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 Capítulo 3 O Crescimento da Cidade Norte-Americana in Palen, J.John. O MUNDO URBANO. Rio de Janeiro: Forense Universitária 1975 “Dai-me os cansados, os pobres, as massas confinadas ansiando por um lugar ao sol, o refugo miserável de vossos litorais prenhes, esses desgraçados sem lar, enviai para mim: ergo minha lâmpada diante da porta de ouro.” Inscrição na base da Estátua da Liberdade no Porto de Nova York Os primeiros colonos europeus que chegaram à América do Norte encontraram um continente sem cidades. Não existiam cidades nativas na América do Norte, embora os índios da costa noroeste, que obtinham do mar um suprimento regular de alimentos, houvessem estabelecido um sistema de aldeias bem construídas e com uma estrutura social organizada. De modo geral, a população dos índios da Améri ca do Norte era nômade ou vivi a em pequenas aldeias agrícol as, como Cahokia, em Illinois e Taos, no sudoeste. Na época de Jamestown, a população indígena de todo o continente, mesmo de acordo com as estimativas mais otimistas, era de menos de um milhão. Apenas ao sul do Rio Grande havia concentrações substanciais de população; no centro do México e em outras regiões da Meso-América havia civil izações com quase 2.000 anos de existên cia. Os índios norte-america nos viviam na natureza. Eles se consideravam parte da ecologia, parte do mundo material. Não queriam dominar a natureza, mas ocupar um nicho natural. Os europeus vieram, pelo contrári o, não para se ajustarem ao ambiente mas para dominá-lo e reformá-lo. Seu objetivo era dominar a natureza. Infelizmente para os índios, os colonizadores os encaravam como parte do ambiente natural. Os indios foram tratados como mais um problema ambiental que tinha que ser enfrentado e resolvido para que a civili zação pudesse ser implantada na América. A conseqüência dessa filosofia era óbvia. Não havia nenhum nicho para os índios na civilização urbana dos colonizadores. O que acabamos de afirmar é, naturalmente, uma generalização exagerada, que não leva em conta as variaç ões entre as diferentes culturas indígenas; mas de nosso ponto de vista urbano, o importante é que o conceito de cidade, e do bem e do mal que representa, chegou ao Novo Mundo com os primeiros colonizadores europeus. Este conceito, com toda a tecnologia, organização social e conjunto de atitudes que envolvia, foi importado diretamente da Europa pós-renascentista. Isto significa, entre outras coisas, que a América do Norte não teve um período feudal. 1 Os primeiros colonos sentiam muita falta das cidades. William Bradford descreve de forma comovente o mundo dos peregrinos de 1620: “Eles não tinham amigos para recebê-los nem estalagens para repousarem os corpos cansados, nem casas e muito menos cidades para procurarem refúgio... Além disso, que podiam ver a não ser uma vastidão horrenda e desolada, cheia de feras perigosas e homens selvagens? e que multidões de feras e de homens haveria eles não sabiam.” 2 Os planos das várias companhias que fundaram as colônias inglesas na América do Norte incluíam a fundação de pequenas cidades e centros comerciais. Os primeiros estabelecimentos em Jamestown e a colônia de Plymouth eram, na verdade, pequenas cidades. O que essas pequenas cidades do Novo Mundo precisavam não era de aventureiros, mas de artesãos competentes. Como John Smith escreveu para os patrocinador es ingleses da colôni a de Jamestown: “Na próxima viagem preferia que enviasse trinta carpinteiros, lavradores, jardineiros, pescadores, ferreiros, pedreiros e lenhadores, bem equipados; e então mais mil homens como os que temos; porque se não pudermos alojá-los e aliment á-los, a maioria morrerá antes que seja possível ensinar-lhes alguma coisas.” 3 Como resultado da política de colonização, em 1690 quase 10 por cento da população colonial era urbana, uma percentagem muito maior que a da própria Inglaterra na mesma época. Quando os índios 1  Lewis Mumford não concordaria com esta afirmação. Mumford considera as aldeias e cidades na Nova Inglaterra como a última manifestação do estilo feudal. Vide por exemplo Lewis Mumford, Sticky and Stones, Liverigin, Nova York, 1924. 2  Bradford's Hístory of Plymouth Plantation (compilado por William T. Davis), Scr ibner's, Nova York. 1908 p. 96 3  John Smith, The General Historie of Virginia, New England, and the Summer Isles, University Microfilms, Ann Arbour, Michigan 1966 (publicado pela primeira vez em Londres 1624) p. 72

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Capítulo 3O Crescimento da Cidade Norte-Americanain Palen, J.John. O MUNDO URBANO. Rio de Janeiro: Forense Universitária 1975

“Dai-me os cansados, os pobres, as massas confinadas ansiando por um lugar ao sol, orefugo miserável de vossos litorais prenhes, esses desgraçados sem lar, enviai paramim: ergo minha lâmpada diante da porta de ouro.”

Inscrição na base da Estátua da Liberdade no Porto de Nova York 

Os primeiros colonos europeus que chegaram à América do Norte encontraram um continente semcidades. Não existiam cidades nativas na América do Norte, embora os índios da costa noroeste, queobtinham do mar um suprimento regular de alimentos, houvessem estabelecido um sistema de aldeiasbem construídas e com uma estrutura social organizada. De modo geral, a população dos índios daAmérica do Norte era nômade ou vivia em pequenas aldeias agrícolas, como Cahokia, em Illinois e Taos,no sudoeste. Na época de Jamestown, a população indígena de todo o continente, mesmo de acordocom as estimativas mais otimistas, era de menos de um milhão. Apenas ao sul do Rio Grande haviaconcentrações substanciais de população; no centro do México e em outras regiões da Meso-Américahavia civilizações com quase 2.000 anos de existência.

Os índios norte-americanos viviam na natureza. Eles se consideravam parte da ecologia, parte do mundomaterial. Não queriam dominar a natureza, mas ocupar um nicho natural. Os europeus vieram, pelocontrário, não para se ajustarem ao ambiente mas para dominá-lo e reformá-lo. Seu objetivo era dominar a natureza. Infelizmente para os índios, os colonizadores os encaravam como parte do ambiente natural.Os indios foram tratados como mais um problema ambiental que tinha que ser enfrentado e resolvidopara que a civilização pudesse ser implantada na América. A conseqüência dessa filosofia era óbvia. Nãohavia nenhum nicho para os índios na civilização urbana dos colonizadores.

