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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI URCA DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LITERATURAS CURSO LICENCIATURA PLENA EM LETRAS AS CABRAS ENSINARAM-NOS A COMER PEDRAS PARA NÃO PERECERMOS E CANTO Á CABO-VERDE: A Consciência de um povo e a Esperança de uma Vida Digna JOSÉ HÉLIO BEZERRA DA SILVA CARIRIACU CE 2009

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Page 1: Universidade Regional Do Cariri

UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA

DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LITERATURAS

CURSO LICENCIATURA PLENA EM LETRAS

AS CABRAS ENSINARAM-NOS A COMER PEDRAS

PARA NÃO PERECERMOS E CANTO Á CABO-VERDE:

A Consciência de um povo e a Esperança de uma Vida Digna

JOSÉ HÉLIO BEZERRA DA SILVA

CARIRIACU – CE

2009

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JOSÉ HÉLIO BEZERRA DA SILVA

AS CABRAS ENSINARAM-NOS A COMER PEDRAS

PARA NÃO PERECERMOS E CANTO Á CABO-VERDE:

A Consciência de um povo e a Esperança de uma Vida Digna

Trabalho de conclusão de curso

apresentado à Coordenação do

curso de Letras da Universidade

Regional do Cariri, como requisito

para a obtenção do título de

graduado em Letras sob a

orientação da professora Maria

Socorro de Morais Martins.

Page 3: Universidade Regional Do Cariri

DEDICATÓRIA

Aos meus queridos pais, Ana e Luiz, pela compreensão e o

estímulo que em todos os momentos foram, sobretudo,

motivadores e colaboradores para minha formação,

incentivando-me e apoiando-me a todo custo. A ele, pela cabeça

tantas vezes “ardida”, atormentado pela insônia, por eu virar

noites e noites a trabalhar. A ela, minha gratidão pelos

incontáveis terços debulhados em prol da minha realização.

Page 4: Universidade Regional Do Cariri

AGRADECIMENTO

Ao Deus onipotente, que por varias vezes abriu portas e

caminhos para que eu trilhasse meu destino.

A minha orientadora, dona Socorro Martins, que em

apenas 15 dias de convívio modificou meu pensamento e me

apresentou a algo surpreendente que é a Literatura Africana.

A profª. Mônica, que com seu carisma e sua dedicação

ao ensino de Psicologia expandiu meu pensamento e me fez

enxergar além do obvio.

As minhas amigas Camila e Eneida, que me ajudaram a

superar difíceis momentos, me suportaram nas horas de stress e

me influenciaram na tomada de certas decisões.

Enfim, agradeço a todos os que me ajudaram direta ou

indiretamente na elaboração deste trabalho e para o meu

crescimento intelectual.

Page 5: Universidade Regional Do Cariri

A literatura surge sempre onde há um povo que vive e sente.

Afrânio Coutinho

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Resumo

Tendo como ponto de partida os poemas: As cabras ensinaram-nos a comer pedras

para não perecermos do escritor Ovídio Martins e Canto à Cabo Verde de David Hopffer

Almada, ambos Cabo-verdianos, aborda-se o diálogo literário presente nos mesmos,

sobretudo a partir de uma contextualização em relação aos diferentes períodos literários em

que foram escritos. Neste trabalho, longe de fazer juízo de valor quanto à influência de um

autor sobre outro, são enfatizados os processos de auto-identificação de um povo.

Este trabalho também consiste em verificar, comparativamente, as semelhanças e

diferenças que os aproximam e os distanciam considerando as relações existentes. Procurando

ainda detectar os pontos de convergências e divergências a partir da analise intertextual.

Page 7: Universidade Regional Do Cariri

SUMÁRIO

RESUMO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................

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1. LITERATURA COMPARADA: A ARTE DA COMPARAÇÃO.................................. 09

1.1. BREVE HISTÓRICO................................................................................................ 10

1.2. INTERTEXTUALIDADE OU DIALÓGISMO: UM RIO COM DISCURSO........ 11

1.3. TIPOS DE INTERTEXTUALIDADE.......……………….................…………….. 12

2. LITERATURA AFRICANA: UM TRAÇADO DE IDENTIDADE............................... 14

2.1. CABO VERDE E O MOVIMENTO CLARIDADE................................................. 15

2.3. INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES............................................................... 17

2.3.1. OVÍDIO MARTINS........................................................................................ 17

2.3.2. DAVID HOPFFER ALMADA....................................................................... 18

3. ANALISE COMPARATIVA DOS POEMAS................................................................. 19

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 23

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................ 25

ANEXOS.............................................................................................................................. 26

Page 8: Universidade Regional Do Cariri

INTRODUÇÃO

Este trabalho consiste num estudo comparativo entre dois poemas representativos da

Literatura Africana: As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos, do

escritor Cabo-verdiano Ovídio Martins e o Canto a Cabo Verde, do autor, também Cabo-

verdiano, David Hopffer Almada. Os poemas são escritos em fases e momentos diferentes,

mas que contem uma carga semântica divergente, porém, semelhante.

O primeiro, é um poema que evoca, num estilo declamatório, o sofrimento, a epopéia e

o destino do seu povo, recorrendo ao discurso coletivo (“somos os flagelados”, “a nossa

luta”). No contexto político em que foi publicado este poema, a palavra de ordem era resistir.

Por isso, a mensagem central que apresenta é a de perseverança e esperança. Perseverança na

luta quotidiana pela sobrevivência, esperança num futuro melhor.

Já o segundo surge no período nacionalista, pós-claridade, onde a fase do cantalutismo

é predominante nas obras dos poetas. Com a conquista da independência, o povo exalta as

suas vitórias, dentre elas a libertação humana, o cessar da escravidão onde eram explorados, e

esperançosos de uma vida mais digna cantam loas e elogios ao país. Nesse momento o povo

quer um canto de esperança, um canto que seja diferente, um canto de alegria e renovação.

É necessário fazer uma ressalva de que nessa dissertação irá ser analisado o dialogo

intertextual existente nos poemas.

