seu propósito, o que representaria o sentido da ementa. A matriz curricular do curso de enfermagemde outra IES é organizada em Créditos, sendo que cada período possui disciplinas com seus referidoscréditos. Há uma IES cuja matriz curricular está organizada em disciplinas divididas entre os oitoperíodos do curso. Por fim, encontramos, também, conteúdos da matriz curricular distribuídos emNúcleos, e cada um deles composto por disciplinas específicas divididas nos períodos do curso.

A inserção do referencial ético-humanista nos projetos pedagógicos dos cursos

A leitura atenta dos PPC possibilitou identificarmos termos ou palavras que remetessem àabordagem ético-humanista, de acordo com a literatura (Almeida, 2007; Esperidião, 2005; Ribeiro etal., 2005) e com documentos oficiais brasileiros, como as DCN (Brasil, 2001) e o HumanizaSUS (Brasil,2004b), para depois formarmos as categorias de codificação. Assim, as categorias de codificaçãoconsideradas na captação dos dados presentes nos PPC das instituições envolvidas no estudo foram:ético, humanista, solidariedade, relação interpessoal, valorização e integralidade.

Essas seis categorias de codificação, agrupadas de acordo com a análise dos conteúdos dos PPC, emrelação à inserção do referencial ético-humanista, geraram duas categorias: “A formação do profissionalético-humanista” e “O enfoque da integralidade no contexto dos Projetos Pedagógicos dos Cursos”,que exploram os aspectos relevantes acerca do referencial ético-humanista nos PPC das instituiçõesestudadas. A análise destas nos permitiu identificar elementos que indicam a preocupação das mesmasna busca por uma formação que contemple os pressupostos das DCNs e do SUS, relativos à dimensãodo cuidado humanizado.

Em seguida, estes são detalhados na apresentação e discussão das categorias.

A formação do profissional ético-humanista

Essa categoria revela o interesse dos cursos de graduação em Enfermagem investigados em formarprofissionais capazes de proporcionar a assistência mais humana, norteada por princípios éticos,valorizando a pessoa do paciente nos diferentes ciclos da vida. Dessa forma, de modo geral, os cursosdemonstram estar respondendo as orientações estabelecidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais dosCursos de Graduação em Enfermagem (DCN/ENF) (Brasil, 2001)

O ensino de graduação, sobretudo na área da saúde, não pode estar voltado apenas para odesempenho técnico. As instituições de Ensino Superior devem se orientar para uma formaçãoprofissional com competência técnica e científica e, especialmente, com ampla visão da dimensão

A FORMAÇÃO ÉTICO-HUMANISTA DO ENFERMEIRO: ...

1116 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1111-25, out./dez. 2011

humana, no sentido de oferecer, ao aluno, conhecimento e habilidade para falar, ouvir, reconhecer eexpressar sentimentos, desenvolvendo sua própria grandeza como pessoa e profissional (Camillo, Silva,Nascimento, 2007; Kestenberg et al., 2006).

Todos os PPC pesquisados - em sua parte introdutória, onde estão dispostos os objetivos, asresponsabilidades e justificativas para a implantação do curso ou modificação do currículo - descrevem anecessidade de se formarem profissionais éticos e humanistas. O trecho a seguir, retirado de um dosPPC, explicita essa tendência:

[...] o Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Enfermagem apresenta orientaçõespara a preparação de recursos humanos altamente qualificados, exigidos pelo processo dedesenvolvimento nacional, de forma que a deste projeto permite a formação deprofissionais éticos, humanísticos, autônomos, cooperativos, solidários [...]. (PPCA)

Ao proporem este tipo de formação aos seus alunos, profissionais éticos, humanos e solidários, asIES estudadas procuram atender às DCN/ENF e demonstram preocupação com o desenvolvimentohumano dos seus alunos enquanto cidadãos.

A Resolução CNE/CES nº 3/2001 sugere, aos cursos de graduação em Enfermagem, um perfil doprofissional com formação generalista, humanista, reflexiva e crítica, pautado em princípios éticos, deforma a atender às necessidades sociais da saúde, com ênfase no SUS, garantindo a humanização daassistência (Brasil, 2001).

Praticamente todas as IES, ao traçarem o perfil do egresso, trazem explicitamente a formação ético-humanista, ao descreverem que o futuro enfermeiro a ser formado deve ser ético, técnico-científico e,acima de tudo, humano. O fragmento de um PPC comprova a afirmativa:

[...] formação geral para o exercício profissional eticamente rigoroso, cientificamentefundamentado, tecnicamente preciso, socialmente compromissado, humanisticamenteorientado [...]. (PPCC)

No estudo de Silva e Sena (2006a), realizado em quatro IES do Brasil, os participantes tambémmencionam que se tem buscado a construção do perfil de um enfermeiro reflexivo, entendedor dosdeterminantes ético, político, histórico, ideológico e cultural da profissão, conforme proposto pelasDCN/ENF.

No que diz respeito ao desenvolvimento de competências e habilidades gerais e específicas dosfuturos profissionais que estão formando, apenas uma IES deixa de explicitar, em seu PPC, anecessidade de se incluírem, no processo de formação, conhecimentos éticos e humanísticos.

O processo de ensino-aprendizagem precisa ser construído de forma que leve o profissional adesenvolver competência profissional específica, adotando uma visão integral do processo saúde-doençae do ser cuidado, ultrapassando a fragmentação entre o técnico e o humano (Silva, Sena, 2006a).

A preocupação com a formação ético-humanista do enfermeiro também pode ser identificada nosementários dos cursos de todas as IES participantes deste estudo, por meio de termos relacionados àética, conforme ilustra a seguinte afirmação de uma delas:

Estudo da compreensão da ética enquanto dimensão fundamental do ser, das relações entreos seres humanos e do ser no mundo na dimensão do cuidar. (IESB)

A ética é algo inseparável da prática educativa e absolutamente indispensável à convivência humana,pois o ato de educar é sempre um ato ético, e não há como fugir de decisões éticas, desde a escolhade conteúdos até o método a ser utilizado ou a forma de relacionamento com os alunos (Freire, 1998).

Ao documentarem o perfil ou a função dos docentes dos cursos, três IES fazem referência ànecessidade de o professor compreender e respeitar o aluno na sua individualidade, a fim de atender àformação fundamentada nos princípios éticos humanistas. A título de ilustração, destacamos o conteúdodo PPC de uma das IES que aborda esse aspecto com detalhe:

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Compreender, discutir e respeitar as semelhanças e diversidades ideológicas, culturais,políticas, étnicas, de gênero e de outras naturezas, procurando inspirar nos alunos posturaséticas, democráticas e justas [...] desenvolver conduta ética [...] considerar os problemaspessoais do aluno e auxiliá-los quando esses começarem a intervir na sua aprendizagem,relacionamento, auto-estima e vida acadêmica [...]. (PPCC)

Ao indicar, em um documento oficial, as diretrizes em que o professor deve se basear para construirsua relação com o aluno e como alcançar os objetivos do processo ensino-aprendizagem, o própriocurso indica que é necessário, ao docente, compreender e respeitar o aluno na sua individualidade,auxiliando-o nas suas limitações. Dessa forma, o PPC parece sinalizar os caminhos para o docentecontribuir para que o aluno tenha atitudes semelhantes com os seus futuros clientes, ou seja, estaráformando um enfermeiro com postura ética e humana.

Durante a formação do enfermeiro, valorizar o aluno como pessoa, favorecendo o seu fortalecimentoemocional e o reconhecimento de si mesmo, possibilita, ao futuro profissional, uma postura maishumanizada no encontro com o outro, ou seja, maiores habilidades nas relações humanas na assistênciaà saúde (Esperidião, Munari, 2004, 2000).

Assim como as autoras, acreditamos que a formação do enfermeiro necessita de mudanças nocontexto da relação professor-aluno, na medida em que é preciso estabelecer uma relação dialógica, deforma que professor e aluno caminhem juntos na busca do conhecimento, a fim de que o aluno adquirahabilidades para o relacionamento com o cliente.

Segundo Moscovici (2001, p.36), competência interpessoal é a “habilidade de lidar eficazmentecom relações interpessoais, de lidar com outras pessoas de forma adequada às necessidades de cadauma e às exigências da situação”.

Na leitura dos ementários foi possível notar a ênfase dada pelas IES para a formação do enfermeirocom habilidades para o relacionamento interpessoal, tanto entre profissional-cliente, profissional-famíliaou profissional-profissional. Nas ementas das disciplinas da maioria das IES, encontramos dados quesugerem o desenvolvimento da relação interpessoal na formação profissional.

De acordo com Kestenberg et al. (2006), habilidades de interação precisam ser ensinadasconcretamente, sendo, portanto, fundamental estabelecer estratégias de ensino que possibilitem aampliação ou desenvolvimento de habilidades interpessoais nos alunos de enfermagem, pois nem todostrazem esse tipo de habilidade em sua bagagem pessoal, ainda que seja imprescindível na relaçãoenfermeiro-paciente.

Devido à herança de um ensino fragmentado, onde era priorizado o ensino técnico e poucovalorizada a dimensão humana dos profissionais, existem algumas barreiras na prática docente atual, queestão relacionadas às dificuldades encontradas pelo professor para desenvolver as habilidadesinteracionais, tais como: a incapacidade de reconhecer e expressar suas experiências e a dos outros edesenvolver a empatia (Esperidião, 2005).

O enfoque da integralidade no contexto dos Projetos Pedagógicos dos Cursos

Nessa categoria, apresentamos dados referentes à formação de profissionais que valorizam aintegralidade da assistência, com o intuito de garantir a implementação dos princípios do SUS e dasorientações nas DCN.

A integralidade busca a assistência ampliada, transformadora, centrada no indivíduo como um todo,e não apenas na doença ou na dimensão biológica. A integralidade envolve a valorização do cuidado eo acolhimento (Fontoura, Mayer, 2006).

Em seu estudo sobre a integralidade, Santana (2007) descreve que a construção da integralidade docuidado envolve o resgate da dimensão total do ser humano, em seus aspectos biológicos, psicológicos,espirituais e sociais, ou seja, o cuidado global do indivíduo, o cuidado holístico.

A maioria das IES estudadas, na parte introdutória dos PPC, além dos objetivos, missões e propostasdidáticas pedagógicas, apresenta que um curso de graduação em enfermagem precisa colaborar paraque o aluno desenvolva atitudes de cidadania a fim de que, dessa forma, reconheça o seu cliente comoum ser que necessita ser cuidado de forma integral, como sinaliza o trecho a seguir:

A FORMAÇÃO ÉTICO-HUMANISTA DO ENFERMEIRO: ...

1118 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1111-25, out./dez. 2011

[...] para assegurar um ensino que considera os projetos profissionais dos alunos, odesenvolvimento de atitudes e comportamentos condizentes com a formação cidadã e como desenvolvimento cientifico e técnico compatíveis com as necessidades biopsicossociais dapopulação assistida. (PPCA)

Em quase todos os PPC analisados, foi possível identificar o princípio da integralidade ao delinearemo perfil do egresso, como enfermeiro que deve ser capaz de identificar as necessidades biopsicossociaisdo ser humano:

Capaz de atender as necessidades sociais da saúde [...] e assegurar a integralidade daatenção [...] identificando as dimensões biopsicossociais dos seus determinantes [...]Capacitado a atuar... como promotor da saúde integral do ser humano [...], (PPCB)

A resolução CNE/CES nº 3 recomenda que “a formação do enfermeiro deve assegurar aintegralidade da atenção” (Brasil, 2001, p.3). Da mesma forma que as DCN/ENF, ao citarem ascompetências e habilidades do enfermeiro, a maioria dos cursos participantes deste estudo descreveque o profissional deve ter capacidade para cuidar integralmente do seu cliente.

As teorias de enfermagem, de um modo geral, explicitam que o enfermeiro seja o responsável porcuidar do ser humano integralmente, em relação as suas necessidades biopsicosocioespirituais, pois“não dá para falar de partes, mas de um todo que se organiza, que se complementa” (Kestenberg etal., 2006, p.197). Portanto, é preciso que, durante sua formação, o aluno aprenda a desenvolver acompetência que valorize o homem em sua integralidade.

Abordar a integralidade do cuidado na formação do enfermeiro requer uma compreensão do ensinocomo um processo construído coletivamente, em que os sujeitos envolvidos definem as estratégias queamparam o modelo de ensino, uma vez que assumir a finalidade de formar para a integralidade docuidado implica revisitar o pensar e o fazer pedagógico, revelando as concepções de educação quedeterminam a práxis educativa na enfermagem (Silva, Sena, 2008, 2006b).

Em todas as IES, encontramos, pelo menos, uma disciplina cuja ementa traz, explicitamente, algumtermo relacionado à integralidade, indicando a formação do enfermeiro para uma assistênciabiopsicossocial do ser humano, como ilustram os trechos a seguir:

[...] atendimento às necessidades do ser humano enquanto ser holístico, visando seu bemestar. (IESB)

Propõe que o aluno conheça, planeje e interaja o cuidar de enfermagem ao individuo na suaintegralidade em todos os níveis de atenção e saúde [...]. (IESC)

A produção de conhecimentos para a integralidade, resultantes dos saberes e das práticas do ensinoda saúde, exige uma construção teórica contextualizada em movimentos de vontade, desejo emovimento de transformação, capazes de tecer a experiência concreta da vida que lhe dá origem e davida que irá originar.

. Deve-se estabelecer uma nova união entre as culturas científica e humanística, apta a produzir umaescuta singular da realidade (Pinheiro, Ceccim, Mattos, 2006).

Entretanto, a integralidade poderá ser alcançada por meio de um olhar atento que possibiliteapreender as necessidades das ações levando em conta a contextualização. Dessa forma, os profissionaisdevem refletir os alcances e limites da integralidade como tarefa fundamental para a saúde coletiva epara a eficiência e eficácia do Sistema Único de Saúde (Menicucci, 2009; Silva, Sena, 2008; Fontoura,Mayer, 2006).

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v.15, n.39, p.1111-25, out./dez. 2011 1119COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

O referencial ético-humanista nas ementas

Durante a análise do ementário dos cinco cursos de graduação em Enfermagem das IES participantes,analisamos um total de 218 ementas, sendo que em apenas quarenta delas identificamos algum termorelacionado ao significado ético-humanista.

A quantidade de disciplinas, nos PPC, que apresentam algum termo relacionado ao referencial ético-humanista por IES e a especificidade dos conteúdos que contemplam as Ciências Básicas e da Saúde,Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Enfermagem, conforme classificação presente nas DCN(Brasil, 2001), estão ilustradas no Gráfico 1.

Gráfico 1. Disciplinas nos PPC que apresentam algum termo relacionado ao referencial ético-humanista por IES, de acordocom o tipo de ciência. Goiânia-GO, 2008

Qua

ntid

ade

de d

isci

plin

as

IES

A B C D E

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Ciências Básicas e da Saúde

Ciências Humanas e Sociais

Ciências da Enfermagem

É possível afirmar que, em todos os cursos de graduação investigados, há disciplinas que, em suasementas, especificam algum termo relacionado ao referencial ético-humanista. Do total de quarentadisciplinas, 68% encontram-se na área das Ciências da Enfermagem (CE), 25% na área das CiênciasHumanas e Sociais (CHS), 7% na área das Ciências Básicas e da Saúde. Por outro lado, observamos que,em quatro IES (A, B, D e E), não existem disciplinas da área das Ciências Básicas e da Saúde quedescrevem, explicitamente, em seus ementários o referencial ético-humanista.

Dessa forma, embora apenas nas áreas da CHS e CE reconheçamos objetivamente o referencialético-humanista nos ementários dos PPC analisados, torna-se importante saber como esse está sendoimplementado na formação do acadêmico de enfermagem.

A carga horária das disciplinas, que em suas ementas apontam a formação ético-humanista, variaconforme cada instituição: encontramos uma oscilação entre 13% e 26% do total de horas do curso.

Em todas as IES pesquisadas, a distribuição das disciplinas, ao longo do curso, que contêm algumtermo relacionado ao referencial ético-humanista também é variável. O Quadro 1 especifica asdisciplinas com suas respectivas cargas horárias, o momento do curso em que elas são oferecidas(período/semestre) e a área da ciência de que fazem parte.

A FORMAÇÃO ÉTICO-HUMANISTA DO ENFERMEIRO: ...

1120 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1111-25, out./dez. 2011

A análise destes dados possibilita assegurar que, em todas as IES, as disciplinas que contemplam oreferencial ético-humanista se encontram distribuídas do início ao final do curso, levando-nos àconsideração de se tratar de um tema transversal presente nos cursos de graduação em Enfermagem deGoiânia. Os temas transversais são conteúdos educativos, que, mesmo não vinculados às disciplinascurriculares, podem ser considerados comuns a todas elas, que perpassam todo o currículo da escola(Brasil, 2000; Yus, 1998).

Ciência

CE

CHS

CBS

Disciplinas

· Práticas Educativas em Saúde· Teoria Geral da Enfermagem· Introdução à Enfermagem· Bases Teóricas e Técnicas de Enfermagem· Prática Clínica no Processo de Cuidar do Adulto· Sistematização do Cuidar II· Assistência de Enfermagem da Pessoa em CC· Ética e Bioética Profissional· Saúde Mental· Propedêutica da Saúde da Mulher· Cuidado à Pessoa/Família Saúde Mental Psiquiátrica· Enfermagem na Saúde do Adulto· Enfermagem Clínica· Enfermagem na Saúde da Mulher e do RN· Saúde do Adulto II· Enfermagem na Saúde da Criança e do Recém-nascido· Enfermagem na Saúde do Adolescente· Enfermagem na Saúde Mental· Assistência de Enfermagem a Paciente Crítico· Ética e Exercício da Profissão· Atenção à Pessoa/Família em Situação de Risco· Trabalho de Curso I· Saúde Materno Infanto-Juvenil· Administração Aplicada a Enfermagem· Enfermagem Ginecológica e Obstétrica I· Ética e Exercício da Enfermagem· Estágio supervisionado I

· Psicologia do Desenvolvimento no Ciclo Vital· Comunicação· Psicologia· Antropologia e Sociologia· As Dimensões do Humano· Avaliação Clínica e Psicossocial em Enfermagem· Ser Humano, Sociedade e Enfermagem· Psicologia Aplicada à Enfermagem· Filosofia e Ética· Psicologia Aplicada à Saúde

· Bases Morfológicas e Processos de Agravos do Ser Humano I· Bases Morfológicas e Processos de Agravos do Ser Humano III· Bases Morfológicas e Processos de Agravos do Ser Humano IV

CH (hora)

806090808080806045604085

1001401801607070

100408020

12011010040

3302500

40408080

1808060454045

690

9060

120270

Período/semestre

1º1º1º3º4º4º4º4º4º5º5º5º5º6º6º6º6º6º6º7º7º7º7º7º7º7º8º

1º1º1º1º1º2º2º2º3º4º

1º3º4º

Quadro 1. Distribuição das disciplinas das IES pesquisadas que contemplam o referencial ético-humanista, agrupadas porCiência, com suas respectivas cargas horárias e período/semestre

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v.15, n.39, p.1111-25, out./dez. 2011 1121COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

Para Yus (1998), os temas transversais são possibilidades de criação de umanova escola5, centrada na educação para a vida, resgatando o valor da educaçãopara a escola, dos valores humanistas, e que permita o desenvolvimento deindivíduos autônomos, críticos e solidários.

A partir da inserção dos temas transversais no currículo, este ganha maiorflexibilidade e abertura, haja vista que os assuntos podem ser priorizados econtextualizados conforme a realidade local e regional, e outros temas tambémpodem ser incluídos (Brasil, 2000).

Outra constatação obtida por meio do Quadro 1 é a de que, na maioria dasIES, as disciplinas que mais contêm os referenciais ético-humanista são: Psicologia,Ética e Saúde da Mulher.

Em quatro cursos de graduação em Enfermagem, especificamente na disciplinade Psicologia, apresenta-se algum termo relacionado ao referencial ético-humanista. Esse dado pode estar relacionado ao fato de que a disciplina dePsicologia, pela própria natureza, trata de uma especialidade que foca odesenvolvimento humano, a relação entre os indivíduos e entre esses e asociedade.

Martins (2003) afirma que conhecer a natureza humana e o desenvolvimentode atitudes de valorização do homem contribui para a humanização da profissão.Dessa forma, a autora acredita que é fundamental, para os novos currículos decursos da área da saúde, incluir conteúdos de aspectos psicológicos, sociológicos eantropológicos na formação desses profissionais.

A disciplina de Ética também está presente em quatro IES, apresentada apenascom nomes diferentes. Esta disciplina traz um dos conteúdos essenciaisrecomendados pelas DCN/ENF, razão pela qual é necessário que os cursos degraduação em Enfermagem preocupem-se em formar profissionais que valorizemos princípios éticos da profissão. Assim, alguns conceitos de pessoa,responsabilidade, respeito, verdade, consciência, autonomia e justiça precisam serincorporados na formação dos profissionais da área da saúde a fim de nortearem emodelarem as suas ações, pois refletir sobre questões éticas geradas pela vida é abase do código moral e das condutas de um indivíduo (Martins, 2003).

Além disso, são fundamentos que dão base ao próprio SUS, o qual só seconsolidará na medida em que os profissionais de saúde tiverem esses comoprincípios básicos que norteiem as ações de saúde (Menicucci, 2009; Silva,Sena, 2008).

Outra disciplina que também enfoca o referencial ético-humanista em quatroIES é Saúde da Mulher. Entendemos que, possivelmente, este fato relaciona-se àPolítica de Humanização do Parto e Nascimento, instituída pelo Ministério daSaúde anteriormente às Diretrizes Curriculares Nacionais, para os cursos degraduação em Enfermagem que também destacam tais aspectos.

Considerações finais

O estudo realizado em cinco IES que oferecem o curso de graduação emEnfermagem, em Goiânia, permitiu identificar e descrever a inserção doreferencial ético-humanista na formação do enfermeiro. Os resultados deixamclaro que os respectivos Projetos Pedagógicos de Curso procuram atender asDiretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem (DCN/ENF) quanto à formação do enfermeiro norteado por princípios éticos humanistas.

Da mesma maneira que se observa em nível nacional, em Goiânia, aadequação dos Cursos de Graduação em Enfermagem às DCN/ENF é gradativa e

5 Grifo do autor.

A FORMAÇÃO ÉTICO-HUMANISTA DO ENFERMEIRO: ...

1122 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1111-25, out./dez. 2011

não ocorre da mesma maneira em todas as instituições investigadas, pois essa mudança depende demuitas variáveis, entre elas: de políticas institucionais, do compromisso dos envolvidos nesse processo e,ainda, da qualificação do corpo docente.

Neste cenário, as instituições de Ensino Superior, ao formarem o enfermeiro com competênciasrelativas ao referencial ético-humanístico, estarão contribuindo para fortalecer os aspectos dorelacionamento interpessoal, da integralidade da atenção à saúde, e, consequentemente, beneficiar odesenvolvimento da Política Nacional de Humanização, que compartilha dos mesmos princípios teórico-filosóficos voltados ao Sistema Único de Saúde no Brasil.

O presente estudo não pretendeu apresentar maneiras preestabelecidas para a construção/reformulação de projetos pedagógicos de curso, mas, fundamentalmente, identificar e descrever ainserção do referencial ético-humanista nos PPC dos cursos de graduação em enfermagem investigados.Entendemos que, por meio das discussões dos resultados encontrados, abrimos a possibilidade de seapresentarem elementos teóricos que promovam reflexões, a fim de se delinearem alternativas para atransformação dos currículos, favorecendo o atendimento efetivo da atual legislação pelos princípiosteóricos e filosóficos norteadores da reforma curricular.

Considerando que se trata de um tema amplo, além de emergente no atual panorama educacionalda enfermagem no Brasil, visto que envolve articulações com inúmeros fatores, sociais, políticos,econômicos e culturais, temos a convicção da necessidade de se continuar investindo em pesquisas eatividades que promovam tais discussões, para a efetivação do referencial ético-humanista na formaçãodo enfermeiro.

Vimos como é necessário envolver os vários segmentos e atores nas discussões, de forma que asações e seus desdobramentos se fortaleçam com vistas na real e significativa mudança nas práticaseducacionais e da assistência à saúde.

A maioria dos documentos pesquisados não traz, na sua essência e amplitude, o que realmente éfeito na prática. Pois, convivendo durante a pesquisa nas instituições pesquisadas, foi possível notar quemuitas ações em relação ao referencial ético-humanista são desenvolvidas no dia a dia e não estãodescritas nos PPC, da mesma forma que, em algumas IES, o que está apresentado nos PPC não estásendo desenvolvido.

A disponibilização dos documentos pelas IES foi um processo que gerou bastante desgaste por partedos pesquisadores, pois, mesmo tendo deixado claro, no início da pesquisa, para todos os responsáveisdos cursos, que seria necessária a entrega de uma cópia do Projeto Pedagógico de Curso, houve certaresistência de algumas IES, devido à construção deste documento ter sido bastante dispendiosa. Porém,após vários contatos e esclarecimentos, houve a liberação dos documentos.

Vale dizer que, atendendo as questões éticas relativas à pesquisa, colocamo-nos à disposição das IESinvestigadas para que os resultados fossem apresentados e discutidos, com vistas a possíveisencaminhamentos de acordo com a realidade e necessidades de cada uma delas.

Acreditamos que os resultados dessa pesquisa serão dados valiosos tanto para os Cursos deGraduação em Enfermagem que buscam a adequação dos seus PPC às DCN/ENF quanto para novoscursos que estão iniciando essa construção.

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v.15, n.39, p.1111-25, out./dez. 2011 1123COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

Colaboradores

Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito.

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Estudio cualitativo, con delineamiento de investigación documental, cuyo objetivo esidentificar y describir la inserción del referencial ético-humanista en los ProyectosPedagógicos de los Cursos (PPC) de Enfermería en Goiânia, estado de Goiás, Brasil. Lainvestigación fue realizada en cinco Instituciones de Educación Superior (IES) por mediodel análisis de los PPC, en los cuales hemos identificado los términos que se relacionancon el enfoque ético-humanista, produciendo dos categorías: “La formación delprofesional ético-humanista” y “El enfoque de la integración en el contexto de losPPC”. De un total de 218 programas de estudios analizados, en sólo cuarenta de elloshemos encontrado algún término relacionado al referencial estudiado. A pesar de unnúmero limitado de programas seleccionados, el análisis detallado de los documentosha permitido identificar aspecto relevantes en ese sentidos teórico-filosóficos. Así lainvestigación presenta elementos que podrán incentivar reflexiones haciendo con quelos principios del referencial ético-humanista sean efectivamente norteadores de lareforma curricular de acuerdo con la actual legislación brasileña.

Palabras clave: Bachirellato de Enfermería. Proyectos pedagógicos. Curriculum.Humanismo. Ética.

Recebido em 22/02/10. Aprovado em 27/01/11.

nlima
Stamp

Assistência farmacêutica no Sistema Único de Saúde (SUS):percepções de graduandos em Farmácia

Claudia Benacchio Nicoline1

Rita de Cássia Padula Alves Vieira2

NICOLINE, C.B.; VIEIRA, R.C.P.A. Pharmaceutical assistance in the Brazilian NationalHealth System (SUS): Pharmacy students’ perceptions. Interface - Comunic., Saude,Educ., v.15, n.39, p.1127-41, out./dez. 2011.

The aim of this study was to understandthe perceptions of pharmacy studentsfrom a Brazilian public universityregarding the Pharmaceutical Assistance(PA) offered by the National HealthSystem, in light of the political andeducational context in health, with theaim of enhancing the discussion abouteducation in this field. Final yearstudents were submitted to semi-structured interviews, and the resultswere interpreted with the aid of ThematicContent Analysis. In spite of someadvances, the shared perceptions pointedto a gap in the students’ education,regarding their performance in PA. Sucheducation is in a process of consolidation,and there is a need of more adequatemethodological teaching strategies,diversification of teaching-learningscenarios in the health services, andgreater effort from managers, healthprofessionals and educators.

Keywords: Pharmaceutical services.Pharmacy education. Health manpower.

Este estudo teve como objetivocompreender as percepções degraduandos em farmácia de umauniversidade pública brasileira sobre aAssistência Farmacêutica (AF) no SistemaÚnico de Saúde, frente ao atual contextopolítico e educacional em saúde, com aperspectiva de incrementar a discussãosobre a formação para esta área. Foramrealizadas entrevistas semi-estruturadascom estudantes do último ano letivo,sendo os resultados interpretados a partirda análise temática de conteúdo.Verificou-se que apesar de algunsavanços, as percepções partilhadasdemonstram a lacuna existente naformação para a atuação em AF,considerada em processo de construção,indicando a necessidade dedesenvolvimento de estratégiasmetodológicas de ensino maisadequadas, de diversificação dos cenáriosde ensino-aprendizagem nos serviços desaúde, bem como de maiores esforços degestores, profissionais de saúde edocentes.

Palavras-chave: Assistência farmacêutica.Educação em farmácia. Formação derecursos humanos em saúde.

* Elaborado com base emNicoline (2010), pesquisa

sem financiamento,aprovada pelo Comitê de

Ética em Pesquisa daUniversidade Federal de

Juiz de Fora.1 Núcleo de Assistência

Farmacêutica,Superintendência

Regional de Saúde deJuiz de Fora, Secretariade Estado de Saúde de

Minas Gerais. Av. dosAndradas, 222. Juiz de

Fora, MG, Brasil.36.036-000 .

[email protected]

2 Departamento deAlimentos e Toxicologia,

Faculdade de Farmácia,Universidade Federal de

Juiz de Fora.

v.15, n.39, p.1127-41, out./dez. 2011 1127COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

artig

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ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ...

1128 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1127-41, out./dez. 2011

Introdução

Iniciativas governamentais, acadêmicas, institucionais e da sociedade organizada indicam estar emcurso um processo sociopolítico que reflete maior comprometimento com a necessidade de mudançasnas graduações da área da saúde, visando à formação de recursos humanos para atuação no SistemaÚnico de Saúde (SUS), aí incluída a do profissional farmacêutico (Leite, 2008; Ceccim, Feuerwerker,2004).

O debate acerca das mudanças necessárias na graduação em farmácia, do papel social dofarmacêutico e da necessidade de qualificação dos serviços de Assistência Farmacêutica (AF) no SUSvem se ampliando nos meios acadêmicos e governamentais, visto que os medicamentos ocupam lugarhegemônico e de destaque na terapêutica contemporânea (Leite et al., 2008).

O medicamento, quando bem utilizado, mostra-se como o recurso terapêutico de maior custo-efetividade, porém, seu uso inadequado configura um problema de saúde pública mundial. Por um lado,tem-se o acesso deficitário pelas populações menos favorecidas economicamente, implicado na lógicado mercado que visa ao lucro e, por outro lado, o seu uso irracional (Barros, 2004).

Atualmente, a AF, que envolve, além da atuação do farmacêutico, a de outros profissionais, éconceituada como sendo um

conjunto de ações voltadas à promoção, proteção, e recuperação da saúde, tanto individualquanto coletiva, tendo o medicamento como insumo essencial, que visa promover o acessoe o seu uso racional; esse conjunto de ações envolve a pesquisa, o desenvolvimento e aprodução de medicamentos e insumos, bem como a sua seleção, programação, aquisição,distribuição, dispensação, garantia da qualidade dos produtos e serviços, acompanhamentoe avaliação de sua utilização, na perspectiva da obtenção de resultados concretos e damelhoria da qualidade de vida da população. (Brasil, 2004, p.1)

Neste contexto, também é considerado que as ações de AF envolvem aquelas exclusivamentedesenvolvidas pelo profissional farmacêutico, referentes à Atenção Farmacêutica (Atenfar), que éentendida como

um modelo de prática farmacêutica, desenvolvida no contexto da Assistência Farmacêutica ecompreendendo atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades, compromissos e co-responsabilidades na prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, de formaintegrada à equipe de saúde. É a interação direta do farmacêutico com o usuário, visandouma farmacoterapia racional e a obtenção de resultados definidos e mensuráveis, voltadospara a melhoria da qualidade de vida. Esta interação deve envolver as concepções de seussujeitos, respeitadas as suas especificidades bio-psico-sociais, sob a ótica da integralidadedas ações de saúde. (Brasil, 2004, p.1)

A construção destes conceitos, que trazem uma perspectiva de reorientação da atuação dofarmacêutico para os interesses sociais, decorre, sobretudo, da mobilização que se deu a partir do finalda década de 1980. A discussão envolvendo o uso de medicamentos nos serviços públicos de saúdebrasileiros intensificou-se a partir do movimento de reforma sanitária, especialmente a partir de 1988,com a institucionalização do SUS (Perini, 2003).

Na Lei 8.080, de 1990, que estabelece a organização básica das ações e serviços de saúde, constaque, entre os campos de atuação do SUS, está incluída a execução de ações de “assistência terapêuticaintegral, inclusive a farmacêutica”, bem como a “formulação da política de medicamentos” (Brasil,2007b, p.15).

Configura-se uma nova fase no contexto político e institucional de saúde no país, implicando aconstrução de um conceito de AF “capaz de orientar novas posturas profissionais e institucionais queprocuravam se contrapor às ações desarticuladas e submissas ao interesses econômicos” (Perini,2003, p.9).

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Esta proposta de reorientação da AF influenciou importantes avanços, como a Política Nacional deMedicamentos, em 1998, e a Lei de Genéricos, em 1999. Contudo, Vieira (2008) aponta para a lacunade dez anos entre o estabelecimento do SUS e a inclusão da AF na agenda governamental.

O processo de descentralização das ações de saúde e a busca pela consolidação da atenção básica,da universalização do acesso, da equidade e da integralidade em saúde implicaram a necessidade deconformação de novas estratégias para ampliação da capacidade de gestão dos estados e municípios,que passaram a assumir novas responsabilidades, exigindo mobilização de conhecimentos e habilidadestécnicas, gerenciais e políticas no que se refere à AF (Marin et al., 2003).

Destacam-se, porém, em 2003, as deliberações da 12ª Conferência Nacional de Saúde e da 1ªConferência Nacional de Assistência Farmacêutica, que forneceram subsídios para a normatização dasações governamentais na área e se concretizaram, em 2004, na Política Nacional de AssistênciaFarmacêutica (PNAF), aprovada através da Resolução nº 338.

O Conselho Nacional de Saúde preconiza que a PNAF “deve ser compreendida como políticapública norteadora de políticas setoriais”, com destaque para a “de medicamentos, de ciência etecnologia, de desenvolvimento industrial e de formação de recursos humanos” (Brasil, 2004, p.1).

No âmbito do SUS, além da necessária atuação na pesquisa e produção de medicamentos, e junto aserviços gerenciais e de gestão, constata-se a necessidade de o farmacêutico atuar no contato diretocom os usuários do sistema, visando uma farmacoterapêutica racional e a produção do cuidado.

Neste sentido, nos últimos anos, a atuação do farmacêutico na atenção à saúde vem sendo discutidana perspectiva da Atenfar, modelo de prática que aposta no restabelecimento da relação terapêuticaentre este profissional e o paciente (Brasil, 2007a).

Como iniciativa governamental que envolve a inserção do farmacêutico no SUS, dentre outrosprofissionais, para atuação junto às equipes do Programa Saúde da Família, destaca-se a criação dosNúcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), pelo Ministério da Saúde, através da Portaria nº 154, em2008. Com o objetivo de ampliação da resolubilidade e do escopo das ações da atenção básica, para osNASF é previsto fomento financeiro para a contratação, a critério dos gestores municipais, defarmacêuticos para atuação nestes núcleos (Brasil, 2008).

A perspectiva atual é de reorientação da atuação do farmacêutico para a atenção à saúde, numcontexto em que a formação de competências que correspondam às necessidades em saúde dapopulação tem se apresentado como um desafio.

No Brasil, o ensino farmacêutico iniciou-se, formalmente, em 1832, com a criação dos cursos deFarmácia vinculados às escolas de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. Da segunda metade do séculoXIX até o início do século passado, o farmacêutico estabelecia uma relação próxima com a comunidade,a partir de sua atuação como boticário, sua denominação na época (Haddad et al., 2006).

A partir de 1920, com o desenvolvimento da industrialização do medicamento no país,incrementado pela abertura da economia ao capital estrangeiro, teve início um processo dedesaparecimento das boticas (denominação, da época, para as farmácias), implicando a conversão dofarmacêutico em um simples intermediário comercial entre o usuário e a indústria.

Especialmente a partir da década de 1960, verifica-se um desdobramento da profissão para as áreasde análises clínicas e toxicológicas, bem como para a da indústria de medicamentos e de alimentos, oque envolvia habilidades para procedimentos prioritariamente técnicos, desconectados com a atenção àsaúde (Campese, 2006).

Este processo de descaracterização do farmacêutico como profissional de saúde agravou-se,também, em função das lacunas na formação acadêmica em farmácia. Após 1961, quando foipromulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabeleceu os currículos mínimospara os cursos de graduação, tanto no primeiro Currículo Mínimo para os Cursos de Farmácia, do ano de1962, quanto no segundo, de 1969, a concepção de mercado fica clara no perfil desejado do egresso,bem como “a tendência à fragmentação do conteúdo a ser transmitido na formação do farmacêutico”(Haddad et al., 2006, p.173).

Em 1974, “apenas 4% do alunado faziam opção por farmácia, 82% pelo setor de análises clínicas etoxicológicas e 14% pela área de tecnologia” (Estefan, 1986, p.515).

Tal contexto contribuiu com a conformação de problemas relativos à formação tradicional doprofissional farmacêutico, como “a visão tecnicista, com uma atuação exclusiva ou excessivamente

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centrada no ‘produto’ medicamento”, e o “enfoque dado à formação para áreaseminantemente não privativas”, implicando a deficiência na formação de umprofissional voltado para a dispensação do medicamento (Leite et al., 2008,p.275).

No início da década de 1980, no país, 35 instituições ofertavam cursos degraduação presencial em farmácia, sendo sete da iniciativa privada (Estefan, 1986).Já em 2008, existia um total de 353 cursos (64 de instituições públicas e 289 deinstituições privadas) (INEP, 2009).