O que acabamos de afirmar é, naturalmente, uma generalização exagerada, que não leva em conta asvariações entre as diferentes culturas indígenas; mas de nosso ponto de vista urbano, o importante é queo conceito de cidade, e do bem e do mal que representa, chegou ao Novo Mundo com os primeiroscolonizadores europeus. Este conceito, com toda a tecnologia, organização social e conjunto de atitudesque envolvia, foi importado diretamente da Europa pós-renascentista. Isto significa, entre outras coisas,que a América do Norte não teve um período feudal.1

Os primeiros colonos sentiam muita falta das cidades. William Bradford descreve de forma comovente omundo dos peregrinos de 1620:

“Eles não tinham amigos para recebê-los nem estalagens para repousarem os corposcansados, nem casas e muito menos cidades para procurarem refúgio... Além disso,que podiam ver a não ser uma vastidão horrenda e desolada, cheia de feras perigosase homens selvagens? e que multidões de feras e de homens haveria eles não sabiam.”2

Os planos das várias companhias que fundaram as colônias inglesas na América do Norte incluíam afundação de pequenas cidades e centros comerciais. Os primeiros estabelecimentos em Jamestown e acolônia de Plymouth eram, na verdade, pequenas cidades. O que essas pequenas cidades do NovoMundo precisavam não era de aventureiros, mas de artesãos competentes. Como John Smith escreveupara os patrocinadores ingleses da colônia de Jamestown:

“Na próxima viagem preferia que enviasse trinta carpinteiros, lavradores, jardineiros,pescadores, ferreiros, pedreiros e lenhadores, bem equipados; e então mais mil homenscomo os que temos; porque se não pudermos alojá-los e alimentá-los, a maioria morreráantes que seja possível ensinar-lhes alguma coisas.”3

Como resultado da política de colonização, em 1690 quase 10 por cento da população colonial eraurbana, uma percentagem muito maior que a da própria Inglaterra na mesma época. Quando os índios

1 Lewis Mumford não concordaria com esta afirmação. Mumford considera as aldeias e cidades na Nova Inglaterra como a última manifestação doestilo feudal. Vide por exemplo Lewis Mumford, Sticky and Stones, Liverigin, Nova York, 1924.2 Bradford's Hístory of Plymouth Plantation (compilado por William T. Davis), Scribner's, Nova York. 1908 p. 963 John Smith, The General Historie of Virginia, New England, and the Summer Isles, University Microfilms, Ann Arbour, Michigan 1966 (publicado pelaprimeira vez em Londres 1624) p. 72

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foram subjugados e o interior foi aberto para a agricultura, a percentagem (mas não, naturalmente, onúmero total) da população urbana diminuiu. Isso aconteceu entre 1690 e 1790. A migração para ointerior permitiu urna maior dispersão da população. Só em 1830 a percentagem urbana da populaçãototal atingiu o mesmo nível do final do século dezessete. 4 Nesta época, vilas e cidades já apresentavamuma hierarquia definida, constituída por aristocratas, clérigos, burocratas, empresários, comerciantes,artesãos, operários e escravos.

Cinco comunidades lideraram a urbanização das colônias inglesas no século dezessete. A mais ao norteera Boston, localizada na "costa hostil e rochosa" da Nova Inglaterra; a mais ao sul era Charleston, naCarolina do Sul, mais nova e muito menor.5 Nos 1800 quilômetros de desolação que separavam essasduas cidades ficavam Newport, nas plantações de Providence em Rhode Island; Nova Amsterdam, queem 1664 passou a chamar-se Nova York; e a Filadélfia de William Penn, na confluência do rio Schuylkillcom o Delaware. O ambiente desempenhou um papel importante no crescimento dessas primeiras cincocidades. Todas as cinco eram portos: quatro no Atlântico, e uma, Filadélfia, com fácil acesso ao Atlântico.Cidades mais recentes, como Baltimore, apresentavam as mesmas vantagens ambientais. Como portos,elas se tornaram centros comerciais, monopolizando o comércio entre a Europa e as colônias. Em termosde estrutura social, eram todas protestantes, e contrárias à religião oficial, com exceção da classegovernante de Charleston e (parcialmente) Nova York. Como observa Bridenbaugh, a estrutura socialdessas cidades eram calcada em instituições políticas relativamente uniformes; e as raizes econômicas e

culturais, fossem inglesas ou holandesas, estavam principalmente na classe média do Velho Mundo.6

NOVA INGLATERRA

A história da Nova Inglaterra é a história de suas cidades, pois desde o começo a Nova Inglaterra foialtamente urbanizada. Os exilados religiosos puritanos que a colonizaram vinham quase todos doscentros mais populosos da Inglaterra. Entre eles havia muitos comerciantes, mecânicos e artesãos. NoNovo Mundo, esses exilados procuraram criar utopias urbanas fechadas, ao invés de se espalharem pelovasto território. Em Massachusetts, por exemplo, existia um sistema social organizado, de naturezadesconhecida fora da Nova Inglaterra. A união cordial entre o clero, os juizes os advogados e asociedade respeitável formava uma elite social coesa e forte.

Em pouco tempo Boston superou os rivais tanto em tamanho da população como em influênciaeconômica, e manteve esta liderança durante um século, a despeito das guerras com os índios que por duas vezes lhe ameaçaram a existência. Boston tinha apenas 300 residentes no inicio da década de1630. Em 1742, a população havia aumentado para 16000. A má qualidade das terras nas cercanias deBoston forçou os habitantes a se voltarem para o mar e a cidade se dedicou ao comércio e à construçãode navios. Antes que uma geração se passasse, Boston já havia “começado a estender seu controle aoresto do país e a desenvolver uma forma metropolitana de economia que era essencialmente moderna.”7

Newport, a segunda cidade da Nova Inglaterra ao longo da costa, foi fundada em 1639 por vítimas dospreconceitos religiosos de Massachusetts. O crescimento da Newport foi constante mas moderado; emcem anos, a população aumentou de 96 para 6.200. Entretanto, embora Newport tivesse continuadopequena, seu ativo comércio e sua vida comunitária bem organizada lhe emprestaram um papel dedestaque na história das primeiras cidades da América do Norte. Em Newport, como em Boston, aeducação era encorajada; além disso, em Newport havia tolerância religiosa.

AS COLÔNIAS CENTRAIS

Manhattan foi desde o começo a mais cosmopolita das cidades coloniais como o demonstra adiversidade das línguas que eram faladas ali: Padre Isaac Jacques escreveu que já em 1643 havia"homens de 18 línguas diferentes". Em parte devido a essa mistura de origens nacionais e religiosas(calvinistas holandeses, anglicanos, quakers, batistas, huguenotes, luteranos, presbiterianos e, depois de1730, até um punhado de judeus), Nova York era sem dúvida a mais movimentada das cidades, umaposição que conserva até hoje na opinião de muitos. Um fato interessante é que em 1720 um terço da

4 Charles N. Glaab e A. Theodore Brown, A History of Urban America, Macmillati, Nova York, 1967, pp. 25-26.5 Constance McLaughlin Green, The Rise of Urban America, Harper, Nova York, 1965, p. 2.6 Carl Bridenbaugh, Cities in the Wilderness, Capricorn Books, Nova York, 1964.7 Carl Bridenbaugh, citado em Glaab e Brown, op. cit., p. 15.

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população de Nova York era da raça negra - em sua maioria, escravos e servos.8 Com a abolição daescravatura no Norte - principalmente por motivos econômicos - a percentagem de negros diminuiusubstancialmente. Nova York já era um cadinho racial norte-americano, embora a mistura ainda nãoestivesse perfeita mesmo três séculos depois.

Nova York também dispunha de importantes vantagens naturais que contribuíram bastante para que setornasse "a cidade americana". Em primeiro lugar, Manhattan possuía um excelente porto natural.

Segundo, o solo da região era fértil. Terceiro, Nova York tinha fácil acesso ao interior através do RioHudson. As cidades da Nova Inglaterra, por outro lado, tiveram seu crescimento econômico grandementeprejudicado pela falta de um interior fértil e acessível.

Filadélfia, a "Cidade do Amor Fraterno" de William Penn, fundada em 1692, era a mais nova das cidadescoloniais. Isto constituía sob vários aspectos uma vantagem, pois na época em que a cidade foi fundadaos índios haviam partido e a terra já estava sendo colonizada. Uma política de tolerância religiosa e uminterior extremamente rico e fértil permitiram um crescimento rápido. Em 1698, Filadélfia tinha 4.000habitantes; em 1720 a população havia aumentado para 10.0009 Na época do primeiro Recenseamentodos Estados Unidos, em 1790, Filadélfia contava com 42.000 habitantes. Pode ter sido, depois deLondres, a maior cidade de língua inglesa do mundo. Relatos da época mencionam a regularidade dasruas da cidade e, mais frequentemente, a solidez de suas casas.

