universidade salgado de oliveira curso de história · curso de história renata carla diniz...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA
Curso de História
Monografia
“MUSEU DE ARTES E OFÍCIOS - MATÉRIA E ESPÍRITO: DICOTOMIA DO MUSEU MODERNO”
Autora: Renata Carla Diniz
Orientador: Prof. Tiago Castelo Branco Lourenço
Novembro/2006
UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA
Curso de História
Renata Carla Diniz
“MUSEU DE ARTES E OFÍCIOS - MATÉRIA E ESPÍRITO: DICOTOMIA DO MUSEU MODERNO”
Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Salgado de Oliveira
Área de Concentração: Museologia
Orientador: Prof. Tiago Castelo Branco Lourenço
Belo Horizonte
Faculdade de História da UNIVERSO
2006
“O museu guarda sonhos
fantasiase quimeras.
Signossinais
e símbolos.Conheceo que é
pelo que foi.O museu aguarda
pelo que virá.”
(Rui Chamone Jorge)
iv
Aos meus pais, Ricardo e Aparecida
Ao meu marido, Wagner
Aos meus irmãos, Rodrigo e Júnior
vAGRADECIMENTOS================================================================
Aos meus amados pais, Ricardo e Aparecida, meus eternos mestres.
Ao meu marido, Wagner, pelo carinho, compreensão e amor que nos une.
Aos professores; Tiago, em especial, pela orientação, incentivo e amizade dedicados
na elaboração deste trabalho.
viSUMÁRIO================================================================
1. INTRODUÇÃO 09 2. OBJETIVOS 11
3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 12 3.1 Conceitos de Museus 12 3.2 Possibilidades dos Museus 12 3.2.1 Museu e Memória 12 3.2.2 Museu e Patrimônio Cultural 14 3.2.3 Museu e Identidade Coletiva 16
4. METODOLOGIA 184.1 Desenvolvimento das Formulações 184.2 Análise Sensorial 184.2.1 Museologia – Diagnóstico do Tema 184.2.2 Museografia – Determinante do Tema 194.3 Análise Descritiva 214.3.1 Fluxograma 214.4 Produção Científica 234.4.1 Diretrizes Pedagógicas 234.4.2 Museu de Artes e Ofícios 23
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO 255.1 Funções Sociais dos Museus no século XX 255.1.1 Museu Histórico Nacional e Museu Imperial 255.2 Funções Sociais dos Museus no século XXI 295.2.1 Propriedades dos Museus: Simbologia, Memória e Identidade 29
6. RELEVÂNCIA DOS RESULTADOS 356.1 Museu de Artes e Ofícios 35
vii6.1.1 Histórico 356.1.2 A Influência do Museu de Artes e Ofícios na Construção da IdentidadeBelo-horizontina 38
7. CONCLUSÕES 43 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 45
9. BIBLIOGRAFIA 46
viiiRESUMO=======================================================
Em “Museu de Artes e Ofícios – Matéria e Espírito: Dicotomia do Museu Moderno”
foram realizados estudos sobre a identificação da memória e construção de
identidade coletiva. Através do acervo foi analisada a simbologia, entenda aqui o
conjunto de significados intrínsecos contidos nos objetos do acervo museológico.
Simbologia esta, capaz de apreender o imaginário coletivo e representar a
identidade Belo-horizontina.
No que diz respeito à Revisão Bibliográfica e discussão teórica acerca dos conceitos
de museu, memória, patrimônio e as possibilidades de um museu na formação da
identidade coletiva, cumpre salientar que esta abordagem indagou como os
símbolos e a memória podem construir o patrimônio cultural através de um museu.
No tocante aos Resultados e Discussão o discurso está para as funções sociais dos
museus no sentido de historicizar seu papel social no passado e no presente, isto é,
fim do século XX e o presente século XXI. Foram percebidas suas ampliações e
potencialidades na construção de memória coletiva representada por um acervo.
Acerca da Relevância dos Resultados a análise interpreta como o acervo do Museu
de Artes e Ofícios influencia a construção da identidade coletiva Belo-horizontina do
século XXI. Foi constatado que essa identidade está sempre em construção, visto
que, é um processo diligente e dinâmico no imaginário coletivo, o qual, representa a
identidade coletiva a partir de influências cruciais da sociedade de informação, de
um mundo globalizado de interesses, necessidades, virtualidades e formas diversas
de interrogar e construir histórias.
91. INTRODUÇÃO================================================================
Atentos aos desafios dos novos tempos a exigir respostas eficientes nos processos
de Educação, que formem competência e humanidade, e, em consonância com os
anseios e necessidades de nossa sociedade educativa, o objetivo deste trabalho é o
aperfeiçoamento e o enriquecimento do serviço educativo através dos museus.
Servi-me desses para confiar a memória e identidade coletiva através dos símbolos
que compõem seus acervos. Esses símbolos carregam consigo a magia de,
silenciosamente, impactar o visitante de maneira tão especial despertando-lhe
familiaridade, memória e identidade.
Sob a inspiração dos museus dos tempos modernos e animada pelo “espírito” de
decisão do conhecimento, o ideal desse projeto pedagógico-museológico aconteceu
expresso na identidade coletiva, objetivo maior deste trabalho, ao atingir todos os
níveis internos e externos das personalidades humanas. Há de se abrir o coração,
ao visitar um museu, pois esse reserva para si a capacidade de produzir prazer e
conhecimento ao mesmo tempo. O prazer é construído através do acervo, este,
matéria imbuída de representações familiares, que mais ou menos próximas,
possuem o poder de despertar no visitante de um museu um fascínio
indescritivelmente espetacular. Da subjetividade contida nos objetos surge o
conhecimento e o reconhecimento intrínseco capaz de influenciar o visitante
adicionando-lhe ao presente o passado, por vezes não experimentado, mas por ele
sentido “espiritualmente” como se fosse um processo de envelhecimento e
rejuvenescimento, concomitantemente, acelerado a fim de despertar a memória
construindo a identidade.
Entretanto, a influência do acervo do Museu de Artes e Ofícios na construção da
identidade coletiva Belo-horizontina do século XXI foi a discussão proposta neste
trabalho, que tem como plano de ação o exercício da prática pedagógica dos
museus, numa reconfiguração da personalidade humana, fruto de intensos e
proveitosos encontros com o acervo de museus formadores da identidade coletiva.
10Contudo, o traçado do discurso que compôs a elaboração deste projeto constituiu-
se, sobretudo, em uma referência para a construção de um trabalho - nunca perfeito,
pronto para ações que aprimorem a diligência do imaginário coletivo representado
pelos símbolos que compõem o museu.
112. OBJETIVOS================================================================
Este trabalho tem como meta o estudo da influência do Museu de Artes e Ofícios na
construção da identidade coletiva Belo-horizontina do século XXI. Entre a matéria do
acervo e o “espírito” do visitante tocado ao perceber os símbolos desse acervo está
a dicotomia do museu moderno. Os símbolos suscitam a caracterização do ser
humano, pois o que ele vê está além de seus olhos quando alcança a subjetividade
da “alma” por lhe revelar algo familiar. Essa subjetividade é a apreensão da vida em
seu interior. História dionisíaca, mais que intelectualista, ao reunir elementos
materiais e espirituais através dos objetos-símbolos do acervo e suas
representações. Os objetivos específicos são:
Avaliação de conceitos tais como museu, memória e patrimônio, em termos
culturais, estabelecendo entre eles o elo que os unirá na verificação de suas
utilidades e influências na formação da identidade coletiva.
Estudo das funções do museu no passado, anterior ao presente século XXI,
historicizando-as de forma a perpassar seus objetos de acervo, suas simbologias e
representações da memória na construção de identidade coletiva.
Comparação do acervo e da identidade coletiva através da simbologia dos
objetos em sintonia com o imaginário popular. Esse representa, espiritualmente a
identidade coletiva.
Caracterização da identidade coletiva por meio de associações representadas
pelo acervo.
123. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA================================================================3.1 Conceitos de Museus
História, memória, documentos, vestígios, evidências – palavras carregadas de
significados, categorias utilizadas para lembrar a importância e o lugar das fontes
dos vestígios do passado para a história das sociedades. Os museus são,
freqüentemente, lembrados como ”locais”, “espaços culturais” que cuidam da
preservação da memória dos povos. Os museus constituem importantes espaços de
aprendizagens, contribuindo significativamente para o conhecimento, o respeito e a
valorização do patrimônio sócio-histórico e cultural dos povos (Fonseca, 2003).
Museu é uma instituição permanente, sem finalidade lucrativa, a serviço da
sociedade e de seu desenvolvimento. É uma instituição aberta ao público, que
adquire, conserva, pesquisa, comunica e exibe evidências materiais do homem e de
seu ambiente, para fins de pesquisa, educação e lazer (Bittencourt, 2004).
