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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE RAFAEL MANZO A ARQUITETURA NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO ESTADO GETULISTA RIO DE JANEIRO 1930/1945 Orientador Prof. Dr. Carlos Egídio Alonso São Paulo 2010

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

RAFAEL MANZO

A ARQUITETURA NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO ESTADO

GETULISTA

RIO DE JANEIRO – 1930/1945

Orientador Prof. Dr. Carlos Egídio Alonso

São Paulo

2010

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RAFAEL MANZO

A ARQUITETURA NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO ESTADO GETULISTA: RIO DE JANEIRO – 1930/1945

Tese apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo

Orientador Prof. Dr. Carlos Egídio Alonso

SÃO PAULO

2010

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M296a Manzo, Rafael.

A arquitetura na construção da imagem do Estado Getulista: Rio de Janeiro –

1930/1945. / Rafael Manzo – 2011.

309 f.: il.; 30 cm.

Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana

Mackenzie, São Paulo, 2011.

Bibliografia: f. 304-309.

1. Arquitetura. 2. Arquitetura e Totalitarismo. 3. Arquitetura getulista. I. Título.

CDD 720.98153

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RAFAEL MANZO

A ARQUITETURA NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DO ESTADO GETULISTA: RIO DE JANEIRO – 1930/1945

Tese apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo.

Aprovada em 28 de fevereiro de 2011

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Egídio Alonso

___________________________________________________________________ Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira

___________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Teresa de Stockler e Breia

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Augusto Mattei Faggin

___________________________________________________________________Prof. Dr. Fabio Lopes de Souza Santos

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À minha família, pelo constante

incentivo e apoio.

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AGRADECIMENTOS

A Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela bolsa de estudos que me permitiu desenvolver este trabalho;

Ao Prof. Dr. Carlos Egídio Alonso, pela orientação precisa, dedicação e incentivo;

Aos professores Doutores que aceitaram o convite para participar da banca;

A Maria Teresa Stockler e Breia, pela revisão do texto e apoio;

A secretária da Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Fernanda, pela sua constante gentileza e presteza;

A Luiz Benedicto Castro Telles, companheiro dos mesmos desafios;

Ao meu filho Bruno, pela constante ajuda nos meus embates com o “estranho mundo da informática”;

A minha filha Raphaella, pelo suporte nas traduções;

A minha esposa Cássia, pela paciência e apoio durante estes anos de ausência;

In memoriam

Ao meu pai Giuseppe e ao meu irmão José;

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Para bem conhecer a natureza dos povos, é preciso ser príncipe, e, para conhecer bem a dos príncipes, é necessário pertencer ao povo. (Nicolau Maquiavel)

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RESUMO

A Europa foi tomada por uma onda de regimes totalitários entre as décadas de 1920

e 1940, motivados por uma descrença na democracia liberal e no liberalismo

econômico que, de bases da modernidade impulsionadora do progresso a partir do

século XIX, passaram a ser taxados como responsáveis pela eclosão da Primeira

Guerra Mundial e pela crise econômica que se seguiu, acentuada pela quebra da

bolsa de Valores de Nova York, em 1929. O Fascismo italiano e o Nazismo alemão

destacaram-se, respectivamente, como o fundador e a imagem do sucesso do

Totalitarismo de direita e influenciaram parte da América Latina, inclusive o Estado

Novo de Getúlio Vargas. Esta tese explora a utilização da arquitetura por estes

ditadores europeus, como um dos mais eficientes suportes propagandísticos da

imagem de força que pretendiam transmitir, interna e externamente. O principal

estilo adotado para este propósito foi o Tardo- classicismo, devido às suas

possibilidades sígnicas de representar o poder instituído. No Brasil, um aparente

predomínio da Arquitetura Moderna como a representação da imagem do Estado

Getulista (1930-1945), causado pelo sucesso de arquitetos desta vertente e pela

projeção internacional desta arquitetura, não se confirmou pois, através de um

inventário de obras executadas e de uma análise semiótica dos edifícios dos

principais ministérios getulistas, constatou-se a inexistência de uma linguagem

arquitetônica única para este propósito.

Palavras- chave: Arquitetura. Arquitetura e Totalitarismo. Arquitetura Getulista.

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ABSTRACT

Europe was overrun by a wave of totalitarian regimes between the decades of 1920

and 1940, motivated by a distrust of liberal democracy and economic liberalism,

which, from being considered the foundation for the progress in the nineteenth

century, was later regarded as responsible for the outbreak of World War I and the

economic crisis that followed, which reached its climax with the collapse of stock

exchange in New York, in 1929. The Italian Fascism and German Nazism stood out

among these regimes, respectively as the founder and the image of success of the

totalitarian right-wing, which influenced part of Latin America, including the "Estado

Novo" of Getúlio Vargas. The present thesis explores the use of architecture by such

dictators as one of the most effective propaganda in the construction and

propagation of the image of strength that the regime wished to convey, both national

and internationally. The main style used for this propaganda was Tardo- classicism,

which was seen as the perfect way to communicate the totalitarian government's

power. In Brazil, there was no predominance of modernist architecture for the

representation of the Vargas State (1930 – 1945) – instead, the regime's image was

not associated with an unique architectural style by internationally renowned

architects, as this semiotic analysis of the buildings can confirm.

Keywords: Architecture. Architecture and Totalitarianism. Getulista Architecture.

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RIASSUNTO

L‟Europa fu presa da un‟ondata di regimi totalitari fra le decade del 1920 al 1940,

motivati da un non credere alla democrazia liberale e al liberalismo economico, che

dalle basi della modernità ha spinto lo sviluppo sin dal XIX secolo, passando così ad

essere chiamati come responsabili dell‟eclosione della Prima Guerra Mondiale e

della crisi economica successiva, accentuata dal crollo della Borsa newyorkese nel

29. Il Fascismo italiano ed il Nazismo tedesco si sono evidenziati, fra questi, come i

fondatori e l‟immagine di successo del totalitarismo di destra, in quest‟ordine, con

influenza in Sud America, da citare lo Stato Nuovo di Getúlio Vargas. Questa tesi

esplora l‟utilizo dell‟architettura da questi dittatori come uno dei più efficaci sopporti

propagandistici nella costruzione e propagazione dell‟immagine della forza che

volevano trasmettere sia interna che esternamente. Il principale stile adottato fu il

Tardo Classicismo, dovuto alle sue possibilità simboliche nel comunicare il potere

istituito, in detrimento del linguaggio moderno. In Brasile, un apparente predominio

dell‟architettura modernista per la rappresentazione dell‟immagine dello Stato

“Getulista” (1930-1945), causato dal successo degli architetti di questa linea e dalla

proiezione internazionale di questa architettura, non si conferma, dato che, attraverso

la ricerca delle opere eseguite, e tramite un‟analisi semiottica dei palazzi dei

principali ministeri di Getulio Vargas, costatiamo l‟esistenza di un linguaggio unico in

questo argomento.

Paroles-chiaci: Architettura, Architettura e Totalitarismo, Architettura Getulista.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Adolf Hitler e Benito Mussolini em 1938: As Faces Vitoriosas do Fascismo.

(HOBSBAWN, 1995)

Figura 2 - Os “Camisas Negras” de Mussolini. (ABRIL COLEÇÕES, 2009)

Figura 3 - Congresso do Partido Nazista em Nurenberg, 1937. (HOBSBAWN, 1995)

Figura 4 - As Milícias da Frente Popular, Espanha, 1936. (ABRIL COLEÇÕES, 2009)

Figura 5 - Innsbruck, Áustria, 1938: O Reich Incorpora a Áustria. (ABRIL

COLEÇÕES, 2009)

Figura 6 - A Construção de uma Imagem: Getúlio Vargas esculpido pelo artista

norte-americano Jo Davidson. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 7 - O fim de uma era: Washington Luís rumo ao exílio – 24/10/1930.

(MEIRELLES, 2005)

Figura 8 - Comemorando o Dia do Trabalho: Rio de Janeiro – 1942. (ABRIL

COLEÇÕES, 1985)

Figura 9 - Erich Mendelson, Torre Einsten, Potsdam, 1920-4. (CURTIS 2008)

Figura 10 - Le Corbusier, Vila Savoye, Poissy, 1928-31. (CURTIS 2008)

Figura 11 - Walter Gropius, Bauhaus, Dessau, 1926. (CURTIS, 2008)

Figura 12 - Ludwig Mies Van Der Rohe, Edifício Seagran, Nova York, 1954-8.

(CURTIS, 2008)

Figura 13 - Gerrit Thomas Rietveld, Casa Schrörder, Utrecht, 1923-4. (CURTIS,

2008)

Figura 14 - Konstantin Melnikov, Pavilhão da União Soviética na Exposição de Artes

Decorativas, Paris, 1925. (CURTIS, 2008)

Figura 15 - Antonio Sant‟Elia, La Cittá Nuova, Estação Ferroviária Central e

Aeroporto, 1913 - 4. (CURTIS, 2008)

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Figura 16 – Piazzale Augusteu, Roma, 1934-8, arqto. Vittorio Ballio Morpurgo.

(CURTIS, 2008)

Figura 17 – Palazzo della Civiltá Italiana, Roma, 1937-42, arqtos. Giovanni Guerrini,

Esnesto La Padula e Mario Romano. (CURTIS, 2008)

Figuras 18 e 19 – Academia de esgrima em Roma, 1934-6, do arqto. Luigi Moretti e

Casa di Elettricitá em Monza, 1930, dos arqtos. Luigi Figini e Gino Polini,

respectivamente. (CURTIS, 2008)

Figura 20 – Asilo Sant‟Elia, Como, 1936-7, arqto. Giuseppe Terragni. (CURTIS,

2008)

Figura 21 – Casa del Fascio, Como, 1932-6, Arqto. Giuseppe Terragni. (CURTIS,

2008)

Figura 22 – Projeto para o Palazzo Littorio, Roma, 1934, arqto. Giuseppe Terragni e

equipe. (CURTIS, 2008)

Figura 23 – Perspectiva do “Paraíso” para o projeto Danteum, Roma, 1938, arqtos.

Giuseppe Terragni e Pietro Lingeri. (CURTIS, 2008)

Figura 24 – Palácio das Corporações, Roma, 1927-32, arqto. Marcello Piacentini.

(TOGNON, 1999)

Figuras 25 e 26 – Palácio das Exposições, Roma, 1932, arqtos. Antonio Libera e

Mario de Renzi e Estação de Santa Maria Novella, Florença, 1932-5, Arqto. Giulio

Michelucci e equipe. (TOGNON, 1999)

Figura 27 – Praça da Vitória, Brescia, 1928-32, arqto. Marcello Piacentini.

(TOGNON, 1999)

Figura 28 – Auditório, Biblioteca e Reitoria da Universidade de Roma, 1932-5, arqto.

Marcello Piacentini. (TOGNON, 1999)

Figura 29 – Palácio da Justiça de Messina, 1928, arqto. Marcello Piacentini.

(TOGNON, 1999)

Figura 30 – “Onore dell‟architettura”, página 266 de “Architettura”, 1940, arqto.

Marcello Piacentini. (TOGNON, 1999)

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Figura 31 – Perspectiva da “Grande Roma”, em “Emporium”, 1925, arqto. Marcello

Piacentini. (TOGNON, 1999)

Figuras 32 e 33 – Perspectiva da praça principal da Cidade Universitária de Roma,

em “Capitolium”, 1933, e projeto da Via da Conciliação em Roma, em “Architettura”,

1936, ambos. (TOGNON, 1999)

Figura 34 – Comparação entre Fóruns Romanos e uma Praça Imperial em Roma,

em “Civiltá”, 1940, arqto. Marcello Piacentini. (TOGNON, 1999)

Figuras 35, 36 e 37 – Projetos para mercado em Como, 1933, reestruturação da

área do Mausoléu de Augusto em Roma, 1936-40 e para o Palácio do Littorio em

Roma, 1934, arqto. Vittorio B.Morpurgo. (TOGNON, 1999)

Figuras 38, 39 e 40 – Indústria Sociedade Mater em Roma, 1937, Edifício de

apartamentos em Roma, 1937 e Maquete para o concurso do Palácio do Littorio em

Roma, 1937, do arqto. Vittorio B. Morpurgo. (TOGNON, 1999)

Figuras 41 e 42 – Museu das barcas de Roma, 1940 e Banco Nacional da Albânia,

em Tirana, 1940, ambos do arqto. Vittorio B.Morpurgo. (TOGNON, 1999)

Figura 43 - Monumento as Artes, Praça Real de Munique, 1934, arqto. Paul Ludwig

Troost. (SPEER, 1941)

Figura 44 – Praça Real de Munique, plano geral com as edificações construídas

para o Partido Nazista, 1934, arqto. Paul Ludwig Troost. (SPEER, 1941)

Figura 45 – Vista geral da Praça Real de Munique com destaque para os dois

Pavilhões da Arte Grega, 1934, arqto. Paul Ludwig Troost. (SPEER, 1941)

Figura 46 – Sede do Partido Nazista em Munique, na Praça Real, 1934, arqto. Paul

Ludwig Troost. (SPEER, 1941)

Figura 47 – Colunata da Casa da Arte Alemã, 1934, Praça Real de Munique, arqto.

Paul Ludwig Troost. (SPEER, 1941)

Figura 48 – Pórtico de entrada da Casa da Arte Alemã, Praça Real de Munique,

1934, arqto. Paul Ludwig Troost. (SPEER, 1941)

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Figura 49 – Fachada posterior da Casa da Arte Alemã, Praça Real de Munique,

1934, arqto. Paul Ludwig Troost. (SPEER, 1941)

Figura 50 – Pavilhão Alemão na Exposição Internacional de Paris, 1937, arqto.

Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figura 51 – Águia alemã com a suástica nazista na cobertura do Pavilhão Alemão na

Feira Internacional de Paris, 1937, arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figura 52 – Escultura “A beleza ariana”, Arno Breker, 1934, Campo dos Congressos

do Partido Nazista em Nuremberg. (SPEER, 1941)

Figura 53 – Maquete do Campo dos Congressos do Partido Nazista em Nuremberg,

1934, arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figura 54 – Vista geral do Zeppelinfeld, à esquerda, e do Campo de Marte, à direita,

no Campo dos Congressos do Partido Nazista em Nuremberg, 1934, arqto. Albert

Speer. (SPEER, 1941)

Figura 55 – Acesso as tribunas do Zeppelinfeld, Campo dos Congressos do Partido

Nazista em Nuremberg, 1934, arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figura 56 – Pilone lateral do Zeppelinfeld, Campo dos Congressos do Partido

Nazista em Nuremberg, 1934, arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figura 57 – Acesso principal das autoridades ao Zeppelinfeld, Campo dos

Congressos do Partido Nazista em Nuremberg, 1934, arqto. Albert Speer. (SPEER,

1941)

Figura 58 – Colunata do Zeppelinfeld, Campo dos Congressos do Partido Nazista

em Nuremberg, 1934, arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figura 59 – Arcadas do Estádio de Nuremberg, Campo dos Congressos do Partido

Nazista, 1934, arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figura 60 – Maquete do Estádio de Nuremberg, 1934, arqto. Albert Speer. (SPEER,

1941)

Figura 61 – Fachada da nova Chancelaria, Berlim, 1938, arqto. Albert Speer.

(SPEER, 1941)

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Figura 62 – Vista geral do edifício da nova Chancelaria, Berlim, 1938, arqto. Albert

Speer. (SPEER, 1941)

Figura 63 – Pormenor da cornija do edifício da nova Chancelaria, Berlim, 1938,

arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figura 64 – Fachada para a Praça da Chancelaria, Berlim, 1938, arqto. Albert Speer.