“Uma cidade, e vilas foram construidas então,onde pudéssemos morar,

plantadores também, e lavradores,tinham terra suficiente ao lado.as melhores casas do tempo

eram feitas de madeira e barro.Mas agora as fazemos de tijolo e pedra

pois são melhores.”10

O SUL

Entre as cidades coloniais, a que ficava mais ao sul era Charles Town (Charleston), fundada em 1680 emuma nesga de terra entre os estuários dos rios Ashley e Cooper. A cidade cresceu lentamente; duasdécadas depois de sua fundação tinha apenas 1.100 habitantes e não tinha ainda "produzido nada queservisse para o mercado ou para a Europa, a não ser umas poucas peles e um pouco de madeira decedro."11 Durante várias décadas, o arroz, o anil e as peles constituíram a base de seu comércio.

A estrutura social de Charleston era diferente da das outras cidades da época. A principal diferençaestava no fato de que na década de 1740 mais da metade da sua população era constituída por escravos. Os artesãos e comerciantes de classe média que eram a espinha dorsal das cidades do Norteficaram imprensados em Charleston entre as pretensões aristocráticas dos latifundiários e a competênciacada vez maior dos escravos treinados. O resultado foi uma atrofia cívica, a tal ponto que o maior acontecimento local do ano passou a ser a abertura da estação de corridas de cavalos. Charleston quasenão dispunha de serviços municipais e não podia sustentar uma única escola pública.

INFLUÊNCIA URBANA

Essas cinco cidades dominaram a vida colonial do ponto de vista político, económico e social. Comotinham acesso ao mar, serviam como entrepostos para as matérias-primas provenientes do interior e osbens manufaturados importados da Europa. Além de sua função comercial serviam também comolugares onde novas idéias e formas de organização social podiam ser desenvolvidas.

8 Green, op. cit., p. 22.

9 Green, Op. cit., p. 27.10 Richard Frame, "A Short Description of Pennsylvania in 1692", em Alberto Cook Myers (compilador), Narratives of Early Pennsylvania, West NewJersey, and Delaware, Scribner's, Nova York, 1912; reproduzido em Ruth E. Sutter, The Next Place You Come To, Prentice-Hall, Englewood CliffsNew Jersey, 1973, p. 90.11 Green, op. cit.. p. 21.

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Como as cidades coloniais tinham que enfrentar problemas tipicamente urbanos, como a pavimentaçãodas ruas, a remoção do lixo e a assistência aos pobres, criou-se um espírito de trabalho coletivo. Naspalavras de um historiador:

“Nesses problemas da vida da cidade que afetavam toda a comunidade estava uma dasmaiores diferenças entre a sociedade urbana e rural, e dos esforços coletivos pararesolver esses problemas urbanos surgiu um senso de poder e responsabilidade

comunitária que diferenciaria ainda mais os dois estilos de vidas”.12

Politicamente, as cidades eram dominantes. Com exceção da Virgínia, onde a aristocracia não moravaem cidades mas mesmo assim seguia a última moda de Londres e mantinha um comércio ativo com aEuropa, as cidades ditavam os rumos políticos e sociais do país. E os comerciantes estavamprofundamente insatisfeitos com a política inglesa. Os impostos da Coroa prejudicavam os negócios.Boston foi chamada "a metrópole da revolta"; e como Lord How, comandante das forças britânicas,observou, "Quase todas as pessoas de talento e iniciativa estavam na rebelião.”13  Isto não era deespantar, já que a política de impostos da Inglaterra estava minando a prosperidade urbana. Os líderesfinanceiros e comerciais estavam decididos a resistir à Coroa para não sofrer reveses financeiros. Istoajuda a explicar a maioria de membros da classe média e da classe alta na Revolução Americana.

A NOVA REPÚBLICA

Depois da Guerra da Independência, as cidades continuaram a crescer, embora o primeiroRecenseamento dos Estados Unidos, em 1790, tenha revelado que apenas 5 por cento dos 4 milhões dehabitantes da nova nação viviam em cidades com mais de 2.500 habitantes. Em termos absolutos, osEstados Unidos eram uma nação rural, mas este predomínio demográfico, não se manifestava nadistribuição do poder ou na composição dos grupos de liderança. A influência da população urbana sobreo governo, as finanças e a sociedade era muito maior que a sua proporção relativa. O PartidoFederalista, que elegeu John Adams como o segundo Presidente, era basicamente um partido urbano,que representava muito mais os interesses dos banqueiros e comerciantes que os interesses dosagricultores.

Embora três quartos da população ainda vivessem a menos de quilômetros do Oceano Atlântico, já haviauma diferença nítida entre os habitantes das cidades e os moradores da zona rural. Os fazendeirosestavam voltados para o interior, para o Oeste ainda inexplorado, enquanto que os habitantes dascidades orientavam-se para a Europa. Devido à sua posição de portos oceânicos, as cidades costeirasnorte-americanas freqüentemente tinham mais em comum com o Velho Mundo, e certamente melhor comunicação com a Europa, do que com o interior do próprio país.

O recenseamento de 1790 revelou que a maior cidade da jovem nação era Filadélfia, com 42.000habitantes (era também a única cidade que dispunha de iluminação pública e calçadas nas ruas). NovaYork vinha em segundo lugar, com uma população de 33.000 habitantes. Dez anos mais tarde, apopulação da Filadélfia havia aumentado para 70.000, a de Nova York para 60.000 e a de Boston para25. 000.

Este crescimento rápido das cidades depois da Guerra da Independência não foi resultado apenas daimigração externa e rural; decorreu também de uma taxa excepcionalmente elevada de crescimentovegetativo. Não dispomos de dados precisos, mas calcula-se que a taxa de natalidade chegou a ser daordem de 55 por 1.000, próximo do limite máximo fisiológico. Em 1790, as mulheres casadas tinham emmédia quase oito filhos. Um dos resultados da alta taxa de natalidade e da imigração de jovens adultosda Europa foi que a idade mediana da populacão baixou para apenas 16 anos. (Para comparação, aidade mediana da população em 1970 era de 29 anos.) No início do século dezenove, o país, além depoliticamente jovem, também o era na composição de sua população.

Tabela 3-1 Percentagem da População Urbana dos Estados Unidos, de 1790 a 1970.

1790 5,1 1890 35,11800 6,1 1900 39,7

12 Charles N. Glabb, The American City, Dorsey, Homewood, Minols, 1963, p. 3.13 Green, op. cit., p. 51.

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1810 7,3 1910 45,71820 7,2 1920 51,21830 8,8 1930 56,21840 10,8 1940 56,51850 15,3 1950 59,0 (velha def.)1860 19,8 1950 64,0 (nova def.)1870 25,7 1960 69,91880 28,2 1970 73,5

Fonte: U.S. Bureau of the Census.

