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Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; 10/2010; ISSN 21777276 ____________________________________________________________________________________________________________________ Universidade Estadual de Goiás UnU - Goiás Revista Visão Acadêmica Revista Eletrônica Ano1 1 Outubro de 2010

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Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás;

10/2010; ISSN 21777276

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Universidade Estadual de Goiás

UnU - Goiás

Revista Visão Acadêmica

Revista Eletrônica

Ano1 – nº 1

Outubro de 2010

Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás;

10/2010; ISSN 21777276

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Revista Visão Acadêmica

UnU - Goiás

A Revista Visão Acadêmica é especializada em publicação de artigos científicos

escritos por graduandos. Sendo restrito a esse tipo de pesquisadores o direito à

publicação nesse periódico.

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Universidade Estadual de Goiás

Dados da Publicação

Revista Visão Acadêmica

Ano 1 - nº1 – Outubro de 2010

Revista Eletrônica

Periodicidade Semestral

ISSN 21777276

Cidade de Goiás- GO

UnU - Goiás

Estado de Goiás, Brasil

Av. Deusdete F. Moura S/N Centro

Contato

Principal:

email - [email protected]

Alternativo:

Itelvides José de Morais

e-mail: [email protected]

Alair Di Silva Peres

e-mail: [email protected]

Acesso Via sítio

http//:www.coracoralina.ueg.br

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Expediente

Universidade Estadual de Goiás ( UEG)

Reitor

Luiz Antônio Arantes

Unidade Universitária de Goiás

Diretor da Unidade

Flávio Antônio dos Santos

Av. Deusdete Ferreira de Moura S/N Centro

Cidade de Goiás- GO - CEP 76.600

Conselho Editorial

Auristela Afonso da Costa – UEG

Gabriela Azeredo Santos - UEG/PUC-GO

Ieda Maria do Carmo - UEG

Itelvides José de Morais - UEG

Luciano Feliciano de Lima - UEG

Raquel Miranda Barbosa – UEG.

Conselho Consultivo

Ademar Azevedo Soares Júnior (UEG – Goiânia/ESEFFEGO)

Carla Rosane Mendanha da Cunha (FMB-GO)

Célia Sebastiana Silva (UFG - Goiânia)

Deis Elucy Siqueira (Universidade de Brasília – UNB)

Ebe Maria de Lima Siqueira (UFG – Goiânia /UEG)

Eduardo Gonçalves Rocha (UFG – Goiás)

Eduardo José Reinato (PUC-GO)

Francisco Alberto Severo de Almeida (UEG - Ensino a Distância)

Geisa Mozzer Nunes de Souza (UFG - Goiânia)

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Hamilton Barbosa Napolitano (UEG - Anápolis/UNUCET)

Ricardo Trevisan (UEG - Anápolis/UNUCET)

Rogéria Luzia Wolpp Gonçalves (UEG - Itaberaí).

Valdeniza Maria Lopes da Barra (UFG - Goiânia)

Membros do Conselho Consultivo Convidados Para Esta Edição

Alexander Meireles da Silva (UFG - Catalão)

Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFU - Ituiutaba)

Jamesson Buarque de Souza (UFG - Goiânia).

Liliane Ferreira Neves Inglez de Souza (FAAL-Limeira)

Marcelo Pericoli (UEG Anápolis/ UNUCSEH)

Margareth Pereira Arbués (UFG - cidade de Goiás)

Maria Célia de Oliveira Papa (FAAL - Limeira)

Maria Suelí de Aguiar (UFG - Goiânia)

Warley Carlos Souza (UEG - ESEFFEGO)

Adriana de Bortoli (FATEC- LINS).

Administração

Alair Di Silva Peres (UEG - cidade de Goiás).

Correção Gramatical e Ortográfica Pelos

Graduandos

Lívia Rodrigues Barbosa

Wanderson Ferreira De Souza Lima

Ivani Peixoto dos Santos

Juliana de Fátima Ananias de Jesus

Formatação e Diagramação

Heloísio Mendes (UEG – Goiás).

Itelvides José de Morais (UEG – Goiás)

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Foco e Escopo

A Revista Visão Acadêmica publica artigos científicos de graduandos de diferentes

áreas.

Política de Acesso Livre

A Visão Acadêmica proporciona acesso público e gratuito a todo seu conteúdo, com o

intuito de auxiliar na divulgação do conhecimento científico.

Acesso via sítio:

http//:www.coracoralina.ueg.br

Editorial

O intento de ser meio de divulgação de artigos científicos escritos por graduandos de

diferentes áreas é o principal motivo da organização e do lançamento da Revista Visão

Acadêmica. De fato não faltam revistas científicas dispostas a abrir algum espaço para

que graduandos possam publicar. Porém, frente à grande quantidade de produções, e

espaços para publicação aquém do necessário, nem sempre trabalhos de boa qualidade

escritos por graduandos conseguem ser divulgados com rapidez. Por isso é intenção da

Visão Acadêmica se voltar apenas para este segmento de pesquisadores. Com isto

contribuindo para que as universidades continuem a ser local de formação e divulgação

de idéias de pensadores com senso crítico. Crítico em relação às suas próprias crenças e

as dos demais membros das sociedades, quando estes procuram compreender os

fenômenos que os cercam.

Cidade de Goiás, outubro de 2010,

Conselho Editorial.

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Sumário

Artigos

Diagnóstico Ambiental Preliminar de Duas Porções do Córrego São José, Ituiutaba, Minas

Gerais. 8-22 Emerson Ferreira de Oliveira

Karine Nayara Mussulin

José Leandro Reis da Silveira

Dialetos do Brasil: a palatalização dos fonemas e (T e D). 22-31

Flávia Leonel Falchi

Prosa e Poesia em Prosas Seguidas de Odes Mínimas, José Paulo Paes. 31-47 Renata Magalhães Vaz

Presença do Estilo Épico na Poesia Brasileira Moderna e Contemporânea. 48-55

Denise Freire Ventura

Rafael Barrozo de Carvalho

João Antônio Marra Signoreli

Mandingas, Mistérios, Feitiços e Traquinagens: Saci-Pererê, um Mito Brasileiro em

Análise. 56-66

Fabianna Simão Bellizzi Carneiro

Estudo Comparativo Sobre a Figura do Vampiro nas Obras Drácula e Crepúsculo. 66-74 Danielle Moreira Lopes

Os Conceitos e Aplicações Sobre Mínimo Múltiplo Comum (MMC) são Realmente

Questões Elementares Para os Alunos do Ensino Fundamental? 75-81

Fabiane Olivieri

Problemas Sobre Área de Figuras Planas Retangulares: os alunos do ensino fundamental

sabem como resolvê-los? 82-89

Bruna Yuri Otsuka Gusicuma

Ansiedade e Auto-eficácia Matemática. 89-95

Bruno Rafael Meneguetti

Tecnologia, Informação e Informatização: a Implicação Desses Fatores no

Desenvolvimento Sócio-cultural da Criança. 96/102

Adriana Cristina Ramos

Alisson Sales Prates

O Turismo na “Melhor Idade” na cidade de Goiás. 102-107 Lana Lopes de Castro

A Paradiplomacia e sua Repercussão no Brasil. 108-118 Lívio Ferreira da Silva Filho

Rogério de Freitas Amorim

A Música Definida Pela Matemática. 118-126

Luis Fernando D‟Oliveira Montalvão.

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Diagnóstico Ambiental Preliminar de Duas Porções do Córrego São José,

Ituiutaba, Minas Gerais Emerson Ferreira de Oliveira1

Karine Nayara Mussulin2

José Leandro Reis da Silveira3

Resumo: O presente trabalho tem como principal objetivo, compreender duas áreas

distintas, do Córrego São José, localizado no município de Ituiutaba, Minas Gerais.

Sendo essas a nascente e uma região no perímetro urbano. No intuito de averiguar as

condições ambientais das devidas áreas do córrego, quatro trabalhos de campo foram

realizados, sendo esses de cunho geológico, geográfico, biológico e químico. Os

resultados indicaram que, nas distintas áreas de estudo têm-se a presença de condições

ambientais adversas, variando em aspectos positivos e negativos. Os trabalhos de campo

junto às análises em laboratório sugerem que, embora sejam encontrados vestígios de

áreas afetadas por fatores antrópicos, como a impermeabilização do solo, a falta de

controle das erosões e a supressão da vegetação ciliar, ainda assim, a qualidade da água

do Córrego São José se enquadra nos padrões estabelecidos por órgãos responsáveis.

Palavras-chave: Córrego São José. Ituiutaba-MG. Condições ambientais.

Introdução

É notável a percepção de que, os recursos naturais não são inesgotáveis e o meio

ambiente sempre foi e continuará sendo fator determinante para todos os seres vivos.

1 Emerson Ferreira de Oliveira é graduando do segundo período do curso de Geografia da Universidade

Federal de Uberlândia Campus Pontal na cidade de Ituiutaba-MG. 2 Karine Nayara Mussulin é graduanda do sexto período do curso de Química da Universidade Federal de

Uberlândia Campus Pontal na cidade de Ituiutaba-MG. 3 José Leandro Reis da Silveira é graduando do sexto período do curso de Química da Universidade

Federal de Uberlândia Campus Pontal, na cidade de Ituiutaba.

Professor Indicador do artigo: Doutor Carlos Roberto dos Anjos Candeiro, Curso de Geografia da

Universidade Federal de Uberlândia Campus Pontal, na cidade de Ituiutaba-MG.

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Com o crescimento desenfreado das cidades e o aumento de setores industriais, é

preciso manter a harmonia entre o meio natural e o desenvolvimento econômico.

Neste trabalho, é destacada a importância dos recursos hídricos, este tem como

intuito duas razões fundamentais. Uma de cunho ambiental e outra social, ambos os

itens se correlacionam e o homem é o principal agente influenciador nas suas mudanças

e dinâmicas.

Os leitos fluviais sofrem algumas modificações que, infelizmente preocupam a

qualidade das águas, tanto a vida quanto o corpo físico. Esses ambientes são

considerados pontos estratégicos para o conhecimento e entendimento da realidade.

A contaminação da água é definida como a adição de substâncias indesejáveis

que deterioram sua qualidade, a qual se refere a sua capacidade para usos benéficos,

como o abastecimento, a irrigação, entre outros. Um contaminador pode ser de origem

inorgânica, como metais pesados ou mercúrio, ou orgânico, como coliformes

provenientes de esgotos domésticos.

Nesses casos, a qualidade da água depende fundamentalmente dos aportes

naturais dados pela chuva e pelas condições naturais de geologia e solos da bacia de

drenagem.

As principais fontes de contaminação aquática são as indústrias, a agricultura e

os despejos domésticos. A decomposição natural da matéria orgânica, acumulada em

excesso, causa mudanças drásticas na concentração de oxigênio e nos valores de pH,

que podem ser, às vezes, mortais para alguns seres aquáticos.

Ituiutaba, município localizado no extremo oeste do estado de Minas Gerais, na

região denominada Pontal do Triângulo Mineiro, com aproximadamente cem mil

habitantes, é banhada por uma considerável bacia hidrográfica, através de córregos, de

lagos e de rios que se localizam tanto na área urbana, quanto na área rural.

A pesquisa centra-se no Córrego São José, que abrange uma boa porção da área

da cidade e divide a principal entrada do centro e os demais bairros. A cidade, como

tantas outras no Brasil, está em ascensão; grandes obras são realizadas e nesse sentido, o

São José, vem sofrendo constantes mudanças em seu corpo físico.

As condições atuais do clima e a realidade da humanidade, em relação aos

recursos hídricos não são nada animadoras, sendo isso, um fato evidente em todas as

esferas da sociedade. Um bem essencial como a água não tem o seu devido

reconhecimento e a percepção humana, de como é importante para sua sobrevivência.

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Nos dias atuais é interessante falar de desenvolvimento sustentável. A mídia, os

governos, as grandes empresas e a elite da sociedade, enfatizam muito esse termo,

“desenvolver sem afetar o clima, sem impactar o meio natural”, resta saber se essa

preocupação é sincera, se realmente estão interessados em mudar suas atitudes, ou se

não passa apenas de uma jogada política e comercial e estão aproveitando o momento

para lucrarem e se darem bem financeiramente.

No país existem leis que protegem as águas, como a Lei das Águas- n°

9433/97 que defende uma total reestruturação do setor. A implementação do

Plano Nacional de Recursos Hídricos, pela Agência Nacional das Águas -

ANA estabelece que a gestão, por sua vez, deve ser descentralizada e contar

com a participação do poder público e da sociedade civil e fazer com que

essas leis sejam cumpridas é o maior desafio das instituições que as

monitoram (ROMITTELI; PATERNIANI, 2007, p. 3).

Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é compreender a importância do

Córrego São José para o município de Ituiutaba, abordando inicialmente apenas a área

física, a biota e como as relações humanas, sem planejamento de uma gestão municipal,

podem afetá-lo. Com a finalidade de melhorá-lo, será feito um diagnóstico preliminar

em conjunto com biólogos, químicos e geógrafos, destacando a condição ambiental.

Localização da Área de Estudo

A área de estudo está localizada em duas porções do Córrego São José, sendo a

nascente aproximadamente a 5 km, do centro de Ituiutaba, no sentido sul, e outro em um

local estratégico na área urbana (FIG. 1). O acesso a nascente do Córrego São José se dá

pela estrada vicinal da unidade conservada denominada Parque Goiabal e a região

trabalhada na área urbana localiza-se no Bairro Setor Norte.

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Figura 1 - Localização da área de estudo

FIGURA 1 – Localização da área de estudo, com destaque nos pontos trabalhados na

nascente (A); e na área urbana (B). (Mapa elaborado por SOUSA, R.; OLIVEIRA, E.).

Fonte: SOUSA, R; OLIVEIRA, E. 2009.

Metodologia Experimental

O trabalho foi realizado no Córrego São José, afluente do Rio Tijuco, que

também drena a área urbana de Ituiutaba, sendo este conduzido no período de junho a

novembro de 2009. Inicialmente foi realizado um levantamento bibliográfico para busca

de referências, metodologias e outros trabalhos na área do referido estudo, no intuito de

estabelecer um cronograma para o objeto de pesquisa. Em uma segunda etapa,

seguiram-se os trabalhos de campo, os quais foram organizados de maneira a observar

in locus os aspectos geomorfológicos, geológicos, pedológicos, químicos e bióticos da

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área de estudo. Para isso, foram coletadas amostras de rochas, solos e água, as quais

foram identificadas e caracterizadas no Laboratório de Geologia (Curso de Geografia,

Campus do Pontal/UFU) e Laboratório de Química Analítica/Físico-Química. No que

concerne à flora, as análises foram realizadas por identificação direta e registros

fotográficos.

É importante ressaltar que, a metodologia utilizada neste estudo foi realizada

segundo três grandes áreas da ciência ambiental: a Geografia, abordando os aspectos

sociais e físicos em relação ao córrego, tais como; a urbanização, geologia, e

geomorfologia; Ciências Biológicas, estudando a biota do local de trabalho e a Química,

voltada para análise química da água e a correlação com os resultados obtidos na

Geografia e Biologia.

Geografia

A metodologia utilizada é baseada em Aziz Ab‟Sáber para a classificação do

clima e do relevo. Por meio de pesquisas bibliográficas e trabalho de campo, a

classificação geológica foi realizada segundo Fernandes e Coimbra, foram coletados

materiais como solos e rochas e encaminhados para o Núcleo de Análises Ambientais

em Geociências, da Universidade Federal de Uberlândia Campus Pontal, onde se

encontram os Laboratórios de Climatologia, Geologia, Geomorfologia e Pedologia,

possibilitando assim a classificação dos respectivos materiais.

Química

Os reagentes e os equipamentos utilizados para os testes químicos da água foram

disponibilizados pelo Laboratório de Química Analítica/Físico-Química. O estudo da

água do Córrego São José, se deu por análises físico-químicas de pH (potencial

hidrogeniônico), temperatura e condutividade elétrica para amostras de água de dois

pontos de coleta, sendo estes, a nascente e o outro um ponto situado no perímetro

urbano, em local estratégico, no fim da canalização do córrego. O trabalho no

laboratório foi realizado no mês de agosto de 2009.

Logo após serem coletadas, as amostras de efluentes foram acondicionadas em

recipientes plásticos, e então enviadas ao laboratório para realização das análises,

seguindo parâmetros analíticos.

As medidas de temperatura foram realizadas in locus, evitando medidas diretas

no leito do córrego, inibindo assim, o derramamento de mercúrio nas águas caso

houvesse a quebra do termômetro.

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Antes de dar início às medidas de pH e à condutividade elétrica, as amostras de

água passaram por um processo de filtração a vácuo (Bomba de vácuo EXIPUMP), a

fim de evitar possíveis danos aos equipamentos. A calibração do pH metro (LOGEN) foi

realizada com soluções tampão pH 7 e pH 4. A condutividade da solução padrão

utilizada nas medidas de condutividade elétrica foi de 146,9 S/cm e a temperatura de

referência foi de 20 °C.

Biologia

O levantamento florístico, foi realizado a partir de coletas nos trabalhos de

campo, assim como a realização de fotografias. Os moradores das áreas visitadas foram

consultados sobre os nomes populares das espécies da região vegetais e posterior

consulta a especialistas de botânica.

Resultados e Discussão; Geologia e Geomorfologia

A área de estudo encontra-se sobre rochas vulcânicas da Formação Serra Geral

(Bacia do Paraná) e sedimentos da Formação Marília (Bacia Bauru, Cretáceo Superior)

(sensu FERNANDES e COIMBRA, 1996). O Córrego São José drena em grande parte

sedimentos desta bacia sedimentar que é dividida nos grupos Caiuá e Bauru.

Segundo Fernandes e Coimbra (1996), o Grupo Caiuá é subdividido em três

formações: Santo Anastácio, Rio Paraná e Goio Erê e o Grupo Bauru nas formações:

Adamantina, Marília e Uberaba, onde na região do Pontal Triângulo Mineiro é

representado por sedimentos das formações Adamantina e Marília. Essas camadas

assentam-se sobre basaltos da Formação Serra Geral (Bacia do Paraná). Os sedimentos

da Formação Marília (Maastrichtiano) afloram de forma desigual no município de

Ituiutaba. Sendo a única unidade litoestratigráfica do Grupo Bauru, que aflora na área

de estudo, visto que alguns afloramentos da Formação Adamantina são conhecidos da

região limítrofe com o município de Prata. Os sedimentos da Formação Marília

aparecem na vertente da nascente do Córrego São José. Eles são constituídos por

arenitos de origem flúvio-lacustre, de granulação fina a média e de coloração vermelho-

claro. Esses, também, são observados em morros testemunhos nas proximidades da

nascente com uma abundante porção de cascalho e seixos rolados. Em alguns pontos, as

águas do Córrego São José correm diretamente sobre os basaltos da Formação Serra

Geral, principalmente, na região da nascente desse curso, assim como na região urbana

de Ituiutaba.

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Estudos indicam que a área do município de Ituiutaba está sobre o relevo

denominado como Domínio dos Chapadões Tropicais do Brasil Central (AB´SABER,

2000). Segundo esse autor, as feições do relevo são caracterizadas por serem

mediamente dissecado com a presença de vales encaixados e vertentes com acentuado

declive. Observações diretas na área de estudo indicam que a morfologia do relevo

apresenta áreas com superfícies aplainadas, mas com um encaixe mais proeminente no

vale do Córrego São José, sendo que as vertentes apresentam alguns processos erosivos.

A área de estudo apresenta uma porção mais elevada com topos aplainados, na nascente,

pertencentes a uma área de fundo de vale. Entre 585 e 600 m de altimetria, encontra-se

uma superfície separada do nível de cima, por rupturas de declive mantidas por distintos

derrames basálticos.

Os locais pesquisados são relativamente diferentes. Pode-se notar que na

nascente por ter uma constante umidade, dificilmente são encontradas rochas, e quando

encontradas, já estão em processo de intemperismo, de difícil identificação.

São encontrados afloramentos de arenitos da Formação Marília com cerca de 83

milhões de anos do Grupo Bauru (que estão sobre rochas basálticas da Formação Serra

Geral). Esses arenitos de cor avermelhada, assim como as rochas vulcânicas da área de

estudo, na parte superior dos afloramentos estão intemperizados, tornando, assim, o

manto de rocha alterada mais representativo sobre os basaltos. Parte desses está rolada

no Vale do Córrego São José. Os solos apresentam colaboração de sedimentos e

fragmentos rochosos das formações Marília e Serra Geral.

Em locais com grande umidade, devido às reações químicas e físicas do

ambiente, as rochas se decompõem com mais facilidade, contribuindo assim, para um

solo mais fértil, sendo possível desta forma, perceber porque as nascentes são ricas em

vegetação (FIG. 2). Ainda assim, o fato de ser encontrada uma abundante vegetação em

uma determinada área, não é suficiente para confirmar a fertilidade do solo, visto que

por lixiviação e por lessivagem, por meio de processos químicos e físicos, promovem a

disjunção nas ligações ferro-argila instabilizando os horizontes superficiais e

preparando-os para o processo erosivo nas encostas, o que consequentemente leva à

perda de seus principais componentes minerais. Já no perímetro urbano, verifica-se que

a drenagem do Córrego São José corre sobre os basaltos da Formação Serra Geral.

Partes dessas rochas estão intemperizadas dando origem a um solo de coloração

avermelhada.

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Figura 2 – Imagem da Área de Estudo

FIGURA 2 - Imagem da área de estudo. A – área de vegetação próxima à nascente do

Córrego São José; B – corredeiras no Córrego São José sobre basaltos da Formação

Serra Geral em área urbanizada. Fonte: OLIVEIRA, E. 2009.

De fato, como apontado pelos estudos geológicos, que seguiram nessa área de

pesquisa, durante as obras de retificação do curso d‟água promovidos pela Prefeitura de

Ituiutaba, em agosto de 2008, os solos da área são classificados como Latossolos

Vermelho-Amarelos e Latossolos Vermelho-Férricos (Latossolos Distróficos e

Eutróficos), solos bem estruturados que apresentam horizontes bem definidos,

originados das rochas sedimentares da Formação Marília do Grupo Bauru e das rochas

basálticas da Formação Serra Geral do Grupo São Bento, sendo essa formação a mais

comum no leito dos cursos d‟água mais próximos – Rio Tijuco, Ribeirão São Lourenço

e Córrego da Lagoa (PROTOCOLO Nº 608775/2008).

Fig. 1. Ponto próximo a coleta na nascente

Autor: Oliveira, E.F.

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Biota

A vegetação da região foi inventariada de forma preliminar (FIG. 3). De modo

geral, a região da nascente do Córrego São José está inserida no Bioma Cerrado. No

entanto, algumas espécies vegetais foram introduzidas na área de estudo. A cobertura

vegetal predominante nas vertentes é o Campo Cerrado (Savana arbórea aberta), com a

presença de espécies característica deste tipo de compartimento vegetacional, com

predomínio de gramíneas, pequenas árvores e arbustos bastante esparsos entre si.

Ressalva-se que as árvores geralmente ficam isoladas. Esse compartimento

fitofisionômico encontra-se bem preservado, mesmo com evidências de queimadas.

Quadro 1 - Descrição das Espécies Vegetais na Nascente do Corrego São José

Descrição das espécies vegetais encontradas na nascente do Córrego São José. Levantamento realizado por Emerson Ferreira, Karine Mussulin e Dr. Carlos Candeiro em julho de 2009.

NOME POPULAR NOME CIENTÍFICO

Angico Anadenanthera sp

Acerola Malpighia glaba

Balsamo Mycrocarpus frondosus

Braquiária Brachiaria decumbens

Cajueiro Anacardium occidentale

Embaúba Cecropia pachystachya

Fruto do conde Annona squamosa

Goiabeira Psidium guajava

Jenipapo Genipa americana

Ipê rosa Chorisia speciosa

Jasmim Plumeria rubra

Jatobá Hymenaea courbaril

Munguba Pseudobombax munguba

Mangueira Mangifera indica

Pata de vaca Bauhinia sp

Samambaia Pteridium aquilinum

Tamarindo Tamarindus indica

Oiti Licania tomentosa

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Parâmetros Químicos

As análises em laboratório evidenciaram uma maior variabilidade longitudinal

para o parâmetro condutividade elétrica. Os valores encontrados para os pontos de

coleta, na nascente e no perímetro urbano, foram respectivamente, 17,84 μS/cm e 116,9

μS/cm. Tal parâmetro relaciona-se com a presença de espécies iônicas que se encontram

dissolvidas na água, capacitando-a a conduzir corrente elétrica. Quanto maior for a

quantidade de espécies iônicas dissolvidas, maior será, portanto, a condutividade

elétrica.

Os valores geralmente encontrados para a condutividade elétrica das águas

superficiais diferem muito entre si, podendo ser baixos como 50 μS/cm ou

altos como 50.000 μS/cm. Os valores baixos são encontrados em locais onde

a precipitação possui baixo teor de espécies iônicas dissolvidas, sendo o local

formado por rochas resistentes ao intemperismo. Quanto ao valor de 50.000

μS/cm, este se refere à condutividade elétrica do mar (BARRETO apud

PORTO et al, 2009, p. 9).

No que se refere às águas naturais, o valor obtido para a amostra coletada ao

longo do percurso do canal urbano está fora do nível superior permitido, que é de 100

μS/cm, tornando-se um indício de ambientes impactados (CETESB, 2009).

A magnitude de modificação da variável em questão pode ser atribuída à

interferência de origem antrópica, visto que nas proximidades do ponto de coleta na área

urbanizada, há ocupação desordenada do solo sem planejamento integrado entre os

serviços de saneamento e de infraestrutura, o que consequentemente, acarreta a

movimentação de terra e impermeabilização do solo, permitindo assim, o agravamento

dos processos erosivos e transporte de materiais orgânicos e inorgânicos (MOTA,

1995).

É observado que a vistoria realizada pela Prefeitura de Ituiutaba, durante as

obras de canalização que sucederam em 2008, foram apontadas áreas marginais do

córrego no perímetro urbano, as quais se encontram extremamente degradadas, sendo

possível observar a instalação de intensos processos erosivos, com destaque para a

evolução de barrancas fluviais rumo às moradias ali localizadas e o assoreamento das

margens do córrego. Provavelmente, a própria composição química dos solos

latossólicos, que caracterizam a região estudada (predomínio de óxidos hidratados de

ferro e/ou alumínio), são responsáveis pelo alto índice de cargas observadas na amostra

de água coletada na área urbana, uma vez que os processos de intemperismo propiciam

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o carregamento desses íons para os leitos d‟água. Não obstante, há o problema

associado às residências que foram construídas entre o emissário da rede de esgoto e o

córrego, e que por tal motivo, não são atendidas. Como constatado, essas residências

utilizam as margens do córrego para o lançamento direto dos seus efluentes domésticos.

Para o parâmetro pH, obteve-se o valor mínimo de 6.75 para a amostra coletada

na nascente e o valor máximo de 7.83 para a amostra coletada no perímetro urbano.

Essa variável representa a intensidade da condição ácida ou básica de um determinado

meio, a qual está sujeita às suas características naturais e origem, podendo ainda ser

influenciada por processos químicos, físicos e biológicos, principalmente, no que se

refere ao consumo e/ou produção de dióxido de carbono. Sabe-se que as comunidades

aquáticas liberam ou assimilam CO2 do meio, alterando, consequentemente, o balanço

entre as formas de carbono inorgânico dissolvido (dióxido de carbono, carbonatos e

bicarbonatos) da água, o que ocasiona alterações nos valores de pH (Sawyer et al, 1994

apud PEIXOTO, 2001).

Neste caso, os valores obtidos em ambas as medições se apresentaram próximos

à neutralidade e estão compreendidos na faixa de 6.0 a 9.0 conforme estabelecido pela

Resolução CONAMA nº 357/2005 para águas doces. Mais uma vez, em comparação à

nascente, a qual de certa forma mantém suas características naturais preservadas, pode-

se dizer que o fato do pH para a área urbanizada estar acima da neutralidade (caráter

ligeiramente básico) deve-se aos processos erosivos e, consequentemente, aos

afloramentos rochosos carbonatados que fazem parte da formação geológica da região.

Quanto ao parâmetro temperatura, este apresentou pequena variação ao se

comparar ambos os pontos de coleta, sendo que para a nascente obteve-se o valor de T =

21,5 ± 0,5°C e, para o outro ponto da área urbana, o valor de T = 24,0 ± 0,5°C. Isso de

fato era esperado, tendo em vista que, há menor incidência de raios solares na nascente

se comparado à outra área estudada, como consequência da vegetação que circunda a

margem do córrego (FIG. 3). De fato, não são reportados na literatura valores precisos

para este parâmetro, que poderiam ser tomados como referência, uma vez que as

variações de temperatura são parte do regime climático normal, e corpos d‟água naturais

apresentam variações sazonais e diurnas, bem como estratificação vertical. No caso de

uma comparação minuciosa, vários fatores tais como: altitude, latitude, estação do ano,

período do dia e nível de profundidade, devem ser levados em pauta.

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Considerações finais

Poucos são os estudos sobre os aspectos físicos, químicos e biológicos da região

das nascentes, dos mananciais próximos à cidade de Ituiutaba. O estudo preliminar do

Córrego São José, situado na região central, da referida cidade, demonstra que esta área

é de grande importância local, quando considerados os seus aspectos físicos e químicos

(geologia, pedologia, geomorfologia, vegetação e hidrografia). Isto se deve, porque este

curso d‟água percorre a área urbana do município de Ituiutaba. A importância desta

área é relevante, uma vez que, a nascente apresenta uma quantidade considerável de

espécies vegetais, demonstrando assim, a ausência de grandes impactos ambientais

relacionados ao desmatamento e degradação das margens de leitos fluviais.

Os solos da região são produtos do intemperismo dos sedimentos da Formação

Adamantina e Marília e sobre eles se assentam vegetações típicas do cerrado brasileiro.

Um total de 18 espécies exóticas e típicas de cerrado foram registradas na nascente do

Córrego São José, as quais estão degradadas. É importante ressaltar que, esse número de

espécies pode vir a aumentar, uma vez que o levantamento, em algumas áreas da porção

média do curso do córrego, não foi amostrado. De modo geral, considera-se que a maior

quantidade de espécies encontradas deve ser resposta a um conjunto de fatores

explicados pelas peculiaridades (mosaico) da área aqui estudada, assim como a

fertilidade do solo, topografia, entre outros.

Embora existam ainda indícios de degradação, pode-se dizer que, a situação

concernente à qualidade da água do Córrego São José é promissora, visto que, as

variáveis investigadas corroboram, de certa forma, com os padrões estabelecidos pelos

órgãos responsáveis. É importante ressaltar o fato de que, o único parâmetro alterado

refere-se à condutividade elétrica e que tal medida, é algo bem relativo diante os

aspectos negativos apontados.

Diante disso, pode-se dizer que, as medidas adotadas pela Prefeitura Municipal

de Ituiutaba, com relação à construção do emissário para coleta de esgoto sanitário que

era lançado diretamente no córrego, trouxeram avanços no que diz respeito ao

saneamento básico e melhoria da qualidade ambiental da área. Tais intervenções

refletiram também nos recursos hídricos, tendo em vista que, a coleta do efluente e a

melhoria da drenagem pluvial impactaram positivamente, minimizando os problemas

relacionados ao assoreamento do córrego e aos processos erosivos que persistiam até

então. A preocupação maior é como o córrego vem sendo tratado pela gestão municipal,

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com planejamentos de canalização com concreto, devido ao crescimento da cidade. Pois

enquanto em países europeus esse tipo de canalização esta sendo destruído, por danos

como enchentes e seca de leitos fluviais, em nosso País esse modelo está sendo

utilizado, demonstrando assim, um atraso e copiando modelos antigos, ao invés de,

pensar novas maneiras para melhorar o fluxo da cidade e preservação dos córregos.

Alguns projetos como esses já são aplicados no Brasil, com a inserção de

vegetação, que consequentemente, podem contribuir para a fauna e a vida humana,

ainda mais em uma cidade como Ituiutaba, carente de áreas verdes para sua população.

Nas proximidades de leitos seria possível realizar espaços para lazer, mas diante do

momento histórico, com o modo de produção capitalista, com interesses econômicos

sem se preocupar com a condição de vida do povo, ou atuando apenas para uma

determinada classe da população, infelizmente é possível entender porque gestores

públicos não estão interessados em adotar essas medidas e ampliar cada vez mais o que

é denominado “desenvolvimento”.

Diante do panorama exposto, entende-se que tanto a análise preliminar dessa

complexa paisagem, quanto o monitoramento da qualidade da água dessa sub-bacia são

de extrema importância, não somente no sentido de compreender a evolução

paisagística da região em torno e dentro do sítio urbano de Ituiutaba, mas de investigar o

que está sendo alterado devido às atividades antrópicas e o porquê de tais alterações

estarem ocorrendo.

