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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Viviane Efeiche de Sousa DOSIMETRIA DA PENA E APLICAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE NA PENA MÍNIMA CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Viviane Efeiche de Sousa

DOSIMETRIA DA PENA E APLICAÇÃO DE

CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE NA PENA MÍNIMA

CURITIBA

2011

Viviane Efeiche de Sousa

DOSIMETRIA DA PENA E APLICAÇÃO DE

CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE NA PENA MÍNIMA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em direito. Orientador: Afonso Henrique Prezoto Castelano

CURITIBA

2011

DOSIMETRIA DA PENA E APLICAÇÃO DE

CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE NA PENA MÍNIMA

Curitiba

2011

TERMO DE APROVAÇÃO

Viviane Efeiche de Sousa

DOSIMETRIA DA PENA E APLICAÇÃO DE

CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE NA PENA MÍNIMA

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de grau de bacharel em direito no Curso

de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba,______ de ______________________ de 2011.

Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Professor Afonso Henrique Prezoto Castelano Universidade Tuiuti do Paraná

Professor: Universidade Tuiuti do Paraná

Professor: Universidade Tuiuti do Paraná

DEDICATÓRIA

Primeiramente a Deus, pois além de me dar forças, e me proporcionou

condições de estar aqui e realizar esse sonho e, aos meus pai, responsáveis pelo

apoio às minhas conquistas e aos momentos mais críticos e indecisos que se

passaram..

AGRADECIMENTOS

A Deus, que a cada dia me dá fé e perseverança para alcançar meus

objetivos, renovando-os constantemente.

Aos meus pais Leila Georges Efeiche e Leonel Ribeiro de Sousa,

agradeço eternamente a todas as coisas que por mim lutaram e que foram

determinantes às escolhas que fiz, ao desenvolvimento do meu caráter, ao

carinho, amor, compreensão e fé a mim conferidos.

A todos os amigos, a todos os familiares, principalmente o tio Eduardo

Efeiche e a tia Alcimara Efeiche que apoiaram minha família nos momentos mais

difíceis, e em especial ao meu avô que não está mais entre nós Sr. Georges

Efeiche, que tiveram participação fundamental ao longo da minha vida.

Ao meu querido e amado Bruno agradeço o apoio e compreensão em

todas as minhas crises, principalmente quando acreditou nas minhas metas me

ajudando a atingi-la através das palavras mais rígidas e amorosas.

E finalmente, meu profundo e sincero agradecimento ao professor Afonso

Henrique Prezoto Castelano, que com presteza concedeu a honra de me auxiliar e

supervisionar neste estudo fazendo-o de maneira dedicada.

RESUMO

Este projeto além de demonstrar o desenvolvimento da pena, traz novamente em discussão a aplicação de atenuante na pena mínima. Expõe-se aqui os posicionamentos conflitantes, bem como o que já se decidiu nos tribunais superiores. No entanto, pautou-se principalmente o desenrolar do trabalho na possibilidade de aplicação de uma circunstância atenuante mesmo se a pena-base estiver na mínima cominada, posto que este entendimento tem me convencido, o qual esta adiante abordado com detalhes. Palavras-chave: Dosimetria da pena, pena-base, fixação no mínimo legal, possibilidade de reconhecimento e aplicação de atenuante além do limite.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 8 2. NATUREZA JURÍDICA DA PENA ................................................................ 10 2.1. HISTÓRICO DA PENA.................................................................................. 10 2.1.1. Origem .......................................................................................................... 10 2.1.2. Pena no Brasil ............................................................................................... 12 2.2. CONCEITO E FUNÇÃO DA PENA .............................................................. 14 3. SISTEMA DE DOSAGEM ............................................................................... 17 3.1. FASES DA DOSIMETRIA ............................................................................. 17 3.2. DAS ATENUANTES...................................................................................... 19 3.2.1. Conceito. ....................................................................................................... 19 3.2.2. Previsão Legal ............................................................................................... 21 3.2.3. Aplicabilidade ............................................................................................... 21 3.2.4. Atribuição de valor à circunstância atenuante ............................................... 25 4. FIXAÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL DERIVADO DE UMA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE ............................................................ 29 4.1. CORRENTE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL MAJORITÁRIA .... 29 4.2. CORRENTE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL MINORITÁRIA ..... 33 4.3. POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ....................................................................... 42 4.4. CONFLITO E PROPOSTA DE SOLUCIONAMENTO DA DOUTRINA MINORITÁRIA ATRAVÉS DE UMA NOVA INTERPRETAÇÃO DA LEI APÓS REFORMA DE 1984 .................................................................................... 44 5. CONCLUSÃO ................................................................................................... 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 51 ANEXO I ................................................................................................................ 54

8

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho, além de relembrar a evolução, ainda que de

forma sucinta, do direito penal e sua funções incluindo a pena, busca

levantar novamente a discussão quanto aos limites impostos ao magistrado

no momento de dosimetrar a pena ao acusado. Mais precisamente, o

objetivo pautou-se em apresentar os argumentos da doutrina majoritária,

minoritária e o entendimento jurisprudencial quanto a possibilidade ou não

de se aplicar uma circunstância atenuante ainda que a pena-base tenha sido

fixada no patamar mínimo.

Embora os Tribunais Superiores já tenham firmado

entendimento de que as circunstâncias não podem ser dosadas na pena

mínima, alguns doutrinadores mantêm afirmação contrária com

fundamentação bastante coerente, e que de certa forma me convence.

Assim, acompanhando o raciocínio da minoria a finalidade

específica deste trabalho é pontuar os posicionamentos positivos e

negativos chegando-se a ressaltar a proposta desta doutrina minoritária que

em resumo afirma que a resolução dos problemas de interpretações

conflitantes nada mais é do a necessidade de atualização do sistema após a

reforma penal de 1984 quando o sistema da pena passou a ser calculado em

três fases e, conseqüentemente a segunda fase que estava vinculada á

primeira passou a ser independente conforme sistema apresentado por

HUNGRIA.

9

Em Síntese, com essa alteração o Código Penal não proíbe a

aplicação da atenuante e determina sim sua aplicabilidade, independente do

que tenha sido dosado na primeira etapa, até mesmo porque as fases

passaram a serem independentes e somente a pena-base se encontra com

restrições, bem como não existem mais impedimentos como antigamente.

10

2. NATUREZA JURÍDICA DA PENA

2.1. HISTÓRICO DA PENA

2.1.1. Origem

O primeiro ato repressivo a uma conduta incompatível os costumes da

sociedade ocorreu nos tempos bíblicos, na era inicial da humanidade, o qual se

tem conhecimento através do conteúdo Bíblico do Capítulo de Gênesis. O ato

consistiu na repressão de Deus à Serpente condenando-a a andar sobre seu ventre

e sobre o pó todos os dias de sua vida.

A pena era utilizada como reparatória e pretendia que o cidadão ao ser

punido se retratasse frente à divindade. Assim surgiu o Código de Manu, século

XI a.C, que determinava aplicação de penas de mutilação do cidadão conforme o

delito praticado, como por exemplo a mutilação dos dedos nos casos de roubo

evoluindo para os pés no caso de reincidência. A aplicação das penalidades

consistiam em duas espécies: perda da paz e a vingança de sangue, era coletiva e

podia atingir a família do infrator.

Logo, surgiu a Lei Mosaica, chamada de Pena de Talião caracterizada

pela frase “olho por olho e dente por dente”. O ponto principal da lei introduzira

o princípio da proporcionalidade entre a pena e o delito. Derivando da Lei

Mosaica o Código de Hamurabi adotou alguns conceitos e transformou-se na

mais antiga legislação criminal.

11

A partir daí passou-se a substituir a pena pela reparação do dano causado,

já previsto na Lei Mosaica, cujo conteúdo restou na inclusão dessa nova idéia de

reparação.

O período denominado idade das trevas tinha por escopo a privação da

liberdade, surgiu na Idade Média e foi influenciada pela Igreja através dos

hábitos de punição aos infiéis mediante a pena de penitência realizada nas celas.

A descendência da teologia foi abandonada no século XVII com o

nascimento do Iluminismo, conhecido como o século das luzes, que objetivou a

pena como um método utilitário. Daí então manifestou-se BECCARIA

filosofando sobre a justa pena afirmando que ela só deveria ser utilizada quando

necessária. BECCARIA expôs seu posicionamento da seguinte forma:

“Toda pena, que não derive da absoluta necessidade, diz o grande MONTESQUIEU, é tirânica, proposição esta que pode ser assim generalizada: todo ato de autoridade de homem para homem que não derive da absoluta necessidade é tirânico. Eis, então, sobre o que se funda o direito do soberano de punir os delitos: sobre a necessidade de defender o deposito da salvação pública das usurpações particulares. ... ...Por justiça entendo o vínculo necessário para manter unidos os interesses particulares, que, do contrario, se dissolveriam no antigo estado de insociabilidade. Todas as penas que ultrapassem a necessidade de conservar esse vínculo são injustas pela própria natureza”.

Esses pensamentos revolucionaram o Direito Penal e,

consequentemente, passou-se a estudar o crime, surgindo, desde então, a

Escola Clássica do Direito Penal cujo maior participante foi CARRARA. Com

a intensificação dos estudos os antropólogos e sociólogos começaram a

12

entender a pena como um meio de ressocializar o indivíduo. Cesare

LAMBROSO e Enrico FERRI foram grandes nomes nesta fase por exporem a

pena como instrumento de reintegração do indivíduo delinqüente à sociedade.

