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1 UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE DANIEL MAIA MARTINS IMIGRAÇÃO ÁRABE E RELIGIOSIDADE EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina “Um estudo de casoSão Paulo 2010

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

DANIEL MAIA MARTINS

IMIGRAÇÃO ÁRABE E RELIGIOSIDADE EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina

“Um estudo de caso”

São Paulo

2010

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

DANIEL MAIA MARTINS

IMIGRAÇÃO ÁRABE E RELIGIOSIDADE EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina – um estudo de caso.

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

Orientador : Professor Dr. João Baptista Borges Pereira

São Paulo 2010

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Almustafa, o escolhido e bem amado, que era aurora do seu próprio dia, (...)

subiu à colina sem muralhas e pôs-se a olhar para o mar; e viu o seu navio aparecer

com a bruma.

Então as portas do seu coração abriram-se e a sua alegria voou longe sobre

o mar. E ele fechou os olhos e orou no silêncio da sua alma.

Mas enquanto descia a colina, apoderou-se dele uma grande tristeza e

pensou com o coração:

Como poderei partir em paz e sem mágoa? Não, não vou sair da cidade com

uma ferida no espírito.

Muitos foram os dias de dor que passei dentro das suas muralhas, e muitas

foram as noites de solidão; e quem pode separar-se da dor e da solidão sem mágoa?

Espalhei demasiados fragmentos do espírito por estas ruas, e muitos são os

filhos da nostalgia que caminham nus por estas colinas, e não posso afastar-me deles

sem peso nem dor.

Não é a roupa que hoje dispo, mas uma pele que arranco com as minhas

próprias mãos.

Nem é um pensamento que deixo atrás de mim, mas um coração tornado

doce pela fome e pela sede.

No entanto, não posso demorar-me mais.

O mar que chama todas as coisas, chama-me também e tenho de embarcar.

Pois ficar, embora as horas escaldem na noite, é gelar e cristalizar e perder-

me numa forma.

De bom grado levaria tudo o que aqui se encontra. Mas como o poderei

fazer?

Quantas vezes velejastes nos meus sonhos. Agora apareceis no meu

despertar, que é o meu sonho mais profundo.

Pronto estou eu para ir, e a minha ânsia pelas velas desfraldadas aguarda o

vento.

Só respirarei mais uma vez neste ar imóvel, só mais um olhar de amor para

trás,

E então encontrar-me-ei entre vós, um marinheiro entre marinheiros.

(GIBRAN, Khalil. O Profeta, 1923, pp. 1, 2)

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Daniel Maia Martins

IMIGRAÇÃO ÁRABE E RELIGIOSIDADE EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina – um estudo de caso.

Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião

Aprovado em_________________de______________________2010.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

Professor Doutor João Baptista Borges Pereira

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Professor Doutor Antonio Máspoli de Araújo Gomes

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Professor Doutor Oswaldo Mario Serra Truzzi

Universidade Federal de São Carlos

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À minha esposa Elaine,

aos meus pais, Neto e Cristina

e aos meus irmãos João Ricardo, Joyce e Glauci.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço,

a Deus, que me tem sustentado nos vales e nos picos;

a Elaine, minha esposa, por ter suportado esses tempos difíceis;

a meus pais por tornarem a vida possível e por depositarem em mim

muito mais confiança do que se pode imaginar;

a tia Nadir, por me socorrer em momentos que não imaginei viver;

a minha avó Nair e a tia Nilce por me ajudarem em parte da realização

deste trabalho;

ao professor Doutor João Baptista Borges Pereira, pela amizade,

compreensão e estímulo;

a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(CAPES), por financiar meus estudos no ano 2009;

ao Fundo Mackenzie de Pesquisa, por financiar parte deste trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho é um estudo de caso que tem por objeto de estudo

a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina em São José do Rio Preto e a

imigração dos sírio-libaneses para esta cidade.

Quase sempre confundidos com muçulmanos e/ou turcos, os primeiros

sírio-libaneses a chegar ao Brasil eram cristãos. Em São José do Rio Preto,

muitos deles eram cristãos ortodoxos. O contexto de sua terra natal no final do

século XIX e começo do XX e histórias sobre a trajetória até chegar à América

são apresentados no trabalho bem como o surgimento da Igreja Católica

Apostólica Ortodoxa Antioquina na cidade. Para isso, utilizamos documentos

históricos, depoimentos e literatura.

Também discorremos sobre alguns fatores teológicos e litúrgicos desta

Igreja, fruto das entrevistas realizadas – com padres, fiéis da igreja,

descendentes de sírio-libaneses, imigrantes e estudiosos – e de observação

participante.

Nossa expectativa é contribuir com os estudos do contexto religioso

brasileiro e das Ciências da Religião.

PALAVRAS CHAVES

1. Imigração, 2. Árabe, 3. Sírio-Libanês, 4. Igreja Católica Apostólica

Antioquina, 5. São José do Rio Preto

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ABSTRACT

The present research is a case study that has as a goal the study of the

Antiochin Orthodox Apostolic Catholic Church in São José do Rio Preto and the

immigration of the Syrian-Lebanese to this particular town.

Mistaken by Muslims and/or Turkish, the first Syrian-Lebanese to arrive

in Brazil were Christians. In São José do Rio Preto, many of them were

Orthodox Christian. The context of their mother land in the end of the 19th

century, beginning of the 20th and history about their journey to America are

presented in this research as well as the beginning of the Antiochin Orthodox

Apostolic Catholic Church in São José do Rio Preto. In order to do so, historical

documents were used as well as testimonials and literature.

The research also dealt with theological and liturgical factors of this

church, which came from several interviews - with priests, church goers, Syrian-

lebanese descendents, immigrants and researchers - and from participant

observation.

It is expected from this research to contribute with the studies of the

Brazilian religious context and Religion science.

KEY WORDS

1. Immigration, 2. Arab, 3. Syrian-Lebanese, 4. Antiochin Orthodox

Apostolic Catholic Church, 5. Sao Jose do Rio Preto

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10

Impressões Iniciais e Descobertas da Pesquisa.......................................... 12

I PARTE 1. O IMPÉRIO OTOMANO ............................................................................... 14 2. A IMIGRAÇÃO ............................................................................................. 22

3. AS REDES DE MIGRAÇÃO ......................................................................... 28

4. TERRAS BRASILEIRAS .............................................................................. 34 II PARTE 1. ÁRABES EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO .................................................. 39 2. O MASCATE ................................................................................................ 41

3. TERRAS RIOPRETENSES .......................................................................... 47

III PARTE

1. IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ORTODOXA ANTIOQUINA EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO ..................................................................................... 66 2. IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ORTODOXA ANTIOQUINA ............... 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 103 ANEXOS ......................................................................................................... 105

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INTRODUÇÃO

Inicialmente esta pesquisa seria realizada na cidade de São Paulo,

tendo por objeto de estudo a Catedral Metropolitana Ortodoxa e a Rua 25 de

Março – um dos maiores centros de comércio popular da América Latina.

Algumas entrevistas chegaram a ser feitas bem como a observação

participante na referida igreja. À época este autor era pastor da 1ª Igreja

Presbiteriana Independente de São Caetano do Sul. Contudo, ao final de 2008,

em razão de seu retorno à sua cidade natal, São José do Rio Preto, o projeto

inicial teve de ser bastante modificado e adaptado à nova realidade. Dessa

forma, o novo objeto de estudo adotado foi a Igreja Católica Apostólica

Ortodoxa Antioquina em São José do Rio Preto e os imigrantes sírio-libaneses

para esta cidade. Este é um estudo de caso e nosso objeto de estudo está

situado à Rua Marechal Deodoro, 2827, no centro de São José do Rio Preto,

São Paulo, sendo que não serve como regra para outras igrejas do Patriarcado

Antioquino1 – dentro ou fora do Brasil – ou qualquer outro Patriarcado.

É verdade que a presença dos imigrantes sírio-libaneses modificou o

cenário social brasileiro, especialmente o Estado de São Paulo – que desde o

início, abrigou a maior parte da colônia. As cidades de São Paulo e São José

do Rio Preto foram dois dos principais destinos destes imigrantes.

Iniciamos, então, novas entrevistas e retornamos à observação

participante na Igreja Ortodoxa São Jorge de São José do Rio Preto. As

entrevistas visaram a descobrir os processos pelos quais as famílias de

imigrantes chegaram à cidade e sua relação com a igreja pesquisada. Fizemos

também uma revisão de literatura para reconstruirmos o contexto das famílias

sírio-libanesas, em especial as cristãs. Os trabalhos, especialmente de campo,

demonstraram-se os mais prazerosos e complicados. Por se tratar de um grupo

étnico, nem sempre nos foi possível ter acesso a tudo o que gostaríamos. Em

um caso, fomos ostensivamente rejeitados na tentativa de realizar uma

1 O Patriarcado de Antioquia integrava a Santa Pentarquia – falaremos a seu respeito mais

adiante. Era um dos grandes centros administrativos da Igreja Cristã desde os tempos do Novo Testamento (Atos 11.26). A jurisdição e influência deste Patriarcado estendeu-se – e ainda está presente – ao Oriente.

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entrevista. Às atas da igreja também não conseguimos chegar. Ainda assim, os

árabes em Rio Preto, mesmo sendo etnicamente minoria, tiveram, e ainda têm,

um papel muito importante na história e vida da cidade, o que justifica a

pesquisa. Encontramos artigos em jornais sobre a presença dos sírio-libaneses

em Rio Preto, menções em alguns livros históricos da cidade e material da

imigração para o Brasil em geral.

Menos material, encontramos sobre a Igreja Ortodoxa. Intentamos,

então, contribuir com o estudo do campo religioso brasileiro tomando lado às

pesquisas de imigração e religião, como as seguintes: A Construção de uma

comunidade utópica no Oeste Paulista2, Alvorada: Negros e brancos numa

congregação Presbiteriana em Londrina – Um estudo de caso3, Missão Caiuá:

um estudo da ação missionária protestante entre os índios Guarani, Kaiowá e

Terena4, Um véu sobre a imigração italiana no Brasil5, Terra Nostra em

mudança: Identidade étnica, identidade religiosa e pluralismo numa

comunidade italiana no interior paulista6, Coreanos Protestantes na periferia de

São Paulo. Um estudo de caso7, Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Russa no

exílio em São Paulo: etnicidade e identidade religiosa. Um estudo de caso8,

Delírios religiosos e estruturação psíquica – “O caso Jacobina Mentz Maurer e

o episódio Mucker” – Uma releitura fundamentada na Psicologia Analítica9, Os

mórmons em Santa Catarina: origens, conflitos e desenvolvimento10, Igreja

Húngara Reformada11, A imigração holandesa e a Igreja Reformada no Paraná,

por Wilson de Lima Lucena; Uma Igreja Protestante coreana na cidade de São

Paulo, por Silvania Maria P. Silva; Missionários protestantes sul-coreanos na

cidade de Jandira-SP, por Daniel H. Cho Lin; Luteranismo e imigração alemã

pomerana no Espírito Santo, por Gladson Cunha e Igreja Evangélica Árabe de

São Paulo – Inserção, estruturação e expansão na adversidade-diversidade

sócio-cultural da cidade de São Paulo. Estudo de caso, por Paulo Audebert

2 Heldo Mulatinho. Tese de doutorado . USP, 1976.

3 José Martins Trigueiro Neto. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2004.

4 Jonas Furtado Nascimento. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2004.

5 Gloecir Bianco. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2005.

6 Marivaldo Gouveia. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2005

7 Elson Isaac Santos Araújo. Dissertação de mestrado. Mackenzie , 2005.

8 Maurício Loiacono. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2006

9 Heloisa Mara Luchesi Módolo. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2006.

10 Rubens Lima da Silva. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2008.

11 Simone Lucena. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2008.

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Delage. À exceção da pesquisa de Jonas Furtado do nascimento, orientado

pelo Dr. Antônio Gouveia de Mendonça, as pesquisas acima são orientadas

pelo Dr. João Baptista Borges Pereira.

Impressões Iniciais e Descobertas da Pesquisa

Ao iniciarmos nossa pesquisa concordávamos com Lodi, com relação

ao surgimento da Igreja Ortodoxa na cidade:

“A construção de uma igreja ortodoxa por imigrantes de origem árabe provavelmente decorreu da vontade de preservar as tradições culturais e religiosas do grupo. Ela veio reforçar outras instituições associativas por eles criadas tais como clubes (...). A todas era delegada a responsabilidade de manter a identidade desse povo. A presença da Igreja estimularia o maior contato entre os imigrantes. A religião atuaria como elemento de interação entre aqueles que deixaram sua terra natal e optaram por uma vida nova, num país distante, porém sem perder de vista as suas origens. Com a igreja, o contexto cultural originário daria sustentação às estruturas espirituais e morais de seus membros.” (LODI, N. A Igreja Ortodoxa. Diário da Região, São José do Rio Preto, p. 8B, 29 nov. 2009).

Contudo, o longo caminho de pesquisa por nós percorrido veio a

mostrar a imprecisão histórica da afirmação de Lodi. O surgimento da Igreja é

praticamente um levante diante de uma situação de hostilidade apresentada no

corpo do trabalho. “Sua função é reforçar ou preservar a identidade étnica do

grupo imigrado, sendo a religião o traço diacrítico dessa identidade” (BORGES,

2005, p. 106).

A ênfase da igreja está em defender, sustentar e reafirmar a cultura e

identidade dos imigrantes sírio-libaneses, ou seja, “todo o patrimônio material e

simbólico” deste grupo social (GIL, 2008, p. 106). “Se confundem identidade

étnica e identidade religiosa” (BORGES, 2005, p. 106) uma vez que

praticamente 100% deles são católicos (a princípio, sem a necessidade de

auto-afirmação ortodoxa, romana ou maronita) e não têm pretensões

proselitistas. Como se sabe, a Igreja Maronita é uma igreja cristã, de rito

oriental, em plena comunhão com a Sé Apostólica, ou seja, reconhece a

autoridade do Papa, o líder Igreja Católica Apostólica Romana. Tradicional no

Líbano, a Igreja Maronita possui ritual próprio, diferente do rito latino adotado

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pelos católicos ocidentais. O rito maronita prevê a celebração da missa em

língua aramaica.

Discorremos sobre o Império Otomano, a perseguição e as condições

econômicas e políticas vividas pelos cristãos da Grande Síria12, buscamos

amparo para o conceito de imigração, aplicamos o que Truzzi chama de Redes

de processo migratórios, fazemos um histórico do surgimento de São José do

Rio Preto e da presença sírio-libanesa na cidade. Peter Berger afirma que

“Estar localizado na sociedade significa estar no ponto de interseção de forças sociais específicas. Geralmente quem ignora essas forças age com risco. A pessoa age em sociedade dentro de sistemas cuidadosamente definidos de poder e prestígio. E depois que aprende sua localização, passa também a saber que não pode fazer muita coisa para mudar a situação” (BERGER, 1963, p. 79).

As forças sociais sobre a Grande Síria eram a invasão turca, o

islamismo, a violência da dominação, a intolerância religiosa etc. Não tinham

poder ou prestígio. A solução encontrada por incontáveis emigrantes foi buscar

uma nova localização sócio-espacial. Em sua terra natal, “são „eles‟ quem

mandam” (BERGER, 1963, p. 80).

Também apresentamos um histórico sobre a gênese da Igreja

Ortodoxa – tanto no Grande Cisma como no município. Utilizamos tabelas com

dados das primeiras décadas do século passado para demonstrar os papéis

exercidos e os lugares ocupados por tais imigrantes no comércio de São José

do Rio Preto.

12

Atuais Síria e Líbano.

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I PARTE

1. O IMPÉRIO OTOMANO

Os mamelucos13 do Egito dominavam a Síria no século XVI. É nesta

época que os otomanos intentam a construção de um novo e poderoso Estado

na região, sobre os alicerces do Império Bizantino. Os desacordos entre os

mamelucos somados à supremacia militar dos turcos levaram a uma situação

esperada: a vitória dos mais poderosos. “Selim14 entra em Damasco. O nôvo

sultão mameluco Tumanbay, se mostra disposto a aceitar a paz que lhe

oferece Selim sob a condição de vassalagem, mas seus emires se opõem e os

embaixadores de Selim são mortos. Êstes obtém uma primeira vitória sôbre os

egípcios, em Gaza, e logo vence Tumanbay perto do Cairo, em 1517. Tôda a

Síria, com o Líbano e a Palestina, está em mãos dos turcos”. (REICHERT,

1969, p. 131).

Após terem sido conquistadas pelos otomanos, muitas cidades tiveram

aumento populacional. Era o caso de Alepo, que atingiu a marca de 100 mil

habitantes e Damasco, um pouco menor. Mas nessa época, a peste e a fome

regulavam o tamanho da população em território otomano. Ainda que sistemas

de coleta de impostos mais eficientes mostrassem, em algumas localidades,

vertiginoso aumento de contribuintes não implicava necessariamente em

aumento da população.

Em seu auge o Império proporcionou desenvolvimento e segurança às

cidades,

“com forças policiais distintas para o dia e a noite, e guardas nos vários quarteirões, cuidadosa supervisão dos serviços públicos (abastecimento d‟água, limpeza e iluminação das ruas, combate a incêndios), e controle das ruas e mercados, supervisionados pelos cádis. Seguindo o exemplo do sultão de Istambul, governadores otomanos e comandantes militares iniciaram grandes obras públicas nos centros das cidades, com prédios comerciais cuja renda era usada para mantê-las; por exemplo, a fundação de Duqakin-zade Mehmet Paxá em Alepo, onde três qaysariyyas, quatro khans e quatro suqs proviam a manutenção de uma grande mesquita; a

13

Escravos capturados em áreas que incluem a atual Turquia, leste europeu e o Cáucaso (região da Europa Oriental e da Ásia Ocidental, entre o mar Negro e o mar Cáspio), que frequentemente eram treinados e utilizados como soldados pelos califas muçulmanos do Império Otomano. Com o tempo, tornaram-se uma poderosa casta militar. No Egito, tomaram o poder em duas oportunidades – 1250 e 1517. 14

Selim I, sultão turco.

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Takiyya em Damasco, um conjunto de mesquita, escola e hospedaria para peregrinos construída por Suleiman, o Magnífico”. (HOURANI, 2006, p. 312).

O Império Otomano dominou parte da África, Europa e Ásia, e

empregou grande parte de sua energia para combater os inimigos existentes

nestes três continentes, como também para manter sob controle estreito,

regiões que lhe rendiam grandes receitas. Era o caso da Grande Síria,

responsável por parte considerável da receita do Império e também local de

concentração para as peregrinações a cidades santas. Ainda no século XVI o

último califa „abbásida, al-Mutawakkil é capturado “no Cairo, em 1517, e, tendo

em seu poder as cidades de Meca e Medina, os sultãos otomanos justificam a

sua usurpação do supremo ofício espiritual no mundo muçulmano, o califado”.

(REICHERT, 1969, p. 132). Hourani registra que “a posse das cidades santas

dava aos otomanos uma espécie de legitimidade e um direito à atenção do

mundo islâmico que nenhum outro Estado muçulmano tinha” (HOURANI, 2006,

p. 300).

Já os países europeus não dominados pelos otomanos viviam, no

século XVI, um período de expansão econômica com suas fortes monarquias,

crescimento na agricultura e riquezas vindas da América. Mais tarde a Europa

também irá incomodar o Império islâmico no leste, negociando com as nações

do Oceano Índico, já muito importante, sempre privilegiando os turcos.

Contudo, os que produziam em terras otomanas começam a sentir a perda de

espaço no mercado mundial.

As terras mais ricas e produtivas tinham atenção especial do Império.

Para as mais distantes e com menor produtividade, a estratégia era reconhecer

indivíduos ou famílias como líderes, que seriam responsáveis tanto pela coleta

dos impostos como também por direcioná-los à Istambul. Não era possível –

nem conveniente – acompanhar com tanta proximidade todos os territórios.

Esta estratégia permitia, na prática, que o poder transitasse entre a

capital e o local, o que proporcionou, por exemplo, “no início do século XVII,

[que] um governador rebelde em Alepo e um superpoderoso senhor nas

montanhas Shuf no Líbano, Fakhr al-Din al-Ma‛ni (m. 1635), com certo

encorajamento de soberanos italianos, [pudesse] desafiar durante algum tempo

o poder otomano” (HOURANI, 2006, p. 301). Fakhr al-Din foge, em 1613, para

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a Itália, mas retorna e luta por 20 anos, na tentativa de construir um Estado

independente. Por fim “acabou sendo capturado e executado, e depois disso os

otomanos estabeleceram uma quarta província com capital em Sayda, para

vigiar os senhores do Líbano” (HOURANI, 2006, p. 301). As outras três eram

Alepo, Damasco e Trípoli. Ter pleno controle da região era importante para as

peregrinações anuais. Meca e Medina pouco rendiam financeiramente. O lucro

vinha em forma de prestígio religioso para com as nações árabes. Os

peregrinos levavam subsídios às populações dessas cidades, que tinham por

líderes famílias descendentes de Maomé, nomeados pelo Império. As terras

sagradas dominadas pelos otomanos não eram apenas sacras aos

muçulmanos. Jerusalém e Hebron (local do sepultamento de Abraão) também

estavam sob domínio turco.

Os territórios da Grande Síria também assistiram a um inusitado

conflito familiar. Quando conquistados pelo comandante mameluco Ali Bei –

que também havia conquistado outros territórios – em 1769, seu genro Abu

Dhahab o trai, levando para o lado dos otomanos praticamente todo seu

exército. Juntamente com os que lhe permaneceram fiéis, Ali Bei aliou-se a

Zahir al-Omar, um líder beduíno palestino, mas ambos foram mortos nos anos

seguintes – Ali Bei em 1773 e Zahir em 1775. Um dos partidários de Ali Bei,

Ahmad al-Jazzar, “pôde manter Acre até 1799, quando Napoleão, saindo do

Egito, surge em cena, ocupando a costa da Palestina, inclusive Jafa, e sitiando

Acre”. (REICHERT, 1969, p. 136).

Os franceses são expulsos da Palestina em 1801 pelos ingleses e anos

depois perdem o Cairo para forças otomanas lideradas por Muhammad ‛Ali,

que criou a sua volta uma liderança capaz, inteligente e progressista, composta

por turcos e mamelucos. Enquanto em campanha pela Grécia (1824/8),

Mahmud II, sultão otomano, promete conceder a Muhammad ‛Ali o governo da

Síria, o que não se concretizou. Assim, Ibrahim, seu filho, “invade o país, toma

Acre de assalto (1831), entra em Damasco, Alepo e Adana e invade a Anatólia”

(REICHERT, 1969, p. 138). O paxá egípcio imprime sua política de impostos,

impõe-se ao Império como governador e expande seus domínios ao Sudão e

Arábia sendo detido por exércitos europeus em Kutahya (atual província turca).

Sua presença na Síria trouxe um período de igualdade e liberdade religiosa e

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as missões protestantes – dirigidas por franceses e norte-americanos –

passaram a ser incentivadas.

Ao tentar recuperar as terras perdidas para Muhammad ‛Ali, Mahmud II

é derrotado na batalha de Nizip, em 1839, e vê sua frota de navios desertar,

aliando-se aos egípcios. Contudo, a Europa não queria que o Egito se tornasse

uma força independente e, menos de um ano depois, em um esforço conjunto,

“as frotas da Quádruple Aliança – Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia –

apresentam-se diante da costa da Síria, tomando Beirute e Acre, em 1840, e

ameaçam Alexandria. Ante tal fato, Ibrahim vê-se forçado a retirar-se da Síria.

O país volta ao domínio otomano” (REICHERT, 1969, p. 138).

Assim, os ataques contra os cristãos voltaram a se tornar frequentes,

como quando os drusos deixam o interior e invadem Beirute, em 1860, e os

massacram. “Nos vales montanheses do Líbano, havia uma antiga simbiose

entre as principais comunidades religiosas, os cristãos maronitas e os drusos.

(...) Da década de 1830 em diante, porém, a simbiose se rompeu, por causa de

mudanças na população e no poder local, do descontentamento dos

camponeses com seus senhores, de tentativas otomanas de introduzir

controles diretos e das interferências britânica e francesa. Em 1860 houve uma

guerra civil no Líbano, e isso provocou um massacre de cristãos em Damasco,

uma manifestação de oposição às reformas otomanas e aos interesses

europeus a elas ligados, num momento de depressão comercial” (HOURANI,

2006, p. 366).

“Na segunda metade do século 19, as condições de vida não eram de abastança, havendo pouca terra para ser cultivada e lutas por causa da irrigação; a população estava em crescimento e se iniciava o êxodo das montanhas para o litoral. Essa situação vem justificar os movimentos drusos – seita da religião muçulmana – contra a população cristã, senhora de melhores terras”. (NABHAN, 1989, p. 105).

Uma vez mais há a intervenção estrangeira – francesa, no caso – que

obriga o sultão Abdul Majid a conceder autonomia ao Líbano e um governador

cristão. “A França tinha uma relação especial, que remontava ao século XVII,

(...) com os maronitas (...) no fim do século XVIII, a Rússia apresentava uma

reivindicação semelhante para proteger as Igrejas ortodoxas orientais”

(HOURANI, 2006, p. 354). Contudo, depender de força estrangeira e boa

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vontade islâmica para a ordem e proteção causou bastante desconforto e

insegurança.

A esperança de plena autonomia dos países árabes “se desvanece no

decorrer da Primeira Guerra Mundial, durante a qual a Síria é fustigada pelo

crescente terror imposto pelo governador turco (Jemal Paxá) e pela fome”

(REICHERT, 1969, p. 141). Após a Guerra as promessas de independência

feitas pelas nações européias não se concretizaram e, em 1920, na

Conferência de San Remo, Síria e Líbano ficam sob domínio francês. A

independência da Síria só aconteceu em 1945. Em 1941 a França concede a

independência ao Líbano dando plena liberdade apenas três anos mais tarde.

