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1
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
DANIEL MAIA MARTINS
IMIGRAÇÃO ÁRABE E RELIGIOSIDADE EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina
“Um estudo de caso”
São Paulo
2010
Livros Grátis
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2
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
DANIEL MAIA MARTINS
IMIGRAÇÃO ÁRABE E RELIGIOSIDADE EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina – um estudo de caso.
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.
Orientador : Professor Dr. João Baptista Borges Pereira
São Paulo 2010
3
Almustafa, o escolhido e bem amado, que era aurora do seu próprio dia, (...)
subiu à colina sem muralhas e pôs-se a olhar para o mar; e viu o seu navio aparecer
com a bruma.
Então as portas do seu coração abriram-se e a sua alegria voou longe sobre
o mar. E ele fechou os olhos e orou no silêncio da sua alma.
Mas enquanto descia a colina, apoderou-se dele uma grande tristeza e
pensou com o coração:
Como poderei partir em paz e sem mágoa? Não, não vou sair da cidade com
uma ferida no espírito.
Muitos foram os dias de dor que passei dentro das suas muralhas, e muitas
foram as noites de solidão; e quem pode separar-se da dor e da solidão sem mágoa?
Espalhei demasiados fragmentos do espírito por estas ruas, e muitos são os
filhos da nostalgia que caminham nus por estas colinas, e não posso afastar-me deles
sem peso nem dor.
Não é a roupa que hoje dispo, mas uma pele que arranco com as minhas
próprias mãos.
Nem é um pensamento que deixo atrás de mim, mas um coração tornado
doce pela fome e pela sede.
No entanto, não posso demorar-me mais.
O mar que chama todas as coisas, chama-me também e tenho de embarcar.
Pois ficar, embora as horas escaldem na noite, é gelar e cristalizar e perder-
me numa forma.
De bom grado levaria tudo o que aqui se encontra. Mas como o poderei
fazer?
Quantas vezes velejastes nos meus sonhos. Agora apareceis no meu
despertar, que é o meu sonho mais profundo.
Pronto estou eu para ir, e a minha ânsia pelas velas desfraldadas aguarda o
vento.
Só respirarei mais uma vez neste ar imóvel, só mais um olhar de amor para
trás,
E então encontrar-me-ei entre vós, um marinheiro entre marinheiros.
(GIBRAN, Khalil. O Profeta, 1923, pp. 1, 2)
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Daniel Maia Martins
IMIGRAÇÃO ÁRABE E RELIGIOSIDADE EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina – um estudo de caso.
Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião
Aprovado em_________________de______________________2010.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Professor Doutor João Baptista Borges Pereira
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Professor Doutor Antonio Máspoli de Araújo Gomes
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Professor Doutor Oswaldo Mario Serra Truzzi
Universidade Federal de São Carlos
5
À minha esposa Elaine,
aos meus pais, Neto e Cristina
e aos meus irmãos João Ricardo, Joyce e Glauci.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço,
a Deus, que me tem sustentado nos vales e nos picos;
a Elaine, minha esposa, por ter suportado esses tempos difíceis;
a meus pais por tornarem a vida possível e por depositarem em mim
muito mais confiança do que se pode imaginar;
a tia Nadir, por me socorrer em momentos que não imaginei viver;
a minha avó Nair e a tia Nilce por me ajudarem em parte da realização
deste trabalho;
ao professor Doutor João Baptista Borges Pereira, pela amizade,
compreensão e estímulo;
a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), por financiar meus estudos no ano 2009;
ao Fundo Mackenzie de Pesquisa, por financiar parte deste trabalho.
7
RESUMO
O presente trabalho é um estudo de caso que tem por objeto de estudo
a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina em São José do Rio Preto e a
imigração dos sírio-libaneses para esta cidade.
Quase sempre confundidos com muçulmanos e/ou turcos, os primeiros
sírio-libaneses a chegar ao Brasil eram cristãos. Em São José do Rio Preto,
muitos deles eram cristãos ortodoxos. O contexto de sua terra natal no final do
século XIX e começo do XX e histórias sobre a trajetória até chegar à América
são apresentados no trabalho bem como o surgimento da Igreja Católica
Apostólica Ortodoxa Antioquina na cidade. Para isso, utilizamos documentos
históricos, depoimentos e literatura.
Também discorremos sobre alguns fatores teológicos e litúrgicos desta
Igreja, fruto das entrevistas realizadas – com padres, fiéis da igreja,
descendentes de sírio-libaneses, imigrantes e estudiosos – e de observação
participante.
Nossa expectativa é contribuir com os estudos do contexto religioso
brasileiro e das Ciências da Religião.
PALAVRAS CHAVES
1. Imigração, 2. Árabe, 3. Sírio-Libanês, 4. Igreja Católica Apostólica
Antioquina, 5. São José do Rio Preto
8
ABSTRACT
The present research is a case study that has as a goal the study of the
Antiochin Orthodox Apostolic Catholic Church in São José do Rio Preto and the
immigration of the Syrian-Lebanese to this particular town.
Mistaken by Muslims and/or Turkish, the first Syrian-Lebanese to arrive
in Brazil were Christians. In São José do Rio Preto, many of them were
Orthodox Christian. The context of their mother land in the end of the 19th
century, beginning of the 20th and history about their journey to America are
presented in this research as well as the beginning of the Antiochin Orthodox
Apostolic Catholic Church in São José do Rio Preto. In order to do so, historical
documents were used as well as testimonials and literature.
The research also dealt with theological and liturgical factors of this
church, which came from several interviews - with priests, church goers, Syrian-
lebanese descendents, immigrants and researchers - and from participant
observation.
It is expected from this research to contribute with the studies of the
Brazilian religious context and Religion science.
KEY WORDS
1. Immigration, 2. Arab, 3. Syrian-Lebanese, 4. Antiochin Orthodox
Apostolic Catholic Church, 5. Sao Jose do Rio Preto
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 10
Impressões Iniciais e Descobertas da Pesquisa.......................................... 12
I PARTE 1. O IMPÉRIO OTOMANO ............................................................................... 14 2. A IMIGRAÇÃO ............................................................................................. 22
3. AS REDES DE MIGRAÇÃO ......................................................................... 28
4. TERRAS BRASILEIRAS .............................................................................. 34 II PARTE 1. ÁRABES EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO .................................................. 39 2. O MASCATE ................................................................................................ 41
3. TERRAS RIOPRETENSES .......................................................................... 47
III PARTE
1. IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ORTODOXA ANTIOQUINA EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO ..................................................................................... 66 2. IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ORTODOXA ANTIOQUINA ............... 87
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 103 ANEXOS ......................................................................................................... 105
10
INTRODUÇÃO
Inicialmente esta pesquisa seria realizada na cidade de São Paulo,
tendo por objeto de estudo a Catedral Metropolitana Ortodoxa e a Rua 25 de
Março – um dos maiores centros de comércio popular da América Latina.
Algumas entrevistas chegaram a ser feitas bem como a observação
participante na referida igreja. À época este autor era pastor da 1ª Igreja
Presbiteriana Independente de São Caetano do Sul. Contudo, ao final de 2008,
em razão de seu retorno à sua cidade natal, São José do Rio Preto, o projeto
inicial teve de ser bastante modificado e adaptado à nova realidade. Dessa
forma, o novo objeto de estudo adotado foi a Igreja Católica Apostólica
Ortodoxa Antioquina em São José do Rio Preto e os imigrantes sírio-libaneses
para esta cidade. Este é um estudo de caso e nosso objeto de estudo está
situado à Rua Marechal Deodoro, 2827, no centro de São José do Rio Preto,
São Paulo, sendo que não serve como regra para outras igrejas do Patriarcado
Antioquino1 – dentro ou fora do Brasil – ou qualquer outro Patriarcado.
É verdade que a presença dos imigrantes sírio-libaneses modificou o
cenário social brasileiro, especialmente o Estado de São Paulo – que desde o
início, abrigou a maior parte da colônia. As cidades de São Paulo e São José
do Rio Preto foram dois dos principais destinos destes imigrantes.
Iniciamos, então, novas entrevistas e retornamos à observação
participante na Igreja Ortodoxa São Jorge de São José do Rio Preto. As
entrevistas visaram a descobrir os processos pelos quais as famílias de
imigrantes chegaram à cidade e sua relação com a igreja pesquisada. Fizemos
também uma revisão de literatura para reconstruirmos o contexto das famílias
sírio-libanesas, em especial as cristãs. Os trabalhos, especialmente de campo,
demonstraram-se os mais prazerosos e complicados. Por se tratar de um grupo
étnico, nem sempre nos foi possível ter acesso a tudo o que gostaríamos. Em
um caso, fomos ostensivamente rejeitados na tentativa de realizar uma
1 O Patriarcado de Antioquia integrava a Santa Pentarquia – falaremos a seu respeito mais
adiante. Era um dos grandes centros administrativos da Igreja Cristã desde os tempos do Novo Testamento (Atos 11.26). A jurisdição e influência deste Patriarcado estendeu-se – e ainda está presente – ao Oriente.
11
entrevista. Às atas da igreja também não conseguimos chegar. Ainda assim, os
árabes em Rio Preto, mesmo sendo etnicamente minoria, tiveram, e ainda têm,
um papel muito importante na história e vida da cidade, o que justifica a
pesquisa. Encontramos artigos em jornais sobre a presença dos sírio-libaneses
em Rio Preto, menções em alguns livros históricos da cidade e material da
imigração para o Brasil em geral.
Menos material, encontramos sobre a Igreja Ortodoxa. Intentamos,
então, contribuir com o estudo do campo religioso brasileiro tomando lado às
pesquisas de imigração e religião, como as seguintes: A Construção de uma
comunidade utópica no Oeste Paulista2, Alvorada: Negros e brancos numa
congregação Presbiteriana em Londrina – Um estudo de caso3, Missão Caiuá:
um estudo da ação missionária protestante entre os índios Guarani, Kaiowá e
Terena4, Um véu sobre a imigração italiana no Brasil5, Terra Nostra em
mudança: Identidade étnica, identidade religiosa e pluralismo numa
comunidade italiana no interior paulista6, Coreanos Protestantes na periferia de
São Paulo. Um estudo de caso7, Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Russa no
exílio em São Paulo: etnicidade e identidade religiosa. Um estudo de caso8,
Delírios religiosos e estruturação psíquica – “O caso Jacobina Mentz Maurer e
o episódio Mucker” – Uma releitura fundamentada na Psicologia Analítica9, Os
mórmons em Santa Catarina: origens, conflitos e desenvolvimento10, Igreja
Húngara Reformada11, A imigração holandesa e a Igreja Reformada no Paraná,
por Wilson de Lima Lucena; Uma Igreja Protestante coreana na cidade de São
Paulo, por Silvania Maria P. Silva; Missionários protestantes sul-coreanos na
cidade de Jandira-SP, por Daniel H. Cho Lin; Luteranismo e imigração alemã
pomerana no Espírito Santo, por Gladson Cunha e Igreja Evangélica Árabe de
São Paulo – Inserção, estruturação e expansão na adversidade-diversidade
sócio-cultural da cidade de São Paulo. Estudo de caso, por Paulo Audebert
2 Heldo Mulatinho. Tese de doutorado . USP, 1976.
3 José Martins Trigueiro Neto. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2004.
4 Jonas Furtado Nascimento. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2004.
5 Gloecir Bianco. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2005.
6 Marivaldo Gouveia. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2005
7 Elson Isaac Santos Araújo. Dissertação de mestrado. Mackenzie , 2005.
8 Maurício Loiacono. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2006
9 Heloisa Mara Luchesi Módolo. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2006.
10 Rubens Lima da Silva. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2008.
11 Simone Lucena. Dissertação de mestrado. Mackenzie, 2008.
12
Delage. À exceção da pesquisa de Jonas Furtado do nascimento, orientado
pelo Dr. Antônio Gouveia de Mendonça, as pesquisas acima são orientadas
pelo Dr. João Baptista Borges Pereira.
Impressões Iniciais e Descobertas da Pesquisa
Ao iniciarmos nossa pesquisa concordávamos com Lodi, com relação
ao surgimento da Igreja Ortodoxa na cidade:
“A construção de uma igreja ortodoxa por imigrantes de origem árabe provavelmente decorreu da vontade de preservar as tradições culturais e religiosas do grupo. Ela veio reforçar outras instituições associativas por eles criadas tais como clubes (...). A todas era delegada a responsabilidade de manter a identidade desse povo. A presença da Igreja estimularia o maior contato entre os imigrantes. A religião atuaria como elemento de interação entre aqueles que deixaram sua terra natal e optaram por uma vida nova, num país distante, porém sem perder de vista as suas origens. Com a igreja, o contexto cultural originário daria sustentação às estruturas espirituais e morais de seus membros.” (LODI, N. A Igreja Ortodoxa. Diário da Região, São José do Rio Preto, p. 8B, 29 nov. 2009).
Contudo, o longo caminho de pesquisa por nós percorrido veio a
mostrar a imprecisão histórica da afirmação de Lodi. O surgimento da Igreja é
praticamente um levante diante de uma situação de hostilidade apresentada no
corpo do trabalho. “Sua função é reforçar ou preservar a identidade étnica do
grupo imigrado, sendo a religião o traço diacrítico dessa identidade” (BORGES,
2005, p. 106).
A ênfase da igreja está em defender, sustentar e reafirmar a cultura e
identidade dos imigrantes sírio-libaneses, ou seja, “todo o patrimônio material e
simbólico” deste grupo social (GIL, 2008, p. 106). “Se confundem identidade
étnica e identidade religiosa” (BORGES, 2005, p. 106) uma vez que
praticamente 100% deles são católicos (a princípio, sem a necessidade de
auto-afirmação ortodoxa, romana ou maronita) e não têm pretensões
proselitistas. Como se sabe, a Igreja Maronita é uma igreja cristã, de rito
oriental, em plena comunhão com a Sé Apostólica, ou seja, reconhece a
autoridade do Papa, o líder Igreja Católica Apostólica Romana. Tradicional no
Líbano, a Igreja Maronita possui ritual próprio, diferente do rito latino adotado
13
pelos católicos ocidentais. O rito maronita prevê a celebração da missa em
língua aramaica.
Discorremos sobre o Império Otomano, a perseguição e as condições
econômicas e políticas vividas pelos cristãos da Grande Síria12, buscamos
amparo para o conceito de imigração, aplicamos o que Truzzi chama de Redes
de processo migratórios, fazemos um histórico do surgimento de São José do
Rio Preto e da presença sírio-libanesa na cidade. Peter Berger afirma que
“Estar localizado na sociedade significa estar no ponto de interseção de forças sociais específicas. Geralmente quem ignora essas forças age com risco. A pessoa age em sociedade dentro de sistemas cuidadosamente definidos de poder e prestígio. E depois que aprende sua localização, passa também a saber que não pode fazer muita coisa para mudar a situação” (BERGER, 1963, p. 79).
As forças sociais sobre a Grande Síria eram a invasão turca, o
islamismo, a violência da dominação, a intolerância religiosa etc. Não tinham
poder ou prestígio. A solução encontrada por incontáveis emigrantes foi buscar
uma nova localização sócio-espacial. Em sua terra natal, “são „eles‟ quem
mandam” (BERGER, 1963, p. 80).
Também apresentamos um histórico sobre a gênese da Igreja
Ortodoxa – tanto no Grande Cisma como no município. Utilizamos tabelas com
dados das primeiras décadas do século passado para demonstrar os papéis
exercidos e os lugares ocupados por tais imigrantes no comércio de São José
do Rio Preto.
12
Atuais Síria e Líbano.
14
I PARTE
1. O IMPÉRIO OTOMANO
Os mamelucos13 do Egito dominavam a Síria no século XVI. É nesta
época que os otomanos intentam a construção de um novo e poderoso Estado
na região, sobre os alicerces do Império Bizantino. Os desacordos entre os
mamelucos somados à supremacia militar dos turcos levaram a uma situação
esperada: a vitória dos mais poderosos. “Selim14 entra em Damasco. O nôvo
sultão mameluco Tumanbay, se mostra disposto a aceitar a paz que lhe
oferece Selim sob a condição de vassalagem, mas seus emires se opõem e os
embaixadores de Selim são mortos. Êstes obtém uma primeira vitória sôbre os
egípcios, em Gaza, e logo vence Tumanbay perto do Cairo, em 1517. Tôda a
Síria, com o Líbano e a Palestina, está em mãos dos turcos”. (REICHERT,
1969, p. 131).
Após terem sido conquistadas pelos otomanos, muitas cidades tiveram
aumento populacional. Era o caso de Alepo, que atingiu a marca de 100 mil
habitantes e Damasco, um pouco menor. Mas nessa época, a peste e a fome
regulavam o tamanho da população em território otomano. Ainda que sistemas
de coleta de impostos mais eficientes mostrassem, em algumas localidades,
vertiginoso aumento de contribuintes não implicava necessariamente em
aumento da população.
Em seu auge o Império proporcionou desenvolvimento e segurança às
cidades,
“com forças policiais distintas para o dia e a noite, e guardas nos vários quarteirões, cuidadosa supervisão dos serviços públicos (abastecimento d‟água, limpeza e iluminação das ruas, combate a incêndios), e controle das ruas e mercados, supervisionados pelos cádis. Seguindo o exemplo do sultão de Istambul, governadores otomanos e comandantes militares iniciaram grandes obras públicas nos centros das cidades, com prédios comerciais cuja renda era usada para mantê-las; por exemplo, a fundação de Duqakin-zade Mehmet Paxá em Alepo, onde três qaysariyyas, quatro khans e quatro suqs proviam a manutenção de uma grande mesquita; a
13
Escravos capturados em áreas que incluem a atual Turquia, leste europeu e o Cáucaso (região da Europa Oriental e da Ásia Ocidental, entre o mar Negro e o mar Cáspio), que frequentemente eram treinados e utilizados como soldados pelos califas muçulmanos do Império Otomano. Com o tempo, tornaram-se uma poderosa casta militar. No Egito, tomaram o poder em duas oportunidades – 1250 e 1517. 14
Selim I, sultão turco.
15
Takiyya em Damasco, um conjunto de mesquita, escola e hospedaria para peregrinos construída por Suleiman, o Magnífico”. (HOURANI, 2006, p. 312).
O Império Otomano dominou parte da África, Europa e Ásia, e
empregou grande parte de sua energia para combater os inimigos existentes
nestes três continentes, como também para manter sob controle estreito,
regiões que lhe rendiam grandes receitas. Era o caso da Grande Síria,
responsável por parte considerável da receita do Império e também local de
concentração para as peregrinações a cidades santas. Ainda no século XVI o
último califa „abbásida, al-Mutawakkil é capturado “no Cairo, em 1517, e, tendo
em seu poder as cidades de Meca e Medina, os sultãos otomanos justificam a
sua usurpação do supremo ofício espiritual no mundo muçulmano, o califado”.
(REICHERT, 1969, p. 132). Hourani registra que “a posse das cidades santas
dava aos otomanos uma espécie de legitimidade e um direito à atenção do
mundo islâmico que nenhum outro Estado muçulmano tinha” (HOURANI, 2006,
p. 300).
Já os países europeus não dominados pelos otomanos viviam, no
século XVI, um período de expansão econômica com suas fortes monarquias,
crescimento na agricultura e riquezas vindas da América. Mais tarde a Europa
também irá incomodar o Império islâmico no leste, negociando com as nações
do Oceano Índico, já muito importante, sempre privilegiando os turcos.
Contudo, os que produziam em terras otomanas começam a sentir a perda de
espaço no mercado mundial.
As terras mais ricas e produtivas tinham atenção especial do Império.
Para as mais distantes e com menor produtividade, a estratégia era reconhecer
indivíduos ou famílias como líderes, que seriam responsáveis tanto pela coleta
dos impostos como também por direcioná-los à Istambul. Não era possível –
nem conveniente – acompanhar com tanta proximidade todos os territórios.
Esta estratégia permitia, na prática, que o poder transitasse entre a
capital e o local, o que proporcionou, por exemplo, “no início do século XVII,
[que] um governador rebelde em Alepo e um superpoderoso senhor nas
montanhas Shuf no Líbano, Fakhr al-Din al-Ma‛ni (m. 1635), com certo
encorajamento de soberanos italianos, [pudesse] desafiar durante algum tempo
o poder otomano” (HOURANI, 2006, p. 301). Fakhr al-Din foge, em 1613, para
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a Itália, mas retorna e luta por 20 anos, na tentativa de construir um Estado
independente. Por fim “acabou sendo capturado e executado, e depois disso os
otomanos estabeleceram uma quarta província com capital em Sayda, para
vigiar os senhores do Líbano” (HOURANI, 2006, p. 301). As outras três eram
Alepo, Damasco e Trípoli. Ter pleno controle da região era importante para as
peregrinações anuais. Meca e Medina pouco rendiam financeiramente. O lucro
vinha em forma de prestígio religioso para com as nações árabes. Os
peregrinos levavam subsídios às populações dessas cidades, que tinham por
líderes famílias descendentes de Maomé, nomeados pelo Império. As terras
sagradas dominadas pelos otomanos não eram apenas sacras aos
muçulmanos. Jerusalém e Hebron (local do sepultamento de Abraão) também
estavam sob domínio turco.
Os territórios da Grande Síria também assistiram a um inusitado
conflito familiar. Quando conquistados pelo comandante mameluco Ali Bei –
que também havia conquistado outros territórios – em 1769, seu genro Abu
Dhahab o trai, levando para o lado dos otomanos praticamente todo seu
exército. Juntamente com os que lhe permaneceram fiéis, Ali Bei aliou-se a
Zahir al-Omar, um líder beduíno palestino, mas ambos foram mortos nos anos
seguintes – Ali Bei em 1773 e Zahir em 1775. Um dos partidários de Ali Bei,
Ahmad al-Jazzar, “pôde manter Acre até 1799, quando Napoleão, saindo do
Egito, surge em cena, ocupando a costa da Palestina, inclusive Jafa, e sitiando
Acre”. (REICHERT, 1969, p. 136).
Os franceses são expulsos da Palestina em 1801 pelos ingleses e anos
depois perdem o Cairo para forças otomanas lideradas por Muhammad ‛Ali,
que criou a sua volta uma liderança capaz, inteligente e progressista, composta
por turcos e mamelucos. Enquanto em campanha pela Grécia (1824/8),
Mahmud II, sultão otomano, promete conceder a Muhammad ‛Ali o governo da
Síria, o que não se concretizou. Assim, Ibrahim, seu filho, “invade o país, toma
Acre de assalto (1831), entra em Damasco, Alepo e Adana e invade a Anatólia”
(REICHERT, 1969, p. 138). O paxá egípcio imprime sua política de impostos,
impõe-se ao Império como governador e expande seus domínios ao Sudão e
Arábia sendo detido por exércitos europeus em Kutahya (atual província turca).
Sua presença na Síria trouxe um período de igualdade e liberdade religiosa e
17
as missões protestantes – dirigidas por franceses e norte-americanos –
passaram a ser incentivadas.
Ao tentar recuperar as terras perdidas para Muhammad ‛Ali, Mahmud II
é derrotado na batalha de Nizip, em 1839, e vê sua frota de navios desertar,
aliando-se aos egípcios. Contudo, a Europa não queria que o Egito se tornasse
uma força independente e, menos de um ano depois, em um esforço conjunto,
“as frotas da Quádruple Aliança – Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia –
apresentam-se diante da costa da Síria, tomando Beirute e Acre, em 1840, e
ameaçam Alexandria. Ante tal fato, Ibrahim vê-se forçado a retirar-se da Síria.
O país volta ao domínio otomano” (REICHERT, 1969, p. 138).
Assim, os ataques contra os cristãos voltaram a se tornar frequentes,
como quando os drusos deixam o interior e invadem Beirute, em 1860, e os
massacram. “Nos vales montanheses do Líbano, havia uma antiga simbiose
entre as principais comunidades religiosas, os cristãos maronitas e os drusos.
(...) Da década de 1830 em diante, porém, a simbiose se rompeu, por causa de
mudanças na população e no poder local, do descontentamento dos
camponeses com seus senhores, de tentativas otomanas de introduzir
controles diretos e das interferências britânica e francesa. Em 1860 houve uma
guerra civil no Líbano, e isso provocou um massacre de cristãos em Damasco,
uma manifestação de oposição às reformas otomanas e aos interesses
europeus a elas ligados, num momento de depressão comercial” (HOURANI,
2006, p. 366).
“Na segunda metade do século 19, as condições de vida não eram de abastança, havendo pouca terra para ser cultivada e lutas por causa da irrigação; a população estava em crescimento e se iniciava o êxodo das montanhas para o litoral. Essa situação vem justificar os movimentos drusos – seita da religião muçulmana – contra a população cristã, senhora de melhores terras”. (NABHAN, 1989, p. 105).
Uma vez mais há a intervenção estrangeira – francesa, no caso – que
obriga o sultão Abdul Majid a conceder autonomia ao Líbano e um governador
cristão. “A França tinha uma relação especial, que remontava ao século XVII,
(...) com os maronitas (...) no fim do século XVIII, a Rússia apresentava uma
reivindicação semelhante para proteger as Igrejas ortodoxas orientais”
(HOURANI, 2006, p. 354). Contudo, depender de força estrangeira e boa
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vontade islâmica para a ordem e proteção causou bastante desconforto e
insegurança.
A esperança de plena autonomia dos países árabes “se desvanece no
decorrer da Primeira Guerra Mundial, durante a qual a Síria é fustigada pelo
crescente terror imposto pelo governador turco (Jemal Paxá) e pela fome”
(REICHERT, 1969, p. 141). Após a Guerra as promessas de independência
feitas pelas nações européias não se concretizaram e, em 1920, na
Conferência de San Remo, Síria e Líbano ficam sob domínio francês. A
independência da Síria só aconteceu em 1945. Em 1941 a França concede a
independência ao Líbano dando plena liberdade apenas três anos mais tarde.
Mas, de fato, o exército francês só deixa o país em 1947.
