usos e incompreensões do conceito de gênero no discurso educacional no brasil

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Estudos Feministas, Florianópolis, 23(1): 312, janeiro-abril/2015 119 Usos e incompreensões do Usos e incompreensões do Usos e incompreensões do Usos e incompreensões do Usos e incompreensões do conceito de conceito de conceito de conceito de conceito de gênero gênero gênero gênero gênero no discurso no discurso no discurso no discurso no discurso educacional no Brasil educacional no Brasil educacional no Brasil educacional no Brasil educacional no Brasil Copyright 2015 by Revista Estudos Feministas. Maria Eulina Pessoa de Carvalho Universidade Federal da Paraíba Glória Rabay Universidade Federal da Paraíba Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Gênero é um conceito de difícil compreensão e tem se tornado praticamente sinônimo de sexo na linguagem comum e até mesmo acadêmica. Este trabalho, financiado pelo CNPq, assinala usos e incompreensões deste conceito no campo educacional no Brasil e suas implicações para as políticas e práticas educacionais. Primeiro, enfoca a substituição da variável sociológica sexo por gênero, em formulários de identificação e tabelas de caracterização de sujeitos, e a confusão entre paridade de sexo e equidade de gênero, que reduz este a uma característica individual ou um marcador identitário. Segundo, demonstra a incompreensão expressa nas percepções e nos discursos de docentes de ambos os sexos, situados em cursos superiores masculinos, onde segue invisível ou não problematizado o gendramento de campos de conhecimento e carreiras; e destaca, em discursos de mulheres docentes de Matemática, o desconhecimento da problemática em uma disciplina onde a presença de mulheres continua reduzida. Argumenta, enfim, sobre a importância da transversalização da perspectiva de gênero no ensino superior e na pesquisa. Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave: gênero; sexo; discurso educacional; docentes universitários/as. Introdução Introdução Introdução Introdução Introdução “Gênero” é um conceito debatido e ressignificado no campo dos estudos feministas 1 e ainda de difícil compre- ensão em geral. A partir de sua generalização, tem se tornado praticamente sinônimo de “sexo” na linguagem comum e até mesmo acadêmica (fora do campo dos estudos de gênero e/ou feministas). Vem do Latim genus, de onde também provêm os vo- cábulos “gene”, “gerar” e “genital”. 2 Embora etimologica- mente possa ser sinônimo de sexo, como todo conceito, gênero 1 Não se pretende aqui tratar do desenvolvimento do conceito no campo teórico e político feminista. Sobre isso, Guacira Lopes LOURO (1996) e A. G. PISCITELLI (2002). 2 John AYTO, 1990.

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Usos e incompreensões doconceito de gênero no discursoeducacional no Brasil

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  • Estudos Feministas, Florianpolis, 23(1): 312, janeiro-abril/2015 119

    Usos e incompreenses doUsos e incompreenses doUsos e incompreenses doUsos e incompreenses doUsos e incompreenses doconceito de conceito de conceito de conceito de conceito de gnerognerognerognerognero no discurso no discurso no discurso no discurso no discurso

    educacional no Brasileducacional no Brasileducacional no Brasileducacional no Brasileducacional no Brasil

    Copyright 2015 by RevistaEstudos Feministas.

    Maria Eulina Pessoa de CarvalhoUniversidade Federal da Paraba

    Glria RabayUniversidade Federal da Paraba

    Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Gnero um conceito de difcil compreenso e tem se tornado praticamentesinnimo de sexo na linguagem comum e at mesmo acadmica. Este trabalho, financiadopelo CNPq, assinala usos e incompreenses deste conceito no campo educacional no Brasil esuas implicaes para as polticas e prticas educacionais. Primeiro, enfoca a substituio davarivel sociolgica sexo por gnero, em formulrios de identificao e tabelas decaracterizao de sujeitos, e a confuso entre paridade de sexo e equidade de gnero, quereduz este a uma caracterstica individual ou um marcador identitrio. Segundo, demonstra aincompreenso expressa nas percepes e nos discursos de docentes de ambos os sexos,situados em cursos superiores masculinos, onde segue invisvel ou no problematizado ogendramento de campos de conhecimento e carreiras; e destaca, em discursos de mulheresdocentes de Matemtica, o desconhecimento da problemtica em uma disciplina onde apresena de mulheres continua reduzida. Argumenta, enfim, sobre a importncia datransversalizao da perspectiva de gnero no ensino superior e na pesquisa.Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave: gnero; sexo; discurso educacional; docentes universitrios/as.

    IntroduoIntroduoIntroduoIntroduoIntroduo

    Gnero um conceito debatido e ressignificado nocampo dos estudos feministas1 e ainda de difcil compre-enso em geral. A partir de sua generalizao, tem se tornadopraticamente sinnimo de sexo na linguagem comum eat mesmo acadmica (fora do campo dos estudos degnero e/ou feministas).

    Vem do Latim genus, de onde tambm provm os vo-cbulos gene, gerar e genital.2 Embora etimologica-mente possa ser sinnimo de sexo, como todo conceito, gnero

    1 No se pretende aqui tratar dodesenvolvimento do conceito nocampo terico e poltico feminista.Sobre isso, Guacira Lopes LOURO(1996) e A. G. PISCITELLI (2002).

    2 John AYTO, 1990.

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    MARIA EULINA PESSOA DE CARVALHO E GLRIA RABAY

    tem histria. Conforme Germon,3 trata-se de uma histria contro-vertida, de fato, vrias histrias. Originalmente, gnero noera uma inveno do feminismo, entendido como campopoltico e terico.4 Da lingustica, o termo migrou primeiro paraa sexologia e depois para o feminismo.