Agradecimentos

Aos Profs. MSc. Leonardo Cristian Rocha, Romário Rosa de Sousa, Hélio

Carlos Miranda de Oliveira (Curso de Geografia, FACIP/UFU) pelas inúmeras

sugestões realizadas durante a confecção deste trabalho; aos Profs. Drs. Anízio Marcio

de Faria (Curso de Química, FACIP/UFU) e Roberto Candeiro (Curso de

Geografia/FACIP/UFU) pelos apoios concedidos nas análises realizadas no Laboratório

de Química (FACIP/UFU) e Laboratório de Geologia (FACIP/UFU). Estendemos estes

agradecimentos ao Sr. Joelson (morador da fazenda na área da nascente do córrego) que

nos permitiu a entrada e coleta de dados no referido local e ao revisor anônimo da

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SÃO PAULO. Projeto de Recuperação da Bacia

do Córrego Cedro. Disponível em: http://prudente.uniesp.edu.br/projetoambiental/histórico,

acessado em 08-06-09.

Dialetos do Brasil: a palatalização dos fonemas e *

Flávia Leonel Falchi4

Resumo: Este artigo aborda a palatalização dos fonemas e junto à vogal

em alguns dialetos brasileiros, buscando formular uma hipótese que explique tal

ocorrência. Desse modo, realiza-se um estudo histórico da língua portuguesa desde sua

origem latina, atendo-se às concepções de mudança e variação lingüística. Trabalha-se

com os conceitos de consoantes dentais e palatalizadas, bem como com a noção de que

a palatalização seria um processo habitual de mudança fonética das línguas,

desencadeado, no Brasil, pelo contato da língua portuguesa trazida pelo colonizador

com outras línguas. Assim, após analisar, ao longo da história brasileira, a relação do

português e demais línguas, formula-se a hipótese de que a palatalização das consoantes

e em alguns dialetos do Brasil tenha se originado nas línguas indígenas,

especialmente na língua geral paulista, e a partir daí, se expandido pelo território

brasileiro, principalmente por meio dos bandeirantes. Observa-se ainda uma tendência

de crescimento das regiões que realizam fonemas e alveopalatais neste país,

visto influência exercida por megalópoles palatalizadoras.

Palavras-chave: Língua portuguesa. Variação linguística. Dialetos brasileiros.

Fonética. Palatalização de e .

Introdução

Toda língua sofre variações. A língua portuguesa, idioma oficial de diferentes

países, não é falada da mesma forma em todas as regiões. Prova disso é a existência de

4Flávia Leonel Falchi é graduanda do terceiro período do curso de Letras da Universidade Federal de

Goiás da cidade de Goiânia.

Professora Indicadora do artigo: Doutora Maria Suelí de Aguiar, da Universidade Federal de Goiás;

Campus Samambaia; Faculdade de Letras; Curso de Letras.

Artigo baseado em comunicação realizada pela autora no XI Colóquio de Pesquisa e Extensão da

Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás.

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dialetos dentro do próprio território brasileiro.

Um exemplo de variação fonética que marca os dialetos do Brasil é a que ocorre

com os fonemas e , que, de acordo com a região onde são pronunciados,

podem ser produzidos como palatalizados ( e ), quando antecedem a vogal

, e/ou dentais ( e ).

Dada à abrangência dessa variação, questiona-se como essa diferença fonética

surge.

Tendo-se isso em vista, este artigo, fruto de pesquisa em andamento, tem como

objetivo levantar hipótese em busca de uma explicação para o que ocorre com os

fonemas e .

Para isso, foram efetuadas pesquisas sobre a história da língua portuguesa,

enfatizando-se as mudanças fônicas que são próprias das línguas.

Assim, o presente artigo realiza inicialmente uma abordagem sobre a origem

latina da língua portuguesa, atendo-se à ideia de mudança e variação linguística, para

somente depois apresentar um estudo sobre o processo de palatalização em dialetos

brasileiros.

Dialetos do Brasil: a palatalização dos fonemas e

A língua portuguesa tem suas origens em mudanças linguísticas no latim vulgar,

ocasionadas pelo contato deste, em território ibérico, com outras línguas.

Segundo Guimarães (2005),

na Península Ibérica o latim entrou em contato com línguas já ali existentes.

Depois houve o contato do latim já transformado com as línguas germânicas,

no período de presença desses povos na península (de 406 a 711 d. C.). Em

seguida, com a invasão mulçumana (árabe e berberes), esse latim modificado

e já em processo de divisão entra em contato com o árabe. Na primeira fase

do processo de reconquista da Península Ibérica pelos cristãos, que tinham

resistido no norte, os romances (latim modificado por anos de contato com

outros povos e línguas) tomaram uma feição específica no oeste da península,

formando o galego-português e em seguida o português.

Claro que o português formado a essa época não é o mesmo português falado

hoje no Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, Timor

Leste, São Tomé e Príncipe. Isso porque, as línguas variam: uma única língua possui

diferentes falares. Assim, é perfeitamente comum a fala de um paulista se diferenciar da

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de um pernambucano, já que a língua, de acordo com Saussure (2003, p. 17), é “um

produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias,

adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos.”

Diferentemente da fala, que é “um ato individual de vontade e inteligência”.

(SAUSSURE, 2003, p. 22)

Considerando-se isso, é possível que a fala varie de indivíduo para indivíduo, no

vocabulário, na fonética, na morfologia e na sintaxe, conforme fatores como

escolaridade, nível econômico, fronteira geográfica, grau de formalidade da situação,

entre outros.

Um exemplo de variação fonética é a que ocorre no Brasil com os fonemas

e .

Segundo Callou e Leite (2000, p. 73), esses fonemas “apresentam uma variação

sistemática a depender do contexto fônico e da região do país.”

Dessa forma, no Brasil, os fonemas e , quando antecedem a vogal ,

podem aparecer como dentais ( e ) ou/e palatalizados ( e ).

Crystal (2000, p. 75, grifo do autor) define como dentais os “sons produzidos

com as BORDAS e o ÁPICE da língua contra os dentes” e palatalizados, “qualquer

articulação que envolva um movimento da língua em direção ao palato duro.”

(CRYSTAL, 2000, p. 193)

Assim, de acordo com Dubois (2004, apud DIAS, 2009, p. 55), a palatalização

seria então, “um fenômeno particular de assimilação que algumas vogais e consoantes

sofrem em contato com um fonema palatal.”

No português brasileiro, um fonema palatalizador é a vogal alta .

As consoantes e de alguns dialetos do Brasil são palatalizadas devido

a um processo de assimilação em que o traço [+alto] do fonema se estende aos

fonemas e . (RIOS, 1996)

Assim, dentro dos diferentes falares do português brasileiro, é possível encontrar

variantes condicionadas dos fonemas e :

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Transcrição fonográfica Transcrição fonética Transcrição ortográfica

Titulu : ~ : Título

Leiti : ~ : leite

Dica : ~ : dica

Desdi : ~ : desde

Contudo, por que tal palatalização ocorre?

Segundo pesquisas linguísticas, a palatalização é um processo habitual de

mudança fonética: “em línguas e épocas muito diferentes, podemos encontrar mudanças

fonéticas semelhantes.” (ILARI, 2008, p. 137)

Callou e Leite (2000) chamam atenção para o fato de a variação e a mudança

fonológica do ponto de articulação de anterior para posterior parecer representar uma

tendência universal.

Poder-se-ia dizer então, que há sons que tendem a se palatalizarem.

Dias (2009, p. 58) observa que “no decorrer da evolução do latim ao português,

as consoantes que sofreram o processo de palatalização tiveram como princípio a

assimilação do ponto de articulação da vogal alta anterior que as precediam ou

seguiam.”

Desse modo, a palatalização que acontece hoje com os fonemas e no

português brasileiro seria similar a que o latim passou durante a formação das línguas

românicas.

Todavia, se a palatalização das consoantes e provém de um sistema

habitual de mudança nas línguas, por que esse processo não ocorre, segundo Pagotto

(2005), em algumas regiões brasileiras, em Portugal e nos demais países de língua

portuguesa? O que teria desencadeado a palatalização dos fonemas e em

determinados dialetos do Brasil?

De acordo com a pesquisa até então realizada, o português trazido pelos

lusitanos durante a colonização não palatalizava esses fonemas. Prova disso é: a fala do

povo do litoral nordestino brasileiro, que preserva o maior número de características do

português falado na época da colonização, realizar os fonemas e como

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dentais; e Portugal produzir atualmente os fonemas e como e , o que

confirma a hipótese do português trazido pelos portugueses não ser palatal, visto que,

como já se expôs, as línguas tendem à palatalização, não o contrário.

Desse modo, consoantes e alveopalatais em algumas regiões

brasileiras não teriam resultado da conservação do português do colonizador, mas sim,

do contato da língua portuguesa com outras línguas ao longo de sua história em

território brasileiro.

Segundo Guimarães (2005), o idioma lusitano começa a ser transportado para o

Brasil em 1532, com o início efetivo da colonização.

“No primeiro momento da colonização do Brasil, a língua portuguesa teve que

dividir o espaço com inúmeras línguas indígenas, com as línguas gerais e também com

outras línguas de origens europeias como a holandesa, francesa e espanhola.” (DIAS,

2009, p. 36) Posteriormente, entrou em contato com as línguas africanas dos negros

escravizados e ainda com as línguas dos imigrantes italianos, alemães, japoneses, sírio-

libaneses, russos, lituanos e austríacos.

Todavia, em meio a tantas línguas, como saber qual/quais desencadeou/

desencadearam o processo de palatalização das consoantes e em alguns

dialetos brasileiros?

Analisando-se a relação de cada uma dessas línguas com a língua portuguesa e a

época em que o contato entre elas se deu, pôde-se perceber que:

a) a língua holandesa certamente não foi a responsável pela palatalização dos

fonemas e no português brasileiro, já que, segundo Cotrim (2002), os

holandeses invadiram o nordeste brasileiro durante o século XVII e permaneceram

basicamente em Salvador e Recife, onde hoje se produz e ;

b) a língua francesa também não palatalizou os fonemas e brasileiros,

considerando-se que os franceses não chegaram em grande número no Brasil e ainda

que, o que se tem mais próximos dos palatalizados e na língua francesa são

fones falados apenas no leste do Canadá;

c) as línguas africanas dificilmente foram as responsáveis pela palatalização,

apesar do número de africanos trazidos para o Brasil entre os séculos XVI e XIX. Isso

porque, o litoral nordestino, região brasileira que mais recebeu africanos, realiza hoje,

predominantemente, e ;

d) a língua espanhola, presente no Brasil inicialmente através dos jesuítas,

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depois fracamente durante a União Ibérica (século XVI-XVII) e por último, com a

imigração espanhola entre 1890 e 1930, também não foi a língua palatalizadora dos

fonemas e , uma vez que, no espanhol, tais fonemas são dentais ( e ) e

até onde se sabe, não existe “despalatalização” nas línguas;

e) a língua italiana, que chegou ao Brasil através das imigrações entre 1890-

1930, da mesma forma que a língua espanhola, realiza as consoantes e como

dentais.

Entretanto, há no italiano dois sons que se assemelham bastante com o som dos

palatalizados e : e . Contudo, o que se observa na maioria de

falantes de italiano e de espanhol (em cujo idioma há o som ) que aprende

português, é a tendência em realizar as consoantes e como e e não,

e , o que anula a hipótese da palatalização dos fonemas e no

português brasileiro ser uma herança da imigração italiana;

f) as demais línguas presentes no Brasil foram trazidas no final do século XIX e

início do século XX, de acordo com Petrone (1985, p. 93 apud COTRIM, 2002, p. 465),

por grupos percentualmente menores como “os de alemães, japoneses, sírio-libaneses,

russos, lituanos e austríacos”, o que dificulta a hipótese de tais línguas serem as

responsáveis pela palatalização do e .

Assim, com base no exposto, a hipótese alcançada por esta pesquisa, mais aceita

até então, é a de que a palatalização dos fonemas e teria sido desencadeada

por línguas indígenas. Isso porque, segundo Coutinho (2005, p. 322, grifo do autor),

a língua portuguesa, para aqui trazida pelos descobridores e colonos lusos,

apesar do prestígio que lhe dava uma civilização notável e o poder das armas,

[...] não conseguiu, como falsamente se poderia supor, pronta vantagem sobre

a língua geral dos índios – o tupi.

[...] Os cruzamentos, que aqui se verificavam, eram quase todos de mulheres

índias com homens do reino.

Ocupados estes nos misteres agrícolas ou comerciais, que lhes absorviam o

tempo, não lhes sobrava lazer para ministrarem aos seus descendentes os

conhecimentos do idioma pátrio, deixando às mulheres ou companheiras a

oportunidade para os iniciarem no manejo da língua nativa.

[...] Além disso, [os missionários jesuítas] nos colégios que criavam,

mantinham sempre o ensino do idioma tupi, cujas lições eram ministradas aos

filhos dos colonos de par com o português.

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De acordo com Teyssier (2007, p. 94-95),

durante muito tempo o português e o tupi viveram lado a lado como línguas

de comunicação. [...] Em 1694, dizia o Pe. António Vieira que “as famílias

dos portugueses e índios em São Paulo estão tão ligadas hoje umas com as

outras, que as mulheres e os filhos se criam mística e domesticamente, e a

língua que nas ditas famílias se fala é a dos índios, e a portuguesa a vão os

meninos aprender à escola.”

Somente no início do século XIX é que o português consegue eliminar a língua

geral como língua comum, mais de meio século depois do Édito dos Índios, que proíbe

o uso da língua geral na colônia.

Assim, não se pode negar que o tupi, ao lado das demais línguas indígenas

brasileiras, tenha influenciado a atual língua portuguesa brasileira. Desse modo,

considerando-se que é “no decorrer do século XVIII que se documentam as primeiras

alusões aos traços específicos que caracterizam o português falado no Brasil”

(TEYSSIER, 2007, p. 95), é possível que a palatalização das consoantes e em

alguns dialetos tenha se originado nas línguas indígenas, mais precisamente nas línguas

do tronco Tupí, uma vez que, segundo pesquisas de Leite (1995), a palatalizada

pode ser encontrada no Tapirapé, língua indígena da família Tupí-Guaraní.

A palatalização dos fonemas e em dialetos brasileiros pode até mesmo

ter sido ocasionada pela própria língua geral paulista, originada, segundo Rodrigues

(1994, p. 102), “na língua dos índios Tupí de São Vicente e do alto rio Tietê”. Conforme

Dias (2009), o tupi (língua geral paulista) era falado em São Paulo, região em que

Coutinho (2005) chega a dizer que houve certa predileção por essa língua.

Contudo, se for certa tal hipótese, como se explicaria a palatalização dos

fonemas e para além do território paulista?

De acordo com Teyssier (2007, p. 94), “era o tupi que utilizavam os

bandeirantes nas suas expedições.”

Assim, “nas suas entradas pelo sertão brasileiro, estabelecendo a ligação entre o

litoral e o interior, os bandeirantes, entre os quais havia ordinariamente condutores

índios, faziam do abanheém o instrumento das suas comunicações diárias.”

(COUTINHO, 2005, p. 323. grifo do autor)

Dessa forma, teriam sido os bandeirantes que saíam de São Paulo os principais

responsáveis por expandir a palatalização do e pelo Brasil.

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Mapa 1 – Principais bandeiras (séculos XVII e XVIII) – Disponível em:

http://www.juserve.de/rodrigo/atlas% 20historico/Entradas%20e%20Bandeiras.jpg. Acessado em: 16-11-

09.

Infelizmente, até hoje não se tem um mapeamento dialetológico de todo o território

brasileiro. Porém, mesmo assim é possível perceber que há grande semelhança entre o trajeto

dos bandeirantes mostrado no mapa “Principais bandeiras (séculos XVII e XVIII)” e as regiões

onde hoje se realiza fonemas e palatalizados: “no Sudeste brasileiro, descendo até a

região Sul, com exceção do litoral catarinense e outras ilhas, subindo até a capital baiana,

entrando pelo Centro-Oeste e tomando o Norte do país” (PAGOTTO, 2005).

A presença conjunta de e palatalizados e dentais em certas regiões do Brasil

pode ser explicada historicamente pelas imigrações recebidas por essas localidades. O

Amazonas, por exemplo, na época do auge da exploração da borracha (século XIX e XX),

recebeu inúmeros nordestinos nativos de áreas onde os fonemas e são pronunciados

como dentais, o que certamente colaborou para a co-existência de , , e

nesse estado.

Quanto às regiões palatalizadoras, poder-se-ia dizer que tendem a se expandir. Isso se

considerarmos a grande influência que as megalópoles São Paulo, Rio de Janeiro e Belo

Horizonte (produtoras de consoantes e palatalizadas) exercem sobre o português de

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todo o Brasil. Essa tendência se confirma na tese de mudança fonética habitual das línguas aqui

apresentada, e ainda, no fato de que “dentro de uma perspectiva variacionista se tem como certo

que toda mudança pressupõe variação, ou seja, para que a mudança ocorra a língua tem

necessariamente de passar por um período em que há variação, em que coexistem duas ou mais

variantes.” (CHAGAS, 2002, p. 152) Assim, tomando como base

o caso em que há apenas duas variantes, uma mais antiga [ e , visto

ser herança lusitana] e outra mais nova [ e ], poderemos constatar

que gradativamente a distribuição das variantes passa de um predomínio da

variante mais antiga para um predomínio da variante mais nova, até que haja

a substituição completa. (CHAGAS, 2002, p. 152)

Conclusão

Segundo os estudos aqui realizados sobre a palatalização dos fonemas e no

Brasil, a hipótese mais aceita até então para explicar a presença de tal processo fonético em

alguns dialetos brasileiros, é a de que a palatalização tenha sido desencadeada pelo contato da

língua portuguesa com línguas indígenas brasileiras, já que estas línguas conviveram por um

longo tempo durante a colonização.

Assim, supõe-se que o processo de palatalização das consoantes e tenha se

originado especialmente na língua geral falada na região a que hoje corresponde ao estado de

São Paulo, e a partir daí, tenha se espalhado pelo Brasil: inicialmente, através das bandeiras e

posteriormente, pela influência de megalópoles palatalizadoras, como São Paulo, Rio de Janeiro

e Belo Horizonte; o que teria sido facilitado pela tendência de palatalização das línguas.

Todavia, se for mesmo verdadeira tal hipótese para a palatalização dos fonemas e

, resta saber com certeza se foi realmente a língua geral paulista que a desencadeou.

Justamente isso é que se pretende responder com o avanço desta pesquisa.

“No final das contas, a rigor, ainda temos muito que descobrir a respeito das línguas.”

(BELINE, 2002, p.139)

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Prosa e Poesia em Prosas Seguidas de Odes Mínimas, José Paulo Paes

Renata Magalhães Vaz5

Resumo: O presente trabalho propõe-se fazer uma leitura da obra Prosas seguidas de

Odes Mínimas , considerando a ligação que o poeta estabelece com a tradição e

5 Graduanda em Letras pela Universidade Estadual de Goiás (UEG); Unidade Universitária Goiás.

Professora indicadora do artigo: Doutora Célia Sebastiana Silva UFG/CEPAE Goiânia.

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focalizando, de maneira especial, o modo como ele desenvolve sua poesia na referida

obra estreitando os limites entre prosa e poesia. Quanto à tradição, mostra-se a forte

ligação de Paes com seus precursores, notadamente percebida com Drummond e

Bandeira, não deixando que passe despercebido o trabalho memorialístico realizado

pelo poeta e sua posição na contemporaneidade. Assim, analisa-se também a ode sob a

ótica irônica e humorística, pontos marcantes de Paes, que conduzem sua produção à

crítica pessoal e à auto-ironia. Serão usados como fundamentação os teóricos da

modernidade como Octavio Paz, Eliot, Guinsburg, teóricos de gêneros literários como

Emil Staiger e alguns estudos críticos.

Palavras-Chave: José Paulo Paes. Prosa e poesia. Modernidade. Tradição. Ode.

Introdução

José Paulo Paes foi poeta, ensaísta e tradutor. Ele se diferencia dos demais

escritores pelas características inovadoras e conciliadoras, pois não se prendeu às

dicotomias, mesmo quando foram exigências da época. O poeta relê a tradição

observando-a sob outra perspectiva, a historiográfica.

Paes ainda trabalha com linguagem breve e pessoal, que é tida como irônica e

humorística. Ele foge às regras estéticas impostas pela sociedade e pelos escritores da

época e busca em seus trabalhos valorizar ao máximo a arte em si e não cair no caos da

modernidade, no qual houve hipervalorização da tecnologia, da informática e

revolução da comunicação.

Como conseqüência, surgiu a desvalorização das obras e da literatura, a qual,

segundo Candido (2004), passou a ser vista não como direito de todos, mas assegurada a

uma minoria. No entanto, a literatura deve ser concebida em seu sentido amplo, é ela

que garante o equilíbrio social, que gera o sonho das grandes civilizações e cria a

possibilidade da denúncia, do combate, das manifestações, das negações e da luta em si.

Ainda consoante a Candido (2004), a literatura é a construtora da estrutura e do

significado, ela é forma de expressão e conhecimento. Ela tira as palavras do nada e as

organiza em um todo articulado comunicando e humanizando. Por seu intermédio o

poeta transforma o informal ou aquilo que aparentemente não se pode expressar em

estrutura, e dá forma aos sentimentos e à visão de mundo, que é trabalhada por Paes, o

qual se revela escritor atento aos problemas sociais e às condições do ser humano

moderno e urbano.

O poeta publicou inúmeras obras, dentre elas dezessete livros de poesias, onze

obras ensaísticas, estudos, traduções e dedicou-se ainda à literatura infanto-juvenil. A

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obra Prosas seguidas de Odes Mínimas foi publicada em 1992, pela Companhia das

Letras e é considerada uma das melhores obras da literatura contemporânea brasileira.

Em Prosas seguidas de Odes Mínimas há as odes, as quais, de acordo com

D‟Onofrio (2007), caracteriza-se pelo tom elevado e sublime que trata dos assuntos,

aproximando o eu do poeta ao dos leitores, e não deixa que o sentimentalismo se

sobreponha ao conteúdo. Na prosa e na poesia, segundo Paz (1996), há semelhança

quanto à presença do ritmo na linguagem, pois a linguagem nasce do ritmo e este

precede a fala. No entanto, o ritmo é condição primordial para que haja a obra poética,

mas é dispensável para a prosa. Prosa e poesia se diferem quanto à forma, conteúdo,

posicionamento social e imagem.

Dessa maneira, o presente artigo tem como foco abordar o conteúdo acima

mencionado e realizar, com base em fundamentações teóricas, um estudo acerca das

aproximações e diferenças entre prosa e poesia, com o intuito de investigar o conceito

de ode e a desconstrução desse conceito em Prosas seguidas de Odes Mínimas. Para tal,

foram abordadas as características da produção literária de José Paulo Paes, os aspectos

importantes de Prosas seguidas de Odes Mínimas, a diferença entre prosa e poesia na

obra de Paes, o sentido em que a ode se configura na obra em análise de José Paulo Paes

e suas características, ressaltando a desconstrução feita por Paes dentro da forte ironia,

mostrando essa desconstrução como característica típica da contemporaneidade.

Rosa e Poesia em Prosas Seguidas de Odes Mínimas, José Paulo Paes

José Paulo Paes publicou inúmeras obras, dentre elas dezessete livros de poesias,

onze obras ensaísticas, estudos, traduções e dedicou-se ainda à literatura infanto-juvenil.

A obra Prosas seguidas de Odes Mínimas foi publicada em 1992, pela Companhia das

Letras, e está entre as melhores obras de literatura contemporânea brasileira.

Prosas seguidas de Odes Mínimas é um dos livros mais completos do autor. A

obra faz abordagem que vai do lirismo à crítica política, com um trabalho de temas

muito próximos, o que incentiva a reflexão de nossa própria existência. O nome do

livro, Prosas seguidas de Odes Mínimas, é instigador, pois é como se o autor quisesse

„camuflar‟ o quanto de poesia há em cada parte do livro, já que anula a possibilidade, a

priori, de se existir poesia em suas prosas, fato que cai por terra ao se ler e analisar os

textos, que nada mais são que prosas poéticas.

Paes organizou sua obra de maneira a percorrer todos os ciclos da vida. De seu

primeiro poema – Escolha de túmulo – até o último – A um recém-nascido – o poeta

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„convence‟ o leitor a aceitar a vida e suas amarguras. Ele mescla a distância dos entes

queridos e suas separações com as alegrias da chegada de um recém-nascido. Ao

mesmo tempo em que lamenta as perdas de seus familiares, as angústias da vida, exalta

a felicidade e dá as boas vindas ao novo ser. Há relação entre distância e proximidade,

um limite entre o „nós‟ e cada „coisa‟, desconstrução da ode por meio da ironia e,

concomitantemente, dá-se margem entre prosa e poesia e suas definições.

O livro é composto de vinte poemas chamados de prosas e treze odes. É

considerado o clímax da produção poética de Paes, que se preocupa em fazer

constantemente a “transleitura”, neologismo criado pelo próprio escritor que exprime

seu desejo de “reler” e interpretar poeticamente o mundo dos livros e do homem, com

temas do cotidiano que levam o leitor a questionar de forma profunda sua existência, faz

menção à memória e centra-se no distanciamento do nacionalismo. O estilo adotado na

obra é conciso, cheio de significado e contribui para o entendimento geral dos textos,

com traços românticos concomitantes às lembranças que se presentificam através dos

sonhos. Com linguagem bem elaborada e realista, que trabalha com a oposição de

idéias, com o uso de figuras de linguagem, em especial, a antítese e o paradoxo, voltada

para a realidade, que é vista sob o ponto de vista racional, e vinculado à modernidade e

à inovação. José Paulo Paes usa das palavras atribuindo-as significados que as tornam

marcantes e faz “brincadeiras” através de procedimentos verbais e visuais.

Dessa forma, com base nas considerações feitas anteriormente, pode-se aplicar a

Paes o que Yokozawa diz sobre Mario Quintana, outro poeta modernista brasileiro:

(...) busca freqüentemente, no cotidiano, a matéria de sua poesia. Mas ele não

reproduz o olhar automatizado que lançamos sobre a vida de todo dia. Trata-

se de uma mirada que reinventa o ordinário. Nessa reinvenção, o poeta

recorre muita vez ao humor, a uma ironia sutilíssima, de modo a apresentar

uma visão desestabilizadora da vidinha diária aparentemente sólida, das

verdades assentadas do senso comum, ou ainda dos valores estabelecidos

pela tradição literária. O cotidiano também é freqüentemente recriado em

flagrantes poéticos originais. (2006, p.64)

A poesia em prosa tem relação direta com a matéria em si, com o relatar da vida

moderna e a libertação da rigidez da lírica quanto às normas padrões de versificação.

Poesia em prosa é a forma que o escritor utiliza para se expor mediante as

características do meio em que vive e envolver o leitor, que resistente à versificação,

opta pela forma mais simples e transparente da prosa.

A resistência à poesia é característica da sociedade atual. Com a velocidade das

informações, do tempo e da vida em si, não há tempo para se perder lendo poesias. É

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preciso que o leitor se doe por completo – alma e corpo – e não se prenda ao tempo,

com o olhar fixo no relógio. Outro fator é o alto índice de analfabetismo, que, de acordo

com estudos de Antônio Candido (2000), é acentuado devido à diversidade lingüística,

já que cada uma busca lugar na sociedade. Ligado ao analfabetismo está a debilidade

cultural – essa debilidade se dá por fatores econômicos e políticos. Por conseguinte, a

literatura erudita, na sociedade atual, está fora do alcance da população, pois se prioriza

a literatura massificada, que valoriza o folclore. Há também a formação escolar que

pouco influencia tal cultura, o baixo interesse das pessoas na busca da literatura, com a

pouca freqüência a bibliotecas e livrarias, e o elevado índice dos meios de comunicação

em massa. Assim, o desinteresse cultural produz debilidade que interfere na cultura e

na qualidade das obras.

Dessa „fusão‟ entre prosa e poesia e suas ligações intrínsecas, pode-se notar,

segundo Platão [s/d], que tanto o prosador quanto o poeta não se preocupam em narrar

acontecimentos passados, presentes ou futuros. Eles trabalham com o atemporal. Na

verdade, suas produções centram-se na chamada mimese, imitação da realidade, mas

dotada de inovação. Não a imitação fidedigna, mesmo porque isso não é possível, pois

em tudo quanto se cria há o novo, o inesperado. Portanto, o autor é o meio de expressão.

Há, pois, a Poética da mimese, que alega que o prosador e o poeta partem da imitação e

chegam à realidade de maneira que as imitações tornam-se hábitos na infância e,

consequentemente, na vida.

Mesmo em face de algumas semelhanças, a prosa e a poesia apresentam,

também, diferenças que merecem ser mencionadas. A partir disso, pode-se estabelecer

um panorama com base nas considerações de Paz (1996) que mostra que na prosa,

assim como na poesia, há a presença do ritmo, pois ele é condição primordial para a

linguagem. No entanto, segundo Paz (1996), o ritmo é essencial para a poesia, mas

dispensável à prosa. Em toda a prosa há um leve ritmo, mas que não é demonstrado

explicitamente, ao contrário da poesia, que necessita do ritmo para garantir sua

concretização. O ritmo está anteposto à fala e toda expressão verbal é ritmo. Enquanto

no poema o ritmo se expressa espontaneamente, na prosa, os vocábulos surgem do

ritmo.

Ainda, de acordo com Paz (1996), o ritmo assegura à poesia a musicalidade, não

a musicalidade cantada, típica das peças líricas da Antiguidade Clássica, que requer

acompanhamento instrumental, mas aquela que surge por meio dos recursos usados nas

poesias, como “rimas, assonâncias, aliterações, estribilhos e marcação rítmica (...) que

fazem com que a palavra poética cante, ainda que na leitura silenciosa do gabinete, e

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exerça poder encantatório, semelhante o do gênero musical” (Yokozawa, 2006, p.87).

A musicalidade, portanto, garante à poesia sua firmação na boca do leitor e sua

respeitabilidade. Para essa concretização, é usada a repetição, base da musicalidade, que

através da memorização, como efeito freqüente das repetições, garante a sobrevivência

e apreensão da poesia, que ganha sobrevida no coração e na memória do leitor.

Ao retomar a prosa, de acordo com Paz (1996), tem-se um gênero que surgiu

mais tarde que a poesia e que busca a coerência, a claridade dos conceitos, a evolução, a

crítica e a análise. Ela se manifesta em imagens e não em conceitos, nega-se a si mesma,

nela há constante movimentação de imagens e ritmos, com pausas e acentos. O acento

possibilita a leveza, o movimento das palavras e idéias, que se colocam em linha reta,

com meta precisa.

Na prosa há referência da descrição ao raciocínio, especialmente na prosa

espanhola, e o uso de recursos da escrita, como parágrafos, parênteses, acentos e

vírgulas; valoriza-se a oratória e aquilo que se mostra palpável/concreto. Ela preocupa-

se com o amadurecimento das idéias, como discurso em si, com o posicionamento do

pensamento e com a racionalidade. É gênero aberto, que realiza uma marcha, um

desfile de teoria e idéias.

A cada novo prosador, ainda consoante Paz (1996), surge nova linguagem, daí

seu caráter inovador e moderno. Dessa maneira, a prosa se aproxima da poesia, que

rompe a tradição e busca a inovação. Outra contribuição para essa aproximação é a

linguagem falada e a forte ligação entre o ritmo e a imagem, que se mostram

indissociáveis. O prosista se fundamenta na razão e procura com clareza e precisão criar

conceitos, mas foge da corrente rítmica, a qual trabalha com imagens, e não conceitos.

Estruturalmente, a prosa apresenta-se de maneira aberta e linear, enquanto o

poema mostra-se fechado. Para Valèry (Apud Paz, 1996), a prosa pode ser comparada

com a marcha e a poesia com a dança. A primeira segue sequência de fatos e

acontecimentos, que garantem o desenrolar da história. “A figura geométrica que

simboliza a prosa é a linha: reta, sinuosa, espiralada, ziguezagueante, mas sempre para

adiante e com meta precisa” (Paz, 1996, p.12). Já a segunda, tem caráter esférico, o

qual os acontecimentos se desvencilham como se estivessem em um círculo, algo

fechado, que se repete e recria por meio do ritmo e reflete a essência do poema.

Segundo Paz (1996), embora o ritmo seja suporte da poesia, não se pode dizer

que ele seja um conjunto de metros. Os metros nada mais são que medidas, acentos,

pausas e quantidades silábicas, enquanto o ritmo, como já mencionado, garante a

musicalidade e a leveza da poesia. Essa leveza, conforme diz Ítalo Calvino (1990), está

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ligada à busca do artista de se distanciar do peso intrínseco à realidade, não se distanciar

da realidade em si, mas fazê-la mais leve e agradável, o que possibilitará a „extração‟ de

sensações, sentimentos e fará valer a arte que há na poesia. Com a Revolução Industrial,

entre outros fatores, as tecnologias e o tempo acelerado da vida urbana contribuíram

para muitas produções que refletiam o caos que se encontrava e se encontra a sociedade

atual, porém, alguns escritores fugiram a essa linha e optaram por produção mais leve,

que ousa, sonha e valoriza os sentimentos e a esperança. Diante a situação social, tanto a

valorização dos sentimentos e a esperança fizeram mais sucesso e obtiveram maior

aceitabilidade dos leitores, que mesmo cientes e acompanhando a modernidade, ainda

acreditam e esperam por um mundo melhor, mais leve e humano.

