uso de acucar nas cervejas

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Palestra “Uso de Açúcar em Cervejas” 16 de junho de 2010 Danivel Vilmar Ropelato [email protected]

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Page 1: Uso de Acucar Nas Cervejas

Palestra

“Uso de Açúcar em Cervejas”16 de junho de 2010

Danivel Vilmar [email protected]

Page 2: Uso de Acucar Nas Cervejas

R einheitsgebot! Não poderia começar um texto sobre o uso de açúcar em cervejas sem comentar algo sobre a tão divulgada lei de pureza alemã. A lei decretada por Guilherme IV em 1516, baseia-se em uma tentativa de manter a qualidade da cerveja distribuída à população sem a adição de

componentes como cinzas, cogumelos, raízes, derivados de animais, dentre outros possíveis agentes nocivos a saúde, utilizando-se apenas de água, malte e lúpulo. Aplicada inicialmente a região da Baviera, progrediu para alguns estados da Alemanha, aplicando-se a todos os estados no ano de 1906, sendo adicionada a lei o uso do fermento como ingrediente básico e permitida a utilização de malte de trigo em cervejas de alta fermentação.

Estratégia de marketing, ou sinônimo de qualidade, não podemos negar que é um diferencial em meio às cervejas nacionais produzidas com alto teor de “cereais não maltados”, mas nem por isso países como a Bélgica deixam de produzir cervejas de ótima qualidade utilizando adjuntos como ervas, especiarias, aveia, açúcar…

Mas então, porque utilizar açúcar eM uMa cerveja?

Basicamente para tornar a cerveja mais “digestível”. Hmm mas... Digestível? Digestibilidade da cerveja está intimamente relacionada com o corpo da cerveja (mouthfeel) e este por sua vez, relacionado com a densidade final. Segundo Palmer (2006) os dois constituintes mais importantes para o corpo da cerveja são: “açúcares não fermentáveis e proteínas.

Açúcares caramelizados como os açúcares dos maltes caramelos, e açúcares de cadeia longa como as dextrinas, são exemplos de açúcares não fermentáveis. As dextrinas são açúcares sem sabor específico que adicionam corpo/viscosidade para a cerveja. Maltes como carared, caraamber, chocolate dentre outros, possuem uma quantidade maior de açúcares caramelizados devido o processo de produção destes maltes. O potencial de densidade destes maltes é parecido com o malte base (pilsen/pale ale), mas solubilidade não significa que ele é fermentável. Os açúcares destes maltes contribuem para a fermentação e geram dulçor residual, além de contribuir para uma densidade final mais alta.

Já as proteínas mais importantes para o aumento do corpo de uma cerveja, são as chamadas de proteínas de tamanho médio. Durante a parada protéica as peptidases quebram as proteínas em proteínas médias e as proteínas médias em proteínas pequenas. Nos maltes utilizados atualmente, a maioria das proteínas já foram convertidas em proteínas médias e proteínas pequenas, devido ao desenvolvimento dos maltes, e a realização de uma parada protéica iria reduzir ainda mais o corpo, por degradação das proteínas médias”

Se avaliarmos as cervejas belgas (usarei elas como exemplo por enquanto) observamos que em sua maioria, apresentam um corpo médio-baixo a médio-alto, mas não são cervejas extremamente viscosas. Se verificarmos as proteínas, através da espuma (sendo um dos fatores para retenção de espuma), estas cervejas apresentam espuma bastante duradoura formando o famoso “Belgian Lace”. Se alterarmos as proporções de proteínas nas cervejas, corremos o risco de perder as características da espuma, clássica dos estilos belgas, sobrando apenas a relação de açúcares fermentáveis para alterar. Como já citado, o uso de grandes quantidades de malte caramelo tendem a gerar maior quantidade de açúcares não fermentáveis, então seu uso deve ser moderado, o que não ocorre na adição de açúcares caramelizados.