Após uma década do início do processo de consolidação do SUS, sãoaprovadas, em 2001 e 2002, as novas DCN para os cursos da área de saúde que,além de sua implicação com este sistema, de acordo com Pinheiro e Ceccim(2005, p.23), “correspondeu ao esforço intelectual de romper com o paradigmabiologicicta, medicalizante, hospitalocêntrico e procedimento-centrado, atendendoaos novos desafios da contemporaneidade na produção de conhecimento e naconstrução das profissões”.

Nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Farmácia (DCNF),instituídas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da ResoluçãoCNE/CES-2/2002, tem-se, como perfil do egresso, o profissional farmacêuticocom formação que “deverá contemplar as necessidades sociais da saúde, aatenção integral da saúde no sistema regionalizado e hierarquizado de referência econtra-referência e o trabalho em equipe, com ênfase no Sistema Único deSaúde” (CNE, 2002, p.3).

Embora as DCNF configurem um marco para a educação farmacêutica no Brasile já tenham ocorrido alguns avanços decorrentes do seu estabelecimento, muitosdesafios se colocam para a formação de profissionais com este perfil. Leite et al.(2008) apontam para as dificuldades de se inserirem os farmacêuticos em equipesmultiprofissionais e, ainda, de se sensibilizarem docentes para um maiorcomprometimento com as mudanças necessárias.

O contexto de diversidade de interpretações e de processos de implementaçãodas DCNF nas faculdades de farmácia no país implica a conformação de currículosdistintos, sendo que a ênfase nas disciplinas, como norteadoras do processo dereorganização dos currículos, em detrimento das competências e das estratégiasde ensino e aprendizagem, é também considerada como um obstáculo para aimplementação das DCNF (Ivama et al., 2003).

Além da dificuldade em se apreender como a atuação do farmacêutico em AFpode dar-se na promoção da saúde, Ivama et al. (2003, p.19) apontam, também,para o desafio de se contemplarem, de forma equilibrada, as atividades“relacionadas à tecnologia (pesquisa, desenvolvimento, produção, controle dequalidade) e aquelas relacionadas à atenção a saúde (gerenciais e assistenciais dofarmacêutico)”.

Como iniciativa governamental de integração do ensino farmacêutico com oSUS, destaca-se, em 2007, a ampliação do Programa Nacional de Reorientação daFormação Profissional em Saúde (Pró-Saúde)3, para os cursos de farmácia, dentredemais cursos da área da saúde (Brasil, 2007c). Nesse mesmo ano, também écriada a Associação Brasileira do Ensino Farmacêutico, que deixa clara suaorientação para o SUS (CRF-MG, 2007).

Considerando que as políticas de saúde e educacionais não são suficientes paraa realização de mudanças na formação de profissionais de saúde, Ronzani (2007,p.42) afirma que, para se “ultrapassar a barreira formal das reformas curriculares”,deve ser considerada a “mudança de crenças e atitudes em relação à prática emsaúde”. Nesse sentido, argumenta que “o que os profissionais de saúde,estudantes e professores pensam sobre as práticas em saúde, junto com o

3 O Pró-Saúde,inicialmente, contemploucursos de Medicina,Enfermagem eOdontologia, quandocriado, em 2005, com oobjetivo de promover aintegração da rede deserviços com a formaçãodos profissionais desaúde, qualificando-ospara o atendimento dasnecessidades dapopulação brasileira(Brasil, 2007b).

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contexto em que tais reformas estão inseridas, são situações suficientemente fortes para dificultar aefetividade das ações formais”.

No país, “o debate articulado em torno da educação farmacêutica foi alvo de poucas investigaçõessistemáticas e poucos registros formais” (Soares et al., 2008, p.274). Assim, este estudo teve comoobjetivo compreender as percepções de graduandos em Farmácia da UFJF acerca da atuação em AF noSUS, frente aos contextos sociopolítico e educacional em saúde.

Na perspectiva de verificar o que representa, para esses graduandos, tal campo de atuação, aorientação deste trabalho se deu em função dos seguintes questionamentos: qual noção os graduandostêm acerca da amplitude das ações envolvidas na AF no SUS? O que influencia o interesse oudesinteresse nesta área? Que relação os graduandos estabelecem entre o perfil do farmacêuticopreconizado pelas DCNF, a formação que receberam e a AF no SUS?

Percurso metodológico

Este é um estudo descritivo, exploratório, cujos referenciais metodológicos decorrem dos princípiosda pesquisa qualitativa. Na busca por um espaço mais profundo das relações, processos e fenômenos,de acordo com Minayo (2006), esta abordagem trabalha com significados, crenças, motivos, valores eatitudes, visando uma aproximação com o objeto de estudo. Na pesquisa qualitativa, a realidade étomada como uma construção social da qual o investigador participa, sendo que os fenômenos sópodem ser compreendidos dentro de uma perspectiva multidimensional, em que se levem emconsideração os sujeitos e seus contextos em interações recíprocas (Minayo, 2006).

O campo de estudo escolhido foi a Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Juiz de Fora(FF/UFJF). Após aprovação do projeto, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFJF, foram feitos contatoscom a direção e a coordenação do curso, de forma a viabilizar o acesso às suas instalações da FF/UFJF,aos documentos que descrevessem a estrutura curricular e o Plano Político Pedagógico do curso, bemcomo as listagens dos estudantes, organizados por período, com dados como: telefone, endereçoeletrônico e área de interesse (análises clínicas, medicamentos ou alimentos).

Os sujeitos estudados constituíram-se dos estudantes que estivessem cursando o último ano letivoda graduação. Tal grupo correspondeu à quinta e à sexta turma a se formar sob a orientação do novocurrículo, vigente a partir do primeiro período letivo de 2003.

Dentre os discentes do nono e do décimo período, considerando a necessidade de aprofundamento,da abrangência e da diversidade para o processo de compreensão, se buscou, assim como indicado emMinayo (2006, p.197), uma amostra que reflita “a totalidade das múltiplas dimensões do objeto”.Nesse sentido, buscou-se selecionar estudantes que tivessem optado por disciplinas que refletissemdiferentes áreas de interesse.

Inicialmente, o contato com os estudantes foi feito a partir da participação da autora como ouvinteem aulas teóricas de disciplinas obrigatórias e comuns a todas as áreas. Alguns dos convites paraparticipação na pesquisa foram feitos pessoalmente, nas instalações da FF/UFJF, sendo que outros foramfeitos através de correio eletrônico.

Para a coleta dos dados, foram realizadas 17 entrevistas semiestruturadas, realizadas no segundosemestre de 2009. Como instrumento, utilizou-se um roteiro de perguntas, previamente elaborado comperguntas abertas baseadas nas questões norteadoras/objetivos da pesquisa. O registro das entrevistasfoi feito por meio de gravação em fitas-cassete e, também, em um gravador digital, de forma a seminimizar a ocorrência de perdas das falas. O encerramento da coleta de dados deu-se a partir docritério da saturação, conhecimento formado em campo, após o entendimento das homogeneidades edas diferenciações internas do grupo.

Os procedimentos para a análise dos dados foram desenvolvidos a partir da análise temática deconteúdo, a qual se apoia na noção de tema, que pode estar relacionada a uma afirmação ou a umaalusão. De acordo com Minayo (2006, p.316), esta técnica “consiste em descobrir os núcleos desentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para oobjeto analítico visado”.

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Após a realização das entrevistas, estas foram transcritas, textual e literalmente,e posteriormente impressas, sendo seu conteúdo organizado e categorizado apartir de operacionalização sintetizada por Minayo (2006), que consiste em trêsetapas: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados obtidos einterpretação.

Na pré-análise, inicialmente, foram feitas várias leituras do material e,posteriormente, foram organizadas tabelas impressas contendo as respostas dosestudantes, nas quais foram anotadas as unidades de significação (temas)correspondentes, facilitando o processo de categorização e análise dos dados.

Para a exploração do material, após a apreensão das unidades temáticas, estasforam classificadas e reagrupadas, sendo definidas categorias, organizadas nestetrabalho em: (1) AF no SUS como um campo de trabalho em construção; e (2)Educação farmacêutica para atuação em AF no SUS: desafios e perspectivas. Estascategorias de referência resultaram em um texto descritivo explicitando osaspectos mais significativos, sejam estes semelhantes, divergentes e/ouelementos neutros presentes nos depoimentos analisados. Os estudantesentrevistados encontram-se codificados pela letra ‘E’ seguida de numeração (E.1,E.2, E.3...).

Resultados e discussão

Dos 17 estudantes que participaram da pesquisa, seis do sexo masculino e 11do feminino, com idade média de 23 anos, nove deles tinham como disciplinas deinteresse as relacionadas às Análises Clínicas, seis aos Medicamentos e dois aosAlimentos.

O aspecto tecnicista e “de bancada”, ainda característico da educação e daprática profissional farmacêutica tradicional, mostrou-se refletido na motivaçãoinicial destes estudantes para estudar farmácia, sendo que esta motivação, deforma geral, não foi vinculada diretamente ao futuro exercício profissional naatenção em saúde.

AF no SUS como um campo de trabalho em construção

O entendimento dos estudantes acerca do significado da AF e de suasatividades relacionadas envolveu dois tipos principais de interpretação, discutidoslogo a seguir, a saber: a AF como um campo amplo ou como a prática de Atenfar.

Na primeira perspectiva, muitos consideraram o aspecto logístico para o acessoao medicamento:

“É um campo extremamente amplo [...] abrange tudo na questão domedicamento, da organização, planejamento, aquisição, em volta doplanejamento de distribuição do medicamento”. (E. 4)4

“[...] tem que implantar o ciclo, as etapas, pra você ter o acesso, tantono particular como no público”. (E. 8)

Conforme colocado por Barreto (2007, p.108), no âmbito das práticas dosserviços farmacêuticos “vigora o enfoque no fornecimento dos medicamentos”,sendo que este entendimento limitado da AF “leva a supor que o conceitoadotado na Legislação Federal ainda não está consolidado no país”.

4 As falas dosentrevistados foramreproduzidasliteralmente. Destaforma, foi dispensada aintrodução da expressãosic et simpliciter (sic),considerando-se a mesmaimplícita em todas asfalas.

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Ao se argumentar sobre a limitação da ideia de ciclo da AF, em Perini (2003), é colocado que otermo etapas pode prejudicar a compreensão da AF como um sistema complexo, levando aoentendimento de uma simples sequência de atividades, sendo considerada a “necessidade de umredirecionamento do campo: é preciso ampliar essa percepção, extrapolando a cadeia de gestão domedicamento como foco da conceituação, para que o paciente seja assumido como o usuário domedicamento que necessita ou que participa da assistência à saúde” (Perini, 2003, p.16).

Ainda considerando uma maior amplitude do campo, poucos estudantes entrevistados fizerammenção à produção dos medicamentos e/ou à Atenfar, nestes casos, como fazendo parte da AF.

A visão da AF exclusivamente voltada à atuação em hospitais foi também verificada a partir dodepoimento de alguns dos entrevistados, aspecto também verificado por Furtado (2008, p.109), emestudo junto a coordenadores de cursos de farmácia no estado do Rio de Janeiro.

Quanto à segunda perspectiva que preponderou nos depoimentos sobre AF, a qual envolveorientações aos usuários dos medicamentos, ficou nítido um entendimento voltado à Atenfar comoprincipal ou exclusiva área de atuação.

“A assistência farmacêutica é como se fosse um apoio pro paciente pra ele estar sabendocomo ele deve tomar o medicamento, porque às vezes o médico não explica direito como eledeve tomar”. (E. 12)

Considerando que a Atenfar deva ser compreendida como fazendo parte das ações da AF, a limitaçãoda compreensão da AF como Atenfar parece demonstrar falta de apreensão adequada dos conceitos dasmesmas durante a formação, ou seja, que não está ocorrendo uma integração dos conteúdos, demaneira a garantir a percepção de um cenário abrangente das práticas e áreas de atuação em AF.

Com exceção dos depoimentos de estudantes que estagiaram em secretarias municipais de saúde,não foram mencionadas possíveis atuações em farmácias centrais ou outros departamentos deSecretarias municipais ou estaduais de saúde, em órgãos reguladores, em instituições de ensino e/ou depesquisa e em Laboratórios Oficiais.

Assim como Cordeiro e Leite (2008) e Barreto (2007), a maioria dos estudantes considera a AF noSUS como não devidamente implantada, ainda em processo de construção:

“O farmacêutico não tem espaço no SUS, eu acho que não tem, e a assistência farmacêuticaainda tá muito engatinhando mesmo, precisa de muita coisa pra melhorar [...] a assistênciafarmacêutica ainda tem que acontecer”. (E. 13)

A falta do profissional farmacêutico no sistema público de saúde, como característica do cenáriobrasileiro, também foi muito enfatizada pelos estudantes, permeando as respostas de muitos dosquestionamentos, o que evidenciou sua influência no desinteresse dos estudantes em atuar em AFno SUS.

Outro aspecto que influencia o desinteresse na atuação na área se relaciona à desvalorizaçãoprofissional:

“Não tem retorno no sentido de haver reconhecimento do seu trabalho”. (E. 2)

“[...] não dá dinheiro, a gente vai trabalhar com assistência farmacêutica aonde, pensandodiretamente”? (E. 11)

Não foram localizados estudos acerca das condições salariais dos profissionais farmacêuticos queatuam em AF no SUS, sendo que Vieira (2008) aponta para o fato de que não foram desenvolvidosestudos acerca da relação do número de farmacêuticos que atuam em AF nos serviços públicos emmunicípios e estados.

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Assim como no depoimento a seguir, no estudo de Saturnino et al. (2007) também foramapontados, por estudantes de farmácia, a falta de apoio e incentivo da faculdade como fatores quecontribuem para o desinteresse dos estudantes pelas atividades relacionadas ao SUS.

“Eu não sei se o que é dado na faculdade inspira tanto os estudantes a querer trabalhar noSUS, porque a idéia que se tem é que você vai trabalhar muito pra ganhar pouco e ser maltratado [...] falta um direcionamento pra saúde pública”. (E. 4)

Embora alguns poucos sujeitos percebam o SUS como efetivo e importante para a populaçãobrasileira, verificou-se que a maioria dos estudantes o considera como “bom só na teoria”, comprofissionais descompromissados e/ou desqualificados.

Quanto aos poucos estudantes que declararam ter interesse em atuar em AF no SUS, tal interesse érelacionado com a possibilidade de inovação na área, consideração que vai ao encontro da percepção deuma área de trabalho em construção.

Considerando o contexto em que vem sendo esboçada uma mudança de paradigma para a profissãofarmacêutica e de demandas por serviços farmacêuticos de qualidade, Cordeiro e Leite (2008, p.21-2),ao discutirem sobre comentários de que “a profissão farmacêutica está em crise”, argumentam que “émuito bom estar em crise”, no sentido de que

etimologicamente, crise (crítica) vem de busca da verdade. [...] a tão propalada “crise” ou“procura de identidade” são aspectos salutares, dinâmicos, geradores de reflexões e de umapráxis motivacional direcionadas para as mudanças exigidas por um novo século. (Cordeiro,Leite, 2008, p.22)

Educação farmacêutica para atuação em assistência farmacêutica no SUS:desafios e perspectivas

A percepção de que o momento é de transição também no âmbito da educação farmacêuticaigualmente fica demonstrada nas falas dos estudantes, numa perspectiva de que a qualidade daformação está imbricada com a dos serviços de saúde:

“[...] inserindo o farmacêutico no SUS, eu acho que isso implicaria imediatamente numamelhora do sistema educacional mesmo, da formação do farmacêutico, acho que isso vai virde cima, mas eu acho que já está mudando [...] futuramente vai ter um impacto positivo”.(E. 9)

Tal momento de mudanças também é avaliado por estudantes de farmácia ligados ao movimentoestudantil em nível nacional, sendo percebido, em relação às dificuldades inerentes à implantação dasDCNF, que

estamos em uma zona cinzenta. Um momento de transição que provoca certa inquietude,desconhecimento e ansiedade. Isso é gerado pelo momento atual, onde temos aimplantação parcial do novo projeto de educação farmacêutica. (EXECUTIVA NACIONALDOS ESTUDANTES DE FARMÁCIA, 2008, p.4)

Considerando que as DCNF preconizam a formação de um profissional que atue em prol datransformação social, ao serem questionados sobre o papel social do farmacêutico, dentre asconsiderações feitas pelos estudantes, destaca-se:

“Eu acho que tem que sair um pouco do papel [...], cansei de teoria já, cansei de ouvir ofarmacêutico e seu papel, tá bom, mas você tá exercendo onde e quando? [...] não adiantanada ter um papel no papel e na prática não ter nada”. (E. 5)

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Embora seja percebida uma maior proximidade entre o que é preconizado e arealidade do curso, em função de disciplinas5 que procuram uma aproximação comconteúdos e práticas relativos à AF ao SUS, estas não são devidamente conduzidase valorizadas pela maioria dos estudantes. A relação que a maioria destesestabelece da temática ‘social’ com a experiência vivenciada na formação revela,de certa forma, um distanciamento do curso com conteúdos ou vivências noâmbito coletivo.

“Apesar de estar escrito, isso é uma coisa que eu sinto falta no curso,não tem nada de humanista, pelo contrário, a gente chega aqui e ficaassim, focado, mais nesse caso de orientar sobre o medicamento,orientar como deve usar, não é nem uma atenção farmacêutica”. (E. 6)

“Chega nestas matérias, assim, a gente sempre desconsidera umpouco [...] a gente acredita que uma matéria de assistênciafarmacêutica, você usa o bom senso, decora umas oito palavraschave, então a gente acaba que não dedica tanto assim, são matériasque a gente lê”. (E. 8)

“A gente na verdade não leva estas matérias à sério”. (E. 11)

Nascimento Júnior (2007, p.59) considera que, a exemplo de outros cursos daárea da saúde, a maioria dos estudantes e professores de farmácia não gosta doscursos de Saúde Pública ou de Saúde Coletiva, por serem teóricos, refletindo umlongo período de distanciamento da educação farmacêutica em relação aosserviços públicos e políticas de saúde.

No que tange à necessidade de aproximação dos estudantes da área da saúdecom a sociedade,

as questões de aprendizagem devem ser significativas do ponto devista social (cultural, epidemiológico, social, econômico, etc.), porquesomente assim são capazes de propiciar a produção de conhecimentoe a conformação de um perfil profissional que dialogue com arealidade social e com os problemas e as políticas de saúde do país.(Feuerwerker, Cecílio, 2007, p.968)

Dentre as percepções dos sujeitos acerca do papel social do farmacêutico,alguns estudantes consideram este como sendo o de se garantir o acesso aosmedicamentos.

Considerando a necessidade da inserção da AF no conjunto das ações desaúde, argumenta-se que não se trata de apenas se promover o acesso amedicamentos, mas, sim, o acesso a serviços de saúde de qualidade quepromovam a integralidade da assistência (Brasil, 2009).

Numa outra perspectiva, vários dos sujeitos consideram tal papel socialcomo relacionado a práticas referentes à Atenfar:

“O papel social do farmacêutico estaria mais ligado à parte deatenção farmacêutica em si, este contato mais ligado ao paciente, prapoder instruir ele em relação aos medicamentos, como que deveadministrar o medicamento, em relação aos efeitos adversos, atémesmo indicações em relação à saúde mesmo, alimentação, exercíciofísico, porque é uma coisa que o farmacêutico pode realizar”. (E. 13)

5 Atualmente, no que serefere à AF e ao SUS, o

curso da FF/UFJF ofereceas disciplinas:

Planejamento eGerenciamento em

Saúde, Saúde Coletiva eEpidemiologia, Sistemas

de Saúde, Estudos deUtilização de

Medicamentos; bemcomo cinco disciplinas

denominadas AtividadesOrientadas:

Reconhecimento do SUS,Diagnóstico Local em

Saúde, Inserção doFarmacêutico no SUS,

Assistência Farmacêuticae Atenção Farmacêutica.

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“Eu acho que é orientar o paciente quanto ao uso da medicação, quanto a como fazer oexame, higiene pessoal”. (E. 5)

A aproximação com o ‘social’, além do contato com o usuário de medicamentos para lhe fornecerorientações, passa também pela ideia da Educação em Saúde, no sentido de se proveremaconselhamentos acerca da higiene e dieta pessoal e de se promoverem palestras e campanhas junto àcomunidade.

Tal aspecto indica que a ideia de atuação do farmacêutico como limitada ao repasse de informaçõestécnicas reflete a permanência

do modelo hegemônico na prática profissional que, verticalmente, preconiza a adoção denovos comportamentos [..]. Desconsidera-se que no processo educativo lida-se comhistórias de vida, um conjunto de crenças e valores, a própria subjetividade do sujeito querequer soluções sustentadas sócio-culturalmente. (Gazzinelli, Reis, Penna, 2005, p.201)

A importância da inserção, na estrutura curricular do curso de farmácia, de disciplinas da área dasciências humanas - no caso, a antropologia - também foi colocada:

“O nosso curso, da área de saúde, é o único que não tem antropologia [...] é uma coisa quepoderia humanizar o profissional [...] a gente, farmacêutico que é industrial, não que ele nãoseja sensível, mas ele é desumanizado, porque a indústria prega a venda de medicamentos,não importa se vai fazer bem ou mal pra pessoa, o negócio é produzir e vender”. (E. 11)

No que tange ao desenvolvimento de habilidades humanísticas para melhor interação dofarmacêutico com os usuários e a equipe multidisciplinar, as deficiências da formação em farmácia sãotambém apontadas por Campese (2006) e Leite et al. (2008). Contudo, a inclusão de disciplinas comunsàs áreas das ciências humanas e sociais, também proposta pelas DCNF, tem sido considerada como umdos desafios da implementação destas diretrizes, de acordo com Furtado (2008).

Quando questionados a respeito de qual relação eles estabelecem entre a capacitação para se atuarna atenção à saúde e a formação que receberam, alguns estudantes manifestaram dúvidas e receiosrelativos ao preparo para esta atuação, embora seja reconhecida a tentativa do curso para tal.

“Não sei se a gente foi tão bem preparado assim não, eu acho que vai precisar muitoempenho [...]a gente é mais laboratorista mesmo”. (E. 8)

De forma correspondente, Saturnino et al. (2007, p.2304), em trabalho junto a graduandos defarmácia, apontam que o “despreparo dos profissionais recém-formados para atuarem na complexidadeinerente ao sistema público de saúde é uma constatação freqüente, assim como a dificuldadeencontrada por eles em compreender a gestão e o controle da sociedade sobre o setor”.

O fato das DCNF apresentarem parâmetros “amplos e genéricos, marcados pela possibilidade devariadas interpretações”, conforme colocado por Nascimento Júnior (2007, p.59), não garante aexistência de “componentes curriculares que assegurem a formação de farmacêuticos qualificados noâmbito do medicamento e da assistência farmacêutica”.

Grande parte do grupo estudado percebe a necessidade: de maior proximidade com conteúdosenvolvendo a administração e o planejamento de serviços farmacêuticos; do desenvolvimento deestratégias metodológicas de ensino mais adequadas, e da continuidade e integração dos aprendizados.

Nascimento Júnior (2007, p.59), ao apontar para o questionamento de “como conseguir a “adesão”do aluno se os próprios professores não acompanham a evolução cotidiana do SUS, e não dispõem deconhecimentos e vivências no sistema de saúde”, argumenta que

Os professores dos cursos de farmácia (todos, não só aqueles titulares das disciplinas daárea) devem conhecer o sistema de saúde vigente, suas características [...] e relacioná-lo comos conteúdos que estão sendo ministrados.

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Já o estudo de Furtado (2008) demonstra que docentes de farmácia consideram que direcionar aeducação farmacêutica para atender ao SUS, tal como é indicado pelas DCNF, pode representar a perdade espaço profissional no mercado de trabalho. Esta autora destaca a importância do desenvolvimentodocente, da adoção de novas concepções educacionais que utilizem metodologias ativas de ensino e dadiversificação dos cenários de ensino-aprendizagem.

Neste sentido, quase a totalidade dos estudantes apresentou discursos enfáticos no sentido davalorização das práticas junto aos serviços de saúde. Também no trabalho de Saturnino et al. (2007) foiverificada a importância dada por estudantes de farmácia à articulação entre a teoria e a prática.

Considerando que as vivências práticas em AF dos entrevistados ocorrem não como estágiosobrigatórios, mas como atividades vinculadas a projetos pontuais que dependem da concessão debolsas, os estudantes demonstraram insatisfação em relação a esse aspecto:

“[...] se não tem bolsa, não existe, então ninguém faz? A pessoa forma sem fazer, por quê? Écomplicado porque é uma coisa que todo mundo devia fazer, independente de ter bolsa ounão”. (E. 3)

No trabalho organizado por Pinheiro, Ceccim e Mattos (2005), aponta-se para a importância dadefinição e dos pressupostos de seleção dos cenários de aprendizagem, considerando o impacto destesna formação dos profissionais de saúde e seu aprendizado sobre a prática do cuidado e do exercício daprofissão.

Apesar da necessidade de o estudante “compreender como ocorre o encaminhamento, entrada,fluxo e saída em cada serviço”, conforme enfatizado em Pontes et al. (2005, p. 266), a ampliação doscenários de ensino aprendizagem em AF encontra algumas dificuldades:

“Vamos ver onde estão os farmacêuticos, o que eles estão fazendo, mas isto não depende sóda vontade da faculdade, depende da vontade dos gestores também, o que não é fácil,então você tendo não só a visão de UBS, mas de outros setores do SUS eu acho que seriamais interessante, ia gerar mais interesse dos estudantes”. (E. 4)

Embora a inserção de estudantes e docentes nos serviços de saúde possa implicar a reorganizaçãodos trabalhos aí desenvolvidos, os depoimentos dos entrevistados demonstram que sua participaçãonestes serviços tanto não possibilitou uma aprendizagem mais abrangente, como não proporcionoucondições para que influenciassem nos processos de trabalho em curso.

“Eles não deram abertura pra gente ficar fazendo assistência farmacêutica [...] a gente fica láconversando... isso não é assistência farmacêutica, ah, pegar o omeprazol, tá aqui, não é né,eu acho que tinha que ser um estágio bem feito sabe, bem elaborado”. (E. 11)

De acordo com Pontes et al. (2005, p.270), “as escolas buscam formar um tipo de profissional queatue segundo uma lógica diferente da que se encontra nos serviços” sendo, porém, solicitado, aoestudante, que tenha “postura, prática e discurso diferentes dos trabalhadores na realidade dosserviços”. Para finalizar esta discussão, considerando que esta problemática se aplica à formação emfarmácia, aponta-se para a dificuldade de se encontrarem serviços onde a AF esteja implantada, o querepresenta um paradoxo para as instituições formadoras. Esta situação, de certa forma, fica demonstradanestas últimas falas:

“A gente aprende na teoria como é lindo a atuação do farmacêutico na assistênciafarmacêutica, mas a prática demonstra outra realidade”. (E. 14).

“Todos estão aprendendo, como fazer o farmacêutico, que era técnico, laboratório só, incluirele no atendimento ao paciente, é uma coisa que vai levar tempo”. (E. 15)

ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ...

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Considerações finais

Com este trabalho, buscou-se contribuir para a reflexão de como os saberes relacionados à AF noSUS estão sendo construídos pelos graduandos em farmácia, bem como para a sistematização deprocessos históricos em curso relativos às mudanças na educação farmacêutica. Apesar de algunsavanços terem sido reconhecidos, caracterizando um momento de transição, as diversas percepçõespartilhadas pelos estudantes pesquisados demonstram a lacuna existente na formação de profissionaisfarmacêuticos para a atuação em AF no SUS. Nota-se que as transformações ocorridas nos âmbitospolítico e educacional em saúde na última década parecem não refletir adequadamente a importânciada capacitação para tal área. Paralelamente a este contexto, também no âmbito das práticas em saúde,muitos são os desafios para a qualificação da AF, o que inclui a sua adequada inserção nos serviços doSUS, com vistas à integralidade da atenção.

Entendendo como fértil o momento de transição pelo qual passa a profissão farmacêutica, aponta-separa o desafio de como se formar para a AF no SUS, diante de um contexto em que não se tem a AFdevidamente implantada nos serviços de saúde.

Acredita-se que tal desafio só será enfrentado a partir do entendimento de que a construção de umaAF de qualidade no país passa, necessariamente, pelo investimento de mais esforços, por parte degestores, docentes e profissionais das IES e das secretarias estaduais e municipais de saúde, para aconformação de parcerias que subsidiem a produção de conhecimento em AF e a capacitaçãoprofissional dos futuros farmacêuticos.

Colaboradores

Claudia Benacchio Nicoline é autora da dissertação de mestrado que deu origem aoartigo. Rita de Cássia Padula Alves Vieira foi responsável pela orientação da dissertaçãoe responsabilizou-se pela revisão do manuscrito.

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NICOLINE, C.B.; VIEIRA, R.C.P.A.

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NICOLINE, C.B.; VIEIRA, R.C.P.A. Asistencia farmacéutica en el Sistema Único de Saludbrasileño (SUS): percepciones de graduandos en Farmacia. Interface - Comunic.,Saude, Educ., v.15, n.39, p.1127-41, out./dez. 2011.

Este estudio tuvo como objetivo comprender las percepciones de estudiantes defarmacia de una universidad pública brasileña sobre la Asistencia Farmacéutica (AF) enel Sistema Único de Salud, frente al actual contexto político y educacional de salud, conla perspectiva de incrementar la discusión sobre la formación para esta area. Fueronrealizadas entrevistas semi-estructuradas con alumnos del último año lectivo, siendolos resultados interpretados a partir del análisis temático del contenido. Se verificó quea pesar de algunos avances, las percepciones compartidas demuestran la lagunaexistente en la formación para la actuación en la AF, considerada en proceso deconstrucción, indicando la necesidad de desarrollo de estrategias metodológicas deenseñanza más adecuadas, de diversificación de los escenarios de enseñanza-aprendizaje en los servicios de salud, así como de mayores esfuerzos de gestores,profesionales de salud y docentes.

Palabras clave: Asistencia farmacéutica. Educación farmacéutica. Recursos humanosen salud.

Recebido em 18/09/10. Aprovado em 03/02/11.

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Formação do psicólogo para a saúde mental:a psicologia piauiense em análise

João Paulo Macedo1

Magda Dimenstein2

MACEDO, J.P.; DIMENSTEIN, M. Psychologist education in the field of mental health:Piauí’s psychology under analysis. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.1145-57, out./dez. 2011.

This study discusses the curricularproposals of the psychology courses of thestate of Piauí (Northeastern Brazil) for thefield of mental health. We analyzed thepedagogical project and curricularorganization, and also the way in which thepsychology courses have invested theircurriculum contents in the promotion andappropriation of principles, concepts andpractices for the effective accomplishmentof the psychiatric reform and of thepsychosocial care strategy. A documentalanalysis was performed, as well as semi-structured interviews with coordinators ofthe three courses in the capital city. Theresults indicate that, despite the progress inthe incorporation of the discussions aboutpublic and mental health, and the action ofpsychologists in social-communitycontexts, the curricula maintain a clear andtraditional dichotomy between the clinicand public health; they do not advancemuch regarding the new knowledge andpractices to consolidate the psychiatricreform in the state; and they maintain theasylum and psychosocial models in thetraining and intervention ways ofpsychologists in Piauí’s mental health.

Keywords: Psychiatric reform. Mentalhealth. Psychologist’s professionaleducation. Curriculum.

Este estudo discute as propostascurriculares dos cursos de psicologia doestado do Piauí, Brasil, para o campo dasaúde mental. Para tanto, analisamos oprojeto pedagógico e a organizaçãocurricular, além da maneira com que oscursos têm investido seus conteúdoscurriculares na promoção e apropriaçãode princípios, saberes e práticas paraefetivação da reforma psiquiátrica e daestratégia de atenção psicossocial. Foramrealizadas pesquisa documental eentrevista semiestruturada com oscoordenadores dos três cursos da capital.Os resultados indicam que os currículos,apesar do avanço na incorporação dosdebates da saúde coletiva e saúde mental,bem como da atuação do psicólogo emcontextos social-comunitários, mantêmuma nítida e tradicional dicotomia entreclínica e saúde coletiva; avançam poucoem relação aos novos saberes/práticaspara consolidar a reforma psiquiátrica noestado; mantêm os modelos asilar epsicossocial nos modos de formar eintervir dos psicólogos na saúde mentalpiauiense.

Palavras-chave: Reforma psiquiátrica.Saúde mental. Formação profissional dopsicólogo. Currículo.

* Agradecemos peloapoio financeiro da

Coordenação deAperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior(Capes).

1 Departamento dePsicologia, Universidade

Federal do Piauí. CampusMinistro Reis Veloso,

Nossa Senhora de Fátima,Parnaíba, PI, Brasil.

[email protected]

2 Departamento dePsicologia, Universidade

Federal do Rio Grandedo Norte.

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FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO PARA A SAÚDE MENTAL: ...

1146 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1145-57, out./dez. 2011

Introdução

Este artigo apresenta reflexões sobre a formação dos psicólogos piauienses para a saúde mental. Paratanto, partimos do questionamento sobre como a formação dos psicólogos piauienses tem se organizadopara que seus profissionais atuem em consonância com os princípios da reforma psiquiátrica e do SUS.Ou, de outra forma, interessa-nos saber se os cursos de psicologia do Piauí têm contribuído com aformação de profissionais que fortaleçam o processo de luta antimanicomial e o enfrentamento dosdesafios que a política de saúde mental encontra no estado, bem como no país.

Duas questões de base impulsionaram a realização desse trabalho. Primeiro, a que se refere sobre atardia implantação dos primeiros serviços extra-hospitalares e de base territorial em saúde mental noPiauí. Somente no ano de 2004, 17 anos depois de implantado o primeiro Centro de AtençãoPsicossocial do Brasil, o Caps Luís da Rocha Cerqueira (1987), em São Paulo, houve a implantação dosprimeiros serviços substitutivos em território piauiense (Rosa, 2006). Em segundo lugar, tambémtivemos uma implantação tardia dos primeiros cursos de psicologia no Piauí. Somente no ano de 1997,44 anos depois da criação do primeiro curso de psicologia do Brasil na PUC-RJ (1953) (Jacó-Vilela,1999), é que registramos a abertura dos primeiros cursos de psicologia no estado.

Entretanto, apesar dos referidos atrasos, observamos um rápido crescimento do número de serviçossubstitutivos e demais dispositivos em saúde mental implantados no Piauí a partir do ano de 2004 (Rosa,2006). Contávamos, inicialmente, com um único Caps (não registrado no Ministério da Saúde) em2002, e avançamos para 36 serviços em 2010 (Piauí, 2009; Brasil, 2003). Tendência essa tambémvisualizada em todo o país, quando avançou de 424 CAPS, em 2002, para 1.541 serviços em 2010(Brasil, 2010).

Por isso a preocupação quanto à formação profissional e as transformações ocorridas nesse campo,tendo em vista o rápido crescimento dos serviços e o objetivo de consolidar e fazer avançar novaspráticas em torno da reforma psiquiátrica e da atenção psicossocial. Nesse caso, questionamos em quemedida os cursos de psicologia localizados em Teresina-PI têm acompanhado e, de alguma maneira,respondido aos desafios (teórico-prático e ético-político) que têm surgido no campo da saúde mental.

Não obstante, apresentaremos um estudo implicado com os debates que têm circulado no país, naúltima década, sobre o fortalecimento da atuação do psicólogo no SUS, consequentemente, na saúdemental. Ou seja, são discussões que tentam construir novos “modos de fazer a formação (princípios emétodos) pelo o ethos da integralidade e da indissociabilidade entre cuidar, gerir e formar” (Heckert,Neves, 2010, p.17).

Para tanto, situaremos o cenário em que o processo de reforma psiquiátrica e a abertura dos cursosde psicologia no Piauí foram constituídos. E, em seguida, realizaremos a análise da formação dopsicólogo piauiense para atuar na saúde mental.

Cenário da Reforma Psiquiátrica e da abertura de cursos de psicologia no Piauí

Considerando a realidade nacional, identificamos que a rede de atenção psicossocial do Piauí, nosúltimos seis anos, teve um surpreendente crescimento do ponto de vista da abertura de novos serviços.Esse não foi um processo simples, pois sua efetivação ocorreu meio a intensas (e tensas) negociaçõesentre a coordenação estadual de saúde mental e os gestores municipais. Sendo que, quase sempre, foium processo intermediado pelo Ministério Público Estadual, através de Termos de Ajustes de Conduta(TAC); e, em outras, houve participação dos movimentos sociais.

O fruto de tais investidas foi o surpreendente número de Caps abertos no Piauí nos últimos anos,resultando num total de 36 Caps, distribuídos em 26 municípios, além da instalação de quatro ServiçosResidenciais Terapêuticos (SRT) (três na capital e um no interior) – que reúnem 24 moradores, dos quais21 são beneficiários do Programa de Volta para Casa (PVC) e os demais estão incluídos no programa deBenefício de Prestação Continuada (BPC). Ademais, contamos com 49 leitos de psiquiatria em hospitaisgerais, sendo trinta localizados na capital e 19 distribuídos no interior do estado (Piauí, 2009).

A estruturação dessa rede de serviços resultou no incremento de 3% para 66% da populaçãocoberta em cuidados em saúde mental no estado (Brasil, 2009, 2003). Fora isso, a coordenação estadual

MACEDO, J.P.; DIMENSTEIN, M.

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v.15, n.39, p.1145-57, out./dez. 2011 1147COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

tem se esforçado para finalizar sua gestão com vinte novos projetos de Capsenviados para o Ministério da Saúde, para consolidar a rede de serviços em saúdemental em todo o estado (Piauí, 2009).

A abertura dos serviços substitutivos no Piauí a partir de 2004 viabilizou acontratação de vários psicólogos na rede SUS (nível básico e especializado deatenção) em todo o estado, inclusive alcançando outras redes de cuidado eproteção social, especialmente na assistência social. Fato que contribuiu, semdúvida, com a interiorização do profissional de psicologia entre os muitosmunicípios existentes no estado.

Realidade também percebida em todo o Brasil, que conta com: 1.541 CAPS,1.165 Núcleos de Apoio Saúde da Família (NASF) (Brasil, 2010) e 6.184 Centrosde Referência da Assistência Social (CRAS)3 instalados em todo o territórionacional. Portanto, serviços que se configuram como importantes dispositivos deinteriorização da profissão no país.

