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Revista Especial de Educação Física – Edição Digital v. 3, n. 1, novembro 2006. UTILIZAÇÃO DA “ANÁLISE DE CONJUNTURA” COMO ESTRATÉGIA COLETIVA DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA REALIDADE SOCIAL Prof. Dr. Gabriel Humberto Muñoz Palafox 1 . Universidade Federal de Uberlândia O quadro é desolador: A desigualdade não retrocede, a economia cresce abaixo da média dos países equivalentes e muitos indicadores sociais são vergonhosos – sem que se vislumbrem perspectivas de mudanças (Folha de São Paulo, 06/06/2005). Resumo A “análise de conjuntura” é um procedimento utilizado para conhecer a realidade social, e que pode ser aproveitado na escola como estratégia pedagógica para contribuir com a formação crítica do povo. Para tanto, apresenta-se neste trabalho uma breve caracterização do sentido/significado atribuído às noções “conjuntura” e “análise de conjuntura”, seguido de uma pesquisa documental cuja finalidade é, além de caracterizar parte da conjuntura nacional, servir como material de apoio para desenvolver esse procedimento nos meios escolar ou comunitário. Introdução Este trabalho faz parte de um material de estudo organizado para realizar uma oficina sobre “análise de conjuntura” com adolescentes das classes média baixa e baixa, ligados a movimentos sociais da cidade de Uberlândia, MG, no mês de setembro de 2005. 314 1 Mestre e Doutor em Educação: Currículo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Docente da Faculdade de Educação Física e Pró- reitor de Extensão, Culturas e Assuntos Estudantis, da Universidade Federal de Uberlândia (gestões 2001-2004 e 2005-2008). Disponível em: <http://www.faefi.ufu.br/nepecc>

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Revista Especial de Educação Física – Edição Digital v. 3, n. 1, novembro 2006.

UTILIZAÇÃO DA “ANÁLISE DE CONJUNTURA” COMO ESTRATÉGIA COLETIVA DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA REALIDADE SOCIAL

Prof. Dr. Gabriel Humberto Muñoz Palafox1.

Universidade Federal de Uberlândia

O quadro é desolador: A desigualdade não retrocede, a economia cresce abaixo da média dos países equivalentes

e muitos indicadores sociais são vergonhosos – sem que se vislumbrem perspectivas de mudanças (Folha de São Paulo, 06/06/2005).

Resumo

A “análise de conjuntura” é um procedimento utilizado para conhecer a realidade social, e que pode ser aproveitado na escola como estratégia pedagógica para contribuir com a formação crítica do povo. Para tanto, apresenta-se neste trabalho uma breve caracterização do sentido/significado atribuído às noções “conjuntura” e “análise de conjuntura”, seguido de uma pesquisa documental cuja finalidade é, além de caracterizar parte da conjuntura nacional, servir como material de apoio para desenvolver esse procedimento nos meios escolar ou comunitário.

Introdução

Este trabalho faz parte de um material de estudo organizado para realizar uma oficina sobre “análise de conjuntura” com adolescentes das classes média baixa e baixa, ligados a movimentos sociais da cidade de Uberlândia, MG, no mês de setembro de 2005.

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1 Mestre e Doutor em Educação: Currículo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Docente da Faculdade de Educação Física e Pró-

reitor de Extensão, Culturas e Assuntos Estudantis, da Universidade Federal de Uberlândia (gestões 2001-2004 e 2005-2008). Disponível em: <http://www.faefi.ufu.br/nepecc>

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Durante o debate, os jovens afirmaram que, apesar de sentirem cotidianamente na “pele” os efeitos das desigualdades sociais, da pobreza e das condições de ensino existentes, eles estudam esses assuntos de forma “pouco atraente” e bastante “desconectada” de sua vida cotidiana, prevalecendo, assim, certo “senso comum” a respeito da análise que fazem da realidade social.

Constatei também que documentos oficiais tais como o Plano Plurianual 2003/2007 - PPA2 e diversas pesquisas publicadas pela Organização das Nações Unidas - ONU ou pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ligado ao Ministério do Planejamento – IPEA, dentre outros organismos de pesquisa nacional e internacional, são bastante desconhecidos para eles.

Em seus depoimentos, os adolescentes também afirmaram que a escola, além de não prepará-los adequadamente para enfrentar o mundo em que vivem, encontra-se voltada, basicamente, para o ingresso no “mundo do trabalho”, dentro do qual foi incluído o processo seletivo de acesso à universidade, o famoso “vestibular”.

No momento de apresentar argumentos para essas questões, os jovens concluíram, como exemplo, que as relações interpessoais vêm sendo influenciadas pelo “desejo” pessoal de “ser/tornar-se alguém”, por meio da reprodução de uma vida “recheada” de aparências (“boa pinta”, “boa roupa”, “motos possantes, etc.”), na maioria inventadas pela mídia, estimuladora do consumismo. Esta forma de vida, além de contribuir com o desenvolvimento de “relacionamentos superficiais”, “pouco comunicativos” e “egoístas”, pode tornar-se destrutiva quando se encara como algo “natural” conseguir dinheiro “fácil” ao participar de atividades ilícitas com drogas e bandidos.

Os depoimentos acima citados nos permitem constatar, mais uma vez, a importância e a validade da Pedagogia Crítica que, ao longo de sua história, vem procurando aproximar o ensino público da realidade concreta dos estudantes, a partir do estudo de questionamentos do tipo: que relação os meus alunos vêem entre o trabalho que fazemos em classe e as vidas que eles levam fora da sala de aula? [...] Seria possível fazê-lo sem discriminar

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2 BRASIL/Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Plano Brasil de Todos: Participação

e Inclusão – Plano Plurianual 2004-2007. Brasília: Governo do Brasil, 2003.

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determinados grupos de alunos como marginais, exóticos e “outros” dentro de uma cultura hegemônica? (GIROUX, 1994: 104-105)3.

Ao fazer tais perguntas, temos de assumir que a pedagogia jamais germina em solo infértil. Por essa razão um bom ponto de partida seria considerar a cultura popular como aquele terreno de imagens, formas de conhecimento e investimentos efetivos, que definem as bases para se dar oportunidade à “voz” de cada um, dentro de uma experiência pedagógica (GIROUX, 1994: 104-105).