Ainda que sendo turco, o Império não impôs seu idioma aos povos que
dominou – muitos de fala árabe. O papel da língua árabe foi reforçado. Assim,
seria natural que as ciências da religião e da lei – duas das mais importantes
disciplinas – fossem ensinadas em árabe nas escolas de Damasco, Cairo e
outras importantes cidades árabes do Império. Entretanto, o mesmo acontecia
em Istambul, que não era árabe. Os autores otomanos tinham a tendência de
sempre escrever todo tipo de texto em árabe, inclusive poesia.
Hourani faz a seguinte afirmação: “Nas grandes cidades árabes,
continuou a tradição literária: não tanto poesia e belles-lettres quanto história,
biografia e compilações de fiqh e hadith locais. As grandes escolas
continuaram sendo centros de estudos das ciências da religião, mas com uma
diferença. Com algumas exceções, os mais altos cargos no serviço legal eram
exercidos não por diplomados da Azhar15 ou das escolas de Damasco e Alepo,
mas das fundações imperiais em Istambul; mesmo os principais cádis hanafitas
das capitais provinciais eram em sua maioria turcos enviados de Istambul, e os
cargos oficiais mais elevados a que os diplomados locais podiam aspirar eram
os de subjuiz” (HOURANI, 2006, pp. 317-8).
A partir desta afirmação podemos destacar dois pontos: 1) o Império,
muçulmano que era, investia na produção de conhecimento a partir de sua
religião islâmica e 2) apesar disto, para ocupar os lugares mais importantes e
estratégicos não bastava ter se formado em um desses centros de estudos das
15
Importante escola da cidade do Cairo.
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ciências da religião, não bastava ser muçulmano; era preciso ser também
turco. Isto expressa, em parte, a depreciação vivida pelos cristãos sírio-
libaneses, no século XIX, que estavam sob o domínio turco-otomano.
A cultura islâmica, especialmente sunita, era patrocinada pelas
autoridades. Por outro lado, a situação dos cristãos era complicada. Não eram
nem turcos e nem muçulmanos e sofriam perseguições e massacres
constantes. Ao falar sobre sua família, Marly Cury Hassan diz: “No Líbano e na
Síria não tinha condição de viver. Não tinha condição porque os turcos tinham
invadido e estavam acabando com tudo. Os turcos iam às casas e tiravam todo
o mantimento que o povo tinha, deixavam as famílias sem um grão de arroz pra
fazer, e colocavam em praça pública. Depois eles vinham com um alto-falante
e gritavam: „venham pegar comida, nós somos gente honesta, gente boa, não
queremos o mal de vocês. Venham pegar comida. Olha quanta comida! Era
aquela batelada de alimento. O povo morrendo de fome ia. Mas eles
colocavam bombas na comida. O povo punha a mão e estourava. Muita gente
morreu assim”. O meio infantil de controle social – a violência – era muito
utilizado pelos otomanos (BERGER, 1963, p. 81).
Figura 1 – Mapa do Império Otomano
20
Sob domínio turco não houve grande desenvolvimento tecnológico e
perdeu-se parte do conhecimento cientifico que se tinha. Hourani relata que
“havia pouco conhecimento das línguas da Europa Ocidental e dos avanços
científicos e técnicos que ali se faziam. As teorias astronômicas associadas ao
nome de Copérnico só foram citadas pela primeira vez em turco, e mesmo
assim de passagem, no fim do século XVII, e os avanços na medicina européia
só lentamente começavam a ser conhecidos no século XVIII” (HOURANI,
2006, p. 342).
A Europa experimentava uma realidade totalmente nova. A peste negra
– com o sistema de quarentena – e a fome deixaram de ser calamidades para
as nações européias. O seguimento naval foi desenvolvido e, com as colônias,
dentro e fora da Europa, mais terras passaram a ser cultivadas. O comércio se
expandiu mundialmente – os europeus navegavam todos os mares do mundo –
e as colônias tinham minérios a ser explorados. Todos esses fatores
proporcionaram o acúmulo de capital que trouxe crescimento à produção de
manufaturados, riqueza e aumento da população. Assim, era possível ter
exército e marinha mais numerosos.
A economia da Grande Síria sentia o impacto vindo do noroeste. Os
produtos europeus – produzidos na Europa ou nas colônias – passaram a fazer
forte concorrência aos produzidos no Oriente Médio. Não era preciso ser rico
para poder comprar uma roupa francesa de boa qualidade. Assim como o
Líbano – que fornecia seda – os outros países otomanos tornaram-se
fornecedores de matéria-prima e consumidores dos produtos manufaturados
vindos da Europa. “O principal efeito talvez tenha sido a redução das trocas,
entre diferentes partes do Império Otomano, daqueles bens em cujo comércio a
Europa tornava-se um concorrente” (HOURANI, 2006, p.344). Se em dado
momento os otomanos faziam frente a qualquer nação do mundo seu declínio
definitivo havia começado, mas nem todos os líderes do império puderam ver
esta realidade; e os que a viram, não tiveram meios ou forças para revertê-la.
O desenvolvimento tecnológico promoveu o aparecimento das
ferrovias, que diminuíram as distâncias. A matéria-prima e os produtos
chegavam em maiores quantidades, com mais segurança e em menos tempo a
seus destinos. “As exportações britânicas para os países do Mediterrâneo
Oriental aumentaram 800% em valor entre 1815 e 1850; a essa altura,
21
beduínos no deserto da Síria usavam camisas feitas de algodão de Lancashire”
(HOURANI, 2006, p. 353). Muitas das terras otomanas passaram a servir à
grande produção de matéria-prima – como algodão e seda – e grãos, para
alimentar a população européia, cada vez maior. Assim a estrutura de
subsistência foi desestruturada. A entrada de produtos e bens estrangeiros,
facilitada com a abertura do Canal de Suez, prejudicou os artesãos.
“A produção de sêda, uma indústria caseira e principal fonte de renda de centenas de aldeias, foi sèriamente prejudicada pela abertura do Canal de Suez, que permitiu a introdução da sêda japonêsa, mais barata. A invenção do „rayon‟ por volta de 1920 finalmente destruiu-a. A abertura do canal finalmente acabou o comércio que outrora florescia ao longo das rotas das caravanas. A maioria dos mercadores, quase todos cristãos, ficaram sem emprêgo. Outra ocupação cristã, a cultura da uva e fabricação do vinho. Os vinhateiros cujas plantações foram afetadas acharam difícil encontrar um produto que substituísse a uva”. (KNOWLTON, 1961, p. 26).
A conjuntura internacional encolheu a economia da Grande Síria
tornando impossível a absorção de toda mão-de-obra disponível – surge um
excedente populacional. “A transformação do excedente populacional em
migrante, virtual ou real, é, por sua vez, levada a cabo por um complexo
mecanismo, onde se alinham peças de natureza estrutural, política, ideológica
e psicológica. Cabe a este mecanismo transformar o excedente populacional
em emigrante e, nesta condição, expulsá-lo das fronteiras do país natal”
(BORGES, 1982, p. 114). Borges ainda afirma que a juventude representa de
forma expressiva este excedente populacional. Vemos que “os sírios e
libaneses [presentes no Brasil em 1940] (...) têm uma concentração muito
maior de população nas idades de 30 a 49 anos, e nìtidamente menores
proporções nos grupos abaixo de 30 e acima de 60” (KNOWLTON, 1961, p.
84). Uma vez que nesta época o auge da imigração árabe ao Brasil já tinha
algumas décadas, as palavras de Borges também são aplicadas neste caso.
22
2. A IMIGRAÇÃO
Apesar do ano 1871 ser o marco inicial da imigração sírio-libanesa ao
Brasil, eles já se faziam presentes em terras brasileiras há muito tempo. “Fala-
se da presença fenícia no Brasil remontando-se aos tempos do Antigo
Testamento. As inscrições, ditas fenícias, na Pedra da Gávea são oferecidas
como prova desta presença em solo brasileiro, na tentativa de enfatizar a ação,
sobretudo, libanesa em nossa pátria” (DELAGE, 2009, p. 32). Eles também já
estariam aqui no período colonial. Nabhan registra que,
“Challita, em seu artigo, Libaneses – 100 anos no Brasil, escreve: .. a emigração libanesa contemporânea, igualmente significativa para o Brasil e para o Líbano, começou com a chegada de Yussef Mussa Miziara ao Rio de Janeiro em 1880.. No mesmo texto, temos uma informação bastante singular, cuja transcrição julgamos proveitosa: .. houve outra chegada de libaneses sob a denominação de cristãos do Oriente na primeira época colonial brasileira. Vinham por intermédio de Portugal ou da África e eram considerados „estrangeiros amigos que ajudavam os portugueses a colonizar terras além-mar‟. Relata o historiador Adolpho Bezerra de Menezes que, em 1808, Antum Elias Lujos, ao saber que D. João não havia encontrado à sua chegada um solar à altura de sua realeza, ofereceu-lhe sua própria quinta. Esta casa do libanês seria hoje o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista..” (Challita: 1981). (NABHAN, 1989, p. 106).
O Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio de 1945 de
fato registra que os primeiros imigrantes sírio-libaneses chegaram ao Brasil no
ano 1871. Todavia, Knowlton constata em suas entrevistas afirmações de que
a chegada inicial se deu muitos anos antes. Em 1876, Dom Pedro II, que falava
árabe, visita Beirute e Damasco. Esta visita abre, oficialmente, as portas do
Brasil para receber os imigrantes da Síria e do Líbano. “O Brasil, com outros
grandes países americanos tais como a Argentina, o Canadá e os Estados
Unidos, incrementou e às vêzes subsidiou a imigração. (...) A princípio
procuraram-se imigrante para constituir uma classe de pequenos proprietários
rurais a fim de contrabalançar o regime de latifúndios vigente. Essa política
começou em 1820 e durou até o fim do século XIX” (KNOWLTON, 1961, p.
33).
O professor da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” do campus Ibilce, em São José do Rio Preto, doutor Arif Cais, em um
discurso interno aos funcionários afirma que “o primeiro registro de emigração
23
árabe para o Brasil é atribuído aos irmãos Zacarias, em 1835” que teriam se
fixado na cidade do Rio de Janeiro.
Ter indivíduos no Brasil não significa processo de imigração. Neuza
Nabhan, em seu trabalho de doutorado, divide os imigrantes sírio-libaneses em
dois grupos de migrantes: a 1ª população (de 1900 a 1960) e a 2ª população
(de 1970 a 1980). A primeira é composta majoritariamente de cristãos – nosso
objeto de estudo – enquanto a segunda por muçulmanos. Segundo Nabhan
“diversos motivos levam o indivíduo, ou um grupo de indivíduos, a emigrar da
terra natal, e o mais forte é o seu descontentamento, resultante de opressões
políticas ou de carência econômica” (NABHAN, 1989, pp. 99-100). A autora
revela entender ser a migração um “processo de mobilidade espacial que se
opera em áreas afastadas entre si e separadas por fronteiras, envolvendo um
número considerável de pessoas, as quais, individualmente, ou em grupo,
transferem seu domicílio para outro país onde passam a viver e exercer
regularmente suas atividades ocupacionais.. (Tsukamoto, 1973: 13)”
(NABHAN, 1989, pp.101-2). O argumento de Oswaldo Truzzi de “que a noção
de redes [de migração] é crucial a todos os que almejam entender migrações –
históricas ou contemporâneas – como um processo social” (TRUZZI, 2008, p.
199) vem aprofundar nossa análise ao desvendar parte das interações
exercidas pelos imigrantes. O mesmo autor cita Charles Titty que se utiliza das
variáveis “distância entre origem e destino, e o grau de ruptura (com a origem)
de quem emigrou” como elementos fundamentais para se evitar equívocos na
definição de quem é imigrante.
Em seu texto Emigração e Vida Rural em Portugal, João Baptista
Borges Pereira apresenta três tipos de movimentos migratórios16 (BORGES,
1982, p. 112). O primeiro dos três tipos refere-se exatamente às áreas
afastadas entre si e separadas por fronteiras, apresentadas por Nabhan. A
definição apresentada pela autora nos parece aplicável, uma vez que os
imigrantes sírio-libaneses cruzaram o mundo para chegar ao Brasil, não
configurando um simples deslocamento ou mobilidade.
No artigo Redes em processos migratórios, Truzzi apresenta quatro
classificações de migrações formuladas por Tilly as quais transcrevemos aqui
16
1) movimento migratório para o exterior; 2) movimento migratório dentro das fronteiras do país; 3) movimento de indivíduos que exercem, simultaneamente, funções urbanas e rurais.
24
por serem, algumas delas, identificadas no processo migratório que temos por
foco:
“Locais: quando o indivíduo se desloca a um mercado (seja este de trabalho, de terra, seja mesmo matrimonial) geograficamente contíguo, que normalmente lhe é familiar. Circulares: quando o indivíduo se desloca a um mercado por um determinado intervalo de tempo definido, ao cabo do qual retorna a sua origem. De carreira: em que o indivíduo se desloca respondendo a oportunidades de ocupação de postos oferecidos por uma organização a que pertence ou associados a uma profissão que já exerce
17.
Em cadeia: que envolve o deslocamento de indivíduos motivados por uma série de arranjos e informações fornecidas por parentes e conterrâneos já instalados no local de destino”. (TRUZZI, 2008, pp. 199-200).
Ao contrário do que acontecia com algumas nações européias, os sírio-
libaneses não tinham tradição em migrar. Grande parte das famílias vivia em
propriedades que há gerações lhes pertencia. Muitas aldeias tinham – e ainda
têm – predominância de uma única família, onde os casamentos se dão
frequentemente entre primos. Suhail Ahmad Farhat nos relatou ter mais de três
mil parentes na aldeia onde sua família vive no Líbano. Também contou sobre
como se davam os casamento entre eles: “depois de oito anos de volta ao
Líbano, meu avô resolve voltar pro Brasil. Mas uma irmã da minha mãe – com
13 ou 14 anos – casou-se com um primo. Já no Brasil, meus pais – que eram
primos – ficaram noivos e meu pai decidiu vir para trabalhar e eles se casaram
aqui. Meu pai tinha 24 anos e minha mãe, uns 20 anos”.
Contando outra ocasião ele diz: “Meu pai traria a irmã mais nova dele,
que tinha uns 22 ou 24 anos, e eu iria pro Líbano. Minha tia veio e gostou do
meu tio – os dois também são primos. Meu pai falou: „Você gostou da minha
irmã? Tudo bem. Quer casar com ela? Tudo bem. Então você vai pro Líbano.
Ela vai ficar aqui. Daqui um ano ou dois ela volta e vocês se casam lá‟”.
Novamente, um outro caso do mesmo assunto: “Meu avô paterno
nasceu em 1898. O pai dele casou com uma prima lá e depois de 2 meses veio
pro Brasil com a mesma ideia: „eu vou lá arrumar as coisas pra depois chamar
vocês‟”.
17
É o caso do padre Nicolas Khouri Georges Ferzolli. Neto e filho de padre ortodoxo, ele veio ao Brasil a convite de seu tio, o também padre Dom Ignatios ``.
25
Ainda que não fosse incomum os filhos ingressarem em um curso
superior, a vida em família na terra da família sempre fora incentivada e
preservada.
Nabhan inclui em seu trabalho a afirmação de T. Duon: “apesar de toda
a resistência de que os libaneses foram capazes, não lhes era possível ficar
imunes às intrigas dos turcos, que souberam minar o caráter de muitos vultos
políticos e altos funcionários influentes, conseguindo por este meio enfraquecer
o sentido do patriotismo, encorajar o suborno e tolher a liberdade da palavra,
mediante uma censura inquisitorial”. (Douon, 1944, apud, NABHAN, 1989, pp.
103-4). Entretanto, como já vimos, o fator político-religioso não foi o único
responsável pela emigração. A conjuntura econômica da Grande Síria
mostrava-se bastante desfavorável aos produtores nativos. Além disso
calamidades sanitárias também contribuíram, como o cólera, febre e varíola.
Pequenos deslocamentos passam então a ser observados. A
população libanesa, por exemplo, deixa as pequenas vilas e dirige-se às
grandes cidades, depois para outras terras otomanas para então chegar à
América. Assim, entre 1871 e 1942 106.184 imigrantes chegaram ao Brasil,
provenientes da Síria, Líbano, Palestina, Armênia, Marrocos, Egito e Argélia.
Mas estes números devem ser interpretados a partir da afirmação de Clark
Knowlton: “Os imigrantes do Egito, Marrocos e Argélia eram em geral pessoas
de ascendência síria e libanesa. Êsses imigrantes foram primeiro para o Egito e
Marrocos onde se naturalizaram” (KNOWLTON, 1961, p. 37). Todas as aldeias
e cidades do Líbano são afetadas pelo o que se tornou uma verdadeira
diáspora. Comparativamente, a Síria teve um impacto bem menor com relação
ao Líbano. “Um escritor norte-americano calcula que entre 1900 e 1914 quase
um quarto da população do Líbano emigrou” (KNOWLTON, 1961, p. 17).
Knowlton aponta cinco fatores fundamentais para o fenômeno de
emigração: 1) liberdade para emigrar, 2) conhecimento de um outro país 3) que
apresente vantagens sobre sua terra natal, para onde se possa emigrar, 4)
insatisfação com sua situação em seu país e 5) condições facilitadas de
translado.
A presença protestante abriu novos horizontes para os cristãos
oprimidos. Devido ao trabalho de assistência realizado por ingleses e norte-
americanos, especialmente depois dos massacres de 1860 quando os
26
senhores feudais drusos – com o consentimento das autoridades turcas –
arrasaram as terras dos cristãos – notadamente os maronitas – criou-se no
imaginário dos assistidos a ideia de que a América era um continente de
riqueza inesgotável. “Em 1866, missionários norte-americanos fundam, em
Beirute, o Syrian Protestant College, em 1875, os franceses a Université de
Saint-Joseph” (REICHERT, 1969, p. 140). Estes estrangeiros ocidentais
tiveram acesso a praticamente todas as aldeias e cidades da Grande Síria,
tendo missionários residentes e construindo escolas. Sua interferência política
promoveu uma frágil segurança, que dependia, na verdade, da boa vontade
drusa e otomana. Eles foram incentivo fundamental para o fenômeno de
emigração por, entre outros fatores, terem feito com que os sírio-libaneses se
tornassem conscientes de outros países para onde a migração fosse viável.
Knowlton ainda afirma que “mais importante do que tudo isso, um
descontentamento profundo com o „status quo‟ manifestou-se, e principiou uma
ocidentalização parcial da população”. É o que ilustra a seguinte citação:
“A situação política instável de todo o Oriente e as escassas colheitas de trigo tornaram o povo, inquieto e incerto quanto à sua própria condição no mundo. Êles entraram em contacto íntimo com a civilização européia, viram a sua superioridade, mas sentiram a impossibilidade de atingir a êsse nível sob as restrições do seu govêrno; e êsse descontentamento crescente com tal condição se tornou desfavorável à elevação religiosa e espiritual”. (KNOWLTON, 1961, p. 23)
18.
A questão militar também foi preponderante. Ainda na década de 1820,
o sultão Mahmud II (1803-29), juntamente com um pequeno grupo de
importantes líderes, acreditava que o modelo militar otomano estava
ultrapassado, e deveria ser transformado. Parte dessa transformação é que o
exército deveria ser preparado por especialistas vindos da Europa. Pouco
depois de sua morte um decreto real – o Hart-i serif de Gülhane – foi
promulgado:
“Todo o mundo sabe que, desde os primeiros dias do Estado otomano, os altos princípios do Corão e as leis da charia sempre foram perfeitamente preservados. Nosso poderoso Sultanato alcançou o mais alto grau de força e poder, e todos os seus súditos de comodidade e prosperidade. Mas nos últimos 150 anos, devido a uma sucessão de causas difíceis e diversas, a sagrada charia não foi obedecida nem as benéficas regras seguidas; conseqüentemente, sua antiga força e prosperidade transformaram-se em fraqueza e
18
Forty-third Annual Report of the Board of Foreign Missions of the Presbyterian Church in the United States of America (New York: Published for the Board, 1880), p. 33.
27
pobreza. É evidente que os países não governados pela charia não podem sobreviver [...] Cheios de confiança na ajuda do Altíssimo, e certos do apoio de nosso Profeta, julgamos necessário e importante introduzir de agora em diante uma nova legislação para conseguir administração efetiva do governo e províncias muçulmanas” (HUREWITZ, 1975, apud, HOURANI, 2006, p. 359).
A idéia era recuperar o poder do governo e estruturá-lo de uma nova
forma. “Desde cedo criou-se um (...) exército, uma força ativa de infantaria e
cavalaria altamente disciplinada, formada através do desvirne, ou seja, da
convocação periódica de rapazes das ladeias cristãs dos Bálcãs convertidas ao
Islã” (HOURANI, 2006, 288). Estes soldados convertidos ao islamismo viviam
em um regime diferenciado e eram chamados de janízaros. Enquanto
estivesse ativo no serviço militar, o janízaro não poderia se casar. Após
reformado, não poderia casar-se com mulheres otomanas – para não crescer
em prestígio – e seus filhos não poderiam fazer parte do exército. Até 1909 as
autoridades otomanas tomavam “o cuidado de não arregimentar cristãos para o
exército, evitando assim que se armassem. Mas com o advento da Primeira
Guerra Mundial eles [também] foram submetidos [a um arriscado] serviço
militar obrigatório” (MARTINS, 2008, p. 2).
Foi o que aconteceu a Kassen Kais, pai de Arif Cais. Em entrevista
realizada para este trabalho, Cais relata: “Meu pai é nascido em 18 de
novembro de 1885. Saiu do Líbano, como todos daquela época, aos 18 anos
de idade para fugir do serviço militar que era prestado ao Império Otomano, ao
exército turco. Isto porque grande parte dos que serviam acabavam morrendo.
Então ele saiu do Líbano em 1903. Os jovens da idade de meu pai, via de regra
iam servir em frontes de conflito, no deserto. Morria muita gente. Então quem
tinha algum recurso e podia sair do Líbano saía. E saía com passaporte turco
porque estavam sob o domínio turco.”
Por volta de 1900 a Turquia passa a dificultar a emigração. Isso por
causa dos conflitos nos quais estava envolvida com os Bálcãs ou mesmo
dentro de suas colônias.
28
3. AS REDES DE MIGRAÇÃO
Ao deixar a Síria e o Líbano, os emigrantes em geral pretendiam fazer
fortuna na América e retornar à terra natal. O principal destino idealizado era os
Estados Unidos e muitos ao chegarem ao Brasil ou Argentina, por exemplo,
acreditavam estar lá, enganados pela companhia de navegação ou por outros
de interesses escusos. Outros “chegaram ao Brasil, porque pressentiram que
seria mais fácil tirar o visto de entrada para aquele país por aqui, e acabaram
ficando. Depois de algum tempo, espalharam-se entre eles notícias das
dificuldades para entrar nos EE. UU., e eles se dirigiram, a partir de então,
definitivamente para o Brasil”. (NABHAN, 1989, pp. 110-11).
Não é por acaso que Truzzi afirma que as emigrações “em cadeia
tendem mais a envolver famílias”. (TRUZZI, 2008, pp. 201-2). A história de
Kassen Kais – contada por seu filho Arif Cais – é um demonstrativo:
“Meu pai saiu do Líbano em 1903, com 18 anos e foi para a Argentina.
Morou em La Plata até 1909 e foi trabalhar como mascate, como todos. Depois
de cinco anos a Argentina exigia que os imigrantes se naturalizassem
argentinos. Ele então deixou a Argentina e veio para o Brasil, com referências
de quem já estava por aqui sempre com a expectativa de voltar um dia ao
Líbano. Veio morar numa cidadezinha mineira chamada Conquista, perto de
Sacramento. Ali abriu uma casa chamada Casa de Arte, em 1909, e acabou
conhecendo minha mãe. Casou-se em 1919 e em 1921 veio para Nova
Granada, que era distrito de Rio Preto na ocasião.
Ele veio para cá por ser um sertão promissor, lotes de casas eram
doados. Ele se estabeleceu e no final dos anos 20 trabalhava com secos,
molhados, serragem, posto de gasolina, era tudo misturado. Mais tarde veio um
irmão e um primo dele do Líbano, fundaram uma sorveteria. O primo retornou
ao Líbano mais tarde, por volta de 1948 e ele e o irmão eram sócios na Casa
de Artes Cais e Irmão. Trabalharam neste ramo até envelhecer”.
O candidato a emigrante procurava municiar-se com informações sobre
oportunidades e dificuldades, condições de alojamento, de emprego, etc. na
terra de destino. De acordo com nossos entrevistados, tais informações
chegaram a eles próprios ou a seus pais, em sua grande maioria mediante
parentes ou patrícios que já conheciam na Grande Síria. Esses fatos são
29
importantes por mostrar a qualidade da informação. As informações recebidas
pelos emigrantes em potencial sejam elas confiáveis ou não, reajustam as
distâncias e relativizam o longe e o perto. Truzzi diz que “os mapas mentais
dos que pensam em emigrar são diferentes dos mapas geográficos. Locais em
outro continente, mas com parentes e empregos, podem ser emocional e
materialmente próximos, enquanto espaços sociais vizinhos, mas sobre os
quais não se tem muitas referências, podem parecer muito distantes. Os
emigrantes potenciais preferem informação e, sempre que possível, de
confiança (cf. Hoerder, 1999)”. (TRUZZI, 2008, p. 207).
Acima, na Foto 1, a família Cury,
ao lado, a Foto 2, Salma Cury quando jovem
em uma foto
colorida à mão.
A política de imigração do governo brasileiro, iniciada em 1820, abriu
espaço para a atuação das “Companhias de Colonização, caracterizadas como
empresas, que entraram em grande concorrência entre si, no exterior ou no
Brasil, sobretudo no tráfico de imigrantes e em sua importação. Instalou-se a
partir daí, uma engrenagem de pessoas para atuarem: funcionários nos portos,
nas repartições públicas, inspetores de núcleos coloniais; enfim, muitos
passam a viver dos serviços de imigração e colonização, havendo uma grande
30
mobilização de interesses e custos. Esse movimento populacional não só
contribui para o desenvolvimento econômico do Brasil, através da imigração e
colonização, mas também institui um novo mercado de trabalho, através da
requisição de material humano para auxiliar essas companhias de imigração”.