(SPEER, 1941)

Figura 65 – Escultura eqüestre, Arno Breker, Praça da Chancelaria, Berlim, 1938,

arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figuras 66 e 67 – Galeria de acesso ao gabinete do Führer e páteo interno do

edifício da nova Chancelaria, respectivamente, Berlim, 1938, arqto. Albert Speer.

(SPEER, 1941)

Figura 68 – Galeria principal de acesso ao gabinete do Führer, ao centro, do edifício

da nova Chancelaria, Berlim, 1938, arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figura 69 - Pormenor do trabalho de revestimento das paredes da galeria principal

de acesso ao gabinete do Führer, com mármore proveniente de várias regiões da

Alemanha, no edifício da nova Chancelaria, Berlim, 1938, arqto. Albert Speer.

(SPEER, 1941)

Figura 70 – Gabinete do Führer, nova Chancelaria, Berlim, 1938, arqto. Albert Speer.

(SPEER, 1941)

Figura 71 – Gabinete do Führer, nova Chancelaria, Berlim, 1938, arqto. Albert Speer.

(SPEER, 1941)

Figura 72 – Salão da redoma, ante sala do gabinete do Führer, nova Chancelaria,

Berlim, 1938, arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figura 73 – Perspectiva do interior do Pavilhão do Soldado, arqto. Wilhelm Kreis,

1938, eixo monumental de Berlim. (SPEER, 1941)

Figura 74 – Maquete da reforma do Portal de Branderburgo, Berlim, 1938, arqto.

Albert Speer. (SPEER, 1941)

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Figura 75 – Perspectiva dos edifícios do Alto Comando do Exército e do Pavilhão do

Soldado, à direita, arqto. Wilhelm Kreis, 1938, eixo monumental de Berlim. (SPEER,

1941)

Figura 76 – Vista da Avenida Unter den Linden, com adaptações para o eixo

monumental, Berlim, 1938, arqto. Albert Speer. (SPEER, 1941)

Figura 77 – Estádio Olímpico de Berlim, 1936, arqto. Werner March. (SPEER, 1941)

Figura 78 – Maquete do Aeroporto de Berlim, 1936, arqto. Ernest Sagebiel. (SPEER,

1941)

Figuras 79 e 80 – Praça Adolf Hitler em Weimar e Dresden, 1938, arqtos. Herman

Giesler e Wilhelm Kreis, respectivamente. (SPEER, 1941)

Figura 81 – O Prefeito Henrique Dodsworth apresenta a maquete do “Plano da

Cidade do Rio de Janeiro” a Getúlio Vargas, em 1939. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 82 – Vista aérea da área a ser ocupada pela Avenida Presidente Vargas, Rio

de Janeiro, e o projeto modular para a Avenida. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 83 – Demolição das edificações existentes para a implantação da Avenida

Presidente Vargas, Rio de Janeiro, 1941. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 84 – Avenida Presidente Vargas após a demolição das edificações do local,

Rio de Janeiro, 1946. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 85 – A Avenida Presidente Vargas em seu esplendor, Rio de Janeiro, 1947.

(KOSMOS, 1948)

Figura 86 – Projeto para a Praça do Castelo, na Esplanada do Castelo, Rio de

Janeiro, 1940. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 87 – Vista aérea da Esplanada do Castelo ainda sem a urbanização, Rio de

Janeiro, 1931. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 88 - Monumento ao Cristo Redentor. (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 89- Edifício do Instituto Nacional de Serviço Social. (CZAJKOWSKI, 2000)

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Figura 90 - Edifício do Instituto Nacional de Previdência Social. (CZAJKOWSKI,

2000)

Figura 91 - Edifício do Ministério da Marinha. (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 92 - Edifício da Polícia Federal. (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 93 - Escola Municipal República Argentina. (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 94 - Castelo D‟água do Maracanã. (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 95 - Edifício Sede da Associação Brasileira de Imprensa – ABI.

(CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 96 - Tribunal Regional do Trabalho (antigo edifício do Ministério do Trabalho,

Indústria e Comércio). (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 97 - Estação D. Pedro II, sede da Flumitrens, Central do Brasil.

(CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 98 - Palácio Gustavo Capanema (antigo edifício do Ministério da Educação e

Saúde). (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 99 - Palácio do Comércio (antigo edifício da Associação Comercial do Rio de

Janeiro). (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 100 - Estação de Hidroaviões. (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 101 - Aeroporto Santos Dumont. (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 102 - Edifício Plínio Catanhede (antigo edifício do Instituto de Aposentadoria

e Pensões dos Industriários – IAPI). (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 103 - Palácio Duque de Caxias (antigo edifício do Ministério da Guerra).

(CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 104 - Ministério da Fazenda. (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 105 - Pavilhão do Brasil Na Feira Internacional de Nova York*.

(CAVALCANTI, 2006)

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Figura 106 - Edifício João Carlos Vital (antigo edifício do Instituto de Resseguros do

Brasil – IRB). (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 107 - Edifício Valparaíso (antigo edifício da Liga Brasileira Contra a

Tuberculose). (CZAJKOWSKI, 2000)

Figura 108 - Vista aérea da Esplanada do Castelo com os edifícios dos Ministérios,

Rio de Janeiro, 1947. (KOSMOS, 1948)

Figura 109 – Inauguração da sede do Ministério do Trabalho pelo Presidente Getúlio

Vargas, Esplanada do Castelo, Rio de Janeiro, 1938: a chancela do Estado para

esta linguagem arquitetônica. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 110 – Os Edifícios da sede do Ministério do Trabalho (esquerda) e da

Educação (direita), 1939: imagem das modernidades vigentes. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 111 – O edifício do Ministério do Trabalho em construção, 1937: verticalidade

e horizontalidade contrapostas, com o predomínio da segunda, atribuindo a

edificação qualidades como estabilidade e solidez. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 112 – Manifestação popular festeja a inauguração do “Palácio do

Trabalhador”, 1938. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 113 – Inauguração da sede do Ministério da Educação, Esplanada do

Castelo, Rio de Janeiro, 1943: O presidente Getulio Vargas e o ministro Gustavo

Capanema referenciam uma das visões da modernidade. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 114 – A fachada norte do Ministério, 1943: modernidade e tecnologia através

da exploração do concreto armado e elementos de proteção ao sol. (CAVALCANTI,

2006)

Figura 115 – A sede do Ministério da Educação na sua integridade, 1943: exposição

do ideário moderno corbusiano - terraço-jardim, brises e pilotis. (CAVALCANTI,

2006)

Figura 116 – Revestimento pétreo da colunata do térreo do edifico do Ministério, Rio

de Janeiro, 1942: monumentalidade atribuída pela escala e pelo revestimento nobre.

(CAVALCANTI, 2006)

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Figura 117 – A fachada sul da edificação do Ministério, Rio de Janeiro, 1943:

modernidade através da utilização da “Curtain glass”. (CALVANTI, 2006)

Figura 118 - A “planta livre” dos interiores da edificação, Rio de Janeiro, 1943: “ A

flexibilidade e a eficiência moderna”. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 119 – As edificações dos três principais Ministérios Getulistas, o da Fazenda

(à direita), o do Trabalho (à esquerda) e da Educação, atrás deste, Rio de Janeiro,

1944: as possibilidades de imagem do Estado Getulista. (CAVALCANTI, 2006).

Figura 120 – Saguão de atendimento no térreo do edifício do Ministério da Fazenda:

imagem ligada aos conceitos de funcionalidade e eficiência, almejada por esta

administração. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 121- Os corpos da edificação do Ministério da Fazenda, com o seu

proeminente classicismo: monumentalidade e tradição evidenciadas. (CAVALCANTI,

2006)

Figura 122 – Acesso principal ao edifício do Ministério da Fazenda: a escadaria

somada à colunata dórica reforça os aspectos de monumentalidade, solidez e

estabilidade, almejados pelo Estado Getulista para uma edificação com sua

estrutura. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 123 – Colunata dórica na entrada do edifício: monumentalidade, tradição e

perenidade atribuídas à edificação, pela escala, pela linguagem clássica e pelo

revestimento pétreo, respectivamente. (CAVALCANTI, 2006)

Figura 124 – Nesta vista noturna da entrada do edifício, a iluminação colabora para

acrescentar a imagem de grandiosidade desejada para a sede do Ministério da

Fazenda. (CAVALCANTI, 2006)

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SUMÁRIO

Resumo

Abstract

Riassunto

Introdução.................................................................................................................22

Capítulo 1: A Era dos Ditadores Modernos (1920-1940).......................................30

1.1. A decadência do liberalismo.................................................................29

1.2. A invenção do fascismo: a Itália de Benito Mussolini............................37

1.3. A consolidação do fascismo na Europa: o Estado nazista alemão.......46

1.4. Reacionários tradicionalistas: Espanha e o Leste Europeu..................62

1.5. Estatismo orgânico: Portugal, Áustria e América Latina.......................64

Capítulo 2: A Ditadura Getulista e a formação do Estado Moderno Brasileiro

(1930/1945)...............................................................................................68

2.1. Antecedentes históricos.......................................................................68

2.2. A Revolução de 1930...........................................................................87

2.3. O Governo Provisório...........................................................................97

2.4. O Período Constitucional....................................................................101

2.5. O Estado Novo...................................................................................110

Capítulo 3: A Arquitetura dos Ditadores..............................................................121

3.1. Arquitetura e poder.............................................................................121

3.2. A arquitetura da Itália fascista............................................................139

3.3. A arquitetura da Alemanha nazista....................................................179

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Capítulo 4: A Arquitetura do Poder no Período Getulista (1930/1945)..............205

4.1. O contexto histórico............................................................................205

4.2. Inventário da arquitetura estatal na cidade do Rio de Janeiro

(1930/1945).........................................................................................234

4.2.1. Urbanismo.......................................................................................234

4.2.2. Edifícios e monumentos................................................................ 240

4.3. Os Palácios do Poder: os edifícios dos ministérios getulistas...........262

4.3.1. O edifício do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio............266

4.3.2. O edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública...................273

4.3.3. O edifício do Ministério da Fazenda................................................283

Conclusão...............................................................................................................293

Referências Bibliográficas....................................................................................304

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INTRODUÇÃO

Em uma época regida mais pelas imagens dos significados do que pelo

conhecimento destes, saber ler e identificar o conteúdo destas imagens pode

representar a diferenciação necessária para a sobrevivência nesta

contemporaneidade envolta por relativismos. E apesar de termos evoluído muito

neste aspecto, passando da mera utilização repertorial, para a sistematização de um

conhecimento em forma de teoria, e posterior manipulação de significados de forma

consciente, em muitas situações ainda nos deparamos com mensagens a serem

decifradas, visto a volatilidade dos sistemas comunicacionais.

Neste aspecto, e contemplando a existência de um caráter comunicacional implícito

à essência da arquitetura, observamos que desde os tempos mais remotos da

humanidade, esta sempre foi um dos suportes mais eficazes para a demonstração

do poder instituído, independentemente da sua origem ser religiosa, política, social

ou de qualquer outra espécie. Além desta eficiência, os valores atribuídos a imagem

destes poderes, através da arquitetura, não mudaram muito na história, excluindo-se

a questão da modernidade.

Concernente ao poder político, valores imagéticos como monumentalidade,

onipresença, opulência, solidez, estabilidade, perenidade e tradicionalidade, foram

apreciados por vários regimes políticos no decorrer da história e recorrentes em

várias edificações que procuravam reproduzi-los. E, num olhar para a história da

arquitetura, apesar de constatar-mos tais atributos também em edificações de

democracias liberais, foi em autocracias, independentemente de perfil, que a

arquitetura potenciou-os ao ponto de torná-los imprescindíveis para a construção

das imagens destas.

Nas primeiras décadas do século XX na Europa, tivemos a implantação de regimes

políticos ditatoriais em vários países, alguns pautados por um totalitarismo, como foi

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o caso do Fascismo italiano e do Nazismo alemão, em um dos extremos do espectro

político de então, e o Stalinismo no extremo oposto. Apesar do antagonismo de

ordem conjuntural inconciliável, quando da utilização da arquitetura na construção

da imagem destes Estados totalitários, os resultados foram bem semelhantes, com a

possibilidade até de serem confundidos, se excluída a simbologia específica nas

edificações e obviamente, não informada à localização.

Tanto Benito Mussolini, na Itália, através das obras do arquiteto Marcello Piacentini;

quanto Adolf Hitler, na Alemanha, por intermédio dos trabalhos do arquiteto Albert

Speer e Josef Stalin, na União Soviética, pela arquitetura de Boris Iofan, construíram

as edificações para os seus regimes, impregnadas pelos valores imagéticos citados

anteriormente e promoveram intervenções urbanas com propósitos semelhantes.

O envolvimento destes ditadores com os projetos de seus arquitetos foi praticamente

umbilical, em todos os casos, porém com níveis de comprometimento que

abrangeram da própria projetação do arquiteto diletante, no caso de Hitler, até a

mera condescendência do mecenas, citando Mussolini, apenas como exemplos dos

extremos desta escala de participação, cabendo salientar que ela estava presente

na sua integridade em todas as três ditaduras.

A implantação de regimes totalitários na Europa entre as décadas de 1920 e 1940,

não se restringiu a Europa, fazendo com que os sucessos, reais ou aparentes,

alcançados principalmente no plano econômico, transmitissem uma imagem do

Fascismo e do Nazismo relacionada à ordem e progresso material, não só em seus

respectivos países, influenciando direta ou indiretamente, a implantação de

congêneres, com as devidas proporções e adaptações, também na América Latina,

como foi o caso do Brasil de Getúlio Vargas (1930-1945), e da tardia Argentina de

Juan Domingo Perón (1946-1955).

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A Era Vargas, através de suas realizações, mesmo com seus erros e excessos,

tornou-se um momento emblemático na história do Brasil, desde o seu início; com a

ascensão de Getúlio Vargas ao poder por intermédio da Revolução de 1930, um

divisor de águas na história da nação, segundo consenso entre os historiadores; até

o seu término, em 1945, com a deposição de Getúlio Vargas por membros do

Exército, conseqüência da ambigüidade entre o cenário da política interna e a

adesão do país as democracias liberais contra justamente, os regimes ditatoriais, na

Segunda Guerra Mundial.

A Revolução de 1930 introduziu o Brasil no século XX. As estruturas políticas,

econômicas, sociais e culturais da dita Primeira República mais se assemelhavam a

adaptações à ordem monárquica, do que à proclamada modernidade republicana.

Foi o governo advindo desta, que desencadeou a mudança dos paradigmas da

modernidade, aliás, do próprio conceito de modernidade no Brasil. Boa parte do

discurso deste período explícita a premência do “parecer” além do “ser” moderno, do

imprimir esta marca no contexto, a título das mudanças apregoadas pelo novo

regime.

O modelo modernizante proposto pelas nações adiantadas para outras em

desenvolvimento contemplou a ação de um grupo, uma elite “esclarecida”, à frente

do controle das estruturas administrativas estatais, para proceder às mudanças

necessárias para a inserção de uma nação “atrasada” no mundo moderno.

No caso brasileiro, esta visão centralizadora elitista está no cerne do processo de

modernização. Tratou-se da transformação de um país agrário e não de uma

resposta às questões suscitadas pela cidade industrial, processo estampado, gerido

e posto em prática por uma elite formada pelas classes dominantes (fazendeiros de

café, exportadores/importadores e os primeiros industriais) e representadas na

maioria das vezes por um grupo ou mesmo uma pessoa, que mesmo com

divergências internas, priorizava o equilíbrio entre os interesses, mantendo a

coesão.

