uso de antibióticos em cirurgia

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Programa de Atualizao emUso de Antibiticos em Cirurgia

Ano I N I Vol I Junho de 2002

Antibioticoterapia no trauma

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Uso de Antibiticos em Cirurgia junho/2002

EditorialEditor

Newton MarinsEditores mdicos

Guilherme Pinto Bravo Neto Jos Reinan Ramos Accyoli Moreira MaiaEditor convidado

Novo Programa de Atualizao

Guilherme Pinto Bravo NetoDireo de arte

Hlio Malka Y NegriCoordenao editorial

Beatriz CoutoAssistncia editorial

O Colgio Brasileiro de Cirurgies (CBC) tem como um dos pontos principais na formao e aprimoramento do cirurgio geral o seu Programa de Educao Continuada, que oferece, atravs de uma srie de atividades no Ncleo Central e nos Captulos Estaduais, oportunidade para reavaliao de seus conhecimentos, reformulando e tecnolgico ocorrido na ltima dcada. Neste ano, dando seqncia ao Programa de Educao Continuada, estamos lanando o Programa de Atualizao em Uso de Antibiticos em Cirurgia, que, semelhana do anterior, enfoca, em mdulos pertinentes, quatro assuntos que esto presentes no dia-a-dia do cirurgio, rotina que vem sofrendo freqentes modificaes, advindas de novas aquisies que recentes pesquisas determinam. Assim, Antibioticoterapia no Trauma, Antibioticoprofilaxia em Cirurgia, Sepse Abdominal e Uso Racional de Antibiticos foram os temas escolhidos pelo Conselho Editorial, formado por integrantes designados pelo Diretrio Nacional do CBC. Os fascculos, contendo perguntas a serem respondidas no nmero seguinte, se constituem em um eficiente teste de conhecimentos tcnicos. A interatividade buscada neste projeto essencial para que os membros do CBC possam manifestar acolhida a mais esta oportunidade de atualizao e aperfeioamento que a diretoria proporciona. TCBC Jos Wazen da Rocha Presidente do Colgio Brasileiro de Cirurgiesjunho/2002

Helio CantimiroReviso

Claudia GouvaProjeto grfico

atualizando procedimentos cirrgicos frente ao enorme progresso

Roberta CarvalhoEditorao eletrnica

3Uso de Antibiticos em Cirurgia

Karla LemosUma publicao de

Toda correspondncia deve ser dirigida a: Av. Paulo de Frontin 707 CEP 20261-241 Rio de Janeiro-RJ Telefax: (21) 2502-7405 e-mail: [email protected] www.diagraphic.com.br Distribuio exclusiva classe mdica

Comercializao e contatos mdicos

Projeto desenvolvido por

Patrocinada por

Apresentao do autor

TCBC Guilherme Pinto Bravo Neto

4Uso de Antibiticos em Cirurgia

O grande avano tecnolgico testemunhado nas ltimas dcadas, particularmente na rea mdica, vem garantindo maior controle e eficcia no tratamento das doenas em geral. Na rea cirrgica, os procedimentos miniinvasivos, a melhor resoluo clnica de doenas antes cirrgicas, o diagnstico precoce que permite a cura atravs de mtodos endoscpicos e as manipulaes genticas que j se tornam realidade sugerem que o cirurgio do futuro ser predominantemente um cirurgio de trauma, doena traduzida em nosso meio principalmente pela violncia endmica e sem perspectivas de controle a curto ou mdio prazo. Outrossim, trauma e infeco andam juntos, a ltima como complicao mais freqente do primeiro e principal causa de morte daqueles que sobrevivem por mais de cinco dias a grandes traumatismos. Boa parte destas infeces inevitvel, mas muito se pode fazer para reduzi-las. O uso profiltico de antibiticos no trauma uma destas armas, cuja eficcia, entretanto, depende de muitas outras variveis, entre as quais o atendimento rpido e preciso na fase pr-hospitalar, medidas timas de suporte clnico per e ps-operatrio e o prprio conhecimento da utilizao adequada destas drogas. No primeiro fascculo deste Programa de Atualizao em Uso de Antibiticos em Cirurgia, procuramos, de forma sinttica, discutir os princpios bsicos para a utilizao racional de antibiticos no trauma.

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Antibioticoterapia no traumaTCBC Guilherme Pinto Bravo Neto Prof. Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFRJ

O trauma, hoje estudado como doena, caracterizado por alteraes estruturais e/ou fisiolgicas decorrentes de exposio aguda a diversas formas de energia e pode acometer qualquer tecido orgnico.IntroduoNo Brasil, assim como na maioria dos pases subdesenvolvidos, que no contam com nenhuma poltica sria de controle e que tm sedimentada a impunidade e as enormes desigualdades sociais, a violncia a principal causa de trauma, que ceifa incontveis vidas em fase produtiva e gera bilhes de reais em despesas com hospitalizao. Fosse a vida humana, em nosso meio, minimamente valorizada pelos governos e pela prpria sociedade, providncias bsicas j teriam sido tomadas para reduzir os 40 a 60 bitos violentos por fim de semana nos grandes centros urbanos brasileiros violncia que j atinge cidades at h pouco pacatas. As seqelas do trauma incapacitam um contingente ainda maior de pessoas, sem contar os aspectos psicolgicos, o medo e a falta de credibilidade nas instituies, pilares de qualquer sociedade civilizada. No paciente traumatizado que sobrevive mais de cinco dias, a infeco a principal causa de morte. O fator predisponente mais importante para estas infeces o prprio trauma, que pode resultar em soluo de continuidade da pele, isquemia tecidual, contaminao exgena e ruptura de vsceras colonizadas com contaminao endgena de tecidos estreis. Alm disso, as alteraes imunolgicas decorrentes do trauma por si s predispem esses pacientes a infeces. Outros fatores desencadeantes de complicaes infecciosas so os procedimentos invasivos necessrios ressuscitao tanto nas abordagens prhospitalar e hospitalar quanto no perodo ps-trauma, particularmente naqueles que necessitam de internao em unidades de tratamento intensivo, quando o ndice de infeco hospitalar pode chegar a 60%. O uso de antibiticos no paciente traumatizado , portanto, muito freqente, no s para tratar infeces instaladas mas tambm com intuito profiltico. A indicao e a escolha da droga com finalidades teraputicas envolvem inmeras variveis, entre as quais sobressaem a localizao e a gravidade do caso, o uso prvio dejunho/2002