    Segundo Germon,5 que elaborou uma genealogia doconceito, foi em meados da dcada de 1950 que o uso degnero apareceu na lngua inglesa como uma categoriapessoal e social, no trabalho do sexlogo John Money, neoze-lands radicado nos Estados Unidos.6

    Inicialmente, Money props o termo para tratar, tericae clinicamente, os casos das pessoas intersexo (antes deno-minadas hermafroditas) e como um instrumento conceitualpara entender a subjetividade humana como masculina efeminina. Posteriormente, estendeu sua teoria para descrevercomo todas as pessoas adquirem o gnero. Contudo, as ori-gens do conceito na sexologia, no trabalho de Money e napesquisa e nas prticas clnicas direcionadas s pessoasintersexos (correo cirrgica e manejo de caso) foram apaga-das, e gnero tornou-se conhecido como uma inveno deRobert Stoller (outro mdico, psiquiatra e psicanalista), umlegado de Simone de Beauvoir, uma inveno da sociologiaou do feminismo.7

    De acordo com Germon,8 John Money recusava o dua-lismo cartesiano, por conseguinte, as distines sexo/gneroe natureza/cultura (nature/nurture), propondo que o gnero produzido pela interao entre os aspectos corporal, sensoriale social, portanto, uma dimenso do erotismo e uma apren-dizagem historicamente relativa. Foi Robert Stoller quem distin-guiu sexo (o elemento natural, material e carnal) de gnero(os elementos psquicos e psicolgicos) em sua pesquisasobre o transexualismo em meados da dcada de 1960. Essavirada conceitual saneou e dessexualizou o gnero, excluindoquaisquer associaes com a luxria do corpo e com o sexo.

    Ao longo da dcada de 1970, as feministas conhece-ram as contribuies de Money e Stoller, e o termo gneroapareceu na literatura feminista de forma irregular, incon-sistente, sendo objeto de debates, mas logo se tornou o con-ceito organizativo central do feminismo, pela utilidade paraseu projeto terico e poltico de mudana cultural.9 A apropria-o do conceito pelas acadmicas feministas deu-se emoposio ao uso histrico do determinismo biolgico parajustificar a subordinao das mulheres, devido a sua fragilida-de muscular e capacidade reprodutiva, no contexto da divi-so sexual/social do trabalho.

    Em seguida, nas dcadas de 1980 e 1990, a prpriacrtica feminista, particularmente o feminismo ps-estruturalista,problematizou a lgica dualista: a dicotomia natureza/cultura,portanto a dicotomia sexo/gnero. Ao considerar sexo e corpo,

    3 Jennifer GERMON, 2009.

    4 Judith LORBER, 2010.

    5 GERMON, 2009.

    6 Considerado o primeiropsicoendocrinologista clnicopeditrico do mundo, John Moneydesenvolveu sua carreira noHospital e Escola de MedicinaJohns Hopkins de 1951 a 2006(ano de sua morte); foi ProfessorEmrito de Psicologia Mdica doDepartamento de Psiquiatria eCincias do Comportamento eProfessor Emrito de Pediatria.Sobre a biografia de John Money,consultar http://www.phs.umn.edu/newsletter/m o n e y l e c t u r e / m o n e y b i o /home.html. Acesso em: 18 ago.2013.7 GERMON, 2009.8 GERMON, 2009.

    9 GERMON, 2009.

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    USOS E INCOMPREENSES DO CONCEITO DE GNERO NO DISCURSO EDUCACIONAL NO BRASIL

    tambm como construes culturais e histricas, aponta aimbricao entre corpo, sexo e gnero, inclusive postulandoque no se concebe corpo nem sexo ou sexualidade semgnero.10

    No final do sculo XX, o conceito de gnero foi se sen-socomunizando termo tomado emprestado de Santos11 apartir do movimento e da teorizao feminista, apropriadoem diferentes contextos. O Dicionrio Aurlio define gnerocomo conjunto de propriedades atribudas social e cultural-mente em relao ao sexo dos indivduos; e o Michaelis Mo-derno Dicionrio da Lngua Portuguesa menciona, entre 14acepes, agrupamento de indivduos que possuem carac-teres comuns.12 Em dicionrios de lngua inglesa, gnero,alm de ser definido de uma perspectiva social e cultural(como identidade sexual, especialmente em relao socie-dade e cultura; o estado de ser macho ou fmea, com refern-cia a diferenas sociais e culturais, ao invs de biolgicas), ecomo masculinidade/feminilidade (as propriedades carac-tersticas do sexo masculino ou feminino), ou simplesmentecomo grupo de sexo (por exemplo, o gnero feminino), tambmaparece como sinnimo de sexo: a condio de ser fmeaou macho; o sexo de um indivduo, macho ou fmea, base-ado na anatomia reprodutiva; as propriedades que distin-guem organismos na base de seus papis reprodutivos; pro-priedade fisiolgica uma propriedade relativa ao funciona-mento do corpo13. Assim, o significado de gnero se expandiude forma a incluir sexo e passou a substituir a palavra sexo.

    Antes do surgimento do termo gnero, o termo sexoinclua as categorias biolgica e social. At a dcada de1980, utilizava-se, no Brasil, o termo relaes sociais de sexo,por influncia da literatura feminista francesa, em vez de rela-es de gnero. Todavia, o uso de gnero foi se generalizan-do mundialmente a partir da lngua inglesa. possvel que,tanto em lngua inglesa quanto portuguesa, gnero tenha setornado um eufemismo para sexo, a fim de se evitar as conota-es de genitlia e coito. Assim, em formulrios de identifica-o, atualmente, comum encontrar gnero em lugar desexo.

    A partir dessas consideraes iniciais, este trabalhopretende ilustrar e problematizar alguns usos e incompre-enses do termo gnero, correntes no campo educacionalno Brasil, e salientar implicaes para as polticas e prticaseducacionais. Foi apenas na dcada de 1990 que asquestes de gnero ganharam visibilidade na pesquisa ena poltica educacional brasileira14, portanto, o discursoeducacional e acadmico ainda no incorporou, ampla erigorosamente, o conceito de gnero originalmente veiculadopela teorizao feminista: gnero como construo social ecultural, estrutura e relao de desigualdade, marcador de

    11 Boaventura de Souza SANTOS,1999.

    10 CRANNY-FRANCIS et al., 2003.

    12 Web Dicionrio dicionrio on-line da lngua portuguesa. http://www.webdicionario.com/g%C3%AAnero; http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=g%EAnero. Consulta em:01/05/2012.

