uso de anÁforas em produÇÕes textuais de alunos do primeiro ano do ensino mÉdio

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Artigo das professoras Maria José Morais Honório (UERN) E Crígina Cibelle Pereira (UERN), apresentado no II SIMPÓSIO NACIONAL DE TEXTO E ENSINO (II SINATE) - Pau dos Ferros, 12 a 14 de dezembro de 2012.

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Page 1: USO DE ANÁFORAS EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO

USO DE ANÁFORAS EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS DO PRIMEIRO

ANO DO ENSINO MÉDIO

Maria José Morais Honório

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Crígina Cibelle Pereira

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

1Considerações iniciais

Nos últimos anos, temos presenciado o surgimento de vários estudos

voltados para as questões textuais como (FÁVERO & KOCH, 1983, KOCH, 1999,

APOTHÉLOZ, 2003, dentre outros), os quais abrangem diversos assuntos acerca da

produção escrita, entre eles podemos citar a referenciação e a anáfora considerados

aspectos coesivos.

Nesse contexto, investigamos o uso de anáforas em produções textuais do

nível médio, objetivando, especificamente, identificar anáforas em produções

textuais escritas, bem como descrever o modo que os alunos utilizam essas

anáforas. Para tanto, subsidiamos nossa pesquisa em Andrade (1993), Antunes

(2005), Apothéloz (2003), Berti (2006), Costa Val (2000), Diógenes (2006), Fávero

(2002), Koch (2004), dentre outros. Nosso trabalho caracteriza-se como uma

pesquisa documental, de cunho qualitativo e quantitativo. Analisamos dezesseis

produções textuais escritas, nas quais encontramos cinquenta e nove ocorrências

anafóricas distribuídas em vários tipos de anáforas tais como: vinte e seis anáforas

pronominais; onze anáforas associativas; dez anáforas fiéis; três anáforas

conceituais; duas anáforas conceituais e uma anáfora rotuladora.

Efetivamente compreendemos que esse trabalho servirá de auxílio nas

atividades de produção e interpretação textual, por considerarmos de fundamental

importância a referenciação anafórica nos textos escritos.

2 Considerações teóricas

2.1 O recurso da anáfora na produção textual

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Discutiremos a questão da anáfora, iniciando por algumas noções essenciais

ao entendimento desse processo, sejam elas, a noção de antecedente, de

correferente e de co-significação. Posteriormente, conceituamos tipos de anáforas e

tecemos um breve comentário acerca da atividade de produção escrita no ambiente

escolar à luz de diversos autores da área, a saber: Apothéloz (2003), Haag e Othero

(2003), Zamponi (2003), Diógenes (2006), Silva (2004), Silva (2008), Sant’anna

(2000) Koch (2004b), Koch (2006).

No contexto da referenciação, destacamos, em particular, o caso da anáfora

que será analisada no último capítulo do presente trabalho, nas produções textuais

de alunos do ensino médio. Segundo Apothéloz (2003), a anáfora abrange

propriedades diferentes quanto ao fato da ocorrência do antecedente. Segundo ele a

anáfora pode ser controlada sintaticamente por um antecedente, ganhando, dessa

forma, status de interpretação sintática, ou então depender de fatores contextuais e

pragmáticos.

Apothéloz (2003) afirma que, quando um pronome é sintaticamente ligado,

não necessariamente ele será uma expressão referencial e dois fatores corroboram

com essa afirmação. O primeiro diz que em um pronome ligado sintaticamente a seu

antecedente pode ser uma expressão não referencial. O outro é que em situação

semelhante o pronome não poderá ser substituído por uma palavra sinônima sem

destruir o processo anafórico. Por isso, para que um pronome possua o caráter

referencial é preciso que haja a possibilidade dele ser substituído por outra

expressão que identifique o mesmo referente. Nessa linha de pensamento,

Apothéloz (2003) complementa que os pronomes reflexivos são sempre

sintaticamente ligados ao seu antecedente, por isso, não referênciais, ao passo que

os pessoais, possessivos e relativos comportam os dois funcionamentos. No geral, a

idéia de anáfora designa alguma forma de retomada, seja a um antecedente

lingüístico, ou a um antecedente presente no contexto. Nos dois casos de ocorrência

do pronome podemos obter o processo anafórico.