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antimicrobianos e o agente etiolgico mais provvel, o que torna seu estudo extremamente complexo e amplo e impossvel de ser generalizado, devendo ser avaliado individualmente, caso a caso. Este texto se fixar, portanto, na antibioticoterapia profiltica dos vrios tipos de trauma. Duas condies fundamentais, entretanto, devem ser lembradas: a antibioticoprofilaxia no paciente traumatizado segue os mesmos princpios bsicos da antibioticoprofilaxia cirrgica eletiva, e visa exclusivamente a reduzir a possibilidade de infeco do stio cirrgico, e no dos demais tipos de infeco a que o paciente traumatizado est sujeito. Em segundo lugar, a antibioticoprofilaxia jamais substitui as medidas gerais de preveno de infeco cirrgica, que devem ser introduzidas j na abordagem inicial ao paciente traumatizado. Entre estas medidas ressaltam-se a tcnica cirrgica minuciosa e os cuidados pr e ps-operatrios adequados, que visam manuteno da homeostasia. Alm disso, o reconhecimento precoce e o tratamento imediato das leses traumticas so fator primordial na reduo do risco de infeco.

momento ideal durante a induo anestsica e por via venosa. No paciente traumatizado a contaminao tecidual geralmente ocorre no momento do trauma, o que faz com que a profilaxia se inicie aps a contaminao. No entanto j foi observado que, mesmo nessas situaes, a administrao precoce de antibiticos capaz de reduzir as taxas de infeco cirrgica. Nesses casos, porm, o ideal que se comece o antibitico o mais cedo possvel, em geral na sala de trauma. 2. Durao da profilaxia Assim como nas cirurgias eletivas, tambm no h benefcios com o uso prolongado de antibiticos profilticos no trauma. ndices de infeco semelhantes so encontrados em pacientes traumatizados que receberam antibiticos por 12 horas ou at mais de cinco dias. Preconiza-se, portanto, a profilaxia de curta durao. A administrao por perodo mais longo no reduz mais as taxas de infeco, e pode gerar problemas como efeitos colaterais, desenvolvimento de resistncia e aumento dos custos. A recomendao, na grande maioria dos casos, igual quela para cirurgias eletivas, ou seja, a antibioticoprofilaxia deve ser mantida apenas durante o perodo peroperatrio. A avaliao de fatores de risco para infeces do stio cirrgico (ferida e cavidade) em determinados tipos de trauma, entretanto, sugere que o esquema antibitico deva ser individualizado e baseado em ndices de gravidade, de tal forma que pacientes com ndices elevados se beneficiariam no de profilaxia, mas de teraputica precoce, com uso mais prolongado de antibiticos. Estudos realizados em pacientes submetidos a

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Critrios racionais para uso profiltico de antibiticos no traumaOs critrios para o uso racional de antibiticos na preveno de infeco cirrgica baseiam-se nos seguintes aspectos: 1. Incio da profilaxia J est bem estabelecido que, para haver efeito profiltico, o antibitico deve ser administrado antes da contaminao dos tecidos e, portanto, antes do incio da cirurgia. Em cirurgias eletivas, o

3. Dose A profilaxia antibitica tem efeito mximo quando os nveis da droga permanecem elevados no sangue e nos tecidos ao longo do procedimento cirrgico. Em cirurgias eletivas longas, isso pode ser conseguido atravs da administrao mais precoce das doses subseqentes, varivel em funo da meia-vida do antibitico. A recomendao neste caso a administrao, na induo anestsica, da dose mxima/kg, seguida por doses convencionais subseqentes a intervalos correspondentes a duas vezes a meiavida da droga utilizada e ao longo do perodo peroperatrio. Dessa forma, antibiticos com meia-vida de uma hora seriam repetidos a cada duas horas durante a cirurgia. Convm lembrar que a meia-vida de uma droga o perodo de tempo transcorrido

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trauma penetrante de abdome, por outro lado, demonstraram alto ndice de infeco cirrgica naqueles de alto risco, apesar do uso de antimicrobianos por perodo longo. Convm lembrar que medidas simples, como manter a pele e a rea subcutnea abertas nesses casos de alta gravidade, podem reduzir significativamente o risco de infeco de ferida operatria, de forma mais eficaz que o uso de antibiticos. Outro fator fundamental que tende a gerar um prolongamento da durao do uso de antibiticos o tempo transcorrido entre o trauma e a cirurgia. Uma leso de clon tratada aps seis horas de evoluo, por exemplo, requer terapia antibitica, e no mais profilaxia. Mas, mesmo nos casos que requerem teraputica antimicrobiana, a tendncia atual a de curta durao, sendo raras as situaes cirrgicas que requerem uso de antibiticos por mais de cinco dias.

entre sua administrao parenteral e a reduo de sua concentrao sangnea em 50%. Esta reduo se deve no s eliminao parcial do antibitico mas, principalmente, sua absoro pelos tecidos, que o fator mais importante do efeito profiltico. Em pacientes traumatizados, a concentrao sangnea e tecidual dos antibiticos mais varivel, e de difcil avaliao. A maior perda sangnea e a necessidade de infuses rpidas de grandes quantidades de lquidos e de sangue fazem com que os nveis sricos das drogas e, conseqentemente, os seus nveis teciduais sejam muito variveis. Alm disso, a resposta orgnica ao trauma tende a gerar reteno hdrica com hemodiluio. Trabalhos experimentais com porcos submetidos a traumatismo de partes moles e choque hipovolmico e ressuscitados com reinfuso de sangue e lactato de Ringer demonstraram profundas alteraes no clearance e na distribuio de antibiticos, que perduraram por pelo menos cinco dias. Os autores sugerem que o intervalo e a dose dos antibiticos sejam reduzidos durante o perodo da profilaxia. Livingstone e Wang obtiveram bons resultados experimentalmente com a infuso contnua de antibiticos. Outros autores sugeriram que o intervalo entre as doses fosse baseado na quantidade de lquidos infundidos, de forma que, quando o volume administrado ultrapassasse metade do volume sangneo total estimado, nova dose fosse administrada. Assim, um paciente de 70kg, com volemia de cerca de 3,5l, deveria receber uma nova dose cada vez que houvesse reposio de 1.750ml de lquido durante o perodo peroperatrio. No entanto esta recomendao emprica, e no existem na literatura trabalhos que comprovem a eficcia