    13 Em lngua inglesa, foram consul-tados: The American HeritageDictionary of the English Language,4th ed. Houghton Mifflin Company,2009. http://dictionary.reference.com/browse/gender; Collins EnglishDictionary Complete and Una-bridged, HarperCollins Publishers,2003; Collins Thesaurus of theEnglish Language Complete andUnabridged 2nd ed. HarperCollinsPublishers 2002. http://www.thefreedictionary.com/gender; http://oxforddictionaries.com/definition/gender. Traduo para o portu-gus das autoras. Acesso em: 1maio 2012.

    14 Cludia VIANNA e SandraUNBEHAUM, 2004. Um marco dadisseminao da perspectiva degnero na rea da educao ena formao de educadoras/es o livro de Guacira Lopes Louro G-nero, Sexualidade e Educao:uma perspectiva ps-estrutura-lista, originalmente publicado em1997 e que se encontrava na 14aedio em 2011.

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    identidade dominante/dominada, subjetividade. Gnero nose transversalizou nos currculos dos cursos de graduao eps-graduao da rea de educao, nem tampouco noscurrculos dos demais cursos superiores.

    Gnero como sinnimo de sexo e reduoGnero como sinnimo de sexo e reduoGnero como sinnimo de sexo e reduoGnero como sinnimo de sexo e reduoGnero como sinnimo de sexo e reduode gnero a sexode gnero a sexode gnero a sexode gnero a sexode gnero a sexo

    O primeiro uso destacado aquele que toma gnerocomo sinnimo de sexo, ou reduz gnero a sexo, eliminandoa distino fundamental feita pela teorizao feminista.Assim, confunde-se sexo e gnero e generaliza-se indevida-mente o uso do termo gnero. Por exemplo, no Plano Nacio-nal de Educao (PNE) 2001-2010, lia-se no diagnstico daeducao infantil:

    A distribuio das matrculas, quanto ao gnero, estequilibrada: feminino, 49,5% e masculino, 50,5%. Esseequilbrio uniforme em todas as regies do Pas.Diferentemente de outros pases e at de preocupaesinternacionais, em nosso Pas essa questo no requercorrees.15

    O PNE 2001-2010, portanto, reduzia as questes degnero ao alcance da paridade de sexo nas matrculas. Adistribuio de matrculas est, de fato, equilibrada quantoao sexo no Brasil, em todos os nveis de escolaridade, masisso no implica que meninos e meninas tenham oportunida-des iguais de aprender e se desenvolver sem restriesderivadas de valores androcntricos e sexistas e de noesde papis sociais e identidades dicotmicas e estereotipadasbaseadas nas histricas desigualdades de sexo e gnero.

    Tanto se toma gnero como sinnimo de sexo que, nosobjetivos e nas metas de gesto, o PNE 2001-2010 deter-minava a incluso nos levantamentos estatsticos e no censoescolar de informao acerca do gnero, em cada categoriade dados coletados.16

    Outro exemplo: em um valioso trabalho de anlise esta-tstica, Beltro e Alves17 demonstram que, na segunda metadedo sculo XX, deu-se a reverso do hiato de gnero em to-dos os nveis da educao brasileira, ao invs de reverso dohiato de sexo, j que apresentam nmeros relativos inclusoescolar das mulheres. provvel que esse uso seja uma tradu-o de gender gap, amplamente utilizado em lngua inglesa.

    Do uso de gnero como sinnimo de sexo, ao se pro-clamar o sucesso educacional das mulheres, deduz-se que,no Brasil, no h assimetrias de gnero no sistema educacio-nal, o que pode explicar a ausncia de polticas e prticasinteressadas na equidade de gnero na escola e na univer-sidade. E, pior ainda, pode-se inverter o problema, afirmando-

    15 BRASIL, 2001, p. 11.

    16 BRASIL, 2001, p. 97.

    17 Kaiz BELTRO e Jos ALVES,2009.

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    USOS E INCOMPREENSES DO CONCEITO DE GNERO NO DISCURSO EDUCACIONAL NO BRASIL

    se uma suposta vantagem das mulheres. Veja-se, por exemplo,o que se encontrou (mas j foi retirado) no site da Unesco: NoBrasil, a falta de paridade de gneros elevada na educa-o superior, na qual observada disparidade em favor dasmulheres.18 Como sabemos, a vantagem quantitativa dasmulheres decorre de sua segregao em carreiras femininasdesvalorizadas19 e no alterou as desigualdades salariaisno mercado de trabalho em favor dos homens.20

    A questo de gnero no pode ser reduzida a nme-ros, embora o alcance da paridade de sexo nas esferas p-blica e privada tenha sido uma importante bandeira da agen-da poltica feminista desde o feminismo liberal da dcadade 196021 e continue sendo, a exemplo das cotas paraaumentar a participao das mulheres na poltica formal. Aquesto de gnero diz respeito ao princpio da equidade, jque preciso transformar a estrutura social gendrada e osvalores e as normas androcntricos a partir das experincias,perspectivas e vozes das mulheres como grupo subalterno,reconhecendo-se sua diversidade.

    No documento dos Temas Transversais dos ParmetrosCurriculares Nacionais,22 direcionados ao Ensino Fundamen-tal, j se introduzira uma concepo de justia entendidacomo inspirada pelos valores de igualdade e equidade,23

    na perspectiva de se garantir a todos a mesma dignidade epossibilidade de exerccio de cidadania, reconhecendo-se que existem diferenas e desigualdades que necessitamser levadas em conta para que a igualdade seja efetiva-mente alcanada.24

    Mais recentemente, o Plano Nacional de Polticas paraas Mulheres (PNPM) 2013-2015 reconhece que a educaobrasileira ainda no incorporou totalmente o princpio daigualdade de gnero, embora haja paridade nas matrculasem quase todos os nveis de ensino, apontando a perma-nncia de diferenas nos contedos educacionais e noscursos e nas carreiras acessados por mulheres e homens,25

    bem como o menor acesso das mulheres negras, indgenas edas reas rurais.