De acordo com Apothéloz (2003), em se tratando da anáfora vale ressaltar

duas noções básicas à sua conceituação. A primeira é a de correferência, entendida

como a relação entre duas expressões que no discurso representam o mesmo

referente. A segunda é a co-significação, quando uma expressão designa o mesmo

conceito, porém não possui o mesmo referente. Assim, podemos ter co-significação

sem correferência. Estas noções são de fundamental importância na construção e

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recepção de textos, pois, no momento em que elas são utilizadas no processamento

textual fica mais fácil reconstruir o sentido do texto.

Nas palavras de Haag e Othero (2003), o termo anáfora provém do grego e

significa carregar para trás. Segundo Haag e Othero (2003), um elemento coesivo

que auxilia na construção do sentido do texto é o processo da anáfora, pois o

mesmo funciona mostrando ou sinalizando o local em que devemos encontrar o

referente indispensável à compreensão do texto.

Com relação à anáfora, Silva (2008) complementa que no início a anáfora foi

vista como uma espécie de substituta de uma expressão antecedente que fazia

retomada no texto, mas, ao longo dos estudos percebeu-se que há casos de

anáforas que não possuem referentes já inseridos no texto. A partir daí passou-se a

ter uma visão mais abrangente sobre a anáfora.

Apothéloz (2003) define cinco tipos de anáfora, fiel, infiel, por nomeação, por

silepse e associativa: (i) a anáfora fiel é aquela em que uma expressão introduzida

anteriormente no texto é repetida e antecedida por um definido ou demonstrativo; (ii)

a anáfora infiel, na qual a expressão que retoma o antecedente não se repete

literalmente, é utilizado um sinônimo ou hiperônimo; (iii) a anáfora por nomeação

ocorre quando um sintagma nominal transforma uma seqüência de enunciados

precedentes ao item anafórico em referente. Esse tipo de anáfora não se resume a

retomada de informação, mas aos aspectos específicos do discurso; (iv) a anáfora

por silepse consiste em adequar a concordância das expressões segundo o sentido

e não segundo a gramática; (v) a anáfora associativa é aquela em que os

conhecimentos compartilhados são de fundamental importância para a retomada,

pois, como o próprio nome diz, o sentido será construído com base nas associações

semânticas e inferências supostamente realizáveis pelo interlocutor.

Com relação à anáfora associativa Zamponi (2003) expõe que ela tem as

seguintes características: os objetos-de-discurso são criados devido às informações

que já constam no contexto anterior; não são expressões correferentes a um

antecedente e inserem um objeto novo como se ele já fosse conhecido.

Zamponi (2003) argumenta que a relação existente entre anáfora associativa

e anáfora indireta ocorre sob duas visões conceituais: a anáfora indireta se configura

como um processo mais abrangente e a anáfora associativa faria parte desse

processo, sendo assim, a interpretação depende de inferenciação, transformando os

termos relacionados em quase sinônimos.

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Segundo Koch (2006, p. 107) nos traz a seguinte definição sobre anáforas

indiretas: “trata-se de uma configuração discursiva em que se tem um anafórico sem

antecedente literal explícito cuja ocorrência pressupõe um denotatum implícito, que

pode ser reconstruído, por inferência, a partir do co-texto precedente”. Assim,

percebemos que o antecedente que será o referente no discurso está na situação

extralingüística, configurando a referência exofórica. A questão associativa seria

uma estratégia referencial, na qual as expressões anafóricas que não contém o

referente explícito no texto, passam a ser compreendidas graças inferenciação

possibilitada pelos elementos explícitos no texto

Koch (2006) vai ao encontro do posicionamento de que a anáfora associativa

é um subtipo das anáforas indiretas. No entanto, nos diz que as anáforas indiretas

têm recebido denominações diversificadas e de certa forma desconexa quanto aos

conceitos que postulam. Segundo Koch (2006) esse tipo de anáfora também é

chamada de inferenciais, mediatas, profundas e semânticas

Diógenes (2006) é tributária da concepção de anáfora associativa como

subtipo das anáforas indiretas e expõe que nas anáforas associativas há uma

relação de “ingrediência” entre os termos que se associam. Segundo ela, na anáfora

associativa é preciso localizar expressões que pertençam ao mesmo campo

semântico, e a partir disso os referentes poderão ser construídos.

Outro tipo de anáfora é a anáfora conceitual. De acordo com Silva (2004, p.