Como vemos na Tabela 3-1, a percentagem urbana da população aumentou constantemente, a não ser na década de 1810-1820. A diminuição nessa década foi principalmente o resultado da destruição docomércio norte-americano em conseqüência do Bloqueio e da Guerra de 1812. Essa guerra quasedestruiu as cidades costeiras; em parte como conseqüência de se verem privadas do acesso aosprodutos ingleses, as cidades americanas começaram a interessar-se pela indústria. Mesmo ThomasJefferson, um adversário ferrenho das cidades, foi forçado a admitir: "Aquele, portanto, que hoje é contraa indústria interna, deve ser a favor ou de que nos tornemos dependentes daquela nação estrangeira oude que passemos a vestir peles e viver em cavernas como animais selvagens. Não sou um deles; a

experiência me ensinou que as indústrias são hoje necessárias para nossa independência e conforto.”

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A MAIOR EXPANSÃO

O período que antecedeu a Guerra Civil assistiu a uma expansão rápida das cidades existentes e àfundação de muitas cidades novas. Durante o período de 1820 a 1860, as cidades cresceram maisdepressa que em qualquer outro período anterior ou posterior da história dos Estados Unidos.15 Vale a pena observar que das cinqüenta maiores cidades norte-americanas, apenas sete foram fundadasou incorporadas antes de 1816; trinta e nove surgiram entre 1816 e 1876; e apenas sete foramincorporadas depois de 1876. Assim, a maioria das cidades americanas de grande porte começaram noséculo dezenove, o que ainda nos causa problemas em termos de transportes urbanos e mesmo deconfiguração física. A maioria das cidades de médio porte também foram fundadas durante o século

dezenove.16

A influência dos fatores ambientais sobre o crescimento das cidades pode ser avaliada pelo fato de quedas nove cidades que em 1860 haviam ultrapassado a marca dos 100.000 habitantes, oito eram portos.A única exceção na verdade não era uma exceção: era a cidade então independente de Brooklyn, quecompartilhava dos benefícios do maior porto do país."17 No início do século atual, cinqüenta cidadestinham mais de 100.000 habitantes; a mais notável das novas cidades era a metrópole interior deChicago, que havia sido muito beneficiada pelo desenvolvimento das estradas de ferro. A população deChicago saltou de 4.100 habitantes quando foi fundada em 1833 para 1 milhão em 1890. Entre 1850 e1890, a população dobrou de dez em dez anos; em 1910, já passava de 2 milhões. No país inteiro, nos100 anos entre 1790 e 1890 a população total aumentou dezesseis vezes e a urbana 139 vezes.

Ao terminar a Guerra Civil, a primeira cidade do país era indiscutivelmente Nova York. Possuía aomesmo tempo um porto magnífico e um interior fértil; além disso, o terreno relativamente plano a oestedo Rio Hudson permitiu a construção do Canal Erie. A construção em 1825 estimulou grandemente ocomércio de Nova York e lhe garantiu uma supremacia econômica que até hoje não foi contestada.Assim, as vantagens ambientais estimularam um empreendimento tecnológico - o Canal Erie - que por sua vez levou a um aumento da população e a mudanças na organização social do governo e dosnegócios. A rápida aceitação das estradas de ferro como uma revolução tecnológica, e as possibilidadesque esta aceitação proporcionou à cidade, só serviram para consolidar a posição de Nova York. NovaYork não era apenas a cidade mais importante dos Estados Unidos; tornou-se também uma grandemetrópole mundial na época da Guerra Civil. A população aumentou de pouco mais de 60.000 habitantesem 1800 para mais de 1 milhão em 1860 (1.174.774, para sermos exatos, incluindo Brooklyn, que eraentão um município independente). Em todo o mundo, apenas Londres e Paris tinham uma população

14 P. L. Ford, The Works of Thomas Jefferson, Putman, Nova York, 1904, pp. 503-504.15 Glaab, op. cit., p. 65.16 Daniel J. Elazar, "Urban Problems aml the Federal Government". Political Science Quarterly, 82:505-525, dezembro de 1967.17 Blake McKelveg, The Urbanization of America, 1860-1915, Rutgers University Press, New Brunswick, New Jersey. 1963. p. 4.

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maior. Em 1860, além de funcionar como o centro financeiro do país, um terço das exportações do país edois terços das importações passavam por Nova York. O crescimento de Nova York foi acompanhado por um aumento da heterogeneidade dos habitantes, com seus diferentes gostos, aspirações e necessidadesque na verdade só podiam ser satisfeitos na grande cidade.

IMPACTO DA TECNOLOGIA

As florescentes cidades do Oeste foram as que cresceram mais depressa. Anthony Trollope, escrevendoa respeito das cidades do meio-oeste, observou: "Homens construíram em escala gigantesca, três vezes,dez vezes maior que o necessário... O especulador está praticamente arruinado, e então começa atrabalhar de novo, sem desanimar... Ele é ambicioso para que possa especular sem rédeas."18 Cincinnati,a "Rainha do Oeste", por exemplo, experimentou um surto de crescimento na década de 1820, emconseqüência da construção e uso de barcos a vapor. Em outras cidades, as estradas de ferrodesempenharam um papel semelhante, estimulando o crescimento.

Apenas no Extremo Sul, onde o algodão era rei, as cidades não cresceram muito. Para os donos dasplantações, a produção de algodão era mais importante que a indústria e o comércio. O predomínio daagricultura pode ser visto no desenvolvimento ou, mais corretamente, na falta de desenvolvimento deCharleston. No início do século dezenove, Charleston era a quinta cidade dos Estados Unidos; em 1860

havia passado para o vigésimo sexto lugar .19 Enquanto o Sul se ressentia amargamente da situação, poisdependia de financiamentos, transportes e produtos do Norte, mesmo assim não se decidia a abrir mãode sua orientação agrícola baseada na escravidão. Mesmo em Charleston, mais de dois terços dapopulação eram escravos negros.20 É significativo que a primeira decisão da maioria dos estados do Sulquando começou a guerra tenha sido a de tornar sem efeito todas as dívidas com banqueiros ecomerciantes do Norte.

NOVOS PADRÕES

Antes da Guerra Civil, a economia urbana ainda era mais comercial do que industrial. Os homens denegócios eram basicamente comerciantes, que às vezes se dedicavam a atividades secundárias, comoindústria, financiamentos e especulações.21 Em 1850, 85 por cento da população ainda podia ser classificada como rural; 64 por cento trabalhava na agricultura.

Ao mesmo tempo, o progresso agrícola estava transformando os agricultores em empresários, plantandopara vender, e não para consumir. Segadoras mecânicas puxadas a cavalo, arados de aço edebulhadeiras transformaram aos poucos a agricultura de subsistência em agricultura comercial.

A Guerra Civil acelerou a mudança da economia comercial para a economia industrial . Auxiliadospelos novos incentivos tarifários e pelo aumento dos lucros, estimulados pela guerra, os industriais doNorte começaram a produzir aço, carvão e tecidos de lã, que antes eram importados da Europa. Ofechamento do Mississipi foi uma bênção para Chicago e para as estradas de ferro leste-oeste.

Na conquista do Oeste, as cidades ocupavam frequentemente a linha de frente. Como Richard Wadeobservou com muita felicidade, "As cidades foram a ponta-de-lança da conquista". Isto se aplicaparticularmente à região a oeste do Mississipi, onde a revolução tecnológica da estrada de ferromodificou os antigos pa drões de colonização. Josiah Strong, escrevendo em 1885, observou:

“Nos Estados Centrais, primeiro foram fundadas as fazendas, depois surgiram ascidades para atender às necessidades das fazendas, e finalmente uma estrada de ferroligou as cidades ao mundo. No Oeste, entretanto, a ordem foi inversa -primeiro aestrada de ferro, depois as cidades, depois as fazendas. Em conseqüência, acolonização é muito mais rápida, e é a cidade que molda o campo, e não o campo quemolda a cidade. São as cidades que formulam as constituições estaduais, escrevem as

18 Anthony Trollope, North America, Lippincott, Filadélfia, 1862.19 Nelson M. Blake, A History of American Life and Thought, McGraw-Hill, Nova York, 1963, p. 156.20 Frederick P. Bowes, The Culture of Early Charleston, University of North Carolina Press, Chapel Hill, 1942, p. 42.21 William Petersen, Population, Macmillan, Nova York, 1961, p. 28.