Para comentar sobre o grau de expansão do número de psicólogos no Piauí,especialmente na saúde, destacamos o ano de 1998, ano de abertura dosprimeiros cursos de psicologia no estado, e que contávamos com apenas 119psicólogos registrados na 11ª Regional do Conselho de Psicologia - Seção PI.Desses 119 psicólogos, somente 38 (31,93%) atuavam em instituições públicas e/ou privadas conveniadas ao SUS (Dimenstein, 1998).

Decorridos um pouco mais de dez anos, contamos, atualmente, com 1.125profissionais registrados na mesma seccional4, sendo 208 (18,48%) o número depsicólogos que atuam no SUS5. Apesar de proporcionalmente termos registradouma queda de 13,45% no percentual de psicólogos atuando na saúde pública doPiauí, cerca de outros 257 psicólogos (22,84%) se inseriram nos serviços deproteção social da assistência social (CRAS e CREAS)6, além da presença de outros67 profissionais nas entidades não governamentais (Associações, Fundações,ONGs etc.) (IBGE, 2006). Dado que, somado àqueles profissionais queingressaram na Saúde, confere um índice de institucionalização de 47,28% daprofissão nos aparelhos do Estado, através das políticas que compõem a seguridadesocial brasileira.

Tal crescimento é resultante do funcionamento dos três cursos de psicologialocalizados em Teresina: a) Universidade Estadual do Piauí (UESPI) – com seu cursofundado em 1997 (mas em funcionamento somente em 1998), conta com cercade quatrocentos alunos graduados até o ano de 2010; b) Faculdade SantoAgostinho (FSA) – com seu curso fundado em 1998, conta com cerca desetecentos e vinte alunos graduados até o ano de 2010; e c) Faculdade IntegralDiferencial (FACID) – com seu curso fundado em 2002, conta com cerca detrezentos alunos graduados até o ano de 2010. Esses três cursos juntos oferecemum total de 425 vagas/ano (25 UESPI, duzentas FSA e duzentas FACID).

Mais recentemente, e acompanhando o forte movimento de interiorização daprofissão (reflexo de um processo que vem se dando em todo o país), foramabertos outros três cursos de psicologia, mas, agora, no interior estado do Piauí.Fato que amplia para seis a quantidade de cursos de psicologia existentes,integralizando outras 175 vagas/ano (25 UESPI - Campus Floriano, cem UFPI -Campus Parnaíba, e cinquenta, Faculdade Piauiense (FAP) – Parnaíba). Portanto,um total de seiscentas vagas/ano.

Nota-se, a partir disso, quão acelerado vem se dando o processo de expansão,tanto da rede psicossocial do estado quanto do número de agências formadoras depsicólogos existentes no Piauí. Consequentemente, também tem aumentado onúmero de profissionais inseridos no mercado de trabalho, inclusive no campo daspolíticas públicas nos últimos seis anos.

3Informação recuperadapelo CadSUAS em

novembro de 2010.

4 Informação concedidapelo CRP11, Seção PI,em fevereiro de 2010.

5 Informação recuperadapelo DataSUS em

novembro de 2010.

6 Informação recuperadapelo CadSUAS em

novembro de 2010.

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É importante considerar que tal movimento de expansão da rede de serviços em saúde mental e daPsicologia no Piauí foi contemporâneo ao forte debate e aos inúmeros obstáculos/desafios em relaçãoao processo de Reforma Psiquiátrica e ao movimento de mudanças e revisões quanto aos modelos deformação dos psicólogos brasileiros na última década.

Tais debates, especialmente na esfera da saúde mental, estiveram mais presentes nas regiões sul/sudeste do país e em algumas poucas capitais do nordeste: Salvador, Recife e Natal (Rosa, 2006). Asdiscussões tinham como norte: 1) a reorientação das práticas e modos de gestão não manicomiais edesinstitucionalizantes em saúde mental, com mudanças não apenas no modelo assistencial, masparadigmáticos do modo como pensar o lugar da loucura em nossa sociedade (atenção psicossocial)(Amarante, 2007; Costa-Rosa, 2000); 2) uma maior inserção da Psicologia e de sua categoriaprofissional na sociedade de uma maneira geral, inclusive engajando-se na agenda política dosmovimentos sociais e nos debates em torno das políticas públicas, especialmente em relação a umapostura mais atuante em relação à maioria dos problemas e desafios que a sociedade brasileira impõe(Dimenstein, 2009; Bernardes, 2007; Bock, 1999).

Esses foram movimentos que possibilitaram a abertura de várias frentes de problematização eavanços nos planos epistemológico, técnico-assistencial, jurídico e cultural, criando novos referentespara a compreensão da loucura como uma experiência da existência humana, que requer a atualizaçãopermanente das formas de cuidar, afirmar direitos, trabalhar e ter participação na cultura (Bezerra Jr.,2007).

Especificamente no âmbito da Psicologia, a literatura mais crítica tratou sobre os modelosprofissionais para atuar no SUS (e demais políticas sociais), exigindo revisões dos padrões de formaçãoque atendem pouco ao movimento de consolidação do psicólogo no âmbito da saúde (Dimenstein,2009). A justificativa da crítica é que ainda não avançamos suficientemente no desenvolvimento deexperiências que “repercutam significativamente na cultura profissional e leiga que permeia a atuaçãodo psicólogo” na saúde pública (Oliveira et al., 2005, p.282).

Dentre os muitos desafios referidos na literatura especializada, destacamos a questão de como nossacultura profissional, essencialmente privatista e individual (Dimenstein, 2000), ainda se coloca muitopouco permeável - apesar dos avanços - ao debate sobre os problemas que nossa sociedade enfrenta, aexemplo da “questão social” e das políticas públicas, e de como atuamos na esfera pública.

Daí a insistência de Bock (1999) e Silva (2001) em avançarmos na construção de uma nova relaçãoda Psicologia com a sociedade, através de ações: a) que invistam numa formação com discussões ecriação de tecnologias de intervenção no campo das políticas públicas e dos direitos humanos; b) quedesenvolvam práticas profissionais menos voltadas para o nosso tradicional conjunto técnico corretivo,que apenas reencaminha, realinha, adapta, pretendendo ações de cura; c) que levantem debates ediálogos de modo a “estreitar” nossas relações com o Estado e suas instituições; d) que contribuamcom as discussões sobre a qual Estado estamos nos associando, quando, cada vez mais, fazemo-nospresentes no âmbito das políticas públicas; e mais, sobre quais estratégias governamentais e relações deforça estamos nos filiando quando realizamos tal tarefa.

Considerando a importância de que as reflexões acima ganhem maior espaço e envolvamorganicamente as agências de formação de psicólogos e demais profissionais da saúde, Yasui e Costa-Rosa (2008) apostam na necessidade de uma

formação permanente, que faculte a redefinição e reorganização de seu processo detrabalho, e a articulação das alianças, ou mesmo forças antagônicas, entre os diferentessetores da sociedade; em suma, que viabilize a criação e expansão concretas de uma rede deatenção e cuidados baseada em um território e pautada nos princípios de integralidade eparticipação popular. (Yasuy, Costa-Rosa, 2008, p.29)

Nesse aspecto, torna-se urgente avançarmos na formação de recursos humanos qualificados emtermos técnicos e, também, a partir de uma disposição afetiva e ético-política, capazes de desenvolverações que materializem o ideário da reforma sanitária e psiquiátrica e do movimento de lutaantimanicomial, resultando, assim, numa saúde mental mais integrada e contextualizada ao SUS.

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Por isso, a indagação sobre a maneira com que os cursos de psicologia do Piauí têm trabalhado ospreceitos e compromissos com a responsabilidade sanitária e a desinstitucionalização psiquiátrica,afirmando novas posturas e novas abordagens para consolidação do SUS e das políticas de saúde mentalno estado.

Especificamente, objetivamos com este estudo identificar as formas com que os cursos de psicologiado Piauí têm conduzido a formação de profissionais para atuarem na política de saúde mental do estado.Ademais, pretendemos ainda: a) analisar o projeto pedagógico e a organização curricular dos cursos depsicologia do Piauí em relação ao campo da saúde mental; e b) avaliar a maneira com que os cursos depsicologia do Piauí têm investido seus conteúdos curriculares na promoção e apropriação dos princípios,saberes e práticas para efetivação da reforma psiquiátrica e da estratégia de atenção psicossocial.

Estratégias metodológicas

O estudo tem como base o método qualitativo, sendo estruturado a partir das seguintes etapas eprocessos metodológicos: 1) Realização de pesquisa documental a partir dos projetos pedagógicos decurso, incluindo as matrizes curriculares, ementários, bibliografias, planos de curso, bem como os planosde estágio, relacionados direta ou indiretamente com o campo da saúde coletiva e da saúde mental,propostos pelos três cursos de psicologia localizados em Teresina (UESPI, FSA e FACID). O critério deescolha desses cursos justifica-se por serem os únicos do estado com turmas já concluídas. 2)Realização de entrevistas a partir de um roteiro semiestruturado com os coordenadores (n=3) dosrespectivos cursos. O roteiro de entrevista utilizado trabalhou com o seguinte propósito: a) aprofundaras informações colhidas na pesquisa documental, especialmente sobre as alterações curricularesocorridas; b) dimensionar o lugar e as compreensões que os cursos deram à saúde mental e à reformapsiquiátrica nos projetos pedagógicos; c) explorar as formas com que os cursos organizaram eprivilegiaram saberes e práticas para se atuar nessa área.

Como procedimentos de análise, apoiamo-nos na técnica de análise de conteúdo com base emMinayo (2000). Inicialmente, trabalhamos na organização dos documentos selecionados e na transcriçãodas entrevistas. Em seguida, realizamos a leitura flutuante e a identificação do material de análise,constituindo assim o corpus da pesquisa. Por fim, identificamos as unidades de registro e de contextopara a formulação das categorias de análise e interpretação dos núcleos de significação encontrados.

Em suma, as análises consistiram na identificação e verificação da maneira como os princípios,conceitos, temas, debates e demais conteúdos - elaborados no campo da saúde mental na perspectivada reforma psiquiátrica, da saúde coletiva e da estratégia atenção psicossocial, amplamente discutidos/divulgados na literatura especializada e demais fóruns de debates - foram garantidos na formação dospsicólogos piauienses.

Discussão dos resultados

Identificamos, com base no material analisado, que tanto os documentos pesquisados quanto osrelatos dos entrevistados contemplaram diversos termos, conceitos e aspectos teórico-práticos do campoda saúde mental e da saúde coletiva, como, também, da reforma psiquiátrica e sanitária ou das políticasde saúde em geral, além das psicopatologias e das perspectivas clínicas e psicossociais de atenção ecuidado.

Nesse sentido, observou-se que os cursos lidam claramente com duas concepções e entendimentospara instrumentalizarem saberes e práticas para a saúde mental: 1) ora expressam uma perspectivacompletamente centrada na doença, apoiada pelo paradigma biomédico ou asilar, com foco nodiagnóstico e remissão dos sintomas a partir da ação farmacológica e psicoterápica; 2) ora expressamuma perspectiva centrada nas potencialidades dos usuários e familiares, apoiada pelo paradigmapsicossocial, com foco no cuidado e enfrentamento das dificuldades frente ao processo de sofrimento eadoecimento psíquico.

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Entretanto, o curioso é que essas duas concepções são apresentadas sem qualquer referência críticae reflexiva uma da outra, fazendo, inclusive, com que sejam entendidas como complementares. Oprincipal efeito disso não seria outro senão a manutenção de ações centradas na doença e naobjetificação do sujeito. Portanto, na despotencialização da perspectiva psicossocial, em termos dofundamento de sua ação geradora de cuidado, autonomia e reinserção social.

A partir disso, discutiremos sobre a “maquinação” entre esses dois entendimentos presentes noscurrículos piauienses, considerando a organização das suas matrizes e a relação que esses projetospedagógicos estabeleceram com a saúde mental.

A organização dos currículos dos cursos de psicologia do Piauí

Os primeiros currículos dos cursos de psicologia do Piauí datam dos anos de 1997/1998 e foramorganizados com base no “currículo mínimo” de 1963, fixado pelo Parecer 403/62 do Conselho Federalde Educação. Entretanto, apesar de terem seguido tal orientação, esses currículos passaram por revisões(embora alguns mais tardiamente) para que fossem incorporadas as sugestões propostas pelo debatesobre a profissão e a formação de psicólogos no Brasil, além das discussões sobre as Novas DiretrizesCurriculares (NDC).

Por terem focado suas matrizes curriculares a partir do desenvolvimento das práticas psicológicas nocampo da clínica e das áreas organizacional e escolar, as primeiras experiências dos cursos piauienses(UESPI e FSA) acabaram estabelecendo uma formação centrada em padrões tecnicistas de atendimentoe prestação de serviços, com foco na identificação dos aspectos psicológicos (diagnóstico) e intervençãovoltada para a resolução de problemas de ajustamento, conforme previa o artigo das funções privativasdo psicólogo na Lei 4.119/1962 (Brasil, 1962).

Apenas o curso da UESPI chegou a garantir disciplinas voltadas para a área da saúde, com discussõesem torno da saúde pública e da reforma sanitária e psiquiátrica. Mas, apesar disso, os currículos entãoanalisados contribuíam muito pouco para a promoção de habilidades práticas que superassem adeficiência e inadequações da formação do psicólogo para atuar junto às necessidades sociais e desaúde da população. Pelo contrário, eram currículos que apenas reforçavam a demanda por disciplinas/conteúdos voltados predominantemente para a reprodução de modelos prontos de trabalho, tendo emvista a supremacia da técnica, com implicações diretas na manutenção do lugar do aluno como meroconsumidor de conhecimentos e práticas psicológicas (Dimenstein, 2000, 1998).

Frente à saúde mental, os documentos levantados, tanto do curso da UESPI quanto da FSA,dimensionaram suas primeiras compreensões para esse campo a partir das psicopatologias e do enfoquecentrado na doença. A organização curricular de ambos os cursos para a saúde mental estavafundamentalmente centrada em ações de diagnóstico e elo no tratamento farmacológico/psicoterápico,além de orientações para os familiares na compreensão do processo de adoecimento. Portanto, eramcurrículos com conteúdos expressamente voltados para o paradigma biomédico ou asilar.

Após a aprovação das NDC para os cursos de Psicologia em 2004, os cursos piauienses iniciaram seumovimento de adequação curricular, que só se efetivou a partir de 2007. A UESPI, por exemplo,estruturou nesse mesmo ano sua adequação curricular com base numa única ênfase: “Psicologia eProcessos de Promoção de Saúde – Social Comunitária” (UESPI, 2007). No que tange à FSA, adequou-se às NDC organizando o seu novo currículo somente em 2008 a partir de três ênfases: Processos deAprendizagem, Saúde Pública e Coletiva em Psicologia, e Clínica Psicológica (FSA, 2008).

Ambos os cursos preocuparam-se em organizar os eixos estruturantes do seu currículo especificandoas disciplinas que compunham o núcleo básico e profissionalizante da formação, sem fazerem qualquermenção sobre as disciplinas/conteúdos e práticas de estágio que comporiam o núcleo comum e deaprofundamento do curso. Além disso, também não especificaram que disciplinas e estágios do núcleode aprofundamento na fase profissionalizante do curso seriam comuns a todos os alunos, e quaisaqueles que seriam específicos de cada ênfase curricular, respeitando a opção de escolha de cada aluno.

Na prática, na contramão do que referem as NDC sobre a organização dos cursos em núcleo comume de aprofundamento, de modo a oferecer, no mínimo, duas ênfases para que os alunos pudessemoptar por uma delas (Câmara Superior de Educação, 2004), tanto o atual currículo da UESPI quanto da

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FSA continuaram o mesmo após sua adequação curricular. Ou seja, os alunos da UESPI e da FSA têm decursar, igualmente e sem exceção, todas as disciplinas e estágios dos seus respectivos cursos, inclusivedo núcleo profissionalizante, sem nenhum aprofundamento gerador de competências e habilidades maisespecíficas por ênfase curricular.

Quanto aos conteúdos, verificamos que houve um ganho substancial de carga horária sobre o debatedas políticas públicas no atual currículo da UESPI, e uma perda de horas das disciplinas relacionadas àsaúde coletiva e saúde mental. Também houve o deslocamento de discussões sobre a reformapsiquiátrica e luta antimanicomial para a grade de disciplinas eletivas, sendo anteriormente de caráterobrigatório. Como novidade, houve a inclusão do debate sobre as novas formas de atenção/cuidado emsaúde e o trabalho em rede, apesar de também constarem na grade das eletivas. Tais “perdas”reduziram o potencial do curso da UESPI em relação ao campo da saúde e saúde mental, especialmenteno momento delicado que passa o SUS e a saúde mental do país.

Quanto ao currículo da FSA, apesar da forte presença de disciplinas de cunho clínico, também houveum incremento de disciplinas e estágios que abordassem o campo da saúde, saúde mental e políticaspúblicas. Portanto, um avanço, pois nos currículos anteriores, conteúdos em torno da reforma sanitária,políticas de saúde (e saúde mental), reforma psiquiátrica e movimentos populares de saúde e lutaantimanicomial, não tinham espaço na grade curricular do curso de psicologia da FSA.

Na verdade, o currículo da FSA garantia unicamente o conhecimento em torno das psicopatologias,através da atuação por meio do diagnóstico, observação e intervenções individuais, centrado no modeloclínico-liberal, norteado por conhecimentos e procedimentos especializados com fins terapêuticosnormatizadores ou adaptativos, vinculados ao processo doença-cura.

Com relação à FACID, o novo currículo do curso foi organizado em duas ênfases: Psicologia eProcessos de Prevenção e Promoção da Saúde, e Psicologia e Processos Educativos (FACID, 2008). Suamatriz está dividida em: 1) núcleo comum – com disciplinas/conteúdos e práticas dos estágios básicoscomuns a todos os alunos até o 5° período de curso; e 2) núcleo de aprofundamento: 2.1) comdisciplinas/conteúdos e estágios profissionalizantes comuns a todos os alunos (7° e 8° períodos – estágioem comunidade e estágio em psicologia organizacional e do trabalho; 9° e 10° períodos – estágio emclínica I/II); e 2.2) disciplinas/conteúdos e estágios profissionalizantes específicos, conforme a escolhada ênfase (FACID, 2008).

É importante ressaltar que os três cursos dão um enfoque importante à questão da saúde,especialmente aos processos de prevenção e promoção de saúde e ao campo clínico, apesar da nítidaseparação entre eles. Tal questão encontra fundamento na forma como esses campos são apresentados(em termos do que os caracteriza e que habilidades e competências pretendem alcançar) e na maneiracomo estão descritos no projeto pedagógico de curso e na organização curricular.

Apesar de mencionaram a importância da integralidade e da interdisciplinaridade como fundamentospara o desenvolvimento de conteúdos e práticas profissionais, os documentos pesquisados, além desepararem os processos de prevenção/promoção do campo clínico, muitas vezes, opõem a clínica dasaúde coletiva, como opõem o indivíduo da sociedade e também opõem a atenção da gestão. Fatoobservado por Paulon e Carneiro (2009) em suas análises sobre formação em saúde, quando questionama pouca atenção dos cursos para alguns princípios-chave que podem nortear as políticas de formação: ainseparabilidade entre formar/intervir; o foco no “aprender-fazendo”; e a avaliação formativa.

Entendemos que tal posicionamento quanto à separação e oposição dos processos de prevenção/promoção daqueles do campo clínico nos currículos pesquisados é fruto da compreensão que separasaúde psicológica e psicossocial, bem como atuação individual e coletiva, presente no próprio documentodas NDC dos cursos de graduação em psicologia, como bem discutido por Ribeiro e Luzio (2008).

Para esses autores, tal distinção reproduz a tradicional ideia (inclusive indo de encontro ao princípioda integralidade em saúde proposto pelo SUS) de pensar ações de promoção/prevenção e reabilitação/cura como independentes e circunscritas a certos domínios privilegiados de atenção em saúde (Ribeiro,Luzio, 2008). Ou seja, enquanto as ações de promoção/prevenção são compreendidas como específicasda saúde coletiva e estariam centradas nas determinações socioculturais, na identificação precoce dadoença e nas ações coletivas (práticas sociocomunitárias) junto à comunidade, as ações de reabilitação/cura exigiriam uma intervenção individual, baseada no paradigma doença-cura.

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Nesse sentido, entendemos que tal distinção acaba reafirmando as formas já instituídas de atenção eorganização das ações dos serviços, fato este que reduz a invenção de práticas em torno do cuidado,bem como identifica a promoção de saúde apenas às ações preventivas. Para nós, isso só atualiza odebate preventivo-comunitário dos anos de 1950 frente às ações de saúde e saúde mental fortementepresentes em tempos atuais nos cursos de psicologia piauienses. Em contrapartida, percebe-se amanutenção do modelo clínico tradicional, voltado centralmente para a prática da diagnose epsicoterapias, inclusive coexistindo de forma harmônica e complementar às perspectivas de ajustamentoe prevenção (Ribeiro, Luzio, 2008; Amarante, 2007).

Apesar de termos verificado a presença de disciplinas mais voltadas para o campo da saúde pública esaúde mental/reforma psiquiátrica nos currículos pesquisados, identificamos poucas sinalizações nostextos analisados sobre a construção de habilidades profissionais que expressem o entendimento dasaúde como um campo multideterminado e pautado pela cultura interprofissional e interdisciplinar,inclusive desenvolvendo experiências inter e multiprofissionais que valorizem o trabalho em equipe.Também verificamos poucas referências à necessidade de se ampliarem as ações de cuidado napromoção de novos modelos de atenção e à necessidade do fortalecimento da participação popular e docontrole social. Além disso, encontramos quase nenhuma referência quanto à necessidade de sedesenvolverem competências nas situações de crise e urgência psiquiátrica, bem como no trabalho emrede, inclusive intersetorializando as políticas, direta ou indiretamente envolvidas (Paulon, Carneiro,2009; Oliveira, 2008; Ribeiro, Luzio, 2008; Yasui, Costa-Rosa, 2008;).

Na verdade, verificamos que, apesar da preocupação em garantir conteúdos e compreensões daperspectiva psicossocial nos currículos pesquisados após a adequação às NDC, os cursos acabaramvalorizando, no campo prático, o fazer técnico clássico da psicologia (psicoterapia e psicodiagnóstico);ou então, quando muito, com práticas preventivas vinculadas somente ao processo doença-cura. Oefeito disso são formações com pouca ou quase nenhuma relação existente com os princípios eorientações teórico-práticos e ético-políticos da atenção psicossocial. Daí a importância de se pensaruma política de formação que supere tais imprecisões (Heckert, Neves, 2010; Yasui, Costa-Rosa, 2008).

A relação entre saúde mental e os currículos dos cursos de psicologia do Piauí

Em termos da forma com que os cursos de psicologia do Piauí têm investido seus conteúdoscurriculares na promoção e apropriação dos princípios, saberes e práticas para efetivação da reformapsiquiátrica e da estratégia de atenção psicossocial, os dados analisados dão indicativos de que nasdisciplinas do núcleo básico: a) foi contemplado tanto no currículo da FACID quanto na UESPI (emespecial): o debate sobre as condições sociais e de saúde da população; a análise da construção socialda demanda; a relação entre cultura e saúde com foco no debate sobre o normal e o patológico; e acompreensão antropológica dos processos saúde/doença e suas práticas; b) foi contemplado, nos trêscurrículos, o debate em torno das relações entre sociedade e Estado, levando em consideração o estadodo bem-estar social, as políticas sociais, o neoliberalismo e os movimentos sociais; c) foi fortalecido, nostrês currículos, o debate em torno da atuação do psicólogo em contextos comunitários e institucionais,sob o foco das categorias de análise da psicologia social-crítica e metodologias participativas; d) forampriorizadas práticas de estágio básico voltadas para contextos comunitários e institucionais com foco napromoção e educação em saúde (UESPI e FACID), e em serviços de saúde mental de base extra-hospitalar e territorial (FSA).

Quanto às disciplinas de saberes específicos voltados para a saúde e saúde mental, basicamente ostrês cursos trabalham com o mesmo rol de disciplinas com algumas variantes: Psicopatologias I/II,Psicofarmacologia, e Psicologia da Saúde (no caso da UESPI), Psicologia e Saúde Pública (no caso daFSA) e Saúde Pública, Psicologia e Saúde e Psicologia Hospitalar (no caso da FACID).

Em relação às Psicopatologias, os cursos organizaram o seu conteúdo com base no examepsiquiátrico e descrição do quadro dos transtornos mentais, sem haver qualquer debate crítico sobre asbases do paradigma psiquiátrico e do modelo asilar que orientam a centralidade na doença, otratamento medicamentoso e a objetificação do paciente e do seu sofrimento (Costa-Rosa, 2000). Emrelação à Psicofarmacologia, trata-se de uma discussão completamente especializada, sem qualquer

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debate sobre a prescrição indiscriminada de psicofármacos e a medicalização dos problemas sociais(Oliveira, 2008). Quanto às disciplinas: 1) “Psicologia da Saúde” – o curso da UESPI propôs o debateem torno da vigilância em saúde e dos serviços em saúde, com foco maior na psicologia hospitalar e napsicologia médica; 2) “Psicologia e Saúde Pública” – o curso da FSA propôs o debate sobre o processode organização dos serviços de saúde, contemplando as políticas e os programas de saúde, bem como apolítica de assistência social e a inserção do psicólogo nesses campos; e 3) em relação às disciplinasofertadas pelo curso da FACID, identificamos: a) “Saúde Pública” – que versa sobre as políticas desaúde e o processo de reforma sanitária e psiquiátrica, além da atuação do psicólogo nesse campo; b)“Psicologia e Saúde” – que versa sobre os fundamentos e abordagens psicológicas na promoção,prevenção e reabilitação em saúde, bem como a atuação do psicólogo nas diversas instituições desaúde; e c) “Psicologia Hospitalar” – que versa sobre a psicologia no contexto hospitalar, com base napsicologia médica e psicossomática.

Além dessas disciplinas, ainda há aquelas de ênfase garantidas apenas pelo currículo da FACID,como: Tópicos Especiais em Psicologia e Saúde, Promoção da Saúde e Qualidade de Vida, Psico-oncologia e Psicologia e Vulnerabilidade Social. Quanto ao curso da UESPI, há as disciplinas eletivas:Bioética, Epidemiologia, Integralidade em Saúde e Psicologia e Saúde Mental.

No tocante aos estágios profissionalizantes, apenas a UESPI e a FACID mantêm estágios no campoda saúde, saúde mental e/ou políticas públicas. Ambos os cursos oferecem estágios em serviços debase territorial (PSF e CRAS) sob o enfoque da psicologia comunitária, além de estágios em saúde nasunidades básicas de saúde, hospital geral, CAPS, hospital psiquiátrico etc. Quanto à FSA, os estágios nocampo da saúde mental são ofertados apenas como estágios básicos.

De uma maneira geral, percebe-se que os currículos analisados avançaram bastante na amplaincorporação do debate sobre as políticas públicas no Brasil e a atuação do psicólogo em contextoscomunitário e institucionais, envolvendo a saúde pública e seus diversos serviços, inclusive comexperiências de estágio básico e profissionalizante nesses campos. Muito embora, também, percebamosque a incorporação dessas discussões teve um foco maior para análises de contextos e problematizaçõessobre os modos de atuar do psicólogo nas políticas públicas em geral. Enquanto isso, foi dada poucaatenção à produção de novas ferramentas e estratégias de intervenção em relação à prática do cuidadoe a conformação de novos processos de trabalho e gestão em saúde nesse campo.

Especificamente em relação às disciplinas de saúde mental, os currículos ainda mantêm uma duplaidentidade que faz conviver dois modelos ou modos de atenção: asilar (biomédico) e psicossocial. Omodelo asilar encontra sustentação nos currículos pesquisados com os conteúdos das psicopatologias epsicofarmacologia (e, de certa forma, com os conteúdos da clínica psicológica tradicional, aindafortemente presente nas matrizes dos cursos). Essas discussões apresentam um íntimo debate em tornoda racionalidade médica (e das teorias psicológicas da personalidade), com foco na objetivação e nocuidado tutelar do paciente, bem como no conhecimento de tecnologias médicas e psicoterápicas comodeterminantes para o tratamento e supressão dos sintomas (Costa-Rosa, 2000).

Por outro lado, sob a perspectiva psicossocial, dentre os três currículos pesquisados, somente a UESPIoferta uma disciplina específica em saúde mental (mas que é optativa), garantindo, assim, maior carga-horária para os debates sobre as diversas experiências de reforma psiquiátrica no Brasil (e no mundo) eas políticas de saúde mental. Os demais currículos (FSA e FACID) acabam diluindo tais discussões nasdisciplinas que versam sobre as temáticas da saúde pública e práticas de estágio básico eprofissionalizante, que a UESPI também o faz em certa medida.

Apesar do esforço, verificamos que os currículos pesquisados dão pouca atenção aos fatores políticose psicossociais como determinantes das ações de cuidado e dos meios básicos como dispositivos dereintegração social. Também verificamos que os currículos consideram pouco as ações de umaterapêutica voltada para a (re)construção da vida e “invenção da saúde”, bem como para oprotagonismo de usuários e familiares nos serviços e na comunidade (Costa-Rosa, 2000; Rotelli,Leonardis, Mauri, 1990).

Nesse sentido, entendemos que a reformulação curricular dos cursos pesquisados avançou comreservas em relação à saúde mental, tendo em vista a pouca ênfase dos debates em torno dasdimensões fundamentais da desinstitucionalização e de sustentação do paradigma psicossocial (teórico-

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conceitual, jurídico-político, técnico-assistencial, sociocultural), bem como no caráter interventivopropriamente dito.

Daí o motivo dos currículos pesquisados explorarem tão pouco as práticas do modelo psicossocialque podem ser centrais na efetivação do processo de reforma psiquiátrica no estado do Piauí e no país:1) incremento de ações de cuidado em saúde, trabalho territorial e em rede, com articulações entreatenção básica e saúde mental, através da corresponsabilidade e a continuidade da atenção; 2)realização de ações da vigilância sanitária, clínica ampliada, acolhimento e matriciamento de equipes dasaúde da família; 3) realização de visitas domiciliares, oficinas terapêuticas e atividades de planejamentoe gestão do trabalho; 4) centralidade do cuidado nos projetos terapêuticos individuais e coletivos queatendam as necessidades de saúde e o protagonismo dos usuários; 5) ações de ajuda e suporte mútuose participação na construção da cidadania e produção/invenção de saúde por meio do trabalho egeração de renda, lazer, cultura e participação social e política na cidade (Quintas, Amarante, 2008;Yasui, Costa-Rosa, 2008; Costa-Rosa, 2000).

Considerações finais

A realização de estudos que têm como finalidade a produção de reflexões sobre o modo como aformação profissional dos trabalhadores do campo da saúde mental está organizada, encontrafundamento no argumento de que, muitas vezes, a formação desses profissionais “ainda se constitui,explícita e, às vezes, sub-repticiamente como uma antítese das propostas das Reformas Sanitárias ePsiquiátrica” (Oliveira, 2008, p.38). E, apesar dos esforços de mudança paradigmática nesses campos,não é raro encontrarmos, vez ou outra, currículos de graduações que, na maioria das vezes, quando nãomarginalizam as discussões do campo da saúde mental, “os submetem à psicopatologia tradicional,privilegiando procedimentos clínicos quase que exclusivamente aplicáveis a consultórios e ambulatóriostradicionais”, com vistas à medicalização e psicologização dos problemas sociais (Oliveira, 2008, p.38).

Esse é o caso dos currículos de psicologia do Piauí, que avançaram na incorporação de vários debatesdo campo da saúde coletiva e saúde mental, formando, assim, profissionais que não mais desconhecemo SUS, bem com as políticas públicas de saúde e saúde mental e seus serviços e programas. Entretanto,são currículos que pouco contribuem quanto à proposição de novas práticas e novos saberes necessáriospara consolidar as propostas da reforma psiquiátrica, ou, então, que construam, no cotidiano dessesserviços, o modelo da atenção psicossocial (Ribeiro, Luzio, 2008; Onocko-Campos, 2001).

Desse modo, observamos, através dos currículos pesquisados, uma tímida incorporação do corpoliterário e das experiências e debates fomentados pelo movimento da reforma psiquiátrica e sanitária noBrasil. Nesse caso, fica difícil, então, requerer da profissão que contribua com os desafios que a políticade saúde mental enfrenta no estado, bem como no país: 1) prioridade de rotinas voltadas aos cuidadoscom a doença, foco na remissão dos sintomas com pouca alternativa para ações de promoção de saúdee investimento na autonomia e cidadania dos usuários; 2) pouca capacidade dos serviços atenderem àcrise – quadro que reforça o hospital psiquiátrico como o lugar por excelência para esse tipo dedemanda; 3) processos de trabalho burocratizados e ainda orientados pela lógica do especialismo, quedificultam a transformação/avanço das práticas em saúde mental; 4) manutenção da lógica ambulatoriale das filas de espera; 5) nítida dicotomia entre a clínica e política nas formas de intervenção profissional;e 6) frágil efetivação do papel do CAPS como ordenador da rede – serviço que acaba ficando compouca ou nenhuma articulação no território, voltado para si próprio, produzindo novas cronicidades(Dimenstein, Liberato, 2009).

Questões semelhantes têm sido amplamente debatidas nos inúmeros estudos sobre formação depsicólogos no Brasil (Dimenstein, 2009, 2000, 1998; Sales, Dimenstein, 2009; Bernardes, 2007; Oliveiraet al., 2005). Fato este que torna o caso piauiense não uma problemática isolada, mas uma tendêncianacional que precisa de uma condução urgente com políticas de formação que possam superar atecnificação do ensino e a fragmentação e o reducionismo que permeiam o campo de atuação/intervenção dos psicólogos em relação à saúde pública.

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Por esse caminho, acreditamos que é possível propor atualizações curriculares e experiências práticasque materializem uma formação baseada na “inseparabilidade entre formar e intervir” com foco no“aprender-fazendo” (Paulon, Carneiro, 2009, p.749). Talvez essa seja uma saída para rompermos com alógica do especialismo e da “solidez identitária”, que apenas “acumula energia em torno do modelomédico e psicoterápico” (Baptista, Zwarg, Moraes, 2003, p.226).

Por fim, entendemos que, para avançarmos de fato no campo da saúde mental, é preciso bem maisdo que incorporar debates que apenas informam ou fazem conhecer o SUS, a reforma sanitária/psiquiátrica e o debate crítico sobre as inadequações das atuações nessa área. É preciso incorporar/manejar saberes/práticas do paradigma da desinstitucionalização e da estratégia de atenção psicossocialque, inclusive, interfiram nos modos de subjetivação dos novos profissionais, produzindo, com isso,novas formas de ação.

Colaboradores

Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito.

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En este artículo se investigan las propuestas curriculares de cursos de psicología en elestado de Piauí, Brasil para la salud mental. Fueron analizados el proyecto pedagógicoy la organización curricular, además de la forma en que los cursos han invertido su plande estudios en la apropiación de los principios, conceptos y prácticas para una reformapsiquiátrica eficaz y de la estrategia de la atención psico-social. Se llevó a cabo lainvestigación de archivos y entrevistas semi-estructuradas con los coordinadores detres cursos. Los resultados indican que los currículos, pese a incorporar el debate de lasalud colectiva y mental, asi como la actuacción del psicólogo en contextos socio-comunitários, mantienen una dicotomía entre clínica y salud colectiva; avanzan poco enrelación a nuevos saberes/prácticas para consolidar la reforma psiquiátrica en el estadoy mantienen los modelos asilar y psico-social en la formación y en las prácticas de lospsicólogos.

Palabras clave: Reforma psiquiátrica. Salud mental. Formación profesional delpsicólogo. Currículo.

Recebido em 09/05/10. Aprovado em 06/12/10.

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Stamp

Sistematização de estratégiasde ensinar-aprender pesquisa na graduação

Zuleica Maria Patrício1

Maria Regina Silvério2

Ivete Maria Ribeiro3

Janete Elza Felisbino4

Ingrid May Brodbeck5

Greice Wessler Medeiros Martins6

Gilmara Medeiros Vieira da Silva7

Adriana Elias dos Reis8

PATRÍCIO, Z.M. et al. Systematization of strategies for teaching-learning research in anundergraduate course. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39, p.1159-72,out./dez. 2011.

This study aimed to analyze thesystematization of pedagogical practicesrelated to the teaching and learning ofresearch methods in the daily routine ofthe disciplines of a health undergraduatecourse. The data were obtained fromdocuments referring to developedpedagogical activities and analyzedthrough a content analysis technique,following the categories of the adoptedsocial practices systematization framework,namely: object delimitation; time andcontext; objectives and purposes;employed frameworks; content of theutilized practices and strategies; dynamicsof the activities and generated feelings;results; conclusions and proposals forfurther activities. The results present ateaching-learning research method,collectively created, that has its owntheoretical-methodological framework.This framework guides, throughout all thedisciplines, the development of strategiesto build knowledge on an increasingcomplexity level, based on problematichealth situations and on qualitative andquantitative data arising from differentsources and socio-environmental contexts.

Keywords: Research teaching. HigherEducation. Teaching-learning strategies.Systematization of practices.

O objetivo deste trabalho foi analisar asistematização de práticas pedagógicas deensinar-aprender pesquisa no cotidianodas disciplinas de um curso de graduaçãoda área da saúde. Os dados foramlevantados em documentos referentes aatividades pedagógicas desenvolvidas eanalisados pela técnica de análise deconteúdo seguindo categorias doreferencial de sistematização de práticassociais adotado: delimitação do objeto;tempo e contexto; objetivos e finalidades;referenciais utilizados; conteúdo daspráticas e estratégias utilizadas; dinâmicadas atividades e sentimentos gerados;resultados; conclusões e propostas deencaminhamentos. Os resultadosapresentam um método de ensinar-aprender pesquisa, criado coletivamente,constituído por referencial teórico-metodológico próprio que orienta, nodecorrer de todas as disciplinas, odesenvolvimento de estratégias paraconstrução de conhecimentos em nível decomplexidade crescente, com base emsituações-problema da saúde e dadosqualitativos e quantitativos de diferentesfontes e contextos socioambientais.