Dessa forma, decidi ampliar o material utilizado e apresentar neste trabalho uma breve caracterização sobre o sentido/significado das noções “conjuntura” e “análise de conjuntura”, seguido de uma pesquisa documental cuja finalidade é evidenciar parte da realidade nacional para subsidiar a realização de uma análise de conjuntura, como procedimento de formação crítica a ser utilizado na escola ou no interior dos movimentos sociais.

Análise de Conjuntura: aproximação conceitual e importância para a formação crítica.

Segundo o dicionário “Aurélio”4, conjuntura é uma situação nascida de um encontro de circunstâncias consideradas como ponto de partida de uma evolução, uma ação ou um fato. Em termos didáticos, defino a “análise de conjuntura” como um procedimento de pesquisa, estudo e reflexão das circunstâncias ou, melhor, da situação ou estado em que se encontram uma ou várias dimensões (familiar, sócio-econômica, política, cultural, educacional, de saúde etc.) da realidade social (local, regional, nacional e/ou mundial).

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3 GIROUX, Henry e SIMON, Roger. Cultura Popular e Pedagogia Crítica: a vida cotidiana como base para o conhecimento curricular. In. MOREIRA,

Antônio F. e SILVA, Tomaz, Tadeu da (Org.). Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo: Cortez, 1994, p.104-105). 4 FERREIRA. Aurélio, Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. Disponível em: <http://www.faefi.ufu.br/nepecc>

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O objetivo da “analise de conjuntura” é, em última instância, elaborar e escrever uma descrição sistemática e

detalhada da situação em que se encontra a realidade pesquisada, para ser utilizada, justamente, como “ponto de partida” para a construção de objetivos, estratégias e prazos que serão estabelecidos para, em seguida, agir e promover a transformação dessa mesma realidade, de acordo com o projeto de sociedade que se defende5.

Nesse sentido, deve-se ressaltar que somente fazem parte de uma boa análise de conjuntura os acontecimentos que, além de transitórios, são capazes de contribuir efetivamente para o efetivo conhecimento da realidade que se deseja transformar (SAMPAIO, 1999)6.

A realização da análise de conjuntura como procedimento de formação crítica no meio escolar ou comunitário torna-se uma interessante estratégia de ensino, quando se promove uma produtiva ação dialógica, inter e transdisciplinar, capaz de colocar em “movimento” a consciência dos sujeitos participantes por meio do estudo e da interpretação da realidade, a partir dos dados fornecidos, tanto pelas fontes de informação que divulgam institutos de pesquisa nacional e internacional, governos, organizações sindicais, jornais e revistas especializadas, quanto pela experiência de vida pessoal e coletiva desses mesmos sujeitos.

Assim, ao vivenciar uma análise de conjuntura, tanto os estudantes, quanto os professores envolvidos, poderão dispor de dados mais consistentes para compreender melhor as várias dimensões que influenciam a sua realidade e, em conseqüência, contar com elementos mais consistentes para decidir, de forma autônoma e mais crítica, quais serão seus objetivos e opções políticas e sociais perante os desafios de vida pessoal e profissional.

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5 Quando uma pessoa decide, por motivos diversos, que não se envolverá com nenhuma atividade social por considerá-la de cunho “político”, muitas

vezes ela não sabe ou não é capaz de perceber (alienação) que com esse tipo de comportamento, encontra-se implementando e seguindo a lógica de um projeto conservador de sociedade cujo objetivo ideológico é manter desmobilizada grande parte da sociedade (ainda que isto nem sempre seja explicitado) para que a minoria detentora de privilégios historicamente conquistados com uso dos poderes econômico e político, pense e defina, por ela, os rumos e o destino da sociedade em que vive.

6 SAMPAIO, Plínio de Arruda e PELOSO, Ranulfo. Trabalho de base. São Paulo: Secretaria Operativa Projeto Popular para o Brasil. Cartilha No. 4, São Paulo, 1999. Este documento apresenta, de forma didática, uma interessante estratégia de trabalho destinada ao conhecimento da realidade, além de demonstrar a importância do trabalho coletivo para a resolução de problemas comunitários, à luz da análise de conjuntura. O material pode ser solicitado pelo correio eletrônico: <<[email protected]>>.

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Enfim, a importância de aprender e “saber” realizar, como parte de nossas vidas, uma “boa” análise da conjuntura, pode ser encontrada numa das idéias mais significativas do pensador italiano Antônio Gramsci, o qual afirmava que a conjuntura é algo inseparável dos projetos de vida das pessoas, uma vez que, em síntese, a conjuntura constitui o conjunto dos acontecimentos a partir dos quais se abrem ou fecham, se desenvolvem ou não, possibilidades de intervenção social para os atores que integram essa conjuntura em determinado momento das suas vidas (DEBRUN, 2001)7.

Dessa forma, a prática da análise da conjuntura como procedimento a ser aprendido e implementado de forma sistemática durante a vida torna-se uma prática social relevante na medida em que, ao contribuir com a ampliação da visão de mundo da comunidade, afeta, invariavelmente, os processos de avaliação da realidade e das forças que interferem, favoravelmente ou não, para a elaboração e implementação dos nossos projetos e estratégias de intervenção social.

Em resumo, defende-se aqui a idéia de que a leitura crítica e sistemática da realidade baseada na análise da conjuntura torna-se fundamental no ensino formal para que os estudantes aprendam a analisar, avaliar e definir criticamente e, talvez, de uma forma mais “segura”, as estratégias adequadas às suas possibilidades de ação individual e coletiva, de acordo com os princípios e diretrizes assumidos em função das suas intenções, desejos e projetos de vida pessoal e social.

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Disponível em: <http://www.faefi.ufu.br/nepecc>

7 DEBRUN, Michel. Gramsci: filosofia, política e Bom Senso. São Paulo: Editora da Unicamp, 2001. Ao estudar o pensamento de Antônio Gramsci, importante pensador italiano do século XX, Debrum refere-se ao “Bom Senso”, como uma construção histórica que deveria ser constantemente aperfeiçoada para superar nosso “senso comum” - dogmático e incoerente - por meio do estudo da filosofia e da ciência, em intima conexão com a leitura crítica que fazemos da realidade social e suas múltiplas determinações, decorrente da nossa inserção, como sujeitos, no mundo que vivemos. Nesse sentido, a filosofia não seria uma disciplina meramente contemplativa e sim um importante instrumento para o desenvolvimento da consciência crítica, a qual torna-se necessária para, dentre outros aspectos, superar todo tipo de “doutrinamento” e “manipulação ideológica”, na medida em que se promove o desenvolvimento das motivações e aptidões políticas e morais, que certamente repercutirão de forma significativa, nos momentos de definição, autônoma, das nossas opções de vida pessoal e profissional. Em resumo, a importância da “aquisição” de “Bom Senso”, como uma das finalidades do ato educativo, torna-se fundamental para operar no povo e não apenas numa elite, a reforma intelectual e moral que [tanto] aludimos [na atualidade] (p.36).