Os museus caracterizam-se por coletar objetos que não pertencem mais à
compreensão cotidiana da vida, estranhos ao tempo e à história que envolve. No
entanto, essas instituições, além de contar a história do passado por meio de seus
fragmentos, são essencialmente história. Possuem dupla personalidade: sua
vocação de fazer história e seu pertencer à história. Museu é um local onde se
guarda o testemunho do passado, a memória e o patrimônio de um povo (Abreu,
2003).
Todavia, o museu é reconhecido por seus ofícios e artes que aliam tradição e
inovação através da excelência e raridade de suas competências.
3.2 Possibilidades dos Museus3.2.1 Museu e Memória
O museu como memória não é um organismo estático, e sim uma entidade dinâmica
13que leva o público a conhecer a atividade artística dos mestres e ainda a aprender
sem nenhuma preocupação de ordem acadêmica, porém, servindo ao papel
educativo aprofundando o conhecimento da classe primária à universitária e/ou
todas as classes, estabelecendo pontes de uma cultura a outra, o museu demarca
além de sua propriedade natural um domínio subjetivo, porém, familiar (Bittencourt,
2004).
O caráter seletivo da memória implica suscetibilidade de eleger, reeleger, subtrair,
adicionar, excluir e incluir fragmentos no campo do memorável. Coincide com a
memória a identidade operando no sentido de transformar as representações dos
museus em marcas expressivas de identidade individual e coletiva. Na memória os
museus tornam-se centros de interpretações através dos juízos de valores e
instituições de relações sociais que fazem parte do cotidiano das modernas e
complexas sociedades a partir de seus vínculos com o espaço urbano. Por
intermédio da memória os museus desvendam as lógicas culturais que informam as
diferentes experiências humanas e suas relações com o espaço da cidade (Abreu,
2003).
A memória possui uma aura de sacralidade e obedece a experiências sociais de
difícil e delicada função, mas garante em toda sociedade o domínio, a preservação,
a transmissão e a continuidade do significado de todas as coisas. A memória
obedece a princípios de reflexões e comparações revelando as propriedades de
qualquer fenômeno humano. É como um horizonte abrangente que ordena a vida
simbólica da maior parte das culturas. A memória coletiva é a memória da
sociedade, da totalidade significativa em que se inscrevem e transcorrem as
micromemórias pessoais ou a emergência de uma linguagem mais ampla na leitura
dos sinais que constituem nossa cultura e nossos museus. A memória formaliza o
pensamento e suscita a consciência crítica e significativa a partir das experiências e
evidências de um acervo cultural (Abreu, 2003).
As narrativas nacionais ou discursos nacionais sobre o patrimônio cultural constroem
uma memória e uma identidade que são atos de uma dimensão dramática e não
exclusivamente cognitiva. É como imaginar fenômenos não materiais - como o
14tempo, por exemplo - como se fossem algo concreto, objetos físicos existentes na
memória através da materialização imaginativa de realidades humanas. Esse
fenômeno é classificado de “objetificação cultural”. O patrimônio cultural da
humanidade é parte de um sistema de objetos que formam identidades, ou seja, a
cultura e a tradição, através do presente e do passado caracterizado na memória
formando identidades coletivas e nacionais. O alerta está para a questão da perda
como presença de uma ausência e distanciamento de objetos no tempo e no
espaço, sobretudo, o desejo de resgatá-los. Na medida em que o processo histórico
é tomado como um dado, e que o presente é narrado como uma situação de perda
progressiva, estruturam-se e legitimam-se as práticas de colecionamento,
restauração e preservação de patrimônios culturais representativos de categorias e
grupos sociais diversos. Esse patrimônio seria a propriedade herdada ou adquirida
da cultura coletiva e nacional com o propósito de mediação simbólica entre
linguagem e experiência – como se as palavras também fossem atos - entre o
passado e identidade coletiva dos indivíduos que compõem o espaço e a Nação
(Gonçalves, 1996).
A respeito da identidade a memória individual e coletiva deseja a imortalidade,
centrada nas coleções dos museus que impõem uma verdadeira “reentronização”
representando a totalidade pela individualidade, e designa a continuidade das
identidades coletivas. “Da memória emerge vida, força subjetiva, íntima sobre o
imenso solo do acervo de um museu e suas criações passadas a fim de refletir
sobre as construções dos passos vindouros” (Musas, nº 1, 2004).
3.2.2 Museu e Patrimônio Cultural
O museu como patrimônio é herança que oferece, através de seu acervo,
entendimento da vida social e cultural. Os museus apresentam uma singularidade
importante que é a presença dos objetos, símbolos capazes de fazer transitar de
uma cultura a outra. Neste momento a idéia de patrimônio confunde-se com a de
propriedade quando o indivíduo contemplativo, de certo modo, constrói as idéias,
valores e sua própria identidade. Neste momento, a história se determina por uma
lógica intrínseca capaz de construir um sentimento comum partilhado através dos
15objetos testemunhos do passado e, como tal, portadores de uma história que
antecede aqueles que os resgatam (Abreu, 2003).
Sobre patrimônio como apropriação em uma situação de perda com o propósito de
construir identidades e construir a nação, estratégia está para a apropriação e
preservação para a não destruição. Ou seja, a coletividade ou a nação constrói seu
patrimônio cultural por oposição a seu processo de destruição a fim de não perdê-lo
(Gonçalves, 1996).
Os objetos são símbolos, conjuntos de bens que formam a riqueza material e moral
da nação, do Estado, da Cidade e do indivíduo. Eles são tradições e testemunhos da
cultura como patrimônio da humanidade, são veículos infalíveis de importantes
associações sentimentais que possibilitam a comunicação entre indivíduos e
passam a ser considerados grandes preciosidades, fruto de uma valorização do
imaginário popular. Neste sentido, o termo patrimônio refere-se a algo que herdamos
e que, por conseguinte, deve ser protegido. No fazer popular estão os mais
autênticos valores da identidade e de uma nacionalidade. A exposição do
pensamento de forma figurada – o símbolo ou objeto – demonstra características da
personalidade e em conseqüência caracteriza as identidades individuais, coletivas e
nacionais. A identidade é como uma autoridade cultural e política para identificar e
representar através dos bens culturais e dos símbolos a cultura nacional (Fischer,
1977 e Abreu, 2003).
Esses bens, pelo seu caráter único e por serem vistos como depositários de uma
memória apontam para a formação de uma identidade coletiva, portanto precisam
ser defendidos e preservados. Igrejas, casas, estátuas, quadros, idiomas, dialetos,
tradições orais, costumes, dança, ritos, festivais, artesanato e outros bens materiais
e/ou saberes próprios de cada cultura são fontes essenciais de identidades culturais
que contribuem para a perpetuação da diversidade cultural caracterizando o
multiculturalismo das identidades coletivas. Identidade coletiva é o projeto inovador
do museu que através de sua ambiência histórica satisfaz o indivíduo além de sua
curiosidade e faz com que este guarde a indelével impressão educativa de sentir
16suas lembranças e construir sua identidade por meio deste patrimônio “vivo”, e não
“museificado” porque é identificado e colocado em valor (Musas, nº 1, 2004).
Segundo Gonçalves (1996), o patrimônio histórico é como se fosse o documento de
identidade de um povo ou de uma nação autenticada pela existência da identidade
cultural. Essa identidade caracterizada pelo patrimônio é algo específico, singular e
exótico resultante de um processo universal de evolução, portanto, não coloca uma
região, uma coletividade ou uma nação como superior à outra, mas a classifica de
forma importantíssima quanto à sua especificidade. Entender essa singularidade é
primordial para o reconhecimento do valor de um povo ou de uma nação que
assume e defende sua cultura e tradições.
3.2.3 Museu e Identidade Coletiva
A importância dos bens culturais, da vida cotidiana da população, da diversidade
cultural, das aberturas políticas, sociais e econômicas advindas do processo de
democratização e cidadania Brasileira desde 1937, das liberdades adquiridas,
apontam para o caráter nacional da formação de identidade cultural da coletividade.
É preciso possuir uma consciência nítida de valores culturais. Quem não tem precisa
urgentemente adquirir, pois somente esta aquisição poderá trazer autonomia e
liberdade para todos os povos na superação de um sentimento pessoal para um
sentimento coletivo, moderno e essencial na construção de identidades coletivas.
Trata-se do discurso sobre a originalidade de um povo que se autentica através de
seus bens culturais ou patrimônio histórico que o torna tão singular quanto
importante. A apropriação da cultura nacional, muito além da propriedade particular,
revela uma outra, que é a propriedade coletiva constituída por todos os elementos
que constituem a cultura de um povo, considerado como o melhor guardião de bens
culturais, pois ele mesmo é seu dono. Deste modo, podemos conceber a
apropriação do patrimônio cultural como apropriação do passado ou da tradição a
fim de ajudar o homem a lembrar-se de si mesmo e educar para preservar, para unir
e para permanecer (Gonçalves, 1996).