Palavras-chave: Ensino da pesquisa.Educação Superior. Estratégias de ensino-aprendizagem. Sistematização de práticas.

9 Participaram, também,como coautores, os

seguintes docentes daUniversidade do Sul de

Santa Catarina: Ana MariaHenrique Martins Costa,

Elvis Diene Bardini e VeraMaria Antunes da

Fonseca Pinto.1 Docente aposentada,

Universidade Federal deSanta Catarina. Rua das

Araras, 396, Lagoa daConceição. Florianópolis,

SC, Brasil. [email protected]

2-8 Universidade do Sul deSanta Catarina, Campus

Tubarão.

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Introdução

A intenção de integrar a pesquisa ao ensino tem sido uma constante nos discursos de representantesde universidades brasileiras e nos textos dos projetos pedagógicos de seus cursos de graduação. Provadisso é o aumento considerável de programas de incentivo à pesquisa que incluem alunos degraduação, o que se constata pelo número de relatórios de pesquisa apresentados em eventoscientíficos (Fórum, 2009; Moor, 2003).

Entretanto, esse cenário, se analisado com base no número de graduandos no território nacional,mostra que apenas uma minoria tem o privilégio de aprender a fazer pesquisa na graduação. Issoporque a cultura da pesquisa nesse contexto é predominantemente focada na produção deconhecimentos científicos via projetos de pesquisa. Há graduandos que, durante a vida acadêmica, têm,no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), sua única oportunidade de aprender a pesquisar.

Inúmeros trabalhos sobre essa temática mostram tentativas de incrementar a pesquisa na graduaçãoe suas conquistas e dificuldades. Entretanto, observa-se que poucos tratam de práticas sistemáticas depesquisa no decorrer do cotidiano das disciplinas que compõem o currículo do curso (Laffin, 2008;Rossi, Ribeiro, Teodósio, 2008; Soubhia, Garanhani, Dessunti, 2007; Nóbrega-Therrien, Therrien, 2006).

A análise de relatórios de vários projetos pedagógicos de cursos de graduação em Santa Catarinavalida essa observação e aponta que o desafio ainda é integrar atividades acadêmicas de ensino,pesquisa e extensão.

O estudo de Comerlatto (2008), realizado em um curso de graduação, demonstrou que o ensino dapesquisa está concentrado em disciplinas específicas, e que a concretização da transversalidade dapesquisa é um desafio a ser enfrentado. A autora sustenta que a importância da pesquisa na formaçãoprofissional reporta para a necessidade de se repensarem modos de ensinar geradores de processoseducativos interdisciplinares, que assegurem o envolvimento com a pesquisa e para a pesquisa.

O trabalho de Morato (2005), com base em Marques (1997), Ruiz (1992) e Lucas (1991), destaca aimportância do ensino da pesquisa para que o aluno desenvolva o senso de busca e a disciplina detrabalho, de forma a habilitá-lo para seguir ou reconstituir trajetórias metodológicas percorridas porcientistas. Nesta perspectiva, a pesquisa tem um significado de redescoberta e deixa de ser vista comocristalizadora de conhecimentos armazenados, mas como reconstrutora da ciência.

Desde muito tempo é denunciada a preponderância do ensino fragmentado subsidiado porreproduções de textos, fichas e apostilas, às vezes ultrapassadas e descontextualizadas, e focado namemorização de conteúdos aplicados de forma acrítica (Demo, 2006; Botomé, 1996).

Paulo Freire, incansável defensor de práticas educacionais de natureza participante e de caráter éticoe estético, assinala a importância de a pesquisa estar obrigatoriamente inserida no cotidiano dessaspráticas (2000).

O estudo de Zatti (2007) contribui para elucidar essa problemática e também aponta perspectivas desuperação. Para além da aprendizagem de conteúdos, o autor, com base em Freire e Kant, mostra aimportância da prática pedagógica que possibilita desenvolver a autonomia do aluno para a buscaintencional e a percepção ética do conhecimento, além de promover a sua inserção de forma cidadã nasquestões sociais.

A constatação de que o aluno deseja participar de processos pedagógicos em que possa encontrarpessoas que, junto com ele, procurem o novo, é um dos aspectos dessa realidade (D’Ambrósio, 1997).

O ideal seriam processos pedagógicos que promovessem situações de aprendizagem de formareativa e que resultassem em crescimento pessoal e aquisição de conhecimentos originais e autênticos,na medida em que toda educação supõe uma intervenção sobre a vitalidade do ser humano que seeduca (Droguett, 2002).

Em contextos educacionais que envolvam cursos de graduação inseridos nas grandes áreas dasCiências Humanas, Ciências da Saúde e Ciências Sociais Aplicadas, a importância de sistematizar oconhecimento no decorrer do curso parece ser ainda maior. Conforme Ávila (1995), sendo auniversidade um espaço de laboratório da sociedade, é de se esperar que suas atividades cotidianas deensino, por si só, contribuam para melhorar as práticas pedagógicas e a atenção às demandas dapopulação.

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A questão é que incrementar a pesquisa na graduação de maneira ampliada, e ainda considerar aunidade ser humano, profissional e cidadão, exige outras estratégias além daquelas do TCC e deprojetos de pesquisa isolados.

Isso requer aperfeiçoar práticas pedagógicas que possibilitem tornar processos cotidianos de ensino-aprendizagem espaços de maior geração de conhecimentos e menos de reprodução, de maneira queprofessores e alunos, instrumentalizados com ferramentas de pesquisa, desenvolvam os conteúdos queprecisam ensinar e aprender integrados ao contexto da vida e da profissão.

Com base nessa problemática, pressupõe-se que incrementar estratégias de pesquisa no cotidianodas práticas pedagógicas do ensino de graduação torna mais acessível a aprendizagem da pesquisa eeleva a qualidade do ensino e o caráter da universidade, haja vista discussões mais contemporâneassobre seu papel na sociedade, em especial aquelas incitadas por Santos (2005).

Partindo de concepções dessa natureza e com o intuito de operacionalizar o Projeto Pedagógico doCurso (PPC) de graduação em Enfermagem de uma universidade de Santa Catarina, um grupo deprofessores desse curso criou o Projeto “Estratégias de Ensinar-Aprender Pesquisa na Graduação”.

A iniciativa gerou o desenvolvimento de um conjunto de atividades pedagógicas voltado à inserçãoda pesquisa em todos os semestres do curso, com base na integração dos conteúdos das disciplinas.

Ao final da experiência, os participantes – professores e alunos – demonstraram interesse emconhecer o conjunto das atividades realizadas nos diversos semestres, para fins de avaliação eaperfeiçoamento do trabalho.

Essa expectativa desencadeou uma pesquisa de abordagem qualitativa, com o objetivo de analisar oprocesso de implantação dessa modalidade de ensino, desenvolvido no contexto do curso em 2008.

Na fase exploratória, o levantamento dos registros relacionados ao cotidiano e às avaliações dasatividades mostrou uma complexidade de situações sociais no âmbito da universidade e fora desta,envolvendo a população e outros profissionais.

Essa análise inicial dos dados criou, nos pesquisadores, a necessidade de busca de um caminhometodológico próprio para orientar a análise de todo o processo, em sintonia com o PPC e com asreferidas expectativas dos participantes. Decidiram, então, focar a pesquisa na sistematização daspráticas pedagógicas realizadas.

Com essa metodologia de pesquisa, o trabalho pedagógico foi identificado como um método, aindaem aperfeiçoamento, representado por estratégias de ensinar pesquisa e conteúdos temáticos, fazendopesquisa no decorrer das disciplinas, cuja proposta poderia ser adaptada para aplicação em outroscontextos acadêmicos.

Metodologia

Caracteriza-se como pesquisa de abordagem qualitativa do tipo estudo documental. Essa modalidadese fundamenta na apreciação de documentos, de fonte primária ou secundária.

A fonte dos dados foi o conjunto dos documentos originais produzidos por alunos e docentes nodecorrer das atividades pedagógicas. Foram analisados todos os registros das atividades integradas depesquisa realizadas nos semestres do curso, a saber: atas de reuniões entre alunos e docentes e entredocentes; diário das observações participantes, realizadas pelos docentes durante as atividadespedagógicas; e avaliações da disciplina.

Os dados foram analisados pela técnica de análise de conteúdo, conforme Minayo (2004) e Bardin(1977), e com foco na sistematização das práticas segundo um referencial próprio. Utilizou-se, comoguia, um conjunto de categorias desenvolvidas por Botero (2001), Ghiso (2001), Jara (1996) eBarnechea, González, Morgan (1994).

Adotando-se esse referencial para a comunidade acadêmica, a partir de Ghiso (2001), utiliza-se osentido de sistematização como um processo de recuperação, tematização e apropriação de umadeterminada prática. Relacionar, sistêmica e historicamente, seus componentes teórico-práticos possibilitacompreender e explicar os contextos, fundamentos e sentidos, as lógicas e os aspectos problemáticosque se apresentam com a experiência, e, também, transformar e qualificar propostas educativas.

SISTEMATIZAÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE ENSINAR-APRENDER ...

1162 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1159-72, out./dez. 2011

A sistematização assume um caráter de resgate da experiência de uma prática, da produção deconhecimentos e do empoderamento dos sujeitos sociais envolvidos na prática, e, ao mesmo tempo,constitui-se, por si só, como investigação social (Ghiso, 2001).

Jara (1996) fortalece essa concepção ao afirmar que a sistematização contribui para: obter-secompreensão mais profunda das experiências que se realizam, com o fim de melhorá-las; compartilharcom outras práticas similares os ensinamentos que emergiram durante a experiência; suscitar reflexõesteóricas sobre as temáticas envolvidas, incitando à construção de teorias e, também, de conhecimentosaplicados que surgem com as práticas sociais concretas.

Esses referenciais estão em sintonia com as diretrizes que orientam o Projeto Pedagógico do cursoem estudo e as Políticas Públicas de Educação e de Saúde, e atendem à expectativa de que práticaspedagógicas possam fortalecer o ideal da abordagem “prática social transformadora”.

Nessa conformação, a sistematização do processo de ensinar pesquisa e conteúdos temáticos,fazendo pesquisa no decorrer das disciplinas, contempla as categorias orientadas por Ghiso (2001) eBarnechea, González e Morgan (1994), a saber: delimitação do objeto; tempo e contexto; objetivos efinalidades (intenções); referenciais utilizados; conteúdo das práticas, incluindo aspectos sobre etapas doprocesso, dinâmica das atividades, estratégias utilizadas e sentimentos gerados; resultados apontandomudanças na situação objeto do estudo e nos sujeitos participantes e em suas relações; conclusões epropostas de encaminhamentos; e a elaboração de um documento escrito.

Os princípios éticos aplicados no estudo foram os seguintes: autorização da coordenação do curso edos docentes para consulta dos registros; aprovação coletiva para a publicação em reunião de colegiado;manutenção do anonimato na descrição; e respeito à coautoria de todos os professores participantes,representados pelos respectivos coordenadores do processo pedagógico de cada semestre do curso.Cópia escrita do documento final foi enviada à Reitoria e à Coordenação do curso.

As limitações identificadas na pesquisa foram decorrentes de algumas dificuldades para seencontrarem as categorias definidas, tendo em vista diferenças na qualidade dos registros elaboradospelos participantes.

Apresentação e discussão dos resultados

A descrição e a discussão das atividades integradas de pesquisa são apresentadas conforme ascategorias de análise referidas.

Objeto, contextualização, objetivos, finalidades (intenções)e referencial teórico-metodológico

Em fevereiro de 2008, surgiu a oportunidade de se fomentar o Projeto Estratégias de Ensinar-Aprender Pesquisa na Graduação. Nasceu de uma demanda dos professores do terceiro semestre docurso, interessados em implementar a pesquisa no contexto da Atividade Integrada, identificada comoum espaço de ensino de caráter obrigatório em todos os semestres, cujo objetivo é integrar astemáticas do ementário de cada semestre.

O grupo trouxe, à professora que desempenhava o papel de assessora em pesquisa, uma propostapara a Disciplina daquele semestre. Era um projeto de pesquisa que havia sido elaborado para que osalunos o desenvolvessem com a coordenação dos professores. A análise crítica da proposta evidencioualgumas limitações relativas às condições docentes e discentes, bem como ao tempo insuficiente nosemestre para a sua realização.

Decidiu-se, no coletivo, por outra modalidade de trabalho: alunos e docentes aplicariam estratégiasde ensinar-aprender pesquisa para desenvolver, de maneira integrada, os conteúdos das disciplinasdaquele semestre. Estava nascendo a Atividade Integrada de Pesquisa (AIP).

No segundo semestre de 2008, com base em avaliação participativa desse trabalho, a AIP foivalidada e aperfeiçoada para os demais semestres, passando a ser desenvolvida por todos os professorese alunos.

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Na perspectiva da interdisciplinaridade e participação efetiva, o primeiro desafio na implantação daproposta foi integrar os demais professores no processo, especialmente aqueles não-enfermeiros, quetinham carga horária reduzida nesse curso e atuavam em outros cursos.

Em colegiado, ficou estabelecido como objetivo geral da AIP: desenvolver processos de ensinar–aprender de caráter interdisciplinar e participante, que estimulem a produção do conhecimento peloaluno, por princípios e técnicas de pesquisa, em nível de complexidade crescente, no decorrer dasdisciplinas do curso. E, como objetivos específicos: a) estudar sobre temáticas relacionadas às disciplinasdo curso com base na criação, no desenvolvimento e na aplicação e avaliação de estratégias depesquisa, no âmbito de fontes bibliográficas, bancos de dados e de diversos contextos sociais, com apopulação e outros profissionais; b) desenvolver atividades de pesquisa, tendo como referência asdiretrizes curriculares que compõem o PPC, suas linhas de pesquisa e temáticas transversais.

Particularmente, no contexto do curso, as disciplinas visam o desenvolvimento do potencial dosalunos para identificarem necessidades humanas de saúde em todo o ciclo vital e em seus diversosambientes, com vistas a criarem, manterem, aperfeiçoarem ou reprogramarem ações e processos decuidar da vida na perspectiva da promoção da saúde e da prevenção, do tratamento e da reabilitação deproblemas de saúde individuais e coletivos, considerando a unidade das dimensões biológica,socioambiental, cultural e psicoespiritual.

Identificou-se, em todo o processo, a aplicação de várias diretrizes, prescritas no PCC, relacionadasao arcabouço técnico-humanístico próprio da profissão: abordagem interdisciplinar e intersetorial; açõesparticipantes envolvendo gestores de serviços públicos e privados, indivíduos, famílias, comunidades e asociedade de forma geral; consideração às diversidades culturais, ambientais e afetivas relacionadas àssituações identificadas; promoção de consciência crítica construtiva; e aplicação da ética profissional.

A análise dos dados mostra que a estratégia de construir conhecimentos através de atividades depesquisa científica no decorrer das disciplinas segue um conjunto de referenciais teóricos emetodológicos que se complementam e que dizem respeito ao contexto da saúde de forma geral - emespecial, à Enfermagem, no que se refere ao seu arcabouço teórico e metodológico voltado ao cuidadodireto e indireto, e à Saúde Coletiva, à Biologia, à Medicina, à Sociologia, à Nutrição, à Psicologia, àFilosofia e à Educação.

Assim, são adotados vários autores temáticos e da metodologia da pesquisa, conformeespecificidades da situação/objeto de estudo no semestre, além das particularidades relacionadas aocurso, em que se preveem, desde o segundo semestre, a aplicação e o aprimoramento de referenciaisteórico-metodológicos criados na Enfermagem com foco na essência desta profissão: o CuidadoHumano Integral ao indivíduo, a grupos, à família e à comunidade (Patrício,1995; Colliére, 1986;Leininger, 1984; Horta, 1979).

No âmbito da Educação, os referenciais adotados estão em sintonia com ideias de Paulo Freire (2000,1983), D’Ambrósio (1997) e Grossi (1995), cuja essência é focada na construção do ser integral,indivíduo e coletivo, cidadão local, universal e livre, para participar e criar mediante atitudes éticas eestéticas de convivência solidária.

Sustentada por essa concepção e na especificidade da profissão e do PPC, a AIP, neste contexto,considera a estratégia cuidar-pesquisando, ou pesquisar-cuidando. A expectativa é tornar o próprioprocesso de trabalho um espaço educativo, terapêutico e revitalizador do conhecimento e da pessoa, demaneira que seus resultados sejam satisfatórios para os participantes, para o ambiente e para a profissão(Patrício et al., 2004; Patrício, 2000, 1994, 1990).

A análise dos processos e produtos das práticas desenvolvidas mostra que as finalidades da AIP vãoalém do incentivo à cultura da pesquisa no cotidiano das práticas pedagógicas do curso. Há, também, aexpectativa de contribuir para incrementar projetos de extensão, como espaços de pesquisa participanteou pesquisa ação, e incentivar a integração docente-docente, docente-discente e discente-discente, porestratégias participantes de produção de conhecimentos.

Particularmente, pelo contexto profissional onde foi gerado, o processo objetiva desenvolverestratégias para a produção de conhecimentos básicos e aplicados acerca do fenômeno saúde-adoecerhumano, atualizados e contextualizados na realidade da Região e do Brasil, de maneira a subsidiar aidentificação, a criação e o aperfeiçoamento de referenciais teórico-metodológicos voltados ao cuidado

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integral da saúde do ser humano em todo o seu ciclo vital e nas diversas situações da vida, incluindoseu processo de morrer.

Para tanto, o perfil de saúde, o potencial e a diversidade socioambiental, as tecnologias à disposição,o conjunto das políticas públicas e as tendências do mercado de trabalho são considerados noaprimoramento da competência técnico-científica e humanística da profissão, com vistas a atenderexpectativas e necessidades de saúde da sociedade.

A análise do conjunto dos referenciais e princípios adotados na AIP, bem como de suas finalidades,indica que o processo pedagógico destina-se a estimular o empoderamento pessoal e profissional doaluno com base na integração de proposições éticas e estéticas e componentes teóricos emetodológicos de caráter participante, construtivista, interdisciplinar, dialético e solidário.

Descrição das práticas e estratégias desenvolvidas

O processo da AIP se realiza no decorrer das disciplinas, mediante atividades de ensinar pesquisafazendo pesquisa. Em cada semestre do curso, com exceção do último, os professores elegem um temaque atenda à proposta de integrar os conteúdos e os professores das disciplinas, bem como definem aoperacionalização da aprendizagem do aluno, respeitando o nível de complexidade esperado nosemestre e a produção do conhecimento fundamentada em movimentos individuais e coletivos decunho sistematizado, responsável e prazeroso.

O elemento motivador é o tema – ou situação-problema –, transformado em pergunta de pesquisae definido com base na análise dos conteúdos das disciplinas, na sua importância no cenário atual e nasua pertinência frente: aos objetivos, aos princípios, às finalidades e aos elementos teóricos emetodológicos estabelecidos para orientar a AIP.

As temáticas transversais do PPC são integradas ao processo da pesquisa, conforme a profundidadeexigida no semestre: ética, interdisciplinaridade, administração, cidadania, políticas públicas e práticasnaturais em saúde.

Em cada semestre, a AIP tem seu Plano de Ensino, composto pelos seguintes itens: a) Objetivos(aqueles apresentados anteriormente); b) Objetivos Específicos, relacionados às disciplinas do semestree ao grau de complexidade exigido para aprender a responder às questões definidas para aquelemomento acadêmico; c) Atividade Proposta, com seus itens e desmembramentos; d) Método deEnsino-Aprendizagem; e) Cronograma; f) Bibliografia. Com exceção dos itens a e b, os demais podemser alterados no semestre seguinte, em razão da diversidade e pertinência de questões de pesquisa parao momento.

No primeiro semestre do curso, a AIP tem a responsabilidade de inserir o aluno no movimentoparticipante de conhecer temas relacionados às disciplinas e à profissão por meio da pesquisa. Oobjetivo, nesse momento acadêmico, é desenvolver atividades que estimulem o potencial do alunopara: aprender a conhecer bancos de dados da área; aplicar normas da metodologia científica; identificarpublicações científicas na área; ler essas obras; elaborar perguntas de pesquisa com base no contextoatual, e responder a elas via artigos científicos e livros didáticos indicados; e para apresentar osresultados de forma escrita e em discussão de grupo, conforme modelos de trabalhos acadêmicos.

Do segundo ao sexto semestre do curso, o aluno vai, gradativamente, aprendendo sobre: princípioséticos e estéticos da pesquisa; rigor metodológico; diversidade de fontes de dados; e técnicas depesquisa de abordagem quantitativa e qualitativa - levantamento, registro e análise de dados edevolução de resultados - incluindo adaptação e elaboração de instrumentos, conforme o objeto dapesquisa.

Nesse processo, ele aprende a elaborar caminhos que levam a conhecimentos, e descobre eaperfeiçoa temas relacionados às disciplinas do semestre. Por exemplo, no contexto analisado, os temasdesenvolvidos do segundo ao sexto semestres do curso foram os seguintes, respectivamente: “Aocorrência de doenças infectocontagiosas que compõem a lista de notificação compulsória na região sulde Santa Catarina”; “Identificação dos portadores de diabetes mellitus cadastrados em uma unidade doPrograma Saúde da Família do Município”; “Situações de estresse vivenciadas por acadêmicos do cursode enfermagem de uma universidade de Santa Catarina e possibilidades de prevenção de ocorrências e

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agravos”; “Cuidados acerca da hipertensão: percepção dos usuários atendidos em um hospital geral,unidades básicas de saúde e ambulatório-escola da universidade”; “O Processo de Enfermagem:percepção dos enfermeiros sobre a sua aplicação no cotidiano das práticas profissionais”.

No sétimo semestre, como as atividades são concentradas em dois contextos de saúde - hospitalar esaúde pública - as temáticas definidas foram: “Qualidade da assistência de enfermagem no âmbitohospitalar” e “Qualidade da assistência de enfermagem na saúde coletiva”.

No oitavo semestre, para integrar todas as disciplinas e aperfeiçoar as temáticas transversais do PPC,o aluno aplica seus conhecimentos na elaboração de sua própria pesquisa no TCC, conforme as linhasde pesquisa do curso, e participa da promoção de um Seminário de Controvérsias acerca de questõeséticas originadas de suas atividades práticas.

A consolidação da proposta de cada semestre se dá pela participação solidária entre alunos eprofessores no processo de responder à situação-problema estabelecida, mediante a busca deinformações atualizadas em banco de dados credenciados e artigos e livros recomendados.

Conforme o objetivo específico do semestre e o grau de complexidade, o professor orienta sobrecomo buscar dados em fontes socioambientais primárias, ou seja, nos contextos onde os fenômenosocorrem. Inclui-se, aqui, a elaboração e a aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Por exemplo, na AIP do terceiro semestre, ficou determinado que o aluno, além de aperfeiçoar osconteúdos teóricos e as ferramentas aprendidas nos semestres anteriores – como buscar dados naliteratura e em bancos de dados oficiais e elaborar registros de forma sistematizada – precisa aprender aentrar em campo de natureza mais complexa, com atitude de pesquisador social, e a produzir um bancode dados.

Esse é o momento de o aluno responder a uma pergunta de pesquisa com informações identificadasem registros de atendimentos de usuários de um serviço de saúde pública. É sua primeira experiênciacom dados em documentos originais.

Nessa fase, o aluno começa o seu aprendizado prático sobre aspectos éticos relacionados ao comoentrar e sair de uma instituição e ao como tratar informações sigilosas, e, também, sobre instrumentosespecíficos para desenvolver a atividade.

Para tanto, ele aprende: a solicitar autorização oficial por escrito para estar no ambiente de trabalhoda equipe de saúde; a identificar documentos que registram o atendimento prestado à população, e acomprometer-se a devolver os resultados para a instituição.

Aprende, também, a: elaborar o formulário de coleta de dados; ler e analisar registros dosprofissionais da saúde; identificar os dados que responderão à pergunta da pesquisa; registrar e organizaros dados de maneira sistematizada; criar um banco de dados em planilha específica; e a elaborar aapresentação em gráficos e criar formas de devolução de resultados para a instituição. E, finalmente,aprende a discutir, com seus pares e professores, sobre os resultados, focando aspectos metodológicos econteúdos específicos, bem como aprende a refletir criticamente sobre a realidade encontrada com basena literatura clássica e contemporânea, nas políticas públicas e nos princípios éticos inerentes à profissão.

Foi identificado, também, que o terceiro semestre possibilita, ao aluno, perceber a qualidade darecepção dada aos cidadãos nos serviços de saúde e a importância dos resultados da pesquisa para oaperfeiçoamento de programas e ações de atenção à saúde da população.

A análise reflexiva dos resultados dessa AIP despertou a consciência dos professores para outrosâmbitos, como a necessidade de se introduzirem temas no início do curso, por exemplo, o“acolhimento”, e a validação do potencial dos bancos de dados que a AIP produz, para subsidiar outrosestudos de abordagem qualitativa e quantitativa, e decisões de gestores de saúde do Município.

A análise do conjunto das AIP fez também emergir categorias que ampliaram o construto dessaestratégia, como: “papel do professor”; “papel do coordenador do semestre”; e “papel do coordenadordo curso”.

O papel do professor é de mediador no processo de construção do conhecimento e, também, deaprendiz: orienta o trabalho em grupo respeitando o nível de compreensão dos alunos naquelemomento do curso; reforça experiências anteriores; apresenta as ferramentas necessárias para aprodução do conhecimento condizente com o grau de complexidade para aquele momento acadêmico;discute sobre a situação-problema escolhida; atende os alunos em suas dificuldades, para que possam

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avançar nas etapas com satisfação; estimula a sua criatividade durante o processo; orienta a integraçãodos dados; participa de decisões do grupo sobre propostas de socialização dos resultados e deapresentação pública do trabalho final.

O professor busca ser participante ativo do processo interdisciplinar e solidário com colegas, alunos ecoordenação de curso, em parceria com profissionais e população envolvidos nas atividades, e, ainda,incorpora o papel de sujeito que, enquanto ensina, também se aperfeiçoa.

No decorrer da AIP, o professor é estimulado, também, a criar estratégias que possibilitem ao alunoaumentar seu potencial de participação. Há mobilização de energias para aprendizagem de atitudesrelacionadas à interação social de cunho humanístico e à disciplina de trabalho individual e coletivo,como: organização do tempo no dia e na semana; estabelecimento de prioridades no cronograma dosemestre; liberdade de expressão; responsabilidade; criatividade; trabalho solidário e respeitoso entrecolegas; e diálogo e tolerância frente às diferenças pessoais.

Os dados mostram que, durante e ao final do processo, é o aluno que traz novas perguntas ereflexões para serem incorporadas aos processos de ensinar-aprender, exigindo do professor reflexões eaperfeiçoamento contínuos.

Em cada semestre, além de responsável por um grupo de alunos, um dos professores também écoordenador da AIP. Seu papel é manter a unidade de compreensão e ação entre os participantes,enquanto o do coordenador do curso é garantir condições para a implementação da AIP, comoprovidenciar adequações curriculares, alocar carga horária para os docentes e manter a coerência dasatividades com o PPC.

Avaliação e encaminhamentos

Na AIP/2008, foram elaborados 18 instrumentos de pesquisa; participaram do processo 264 alunos e39 professores, além dos “sujeitos do estudo”, representados por acadêmicos do curso, equipes deenfermagem e usuários de serviços de saúde ambulatoriais e hospitalares do Município.

O processo de avaliação teve caráter participativo, seguindo a rotina do curso para avaliação dedisciplinas. Envolveu alunos, professores e as coordenações do curso e do projeto, e realizou-se em trêsmomentos: no decorrer do semestre, por meio de depoimentos verbais em encontros formais einformais; na apresentação dos trabalhos finais; e em reunião de colegiado, ao final do semestre.

Concluiu-se que a avaliação da AIP como um todo, considerando-se as oito fases do curso, somenteserá possível quando os alunos que participaram desde o início estiverem concluindo o curso.Entretanto, como avaliação de processo, pôde-se evidenciar a viabilidade da estratégia, tendo em vista oalcance dos objetivos propostos junto aos alunos e a sinalização positiva para as finalidades esperadas.

A análise dos dados referentes a essa avaliação mostra três categorias: “conquistas”, “dificuldades”e “sugestões/encaminhamentos”. As conquistas foram semelhantes para todos, variando emintensidade conforme particularidades pessoais e grupais: maior integração docente-docente e docente-discente; motivação de docentes e discentes para realização de estudos, pesquisas e publicação deartigos científicos; aplicação da linguagem de pesquisa no cotidiano; descoberta e incremento do uso dediferentes bancos de dados e de bibliografias de caráter científico no preparo das aulas e dos trabalhosacadêmicos; aperfeiçoamento teórico-metodológico; e estímulo à criatividade discente e docente para odesenvolvimento de estratégias de ensino, pesquisa e socialização dos dados.

Em especial, para o aluno, evidenciou-se que a AIP possibilita: a aproximação com o ambiente físicoe o contexto social da saúde em fases iniciais; a associação concreta da teoria com a prática; ampliaçãode sua visão de mundo, o que proporciona maior compreensão sobre o processo saúde-adoecer dapopulação; descobertas próprias sobre a construção da saúde, dos serviços e dos processos de cuidar;maior sensibilidade e criatividade; a apropriação de referenciais teóricos para análise de dados empíricos;e espaços de reflexão crítica que conduzem à elaboração de sínteses sobre responsabilidades e possíveisdesafios inerentes ao exercício profissional.

As dificuldades identificadas no processo foram decorrentes, em especial, da ausência de cargahorária docente para essa atividade e de problemas de cunho pessoal. Houve situações que provocaramestresse e desconforto em alunos e professores. Para os primeiros, a razão foi falta de tempo para os

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trabalhos coletivos. Quanto aos professores, o estresse foi maior para aqueles que necessitaram investirmais tempo para aprender o que deviam ensinar, especialmente tendo outro vínculo empregatício.

Professores acostumados a levar o conteúdo pronto para a sala de aula tiveram maior dificuldade. NaAIP, o professor é estimulado a não “dar aula”; sendo assim, desenvolver processos que orientam oaluno para a construção do conhecimento temático e metodológico, partindo de uma pergunta depesquisa, exigiu revisão total das práticas pedagógicas.

Identificou-se que apontar vazios de conhecimentos, ensinar ferramentas científicas para a busca dedados, indicar as fontes desses dados, exercitar a sistematização, desenvolver processos de interação, dereflexão crítica e de elaboração de sínteses e, ainda, cobrar normas científicas e estimular a criatividadeno processo, incluindo formas de apresentação dos resultados, não são tarefas fáceis para aquelesprofessores que assim não aprenderam.

Na avaliação final, as dificuldades foram percebidas como desafios a serem trabalhados com vistas aoaperfeiçoamento da proposta, posto que alunos e professores, por unanimidade, sugeriram acontinuidade da AIP no curso. Dos 264 alunos, apenas 01 considerou a AIP negativa, justificando que“aprender a pesquisar não é importante para a profissão”.

Um dos aspectos evidenciados diz respeito à necessidade de se incrementar um movimento dereflexão crítica entre professores e a coordenação do curso acerca das limitações e possibilidades decunho pessoal e coletivo existentes. A expectativa é de que essa estratégia interacional possa contribuirpara o aperfeiçoamento da capacidade do professor em dialogar com seus pares e a coordenação e,também, de lidar com emoções e prioridades, a ponto de efetivar o processo pedagógico, conformeplanejado, e de torná-lo gratificante para todas as pessoas envolvidas.

Houve consenso em que a AIP, para atingir seus objetivos e finalidades, deve calcar-se noscomponentes do cuidado que promovam o aprimoramento humano, dirigidos à integração decomponentes de razão-sensibilidade e liberdade-limite, mediados pela reflexão crítica e o caráterdialético, inerente à realidade complexa e mutante.

Também foi identificada a necessidade de o professor ficar mais atento aos princípios prescritos quedizem respeito à aprendizagem progressiva e à importância de gerar, no aluno, a percepção de sersujeito do processo de produção do conhecimento e sentir prazer com esse trabalho. Nesse sentido, foiapontado o papel relevante dos professores dos primeiros semestres do curso para o sucesso daspropostas pedagógicas e, também, para a manutenção dos alunos no curso e na universidade. Um dosencaminhamentos desafia os docentes ao desenvolvimento de estratégias que mobilizem o aluno àparticipação efetiva. Para tanto, precisam provocar a sua inserção imediata nos processos pedagógicos enos contextos da saúde e da profissão, e respeitar sua capacidade de atendimento às demandasacadêmicas, de maneira a estimularem seu envolvimento e prevenirem situações que possam provocarriscos de estresse e evasão.

Identificou-se que a AIP possibilita desenvolver o potencial do aluno para atender a uma variedadede exigências de conteúdos teóricos e metodológicos como uma unidade complexa. A visãomultidimensional da saúde e a bagagem existencial e de cidadania dos participantes, quando presentesno processo, fortalecem esse aspecto e evidenciam que os questionamentos e as buscas por respostas,junto à população, a seus pares, a seus professores e outros profissionais, devem ser mediados porinterações de caráter ético e estético.

Com base nas teses de Briceño-León (1996), percebe-se a AIP também como estratégia pedagógicapara reforçar a confiança das pessoas em si mesmas e fomentar a responsabilidade individual e acooperação coletiva na formação acadêmica.

Mediante a discussão da avaliação, alguns professores foram levados a refletir criticamente sobre oseu perfil de docente universitário e a ressignificar conceitos sobre pesquisa na graduação e práticaspedagógicas. Perceberam que certas práticas que desenvolviam não somente inibiam a participação doaluno, mas também provocavam estresse desnecessário. Exemplo disso é a quantidade elevada detrabalhos e de provas exigida no semestre, resquícios do modelo fragmentado e quantitativo quecostuma gerar sobrecarga de trabalho, insatisfação e pouca aprendizagem.

A estratégia AIP atendeu à expectativa dos idealizadores de caracterizá-la como uma metodologiade ensino-aprendizagem de abordagem construtivista. Nesse modelo, segundo Grossi (1995), do ponto

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de vista do ensinante, a prática pedagógica deve propiciar ao aluno o embate com problemas instigantesque suscitem a necessidade de resolvê-los por meio de saídas inteligentes, que devem ser superadasgradativamente pelo próprio sujeito da aprendizagem. E, ainda, conforme a autora, embebidos nadimensão do social, essa prática deve promover conquistas pessoais que instrumentalizem os alunospara a resolução de problemas existenciais tanto na esfera profissional quanto na esfera pessoal.

Finalmente, essa modalidade de ensino foi considerada apropriada para outros espaços acadêmicosque tenham a mesma expectativa, condicionada a modificações relacionadas à essência da profissão, aoPPC do curso e aos processos reflexivos e criativos que mediarão o trabalho coletivo naquele contexto.

Síntese final

A sistematização da AIP mostra um processo de trabalho fundado em práticas pedagógicasorientadas por referencial teórico-metodológico próprio, sintonizado com o PPC e o contexto maior emque se insere. Partindo da proposta inicial, a AIP foi sendo construída e validada, pelos participantes, nodecorrer dos processos de trabalho, e reconhecida como um método original.

Nesse processo, alunos aprendem a construir o seu próprio conhecimento em nível de complexidadecrescente, e professores que ensinam também aprendem para além do conteúdo que lhes cabeministrar – ampliam sua visão como profissionais da educação superior e da saúde e, também, comocidadãos.

A proposta, firmada pela sistematização de estratégias pedagógicas, representa processos de ensinar-aprender a fazer pesquisa a partir da aplicação e recriação de conhecimentos e do exercício daassociação sabedoria, criatividade e reflexão crítica. Conduzida por situações-problema decomplexidades e de contextos variados, é mediada por processos de análise-reflexão-síntese individuaise coletivos e por componentes do cuidado humano que promovem o aperfeiçoamento das interaçõespessoais e profissionais.

A perspectiva de aprimoramento de teorias e práticas sobre necessidades humanas, cuidado integrale processos de trabalho para promoção e prevenção de agravos à saúde em diferentes contextos, exigeo desenvolvimento de conhecimentos para além daqueles previstos no semestre. Esse aspecto levaalunos e professores - sobretudo estes - à busca em fontes diversas, ao aperfeiçoamento do poder dereflexão e ao incremento de atitudes construtivistas.

O estudo mostrou que o ensino da pesquisa, quando inserido em todos os semestres da graduação,desenvolvido de maneira interdisciplinar, participante, construtivista e solidária, promove oempoderamento gradativo do aluno para desenvolver suas competências e habilidades. Esse processogera desafios constantes para o professor, o que lhe possibilita maior empoderamento como educador,pesquisador e profissional de sua área.

A estratégia de avaliação da AIP, por envolver a discussão coletiva dos processos e resultados,fortalece os princípios da proposta e constitui mais um recurso para integração dos participantes,capacitação em pesquisa e aperfeiçoamento pessoal e profissional de maneira geral.

Ensinar-aprender conteúdos pesquisando em livros, banco de dados e contextos sociais, e a discutirdialogando com seus pares e mestres, sintoniza-se com ideias de Ortega e Gasset apud Droguett(2002), Freire (2000, 1983), D´Ambrósio (1997) e Grossi (1995), no que se refere à importância dodesenvolvimento de métodos pedagógicos que transcendam àqueles que apenas reproduzemconhecimentos.

Seus princípios e estratégias possibilitam o aperfeiçoamento das habilidades e competências dediscentes e docentes para identificar situações-problema no cotidiano das práticas e, também, para criare aplicar conhecimentos básicos e tecnológicos que respondam de forma mais coerente às demandas daprofissão e da sociedade. E, ainda, possibilitam, pelo seu caráter cooperativo e seus aspectos éticos eestéticos, tornar a experiência da educação formal saudável e prazerosa, tal como apregoado nas obrasde Rubem Alves (2008, 2001).

Embora essa modalidade possa gerar condições de estresse, promove, mesmo nas situações deconflito e grandes dificuldades, o aperfeiçoamento das interações docente-docente, discente-docente e

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discente-discente, em razão de seus princípios e referenciais valorizarem o caráter dialógico e decuidado consigo e com o outro. Tal consideração é evidenciada nos estudos de Ribeiro et al. (2010) eSilvério et al. (2010), que tratam de repercussões do processo de ensino-aprendizagem na qualidade devida e saúde de alunos e professores.