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Baseado nessas considerações é apresentado, a seguir, um conjunto de dados sistematizados para contribuir, como subsídio, para a realização de uma análise de conjuntura.

Desenvolvimento Humano e Economia:

• Relatório de Desenvolvimento Humano - RDH 2005 apresenta o mais recente quadro do desenvolvimento humano no mundo8. Esse quadro foi elaborado a partir da identificação do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, que é calculado por uma equipe independente comissionada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, a partir de dados produzidos por agências estatísticas internacionais ou outras instituições especializadas (Instituto de Estatísticas da UNESCO, United Nations Statistics Division - UNSD, United Nations Population Division - UNPOP, Banco Mundial, e outras. Os indicadores usados na elaboração do IDH são relativos às dimensões longevidade, educação e renda.

No que diz respeito ao Brasil, este ocupa em 2005 a 63ª colocação, num total de 177 países e territórios [...] mesmo ranking publicado no RDH 2004, o qual foi refeito com base em dados mais recentes, uma vez que nesse ano o Brasil aparecia em 72º lugar. Essa alteração se deve principalmente a uma recente revisão e atualização de indicadores, tanto no que diz respeito à metodologia quanto aos dados utilizados. O índice brasileiro de fato melhorou, tendo passado de 0,790 em 2002 (conforme o RDH 2004) para 0,792 em 2003 (conforme o RDH 2005), resultado este que mantém o Brasil entre as nações de médio desenvolvimento humano (IDH entre 0,500 e 0,7999), e que expressa uma evolução constante no índice geral desde 1975. No que tange aos sub-índices, os dados revisados apontam que, de 2002 para 2003, o Brasil avançou em duas das três dimensões do Índice de Desenvolvimento Humano (educação e longevidade) e regrediu em uma (renda).

8 Fonte: Organização das Nações Unidas. Relatório sobre o Desenvolvimento Humano - RDH/2005.Brasil fica em 63º no ranking do IDH: Saúde e

educação melhoram, mas renda cai .Brasília: Informativo, 06/09/2005).

9 As demais categorias são: 1) Baixo desenvolvimento humano = IDH entre 0 e 0,499; e 2) Alto desenvolvimento humano = IDH entre 0,800 e 1,000. Disponível em: <http://www.faefi.ufu.br/nepecc>

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A decomposição do IDH mostra que o Brasil tem um sub-índice de renda inferior ao da média mundial e ao da América Latina. Em esperança de vida, supera a média global, mas não a latino-americana. Em educação, o país tem desempenho melhor em ambos os casos, tanto no que diz respeito à média mundial quanto à média regional.

RDH Posição Expectativa de vida

Taxa de alfabetização

Taxa de matrícula

PIB per capita (US$) IDH

2004 63º 70,2 anos 88,4% 90% 7.918 0,790

2005 63º 70,5 anos 88,4% 91% 7.790 0,792

Fonte: RDH/2005/ONU. Brasil fica em 63º no ranking do IDH: Saúde e Educação melhoram, mas renda cai. Brasília: Informativo, 06/09/2005.

Entretanto, parte dos resultados encontrados no RDH-2005 mostra uma tendência mundial no que diz respeito à distribuição de renda. O mundo está mais rico e desigual.

• Apesar de algumas regiões do mundo terem registrado um crescimento econômico sem precedentes nos últimos 40 anos, a desigualdade entre os ricos e pobres é maior hoje, indica o Relatório da ONU “Situação Social Mundial 2005 (Jornal Correio, 27/10/2005).

• Esse relatório mostra que nas últimas 4 décadas, os 20 países mais ricos, quase triplicaram sua renda per capita – que é a média de quanto cada habitante ganha. O valor passou de US$ 11.417 em 1962 para US$ 32.339 em 2002, o que representa um avanço de 183,25% em 40 anos. Por outro lado, nos 20 países mais pobres do mundo o rendimento subiu apenas 26%, passando de US$ 212 em 1962 para US$ 267 em 2002. Com isso, segundo o documento, 80% da renda mundial está nas mãos de apenas 1 bilhão de pessoas – menos de ¼ da população mundial (Jornal Correio, 27/10/2005).

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• O Brasil tem uma das piores distribuições de renda do mundo: menos de 1% dos brasileiros mais ricos detêm parcela de renda semelhante à da metade dos brasileiros mais pobres (Radar Social/IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Ministério do Planejamento. In. Folha de São Paulo/Editorial, 06/06/2005.)

• No Brasil, a proporção da renda dos 10% mais pobres da população em relação à dos 10% mais ricos é de 1 para 94. Para o mundo como um todo, é de 1 para 103 (RDH-2005, Informativo, 06/09/2005).

• O número de pobres com renda abaixo do maior salário mínimo [mais ou menos 80 dólares], atingiu a cifra de 53,9 milhões de pessoas em 2003. Desses, 21,9 milhões seriam indigentes (Radar Social/IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do Ministério do Planejamento. In. Folha de São Paulo/Editorial, 06/06/2005.).

• Dados apresentados pelo Plano Plurianual – 2004/2007 aproximam-se dos dados do IPEA. Pouco mais de um terço da população do País (34%) pode ser considerada pobre e, dentre esta, quase 23 milhões de pessoas, cerca de 14% da população, são consideradas indigentes.

• Dito de outra forma, cerca de 53 milhões de pessoas não dispõem de recursos suficientes para atender suas necessidades básicas e cerca de metade dessas pessoas possui uma renda que permite apenas a compra de

uma cesta de alimentos. Dessas 53 milhões de pessoas, cerca de 11,2 milhões de famílias, têm uma renda familiar mensal per capita de até ½ salário mínimo e, como agravante, dentre essas famílias, 4,6 milhões detêm uma renda familiar mensal per capita de até ¼ de salário mínimo. Isto significa um contingente expressivo de brasileiros não tem, sequer, acesso a bens e serviços básicos necessários a uma vida minimamente digna.