(NABHAN, 1989, pp. 114-5).
Somados a tal política estavam os interesses daqueles que
fomentavam a emigração. Muitos eram ex-emigrantes que, ao retornar à
Grande Síria, faziam comícios, divulgando as facilidades de se fazer fortuna na
América. A exploração era enorme, tanto por parte dos agiotas que ganhavam
altíssimos juros sobre as passagens dos que não tinham condições de comprá-
las, como por parte dos líderes de aldeias que incentivavam os camponeses a
emigrar, ganhando comissão por cada um que partia. Aqueles a quem
Knowlton chama de imigrantes de torna-viagem movimentavam “um negócio
muito rendoso, pois recebiam comissões das companhias de navegação, dos
hotéis, dos armazéns etc.” (KNOWLTON, 1961, p. 27). Knowlton transcreve em
seu trabalho um relato extraído do Seventy-second Annual Report of the Board
od Foreign Missions of the Presbyterian Church in the United States (New York:
Published for the Board, 1907) muito esclarecedor sobre este tema:
“O negócio da emigração tornou-se muito rendoso; o método usado na Alemanha em 1870 é o que aqui se usa. Um nativo, geralmente um que já esteve na América, visita a aldeia, faz comícios, descreve o modo maravilhoso de fazer dinheiro, ensina para onde ir, o que fazer – de fato tudo o que um emigrante precisa saber. É raro que êle não consiga um certo número de depósitos para passagens de navio. Êsse homem pertence a uma longa corrente cujos elos se encontram por todo o trajeto da Síria até os portos norte e sul-americanos. De vez em quando, essa cadeia de trabalhadores manda e recebe avisos para evitar ou dar preferência a êste ou aquêle lugar. Se estiver o indivíduo doente, evitar Nova York e ir primeiro para o México, depois para o norte, etc. Sem dúvida é um plano engenhoso para obter representações favoráveis das companhias de navegação. Neste momento a corrente é para a Argentina. Poderíamos falar na messe de ouro colhida por funcionários, agentes de vapores, barqueiros, etc. nos portos. É um sistema que resulta em muito sofrimento humano, perturbações, ciúmes e às vêzes crimes” (KNOWLTON, 1961, pp. 27-8).
Mesmo com a exploração intensa que sofriam na viagem, o fluxo de
imigrantes foi muito grande. Nem sempre as informações eram tão confiáveis
como os aventureiros desejavam. Por outro lado, parte deles não se importava
realmente com isso. Nem sempre a emigração era motivada por perseguições
ou dificuldades econômicas. Embora muitos dos primeiros imigrantes
31
afirmassem terem vindo ao Brasil porque “queriam enriquecer. [Para os]
jovens, cheios de saúde e de planos para o futuro, uma desavença familiar, ou
mesmo a imposição dos pais no casamento, foi a causa da emigração,
havendo sempre a indicação de algum parente, amigos ou antigos vizinhos,
com quem poderiam encontrar-se no Brasil”. (NABHAN, 1989, pp. 105-7). Os
informantes de Knowlton afirmavam que conspiradores e intelectuais, quando
eram desmascarados pelos otomanos, também fugiam. Estes formariam a
liderança do povo nas terras de destino.
Em muitos casos, as famílias enviaram um de seus membros, que, na
prática, tiveram a função de desbravadores. Eles abriram espaço para a vinda
de muitos outros. Nabhan afirma que, segundo seus entrevistados, a vinda ao
Brasil mostrou-se viável pela “a) possibilidade de trabalho, com vistas ao
sucesso econômico; e b) presença de amigos ou parentes em nosso país e os
chamados por parte daqueles aqui residentes” (NABHAN, 1989, pp. 119-20).
As palavras de Elmaz Bussab, em entrevista para esse trabalho,
exemplificam bem as redes de migração, as trocas de informações e a
existência das companhias de imigração: “Enquanto a tia Odete estava no
Brasil a guerra apertava na Síria. Eles queimavam casas, fazendas, e meu avô
pegou minha mãe, a tia Sálua e falou pra minha avó: „manda embora pro
Brasil, pra casa da Odete. Vão ficar com irmã até acalmar a guerra‟. Vieram as
duas, minha mãe com 19 anos e tia Sálua com uns 22. Vieram pra ficar três
anos e nunca mais voltaram. Desculpe, eu fico emocionada. Nunca mais minha
mãe viu a mãe dela e nem o pai. Nunca mais viram ninguém. Só sabiam que
tinham mais dois irmãos na Argentina”. É o intuito de migração circular que se
revela em cadeia de migração.
A continuação da entrevista revela episódios que misturam
dificuldades, amor, coragem, alegria e tristeza e até elementos míticos:
“Meu pai, minha mãe, avós maternos e paternos, todos são da Síria. A
minha família é toda da Síria. Meus avós maternos – que só conheci por
fotografia – tiveram seis filhos, quatro mulheres e dois homens. Os homens
eram David, Rachid. Eles foram embora pra Argentina junto com meu avô e
minha avó com as quatro filhas ficaram na Síria, numa cidadezinha próxima a
Damasco.
32
Meus dois tios foram jovens pra Argentina, e meu avô foi levá-los pra
fazer vida na Argentina porque surgiu ameaça de guerra no Oriente. As
mulheres ficaram na Síria. Elas eram, minhas tias Elmaz – de quem herdei o
nome, que significa brilhante – Odete, Sálua e minha mãe. A tia Elmaz era a
mais velha e já era casada e já tinha uns filhinhos. Minha tia Odete tinha um
problema de visão e por isso não foi pra escola e não foi alfabetizada.
Na minha família tem o ramo Medotista e ramo Ortodoxo, então tinha o
titio pastor e o titio padre. Enquanto meu avô estava na Argentina, ainda no
século XIX acompanhando os filhos de 12 e 14 anos, o tio padre – eu achei
isso uma sacanagem – casou a tia Odete. Ele falou pra ela: „você vai entrar na
Igreja vestida de noiva e lá vai conhecer um homem que se chama José, e tudo
o que eu perguntar a você, responda „sim‟‟. Ela foi. Tinha aquele moço no altar
esperando, e tudo o que o tio perguntava ela dizia „sim‟. Acabou casando.
Quando meu avô chegou da Argentina – ele ficou muito tempo pra lá – ele ficou
muito bravo. Como que casa a menina que devia ter 14 ou 15 anos? Ela era
muito novinha. Meu tio disse: „ela tinha que casar porque não sabe ler, não
sabe escrever, não enxerga direito e não pode ficar solteira‟, essas bobagens
dos antigos, né? Graças a Deus que isso mudou.
Foi quando estourou a guerra no Oriente. Mamãe e tia Sálua já
estavam grandinhas. Pela falta dos filhos homens, quem ajudava meu avô nas
fazendas com o campo de trigo com os cavalos era a tia Sálua. Ela puxava o
arado, fazia serviço de homem na fazenda. O marido da tia Odete, tio José
Abraão – pai do famoso Valter Abraão – tinha uma irmã que morava aqui no
Brasil. Ele então disse: „vamos pro Brasil porque minha irmã já está morando
lá, então pra nós é mais fácil ir pro Brasil, porque já tenho minha irmã lá. Suas
irmãs ficam com seu pai e sua mãe aqui e nós vamos embora pro Brasil‟.
Nesse espaço de tempo ela ficou grávida. Eles pegaram o navio rumo
ao Brasil e o navio demorou demais. Eu sei que enquanto estavam em alto mar
ela teve uma menina. Minha tia não tinha noção de quando seria o parto e saiu
pra acompanhar o marido. Foi o primeiro caso de nascimento em alto mar da
Companhia de Navegação Vitória Régia, que era o nome do navio. Antes de
minha tia ver a menina eles a ofereceram ao mar e falaram pra ela: „o pai dela
é o mar, a mãe dela é o mar, ela pertence ao mar‟. O comandante do navio
pegou um papiro e uma pena de fogo e deu a ela o nome de Vitória Régia –
33
sem sobrenome – e disse: „essa é a certidão de nascimento dela‟. Estava
escrito „despatriada‟. Foi aquela festa no navio e ela ganhou uma apólice dando
direito a que viajasse na Vitória Régia sempre que quisesse.
O navio teve que parar em Genova, na Itália, sem previsão de partir.
Havia a possibilidade de não partir, por causa da guerra, então foram obrigados
a descer do navio. Arrumaram um lugarzinho pra dormir e minha tia conseguiu
uma caixa de sabão, feita de madeira, pra colocar a bebê pra dormir e disse ao
marido: „essa menina não pode ficar despatriada e nem com esse nome. Ela
tem que ter nome e sobrenome. Tem que ter nome de mãe e nome de pai.
Temos que registrá-la!‟ Registraram-na como italiana com o nome de Victória
Abraão, nome do pai José Abraão e nome da mãe Odete Bechara Abraão e
assim foi.
Quando acabaram de se instalar na Itália – não sei quanto tempo
ficaram por lá – veio a ordem para o navio seguir viagem. Eles chegaram no
porto de Santos e foram pra Piraju, onde a irmã do marido da minha tia já
morava. Lá ela teve outro filho, Alexandre. Quando chegou a época de Victória
ir pra escola, não aceitavam estrangeiro, e ela era estrangeira, tinha sido
registrada como italiana. Então minha tia deu uma de boba e a registrou outra
vez. Fingiu que não tinha registrado, que tinha vindo da Síria e a menina
nasceu no navio, não tinha dado pra registrar e registrou outra vez. O nome
dela mudou pra Tatua Abraão. Tanto é que quando ela faleceu alguns parentes
ficaram confusos dizendo: „filha da Odete não é, porque ela só teve uma filha
que se chamava Victória‟. Ela se formou professora e morreu com 23 anos de
idade de hepatite”.
34
4. TERRAS BRASILEIRAS
Ao estudar a emigração portuguesa, Borges afirma que “A maneira ou
a forma como o imigrante é encarado pelo país que o acolhe reflete todo um
esquema ideológico e político, ou seja, um ideário e um esquema de ação e de
atitudes no trato com o ádvena que, além de definir as características do país
enquanto país de imigração, dá as linhas mestras que balizam a vida do
imigrante” (BORGES, 1982, pp. 108-9). Isto vem de encontro ao
posicionamento do governo brasileiro à época da imigração sírio-libanesa em
abrir as fronteiras do país para receber imigrantes. Contudo, “na prática, o
imigrante ocupa espaços maiores, mesmo quando visto e tratado apenas como
mão-de-obra, pois a partir da conjungação de seus objetivos e do que lhe é
oferecido, ele cria ou recria o seu modo de vida, que começa com as condições
materiais de existência” (BORGES, 1982, p. 109).
Clark Knowlton sistematiza as forças motivadoras à imigração ao Brasil
em três categorias. A primeira é a busca por “imigrantes para constituir uma
classe de pequenos proprietários rurais (...) A segunda fôrça motivadora foi a
necessidade crescente de trabalhadores rurais. (...) A terceira fôrça motivadora
foi a necessidade de operários para a indústria” (KNOWLTON, 1961, p. 33).
Essas necessidades manifestas pelo governo brasileiro visavam constituir uma
classe de pequenos proprietários rurais, suprir a lacuna de mão-de-obra aberta
com o fim da escravatura e ocupar os postos de trabalho que surgiram com a
industrialização do país, para os quais não havia material humano suficiente.
Entretanto, assim “como os judeus e, até certo ponto, como os espanhóis, os
sírio-libaneses excluíram de seu projeto migratório a zona rural e se instalaram
nas cidades” (BORGES, 2000, p. 19) não ocupando-se de nenhuma das
tarefas acima listadas. “Os Syrios immigrantes que na sua maioria em sua terra
natal, eram pequenos industriaes, operarios ou habeis lavradores, aqui e nas
terras que escolheram para o seu exilio voluntario, e, onde os levou o seu
destino, preferiram alcançar a fortuna ávidamente desejada atravez da pratica
do commercio que julgavam ser o meio mais facil e rápido" (CAVALHEIRO,
1929.). “Apesar de a maioria ser constituída de agricultores (...) O fato se
explica porque os que se ocuparam da lavoura vieram sob forma de colônias –
35
exigência do governo, como no caso de japoneses, italianos e alemães”.
(NABHAN, 1989, pp. 116). Segundo Lodi “A miséria da população rural e o
sistema de compra, vinculado ao proprietário da terra, [repeliram] esses
imigrantes do trabalho no campo” (LODI, N. Sírios e libaneses em Rio Preto.
Diário da Região, São José do Rio Preto, 29 out. 2006).
Nabhan divide em dois movimentos o processo migratório no Brasil.
Um, chamado imigração e outro, colonização. O último é composto por aqueles
que vão trabalhar no campo, com a agricultura. Os sírio-libaneses encaixam-
se, segundo a autora, no movimento de imigração, que é realizado “em grupo
ou individual, com trabalho liberal” (NABHAN, 1989, pp. 119-20).
Para os que deixaram sua terra e família com o intuito de conquistar
um novo e elevado patamar econômico, continuar no mesmo ramo não
caracterizava uma real mudança. As informações recebidas eram de pessoas
que, sem saber o idioma falado no Brasil, desempenharam uma atividade
específica e prosperaram. A vinda do pai de Suhail Ahmad Farhat retrata essa
realidade. Seguindo o sogro, ele decide retornar ao Líbano caso tenha que se
dedicar à agricultura, como fazia em seu país. Se fosse para continuar na
mesma área profissional, melhor fazê-lo em sua própria terra. Vejamos como
ele descreve a situação:
“Meu avô tinha um bar, um restaurante, mas falou pro meu pai que
estavam pagando bem para trabalhar com o café ou algodão. Meu pai falou:
„se eu vim para o Brasil pra colher algodão e ganhar não sei quanto por dia, eu
fico lá cuidando da minha terra, plantando tomate e melancia que é muito
melhor‟”.
A maioria dos imigrantes não queria se identificar com a classe
agrícola. “Cerca de 18% dos imigrantes turco-árabes foram enumerados como
lavradores, 2% como operários e 79,9% como „outros‟.
As estatísticas desnorteiam, porque a maioria dos imigrantes procedia
de zonas rurais da Síria e do Líbano. Talvez a maior parte dêles ganhasse a
vida no cultivo da terra, e um dos seus fins ao emigrar fôsse obter dinheiro para
aumentar sua propriedade territorial, comprar ferramentas ou gado. Entretanto,
não emigraram para o Brasil a fim de lavrar a terra. Vieram para dedicar-se ao
comércio, mais lucrativo que o trabalho rural”. (KNOWLTON, 1961, p. 62).
36
Composição Ocupacional das Principais Nacionalidades Entradas no
Brasil Pelo Pôrto de Santos (1908 até julho de 1941)
Grupo Nacional Imigração
Total
Lavradores Operários19
Outros
Número % Número % Número %
Todos os imigrantes 1.327.911 791.135 59,6 63.883 4,8 472.943 35,6
Turco-Árabes20
Turcos
Sírios
43.954
26.348
17.606
7.930
2.941
4.989
18,0
11,2
28,3
891
551
340
2,0
2,1
1,9
35.133
22.856
12.277
80,0
86,7
69,7
Portugueses 293.584 140.176 47,7 14.417 4,9 138.991 47,8
Espanhóis 209.892 164.924 78,6 4.773 2,3 40.195 19,2
Italianos 206.056 101.066 49,0 22.654 11,0 82.336 40,0
Japoneses 188, 490 186.228 98,0 232 0,1 2.030 1,1
Alemães 46.893 14.385 30,7 5.869 12,3 26.639 56,8
Rumenos 24.041 20.369 84,7 333 1,4 3.339 13,9
Iugoslavos 21.365 19.895 93,1 216 1,0 1.254 5,9
Lituanos 21.069 18.249 86,6 403 1,9 2.417 11.5
Poloneses 16.912 6.746 39,9 1.473 8,7 8.683 51,4
Austríacos 15.251 9.156 60,0 1.525 10,0 4.570 30,0
Tabela 1
Fonte: KNOWLTON, 1961, p. 63.
De 1871 a 1891 estavam registrados 156 sírio-libaneses no Brasil.
Foram os primeiros responsáveis pela escolha do Brasil como país-destino a
seus patrícios. Como os que os seguiram “enviaram, sempre, determinadas
quantias aos parentes no Líbano, a fim de que esses vivessem melhor e,
segundo depoimento de muitos, também para comprovar seu sucesso no
Brasil” (NABHAN, 1989, p. 107). Em 1898, 1.131 imigrantes chegaram da
Grande Síria. No ano seguinte foram 2.110. Esses dados mostram-se positivos
quanto ao funcionamento das redes de migração. A Primeira Guerra freou
esses deslocamentos, retomados tão logo ela se findou.
O estado de São Paulo foi o principal destino para esta onda árabe. Os
primeiros chegaram por volta do ano 188021. Em 1913 11.101 imigrantes
19
Esta coluna inclui operários não qualificados para 1940 e 1941. 20
Não há dados sobre os libaneses. 21
Até 1892 todo imigrante do Oriente Médio era, no Brasil, denominado turco – por causa do passaporte expedido pelo Império Turco. Mas neste ano os que vinham da Síria passaram a
37
chegaram ao país, dos quais 6.493 se instalaram em São Paulo, ou seja, 58%.
Com a economia do Estado em expansão, impulsionada pela lavoura do café,
os sírio-libaneses se aproveitaram para circular por todos os lados “começando
como mascates, passaram para o comércio a varejo e depois por atacado e
finalmente para a indústria” (KNOWLTON, 1961, pp. 66-7).
entrar no país como sírios. Mas apenas em 1926 os libaneses passaram a ser registrados como tais.
38
Distribuição da População Sírio-Libanesa por Estados
Estado
População
1920 1940
Número % Número %
BRASIL 50.24622 100,0 46.614 100,0
Acre 627 1,2 230 1,5
Alagoas 6 0,09 20 0,09
Amazonas 811 1,6 461 1,0
Bahia 1.206 2,4 947 2,0
Ceará 268 0,5 190 0,4
Distrito Federal 6.121 12,2 6.510 13,4
Espírito Santo 810 1,6 636 1,3
Goiás 528 1,1 659 1,4
Maranhão 625 1,2 305 0,6
Mato Grosso 1.232 2,5 1.066 2,2
Minas Gerais 8.684 17,3 5.902 12,1
Pará 1.460 2,9 848 1,7
Paraíba 60 0,1 41 0,1
Paraná 1.625 3,2 1.576 3,2
Pernambuco 355 0,7 270 0,5
Piauí 188 0,4 85 0,2
Rio de Janeiro 3.200 6,4 2.541 5,2
Rio Grande do
Norte
55 0,1 69 0,1
Rio Grande do Sul 2.565 5,1 1.903 4,0
Santa Catarina 488 1,0 377 0,8
São Paulo 19.285 38,4 23.948 49,2
Sergipe 47 0,1 26 0,1
Tabela 2
Fonte: KNOWLTON, 1961, p. 68.
22
Os algarismos do censo relatives ao número de sírios no Brasil revela uma discrepância de 5 entre a soma total dos estados (50.246) e o censo total (50.251).
39
II PARTE
1. ÁRABES EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
O artigo Nasce um município, publicado por Lodi no jornal Diário da
Região em 30 de julho de 2006 nos traz um breve histórico acerca do
surgimento da cidade de São José do Rio Preto. Temos abaixo um resumo de
tal artigo:
“O início do processo de formação do município de São José do Rio Preto está enraizado no século 19 (1840-50). No bairro de Rio Preto, pertencente ao município de Araraquara, nas terras doadas pelos irmãos Luiz Antônio da Silveira e Antônio de Carvalho e Silva, fazendeiros e sitiantes, juntamente com o sub-delegado de Polícia e o juiz de paz, nomeados para os respectivos distritos em 1855, reúnem-se com o vigário de Araraquara e decidem dar início a um povoado sob a proteção de São José, às margens do rio Preto. O ato simbólico da posse das terras doadas à Igreja se concretiza na elevação de um cruzeiro de madeira na praça destinada à Capela, dedicada ao padroeiro no dia 19 de março de 1852. (LODI, N. Nasce um município. Diário da Região, São José do Rio Preto, 30 jul. 2006).
Com 9.930.478 habitantes, sendo 5.123.869 homens e 4.806.609
mulheres, “o recenseamento imperial de 1872 registra São José do Rio Preto
como „paróquia povoada‟” (LODI, N. Ocupando o sertão. Diário da Região, São
José do Rio Preto, 05 mar. 2006). A região passou a ser ocupada
especialmente por criadores de gado vindos de Minas Gerais e Mato Grosso à
procura de pastagens. Contudo “Rio Preto resentia-se nessa época da falta de
communicações com os mercados distantes, constituindo tal circumstancias
um factor importante para o desanimo de todos os que aqui se installavam,
mais instigados pela ambição de possuir um mundo de terra ignorada, que
propriamente pelo prazer de habitar uma casa rustica sem conforto nem
segurança, porque a falta de recursos materiaes aggravava-se com a falta de
ordem e de justiça. As terras de Rio Preto, eram portanto, nesses tempos
remotos, um bello Oasis perdido na trama convulsa da matta emaranhada, e
cuja população era mais de selvagens e féras, que propriamente de homens
civilizados, que eram, aliaz, em numero resumido” (CAVALHEIRO, 1929)
Após cinco anos, no dia 1º de junho de 1857, ela recebe Provisão. Em 1867, é criado o município de Jaboticabal, desmembrando de Araraquara. Ainda na década de 1880 tem início a cultura cafeeira, e com ela começa o movimento migratório responsável pelo expressivo
40
crescimento populacional observado nas décadas finais do século 19 e iniciais do século 20. Uma das causas desse desenvolvimento tardio e lento, se não a principal, foi a escassez de mão-de-obra escrava em toda região. Com a abolição, a necessidade de trabalhadores se intensificou e o município passou a receber imigrantes, principalmente italianos. Contudo, há relatos orais de fazendas, dentro do município, formadas exclusivamente com mão-de-obra livre, antes mesmo da abolição (Fazenda da Alegria, de Bernardino Canuto Ribeiro, e Borá, de Martinho Isidoro Gonçalves). Dessa forma, São José do Rio Preto experimentou mudanças, tanto sociais como econômicas, após muitas décadas de sua fundação: a passagem da economia de subsistência para o sistema da grande lavoura, a adoção do regime de trabalho livre e a integração de contingentes de imigrantes italianos, espanhóis, portugueses e sírio-libaneses. Por 27 anos, 1867 a 1894, o povoado de São José do Rio Preto pertence ao município de Jaboticabal. A partir de 19 de julho de 1894, com a criação do município, Rio Preto torna-se a „celula mater‟ da vida administrativa e municipal no sertão do Avanhandava. É elevada finalmente à categoria de vila, decorrência natural de sua elevação a município em 1894 (lei nº 294), e em 1904, após a criação da comarca, passa então à categoria de cidade (lei nº 20). Ao ser criado o município, considerado um dos mais extensos do Estado de São Paulo, tem como divisas os rios Tietê, Paraná, Grande e Turvo com a extensão de 26.126 km
2. Era então considerado uma
grande península encravada no „sertão do Avanhandava‟, pois as suas divisas eram todas formadas por linhas fluviais. Era citado como o segundo município paulista em extensão. A partir de 1901, dificuldades internas começam a surgir. A administração municipal é alvo de críticas nascidas e fomentadas nos distritos. Os descontentamentos aumentam, os contribuintes reclamam contra os lançamentos de impostos e cobranças de taxas. De 1894 a 1910, o município mantém sua unidade territorial. Daí para a frente porém inicia-se uma longa série de desmembramentos que se prolonga até fins da década de 50. Em 1900, São José do Rio Preto contava com 3.221 habitantes. Em 1920, eram 126.796. Em 20 anos a sua população multiplicou-se por quarenta. Em 1996, com a extensão territorial de apenas 433 quilômetros quadrados, sua população está estimada em 323.368 habitantes. O toponímio 'São José do Rio Preto' é resultado da união do nome do padroeiro e do rio que atravessa os patrimônios. A partir de 1906 passa a ser designada apenas por Rio Preto, retornando ao nome original em 1944 (lei nº 14.334).” (LODI, N. Diário da Região, São José do Rio Preto, 30 jul. 2006).
A cidade veio a ser local não apenas de passagem, mas também de
fixação de parte dos imigrantes. Isso em função do caráter promissor da região
e dos bons resultados iniciais nos negócios.
41
2. O MASCATE
Um dos meios que um grupo étnico busca para se enquadrar na
sociedade do país para o qual migrou é o profissional e, normalmente, a
primeira geração se estabelece em profissões para as quais não é preciso
qualificação; são empregos braçais, mal remunerados e pouco procurados
pelos nativos. Entretanto, a história foi diferente com os sírio-libaneses no
Brasil – eles evitaram os trabalhos braçais e agrícolas como se pode ver na
tabela abaixo:
Nacionalidade Rural Urbana Total
Número Porcentagem Número Porcentagem Número Porcentagem
Estrangeiros 468.732 50,0 462.968 50,0 931.691 100,00
Sírios 4.748 18,0 20.872 82,0 25.620 100,00
Italianos 156.708 51,0 148.269 49,0 304.977 100,00
Portugueses 52.178 30,0 124.413 70,0 176,591 100,00
Espanhóis 93.343 58,0 67.181 42,0 160.524 100,00
Alemães 9.734 36,0 17.264 64,0 26.998 100,00
Japonêses 120.811 92,0 10.898 8,0 131.709 100,00
Tabela 3 – População rural e urbana entre os estrangeiros do Estado de São Paulo classificados quanto à
origem nacional e residência, 1934
Fonte: KNOWLTON, 1961, p. 79.