Essa tecnologia social apresenta potencial, também, para incrementar objetivos e diretrizes daeducação que, transformando o ser humano, transforma a sociedade, mas com a preocupação de seconstituir em prática social sustentável - em todos os sentidos que essa expressão possa representar nouniverso da produção e disseminação de conhecimentos científicos e saberes tradicionais.

Ainda que a proposta esteja restrita a um microcontexto acadêmico da área da saúde, entende-seque essa modalidade de ensino, sob um olhar sistêmico, constitui-se subsídio para ampliação daconsciência e participação social da universidade. Sob vários aspectos, a proposta apresenta ressonânciacom a incitação que Boaventura Santos faz à universidade do Século XXI (2005), no que tange àresponsabilidade social e política, fundada por princípios democráticos e emancipatórios.

Ao considerar o contexto em que foi construído esse método, à luz de concepções de Chauí (2003),relacionadas às mudanças ocorridas na universidade brasileira que ferem seu caráter de“universalidade”, é possível sonhar que práticas pedagógicas dessa natureza, em universidades cujoperfil é predominantemente de “organização social”, possam contribuir para a promoção, ou o resgate,de atributos que confiram ou restituam o caráter de “instituição social” da universidade.

Particularmente, citando Soubhia, Garanhani, Dessunti (2007, p.183), ressalta-se que

a realização deste estudo possibilitou-nos compreender que a competência se constitui, porora, a nossa grande utopia, mas a caminhada está iniciada e com o trajeto sinalizado.Restam-nos, ainda, novos olhares para o fenômeno e outras avaliações do processo deensino e aprendizagem sobre a pesquisa.

Sugere-se a realização de estudos semelhantes em outros contextos, que possam incrementar odesenvolvimento – ou mesmo validar pela sistematização – de metodologias voltadas ao ensinosistemático da pesquisa na graduação que, além de promoverem a inclusão de alunos nessaaprendizagem e sua autonomia progressiva na abordagem da realidade, também contribuam paraaprimorar a profissão e o diálogo entre professores, gestores e a sociedade. Nesse âmbito, a expectativaé incrementar o aperfeiçoamento docente contínuo, a produção científica da universidade e a sua maiorinserção social.

Colaboradores

Zuleica Maria Patrício, Maria Regina Silvério e Ivete Maria Ribeiro trabalharam em todoo processo da pesquisa, na construção e na redação final do manuscrito; Janete ElzaFelisbino participou da concepção da pesquisa, coleta de dados e redação inicial domanuscrito; Ingrid May Brodbeck, Greice Wessler Medeiros Martins, Gilmara MedeirosVieira da Silva, Adriana Elias dos Reis, Ana Maria Henrique Martins Costa, Elvis DieneBardini e Vera Maria Antunes da Fonseca Pinto participaram da concepção inicial dapesquisa e da coleta dos dados.

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SISTEMATIZAÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE ENSINAR-APRENDER ...

1172 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1159-72, out./dez. 2011

PATRÍCIO, Z.M. et al. Sistematización de estrategias de enseñanza-aprendizaje de lapesquisa en la graduación. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.1159-72, out./dez. 2011.

Este estudio analiza la sistematización de prácticas pedagógicas de enseñanza yaprendizaje de la pesquisa en el cotidiano de las asignaturas de un curso de graduacióndel área de la salud. Los datos provienen de documentos concernientes a lasactividades pedagógicas desarrolladas y analizados por la técnica de análisis decontenido, siguiendo categorías del referencial de sistematización de prácticas socialesadoptado: delimitación del objeto; tiempo y contexto; objetivos y finalidades;referenciales utilizados; contenido de las prácticas y estrategias utilizadas; dinámica delas actividades y sentimientos creados; resultados; conclusiones y propuestas deencaminamientos. Los resultados presentan un método de enseñanza y aprendizaje dela pesquisa creado en colectivo, constituido por un referencial teórico-metodológicopropio que orienta, en todas las asignaturas, el desarrollo de estrategias para que seconstruyan conocimientos a nivel de complejidad creciente, basados ensituaciones-problema de la salud y datos cualitativos y cuantitativos de diferentesfrentes y contextos socio-ambientales.

Palabras clave: Enseñanza de pesquisa. Educación superior. Estrategiasde enseñanza-aprendizaje. Sistematización de prácticas.

Recebido em 06/06/10. Aprovado em 11/01/11.

Simulação como estratégia de ensino em enfermagem:revisão de literatura

Ilka Nicéia D’Aquino Oliveira Teixeira1

Jorge Vinícius Cestari Felix2

TEIXEIRA, I.N.D.O.; FELIX, J.V.C. Simulation as a teaching strategy in nursing education:literature review. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39, p.1173-83, out./dez.2011.

The objective of this systematic review isto present simulation as a teachingstrategy for undergraduate nursingstudents, as described in Brazilian studies.The search was carried out in thedatabases BDENF, Lilacs and Medline,using the following keywords: teaching,education, laboratory, simulation,nursing. The included studies were thescientific papers on simulation as ateaching strategy for undergraduatenursing students, published inPortuguese, between January 1999 andSeptember 2010. Bardin’s thematiccontent analysis was applied to dataanalysis. Nine papers met the inclusioncriteria, being classified into twocategories: seven in “computersimulation”, and two in “nursinglaboratory”. The results indicate thatsimulation encourages both theacquisition of psychomotor skills andself-confidence. Yet, no clinical trial wasfound on the efficacy of simulation forimproving nursing students’ practice.Thus, there is a need for further researchon the subject.

Keywords: Computer-assisted instruction.Nursing students. Simulation.

O objetivo desta revisão sistemática éapresentar a simulação como estratégia deensino para estudantes de graduação emenfermagem, conforme estudosbrasileiros. A busca foi realizada nas basesde dados BDENF, Lilacs e Medline,utilizando-se as palavras-chave: ensino,educação, laboratório, simulação eenfermagem. Foram incluídos os artigoscientíficos sobre simulação comoestratégia de ensino para estudantes deenfermagem publicados em português, dejaneiro de 1999 a setembro de 2010. Paraanálise dos dados, os autores aplicaram atécnica de análise temática de conteúdo,descrita por Bardin. Nove artigos foramselecionados, sendo classificados em duascategorias: sete em “Simulação porComputador” e dois em “Laboratório deEnfermagem”. Os resultados indicam quea simulação contribui para a aquisição dehabilidades psicomotoras e autoconfiança.Não foram encontrados ensaios clínicossobre a eficácia da simulação na práticados estudantes de enfermagem. Hánecessidade de mais pesquisas sobre otema.

Palavras-chave: Instrução por computador.Estudantes de Enfermagem. Simulação.

1 Acadêmica, curso deEnfermagem,

Universidade Federal doParaná (UFPR). Caixa

Postal 166, Curitiba, PR,Brasil. 80.011-970.

[email protected] Departamento de

Enfermagem, Setor deCiências da Saúde, UFPR.

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Introdução

Nas aulas práticas, os cuidados aos pacientes são experiências que geram ansiedade nos estudantesde enfermagem. Para alguns acadêmicos, a clínica é o período mais estressante do curso de graduação,e os seguintes fatores estão relacionados à angústia: inexperiência, medo de cometer erros e condiçõesde avaliação (Beck, Srivastava, 1999). Hart e Rotam (1994) avaliaram o nível de estresse de 94estudantes de enfermagem, reafirmando as dificuldades emocionais encontradas nas atividades clínicasdevido à insegurança na realização dos procedimentos e ao despreparo na execução das técnicas.

Os problemas na prática dos alunos são fatores frequentes na educação em enfermagem, e estãorelacionados à ansiedade durante a supervisão e a avaliação (Sharif, Masoumi, 2005). Alguns estudantesreferem distúrbios intestinais e urinários durante as aulas práticas; outros recusam-se a realizar osprocedimentos (Gomes, Germano, 2007). Essas reações são constatadas mesmo em situações simuladasno laboratório de enfermagem, sobretudo na realização de procedimentos invasivos.

Os professores precisam selecionar as oportunidades de intervenções para a prática do cuidado, poisos acadêmicos são diferentes em idade, estilo de vida, experiências e talentos. Alguns estudantes estãotendo o primeiro contato com as tecnologias de curativos e a administração de medicamentos,enquanto outros são profissionais da área. A reflexão dos docentes sobre o desempenho próprio tornaefetiva a transmissão das técnicas requeridas para os procedimentos, sendo considerada uma estratégiaeducacional (Jeffries, 2005).

Outra estratégia é a simulação, que está inserida no currículo de enfermagem para o ensino detécnicas e procedimentos clínicos, incluindo diferentes objetos: jogos, modelos anatômicos, manequins,bonecos, estudos de casos e apresentações de multimídia (Tuoriniemi, Schott-Bauer, 2008). Assimulações que utilizam manequins facilitam a aquisição de habilidades para os cuidados aos pacientes,propiciando a imersão dos estudantes em ambientes interativos seguros para desenvolver o processo deenfermagem (Gomes, Germano, 2007).

Considerando que a segurança do paciente é imprescindível, inicialmente, os acadêmicos participamde aulas teóricas e práticas, com simulações no laboratório de enfermagem; posteriormente,desenvolvem os primeiros cuidados em instituições de saúde (Gomes, Germano, 2007). O laboratóriode enfermagem é um recurso com estrutura para a aprendizagem, que dispõe de equipamentos emateriais simuladores para o desenvolvimento de habilidades profissionais, tais como: avaliação dopaciente, desempenho psicomotor, pensamento crítico para a solução de problemas e colaboraçãointerdisciplinar (Rothgeb, 2008; Coutinho, Friedlander, 2004).

Os cenários de simulação oferecem experiências cognitivas, psicomotoras e afetivas, contribuindopara a transferência de conhecimento da sala de aula para os ambientes clínicos (Tuoriniemi, Schott-Bauer, 2008). Nessas experiências, os docentes devem reforçar os acertos nos procedimentos, corrigiros erros e explicar os pontos nos quais há necessidade de aprimoramento dos acadêmicos (Rothgeb,2008).

As simulações computacionais contribuem para a qualidade dos cuidados oferecidos aos pacientes.Há programas educativos e jogos online que permitem o treinamento de procedimentos clínicos emsituações de simulação, sendo frequente o desenvolvimento de objetos digitais para esse fim(Schatkoski et al., 2007; Melo, Damasceno, 2006; Barbosa, Marin, 2000). É importante, no entanto, quea produção de software para a educação não se caracterize pelo reducionismo tecnológico, comexcessiva preocupação com o design, em detrimento da finalidade pedagógica (Telles Filho, Cassiani,1999).

As ferramentas computacionais oferecem subsídios para o processo de enfermagem, com materiaiseducacionais que incluem arquivos de áudio e vídeo (Barbosa, Marin, 2000). A informática é um recursoem potencial para a aprendizagem de técnicas e procedimentos de risco, sendo recomendada ainserção dessa disciplina nos currículos dos cursos de bacharelado em Enfermagem (Dias et al., 2005).

As práticas com simulações devem ser planejadas em uma sequência de complexidade crescente,conforme as exigências das disciplinas, possibilitando aos estudantes demonstrarem competência emcada nível do curso de Enfermagem (Medley, Horne, 2005; Nehring, Lashley, 2004). Os simuladorespodem ser caracterizados pelo grau de fidelidade, como: baixa fidelidade, exemplificada por manequins

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estáticos; média, permitindo alguma proximidade com a realidade; e alta fidelidade (Jeffries, 2007). Ossimuladores de alta fidelidade representam o corpo humano, com semelhanças na aparência,sentimentos e respostas aos cuidados, inclusive ao oxigênio e às medicações, contribuindo paraestimular o pensamento clínico (Seropian et al., 2004). Esses simuladores podem ser programados pararesponder às falhas na administração de medicamentos e na performance de habilidades,demonstrando, aos estudantes, as possíveis consequências dos erros (Rothgeb, 2008).

A experiência de simulação promove o pensamento crítico dos estudantes, contemplando cincofatores: objetivos, fidelidade, solução do problema, apoio e feedback (Jeffries, 2007). Os objetivosindicam as orientações para a aprendizagem. A fidelidade é o parâmetro de aproximação da realidade,cujo ambiente apresenta características específicas do cenário: clínica, quarto de hospital, enfermaria,ambulatório ou domicílio. Os papéis dos estudantes são definidos previamente à simulação, e o casoclínico do “paciente” deve ser um desafio com solução possível (Rothgeb, 2008). Os manequins sãovestidos como seres humanos e podem ter lesões, feridas, incisões e drenos, sendo comandados porcontrole remoto e programados para perguntar e responder questões específicas. As orientaçõesdocentes podem ser sutis, permitindo que o estudante seja responsável pela tomada de decisões noprocesso (Rothgeb, 2008). O feedback deve acontecer imediatamente após a simulação, observando osprincípios de adequação, pontualidade, frequência e interação (Beckman, Lee, 2009).

A evolução dos estudantes em direção à competência resulta da participação ativa nas simulações,das observações de experiências dos colegas e do feedback dos docentes (Seropian et al., 2004). Aautoavaliação também é importante; mas, quando o acadêmico reconhece a própria atuação como nãosatisfatória, o(a) professor(a) o orientará sobre as ações possíveis para melhorar o desempenho.

As simulações humanizam o ensino e contribuem para a superação das dificuldades e para o controledo estresse emocional dos acadêmicos, reforçando a relevância da interação entre os professores e osestudantes (Gomes, Germano, 2007). A expectativa é que, a partir das experiências de simulação, hajauma redução de erros nos procedimentos em situações clínicas, em um continuum de ação e reflexãono processo de enfermagem.

Os enfermeiros docentes do século 21 devem buscar estratégias inovadoras para o ensino da prática,sendo a simulação uma ferramenta efetiva na educação e no contexto moderno do cuidado à saúde(Rothgeb, 2008). No Brasil, as pesquisas sobre simulação estão na fase inicial; mas os docentes e osdiscentes têm demonstrado atitudes favoráveis ao uso dessa estratégia para o ensino de procedimentose técnicas de enfermagem (Barbosa, Marin, 2000). Vários estudos sugerem que a tecnologia emergenteda simulação clínica aproxima o treinamento dos procedimentos reais; mas, é necessário investigar se háevidências científicas sobre o efeito positivo das simulações na educação (Gomes, Germano, 2007;Melo, Damasceno, 2006; Barbosa, Marin, 2000). Dessa forma, duas questões orientam esta revisão daliteratura: (1) Quais são os estudos brasileiros sobre o uso de simulações para o ensino deprocedimentos e técnicas em enfermagem? (2) Há evidências científicas de que as simulações exercemefeito positivo na aprendizagem dos acadêmicos de graduação em enfermagem?

O objetivo deste estudo é apresentar o uso de simulações no ensino de procedimentos e técnicaspara os estudantes de graduação de enfermagem, conforme os artigos científicos publicados emperiódicos do Brasil, no período de janeiro de 1999 a setembro de 2010.

Percurso metodológico

Este é um estudo descritivo de revisão sistemática da literatura sobre o uso de simulações, comofatores contribuintes para o ensino de técnicas e procedimentos, no curso de graduação emEnfermagem. A pesquisa consistiu na busca de artigos científicos sobre o tema, publicados emperiódicos nacionais, na língua portuguesa, no período de janeiro de 1999 a setembro de 2010. Osautores consultaram as bases de dados BDENF, Lilacs e Medline, sendo os parâmetros de busca e limitesdefinidos segundo as opções disponíveis em cada base. Na Medline, aplicaram-se os termos da MeSH,(learning OR education) AND (laboratory OR simulation) AND nursing, observando os limites: humans,nursing journal articles, Portuguese. Para a busca na BDENF e Lilacs, foi utilizado o sistema da Biblioteca

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Virtual em Saúde, com os termos (ensino OR educação) AND (laboratório OR simulação) ANDenfermagem, observando-se os mesmos limites da Medline.

A seleção da literatura seguiu três critérios de inclusão previamente estabelecidos: (1) artigocientífico, com o objetivo diretamente relacionado ao uso de simulações no ensino de técnicas eprocedimentos para acadêmicos de graduação em enfermagem; (2) estar publicado em periódiconacional no idioma português; (3) publicação no período de janeiro de 1999 a setembro de 2010. Dessaforma, para o presente estudo, os autores excluíram os livros, as dissertações e as teses.

Inicialmente, foi realizada uma busca automática, atentando para os parâmetros supracitados. Aseguir, houve uma seleção dos estudos em três etapas: (1) exclusão de artigos não pertinentes aoobjetivo da presente pesquisa; (2) conferência dos títulos dos trabalhos e dos respectivos autores para severificarem repetições em mais de uma base de dados, sendo os artigos redundantes computadosapenas uma vez; (3) leitura dos resumos, com análise da relação entre os objetivos de cada estudo e opropósito desta pesquisa, para exclusão dos artigos não pertinentes. Cumpridas as três etapas descritas,procedeu-se à leitura, na íntegra, dos artigos selecionados.

Na sequência, os autores aplicaram a análise de conteúdo para tratamento dos dados, adaptada datécnica de Bardin (2004). Segundo Caregnato e Mutti (2006), a análise de conteúdo pode ser realizadaem textos, que são originados de transcrições de entrevistas, e em textos já existentes, como é o casodos artigos selecionados para este estudo. Assim, essa técnica é indicada quando os dados apresentam-se sob a forma de textos, e tem sido utilizada para análise em pesquisas qualitativas, compreendendotrês etapas: (1) pré-análise, na qual é feita a leitura flutuante para a elaboração de hipóteses e deindicadores que fundamentam a interpretação dos dados; (2) exploração do material para a codificaçãodos dados, a partir das unidades de registros; (3) tratamento dos dados e alcance de inferências, queconsiste na classificação dos elementos explorados, considerando-se as semelhanças e as diferençasentre eles, para posterior categorização com ênfase nas características comuns.

Neste trabalho, a análise de conteúdo resultou nas duas categorias para a classificação dos artigosselecionados: Simulação por Computador e Laboratório de Enfermagem.

Resultados e discussão

A busca automática gerou 25 estudos, apresentando oito na BDENF, 12 na Lilacs e cinco na Medline.Seis trabalhos estavam repetidos, sendo dois indexados nas três bases de dados consultadas e quatrocontidos na BDENF e na Lilacs. Os artigos repetidos foram contados apenas uma vez, totalizando 17estudos. Após a aplicação dos critérios estabelecidos, foram excluídos oito artigos com as seguintesjustificativas: não-disponibilidade da publicação na íntegra (um); realização do estudo na cidade doMéxico (um); educação continuada para enfermeiros gerentes (um); aplicação do modelo de educaçãode laboratório para ensino de técnicas de gestão em enfermagem (dois); elaboração de materialeducativo sem uso de simulação (um); relato de experiência para aprimoramento de monitores (um);conteúdo teórico sobre sistema de informação aplicado à enfermagem (um).

De 1999 a 2003, apenas um estudo estava indexado; mas, no período de 2004 a 2010, oito artigosconstaram nas bases de dados. Os estudos foram divulgados em periódicos, em quantidade indicadaconforme os números entre parênteses: Revista da Escola de Enfermagem da USP (dois); Revista Gaúchade Enfermagem (dois); Revista Latino Americana de Enfermagem (dois); Acta Paulista de Enfermagem(um); Texto e Contexto em Enfermagem (um) e Online Brazilian Journal of Nursing (um).

Portanto, nesta revisão de literatura, foram incluídos nove artigos científicos sobre o uso desimulações para o ensino de técnicas e procedimentos para estudantes de graduação em enfermagem.Conforme o conteúdo, os estudos selecionados foram classificados em duas categorias, sendo seteartigos sobre Simulação por Computador e dois classificados em Laboratório de Enfermagem (Quadros1 e 2).

As amostras das pesquisas foram constituídas por acadêmicos do curso de graduação emenfermagem, com três exceções: uma amostra formada por docentes, em uma pesquisa que avaliousoftware para ensino de oxigenoterapia; um relato de experiência sobre a construção de software de

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ausculta respiratória, e, ainda, a simulação de terapia intensiva, que envolveu programadores desistemas, professores e acadêmicos.

Em relação ao delineamento dos estudos, um artigo combinou o método quantitativo e qualitativo, eseis são quantitativos de corte transversal. Um trabalho aplicou a abordagem qualitativa, e outro

Quadro 1. Artigos da categoria Simulação por Computador

Autores

Schatkoskiet al. (2007)

Melo eDamasceno(2006)

Barbosa eMarin(2000)

Telles Filho eCassiani(1999)

Sasso eSouza(2006)

Cogo et al.(2009)

Silva e Cogo(2007)

Objetivo

Avaliar objetoseducacionais(oxigenoterapia)

Desenvolver softwarepara ensino deausculta pulmonar

Desenvolver e avaliarsimulação via web emterapia intensiva

Comparar atitudesde discentes de 2instituições sobreensino comcomputador

Descrever aconstrução e avaliarambiente simuladoem RCP

Investigar a opiniãode docentes sobreobjetos digitais(oxigenoterapia)

Avaliar o desempenhona punção venosa,com 3 objetos digitais

Amostra

44 estudantes

Não se aplica

4 webdesigners4 docentes,4enfermeiros25 estudantes

101 discentes

3 estudantes

10 docentes

37 estudantes

Estudo/ Método

Quantitativo.Questionário: avaliaçãodo material digital.

Descritivo. Software em6 etapas.

Pesquisa aplicada.Ambiente desenvolvidoem 6 fases.

Quantitativo, descritivo.Elaboração, aplicação eanálise de escalas.

Quantitativo, descritivo.6 etapas na construção,e avaliação doprograma.

Transversal, exploratório.Questionário para avaliar3 objetos educacionais.

Exploratório, descritivo.Observação de 10etapas no procedimentoe questionário.

Resultados

Favoráveis aosobjetoseducacionais.

Software disponívelem kit.

Ergonomia,pedagogiaadequadas.Simulação longa.Não há valores dereferência.

Aprovação docomputador noensino deenfermagem.

Ambiente simuladopara ensino de RCP.

Avaliaçãosatisfatória dosobjetoseducacionais digitais.

Material contribuipara aprendizado(91,90% dosacadêmicos).

Considerações

Reforço àparticipação doestudante.

Bibliografiaescassa. Aplicaçãodepende deparceria.

Validade dasimulação webem terapiaintensiva.

Atitudes positivassobre ocomputador noensino.

Ambientepermite ocuidado virtual dopaciente em RCP.

Objetoseducacionaiscapacitam alunos.

Simulação digitalcontribui para oaprendizado.

Quadro 2. Artigos da categoria Laboratório de Enfermagem

Autores

Gomes eGermano(2007)

Coutinho eFriedlander(2004)

Objetivo

Identificarcontribuições dolaboratório no ensino

Avaliar desempenhopsicomotor no LE* eCC**

Amostra

26 estudantes

77 estudantes

Estudo/ Método

Qualitativo,descritivo.4 grupos focais

Quantitativo.Instrumento paracoleta de dados.

Resultados

Importância unânimede simulações nolaboratório.

Valores semcorrelaçãosignificativa.

Considerações

Laboratório oferecesegurança para cuidadoaos pacientes.

Melhor desempenhopsicomotor no CC.

*LE: laboratório de enfermagem; **CC: centro cirúrgico.

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caracterizou-se como relato de experiência. Nenhum estudo foi classificado como ensaio clínicoaleatorizado. Isso significa que não foi encontrada evidência científica de que o uso da simulação para oensino de técnicas e procedimentos exerce efeito positivo sobre o desempenho clínico dos estudantesde graduação em enfermagem.

Na categoria Simulação por Computador, emergiram sete artigos com temas relacionados àpropedêutica e aos procedimentos e técnicas que, se não forem realizados corretamente, apresentamrisco para os pacientes. O pressuposto desses estudos é que o uso da tecnologia nas simulações reforçaa responsabilidade do aluno referente ao desempenho próprio. Em alusão ao desafio real, o processoestimula a aprendizagem e, assim, as simulações são oportunidades para os estudantes entenderem asconsequências de suas ações em um cenário virtual, que possibilita o desenvolvimento de competênciasreais (Sasso, Souza, 2006).

Objetos educacionais digitais são ferramentas de apoio ao ensino presencial de Fundamentos deEnfermagem (Schatkoski et al., 2007). Na propedêutica de ausculta respiratória, os alunos de Semiologiatêm expressado dificuldades para reconhecer os sons respiratórios, identificar as áreas de ausculta e,ainda, distinguir os sons normais e os adventícios (Melo, Damasceno, 2006). Considerando que osmétodos convencionais para o ensino da ausculta dos sons respiratórios não têm sido eficientes, Melo eDamasceno (2006) desenvolveram um software como recurso na aprendizagem dessa prática. Aferramenta compreendeu: o método da ausculta, as finalidades do procedimento, a classificação dos sonse as características estetoacústicas. Os recursos tridimensionais incluíram a construção de avatares e deambientes virtuais, e a conclusão do trabalho foi que a simulação da ausculta respiratória, proporcionadapor esse software, contribuiu para o ensino e a aprendizagem em enfermagem (Melo, Damasceno,2006).

Buscando aprimorar o ensino da administração de oxigênio aos pacientes, docentes e alunos daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) desenvolveram e avaliaram o uso de objetosdigitais para o treino desse procedimento, nas formas de hipertexto, jogo educativo e simulação dapassagem do cateter (Schatkoski et al., 2007). Foi aplicado um questionário para 44 acadêmicos dadisciplina Fundamentos do cuidado humano III, a fim de se verificar a adequação do conteúdo,apresentação visual e utilização desses objetos. As dificuldades referiram-se à visualização e à maneirade salvar o material digital; mas os resultados sugeriram que esses recursos reforçaram a participaçãoativa do estudante na aprendizagem. Os acadêmicos tiveram boa receptividade ao hipertexto, ao jogoeducativo e à simulação sobre oxigenoterapia (Schatkoski et al., 2007).

A utilização dos mesmos objetos para o treino de oxigenoterapia foi investigada também por dezdocentes do curso de graduação em Enfermagem da UFRGS (Cogo et al., 2009). Foi aplicada umaescala do tipo Likert para avaliar o conteúdo, a apresentação visual e a utilização do material digital. Ainteratividade do estudante na aprendizagem ficou evidente com a avaliação positiva que os docentesfizeram da simulação e do jogo educativo para o ensino da oxigenoterapia (Cogo et al,. 2009).

Estudar com o apoio de simulações no computador, antecipando procedimentos que serão realizadosem manequins e, posteriormente em pacientes, é uma estratégia na qual o acadêmico assume umapostura ativa na aprendizagem (Schatkoski et al., 2007). Para favorecer as habilidades psicomotoras, osprofessores de disciplinas que iniciam o estudante na clínica precisam desenvolver sensibilidade paraentender as dificuldades e os sentimentos envolvidos na execução dos primeiros procedimentos(Gomes, Germano, 2007).

No ambiente clínico, os professores selecionam os pacientes, iniciando com uma abordagem decontrole sobre as ações do estudante, sendo essa dependente da experiência e competência domesmo. O continuum de aprendizagem das habilidades técnicas e o desenvolvimento da confiança doacadêmico no cuidado aos pacientes pode começar com procedimentos simulados, sob orientações quedeverão ser gradualmente reduzidas, culminando na prática supervisionada nas situações reais. Nesseprocesso, o professor deve oferecer orientações prévias e posteriores ao atendimento, estandodisponível para as dúvidas e, ainda, avaliando o desempenho do aluno.

Silva e Cogo (2007) analisaram o desempenho de 37 acadêmicos de enfermagem da UFRGS, narealização da punção venosa, que foi ensinada com o recurso de objetos educacionais digitais. A coletados dados foi feita por observação direta durante a prática no manequim, e, na sequência, os estudantes

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preencheram um questionário sobre a utilização dos objetos educacionais digitais, que avaliou dezpassos do procedimento no laboratório: preparação do material; lavagem das mãos; uso das luvas;procurar a veia; “garrotear” o membro; assepsia; introdução do cateter de plástico sobre agulha eretirada do garrote ao retorno do sangue; pressionar o cateter ao retirar o mandril; demonstrar a técnicade fixação do cateter; demonstrar conhecimento sobre anticoagulação do acesso ou proceder à infusãointravenosa. Dentre os estudantes que não tinham experiência prévia em punção venosa, 72,97%realizaram corretamente 50% do procedimento. Os autores entenderam que a prática no laboratóriopermite erros até que se alcance o acerto, gerando segurança no aluno (Silva, Cogo, 2007).

Os jogos educativos e a simulação digital contribuem para que o conhecimento, adquirido emexperiências virtuais, seja aplicado nas situações reais. A aprendizagem torna-se significativa quando oprocesso de ensino é organizado e intencional, requerendo a predisposição de educação contínua daparte dos professores (Karino, Guarient, 2001). Nessa trajetória, destaca-se a necessidade de preparaçãodos docentes que atuam no desenvolvimento das habilidades clínicas dos estudantes de enfermagem. Aintegração da teoria à prática, sob a liderança de professores com competência clínica e didática,contribui para que os acadêmicos desenvolvam segurança crescente, iniciando-se com simulação deprocedimentos, seguindo para os cuidados aos pacientes durante as aulas práticas e se estendendo àsatividades posteriores de estágio.

Após o ensino de procedimentos, como a realização de punção venosa, a aprendizagem expande-separa ambientes assistenciais que requerem o domínio de alta tecnologia. Os cuidados intensivos com ospacientes representam desafios para os acadêmicos, que precisam aprender, também, sobre amonitorização dos equipamentos que traduzem os parâmetros clínicos. Sob essa perspectiva, osestudantes têm a responsabilidade de prestar cuidados conforme a demanda de assistência, exercitandoo conhecimento previamente adquirido (Barbosa, Marin, 2000).

O estudo de Barbosa e Marin (2000), realizado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),sobre desenvolvimento e aplicação de um ambiente web de simulação clínica em terapia intensiva,apresentou dados preliminares de um paciente com lesão por arma branca em hemitórax direito, que foiadmitido na unidade de terapia intensiva, evoluindo para insuficiência respiratória, com necessidade deventilação mecânica. Os alunos do 6º período, que cursavam a disciplina Enfermagem nasintercorrências cirúrgicas e de urgência, selecionaram os dados do paciente para propor as ações deenfermagem, observando os seguintes temas: avaliação do indivíduo em estado crítico, insuficiênciarespiratória, ventilação mecânica e drenagem torácica.

Os resultados do uso da web demonstraram boa aceitação da simulação pelos alunos, com destaquepara o estímulo ao aprendizado, retenção do conteúdo e satisfação na utilização do ambiente virtual(Barbosa, Marin, 2000). O estudo ofereceu subsídios para o ensino em terapia intensiva, estimulando opensamento crítico do estudante e o questionamento da prática. Barbosa e Marin (2000) mostraram aviabilidade de simulação na web direcionada para a educação, contribuindo para a construção detecnologias educacionais para os cursos de graduação de Enfermagem.

A simulação computadorizada reduz a distância entre a teoria e a prática, pois o computadorapresenta uma situação parecida com a realidade (Sasso, Souza, 2006). Sasso e Souza (2006)descreveram a construção de um ambiente computacional para uma situação simulada de paradacardiorrespiratória, demonstrando que o software reduz o estresse para o aluno e o risco para opaciente. A experiência sugeriu que a simulação pode evitar que o paciente sofra danos decorrentes defalhas do estudante no processo decisório, contribuindo para a assistência adequada em situação real.

Para conhecer a opinião de discentes do 8º período de Enfermagem, sobre a utilização doscomputadores em simulações, Telles Filho e Cassiani (1999) desenvolveram escalas de Likert com itensfavoráveis e desfavoráveis ao objeto de estudo, cujas respostas indicaram o nível de concordância, deindecisão ou de discordância dos estudantes, em relação às afirmações específicas. Essas afirmaçõesforam elaboradas a partir da reunião e da seleção de frases fundamentadas na literatura, com pertinênciaà temática, e advindas da experiência dos investigadores e do estudo-piloto. Os resultadosdemonstraram que 58,4% dos 101 estudantes consideraram o computador como um recursoimportante para o ensino, sendo receptivos à utilização da simulação computadorizada e à atualizaçãode técnicas pedagógicas, com interesse na interatividade (Telles Filho, Cassiani, 1999).

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Os jogos educativos e as simulações virtuais permitem que os estudantes desenvolvam habilidadespara a realização de procedimentos, observando as técnicas. Os jogos online informam o desempenho;a simulação computadorizada reduz o medo de errar, aceitando as tentativas do estudante para aresolução do problema (Schatkoski et al., 2007). Embora existam vantagens na utilização decomputadores para o ensino de avaliações, procedimentos e técnicas de enfermagem, há dificuldade natransferência do conteúdo das simulações para as situações reais. O teclado e o mouse do computadorcompõem a interface entre o estudante e o paciente virtual, uma situação que não ocorre na realidade,determinando que a prática clínica é essencial para promover a sensibilidade na assistência (Gomes,Germano, 2007; Sasso, Souza, 2006).

Um fator importante sobre as simulações com computadores é a presença do professor, pois autilização exclusiva da tecnologia não é suficiente (Sasso, Souza, 2006). A presença do docente énecessária, sendo a informática um dispositivo integrante do ensino da terapia intravenosa (Dias et al.,2005). Portanto, as tecnologias digitais oferecem suporte; mas o professor deve incentivar osacadêmicos na busca de conhecimento técnico e humano, tornando-se o elo entre as relações pessoaise o desempenho para facilitar o processo de enfermagem (Karino, Guarient, 2001).

Para os estudantes que necessitam desenvolver habilidades psicomotoras, as atividades de simulaçãorealizadas no laboratório são complementares à aprendizagem de procedimentos. Na segunda categoria,Laboratório de Enfermagem, os dois artigos selecionados acentuam a importância desse ambiente naformação do enfermeiro (Gomes, Germano, 2007; Coutinho, Friedlander, 2004). A noção subjacente aesses estudos é a de que as simulações contribuem para que os estudantes desenvolvam as habilidadesnecessárias aos cuidados, em situações anteriores aos atendimentos na clínica. Nas primeirasexperiências com os pacientes, os estudantes sentem ansiedade, que é expressa por tremores, palideze sudorese. Esses sintomas podem estar associados ao desmaio, choro e descontrole emocional.Quando é assegurado o tempo adequado para a aprendizagem no laboratório, a ansiedade na áreaclínica é atenuada (Gomes, Germano, 2007).

As opiniões dos estudantes sobre o desenvolvimento de habilidades reforçam as contribuições dassimulações no laboratório, consideradas recursos que facilitam o ensinar e o aprender, particularmentena execução de técnicas (Gomes, Germano, 2007).

Para demonstrar a importância do laboratório na aprendizagem de procedimentos, Gomes eGermano (2007) classificaram as informações geradas por grupos focais de estudantes da UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte (UFRGN), em três categorias: empatia que deve ser desenvolvidadurante os cuidados, insegurança inicial do aluno e papel do professor. Segundo esses autores, asimulação dos procedimentos no laboratório prepara tecnicamente o estudante para oferecer cuidadocom qualidade aos pacientes (Gomes, Germano, 2007).

Os erros com os pacientes não podem ser tolerados, sendo fundamental a segurança para aaprendizagem dos procedimentos (Coutinho, Friedlander, 2004). No entanto, nas simulações, osacadêmicos podem errar para aprimorar as técnicas, executando os procedimentos sem temerem osdanos, pois as atividades em laboratório facilitam a transição para a realidade assistencial (Silva, Cogo,2007). Coutinho e Friedlander (2004) avaliaram as habilidades psicomotoras de 77 alunos da disciplinaEnfermagem em centro cirúrgico, comparando o manuseio de material esterilizado no laboratório deenfermagem e na sala operatória. Considerando o número de erros, o desempenho motor dosacadêmicos foi melhor no centro cirúrgico; porém, a diferença nas habilidades psicomotoras nos doisambientes não foi estatisticamente significativa. Os dois fatores que podem ter contribuído para aredução do número de erros no centro cirúrgico foram: o retorno dos estudantes ao laboratório para otreino de habilidades e o conhecimento prévio em manuseio de material esterilizado (Coutinho,Friedlander, 2004).

Como recurso educacional, o laboratório de enfermagem deve ser disponibilizado ao estudante paraa prática dos procedimentos, em uma transição entre a teoria e a clínica. Esse ambiente, no entanto,não se restringe às técnicas, mas proporciona uma relação entre o professor e o estudante, gerandoconhecimento e reflexão (Gomes, Germano, 2007). A humanização do cuidado, essencial na prática dosestudantes de enfermagem, é desenvolvida exclusivamente nas situações reais. Porém, as inovaçõestecnológicas aplicadas aos simuladores têm gerado programas computacionais, modelos e manequins,

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Colaboradores

Ilka Nicéia D’Aquino Oliveira Teixeira responsabilizou-se pela concepção eplanejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados e redação dotrabalho. Jorge Vinícius Cestari Félix colaborou na redação do texto e responsabilizou-se pela revisão crítica técnica do trabalho.

Referências

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COUTINHO, R.M.; FRIEDLANDER, M.R. Manuseio de material esterilizado: processoensino-aprendizagem em laboratório de enfermagem e em centro cirúrgico. Acta Paul.Enferm., v.17, n.4, p.419-24, 2004.

DIAS, D.C. et al. Terapia intravenosa na web: um recurso didático. Cogitare Enferm.,v.10, n.3, p.23-7, 2005.

GOMES, C.O.; GERMANO, R.M. Processo ensino/aprendizagem no laboratório deenfermagem: visão de estudantes. Rev. Gaucha Enferm., v.28, n.3, p.401-8, 2007.

que buscam uma aproximação com a anatomia, a fisiologia e as respostas ao processo saúde-doença dosseres humanos.

Considerações finais

A simulação é uma estratégia utilizada nas disciplinas de graduação do curso de Enfermagem para oensino de técnicas e procedimentos necessários para a realização de cuidados. No Brasil, as experiênciasindicam que as condições simuladas têm contribuido para a prática dos estudantes, na transição deambientes virtuais e controlados em laboratórios para a assistência aos pacientes.