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Quesito básico dos componentes da modernidade, o reformismo social, que através

do Fordismo propõe a integração da classe trabalhadora ao mercado consumidor,

não foi contemplado e nem desejado pelos patrocinadores da modernização no

Brasil.

As propostas modernizadoras não estavam imbuídas do caráter industrialista e nem

propunham rupturas. Apesar dos investimentos na área de infraestrutura urbana, os

programas sociais foram descartados, Neste caso a modernidade desejada foi

resumida a um modelo ideal e os próprios elementos definidores desta, foram vistos

como problemas técnicos a serem solucionados.

Para as elites brasileiras este caráter limitado da modernização foi vantajoso, pois a

mesma dualidade no papel do país na estrutura mundial- dependência frente aos

estágios da modernidade dificultando o rompimento com o sistema e em optando

pela ruptura, a exclusão dos fatores de acesso ao moderno; pode ser rebatida no

âmbito doméstico: “O dilema da modernização periférica nos condenaria a sempre

perseguir o moderno sem nunca atingir a modernidade” (MALTA CAMPOS, 2002,

p.87).

Neste contexto, os elementos simbólicos desta modernidade devem externar com

mais clareza e definição a mensagem moderna, pois carecem do embasamento,

como já exposto. A cidade como instância das propostas modernizadoras deve

refletir este processo. Portanto, em países de modernização periférica, os elementos

simbólicos, como a complexidade do sistema viário, a verticalização, a arquitetura

modernizante e a hegemonia da urbanidade sobre a paisagem natural, por exemplo,

adquirem uma importância maior que a devida ou merecida. Os meios de

comunicação disponíveis trabalham reforçando este caráter prioritário, com forte teor

propagandístico dos extratos sociais que o implantaram.

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No cenário brasileiro a busca da modernidade introduziu questões que se tornaram

basilares na afirmação de uma identidade nacional, pois mesmo havendo uma

vinculação com a origem rural, buscamos o equacionamento com as premissas

modernas.

E este foi o contexto onde residiram as inquietações que nos incitaram, num primeiro

momento, ao “debruçar-se sobre”, para procurar entender como e através de quais

instrumentos se deu a implantação destas ideologias totalitárias no Brasil, qual foi a

sua abrangência e repercussão, qual a relação destas com a questão da

modernidade e posteriormente, mergulhar na temática da participação da arquitetura

no processo da construção da imagem do Estado Getulista.

Houve uma participação significativa da arquitetura na construção da imagem do

Estado Getulista? Se ocorreu, poderíamos falar em uma homogeneidade estilística

tal como nos sugeriram as arquiteturas dos regimes influenciadores

ideologicamente, a Itália fascista e a Alemanha nazista, medidas as devidas

proporções? Teria ocorrido um predomínio da arquitetura moderna neste processo,

como poderia sugerir a priorização desta arquitetura em eventos de envergadura

internacional, como na Feira Internacional de Nova York em 1939, através da

construção do Pavilhão Brasileiro projetado por Lucio Costa e Oscar Niemeyer, e na

exposição Brazil Builds, ocorrida também em Nova York, em 1943, no Museu de

Arte de Nova York (MOMA), com a apresentação da arquitetura barroca e moderna

brasileira, com destaque para a última? A resposta a estas questões foi

concomitantemente a motivação para o desenvolvimento deste trabalho e os

objetivos do mesmo. E o cenário escolhido para esta análise foi a Capital da

República, a cidade do Rio de Janeiro, que deveria se constituir, segundo a

propaganda da época, no “cartão postal” deste novo Estado, tal qual o foram as

cidades de Roma e Berlim.

No tocante a metodologia empregada, a pesquisa foi desenvolvida em quatro

frentes principais:

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- Levantamento e análise do material bibliográfico existente (relacionado aos

conceitos abordados; a periodização considerada; aos discursos políticos sobre os

edifícios construídos na cidade do Rio de Janeiro no período em questão, no

MES/FGV; aos artigos sobre os mesmos em publicações especializadas; as atas

dos concursos para a construção dos edifícios dos ministérios entre 1930 e 1945 e

as exposições nacionais e internacionais de arquitetura oficial, no CPDOC / Gustavo

Capanema).

- Levantamento de campo, catalogação e análise dos edifícios (catalogação dos

edifícios públicos construídos entre 1930 e 1945 na cidade do Rio de Janeiro e visita

a estas edificações).

- Entrevista com o historiador de arquitetura especializado neste período e autor de

várias obras referenciais, o arquiteto Alberto M. Xavier.

- Participação como discente do curso de Pós Graduação em Arquitetura e

Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na disciplina Teoria e

Metodologia Científica para projeto de Teses de Arquitetura, ministrada pelo

historiador Carlos Guilherme Mota, especialista e autor de diversas obras

relacionadas ao período histórico abordado.

Inicialmente abordaremos o momento, bem como o processo que levou a

implantação de uma série de regimes ditatoriais na Europa, com perfis diferenciados,

relacionados às motivações que os fundamentavam e nuances totalitárias, com

destaque para os extremos desta escala, como o Fascismo italiano - uma invenção

deste início de século XX, visto que tanto o Conservadorismo, como o Liberalismo e

o Comunismo, outras forças políticas existentes, tiveram a sua formulação no século

XIX.

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Dentro desta escala e também nesta extremidade, salientaremos o papel do

Nazismo alemão, como o grau de maturidade do Fascismo que o elevou a uma

dimensão de modelo passível de ser seguido, por diversas nações européias e da

América Latina. Comum a todas elas o desprezo pelo liberalismo, o anticomunismo e

o nacionalismo.

Posteriormente, já com o foco no cenário brasileiro, contemplaremos inicialmente os

motivos que levaram a eclosão da Revolução de 1930 e as transformações ocorridas

no panorama, não só político, mas também econômico e social. Abordaremos as

reformas de base empreendidas pelo governo de Getúlio Vargas e o

amadurecimento do processo de fortalecimento deste no poder, rumo ao

totalitarismo do Estado Novo e as preocupações na constituição de uma imagem,

através da propaganda, em todas as suas possibilidades, deste Estado.

E dentre as possibilidades de comunicação, destacaremos o papel da arquitetura

neste processo de construção do imagético do “Estado forte”, totalitário.

Ao mesmo tempo em que enfatizamos a capacidade que esta teve de expressar o

poder, fosse político, religioso, econômico ou de qualquer outra natureza, desde os

tempos mais remotos da humanidade, como citado anteriormente, salientamos que

no século XX, este conhecimento de certa forma empírico no passado, foi

sistematizado em teorias e manipulado de forma mais consciente, atribuindo-lhe

assim, uma pretensa garantia para se atingir os objetivos desejados.

Desta forma, exemplificamos tal manipulação através da análise de pertinência no

tocante a demonstração do poder destes Estados, por parte da arquitetura das

Vanguardas Modernas, do Art Déco e do Tardo-classicismo, de forma geral, e

especificamente na Itália fascista e na Alemanha nazista.

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Por fim, abordaremos o cenário arquitetônico da Era Vargas, situando-o antes dentro

do contexto histórico da arquitetura brasileira e depois fornecendo um inventário de

suas realizações. E dentre estas edificações, procederemos a uma análise semiótica

das edificações das novas sedes dos Ministérios do Trabalho, Indústria e Comércio;

do Ministério da Educação e Saúde Pública e do Ministério da Fazenda; que a nosso

ver sintetizaram as possibilidades construtivas da imagem do Estado getulista; para

constatar-mos se conseguiram atingir a vontade deste Estado de se mostrar como

monumental, onipresente, solido, estável, equilibrado, perene, tradicional e ao

mesmo tempo inserido na modernidade.

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CAPÍTULO 1: A ERA DOS DITADORES MODERNOS (1920-1940)

Figura 1 - Adolf Hitler e Benito Mussolini em 1938: As Faces Vitoriosas do Fascismo. (HOBSBAWN, 1995)

“O fascismo foi a grande inovação política do século XX, e também a origem de boa parte de seus sofrimentos” (PAXTON, 2007, p.13)

1.1. A decadência do liberalismo

Entre as décadas de 1920 a 1940, a Europa foi varrida por uma onda de descrença

na democracia liberal e no capitalismo, que ocasionou a implantação e a aceitação

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de regimes totalitários 1, em quase todos seus países, que se atribuíram o papel de

“panacéia para todos os males oriundos da modernidade”.

Os avanços conseguidos pelo século XIX em várias áreas do conhecimento humano

embasaram a priorização da razão na percepção do mundo, na sistematização de

suas estruturas e na conseqüente ação neste. Assim sendo, estruturas ou sistemas

não advindos de processos de construção e legitimação racionalistas, passaram a

ser vistos inicialmente, com desconfiança e posteriormente com descrença na sua

capacidade de adaptação às necessidades destes novos tempos.

Na política, ditaduras e governos absolutistas, segundo as previsões dos entusiastas

das possibilidades que se avizinhavam com o novo século, estavam com os dias

contados, em se tratando da Europa Ocidental. A Modernidade trazia em seu

âmago, a premissa da formação de governos constitucionais e assembléias

representativas livremente eleitas, que assegurassem o cumprimento de leis e

garantissem direitos e liberdades aos seus cidadãos, com irrestrita expressão destes

quanto à legitimidade dos atos de seus representantes. Em 1914, mesmo as últimas

autocracias européias, Rússia e o Império Turco Otomano, já haviam tomado

medidas que, se não totalmente democráticas, estavam no caminho de um governo

constitucional.

No início de século XX, as únicas vozes contrárias a estas transformações residiam

nas hostes de instituições tradicionalistas como a Igreja Católica Apostólica Romana

e segmentos sociais seculares, cuja legitimação de sua relevância para a sociedade

era baseada em princípios dogmáticos. O movimento trabalhista socialista, que

surgiu, justamente, como uma das conseqüências deste processo de liberação,

questionava a capacidade do capitalismo enquanto sistema econômico

equacionador das diferenças sociais, não sendo contrário a governos constitucionais

e ao progresso que parecia natural a esta civilização.

1 Ver ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

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O período imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial (1914-8) foi marcado,

neste aspecto, por uma aceleração do processo de implantação de regimes

constitucionais/democráticos, sendo os casos mais notórios a criação das

Repúblicas Alemã (República de Weimar) e Turca. No entanto, é preciso salientar

que praticamente um terço da população mundial ainda vivia em colônias após o

conflito, excluindo-se portanto, deste processo e que também, eleições não eram

necessariamente sinônimo de democracia em alguns países, devido à completa

manipulação do processo, como foi o caso de China, Irã e Iraque, por exemplo.

Soma-se ainda a este panorama o surgimento da União Soviética (1922) no lugar da

Rússia, com seu regime comunista (HOBSBAWM, 1995, p.114).

Porém, mesmo levando em consideração o acima salientado, a predominância foi de

Estados constituídos democraticamente após a 1ª Guerra. Entretanto, a partir da

década de 1920, observou-se uma gradual exclusão deste liberalismo. De um total

de 65 nações constituídas no mundo todo, aproximadamente 35 governos eram

constitucionais na década de 1920, 17 na de 1930 e apenas 12 até 1945.

(HOBSBAWM, 1995, p.114).

Esta exclusão se deu com a substituição por regimes totalitários de direita, visto que

a proposta inicial de Lênin de exportar a revolução social soviética foi abolida por

Stalin, que decidiu sedimentar e estruturar o comunismo, num primeiro momento,

apenas na União Soviética, enfraquecendo de forma geral o apoio a movimentos de

esquerda, a citar a derrota da República Espanhola, que tinha o apoio desta na

Guerra Civil de 1936, justamente para uma facção totalitária de direita 2. Esta já

citada onda totalitária de direita iniciou-se em 1922 com a criação do Fascismo de

Benito Mussolini, na Itália, e ganhou impulso com a ascensão no Nacional-

socialismo alemão de Adolf Hitler em 1933.

2 A denominação do partido fascista espanhol era A Falange e sua ação foi uma das mais violentas dentre os

partidos fascistas europeus.

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Os motivos que levaram a esta radicalização advinham de fatores de âmbito global e

local. De forma geral, para os vencedores e principalmente, para os perdedores, a

guerra havia arruinado a economia das nações européias ocasionando a

transferência do papel de centro financeiro de Londres para Nova York, fazendo com

que os Estados Unidos assumissem o papel de potência econômica emergente e

norteadora das finanças européia e mundial, mesmo com a inexperiência de uma

nação com pouco mais de um século de existência.

A necessidade de arcar com os custos de uma guerra que nenhum dos lados havia

estimado tão longeva e nem tão abrangente, gerou escassez de todos os gêneros

de primeira necessidade e a emissão de moeda a níveis nunca antes conhecidos

por qualquer das nações envolvidas naquele conflito, ocasionando taxas de inflação

altíssimas. Para se ter uma idéia da proporção de tais índices, em 1922, os preços

subiram 14 mil vezes na Áustria, 2,5 milhões de vezes na Polônia e 4 bilhões de

vezes na Rússia (BLAINEY, 2010, p.118).

Outro fator importante para a construção deste cenário de instabilidade econômica

do continente europeu foi a configuração geopolítica que emergiu após o término da

guerra. Com a derrota dos Impérios Alemão, Austro-Húngaro e Turco Otomano

surgiram inúmeros países resultantes de sua fragmentação territorial, gerando mais

fronteiras e conseqüentemente mais imposições aduaneiras, emperrando as

relações comerciais de forma geral 3. Além disso, instalações de infraestrutura foram

segmentadas pela divisão territorial ocasionado situações no mínimo inusitadas,

como portos que se separavam das estradas de ligação com as áreas produtoras e

linhas férreas que paravam abruptamente em regiões fronteiriças, por exemplo.

Após a 1ª Guerra passaram a circular na Europa 27 moedas diferentes, contra 14 do

período anterior (BLAINEY, 2010, p. 119).

3 Após a Primeira Guerra Mundial, a derrota dos Impérios Centrais originou a Tchecoslováquia, Hungria,

Iugoslávia, Áustria, Polônia, Turquia, Bulgária, Lituânia, Letônia e Estônia.

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Os derrotados perderam todas as suas colônias obrigando-os a contarem apenas

com seus próprios recursos na tentativa de solucionar seus problemas de ordem

econômica. Os tratados de paz entre os países da Entente e as Potências Centrais

foram draconianos; Versalhes (Alemanha), Saint German (Áustria), Trianon

(Hungria), Neuilly (Bulgária) e Ségres (Turquia); e estabeleceram de forma geral,

vultosas indenizações, que inviabilizariam a recuperação destas nações em um curto

espaço de tempo.

A insatisfação com os tratados não se restringiu aos derrotados. A Itália e o Japão,

aliados da Entente, assistiram a divisão das colônias dos derrotados entre franceses

e britânicos, cabendo-lhes ao final um espólio muito aquém de suas reinvidicações

imperialistas.

Não bastasse a situação descrita, o fator determinante para a completa insolvência

de várias nações foi a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. A

falência de inúmeras empresas e instituições bancárias norte americanas ocasionou

uma debandada dos recursos investidos por este país na Europa, gerando também

insolvências generalizadas em todos os países do continente, além dos problemas já

ocasionados pela quebra de suas próprias bolsas de valores.

Queda brutal do consumo, desemprego generalizado, interrupção de surtos

migratórios e conseqüentemente da disponibilidade de mão de obra barata e

protecionismo estremado tornaram-se as características de caráter sócio-econômico

mais evidentes da década de 1930, em vários lugares, havendo apenas uma

variação quanto à intensidade dos problemas. O que pouco tempo antes fora

decantado como uma das qualidades da modernidade, a integração mundial entre

as áreas produtoras e consumidoras e o livre comércio, acabou se constituindo no

fator responsável pela propagação da crise inicialmente americana.