É notável o fato de que a maioria destes imigrantes era composta de
solteiros (por volta de 60%), vindos de um contexto rural tendo chegado ao
Brasil com pouco, ou nenhum dinheiro. Nilce Apparecida Lodi, professora
aposentada e reconhecida historiadora da cidade, aponta que a idade da
maioria variava de 16 a 23 anos. Com acesso a mercadorias a crédito e a
possibilidade de um retorno financeiro relativamente rápido, tornaram-se,
majoritariamente mascates. Outro episódio narrado por Suhail Ahmad Farhat,
exemplifica o crédito que os patrícios estabelecidos concediam aos recém
chegados:
“Então [meu pai] foi pra São Paulo, na rua 25 de março, e em meio aos
nosso patrícios falou pra um deles: „é o seguinte, faz vinte dias que eu vim do
Líbano. Faça duas malas pra mim. Coloque meias, roupas essas coisas. Só
42
que eu não tenho dinheiro, tenho essas jóias que são da minha esposa. Vou
deixá-las aqui como garantia‟. Nessa época os patrícios davam uns 120 dias
para o mascate voltar e pagar. Então o patrício disse: „pega essa jóia, que é da
sua esposa, não quero nada disso‟. Ele pegou as malas, veio de trem e
começou a mascatear pelos sítios de ônibus. Eles chamavam os ônibus
daquela época de jardineira”.
Clark Knowlton indica que a mascateação era exercida pelos sírio-
libaneses já durante a imigração: “De Marselha e Gênova, os mascates sírios e
libaneses penetraram em tôdas as partes da Europa com alguns pacotes de
mercadoria” (KNOWLTON, 1961, p. 28). Truzzi, entretanto, diz que “existem
evidências ponderáveis de que a maior parte dos imigrantes que vieram para a
América provenientes da Síria eram agricultores. (...) na terra de origem o ofício
de mascate era mais freqüentemente exercido por gregos, armênios e judeus”
(TRUZZI, 1991, p. 51). De qualquer forma foi como mascates que a bem
sucedida empreitada econômica da colônia começou no Brasil.
As cartas que enviavam aos amigos e famílias continham relatos do
sucesso obtido com as vendas. Isso foi determinante na vinda de mais
imigrantes, que deixavam seu país determinados a dedicarem-se ao comércio
popular. Eles traziam água do rio Jordão, terra da Terra Santa, figuras de
santos, rosários entre outras mercadorias adquiridas na Palestina que eram
facilmente vendidas aos brasileiros de baixa renda.
A atividade da mascateação já havia proporcionado um bom começo a
outras etnias que migraram para o Brasil. Os primeiros a se dedicarem a esta
ocupação foram os portugueses, seguidos pelos italianos. Os pioneiros na
mascateação já estavam familiarizados com este ofício, desempenhado em
seu país de origem pelo almocreve. O isolamento geográfico torna o almocreve
aquele que quebra “as fronteiras do isolamento da aldeia, com mensagens
urbanas, colocando-as em conexão com o mundo civilizado de fora.
Examinando desta perspectiva, o almocreve cumpre o papel de herói
civilizador, descendando aos olhos dos aldeões a existência de outras
dimensões da vida com muita coisa a lhes ensinar, a lhes servir de modelo”
43
(BORGES, 1982, p. 128). Ideia semelhante é apresentada por Elias Choeiri23
no capítulo Galeria das Raças do Album Ilustrado da Comarca de Rio Preto:
“Pouco tardou para que o Syrio viesse attenuar aos primeiros moradores os multiplos soffrimentos e com elles trabalhar denodadamente pelo progresso desta rica terra. Representava o mascate Syrio, a princípio e depois de um curto prazo de tempo o commerciante, o papel de missionario da civilização, trazendo com muitas dezenas de leguas de trajectos (...) atravez de estradas, assemelhando mais a picadões e completamente desertas, aos moradores o que elles podessem precisar, desde a roupa de vestir até os indispensáveis remédios" (grifo nosso) (CAVALHEIRO, 1929).
Com o tempo, os sírio-libaneses conseguiram dominar este ofício, uma
vez que vendiam suas mercadorias com baixa margem de lucro e davam a
possibilidade do cliente pagar sua compra na próxima passagem do vendedor
por sua cidade.
“Predominava então uma athmosphera de collaboração e de authenticas relações de fidalguia, num esforço todo fraternal que viria mais tarde constituir a base de progresso destas paragens. Esperava-se pelo mascate contando os dias e horas de seu trajecto e quando por um motivo qualquer era levado a ausentar-se mais dias do que costumava, acontecia que os moradores preoccupados com a sua demora mandavam a seu encontro pessoas para saber noticias suas. Isso acontecia não raras vezes. Quão bello era o ambiente em que viviam e quanto era importante aquella confiança e aquella amizade reciprocamente trocadas. Tambem era absolutamente desnecessario constituir um advogado para judicialmente cobrar uma conta, porque advogados não os haviam e a conta do mascate era sagrada, si o dinheiro não estava no geito era gado, era tudo o que é negociavel offerecido para o respectivo pagamento” (CAVALHEIRO, 1929).
Os sírio-libaneses “derrubam a concorrência com sua sutil visão de
lucro e com a venda a prazo, baseada no respeito à palavra do consumidor,
que compromete-se a pagar, sem promissórias. A palavra do consumidor,
basta. A confiança depositada na clientela, que compra a prazo é um dos
fatores de seu sucesso, pois os moradores das cidades e os colonos,
rapidamente abandonam o compromisso de comprar nos armazéns dos
proprietários das fazendas” (LODI, N. Sírios e libaneses em Rio Preto. Diário
da Região, São José do Rio Preto, 29 out. 2006). Eles se equipavam “com uma
grande caixa de mercadorias tais como agulhas, alfinetes, linhas, lãs, pentes,
botões, grampos, joias e perfumes baratos, bordados, etc. fàcilmente
23
Comerciante, jornalista e advogado. Quando criança estudou na Síria e em uma escola russa.
44
transportáveis, com boa procura pela população rural” (KNOWLTON, 1961, p.
138). O mascate atingia a população que vivia distante da cidade e, por isso,
era o “responsável” por levar as notícias para esse povo afastado. A moda e as
novidades chegavam nas costas dos “turcos” assim como acontecia com o
almocreve em Portugal. Com suas economias, logo era possível comprar uma
mula para carregar suas mercadorias. Tendo condições, adquiria várias mulas.
Mais tarde, o transporte passou a ser feito de caminhão – isto aonde existiam
estradas; havia lugares onde só chegavam de barcos, pelos rios.
Sanaa Yacoub Abaid nos contou a experiência de seu tio como
mascate:
“Meu tio fugiu da guerra e eu ouvia as histórias sobre ele na Síria. Ele
tinha 16 ou 17 anos quando pegou o navio pra vir pro Brasil. Muita gente da
minha aldeia está aqui no Brasil e vieram na mesma época que o meu tio.
Minha aldeia tem três mil pessoas e mais de cem delas estão aqui. Depois meu
tio voltou pra Síria e contava histórias daqui do Brasil. O país naquela época
era diferente. Ele dizia que ficou um tempo sem documento, trabalhava muito,
às vezes ficava sem comer. Ele se encontrou com uns primos em São Paulo
depois veio pra São José do Rio Preto atrás de uns amigos. Ele pegava roupa
e saia vendendo como mascate. Ele mostrava pra gente as marcas fundas nas
costas e nos braços por causa das caixas que carregava.
Com o trabalho ele conseguiu formar um patrimônio aqui e, foi aqui
também que ele se casou, com uma prima dele. Tiveram dois filhos e uma filha.
Ele contava que o Brasil era um país muito bom, com um povo muito humilde,
muito simples e sem preconceitos. Dizia que o país era tranqüilo, que viajava
horas e horas a pé sem preocupações, ninguém mexia com ele. Ele falava que
o povo era honesto, porque ele vendia fiado e recebia quando voltava lá.
Quando velho, voltou pra Síria pra ver os irmãos. Foi por causa dele que eu
vim pra cá”.
Com o acúmulo de certo capital, adquiriam imóveis onde na frente
abriam uma lojinha e atrás – ou encima, no caso de sobradinhos – moravam.
Discorrendo sobre o centro de São Paulo Safady conta que “As famílias
ocupavam todos os sobrados dessas ruas, dos mais luxuosos, até os mais
modestos, e mais numerosos quantos pobres nas vilas que estavam
superlotados de ocupantes, a maioria dêles mascates. Aí viviam os ricos, os
45
novos-ricos – que imigraram na quarta classe – e à custa de seu trabalho
honesto e fecundo enriqueceram.” (SAFADY, 1966, p. 139).
Truzzi afirma que “a Rua 25 de Março e adjacências, no centro de São
Paulo, constitui o reduto mais significativo da colônia sírio-libanesa no Brasil.
Sua localização próxima ao Mercado Municipal atraiu desde fins do século 19 o
estabelecimento de uma variedade de lojas, nos ramos de armarinhos e de
tecidos, tanto no varejo quanto no atacado, logo angariando a reputação de rua
dos „turcos‟” (TRUZZI, 2005, p. 81). Em Rio Preto o fenômeno se repete. “A
história da rua General Glicério, no centro de Rio Preto, é um pouco a história
dos árabes e seus descendentes. No início da vila, a rua era denominada rua
da Fartura, mas a população lhe dá um apelido, „rua Jerusalém‟. Nela se
instalam lojas de tecidos à varejo e armarinhos, empresas maiores, para a
venda dos mais variados produtos, do chapéu à casimira, do querosene aos
pneus, das panelas aos perfumes” (LODI, N. Sírios e libaneses em Rio Preto.
Diário da Região, São José do Rio Preto, 29 out. 2006).
Tipo de Mercadorias Número de Mascates
Fazendas 81
Frutas e verduras 42
Meias e camisas 37
Armarinhos 12
Colchas, fronhas e toalhas 11
Tecidos 11
Balas e doces 6
Jóias, fantasias e relógios 8
Confecções 6
Fitas e bordados 3
Cestas 3
Artefatos de couro, bolsas, etc. 2
Laticínios 1
Cereais 1
Calçados 1
Ovos e frangos 1
46
Velas 1
Guarda-chuvas 1
Gravatas 1
Tabela 4 – Mascates sírios segundo o tipo de mercadoria vendida. Cidade de São Paulo, 1951
Fonte: KNOWLTON, 1961, p. 140.
Em entrevista para este trabalho, Nilce Lodi faz referência a uma
pesquisa realizada por ela em meados de 1970, com fiéis da Igreja Católica
Ortodoxa Antioquina de São José do Rio Preto e diz que “entre as ocupações
exercidas nos países de origem encontramos as de: lavradores, comerciantes,
fazendeiros, industriais e carpinteiros. Destes, apenas um carpinteiro
permaneceu em sua profissão, pois nesta época a mesma era bastante
requisitada pela construção civil local. A maioria optou pelas atividades
comerciais numa gama extensa que ia do mascate ao pequeno comerciante e
ao grande atacadista; do pequeno ao grande industrial; das atividades
autônomas às técnicas; do fazendeiro ao banqueiro. Dentre os relatos curiosos
encontramos um sobre o transporte nos primeiros anos do século XX. Os
mascates faziam suas viagens a cavalo, e com a inexistência de locais para
alojamento, adquiriam pequenas chácaras para tal finalidade. Destacaram
ainda que eram poucas as residências disponíveis na cidade, especialmente
nos anos vinte, após o incremento populacional estimulado pela produção de
café e as facilidades do transporte ferroviário, inaugurado em 1913. A
construção de novas moradias se fez necessária”.
47
3. TERRAS RIOPRETENSES
Desde antes da emancipação de São José do Rio Preto os sírio-
libaneses já estavam presentes na cidade. As notícias sobre as terras férteis na
região se espalhavam e traziam desbravadores. Ainda que conhecida como
terra de onças, feras e bugres, com o tempo a floresta começou a dar lugar,
primeiramente a pastos e, em alguns anos a pés de café. Fazendas enormes
podiam ser adquiridas a preços irrisórios, mas, por uma questão de estratégia,
não foi esse o caminho escolhido pelos imigrantes árabe. Ao mascatear tinham
giro de capital, havia condições de ganhar dinheiro rapidamente e com isso o
investimento ia para a abertura de um estabelecimento comercial, mesmo local
onde passavam a residir.
“Primeiramente vieram os syrios com a tenda ás costas e a classica matráca que servia a uma só tempo para annunciar aos freguezes a sua chegada e afujentar ao mesmo tempo, as féras que ainda infestavam os caminhos. Não se pode negar a essa gente o extraordinario valor da sua cooperação, nem deixar de louvar o espirito de sacrificio que os animava á lucta pela vida, enfrentando galhardamente todos os perigos para pôr em evidencia mais seus sentimentos humanos, que a ambição de pequenos lucros em negocios incertos, pois serviam de intermediarios para negocios diversos entre os raros habitantes de Rio Preto ou visinhanças, e as praças de Araraquara, ou Jaboticabal, separadas de nós por extensa mataria atravez da qual, serpenteava num estreito e perigoso picadão. Finalmente, como premio a todos os sacrificios, os syrios prosperavam rapidamente e em breve, deixavam a tenda do mascate, para se instalarem em Rio Preto com importantes Casas Commerciaes, furnidas de tudo o que era indispensavel aos consumidores desse tempo, e assim, graças a um trabalho proficuo, honesto e persistente, conseguiram os syrios manter até hoje a primasia commercial, tornando-se detentores dos maiores e melhores estabelecimentos não só de Rio Preto, mas de toda a Comarca” (CAVALHEIRO, 1929).
Dizer que enfrentavam os perigos para pôr em evidencia mais seus
sentimentos humanos, que a ambição de pequenos lucros em negócios
incertos não nos parece coerente. Especialmente quando o mesmo texto diz
que os syrios prosperavam rapidamente e em breve, deixavam a tenda do
mascate, para se instalarem em Rio Preto com importantes Casas
Commerciaes. Ainda que com um tom saudosista, a passagem citada descreve
48
brevemente o contexto em que estes syrios viveram nos primórdios da cidade.
Vale ressaltar que a designação destes imigrantes variava24.
As aventuras vividas enquanto viajavam viraram histórias fantásticas
para se contar aos filhos e netos. Marly Cury Hassan nos relatou sua
passagem favorita, contada por seu avô: “uma vez ele foi entregar mercadorias
numa fazenda, e minha avó lhe dizia: „não volte a noite porque é perigoso‟.
Tinha muita onça nessa região, onça demais. „Você dorme lá e de manhã cedo
você volta‟ dizia ela. Depois de entregar as mercadorias, ele foi jantar com o
homem, sua mulher e seus filhos. Foi quando meu avô viu o homem rezando e
pensou: „mas que raio de reza é essa?‟ „Que reza vocês estão fazendo aí?‟ ele
perguntou. O homem respondeu: „espera um pouco, Zé, que você vai ver‟. De
repente a casa encheu de cobra. Ele fazia a reza e as cobras vinham comer à
mesa. Meu avô largou a comida, pegou seu cavalo e veio embora. „Fiquei
morrendo de medo! Entre as onças e as cobras eu prefiro as onças‟ dizia ele.
Ele contava de um jeito que a gente morria de rir”.
É bem verdade que, com o tempo, alguns imigrantes sírio-libaneses
tornaram-se fazendeiros, mas não há qualquer dúvida que a principal atividade
econômica desenvolvida por eles foi a mascateação e o comércio. Já vimos
que eles desalojaram outras colônias desse ramo e o êxito que alcançavam
originou realidades das quais queremos destacar duas. A primeira, a rede de
imigração. Não fora o sucesso alcançado por uns, outros não se arriscariam
neste país. Esta situação fez com que a concentração de imigrantes da Grande
Síria na região fosse a segunda maior do Estado – atrás apenas da capital. Em
1920 moravam em Rio Preto 730 novos “turcos”. Mas eles não eram os únicos
interessados no comércio riopretense. A segunda, é o descontentamento dos
comerciantes brasileiros. Os primeiros mascates eram bem recebidos pela
população. Mas o domínio – praticamente absoluto – desta importante área
econômica por um grupo estrangeiro trouxe desconforto para os comerciantes
nativos.
Tivemos acesso à transcrição das Atas da Câmara Municipal de São
José do Rio Preto do ano de 1896 feita por Agostinho Brandi. O livro se
24
Primeiramente conhecidos como turcos – tanto sírios como libaneses, e até armênios, gregos e outros – mais tarde também passam a ser chamados de sírios para, apenas posteriormente, “tornarem-se” sírio-libaneses – conquanto várias denominações, nenhuma aboliu a de turco.
49
encontra no Arquivo Municipal da cidade e tem uma infeliz particularidade – a
transcrição foi feita a lápis e são notórias intervenções de terceiros. Contudo,
encontramos neste material o registro de episódios relatados a nós nas
entrevistas – taxas abusivas impostas aos mascates. Arantes também
menciona tais episódios no histórico que fez sobre o Clube Monte Líbano.
Vejamos a primeira decisão sobre o tópico:
“Acta ordinaria do dia 15 de Abril de 1896
Aos quinze dias do mez de Abril do anno de mil e oito
centos e noventa e seis, nesta Villa de São José do Rio
Preto comarca de Jaboticabal Estado de São Paulo,
no Passo da camara municipal as deis horas
do dia reunidos os Cidadãos Veriadores Francisco
Antonio Braga, Luis Pinto de Morais, José Ignacio
de Alvarenga, e Luis Antonio de Lacerda, sob a
presidencia do Cidadão Valencio José Barboza
Vice Prezidente, havendo numero legal foi pelo
o prezidente aberta a secção lida e assignada
a acta anterior passando-se aos trabalhos se
guinte. Expediente
Pelo o presidente foi indicado que se criasse
neste municipio novo imposto sobre estrangeiros
que quizessem abrir caza de negocio nesta
Villa, sendo o Imposto sobre a abertura do negocio
quinhentos mil reis, e sobre mascateação hum con
to de reis posto a discussão e a voto foi unanimen
te aprovado. O que declarou criada a lei pela
a forma seguinte. no 9. Artigo primeiro, todo o estrangei
ro que abrir caza de negocio pagarão pela aber
tura quinhentos mil reis. Art Segundo todo masca
te estrangeiro pagarão pela licença de uma só
caixa hum conto de reis. Art Terceiro revogarão
se as disposições em contrario. Não havendo mais
nada a se tratar o prezidente enserrou os trabalhos
50
para o dia primeiro de maio e convocando todos
os Cidadãos veriadores a comparecerem naquel
le dia, hora do costume. Do que para constrar lavrei
a presente acta que vai por todos assignados.
Eu Theodolino José de Paulo, Secretario que es
crevi
Valencio José Barboza
Vicce Presidente
Francisco Antonio Braga
Luiz Pinto de Moraes
Luiz Antonio de Lacerda”
Os altos impostos municipais foram um duro golpe na colônia. O padre
Nicolas Khouri25 Georges Ferzolli afirma que “era muito difícil conseguir pagar.
O trabalho era feito com muita dificuldade. Como a maioria não tinha como
pagar a licença, trabalhava em nome dos que tinham. Pra trabalhar eu já vou
ter que pagar mesmo, então você trabalha em meu nome e não precisa me
pagar nada. Sempre foi assim”. É verdade que o texto se refere ao estrangeiro
e não especificamente ao sírio-libanês, mas a informação de que oito, dos doze
estabelecimentos comerciais da cidade eram de árabes é reveladora. Meses
depois o que era difícil se tornou ainda pior. Vejamos trechos da Ata da
Câmara Municipal da data de 15 de setembro de 1896:
“Acta ordinaria do dia 15 de setembro de 1896
Aos quinze dias do mez de Setembro do anno de mil e oi
to centos e noventa e seis nesta Villa de São José do Rio
Preto comarca de Jaboticabal Estado de São Paulo, as
deis horas do dia, no Passo da Camara Municipal desta
Villa, reunidos os cidadãos veriadores Francisco An
tonio Braga, Valencio José Barboza, Luis Pinto
25
O nome Khouri significa padre e é inserido no nome dos sacerdotes. Os filhos de padres também recebem esse sobrenome, justamente por serem filhos de padre. A transliteração para o português somada a adoção da forma brasileira de dar nomes e sobrenomes aos filhos, surgiram as famílias Curi, , Khoury, entre outras.
51
de Morais, Jose Ignacio de Alvarenga, sob a prezi
dencia do Cidadão Pedro do Amaral Campos
havendo o numero legal pelo o Prezidente foi aberta a
secção
lida e assignada a acta anterior passou se aos trabalhos
seguintes
(...)
Segue o Expediente
(..)
Pelo o prezidente foi apresentado uma representação
assignada por Porfirio Pimentel e outros negocian
te nesta Villa, pedindo para ser elevado a
trez centos (ou contos?) de reis por anno a licença
concedida a sua .A comissão
de Justiça
para aprezentarem o projecto sobre que deve ser
com as modificações que julgarem conveniente e como
também para quanto aos direitos de licença que
pagão os negociante desta Villa, estabellecento um pre
ço fixo para cada cathegoria de negocio.
(...)
A comissão de Justi
ça para aprezentarem na primeira secção
o projeto da lei para criação dos mesmos.
E por não haver mais nada a se tratar o pre
zidente mandou lavrar esta acta susendendo a secção
para o dia primeiro de Outubro vindouro convidando
os Senhores veriadores a comparecerem naquelle dia
hora e lugar. Eu Theodolino José de Paulo, secretario
que escrevi.
Pedro Amaral Campo
Presidente
Francisco Antonio Braga
Luiz Pinto de Moraes
52
Jose Ignacio de Alvarenga”
Na data marcada – 01/10/1896 – não houve reunião por não haver
quorum. Na oportunidade seguinte – 22/10/1896 – estavam presentes: Tenente
Pedro do Amaral Campos (presidente), Esequiel de Guimarães Correa
(secretário interino) e Antonio Silverio Baptista “a quem o mesmo senhor
presidente lhe deferiu o compromisso de bem e fielmente desimpenhar o cargo
de juiz de Paz supplente” (Primeira Ata da Câmara de São José do Rio Preto –
27/11/1894 a 15/06/1897) – mais uma vez o tema não foi discutido. A questão
só voltou a ser apresentada no plenário pela Comissão de Justiça em 16 de
novembro daquele ano:
“Aos desiceis dias do mes de novembro do anno
de mil oito centos e noventa e seis nesta Villa de
São José do Rio Preto, comarca de Jaboticabal
Estado de São Paulo, sendo ahi as deis horas do
dia em Paço do Governo Municipal, reuni
dos os veriadores Francisco Antonio Braga
Luis Pinto de Moraes e Jose Ignacio de
Alvarenga sob a presidencia Tenente Pe
dro do Amaral Campos, que por haver nu
mero legal, declarou aberta a sessão.
Expediente
(..)
Lei no 10
A Camara Municipal do municipio de São José
do Rio Preto decreta.
Art 1o. O imposto municipal estatuído no art. 165
e seus paragrafo do Cod de Post municipaes quan
to ao §1o e 2 serao considerados, como primeira e
segunda classe. §1o De primeira classe, cada loja
de fazendas roupas feitas, ferragens, chapéos, louças,
arreios, calçados e armarinhos 400$000r. §2o De Segun
da classe, cada loja de secos e molhados, não com
prehendendo aguardente. 200$000r. §3o De cada ca
53
za onde se vender aguardente 50$000 §4o De ca
da casa onde se vender exclusivamente generos da
terra 50$000r §5o De cada casa onde se vender
joias, brilhantes, ouro, prata e outras pedras pre
ciosas 200$000 § 6o De cada comprador de café
por conta propria ou de outrem, domiciliado
no municipio 50$000r e residindo fora Villa
100$000 §7o De cada pharmacia ou droga
ria 200$000. §8o De mascates com fazen
das, armarinhos, brinquedos e quinquilharias
pagara o mascate de cada taboleiro ou caixa
500$000 §9o Para mascatear com os objetos men
Cionados no §1o, pagara sendo um cargueiro 1:000
$000r e mais 500$000r por cada um mais que
acresser, em carros será por cada um 3:000$000
quer seja o mascate brasileiro ou não. §10o As li
cenças comprehendidas nos §8o e 9o não poderão
ser transferidos. §11o De cada officina de ferreiro
40$000r §12 De cada officina de seleiro ou colcho
eiro 40$000r §13o De cada officina de fogueteiro ou
dentista 40$000 Art 2. Os infractores Art 1 e se
us paragraphos, incorrerão em multa do duplo
a alçada ? da camara. Art 3o Revogadas as dis
pozições em contrario. Paço do Governo Mu
micipal 3 de 9bro de 1896. A commissão de
Justiça Valencio José Barboza e Luis
Pinto de Morais. Posto a discussão e a votos
Foi unanimente aprovado”.
Mesmo antes de Rio Preto ser um município, quando ainda era
freguesia do município de Jaboticabal, altos impostos eram cobrados de
mascates estrangeiros. A consternação de Peregrino Benelli foi emblemática
no final do século XIX. Ele era um italiano que mascateava na região, além de
muito requisitado como médico. Seu protesto foi publicado pelo jornal A
54
Privíncia de São Paulo, atual O Estado de São Paulo, na edição no 2.795, de
16 de julho de 1884. O artigo foi assim transcrito por Brandi:
A PROVINCIA DE SÃO PAULO
16 de Julho de 1884
Sessão Livre – 1ª página
“Jaboticabal
Para o Exm Presidente de Província
Ver e Providenciar
O abaixo assignado, Peregrino Benelli, a
pedido dos habitantes de S. José do Rio Preto, vem
à imprensa, não com o fim de offender à pessoa
alguma, mas sim para levar ao conhecimento de V.
exc. A grande difficuldade que hoje apparece pelo
novo codigo de posturas municipaes desta Villa,
ultimamente creado.
Aquella freguesia esta collocada em um
sertão que só é habitada por pessoas muito pobres,
que o recurso que tem é quando alli aparece algum
mascate ou boiadeiro que encontram casas
compostas de 15 ou 20 pessoas que a dous ou tres
dias reclamam a presença de algum viajante para
dar-lhes uma gota dagua para beber, dizendo ao
viajante que todos alli se acham sem poder se
moverem.
