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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ ANA PAULA KOPPE EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE CURITIBA 2016

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ ANA PAULA KOPPE

EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

CURITIBA 2016

ANA PAULA KOPPE

EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel. Orientador: Professor Murilo Henrique Pereira Jorge.

CURITIBA 2016

TERMO DE APROVAÇÃO

ANA PAULA KOPPE

EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de grau de bacharel ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, __ de __________ de 2016.

____________________________________________________________

Curso de Bacharelado em Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador:

___________________________________

Professor Murilo Henrique Pereira Jorge

Universidade Tuiuti do Paraná - FACJUR

Membro da Banca

___________________________________

Universidade Tuiuti do Paraná - FACJUR

Membro da Banca

___________________________________

Universidade Tuiuti do Paraná - FACJUR

AGRADECIMENTOS

A Deus pela vida oferecida e pela oportunidade de apreender e evoluir a cada dia.

Ao meu orientador Professor Murilo Henrique Pereira Jorge

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho:

A Deus por ter me oferecido a oportunidade de apreender

e evoluir a cada dia.

Aos meus pais e irmãs pela paciência, apoio e carinho

oferecidos em todo momento de minha vida e

principalmente neste.

Aos meus sobrinhos Leonardo e Marina, que tanto amo,

infinitamente, e souberam entender a minha falta de

tempo para estar ao lado deles durante este período de

Universidade e principalmente do período para

elaboração deste trabalho. A Didi ama vocês.

Ao meu marido “Eurico” pessoa com quem amo partilhar a

vida. E o que mais dizer a você? Obrigada pela paciência,

pelo incentivo, pela força e principalmente carinho.

Ao meu tio Claudio, que ofereceu além de palavras de

carinho, condições, de uma certa forma, para que eu

concluísse mais uma etapa desta vida.

Aos meus cunhados, tias, primas, primos e demais

familiares, por terem acreditado no meu potencial e terem

me dado força para prosseguir esta etapa.

Ao meu amigo Elio, irmão não de sangue, mas de

coração e talvez até de outras vidas, que tanto me apoiou

e trouxe palavras positivas nesta etapa como: “vai dar

certo”, “você consegue”, “estou aqui no que precisar”,

dentre outras.

Ao meu orientador Professor Murilo, pelo apoio, carinho e

dedicação. Você será sempre especial em minha vida.

RESUMO

A Culpabilidade é um elemento de supra importância para o direito Penal Brasileiro bem como para a dogmática jurídica penal. Contudo foi e será sempre discutida pelas jurisprudências e doutrinas uma vez que se encontram divergências de entendimento através de correntes e teorias, não sendo completamente sedimentado seu conceito e funções, passando por diversas transformações ao longo do tempo. Atualmente a culpabilidade é vista como um princípio limitador do poder punitivo do Estado, momento em que será aplicada a pena ao indivíduo pelo juiz e este deverá analisar os elementos Imputabilidade, Consciência da ilicitude e Exigibilidade de Conduta Diversa. Inexistindo um destes elementos, não há o que se falar em culpabilidade.

Palavras-chave: Culpabilidade, Funções, Elementos, Exclusão.

SUMARIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 8

2 PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE OU PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PENAL SUBJETIVA ..................................................... 9 2.1 FUNDAMENTO DA PENA ........................................................................... 12 2.2 DETERMINAÇÃO OU MEDIÇÃO DA PENA ............................................... 13 2.3 CULPABILIDADE COMO PRINCÍPIO CONTRÁRIO À RESPONSABILIDADE OBJETIVA .................................................................... 13

3 LIVRE ARBÍTRIO X DETERMINISMO .......................................................... 14 3.1 ESCOLA CLÁSSICA ................................................................................... 15 3.2 ESCOLA POSITIVISTA ............................................................................... 16

4 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CULPABILIDADE SEGUNDO AS TEORIAS ........................................................................................................... 17 4.1 CONCEPÇÃO PSICOLÓGICA DE CULPABILIDADE ................................ 17 4.2 CONCEPÇÃO PSICOLÓGICA NORMATIVA ............................................. 19 4.3 CONCEPÇÃO NORMATIVA PURA OU TEORIA FINALISTA DA AÇÃO ... 22

5 DAS FUNÇÕES E ELEMENTOS DA CULPABILIDADE .............................. 23 5.1 CULPABILIDADE: ELEMENTO DO CRIME OU PRESSUPOSTO DE PENA ........................................................................................................................... 23

6 ELEMENTOS DA CULPABILIDADE ............................................................. 27 6.1 IMPUTABILIDADE ....................................................................................... 27 6.1.2 Excludentes da Imputabilidade ................................................................. 28 6.1.3 Doença Mental ou Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado ... 28 6.1.4 Imputabilidade Diminuída ......................................................................... 29 6.1.5 Embriaguez Completa e Fortuita ............................................................. 29 6.1.6 Da “actio libera in causa” .......................................................................... 30 6.2 POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE .............................................. 31 6.2.1 Excludentes da Potencial Consciência da Ilicitude ................................... 31 6.3 EXIGIBILIDADE DE CONDUTA ADVERSA ................................................ 33 6.3.1 Excludentes da Exigibilidade de Conduta Adversa – Inexigibilidade ....... 33 6.3.1.1 Coação Moral Irresistível ....................................................................... 33 6.3.1.2 Obediência Hierárquica ......................................................................... 34

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 35

REFERÊNCIAS ................................................................................................. 37

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1 INTRODUÇÃO A pesquisa monográfica em tela tratará sobre a crise da culpabilidade

desde os primórdios até a concepção atual, ou seja, a sua evolução na

dogmática penal.

A cada momento histórico é encontrado uma ideia diferente do indivíduo

no que se refere aos conceitos de crime e pena, seja através de inúmeras

teorias como a psicológica, psicológica normativa e normativa pura, bem como

a culpabilidade como pressuposto da pena ou elemento do crime.

No referido trabalho estudaremos a culpabilidade como princípio, ou

seja, como pretensão de limitador do poder punitivo do Estado, como também

sua evolução histórica no que diz respeito aos conceitos e concepções de

culpabilidade, seja pelo seus fundamentos e funções, bem como suas

exclusões.

A Culpabilidade deverá ser estudada e compreendida da seguinte forma:

ainda que uma conduta seja criminosa, ou seja, constitua fato típico e

antijurídico não será passível de punição se não houver a Culpabilidade.

Atualmente entende-se que para ser considerado um crime este deve

conter um fato típico, antijurídico ou ilício e culpável.

Trata-se de uma reprovação penal quando presentes os elementos

normativos: imputabilidade, potencial consciência da antijuridicidade da

conduta e exigibilidade de conduta adversa.

Culpabilidade fundamentada no livre arbítrio do indivíduo quando de um

ato praticado, seu conhecimento e consciência de que este ato se encontra ou

não dentro das normas jurídicas e a legitimidade do Estado em punir

principalmente com proporcionalidade e razoabilidade.

Assim, se não há escolha pelo agente, não há em que se falar em

culpabilidade pelo ato praticado, consequentemente, não haverá pena a ser

aplicada pelo Estado.

