uso e abuso das forÇa letal pelas polÍcias brasileiras · 2017. 4. 5. · (cano, 1997) letalidade...
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USO E ABUSO DAS FORÇA
LETAL PELAS POLÍCIAS BRASILEIRAS
Ignacio Cano
Laboratório de Análise da Violência
UNIFESP – março 2017
Uso da Força Letal pela Polícia
Diferentemente da maioria dos casos abordados neste seminário, o uso da força pela polícia, mesmo letal, não é necessariamente ilegal nem rejeitável
Polícia: detentora do monopólio do uso da força legítima por parte do Estado. Uso da Força, a princípio, para defender direitos e pessoas
Monopólio do uso da força letal pela polícia + Discricionariedade da Ação Policial =
Posição muito delicada para a Polícia
Necessidade de controle, interno e externo, e
monitoramento
Uso da Força Letal pela Polícia
Quando a força passa de ser legítima a ilegítima, adequada a excessiva ?
Problema Mundial
Trataremos do uso da força letal = armas de fogo
Deixaremos de lado, uso da força em manifestações e outras situações
Portaria Interministerial 2010 no Brasil. Princípios Uso da Força:
Legalidade
Necessidade
Proporcionalidade
Moderação
Conveniência
People killed annually by police
use of firearm, by country
COUNTRY YEAR
Number of people killed annually by
police use of firearms
Rate of firearm police killings
by 100,000 inhab.
England and Wales 2014/2015 1 0,002 Germany 2011 6 0,007
India 2014 107 0,008 Australia 2011 6 0,027
Chile 2014 8 0,045
Russian Federation 2015 197 0,137 USA 2015 1000 0,311
South Africa 2014/2015 331 0,607 Brazil 2014 3022 1,466
Jamaica 2014 115 4,132
El Salvador 2015 320 5,223
Mortes Decorrentes de Intervenção Policial: FBSP
MORTES EM DECORRÊNCIA DE INTERVENÇÃO POLICIAL
Brasil e Unidades da Federação TOTAL
Ns. Absolutos Taxa por 100.000 hab.
2014 (2) 2015 2014 2015
3146 3345 1,6 1,6
Alagoas (3) 77 97 2,3 2,9
Bahia (4) 278 299 1,8 2,0
Ceará (5) 53 86 0,6 1,0
Distrito Federal 10 10 0,4 0,3
Espírito Santo 23 24 0,6 0,6
Goiás 96 141 1,5 2,1
Maranhão 60 142 0,9 2,1
Mato Grosso 7 8 0,2 0,2
Mato Grosso do Sul 87 45 3,3 1,7
Minas Gerais 126 105 0,6 0,5
Pará 152 180 1,9 2,2
Paraná 198 241 1,8 2,2
Pernambuco (4) 29 51 0,3 0,5
Piauí 16 18 0,5 0,6
Rio de Janeiro (4) 584 645 3,5 3,9
Rio Grande do Norte 69 76 2,0 2,2
Rio Grande do Sul 92 107 0,8 1,0
Roraima 2 6 0,4 1,2
Santa Catarina 91 63 1,4 0,9
São Paulo (6) 958 848 2,2 1,9
Sergipe (4) 43 43 1,9 1,9
Acre 2... 0,3...
Amapá (4) 25 38 3,3 5,0
Paraíba 23 15 0,6 0,4
Rondônia 12 7 0,7 0,4
Tocantins 3 5 0,2 0,3
Amazonas 30 45,0 0,8 1,1
BRASIL 3.146 3.345 1,6 1,6
Uso da Força Letal pelas polícias
Concentração em alguns estados
Concentração em alguns batalhões
Concentração em alguns policiais
A concentração facilita a prevenção
Uso Excessivo da Força Letal
Continuum desde:
Casos de uso legítimo e adequado (não havia alterntiva para preservar vidas)
Casos de uso inadequado, mas não ilegítimo -> treinamento, doutrina etc
Casos de uso deliberado para matar (caso Bem-te-Vi / Troias)
Execuções Sumárias
Em muitos casos que não são de natureza criminal poderia se evitar a morte com medidas de prevenção
Estudos sobre Uso da Força Letal: RJ Desembargador Sérgio Verani
“Assasinatos em Nome da Lei” (1996) casos dos anos 80
Letalidade da Ação Policial no RJ” (Cano, 1997)
Letalidade da Ação Policial no RJ: o papel da Justiça Militar” (Cano, 1998)
Quando a Polícia Mata (Misse, 2013)
Indignos de Vida (Zaccone, 2015)
Relatórios DDHH: HRW, AI, etc.