A camara municipal desta villa so trata de exigir
impostos, sem se lembrar de desta villa ao ultimo
morador daquelle sertão, dista para mais de 60
leguas sem nunca se occupar com palmo de
caminho, que não tem menos de 10 ribeiros que no
tempo chuvoso ficam intransitaveis, sem aquelles
habitantes poderem vir a esta villa fazerem suas
compras de rémedios e outros utensilios paa a
enfermidade de sezões que alli penetra
annualmente.
55
Carregando os arreios por uma pinguella feita pela
necessidade publica e fazendo o animal nadar, que
entre estes alguns já têm perdido seu animal aforado
nagua, o novo codigo de posturas ultimamente
criado, em um de seus artigos, autorisa a camara a
cobrar por uma licença para mascate a quantia de
500$000. Ficará de ora em diante aquelle sertão
considerado como um logar indigena que não será
mais frequentado por seus habitantes que faltando-
lhes o recurso dos mascates e boiadeiros alli hão de
morrer sem nunca ninguém dar por fé, por que não é
possível que um mascate queira pagar 500$000 de
direito para ir sofrer em um sertão sem recursos, e
outro tanto diriam os boiadeiros, porque tambem têm
de pagar 1$000 por cabeça de gado que do termo
desta villa tirarem.
Jaboticabal, 9 de Julho de 1884
Peregrino Benelli”
(BRANDI, 2002, p. 293)
Ainda outra história é relatada por praticamente todos os entrevistados:
uma outra lei proibia que os imigrantes falassem turco em público. Arantes
afirma que tal ideia partiu do capitão Porfírio Luiz de Alcântara Pimentel, em
1906, mas que o projeto não chegou a ser aprovado. Em entrevista a Marques,
o professor Agostinho Brandi acrescenta que, os guarda-livros – contadores da
época – dos mascates deveriam ser brasileiros e que, se algum brasileiro se
negasse a denunciar os árabes que falassem em sua língua na frente dos
outros cidadãos, incorreriam em crime. Por outro lado, Lodi diz crer que tal
passagem – proibição da língua – não é mais do que uma lenda produzida pelo
contexto desfavorável da época.
Arantes apresenta mais dados relativos a impostos muito
desanimadores para a colônia:
“A lei tinha o objetivo claro e determinado de tornar a mascateação impraticável no município de Rio Preto. O argumento dos legisladores municipais era o de que os mascates levavam o dinheiro apurado no
56
município para fazer compras em outros centros urbanos, como Araraquara, Jaboticabal ou São Paulo. O exagero dos legisladores era tão grande que (...) em 1908, o imposto por mascate que carregava suas caixas a pé era de duzentos e cinqüenta mil réis e, com carro, quinhentos mil réis. O novo chefe político da cidade, o coronel Adolpho Guimarães Corrêa, que era advogado e adversário dos comerciantes liderados por Pedro Amaral, entendia que os mascates e, em especial os imigrantes, fossem eles árabes, italianos, portugueses ou espanhóis, traziam progresso, riquezas e novas práticas culturais. Na subjacência das decisões políticas do grupo de Pedro Amaral, escondiam-se os interesses dos comerciantes nativos instalados em Rio Preto, que não aceitavam a concorrência dos comerciantes árabes, fossem eles mascates ou estabelecidos. Um documento oficial, assinado por Pedro Amaral e encaminhado ao governo estadual em 1898, revela a extensão da crise comercial. Ele solicitava interferência do governo estadual contra o aumento considerável de novos comerciantes de origem árabe” (ARANTES, p. 7, 1997).
Essa situação de disputa se dava em razão do conflito de interesses –
cada um buscava sua afirmação, espaço e progresso com as armas,
estratégias e influências que dispunha. A honestidade nos negócios, ascensão
econômica, religiosidade fervorosa e rigidez moral a colocaram em alta estima
na cidade. Certamente, tratando-se da ascensão econômica, esse é um círculo
vicioso – compra-se de que tem boa reputação e só vende quem tem boa
reputação. Essa realidade pode ser identificada quando Lodi nos relata que
“nas primeiras décadas do século XX, as casas de comércio de Rio Preto
levavam ou nome da família ou de santos padroeiros”. A boa reputação da
colônia não lhe promoveu apenas destaque no comércio como também na
educação, política, beneficência e outros.
57
Figura 2 – Certificado de Cônsul Honorário do Líbano conferido a Murchid Homsi
Destacamos aqui alguns ícones da colônia sírio-libanesa na vida de
Rio Preto. Murchid Homsi se destaca por participar da fundação de inúmeras
empresas e associações como: “Homsi Irmãos – Insdústria e Comércio,
Agrícola S/A, Cia. Rio Prêto de Armazens Gerais, Sociedade Algodoeira Rio
Prêto Ltda, Beneficiadora Paraná Ltda., Sociedade Rio Prêto de Café Ltda, Cia.
de Melhoramentos do Muquilão, Cotonifício Rio Preto S/A, Curtume Rio Prêto
Ltda., Lacticínios Rio Prêto Ltda., Pastifício Rio Prêto S/A, Sociedade Textil Rio
Prêto S/A, Associação Comercial, Industrial e Agrícola, Clube Monte Líbano e
Jockey Clube” (GOMES, 1975, pp. 401). Não por acaso, “Em janeiro de 1958,
por decreto do Presidente do Líbano, Camille Chamoun, recebeu na
Chancelaria da Embaixada do seu país, no Rio de Janeiro, o título de Consul
Honorário do Líbano” (GOMES, 1975, p. 401).
58
Foto 3 – Bady Bassitt em campanha política
Da famíila Bassitt descatamos aqui Bady Bassitt e Lotf João Bassitt.
Ambos foram prefeitos da cidade, o primeiro substituindo o titular, Cenobelino
de Barro Serra em algumas oportunidades e o segundo tendo sido eleito para o
cargo. José Chalela, em entrevista para esse trabalho, conta que “nas
campanhas eleitorais, principalmente nas municipais, a aversão era acintosa.
Para os adversários políticos eles eram os turcos. Isso era evidente. Era difícil
um patrício ganhar a eleição. A campanha era terrível. Houve ocasião em que
candidatos citavam inúmeros nomes e sobrenomes árabes do palanque, com a
intenção de criticar, afastar e criar aquele ambiente entre os eleitores
diferenciando os brasileiros e as outras nacionalidades do turco, porque o outro
é turco. Ninguém pode votar no turco! Eram ofensas abertas”. A morte de Bady
Bassitt causou comoção em Rio Preto. O então deputado estadual morreu
dentro de um avião, aos 43 anos, vítima de problemas do coração. A pequena
cidade de Borboleta, vizinha de Rio Preto recebeu o nome do deputado
falecido. Romano Calil foi o outro integrante da colônia a ser prefeito da cidade.
59
Waldemiro Naffat chegou a ser nomeado secretário de negócios do governo,
na gestão de Ademar de Barros, nomeado pelo próprio governador, em 1949.
Acima, Foto 3 – Lotf João Bassitt. À direita, Foto 4
– Romano Calil
Moysés Miguel Haddad comprou em um leilão uma casa de comércio,
foi o primeiro presidente do Conselho Administrativo da Igreja Católica
Ortodoxa Antioquina em Rio Preto e também comprou e “desenvolveu, a
Empreza Telefônica [da cidade], ao mesmo tempo que empregava suas
atividades também na agricultura e no comércio de café, chegando a possuir
várias fazendas, mais de um milhão e meio de cafeeiros” (GOMES, 1975, p.
399). Nagib Gabriel foi Venerável maçônico da Loja Cosmos. Em sua gestão o
terreno onde está a Santa Casa de Misericórdia de Rio Preto foi doado. Ele
participou da fundação Rio Preto E. C. e do Rio Preto Automóvel Clube. Foi
ainda, por diversas ocasiões, delegado suplente.
60
Armarinhos e Fazendas
Amelio Diogenes Bueno de
Aguiar
João Sabino
Amelio Demetrio Elias Madi Louis F. Lathan & Cia.
Aref. L. Kaiatana Elias Abrão Moysés Miguel Haddad &
Cia.
Arthur Lundgren &
Cia. Ltd.
Jorge Ferreira Gadi Miguel
Abdo Messias
Sapag
J. G. Sawaya Mattos & Cia.
Assaad & Cia Jorge Sabino Mansur Chacara & Irmão
Antonio Sabino Jorge João Haidar Melhem Saad
Antonio Salomão Jorge e Filho Manoel Lourenço
Antonio Cossi Jorge Pedro Cecilio Manoel Dias
Bichara José José Raduam S. A. Pedro Cecílio
B. Costa João Chacon Vergilio E. Coelho
Coelho & Cia. João Nicolau Watanabe Thasio
David Nassar João Gabriel & Irmão Zalin Haller
Tabela 5 Fonte: CAVALHEIRO, 1929.
Os quadros cinza marcam os sírio-libaneses que trabalhavam com Armarinhos e Fazendas em São José do Rio Preto em 1929 – 21 em 30 estabelecimentos registrados (66,67%).
Armazes de Seccos e Molhados
Alexandre
Sabella
Camillo João José Jupi Miguel Sanches
Alexandre Sigolo Demetrio Fiali José Pereira
Pinheiro
Manoel Souza
Góes
Angelo Francucc Elias Madi João Bento Vidal Manoel M.
Caldeira & Filho
Amin Kanás Emiliano Carreiro João Simone Petrucci &
Segantani
Abrão Nadi Elias Mussi João Pedro de
Menezes
Paulo Menezello
& Irmão
61
Alberico
Giacovacci
Eugenio Rosan João Elias
Estefan
Pedro Mansor &
Irmão
Alcindo Mulato Fulgencio B.
Peres
João Dias Ramalho & Cia.
Abilio Moreira Felizardo Pereira João Vieira de
Arruda
R. Martinez & Cia.
Antonio Marconi Felicio Antonio João Rodrigues
Taveras
Rachid Abrahão
Antonio Barreiro
Carvalho
Francisco Ferreira Joaquim Nunes Ricardo Latorraca
Antonio Xavier Francisco Silva
Rosa
Joaquim Marques
Pimentel
Sebastião Suedão
Antonio Camarero Hugo Culturato Luciano Lisso Sebastião Motta
Lopes
Antonio Marques
Nogueira
Hermenegildo
Scarpassa
Leopoldo
Quadrado
Serafim Henrique
Eiras
Antonio José &
Irmãos
Hygino Teixeira &
Irmão
Luiz Cambiaghi Sylvino
Fernandes
Antonio Culturato Hyd Nain &
Sobrinho
Luiz Nicoletti S. E. Abufares &
Irmão
Botelho & Costa Issad Dib Miguel Filiasi Saaddo Barbor
Calil Acen Irmãos Sanches Marcos de Barros Viuva Amorelli
Chucri Callil Jorge Sophia Mustaphá
Jammal
Vergilio Monteiro
Cypriano Lopes
Silva
J. B. Costa Lisbôa Mamed & Alcino Wenceslau de
Britto
Carlos Salles José Hernades Miguel Guraib Zeferino Branco
Callil Abrão José Ortunho Manoel Mutado
Cypriano Costa
Martins
José Ferrari Mario Gonçalves
Tabela 6
Fonte: CAVALHEIRO, 1929.
Os quadros cinza marcam os sírio-libaneses que trabalhavam com Armazéns de Secos e Molhados em São José do Rio Preto em 1929 – 18 em 94 estabelecimentos registrados (19,15%).
62
Compradores de Cereais
A. S. Michelet & Cia. João Filardi
Alberto Sufredini Laurentino Arroyo
Alberto de Pizzol Luiz Amonielle & Cia.
Adib Dornaika Miguel Nader
Antonio Lerario Miguel Buchdid & Irmão
Antonio Domingos da Costa Miguel Guerrero
Callil Buchala Freire, Barros & Cia.
Ignatio Esebano & Cia. Mauro Almeida Rodrigues
J. Michel & Cia. Nemer Abungamra
João Scaff Oscar de Faria Valentim Silva
Tabela 7
Fonte: CAVALHEIRO, 1929.
Os quadros cinza marcam os sírio-libaneses que trabalhavam como Compradores de Cereais em São José do Rio Preto em 1929 – 8 em 20 estabelecimentos registrados (40%).
É importante que se diga que os quadros (Armarinhos e Fazendas,
Armazéns de Secos e Molhados e Compradores de Cereais) não são um
paralelo entre sírio-libaneses e brasileiros, mas uma lista dos empresários
publicada em 1929, o que implica dizer que italianos, espanhóis e outros
também são mencionados. Eles mostram a dimensão da importância dos
imigrantes árabes para a cidade de Rio Preto, afinal, dentre as 39 lojas de
Armarinhos e Fazendas, 20 são de árabes, dos 86 Armazéns de Secos e
Molhados, 15 pertencem a árabes e 6 dos 20 Compradores de Cereias da
época são árabes. Nota-se a alta representatividade comercial da colônia.
Estes não eram os únicos imigrantes árabes na cidade, como fica evidente
diante dos dados por nós já apresentados. As famílias se empenhavam nos
negócios e, uma minoria, tomava outros caminhos profissionais.
A Lista Telefônica, publicada em 1918 no Album de Rio Preto, s/d,
mostra que, em um tempo em que poucos tinham acesso a linhas telefônicas,
grande parte delas pertencia aos árabes. Uma das razões para isso é a
importância da comunicação para o bom desempenho dos negócios. A
empresa de telefonia ainda não havia sido comprada por Moysés Miguel
Haddad, era propriedade de Elias Mussi.
63
64
65
No âmbito da educação Lodi nos conta que “A colônia, primeiramente
fundou escolas dentro da própria colônia, como a Escola Progresso, que
funcionou por 5 anos, tendo como professor, Jorge Madi. Esta escola era para
filhos de sírios e ensinava, principalmente, a língua árabe. A Escola Jovem
Sírio foi instalada por volta de 1922 e em seu funcionamento contou com os
professores: Amin, José Racy e Tawan. Nela, ensinava-se também a língua
árabe e estava aberta a todos os interessados. Após o fechamento das
mesmas, foi criada a Escola de Comercio D. Pedro II, no mesmo local em que
a Escola Jovem Sírio funcionara”.
Escolas Primarias
1º Grupo Escolar Escola Republicana
2º Grupo Escolar Escola do Commercio
Collegio Santo André Gymnasio Rio Preto
Collegio Barão do Rio Branco Collegio Syrio Brasileiro
Collegio 7 de Setembro Externato Ruy Barbosa
Collegio Jovens Syrios
Tabela 9
Fonte: CAVALHEIRO, 1929.
Instituições de beneficência e cultura também foram estabelecidas. A
primeira delas foi a Sociedade Beneficente Síria, que funcionou de 1917 a
1926. Neste ano seu patrimônio foi transferido para a Sociedade Jovens Sírios
– que já existia desde 1922 – e suas atividades foram encerradas. A Sociedade
Jovens Sírios passou a ser chamada de Clube Sírio Brasileiro em 1958. Em 30
de novembro de 1930 é fundada a Coligação Libaneza que, em 1955, passou a
se chamar Clube Monte Líbano. Este, ao longo dos anos, se revelou como o
braço mais influente da colônia em Rio Preto, vindo a ser um dos mais
tradicionais da cidade.
66
III PARTE
1. IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ORTODOXA ANTIOQUINA EM
SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
Segundo Truzzi, a maioria dos imigrantes sírio-libaneses era de
católicos maronitas e cristãos ortodoxos. Na mesma linha, Borges diz que, “do
ponto de vista religioso, a esmagadora maioria dos que aportaram no Brasil
declarou-se filiada às igrejas greco-ortodoxa e maronita” (BORGES, 2000, p.
21). Em contrapartida, Knowlton afirma que 66,9% dos imigrantes sírios e
64,5% dos libaneses eram católicos (romanos, maronitas, católicos latinos, e
católicos uniatas26). Os não-católicos (greco-ortodoxos, nestorianos, jacobitas,
siríacos, melquitas, gregorianos armênios, judeus, drusos e diversas seitas
maometanas) somavam 33,1% dos sírios e 35,5% dos libaneses. Em Rio Preto
a maior concretração era de ortodoxos e maronitas.
Estes imigrantes encontraram um contexto católico romano na região,
o que lhes pareceu muito familiar, tanto para ortodoxos como para maronitas.
Para preservar a cultura, os costumes e, por vezes a língua27, a colônia optou
pela criação de colégios e clubes, como já vimos. Com relação à religião, a
história mostra que não sentiram a necessidade de construir sua própria igreja,
uma vez a cidade ter aquilo que eles dizem ser a mesma igreja – a Igreja
Católica Apostólica Romana. Alguns ortodoxos se destacavam pelas
contribuições feitas para a igreja latina e suas causas. Bastaram alguns anos
para essa harmonia ser quebrada.
As palavras do padre ortodoxo Samuel Matta nos introduzem o
assunto:
“Rio Preto, então, cidade em evolução, cuja aurora de um futuro promitente despontava, pois, sua posição geográfica e sua situação
26
Também conhecidos como católicos gregos, vêem de uma linha de patriarcas e bispos da Igreja Ortodoxa Antioquina que aceita a autoridade papal. 27
A questão da língua é interessante porque, nem todas as famílias desejavam preservá-la. Nilvia Buchala narrou a nós que seu avô “teve muita dificuldade com o idioma, ele fez questão de aprender o português e queria que todos os filhos falassem português”, não transmitindo aos descendentes sua língua mãe. Situação similar nos foi narrada por Marly Cury Hassan: “eles não nos ensinavam o árabe porque assim poderiam conversar sem que soubéssemos o que falavam. Resolviam coisas, tratavam de negócios, tinham conversa de adulto em árabe. Não aprendi a falar, mas acabamos aprendendo a entender o que eles falavam”.
67
privilegiada propiciavam-lhe esta regalia, congregou um considerável número de imigrantes Sírio-Libaneses. estes, radicando-se na cidade, procuravam integrar-se na sua vida social, participar de seu progresso crescente e contribuir em pról de seu desenvolvimento. Entre si, consideravam o dever de se manterem unidos, conservando seus costumes e suas tradições, principalmente, as religiosas. Todavia, nem tudo, neste mundo, é mar de rosas; ventos fortes agitaram a calmaria do mar, tempestades violentas abalaram a bonança, e correntezas contrárias dificultaram a chegada do navio da vida ao ancoradouro seguro...” (GOMES, 1975, pp. 213-4).
Segundo o atual padre, Nicolas Khouri Georges Ferzolli, esses ventos
fortes, tempestades violentas e correntezas contrárias começaram por volta do
ano 1926/7. Neste ano, o então padre romano havia se recusado a
encomendar o corpo de um sírio-libanês ortodoxo falecido na cidade. Padre
Nicolas no disse que “Pediram a ele, por favor, mas ele não quis. Teve que vir
um padre de Campinas para fazer o serviço. Depois disso, houve discussão no
jornal da cidade entre o padre e um patrício, Elias Choeiri. Aí a comunidade
sírio-libanesa se reuniu, decidiu comprar esse terreno e começaram a construir
a nossa Igreja”. Apesar de tal história também ser contada por outros
entrevistados, não conseguimos encontrar os documentos com tal discussão.
Todavia, no dia 2 de fevereiro de 1934, na coluna Vida Catholica do jornal A
Notícia encontramos o seguinte texto:
68
Figura 3 – Recorte de A Notícia
Chrisma
“No domingo, ás 2 horas da tarde pontualmente, Sua
Excia. Revma, administrará o Santo Chrisma na Cathedral
a quantos se apresentarem para isso. Os chrismandos de
mais de sete annos devem preparar-se antecipadamente
com a confissão.
As madrinhas devem apresentar-se decentemente
vestidas, como convem á dignidade dos sacramentos.
As pessoas de vida publicamente escandalosas, os
orthodoxos syrios que pertencem a seitas condemnadas
pela Igreja, e os casados apenas no civil não podem ser
padrinhos”. (A NOTÍCIA).
As divergências entre ortodoxos e romanos não são recentes. Para
compreendê-las vejamos alguns fatos históricos.
69
Durante os três primeiros séculos da era cristã, o cristianismo viveu à
margem do Império Romano sendo, por inúmeras vezes perseguido, até que,
no século IV, o imperador Constantino o torna a religião oficial do Império. Com
a oficialização vem também uma nova estrutura e as divergências teológicas
eram definidas em Concílios Ecumênicos, democraticamente. O século V é
marcado pelas invasões bárbaras e, em 476 o último imperador romano é
deposto. Sua deposição marca a queda do Império Romano. No entanto, no
leste persiste o Império Bizantino – parte oriental do antigo Império Romano – e
no oeste a Igreja Romana. A igreja do oriente pertencia ao Império Bizantino, o
qual nunca possuiu a igreja latina. O correr dos anos trouxe diferentes
interesses, línguas e sistemas de governo para cada uma das partes. No
ocidente, falava-se latim e o sistema era episcopal, com a primazia do papa –
bispo de Roma – sobre todas as igrejas e bispos. No oriente, permaneceu o
sistema democrático, sendo que falavam grego. Os sacerdotes orientais
deveriam manter a barba e poderiam ser casados, enquanto os ocidentais
poderiam fazer a barba, mas não se casar. Na igreja daqueles, as esculturas
foram eliminadas e substituídas por imagens pintadas nas paredes, mas
permaneceram nas igrejas destes. Os ocidentais adotaram o calendário
gregoriano enquanto os orientais, o juliano.
O Concílio de Toledo, convocado no século VI pelo papa, não incluiu
as igrejas do Oriente. Nessa ocasião surge a controvérsia quanto à expressão
Filioque. Loiacono diz que “o problema pode ser assim resumido: „O Espírito
Santo procede do Pai e do Filho‟. Tal acréscimo foi incorporado no antigo texto
do Concílio de Nicéia (325), no sínodo de Toleto (séc. VI). O texto de Nicéia
afirmava que a origem do Espírito Santo está apenas no Pai. A resolução de
Toledo foi considerada uma grave ofensa a Igreja Oriental” (LOIACONO, 2006,
p. 39).
Os orientais se sentiram ofendidos porque haviam “mudado” a natureza
de Deus num Concílio Ecumênico que não representava a universalidade da
Igreja, uma vez que não haviam sido convocados. Já no século XI “o patriarca
do Oriente, Miguel Cerulário, condenou a Igreja do Ocidente por usar pão não
levedado na Eucaristia. Isto, realmente, já era prática na Igreja ocidental. O
papa Leao IX enviou, então, Humberto e mais dois legados para tentar
solucionar a questão. Quando a discussão em torno do problema terminou, as
70
diferenças de opinião eram tão grande que tomaram-se decisões radicais”
(PV). Por não adotarem o novo credo, o papa envia ao patriarca uma bula,
excomungando a parte oriental da Igreja que, por sua vez, também envia uma
bula de excomunhão à Roma. Dessa forma, em 1054, acontece o Grande
Cisma da Igreja Católica.
Loiacono registra que “a Igreja que teve sua constituição sobre a
doutrina de Jesus Cristo, a partir do ano 33, era toda ela denominada ortodoxa”
(LOIACONO, 2006, p. 22). E que o lado oriental manteve o termo em seu
nome por se tratar da Igreja da Doutrina Reta (tradução do termo grego
ortodoxa), aquela que se apega a “todo o ensinamento deixado pelo Cristo,
sem qualquer espécie de adição ou subtração no conteúdo da Sagrada
Escritura, na Tradição, bem como nos primeiros Sete Concílios aceitos pela
Igreja” (LOIACONO, 2006, p. 23), que são: Nicéia I (ano 325), Constantinopla I
(ano 381), Éfeso (ano 432), Calcedônia (ano 451), Constantinopla II (ano 553),
Constantinopla III (ano 680) e Nicéia II (ano 787).
Mesmo com a divisão, o imperador bizantino Aleixo pede ajuda ao
papa Inocêncio III para combater os muçulmanos, que ameaçavam o Império.
Não bastassem todas as complicações, os cruzados que viriam a socorrer,
invadem Constantinopla no ano 1204 e permanecem por 57 anos. Apesar de
todas as divergências, esforços para que as duas Igrejas voltassem a se unir
foram feitos. No livreto Calendário Ortodoxo de 1966, publicado pelo
Arcebispado Ortodoxo, sob o tópico Em Prol da União vemos “as maiores
diligências e tentativas empreendidas, após o grande cisma que aconteceu
entre as duas Igrejas: a Católica Apostólica Ortodoxa e a Católica Apostólica
Romana no ano de 1054, em prol da união foram estas:
1. A correspondência entre o Papa Urbano II e o
Cesar Alexi (1088).
2. O diálogo entre o frade Anselmo, ocidental e
Niquita o Bispo de Nicomédia, na Igreja Santa Sofia.
3. A correspondência entre o Papa Adriano IV e
Basílio o Bispo de Salônica (1155).
4. Os tratados entre Cesar Emanuel e o Papa
Alexandre III (1166-1169).
71
5. As discussões entre o Padre Nectário e os
Padres do III Concílio Lateranense (1179).
6. As diligências do Papa Inocêncio III e Cesar
Alexi III e o Patriarca Ecumênico João Camatir
(1199).
7. Os tratados do Papa Gregório IX e do
Patriarca Ecumênico Germano II (1232).
8. O diálogo entre os Núncios do Papa e os dois
sábios Dimitri Cariqui e Nikifóro Palmidi (1233).
9. As diligências de Maria do Pilla IV, rei da
Hungria filha de Teodoro Laskari, Cesar Grego e o
diálogo que seguiu-se em Nicéia (1247), entre os
núncios do Papa e Palmidi.
10. As diligências de Cesar João e o Papa
Inocêncio IV (1254).
11. As diligências de Cesar Miguel Paleólogo e o
Papa Urbano IV (1263).
12. Os tratados entre Cesar Miguel e o Papa
Clemente IV (1267).
13. As diligências de Cesar Andrônico (1332-9).
14. As diligências de Cundacuzinó com o Papa
Clemente VI (1350).