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Na política, os reflexos foram imediatos já em 1930: assassinato do primeiro ministro

japonês, incitamento por Gandhi à desobediência civil na Índia britânica, rebeliões

curdas no Irã e na Turquia, revolta popular contra o imperador etíope, conflitos

generalizados na Palestina entre árabes e judeus, tentativa fascista de golpe na

Finlândia, prisões abarrotadas de lideres radicais na Polônia e discursos inflamados

de Mussolini fazendo apologia às soluções advindas do uso da força. Na América

Latina, entre 1930 e 1932, houve a derrubada de 11 dos 20 governos constituídos

de então, além das guerras entre Bolívia e Paraguai, e Peru e Colômbia, por

questões territoriais. Em 1931 o Japão conquistou a Manchúria já dando sinais de

que sua ânsia expansionista objetivava todo o território chinês e, em 1933, um

movimento separatista do oeste australiano ameaçou seriamente a unidade

nacional. Enfim, como se pode constatar a globalização da crise econômica, apesar

deste termo não ser usado à época, trouxe uma instabilidade política generalizada

também (BLAINEY, 2010, p. 123)

Enquanto isto, a Liga das Nações, ou estava absorta na busca de soluções

diplomáticas para alguns destes conflitos, ou alheia à maioria. Aliás, a crença na

capacidade de tal instituição promover apaziguamentos fossem quais fossem, após

a Primeira Grande Guerra, era mínima.

O capitalismo que fora a sistema econômico que havia embasado as transformações

de toda ordem a partir da segunda metade do século XIX e que se tornaram as

premissas da modernidade, era agora apontado como o grande responsável pelas

desgraças econômica, social e política vigentes. Conseqüentemente, o comunismo

passou a ser visto, principalmente pela grande massa de desempregados em todo o

mundo, como uma alternativa, senão a única, para a solução das mazelas daquele

momento. As notícias, ou relatos pessoais, do sucesso das experiências soviéticas

de fazendas coletivas e cidades jardins chegavam à Europa Ocidental como

alvissareiras perante um capitalismo decadente. A União Soviética chegou a ser um

manancial de empregos e mesmo oferecendo salários muito aquém dos padrões e

condições de trabalho insalubres em alguns setores, foi o destino de inúmeros

trabalhadores da Europa Ocidental.

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No entanto, para outros setores da sociedade e mesmo para uma parte dos

movimentos trabalhistas, o comunismo era visto como um sistema desagregador de

todas as estruturas primordiais para o funcionamento da sociedade moderna

ocidental. Para estes, o ateísmo, a extinção da propriedade privada, a organização

da sociedade por grupos supra familiares estamentais com a ingerência do estado e

a estatização total da economia, eram inaceitáveis, mesmo perante a imensa crise

que havia se estabelecido no mundo.

Foram tempos de profunda incerteza perante os modelos vigentes de estruturação e

organização do mundo moderno. Por um lado, o capitalismo e o liberalismo

democrático não eram mais associados à idéia de progresso da humanidade, visto

terem sido responsabilizados pela deflagração da Primeira Grande Guerra, pelo

caos econômico mundial ocasionado pela penúria do continente europeu do pós

guerra e pelas conseqüências da quebra da Bolsa de Nova York, por outro lado, o

comunismo também não era visto pela maioria das nações como a solução para

aquela situação, pelas suas características acima descritas (PERRY, 1999, p.565).

Assim sendo, tínhamos o cenário ideal para todo tipo de especulações e

proposições. De forma geral os movimentos de extrema direita que derrubavam os

regimes liberal-democráticos eram de três tipos, excluindo os tradicionais golpes

militares de caudilhos latino-americanos sem conotação política: os fascistas, os

reacionários tradicionais e os estatistas orgânicos. Todos eram reacionários

anacrônicos, inimigos ferrenhos de qualquer forma de revolução social, bastante

reticentes em relação às instituições políticas liberais, autoritaristas e nacionalistas,

em proporções distintas (HOBSBAWM, 1995, pp.116-9). Surgiram por volta da

década de 1920 e até aquele momento haviam tido um papel secundário na maioria

das nações européias, mas ganharam espaço justamente pela ineficiência dos

demais em debelar a crise instaurada.

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1.2. A invenção do fascismo: a Itália de Benito Mussolini (1922-1945).

Figura 2 - Os “Camisas Negras” de Mussolini. (ABRIL COLEÇÕES, 2009)

A Itália no início de século XX era um dos mais atrasados países da Europa,

levando-se em consideração alguns dos parâmetros da modernidade vigente:

industrialização, trabalho assalariado, inserção no sistema capitalista internacional e

novas tecnologias. Apesar da unificação italiana ter ocorrido quase que

concomitantemente à alemã, 1870 e 1871, respectivamente, a disparidade entre as

suas regiões norte e sul era gritante, fazendo com que o sul mais se parecesse com

o norte da África do que com a Europa. Não necessariamente por este ser de

predominância agrícola, mas também pelo próprio estágio deste ser incompatível

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com a mecanização que já se fazia sentir nas áreas agrícolas de boa parte da

Europa Ocidental. Se levarmos em consideração que a priorização da atividade

industrial constituiu-se em uma premissa moderna, como já mencionado

anteriormente, a diferença do nível de desenvolvimento entre a Itália e a Alemanha

era significativa.

De certa forma, isto explicaria em parte, o encantamento com as novas tecnologias

tão presente no Futurismo, movimento artístico italiano que enaltecia a vida

moderna, com as suas máquinas, sua dinâmica e sua crença inquebrantável nas

possibilidades de mudanças e soluções propiciadas pela ciência. O Futurismo

pregava a eliminação da história da forma de se pensar o mundo e

conseqüentemente de construí-lo, propondo uma nova estética para novos tempos.

Aliás, aspecto mais radical neste sentido foi a defesa apaixonada pela maioria dos

artistas futuristas, da pertinência da guerra que se aproximava em 1914, como fator

determinante e eficaz para a limpeza das velhas mentalidades e suas imagens do

passado, do continente europeu.

A grande diferença entre o nível de desenvolvimento entre as regiões da Itália foi um

dos fatores mais significativos durante o processo de unificação e na posterior

aglutinação destas ao redor de interesses comuns, fundamento embasador da

noção de nação. As dificuldades iam desde a própria incompreensão lingüística;

devido à existência de inúmeros dialetos, alguns inclusive distantes da chamada

madre língua 4; passando por questões basilares no âmbito do significado de família,

estado e igreja e o papel destes no cotidiano das pessoas.

No sul, o analfabetismo era generalizado, chegando a 70% da população da

Calábria, por exemplo, enquanto no norte esta taxa ficava na ordem de 30%,

aproximadamente, fazendo com que na Itália até por volta de 1912, parte desta

população analfabeta fosse considerada eleitora, mantendo de forma geral o poder

4 O idioma italiano que foi construído na Toscana e falado no norte do país.

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regional estabelecido, prejudicando assim a abrangência do poder central da nova

República (BLAINEY, 2010, p.111).

Outro fator que deve ser considerado para a compreensão das diferenças do

processo de construção do cenário italiano pós unificação, com a de outros países

surgidos neste período, é o fato do território italiano não possuir reservas ricas em

carvão ou minério de ferro, essenciais ao desenvolvimento industrial. Aliás, dentre os

países mais populosos da Europa, a Itália era o único que não possuía siderúrgicas,

tornando-a dependente, neste aspecto, de ingleses e alemães.

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, apesar da existência de grupos internos

que exigiam a adesão imediata da Itália ao conflito, esta se manteve neutra por

vários meses até finalmente decidir aliar-se à Inglaterra e à França. As forças

italianas, mesmo sem grandes sucessos militares, tiveram importante papel na

manutenção dos Alpes frente a austríacos e húngaros, impedindo avanços

significativos das tropas destes.

Assim sendo, para os italianos, as recompensas a serem obtidas após a derrota

destas, deveriam ser significativas, visto os sacrifícios de vidas humanas e a

intenção da inclusão da Itália no cenário geopolítico europeu como uma das forças

atuantes. No entanto, não foi o que ocorreu após a vitória aliada, pois em um dos

principais fatores que poderiam beneficiar diretamente a construção da almejada

potencia italiana, a incorporação de algumas das antigas colônias do Império

Alemão, foi simplesmente ignorada, sendo estas repartidas entre ingleses e

franceses, como mencionado anteriormente. Os representantes do governo italiano

ficaram tão decepcionados com o destinado ao seu país quando das tratativas de

paz em Paris, em 1919, que se retiraram destas ainda durante as negociações. A

frustração do povo italiano com as recompensas advindas da Grande Guerra foi

generalizada, estendendo-se para além dos oportunistas aliados no conflito até ao

governo que havia permitido tal situação a um preço altíssimo em vidas.

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A situação de penúria e escassez característica dos anos de guerra na Itália

permaneceu para alguns gêneros de primeira necessidade, como no caso da

farinha, mas agora motivada também pela ação de grupos descontentes com a

situação política e econômica do país e em muitos casos insuflados por movimentos

trabalhistas de bases socialistas, comunistas e anarquistas. Em 1920, a Itália estava

à beira de uma revolução, com amotinamento de tropas na região do Mar Adriático,

greves de ferroviários, eletricitários, industriários e comerciários de forma geral.

Soldados reformados protestavam contra a própria situação de descaso em que se

encontravam e a humilhação pela qual o país havia passado mesmo sendo um dos

vitoriosos do conflito. O cenário da política italiana era o ideal para quem falasse aos

italianos, palavras sobre estabilidade econômica, criação de empregos, equiparação

tecnológica do país para com outros da Europa, industrialização, nacionalismo e

contenção do socialismo.

Em março de 1919, foi fundado o Partido Fascista, na cidade de Milão, por um ex-

combatente da Primeira Guerra Mundial e ex-militante socialista, Benito Mussolini.

Mussolini disse aos italianos o que estes gostariam de escutar e começou a fazer o

que esperavam que se fizesse, tomando a iniciativa em manifestações que

possuíam não apenas um caráter doutrinador, mas também intimidatório. Do norte

do país, o partido pedia ordem perante o caos civil instaurado, ao mesmo tempo em

que contribuía para a existência deste; denunciava o alto nível do desemprego e

propunha resolver este problema sem a participação dos sindicatos trabalhistas;

refrear o individualismo e as conseqüentes disparidades sociais geradas pelo

capitalismo, mas sem o radicalismo socialista e muito menos comunista. No lugar de

associações, sindicatos, universidades e um parlamento fortes, oferecia um novo

Estado, centralizado e total, que inspirasse, julgasse e impusesse, valorizando a

noção do nacional sobre o internacionalismo (PAXTON, 2007, pp. 16-8).

A denominação do partido, fascista, originava-se de fasces, um feixe de varas que

simbolizava a autoridade na era romana, da qual os italianos consideravam-se os

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legítimos descendentes. O discurso de Mussolini exortava que o caminho a ser

seguido por esta nova Itália deveria embasar-se na magnitude do outrora Império

Romano: “nada menos que o merecido”. Os fascistas de Mussolini, vestindo suas

camisas negras e com organização paramilitar, feriam adversários, tomavam o

controle de repartições públicas e dispersavam reuniões de grupos políticos rivais,

chegando ao enfrentamento armado com socialistas e com a própria polícia, em um

número cada vez maior de cidades italianas. De abrangência exclusivamente

urbana, inicialmente, foi aos poucos conquistando a adesão de trabalhadores rurais

devido ao caráter enobrecedor atribuído a este tipo de trabalho nos discursos de

Mussolini, ao mesmo tempo em que recebia somas vultosas de tradicionais

latifundiários, a quem prometia a salvação contra o comunismo.

Em outubro de 1922, cerca de 30 mil camisas negras armados com rifles, pistolas,

bastões, porretes e açoites dirigiram-se para Roma, em uma evidente demonstração

de força do partido e do prestígio de seu líder (BLAINEY, 2010, p. 114).

O rei Victor Emmanuel III ao invés de tomar as medidas efetivas para debelar a

manifestação fascista, pois tinha todos os meios para isto, acabou cedendo e

mesmo não sendo partidário de Mussolini, vislumbrou a necessidade da presença de

um líder carismático e forte, que formasse uma coalizão e comandasse, mesmo que

temporariamente, a nação, ainda dispersa e dividida. A escolha pessoal de Victor

Emmanuel III surpreendeu de forma geral, visto que no parlamento os fascistas

ocupavam um número de cadeiras inferior a dos liberais católicos, dos

conservadores e até dos socialistas somados aos comunistas, além de Mussolini ser

republicano.

O rei convidou Mussolini a formar seu gabinete, onde de 14 membros, três eram

fascistas e dois eram heróis de guerra, que foram escolhidos justamente como

comandantes das forças armadas. Em apenas seis meses no poder, Mussolini já

conquistava do próprio parlamento, por ampla maioria, o direito de governar o país

por mais um ano. Nas eleições de 1924 os fascistas, usando todos os recursos

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disponíveis, legais ou não, conquistaram 403 das 599 cadeiras do parlamento

italiano, fazendo com que logo em seguida, Mussolini abolisse futuras eleições,

justificando-as como desnecessárias para a nova nação, visto que a ordem e o

progresso já haviam sido instituídos pelo o governo vigente (BLAINEY, 2010, p.115).

Entre 1925 e 1926, Mussolini já havia eliminado os não fascistas de seu gabinete,

dissolvido os partidos oposicionistas, substituído prefeitos por funcionários fascistas,

esmagado os sindicatos independentes, fechado os jornais de oposição e

organizado uma polícia secreta eficientíssima na prisão dos denominados agitadores

da ordem pública.

O culto a figura do líder era uma das pedras de toque do fascismo e a figura de

Mussolini estava presente em todas as fases da vida do italiano. As cartilhas

utilizadas nas escolas primárias retratavam o líder como o salvador da pátria,

Mussolini como o Julio César moderno. Os professores primários, secundários e

universitários eram obrigados a participar desta doutrinação em condição de

completa subserviência e ameaçados pela possibilidade de denúncia, por parte dos

próprios alunos, quando de incentivo a atitudes liberais. Os desfiles de jovens

italianos uniformizados entoando hinos patrióticos passou a fazer parte do cenário

de todas as cidades italianas.

O fascismo se fez presente por todas as formas de expressão, desde as tradicionais

arquitetura, pintura e escultura, até as mais recentes, através das possibilidades do

rádio. Filippo Tomaso Marinetti, escritor e líder dos artistas futuristas, além de amigo

de Mussolini foi um ardoroso defensor do fascismo enquanto representante da

vertente política da modernidade vigente. Aliás, com poucas exceções, todos os

artistas deste movimento foram não só simpáticos ao fascismo como membros do

partido, apesar deste não ter compactuado e nem concordado com o Futurismo

como a imagem estética da Itália fascista, dando preferência a um classicismo

simplificado.

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O compositor e maestro Arturo Toscanini chegou a candidatar-se ao parlamento

italiano pelo partido fascista, tamanha sua adesão às propostas deste, porém foi se

desiludindo gradualmente com o partido pela sua completa ingerência do cotidiano,

até chegar a ter que sair do país devido a ataques sofridos por ele e sua esposa

como vingança pela recusa da execução do hino fascista quando da estréia de sua

ópera, Turandot.