    Entre os objetivos especficos e as aes do PNPM 2013-2015, destacam-se: a criao de Diretrizes Curriculares Nacio-nais especficas de gnero (na perspectiva intersecional) paratodos os nveis, etapas e modalidades de ensino; a amplia-o do acesso e permanncia das mulheres no ensino profissi-onal, tecnolgico e superior, especialmente nas reas cient-ficas e tecnolgicas (nas cincias duras), por meio de polticasde ao afirmativa e assistncia estudantil; a produo deconhecimentos sobre as relaes sociais de gnero na pers-pectiva intersecional, atravs do apoio aos ncleos de estu-dos de gnero das universidades pblicas; a incluso datemtica de gnero e diversidade nos currculos da educao

    18 http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/education/education-quality/higher-education/ Acessoem: 4 nov. 2011.19 Maria Eulina P. de CARVALHO eGlria RABAY, 2011.20 Cristina BRUSCHINI, 2007.

    21 LORBER, 2010.

    22 BRASIL, 1997.

    23 BRASIL, 1997, p. 26.

    24 BRASIL, 1997, p. 20

    25 BRASIL, 2013, p. 22.

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    bsica; e a formao continuada em gnero e diversidadede gestores/as, servidores/as pblicos/as, profissionais da edu-cao e estudantes de todos os nveis, etapas e modalidadesde ensino.26

    importante destacar que, apesar dos avanos regis-trados na condio e situao das mulheres brasileiras, so-bretudo na segunda metade do sculo XX, especialmentesua incluso e sucesso escolar, o Brasil tem um dos ndices deDesigualdade de Gnero (IDG) mais baixos da Amrica Latina:0,447 em 2012.27 O IDG um ndice composto que mede per-das decorrentes da desigualdade de sexo em trs dimensesdo desenvolvimento humano: sade reprodutiva, empodera-mento e mercado de trabalho, sendo a paridade de sexo ex-pressa pelo valor 1. Considera os seguintes indicadores: pro-poro de homens/mulheres na populao com pelo menoseducao secundria (ensino mdio); taxa de fertilidade naadolescncia (15-19 anos de idade); proporo de homens/mulheres na participao na fora de trabalho; proporode homens/mulheres nas cadeiras no parlamento; e taxa demortalidade materna. Por conseguinte, pode-se constatar queo crescimento das taxas de escolarizao das mulheres nosignifica necessariamente igualdade, equidade e empo-deramento.

    Assim, distinguir paridade de sexo, onde tenha sidoalcanada, de equidade de gnero permite ir alm do enfo-que quantitativo, superficial, para criticar o androcentrismo eo sexismo das prticas sociais, educacionais e pedaggicase vislumbrar polticas e prticas de superao das injustiasbaseadas em diferenas de sexo e gnero. Nesse sentido, adistino sexo/gnero permanece til, embora tenha sidocriticada (ou desconstruda) a partir do reconhecimento deque tudo (inclusive o sexo) construo cultural.

    Finalmente, ainda quanto ao uso de gnero como si-nnimo de sexo, correntemente e amide, encontra-se gneroem formulrios de identificao e tabelas de caracterizaode sujeitos, onde antes se utilizava sexo, substituindo-se umbinarismo por outro, ademais excluindo-se a diversidadesexual e de gnero. possvel que assinalar gnero (em vezde sexo), em formulrios de identificao, favorea as pessoastransexuais e transgneros, que podem assim assumir umaidentidade de gnero oposta ao sexo de nascena. Contudo,abandonar a varivel sociolgica sexo (substituindo-a peloeufemismo gnero) tem efeitos problemticos: devido ao fatode a concepo de sexo ser comumente naturalizada, aconcepo de gnero acaba sendo tambm naturalizada,perdendo-se de vista a noo de construo social, culturale educacional e, consequentemente, a possibilidade desuperao de dicotomias e desigualdades. Ademais, nosendo gnero apenas uma caracterstica individual ou um

    26 BRASIL, 2013, p. 23-27.

    27 http://hdrstats.undp.org/en/countries/profiles/BRA.html.

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    USOS E INCOMPREENSES DO CONCEITO DE GNERO NO DISCURSO EDUCACIONAL NO BRASIL

    marcador identitrio, mas um conjunto de representaes evalores dicotmicos e assimtricos que afetam relaes,prticas, espaos e objetos sociais, a iniquidade ou injustiade gnero permanece ignorada e ocultada.

    Gnero um conceito de difcilGnero um conceito de difcilGnero um conceito de difcilGnero um conceito de difcilGnero um conceito de difcilcompreenso e apropriaocompreenso e apropriaocompreenso e apropriaocompreenso e apropriaocompreenso e apropriao

    O segundo uso do termo gnero, ilustrado a seguir,revela percepes confusas, equivocadas ou ambguas dedocentes universitrios de ambos os sexos, situados em cursosmasculinos, entrevistados em pesquisa sobre relaes degnero na universidade, especificamente em uma instituiofederal de ensino superior (IFES) do Nordeste do Brasil.28

    O desenho da pesquisa previa entrevistas com profes-soras em departamentos predominantemente masculinose professores em departamentos femininos. Com base emlevantamento prvio do nmero de docentes por sexo, busca-va-se entrevistar o reduzido universo em cada departamento.A realizao das entrevistas no foi fcil devido s intensasagendas acadmicas e falta de compreenso sobre o te-ma da pesquisa. Quando contatados para a entrevista, os eas docentes manifestavam estranheza: sobre o que mesmoessa pesquisa?. Assim, entrevistamos todos e todas que acei-taram o convite. Neste texto, apresentamos o recorte de entre-vistas com docentes de trs dos departamentos mais masculi-nos da instituio: Engenharia Mecnica, Fsica e Matemti-ca, com destaque para as seis professoras deste ltimo.Verificamos que, entre esses e essas docentes, com exceodas duas docentes de Fsica, o conceito de gnero desco-nhecido ou mal compreendido, o que contribui para negar aproblemtica e, consequentemente, perpetuar as desigual-dades de gnero.