Ambos os autores, em suas obras, usam um mesmo termo que é o elo que os une, o de

“Serem os Flagelados do vento leste” e o de “Já não serem tais flagelados”. Procuraremos

analisar as diferenças e analogias que tornam possível o dialogo entre eles, observando

também as convergências presentes.

Para dar conta do nosso alvo, que é a realização do estudo comparativo entre os dois

poemas, seccionamos o trabalho em três momentos. Antes de chegar à análise dos textos,

núcleo de nossa dissertação, fizemos uma introdução a Literatura Comparada onde

denominamo-la de “A arte de comparar”. Nesse primeiro capitulo é feito um breve histórico

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Page 9: Universidade Regional Do Cariri

do surgimento dessa arte, atribuindo conceitos a intertextualidade e/ou dialogismo e por fim

apresentando os tipos de intertextualidade.

No segundo é feita a apresentação da Literatura Africana como “Um traçado de

identidade”, nesse capitulo há recuo histórico-literário, reportando-nos ao Movimento da

Claridade, acontecido em 1930, e a fase do cantalutismo, pós-independência. Trataremos

ainda, de fazer uma apresentação da biografia dos autores, ressaltando os fatos marcantes das

suas vidas e as suas autorias.

O capitulo III vai tratar de fazer um comparativo crítico entre os poemas mostrando

todos os seus aspectos, e nisso expor o que os faz semelhantes e o que os divergem, de um

ponto de vista intertextual, tentando explicar o fato de um poema ser anti-evasão e o outro de

ser nacionalista e ainda, utilizando do artifício da intertextualidade, mostrar porque um é

intertexto do outro.

Neste trabalho o objetivo é mostrar que a literatura africana é uma literatura militante,

contextualizada e reivindicatória.

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1. LITERATURA COMPARADA: A ARTE DA COMPARAÇÃO

Comparar é um ato de “confrontar, para conhecer as semelhanças e diferenças;

analisar” (ROCHA, Ruth – 1996, pág. 152), essa e a fundamentação que muitos têm em

relação a esse ato.

De um ponto de vista social, é um processo lógico próprio do ser humano que o faz de

artifício para formular, de forma dedutível, seu pensamento em reação a algo.

Comparar é um procedimento que faz parte da estrutura de pensamento do

homem e da organização da cultura. Por isso, valer-se da comparação é

hábito generalizado em diferentes áreas do saber humano e mesmo na

linguagem corrente, onde o exemplo dos provérbios ilustra a freqüência de

emprego do recurso. (CARVALHAL, Tânia Franco, São Paulo: Ática, 2006, pág. 06).

Ao realizar qualquer estudo com base comparativista, no intuído de expor

considerações entre literaturas de mesmo seguimento, é tomado como ponto de partida que o

termo “Literatura Comparada” pressupõe a existência e a prática de uma atitude comparativa.

À primeira vista esse termo não causa problema de interpretação, porém, há controvérsias.

Muitos tendem a uma conceituação generalizada de que é só um ato comparativo. E há

ainda os que preferem restringir a determinados aspectos. Prova disso é que vários artigos,

dissertações, entre outras publicações, tratam de fazer apenas uma investigação que confronta

duas obras, no entanto, o sentido de comparar abrange vários ouros enfoques; varias relações.

A literatura comparada compara não pelo procedimento em si, mas porque,

como recurso analítico e interpretativo, a comparação possibilita a esse tipo

de estudo literário uma exploração adequada de seus campos de trabalho e o

alcance dos objetivos a que se propõe. (CARVALHAL, Tânia Franco, São

Paulo: Ática, 2006, pág. 07).

Aos poucos se torna mais claro que literatura comparada não pode ser entendida

apenas como sinônimo de "comparação", pois há um emaranhado de questões que a envolve.

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Por tudo apresentado é que intitulamos este capitulo de “Literatura Comparada: a arte

da comparação” para exaltar essa disciplina, de forma que acabe este conceito retrogrado de

que a literatura comparada e um método apenas analítico. Comparar nessa disciplina é

mostrar mais que um mundo de semelhanças e diferenças, é englobar e situar, com o nosso

“conhecimento de mundo”, toda uma perspectiva relevante.

1.1. BREVE HISTÓRICO

O surgimento da literatura comparada está vinculado à corrente de pensamento

cosmopolita que caracterizou o século XIX, época em que comparar estruturas ou fenômenos

análogos, com a finalidade de extrair leis gerais, foi dominante nas ciências naturais.

Entretanto, o adjetivo "comparado", derivado do latim comparativus, já era empregado

na Idade Média.

Em 1598, Francis Meres utiliza-o no título de seu Discurso comparado de nossos

poetas ingleses com os poetas gregos, latinos e italianos, e vamos também encontrá-lo em

designações de obras dos séculos XVII e XVIII. Em 1602, William Fulbecke publica Um

discurso comparado das leis e, logo depois, surge a Anatomia comparada dos animais

selvagens, da autoria de John Gregory.

Mas é, sem dúvida, no século XIX que a difusão do termo realmente se dará, sob a

inspiração das Lições de anatomia comparada, de Cuvier (1800), da História comparada dos

sistemas de filosofia, de Degérand (1804), e da Fisiologia comparada (1833), de Blainville.

Freqüente, portanto, nos títulos de obras científicas e caracterizando-lhes a orientação,

a comparação se transfere para os estudos literários por uma espécie de contágio. Na obra Da

Alemanha (1800), de Mme. de Stäel, a inclinação ao estabelecimento de analogias não só

norteará o espírito da investigação como estará presente no subtítulo: "Da literatura

considerada em suas relações com as instituições sociais".

Texto inteiramente extraído do livro “Literatura Comparada” / Tânia Franco

Carvalhal. - 4.ed. rev. e ampliada. - São Paulo: Ática, 2006.

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1.2. INTERTEXTUALIDADE OU DIALÓGISMO: UM RIO COM DISCURSO*

Intertextualidade ou Dialogismo podem ser definidos como uma conversa entre dois

textos, ou seja, um dialogo cultural onde há uma troca de informações. Ou ainda, a

superposição de um texto literário a outro, cujas influências de um sobre outro, que o toma

como modelo ou ponto de partida, e que gera a atualização do texto citado a utilização de uma

multiplicidade de textos, ou de partes deles, preexistentes de um ou mais autores, de que

resulta a elaboração de um novo texto literário.