44) “entendemos anáfora conceitual como aquela que não se refere diretamente a

um antecedente textual, mas cujo referente é estabelecido a partir de uma relação

conceitual, entre ela e seu antecedente”. Nesses termos, Silva (2004) nos apresenta

que a resolução dessa anáfora acontece quando os leitores realizam inferências e

buscam reconhecer o referente que estar presente no co-texto, ou no conhecimento

de mundo que o produtor do texto julgou compartilhado entre ele e seu interlocutor.

Silva (2004) aponta as propriedades que essa anáfora deve apresentar.

Segundo a autora deve ser representada por um pronome em número plural; ter

como base um sintagma nominal antecedente no singular que permita ao

interlocutor relacionar os conceitos necessários à interpretação; não ter um

correferente.

Nas conceituações de anáfora pronominal, Haag e Othero (2003, p. 68)

afirmam que esse é o tipo de anáfora mais comum. De acordo com eles, “ela

acontece quando um pronome (pessoal ou demonstrativo) retoma um sintagma

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nominal”. Dessa forma, sempre que um pronome retomar um sintagma nominal,

independente de sua extensão, estaremos diante de uma anáfora pronominal.

Sobre esse tipo de anáfora Sant’anna (2000) esclarece que pronomes

pessoais, e pronomes possessivos por serem descrições definidas têm como

possibilidade preferencial de antecedente os sintagmas nominais. No tocante às

anáforas pronominais demonstrativas além dessa possibilidade, elas podem também

referir ao predicado de uma sentença, a sentença inteira, a uma junção de

sentenças ou até mesmo ao texto na íntegra. Por esse motivo, as anáforas

pronominais demonstrativas possuem um grau de dificuldade maior para sua

resolução com relação aos outros tipos de pronomes.

Encontramos em Koch (2004b) a anáfora rotuladora definida pela utilização

de uma forma nominal para recategorizar seqüências lingüísticas precedentes no

texto, resumindo-as sob um determinado rótulo. Dessa forma a autora expõe que

esse processo mobiliza tanto a informação dada como a informação nova.

Koch (2004b) também discorre acerca das anáforas metadiscursivas que não

sumariza a informação precedente, mas centraliza a enunciação, caracterizando a

informação precedente como uma forma de atividade metadiscursiva.

Charaudeau e Mainguneau (2004 apud DIÓGENES 2006) postulam a

definição da anáfora adverbial, realizada quando uma palavra do texto é referida

através de um advérbio.

O recurso da anáfora é utilizado na atividade de produção escrita. Nesse

sentido, acreditamos que o trabalho de produção escrita quando bem

orientado/direcionado influencia diretamente na qualidade da produção escrita e no

uso adequado da anáfora. Nossas discussões ajudaram a compreender as

dificuldades vivenciadas pelos alunos nas produções, principalmente no tocante ao

uso anafórico.

3 Anáforas em produções textuais: análise dos dados

Gostaríamos de, inicialmente destacar que as anáforas retiradas das

produções textuais foram analisadas observando a seguinte característica: (i)

freqüência da ocorrência e tipo de anáfora. Foi criado um código para cada

produção, o qual é composto pela letra P que representa o termo produção, pela

letra A que significa aluno, e por um número em ordem crescente que indica a

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ordem de análise dos textos. Nesse sentido teremos: PA1, PA2, PA3, etc. Quanto ao

gênero a produção é inserida no relato pessoal.

Apresentamos os diferentes tipos de anáforas encontradas no nosso corpus.

0

5

10

15

20

25

30 26

11 10

3 21

QUANTIDADES DE ANÁFORAS

ANÁFORA PRONOMINAL

ANÁFORA ASSOCIATIVA

ANÁFORA FIEL

ANÁFORA ROTULADORA

ANÁFORA CONCEITUAL

ANÁFORA ADVERBIAL

Gráfico 01: Quantidades de anáforas

Em nossa pesquisa foram localizadas cinqüenta e três anáforas, divididas

entre tipos diferentes. Nesses termos, nossa escolha pelas anáforas pronominal,

associativa e fiel deu-se em virtude do número de ocorrências nas produções

textuais dos alunos.

4.1 Anáfora pronominal

Nesse primeiro momento, analisamos as anáforas pronominais, apresentando

as ocorrências desse tipo de anáfora. Percebemos que as anáforas pronominais

ocorrem com a utilização de dois tipos de pronome: o pessoal e o demonstrativo. O

pronome pessoal refere à pessoa no discurso e o demonstrativo refere porções

maiores do texto. Isso significa que os alunos que produziram os textos utilizaram os

dois tipos de pronomes, escolhendo o que no momento mais se aproximava da sua

intenção comunicativa.