15. As diligências de Cesar João IV com o Papa
Urbano V (1369).
16. Os tratados entre o Papa Urbano VI com o
Patriarca Ecumênico Nilo (1384).
17. As diligências do Papa Martinho V com Cesar
Emanuel (1415-1422).
18. O Concilio de Leão (1274).
19. O Concílio Ferrara – Florença (1439).
20. Encíclica do Papa Pio IX e a Encíclica
refutatória do Patriarca Ecumênico Antimo VI (6 de
maio de 1848).
72
21. Encíclica do Papa Leão XIII (1880) e a réplica
dos Teólogos de Pedroburgo e “A Verdade
Eclesiástica” ao mesmo.
22. A mensagem de PAZ do Papa Leão XIII ao
Patriarca Ecumênico Joaquim IV.
23. Encíclica do Papa Leão XIII (1894) e a
Encíclica contestativa do Patriarca Ecumênico
Antimo VII.
O artigo que exortava aos católicos romanos de que “as pessoas de
vida publicamente escandalosas, os orthodoxos syrios que pertencem a seitas
condemnadas pela Igreja, e os casados apenas no civil não podem ser
padrinhos” não foi assinada por ninguém e recebeu duas respostas – ambas no
mesmo jornal A Notícia. Os autores das respostas foram Um Orthodoxo Syrio e
Outro Syrio Orthodoxo. Uma vez que: a) o primeiro embate da década de 20
apontava Elias Choeiri como o autor das respostas, b) tais fatos não puderam
ser encontrados no jornal onde teria sido publicados e c) o Album Ilustrado da
Comarca de Rio Preto, publicado em 1929, apresentar Choeiri como grande
expoente e comunicador da colônia sírio-libanesa de Rio Preto; considerando
ainda que a segunda resposta tem por base o primeiro texto e ambas parecem
terem sido escritas pela mesma pessoa, apontamos para a possibilidade de
Choeiri tê-las escrito. Entretanto, não encontramos outros elementos que nos
permitissem um posicionamento definitivo, além dos aqui expostos.
Vejamos o primeiro texto:
73
Figura 4 – Recorte de A Notícia
Uma explicação
“A <<A Notícia>> do dia 2 do corrente, na secção
<<Religiosa>>, publicou um aviso aos fieis do qual
destacamos os seguintes dizeres: <<As madrinhas devem
apresentar-se decentemente vestidas como convem á
dignidade do Sacramento. As pessoas de vida
publicamente escandalosas, os orthodoxos syrios (o
grypho é nosso), que pertencem ás seitas condemnadas
pela Igreja, e os casados apenas no civil não podem ser
parinhos>>.
Esse aviso, visou simplesmente os <<Orthodoxos
syrios>> não podendo os mesmos servir de padrinhos.
74
Interessante.
Aqui a maioria dos syrios são orthodoxos, com uma
pequena minoria de Maronitas.
Será que o Libanez, o Russo, o Armenio, Izraelistas e
Yogoslavios aqui residentes, que são Orthodoxos não
estão condemnados?
Resta saber, se com isso, visou somento o Syrio
Orthodoxo.
Os Syrios Orthodoxos aqui residentes, na sua maioria, sò
fizeram bem a Igreja local, em todas as occasiões que
isso lhes foi solicitado.
Para exemplo vamos citar: Na criação do Bispado, na
construcção da Cathedral, na offerta do relógio da torre da
Igreja, o madeiramento todo da cobertura da Igreja de N.
Senhora Apparecida, e muitas outras davivas.
Ainda mais a cooperação do fervoroso adepto christão
orthodoxo, sr. Elias Mussi, moço que está sempre ao lado
das bôas causas, prestando o seu valioso serviço ao clero
local, e a população desta região que para satisfacção
nossa é e continúa sendo sempre um bom orthodoxo
syrio.
Esta explicação visa prevenir aos bons orthodoxos syrios,
que continuem a prestar o seu modesto auxilio ás obras
que proporcionam o bem, relevando as distincções pouco
honrosas que lhes façam”.
Rio Preto, 5 de Fevereiro de 1934.
Um Orthodoxo Syrio
O segundo artigo, mais amplo, defende tanto a colônia como ao bispo
da diocese local, D. Lafayete Libanio.
75
Figura 5 – Recorte de A Notícia
Outra explicação
“Li, como todos lemos, na secção religiosa, publicada na
<<A Notisia>>, de 2 do corrente, as referencias com que,
recomendando aos fieis escrúpulos padrinhescos, a
Secretaria do Bispado brindou aos syrios Orthodoxos.
Essas instrucções previnem que, <<não podem ser
padrinhos as pessoas de vida publicamente escandalosa,
os Orthodoxos Syrios, que pertencem ás seitas
condemnadas pela Igreja e os casados apenas no civil>>.
Ora, em primeiro logar não podemos de forma alguma
acreditar que tal topico desse aviso religioso dirigido aos
fieis, tenha merecido o VISTO de S. Exa. Revma. D.
Lafaye te Libanio – Bispo desta Diocese, porque nelle
todos nós já sufficientemente conhecemos um espírito
altruístico, bondoso e verdadeiramente christão, e assim,
um aviso dessa natureza, publicado pela imprensa, onde
se visa ferir os melindres de um povo inteiro e os adeptos
76
de uma Igreja que, alèm de ser fundada pelos apóstolos
do próprio Christo, não o é sómente dos Syrios, mas sim,
de Syrios, Egipcios, Abyssinios, Gregos, Rumenos,
Polacos, Bulgaros, Yugoslavos, Tchecosslovacos e da
maior republica actual e outra, ora o maior Imperio
Moscovita, além de minorias espalhadas por todo o Globo
Terrestre, collocando-os no nível de dignidade de pessoas
de vida publicamente escandalosa.
Isto posto e certos que S. Excia. Reverendissima D.
Lafayete – Bispo desta grande Diocese – não teve
conhecimento antecipado dessa publicação e para a qual
chamamos a sua attenção obsequiosa, vamos em
caracter amistoso e confidencial, enviar á Secretaria deste
Bispado as informações e explicações seguintes:
Se é que com os dizeres <<Syrios Orthodoyos que
pertencem á seitas condemnadas pela Igreja>> visa aos
syrios que pertencem á Igreja Catholica Grego Orthodoxa,
que aqui constituem quase a totalidade da ordeira Colonia
Syria, aqui residente, e a quem pertencem os povos
acima enumerados, fel-o impensadamente, por muitas
razões, algumas das quaes ahi vão, parte levando cunho
religioso.
PRIMEIRO: Se a Igreja Romana condemna o Rito
Orthodoxo, devíeis dirigir tal aviso aos do Rito Romano,
em fórma não publica, porque bem sabeis que o Rito
assim como todo o cerimonial de ambas as Igrejas são os
mesmos, residindo a divergencia, apenas, no não
reconhecimento pela Igreja Orthodoxa da auctoridade do
Papa, as innovações introduzidas, com o tempo, na Igreja
Occidental, lembrando-se de que <<não deveis julgar
para não serder julgados, porque só Deus é que julga>>.
SEGUNDO: A Igreja Orthodoxa, Syria especialmente, não
guerreia ninguém em sua crença e não faz propaganda
contra esta ou aquella seita. É uma Igreja conservadora e
77
democratica e de quem não deveis temer acção qualquer
que importe na diminuição da influencia da Igreja
Romana, porque Ella <<respeita todas as crenças>> não
atacando nenhuma pois, consideramos a todos como
filhos de Deus creador de todas as cousas visíveis ou
invisíveis, mormente, porque Nosso Senhor Jesus Christo
disse, <<Amae aos que vos odeiam, abençoae aos que
vos amaldiçoam e pagae o mal que vos façam, fazendo o
Bem, e, palavras ainda D‟elle, <<muitos virão do Oriente
do Occidente e descançarão no Seio de Abrahão e os
filhos do Reino serão lançados fora>> TERCEIRO:
Quanto aos negócios de padrinhescos, quando os
padrinhos são Syrios Orthodoxos, posso vos garantir que
não o são por conta sua, mais sim pela insisteneia das
pessoas suas amigas, nisso interessadas, que nelles vêm
todos os predicados e qualidades de pessoas de bem e
distinctas, e a isso são impellidos, mesmo deante da
advertencia antecipada de que são Orthodoxos e, que
pode não convir.
Agora, quanto á acção dos Syrios Orthodoxos, aqui e em
qualquer parte, sempre á acçãao dos Syrios Orthodoxos,
aqui e em qualquer parte, sempre se importa na maximo
<<Faças o Bem e não olhes a quem.>> Aqui, por
exemplo, se o Illustre elaborador do topico inserido na
cronica religiosa e dirigido aos fieis ara não attentarem
contra as Leis convidando para padrinhos os Syrios
Orthodoxos, por valerem para elle tanto quanto <<as
pessoas de vida publicamente escandalosa>>
desconhece a acção dos Syrios e seu modo de vivier,
indagae desde nobre povo de Rio Preto e dos antigos
moradores daqui, sobre o concurso que sempre
prestaram para as obras de caridade e as obras
religiosas.
78
Perguntae se não concorreram com boa percentagem
para as obras da Matriz, ou recorrerei aos registros que
deve possuir a Casa Parochial referente a essas obras e
indagae sobre os nomes que lá estão para vos
certificardes dos que são Orthodoxos. Ainda quero vos
lembrar e disso podeis não ter tido conhecimento que alli,
na Sociedade Syria, tem havido conferencias de
propaganda religiosa por um Sacerdote, illustre orador,
em prol da Igreja latina, extraindo-se tombol a s, ainda alli
mesmo, em bebeficio da mesma Igreja, e tantas outras
cousas que seria enfandanho enumerar, por occuparem
muito espaço.
Ora! Senhor, esses que não sendo adeptos da Igreja
Latina mas da Grego Orthodoxa, mas que bem sabeis são
tão christãos quanto vos o sois, por uma questão de
delicadeza, sendo esse o seu procedimento, não deviam
ser tratados por vossa parte publicamente, dessa
maneira, insipida e grosseiramente.
Escrevemos isto, porem, pensando sermos nós os
visados pelo AVISO.
E agora, de maneira publica e clara, nos dirigimos aos
nossos patricios que professam a mesmas Fé, que se
acham justamente indignados e feridos nos seus legitimos
sentimentos, que não se abstenham de concorrer, sempre
que forem procurados, para qualquer obra Religiosa aqui
da terra, mas que sempre que forem convidados para
servirem de padrinhos frisem bem e com todo o orgulho
serem adeptos do Rito Orthodoxo.
Outro Syrio Orthodoxo”
Se a identidade é construída socialmente, as respostas publicadas no
jornal e a convocação de uma reunião são “o resultado do que esse grupo
pensa sobre si mesmo” em reação ao que “outros pensam dele” (BORGES,
2005, p. 104). Os líderes sírio-libaneses da cidade reuniram-se no dia 8 de
79
fevereiro de 1934 “para vencer a tormenta, superar a agitação, e alcançar a
segurança, (...) ponderar, deliberar e decidir” (GOMES, 1975, p. 214). Patrícios
fixados na cidade e região participaram e muitos foram os discursos. Aquela,
considerada por eles a mãe das igrejas cristãs estava prestes a ser fundada na
cidade. O desejo de que uma igreja dedicada ao rito ortodoxo fosse
estabelecida em Rio Preto permeava as palavras dos oradores. Decidiu-se
que: “dado o elevado número de elementos ortodoxos radicados na cidade e
na região, devia-se edificar, nesta generosa terra, em crescente progresso e
grande prosperidade, mais uma igreja ortodoxa, que preservaria a Santa
Tradição ortodoxa, intacta, que manteria o apego e o zelo pela Religião
herdada dos pais, e que irá ser transmitida aos nossos filhos que aqui
nascerão, constantes, e que conservará a chama da fé, justa e verdadeira,
acessa e viva nos corações dos fiéis” (GOMES, 1975, p. 214). Uma Comissão
Preliminar Pro Construção da Igreja foi constituída e saiu em busca de um
terreno e donativos para que a obra fosse realizada. Um estatuto também foi
preparado para que a Igreja estivesse de acordo com as leis do país.
O padre Samuel Matta afirma que “os donativos choveram, e com
abundância. O terreno foi encontrado e adquirido no dia 6 de setembro de
1934, e cujo proprietário se chamava André Petroni, pela quantia de trinta e
cinco contos de réis” (GOMES, 1975, p. 215). Todavia, um documento
expedido pelo Primeiro Oficial de Registro de Imóveis, sito em São José do Rio
Preto, certifica não constar nos livros tal compra, apesar de informar, inclusive,
o valor do negócio.
80
Figura 6 – Certidão emitida pelo Primeiro Oficial de Registro de Imóveis de São José do Rio Preto
A Primeira Assembléia Geral foi convocada em 23 de setembro de
1934, dia em que a Comissão Preliminar Pro Construção da Igreja, nomeada
no dia 8 de fevereiro, foi substituída pelo Conselho Administrativo, eleito pela
Assembléia e “composto, então, dos seguintes conselheiros: Moisés Miguel
Haddad, Calil Buchalla, Elias Choeiri, Nagib Gabriel, Mançour Daud, Abrão
Jorge, José Demétrio, Miguel Buchdid, Miguel Sabbah, José Caram Sabbagh,
Elias Mussi e Antonio Dieb Nassar (Livro de Atas n.o 01, Ata n.o 12, de 24 de
setembro de 1934). Este, tomando posse, continuou os trabalhos iniciados.
81
Planejou, a princípio, executar o seguinte: A Planta da futura Igreja; a relação
dos correligionários, na Cidade e na Região; a construção da Sede Paroquial, e
a vinda de um Sacerdote. Auxiliava o Conselho em sua tarefa administrativa, a
Sociedade das Damas Ortodoxas, criada havia um ano, e então composta das
seguintes senhoras: Nadjla Haddad, Ainda Assaz, Nina Chacra, Nabiha Tubel,
Amélia Mussi, Afifê Scaff, Nazima Garzuzi, Alice Suriani, Michelin Rizcalla, Mari
Madi, Nabiha Madi, Wadiha Homsi, Mahiba Mahfuz, Najiba Sawaya, Olga
Latuf, Florinda Choeiri, Nabiha Násser, e Zakiê Saikali, (Livro 1.o entre as Atas
46 e 47, com data de 15 de novembro de 1936)” (GOMES, 1975, p. 215).
Fotos 4 e 5 – Casamento e Festa de casamento de Alice Bechara, filha do padre
Habib Bechara.
O engenheiro e empreiteiro, Dr. G. Bozzani, estava contratado e com a
planta da obra nas mãos e, antes do primeiro aniversário da Primeira
Assembléia Geral da Igreja, no dia 4 de agosto de 1935, Rio Preto recebe seu
primeiro vigário ortodoxo, o padre Georgeos Assaz. As autoridades da cidade,
da Sociedade das Damas Ortodoxas, o Conselho Administrativo, o referido
padre e a população assistiu o lançamento da “PEDRA FUNDAMENTAL DA
IGREJA ORTODOXA ANTIOQUINA DE SÃO JORGE, DE RIO PRETO, no dia
15 de novembro de 1936” (GOMES, 1975, p. 216). A inauguração da Igreja
aconteceu quase onze anos depois.
“No dia determinado, com a presença de dois dos Príncipes da Igreja, enviados especiais do Trono Antioquino, Dom Nifom Seba, DD. Arcebispo Metropolitano de Zahlê (Líbano), e Dom Ignatios Heraik, DD. Arcebispo Metropolitano de Hama (Síria), para presidir a Cerimônia da Sagração, com a presença do senhor Governador do Estado, seu secretariado e uma grande comitiva, de Autoridades da Cidade e da Região, de uma multidão compacta dos correligionários
82
e do povo, os DD. Prelados e Enviados Apostólicos procederam à Bênção, à Santificação e à Sagração da igreja recém construída, consagrando-a à adoração de Deus, dedicando-a à proteção do Padroeiro São Jorge, e destinando-a às práticas do culto religioso Ortodoxo. Realizou-se esta Solenidade no dia 5 de julho de 1947” (GOMES, 1975, p. 216).
Fotos 6 e 7 – Período da construção da Igreja Ortodoxa em Rio Preto
83
Foto 8 – Sentado à esquerda, Dom Nifom Seba, DD. Arcebispo Metropolitano de Zahlê (Líbano) e
sentado à direita, Dom Ignatios Heraik, DD. Arcebispo Metropolitano de Hama (Síria) em visita a São José
do Rio Preto
O recém eleito Arcebispo Metropolitano Ortodoxo do Brasil, Dom
Ignatios Ferzly, visita a cidade de Rio Preto em 5 de junho de 1959 e faz muitos
elogios à igreja construída na cidade. O Conselho Administrativo, motivado
pelos elogios, resolve construir um salão nobre no terreno ao lado da Igreja.
Sobre o salão seria construído um apartamento para abrigar o padre. “Em nova
visita, no dia 24 de setembro de 1960, Dom Ignatios eleva a Paróquia Ortodoxa
de São Jorge a Sub-Diocese, e a igreja á categoria de Catedral” (GOMES,
1975, p. 217). A inauguração do Prédio Arquiepiscopal aconteceu em 5 de
março de 1961, mais uma vez com a presença do Arcebispo Metropolitano.
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Foto 9 – Inauguração do Prédio Episcopal – 5 de março de 1961
Foto 10 – Inauguração do Prédio Episcopal – 5 de março de 1961
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De acordo com Lodi, é possível asseverar que o autor do artigo
interpretado como ventos fortes [que] agitaram a calmaria do mar, tempestades
violentas [que] abalaram a bonança, e correntezas contrárias, que deu origem
à discussão pública e a todas essas obras de afirmação da colônia sírio-
libanesa, foi Monsenhor Joaquim Manoel Gonçalves. Suas afirmações incisivas
causaram outros conhecidos desconfortos presenciados pela comunidade
religiosa local. Ao lermos o Livro do Tomo da Paróquia da Igreja Católica
Apostólica Romana em São José do Rio Preto, vemos em seus últimos
escritos, por ocasião de sua despedida da cidade, em 1939, palavras de
reconciliação e pesar pelos problemas ocorridos nos anos anteriores.
“A minha despedida Foi na véspera de dar posse ao novo Cura da Catedral, Monsenhor Adaucto Rocha, que eu escrevi as palavras que aqui transcrevo e que mandei publicar nos dois diários locais sob o título que encima estas linhas, dirigindo-me aos dois diréctores como ai vai – “Caro diréctor de „A Notícia‟ ou caro diréctor de „A Folha‟. Peço-lhe guarida no seu jornal para duas palavras de despedida ao deixar o cargo de Cura da Catedral de Rio Preto. Quase doze anos se completam da minha direção nesta paróquia, transformada em Curato com a vinda do nosso querido Bispo Dom Lafayette Libanio, o primeiro depois da eréção do bispado. No trabalho que fiz e nos esforços que empreguei para cumprir o meu dever, tive em meu favor, depois da cooperação da graça de Nosso Senhor, com que sempre contei, apesar da minha indignidade, o auxílio dos conselhos sensatos e avisos prudentes do meu Superior Hierárquico, e de meus colegas, quer no paroquiato, quer no exercício das missões. Mas é certo que também muito me ajudou na consecução dos resultados, que por vezes se pautavam, a boa vontade e o santo empenho, com que todos os paroquianos procuravam tornar mais suave o meu jugo, devendo destacar aqui a este respeito, o interesse particular tomavam todas as associações piedosas, e o núcleo ainda pequeno, suas bem àtivos da Ação Católica. Num exame sério de consciencia, sinto remorsos de ter faltado algumas vezes aos meus deveres de correspondencia às gentilezas de que muitos me cercaram; e de não ter sabido constantemente, com pleno domínio de mim mesmo, conservar-me sereno nos avisos, caridoso nas repreensões, reflétido nos conselhos, e comedido nas demonstrações de afeto, sem bajulação entretanto e sem maldade. Nas dedicações que tenho sentido e nos favores recebidos.
(…) Peço perdão a quantos se julgarem ofendidos por mim. E também perdão generosamente a todos os que têm pretendido e procurado molestar-me, seja qual for a classe a quem pertencem, não excétuando mesmo os que, numa odiosidade inconcebível, pretenderam expulsar-me não sei para onde, como indesajável, e de certo.... perigoso. A todos vai esta perdão muito do fundo da alma.
(…) Após esta ligeira exposição de coisas e a indicação do programa singelo de trabalho, vou finalizar este arrasoado, agradecendo a todos a muita dedicação que me votaram, em o carinho que em geral comigo repartiram. A imprensa local, e particularmente aos dois
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diários que estão na brecha, representando com o seu mister neste progranista recanto de São Paulo – „A Notícia‟ e „A Folha‟, os protestos do meu reconhecimento. Por enquanto na Casa Paroquial e, mais tarde, residência não distante, sempre ficarei às ordens de todos, honrando-me em recebê-los contentes de cumpri-las. Rio Preto, 15 de abril de 1939
Monsenhor Joaquim Manoel Gonçalves (LIVRO DO TOMO)
Tal sentimento de conciliação se harmoniza com as cinco últimas das
“maiores diligências e tentativas empreendidas, após o grande cisma que
aconteceu entre as duas Igrejas: a Católica Apostólica Ortodoxa e a Católica
Apostólica Romana no ano de 1054”, publicadas no livreto Calendário Ortodoxo
de 1966 já aqui citadas:
24. A Mensagem de PAZ do Papa João XXIII ao
Patriarca Ecumênico Atenágoras I (1958).
25. A Mensagem de PAZ do Papa Paulo VI ao
Patriarca Ecumênico Atenágoras I (1964).
26. A Sugestão do Patriarca Ecumênico
Atenágoras I quando do encontro com o Papa Paulo
VI (6-12-1963).
27. O Encontro do Papa Paulo VI com o Patriarca
Ecumênico Antenágoras I (6 de fev. 1964) com o
Patriarca de Jerusalém Benedito I em Jerusalém.
28. Sustação das excomunhões mútuas que se
iniciaram no ano de 1054, entre as duas Igrejas:
Ortodoxa e Romana (7-12-65).
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2. IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ORTODOXA ANTIOQUINA
Oficialmente, a união de todos os ortodoxos do mundo, independente
de raça, língua, nacionalidade ou cor, forma a Igreja Ortodoxa. Esta Igreja é
Uma, Santa, Católica e Apostólica.
É Una: Porque o seu fundador e chefe Jesus Cristo “que a adquiriu pelo seu próprio sangue” (At 20.28) é um só; a sua fé em Jesus Cristo, a pedra principal (1Co 10.4) é uma só e indivisível; o seu govêrno Sinodal é um só e imutável através dos séculos. E como disse o Apóstolo: “Porque há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos” (Ef 4.5-6). É Santa: porque o seu alvo, isto é a salvação, a redenção, etc. é santa; a sua doutrina é Divina emana do S. Evangelho e S. Tradição; os seus fiéis são exemplos em caráter de santidade; além de serem exemplos em fé, amor, confraternização e virtude. É Católica: porque a sua missão é ilimitada, por fora dos tempos, espaços, marcos e raças; a sua fé é incondicional, segundo o mandato do Senhor: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a tôda criatura”(Mc 16.15); a sua bandeira da paz, sacrifício e abnegaçã0 é universal e está plantada no mundo inteiro junto às correntes da vida, “para que, ao nome de Jesus se dobre todo o joelho no céu, na terra e no inferno” (Fl 2.10). É Apostólica: porque apegou conscienciosamente aos ensinamentos e instruções que recebera do Senhor e seus Apóstolos, conservando-os como bom depósito da fé e amor em Jesus Cristo, resguardando-os de século em século sem que lhes infiltra heresia nos dogmas, anarquia nos princípios e disciplinas, paralisia nas virtudes, monarquia no govêrno, evitando as novidades profanas de palavra e egoísmo, guardando autênticamente a sucessão apostólica irrepreencível (sic) em todos os graus e manifestando com os Apóstolos que “ninguém pode pôr outro fundamento, senão o que foi pôsto, que é Jesus Cristo” (1Co 3.11), “que era ontem e é hoje: o mesmo será por todos os séculos” (Hb 13.8), “a cabeça do corpo da Igreja” (Cl 1.18), a sua Pedra Angular (1Pe 2.6), e “A Rocha Eterna” (Is 26.4).
Quando os Arcebispos Primazes das Igrejas autônomas se reúnem a
todos os Patriarcas chefes das Igrejas autocéfalas, por convocação de Sua
Santidade, o Patriarca de Constantinopla, a autoridade suprema da Igreja
Ortodoxa está reunida. O local onde o Santo Sínodo Ecumênico se reúne é
definido pelo citado Patriarca o qual é o único a receber a nomenclatura de Sua
Santidade. Os demais Patriarcas são Sua Beatitude e os Arcebispos
Metropolitanos são Eminência. Este últimos são a autoridade espiritual das
arquidioceses conquanto estão subordinados aos Patriarcas.
Os Graus da ordem na Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, segundo o santo Evangelho e a santa Tradição, são três: Bispo, Padre, Diácono. Todos os títulos que foram ramificados do grau de Bispo são denominações. Portanto, não há, religiosamente ou dogmàticamente, diferença entre bispo, arcebispo, metropolita, patriarca e papa. Pois
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são todos iguais na única e invariável sucessão apostólica e no único e indivisível grau episcopal. Apenas terá primazia de bondade, de sabedoria, de idade e, oficialmente, de ordem hierárquica. (...) Hoje todos os títulos episcopais estão, relativamente, com uma responsabilidade eclesiástica, e administrativa. Os padres também e os diáconos são iguais. Os títulos que recebem, como arquimandrita, ecônomo, arquidiácono etc. não lhes dão primazia espiritual ou
administrativa, mas apenas honorífica. (Calendário Ortodoxo de 1966).