Mas, de fato, o exército francês só deixa o país em 1947.

Ainda que sendo turco, o Império não impôs seu idioma aos povos que

dominou – muitos de fala árabe. O papel da língua árabe foi reforçado. Assim,

seria natural que as ciências da religião e da lei – duas das mais importantes

disciplinas – fossem ensinadas em árabe nas escolas de Damasco, Cairo e

outras importantes cidades árabes do Império. Entretanto, o mesmo acontecia

em Istambul, que não era árabe. Os autores otomanos tinham a tendência de

sempre escrever todo tipo de texto em árabe, inclusive poesia.

Hourani faz a seguinte afirmação: “Nas grandes cidades árabes,

continuou a tradição literária: não tanto poesia e belles-lettres quanto história,

biografia e compilações de fiqh e hadith locais. As grandes escolas

continuaram sendo centros de estudos das ciências da religião, mas com uma

diferença. Com algumas exceções, os mais altos cargos no serviço legal eram

exercidos não por diplomados da Azhar15 ou das escolas de Damasco e Alepo,

mas das fundações imperiais em Istambul; mesmo os principais cádis hanafitas

das capitais provinciais eram em sua maioria turcos enviados de Istambul, e os

cargos oficiais mais elevados a que os diplomados locais podiam aspirar eram

os de subjuiz” (HOURANI, 2006, pp. 317-8).

A partir desta afirmação podemos destacar dois pontos: 1) o Império,

muçulmano que era, investia na produção de conhecimento a partir de sua

religião islâmica e 2) apesar disto, para ocupar os lugares mais importantes e

estratégicos não bastava ter se formado em um desses centros de estudos das

15

Importante escola da cidade do Cairo.

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ciências da religião, não bastava ser muçulmano; era preciso ser também

turco. Isto expressa, em parte, a depreciação vivida pelos cristãos sírio-

libaneses, no século XIX, que estavam sob o domínio turco-otomano.

A cultura islâmica, especialmente sunita, era patrocinada pelas

autoridades. Por outro lado, a situação dos cristãos era complicada. Não eram

nem turcos e nem muçulmanos e sofriam perseguições e massacres

constantes. Ao falar sobre sua família, Marly Cury Hassan diz: “No Líbano e na

Síria não tinha condição de viver. Não tinha condição porque os turcos tinham

invadido e estavam acabando com tudo. Os turcos iam às casas e tiravam todo

o mantimento que o povo tinha, deixavam as famílias sem um grão de arroz pra

fazer, e colocavam em praça pública. Depois eles vinham com um alto-falante

e gritavam: „venham pegar comida, nós somos gente honesta, gente boa, não

queremos o mal de vocês. Venham pegar comida. Olha quanta comida! Era

aquela batelada de alimento. O povo morrendo de fome ia. Mas eles

colocavam bombas na comida. O povo punha a mão e estourava. Muita gente

morreu assim”. O meio infantil de controle social – a violência – era muito

utilizado pelos otomanos (BERGER, 1963, p. 81).

Figura 1 – Mapa do Império Otomano

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Sob domínio turco não houve grande desenvolvimento tecnológico e

perdeu-se parte do conhecimento cientifico que se tinha. Hourani relata que

“havia pouco conhecimento das línguas da Europa Ocidental e dos avanços

científicos e técnicos que ali se faziam. As teorias astronômicas associadas ao

nome de Copérnico só foram citadas pela primeira vez em turco, e mesmo

assim de passagem, no fim do século XVII, e os avanços na medicina européia

só lentamente começavam a ser conhecidos no século XVIII” (HOURANI,

2006, p. 342).

A Europa experimentava uma realidade totalmente nova. A peste negra

– com o sistema de quarentena – e a fome deixaram de ser calamidades para

as nações européias. O seguimento naval foi desenvolvido e, com as colônias,

dentro e fora da Europa, mais terras passaram a ser cultivadas. O comércio se

expandiu mundialmente – os europeus navegavam todos os mares do mundo –

e as colônias tinham minérios a ser explorados. Todos esses fatores

proporcionaram o acúmulo de capital que trouxe crescimento à produção de

manufaturados, riqueza e aumento da população. Assim, era possível ter

exército e marinha mais numerosos.

A economia da Grande Síria sentia o impacto vindo do noroeste. Os

produtos europeus – produzidos na Europa ou nas colônias – passaram a fazer

forte concorrência aos produzidos no Oriente Médio. Não era preciso ser rico

para poder comprar uma roupa francesa de boa qualidade. Assim como o

Líbano – que fornecia seda – os outros países otomanos tornaram-se

fornecedores de matéria-prima e consumidores dos produtos manufaturados

vindos da Europa. “O principal efeito talvez tenha sido a redução das trocas,

entre diferentes partes do Império Otomano, daqueles bens em cujo comércio a

Europa tornava-se um concorrente” (HOURANI, 2006, p.344). Se em dado

momento os otomanos faziam frente a qualquer nação do mundo seu declínio

definitivo havia começado, mas nem todos os líderes do império puderam ver

esta realidade; e os que a viram, não tiveram meios ou forças para revertê-la.

O desenvolvimento tecnológico promoveu o aparecimento das

ferrovias, que diminuíram as distâncias. A matéria-prima e os produtos

chegavam em maiores quantidades, com mais segurança e em menos tempo a

seus destinos. “As exportações britânicas para os países do Mediterrâneo

Oriental aumentaram 800% em valor entre 1815 e 1850; a essa altura,

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beduínos no deserto da Síria usavam camisas feitas de algodão de Lancashire”

(HOURANI, 2006, p. 353). Muitas das terras otomanas passaram a servir à

grande produção de matéria-prima – como algodão e seda – e grãos, para

alimentar a população européia, cada vez maior. Assim a estrutura de

subsistência foi desestruturada. A entrada de produtos e bens estrangeiros,

facilitada com a abertura do Canal de Suez, prejudicou os artesãos.

“A produção de sêda, uma indústria caseira e principal fonte de renda de centenas de aldeias, foi sèriamente prejudicada pela abertura do Canal de Suez, que permitiu a introdução da sêda japonêsa, mais barata. A invenção do „rayon‟ por volta de 1920 finalmente destruiu-a. A abertura do canal finalmente acabou o comércio que outrora florescia ao longo das rotas das caravanas. A maioria dos mercadores, quase todos cristãos, ficaram sem emprêgo. Outra ocupação cristã, a cultura da uva e fabricação do vinho. Os vinhateiros cujas plantações foram afetadas acharam difícil encontrar um produto que substituísse a uva”. (KNOWLTON, 1961, p. 26).

A conjuntura internacional encolheu a economia da Grande Síria

tornando impossível a absorção de toda mão-de-obra disponível – surge um

excedente populacional. “A transformação do excedente populacional em

migrante, virtual ou real, é, por sua vez, levada a cabo por um complexo

mecanismo, onde se alinham peças de natureza estrutural, política, ideológica

e psicológica. Cabe a este mecanismo transformar o excedente populacional

em emigrante e, nesta condição, expulsá-lo das fronteiras do país natal”

(BORGES, 1982, p. 114). Borges ainda afirma que a juventude representa de

forma expressiva este excedente populacional. Vemos que “os sírios e

libaneses [presentes no Brasil em 1940] (...) têm uma concentração muito

maior de população nas idades de 30 a 49 anos, e nìtidamente menores

proporções nos grupos abaixo de 30 e acima de 60” (KNOWLTON, 1961, p.

84). Uma vez que nesta época o auge da imigração árabe ao Brasil já tinha

algumas décadas, as palavras de Borges também são aplicadas neste caso.

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2. A IMIGRAÇÃO

Apesar do ano 1871 ser o marco inicial da imigração sírio-libanesa ao

Brasil, eles já se faziam presentes em terras brasileiras há muito tempo. “Fala-

se da presença fenícia no Brasil remontando-se aos tempos do Antigo

Testamento. As inscrições, ditas fenícias, na Pedra da Gávea são oferecidas

como prova desta presença em solo brasileiro, na tentativa de enfatizar a ação,

sobretudo, libanesa em nossa pátria” (DELAGE, 2009, p. 32). Eles também já

estariam aqui no período colonial. Nabhan registra que,

“Challita, em seu artigo, Libaneses – 100 anos no Brasil, escreve: .. a emigração libanesa contemporânea, igualmente significativa para o Brasil e para o Líbano, começou com a chegada de Yussef Mussa Miziara ao Rio de Janeiro em 1880.. No mesmo texto, temos uma informação bastante singular, cuja transcrição julgamos proveitosa: .. houve outra chegada de libaneses sob a denominação de cristãos do Oriente na primeira época colonial brasileira. Vinham por intermédio de Portugal ou da África e eram considerados „estrangeiros amigos que ajudavam os portugueses a colonizar terras além-mar‟. Relata o historiador Adolpho Bezerra de Menezes que, em 1808, Antum Elias Lujos, ao saber que D. João não havia encontrado à sua chegada um solar à altura de sua realeza, ofereceu-lhe sua própria quinta. Esta casa do libanês seria hoje o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista..” (Challita: 1981). (NABHAN, 1989, p. 106).

O Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio de 1945 de

fato registra que os primeiros imigrantes sírio-libaneses chegaram ao Brasil no

ano 1871. Todavia, Knowlton constata em suas entrevistas afirmações de que

a chegada inicial se deu muitos anos antes. Em 1876, Dom Pedro II, que falava

árabe, visita Beirute e Damasco. Esta visita abre, oficialmente, as portas do

Brasil para receber os imigrantes da Síria e do Líbano. “O Brasil, com outros

grandes países americanos tais como a Argentina, o Canadá e os Estados

Unidos, incrementou e às vêzes subsidiou a imigração. (...) A princípio

procuraram-se imigrante para constituir uma classe de pequenos proprietários

rurais a fim de contrabalançar o regime de latifúndios vigente. Essa política

começou em 1820 e durou até o fim do século XIX” (KNOWLTON, 1961, p.

33).

O professor da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita

Filho” do campus Ibilce, em São José do Rio Preto, doutor Arif Cais, em um

discurso interno aos funcionários afirma que “o primeiro registro de emigração

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árabe para o Brasil é atribuído aos irmãos Zacarias, em 1835” que teriam se

fixado na cidade do Rio de Janeiro.

Ter indivíduos no Brasil não significa processo de imigração. Neuza

Nabhan, em seu trabalho de doutorado, divide os imigrantes sírio-libaneses em

dois grupos de migrantes: a 1ª população (de 1900 a 1960) e a 2ª população

(de 1970 a 1980). A primeira é composta majoritariamente de cristãos – nosso

objeto de estudo – enquanto a segunda por muçulmanos. Segundo Nabhan

“diversos motivos levam o indivíduo, ou um grupo de indivíduos, a emigrar da

terra natal, e o mais forte é o seu descontentamento, resultante de opressões

políticas ou de carência econômica” (NABHAN, 1989, pp. 99-100). A autora

revela entender ser a migração um “processo de mobilidade espacial que se

opera em áreas afastadas entre si e separadas por fronteiras, envolvendo um

número considerável de pessoas, as quais, individualmente, ou em grupo,

transferem seu domicílio para outro país onde passam a viver e exercer

regularmente suas atividades ocupacionais.. (Tsukamoto, 1973: 13)”

(NABHAN, 1989, pp.101-2). O argumento de Oswaldo Truzzi de “que a noção

de redes [de migração] é crucial a todos os que almejam entender migrações –

históricas ou contemporâneas – como um processo social” (TRUZZI, 2008, p.

199) vem aprofundar nossa análise ao desvendar parte das interações

exercidas pelos imigrantes. O mesmo autor cita Charles Titty que se utiliza das

variáveis “distância entre origem e destino, e o grau de ruptura (com a origem)

de quem emigrou” como elementos fundamentais para se evitar equívocos na

definição de quem é imigrante.

Em seu texto Emigração e Vida Rural em Portugal, João Baptista

Borges Pereira apresenta três tipos de movimentos migratórios16 (BORGES,

1982, p. 112). O primeiro dos três tipos refere-se exatamente às áreas

afastadas entre si e separadas por fronteiras, apresentadas por Nabhan. A

definição apresentada pela autora nos parece aplicável, uma vez que os

imigrantes sírio-libaneses cruzaram o mundo para chegar ao Brasil, não

configurando um simples deslocamento ou mobilidade.

No artigo Redes em processos migratórios, Truzzi apresenta quatro

classificações de migrações formuladas por Tilly as quais transcrevemos aqui

16

1) movimento migratório para o exterior; 2) movimento migratório dentro das fronteiras do país; 3) movimento de indivíduos que exercem, simultaneamente, funções urbanas e rurais.

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por serem, algumas delas, identificadas no processo migratório que temos por

foco:

“Locais: quando o indivíduo se desloca a um mercado (seja este de trabalho, de terra, seja mesmo matrimonial) geograficamente contíguo, que normalmente lhe é familiar. Circulares: quando o indivíduo se desloca a um mercado por um determinado intervalo de tempo definido, ao cabo do qual retorna a sua origem. De carreira: em que o indivíduo se desloca respondendo a oportunidades de ocupação de postos oferecidos por uma organização a que pertence ou associados a uma profissão que já exerce

17.

Em cadeia: que envolve o deslocamento de indivíduos motivados por uma série de arranjos e informações fornecidas por parentes e conterrâneos já instalados no local de destino”. (TRUZZI, 2008, pp. 199-200).

Ao contrário do que acontecia com algumas nações européias, os sírio-

libaneses não tinham tradição em migrar. Grande parte das famílias vivia em

propriedades que há gerações lhes pertencia. Muitas aldeias tinham – e ainda

têm – predominância de uma única família, onde os casamentos se dão

frequentemente entre primos. Suhail Ahmad Farhat nos relatou ter mais de três

mil parentes na aldeia onde sua família vive no Líbano. Também contou sobre

como se davam os casamento entre eles: “depois de oito anos de volta ao

Líbano, meu avô resolve voltar pro Brasil. Mas uma irmã da minha mãe – com

13 ou 14 anos – casou-se com um primo. Já no Brasil, meus pais – que eram

primos – ficaram noivos e meu pai decidiu vir para trabalhar e eles se casaram

aqui. Meu pai tinha 24 anos e minha mãe, uns 20 anos”.

Contando outra ocasião ele diz: “Meu pai traria a irmã mais nova dele,

que tinha uns 22 ou 24 anos, e eu iria pro Líbano. Minha tia veio e gostou do

meu tio – os dois também são primos. Meu pai falou: „Você gostou da minha

irmã? Tudo bem. Quer casar com ela? Tudo bem. Então você vai pro Líbano.

Ela vai ficar aqui. Daqui um ano ou dois ela volta e vocês se casam lá‟”.

Novamente, um outro caso do mesmo assunto: “Meu avô paterno

nasceu em 1898. O pai dele casou com uma prima lá e depois de 2 meses veio

pro Brasil com a mesma ideia: „eu vou lá arrumar as coisas pra depois chamar

vocês‟”.

17

É o caso do padre Nicolas Khouri Georges Ferzolli. Neto e filho de padre ortodoxo, ele veio ao Brasil a convite de seu tio, o também padre Dom Ignatios ``.

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Ainda que não fosse incomum os filhos ingressarem em um curso

superior, a vida em família na terra da família sempre fora incentivada e

preservada.

Nabhan inclui em seu trabalho a afirmação de T. Duon: “apesar de toda

a resistência de que os libaneses foram capazes, não lhes era possível ficar

imunes às intrigas dos turcos, que souberam minar o caráter de muitos vultos

políticos e altos funcionários influentes, conseguindo por este meio enfraquecer

o sentido do patriotismo, encorajar o suborno e tolher a liberdade da palavra,

mediante uma censura inquisitorial”. (Douon, 1944, apud, NABHAN, 1989, pp.

103-4). Entretanto, como já vimos, o fator político-religioso não foi o único

responsável pela emigração. A conjuntura econômica da Grande Síria

mostrava-se bastante desfavorável aos produtores nativos. Além disso

calamidades sanitárias também contribuíram, como o cólera, febre e varíola.

Pequenos deslocamentos passam então a ser observados. A

população libanesa, por exemplo, deixa as pequenas vilas e dirige-se às

grandes cidades, depois para outras terras otomanas para então chegar à

América. Assim, entre 1871 e 1942 106.184 imigrantes chegaram ao Brasil,

provenientes da Síria, Líbano, Palestina, Armênia, Marrocos, Egito e Argélia.

Mas estes números devem ser interpretados a partir da afirmação de Clark

Knowlton: “Os imigrantes do Egito, Marrocos e Argélia eram em geral pessoas

de ascendência síria e libanesa. Êsses imigrantes foram primeiro para o Egito e

Marrocos onde se naturalizaram” (KNOWLTON, 1961, p. 37). Todas as aldeias

e cidades do Líbano são afetadas pelo o que se tornou uma verdadeira

diáspora. Comparativamente, a Síria teve um impacto bem menor com relação

ao Líbano. “Um escritor norte-americano calcula que entre 1900 e 1914 quase

um quarto da população do Líbano emigrou” (KNOWLTON, 1961, p. 17).

Knowlton aponta cinco fatores fundamentais para o fenômeno de

emigração: 1) liberdade para emigrar, 2) conhecimento de um outro país 3) que

apresente vantagens sobre sua terra natal, para onde se possa emigrar, 4)

insatisfação com sua situação em seu país e 5) condições facilitadas de

translado.

A presença protestante abriu novos horizontes para os cristãos

oprimidos. Devido ao trabalho de assistência realizado por ingleses e norte-

americanos, especialmente depois dos massacres de 1860 quando os

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senhores feudais drusos – com o consentimento das autoridades turcas –

arrasaram as terras dos cristãos – notadamente os maronitas – criou-se no

imaginário dos assistidos a ideia de que a América era um continente de

riqueza inesgotável. “Em 1866, missionários norte-americanos fundam, em

Beirute, o Syrian Protestant College, em 1875, os franceses a Université de

Saint-Joseph” (REICHERT, 1969, p. 140). Estes estrangeiros ocidentais

tiveram acesso a praticamente todas as aldeias e cidades da Grande Síria,

tendo missionários residentes e construindo escolas. Sua interferência política

promoveu uma frágil segurança, que dependia, na verdade, da boa vontade

drusa e otomana. Eles foram incentivo fundamental para o fenômeno de

emigração por, entre outros fatores, terem feito com que os sírio-libaneses se

tornassem conscientes de outros países para onde a migração fosse viável.

Knowlton ainda afirma que “mais importante do que tudo isso, um

descontentamento profundo com o „status quo‟ manifestou-se, e principiou uma

ocidentalização parcial da população”. É o que ilustra a seguinte citação:

“A situação política instável de todo o Oriente e as escassas colheitas de trigo tornaram o povo, inquieto e incerto quanto à sua própria condição no mundo. Êles entraram em contacto íntimo com a civilização européia, viram a sua superioridade, mas sentiram a impossibilidade de atingir a êsse nível sob as restrições do seu govêrno; e êsse descontentamento crescente com tal condição se tornou desfavorável à elevação religiosa e espiritual”. (KNOWLTON, 1961, p. 23)

18.

A questão militar também foi preponderante. Ainda na década de 1820,

o sultão Mahmud II (1803-29), juntamente com um pequeno grupo de

importantes líderes, acreditava que o modelo militar otomano estava

ultrapassado, e deveria ser transformado. Parte dessa transformação é que o

exército deveria ser preparado por especialistas vindos da Europa. Pouco

depois de sua morte um decreto real – o Hart-i serif de Gülhane – foi

promulgado:

“Todo o mundo sabe que, desde os primeiros dias do Estado otomano, os altos princípios do Corão e as leis da charia sempre foram perfeitamente preservados. Nosso poderoso Sultanato alcançou o mais alto grau de força e poder, e todos os seus súditos de comodidade e prosperidade. Mas nos últimos 150 anos, devido a uma sucessão de causas difíceis e diversas, a sagrada charia não foi obedecida nem as benéficas regras seguidas; conseqüentemente, sua antiga força e prosperidade transformaram-se em fraqueza e

18

Forty-third Annual Report of the Board of Foreign Missions of the Presbyterian Church in the United States of America (New York: Published for the Board, 1880), p. 33.

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pobreza. É evidente que os países não governados pela charia não podem sobreviver [...] Cheios de confiança na ajuda do Altíssimo, e certos do apoio de nosso Profeta, julgamos necessário e importante introduzir de agora em diante uma nova legislação para conseguir administração efetiva do governo e províncias muçulmanas” (HUREWITZ, 1975, apud, HOURANI, 2006, p. 359).

A idéia era recuperar o poder do governo e estruturá-lo de uma nova

forma. “Desde cedo criou-se um (...) exército, uma força ativa de infantaria e

cavalaria altamente disciplinada, formada através do desvirne, ou seja, da

convocação periódica de rapazes das ladeias cristãs dos Bálcãs convertidas ao

Islã” (HOURANI, 2006, 288). Estes soldados convertidos ao islamismo viviam

em um regime diferenciado e eram chamados de janízaros. Enquanto

estivesse ativo no serviço militar, o janízaro não poderia se casar. Após

reformado, não poderia casar-se com mulheres otomanas – para não crescer

em prestígio – e seus filhos não poderiam fazer parte do exército. Até 1909 as

autoridades otomanas tomavam “o cuidado de não arregimentar cristãos para o

exército, evitando assim que se armassem. Mas com o advento da Primeira

Guerra Mundial eles [também] foram submetidos [a um arriscado] serviço

militar obrigatório” (MARTINS, 2008, p. 2).

Foi o que aconteceu a Kassen Kais, pai de Arif Cais. Em entrevista

realizada para este trabalho, Cais relata: “Meu pai é nascido em 18 de

novembro de 1885. Saiu do Líbano, como todos daquela época, aos 18 anos

de idade para fugir do serviço militar que era prestado ao Império Otomano, ao

exército turco. Isto porque grande parte dos que serviam acabavam morrendo.

Então ele saiu do Líbano em 1903. Os jovens da idade de meu pai, via de regra

iam servir em frontes de conflito, no deserto. Morria muita gente. Então quem

tinha algum recurso e podia sair do Líbano saía. E saía com passaporte turco

porque estavam sob o domínio turco.”

Por volta de 1900 a Turquia passa a dificultar a emigração. Isso por

causa dos conflitos nos quais estava envolvida com os Bálcãs ou mesmo

dentro de suas colônias.

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3. AS REDES DE MIGRAÇÃO

Ao deixar a Síria e o Líbano, os emigrantes em geral pretendiam fazer

fortuna na América e retornar à terra natal. O principal destino idealizado era os

Estados Unidos e muitos ao chegarem ao Brasil ou Argentina, por exemplo,

acreditavam estar lá, enganados pela companhia de navegação ou por outros

de interesses escusos. Outros “chegaram ao Brasil, porque pressentiram que

seria mais fácil tirar o visto de entrada para aquele país por aqui, e acabaram

ficando. Depois de algum tempo, espalharam-se entre eles notícias das

dificuldades para entrar nos EE. UU., e eles se dirigiram, a partir de então,

definitivamente para o Brasil”. (NABHAN, 1989, pp. 110-11).

Não é por acaso que Truzzi afirma que as emigrações “em cadeia

tendem mais a envolver famílias”. (TRUZZI, 2008, pp. 201-2). A história de

Kassen Kais – contada por seu filho Arif Cais – é um demonstrativo:

“Meu pai saiu do Líbano em 1903, com 18 anos e foi para a Argentina.

Morou em La Plata até 1909 e foi trabalhar como mascate, como todos. Depois

de cinco anos a Argentina exigia que os imigrantes se naturalizassem

argentinos. Ele então deixou a Argentina e veio para o Brasil, com referências

de quem já estava por aqui sempre com a expectativa de voltar um dia ao

Líbano. Veio morar numa cidadezinha mineira chamada Conquista, perto de

Sacramento. Ali abriu uma casa chamada Casa de Arte, em 1909, e acabou

conhecendo minha mãe. Casou-se em 1919 e em 1921 veio para Nova

Granada, que era distrito de Rio Preto na ocasião.

Ele veio para cá por ser um sertão promissor, lotes de casas eram

doados. Ele se estabeleceu e no final dos anos 20 trabalhava com secos,

molhados, serragem, posto de gasolina, era tudo misturado. Mais tarde veio um

irmão e um primo dele do Líbano, fundaram uma sorveteria. O primo retornou

ao Líbano mais tarde, por volta de 1948 e ele e o irmão eram sócios na Casa

de Artes Cais e Irmão. Trabalharam neste ramo até envelhecer”.

O candidato a emigrante procurava municiar-se com informações sobre

oportunidades e dificuldades, condições de alojamento, de emprego, etc. na

terra de destino. De acordo com nossos entrevistados, tais informações

chegaram a eles próprios ou a seus pais, em sua grande maioria mediante

parentes ou patrícios que já conheciam na Grande Síria. Esses fatos são

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importantes por mostrar a qualidade da informação. As informações recebidas

pelos emigrantes em potencial sejam elas confiáveis ou não, reajustam as

distâncias e relativizam o longe e o perto. Truzzi diz que “os mapas mentais

dos que pensam em emigrar são diferentes dos mapas geográficos. Locais em

outro continente, mas com parentes e empregos, podem ser emocional e

materialmente próximos, enquanto espaços sociais vizinhos, mas sobre os

quais não se tem muitas referências, podem parecer muito distantes. Os

emigrantes potenciais preferem informação e, sempre que possível, de

confiança (cf. Hoerder, 1999)”. (TRUZZI, 2008, p. 207).

Acima, na Foto 1, a família Cury,

ao lado, a Foto 2, Salma Cury quando jovem

em uma foto

colorida à mão.