Os resultados desta revisão sugerem que a aplicação de estratégias educacionais no laboratório podeser associada à tecnologia computacional, como apoio ao ensino presencial. Há disposição dos docentese discentes para formas inovadoras no ensino, particularmente as simulações; porém, dos nove estudosselecionados nesta revisão, nenhum caracterizou-se como ensaio clínico aleatorizado, “padrão ouro” deevidências científicas. Essa informação demonstra a necessidade de realização de pesquisas nessa área,cujos resultados indicarão qual é a relação entre as simulações para o ensino de técnicas eprocedimentos de enfermagem e o desempenho dos estudantes na clínica.

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1182 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1173-83, out./dez. 2011

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TEIXEIRA, I.N.D.O.; FELIX, J.V.C. Simulación como estrategia de enseñanza deenfermería: revisión de literatura. Interface - Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39,p.1173-83, out./dez. 2011.

El objetivo de esta revisión es presentar la simulación como estrategia de enseñanzapara estudiantes de graduación en Enfermería, según estudios hechos en Brasil. Labúsqueda fue realizada en las bases de datos BDENF, Lilacs e Medline, utilizándose delas palabras clave: enseñanza, educación, laboratório, simulación y enfermería. Fueroninclusos los artículos científicos sobre simulación como estrategia de enseñanza,publicados en lengua portuguesa, de enero de 1999 a septiembre de 2010. Paraanálisis de datos, fue aplicada la tecnica de análisis de contenido, descrita por Bardin.Nueve artículos fueron selecionados, siendo clasificados en dos categorias: siete en“simulación por computador” y dos en “laboratório de enfermería”. Los resultadosindican que la simulación contribuye para la adquisición de habilidades psico-motorasy auto-confianza. No fueron encontrados ensayos clínicos a respeto de la eficiencia dela simulación en la práctica de los estudiantes de enfermaría. Se necesitan máspesquisas sobre el tema.

Palabras clave: Instrucción por computador. Estudiantes de Enfermería. Simulación.

Recebido em 08/11/10. Aprovado em 04/01/11.

nlima
Stamp

Responsabilidade social da Educação Superior:a metamorfose do discurso da UNESCO em foco *

Adolfo Ignacio Calderón1

Rodrigo Fornalski Pedro2

Maria Caroline Vargas3

CALDERÓN, A.I.; PEDRO, R.F.; VARGAS, M.C. Social Responsibility of Higher Education:the metamorphosis of Unesco discourse in focus. Interface - Comunic., Saude, Educ.,v.15, n.39, p.1185-98, out./dez. 2011.

The concept of Social Responsibility ofHigher Education (SRHE) is discussed inthe light of the World Conferences onHigher Education of 1998 and 2009,which were promoted by the UnitedNations Educational, Scientific andCultural Organization (Unesco). In 1998,Unesco was opposed to World Banktheses and defended the State’sresponsibility for higher education.However, one decade later, it hasincorporated and accepted neoliberalprinciples as valid for application tohigher education. Thus, the SRHE concepthas been enriched as an ethical principlethat seeks to balance tensions betweeneducation as a human right and as acommercial service. While neoliberalismmoves forward in the fields of hegemonyand consensus, Unesco hasmetamorphosed to adapt to what seemsto be irreversible: the victory of educationas a commercial service in the molds ofthe World Trade Organization. A new flaghas been raised: the fight against“diploma factories”.

Keywords: Unesco. Higher Education.University Management. SocialResponsibility. Evaluation.

Aborda-se o conceito deResponsabilidade Social da EducaçãoSuperior (RSES) à luz das ConferênciasMundiais sobre a Educação Superior de1998 e 2009, promovidas pelaOrganização das Nações Unidas para aEducação, a Ciência e a Cultura (Unesco).Embora, em 1998, essa organização setenha oposto às teses do Banco Mundial,defendendo a responsabilidade doEstado pelo Ensino Superior, passada umadécada, a Unesco passa a incorporar eaceitar, como válidos, princípiosneoliberais aplicados à Educação Superior,valorizando o conceito de RSES enquantoprincípio ético que tenta equilibrar-se natensão entre a educação como direitohumano e como serviço comercial. Oneoliberalismo avança no campo dahegemonia, do consenso; a Unesco semetamorfoseia, adaptando-se ao queparece ser irreversível: a vitória daeducação como serviço comercial nomarco da Organização Mundial doComércio, levantando, como novabandeira, o combate às “fábricas dediplomas”.

Palavras-chave: Unesco. EducaçãoSuperior. Gestão universitária.Responsabilidade social. Avaliação.

* Elaborado com base nadisciplina “Tendências e

Dinâmica da EducaçãoSuperior”, do Programa

de Mestrado eDoutorado em Educação

da Universidade Tuiuti doParaná, e no projeto de

pesquisa“Responsabilidade social

da Educação Superior:levantamento, análise e

avaliação doconhecimento acadêmico

produzido no Brasil(2000-2010)”,

desenvolvido noPrograma de Mestrado

em Educação daPontifícia Universidade

Católica de Campinas(2010, mimeo). Versão

preliminar discutidadurante o XV Endipe

(Calderón, 2010).1 Programa de Mestradoem Educação, Pontifícia

Universidade Católica deCampinas. Rod. Dom

Pedro I, Km 36, Parquedas Universidades.

Campinas, SP, Brasil.13.086-900.

[email protected]

2,3 Programa de Mestradoe Doutorado em

Educação, UniversidadeTuiuti do Paraná.

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Observação preliminar

Durante a hegemonia do Estado de bem-estar social, a universidade legitimou-se enquanto instituição monopolizadora da formação em nível superior e dainvestigação científica. O modelo humboldtiano tornou-se ideal a ser atingido.Com a crise desse modelo estatal e o retorno avassalador dos princípios liberais,empresários da educação, gestores e intelectuais imbuídos de uma nova visãopassaram a questionar valores que sustentaram a universidade durante muitasdécadas no século XX, tais como: a Educação Superior como direito socialfornecido, sobretudo, pelo Estado; a Educação Superior como bem público semfins lucrativos; e a universidade como lugar específico para a pesquisa científica.

O processo de mercantilização do Ensino Superior, e a consequenteinstitucionalização do mercado de Ensino Superior, é um processo paulatino quetem gerado grandes resistências diante do questionamento das bases quesustentam o modelo de universidade de pesquisa (Calderón, 2000).

A universidade de pesquisa, autônoma e financiada pelo Estado, erguida econsolidada em tempos de Estado de bem-estar, mais do que questionada, estásendo destruída diante do avanço avassalador do neoliberalismo4 e das políticaseducacionais impulsionadas, no âmbito mundial, por grandes agências multilaterais,como é o caso do Banco Mundial, organização que se tornou um dos senhores daeducação no mundo (Leher, 1999).

Por meio dos documentos elaborados durante a Conferência Mundial deEducação Superior em 1998 (Unesco, 1998a; 1998b), a Organização das NaçõesUnidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) tornou-se, na análise deimportantes intelectuais (Maia, 1999; Trindade, 1999; Santos, 1998), o principalorganismo internacional que fez oposição às teses do Banco Mundial, ao defendera presença e a responsabilidade do Estado pelo Ensino Superior e o acesso a ele,opondo-se a qualquer forma de mercantilização.

Passados dez anos, em 2009 foi realizada, na sede da Unesco, em Paris, umanova Conferência Mundial de Ensino Superior que, reconhecendo a relevância dosresultados da Declaração da Conferência Mundial de Ensino Superior de 1998(CMES-1998), aprovou o documento As novas dinâmicas do Ensino Superior epesquisas para a mudança e o desenvolvimento social (Unesco, 2009a),estabelecendo orientações para o mundo globalizado.

O presente artigo aborda, especificamente, o conceito de responsabilidadesocial do Ensino Superior à luz da CMES-1998 e da Conferência Mundial sobre aEducação Superior de 2009 (CMES-2009), promovidas pela Unesco. Partindo deuma pesquisa bibliográfica, realiza uma análise comparativa entre a CMES-1998 e aCMES-2009, defendendo a tese de que, passada uma década, a Unesco passou aincorporar e aceitar, como naturalmente válidos, princípios neoliberais aplicados àeducação, levantando uma nova bandeira global no campo ético-político (a lutacontra as fábricas de diplomas), que se alicerça na valorização da RSES enquantoprincípio ético que tenta equilibrar-se na tensão entre o liberalismo político (direitoshumanos) e o liberalismo econômico (hipervalorização do mercado),metamorfoseando-se e adaptando-se ao que parece ser irreversível: a vitória daeducação como serviço comercial no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

A responsabilidade social da Educação Superior no Brasil

Tanto responsabilidade social universitária quanto responsabilidade social daEducação Superior (RSES) são termos que não possuem raízes históricas no cenário

4 No presente artigo, oneoliberalismo éentendido naperspectiva de autoresmarxistas como Anderson(1995) e Boito Júnior(1999). Para o primeiroautor, o neoliberalismo éum fenômeno distintodo simples liberalismoclássico do século XIX,podendo serconsiderado como umareação teórica e políticaveemente contra oEstado intervencionista ede bem-estar social.Trata-se de um ataquecontra qualquer limitaçãodos mecanismos demercado por parte doEstado, denunciadas comuma ameaça letal àliberdade, não somenteeconômica, mas tambémpolítica (Anderson,1995). Para o segundo,a ideologia neoliberalcontemporâneaconstitui-se numliberalismo econômicoque exalta o mercado, aconcorrência e aliberdade da iniciativaempresarial, rejeitando,de modo agressivo, aintervenção do Estado naeconomia. Na ótica deBoito Júnior (1999), odiscurso neoliberalprocura demonstrar asuperioridade domercado frente à açãoestatal.

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universitário brasileiro. Quando o assunto é discutir o papel social ou a função social da universidadebrasileira, o termo mais comum, historicamente cunhado, é compromisso social (Calderón, 2005).

Esse fato não significa que o termo RSES não tenha sido utilizado em outros países em contextoshistóricos diferentes. Lembre-se de que a universidade é uma instituição transecular (Morin, 2009) eque as discussões sobre sua função na sociedade têm sido, e ainda são, uma constante histórica noscenários universitários locais e internacionais.

O termo RSES surgiu no Brasil basicamente com o processo de institucionalização do mercado deEducação Superior, ganhando destaque no início da primeira década do século XXI, quando instituiçõesde Educação Superior (IES) privadas incorporaram, em suas estratégias de marketing, o discurso daresponsabilidade social empresarial ou corporativa, amplamente disseminada no Brasil pelo InstitutoEthos de Empresas e Responsabilidade Social (Calderón, 2005).

Entretanto, foi precisamente ao ser incluído como uma das dez dimensões de avaliação das IES noSistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), instituído pela Lei n° 10.861, de 14 deabril de 2004, e regulamentado pela Portaria n° 2.051, de 9 de julho de 2004, que o termo em questãoganhou força no Brasil.

Com o Sinaes, pode-se afirmar que o que era mera tendência do mercado de Educação Superior,adotada, sobretudo, como discurso nas propagandas das IES privadas, agora assume o caráter deobrigação institucional diante da normativa estatal (Calderón, Pessanha, Soares, 2007).

Este fato gerou, inicialmente, certa confusão teórica entre o que seria a responsabilidade social daEducação Superior e a chamada extensão universitária. Trata-se de um impasse teórico que foipaulatinamente superado, na medida em que o conceito de RSES e o de compromisso social foramvinculados às discussões sobre a função social das IES. Por sua vez, a extensão universitária foiidentificada como uma das três atividades universitárias, juntamente com o ensino e a pesquisa, quepossibilitam que as IES cumpram sua responsabilidade social.

Existem diversos entendimentos do que seria a RSES. Trata-se de uma temática essencialmentemultidisciplinar, abordada por pesquisadores e intelectuais das mais diversas áreas do conhecimento, osquais tornaram a universidade seu objeto de estudo e cenário de atuação profissional. Essesentendimentos, ora sistematizados, não são estanques e segmentados: em muitas situações, podem seentrecruzar e complementar; em outras, assumem um caráter dicotômico, mas possuem, como aspectopositivo, o didatismo implícito nas tipologias e taxonomias.

Estudos mostram a existência de vários entendimentos do que seria a RSES na realidade brasileira(Calderón, Pedro, Vargas, 2011; Calderón, 2008), que pode ser abordada como: a) tradiçãouniversitária; b) tendência do mercado; c) normatização estatal; d) estratégia de gestão dasorganizações; e) valores para o desenvolvimento humano; e f) projetos sociais extensionistas.

Enquanto tradição universitária, a RSES é apontada como elemento inerente à universidade, fazendoparte de suas discussões históricas no que diz respeito a sua função social.

Em sua condição de tendência do mercado, destaca-se o surgimento das discussões da RSES comoreflexo da mercantilização da educação e da gestão empresarial das IES, como uma estratégia dediferenciação no mercado educacional.

Ao ser abordada como normatização estatal, ganha centralidade a dimensão jurídica da RSES,incorporada na legislação que regula o Sinaes, que tem, entre outras finalidades, a “promoção doaprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior”(Brasil, 2004, p.1). Embora não exista na lei do Sinaes objetividade e clareza conceitual em torno doentendimento legal do que seria a RSES, a legislação sinaliza, como referenciais de avaliação daresponsabilidade social das IES, “sua contribuição em relação à inclusão social, ao desenvolvimentoeconômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória cultural, da produção artística e dopatrimônio cultural” (Brasil, 2004, p.1).

No enfoque da RSES como estratégia de gestão das organizações, encontram-se tentativas de seaplicarem, nas universidades, estratégias utilizadas no âmbito da gestão empresarial, discutindo-se:

RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: ...

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governança institucional; instrumentos de gestão estratégica como o balançosocial, estratégias de marketing, imagem organizacional, gestão sustentável eindicadores de avaliação e qualidade5.

Na perspectiva dos valores para o desenvolvimento humano, a universidadeconstitui um espaço irradiador de valores de cidadania, objetivando um novopadrão de desenvolvimento orientado para a sustentabilidade, valorizando-se aformação humana integral e a forma como são estruturados os projetospedagógicos e as matrizes curriculares6.

A compreensão da RSES como projetos sociais extensionistas tem, em seucerne, a rejeição aos projetos assistencialistas, privilegiando a contribuição dauniversidade para a solução dos problemas concretos da sociedade por meio deprojetos de intervenção social (Silva, 2000).

A esses seis entendimentos acrescentam-se, neste artigo, mais dois queenglobam visões paradigmáticas, os mesmos que apresentam matizes dicotômicase antagônicas e permitem compreender as divergências teóricas hoje existentes: aRSES como cumprimento das atividades históricas da universidade e a RSES comoresistência ao mercantilismo neoliberal.

A RSES entendida como cumprimento das atividades historicamenteconstruídas da universidade (ensino, pesquisa e extensão universitária) diz respeitoa uma visão pragmática, que, numa perspectiva weberiana, poderia serconsiderada isenta de qualquer opção política ou juízo de valor, isto é, em prol oucontra a defesa dos interesses de determinados grupos sociais. Registre-se que,para Weber (1968), a tomada de posição política do pesquisador e a análisecientífica da política são duas coisas muito distintas. A política enquanto práticamilitante não se enquadra na atividade do docente-pesquisador, a ação políticasomente tem sentido enquanto objeto de pesquisa.

Nesta visão, a RSES restringe-se ao cumprimento da missão da universidade,que seria produzir, sistematizar e disseminar conhecimentos, por meio do ensino,da pesquisa e da extensão, com predominância das atividades de ensino sobretodas as outras. Não seria papel da universidade assumir, como bandeira, a soluçãoou a contribuição direta para a solução de problemas sociais, como desigualdade einjustiça social, uma vez que, como afirma Durham (2005), essas seriamfinalidades do sistema educacional como um todo, e não uma atribuição dauniversidade. Nesta ótica, a universidade cumpriria com sua responsabilidade socialna medida em que realizasse, com qualidade, as atividades de ensino, pesquisa eextensão, devendo ser este o parâmetro de avaliação.

A RSES entendida como estratégia de resistência ao mercantilismo daglobalização neoliberal é uma abordagem que não discorda da tese que relacionaa RSES com a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão, mas vai além, aopriorizar uma explícita opção político-ideológica de resistência ao avanço doneoliberalismo. Trata-se de uma abordagem que se enquadra no paradigma doconflito, dentro de uma tradição marxista e gramsciana, que pode sercompreendida a partir do conceito de intelectual orgânico às chamadas classespopulares. Como afirma Gramsci (2004, p.15):

Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma funçãoessencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmotempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhedão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas nocampo econômico, mas também social e político.

5 Cury, Tomiello (2009);Silva (2009); Silva,Carvalho (2009); Bolan,Motta (2008); Pinto(2008); Baldissera, Noro(2007); Ashley, Ferreira,Reis (2006); Tisott(2005); Wrasse (2004).

6 Haas (2009); Villar(2009); Dias Sobrinho(2008); Jimenez de laJará, Fontecilla, Troncoso(2006); Vallaeys (2006);Juliatto (2004).

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Nesta perspectiva, tomando como referência as contribuições de Dias Sobrinho (2005), a RSESrepresenta a função pública da Educação Superior, a qual não deve limitar-se a uma simples funçãoinstrumental de capacitação técnica e treinamento de profissionais para as empresas, devendo suasatividades possuir pertinência social, respondendo às demandas e às carências da sociedade. Na óticadesse autor, é preciso instaurar uma ética da responsabilidade social voltada ao atendimento dasdemandas das populações, e “não à legitimação do mercantilismo da globalização neoliberal” (DiasSobrinho, 2005, p.171).

Desta forma, o autor defende uma postura de intransigência intelectual em relação à expansãoneoliberal, que “a universidade não dê razão ao mercado, [... e que] não seja um motor da globalizaçãoda economia de mercado, mas sim da globalização da dignidade humana” (Dias Sobrinho, 2005, p.172).Tal abordagem se enquadra dentro de uma tradição de questionamento à mercantilização da EducaçãoSuperior e à privatização do público, desenvolvida por intelectuais brasileiros na década de 1990, nocontexto das reformas neoliberais (Dias Sobrinho, 1999; Ristoff, 1999; Silva Junior, Sguissardi, 1999;Trindade, 1999; Catani, 1998; Fávero, 1998; Romano, 1998; Sguissardi, 1998; Cunha, 1996; Menezes,1996; Chauí, 1995; Gentili, Silva, 1994).

A responsabilidade social sob a ótica da Unesco

Ao analisar comparativamente os documentos La enseñanza superior: las lecciones derivadas de laexperiencia (Banco Mundial, 1994) e Política de mudança e desenvolvimento no Ensino Superior(Unesco, 1999), ambos publicados na primeira metade da década de 1990, Dias (2004) conclui queesses documentos representavam, na realidade, duas visões absolutamente opostas sobre a função daEducação Superior com relação à sociedade.

Para esse autor, as duas organizações partiam de diagnósticos semelhantes, mas chegavam aconclusões e propostas totalmente divergentes em relação à Educação Superior, “uns vendo-a comoinstrumento para reforçar o mercado, outros como uma entidade coletiva que deve ser consideradasegundo suas especificidades sociais e culturais” (Dias, 2004, p.893).

Essa tendência foi reafirmada durante a Conferência Mundial sobre Educação Superior realizada emParis, em 5 de outubro de 1998, onde se formou uma corrente que estabeleceu uma forte crítica àmercantilização do Ensino Superior, defendendo a tese da preponderância do Estado no financiamentoda Educação Superior (Calderón, Pedro, Vargas, 2011).

A defesa dessa tese ganhou destaque no documento final da CMES-1998, Declaração mundial sobrea Educação Superior no século XXI: visão e ação (Unesco, 1998a, p.29), no qual constavaexplicitamente, como “função essencial” do Estado, o financiamento da Educação Superior.

Essa postura da Unesco era oposta à tese defendida naquela época pelo Banco Mundial, o qualpregava enfaticamente a transferência dessa responsabilidade do Estado para o setor privado, bemcomo: a maior diferenciação das instituições, o desenvolvimento do setor privado, a diversificação dasfontes de financiamento, o pagamento de mensalidades e a prioridade aos objetivos da qualidade eequidade, entre outras bandeiras (Sguissardi, 2009; Segrera, 2009; Dias, 2004).

Deve-se registrar que a Unesco, embora defendesse a responsabilidade do Estado pela EducaçãoSuperior, não negava a importância do setor privado nem a implantação de algumas medidas de corteneoliberal, como a diversificação do sistema educacional. Ao se referir à Declaração mundial sobreEducação Superior no século XXI: visão e ação, Castanho (2000, p.166), afirmou:

Na verdade, trata-se de um documento de compromisso entre os modelos contemporâneos,incorporando parcialmente o modelo emergente, ou seja, o neoliberal-globalista-plurimodal,também parcialmente o modelo estabelecido e em crise de hegemonia, o democrático-nacional-participativo, tendo mesmo, em certas passagens, um tom que o aproxima doreferencial crítico-cultural-popular. Este último, por definição, é a voz da resistência àexclusão, da promoção da inclusão, é o discurso do não, um grito que sobe dos subterrâneosda liberdade. O modelo estabelecido e em crise de hegemonia é o discurso do talvez, que

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esconde o sim ao proclamar o não. E o modelo emergente, o neoliberal, é o discurso do simsem disfarces, da promoção ativa da exclusão em nome da eficiência capitalista.

A análise do documento final da CMES-1998 (Unesco, 1998a) permite constatar que, ao longo dele,o termo “responsabilidade social” foi utilizado várias vezes enquanto valor importante na formação dosestudantes, educando-os para uma participação ativa na sociedade democrática, para que promovam asmudanças que propiciarão a igualdade e justiça social.

O termo RSES é utilizado nominalmente, de forma explícita, uma única vez, de forma indireta etangencial, ao se afirmar que a gestão do Ensino Superior constitui uma responsabilidade social deprimeira ordem. Vincula-se a RSES a uma estrutura gerencial que possibilite o cumprimento da missãoinstitucional, por meio do diálogo e da participação da comunidade universitária.

Para se compreender como foi entendida a RSES na CMES-2009, tomaram-se, como referência, osresultados dessa conferência registrados no documento As novas dinâmicas do Ensino Superior epesquisas para a mudança e o desenvolvimento social (Unesco, 2009b), elaborado tendo emconsideração resultados de seis conferências regionais prévias, realizadas ao longo de 2008 em diversospontos do planeta: Cartagena das Índias, Macau, Dakar, Nova Deli, Bucareste e Cairo (Segrera, 2010).

Ao se analisar comparativamente o documento final de uma das conferências regionais,especificamente o da Conferência Regional da Educação Superior na América Latina e no Caribe(Unesco, 2009d), realizada de 4 a 6 de junho de 2008 na cidade de Cartagena das Índias, com odocumento final da CMES-2009 (Unesco, 2009b), constata-se que os referidos documentos refletem oatual cenário da Educação Superior em âmbito global, isto é, o confronto entre duas visões opostas: aEducação Superior como direito social, provida pelo Estado, versus a Educação Superior como serviçocomercial, provida pelo mercado.

O documento da reunião latino-americana (Unesco, 2009d) é claramente contrastante com odocumento final aprovado na CMES-2009 (Unesco, 2009b), na medida em que defende explicitamentea Educação Superior como um bem público social, um direito humano e universal, um dever do Estado,apresentando uma postura de radical rejeição às teses neoliberais.

A Educação Superior como bem público social enfrenta correntes que promovem suamercantilização e privatização, assim como a redução do apoio e financiamento do Estado. Éfundamental reverter esta tendência, de tal forma que os governos da América Latina e doCaribe garantam o financiamento adequado das instituições de Educação Superior pública eque estas respondam com uma gestão transparente […] Afirmamos, ainda, nosso propósitode agir para que a Educação, em geral, e a Educação Superior, em particular, não sejamconsideradas como serviço comercial. (Unesco, 2009d, p.3-4)

Ao se analisar o documento final da CMES-2009 (Unesco, 2009b), constata-se a hegemonia de umavisão radicalmente contrastante com a declaração regional aprovada na América Latina (Unesco, 2009d),bem como com os resultados da CMES-1998 (Unesco, 1998a), na medida em que se visualiza aincorporação e a natural aceitação de orientações neoliberais para a Educação Superior.

De acordo com Segrera (2010), durante a CMES-2009, o discurso dos participantes dos paísesdesenvolvidos teve, em algumas situações, um acento neoliberal, diferente do discurso crítico quepredominou nos participantes dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Apesar de o grupocrítico ter lutado para que, no documento final da CMES-2009, constasse que a Educação Superior é umbem público social, sendo dever dos Estados garanti-lo como prioridade das nações, após longo debate,incluiu-se a ideia da Educação Superior como bem público, e não bem público social. Contudo, deve-sedestacar que, se por um lado não foi incluído o dever do Estado no seu fornecimento, por outro, não foiincluída explicitamente a Educação Superior como serviço público (Segrera, 2010).

A mudança no papel do Estado é o sinalizador principal nas mudanças discursivas da Unesco: deixoude ser sua “função essencial” o financiamento da educação (Unesco, 1998a, p.29), para limitar-se afornecer “suporte econômico” (Unesco, 2009b, p.1). Nesse contexto, o financiamento privado deveriaser estimulado, especialmente baseado “no modelo de parceria público-privado” (Unesco, 2009b, p.6).

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Do documento final da CMES-2009 (Unesco, 2009b), emanam orientaçõespara a consolidação de mercados nacionais e transnacionais de Educação Superior,tais como: a) a diversificação do sistema educacional e dos meios de seufinanciamento; b) o papel central da aprendizagem a distância, por meio das novastecnologias, a fim de atender à demanda crescente pelo Ensino Superior; c) oestímulo de sistemas de avaliação de qualidade, de credenciamento e validação dediplomas; d) a flexibilidade das pesquisas objetivando o equilíbrio entre a pesquisabásica e a pesquisa aplicada ao serviço da sociedade7; e) a procura de novos meiosde expandir o campo da pesquisa e inovação por meio de parcerias público-privadas, de multi-stakeholders, incluindo pequenas e médias empresas.

Embora o clamor de América Latina estivesse direcionado para frear a expansãoneoliberal na Educação Superior, defende-se, neste artigo, a tese de que odocumento final da CMES-2009 sinaliza para a naturalização do mercadoeducacional, ou seja, o documento da Unesco está claramente afinado com aideologia que aponta a concepção da Educação Superior como serviço comercial.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a naturalização do mercado de EducaçãoSuperior, por parte da Unesco, aponta para uma identidade ou afinamentoideológico com a visão predominante, na sociedade capitalista contemporânea,nas grandes agências multilaterais e organizações intergovernamentais queorientam as políticas educacionais em âmbito planetário.

Nesta análise deve-se ressaltar que a identidade ideológica com as orientaçõesneoliberais, consagrada no documento da CME-2009, tinha tímidos antecedentesno documento da CME-1998, que, à época, já incorporava algumas orientações,como a diversificação na Educação Superior (Castanho, 2000).

Dessa forma, constata-se que, de 1998 a 2009, a Unesco se metamorfoseia,apresentando um discurso adaptado e funcional para o que parece ser irreversível:a vitória da educação como serviço comercial no marco da Organização Mundialdo Comércio.

Pode-se afirmar que essa metamorfose começa a se desenhar em documentoselaborados nos anos seguintes à CMES-1998, especificamente os documentos:Educación superior en los países en desarrollo: peligros y promesas (BancoMundial, 2000), de autoria do Grupo Especial sobre Educação Superior eSociedade, convocado conjuntamente pelo Banco Mundial e pela Unesco, e“Relatório sintético sobre as tendências e desenvolvimentos na educação superiordesde a Conferência Mundial sobre a Educação Superior (1998-2003)”, elaboradopela Unesco (2003).

Ao analisar os referidos documentos, Borges (2011) observa que a Unescopassou a assumir posicionamentos que se aproximam de uma concepção maiseconomicista de educação. Nesta ótica, a Educação Superior assumiria o papel deformar de acordo com as exigências do setor produtivo, as universidadesassumiriam a tarefa de desenvolver a investigação aplicada, cujos resultadospoderiam ser transformados em produtos passíveis de serem explorados pelaindústria e outras empresas.

Segundo Borges (2011), a Unesco passou a recomendar um sistema híbrido,em que recursos privados e estatais financiassem a Educação Superior, cabendo, aoEstado, o controle e a supervisão do sistema educacional, da qualidade acadêmicadas instituições, por meio da construção de um marco regulatório, da publicizaçãodos resultados de desempenho das instituições de Educação Superior e daresponsabilização daquelas que não obtivessem desempenho adequado.

Diante da constatação da naturalização das orientações neoliberais para aEducação Superior, questiona-se: se a Unesco tem-se caracterizado por apresentarbandeiras de luta e princípios ético-políticos norteadores de setores

7 Esta orientação vaicontra as visões que

defendem que auniversidade deve

centrar-se somente napesquisa básica,

enquanto a indústria e omercado na pesquisa

aplicada. Aponta para oequilíbrio entre pesquisabásica e aplicada, visando

estimular uma sinergiaentre a universidade e o

mercado no âmbito dodesenvolvimento

tecnológico e científico.

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1192 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1185-98, out./dez. 2011

comprometidos com a defesa dos valores democráticos e dos interesses dos setoressocialmente excluídos da sociedade global, será que também existe umametamorfose em suas bandeiras de luta, adaptadas à nova realidade de mercadoeducacional naturalmente aceita na CME-2009?

A análise documental realizada no presente artigo sinaliza que também há umamudança no âmbito das bandeiras de luta. Além de se encontrar alinhadaideologicamente com a visão da educação como serviço comercial, a Unesco, naCMES-2009, renova o discurso ético-político que detinha na CMES-1998, mantendouma imagem progressista ao defender o combate às degree mills (Unesco, 2009a),isto é, as fábricas de diplomas - bandeira que consta explicitamente entre asrecomendações feitas no “Plano de trabalho para os Estados membros da Unesco”8.

La educación superior transfronteriza también puede generaroportunidades para prestatarios deshonestos y de poca calidad, cuyaacción debe contrarrestarse. Los proveedores espurios (“fábricas dediplomas”) constituyen un grave problema. La lucha contra esas“fábricas de diplomas” exige esfuerzos multifacéticos de ámbitonacional e internacional. (Unesco, 2009c, p.5)

Se, na CMES-1998, a RSES foi abordada de forma tangencial, concebida comoo cumprimento da missão institucional das IES (ensino, pesquisa e serviçoscomunitários), no documento final da CMES-2009 (Unesco, 2009b) ganhoupapel central, na medida em que se tornou objeto do primeiro subtítulo doreferido documento. Nesse subtítulo são apresentadas várias ideias que subjazemao conceito de RSES e que complementam as ideias expostas na CMES-1998,quais sejam:

a) As instituições de Ensino Superior, por meio de suas funções principais(pesquisa, ensino e serviços comunitários), estabelecidas no contexto de autonomiainstitucional e de liberdade acadêmica, devem aumentar o foco interdisciplinar epromover o pensamento crítico e a cidadania ativa.

b) a RSES está diretamente relacionada com os problemas da humanidade; aEducação Superior é responsável por gerar conhecimentos que permitam suacompreensão e enfrentamento, possibilitando superar desafios mundiais, como:segurança alimentar, mudanças climáticas, uso consciente da água, diálogointercultural, fontes de energia renovável, saúde pública, contribuindo, assim,para o desenvolvimento sustentável, a paz, o bem-estar e a realização dos direitoshumanos, incluindo a igualdade entre os sexos.

c) Como parte da RSES entende-se que a instituições de Educação Superiordevem também contribuir para a educação de cidadãos éticos, comprometidoscom a construção da paz, com a defesa dos direitos humanos e com os valoresde democracia.

Se, por um lado, mantém-se uma coerência entre os entendimentos sobreRSES que houve na CMES-1998 e na CMES-2009, por outro, pode-se afirmar queesses entendimentos ganham novos contornos dentro de um discurso que abraçaos princípios neoliberais no âmbito da educação.

A RSES para os novos tempos radica na relevância e pertinência social, nocumprimento das funções universitárias diante de desafios não mais locais, masplanetários. Analisando-se o conceito de RSES no documento final da CMES-2009,verifica-se que se trata de um conceito estreitamente vinculado ao conceito dequalidade, considerada como característica primordial das IES.

8 Deve-se ressaltar que,no documento originalda CME-2009 (Unesco,2009a), consta o termo“degree mills”, cujatradução mais fidedigna é“fábrica de diplomas”. Aversão do documento daUNESCO em espanhol(Unesco, 2009c)incorpora o espírito dessetermo, ao falar de“fábricas de diplomas”,diferentemente daversão em português(Unesco, 2009b), emque o sentido do termooriginal acaba seperdendo, na medida emque “degree mills” foitraduzido comofalsificadora de diplomas,não incorporando adimensão de fábrica,usina, isto é, a emissãoem grande quantidadede diplomas de EducaçãoSuperior de cursos quepodem até ter valoroficial, mas possuemreduzida aceitação nomercado porrepresentarem cursos debaixa qualidade, práticadenominada como“estelionato acadêmico”(Calderón, 2004).

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v.15, n.39, p.1185-98, out./dez. 2011 1193COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

Garantia de qualidade é uma função fundamental na educação superior contemporânea edeve envolver investidores […] Critérios de qualidade devem refletir todos os objetivos daeducação superior, notavelmente o propósito de cultivar o pensamento crítico eindependente nos estudantes e a capacidade de aprender por toda a vida. Eles devemestimular a inovação e a diversidade. Garantir a qualidade do ensino superior requer oreconhecimento da importância de se atrair e reter uma equipe de ensino e pesquisacomprometida, talentosa e qualificada. (Unesco, 2009b, p.3-4)

Ora, diante da recomendação da CMES-2009 de combater as “fábricas de diplomas” nos âmbitosnacional e internacional, torna-se explícita a necessidade de combater ou lutar contra as instituições quefornecem Educação Superior de forma “fraudulenta” e de “baixa qualidade”, ou seja, instituições quenão cumprem com sua responsabilidade social.

A interface entre o conceito de RSES e a bandeira que propõe o combate às “fábricas de diplomas”adquire complementaridade no continuum meios/objetivos ou meta/ação, na medida em que, na óticada racionalidade instrumental weberiana, cumprir as missões institucionais com qualidade, relevância epertinência, isto é, cumprir com RSES, seria a grande meta ou o grande objetivo; o combate às fábricasde diplomas seria o meio, a ação que possibilitaria atingir a meta/objetivo, tendo como referência“sistemas de certificação de qualidade e estruturas regulatórias” (Unesco, 2009b, p.6).

Observações finais

Embora, na CMES-2009, a Unesco tenha assumido as orientações neoliberais para a EducaçãoSuperior, deve-se destacar que seu discurso apresenta uma dimensão ética que tenta equilibrar-se entreo liberalismo econômico, hoje hegemônico no mundo, e o liberalismo político, em termos de valoresdemocráticos de cidadania.

Nessa perspectiva, se, por um lado, aceita a diversificação das instituições de Educação Superior,estimula a iniciativa privada, retira do Estado sua função essencial no financiamento; por outro, concebea Educação Superior, por meio da RSES, como um espaço disseminador de valores para a erradicação deproblemas globais, e defende a ampliação do acesso com qualidade e com condições para que aspessoas possam concluir os estudos, opondo-se às chamadas “fábricas de diplomas”, bem como, deforma contundente, às IES que não possuem, em seus objetivos, interesses públicos, ou seja, às IESvoltadas somente à procura do lucro em detrimento da qualidade. Desta forma, o discurso daresponsabilidade do Estado pela Educação Superior fica relegado a segundo plano, ganhandocentralidade, na agenda internacional, o combate às fábricas de diplomas.

Adotando-se uma visão friedmaniana, pode-se afirmar que combater as fábricas de diplomas permiteretomar as discussões em torno do papel do Estado no capitalismo competitivo, que se limitaria aregular, fiscalizar e avaliar a partir da definição dos padrões mínimos de qualidade das escolas, cabendo-lhe inspecionar o cumprimento das regras do jogo, “da mesma forma que inspeciona presentemente osrestaurantes para garantir a obediência a padrões sanitários mínimos” (Friedman, 1984, p.86)

Adotando-se uma visão gramsciana, pode-se afirmar que a ideologia neoliberal atua não somente nocampo da coerção, por meio das agências multilaterais, mas também, e sobretudo, no campo ideológico,por meio da construção de consensos, fato este que se reflete nas mudanças ocorridas no discurso daUnesco. Este consenso nasce, segundo Gramsci (2004, p.21), do “prestígio obtido pelo grupo dominantepor causa de sua posição e de sua função no mundo da produção”.

Assim, por meio do consenso, cria-se a base de sustentação da nova sociedade neoliberal, queaceita e assimila as potencialidades do não-intervencionismo estatal para o florescimento dos mercadose a felicidade de todos os cidadãos (Banco Mundial, 1997).

Nesse sentido, o debate travado no âmbito global entre duas visões, isto é, a educação como serviçocomercial versus a educação enquanto direito social, que tem como palco a Organização Mundial doComércio (Borges, 2009), deixará de existir quando se construir um consenso no campo ideológico, noâmbito da sociedade civil, em relação às virtudes do liberalismo econômico para a Educação Superior.

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Contudo, neste confronto de discursos entre essas duas visões, seria ingênuo pensar que o resultadofinal seria um jogo de “soma zero”, isto é, o trunfo do neoliberalismo e a plena mercantilização daEducação Superior a partir da consagração de um Estado mínimo.

Adotando-se uma abordagem dialética (Demo, 1995), pode-se afirmar que a “tese”, isto é, aintervenção estatal na garantia da Educação Superior como direito social, ao ser negada pela suaantítese, ou seja, o discurso neoliberal, que prega a não-intervenção estatal, geraria, como síntese, anegação da negação, que acenaria para a prevalência do novo, que, neste caso, seria o modelo deuniversidade recomendada pela Unesco: as instituições públicas não estatais, baseadas nas parceriaspúblico-privadas. Instituições universitárias que preservam seu caráter público, mas gerenciadas pelainiciativa privada. Instituições sem fins lucrativos, preocupadas com a qualidade e responsabilidade daEducação Superior.

Colaboradores

Adolfo Ignacio Calderón orientou a investigação, coletou dados e redigiu a versão finaldo artigo. Rodrigo Fornalski Pedro e Maria Caroline Vargas coletaram dados,participaram das discussões e da redação da primeira versão do artigo.