A Intertextualidade está ligada ao conhecimento de mundo, que deve ser comum ao

produtor e ao receptor do texto. E o dialogismo é a medida em que é permitido observar-se

em qualquer texto, ou discurso artístico, um diálogo com outros textos e também com o

público que o prestigia.

A idéia central das relações denominadas convencionalmente por intertextuais surgiu

em Mikhail Bakhtin no começo do século XX, como um meio para estudar e reconhecer o

intercâmbio existente entre autores e obras, configurando-as como dialogismo. Diálogos

também reconhecidos por outros termos, como intertextualidade, enquanto as relações entre

vários discursos estudados no decorrer do século XX se mantiveram como tema e

procedimento importante na interpretação da cultura.

Em Bakhtin, (1988, pág. 100-106), encontra-se o conceito de relações dialógicas que

se manifestam no espaço da enunciação: Todas as palavras e formas que povoam a

linguagem são vozes sociais e históricas, que lhe dão determinadas significações concretas e

que se organizam no romance em um sistema estilístico harmonioso [...]. Para ele, a língua se

harmoniza em conjuntos, pois não é um sistema abstrato de normas, mas sim uma opinião

plurilíngüe concreta sobre o mundo.

Só em 1969 é que Julia Kristeva reutiliza o termo intertextualidade e tenta explicar o

que Mikhail Bakhtin, entendia por dialogismo. Ou seja, sua opinião era de que os termos são

duas variações para um mesmo significado. Para Bakhtin, a noção de que um texto não

subsiste sem o outro, quer como uma forma de atração ou de rejeição permite que ocorra um

diálogo entre duas ou mais vozes, entre dois ou mais discursos.

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* Este texto é uma paráfrase do livro Intertextualidades: Teoria e Prática, várias autoras, Editora Lê.

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Para KRISTEVA (1978, pág. 120/121), o processo de leitura realiza-se como ato de

colher, de tomar, de reconhecer traços. Ler, passa a ser uma participação agressiva, ativa, de

apropriação. A escritura, então, torna-se a produção, a indústria dessa leitura que se cumprirá.

Um livro remete a outros livros, aos quais, num procedimento de somatória, permite uma

nova forma de ser, ao elaborar sua própria significação:

A linguagem poética aparece como um diálogo de textos: toda seqüência se

faz em relação de uma a outra proveniente de outro corpus, de maneira que

toda seqüência está duplamente orientada: para o ato de reminiscência

(evocação de uma outra escrita) e para o ato de intimação (a transformação dessa escritura).

Sendo assim, torna-se evidente a existência de uma correlação entre os termos

abordados, provando que eles têm algo em comum.

É necessário também, fazer referência ao ponto de vista de BARROS que, em seus

escritos, reforça a tese escrita por KRISTEVA:

A noção de dialogismo - escrita em que se lê o outro, o discurso do outro -

remete a outra, explicitada por Kristeva (1969) ao sugerir que Bakhtin, ao

falar de duas vozes coexistindo num texto, isto é, de um texto como atração e

rejeição, resgate e repelência de outros textos, teria apresentado a idéia de

intertextualidade. (BARROS; FIORIN, 1999, p. 50).

Segundo a afirmação, é possível fazer um paralelo entre essas duas opiniões

sintetizando-as a um mesmo sentido.

1.3. TIPOS DE INTERTEXTUALIDADE

Para melhor desenvolver essa questão de intertextualidade e preciso fazer referência

aos sete tipos existentes: epigrafe, citação, paráfrase, paródia, pastiche, tradução, referência e

alusão. Vejamos agora cada caso de forma particular.

* Epígrafe – constitui uma escrita introdutória a outra.

A utilização desse elemento e feita da seguinte forma: ele designa os fragmentos de

textos que servem de lema ou divisa de uma obra, capítulo, ou poema. Pode ocorrer logo

abaixo do título de um livro, ou ainda à entrada de um capítulo, ou composição poética. Por

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vezes, não existindo vínculo entre ela e o conteúdo da obra, funciona como mero enfeite ou

demonstração pueril de conhecimento (Massaud Moisés).

* Citação – é uma transcrição do texto alheio, marcada por aspas.

Neste caso o objetivo principal é mostrar de onde foi retirada a fundamentação da sua

teoria.

* Paráfrase – é a reprodução do texto do outro com a palavra do autor. Ela não se

confunde com o plágio, pois o autor deixa claro sua intenção e a fonte.

Aqui é feito o ato de transcrever o texto de outro autor utilizando palavras simples,

muitas vezes para torná-lo mais claro e objetivo, de forma que facilite a interpretação do

leitor. É necessário enfatizar que ela é completamente diferente do plágio, pois o autor deixa

bem claro a sua intenção.

* Paródia - é uma forma de apropriação que, em lugar de endossar o modelo

retomado, rompe com ele, sutil ou abertamente. Ela perverte o texto anterior, visando à ironia,

ou à crítica.

Neste há designa toda composição literária que imita, de forma cômica ou satírica, o

tema ou/e a forma de uma obra séria. O intuito da paródia consiste em ridicularizar uma

tendência ou um estilo

* Pastiche - uma recorrência a um gênero.

* Tradução - a tradução está no campo da intertextualidade porque implica

recriação de um texto.

* Referência e alusão – trata-se de referir-se a uma idéia sem menciona-la

expressamente.

Um texto se constrói, à medida que retoma os fatos já conhecidos utilizando-se

desses artifícios. Nesse sentido, quanto mais amplo for o repertório do leitor, o seu

acervo de conhecimentos, maior será a sua competência para perceber como os textos

"dialogam uns com os outros" por meio dos tipos de intertextualidade existentes e é

com base no exposto que nos próximos capítulos usá-los-emos para melhor

desenvolvermos, de forma concisa, todo o conteúdo abordado.

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2. LITERATURA AFRICANA: UM TRAÇADO DE IDENTIDADE

A literatura surge sempre onde há um povo que vive e sente (COUTINHO. Afrânio,

1986), na áfrica não haveria de ser diferente.