A política de imigração do governo brasileiro, iniciada em 1820, abriu

espaço para a atuação das “Companhias de Colonização, caracterizadas como

empresas, que entraram em grande concorrência entre si, no exterior ou no

Brasil, sobretudo no tráfico de imigrantes e em sua importação. Instalou-se a

partir daí, uma engrenagem de pessoas para atuarem: funcionários nos portos,

nas repartições públicas, inspetores de núcleos coloniais; enfim, muitos

passam a viver dos serviços de imigração e colonização, havendo uma grande

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mobilização de interesses e custos. Esse movimento populacional não só

contribui para o desenvolvimento econômico do Brasil, através da imigração e

colonização, mas também institui um novo mercado de trabalho, através da

requisição de material humano para auxiliar essas companhias de imigração”.

(NABHAN, 1989, pp. 114-5).

Somados a tal política estavam os interesses daqueles que

fomentavam a emigração. Muitos eram ex-emigrantes que, ao retornar à

Grande Síria, faziam comícios, divulgando as facilidades de se fazer fortuna na

América. A exploração era enorme, tanto por parte dos agiotas que ganhavam

altíssimos juros sobre as passagens dos que não tinham condições de comprá-

las, como por parte dos líderes de aldeias que incentivavam os camponeses a

emigrar, ganhando comissão por cada um que partia. Aqueles a quem

Knowlton chama de imigrantes de torna-viagem movimentavam “um negócio

muito rendoso, pois recebiam comissões das companhias de navegação, dos

hotéis, dos armazéns etc.” (KNOWLTON, 1961, p. 27). Knowlton transcreve em

seu trabalho um relato extraído do Seventy-second Annual Report of the Board

od Foreign Missions of the Presbyterian Church in the United States (New York:

Published for the Board, 1907) muito esclarecedor sobre este tema:

“O negócio da emigração tornou-se muito rendoso; o método usado na Alemanha em 1870 é o que aqui se usa. Um nativo, geralmente um que já esteve na América, visita a aldeia, faz comícios, descreve o modo maravilhoso de fazer dinheiro, ensina para onde ir, o que fazer – de fato tudo o que um emigrante precisa saber. É raro que êle não consiga um certo número de depósitos para passagens de navio. Êsse homem pertence a uma longa corrente cujos elos se encontram por todo o trajeto da Síria até os portos norte e sul-americanos. De vez em quando, essa cadeia de trabalhadores manda e recebe avisos para evitar ou dar preferência a êste ou aquêle lugar. Se estiver o indivíduo doente, evitar Nova York e ir primeiro para o México, depois para o norte, etc. Sem dúvida é um plano engenhoso para obter representações favoráveis das companhias de navegação. Neste momento a corrente é para a Argentina. Poderíamos falar na messe de ouro colhida por funcionários, agentes de vapores, barqueiros, etc. nos portos. É um sistema que resulta em muito sofrimento humano, perturbações, ciúmes e às vêzes crimes” (KNOWLTON, 1961, pp. 27-8).

Mesmo com a exploração intensa que sofriam na viagem, o fluxo de

imigrantes foi muito grande. Nem sempre as informações eram tão confiáveis

como os aventureiros desejavam. Por outro lado, parte deles não se importava

realmente com isso. Nem sempre a emigração era motivada por perseguições

ou dificuldades econômicas. Embora muitos dos primeiros imigrantes

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afirmassem terem vindo ao Brasil porque “queriam enriquecer. [Para os]

jovens, cheios de saúde e de planos para o futuro, uma desavença familiar, ou

mesmo a imposição dos pais no casamento, foi a causa da emigração,

havendo sempre a indicação de algum parente, amigos ou antigos vizinhos,

com quem poderiam encontrar-se no Brasil”. (NABHAN, 1989, pp. 105-7). Os

informantes de Knowlton afirmavam que conspiradores e intelectuais, quando

eram desmascarados pelos otomanos, também fugiam. Estes formariam a

liderança do povo nas terras de destino.

Em muitos casos, as famílias enviaram um de seus membros, que, na

prática, tiveram a função de desbravadores. Eles abriram espaço para a vinda

de muitos outros. Nabhan afirma que, segundo seus entrevistados, a vinda ao

Brasil mostrou-se viável pela “a) possibilidade de trabalho, com vistas ao

sucesso econômico; e b) presença de amigos ou parentes em nosso país e os

chamados por parte daqueles aqui residentes” (NABHAN, 1989, pp. 119-20).

As palavras de Elmaz Bussab, em entrevista para esse trabalho,

exemplificam bem as redes de migração, as trocas de informações e a

existência das companhias de imigração: “Enquanto a tia Odete estava no

Brasil a guerra apertava na Síria. Eles queimavam casas, fazendas, e meu avô

pegou minha mãe, a tia Sálua e falou pra minha avó: „manda embora pro

Brasil, pra casa da Odete. Vão ficar com irmã até acalmar a guerra‟. Vieram as

duas, minha mãe com 19 anos e tia Sálua com uns 22. Vieram pra ficar três

anos e nunca mais voltaram. Desculpe, eu fico emocionada. Nunca mais minha

mãe viu a mãe dela e nem o pai. Nunca mais viram ninguém. Só sabiam que

tinham mais dois irmãos na Argentina”. É o intuito de migração circular que se

revela em cadeia de migração.

A continuação da entrevista revela episódios que misturam

dificuldades, amor, coragem, alegria e tristeza e até elementos míticos:

“Meu pai, minha mãe, avós maternos e paternos, todos são da Síria. A

minha família é toda da Síria. Meus avós maternos – que só conheci por

fotografia – tiveram seis filhos, quatro mulheres e dois homens. Os homens

eram David, Rachid. Eles foram embora pra Argentina junto com meu avô e

minha avó com as quatro filhas ficaram na Síria, numa cidadezinha próxima a

Damasco.

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Meus dois tios foram jovens pra Argentina, e meu avô foi levá-los pra

fazer vida na Argentina porque surgiu ameaça de guerra no Oriente. As

mulheres ficaram na Síria. Elas eram, minhas tias Elmaz – de quem herdei o

nome, que significa brilhante – Odete, Sálua e minha mãe. A tia Elmaz era a

mais velha e já era casada e já tinha uns filhinhos. Minha tia Odete tinha um

problema de visão e por isso não foi pra escola e não foi alfabetizada.

Na minha família tem o ramo Medotista e ramo Ortodoxo, então tinha o

titio pastor e o titio padre. Enquanto meu avô estava na Argentina, ainda no

século XIX acompanhando os filhos de 12 e 14 anos, o tio padre – eu achei

isso uma sacanagem – casou a tia Odete. Ele falou pra ela: „você vai entrar na

Igreja vestida de noiva e lá vai conhecer um homem que se chama José, e tudo

o que eu perguntar a você, responda „sim‟‟. Ela foi. Tinha aquele moço no altar

esperando, e tudo o que o tio perguntava ela dizia „sim‟. Acabou casando.

Quando meu avô chegou da Argentina – ele ficou muito tempo pra lá – ele ficou

muito bravo. Como que casa a menina que devia ter 14 ou 15 anos? Ela era

muito novinha. Meu tio disse: „ela tinha que casar porque não sabe ler, não

sabe escrever, não enxerga direito e não pode ficar solteira‟, essas bobagens

dos antigos, né? Graças a Deus que isso mudou.

Foi quando estourou a guerra no Oriente. Mamãe e tia Sálua já

estavam grandinhas. Pela falta dos filhos homens, quem ajudava meu avô nas

fazendas com o campo de trigo com os cavalos era a tia Sálua. Ela puxava o

arado, fazia serviço de homem na fazenda. O marido da tia Odete, tio José

Abraão – pai do famoso Valter Abraão – tinha uma irmã que morava aqui no

Brasil. Ele então disse: „vamos pro Brasil porque minha irmã já está morando

lá, então pra nós é mais fácil ir pro Brasil, porque já tenho minha irmã lá. Suas

irmãs ficam com seu pai e sua mãe aqui e nós vamos embora pro Brasil‟.

Nesse espaço de tempo ela ficou grávida. Eles pegaram o navio rumo

ao Brasil e o navio demorou demais. Eu sei que enquanto estavam em alto mar

ela teve uma menina. Minha tia não tinha noção de quando seria o parto e saiu

pra acompanhar o marido. Foi o primeiro caso de nascimento em alto mar da

Companhia de Navegação Vitória Régia, que era o nome do navio. Antes de

minha tia ver a menina eles a ofereceram ao mar e falaram pra ela: „o pai dela

é o mar, a mãe dela é o mar, ela pertence ao mar‟. O comandante do navio

pegou um papiro e uma pena de fogo e deu a ela o nome de Vitória Régia –

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sem sobrenome – e disse: „essa é a certidão de nascimento dela‟. Estava

escrito „despatriada‟. Foi aquela festa no navio e ela ganhou uma apólice dando

direito a que viajasse na Vitória Régia sempre que quisesse.

O navio teve que parar em Genova, na Itália, sem previsão de partir.

Havia a possibilidade de não partir, por causa da guerra, então foram obrigados

a descer do navio. Arrumaram um lugarzinho pra dormir e minha tia conseguiu

uma caixa de sabão, feita de madeira, pra colocar a bebê pra dormir e disse ao

marido: „essa menina não pode ficar despatriada e nem com esse nome. Ela

tem que ter nome e sobrenome. Tem que ter nome de mãe e nome de pai.

Temos que registrá-la!‟ Registraram-na como italiana com o nome de Victória

Abraão, nome do pai José Abraão e nome da mãe Odete Bechara Abraão e

assim foi.

Quando acabaram de se instalar na Itália – não sei quanto tempo

ficaram por lá – veio a ordem para o navio seguir viagem. Eles chegaram no

porto de Santos e foram pra Piraju, onde a irmã do marido da minha tia já

morava. Lá ela teve outro filho, Alexandre. Quando chegou a época de Victória

ir pra escola, não aceitavam estrangeiro, e ela era estrangeira, tinha sido

registrada como italiana. Então minha tia deu uma de boba e a registrou outra

vez. Fingiu que não tinha registrado, que tinha vindo da Síria e a menina

nasceu no navio, não tinha dado pra registrar e registrou outra vez. O nome

dela mudou pra Tatua Abraão. Tanto é que quando ela faleceu alguns parentes

ficaram confusos dizendo: „filha da Odete não é, porque ela só teve uma filha

que se chamava Victória‟. Ela se formou professora e morreu com 23 anos de

idade de hepatite”.

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4. TERRAS BRASILEIRAS

Ao estudar a emigração portuguesa, Borges afirma que “A maneira ou

a forma como o imigrante é encarado pelo país que o acolhe reflete todo um

esquema ideológico e político, ou seja, um ideário e um esquema de ação e de

atitudes no trato com o ádvena que, além de definir as características do país

enquanto país de imigração, dá as linhas mestras que balizam a vida do

imigrante” (BORGES, 1982, pp. 108-9). Isto vem de encontro ao

posicionamento do governo brasileiro à época da imigração sírio-libanesa em

abrir as fronteiras do país para receber imigrantes. Contudo, “na prática, o

imigrante ocupa espaços maiores, mesmo quando visto e tratado apenas como

mão-de-obra, pois a partir da conjungação de seus objetivos e do que lhe é

oferecido, ele cria ou recria o seu modo de vida, que começa com as condições

materiais de existência” (BORGES, 1982, p. 109).

Clark Knowlton sistematiza as forças motivadoras à imigração ao Brasil

em três categorias. A primeira é a busca por “imigrantes para constituir uma

classe de pequenos proprietários rurais (...) A segunda fôrça motivadora foi a

necessidade crescente de trabalhadores rurais. (...) A terceira fôrça motivadora

foi a necessidade de operários para a indústria” (KNOWLTON, 1961, p. 33).

Essas necessidades manifestas pelo governo brasileiro visavam constituir uma

classe de pequenos proprietários rurais, suprir a lacuna de mão-de-obra aberta

com o fim da escravatura e ocupar os postos de trabalho que surgiram com a

industrialização do país, para os quais não havia material humano suficiente.

Entretanto, assim “como os judeus e, até certo ponto, como os espanhóis, os

sírio-libaneses excluíram de seu projeto migratório a zona rural e se instalaram

nas cidades” (BORGES, 2000, p. 19) não ocupando-se de nenhuma das

tarefas acima listadas. “Os Syrios immigrantes que na sua maioria em sua terra

natal, eram pequenos industriaes, operarios ou habeis lavradores, aqui e nas

terras que escolheram para o seu exilio voluntario, e, onde os levou o seu

destino, preferiram alcançar a fortuna ávidamente desejada atravez da pratica

do commercio que julgavam ser o meio mais facil e rápido" (CAVALHEIRO,

1929.). “Apesar de a maioria ser constituída de agricultores (...) O fato se

explica porque os que se ocuparam da lavoura vieram sob forma de colônias –

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exigência do governo, como no caso de japoneses, italianos e alemães”.

(NABHAN, 1989, pp. 116). Segundo Lodi “A miséria da população rural e o

sistema de compra, vinculado ao proprietário da terra, [repeliram] esses

imigrantes do trabalho no campo” (LODI, N. Sírios e libaneses em Rio Preto.

Diário da Região, São José do Rio Preto, 29 out. 2006).

Nabhan divide em dois movimentos o processo migratório no Brasil.

Um, chamado imigração e outro, colonização. O último é composto por aqueles

que vão trabalhar no campo, com a agricultura. Os sírio-libaneses encaixam-

se, segundo a autora, no movimento de imigração, que é realizado “em grupo

ou individual, com trabalho liberal” (NABHAN, 1989, pp. 119-20).

Para os que deixaram sua terra e família com o intuito de conquistar

um novo e elevado patamar econômico, continuar no mesmo ramo não

caracterizava uma real mudança. As informações recebidas eram de pessoas

que, sem saber o idioma falado no Brasil, desempenharam uma atividade

específica e prosperaram. A vinda do pai de Suhail Ahmad Farhat retrata essa

realidade. Seguindo o sogro, ele decide retornar ao Líbano caso tenha que se

dedicar à agricultura, como fazia em seu país. Se fosse para continuar na

mesma área profissional, melhor fazê-lo em sua própria terra. Vejamos como

ele descreve a situação:

“Meu avô tinha um bar, um restaurante, mas falou pro meu pai que

estavam pagando bem para trabalhar com o café ou algodão. Meu pai falou:

„se eu vim para o Brasil pra colher algodão e ganhar não sei quanto por dia, eu

fico lá cuidando da minha terra, plantando tomate e melancia que é muito

melhor‟”.

A maioria dos imigrantes não queria se identificar com a classe

agrícola. “Cerca de 18% dos imigrantes turco-árabes foram enumerados como

lavradores, 2% como operários e 79,9% como „outros‟.

As estatísticas desnorteiam, porque a maioria dos imigrantes procedia

de zonas rurais da Síria e do Líbano. Talvez a maior parte dêles ganhasse a

vida no cultivo da terra, e um dos seus fins ao emigrar fôsse obter dinheiro para

aumentar sua propriedade territorial, comprar ferramentas ou gado. Entretanto,

não emigraram para o Brasil a fim de lavrar a terra. Vieram para dedicar-se ao

comércio, mais lucrativo que o trabalho rural”. (KNOWLTON, 1961, p. 62).

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Composição Ocupacional das Principais Nacionalidades Entradas no

Brasil Pelo Pôrto de Santos (1908 até julho de 1941)

Grupo Nacional Imigração

Total

Lavradores Operários19

Outros

Número % Número % Número %

Todos os imigrantes 1.327.911 791.135 59,6 63.883 4,8 472.943 35,6

Turco-Árabes20

Turcos

Sírios

43.954

26.348

17.606

7.930

2.941

4.989

18,0

11,2

28,3

891

551

340

2,0

2,1

1,9

35.133

22.856

12.277

80,0

86,7

69,7

Portugueses 293.584 140.176 47,7 14.417 4,9 138.991 47,8

Espanhóis 209.892 164.924 78,6 4.773 2,3 40.195 19,2

Italianos 206.056 101.066 49,0 22.654 11,0 82.336 40,0

Japoneses 188, 490 186.228 98,0 232 0,1 2.030 1,1

Alemães 46.893 14.385 30,7 5.869 12,3 26.639 56,8

Rumenos 24.041 20.369 84,7 333 1,4 3.339 13,9

Iugoslavos 21.365 19.895 93,1 216 1,0 1.254 5,9

Lituanos 21.069 18.249 86,6 403 1,9 2.417 11.5

Poloneses 16.912 6.746 39,9 1.473 8,7 8.683 51,4

Austríacos 15.251 9.156 60,0 1.525 10,0 4.570 30,0

Tabela 1

Fonte: KNOWLTON, 1961, p. 63.

De 1871 a 1891 estavam registrados 156 sírio-libaneses no Brasil.

Foram os primeiros responsáveis pela escolha do Brasil como país-destino a

seus patrícios. Como os que os seguiram “enviaram, sempre, determinadas

quantias aos parentes no Líbano, a fim de que esses vivessem melhor e,

segundo depoimento de muitos, também para comprovar seu sucesso no

Brasil” (NABHAN, 1989, p. 107). Em 1898, 1.131 imigrantes chegaram da

Grande Síria. No ano seguinte foram 2.110. Esses dados mostram-se positivos

quanto ao funcionamento das redes de migração. A Primeira Guerra freou

esses deslocamentos, retomados tão logo ela se findou.

O estado de São Paulo foi o principal destino para esta onda árabe. Os

primeiros chegaram por volta do ano 188021. Em 1913 11.101 imigrantes

19

Esta coluna inclui operários não qualificados para 1940 e 1941. 20

Não há dados sobre os libaneses. 21

Até 1892 todo imigrante do Oriente Médio era, no Brasil, denominado turco – por causa do passaporte expedido pelo Império Turco. Mas neste ano os que vinham da Síria passaram a

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chegaram ao país, dos quais 6.493 se instalaram em São Paulo, ou seja, 58%.

Com a economia do Estado em expansão, impulsionada pela lavoura do café,

os sírio-libaneses se aproveitaram para circular por todos os lados “começando

como mascates, passaram para o comércio a varejo e depois por atacado e

finalmente para a indústria” (KNOWLTON, 1961, pp. 66-7).

entrar no país como sírios. Mas apenas em 1926 os libaneses passaram a ser registrados como tais.

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Distribuição da População Sírio-Libanesa por Estados

Estado

População

1920 1940

Número % Número %

BRASIL 50.24622 100,0 46.614 100,0

Acre 627 1,2 230 1,5

Alagoas 6 0,09 20 0,09

Amazonas 811 1,6 461 1,0

Bahia 1.206 2,4 947 2,0

Ceará 268 0,5 190 0,4

Distrito Federal 6.121 12,2 6.510 13,4

Espírito Santo 810 1,6 636 1,3

Goiás 528 1,1 659 1,4

Maranhão 625 1,2 305 0,6

Mato Grosso 1.232 2,5 1.066 2,2

Minas Gerais 8.684 17,3 5.902 12,1

Pará 1.460 2,9 848 1,7

Paraíba 60 0,1 41 0,1

Paraná 1.625 3,2 1.576 3,2

Pernambuco 355 0,7 270 0,5

Piauí 188 0,4 85 0,2

Rio de Janeiro 3.200 6,4 2.541 5,2

Rio Grande do

Norte

55 0,1 69 0,1

Rio Grande do Sul 2.565 5,1 1.903 4,0

Santa Catarina 488 1,0 377 0,8

São Paulo 19.285 38,4 23.948 49,2

Sergipe 47 0,1 26 0,1

Tabela 2

Fonte: KNOWLTON, 1961, p. 68.

22

Os algarismos do censo relatives ao número de sírios no Brasil revela uma discrepância de 5 entre a soma total dos estados (50.246) e o censo total (50.251).

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II PARTE

1. ÁRABES EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

O artigo Nasce um município, publicado por Lodi no jornal Diário da

Região em 30 de julho de 2006 nos traz um breve histórico acerca do

surgimento da cidade de São José do Rio Preto. Temos abaixo um resumo de

tal artigo:

“O início do processo de formação do município de São José do Rio Preto está enraizado no século 19 (1840-50). No bairro de Rio Preto, pertencente ao município de Araraquara, nas terras doadas pelos irmãos Luiz Antônio da Silveira e Antônio de Carvalho e Silva, fazendeiros e sitiantes, juntamente com o sub-delegado de Polícia e o juiz de paz, nomeados para os respectivos distritos em 1855, reúnem-se com o vigário de Araraquara e decidem dar início a um povoado sob a proteção de São José, às margens do rio Preto. O ato simbólico da posse das terras doadas à Igreja se concretiza na elevação de um cruzeiro de madeira na praça destinada à Capela, dedicada ao padroeiro no dia 19 de março de 1852. (LODI, N. Nasce um município. Diário da Região, São José do Rio Preto, 30 jul. 2006).

Com 9.930.478 habitantes, sendo 5.123.869 homens e 4.806.609

mulheres, “o recenseamento imperial de 1872 registra São José do Rio Preto

como „paróquia povoada‟” (LODI, N. Ocupando o sertão. Diário da Região, São

José do Rio Preto, 05 mar. 2006). A região passou a ser ocupada

especialmente por criadores de gado vindos de Minas Gerais e Mato Grosso à

procura de pastagens. Contudo “Rio Preto resentia-se nessa época da falta de

communicações com os mercados distantes, constituindo tal circumstancias

um factor importante para o desanimo de todos os que aqui se installavam,

mais instigados pela ambição de possuir um mundo de terra ignorada, que

propriamente pelo prazer de habitar uma casa rustica sem conforto nem

segurança, porque a falta de recursos materiaes aggravava-se com a falta de

ordem e de justiça. As terras de Rio Preto, eram portanto, nesses tempos

remotos, um bello Oasis perdido na trama convulsa da matta emaranhada, e

cuja população era mais de selvagens e féras, que propriamente de homens

civilizados, que eram, aliaz, em numero resumido” (CAVALHEIRO, 1929)

Após cinco anos, no dia 1º de junho de 1857, ela recebe Provisão. Em 1867, é criado o município de Jaboticabal, desmembrando de Araraquara. Ainda na década de 1880 tem início a cultura cafeeira, e com ela começa o movimento migratório responsável pelo expressivo

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crescimento populacional observado nas décadas finais do século 19 e iniciais do século 20. Uma das causas desse desenvolvimento tardio e lento, se não a principal, foi a escassez de mão-de-obra escrava em toda região. Com a abolição, a necessidade de trabalhadores se intensificou e o município passou a receber imigrantes, principalmente italianos. Contudo, há relatos orais de fazendas, dentro do município, formadas exclusivamente com mão-de-obra livre, antes mesmo da abolição (Fazenda da Alegria, de Bernardino Canuto Ribeiro, e Borá, de Martinho Isidoro Gonçalves). Dessa forma, São José do Rio Preto experimentou mudanças, tanto sociais como econômicas, após muitas décadas de sua fundação: a passagem da economia de subsistência para o sistema da grande lavoura, a adoção do regime de trabalho livre e a integração de contingentes de imigrantes italianos, espanhóis, portugueses e sírio-libaneses. Por 27 anos, 1867 a 1894, o povoado de São José do Rio Preto pertence ao município de Jaboticabal. A partir de 19 de julho de 1894, com a criação do município, Rio Preto torna-se a „celula mater‟ da vida administrativa e municipal no sertão do Avanhandava. É elevada finalmente à categoria de vila, decorrência natural de sua elevação a município em 1894 (lei nº 294), e em 1904, após a criação da comarca, passa então à categoria de cidade (lei nº 20). Ao ser criado o município, considerado um dos mais extensos do Estado de São Paulo, tem como divisas os rios Tietê, Paraná, Grande e Turvo com a extensão de 26.126 km

2. Era então considerado uma

grande península encravada no „sertão do Avanhandava‟, pois as suas divisas eram todas formadas por linhas fluviais. Era citado como o segundo município paulista em extensão. A partir de 1901, dificuldades internas começam a surgir. A administração municipal é alvo de críticas nascidas e fomentadas nos distritos. Os descontentamentos aumentam, os contribuintes reclamam contra os lançamentos de impostos e cobranças de taxas. De 1894 a 1910, o município mantém sua unidade territorial. Daí para a frente porém inicia-se uma longa série de desmembramentos que se prolonga até fins da década de 50. Em 1900, São José do Rio Preto contava com 3.221 habitantes. Em 1920, eram 126.796. Em 20 anos a sua população multiplicou-se por quarenta. Em 1996, com a extensão territorial de apenas 433 quilômetros quadrados, sua população está estimada em 323.368 habitantes. O toponímio 'São José do Rio Preto' é resultado da união do nome do padroeiro e do rio que atravessa os patrimônios. A partir de 1906 passa a ser designada apenas por Rio Preto, retornando ao nome original em 1944 (lei nº 14.334).” (LODI, N. Diário da Região, São José do Rio Preto, 30 jul. 2006).

A cidade veio a ser local não apenas de passagem, mas também de

fixação de parte dos imigrantes. Isso em função do caráter promissor da região

e dos bons resultados iniciais nos negócios.

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2. O MASCATE

Um dos meios que um grupo étnico busca para se enquadrar na

sociedade do país para o qual migrou é o profissional e, normalmente, a

primeira geração se estabelece em profissões para as quais não é preciso

qualificação; são empregos braçais, mal remunerados e pouco procurados

pelos nativos. Entretanto, a história foi diferente com os sírio-libaneses no

Brasil – eles evitaram os trabalhos braçais e agrícolas como se pode ver na

tabela abaixo:

Nacionalidade Rural Urbana Total

Número Porcentagem Número Porcentagem Número Porcentagem

Estrangeiros 468.732 50,0 462.968 50,0 931.691 100,00

Sírios 4.748 18,0 20.872 82,0 25.620 100,00

Italianos 156.708 51,0 148.269 49,0 304.977 100,00

Portugueses 52.178 30,0 124.413 70,0 176,591 100,00

Espanhóis 93.343 58,0 67.181 42,0 160.524 100,00

Alemães 9.734 36,0 17.264 64,0 26.998 100,00

Japonêses 120.811 92,0 10.898 8,0 131.709 100,00

Tabela 3 – População rural e urbana entre os estrangeiros do Estado de São Paulo classificados quanto à

origem nacional e residência, 1934

Fonte: KNOWLTON, 1961, p. 79.