• Por motivos como esses 6,6 milhões de brasileiros estão vivendo em favelas (Folha de São Paulo: 06/06/2005) e, segundo o PPA-2004/2007, mais da metade dos trabalhadores brasileiros encontra-se fora do mercado formal de emprego, não se beneficiando dos direitos previdenciários (i.e. aposentadoria, seguro-desemprego, auxílio maternidade). Em 2001, o desemprego aberto, por seu turno, estava na casa dos 9%. Se fossem considerados o desemprego oculto por desalento e o desemprego oculto por trabalho precário chega-se a uma estimativa de desemprego de 17,5% em 2001, evoluindo para 19,1% em pesquisas de março de 2003.

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• Reforçando a relevância dos dados acima apresentados, cabe ainda mencionar que no relatório RDH-2005 da ONU, o Brasil é utilizado como exemplo para se ressaltar que uma má distribuição de renda agrava a pobreza: A renda média é três vezes maior em um país de renda mediana e alta desigualdade como Brasil do que em um país de baixa desigualdade e baixa renda como o Vietnã. Mas a renda dos 10% mais pobres no Brasil é menor que a dos 10% mais pobres no Vietnã. Se o IDH fosse baseado não no PIB per capita, mas na renda dos 20% mais pobres (mantendo-se as variáveis de educação e longevidade intactas), o Brasil cairia 52 posições no ranking (de 63 para 115) (RDH-2005, Informativo, 06/09/2005).

Trabalho Infantil:

• Segundo a Organização Internacional do Trabalho - OIT, em 2000 eram mais de 351 milhões as crianças entre 5 a 17 anos de idade economicamente ativas no mundo. Dessas 178 milhões nas chamadas piores formas de trabalho infantil e mais de 170 milhões realizavam trabalhos considerados perigosos. Mais de 8 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos de idade estão engajadas em atividades reconhecidas como as piores formas de trabalho infantil: prostituição, narcotráfico, trabalho escravo, industria pornográfica e ate mesmo trabalhando como soldados pelo mundo afora (OIT, 2002: 20)10.

• Entretanto, essa história é antiga. No início do povoamento do Brasil, por volta de 1530, crianças e adolescentes embarcavam em naus portuguesas rumo a nossas terras, trabalhando como grumetes e pajens. Nessas condições submetiam-se a toda sorte de abusos, desde a exploração exaustiva de suas forças físicas nas realização dos piores e mais perigosos trabalhos existentes nas embarcações, até privações alimentares, culminando com sevicias sexuais (RAMOS, 2000: 19)11.

10 OIT- Organização Internacional do Trabalho. Conferencia Internacional do Trabalho. 90º reunião anual. Genebra, 2002.

11 RAMOS, Fabio Pistana. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In. PRIORE, Mary del (Org.) História das crianças no Brasil. São Paulo: Conexto, 2000.

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• Durante a colonização do país, toda criança escrava começava a trabalhar assim que tivesse desenvolvimento físico e eram, em muitos casos, separadas dos pais e vendidas para outros senhores. Aos quatro anos de idade os escravos desempenhavam tarefas domésticas leves nas fazendas, aos oito anos poderiam pastorear o gado; as meninas aos onze anos costuravam e, aos quatorze anos, tanto os meninos quanto as meninas, já laboravam como adultos (GOÉS, 2000: 184)12.

• Com a abolição da escravidão no país e a inserção da vida econômica no mundo capitalista, sempre caracterizada pela constante concentração de renda e de poder políticas entre os segmentos privilegiados da sociedade, inúmeras famílias trabalhadoras se desagregaram e milhões de menores carentes, tornaram-se, precocemente, responsáveis pela sua própria sobrevivência, passando a perambular pelas ruas das cidades. Nesse contexto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –PNAD/2001, detectou 3.094.249 brasileiros com idade entre 5 e 16 anos incompletos trabalhando, o que corresponde a 8,5% da população nacional nessa faixa etária.

• O problema é que esse tipo de fenômeno social perpetua o ciclo de pobreza que aprisiona famílias, qual seja: a pobreza dos pais leva os filhos precocemente ao trabalho como forma de aumentar a renda, gerando

crianças e adolescentes com baixa escolaridade. Isso impede que possam ocupar postos de trabalho melhores, reproduzindo a mesma situação na geração seguinte e dificultando sua inclusão social.

Ainda sabendo que a erradicação do trabalho infantil encontra-se relacionada com uma mudança estrutural de grandes proporções no Brasil, desde o final dos anos 1980 observa-se uma maior atividade da sociedade civil organizada que, fazendo pressão aos governos em exercício, favoreceram, por um lado, a criação do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente em 1991, cujo objetivo é implementar a política de atenção integração para a Infância e a Adolescência. Por outro lado também foi instalado, em 1994, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil que conta com a participação de entidades de classe, da igreja e dos poderes legislativo e

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12 GOÉS, José Roberto. Crianças escravas, crianças dos escravos. In. PRIORE, Mary del (Org.) História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. Disponível em: <http://www.faefi.ufu.br/nepecc>

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judiciário, todos sob coordenação do Ministério do Trabalho. O Fórum que conta, ainda, com o apoio da UNICEF e das OIT, foi criado para promover uma melhor articulação entre as diversas organizações governamentais e não governamentais que buscam a erradicação do trabalho infantil.

Educação:

Segundo balanço realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, hoje mais de 97,% dos meninos e meninas de 7 a 14 anos estão matriculados no ensino fundamental. No início da década de 90, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA, foi criado, mais de 10% das crianças brasileiras estavam fora da escola (Folha de São Paulo, 17/10/2005). Esse mesmo balanço indica que, apesar dos números mostrarem que crianças e adolescentes estão matriculados na escola, o desafio é oferecer qualidade. Os problemas são mau rendimento, evasão escolar, professores com pouco preparo e escolas mal equipadas (Folha de São Paulo, 17/10/2005).

A questão é que esse tipo de avaliação é utilizado para encobrir, perante a opinião pública, as principais causas e os verdadeiros responsáveis por esses problemas, quais sejam: a profunda desigualdade de acesso a direitos humanos entre classes sociais, a excessiva concentração de riqueza nos segmentos mais ricos da população, bem como as políticas destinadas à educação, projetadas ideologicamente para preservar os interesses das classes privilegiadas. Além do mais, esse tipo de analise da realidade, também vem sendo utilizada como argumento para culpar os pais, os alunos das camadas menos privilegiadas da população e os professores, pelos resultados encontrados nas escolas públicas. Entretanto os problemas são mais profundos do que poderia parecer a simples vista. Vejamos:

• Na educação básica, cerca de 9,6 milhões de crianças de 4 a 6 anos ainda estão fora da escola (PPA, 2004-2007).