Em conseqüência da mistura da ciência que estuda o crime com a

ciência cultural e normativa começaram a se manifestar os críticos. Na Itália no

ano de 1891 surgia a Escola Crítica, que por sua vez inspirava na Alemanha, o

funcionamento da Escola Moderna Alemã dirigida por Franz Von LISZT que

deu ao Direito penal uma nova interpretação, no entanto mais complexa.

Já no ano de 1945 fundou-se o Centro de Estudos de Defesa Social, em

Gênova, renomeado em 1954 para Nova Defesa Social. Os estudos realizados

nesta época inclinaram o centro a se tornar uma nova escola penal, que até os

tempos modernos influenciam o Direito Penal.

Os objetivos dessa nova escola que auxiliou na evolução da legislação

penal, eram basicamente definir a pena como, além de expiatória e retributiva,

uma forma de proteção da sociedade e de reeducação do delinqüente. Este

conjunto de filosofias e estudos foram se aperfeiçoando e influenciam o direito

penal até hoje.

2.1.2. Pena no Brasil

Quando os portugueses descobriram as terras brasileiras, habitada por

índios que não possuíam qualquer ordenamento regulador das relações sociais,

cujas penas aplicadas eram aquelas retributivas, vingativas e cruéis, instalou-se

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sem qualquer restrição as regras do povo português. Portanto, a legislação

penal brasileira iniciou-se na época das Ordenações Afonsinas e Menuelinas,

respectivamente dos anos 1446 e 1521, que definiam a pena privativa de

liberdade como uma garantia de julgamento.

A partir de seu descobrimento no ano de 1500 o Brasil teve como

legislação penal as Ordenações Afonsinas em vigor na época, tratava se lei

portuguesa e perdurou até a proclamação da independência.

No ano de 1603 chegou a vez das Ordenações Filipinas que previam

penas cruéis e desproporcionais e carregava no seu conteúdo várias formas de

suplício que eram aplicadas aos “infratores” de Minas Gerais entre os quais se

achava Tiradentes.

A primeira Constituição surgiu em 1824 e estabeleceu expressamente a

necessidade da criação de um Código Criminal (art. 179, parag. 18) que

excluísse os suplícios e as penas infamantes. Após cerca de seis anos surgiu o

primeiro Código Criminal do Império, publicado em 1830, o qual diminuiu

consideravelmente as hipóteses de pena de morte que passaram a ser aplicadas

somente nos casos de insurreição de escravos, homicídio com agravante e

latrocínio, dispondo ainda quanto as penas de degrado, galés, banimento,

desterro e multa.

A proclamação da República provocou a edição do Código Penal de

1890 que pôs fim à pena de galés, limitou a trinta anos a pena de prisão perpétua

computando como tempo de cumprimento todo período de prisão preventiva e

instituiu a prescrição.

14

Sob a vigência da Constituição de 1934 um projeto denominado de

Código Criminal foi elaborado mas permaneceu inerte, somente em 1937 na

vigência do Estado Novo e da nova Carta Magna publicou-se o Código Penal de

1940 cujo redator foi Nelson HUNGIA.

Uma evolução histórica marcou o ano de 1946 quando a Constituição

baniu a pena de morte, de banimento, confisco e prisão perpétua restaurando

direito e liberdades individuais dos indivíduos.

No entanto, após o golpe militar e a reestruturação do poder nos moldes

da ditadura desenvolveu, através da junta Militar, o Código de 1969, reativando

as penas de morte e de prisão perpétua. No entanto, não chegou a vigorar em

virtude da prorrogação de sua entrada em vigor o que acabou causando sua

revogação em 1978, portanto não chegou a produzir efeitos.

O Código Penal de 1940 voltou a ser considerado como Código em

vigor, no entanto promoveu-se a reforma da parte geral, provocada pela Lei

7.209 do ano de 1984, abolindo as penas acessórias e a publicação da sentença

por ser considerada vexatória.

2.2. CONCEITO E FUNÇÕES DE PENA

O renomado doutrinador BITENCOURT1 interliga a pena ao Estado

Democrático de Direito da seguinte forma:

1 BITENCOUR. Tratado de Direito Penal. Pág. 83-84.

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“Pena e Estado são conceitos intimamente relacionados entre si. O desenvolvimento do Estado está intimamente ligado ao da pena. Para uma melhor compreensão de sanção penal, deve-se analisá-la levando-se em consideração o modelo socioeconômico e a forma de Estado em que se desenvolve esse sistema sancionador. Convém registrar que uma concepção de Estado corresponde uma pena, e a esta uma de culpabilidade. Destaque-se a utilização que o Estado faz do Direito Penal, isto é, da pena, para facilitar e regulamentar a convivência dos homens em sociedade. Apesar de existirem outras formas de controle social – algumas mais sutis e difíceis de limitar que o próprio Direito Penal-, O Estado utiliza a pena para proteger de eventuais lesões determinados bens jurídicos, assim considerados, em uma organização socioeconômica específica. Estado, pena e culpabilidade formam conceitos dinâmicos inter-relacionados. Com efeito, é evidente a relação entre uma teoria determinada de Estado com uma teoria da pena, e entre a função e finalidade desta com o conceito dogmático de culpabilidade adotado. Assim como evoluiu a forma de Estado, o Direito Penal também evoluiu, não só no plano geral, como também em cada um dos seus conceitos fundamentais. A função do direito penal depende da função que se atribui à pena e à medida de segurança, como meios mais característicos de intervenção do Direito Penal. (...) Se a pena já não é esse “mal de que falam os defensores das teorias retribucionistas, mas, ao contrário, uma grave e imprescindível necessidade social, os postulados que fundamentam este conceito submergem em mais profunda crise que tem antecedentes no período do Iluministmo. Ainda que se reconheçam fins preventivos – gerais ou específicos- para a doutrina tradicional, a pena é concebida como um mal que deve ser imposto ao autos de um delito para que expie sua culpa. Isso não é outra coisa que a retributiva da pena. Todavia, no decurso histórico do Direito Penal, da pena e do Estado, observam-se notórias rupturas, entre as quais se encontra a transição das concepções retributivas da pena às orientações preventivas, além de algumas outras mais modernas, como as da prevenção geral positiva, limitadora ou fundamentadora.. "

Embora as palavras acima expostas indiquem que a pena não é mais

definida como no passado, nem deriva das justificativas passadas, e trata na

atualidade de uma necessidade social, a maioria dos doutrinadores tem apostado

na pena em uma concepção geral, numa forma de punição do Estado, exercendo

seu poder em face do indivíduo, atribuindo-lhe um juízo de valor negativo,

através de um procedimento adequado, chegando-se à um castigo através da

pena, que pode ser de várias formas, tanto com privar-lhe a liberdade como

mandar-lhe fazer algo à sociedade.

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Numa análise mais detalhada, tem-se a pena agregada a vários outros

aspectos. A repressão a um delito começa quando se analisa se realmente o fato

constitui crime, isso se dá pelo estudo dos tipos penais descritos nas normas e

que qualificam a determinada conduta humana como crime. Portanto, a teoria

atual utilizada é a unitária, ou seja, busca conciliar a retribuição com fins de

prevenção, sendo a pena é uma forma de retribuição a um delito praticado,

prevenindo, assim, novos delitos. Resumindo temos ainda a idéia de retribuição e

prevenção.

17

3. SISTEMA DE DOSAGEM DA PENA

3.1. FASES DA DOSIMETRIA

Antes da reforma penal em 1984 o sistema era dividido em duas fases,

preconizado por Roberto LYRA. O procedimento iniciava-se com a fixação da

pena base juntamente com a aplicação das atenuantes e agravantes, delimitada

aos limites previsto no tipo penal, definindo-se então a pena-base, e na segunda e

última etapa apreciava-se as causas especiais de aumento e de diminuição de

pena chegando-se à pena definitiva.

Este sistema não se aplica na atualidade. A forma utilizada pelos

aplicadores da lei, que entrou em vigor através da reforma em 1984 do Código

Penal de 1940, chama-se sistema trifásico e foi proposto por Nelson HUNGRIA.

O Código Penal, parte geral, mais precisamente em seu artigo 68

regulamente a fixação da pena ao agente que infringiu uma norma penal.

Inicialmente nos temos a primeira etapa denominada fixação da pena base.

Nesta primeira fase o juiz, conjuntamente com o artigo citado acima que

trata das circunstâncias judiciais, utiliza a pena cominada para o delito na

legislação penal e fixa um quantum de acordo com o caso concreto, respeitado o

limite mínimo e máximo de pena prevista para o delito em questão, chegando-se

à pena-base.

18

Em seguida, na segunda etapa, utilizando-se a pena base, passa-se a

analisar se existem circunstâncias legais atenuantes e agravantes, cuja previsão

consta nos artigos 65 e 66 do Código Penal, a se considerar para elevação ou

diminuição da pena. Por fim na terceira etapa, avaliam-se as causas especiais de

aumento ou de diminuição da pena.