A Igreja Antioquina teria sido fundada por líderes sucessores dos
apóstolos Pedro e Paulo. O primeiro Concílio Ecumênico reconheceu no bispo
de Antioquia a primazia sobre todos os Bispos do Oriente, tendo o segundo
Concílio confirmado a decisão do primeiro. Enquanto o IV Concílio Ecumênico
concedeu ao Bispo de Antioquia o Título de Patriarca, colocando-o na terceira
categoria, após os Patriarcas de Constantinopla e Alexandria. A Igreja Siríaca
Jacobita, os Maronitas e os Gregos Católicos surgiram como dissidência de
Antioquia.
Os Patriarcados de Jerusalém, Alexandria e Antioquia foram
penalizados severamente, ao longo da história, com muitas heresias. Estes
Patriarcados, “junto a Roma e Constantinopla [formavam] a Santa Pentarquia
dos Patriarcados Apostólicos. Isso acabou por elevar o prestígio de
Constantinopla, no que toca a defesa da Ortodoxia Cristã. Todavia, a história
demonstrou que, nos períodos pós-cisão, o Patriarca constantinopolitano foi
por sua vez perdendo o seu poder com as independências proclamadas e
aceitas de outras Igrejas também reconhecidas como ortodoxas, ficando um
número bastante reduzido de Igrejas dependentes diretamente de sua
jurisdição canônica. [Mas, ainda que independentes, as Igrejas] reconhecem o
Patriarca de Constantinopla como „Primus Inter Pares‟ (Primeiro Entre os
Iguais), título honorífico” (LOIACONO, 2006, p. 45-6). O Patriarcado de
Antioquia está entre os que se tornaram independentes e seu líder atual é o
Patriarca Ignátios IV, nascido em 17 de abril de 1920, na Síria. Com relação à
sede do Patriarcado o padre Gregório Teodoro afirma: “A nossa igreja veio dali,
tanto que até hoje a sede histórica da nossa Igreja é a Antioquia. O Patriarcado
não está mais lá, passou para Damasco, capital da Síria. Primeiro porque a
cidade foi quase destruída por um terremoto. Depois, por questões políticas ela
pertence atualmente à Turquia. A sede está em Damasco por isso, mas a sede
histórica continua sendo a cidade de Antioquia”.
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Foto 11 – Sua Beatitude Ignátios IV, Patriarca de Antioquia e de Todo o Oriente
A missa ortodoxa reproduz os momentos finais da vida de Jesus na
terra até sua ressurreição, o que não ocorre no rito latino, que tem seu ápice na
Ceia do Senhor. Na Igreja Ortodoxa toda a liturgia é celebrada em canto, ora
pelo(s) padre(s), ora pelo povo, dirigido por um coral, que fica ao fundo da
igreja, numa galeria superior. Na Igreja Católica Apostólica Ortodoxa
Antioquina, o som de um órgão acompanha as vozes. Segundo Loiacono, o
objetivo é levar o fiel à percepção da presença de Cristo e a um estado pleno
de contemplação. “Repleta de manifestações simbólicas, a missa ortodoxa
divide-se em quatro partes:
1. O instante inicial é marcado pela preparação da missa e inclui a procissão do Evangelho, é o símbolo oculto da vida do Cristo; 2. O segundo momento vai da procissão do Evangelho até o ofertório, é a ritualização da vida pública do Cristo; 3. A terceira parte envolve desde a procissão do ofertório até o instante pós-comunhão. É a representação do padecimento de Jesus (paixão e morte);
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4. A parte final compreende a comunhão até o encerramento do culto. É a expressão simbólica da vida gloriosa de Cristo. (LOIACONO, 2006, p. 29)
Willian Suleiman, nascido na Síria em uma tradicional família ortodoxa,
descreve assim a missa ortodoxa a nós:
“Primeiramente, na Igreja Ortodoxa tem as preparações da missa. Elas
levam mais ou menos uma hora. Mas hoje em dia não estão fazendo mais
essas preparações. Estão rezando direito a missa. As preparações ficaram em
segundo plano. Nessas preparações têm muitas orações, lê-se muita coisa,
prepara o fiel pra missa. Os fiéis participam dessas preparações. Lá na Síria
eles ainda fazem, mas aqui não. Como aqui o povo frequenta pouco, então
eles já entram direto na missa. A missa começa dessa maneira.
Primeiro faz os pedidos. Depois dos pedidos tem uma procissão dentro
da igreja. Depois tem a segunda procissão, depois do Evangelho. A primeira
procissão é uma preparação para o Evangelho. Ainda tem a Espístola e depois
dela vem o Evangelho. Logo depois do Evangelho tem o credo e então uma
oração um pouco comprida. É a oração do Querubim. Reza o Querubim e tem
outra procissão. O abuna28 leva o cálice e muitas pessoas ficam de joelhos,
porque é como se fosse a passagem da Santíssima Trindade. Por isso as
pessoas põem a mão no manto dele. Às vezes as pessoas doentes, pela fé,
podem ser curadas. Depois vem a consagração, que é a transformação do pão
e do vinho em corpo e sangue de Jesus Cristo. É só o padre que pode fazer
isso, só ele recebe esse poder. Ele é que faz a transformação. Ai vem mais
uma oração, o padre dá a comunhão, tem o Pai Nosso e depois a bênção final.
O padre vem na porta do meio29 e faz a bênção. Após a missa, eles dão o pão.
A comunhão é uma coisa, aquele pão é outra. A gente não tem a hóstia,
porque Jesus disse pra beber e comer o vinho e o pão”.
28
Significa nosso pai, é a forma de se referir ao padre. 29
Existe uma parede que separa o altar dos fiéis. Esta parede tem três portas. A porta do meio é chamada de Porta Real. Ninguém pode passar por ela, a não ser o padre, que só a atravessa durante a missa. Fora dos momentos de serviço religioso, nem mesmo ele a atravessa. Todos os celebrantes – inclusive o padre – da missa devem sempre entrar pela porta da direita e sair pela da esquerda. Apenas homens podem ser celebrantes. Isso para prevenir que uma mulher menstruada achegue-se ao altar.
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Foto 12 – à esquerda, Dom Damaskinos Mansour servindo a comunhão à Elmaz Bussab. Ao fundo, o Padre Nicolas Ferzoli.
Foto 13 – à direita, parte do teto e da iconostase30
da Catedral Ortodoxa de
Rio Preto.
É importante notar que o entrevistado não diz Bíblia, mas Evangelho –
por vezes, Santo Evangelho. O livro Doutrina Cristã Ortodoxa – Baseada nos
ensinamentos da teologia ortodoxa (publicado pela Santa Igreja Grego-
Ortodoxa do Brasil em 1957) consiste da forma de catecismo, com perguntas e
respostas. Vejamos algumas dessas perguntas e respostas:
“27. Em quantas partes principais dividem-se as
Sagradas Escrituras?
As Sagradas Escrituras são divididas em duas
partes principais: Antigo ou Velho Testamento e
Novo Testamento.
28. Que significam as palavras: Antigo e Novo
Testamento?
Significam: a antiga união de Deus com os homens
e a nova união de Deus com os homens.
30
Parede divisória que separa o santuário da nave do templo. Essa parede possui ao menos
três aberturas para o trânsito dos celebrantes e ministros.
92
30. Em que consiste a antiga união de Deus com os
homens (O Velho Testamento)?
Consiste em promessa solene, dada aos homens
pelo Deus Todo-poderoso, de que mandaria o Divino
Salvador para salvar os homens dos seus pecados.
Consistia também em preparar a humanidade para
receber o Filho de Deus.
33. De quantos livros estão constituídas as
Sagradas Escrituras do Antigo Testamento?
Os Santos Cirilo de Jerusalém, Atanásio o Magno e
João Damasceno contam 22 dêstes livros sagrados,
seguindo o exemplo dos antigos hebreus, que
mantiveram êste cálculo nas suas tradições. (S.
Atan. Espístola 39; S. João Damasceno: Teologia –
Livro 4, cap. 17).
39. Que há de importante no livro do Gênesis?
Neste livro encontramos a descrição da criação do
universo e do homem, da história primordial da
humanidade e do estabelecimento dos sentimentos
religiosos entre os primeiros homens.
40. Sôbre que tratam os outros quatro livros de
Moisés?
Êstes livros contam-nos a história da religiosidade
nos tempo de Moisés, como também sôbre as Leis
por êle recebidas de Deus.
41. Que devemos saber sôbre o livro dos Salmos?
O livro dos Salmos não sòmente ensina e eleva a
alma às práticas piedosas, mas contém ainda um
número considerável de profecias sôbre a sagrada
pessoa do Salvador. Êste livro admirável é um guia
magnífico para as preces e a glorificação de Deus,
sendo constantemente utilizado em todos os rituais
da Santa Igreja Cristã Ortodoxa.
53. Que são profecias?
93
São as predições exatas das coisas futuras, que não
podem ser conhecidas de alguém, além do Deus
Todo-poderoso.
54. Por que consideramos as profecias o início da
verdadeira revelação divina?
Explicaremos esta pergunta por meio do seguinte
exemplo:
O profeta Isaías predisse com antecedência de
vários séculos, o nascimento de Nosso Senhor
Jesus Cristo da Virgem Maria, fato êste sob hpótese
alguma sequer imaginado naquela longínqua época
histórica. Não resta dúvida alguma de que as
palavras desta proecia foram ditadas ao profeta
Isaías pelo próprio Deus.
Sôbre êste assunto diz-nos o santo apóstolo Mateus:
„Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que
foi dito da parte do Senhor, pelo profeta que diz: eis
que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e
chamá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que traduzido
é: Deus conosco‟ (S. Mat. 1, 22, 23)”.
As perguntas por nós selecionadas anunciam algumas peculiaridades
do cristianismo ortodoxo. Vemos, inicialmente, que a Igreja Ortodoxa tem a
Bíblia como livro sagrado – Velho e Novo Testamento. O Velho Testamento
anuncia uma forma antiga de relacionamento de Deus com os homens e o
Novo, uma nova forma. Mesmo sendo Católica, como a Igreja Romana, o
cânon do Antigo Testamento Ortodoxo é aquele que seria adotado pelas
igrejas reformadas no século XVI31, ou seja, sem os livros conhecidos como
apócrifos, adotando apenas os livros hebreus.
Também chamamos atenção para as seguintes frases: com relação ao
livro de Gênesis: estabelecimento dos sentimentos religiosos entre os primeiros
31
Para os ortodoxos o Antigo Testamento tem 22 livros enquanto para os protestantes, 39. Isso se dá porque os ortodoxos compilam em um único livro, o que os protestantes consideram diversos. Um bom exemplo são os doze livros dos profetas menores, compilados no livro Dos dozes profetas.
94
homens; com relação aos demais livros do Pentateuco: da religiosidade nos
tempo de Moisés; com relação ao livro dos Salmos: Êste livro admirável é um
guia magnífico para as preces e a glorificação de Deus, sendo constantemente
utilizado em todos os rituais da Santa Igreja Cristã Ortodoxa. Nossa intenção
ao fazer tais destaques é demonstrar que, mesmo considerado sagrado, na
prática, o Antigo Testamento não é bem aceito.
Padre Nicolas afirma ser ele um livro de histórias, onde o Deus Jeová
mostra-se um Deus vingativo, diferente do Pai de Jesus Cristo, que é amoroso.
Para ele, somente as palavras dos profetas que anunciam o Cristo e o livro dos
Salmos devem ser considerados. William Suleiman faz a seguinte
consideração: “Se você me perguntar sobre o Velho Testamento eu respondo
que eu não acho nada, eu não gosto. Se eu fosse autoridade religiosa tirava
70% do Antigo Testamento. Tirava e jogava fora. Porque é história, só isso.
Jesus falou: „eu sou maior que o Abraão. Eu sou o senhor do sábado‟. No
Velho Testamento, na mesma página tem uma coisa que contradiz a outra. Eu
deixaria os Salmos e mais alguma coisa”. De fato, não presenciamos nenhuma
leitura véterotestamentária em qualquer uma das missas das quais
participamos – com exceção dos Salmos.
Dois outros hábitos também merecem ser mencionados. O primeiro é a
separação entre homens e mulheres dentro da igreja. Facilmente percebe-se a
presença de visitantes não familiarizados com os costumes ortodoxos
observando o lugar onde sentam. As mulheres, tradicionalmente, sentam-se à
esquerda, enquanto os homens, à direita. Outra sutil característica é a maneira
de fazer o sinal da cruz. Aludindo à Santíssima Trindade, os cristãos ortodoxos
o fazem unindo os dedos polegar, indicador e médio.
Três liturgias são utilizadas pela Igreja Ortodoxa: a de São Basílio
Magno, a dos Pré-Santificados e a de São João Crisóstomo. A primeira e a
última seriam idênticas, não fossem as orações sacerdotais rezadas em voz
baixa, na de São Basílio Magno. Na maior parte do ano utiliza-se a liturgia feita
pelo antigo Patriarca de Constantinopla – São João Crisóstomo. Durante as
missas, diferentes vestimentas são usadas pelos celebrantes. Elas são
vistosas e cheias de detalhes, sua utilização varia de acordo com o status do
celebrante e têm um campo simbólico abrangente.
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Segundo apuramos, a tradição de cantar a liturgia teria sido criada por
São João Damasceno. Ele nasceu em uma família árabe cristã, na capital da
Síria, Damasco, em 675. Seu nome de batismo era João Mansur. Nessa
época, o domínio muçulmano já se fazia presente, mas no início da ocupação,
ainda se permitia alguma liberdade de culto e organização dos cristãos, dessa
forma o convívio entre as duas religiões até era possível.
A família de João Mansur ocupava altos postos no governo da cidade,
que era administrada por um califa muçulmano. Ele se tornou companheiro do
príncipe Yazid e foi nomeado conselheiro do califa. Seu fervor e convicções de
fé o fizeram abandonar o cargo e ingressar na comunidade religiosa de São
Sabas. Dedicou-se à solidão, penitência, estudo da Bíblia e pregação – em
especial na Igreja do Santo Sepulcro. Em seus momentos de solidão, à beira
de um rio, São João Damasceno teria identificado nos sons vindos dos rios os
tons musicais, que lhe inspiraram a musicar toda a liturgia.
As irmãs gêmeas Ana Carolina e Ana Beatriz Assis trabalham na Igreja
Ortodoxa de Rio Preto tocando e cantando durante a missa e nos esclarecem
sobre o assunto: “Nós temos um calendário anual passado pelo padre e o ritual
é sempre o mesmo, mas dentro do calendário tem um hino por domingo. São
os oito tons. Num domingo é o primeiro, no seguinte o segundo, até o oitavo.
Depois volta pro primeiro de novo. Esses tons são hinos. Cada domingo tem o
seu hino – ou tom. Mas quando tem um dia especial, de um padroeiro, por
exemplo, a gente não canta o tom, cantamos o hino especial. No dia da
exaltação da Santa Cruz, por exemplo, não cantamos o tom, cantamos o hino
da Santa Cruz. Em casos assim, o tom é substituído pelo hino especial. Todo
domingo é a liturgia de São João Crisóstomo. A gente canta a liturgia e encaixa
os hinos nela. O padre termina, por exemplo, uma leitura, ai está escrito: „tocar
o hino do dia‟, então é ali que a gente vai encaixar o hino diferente. Depois
volta pra liturgia e vai seguindo. Quando é uma missa especial, ela é em tom
menor, fica mais triste. E nos outros domingos é em tom maior, que é alegre. A
sequência da missa é sempre a mesma, o que muda é uma leitura. Mas é
sempre a mesma sequência, não muda nada”.
São João Damasceno é ainda considerado o último dos santos padres
orientais da Igreja. Ele lutou contra os iconoclastas e até mesmo escreveu um
livro defendendo o culto às imagens chamado Orações sobre as imagens
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sagradas. Parte essencial da religiosidade ortodoxa são os ícones, ou imagens.
Diferentemente da Igreja Romana, não se vê estatuas nos templos, mas figuras
pintadas. Elas estão nas paredes e na iconostase e sua existência é o
resultado de uma série de detalhes. Os pintores, de preferência monges, além
de outras imposições, fazem jejum alimentar e abstêm-se do sexo e bebidas
alcoólicas. O material usado é de origem animal, mineral e vegetal e, ao final, a
obra não é assinada. Isso porque ela é uma obra divinamente inspirada – ao
fim deste trabalho, em anexo, pode-se ver alguns desses ícones. Os fiéis,
desde a infância, são ensinados pela família e por seus líderes a terem uma
relação pessoal intensa com os ícones. Loiacono inclui em seu trabalho a
afirmação de Maria Donadeo quanto a essa relação:
“Quantos fiéis ortodoxos, ainda hoje, se recolhem a orar junto com um ícone, com a confiança de um encontro benéfico, de uma realidade pessoal embora invisível! E quantos, através dos séculos, tem experimentado a eficácia de tais encontros pela própria transformação pessoa!” (DONADEO, 1996, apud, LOIACONO, 2006, p. 36).
O culto a Theotokos – mãe de Deus – é outro importante fator. Esta
forma de se referir à Maria foi confirmada em 431, no Concílio de Éfeso,
vencendo assim o nestorianismo, contrário a esta expressão. Acredita-se que a
Virgem Maria encontra-se em constante intercessão junto a seu Filho por seus
filhos terrenos. Ela sempre é saudada pelos fiéis com a inclinação de suas
cabeças quando entram no templo” (MARTINS, 2008, p. 6). É possível que a
tradição das mulheres de Rio Preto se sentarem nos bancos do lado esquerdo
da Igreja tenha nascido porque o ícone da Virgem Maria está pintado deste
lado. No Calendário de 2002, confeccionado pela Catedral Metropolitana
Ortodoxa, o Arcebispo Metropolitano de São Paulo e de todo o Brasil, Dom
Damaskinos Mansour afirma que “o ícone, palavra que nos vem do grego e
significa „imagem‟, é como um livro completo da Revelação Divina, pois de
forma simples, no todo e em cada detalhe, o ícone nos ensina, nos lembra as
verdades da Fé Cristã”.
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Foto 14 – à direita, Dom Damaskinos Mansour em celebração na Igreja de Rio Preto. Foto 15 – à esquerda, Dom Damaskinos Mansour, Monsenhor Dimitrius Attarian e o Padre Nicolas
Ferzoli
A sede do Arcebispado Metropolitano (Arquidiocese de São Paulo e
todo o Brasil) fica à Rua Vergueiro. É a Catedral Metropolitana Ortodoxa já
citada aqui. Atualmente, o Metropolita da Catedral Metropolitana é Dom
Damaskinos Mansour e o clero é formado pelos Arquimandritas Ignátios Lutfi,
Nicolas Chahda e Dimitrios Attarian e pelos padres José Valério Lopes dos
Santos e Gregório Teodoro. Na cidade de São Paulo ainda estão a Igreja
Anunciação de Nossa Senhora (desde 1902), a Capela São Jorge – Lar Sírio
Pró-Infância (desde 1937) e a Capela Santo Antoun – Asilo Mão Branca. No
Estado de São Paulo o Patriarcado Antioquino se faz presente com: a Catedral
em São José do Rio Preto (1936 – lançamento da pedra fundamental),
Paróquia Ortodoxa Sagrada Família de Cotia, Paróquia Ortodoxa Nossa
Senhora de Campinas, Igreja Ortodoxa São Jorge de Santos (desde 1957),
Igreja Ortodoxa da Anunciação de Nossa Senhora de Ituverava (desde 1925),
Igreja Ortodoxa São Jorge de Biriri (desde 1933) e a Igreja Ortodoxa Nossa
Senhora de Lins.
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Foto 16 – Catedral Metropolitana Ortodoxa
Mas o Patriarcado não está apenas no Estado de São Paulo. No
Paraná, desde 1954 existe a Igreja Ortodoxa São Jorge de Curitiba. Em Goiás,
a Igreja Ortodoxa São Jorge de Anápolis, a Igreja Ortodoxa São Nicolau de
Goiânia (desde 1956) e a Igreja Ortodoxa São João Batista de Ipameri. Em
Minas Gerais estão a Igreja Ortodoxa São Jorge de Belo Horizonte (1938) e a
Igreja Ortodoxa Santo Elias Profeta de Guaxupé (1927). E finalmente, o
Patriarcado Antioquino está presente na capital do país com a Igreja Ortodoxa
São Jorge de Brasília.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, quando pensamos em pesquisar a chegada dos sírio-
libaneses ao Brasil, não imaginávamos que fossem cristãos – a ideia era de
que a predominância fosse islâmica. De fato o islamismo já há muito tempo
tinha chegado em terras brasileiras, com os escravos malêses, mas o árabes
muçulmanos desembarcam no Brasil, com características migratórias, na
segunda metade do século XX.
Apenas uma vez, por curiosidade, tínhamos adentrado a uma Igreja
Ortodoxa, na ocasião, a Catedral Metropolitana. Sua beleza é indescritível.
Mais surpreendente foi a primeira participação em uma missa, uma vez que
desconhecíamos o modo como ela acontece. As procissões, as vestes e o
canto dos sacerdotes, o coral. Isso sem falar que os fiéis ficam imersos em um
ambiente que tem 100% das paredes e teto decorados com imagens
bizantinas.
Em Rio Preto as dimensões são menores, mas a suntuosidade é a
mesma. Ficamos impressionados com o fato de, em pleno centro da cidade,
haver uma relíquia histórica tão pouco conhecida e menos ainda divulgada.
Praticamente a totalidade dos que frequentam a igreja são da colônia árabe
riopretense. Ao olharmos a lista de famílias de fiéis da igreja, quase não vemos
brasileiras e outras nacionalidades. É importante reforçar que uma pequena
parte daqueles que compõem essa lista são assíduos às missas. Atualmente, a
média de fiéis que frequentam dominicalmente a igreja é de vinte e duas
pessoas – sendo, na média, nove mulheres e treze homens – geralmente,
quando há crianças, são os netos do padre Nicolas. “As pessoas já foram mais
participativas, a Igreja já teve mais influência, a Catedral é linda, é um
patrimônio de tradição bizantina, eu acho que é preciso resgatar a presença da
Igreja na cidade” diz Amal Suleiman, em entrevista para este trabalho.
Borges afirma que “na preferência das novas gerações, essas igrejas
foram pouco a pouco sendo substituídas pela igreja católica romana. Tal
substituição se explica, em parte, porque ser católico é se definir como
brasileiro, e isso é essencial para segmentos ávidos de aceitação social”
(BORGES, 2000, p. 21). No caso riopretense não parece haver uma adesão
maciça ao catolicismo romano pelas novas gerações. Ao ser por nós
100
entrevistada, Nilvia Buchala afirma que “Os filhos, pra variar, estão todos
desgarrados. Na época de meu avô os filhos também participavam da religião.
Meu pai, enquanto vivo, participou ativamente, chegou a ser presidente do
Conselho Administrativo da Igreja Ortodoxa. Depois que ele faleceu, nós, os
filhos e netos, de uma certa forma acabamos nos distanciando. Mas é um
distanciamento muito comum em quase todo mundo, porque você não vê os
filhos. São raras as famílias que conseguem manter os filhos dentro da religião.
Mas a gente não nega. Eu batizei meus três filhos na Ortodoxa e frequento
eventualmente”.
Mas um outro êxodo para a igreja romana pode ser identificado, como
também para a igreja maronita. Apesar de homens casados poderem se tornar
padre e de, segundo as gêmeas Assis, aceitarem o recasamento32,
encontramos uma insatisfação considerável com relação ao divórcio do padre
Nicolas Ferzoli. Tal insatisfação teria levado fiéis de famílias tradicionalmente
ortodoxas para as igrejas romana e maronita.
O padre, por sua vez, afirma estar aguardando ser substituído, por já
ter se aposentado. Tal substituição, pelo o que apuramos, causa expectativa,
ao menos em parte da colônia sírio-libanesa ortodoxa. Isso porque há a
possibilidade de sanar o desconforto moral – ter um padre divorciado – ao
mesmo tempo que se recebe um filho da terra como líder, no caso, de acordo
com o apurado, o diácono Maluf.
Os dados apresentados neste trabalho mostram a importância da
colônia sírio-libanesa na cidade de São José do Rio Preto. Os desafios
enfrentados pelos imigrantes começaram enquanto na Grande Síria.
Conquanto de outra ordem, no Brasil eles continuaram. Com a força de seu
trabalho e cultura, contribuíram com o desenvolvimento do noroeste paulista.
Na cidade de Rio Preto a estima pelos árabes, bem como o espaço por eles
conquistado é também expressa nas ruas da cidade.
No já aqui mencionado discurso proferido pelo doutor Cais, ele afirma
que a cidade “tem 272 logradouros (praças e ruas) com nomes árabes”. O site
oficial da prefeitura indica a existência de 3.539 ruas no município, das quais
identificamos ao menos 323 com nomes de origem árabe, ou seja, 9,127%. Do
32
Afirmam ter cantado e tocado em três casamentos do mesmo noivo.
101
número total de ruas, 235 permanecem sem nome, sendo designadas por
acesso, marginal, particular, via, projetada, rotatória, projetada, estrada,
avenida, avenida marginal, alameda, ou por números. Isso quer dizer as ruas
que homenageiam pessoas, países, animais etc. são 3.304, elevando o
percentual de motivos árabes homenageados para 9,776%.
Os relatos colhidos nas entrevistas que fizemos – como também nas
realizadas por outros pesquisadores – demonstram a centralidade de redes. De
todo material coletado apenas uma pessoa considerou – sem grande convicção
– que seus familiares teriam vindo ao Brasil sem ter qualquer parente ou
conhecido aqui. Se não considerarmos essa exceção, quando questionados,
todos tinham alguma história sobre o tema a contar. Em sua tese de doutorado,
Lodi registra que Elias Choeiri “veio para Rio Prêto em 1911, pois seu pai aqui
estava” (LODI, 1976, p. 387).
Dados publicados referentes ao ano de 1918 apontam que, à época,
não havia sequer um advogado ou engenheiro sírio-libanês trabalhando em Rio
Preto, e apenas um médico – Dr. Ussuf H. Auerad. Esse é um dado
interessante, uma vez que, das trinta entrevistas por nós realizadas, apenas
quatro pessoas são comerciantes e duas, donas de casa. Todo o restante é
formado por profissionais liberais como advogados, professores, engenheiros,
profissionais da saúde e religiosos.