A presença frequente da anáfora pronominal pode ser atribuída às

características do próprio pronome. Por ser uma classe de palavra vista como

categoremática, o seu entendimento depende da referência que deve ser realizada

entre o pronome e o significado lexical presente no contexto. Por essa característica,

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constatamos que a utilização do pronome configura-se como processo anafórico por

natureza.

Vale destacar que nem todos os pronomes são utilizados anaforicamente, ou

pelo menos em todas as situações. Nesse contexto, relembremos as palavras de

Koch (2008) que nos expõe que a referência pode ser realizada sob três aspectos:

pessoal, demonstrativa e comparativa. Diante desse posicionamento, percebemos

que os pronomes citados são propícios ao uso anafórico, e ao relacionarmos à

nossa análise, percebemos que foram os mesmos que ocorreram nas produções.

As anáforas pronominais ocorrem com o uso de diferentes pronomes.

Observamos a presença de pronomes pessoais (ele, ela, nós, elas, elas) e

pronomes demonstrativos (isso, aquela, naquele, esse, desse, dele) realizando o

processo anafórico. Percebemos também, que há produções escritas que

contemplam um ou outro tipo de pronome, ao passo de outras produções que

contemplam os dois tipos, pessoal e demonstrativa. Há também as que não

apresentam uso delas. Diante desse fato, observamos que o relato pessoal facilita a

utilização de pronomes pessoais de primeira e de terceira pessoa do singular e do

plural. Há produções que uma única pessoa discorre sobre um fato vivido, mas

também teve produções que contemplaram pronomes de terceira pessoa do plural

por estar envolvido em vários relatos a presença de outras pessoas que viveram o

fato relatado.

Nos relatos pessoais analisados não há a ocorrência de pronomes de outra

natureza, além do pessoal e demonstrativo. No texto, esse fato implica na

manutenção das características do relato, ou seja, as informações do texto estão

interligadas apenas as pessoas que participaram da ação e aos lugares nos quais a

ação ocorreu.

Constatamos que 100% dos alunos referem pronominalmente identificando o

referente. Isso significa que no tocante as anáforas pronominais os alunos do 1º ano

do Ensino Médio souberam realizar a referência de maneira adequada. Isso significa

que os alunos no momento da escrita utilizaram adequadamente a função sintática

do pronome. Compreendemos, conforme Koch (2008), que os pronomes pessoais e

demonstrativos podem ter funções diferentes dentro do texto e é isso que acontece

nas produções analisado.

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Que fui para uma festa e voutei muito tarde meu pai brigou muito e não gostou do que eu fiz, ele começou a da bronca em mim [...]

Uma vez Quando eu era muito pequeno ia segurando do lado do carro da minha mãe numa bicicleta e ela no carro [...]

A anáfora pronominal com o uso de pronome pessoal acontece quando o

pronome refere a sintagmas nominais que representavam pessoas. Observemos os

exemplos abaixo retirados de PA4 e de PA6:

Exemplo 1

Exemplo 2

No exemplo 1, o pronome ele se refere ao termo pai. No exemplo 2, o

pronome ela se refere ao termo mãe. As anáforas pronominais referiram a um

sintagma nominal do contexto precedente. Como já vimos, o pronome tem essa

função de retomar sintagmas nominas que representam pessoas, mesmo porque ele

não possui significado lexical, nesses termos os pronomes pessoais referem

diretamente às pessoas envolvidas no discurso.

Os pronomes demonstrativos sempre se referem a porções maiores do texto,

não apenas a uma palavra. Comprovamos essa afirmação com os seguintes

exemplos retirados da PA1 e PA6 respectivamente.

Exemplo 03

Tem dias que se acordo disposto, mas tem dias que não da vontade nem de se levantar da

cama. Minha mãe diz que isso faz mal, [...]

Exemplo 04

Uma vez Quando eu era muito pequeno ia segurando do lado do carro da minha mãe numa

bicicleta e ela no carro [...]

Então esse é o meu relato.

