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URBANIZAÇÃO E ÁREAS VERDES: DEGRADAÇÃO E RECUPERAÇÃO AMBIENTAL EM ESPAÇO URBANO URBANIZATION AND GREENS AREAS: ENVIRONMENTAL DEGRADATION AND RECUPERATION IN URBAN SPACES. Carlos Alberto Menarin. Orientador: Dr. Paulo Henrique Martinez. Doutorando em História – UNESP/Assis – bolsista CNPq – [email protected] Palavras-chave: expansão urbana; políticas públicas; História Ambiental; Keywords: urban expansion; public policies; Environmental History; Introdução É marcante o processo de expansão urbana registrado desde os anos de 1960 no Brasil. Uma das características desse processo é a degradação de áreas naturais, particularmente junto aos mananciais e cursos d’água pela ocupação das margens, despejo de esgoto e das águas fluviais, acarretando poluição e erosão do solo e condições insalubres. Essa realidade pode ser constatada em diversos municípios do país e deve ser objeto de análises críticas pelos diversos campos do saber, como as Ciências Humanas. A reflexão sobre a estruturação do espaço urbano e seus reflexos, sociais e ambientais, já conta com expressiva bibliografia, sob diferentes campos de estudo, como na antropologia, arquitetura, geografia, história e sociologia. Ou seja, trata-se de uma questão interdisciplinar. Este texto tem como objetivo apresentar algumas reflexões sobre esse tema a partir da perspectiva da História Ambiental. Essa opção parece pertinente por considerar não apenas as transformações empreendidas sobre o meio ambiente decorrente do processo de expansão urbana, mas considerar o seu revés, ou seja, as influências do ambiente natural nesse processo. Apresentaremos algumas questões a partir do estudo de caso, do processo de degradação e recuperação de áreas verdes localizadas na cidade de Santa Rita do Passa Quatro, região de Ribeirão Preto/SP. Essa análise surgiu como desdobramento de uma pesquisa maior, em nível de mestrado em História, defendido no programa de pós-graduação da UNESP – campus de Assis – com financiamento pela FAPESP e está vinculada ao Grupo de Pesquisa cadastrado junto ao CNPq intitulado “Cidades Sustentáveis: História e Política”, e ainda, apresenta reflexões iniciais da pesquisa em nível de Doutorado em História pela mesma instituição, financiada pelo CNPq. Santa Rita do Passa Quatro: ocupação do solo e urbanização A cidade de Santa Rita do Passa Quatro, fundada em meados do século XIX, conta na atualidade com população de aproximadamente 28 mil habitantes em uma superfície total de 753 km², com grau de urbanização em torno de 87%. Localiza-se na zona de contato entre a Depressão Periférica e as Cuestas Basálticas, ocupando os planaltos entre os rios Pardo e Mogi-Guaçu, marcado por áreas de transição entre os biomas Floresta Estacional Semidecídua (Mata Atlântica de Interior) e de Cerrado. Deteremos-nos sobre a história dessa cidade apenas quanto aos aspectos pertinentes à questão proposta. Ou seja, os efeitos das sociedades passadas sobre o meio ambiente devem ser considerados na compreensão das questões sociais e ambientais do presente, com objetivo de informar ações dirigidas à conservação dos recursos naturais sobre as causas e não apenas os efeitos da degradação ambiental. No território paulista, a expansão da cafeicultura sobre áreas cobertas por matas foi marcante de meados do século XIX às primeiras décadas do século XX. O primeiro Plano Diretor

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Page 1: URBANIZAÇÃO E ÁREAS VERDES: DEGRADAÇÃO E … E AREAS VERDES... · Para o arquiteto Luis Saia, o predomínio desse esquema sem as considerações quanto às características topográficas

URBANIZAÇÃO E ÁREAS VERDES: DEGRADAÇÃO E RECUPERAÇÃO AMBIENTAL EM ESPAÇO URBANO

URBANIZATION AND GREENS AREAS: ENVIRONMENTAL DEGRADATION AND RECUPERATION IN URBAN SPACES.

Carlos Alberto Menarin.