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desse mtodo. Alm disso, pacientes gravemente traumatizados requerem grandes volumes de reposio rpida, o que poderia acarretar administraes excessivas de antimicrobianos, com aumento do potencial de efeitos colaterais. At o momento, portanto, a recomendao quanto ao intervalo entre as doses a mesma preconizada para cirurgias eletivas, ou seja, uma nova dose a cada duas vezes a meiavida do antibitico, enquanto durar o ato operatrio. 4. Indicaes e escolha da droga Em cirurgias eletivas, as indicaes para o uso de antibiticos profilticos se baseiam no risco de infeco e/ou na sua gravidade, o que faz com que, em determinadas circunstncias, pacientes de baixo risco meream antibioticoprofilaxia. A avaliao properatria de risco de infeco, entretanto, complexa, com grande interao de fatores, o que gerou duas linhas de pesquisa clnica. Em uma delas avaliou-se a eficcia da profilaxia em cada tipo de procedimento cirrgico, definindo-se, atravs de inmeros trabalhos prospectivos e randomizados, as cirurgias em que se justifica o uso da antibioticoprofilaxia, assim como a droga a ser utilizada. Grande nmero de indicaes foi determinado, mas diversas outras permanecem sem definio. Na segunda linha procurou-se estudar, atravs de anlises estatsticas complexas, ndices de risco de infeco. Definiu-se assim que, estatisticamente, os fatores capazes de aumentar o risco de infeco cirrgica so: o risco cirrgico clssico baseado na ASA (Associao Americana de Anestesistas), o potencial de contaminao da cirurgia e a durao do procedimento em funo tambm de uma mdia estatstica. Dessa forma,

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pacientes classificados como ASA III, IV ou V, submetidos a cirurgias contaminadas ou infectadas e com durao maior que o esperado para aquele tipo de procedimento (ndice de risco de infeco cirrgica IRIC 3), teriam elevado risco de evoluir com infeco do stio cirrgico, enquanto aqueles classificados como ASA I ou II, submetidos a cirurgias limpas ou potencialmente contaminadas e com durao dentro do esperado (IRIC 0), teriam risco pequeno de infeco. A presena de um ou dois fatores apenas determina um risco intermedirio de infeco. V-se que nem sempre se pode prever o potencial de contaminao nem a durao da cirurgia, o que torna estes parmetros ainda inadequados para a determinao da indicao de antibioticoprofilaxia, embora excelentes para estudo comparativo de taxas de infeco. Nas cirurgias do trauma, a situao tambm no diferente, e, apesar de o ndice de risco de infeco cirrgica definido acima servir para determinao do risco de infeco no paciente traumatizado, o estudo de fatores de risco especficos para cada tipo de trauma vem norteando a indicao do uso de antibiticos. A escolha da droga segue os mesmos critrios utilizados em cirurgias eletivas, ou seja, deve ser baseada no(s) agente(s) mais freqente(s) em cada tipo de procedimento. Deve-se dar preferncia utilizao de droga nica e com meiavida longa, que seja pouco txica e de baixo custo.

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Trauma abdominalO principal fator determinante do risco de infeco em pacientes submetidos a traumatismo abdominal a ruptura de vscera oca, com contaminao

endgena da cavidade. A possibilidade de leso entrica maior nos traumas penetrantes do abdome, mas a incidncia destas leses vem aumentando tambm nos traumatismos fechados. Portanto, apesar de muitas laparotomias por trauma serem realizadas sem evidncias de contaminao intraperitoneal, a possibilidade de ela existir justifica o uso profiltico de antibiticos, que deve ser iniciado no momento em que a deciso de operar tenha sido tomada. Alguns cirurgies preferem iniciar o antibitico, nos casos de trauma fechado, somente aps a laparotomia, caso se identifiquem perfuraes entricas. O perodo de tempo transcorrido entre a deciso de operar e a cirurgia propriamente dita, entretanto, pode ser mais longo que o esperado e, acrescido ao tempo transcorrido entre o trauma e o atendimento, pode representar um fator de risco adicional caso exista a perfurao. Na escolha da droga deve-se considerar sempre a possibilidade de leso colnica, que representa o principal fator de risco de infeco ps-operatria. O antibitico, portanto, deve visar microbiota do clon, ou seja, bactrias gram-negativas aerbias e germes anaerbios, particularmente Bacteroides fragilis. A cobertura clssica para esta microbiota representada pela associao de aminoglicosdeos, como a gentamicina, com drogas antianaerbias, como metronidazol ou clindamicina esta ltima prefervel quando ocorrem grandes laceraes de partes moles associadas, pela cobertura adicional para S. aureus e outros germes gram-positivos da superfcie cutnea. A cobertura para enterococos, pela associao de ampicilina ao esquema profiltico, no deve ser feita, ficando reservada para tratamento de infeces instaladas nas