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No exemplo 03, percebemos que o pronome isso se refere ao fato da pessoa

acordar-se com vontade de não levantar da cama. No exemplo 04, esse se refere a

todo o texto construído, que seria o fato de uma pessoa viajar segurando ao lado de

um carro e ter acontecido um imprevisto, a pessoa ter caído, quebrado o nariz e ter

sido levado para um hospital. Nesses exemplos, percebemos que o referente de

cada pronome não se resume a uma palavra, mas a uma proposição anterior ou ao

próprio texto completo.

O uso do pronome seja ele pessoal ou demonstrativo nos textos analisados

contribuíram para tornar o texto mais conciso e aceitável pelo fato de não haver

repetições exagerada de termos. Os referentes são sintagmas retomados pelo uso

do pronome, o que origina a anáfora pronominal.

4.2 Anáfora associativa

Descrevemos as ocorrências anafóricas associativas, realizando a análise de

suas ocorrências. As anáforas associativas ocorrem quando um termo é retomado

a partir de outros termos que se associam semanticamente no decorrer do texto.

Nesse sentido, percebemos que são vários os contextos que ocorrem as anáforas

associativas.

Os textos analisados nos mostram que as anáforas associativas são bastante

contempladas nas produções textuais. Os alunos fazem uso de diversas palavras

que se associam semanticamente para efetuar esse tipo de retomada anafórica.

Percebemos que os produtores dos textos relatam múltiplas situações de seu

cotidiano e para tanto se utilizam de anáforas associativas para manter a progressão

textual, reavivando de forma indireta os referentes do texto. Esse fato também

possibilita a coesão nos textos analisados, pois ao buscar resgatar o referente o

interlocutor percebe as relações existentes entre os enunciados.

O uso frequente da anáfora associativa deve-se ao fato da necessidade que o

produtor de texto tem de certa forma relembrar de que se estar falando. Nossos

posicionamentos vão ao encontro de Koch (2006) que nos diz que as anáforas

indiretas são formas nominais que possuem dependência interpretativa em relação a

outras expressões no texto e seus referentes são ativados através de processos

inferenciais, possibilitando a utilização dos conhecimentos armazenados na memória

do interlocutor.

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Nesse sentido as anáforas associativas se configuram como um processo que

exige certo grau de inferências para a percepção da associação entre os termos que

estão distribuídos nas sequências textuais.

Percebemos que uma expressão linguística desencadeia a ocorrência de

outras expressões que se associam semanticamente. Constatamos também que as

circunstâncias ou contextos que as anáforas associativas ocorrem são variados

(escola, festa, menstruação, jogo de futebol, etc) e esse tipo de anáfora favorece a

introdução de novos objetos-de-discurso.

Como já dissemos anteriormente, as anáforas associativas ocorrem com a

utilização de um termo (um nome) que serve de base para a interpretação semântica

dos termos que ao longo do texto vão lhe fazer referência. Nesse sentido,

observamos a ocorrência de um determinante, expressão que acompanha o nome

fornecendo-lhes informações. Observamos que foram variados os tipos de

determinantes encontrados nas produções dos alunos (de, os, a, as, no, deu, ao,

uma, o, do, da, minhas, meu). Por se relacionarem a contextos diferentes os

determinantes são também diversificados.

Vimos que a anáfora associativa acontece quando os chamados objetos-de-

discurso são introduzidos no texto com uma acepção de novo, porém é considerado

como conhecido por referir associativamente a elementos já introduzidos no texto.

Essa característica possibilitou nos textos analisados os dois movimentos de

construção textual: a progressão e a retroação. Nestes termos, os textos se

desenvolveram quando os objetos-de-discurso foram introduzidos com caráter de

novo, enquanto que a retroação se realizou pela retomada através de palavras

pertencentes ao mesmo campo semântico.

Como já mencionamos anteriormente 20,75 % das ocorrências encontradas

nos textos analisados foram anáforas associativas, ocupando o segundo lugar em

quantidade das ocorrências. Percebemos várias situações em que um termo se

relaciona com outros termos no decorrer da produção escrita. Vejamos alguns

exemplos de anáforas extraída da PA2 em que o produtor utiliza anáforas

associativas.

Exemplo 05

Em um certo dia de festa, namorado e amigos combinaram de beber, comprar litros e

litros de wisck [...].