Para melhor explicar e fazer com que os leitores compreendam o significado do

comentário acima, é necessário nos reportarmos ao tempo de colônia onde mostraremos um

pouco do sofrimento vivido pelos africanos.

Este povo foi colonizado sob uma repressão dramática e, sobretudo, muito tensa. Seus

colonizadores se impondo de um enlevo e de uma superioridade, disfarçada de religiosidade,

dominaram por varias décadas. Nessa época a tese predominante era a de dominação absoluta,

pois os governantes das colônias sentiam-se no direito, ou melhor, para mascara essa

ideologia, o dever de “assumi-los” e “protegê-los”.

Nesse sentido é que COSME, Leonel (Apud MADRUGA, Elisalva de Fátima, 1982,

pág. 1), transcreve as palavras do ditador Salazar, em uma Conferência proferida aos

governadores das colônias portuguesas na áfrica, que enfatiza:

O dever de organizar cada dia melhor e de forma sempre mais eficaz a

proteção das raças inferiores, cujo acolhimento da nossa civilização cristã

constitui uma das concessões mais ousadas e uma das mais belas empresas

da colonização portuguesa.

Nesta afirmação, feita por Salazar, nesta conferência, é que se confirma à falsa

ideologia criada na época, fator esse que contribuiu para a escravização e subjugação dos

negros sob os brancos.

Em contra partida, surge Edward Blyden que defende a valorização da identidade

negra, tornando-se posteriormente noção funcional do movimento nacionalista africano.

Graças a mobilização dele é que manifesta-se nos anos 30, com o apoio de Aimé Cesáire,

Leopold Senghor e León Damas, o movimento de Negritude que tratava da busca inquieta dos

negros para se reencontrarem e chegarem à plena visão de si mesmo em prol do resgate do

seu orgulho e de seus valores.

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É necessário ressalvar que vários paises do continente africano se destacaram nessa

busca, mas que, para nosso trabalho, nós temos um interesse particular em apenas um: Cabo

Verde.

2.1. CABO VERDE E O MOVIMENTO CLARIDADE

Cabo Verde é um arquipélago situado em pleno Oceano Atlântico, a cerca de 450 km a

Oeste do Senegal, na costa ocidental africana. As dez ilhas e os vários ilhéus do Arquipélago

deste país estendem-se por cerca de 4033 Km2 e foram formadas pela acumulação de rochas,

resultantes de erupções sobre as plataformas submarinas.

Os ventos Alísios vindos do Continente Africano dividem o país em dois grupos, o de

Barlavento, constituído por S. Vicente, Sal, S. Nicolau, Santo Antão, Boavista e Santa Luzia,

e o de Sotavento, pelas ilhas de Santiago, Maio, Brava e Fogo. As três ilhas mais orientais,

Sal, Maio e Boavista, têm um relevo mais plano e um clima mais árido por estarem expostas

aos ventos secos e quentes do Saara.

O povo cabo-verdiano é o produto da fusão de várias gentes que, ao longo de séculos

de co-existência, foram moldando no tempo e no espaço uma forma de ser e de estar,

conferindo-lhes a sua identidade. Identidade está que, por muito tempo, não aflorou por conta

da colonização portuguesa.

Porém, no decênio de 30, de forma ousada, surge o primeiro movimento nacional em

busca de emancipação cultural. Neste momento os cabo-verdianos sentiam-se no dever de

mobilizar-se em prol de resgatar sua identidade, tomada pela hegemonia política de Portugal.

A situação histórico-social de Cabo Verde teve um papel determinante na

construção da mentalidade e identidade cultural do seu povo, que foi durante

séculos governado por um regime colonial e sustentado por uma sociedade escravocrata.(ARQUIVO PDF, Cabo Verde: As Ilhas da Morabeza, 2009, pág.

35)

Neste cenário ergue-se o Movimento Claridoso, cujo objetivo era resgatar a cultura, os

valores desse povo, ou seja, fincar os pés na terra, combater o dilema de “ter que ficar, mas

quer partir” e “quer ficar, mas tem que partir”, se contrapor aos desejos de evasão e

emigração.

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Em outras palavras, segundo MEDINA, Cremilda de Araújo (1987, pág. 424):

A claridade configura-se como um movimento precursor de independência

política, na medida em que ela relevou que Cabo Verde possuía uma

personalidade autônoma e diferenciada, que merecia um tratamento e um

atendimento especifico.

Começava em Cabo Verde a busca da sua auto-afirmação, ou seja, o proposto era

romper com as produções européias, despertar uma consciência nativa nacional e libertar-se

dos portugueses.

Na medida em que isso acontecia, os escritores Baltazar Lopes, Jorge Barbosa e

Manuel Lopes tentam fundar um jornal, porém, por causa da censura salazarista, a idéia torna-

se inviável.

Surge então, em 1936, a revista Claridade, na qual a escolha do nome instaura uma

oposição ao contexto, à noite colonial ampliando a sinonímia. Pois ela não está na ordem

apenas do brilho intenso, mas na conscientização, no anuncio de um novo tempo (APOSTILA

DA DISCIPLINA: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. 2007, pág. 30).

Inicia-se a fase da modernidade literária cabo-verdiana, verificando-se então uma

ruptura com o estilo clássico de escrita, onde predomina agora uma escrita voltada para o

Homem e para os problemas cabo-verdianos e, portanto, com os pés fincados no chão,

voltados para a Terra-materna, em que a terra seca e árida, o mar, a situação social precária

dos mesmos, a exploração e o servilismo da população, a resignação e o espírito anti-evasão,

enquanto dramas existenciais do povo, são abordados de forma incisiva.

Na revista eram encontrados os mais variados aspectos da nação crioula: publicação de

poemas, contos, estudos sobre a língua nativa, cobranças de documentos relativos a

escravidão, comentários sobre algumas ilhas e sobretudo, investigação sistemática da

realidade cabo-verdiana e problemas de transformação de seu estatuto político.