quais houve isolamento daquele germe. Diversos trabalhos prospectivos demonstraram que a utilizao de drogas nicas, como cefalosporinas de segunda gerao (cefoxitina), cefalosporinas de terceira gerao com atividade antianaerbica e, mais recentemente, sulbactam/ampicilina, tem efetividade comparvel associao tradicional na profilaxia de infeco cirrgica no trauma penetrante do abdome. A maior facilidade na administrao de drogas nicas, associada a custo e toxicidade menores, tem gerado preferncia pelo uso desses agentes. Nos casos em que se pode optar pelo incio do antibitico aps a laparotomia e o inventrio da cavidade, caso no ocorram leses entricas mas existam outros fatores de risco de infeco que indiquem a profilaxia, esta deve ser feita com cefalotina ou cefazolina. Da mesma forma, nos pacientes em que a profilaxia foi iniciada visando microbiota entrica, e no tendo ocorrido perfurao intestinal, deve-se substituir o esquema inicial por cefalotina ou cefazolina. Mas, se a indicao e a escolha do antibitico profiltico esto bem definidas, o mesmo no se pode dizer da durao da profilaxia no trauma abdominal. Dois aspectos devem ser considerados nesta deciso. O primeiro deles se refere ao perodo de tempo transcorrido entre o trauma, e, portanto, o momento da leso visceral, e o incio do tratamento cirrgico. Perfuraes entricas tratadas com mais de seis horas de evoluo demandam terapia antibitica, e no profilaxia, apesar de a teraputica nestes casos poder ser de curta durao, em geral de trs a cinco dias, desde que durante este perodo haja boa evoluo clnica e laboratorial. O segundo aspecto a ser considerado o risco de infeco individualizado, que inicialmente serviu como parmetro

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para o prolongamento da profilaxia nos pacientes de alto risco. Entre esses fatores de risco foram estabelecidos a presena de choque pr ou peroperatrio, a quantidade de sangue ou seus subprodutos administrados, o nmero e a gravidade das leses viscerais e a idade do paciente. Nos traumatismos penetrantes, alm desses, a necessidade de realizao de colostomia representa um fator de risco adicional. A definio de tais parmetros bastante til na identificao de pacientes de baixo e alto riscos de infeco, mas diversos trabalhos em que esses dados foram utilizados para nortear a durao da profilaxia falharam em demonstrar reduo das taxas de infeco cirrgica em pacientes de alto risco, mesmo naqueles submetidos a profilaxia de durao prolongada. Na realidade, o que se pode observar que, nestes pacientes de alto risco, o uso de antibiticos no interfere na evoluo do paciente, j que muitos desses fatores de risco geram problemas locais que no podem ser minimizados por aquelas drogas. O nmero e a gravidade das leses viscerais, por exemplo, retratam bem esse aspecto. Leses hepticas graves esto associadas a infeces intraperitoneais em at 40% dos casos, e isto se deve presena de espao morto que se segue a resseces hepticas, ao desenvolvimento de hematomas devido a sangramento por superfcies cruentas do fgado, presena de tecido desvitalizado, extravasamento de bile pela superfcie heptica lesada ou ressecada. Alm disso, todas estas alteraes so agravadas pela contaminao a partir de leses entricas associadas. Da mesma forma, a rafia de grandes leses esplnicas, esplenectomias parciais, leses pancreticas complexas e, principalmente, a associao destas vrias leses demandam tcnica cirrgica e condutas adequadas para preveno de

fstulas, deiscncias de sutura, formao de colees e outras complicaes geradoras de infeco, que no so influenciadas pelo uso de antibiticos. A recomendao atual no trauma abdominal , portanto, de profilaxia de curta durao. Caso no haja leso intestinal, a profilaxia pode ser feita em dose nica. Havendo perfurao entrica, doses subseqentes devem ser administradas no perodo peroperatrio (dependendo da meia-vida da droga e da durao da cirurgia). Medidas adjuvantes na preveno de infeco so a cirurgia precoce, o fechamento das leses entricas to logo tenha havido controle de hemorragias, a realizao de colostomia em pacientes de alto risco com leso colnica associada a outras leses viscerais, o uso criterioso de drenos, com preferncia pelos sistemas fechados de drenagem, e a lavagem abundante da cavidade com soluo salina nos casos em que houve contaminao peritoneal. A utilizao de antibiticos no lquido de irrigao peritoneal controversa, e poderia ser eficaz em pacientes com perfuso tissular deficiente, nos quais a ao do antibitico administrado por via parenteral seria limitada. No existem, entretanto, na literatura trabalhos controlados, com nmero adequado de pacientes, que justifiquem o uso de antibiticos na cavidade peritoneal de pacientes submetidos a laparotomia por trauma. Outra medida ttica a ser considerada em pacientes de alto risco de infeco a manuteno da pele e do subcutneo abertos, para fechamento primrio retardado no quinto dia de psoperatrio. Finalmente, preciso lembrar que no se deve atribuir falha antibitica a presena de deiscncias de anastomoses, responsveis por algumas das infeces intracavitrias. Estas

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deiscncias em geral ocorrem devido s precrias condies gerais e locais do paciente, ou por falha tcnica. Existem, ainda, algumas situaes clnicas em que o uso de antibiticos freqentemente indicado, embora de forma emprica, mas que merecem meno. Uma destas situaes o traumatismo plvico, com fratura de bacia, hematoma retroperitoneal e ruptura de uretra ou de bexiga extraperitoneal, cujo tratamento clnico, com cateterismo vesical por dez a 14 dias e imobilizao. A presena do cateter vesical por perodo longo leva, em geral, a bacteriria com possibilidade de contaminao do hematoma retroperitoneal, osteomielite e sepse. Nesta situao tem sido utilizada empiricamente uma cefalosporina de primeira gerao, at a retirada do cateter vesical. Sabe-se, no entanto, que a supresso da bacteriria

no to prolongada e que existe a possibilidade de surgimento de bactrias resistentes. Parece mais racional o uso do antibitico apenas durante a realizao do cateterismo, o qual deve ser sempre realizado com rigorosa tcnica assptica, sistema fechado de drenagem e manipulaes subseqentes do coletor e do cateter somente quando estritamente necessrias e com tcnica adequada. As mesmas recomendaes so indicadas para o traumatismo renal em que se opta pelo acompanhamento clnico. Neste caso existe a vantagem adicional de se poder retirar o cateter vesical mais precocemente. Em outras situaes de traumatismo urolgico em que se indica o tratamento cirrgico, a profilaxia recomendada tambm com cefalosporinas de primeira gerao administradas por perodo curto (Quadro 1).