Conclusão unánime: uso excessivo da força letal/ Execuções Sumárias
Indicadores de Abuso Força Letal
Proporção dos homicídios que correspondem à intervenções policiais (>5%)
Razão entre opositores mortos e policiais mortos (>10)
Índice Letalidade: razão entre mortos e feridos ocasionados pela intervenção policial (>1)
% Homicídios Dolosos por Interv. Policial: 2014Acre 1,0%
Alagoas 3,7%
Amapá 10,7%
Amazonas 3,1%
Bahia 4,9%
Ceará 1,2%
Distrito Federal 0,9%
Espírito Santo 2,3%
Goiás 3,7%
Maranhão 2,9%
Mato Grosso 0,7%
Mato Grosso do Sul 5,1%
Minas Gerais 3,1%
Pará 4,9%
Paraíba 1,4%
Paraná 8,0%
Pernambuco 0,9%
Piauí 3,2%
Rio de Janeiro 11,8%
Rio Grande do Sul 2,6%
Rondônia 2,4%
Santa Catarina 12,7%
São Paulo 21,3%
Sergipe 4,3%
Tocantins 3,4%
São PauloRio de Janeiro
HoustonLos Angeles
New York
Philadelphia
Chicago
Proporção dos Hom. Dolosos Cometidos pela Polícia, por Cidade
Fontes: R.Os, IPMs, Pr. Bravura (ISER)/ Sec.Seg. SP.(só PM). Ano 1995.
Fontes para as cidades USA: Geller & Scott (92). Ano 1991.
PE
RC
EN
TA
GE
M
15
10
5
0
Uso da Força Letal pela Polícia: 1993-1996
Buenos Aires
Jamaica São Paulo
Rio de Janeiro
HoustonLos Angeles
New YorkPhiladelphiaChicago
Indice de Letalidade da ação policial por Lugar
Fontes: R.Os, IPMs, Prom. Bravura (ISER). 1995./ Secr.Seg. SP jan-ago 95
Outras fontes: Geller & Scott (92) / Chevigny (90)
Indic
e d
e L
eta
lidade
3
2
1
0
Uso da Força Letal pela Polícia: 1993-1996
46% dos corpos tinham pelo menos quatro tiros
61% dos corpos tinham recebido pelo menos um tiro na cabeça
65% das vítimas apresentaram pelo menos um tiro nas costas
um terço das vítimas tinha outros do que aqueles causados por balas de lesões
40 casos de tiro à queima-roupa (de curto alcance), o sinal mais claro de execução.
Uso de la Fuerza Letal por la Policía RJ:
evidências médico-legais (Perito Nelson Massini)
301 processos penais encontrados
295 arquivados
6 casos com denúncia contra policiais:
Absolvição a pedido da Promotoria. Mesmo os casos com disparos à queima-roupa e histórias inconsistentes
Uso da Força Letal RJ:
Justiça Militar
Uso excessivo da Força Letal: raízes (I)
Naturalização Uso Excessivo da Força
Falta de fiscalização e controle interno e externo
Incapacidade do Estado para investigar adequadamente e punir responsáveis pelos abusos
Privilégio a versão oficial nas investigações
Investigação e naturalização: a questão
terminológica
“Autos de Resistência” : figura administrativa, criada na ditadura
Resolução do CDDPH
“Mortes decorrentes de intervenção policial”
Conselho Chefes Polícia Civil: “Mortes decorrentes da oposição à intervenção policial”
Uso excessivo da Força Letal: raízes (II)
Doutrina da Guerra ao Crime / Guerra às Drogas (pesquisa Stanford/LAV)
Influência do comando: pesquisa LAV: 5-8% da variabilidade da letalidade dos BPMs atribuível ao comandante
Demanda social por uma polícia punitiva e truculenta: apoio social ao extermínio
Apoio Social à Política do Extermínio
2009: pesquisa SEDH - Brasil:
43 % concorda com ‘bandido bom é bandido morto’
2015: FBSP - Brasil:
50% concorda com ‘bandido bom é bandido morto’
2013: LAV/Stanford: PM do RJ:
40% concorda com ‘bandido bom é bandido morto’
Apoio Social à Política do Extermínio
Conspiração de Silêncio:
Amplos setores sociais
Mídia
MP
Judiciário
Polícia que mata é a mesma que morre:
- ciclos de vingança:
Criminoso executado pela polícia em serviço
Policiais executados na folga
- barbárie de ida e de volta (policial arrastado)
Policiais não são beneficiários desse sistema
Apoio Social à Política do Extermínio
Conspiração desmascarada quando:
Vítimas escandalosamente inocente:
Menino Juan
Menino Eduardo
Evidências incontestáveis de que a versão oficial (estereotipada) é falsa:
Caso Providência
Papel dos celulares
Nesses casos, policiais (individuais) são considerados únicos culpados e satanizados
Meio muito violento
Ethos do policial guerreiro
Stress
Experiência de violência do policial:
Na infância
Ver colegas assassinados
Deficiências no treinamento e escassez de equipamentos menos letais
Raízes do Uso Excessivo da Força
(III)
Papel da PM
Corporação não costuma reconhecer responsabilidade institucional num problema endêmico -> ‘maças podres’
Abordagem através do sistema de justiça criminal -> investigação dos casos e possível punição
Policiais responsabilizados são simbolicamente excluídos da corporação (‘bandidos travestidos de policiais’)
MP e Judiciário
Omissão (em alguns casos apoio explícito)
Parte integrante do mecanismo que sustenta a política do extermínio
MPs raramente oferecem denúncia, mesmo quando há evidências:
Exceções (Themístocles, Paulo Roberto) –será que só acontece nessas áreas
MP não exerce o controle externo da Polícia.