    Engenharia Mecnica e Fsica so os cursos mais mas-culinos da IFES pesquisada, porque tm poucas mulheresentre docentes e discentes. Engenharia Mecnica a maismasculina de todas as engenharias; desde que formou suaprimeira turma, em 1970, at 1976, teve apenas 2 mulheresgraduadas para 104 homens (2%).29 Em 2010, 40 anos depois,4 mulheres (8,2%) se graduaram com 45 homens. Em 10 anos,de 2001 a 2010, as mulheres alcanaram apenas 5,7% dototal de diplomados e, nos anos de 2002 e 2009, no houveconcluintes do sexo feminino. Em 2011, a matrcula demulheres na graduao em Engenharia Mecnica totalizava45 alunas, 9,4% do total de estudantes do curso. No mesmoano, ingressaram apenas 7 estudantes mulheres, 7,3% dototal de estudantes da graduao; na ps-graduao, nohavia nenhuma mulher cursando Mestrado ou Doutorado;ademais, em julho de 2011, o Departamento de Engenharia

    28 CARVALHO, 2010a.

    29 Jos Augusto de Souza PERES,1977.

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    MARIA EULINA PESSOA DE CARVALHO E GLRIA RABAY

    Mecnica no contava com nenhuma professora no seucorpo docente (ao longo de sua histria, teve 2 docentes,aposentadas, que no haviam sido substitudas at ento).

    Entre as cincias naturais, Fsica a de mais alto prest-gio. O curso de Fsica da IFES pesquisada teve, na ltimadcada (de 2001 a 2010), um total de apenas 10 mulheresgraduadas: 5 (6,9%) para 67 homens no Bacharelado; e 5(5,7%) para 82 homens na Licenciatura. Em 2010, apenas 1mulher obteve diploma de bacharel, em relao a 11 homens,e nenhuma obteve diploma de licenciada. A matrcula totalno curso de Fsica, em 2011, era de 40 mulheres (18,6%) noBacharelado e 32 mulheres (14,2%) na Licenciatura, portandonem a licenciatura Fsica mais feminizada. Em 2011,ingressaram 9 mulheres (16,7%) no Bacharelado e 9 (14,1%)na Licenciatura. Na ps-graduao Mestrado e Doutorado, a presena feminina reduzida: 6 mulheres (6,66%), nemtodas brasileiras. O Departamento de Fsica j contou, ao longode sua histria, com 3 docentes do sexo feminino e contava,em 2011, com 2 em relao a 30 docentes do sexo masculino.

    As duas docentes de Fsica entrevistadas,30 uma delasfrancesa, outra oriunda de So Paulo, com ps-doutorado naAlemanha, feito na dcada de 1980, tm conscincia dasrelaes de gnero no ambiente acadmico altamentecompetitivo da Fsica. Conhecem a problemtica da mulherna cincia e nos programas internacionais de ao afirmativapara inclu-las. So bem qualificadas, com atuao na ps-graduao, porm declararam sentir-se ocasionalmenteignoradas e desvalorizadas pelo fato de serem mulheres.

    A tabela a seguir resume os dados da participaode docentes e discentes, por sexo, nos departamentos ecursos de Engenharia Mecnica, Fsica e Matemtica.

    Foram entrevistados os chefes de departamento ecoordenadores de cursos, exceto de Matemtica. Emnenhuma das quatro entrevistas sobre a reduzida presenafeminina nesses cursos e carreiras, os professores proble-matizaram a questo, atribuindo o fato famlia e socie-

    30 Essas entrevistas so especi-ficamente analisadas em outrotrabalho.

    Nmero de docentes e matrcula geral de estudantes, por sexo, em cursos mais masculinos,UFPB, 2011.

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    USOS E INCOMPREENSES DO CONCEITO DE GNERO NO DISCURSO EDUCACIONAL NO BRASIL

    dade e s dificuldades do prprio campo de conhecimento,e no escola e universidade.

    Eu no acho que seja um curso masculino ou feminino,eu atribuo mais isso quela coisa que se propaga no 2Grau: de que Fsica difcil, Matemtica difcil...aquela coisa de ficar sentado, pensando... E tambms famlias, que ficam orientando as filhas para queelas faam a rea de Humanas, Letras, ou at Medicina.(Coordenador do Curso de Fsica)

    Eu acho que primeiro pelo desconhecimento do que o curso de Engenharia Mecnica. No uma reaem que as mulheres no possam atuar, pelo contrrio...Eu acho que Engenharia Mecnica ainda um cursoque tem grande desconhecimento da rea de trabalhomais especfica, por isso que as mulheres tm medode comear a fazer o curso. (Coordenador do Curso deEngenharia Mecnica)

    Na percepo do coordenador do curso de Fsica daUFPB, as docentes-mulheres do departamento e curso de Fsica

    no so to poucas assim; no foram s duas, temmais uma: a professora M.E., j foi professora destedepartamento e hoje do departamento deMatemtica. Indagado acerca da reduzida presenafeminina no alunado do curso, o Coor-denador acreditaque no h nada especfico que determi-ne isso. Sobinsistncia, assinalou que como se fala que esse umcurso difcil... eu no sei se isso afasta as mulheres....

    Para o coordenador do curso de Engenharia Mecni-ca, tambm o preconceito de classe afastaria as mulheresdessa carreira, j que existe a noo de que nessa rea agente lida com pessoas de mais baixo... nvel, culturalmentefalando... no h como escapar disso a.

    Como desconhecem o significado do conceito degnero, surpreendem-se por seus cursos e reas do conheci-mento serem denominados de masculinos. O coordenadordo curso de graduao em Fsica disse, no final da entrevista,que nunca atentou para esse rtulo de curso masculino oucurso feminino. Eu fiquei muito surpreso com esse rtulo decurso mais masculino.