Considera-se que a revista Claridade foi o pontapé inicial da literatura áfrica dando

espaço para varias outras revistas que surgiriam posteriormente e abordariam outras temáticas

sócias.

Após a aquisição da independência o cenário literário também foi modificado e os fins

dos anos sessenta e setenta ficaram marcados por uma poesia Chã e com uma forte vertente

própria, era uma poesia de exaltação da terra cabo-verdiana e do seu habitante a que se

convencionou denominar de cantalutismo, ou seja, a “procura de inefável identidade”. Nesse

momento histórico surgem também grades autores e grandes obras literárias.

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Page 18: Universidade Regional Do Cariri

2.3. INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES

2.3.1. OVÍDIO MARTINS

Ovídio Martins nasceu em 1928 em Mindelo (ilha de São Vicente). Depois de ter

completado o liceu nesta cidade, o jovem seguiu para Lisboa, em 1947, e matriculou-se na

Faculdade de Direito. Mas, por razões de saúde principalmente (perda quase completa da

audição), nunca chegará a terminar os estudos jurídicos. Apesar de tudo, mantém uma

importante atividade cultural e política. Duramente perseguido pela sua militância antifascista

e preso pela P.I.D.E.-D.G.S., como grande número de emigrantes cabo-verdianos, refugia-se

em Amsterdã, regressando a Cabo-Verde só depois da independência.

A sua participação na vida cultural e política cabo-verdiana começou bastante cedo.

Ovídio foi um dos fundadores do Suplemento Cultural (1958), grupo que pretendia romper

radicalmente com os arquétipos europeus e orientar a atividade criadora dos escritores para os

temas de raiz cabo-verdiana, num tom mais veemente e mais protestante. Em 1962 são

publicadas duas obras de O.Martins: “Caminhada” (poemas), em Lisboa e “Tchutchinha”

(contos), em Angola. Porém, o livro que mais repercussão vai ter na vida literária do autor

intitula-se precisamente “Gritarei, berrarei, matarei, não vou para Pasárgada”. A partir de

1977, ele colaborou também na revista Raízes, publicada na capital cabo-verdiana e dirigida

por Arnaldo França. Na nota de abertura do primeiro número de Raízes ficamos a saber que a

idéia dessa publicação nasceu “de um encontro de intelectuais cabo-verdianos, irmanados

pelo ideal da libertação, da independência e do progresso da sua Pátria”. Merecem ainda ser

assinaladas, nesta breve nota biográfica, outras publicações em que o poeta colaborou:

Claridade, Cabo Verde, Vértice, Suplemento literário do Jornal de Notícias, Notícias do

Imbondeiro, Le Journal des Poètes (Bélgica).

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2.3.2. DAVID HOPFFER ALMADA

David Hopffer Cordeiro Almada nasceu em 12 de dezembro de 1945, em Chã de

Tanque, conselho de Santa Catarina, ilha de Santiago. Estudou no seminário de São Jose no

Liceu Adriana Moreira da Praia. Começou a trabalhar como funcionário público antes de

seguir para Coimbra, Portugal, onde se licenciou em direito em 1972. Secretario adjunto do

ministro da Justiça e dos Assuntos Sociais, no governo de transição de Cabo Verde em 1975.

Após a independência foi ministro da Justiça, 1975 a 1986, e Presidente da Comissão da

Reforma Administrativa. Nesse ultimo ano passou a ministro da Informação, Cultura e

Desporto (1986-1990) além de ser deputado à Assembléia Nacional Popular de Cabo Verde e

membro do Conselho Nacional do PAIGC.

Desde cedo atraído pela comunicação social, em 1966, ainda estudante, Almada,

juntamente com Zezé Barbosa, Mario Candeias Guitana e os irmãos José e Alfredo Neves,

estando em férias na Vila de Assomada. Ilha de Santiago, com o apoio de administrador do

conselho Adalberto Nobre de Oliveira, fundaram a Radio Férias que foi uma espécie de radio

local ainda que não emitisse. Funcionava a partir do cineclube local, era difundido através de

um alto-falante colocado na praça e tinha um programa próprio elabora pelos estudantes,

apenas o noticiário era transmitido do da Radio Sotavento. Foi diretor do semanário

revolucionário Alerta!. Depois da independência de Cabo Verde colaborou nos periódicos

Raízes, Nôs Vida, Voz di Pov, Fragmento, entre outros.

Como poeta figura em: Contavento – Antologia Bilíngue de poesia cabo-verdiana,

Taunton, Massachusetts, EUA, 1982; Mirabilis – De Veias ao Sol, Praia, I. Santiago/Lisboa,

1991.

Parte da intelectualidade revelada após a independência nacional, David Hopffer

Almada deixa perceber na sua escrita a preocupação nacionalista, a afirmação identitária e os

desafios de uma sociedade em mutação.

Conta com quatro obras lançadas. “Canto à Cabo Verde”, “Cabo-verdianidade e

tropicalismo”, “Matéria Jurídica Constitucional – a questão Presidencial” e agora

“Vivências”.

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Page 20: Universidade Regional Do Cariri

3. ANALISE COMPARATIVA DOS POEMAS

Sob o enfoque da Literatura Comparada passaremos ao estudo comparativo entre os

poemas: As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos, de Ovídio Martins,

e o Canto a Cabo Verde, de David Hopffer Almada. Notamos que os mesmos, escritos em

fases e momentos diferentes, contêm uma carga semântica divergente, e simultaneamente

semelhante, tornando um, intertexto de outro.

Esta perspectiva foi gerada a partir do fato de estarem contidos nos poemas, termos

que se assemelham no ponto de, ambos os autores, utilizarem um elo que os une, o de “Serem

os Flagelados do vento leste” e o de “Já não serem tais Flagelados”. E os divergem quando

um é tomado por problemas sociais, como fome, opressão, pobreza e injustiças, e o outro pelo

cessar de tais problemas e pela conquista da liberdade.

Ambos os textos são escritos de forma simples e contém uma versificação livre,

tornando a sua linguagem de fácil compreensão.