 

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Resumindo, uma cerveja com densidade final de 1,010 SG é mais digestível (menor corpo) que uma cerveja com 1,020 SG.

Mas existe outro fator que exerce influência na densidade final da cerveja, a relação densidade inicial e atenuação do fermento. Irei explicar com uns exemplos:

Supondo um fermento qualquer com atenuação de 75%. Pegamos agora uma cerveja com •densidade inicial de 1,050 SG, fazendo 50 x 0,75 = 37,5, então 1,050 – 1,0375 temos uma densidade final de 1,012 SG.

Se refizermos esse cálculo com uma cerveja com densidade de 1,080 SG, teremos: 80 x 0,75 •= 60, então 1,080 – 1,060 temos a densidade final de 1,020 SG. Em relação a 1,012 SG, a densidade de 1,020 SG é 60% superior a anterior. Supondo que o açúcar adicionado ao processo fosse completamente degradado, sem elevar a densidade final, ai que entraria a utilização de açúcar para a diminuição do corpo das cervejas.

Segundo o guia norte americano de estilos de cerveja o BJCP (Beer Judge Certification Program), cervejas do estilo belga tem as seguintes designações de corpo e entre parênteses a variação da densidade inicial (OG) e da densidade final (FG):

“18A – Belgian Blond Ale (OG:1,062~1,075; FG:1,008~1,018): Medium body (corpo médio).

18B – Belgian Dubbel (OG:1,062~1,075; FG:1,008~1,018): Medium –full body (corpor médio-alto).

18C – Belgian Tripel (OG:1,075~1,085; FG:1,008~1,014): Medium-light to medium body (corpo médio-baixo a médio).

18D – Belgian Golden Strong Ale (OG:1,070~1,095; FG:1,005~1,016): Light to medium body (corpo baixo a médio).

18E – Belgian Dark Strong Ale (OG:1,075~1,100; FG:1,010~1,024): Trappist versions, medium light to medium body (Versões trapistas, corpo baixo-médio a médio).”

Se levarmos em conta que a maioria dos fermentos possui em média 75% de atenuação, praticamente nenhum estilo poderia ser produzido sem a utilização de açúcar. Segundo Pierre Roujette (Classici beer styles 6 - Belgian Ale), a atenuação das cervejas dos estilos belgas fica ao redor dos 80~85%, sendo que a utilização do açúcar é o principal fator na geração da atenuação, associado ao aumento gradativo da temperatura após alguns dias de fermentação.

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Motivos para utilizar açúcar ou seus derivados eM receitas

Produção de mosto com densidade inicial de 1,070 SG ou superior é economicamente inviável 1) e desnecessário, pois os sabores/aromas/gosto não são elevados colocando mais malte.

Contribuição para “corpo pesado”.2)

O uso de açúcares irá aliviar o corpo e aumentar a sensação e quantidade de álcool, resultando 3) em uma cerveja mais digestível e refrescante.

Evitar a utilização excessiva de maltes.4)

Atingir sabores fornecidos pelos açúcares caramelizados e que não são conseguidos através 5) do uso de maltes.

Já em alguns pontos é preciso ter cuidado. O uso de grandes quantidades de açúcares em mosto com densidade inicial muito baixo (por exemplo, 1,040 SG), poderá ocasionar a falta de nitrogênio para o fermento, gerando uma fermentação fraca e com alta densidade final, o que é facilmente evitado em mostos com densidade inicial superior a 1,060 SG.

Apesar de não ter realizado ainda, acredito que realizando uma sacarificação por tempo prolongado (90 minutos ou mais, na sacarificação beta ~64ºC) irá gerar mais açúcares fermentáveis, elevando a atenuação do fermento.

tipos de “açúcar”

Açúcar Invertido•

É a sacarose (açúcar comum) que sofreu hidrólise em meio ácido, gerando dextrose e frutose. É assim chamado por fazer um feixe de luz polarizada se deslocar para a esquerda. É o melhor tipo de açúcar para ser adicionado a cerveja, pois gera o menor estresse possível para as leveduras, pela sua fácil digestão pelo fermento (quando não se quer adicionar corpo a cerveja).