Orientador: Dr. Paulo Henrique Martinez. Doutorando em História – UNESP/Assis – bolsista CNPq – [email protected]

Palavras-chave: expansão urbana; políticas públicas; História Ambiental; Keywords: urban expansion; public policies; Environmental History; Introdução

É marcante o processo de expansão urbana registrado desde os anos de 1960 no Brasil. Uma das características desse processo é a degradação de áreas naturais, particularmente junto aos mananciais e cursos d’água pela ocupação das margens, despejo de esgoto e das águas fluviais, acarretando poluição e erosão do solo e condições insalubres. Essa realidade pode ser constatada em diversos municípios do país e deve ser objeto de análises críticas pelos diversos campos do saber, como as Ciências Humanas.

A reflexão sobre a estruturação do espaço urbano e seus reflexos, sociais e ambientais, já conta com expressiva bibliografia, sob diferentes campos de estudo, como na antropologia, arquitetura, geografia, história e sociologia. Ou seja, trata-se de uma questão interdisciplinar.

Este texto tem como objetivo apresentar algumas reflexões sobre esse tema a partir da perspectiva da História Ambiental. Essa opção parece pertinente por considerar não apenas as transformações empreendidas sobre o meio ambiente decorrente do processo de expansão urbana, mas considerar o seu revés, ou seja, as influências do ambiente natural nesse processo.

Apresentaremos algumas questões a partir do estudo de caso, do processo de degradação e recuperação de áreas verdes localizadas na cidade de Santa Rita do Passa Quatro, região de Ribeirão Preto/SP. Essa análise surgiu como desdobramento de uma pesquisa maior, em nível de mestrado em História, defendido no programa de pós-graduação da UNESP – campus de Assis – com financiamento pela FAPESP e está vinculada ao Grupo de Pesquisa cadastrado junto ao CNPq intitulado “Cidades Sustentáveis: História e Política”, e ainda, apresenta reflexões iniciais da pesquisa em nível de Doutorado em História pela mesma instituição, financiada pelo CNPq.

Santa Rita do Passa Quatro: ocupação do solo e urbanização

A cidade de Santa Rita do Passa Quatro, fundada em meados do século XIX, conta na

atualidade com população de aproximadamente 28 mil habitantes em uma superfície total de 753 km², com grau de urbanização em torno de 87%. Localiza-se na zona de contato entre a Depressão Periférica e as Cuestas Basálticas, ocupando os planaltos entre os rios Pardo e Mogi-Guaçu, marcado por áreas de transição entre os biomas Floresta Estacional Semidecídua (Mata Atlântica de Interior) e de Cerrado.

Deteremos-nos sobre a história dessa cidade apenas quanto aos aspectos pertinentes à questão proposta. Ou seja, os efeitos das sociedades passadas sobre o meio ambiente devem ser considerados na compreensão das questões sociais e ambientais do presente, com objetivo de informar ações dirigidas à conservação dos recursos naturais sobre as causas e não apenas os efeitos da degradação ambiental.

No território paulista, a expansão da cafeicultura sobre áreas cobertas por matas foi marcante de meados do século XIX às primeiras décadas do século XX. O primeiro Plano Diretor

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daquele município, elaborado entre 1958 e 1959, dividia sua área em quatro zonas: Cerrado, então considerado desabitado, uma zona de campos, e o restante formado por terra roxa, sendo que boa parte desta já era tida como bastante cansada1. Se não houve uma definição precisa sobre as características do solo e vegetação, existe a indicação da predominância do bioma Cerrado, ao norte. As áreas ocupadas pela Floresta Estacional Semidecídua deveriam localizar-se nas zonas mais próximas ao leito do rio Mogi-Guaçu, ascendendo aos vales dos ribeirões Claro e Bebedouro, sobre as colinas médias daquelas áreas. As principais fazendas produtoras de café encontravam-se justamente nessas áreas.

Essa caracterização evidencia que os solos daquele município não foram, em sua maior parte, os mais favoráveis para produção cafeeira. A grande produção registrada em fins do século XIX deve ser entendida pela rápida ocupação das faixas de terras férteis da Floresta Estacional Semidecídua em sua quase totalidade, mas esgotadas algumas décadas depois.