No entanto, nas palavras de FERREIRA2, embora o Código divida em

três fases, na realidade o juiz poderá percorrer pelo menos oito etapas, quais

sejam: escolha da pena; analise das circunstâncias judiciais; análise das

circunstâncias legais; análise das circunstâncias especiais de aumento ou

diminuição da pena; estabelecimento do regime de cumprimento; realização de

substituição se for o caso; concessão de suspensão condicional da pena se

aplicável; e por fim fundamentação dos efeitos da condenação.

Todavia, o objetivo deste estudo, considerando as orientações de Nelson

HUNGRIA quanto ás etapas a serem seguidas, é analisar a segunda etapa da

fixação da pena conjuntamente com a interpretação literal dos artigos 65 e 66 do

Código Penal, para ao final, expor os argumentos de alguns doutrinadores quanto

a possibilidade de o juiz, na interpretação da lei e no exercício de seu livre

convencimento, dosar ao indivíduo uma pena particularizada.

Observado o sistema trifásico ao final da terceira etapa, o juiz fixará o

regime de execução a ser cumprida pelo indivíduo. Se de reclusão em regime

fechado, semi aberto ou aberto, ou em detenção que neste caso não inclui o

regime fechado.

2 FERREIRA. Aplicação da Pena, pág 97 e 98.

19

3.2. DAS ATENUANTES

O objetivo deste estudo é a exposição das causas que atenuam a pena e

sua incidência no caso concreto, no entanto, cabe destacar que existem também

as causas que agravam a pena, estas circunstâncias também são de aplicação

obrigatória na segunda fase da fixação da pena e alguns doutrinadores como

BITTENCOURT defendem que de igual forma podem ultrapassar os limites.

3.2.1. Conceito

Preliminarmente se faz necessário a compreensão do significado da

palavra atenuante. A palavra atenuante indica suavidade, minora, ou torna tênue

ou menos forte. Tratá-la como circunstância, de acordo com MIRABETE3 “são

dados subjetivos ou objetivos que fazem parte do fato natural, agravando ou

diminuindo a gravidade do crime sem modificar-lhe a essência. Acoplando os

dois conceitos chegamos, resumidamente, numa particularidade existente que

suaviza a repreensão ao fato.

De outra forma, conceitua HUNGRIA4: “as circunstâncias são as

modalidades da ação criminosa, particularmente no que respeita à sua natureza, à

espécie dos meios empregados, ao objeto, ao tempo, ao lugar, à atitude ou ao

estado de ânimo do réu antes, durante ou após o crime.”

3 MIRABETE. Manual de Direito Penal,pág 281. 4 HUNGRIA. Comentário ao Código Penal. Pág 476.

20

Assim as descreve NUCCI5: “As atenuantes são circunstâncias de caráter

objetivo ou subjetivo, que servem para expressar uma menor culpabilidade, sem

qualquer ligação com a tipicidade, devendo o juiz diminuir a pena.”

Nas palavras de expostas em outro ângulo MIRABETE6: “Prevê o art. 65

quais as circunstâncias do crime que devem atenuar a pena, ou seja, os dados

objetivos ou subjetivos que, por seu aspecto positivo, levam à diminuição da

reprimenda.”

Cabe mencionar conceito adotado por FRANCO7: “São circunstâncias

atenuantes aquelas que expressam uma diminuição da culpabilidade do agente

em relação ao crime por ele praticado.”

Não obstante, as circunstâncias atenuantes dividem-se em duas,

conforme explica PRADO8: “As circunstâncias legais podem ser genéricas (ou

comuns) e especiais (ou específicas), constantes da Parte Geral ou da Parte

Especial do Código Penal, respectivamente.”

Compreendendo essas idéias têm-se as circunstâncias atenuantes como

genéricas, conforme o artigo 65 Parte Geral do Código Penal, utilizados nos

crimes em geral tornando-as, se existentes obrigatórias, e as especiais ou, cuja

possibilidade consta do artigo 66 do mesmo condex e que dependem do crime e

estão indicadas na Parte Especial da principal legislação penal analisado no caso

concreto pelo juiz natural.

5 NUCCI. Código Penal Comentado. Pág 427. 6 MIRABTE.Manual de Direito Penal. Pág 295. 7 FRANCO. Código Penal e sua Interpretação. Pág 373. 8 PRADO. Curso de Direito Penal Brasileiro. Pág 517

21

3.2.2. Previsão Legal

As circunstâncias atenuantes, aquelas favoráveis ao réu possíveis de

redução da pena na segunda fase da dosimetria de acordo com HUNGRIA, estão

estabelecidas no Código Penal artigo 65 e artigo 66 de forma enunciativa.

O primeiro dispositivo legal mencionado trata da indicação das

atenuantes genérica aplicáveis de forma geral em todos os casos e de forma

obrigatória. Já o segundo dispositivo denominado pela doutrina de atenuante

específica, por abrir uma ampla possibilidade de aplicação de minorantes, que

não aquelas do artigo 65, constam da Parte Especial do referido Código, sendo

reconhecidas pelo juiz de acordo com o caso concreto.

As atenuantes genéricas são reconhecidas por todos como de

aplicação obrigatória. Todavia, existem duas correntes, estudadas mais adiante,

com interpretações diversas: a primeira corrente majoritária entende ser de

aplicação obrigatória desde que não ultrapassa os limites do tipo penal abstrato; a

segunda corrente, minoritária afirma a obrigatoriedade da aplicação mesmo que a

pena ultrapasse o limite, fundamentando o entendimento na interpretação literal

do artigo em virtude a expressão “sempre atenuam a pena” e na função do juiz de

dosar a pena individualmente.

3.2.3. Aplicabilidade

22

Na oportunidade, cabe aqui citar quais são as atenuantes genéricas e

específicas existentes do Código Penal e legislação extravagante, de acordo com

a doutrina.

Seguindo a sequência das atenuantes genéricas apresentadas pelo

Código Penal têm-se as hipóteses de redução em face de: a) menoridade; b)

senilidade; c) desconhecimento da lei; d) relevante valor social ou moral; e)

arrependimento; f) coação resistível; g) cumprimento de ordem superior; h)

violenta emoção; i) confissão espontânea; j) influência de multidão, em meio a

tumulto.

As orientações de NUCCI, baseada no artigo 66 do Código Penal, ainda

tratam das atenuantes específicas e aplicam-se das seguintes formas: a) atenuante

inominada; b) atenuante em leis especiais.

Utilizando-se das definições expostas por NUCCI através de suas obras

“Código Penal Comentado” e Manual de Direito Penal”, passarei a indicar cada

uma das atenuantes.

A primeira hipótese trata da menoridade relativa, aplicável aos

indivíduos entre 18 e 21 anos de idade na data do fato, partindo da premissa que

o menor relativamente incapaz ainda não se encontra totalmente amadurecido. É

uma causa que gera a atenuação da pena e está elencada no artigo 65, inciso I da

legislação penal.

Em continuação da primeira hipótese, disposta no mesmo artigo, parte

final, denominada de selenidade, determina a atenuação da pena ao maior de 70

anos na data da sentença, justificando-se pelo fato da idade avançada poder

23

causar alterações somáticas repercutindo no estado psíquico do idoso, de forma a

prejudicá-lo mentalmente.

A segunda hipótese, indicada no mesmo artigo, inciso II, é o

desconhecimento da Lei, que atenua a pena do indivíduo que ao cometer o delito

desconhece a existência de alguma norma penal.

A terceira hipótese abarca várias condutas que devem necessariamente

ter relação com o agente (artigo 65, inciso III do CP) e que atenuam a pena. São

as seguintes:

a) ter o agente: cometido o crime por motivo relevante;

b) ter o agente: procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo

após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências ou ter, antes do

julgamento, reparado o dano;

c) ter o agente: cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em

cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influencia de violenta

emoção, provocada por ato injusto da vítima;

d) ter o agente: confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do

crime;

e) ter o agente: cometido o crime sob influencia de multidão em tumulto, se não

o provocou.

Quanto a alínea “a” do artigo em questão, a doutrina define a aplicação

da atenuante ao indivíduo que cometeu o crime observando um valor social ou

moral, ou seja, os princípios morais e sociais os levam a agir aprovando a atitude

do cidadão.

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Compreendem a alínea “b” duas hipóteses, primeira trata arrependimento

logo após o crime, e a segunda, trata do arrependimento durante a instrução

reparando-se o dano antes da sentença. Ambas são causas de atenuação e de

aplicação obrigatória.

No que diz respeito à alínea “c”, está se divide em três partes.

Inicialmente, doutrina a subdivide coação em física e ou moral, capazes de

influenciar o cidadão à prática do crime, desde que resistível. Logo, o referido

dispositivo garante a atenuação na pena ao agente que cumpri ordem de superior,

desde que manifestamente legal, ou seja que não lhe parece absurdo ou irregular.

Por fim, atenua-se a pena, quando houver algum ato injusto da vítima que

provoque reação, podendo-se considerá-la como minorante na aplicação da pena.

Conceituando a alínea “d”, a doutrina a reconhece como causa de

atenuante a confissão espontânea do acusado arrependido colaborando assim com

o esclarecimento do crime e desde que seja realizada até a sentença, assim sua

culpa embora seja existente será menos gravosa.