A leveza não deve ser vista como meio de facilidade, mas sim como uma forma

diferente de expressão verbal e de se ver o mundo. Embora leve, possui, ao contrário do

que já foi dito, um peso, mas um peso metafísico e verbal, e não um peso que recai

sobre os ombros do homem de maneira sofrida e triste. Ela busca o que há de melhor e

mais puro nos recônditos do ser. A leveza trabalha com o lírico do poeta, sem falar da

lembrança que machuca e maltrata, porém algo que diminui a „carga‟ de sofrimento,

tornando a dor mais tolerável e aceitável.

Mesmo memorialística, uma poesia, de acordo com o gênero a que se enquadra,

é ficcional. Pode-se dizer, portanto, que o autor retrata suas falsas recordações, e que as

imagens e memórias do poeta são transcendidas pela imaginação e criação. Para a

melhor interpretação dessas poesias que fazem referência à memória, seria necessário,

antes de qualquer coisa, que se conhecesse a biografia do autor, mas essa não é

considerada uma forte exigência, já que algumas poesias são compreendidas sem o

conhecimento prévio da vida do artista. A memória presente nos poemas através da

(re)criação, da ironia e, em alguns momentos, de conclusões proverbiais, transcende a

palavra e ganha vida na boca do leitor. Dessa forma, os versos, a memória e a lírica

baseada na memória representam a lírica moderna do século XX, a qual é notadamente

percebida nas obras de Paes, em especial na obra Prosas seguidas de Odes Mínimas.

Na lírica moderna, segundo Yokozawa (2006), a poesia é alheia ao progresso, à

evolução, tem caráter fechado, pode ser representada pela dança, pois vai além do

idioma e da escrita, penetra nos recônditos da alma e é carregada de lirismo. Quando se

fala em poesia avessa a progresso e evolução, fala-se da poesia que valoriza os

sentimentos e emoções do poeta. Mesmo com as inúmeras tecnologias e a busca

insaciável do novo, a poesia não se faz „prisioneira‟ dos padrões capitalistas. Ela busca

nova maneira de expressão e o inesperado. O caráter fechado caracteriza-se, como já

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mencionado, pela criação e recriação da poesia, como se ela se mantivesse dentro de um

círculo, que interliga todos os fatos e situações presentes no poema, assim, a poesia

acaba por se tornar autossuficiente. Já a dança, por meio da musicalidade, métrica, rima

e ritmo, representa a poesia. A música caminha junto à poesia desde a época dos

cancioneiros, em que poemas eram declamados ao som de liras ou outros instrumentos,

no entanto, com o passar do tempo, ambas se separaram e a poesia passou a reger sua

própria música, através do som da palavra. Por fim, ao se inferir a ligação entre poesia,

essência e lirismo, tem-se, conforme considerações de Paz que:

(...) a poesia, se é alguma coisa, é revelação da “essencial heterogeneidade do

ser”, erotismo, “alteridade”. Seria inútil buscar (...) a revelação dessa

“alteridade” ou a visão de nossa estranheza. A descoberta disso surge em (...)

obra poética como idéia, não como realidade, isto é: não se traduz na criação

de uma linguagem que encarnasse nossa “alteridade”. (1996, p.31)

Nesse sentido, a poesia é vista como meio de expressão não somente verbal, mas

antes de tudo, expressão e fusão dos vários posicionamentos do eu na sociedade e a

valorização da essência e dos sentimentos, que ganham sentido na estrutura do poema e

por meio da sensibilidade do leitor, o qual extrai aquilo de puro que o artista expõe em

sua obra.

A crítica ainda se mostra tímida em face do valor das obras de José Paulo Paes,

que são pouco conhecidas e estudadas. Consequentemente esquece-se da importância de

se estudar poesia, pouco lida de forma geral, e a poesia contemporânea. Segundo o

próprio Paes (Apud Júnior, s/d), a poesia nasce de talento natural, do arrebatamento da

alma poética, de um talento natural com uma cultura que ajuda o poeta a transcrever

para a escrita o seu talento e a impressão de mundo. Portanto, a poesia deve ser vista

como forma de expressão do homem, e dar margem à reflexão do „ser‟ e do „estar‟ no

mundo contemporâneo, valorizar a produção poética e usá-la como meio de protesto

contra os (des)valores da sociedade.

Assim, ao se falar de prosa mínima seguida de poesia máxima em José Paulo

Paes, tem-se estruturalmente um discurso, em que as idéias „saltam‟ de um lugar a

outro, do passado ao presente como se estivessem sendo narradas e interligadas em

oratória, mas conteudisticamente, as palavras ganham forma, expressão e imagem e se

colocam a dançar, conforme sentido na poesia. Por conseguinte, essa mixagem entre

prosa e poesia comprova que os vários gêneros literários caminham lado a lado e

fundem-se. O estudo sobre gêneros literários e essa denominação surgiu com Platão e

anos mais tarde passou a ser analisado por Aristóteles, assim como outros teóricos, que

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destinaram seu tempo para o aprimoramento de tal estudo. Em Aguiar e Silva (1973), há

conceitualização de gêneros literários por meio da teoria a qual diz que:

Brunetière, influenciado pelo dogmatismo da doutrina clássica, concebe os

gêneros como entidades substancialmente existentes, como essências

literárias providas de um significado e de um dinamismo próprios, não como

simples palavras ou categorias arbitrárias, e, seduzido pelas teorias

evolucionistas aplicadas por Darwin ao domínio biológico, procura

aproximar o gênero lírico da espécie biológica. (p.215-6)

Deste modo, o gênero literário é visto como entidade que nasce, cresce, se

desenvolve e morre ou se renova, mas se renova com outra forma, proveniente de fusões

entre gêneros. A base para o desenvolvimento e surgimento dos gêneros literários é a

expressão lingüística, garantida pela interação comunicacional. Para que se possa

sensibilizar o leitor, ao realizar a fusão de gêneros, é necessário mesclá-los como em um

todo, tornando-os, assim como intitula Staiger (1997), o um-no-outro, pois é somente

dessa forma que as idéias ganham sentido.

Nesse contexto, há um „verso e um reverso‟ da prosa e da poesia de José Paulo

Paes, que por meio da narração do discurso mais prosaico, da linha reta (como quer

Paz), da ausência de versos, faz com que os mesmos assuntos e temas abordados na

poesia ganhem espaço no presente e essa, através do lirismo, foca a recordação. Um

trabalha com o tempo, mas com o tempo que perde seu sentido cronológico e ganha a

nuance atemporal, o outro com o ser, porém, ambos conseguem juntos a notoriedade

graças à combinação e ao encaixe entre estrutura e conteúdo, o que traduz com

sabedoria as lembranças de Paes, que mesmo passadistas, renascem no presente.

ODE: O Máximo no Mínimo

A segunda parte de Prosas seguidas de odes Mínimas refere-se à ode. Ela surgiu

na Grécia Antiga, durante o período clássico, o qual se estendeu até o século XVIII. O

apogeu do Classicismo foi entre os séculos V e IV a.C., com idéias que reverenciavam a

razão, a negação do sentimentalismo; a valorização da beleza, porém a beleza natural, e

o repúdio ao exagero. Ele desenvolveu-se também na França, na Inglaterra, em

Portugal, na Itália e em Roma, defendia o Racionalismo, o Universalismo, o

Antropocentrismo e o Paganismo. O primeiro valorizava a razão, que preponderava

sobre a emoção e o sentimento, tal como a valorização da natureza e a libertação do

pensamento, o qual ganhou novos horizontes e deu margem ao surgimento de avanços

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nas ciências e em outros campos de igual importância; o segundo diz que a obra deve

ser um direito de todos e não privilégio do próprio autor, ela deve abarcar o todo e

alcançar o universalismo, com o predomínio da razão e não do subjetivismo; o terceiro

focaliza o homem como o centro do Universo. O Teocentrismo, típico da sociedade

medieval, perdeu sua posição com o surgimento da cultura renascentista e, por fim, o

Paganismo, que valorizava o homem, seus feitos heróicos, sua capacidade de

transformar o mundo e inovar e a presença dos vários deuses.

Nesse contexto nasceu a ode, que, segundo Salvatore D‟Onofrio (2007),

apresenta tom elevado, aspecto solene, composta por estrofes e versos, é forma poética

do gênero lírico e trata de temas variados que vão desde os prazeres da mesa,

nascimento, morte, até as celebrações de vitórias em jogos ou batalhas. Em “Prosas

seguidas de Odes Mínimas”, o poeta dedica parte da obra, composta de treze poemas, a

ode. Dessa forma, não se pode falar deste gênero literário sem antes mencionar o

significado de canção, o qual, segundo Massaud (1974), diz que:

várias conotações revestem o vocábulo „canção‟. De modo genérico, designa

toda composição poética destinada ao canto ou que encerra nítida aliança

com a música. Nesse sentido, o termo acoberta poemas de vária natureza,

infensos a qualquer discriminação esclarecedora. (p.68)

Dessa maneira, a ode, “do grego oidê que, como a palavra hino, também

significa „canto‟” (D‟Onofrio, 2007, p.233), era acompanhada por instrumento musical

de corda (lira ou harpa). A priori, a ode era um canto individual que trabalhava com

temas variados, que expressavam basicamente experiências e sentimentos pessoais, com

um tom ligeiro, o que a caracterizou como sáfica (da poetisa Safo) e a fez ser „adotada‟

por grande parte dos melhores poetas líricos da Grécia antiga, tais como Anacreonte,

Alceu e Safo. Com o passar do tempo, a ode começou a abordar temas mais solenes,

como a religião, guerras, pátria e heróis, aproximando-se mais do hino. “Estesícoro,

poeta do século VI a.C., inventou a forma triádica, que se tornou modelar: a estrofe, a

antístrofe e o epodo” (D‟ONOFRIO, 2007, p.234). Inicialmente, como a produção

poética ainda caminhava junto à arte dramática, havia coros e semicoros que entoavam

cantos. Eles eram organizados de forma que os coros cantavam primeiramente uma

estrofe, com a subsequente canção da antístrofe realizada pelo semicoro e, por fim,

ambos se uniam e entoavam o epodo. Essa forma de conduzir a ode foi intitulada de

pindárica – devido o poeta Píndaro - ou “triunfal”.

Ainda de acordo com considerações de D‟Onofrio (2007), com o fim da Idade

Média e a queda da cultura Greco-romana, a ode ressurge no período renascentista da

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Era Moderna, a partir de então ganha novas matizes e confere às obras os já

mencionados tons elevado e sublime que tratam dos assuntos, aproximando o “eu -

lírico” do poeta ao dos leitores, mas sem permitir que o sentimentalismo se sobreponha

ao conteúdo. Assim, a ode apresenta formas variadas, divididas em três tipos:

pindárica, organizada em três estrofes – as duas primeiras (estrofe e

antístrofe) iguais, e a terceira (epodo) diferente; a horaciana, composta por

estrofes iguais; e a ode livre, que permite um número variável e irregular de

estrofes (D‟ONOFRIO, 2007, p.234)

Essa última representa a estrutura típica das produções modernas, caracterizadas

pelo tom inovador e ousado, assemelhando-se, nesse sentido, à prosa poética de Paes

que, na verdade, nada mais são que poesias estruturadas em forma de prosas. Assim, a

ode é distinguida de outras formas poemáticas pelo seu caráter elevado e em forma de

oratória, como na ode:

À TINTA DE ESCREVER

Ao teu azul fidalgo mortifica

registrar a notícia, escrever

o bilhete, assinar a promissória

esses filhos do momento. Sonhas

mais duradouro o pergaminho

onde pudesses, arte longa em vida breve

inscrever, vitríolo o epigrama, lágrima

a elegia, bronze a epopéia.

Mas já que o duradouro de hoje nem

espera a tinta do jornal secar,

firma, azul, a tua promissória

ao minuto e adeus que agora é tudo História.

(PAES, 1992, p.65)

Aqui, Paes menciona a tinta de escrever exaltando-a através do uso da crase, a

qual revela tom de homenagem (À). A tinta de escrever, apesar de estar perdendo seu

espaço para as inovações tecnológicas, como o computador e outras tecnologias de alto

nível, representa um marco para os registros e acontecimentos mundiais. Por meio desse

recurso, boa parte das notícias, documentos, um simples bilhete ou qualquer outro tipo

de acontecimento, puderam e podem ser registrados em tempo real e imediato. A tinta

de escrever esteve presente até mesmo na descoberta de uma terra até então

desconhecida, o Brasil, por Pero Vaz de Caminha, que registrou todos os detalhes,

dimensões, fauna, flora, tal como sua viagem e o descobrimento da nova terra em si.

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Assim, a tinta foi e ainda é de grande importância para a sociedade. Ela ainda

proporcionou produções importantes, como o epigrama, usado pelo próprio Paes, e

outros gêneros literários, como a epopéia, a elegia, tal como os demais aqui não

mencionados, mas existentes na literatura. Para finalizar, Paes diz: “Mas já que o

duradouro de hoje nem espera a tinta do jornal secar, firma, azul, a tua promissória ao

minuto e adeus que agora é tudo História”. Nesse momento, o poeta dá à tinta de

escrever sublime importância, pois tudo quanto nasce e surge da tinta de escrever torna-

se história, marco na sociedade.

Dessa forma, Prosas Seguidas de odes Mínimas focaliza a exaltação das coisas

simples e rotineiras da vida, características próprias da ode, e do texto em análise,

associando temas predominantes de tal gênero à atualidade, com o uso da ironia, que

induz à desconstrução da ode, em que Paes consegue retratar o máximo de detalhes no

mínimo de recursos, relatar dramas e transformá-los em grandiosos.

Paes e Seus Precursores

Eliot (Apud NOSTRAND, 1968) diz que a ligação entre o poeta e a tradição e o

poeta e sua própria poesia deva prevalecer, pois a mente do poeta deve ser lugar onde o

artista armazena imagens, frases, sentimentos, impressões e experiências de outros

autores. Deve estocar tais idéias, para depois uni-las e convertê-las em um novo

composto, assim como fez Paes em Mundo Novo, em que através de apreensões de

outras obras, algumas até antigas, como a Bíblia Sagrada, produziu obra inovadora,

vista sob um olhar maduro e cheio de experiência, que demonstra com criticidade a

realidade atual do mundo, mas sem se desvincular à tradição.

Nesse âmbito, José Paulo Paes demonstra estar inserido na tradição poética,

porém isso não o inferioriza, pelo contrário, dá credibilidade a sua produção. Essa

influência vivenciada por Paes é observada, de forma especial, através de seus

precursores Drummond e Bandeira. O primeiro realizou grande influência na produção

paesiana, se não a maior influência nas obras de Paes. Drummond (Apud Cornette,

2008), numa carta escrita a Paes ao receber o livro O aluno, relata que acreditava que a

busca do autor deveria vir de dentro dele mesmo, na procura de si e sobre si, e não

através da busca do outro. Assim fez Paes, que seguiu o conselho de Drummond e a

cada dia procurava se encontrar como poeta e também como pessoa, no entanto, para

Paes alcançar essa „autonomia‟ foi necessário a caminhada, em que se vê influência sob

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a ótica imoral, tal como diz Oscar Wilde, em O retrato de Dorian Gray, por meio da

voz de lorde Henry:

Toda influência é imoral... imoral, do ponto de vista cientifico. (...) considero

que influir sobre uma pessoa é transmitir-lhe um pouco de sua própria alma;

esta pessoa deixa de pensar por si mesma, deixa de sentir paixões naturais.

Suas virtudes não são mais suas. Seus pecados, serão emprestados. (2006,

p.54)

Nesse trabalho com as desilusões com o mundo é que Paes e Drummond se

assemelham. Ambos tentam buscar soluções e expor as condições a que se encontra a

sociedade, portanto, Drummond representa influência literária forte para Paes. Porém, a

influência sobre as obras paesianas não se limitam apenas a Carlos Drummond de

Andrade, há também o relevante vínculo de Paes a Bandeira, os quais recuperam a

memória, o convívio familiar e a infância presentes nas fases de suas vidas.

Bandeira e Paes, então, se aproximam por trabalharem temática semelhante, que

valoriza muito o cotidiano, as lembranças da infância e a menção a morte. Porém, Paes

não estabelece a ligação com a tradição somente por meio da prosa poética e suas

demais literaturas, mas também através da ode, forma poética antiga que quebra o

aspecto fechado da obra paesiana, o que permite o surgimento de obra aberta,

proporcionadora de várias interpretações. Dessa forma, ao trabalhar com a ode, Paes

estabelece ligação próxima entre a ode, tradição e a contemporaneidade, que segundo

Eliot (Apud Nostrand) diz:

O poeta deve desenvolver ou conseguir a consciência do passado, e continuar

a desenvolver esta consciência através de tôda a sua carreira.

O que acontece é uma contínua renúncia de si mesmo no momento em que

êle está lidando com algo muito valioso. O progresso do artista é um

permanente auto-sacrifício, uma ininterrupta extinção da personalidade.

(1968, p.192)

Nesse sentido, não há, portanto, obra fechada, homogênea. As produções estão

sujeitas a interferências de idéias e características da tradição, que envolve senso

histórico e percepção, o que faz com que o homem não escreva unicamente de acordo

com sua geração, mas o faz remontar à realidade tradicional e assumir um caráter

atemporal, pois “o passado deve ser alterado pelo presente tanto quanto o presente é

dirigido pelo passado” (Eliot, Apud Nostrand, 1968, p.190).

Todavia, a ode, abordada com olhar especial em Prosas seguidas de Odes

Mínimas, rompe com essa tradição ao utilizar da ironia. O aspecto de rememoração,

homenagem, trabalho com o cotidiano, menção às festas, batalhas e mesmo

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sentimentos, cede lugar à crítica social, que é foco de Paes em muitos de seus estudos,

sobretudo na obra em análise. Paes busca, por conseguinte, a (re)definição para a ode,

bem como a análise da desconstrução desse conceito tradicional sob um olhar, o do

humor, que permite essa desconstrução como característica cara à poesia moderna e

contemporânea.

Tal desconstrução se dá através da „doce ironia‟, expressão utilizada por

Yokozawa (2006), que instiga o homem a rever seus conceitos e verdades, „reconstruir‟

seus pensamentos e sua realidade, desmascarar sua face frente ao individualismo típico

da sociedade contemporânea. Paes, mesmo que subtendido, busca „desconstruir‟

conceitos prontos e instigar o ser na procura de seu autoconhecimento. Assim, o poeta

usa da ironia como ferramenta para o questionamento do complexo mundo dos homens

e como forma de, subjetivamente, remontar às lembranças e desumanidades com tom

sereno e introspecto. Usa da ironia para criticar a modernidade, revela sua memória e

trata da ininterrupção do tempo como ponto a favor das experiências humanas sobre o

viver. Portanto, com base em todas as considerações anteriormente feitas, pode-se

afirmar que a ode é símbolo da ruptura da tradição de Paes.

A ironia romântica, de acordo com Guinsburg (1978), centra-se no

questionamento aos valores do mundo burguês. “Trata-se, para o Romantismo, de abalar

os padrões filisteus e toda esta realidade aparentemente factícia em que o burguês se

acha em casa. Mostrar que tudo isto é falso e ilusório” (p.286). Nesse sentido, a ironia,

ao contrário do que diz o romantismo, desconstrói os valores burgueses. Ela consegue

com maestria trabalhar não somente os aspectos sociais e mundanos, mas de maneira

concomitante valorizar, mesmo que indiretamente, a obra poética. Diz-se indiretamente

pelo fato de que os filisteus exaltavam o infinito sob um olhar voltado para a essência,

mas que remontava o “verdadeiro universo poético” (p.286).

Para Friedrich Schlegel (Apud Guinsburg, 1978, p.287), “‟A ironia é a

consciência clara da eterna agilidade do caos infinitamente pleno. Na mudança eterna de

entusiasmo e ironia se expressa a simetria atraente de contradições‟". Por conseguinte,

ele vê a idéia como um todo que leva à ironia, a qual gera desconcerto diante ao mundo,

ao social e diante a si mesmo, produzindo questionamentos, dúvidas e pensamentos

contraditórios, que se chocam.

Assim, essa mesma ironia é notada de maneira intrínseca na obra de José Paulo

Paes, especialmente em Prosas seguidas de Odes Mínimas. Então, a ironia de Paes

apresenta características não somente modernas, mas próprias. Paes foca o cotidiano e

realiza trabalho voltado para o movimento diário, as coisas simples da vida, mas que

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sob sua visão e humor não passam despercebidas, pelo contrário, alcançam, ao ver do

poeta, especial atenção e merecimento suficiente para ser estudado, todavia, estudado

sob a ótica crítica, despida de sentimentalismo e voltada para a estetização mais

simples, que se opõe ao estilo antes usado pelos românticos, mas que mesmo diante as

mudanças alcançou aceitação do público.

Paes não se contentou a desenvolver unicamente a ironia social e mundana, ele

desenvolveu também a autoironia, a qual, segundo Guinsburg (1978), refere-se ao

esfacelamento do homem, visto como um fantoche e com sentimentos que nem ele

mesmo consegue dominar. “A marionete é uma forma “desrealizadora” da visão

integrada do ser humano, que neste caso surge como joguete de forças históricas e

sociais, não menos insondáveis” (Guinsburg, 1978, p.289). O que na verdade se expõe

aqui é a alienação, que gera no ser a angústia que o impossibilita de se reconhecer e se

conhecer e, nessa busca constante, o homem enxerga no outro seu amparo e norte,

porém não percebe que é dentro dele mesmo que encontrará todas as respostas de que

necessita.

Ligada à ironia está a automutilação, a qual o poeta soube com sabedoria

trabalhar e foi em um de seus trabalhos que expôs sua ironia a um fato ocorrido com ele

mesmo, a amputação de sua perna esquerda.

Considerações Finais

Dessa maneira, Paes estabelece ligação com a tradição e mergulha no tempo e

no espaço, onde busca a memória e, ao mesmo tempo, apropria-se da inovação,

característica marcante do moderno, que não é vista somente como algo novo, mas

como algo que vai contra as normas vigentes na sociedade. Questiona o que então se

encontra imperante; almeja, mesmo que utopicamente, a melhoria do caos a que se

encontra o mundo, e prevalece a esperança e o sonho, os quais se encontram sufocados

na e pela sociedade, mas que na poesia não se encontram menosprezados. Poesia que

sobreviveu ao Imperialismo e que alimenta os desejos de muitos privilegiados, pois

somente aqueles que encontram a si mesmos podem alcançar a totalidade, o universal e,

assim, se expressarem livremente.

Paes ainda soube com maestria fazer de suas prosas, estruturalmente discursivas,

poesias. Assim, o poeta trabalhou com prosas poéticas, já que o conteúdo de muitas de

suas prosas era lírico. Lirismo que foi utilizado por Paes com grande ênfase,

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percorrendo o período Romântico e alcançando a modernidade. Por meio do lirismo

Paes expôs as angústias de sua alma e seu descontentamento com o mundo, como na

ode Ao Shopping Center. Paes é, portanto, um lírico, mas ele centra sua liberdade de

criação na liberdade de misturar os gêneros, como faz com as prosas poéticas, já

mencionadas.

Há também as odes, que apresentam tom de oratória e são desde a Antiguidade

Clássica usadas pelos greco-romanos como meio de homenagem e referência a temas

variados, como festas, guerras, batalhas, amor, religião e outros. No entanto, são as odes

o símbolo da ruptura paesiana. Paes foge ao conceito tradicional de ode e através da

ironia desconstrói este gênero literário, o qual quebra a tradição e realiza a crítica à

sociedade e a ele mesmo – auto-crítica, anteriormente mencionada. A segunda é

percebida na ode “À minha perna esquerda”, na qual o poeta usa tom de oratória para

criticar a perda de sua perna esquerda que foi amputada e conduz todo o texto em forma

de canto.

No entanto, consoante a Cornette:

o mais importante, porém, em relação ao diálogo de Paes com a tradição é

que, independentemente dos momentos em que sua poesia apresenta desvios

e rupturas, a tradição é uma força positiva que impele o poeta a travar uma

luta em prol do alcance da sua dicção pessoal. (2008, p.134)

Portanto, mesmo ao estabelecer a ligação com a tradição, Paes foge a esse

padrão, como na ode, e produz voz própria, dotada de personalidade e capacidade

criadora, sem imitar seus precursores, com ar critico e irônico, pontos típicos da

produção de Paes.

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Presença do Estilo Épico na Poesia Brasileira Moderna e Contemporânea

Denise Freire Ventura6

Rafael Barrozo de Carvalho7

João Antônio Marra Signoreli 8

Resumo: Este trabalho propõe que se considere, a despeito dos estudos de base

bakhtiniana, lukacsiana e adorniana a respeito do epos

no mundo moderno e contemporâneo, segundo os fundamentos hegelianos, a poesia

brasileira posterior ao romantismo caminhou pelos percursos do épico. Para tanto,

levamos em conta obras canônicas, como Martim Cererê, Romanceiro da Inconfidência

e Invenção de Orfeu, além do notável Invenção do mar. Assim, utilizamos os estudos de

Mendonça Teles, Vasconcelos da Silva e de Buarque de Souza.

Palavras-chave: Poesia. Estilo épico. Moderno.

Introdução

Segundo Mikhail Bakhtin (1993), a partir da romantização no século XVIII, o

gênero épico, e principalmente a epopeia, adquire um caráter de estilização, ou seja, tal

poesia deixa de ter seu caráter totalitário e arbitrário, passando a fragmentário e relativo,

visto que não há mais uma sociedade cujo mundo histórico formasse tal totalidade.

Bakhtin, de certo modo convergindo para Georg Lukács e para Theodor W. Adorno

acrescenta que este gênero, a epopeia, cujo principal objeto é o passado absoluto, teria

se acabado, enrijecido ou até mesmo, esclerosado, ou seja, não restou nada da longínqua

representação épica do passado absoluto. Assim, só poderia prevalecer nas sociedades

atuais o romance. Contudo, ao longo do século XX foram publicados diversos poemas

em estilo épico, como, no caso do Brasil, Martim Cererê, de Cassiano Ricardo,

Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, Invenção de Orfeu, de Jorge de

Lima, e Invenção do Mar, de Gerardo Mello Mourão, ou ainda, considerando o

romantismo brasileiro, no século XIX, que é o princípio nacional para a modernidade

6 Denise Freire Ventura é aluna de graduação da Faculdade de Letras da UFG em Goiânia, bolsista

PIBIC/CNPq, do 5º. Período da Licenciatura Plena em Português. 7 Rafael Barrozo de Carvalho é aluno de graduação da Faculdade Letras da UFG em Goiânia, voluntário

PIVIC/CNPq, do 5º. Período da Licenciatura Plena em Português. 8 João Antonio Marra Signorelli é aluno de graduação da Faculdade de Letras da UFG em Goiânia,

voluntário PIVIC/CNPq, do 5o. Período do Bacharelado em Literatura

Professor Indicador do artigo Dr. Jamesson Buarque de Souza da Faculdade de Letras da Universidade

Federal de Goiás em Goiânia.

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literária, tem-se A confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães, I-Juca

Pirama, de Gonçalves Dias, O Guesa errante, de Sousândrade.

Assim, com suporte em alguns teóricos como Alfredo Bosi, Antonio Candido,

João Adolfo Hansen, Gilberto Mendonça Telles, Anazildo Vasconcelos, Christina

Ramalho e Jamesson Buarque de Souza, entre outros, propomo-nos a pesquisar a

pertinência do estilo épico na poesia brasileira moderna e contemporânea, tendo como

principais objetivos a análise da sociedade atual, em geral, e do âmbito literário, em

específico. Ou seja, no decorrer de nosso trabalho investigamos, por exemplo, como e

por que algumas epopeias são referências para a poesia épica brasileira, a pertinência da

figura do herói, a sociedade leitora e, obviamente o “abandono”, se houve ou não, da

poesia épica, tudo mediante a proposição bakhtiniana. Contudo, como indica Anazildo

Vasconcelos da Silva (1987, p.21), “o trabalho com a Literatura Brasileira faz-se

necessário acompanhar o problema da nacionalidade”, ou seja, analisar o senso de busca

pelo épico fundador. Assim, analisar se o senso nacional de busca pelo épico de

fundação do Brasil tem se perdido, esmaecido ou se apagado, é um ponto fundamental

que levou ao desenvolvimento da investigação que resultou neste artigo. Todavia,

procuraremos mostrar e descrever o que as obras já citadas apontam em relação ao

senso nacional, e a partir dessa descrição, confrontar com dados dos épicos ocidentais

para descrevermos a perda, o esmaecimento ou o apagamento da busca.

Nosso corpus de pesquisa é composto por poemas-livros, como Martim Cererê,

de Cassiano Ricardo, Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, Invenção de

Orfeu, de Jorge de Lima e Invenção do Mar, de Gerardo Mello Mourão. Em Martim

Cererê temos a busca pela noite. No poema de Cassiano Ricardo, no lugar onde é a

Terra-Grande, Uiara, a figura feminina do poema, sente a necessidade da noite e diz que

isso é pré-requisito para que se case. Por isso, o índio Aimberê vai buscar a noite,

porém, ele falha em sua tentativa, devido a sua pressa e curiosidade. Já o personagem

Martim Cererê, navegante português é quem se casa com Uiara e traz a noite à Terra-

Grande. Bosi (1987), em História Concisa da Literatura Brasileira, diz ser esse enredo

focado em uma temática nacionalista, visto que podemos associar a Terra-Grande ao

Brasil. Já em Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles canta, como está explícito

no próprio título, a história da Inconfidência Mineira, misturando, como destaca

Jamesson Buarque de Souza em sua dissertação Cantos dos deuses: leitura de poesia

épica contemporânea do Brasil (2003, p. 113) “história e imaginação”. Sendo assim

nacionalista, tal como Martim Cererê, mas, Martim Cererê é centrado na temática

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paulista, enquanto Romanceiro da Inconfidência em Minas Gerais. De todo modo,

ambos são de configuração nacional.

Em Invenção de Orfeu temos a criação do Brasil tão fabulosa quanto

fantasticamente. Em dez cantos, Jorge de Lima cria figuras e símbolos, como o mar e o

céu, por exemplo, que resultam na criação de uma ilha, que se relaciona com a invenção

do Brasil ou a reinvenção do Universo. Invenção de Orfeu resgata a estrutura e os

elementos da tradição épica, como as divisões em cantos e proposição. Anazildo

Vasconcelos da Silva, em Formação épica da Literatura Brasileira, diz que (1987, p.

67-68) “Invenção de Orfeu [...] constituiu um desafio para a crítica que, perplexa diante

duma estrutura monumental, aparentemente desconexa e ilógica, que devora a própria

fábula, não soube compreendê-lo”. Já em Invenção do Mar temos, como afirma Afonso

Botelho na “orelha” do próprio livro, uma legítima epopeia. Gerardo Mello Mourão

canta epicamente o descobrimento do Brasil e momentos da colonização portuguesa,

como a ação dos bandeirantes expressa no canto sexto. Em vista disso, Wilson Martins

(1998, p. 5) diz que Invenção do Mar é a “epopeia da nacionalidade brasileira”.

Essas análises decorreram de descrições realizadas na primeira etapa da

investigação, cuja proposta era mostrar a perda, o esmaecimento ou o apagamento do

senso de busca pelo épico nacional. A partir dessas descrições surgiram também

trabalhos apresentados em congressos, como EGEL (Encontro Goiano dos Estudantes

de Letras), EREL (Encontro Regional dos Estudantes de Letras), bem como este artigo.

Esses trabalhos compõem nosso banco de dados a fim de auxiliar em disposições

futuras, tais como nossa etapa atual, que corresponde a uma releitura de alguns épicos,

como Prosopopeia, de Bento Teixeira, Caramuru, de Santa Rita Durão, entre outros,

para que com essas obras possamos fazer uma nova descrição do senso de busca pelo

épico nacional, a fim de sabermos por que no modernismo a busca pelo senso nacional

não apresenta a mesma denotação de antes.

Atentando mais a para a obra de Cassiano Ricardo, no enredo de Martim Cererê,

pretende-se explicar a fundação do Brasil como mundo nascido do Mito Tupi,

juntamente com a mitologia grega e a dos cultos africanos. Além dessa proposta, de

explicação da origem do Brasil, Martim Cererê expõe eventos da formação étnica do

povo brasileiro, fundando o “mito das três raças”, pela presença indígena, européia e

africana. No poema, tais etnias ganham corpo pela figura de Uiara, o elemento

autóctone, o Marinheiro, o elemento português, “Martim”, e os negros africanos, que

foram trazidos por Martim para completar os atores da formação da nacionalidade

brasileira.

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Ademais disso, Cassiano Ricardo canta fatos históricos que resumem a história

brasileira, buscando assim, uma experiência nacionalista. Entre esses fatos históricos

podemos destacar, por exemplo, a colonização do Brasil e a viagem dos Bandeirantes,

que são simbolizados nas partes sobre os Gigantes-de-Botas. A caminhada dos Gigantes

evidencia esse percurso, como nestes versos:

Pay Pira vai buscar ouro.

É o Gigante número 5.

Pay Pira vai a cavalo.

Caminho para Mato Grosso.

Quinhentos negros atrás,

levando baús de bois,

Mantimentos multicores.