Em As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos a palavra de

ordem é resistir. Resistir às desgraças climáticas, à escravidão, à fome, às injustiças, enfim,

resistir forçadamente a tudo para sobreviver. Aqui a mensagem central apresentada é a de

perseverança na luta quotidiana pela sobrevivência, e a esperança de um futuro melhor.

Já em Canto a Cabo verde predomina o otimismo e se almeja a renovação. Nas

entrelinhas deste poema se torna explicito a essência da obra. Num encadeamento de idéias é

mostrado a vitória do povo cabo-verdiano que conquistou a sua independência e o desejo

ardente do melhoramento da existência.

O eu-lírico do poema 01 recorre ao discurso coletivo para expor os seus sofrimentos e

mostrar que ninguém se manifestou, que não houve compaixão nem leitos para abrigo, e

muito menos houve quem os estendessem as mãos para amenizar tantas desgraças.

Somos os flagelados do Vento leste!

A nosso favor

Não houve campanhas de solidariedade

Não se abriram os lares para nos abrigar

19

Page 21: Universidade Regional Do Cariri

E não houve braços estendidos fraternalmente

Para nós (...)

Como não houve nada disso, restou-os se adaptarem às condições de vida, aprendendo

com os animais como sobreviver à fome e espelhando-se na persistência e conservação firme

e constante do mar.

(...) Somos os flagelados do vento leste!

Aprendemos com o vento a bailar na desgraça.

O mar transmitiu-nos a sua perseverança

As cabras ensinaram-nos a comer pedras

Para não perecermos (...)

No trecho a seguir se tona bem claro que não importam os obstáculos, o povo vive de

um eterno ciclo de renascimento, ou seja, findam e ressurgem constantemente, mostrando que

são firmes e fortes e que não se abatem pela vitimação da seca, e argumentam ter entendido e

compreendido a origem de tudo. Manifestando uma suposta ânsia aos colonizadores.

(...) Somos os flagelados do vento leste!

morremos e ressuscitamos todos os anos

para desespero dos que impedem

a caminhada

Teimosamente continuamos de pé

num desafio aos deuses e aos homens E as estiagens já não nos metem medo.

porque descobrimos a origem das coisas

(quando pudemos!...) (...)

No poema o eu-lírico ainda critica a supremacia portuguesa, tomada pela ideologia de

ter o dever de assumir e proteger os Cabo-verdianos, que esquece os princípios divinos de que

todos somos iguais e irmãos. Ressaltando ainda, que só mesmo o mar, que levou vários

escravos, os vento, que cravaram profundamente forças distintas para igualá-los, e as

montanhas, que de forma incomum lhes proporcionavam uma serenidade agradável, é que

foram os únicos capazes de se manifestar, sob suas respectivas formas, em favor destas

vitimas da seca.

(...) Somos os flagelado do vento leste!

Os homens esqueceram-se de nos chamar de irmãos

E as vozes solidárias que temos sempre

escutamos

São apenas

as vozes do mar

que nos salgou o sangue

as vozes do vento

20

Page 22: Universidade Regional Do Cariri

que nos entranhou o ritmo do equilíbrio

e as vozes das nossas montanhas

estranhas e silenciosamente musicais (...)

Por fim o autor incrementa que: Nós somos os flagelados do vento leste!; Tornando

esse verso o ápice de todo o poema, pois revela a consciência que tem em relação a todo o

exposto.

A partir de agora, no poema 2 Canto à Cabo Verde, procuraremos explicar, de forma

contextualizada, o porquê de este poema exaltar as vitórias dos Cabo-verdianos e querer um

canto de esperança, que seja diferente e que seja de alegria e renovação.

No período nacionalista, pós-claridade, onde o povo obteve a conquista da

independência, a esperança de uma vida mais digna começava emergir no peito de todos em

forma do desejo de cantar elogios ao país, ou seja, valorizar tudo o que foi ganho.

Nesse sentido é que surge Almada com busca pela mudança em seu poema repleto de

otimismo e esperança de renovação.

Nos versos iniciais, Quero / Um canto diferente / para Cabo verde (...), é expresso

explicitamente o desejo absoluto da época, o de uma boa nova para um país martirizado por

muito tempo.

Agora a ligação que o une ao primeiro é contraria. Antes eles aprendiam com os

ventos, hoje eles o dominam. Reforçam ainda, que a escravidão foi cessada e que houve a tão

sonhada conquista de respeito. Nesse momento honram-se de serem gente e de serem livres.

(...) já não somos

Os flagelados do vento leste

Dominamos os ventos Já não somos contratados

Como animais de carga para o sul

Conquistamos a dignidade de ser gente (...)

Cantam de forma otimista, louvores à pátria que não mais os obrigam a vivenciar o

dilema de “ter que ficar, mas quer partir” e “quer ficar, mas tem que partir”. Sobretudo,

prometem esquecer e sufocar as magoas do mandonismos.

(...) Por isso

Vou cantar

De forma diferente

Para essa pátria do Meio Mar

Vou me esquecer, enterrar

Os lamentos, as lamúrias

A tristeza

De quem quer ficar

21

Page 23: Universidade Regional Do Cariri

Com o destino de ter que partir (...)

Não há mais prisões, houve a libertação humana e a tristeza, enfim, foi cessada. O eu-

lírico atenta-se apenas a possibilidade de mudança, a esperança de renovação, a esperança de

um Canto Alegre que transforme a vida de todos.

(...) Não vou chorar A pobreza, a fraqueza

A seca

A natureza madrasta

Canto

Para este povo

Um canto de alegria.

Após todo o exposto infere-se que Canto à cabo verde se contrapõem a As cabras

ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos por apresentar uma mesma temática , ou

seja, o sofrimento causado pelos ventos vindos do leste, no entanto, no poema 2 tudo cessou e

há esperança em novos tempos e crença em uma vida mais digna a seu modo.

O aspecto crítico de ambos é de grande relevância, pois apresentam toda a

dramaticidade evocada declamatoriamente, no 1°, e o sentimentalismo otimista nacional pós-

independência, no 2°.

No contexto histórico do primeiro é notório o ar de exploração que os cercam, nele há

uma consciência dramática que os fazem enfrentar todos problemas, se adaptarem e

sobretudo, aceitar tal condição tornando-o uma epopéia coletiva.