Em análise a alínea “e” a atenuação neste caso configura-se quando

comprovado que houve pela nítida influência motivação prática do crime, ou

seja, sob forte tumulto a massa composta por serem individuais tomam reações a

um fato e praticam o crime, essa espécie garante a atenuante, desde que o agente

não tenha dado início ou provocado o tumulto.

25

No que se refere ao artigo 66 do Código Penal, os doutrinadores,

conforme dito acima, qualificam-nas como atenuantes inominadas e atenuantes

em leis especiais.

O primeiro tema trata de circunstâncias legais extremamente abertas, ou

seja, sem previsão legal, que dependem do imenso arbítrio do juiz para aplicá-las.

A lei constitui a atenuante através de circunstância relevantes no caso concreto,

que pode ter ocorrido antes ou depois do crime, mesmo que não esteja previsto

expressamente na lei, e dependerá do juízo de valoração e por parte do

magistrado para sua aplicabilidade.

Considerando o outro tema, os doutrinadores indicam sua existência em

leis especiais. Essas legislações em determinadas condutas prevêem

expressamente a hipótese de atenuação da pena. Exemplo da Lei 9.605/98, artigo

14: São circunstâncias que atenuam a pena: I- baixo grau de instituição ou

escolaridade do agente(...). São de caráter obrigatório os previstas.

3.2.4. Atribuição de valor à circunstância atenuante

Observando-se os dispositivos claramente se nota a omissão do

legislador em estabelecer qual diminuição deve o juiz aplicar, diferentemente do

que se fez constar quando as causas de diminuição. Essa ausência de descrição na

norma penal provoca o juiz a usar seu poder discricionário.

26

Nota-se que o poder discricionário deve vir acompanhado com a

liberdade razoável do magistrado, a ponderação, a fundamentação do ato, todos

dentro do bom senso.

Na opinião de ZAFFARONI9 o quantitativo a ser definido depende da

prudência judicial: “O texto vigente não fixa nenhuma quantia, de modo que a

prudência judicial é quem leva a pena-base estabelecida na primeira etapa, a se

inclinar para mais ou para menor.

No mesmo sentido FERREIRA10 assim dispõe: “Assim, caberá ao juiz,

no uso de seu poder discricionário, estabelecer o critério a quantidade de

aumento e de diminuição (...) de modo fundamentado, esclarecendo a razão que o

levou a atenuar ou agravar naquele percentual.”

Nas palavras de BITENCOURT11: “O Código não estabelece a

quantidade de aumento ou de diminuição das agravantes e atenuantes legais

genéricas, deixando ao prudente arbítrio do juiz (...).”

Com as mesmas idéias se posiciona FRANCO12: “É evidente, por isso,

que a avaliação de cada circunstância e a determinação do quantum de pena a

acrescer ou a reduzir ficam na dependência do prudente arbítrio do juiz, que, no

entanto, está sempre obrigado a dar os motivos de sua decisão.”

Diante opiniões quanto a valoração de uma atenuante, percebe-se a

importância da observância dos princípios da legalidade, isonomia,

individualização da pena, razoabilidade e proporcionalidade.

9 ZAFFARONI. Manual de Direito Penal. Pág 711. 10 FERREIRA. Aplicação da Pena. Pág 102. 11 BITTENCOUR. Tratado de Direito Penal. Pág 634. 12 FRANCO. STOCO. Código Penal e sua Interpretação. Pág. 382.

27

Considerando a importância destes princípios, se faz necessário explicitá-

los para melhor compreensão de sua contribuição ao direito penal em especial no

cálculo da pena.

O princípio da Legalidade busca limitar ou, salvo melhor juízo, vincular

o controle punitivo do Estado em face de indivíduo confinando a aplicação da

punibilidade em limites que excluam a arbitrariedade e excesso de poder. Ou

seja, este princípio constitui uma efetiva limitação e vinculação do poder estatal

aos ditames legais.

Aplicar o princípio da Isonomia no Direito penal, significa vedar as

diferenças arbitrárias entre todos os indivíduos, pois o tratamento desigual dos

casos desiguais, à medida que se desigualam é sinônimo de efetiva justiça, ou

seja, cada pessoa deve ser tratada de acordo com sua condição, buscando igualá-

las nas condições sociais. Este princípio revela a possibilidade de equiparações

dos desiguais justificadamente.

O Princípio da Individualização da pena exige a ligação entre a

responsabilização do agente pela sua conduta e a sanção aplicada, para que assim

a pena atinja suas finalidades de repressão e prevenção. É através do juízo

individual da culpabilidade que o juiz aplicará uma pena justa.

Já o princípio da Proporcionalidade consagra a garantia do indivíduo de

que na aplicação da lei o Estado está vinculado ao uso proporcional dos meios

adequados à punição, evitando-se excessos injustificáveis.

28

Juntamente com o conceito da proporcionalidade se extrai o princípio da

razoabilidade, que em síntese determina o exercício da função de forma

controladora para se resulte na aplicação proporcional da reprimenda penal,

agindo como fiscalizadora.

Enfim, para se tenha a essência da real pena, deve o juiz levando-se em

consideração os princípios que regem a matéria, dosar a medida de pena exata a

cada caso concreto observado seu poder discricionário e o bom senso.

29

4. FIXAÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL DERIVADO DE

UMA CIRCUNTÂNCIA ATENUANTE

4.1. CORRENTE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL MAJORITÁRIA

A maioria da doutrina e da jurisprudência tem entendido pela

impossibilidade de aplicação de uma atenuante caso a pena-base já esteja na

mínima indicada no tipo penal. Tal posicionamento entende aplicável à segunda

fase da dosimetria a regra do artigo 59 do Código Penal, que apesar de

regulamentar a primeira etapa da fixação, impede que a pena seja fixada abaixo

do limite.

O artigo 59 da legislação penal dispõe: “Art. 59 - O juiz, atendendo à

culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos

motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao

comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente

para reprovação e prevenção do crime: ...II- a quantidade de pena aplicável,

dentro dos limites previstos...”

Este entendimento baseia-se na idéia de que o legislador não quisera

autorizar que se ultrapassassem os limites do tipo, e embora se restrinja apenas à

pena-base, eles afirmam que o legislador, na verdade, quiser liberar os limites

somente nos casos de causas de aumento e de diminuição da pena que

correspondem à terceira etapa da fixação.

30

De outra forma, sustentam que se pudesse o juiz ignorar os limites

estabelecidos perderíamos a garantia do direito, até mesmo porque seria possível

a aplicação de uma pena distante da prevista ferindo a segurança jurídica.

Em síntese, são dois aspectos mais considerados, o de que essa

possibilidade de ultrapassar os limites ofenderia o princípio da legalidade, bem

como possibilitaria o abuso de poder por parte do magistrado. Vejamos quais são

os autores e seus posicionamentos.

Argumenta NUCCI13:

“Utilizando o raciocínio de que as atenuantes, segundo preceito legal, devem sempre servir para reduzir a pena (art 65CP), alguns penalistas têm defendido que seria possível romper o mínimo legal quando se tratar de aplicar alguma atenuante a que faça jus o réu. (...) Essa posição é minoritária. Aliás parece-nos mesmo incorreta, pois as atenuantes não a fazem parte do tipo penal, de modo que não têm o condão de promover a redução da pena abaixo do mínimo. Quando o legislador fixou, em abstrato, o mínimo e o máximo para o crime, obrigou o juiz a movimentar-se dentro desses parâmetros, sem possibilidade de ultrapassá-los, salvo quando a própria lei estabelecer causas de aumento ou de diminuição.

Já FERREIRA14 apresenta o seguinte posicionamento:

“Em razão de circunstâncias legais o juiz não pode diminuir a pena aquém do mínimo ou aumentá-la acima do máximo legal, porque com isto estaria burlando o principio da legalidade.”

No mesmo sentido opina DOTTI15:

13 NUCCI. Manual de Direito Penal. Pág 460. 14 FERREIRA. Aplicação da Pena. Pág 103. 15 DOTTI. Curso de Direito Penal, parte Geral. Pág 515.

31

“Parece-me que a orientação mais adequada ao sistema positivo e ao espírito do texto do art. 65 do CP é de que a circunstância atenuante não faz baixar a pena aquém do mínimo legal”.

Vejamos as palavras de COSTA JUNIOR16:

A segunda etapa do processo de individualização da pena compreende a apreciação e a quantificação das circunstâncias legais, agravantes e atenuantes. A aplicação de tais circunstâncias haverá de respeitar sempre os limites punitivos expressos no tipo. A adoção de posicionamento diverso equivaleria a trocar a certeza do direito pelo arbítrio judicial.”

Entendendo na mesma linha JESUS17 argumenta:

“As circunstância atenuantes são de aplicação obrigatória, pois o caput do art. 65 reza: “são circunstâncias que sempre atenuam a pena...” .O quantum da atenuação fica a critério do juiz. Entretanto, há um caso em que as circunstâncias atenuantes não tem incidência: quando a pena-base foi fixada no mínimo legal. Elas não podem atenuar a pena aquém do mínimo abstrato.”

Para MIRABETE18 as atenuantes também não podem ultrapassar os

limites da pena:

“Uma característica fundamental das circunstâncias judiciais atenuantes e agravantes é a de não poder servir para a transposição dos limites mínimo e máximo da pena abstratamente cominada. Assim, a presença das atenuantes não pode levar a aplicação abaixo do mínimo nem a de agravantes a acima do máximo. Nos termos da Súmula 231 do STJ: “A incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.”