• Além disso, cerca de 980 mil crianças que estão na 4ª série do Ensino Fundamental não sabem ler e mais de 1,6 milhão são capazes de ler apenas frases simples e 59% das crianças da dessa mesma série de ensino, ou seja,

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com 4 anos de escolarização, são analfabetas e, o que é pior, a tendência detectada nos últimos anos foi de uma queda progressiva nos padrões de rendimento escolar (PPA, 2004-2007).

• Na realização do Programa de Avaliação – PISA/2003, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, o Brasil ficou em 37º lugar entre 40 países em compreensão de leitura e último em

matemática (Folha de São Paulo, 03/10/2005: Editorial).

• Nas apreciações domesticas a situação não é muito melhor. Dados do SAEB – Sistema Nacional de Educação Básica de 2003, mostram que 68% dos alunos do 3º ano do ensino médio tiveram seu nível de conhecimento classificado entre crítico e muito crítico. É um fracasso (Folha de São Paulo, 03/10/2005: Editorial).

• Em média, as pessoas com 15 anos ou mais têm apenas 6,3 anos de estudos, quando se esperaria que tivessem, no mínimo, 9 anos. Esse resultado é bastante diferenciado em termos regionais. A escolaridade média do jovem nordestino de 15 a 24 anos é de 5,9 anos de estudos, significativamente, inferior a de jovens do Sul e Sudeste que alcançam 8,1 e 8,3 anos, respectivamente, para a mesma faixa etária (PPA, 2004-2007).

• A educação se mostra desigual também por raça: negros e pardos correspondem a 67% dos analfabetos. Apenas 3% dos concluintes do ensino médio são negros e a proporção de negros entre as pessoas com doze anos de escolaridade ou mais não passa de 2,8% (PPA, 2004-2007).

• Ao analisar as causas que promovem o baixo desempenho e o abandono escolar, o PPA 2004-2007, afirma que mais de 2 milhões de crianças de 7 a 14 anos trabalham em vez de estudar e 800 mil estão envolvidas nas piores formas de trabalho, inclusive a prostituição.

• Nessa mesma linha de raciocínio, um balanço sobre a educação realizado pela UNICEF em 2005, afirma que um total de 5 milhões de crianças brasileiras de 5 a 17 anos ainda trabalha, apesar disto ser considerado uma prática ilegal até os 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz aos 14. Isso significa que uma em cada

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dez crianças nessa faixa etária perde parte da sua infância. Resultado: cansadas para estudar, elas acabam tendo desempenho fraco na escola; muitas a abandonam (Folha de São Paulo, 17/10/2005).

• Somado a isso, a idéia de que na escola pública só estudam pobres é desmentida por uma pesquisa do projeto Gestão para o Sucesso Escolar, realizada com 26 mil alunos de 200 escolas dos Estados de São Paulo e Santa Catarina. Esse estudo mostra que na 8ª série dessas escolas, 26% dos estudantes da 8ª série fazem parte das classes A e B, enquanto 22% são dais classes D e E (52% fazem parte da classe C.) Portanto, a presença de estudantes das classes A e B, de maior poder de consumo, é maior do que as classes D e E, mais pobres. Na 4ª série, a proporção de alunos da elite também é significativa (20%), mas inferior aos pobres (29%) (51% pertencem à classe C) (Folha de São Paulo, 01/08/2004: C1).

Para a coordenadora dessa pesquisa, além de saber da existência de crianças das classes A e B nas redes públicas de ensino, uma vez que o Censo escolar de 2004 mostrou que 90% dos estudantes estavam lotados nessas mesmas redes, a análise dos dados constatou um problema, também já conhecido: os estudantes mais pobres

abandonam mais a escola, antes de chegar ao último ano do ensino fundamental. Além disso, a pesquisa revelou que, ao comparar as notas dos alunos por classes, os estudantes mais ricos também apresentam melhor

desempenho que os mais pobres (Folha de São Paulo, 01/08/2004: C1).

• Parecendo concordar com os resultados dessa pesquisa, além de constatar que o desempenho educacional dos alunos da educação básica está muito abaixo do adequado e revela sérios problemas de qualidade e aprendizado e de que no ensino fundamental, cerca de 39,1% dos estudantes estão com defasagem série-idade série, o governo federal afirma no PPA 2004-2007, que de cada 100 alunos matriculados na 1ª série em 2004, estima-se que apenas 41 chegarão ao final do ensino fundamental e destes, no máximo 25% poderão ser considerados preparados para os desafios educacionais e profissionais futuros.

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• Em pesquisa publicada no final ano de 2005, o Relatório Nacional de Acompanhamento elaborado pelo governo federal com apoio das agências da ONU no Brasil, incluindo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, observa que 93,8% dos brasileiros entre 7 e 14 anos freqüentam a escola, mas, se for mantida a tendência atual, quase a metade deles não completará o ensino fundamental. [...] O relatório aponta, citando dados do INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, órgão vinculado ao Ministério da Educação, que 429 crianças, em cada grupo de mil, não completam o ensino fundamental no país (Jornal Correio, 08/01/2006): B2).

• No que diz respeito aos professores da educação básica, a situação também não é nada alentadora. A profissão professor corre risco de extinção no país. Como praticamente não existem estímulos para procurar essa carreira, o cenário poderá ficar crítico nos próximos 10 anos. Pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, realizada em 2003, mostrou que 53,1% dos professores em atividade estavam na faixa dos 40 aos 59 anos, e 38,4% tinham entre 25 e 39 anos. Só 2,9% se encontravam na categoria entre os 18 e 24 anos. A pergunta inescapável é: quem vai substituir os atuais mestres à medida que eles forem se aposentando? (Folha de São Paulo – Editorial, 03/10/2005).

• A escassez de docentes já é perceptível em vários Estados do país, em especial em áreas técnicas (física, química e matemática), cuja formação encontra em outras atividades da iniciativa privada condições profissionais mais convidativas que as oferecidas pelas escolas. E não se fala apenas de salário, mas também de prestígio. Até algum tempo atrás, professores já ganhavam mal, mas ainda tinham um alto reconhecimento social. A situação é grave e não permite tergiversações. Ou o Brasil decide tornar a educação uma prioridade real, e não apenas uma retórica, ou a falta de educação continuará causando grandes danos ao Brasil (Folha de São Paulo – Editorial, 03/10/2005).