Page 11: USO DE ANÁFORAS EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO

Exemplo 06

[...] De noite em plena festa minha menstruação simplesmente desceu, me deu cólicas e

eu estava revoltada, contra tudo e contra todos. Um dos motivos era que eu estava

ajudando meu irmão no bar e o namorado não chegava, depois de muito tempo, tentei curtir

a festa, mas não consegui pois a cólica falava mais alto naquele momento. Fui dar uma

volta, e por incrível que pareça uma coisa absurda me aconteceu, fui queimada com um

cigarro. Bom, como eu já não agüentava de dor fui ao hospital tomar uma injeção e pra

variar meu dedo já estava enxado e roxo da queimadura, mas no final deu tudo certo!

Esses exemplos nos mostram que o referente festa no exemplo 05 e

menstruação no exemplo 06 dão margem interpretativa aos elementos anafóricos,

ou seja, a partir da informação semântica contida em uma determinada expressão

introduzida no início do discurso, podemos relacionar e compreender outras que se

seguem por pertencerem ao mesmo campo semântico. Em festa temos beber, litros,

wisck; relacionando-se semanticamente, em menstruação temos cólicas, dor,

hospital, e injeção realizando a associação.

O uso de mais de uma anáfora associativa na mesma produção atribuiu ao

texto um caráter de informações diferentes desenvolvidas em paralelo. Observamos

que o produtor do texto conseguiu conduzir duas temáticas ao mesmo tempo. E

nessa circunstância as associações semânticas conduziam ao leitor a distinção dos

temas que foram tratados nas produções.

Nesses termos, percebemos que de maneira geral o termo anafórico não

correfere a nenhum antecedente e são instruções novas tidas como dadas, fato

coerente com o posicionamento de Zamponi (2003) em relação às anáforas

associativas.

Essa estratégia de construção do sentido através do uso de palavras que

pertencem ao mesmo campo semântico é pertinente nas produções de textos no

ambiente escolar. No momento que os alunos do Ensino Médio nos textos

analisados utilizaram a anáfora associativa, conseguiram construir sentido para a

produção escrita, pois essas anáforas realizaram as ligações necessárias entre as

seqüências linguísticas.

4.3 Anáfora fiel

Page 12: USO DE ANÁFORAS EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO

Analisamos a anáfora fiel, considerando a ocorrência da anáfora. Vimos que

esse tipo de anáfora também foi significativa nas produções escritas dos alunos.

Esse fato pode ser relacionado à intenção que o produtor de texto tem em reativar

no desenvolver do discurso o mesmo referente. Assim como nas anáforas

pronominais e associativas, as fiéis também possibilitam elos coesivos entre

seqüências do texto porque reafirmam frequentemente o referente do texto.

Percebemos uma semelhança nos motivos que desencadearam as anáforas

associativas e fiéis, que é a necessidade de relembrar o referente o qual se fala,

configurando o movimento de retomada textual e, por conseguinte, fazer o texto

prosseguir. No entanto, se diferenciam pelo uso de nomes diferentes que se

associam semanticamente nas anáforas associativas e pelo uso do mesmo nome

nas anáforas fiéis.

A anáfora fiel ocorre com a repetição do mesmo item lexical, apresentando

variação de determinante, palavra que acompanha o termo anafórico passando-lhes

informações de número e gênero. Nos textos analisados esse tipo de anáfora gerou

facilidade em compreender o sentido do que se estar falando, pois a repetição literal

possibilitou a retomada a referentes explícitos previamente de modo muito claro (o

campinho – do campinho, o pé – meu pé, do carro - o carro, dentre outros) e sem

resoluções anafóricas complexas.

As anáforas fiéis, segundo Apothéloz (2003), se configuram pela repetição do

mesmo item lexical antecedido por um determinante que geralmente varia. Diante

dessa afirmação, constatamos que o fato da anáfora fiel estar bastante presente nas

produções dos alunos se deve a própria repetição de termo, correspondendo a

18,86 % do total das anáforas encontradas. Essa porcentagem revela que as

anáforas fiéis são formas de referir e produzir coesão nos textos dos alunos do 1º

ano do Ensino Médio e esse fato deve ser visto como uma possibilidade de

aprimorar os estudos de referencia dos alunos porque elas já usam esse tipo de

retomada.

Torna-se mais compreensível e simplificado a resolução anafórica que

apresenta o mesmo item lexical. Esse fato não se aplica apenas a quem produz o

texto, mas também, a quem vai recebê-lo. Nessa anáfora não há necessidade de

inferências ou cálculos mentais complexos para entender quem é o referente, pois,

ele já estar dito literalmente, como podemos observar nos exemplos que seguem e

Page 13: USO DE ANÁFORAS EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO

apresentam também a necessidade que os produtores do texto tiverem em resgatar

a informação principal do texto.