16 COSTA JUNIOR. Curso de Direito Penal. Pág 263. 17 JESUS. Direito Penal, Parte Geral. Pág 566. 18 MIRABETE. Manual de Direito Penal. Pág.300.

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A maior parte dos julgados tem se inclinado para a impossibilidade de se

ultrapassar os limites. Nota-se um julgado relevante do Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná:

DECISÃO: ACORDAM os integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso para aumentar a pena de reclusão do apelado e, de ofício, reduzir a sua pena de multa. EMENTA: PENAL ROUBO QUALIFICADO CONDENAÇÃO. RECURSO DA ACUSAÇÃO - PLEITO DE REVISÃO DA SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA PENAL INCIDÊNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA REDUÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL IMPOSSIBILIDADE SÚMULA 231 DO STJ. PENA DE MULTA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE ENTRE A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A PENA DE MULTA REDUÇÃO NECESSÁRIA, DE OFÍCIO. RECURSO PROVIDO, COM REDUÇÃO, DE OFÍCIO, DA PENA DE MULTA. (Acórdão 14315, apelação crime. 3ª Cam. Crim. Rel. Rui Bacelar Filho. Julg. 10/02/2011).

O Tribunal do Rio Grande do Sul, ainda que em divergência tem

decidido também na impossibilidade de aplicação de atenuante na pena mínima:

APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART. 14 DA LEI 10.826/03. 1. DELITO DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO CONFIGURADO. Confissão do réu corroborada pelas declarações de testemunhas. Acusado que portava conscientemente arma em via pública, configurando o crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, previsto no art. 14 da Lei 10.826/03. 2. APENAMENTO. 2.1. Apenamento mantido diante da correta análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. 2.2. Estando a pena provisória no mínimo legal, impossível a valoração da atenuante de confissão espontânea para reduzi-la, ante a impossibilidade de sua fixação aquém do mínimo legal, conforme preconiza a Súmula 231 do STJ. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70037301033, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 10/02/2011)

33

Expostos os argumentos e entendimentos quando a impossibilidade da

aplicação da atenuante na pena mínima, passo a considerar a corrente minoritária,

a qual com mais simpatia me convence.

4.2. CORRENTE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL MINORITÁRIA

Basicamente, a corrente minoritária, baseada na interpretação literal do

artigo 68 do Código Penal, advertindo que se trata de uma garantia constitucional

do acusado a aplicação da uma circunstância atenuante na pena provisória,

porque somente a pena-base está adstrita ao regramento do artigo 59 quando

determina que se obedeça os limites para o tipo, reconhece a segunda fase da

dosimetria como independente, para se chegue a essência da pena no caso

concreto.

O renomado doutrinado ZAFFARONI19, defende o tema quando dá

ampla margem ao juiz, embora aparentemente se estabeleçam limites:

“Em síntese pode-se concluir que, a partir da pena-base, a modificação em decorrência das circunstâncias atenuantes e agravantes genéricas ou legais, deve ser estabelecida prudentemente, pelo juiz, sem qualquer indicação. Desapareceram as normas sobre compensação a ausência, e fica em aberto o elenco de atenuantes, de maneira que o juiz, embora a aparente limitação legal que os preceitos enunciados parecer estabelecer, tenha uma ampla margem de valoração”.

19 ZAFFARONI. Direito Penal Brasileiro. Pág 710.

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Um pouco mais aprofundado no tema BITENCOURT20 expõe uma lição

com teses defensivas que merecem ser transcritas na integralidade:

‘Encontrada a pena base, em seguida passa o julgador ao exame das circunstâncias legais, isto é, das atenuantes e agravantes (...) que resultará no que chamamos de pena provisória. Nesta segunda fase operação devem-se analisar somente as circunstâncias legais genéricas, enfatizando-se as preponderantes, quando concorrerem agravantes e atenuantes. Nenhuma circunstância atenuante pode deixar de ser valorada, ainda que não seja invocada expressamente pela defesa,, bastando que se encontre provada nos autos. Acompanhando no passado a corrente tradicional, segundo a qual as atenuantes e agravantes não podiam levar a pena para aquém ou para além dos limites estabelecidos no tipo penal infringindo, sob pena de violar o primeiro momento da individualização da pena, que é legislativo, privativo de outro poder, e é realizada através de outros critérios e com outros parâmetros, além de infringir os princípios da reserva legal e da pena determinada, recebendo a pecha de inconstitucional, por aplicar pena não cominada. Quando a pena base estivesse fixada no mínimo, impediria sua diminuição, ainda que se constatasse in concreto a presença de uma ou mais atenuantes, sem que isso caracterize prejuízo ao réu, que já teria recebido o mínimo possível. Já em algum tempo revisamos nosso entendimento, acompanhando a melhor orientação doutrinária (a parte da jurisprudência), voltada para os postulados fundamentais do Estado Democrático de Direito, que não transige com responsabilidade objetiva e tampouco com interpretações analógicas in malam partem; assim, acompanhamos o entendimento que sustenta a possibilidade de as circunstâncias atenuantes poderem trazer a pena aplicada para aquém do mínimo legal, especialmente quando, in concreto, existam causas de aumento. 6.2.1 Pena aquém o mínimo: uma garantia constitucional. O entendimento contrário à redução da pena para aquém do mínimo cominado partiria de uma interpretação equivocada, que a dicção do atual art. 65 do Código Penal não autoriza. Com efeito, esse dispositivo determina que as circunstâncias atenuantes “sempre atenuam a pena”, independentemente de já se encontrar no mínimo cominado. É irretocável a afirmação de Canibal quando referindo-se ao art. 65, destaca que “se trata de norma cogente por dispor o Código Penal que ‘são circunstâncias que sempre atenuam a pena’... 3 – prossegue Canibal - norma cogente em direito pena é norma de ordem pública, máxime quando se trata de individualização constitucional de pena”. A previsão legal, definitivamente, não deixa qualquer dúvida sobre a obrigatoriedade, e eventual interpretação diversa viola não apenas o principio da individualização da pena (trato no plano legislativo quanto judicial) como também o principio da legalidade estrita. O equivocado entendimento de que “circunstância atenuante” não pode levar a pena para aquém do mínimo cominado ao delito cominado ao delito partiu de interpretação analógica desautorizada, baseada na proibição que constava no texto original do parágrafo único do art. 48 do Código Penal de 1940, não repetido, destaque-se, na Reforma Penal de 1984

20 BITENCOURT. Tratado de Direito Penal. Págs 638-641.

35

(Lei n. 7.209/84). Ademais, esse dispositivo disciplinava uma causa especial de diminuição de pena – quando o agente não quis participar de crime menos grave - mas impedia que ficasse abaixo do mínimo cominado. De notar que nem mesmo esse diploma revogado (parte geral) estendia tal previsão às circunstâncias atenuantes, ao contrario do que entendeu a interpretação posterior à sua revogação. Lúcido, também nesse sentido, o magistério de Canibal quando afirma: “É que estes posicionamentos respeitáveis estão, todos, embasados na orientação doutrinaria e jurisprudencial anterior à reforma penal de 1984 que suprimiu o único dispositivo que a vedava, por extensão – e só por extensão – engendrada por orientações hermenêuticas, que a atenuação da pena por incidência de atenuantes não pudesse vir para aquém do mínimo. Isto é, se esta relacionando com base em direito não mais positivo”. Ademais, naquela orientação, a nosso juízo suprida, utilizava-se de uma espécie sui generis de interpretação analógica entre o que dispunha o antigo art. 48, parágrafo único, do Código Penal (parte geral revogada), que disciplinava uma causa especial de diminuição, e o atual art. 65, que elenca as circunstâncias atenuantes, todas estas de aplicação obrigatória. Contudo, a não-aplicação de art. 65 do Código Penal, para evitar que a pena fique aquém do mínimo cominado, não configura, como se imagina, interpretação analógica, mas verdadeira analogia – vedada em direito penal – para suprimir um direito público subjetivo, qual seja a obrigatória (circunstância que sempre atenua a pena) atenuação de pena. Por outro lado, a analogia, convém registrar, não é propriamente forma ou meio de interpretação, mas de aplicação da normal legal. A função da analogia não é por conseguinte, interpretativa, mas integrativa da norma jurídica. Com a analogia procura-se aplicar determinado preceito ou mesmo os próprios princípios gerias do direito a uma hipótese não contemplada no texto legal, isto é, com ela busca-se colmatar uma lacuna na lei. Na verdade, a analogia não é um meio de interpretação, mas de integração do sistema jurídico.Nessa hipótese, que ora analisamos, não há m texto e lei obscuro ou incerto cujo sentido exato se procure esclarecer. Há com efeito, a ausência de lei que discipline especificadamente essa situação. Na verdade, equiparam-se coisas distintas, dispositivos legais diferentes, ou seja, artigo revogado (art. 48, parágrafo único) e artigo em vigor (art. 65); aquele se referia a uma causa de diminuição específica; este, a circunstâncias atenuantes genéricas que são coisas absolutamente inconfundíveis; impossível, consequentemente, aplicar-se-lhes qualquer dos dois institutos, tanto na analogia quanto da interpretação analógica. A finalidade da interpretação é encontrar a “vontade” da lei, ao passo que o objetivo da analogia, contrariamente, é suprir essa “vontade”, o que, convenhamos, só pode ocorrer em circunstâncias carentes de tal vontade. Concluindo, o paralelo que poderia ser traçado limitar-se-ia ao que dispunha o art. 48, parágrafo único na redação original do CP de 1940, com o artigo 29, §2º da redação atual, pois ambos disciplinam a mesma situação: se o agente quis participar de crime menos grave - com a seguinte diferença: o dispositivo revogado adotava a responsabilidade objetiva, e o atual dá tratamento diferenciado ao desvio subjetivo de condutas; aquela proibia que a redução trouxesse pena para aquém do mínimo cominado, ao passo que o atual determina expressamente que o agente responde pelo crime menos grava que quis cometer. Logo, tanto a analogia quanto a interpretação analógica são igualmente inaplicáveis. Enfim, deixar de