• Em relação à Educação de Jovens e Adultos: O planeta conta com 771 milhões de analfabetos acima de 15 anos, o equivalente a 20% da população mundial, segundo relatório divulgado [no dia 09/11/2005] pela Unesco (Organização da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura).

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• O Brasil aparece nesse estudo como o 12º país do mundo com o maior número absoluto de analfabetos adultos – cerca de 15 milhões, ou 1,9% do total mundial, mas é um dos nove países elogiados por ter dado “atenção crescente” ao problema, ao lado de, entre outros, Venezuela e Ruanda (Folha de São Paulo, 10/11/2005) (Fig. 1).

Figura 1. Analfabetismo no Mundo. Dados fornecidos pelos próprios países (Folha de São Paulo, 10/11/2005: A16)

• Entretanto, pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, do governo federal, confirmam que no Brasil existem cerca de 35 milhões de pessoas (analfabetos funcionais) com menos de quatro anos de escolaridade, que aprenderam a ler, mas não sabem interpretar textos. Além disso, contrariando em parte os dados apresentados pela UNESCO, esse instituto mostrou que contamos não com 15 e sim com aproximadamente 16 milhões de adultos analfabetos, os quais, além disso, encontram-se desigualmente distribuídos pelo País. No Nordeste a taxa de analfabetismo é estimada em 24,3%, enquanto que no Sul e no Sudeste em 7,1% e 7,5% respectivamente. Em resumo, segundo o IPEA, o analfabetismo alcança, em media, a cerca de 11,60% da população (Folha de São Paulo, 06/06/2005).

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• Esse mesmo relatório da UNESCO destacou que também houve poucos avanços na desigualdade entre gêneros. Atualmente cerca de 64% dos analfabetos no mundo são mulheres. Quinze anos atrás, em 1990, essa taxa era praticamente a mesma, 63%. No Brasil, 51% dos analfabetos são do sexo feminino (Folha de São Paulo, 10/11/2005).

• No que diz respeito ao Ensino Superior, apesar dos esforços para aumentar o número de vagas nas universidades públicas nos últimos anos, a oferta limitada dessas mesmas vagas continua reforçando a exclusão de grande parcela dos candidatos a uma educação gratuita e de qualidade. No ano 2000, dos cerca de 3,2 milhões concluintes do ensino médio, 1,2 milhões entraram nas universidades, sendo que apenas 274 mil

em universidades públicas (PPA 2004-2007).

Breves considerações a respeito da importância da educação para o desenvolvimento social.

No mês de junho de 2005, o Banco Mundial divulgou um estudo no qual avalia a situação da pobreza em 14 países. Entre as várias e importantes conclusões, duas se destacaram.

1. para cada 10% de crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] per capita, a pobreza caiu 9% no Brasil contra 17% em média nas demais nações;

2. a diminuição foi mais expressiva em países que investiram mais em educação, como por exemplo, o Vietnã. De acordo com o estudo, não fosse o déficit educacional no Brasil, o número de pessoas pobres teria caído entre 35% e 50% em vez dos 24% registrados entre 1981 e 2001 (Folha de São Paulo, 13/07/2005).

• Os dados confirmaram a opinião de muitos educadores no Brasil e reforçaram, sobretudo, a relevância de uma idéia pregada há muitos anos pela Unesco: se o país quiser que mais pessoas se beneficiem do seu crescimento, ampliar o acesso a escolas de qualidade é medida prioritária que precisa figurar no topo da

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agenda política. Sem educação para todos, nenhum país conseguira reduzir a pobreza nem suas desigualdades (Folha de São Paulo, 13/07/2005).

Essa idéia é reforçada por uma pesquisa concluída em 2005 pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas – CPS/FGV. Depois de analisar 72 tipos de formação educacional que vão desde a alfabetização de adultos até a pós-graduação de doutores, utilizando os dados do Censo Demográfico do ano 2000, o estudo chegou a conclusão de que os brasileiros menos educados levam a pior quando se trata de renda futura e chances de obtenção de emprego.

As 11 piores posições do ranking de empregabilidade construído pelo CPS/FGV, praticamente coincidem com as 11 formações educacionais inferiores, que vão desde as pessoas totalmente sem escolaridade até as de 2º grau completo. E as três piores chances de obter emprego estão com os “sem escolaridade”, em cursos de alfabetização ou no fundamental (com mais de 15 anos) – na parte mais baixa da hierarquia educacional. Esse resultado é bem importante [...] porque ele torna muito mais sólidas as evidências de que as diferenças de educação são a chave para compreender a desigualdade e a pobreza no Brasil (Jornal Correio, 31/10/2005).

Ao analisar os dados dessa pesquisa, o seu coordenador fez referência ao fato de que existe a história de que alguém conhece uma pessoa com formação universitária que dirige táxi, mas o que o ranking mostra é que essa situação não é típica e, na média, o que acontece é o inverso. Destaca, também, que se as profissões ligadas a medicina e engenharia aparecem nas primeiras posições do ranking, há, também, a presença de formações menos associadas ao sucesso material, como Letras e Artes, que ocupam as 10ª e 11ª posições. E, confirmando uma visão comum, às vezes tida até como preconceituosa, no piso do ranking geral das formações universitárias estão Filosofia e Teologia, emboladas com a formação superior incompleta (Jornal Correio, 31/10/2005).

Infância:

• A taxa de mortalidade infantil no Brasil foi reduzida quase pela metade nos últimos 15 anos. Caiu de 47,5 para 27,5 por cada mil nascidos vivos, segundo o ministério da saúde. Isso ocorreu devido ao uso do soro caseiro

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para tratar diarréias, ao aumento das taxas de aleitamento materno e a programas de agentes de saúde nas comunidades. Entretanto, em algumas regiões do país, índices de mortalidade infantil continuam semelhantes à média nacional de 1990. No nordeste, a taxa média de mortalidade infantil ainda é de cerca de 44 mil nascidos vivos – a cada mil crianças nascidas na região 44 morrem antes de um ano de vida. A má qualidade do pré-natal ainda é responsável pela metade das mortes (Balanço da UNICEF – Folha de São Paulo, 17/10/2005).

Juventude:

• Segundo um relatório mundial sobre a juventude, publicado em 2005 pela Unesco, estes correspondem a 1,2 bilhões da população mundial. Com idade entre 15 e 24 anos, mais de 200 milhões vivem com menos de U$1 por dia, e 88 milhões sem emprego.