Tal pesquisa será através de análises históricas, doutrinárias e

legislativa onde se buscará apresentar uma gama diversificada de opiniões

sobre o tema abordado, buscando gerar um entendimento atual, utilizando-se

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de dispositivos normativos, tais como a Constituição Federal e o Código Penal

Brasileiro.

2 PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE OU PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PENAL SUBJETIVA

Não se resta dúvida da forte influência do direito penal primitivo no atual

conceito de culpabilidade.

No Direito Primitivo a culpabilidade era dispensada, ou seja, a pena para

um indivíduo era determinada pelo simples fato de haver um resultado. O

fundamento era baseado apenas na gravidade do fato cometido, afastando a

pessoa do agente.

Contudo está ótica foi mudando, dando mais importância ao aspecto

subjetivo da conduta do indivíduo.

Por outro lado, no período clássico o fundamento da culpabilidade era

baseado em elementos psíquicos do crime. O dolo e a culpa, como espécies

de culpabilidade, ligando psicologicamente o autor e o fato.

Posteriormente surgem as ideias de Frank com a teoria normativa da

culpabilidade em que esta era analisada como um juízo de reprovação,

existindo além de requisitos de natureza psíquica também a exigência de

pressupostos normativos para que fosse possível aplicar uma pena ao agente.

Então Welzel, preocupado com as atribuições feitas anteriormente, cria a

teoria finalista, também chamada de teoria normativa pura, mudando todo o

conceito analítico do crime o qual passa a afirmar que para ser considerado um

crime deveria existir um fato típico, ilícito e culpável. Mas aqui a culpabilidade é

exclusivamente normativa, afastando as questões inerentes aos elementos

psicológicos do autor.

A teoria finalista foi muito marcante influindo na evolução da teoria do

delito, fazendo surgir uma nova definição ao princípio da culpabilidade. Aqui

esta passa a ser definida também como a exteriorização de fatores individuais

que levam a reprovação penal quando presentes os elementos normativos:

imputabilidade, potencial consciência da antijuridicidade da conduta e

exigibilidade de conduta adversa.

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Atualmente, trata-se de um princípio fundamental, segundo a doutrina

unânime, ainda que esteja de forma implícita na Constituição Federal.

Encontra-se previsto, implicitamente, no artigo 1º, III (dignidade da

pessoa humana), bem como pelos artigos 4º, II (prevalência dos direitos

humanos), 5º, caput (inviolabilidade do direito à liberdade), e 5º, XLVI

(individualização da pena), da Constituição da República Federativa do Brasil.

Segundo este princípio “não há crime sem culpa” (nullum crimen sine

culpa), ou seja, não havendo culpabilidade em um ato praticado não haverá

crime consequentemente não haverá pena.

Contudo, havendo uma pena, então existindo a culpabilidade, aquela

deve ser proporcional à ilicitude do ato cometido.

Neste contexto, Luiz Regis Prado (2014, p. 111) leciona:

No Brasil, o princípio da culpabilidade não dispõe de previsão constitucional expressa. Todavia, sua admissão como princípio implícito no texto constitucional é irrefutável. Afirma Luiz Regis prado estar ele tacitamente inserido “no art. 1º, III (dignidade da pessoa humana). Corroborado pelos arts. 4º II (prevalência dos direitos humanos), e 5º, caput (inviolabilidade do direito à liberdade), da Constituição Federal”, vinculando-se, ainda, “ao princípio da igualdade (art. 5º, caput, CF) que veda o mesmo tratamento ao culpável e inculpável”.

Para que seja possível punir um fato como crime, o indivíduo deve ser

culpado por este crime, isto é, deverá existir o elemento culpabilidade. No

sentido de ser o responsável pela lesão produzida ao bem jurídico alheio, ou

seja, culpado por prejuízo a terceiros.

Mas para isso não basta que o autor apenas gere uma lesão no plano

objetivo. Deve ser verificado se a culpa é do sujeito. Daí se falar em

responsabilidade subjetiva e não mais responsabilidade objetiva. O indivíduo

deve ser o responsável pelo ato praticado.

Contudo para que uma pessoa seja responsável por um ato praticado

esta deve atuar de duas maneiras:

- com dolo, isto é, com a intenção de praticar o ato ilícito;

- com culpa, isto é, no sentido de falta de cautela, falta de cuidado;

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O princípio diz “não há crime sem culpa”, mas esta culpa em sentido

amplo, sentido de responsabilidade.

Culpa como o indivíduo culpado por alguma coisa quando atuasse,

primeiramente com a intenção de praticar o ato (dolo) e, num segundo plano,

com culpa, ou seja, praticar o ato com falta de cautela.

Já contrário senso, sem dolo e sem culpa não há crime.

O agente pode ter atuado e ter dado causa ao bem jurídico. Mas se este

ato não foi produto de sua intenção, da sua falta de cautela, não houve crime.

Podemos citar como exemplo um caso em que a pessoa dirigia seu

veículo na velocidade permitida, com atenção, com carteira de motorista,

contudo passa por um buraco fazendo com que perca o controle do veículo,

subindo em uma calçada e consequentemente matando uma pessoa.

Ocorre que a conduta do agente não foi intencional, ou seja, não foi

dolosa. O que aconteceu é o que se pode chamar de um caso fortuito, assim

não há que se falar em crime.

A responsabilidade penal não pode ser vista como objetiva.

Conforme Zaffaroni (2015, p. 470):

Todo o direito penal primitivo caracteriza a responsabilidade fundamentada em razão da produção de um resultado e raramente dando importância ao aspecto subjetivo da conduta.

É preciso que alguém tenha atuado faltando com o devido cuidado.

Vale ressaltar que a culpabilidade como princípio não deve ser

confundida com a culpabilidade elemento. Esta será tratada mais adiante no

decorrer deste trabalho.

No princípio tratamos de um ato praticado com dolo ou culpa, ou seja,

com a intenção ou não de praticar o ato. Já o elemento culpa se refere a

reprovação sobre a conduta típica e antijurídica praticada.

Atualmente conforme o Direito Penal que adotou a teoria finalista,

quando através de um movimento voluntário de apertar um gatilho vira matar,

entende-se que houve a intenção do ato praticado, ou seja, a finalidade era

matar mesmo que a morte não tenha ocorrido.

Assim o dolo passa a ser um elemento subjetivo, da cabeça do agente,

que compõe a estrutura do tipo, mas não sendo analisado como reprovação,

pois não faz parte da análise da culpabilidade.

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O dolo compõe o tipo penal, por isso se caracteriza como

responsabilidade subjetiva quando da conduta.

Ademais não há responsabilidade subjetiva do indivíduo que não agiu

com a intenção (dolo) ou não teve falta de cautela ao atuar (culpa). Assim o

dolo e culpa não tem nada haver com a culpabilidade elemento. Esta é

caracterizada como sinônimo de reprovação como já mencionado.

Quando se fala em dolo e culpa, não se fala em reprovabilidade. Dolo e

culpa são integrantes do fato típico.

No princípio da culpabilidade sem dolo ou sem culpa não há crime uma

vez que o fato é atípico. Pois o típico tem a conduta, ou seja, o verbo (ex.

matar) depende da intenção ou dever de cautela ao agir.