Determinantes do Uso da Força
Policial no Rio de Janeiro
Nov. 2015
PESQUISA STANFORD LAV-UERJ
Beatriz Magaloni & Ignacio Cano
Mais de 5.000 policiais entrevistados: 20% do contingente total
%%
Exposição à violência letal
Distribuição percentual da frequência em que os seguintes eventos ocorreram enquanto os policiais estavam de serviço nos últimos 12 meses
Nunca 1-4
vezes 5-10 vezes
Mais de 10 vezes
Fez uso da sua arma de fogo contra alguém
64.3 25.5 5.0 5.3
Feriu alguém com arma de fogo
87.2 10.5 1.4 1.0
Participou de uma ocorrência em que resultou na morte de alguém
79.6 17.3 1.6 1.6
Socorreu uma pessoa baleada
68.2 26.0 3.4 2.4
Alguém atirou contra o(a)senhor(a)
42.6 36.9 8.7 11.9
Foi ferido por arma de fogo
92.0 6.0 0.8 1.2
Sentimento da comunidade sobre a PM
Percentual de policiais com Sintomas de Estresse
Quantas vezes você…? Frequentemente Às vezes
Tem insônia 21.9 30.9 Fica angustiado 20.6 35.6 Tem vontade de chorar 9.6 20.8 Se sente sozinho 10.6 20.3 Fica com raiva 18.8 35.5 Fica com dor no peito/falta de ar 8.0 15.0 Fica deprimido 8.7 15.7 Pensa em acabar com a sua própria vida 3.3 4.1 Fica sem paciência com as pessoas/prefere estar sozinho
12.8 23.8
Tem medo de perder a família 27.4 27.8 Fica desanimado 20.3 35.6
Sintomas de Stresse
Itens da Escala Doutrina Policial(5 pontos acordo/desacordo)
P29A. A proximidade com a comunidade distrai a policia de seu objetivo principal que é combater os criminosos?
P29B. Os direitos humanos com frequência se tornam um obstáculo para combater o crime?
P29C. Os moradores da favela geralmente são pessoas perigosas e associadas ao crime?
P42. Diga o quanto o(a) Sr.(a) está de acordo com a seguinte afirmação:
P44A. A polícia do Rio de Janeiro seria mais eficiente se usasse mais força
P44E. Bandido bom é bandido morto
P44G. A proximidade com a comunidade é uma boa estratégia para combater o crime com menos violência
Modelo Explicativo Doutrina
Mais ‘guerreiros’:
Jovens
Tem filhos
Lotados em UPP e BOPE (agora ou antes)
Baixa Patente (leve)
Expostos à violência criminal na infância (pessoal e no entorno)
Mais inclinados à polícia proximidade:
Com pós-graduação
Assiste a cultos
Função administrativa
Modelo Explicativo Doutrina
Stress muito associado à polícia guerreira e torna a exposição à violência criminal na infância não significativa – efeito da infância mediado pelo stress
Polícia Guerreira associada a sensação de não ser respeitado pela comunidade (forte) e pela corporação (fraca)
Confrontos armados no trabalho policial
Testemunhou o assassinato de um colega
Índice do Uso Efetivo de Força Letal
A escala de confiabilidade é de 0.63. Calculado com a média de quatro variáveis:
- Fez uso da sua arma de fogo contra alguém?, - Feriu alguém com arma de fogo?, - Fez uso da sua arma de fogo
contra alguém fora de serviço?, - Feriu uma pessoa com arma de fogo fora de serviço?