No âmbito da economia, o fascismo condenava o liberalismo econômico por

considerar este o motivo dos principais males da sociedade moderna, como o

conflitos entre a classe trabalhadora e o patronato, o individualismo capitalista e a

própria contra resposta direta a estes, que foi o socialismo. Estes fatores, segundo

os fascistas, enfraqueciam a união da nação, oferecendo as brechas para as

revoluções sociais e desestruturação da sociedade (PAXTON, 2007, pp. 25-6).

A solução implantada pelos fascistas foi à extinção de todos os sindicatos e a

proibição de greves, com o equacionamento dos problemas pelas corporações

formadas por patrões e empregados de uma determinada indústria, com a anuência

do Estado. No entanto estas corporações eram muito mais uma fachada da

participação dos trabalhadores do que efetivamente uma solução de comum acordo.

Na prática, continuava a hegemonia dos industriais sobre a mão-de-obra nas

decisões relacionadas a questões salariais e outras reinvidicações trabalhistas.

Para reduzir a exportação do capital e a dependência das importações, o objetivo de

Mussolini era tornar a Itália auto-suficiente. Entretanto, as medidas tomadas

acabaram tendo sucesso apenas aparente e superficial. Para ganhar “a batalha do

trigo” 5, considerado gênero de primeira necessidade, Mussolini autorizou o plantio

5 Mussolini deixava-se fotografar pelos seus órgãos de propaganda oficial do partido fascista, de peito desnudo,

denotando uma plena saúde física, participando da colheita junto aos agricultores, em condições de igualdade.

Depois, cartazes com estas imagens, inundavam as cidades italianas.

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em terras devolutas e marginais, além de exigir uma quase monocultura. Os

números da produção deste cereal foram aumentados significativamente, mas outros

gêneros tiveram sua produção bastante diminuída e a pecuária cedeu terras

propicias ao seu desenvolvimento para serem inapropriadamente utilizadas no

cultivo do trigo.

A importação de produtos industrializados estrangeiros foi limitada drasticamente,

visando incentivar o crescimento e a própria auto-suficiência da indústria italiana. No

entanto, o que se constatou em um breve espaço de tempo foi que os italianos

pagavam mais por produtos produzidos internamente.

Todas as decisões de caráter econômico eram centralizadas no Estado fascista,

apesar de em alguns setores isto não ficar tão visível, fazendo com que grupos

menos privilegiados da sociedade vissem na figura de Mussolini o seu protetor.

Enquanto o poder e os lucros das grandes empresas coadunadas com o regime

aumentaram substancialmente, o padrão de vida dos pequenos agricultores e dos

trabalhadores urbanos diminuiu (PERRY, 1999, p. 571). Mas de forma geral, apesar

do exposto, a Itália dava sinais que havia emergido do caos; a vida econômica se

fortalecido, o desemprego diminuído consideravelmente, as greves extintas, os

funcionários públicos menos corruptos e a máfia controlada, dando a impressão não

só para os italianos, mas também para turistas, que a ordem havia se estabelecido

no país. O fascismo de Mussolini começou a ser visto por vários países europeus

como a terceira via, uma alternativa viável perante a decadência do liberalismo e o

radicalismo do comunismo, despertando, principalmente para os alemães, um

cenário de inúmeras possibilidades progressistas alvissareiras perante as

fragilidades demonstradas pela recente República de Weimar.

Outro aspecto bastante relevante no processo de centralização do poder pelos

fascistas foi o estreitamento ímpar de relações com o Vaticano. O Tratado de Latrão,

assinado pelo Papa Pio XI e por Mussolini em 1929, reconheceu a Cidade do

Vaticano como Estado independente, revogou leis anticlericais instituídas pelo

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anterior governo liberal e tornou compulsória a instrução religiosa em todas as

escolas secundárias italianas (HOBSBAWM, 1995, p.118). Em contrapartida, a Igreja

ratificava a necessidade da obediência dos cidadãos ao Estado fascista como o

caminho mais apropriado no combate ao comunismo, chegando a aprovar a invasão

da Etiópia e a interferência na guerra civil espanhola, por parte da Itália. Mesmo

após a aliança com a Alemanha nazista e a implantação de leis anti-semitas na

Itália, a Igreja continuou oferecendo seu apoio irrestrito a Mussolini e punindo seus

representantes que demonstrassem qualquer tipo de oposição ao governo fascista.

Apesar de o fascismo italiano ter sido a inspiração para a criação de movimentos de

extrema direita em países europeus, inclusive para o nazismo alemão, ele não

exerceu sozinho muita atração internacional. Foi somente com a ascensão do

nazismo ao poder central e total da Alemanha, através de Adolf Hitler, que, inclusive

deixou sempre evidente sua admiração por Mussolini, que movimentos fascistas

significativos foram criados ou ganharam projeção em seus países, como a Cruz em

Seta húngara, a Guarda de Ferro romena, os terroristas croatas Ustashi e a Falange

espanhola.

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1.3. A consolidação do fascismo na Europa: o Estado nazista alemão

Figura 3 - Congresso do Partido Nazista em Nurenberg, 1937. (HOBSBAWN, 1995)

Apesar das origens da Primeira Guerra Mundial não serem apenas de

responsabilidade da Alemanha, pois na época a paz na Europa era amarrada a um

intrincado jogo de alianças, algumas até incompreensíveis ao olhar contemporâneo,

a Alemanha, mais que qualquer outro país europeu, foi o espelho dos reveses deste

conflito e posteriormente da Depressão mundial 6.

Nos últimos dias da Primeira Guerra Mundial o imperador Guilherme II (1888 – 1918)

foi deposto por uma revolução que implantou na Alemanha uma república

6 A Alemanha era aliada do Império Austro-Húngaro. A Sérvia contava com o apoio da Rússia, que tinha

ligações com a França. A Inglaterra temia o desenvolvimento da Alemanha, aliando-se assim à França.

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democrática, forçando-o ao exílio na Holanda. O novo governo, conhecido por

República de Weimar, por esta cidade ter sediado a promulgação da nova

Constituição pela Assembléia Nacional em 1919, foi liderado pelo chanceler social-

democrata, Friedrich Ebert (1871-1925), que teve como primeira medida a

assinatura do armistício, pondo fim à Grande Guerra. Cabe salientar que apesar das

sucessivas derrotas alemãs no front, havia ainda certa reticência por parte de alguns

segmentos do alto oficialato do Exército alemão e pelo imperador, em reconhecer

que a guerra estava perdida.

Todas as colônias alemãs foram divididas entre britânicos e franceses, quase toda a

Marinha de guerra havia sido destruída e boa parte da Marinha mercante havia sido

confiscada. Pelo Tratado de Versalhes, partes do território alemão foram transferidas

para a França, Polônia, Tchecoslováquia, Dinamarca, Bélgica e Cidade Livre de

Danzig. Vultosas somas de dinheiro e grande quantidade de mercadorias tiveram

que ser pagas pela Alemanha aos vitoriosos. Reforçando este sabor amargo da

derrota, o fato de o Império Alemão ter capitulado sem sequer ter seu território

invadido pelos inimigos, havia deixado a impressão para muitos combatentes, de

que aquela rendição teria sido precipitada, cindindo ainda mais as relações entre a

política e as Forças Armadas.

A república recente era dominada por socialistas moderados e enfrentou pressões e

ameaças dos dois extremos políticos. De um lado, o Partido Comunista Alemão, ou

espartaquistas 7, que não atendendo as recomendações de seus próprios líderes

Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, ocupou as ruas de Berlim em janeiro de 1919,

exortando a população à derrubada do governo de Friedrich Ebert. Por sua vez, o

chanceler recorreu aos Corpos Livres, brigadas voluntárias de ex-soldados e

aventureiros chefiadas por oficiais fiéis ao imperador, que continuavam lutando para

preservar as fronteiras orientais do já combalido território alemão restante.

7 Movimento que ainda tinha uma orientação da Internacional Comunista, justamente no âmbito da

propagação da revolução pelo mundo, e que foi relegado quando da ascensão de Stalin.

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Sendo inimigos ferrenhos do comunismo, estes não só debelaram a revolta, como

assassinaram os lideres do partido comunista e imprimiram um tom de carnificina ao

episódio. Na continuidade ao evento de Berlim depuseram a recém criada República

Soviética de Munique 8, com intensidade semelhante, em maio de 1919. Mesmo com

a relativa facilidade com que os espartaquistas foram derrotados pelos Corpos

Livres, a implantação de governos comunistas em algumas regiões da Alemanha já

tinha extrapolado a dimensão da possibilidade e se tornado realidade, apavorando

as classes médias e as elites alemãs, fazendo com que segmentos representativos

destas cerrassem fileiras na extrema direita, também contrária à República de

Weimar.

Após o sufocamento do levante comunista, o chanceler ordenou a dissolução dos

Corpos Livres, que, não só não acataram estas ordens, como marcharam sobre

Berlim para destituir o governo vigente, empossando como novo líder o nacionalista

extremista Wolfgang Von Kapp. Alegando o “espírito de corpo”, comandantes do

Exército alemão nada fizeram para reprimir a ofensiva, ficando por conta de uma

greve geral promovida pelos sindicatos, o impedimento de Von Kapp e o fracasso do

golpe. No entanto, o episódio da tentativa de golpe pela extrema direita, mesmo

tendo sido frustrado, demonstrava muito mais gravidade em relação aos

espartaquistas, pois a fidelidade do Exército para com a República de Weimar fora

abalada.

Além das delicadas questões políticas mencionadas, a República de Weimar teve

que enfrentar outro inimigo até mais poderoso, devido à sua abrangência e

complexidade: o debilitado cenário econômico alemão.

Perante o déficit do orçamento da Alemanha do pós-guerra, o governo adotou a

medida com menos entraves admistrativos, porém uma das mais danosas para a

8 Os comunistas também chegaram a tomar, mesmo que por poucas semanas, as cidade de Baden e Brunswick,

no mesmo ano.

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economia como um todo, que foi a simples emissão de mais moeda, fazendo com

que o valor do marco alemão diminuísse drasticamente, chegando em 1923 ao

absurdo câmbio de 4 bilhões de marcos para cada dólar americano, enquanto em

1919 um marco valia 8,9 dólares (PERRY, 1999, p.573). Do dia para a noite, quase

que literalmente, poupanças bancárias, apólices de guerra, pensões, ou seja, anos

de trabalho e economia se esvaíram pelos ralos da incompetente política econômica

da República de Weimar.

Nesta situação, para o calote alemão no pagamento das indenizações para os

vitoriosos da guerra, estipuladas pelo Tratado de Versalhes, foi apenas uma questão

de tempo. Em 1923, em represália a efetivação deste calote, o primeiro ministro

francês, Raymond Poincaré (1860-1934), ordenou a ocupação do Vale do Ruhr,

centro nevrálgico da indústria alemã, por tropas francesas, para assegurar garantias

para os pagamentos. No entanto, os operários fabris, mineiros, metalúrgicos e

ferroviários não concordaram em trabalhar para os franceses, paralisando suas

atividades, ficando o governo alemão responsável pelo pagamento destes,

inflacionando ainda mais a moeda nacional.

Diante da insustentabilidade desta situação para ambos os lados, o novo chanceler,

empossado em agosto de 1923, Gustav Stresemann (1878-1929), criou uma nova

moeda embasada numa hipoteca imobiliária alemã, restringiu a sua emissão e

comprometeu-se a retomar o pagamento das indenizações. Através do Plano

Dawes, firmado em 1924 entre as partes envolvidas, acordou-se na diminuição

destes valores, atrelando-os à capacidade real de pagamento da Alemanha e à

retirada das tropas francesas do Vale do Ruhr.

Num espaço de tempo relativamente curto, em se tratando de um país, de 1924 a

1929, a economia já dava claros sinais de recuperação e desenvolvimento, atraindo

investidores estrangeiros, principalmente norte-americanos, devido às altas taxas de

juros e ao baixo custo da mão de obra, aquecendo o mercado alemão. Índices

significativos desta evolução foram a produção de ferro, aço, carvão e produtos

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químicos, bem como as exportações, maiores do que no período anterior à guerra.

Os salários dos trabalhadores alemães aumentaram de forma geral e as medidas

assistenciais a estes se tornaram mais abrangentes. Em suma, tudo indicava uma

clara recuperação econômica da Alemanha e as conseqüências no plano político

foram o enfraquecimento do poder de convencimento e mobilização das massas

contra a república, tanto dos grupos da extrema esquerda como da extrema direita,

dando a impressão de que a afirmação das estruturas democráticas era apenas uma

questão de tempo.

No entanto, a partir de outubro de 1929, com a quebra da Bolsa de Valores de Nova

York e a instauração de uma crise econômica de dimensão mundial ocasionando a

Grande Depressão, as conquistas alemãs, conseguidas a duras penas até aquele

momento, se esvaíram em questão de meses, mergulhando a Alemanha em uma

crise generalizada, onde desta vez, nenhum segmento da sociedade passou

incólume.

Novamente, as fragilidades estruturais e institucionais da República de Weimar

vieram à tona, expondo as ambigüidades, discrepâncias, incongruências e

ressentimentos reprimidos desde a constituição desta nova forma de governo. Nova,

pois os alemães não estavam acostumados com uma democracia plena, não

possuíam o hábito da prática democrática real, pois após o processo de unificação,

que deu origem ao país chamado Alemanha (1871), o Estado foi governado por

duas semi-autocrácias: os imperadores Guilherme I, de 1871 a 1888 e Guilherme II,

de 1888 a 1918. Estes governaram, controlando as Forças Armadas e a política

externa, nomeando o chanceler e convocando e dissolvendo o parlamento. Para

muitos alemães, a democracia revelava fraquezas para a constituição de um Estado,

devido à grande fragmentação do poder, oriunda das alianças ditas necessárias

para a governabilidade.

Assim sendo, o panorama que se tornava bastante claro e evidente nesta Alemanha

da República de Weimar era de insatisfação generalizada com o governo. Os

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escalões superiores do funcionalismo público, magistrados, industriais, latifundiários

e o alto oficialato das Forças Armadas desprezavam a democracia e eram contrários

ao regime republicano. A classe média, nacionalista e absolutamente anti-socialista,

via a República de Weimar como o resultado da derrota e da humilhação impingidos

à Alemanha pelo armistício e pelo Tratado de Versalhes, como representante dos

objetivos socialistas, que transformariam o país em um Estado proletário. Os

intelectuais da extrema direita, herdeiros e partidários dos pensadores Volkish do

século XIX9, enalteciam os conceitos de pureza da raça, instinto verdadeiro e atitude,

como elementos basilares na constituição de uma nação alemã unificada, opondo-se

assim aos genéricos e universais ideais iluministas, como liberdade e razão. E,

finalmente, para uma parte da massa operária, a República havia sido no mínimo

modesta ou, por que não dizer, oportunista e conivente com as desigualdades, na

socialização do poder.

Esta grande fragmentação de interesses, às vezes completamente dispares, fez com

que todo o governo desta república fosse resultado de várias alianças, pulverizando

o poder, dificultando e atravancando a tomada de decisões, incutindo a estes a

imagem de ineficientes, propícios a negociatas e corrupção, fazendo com que tais

males passassem a ser atribuídos de forma geral ao liberalismo, tanto político como

econômico, desacreditando a legitimidade da democracia e o desenvolvimento pelo

capitalismo.