No tangente ao princípio trata-se do juízo de reprovabilidade que se faz

sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo indivíduo, o qual poderia ter agido

de outra forma.

A doutrina atribui um triplo sentido fundamental ao princípio da

culpabilidade. Para o entendimento destes será necessário analisar a

culpabilidade em primeiro lugar como fundamento da pena, em segundo lugar

como elemento da determinação ou mediação da pena em terceiro como

princípio contrário à responsabilidade penal objetiva.

2.1 FUNDAMENTO DA PENA

Segundo Bitencourt (2015, p. 437) o fundamento da pena se refere à

possibilidade ou não da aplicação de uma pena ao agente:

Refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de um apena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos – capacidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta conforme a norma – que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação da sanção penal.

Neste sentido o princípio da culpabilidade vem para limitar o poder

punitivo do Estado e evitar erros em punições. Assim somente será punido

aquele que agir com dolo ou culpa.

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2.2 DETERMINAÇÃO OU MEDIÇÃO DA PENA

Neste caso a culpabilidade vem como limitador da pena no sentido de

quantificar o punir de acordo que a sanção penal não ultrapasse o limite

necessário à reprovação pelo fato praticado.

Nesta seara, Bitencourt (2015, p. 437) aduz:

Nessa acepção, a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta além da medida prevista pela própria ideia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros fatores, como importância do bem jurídico, fins preventivos etc. Ainda, segundo o autor, Bitencourt (2013, p. 64), para que

ocorra a aplicação da pena é imprescindível os seguintes requisitos:

Capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta – que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade, e que deverão ser necessariamente valorados para, dependendo do caso, afirmar ou negar a culpabilidade pela prática do delito. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal.

2.3 CULPABILIDADE COMO PRINCÍPIO CONTRÁRIO À

RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Aqui não se reconhece a responsabilidade objetiva, ou seja, não se pode

basear apenas no fato praticado e seu resultado. O resultado produzido por

uma conduta do agente, mas isento de dolo ou culpa, não se considera

relevante.

Nesta concepção Greco (2015, p. 141) traz o entendimento de Nilo

Batista:

O princípio da culpabilidade “impõe a subjetividade da

responsabilidade penal. Não cabe, em direito penal, uma

responsabilidade objetiva, derivada tão só de uma associação causal

entre a conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem

jurídico”.

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O princípio da culpabilidade visa limitar o poder punitivo do Estado, com

o propósito de proteger o agente de atuações em que não sejam consideradas

a proporcionalidade e a razoabilidade em uma sanção penal.

A culpabilidade como um fato determinado, mas respeitando a

autonomia da vontade.

Diante do exposto, verifica-se que o princípio tratado vem a ser o

regulador do controle social, limitando o Estado o qual sanciona o injusto pela

vingança, garantindo assim os direitos do indivíduo, impedindo censuras

baseadas exclusivamente no que o autor é.

3 LIVRE ARBÍTRIO X DETERMINISMO

O livre arbítrio é um tema muito discutido e polêmico entre os

doutrinadores ao estudar a culpabilidade no conceito analítico do crime.

Existem duas correntes sobre o tema na qual a primeira entende que a

culpabilidade é um juízo de reprovação em que o indivíduo tem o livre-arbítrio,

podendo agir de outra forma, mas decide por cometer um crime.

No livre-arbítrio o agente é livre para suas escolhas, tendo sua vontade

de praticar determinadas condutas, reprováveis ou não, sem qualquer

influência. Esta liberdade diz respeito de querer praticar o ato, no sentido de

que se ele pode querer o que ele quer.

A análise da responsabilidade do mesmo é feita sob a ótica de ser ou

não um ato lícito.

Por outro lado, a segunda corrente, chamada de determinista entende

que as ações do agente são frutos de fatores internos e externos. Ou seja, que

o homem é formado por um conjunto de atos, gestos e informações os quais

são repassados por outros. E quando um destes elementos falha o indivíduo

fica sujeito a cometer crimes, principalmente movido por paixões internas.

Defendem, por exemplo, que se uma criança que nasceu em uma

favela, tendo poucos recursos, estudo e conhecimentos, uma família muitas

vezes desestruturada, terá uma grande chance de viver uma realidade a qual

não escolheu. Assim se cresceu em um ambiente com violência, criminosa, se

tornará obviamente um indivíduo criminoso e violento devido seu meio social.

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A este respeito então seria questionável a possibilidade de se tratar de

uma causa supralegal de inexigilidade de conduta adversa, uma vez que era

inexigível cobrar do homem uma conduta que lhe não era exigível e talvez

afastar a culpabilidade deste.

Nesta seara se torna importante o estudo, mesmo que sem um

aprofundamento, no que se refere as Escolas Penais. Estas tratam de

problemas que abordam o fenômeno do crime e os fundamentos e objetivos do

sistema penal.

3.1 ESCOLA CLÁSSICA

Esta escola foi muito importante para a evolução do direito penal

defendendo o indivíduo contra o arbítrio do Estado. Aqui o indivíduo é

merecedor de um castigo por um crime cometido voluntariamente e

conscientemente.

A Escola Clássica se dividiu em, primeiramente, filosófica/teórica com o

destaque do precursor Cesare Beccaria, no século XVIII, em que constrói um

sistema baseado na legalidade, devendo o Estado punir os criminosos, mas se

submetendo às limitações da lei, estabelecendo assim a ordem social.

Segundo, mas não menos importante, em jurídico ou prático trazendo

em destaque o mestre Franchesco Carrara. Este estuda o crime sem se

preocupar com a figura do criminoso, mas sim defendendo o crime como uma

infração da lei do Estado, impulsionado pela força física, movimento corpóreo

que produzirá o resultado, e a moral como vontade livre e consciente de

praticar um crime.

Para os defensores da Escola Clássica o homem nasce bom e o

criminoso é aquele que optou por praticar um crime embora devesse respeitar

a lei, ou seja, possuindo o livre arbítrio para decidir entre o bem e o mal.

Assim, para a Escola Clássica, o direito de punir está baseado na escolha que

o indivíduo fez ao cometer o delito e tal punição tem caráter retributivo, ou seja,

a sanção se configura como castigo.

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3.2 ESCOLA POSITIVISTA

Já para a Escola Positiva, o cerne do estudo está no sujeito como

delinquente. Nesta seara Cesare Lombroso, creditado como sendo o criador da

antropologia criminal, afirma que as motivações das práticas criminosas

estavam relacionadas apenas com as características patológicas do indivíduo,

focando os fatores como a fisionomia do agente, sexualidade, composição

biológica e psicológica, despida de qualquer livre arbítrio. Deveria ser analisado

a determinação do criminoso nato através por exemplo da quantidade de

tatuagens pelo corpo as quais poderiam demonstrar a verdadeira

personalidade do indivíduo, traçando assim o seu potencial delitivo, ou seja,

sua periculosidade.

Acreditava que por exemplo o indivíduo que tivesse epilepsia, um dos

fundamentos possíveis para caracterizar o criminoso, deveria não ser

encaminhados a juízes, mas sim aos médicos especialistas para que estes

confirmassem o grau delitivo do indivíduo cientificamente definido.