Segundo José Gonso, que nos anos de 1930 escreveu uma história desse município, a fundação da cidade ocorreu em 1860, por migrantes mineiros de Pouso Alegre/MG. Originalmente, deveria fixar-se no vale do ribeirão Bebedouro, no entanto, a área doada para constituição do Patrimônio de Santa Rita de Cássia foi estabelecida onde a encontramos atualmente, pela justificativa de que era preciso o povoado localizar-se entre cursos d’água2. Ora, o vale do ribeirão Bebedouro poderia oferecer a água suficiente naquele momento, portanto, o que parece ter contribuído para a doação do referido terreno, além dos cursos d’água, foi o fato de que este se localizava sobre área de Cerrado, de pouco valor na época e considerada desinteressante para o plantio do café.

Esse traço da exploração florestal se completa não apenas pela abertura dos espaços para culturas comerciais, como o café, mas as próprias culturas de subsistência, particularmente, com destaque para o arroz e o milho, e a derrubada da mata para ampliar a produção em áreas não utilizadas para o plantio do café, como os fundos de vale. A estruturação de uma cidade e o desenvolvimento da vida cotidiana de seus moradores ainda demandava a exploração de diversos recursos naturais, como a água, madeiras – seja para construção, lenha ou confecção de utensílios – argila, pedras, areia etc.

As condições topográficas não eram no todo desconsideradas, contudo, não as tratavam pelos critérios de hoje. Santa Rita do Passa Quatro foi erigida inicialmente sobre um espigão, em meio a duas nascentes que em seus cursos se encontrarão ao sul, rumo ao vale do ribeirão Claro, constituindo o atual córrego Marinho, coletor de 75% do esgoto da cidade ainda sem tratamento.

Para o arquiteto Luis Saia, o predomínio desse esquema sem as considerações quanto às características topográficas ou pedológicas, e a proximidade de cursos d’água junto à maior parte destas cidades, influiu para que a direção do reticulado incidisse 90º sobre a linha formada pelo fundo do vale. As ruas dessa direção resultam extremamente erodiveis3. Não se trata de cobrar uma outra racionalidade daqueles agentes, mas explicar as conseqüências daquelas práticas no tocante ao desenvolvimento de processo erosivos dos solos urbanos.

Segundo esse arquiteto, existia uma relação muito forte entre a expansão da cafeicultura e as formas urbanas daí emergidas. As cidades seriam estruturadas em forma de “rosário”, seguindo, em parte, a linha das ferrovias, e, pela preferência dada ao plantio do café em solos mais altos, grande parte das cidades fundadas durante esse período, nascidas nas imediações de pequenos córregos, sofreria pelo crescimento, a necessidade de fuga desses mananciais, inicialmente fontes e abastecimento e depois transformadas em fator negativo, pela poluição, enchentes ou erosões4. Algumas das características apontadas até aqui são passíveis de observação no caso da estruturação urbana da cidade de Santa Rita do Passa Quatro. (Figura 1)

1 Cf. PLANO DIRETOR do Município de Santa Rita do Passa Quatro-SP. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo, Centro de Pesquisas Urbanísticas, USP, 1960, f. 43. 2 BELLUZ, Carlos Alberto Del Bel. (Org.). História de Santa Rita do Passa Quatro – José Gonso. Santa Rita do Passa Quatro: O Santarritense, 1993. 3 SAIA, Luis. Morada Paulista. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 50 4 Id. Ibid.