17A apropriação da cultura nacional segue dois caminhos: em um deles o foco está no
passado – referência usada no processo de desenvolvimento econômico e cultural
em toda a trajetória histórica. O passado é uma garantia de continuidade de um
processo cultural a partir de nossas raízes, o que não representa uma aceitação
submissa e passiva dos valores do passado, mas a certeza de que estão ali os
elementos básicos com que contamos para a conservação de nossa identidade
cultural (Gonçalves, 1996).
Portanto, o acervo museológico de uma cidade ou determinada região constrói um
mundo de espetáculo cuja imagem e sentimentos possibilitam a formação da
identidade coletiva a qual é dotada de significados adquiridos nos palcos dos
museus. Os objetos dos museus quando constroem a identidade coletiva tornam-se,
paradoxalmente, imortais quando só sobrevivem à mutação contínua de significados
adquiridos juntos aos homens. Ou seja, as linguagens inscritas nos museus têm
leituras diferenciadas e não estão submissas a um modelo funcional fixo. Elas são
produto de uma relação contínua entre os homens e seu consentimento. A aceitação
de determinados objetos indica a incorporação ou identidade em seu conjunto de
idéias e pensamentos que se ligam a sentimentos profundos de conteúdos diversos
em diferentes grupos. O acervo de um museu pode ser usado para autenticar de
forma real e original os valores de uma cultura, de uma tradição, de uma diversidade
cultural e de uma civilização. Trazem as marcas do contexto histórico, intelectual e
político em que foi produzido e que nos distancia de um tempo que nos facilita a
percepção de limites e sugere que é tempo de não nos satisfazermos com a simples
repetição celebratória dos discursos e das políticas de personagens fictícios, e sim
construirmos auto-consciência. Mudamos só quando nos conhecemos (Gonçalves,
1996). Daí o fluxo de visitação turística nacional e internacional nos museus.
184. METODOLOGIA================================================================O estudo que tem por objetivo a influência do Museu de Artes e Ofícios na
construção da identidade Belo-horizontina no século XXI apresenta neste capítulo o
procedimento metodológico adotado para a realização deste trabalho. Este
compreende o desenvolvimento de formulações em dois níveis: Análise Sensorial e
Análise Descritiva. A primeira diz respeito à identificação do tema, isto é, o objeto de
estudo; e em seguida, à visita in loco ao Museu de Artes e Ofícios, o qual é
determinador do tema. A segunda projeta um fluxograma, a fim de nortear toda a
posterior produção científica.
4.1 Desenvolvimento das Formulações
Todos os ensaios que constituem o presente trabalho foram realizados ao longo de
minha graduação em História, iniciada anteriormente na Faculdade de Pará de
Minas (Pará de Minas/MG), e posteriormente concluída na Universidade Salgado de
Oliveira (Belo Horizonte/MG), em conformidade com a convivência em meio à
professores e colegas de classe.
4.2 Análise Sensorial
A disciplina História da Arte - com base na grade curricular da Faculdade de Pará de
Minas – FAPAM – a vivência acadêmica com professores - desta e da posterior
instituição Universidade Salgado de Oliveira – e a adaptação a uma vivência e
vocação pessoal serviram-me para detectar o tema.
Contudo, esta etapa consistiu em um teste afetivo de aceitabilidade ao tema
concentrado na área de Museologia.
4.2.1 Museologia - Diagnóstico do Tema
A disciplina “História da Arte”, então estudada em Abril do ano de 2005 na FAPAM,
19despertou-me o gosto pela Museologia, ciência que estuda os museus e
compreende seus objetos no tocante à representação de seus significados. O fator
determinante para a área de concentração – Museologia – foi por mim identificado a
partir de uma afinidade pessoal com a História da Arte. Penso a Arte como uma
poesia indispensável e encantadora dos olhos e da “alma”. Deste modo, sua função
transcende o real atingindo o imaginário da coletividade como uma forma de colocar
o homem em estado de equilíbrio com o meio circundante, isto é, permanente
equilíbrio entre o homem e o mundo em uma relação profunda de sentimentos e
significados (Fischer, 1977).
Tendo em vista a Arte como o meio indispensável para união do indivíduo como o
todo preparei-me para a próxima fase do trabalho. A especificidade da Arte como
caminho do indivíduo para a plenitude, para o mundo em geral no sentido de uma
identificação com aquilo que o homem é ou gostaria de ser. Ou seja, essa definição
deixa de ser demasiado romântica quando em um mundo que tenha significação o
indivíduo é integrado pelo “eu curioso” por unir-se à Arte (Fischer, 1977).
Ao visitar um Museu o homem identifica-se com seus diversos objetos e obras de
Arte. Isto é, a sua limitada personalidade torna-se existência humana coletiva por
tornar social a sua individualidade.
Todavia, com base nesta paixão pela História da Arte apoderei-me da Museologia
para construir meu trabalho de forma consciente e racional. Pois a Arte – mais que
um estado de inspiração embriagante – possui a capacidade de ser consciente e
racional (Bazin, 1953).
4.2.2 Museografia - Determinante do Tema
Com base nos resultados obtidos a partir da identificação da Museologia como área
de concentração do trabalho determinei o tema.
20
Inicialmente, ao longo da graduação, foram realizadas diversas visitas in loco
preliminares à Museus de categorias, mais ou menos, relacionadas ao curso de
História: Museu Municipal Francisco Manoel Franco (Itaúna-MG), Museu Histórico,
Documental, Fotográfico e do Som de Pará de Minas (Pará de Minas-MG), Museu
de Mineralogia (Congonhas-MG), Museu de Arte Sacra do Carmo (Ouro Preto-MG),
Museu do Ouro (Sabará-MG), Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Mariana
(Mariana-MG), Museu de Mineralogia Professor Djalma Guimarães (Belo Horizonte-
MG), Museu Mineiro (Belo Horizonte-MG), Museu Histórico Abílio Barreto (Belo
Horizonte-MG), Museu de Arte Sacra (São João Del Rei -MG), Museu Imperial
(Petrópolis-Rio de Janeiro), Museu de Artes e Ofícios (Belo Horizonte-MG), dentre
outros.
Posteriormente, a decisão pelo Museu de Artes e Ofícios, localizado em Belo
Horizonte-MG, estava tomada. A afeição pela Museologia atingiu o ápice no
momento desta visita. O que vi e senti despertou-me para a especificidade do tema,
sobretudo, afirmando-o como objeto de estudo de caso.
Portanto, o Museu de Artes e Ofícios lançou novas luzes sobre o meu projeto de
produção científica. Através dos objetos que compõem o seu acervo - dedicado
integralmente ao tema das artes e dos ofícios e do trabalho no país - percebi a
determinação de meu trabalho. A coleção mostra a riqueza da produção popular na
era pré-industrial: os fazeres, artes e ofícios que deram origem às profissões
contemporâneas. Ao percorrê-la, com o suporte de recursos museográficos e de
ações educativas, pude visualizar um amplo painel da história e das relações sociais
apreendidas no sentido de perceber a capacidade e a responsabilidade social de
um Museu, potencialmente, passível de articular a individualidade com a identidade
coletiva. Isto é, os objetos do acervo representam a história humana. O homem
tocado pelo significado do objeto, através da memória, identifica-se com o mesmo, o
qual, passa a ser parte de sua própria história.
214.3 Análise Descritiva
Feito a definição e a determinação do tema, o estudo segue para a fase de definição
das metas que nortearam o trabalho. Logo, nesta etapa, a análise amplia-se de
sensitiva para também ser descritiva.
4.3.1 Fluxograma
Para a preparação desta fase segue as palavras-chave que serviram de suporte e
direção no desenvolvimento do trabalho: Museu, Memória, Simbologia, Patrimônio e
Identidade.
A fim de sistematizar as informações que nortearam ações para esta e posterior
etapa da produção científica foi utilizado um fluxograma, a saber:
22
Desenvolvimento das Formulações
Análise Sensorial
Análise Descritiva
Vocação Pessoal
Temática
Museologia
Projeto
Projeto Piloto
Diretrizes
História da Arte
Vivência Acadêmica
Vivência Pessoal
Museus
Conceitos e Possibilidades
Funções Sociais
Propriedades
Memória, Patrimônio e Identidade
Museu Histórico e Museu Imperial
Simbologia, Memória e Identidade
Museu de Artes e Ofícios
Caracterização da Identidade Coletiva
Produção Científica
234.4 Produção Científica
Após o desenvolvimento das formulações - que compreenderam o diagnóstico do
tema, a determinação do mesmo através de visitas in loco, o fluxograma, o projeto
para a produção científica – segue a avaliação da sistematização das informações
que constituem a última etapa do trabalho.