Quadro 1 Trauma abdominal Tipo de leso Vsceras macias (trauma fechado) Vsceras macias (trauma fechado) Vsceras ocas (trauma penetrante) Vsceras ocas (trauma penetrante) Fatores de risco Sim: choque; transfuso > 1.500ml; no e gravidade das leses; idade avanada No Sim: choque; transfuso > 1.500ml; no e gravidade das leses; idade avanada; colostomia No Germes mais freqentes Antibitico S. aureus; gram-negativos S. aureus Comentrios Durante a cirurgia

(1, 2, 3, 4)*, 5

(1, 2, 3, 4 )*, 5

Dose nica

Gram-negativos; anaerbios Gram-negativos; anaerbios Gram-negativos S. aureus; gram-negativos

1, 2, 3, 4

Durante a cirurgia

1, 2, 3, 4 5 5

Dose nica Dose nica Dose nica

Urolgico Cateterismo vesical (tratamento conservador) prolongado Urolgico (tratamento cirrgico) __

1. Gentamicina 1,6mg/kg a 2mg/kg + clindamicina 600mg ou metronidazol 500mg 2. Cefoxitina 2g IV 3. Sulbactam/ampicilina 3g IV 4. Amoxicilina/ac. clavulnico 2g IV 5. Cefalotina 2g ou cefazolina 1g IV * Iniciado antes da laparotomia quando se acredita na possibilidade de leso entrica

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Trauma torcicoVtimas de traumatismo torcico com indicao de toracotomia se beneficiam de antibiticos profilticos. Nas leses do esfago torcico, o risco de complicaes infecciosas elevado, com morbidez e mortalidade igualmente altas, particularmente quando o tratamento retardado por mais de 12 horas. Nestes casos, recomendvel a teraputica antibitica, com durao dependente da evoluo clnica do paciente, mas que empiricamente tem sido feita por dez a 14 dias. Pacientes tratados mais precocemente devem ser submetidos a antibioticoprofilaxia clssica de curta durao. O antimicrobiano deve ser eficaz contra patgenos provenientes da orofaringe, estafilococos e enterobactrias. Cefalosporinas de primeira gerao so teis nestes casos, e so, no momento, as drogas de escolha na profilaxia (Quadro 2). As cefalosporinas de primeira gerao so tambm os agentes de escolha na profilaxia quando a toracotomia indicada por leses pulmonares. No entanto, nas contuses pulmonares sem indicao de cirurgia, o uso de antibiticos para prevenir pneumonia na rea de contuso incuo.

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Observaes clnicas j demonstraram que a administrao de antibiticos no reduz o ndice de pneumonia em pacientes com contuso pulmonar. Muito mais comum que a toracotomia no trauma torcico a drenagem pleural para controle de hemotrax e pneumotrax. Diversos trabalhos procuraram avaliar os benefcios da antibioticoprofilaxia nestes casos, mas at o momento os resultados so controversos. A incidncia de empiema em tais situaes pode chegar a 25% em algumas sries, mas certas consideraes devem ser feitas. Inicialmente deve-se lembrar que o fator crtico na preveno do empiema a completa reexpanso do pulmo, com obliterao total de qualquer espao entre as pleuras visceral e parietal. Esta aposio visceroparietal das pleuras fundamental no controle de possvel contaminao local. Caso no se consiga a reexpanso total do pulmo aps a drenagem, o motivo deve ser investigado e tratado precocemente. Estudos clnicos revelaram que os pacientes que evoluram com empiema aps drenagem pleural por hemotrax estavam entre aqueles que apresentavam hemotrax residual significativo.

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Quadro 2 Trauma torcico Tipo de leso Esofagiano Germes mais freqentes Gram-positivos aerbios e anaerbios; gram-negativos Gram-positivos; gram-negativos Antibitico Cefalotina Cefazolina Cefalotina Cefazolina __ Comentrios Durante a cirurgia

Pulmonar

Durante a cirurgia No h indicao de antibioticoprofilaxia Drenagem pleural eficaz

Contuso pulmonar Hemotrax Pneumotrax

Gram-positivos; gram-negativos

Gram-positivos; gram-negativos

__

Outro fator que deve ser considerado que, apesar de constituir procedimento cirrgico simples, a drenagem pleural exige cuidados minuciosos de assepsia e anti-sepsia, devendo ser realizada, sempre que possvel, em centro cirrgico. Mais uma vez lembramos que a antibioticoprofilaxia no previne infeces em situaes de falhas grosseiras da tcnica assptica ou da prpria tcnica cirrgica. Com as evidncias de que se dispe at o momento, no indicamos antibiticos profilticos em drenagens pleurais para tratamento de hemotrax ou pneumotrax.

Trauma ortopdicoO risco de infeco no paciente portador de traumatismo ortopdico varia em funo de diversos fatores. Os primeiros a serem considerados so a necessidade de tratamento cirrgico para sua correo e a natureza fechada ou aberta da fratura. Fraturas fechadas tratadas por reduo incruenta tm pouco risco de infeco e, portanto, no requerem antibioticoprofilaxia. J nas fraturas fechadas que necessitam de cirurgia, h exposio do tecido sseo, com sua baixa capacidade de defesa contra contaminao cutnea, e freqentemente so requeridas prteses para estabilizao. O risco de infeco, apesar de baixo, por se tratar de cirurgia limpa, pode resultar em osteomielite e, em casos mais graves, amputao, o que determina a indicao do uso profiltico de antibiticos. Tendo em vista que a fonte de infeco nessas situaes a prpria pele do paciente, a droga de escolha deve visar a estafilococos. O agente mais utilizado a cefalosporina de primeira gerao, que se demonstrou eficaz na reduo das taxas de infeco.