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Parque “Ludovico Zorzi”: recuperação ambiental e valorização imobiliária. Esse breve retrospecto narra um processo que não é de todo estranho a grande parte dos municípios, ao menos, do interior do Estado de São Paulo. A supressão da vegetação e ocupação dos fundos de vales, a impermeabilização do solo e a condução das águas pluviais aos córregos produzem efeitos erosivos em diversas escalas. Com a expansão urbana em direção a região norte do município de Santa Rita do Passa Quatro, esses efeitos se fizerem sentir com maior vigor no córrego Capituva, que na primeira metade do século XX alimentava uma represa que abastecia a cidade. Nas décadas de 1950 em diante recebia os desejos do matadouro municipal até sua desativação no início dos anos de 1990, justamente por já se localizar em meio a área urbana. Sua nascente se dá em uma propriedade privada – um pequeno sítio englobado pela área urbana – e grande parte de seu curso, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, sofreu os impactos da abertura de novos bairros. Em meados dos anos de 1980 iniciou-se o processo de canalização, medida adotada para evitar ampliação do processo erosivo bem como a viabilização da melhor ocupação do terreno junto a suas margens, sem qualquer consideração, por exemplo, quanto ao disposto pelo Código Florestal sobre esse aspecto.

Parque “Ludovico Zorzi”

Figura 1 - Mapa da cidade de Santa Rita do Passa Quatro com traçado reticulado; destaque para as nascentes existentes e córregos que cortam a área urbana.

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FONTE: PREFEITURA MUNICIPAL. Plano Diretor de Santa Rita do Passa Quatro. 2006. Disponível em: <http://www.santaritadopassaquatro.sp.gov.br/planodiretor/planodiretor.htm> Acesso em: 05 set. 2006.

Tal processo incluía a construção de um lago como estratégia de contenção de processos

erosivos somado a finalidades paisagísticas. O trecho do loteamento aberto localizado junto a essa área recebeu o nome de Jardim do Lago. O projeto foi mantido parado por mais de uma década, onde, no local, acentuou-se o processo erosivo e juntamente com a poluição que exalava permanente mau cheiro, tornaram-no um local evitado.

O projeto de recuperação da área só foi retomado e concluído no início do ano de 2000, com a construção de duas lagoas, a conclusão da canalização dos trechos antes e após as lagoas até o limite da área urbana. Foi construída pista para cooper em torno das lagoas, quiosques e quadra poliesportiva, sendo então, batizado de Parque “Ludovico Zozi”.

Até o momento dessa pesquisa, não parece descabido aventar a hipótese que esse projeto atendeu prontamente aos interesses imobiliários naquela área. A chamada recuperação deve ser entendida como uma incorporação daquele espaço ao conjunto urbano por meio da criação de uma área de lazer agregando sobremaneira valor a todo o entorno.

Considerações finais

No presente texto, procuramos apresentar sucintamente um processo de degradação e recuperação de uma área natural, decorrente da expansão urbana de uma cidade de pequeno porte localizada no interior do Estado de São Paulo. Desse pontual estudo elencamos algumas considerações: por meio da análise histórica, podemos compreender não apenas o processo de degradação, mas o movimento em que o espaço degradado é modificado e reintroduzido a área urbana, que são vinculados a processos político-econômicos. Essa questão põe em realce à importância de se considerar as relações entre o espaço e a política. Nem todos os espaços naturais degradados recebem políticas públicas para recuperação. Essa perspectiva de estudo possibilita uma visão crítica desse processo expondo as vicissitudes da incorporação e valorização desses espaços à ordem regida pelo Capital. Bibliografia BELLUZ, Carlos Alberto Del Bel. (Org.). História de Santa Rita do Passa Quatro – José Gonso. Santa Rita do Passa Quatro: O Santarritense, 1993. GUERRA, Antonio José Teixeira; SILVA, Antonio Soares; BOTELHO, Rosangela Garrido Machado. Erosão e conservação dos solos: conceitos, temas e aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. GUERRA, Antonio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista. (Orgs.). A questão ambiental: diferentes abordagens. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. ________. Impactos ambientais urbanos no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. LEPETIT, Bernard. Por uma nova história urbana. São Paulo: Ed. USP, 2001. MENARIN, Carlos Alberto. À Sombra dos Jequitibás: Patrimônio Ambiental e Políticas Públicas na criação e implantação do Parque Estadual de Vassununga (1969 – 2005). 270f. 2009. Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2009. PLANO DIRETOR do município de Santa Rita do Passa Quatro-SP. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Centro de Pesquisas Urbanísticas, USP, 1960 SAIA, Luis. Morada Paulista. São Paulo: Perspectiva, 1972