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Tráta-se del concepto de Responsabilidad Social de la Educación Superior (RSES) a la luzde las Conferencias Mundiales sobre Educación Superior de 1998 y 2009, promovidaspor la Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura(Unesco). Aunque en 1998 esta organización se opuso a las tesis del Banco Mundial,defendiendo la responsabilidad estatal por la enseñanza superior, pasada una década,la Unesco incorporó y aceptó como válidos principios neoliberales en la educaciónsuperior, valorizando la RSES como principio ético que intenta equilibrarse en la tensiónentre el concepto de educación como derecho humano y como servicio comercial. Elneoliberalismo avanza en el campo de la hegemonía, del consenso; la Unesco semetamorfosea, adaptándose a lo que parece irreversible: la victoria de la educacióncomo servicio comercial en la Organización Mundial del Comercio, levantando comonueva bandera el combate a las “fábricas de diplomas”.

Palabras clave: Unesco. Educación Superior. Gestión Universitaria. ResponsabilidadSocial. Evaluación.

Recebido em 08/05/11. Aprovado em 24/08/11.

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Educação a Distância (EaD) em Física Médica

Wellington Furtado Pimenta Neves-Junior1

Cecília Maria Kalil Haddad2

Fernando Sequeira Sousa3

Ivan Torres Pisa4

NEVES-JUNIOR, W.F.P. et al. Distance education within medical physics. Interface -Comunic., Saude, Educ., v.15, n.39, p.1199-1206, out./dez. 2011.

Pre-service and in-service educationrelating to medical physics have peculiarcharacteristics since this is aninterdisciplinary field with constanttechnological evolution. In countries likeBrazil, several barriers exist, such as smallnumbers of professionals who aregeographically poorly distributed, lowfinancial resources and few options forinformation access, thereby hinderingand delaying the incorporation anddissemination of new techniques thatcould have an impact on healthcarequality. This literature review evaluatedthe role of distance education withinmedical physics, and portrayed itsapplicability through identifying relevantexperiences. Studies have shown thatdistance education within this fieldpresents interesting characteristics, suchas high pedagogical effectiveness andeconomic efficiency, which enablesmassive use of multimedia resources withwide geographical coverage, in amanageable way. Therefore, distanceeducation has potential to overcome thebarriers and meet the needs.

Keywords: Higher education. Pre-serviceeducation. Education continuing.Distance education. Medical Physics.

A formação inicial e continuada deprofissionais de física médica possuicaracterísticas peculiares por ser uma áreainterdisciplinar, de evolução tecnológicaconstante. Em países como o Brasil,existem barreiras como: pequeno númerode profissionais, geograficamente maldistribuídos, baixos recursos financeiros,e poucas opções em termos de acesso àinformação, dificultando a incorporação edisseminação de novas técnicas queimpactam na qualidade do atendimentoem saúde. Esta revisão da literatura sepropôs a avaliar o papel da EaD naeducação de físicos médicos, retratandosua aplicabilidade mediante aidentificação de experiências relevantes.Os trabalhos mostram que a EaD temcaracterísticas interessantes para a área,tais como alta efetividade pedagógica eeficiência econômica, possibilitando o usomassivo de recursos multimídia, comgrande abrangência geográfica e deforma gerenciável. Portanto tem potencialpara superar as barreiras e suprir carênciasda área.

Palavras-chave: Educação Superior.Formação inicial. Educação continuada.Educação a Distância. Física Médica.

1,2 Departamento deRadioterapia, Centro de

Oncologia, HospitalSírio-Libanês. Rua Dona

Adma Jafet, 91, BelaVista. São Paulo, SP,Brasil. 01.308-050.

[email protected] Pós-Graduação em

Informática em Saúde,Universidade Federal

de São Paulo.4 Departamento de

Informática em Saúde,Universidade Federal

de São Paulo.

v.15, n.39, p.1199-1206, out./dez. 2011 1199COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD) EM FÍSICA MÉDICA

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Introdução

A física médica é um ramo da física altamente especializado, interdisciplinar eque lida com tecnologias e métodos em constante evolução. Essas característicasfazem com que a educação tanto em nível de formação quanto de atualizaçãoprofissional tenha características peculiares, sobretudo por envolver diferentesáreas do conhecimento (ciências exatas, biológicas e da saúde), e, também,necessariamente ter de acompanhar os rápidos avanços da tecnologia médica. Asprincipais áreas de atuação da física médica são: radiologia diagnóstica eintervencionista, medicina nuclear e radioterapia (ABFM, 2011).

Um dos principais desafios do ensino em física médica é a própria criação derecursos e materiais educacionais devido à alta especificidade, grande volume enecessidade de reformulação periódica (Tabakov, 2005).

Tal contexto representa uma grande dificuldade para a capacitação de novosprofissionais, e, especialmente, para atualização dos que já estão no mercado detrabalho. Como reflexo, a falta de profissionais atualizados, muitas vezes, impedea incorporação de técnicas mais modernas e complexas na prática clínica (Barton,Thode, 2010; Routsis et al., 2010).

Essa realidade é ainda mais agravada em cenários de países emdesenvolvimento, entre os quais o Brasil é um exemplo. O país conta comrelativamente poucos profissionais, que são geograficamente mal distribuídos numterritório de grandes dimensões (mais concentrados nas regiões Sul e Sudeste, e,em menor número, no Nordeste e, sobretudo, no Norte), onde os recursosfinanceiros também são mal distribuídos. As únicas opções disponíveis no Brasilpara educação profissional continuada são: a participação em congressos, ou arealização de estágios de curta duração em centros considerados de referência –ambos naturalmente concentrados nas regiões em que existem mais profissionaistrabalhando. Portanto, considerando as questões geográficas e econômicas e asopções disponíveis, verifica-se um panorama constituído de um conjunto debarreiras que não só dificultam, mas, até mesmo, impedem os profissionais de semanterem atualizados; especialmente aqueles de regiões mais carentes e distantese os que trabalham em centros menores, com menos recursos e que, por vezes,nem têm possibilidade de se ausentar, por um período estendido, para umaatividade de estágio ou treinamento, por exemplo.

Este trabalho tem por objetivo revisar o papel da Educação a Distância (EaD)aplicada à física médica frente às carências e dificuldades do ensinoprofissionalizante, sobretudo no âmbito da atualização profissional. Sãoapresentados exemplos de casos publicados em literatura e, também, aexperiência do Brasil, que mostram que a EaD é uma ferramenta a ser exploradapara suprir as necessidades da área.

Materiais e métodos

Realizou-se uma revisão da literatura em busca de artigos descrevendoexperiências de uso da EaD em Física Médica. Foram utilizadas as bases de dadosScience Direct5 e ISI Web of Knowledge6, filtrando-se pelas seguintes áreas deinteresse: física, oncologia, radiologia, medicina nuclear e imagens médicas,ciência e tecnologia – outros tópicos, ciências da vida e biomedicina – outrostópicos, e SciELO7. Os termos utilizados nas buscas foram: “distance learning” OU“e-learning” E “medical physics”. Não foi feita nenhuma restrição quanto à datada publicação.

5 ELSEVIER, B.V. ScienceDirect. Disponível em:<http://www.sciencedirect.com>.Acesso em: 19 ago.2011.

6 THOMSON REUTERS.ISI web of knowledge.Disponível em: <http://apps.isiknowledge.com/>. Acesso em:19 ago. 2011.

7 SciELO - ScientificElectronic LibraryOnline. Disponível em:<http://www.scielo.br/>. Acesso em:19 ago. 2011.

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Os resultados obtidos por meio das buscas foram ordenados por relevância, e foram selecionadosartigos que detalhavam experiências práticas de EaD nas áreas principais de física médica. Foramincluídos, também, artigos que discutem ensino em física médica, focando em metodologias àdistância. Foram utilizados os seguintes critérios de exclusão: artigos não relacionados com físicamédica; artigos que apenas citavam EaD como opção, mas não traziam um projeto real de cursobaseado em EaD; artigos que tratavam de cursos de EaD voltados especificamente para temas nãodiretamente relacionados com a física médica.

Dos artigos identificados, foram selecionados trabalhos que apresentavam projetos de relevânciacontinental para serem apresentados em maior detalhe.

Resultados

A busca na base Science Direct resultou em 55 artigos e, após se aplicarem os critérios de seleção,16 foram considerados relevantes. O resultado da busca na base Web of Knowledge resultou em 80artigos, dos quais dez foram considerados relevantes (seis deles coincidiram com resultados da baseScience Direct). Nenhum artigo foi encontrado a partir da busca na base SciElo. No total, foramidentificados vinte artigos tratando especificamente de discussões e experiências quanto ao uso de EaDpara a educação e treinamento de físicos médicos. Na busca por uma experiência brasileira, somente foiencontrado um trabalho apresentado em congresso sob forma de pôster. Destes, serão apresentadas trêsexperiências de maior impacto e a experiência brasileira (Inca, 2010) ainda não publicada em formatode artigo.

Dentre eles, destaca-se o projeto desenvolvido por um consórcio entre diversas universidades ehospitais da Europa, focado no desenvolvimento de ensino de radiologia médica, denominadoEMERALD (http://www.emerald2.net) (Tabakov et al., 2005). Trata-se de um projeto privado, compostooriginalmente por três módulos, compreendendo os seguintes temas: Física da Radiologia Diagnósticapor Raios-X, Física da Medicina Nuclear e Física da Radioterapia. O sistema desenvolvido foi tambémreutilizado para a construção de mais dois módulos: Ultrassom Diagnóstico e Ressonância MagnéticaNuclear. O conceito de treinamento do EMERALD baseia-se no desenvolvimento de habilidades ecompetências por meio da execução prática de tarefas específicas. Cada módulo contém uma série decapítulos, organizados em um calendário estruturado, onde a duração de cada elemento foicuidadosamente selecionada, e, também, uma sequência de, aproximadamente, cinquenta tarefas que,em conjunto, gradualmente irão construir a competência necessária. Cada tarefa é apresentada com umtempo mínimo para ser completada, levando, em média, de um a dois dias de trabalho, emboraalgumas possam ser estendidas por períodos maiores em função de disponibilidade limitada deequipamentos. Todas as atividades precisam ser supervisionadas por um profissional da área, quetambém deve acompanhar todo o processo de aprendizado. No total, são necessários oitenta dias(quatro meses) para se completar cada módulo. O material didático de cada módulo de treinamento écomposto por um livro do estudante (com teoria e tarefas práticas) e um cd-rom contendo umabiblioteca de imagens. Tal material também está disponível numa plataforma WEB composta por textosem PDF contendo links para a biblioteca de imagens aberta separadamente. Para exemplificar o métodode ensino, em um dos capítulos do módulo Física da Radiologia Diagnóstica por Raios-X, intitulado“Tubo de Raios-X: Radiação de Fuga e Filtros”, o aluno deve: executar experimento para determinarqual é o ponto de maior fuga de radiação pela blindagem de um tubo de raios-X; medir a exposiçãoneste ponto e determinar a taxa de dose e, também, executar experimento para avaliar a filtração totalde saída do tubo de raios-X, determinando a camada semirredutora em alumínio.

Outro projeto interessante a ser destacado é o denominado Curso de Ciências Aplicadas daOncologia (ASOC) (Barton; Thode, 2010), que é patrocinado por um grupo de 17 países integrantes doAcordo Cooperativo Regional da Ásia e Pacífico para Pesquisa, Desenvolvimento e Treinamento emCiências Nucleares e Tecnologia, com o apoio da Agência Nacional de Energia Atômica (IAEA). Esteprojeto é voltado para o treinamento não só de físicos médicos em radioterapia, mas, também, paramédicos radioterapeutas, técnicos de radioterapia (que executam tratamentos e operam as máquinas) e

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD) EM FÍSICA MÉDICA

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demais profissionais envolvidos na área (enfermagem, psicólogos etc.). O objetivo do ASOC é proveraprendizado à distância via CD-ROM para complementar o ensino local, sobretudo em países de baixa emédia renda, onde, apesar de haver possibilidade de treinamento clínico, o acesso é muito limitado aoensino especializado em tópicos fundamentais de Radioterapia, como Radiobiologia e Física dasRadiações. Nesses países, é necessário que os profissionais façam parte do treinamento fora do país e,com o ASOC, espera-se diminuir esta necessidade. O material do curso está disponibilizadogratuitamente na internet, podendo ser feito o download pelo site: http://www.iaea.org/Publications/Training/Aso/register.html. No total, são oitenta módulos, cada um equivalente a uma hora de ensino,agrupados em oito tópicos: Comunicação, Avaliação Crítica, Anatomia Funcional (oncologicamenterelevante), Biologia Molecular, Patologia e Patogênese, Cuidados com o Paciente (Ciência Paliativa),Física e Tecnologia das Radiações, Radiobiologia, Terapia Sistêmica para Câncer (Quimioterapia, TerapiaEndócrina e Imunomoduladores).

De acordo com Routsis et al. (2010), o crescente número de evidências apontando para os benefíciosclínicos do uso de Radioterapia de Intensidade Modulada (IMRT, uma modalidade de radioterapia dealta complexidade) fez com que a técnica passasse a ser altamente recomendada como opção detratamento para os pacientes da Inglaterra. No entanto, a implantação clínica da nova tecnologia foimuito lenta (problema que, atualmente, também pode ser verificado no Brasil). Uma das razõesidentificadas para este fato foi a necessidade de se aumentar a confiança dos profissionais quecompõem o corpo clínico de oncologia, melhorando a compreensão e habilidades técnicas que sãorequisitos para IMRT – na prática, o que se verifica é que o maior desafio à implantação deste tipo detecnologia é o da equipe de físicos médicos, em virtude de novos conceitos, ferramentas, sistemas emecanismos de controle de qualidade indispensáveis para IMRT. Dentre as várias soluções apontadaspelos autores, as técnicas de EaD foram destacadas como ferramenta principal pela facilidade em termosde acessibilidade e pela possibilidade de atualização rápida do material. Foram desenvolvidos umconjunto de três projetos, incluindo um ambiente virtual tridimensional, que simula uma sala deradioterapia, que permitiu aos estudantes desenvolverem aptidões práticas e físicas sem consumirtempo de recursos clínicos.

No Brasil, a EaD vem sendo usada com sucesso na área da saúde (Leite et al., 2010; Paulon,Carneiro, 2009; Bernardo et al., 2004), em especial na radiologia (Pires et al., 2008; Ferreira Junior etal., 2007; Ângelo, Schiabel, 2002), e, inclusive, no desenvolvimento de ferramentas voltadas para opúblico leigo (Falcão et al., 2009). Apesar de não ter sido possível identificar nenhum artigo científicorelatando a experiência brasileira com EaD em Física Médica, no Brasil, a EaD está sendo utilizada naformação e reciclagem de físicos médicos em radioterapia, por intermédio de uma iniciativa pioneira, naAmérica Latina, do Programa de Qualidade em Radioterapia (PQRT) do Instituto Nacional do Câncer(INCa) (http://www.inca.gov.br/pqrt). Atualmente, são oferecidos dois cursos totalmente gratuitos: “Oelétron na radioterapia” e “Braquiterapia de alta taxa de dose para físicos”, tanto em português quantoem espanhol. A metodologia dos cursos é totalmente à distância, e os alunos recebem um kit compostopor um livro e um cd-rom; além disso, há um Ambiente Virtual de Aprendizagem (Moodle), com umabiblioteca digital e recursos para interação entre alunos e tutores dos cursos (profissionais dereconhecida competência na área). A proposta pedagógica do curso, segundo Souza, Alves e Araújo(2010), “fundamenta-se nos princípios básicos do construtivismo, que reconhece o indivíduo comoagente ativo de seu próprio conhecimento, construindo significados e definindo sentidos erepresentações da realidade de acordo com suas experiências e vivências”. Portanto, ambos os cursostrabalham tanto bases teóricas quanto, sobretudo, propostas de atividades práticas e tarefas a seremdesenvolvidas pelos alunos em seus respectivos serviços, que devem, inclusive, submeter seusresultados experimentais e relatórios para avaliação dos tutores.

O curso “O elétron na radioterapia” tem carga horária de quarenta horas, com duração de sessentadias, e é subdividido em três módulos de aprendizagem: “Utilização de feixes de elétrons emaceleradores clínicos (histórico, processo de produção e aplicações)”; “Os equipamentos de dosimetriae os métodos de calibração”, e “Controle de Qualidade”. Segundo dados fornecidos pelo coordenadordo projeto, Roberto Solomon de Souza, através de comunicação pessoal, desde 2005, o curso vemsendo oferecido até duas vezes ao ano, totalizando, até agora, nove turmas com 158 alunos inscritos. A

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oferta da versão em espanhol do curso se iniciou em 2009 e, até então, foram três turmas, com umtotal de 41 alunos de dez países diferentes (América Latina e Europa). Resultados observados peloPQRT, através de avaliações em aceleradores lineares de elétrons no Brasil, apontam que, antes de ocurso ser oferecido, cerca de 35% dos equipamentos estavam com seus fatores de calibração fora datolerância especificada pelo protocolo TRS 398 (IAEA, 2000), enquanto em levantamentos atuais, foramverificados que 25% dos equipamentos ainda se encontram nesta situação. Apesar de o número deequipamentos não conformes ainda ser alto, houve uma melhora significativa durante o período em queo curso foi oferecido.

O curso “Braquiterapia de alta taxa de dose para físicos” tem carga horária de vinte horas e duraçãode trinta dias, e é subdividido em quatro unidades: “A radioatividade e a braquiterapia: abordagemhistórica”, “Aspectos clínicos da braquiterapia”, “A calibração e seus equipamentos” e “O controle dequalidade e prevenção de acidentes”. Também, de acordo com dados fornecidos por Souza, o curso,iniciado em 2009, formou quatro turmas, com um total de 77 alunos. A edição em espanhol do cursofoi iniciada recentemente, em 2010, sendo que a primeira turma teve nove inscritos de quatro paísesdiferentes.

Discussão

Em vista do cenário da educação profissional em Física Médica, métodos e ferramentas de EaD têmsido aplicados e apresentam um grande potencial para superar as barreiras apresentadas (Barton, Thode,2010; Routsis et al., 2010; Tabakov, 2005; Woo, Ng, 2003). Segundo Tabakov (2005), o uso dasvantagens da EaD é quase “imperativo” para a educação e treinamento profissional em Física Médica, eas três principais razões são:

a) Efetividade pedagógica (melhor aprendizado);b) Eficiência econômica;c) Aprendizado gerenciável.De acordo com Sprawls (2005), a efetividade do aprendizado pode ser definida como o resultado de

uma atividade educacional em termos da habilidade demonstrada por um aluno em realizar tarefasespecíficas resolutivas de problemas de sua profissão ou ocupação. Nestes termos, o enriquecimento noaprendizado promovido pela EaD, especialmente quando aplicada ao ensino de ciência e tecnologia,está diretamente relacionado com a possibilidade de melhorar a qualidade dos materiais didáticos aserem disponibilizados ao aluno (Tabakov, 2005). A EaD possibilita a combinação de diferentes tipos demídia, que vão além do tradicional discurso verbal, simbologia matemática e representações em quadro-negro, tais como: a utilização de imagens, vídeos, animações, esquemas interativos que simulamexperimentos e dispositivos que facilitam, em muito, a compreensão de fenômenos, aproximando-semuito mais da realidade e tornando a experiência de aprendizado muito mais efetiva. No caso do ensinoem Física Médica, o benefício não está somente na possibilidade da inclusão de um grande volume deimagens, mas, especialmente, no uso de simulações para explicar e ilustrar as bases científicas e ofuncionamento complexo de vários tipos de tecnologias e equipamentos utilizados na área médica, taiscomo: tomógrafos de ressonância magnética, tomografia por emissão de pósitrons (PET), radioterapiacom modulação da intensidade do feixe, ultrassonografia etc.

A EaD oferece alta eficiência econômica, uma vez que torna possível que cada professor tenha maisalunos, com uma grande abrangência geográfica que independe da distância, já que tanto professoresquanto alunos não precisam se deslocar para participar das atividades, sejam elas baseadas em interaçõesnão sincronizadas (através de troca de mensagens ou fóruns) ou em tempo real (Woo, Ng, 2003). Outrofator economicamente importante é o fato de os materiais desenvolvidos para EaD serem de fácilatualização, o que é fundamental num contexto tão dinâmico quanto a Física Médica. Aliado a isto, ouso da internet como meio de entrega de conteúdo de forma quase instantânea faz com que a EaD sejauma estratégia praticamente incomparável em termos de dinamismo (Tabakov, 2005; Woo, Ng, 2003).

Com relação ao gerenciamento do aprendizado, a incorporação de questionários interativos ao longode módulos permite avaliar a compreensão do assunto por parte do aluno e, inclusive, liberar acesso a

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD) EM FÍSICA MÉDICA

1204 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1199-1206, out./dez. 2011

novos conteúdos de forma gradual, à medida que notas mínimas são alcançadas. Um modelo deaplicação deste método, no gerenciamento de ensino em engenharia biomédica, foi descrito porHutten, Stiegmarei e Rauchegher (2005). No caso de cursos de atualização profissional em FísicaMédica, os alunos devem ter à disposição equipamentos necessários para a rotina de trabalho e quepodem ser utilizados em exercícios e experimentos práticos, cujos resultados podem ser enviados comoforma de método de avaliação.

As características da EaD viabilizam a disseminação efetiva do conhecimento, para, inclusive, áreasgeograficamente distantes e remotas, de forma economicamente eficiente e gerenciável. Sendo assim,trata-se de uma ferramenta de impacto social, que está sendo utilizada na capacitação de profissionaisde física médica com o intuito de melhorar a qualidade do atendimento em saúde – um dos exemplos éo curso ASOC, promovido pela IAEA (Barton, Thode, 2010).

O Brasil, apesar de ainda carecer muito de investimentos para modernização da tecnologia emsaúde, nos últimos anos, tem avançado neste processo graças à boa situação econômica e por recentesreajustes de valores da tabela do SUS, especialmente para procedimentos de radioterapia (Brasil, 2010).Apesar de não haver dados oficiais, este contexto tem levado instituições a investirem em novosequipamentos e tecnologias, como, por exemplo, a Radioterapia de Intensidade Modulada (IMRT).Sendo assim, pode ser prevista uma demanda crescente por profissionais qualificados, que deve sersuprida, sobretudo, através da atualização daqueles que já estão no mercado de trabalho. Frente a estepanorama, conforme foi discutido, a EaD pode ser aplicada no Brasil, onde existem instituições euniversidades com experiência em preparar cursos nos moldes de EaD. Porém, por se tratarem deassuntos específicos relacionados com tecnologias ainda pouco disseminadas, há necessidade de seremrealizadas parcerias com centros de referência, que já tenham experiência com tais tecnologias.Portanto, com base em experiências e ideias relatadas em literatura, qualquer curso de EaD para FísicosMédicos no Brasil deve, idealmente, agregar pessoas com experiência em preparar cursos de EaD,Físicos Médicos especialistas e com experiência no tema; e, ainda, com incentivos e promoção deassociações de classe (i.e.: ABFM, Colégio Brasileiro de Radiologia, Sociedade Brasileira de Radioterapiaetc.) e, sobretudo, subsídio de órgãos governamentais nacionais e internacionais (como a IAEA).

Conclusão

As experiências abordadas nesse artigo mostram que o modelo de ensino a distância foi aplicado emdiferentes contextos e realidades. Especificamente no Brasil, a experiência do PQRT mostra que estetipo de modelo de ensino é válido e aplicável às realidades do Brasil e da América Latina, e, inclusive,revela uma demanda importante a ser suprida. É fundamental que outras iniciativas deste tipo sejamcriadas para atender, especialmente, à preparação de profissionais de física médica para tecnologiasemergentes no Brasil, tais como: radiocirurgia, IMRT, tomografia por emissão de pósitrons (PET),tomógrafos de raios-X de última geração, entre outras.

A EaD é uma ferramenta que tem muito a oferecer para a educação em física médica,proporcionando vantagens únicas e, inclusive, desempenhando uma importante função social,contribuindo para a disseminação de informação e melhoria na qualidade do atendimento na área dasaúde.

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Agradecimentos

A Roberto Solomon de Souza, por, gentilmente, ter cedido dados atualizados sobre oscursos à distância promovidos pelo PQRT.

Colaboradores

Wellington Furtado Pimenta Neves-Junior foi o responsável pela idealização dotrabalho, pesquisa, redação e revisão do manuscrito; Cecília Maria Kalil Haddad eFernando Sequeira Sousa responsabilizaram-se pela revisão crítica e correção domanuscrito. Ivan Torres Pisa trabalhou na orientação, redação e revisão crítica final domanuscrito.

Referências

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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD) EM FÍSICA MÉDICA

1206 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1199-1206, out./dez. 2011

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La formación y la educación continua de profesionales en física médica tienecaracterísticas únicas, es un campo interdisciplinario, donde la tecnología está enevolución constante. Países como Brasil, tienen barreras como: número reducido deprofesionales, geográficamente distribuidos de forma desigual, escasos recursosfinancieros y pocas opciones en términos de acceso a información, dificultando laincorporación y difusión de nuevas técnicas que afectan la calidad de atención ensalud. Esta revisión de literatura evalúa el papel de EaD en la educación de físicosmédicos, retratando su aplicabilidad mediante identificación de experiencias relevantes.Artículos muestran que EaD tiene características interesantes para la física médica,como alta eficacia pedagógica y eficiencia económica, permitiendo uso masivo derecursos mediáticos, con amplia cobertura geográfica y de forma manejable. Por lotanto, la herramienta tiene potencial para superar los obstáculos y satisfacer lasnecesidades del área.

Palabras clave: Educación superior. Educación continua. Educación a distancia. FísicaMédica.

Recebido em 23/03/11. Aprovado em 11/08/11.

Role-playing: estratégia inovadora na capacitação docente para o processo tutorial

Ieda Francischetti1

Ana Carolina Lemos Corrêa2

Camila Mugnai Vieira3

Carlos Alberto Lazarini4

Lilian Maria Giubbina Rolin5

Márcia Oliveira Mayo Soares6

1 Programa deDesenvolvimento

Docente, Faculdade deMedicina de Marília

(Famema). Rua DoutorAugusto Barreto, 440,

Bairro Maria Izabel,Marília, SP, Brasil.

[email protected]

2,6 Unidade deEducação, Famema.

3,5 Disciplina dePsicologia, Famema.

4 Disciplina deFarmacologia, Famema.

v.15, n.39, p.1207-18, out./dez. 2011 1207COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

Introdução

A partir de 1997, o curso de medicina da Faculdade de Medicina de Marília(Famema) passou a utilizar a Aprendizagem Baseada em Problemas - ABP (Barrows,Tamblyn, 1980). Neste método, o estudante deve: desenvolver a capacidade deconstruir ativamente sua aprendizagem; articular seus conhecimentos prévios comos problemas selecionados para estudo; raciocinar criticamente e desenvolverhabilidades de comunicação para solução de problemas; além de compreender ovalor da construção do conhecimento. As atividades acontecem em pequenosgrupos de estudantes, sendo cada grupo acompanhado por um docente,denominado tutor, que é o mediador dos passos do processo tutorial. A tutoriaocorre em dois momentos: abertura e fechamento do problema. No primeiro, otutor apresenta o problema e incentiva o grupo a discuti-lo e a levantar hipótesespara explicá-lo. São construídas questões de aprendizagem que levam a buscasindividuais por informações fundamentadas em literatura e fontes pertinentes. Nosegundo, os estudantes compartilham as pesquisas realizadas e elaboram umasíntese do grupo de modo a responder satisfatoriamente às questões levantadas(Cyrino, Toralles-Pereira, 2004; Berbel, 1998).

Atualmente, os currículos dos cursos de medicina e enfermagem contam comduas unidades educacionais estruturantes. A Unidade de Prática Profissional (UPP)caracteriza-se pela inserção do estudante no mundo do trabalho em saúde e pelautilização da problematização (Díaz-Bordenave, Pereira, 1993). Já a UnidadeEducacional Sistematizada (UES), parte da discussão de casos de papel,caracterizando-se, portanto, pela ABP.

No processo de formação na área da saúde, é notável o bom desempenho deprofissionais formados por meio de método ativo de aprendizagem (Gomes et al.,2009), que não apenas demonstram maior capacidade afetiva, de comunicação,como, também, organizacional e técnica. Contudo, a formação tradicional ebiologicista do corpo docente traz grandes dificuldades ao bom desempenho damediação dos professores junto a estes estudantes. Para fortalecer os processos deformação, se faz necessário grande envolvimento docente, transformando aatuação pedagógica e profissional, promovendo coerência entre teoria e prática.

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1208 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1207-18, out./dez. 2011

Considerando as novas demandas educacionais, a Famema passou a investir fortemente em seuPrograma de Desenvolvimento Docente (PDD) (Francischetti, 2008). Nos primeiros cinco anos, optou-sepor programas de educação continuada (EC) (Ricas, 1994), representados por módulos compulsórios decapacitação. Na sequência, estes se tornaram opcionais e deu-se maior ênfase à implementação daestratégia de educação permanente (EP) (Motta et al., 2002), tanto para docentes tutores quantofacilitadores das atividades práticas.

Tradicionalmente, a EC caracteriza-se como atividade de capacitação oferecida aos profissionais,atendendo às necessidades institucionais, com duração definida e utilizando a pedagogia da transmissão.

Contudo, na Famema, a EC é desenvolvida por meio de métodos ativos de aprendizagem, emformato de oficinas e módulos temáticos de trabalho. Estes são organizados ao longo do ano, emresposta a demandas específicas dos docentes, das coordenações acadêmicas e dos serviços, sendogarantidos, no mapa anual de atividades docentes, com participação voluntária (Francischetti et al., 2010).

Ao longo do tempo, acompanhando o processo de capacitação docente na instituição, o PDDobserva - a partir da análise dos formatos de avaliação aplicados aos docentes pelo programa -fragilidades nos seguintes aspectos: baixa motivação, atitude passiva dos participantes, e poucointeresse em capacitação para o processo tutorial.

Com base nestes achados, foram organizadas oficinas de EC no formato de role-playing, buscandopossibilitar, ao tutor, a vivência do papel discente na atividade tutorial e, assim, não só sensibilizá-lo,mas ampliar suas percepções sobre o processo pedagógico, suas fragilidades e fortalezas.

O role-playing (jogo de papéis) é uma técnica didática em que os participantes são envolvidos numasituação-problema, assumindo papéis diferentes dos vividos em seu cotidiano, devendo tomar decisõese prever suas consequências (Nestel, Tierney, 2007). Segundo Ruiz-Moreno (2004), este exercício éuma metodologia de ensino democrática e participativa, que aborda conteúdos e aprendizagenscompreendendo o aprender na ação. Reitera ainda que:

a espontaneidade mobilizada neste jogo de papéis é preponderante para a aprendizagem, àmedida que, na perspectiva Moreniana, por meio do desenvolvimento da espontaneidade,os sujeitos encontram mais facilidades para mobilizar o já aprendido e empregá-lo em novassituações. Esses movimentos coadunam-se com a perspectiva do sujeito, à proporção queresgatam valores, crenças, projetos, inserindo-os na complexa rede de condicionantespolíticos, sócio-econômicos, culturais e educativos. O processo de ensino-aprendizado éenriquecido com experiências e saberes que se articulam, seja pela complementaridade, sejapela contraposição. (Ruiz-Moreno, 2004, p.91)

Como estratégia de educação continuada, o role-playing incentiva o participante a criar empatia coma posição e sentimento do outro, e olhar para além de seus pressupostos e expectativas imediatas,encorajando uma maior reflexão. Ao atuar em um determinado papel, o indivíduo é obrigado a usar eaplicar conceitos e argumentos adequados, tal como definido pela função (Sutcliffe, 2002).

Segundo Soeiro (1976, p.113):

Trata-se de criar situações para o desenvolvimento de determinado papel. Esta técnica ébastante útil porque permite colocar o indivíduo frente a reações muito semelhantes àquelasreais [...]. Faz com que o indivíduo, uma vez desenvolvido o papel vivenciado numa situaçãomais protegida, onde serão apontados pelo grupo as suas falhas e os acertos no seudesempenho, terá oportunidade de desenvolver esse papel mais rapidamente do que nasituação real.

Desta forma, buscou-se analisar o uso do role-playing enquanto instrumento pedagógico nacapacitação docente.

Na atividade de role-playing proposta nas oficinas, reproduziram-se sessões de tutoria cuja situação-problema se remeteu à estrutura da ABP (Moust, Van Berkel, Schmidt, 2005). As oficinas foramdesenvolvidas em dois dias, com duração de quatro horas diárias. Propôs-se, aos participantes, que

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realizassem uma sessão de tutoria entre si, seguindo os passos previstos no processo tutorial. Nosegundo momento, discutiu-se, em grupo, a vivência dos diferentes papéis, com a participação dedocentes facilitadores do PDD.

Ao se permitir esta dinâmica oriunda do role-playing, vários tutores desempenharam o papel deestudante, enquanto alguns outros, o papel de tutor. As expectativas em relação à atividade eram deque contribuísse tanto para a construção de conhecimentos por meio dos elementos das buscasrealizadas quanto para a aprendizagem relacional oportunizada pelo role-playing.

Ao término das atividades, os participantes responderam questões de um formato de avaliação paraanálise dos discursos destes com relação ao trabalho realizado. Este formato de avaliação foi construídoem categorias considerando-se os componentes da oficina: estratégia utilizada, temáticas abordadas,desempenho dos facilitadores e relevância da atividade. As questões do formato são apresentadas noQuadro 1.

Participaram das oficinas 32 tutores da primeira à quarta série dos cursos de medicina e enfermagem,sendo que, destes, 26 responderam ao formato de avaliação.

As respostas discursivas foram analisadas segundo o modelo de Análise de Conteúdo, proposto porBardin (2003), que consiste em:

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos,sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores(quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condiçõesde produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (Bardin, 2003, p.42)

As respostas foram codificadas e agrupadas em unidades temáticas. Ainda segundo a autora, aAnálise temática: “[...] consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a comunicação ecuja presença, ou freqüência de aparição pode significar alguma coisa para o objetivo analíticoescolhido” (Bardin, 2003, p.105).

A partir do formato de avaliação aplicado, destacaram-se as seguintes categorias:A. Concepções acerca das fortalezas da estratégia utilizada;

Quadro 1. Questões para avaliação das oficinas

Questões para avaliação das oficinas:

1. Em relação às estratégias utilizadas nesta oficina, aponte e justifique:a) Fortalezas:b) Fragilidades:

2. Em relação à temática abordada, destaque:a) Aspectos que você considera úteis para o seu trabalho.b) Aspectos que não foram/ou foram insuficientemente discutidos, e que poderiam ser úteis para o seu trabalho.

3. Destaque fortalezas e fragilidades em relação ao(s) facilitador(es):a) Fortalezas:b) Fragilidades:

4. De acordo com sua opinião, há relevância em participar do Programa de Educação Continuada? Justifique.

5. Comentários e sugestões:Conceito final: satisfatório ( ) insatisfatório ( )

As questões de número 4 e 5 também tiveram respostas objetivas que permitiram a análise quantitativa de seussubitens.

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1210 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1207-18, out./dez. 2011

B. Concepções acerca das fragilidades da estratégia utilizada;C. Potencial de mobilização da temática;D. Aspectos insuficientemente abordados;E. Fortalezas dos facilitadores da atividade;F. Limitações dos facilitadores da atividade;G. Relevância da EC.Essas categorias e as respectivas unidades temáticas são apresentadas no Quadro 2:

Quadro 2. Categorias e unidades temáticas

Categorias

A. Fortalezas da estratégia

B. Fragilidades da estratégia

C. Potencial da temática

D. Aspectos insuficientementeabordados

E. Fortalezas dos facilitadores

F. Limitações dos facilitadores

G. Relevância da EC

Espaço de reflexão

Baixa adesão

Capacitação docente

Passos do processo tutorial

Capacitação para o trabalhoem grupo

Não foram identificadas

Troca de conhecimento

Aproximação interpessoal

Dificuldade deentendimento da proposta

Reflexão sobre o processotutorial

Desenvolvimento curricular

Atitude ativa

Administração do tempo

Manutenção e ampliaçãoda EC

Organização daatividade

Organização daatividade

Baixaresponsabilização

Vivênciado método

Vivênciado método

Unidades temáticas

Na categoria (A), “Concepções acerca das fortalezas da estratégia utilizada” , incluíram-se asseguintes unidades temáticas:

. Espaço de reflexão:

“Participação de todos no grupo, com trocas de experiências, permitindo incentivos àsbuscas e resgates do conhecimento. Além disso, permitiu também, a reflexão sobre oprocesso tutorial e de aprendizagem”;

“Gostei da estratégia da “tutoria” que fizemos, pois possibilitou revermos nosso fazer,sentirmos nossas dificuldades, bem como nossas fortalezas”.

O role-playing demonstrou ser uma ferramenta mobilizadora, que deflagrou vários movimentosreflexivos. A importância de garantir um espaço para a reflexão após o uso da estratégia de role-playingfoi fundamental para maior aprofundamento e construção de conhecimentos. Segundo Schön (2000),em toda vivência observa-se a confrontação com o novo, e este impacto pode ser transformado emconhecimento à medida que favorece reflexão. Este processo pode avançar em diferentes dimensões:reflexão na ação, que ocorre durante o fazer; reflexão sobre a ação, que ocorre de forma retrospectiva,como análise da contribuição e do resultado, e a reflexão sobre a reflexão na ação, que leva oprofissional a desenvolver-se e a construir seu próprio aprendizado.

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v.15, n.39, p.1207-18, out./dez. 2011 1211COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

. Aproximação interpessoal:

“Possibilidade para discussão de problemas reais que envolvem o processo tutorial,experienciar suas etapas e poder sentir o que o estudante vivencia na estruturação doconhecimento”;

“Resgatar o processo tutorial, há 15 anos adormecido. Foi muito bom saber dos outroscolegas suas dificuldades e como está o “perfil” deste profissional no momento atual”.

. Organização da atividade:

“Local, acolhimento e horário adequados”;

“Inovação na abordagem da introdução à tutoria deste ano”.

. Vivência do método:

“Oficina centrada na prática do processo tutorial”;

“Achei muito boa a iniciativa de “simular” uma tutoria como aluno”;

“A possibilidade de vivenciar o papel do outro”.