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leis, criam a opinião pública, formam costumes sociais e fixam os padrões de moral doOeste.”22

Strong pode ter exagerado um pouco, mas a estrada de ferro foi fundamental para o desenvolvimento doOeste. Durante a segunda metade do século dezenove, elas aumentaram de 15.000 para 309.000quilômetros, graças principalmente a empréstimos e doações de terras do governo federal.23 As estradasde ferro literalmente abriram as portas do Oeste.

Tabela 3-2 Número de Locais Urbanos por Tamanho da População: Anos selecionados, 1850-1970

Tamanho do Local 1850 1900 1950 1960 1970

Total - 2.500 e mais 236 1.737 4.284 5.545 6.4351.000.000 ou mais - 3 5 5 6500.000 a 1.000.000 1 3 13 16 20250.000 a 500.000 - 9 23 30 30100.000 a 250.000 5 23 65 81 10050.000 a 100.000 4 40 126 201 24025.000 a 50.000 16 82 252 432 52010.000 a 25.000 36 280 778 1.134 1.3855.000 a 10.000 85 465 1.176 1394 1.8392.500 a 5.000 89 832 1.846 2.152 2.295Fonte: U.S. Bureau of the Census, US. Census Population, 1950, vol. Il. e 1960, vol. 1, e 1970, vol. 1, Parte A, Tabela 5.

Durante o último quarto do século dezenove, o urbanismo pela primeira vez se tomou um fator básico davida nacional. Este foi um período de grande progresso econômico para a nação. A indústria estavamudando a natureza do sistema econômico, transformando rapidamente a América de um continenterural em um continente urbano. A extensão desta mudança pode ser vista na Tabela 3-2. Em 1880, maisde metade da força de trabalho já não estava empregada na agricultura; em 1900, 40 por cento dos 76milhões de habitantes do país moravam em cidades. Além do mais, entre 1880 e 1920, quando o Bureaudo Recenseamento declarou que mais de metade da população era urbana, quase todas as grandescidades da nação (as que tinham uma população de 500.000 habitantes ou mais) passaram por um surtode construção civil. Boa parte dos edifícios construidos neste período ainda existe hoje. O fato de NovaYork, Chicago, Filadélfia e Saint Louis, para citar apenas alguns exemplos, serem basicamente cidadesanteriores ao século vinte e ao automóvel, constitui um problema que até hoje estamos tentandoresolver. Qualquer tentativa de atacar os problemas atuais de transportes e poluição tem que levar emconta o fato de que essas cidades americanas foram planejadas e construídas no século dezenove.Muitos de nós ainda vivemos em cidades projetadas para a época do motor a vapor e do bonde puxado aburros.

AMBIENTE E POLUIÇÃO

É instrutivo, embora desanimador, observar que os problemas de poluição e destruição ambiental nãocomeçaram no século vinte. Até quase o final do século dezenove, muitas cidades norte-americanas,como Baltimore e New Orleans, ainda despejavam seus esgotos em valas abertas. O único serviçomunicipal de coleta de lixo oferecido pela maioria das cidades até o final da Guerra Civil consistia deporcos, cachorros e outros animais que se alimentam de lixo. No período colonial, a cidade de Charlestonchegou a promulgar uma lei de proteção aos urubus, que prestavam um serviço público limpando acarcaça de animais mortos.24 Em 1666, uma lei municipal de Boston obrigava os habitantes a enterrar toda a sujeira, enquanto que “todo o lixo, entranhas de animais", devia ser atirado da ponte levadiça norio MillI.25 O sistema adotado em Boston de enterrar tudo que fosse possível e jogar o resto no rio maispróximo, ainda é usado em muitas cidades de hoje.

Uma descrição de Pittsburg no final do século dezenove referese à poluição do ar nos seguintes termos:

22 Josiah Strong, Our Country.- Its Possible Future and Its Present Crisis, Baker and Taylor, Nova York, 1885, p. 206. 23 Petersen, OP. cit., p. 34.23 Peterson, op. Cit., p. 34.24 Glaab, op. cit., p. 115.25 Bridenbaugh, op. cit., p. 18.

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“Pittsburg é, em seus melhores dias, uma cidade triste, fumacenta. Nos dias piores,nada mais escuro, sujo ou desagradáve pode ser imaginado. A cidade fica no coraçãoda região do carvão; e a fumaça de suas casas, lojas, fábricas, fundições barcos avapor forma uma nuvem sobre o estreito vale onde foi construída, até que o próprio Solparece cor de cobre quando visto através da neblina suja. De acordo com uma circular da Câmara de Comércio de Pittsburg, cerca de vinte por cento, ou um quinto, de todo o

carvão usado nas fábricas e habitações da cidade escapam para o ar sob a forma defumaça... Mas os habitantes não parecem incomodar-se; e os médicos afirmam queesta fumaça do carvão sulfuroso, e o iodo que contém, é altamente benéfica para asdoenças do pulmão e da pele, e constitui uma cura segura para a malária e as febresque acompanham a doenças.”26

O abastecimento de água era um luxo encontrado em muito poucas cidades até bem depois da GuerraCivil. Algumas cidades de porte médio, como Providence, Rochester e Milwaukee recorriamexclusivamente a poços particulares e carros-pipas. Na parte de higiene, as condições também eramprecárias. Boston, que era uma das cidades mais ricas da época, tinha menos de 10.000 banheiros parauma população de 177.000 habitantes.27 Até o século vinte, não havia nem água encanada nem esgotosnas casas de cômodos

PADRÕES DE EVOLUÇÃO

A cidade do século dezenove era uma cidade de concentração e centralização, acentuadas pelaindustrialização. O motor a vapor alterou totalmente a configuração interna das cidades. Antes da era dovapor, poucas cidades tinham uma população de mais de 100.000 habitantes.28

O aparecimento das grandes cidades teve que esperar, com raras exceções, o advento da RevoluçãoIndustrial. Esta foi a era do vapor, e como o vapor é mais barato quando produzido em grandesquantidades e deve ser usado próximo ao local onde é produzido, foi criada uma cidade compacta.Assim, o vapor encorajou a proximidade entre a fábrica e a usina geradora e estimulou a concentraçãodos processos de fabricação. Isto por sua vez tendeu a concentrar as atividades empresarial e dedistribuição atacadista e, acima de tudo, a população nas proximidades das fábricas.

O efeito centrípeto do vapor determinava que a fábrica e sua usina de força não podiam ficar muitoafastadas. Além disso, a inexistência de meios adequados de transporte obrigava os operários amorarem perto das fábricas; isto por sua vez deu origem a filas e filas de edificios de apartamentos.Morar longe do local de trabalho era um luxo acessível apenas aos ricos. Ainda em 1899, a distânciamédia em Nova York entre a moradia e o local de trabalho era da ordem de dois quarteirões ouquatrocentos metros.