4.4.1 Diretrizes Pedagógicas
Na preparação da fase definitiva do trabalho apresentou-se o patrimônio cultural da
humanidade - a partir do museu – e qual é o seu papel, senão estabelecer uma
articulação entre o patrimônio cultural, através do acervo e seus objetos, o universo
cultural do indivíduo visitante, através da personificação da memória, e a
simbologia dos objetos representativos da identidade coletiva (Le Goff, 1996).
Portanto, foram efetivadas ações que procederam a revisão bibliográfica no sentido
de conceituar os museus e suas possibilidades em potencial, a seguir os resultados
e a discussão sobre as funções sociais dos museus nos séculos XX e XXI. A partir
de exemplos tais como Museu Histórico Nacional e Museu Imperial analisaram-se as
propriedades dos museus ao serem dotados de uma simbologia que desperta para a
memória e a identidade de uma coletividade (Abreu, 2003).
4.4.2 Museu de Artes e Ofícios
Os procedimentos supra citados efetuaram a relevância dos resultados e as
conclusões do trabalho. Logo, verificou-se “A Influência do Museu de Artes e Ofícios
na construção da Identidade Belorizontina”.
Ao final do trabalho percebe-se uma leitura atenta do Museu de Artes e Ofícios como
quem convida a todos a colocar em análise aqueles esquemas, os quais foram
lançados a partir deste trabalho. Possivelmente todo aquele que se dispuser a visitar
um museu de “coração aberto” perceberá as possibilidades do mesmo, isto é, o
caráter vibrante e variável do saber humano contidos em um acervo de museu
24capaz de dialogar com o visitante, talvez, tal qual nenhuma ferramenta da retórica do
homem poderá fazê-lo de forma tão eficaz e emocionante como o discurso,
paradoxalmente, silencioso e penetrante do museu.
255. RESULTADOS E DISCUSSÃO================================================================5.1 Funções Sociais dos Museus no século XX
5.1.1 Museu Histórico Nacional e Museu Imperial
Segundo Abreu (2003), em 1922, por iniciativa de Gustavo Barroso, foi criado o
primeiro museu de História no país, o Museu Histórico Nacional (MHN), instituição
que se voltava para o “culto à saudade” e para reverenciar a tradição. O MHN,
inspirado pela tradição romântica e de forte caráter militarista, enaltecia os grandes
heróis nacionais e voltava-se para a preservação do patrimônio pertencente às elites
do país. O MHN pode ser considerado um marco de transição, no que diz respeito
ao perfil institucional dos museus, uma vez que, o século XIX fora responsável
basicamente pela criação dos grandes museus de História Natural, marcados pelo
ciclo das grandes viagens exploratórias, pela extração das riquezas naturais do país
e pelo início do desenvolvimento da Ciência Natural.
Gustavo Barroso criou o curso de Museologia, em 1932, instituição que, até os dias
de hoje, exerce um papel fundamental na formação dos profissionais que ocupam
posições relevantes nos diversos museus espalhados nacionalmente, bem como a
Inspetoria dos Monumentos Nacionais, primeiro órgão federal de proteção ao
patrimônio nacional. A influência de Barroso não pode ser subestimada, pois ele foi o
intelectual de primeira grandeza no cenário nacional, manteve-se na direção do
MHN até a sua morte em 1959.
A partir da tomada do poder por Vargas, travou-se uma nova batalha no campo da
formação cultural do país. Diversos setores da sociedade mobilizaram-se em torno
da procura da origem da brasilidade e da consolidação dos elementos que
pudessem dar sentido ao povo Brasileiro. Modernistas e conservadores ocuparam
cargos importantes em toda a estrutura institucional e imprimiram suas marcas na
política cultural desenvolvida pelo Estado. Por um lado, havia os defensores do
movimento modernista, que tentavam reelaborar o passado de forma a construir um
perfil autônomo, crítico e libertário para a nação possibilitando a inovação. Os
26conservadores criticavam o conhecimento teórico e livresco dos modernistas e
defendiam o culto aos elementos emblemáticos definidos pela emoção de um
reconhecimento intuitivo da consciência que os Brasileiros tinham de si próprios. É
nesse contexto, em que modernistas e conservadores procuram utilizar a rede
institucional do Estado para promover suas políticas públicas. Isto é, em 1937, após
o golpe do momento político designado Estado Novo, a perspectiva mais pluralista e
ampliada dos modernistas defrontou-se com um dilema, o qual, excluía a
representação mais livre da sociedade em favor de uma política de patrimônio
vigiada, controlada e regida pelos valores dos setores dominantes que se
aglutinavam no poder. As medidas voltadas para a preservação da cultura popular,
por exemplo, expressa em vários museus, só foi possível bem mais tarde, e a
intervenção da população na definição de qual seria o patrimônio a ser preservado
estaria, deste modo, por se constituir em termos de liberdade e ampliação mais
tarde conquistados (Abreu, 2003).
O Museu Imperial, no Rio de Janeiro, foi criado em 1940, durante o período
estadonovista, com o apoio direto de Getúlio Vargas. Segundo relato do ex-diretor do
Museu Imperial, Lourenço Lacombe, o presidente Getúlio Vargas costumava
veranear sempre em Petrópolis (RJ) e passear pela cidade. Num desses dias, ele
entrou no Museu Histórico de Petrópolis e foi recebido pelo diretor, Alcindo Sodré,
que o acompanhou na continuação de seu passeio, sugerindo-lhe a idéia da criação
do Museu do Império. A idéia foi bem recebida e concretizada, a partir da liderança
do próprio Alcindo Sodré, que dirigiu a instituição até 1952.
Segundo o decreto-Lei 2.090, de março de 1940 (Lacombe e Cotrim, 1987), que
criou o Museu Imperial, este tinha por finalidade:Recolher, ordenar e expor objetos de valor histórico ou artístico referentes a fatos e vultos dos reinados de D. Pedro I e, notadamente, de D. Pedro II: colecionar e expor objetos que constituam documentos expressivos da formação histórica do Estado do rio de Janeiro e, especialmente, da cidade de Petrópolis; realizar pesquisas, conferências e publicações sobre os assuntos da história nacional em geral e de modo especial sobre os acontecimentos e as figuras do período imperial, assim como da história do Estado do Rio de Janeiro e, particularmente, da cidade de Petrópolis.
27Como pode ser observado, havia a intenção de se criar uma coleção de objetos
relacionados a fatos e vultos do Império, como também à formação histórica do Rio
de Janeiro, da cidade de Petrópolis e da própria Nação.
O Museu Histórico Nacional (MHN) e o Museu Imperial (MI) – o primeiro foi
construído durante o governo de Epitácio Pessoa; o segundo, durante o Estado
Novo - podem ser compreendidos no contexto de dois estabelecimentos que
privilegiaram o culto ao Império e à nobreza, numa perspectiva que valorizava as
tradições e o continuísmo com o passado. A vocação autoritária e disciplinadora do
primeiro e a vocação populista do segundo compõem o discurso historiográfico do
período getulista. Entretanto, desde as primeiras exposições, não se observava uma
preocupação com fatos ou eventos, com causas explicativas ou, ainda, com as
transformações estruturais. Os novos caminhos tomados pela historiografia
Brasileira - que, a partir da década de 1930, passou a criticar a história dos grandes
heróis ou dos grandes feitos do passado, em prol de análises que considerassem as
transformações econômicas, políticas e sociais - não exerceram grande influência na
concepção adotada pelos estabelecimentos. Durante alguns períodos, historiadores
com concepções próximas à historiografia estruturalista ou culturista Francesa
estiveram presentes no referido museu. O distanciamento entre as tarefas de
pesquisa e aquelas voltadas para idealização museográfica foi diagnosticado e
criticado por muitos dos historiadores que lá trabalharam (Abreu, 2003).
Abreu nos diz ainda que, desde a sua criação, as principais diretrizes encontradas
no Museu Imperial estão relacionadas à homenagem a Pedro II e à Monarquia.
Alcindo Sodré criticava o acúmulo de peças e antiguidades, as relíquias que
Gustavo Barroso tanto idolatrava no Museu Histórico Nacional, e apontava para um
desenho institucional mais próximo ao imaginário popular. O museu Imperial voltou-
se para atender o grande público – ainda ausente em diversos museus Brasileiros –
apontando com clareza que a tarefa do museu era, a um só tempo, a de ensinar e
seduzir. Segundo ele, O antigo museu, com mostruários reunindo objetos díspares , ao qual se poderia denominar, apropriadamente, “museu-bazar”, está hoje fora de moda. [...] Essa idéia teve de ceder terreno ao critério de que o museu
28deve responder às necessidades de visitantes e conhecedores, isto é, ser um instrumento não só de acúmulo e preservação de um patrimônio espiritual, mas também o instrumento de ciência, deleite e educação do grande público (Sodré, 1950, p.18).