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aplicar uma circunstância atenuante para não trazer a pena para aquém do mínimo cominado nega vigência ao disposto no art. 65 do CP, que não condiciona a sua incidência a esse limite, violando o direito publico subjetivo do condenado à pena justa, legal e individualizada. Essa ilegalidade, deixando de aplicar norma de ordem publica, caracteriza uma inconstitucionalidade manifesta. Em síntese, não há lei proibindo que, em decorrência do reconhecimento de circunstância atenuante, possa ficar aquém do mínimo cominado. Pelo contrário, há lei que determina (art. 65), peremptoriamente, a diminuição da pena em razão de uma atenuante, sem condicionar seu reconhecimento a nenhum limite; e, por outro lado, reconhece-la na decisão condenatória (sentença ou acórdão) somente para evitar nulidade, mas deixa de efetuar sua atenuação, é uma farsa, para não dizer fraude, que viola o principio da reserva legal. Seria igualmente desabonador fixar a pena-base acima do mínimo legal, ao contrário do que as circunstâncias judiciais estão a recomendar, somente para simular, na segunda fase, o reconhecimento de atenuante, previamente conhecido do julgador. Não é, convenhamos, uma operação moralmente recomendável, beirando a falsidade ideológica. Por sim, e a conclusão é inarredável, a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, venia concessa, carece de adequado fundamento jurídico, afrontando, inclusive, os princípios da individualização da pena e da legalidade estrita. Outro grande fundamento para admitir que as atenuantes possam trazer a pena para aquém do mínimo legal é principalmente a sua posição topográfica: são valoradas antes das causa de aumento e de diminuição; em outros termos, após o exame das atenuantes/agravantes, resta a operação valorativa das causas de aumento que podem elevar consideravelmente a pena-base ou provisória. Ademais, o texto atual do Código Penal (Lei n. 7.209/84) não apresenta qualquer empecilho que impossibilite o reconhecimento de qualquer atenuante, ainda que isso possa significar uma pena (base, provisória ou definitiva) interior ao mínimo cominado no tipo penal. Finalmente, quando houver duas qualificadoras, uma deverá ser valorada como tal e a outra deverá ser considerada como agravante genérica, desde que elencada tal circunstância, caso contrário deverá ser avaliada como circunstância judicial.”

Também discordando da maioria, CARVALHO NETO21 defende a

aplicação da atenuante ainda que a pena base aplicada tenha sido a mínima:

“Com a devida vênia, não entendemos ponderável tal entendimento. Tal interpretação só será possível no sistema do Código Penal de 1940, em que não era delimitado o sistema trifásico de aplicação da pena. Com a adoção expressa, na Reforma Penal de 1984, do sistema trifásico (...) não se pode mais admitir a limitação das atenuantes e agravantes ao limite do tipo. (...) A pena base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 (...) Ou seja, para a fixação da pena base, mister se faz respeitar os limites do tipo. Isto é inquestionável. Na segunda

21 CARRVALHO NETO. Aplicação da Pena. Pág 124.

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fase, diz o referido art. 68, caput, serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes. Aqui não há obviamente, remissão ao art. 59, já que ele é inaplicável a esta fase. E também não há determinação de respeito aos limites do tipo. E é assim por razoes obvias: só a pena base deve ser fixada dentro dos limites do tipo. Não há razão lógica para que as demais fases da aplicação da pena também fiquem adstritas a tais limites. Vejamos, portanto, não haver logicidade no argumento daqueles que não entendem ser possível (...). Tal entendimento é baseado na legislação revogada, que, neste passo, foi reformada em 1984.”

Acompanhando a minoria, o juiz de direito MARQUES22 defende a

atualização da interpretação do Código Penal após a reforma de 1984 e

conseqüentemente a aplicação obrigatória da atenuante por não fazer parte dos

limites impostos na primeira fase da dosimetria:

Não, há na lei, nenhuma restrição à atenuação abaixo do mínimo (...) Pelo sistema bifásico (...) o juiz na ”fase 1”, ponderava as circunstancias judiciais, mais as atenuantes e agravantes (...). Ocorre que a Reforma Penal de 1984, tomando partido na polêmica doutrinária, escolheu o critério trifásico, de HUNGRIA, e o consagrou no art. 68 da atual redação do Código Penal. Com isso, não se questiona ais a respeito (...): o cálculo da pena esta sujeito a um método de três etapas; as atenuantes não compõem mais a pena-base”.

As considerações de MACHADO23 também apostam no reconhecimento

da atenuante na pena mínima, em virtude do sistema trifásico:

“Com efeitos, dispõe o art. 68 do CP, após a redação da Lei 7.209/84 (...) O citado dispositivo não deixa a mínima dúvida: após a fixação da pena-base “serão consideradas as circunstâncias atenuantes...”.

22 MARQUES. Atenuante e Pena Mínima. Pág.1 e 2. 23 MACHADO. As atenuantes podem fazer descer a pena abaxo do mínimo legal. Pág 388.

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Por fim, LOEBMANN24 no mesmo segmento dispõe:

Sem dúvida nenhuma, o juiz que não aplicar o disposto no art. 68 c/c art. 65, estará afrontando direito conferido pela lei penal em vigor, ao réu em questão, mesmo que isso faça com que a pena fique abaixo do mínimo legal. Podemos então afirmar, sem medo de erro, que a não redução abaixo do mínimo legal, em presença de atenuante nos coloca frente a um verdadeiro absurdo jurídico”.

O Tribunal do Rio Grande do Sul tem debatido o tema nos seguintes

termos, embora com divergência, inclinando-se ao reconhecimento e aplicação

da atenuante mesmo na pena mínima:

“PENA. FIXAÇÃO AQUÉM DO MÍNIMO. POSSIBILIDADE. É possível a fixação da pena em patamar abaixo do mínimo legal, estabelecido na lei penal. Se as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP determinam uma punição no mínimo e se reconhece, em favor do acusado, atenuantes do art. 65 do mesmo diploma legal. Em particular as relevantes da confissão e menoridade. Este posicionamento não encontra obstáculos na lei penal. O art. 59 não faz nenhuma menção a limites e o art. 65, expressamente, declara que aquelas circunstâncias sempre atenuam a pena. Voto vencido.” (ACr. nº. 70.003.534.229, 6ª. Câmara Criminal do TJ/RS, Rel. Des. SYLVIO BAPTISTA, j. em 02/05/2002).

Para destacar a fundamentação jurídica dos magistrados do Tribunal em

questão, mister se faz selecionar no voto do relator do julgado abaixo, os motivos

que o fazem defender a causa:

ROUBO TENTADO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. RÉU CONFESSO. DECLARAÇÕES UNIFORMES DA VÍTIMA. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA-BASE ADEQUADAMENTE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DA PENA PROVISÓRIA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL, TENDO EM VISTA A EXISTÊNCIA DAS ATENUANTES DA MENORIDADE RELATIVA E DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PENA