É notável o fato de que a maioria destes imigrantes era composta de

solteiros (por volta de 60%), vindos de um contexto rural tendo chegado ao

Brasil com pouco, ou nenhum dinheiro. Nilce Apparecida Lodi, professora

aposentada e reconhecida historiadora da cidade, aponta que a idade da

maioria variava de 16 a 23 anos. Com acesso a mercadorias a crédito e a

possibilidade de um retorno financeiro relativamente rápido, tornaram-se,

majoritariamente mascates. Outro episódio narrado por Suhail Ahmad Farhat,

exemplifica o crédito que os patrícios estabelecidos concediam aos recém

chegados:

“Então [meu pai] foi pra São Paulo, na rua 25 de março, e em meio aos

nosso patrícios falou pra um deles: „é o seguinte, faz vinte dias que eu vim do

Líbano. Faça duas malas pra mim. Coloque meias, roupas essas coisas. Só

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que eu não tenho dinheiro, tenho essas jóias que são da minha esposa. Vou

deixá-las aqui como garantia‟. Nessa época os patrícios davam uns 120 dias

para o mascate voltar e pagar. Então o patrício disse: „pega essa jóia, que é da

sua esposa, não quero nada disso‟. Ele pegou as malas, veio de trem e

começou a mascatear pelos sítios de ônibus. Eles chamavam os ônibus

daquela época de jardineira”.

Clark Knowlton indica que a mascateação era exercida pelos sírio-

libaneses já durante a imigração: “De Marselha e Gênova, os mascates sírios e

libaneses penetraram em tôdas as partes da Europa com alguns pacotes de

mercadoria” (KNOWLTON, 1961, p. 28). Truzzi, entretanto, diz que “existem

evidências ponderáveis de que a maior parte dos imigrantes que vieram para a

América provenientes da Síria eram agricultores. (...) na terra de origem o ofício

de mascate era mais freqüentemente exercido por gregos, armênios e judeus”

(TRUZZI, 1991, p. 51). De qualquer forma foi como mascates que a bem

sucedida empreitada econômica da colônia começou no Brasil.

As cartas que enviavam aos amigos e famílias continham relatos do

sucesso obtido com as vendas. Isso foi determinante na vinda de mais

imigrantes, que deixavam seu país determinados a dedicarem-se ao comércio

popular. Eles traziam água do rio Jordão, terra da Terra Santa, figuras de

santos, rosários entre outras mercadorias adquiridas na Palestina que eram

facilmente vendidas aos brasileiros de baixa renda.

A atividade da mascateação já havia proporcionado um bom começo a

outras etnias que migraram para o Brasil. Os primeiros a se dedicarem a esta

ocupação foram os portugueses, seguidos pelos italianos. Os pioneiros na

mascateação já estavam familiarizados com este ofício, desempenhado em

seu país de origem pelo almocreve. O isolamento geográfico torna o almocreve

aquele que quebra “as fronteiras do isolamento da aldeia, com mensagens

urbanas, colocando-as em conexão com o mundo civilizado de fora.

Examinando desta perspectiva, o almocreve cumpre o papel de herói

civilizador, descendando aos olhos dos aldeões a existência de outras

dimensões da vida com muita coisa a lhes ensinar, a lhes servir de modelo”

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43

(BORGES, 1982, p. 128). Ideia semelhante é apresentada por Elias Choeiri23

no capítulo Galeria das Raças do Album Ilustrado da Comarca de Rio Preto:

“Pouco tardou para que o Syrio viesse attenuar aos primeiros moradores os multiplos soffrimentos e com elles trabalhar denodadamente pelo progresso desta rica terra. Representava o mascate Syrio, a princípio e depois de um curto prazo de tempo o commerciante, o papel de missionario da civilização, trazendo com muitas dezenas de leguas de trajectos (...) atravez de estradas, assemelhando mais a picadões e completamente desertas, aos moradores o que elles podessem precisar, desde a roupa de vestir até os indispensáveis remédios" (grifo nosso) (CAVALHEIRO, 1929).

Com o tempo, os sírio-libaneses conseguiram dominar este ofício, uma

vez que vendiam suas mercadorias com baixa margem de lucro e davam a

possibilidade do cliente pagar sua compra na próxima passagem do vendedor

por sua cidade.

“Predominava então uma athmosphera de collaboração e de authenticas relações de fidalguia, num esforço todo fraternal que viria mais tarde constituir a base de progresso destas paragens. Esperava-se pelo mascate contando os dias e horas de seu trajecto e quando por um motivo qualquer era levado a ausentar-se mais dias do que costumava, acontecia que os moradores preoccupados com a sua demora mandavam a seu encontro pessoas para saber noticias suas. Isso acontecia não raras vezes. Quão bello era o ambiente em que viviam e quanto era importante aquella confiança e aquella amizade reciprocamente trocadas. Tambem era absolutamente desnecessario constituir um advogado para judicialmente cobrar uma conta, porque advogados não os haviam e a conta do mascate era sagrada, si o dinheiro não estava no geito era gado, era tudo o que é negociavel offerecido para o respectivo pagamento” (CAVALHEIRO, 1929).

Os sírio-libaneses “derrubam a concorrência com sua sutil visão de

lucro e com a venda a prazo, baseada no respeito à palavra do consumidor,

que compromete-se a pagar, sem promissórias. A palavra do consumidor,

basta. A confiança depositada na clientela, que compra a prazo é um dos

fatores de seu sucesso, pois os moradores das cidades e os colonos,

rapidamente abandonam o compromisso de comprar nos armazéns dos

proprietários das fazendas” (LODI, N. Sírios e libaneses em Rio Preto. Diário

da Região, São José do Rio Preto, 29 out. 2006). Eles se equipavam “com uma

grande caixa de mercadorias tais como agulhas, alfinetes, linhas, lãs, pentes,

botões, grampos, joias e perfumes baratos, bordados, etc. fàcilmente

23

Comerciante, jornalista e advogado. Quando criança estudou na Síria e em uma escola russa.

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transportáveis, com boa procura pela população rural” (KNOWLTON, 1961, p.

138). O mascate atingia a população que vivia distante da cidade e, por isso,

era o “responsável” por levar as notícias para esse povo afastado. A moda e as

novidades chegavam nas costas dos “turcos” assim como acontecia com o

almocreve em Portugal. Com suas economias, logo era possível comprar uma

mula para carregar suas mercadorias. Tendo condições, adquiria várias mulas.

Mais tarde, o transporte passou a ser feito de caminhão – isto aonde existiam

estradas; havia lugares onde só chegavam de barcos, pelos rios.

Sanaa Yacoub Abaid nos contou a experiência de seu tio como

mascate:

“Meu tio fugiu da guerra e eu ouvia as histórias sobre ele na Síria. Ele

tinha 16 ou 17 anos quando pegou o navio pra vir pro Brasil. Muita gente da

minha aldeia está aqui no Brasil e vieram na mesma época que o meu tio.

Minha aldeia tem três mil pessoas e mais de cem delas estão aqui. Depois meu

tio voltou pra Síria e contava histórias daqui do Brasil. O país naquela época

era diferente. Ele dizia que ficou um tempo sem documento, trabalhava muito,

às vezes ficava sem comer. Ele se encontrou com uns primos em São Paulo

depois veio pra São José do Rio Preto atrás de uns amigos. Ele pegava roupa

e saia vendendo como mascate. Ele mostrava pra gente as marcas fundas nas

costas e nos braços por causa das caixas que carregava.

Com o trabalho ele conseguiu formar um patrimônio aqui e, foi aqui

também que ele se casou, com uma prima dele. Tiveram dois filhos e uma filha.

Ele contava que o Brasil era um país muito bom, com um povo muito humilde,

muito simples e sem preconceitos. Dizia que o país era tranqüilo, que viajava

horas e horas a pé sem preocupações, ninguém mexia com ele. Ele falava que

o povo era honesto, porque ele vendia fiado e recebia quando voltava lá.

Quando velho, voltou pra Síria pra ver os irmãos. Foi por causa dele que eu

vim pra cá”.

Com o acúmulo de certo capital, adquiriam imóveis onde na frente

abriam uma lojinha e atrás – ou encima, no caso de sobradinhos – moravam.

Discorrendo sobre o centro de São Paulo Safady conta que “As famílias

ocupavam todos os sobrados dessas ruas, dos mais luxuosos, até os mais

modestos, e mais numerosos quantos pobres nas vilas que estavam

superlotados de ocupantes, a maioria dêles mascates. Aí viviam os ricos, os

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novos-ricos – que imigraram na quarta classe – e à custa de seu trabalho

honesto e fecundo enriqueceram.” (SAFADY, 1966, p. 139).

Truzzi afirma que “a Rua 25 de Março e adjacências, no centro de São

Paulo, constitui o reduto mais significativo da colônia sírio-libanesa no Brasil.

Sua localização próxima ao Mercado Municipal atraiu desde fins do século 19 o

estabelecimento de uma variedade de lojas, nos ramos de armarinhos e de

tecidos, tanto no varejo quanto no atacado, logo angariando a reputação de rua

dos „turcos‟” (TRUZZI, 2005, p. 81). Em Rio Preto o fenômeno se repete. “A

história da rua General Glicério, no centro de Rio Preto, é um pouco a história

dos árabes e seus descendentes. No início da vila, a rua era denominada rua

da Fartura, mas a população lhe dá um apelido, „rua Jerusalém‟. Nela se

instalam lojas de tecidos à varejo e armarinhos, empresas maiores, para a

venda dos mais variados produtos, do chapéu à casimira, do querosene aos

pneus, das panelas aos perfumes” (LODI, N. Sírios e libaneses em Rio Preto.

Diário da Região, São José do Rio Preto, 29 out. 2006).

Tipo de Mercadorias Número de Mascates

Fazendas 81

Frutas e verduras 42

Meias e camisas 37

Armarinhos 12

Colchas, fronhas e toalhas 11

Tecidos 11

Balas e doces 6

Jóias, fantasias e relógios 8

Confecções 6

Fitas e bordados 3

Cestas 3

Artefatos de couro, bolsas, etc. 2

Laticínios 1

Cereais 1

Calçados 1

Ovos e frangos 1

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Velas 1

Guarda-chuvas 1

Gravatas 1

Tabela 4 – Mascates sírios segundo o tipo de mercadoria vendida. Cidade de São Paulo, 1951

Fonte: KNOWLTON, 1961, p. 140.

Em entrevista para este trabalho, Nilce Lodi faz referência a uma

pesquisa realizada por ela em meados de 1970, com fiéis da Igreja Católica

Ortodoxa Antioquina de São José do Rio Preto e diz que “entre as ocupações

exercidas nos países de origem encontramos as de: lavradores, comerciantes,

fazendeiros, industriais e carpinteiros. Destes, apenas um carpinteiro

permaneceu em sua profissão, pois nesta época a mesma era bastante

requisitada pela construção civil local. A maioria optou pelas atividades

comerciais numa gama extensa que ia do mascate ao pequeno comerciante e

ao grande atacadista; do pequeno ao grande industrial; das atividades

autônomas às técnicas; do fazendeiro ao banqueiro. Dentre os relatos curiosos

encontramos um sobre o transporte nos primeiros anos do século XX. Os

mascates faziam suas viagens a cavalo, e com a inexistência de locais para

alojamento, adquiriam pequenas chácaras para tal finalidade. Destacaram

ainda que eram poucas as residências disponíveis na cidade, especialmente

nos anos vinte, após o incremento populacional estimulado pela produção de

café e as facilidades do transporte ferroviário, inaugurado em 1913. A

construção de novas moradias se fez necessária”.

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3. TERRAS RIOPRETENSES

Desde antes da emancipação de São José do Rio Preto os sírio-

libaneses já estavam presentes na cidade. As notícias sobre as terras férteis na

região se espalhavam e traziam desbravadores. Ainda que conhecida como

terra de onças, feras e bugres, com o tempo a floresta começou a dar lugar,

primeiramente a pastos e, em alguns anos a pés de café. Fazendas enormes

podiam ser adquiridas a preços irrisórios, mas, por uma questão de estratégia,

não foi esse o caminho escolhido pelos imigrantes árabe. Ao mascatear tinham

giro de capital, havia condições de ganhar dinheiro rapidamente e com isso o

investimento ia para a abertura de um estabelecimento comercial, mesmo local

onde passavam a residir.

“Primeiramente vieram os syrios com a tenda ás costas e a classica matráca que servia a uma só tempo para annunciar aos freguezes a sua chegada e afujentar ao mesmo tempo, as féras que ainda infestavam os caminhos. Não se pode negar a essa gente o extraordinario valor da sua cooperação, nem deixar de louvar o espirito de sacrificio que os animava á lucta pela vida, enfrentando galhardamente todos os perigos para pôr em evidencia mais seus sentimentos humanos, que a ambição de pequenos lucros em negocios incertos, pois serviam de intermediarios para negocios diversos entre os raros habitantes de Rio Preto ou visinhanças, e as praças de Araraquara, ou Jaboticabal, separadas de nós por extensa mataria atravez da qual, serpenteava num estreito e perigoso picadão. Finalmente, como premio a todos os sacrificios, os syrios prosperavam rapidamente e em breve, deixavam a tenda do mascate, para se instalarem em Rio Preto com importantes Casas Commerciaes, furnidas de tudo o que era indispensavel aos consumidores desse tempo, e assim, graças a um trabalho proficuo, honesto e persistente, conseguiram os syrios manter até hoje a primasia commercial, tornando-se detentores dos maiores e melhores estabelecimentos não só de Rio Preto, mas de toda a Comarca” (CAVALHEIRO, 1929).

Dizer que enfrentavam os perigos para pôr em evidencia mais seus

sentimentos humanos, que a ambição de pequenos lucros em negócios

incertos não nos parece coerente. Especialmente quando o mesmo texto diz

que os syrios prosperavam rapidamente e em breve, deixavam a tenda do

mascate, para se instalarem em Rio Preto com importantes Casas

Commerciaes. Ainda que com um tom saudosista, a passagem citada descreve

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brevemente o contexto em que estes syrios viveram nos primórdios da cidade.

Vale ressaltar que a designação destes imigrantes variava24.

As aventuras vividas enquanto viajavam viraram histórias fantásticas

para se contar aos filhos e netos. Marly Cury Hassan nos relatou sua

passagem favorita, contada por seu avô: “uma vez ele foi entregar mercadorias

numa fazenda, e minha avó lhe dizia: „não volte a noite porque é perigoso‟.

Tinha muita onça nessa região, onça demais. „Você dorme lá e de manhã cedo

você volta‟ dizia ela. Depois de entregar as mercadorias, ele foi jantar com o

homem, sua mulher e seus filhos. Foi quando meu avô viu o homem rezando e

pensou: „mas que raio de reza é essa?‟ „Que reza vocês estão fazendo aí?‟ ele

perguntou. O homem respondeu: „espera um pouco, Zé, que você vai ver‟. De

repente a casa encheu de cobra. Ele fazia a reza e as cobras vinham comer à

mesa. Meu avô largou a comida, pegou seu cavalo e veio embora. „Fiquei

morrendo de medo! Entre as onças e as cobras eu prefiro as onças‟ dizia ele.

Ele contava de um jeito que a gente morria de rir”.

É bem verdade que, com o tempo, alguns imigrantes sírio-libaneses

tornaram-se fazendeiros, mas não há qualquer dúvida que a principal atividade

econômica desenvolvida por eles foi a mascateação e o comércio. Já vimos

que eles desalojaram outras colônias desse ramo e o êxito que alcançavam

originou realidades das quais queremos destacar duas. A primeira, a rede de

imigração. Não fora o sucesso alcançado por uns, outros não se arriscariam

neste país. Esta situação fez com que a concentração de imigrantes da Grande

Síria na região fosse a segunda maior do Estado – atrás apenas da capital. Em

1920 moravam em Rio Preto 730 novos “turcos”. Mas eles não eram os únicos

interessados no comércio riopretense. A segunda, é o descontentamento dos

comerciantes brasileiros. Os primeiros mascates eram bem recebidos pela

população. Mas o domínio – praticamente absoluto – desta importante área

econômica por um grupo estrangeiro trouxe desconforto para os comerciantes

nativos.

Tivemos acesso à transcrição das Atas da Câmara Municipal de São

José do Rio Preto do ano de 1896 feita por Agostinho Brandi. O livro se

24

Primeiramente conhecidos como turcos – tanto sírios como libaneses, e até armênios, gregos e outros – mais tarde também passam a ser chamados de sírios para, apenas posteriormente, “tornarem-se” sírio-libaneses – conquanto várias denominações, nenhuma aboliu a de turco.

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49

encontra no Arquivo Municipal da cidade e tem uma infeliz particularidade – a

transcrição foi feita a lápis e são notórias intervenções de terceiros. Contudo,

encontramos neste material o registro de episódios relatados a nós nas

entrevistas – taxas abusivas impostas aos mascates. Arantes também

menciona tais episódios no histórico que fez sobre o Clube Monte Líbano.

Vejamos a primeira decisão sobre o tópico:

“Acta ordinaria do dia 15 de Abril de 1896

Aos quinze dias do mez de Abril do anno de mil e oito

centos e noventa e seis, nesta Villa de São José do Rio

Preto comarca de Jaboticabal Estado de São Paulo,

no Passo da camara municipal as deis horas

do dia reunidos os Cidadãos Veriadores Francisco

Antonio Braga, Luis Pinto de Morais, José Ignacio

de Alvarenga, e Luis Antonio de Lacerda, sob a

presidencia do Cidadão Valencio José Barboza

Vice Prezidente, havendo numero legal foi pelo

o prezidente aberta a secção lida e assignada

a acta anterior passando-se aos trabalhos se

guinte. Expediente

Pelo o presidente foi indicado que se criasse

neste municipio novo imposto sobre estrangeiros

que quizessem abrir caza de negocio nesta

Villa, sendo o Imposto sobre a abertura do negocio

quinhentos mil reis, e sobre mascateação hum con

to de reis posto a discussão e a voto foi unanimen

te aprovado. O que declarou criada a lei pela

a forma seguinte. no 9. Artigo primeiro, todo o estrangei

ro que abrir caza de negocio pagarão pela aber

tura quinhentos mil reis. Art Segundo todo masca

te estrangeiro pagarão pela licença de uma só

caixa hum conto de reis. Art Terceiro revogarão

se as disposições em contrario. Não havendo mais

nada a se tratar o prezidente enserrou os trabalhos

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50

para o dia primeiro de maio e convocando todos

os Cidadãos veriadores a comparecerem naquel

le dia, hora do costume. Do que para constrar lavrei

a presente acta que vai por todos assignados.

Eu Theodolino José de Paulo, Secretario que es

crevi

Valencio José Barboza

Vicce Presidente

Francisco Antonio Braga

Luiz Pinto de Moraes

Luiz Antonio de Lacerda”

Os altos impostos municipais foram um duro golpe na colônia. O padre

Nicolas Khouri25 Georges Ferzolli afirma que “era muito difícil conseguir pagar.

O trabalho era feito com muita dificuldade. Como a maioria não tinha como

pagar a licença, trabalhava em nome dos que tinham. Pra trabalhar eu já vou

ter que pagar mesmo, então você trabalha em meu nome e não precisa me

pagar nada. Sempre foi assim”. É verdade que o texto se refere ao estrangeiro

e não especificamente ao sírio-libanês, mas a informação de que oito, dos doze

estabelecimentos comerciais da cidade eram de árabes é reveladora. Meses

depois o que era difícil se tornou ainda pior. Vejamos trechos da Ata da

Câmara Municipal da data de 15 de setembro de 1896:

“Acta ordinaria do dia 15 de setembro de 1896

Aos quinze dias do mez de Setembro do anno de mil e oi

to centos e noventa e seis nesta Villa de São José do Rio

Preto comarca de Jaboticabal Estado de São Paulo, as

deis horas do dia, no Passo da Camara Municipal desta

Villa, reunidos os cidadãos veriadores Francisco An

tonio Braga, Valencio José Barboza, Luis Pinto

25

O nome Khouri significa padre e é inserido no nome dos sacerdotes. Os filhos de padres também recebem esse sobrenome, justamente por serem filhos de padre. A transliteração para o português somada a adoção da forma brasileira de dar nomes e sobrenomes aos filhos, surgiram as famílias Curi, , Khoury, entre outras.

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51

de Morais, Jose Ignacio de Alvarenga, sob a prezi

dencia do Cidadão Pedro do Amaral Campos

havendo o numero legal pelo o Prezidente foi aberta a

secção

lida e assignada a acta anterior passou se aos trabalhos

seguintes

(...)

Segue o Expediente

(..)

Pelo o prezidente foi apresentado uma representação

assignada por Porfirio Pimentel e outros negocian

te nesta Villa, pedindo para ser elevado a

trez centos (ou contos?) de reis por anno a licença

concedida a sua .A comissão

de Justiça

para aprezentarem o projecto sobre que deve ser

com as modificações que julgarem conveniente e como

também para quanto aos direitos de licença que

pagão os negociante desta Villa, estabellecento um pre

ço fixo para cada cathegoria de negocio.

(...)

A comissão de Justi

ça para aprezentarem na primeira secção

o projeto da lei para criação dos mesmos.

E por não haver mais nada a se tratar o pre

zidente mandou lavrar esta acta susendendo a secção

para o dia primeiro de Outubro vindouro convidando

os Senhores veriadores a comparecerem naquelle dia

hora e lugar. Eu Theodolino José de Paulo, secretario

que escrevi.

Pedro Amaral Campo

Presidente

Francisco Antonio Braga

Luiz Pinto de Moraes

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Jose Ignacio de Alvarenga”

Na data marcada – 01/10/1896 – não houve reunião por não haver

quorum. Na oportunidade seguinte – 22/10/1896 – estavam presentes: Tenente

Pedro do Amaral Campos (presidente), Esequiel de Guimarães Correa

(secretário interino) e Antonio Silverio Baptista “a quem o mesmo senhor

presidente lhe deferiu o compromisso de bem e fielmente desimpenhar o cargo

de juiz de Paz supplente” (Primeira Ata da Câmara de São José do Rio Preto –

27/11/1894 a 15/06/1897) – mais uma vez o tema não foi discutido. A questão

só voltou a ser apresentada no plenário pela Comissão de Justiça em 16 de

novembro daquele ano:

“Aos desiceis dias do mes de novembro do anno

de mil oito centos e noventa e seis nesta Villa de

São José do Rio Preto, comarca de Jaboticabal

Estado de São Paulo, sendo ahi as deis horas do

dia em Paço do Governo Municipal, reuni

dos os veriadores Francisco Antonio Braga

Luis Pinto de Moraes e Jose Ignacio de

Alvarenga sob a presidencia Tenente Pe

dro do Amaral Campos, que por haver nu

mero legal, declarou aberta a sessão.

Expediente

(..)

Lei no 10

A Camara Municipal do municipio de São José

do Rio Preto decreta.

Art 1o. O imposto municipal estatuído no art. 165

e seus paragrafo do Cod de Post municipaes quan

to ao §1o e 2 serao considerados, como primeira e

segunda classe. §1o De primeira classe, cada loja

de fazendas roupas feitas, ferragens, chapéos, louças,

arreios, calçados e armarinhos 400$000r. §2o De Segun

da classe, cada loja de secos e molhados, não com

prehendendo aguardente. 200$000r. §3o De cada ca

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za onde se vender aguardente 50$000 §4o De ca

da casa onde se vender exclusivamente generos da

terra 50$000r §5o De cada casa onde se vender

joias, brilhantes, ouro, prata e outras pedras pre

ciosas 200$000 § 6o De cada comprador de café

por conta propria ou de outrem, domiciliado

no municipio 50$000r e residindo fora Villa

100$000 §7o De cada pharmacia ou droga

ria 200$000. §8o De mascates com fazen

das, armarinhos, brinquedos e quinquilharias

pagara o mascate de cada taboleiro ou caixa

500$000 §9o Para mascatear com os objetos men

Cionados no §1o, pagara sendo um cargueiro 1:000

$000r e mais 500$000r por cada um mais que

acresser, em carros será por cada um 3:000$000

quer seja o mascate brasileiro ou não. §10o As li

cenças comprehendidas nos §8o e 9o não poderão

ser transferidos. §11o De cada officina de ferreiro

40$000r §12 De cada officina de seleiro ou colcho

eiro 40$000r §13o De cada officina de fogueteiro ou

dentista 40$000 Art 2. Os infractores Art 1 e se

us paragraphos, incorrerão em multa do duplo

a alçada ? da camara. Art 3o Revogadas as dis

pozições em contrario. Paço do Governo Mu

micipal 3 de 9bro de 1896. A commissão de

Justiça Valencio José Barboza e Luis

Pinto de Morais. Posto a discussão e a votos

Foi unanimente aprovado”.

Mesmo antes de Rio Preto ser um município, quando ainda era

freguesia do município de Jaboticabal, altos impostos eram cobrados de

mascates estrangeiros. A consternação de Peregrino Benelli foi emblemática

no final do século XIX. Ele era um italiano que mascateava na região, além de

muito requisitado como médico. Seu protesto foi publicado pelo jornal A

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Privíncia de São Paulo, atual O Estado de São Paulo, na edição no 2.795, de

16 de julho de 1884. O artigo foi assim transcrito por Brandi:

A PROVINCIA DE SÃO PAULO

16 de Julho de 1884

Sessão Livre – 1ª página

“Jaboticabal

Para o Exm Presidente de Província

Ver e Providenciar

O abaixo assignado, Peregrino Benelli, a

pedido dos habitantes de S. José do Rio Preto, vem

à imprensa, não com o fim de offender à pessoa

alguma, mas sim para levar ao conhecimento de V.

exc. A grande difficuldade que hoje apparece pelo

novo codigo de posturas municipaes desta Villa,

ultimamente creado.