Lombroso, através de seus estudos, também traz questões relacionadas

as medidas de segurança e a indeterminação da pena. Acreditava que os

indivíduos com doenças mentais, ou seja, sujeitos incapazes de discernimento

deveriam ter a possibilidade de medidas de segurança como internações em

hospitais psiquiátricos sendo afastado por completo da sociedade.

Assim a personalidade do agente era vista de uma perspectiva

determinista e o grau de periculosidade era analisado sob o ápice da

possibilidade do indivíduo voltar a delinquir.

Por outro lado, Enrico Ferri traz a ideia de Lombroso no que se refere ao

determinismo, no que diz respeito às características psicológicas, mas agora

apontando que o indivíduo se torna criminoso por razões sociais, afastando

também o elemento livre arbítrio.

Assim se por exemplo uma criança pobre com uma família

desestruturada, esta teria muito mais chance de se tornar uma criminosa diante

de sua classe social e senso moral determinados e não na sua escolha de

cometer o ato por livre arbítrio.

Que diante sua circunstância social teria uma maior ou menor

probabilidade de cometer crimes.

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A problemática divergência entre as correntes foi sintetizada por

Bitencourt, ao afirmar que “ o livre arbítrio como fundamento da culpabilidade

tem sido o grande vilão na construção moderna do conceito de culpabilidade e,

por isso mesmo, é o grande responsável pela sua atual crise.

Na segunda metade do século XIX a teoria da liberdade da vontade

entra em declínio abrindo o caminho para a evolução dogmática jurídico penal

trazendo a diferenciação entre a antijuridicidade e culpabilidade defendida por

Von Liszt contribuindo para o surgimento da concepção psicológica da

culpabilidade.

4 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CULPABILIDADE SEGUNDO AS TEORIAS 4.1 CONCEPÇÃO PSICOLÓGICA DE CULPABILIDADE

Durante parte do século XIX, e parte do século XX criou-se a Teoria

Psicológica da culpabilidade a qual foi dominante e teve como seu maior

defensor Franz Von LIZT.

Esta teoria se preocupava entre o vínculo psicológico do autor – dolo

(vontade) e culpa em sentido estrito (previsibilidade) como espécies da

culpabilidade - com o seu fato criminoso e o resultado.

Era necessário verificar se no fato criminoso estavam presentes os

elementos vontade e previsibilidade, ou seja, dolo e culpa.

Havendo fato sido praticado por dolo ou culpa estaria então presente a

culpabilidade. Contudo, o indivíduo deveria ser uma pessoa capaz, ter certo

grau de capacidade psíquica, ou seja, mentalmente desenvolvida para

entender e querer o resultado. A essa capacidade psíquica denomina-se

imputabilidade.

Existindo imputabilidade, dolo e culpa e, a ocorrência do fato, faria a

aplicação de uma pena a este sujeito.

Haveria então a chamada responsabilidade subjetiva, o vínculo

psicológico do autor pelo ato praticado. Para esta teoria deveria ser observado

o movimento humano voluntário do agente.

Segundo Liszt (2006, p. 249):

18

Não basta que o resultado possa ser objetivamente referido ao ato de vontade do agente; é também necessário que se encontre na culpa a ligação subjetiva Culpa é a responsabilidade pelo resultado produzido.

Corroborando com o entendimento de Liszt, o penalista Sebastian Soler

em sua obra “Derecho Penal Argentino” (1992, p. 16), adverte:

O que na verdade caracteriza essa corrente consiste em existir a real existência de certa ‘atitude subjetiva’ em face do fato que se sabe ilícito. Mais que psicológica, pois, poderia essa teoria ser chamada realista ou subjetivista, pois não consistem em considerar a culpabilidade como mera referência psíquica a um fato externo, despojado de toda valoração, mas a uma referência que leva à criminalidade da ação; esta qualidade é sempre o resultado de uma projeção valorativa que pressupõe a existência de normas ante as quais os fatos resultam ser ilícitos. Psiquicamente, a referência a um fato externo é, em si mesma, um fato valorativamente neutro, e certamente a culpabilidade não é constituída por esta referência. A forma como a subjetividade se refere a um fato externo é a mesma quando um caçador dispara contra um animal e quando dispara contra um homem acreditando ser este animal. O erro não modifica a natureza moral e jurídica. Um pensamento é um ato psíquico, seja ele verdadeiro ou não; a verdade não é algo psíquico. Tampouco o é a ilicitude. Por esta razão, a culpabilidade não pode ser explicada por uma instância extra psíquica.

Assim para esta teoria, como já destacado, a culpabilidade é uma

ligação psíquica entre o agente e o fato contendo elementos subjetivos.

Porém tal teoria sofreu uma série de críticas uma vez que esta não

conseguia explicar o problema do inimputável (o qual se acreditava que este

não poderia ter responsabilidade pelo seu ato, pois não tinha discernimento de

sua conduta), bem como o problema da culpa inconsciente em que o agente

não prevê o resultado.

Nesse sentido, relevante os ensinamentos de Zaffaroni (2015, p. 541)

sobre a imputabilidade:

Por outro lado, este conceito de culpabilidade enfrenta um sério problema: o doente mental, por exemplo, age com relação psicológica, de modo que não se poderia negar a existência do delito em sua conduta. Alguns tentam contornar este inconveniente, afirmando que a imputabilidade é um pressuposto da culpabilidade, o que, evidentemente, não é correto, porque o mais frequente é que o doente mental aja com capacidade para uma relação psicológica, isto é, para o dolo. Outros, em franca minoria, são mais coerentes quanto ao sistema que defendem e afirmam que a inimputabilidade é uma simples causa de exclusão da pena, mas não do delito. O certo é que o problema da culpa, tal como o da imputabilidade, não podia ser satisfatoriamente resolvido dentro desta concepção.

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Assim como também nos casos de culpa inconsciente não há qualquer

ligação psíquica entre o autor e o resultado. Como por exemplo, o indivíduo

que joga um objeto pela janela acreditando que ninguém passaria na rua

naquele momento e acaba atingindo a pessoa. Não há uma conexão subjetiva.

Foi então que se percebeu a necessidade de organismos de ordem

normativa, em que se pudesse exigir do agente um comportamento de acordo

com o direito, um juízo de valor, a reprovabilidade do ato praticado, surgindo

então a teoria psicológica normativa.

4.2 CONCEPÇÃO PSICOLÓGICA NORMATIVA

Diante dos problemas encontrados na teoria psicológica surge a teoria

normativa da culpabilidade através dos estudos de Reinhard Frank afastando o

dolo e culpa como espécies de culpabilidade, passando a constituir elementos

da culpabilidade, introduzindo no conceito de culpa a reprovabilidade do ato

praticado. Assim a culpabilidade se torna uma relação psicológica e um juízo

de reprovação, de uma censura.

Foi através desta teoria que a culpabilidade se torna um juízo de

valoração de um fato doloso (psicológico) ou culposo (normativo), deixando

estes de serem espécies da culpabilidade e passando a ser elemento da

mesma.

Segundo Bitencourt (2015, p. 444), “Frank foi o primeiro a advertir que o

aspecto psicológico que se exprime no dolo ou na culpa não esgota todo o

conteúdo da culpabilidade, que também precisa ser censurável”.