• Os jovens consistem numa faixa populacional vulnerável a questões de saúde como a AIDS: 10 milhões tem a doença e 50% das novas infecções por HIV os atingem na atualidade. Estes jovens começam a beber cada vez mais cedo, e sofrem, ainda, os efeitos dos conflitos armados. Na última década morreram dois milhões de jovens por causa desses problemas (Relatório da UNICEF/ONU sobre a juventude, Jornal Correio – 05/10/2005).

• Para a UNICEF, em 15 anos o Brasil conseguiu reduzir pela metade o número de crianças de 15 a 17 anos exploradas em lavouras, carvoarias, lixões e na produção de sapatos. Criado em 1996, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) atende hoje 931 mil crianças.

• Da mesma forma, uma rede de combate a exploração sexual formou-se nos últimos anos, contribuindo para a criação de conselhos tutelares e de direitos, de fóruns de entidades não governamentais e de delegacias especializadas na proteção da criança. Em 2004 o Congresso criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, que resultou em prisões e na reforma de leis obsoletas e a pedofilia passou a ser combatida (Folha de São Paulo, 17/10/2005).

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• A mesma UNICEF afirma que, mesmo com o surgimento de redes de proteção, crianças e adolescentes ainda são vítimas que caem facilmente nas redes de exploração sexual. Meninos e meninas são aliciados por exploradores nas ruas, em hotéis, bares e restaurantes de 937 municípios brasileiros. O maior número de casos acontece em municípios de pequeno e médio porte (Folha de São Paulo, 17/10/2005);

• Para o governo brasileiro, as crianças e os adolescentes continuam a ser a parcela da população brasileira mais exposta à violação dos direitos. Maus tratos; abuso e exploração sexual; trabalho infantil; desaparecimento; fome e abandono são ocorrências cotidianas da vida dessa população (PPA, 2004-2007);

• 80% dos jovens brasileiros vivem em áreas urbanas pobres com graves problemas estruturais que se evidenciam principalmente nas periferias das cidades: ausência de domicílios adequados; água e luz muitas vezes obtidas com ligações clandestinas; lixo a céu aberto; inexistência de praças, quadras de esporte e de opções de lazer; precário atendimento de saúde, entre outros (Relatório da ONU sobre a juventude - Jornal Correio – 05/10/2005);

• os homicídios se tornaram a principal causa de morte entre os homens de 15 a 39 anos de idade, configurando um dos mais graves problemas da área de segurança (Radar Social/IPEA/ /Ministério do Planejamento. In. Folha de São Paulo, 06/06/2005.) Nesse contexto, pode-se acrescentar o perfil dos adolescentes em conflito com a lei: Jovens do sexo masculino, afrodescendentes, que não trabalham e não estudam, usam drogas e vivem em famílias pobres, cujo rendimento médio mensal não ultrapassa a dois salários mínimos (Relatório da ONU sobre a juventude - Jornal Correio – 05/10/2005).

Etnia/Raça:

• O País detêm a segunda maior população negra do mundo, atrás somente da Nigéria: são 76,4 milhões de pessoas que correspondem a 45% da população, de acordo com dados do Censo 2000 (PPA, 2004-2007).

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• O quadro de desigualdades raciais no País revela o drama da marginalização econômica e da injustiça social que afeta os afrodescendentes. No Brasil, 47% da população negra é pobre e esse percentual cai para 22% para a população branca (PPA, 2004-2007).

• A inserção do negro no mercado de trabalho é sempre mais precária do que a do branco; os afro-brasileiros têm mais chances de se encontrar desempregados e, no geral, costumam ganhar cerca da metade dos rendimentos dos brancos. A maior parte da população afro-brasileira está ocupada no setor informal, isto é, não tem acesso aos direitos referentes ao trabalho, como aposentadoria pública, seguro-desemprego, auxílios em caso de doença ou de acidente do trabalho (PPA, 2004-2007).

• A situação mais crítica do país, no que diz respeito ao mercado de trabalho, encontra-se, justamente, entre as mulheres negras as quais sofrem de tripla discriminação: racial, de classe e de gênero. Além de encontrar-se na base da pirâmide social do país, as trabalhadoras negras são as que ganham menos a maioria não tem proteção social [...] A renda média mensal das mulheres negras no Brasil, segundo levantamento do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com base em dados de 2003, é de R$279,70, contra R$428,30 para os homens negros, R$554,60 para mulheres brancas e R$ 931,10 para homens brancos (Folha de São Paulo, 18/11/2005: B3).

• A discriminação é ainda maior com relação às empregadas domésticas negras. Segundo o primeiro levantamento “Trabalho Doméstico e Igualdade de Gênero e Raça da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o número de mulheres negras que trabalham como domésticas é, pelo menos, o dobro do número de domésticas não-negras. O levantamento foi feito em São Paulo, Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife e Salvador, onde a diferença é de quatro vezes [...] Ainda segundo a OIT, um grande número de mulheres com mais de 50 anos, sobretudo entre as domésticas negras, continua trabalhando depois dos 50 anos (Folha de São Paulo, 18/11/2005: B3).

• No que se refere aos indicadores educacionais, as desigualdades entre negros e brancos impressionam pela sua magnitude e estabilidade ao longo do tempo. Em média, os jovens e adultos negros têm dois anos a menos de

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estudo do que os jovens e adultos brancos. E mais: essa distância tem-se mantido constante desde os tempos dos pais e dos avós desses jovens e adultos. De modo análogo, observa-se que, mesmo havendo, na década de 90, redução na taxa de analfabetismo dos negros e dos brancos, persiste ainda uma diferença percentual entre os dois grupos populacionais de cerca de 10%. Dados do ano de 2001 demonstram que os percentuais de analfabetismo eram de 8% para os brancos e de 18% no caso dos negros (PPA, 2004-2007).

Cidade e Campo:

• Estudo realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDS mostrou que 4 mil dos 5,7 mil municípios brasileiros estão com a economia estagnada ou em decadência. Apenas 800 dos quase 6 mil municípios têm crescimento compatível com padrões de qualidade de vida internacional, sendo que 27% dos municípios teve redução de população. As principais razões foram a precária oferta de serviços públicos e a questão habitacional. Estamos tendo uma espécie de migração de desemprego para as cidades que aparentemente oferecem emprego, mas a conseqüência é o crescimento de desemprego onde não havia. As 4 mil “cidades mortas” estão vivendo com verbas federais do FPM – Fundo de participação dos Municípios – e com os pagamentos dos aposentados (Jornal Gazeta Mercantil, 17/10/2005).