24 LOEBMANN. As circunstâncias atenuantes podem sim fazer descer a pena abaixo do mínimo legal. Pág 391.

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CARCERÁRIA DIMINUÍDA. ISENÇÃO DO PAGAMENTO DA PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DISPOSIÇÃO DE OFÍCIO. (Apelação Criminal Ac Nº 70.027.240.373. 6ª Câmara Crim. Des. Aymore Roque Pottes de Melo. Porto Alegre julg. 18/12/2008) Voto do Relator. (...) Na 2ª fase, ressalto a existência das atenuantes da menoridade e da confissão espontânea do réu. Nestes lindes, anoto o entendimento pacificado no 3º Grupo Criminal desta Corte sobre a possibilidade de dosimetria da pena provisória, nos lindes da 2ª fase de fixação da pena privativa de liberdade, para aquém do mínimo legal previsto in abstrato no preceito secundário do tipo penal. No ponto, entendo que a atenuante da confissão espontânea possui razão especial (particularmente no caso dos autos) e determina a atenuação da pena para aquém do mínimo legal. Isto porque o ordenamento legal promete ao réu que confessar o seu delito a atenuação da pena. Assim, movido pela justa expectativa de que o Juízo lhe dispense esse benefício, é que o acusado confessa seu crime. Portanto, mesmo quando a pena-base for fixada no mínimo legal, essa promessa legal ao réu não pode ser descumprida, sob pena de configurar a quebra do princípio da boa-fé objetiva do Juízo com o acusado. Cuida-se de clara hipótese de incidência do princípio da boa-fé objetiva, que deve imperar em todas as relações jurídicas, para determinar um comportamento leal dos agentes sociais. Tal fundamento é suficiente para afastar o entendimento consolidado no enunciado da Súmula n.º 231 do S.T.J. Neste sentido, vem à colação a doutrina do eminente Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior , verbis: “( ... ) Sobre a possibilidade de a pena ser fixada abaixo do mínimo por força de uma atenuante, a jurisprudência tem-se inclinado maciçamente pela negativa (Súmula 231/STJ; RJTJRS; 189/63; 181/147). Uma atenuante, porém, quando se somar a circunstâncias judiciais todas favoráveis ao réu, não pode deixar de ser considerada pelo juiz, por uma exigência do princípio da lealdade. Refiro-me à atenuante do art. 65, I d: “ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime”. Feita a advertência pelo juiz, no interrogatório, de que a confissão espontânea será causa da atenuação da sua pena, o fato de o réu confessar a autoria do delito e assim fornecer elemento para a sua condenação (que poderia não acontecer à falta de outras provas) cria uma situação irreversível, a exigir do juiz – que usou da confissão para fundamentar a condenação – manter a promessa feita pela lei de que sempre seria atenuada a pena do réu que confessasse espontaneamente a autoria do delito. O princípio da boa-fé objetiva, que preside o sistema jurídico e exige de todos um comportamento leal, aplica-se também no âmbito do Direito Penal, a regular as relações do Estado com o réu no processo. ( ... ).” O entendimento ora adotado vai ao encontro do que tenho afirmado em processos no âmbito da 6ª Câmara Criminal desta Corte, no sentido de que, em qualquer ramo jurídico, não existe direito válido sem eficácia, a menos que a lei expressamente restrinja a sua amplitude neste plano (o da eficácia). No caso, tratando-se de fixação de pena privativa de liberdade, à valoração de cada circunstância atinente ao modelo trifásico, respectivamente, deve seguir-se a correspondente dosimetria (que é conjuntural na 1ª fase e, de regra, individualizada na 2ª e na 3ª fases, salvante a aplicação da regra prevista no parágrafo único do art. 68 do C.P.B., permissiva da conjunturação de atenuantes/agravantes e minorantes/majorantes). Portanto, valoração

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e dosimetria de circunstâncias penalmente relevantes formam um binômio indissociável no processo fundamentativo de fixação da pena. Em conseqüência, valorar e não dosimetrar significa dizer, em Direito Penal e no processo criminal, que o direito subjetivo (do indivíduo) existe, mas não vale nada no plano da eficácia. No caso de valoração de circunstância atenuante, não existe regra legal que limite a sua dosimetria no mínimo legal previsto in abstrato no preceito secundário de tipo penal, ao contrário do que sucede com as agravantes, em que as garantias fundamentais da individualização da pena (art. 5º, inc. XLVI, caput, da CF/88) e de que não há pena sem prévia cominação legal (art. 5º, inc. XXXIX, CF/88), quando combinadas com o princípio constitucional da reserva legal (art. 5º, inc. II, CF/88), constróem um freio limitador, nos lindes do art. 53 do C.P.B., por exemplo, quando se trata de dosimetrá-las para além do máximo previsto in abstrato.

Já o Tribunal de Justiça do Paraná, possui alguns julgadores que

simpatizam com a corrente minoritária e, embora vinculados ao entendimento do

Superior Tribunal de Justiça, posto que o Supremo Tribunal Federal não havia se

manifestado, se curvam, mas não deixam de defenderem a aplicação da atenuante

na pena mínima. Vejamos o voto do Relator Jorge Wagih Massad, que embora

vencido, argumentou com grande competência suas razões:

RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO TENTADO - DOSIMETRIA DA PENA - CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE - RECONHECIMENTO OBRIGATÓRIO - FIXAÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO - QUESTÃO CONTROVERTIDA - PENA DE MULTA - REDUÇÃO NECESSÁRIA - CUMULAÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COM RESTRITIVA DE DIREITOS - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. (Ap Crim. 417899-6. Rel. Jorge Wagih Massad. Jul. 25/10/2007. TJPR 5 Câm. Crim). As circunstâncias atenuantes são de aplicação obrigatória ou cogente, segundo a dicção do artigo 65 do Código Penal, e devem ser reconhecidas, ainda que a pena-base se encontre fixada no patamar mínimo previsto para o tipo, por se tratar de direito subjetivo do réu. Questão divergente. A quantidade de dias-multa deve ser consentânea com o quantum da pena de reclusão. As penas restritivas de direitos, na sistemática do Código Penal, são sempre substitutivas às privativas de liberdade, sendo vedada a sua aplicação cumulativa. Precedentes da Corte. Apelação conhecida e provida, vencido o relator quanto à proposta de adequação, de ofício, da pena. (...)Voto do Relator. A dosimetria da pena carece de reparos. A pena-base foi estabelecida em seu patamar mínimo, de maneira

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correta. Porém, na segunda fase, milita em favor do apelante a atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, 'd' do Código Penal. Ressalto meu entendimento acerca do imperioso reconhecimento das circunstâncias atenuantes, ainda que a pena-base reste fixada no patamar mínimo previsto para o tipo, na primeira fase de sua estipulação. Para mim, o condenado que tenha a seu favor circunstância que atenua a pena não pode ser prejudicado por ostentar favorável exame das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Cabe, aqui, invocar o princípio da legalidade, na dicção do art. 65 do Código Penal, que dispõe: "são circunstâncias que sempre atenuam a pena". Não é demais lembrar que as três fases adotadas pelo Código Penal são absolutamente distintas e independentes. Na primeira fase, há o limite entre o mínimo e o máximo aplicável abstratamente ao tipo; na segunda, o exame obrigatório das circunstâncias que sempre atenuam ou agravam a pena (art. 61 e 65 do Código Penal); e na terceira e última, as causas de aumento ou de diminuição da pena. Nenhuma delas exclui ou substitui a outra nem limita o julgador de aplicá-las. Ao contrário, ditam, de forma impositiva, ao Juiz, na segunda fase, as circunstâncias que sempre atenuam a pena.O próprio STJ já decidiu, abrandando os efeitos da Súmula n.º 231, ao examinar o Recurso Especial nº 151.837-MG, em que foi recorrente o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, aduzindo dissídio jurisprudencial no tocante à impossibilidade da circunstância atenuante reduzir a pena aquém do limite mínimo cominado ao crime em espécie, com voto vencedor do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, acompanhado pelo Ministro Vicente Leal: "Debate-se nestes autos, a tese de aplicação da pena abaixo do mínimo legal. Esta Turma aceitou a tese no Resp. nº 68.120-MG, cuja a ementa traduz o conteúdo do julgado: 'RESP - PENAL - PENA - INDIVIDUALIZAÇÃO - ATENUANTE - FIXAÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL - O princípio da individualização da pena (Constituição, art. 5º, XLVI) materialmente, significa que a sanção deve corresponder às características do fato, do agente e da vítima, enfim, considerar todas as circunstâncias do delito. A cominação, estabelecendo grau mínimo e grau máximo, visa a esse fim, conferindo ao juiz, conforme o critério do art. 68, C.P., fixar a pena in concreto. A lei trabalha com o gênero. Da espécie, cuida o magistrado. Só assim, ter-se-á Direito dinâmico e sensível à realidade, impossível de, formalmente, ser descrita em todos os pormenores. Imposição ainda da justiça do caso concreto, buscando realizar o direito justo. Na espécie sub judice, a pena-base foi fixada no mínimo legal. Reconhecida, ainda, a atenuante da confissão espontânea (C.P., art. 65, III, d). Todavia, desconsiderada porque não poderá ser reduzida. Essa conclusão significaria desprezar a circunstância. Em outros termos, não repercutir na sanção aplicada. Ofensa ao princípio e ao disposto no art. 59, CP, que determina ponderar todas as circunstâncias do crime". (...) Ressalto que resto vencido quanto a tal redução pela presença da circunstância atenuante da confissão espontânea, em virtude da prevalência do entendimento da Câmara quanto à impossibilidade da pena-base ser fixada abaixo do mínimo previsto para o tipo, nos termos da Súmula 231 do STJ.

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4.3. POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Após muitos conflitos de interpretação, o Superior Tribunal de Justiça,

no ano de 1999, editou a Súmula 231: “A incidência da circunstância atenuante

na pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.”

A edição desta Súmula buscou evitar conflitos quanto à interpretação da

norma, a fim de esclarecer que na segunda fase da dosimetria, se a pena base

estiver no patamar mínimo a circunstância deve ser reconhecida, mas desprezada.

Todavia, não foi o que aconteceu, com o passar dos anos mais doutrinadores

discutiam o tema.

Daí então surgiram com mais força as duas correntes, a majoritária como

visto acima, sustentando que a circunstância legal deve obedecer as regras

impostas às circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal de acordo com

as regras do artigo 68 do mesmo Codex.

Vejamos, o artigo 59 e artigo 68 respectivamente assim dispõem:

“Art. 59: O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível; Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.”

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Em síntese, alegam, numa interpretação além daquela positivista, que o

artigo 68 do Código Penal vincula as circunstâncias atenuantes e agravantes,

embora não esteja explicitamente no diploma legal.