De acordo com Abreu (2003), as imagens de realeza, de nobreza e de monarquia
exerceram, e o fazem ainda hoje, um fascínio muito grande sobre o público. Entre os
antropólogos, a preocupação em compreender a natureza humana e resgatar a
dimensão simbólica da realidade, com lógica própria, mesmo quando considerados
os referenciais políticos e sociais leva a um tratamento cuidadoso em relação aos
objetos, por serem eles quase sempre portadores de uma função eminentemente
simbólica. Malinowski (1976) é citado como exemplo em um de seus mais
importantes trabalhos sobre os nativos das ilhas Trobriands, onde o mesmo propõe
uma interessante analogia entre os objetos que descreviam o kularing (circuito de
trocas) e os objetos – referem-se às jóias da Coroa Britânica – expostos em museus,
ambos com uma função essencialmente simbólica. Para os nativos, os objetos
representavam o selo de uma aliança entre dois indivíduos; para o Ocidente, as jóias
também possibilitavam a comunicação entre indivíduos.[...] as jóias da Coroa Britânica, como quaisquer objetos tradicionais demasiado valiosos e incômodos para serem realmente usados, representam o mesmo que os vaygu’a’: pois são possuídos pela posse em si. É a posse, aliada à glória e ao renome que ela propicia que constitui a principal fonte de valor desses objetos. Tanto os objetos tradicionais ou relíquias históricas dos Europeus quanto os vaygu’a’ são apreciados pelo valor histórico que encerram. Podem ser feios, inúteis e, segundo os padrões correntes, possuir muito pouco valor intrínseco; porém, só pelo fato de terem figurado em acontecimentos históricos e passados pelas mãos de personagens antigos constituem um veículo infalível de importante associação sentimental e passam a ser considerados grandes preciosidades (Malinowski, 1976, p. 80).
Todavia, além do Museu Imperial (Abreu, 2003) outros museus encaixam-se neste
projeto do símbolo onde a impressão é mais forte do que a reflexão. Pois, o fascínio
advindo das obras de arte, dos objetos e de todo o acervo de um museu provoca no
indivíduo o privilégio de estar localizado em um tempo e um espaço que lhe confere
um poder evocativo muito forte. O museu prioriza e dá destaque à recriação de um
ambiente, formado por um conjunto de objetos que se encontram envolvidos por um
forte conteúdo simbólico. A boa receptividade pelo público, certamente, fortalece a
ação dos museólogos e demais líderes à frente dos museus.
295.2 Funções Sociais dos Museus no século XXI
5.2.1 Propriedades dos Museus: Simbologia, Memória e Identidade
A partir da segunda metade do século XX, mais especificamente a partir da década
de 1970, a instituição museu vem se transformando no sentido de desenvolver uma
relação mais estreita com a sociedade. Esse movimento fez com que o museu
buscasse dialogar com diferentes públicos e ampliar a participação e representação
social e cultural em seu espaço. O museu tem por princípio servir à sociedade
(estatutos do ICOM) e, nesse sentido, é essencial que a dimensão educativa
perpasse todas as suas áreas. Destaca-se aqui a concepção de educação no
alcance de comprometimento com a transformação social. O caráter educativo do
museu deve ser compreendido a partir de uma visão ampla, e não somente como
ensino-aprendizagem, como é freqüentemente associado (Musas, nº 1, 2004).
Ao realizar-se uma reflexão sobre o processo histórico de surgimento dos museus,
do ponto de vista do desenvolvimento da ciência museológica e dos encontros
organizados pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), percebe-se que vêm
se estabelecendo análises críticas e amplos debates sobre as funções e tudo o que
compõe a estrutura organizacional do museu. Os debates do ICOM indicam que os
museus vêm trabalhando sob conceitos que levam em consideração a interação
com o contexto social e com o patrimônio cultural reconhecidos e eleitos pelas suas
comunidades. Os museus, ao reconhecerem que, além das funções de preservar,
conservar, expor e pesquisar, são fundamentalmente instituições a serviço da
sociedade, que buscam por meio de ações educativas tornaram-se elementos vivos
dentro da dinâmica cultural das cidades (Musas, nº 1, 2004).
O grande desafio do museu está em conjugar educação e lazer (Musas, nº 1, 2004);
pois eles são criados para atender às diversas demandas e particularidades de
públicos específicos – pessoas de todas as idades, formações, habilidades, classes
sociais e etnias – a partir das políticas de comunicação e educação do museu.
30A educação é uma das funções do museu. Este se caracteriza por ser um espaço de
educação não formal, que tem por objeto de trabalho o bem cultural. O objetivo da
educação em museus, assim como da educação em um sentido amplo, é oferecer
possibilidades para a comunicação, a informação, o aprendizado, a relação dialética
e dialógica educando/educador, a construção da cidadania, e o entendimento do que
seja identidade, que permita a formação de um sujeito histórico-social que analisa
criticamente, recria e constrói a partir de um referencial que se situa no seu
patrimônio cultural tangível e intangível como fonte primária de conhecimento e
enriquecimento individual e coletivo. Atividades estas que consideram o museu
espaço ideal de articulação do afetivo, do sensorial e do cognitivo, do abstrato e do
conhecimento inteligível, bem como da produção do conhecimento (Musas, nº 1,
2004).
Neste sentido, no acervo de um museu está presente a simbologia que preserva
mais a “imagem” – através dos objetos – que o “retrato”. Isto é, o imaginário popular
dos visitantes considera os objetos do acervo – matéria fruto da valorização também
de imaginários anteriores – numa ambiência relacionada mais do que pela obra de
arte, interessando-se pela “vida dos homens do passado de quem eles são a própria
emanação” (Abreu, 2003). Trata-se da humanização do museu, portanto, os objetos
ganham vida, cada vez que são vistos pelo olhar de um homem para quem a
simbologia do objeto abrange o significado inovador da vida que pulsa na “alma” e
na espiritualidade de todo ser humano. Como diria Sodré sobre o Museu Imperial:[...] o Brasileiro, ao penetrar os umbrais dessa casa, não vai satisfazer uma simples curiosidade de ver como era um palácio imperial, mas receber e guardar a indelével impressão educativa de se sentir contemplado por um passado que soube cumprir bem alto a sua missão no serviço da pátria (Sodré, 1950, p.36).
Em 1992, realizou-se em Caracas, Venezuela, por iniciativa da UNESCO, o
seminário “A missão do museu na América Latina hoje: novos desafios”, reunindo
representantes de dez países latino-americanos para refletir sobre a missão do
museu como um dos principais agentes do desenvolvimento integral na região. A
essência da Declaração de Caracas, segundo Horta (1995), foi conceber “o museu
como um ‘meio’ de comunicação - reconhecendo-se sua ‘linguagem’ própria - entre
31os elementos desse triângulo - território-patrimônio-sociedade- servindo de
instrumento de diálogo, de interação das diferentes forças sociais - sem ignorar
nenhuma delas, inclusive as forças econômicas e políticas; um instrumento que
possa ser útil, em sua especificidade e função, ao ‘homem indivíduo’ e ‘homem
social’ para enfrentar os desafios que vêm do presente e do futuro”.
Segundo Abreu (2003), o museu consegue engenhosamente entrelaçar a “história
oficial” de uma época com a história de nossos avós, em que o tempo perde
singularidade e a memória une passado e presente, despertando o “espírito” de um
tempo, por meio de testemunhos vivos do passado. Ou seja, na tentativa de
aproximar presente e passado, pela memória, é interessante observar, por exemplo,
como pequenos costumes são preservados por diversas pessoas até os dias atuais.
A memória cristaliza-se quando seu objeto já não existe mais. É sempre uma
recriação deste objeto e, como tal, guarda continuidades e diferenças em relação ao
passado vivenciado a que se reporta. Os “suportes da memória”, designação dada
por Pierre Nora a tudo aquilo que ainda tem algum vínculo com rito e com o sagrado
numa sociedade que dessacraliza, são objetos, ou mesmo sentimentos, os quais se
procura dotar de uma espécie de imortalidade, mas que, paradoxalmente, só
sobrevivem graças à mutação contínua de significados que vão adquirindo junto aos
homens. O acervo museológico é sempre produto da atividade humana, da História,
das relações de poder.