Exemplo 09

Eu estudo, quando estou em casa eu assisto televisão ou vou para o campinho jogar bola

quando eu chego do campinho [...]

Exemplo 10

Aconteceu que eu furei o pé, com um toquo, e esse acontecido, furou o meu pé e pegou 6

pontos [...]

O exemplo 09, apresenta-nos as expressões o campinho e do campinho.

Podemos observar que o termo que se repete (campinho) tem apenas uma

mudança de determinante, a primeira expressão campinho no exemplo 09 é

acompanhada pelo determinante o e a segunda expressão campinho é

acompanhada pelo determinante do. E nesse caso a referência é feita através da

repetição literal. No exemplo 10, constatamos o mesmo fenômeno. A primeira

expressão pé é acompanhada pelo determinante o e a segunda expressão pé é

acompanhada pelo determinante meu. A referência é feita por meio de repetições.

Nossos exemplos, bem como, as ocorrências que não destacamos na análise

seguem essa mesma característica.

No contexto do ensino de língua a resolução anafórica pode ser um tema

para ser desenvolvido em sala de aula. A anáfora quando empregada

adequadamente contribui para o desenvolvimento e compreensão do texto, ao

passo que se for utilizada de maneira inadequada prejudica a coerência do texto.

Dessa forma, a anáfora tem sua aplicabilidade ao ensino de língua por estar

presente na produção escrita.

Nas produções analisadas percebemos que todas as anáforas analisadas

foram utilizadas adequadamente. Nesses termos, o uso de anáfora pelos alunos

contribuiu para a coesão do texto e conseqüentemente, no que diz respeito aos

processos de referenciação anafóricos, contribuíram para a coerência textual.

Almejamos que nossa pesquisa possa acrescentar qualitativamente ao ensino

de língua materna, ao disponibilizar aos profissionais da área um estudo detalhado

Page 14: USO DE ANÁFORAS EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO

sobre o uso da anáfora. Nossa contribuição se relaciona diretamente com a

produção e interpretação de textos, fato que inclui a questão da referenciação. De

posse dos nossos resultados os profissionais da área poderão encontrar auxílio na

exploração da atividade textual.

4 Considerações finais

Considerando a problemática do estudo da anáfora na presente pesquisa,

buscamos investigar o uso de anáforas em produções textuais do primeiro ano do

Ensino Médio. Para tanto, identificamos nas produções o uso das anáforas

pronominais, associativas, fiéis, rotuladora, conceitual e adverbial.

Quanto a recorrência, obtivemos como resultado que a anáfora pronominal foi

a mais freqüente nas produções textuais escritas dos alunos. As anáforas

associativas também foram bastante presentes, como também houve a presença

significativa das anáforas fiéis, por serem as anáforas que mais ocorreram as

analisamos.

Com base nesses posicionamentos, observamos a ocorrência de vários tipos

de anáforas e analisamos o uso dessas anáforas dentro das produções textuais

escritas, atendendo dessa forma aos objetivos propostos.

Nossa pesquisa apresentou algumas limitações como o fato de termos

pesquisado somente uma turma do Ensino Médio e não termos analisados as

anáforas menos ocorrentes dos textos analisados. Nesse sentido, seria também

interessante um estudo mais abrangente, contemplando mais turmas analisadas e

desenvolvendo uma análise que contemplasse todas as anáforas encontradas.

Outra possibilidade seria comparar as ocorrências anafóricas nos gêneros relato

pessoal e outro gênero textual, buscando refletir se há diferenças nas ocorrências

anafóricas entre os dois gêneros.

A problematização da anáfora está relacionada à produção e compreensão

textual. Nesse sentido, entendemos que nossas discussões sobre a anáfora podem

contribuir qualitativamente com a prática docente na atividade de produção textual

escrita, visando explorar nos alunos o mecanismo de referenciação anafórica, para

que possam produzir textos escritos com qualidade. Os dados aqui obtidos e

analisados devem servir de base para direcionamentos de trabalhos com textos,

Page 15: USO DE ANÁFORAS EM PRODUÇÕES TEXTUAIS DE ALUNOS DO PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO

pois ao conhecer as regularidades e usos de anáforas, as práticas de ensino

ganham qualitativamente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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