• Conforme o relatório RDH-2005 da ONU, os subsídios agrícolas apresentam imensa desigualdade no mundo: Os subsídios na Europa e nos Estados Unidos estão diretamente ligados à produção e ao tamanho da propriedade, com uma conseqüência esmagadora: quanto maior você é, mais você leva. Na União Européia, mais de três quartos do apoio financeiro vão para 10% das propriedades; nos Estados Unidos, apenas 40% dos agricultores recebem subsídios e, dentro desse grupo, os 5% mais ricos ficam com metade. O Relatório adapta à distribuição dos benefícios o Índice de Gini e conclui: “a distribuição de subsídios na UE e nos EUA é mais desigual que a distribuição de renda nos países mais desiguais do mundo”. O Índice de Gini brasileiro é 59,3 — inferior ao

Índice de Gini para os Subsídios dos EUA, Alemanha, Reino Unido e União Européia, onde é 77 (RDH-2005, Informativo, 06/09/2005).

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• O grau de concentração fundiária medida pelo Índice “de Gini”, (que mensura a iniqüidade de renda no campo), permanece acima de 0,8 (dados do Censo Agropecuário de 1995/96) em todas as regiões brasileiras, agravando o quadro histórico de exclusão social e de pobreza no meio rural, alimentando o processo de migração campo-cidade e comprometendo as possibilidades de desenvolvimento rural e a qualidade de vida nos centros urbanos (PPA, 2004-2007).

Considerações Finais

Uma breve análise dos dados apresentados demonstra que a pobreza, o desemprego, a desigualdade social, os vários tipos de discriminação e exclusão social, bem como o quadro decorrente da falta de qualidade e de permanência na escola, são, em primeira instância, decorrentes da histórica e enorme concentração de riqueza nas mãos de

poucos que acompanha o tipo de ordenamento legal regulador da vida em sociedade, cuja estrutura favorece e contribui, explicitamente, para a manutenção dessa situação a favor dos estratos sociais privilegiados da sociedade, os quais, além de não ultrapassar 10% da população economicamente ativa, são proprietários de quase 75% da riqueza nacional.

Associado a isso, outros fatores contribuem, também, para a perpetuação das desigualdades sociais, tais como o constante desequilíbrio macroeconômico mundial motivado pelos ordenamentos, legislativo e produtivo, que caracterizam o modelo capitalista de sociedade, o qual vem se pautando, dentre outros aspectos, pela permanente manutenção de:

• políticas de crédito caro e de curto prazo que impedem o acesso de recursos financeiros aos países mais pobres e às camadas menos favorecidas da sociedade, limitando, com isso, a possibilidade de elevação da sua capacidade de investimento e de produção e, portanto, de acesso à renda;

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• reduzido crescimento da produtividade e da competitividade internacional entre os países em desenvolvimento, principalmente quando essas ações afetam os interesses econômicos dos países mais ricos, tais como os Estados Unidos de América e grande parte dos países que constituem a Comunidade Européia;

• uma forte vulnerabilidade externa dos países, como o Brasil, cuja capacidade de expansão exportadora é sabidamente insuficiente, diante das condições de dependência sócio-econômica junto ao capital internacional e às políticas (neo)liberais que o sustentam.

Por esses motivos, sugere-se que a comunidade, ao estudar os dados aqui apresentados realize, por um lado, uma análise comparativa com os empreendimentos sociais e econômicos implementados no país e, por outro, uma avaliação crítica para verificar até que ponto tais empreendimentos contribuíram, ou não, para o desenvolvimento dessa mesma comunidade.

A análise desses dados revela que as condições de vida da grande maioria da população brasileira pouco têm mudado. Estas condições, entretanto, “poderiam ser alteradas de forma significativa, se considerarmos que em países com condições similares às do Brasil e às do México - grande desigualdade e grande número de pobres -, uma modesta transferência de renda teria grande impacto na redução da pobreza. [Para a UNSECO], se fosse adotada uma política para promover uma transferência de 5% da renda dos 20% mais ricos para os mais pobres, esta teria os seguintes efeitos: cerca de 26 milhões de pessoas sairiam da linha de pobreza, reduzindo a taxa de pobreza de 22% para 7%. Em uma sociedade que dê mais peso ao ganho de bem-estar dos pobres do que ao dos ricos, a transferência poderia ser considerada uma melhoria no bem-estar de toda a sociedade, mesmo que alguns percam” (RDH-2005, Informativo, 06/09/2005).

Somado a isso, ao analisar parte dos motivos que contribuem para a manutenção dos problemas registrados neste trabalho, fica difícil não perceber o fato de que estes parecem ser, na verdade, fruto de uma explicita e histórica falta de vontade política dos estratos privilegiados da sociedade para abrir mão dos seus interesses no combate, tanto das profundas desigualdades sociais, quanto da baixa qualidade dos serviços públicos existentes.

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Nesse sentido, compartilho a idéia de que os diversos movimentos e organizações sociais que lutam pela superação desse estado de coisas, precisam abrir, definitivamente, mão de interesses menores e, por vezes eleitoreiros e demagógicos em favor do bem comum (VASCONCELLOS, 2005: A2)13 para buscar, dentre outros aspectos: a) o estabelecimento de mecanismos solidários de organização das lutas populares por uma distribuição mais justa e democrática da riqueza; b) a efetivação de uma política de estado para a educação pública, livre da tutela dos governos instituídos, orientada para garantir, de fato, o acesso e a permanência das camadas mais pobres da população a todos os níveis de ensino, bem como a organização autônoma e democrática de uma gestão escolar, associados à oferta de uma formação mais crítica e de qualidade; c) a colocação prioritária do conhecimento científico e tecnológico, a serviço das camadas menos privilegiadas da sociedade, como mecanismo de compreensão e transformação da realidade para a construção de um outro modelo de sociedade, mais justo, igualitário, a serviço de todos, sem distinções de raça/etnia, gênero, classe social, faixa etária e diferenças físicas ou mentais.

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13 VASCONCELLOS, L.G. FALCÃO. Uberlândia: as muitas cidades. Uberlândia: Jornal Correio, p.A2, 20/11/2005. Disponível em: <http://www.faefi.ufu.br/nepecc>