Nesse mundo de espetáculo, cuja base é a imagem, é fundamental compreender, no
entanto, que as linguagens inscritas nos museus têm leituras diferenciadas e não
devem ser vistas como detentoras de uma lógica própria, nem submissas a um
modelo funcional fixo. Elas são produto de uma relação contínua entre os homens
em que a dominação caminha junto ao consentimento. A aceitação indiscriminada da
sacralização de determinados objetos indica a incorporação, pela sociedade, de um
conjunto de idéias e pensamentos. Essas representações ligam-se a sentimentos
profundos e generalizados, que são disputados por diferentes grupos, os quais lutam
para associar a eles idéias e crenças de conteúdos diversos (Abreu, 2003).
32Nos museus, sobretudo os históricos, estão em pauta a preservação, o uso e a
transmissão de uma determinada herança cultural, composta de fragmentos a que
se atribui o papel de representação narrada sob determinada ótica. Essa herança, à
medida que se articula com fatos, acontecimentos, processos e conjunturas
políticas, é convertida em memória. Trata-se da “construção de um novo olhar
lançado sobre o perfume das flores da memória” (Fischer, 1977) habitante do
imaginário social composto de seres humanos artistas produtores privilegiados do
processo memorial que reconstitui o acontecimento histórico com o seu próprio
estilo, servindo-se para tanto, da memória. “Entre o público visitante e o
acontecimento, há uma dupla mediação”. Ou seja, indica o papel do visitante artista
e do museu como mediadores de emoções, pensamentos, intuições e sensações,
entre o público e fatos, fenômenos e acontecimentos.
A interpretação dos fatos e acontecimentos históricos, a partir de uma visita ao
museu, significa a lembrança e o pronunciamento de um visível teor ideológico
(Abreu, 2003). Na arena da memória, a intervenção dos juízos de valor é notável. O
sujeito não se contenta em narrar como testemunha histórica neutra (Bosi, 2003).
Ele quer também julgar, marcando bem o lado em que estava naquela altura da
história, e reafirmando sua posição política. A memória política, ao ser invocada, não
reconstitui o tempo passado, mas faz dele uma leitura, banhada nas experiências
objetivas e subjetivas daquele que lembra. É como se a memória dos
acontecimentos políticos suscitasse uma palavra presa à situação concreta do
sujeito. Por mais natural que possa parecer, essa memória é construção que se
atualiza no presente e projeta-se para o futuro. Para atualizar-se e projetar-se de um
tempo em outro, a memória lança mão de diversas fontes. Estudando o processo de
construção e perpetuação da memória política, social e histórica do Trabalhismo, por
exemplo, João Trajano Sento-Sé (1999) observa que os meios de transmissão da
memória não passam apenas pela oralidade, mas também por histórias, relatos e
documentos. Essa memória, experiência social de difícil e delicada função, é a
garantia profunda de domínio, preservação, transmissão e continuidade de
significados de todas as coisas em toda sociedade. É como se ela fosse a musa da
mitologia Grega com função “sagrada”. A evocação dessa aura de sacralidade da
função da memória obedece a um princípio inarredável da reflexão de um
33antropólogo. Trata-se da comparação entre as culturas, como mecanismo de
revelação das propriedades de qualquer fenômeno humano.
Todavia, Bittencourt (2004), afirma que a questão colocada – as funções sociais dos
museus – diz respeito à contribuição do museu para o processo de construção do
conhecimento em nossa realidade. Trata-se de os museus serem valorizados como
mais um espaço de veiculação, produção e divulgação de conhecimentos, onde a
convivência com o objeto – realidade natural e cultural – aponte para outros
referenciais no desvendar do mundo. Este norte é a construção da memória através
dos conhecimentos e referenciais adquiridos pela potencialidade educativa dos
museus. Verifica-se o reconhecimento cada vez maior que vem sendo dado ao
potencial educativo destas instituições nas duas últimas décadas, evidenciado pela
quantidade de teses, artigos, experiências e simpósios sobre o tema.
Nesta perspectiva, a memória é entendida como objeto de conhecimento e que, no
caso de um museu histórico, uma de suas principais funções é a de contribuir para o
entendimento de sua construção e de sua representação na identidade coletiva.
O ponto crucial da memória ordena a vida simbólica da maior parte das culturas. A
memória coletiva é a memória da sociedade, da totalidade significativa em que se
inscrevem e transcorrem as micromemórias pessoais, elos de uma cadeia maior. É
esse caráter da memória coletiva que reveste de sacralidade as rememorações
míticas e as reencenações rituais freqüentemente associadas à identidade coletiva
de uma classe de idade ou de fraternidade, por exemplo. A memória autonomiza a
função reflexiva do pensamento permitindo a racionalização e a formalização do
mesmo. Isto é, uma autonomização da consciência e crítica às condições de sua
produção, uma disposição em distinguir e sopesar as implicações diferenciadas do
sentido prático das normas sociais constituintes de uma ética que vem a ser ou
confundir com algo existente no âmago do ser social - o homem e a identidade
coletiva. As coletividades políticas passam a se constituir através do tesouro
acumulado ao longo do tempo nas práticas de uma população, construindo uma
identidade esmerilhada com curiosos acervos museológicos. Acervos originários dos
arquivos, bibliotecas, gabinetes, coleções, museus, jardins botânicos, cidades,
34monumentos e sítios preservados cada vez mais fazem parte da consciência
humana possibilitando ao homem a crítica reflexiva da memória que organiza a
identidade cultural de uma sociedade (Abreu, 2003).
Contudo, os museus são espaços que vão ao encontro da necessidade das pessoas
com relação à identidade cultural, ao enraizamento, ao autoconhecimento, ao
conhecer-se diante da alteridade. Conscientizemo-nos, para além do
entretenimento, da responsabilidade dos museus no sentido da valorização das
identidades locais (Musas, nº 1, 2004).
356. RELEVÂNCIA DOS RESULTADOS================================================================6.1 Museu de Artes e Ofícios
6.1.1 Histórico
O Museu de Artes e Ofícios, inaugurado em 14 de dezembro de 2005, em Belo
Horizonte, é o primeiro empreendimento museológico Brasileiro dedicado
integralmente ao tema das artes e dos ofícios e do trabalho no país. Com 9.000 m²
de área, o museu ocupa os prédios históricos da Estação Central, local onde
funciona, ainda hoje, uma estação de metrô e um ramal ferroviário, no centro da
capital do estado de Minas Gerais (www.mao.org.br).
O museu é uma iniciativa do Instituto Cultural Flávio Gutierrez – ICFG - e foi
desenvolvido a partir da doação ao patrimônio público de uma coleção de mais de
2.147 peças, dos séculos XVIII ao XX, pela empreendedora cultural Ângela
Gutierrez. A coleção mostra a riqueza da produção popular na era pré-industrial: os
fazeres, artes e ofícios que deram origem às profissões contemporâneas. Ao
percorrê-la, com o suporte de recursos museográficos e de ações educativas, o
visitante poderá ver um amplo painel da história e das relações sociais do trabalho
no Brasil, nos últimos três séculos.
O Instituto Cultural Flávio Gutierrez – ICFG - fundado e presidido por Ângela
Gutierrez, tem por objetivo a preservação, difusão e valorização do patrimônio
36cultural brasileiro. Criado em 1998, o ICFG é uma entidade do terceiro setor, sem
fins lucrativos, que atua especialmente no desenvolvimento de projetos
museológicos e museográficos, tais como o Museu do Oratório e o Museu de Artes e
Ofícios. Além disso, o ICFG coordena projetos editoriais focados na área de
patrimônio e desenvolve projetos educacionais e culturais. O nome do Instituto é
uma homenagem ao empresário Flávio Gutierrez e revela o compromisso de Ângela
Gutierrez com a continuidade do trabalho desenvolvido por seu pai como
colecionador e incentivador das artes e da cultura brasileira. Sediado em Belo
Horizonte, Minas Gerais - Estado que abriga o maior conjunto de bens tombados do
patrimônio histórico brasileiro -, o Instituto tem a chancela da UNESCO e, pela
seriedade do trabalho desenvolvido desde a sua criação, recebeu em 2003 o Prêmio
Reina Sofia - concedido pelo governo espanhol a instituições e projetos que
valorizam e preservam o patrimônio artístico e cultural na Península Ibérica e nos
países americanos de origem latina.
Em outubro de 2000, ao comemorar dois anos de existência, o Instituto Cultural
Flávio Gutierrez anunciou a decisão de implantar o Museu de Artes e Ofícios, com o
apoio do Ministério da Cultura e da CBTU - Companhia Brasileira de Trens Urbanos.
O museu foi planejado para receber a coleção organizada, ao longo da vida, por
Ângela Gutierrez - presidente do ICFG – coleção esta que assumiu a dimensão de
um acervo bastante representativo da história do trabalho pré-industrial no país.