(RICARDO, 1987, p.156)

Nesses sete versos há a caminhada dos Gigantes-de-Botas, simbolizando a ação

dos Bandeirantes pelo interior do Brasil, cujo propósito é povoar o novo mundo, quer

dizer, o território brasileiro. As bandeiras e o cultivo do café são cantados no poema por

se tratarem de elementos decisivos no processo de formação do Brasil, e estes aparecem

no poema como temáticas de valor fundamental da nacionalidade, pois Cassiano

Ricardo julga que esses movimentos foram fatores que resultaram na riqueza do país.

O poema, portanto, conta a história brasileira, tendo em vista a busca do senso

nacionalista. Que podemos ver explicitamente na última estrofe da passagem

“Retrolâmpago”:

E o Brasil ficou sendo

O que é, liricamente.

E o Brasil ficou tendo

A forma de uma harpa,

Geograficamente.

E o Brasil é este poema

Menino

Que acontece na vida

Da gente…

(RICARDO, 1987, p.216)

No excerto acima, pode-se observar o desejo de Cassiano Ricardo em relatar a

gênese do Brasil, e somente a do Brasil. Pois, tem-se um autor em busca do poema

nacional. Assim, Martim Cererê apresenta uma visão épica da história e,

consequentemente, uma visão de busca nacionalista. Visto que as ações, como a dos

Bandeirantes, a junção das três raças, entre outras, são feitos que fizeram o Brasil surgir

como pátria, como nação, e, logo, correspondem a um reconhecimento histórico e

geográfico.

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Já em Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima, pode-se observar um enredo que

leva o Brasil a encontrar a sua identidade de nação construída a partir de tantas outras.

Jamesson Buarque de Souza (2003, p. 140-143; 202) diz ser Invenção de Orfeu um

complexo poético de motivos materiais e de motivos espirituais, como uma teogonia de

poetas, de heróis, de não e anti-heróis, e de mais elementos todos voltados para a

cristandade nacional. Assim, Invenção de Orfeu pode parecer uma obra de busca pelo

épico nacional, mas tal julgamento seria falso, pois, Jorge de Lima além de mostrar o

Brasil por figuras e símbolos, canta outras pátrias, portanto, diferentemente de Cassiano

Ricardo, o poeta alagoano vangloria toda a humanidade.

Em termos gerais, pode-se inferir que Martim Cererê participa da busca

modernista pelo poema do Descobrimento do Brasil, pois, este canta nossa história,

mitos e, consequentemente, nossa gente. Em vista disto, podemos levar em

consideração o trecho a seguir de Gilberto Mendonça Teles (2007, p. 190): “Toda a

história do Brasil, nos seus planos históricos e mitológicos, está representada em

Martim Cererê, em blocos estéticos de singular beleza”, para dizer que Cassiano

Ricardo se detém a cantar a formação nacional do viés nativista ao civilizatório.

Avancemos agora para compreender que diante das indagações hoje presentes

nos estudos literários a respeito de ser possível ou não uma poesia em estilo épico, a

discussão aqui proposta apresenta certos resultados. Com objetivo geral de investigar a

pertinência do estilo épico na modernidade e na contemporaneidade, tendo como ponto

de partida Bakhtin (2002), o qual apresenta de forma clara e contundente que hoje não

há razão de existir poesia épica e ainda assevera que no lugar dela há o romance, a

princípio, nosso trabalho seria um despropósito, no entanto, não é isso que mostra a

discussão acima desenvolvida a respeito de Martim Cererê e de Invenção de Orfeu. Há,

todavia, partilhando de outra concepção, autores como Staiger (1997), que aponta para

uma reflexão interessante no sentido de existir ou não um estilo épico atualmente. A

partir da reflexão desse teórico sobre o épico, coloca-se em discussão se é possível ou

não a poesia em estilo épico nos dias atuais.

Estudando obras como Martim Cererê, que é um poema-livro que possui os

elementos constitutivos da épica (invocação, proposição, etc.), um argumento e mais

setenta e sete poemas em que não são enumerados, mas há títulos próprios em cada um.

Martim Cererê trata da fundação do Brasil, da formação do povo brasileiro, entre outros

elementos constitutivos do Brasil. Romanceiro da Inconfidência, um cancioneiro que

tem como tema os fatos da Inconfidência Mineira, revolta que ajudou o Brasil a

conquistar sua independência posteriormente. Invenção de Orfeu poema-livro dividido

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em dez cantos com títulos variados, irregularidades métricas, difere um tanto quanto dos

outros por se apresentar “fragmentado”, ao unir elementos da Divina Comédia, Os

Lusíadas, assim como da Bíblia. Jorge de Lima ainda acrescenta a isso elementos

nacionais. E Invenção do mar poema dividido em sete cantos precedidos de epitáfios

podemos dizer que é uma contemplação da história da nação brasileira.

Observamos que o formato poético das obras analisadas difere bastante, até

porque cada uma relata algo diferente, embora todas possuam traços nacionalistas.

Então nossa investigação se concentrará a partir de então no que as obras anteriormente

citadas têm em relação com a História. Ocupando-nos primeiramente de como essa

História se configura no plano do discurso e no plano da poeticidade, assim como

também dos traços sócio-estilísticos da escritura poética em relação ás obras ocidentais

e nacionais em estilo épico.

Diante de tal corpus e de tais investigações é feita inicialmente uma leitura de

reconhecimento do texto, posteriormente é feita a leitura com o intuito de já apontar, por

exemplo, para que partes desses poemas-livro, ou o que nestes tem relação com a

História, identificamos então em Martim Cererê trechos que tratavam, por exemplo, da

colonização do Brasil e da viagem dos Bandeirantes. Outro exemplo é a descrição

sócio-estilística da escritura poética das obras analisadas, vimos então que Cecília

Meireles fez uso de um estilo medieval ao escrever a obra em romances, gênero este que

surgiu na Idade Média. Dessa forma na segunda leitura já identificamos, descrevemos e

extraímos os trechos que são pertinentes ao estudo.

A fim de adentrar mais a questão de como a História aparece nos poemas

analisados, vejamos a seguir o excerto retirado de Romanceiro da Inconfidência:

[…] – agora estão vendo ao longe,

de longe escutando o passo

do alferes que vai á forca,

levando ao peito o baraço,

levando no pensamento

caras, palavras e fatos:

as promessas, as mentiras,

línguas vis, amigos falsos,

coroneis, contrabandistas […]

(MEIRELES, 2008, p. 155)

Este trecho do “Romance LX” ou “Do Caminho da Forca” narra quando

Tiradentes está indo para a forca, uma vez que seus planos revolucionários haviam sido

delatados por Joaquim Silvério dos Reis, este fato ficou registrado na História de Minas

de Gerais e do Brasil, pois Tiradentes se tornou um verdadeiro herói para a nação

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brasileira pela sua coragem em tentar empreender uma revolta diante da forte

dominação de Portugal.

Cecília Meireles fez o que Hegel diz No Curso de Estética - O Sistema das

Artes, “O modo de exposição épico mais simples [...] consiste em extrair do mundo real,

da riqueza dos seus fenômenos passageiros, um objeto substancial, independente e

necessário, para exprimi-lo em termos épicos” (HEGEL, 2002, p. 439). Entendemos que

se extrai algo do mundo real para assim o expressar segundo os modos épicos, isso leva

a considerar que pode ser um fato histórico, pois Hegel teoriza sobre a epopéia com um

senso nacionalista, tanto que relata que toda nação que se preze tem de ter uma epopéia

e o poeta para escrevê-la tem de possuir o modo de pensar desta nação, afim de que os

costumes (as realidades humanas) do povo que será cantado fique expressos, essa

realidade humana costuma ser representada na figura de um herói. E Tiradentes em

Romanceiro da Inconfidência é este herói, e representa uma população descontente com

a situação política e econômica de seu estado e país.

Em Invenção de Orfeu, também temos a presença da História, mas de uma forma

diferente, mais próxima da forma como Adorno diz que a História se apresenta em uma

obra épica:

Por ser um empreendimento antimitológico, ela se destaca no esforço

iluminista e positivista de aderir fielmente e sem distorção àquilo que uma

vez aconteceu, exatamente do jeito como aconteceu, quebrando assim o

feitiço exercido pelo acontecido, o mito em seu sentido próprio. (ADORNO,

2003, p.49 e 50).

Adorno sublinha a questão da épica criticando a objetividade, que esta tenta

empreender e não consegue, todavia ao falar desta objetividade Adorno afirma que a

épica se adere ao que aconteceu, e agindo assim ela representa fatos reais e históricos,

todavia, ainda segundo Adorno, essa objetividade não é alcançada, então a partir do que

aconteceu o autor épico começa a fazer descrições que já não se interligam somente ao

factual, e pertencem já ao âmbito da criação poética. Se nos remetermos a Invenção de

Orfeu teremos um exemplo, vejamos:

Eu índio indiferente, mau selvagem,

bom selvagem nascido pra o humanismo,

á lei da natureza me despindo

com pilotos e epístolas, cabrais,

navegações e viagens e ramúscios,

santas-cruzes, vespúcios, paus-brasis.

(LIMA, 1993, p. 63)

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Jorge de Lima intercala elementos de cunho histórico com a sua criação poética

notadamente simbólica, de forma que ao lermos se não houver um interesse prévio por

estes elementos históricos (índio, cabrais, santas-cruzes, paus-brasis) não os

percebemos, pois estes estão consubstanciados com a criação poética do autor. Assim,

não os identificamos em uma leitura dispersa. Porém, em uma leitura mais precisa

observamos que é recorrente a História do descobrimento do Brasil na obra de Jorge de

Lima.

Tais elementos, no estágio de nossos estudos, somente mostram que o estilo

épico na poesia brasileira tem grande vitalidade, e que se formaliza em poesia, logo,

dizê-lo como um lugar romanceado, conforme discutimos seria no mínimo muito

apressado.

Referências:

BAKHTIN, M. Questões de Literatura e Estética: teoria do romance. Trad. Aurora F.

Bernadini et al. São Paulo: UNESP, 1993.

BOSI, A. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1987.

HEGEL, G. Curso de Estética: o belo na arte. Trad. Orlando Vitorino. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbekian, 2002.

LIMA, J. Invenção de Orfeu. Rio de Janeiro: Record. 1993.

MARTINS, W. Os Brasilíadas. In: O GLOBO. 13.03.1998, p. 5.

MEIRELES, C. Romanceiro da Inconfidência. Porto Alegre: LP&M Pocket, 2008.

MOURÃO, G. Invenção do Mar. Rio de Janeiro: Record, 1997.

RICARDO, C. Martim Cererê: o Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróis. Rio de

Janeiro: José Olympio, 1983.

SILVA, A. Semiotização Épica do Discurso. In: Formação épica da literatura brasileira.

Rio de Janeiro: Elo, 1987.

SOUZA, J. Cantos dos Deuses: leitura de poesia épica contemporânea do Brasil. 2002.

Dissertação – Programa de Pós-graduação em Estudos Literários, Universidade Federal de Goiás, 2002.

STAIGER, E. Conceitos Fundamentais de Poética. Trad. Celeste Aída Galeão. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

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Mandingas, Mistérios, Feitiços e Traquinagens: Saci-Pererê, um Mito Brasileiro

em Análise

Fabianna Simão Bellizzi Carneiro9

Resumo: Como foi a construção da imagem desta figura? O que a representação do

Saci-Pererê tem a dizer sobre as mudanças histórico-culturais da sociedade brasileira em

relação ao negro? Qual foi o percurso deste ser de uma perna só na Literatura? Virou

um personagem exclusivo das histórias de Monteiro Lobato? Mais do que fornecer

respostas, este artigo vinculado à pesquisa “O que o monstro mostra: debatendo a

alteridade na Literatura Fantástica” do Programa de Licenciatura (PROLICEN) do

CAC/UFG pretende a partir do mapeamento da trajetória deste personagem na

Literatura lançar novos questionamentos para o exercício da reflexão do papel do Outro

no universo da sala de aula. Como suporte literário, com base nos teóricos que serão

citados neste trabalho, serão analisados textos de Monteiro Lobato, Hugo Carvalho

Ramos e Ziraldo.

Palavras-chave: Insólito. Folclore. Alteridade. Estereótipo. Raça.

Introdução

No ano de 1983, a Revista do Sítio do Picapau Amarelo publicou uma imagem

do personagem folclórico Saci-Pererê segurando a taça da copa do mundo de futebol

com os seguintes dizeres: “A Taça do Mundo é nossa!” (QUEIROZ, 1987 p.130)10. Dois

anos depois, o Almanaque do Pererê, do cartunista brasileiro Ziraldo, lança sua

propaganda na revista Mônica, na qual um sorridente saci traz a frase: “164 páginas

com o mais brasileiro de todos os heróis.” (Ibidem, p.124)11. Nos dois casos, a

publicação da figura do saci reiterou a popularidade deste ser no folclore brasileiro;

projeção esta reforçada pela sua constante presença na adaptação televisiva da obra O

Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, produzida e transmitida pela Rede

Globo entre os anos de 1977 e 1986. Neste período, o Brasil ainda sofria com uma

realidade de repressão política e censura em várias esferas da sociedade e a utilização de

uma figura tão carismática e popular em várias regiões do Brasil, demonstrando amor à

9Fabianna Simão Bellizzi Carneiro é graduanda do quinto período do curso de Letras da Universidade

Federal de Goiás do Campus Avançado de Catalão (CAC).

Professor indicador do artigo: Dr° Alexander Meireles da Silva, Universidade Federal de Goiás, Campus

Avançado de Catalão, Curso de Letras. 10

Tal imagem está ilustrada no apêndice do livro Um mito bem brasileiro, de Renato da Silva Queiroz.

11 Idem.

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Pátria, atendia aos interesses ideológicos do regime junto ao público jovem, ainda mais

quando este mito estivesse atrelado à maior paixão do brasileiro: o Futebol.

Se hoje essa lenda se encontra disseminada na cultura de massa por meio de

revistas e adaptações televisivas na forma de uma simpática e carismática figura, na

Literatura das primeiras décadas do século vinte, o Saci-Pererê incorporava o discurso

das elites brasileiras em relação ao negro. Visando discutir este processo, este trabalho

pretende investigar o percurso deste menino de uma perna só na literatura, desde a sua

identificação com o mito do trickster até a sua manifestação na cultura letrada, focando

na ideologia da República Velha quanto ao negro.

As Origens de um Herói às Avessas

Inicialmente as lendas tupis apresentam o saci sob forma de um pássaro que

emite ora notas graves ora notas agudas, sempre com a intenção de confundir algum

viajante ou andarilho e fazê-lo se perder na floresta. Esta visão de pássaro

endemoninhado ganha alterações e transformações ao entrar em contato com elementos

africanos e europeus durante a colonização portuguesa no Brasil até chegar, com

algumas variantes, e influenciado pela ideologia das elites em relação ao negro, ao ser

de uma perna só, aspecto de moleque, cheiro de enxofre, carapuça vermelha e que

apronta muita traquinagem.

A partir daí, ele começa a ganhar a culpa por muitos dos males que aconteciam

no meio rural, como: deixar abertas as porteiras, azedar o leite, embaraçar a crina dos

cavalos, fazer nascerem chochas as espigas de arroz, enfim. A própria literatura sempre

se refere ao saci como um moleque travesso:

Nisto o milho começou a chiar na caçarola e ele dirigiu-se para o fogão.

Ficou de cocre no cabo da caçarola, fazendo micagens. Estava “rezando” o

milho, como se diz. E adeus pipoca! Cada grão que o Saci reza não rebenta

mais,vira piruá. (LOBATO, 1971, p.26-27)

Esta figura do saci, atrelada às traquinagens e brincadeiras de mau gosto, mostra

certa ambiguidade e contradição – ora pregador de peças, ora o justiceiro que desperta

sentimento de admiração, que nos traz forte associação com a figura do trickster

africano. Esse personagem é freqüentemente descrito como um pobre-diabo,

simbolizado freqüentemente por uma criatura pequena como uma lebre ou uma aranha e

geralmente reconhecido pela sua rebeldia, sagacidade, dissimulação e desonestidade.

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Essa diferença decorre do fato de que historicamente, os africanos foram submetidos a

um nível de subsistência radical devido a guerras, doenças e uma ausência crônica de

condições naturais favoráveis para agricultura ou pecuária. Em um ambiente adverso

como este onde a sobrevivência faz parte do dia a dia, laços de lealdade e

comprometimento construídos ao redor do grupo social, ou até mesmo dentro da esfera

familiar, tende a perder seu poder, pois não possuem nenhum valor afetivo para os

indivíduos. É nesse meio social que a figura do trickster ganha força, pois segundo John

W. Roberts:

Em um ambiente social e natural no qual os indivíduos devem lutar pelas

suas sobrevivências físicas, harmonia, amizade e confiança se tornam ideais

difíceis de serem sustentados, enquanto que a enganação, ganância e

esperteza emergem como traços comportamentais valorizados (ROBERTS,

1990, p. 104, tradução nossa).

Ainda que estudiosos do assunto tenham diferentes opiniões acerca da origem do

termo „trickster’12

, há uma concordância de que sua função parece ser o de projetar “as

insuficiências do homem dentro de seu universo sobre uma criatura menor que, ao

superar seus adversários maiores, permite /.../ uma óbvia identificação para aqueles que

recontam ou escutam a estes contos” (ABRAHAMS, 1980, p. 197, tradução nossa).

Nesta leitura, diferente dos heróis das narrativas fabulosas que apresentam uma conduta

imaculada e só promovem boas ações, o trickster pode se apresentar ora como vilão ora

como um “chefe ou Deus” (SILVA, 2009, p.161), promovendo condições indispensáveis

à vida sócio-cultural. Para Queiroz, “suas contribuições positivas, entretanto são no

mais das vezes involuntárias, uma vez que seu comportamento se orienta, em grande

medida, por impulsos egoístas e anti-sociais.” (QUEIROZ, 1987, p. 27)). Um

comportamento, inclusive, que bastante se assemelha à imagem do saci: um ser astuto e

perspicaz que em nada se incomoda pelo fato de apresentar um caráter que oscila entre

traços de alguém que atua em prol da sociedade e da coletividade a traços egoístas e

anti-sociais, como podemos observar na obra O saci, de Monteiro Lobato, publicada em

1921:

1Segundo Balandier (1982, p.25), o trickster (embusteiro, trapaceiro, ardiloso, astuto, desonesto, etc.)

recebe esta designação anglo-saxônica em lembrança a uma antiga palavra francesa, triche (tricherie=

trapaça, furto, engano, falcatrua, velhacaria). Por outro lado, Laura Makarius (1969:2) observa que

trickster significa jouer de tours (pregador de peças), mas com uma dose de malícia que a expressão

francesa não consegue expressar. (QUEIROZ, 1987, p.27)

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Tudo que numa casa acontece de ruim é sempre arte do saci. Não contente

com isso, também atormenta os cachorros, atropela as galinhas e persegue os

cavalos no pasto, chupando o sangue deles. O saci não faz maldade grande,

mas não há maldade pequenina que não faça. (LOBATO, 1971, p.25)

A própria origem do saci também traça uma analogia com a origem do trickster.

Renato da Silva Queiroz coloca que algumas narrativas apontam para uma origem

impura ou anormal do trickster: “nasce de uma gota de sangue menstrual, da placenta de

um recém-nascido, pode ser gerado por uma velha ou gestado ao longo de um período

de tempo excepcional.” (QUEIROZ, 1987, p.29)

Duas características do saci se encaixam na colocação de Queiroz feita acima: a

sua iconografia e a sua origem. A literatura, os desenhos animados, e demais produtos

da cultura de massa que envolve o saci sempre ressaltam a sua carapuça vermelha: “A

força dele está na carapuça, como a força de Sansão estava nos cabelos. Quem consegue

tomar e esconder a carapuça de um saci fica por toda vida senhor de um pequeno

escravo.” (LOBATO, 1971, p.25). A carapuça vermelha em formato de gota remete a

própria gota de sangue reforçando ainda mais o tabu em torno desta figura que se

assemelha a um trickster, assim como sua misteriosa origem também reforça a

anormalidade:

Assim falando, o saci levou o menino para uma cerrada moita de taquaruçus

existente num dos pontos mais espessos da floresta (...) Aqui, dentro destes

gomos, que se geram e crescem meus irmãos de uma perna só – disse o Saci.

Quando chegam em idade de correr o mundo, furam os gomos e saltam fora.

Repare quantos gomos furados. De cada um deles já saiu um saci. (Ibidem,

p.35-37)

Colonialismo e Escravidão

A imagem do saci, rodeada de mistérios, impurezas e anormalidades, se adequou

àquele período em que o Brasil vivia os antagonismos e paradoxos próprios de uma

sociedade colonial e escravocrata, na qual o poder do Estado era limitado, e em muitos

aspectos quem administrava o país eram os grandes senhores da agricultura. Segundo

Sergio Buarque de Holanda: “Nos domínios rurais, a autoridade do proprietário de

terras não sofria réplica. Tudo se fazia consoante a sua vontade, muitas vezes caprichosa

e despótica.” (HOLANDA, 1985, p.80). Neste contexto a figura de um ser negro,

marcado pelo comportamento primário e selvagem, reforçava o próprio status quo da

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época, na qual os negros eram vistos como animalescos primários e permanentemente

tentados a enganarem seus senhores brancos ao mesmo tempo em que, para os próprios

escravos, o sucesso do saci em enganar seus inimigos ajudava a aumentar a

autoconfiança desses indivíduos, ajudando-os a suportar a cruel realidade dos engenhos

de açúcar: “falta de roupas, alojamento inadequado, má nutrição, disciplina rígida e

castigos cruéis.” (SCHWARTZ, 2001, p.92). De fato, não raro o trabalho nos engenhos

sofria rebeliões e paralisações:

A produção eficiente de açúcar dependia, até certo ponto, da colaboração dos

escravos. As operações complexas do engenho eram bem suscetíveis a

sabotagens: um incêndio no canavial, cal numa panela fervente (...). O

problema nunca era, portanto, a mera quantidade e a produtividade do

contingente, mas sua qualidade e sua colaboração também. (Ibidem, p.94).

Ou seja, uma sociedade onde os justos e bons eram os senhores e os demais

(escravos, pobres e mulheres) eram os grandes vilões. Aliás, muitos dos textos literários

que abordam o saci fazem menção ao período escravocrata: “A primeira vez que vi o

saci eu tinha assim a sua idade. Isso foi no tempo da escravidão.” (LOBATO, 1971,

p.24). Embora a literatura de Lobato nos forneça um texto jocoso em relação às

peraltices do saci, inevitavelmente criamos uma ponte entre as suas artes e as

sabotagens cometidas pelos escravos: “(...) azeda o leite, quebra a ponta das agulhas,

embaraça os novelos de linha, faz o dedal das costureiras cair no buraco, bota mosca na

sopa, queima o feijão que está no fogo (...)” (Ibidem, p.25). Em muitos casos, inclusive,

os textos ressaltam de maneira pejorativa aspectos físicos de pessoas negras: “(...)

abandonando a enxada e de queixo caído, olhava pasmado o negrinho que fazia caretas

e trejeitos a saltar no seu único pé.” (RAMOS, 1986, p. 75); “(...) nariz de socó, língua

de palmo (...)” (ORICO, 1975, p. 89). Quanto à isso, Renato da Silva Queiroz utiliza a

expressão “estigma da cor” (QUEIROZ, 1985, p.58), que bem traduz o preconceito

sofrido pelos negros escravos. É o próprio autor que assim a explica:

O Saci-moleque é sempre preto. A análise cuidadosa dos relatos nos revela

que a sua caracterização “física” é construída mediante o emprego de

elementos cristalizados nas representações coletivas, deformadas e

preconceituosas, definidoras do negro brasileiro como ser inferior, próximo à

animalidade, portador de atributos maléficos. (Ibidem, p.58)

Estas questões muito próprias da sociedade colonial - que via os negros como

pessoas desobedientes e que deveriam ser aprisionadas e postas a trabalharem

compulsoriamente de forma a produzirem riquezas para o senhor - assinalam o trabalho

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exaustivo nas lavouras da cana e nos engenhos, que muitas vezes gerava conflito entre

senhores e escravos. Havia quantidade de mão-de-obra (era o auge do tráfico de

escravos provenientes do continente africano), porém, nem sempre a qualidade era

desejada, e muitas vezes a solução encontrada pelos donos de engenho era o chicote: “a

escravidão sempre foi sinônimo de chicote ou pior” (SCHWARTZ, 2001, p.98). Aliás, a

obra O saci, de Monteiro Lobato, traz uma passagem bastante ilustrativa neste sentido

do trabalho forçado, quando Pedrinho aprisiona o Saci em uma garrafa. Em troca de sua

liberdade, o saci deverá guiar Pedrinho pela floresta a fim de encontrar o caminho de

volta para o sítio: “Você jurou que me liberta; eu dou minha palavra de saci que mesmo

solto o ajudarei em tudo”. (LOBATO, 1971, p.35). O fim da escravidão nas ultimas

décadas do século dezenove, no entanto, não alterou a situação dos negros, como bem

mostra o contexto histórico-literário da República Velha no período Pós-Primeira

Grande Guerra.

De Escravo e Roceiro a um Herói Moderno: Saci-Pererê, um Mito

Reeditado.

O processo que culminaria na chegada de Getúlio Vargas ao poder dando início

ao autoritarismo da Era Vargas (1930-1945) ganhou impulso ao fim da Primeira Grande

Guerra, quando a depressão econômica que se seguiu provocou a percepção de que a

República Velha e sua política do café-com-leite haviam esgotado as expectativas que

nortearam a sua fundação com a proclamação da República em 1889. Para os

intelectuais da época, chegara o momento de “explicar o Brasil” a fim de se buscar

alternativas para a realização de novos ideais. Desta proposta são as obras de Paulo

Prado, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior dentre outros. Oliveira Viana e

Azevedo Amaral, dois dos principais ideólogos do pensamento autoritário brasileiro,

como lembra Boris Fausto em O pensamento nacionalista autoritário (2001), inserem-

se também nesta moldura.

Um ponto em comum entre os ideólogos do autoritarismo no Brasil e na Europa

é a utilização do discurso científico para justificar e validar idéias sobre a posição

inferior das camadas populares, principalmente a do negro, em relação à elite. Vejam-se

as palavras de Fausto a esse respeito:

Pensadores como Oliveira Viana e Azevedo Amaral trataram de desvendar,

com base nas ciências humanas, as razões da existência no Brasil de um

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povo, mas não de uma nação, buscando definir, a partir desse diagnóstico, os

caminhos para a construção nacional. (FAUSTO, 2001, p. 19).

A grande presença de negros e mestiços na população brasileira também

despertava comentários negativos entre os observadores estrangeiros, como comenta J.

M. de Carvalho. Para o representante inglês eles eram “dregs” (“escória”), para o

francês, a “foule” e para o português, a “escuma social”.

Esta postura está em consonância com a definição de Pré-modernismo proposta

por Bosi: “Creio que se pode chamar de pré-modernista [...] tudo o que, nas primeiras

décadas do século, problematiza a nossa realidade social e cultural” (BOSI, 1994, p.

306).

A obra O sacy-pererê: resultado de um inquérito de Monteiro Lobato, lançada

no ano de 1918, reflete esta intenção crítica dos pensadores do período ao trazer

expressões depreciativas em relação aos negros. Embora o processo de industrialização

já houvesse começado, o Brasil ainda sofria por conta de cicatrizes não fechadas do

período colonial, portanto, a literatura ainda refletia os valores desta época, conforme

podemos ver nos trechos da obra mencionada que seguem abaixo e que foram citadas

em Um mito bem brasileiro, de Renato da Silva Queiroz:

Preto, sahido das regiões infernais, sub-produto degenerado da raça dos

demônios. É fio dessas negras desavergonhadas, que fica grave, depois fica

co medo das sinhá; porque ás veis o fio é do próprio sinhô ou do sinhô-moço,

e vai largá no mato; morre pagão e vira Sacy. (Apud, QUEIROZ, 1985, p.64)

Além disso, esta época retrata o saci como uma figura dotada de poderes

excepcionais e mágicos, que os emprega tanto para o bem como para o mal, provocando

até mesmo discórdia entre as pessoas. Aqui também se observa o discurso vigente desde

a época colonial e que também se mostrava presente na República Velha, no qual o

negro era relacionado às mandingas e feitiçarias. Aliás, o trecho abaixo transcrito da

obra Tropas e Boiadas (1917), de Hugo Carvalho Ramos, nos dá esta noção:

O negro chegou aos grotões e chamou pelo Saci, que de pronto apareceu.

- Toma lá a sua cabaça de mandinga, seu saci, e dá-me cá o feitiço para Sá

Quirina.

O moleque desbarretou-se, tirou uma pitada grossa da cumbuca, fungou, e,

entregando o resto a pai Zé, disse:

- Dá-lhe a cheirar esta pitada, que a crioula é sua escrava.(...)

- Porque, Ioiô, concluiu o preto velho que me contava esta história – a todo

aquele que viu e falou com o Saci, acontece sempre uma desgraça. (RAMOS,

1986, p.76)

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Deve ser destacado neste ponto que ainda que a representação do saci na obra

homônima de Lobato siga o estereótipo do negro na sociedade da época, a figura de um

moleque construída pelo escritor aponta para um projeto de Literatura Infantil nacional

que, como tal, se distanciaria da tradição européia de Perrault, Irmãos Grimm, Andersen

e La Fontaine que dominava o meio literário infantil. De fato, como salienta Bosi: “[...]

esse pendor para a militância foi-se acentuando no decorrer da sua produção literária,

que desembocariam, por fim, na originalíssima fusão de fantasia e pedagogia que

representa a sua literatura juvenil.” (BOSI, 1994, p. 215-216). O resultado foi uma

criatura ligada ao campo e às questões da terra. Alguém que conhece como ninguém os

mistérios da floresta e da natureza: “Inda é muito cedo para você „ler‟ a mata. Isto é

livro que só nós, que aqui nascemos e vivemos toda a vida, somos capazes de

interpretar.” (LOBATO, 1971, p.46-47). Embora próxima ao ano de lançamento de O

sacy-pererê: resultado de um inquérito e Tropas e boiadas, nos quais, como visto, o

saci refletia a demonização do negro, O saci já se adapta ao momento em que a força

política e o poder econômico do país passam das mãos dos senhores agricultores para os

industriais da cidade que começam a despontar devido ao início da industrialização

brasileira. Como resultado deste quadro, emerge uma imagem do saci atrelado tanto ao

mundo infantil quanto ao mundo das crenças tidas como ignorantes do homem do

campo, ideologicamente exemplificado no personagem Jeca Tatu do próprio Monteiro

Lobato.

Com o início da industrialização no Brasil e final da escravidão, o poder e

capital migram dos campos e zonas rurais para os centros urbanos. Aqui, o saci tem sua

figura reeditada, apresentando-se de forma simplificada como um menino alegre,

brincalhão que, apesar das traquinagens, tem um bom coração. Momento que, segundo

Queiroz, “inicia a domesticação do Saci, fazendo dele a figura exótica e atraente que

hoje conhecemos.” (QUEIROZ, 1985, p.108)

A partir daí a figura do saci alcança projeção nacional, sendo introduzida,

inclusive, na publicidade:

Não evoca mais as situações que colocavam em confronto grupos sociais

antagônicos nas regiões e nos períodos aqui considerados (...) reforçando a

idéia de um país jamais abalado pelas lutas de classes ou pelo preconceito

racial. (QUEIROZ, 1985, p 109)

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É mister enfatizar que esta “reedição” do saci aponta para uma estratégia que

sempre foi utilizada pelas elites detentoras do poder: apropriar-se dos símbolos

contestadores, tirar-lhes a força subversora, deformá-los, e devolvê-los assim às massas,

sem a sua essência revolucionária.

Conclusão

Fatos históricos e sociais, acontecimentos que tenham marcado uma época ou

uma geração, os dilemas e tabus de uma sociedade, enfim, estes aspectos e tantos outros

formam a matéria prima a partir da qual as narrativas e contos fabulosos são feitos. No

século dezenove, os Irmãos Grimm percorreram este caminho, no qual as aflições e

fatos de uma sociedade pudessem ser lidos nas entrelinhas dos contos fabulosos, ou

ditos de outra forma: a realidade pudesse ganhar contornos fantásticos.

Enquanto produto histórico-cultual, o Saci-Pererê reflete o discurso contra o

negro instituído durante o período da escravidão e do início da industrialização durante

a República Velha. Neste contexto, o negrinho de uma perna só que exalava cheiro de

enxofre como o demônio e zombava da ordem e, por esta razão, ficava aprisionado na

garrafa, servia como uma triste analogia da situação dos negros que, por serem

historicamente ligados ao diabólico, eram aprisionados e açoitados. No segundo

momento, com a industrialização e êxodo rural, o Saci aparece atrelado às questões da

terra e do campo, de forma a representar um ambiente agrário marcado pelo

primitivismo de suas crenças e que, como tal, em muito se assemelhava ao universo

cognitivo das crianças. Desde então, temos a figura de um menino sorridente,

“domesticado”, boa-praça, obediente e simpático, “uma imagem devidamente

controlada pelos agentes da cultura de massas.” (QUEIROZ, 1985, p.114)

O que sublinha estes dois momentos é a alteridade em relação à raça, ou seja, em

comum temos a representação dos negros de maneira retorcida, estereotipada e

domesticada, virando, inclusive, capa de cadernos e revistas e se tornando astro de TV,

cinema e histórias em quadrinhos; virando tema de festas de aniversário, figurando na

publicidade e em tudo o mais que possa vender a imagem do “bom negro”.