Considerando-se o modelo sociointeracionista, no qual a aproximação interpessoal tem apotencialidade de ampliar o espaço cognitivo individual e favorecer o desenvolvimento deaprendizagem, observou-se que o role-playing permitiu que cada participante reconhecesse, nos outros,signos que modificassem seu pensamento (Laranjeira, 2000).

A estratégia de role-playing foi bem recebida e desenvolvida com adequada organização, o quepermitiu destacar suas potencialidades tanto na vivência de papéis, no reconhecimento do outro e de sipróprio, quanto no desenvolvimento do processo tutorial. Também reforça a importância do processoreflexivo, na construção das práticas pedagógicas (Guanaes, Mattos, 2008).

Na categoria (B), “Concepções acerca das fragilidades da estratégia utilizada” , incluíram-se asseguintes unidades temáticas:

. Baixa adesão:“Pouca presença dos tutores nas oficinas”;

“Seria, talvez, mais produtivo e interessante se todos estivessem presentes”.

. Dificuldade de entendimento da proposta:

“Pequena extensão deste processo”;

“Não tem proposta de continuação”.

. Organização da atividade:

“Melhor esclarecimento, no início da oficina, do verdadeiro objetivo da oficina e doscomponentes do grupo”;

“Tempo insuficiente”.

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1212 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1207-18, out./dez. 2011

. Vivência do método:

“Dificuldade do tutor em conduzir a tutoria”;

“Novamente, não executar o processo completo, assim como é feito no processo de EP. Sepermitirmos que os docentes pulem etapas na sua capacitação, estamos dizendoimplicitamente que este docente pode também autorizar seus estudantes a pularem etapas”;

“É difícil se colocar na posição de estudante, na posição do outro”.

O absenteísmo apareceu como uma fragilidade importante, apontando para a necessidade de seestreitar o compromisso docente-instituição. A dificuldade de entendimento dos referenciais de EC(Ceccim, 2005; Ricas, 1994), somada à morosidade para início da atividade, demonstraram resistênciaao entendimento da tarefa, inclusive tendo contribuído para a limitação de tempo experienciada poralguns grupos. Importante considerar que o tempo disponibilizado para o role-playing foi semelhanteàquele habitualmente utilizado no processo tutorial.

Na temática “Vivência do método”, os aspectos levantados como fragilidades demonstraram apotencialidade da estratégia em reproduzir as limitações do contexto real e permitiram a confrontaçãocom suas maiores dificuldades (Moust, Van Berkel, Schmidt, 2005), favorecendo a reflexão eproporcionando a construção de conhecimentos.

É instigante a observação de que a unidade temática “Vivência do método” apareceu tanto comofortaleza quanto como fragilidade da estratégia utilizada. Isso pode corroborar para a conclusão de que avivência de papéis durante a atividade propiciou o impacto necessário à reflexão, sendo que, paraalguns, causou maior mobilização positiva enquanto, para outros, provocou desconforto. Mitre et al.(2008) relataram que, na maioria das vezes, a dimensão relacional faz o tutor sentir-se despreparadopara protagonizar a facilitação de grupos, como, também, mediar a aprendizagem significativa, uma vezque isto implica dinamismos de interação pessoal (Costa, 2007).

Além de desafiar o aluno a construir conhecimentos, o processo tutorial demanda mudança depostura didático-pedagógica, o que inclui o conhecimento e realização dos passos que promovem a ABP(Venturelli, 1997).

Na categoria (C), “Potencial de mobilização da temática da oficina”, incluíram-se as seguintesunidades:

. Capacitação docente:

“Os temas são amplamente utilizados na prática diária”;

“Os vários aspectos que se encontram no dia a dia do processo tutorial, com os quais já nosconfrontamos ou nos confrontaremos”;

“Extremamente relevante e apropriado ao momento”;

. Reflexão do processo tutorial:

“Discutir pontos de erosão do método e refletir sobre si mesmo”;

“Revisitar uma sessão de tutoria foi útil, pois os tópicos que aparecem surgem comogatilhos para que revisássemos o que fazemos como tutor”;

“Resgate do papel do tutor enquanto facilitador do processo de aprendizagem”.

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v.15, n.39, p.1207-18, out./dez. 2011 1213COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

Observou-se grande relevância da temática, que, ao ter como objeto o processo tutorial e tratar deum artigo científico oriundo da realidade, favoreceu o aparecimento de sentidos, reflexões edesenvolvimento de aprendizagem significativa (Pelizzari et al., 2001/2002), sobretudo com o resgatedo papel docente.

Na categoria (D), “Aspectos insuficientemente abordados”, incluíram-se as seguintes unidadestemáticas:

. Passos do processo tutorial:

“Os aspectos inerentes à formulação de hipótese e a gestão do processo tutorial”;

“Problema da tutoria não é bem elaborado e o assunto não desperta o interesse doestudante. Como ser facilitador?”.

. Desenvolvimento curricular:

“Uma visão geral do currículo, não só do 4º ano, mas também dos anos anteriores, seriainteressante”;

“Como a instituição e os docentes podem minimizar o processo de erosão do método deensino-aprendizagem e até do currículo como um todo?”.

Nesta categoria notou-se a tomada de consciência de fragilidades e da necessidade de novosconhecimentos que possam melhorar o processo pedagógico tutorial, e, ainda, de um trabalho concretomais visível, compartilhado entre docentes e instituição, para o desenvolvimento curricular. Assim, orole-playing promoveu criticidade e contribuiu para o desejo de maior participação na gestãoacadêmica, o que, de certa forma, pode ser considerado como um fator de empoderamento individualao permitir autoconhecimento e autoconfiança por meio do desenvolvimento de consciência crítica edo entendimento das relações que permeavam as experiências. A problematização do papel ativo e osentimento de pertença indicaram que também houve empoderamento grupal (Kleba, Wendausen,2009).

Na categoria (E), “Fortalezas dos facilitadores da atividade”, incluíram-se as seguintes unidadestemáticas:

. Capacitação para o trabalho em grupo:

“Ambos têm postura e interesse pelo que estão fazendo”;

“Interesse em estar no processo. Interesse nas pessoas”;

“Postura continente e integradora”;

“Fizeram boas colocações e questionamentos”.

. Atitude ativa:

“Foram excelentes. Pontuaram bem, entraram de uma maneira adequada, principalmenteno meu caso que falo demais. Tiveram a delicadeza de me cortar sem me desconsertar”;

“Toleraram as colocações e exposições de idéia de cada membro do grupo, bem como,articularam as idéias e propostas”;

ROLE-PLAYING: ESTRATÉGIA INOVADORA NA CAPACITAÇÃO ...

1214 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1207-18, out./dez. 2011

“Souberam ouvir e respeitar cada pessoa em seu posicionamento”.

Observou-se que a capacitação dos facilitadores foi bastante valorizada, especialmente com relaçãoaos aspectos atitudinais, prevalecendo uma postura continente, de mediação (Pichon-Rivière, 1991) eproblematizadora (Díaz- Bordenave, Pereira, 1993) a uma postura diretiva e de transmissão deconhecimento.

Na categoria (F), “Limitações dos facilitadores da atividade”, incluíram-se as seguintes unidadestemáticas:

. Não foram identificadas:

“Não houve”.

. Administração do tempo:

“O tempo para cada atividade deveria ter sido melhor controlado”.

. Baixa responsabilização:

“Baixa responsabilização dos facilitadores no processo de coordenação do grupo”.

Nas falas apresentadas, pode-se problematizar o limite na interpretação entre o respeito à autonomiado tutor, enquanto ator na oficina, e a implicação ou corresponsabilização do facilitador enquantomediador. Partindo-se desta reflexão, é possível fazer uma analogia entre a oficina e a tutoria, econsiderar a solidão sentida pelo estudante quando este não sente a implicação do tutor no processo(Hoffman, 1994).

Todos os participantes concordaram que há relevância em participar no Programa de EducaçãoContinuada (pergunta 4), sendo que 100% do total de avaliações recebidas, 26 pessoas, responderam“sim” a esta questão.

Entre as justificativas, foi construída a categoria (G), “Relevância da EC”, e as seguintes unidadestemáticas:

. Possibilidade de troca de conhecimento:

“Discussão de novas idéias para solução de dificuldades e problemas”;

“Espaço de reflexão com possibilidade de elencar prováveis soluções”;

“É o momento de troca de conhecimentos e que enriquece novas atividades”.

. Manutenção e ampliação da educação continuada:

“Dar continuidade a esta atividade”;

“Esta atividade deve ser realizada mais vezes”;“Usar esta estratégia modificada para os grupos semanais de EP”.

Os discursos nesta temática reafirmaram a importância da EC como espaço para aprendizagemcompartilhada e reflexões. Contudo, as falas manifestaram uma aprendizagem por recepção, nãoancorada em movimento ativo de teorização, tendo prevalecido o sentido circunstancial da construçãodo conhecimento, pouco compromissado com a transformação da prática.

FRANCISCHETTI, I. et al.

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Notou-se acolhimento e entusiasmo com relação à estratégia utilizada, role-playing, o que nossinaliza para uma maior exploração desta em oficinas de EC. Já a proposição de sua utilização nasatividades de EP, nos alerta para o não-entendimento das singularidades das atividades de capacitaçãodocente.

O conceito aplicado a esta atividade de EC foi: Satisfatório (96% das respostas). Um dos participantesnão respondeu à questão.

Considerações finais

A análise do formato institucional de avaliação destas oficinas de capacitação docente demonstrouque o uso do role-playing foi um importante instrumento facilitador do processo de aprendizagem, àmedida que colocou o tutor numa posição inédita, diretamente como protagonista do fazer,favorecendo novos olhares e percepções.

Assim, a ideia do role-playing como estratégia de capacitação, sobretudo na área da saúde, onde aautoimplicação do sujeito é fortemente desejada para um cuidado ampliado e de qualidade, tempotencial de sensibilizar os docentes para o processo tutorial e para a valorização desta nova demandana formação.

Colaboradores

Os autores trabalharam juntos em todas as etapas de produção do manuscrito.

Referências

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ROLE-PLAYING: ESTRATÉGIA INOVADORA NA CAPACITAÇÃO ...

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ROLE-PLAYING: ESTRATÉGIA INOVADORA NA CAPACITAÇÃO ...

1218 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1207-18, out./dez. 2011

A análise dos formatos de avaliação do Programa de Desenvolvimento Docente (PDD)da faculdade de Medicina de Marilia, SP, mostra as seguintes fragilidades: baixamotivação, atitude passiva dos participantes e pouco interesse em capacitação para oprocesso tutorial. Considerando a necessidade de inovação das estratégias decapacitação docente, optou-se, nas oficinas, pelo uso da técnica de role-playing, a qualpossibilita a troca de papéis e o aprender na ação. Analisou-se qualitativamente odiscurso docente frente ao uso do role-playing nas oficinas desenvolvidas, segundo asnarrativas dos formatos de avaliação aplicados. Os núcleos de sentido das respostasforam classificados em unidades temáticas. Os resultados demonstraram a relevânciadas atividades e que o role-playing foi um importante instrumento facilitador doprocesso de aprendizagem, à medida que colocou o tutor como protagonista, no papelde estudante, favorecendo novos olhares e percepções e sensibilizando-o para oprocesso tutorial.

Palavras-chave: Educação superior. Educação continuada. Aprendizagem baseada emproblemas. Tutoria. Role playing.

Role-playing: an innovative strategy for training teachers for the tutorial process

Analysis on assessment formats of the Teaching Development Program (TDP) ofMarília Medical School with regard to continuing education shows the followingweaknesses: poor motivation, passive attitudes among participants and little interest intraining for the tutorial process. Given the need for innovative strategies for teachertraining, it was decided to use role-playing techniques in workshops. This enabledexchanges of roles and learning in action. The teacher’s discourse relating to the use ofrole-playing in the workshops developed was qualitatively analyzed according to thenarratives of the assessment formats applied. The core meanings of the responses wereclassified into thematic units. The results demonstrated that these activities wererelevant and that role-playing was an important facilitator of the learning processinsofar as the tutor was placed as a protagonist for the students’ roles, therebyencouraging new perspectives and perceptions and sensitizing students towards thetutorial process.

Keywords: Higher education. Inservice teaching education. Problem-based learning.Preceptorship. Roleplaying.

“Role-playing”: estrategia innovadora en la capacitación docente para el proceso detutoría

El análisis de los formatos de evaluación del Programa de Desarrollo Docente (PDD)da facultad de medicina de la ciudad de Marília, referente a la educación continuadamuestra las fragilidades siguientes: baja motivación, actitud pasiva de los participantesy poco interés en la capacitación para el proceso de tutoría. Considerando la necesidadde innovación de las estrategias de capacitación docente, en las oficinas se opta por eluso de la técnica de “role playing” que hace posible el cambio de papeles y elaprendizaje en la acción. Se ha analiza cualitativamente el discurso docente ante el usodel “role playing” en las oficinas desarrolladas según las narrativas de los formatos deavaliación aplicados. Los núcleos de sentido las respuestas se han clasificado enunidades temáticas. Los resultados demuestran la importancia de estas actividades yque el “role playing” ha sido un importante instrumento facilitador del proceso deaprendizaje a medida en que colocan al tutor como protagonista, en el papel deestudiante, favoreciendo nuevas miradas y percepciones, sensibilizándole para elproceso de tutoría.

Palabras-clave: Educación superior. Educación continuada. Aprendizaje basado enproblemas. Tutoría. “Role playing”.

Recebido em 08/10/10. Aprovado em 26/04/11.

Um dos maiores desafios da formação numa EscolaMédica é integrar o ensino da parte exata(aspectos físicos e objetivos) com o ensino dosaspectos subjetivos que envolvem o estudo dapessoa. Como fazer os alunos perceberem que serum bom médico inclui ser sensível ao sofrimentodo outro? Como ensiná-los a valorizar a qualidadeda comunicação e dos vínculos com o paciente? Ecomo fazê-los perceber que estas qualidades nãosão acessórias, mas fundamentais para odesempenho e eficácia da tarefa médica?Finalmente, como ajudá-los a desenvolver atitudese habilidades necessárias para a formação desteprofissional?

No primeiro ano da graduação em Medicina daUniversidade Federal de São Paulo, comointrodução a um programa que se estende portodo o curso, a disciplina de Psicologia Médicautiliza as contribuições das ciências e das artes paraampliar o conhecimento do aluno em relação àspessoas e aos dilemas humanos. Materiaispedagógicos, textos científicos, contos literários efilmes são estímulos para debates, discussões eplanejamento de trabalhos (De Marco et al., 2009).

A intenção é aguçar a auto-observação e aobservação das pessoas; instrumentalizá-las paraque tenham a flexibilidade necessária paraenfrentar as situações, examinando e considerandoos aspectos relevantes presentes no camporelacional e comunicacional (o que inclui oreconhecimento de seus estados e sentimentos,bem como os de seus pacientes). Nas discussões,procuramos instrumentalizá-los para reconhecereme evoluírem suas capacidades de observação,empatia e continência. Para que estainstrumentalização seja efetiva, é nossa intenção

v.15, n.39, p.1219-22, out./dez. 2011 1219COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

que o curso tenha forte cunho experiencial.Contribui para essa finalidade a discussão dasvivências despertadas, bem como a própria relaçãoprofessor-aluno, que pretendemos que sirva demodelo de uma relação viva e autêntica.

“Conhecer pessoas” é o mote do curso quepretende (re)aproximar os alunos das diferentesáreas que historicamente têm se interessado peloconhecimento e equacionamento dos dilemashumanos. As aulas, em pequenos grupos (vintealunos), destinam-se a facilitar o contato entreprofessores e alunos e favorecer amplaparticipação.

Por meio da discussão das contribuições dasdiferentes áreas de conhecimento – comomitologia, filosofia, psicologia, sociologia,antropologia, história –_bem como de produçõesligadas à arte (como literatura, teatro e cinema),procuramos sensibilizar os alunos para o imensomanancial que estas áreas têm produzido para oconhecimento das pessoas, seus conflitos edilemas.

Por exemplo, por intermédio da abordagem dapsicologia, acessar conhecimentos dodesenvolvimento da personalidade, seusmomentos críticos, progressões e regressões,demonstrando a ajuda que estes conhecimentospodem proporcionar na detecção de fatores esituações de risco que contribuem para a saúde ea doença, bem como as reações da pessoa frenteao adoecer.

Estes mesmos conhecimentos podem sermuito enriquecidos por meio de contato commanifestações ligadas à arte.

Buscar, nas humanidades e nas artes, umaforma de conhecimento fundamental para a

notas

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esConhecendo pessoas – uma ciência, uma arte:breve relato de uma experiência na graduação médica da EPM-Unifesp

Knowing people – a science, an art: a brief description of the experience in the Undergraduate Medical from EPM-Unifesp

Conocer personas – una ciencia, un arte: una breve descripción de la experiencia en el pregrado de medicina de la EPM-Unifesp

NOTAS BREVES

1220 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1219-22, out./dez. 2011

prática médica, já era apontado por GregórioMarañón (Gallian, 2002) ao elencar o que eledefiniu como as cinco fontes do saber médico.Segundo o grande endocrinologista e escritorespanhol, a literatura, a arte e a experiênciaextramédica da vida têm uma importância tãogrande quanto as fontes cientificas, na medida emque é na fonte das humanidades onde o clínicoencontra algo de fundamental para o bomexercício da prática médica: intuições sobre a vidahumana.

Pesquisadores brasileiros (Barros, 2011) acabamde relatar que um dos maiores escritoresbrasileiros do século 19, Machado de Assis, foi oprimeiro a descrever um estranho distúrbiopsiquiátrico, a “folie à deux”. A narrativa deMachado, no conto O Anjo Rafael [1869],combina todos os elementos que seriam descritospor Lasegue e Falret, os descobridores“científicos” da “folie à deux”, em 1887, oitoanos depois da publicação do conto de Machado.Este conto ilustra como a literatura pode contribuirpara o conhecimento da Psiquiatria, oferecendouma descrição detalhada das condiçõespsicológicas das personagens.

Assim, se queremos um retrato vivo de comose sente e o que se passa com um doente e seuentorno, a leitura de “A morte de Ivan Illitch”pode ser muito enriquecedora. No texto depsicologia, vamos encontrar mais informaçãoconceitual, na literatura (nos bons escritores)encontraremos mais a “vida como ela é”:

O clínico dizia: isto e aquiloindicam que o senhor tem isto ouaquilo; mas se o exame nãoconfirmar que o senhor tem isto ouaquilo, devemos levantar ahipótese de ter isto ou aquilo...Ivan Ilitch só se preocupava comuma coisa: o que tinha era graveou não? O doutor, porém, nãoligava para a descabida pergunta.Do seu ponto de vista, o capital eradecidir entre um rim flutuante, umabronquite crônica ou uma afecçãodo ceco. Não estava em pauta avida de Ivan Ilitch, mas sim decidirpelo rim ou pelo ceco. E ofacultativo, brilhantementeresolveu, segundo pareceu a IvanIlitch, a favor do ceco... Exatamente

o que Ivan Ilitch fizera mil vezes, ecom o mesmo brilhantismo, emrelação a um acusado. (Tolstoi,1998, p.37)

Se quisermos conhecer mais sobre o médico,sua personalidade e as vicissitudes do exercício damedicina, podemos estudar uma série de textos(psicológicos, sociológicos, antropológicos), masse, complementarmente, fizermos uma reflexãosobre o mito de Asclépio e seu tutor Chiron (ocurador-ferido), com certeza sairemos bastanteenriquecidos.

Por outro lado, se desejamos saber como sesente um médico quando adoece, estes trechossão uma amostra de quão instigante é o livro “Omédico doente” de Dráuzio Varela:

Basta cair doente para que todos seconsiderem no direito de darordens: Já para a cama; Não saiano sereno; Vista o agasalho.O mais humilhante é obedecer coma docilidade dos cordeiros, porquea doença tem o dom de nos fazerregredir ao tempo em que nosentregávamos indefesos aoscuidados maternos. Na cadeia, vimuito assaltante de renome clamarpela mamãezinha na hora da dor.(Varela, 2007, p.19)

Durante o curso, assistimos e discutimos doisfilmes: Freud Além da Alma e Os QuatroDiamantes.

O primeiro desperta muito interesse dosalunos pela postura investigativa do médicorecém-formado Sigmund Freud na busca deentendimento dos quadros histéricos. O filmeserve como ilustração para discutir com os alunosnoções básicas de Psicanálise e sua contribuiçãopara o conhecimento das pessoas.

O segundo filme, Os Quatro Diamantes,baseado numa história real (dirigido por PeterWerner, 1995), mostra a luta de um menino e suafamília com uma doença grave (câncer). Omenino Christopher, que costuma fantasiar sercavaleiro da Távola Redonda, em função dadescoberta de um câncer, é obrigado a fazerquimioterapia durante suas férias escolares. Aoretornar às aulas, ao invés da tradicional redação“o que fiz nas férias de verão”, é liberado pelo

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v.15, n.39, p.1219-22, out./dez. 2011 1221COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

professor para escrever uma história de ficção.Envolvendo, em suas fantasias de cavaleiro,médicos e familiares, aborda a luta que trava comsua doença. Este filme sensibiliza muito os alunos,promovendo ampla discussão sobre acomunicação da médica com seu paciente e asdiversas reações ao adoecer.

Na literatura, um dos textos que temosutilizado é o conto “O Espelho” (1882) deMachado de Assis (Brayner, 1981), autorconhecido pelo olhar minucioso sobre ocomportamento humano. Neste conto, opersonagem, ao receber um posto militar, ésurpreendido pelo respeito e destaque que recebequando está fardado. Ser visto fardado torna-senecessidade, a ponto de não conseguir ver seureflexo no espelho quando fica sozinho por umbreve período. O uniforme militar serve comometáfora para se discutir o uso do avental branco,sua interferência nos relacionamentos e o respeitoa ele conferido. Numa avaliação do curso, esteconto foi apontado pela maioria dos alunos comoo momento mais marcante, pelo fato de ajudá-losa refletir sobre o papel que ocupam e as vivênciasdespertadas quando em contato com ospacientes. Perceber, desde a entrada no cursomédico, a responsabilidade e o poder que ospacientes lhes conferem mobiliza emoçõesintensas. Numa das classes, ao discutir o conto,um aluno comentou sobre o “poder” que sentiaao vestir seu avental:

“Num dia em que fomos observaro trabalho numa Unidade Básica deSaúde, eu estava chegando – já deavental – e dois pacientes brigavamna porta para ver quem entravaprimeiro. Ao me verem, pararam debrigar e abriram espaço para queeu passasse. Assim que eu passei,voltaram a discutir”.

O relato deste aluno trazia o espanto de sedeparar com tanto poder para “abrir seucaminho”, mostrando, ao mesmo tempo, suasatisfação com todo o respeito que lhe eradirigido.

Assim como este fato relatado, os anos degraduação médica despertam inúmeras vivênciasintensas, que necessitam espaços de discussão,suporte e elaboração. As aulas de PsicologiaMédica favorecem que estas vivências sejam

ventiladas e o tema “conhecer pessoas” abordadodurante todo o semestre, de diversas maneiras: osalunos observam os outros, a si próprios e aospacientes. Isto foi apontado por diversos alunosem suas avaliações:

“A habilidade que mais desenvolvifoi a de observar a mim mesma erefletir mais sobre isso”.

“Ao longo do curso descobri muitosobre mim mesmo e isso foi algoque me assustou. Percebi quePsicologia Médica é muitoimportante e deve ser trabalhadadurante toda a vida”.

Outra atividade marcante é o trabalho final,cujo tema é “Conhecendo pessoas: uma ciência,uma arte”. O trabalho é proposto já no início docurso, e os alunos se dividem em grupos (de seisa sete alunos), com a tarefa de elaborarem,focados no tema, uma apresentação para o restoda turma. Eles são estimulados a utilizar recursostanto da ciência como da arte na formatação dotrabalho. A forma e apresentação são muitovariadas: montagem de cenas de teatro, produçãode filmes, entrevistas etc. A experiência promovea aproximação a um campo de conhecimento apartir de uma abordagem pouco habitual para umestudante de medicina, envolvendo umimportante componente lúdico. Tambémproporciona oportunidade de exercitar o trabalhoem grupo e conhecer melhor seus colegas e a simesmo.

Estes trechos fornecem uma noção dasrepercussões do trabalho final:

“Vejo que através de tudo o quepassamos durante o processo deconstrução do trabalho final,aprendi um pouco mais o que é sermédico. Ser médico é muito maisdo que aprender técnicas, é umaarte de conhecer o outro [...] E essaarte não se aprende de uma só vez,mas continuamente, num processoeterno, porque não só uma pessoaé diferente da outra como o mesmopaciente que conhecemos hojepode ser outro amanhã. Estamosem constante mudança.”

NOTAS BREVES

1222 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.15, n.39, p.1219-22, out./dez. 2011

“Gostei muito de ter feito otrabalho final do curso. Revi eacrescentei conhecimento numaárea que, repito, acredito ser deextrema importância nasubjetividade médica. Puderelembrar diversos aspectoscolocados em sala durante o cursoe, assim, começar a finalizar aprimeira de muitas etapas em meuaprendizado de psicologiamédica.”

O curso de Psicologia Médica da UniversidadeFederal de São Paulo tem confirmado o enormepotencial que a utilização conjunta de recursosdas ciências e das artes tem na instrumentalizaçãodo futuro profissional para uma aproximação maisintegral e eficiente ao seu campo de atuação. Oformato deste curso tem sido estimulante paraalunos e professores.

Tomamos emprestadas as palavras dos própriosalunos, para ilustrar a contribuição do curso em

Referências

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VARELLA, D. O médico doente. São Paulo:Companhia das Letras, 2007.

Colaboradores

Os autores trabalharam juntos em todas as etapas deprodução do manuscrito.

Recebido em 19/04/11. Aprovado em 07/07/11.

instrumentalizá-los e estimulá-los a “conhecerpessoas”:

“Há muitas coisas e sentimentosatrás dos atos, atitudes e da própriaidentidade das pessoas.”

“Conhecer pessoas é um desafiomaior do que imaginávamos e umaprimoramento interminável.”

Mario Alfredo De MarcoDepartamento de Psiquiatria, Escola Paulista de

Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Rua Borges Lagoa, 570, 1º andar. Vila

Clementino, São Paulo, SP, Brasil. [email protected]

Mariella Vargas DegiovaniDepartamento de Psiquiatria, EPM/Unifesp.

Dante Marcello Claramonte GallianCentro de História e Filosofia das Ciências da Saúde,

EPM/Unifesp.Ana Cecília Lucchese

Departamento de Psiquiatria, EPM/Unifesp.

De que forma

1 ,2 Laboratório de Estudose Pesquisa Arte, Corpo e

Terapia Ocupacional,Faculdade de Medicina,

Universidade deSão Paulo.

[email protected]://blogdoreds.

blogspot.com/[email protected]

v.15, n.39, p.1225-8, out./dez. 2011 1225COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO

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ão

Renan do Espírito Santo Tobias Duarte1

Erika Alvarez Inforsato2

toda gente tem que não ter cabimento para crescerArnaldo Antunes (2003)

Películas desdobraram-se ao final de quatro meses de feitura de um diário decampo. Pele em forma de imagem filmada. Um assombro para quem acompanhouo processo; um lugar de expressão para quem o produziu.

Em meio a encontros e compromissos profissionais de um dos estágios docurso de graduação em Terapia Ocupacional da USP (“T.O. e as ações na interfacearte e saúde”, sob coordenação da Profa. Dra. Eliane Dias de Castro) – fez-se osalto. Em sua duração, experiências em projetos relacionados ao Laboratório deEstudos e Pesquisa Arte, Corpo e Terapia Ocupacional da FMUSP, por meio de seuprojeto didático-assistencial – PACTO (Programa Composições Artísticas e TerapiaOcupacional), e de seus acordos de colaboração e parcerias com projetos externosà universidade, delineia-se um cenário de estágio no qual, junto aos profissionais,os estudantes tensionam e favorecem aberturas nos espaços e equipamentos deartes e cultura da cidade, para que recebam também as populaçõestradicionalmente restritas às redes de saúde. Com isto, vivenciam-se algunsenfrentamentos dos processos de homogeneização das diferenças e atua-seproduzindo deslizamentos em relação às tendências históricas e culturais deinstitucionalização e desvalorização, que enfraquecem a vida de muitos. Estaproposta de trabalho, na interface da terapia ocupacional e artes potencializa odeslocamento da clínica para um campo de invenção e produção de novosagenciamentos - para técnicos, estudantes e participantes dos projetos -, numaaposta de que novas sociabilidades e formas de resistência possam serengendradas (Lima et al., 2009).

No rastro dessa paisagem, as imagens aqui apresentadas em filme e fotografiassinalizam traços de uma sensibilidade constelada nas circunstâncias cursivas dagraduação, descritas acima, somadas a um evento extraordinário: a ocupação dareitoria, realizada por estudantes da USP no primeiro semestre de 2007, queatravessou de forma contundente todo o processo de estágio daquele semestre.Uma experiência comum, que envolveu docentes, técnicos, estudantes ecomunidade não-acadêmica de maneiras diferentes, com distâncias eaproximações conflituosas e convergentes.

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DE QUE FORMA

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Vertigem é o estado intensíssimo que sentimos diante de um abismo, numa alturadesmedida, quando nos defrontamos com uma distância assustadora. Vertigem é a distânciatraduzida em atordoamento, uma quantidade (de espaço) transformada em qualidade(intensiva), uma separação nos estirando por dentro e em direção ao exterior.(Pelbart, 1989, p.123)

Pirotécnico e espetaculoso. Talvez. E intenso, consistente e pertinente em sua proliferação eprospecção ao que pode advir. Também. Esse filme, se surpreende seu espectador, é por tratar-se deum achado igualmente inusitado para o seu próprio autor. Num momento de vertigem da experiênciacoletiva, em que se experimenta a força e a fragilidade em sua radicalidade: a ideia da forma. Da formade gelo.

No programa da disciplina, entregue aos estagiários, aparece pela primeira vez uma explicação doque seria o diário de campo, no item que descreve os trabalhos obrigatórios do estágio: “experiênciasingular do estágio – descrições, colagens, pensamentos, elaborações” (Castro, Inforsato, 2007, p.5).

No mesmo programa, o item “Orientações para a preparação do Diário de Campo” oferece algumaspistas:

O Diário de Campo deverá apresentar-se como um registro do período em que se dá opercurso do estágio, e as sensações serão o ponto de partida, com o objetivo de construçãode um território com várias teias, suficiente para dar consistência às experiências vividasneste momento da vida de cada estagiário.Por sensações vamos considerar aquilo que está relacionado aos órgãos do sentido (visões,toques, cheiros, audições, sabores) bem como o que consiste os lugares de pensamento(espécies de habitats, aquilo que faz proliferar o pensamento, que dá condições aos achadosdo pensamento) em vivências diretas do estágio e outras que a elas possam associar-se demodo livre e atemporal. A proposta é de que se constituam camadas, justaposições, aquém ealém das ligações de interconexão.Cada Diário de campo será desenvolvido em continuidade e nele deverão constar:descrições das situações de estágio; citações, referências, grafismos, pinturas, colagens,cópias, fotos, dobras, texturas etc que mantenham algum tipo de relação com as vivênciasdo estágio; elaborações, associações e comentários que apresentem sua expansão ecrescimento profissional na avaliação e proposição de saídas diante das vivências do estágio.(Castro, Inforsato, 2007, p. 7)

Assim os estudantes entram em contato com a proposta, acrescida de leves comentários dasupervisora que os acompanha. O diário de campo deve ser entregue em quatro etapas e uma parte dacarga horária do estágio reserva-se para essa produção. A cada entrega ocorrem interlocuções em que asupervisora faz uma apreciação crítica, considerando aspectos estéticos e educativos: “dificuldades”,pontos duros, e potenciais a serem intensificados em experimentações/criações.

A experiência do Diário de Campo em um estágio de Terapia Ocupacional se mostrou umaestratégia capaz de conectar ética, estética e política, potencializando ações no campo daclínica, do cuidado e acompanhamento de pessoas, já que, em seu fomento à potênciacriadora, possibilitou inventar novos modos de intervir, de agir nas situações e com aspessoas, construção de novos territórios existenciais. A flexibilidade da proposta e daslinguagens do diário permitiu uma plasticidade desse registro de vida, e portanto da própriaprodução da vida. O Diário de Campo se transforma em um Território Existencial, onde asmarcas dos acontecimentos podem habitar, desenvolver-se e produzir novas marcas, novosmodos de existir e criar. (Duarte, 2008, p.134)

Este experimento audiovisual assim surgiu. Em sua apresentação para a disciplina de estágio, era umconjunto de vídeos em que a sensibilidade ganhava expressão na convergência do estudante, seus

DUARTE, R.E.S.T.; INFORSATO, E .A.

criaç

ão

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percursos, da matéria que se deformava na luz, do som. A experiência deprocessar, observar e refletir traduzia-se num filmar, gravar, enquadrar, editar. Ovivido ganhava pele, epiderme, película. Pele na qual se processavamexperiências, onde sangravam e cicatrizavam-se atravessamentos. Pele querespirava e transpirava afetos. Pele a ser cortada, editada, explorada, enxertada.

Filmar era uma exploração cirúrgica dos territórios existenciais em que se podia,simultaneamente, mapear suas formas - conforme neles se vivia -, e deformá-lospara que de outros modos nele se pudesse viver. Editando a vida numa espécie decinemática do movimento, das posturas, dos corpos. Transposição cinematográficado vivido.

[...] quando a gente escreve ou pinta ou canta a gente transgride umalei. Não sei se é a lei do silêncio que deve ser mantido diante dascoisas sacrossantas e diabólicas. Não sei se é essa a lei que étransgredida. (Lispector, 1999, p.150)

Cada vídeo continha um tema, um fio condutor, um disparador que norteava eenredava sua existência. Um deles: “MAS DE QUE FORMA/FÔRMA”3. Umabrincadeira séria, um tanto perturbadora. Jogando com a palavra “forma”, seussignificados e disparamentos. Em suas incursões, as imagens aglutinam-se emexplosões e transbordamentos raivosos, que indiciam a experiência de formar-se -profissionalizar-se, sobretudo -, com seus constrangimentos e condenaçõesjustapostos as suas promessas e encantamentos.

Quantos seres sou eu para buscar sempre de outro ser que me habitaas realidades das contradições? Quantas alegrias e dores meu corpo seabrindo como uma gigantesca couve-flor ofereceu ao outro ser queestá secreto dentro do meu eu? Dentro de minha barriga mora umpássaro, dentro do meu peito mora um leão. Este passeia pra lá e pracá incessantemente. A ave grasna, esperneia e é sacrificada. O ovocontinua a envolvê-la, como mortalha, mas já é o começo do outropássaro que nasce imediatamente após a morte. Nem chega a haverintervalo. É o festim da vida e da morte entrelaçadas. (Clark apudRolnik, 1996)

Há uma literalidade que, se num primeiro momento parece ilustrativa/representativa, ao acompanhar seu desenrolar, uma espécie de “virar do avesso”se dá, e a crítica emerge da assunção do estereótipo, do clichê em seu extremo.Denúncia de si e do mundo, como operação clínica eficaz, em que a produçãodesta película é um esforço em fazer caber aquilo que transborda a capacidade deviver junto, com cada personagem que, no decorrer de um período de estágio emT.O., oferece proximidade - sejam participantes dos projetos, sejam professores,profissionais, familiares, autores, instituições etc.

“Não cabe...”“Você tem que caber!”“Isso não tem cabimento!”“Durma bem”“Comer, comer, comer...”

3 Acesse o vídeo emInterface v.15, n.39,

out./dez. 2011, no siteda revista:

www.scielo.br/icse ouwww.interface.org.br

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Como?A subjetividade humana e sua potência/capacidade de criação tornaram-se reféns do capital,

moldadas e formatadas segundo seu interesse. A existência humana está aprisionada em padrões dedesejo, consumo, sexualidade que ditam seus gestos e movimentos.

Como pensar uma formação que não seja uma formatação, rígida, e na qual não se achatem asdiferenças, o singular, permitindo ao desejo assumir formas para manifestar-se, expressar-se?

Como fazer caber o estranho? O fora da norma?Como permitir a deformação numa sociedade onde é cada vez mais valorizado o cabimento e o

encaixe?Como permitir que mesmo as peças que não encaixam participem da vida-quebra-cabeça?Será necessário inventar novas formas, novos moldes que contemplem a diversidade?(Criar novas peles, películas. Comer.)

AUTOR. – Eu queria poder “curá-la” de si própria, Mas sua – “doença? É mais forte quemeu poder, sua doença é a forma de sua vida. (Lispector, 1999, p.52)

Referências

ANTUNES, A. Cabimento. 2003. (música).

CASTRO, E.D.et al. Formação em Terapia Ocupacional na interface das Artes e daSaúde: a experiência do PACTO. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo, v.20, n.3,2009. Disponível em: <http://www. revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-91042009000300003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 9 ago. 2011.

CASTRO, E.D.; INFORSATO, E.A. Programa de Estágio – 1º semestre de2007. Terapia Ocupacional e as ações na interface Arte e Saúde. São Paulo: Cursode Graduação em Terapia Ocupacional, FMUSP, 2007.

CLARK, L. Carta a Mario Pedrosa, 1967. In: ROLNIK, S. (Org.). Lygia Clark e ohíbrido arte/clínica. São Paulo, 1996. Disponível em: <http://caosmose.net/suelyrolnik/pdf/Artecli.pdf>. Acesso em: 6 maio 2011.

DUARTE, R.E.S.T. Criando cartografias de criação. 2008. Monografia (Conclusãode curso) - Curso de Graduação em Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicinade São Paulo, São Paulo. 2008.

LIMA, E.M.F.A. et al. Ação e criação na interface das artes e da saúde. Rev. Ter.Ocup. Univ. São Paulo, v.20, n.3, 2009. Disponível em: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S1415-91042009000300002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 9 ago. 2011.

LISPECTOR, C. Um sopro de vida: pulsações. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

PELBART, P. Da clausura do fora ao fora da clausura. São Paulo: Brasiliense,1989.

vídeo “MAS DE QUE FORMA/FÔRMA”,Renan T. Duarte, 2007