Justamente neste momento extremamente delicado, onde uma verdadeira coalizão

de apoio à República de Weimar era imperiosa para a governabilidade do país,

predominou a descrença na democracia liberal, com o crescimento da influência dos

partidos extremistas, como o Comunista, o Nacionalista e o Partido Nacional

Socialista dos Trabalhadores Alemães, liderado por Adolf Hitler. 9 “A expressão mais ominosa do nacionalismo alemão, e um nítido exemplo do pensamento mítico, foi o

conceito de Volkish (Volk significa gente ou povo). Os pensadores Volkish alemães procuraram aglutinar o povo

alemão mediante um profundo amor pela sua língua, suas tradições e sua pátria. Esses pensadores achavam

que os alemães eram animados por um espírito mais elevado do que o de outros povos. Para tais pensadores, o

Iluminismo e a democracia parlamentar eram idéias estranhas que corrompiam o puro espírito germânico”

(PERRY, p.459, 1999).

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Dentro deste conturbado cenário político alemão, a novidade vinha do crescimento

de um pequeno grupo de extrema direita, que a partir de 1919 passou a denominar-

se Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou nazista, como ficou

conhecido, devido em grande parte pelos inflamados discursos de seu líder, o

austríaco Adolf Hitler, pautados pela denúncia enfática das mazelas provenientes do

Tratado de Versalhes, do marxismo, da República de Weimar e da presença judaica

no cotidiano alemão. Hitler cantava a música que a maioria dos ouvidos alemães

queria ouvir, captando os seus anseios e ressentimentos latentes e oferecendo-lhes

em troca as soluções, que mesmo parecendo drásticas, eram desejadas, mesmo

que não assumidas.

Para entender a origem das premissas contidas nos discursos e nas propostas de

Hitler e do Nazismo, temos que antes de tudo, conhecer a visão de mundo do

homem por trás delas.

Adolf Hitler (1889-1945) nasceu em 20 de abril na cidade austríaca de Braunau, filho

de um funcionário da alfândega local. Teve oportunidades de educação acima da

média, para os padrões da época e apesar de ter sido um mau estudante no ensino

secundário, demonstrava inteligência e perspicácia (PERRY, 1999, pp. 574-5).

Aos 16 anos foi para Viena estudar pintura ou arquitetura e após dois anos de

ociosidade na cidade, tentou entrar na Academia Imperial de Belas Artes, que

recusou seu pedido de ingresso em 1907 e 1908. Mesmo assim, permaneceu na

cidade ganhando a vida pintando cartões-postais. Foi em Viena, pelo fato de ser um

ávido leitor, que tomou o primeiro contato com uma literatura de cunho racial,

nacionalista, anti-semita e pangermânica, temas bastante comuns nesta Viena

multinacional do início do século, onde estes tratados racistas pregavam o perigo

representado pelas raças mistas, exortando ao extermínio das raças inferiores e

apontando o judeu como a materialização do mal e raiz de todas as mazelas.

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Também nesta época tomou contato com o movimento pangermânico de Georg Von

Schönerer, que especificava o anti-semitismo como uma questão exclusivamente

racial e não religiosa, ficando particularmente impressionado com a forma como Karl

Lueger, prefeito de Viena partidário desta visão, manipulava a questão judaica em

benefício político próprio, através de demagógicos e hipnotizantes discursos

direcionados ao anti-semitismo vienense.

Após anos como pintor de pouca expressão em Viena, mudou-se para Munique,

onde, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial alistou-se como voluntário no

exército alemão, lutando com bravura e recebendo inclusive a Cruz de Ferro em

duas oportunidades. A guerra lhe teria ensinado, segundo ele próprio, o valor da

disciplina, da organização, da liderança, da autoridade, da luta e da impiedade,

conjunto que se constituiria nos pilares da política do partido nazista; e com o

armistício alemão, aprendido a vergonha de uma política que não teria ouvido os

campos de batalha e teria criado esta república judaico-bolchevique.

O fascismo italiano e a própria figura de seu líder, Benito Mussolini, exerceram um

fascínio imediato no líder nazista, fazendo com que Hitler, além de nutrir uma

profunda admiração por Mussolini, considerasse aquela Itália o modelo a ser

seguido pela Alemanha. Em 1921, tornou-se o líder do partido nazista, passando a

adotar atitudes e técnicas militares para a política, como uniformes, saudações,

emblemas, bandeiras e outros símbolos que davam aos membros do partido uma

sensação de solidariedade e camaradagem, que ele só havia presenciado nos

campos de batalhas 10.

No entanto não teve o mesmo sucesso de Mussolini na tomada do poder pelas

armas, pois fracassou na conquista da cidade de Munique em novembro de 1923,

no Estado da Baviera, que seria a primeira etapa para a derrubada da República, 10

Hitler não só adotou a suástica como o símbolo do partido nazista como também desenhou uniformes,

bandeiras e estandartes, valendo-se de sua habilidade de pintor, dos velhos tempos de artista diletante em

Munique.

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que ficou conhecida como o “golpe da cervejaria”. Mesmo derrotado e condenado a

cinco anos de prisão, pena leve considerando-se a gravidade do fato, Hitler com

esta tentativa ganhou projeção nacional, angariando mais adeptos para sua causa e

tirando como grande lição do episódio que o melhor caminho para se chegar ao

poder seria pelos próprios mecanismos democráticos, pois não tinha a força

necessária para o combate aberto. Na prisão escreveu suas memórias, onde

explicitou suas idéias para a solução dos problemas e as dificuldades encontradas

para a implantação destas propostas. Estes escritos foram publicados em 1925 com

o título Mein Kampf 11, que para a cúpula do nazismo iria se tornar o norte do partido.

A Grande Depressão que se iniciou 1929 com conseqüências generalizadas que

fragilizou o recente processo de equacionamento econômico-político promovido pela

República de Weimar, ofereceu a oportunidade para os nazistas ratificarem a

fraqueza e a incompetência do governo, denunciados em seus discursos e se

candidatassem como a solução, utilizando a propaganda como nunca antes havia se

visto. Aliás, Hitler dizia que:

[...] a propaganda deve visar principalmente às emoções, pois as massas não

são movidas por idéias científicas ou por conhecimentos objetivos e

abstratos, mas por sentimentos primitivos, terror, força e disciplina. A

propaganda deve reduzir tudo a slogans simples, incessantemente repetidos,

e concentrar-se sobre um único inimigo. As massas são despertadas pela

palavra falada, não pela escrita – por uma onda de paixão cálida proveniente

do orador, que como golpes de aríete pode abrir os portões do coração do

povo (PERRY, 1999, p.578).

O avanço nazista foi avassalador: nas eleições de 1928, 810 mil votos e 12 cadeiras

no Reichstag e em 1930, 4 milhões e 400 mil votos e 107 cadeiras. Na primeira

eleição de 1932, Hitler obteve 18% e na segunda 37% dos votos, conquistando 230

11

Mein Kampf, ou “Minha Luta”, é um livro pretensioso quanto à sua importância, cheio de divagações e

contém a essência da visão de mundo de Hitler, pautada por um nacionalismo racial, na demonização dos

judeus e na importância da propaganda.

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cadeiras no parlamento e transformando o partido nazista no maior do país (PERRY,

1999, pp. 578-9). O ex- primeiro ministro Franz Von Papen convenceu o presidente

da república, o marechal Paul Von Hindenburg (1847-1934), a nomear Hitler como

novo chanceler, com o apoio dos industriais e dos aristocráticos latifundiários

alemães, que viam no líder do partido nazista o principal combatente contra o

comunismo, a reforma social, o trabalho organizado e como um grande incentivador

da indústria do rearmamento. Em 30 de janeiro de 1933, Adolf Hitler assumiu a

chancelaria da República alemã.

Em fevereiro de 1933 o edifício do Reichstag 12 sofreu um incêndio que foi atribuído

aos comunistas, propiciando a instauração de um decreto do presidente

suspendendo os direitos civis e autorizando assim Hitler a proceder às prisões que

fossem necessárias. Todos os deputados comunistas e social-democratas foram

presos sem ao menos terem sido processados. Nas eleições de março de 1933 o

partido nazista obteve 288 cadeiras no parlamento, que somadas ao apoio de 52

deputados do partido conservador e a ausência de comunistas e social-democratas,

de um total de 647 cadeiras do Reichstag, constituiu ampla maioria para apoiar

Hitler. No mesmo ano ele conseguiu do próprio Reichstag a aprovação de uma lei

que lhe permitia legislar independentemente do parlamento e um ano após, em

agosto de1934, com a morte do presidente da república, Hitler foi eleito com 88%

dos votos para um cargo que aglutinava a chancelaria e a presidência, tornando-se

o Führer, líder absoluto da Alemanha (PERRY, 1999, p. 579).

Adolf Hitler ascendeu ao poder pelo caminho da democracia e, uma vez tendo

chegado ao topo desta estrutura, destruiu-a, junto com a república, criando um

Estado totalitário.

Praticamente o mesmo receituário do fascismo italiano foi implantado por Hitler, visto

que os líderes totalitários não buscavam apenas o poder pelo poder; objetivavam de

12

O Reichstag era o edifício do parlamento alemão e foi inaugurado em 1894.

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forma geral a transformação do mundo a partir de uma ideologia, uma visão

totalmente abrangente, construindo uma verdade superior e exclusiva, um dogma,

tal qual uma religião, fornecendo explicações e razões existenciais. O individuo

nunca estaria sozinho, pois a coletividade estaria acima de qualquer outra relação e

o Estado seria o meio e o fim destas (PAXTON, 2007, pp. 27-9).

Todos os outros partidos foram extintos, os sindicatos fechados, na diretoria das

grandes empresas alemãs foram colocadas pessoas leais ou membros do partido

nazista, o alto oficialato mais antigo das forças armadas jurou inconteste lealdade ao

líder, visto que os novos oficiais já ocupavam os altos postos pela ligação com o

partido.

Na Alemanha, as igrejas católica e protestante se submeteram ao Estado nazista,

com o apoio do Vaticano e da grande maioria dos clérigos luteranos. Mesmo assim,

esta subserviência não impediu a prisão de inúmeros religiosos que a questionaram

e o envio dos mesmos para os primeiros campos de concentração, implantados

desde 1935 na Alemanha, ou para execução. O nazismo não tolerava a coexistência

com nenhuma outra ideologia que pudesse tirar o foco dos alemães no partido. Além

disso, nas escolas públicas o ensino religioso foi reduzido e o catecismo alterado,

com a exclusão da origem judaica do cristianismo, bem como da transformação de

Cristo em um herói ariano. A Gestapo (polícia secreta nazista) censurava os jornais

da Igreja, sermões e o conteúdo das escolas teológicas.

O anti-semitismo deixou de ser uma postura ou uma tendência e transformou-se em

uma questão de Estado, que o instituiu como uma das premissas na constituição da

nação alemã nazista (ARENDT, 1989, pp. 439-40). Através da criação de leis;

médicos, advogados, músicos, artistas e professores judeus, foram impedidos de

exercerem suas profissões, como também, os funcionários públicos de origem

judaica foram demitidos em toda a Alemanha nazista e nos futuros territórios

ocupados. Casamento e relações sexuais entre alemães e judeus foram

terminantemente proibidos. Todos os espaços públicos foram fechados para os

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judeus. Em novembro de 1938, em represália ao assassinato de um diplomata

alemão em Paris por um jovem judeu, os nazistas realizaram um amplo pogrom 13,

que ficou conhecido como a Noite dos Cristais (Kristallnacht), onde dezenas de

judeus foram assassinados, com a pilhagem de residências, estabelecimentos

comerciais e sinagogas, além do envio de aproximadamente vinte mil judeus para os

campos de concentração e a imposição de uma multa de um bilhão de marcos para

a comunidade judaica. Era o início do confisco que seria um dos responsáveis pelo

reerguimento da economia alemã durante a Grande Depressão. O destino dos

judeus na Alemanha nazista se delineava de forma bastante evidente.

Outra premissa do Estado nazista foi a criação do conceito do “homem novo

alemão”. A arquitetura para a transposição do conceito para a práxis iniciou-se pela

legitimação do mito nórdico da superioridade ariana pela eugenia. Para os médicos

nazistas a origem de grande parte dos males congênitos, fossem mentais ou físicos,

estaria ligada justamente à miscigenação racial. Assim sendo, segundo médicos e

cientistas nazistas, já tendo proibido relações sexuais entre judeus e alemães,

impedindo agora relações entre “doentes” e “sãos”, através da criação de leis

específicas, esterilizando os “doentes” em um primeiro momento e eliminando-os em

um segundo, estariam garantindo a depuração da raça. Estavam também incluídos

neste processo de “depuração”, homossexuais, ciganos e outras minorias éticas não

consideradas arianas.

A próxima etapa para a construção do “homem novo alemão” era o doutrinamento

da ideologia nazista para todas as idades e em todas as esferas da sociedade,

através da propaganda e da educação. O Ministério do Esclarecimento Popular,

dirigido por Joseph Goebbels (1897-1945), controlava a imprensa, a publicação de

livros, o rádio, o teatro e o cinema. Através de todos estes instrumentos a 13

Pogrom é uma palavra russa que significa “causar estragos”, “destruir violentamente”, e era utilizada para

designar os ataques populares contra os judeus, tanto na Rússia como em regiões do Leste Europeu. O

primeiro pogrom foi ocasionado por um tumulto anti-semita ocorrido em Odessa, em 1821 e ganhou maior

dimensão e vítimas na Ucrânia e no sul da Rússia, entre 1881 e 1884, após o assassinato do Czar Alexandre II.

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propaganda nazista de doutrinação concentrava-se no mito da raça e na

infalibilidade do Führer, oferecendo ao indivíduo novos modelos nos quais acreditar

e obedecer, moldando assim todo um país a pensar e responder em concordância

com as decisões do líder.

Todas as formas de organização de jovens deram lugar à Juventude Hitlerista, que

abrangia a faixa etária compreendida entre 10 e 18 anos, onde eram doutrinados a

participar efusivamente dos eventos do partido. Os projetos pedagógicos, em

qualquer das instâncias educacionais eram elaborados e implantados por membros

do partido nazista e os estudantes instados a delatarem os professores que não os

seguissem. A partir de maio de 1933, professores e alunos passaram a queimar em

praça pública na Alemanha, qualquer publicação que contivesse um mínimo de

contrariedade a ideologia nazista e posteriormente também nos países ocupados

pelos nazistas.

Podemos dizer que a catarse de todo este processo foram os desfiles apoteóticos

realizados em Nuremberg 14, onde oratória, dramaturgia, luminotécnica, cenografia,

arquitetura e cinema se imbricavam, oferecendo a imagem de ordem,

monumentalidade, unidade, poder e onipresença, desejada pelo Estado totalitário

nazista. Se pelo encantamento o doutrinamento não fosse satisfatório, ainda havia o

caminho do terror para se assegurar aquiescência e obediência, através da ação da

SS (Schutzstaffel), órgão para-militar criado em 1925 para garantir a integridade de

Hitler e de outros líderes do partido nazista, liderada com mão de ferro por Heinrich

Himmler (1900-1945).

O crescimento da economia alemã oriundo das ações de Hitler foi o cimento para a

afirmação e sedimentação do nazismo. No sentido diametralmente oposto do

realizado pela revolução bolchevique russa de 1917, os nazistas não 14

Nuremberg foi escolhida pela sua proeminência durante o Sacro Império Romano Germânico (I Reich). Pelo

fato de abrigar um campo para pouso de dirigíveis, possuía o local com as dimensões apropriadas para a

implantação dos espaços necessários aos monumentais eventos nazistas, que Berlim já não conseguia abrigar.

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desestruturaram o sistema de organização social vigente, eliminando as elites

formadas por industriais e comerciantes. Hitler implantou quadros administrativos do

partido por cima desta estrutura, visando uma ingerência total do Estado nazista

sobre qualquer sistema produtivo do país. Em todas as grandes indústrias alemãs

havia no corpo diretivo gerentes provenientes do partido com alguma experiência

específica, apesar desta não se constituir em pré-requisito. No entanto, os

industriais, apesar da sua reconhecida importância no processo de recuperação

econômica, não tinham nenhuma influência nas decisões políticas.