Aquella freguesia esta collocada em um

sertão que só é habitada por pessoas muito pobres,

que o recurso que tem é quando alli aparece algum

mascate ou boiadeiro que encontram casas

compostas de 15 ou 20 pessoas que a dous ou tres

dias reclamam a presença de algum viajante para

dar-lhes uma gota dagua para beber, dizendo ao

viajante que todos alli se acham sem poder se

moverem.

A camara municipal desta villa so trata de exigir

impostos, sem se lembrar de desta villa ao ultimo

morador daquelle sertão, dista para mais de 60

leguas sem nunca se occupar com palmo de

caminho, que não tem menos de 10 ribeiros que no

tempo chuvoso ficam intransitaveis, sem aquelles

habitantes poderem vir a esta villa fazerem suas

compras de rémedios e outros utensilios paa a

enfermidade de sezões que alli penetra

annualmente.

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Carregando os arreios por uma pinguella feita pela

necessidade publica e fazendo o animal nadar, que

entre estes alguns já têm perdido seu animal aforado

nagua, o novo codigo de posturas ultimamente

criado, em um de seus artigos, autorisa a camara a

cobrar por uma licença para mascate a quantia de

500$000. Ficará de ora em diante aquelle sertão

considerado como um logar indigena que não será

mais frequentado por seus habitantes que faltando-

lhes o recurso dos mascates e boiadeiros alli hão de

morrer sem nunca ninguém dar por fé, por que não é

possível que um mascate queira pagar 500$000 de

direito para ir sofrer em um sertão sem recursos, e

outro tanto diriam os boiadeiros, porque tambem têm

de pagar 1$000 por cabeça de gado que do termo

desta villa tirarem.

Jaboticabal, 9 de Julho de 1884

Peregrino Benelli”

(BRANDI, 2002, p. 293)

Ainda outra história é relatada por praticamente todos os entrevistados:

uma outra lei proibia que os imigrantes falassem turco em público. Arantes

afirma que tal ideia partiu do capitão Porfírio Luiz de Alcântara Pimentel, em

1906, mas que o projeto não chegou a ser aprovado. Em entrevista a Marques,

o professor Agostinho Brandi acrescenta que, os guarda-livros – contadores da

época – dos mascates deveriam ser brasileiros e que, se algum brasileiro se

negasse a denunciar os árabes que falassem em sua língua na frente dos

outros cidadãos, incorreriam em crime. Por outro lado, Lodi diz crer que tal

passagem – proibição da língua – não é mais do que uma lenda produzida pelo

contexto desfavorável da época.

Arantes apresenta mais dados relativos a impostos muito

desanimadores para a colônia:

“A lei tinha o objetivo claro e determinado de tornar a mascateação impraticável no município de Rio Preto. O argumento dos legisladores municipais era o de que os mascates levavam o dinheiro apurado no

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município para fazer compras em outros centros urbanos, como Araraquara, Jaboticabal ou São Paulo. O exagero dos legisladores era tão grande que (...) em 1908, o imposto por mascate que carregava suas caixas a pé era de duzentos e cinqüenta mil réis e, com carro, quinhentos mil réis. O novo chefe político da cidade, o coronel Adolpho Guimarães Corrêa, que era advogado e adversário dos comerciantes liderados por Pedro Amaral, entendia que os mascates e, em especial os imigrantes, fossem eles árabes, italianos, portugueses ou espanhóis, traziam progresso, riquezas e novas práticas culturais. Na subjacência das decisões políticas do grupo de Pedro Amaral, escondiam-se os interesses dos comerciantes nativos instalados em Rio Preto, que não aceitavam a concorrência dos comerciantes árabes, fossem eles mascates ou estabelecidos. Um documento oficial, assinado por Pedro Amaral e encaminhado ao governo estadual em 1898, revela a extensão da crise comercial. Ele solicitava interferência do governo estadual contra o aumento considerável de novos comerciantes de origem árabe” (ARANTES, p. 7, 1997).

Essa situação de disputa se dava em razão do conflito de interesses –

cada um buscava sua afirmação, espaço e progresso com as armas,

estratégias e influências que dispunha. A honestidade nos negócios, ascensão

econômica, religiosidade fervorosa e rigidez moral a colocaram em alta estima

na cidade. Certamente, tratando-se da ascensão econômica, esse é um círculo

vicioso – compra-se de que tem boa reputação e só vende quem tem boa

reputação. Essa realidade pode ser identificada quando Lodi nos relata que

“nas primeiras décadas do século XX, as casas de comércio de Rio Preto

levavam ou nome da família ou de santos padroeiros”. A boa reputação da

colônia não lhe promoveu apenas destaque no comércio como também na

educação, política, beneficência e outros.

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Figura 2 – Certificado de Cônsul Honorário do Líbano conferido a Murchid Homsi

Destacamos aqui alguns ícones da colônia sírio-libanesa na vida de

Rio Preto. Murchid Homsi se destaca por participar da fundação de inúmeras

empresas e associações como: “Homsi Irmãos – Insdústria e Comércio,

Agrícola S/A, Cia. Rio Prêto de Armazens Gerais, Sociedade Algodoeira Rio

Prêto Ltda, Beneficiadora Paraná Ltda., Sociedade Rio Prêto de Café Ltda, Cia.

de Melhoramentos do Muquilão, Cotonifício Rio Preto S/A, Curtume Rio Prêto

Ltda., Lacticínios Rio Prêto Ltda., Pastifício Rio Prêto S/A, Sociedade Textil Rio

Prêto S/A, Associação Comercial, Industrial e Agrícola, Clube Monte Líbano e

Jockey Clube” (GOMES, 1975, pp. 401). Não por acaso, “Em janeiro de 1958,

por decreto do Presidente do Líbano, Camille Chamoun, recebeu na

Chancelaria da Embaixada do seu país, no Rio de Janeiro, o título de Consul

Honorário do Líbano” (GOMES, 1975, p. 401).

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Foto 3 – Bady Bassitt em campanha política

Da famíila Bassitt descatamos aqui Bady Bassitt e Lotf João Bassitt.

Ambos foram prefeitos da cidade, o primeiro substituindo o titular, Cenobelino

de Barro Serra em algumas oportunidades e o segundo tendo sido eleito para o

cargo. José Chalela, em entrevista para esse trabalho, conta que “nas

campanhas eleitorais, principalmente nas municipais, a aversão era acintosa.

Para os adversários políticos eles eram os turcos. Isso era evidente. Era difícil

um patrício ganhar a eleição. A campanha era terrível. Houve ocasião em que

candidatos citavam inúmeros nomes e sobrenomes árabes do palanque, com a

intenção de criticar, afastar e criar aquele ambiente entre os eleitores

diferenciando os brasileiros e as outras nacionalidades do turco, porque o outro

é turco. Ninguém pode votar no turco! Eram ofensas abertas”. A morte de Bady

Bassitt causou comoção em Rio Preto. O então deputado estadual morreu

dentro de um avião, aos 43 anos, vítima de problemas do coração. A pequena

cidade de Borboleta, vizinha de Rio Preto recebeu o nome do deputado

falecido. Romano Calil foi o outro integrante da colônia a ser prefeito da cidade.

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Waldemiro Naffat chegou a ser nomeado secretário de negócios do governo,

na gestão de Ademar de Barros, nomeado pelo próprio governador, em 1949.

Acima, Foto 3 – Lotf João Bassitt. À direita, Foto 4

– Romano Calil

Moysés Miguel Haddad comprou em um leilão uma casa de comércio,

foi o primeiro presidente do Conselho Administrativo da Igreja Católica

Ortodoxa Antioquina em Rio Preto e também comprou e “desenvolveu, a

Empreza Telefônica [da cidade], ao mesmo tempo que empregava suas

atividades também na agricultura e no comércio de café, chegando a possuir

várias fazendas, mais de um milhão e meio de cafeeiros” (GOMES, 1975, p.

399). Nagib Gabriel foi Venerável maçônico da Loja Cosmos. Em sua gestão o

terreno onde está a Santa Casa de Misericórdia de Rio Preto foi doado. Ele

participou da fundação Rio Preto E. C. e do Rio Preto Automóvel Clube. Foi

ainda, por diversas ocasiões, delegado suplente.

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Armarinhos e Fazendas

Amelio Diogenes Bueno de

Aguiar

João Sabino

Amelio Demetrio Elias Madi Louis F. Lathan & Cia.

Aref. L. Kaiatana Elias Abrão Moysés Miguel Haddad &

Cia.

Arthur Lundgren &

Cia. Ltd.

Jorge Ferreira Gadi Miguel

Abdo Messias

Sapag

J. G. Sawaya Mattos & Cia.

Assaad & Cia Jorge Sabino Mansur Chacara & Irmão

Antonio Sabino Jorge João Haidar Melhem Saad

Antonio Salomão Jorge e Filho Manoel Lourenço

Antonio Cossi Jorge Pedro Cecilio Manoel Dias

Bichara José José Raduam S. A. Pedro Cecílio

B. Costa João Chacon Vergilio E. Coelho

Coelho & Cia. João Nicolau Watanabe Thasio

David Nassar João Gabriel & Irmão Zalin Haller

Tabela 5 Fonte: CAVALHEIRO, 1929.

Os quadros cinza marcam os sírio-libaneses que trabalhavam com Armarinhos e Fazendas em São José do Rio Preto em 1929 – 21 em 30 estabelecimentos registrados (66,67%).

Armazes de Seccos e Molhados

Alexandre

Sabella

Camillo João José Jupi Miguel Sanches

Alexandre Sigolo Demetrio Fiali José Pereira

Pinheiro

Manoel Souza

Góes

Angelo Francucc Elias Madi João Bento Vidal Manoel M.

Caldeira & Filho

Amin Kanás Emiliano Carreiro João Simone Petrucci &

Segantani

Abrão Nadi Elias Mussi João Pedro de

Menezes

Paulo Menezello

& Irmão

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Alberico

Giacovacci

Eugenio Rosan João Elias

Estefan

Pedro Mansor &

Irmão

Alcindo Mulato Fulgencio B.

Peres

João Dias Ramalho & Cia.

Abilio Moreira Felizardo Pereira João Vieira de

Arruda

R. Martinez & Cia.

Antonio Marconi Felicio Antonio João Rodrigues

Taveras

Rachid Abrahão

Antonio Barreiro

Carvalho

Francisco Ferreira Joaquim Nunes Ricardo Latorraca

Antonio Xavier Francisco Silva

Rosa

Joaquim Marques

Pimentel

Sebastião Suedão

Antonio Camarero Hugo Culturato Luciano Lisso Sebastião Motta

Lopes

Antonio Marques

Nogueira

Hermenegildo

Scarpassa

Leopoldo

Quadrado

Serafim Henrique

Eiras

Antonio José &

Irmãos

Hygino Teixeira &

Irmão

Luiz Cambiaghi Sylvino

Fernandes

Antonio Culturato Hyd Nain &

Sobrinho

Luiz Nicoletti S. E. Abufares &

Irmão

Botelho & Costa Issad Dib Miguel Filiasi Saaddo Barbor

Calil Acen Irmãos Sanches Marcos de Barros Viuva Amorelli

Chucri Callil Jorge Sophia Mustaphá

Jammal

Vergilio Monteiro

Cypriano Lopes

Silva

J. B. Costa Lisbôa Mamed & Alcino Wenceslau de

Britto

Carlos Salles José Hernades Miguel Guraib Zeferino Branco

Callil Abrão José Ortunho Manoel Mutado

Cypriano Costa

Martins

José Ferrari Mario Gonçalves

Tabela 6

Fonte: CAVALHEIRO, 1929.

Os quadros cinza marcam os sírio-libaneses que trabalhavam com Armazéns de Secos e Molhados em São José do Rio Preto em 1929 – 18 em 94 estabelecimentos registrados (19,15%).

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Compradores de Cereais

A. S. Michelet & Cia. João Filardi

Alberto Sufredini Laurentino Arroyo

Alberto de Pizzol Luiz Amonielle & Cia.

Adib Dornaika Miguel Nader

Antonio Lerario Miguel Buchdid & Irmão

Antonio Domingos da Costa Miguel Guerrero

Callil Buchala Freire, Barros & Cia.

Ignatio Esebano & Cia. Mauro Almeida Rodrigues

J. Michel & Cia. Nemer Abungamra

João Scaff Oscar de Faria Valentim Silva

Tabela 7

Fonte: CAVALHEIRO, 1929.

Os quadros cinza marcam os sírio-libaneses que trabalhavam como Compradores de Cereais em São José do Rio Preto em 1929 – 8 em 20 estabelecimentos registrados (40%).

É importante que se diga que os quadros (Armarinhos e Fazendas,

Armazéns de Secos e Molhados e Compradores de Cereais) não são um

paralelo entre sírio-libaneses e brasileiros, mas uma lista dos empresários

publicada em 1929, o que implica dizer que italianos, espanhóis e outros

também são mencionados. Eles mostram a dimensão da importância dos

imigrantes árabes para a cidade de Rio Preto, afinal, dentre as 39 lojas de

Armarinhos e Fazendas, 20 são de árabes, dos 86 Armazéns de Secos e

Molhados, 15 pertencem a árabes e 6 dos 20 Compradores de Cereias da

época são árabes. Nota-se a alta representatividade comercial da colônia.

Estes não eram os únicos imigrantes árabes na cidade, como fica evidente

diante dos dados por nós já apresentados. As famílias se empenhavam nos

negócios e, uma minoria, tomava outros caminhos profissionais.

A Lista Telefônica, publicada em 1918 no Album de Rio Preto, s/d,

mostra que, em um tempo em que poucos tinham acesso a linhas telefônicas,

grande parte delas pertencia aos árabes. Uma das razões para isso é a

importância da comunicação para o bom desempenho dos negócios. A

empresa de telefonia ainda não havia sido comprada por Moysés Miguel

Haddad, era propriedade de Elias Mussi.

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No âmbito da educação Lodi nos conta que “A colônia, primeiramente

fundou escolas dentro da própria colônia, como a Escola Progresso, que

funcionou por 5 anos, tendo como professor, Jorge Madi. Esta escola era para

filhos de sírios e ensinava, principalmente, a língua árabe. A Escola Jovem

Sírio foi instalada por volta de 1922 e em seu funcionamento contou com os

professores: Amin, José Racy e Tawan. Nela, ensinava-se também a língua

árabe e estava aberta a todos os interessados. Após o fechamento das

mesmas, foi criada a Escola de Comercio D. Pedro II, no mesmo local em que

a Escola Jovem Sírio funcionara”.

Escolas Primarias

1º Grupo Escolar Escola Republicana

2º Grupo Escolar Escola do Commercio

Collegio Santo André Gymnasio Rio Preto

Collegio Barão do Rio Branco Collegio Syrio Brasileiro

Collegio 7 de Setembro Externato Ruy Barbosa

Collegio Jovens Syrios

Tabela 9

Fonte: CAVALHEIRO, 1929.

Instituições de beneficência e cultura também foram estabelecidas. A

primeira delas foi a Sociedade Beneficente Síria, que funcionou de 1917 a

1926. Neste ano seu patrimônio foi transferido para a Sociedade Jovens Sírios

– que já existia desde 1922 – e suas atividades foram encerradas. A Sociedade

Jovens Sírios passou a ser chamada de Clube Sírio Brasileiro em 1958. Em 30

de novembro de 1930 é fundada a Coligação Libaneza que, em 1955, passou a

se chamar Clube Monte Líbano. Este, ao longo dos anos, se revelou como o

braço mais influente da colônia em Rio Preto, vindo a ser um dos mais

tradicionais da cidade.

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III PARTE

1. IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ORTODOXA ANTIOQUINA EM

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Segundo Truzzi, a maioria dos imigrantes sírio-libaneses era de

católicos maronitas e cristãos ortodoxos. Na mesma linha, Borges diz que, “do

ponto de vista religioso, a esmagadora maioria dos que aportaram no Brasil

declarou-se filiada às igrejas greco-ortodoxa e maronita” (BORGES, 2000, p.

21). Em contrapartida, Knowlton afirma que 66,9% dos imigrantes sírios e

64,5% dos libaneses eram católicos (romanos, maronitas, católicos latinos, e

católicos uniatas26). Os não-católicos (greco-ortodoxos, nestorianos, jacobitas,

siríacos, melquitas, gregorianos armênios, judeus, drusos e diversas seitas

maometanas) somavam 33,1% dos sírios e 35,5% dos libaneses. Em Rio Preto

a maior concretração era de ortodoxos e maronitas.

Estes imigrantes encontraram um contexto católico romano na região,

o que lhes pareceu muito familiar, tanto para ortodoxos como para maronitas.

Para preservar a cultura, os costumes e, por vezes a língua27, a colônia optou

pela criação de colégios e clubes, como já vimos. Com relação à religião, a

história mostra que não sentiram a necessidade de construir sua própria igreja,

uma vez a cidade ter aquilo que eles dizem ser a mesma igreja – a Igreja

Católica Apostólica Romana. Alguns ortodoxos se destacavam pelas

contribuições feitas para a igreja latina e suas causas. Bastaram alguns anos

para essa harmonia ser quebrada.

As palavras do padre ortodoxo Samuel Matta nos introduzem o

assunto:

“Rio Preto, então, cidade em evolução, cuja aurora de um futuro promitente despontava, pois, sua posição geográfica e sua situação

26

Também conhecidos como católicos gregos, vêem de uma linha de patriarcas e bispos da Igreja Ortodoxa Antioquina que aceita a autoridade papal. 27

A questão da língua é interessante porque, nem todas as famílias desejavam preservá-la. Nilvia Buchala narrou a nós que seu avô “teve muita dificuldade com o idioma, ele fez questão de aprender o português e queria que todos os filhos falassem português”, não transmitindo aos descendentes sua língua mãe. Situação similar nos foi narrada por Marly Cury Hassan: “eles não nos ensinavam o árabe porque assim poderiam conversar sem que soubéssemos o que falavam. Resolviam coisas, tratavam de negócios, tinham conversa de adulto em árabe. Não aprendi a falar, mas acabamos aprendendo a entender o que eles falavam”.

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privilegiada propiciavam-lhe esta regalia, congregou um considerável número de imigrantes Sírio-Libaneses. estes, radicando-se na cidade, procuravam integrar-se na sua vida social, participar de seu progresso crescente e contribuir em pról de seu desenvolvimento. Entre si, consideravam o dever de se manterem unidos, conservando seus costumes e suas tradições, principalmente, as religiosas. Todavia, nem tudo, neste mundo, é mar de rosas; ventos fortes agitaram a calmaria do mar, tempestades violentas abalaram a bonança, e correntezas contrárias dificultaram a chegada do navio da vida ao ancoradouro seguro...” (GOMES, 1975, pp. 213-4).

Segundo o atual padre, Nicolas Khouri Georges Ferzolli, esses ventos

fortes, tempestades violentas e correntezas contrárias começaram por volta do

ano 1926/7. Neste ano, o então padre romano havia se recusado a

encomendar o corpo de um sírio-libanês ortodoxo falecido na cidade. Padre

Nicolas no disse que “Pediram a ele, por favor, mas ele não quis. Teve que vir

um padre de Campinas para fazer o serviço. Depois disso, houve discussão no

jornal da cidade entre o padre e um patrício, Elias Choeiri. Aí a comunidade

sírio-libanesa se reuniu, decidiu comprar esse terreno e começaram a construir

a nossa Igreja”. Apesar de tal história também ser contada por outros

entrevistados, não conseguimos encontrar os documentos com tal discussão.

Todavia, no dia 2 de fevereiro de 1934, na coluna Vida Catholica do jornal A

Notícia encontramos o seguinte texto:

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Figura 3 – Recorte de A Notícia

Chrisma

“No domingo, ás 2 horas da tarde pontualmente, Sua

Excia. Revma, administrará o Santo Chrisma na Cathedral

a quantos se apresentarem para isso. Os chrismandos de

mais de sete annos devem preparar-se antecipadamente

com a confissão.

As madrinhas devem apresentar-se decentemente

vestidas, como convem á dignidade dos sacramentos.

As pessoas de vida publicamente escandalosas, os

orthodoxos syrios que pertencem a seitas condemnadas

pela Igreja, e os casados apenas no civil não podem ser

padrinhos”. (A NOTÍCIA).

As divergências entre ortodoxos e romanos não são recentes. Para

compreendê-las vejamos alguns fatos históricos.

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Durante os três primeiros séculos da era cristã, o cristianismo viveu à

margem do Império Romano sendo, por inúmeras vezes perseguido, até que,

no século IV, o imperador Constantino o torna a religião oficial do Império. Com

a oficialização vem também uma nova estrutura e as divergências teológicas

eram definidas em Concílios Ecumênicos, democraticamente. O século V é

marcado pelas invasões bárbaras e, em 476 o último imperador romano é

deposto. Sua deposição marca a queda do Império Romano. No entanto, no

leste persiste o Império Bizantino – parte oriental do antigo Império Romano – e

no oeste a Igreja Romana. A igreja do oriente pertencia ao Império Bizantino, o

qual nunca possuiu a igreja latina. O correr dos anos trouxe diferentes

interesses, línguas e sistemas de governo para cada uma das partes. No

ocidente, falava-se latim e o sistema era episcopal, com a primazia do papa –

bispo de Roma – sobre todas as igrejas e bispos. No oriente, permaneceu o

sistema democrático, sendo que falavam grego. Os sacerdotes orientais

deveriam manter a barba e poderiam ser casados, enquanto os ocidentais

poderiam fazer a barba, mas não se casar. Na igreja daqueles, as esculturas

foram eliminadas e substituídas por imagens pintadas nas paredes, mas

permaneceram nas igrejas destes. Os ocidentais adotaram o calendário

gregoriano enquanto os orientais, o juliano.

O Concílio de Toledo, convocado no século VI pelo papa, não incluiu

as igrejas do Oriente. Nessa ocasião surge a controvérsia quanto à expressão

Filioque. Loiacono diz que “o problema pode ser assim resumido: „O Espírito

Santo procede do Pai e do Filho‟. Tal acréscimo foi incorporado no antigo texto

do Concílio de Nicéia (325), no sínodo de Toleto (séc. VI). O texto de Nicéia

afirmava que a origem do Espírito Santo está apenas no Pai. A resolução de

Toledo foi considerada uma grave ofensa a Igreja Oriental” (LOIACONO, 2006,

p. 39).

Os orientais se sentiram ofendidos porque haviam “mudado” a natureza

de Deus num Concílio Ecumênico que não representava a universalidade da

Igreja, uma vez que não haviam sido convocados. Já no século XI “o patriarca

do Oriente, Miguel Cerulário, condenou a Igreja do Ocidente por usar pão não

levedado na Eucaristia. Isto, realmente, já era prática na Igreja ocidental. O

papa Leao IX enviou, então, Humberto e mais dois legados para tentar

solucionar a questão. Quando a discussão em torno do problema terminou, as

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diferenças de opinião eram tão grande que tomaram-se decisões radicais”

(PV). Por não adotarem o novo credo, o papa envia ao patriarca uma bula,

excomungando a parte oriental da Igreja que, por sua vez, também envia uma

bula de excomunhão à Roma. Dessa forma, em 1054, acontece o Grande

Cisma da Igreja Católica.

Loiacono registra que “a Igreja que teve sua constituição sobre a

doutrina de Jesus Cristo, a partir do ano 33, era toda ela denominada ortodoxa”

(LOIACONO, 2006, p. 22). E que o lado oriental manteve o termo em seu

nome por se tratar da Igreja da Doutrina Reta (tradução do termo grego

ortodoxa), aquela que se apega a “todo o ensinamento deixado pelo Cristo,

sem qualquer espécie de adição ou subtração no conteúdo da Sagrada

Escritura, na Tradição, bem como nos primeiros Sete Concílios aceitos pela

Igreja” (LOIACONO, 2006, p. 23), que são: Nicéia I (ano 325), Constantinopla I

(ano 381), Éfeso (ano 432), Calcedônia (ano 451), Constantinopla II (ano 553),

Constantinopla III (ano 680) e Nicéia II (ano 787).

Mesmo com a divisão, o imperador bizantino Aleixo pede ajuda ao

papa Inocêncio III para combater os muçulmanos, que ameaçavam o Império.

Não bastassem todas as complicações, os cruzados que viriam a socorrer,

invadem Constantinopla no ano 1204 e permanecem por 57 anos. Apesar de

todas as divergências, esforços para que as duas Igrejas voltassem a se unir

foram feitos. No livreto Calendário Ortodoxo de 1966, publicado pelo

Arcebispado Ortodoxo, sob o tópico Em Prol da União vemos “as maiores

diligências e tentativas empreendidas, após o grande cisma que aconteceu

entre as duas Igrejas: a Católica Apostólica Ortodoxa e a Católica Apostólica

Romana no ano de 1054, em prol da união foram estas:

1. A correspondência entre o Papa Urbano II e o

Cesar Alexi (1088).

2. O diálogo entre o frade Anselmo, ocidental e

Niquita o Bispo de Nicomédia, na Igreja Santa Sofia.

3. A correspondência entre o Papa Adriano IV e

Basílio o Bispo de Salônica (1155).

4. Os tratados entre Cesar Emanuel e o Papa

Alexandre III (1166-1169).

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5. As discussões entre o Padre Nectário e os

Padres do III Concílio Lateranense (1179).

6. As diligências do Papa Inocêncio III e Cesar

Alexi III e o Patriarca Ecumênico João Camatir

(1199).

7. Os tratados do Papa Gregório IX e do

Patriarca Ecumênico Germano II (1232).

8. O diálogo entre os Núncios do Papa e os dois

sábios Dimitri Cariqui e Nikifóro Palmidi (1233).

9. As diligências de Maria do Pilla IV, rei da

Hungria filha de Teodoro Laskari, Cesar Grego e o

diálogo que seguiu-se em Nicéia (1247), entre os

núncios do Papa e Palmidi.

10. As diligências de Cesar João e o Papa

Inocêncio IV (1254).

11. As diligências de Cesar Miguel Paleólogo e o

Papa Urbano IV (1263).