Já no segundo toda a problemática exposta pelo primeiro, em parte, cessa, graças à

conquista da independência restando-os a esperança de modificação social, ou seja, a

dignidade de viver e de serem um pais livre, se transformando em motivo de alegria, também

coletiva, para todos, fazendo com que cantem as vitórias e a felicidade almejada em seu

poema.

22

Page 24: Universidade Regional Do Cariri

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Literatura Comparada enquanto teoria, e sendo uma atividade crítica, é capaz de

lidar amplamente com dados literários e extra-literários desde que seja resguardada a sua

especificidade e se contraponha à teoria da intertextualidade, tal como J. Kristeva a formulou.

Enquanto método, trabalhos classificados como "estudos literários comparados"

acabam por rotular investigações bem variadas, que adotam diferentes metodologias e que,

pela diversificação dos objetos de análise são capazes ceder um vasto campo de atuação.

Nesse sentido ressaltamos que não existe apenas uma orientação a ser seguida, ou seja, o

método não antecede à análise, como algo previamente fabricado, mas dela decorre.

Aos poucos torna-se claro que literatura comparada não pode ser entendida apenas

como sinônimo de "comparação", antes de tudo, porque esse não é um recurso exclusivo do

comparativismo, a comparação não é um método específico, mas um procedimento mental

que favorece a generalização ou a diferenciação. É um ato lógico-formal do pensar diferencial

e indutivo, paralelo a uma atitude totalizadora e dedutiva.

Ao longo de todo percurso deste trabalho foi mostrado como a Literatura Africana

surgiu, como foi à busca incansável pela identidade, como ela é militante, contextualizada e

reivindicatória.

Retomando as palavras de Afrânio Coutinho, a literatura surge sempre onde há um

povo que vive e sente, e ninguém melhor que os africanos, que lutaram e reivindicaram muito

à procura pela sua personalidade, pra representar tais palavras.

Ao analisar As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos, de Ovídio

Martins, e o Canto a Cabo Verde, David Hopffer Almada, torna-se evidente que, mesmo em

momentos históricos diferentes, a Literatura Africana é contextualizada. Todos os escritos

nela, têm a ver com as mazelas sociais que vivenciaram e ainda vivenciam.

Deduz-se, através das pesquisas realizadas, que definitivamente esta arte por muito

tempo suprimida, ainda é socialmente comprometida e que muito ainda pode ser feito para

23

Page 25: Universidade Regional Do Cariri

que os Africanos, em geral, tenham o reconhecimento que também são um povo que vive e

sente, independente de tudo.

Abertos a novos enfoques, a Literatura Africana pode ser considerada como um

mosaico de inesgotáveis fontes de textos literários, temos consciência de que as obras

estudadas permitem outras visões, ou seja, permite gerar e destacar outros pontos não

mencionados. Optamos por esse. Essa foi a nossa leitura.

Concluímos assim uma pesquisa que poderá ser retomada e mais aprofundada por

diferentes perspectivas. Espera-se que o material exposto sirva de base filosófica e

interpretativa para a geração de novos conceitos relevantes a área estudada.

24

Page 26: Universidade Regional Do Cariri

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

APOSTILA DA DISCIPLINA: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Universidade

Regional do Cariri – URCA, 2007.

ARQUIVO PDF, Cabo Verde: As Ilhas da Morabeza, 2009.

BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo:

HUCITEC, 1988.

BARROS, Diana Luz Pessoa de; FIORIN, José Luiz. (Org.). Dialogismo, Polifonia,

Intertextualidade: em torno de Bakhtin. São Paulo: Edusp, 1999.

CARVALHAL, Tânia Franco, Literatura Comparada - São Paulo: Ática, 2006.

COSME, Leonel. Angola. Apud. MADRUGA, Elisalva de Fátima in; José Lins do Rego e

José Luandino Vieira: uma relação transoceânica. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro:

PUC, 1982.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1986.

KRISTEVA, Julia. Semeiotike: recherches pour une sémanalyse. Paris: Coleção Points-Essai,

Éditions du Seuil, l978.

MEDINA, Cremilda de Araújo. Sonha Mamana África. São Paulo: edições epopéia, 1987.

PESQUISAS FEITAS NA INTERNET www.google.com.br – Biografias

ROCHA, Ruth. Minidicionário. São Paulo: Scipione, 1996.

STOENESCO, Dominique, Revista Latitudes, n° 6 – 1999, pág. 56.

25

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ANEXO 01

Ovídio Martins

26

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ANEXO 02

As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos

Somos os flagelados do Vento leste!

A nosso favor

Não houve campanhas de solidariedade

Não se abriram os lares para nos abrigar

E não houve braços estendidos fraternalmente

Para nós

Somos os flagelados do vento leste!

Aprendemos com o vento a bailar na desgraça.

O mar transmitiu-nos a sua perseverança

As cabras ensinaram-nos a comer pedras

Para não perecermos

Somos os flagelados do vento leste!

morremos e ressuscitamos todos os anos

para desespero dos que impedem

a caminhada

Teimosamente continuamos de pé

num desafio aos deuses e aos homens

E as estiagens já não nos metem medo.

porque descobrimos a origem das coisas

(quando pudemos!...)

Somos os flagelado do vento leste!

Os homens esqueceram-se de nos chamar de irmãos

E as vozes solidárias que temos sempre

escutamos

São apenas

as vozes do mar

que nos salgou o sangue

as vozes do vento

que nos entranhou o ritmo do equilíbrio

e as vozes das nossas montanhas

estranhas e silenciosamente musicais (...)

Nós somos os flagelados do vento leste!

Ovídio Martins

27

Page 29: Universidade Regional Do Cariri

ANEXO 03

David Hopffer Almada

28

Page 30: Universidade Regional Do Cariri

ANEXO 04

Canto a Cabo Verde

Quero

Um canto diferente

Para cabo verde

já não somos

Os flagelados do vento leste

Dominamos os ventos

Já não somos contratados

Como animais de carga para o sul

Conquistamos a dignidade de ser gente

Por isso

Vou cantar

De forma diferente

Para essa pátria do Meio Mar

Vou me esquecer, enterrar

Os lamentos, as lamúrias

A tristeza

De quem quer ficar

Com o destino de ter que partir

Não vou chorar

A pobreza, a fraqueza

A seca

A natureza madrasta

Canto

Para este povo

Um canto de alegria.