02
46
8D
ensid
ade
1 2 3 4uso da força index
Índice de Uso de Força Letal
01
23
01
23
0 5 10 0 5 10
Batalhão UPP
BOPE CHOQUE
Densid
ade
média(itens padronizados)
Índice de Uso de Força Letal
por Unidade Policial
Modelo Explicativo Uso Força
Modelo Explicativo Uso Força
Modelo Explicativo Uso Força
Dois policiais percebem que dois jovens suspeitos começam a correr.
A polícia pede para que parem, mas os jovens continuam correndo e entram em um
beco.
A polícia corre atrás deles e novamente ordena que parem,
mas ao perceber que os jovens estão fugindo, disparam vários tiros.
Um dos jovens acaba morto e o outro ferido. Ao revistar a mochila dos jovens encontram
uma bolsa, uma carteira, dinheiro e um tablet.
Diga-me como o (a) Sr.(a) avalia a atuação da polícia nesse caso:
Discordo
totalmen
te
Discor
do
Não
concordo
nem
discordo
Concordo Concordo
totalmente
1. Os policiais atuaram corretamente
nesta situação:1 2 3 4 5
Experimentos de lista – Experimento I
Experimento I
Grupo de TratamentoQUESTIONÁRIO A = Carteira ou
telefone
Grupo de ControleQUESTIONÁRIO B = Armas ou drogas
Percentual que acha que policiais agiram corretamente
Conclusões Finais
Uso da força não é algo apenas técnico
Amplo Espaço para reduzir uso
Dependência da experiência do policial
Letalidade policial e vitimização policial: duas faces da mesma moeda
Avaliação ‘técnica’ do uso da força em função de informações contextuais que não deveriam ser utilizadas
PROPOSTAS: Investigações Policiais
Atribuição dos casos de mortes em decorrência de intervenção policial à Divisão de Homicídios
Desmembramento obrigatório dos casos com um réu vivo e outro morto
Acabar com depoimentos colados e apreensões virtuais
Criação de um protocolo de atenção a vítimas de PAF para evitar remoção de cadáveres, que inviabiliza a perícia(em andamento agora entre Secretaria de Saúde e CEDDH)
MP e Judiciário: PROPOSTAS
Criação Grupo Controle Externo no MP
Foco específico nos casos de letalidade policial
Relatórios periódicos
Investigação direta pelo MP
PROPOSTAS: Executivo
PROAR – SP 1995:
Afastar da rua por um tempo policiais que se envolvem em ocorrências fatais
Comissão Letalidade:
Analiza cada caso de morte para extrair lições para treinamento e doutrina
Participação da sociedade civil
Casos de civis mortos e de policiais mortos: recomendações conjuntas
PROPOSTAS: Executivo
Relatório Anual de Letalidade (MG) –com indicadores
Ranking de unidades de maior letalidade (alta concentração)
Metas de Redução da Letalidade
Inclusão das mortes pela polícia no indicador das Metas Policiais teve um grande impacto no RJ
Incorporação da Portaria Federal nas instruções normativas das polícias estaduais
PROPOSTAS: Controle Interno
Mudar protocolo de uso de armas para helicóptero no RJ, especialmente na CORE (CEDDH)
Obrigação de acautelar armas privadas quando o policial sai para a rua a trabalhar
Treinamento e incremento de armas não letais
PROPOSTAS: Controle Interno
Índide de Aptidão para o Uso da Força (PMERJ/LAV-UERJ):
Detectar casos individuais acima do esperado
Criar incentivos institucionais para a redução no uso da força letal
Policiais acima de um patamar, receberiam treinamento, reciclagem e, em última instância, seriam afastados da rua por um tempo
Afastamento é proteção para o policial
Indice de Aptidão para o Uso da Força
CMP= Consumo de Munição Ponderado
CM= Consumo de Munição Bruto
TMV por BPM= Taxa Mortes Violentas por 100.000 durante os últimos 6 meses na área do BPM (AISP) onde o policial esteve lotado na maior parte do tempo nesse período
= Taxa de de Mortes Violentas por 100.000 habitantes, num período de 6 meses, para o conjunto do Estado do Rio de Janeiro. No momento atual, utilizando os dados de 2014, esse valor é de 15.5.
O Fator Corretor por Função Policial é tomado da Tabela 1