O centro das cidades do final do século dezenove era também extremamente povoado e compacto. Nafalta de comunicações rápidas por telefone e transporte fácil por automóvel, os escritórios tinham queficar próximos uns dos outros para que as informações pudessem ser transmitidas rapidamente por mensageiros. Inovações tecnológicas como o elevador de passageiros em 1857 e a estrutura de açopara edifícios, no final do século, contribuíram para que o centro da cidade ficasse ainda maiscongestionado, permitindo que os escritórios e moradias fossem empilhados verticalmente. No final doséculo dezenove, metade dos 1.690.000 habitantes de Chicago morava a menos de 5 quilômetros docentro da cidade.29

Uma maneira rápida de determinar os antigos limites de uma cidade consiste em observar a localizaçãodos cemitérios. Os cemitérios eram sempre colocados na periferia das cidades, de modo que um grandecemitério dentro dos limites atuais de uma cidade quase sempre assinala até onde chegava a cidade emuma época anterior.

26 Willard Glazier, Peculiarities of American Cities, Hubbard, Filadélfia, 1884, pp. 332-33327 Blake McKelveg, op. cit., p. 13.28 National Resources Committee, Our Cities., Their Role in the Natio, nat Economy. U. S. Printing. Office. Washington. D. C.. 1937. v. 30.29 Paul F. Cressey, "Population Succession in Chicago: 1898-1930". American Journal of Sociology, 44:59, 1938, *

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BONDES ELÉTRICOS

Enquanto que as forças centralizadoras da energia a vapor moldaram os padrões iniciais da urbanizaçãonos Estados Unidos, a descoberta da eletricidade e a invenção do motor de combustão interna tiveramum efeito dispersivo. O vapor exercia uma força centrípeta; a eletricidade veio a exercer uma forçacentrífuga. A invenção do bonde elétrico, usado pela primeira vez em 1888 em Richmond, Virginia,inverteu a tendência até então dominante, permitindo que o operário comum morasse mais longe do local

de trabalho.

A inovação tecnológica do bonde elétrico aumentou a área útil da cidade. O bonde elétrico era duasvezes mais rápido e tinha uma capacidade três vezes maior que o bonde puxado a cavalo.30 A eficiênciae baixo custo do bonde elétrico tornaram possível à população residir a mais de 20 quilômetros do centroda cidade. O resultado foi uma expansão da cidade, mas uma expansão desigual, em faixas,acompanhando os trilhos de bonde. A terra que ficava entre os "raios" formados pelos trilhos continuoudesabitada. Assim, as cidades assumiram a forma de uma estrela, com as pontas alinhadas com ostrilhos de bondes.31 As cidades conservariam esta forma até a era do automóvel. Nas interseções daslinhas de bonde, ocorria uma interrupção natural no trânsito; nestes locais, distritos comerciaissecundários começaram a se desenvolver. Essas áreas regionais de compras eram o equivalente doscentros comerciais periféricos das cidades de hoje. Como o passar dos anos, os espaços entre as linhas

de bonde foram sendo preenchidos, e por volta de 1920 muitas das grandes cidades norte-americanas jáestavam totalmente construídas. A Depressão da década de 1930 interrompeu praticamente toda aconstrução civil no centro das cidades; muitos distritos centrais permaneceram basicamente inalteradosaté a década de 1960.

GOVERNO MUNICIPAL

Como observou Arthur Schlesinger, "Este vigoroso crescimento urbano criou problemas que desafiaram aengenhosidade humana”.32  Uma área particularmente atingida foi a do governo municipal. Instituiçõespolíticas que eram adequadas para as condições simples da vida rural, mas inadequadas para a tarefade governar um sistema complexo de serviços públicos sempre em expansão, vieram a tornar-se umsério problema. Corrupção e política urbana tornaram-se sinônimos. Como afirmou Andrew White, "Comraras exceções, o governo das cidades dos Estados Unidos é o pior da cristandade... o mais caro, o maisineficiente e o mais corrupto.”33 O conhecido professor inglês James A. Bryce declarou simplesmente: "Éinegável que o governo das cidades constitui um fracasso retumbante dos Estados Unidos."34

O Chefe Tweed de Nova York, que roubou 60 milhões de dólares da cidade, foi ainda mais explícito: "Apopulação está dividida demais em raças e facções para governar por sufrágio universal, exceto atravésde subornos ou corrupção."35

Por outro lado, embora os líderes políticos tenham esvaziado os cofres públicos, eles tambémproporcionavam aos cidadãos mais pobres serviços públicos, empregos e auxílios para resolver pequenos problemas com a polícia e outros funcionários; do governo. O chefe político servia comomediador entre os imigrantes e a burocracia oficial. Um estudo de vinte chefes políticos os descrevecomo homens afáveis e muitas vezes sentimentais, descendentes de imigrantes pobres. Todos haviamnascido na cidade e muitos se destacavam por sua lealdade à família.36 A máquina política oferecia apossibilidade de ascensão social para os imigrantes mais inteligentes e ativos. Os departamentos depolícia também constituíam uma oportunidade para os imigrantes europeus de primeira e segundageração. Sem a ajuda humanitária dos chefes políticos, os novos imigrantes teriam tido uma vida aindamais dura que a que tiveram. Para os imigrantes, o papel dos chefes políticos foi sem dúvida positivo.

OS IMIGRANTES

30 Amos W. Hawley, Urban Society, Ronald Press, Nova York. 1971, p. 92.31 Ricbard Hurd, Principles of City Land Values, The Record and Guide, Nova York, 1903.32

 Arthur M. Schlesinger, "The City in American History", MississPi Valley Historical Revim, 27:43-66, junho de 1940.33 James Bryce, Forum, vol. X, 1890, p. 25.34 James Bryce, The American Commonwealth, vol. 1, Macmillan, Londres, 1891, p. 608.35 Arthur M. Schlesinger, Paths to the Present, Macmillan, Nova York, 1949, p. 60.36 Harold Zink, City Bosses in the United States, Duke UniversitY Press, Durbam, North Carolina, 1930, p. 350.

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É difícil imaginar as dimensões da avalanche de imigrantes - mais de 30 milhões de pessoas. Da décadade 1840 em diante, ondas de imigrantes invadiram todos os portos do nordeste. A primeira dasimigrações em massa foi a dos irlandeses, depois que uma praga destruiu as plantações de batata naIrlanda no final da década de 1840. Mais tarde, alemães e escandinavos invadiram o Meio-Oeste,especialmente depois da criação dos barcos a vapor e da abertura de estradas de ferro para Chicago.

A imigração aumentou depois da Guerra Civil, estimulada pela necessidade de mão-de-obra das cidadesindustriais em crescimento. Este foi um período de expansão industrial e territorial. Entre 1860 e 1870, 25dos 38 estados tomaram medidas oficiais para estimular a imigração, oferecendo não só direitos de votomas também, em alguns casos, terras e bonificações em dinheiro.

Antes de 1880, a maioria dos imigrantes vinha das nações da Europa setentrional e ocidental. Comexceção dos irlandeses e de uma minoria dos alemães, esses imigrantes eram protestantes o seintegraram sem dificuldade no cadinho racial. Mas por volta de 1880 houve urna mudança nítida nospadrões de imigração: a massa dos imigrantes passou a vir do sul e do leste da Europa. Para osimigrantes mais antigos, que então já se consideravam como pioneiros, os europeus do sul e do lesteconstituíam uma raça inferior.