As indústrias de base foram priorizadas neste processo, principalmente as ligadas à

produção de máquinas e armamentos, pois nos planos nazistas a reinserção da

Alemanha no cenário das potências européias, de onde nunca deveria ter sido

alijada, passava pela reconquista dos territórios perdidos pelo Tratado de Versalhes,

de grande importância econômica e ligados à noção da “grande nação alemã” ou do

III Reich.

Ingleses e franceses, com o propósito primordial de evitar novos conflitos bélicos

foram condescendentes com Hitler nos casos da remilitarização da Renânia (março

de 1936), da Anschluss com a Áustria (março de 1938), da anexação dos Sudetos

(setembro de 1938) e no da invasão da Tchecoslováquia (março de 1939).15.

A indústria da construção civil ganhou incremento com a construção de rodovias,

moradias e o grande plano de remodelação urbana de inúmeras cidades alemãs,

inserido na proposta de adequações funcionais e imagéticas imprescindíveis a

construção do III Reich nazista 16.

15

Os representantes da Tchecoslováquia não foram nem convocados para participar das tratativas sobre

assuntos aos quais tinham interesse direto e imediato.

16 O II Reich havia sido constituído em 1870/1871 com a formação do Império Alemão e desaparecido com a

derrota na primeira Grande Guerra.

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Os lucros do setor industrial atingiram níveis de crescimento bastante significativos,

porém o salário real dos trabalhadores, após um curto período de crescimento, foi

congelado. No entanto, esta questão foi eclipsada mediante a drástica redução do

desemprego na Alemanha, já em 1935, ou seja, em apenas dois anos do governo de

Hitler, sendo o mais baixo do mundo industrial a época (BLAINEY, 2010, p.129).

Assim sendo, para grande parte da população alemã, preocupada primordialmente

com a satisfação das necessidades básicas e o bem- estar da família e dos amigos,

as ações do governo nazista que praticamente eliminaram o desemprego e

recuperaram a autoestima alemã - bastante baixa com a derrota na guerra, as

imposições do Tratado de Versalhes e com a ineficiência da República de Weimar

em resolver os problemas alemães - chancelaram o grande apoio popular à gestão

de Hitler. A recuperação de certo poder de compra da população alemã aqueceu o

comércio, que por sua vez exigiu também das indústrias secundárias alemãs um

desempenho compatível.

Cabe também salientar que a surpreendente recuperação da economia, bem como a

reestruturação do poderio bélico alemão estavam também intrinsecamente ligados

ao processo de expropriação e confisco de bens, propriedades e recursos

financeiros de posse da comunidade judaica em territórios do III Reich, iniciado com

a implantação de rígidas leis anti-semitas e finalizado com o efetivo extermínio

sistemático desta população.

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1.4. Reacionários tradicionalistas: Espanha e o Leste Europeu.

Figura 4 - As Milícias da Frente Popular, Espanha, 1936. (ABRIL COLEÇÕES, 2009)

Na Espanha, depois que as forças anti-monarquistas venceram as eleições de 1931,

o rei Afonso XIII (1902-31) deixou o país e a república foi proclamada. Mas a

república liderada por socialistas e liberais, com suas medidas extremadas, como a

expropriação dos grandes latifúndios, redução do número de oficiais no exército,

dissolução da Companhia de Jesus a o fechamento de escolas religiosas, ressaltou

ainda mais uma grande oposição das estruturas mais tradicionalistas da sociedade

espanhola. Por outro lado, a condição de vida da classe trabalhadora não havia

melhorado com o advento da república e os níveis de desemprego aumentaram

consideravelmente ocasionando violentas greves em várias regiões da Espanha

(HOBSBAWM, 1995, p. 118).

Como se não bastassem os problemas citados, a república ainda se deparou com

uma tentativa de golpe militar e com mais uma tentativa separacionista da

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Catalunha. Perante a incompetência do governo instituído em equacionar estas

questões, nas eleições de fevereiro de 1936 os espanhóis optaram pela

radicalização, elegendo para governar o país a Frente Popular, uma coalizão de

partidos de esquerda, incluindo os comunistas. A resposta da direita foi imediata,

com a revolta de uma grande parte da oficialidade do exército espanhol já em julho,

liderada pelo general Francisco Franco (1892-1975), com o apoio da Igreja, dos

monarquistas, dos latifundiários, dos industriais, da Falange (partido fascista

espanhol), da Itália fascista e da Alemanha nazista, mergulhando o país em uma

guerra civil, que foi um dos episódios mais sangrentos do século XX e o laboratório

militar para a Segunda Guerra Mundial. Em 1939, com a vitória de Franco, instaurou-

se uma das mais longevas ditaduras européias, que se estendeu até a morte de seu

líder em 1975.

Já em pleno século XX, boa parte da Europa Oriental era predominantemente rural e

sua população era tradicionalmente submissa à autoridade monárquica e

aristocrática não estando portando habituada ao pensamento político e à

responsabilidade civil. Não havia uma burguesia significativa o suficiente para a

implantação e sedimentação do pensamento liberal nestes países. Intelectuais eram

freqüentemente atraídos por causas nacionalistas embasadas em tradições

seculares e totalmente antiliberais política e economicamente, excluindo-se a

Tchecoslováquia.

Conseqüentemente, os governos parlamentares surgidos após a Primeira Guerra

Mundial nesta região eram frágeis e desembocaram rapidamente em regimes

autoritários ou conservadores anacrônicos que se constituíram em um dos tipos de

forças que derrubavam os regimes liberais - democráticos, chefiados pelas elites

dominantes tradicionais, lideres militares ou reis, legitimados por constituições

parciais, mais preocupados com o combate à revolução social, ao comunismo e à

manutenção dos privilégios tradicionais do que com uma plataforma partidária

fascista, apesar deste ter exercido alguma influência sob alguns aspectos. São

exemplos desta postura os governos do almirante Horthy na Hungria, do marechal

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Pilsudski na Polônia, do rei Alexandre da Sérvia e do marechal Mannerheim na

Finlândia (HOBSBAWM, 1995, pp. 116-7).

1.5. Estatismo orgânico: Portugal, Áustria, América Latina

Figura 5 - Innsbruck, Áustria, 1938: O Reich Incorpora a Áustria. (ABRIL COLEÇÕES, 2009)

Esta linha da direita chamada de “estatismo orgânico” (HOBSBAWM, 1995, p. 117)

também era conservadora, não tanto na defesa de uma ordem tradicional, mas

intencionalmente recriando e manipulando seus princípios como uma maneira de se

opor ao individualismo liberal, ao trabalhismo e ao socialismo. Esta postura era

embasada numa nostálgica estrutura feudal, onde se reconheceria a existência de

extratos sociais diferenciados, porém com a rígida observância de suas limitações e

responsabilidades para com a sociedade, com a aceitação voluntária desta

hierarquia, sem o perigo da tão execrada luta de classes moderna.

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Tal premissa deu origem a vários tipos de teorias “corporativistas”, que substituíam a

democracia liberal pela representação de grupos de interesse econômico e

ocupacional, fazendo com que este sistema fosse denominado como uma

democracia “orgânica” que seria mais eficiente por não incorrer na dispersão

individualista.

No entanto este sistema foi implantado por e para Estados fortes e autoritários que

impunham uma ingerência total atrelando qualquer corporativismo a esta condição.

Cabe ainda salientar que estes Estados também tiveram em maior ou menor escala,

a influência do fascismo, de acordo com a conveniência de seus líderes, podendo

até serem chamados de semifascistas (HOBSBAWM, 1995, p. 117).

Os casos mais evidentes desses Estados corporativos foram encontrados em alguns

países católicos, pois nestes, o papel da Igreja assemelhou-se ao desempenhado na

Idade Média, onde esta instituição legitimou a existência de uma sociedade

estamental e conseqüentemente os motivos desta hierarquização, sendo que agora

também apoiava e legitimava, em alguns casos, estes novos Estados. Cabe

salientar que a participação da Igreja Católica foi antes de tudo fiel aos seus

princípios e dogmas do que a qualquer outra ideologia política e as alianças com

Estados totalitários basearam-se primordialmente nesta premissa, situando o seu

apoio no campo das direitas, tendo uma posição inexoravelmente contrária aos

perigos comunista e liberal.

Foi exemplo desta linha, o Estado implantado em Portugal por Antonio de Oliveira

Salazar (1889-1970), que em 1926, com o apoio do exército, derrubou a República

democrática criada em 1910, contituindo-se no mais longevo destes ditadores.

Acreditamos que pela condição de isolamento geográfico e de pequena importância

econômica de Portugal no continente europeu, esta ditadura tenha se estendido por

tanto tempo (HOBSBAWM, 1995, p.118).

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Mais relevante no complexo cenário europeu pós Primeira Guerra, a Áustria foi um

espelho das vicissitudes sofridas pelos escombros do derrotado Império Austro-

Húngaro, dando origem a uma frágil república pressionada por França e Inglaterra a

manter autonomia a qualquer custo e impedida de qualquer aproximação com a

Alemanha.

Em 1933 chegou ao poder na Áustria, Engelbert Dollfuss (1892-1934), que de

primeiro ministro social-cristão que chegou ao poder por eleições, a partir de 1934

passou a ser o ditador deste país. Logo ao assumir o governo da Áustria, proibiu os

nazistas de se organizarem em um partido e dissolveu as milícias do Partido

Socialista. Criou um partido único, a Frente Patriótica, e frente à resistência armada

por parte dos membros de ambos os partidos reprimidos chegou a um nível de

repressão que se constituiu em uma guerra civil. Com a vitória, Dollfuss promulgou

uma nova Constituição, dissolveu o parlamento e instituiu a sua ditadura e o Estado

social-cristão, baseado nas doutrinas da Igreja Católica, com o apoio internacional

de França e Itália.

No entanto, após uma tentativa frustrada dos nazistas para tomar o poder, Dollfuss

foi assassinado pelos mesmos. Seu sucessor, Kurt von Schuschnigg, não só não

acabou com a ditadura como tentou restaurar a monarquia dos Habsburgo17,

contrariando antigas alianças internas e externas, abrindo as brechas para o

crescimento da ascendência nazista sobre os austríacos e para a anexação pela

Alemanha.

No caso de países da América do Sul, como Argentina e Brasil, para citar os países

de maior importância econômica e política no continente, o que podemos observar

neste período foi a implantação de ditaduras de direita com nuances das três

possibilidades já expostas, fascistas, reacionárias e “orgânicas”.

17

Através da reconstituição do antigo Império Austro-Húngaro com boa parte da sua abrangência territorial.

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Tanto Juan Domingo Perón (1895-1974), na Argentina como Getúlio Vargas (1890-

1954) no Brasil, instituíram Estados autoritários; com instituições democráticas

manipuladas ou inexistentes, com o apoio das classes trabalhadoras através de um

discurso contrário às oligarquias, mas operado por sindicatos estatizados em conluio

com as mesmas, que apoiavam o Estado em troca de concessões, mantendo em

equilíbrio estas relações, fiscalização e controle dos órgãos de cultura e

comunicação, e a mitificação do líder.

No caso do Brasil, especificamente, o Estado Novo instituído por Getúlio Vargas a

partir de 1937 e que se estendeu até a sua deposição pelo Exército, em 1945, foi o

Estado que mais se assemelhou dos modelos acima expostos, ora se aproximando

de algumas características fascistas, ora de um estatismo orgânico, mas sempre

priorizando, antes de tudo, os interesses específicos do líder e seus colaboradores,

sem a preocupação de seguir uma determinada ideologia a priori.

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CAPÍTULO 2: A DITADURA GETULISTA E A FORMAÇÃO DO ESTADO

MODERNO BRASILEIRO (1930-1945).

Figura 6 - A Construção de uma Imagem: Getúlio Vargas esculpido pelo artista norte-americano Jo

Davidson. (CAVALCANTI, 2006)

Uma contra-revolução para readquirir a liberdade, para restaurar a pureza

do regime republicano e para a reconstrução nacional (VARGAS apud

LOPEZ &MOTA, 2008, p.638).

2.1. Antecedentes históricos.

É consenso na historiografia do período republicano brasileiro, considerar a

Revolução de 1930 como a deflagradora de um processo de transformações,

responsáveis pela modernização do Estado Brasileiro e suas instâncias, ressaltando

o caráter gradual das mudanças, contextualizando o conceito de modernidade e

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inserindo o processo brasileiro em um cenário continental, influenciado por

acontecimentos mundiais (FAUSTO, 1997, p.9).

No entanto, o movimento revolucionário que trouxe para o centro do poder do país

grupos que gravitavam ao redor do mesmo, em outubro de 1930, não deve ser visto

como o divisor de águas entre a Primeira República e o Estado subseqüente, mas

sim como o fato que desencadeou um processo de transformações, de início tímido,

e que de forma bastante gradual e circunstancial foi implantando reformas

estruturais comprometidas integral ou parcialmente com o conceito de modernidade

vigente.18

Aliás, a propensão para implantação parcial e circunstancial de reformas implícitas a

mudanças de sistemas políticos, esta no cerne da própria implantação da República.

O golpe militar que alijou a monarquia como regime político do Brasil propondo a

República como seu substituto, era formado também por grupos com quadros de

pessoal oriundos da própria estrutura monarquista, que já participavam da disputa

do poder.

Estes grupos divergiam da própria concepção do que era República e tinham

propostas diferentes quanto à implantação desta no Brasil. De um lado, as

oligarquias regionais, principalmente de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do

Sul, que defendiam o sistema federativo, que contemplava maior autonomia

administrativa para as províncias, sendo paulistas e mineiros defensores de um

modelo liberal e gaúchos de um mais estatizante.19 Do outro, os militares, que

vislumbravam um modelo centralizador, com um forte poder executivo, uma ditadura

18

Conceito este entendido pela aplicação do liberalismo econômico, pela priorização das atividades industriais,

pelo trabalho assalariado e pela instituição da democracia liberal (HOBSBAWM, 1995, p 16).

19 Esta será uma característica que se manterá por boa parte da Primeira República e de certa forma se

entranhará no estereótipo dos perfis políticos regionais (FAUSTO, 2002, p.148-55).

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de início e com uma presença mais determinante do Exército, visto que a Marinha

ainda era considerada sob influência monarquista.

Os defensores da República liberal vislumbravam a premência da formação de uma

Assembléia Constituinte visto a existência clara e inequívoca de sinais por parte do

presidente Deodoro da Fonseca, de preferir ou de acreditar necessária a

manutenção de um regime semiditatorial para a sedimentação dos preceitos

republicanos basilares. Com a implantação da Assembléia Constituinte, formada

com uma maioria de deputados oriundos das oligarquias regionais, prevaleceu o

modelo de República federativa liberal na Constituição de 1891, atribuindo assim

aos Estados, uma autonomia administrativa nunca antes desfrutada.

Esta autonomia abrangia todas as áreas do Estado, propiciando a possibilidade de

formação de forças militares com atribuição policial, a constituição de uma instância

jurídica própria, a contratação direta de empréstimos no exterior sem a anuência da

União e a criação de impostos de exportação, por exemplo. Como o café continuou

sendo o lastro econômico da nação e o estado de São Paulo seu maior produtor,

ficou assim justificada a gradual hegemonia deste estado sobre os outros, inclusive

no exercício do poder central. A este poder central ficou a incumbência da cobrança

dos impostos de importação, a criação de bancos emissores de moeda e a

organização das Forças Armadas, por exemplo.