12. Os tratados entre Cesar Miguel e o Papa

Clemente IV (1267).

13. As diligências de Cesar Andrônico (1332-9).

14. As diligências de Cundacuzinó com o Papa

Clemente VI (1350).

15. As diligências de Cesar João IV com o Papa

Urbano V (1369).

16. Os tratados entre o Papa Urbano VI com o

Patriarca Ecumênico Nilo (1384).

17. As diligências do Papa Martinho V com Cesar

Emanuel (1415-1422).

18. O Concilio de Leão (1274).

19. O Concílio Ferrara – Florença (1439).

20. Encíclica do Papa Pio IX e a Encíclica

refutatória do Patriarca Ecumênico Antimo VI (6 de

maio de 1848).

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21. Encíclica do Papa Leão XIII (1880) e a réplica

dos Teólogos de Pedroburgo e “A Verdade

Eclesiástica” ao mesmo.

22. A mensagem de PAZ do Papa Leão XIII ao

Patriarca Ecumênico Joaquim IV.

23. Encíclica do Papa Leão XIII (1894) e a

Encíclica contestativa do Patriarca Ecumênico

Antimo VII.

O artigo que exortava aos católicos romanos de que “as pessoas de

vida publicamente escandalosas, os orthodoxos syrios que pertencem a seitas

condemnadas pela Igreja, e os casados apenas no civil não podem ser

padrinhos” não foi assinada por ninguém e recebeu duas respostas – ambas no

mesmo jornal A Notícia. Os autores das respostas foram Um Orthodoxo Syrio e

Outro Syrio Orthodoxo. Uma vez que: a) o primeiro embate da década de 20

apontava Elias Choeiri como o autor das respostas, b) tais fatos não puderam

ser encontrados no jornal onde teria sido publicados e c) o Album Ilustrado da

Comarca de Rio Preto, publicado em 1929, apresentar Choeiri como grande

expoente e comunicador da colônia sírio-libanesa de Rio Preto; considerando

ainda que a segunda resposta tem por base o primeiro texto e ambas parecem

terem sido escritas pela mesma pessoa, apontamos para a possibilidade de

Choeiri tê-las escrito. Entretanto, não encontramos outros elementos que nos

permitissem um posicionamento definitivo, além dos aqui expostos.

Vejamos o primeiro texto:

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Figura 4 – Recorte de A Notícia

Uma explicação

“A <<A Notícia>> do dia 2 do corrente, na secção

<<Religiosa>>, publicou um aviso aos fieis do qual

destacamos os seguintes dizeres: <<As madrinhas devem

apresentar-se decentemente vestidas como convem á

dignidade do Sacramento. As pessoas de vida

publicamente escandalosas, os orthodoxos syrios (o

grypho é nosso), que pertencem ás seitas condemnadas

pela Igreja, e os casados apenas no civil não podem ser

parinhos>>.

Esse aviso, visou simplesmente os <<Orthodoxos

syrios>> não podendo os mesmos servir de padrinhos.

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Interessante.

Aqui a maioria dos syrios são orthodoxos, com uma

pequena minoria de Maronitas.

Será que o Libanez, o Russo, o Armenio, Izraelistas e

Yogoslavios aqui residentes, que são Orthodoxos não

estão condemnados?

Resta saber, se com isso, visou somento o Syrio

Orthodoxo.

Os Syrios Orthodoxos aqui residentes, na sua maioria, sò

fizeram bem a Igreja local, em todas as occasiões que

isso lhes foi solicitado.

Para exemplo vamos citar: Na criação do Bispado, na

construcção da Cathedral, na offerta do relógio da torre da

Igreja, o madeiramento todo da cobertura da Igreja de N.

Senhora Apparecida, e muitas outras davivas.

Ainda mais a cooperação do fervoroso adepto christão

orthodoxo, sr. Elias Mussi, moço que está sempre ao lado

das bôas causas, prestando o seu valioso serviço ao clero

local, e a população desta região que para satisfacção

nossa é e continúa sendo sempre um bom orthodoxo

syrio.

Esta explicação visa prevenir aos bons orthodoxos syrios,

que continuem a prestar o seu modesto auxilio ás obras

que proporcionam o bem, relevando as distincções pouco

honrosas que lhes façam”.

Rio Preto, 5 de Fevereiro de 1934.

Um Orthodoxo Syrio

O segundo artigo, mais amplo, defende tanto a colônia como ao bispo

da diocese local, D. Lafayete Libanio.

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Figura 5 – Recorte de A Notícia

Outra explicação

“Li, como todos lemos, na secção religiosa, publicada na

<<A Notisia>>, de 2 do corrente, as referencias com que,

recomendando aos fieis escrúpulos padrinhescos, a

Secretaria do Bispado brindou aos syrios Orthodoxos.

Essas instrucções previnem que, <<não podem ser

padrinhos as pessoas de vida publicamente escandalosa,

os Orthodoxos Syrios, que pertencem ás seitas

condemnadas pela Igreja e os casados apenas no civil>>.

Ora, em primeiro logar não podemos de forma alguma

acreditar que tal topico desse aviso religioso dirigido aos

fieis, tenha merecido o VISTO de S. Exa. Revma. D.

Lafaye te Libanio – Bispo desta Diocese, porque nelle

todos nós já sufficientemente conhecemos um espírito

altruístico, bondoso e verdadeiramente christão, e assim,

um aviso dessa natureza, publicado pela imprensa, onde

se visa ferir os melindres de um povo inteiro e os adeptos

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de uma Igreja que, alèm de ser fundada pelos apóstolos

do próprio Christo, não o é sómente dos Syrios, mas sim,

de Syrios, Egipcios, Abyssinios, Gregos, Rumenos,

Polacos, Bulgaros, Yugoslavos, Tchecosslovacos e da

maior republica actual e outra, ora o maior Imperio

Moscovita, além de minorias espalhadas por todo o Globo

Terrestre, collocando-os no nível de dignidade de pessoas

de vida publicamente escandalosa.

Isto posto e certos que S. Excia. Reverendissima D.

Lafayete – Bispo desta grande Diocese – não teve

conhecimento antecipado dessa publicação e para a qual

chamamos a sua attenção obsequiosa, vamos em

caracter amistoso e confidencial, enviar á Secretaria deste

Bispado as informações e explicações seguintes:

Se é que com os dizeres <<Syrios Orthodoyos que

pertencem á seitas condemnadas pela Igreja>> visa aos

syrios que pertencem á Igreja Catholica Grego Orthodoxa,

que aqui constituem quase a totalidade da ordeira Colonia

Syria, aqui residente, e a quem pertencem os povos

acima enumerados, fel-o impensadamente, por muitas

razões, algumas das quaes ahi vão, parte levando cunho

religioso.

PRIMEIRO: Se a Igreja Romana condemna o Rito

Orthodoxo, devíeis dirigir tal aviso aos do Rito Romano,

em fórma não publica, porque bem sabeis que o Rito

assim como todo o cerimonial de ambas as Igrejas são os

mesmos, residindo a divergencia, apenas, no não

reconhecimento pela Igreja Orthodoxa da auctoridade do

Papa, as innovações introduzidas, com o tempo, na Igreja

Occidental, lembrando-se de que <<não deveis julgar

para não serder julgados, porque só Deus é que julga>>.

SEGUNDO: A Igreja Orthodoxa, Syria especialmente, não

guerreia ninguém em sua crença e não faz propaganda

contra esta ou aquella seita. É uma Igreja conservadora e

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democratica e de quem não deveis temer acção qualquer

que importe na diminuição da influencia da Igreja

Romana, porque Ella <<respeita todas as crenças>> não

atacando nenhuma pois, consideramos a todos como

filhos de Deus creador de todas as cousas visíveis ou

invisíveis, mormente, porque Nosso Senhor Jesus Christo

disse, <<Amae aos que vos odeiam, abençoae aos que

vos amaldiçoam e pagae o mal que vos façam, fazendo o

Bem, e, palavras ainda D‟elle, <<muitos virão do Oriente

do Occidente e descançarão no Seio de Abrahão e os

filhos do Reino serão lançados fora>> TERCEIRO:

Quanto aos negócios de padrinhescos, quando os

padrinhos são Syrios Orthodoxos, posso vos garantir que

não o são por conta sua, mais sim pela insisteneia das

pessoas suas amigas, nisso interessadas, que nelles vêm

todos os predicados e qualidades de pessoas de bem e

distinctas, e a isso são impellidos, mesmo deante da

advertencia antecipada de que são Orthodoxos e, que

pode não convir.

Agora, quanto á acção dos Syrios Orthodoxos, aqui e em

qualquer parte, sempre á acçãao dos Syrios Orthodoxos,

aqui e em qualquer parte, sempre se importa na maximo

<<Faças o Bem e não olhes a quem.>> Aqui, por

exemplo, se o Illustre elaborador do topico inserido na

cronica religiosa e dirigido aos fieis ara não attentarem

contra as Leis convidando para padrinhos os Syrios

Orthodoxos, por valerem para elle tanto quanto <<as

pessoas de vida publicamente escandalosa>>

desconhece a acção dos Syrios e seu modo de vivier,

indagae desde nobre povo de Rio Preto e dos antigos

moradores daqui, sobre o concurso que sempre

prestaram para as obras de caridade e as obras

religiosas.

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Perguntae se não concorreram com boa percentagem

para as obras da Matriz, ou recorrerei aos registros que

deve possuir a Casa Parochial referente a essas obras e

indagae sobre os nomes que lá estão para vos

certificardes dos que são Orthodoxos. Ainda quero vos

lembrar e disso podeis não ter tido conhecimento que alli,

na Sociedade Syria, tem havido conferencias de

propaganda religiosa por um Sacerdote, illustre orador,

em prol da Igreja latina, extraindo-se tombol a s, ainda alli

mesmo, em bebeficio da mesma Igreja, e tantas outras

cousas que seria enfandanho enumerar, por occuparem

muito espaço.

Ora! Senhor, esses que não sendo adeptos da Igreja

Latina mas da Grego Orthodoxa, mas que bem sabeis são

tão christãos quanto vos o sois, por uma questão de

delicadeza, sendo esse o seu procedimento, não deviam

ser tratados por vossa parte publicamente, dessa

maneira, insipida e grosseiramente.

Escrevemos isto, porem, pensando sermos nós os

visados pelo AVISO.

E agora, de maneira publica e clara, nos dirigimos aos

nossos patricios que professam a mesmas Fé, que se

acham justamente indignados e feridos nos seus legitimos

sentimentos, que não se abstenham de concorrer, sempre

que forem procurados, para qualquer obra Religiosa aqui

da terra, mas que sempre que forem convidados para

servirem de padrinhos frisem bem e com todo o orgulho

serem adeptos do Rito Orthodoxo.

Outro Syrio Orthodoxo”

Se a identidade é construída socialmente, as respostas publicadas no

jornal e a convocação de uma reunião são “o resultado do que esse grupo

pensa sobre si mesmo” em reação ao que “outros pensam dele” (BORGES,

2005, p. 104). Os líderes sírio-libaneses da cidade reuniram-se no dia 8 de

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fevereiro de 1934 “para vencer a tormenta, superar a agitação, e alcançar a

segurança, (...) ponderar, deliberar e decidir” (GOMES, 1975, p. 214). Patrícios

fixados na cidade e região participaram e muitos foram os discursos. Aquela,

considerada por eles a mãe das igrejas cristãs estava prestes a ser fundada na

cidade. O desejo de que uma igreja dedicada ao rito ortodoxo fosse

estabelecida em Rio Preto permeava as palavras dos oradores. Decidiu-se

que: “dado o elevado número de elementos ortodoxos radicados na cidade e

na região, devia-se edificar, nesta generosa terra, em crescente progresso e

grande prosperidade, mais uma igreja ortodoxa, que preservaria a Santa

Tradição ortodoxa, intacta, que manteria o apego e o zelo pela Religião

herdada dos pais, e que irá ser transmitida aos nossos filhos que aqui

nascerão, constantes, e que conservará a chama da fé, justa e verdadeira,

acessa e viva nos corações dos fiéis” (GOMES, 1975, p. 214). Uma Comissão

Preliminar Pro Construção da Igreja foi constituída e saiu em busca de um

terreno e donativos para que a obra fosse realizada. Um estatuto também foi

preparado para que a Igreja estivesse de acordo com as leis do país.

O padre Samuel Matta afirma que “os donativos choveram, e com

abundância. O terreno foi encontrado e adquirido no dia 6 de setembro de

1934, e cujo proprietário se chamava André Petroni, pela quantia de trinta e

cinco contos de réis” (GOMES, 1975, p. 215). Todavia, um documento

expedido pelo Primeiro Oficial de Registro de Imóveis, sito em São José do Rio

Preto, certifica não constar nos livros tal compra, apesar de informar, inclusive,

o valor do negócio.

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Figura 6 – Certidão emitida pelo Primeiro Oficial de Registro de Imóveis de São José do Rio Preto

A Primeira Assembléia Geral foi convocada em 23 de setembro de

1934, dia em que a Comissão Preliminar Pro Construção da Igreja, nomeada

no dia 8 de fevereiro, foi substituída pelo Conselho Administrativo, eleito pela

Assembléia e “composto, então, dos seguintes conselheiros: Moisés Miguel

Haddad, Calil Buchalla, Elias Choeiri, Nagib Gabriel, Mançour Daud, Abrão

Jorge, José Demétrio, Miguel Buchdid, Miguel Sabbah, José Caram Sabbagh,

Elias Mussi e Antonio Dieb Nassar (Livro de Atas n.o 01, Ata n.o 12, de 24 de

setembro de 1934). Este, tomando posse, continuou os trabalhos iniciados.

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Planejou, a princípio, executar o seguinte: A Planta da futura Igreja; a relação

dos correligionários, na Cidade e na Região; a construção da Sede Paroquial, e

a vinda de um Sacerdote. Auxiliava o Conselho em sua tarefa administrativa, a

Sociedade das Damas Ortodoxas, criada havia um ano, e então composta das

seguintes senhoras: Nadjla Haddad, Ainda Assaz, Nina Chacra, Nabiha Tubel,

Amélia Mussi, Afifê Scaff, Nazima Garzuzi, Alice Suriani, Michelin Rizcalla, Mari

Madi, Nabiha Madi, Wadiha Homsi, Mahiba Mahfuz, Najiba Sawaya, Olga

Latuf, Florinda Choeiri, Nabiha Násser, e Zakiê Saikali, (Livro 1.o entre as Atas

46 e 47, com data de 15 de novembro de 1936)” (GOMES, 1975, p. 215).

Fotos 4 e 5 – Casamento e Festa de casamento de Alice Bechara, filha do padre

Habib Bechara.

O engenheiro e empreiteiro, Dr. G. Bozzani, estava contratado e com a

planta da obra nas mãos e, antes do primeiro aniversário da Primeira

Assembléia Geral da Igreja, no dia 4 de agosto de 1935, Rio Preto recebe seu

primeiro vigário ortodoxo, o padre Georgeos Assaz. As autoridades da cidade,

da Sociedade das Damas Ortodoxas, o Conselho Administrativo, o referido

padre e a população assistiu o lançamento da “PEDRA FUNDAMENTAL DA

IGREJA ORTODOXA ANTIOQUINA DE SÃO JORGE, DE RIO PRETO, no dia

15 de novembro de 1936” (GOMES, 1975, p. 216). A inauguração da Igreja

aconteceu quase onze anos depois.

“No dia determinado, com a presença de dois dos Príncipes da Igreja, enviados especiais do Trono Antioquino, Dom Nifom Seba, DD. Arcebispo Metropolitano de Zahlê (Líbano), e Dom Ignatios Heraik, DD. Arcebispo Metropolitano de Hama (Síria), para presidir a Cerimônia da Sagração, com a presença do senhor Governador do Estado, seu secretariado e uma grande comitiva, de Autoridades da Cidade e da Região, de uma multidão compacta dos correligionários

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e do povo, os DD. Prelados e Enviados Apostólicos procederam à Bênção, à Santificação e à Sagração da igreja recém construída, consagrando-a à adoração de Deus, dedicando-a à proteção do Padroeiro São Jorge, e destinando-a às práticas do culto religioso Ortodoxo. Realizou-se esta Solenidade no dia 5 de julho de 1947” (GOMES, 1975, p. 216).

Fotos 6 e 7 – Período da construção da Igreja Ortodoxa em Rio Preto

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Foto 8 – Sentado à esquerda, Dom Nifom Seba, DD. Arcebispo Metropolitano de Zahlê (Líbano) e

sentado à direita, Dom Ignatios Heraik, DD. Arcebispo Metropolitano de Hama (Síria) em visita a São José

do Rio Preto

O recém eleito Arcebispo Metropolitano Ortodoxo do Brasil, Dom

Ignatios Ferzly, visita a cidade de Rio Preto em 5 de junho de 1959 e faz muitos

elogios à igreja construída na cidade. O Conselho Administrativo, motivado

pelos elogios, resolve construir um salão nobre no terreno ao lado da Igreja.

Sobre o salão seria construído um apartamento para abrigar o padre. “Em nova

visita, no dia 24 de setembro de 1960, Dom Ignatios eleva a Paróquia Ortodoxa

de São Jorge a Sub-Diocese, e a igreja á categoria de Catedral” (GOMES,

1975, p. 217). A inauguração do Prédio Arquiepiscopal aconteceu em 5 de

março de 1961, mais uma vez com a presença do Arcebispo Metropolitano.

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Foto 9 – Inauguração do Prédio Episcopal – 5 de março de 1961

Foto 10 – Inauguração do Prédio Episcopal – 5 de março de 1961

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De acordo com Lodi, é possível asseverar que o autor do artigo

interpretado como ventos fortes [que] agitaram a calmaria do mar, tempestades

violentas [que] abalaram a bonança, e correntezas contrárias, que deu origem

à discussão pública e a todas essas obras de afirmação da colônia sírio-

libanesa, foi Monsenhor Joaquim Manoel Gonçalves. Suas afirmações incisivas

causaram outros conhecidos desconfortos presenciados pela comunidade

religiosa local. Ao lermos o Livro do Tomo da Paróquia da Igreja Católica

Apostólica Romana em São José do Rio Preto, vemos em seus últimos

escritos, por ocasião de sua despedida da cidade, em 1939, palavras de

reconciliação e pesar pelos problemas ocorridos nos anos anteriores.

“A minha despedida Foi na véspera de dar posse ao novo Cura da Catedral, Monsenhor Adaucto Rocha, que eu escrevi as palavras que aqui transcrevo e que mandei publicar nos dois diários locais sob o título que encima estas linhas, dirigindo-me aos dois diréctores como ai vai – “Caro diréctor de „A Notícia‟ ou caro diréctor de „A Folha‟. Peço-lhe guarida no seu jornal para duas palavras de despedida ao deixar o cargo de Cura da Catedral de Rio Preto. Quase doze anos se completam da minha direção nesta paróquia, transformada em Curato com a vinda do nosso querido Bispo Dom Lafayette Libanio, o primeiro depois da eréção do bispado. No trabalho que fiz e nos esforços que empreguei para cumprir o meu dever, tive em meu favor, depois da cooperação da graça de Nosso Senhor, com que sempre contei, apesar da minha indignidade, o auxílio dos conselhos sensatos e avisos prudentes do meu Superior Hierárquico, e de meus colegas, quer no paroquiato, quer no exercício das missões. Mas é certo que também muito me ajudou na consecução dos resultados, que por vezes se pautavam, a boa vontade e o santo empenho, com que todos os paroquianos procuravam tornar mais suave o meu jugo, devendo destacar aqui a este respeito, o interesse particular tomavam todas as associações piedosas, e o núcleo ainda pequeno, suas bem àtivos da Ação Católica. Num exame sério de consciencia, sinto remorsos de ter faltado algumas vezes aos meus deveres de correspondencia às gentilezas de que muitos me cercaram; e de não ter sabido constantemente, com pleno domínio de mim mesmo, conservar-me sereno nos avisos, caridoso nas repreensões, reflétido nos conselhos, e comedido nas demonstrações de afeto, sem bajulação entretanto e sem maldade. Nas dedicações que tenho sentido e nos favores recebidos.

(…) Peço perdão a quantos se julgarem ofendidos por mim. E também perdão generosamente a todos os que têm pretendido e procurado molestar-me, seja qual for a classe a quem pertencem, não excétuando mesmo os que, numa odiosidade inconcebível, pretenderam expulsar-me não sei para onde, como indesajável, e de certo.... perigoso. A todos vai esta perdão muito do fundo da alma.

(…) Após esta ligeira exposição de coisas e a indicação do programa singelo de trabalho, vou finalizar este arrasoado, agradecendo a todos a muita dedicação que me votaram, em o carinho que em geral comigo repartiram. A imprensa local, e particularmente aos dois

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diários que estão na brecha, representando com o seu mister neste progranista recanto de São Paulo – „A Notícia‟ e „A Folha‟, os protestos do meu reconhecimento. Por enquanto na Casa Paroquial e, mais tarde, residência não distante, sempre ficarei às ordens de todos, honrando-me em recebê-los contentes de cumpri-las. Rio Preto, 15 de abril de 1939

Monsenhor Joaquim Manoel Gonçalves (LIVRO DO TOMO)

Tal sentimento de conciliação se harmoniza com as cinco últimas das

“maiores diligências e tentativas empreendidas, após o grande cisma que

aconteceu entre as duas Igrejas: a Católica Apostólica Ortodoxa e a Católica

Apostólica Romana no ano de 1054”, publicadas no livreto Calendário Ortodoxo

de 1966 já aqui citadas:

24. A Mensagem de PAZ do Papa João XXIII ao

Patriarca Ecumênico Atenágoras I (1958).

25. A Mensagem de PAZ do Papa Paulo VI ao

Patriarca Ecumênico Atenágoras I (1964).

26. A Sugestão do Patriarca Ecumênico

Atenágoras I quando do encontro com o Papa Paulo

VI (6-12-1963).

27. O Encontro do Papa Paulo VI com o Patriarca

Ecumênico Antenágoras I (6 de fev. 1964) com o

Patriarca de Jerusalém Benedito I em Jerusalém.

28. Sustação das excomunhões mútuas que se

iniciaram no ano de 1054, entre as duas Igrejas:

Ortodoxa e Romana (7-12-65).

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2. IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ORTODOXA ANTIOQUINA

Oficialmente, a união de todos os ortodoxos do mundo, independente

de raça, língua, nacionalidade ou cor, forma a Igreja Ortodoxa. Esta Igreja é

Uma, Santa, Católica e Apostólica.

É Una: Porque o seu fundador e chefe Jesus Cristo “que a adquiriu pelo seu próprio sangue” (At 20.28) é um só; a sua fé em Jesus Cristo, a pedra principal (1Co 10.4) é uma só e indivisível; o seu govêrno Sinodal é um só e imutável através dos séculos. E como disse o Apóstolo: “Porque há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos” (Ef 4.5-6). É Santa: porque o seu alvo, isto é a salvação, a redenção, etc. é santa; a sua doutrina é Divina emana do S. Evangelho e S. Tradição; os seus fiéis são exemplos em caráter de santidade; além de serem exemplos em fé, amor, confraternização e virtude. É Católica: porque a sua missão é ilimitada, por fora dos tempos, espaços, marcos e raças; a sua fé é incondicional, segundo o mandato do Senhor: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a tôda criatura”(Mc 16.15); a sua bandeira da paz, sacrifício e abnegaçã0 é universal e está plantada no mundo inteiro junto às correntes da vida, “para que, ao nome de Jesus se dobre todo o joelho no céu, na terra e no inferno” (Fl 2.10). É Apostólica: porque apegou conscienciosamente aos ensinamentos e instruções que recebera do Senhor e seus Apóstolos, conservando-os como bom depósito da fé e amor em Jesus Cristo, resguardando-os de século em século sem que lhes infiltra heresia nos dogmas, anarquia nos princípios e disciplinas, paralisia nas virtudes, monarquia no govêrno, evitando as novidades profanas de palavra e egoísmo, guardando autênticamente a sucessão apostólica irrepreencível (sic) em todos os graus e manifestando com os Apóstolos que “ninguém pode pôr outro fundamento, senão o que foi pôsto, que é Jesus Cristo” (1Co 3.11), “que era ontem e é hoje: o mesmo será por todos os séculos” (Hb 13.8), “a cabeça do corpo da Igreja” (Cl 1.18), a sua Pedra Angular (1Pe 2.6), e “A Rocha Eterna” (Is 26.4).

Quando os Arcebispos Primazes das Igrejas autônomas se reúnem a

todos os Patriarcas chefes das Igrejas autocéfalas, por convocação de Sua

Santidade, o Patriarca de Constantinopla, a autoridade suprema da Igreja

Ortodoxa está reunida. O local onde o Santo Sínodo Ecumênico se reúne é

definido pelo citado Patriarca o qual é o único a receber a nomenclatura de Sua

Santidade. Os demais Patriarcas são Sua Beatitude e os Arcebispos

Metropolitanos são Eminência. Este últimos são a autoridade espiritual das

arquidioceses conquanto estão subordinados aos Patriarcas.

Os Graus da ordem na Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, segundo o santo Evangelho e a santa Tradição, são três: Bispo, Padre, Diácono. Todos os títulos que foram ramificados do grau de Bispo são denominações. Portanto, não há, religiosamente ou dogmàticamente, diferença entre bispo, arcebispo, metropolita, patriarca e papa. Pois

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são todos iguais na única e invariável sucessão apostólica e no único e indivisível grau episcopal. Apenas terá primazia de bondade, de sabedoria, de idade e, oficialmente, de ordem hierárquica. (...) Hoje todos os títulos episcopais estão, relativamente, com uma responsabilidade eclesiástica, e administrativa. Os padres também e os diáconos são iguais. Os títulos que recebem, como arquimandrita, ecônomo, arquidiácono etc. não lhes dão primazia espiritual ou

administrativa, mas apenas honorífica. (Calendário Ortodoxo de 1966).