    Matemtica tambm , tradicionalmente, um campode conhecimento masculino, que embasa as Engenharias ea Fsica. O departamento de Matemtica da IFES pesquisadatinha, em 2011, um total de 43 docentes, sendo 10 mulheres(23%). Destas, 6 foram entrevistadas no segundo semestre de2011 e primeiro semestre de 2012, todas elas doutoras. Quatrotinham mais de 50 anos de idade (Profas. 1, 2, 3 e 4) e fizerammestrado e doutorado ao longo da carreira, conciliando odesenvolvimento profissional com os encargos familiares. Duaseram jovens (29 e 30 anos Profas. 5 e 6), recm-contra-tadas,

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    MARIA EULINA PESSOA DE CARVALHO E GLRIA RABAY

    sem filhos. A Profa. 5 era a nica mulher a integrar o corpodocente do Mestrado em Matemtica da IFES. A Profa. 6 erauma das raras docentes negras da IFES. Sendo minoria numarea de conhecimento e num departamento tradicio-nalmente masculinos, como essas docentes percebem asrelaes de gnero?

    As docentes entrevistadas no sabem explicar a pre-dominncia de homens e ausncia de mulheres na Matem-tica, embora as mais jovens demonstrem interesse pela ques-to de gnero. Entre as mais velhas, apenas a Profa. 1 reco-nhece o sexismo:

    Eu acho que muito difcil pro homem aceitar que temuma mulher com a capacidade dele ou ento maior...A gente observa que, de fato, em vrios lugares mesmo,os homens no admitem ainda a competio com asmulheres, eles acham que as mulheres esto l, dosua aulinha, mas no que tenha a capacidade...

    Talvez as professoras universitrias de Matemtica nopercebam a questo de gnero precisamente por seremvitoriosas num campo seleto:

    Eu no sei... (risos) realmente eu no entendo... A mate-mtica assusta um pouco, n? Ento talvez assustassemais as mulheres, n? No sei... Tem certas coisas quede fato a gente nem para pra pensar... E pra mim tudoparece que sempre foi to fcil... No fcil, no queo curso de matemtica seja fcil, que as coisas acon-teceram naturalmente, foi indo e foi dando certo...Aonde eu cheguei, eu sempre tive apoio, eu nunca tivebarreiras por ser uma mulher, sabe? Que existem barrei-ras existem sim... eu no consigo falar muito sobre issoporque eu no tive... (Profa. 5).

    Eu no sei te dizer no... Eu me formei sozinha. nica nomeu perodo. Todo mundo desistiu e s tinha eu de mu-lher... aquela cultura de que a matemtica difcil...a eu acho que o pessoal foge (Profa. 2).

    Eu acho que da pessoa mesmo... eu conheo muitasestudantes que so muito boas em matemtica, mastem outras que no so boas. Acho que no tem nadaa ver com homem e mulher... O ambiente muito mas-culino, mas eu no vejo explicao... assim... porquemais homens e menos mulheres... Na graduao, ocurso tem duas modalidades, licenciatura e bacharela-do. A licenciatura voltada pro ensino at o nvel mdioe o bacharelado mais pra pesquisa e pra dar aulas noensino superior. As pessoas que se do melhor, indepen-dente de ser homem ou mulher, que tm um desempe-nho melhor em disciplinas mais pesadas, a os professo-res chamam, indicam pra voc ir pro bacharelado. Euentrei na licenciatura e realmente havia muita mulher

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    USOS E INCOMPREENSES DO CONCEITO DE GNERO NO DISCURSO EDUCACIONAL NO BRASIL

    e pouco homem a de l eu fui levada pro bachare-lado, a l um pouco invertido, como se a matemti-ca mais pesada fosse uma coisa mais pro homem e amatemtica de ensinar do 1o ao 2o grau [atual ensinofundamental e mdio] fosse uma coisa mais pra mulher.No sei o que define assim... acho que habilidademesmo, sei l, juro que eu no sei (risos) (Profa. 3).

    Matemtica uma disciplina pesada (Profa. 3),assusta, e as mulheres supostamente so mais medrosas(Profa. 5) e fogem (Profa. 2), porm as que entram e ficamnesse campo so excepcionais (uma decorrncia implcita).Elas so numericamente raras e parecem ter conscincia disso.Sabem que existe uma cultura de que a matemtica difcil(Profa. 2), que a matemtica pura, mais pesada, para es-tudantes que tm melhor habilidade e desempenho (Profa.3), supostamente os homens, restando a licenciatura para asmulheres. Mesmo assim, no percebem as relaes de desi-gualdade de gnero. No sabem o que define o campoassim, portanto desconhecem a ao dos agentes que cons-truram e continuam construindo o campo, ainda masculino.

    O seguinte trecho de entrevista com uma professorada gerao mais velha (Profa. 4) revela a dificuldade decompreender as relaes de gnero e o quanto o conceitono foi apropriado na academia.

    Entrevistadora: No mbito do departamento, dasrelaes profissionais, voc acha que existe algumatenso entre as mulheres e os homens? Alguma disputa?

    Profa. 4: No. A tenso aqui no departamento no degnero, mas referente formao, por exemplo, aminha opo pela rea de educao... nunca houveuma resistncia pelo fato de eu ser mulher, mas houveresistncia e ainda h algumas arestas pelo fato de euser da educao matemtica, porque o departamentoprivilegia muito quem trabalha com a matemtica pura,ento no h muita abertura, nem mesmo pra matem-tica aplicada, e a educao matemtica vista comorea de menor valor, o departamento no prestigia.

    Entrevistadora: Nesses vrios cursos em que voc jensinou [a disciplina matemtica integra o currculo devrios cursos], voc v alguma predisposio, algumadificuldade ou resistncia maior das meninas ou dosmeninos em relao matemtica?

    Profa. 4: A resistncia nem uma questo de gnero,mas questo de curso. H alguns cursos em que osalunos tm mais resistncia ao estudo de disciplinascomo a matemtica; por exemplo, na rea de humanas,na psicologia...

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    Entrevistadora: At hoje o departamento de matemtica um dos que tm mais homens entre os docentes.Como voc explicaria essas escolhas?

    Profa. 4: Olha, a questo da opo por um curso comoo de matemtica no depende s da questo de gne-ro. Particularmente, eu acredito que parte muito darelao que os alunos tm com as disciplinas na educa-o bsica, ento, muitas vezes o aluno opta por fazerum curso na rea de humanas porque ele no gostavade matemtica, no por uma questo de opo, maspor uma questo de excluso. Ento eles pensam: novou fazer tal curso porque eu no gosto disso. A muitasvezes ele no faz uma engenharia, no faz fsica, mate-mtica porque ele no gosta de matemtica ou nogosta de fsica...