As fraturas abertas, e particularmente as expostas, j representam feridas contaminadas quando do procedimento cirrgico, ou mesmo infectadas, caso a cirurgia tenha sido retardada por mais de seis horas. Desta forma, existe sempre a indicao de uso de antibiticos, sejam profilticos, nos casos operados precocemente, sejam teraputicos, quando a interveno tardia. O risco de infeco nas fraturas abertas, entretanto, varia conforme a gravidade da fratura e a extenso da leso de partes moles associada, assim como sua localizao e a gravidade de outras leses associadas. Assim, uma classificao baseada na gravidade da leso foi proposta, dividindo as fraturas abertas em trs graus: Grau I fratura aberta com leso cutnea menor que 1cm e comprometimento mnimo de partes moles. Grau II fratura aberta com leso cutnea maior que 1cm e comprometimento mnimo de partes moles. Grau III fratura exposta, com extenso comprometimento de partes moles. IIIA apesar da extensa leso de partes moles, permite a cobertura completa da fratura. IIIB h perda de tecido de partes moles, com arrancamento de peristeo e contaminao macia. IIIC fratura exposta com leso arterial e nervosa que requer reparo cirrgico. As taxas de infeco variam de 0 a 2% nas fraturas de grau I, de 1% a 14% nas fraturas de grau II, e de 9% a 80% nas fraturas de grau III, sendo em torno de 4% nas de grau IIIA, 52% nas de grau IIIB e de 42% nas de grau IIIC. Um aspecto importante que os agentes infecciosos destas fraturas abertas

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variam tambm em funo da sua gravidade, sendo os estafilococos os germes mais freqentes nas fraturas de graus I, II e IIIA, e bactrias gramnegativas como Enterobacter sp. e Pseudomonas aeruginosa os agentes mais freqentes nas infeces em fraturas de graus IIIB e IIIC. Nestes ltimos casos, parece razovel ampliar o espectro dos antibiticos utilizando gentamicina + clindamicina ou amoxicilina/clavulanato. Apesar disso, trabalhos em que se compararam os efeitos profilticos das cefalosporinas de primeira gerao com drogas com maior atividade contra gram-negativos no demonstraram diferenas significativas nos ndices de infeco. O prolongamento da durao da profilaxia tambm no alterou estes ndices. At o presente momento, portanto, a antibioticoprofilaxia para fraturas abertas tratadas precocemente pode ser feita com cefalotina ou cefazolina, iniciada na sala de trauma e mantida em nveis elevados apenas durante o perodo peroperatrio (Quadro 3). O retardo no tratamento exige antibioticoterapia com cobertura para S. aureus e germes gram-negativos. Convm lembrar que, alm do tratamento precoce, a medida mais importante para o sucesso do manejo

das fraturas abertas a cirurgia meticulosa, com desbridamento de tecidos desvitalizados, retirada de corpos estranhos e irrigao profusa com soro fisiolgico. Nas fraturas expostas tratadas tardiamente, importante tambm a colheita de material para exame bacteriolgico no momento da cirurgia, para orientar futuras modificaes no esquema antibitico inicial.

Trauma vascularAs complicaes decorrentes de infeces aps cirurgias vasculares so sempre potencialmente graves, com possibilidade de ocorrer deiscncia da sutura vascular e exsanguinao, formao de pseudo-aneurismas, trombose arterial com isquemia e perda de membros, infeco de enxertos vasculares com sepse e necessidade de amputao. Diante disso, a antibioticoprofilaxia est indicada particularmente nos traumatismos penetrantes, quando a contaminao sempre maior, assim como o risco de infeco. As bactrias mais freqentes nas infeces que se seguem a traumatismos vasculares so S. aureus e E. coli. As drogas recomendadas para profilaxia so as cefalosporinas de primeira

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Quadro 3 Trauma ortopdico Tipo de leso Fratura fechada com reduo cirrgica Fratura aberta de graus I, II, IIIA Fratura aberta de graus IIIB, IIIC Germes mais freqentes Antibitico Cefalotina Cefazolina Oxacilina Cefalotina Cefazolina Cefalotina Cefazolina Comentrios

S. aureus

Durante a cirurgia

S. aureus

Durante a cirurgia Tratamento cirrgico precoce

Gram-negativos; S. aureus

Trauma de partes molesOs ferimentos de partes moles esto entre as leses mais freqentemente observadas nos servios de emergncia. Variam desde feridas puntiformes at extensas laceraes complexas com perda de substncia. Nem todas necessitam de antibiticos. importante, ento, atentar para os fatores de risco envolvidos. Alm da complexidade e da extenso das leses, outro fator de risco o tempo transcorrido entre o trauma e o atendimento, pois, em se tratando sempre de feridas contaminadas, a evoluo por mais de quatro a seis horas permite a proliferao das bactrias ali presentes e modifica o potencial de contaminao da ferida, que passa a ser infectada, requerendo teraputica antibitica, e no mais profilaxia. O conhecimento do agente vulnerante tambm importante. Ferimentos

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gerao, como a cefalotina e a cefazolina, iniciadas no momento do atendimento na sala de trauma. J a durao desta profilaxia assunto controvertido. Nas situaes em que a cirurgia realizada precocemente, em que leses de partes moles e sseas associadas so mnimas e prteses no so utilizadas, a profilaxia pode ser de curta durao, cobrindo o perodo peroperatrio e se estendendo por no mximo 24 horas. J nos casos em que as leses de partes moles e/ou sseas associadas so extensas, em que a contaminao da leso grande ou h necessidade de utilizar prteses sintticas, deve-se prolongar a profilaxia como uma teraputica precoce por perodo varivel em funo das condies locais e sistmicas evolutivas.