Todavia, Frank entendia que esta censura só seria possível em casos

que o indivíduo atuasse no estado normal, afastando a reprovabilidade em

casos anormais.

Era necessário algo mais concreto para tratar de reprovabilidade, uma

censura, que seria sinônimo de culpabilidade. Foi quando se entendia que a

culpabilidade exigia: imputabilidade, dolo ou culpa, o conhecimento da ilicitude

do seu comportamento, acolhendo o dolus malus (obtenção de um proveito

ilícito – a intenção perversa que dirigia um ato criminoso) que consiste no dolo

mais a consciência da ilicitude e, além disso, e a exigibilidade de outra conduta,

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ou seja, que naquela conduta seria exigível outro modo de agir, desta vez

conforme as normas penais.

Assim, sendo possível a censura a um agente que ao praticar um ato

punível não agiu de outro modo segundo as normas exigidas, ou seja, apesar

da possibilidade de outra conduta, consciente voluntariamente (dolo), ou com

negligência, imprudência ou imperícia (culpa stricto sensu) mesmo assim

praticou o ato reprovável.

Também conforme Frank seria possível uma graduação da culpabilidade

como também sua exclusão conforme circunstâncias.

Juntamente com Frank surgem também outros doutrinadores

determinantes na configuração da teoria psicológica-normativa: James

Goldschmidt, Berthold Freudenthal e Mezger.

Conforme entendimento de Zaffaroni (2015, p. 542):

Para Frank, podia haver dolo sem culpabilidade, enquanto para Goldschmidt, o dolo, como dado psicológico, era um pressuposto da culpabilidade, e Mezger afirmava que o dolo requeria a consciência da antijuridicidade, isto é, o dolo sempre era culpável.

Para Goldschmidt o conceito normativo de culpabilidade deveria ser

buscado na diferença entre “norma jurídica” e “norma de dever”, em que a

primeira com uma exigência objetiva de um comportamento externo

relacionado ao injusto penal, já a segunda como exigência subjetiva de uma

atitude segundo a norma jurídica.

Neste sentido, Bitencourt (2015, p.445) leciona que Goldschmidt afasta

os elementos fáticos da culpabilidade, reduzindo-a a juízo de contrariedade ao

dever, chamando atenção para o fato de que este deverá ter caráter normativo

referente a uma “vontade contrária ao dever”.

A norma de dever marca o limite da exigibilidade em que quando a

motivação do sujeito fosse anormal ou contrário à norma de dever não seria

penalmente reprovável.

Já para Freudenthal, o elemento principal da culpabilidade seria a

exigibilidade da conduta do autor desaprovando seu comportamento quando

este poderia ter agido de forma diferente conforme a lei. Segundo o

doutrinador, não poderia considerar culpável a pessoa que não poderia atuar

de outra maneira mesma que tivesse agido com dolo.

21

Também, mais recentemente, manifesta-se Figueiredo Dias defendendo

a necessidade da exigibilidade, in verbis:

“Mas o que é censurável? Um acto no seu puro conteúdo externo-objectivo ou também na sua qualidade de desvalor jurídico? Uma certa conformação da vontade do seu autor? A perigosidade dele? Uma certa condução ou decisão da sua vida, uma defeituosa preparação ou formação de sua personalidade? Um certo caráter ou uma certa personalidade que no facto se exprimiu? E depois: o que é censurabilidade? Ou actuar-se contra o dever no pressuposto do poder de agir de outra maneira? Ou simplesmente um certo sentido objetivo do desvalor jurídico? Eis só algumas das perguntas que de forma mais próxima condicionam a relevância ou irrelevância da consciência da ilicitude como problema de culpa e às quais se não pode responder com o simples apelo a uma concepção da culpa como pura normatividade ou censurabilidade”. (Figueiredo Dias, 1995,

Finalmente, Mezger (1957, p. 199 apud Bitencourt, 2008, p. 339) como

defensor da teoria exposta, entende referente a culpabilidade:

É o conjunto daqueles pressupostos da pena que fundamentam, frente ao sujeito, a reprovabilidade pessoal da conduta antijurídica.

E acrescenta:

A ação aparece, por isso, como expressão juridicamente desaprovada da personalidade do agente.

Ademais, a culpabilidade para Mezger era um reflexo da vida do sujeito,

ou seja, este seria culpável, censurado, pelos maus hábitos que adquiriu ao

longo da vida.

Mezger considerava como núcleo da culpabilidade o autor e não o fato.

Entendia que devido sua conduta de vida o sujeito não tinha consciência da

ilicitude de forma que fosse possível considerar o dolo. Assim essa pessoa não

poderia ser considerada culpável pelo seu ato.

Porem ainda não estava completo o conceito de culpabilidade, foi

quando Welzel criou a teoria finalista da ação, ou seja, a teoria normativa pura.

22

4.3 CONCEPÇÃO NORMATIVA PURA OU TEORIA FINALISTA DA AÇÃO

Welzel, preocupado com as distribuições feitas pelas teorias anteriores,

cria a teoria finalista também chamada de teoria normativa pura e nesta muda

todo o conceito analítico de crime. Teoria esta vigente no ordenamento pátrio,

Código Penal Brasileiro.

Segundo Welzel: “crime é um fato típico, ilícito e culpável”. Porém a

culpabilidade é exclusivamente normativa retirando qualquer elemento

psicológico do autor.

A doutrina finalista de Welzel retira da culpabilidade todos os elementos

subjetivos que a integravam, sendo o dolo (intenção) fator inerente à ação.

Entende que toda conduta humana – ação – se dirige a um fim, seja esta lícita

ou não. Surgindo assim a Teoria Finalista da Ação.

O finalismo desloca o dolo e a culpa stricto sensu da culpabilidade e os

integra no tipo penal, daí a separação de tipos dolosos e tipos culposos.

Ficando na culpabilidade somente a questão da reprovabilidade da conduta do

sujeito contrária ao ordenamento.

Bitencourt (2015, p. 452 apud Welzel, 1970, p. 197-8) cita:

Segundo Welzel, culpabilidade é a reprovabilidade da configuração da vontade. Portanto, toda culpabilidade é culpabilidade de vontade, ou seja, somente se pode reprovar agente, como culpabilidade, aquilo a respeito do qual pode algo voluntariamente.

Para ele na culpabilidade serão encontrados os seguintes elementos: a

imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de outra

conduta, sendo importante tratarmos de cada um com uma melhor atenção.

23

5 DAS FUNÇÕES E ELEMENTOS DA CULPABILIDADE

5.1 CULPABILIDADE: ELEMENTO DO CRIME OU PRESSUPOSTO DE PENA

Para se entender os pontos principais de divergências entre

doutrinadores no que se refere a culpabilidade como pressuposto da pena ou

como elemento do crime será necessário primeiramente uma explicação rápida

de o que é crime e quais as teorias existentes.

Durante muito tempo, conforme teoria causalista, se entendia que a

culpabilidade se tratava de um elemento que caracteriza um crime. Contudo

com o aparecimento da Teoria Finalista da ação, por Welzel, a qual retira do

juízo de reprovação dois dos mais pertinentes elementos necessários para a

existência do crime, dolo e culpa “estrito senso” deslocando-os para conduta a

qual integra o elemento típico de um fato, levou alguns doutrinadores a refletir

sobre os conceitos aos quais acreditavam.