Cabe então ao educador fomentar discussões e atividades que tomem o saci

como uma oportunidade para se expor e discutir a temática da alteridade em nossa

sociedade, demonstrando, desta forma, que não importa a raça, cor, ou as categorias nas

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quais os agentes do poder nos inserem. Somos, como dizia o músico Paulinho Moska,

“Todos filhos de Deus. Só não falamos a mesma língua.”

Referências:

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literatura. Brasília: Universidade de Brasília, Departamento de Teoria Literária e

Literaturas, n. 27, ano 18, 2009.

SPINOSA, A. Monteiro Lobato. São Paulo: Abril Educação, 1981. (Literatura

Comentada).

Estudo Comparativo Sobre a Figura do Vampiro nas Obras Drácula e Crepúsculo

Danielle Moreira Lopes13

Resumo: Este trabalho propõe um estudo comparativo da figura do vampiro nas obras Drácula

(Bram Stoker) e Crepúsculo (Stephenie Meyer). Para tanto, realizamos primeiramente uma

revisão bibliográfica acerca da histórica da literatura fantástica, gênero em que se inserem as

obras citadas e, logo depois, um apanhado teórico sobre a construção da personagem de ficção

no romance. Mostramos então, uma descrição da história e de alguns mitos vampirescos. Enfim,

chegamos à comparação desta personagem nas obras de Stoker e Meyer, verificando as

semelhanças e diferenças de seus aspectos físicos e psicológicos.

Palavras chave: Fantástico. Gótico. Personagem. Vampiro.

Introdução

O presente artigo visa traçar um estudo comparativo sobre a figura do vampiro na

literatura fantástica de língua inglesa. Investigamos as características deste personagem nas

obras Drácula (Bram Stoker) publicado, pela primeira vez, em 1897 e Crepúsculo (Stephenie

Meyer) publicado em 2005, a fim de destacar semelhanças e diferenças em seus aspectos

físicos, psicológicos e das crenças a seu respeito.

Nosso objetivo geral consiste em fomentar a investigação e a reflexão em estudos

comparados, tendo como objeto os dois romances fantásticos da língua inglesa, corpus desta

pesquisa. Através da comparação de personagens desses romances, tentaremos descrever alguns

13 Danielle Moreira Lopes é graduanda do quarto ano do curso de Letras da Universidade Estadual de

Goiás – UEG, da cidade de Anápolis; Campus UNUCSEH.

Professor Indicador do artigo – Mestre Marcelo Pericoli, Curso de Letras da Universidade Estadual de

Goiás; Campus UNUCSEH da cidade de Anápolis.

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fatores relacionados ao contexto histórico das obras que contribuíram para que a visão em

relação à figura do vampiro se modificasse, passando de um monstro assustador para um ser que

se relaciona amigavelmente com o ser humano.

Este trabalho se divide em quatro etapas. Na primeira, expomos um breve histórico da

literatura fantástica, desde o século XVIII até o XXI. Na segunda, traçamos um apanhado

teórico sobre a construção da personagem de ficção no romance, seguido da caracterização da

personagem de ficção na narrativa fantástica. Logo depois, mostramos uma descrição da história

e de alguns mitos vampirescos. A quarta e última etapa, trata da comparação propriamente dita

dos trechos das obras que revelam os aspectos físicos e psicológicos.

Histórico da Literatura Fantástica

A partir do século XVIII, as narrativas consideradas fantásticas possuíam obras com

temáticas ligadas a fantasmas e seres sobrenaturais. Todorov (1981) argumenta que a literatura

fantástica nasce neste século com a publicação de “O diabo apaixonado” de Jacques Cozotti e

“O manuscrito encontrado em Saragoça” de Jan Potocki. Segundo ele, o fantástico é o momento

de vacilação de um ser que só conhece as leis naturais, frente a um acontecimento sobrenatural,

é o período da incerteza do personagem ou do leitor, entre saber se esse acontecimento

sobrenatural é ou não uma mera ilusão. Esse momento de hesitação, comum ao leitor e à

personagem, é a condição primeira do fantástico. Quando ao final de uma obra o fenômeno

irreal é explicado através das leis da realidade, dizemos que ele deixa o terreno do fantástico e

passa a pertencer ao gênero estranho. Se for necessário admitirem-se novas leis da natureza para

a explicação do fenômeno, entramos no gênero maravilhoso.

No século XIX, a literatura fantástica surge como forma de reação frente a uma

frustração fruto da infalibilidade de leis postuladas pela ciência. Ferraz (2005) afirma que neste

século, o fantástico se manifesta principalmente através de uma tendência literária conhecida

como literatura gótica. Esse movimento literário apresenta seu auge num contexto inglês,

conhecido como época Vitoriana, em oposição às idéias iluministas, em que o racionalismo e o

cientificismo iam contra o sentimentalismo das trevas medievais. Segundo Sandra Guardini

Vasconcelos, a literatura gótica,

[era a] reação aos mitos iluministas, às narrativas de progresso e de mudança

revolucionária por meio da razão, o gótico surge para perturbar a superfície

calma do realismo e encenar os medos e temores que rondavam a nascente

sociedade burguesa. (VASCONCELOS apud ROSSI, 2008, p. 61)

Os autores dessa época retomam um sentimentalismo pessimista aliado a elementos

como a morte, o medo, o horror e o sombrio, na tentativa de expressar suas inquietações

interiores e sua revolta frente à contradição do momento histórico vigente, em que os avanços

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científicos aconteciam de forma acelerada ao mesmo tempo em que traziam consigo uma série

de problemas sociais, tais como grande parte da população trabalhar em regime semi-escravo

nas indústrias, incluindo crianças e idosos, e uma vida intensa de miséria permeada por surtos

de doenças devido à falta de condições básicas de sobrevivência. A ciência avançava

rapidamente nesse período, mas não conseguia solucionar os conflitos da alma e da mente.

Rossi define o gótico presente na literatura da seguinte maneira:

O gótico são as histórias que nos causam medo, ou são as histórias de terror e

de horror, ou ainda são as histórias que se passam em lugares sombrios e

aterrorizantes, normalmente castelos medievais abandonados e cemitérios

mal-assombrados. (ROSSI, 2008, p. 55)

Para ele, a Literatura Inglesa, sem sombra de dúvida, atuou como precursora deste

gênero literário e manifestou-o em sua plenitude, devido à exposição em menor escala do povo

inglês a cultura greco-romana comparada ao restante dos países europeus, e conseqüentemente à

maior exposição à cultura dos vikings.

O fantástico do século XX, segundo Rezende (2008), preocupa-se com temas ligados à

inquietação do homem frente aos avanços científicos e tecnológicos modernos ainda maiores

que os ocorridos no século XIX. Dessa forma, permanecem nesse período as narrativas que

tratam da condição humana e não apenas de temas transcendentais. Os elementos fantásticos

dessas narrativas deveriam criar no leitor sentimentos de surpresa, estranhamento, aversão ou

encantamento. É Jean Paul Sartre que estabelece uma divisão entre o fantástico tradicional e o

fantástico do século XX, denominado fantástico contemporâneo. Segundo Severina Rezende:

Com a definição de Sartre, podemos dizer que surgiu um novo modo de

enxergar o fantástico, diverso daquele do século XIX, quando os contos

fantásticos tradicionais eram aqueles de terror ou de horror e medo. Para ele o

„fantástico contemporâneo‟, apresenta um homem „às avessas‟, exatamente

como ele vê o indivíduo e o mundo contemporâneo. (REZENDE, 2008, p.

36)

A manifestação do fantástico se dá pela ocorrência de fatos inusitados que, ao invés de

provocarem vacilação ou medo no leitor, se tornam aceitáveis, por mais que sejam irracionais.

O leitor passa a fazer parte do fantástico a partir do momento em que aceita como natural um

fato insólito. O homem normal é o ser fantástico e o real passa a ser o fantástico, que se torna

regra e não exceção.

O fantástico adentra o século XXI, ainda com obras contendo as características

adquiridas no século XX, mescladas a elementos góticos adaptados aos novos padrões culturais,

mas sem perder sua essência, o medo, o terror, o sombrio, a escuridão.

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A personagem de ficção na narrativa fantástica

Nas narrativas fantásticas, a personagem possui papel importantíssimo no

desenvolvimento e desfecho do enredo. Todorov (1981) já afirmava que além do leitor, a

própria personagem poderia sentir a vacilação entre o real e o imaginário de uma obra fantástica

e assim, portanto, seria capaz de decidir se as leis da realidade seriam o caminho para explicar o

fenômeno sobrenatural ou se simplesmente teria de aceitar outras leis da natureza a fim de

explicar o fenômeno.

Uma das constantes neste tipo de narrativa é a presença de personagens sobrenaturais,

que podem se metamorfosear, voar, deslocar seres e objetos no espaço etc. Estes seres

sobrenaturais vão desde fadas e bruxas a fantasmas, vampiros e lobisomens.

Neste artigo trataremos sobre um dos personagens sobrenaturais mais conhecidos das

narrativas fantásticas: O vampiro. Aidar e Maciel (1986) admitem que este personagem adquiriu

maior fama em nossa sociedade a partir do século XX com os filmes sobre Drácula, que

assustavam e arrepiavam espectadores nos anos 1930 e 1940. Porém, essa figura já era descrita

na literatura gótica européia desde o século XIX, por volta de 1800 e, com o passar do tempo,

percebemos que as descrições sobre vampiros estavam relacionadas a diversos mitos espalhados

em várias culturas.

O Vampiro

A suposta existência do vampiro sempre se fez presente através de lendas em diversas

culturas, e, as literaturas a seu respeito procuraram relatar essas lendas que, mesmo se diferindo

em vários aspectos, continuaram a possuir muitos pontos em comum.

O termo “vampiro” é relativamente novo. Segundo Aidar e Maciel,

Passou a ser utilizado no século XVIII. (...) Há, por exemplo, quem

reivindique sua ascendência no termo turco uber que significa bruxo ou ainda

no termo polonês upire que significa sanguessuga. Sem dúvida, há ligação

com a palavra húngara vampir; mas o que importa é o horror ao bicho, uma

vez que o conceito está associado a criaturas de terrível espectro (...).

(AIDAR e MACIEL, 1986, p. 9)

O vampiro possui lendas a seu respeito desde os tempos das civilizações da Assíria e da

Babilônia (2000-1000 a.C.). A maioria de suas histórias provém da Boêmia, Morávia, Sérvia,

Transilvânia e Hungria. Melo (2006) afirma que o mito do vampiro não tem, logicamente, uma

única origem. Cada povo possui em sua cultura uma associação a esse ser “sugador de sangue”.

Uma das primeiras histórias sobre esse personagem, segundo Melo (2006), pode ser

encontrada em uma fábula judaica. Conta-se que antes de Eva, Adão possuía outra mulher,

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chamada Lilith, que por recusar-se a ser submissa a ele, foi expulsa por Deus do Éden e

transformada em uma criatura da noite. Ela, em vingança, matava os filhos de Adão e Eva e

alimentava-se de sua carne e sangue.

Os gregos também relataram através do poeta Hesíodo (800 a.C.) a presença das

“queres”, consideradas precursoras dos vampiros modernos. Em sua mitologia:

As queres eram divindades infernais e vorazes, seres negros alados, com

dentes brancos e unhas pontiagudas que se apoderavam do mortal designado,

insuflando-lhe pavor e debilitando-lhe o corpo e o espírito. Enterravam

impiedosamente as garras na carne do escolhido, despedaçavam-no,

sugavam-lhe todo o sangue e mandavam sua alma para o fundo da terra,

sombrio reino de Hades onde reinava Plutão, o soberano dos infernos, senhor

absoluto dos mortos (AIDAR e MACIEL, 1986, p. 21).

Os povos africanos também têm em sua cultura o mito de seres sobrenaturais

possuidores de dentes de ferro, que tomavam sangue de recém-nascidos e devoravam a carne de

pessoas que atravessassem seu caminho. Ainda na África, eram colocadas na fronte de pessoas

mortas por meios violentos ou por suicídio, placas de chumbo com textos conjuratórios, para

exorcizarem os vampiros. Aidar e Maciel (1986) descrevem que, na Idade Média, esses

sugadores de sangue eram representados sob a forma de um morcego ou diabo. Eles eram

associados à figura dos morcegos por esses animais se esconderem durante o dia, e por algumas

espécies se alimentarem do sangue de pessoas e de outros animais.

Melo (2006) argumenta que provém dos povos americanos e ingleses a parte mais

sensual e provocante da imagem do sugador de sangue. Ele representa o mal, a doença e a

morte, características ultra-românticas presentes na literatura e no cinema de língua inglesa.

Porém, o mito eslavo é, com certeza, o que mais se difundiu no mundo, e o que mais ajudou a

criar nosso estereótipo de vampiro. O vampiro eslavo foi uma figura do folclore pagão que

conseguiu sobreviver à Igreja Católica e que chegou à Romênia, região dominada pela

Eslováquia.

Segundo Costa (2004), uma das maiores referências ao mito vampiresco é Vlad Tepes

ou Vlad III (1431-1476). Ele realmente existiu na Transilvânia e era príncipe da Valáquia. A

palavra “Dracul”, traduzida do romeno para “Drácula” (dragão ou demônio), foi associada a

esse príncipe, também conhecido como “o empalador”. Ele fazia suas refeições ao pé de suas

vítimas empaladas e molhava o pão no sangue delas para depois comê-lo. Bram Stoker se

utilizou da fama de Vlad Tepes para compor o talvez mais conhecido vampiro de todos os

tempos: Drácula.

Com certeza, uma das formas mais utilizadas a fim de perpetuar a figura do vampiro é a

literatura. O irlandês Joseph Sheridan em 1847 retratou muito bem esse personagem em seu

conto intitulado “Carmilla”. Lord Byron, escritor da segunda geração romântica, também

escreveu sobre o vampiro em seu poema “The Giaour”. “O Vampiro” de John Polidori e

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“Drácula” de Bram Stoker marcaram sua época, inspiraram filmes e até hoje influenciam

leitores e escritores por todo o mundo.

Comparações da figura do vampiro em Drácula e Crepúsculo

A obra Drácula de Bram Stoker, um dos principais romances vampirescos de toda

história, constrói a personagem do vampiro de uma forma fascinante, que por sua vez foi

seguida por outros autores posteriores a ele. Várias características deste personagem, descritas

em “Drácula”, se originaram nos mitos mais antigos acerca dos vampiros.

Por outro lado, encontramos na obra de Stephenie Meyer, Crepúsculo, uma nova

roupagem para este personagem. A autora mantém algumas características de Bram Stoker,

porém, desconstrói alguns mitos, acrescentando outras características aos vampiros de sua

história.

Ambas as obras, com relação aos aspectos físicos deste personagem, o descrevem como

um ser extremamente forte, possuidor de pele fria e pálida e dentes afiados. Porém, essas

mesmas características fazem do vampiro de Stoker um ser horrivelmente bizarro e do vampiro

de Meyer um ser maravilhosamente perfeito.

Em Drácula, o vampiro do sexo masculino, em especial, é descrito como um ser de

aparência aterrorizante, sem quaisquer traços de beleza sobrenatural,

Seu conjunto facial era do tipo fortemente – aliás, muito fortemente –

aquilino, emprestando um destaque muito característico à arcada nasal, que

era bastante fina, em contraste com os orifícios das ventas, peculiarmente

arredondados. A testa apresentava uma sensível proeminência e os cabelos,

que eram muito profusos nas demais partes visíveis do seu corpo,

mostravam-se particularmente escassos em torno das têmporas. As

sobrancelhas formavam um traçado compacto, encobrindo virtualmente a

convergência do nariz e delas sobressaíam muitos fios mais ásperos que

pareciam enroscar-se em sua própria profusão. [...] Quanto ao resto, suas

orelhas eram extremamente descoradas e de formato pontiagudo no lóbulo

superior. A mandíbula era larga e forte e a contextura da face mostrava-se

firme, mas pouco encorpada. O efeito geral causava a impressão de uma

profunda e extraordinária palidez. (STOKER, 1979, p. 27).

Já em Crepúsculo, todos os vampiros são descritos como possuidores de uma beleza

estonteante, capaz de hipnotizar qualquer ser humano: “Fiquei olhando porque seus rostos, tão

diferentes, tão parecidos, eram completa, arrasadora e inumanamente lindos.” (MEYER, 2009,

p. 22).

Em Drácula, encontramos vampiros que possuem como prioridade, se alimentarem do

sangue de humanos,

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Pareceu-me, não obstante, que um vulto negro se postara de pé por trás do

banco onde eu julgava ter reconhecido Lucy, toda vestida de branco, dando-

me a impressão de que se curvava sobre ela [...] de onde me encontrava

consegui ver um rosto branco e dois terríveis olhos que expeliam um fulgor

rubro e selvagem. (STOKER, 1979, p.111).

Entretanto, encontramos, na obra de Meyer, alguns vampiros que se alimentam somente

de sangue de animais apenas por não quererem machucar um ser humano,

__Me conte porque vocês caçam animais em vez de gente – sugeri, a voz

ainda tingida de desespero. Percebi que meus olhos estavam úmidos e lutei

contra a tristeza que tentava me dominar.

__Eu não quero ser um monstro. - Sua voz era muito baixa. (MEYER, 2009,

p.141).

Dessa forma, percebemos que os vampiros das duas obras se diferem psicologicamente

quando se trata do contato com seres humanos. O vampiro de Bram Stoker se mostra detentor

de aguda astúcia, e quase sempre se aproxima dos humanos para se aproveitar de alguma forma

deles, para retirar informações, como na relação de Drácula e Jonathan: “Espero que o senhor

possa permanecer por um período bem maior em minha companhia, a fim de que, através da

nossa conversação, eu adquira a correta entonação na língua inglesa.” (STOKER, 1979, p. 30)

ou simplesmente para se alimentar de seu sangue. Edward, vampiro da obra de Stephenie

Meyer, por outro lado, possui uma família de vampiros, e a todo o momento no romance,

percebe-se um destaque ao seu relacionamento de amor com Bella, uma humana,

__Eu te amo – disse ele. __É uma desculpa ruim para o que estou fazendo,

mas ainda é verdadeira.

Foi a primeira vez que ele disse que me amava – com todas as letras. Ele

podia não perceber isso, mas eu sem dúvida percebi. (MEYER, 2009, p. 264)

Há ainda muitas outras diferenças entre os personagens das duas obras, porém, através

destas já percebemos o quanto as visões sobre um único personagem podem mudar ao longo do

tempo. Através do contexto histórico em que estão inseridos os romances, podemos buscar

entender essas diferenças e o efeito que elas causam em sua determinada época.

A literatura fantástica do século XIX, na qual incluímos a obra Drácula, se manifestou

através de elementos góticos como o terror e o medo, como já exposto anteriormente, e o

vampiro de Stoker demonstra claramente as características deste movimento literário, além de

denunciar as inquietações da sociedade inglesa da época, que enfrentava sérios problemas

sociais.

As mazelas da era vitoriana, não podendo ser contornadas pela razão e pela ciência, são

solucionadas por Bram Stoker “[ao criar] um monstro, o conde Drácula, que se alimenta do

sangue humano e se dirige para a Inglaterra onde existe uma super população, pronta para ser

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devorada.” (FERRAZ, 2005, p. 1). Sua natureza noturna ia contra toda uma civilização atingida

pela luz da razão (iluministas).

Movido por intensa maldade, o vampiro Drácula pode ser considerado uma

representação de tudo o que assolava a sociedade no século XIX, exploração do trabalho

operário, epidemias, miséria etc. O medo, o horror e a impotência das pessoas frente aos

problemas sociais foram transferidos à figura do vampiro, um monstro que só esperava a

oportunidade certa para sugar sangue da vida humana. Talvez aí esteja a causa da descrição

aterrorizante de sua aparência e a distância evidente entre o personagem sobrenatural (vampiro

Drácula) e o ser humano.

Com o passar do tempo, os temas do fantástico se modificaram, dando luz ao fantástico

contemporâneo, agora com foco na descrição das condições humanas em meio à ocorrência de

fatos inusitados. A obra Crepúsculo manifesta essa representação das condições humanas

através de Bella, personagem principal do romance que, por mais que seja descrita como uma

moça normal, deixa transparecer características incomuns às adolescentes de sua idade. Seu

comportamento maduro, as decisões difíceis e inusitadas que tem que tomar e seu

relacionamento com uma família de vampiros confirmam a idéia de que o homem normal passa

a ser o ser fantástico e que o real também passa a ser o fantástico.

No entanto, as características humanas passam a pertencer a personagens sobrenaturais,

como o vampiro Edward e sua família, “__Sou novo nisso; Você está revivendo o que há de

humano em mim e tudo parece mais forte porque é novo.” (MEYER, 2009, p. 222). Há uma

inversão de papéis: o humano é o ser fantástico e o fantástico é o ser humano. Os elementos

fantásticos e os reais se aproximam de tal forma a confundir o leitor e a fazê-lo considerar,

dentro do campo literário, fatos irreais como verossímeis. A desconstrução dos mitos

vampirescos feita por Meyer acentua a humanização deste personagem.

Contudo, as características físicas vampirescas que se assemelham nas obras Drácula e

Crepúsculo, por mais que sejam idênticas, não conseguem aproximar os dois vampiros, pois,

não trazem consigo a mesma conotação. Numa, a velocidade, a palidez da pele, os caninos

pontiagudos e a sede por sangue são vistos como elementos horríveis e aterrorizantes, mas na

outra, são elementos que causam admiração e fascinação. Assim, apesar de apresentarem um

mesmo personagem, e terem em si elementos góticos, as temáticas das obras se diferem

bastante, considerando o momento histórico em que estão inseridas.

Conclusão

Neste artigo, percebemos através das comparações das duas obras que a figura

vampiresca passou por diversas mudanças com o decorrer do tempo. Constatamos que essas

mudanças podem ser consideradas fruto de um reflexo da sociedade em que estão inseridas as

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obras e, consequentemente, da maneira de pensar os elementos fantásticos de cada época. O

lugar que os seres humanos ocupam nas obras se diferencia, ora representam personagens

coadjuvantes e vítimas do vampiro, como em Drácula, ora representam personagens principais,

que ocupam uma posição almejada pelos vampiros, como em Crepúsculo.

Consideramos apenas o contexto histórico como possível causa para a mudança na

maneira de pensar a figura do vampiro. Porém, futuramente podem ser constatados outros

fatores causadores dessa mudança. Os estudos comparativos acerca deste personagem não

acabam aqui, assim como também não se encerram as produções literárias sobre ele. Cada vez

mais têm surgido autores que se dedicam a esse tema, e que acabam trazendo novas

características e mitos ao vampiro, esta fascinante figura do universo fantástico.

Referências:

AIDAR, J; MACIEL, M. O que é vampiro. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.

COSTA, D. Dr. Polidori, Stoker, Rice: As metamorfoses do mito do vampiro nos séculos XIX e

XX. Revista Garrafa (PPGL/UFRJ. Online). Rio de Janeiro, v. 02, p. 06-12, 2004.

FERRAZ, T. A literatura “fantástica” do Século XIX e o Nosso Tempo. Publicado em 20 abr.

2005. Disponível em: http://www.duplipensar.net/artigos/2005-Q2/literatura-fantastica-seculo-

xix.html. Acesso em: 18 nov. 2009.

MELO, F. Vampiros e Vampirismo. Publicado em 29 out. 2006. Código do texto: T276763.

Disponível em: http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/276763. Acesso em: 13 out. 2009.

MEYER, Stephenie. Crepúsculo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009.

REZENDE, Irene Severina. O Fantástico no Contexto Sócio-cultural do Século XX: José J.

Veiga (Brasil) e Mia Couto (Moçambique). Tese; Universidade de São Paulo, Letras, 2008.

Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8156/tde-24092009-151407/.

Acesso em: 18 nov. 2009.

ROSSI, A. Manifestações e Configurações do Gótico nas Literaturas Inglesa e Norte-

americana: um panorama. ÍCONE - Revista de Letras. São Luís de Montes Belos, v. 2, p. 55-

76, jul. 2008. Disponível em:

http://www.slmb.ueg.br/iconeletras/artigos/volume2/primeiras_letras/aparecido_rossi.pdf.

Acesso em: 12 out. 2009.

STOKER, B. Drácula. Rio de Janeiro: Distribuidora,Record, 1979.

TODOROV, T. Introdução à Literatura Fantástica. Premia editora de livros, 1981. Digitalizado

pela Digital Source, disponível em: http://groups.google.com/group/digitalsource. Acesso em:

20 ago. 2009.

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Os Conceitos e Aplicações Sobre Mínimo Múltiplo Comum (MMC) são Realmente

Questões Elementares Para os Alunos do Ensino Fundamental?

Fabiane Olivieri14

Resumo: O presente trabalho teve como objetivo avaliar os alunos do oitavo ano do

Ensino Fundamental, para analisar a aprendizagem desses alunos com relação aos

conceitos e aplicações para solução de problemas sobre Mínimo Múltiplo Comum

(M.M.C.). Para isso, aplicou-se um questionário com três questões distintas, sendo a

primeira questão elaborada para avaliar a fixação do conceito, a segunda, para avaliar a

capacidade do aluno para associar os conceitos sobre MMC para resolução de equações

fracionárias com diferentes denominadores e a terceira questão, visando à utilização dos

conceitos na resolução de problemas cotidianos. O questionário foi aplicado em quatro

escolas estaduais, cada uma em uma cidade distinta. Os resultados indicam que a grande

maioria dos alunos não sabe resolver questões básicas sobre MMC e por isso, não

conseguem aplicar tais conceitos, nem na resolução de equações e nem na solução de

problemas do cotidiano que envolve esses conceitos.

Palavras-chave: Diferentes formas de aprendizagem. Mínimo Múltiplo Comum

(M.M.C.). Problemas de aprendizagem.

Introdução

Muitos alunos, no decorrer de sua vida escolar, somam diversas defasagens com

relação à aprendizagem matemática. Tais defasagens dificultam o trabalho do professor

quando o mesmo busca construir e acompanhar o processo de aprendizagem destes

alunos, ou então, na introdução de novos conceitos. Segundo Michael (2006), o

processo de aprendizagem significativa, que inclui o processo de compreensão,

ocorre por meio da assimilação de diversos conteúdos; porém, muitos desses conteúdos

possuem falhas ou alguns equívocos em seu entendimento, o que dificulta a

aprendizagem significativa ou a compreensão.

De acordo com Samson (2005), uma explicação incompleta do professor é tão

inútil quanto uma corrente sem ligação. Tal explicação dá a impressão que o todo foi

explicado, porém, existem omissões que as crianças não percebem com facilidade.

14 Fabiane Olivieri é graduanda do terceiro ano do curso de Licenciatura Plena em Matemática da

Faculdade de Administração e Artes de Limeira – FAAL.

Professora indicadora do artigo: doutoranda Maria Célia de Oliveira Papa; Faculdade de Administração e

Artes de Limeira - FAAL e Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP.

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Nesse sentido, o processo de aprendizagem pode acarretar em resultados

alarmantes, quando se observa o desempenho em Matemática dos alunos verificados em

avaliações de nível mundial, como os resultados do Program International Student

Avaliation – PISA, divulgados em 2007, pela Organização para a Cooperação e o

Desenvolvimento Econômico - OCDE. Estas avaliações mostraram que os alunos

brasileiros obtiveram, em 2006, notas médias que os colocaram na 53ª posição em

Matemática, entre 57 países avaliados.

Além dos resultados do PISA, o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar

do Estado de São Paulo – SARESP divulgou em 2009 que os alunos do ensino médio,

avaliados em 2008, obtiveram nota 273,8 pontos numa escala de 0 a 500, em

Matemática. Em conjunto com a divulgação do SARESP, em 2008, a Secretaria de

Educação do Estado de São Paulo divulgou um crescimento de 9,8% em relação aos

resultados obtidos em 2007. Tal crescimento foi atribuído à implantação, no início do

ano letivo de 2008, de uma revisão de 48 dias, que visou revisar conceitos de português

e de matemática, para os estudantes, de 5ª a 8ª série.

Considerando o panorama descrito pelas avaliações citadas anteriormente, que

indica um fraco desempenho dos alunos brasileiros, este estudo tem por objetivo avaliar

a aprendizagem matemática dos alunos da 8ª série. Para isso, optou-se por avaliar os

conteúdos sobre MMC.

Para desenvolver este estudo, o tópico dois apresenta uma síntese dos principais

conceitos teóricos que sustentam o trabalho. O tópico três apresenta o desenvolvimento

do estudo, além da análise dos dados coletados por meio do questionário. Finalmente, as

considerações finais indicam os resultados obtidos no desenvolvimento do estudo.

Sobre o Mínimo Múltiplo Comum

Para desenvolver este estudo, aplicou-se um questionário, na 8ª série do Ensino

Fundamental, contendo três questões. O objetivo da primeira questão foi verificar se os

alunos tinham assimilado os conceitos iniciais sobre MMC. Além disso, a questão

possibilita verificar a forma ou técnica usada pelo aluno para resolver a questão,

verificando inclusive, se os alunos eram capazes de usar algum atalho facilitador para

resolução. Considerando Samson (2005), que considera de extrema importância que o

aluno desenvolva todos os tipos de compreensão, esta primeira questão permitiu avaliar

se o aluno entende o conceito inicial, para posteriormente, desenvolver um raciocínio

para aplicações em situações cotidianas a partir dele.

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A segunda questão aborda a capacidade do aluno em associar os conceitos de

MMC na resolução de equações fracionárias com denominadores diferentes,

contrariando a posição de D‟ Ambrósio (2002), que considera que as operações com

frações dificilmente têm justificativa para continuarem a ser ensinadas. Samson (2005)

afirma que existe um atrativo maior para a Matemática ser desenvolvida na escola, além

da sua aplicabilidade útil, que ocorre somente após ter-se cumprido todos os processos

de aprendizagem. De acordo com Samson (2005), tal atrativo deve ser o prazer em

compreender os conteúdos, independente do nível de aplicabilidade prática, o que

significa dizer que o simples fato de compreender algo já deve ser satisfatório e

estimulante.

Finalmente, a terceira questão tem por objetivo verificar a capacidade do aluno

em aplicar os conceitos de MMC na resolução de um problema que representa uma

situação cotidiana. Para Benson (2007), uma das formas de se ensinar Matemática é por

meio da resolução de problemas, o que ocorre somente quando os alunos já possuem

uma grande compreensão do conteúdo. Ainda segundo Benson (2007), a aprendizagem

de conteúdos e a resolução de problemas não podem ser separadas.

Quando um aluno utiliza um conceito para resolver um problema, ele demonstra

sua capacidade de reconhecer conexões entre dois ou mais problemas e seus métodos

para resolver (BERSON, 2007). Desta forma, verifica-se que ao utilizar um conceito

para resolver um problema, o aluno mostra que assimilou os conceitos, pois entendeu a

problemática, levantou hipóteses e apresentou uma estratégia baseada no conceito para

resolver o problema.

O questionário foi aplicado a alunos do oitavo ano do ensino fundamental, pois

de acordo com o currículo desses alunos, os conceitos de MMC têm sido ministrados

desde o sexto ano. Os questionários foram aplicados em quatro escolas estaduais de

quatro cidades diferentes; porém, situadas na mesma região e selecionadas de forma

aleatória. Para resolver as questões, tinha-se a expectativa de verificar os seguintes

elementos em cada uma das questões:

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Figura 1: Critérios usados para avaliar as respostas dos questionários.

Critérios considerados para analisar as questões

Questão 1 Interpretação da questão proposta

Utilização de técnicas ou atalhos para a resolução

Questão 2

Interpretação da questão proposta

Associação do conteúdo de MMC com a resolução de equações fracionárias com

diferentes denominadores

Utilização de técnicas ou atalhos para a resolução

Questão 3

Interpretação da questão proposta

Associação do conteúdo de MMC na resolução de problemas cotidianos

Utilização de técnicas ou atalhos para a resolução

Para correção das questões, utilizou-se uma escala de 1 a 3 proporcionalmente à

quantidade de acertos de cada aluno. Dessa forma, os alunos que não tiveram nenhum acerto

terão conceito final 0, os alunos que tiveram 1 acerto terão conceito 1, os que tiverem 2 acertos

terão conceito 2 e 3 acertos, conceito 3.

Para análise dos dados, optou-se primeiramente por realizar uma análise gráfica que

permite verificar as freqüências de acertos e erros de cada questão, além de permitir conhecer

tais freqüências para cada uma das cidades avaliadas. Em seguida, aplicou-se o teste exato de

Fisher, segundo Siegel e Castellan (2006), para verificar se existe correlação entre os acertos e

erros de cada uma das questões; o que significa verificar se o fato de o aluno aplicar os

conceitos de MMC na resolução do problema proposto na questão 3 está relacionado ao fato

dele acertar as questões 1 e 2 que compreendem conceitos teóricos.