causados por projteis de alta velocidade freqentemente provocam grandes perdas de substncia e levam desvitalizao de tecidos circunjacentes, com alto ndice de infeco. Da mesma forma, feridas de partes moles contaminadas por contedo entrico de leses associadas, ou com extensa contaminao exgena e presena de corpos estranhos, tambm se situam entre as de alto risco de infeco. Mais uma vez deve ser enfatizado que tecidos desvitalizados, corpos estranhos e contaminaes macias no devem ser tratados por antibiticos, e sim por procedimento cirrgico adequado. Os antibiticos nestes casos tm papel secundrio e certamente no traro qualquer benefcio na ausncia de cirurgia meticulosa. A escolha do antibitico deve ser baseada na fonte de contaminao. Quando apenas a pele lesada, a droga a ser utilizada deve visar a cocos grampositivos, como estafilococos e estreptococos. Cefalosporinas de primeira gerao, nestes casos, so as drogas de escolha. Convm lembrar que, apesar da contaminao externa extensa observada em algumas feridas traumticas, as bactrias ali presentes e provenientes do meio ambiente em geral no so capazes de promover infeces, exceo feita ao bacilo tetnico, cuja profilaxia deve ser sempre lembrada nas feridas traumticas de partes moles. Na realidade, as bactrias envolvidas em tais infeces so aquelas da prpria microbiota cutnea, que se aproveitam das condies favorveis para gerar infeco. Da a elevada incidncia de infeces por estafilococos nas feridas traumticas. Em ferimentos extensos de extremidades inferiores, entretanto, no infreqente o isolamento de

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germes gram-negativos, o que deve ser lembrado no momento da escolha do antibitico para tratamento de infeces nestes locais. Apesar disto, a profilaxia, quando indicada, deve ser feita com cefalosporinas de primeira gerao. Outra exceo a ferida causada por mordedura de animais ou humanos, quando pode haver inoculao de bactrias da boca, capazes de gerar infeces graves (Quadro 4). Os principais ferimentos encontrados no servio de emergncia e as condutas preconizadas so: feridas puntiformes nos ps o risco de infeco pode ser maior que 20%. Uma srie prospectiva de 80 pacientes estudados demonstrou que a antibioticoprofilaxia oral por 24 horas

reduziu drasticamente este ndice. Recomendamos ainda a ampliao do orifcio cutneo da perfurao, j que o desbridamento difcil nestes casos. A profilaxia antitetnica nos pacientes no-vacinados obrigatria. O antibitico utilizado na profilaxia deve ser uma cefalosporina de primeira gerao; feridas cortantes ou contusas simples quando tratadas dentro das primeiras quatro a seis horas, podem ser lavadas e fechadas primariamente, sem uso de antibiticos, a no ser aquelas situadas em regies de elevada colonizao, como virilhas e axilas. Nestes casos preconiza-se antibioticoprofilaxia com cefalosporina de primeira gerao. Pacientes com feridas tratadas com mais de seis horas

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Quadro 4 Trauma de partes moles* Tipo de lesoFeridas puntiformes Feridas simples Feridas simples

Fatores de risco__ __ Regies de alta colonizao (axilas, virilhas, perneo) Retardo no atendimento ( > 6 horas ) Tecido desvitalizado, corpos estranhos Projteis de alta velocidade Laceraes extensas, leses de mos e de face __

Germes mais freqentesS. aureus; gram-negativos S. aureus S. aureus; gram-negativos

AntibiticoCefalexina __ Cefalotina Cefazolina Cefalexina Cefalotina Cefazolina Cefalotina Cefazolina Amoxicilina/clavulanato

ComentriosAmpliar orifcio cutneo da leso __ Dose nica

Feridas simples Feridas complexas Feridas por PAF Mordeduras por mamferos Mordeduras por cobras Mordedura humana

S. aureus S. aureus S. aureus; gram-negativos S. aureus; Pasteurella multocida; S. viridans; Bacteroides sp. Pseudomonas sp.; Clostridium sp.; S. epidermidis; enterobactrias S. viridans; S. epidermidis; S. aureus; Bacteroides sp.; Peptostreptococcus

Teraputica curta** Teraputica curta**; desbridamento Teraputica curta**; desbridamento Teraputica curta**; desbridamento Terapia primria antiofdica Teraputica curta**; desbridamento

Ceftriaxona

__

Amoxicilina/clavulanato Sulbactam/ampicilina

* Profilaxia antitetnica indicada em todos os casos. ** Trs a cinco dias.

de evoluo devem receber antibioticoterapia de curta durao (trs a cinco dias) com cefalosporina de primeira gerao. Lavagem com soluo salina abundante e desbridamento so indispensveis. Feridas tratadas muito tardiamente devem ser mantidas abertas para retardar o fechamento primrio. Apesar de ter seus adeptos, o uso tpico de antibiticos no recomendado; feridas complexas e com perda de substncia em geral se acompanham de extensa contaminao e requerem teraputica antibitica, alm de cuidados cirrgicos meticulosos. Quando em regio perineal, podem requerer colostomia para desvio do trnsito fecal e reduo da contaminao; mordeduras at o momento no se demonstrou qualquer efeito benfico da antibioticoprofilaxia em mordeduras por ces e outros mamferos que no o homem, quando os ferimentos so pequenos. Nas grandes laceraes, no entanto, particularmente de mos e de face, est indicada a terapia antibitica com amoxicilina/clavulanato por cinco dias. Utilizando-se ou no antibiticos, fundamental a observao diria, freqente, da leso, no sentido de se iniciar ou mudar precocemente o esquema teraputico ao primeiro sinal de infeco, que dever ser associado a explorao cirrgica com desbridamento e drenagem amplos. J as mordeduras humanas so sempre altamente contaminadas e requerem cuidados cirrgicos e limpeza criteriosa, assim como antibioticoterapia visando microbiota cutnea e de cavidade oral. Nos ferimentos tratados precocemente, a droga de escolha amoxicilina/ clavulanato por cinco dias. Quando ocorre infeco, geralmente entre trs e 24 horas aps a mordedura, outras

Trauma de cabea e pescooTrauma de face O tratamento segue os mesmos princpios adotados nos traumatismos ortopdicos. Fraturas abertas com comunicao para a cavidade oral devem ser tratadas com penicilina; e aquelas em que h apenas leso cutnea, com cefalosporina de primeira gerao. A literatura disponvel at o momento no permite concluses quanto durao ideal do uso de antibiticos, mas a maioria dos cirurgies o mantm por perodos mais longos (Quadro 5).