Surge assim a Teoria Bipartida a qual tem como maiores defensores os

penalistas Damásio de Jesus, René Ariel Dotti, Fernando Capez, Mirabete

dentre outros.

Para esta Teoria com este deslocamento a culpabilidade não será mais

tratada como elemento de um crime, mas sim como pressuposto para a

aplicação de uma pena.

Ou seja, para haver um crime deverão constar apenas os elementos fato

típico e ilícito, ou seja, o chamado injusto penal. A culpabilidade é tratada como

mero pressuposto da aplicação da pena. Se a culpabilidade, ou seja, o juízo de

reprovação, não existir, não há pena, mas tenho o crime. Se não há

culpabilidade não tem pena e vice-versa.

Para justificar este entendimento, o penalista Damásio de Jesus defende

que o próprio Direito Penal Brasileiro adota esse posicionamento, através de

expressões que utiliza ao tratar das causas excludentes de antijuridicidade e da

culpabilidade.

Entende que quando o legislador quis excluir o crime ele diz “não há

crime”, como por exemplo, o artigo 23 do CP, quando o ato é praticado em

legítima defesa, estado de necessidade. Ou seja, quando não há fato típico e

ilícito.

24 Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Já quando trata de excludente de culpabilidade, usa expressões como:

“é isento de pena”, como por exemplo o artigo 26 do CP:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Através destes artigos, os doutrinadores defensores desta corrente,

afirmam que o crime existe por si mesmo com os requisitos “fato típico” e

“antijuridicidade”, porém o crime só terá ligação com o indivíduo se este for

culpável. A culpabilidade apenas ligará o sujeito a pena.

Nesta seara, é importante citar a explicação de Damásio de Jesus (199,

p. 453-4) ao tratar do assunto:

A receptação pressupõe receber, adquirir ou ocultar coisa produto de crime. Suponha-se que o agente haja receptado coisa furtada por sujeito inimputável, nos termos do artigo 26, caput. Ele responde por receptação (artigo 180, §4º). Ora, o agente inimputável, nos termos do artigo 26, caput, não é culpável: o fato típico e ilícito não apresenta a culpabilidade do agente. Então, a coisa não seria produto do crime se a culpabilidade fosse requisito ou elemento do delito. Mas o artigo 180, §4º, diz que "a receptação é punível, ainda que isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa". Logo, o pressuposto da receptação é um fato em que não se exige a culpabilidade do agente. Em suma: para o legislador brasileiro existe crime sem culpabilidade.

Assim, o crime existirá de qualquer forma com os elementos fato típico e

antijuridicidade, apenas não haverá a aplicação de pena devido não estar

presente a culpabilidade. Entretanto para que indivíduo seja punido por um ato

praticado não deverá estar acobertado por nenhuma causa que justifique a

exclusão da culpabilidade.

Contudo, a ideia de que a culpabilidade é um elemento do crime é

predominante, pois os doutrinadores que defendem essa corrente afirmam que

25

ainda não foram apresentados argumentos que derrubem as justificativas da

culpabilidade como característica do crime.

Tal ideia é chamada como a Teoria Tripartida, a qual defende que crime

é um fato típico, ilícito e culpável (dolo e culpa estão na culpabilidade).

Como adeptos desta teoria tem-se os doutrinadores Cesar Roberto

Bitencourt, Rogério Grecco, Welzel, dentre outros.

Sabe-se que, para os penalistas que defendem a Teoria Tripartida, o

crime é conceituado da seguinte forma:

Primeiramente, existindo a tipicidade a qual será composta nos

seguintes aspectos: material, formal e analítico.

Material: é a concepção da sociedade do que pode e deve ser definido,

mediante aplicação de uma pena;

Formal: é a concepção do delito do direito acerca do delito. Previsão da

conduta como proibida ou determinada na lei, ou seja, a previsão da conduta

como criminosa.

Analítica: é a conduta proibida por lei. Trata-se de uma conduta típica,

antijurídica e culpável.

Assim por exemplo, analisando os aspectos, se um indivíduo que

aparece no supermercado subtrai um produto que custa R$ 2,00. A conduta

deste foi subtrair coisa alheia móvel, produziu um resultado, a conduta dele

produziu um nexo causal. Mas eu tenho uma tipicidade? Qual o bem jurídico

que se protege?

Conforme o art. 155, CP, este crime está inserido nos crimes contra o

patrimônio, ou seja, conduta de bens que pertence a vítima, ao ofendido.

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Mas o Direito Penal se preocupa com qual violação? Neste caso o

indivíduo subtraiu um bem de R$ 2,00, em que deve ser considerado aqui o

princípio da intervenção mínima. Assim há obrigatoriedade, a exigibilidade, de

uma intervenção do direito penal nesta questão? Houve uma redução

considerável deste patrimônio do ofendido? Não. Assim por obvio faltará a

tipicidade material.

A tipicidade somente existirá se tiver a tipicidade formal e material.

26

Deverão ser cumulados (conduta + resultado + nexo causal + tipicidade

formal e material).

Segundo, para haver um crime deverá existir o segundo elemento que

seria a ilicitude ou antijuridicidade, ou seja, é a contradição da ação com uma

norma jurídica.

Mas será a antijuridicidade desconstituída ante ausência de causas de

justificação, causas excludentes da antijuridicidade: legítima defesa ou estado

de necessidade, a qual não terá uma pena.

E terceiro a análise da culpabilidade. Se o no ato praticado pelo agente

houve culpa.

Quando da análise da culpabilidade encontra-se, por exemplo, no artigo

20, do CP:

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Descriminantes putativas § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

Assim, nota-se que a culpabilidade não pode ser um mero pressuposto

da pena. Deverá sim ser considerado como um elemento do crime, ou seja,

deverá existir um fato típico, jurídico e culpável.

E por fim a corrente Teoria Quadripartida, defendida por Munhõz Conde,

pela qual se entende que para ser considerado um crime, deverão constar os

elementos típico, ilícito, culpável e punível.

Quem também sustenta a concepção tetrapartida é o professor Claus

Roxin da Universidade de Munich, com a seguinte definição:

“Considerando que a política criminal deve definir o âmbito da

incriminação, bem como os postulados da dogmática jurídico penal, Roxin

sustenta que a responsabilidade do autor do fato punível também deve ser

elemento do conceito analítico do crime.

Contudo esta teoria é minoritária no Direito Penal.

27

6 ELEMENTOS DA CULPABILIDADE

A partir da Teoria Normativa Pura ou Finalista da Culpabilidade três

elementos essenciais lhes são atribuídos: Imputabilidade, Potencial

Consciência da Ilicitude e Exigibilidade de Conduta Diversa.

6.1 IMPUTABILIDADE

Consiste na capacidade psíquica do indivíduo, relacionado à maturidade

e sanidade mental que confere ao agente, de compreender se uma

determinada conduta é lícita ou não segundo o ordenamento jurídico.

Porém a imputabilidade não pode ser confundida com a

responsabilidade penal, que é o princípio no qual o imputável deve responder

por suas ações.