Candi Sugar:•

É produzido através da cristalização lenta de uma solução altamente concentrada de açúcar quente, sendo levemente acidificado (pH próximo de 5) tornando o açúcar invertido. Sendo ainda, resfriado em tanques com cordas de algodão penduradas para a formação dos cristais nestas. São usados para aumentar a retenção de espuma e aumentar a complexidade.

 

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Quanto à coloração temos:

Clear Candi Sugar: • 0,5 SRM

Amber Candi Sugar: • 75 SRM

Dark Candi Sugar: • 275 SRM

As variações de coloração são dependentes do nível de caramelização do açúcar.

Quanto a Forma:

“Rocks”ou Pedras: Forma sólida, cristais de açúcar que tendem a se agrupar em locais de alta •umidade.

Liquid: Forma líquida, menos estável microbiologicamente, mas mais fácil para as grandes •cervejarias.

Açúcar de cana:•

Dissacarídeo composto de glicose mais frutose, mas precisa ser quebrado pelo fermento para poder ser usado nas suas formas mais simples (glicose e frutose), além de inverter a sacarose caso ainda não tenha ocorrido. Um problema relatado do seu uso seria um sabor padrão de “cidra”, mas que se perde com algumas semanas após o engarrafamento. Usado para diminuir o corpo da cerveja e diminuir a coloração.

Glicose:•

Também chamada de dextrose (quando invertido) ou açúcar de milho. É um monossacarídeo derivado de outros açúcares e pronto para uso do fermento. Uso para elevar o álcool, diminuir a coloração e diminuição dos custos da cerveja.

Melado:•

Extremamente variável. Para os americanos, pode explicar uma mistura de açúcar com impurezas, representando 90% de compostos fermentáveis (“molasses”). Já para os ingleses o chamado “Treacle” é um tipo de açúcar acidificado sendo o resíduo do refinamento do açúcar comum e com menor percentual fermentável. O maior problema é adquirir um produto padrão.

Açúcar Mascavo:•

Também chamado de “Brown Sugar” nos EUA. Adiciona um sabor característico na cerveja. Também possui o problema de ser bastante variável conforme o fabricante.

 

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qual a quantidade a usar eM uMa receita?

A resposta é, depende…

Primeiramente, o cervejeiro necessita saber como calcular a adição de açúcar na cerveja. Vários livros explicam que a quantidade de açúcar em cervejas belgas pode atingir 20%, mas esse valor representa a quantidade de açúcar referente à densidade e não ao peso final dos grãos. Segue um exemplo para explicar melhor:

Em uma receita para 20L com 6Kg de grãos e com eficiência de 80%, teremos uma cerveja com densidade inicial de 1,075 SG. E usando 15% de açúcar nessa receita, caso calculamos a partir da densidade teremos 1,075 x 15% = 1,011 SG pontos de densidade a elevar na receita, tornando-a com densidade inicial com maltes de 1,064 SG. Agora se calcularmos a partir do peso final de malte, teríamos 6Kg x 15% = 900gr de açúcar mais 5,1Kg de malte, sendo que a densidade gerada pelo malte seria de 1,063 SG e a acrescentada pelo açúcar seria de 1,018 SG tornando a densidade final da leva em 1,081 SG, e a % de açúcar referente a densidade seria de 22,2%, ou seja, elevada em relação ao máximo sugerido para uso. E isso se deve ao fato de que o açúcar possui um potencial de densidade maior que os maltes (maltes próximo a 1,036 SG contra 1,046 SG do açúcar).