A figura 2 apresenta um gráfico de setores que ilustra os acertos e erros de cada uma das

questões, neste caso, não considerando as cidades, mas somente, cada uma das questões

isoladamente.

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Figura 2: Gráfico de setores para cada uma das questões.

Verifica-se na figura 2 que os alunos, de forma geral, tiveram mais acertos na

questão 1, que diz respeito a conceitos muito básicos sobre MMC. Com relação à

segunda questão, o número de acertos foi muito baixo, quase insignificante em relação

às erradas. Já na terceira questão, o número de acertos ainda é pequeno, porém,

ligeiramente maior que da segunda questão. O gráfico apresentado na figura 3 ilustra os

acertos e erros de cada uma das questões para cada cidade. Observa-se neste gráfico que

a grande maioria dos alunos da cidade de Conchal acertou a primeira questão, enquanto

que os alunos das cidades de Cosmópolis e Limeira erraram mais do que acertaram.

Para a segunda questão, observa-se que as poucas questões certas ocorreram na cidade

de Limeira. Já os poucos acertos da terceira questão estão concentrados nos alunos de

Conchal e Limeira.

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Figura 3: Gráfico de acertos e erros para cada uma das cidades.

Para verificar se os acertos das questões estão relacionados entre si, a figura 4

mostra os resultados do p-valor para cada comparação.

Figura 4: Resultado do teste exato de Fisher para as questões.

Questões p-valor

Q1 versus Q2 0,4944

Q1 versus Q3 0,05563

Q2 versus Q3 0,1387

Como todos os resultados do p-valor são superiores a 0,05, com nível de

significância de 5%, que a hipótese de que as questões são independentes entre si, o que

significa dizer, por exemplo, que o fato dele acertar ou errar a questão 1 não está

relacionada ao fato do aluno acertar ou errar a questão 2.

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Conclusão

Considerando o que o objetivo deste estudo era verificar a aprendizagem dos

alunos da 8ª série, ou 9º ano, com relação aos conceitos e aplicações de MMC para

solução de problemas; observou-se que das três questões aplicadas, a maioria dos alunos

conseguiu resolver apenas a primeira questão, sendo que estes acertos ficaram

concentrados na cidade de Conchal. Como esta primeira questão está relacionada apenas

com conceitos básicos de MMC, pode-se dizer que os alunos conseguem resolver tais

questões básicas quando as mesmas não estão associadas nem a equações e nem a

problemas.

Com relação à segunda questão, a grande maioria dos alunos não conseguiu

resolvê-la, o que significa dizer que eles não conseguem aplicar ou vislumbrar os

conceitos básicos de MMC na resolução de equações fracionárias com diferentes

denominadores. Na terceira questão, a grande maioria dos alunos não conseguiu

resolver; porém, nota-se que os poucos acertos estão concentrados na escola da cidade

de Conchal, podendo indicar que os alunos dessa cidade conseguem aplicar os conceitos

de MMC na resolução de problemas do cotidiano.

De maneira geral, os resultados indicam que a grande maioria dos alunos não

sabe resolver questões básicas sobre MMC e por isso não conseguem aplicar tais

conceitos, nem na resolução de equações e nem na solução de problemas do cotidiano

que envolve estes conceitos.

Referências:

BENSON, S. Problem Solving by Analogy/ Problem Solving as Analogy, The

Mathematics Educator, v. 17, n. 2, p. 2-6, 2007.

D‟AMBROSIO, U. Que Matemática Deve ser Aprendida nas Escolas Hoje?

Teleconferência no Programa PEC – Formação Universitária, patrocinado pela

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, p. 27-07, 2002.

MICHAEL, J. Where’s the Evidence That Active Learning Works? Advances in

Physiology Education, p. 10-08, 2006.

SAMSON, I. Why so, Rather Than how to, International Journal for Mathematics

Teaching and Learning, p. 1-7, 2005.

SIEGEL, S; CASTELLAN, N. Estatística não Paramétrica Para Ciências do

Comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2006.

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Problemas Sobre Área de Figuras Planas Retangulares: os alunos do ensino

fundamental sabem como resolvê-los?

Bruna Yuri Otsuka Gusicuma15

Resumo: Nas últimas décadas, problemas relacionados ao ensino aprendizagem de

Matemática, especialmente a questões relacionadas à Geometria, tem sido assunto de

discussões no âmbito da educação nacional. Este estudo tem como objetivo analisar a

aprendizagem dos alunos e sua capacidade de aplicar os conceitos de área de figuras

planas na resolução de problemas do cotidiano. Para isso, aplicou-se aos alunos do

oitavo ano do Ensino Fundamental, um teste com quatro questões em forma de

problemas que caracterizam situações reais, e com nível de dificuldade crescente. Outra

questão avaliada foi verificar se existe diferença nos resultados quando se considera

duas cidades distintas, porém da mesma região. Os resultados mostram que as notas

obtidas pelos alunos de ambas as escolas foram diferentes, em que os alunos da cidade

de Cosmópolis tiveram nota média bem inferior aos alunos da cidade de Iracemápolis.

De forma geral, os alunos tiveram êxito na aplicação dos conceitos de geometria plana

para resolução de problemas.

Palavras-chave: Solução de problemas. Área da figura plana retangular. Avaliação de

aprendizagem.

Introdução

As últimas décadas indicam um panorama educacional brasileiro, em que, entre

vários problemas, a aprendizagem dos alunos, especialmente a situações em que os

conteúdos teóricos devem ser relacionados às questões práticas ou situações cotidianas

dos alunos. Porém, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (1998) destacam,

entre outros assuntos, o princípio da democratização. Este princípio enfatiza a

Matemática ao alcance de todos; a apropriação e construção do conhecimento, para

relacionar representações de princípios e conceitos matemáticos com características do

mundo real. Desta forma, considerando a importância dos PCNs (1998) no contexto de

educação nacional, representar conceitos matemáticos a partir das características do

15 Bruna Yuri Otsuka Gusicuma é graduanda do terceiro ano do Curso de Matemática da Faculdade de

Administração e Artes de Limeira - FAAL, da cidade de Limeira.

Professor indicador – Msc. Maria Célia de Oliveira Papa. Curso de Licenciatura em Matemática da

Faculdade de Administração e Artes de Limeira – FAAL, da cidade de Limeira.

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“mundo real”, contribui para a construção do conhecimento, por meio de contexto de

aplicação já conhecido pelo aluno.

Ainda de acordo com os PCNs (1998) a aprendizagem matemática depende da

compreensão e apreensão do significado de um conteúdo e da capacidade de relacioná-

la com contextos de outras disciplinas e com o cotidiano do aluno, o que significa

trabalhar com os discentes em um contexto interdisciplinar.

De acordo com Papa et al. (2003), assimilar os conceitos matemáticos é

indispensável para a resolução de problemas. Para isso se espera que o discente tenha

assimilado conceitos e conteúdos apresentados nas séries anteriores e ainda tenha

habilidades para relacionar e transferir estes conteúdos e conceitos na resolução de

novos problemas propostos.

Para este estudo, serão abordadas questões relacionadas à geometria de figuras

planas retangulares. As questões contempladas no questionário usado neste estudo

devem permitir algumas conclusões sobre a capacidade dos alunos para abstrair

questões geométricas, especialmente relacionadas com figuras planas retangulares, além

de verificar se estes conseguem estender estes conceitos para o espaço bidimensional.

Segundo Papa et al. (2003), uma das grandes vantagens de se trabalhar

geometria por meio de solução de problemas, é que os alunos aprendem a pensar

geometricamente, o que significa passar a observar o espaço tridimensional, construir

demonstrações e elevar sua capacidade de argumentação. Desta forma, a aplicação de

conceitos matemáticos para a solução de problemas é poderosa ferramenta, pois parte da

interpretação de uma situação problema que pode fazer parte do cotidiano do aluno, a

partir dela, o aluno passa a traçar estratégias, pensar e testar hipóteses antes da solução

final. Verifica-se assim, que esta seqüência de procedimentos leva o discente a interligar

conceitos anteriores, que passam a fazer sentido para ele.

De acordo com o Currículo do Estado de São Paulo (2009), os conteúdos sobre

área de polígonos fazem parte do currículo do oitavo ano, sendo estas aulas ministradas

no 4º bimestre desta série.

Assim, o objetivo deste estudo é verificar se os alunos do oitavo ano do Ensino

Fundamental conseguem aplicar conceitos de figuras planas retangulares na resolução

de problemas. Para isso, aplicou-se um questionário em duas salas do oitavo ano do

Ensino Fundamental de Escolas Estaduais de duas cidades diferentes. Para desenvolver

o estudo, o próximo tópico apresenta conceitos importantes como Geometria Plana,

Resolução de Problemas e algumas questões importantes sobre dificuldades de

aprendizagem.

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Desenvolvimento

Segundo Klausmeier (1977), o conceito é formado por quatro níveis cognitivos:

concreto, de identidade, classificatório e formal, que estão interligadas e são ordenadas

em grau crescente. Para conseguir resolver problemas e fazer transferência dos

conhecimentos adquiridos, o aluno teria que estar em um patamar que permita a

compreensão de relações supra-ordenadas-subordinadas.

Na resolução de problemas, o discente depende dos conhecimentos

anteriormente adquiridos, com aprendizagem significativa, que, segundo teoria de

Ausubel (1978), ocorre quando uma nova informação adquire significados através de

espécie de ancoragem em aspectos relevantes da estrutura cognitiva preexistente do

indivíduo.

Esses aspectos relevantes da estrutura cognitiva que servem de ancoradouro para

a nova informação são chamados “subsunçores”. Na aprendizagem significativa há

interação entre o novo conhecimento e o já existente, na qual ambos se modificam. A

estrutura cognitiva está em constante reestruturação durante a aprendizagem

significativa. O processo é dinâmico. Segundo Benson (2007), a Matemática é

aprendida através de resolução de problemas, e quando bem ensinado, o conteúdo

matemático e a resolução de problemas realmente não podem ser separados.

De acordo com Van Hiele (PONTE; SERRAZINA, s/d), para que ocorra uma

aprendizagem significativa, o professor deve saber em que nível de conhecimento seus

alunos se enquadram para então planejar suas ações pedagógicas.

A Geometria, tema abordado neste trabalho, segundo ICMI (1995), é

considerada como instrumento. Por meio dela o discente desenvolve a descrição,

interação e compreensão do espaço onde vive. Para Lorenzatto (1995), é uma das

disciplinas mais propícias ao desenvolvimento da criatividade e o raciocínio hipotético

dedutivo e à “leitura interpretativa” do mundo.

Abrantes (1999, p. 155), ainda aponta nas investigações geométricas:

Fazendo apelo à intuição e à visualização e recorrendo, com naturalidade, à

manipulação de materiais, a geometria torna-se, talvez mais do que qualquer

outro domínio da Matemática, especialmente propícia a um ensino

fortemente baseado na realização de descobertas e na resolução de

problemas, desde os níveis escolares mais elementares. Na geometria, há um

imenso campo para a escolha de tarefas de natureza exploratória e

investigativa, que podem ser desenvolvidas na sala de aula, sem necessidade

de um grande número de pré-requisitos e evitando, sem grande dificuldade,

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uma visão da Matemática centrada na execução de algoritmos e em "receitas"

para resolver problemas-tipo.

De acordo com Ponte, Brocardo e Oliveira (2003, p. 71), as investigações em

geometria também podem:

(...) contribuir para concretizar a relação entre as situações da realidade e

situações matemáticas, desenvolver capacidades, tais como a visualização

espacial e uso de diferentes formas de representação, evidenciar conexões

matemáticas e ilustrar aspectos interessantes da história e da evolução da

Matemática.

Segundo Ponte (2003), não há como prever se uma questão se tornará um problema

investigativo, pois isso depende de variáveis como o nível de dificuldade nela presente. Na

resolução de problemas, o aluno desenvolve a capacidade de elaborar um ou vários processos de

resolução, também permitindo que este possa testar e comparar com outras respostas aquela

que encontrou.

O PCNs (1998) enfatiza a importância que a Matemática deve desenvolver na formação

de capacidades intelectuais, estruturação e organização do conhecimento, desenvolvimento de

raciocínio dedutivo na resolução de problemas. Além de sua presença nas situações e atividades

da vida cotidiana, do trabalho, e na construção de conceitos matemáticos muitas vezes ligados a

outras disciplinas.

Para avaliar a aplicação de conceitos de Geometria Plana aplicou-se um questionário em

duas turmas do oitavo ano do Ensino Fundamental, de duas escolas estaduais diferentes, sendo

uma situada na área central e outra na área periférica. Além disso, as escolas estavam

localizadas em duas cidades diferentes da mesma região. A seleção das escolas ocorreu de

forma aleatória.

A coleta dos dados foi realizada nas cidades de Cosmópolis e Iracemápolis. O

questionário foi composto de quatro problemas, com níveis de dificuldades que aumentavam

gradativamente e envolvendo conceitos da Geometria sobre área de figuras planas retangulares.

Este questionário foi aplicado a alunos do oitavo ano do Ensino Fundamental.

Para análise dos dados, primeiramente realizou-se a análise gráfica, conforme a figura a

seguir:

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Figura 1 - Gráfico das notas dos alunos para cada uma das cidades

Observa-se neste gráfico que a nota média dos discentes da escola da cidade de

Cosmópolis é menor que a nota média dos alunos da cidade de Iracemápolis. Porém, a

variabilidade das notas dos discentes de Iracemápolis é maior que a variabilidade das notas dos

alunos de Cosmópolis.

Ainda de acordo com o gráfico, verifica-se que apenas um aluno da cidade de

Cosmópolis teve nota 5, dada pelo ponto discrepante, ou seja, pelo ponto que se apresenta

distante e fora do bloco dos demais pontos. Já para a cidade de Iracemápolis, verifica-se que as

notas se concentraram entre 3 e 5.

Para confirmar os resultados apresentados e discutidos no gráfico da Figura 1, a Tabela

2 apresenta os valores das médias e desvios padrão para cada uma das cidades avaliadas.

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Tabela 2 - Valores da média e desvio padrão para cada cidade

Cidade Média Desvio Padrão

Cosmópolis 2,6428 3,7543

Iracemápolis 1,0078 1,2995

De forma geral, os resultados indicam que os alunos apresentaram notas médias em

torno de 3, para valores entre 1 e 5. Estes resultados indicam um desempenho aceitável, o que

permite concluir, que em média os alunos das escolas avaliadas conseguem resolver problemas

sobre Geometria que envolve conceitos de área de figuras planas retangulares. Vale ressaltar

que esta média elevada dá-se especialmente pelas notas dos discentes da cidade de Iracemápolis.

Tabela 3 - Medidas de posição para os dados

Medida Valor

Nota mínima 1

Nota de 75% dos alunos 2

Mediana 3

Média 3,283

Nota de 25% dos alunos 4

Nota Máxima 5

Para verificar se as notas eram significativamente diferentes na comparação das

duas escolas, este estudo utilizou uma ANOVA – Análise de Variância, cujos resultados

estão apresentados na Tabela 4.

Tabela 4: ANOVA

GL SQM Valor F p-valor

cidade 1 29,877 21.277 1.215e-05 ***

resíduos 97 136,204 1,404

Observa-se na Tabela 4, que o p-valor é menor que 0,05, com isso ficou demonstrado que as

notas dos alunos são estatisticamente diferentes nas duas cidades.

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Considerações Finais

Considerando que o objetivo deste estudo é verificar se os alunos do oitavo ano da

escola pública estadual de duas cidades diferentes de uma mesma região são capazes de aplicar

conceitos de Geometria sobre a área de figura plana retangular na solução de problemas,

utilizando como análise um questionário composta de quatro problemas, com níveis de

dificuldade gradativa, observou-se que na média, os discentes apresentaram desempenho

aceitável e acima da média.

Na verificação da existência de diferenças estatisticamente significativa das notas dos

alunos das duas escolas avaliadas, foi aplicado o método da ANOVA, que demonstrou que as

duas escolas apresentarem resultados acima da média e significativamente diferentes.

Bibliografia:

ABRANTES, P. Investigações em Geometria na Sala de Aula. In: ABRANTES, P. et

al. (Org.). Investigações Matemáticas na Aula e no Currículo. Lisboa: APM, 1999. p.

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AUSUBEL, D; NOVAK, J; HANESIAN, H. (1978). Educational psychology. New

York: Holt, Rinehart and Winston. Publicado em português pela Editora Interamericana,

Rio de Janeiro, 1980. Em espanhol por Editorial Trillas, México, 1981. Reimpresso em

inglês por

Werbel & Peck, New York, 1986.

BENSON, S. Problem Solving by Analogy. The Mathematics Educator, 2007, Vol. 17,

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BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:

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Currículo do Estado de São Paulo: Matemática (Ensino Fundamental e Médio) – São

Paulo: SEE, 2009.

KLAUSMEIER, H. Manual de Psicologia Educacional - aprendizagem e capacidades

humanas. Traduzido por Maria Célia Teixeira Azevedo de Abreu. São Paulo: Harper e

Row, 1977.

LORENZATO, S. Revista da Sociedade Brasileira de Educação Matemática. Por que

não Ensinar geometria? nº 01, p.3-13, 1995.

PAPA, M.; et al. Área de Figuras Planas: os alunos sabem como aplicar esses

conceitos em solução de problemas? Anais da 48ª Reunião da RBRAS e 10º SEAGRO,

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PONTE, J. Investigar, ensinar e aprender. In: ACTAS do PROFMAT. Lisboa: APM,

2003. p. 25-39. CD-ROM

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Aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. 151p.

PONTE, J; SERRAZINA, M. Didáctica da Matemática do 1ª ciclo. Lisboa:

Universidade Aberta, s/d.

Ansiedade e auto-eficácia Matemática

Bruno Rafael Meneguetti16

Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar uma discussão teórica visando analisar

algumas implicações da ansiedade e das crenças de auto-eficácia. Apresenta-se uma análise

sobre alguns problemas presentes especificamente no ensino de Matemática, tais como

ansiedade matemática. Problematiza-se a falta de motivação dos professores e alunos com

relação ao ensino, particularmente de Matemática, mostrando que é necessário inovar quanto à

maneira que se aborda o processo de ensino-aprendizagem desta disciplina.

Palavras-Chave: ansiedade. Auto-eficácia. Matemática.

Introdução

Boa parcela dos estudantes demonstra insegurança quando lida com a

Matemática. O que pode implicar em tentativa de redução do valor dessa ciência como

meio de justificar seu intento presente ou futuro de distanciamento de suas práticas. A

parcela dos estudantes que enfrenta essa dificuldade e busca auxílio, por exemplo, com

os pais, nem sempre conseguirá auxílio satisfatório, já que também seus pais podem ter

16 Bruno Rafael Meneguetti é graduando do terceiro ano do curso de Licenciatura Plena em Matemática

da Faculdade de Administração e Artes de Limeira – FAAL, da cidade de Limeira.

Professora Indicadora do artigo: Doutora Liliane Ferreira Neves Inglez de Souza; docente do curso de

Matemática da Faculdade de Administração e Artes de Limeira

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passado pelas mesmas dificuldades que posteriormente serão vivenciadas pelos filhos.

Em muitas situações não apenas o aprendizado matemático fica comprometido, mas

também outras facetas da vida dessa parcela de discentes (GUILHERME, 1983), já que

esses podem fazer escolhas influenciados pelo desejo consciente ou inconsciente de

evitar contato com a matemática.

Essa busca de distanciamento, normalmente é marcada pela escolha de cursos

com menor carga de conteúdo diretamente voltado para essa ciência. Opção que não

garante esse intento de distanciamento, já que depois de formados, com maior ou menor

constância terão de se voltar para essa ciência. Um caso clássico é a pedagogia. Muitas

pessoas buscam este curso para evitar maior contato com a matemática, mas quando se

formam e atuam como professores, principalmente nas séries iniciais terão de lidar com

cálculos matemáticos. Sendo que sua dificuldade com essa ciência também pode ser

repassada para os seus alunos, o que poderá gerar espécie de ciclo vicioso.

Nesse artigo conclui-se que as dificuldades que geram esse distanciamento

pudessem ser superadas se uma parcela maior dos professores das series iniciais

trabalharem com métodos diferenciados, tais como os chamados métodos lúdicos que

em muitas situações poderiam fazer mais sentido para as crianças do que apenas a

utilização das chamadas aulas tradicionais (baseadas no quadro negro e giz). Uma

aprendizagem efetiva dos conceitos fundamentais da Matemática é essencial para o

entendimento de conceitos mais complexos dessa ciência. Há autores que apontam ser

este um fator causador de atitudes desfavoráveis e ansiedade em relação à Matemática

(BRITO, 1996). Sabe-se que fatores afetivos influenciam na aprendizagem e

desempenho dos alunos. Desta forma, alguns destes aspectos – auto-eficácia e ansiedade

– serão discutidos a seguir.

Crenças de auto-eficácia

Quando se pensa em educação, é necessário considerar os fatores que estão

presentes no dia-a-dia de cada aluno e que certamente os influenciam em sua busca por

conhecimento. Os fatores presentes em sala de aula sofrem muitas variações. Um

professor precisa lidar com uma diversidade de questões, desde as necessidades dos

alunos, até as relações e valores que os mesmos atribuem a tal matéria ou conteúdo.

Um professor deve estar preparado para dialogar com seus alunos e conhecê-los,

saber suas necessidades de aprendizado a fim de tentar melhorar ao máximo os meios

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para que o aluno possa construir o conhecimento que está sendo trabalhado de forma a

entendê-lo e apreciá-lo.

Muito tem sido discutido sobre os fatores que influenciam na educação do ser

humano, e os fatores afetivos têm um importante papel nos processos de aprendizagem,

pois estes podem influenciar desde o desempenho escolar até na escolha profissional de

cada pessoa (INGLEZ DE SOUZA, 2006).

É necessário saber como proceder em sala, de forma que o professor motive os

alunos a quererem sempre saber mais dos conteúdos que estão sendo trabalhados. Para

que os alunos estejam motivados a aprender determinado conteúdo é importante que se

sintam confiantes na própria capacidade enquanto aprendizes. Neste sentido, são

discutidas as crenças de auto-eficácia.

Auto-eficácia, como definiu Bandura (1997, citado por INGLEZ DE SOUZA), “é

a crença na própria capacidade de organizar e executar cursos de ações requeridas

para produzir determinadas realizações”, ou seja, é a crença que os indivíduos têm

acerca de suas habilidades, o que cada pessoa acredita ser capaz de fazer em

determinadas circunstâncias, mas isso não significa que o mesmo realmente esteja apto

a realizar tal tarefa. Em contrapartida, o fato de um estudante não sentir-se confiante não

significa que o mesmo não possua a devida habilidade para aprender e dominar os

conteúdos trabalhados.

A auto-eficácia se forma através de algumas experiências, sejam elas diretas ou

através de outras pessoas e as mesmas podem ser favoráveis ou não (BANDURA, 1997,

citado por INGLEZ DE SOUZA), ou seja, suponhamos que um aluno tenha um bom

desempenho numa prova de matemática, então sua auto-eficácia aumenta com relação a

matemática. A auto-eficácia também pode ser estimulada por outras pessoas através de

elogios ou críticas, mas não apresenta a mesma eficiência que as experiências pessoais.

A auto-eficácia pode influenciar de forma positiva ou negativa. O que pode ser

demonstrado por uma situação na qual um discente que tem bom desempenho nas aulas,

mas não tem a prática de estudar o conteúdo das disciplinas ligadas à matemática. Este

quando consegue bons desempenhos nas avaliações, pode ter a crença de que domina os

conteúdos dessa ciência, e isso poderá reduzir sua ansiedade na hora da avaliação. Se

um segundo aluno na maioria das vezes não apresenta o mesmo bom desempenho, este,

mesmo nas situações nas quais tem o mesmo domínio do conteúdo do primeiro, pode

não ter os mesmos resultados pela falta de confiança no seu próprio domínio de

conceitos e teorias necessárias para as respostas das questões.

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Quando um professor trabalha no sentido de melhorar a crença de auto-eficácia

de seus alunos, estes discentes poderão obter melhores resultados. Pois os alunos, uma

vez motivados, muitas vezes irão dedicar mais tempo a tarefas que acreditavam não ser

capazes de realizar. Geralmente o bom desempenho em um determinado conteúdo é

alcançado por insistência e não por conhecimento.

As crenças de auto-eficácia são formadas, segundo Bandura (1986, 1997, citado

por INGLEZ DE SOUZA, 2006), por experiências e desempenhos de êxito já

alcançados; experiências vicariantes, que são experiências vivenciadas por outras

pessoas; persuasão social (informações sobre o desempenho) e por estados fisiológicos

e afetivos. Ainda de acordo com esta autora (IDEM), o contexto ideal para o

desenvolvimento ideal da auto-eficácia relacionada às disciplinas escolares é a própria

escola, pois os alunos estão envolvidos com diversas atividades, as quais conseguem ou

não realizar, e são periodicamente avaliados pelos seus professores, podendo assim

comparar seu desempenho com o dos demais colegas de sala.

A crença de auto-eficácia pode levar certo tempo para se estruturar e

desenvolver. Com o tempo podendo sofrer alterações e caírem em descrédito

inteiramente, dependendo do resultado que cada um obtém na realização de

determinadas tarefas (BANDURA, 1997, citado por INGLEZ DE SOUZA, 2007). Por

exemplo, um aluno com uma crença de auto-eficácia matemática elevada, pode deixar

de se preparar adequadamente para uma avaliação por acreditar-se capaz de realizá-la.

No entanto, se o resultado não for condizente com sua expectativa, isto pode ter um

impacto na própria confiança de aprender Matemática. O contrário também pode

acontecer. No caso, um aluno com baixa auto-eficácia matemática, pode elevar sua

crença ao ter bom desempenho em uma avaliação.

As crenças de auto-eficácia são influência importante na realização de tarefas,

pois estas exercem um papel fundamental nas decisões e escolhas, pois em geral as

pessoas tendem a procurar tarefas ou áreas de conhecimento nas quais acreditam que

obterão sucesso. Existem também pessoas que obtendo um resultado negativo em uma

tarefa, mas que tinham uma auto-eficácia positiva com relação a mesma, podem apenas

levar um susto momentâneo, e então persistem naquilo e acabam alcançando o resultado

esperado, pois vêem aquela tarefa como um desafio.

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Ansiedade Matemática

Para Drever (1952), ansiedade é um estado emocional complexo e crônico, onde

o componente mais importante é a apreensão ou receio, sendo um fenômeno típico de

varias perturbações nervosas e mentais. Para Freud (1926, citado por DREVER, 1952),

ansiedade é uma resposta de tipo afetivo, que ocorre automaticamente sob determinadas

circunstâncias. Essas circunstâncias necessárias para que ocorra ansiedade geralmente

são causadas por constantes falhas na realização de determinada tarefa, no caso a

matemática, pois muitos alunos a vêem com medo por não compreender seus

significados e acreditar na dificuldade que esta apresenta por meio de seus

“incompreensíveis” teoremas.

A ansiedade matemática caracteriza-se por aversão mesclada com medo e pela

impressão de dificuldade que as pessoas têm ao tentar resolver exercícios matemáticos.

Muitas vezes demonstrando essas dificuldades mesmo quando os exercícios parecem ser

simples e cotidianos envolvendo conteúdo básico matemático. O nervosismo presente

durante a realização de avaliações e também o nervosismo presente em uma parcela das

aulas. O que pode ser causado por falhas no ensino que muitas vezes carece de métodos

e técnicas para facilitar no aprendizado do aluno e mostrar exemplos cotidianos de sua

aplicabilidade a fim de fazer com que seus alunos criem um interesse maior pela

essência da Matemática.

São muitos os fatores causadores de ansiedade matemática, por exemplo, as

pressões impostas para se obter um bom desempenho nessa disciplina, a abstração

exigida pela matéria em determinados conteúdos e que muitos estudantes não

conseguem abstrair e relacionar com os conceitos exigidos, etc. (INGLEZ DE SOUZA,

2006; BRITO, 2001). Ainda segundo BRITO (2001), “a ansiedade matemática está

diretamente relacionada à percepção que o estudante tem de sua própria habilidade, à

expectativa de desempenho e à percepção de valores, mostrando também que os

padrões de relações são similares para ambos os sexos, tendo sido usada para explicar

os vários comportamentos dos estudantes frente à disciplina e também frente à escola e

às varias atividades escolares.”

Frank (1990, citado por CARMO e FIGUEIREDO, 2005) explica algumas formas

de reversão do quadro de aversão à Matemática, sendo uma delas a mudança no modo

de ensinar e nos conteúdos transmitidos na disciplina, sendo alterados em todos os

níveis escolares, mas com maior foco na formação de professores. Ainda segundo o

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mesmo autor (IDEM), outra maneira de se extinguir a ansiedade matemática, é mudar as

crenças acerca da mesma, propondo aos estudantes uma “tomada de consciência de

suas crenças pessoais”.

Brito (2001) explica que o “desenvolvimento da auto-confiança é fator

fundamental na redução da ansiedade matemática”, e propõe programas de mudanças

de atitudes dos alunos, que acreditam não serem capazes de ter um bom desempenho na

lida com essa ciência. Ainda segundo Brito, o ponto crucial no tratamento da ansiedade

matemática é demonstrar aos alunos que a insegurança e a própria ansiedade que eles

possuem em relação a essa disciplina é devida à emoção, e não aos fatores intelectuais.

Para tanto é necessário utilizar-se de tais recursos: autobiografia matemática, um grupo

de trabalho, no qual o aluno fará atividades e elaborará um diário a respeito de seus

sentimentos em relação à Matemática e as tarefas propostas.

Como se percebe, muitos autores discutem formas de solucionar a ansiedade

matemática e outros fatores que influenciam no aprendizado dessa disciplina, porém

cada qual apresenta uma solução diferente, a qual acredita ser a melhor maneira de se

extinguir a ansiedade dos alunos. Um caminho que pode ser interessante é a junção

desses esforços. O que permitiria melhor aplicabilidade daqueles métodos e técnicas que

se mostraram mais acertados

Considerações Finais

A partir do exposto pode-se notar que a auto-eficácia tem forte relação na

ansiedade matemática, pois a mesma pode direcionar, dependendo do seu grau, o nível

de ansiedade que o aluno sofrerá na hora de realizar alguma atividade relacionada com a

Matemática.

Como se pode notar são muitos os fatores que causam ansiedade nos alunos, e

muitos desses podem ser facilmente resolvidos, mas é preciso que haja mudanças na

forma como a Matemática é ensinada. Caso contrário uma parcela dos alunos corre o

risco de não compreender satisfatoriamente o conteúdo.

Pode ser que uma parcela dos professores não tenha tido a oportunidade de

aprender a trabalhar com métodos diferenciados. Muitos acreditam que ministrar uma

aula diferente (como jogos, programas de computador, entre outras possibilidades).

demanda tempo. O professor terá que estar bem preparado para diferentes situações que

podem dificultar as atividades. Um projeto estruturado com os objetivos definidos é um

passo importante para fazer aquele aprendizado funcionar da melhor maneira e assim

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estimular os discentes a desenvolver a auto-eficácia positiva com relação à matemática

e tentar reduzir parte das dificuldades que se diz existir no ensino da matemática. Por

esse motivo, é importante realizar novos estudos nessa área, para redução de parte dos

problemas cotidianos inerentes à lida com o ensino da matemática.

Referências:

BANDURA, A. Self-efficacy: the exercise of control. New York: Freeman, citado por

NGLEZ DE SOUZA, L. F. N, 2007.

BRITO, M. Atitudes, Ansiedade, Afeto e Matemática. Texto apresentado no XIX Encontro

Nacional de Professores do PROEPRE. 2001.

BRITO, M. Um Estudo Sobre as Atitudes em Relação a Matemática. Tese de Livre Docência.

Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil, 1996.

CARMO, J; FIGUEIREDO, R. Aprendizagem, Emoção e Ansiedade Matemática: indícios e

vestígios de histórias de punição e fracasso no ensino da Matemática. Universidade da

Amazônia, AM, Brasil, 2005.

DREVER, J. A Dictionary of Psychology, Aylesbury, Penguin Books, 1952.

GUILHERME, M., A Ansiedade Matemática como um dos Fatores Geradores de

Problemas de Aprendizagem em Matemática. Dissertação de Mestrado em Educação.

Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil, 1983.

GURGEL A; POLYDORO, S. Auto-eficácia em Diferentes Contextos. Campinas, SP, 2006.

SOUZA, L. Auto-regulação da Aprendizagem e a Matemática Escolar. Tese em Educação.

Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP, 2007.

SOUZA, L. Crenças de Auto-eficácia Matemática. In: GURGEL AZZI, R., POLYDORO, S. A.

J. Auto-eficácia em Diferentes Contextos. Campinas, SP, 2006, capítulo 5.

SOUZA, L; BRITO, M. Crenças de Auto-eficácia, Auto-conceito e Desempenho em

Matemática. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação,

Departamento de Psicologia Educacional. Campinas, SP, Brasil, 2008

NEVES, L; BRITO, M. Relações entre Auto-eficácia Matemática e Desempenho em

Matemática de Alunos do Ensino Fundamental. Trabalho apresentado em forma de

Painel, na XXXII Reunião Anual de Psicologia, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

ESC 35, 2001.