Descontentes com os argumentos trazidos pelo posicionamento negativo,

ou melhor não permissivo, os doutrinadores que compõe a minoria, expuseram

suas teses, com fundamentação positivista, buscando esclarecer que o Código

nada reprova a aplicação da uma circunstância atenuante na pena mínima, e que o

diploma legal só restringe à esta regra quanto a fixação da pena base, ou seja,

fazendo-se uma interpretação literal chegaram a esta conclusão.

Todavia, a Súmula 231 embora depusesse sobre o tema, não foi

suficiente para convencer os julgadores e doutrinadores, na totalidade, a

ignorarem a circunstância. Assim, vários conflitos foram levados ao Supremo

Tribunal Federal.

Logicamente a matéria, que chegou ao Supremo através de vários

recursos, foi declarada como repercussão geral, até mesmo porque prolatarem-se

várias decisões nos casos concretos divergentes entre si.

Então, quando o Recurso Extraordinário sob nº 597270 se iniciou no

Supremo Tribuna Federal, logo se reconheceu repercussão geral ao tema e a

decisão vinculou todo o judiciário. A questão foi decida em 26 de Março de

2009, por unanimidade de nos termos do voto do Relator Cezar Peluzo, contra a

aplicação de atenuante quando a pena base estiver no patamar mínimo, como se

observa no julgamento do recurso de acordo com o anexo I.

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4.4. CONFLITO E PROPOSTA DE SOLUCIONAMENTO PELA DOUTRINA

MINORITÁRIA ATRAVÉS DE NOVA INTERPRETAÇÃO APÓS A

REFORMA DE 1984

No desenvolvimento do trabalho, notou-se que, embora vencida, a

doutrina minoritária, de certa forma, apresenta argumentos coerentes com

fundamentação robusta, e ainda, busca propor uma solução legal e justa para a

discussão, que mesmo pacificada nos tribunais não tem convencido esses mestres

que ainda a contrariam.

As argumentações para o solucionamento da divergência nas seguintes

razões: a) atualização da interpretação dos dispositivos juntamente com a

reforma de 1984; b) aceitar a real finalidade da norma; c) restringir a

interpretação de forma gramatical; d) Não desprezar uma atenuante quando o

Código obriga sua dosagem independente da primeira fase da dosimetria.

Assim, as razões se pauta na necessidade de atualização do sistema de

aplicação da lei, acompanhando a reforma do Código Penal de 1984. Essa

reforma adotou o posicionamento de HUNGRIA, e dividiu a fixação da pena em

três etapas. No entanto, anteriormente essa fase era fixada apenas em duas.

O sistema anterior, em duas fases, englobava o que hoje chamamos de

primeira e segunda fase, esta na qual se considerava as circunstâncias atenuantes

e agravantes, e a segunda fase atualmente denominada terceira fase considerava-

se as causas de aumento e de diminuição.

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Nota-se que antes da reforma adotava-se o cálculo de LYRA que de fato

restringia a aplicação das atenuantes aos limites do tipo pelo fato de que fazia

parte da primeira fase, e o Código limitava o aplicador da pena na primeira fase a

ficar adstrito aos limites, o que atualmente não ocorre.

Esta doutrina minoritária tem apostado na necessidade de os tribunais

interpretarem a lei da forma como ela se encontra. Ou seja, como na reforma de

1984 o cálculo da pena passou para três fases e o artigo 68 do Código Penal so

restringe a primeira etapa aos limites (pena-base), porque não há nada que

indique que a circunstância atenuante pode ser dispensada ou até mesmo não

possa ultrapassar o limite, a proposta se funda na necessidade de se reconhecer e

aplicar aquilo que o legislador quisera, e não dar interpretação ultrapassada

naquilo que já foi reformado, ou seja, nada mais do que uma interpretação

gramatical.

Ora, considerar e não dosimetrar uma garantia disposta no Código Penal

(atenuante) seria claramente uma afronta ao tratamento igual aos desiguais, isto

se dá pelo fato de que num mesmo processo, dois réus que tiveram sua pena-base

fixadas no mínimo legal, e apenas um é confesso, ambos receberiam a mesma

pena em virtude do afastamento da atenuante de confissão espontânea, portanto,

qual é o beneficio, neste caso, de o réu confessar o crime se não lhe trará

benefícios?

Assim, se entende que a individualização da pena que busca dosar a

reprimenda de forma particularizada e pessoal ao criminoso deixa de atender sua

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função essencial, que é na realidade, no caso concreto valorar tudo aquilo que

garante o tratamento correto a sua pessoa.

Dentre os motivos, a doutrina ainda argumenta defendendo que quando o

legislador determinou que uma circunstancia sempre atenuará a pena, não pode o

intérprete dar entendimento diverso supondo que somente poderá atenuar,

partindo do pressuposto que a segunda etapa esta adstrita aos limites quando o

Código não o diz. O ponto principal da discussão afronta ao principio da

legalidade, posto que estaria o juiz aplicando restrições não contidas em lei, o

que ao certo é uma violação grave, em outras palavras o aplicador da lei estaria

legislando e interpretando a lei de forma abusiva.

Não obstante a corrente majoritária contrapõe os argumentos apostando

que se no caso concreto liberar o juiz a aplicar as circunstâncias na pena base

colocaria em risco o arbítrio judiciário, e poderíamos até chegar em uma fixação

totalmente ínfima. Nota-se que tal argumentação é infundada.

Observa-se que na fixação, quando se valora uma circunstância

atenuante, o juiz fica restrito a aplicar um quantum fracionário de diminuição que

será calculada sobre a pena-base, portanto o cálculo da circunstância fica

vinculado ao total da pena, que terá um desconto não tem relevando ao pondo de

lhe tirar a função social.

Enfim, o que mais me parece lógico é o reconhecimento da necessidade

da atualização do judiciário e uma interpretação realista do que quisera o

legislador quando reformou a aplicação da pena em 1984. Basta admitir que há

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uma violação a um direito certo do acusado, inclusive uma violação a

individualização da pena e a legalidade.

E não só isso, se faz necessário que o judiciário abra os olhos ao

verdadeiro limite que é aquele que restringe somente a pena-base e não as demais

fases, e simplesmente interpretar o que não é adequado fere sem sobra de dúvidas

a realidade da norma e nos parece preconceituoso porque ainda existe quando se

fala em direito penal.

De outra forma, é necessário que o judiciário aceite e afaste o

preconceito quando o direito beneficia um infrator.

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5. CONCLUSÃO

Expostas todas as razões, tanto favoráveis quanto desfavoráveis ao

tema, adotei a teoria de que as circunstâncias atenuantes podem fazer a

pena ser fixada aquém do mínimo previsto para o delito, caso a pena base

tenha sido fixada nesse mínimo.

Os argumentos expostos de certa forma condizem com a realidade

da norma. A interpretação gramatical, após a reforma penal de 1984, induz

e nos demonstra a liberdade do magistrado quando for considerar as

circunstâncias atenuantes porque existem restrições, diferentemente do que

se tem feito. A maioria tem dado interpretação extensiva de forma

injustificada, porque dizer que o legislador vinculou as circunstância

atenuantes aos limites impostos à primeira fase da dosimetria é legislar e

importar regras que não estão condizentes com o verdadeiro desejo do

legislador.

Portanto, a proposta de atualização da interpretação pela doutrina

minoritária é um forma de garantir a aplicação da lei com a sua verdadeira

essência, inclusive reconhecendo ao cidadão um direito disposto em lei,

que de forma arbitrária é desconsiderado por motivos injustificados e

inexistentes.

Além dessas idéias, outro ponto principal à resolução justa da

questão, que de foi resolvida pelo Supremo Tribunal Federal, mas que

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ainda vem causando discordância, é a pura aplicação do artigo da forma em

que se encontra descrito, simples assim.

Assim, no lugar de se legislar o que já está claramente legislado,

basta, para uma soluça constitucional justa e que obedeça os princípios que

regem a matéria, o judiciário deveria rever os pensamentos e aceitar o que

realmente o legislador quisera dispor, e cumprir fielmente a risca o que o

dispositivo diz.

Desta forma, cumpriremos a lei, obedecendo a individualização da

pena e sua essência garantindo ao acusado tratamento desigual frente aos

demais de acordo com as características existentes no caso concreto para se

chegar a uma pena particularizada e pessoalizada.

Volto a considerar aquele que, por exemplo merece um tratamento

diferenciado no caso concreto, posto que milita em seu favor a confissão

espontânea, daquele que não confessou e também recebeu a pena base na

mínima, portanto um terá a pena final fixada na mínima e o outro um pouco

abaixo, porque foi a forma que o legislador entendeu correta para aplicar o

principio da isonomia e garantir os benefícios àqueles que se enquadram

nos moldes do artigo 65 e 66 do Código Penal.

Finalmente, entendo sem sombra de dúvidas, acompanhando os

mestres que defendem essa teoria, perfeitamente aplicável uma

circunstância atenuante, ainda que a pena-base tenha sido fixada no mínimo

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legal, por se tratar de uma fase independente da primeira, que tem

restrições, e por ser uma imposição obrigatória prevista na lei.

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ANEXO I

CÓPIA DO VOTO DO RELATOR MINISTRO CEZAR PELUZO

NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

N. 597270

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