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drogas de amplo espectro podem ser utilizadas, como sulbactam/ampicilina, cefoxitina, ticarcilina/clavulanato ou piperacilina/tazobactam; ferimentos por projteis de arma de fogo (PAF) e por arma branca na ausncia de outras leses associadas que gerem contaminao por enterobactrias, por exemplo, e quando o projtil de baixa velocidade, no h necessidade de antibioticoprofilaxia. J os ferimentos provocados por projteis de alta velocidade e com alto poder de destruio requerem antibioticoprofilaxia com cefalosporina de primeira gerao; profilaxia do ttano pacientes com ferimentos extensos, com grandes reas de tecido desvitalizado e grande contaminao, tm alto risco de ttano, particularmente aqueles no-vacinados ou cuja vacinao foi feita mais de dez anos antes. Nestes casos recomenda-se, alm da imunizao ativa com imunoglobulina antitetnica, a profilaxia antibitica do ttano, que deve ser feita com penicilina G cristalina, 1.500.000UI IV de quatro em quatro horas.

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Traumatismo cervical Pacientes portadores de leses cervicais sem comprometimento traqueoesofgico devem ser tratados segundo os princpios determinados para os ferimentos de partes moles. Quando ocorre leso de traquia ou esfago, a contaminao local por agentes grampositivos aerbios e anaerbios grande, o que determina a indicao do uso profiltico de penicilina, ou cefalotina, ou cefazolina. Pacientes operados precocemente aparentemente no requerem profilaxia por mais de 24 horas (Quadro 5). Fraturas da base do crnio A principal complicao infecciosa nestes casos meningite, que em geral ocorre quando h rinorria ou otorria. Revises da literatura, entretanto, no demonstram reduo dos ndices de meningite com o uso profiltico de antibiticos, e alguns trabalhos, inclusive, sugerem aumento dos casos de infeco em pacientes que fizeram

uso de antibiticos profilticos. Tendo em vista que, quando se usam antibiticos nestas situaes, a droga costuma ser administrada por perodos mais prolongados, o maior problema a modificao da microbiota por germes mais invasivos e resistentes, gerando infeces mais graves. At o momento, portanto, recomenda-se no iniciar antimicrobianos nestes pacientes profilaticamente (Quadro 5). Traumatismo do crnio Traumatismos fechados que exigem craniotomia devem ser manejados como cirurgias eletivas, ou seja, com profilaxia antibitica de curta durao com cefalotina ou cefazolina. Traumatismos penetrantes requerem teraputica antibitica. Um procedimento realizado em servios de emergncia que merece consideraes especiais a colocao de monitores de presso intracraniana, que poderiam predispor ao risco de meningite. No existem, entretanto, at o momento, evidncias de que o uso

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Quadro 5 Trauma de cabea e pescoo Tipo de trauma Fatores de risco Germes mais freqentes Antibitico Comentrios

Face

Fraturas abertas Comunicao com a cavidade oral Leses traqueoesofgicas associadas Fstula liqurica

S. aureus Gram-positivos aerbios e anaerbios Gram-positivos aerbios e anaerbios S. pneumoniae

Cefalotina Cefazolina Penicilina Procana/cristalina

Teraputica curta

Face

Teraputica curta

Pescoo

Penicilina cristalina Cirurgia precoce Cefalotina Antibitico por 24h Cefazolina __ Cefalotina Cefazolina __ Cirurgia precoce Antibitico por 24h

Base do crnio

Crnio

Trauma penetrante

S. aureus; gram-negativos

profiltico de antibiticos nestes casos seja benfico (Quadro 5).

ConclusesO uso de antibiticos no paciente traumatizado freqente, seja com fins profilticos, seja como teraputica precoce. As duas situaes precisam ser bem individualizadas, pois requerem duraes diferentes de uso destas drogas, que no so isentas de efeitos colaterais. O uso prolongado desnecessrio expe o paciente no s a efeitos indesejveis mas tambm ao perigo da seleo de germes

resistentes, o que, no paciente politraumatizado, com os riscos inerentes de infeces em vrios stios orgnicos, pode trazer repercusses extremamente negativas. Infeces por bactrias resistentes so mais difceis de serem tratadas e dificultam a recuperao destes pacientes. Atualmente, mesmo naqueles aos quais se indica uma teraputica precoce, a tendncia administrar cursos mais curtos de antibiticos. O mais importante nestes casos a realizao de procedimento cirrgico cuidadoso, com monitorao e suporte per e psoperatrios minuciosos.

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Questes sobre trauma

2 3 4

De maneira geral, e na ausncia de fatores de risco, qual a durao da profilaxia antibitica no paciente traumatizado que ser submetido a cirurgia?

Como garantir nveis teciduais elevados de antibiticos profilticos durante a cirurgia?

Quais os principais fatores de risco de infeco cirrgica no traumatismo abdominal fechado?

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Quando iniciar a profilaxia antibitica no paciente traumatizado com indicao cirrgica?

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5 6

Que antibitico escolher para profilaxia no trauma penetrante de abdome de paciente idoso ou com instabilidade hemodinmica em que se opta por droga nica?

Que drogas utilizar na profilaxia de infeco cirrgica no trauma torcico com leso esofagiana ou pulmonar?

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Quais as bactrias mais freqentemente isoladas nas infeces que se seguem aos diversos tipos de traumatismos ortopdicos?

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Quais os principais fatores de risco de infeco cirrgica em traumatismos vasculares?

Como proceder diante de mordeduras por animais ou humanos com laceraes extensas?

Vtima de agresso por arma branca h duas horas d entrada na emergncia com ferida cortante em regio inguinocrural sem comprometimento vascular. H indicao para uso de antibitico?

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UOD 0205 EMC ANTIBIOTICOTERAPIA NO TRAUMA CD. 198512