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Tecnologia, Informação e Informatização: a Implicação Desses Fatores no

Desenvolvimento Sócio-cultural da Criança

Adriana Cristina Ramos17

Alisson Sales Prates18

Resumo: O presente artigo deflagra uma situação muito atual no cotidiano das crianças:

O uso da tecnologia associada a seu desenvolvimento e seu crescimento. Será possível

educar e desenvolver a criança de acordo com a influência que a tecnologia estabelece

em nossas vidas? Por meio de discussões acerca da cultura massificada, da indústria

cultural, da dicotomia tradicional x moderno, do resgate dos valores culturais e das

relações sociais pertinentes hoje em dia, apresentam-se como temáticas a fim de

compreender a finalidade do uso desses meios no desenvolvimento infantil.

Palavras-chave: Infância. Tecnologia. Cultura.

Introdução

A cultura que se pode notar hoje em dia em relação ao desenvolvimento e

educação da criança é um descarte dos valores tradicionais e a aplicação dos meios

tecnológicos como elementos de formação desse indivíduo. Esse fato traz consigo uma

curiosidade, pois aproxima o mundo infantil do mundo adulto, diminuindo ainda mais o

tempo de infância, em que o adulto se infantiliza e a criança se vê na obrigação de um

processo de amadurecimento precoce, haja vista a falta de exemplo de modelo do que

vem ser o comportamento do adulto.

Este processo inverso faz com que o alicerce de construção da criança na

representação da figura do adulto se esvazie, uma vez que, o sentido e o significado da

simbologia deste se tornam inexistentes. Vários fatores pesam nesta problemática, mas

17Adriana Cristina Ramos é graduada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Goiás e

acadêmica do 7º período do curso de Educação Física da Universidade Estadual de Goiás – ESEFFEGO,

em Goiânia. 2 Alisson Sales Prates é acadêmico do 7º período do curso de Educação Física da Universidade Estadual

de Goiás – ESEFFEGO, em Goiânia.

Professor Indicador - Doutor Warley Carlos Souza, Curso de Educação Física da Universidade Estadual

de Goiás - Unidade ESEFFEGO, Goiânia.

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os resultados são muito visíveis: crianças se vestindo como adultos, brincadeiras se

modificando e desaparecendo, em especial as brincadeiras de rua nos grandes centros,

incidência maior de crimes envolvendo menores, meninas modelos com 12 a 13 anos de

idade fazendo sucesso.

A criança tem hoje uma rotina que ingressa na escola com dois anos de idade

para aprender línguas e cada vez mais cedo inicia seu preparo para o mercado

de trabalho. Para manter tudo isto, cada vez mais os pais trabalham mais

reduzindo o tempo de estada com os filhos. O retrato atual da família tem que

ser combinado com antecedência para verificação nas agendas de cada um,

quando haverá um tempo disponível para tal. (MAGNABOSCO E SILVA, p.

4).

O resgate da cultura tradicional e das origens tem sido modificado pela cultura

globalizada associada pela informação e tecnologia. Diante disto, não se pode negar que

as relações de poder, sobretudo no tangente aos detentores destas relações (os adultos e

a escola), agora foram transferidas para outros “donos” como as TIC19

, em que a

roupagem de sentido e significado dos antigos conceitos como autoridade foram

modificados, remodelando o comportamento das crianças atuais.

As condições impostas a essa realidade comprometem e acarretam

consequências ao desenvolvimento infantil como falta de referência familiar, carência

afetiva, rebeldia e várias outras. Com isso, há uma ressignificação dos valores e a

informação coloca em evidência a influência do ambiente externo nas crianças,

deixando-as numa confusão entre o tradicional “ultrapassado” e o moderno cheio de

modismos e esvaziado de conceitos.

O Mundo Infantil, Cultura e Tecnologia

A conceituação de infância não é homogênea, universal. Esta varia de acordo

com as questões históricas, particulares de cada cultura, sendo identificada apenas como

um estágio biológico. Compartilhando a idéia de Belloni,

[...] após a constatação da conjuntura social da atualidade, a grande indagação

é saber se, apesar das diferenças exorbitantes entre as mais variadas

estruturas sociais há alguma característica em comum que construa uma

identidade entre elas. (2009, p.2).

19 Segundo Belloni (2009) se refere às Tecnologias de Informação e Comunicação.

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Ainda relevante no tocante à construção da criança como ser social, Latour apud

Belloni (2009) diz que se faz pertinente considerar a criança como um indivíduo

híbrido, em que natureza e a cultura se fundem em um único ser. Para tal, tem-se

natureza no sentido biológico, o fator fisiológico do indivíduo. Já no que diz respeito à

cultura, tem-se o meio no qual a criança está inserida, englobando aspectos como

família, escola, religião, tradições e outros.

Belloni (2009) compartilhando a idéia da criança como um ser híbrido, nota a

formação de um indivíduo plural, em que as interações complexas e diversas entre a

criança e o meio possibilitam a esta uma imensurável oportunidade de absorver e

fomentar suas estruturas como um ser social. Inserida nisto, pode-se posicionar o

contato com os mais variados meios de comunicação, sobretudo os tecnológicos, os

quais reformularam a natureza das relações sociais.

A composição da sociedade hoje é circulada diariamente pela tecnologia e o

processamento de informações reflete diretamente em nossas crianças. Elas são

receptoras dessas informações que muitas vezes não são adequada nem conveniente a

elas, seja pelo conteúdo ali exposto, seja pelo tempo dispensado a elas. Sendo assim,

presenciamos o fato de que o desenvolvimento infantil está aliado, na cultura em que

vivemos, a partir desses elementos. Com isso,

Temos sido “bombardeados” com mensagens, imagens e informações através

da TV, jornais, revistas, internet, publicações, informações que vamos

acumulando e assimilando umas e esquecendo tantas outras. Muitas das

informações veiculadas constituem uma ameaça pelo estímulo à violência

que acabam disseminando, tanto através da tela da TV, quanto no dia-a-dia

ao virar cada esquina e até dentro dos nossos próprios lares. (FRIEDMANN,

2005, p. 23).

Esse processo é alcançado por meio de uma cultura que está sendo inserida no

mundo infantil. Segundo Sodré (1996), essa transformação é uma mutação cultural.

Cultura é aqui o conjunto dos instrumentos de que dispõe a mediação simbólica (língua,

leis, ciências, artes, mitos) para permitir ao indivíduo ou ao grupo a abordagem do real.

Os instrumentos ditos culturais são “equipamentos” coletivos ou grupais, postos à

disposição de todos.

Nesse sentido, Costa (2005) relata que a cultura pensada como um conjunto de

crenças, de valores e de significados que o homem compartilha com seu grupo, foi

violentamente modificada pelo advento da sociedade midiática, que fez com que os

povos distantes e diferentes, sob muitos pontos de vista, passassem a dividir um

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imaginário comum. Essa similitude de experiências e imagens resultou em um processo

vertiginoso de homogeneização cultural que serviu de base ao processo de globalização.

Torna-se, portanto, uma questão complexa, pois, nos dias de hoje, a mídia

(instrumento pedagógico poderoso) oferece uma noção bastante triunfalista

da ciência e aqueles que não têm acesso ao pensamento crítico (a maioria)

acabam por se deixar levar pela convicção de que tudo isso ocorre em outro

mundo, fora deles e da possibilidade de também serem capazes de nele

estarem presentes. (CORTELLA, 2001, p. 102).

Esse processo que tanto corrobora no aspecto do crescimento da criança fez com

que sua infância perdesse a referência e adotasse experiências apenas ligadas aos meios

de comunicação, sendo essa, sua referência e espelho para sua formação.

Indústria Cultural e Sociedade

Outro tipo de “aculturação” que é introduzido nas crianças, advindo dos

processos de comunicação e tecnologia, influenciando sobremaneira a conduta no

desenvolvimento da criança é o processo denominado indústria cultural.

Guerra (2008) define indústria cultural como a cultura massificada que é

transformada em produto de consumo. É o processo pelo qual hoje se controla a

consolidação da cultura de uma região, cidade ou nação. Ela surge em função da

comercialização de todos os meios de expressão que visam ao consumo. Embora possa

ser vista como produtora de entretenimento, não trabalha voltada apenas para os

mecanismos de massa, realizando também produção erudita, apresentada em escala de

venda de diversos portes.

A criança, logo que submetida a esse “mercado” influenciado pela mídia e pelos

meios de comunicação, que na maioria das vezes estão dentro de nossas casas, abafa o

seu ser, negligenciando de forma inconsciente a oportunidade de serem elas mesmas.

Sendo assim,

As crianças são tremendamente sensíveis e tudo as afeta, sendo o corpo o

primeiro veículo a sentir diretamente qualquer estímulo ou invasão vindos de

fora. Mas na medida em que as crianças crescem, elas vão criando, de forma

inconsciente, defesas, camadas de proteção que, se por um lado as

resguardam, por outro vão encobrindo suas verdadeiras emoções e

sentimentos que vão sendo “abafados”, reprimidos, escondidos, quando não

destruídos. (FRIEDMANN, 2005, p.22).

Carvalho e Hatje (1998) afirmam ainda que a sociedade é influenciada em suas

crenças e ações por causa da exposição constante ao conteúdo da comunicação de

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massa. Essa exposição, por sua vez, pode limitar a sua capacidade de interpretar e

entender o mundo social conforme a realidade que o cerca, pois as informações

apresentadas são, em sua maioria, selecionadas.

Habermas apud Belloni (2009) acredita que o homem teve que criar os limites

para o domínio das máquinas, não compactuando com a idéia de uma cibernetização

total da sociedade. Tal fato nos mostra que as novas tecnologias só ameaçam a

autonomia do indivíduo a partir do momento que este perde o seu livre arbítrio, não

conseguindo se identificar como um indivíduo social.

Por outro lado, Marcuse apud Belloni (2009), afirma que a tecnologia já não

liberta o homem e sim passou a dominá-lo, limitando-o apenas a ter a liberdade de

escolher o produto a ser consumido.

A partir dessa concepção, pode-se compreender a função mercadológica que a

cultura de massa impõe à sociedade, principalmente em relação ao público infantil, em

que a realidade promovida pela mídia, de acordo com seus próprios critérios de

seletividade, impõe-se como referência coletiva, com a qual e a partir da qual os agentes

sociais elaboram sua compreensão da própria realidade. Nesse sentido, podemos afirmar

que a relevância progressiva que a mídia tem assumido nos processos de atualização da

cultura contemporânea decorre em larga medida da sua contribuição específica para o

processo de construção social da realidade. (SAMPAIO, 2000, p. 16).

Os Problemas e Possíveis Soluções

Neste contexto acima explicitado, trazendo esta realidade para o universo

educacional, tem-se que tanto as escolas quanto as mídias vão perdendo as funções

emancipatórias e transformando-se em mecanismos de regulação social, de acordo com

Belloni (2009), a fim de abarcar e atender as necessidades de uma sociedade de

consumo na qual as regras são ditadas pelas classes dominantes.

Dessa forma, as crianças atuais sofrem inúmeros problemas e dificuldades,

determinadas pelo contexto que as cercam. Segundo Friedmann (2005), observamos,

por outro lado, crianças muito inteligentes que participam diretamente das dificuldades

do cotidiano dos pais e estão em contato direto com a mídia, com os videogames e com

o computador, geralmente bem antes do momento adequado: são estimuladas por

imagens externas que vão substituindo as imagens internas para as quais sobra pouco

tempo e espaço.

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O conceito de imagem externa e interna que Friedmann (2005) utiliza é um

determinante na construção da personalidade da criança, que tem ligação direta com a

sua formação educacional. Se for atribuído a uma criança o resgate de valores, tradições

e possibilidade de criar e gerar novos conceitos e idéias, com liberdade e autonomia a

certo limite, ela terá uma boa formação de imagens internas; caso contrário, se ela for

apenas “educada” por aparelhos eletrônicos, tendo apenas a reprodução, a informação

caracterizada pelo forte apelo singular e massificado e a falta de espaço, expressando

cada vez menos seus simbolismos, suas imagens serão totalmente construídas por meio

do ambiente que as rodeiam, suscetíveis ao molde do universo externo.

A partir dessa situação, é necessário então que professores e pais possam agir

utilizando esse meio como favorável, sem se esquecer de que as crianças são movidas

por signos e por isso devem ser observadas essas características. Cabe assim, o

argumento de Fensterseifer (1999) ao dizer:

E nos perguntamos: será possível educação sem projeção de ideal futuro

(sonho)? Não acredito, pois toda ação humana é fundada em pressupostos

que guardam sementes de utopia, embora tenha claro que a projeção de futuro

deva ser constantemente recriada, não exclusivamente como utopia do

professor (pretensa vanguarda), mas no embate com a comunidade escolar

tendo como pano de fundo o contexto histórico-social. E é em especial com

as crianças, e com a criança que temos dentro de nós, que se alimentam os

sonhos, e com eles, enquanto ideais contrafáticos, também reavivamos nossa

capacidade de “estranhamento” diante da realidade, condição do recriar. (p.

183).

Considerações Finais

Pelo exposto, pode-se notar que as crianças atuais são marcadas pela tecnologia,

sendo o uso desta um instrumento de informação. Tal realidade já está presente na

cultura local. Para tanto, o que não é favorável para o desenvolvimento da criança é uma

exposição exagerada ou influências pejorativas advindas da mídia, as quais serão

constitutivas do seu comportamento.

É importante, portanto, visar a criança processos de desenvolvimento, lançando

mão das novas tecnologias a fim de que estas contribuam de forma positiva,

possibilitando o entendimento da linguagem simbólica expressa por elas e resgatando os

valores tradicionais, os quais vêm se perdendo nessa sociedade globalizada, sem,

contudo, negar ou desconsiderar as tecnologias que nos cercam.

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Referências:

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Associados, 2009.

CARVALHO, S; HATJE, M. Comunicação, Movimento e Mídia na Educação Física.

Volume 4. Santa Maria - RS: UFSM, 1998.

CORTELLA, M. A Escola e o Conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos.

São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2001.

COSTA, M. Sociologia: Introdução à Ciência da Sociedade. São Paulo: Moderna,

2005.

COSTE, J. A Psicomotricidade. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992.

FENSTERSEIFER, P. A Educação Física na Crise da Modernidade. 1999, 194f. Tese,

Doutorado em Educação – Faculdade de Educação. Universidade Estadual de

Campinas, 1999.

FRIEDMANN, A. O Universo Simbólico da Criança: olhares sensíveis para a infância.

Petrópolis: Vozes, 2005.

GUERRA, M. Indústria Cultural. São Paulo: USTJ, 2008.

HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

MAGNABOSCO, M; SILVA, M. O Fim da Infância. Disponível em:

http://www.pessoal.utfpr.edu.br/, acessado em 12 de Março de 2010.

SAMPAIO, I. Televisão, Publicidade e Infância. São Paulo: Annablume; Fortaleza:

Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 2000.

SODRÉ, M. Reinventando a Cultura: a comunicação e seus produtos. Petrópolis:

Vozes, 1996.

O Turismo na “Melhor Idade” na cidade de Goiás

Lana Lopes de Castro20

Resumo: O artigo tem por finalidade analisar a importância do público da “Melhor

Idade” no turismo na cidade de Goiás, a partir da disponibilidade de tempo e do poder

aquisitivo desse segmento. Também é intento discorrer sobre a formação da mão de

20 Lana Lopes de Castro é graduanda do 3º ano do Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Turismo da

Universidade Estadual de Goiás-UEG é do 4º período do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Goiás-

UFG. Professor Indicador Mestre Ieda Maria do Carmo, do Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Turismo da

Universidade Estadual de Goiás

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obra que atua nos diversos estabelecimentos que diretamente lidam com turismo, com

destaque para o grupo da “Melhor Idade”.

Palavras-chave: Atividades. Melhor Idade. Cidade de Goiás. Desenvolvimento e

Turismo.

Introdução

O aumento da população da faixa etária chamada de “Melhor Idade” representa a

valorização de um novo segmento para o turismo. Boa parcela desses turistas possui

estabilidade financeira, menor interesse em adquirir novos bens materiais, e filhos

adultos. Fatores que permitem disponibilidade de tempo para viagens de turismo e lazer.

Sobre essa modalidade de turistas, para Moletta (2000), este é: “um tipo de turismo

planejado para as necessidades e possibilidades de pessoas com mais de 60 anos, que

dispõem de tempo livre e condições financeiras favoráveis para aproveitar o turismo”.

Esse segmento, em boa parte composto por pessoas fora do mercado formal de

trabalho, tem disponibilidade para viajar no período de Baixa Temporada, com isso

conseguindo preços mais baixos e menor número de turistas “disputando” os mesmos

espaços que eles. Quanto aos valores cobrados na baixa temporada, estes podem ser até

30% inferiores ao valor cobrado na Alta Temporada.

Desenvolvimento

Para que se atinja esse público-alvo, um dos fatores é a qualidade da mão-de-

obra que deve ser especializada e capaz de atuar com criatividade, competência e

versatilidade. Formulando roteiros específicos com atividades que agradam o grupo da

Melhor Idade. Com isso fazendo desse segmento real possibilidade de desenvolvimento

do turismo e da economia local de uma cidade ou região (Garcia, 2000). Entendendo-se

por turismo a organização e planejamento que envolve logística, profissionais

competentes, e presença de instituições oficiais e particulares na organização de seus

diferentes aspectos. Quanto a esse tipo de turismo, de acordo com Beni (2000, pg. 30),

“o turismo da terceira idade, constituirá, a nível interno como internacional, um

expressivo fator de desenvolvimento do tráfego turístico e das destinações de viagens”.

Conforme, Souza e Silva (1998, pg. 50) “deveremos buscar meios para

atender a demanda reprimida, representada pela população com mais de 60

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anos, que deseja viajar segundo roteiros adequados e previamente

selecionados para sua disponibilidade de tempo, normalmente em baixa

temporada.”.

Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE, 2002)

confirmam ainda que no Brasil, 19% dos rendimentos pertencem ao segmento dos

chamados idosos, permitindo que estes continuem a “aquecer” o mercado do turismo no

período da baixa temporada.

Garcia (2002, pg. 47) “constata que as operadoras e agências de viagens

possuem poucas ofertas específicas para o público da terceira idade, citando

também que as pessoas dessa faixa etária usualmente costumam realizar

viagens rodoviárias com percurso de 800 km do local de residência,

preferencialmente viagens curtas, com cinco dias de duração e que as

mulheres da terceira idade preferem viajar em grupos”.

Por causa dessas previsões, a indústria turística nacional tem se voltado para

roteiros e locais turísticos com características dos preferidos pelos turistas da Melhor

Idade. Alvo de seminários e debates por todo o país, de acordo com os profissionais e

estudiosos ligados ao turismo, esta modalidade tem assumido as características de

segmento de destaque entre as modalidades de lazer e turismo.

Com a vinda de turistas com essas características, também se faz necessária a

presença de diferentes profissionais. Tais como: enfermeiros, massagistas, personal

trainers, nutricionistas, médicos especializados e assistentes sociais. Estes se somam às

profissões já tradicionais em locais turísticos, tais como: garçons, cozinheiros e

arrumadeiras.

Dessa forma, ao valorizar o turismo na Melhor Idade, locais como a cidade de

Goiás, atendem um segmento de turismo em crescimento, e que em boa parte viaja fora

dos períodos de alta temporada. Com isto podendo utilizar melhor a oferta do

equipamento turístico nas baixas temporadas, o que reduz os impactos negativos da

sazonalidade.

“Dados do SEBRAE – GO apontam que o comércio local convive com baixo

poder de compra dos consumidores, com a falta de capital de giro, com a

baixa capacitação empresarial e da mão – de – obra. Entretanto, os mesmos

dados identificam o turismo, no setor de prestação de serviços, como

atividade promissora capaz de reverter essa situação na cidade de Goiás.”

(TEIXEIRA, P.8)

Em relação à cidade de Goiás, de acordo com Sersocima (1995), a presença

efetiva de turistas e seus benefícios, quase que se dão apenas na chamada alta

temporada e feriados prolongados, quando a cidade recebe maior número de visitantes.

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“Dessa forma, Goiás beneficia-se com o comércio e a prestação de serviços

no qual se insere o turismo. (...) As épocas de temporada, que incluem as

férias letivas de janeiro e julho, bem como feriados prolongados, como

Carnaval e Semana Santa, são garantias de movimento turístico”

(SERSOCIMA, p.119).

Locais como a cidade de Goiás têm condições favoráveis para elevar o seu

número de turistas integrantes do segmento da Melhor Idade. Com isso elevando o seu

fluxo de turistas, e conquistando um “filão” que não apenas na alta temporada, mas que

em todos os períodos do ano têm disponibilidade para viajar.

Mas para que isso se de o desenvolvimento das condições necessárias é

essencial. Tomando como exemplo a cidade de Goiás, esse acréscimo de turistas

implica na melhoria do atendimento e da infraestrutura. O que entre outras ações,

poderia ser efetuada por parcerias entre os órgãos oficiais da cidade, com destaque para

a prefeitura e suas secretarias e hotéis, restaurantes, agências de viagens, atrativos

naturais, universidades presentes na cidade e SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às

Micro e Pequenas Empresas).

Sobre as possibilidades dessa união, utilizando como exemplo o SEBRAE, este

tem contribuído por meio do desenvolvimento de um modelo de autodiagnóstico, que

visa o levantamento dos atrativos a serem trabalhados, incluindo a melhor organização

dos proprietários de estabelecimentos que atendem ao turista, com vistas à exploração

de seu real potencial.

Do mesmo modo, com a parceria do SEBRAE, serão disponibilizados cursos de

capacitação e qualificação de profissionais da área turística de Goiás.

“... o SEBRAE tem sido um grande parceiro nesse sentido, ajuda no

desenvolvimento dos 65 destinos indutores do turismo. Além disso, a

atividade turística é feita basicamente por micro e pequenas empresas e a

figura do Empreendedor Individual, criado pela Lei Geral da Micro e

Pequena Empresa... terá um impacto muito positivo no turismo nacional”.

(Entrevista com Luiz Barreto, Ministro do Turismo.)

E sobre as ações ainda a serem iniciadas ou desenvolvidas, às agências de

viagens, entre outros fatores caberia disponibilizar roteiros turísticos, envolvendo os

atrativos que foram selecionados para trabalhar com a terceira idade, favorecendo

atividades que agradem os interesses da Melhor Idade. Conforme FARIA (1997) são:

Caminhada – prática esportiva indicada por médicos e fisioterapeutas, e que tem

adeptos em diferentes faixas etárias e camadas sociais. Considerada uma das melhores

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atividades físicas, pois além de proporcionar benefícios orgânicos, posturais e psíquicos.

E se praticada sem excessos, tem poucas contra-indicações.

Outras atividades físicas aeróbicas – auxiliam no processo de sociabilização e

melhoram as capacidades físicas necessárias à maior independência e adaptação dos

idosos ao cotidiano social.

Atividades Físicas anaeróbicas – normalmente praticadas em grupos auxiliam no

processo de sociabilização e melhoram as capacidades físicas necessárias à maior

independência dos idosos no seu dia-a-dia.

Dança – proporciona um movimento de sociabilização, lazer e alegria, o que

contribui para a melhora da qualidade de vida.

Atividades manuais – tricôs, crochê, bordados e reciclagem.

Atividades artísticas – teatro, música e canto. Desenvolvem atividades ligadas à

expressão, desinibição, estimulação da memória e crescimento pessoal.

Atividades culturais – participação em eventos culturais típicos de uma região. No

caso da cidade de Goiás podem ser citados: Festa do Divino, Serestas, Novenas entre

outros.

Atividades corporais – ginástica, dança, relaxamento e exercícios respiratórios.

Alongamento – Tem como objetivo é a redução da tensão muscular, o que em

decorrência promove movimentos mais leves e com menor esforço. Deve ser hábito de

todos os que praticam exercícios, e no caso dos turistas da Melhor Idade implica em

maior possibilidade de estiramentos e lesões.

Hidroginástica – contribui para a melhor qualidade de vida.

Importância da Qualificação da Mão de Obra

A qualificação da mão-de-obra local torna-se fundamental, pois este tipo de

turismo exige treinamento especializado capaz de atender não só a parte recreacional,

mas, também, aquele voltado à área de saúde.

Conclusão

O presente artigo analisou questões ligadas ao turismo em geral, com destaque

para o turismo na Melhor Idade na cidade de Goiás, por este ser possibilidade de

abertura de novas fontes de atuação profissional, já que lazer e turismo são práticas que

podem contribuir significativamente para a economia de uma cidade ou região.

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Sabe-se que o papel do turismólogo é importante nas políticas públicas

desenvolvidas por municípios com maior constância na exploração de seus chamados

aspectos turísticos. No caso do turismo na chamada terceira idade, se faz mister a

presença de profissionais com qualificação satisfatória, e que contem com apoio de

órgãos oficiais e instituições particulares especializadas e não especializadas em turismo

presentes no município e região.

E ainda no caso da terceira idade, outro fator a se levar em conta é a valorização

desse turismo não apenas por seus aspectos econômicos, mas por seu potencial de

proporcionar melhoria em diferentes aspectos da vida dos idosos. Incluindo a

socialização, desenvolvimento intelectual, habilidades físicas e maior independência

na realização de tarefas cotidianas.

Assim conclui-se que a proposta de investimento nesse modelo de turismo

apresenta-se viável para municípios com as características do município de Goiás por

motivos que apesar de estarem ligados à questão financeira, estão além dela. Essa

valorização permite também a melhoria na qualidade de vida da terceira idade. O que

faz com que o investimento em infra estrutura e profissionais capacitados traga retorno

de diferentes maneiras. Incluindo o lazer e o turismo.

Referências:

BARRETO, L. Entrevista. Disponível em http://www.sebraego.com.br, Acessado em:

25/07/2010.

BENI, M. Globalização do Turismo: Megatendências do Setor e a Realidade

Brasileira, São Paulo: Aleph, 2003.

FARIA, A. Atividades Físicas para a Terceira Idade. Brasília: Sesi-DN, 1997.

GARCIA, M. Turismo na Terceira Idade – Um mercado em potencial. Tese, Doutorado

na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2002.

IBGE - INSTITUTO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.

Perfil dos idosos responsáveis por domicílios no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.

______Perfil dos idosos responsáveis por domicílios no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE,

2000.

MOLETTA, V. Turismo Para a Terceira Idade. Porto Alegre: SEBRAE-RS, 2000.

SERSOCIMA, E. Laços solidários nas comunidades rurais do município de Goiás

(1900-1994). Dissertação, Mestrado em História das Sociedades Agrárias da

Universidade Federal de Goiás. Goiânia, UFGO, 1995.

TEIXEIRA, A. Qualidade nas atrações de visitação a patrimônio, Estudo de caso:

Museu Palácio Conde dos Arcos. P. 01-37. Artigo disponível em:

http://www.unievangelica.edu.br/gc/, acessado em: 23/07/2010.

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A Paradiplomacia e sua Repercussão no Brasil

Lívio Ferreira da Silva Filho21

Rogério de Freitas Amorim22

Resumo: A paradiplomacia, palavra que nomeia as relações diplomáticas conduzidas

por governos subnacionais, é objeto deste artigo. O intuito é incrementar a discussão

sobre as maneiras de se lidar juridicamente com esse novo fenômeno mundial. Em

regra, pode-se tolhê-lo ou fomentá-lo, mas nunca deixar de acolhê-lo

institucionalmente, a fim de evitar seu desenvolvimento desregrado. Essa preocupação

será abordada subsidiariamente no âmbito internacional e de forma mais detida no

nacional.

Palavras-chave: Governos subnacionais. Relações internacionais. Institucionalização.

Capacidade dos sujeitos de direito das gentes.

Introdução

A paradiplomacia fascina os estudiosos de Direito Internacional por ser

desconcertante, tanto do ponto de vista jurídico quanto existencial. Ela caminha,

aparentemente, em sentido oposto à lógica universalizante da globalização, atraindo as

atenções para as diminutas peças de um grande quebra-cabeça, sem, paradoxalmente,

retroceder no tempo. Pelo contrário, as relações internacionais são intensificadas no

momento em que os juristas fazem contorcionismos para encaixar a paradiplomacia no

sistema normativo.

O artigo busca visualizar uma área ainda pouco abordada no meio acadêmico

jurídico. Assim, o trabalho será iniciado com a apresentação do que é a paradiplomacia

e seus desdobramentos terminológicos. Posteriormente, far-se-á breve contextualização

histórica para que seja discutida a relevância do fenômeno paradiplomático, explorando

suas contribuições atuais para a sociedade internacional e nacional. Verificada sua

importância, colocar-se-á em pauta a controvérsia jurídica, partindo da mesma lógica

expositiva dedutiva: do internacional para o nacional. Por derradeiro, será reforçada a

21 Lívio Ferreira da Silva Filho é graduando do quinto período do curso de Direito da Universidade

Federal de Goiás – UFG, campus Goiás. 22

Rogério de Freitas Amorim é graduando do quinto período do curso de Direito da Universidade Federal

de Goiás – UFG, campus Goiás.

Professora indicadora do artigo: Mestre Margareth Pereira Arbués, Curso de Direito da Universidade

Federal de Goiás, cidade de Goiás.

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solução apontada para este problema, qual seja: como promover a harmonização entre o

Direito e a paradiplomacia.

Conceito

A palavra paradiplomacia pode ser decomposta da seguinte forma para melhor

compreensão: para + diplomacia. O prefixo grego para acrescenta a ideia de

proximidade à palavra diplomacia, que por sua vez significa “o ramo da administração

pública que tem por finalidade a direção de todos os negócios internacionais de um

país” (SILVA, 2006).

Semelhança fundada no fato de que não está pacificado que a paradiplomacia

poderá ser institucionalizada. Do contrário, não haveria o porquê da diferença de

vocabulário, haja vista que comporia, naturalmente, esse ramo ou atividade da

administração em assuntos internacionais, com o único diferencial de ser exercido não

pelo Estado-nação (que é a projeção internacional do país), mas pelos governos

subnacionais – na proporção de suas capacidades. Por isso, é apropriado concebê-la

como sinônimo de diplomacia paralela, ao menos que futuramente esse fenômeno seja

absorvido pelos diplomas legais, sem maior resistência da sociedade internacional.

Rodrigues (2008, s/p) tem o zelo de expor uma série de variáveis terminológicas

para a o termo em questão que poderiam, a nosso ver, substituí-lo no futuro. Elas

exprimem melhor a perspectiva de quem as elabora (atribuindo o grau de envergadura e

autonomia das ações paradiplomáticas) ou a condição de seu alvo. Desta feita, o

Itamaraty adota, prioritariamente, a fórmula “diplomacia federativa” para se referir às

ações internacionais de Estados e Municípios da federação brasileira; acrescenta-se,

porém, que a doutrina majoritária entende que essas ações estão subordinadas ao poder

condutor do Ministério das Relações Exteriores. A Presidência da República Brasileira

prefere utilizar o termo “cooperação internacional descentralizada”. Por sua vez, as

entidades subnacionais adotam os termos “relações externas/internacionais federativas”

quando se referem a contatos menos pretensiosos, ou “política externa/internacional

federativa” ao designarem contatos internacionais com objetivos mais consistentes e de

longo prazo.

Uma das definições foi dada por Noé Cornago Prieto, para quem:

A paradiplomacia pode ser definida como o envolvimento de governo

subnacional nas relações internacionais, por meio do estabelecimento de

contatos, formais e informais, permanentes ou provisórios („ad hoc‟), com

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entidades estrangeiras públicas ou privadas, objetivando promover resultados

socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de

sua própria competência constitucional. Embora bastante contestado, o

conceito de paradiplomacia não impossibilita a existência de outras formas de

participação subnacional no processo da política externa, mais diretamente

ligado ao departamento de relações exteriores de governos centrais, como a

assim chamada diplomacia federativa, tampouco impede o papel cada vez

maior dos governos subnacionais nas estruturas de multicamadas para a

governança regional ou mundial. (apud BRANCO, 2007, s/p).

Em um primeiro momento, as práticas a ela ligadas não são vistas

maldosamente. Essa possibilidade será discutida mais a frente.

Construção Histórica

Desde o final do século XVI e início do século XVII, tendo como marco

histórico a Paz de Westfália, até o início do século XX, os Estados Nacionais eram

vistos como as únicas pessoas jurídicas absolutas de Direito Internacional Público. Ou

seja, somente os Estados gozavam de direitos e deveres na ordem internacional,

produzindo seu acervo normativo e sendo diretamente afetados por ele (MAZZUOLI,

2006, p. 31 a 33 e p. 157 a 175).

Essa produção normativa internacional se dá hoje, principalmente, através dos

tratados, que é a fonte de Direito Internacional mencionada, não por acaso, em primeiro

lugar no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, de 1945. Dessa forma,

fica estabelecido que as controvérsias apresentadas à Corte Internacional de Justiça,

órgão judicial principal das Nações Unidas, serão resolvidas observando-se

primeiramente convenções internacionais que estabeleçam regras expressamente

reconhecidas pelos Estados litigantes.