Um dos efeitos da adição do açúcar é deixar a cerveja mais alcoólica, por isso o cuidado de adicionar a quantidade certa à cerveja. Como sugestão para cervejas do estilo Belga, poderíamos seguida a tabela abaixo:

Densidade Inicial (DI)

% de Açúcar da DI

Densidade do açúcar na DI

Densidade a ser atingida com grãos

1,060 SG 5% 1,003 SG 1,057 SG1,070 SG 8,75% 1,006 SG 1,064 SG1,080 SG 12,5% 1,010 SG 1,070 SG1,090 SG 16,25% 1,015 SG 1,075 SG1,100 SG 20% 1,020 SG 1,080 SG

Tabela 01. Relação entre a densidade original e a adição de açúcar.

Para os demais estilos de cerveja recomendaria não ultrapassar 10% da densidade inicial com o uso de açúcar.

coMo produzir seu próprio açúcar para cerveja!

Primeiramente pesar corretamente a quantidade de açúcar a ser utilizado na receita e colocar em algum recipiente metálico, uma panela ou frigideira serve muito bem. Para auxiliar na transformação do açúcar em açúcar invertido podemos colocar uma pequena quantidade de limão, o suco de 1 limão para 1kg de açúcar é suficiente, e para os mais específicos, deixar o pH próximo de 5.

Deve-se adicionar então um volume de água o suficiente para cobrir todo o açúcar, colocando metade da quantidade de açúcar em água basta.

Então se deve cozinhar o açúcar até atingir a coloração desejada. Existe uma tabela que envolve múltiplas adições de água para atingir a coloração desejada do candi sugar, pessoalmente já realizei ambos métodos e não notei diferença. (Tabela disponível em http://cdn3.libsyn.com/basicbrewing/sugarguidelines.pdf ).

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Alguns cuidados ao produzir o candi sugar:

Não mexer a mistura durante a fervura, pois pode transbordar•

Ao experimentar o açúcar, pingue uma gota em uma superfície plana e fria e AGUARDE! E •não lamba a colher, isso pode causar queimaduras graves.

Depois de adquirida a coloração desejada coloque o candi sugar ainda quente em uma •superfície de metal ou maleável (NÃO de plástico) e espere pelo menos 1 hora para desenformar.

Ao adicionar o candi sugar na panela de fervura (15 minutos finais de fervura), certificar-se de deixá-lo FRIO ou jogar as “pedras” quebradas na panela, e NUNCA adicionar a solução após desligar o fogo enquanto ainda quente, pois poderá causar um “boil over” além da possibilidade de levar a queimaduras e perda de cerveja.

coloração final do candi sugar:

Outro ponto que devemos levar em conta ao produzir o candi sugar é a sua coloração e o efeito final na cerveja após pronta, segue abaixo a tradução do artigo citado anteriormente da Basic Brewing Radio*:

Amarelo claro (Rose)• : Claro, mas com uma leve tonalidade avermelhada. Não adiciona muitos sabores, semelhante ao uso de açúcar comum.

Amarelo médio (Light)• : Coloração que lembra alperce e sabor associado com pêssego e suco de uvas brancas com leves toques de baunilha.

Âmbar claro (Light Amber)• : mais âmbar que o anterior e com um toque avermelhado. Adiciona sabor de caramelo com leve toque de frutas (uva, resina, suave sabor de ameixa e damascos). Ligeiro sabor de baunilha e cardamomo.

Âmbar médio (Medium Amber)• : Coloração âmbar, lembrando uma mistura de laranja com vermelho. Sabor caramelo mais pronunciado com cardamomo, ameixas com um leve toque de assado. Ligeiro sabor de café.

Âmbar escuro (Deep Amber)• : Coloração vermelha escuro. Rico sabor resinoso e de ameixa; café tostado com rum; suave amadeirado e complexo sabor de caramelo do “toffee” ou do doce de caramelo.

Mogno (Mahogany)• : Marrom na cor, “tart” e amargo no sabor.

*Todas as cores são aproximações da coloração final do açúcar e não são citadas no artigo original.