    Entrevistadora: Coincidentemente existem mais mulheresque no gostam de matemtica?

    Profa. 4: A a gente tem na educao bsica aindauma predominncia de mulheres ensinando at o 5oano, n? E a gente tem mais homens ensinando, nosanos finais do ensino fundamental e ensino mdio, doque mulheres, pelo menos matemtica e fsica.

    Entrevistadora: Voc acha que isso influi na escolha?

    Profa. 4: , dependendo de como a relao desseshomens [professores de Matemtica] em sala de aula,porque s vezes ele faz a discriminao, n? s vezes,o professor diz assim: porque cabea de menina...Eu particularmente acho que no h nenhum impedi-mento do ponto de vista da cognio, mas s vezes apostura do professor influencia nisso, e s vezes comoos professores so predominantemente do sexo mascu-lino e os anos finais [da educao bsica] so os quemais ajudam a definir a opo profissional... eu acreditoque isso possa ter alguma influncia.

    Entrevistadora: Na educao bsica, voc acredita quea didtica do professor de matemtica pode atrair ouno pessoas para a rea?

    Profa. 4: No s a didtica, mas o discurso tambm,porque s vezes ele pode ser um excelente professordo ponto de vista da didtica, mas o discurso dele serum discurso excludente. Pode ensinar muito bem, expli-car direitinho, ter uma relao boa com os alunos, masas pessoas sentirem no discurso elementos de discrimi-nao, de orientao ou reforo de certos mitos quepermeiam algumas reas do conhecimento. No casoespecfico da matemtica, isso s vezes atinge at osmeninos porque tem uma estria de que voc precisaser particularmente inteligente, ter nascido pra aquilo...Ento, na fala, inconscientemente, ele solta comentriosna sala de aula que terminam convencendo ou refor-

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    USOS E INCOMPREENSES DO CONCEITO DE GNERO NO DISCURSO EDUCACIONAL NO BRASIL

    ando algumas coisas que as pessoas acreditam: mu-lher no pra isso, isso no pra voc, no... s vezesat a surpresa mesmo, quando uma menina tem umdesempenho melhor em matemtica ou gosta de mate-mtica... os professores se admiram tanto, como seaquilo fosse coisa de outro mundo.

    Entrevistadora: E na universidade acontece o mesmo?

    Profa. 4: No, no. Menos, bem menos, acontece bemmenos, mas ainda deve acontecer.

    A primeira evidncia da desigualdade de gnero de ordem quantitativa: existem menos mulheres em posiesvalorizadas e de poder. Todavia essa evidncia no proble-matizada. O discurso da entrevistada vai da simples nega-o admisso de que existe discriminao de sexo e gnero;e aponta vrios fatos no problematizados:

    na educao superior, existem poucas mulheres naMatemtica disciplina considerada difcil, para pessoasmuito inteligentes e elas esto em subreas desvalorizadascomo a educao matemtica;

    h resistncia Matemtica na rea de cinciashumanas e em cursos como Psicologia, onde predominammulheres;

    na escola, predominam professores de Matemticado sexo masculino, e os estudantes em geral no gostam dematemtica, mas as meninas parecem gostar menos;

    os professores de Matemtica na educao bsica(geralmente do sexo masculino) podem influir na escolha daMatemtica como curso superior pelos estudantes de ambosos sexos e podem reproduzir discursos e prticas excludentes,principalmente das meninas.

    A entrevistada no reconhece a relao entre gneroe conhecimento/curso. Sendo ela prpria especializada emeducao matemtica, tampouco reconhece as implica-es de gnero da pequena presena de professoras deMatemtica tanto na educao superior quanto na educa-o bsica; do baixo status da educao matemtica; dasuposta resistncia matemtica em reas do conhecimentoe cursos femininos (como Psicologia); do desgosto dos alunose, principalmente, das alunas, pela matemtica lecionadapor professores do sexo masculino. No reconhece o papelda universidade na reproduo da excluso das mulheresda Matemtica, especificamente atravs da formao deprofessores, uma vez que no relaciona a pequena presenade mulheres na docncia da Matemtica na universidade ena escola, nem relaciona os discursos e as prticas exclu-dentes que ocorrem na escola (e que ela prpria aponta)com a cultura acadmica (masculina, androcntrica, sexista)da matemtica veiculada pelas instituies formadoras.

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    MARIA EULINA PESSOA DE CARVALHO E GLRIA RABAY

    Uma vez que as prprias docentes/mulheres/formado-ras no sabem explicar a ausncia ou raridade das mulheresna Matemtica e no conhecem o poder explicativo do con-ceito de gnero, a iniquidade, naturalizada na prpria cons-truo de campos de conhecimento e carreiras masculinosou femininos, naturalizada e aceita como uma questo detalento ou competncia natural, opo individual ou autoex-cluso, como aponta Bourdieu31.

    ConclusoConclusoConclusoConclusoConcluso

    O conceito de gnero tem sido utilizado comumente,porm ressignificado de maneira a negar a perspectiva crticafeminista original, que denunciava a subordinao feminina.Tomado como sinnimo de sexo, inverte a subordinaofeminina (que permanece em meio iniquidade gnero) emvantagem quantitativa das mulheres nas instituies deeducao superior e bsica.

    importante reconhecer que gnero um conceitode difcil sensocomunizao32 porque nega o carter natural(segundo uma perspectiva pretensamente cientfica) ou divino(segundo uma perspectiva religiosa) dos sujeitos masculinoe feminino e da atrao heterossexual, ao propor que somosproduzidos/as e educados/as nas relaes sociais, e nos pro-duzimos como sujeitos de gnero, aprendemos a ser mascu-linos ou femininas, em meio a relaes de poder. Ao denunciare desafiar preconceitos, esteretipos e discriminaes, o con-ceito de gnero incomoda e desacomoda homens e tambmmulheres que obtm ganhos (mesmo que combinados comperdas) em e atravs de suas posies e relaes de gnero(articuladas com outras posies e relaes), por exemplo,mulheres excepcionalmente situadas em campos masculinos.