As normas relativas à conclusão dos tratados, a sua interpretação, validade,

aplicação e eficácia encontram-se codificadas na Convenção de Viena de 1969, que

assim define:

Art. 2, I - Para fins da presente convenção:

a) „Tratado‟ significa um acordo internacional celebrado por escrito entre

Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento

único, quer conste de vários instrumentos conexos, qualquer que seja sua

denominação particular. (MAROTTA, 2002, s/p)

Sistematicamente, a Convenção de Viena de 69 exige seis elementos essenciais

para a existência do tratado: acordo internacional, celebrado por escrito, concluído entre

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Estados, regido pelo Direito Internacional Público, celebrado em instrumento único ou

em dois ou mais instrumentos conexos e ausência de denominação particular.

Um dos elementos essenciais do tratado, como se pode observar, é a necessidade

de ser concluído entre Estados. No entanto, como já insinuado no primeiro parágrafo

desse tópico, isso vem mudando desde a eclosão da Primeira Guerra Mundial, quando

começaram a surgir as Organizações Internacionais Intergovernamentais (MAZZUOLI,

2006). De forma oficial, só a partir da Convenção de Viena de 1986, que complementou

a CV de 1969, a possibilidade se estendeu às Organizações Internacionais

Intergovernamentais.

Na contemporaneidade, esse rol taxativo vem expandindo ainda mais, podendo-

se incluir nele, segundo classificação de Mazzuoli, algumas coletividades não estatais e

até os indivíduos na categoria de entidades de direito das gentes – resguardadas as

devidas restrições impostas a esses novos sujeitos de capacidade limitada. Raciocínio

este fundado nos Anais de 1949 da Corte Internacional de Justiça, que declaram a não

necessidade dos sujeitos de Direito Internacional serem idênticos quanto à natureza e à

extensão de direitos.

Nesse panorama de mudanças abrolha o fenômeno intitulado “paradiplomacia”,

expressão cunhada pelo “acadêmico basco Panayotes Soldatos para designar a atividade

diplomática desenvolvida entre entidades políticas não centrais situadas em diferentes

Estados” (apud ROMERO, 2009, s/p), nos quais surgem novos agentes capazes de

celebrar tratados.

É importante destacar ainda que, no caso do Brasil e de outros países da America

Latina, as ações paradiplomáticas ganharam força com o processo de redemocratização

iniciado principalmente na década de 80, responsável pela descentralização do poder

governamental. “Essas ações foram favorecidas nas regiões onde as fronteiras entre

países são porosas - como é o caso do Brasil com a Argentina, o Paraguai, o Uruguai e a

Bolívia – constituindo estímulo extra para o surgimento de um ativismo

transfronteiriço” (VIGEVANI, 2006, s/p).

A Proficuidade da Paradiplomacia no Brasil

A paradiplomacia também tem repercussão no Brasil. Os beneficiados aqui, em

um primeiro momento, são os Estados federados mais desenvolvidos economicamente e

parte dos municípios fronteiriços que tem maior contato com entidades e instituições

pertencentes ou sediadas em outros países.

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O Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, prevê em sua Constituição a

integração com os povos latinos. A Constituição do Estado do Amapá buscou formas de

intensificar a interação com a vizinha Guiana Francesa, permitindo a realização de

programas e projetos de desenvolvimento conjunto. Bem ainda, municípios como o de

São Paulo e aqueles com forte atratividade turística estabelecem relações internacionais

como forma de maximizar sua força econômica e cultural. É importante saber se tais

fatos se dão em virtude de estarem esses Estados e Municípios desassistidos ou por

causa das vantagens palpitantes de se relacionar internacionalmente.

O ordenamento constitucional brasileiro não foi capaz de processar

adequadamente todas as necessidades dos Estados, que deram um salto à frente ao

legislar sobre o assunto em suas Constituições parciais; o que pode suscitar a dúvida de

que essas Constituições parciais estariam ou não ferindo os princípios da simetria e da

supremacia da Constituição Federal – o que será esmiuçado no tópico seis deste

trabalho.

Tal indagação levanta um ponto interessante que diz respeito a quem as ações a

ela ligadas são úteis no Brasil. Colocam-se em pauta os interesses dos entes federados

em contraste horizontal com as pretensões de cada um deles e vertical com os interesses

da União. As ações internacionais realizadas pelos governos não-centrais podem

agravar as disparidades econômicas e sociais entre as regiões do país, levando em

consideração que poucos entes subnacionais teriam condições para se lançar com

vitalidade na concorrência mundial. Isso seguramente iria contra os interesses da nação

brasileira, por fragilizar a unidade nacional. Há ainda o interesse da União em fazer

valer o Estado de Direito, o que a colocaria na defensiva contra voos mais ousados dos

entes federados (Estados e Municípios).

Entrementes, abre-se a ressalva de que o Brasil, mais do que foi dito, é um

Estado Democrático de Direito. E democracia pressupõe o máximo de garantias com o

mínimo de sacrifício das liberdades individuais (que alcançam aqui não apenas as

pessoas físicas, mas também as pessoas jurídicas federadas). Além disso, a democracia

implica em flexibilidade governamental, tendo em vista que o povo brasileiro, fonte de

toda soberania nacional, está sujeito a mudar suas aspirações políticas. Um processo

paradiplomático controlado não agrava, mas diminui as disparidades regionais, já que

dá voz a quem não tinha.

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A Paradiplomacia e o Direito Internacional

A doutrina mais tradicional entende que, à exceção das Organizações

Internacionais, apenas os Estados soberanos, em razão de sua qualidade de

sujeito do Direito das Gentes, possuem capacidade para celebrar tratados,

típica manifestação de vontade de sua personalidade jurídica internacional

(BRANCO, 2007, p. 48).

No entanto, Gilberto Marcos Antonio Rodrigues (2008, s/p) defende que:

[...] há um entendimento - e uma prática política - de que os governos

subnacionais podem atuar internacionalmente no âmbito de sua autonomia

federativa, ou seja, no campo balizado de suas competências constitucionais

expressas, sendo elas exclusivas ou comuns, desde que não contrariem o

interesse nacional ou invadam a seara da alta política (high politics), ou seja,

o núcleo duro das relações internacionais do Estado.

Em resumo, o abalizado magistério de Mazzuoli permite dizer que as

coletividades interestatais (Organizações Internacionais Intergovernamentais), as

coletividades não estatais (insurgentes, beligerantes, movimentos de libertação nacional,

a Soberana Ordem de Malta), a Santa Sé e o Estado do Vaticano, e a Cruz Vermelha

(que é uma ONG sui generes), todas já são consideradas sujeitos de direito internacional

público, portadores de personalidade jurídica internacional. A diferença reside na

capacidade limitada e até transitória dessas entidades, característica da natureza e

finalidade delas. Logo, não é tarefa impossível conceder essa mesma posição aos

governos não centrais de um país, visto que “o conceito de sociedade internacional é

[...] um conceito em mutação, que poderá ser modificado no futuro com a presença de

novos atores das relações internacionais” (MAZZUOLI, 2006).

Nessa esteira, a Comissão de Direito Internacional (CDI) da ONU propôs

modificar o artigo 5º da Convenção de Viena e introduzir um parágrafo segundo, que

constaria: “Estados Membros de uma união federal podem possuir capacidade para

concluir tratados se tal capacidade for admitida pela Constituição Federal, e dentro dos

limites indicados”. O texto não recebeu adesões e não foi aprovado, mas sua discussão

já representa um grande passo. Portanto, para a ONU, Estados Membros ainda não são

capazes de celebrar tratados.

Contudo, pode-se aditar mais um dado favorável à institucionalização da

paradiplomacia no globo, especialmente na escala regional de que o Brasil faz parte: a

criação, em 2004, do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e

Departamentos do MERCOSUL (FCCR), concluído na Cúpula de Ouro Preto e

instalado em 2007 na Cúpula de Chefes de Estado do MERCOSUL, no Rio de Janeiro.

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Essa iniciativa certamente levou em consideração as vantagens que as ações a ela

ligadas trazem para o bloco – sendo inclusive apontada como fator responsável por

salvá-lo, ao incentivar a interação entre seus membros a partir de seus governos não-

centrais.

Introdução no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Os artigos 21 e 84 da CF (Constituição Federal), não citam a possibilidade de

entes não-centrais estabelecerem relações com Estados estrangeiros. Nesse ínterim, é

preciso salientar que existem de fato três situações genéricas quanto à autonomia

internacional de Estados Federados: aquela em que o país reconhece a estes Estados o

poder de celebrar tratados, aquela em que a Constituição nada diz a respeito e outra em

que se nega a existência de tal possibilidade.

O Brasil está inserido na primeira situação, mesmo que os citados artigos não o

declarem. A regra específica que comprova essa afirmação está contida no artigo 52,

inciso V, que prevê a probabilidade dos Estados, Distrito Federal e Municípios

celebrarem acordos internacionais, desde que sejam de natureza financeira e sob prévia

aprovação do Senado Federal (NEVES, 2009, p. 20). A estreiteza deste dispositivo tem

mérito por ter viabilizado, desde 1990, o intercâmbio direto de entes federados (Estados

e Municípios) com organismos econômicos internacionais, como o Banco Internacional

para a Reconstrução, o Desenvolvimento (BIRD), o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento –

PNUD. (RODRIGUES, 2008).

Uma forma de tornar a CF mais permeável a essa nova realidade seria por meio

de Emenda, à semelhança do ocorrido no Canadá. Mas deve-se ter em mente que o

Canadá é particularmente diferente do Brasil e Lessa (apud Romero) levanta a óbice de

esse procedimento ser uma medida inviável e até inconstitucional.

Sem embargo, o deputado federal André Costa (Partido Democrático Trabalhista

- PDT-RJ), diplomata de carreira, apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional

sobre o assunto – a “PEC da Paradiplomacia” (475/2005). Ele propôs acrescentar o § 2º

ao art. 23 da CF com o seguinte teor: "Os Estados, Distrito Federal e Municípios, no

âmbito de suas competências, poderão promover atos e celebrar acordos ou convênios

com entes subnacionais estrangeiros, mediante prévia autorização da União, observado

o art. 49, I, e na forma da lei".

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A PEC número 475 de 2005 se mostrou incompleta, por não prever relações com

os Estados Nacionais estrangeiros. Apesar disso, sua importância não foi diminuída e

mesmo sendo capaz de conceder expressividade aos interesses de competência dos entes

federados sem comprometer a política externa unificadora nacional – na medida em que

estariam condicionados à autorização da União e ao tradicional referendo do Congresso

Nacional em assuntos internacionais - foi declarada inconstitucional.

Tatiana Prazeres, pronunciando-se sobre a inconstitucionalidade desse tipo de

Emenda, preleciona que a “ação paradiplomática estaria solapando as bases do

federalismo e instituindo, ainda que sub-repticiamente, a confederação”. (apud:

BRANCO, 2007, s/p).

Prazeres entende que um projeto de Emenda Constitucional que confere

capacidade aos Estados membros para celebrarem tratados conspira contra a forma

federativa do Estado Brasileiro e, por causa disso, não poderia sequer ser objeto de

deliberação, haja vista a cláusula pétrea lapidada no artigo 60, parágrafo 4º, inciso I, da

Constituição Federal.

Esse posicionamento, ainda que respeitável, deveria ser considerado inócuo,

tendo em vista a própria Constituição Brasileira, que, como mencionado, autoriza os

Estados Federados a concluírem empréstimos financeiros com organismos

internacionais ou multilaterais (art. 52, inc. V). No clarificador magistério de Mazzuoli,

o que é extremamente importante em uma Federação é que ela seja vista como uma

unidade para efeitos de responsabilização (2006, p. 202-208). Assim, é constitucional

que os Estados Federados recebam algumas competências internacionais que lhes deem

certa autonomia no plano externo, o que não se confunde com soberania. Jean-Marie

Lambert assevera que quando isso acontece “os compromissos [dos subnacionais]

contarão com o aval do Estado Federal, que assumirá a responsabilidade internacional e

a quem os atos das entidades federadas serão empatáveis em última instância” (apud

MAZZUOLI, 2006, p. 207).

Uma tentativa de institucionalizar o fenômeno foi o projeto de lei do senador

Antero Paes de Barros, proposto em 2006, que estabelece em seu desinteressante artigo

sexto quem estaria habilitado para celebrar tratados:

Art. 6 Possuem poderes para conduzir as negociações internacionais relativa

à conclusão de tratados internacionais o Presidente da República ou algum

plenipotenciário seu acreditado com carta de plenos poderes, assinada pelo

Presidente da República, e a chancelaria pelo ministério das relações

exteriores. (projeto de lei do Senado n.98/2006)

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Apesar da celeuma, o Itamaraty continua sendo o detentor do monopólio nas

relações internacionais brasileiras. Todavia, em 1997 o Ministério das Relações

Exteriores criou a Assessoria de Relações Federativas (ARF) com a missão precípua de

intermediar as relações entre o Itamaraty e os governos dos estados e municípios

brasileiros, objetivando assessorá-los nas suas iniciativas externas, tratativas com

governos estrangeiros e organismos internacionais (MOURA, Daniel. apud

VIGEVANI, 2006, s/p). Ela foi transformada, em junho de 2003, na Assessoria Especial

de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA), persistindo a intenção do Itamaraty

de possibilitar uma inserção controlada dos federados na conjuntura global.

A preocupação do governo central com a relação entre as questões

federativas e a ação internacional pareceu ampliar-se no governo Lula,

atingindo o núcleo da administração. A criação da Assessoria de Cooperação

Internacional Federativa em 2003, seguida pela Subchefia de Assuntos

Federativos, na presidência da República, em 2004, sugere essa tendência

(VIGEVANI, 2006, s/p).

Inegavelmente se trata de uma questão delicada e que, apesar de todos os

esforços, ainda não foi efetivamente incorporada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Se persistir esse desregramento, pode ser gerada uma sensação de liberalidade nas

entidades federadas. Tal sentimento poderia causar uma independência tamanha, capaz

de deflagrar possíveis pretensões de desmembramento no país, principalmente por parte

daqueles entes federados brasileiros que possuem culturas peculiares, a exemplo dos

Estados Federados sulistas – para os quais a história dos movimentos separatistas

brasileiros alerta.

Prova contemporânea dessa possibilidade pode ser simbolizada pela insurreição,

em 2002, da Província de Quebec, culturalmente diferente da parte inglesa do Canadá.

Crise política já superada, mas que representou um perigo para a unidade do país. Hoje,

todavia, o Canadá é exemplo singular sob dois aspectos: primeiro, que culturas

diferentes podem conviver harmonicamente em um mesmo país; segundo, que a

paradiplomacia pode se desenvolver sob a proteção e a guia constitucional.

Assim, a diplomacia paralela poderia ser institucionalizada no Brasil com maior

rigor normativo, sendo mais apropriado falar-se, após esse processo, em diplomacia

federativa – seguindo as orientações do Itamaraty.

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Conclusão

No princípio do processo de globalização, os Estados passaram parte de suas

competências para os blocos regionais, como ocorreu na União Europeia e no

MERCOSUL. Mais recentemente vem ocorrendo o fenômeno em que Estados dão mais

autonomia aos seus entes federados, o que começou a acontecer no Brasil com a

Constituição de 1988. O que se presencia é a realização de contatos autônomos com o

mundo exterior por parte de entes subnacionais, estabelecidos com relativa interferência

do governo central.

Cidades fronteiriças estabelecem relações fortes com outros países em busca de

maior respaldo para suas necessidades, muitas vezes não atendidas pelos governos

centrais, que se encontram distantes. Estados-membros fortes econômica e

culturalmente também seguem a mesma lógica expansionista.

A paradiplomacia, mesmo não encontrando previsão legal suficiente para seu

desenvolvimento, está presente e ainda assim revela vantagens econômicas, sociais,

culturais e políticas, tanto para os governos centrais quanto para os não-centrais.

Conclui-se que a paradiplomacia deve ser institucionalizada, cabendo ao Brasil

fazê-lo em conformidade com sua realidade federativa. Assim, o processo deve ser

conduzido pelo Governo Federal e não mais deliberadamente por seus entes federados,

modelando-se a “diplomacia federativa” como a ideal ao perfil brasileiro. O que se

pretende não é o seu desenvolvimento ao arrepio da lei, mas o de sua variável mais

estreitamente ligada à liderança do governo central – este, responsável por coordenar a

inserção internacional indistinta de todos os seus entes federados, do menor ao maior, e,

conseqüentemente, da União.

Referências:

BRANCO, Á. A Paradiplomacia como Forma de Inserção Internacional de Unidades

Subnacionais (tese) acessado em http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/

MAZZUOLI, V. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2006.

MERCOSUL, Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e

Departamentos do, disponível em http://www.mercosur.int/msweb/Portal acessado em 02-

07-09.

NEVES, G. Direito Internacional. São Paulo: Saraiva, 2009.

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PEREIRA, A. Manual de Direito Internacional Público. Lisboa: Almeida, 2002.

RANGEL, V. Direito e Relações Internacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2002.

ROMERO, G. Resenha de Paradiplomacia no Brasil e no Mundo: o poder de celebrar

tratados dos governos não centrais, de José Vicente Lessa, disponível em

http://mundorama.net, acessado em 18-05-09.

SILVA, P. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

VIGEVANI, T. Problemas para a Atividade Internacional das Unidades Subnacionais:

estados e municípios brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, disponível em

http://www.scielo.br, acessado em 01/05/09.

A Música Definida Pela Matemática

Luis Fernando D‟Oliveira Montalvão 23

Resumo: O objetivo desse trabalho foi explorar as áreas da música onde a matemática

exerce suas leis. Os matemáticos sempre conseguem enxergar alguma lei matemática

em qualquer situação. Na música, não foi diferente. O artigo aborda o feito de Pitágoras

no estabelecimento de uma escala musical de doze sons, a escala dodecafônica, que ele

definiu após muitos estudos, experimentos e análises de proporções sonoras. Essa escala

de doze sons é a base de tudo na história da música. E também aponta como o som é

produzido, a partir do momento da vibração que causa a movimentação das moléculas

de ar a sua volta até chegar aos nossos ouvidos em forma de ondas, quando então as

captamos como sons.

Palavras-chave: Matemática. Música. Acústica. Formação das notas.

Introdução

Essa pesquisa visa identificar e esclarecer as principais relações da matemática

com a música, além de oferecer uma ideia de como a matemática está presente em todas

as coisas, mesmo onde não podemos imaginar.

23 Luis Fernando D‟Oliveira Montalvão é graduando do terceiro semestre do curso de Informática da

Faculdade de Tecnologia de Lins (FATEC Lins).

Professora indicadora do Artigo Mestre Adriana de Bortoli da Faculdade de Tecnologia de Lins do

Curso de Informática.

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O começo desse trabalho se deu com a ideia de realizarmos algumas pesquisas

para um projeto de iniciação cientifica ligado à disciplina de Fundamentos do Cálculo.

Nossos principais assuntos eram funções, limites, derivadas e integrais. Em uma dessas

buscas acerca do conceito de funções, foi encontrado um artigo que relacionava a

matemática com a música, indicando que as notas musicais nada mais eram do que uma

frequência, um número de vibrações por segundo. E que para essas vibrações, outras

vibrações podiam ser associadas, causando assim um efeito que agrada ao nosso ouvido.

O trabalho inicia-se, portanto, com estudos relacionados à música, explicações

de como funcionam os princípios básicos, o que a rege, lhe proporciona base e

harmonia, quais são suas leis. No seguimento desse pensamento, será dada ênfase em

como são formadas as notas e como nossos ouvidos captam os sons.

Muitos matemáticos recebem destaque nessa área estudada, como Pitágoras, que

foi o primeiro filósofo a tratar da relação entre a beleza e os números. Outro matemático

muito conhecido que é estudado nessa área é Galileu, que, como Pitágoras, se interessou

pela relação da matemática com a música. Galileu tentou elaborar algumas teorias sobre

a relação harmônica das notas. Essas suas teorias foram dadas como inadequadas com o

passar do tempo.

Uma Breve Introdução a Escalas Musicais

Boa parte dos seres humanos a humanidade conhece a Escala Natural de Dó.

Assim ela é formada:

Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó.

O que muitos desconhecem, é o porquê dessa denominação. O intervalo a seguir

serve para acharmos as notas de uma escala e descobrirmos os acordes do campo

harmônico de determinada nota. Simplificando, a fórmula a seguir mostra por que a

escala de Dó é formada daquele modo.

Figura 1 – Tabela mostrando a construção da escala natural de Dó.

Formação da escala natural de Dó

Dó +1 = Ré Mi + ½ = Fá Sol + 1 = Lá Si + ½ = Dó

Ré + 1 = Mi Fá + 1 = Sol Lá + 1 = Si

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Mas, afinal, mais um o quê? Mais um tom, ou seja, Dó mais um tom é igual a

Ré, Ré mais um tom é igual a Mi, Mi mais meio tom é igual a Fá, e assim vai.

O esquema a seguir também mostra a escala natural de dó se formando:

Primeira Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sétima

Oitava

DÓ Dó# RÉ Ré# MI FÁ Fá# SOL Sol# LÁ Lá# SI

/ +1 TOM +1 TOM +½ TOM +1 TOM +1 TOM +1 TOM +½ TOM

Para melhor visualizarmos, podemos imaginar o braço de um violão. Tomando a

primeira corda como exemplo, a Mi, se andarmos uma casa, teremos andado meio tom,

se andarmos duas casas, teremos andado um tom. Então, se esta corda está solta e

devidamente afinada, se a tocarmos, soará a nota Mi. Se a pressionarmos na casa um,

teremos andado uma casa, ou seja, meio tom, e então a tocarmos, soará a nota Fá. Mi

mais meio tom resulta em Fá, como mostram a tabela e o esquema.

Para acharmos o campo harmônico de determinada nota, adicionamos “menor”

na segunda, terça, sexta e sétima nota da escala. Assim sendo, o campo harmônico de

Dó é:

Figura 2 – Tabela mostrando o campo harmônico de Dó

NOTA: 1 2 3 4 5 6 7 8

Escala de Dó: Dó Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó

Campo

Harmônico:

Dó Ré

menor

Mi

menor

Fá Sol Lá

menor

Si

menor

Quando algum compositor decide fazer uma música, ele precisa decidir o tom

em que ela será tocada. Para isso, ele usará aquele intervalo anteriormente mencionado

e pegará as notas do campo harmônico do tom escolhido, porque elas se relacionam

bem, existe certa harmonia entre elas (Galileu afirmava que as oitavas se

combinavam e tentou levantar fundamentos para isso, mas não conseguiu um definitivo.

As oitavas no caso da tabela são as notas um e oito, Dó e Dó. Hoje, elas são

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consideradas harmônicas uma com a outra, porém existem outras que se combinam, e

não somente as oitavas, como Galileu acreditava).

O campo harmônico traduz na verdade algo que nós sabemos por instinto, por

exemplo, quando estamos compondo uma música, instintivamente tentamos achar uma

sequência melódica que nos agrade, e nas tentativas, é claro, tocamos sequências de

acordes que parecem não combinar entre si, isso se deve ao fato de que existe uma

sequência de acordes que se combinam, existe, portanto uma sequência melódica.

Além da oitava e da quinta, outros intervalos de sons também são considerados

esteticamente consonantes pela maioria dos autores. Cabe ressaltar que os intervalos em

questão foram representados por suas relações matemáticas no que diz respeito à relação

harmônica.

As harmonias fundamentais, resultantes de relações que são as mais simples e

mais facilmente perceptíveis, são o dobro, o triplo, o quádruplo (isto é, algumas oitavas

acima), a unidade mais a metade (1+1/2 = 3/2), ou seja, o intervalo de quinta (que é a

nota Sol, por exemplo, na escala de Dó), a unidade mais o terço (1+1/3 = 4/3), que é a

relação de quarta (que é a nota Fá na escala de Dó).

Os sons agradáveis ao ouvido correspondem a números proporcionados, e esses

números e proporções seriam a causa da beleza musical. Quanto mais a relação

numérica é simples, mais harmonioso é o intervalo, mais facilmente o ouvido capta a

harmonia, e mais rapidamente a razão a compreende.

Isso explica porque a maioria das músicas segue o padrão; “Primeira”, “Quinta”,

“Quarta”, etc.

Exemplo: música Será – Legião Urbana: tom de dó – Os acordes Dó, Sol, Fá, Lá

menor proporcionam a grande base da música.

A música Maluco Beleza, do Raul Seixas, é tocada no tom de Dó, com os

seguintes acordes: Dó, Sol, Lá menor, Fá, Ré menor, e Mi.

No campo harmônico de Dó, não existe Mi, veja:

Figura 3 – Tabela mostrando o campo harmônico de Dó

NOTA: 1 2 3 4 5 6 7 8

Campo

Harmônico:

Dó Ré

menor

MI

MENOR

Fá Sol Lá

menor

Si

menor

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Isso se chama empréstimo modal, ou seja, o tom da música é Dó, e, sendo que

ele não possui Mi em seu campo harmônico, “pega emprestado” de algum outro, já que

produz um som agradável em determinada combinação.

Como é Produzida a Nota?

Do ponto-de-vista acústico, os sons utilizados

para produção de música (excetuando os sons de

alguns instrumentos de percussão) possuem

determinadas características físicas, tais como

oscilações bem definidas (freqüências) e presença de

harmônicos.

Apesar das diferenças entre uma filarmônica Figura 4 – Definição Gráfica som e Ruido

e um show de rock, ambos têm a mesma base:

a escala musical. Além da beleza das músicas que

pode produzir, a seqüência dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó guarda dentro de si as relações

matemáticas, associadas ao som correspondente a cada nota musical.

A música é a arte dos sons e a consonância das ondas sonoras é o que torna

possível a música na nossa vida. As regras para se combinar sons consonantes são bem

conhecidas, tendo sido estabelecidas ao longo da evolução da música. Os elementos

básicos são as notas e os intervalos entre as notas, cujas propriedades principais são a

frequência (da nota) e a consonância (do intervalo). Se duas notas musicais tem

frequências f1 e f2, respectivamente, o intervalo entre estas notas é definido pela relação

r = f2 : f1. Embora a frequência seja uma grandeza contínua, a música é composta por

sons consonantes, sendo que os intervalos de interesse musical se manifestam como

frações de uma oitava, assim chamada por conter oito notas (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si,

Dó) dentro do intervalo de frequência f (Dó) : f (dó) = 2.

O som é produzido por objetos em vibração como, por exemplo, as hastes de um

diapasão, o diafragma de um alto-falante ou ainda uma corda esticada e depois

dedilhada. Ela vibra e produz um som. Mas nem sempre o que nós ouvimos pode ser

considerado um som, ele pode ser assim dividido:

“Som” é o resultado de uma freqüência constante, ou seja, uma vibração

regular.

“Ruído” é o resultado de uma freqüência não constante, ou seja, irregular.

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A percepção que nossos ouvidos têm em relação ao som depende do número de

vibrações por segundo. Para melhor demonstrar isso, tomaremos um violão. A nota é

diferenciada pelo número de vibrações da corda. A esse número de vibrações damos o

nome de freqüência ou tom. A escala musical corresponde, na realidade, a um

conjunto de frequências que identificam as diversas notas musicais. Concluindo,

todo e qualquer barulho é uma nota, e sua classificação dependerá do número de

vibrações.

Vamos considerar como ponto de partida, a nota produzida por uma corda que

vibre 256 vezes por segundo e chamá-la de dó. Se cortarmos a corda ao meio ela

passará a vibrar duas vezes mais depressa e a nota produzida também será um dó, porém

com a freqüência de 512 vibrações por segundo, ou seja, uma oitava mais alta. O

intervalo entre dois dós consecutivos contém as outras notas musicais. A esse

conjunto de notas de dó a dó chama-se escala musical. Assim, é fácil perceber que

temos várias escalas musicais que se diferenciam por tons mais graves e agudos.

Sabe-se que o ouvido humano é sensível a sons emitidos com a freqüência entre

16 (alguns autores afirmam ser 20) e 20.000 Hz – Hertz ou ondas (vibrações) por

segundo. As oscilações abaixo dessa faixa são chamadas de "sub-sônicas" ou “infra-

sônicas”, enquanto que as acima da faixa são chamadas de "ultra-som".

Segundo Ratton, (2010, p.1) “Para poder detectar os sons, o ouvido possui um

mecanismo bastante complexo, que envolve ossículos, cavidades e milhares de nervos.

O elemento principal na detecção das oscilações dos sons é a "cóclea", uma pequena

estrutura em espiral que atua seletivamente. Ao longo dela, existem milhares de fibras

nervosas que agem como sensores, e transferem ao cérebro a percepção das oscilações e

intensidade dos sons. Assim, um som com determinada oscilação excita sempre apenas

uma determinada região de fibras nervosas da cóclea”.

É essa característica exata da percepção do som pelo ouvido que faz com que a

Música seja uma arte mais baseada em condições fisiológicas do que em psicológicas,

isto é, a percepção musical é mais uma questão de sensação (orgânica) do que de razão

(ação intelectual). Ou seja, mesmo que quiséssemos recriar a concepção de sons

musicais, isso seria impossível, por causa da forma fisiológica como percebemos os

sons.

A tabela a seguir mostra o número de frequências de notas musicais audíveis

nesse intervalo (tomando a escala de Dó como exemplo).

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Figura 5 – Vibrações por segundo, tendo Dó como exemplo.

As Razões da Matemática que Determinam as Notas Musicais

Aí entra a matemática. Se a nota Dó soar 16 vezes por segundo, como na tabela,

Ré soará 18. A razão de uma nota para sua segunda na escala é: 9/8 (nove oitavos do

valor das vibrações). Veja:

Razão de Dó para Ré: 9/8 (Primeira para segunda)

16 (Dó) x 9 = 144 / 8 = 18 (Ré, 18 vibrações por segundo,).

Razão de Dó para Mi: 5/4 (Primeira para terça)

16 x 5 = 80 / 4 = 20 (Mi, 20 vibrações por segundo).

Razão de Dó para Fá: 4/3 (Primeira para quarta)

16 x 4 = 64 / 3 = 21,33 (Fá, 21,33 vibrações por segundo,).

Razão de Dó para Sol: 3/2 (Primeira para quinta)

16 x 3 = 48 / 2 = 24 (Sol, 24 vibrações por segundo).

Razão de Dó para Lá: 5/3 (Primeira para sexta)

16 x 5 = 80 / 3 = 26,7 (Lá, 26,7 vibrações por segundo,).

Razão de Dó para Si: 15/8 (Primeira para sétima)

16 x 15 = 240 / 8 = 30 (Ré, 30 vibrações por segundo,).

Razão de Dó para Dó, uma oitava acima: 2 (Primeira para oitava)

16 2 = 32 (Dó, 32 vibrações por segundo,).

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Pitágoras X Relação Beleza Através de Números – O Estabelecimento da

Escala Dodecafônica

Pitágoras foi quem primeiro estabeleceu uma escala de sons adequados ao uso

musical, formando uma série a partir da fração de 2/3 (que corresponde ao intervalo

musical chamado de "quinta"). Usando uma sucessão de "quintas", ele conseguiu definir

doze notas musicais, sendo sete "naturais" (Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si) e mais cinco

"acidentes": Dó#, Ré#, Fá#, Sol#, e Lá# (o símbolo # é chamado de "sustenido"). Essa

escala, com doze notas, é chamada dodecafônica, e é usada praticamente no mundo

todo. Porém existem certas civilizações que não a utilizam, como a chinesa por

exemplo.

Pitágoras descobriu em que proporções uma corda deve ser dividida para a

obtenção das notas musicais no início, sem altura definida, sendo uma tomada como

fundamental (pensemos numa longa corda presa a duas extremidades que, quando

tangida, nos dará o som mais grave) e a partir dela, gerar-se-á a quinta e terça através

da reverberação harmônica. Os sons harmônicos. Prendendo-se a metade da corda,

depois a terça parte e depois a quinta parte conseguiremos os intervalos de quinta

e terça em relação à fundamental. A chamada série harmônica. À medida que

subdividimos a corda obtemos sons mais altos e os intervalos serão diferentes. E assim

sucessivamente. Descobriu ainda que frações simples das notas, tocadas juntamente

com a nota original, produzem sons agradáveis. Já as frações mais complicadas, tocadas

com a nota original, produzem sons desagradáveis.

Conclusão

Através desse estudo, pode-se concluir que a matemática realmente sempre está

ao nosso redor, invisível e constante, em todas as coisas, inclusive com relação à

música, assunto esse que desperta diferentes emoções em todos nós. A insistência e o

estudo dos sábios matemáticos sempre trouxeram grandes benefícios para a

humanidade, como foi o caso de Pitágoras, que estudou, analisou e padronizou algo que

é a base para a história da música mundial. Através de sua criação, a escala

dodecafônica, ele abriu várias possibilidades para o estudo da música, que foram

aproveitadas por diversos estudiosos, que criaram desta forma um processo evolutivo

para a escala.

Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás;

10/2010; ISSN 21777276

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Durante a realização desse trabalho encontramos muitos elementos matemáticos

que estão diretamente envolvidos com os conceitos musicais como, por exemplo,

frações. Notamos também que essas relações podem ser citadas e usadas como

exemplos inclusive para o ensino de tal conceito.

Também houve a verificação de que diversos povos possuem trabalhos com

escalas musicais que de alguma forma formam construídas. O estudo dos tipos de

escalas de vários povos como: egípcios, babilônios, gregos e chineses, bem como a

origem das mesmas, é nosso próximo objeto de estudo.

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