O levantamento feito por Knowlton aponta São José do Rio Preto como
a cidade do interior paulista que mais recebeu imigrantes árabes. Se no
passado até mesmo a comida sírio-libanesa parecia estranha aos brasileiros,
hoje é praticamente impossível não encontrar uma esfiha ou um quibe em
qualquer lanchonete da cidade. José Chalela relata que “na época em que os
primeiros chegaram, o pessoal estranhava muito a comida. Os sírio-libaneses
comem coalhada com tudo, né? Então o pessoal dizia: „esse turco vai morrer!
Tá comendo pepino com coalhada‟. Comer quibe cru era horrível pra eles
naquela época e hoje a turma toda come, todo mundo gosta”. Atualmente
existe ao menos seis restaurantes especializados em comida árabe na cidade.
Aqueles por nós entrevistados vivem a tensão entre ser árabe e ser
brasileiro. Encerramos com as palavras do Dr. Arif Cais, que, de maneira direta
e sucinta expressa a realidade de ser tanto um como o outro: “Eu sou
brasileiro, adoro o meu país, sou corinthiano. Eu não tive escolha, nasci aqui.
102
Meu pai escolheu onde morar, onde viver. Ele escolheu o Brasil. Eu creio que
ser brasileiro por opção é de uma dignidade notável. Ele nunca pretendeu
voltar, tanto que casou-se por aqui. Eu vivo essa realidade de ser brasileiro e
ser descendente”.
103
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________. Sírios e Libaneses – Narrativas de história e cultura. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 2005.
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sociologia da USP, São Paulo: no 1, p. 199-218, jun. 2008.
105
Os anexos a seguir são imagens e textos publicados no Calendário de
2002, confeccionado pela Catedral Metropolitana Ortodoxa.
106
ANEXO A
Este ícone, Ícone de Todos os Santos, em especial, é como que um
resumo da Côrte Celeste, os Céus (note-se as estrelas em cima e na parte
inferior), numa visao da bem-aventurança eterna que aguarda os justos após o
Juízo.
No centro do ícone vemos o próprio Jesus Cristo, tendo em sua cabeça
uma auréola de glória, assentado sobre a linha do céu e com os pés na linha
da terra, formando como que um arco-íris, pois, “o Céu é o seu trono e a terra o
estrado de seus pés.” (São Mateus 5,34-35).
As vestes do Senhor nos ensinam igualmente: o manto é dourado, côr
da glória e da vitória e a túnica, vermelha, côr de sangue que derramou por
nós. Ele abençoa com a mão direita e na esquerda segura o Evangelho aberto,
no qual se lê em grego: “Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o
reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.” (São Mateus
25,34).
107
Na parte de cima, no meio, destaca-se a Cruz, instrumento da paixão
do Senhor e, agora, de sua glória; por isso está cercada por querubins e
localizada atrás e acima do trono de Jesus Cristo, o trono do Juízo Final,
segundo palavras do próprio Senhor: “Quando o Filho do Homem vier em sua
glória e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua
glória” (São Mateus 25,31).
Sobre o trono está sua túnica e sobre ela o Evangelho, que é a balança
da justiça e do julgamento.
Dois rostos, o sol e a lua, nos mostram que a luz da glória do Senhor e
dos santos é maior que a dos astros celestes.
À esquerda e à direita estão, respectivamente, Adão e Eva em atitude
de adoração, que aqui representam toda a humanidade redimida por Cristo, já
que são os primeiros pais de todos os viventes.
Junto de Adão e de Eva, os anjos olham admirados, como aqueles que
honram e servem a natureza humana de Jesus como mais elevada e mais
gloriosa que a natureza angélica. Eles usam vestes de serviço, com o orário
(faixa) diaconal, mostrando, assim, que estão prontos para a “diaconia”
(serviço), uma vez que a palavra “diácono” significa “servo”, “servidor”.
Outro ponto importante a se destacar neste ícone é o da intercessão,
destacando-se as figuras de Nossa Senhora (à esquerda) e São João Batista
(à direita), um de cada lado de Jesus. Ambos estão rogando, intercedendo ao
Senhor: a virgem Maria, Mãe do Verbo Encarnado, como fez nas bodas de
Caná, quando Jesus, a pedido de sua mãe, operou o primeiro milagre,
transformando água em vinho. Logo, o rogo da Mãe é especialmente
considerado diante do Filho. Como é de costume, ela tem uma estrela nos
ombros e na fronte, símbolos de sua virgindade antes, durante e após o parto.
Suas vestes têm as cores vinho (sofrimento), azul celeste (pureza, como o mar
límpido reflete essa cor) e azul marinho (profundidade).
São João Batista, o último Profeta, é também o Precursor do Messias
(Cristo); por suas vestes rústicas, aspecto simples e sério e cabelos longos,
apresenta uma vida de penitência e ascetismo, sendo ele o mestre do
monasticismo. Dele disse o Senhor: “Entre os nascidos de mulher, não
apareceu ninguém maior do que João Batista”. (São Mateus 11,11).
108
À direita de Nossa Senhora, acima, estão os santos apóstolos,
destacando-se Pedro e Paulo que, juntos, seguram uma igreja por serem os
“príncipes dos apóstolos”; ainda à direita da Virgem Maria, abaixo, estão os
santos hierarcas, dentre os quais os “três astros da Ortodoxia”: Basílio Magno,
João Crisóstomo e Gregório Teólogo e ainda Espiridon e Nicolau.
Atrás de São João Batista, vemos os santos profetas, como Abraão,
Moisés, Davi, Daniel, etc. Logo abaixo deles vêem-se os santos monges e
eremitas: Pacômio, Antonio, Paulo e outros.
Esta comunhão dos santos do Antigo e Novo Testamentos é expressa
pelo apóstolo São Paulo, que escreveu que nós, cristãos, somos “edificados
sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo Jesus Cristo a pedra
angular.” (Efésios 2,20).
Na parte inferior do ícone estão santos e santas, principalmente
mártires, como Jorge e Dimitrios (à esquerda) e Catarina e Bárbara (à direita),
juntos das quais está Santa Maria Egípcia. Ao centro, os santos imperadores
Constantino e Helena seguram a santa e venerável Cruz.
Atrás do círculo em que se encontra Jesus colocam-se os
“tetramorfos”, quanto figuras-símbolo dos santos evangelistas: à esquerda,
acima, o anjo (homem alado), representando Mateus, que nos fala no início de
seu Evangelho, da linhagem humana do Senhor, o “Filho do Homem”; abaixo, o
leão, Marcos, que inicia seu Evangelho falando da “voz do que clama no
deserto” e destaca a realiza de Jesus; à direita, abaixo, o novilho (um dos
animais sacrificados no templo), símbolo de Lucas, que no início de se
Evangelho nos apresenta o sacrifício no templo e nos mostra Jesus, o “cordeiro
imolado” para a remissão dos pecados; acima, a águia, ave que, como
nenhuma outra, voa nas alturas dos céus, pois João, que ela simboliza, nos
mostra, das alturas, o Verbo Encarnado, bem como a sublimidade da Teologia
(conhecimento e discurso sobre Deus) e do amor.
Esses santos, pela preciosidade e alcance universal de seus valiosos
escritos inspirados, os Evangelhos, são como que o cumprimento das palavras
do Salmo: “Ouvem-se as suas vozes em toda a extensão da terra e as suas
palavras até ao fim do mundo.” (19,3-4)
Sendo este ícone, com o trono ao alto, aquele que nos fala também do
Juízo final, como ensina o Cristo no Evangelho de São Mateus, como já
109
mencionamos, lembramo-nos das palavras de São Paulo: “Não sabeis que os
santos julgarão o mundo?” (I Coríntios 6,2). Finalmente, todo o ícone, com suas
sublimes verdades, está em um círculo, figura geométrica sem princípio nem
fim, símbolo da eternidade, pois todo o cosmo, com tudo que nele há, se
submeterá a Jesus, o Cristo, Deus e Senhor, o Rei dos reis.
110
ANEXO B
O santo Batismo de nosso Senhor Jesus Cristo é narrado pelos quatro
evangelistas: Jesus apresenta-se a São João Batista, que estava pregando e
batizando no rio Jordão e pede o batismo. João reluta, mas, finalmente, cede à
determinação de seu Senhor.
É o que nos mostra este ícone. Seu centro é o próprio Jesus Cristo,
que está totalmente imerso nas águas do rio, porém não parece molhar-se,
mas sim andar sobre elas. A cena invertida parece reproduzir como que um
novo nascimento. Cristo representa o homem novo, que nasce de Deus, o novo
Adão.
São João, enquanto batiza o Senhor com a mão direita, tem a
esquerda erguida para o céu, glorificando à Trindade que se manifesta e ao
mesmo tempo representa sua intenção anterior de evitar esse tremendo
encargo.
Os três anjos, à direita do ícone, representam a natureza angélica que
se prostra em adoração ao Deus-Homem. As mãos cobertas e o corpo
111
inclinado indicam sua missão de servir o Salvador. Eles são três, como os que
apareceram a Abraão, como vemos no ícone da Trindade.
De fato, este ícone nos apresenta a Trindade:
A voz do Pai se faz ouvir dos céus, enquanto o Filho é batizado e o
Espírito santo desce sobre Ele em forma de pomba.
O círculo, na parte superior do ícone, é o Céu, morada de Deus; um
raio dele desce com a pomba do Espírito e se divide em três: o ministério das
Pessoas Divinas, o Deus Tri-Uno que se humilha para salvar a humanidade.
112
ANEXO C
Lemos no episódio evangélico de que trata este ícone em São Lucas
(2, 22-35). De fato, era costume à época que, quarenta dias após o parto, a
mulher, já considerada “purificada”, se apresentasse no templo para oferecer
um sacrifício de ação de graças ao Senhor; ao mesmo tempo deveria ser
“resgatado” todo filho primogênito, ou seja, ele era apresentado ao Senhor, a
Ele consagrado e, através do sacerdote, Deus o devolvia aos pais.
Este ícone nos mostra o momento essencial do acontecimento: Jesus
nos braços do justo Simeão. Simeão, homem justo e piedoso, que aguardava a
manifestação da salvação de Deus, havia recebido do Senhor a promessa de
que não morreria antes de ver o Cristo de Deus e, naquele dia, impelido pelo
Espírito Santo, foi ao templo e, após os pais terem feito a apresentação do
Menino, o tomou nos braços e louvou a Deus.
A prática da apresentação dos filhos, sem distinção de sexo, e aplicada
a todos, não somente aos primogênitos, é mantida na Igreja Ortodoxa, cabendo
aos pais cristãos a observância desse ritual de bênção dos filhos antes do
113
Batismo, reconhecendo que os mesmos são dádivas de Deus, que a Ele
devem ser consagrados.
114
ANEXO D
Neste ícone, lê-se, abreviado em grego, o título da Virgem Maria, “Mãe
de Deus” e acima da auréola do menino, abrevia-se “Jesus Cristo”.
O rosto da Virgem, ligeiramente inclinado, parece melancólico, embora
receba o abraço de seu Divino filho. Seus olhos expressivos são próprios da
Mãe que acompanha o destino de todo homem, de todo filho; através de seu
olhar se manifesta o arrojo do coração de mãe; a mãe que recebe as carícias
do filho, mas sabe que há de encarnar a natureza humana – e a nova Eva.
Ela nos mostra o Menino com a mão esquerda, isto é, indica o Divino
Menino como o caminho que se há de seguir. Como nas bodas de Caná, nos
dirige em convite e, ao mesmo tempo, uma ordem: “Fazei tudo o que ele vos
disser.” (São João 2, 5).
Esse gesto é típico da figura da Virgem, que intercede perante Cristo
Juiz – este ícone traz também, portanto, o significado da intercessão.
A Mãe de Deus é sempre pintada com três estrelas (uma das quais não
é visível neste ícone): uma sobre a cabeça e outra sobre cada ombro; são o
sinal da santificação da Trindade, como Mãe de Deus, pois foi virgem antes,
115
durante e após o parto. Deus, com efeito, nasceu dela, por isso a natureza
mudou o próprio curso.
Jesus apresenta um semblante sério, não de severidade, mas de
segurança. Trata-se da profundidade de dois rostos que se encontram.
Este ícone, mariano por excelência, é, na realidade, uma imagem
cristológica, porque Maria conduz a Cristo.
116
ANEXO E
A Ressurreição de nosso bendito Deus, Senhor e Salvador Jesus
Cristo é o alicerce de toda a fé cristã e, conseqüentemente, da Igreja de Cristo.
Este ícone, do iconógrafo Yuri Sidorenko, procura ser fiel aos textos
evangélicos.
São Mateus (28, 1-2) nos diz que, ao raiar o primeiro dia da semana,
que hoje chamamos Domingo, após um grande terremoto, o anjo do Senhor
desceu do céu, removeu a pedra do sepulcro e sentou-se nela.
São Lucas (24, 1-6), detalhando, nos diz que as portadoras de aromas,
ao chegarem ao sepulcro, encontraram a pedra já removida e dois homens
com vestes resplandecentes que lhes anunciaram a Ressurreição. São os
anjos que vemos neste ícone sentados no sepulcro, com vestes brancas de
pureza, cabeças aureoladas, sinal de santidade e cada um, com a mãe que
está mais próxima de Jesus, faz um sinal de veneração, com as cabeças
inclinadas, olhos baixos, pois nem a eles é possível contemplar o Senhor face
a face, na glória da Ressurreição. Cada qual, com uma das asas, parece
117
proteger-se dessa luz maravilhosa e inacessível, ao mesmo tempo que, com
elas, escoltam o Cristo Ressuscitado.
Jesus Cristo apresenta-se com uma auréola diferente da dos anjos,
com o contorno da cruz, com as letras gregas “ômicron”, “ômega” e “ny", que
significam: “O Que Sou”, afirmação de sua divindade.
Acima do ícone estão seu nome e título: Jesus Cristo.
Ele está todo envolto em luz, elevado sobre o sepulcro, cercado por
raios dourados – a luz da glória da Ressurreição; com a mão direita abençoa e
na esquerda leva um rolo de pergaminho, símbolo do anúncio da Boa-Nova
Pascal, a ser proclamada ao mundo. Há ainda um halo diferente a cercá-lo,
com três tons diferentes de azul: um azul quase negro, símbolo das trevas da
morte (a escuridão do sepulcro), que o Senhor enfrentou e derrotou; um azul
mais claro, de onde saem os raios dourados e o azul celeste – a noite fêz-se
dia, as trevas deram lugar à luz, com a gloriosa Ressurreição, luz que, a partir
de então, ilumina todo homem.
118
ANEXO F
O evangelista São João relata que Jesus operou seu primeiro milagre
em Caná da Galiléia, num casamento (São João 2, 1-11).
Ele, sua mãe e os discípulos eram convidados. Com o ministério e
ensinamentos de Jesus Cristo e o posterior desenvolvimento da Igreja Cristã, o
matrimônio foi elevado à condição de sacramento, ou seja, meio pelo qual,
através da Igreja, Deus concede sua especial graça aos casais cristãos.
Este ícone, retratando o episódio evangélico das bodas de Caná,
revela-nos a mística do matrimônio cristão. Vê-se a mesa principal, ao centro
da qual estão os noivos; os olhares e gestos dos personagens à direita
denotam preocupação, pois já não havia mais vinho, motivo de grande
vergonha para os anfitriões da comemoração.
À esquerda vemos Nossa Senhora, bem próxima ao Filho, auréolas
unidas; com a cabeça ligeiramente inclinada, toca familiarmente Jesus com a
mão esquerda, enquanto estende-lhe a direita, gesto de intercessão – aqui, em
favor do casal, Maria é a intercessora junto ao Senhor.
119
Jesus inclina-se para ela com ternura, como num diálogo filial e com a
mão direita faz um gesto que denota orientação e ordem. Ele está sobre um
pequeno trono, sinal de sua realeza e exaltação.
À direita vê-se um jovem servente que, após a orientação de Nossa
Senhora – “Fazei tudo o que ele vos disser” – obedece a ordem de Jesus,
enchendo seis talhas com água, que o Senhor transformou em vinho,
maravilhando os que presenciaram o milagre. Esta é uma lição da graça do
matrimônio cristão, pelo poder de Cristo: a metamorfose, transformação da
natureza humana para receber a bênção de Deus, numa união espiritual e
mística entre os cônjuges e deste com o Senhor, tendo sempre em seu lar, em
sua vida em comum, a presença de Cristo e seu Evangelho (veja-se sua mão
esquerda) e a intercessão da Virgem Maria.
120
ANEXO G
Vemos nesta página, numa representação que já nos é familiar, os
Santos Apóstolos Pedro e Paulo, identificados pelas características
iconográficas próprias: São Pedro, à esquerda, tem na mão esquerda duas
chaves, lembrando as palavras de Jesus a ele dirigidas: “Eu te darei as chaves
do Reino dos Céus...” (São Mateus 16, 19).
São Paulo, à direita, tem na sua mão esquerda o Santo Evangelho, por
ter sido seu maior divulgador, o maior missionário cristão de todos os tempos.
Ambos, com a mão direita, manifestam um gesto de união, ao mesmo
tempo que parecem sustentar a Igreja encimada pela Cruz de Cristo, símbolo
máximo de nossa fé.
A Igreja, por sua vez, deve sua vida à ação do Espírito Santo, que
aparece sobre ela em forma de pomba, distribuindo-lhe os raios de sua graça,
seus dons que nos são comunicados através da Igreja, principalmente nos
sacramentos.
São Pedro e São Paulo são os “Príncipes dos Apóstolos”, fundadores
de nossa Igreja Patriarcal de Antioquia, aqui representada por nossa Catedral.
121
O trabalho aqui representado é obra da famosa artista plástica Odette
Haidar Eid, originária da família cristã ortodoxa Haidar, de Baskinta – Líbano.
Trata-se de uma escultura em bronze patinado que a artista
graciosamente ofertou ao nosso Arcebispado e que está no salão nobre do
mesmo.
122
ANEXO H
Este famoso e conhecido ícone ortodoxo se baseia no relato bíblico da
visita de três anjos ao Santo Patriarca Abraão e sua esposa Sara, como lemos
no Livro do Gênesis (18, 1-15).
Desde o princípio, os exegetas, peritos nas Sagradas Escrituras, viram
ali, claramente, uma Teofania, ou seja, a manifestação de Deus já no mistério
Trinitário, pois o texto, falando dos três anjos, diz no início: “o Senhor apareceu
a Abraão...”
A Trindade Divina anunciou a Abraão, já avançado em idade, que Sara,
também idosa e estéril, conceberia um filho.
O Santo Patriarca e a Santa Matriarca são vistos neste ícone
reverentemente inclinados, servindo os anjos.
Os três anjos, por sua vez, além das auréolas, apresentam sobre a
cabeça, em branco, sinais especiais de sua santidade e consagração. Sentam-
se à mesma mesa, com alimentos diante de si, portando cada um, na mão
esquerda, longos bastões, símbolo de realeza e poder. Estão em pequenos
tronos, com estrados para os pés. O do meio representa o Pai, o Criador, que,
123
por sua vez, olha para o Filho, o Salvador, à esquerda e este, por sua vez, olha
para o Espírito Santo, o Consolador, Santificador, que olha para baixo – Deus
vem à terra em socorro de sua criação. O gesto da mão direita de cada um,
com dois dedos (indicador e médio) separados, é sinal de assentimento,
concordância, pois, como cantamos em nossa Liturgia, a Trindade é
“consubstancial e indivisível”.
124
ANEXO I
O ícone aqui reproduzido está em nosso Seminário de Nossa Senhora
de Balamand, no Líbano e foi pintado em 1.701 por Ne‟Meh Al-Musawwir e
representa o martírio de quarenta soldados cristãos no ano 320, na cidade de
Sebaste ou Sebátia, na Ásia Menor.
O então imperador Licínio ordenou a todos os soldados que
oferecessem sacrifícios aos deuses, o que aqueles quarenta se recusaram a
fazer. Por terem desobedecido a ordem imperial, foram presos uns aos outros
por uma só corrente e aprisionados por longo período.
Foram, por fim, condenados à morte por congelamento. Desnudados,
no auge do inverno, foram colocados sobre um reservatório de água gelada,
sob a vigilância de um soldado. O reservatório estava numa região de termas
e, a certa distância, uma porta por onde saíam jatos de vapor quente foi
deixada aberta para tentá-los a renegar a fé. Passadas já horas, o vigia
espantou-se com sua coragem.
125
Porém um deles, no desesperado estertor dos espasmos do
congelamento, arrastou-se até a porta aberta e, numa reação física inevitável,
morreu envolvido pelos vapores quentes.
Àquela visão, o vigia, tomando coragem e fé, livrou-se das vestes e,
proclamando-se cristão, deitou-se sobre o gelo, refazendo o grupo dos
quarenta.
Na manhã seguinte, um carro foi levado para transportar os corpos
para que fossem cremados. Um jovem dentre eles era o único vivo, apesar de
suas condições. Dentre os presentes, estava sua própria mãe, cristã piedosa.
Ela o tomou nos braços e, tendo ele expirado, colocou seu corpo no carro,
junto aos outros.
Estes santos sempre foram muito venerados no Oriente, tendo sua
história e devoção chegado também ao Ocidente. São comemorados em 09 de
março.
A Catedral da Arquidiocese Ortodoxa Antioquina de Homs, na Síria, é
dedicada aos Santos Quarenta Mártires.
126
ANEXO J
Do que sabemos pela Tradição Eclesiástica, Nossa Senhora era filha
única de Joaquim e Ana, um casal piedoso que vemos neste ícone. Na Liturgia,
nós os chamamos de “os santos e justos avós de Cristo Deus”.
Eles eram casados a muitos anos e não tinham filhos, pois Ana era
estéril. Cada um, em particular, pedia a Deus a graça de um filho até que, em
uma ocasião em que eles foram ao Templo em Jerusalém, cada um teve uma
visão, na qual um anjo anunciava-lhes o nascimento de uma filha, que eles
deveriam dedicar ao serviço de Deus. A profecia se cumpriu e chamaram à
filha Maria, como lhes havia dito o anjo.
Este ícone, em especial, nos mostra a serenidade, carinho e união do
casal, em especial sua ternura após a boa-nova.
Este santo casal pode ser apresentado como modelo a todos os casais
cristãos.
127
ANEXO K
De acordo com as Sagradas Escrituras (Efésios 1, 21) e a Tradição
Ortodoxa, há nove ordens ou côros de anjos: os Serafins de seis asas, os
Querubins de muitos olhos,Tronos, Dominações, Virtudes, Poderes,
Principados, Arcanjos e Anjos.
O líder de todo o exército angélico e o Arcanjo Miguel e os nomes dos
outros seis líderes das forças angélicas são: Gabriel, Rafael, Uriel, Salatiel,
Jegudiel e Baraquiel.
No século IV, o dia 8 de novembro foi especialmente designado para
comemorar o Santo Arcanjo Miguel e todas as forças incorpóreas dos Céus.
Este ícone nos mostra tos três Arcanjos mais conhecidos,
mencionados nas Escrituras Sagradas: Santos Miguel, Gabriel e Rafael.
Miguel significa “Quem (é) como Deus?”; Gabriel significa: “Forças de
Deus”; e Rafael: “Deus cura”.
Lembrando-nos do Ícone da Trindade, ressaltamos que os anjos e
arcanjos são sempre sinal da presença de Deus, como aqui vemos os três
Arcanjos que sustentam o círculo, no centro do qual está o próprio Jesus em
128
gesto de bênção, Ele a quem todos os coros angélicos servem. A palavra anjo
significa “mensageiro”.
Abaixo do círculo e acima dos Arcanjos, à direita e à esquerda, vemos
os Serafins de seis asas.
129
ANEXO L
Este ícone do Natal nos apresenta menos detalhes do nascimento de
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, exatamente por estar, mais do que os
outros, centralizado no Menino e na Virgem.
Ambos estão na gruta do Natal, cabeças aureoladas em dourado,
assim como os demais personagens da cena.
Maria tem o semblante meditativo e ampara o Filho com as duas mãos.
Jesus está enfaixado, como se fazia aos recém-nascidos naquele
tempo. Seu semblante é sério, porém sereno, como o d‟Aquele que se
oferecerá como vítima sem mácula no altar da Cruz, para ser glorificado após a
Ressurreição. Deitado na manjedoura, o Senhor é contemplado pelos animais,
pois n‟Ele é restaurada e redimida toda a natureza, toda a criação.
São José, guardião da Sagrada Família, sentado junto ao Menina e à
Mãe, com a mão esquerda erguida, protege ambos.
Ao centro, também sobre a gruta, o círculo da Divindade faz cair sobre
a gruta o tríplice raio da Trindade, sendo que o raio que mais se estende à
gruta é bipartido, pois o Senhor, desde o nascimento, é verdadeiramente Deus
130
e Homem. Ao final desse raio vê-se uma estrela, clara alusão ao astro que
guiou os magos a Belém.
A cena, com suas cores vívidas, parece, no entanto, nos apresentar a
terra estéril; basta olhar o chão e a gruta, mas neles nascem flores, pois Cristo,
o Novo Adão, torna, em si, novas todas as coisas, dando vida e lançando luz
nas trevas, como se nota ao fundo da gruta.
Enfim, a natureza humana, a natureza angélica, astros e animais
glorificam o Deus Encarnado para nossa salvação.
131
M379i Martins, Daniel Maia
Imigração árabe e religiosidade em São José do Rio Preto: Igreja
Católica Apostólica Ortodoxa Antioquina – um estudo de caso /
Daniel Maia Martins - 2009.
130 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2009.
Bibliografia: f. 103-104.
1. Imigração 2. Árabe 3. Sírio-libanês 4. Igreja Católica Apostólica
Ortodoxa Antioquina 5. São José do Rio Preto I. Título
LC BX430
CDD 281.9
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