As tradições, costumes, religião e o próprio número desses imigrantes tornaram impossível umaassimilação rápida. Apenas no período de 1901 e 1910, mais de 9 milhões de imigrantes foramregistrados, pelas autoridades de imigração. Na maior parte, os recém chegados haviam sidocamponeses em seus países de origem. Foram amontoados em favelas e receberam empregos humildese mal remunerados. Os norte-americanos de repente se deram conta de que 40 por cento da populaçãode 1910 eram constituídos de estrangeiros, isto é, imigrantes ou filhos de imigrantes. 37 A percentagemera bem maior nas grandes cidades industriais do Norte, onde mais de metade da população era deestrangeiros.

IMIGRANTES E CORRUPÇÃO

Para os escritores do final do século passado, como Josiah Strong, os pecados da cidade eramfrequentemente transformados nos pecados dos novos grupos de imigrantes que superlotavam cada vezmais o centro das cidades. A baixa qualidade das moradias, as condições higiênicas precárias, a altataxa de criminalidade, tudo isso era atribuído aos recém-chegados. Os moradores da periferia da cidadee dos novos subúrbios da classe média e da classe alta associavam a corrupção política ao centro dacidade. Os americanos tendiam a culpar os imigrantes, muitos deles católicos ou mesmo judeus, quemoravam nos cortiços do centro, pelos problemas da cidade.

Os reformistas do período que estudavam os problemas da cidade tinham uma orientação tipicamente declasse média. O Movimento Progressista do início do século, pelo menos em sua manifestação urbana,representava uma tentativa da classe média alta de reformar o centro das cidades. Para isso,naturalmente, teriam que recuperar a força política. Homens de negócios se organizaram em gruposcomo a Liga Municipal Nacional. Os artigos de homens como Lincoln Steffens, um Ralph Nader da épocana denúncia da corrupção municipal, deram considerável publicidade aos excessos da administração,como nos contratos com as companhias de utilidade pública. Para destruir o poder dos chefes políticos,apoiados pelos imigrantes, a administração municipal foi reformulada em muitas cidades. Em 1912, umas210 comunidades haviam adotado a forma de governo por comissão. Dayton adotou em 1913 o primeirosistema "city-manager" e no ano seguinte 44 cidades imitaram o exemplo. Nas grandes cidades,entretanto, a máquina política, embora tenha perdido algumas batalhas, conseguiu resistir à tempestade.O início da Primeira Guerra Mundial orientou as energias para outras direções, e os "Roaring Twenties"não foram uma década caracterizada por reformas municipais. Embora tenha havido exceções, comoWilliam Hoan, o prefeito socialista de MiIwaukee, era mais fácil encontrar na cidade do após-guerra umprefeito corrupto e pitoresco como Jimmy Walker de Nova York, ou "Big Bill" Thompson de Chicago.

IMAGENS DA CIDADE

37 Donald J. Bogue, The Population of the United States, Frec Press, Glencoe, Illinois, 1969, p. 178.

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Os americanos nunca foram neutros com relação às suas grandes cidades: ou elas foram exaltadascomo centros de vitalidade, progresso e entretenimento, ou denunciadas como abismos de crime,poluição e depravação. Nossa ambivalência atual com relação às cidades não tem nada de novo; até os"patriarcas" tinham grandes reservas acerca do valor moral das cidades. Escritores como ThomasJelfersou frequentemente atribuíam à cidade todo o pecado e corrupção do Velho Mundo, enquanto queuma imagem idealizada do agricultor representava as virtudes do Novo Mundo. Thomas Jeffersonexpressou os sentimentos de muitos de seus conterrâneos quando afirmou em 1787, em uma carta

enviada a James Madison:

“Penso que nossos governos permanecerão virtuosos enquanto se mantiverememinentemente agrícolas; e isto ocorrerá enquanto houver terras vazias em algumaparte da América. Quando eles se empilharem uns em cima dos outros em grandescidades, como na Europa, tornar-se-ão tão corruptos como na Europa.”38

Em uma carta famosa dirigida a Benjamin Rush, escrita em 1800, Jefferson chegou a ver uma certavantagem nas epidemias de febre amarela que grassavam periodicamente nas cidades costeiras.Filadélfia, por exemplo, perdeu mais de 4.000 pessoas, quase 10 por cento da população, na epidemiade 1793. Jefferson escreveu a Rush:

“Quando grandes males acontecem, tenho o hábito de procurar o bem que podem nostrazer como consolo e, na verdade, a Providencia estabeleceu de tal forma a ordem dascoisas, que quase todos os males trazem em si algum bem. A febre amarela servirápara desencorajar o aparecimento de grandes cidades em nossa nação, e considero asgrandes cidades como ameaças à moral, à saúde e à liberdade do Homem.”39

Jefferson, naturalmente, não estava sozinho no medo que sentia das grandes cidades. Alexis deTocqueville, certamente um dos visitantes mais observadores que os Estados Unidos já tiveram,escreveu: "Considero o tamanho de certas cidades americanas, e especialmente a natureza de suaspopulações, como um perigo real que ameaça a segurança das repúblicas democráticas do NovoMundo." Escritores tão diversos como Emerson, Merville, Hawthorne e Poe encaravam a cidade comgrandes reservas.40

A frase de Cowley "Deus fez o primeiro jardim, e Caim a primeira cidade" expressa uma atitude comrelação às cidades que é compartilhada por muitos americanos. Thoreau, sentado sozinho no campo,admirando um crepúsculo, é uma imagem aceitável. Thoreau sentado no meio-fio em Boston observandoo tráfego na hora do "rush" é uma imagem totalmente diferente.

Mesmo enquanto se amontoavam nas cidades, os norte-americanos sempre tiveram uma imagemidealizada do seu país. Até um urbanista como Benjamin Franklin sentiu-se no dever de afirmar que aagricultura era "o único meio honesto de adquirir riquezas. . . como recompensa por uma vida inocente eindustriosa". Naturalmente, o próprio Franklin jamais ganhou um centavo na agricultura; ele era oprotótipo do cosmopolita.

Desbravar o sertão e domesticar (erradicar) feras e homens selvagens era considerado umempreendimento altamente louvável dos pioneiros. No entanto, o esforço dos imigrantes para construir ascidades norte-americanas foi quase ignorado. É como se considerássemos a história dos imigrantescomo algo vergonhoso, que é melhor esquecer. O herói americano é o vaqueiro, não o operário. Umaconferência de Frederick Jackson Turner no inicio deste século, que ficou muito conhecida, "A Conquistado Oeste", é um ótimo exemplo: glorificava o pioneiro e as virtudes do Oeste. Não é preciso dizer quenunca ninguém prestou uma homenagem semelhante aos moradores das casas de cômodos,trabalhando de sol a sol para proporcionar à família uma vida decente. Hoje em dia, a televisão perpetuao mesmo mito, ao nos apresentar dezenas de histórias a respeito da vida no Oeste Americano do séculodezenove, mas nada a respeito dos habitantes das cidades no mesmo século.

38 Citado por Glub, OP. cit., P. 38.39 Andrew A. Lipscomb e Albert E. Bergh (compiladores), The Wri. fings ol Thomas Jeflerson, vol. X, The Thomas Jefferson Memorial Associa. tion,Washington, D. C., 1904, p. 173.40 Morton White e Lucia White, The Intellectual versus the City, Har. vard and M. 1. T. Press, Cambridge, Manachusetts, 1962.

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As criticas às cidades continham algumas premissas contraditórias - embora estas não fossemnormalmente notadas - pois ao mesmo tempo que a cidade era criticada por não exibir valores rurais ouagrícolas, era censurada por não ser verdadeiramente urbana e atender aos ideais mais elevados deuma sociedade urbana. Em outras palavras, os críticos queriam que a cidade fosse ao mesmo tempomais rural e mais urbana.