Para Basileu Garcia (1982, p. 358) responsabilidade penal não pode ser

considerada sinônimo de imputabilidade: “Responsabilidade não se considera como sinônimo de imputabilidade e sim, mais precisamente, como uma decorrência da imputabilidade. Esta representa um pressuposto daquela, tal qual acontece com a ilicitude do comportamento, a qual também constitui pressuposto da responsabilidade, ou seja, uma condição para que o agente responda pelo seu ato e sofra as correspondentes consequências penais”.

Destaca-se que a referida capacidade se divide entre o aspecto

intelectual, isto é, que o indivíduo tenha capacidade de compreender a ilicitude

de seu ato, bem como o aspecto volitivo, ou seja, determinação da vontade em

atuar conforme sua compreensão.

Nesta seara, Cesar Roberto Bitencourt (2015, p. 457 apud Welzel, 1970,

p. 215) usa do pensamento de Welzel:

Welzel conclui que a capacidade de culpabilidade apresenta dois momentos específicos: um cognoscível ou intelectual, e outro volitivo ou de vontade, isto é, a capacidade de compreensão do injusto e a determinação da vontade conforme essa compreensão, acrescentando que somente os dois momentos conjuntamente constituem, pois, a capacidade de culpabilidade.

28

Na falta de qualquer dos aspectos acima citados, então, seria suficiente

para afastar a imputabilidade penal.

6.1.2 Excludentes da Imputabilidade

Nosso ordenamento pátrio prevê que quando ocorre um fato em que se

exclui a antijuridicidade estamos diante da inexistência de um crime.

Mas na existência de um crime onde será necessária aplicação de uma

pena, deve ser observado se há culpabilidade em que se encontra reprovação

da conduta do agente.

Contudo existem hipóteses em que ocorre a exclusão da imputabilidade,

as chamadas causas de inimputabilidade, hipóteses estas encontradas no

ordenamento penal brasileiro em seu artigo 26:

É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Também em seu artigo 27 e 28 traz as hipóteses significativas como

exclusões:

Art 27: Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Art. 28: Não excluem a imputabilidade penal: § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

6.1.3 Doença Mental ou Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado

Nosso ordenamento penal brasileiro entende que o agente que possui a

doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado sabe que sua

conduta é ilícita, porém não possui domínio em sua vontade evitando a prática

do ato.

Primeiramente, nos casos de doença mental esta só poderá ser

comprovada através de uma perícia médica e não através de um magistrado.

29

Este não possui habilidade técnicas para tal. Havendo, por exemplo, em casos

de doença mental inimputabilidade o sujeito não poderá ser condenado,

diferente dos casos de imputáveis. O agente para ser condenado deverá ter a

capacidade de entendimento, visto pelo aspecto psicológico.

Segundo, os casos de desenvolvimento mental incompleto o qual trata

dos indivíduos menores de 18 anos, dos índios que não convivem em

sociedade e não conhecem nossas leis.

Terceiro, os casos do indivíduo retardado em que se encontra a

debilidade mental, a imbecilidade. Importante salientar, que nestes casos

também haverá a necessidade de perícia para comprovação.

6.1.4 Imputabilidade Diminuída

Esta é conhecida nas hipóteses dos fronteiriços os quais apresentam

algum tipo de psicoses ou transtornos mentais transitórios. A sua capacidade é

diminuída, mas não excluída. Neste fato, a culpabilidade não está afastada,

mas deverá ser efetuada uma perícia médica para atestar o grau de

insanidade.

Na expressão do Código Penal, o agente não é inteiramente capaz de

entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este

entendimento. Assim a culpabilidade se torna diminuída em razão da

dificuldade de valorar adequadamente o fato.

Isso não significa dizer que não haverá uma pena ao indivíduo que

praticou o ato, mas sim uma pena diminuída na proporção direta da diminuição

da capacidade, ou, nos termos do art. 98 do CP, em que será necessária uma

medida de segurança, substituindo a pena.

6.1.5 Embriaguez Completa e Fortuita

Entende-se como embriaguez completa quando se retira totalmente a

capacidade do indivíduo. E é acidental quando decorre de um caso fortuito ou

de força maior.

Esta embriaguez consiste em casos de, por exemplo, um sujeito que

está tomando algum tipo de remédio e resolve tomar um cálice de vinho, como

30

consequência esta mistura acaba levando-o a uma intoxicação diminuindo sua

capacidade cognitiva e volitiva.

O agente não estará isento de pena, mas somente passível a uma

redução de pena conforme o que reza o artigo 28, inciso II, parágrafos 1° e 2°

do código penal:

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:

II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento

§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por

embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía,

ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o

caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse

entendimento.

O ordenamento jurídico também trata do caso de embriaguez

preordenada, em que o indivíduo se embriaga para praticar um ilícito penal.

Nesta hipótese não haverá a exclusão da imputabilidade e sim funcionará

como agravante, expressamente prevista na lei no artigo 61, inciso II, alínea l,

CP:

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: II - ter o agente cometido o crime: l) em estado de embriaguez preordenada.

Nessa forma de embriaguez apresenta-se a hipótese de “actio libera in

causa”.

6.1.6 Da “actio libera in causa”

Esta teoria pode ser descrita como sendo o comportamento daquele,

que em um momento passageiro, comete um fato punível.

Muñoz Conde (2010, p. 375 apud Bitencourt, 2008, p. 492) sustenta:

31 A actio libera in causa abrange os casos em que o agente não era imputável no momento de cometer o fato, mas era no momento que planejou cometê-lo ou no momento em que deu início ao processo causal que resultou na ação típica.

É necessário analisar a relação entre o ato praticado antes do estado de

inimputabilidade e o resultado típico finalmente produzido.

Há uma ação não livre no ato, porém livre na causa.

Em tal teoria o dolo ou a culpa do injusto devem ser deslocados para a

vontade do agente.

Zaffaroni (2015, p. 474-475) traz um exemplo interessante:

Se um sujeito bebe para embriagar-se completamente e neste estado mata seu inimigo, ai haveria um homicídio doloso. Se o mesmo sujeito bebe para embriagar-se – ou de modo em que saiba que pode embriagar-se completamente – sabendo ou devendo saber que costuma ter reações agressivas nesse estado, e comete um homicídio nesta situação, haveria um homicídio culposo. Por fim, se bebe tomando todas as precauções imagináveis para que nada aconteça e, não obstante, embriaga-se e comete um injusto, a conduta será atípica.

Assim para que seja possível imputar uma pena ao agente para que este

responda por um crime é necessário que na fase livre esteja presente o dolo ou

culpa juntamente com o resultado.

6.2 POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE

Para que haja uma reprovação ao autor, devido um ato praticado contra

o direito, é necessário que o mesmo tenha consciência da ilicitude praticada.

Sob este aspecto, conforme a orientação finalista, a ausência de

conhecimento da proibição não afasta o dolo natural mas exclui a

culpabilidade.

6.2.1 Excludentes da Potencial Consciência da Ilicitude

Nesta seara existe uma possibilidade de exclusão da culpabilidade sobre

o conhecimento da ilicitude no ato praticado, o chamado erro de proibição, o

qual ao contrário do conhecido erro de tipo, que ocorre sobre um elementar do

tipo penal, está relacionado com o conhecimento da ilicitude.