    Tambm importante ressaltar dois pontos. O primeiro que gnero um conceito de difcil compreenso eapropriao at mesmo por pessoas de alto nvel deescolaridade, como docentes da educao superior, doutorese doutoras. O segundo que, nas entrevistas realizadas,muitas vezes as reaes e respostas, sobretudo dasentrevistadas/mulheres, ao negarem ou minimizarem asrelaes de desigualdade de gnero, negavam aimportncia da prpria pesquisa focada nesta problemtica.

    Como aponta Weller33, apesar do sucesso educacionalquantitativo das mulheres, o Brasil no vem atendendo srecomendaes contidas no Artigo 4o da DeclaraoMundial sobre Educao Superior no Sculo XXI34, que tratado fortalecimento da participao e promoo do acessodas mulheres35. Nesse nvel de ensino, as mulheres brasileirasencontram-se sub-representadas em vrias disciplinas e reasdo conhecimento e nos altos escales da gesto educacio-

    31 Pierre BOURDIEU, 1999.

    33 Wivian WELLER, 2007.

    34 UNESCO, 1998.

    35 UNESCO, 1998, p. 9.

    32 CARVALHO, 2010b.

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    USOS E INCOMPREENSES DO CONCEITO DE GNERO NO DISCURSO EDUCACIONAL NO BRASIL

    nal. O esforo para implantar, avanar ou consolidar os estu-dos de gnero ou estudos da mulher, como campo especficode conhecimento na educao superior, como proclamadona Declarao, ainda no concretizou a transversalizaoda perspectiva de gnero no ensino e na pesquisa.

    Em 2005, a Secretaria de Polticas para Mulheres (SPM)lanou em parceria com o Ministrio da Cincia e Tecnologia(MCT), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico eTecnolgico (CNPq), o Ministrio da Educao (MEC) e o Fundode Desenvolvimento das Naes Unidas para a Mulher(Unifem) o Programa Mulher e Cincia, com trs estratgiasde interveno: financiamento de projetos de pesquisa narea de gnero, mulheres e feminismos, via edital especficodo CNPq; instituio do Prmio Construindo a Igualdade deGnero, um concurso de redaes ou artigos cientficos sobreas questes de gnero, para estudantes de ensino mdio,graduao e ps-graduao; e realizao de EncontroNacional de Ncleos e Grupos de Pesquisa Pensando Gneroe Cincias.36 O tema do segundo encontro, realizado em2009, foi a institucionalizao dos estudos feministas, de g-nero e mulheres nos sistemas de Educao, Cincia e Tecno-logia no pas,37 em consonncia com o II Plano Nacional dePolticas para Mulheres.38

    Mais recentemente, a SPM props a incluso da ques-to de gnero no novo Plano Nacional de Educao PNE2011-202039 no tocante ao uso de linguagem inclusiva degnero (isto , linguagem no sexista) e ao estmulo partici-pao de mulheres nos cursos superiores das reas tecnol-gicas e cientficas, e cursos de ps-graduao stricto sensu,particularmente em Engenharia, Matemtica, Fsica, Qumicae Informtica.40

    No mercado de trabalho, mesmo as mulheres comalto nvel de escolaridade continuam auferindo rendimentosinferiores aos dos homens, seja em guetos ocupacionais femi-ninos (ocupaes da educao, sade e assistncia social),seja em carreiras masculinas tradicionais, como engenharia,arquitetura, medicina e direito.41 Em 2011, as mulheres brasi-leiras com 12 anos ou mais de estudo recebiam, aproximada-mente, 59,2% do rendimento dos homens que tinham o mesmonvel de escolaridade42. Assim, sabendo-se que tanto o gen-dramento do conhecimento, cursos e carreiras acadmicas,quanto o desempoderamento ou a impotncia aprendida,termo utilizado por Bourdieu43 das mulheres para romperema diviso horizontal e vertical do conhecimento e do trabalhoso construes culturais, educacionais e escolares, efetiva-mente, falta reverter o hiato de gnero na educao brasileira.

    39 BRASIL, 2011; cf: .

    36 BRASIL, 2008

    37 SPM, 2010, p. 15538 BRASIL, 2008

    43 BOURDIEU, 1999.

    42 IBGE, 2012.

    41 BRUSCHINI, 2007.

    40 SPM, 2012.

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    MARIA EULINA PESSOA DE CARVALHO E GLRIA RABAY

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  • Estudos Feministas, Florianpolis, 23(1): 119-136, janeiro-abril/2015 135

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    [Recebido em 8 de dezembro de 2013, reapresentado em 19 de setembro de 2014

    e aceito para publicao em 3 de novembro de 2014]

    Uses and Uses and Uses and Uses and Uses and MMMMMisunderstandings of the isunderstandings of the isunderstandings of the isunderstandings of the isunderstandings of the CCCCConcept of oncept of oncept of oncept of oncept of GGGGGender in ender in ender in ender in ender in EEEEEducational ducational ducational ducational ducational DDDDDiscourseiscourseiscourseiscourseiscoursein Brazilin Brazilin Brazilin Brazilin BrazilAbstract: Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: Gender is a complex concept and has practically become synonymous with sex incommon discourse and even in academic discourse. This paper points out uses andmisunderstandings of gender in the field of education in Brazil and their implications for educationalpolicies and practices. First, it focuses on the substitution of gender for sex, as a sociologicalvariable, in forms and tables, and the confusion between sex parity and gender equity, whichreduces gender to an individual trait or identity. Second, it demonstrates the misunderstandingexpressed in perceptions and discourses of university professors of both sexes, situated inpredominantly masculine courses where the gendering of knowledge fields and careers remainsinvisible or unproblematic; and highlights the lack of acknowledgement of the problem in thediscourses of female Mathematics professors, situated within a discipline where womenparticipation remains reduced. Finally, it argues about the importance of mainstreaming genderin higher education and research. The research was supported by a CNPq grant.Key WordsKey WordsKey WordsKey WordsKey Words: Gender; Sex; Educational Discourse; University Professors.