O local escolhido foi a Estação Central, no centro de Belo Horizonte. As obras
tiveram início em 2001 e já em 12 de dezembro do ano seguinte foi concluída a
primeira etapa do projeto, envolvendo, a assinatura do Termo de Compromisso para
a doação do acervo do Museu de Artes e Ofícios; a entrega da primeira etapa das
obras do museu, com a restauração do prédio principal e a abertura da exposição
"Trilhos da Memória", que apresentou aspectos históricos da Praça da Estação.
Após mais três anos de trabalho foram concluídas as obras essenciais de
implantação, envolvendo, adaptação das plataformas para abrigar galerias
expositivas; restauração do prédio da Estação da Oeste de Minas; trabalhos de
pesquisa e organização da exposição permanente e o desenvolvimento de um
37programa permanente de conservação de acervo. O Museu de Artes e Ofícios foi
aberto ao público no dia 10 de janeiro de 2006.
A criação da Praça da Estação coincide com a fundação de Belo Horizonte no final
do século XIX. Antes mesmo da inauguração da capital, a região nas proximidades
da Estação já apresentava quarteirões em formação, com restaurantes e edificações
novas atraindo ao local um movimento regular de transeuntes.
A Estação Central era, desde os tempos inaugurais da nova capital, uma importante
referência urbana. Constituía-se o pórtico da cidade, o lugar de recepção e
despedida das pessoas que vinham conhecer as inovadoras obras arquitetônicas e
urbanísticas que estavam sendo construídas no interior do país.
Com a implantação do Museu de Artes e Ofícios, a Praça da Estação avança no
sentido de sua complementação, contribuindo para o processo de revitalização de
toda a região central da cidade, já consolidada como um pólo cultural.
O projeto do arquiteto e museógrafo francês Pierre Catel estabeleceu a ocupação
dos dois prédios da Estação Central, o aproveitamento das áreas externas próximas
ao embarque e desembarque de passageiros. Também foi criado um jardim-museu,
além de espaços para restaurante, área de eventos, loja e áreas de convivência. O
túnel de ligação entre os prédios é um projeto do cenógrafo Paulo Pederneiras e
será executado futuramente. No total, são 9.000 m2 de área ocupada. A estação de
metrô continua atendendo diariamente cerca de 20 mil usuários, assim como a
estação ferroviária continua operando normalmente.
A proposta museológica realiza-se através de uma linguagem expositiva inovadora,
que se utiliza da mediação de recursos tecnológicos e multimeios. A partir de um
acervo de caráter histórico – tecnológico que abrange dos séculos XVIII a XX - o
museu faz sua inserção na contemporaneidade e se projeta para o futuro, refletindo
sobre as relações sociais do trabalho.
38O museu funciona também como um centro difusor de conhecimento na área
museológica, atuando na formação e na capacitação profissional, através de
seminários articulados pelo ICFG. A proposta museológica se completa com projetos
editoriais próprios e uma área de extensão cultural, além do programa educativo,
com atendimento especial para estudantes e atividades para públicos específicos.
O Museu de Artes e Ofícios é administrado pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez,
entidade do terceiro setor, sem fins lucrativos, que atua especialmente no
desenvolvimento de atividades museológicas e museográficas. A diretoria do ICFG
responde, portanto, pela gestão institucional do MAO. A Direção Geral é de Ângela
Gutierrez – ICFG; o Planejamento Estratégico e Gestão Executiva são de Duo
Informação e Cultura; a Museologia é de AT & AT MUSEUM; a Concepção
Arquitetônica e Museografia são de Panoptès Muséographie; a Arquitetura é de AFT
Associados; as Obras Civis são de Total Engenharia; a Restauração e
Documentação são de Grupo Oficina de Restauro; o Programa Educativo é de
Helena Mourão Loureiro; a Gestão Financeira é de CTC- Contcultural; a
Comunicação Interna é de Fátima Andrade Dias; a Comunicação e Assessoria de
Imprensa é de Conceito Comunicação Estratégica; a Assessoria Jurídica é de
Drummond & Neumayr Advocacia; a Identidade Visual é de New Comunicação; a
Fotografia é de Miguel Aun; a Documentação Vídeográfica é de Emvideo e a Internet
é de Mondoweb - Margaret Marinho (www.mao.org.br).
6.1.2 A Influência do Museu de Artes e Ofícios na Construção da Identidade Belorizontina
Outrossim, o Museu de Artes e Ofícios possui a proposta de preservar a memória do
Belo-horizontino em tempos que intelectuais, órgãos políticos e cidadãos em geral
procuram traçar ou retraçar a noção de identidade cultural coletiva e a brasilidade.
Desde a criação do museu, o nível de visitação é alto. Inegavelmente, é um dos
museus mais aceitos pelos Belo-horizontinos como sendo uma de suas mais fortes
referências culturais. Quem nunca foi ao museu mostra intenção de visitá-lo e quem
já o visitou guarda boas lembranças. O que ele nos proporciona, que valores
representa?
39Mitos e memórias coletivas proporcionam uma coerência interna à nova entidade
que está sendo forjada satisfazendo uma necessidade de sentido presente entre os
que dela participam (Abreu, 2003). A forma pela qual os Belo-horizontinos têm se
compreendido como tal apresenta continuidades e rupturas ao longo do tempo, onde
a tradição orientada para o futuro dá forma à identidade dos membros de Belo
Horizonte para que pensem em si mesmos como partes de uma cidade e de uma
Nação. Os objetos do acervo museológico dispõem-se de maneira a constituir um
discurso. Colecionados ao longo do tempo, esses objetos possuem a capacidade de
produzir conhecimentos; a partir deles verifica-se o reconhecimento ao seu potencial
educativo evidenciado pela identidade através da memória. A exposição do acervo
do museu possui o potencial de transmitir mensagens aos visitantes podendo
aumentar a capacidade de compreensão destes em relação aos significados de sua
personalidade. A exposição geralmente apresenta objetos, textos, desenhos, figuras,
fotografias, vídeos, obras de artes formando um discurso complexo, tanto quanto,
familiar aos visitantes e, desta maneira, estabelecendo uma mediação entre a
exposição e o público do museu, facilitando a recepção e compreensão das
mensagens propostas pela exposição e possibilitando que o visitante construa suas
significações.
A história está dentro de nós, e não fora. Por isso o acervo museológico possui a
capacidade de ampliar o significado do tempo e do espaço passados num tempo e
espaço presentes no momento da visitação do indivíduo ao museu. Isto é, o museu
relaciona presente e passado em tempos, lugares e cidadãos diferentes para além
do que se pode ver, logo, alcança o ser em seu estado mais íntimo – o âmago da
personalidade humana – construindo e reconstruindo a identidade coletiva como
quem interpreta ou reinterpreta a pessoa humana em sua complexidade, não
obstante, em sua completude. Neste sentido a memória, Le Goff (1996), está a
serviço do homem visitante no museu. O potencial de despertar no ser a busca de
sua memória está contido no museu e permeia o visitante em todos os momentos da
visitação, inclusive naqueles indivíduos que não estão, num primeiro momento,
dispostos à esta busca.
40Entretanto, é como se o museu compreendesse o esquecimento como um dos
crimes maiores contra a humanidade. Todavia, seu objetivo é alcançar a
subjetividade, é apreender a vida em seu interior. O papel do museu, assim
concebido, é história dionisíaca e não simplesmente intelectualista. Deste modo ele
reúne elementos – “Matéria” e “Espírito” – a primeira vista, inconciliáveis através dos
objetos-símbolos do acervo numa representação da personalidade humana e sua
identidade coletiva. A partir do Museu de Artes e Ofícios percebe-se a matéria para
além de sua propriedade natural, esta por sua vez, estende-se ao “espírito” como
quem busca e encontra o domínio subjetivo, sobretudo, familiar. Esta é a dicotomia
do museu moderno. Isto é, o museu como formação da identidade. O imaginário
coletivo mistura-se à realidade e ganha expressão social, esta constrói ou reconstrói
a representação da identidade coletiva.
Usualmente, o museu influencia a formação de identidade coletiva ao fornecer,
intrinsecamente, ao visitante um sentimento de pertencimento (Gonçalves, 1996) a
uma história que lhe é familiar. Desta maneira desperta no indivíduo peculiaridades
de uma fase vivida a tempos e ali reconstruída através do discurso mudo do museu,
porém, profundo em representações que suscitam no visitante o processo de
enraizamento. Neste momento a dimensão íntima do visitante é alcançada por meio
da influência do acervo do museu. Por conseguinte, a intimidade com o acervo
introduz o indivíduo no complexo mundo das significações. O visitante diante do
acervo é, naturalmente, confrontado pela reflexão íntima: o paradoxal processo de
enraizamento em detrimento do desenraizamento (Bosi, 1992). Isto é, as
experiências sociais tendem a perder-se no tempo. À memória resta captá-las ao
máximo, a fim de que a identidade cultural do ser humano seja preservada de
geração em geração. Mas, na exclusividade de sua dependência surge o sentimento
de perda (Gonçalves, 1996), afinal, ela não suporta apreender o mundo em toda a
sua plenitude. Porém, as raízes culturais estão sempre preservadas por ela, ainda
que, de forma inconsciente, o qual, em contato com o acervo do museu desperta-se
para a construção da identidade. Nisto reside e eficácia do museu, isto é, a
formação da identidade.