David Hopffer Almada

29

Page 31: Universidade Regional Do Cariri

ANEXO 05

1. CABO VERDE E SUAS ILHAS

1.1. Mapa geral:

1.2. As ilhas:

A ilha do Sal é a ilha do arquipélago mais

próxima do continente africano. Submetida as condições climáticas similares às que, na mesma

latitude, se verificam naquele continente, é árida e

tem uma vegetação escassa. Plana, apesar da sua

origem vulcânica, o Sal tem uma superfície total de

216 km2 e uma extensão máxima de cerca de 30

km.

A ilha, praticamente deserta, só começou a ter

atividade econômica expressiva com a exploração

das suas salinas, tornando-se exportadora de sal até

meados de 1980.

30

Page 32: Universidade Regional Do Cariri

A ilha de Santiago foi a primeira ilha a ser

povoada. É a maior das ilhas, onde se localiza a

cidade da Praia, capital do país e sede do Governo

da República.

Santiago apresenta vários maciços

montanhosos para além do Pico de Antónia, com

1392 m de altitude, o seu ponto mais elevado. Vales sinuosos e profundos e uma costa abrupta de recifes

negros, interrompida em alguns pontos por

pequenas praias de areia, mostram o resultado de

uma marcada erosão. A vegetação e a amenidade

do clima, mais úmido nas zonas altas, contrastam

com a aridez das zonas intermédias.

A Ilha de S. Vicente é uma ilha pequena

comparando com outras, com 227 km2 de

superfície, mas, no entanto, é a segunda mais

povoada. Aqui se situa a segunda maior cidade de

Cabo Verde, o Mindelo. Descoberta no dia de São

Vicente, a 22 de Janeiro de 1462, foi praticamente

desabitada até meados do século XIX. Mindelo, a

capital da ilha, desenvolveu-se através da atividade

portuária.

Com efeito, os ingleses instalaram em 1838,

após pacto com Portugal, um depósito de carvão para reabastecimento de navios em rotas atlânticas,

criando as bases para o povoamento da ilha.

Encruzilhada de barcos de várias nacionalidades,

Mindelo tornou-se ponto de encontro de

marinheiros de diversas raças, convertendo-se na

cidade mais cosmopolita de Cabo Verde.

A ilha de Santo Antão está localizada no grupo

chamado de Barlavento, com aproximadamente 40

km de extensão longitudinal e cerca de 20 km de

largura, perfazendo uma superfície de 779 km2. É a

ilha mais ocidental do arquipélago e também a mais setentrional. O nome foi-lhe dado por seus

descobridores antes de 1500, em consonância com

o santo do dia da descoberta, da mesma forma que

ocorreu com as outras ilhas do grupo: São

Vicente, São Nicolau e Santa Luzia.

31

Page 33: Universidade Regional Do Cariri

A ilha de Boavista, com uma superfície de 620

Km2, é a terceira maior ilha do Arquipélago. Tal

como a ilha do Sal, é das mais planas do país. O

ponto mais alto da ilha é o Pico d’Estância, com

390 metros. É caracterizada por imensas dunas de

areia branca com oásis ocasionais de tamareiras, a

vegetação mais típica da ilha. A ilha conta com 55

km de praias de areia branca e um mar de água limpa e cristalina.

Esta ilha, inicialmente denominada São Filipe,

foi descoberta em 1460 e a proximidade com

Santiago fez com que fosse a segunda ilha a ser

povoada. A ilha tem o formato de um vulcão, que

efetivamente existe e continua ativo, tendo

acontecido a sua última erupção em Abril de 1995. A ilha tem 476 Km2 e o topo do vulcão é o ponto

mais alto do arquipélago, com 2.829 metros de

altura.

Situada a norte do Arquipélago, a ilha tem 343

Km2. A sua largura máxima é de 25 km no sentido

Norte/Sul e cerca de 50 km de comprimento no

sentido Este/Oeste. É uma ilha com um passado

vulcânico muito ativo, o que dá a sua forma atual e,

como a ilha de Santo Antão, é imponente e

majestosa, com um relevo muito acidentado, sendo

o Monte Gordo, de 1304 metros, o seu ponto mais

alto, onde confluem dois maciços montanhosos.

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Page 34: Universidade Regional Do Cariri

Fecha o conjunto das ilhas mais planas de

Cabo Verde. Encontram-se poucos vestígios de sua

origem vulcânica e sua maior altitude é o Monte

Penoso, com 436 metros. A sua superfície é de 269

Km2 e tem 24 km de comprimento no sentido

Norte/Sul e 16 km no sentido Este/Oeste. Foi descoberta em 1460, sendo utilizada como ilha de

criação de gado, principalmente caprino. O seu

povoamento iniciou-se no final do Séc. XVI, com a

exploração do sal, exportado inclusive para o

Brasil, atividade que se manteve até ao Séc. XIX.

É a menor das ilhas habitadas do arquipélago,

com 64 Km2 de superfície e um comprimento

máximo de 9 km; é também uma das mais

montanhosas, com um relevo muito acidentado, de

vales profundos e abruptos e cuja maior altitude é o

Pico de Fontainha, de 976 metros. A sua costa é escarpada e forma muitas baías, além de ser

também uma das ilhas mais úmidas, o que faz com

que seja conhecida como "Ilha das Flores", pela

abundância e variedade de espécies existentes.

A ilha só começou a ser realmente povoada a

partir de 1620 devido às freqüentes erupções do

vulcão da Ilha do Fogo, que fica a apenas 20 km de

distância, o que fez com que muitos habitantes

dessa ilha se deslocassem para a vizinha Brava,

numa fuga que se tornou mais numerosa com a

grande erupção de 1680, quando grande parte

resolveu estabelecer-se na Brava e não retornar à ilha do Fogo.

33

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