32

Existem duas espécies de erro de proibição em que se exclui a

potencial consciência da ilicitude: o erro inevitável (invencível) em que o

indivíduo prudente atua sem ter consciência da ilicitude de sua conduta e o erro

evitável (vencível) em que o agente age com descuido, ferindo o dever de

cuidado.

Na concepção de Bitencourt (2015, p. 458):

Segundo a orientação finalista, a ausência de conhecimento da proibição não afasta o dolo natural, mas exclui isto sim, a culpabilidade – caso do erro de proibição invencível. Porém, se se tratar de um erro de proibição vencível, a culpabilidade atenua-se, sempre e quando não se tratar de um erro grosseiro, ou, melhor dito, de um simulacro de erro.

Erro de proibição está relacionado com a consciência da ilicitude e,

quando inevitável, constitui causa de exclusão da culpabilidade. O agente é

capaz de entender o caráter ilícito do fato, mas erroneamente acredita que sua

conduta não é ilícita.

Bitencourt cita que Welzel conclui que cada um desses erros exclui a

reprovabilidade, quando é inevitável ou a atenua quando é evitável.

Por outro lado, o erro do tipo, diferente do erro de proibição, o agente

não tem consciência de que pratica o ato ilícito e nem consciência dos

requisitos típicos do delito.

Segundo Bitencourt (2015, p. 511):

Assim erro de tipo é o que recai sobre circunstância que constitui elemento essencial do tipo. É a falsa percepção da realidade sobre um elemento do crime.

Ainda:

Cita como exemplo o crime de calúnia (art. 138, CP), em que o agente imputa falsamente um fato definido como crime que, sinceramente, acredita tenha sido praticado. Falta-lhe o conhecimento da elementar típica "falsamente", uma condição do tipo. Se o agente não sabia que a imputação era falsa não há dolo, excluindo-se a tipicidade, caracterizando-se o erro de tipo.

33

6.3 EXIGIBILIDADE DE CONDUTA ADVERSA

Trata-se da possibilidade do indivíduo agir conforme a lei, ou seja, exige-

se que o autor tenha uma conduta diversa da praticada.

Para que seja possível a punição do indivíduo pelo Estado é necessária

que seja tomada outra decisão, qual seja, não cometer o crime.

Contudo há excludentes legais para este elemento que são: a coerção

moral irresistível e obediência hierárquica.

6.3.1 Excludentes da Exigibilidade de Conduta Adversa – Inexigibilidade

Nosso código penal prevê em seu artigo 22, duas situações que será

excluída a culpabilidade, em razão da inexigibilidade de conduta: a coação

irresistível e a obediência hierárquica.

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

6.3.1.1 Coação Moral Irresistível

Primeiramente importante salientar o conceito de coação que é quando

o indivíduo é forçado a um determinado ato através de força física ou por meio

de grave ameaça.

Contudo para que seja considerado caso de excludente de culpabilidade

deverá ser uma coação moral irresistível.

Segundo Bitencourt (2015, p. 483): Coação irresistível é tudo o que, pressiona à vontade impondo determinado comportamento, eliminando ou reduzindo o poder de escolha, consequentemente, trata-se da coação moral.

Luiz Regis Prado (2008, p.381) cita um exemplo para que seja melhor

compreendido este tipo de coação:

O pai que, tendo o filho sequestrado, é coagido pelos sequestradores armados a ir até uma agência bancária e ali efetuar um assalto, com vistas a obter a quantia necessária para o pagamento do resgate.

34

Neste caso em que o autor comete um ato ilícito, mas através de coação

moral, não há o que se falar em culpabilidade, uma vez que a culpa será

imputada ao coator.

6.3.1.2 Obediência Hierárquica

Quando uma pessoa recebe uma ordem ilegal de seu superior, ou seja,

determina que seu funcionário cometa um ato ilícito, este não responderá por

este ato, mas sim o seu superior o qual será responsabilizado pelo crime.

Zaffaroni (2015, p. 585) traz um exemplo interessante:

O caso de um chofer do ministro, a quem este ordena que tome a contramão, ameaçando despedi-lo se não o faz, e que acaba provocando um acidente com lesões a um terceiro.

Neste caso seria autor de lesão culposa segundo o artigo 129, §6°, CP,

o ministro pois foi quem deu a ordem.

35

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do tempo muito se discutiu por parte de doutrinadores e

estudiosos do direito no que se refere a culpabilidade através das teorias

psicológicas, psicológicas normativas e normativa pura para a compreensão da

formação histórica da ideia de culpabilidade.

Esta culpabilidade surge primeiramente com o reconhecimento do

indivíduo e suas inatas características na definição do conceito de crime.

Uma das primeiras questões discutidas, conforme exposto, foi no que

tange ao livre arbítrio e o determinismo, em que aquele era defendido pela

Escola Clássica, acreditando que o direito de punir está baseado na escolha do

indivíduo, e, por outro lado, a Escola Positivista a qual defendia que as

motivações das práticas criminosas estavam relacionadas as características

patológicas e psicológicas por razões sociais.

Então no século XIX surgem as teorias as quais tiveram grande valia

para os estudiosos do direito contribuindo para a evolução dogmática do Direito

Penal.

Contudo, em que pese existir vários posicionamentos referente as

teorias citadas, a mais adequada, pela doutrina majoritária, é a Teoria

Normativa Pura, excluindo os elementos dolo e culpa da Culpabilidade e lhe

atribuindo os elementos imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e a

exigibilidade de conduta adversa. Na falta destes estaremos diante de uma

inexistência da Culpabilidade e consequentemente da possiblidade da

aplicação de uma pena, ou seja, “nulla poena sine culpa”.

Importante salientar que não seria correto punir o agente que não possui

capacidade de compreender o ato praticado, de conhecer a ilicitude deste ou a

possibilidade de exigir condutas conforme o direito.

Para tanto deverá ser considerado a questão no que se refere ao livre

arbítrio, defendida pelos finalistas, passando a exigir do sujeito uma conduta

em conformidade com as normas jurídicas, contudo analisando os fatores

individuais que levam a reprovação penal.

Surge a culpabilidade, enquanto princípio, como elemento limitador do

poder punitivo do Estado no que esse refere ao direito à liberdade do indivíduo,

ou seja, como princípio fundamental mesmo que implícito nas normas, bem

36

como na aplicação de uma pena justa, proporcional à culpabilidade individual

do autor do delito.

Segundo Busato (2013, p. 189):

Resumidamente, é possível dizer que a crise do princípio de culpabilidade, identificada pelos doutrinadores, está relacionada à impossibilidade ou dificuldade de comprovar que o agente, no caso concreto, poderia ter atuado de outro modo, ou seja, poderia ter obedecido o ordenamento jurídico.

Conforme a concepção garantista, o princípio da culpabilidade tem por

finalidade impedir a aplicação abusiva de uma pena pelo Estado ao indivíduo,

sem que seja analisado a capacidade deste e seu conhecimento pelo ato

praticado.

Concluindo, contemplar a garantia da culpabilidade é sinalizar para a

proteção da dignidade humana.

37

REFERÊNCIAS

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Revan, 1996

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_______, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito.

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JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v 1.

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