41Neste sentido, o museu contém dois mundos: o que lhe é próprio e o que lhe é
peculiar. A peculiaridade do museu é a capacidade de expandir a memória do
visitante para além de suas limitações. O acervo do museu desperta no visitante a
categoria mais íntima do ser, ou seja, o folclórico e exótico - a personalidade
humana é um mundo pessoal complexo de lembranças, alegrias, tristezas,
saudades, dúvidas, certezas, perturbações, tradições, diferenças - contido no ser
humano, e que constitui sua identidade. Esta é representada pela ampliação dos
sentidos através do contato do visitante com o acervo do museu. Num panorama
mais amplo pode-se perceber no acervo do museu a capacidade que este possui de
explicar, intrinsecamente, o contexto histórico de cada personalidade oferecendo-a
a identidade.
Portanto, o acervo do museu fala imediatamente à personalidade do visitante
comunicando-lhe algo familiar através da peculiar sincronia estabelecida, neste
momento, entre o visitante e o objeto, o qual, passa a ter um significado social,
político e cultural. O visitante surpreendido pelo olhar do objeto – capaz de
permeabilizar o olhar - torna-se leitor e interpretador do mesmo como quem dá a
volta ao mundo, ao longo do tempo, através da complexidade dos objetos do acervo.
Desta maneira, o museu possui o fenômeno de formar identidade, por meio da
reapropriação do visitante pelo objeto do museu. A idéia do museu conquista o ser
humano pela complexidade da história que faz girar as transformações e conquistas
da personalidade. Esta dinâmica constitui a sublimação do museu na formação de
identidade através do diálogo invisível entre o mundo do objeto e a problemática da
pessoa humana em termos de enriquecimento pessoal pela reflexão na elasticidade
da comunicação entre ambos.
Todavia, a responsabilidade social do museu o expõe a um público geral, e não
somente acadêmico. Neste sentido, a exposição dos objetos não é simplória, posto
que, comunica-se com o complexo mundo da personalidade e diferenças humanas,
contudo, não é confusa, visto que alcança o “espírito” do homem presente em todo
ser humano. O sentido político e o desafio do museu moderno - capaz de
transformar a mudez de seus objetos materiais em palavras íntimas que alteram,
42transformam, multiplicam, instigam, definem, integram a personalidade ou o
“espírito” humano - é a formação da identidade.
437. CONCLUSÕES=======================================================
Os museus são alvos estratégicos para promoção da cidadania, da educação, do
conhecimento, do reconhecimento e, por conseguinte, do despertar da memória e
construção de identidade coletiva. Portanto, é preciso abrir o coração ao visitá-los,
usufruindo assim da experiência inigualável no reconhecimento de si através dos
objetos que compõem seu acervo. Esses símbolos carregam consigo a magia de,
silenciosamente, impactar o visitante de maneira tão especial despertando-lhe a
memória, a familiaridade e a identidade.
Neste sentido, o museu moderno é potencialmente dialético, ao reservar para si a
capacidade de produzir prazer e conhecimento ao mesmo tempo. O prazer constrói-
se através do acervo, este, matéria imbuída de representações familiares, que mais
ou menos próximas, possuem o poder de despertar no visitante um fascínio
indescritivelmente espetacular. Da subjetividade contida nos objetos surge o
conhecimento e o reconhecimento intrínseco capazes de influenciar o visitante
adicionando-lhe ao presente o passado, por vezes não experimentado, mas por ele
sentido “espiritualmente” como se fosse um processo de envelhecimento e
rejuvenescimento, concomitantemente, acelerado a fim de despertar a memória
construindo a identidade.
No Museu de Artes e Ofícios caracterizou-se o processo da formação de identidade
coletiva através da memória capaz de identificar a simbologia contida nos objetos de
um acervo. A influência do museu na formação de identidade ocorre através do
imaginário coletivo que envolve cada indivíduo apreendendo-o por meio de um
tempo e um espaço bem definido no museu.
Deste modo, o museu transforma-se em objeto, paradoxalmente, rejuvenescedor
capaz de proporcionar ao ser humano maior apreensão de seu acervo. Ao entrar em
contato com a “alma humana” os objetos despertam-lhe a “espiritualidade” contida
em sua base variando-se entre material e espiritual numa cinética subjetivamente
íntima e familiar. Trata-se, então, do conhecimento maior, o qual insere o homem na
44subjetividade. Esta, porém, não se trata de algo desligado do cotidiano, e sim
intrínseco, íntimo o bastante para qualificar o homem de maneira
surpreendentemente especial na forma do descobrir-se a si mesmo através das
representações do museu para a construção de identidade.
Todavia, o Museu de Artes e Ofícios encontra-se classificado como estrutura
complementar – tal qual a escola que valoriza a experimentação, o interesse, a
criatividade – da personalidade humana somada às sensações experimentadas na
visita e ao privilégio vivenciado, estabelecendo importante proposta na formação da
identidade.
458. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS================================================================
ABREU, Regina; CHAGAS, Mário. (Org.). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
BITTENCOURT, Circe. In. (Org.). O Saber Histórico na Sala de Aula. 9 ed. São Paulo: Contexto, 2004. FISCHER, Ernst. KONDER, Leandro. (Trad.). A Necessidade da Arte. 6 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977. FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História: Experiências, reflexões e aprendizados. São Paulo: Papirus, 2003.
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ; IPHAN, 1996.
JORGE, Rui Chamone. Museu Didático de Imagens Livres. Belo Horizonte: Ges.to, l997.
LE GOFF, Jacques. LEITÃO, Bernardo. (Trad.). [et. Al.]. História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996. PAULA, João Antônio de. Raízes da Modernidade em Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. SANTOS, Fausto Henrique; FERNANDES, Neusa. Bibliografia Museológica. 2 ed. Rio de Janeiro: Nara Abud Tauile, l994.
SEMINÁRIO Área Central: Um Olhar a partir do Patrimônio Cultural. Belo Horizonte: Casa do Baile e FMC/PBH, 2006.
SODRÉ, A. de A. Museu Imperial. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1950.
STUDART, Denise Coelho. Educação em museus: produto ou processo? MUSAS -Revista Brasileira de Museus e Museologia, Rio de Janeiro, V.1, n.1, p.35-38, IPHAN, 2004.
STUDART, Denise Coelho. Conceitos que transformam o museu, suas ações e relações. MUSAS -Revista Brasileira de Museus e Museologia, Rio de Janeiro, V.1, n.1, p.43, IPHAN, 2004.
Disponível em < htpp: www.mao.org.br > acesso em 31 de Agosto de 2006.
469. BIBLIOGRAFIA================================================================
ANDRADE, M. O Movimento Modernista. In: Aspectos da Literatura Brasileira. São Paulo: Martins, 1974. BAZIN, Germain. PERNES, Fernando. (Trad.). História da Arte. Lisboa: Livraria Bertrand, 1953.
BOSI, Ecléa. Cultura e Desenraizamento. 2 ed. São Paulo: Ática, 1992.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 14 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. 15 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CARVALHO, José Murilo de. Teatro das Sombras. A Política Imperial. São Paulo: Vértice, 1988
FRENANDES, Edésio. RUGANI, Jurema Marteleto. (Org.). Cidade, memória e legislação: a preservação do patrimônio na perspectiva do direito urbanístico. Belo Horizonte: IAB-MG, 2002. FERNÁNDES, Luis Alonso. Museología y Museografía. Buenos Aires: Ediciones Del Serbal, 1999.
GEERTZ, Clifford. RIBEIRO, Vera Ribeiro. (Trad.). Nova Luz sobre a Antropologia. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
LAMBERT, Rosemary. CABRAL, Álvaro. (Trad.). A Arte do Século XX. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984.
LÉVI-STRAUSS, C. O Pensamento Selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973.
MALINOWSKI, Bronislaw. Uma Teoria Científica da Cultura. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia Cultural: Iniciação, Teoria e Temas. 4 ed.
Petrópolis: Vozes, 1987.
RAMOS, Arthur. Introdução à Antropologia Brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Coleção de Estudos Brasileiros – CEB, 1947.
47SCHIAVO, Cléia. ZETTEL, Jayme. (Org.). Memória, Cidade e Cultura. Rio de Janeiro: Eduerj, 1997.
ZANINI, Walter. História Geral da Arte no Brasil. 2 ed. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983.