Violentos ataques à cidade partiram de escritores como Josiah Strong, que a condenava como fonte de

todos os males do rum, do romanismo (catolicismo) e da rebelião. O livro de Strong, Our Country - NossoPaís - vendeu 175.000 exemplares, um número fantástico para a época. Strong traduzia fielmente ostemores da América protestante e provinciana de que a tecnologia urbana e os grupos cada vez maioresde imigrantes estrangeiros estivessem minando a ordem social existente e introduzindo mudançasindesejáveis, tais como máquinas políticas, cortiços e ausência das igrejas. Alguns trechos servem paradar o tom geral da obra:

“A cidade tornou-se uma séria ameaça à nossa civilização... A cidade tem um fascínioespecial para o imigrante. Nossas principais cidades em 1880 continham 39,3 por centode todos os nossos alemães e 45,8 por cento dos irlandeses. As dez maiores cidadesda época abrigavam apenas nove por cento da população do país, mas 23 por centodos estrangeiros...Por alojarem tantos estrangeiros, as cidades constituem a base do

catolicismo. Pelo mesmo motivo, os bares, juntamente com a intemperança e o poder do álcool que representam, se multiplicam...O socialismo tem sua origem na cidade, eos materiais necessários para seu desenvolvimento se multiplicam com odesenvolvimento da cidade. É na cidade que temos pilhas de dinamite social; é lá quevalentões, jogadores, ladrões, vagabundos e homens desesperados de todos os tiposse congregam; homens que estão dispostos por qualquer pretexto a fazer arruaças como objetivo de roubar e saquear; é lá que se reúnem os estrangeiros e operários, que sãoparticularmente suscetíveis aos argumentos dos socialistas; é lá que reinam o ceticismoe os sentimentos anti-religiosos; é lá que a injustiça é maior e mais evidente, e ocontraste entre a opulência e a miséria mais chocante; é lá que o sofrimento é maispenoso.”41

Esta prevenção contra a cidade aumentou no final do século dezenove e finalmente explodiu na questãoda cunhagem de prata, com a prata representando o Oeste agrícola e o ouro o Leste comercial eindustrial. A campanha de William Jennings Bryan para a presidência, em 1896, representou umatentativa dos agricultores inimigos das cidades de conquistar o controle político da nação. Como afirmouBryan em seu famoso discurso "Cruz de Ouro": "Queimai vossas cidades e deixai vossas fazendas, evossas cidades renascerão como que por um passe de mágica; mas destruí vossas fazendas, e o capimcrescerá nas ruas de todas as cidades do país.42 Mas no final do século dezenove, a época de Bryanhavia passado, e embora o fundamentalismo agrícola ainda conservasse alguma força, não era maisuma ideologia dominante. O futuro estava na cidade, não na fazenda.

Mesmo assim, o mito do passado agrícola continuou a sobreviver à realidade. Como Hofstadter curiosamente observou, uma das fotografias da campanha presidencial do Presidente Calvin Coolidgeem 1924 mostrava-o posando como um simples fazendeiro em Vermont. Entretanto, a fotografia revelamais do que pretendia, pois a roupa do presidente está imaculadamente limpa, os sapatos muito bemengraxados, e se olharmos com atenção, poderemos ver o luxuoso automóvel do presidente, um PierceArrow, com agentes do Serviço Secreto prontos para levá-lo de volta à cidade quando a sessão defotografias estivesse terminada.43  Mesmo hoje em dia, o Senador Sam Ervin, um dos mais argutosadvogados deste país, gosta de passar por caipira e refere-se a si mesmo como "um simples garoto docampo".

Na verdade, há mais de meio século que os Estados Unidos são um país mais urbano que rural, e a cadarecenseamento a percentagem da população urbana torna-se maior. Mesmo os vinte e cinco por centoda população que não residem em zonas urbanas estão .comprometidas com o estilo de vida urbano.

Eles compreendem muito bem que seus lucros dependem mais do sistema de sustentação dos preços41 Strong, op. cit., cap. 11. 42 Glaab e Br~, op. cit., p. 59.42 Glaab e Brown, op. Cit., p.5943 Richard Hofstadter, The Age of Reform, Knopf, Nova York, 1955 p. 31.

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agrícolas do que do tempo ou outros fatores naturais. A enorme contribuição política que os criadoresprometeram à Casa Branca em 1972 em troca de um aumento no preço do leite mostra até que ponto osfazendeiros estão enfronhados na política urbana.

Small Town in Mass Society (A Cidade Pequena na Sociedade de Massa), o estudo de uma pequenacidade no interior do Estado de Nova York, mostra como as cidades pequenas dos Estados Unidos estãototalmente sujeitas ao sistema econômico e social urbano, embora se orgulhem de serem independentes

das grandes cidades e do estilo de vida cosmopolita. As pequenas precisam até mesmo recorrer aosmeios de comunicação de massa para reforçar sua imagem de independência.44

Hoje em dia, a idéia que fazemos da vida rural e das virtudes básicas do meio rural nos é transmitida por meios de comunicação de massa com base nas cidades e orientados pelas cidades. Os programas detelevisão escritos em Nova York e produzidos em Hollywood tentam criar uma imagem de cidadespequenas, habitadas por pessoas simpáticas, dotadas de uma sabedoria "prática" - quase como umquadro de Norman Rockwell. Os anúncios urbanos também insistem na mesma tecla - a propagandarecorre freqüentemente à nostalgia, com carros antigos, campos de trigo, a velha casa da fazenda.

O que tudo isto reflete é uma profunda ambivalência com relação às cidades e à vida urbana. Comopovo, decidimos glorificar a vida rural mas morar em cidades. A América do Norte é o mais urbanizado de

todos os continentes (com exceção da Austrália), mas nossa atitude diante das grandes zonas urbanas éesquizofrênica. Somos um continente urbano que trata as grandes cidades como se não fossem dignasde confiança e como se desejássemos que simplesmente desaparecessem e deixassem de criar problemas.

A ERA MODERNA

O período de 1920 até o presente é geralmente considerado como o período moderno da urbanizaçãonorte-americana. O recenseamento de 1920 encerrou oficialmente a era rural quando mostrou que 50 por cento da população já estavam morando em zonas urbanas. Daí por diante, os Estados Unidos seriamum país de cidades. A década de 1920 marcou também o limite da expansão de centro das cidades.Expansão e desenvolvimento estavam na ordem do dia, e o centro da cidade estava no apogeu. Aestrada de ferro era o principal meio de transporte interurbano e o bonde elétrico dominava o trânsitourbano. O automóvel, que estimularia a dispersão e a criação de subúrbios, ainda estava na infância.Desde este período, a densidade demográfica dos centros das cidades tem diminuído sempre.

As décadas de 1920 e 1930 assistiram ao início da dispersão em grande escala da população, logoseguida pela dispersão das indústrias. Esta última foi encorajada por inovações tecnológicas, quepassaram a exigir mais espaço para as fábricas, pela escassez de terras na parte central das cidades,pelo custo mais baixo das terras nas áreas suburbanas e, naturalmente, pelos menores impostos nessasáreas. Esses tópicos serão examinados com maior profundidade nos próximos quatro capítulos.

44 Arthur J. Vidich e Joseph Bensman, Small Town in Mass Society, Doubleday, Anchor, Nova York, 1960.