A Igreja Antioquina teria sido fundada por líderes sucessores dos

apóstolos Pedro e Paulo. O primeiro Concílio Ecumênico reconheceu no bispo

de Antioquia a primazia sobre todos os Bispos do Oriente, tendo o segundo

Concílio confirmado a decisão do primeiro. Enquanto o IV Concílio Ecumênico

concedeu ao Bispo de Antioquia o Título de Patriarca, colocando-o na terceira

categoria, após os Patriarcas de Constantinopla e Alexandria. A Igreja Siríaca

Jacobita, os Maronitas e os Gregos Católicos surgiram como dissidência de

Antioquia.

Os Patriarcados de Jerusalém, Alexandria e Antioquia foram

penalizados severamente, ao longo da história, com muitas heresias. Estes

Patriarcados, “junto a Roma e Constantinopla [formavam] a Santa Pentarquia

dos Patriarcados Apostólicos. Isso acabou por elevar o prestígio de

Constantinopla, no que toca a defesa da Ortodoxia Cristã. Todavia, a história

demonstrou que, nos períodos pós-cisão, o Patriarca constantinopolitano foi

por sua vez perdendo o seu poder com as independências proclamadas e

aceitas de outras Igrejas também reconhecidas como ortodoxas, ficando um

número bastante reduzido de Igrejas dependentes diretamente de sua

jurisdição canônica. [Mas, ainda que independentes, as Igrejas] reconhecem o

Patriarca de Constantinopla como „Primus Inter Pares‟ (Primeiro Entre os

Iguais), título honorífico” (LOIACONO, 2006, p. 45-6). O Patriarcado de

Antioquia está entre os que se tornaram independentes e seu líder atual é o

Patriarca Ignátios IV, nascido em 17 de abril de 1920, na Síria. Com relação à

sede do Patriarcado o padre Gregório Teodoro afirma: “A nossa igreja veio dali,

tanto que até hoje a sede histórica da nossa Igreja é a Antioquia. O Patriarcado

não está mais lá, passou para Damasco, capital da Síria. Primeiro porque a

cidade foi quase destruída por um terremoto. Depois, por questões políticas ela

pertence atualmente à Turquia. A sede está em Damasco por isso, mas a sede

histórica continua sendo a cidade de Antioquia”.

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Foto 11 – Sua Beatitude Ignátios IV, Patriarca de Antioquia e de Todo o Oriente

A missa ortodoxa reproduz os momentos finais da vida de Jesus na

terra até sua ressurreição, o que não ocorre no rito latino, que tem seu ápice na

Ceia do Senhor. Na Igreja Ortodoxa toda a liturgia é celebrada em canto, ora

pelo(s) padre(s), ora pelo povo, dirigido por um coral, que fica ao fundo da

igreja, numa galeria superior. Na Igreja Católica Apostólica Ortodoxa

Antioquina, o som de um órgão acompanha as vozes. Segundo Loiacono, o

objetivo é levar o fiel à percepção da presença de Cristo e a um estado pleno

de contemplação. “Repleta de manifestações simbólicas, a missa ortodoxa

divide-se em quatro partes:

1. O instante inicial é marcado pela preparação da missa e inclui a procissão do Evangelho, é o símbolo oculto da vida do Cristo; 2. O segundo momento vai da procissão do Evangelho até o ofertório, é a ritualização da vida pública do Cristo; 3. A terceira parte envolve desde a procissão do ofertório até o instante pós-comunhão. É a representação do padecimento de Jesus (paixão e morte);

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4. A parte final compreende a comunhão até o encerramento do culto. É a expressão simbólica da vida gloriosa de Cristo. (LOIACONO, 2006, p. 29)

Willian Suleiman, nascido na Síria em uma tradicional família ortodoxa,

descreve assim a missa ortodoxa a nós:

“Primeiramente, na Igreja Ortodoxa tem as preparações da missa. Elas

levam mais ou menos uma hora. Mas hoje em dia não estão fazendo mais

essas preparações. Estão rezando direito a missa. As preparações ficaram em

segundo plano. Nessas preparações têm muitas orações, lê-se muita coisa,

prepara o fiel pra missa. Os fiéis participam dessas preparações. Lá na Síria

eles ainda fazem, mas aqui não. Como aqui o povo frequenta pouco, então

eles já entram direto na missa. A missa começa dessa maneira.

Primeiro faz os pedidos. Depois dos pedidos tem uma procissão dentro

da igreja. Depois tem a segunda procissão, depois do Evangelho. A primeira

procissão é uma preparação para o Evangelho. Ainda tem a Espístola e depois

dela vem o Evangelho. Logo depois do Evangelho tem o credo e então uma

oração um pouco comprida. É a oração do Querubim. Reza o Querubim e tem

outra procissão. O abuna28 leva o cálice e muitas pessoas ficam de joelhos,

porque é como se fosse a passagem da Santíssima Trindade. Por isso as

pessoas põem a mão no manto dele. Às vezes as pessoas doentes, pela fé,

podem ser curadas. Depois vem a consagração, que é a transformação do pão

e do vinho em corpo e sangue de Jesus Cristo. É só o padre que pode fazer

isso, só ele recebe esse poder. Ele é que faz a transformação. Ai vem mais

uma oração, o padre dá a comunhão, tem o Pai Nosso e depois a bênção final.

O padre vem na porta do meio29 e faz a bênção. Após a missa, eles dão o pão.

A comunhão é uma coisa, aquele pão é outra. A gente não tem a hóstia,

porque Jesus disse pra beber e comer o vinho e o pão”.

28

Significa nosso pai, é a forma de se referir ao padre. 29

Existe uma parede que separa o altar dos fiéis. Esta parede tem três portas. A porta do meio é chamada de Porta Real. Ninguém pode passar por ela, a não ser o padre, que só a atravessa durante a missa. Fora dos momentos de serviço religioso, nem mesmo ele a atravessa. Todos os celebrantes – inclusive o padre – da missa devem sempre entrar pela porta da direita e sair pela da esquerda. Apenas homens podem ser celebrantes. Isso para prevenir que uma mulher menstruada achegue-se ao altar.

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Foto 12 – à esquerda, Dom Damaskinos Mansour servindo a comunhão à Elmaz Bussab. Ao fundo, o Padre Nicolas Ferzoli.

Foto 13 – à direita, parte do teto e da iconostase30

da Catedral Ortodoxa de

Rio Preto.

É importante notar que o entrevistado não diz Bíblia, mas Evangelho –

por vezes, Santo Evangelho. O livro Doutrina Cristã Ortodoxa – Baseada nos

ensinamentos da teologia ortodoxa (publicado pela Santa Igreja Grego-

Ortodoxa do Brasil em 1957) consiste da forma de catecismo, com perguntas e

respostas. Vejamos algumas dessas perguntas e respostas:

“27. Em quantas partes principais dividem-se as

Sagradas Escrituras?

As Sagradas Escrituras são divididas em duas

partes principais: Antigo ou Velho Testamento e

Novo Testamento.

28. Que significam as palavras: Antigo e Novo

Testamento?

Significam: a antiga união de Deus com os homens

e a nova união de Deus com os homens.

30

Parede divisória que separa o santuário da nave do templo. Essa parede possui ao menos

três aberturas para o trânsito dos celebrantes e ministros.

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30. Em que consiste a antiga união de Deus com os

homens (O Velho Testamento)?

Consiste em promessa solene, dada aos homens

pelo Deus Todo-poderoso, de que mandaria o Divino

Salvador para salvar os homens dos seus pecados.

Consistia também em preparar a humanidade para

receber o Filho de Deus.

33. De quantos livros estão constituídas as

Sagradas Escrituras do Antigo Testamento?

Os Santos Cirilo de Jerusalém, Atanásio o Magno e

João Damasceno contam 22 dêstes livros sagrados,

seguindo o exemplo dos antigos hebreus, que

mantiveram êste cálculo nas suas tradições. (S.

Atan. Espístola 39; S. João Damasceno: Teologia –

Livro 4, cap. 17).

39. Que há de importante no livro do Gênesis?

Neste livro encontramos a descrição da criação do

universo e do homem, da história primordial da

humanidade e do estabelecimento dos sentimentos

religiosos entre os primeiros homens.

40. Sôbre que tratam os outros quatro livros de

Moisés?

Êstes livros contam-nos a história da religiosidade

nos tempo de Moisés, como também sôbre as Leis

por êle recebidas de Deus.

41. Que devemos saber sôbre o livro dos Salmos?

O livro dos Salmos não sòmente ensina e eleva a

alma às práticas piedosas, mas contém ainda um

número considerável de profecias sôbre a sagrada

pessoa do Salvador. Êste livro admirável é um guia

magnífico para as preces e a glorificação de Deus,

sendo constantemente utilizado em todos os rituais

da Santa Igreja Cristã Ortodoxa.

53. Que são profecias?

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São as predições exatas das coisas futuras, que não

podem ser conhecidas de alguém, além do Deus

Todo-poderoso.

54. Por que consideramos as profecias o início da

verdadeira revelação divina?

Explicaremos esta pergunta por meio do seguinte

exemplo:

O profeta Isaías predisse com antecedência de

vários séculos, o nascimento de Nosso Senhor

Jesus Cristo da Virgem Maria, fato êste sob hpótese

alguma sequer imaginado naquela longínqua época

histórica. Não resta dúvida alguma de que as

palavras desta proecia foram ditadas ao profeta

Isaías pelo próprio Deus.

Sôbre êste assunto diz-nos o santo apóstolo Mateus:

„Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que

foi dito da parte do Senhor, pelo profeta que diz: eis

que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e

chamá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que traduzido

é: Deus conosco‟ (S. Mat. 1, 22, 23)”.

As perguntas por nós selecionadas anunciam algumas peculiaridades

do cristianismo ortodoxo. Vemos, inicialmente, que a Igreja Ortodoxa tem a

Bíblia como livro sagrado – Velho e Novo Testamento. O Velho Testamento

anuncia uma forma antiga de relacionamento de Deus com os homens e o

Novo, uma nova forma. Mesmo sendo Católica, como a Igreja Romana, o

cânon do Antigo Testamento Ortodoxo é aquele que seria adotado pelas

igrejas reformadas no século XVI31, ou seja, sem os livros conhecidos como

apócrifos, adotando apenas os livros hebreus.

Também chamamos atenção para as seguintes frases: com relação ao

livro de Gênesis: estabelecimento dos sentimentos religiosos entre os primeiros

31

Para os ortodoxos o Antigo Testamento tem 22 livros enquanto para os protestantes, 39. Isso se dá porque os ortodoxos compilam em um único livro, o que os protestantes consideram diversos. Um bom exemplo são os doze livros dos profetas menores, compilados no livro Dos dozes profetas.

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homens; com relação aos demais livros do Pentateuco: da religiosidade nos

tempo de Moisés; com relação ao livro dos Salmos: Êste livro admirável é um

guia magnífico para as preces e a glorificação de Deus, sendo constantemente

utilizado em todos os rituais da Santa Igreja Cristã Ortodoxa. Nossa intenção

ao fazer tais destaques é demonstrar que, mesmo considerado sagrado, na

prática, o Antigo Testamento não é bem aceito.

Padre Nicolas afirma ser ele um livro de histórias, onde o Deus Jeová

mostra-se um Deus vingativo, diferente do Pai de Jesus Cristo, que é amoroso.

Para ele, somente as palavras dos profetas que anunciam o Cristo e o livro dos

Salmos devem ser considerados. William Suleiman faz a seguinte

consideração: “Se você me perguntar sobre o Velho Testamento eu respondo

que eu não acho nada, eu não gosto. Se eu fosse autoridade religiosa tirava

70% do Antigo Testamento. Tirava e jogava fora. Porque é história, só isso.

Jesus falou: „eu sou maior que o Abraão. Eu sou o senhor do sábado‟. No

Velho Testamento, na mesma página tem uma coisa que contradiz a outra. Eu

deixaria os Salmos e mais alguma coisa”. De fato, não presenciamos nenhuma

leitura véterotestamentária em qualquer uma das missas das quais

participamos – com exceção dos Salmos.

Dois outros hábitos também merecem ser mencionados. O primeiro é a

separação entre homens e mulheres dentro da igreja. Facilmente percebe-se a

presença de visitantes não familiarizados com os costumes ortodoxos

observando o lugar onde sentam. As mulheres, tradicionalmente, sentam-se à

esquerda, enquanto os homens, à direita. Outra sutil característica é a maneira

de fazer o sinal da cruz. Aludindo à Santíssima Trindade, os cristãos ortodoxos

o fazem unindo os dedos polegar, indicador e médio.

Três liturgias são utilizadas pela Igreja Ortodoxa: a de São Basílio

Magno, a dos Pré-Santificados e a de São João Crisóstomo. A primeira e a

última seriam idênticas, não fossem as orações sacerdotais rezadas em voz

baixa, na de São Basílio Magno. Na maior parte do ano utiliza-se a liturgia feita

pelo antigo Patriarca de Constantinopla – São João Crisóstomo. Durante as

missas, diferentes vestimentas são usadas pelos celebrantes. Elas são

vistosas e cheias de detalhes, sua utilização varia de acordo com o status do

celebrante e têm um campo simbólico abrangente.

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Segundo apuramos, a tradição de cantar a liturgia teria sido criada por

São João Damasceno. Ele nasceu em uma família árabe cristã, na capital da

Síria, Damasco, em 675. Seu nome de batismo era João Mansur. Nessa

época, o domínio muçulmano já se fazia presente, mas no início da ocupação,

ainda se permitia alguma liberdade de culto e organização dos cristãos, dessa

forma o convívio entre as duas religiões até era possível.

A família de João Mansur ocupava altos postos no governo da cidade,

que era administrada por um califa muçulmano. Ele se tornou companheiro do

príncipe Yazid e foi nomeado conselheiro do califa. Seu fervor e convicções de

fé o fizeram abandonar o cargo e ingressar na comunidade religiosa de São

Sabas. Dedicou-se à solidão, penitência, estudo da Bíblia e pregação – em

especial na Igreja do Santo Sepulcro. Em seus momentos de solidão, à beira

de um rio, São João Damasceno teria identificado nos sons vindos dos rios os

tons musicais, que lhe inspiraram a musicar toda a liturgia.

As irmãs gêmeas Ana Carolina e Ana Beatriz Assis trabalham na Igreja

Ortodoxa de Rio Preto tocando e cantando durante a missa e nos esclarecem

sobre o assunto: “Nós temos um calendário anual passado pelo padre e o ritual

é sempre o mesmo, mas dentro do calendário tem um hino por domingo. São

os oito tons. Num domingo é o primeiro, no seguinte o segundo, até o oitavo.

Depois volta pro primeiro de novo. Esses tons são hinos. Cada domingo tem o

seu hino – ou tom. Mas quando tem um dia especial, de um padroeiro, por

exemplo, a gente não canta o tom, cantamos o hino especial. No dia da

exaltação da Santa Cruz, por exemplo, não cantamos o tom, cantamos o hino

da Santa Cruz. Em casos assim, o tom é substituído pelo hino especial. Todo

domingo é a liturgia de São João Crisóstomo. A gente canta a liturgia e encaixa

os hinos nela. O padre termina, por exemplo, uma leitura, ai está escrito: „tocar

o hino do dia‟, então é ali que a gente vai encaixar o hino diferente. Depois

volta pra liturgia e vai seguindo. Quando é uma missa especial, ela é em tom

menor, fica mais triste. E nos outros domingos é em tom maior, que é alegre. A

sequência da missa é sempre a mesma, o que muda é uma leitura. Mas é

sempre a mesma sequência, não muda nada”.

São João Damasceno é ainda considerado o último dos santos padres

orientais da Igreja. Ele lutou contra os iconoclastas e até mesmo escreveu um

livro defendendo o culto às imagens chamado Orações sobre as imagens

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sagradas. Parte essencial da religiosidade ortodoxa são os ícones, ou imagens.

Diferentemente da Igreja Romana, não se vê estatuas nos templos, mas figuras

pintadas. Elas estão nas paredes e na iconostase e sua existência é o

resultado de uma série de detalhes. Os pintores, de preferência monges, além

de outras imposições, fazem jejum alimentar e abstêm-se do sexo e bebidas

alcoólicas. O material usado é de origem animal, mineral e vegetal e, ao final, a

obra não é assinada. Isso porque ela é uma obra divinamente inspirada – ao

fim deste trabalho, em anexo, pode-se ver alguns desses ícones. Os fiéis,

desde a infância, são ensinados pela família e por seus líderes a terem uma

relação pessoal intensa com os ícones. Loiacono inclui em seu trabalho a

afirmação de Maria Donadeo quanto a essa relação:

“Quantos fiéis ortodoxos, ainda hoje, se recolhem a orar junto com um ícone, com a confiança de um encontro benéfico, de uma realidade pessoal embora invisível! E quantos, através dos séculos, tem experimentado a eficácia de tais encontros pela própria transformação pessoa!” (DONADEO, 1996, apud, LOIACONO, 2006, p. 36).

O culto a Theotokos – mãe de Deus – é outro importante fator. Esta

forma de se referir à Maria foi confirmada em 431, no Concílio de Éfeso,

vencendo assim o nestorianismo, contrário a esta expressão. Acredita-se que a

Virgem Maria encontra-se em constante intercessão junto a seu Filho por seus

filhos terrenos. Ela sempre é saudada pelos fiéis com a inclinação de suas

cabeças quando entram no templo” (MARTINS, 2008, p. 6). É possível que a

tradição das mulheres de Rio Preto se sentarem nos bancos do lado esquerdo

da Igreja tenha nascido porque o ícone da Virgem Maria está pintado deste

lado. No Calendário de 2002, confeccionado pela Catedral Metropolitana

Ortodoxa, o Arcebispo Metropolitano de São Paulo e de todo o Brasil, Dom

Damaskinos Mansour afirma que “o ícone, palavra que nos vem do grego e

significa „imagem‟, é como um livro completo da Revelação Divina, pois de

forma simples, no todo e em cada detalhe, o ícone nos ensina, nos lembra as

verdades da Fé Cristã”.

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Foto 14 – à direita, Dom Damaskinos Mansour em celebração na Igreja de Rio Preto. Foto 15 – à esquerda, Dom Damaskinos Mansour, Monsenhor Dimitrius Attarian e o Padre Nicolas

Ferzoli

A sede do Arcebispado Metropolitano (Arquidiocese de São Paulo e

todo o Brasil) fica à Rua Vergueiro. É a Catedral Metropolitana Ortodoxa já

citada aqui. Atualmente, o Metropolita da Catedral Metropolitana é Dom

Damaskinos Mansour e o clero é formado pelos Arquimandritas Ignátios Lutfi,

Nicolas Chahda e Dimitrios Attarian e pelos padres José Valério Lopes dos

Santos e Gregório Teodoro. Na cidade de São Paulo ainda estão a Igreja

Anunciação de Nossa Senhora (desde 1902), a Capela São Jorge – Lar Sírio

Pró-Infância (desde 1937) e a Capela Santo Antoun – Asilo Mão Branca. No

Estado de São Paulo o Patriarcado Antioquino se faz presente com: a Catedral

em São José do Rio Preto (1936 – lançamento da pedra fundamental),

Paróquia Ortodoxa Sagrada Família de Cotia, Paróquia Ortodoxa Nossa

Senhora de Campinas, Igreja Ortodoxa São Jorge de Santos (desde 1957),

Igreja Ortodoxa da Anunciação de Nossa Senhora de Ituverava (desde 1925),

Igreja Ortodoxa São Jorge de Biriri (desde 1933) e a Igreja Ortodoxa Nossa

Senhora de Lins.

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Foto 16 – Catedral Metropolitana Ortodoxa

Mas o Patriarcado não está apenas no Estado de São Paulo. No

Paraná, desde 1954 existe a Igreja Ortodoxa São Jorge de Curitiba. Em Goiás,

a Igreja Ortodoxa São Jorge de Anápolis, a Igreja Ortodoxa São Nicolau de

Goiânia (desde 1956) e a Igreja Ortodoxa São João Batista de Ipameri. Em

Minas Gerais estão a Igreja Ortodoxa São Jorge de Belo Horizonte (1938) e a

Igreja Ortodoxa Santo Elias Profeta de Guaxupé (1927). E finalmente, o

Patriarcado Antioquino está presente na capital do país com a Igreja Ortodoxa

São Jorge de Brasília.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, quando pensamos em pesquisar a chegada dos sírio-

libaneses ao Brasil, não imaginávamos que fossem cristãos – a ideia era de

que a predominância fosse islâmica. De fato o islamismo já há muito tempo

tinha chegado em terras brasileiras, com os escravos malêses, mas o árabes

muçulmanos desembarcam no Brasil, com características migratórias, na

segunda metade do século XX.

Apenas uma vez, por curiosidade, tínhamos adentrado a uma Igreja

Ortodoxa, na ocasião, a Catedral Metropolitana. Sua beleza é indescritível.

Mais surpreendente foi a primeira participação em uma missa, uma vez que

desconhecíamos o modo como ela acontece. As procissões, as vestes e o

canto dos sacerdotes, o coral. Isso sem falar que os fiéis ficam imersos em um

ambiente que tem 100% das paredes e teto decorados com imagens

bizantinas.

Em Rio Preto as dimensões são menores, mas a suntuosidade é a

mesma. Ficamos impressionados com o fato de, em pleno centro da cidade,

haver uma relíquia histórica tão pouco conhecida e menos ainda divulgada.

Praticamente a totalidade dos que frequentam a igreja são da colônia árabe

riopretense. Ao olharmos a lista de famílias de fiéis da igreja, quase não vemos

brasileiras e outras nacionalidades. É importante reforçar que uma pequena

parte daqueles que compõem essa lista são assíduos às missas. Atualmente, a

média de fiéis que frequentam dominicalmente a igreja é de vinte e duas

pessoas – sendo, na média, nove mulheres e treze homens – geralmente,

quando há crianças, são os netos do padre Nicolas. “As pessoas já foram mais

participativas, a Igreja já teve mais influência, a Catedral é linda, é um

patrimônio de tradição bizantina, eu acho que é preciso resgatar a presença da

Igreja na cidade” diz Amal Suleiman, em entrevista para este trabalho.

Borges afirma que “na preferência das novas gerações, essas igrejas

foram pouco a pouco sendo substituídas pela igreja católica romana. Tal

substituição se explica, em parte, porque ser católico é se definir como

brasileiro, e isso é essencial para segmentos ávidos de aceitação social”

(BORGES, 2000, p. 21). No caso riopretense não parece haver uma adesão

maciça ao catolicismo romano pelas novas gerações. Ao ser por nós

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entrevistada, Nilvia Buchala afirma que “Os filhos, pra variar, estão todos

desgarrados. Na época de meu avô os filhos também participavam da religião.

Meu pai, enquanto vivo, participou ativamente, chegou a ser presidente do

Conselho Administrativo da Igreja Ortodoxa. Depois que ele faleceu, nós, os

filhos e netos, de uma certa forma acabamos nos distanciando. Mas é um

distanciamento muito comum em quase todo mundo, porque você não vê os

filhos. São raras as famílias que conseguem manter os filhos dentro da religião.

Mas a gente não nega. Eu batizei meus três filhos na Ortodoxa e frequento

eventualmente”.

Mas um outro êxodo para a igreja romana pode ser identificado, como

também para a igreja maronita. Apesar de homens casados poderem se tornar

padre e de, segundo as gêmeas Assis, aceitarem o recasamento32,

encontramos uma insatisfação considerável com relação ao divórcio do padre

Nicolas Ferzoli. Tal insatisfação teria levado fiéis de famílias tradicionalmente

ortodoxas para as igrejas romana e maronita.

O padre, por sua vez, afirma estar aguardando ser substituído, por já

ter se aposentado. Tal substituição, pelo o que apuramos, causa expectativa,

ao menos em parte da colônia sírio-libanesa ortodoxa. Isso porque há a

possibilidade de sanar o desconforto moral – ter um padre divorciado – ao

mesmo tempo que se recebe um filho da terra como líder, no caso, de acordo

com o apurado, o diácono Maluf.

Os dados apresentados neste trabalho mostram a importância da

colônia sírio-libanesa na cidade de São José do Rio Preto. Os desafios

enfrentados pelos imigrantes começaram enquanto na Grande Síria.

Conquanto de outra ordem, no Brasil eles continuaram. Com a força de seu

trabalho e cultura, contribuíram com o desenvolvimento do noroeste paulista.

Na cidade de Rio Preto a estima pelos árabes, bem como o espaço por eles

conquistado é também expressa nas ruas da cidade.

No já aqui mencionado discurso proferido pelo doutor Cais, ele afirma

que a cidade “tem 272 logradouros (praças e ruas) com nomes árabes”. O site

oficial da prefeitura indica a existência de 3.539 ruas no município, das quais

identificamos ao menos 323 com nomes de origem árabe, ou seja, 9,127%. Do

32

Afirmam ter cantado e tocado em três casamentos do mesmo noivo.

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número total de ruas, 235 permanecem sem nome, sendo designadas por

acesso, marginal, particular, via, projetada, rotatória, projetada, estrada,

avenida, avenida marginal, alameda, ou por números. Isso quer dizer as ruas

que homenageiam pessoas, países, animais etc. são 3.304, elevando o

percentual de motivos árabes homenageados para 9,776%.

Os relatos colhidos nas entrevistas que fizemos – como também nas

realizadas por outros pesquisadores – demonstram a centralidade de redes. De

todo material coletado apenas uma pessoa considerou – sem grande convicção

– que seus familiares teriam vindo ao Brasil sem ter qualquer parente ou

conhecido aqui. Se não considerarmos essa exceção, quando questionados,

todos tinham alguma história sobre o tema a contar. Em sua tese de doutorado,

Lodi registra que Elias Choeiri “veio para Rio Prêto em 1911, pois seu pai aqui

estava” (LODI, 1976, p. 387).

Dados publicados referentes ao ano de 1918 apontam que, à época,

não havia sequer um advogado ou engenheiro sírio-libanês trabalhando em Rio

Preto, e apenas um médico – Dr. Ussuf H. Auerad. Esse é um dado

interessante, uma vez que, das trinta entrevistas por nós realizadas, apenas

quatro pessoas são comerciantes e duas, donas de casa. Todo o restante é

formado por profissionais liberais como advogados, professores, engenheiros,

profissionais da saúde e religiosos.

O levantamento feito por Knowlton aponta São José do Rio Preto como

a cidade do interior paulista que mais recebeu imigrantes árabes. Se no

passado até mesmo a comida sírio-libanesa parecia estranha aos brasileiros,

hoje é praticamente impossível não encontrar uma esfiha ou um quibe em

qualquer lanchonete da cidade. José Chalela relata que “na época em que os

primeiros chegaram, o pessoal estranhava muito a comida. Os sírio-libaneses

comem coalhada com tudo, né? Então o pessoal dizia: „esse turco vai morrer!

Tá comendo pepino com coalhada‟. Comer quibe cru era horrível pra eles

naquela época e hoje a turma toda come, todo mundo gosta”. Atualmente

existe ao menos seis restaurantes especializados em comida árabe na cidade.

Aqueles por nós entrevistados vivem a tensão entre ser árabe e ser

brasileiro. Encerramos com as palavras do Dr. Arif Cais, que, de maneira direta

e sucinta expressa a realidade de ser tanto um como o outro: “Eu sou

brasileiro, adoro o meu país, sou corinthiano. Eu não tive escolha, nasci aqui.

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Meu pai escolheu onde morar, onde viver. Ele escolheu o Brasil. Eu creio que

ser brasileiro por opção é de uma dignidade notável. Ele nunca pretendeu

voltar, tanto que casou-se por aqui. Eu vivo essa realidade de ser brasileiro e

ser descendente”.

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103

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Os anexos a seguir são imagens e textos publicados no Calendário de

2002, confeccionado pela Catedral Metropolitana Ortodoxa.

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ANEXO A

Este ícone, Ícone de Todos os Santos, em especial, é como que um

resumo da Côrte Celeste, os Céus (note-se as estrelas em cima e na parte

inferior), numa visao da bem-aventurança eterna que aguarda os justos após o

Juízo.

No centro do ícone vemos o próprio Jesus Cristo, tendo em sua cabeça

uma auréola de glória, assentado sobre a linha do céu e com os pés na linha

da terra, formando como que um arco-íris, pois, “o Céu é o seu trono e a terra o

estrado de seus pés.” (São Mateus 5,34-35).

As vestes do Senhor nos ensinam igualmente: o manto é dourado, côr

da glória e da vitória e a túnica, vermelha, côr de sangue que derramou por

nós. Ele abençoa com a mão direita e na esquerda segura o Evangelho aberto,

no qual se lê em grego: “Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o

reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.” (São Mateus

25,34).

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Na parte de cima, no meio, destaca-se a Cruz, instrumento da paixão

do Senhor e, agora, de sua glória; por isso está cercada por querubins e

localizada atrás e acima do trono de Jesus Cristo, o trono do Juízo Final,

segundo palavras do próprio Senhor: “Quando o Filho do Homem vier em sua

glória e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua

glória” (São Mateus 25,31).

Sobre o trono está sua túnica e sobre ela o Evangelho, que é a balança

da justiça e do julgamento.

Dois rostos, o sol e a lua, nos mostram que a luz da glória do Senhor e

dos santos é maior que a dos astros celestes.

À esquerda e à direita estão, respectivamente, Adão e Eva em atitude

de adoração, que aqui representam toda a humanidade redimida por Cristo, já

que são os primeiros pais de todos os viventes.

Junto de Adão e de Eva, os anjos olham admirados, como aqueles que

honram e servem a natureza humana de Jesus como mais elevada e mais

gloriosa que a natureza angélica. Eles usam vestes de serviço, com o orário

(faixa) diaconal, mostrando, assim, que estão prontos para a “diaconia”

(serviço), uma vez que a palavra “diácono” significa “servo”, “servidor”.

Outro ponto importante a se destacar neste ícone é o da intercessão,

destacando-se as figuras de Nossa Senhora (à esquerda) e São João Batista

(à direita), um de cada lado de Jesus. Ambos estão rogando, intercedendo ao

Senhor: a virgem Maria, Mãe do Verbo Encarnado, como fez nas bodas de

Caná, quando Jesus, a pedido de sua mãe, operou o primeiro milagre,

transformando água em vinho. Logo, o rogo da Mãe é especialmente

considerado diante do Filho. Como é de costume, ela tem uma estrela nos

ombros e na fronte, símbolos de sua virgindade antes, durante e após o parto.

Suas vestes têm as cores vinho (sofrimento), azul celeste (pureza, como o mar

límpido reflete essa cor) e azul marinho (profundidade).

São João Batista, o último Profeta, é também o Precursor do Messias

(Cristo); por suas vestes rústicas, aspecto simples e sério e cabelos longos,

apresenta uma vida de penitência e ascetismo, sendo ele o mestre do

monasticismo. Dele disse o Senhor: “Entre os nascidos de mulher, não

apareceu ninguém maior do que João Batista”. (São Mateus 11,11).

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À direita de Nossa Senhora, acima, estão os santos apóstolos,

destacando-se Pedro e Paulo que, juntos, seguram uma igreja por serem os

“príncipes dos apóstolos”; ainda à direita da Virgem Maria, abaixo, estão os

santos hierarcas, dentre os quais os “três astros da Ortodoxia”: Basílio Magno,

João Crisóstomo e Gregório Teólogo e ainda Espiridon e Nicolau.

Atrás de São João Batista, vemos os santos profetas, como Abraão,

Moisés, Davi, Daniel, etc. Logo abaixo deles vêem-se os santos monges e

eremitas: Pacômio, Antonio, Paulo e outros.

Esta comunhão dos santos do Antigo e Novo Testamentos é expressa

pelo apóstolo São Paulo, que escreveu que nós, cristãos, somos “edificados

sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo Jesus Cristo a pedra

angular.” (Efésios 2,20).

Na parte inferior do ícone estão santos e santas, principalmente

mártires, como Jorge e Dimitrios (à esquerda) e Catarina e Bárbara (à direita),

juntos das quais está Santa Maria Egípcia. Ao centro, os santos imperadores

Constantino e Helena seguram a santa e venerável Cruz.

Atrás do círculo em que se encontra Jesus colocam-se os

“tetramorfos”, quanto figuras-símbolo dos santos evangelistas: à esquerda,

acima, o anjo (homem alado), representando Mateus, que nos fala no início de

seu Evangelho, da linhagem humana do Senhor, o “Filho do Homem”; abaixo, o

leão, Marcos, que inicia seu Evangelho falando da “voz do que clama no

deserto” e destaca a realiza de Jesus; à direita, abaixo, o novilho (um dos

animais sacrificados no templo), símbolo de Lucas, que no início de se

Evangelho nos apresenta o sacrifício no templo e nos mostra Jesus, o “cordeiro

imolado” para a remissão dos pecados; acima, a águia, ave que, como

nenhuma outra, voa nas alturas dos céus, pois João, que ela simboliza, nos

mostra, das alturas, o Verbo Encarnado, bem como a sublimidade da Teologia

(conhecimento e discurso sobre Deus) e do amor.

Esses santos, pela preciosidade e alcance universal de seus valiosos

escritos inspirados, os Evangelhos, são como que o cumprimento das palavras

do Salmo: “Ouvem-se as suas vozes em toda a extensão da terra e as suas

palavras até ao fim do mundo.” (19,3-4)

Sendo este ícone, com o trono ao alto, aquele que nos fala também do

Juízo final, como ensina o Cristo no Evangelho de São Mateus, como já

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mencionamos, lembramo-nos das palavras de São Paulo: “Não sabeis que os

santos julgarão o mundo?” (I Coríntios 6,2). Finalmente, todo o ícone, com suas

sublimes verdades, está em um círculo, figura geométrica sem princípio nem

fim, símbolo da eternidade, pois todo o cosmo, com tudo que nele há, se

submeterá a Jesus, o Cristo, Deus e Senhor, o Rei dos reis.

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ANEXO B

O santo Batismo de nosso Senhor Jesus Cristo é narrado pelos quatro

evangelistas: Jesus apresenta-se a São João Batista, que estava pregando e

batizando no rio Jordão e pede o batismo. João reluta, mas, finalmente, cede à

determinação de seu Senhor.

É o que nos mostra este ícone. Seu centro é o próprio Jesus Cristo,

que está totalmente imerso nas águas do rio, porém não parece molhar-se,

mas sim andar sobre elas. A cena invertida parece reproduzir como que um

novo nascimento. Cristo representa o homem novo, que nasce de Deus, o novo

Adão.

São João, enquanto batiza o Senhor com a mão direita, tem a

esquerda erguida para o céu, glorificando à Trindade que se manifesta e ao

mesmo tempo representa sua intenção anterior de evitar esse tremendo

encargo.

Os três anjos, à direita do ícone, representam a natureza angélica que

se prostra em adoração ao Deus-Homem. As mãos cobertas e o corpo

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inclinado indicam sua missão de servir o Salvador. Eles são três, como os que

apareceram a Abraão, como vemos no ícone da Trindade.

De fato, este ícone nos apresenta a Trindade:

A voz do Pai se faz ouvir dos céus, enquanto o Filho é batizado e o

Espírito santo desce sobre Ele em forma de pomba.

O círculo, na parte superior do ícone, é o Céu, morada de Deus; um

raio dele desce com a pomba do Espírito e se divide em três: o ministério das

Pessoas Divinas, o Deus Tri-Uno que se humilha para salvar a humanidade.

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ANEXO C

Lemos no episódio evangélico de que trata este ícone em São Lucas

(2, 22-35). De fato, era costume à época que, quarenta dias após o parto, a

mulher, já considerada “purificada”, se apresentasse no templo para oferecer

um sacrifício de ação de graças ao Senhor; ao mesmo tempo deveria ser

“resgatado” todo filho primogênito, ou seja, ele era apresentado ao Senhor, a

Ele consagrado e, através do sacerdote, Deus o devolvia aos pais.

Este ícone nos mostra o momento essencial do acontecimento: Jesus

nos braços do justo Simeão. Simeão, homem justo e piedoso, que aguardava a

manifestação da salvação de Deus, havia recebido do Senhor a promessa de

que não morreria antes de ver o Cristo de Deus e, naquele dia, impelido pelo

Espírito Santo, foi ao templo e, após os pais terem feito a apresentação do

Menino, o tomou nos braços e louvou a Deus.

A prática da apresentação dos filhos, sem distinção de sexo, e aplicada

a todos, não somente aos primogênitos, é mantida na Igreja Ortodoxa, cabendo

aos pais cristãos a observância desse ritual de bênção dos filhos antes do

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Batismo, reconhecendo que os mesmos são dádivas de Deus, que a Ele

devem ser consagrados.

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ANEXO D

Neste ícone, lê-se, abreviado em grego, o título da Virgem Maria, “Mãe

de Deus” e acima da auréola do menino, abrevia-se “Jesus Cristo”.

O rosto da Virgem, ligeiramente inclinado, parece melancólico, embora

receba o abraço de seu Divino filho. Seus olhos expressivos são próprios da

Mãe que acompanha o destino de todo homem, de todo filho; através de seu

olhar se manifesta o arrojo do coração de mãe; a mãe que recebe as carícias

do filho, mas sabe que há de encarnar a natureza humana – e a nova Eva.

Ela nos mostra o Menino com a mão esquerda, isto é, indica o Divino

Menino como o caminho que se há de seguir. Como nas bodas de Caná, nos

dirige em convite e, ao mesmo tempo, uma ordem: “Fazei tudo o que ele vos

disser.” (São João 2, 5).

Esse gesto é típico da figura da Virgem, que intercede perante Cristo

Juiz – este ícone traz também, portanto, o significado da intercessão.

A Mãe de Deus é sempre pintada com três estrelas (uma das quais não

é visível neste ícone): uma sobre a cabeça e outra sobre cada ombro; são o

sinal da santificação da Trindade, como Mãe de Deus, pois foi virgem antes,

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durante e após o parto. Deus, com efeito, nasceu dela, por isso a natureza

mudou o próprio curso.

Jesus apresenta um semblante sério, não de severidade, mas de

segurança. Trata-se da profundidade de dois rostos que se encontram.

Este ícone, mariano por excelência, é, na realidade, uma imagem

cristológica, porque Maria conduz a Cristo.

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ANEXO E

A Ressurreição de nosso bendito Deus, Senhor e Salvador Jesus

Cristo é o alicerce de toda a fé cristã e, conseqüentemente, da Igreja de Cristo.

Este ícone, do iconógrafo Yuri Sidorenko, procura ser fiel aos textos

evangélicos.

São Mateus (28, 1-2) nos diz que, ao raiar o primeiro dia da semana,

que hoje chamamos Domingo, após um grande terremoto, o anjo do Senhor

desceu do céu, removeu a pedra do sepulcro e sentou-se nela.

São Lucas (24, 1-6), detalhando, nos diz que as portadoras de aromas,

ao chegarem ao sepulcro, encontraram a pedra já removida e dois homens

com vestes resplandecentes que lhes anunciaram a Ressurreição. São os

anjos que vemos neste ícone sentados no sepulcro, com vestes brancas de

pureza, cabeças aureoladas, sinal de santidade e cada um, com a mãe que

está mais próxima de Jesus, faz um sinal de veneração, com as cabeças

inclinadas, olhos baixos, pois nem a eles é possível contemplar o Senhor face

a face, na glória da Ressurreição. Cada qual, com uma das asas, parece

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proteger-se dessa luz maravilhosa e inacessível, ao mesmo tempo que, com

elas, escoltam o Cristo Ressuscitado.

Jesus Cristo apresenta-se com uma auréola diferente da dos anjos,

com o contorno da cruz, com as letras gregas “ômicron”, “ômega” e “ny", que

significam: “O Que Sou”, afirmação de sua divindade.

Acima do ícone estão seu nome e título: Jesus Cristo.

Ele está todo envolto em luz, elevado sobre o sepulcro, cercado por

raios dourados – a luz da glória da Ressurreição; com a mão direita abençoa e

na esquerda leva um rolo de pergaminho, símbolo do anúncio da Boa-Nova

Pascal, a ser proclamada ao mundo. Há ainda um halo diferente a cercá-lo,

com três tons diferentes de azul: um azul quase negro, símbolo das trevas da

morte (a escuridão do sepulcro), que o Senhor enfrentou e derrotou; um azul

mais claro, de onde saem os raios dourados e o azul celeste – a noite fêz-se

dia, as trevas deram lugar à luz, com a gloriosa Ressurreição, luz que, a partir

de então, ilumina todo homem.

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ANEXO F

O evangelista São João relata que Jesus operou seu primeiro milagre

em Caná da Galiléia, num casamento (São João 2, 1-11).

Ele, sua mãe e os discípulos eram convidados. Com o ministério e

ensinamentos de Jesus Cristo e o posterior desenvolvimento da Igreja Cristã, o

matrimônio foi elevado à condição de sacramento, ou seja, meio pelo qual,

através da Igreja, Deus concede sua especial graça aos casais cristãos.

Este ícone, retratando o episódio evangélico das bodas de Caná,

revela-nos a mística do matrimônio cristão. Vê-se a mesa principal, ao centro

da qual estão os noivos; os olhares e gestos dos personagens à direita

denotam preocupação, pois já não havia mais vinho, motivo de grande

vergonha para os anfitriões da comemoração.

À esquerda vemos Nossa Senhora, bem próxima ao Filho, auréolas

unidas; com a cabeça ligeiramente inclinada, toca familiarmente Jesus com a

mão esquerda, enquanto estende-lhe a direita, gesto de intercessão – aqui, em

favor do casal, Maria é a intercessora junto ao Senhor.

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Jesus inclina-se para ela com ternura, como num diálogo filial e com a

mão direita faz um gesto que denota orientação e ordem. Ele está sobre um

pequeno trono, sinal de sua realeza e exaltação.

À direita vê-se um jovem servente que, após a orientação de Nossa

Senhora – “Fazei tudo o que ele vos disser” – obedece a ordem de Jesus,

enchendo seis talhas com água, que o Senhor transformou em vinho,

maravilhando os que presenciaram o milagre. Esta é uma lição da graça do

matrimônio cristão, pelo poder de Cristo: a metamorfose, transformação da

natureza humana para receber a bênção de Deus, numa união espiritual e

mística entre os cônjuges e deste com o Senhor, tendo sempre em seu lar, em

sua vida em comum, a presença de Cristo e seu Evangelho (veja-se sua mão

esquerda) e a intercessão da Virgem Maria.

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ANEXO G

Vemos nesta página, numa representação que já nos é familiar, os

Santos Apóstolos Pedro e Paulo, identificados pelas características

iconográficas próprias: São Pedro, à esquerda, tem na mão esquerda duas

chaves, lembrando as palavras de Jesus a ele dirigidas: “Eu te darei as chaves

do Reino dos Céus...” (São Mateus 16, 19).

São Paulo, à direita, tem na sua mão esquerda o Santo Evangelho, por

ter sido seu maior divulgador, o maior missionário cristão de todos os tempos.

Ambos, com a mão direita, manifestam um gesto de união, ao mesmo

tempo que parecem sustentar a Igreja encimada pela Cruz de Cristo, símbolo

máximo de nossa fé.

A Igreja, por sua vez, deve sua vida à ação do Espírito Santo, que

aparece sobre ela em forma de pomba, distribuindo-lhe os raios de sua graça,

seus dons que nos são comunicados através da Igreja, principalmente nos

sacramentos.

São Pedro e São Paulo são os “Príncipes dos Apóstolos”, fundadores

de nossa Igreja Patriarcal de Antioquia, aqui representada por nossa Catedral.

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O trabalho aqui representado é obra da famosa artista plástica Odette

Haidar Eid, originária da família cristã ortodoxa Haidar, de Baskinta – Líbano.

Trata-se de uma escultura em bronze patinado que a artista

graciosamente ofertou ao nosso Arcebispado e que está no salão nobre do

mesmo.

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ANEXO H

Este famoso e conhecido ícone ortodoxo se baseia no relato bíblico da

visita de três anjos ao Santo Patriarca Abraão e sua esposa Sara, como lemos

no Livro do Gênesis (18, 1-15).

Desde o princípio, os exegetas, peritos nas Sagradas Escrituras, viram

ali, claramente, uma Teofania, ou seja, a manifestação de Deus já no mistério

Trinitário, pois o texto, falando dos três anjos, diz no início: “o Senhor apareceu

a Abraão...”

A Trindade Divina anunciou a Abraão, já avançado em idade, que Sara,

também idosa e estéril, conceberia um filho.

O Santo Patriarca e a Santa Matriarca são vistos neste ícone

reverentemente inclinados, servindo os anjos.

Os três anjos, por sua vez, além das auréolas, apresentam sobre a

cabeça, em branco, sinais especiais de sua santidade e consagração. Sentam-

se à mesma mesa, com alimentos diante de si, portando cada um, na mão

esquerda, longos bastões, símbolo de realeza e poder. Estão em pequenos

tronos, com estrados para os pés. O do meio representa o Pai, o Criador, que,

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por sua vez, olha para o Filho, o Salvador, à esquerda e este, por sua vez, olha

para o Espírito Santo, o Consolador, Santificador, que olha para baixo – Deus

vem à terra em socorro de sua criação. O gesto da mão direita de cada um,

com dois dedos (indicador e médio) separados, é sinal de assentimento,

concordância, pois, como cantamos em nossa Liturgia, a Trindade é

“consubstancial e indivisível”.

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ANEXO I

O ícone aqui reproduzido está em nosso Seminário de Nossa Senhora

de Balamand, no Líbano e foi pintado em 1.701 por Ne‟Meh Al-Musawwir e

representa o martírio de quarenta soldados cristãos no ano 320, na cidade de

Sebaste ou Sebátia, na Ásia Menor.

O então imperador Licínio ordenou a todos os soldados que

oferecessem sacrifícios aos deuses, o que aqueles quarenta se recusaram a

fazer. Por terem desobedecido a ordem imperial, foram presos uns aos outros

por uma só corrente e aprisionados por longo período.

Foram, por fim, condenados à morte por congelamento. Desnudados,

no auge do inverno, foram colocados sobre um reservatório de água gelada,

sob a vigilância de um soldado. O reservatório estava numa região de termas

e, a certa distância, uma porta por onde saíam jatos de vapor quente foi

deixada aberta para tentá-los a renegar a fé. Passadas já horas, o vigia

espantou-se com sua coragem.

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Porém um deles, no desesperado estertor dos espasmos do

congelamento, arrastou-se até a porta aberta e, numa reação física inevitável,

morreu envolvido pelos vapores quentes.

Àquela visão, o vigia, tomando coragem e fé, livrou-se das vestes e,

proclamando-se cristão, deitou-se sobre o gelo, refazendo o grupo dos

quarenta.

Na manhã seguinte, um carro foi levado para transportar os corpos

para que fossem cremados. Um jovem dentre eles era o único vivo, apesar de

suas condições. Dentre os presentes, estava sua própria mãe, cristã piedosa.

Ela o tomou nos braços e, tendo ele expirado, colocou seu corpo no carro,

junto aos outros.

Estes santos sempre foram muito venerados no Oriente, tendo sua

história e devoção chegado também ao Ocidente. São comemorados em 09 de

março.

A Catedral da Arquidiocese Ortodoxa Antioquina de Homs, na Síria, é

dedicada aos Santos Quarenta Mártires.

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ANEXO J

Do que sabemos pela Tradição Eclesiástica, Nossa Senhora era filha

única de Joaquim e Ana, um casal piedoso que vemos neste ícone. Na Liturgia,

nós os chamamos de “os santos e justos avós de Cristo Deus”.

Eles eram casados a muitos anos e não tinham filhos, pois Ana era

estéril. Cada um, em particular, pedia a Deus a graça de um filho até que, em

uma ocasião em que eles foram ao Templo em Jerusalém, cada um teve uma

visão, na qual um anjo anunciava-lhes o nascimento de uma filha, que eles

deveriam dedicar ao serviço de Deus. A profecia se cumpriu e chamaram à

filha Maria, como lhes havia dito o anjo.

Este ícone, em especial, nos mostra a serenidade, carinho e união do

casal, em especial sua ternura após a boa-nova.

Este santo casal pode ser apresentado como modelo a todos os casais

cristãos.

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ANEXO K

De acordo com as Sagradas Escrituras (Efésios 1, 21) e a Tradição

Ortodoxa, há nove ordens ou côros de anjos: os Serafins de seis asas, os

Querubins de muitos olhos,Tronos, Dominações, Virtudes, Poderes,

Principados, Arcanjos e Anjos.

O líder de todo o exército angélico e o Arcanjo Miguel e os nomes dos

outros seis líderes das forças angélicas são: Gabriel, Rafael, Uriel, Salatiel,

Jegudiel e Baraquiel.

No século IV, o dia 8 de novembro foi especialmente designado para

comemorar o Santo Arcanjo Miguel e todas as forças incorpóreas dos Céus.

Este ícone nos mostra tos três Arcanjos mais conhecidos,

mencionados nas Escrituras Sagradas: Santos Miguel, Gabriel e Rafael.

Miguel significa “Quem (é) como Deus?”; Gabriel significa: “Forças de

Deus”; e Rafael: “Deus cura”.

Lembrando-nos do Ícone da Trindade, ressaltamos que os anjos e

arcanjos são sempre sinal da presença de Deus, como aqui vemos os três

Arcanjos que sustentam o círculo, no centro do qual está o próprio Jesus em

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gesto de bênção, Ele a quem todos os coros angélicos servem. A palavra anjo

significa “mensageiro”.

Abaixo do círculo e acima dos Arcanjos, à direita e à esquerda, vemos

os Serafins de seis asas.

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ANEXO L

Este ícone do Natal nos apresenta menos detalhes do nascimento de

nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, exatamente por estar, mais do que os

outros, centralizado no Menino e na Virgem.

Ambos estão na gruta do Natal, cabeças aureoladas em dourado,

assim como os demais personagens da cena.

Maria tem o semblante meditativo e ampara o Filho com as duas mãos.

Jesus está enfaixado, como se fazia aos recém-nascidos naquele

tempo. Seu semblante é sério, porém sereno, como o d‟Aquele que se

oferecerá como vítima sem mácula no altar da Cruz, para ser glorificado após a

Ressurreição. Deitado na manjedoura, o Senhor é contemplado pelos animais,

pois n‟Ele é restaurada e redimida toda a natureza, toda a criação.

São José, guardião da Sagrada Família, sentado junto ao Menina e à

Mãe, com a mão esquerda erguida, protege ambos.

Ao centro, também sobre a gruta, o círculo da Divindade faz cair sobre

a gruta o tríplice raio da Trindade, sendo que o raio que mais se estende à

gruta é bipartido, pois o Senhor, desde o nascimento, é verdadeiramente Deus

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e Homem. Ao final desse raio vê-se uma estrela, clara alusão ao astro que

guiou os magos a Belém.

A cena, com suas cores vívidas, parece, no entanto, nos apresentar a

terra estéril; basta olhar o chão e a gruta, mas neles nascem flores, pois Cristo,

o Novo Adão, torna, em si, novas todas as coisas, dando vida e lançando luz

nas trevas, como se nota ao fundo da gruta.

Enfim, a natureza humana, a natureza angélica, astros e animais

glorificam o Deus Encarnado para nossa salvação.

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M379i Martins, Daniel Maia

Imigração árabe e religiosidade em São José do Rio Preto: Igreja

Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina – um estudo de caso /

Daniel Maia Martins - 2009.

130 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade

Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2009.

Bibliografia: f. 103-104.

1. Imigração 2. Árabe 3. Sírio-libanês 4. Igreja Católica Apostólica

Ortodoxa Antioquina 5. São José do Rio Preto I. Título

LC BX430

CDD 281.9

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