A estrutura do Poder Legislativo foi mantida como a do Império, com o sistema

bicameral, Câmara dos Deputados e Senado, sendo eleitos pelo voto aberto e com

mandato com tempo predeterminado, excluindo-se o caráter vitalício do cargo de

senador.

Houve o desvinculamento entre Estado e Igreja, passando a inexistir a figura da

religião oficial e tornando-se atribuição do Estado importantes funções que eram da

Igreja, como o registro de nascimento, o casamento civil e o ensino básico.

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O que ficou evidente com estas mudanças foi uma valorização do poder dos Estados

e conseqüentemente das oligarquias regionais em detrimento da anterior

centralização do poder central representada pelo imperador e agora pelo presidente

da República. As oligarquias regionais dominantes revezaram-se na ocupação da

presidência da República, aproximando mais e em outros momentos menos, dos

interesses destas com os preceitos de uma República federalista20. Portanto, a

imagem de um Estado central forte e onipresente não foi a tônica da Primeira

República.

No período compreendido entre 1889 e 1930, a presidência da República foi

exercida por apenas três militares, o que na visão de algumas alas do Exército, era

injustificável, visto que a implantação do regime republicano tivera a participação

imprescindível do mesmo. Esta questão foi latente em boa parte da Primeira

República, tornando-se mais ou menos relevante dependendo da relação e ao papel

atribuído aos militares. Na Campanha Civilista de Rui Barbosa para a presidência da

República os antagonismos tornaram-se explícitos e redundaram em retaliações por

parte do governo de Hermes da Fonseca.

Cabe salientar que tanto nas oligarquias regionais quanto nas Forças Armadas

existiam dissonâncias, que foram manipuladas de acordo com as circunstâncias,

para a manutenção do poder, ou como ocorreu no movimento revolucionário, para

se chegar a ele. Aliás, o que se assistiu nestes primeiros anos de República foi

justamente o embate entre totalitarismo e liberalismo. Exemplo evidente disto foi a

nomeação do primeiro presidente da República, Deodoro da Fonseca, pelo

Congresso e o posterior fechamento deste pelo próprio Deodoro. No entanto, para

que a política de um Estado totalitário de Deodoro vingasse ele precisaria

justamente do apoio das Forças Armadas, o que não ocorreu devido à reação dos

partidários de seu vice, Floriano Peixoto (1839-1895), de setores da Marinha e da

20

A primeira Constituição republicana foi promulgada em fevereiro de 1891, e referenciou-se à norte-

americana, instituindo a República federativa liberal.

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oposição civil, fazendo com que Deodoro renunciasse, assumindo a presidência o

Marechal Floriano Peixoto.

Este, por sua vez, apesar de não ser favorável à República liberal e descentralizada

dos cafeicultores, estabeleceu acordo com o PRP (Partido Republicano Paulista),

pois ambos os lados perceberam uma possibilidade de ingovernabilidade na

ausência do autoritarismo florianista para a sedimentação da República e na falta de

apoio do poder econômico da oligarquia cafeicultora paulista.

Este embate de forças para o exercício da presidência da República, não era

exclusividade da esfera federal. O federalismo republicano fez emergirem de forma

mais explícita as dicotomias regionais, anteriormente controladas e ou reprimidas

pela instância moderadora21.

Uma das regiões onde este antagonismo ultrapassou os limites da disputa política

chegando ao confronto armado foi no Rio Grande do Sul. De um lado os partidários

do PRR (Partido Republicano Rio-grandense), do outro, os do PF (Partido

Federalista). Tratava-se da oposição entre as faces da elite do estado; a nova, das

regiões do litoral e da serra, que constituía a ordem vigente e a tradicional, que

remontava à época do Império, proveniente do interior, respectivamente. Tal embate

motivou a Revolução Federalista de 1893, um dos conflitos bélicos mais violentos

ocorridos no Brasil, vencido pela situação florianista, mas que deixou ressentimentos

entre as partes por muito tempo.

A vitória de Floriano deveu-se também ao apoio financeiro do estado de São Paulo,

principalmente na figura de seu ministro da fazenda, Rodrigues Alves. A cobrança

deste apoio não tardou a ser executada, na imposição do paulista Prudente de

Moraes como seu sucessor. E mesmo a contragosto de Floriano Peixoto, ele foi

eleito em Março de 1894 para a presidência, dando início à chamada “República do

21

O Poder Moderador era exercido pelo imperador D. Pedro II, durante o período monárquico.

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café com leite”, o período da alternância entre paulistas e mineiros no maior posto do

Estado brasileiro.

Deste momento em diante, o que se viu de maneira geral, em todo o país foi a

hegemonia política da elite cafeicultora e seus aliados regionais contra opositores

oriundos de outros segmentos das elites regionais e em uma menor dimensão

membros de uma baixa classe média, predominantemente urbana e carioca,

adeptos do chamado republicanismo jacobino22.

Obviamente que as diferenças entre grupos regionais contrários não foram

resolvidas simplesmente pelo reconhecimento da hegemonia do segmento ligado ao

poder central. A criação da “política dos governadores” pelo presidente Campos

Sales (1898-1902), estabeleceu a correspondência da representabilidade

parlamentar ao grupo dominante, submetendo, de certo modo, o poder legislativo ao

executivo, facilitando a governabilidade local. Cabe salientar a insignificante parcela

votante da população, “entre 1,4% em 1906 a 5,7% em 1930” (FAUSTO, 2002,

p.148), o fato do voto não ser secreto e o famoso “voto de cabresto” que se

constituíam em instrumentos de garantia e manutenção do poder, apesar de que

estas práticas não eram novidade desde a época do Império.

Não foi gratuitamente então, que a Primeira República, além de ter ficado conhecida

como República Velha ou República do “café com leite” pode ter somada a estas

denominações também o termo “República dos coronéis”, pois o oligarca local era a

base desta estrutura. O termo coronel vem da imperial Guarda Nacional23, atribuído

justamente, na sua maioria, a estes proprietários rurais. Quanto menos centralizado

o poder regional, maior a influência destes coronéis nas decisões locais. Entretanto,

22

Os jacobinos eram oriundos da baixa classe média, alguns segmentos do operariado e militares de condição

econômica precária, que defendiam uma república forte e centralizada, contra a monarquia e o liberalismo.

23 O título de “Coronel da Guarda Nacional” era normalmente atribuído pelo Imperador para latifundiários e

políticos aliados da política vigente praticada pelo Império.

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essa manipulação não deve ser vista apenas como uma característica do Brasil

rural, mas a face de uma postura em relação à coisa pública, impregnada nas

administrações desde o período colonial, que é o clientelismo. A troca de favores

entre os membros das elites e o controle absoluto sobre o processo eleitoral

tornaram-se características indissociáveis da política brasileira.

Portanto, num panorama global podemos sintetizar a estrutura política da Primeira

República pela descentralização política e uma conseqüente maior autonomia para

os estados em quase todas as áreas, excluindo-se as decisões no campo da política

monetária e cambial. A mesma rede de influências do período imperial, com algumas

mudanças de personagens, mais nas instâncias superiores e menos nas locais, não

só foi mantida como solidificada.

No cenário nacional, houve a confirmação da hegemonia de São Paulo, amparada

no suporte financeiro deste estado para a União, com base na cafeicultura. O estado

de Minas Gerais ratificou sua influência pela presença de destaque na formação de

políticos24. Em quase todas as esferas federais havia a presença de políticos

mineiros, fazendo com que balança do poder federal ficasse equilibrada em relação

às ambições paulistas.

Outro estado que desempenhou um papel de relativa importância neste cenário e

em alguns momentos representou o fiel da balança foi o Rio Grande do Sul. A

relevância deste estado esteve ligada desde sua origem à formação de efetivos

militares. Afinal de contas, foi a única região onde o Tratado de Tordesilhas dividiu

efetivamente os territórios português e espanhol, devido à própria configuração

topográfica, com suas extensas planícies, que colocava frente a frente estes colonos

a defender as mínimas porções de terra que fossem. Portanto, o brasileiro desta

região teve que aprender desde cedo a defender seu território frente a iminentes

24

Oriunda da implantação da primeira estrutura política administrativa integral no Brasil quando do ciclo do

ouro na região no século XVIII, pela Coroa Portuguesa, de caráter fiscalizador e opressor.

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usurpações, que eram colocadas como relativas e questionáveis por ambas as

partes.

A partir do Primeiro Império, a formação de efetivos militares para, principalmente,

defender as regiões de fronteira foi se tornando uma constante, até a criação da III

Região Militar em 1919, já na Primeira República. Este fato foi o impulsionador da

presença constante de militares gaúchos no Ministério da Guerra, ocupando cargos

em vários escalões, inclusive o de ministro. Além disso, também havia uma

presença significativa de gaúchos no Clube Militar, entidade que ditava orientações

e determinações da categoria.

O positivismo, uma política conservadora de gastos por parte da União e a

estabilização dos preços, foram os fatores de aproximação da classe política gaúcha

dominante, o PRR, com os militares, visto que o principal produto da região, o

charque, era considerado gênero de primeira necessidade inclusive no nordeste.

Após os primeiros presidentes militares, só tivemos outro representante desta

categoria no maior posto da União, em 1910, com a eleição do marechal Hermes da

Fonseca, mesmo assim sob forte influência do político do PRR, Pinheiro Machado.

Na economia, as mudanças ocasionadas pelo advento da República em relação ao

império foram basicamente, a liberdade para os estados adquirirem empréstimos no

exterior sem a obrigatória anuência do poder central, a intensificação da imigração

para a lavoura cafeeira e a política do funding loan 25, como a saída encontrada para

o equacionamento do déficit público, aumentado significativamente devido aos

25 Empréstimo feito com os bancos ingleses, em 1898, que tinha como objetivo a consolidação da

dívida externa brasileira e a manutenção da política do café, motivado pela queda das exportações e

o conseqüente déficit da balança comercial que gerou o aumento da dívida externa.

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gastos para o estabelecimento e sedimentação do novo regime e da dívida externa

que cresceu na ordem de 30%, ligada a ações protecionistas no tocante à

manutenção dos lucros da atividade cafeeira (FAUSTO, 2007, p.147).

Exemplo relevante desta postura foi o acordo conhecido como Convênio de

Taubaté, firmado em 1906 pelos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de

Janeiro, onde a União contrataria um empréstimo de 15 milhões de libras esterlinas

para promover a aquisição do excedente de café no mercado por um preço que

valorizasse o produto e a criação de instrumentos para estabilização do câmbio,

impedindo a valorização da moeda brasileira.

Em um primeiro momento a União não compactou com tal acordo, fazendo com que

São Paulo partisse sozinho para tal empreitada junto a importadores norte-

americanos. Em 1908 o presidente Afonso Pena conseguiu a aprovação do

Congresso e a União tornou-se fiadora de tal acordo.

O que se observa neste período é uma alternância, não necessariamente

seqüencial, entre políticas extremamente protecionistas aos interesses dos

cafeicultores colocando em um segundo plano o equilíbrio das contas da União, e

outras diretamente ligadas à manutenção das estruturas administrativas do Poder

Central.

Ao mesmo tempo em que a União era vista como articuladora de uma integração

nacional e, portanto prioritária no jogo de interesses econômicos, o café

representava até 1930 em torno de 72,5% das exportações nacionais, constituindo-

se sem dúvida alguma, na alavanca para o desenvolvimento da nação de forma

geral (FAUSTO, 2007, p.155).

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Exemplo deste equilíbrio necessário foram medidas tomadas por presidentes saídos

do âmago da oligarquia cafeicultura paulista, como Campos Sales, Rodrigues Alves

e Washington Luís, priorizando aspectos favoráveis à manutenção das contas

públicas e controle do câmbio.

Aliás, foi também no estado de São Paulo, que a diversificação agrícola e a

atividade industrial aumentaram. Caso a salientar foi a hegemonia paulista na

produção de algodão ao final da década de 1910, constituindo-se no lastro para a

emergente indústria têxtil. As primeiras indústrias têxteis surgiram em meados do

século XIX na Bahia, alastrando-se para Minas Gerais e Distrito Federal na década

de 1880.

Os recursos advindos da cafeicultura foram os responsáveis pelo primeiro surto

industrial brasileiro, devido ao crescimento de renda per capita, desenvolvendo um

mercado consumidor para produtos manufaturados, ligando as diversas regiões do

Brasil através da implantação de ferrovias e a conseqüente distribuição destes

produtos, propiciando o fornecimento de mão de obra mais qualificada com o lado

urbano da imigração e finalmente pelo próprio financiamento para a aquisição de

maquinário. As indústrias de base eram insignificantes e insuficientes, fazendo com

que este surto fosse completamente dependente das importações.

O Pós Primeira Guerra Mundial, a década de 1920, foi o divisor de águas no

processo de crescimento da atividade industrial no Brasil, pois a lacuna deixada pela

guerra no fornecimento de produtos e máquinas em um primeiro momento motivou a

abertura de novas indústrias e a sedimentação destas se deu a seguir. O papel do

Estado neste processo variou entre não atrapalhar um fluxo natural de

desenvolvimento da atividade industrial e medidas ligadas ao câmbio benéficas aos

interesses agroexportadores, mais prejudiciais à importação.

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Ciclos econômicos relacionados a produtos agrícolas foram responsáveis pelo

desenvolvimento de regiões específicas do Brasil. Entre as décadas de 1860 e 1910,

podemos citar a borracha em Manaus e Belém; o algodão para Recife, devido à

decadência da produção norte-americana pela Guerra da Secessão entre 1860 e

1865, ocorrida nos estados do sul, maiores produtores mundiais na época; charque

para Porto Alegre e Pelotas, principalmente devido ao abastecimento das tropas

envolvidas na Guerra do Paraguai, entre 1865 a 1870.

No que tange ao setor financeiro, quase nada mudou em relação ao período

imperial, a não ser a crescente e gradual migração da hegemonia das relações

comerciais da Inglaterra para os Estados Unidos, apesar de que os maiores

credores da crescente dívida externa brasileira continuavam a ser instituições

bancárias inglesas26. Aliás, os maiores e mais atuantes bancos no Brasil

continuavam a ser ingleses e os lucros advindos destas atividades eram altamente

compensatórios, visto a freqüente desvalorização da moeda nacional perante a

instabilidade dos valores do café no mercado internacional.

Todas as empresas de implantação de infra-estrutura urbana eram estrangeiras, de

capital aberto, e bastante lucrativas, como por exemplo, a Light & Power, empresa

canadense, responsável pela implantação da estrutura geradora e transmissora de

energia elétrica e transporte coletivo na cidade de São Paulo e na própria capital da

República.

A abolição da escravidão em 1888, a imigração, a industrialização e a urbanização

crescente ocasionaram uma diversificação de atividades urbanas que foram

responsáveis pelo início da conscientização da existência de uma classe

trabalhadora, que gradualmente se organizou e procurou reivindicar melhores

condições de trabalho.

26

O principal credor externo da dívida brasileira era a Casa Rothschild, sediada em Londres, desde o período do

Primeiro Império.

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No entanto, quando usamos o termo gradualmente, significa que o processo de

organização da classe trabalhadora na Primeira República foi bastante lento e de

raros movimentos de sucesso nas suas reivindicações. Os problemas foram de

ordem interna e externa a esses grupos. Internamente, a influência de ideologias

diversas trazidas principalmente pelos imigrantes, como o socialismo e o

anarquismo, chegaram a opor ferozmente grupos de trabalhadores em situação

idêntica, as rivalidades étnicas em alguns casos eram insolúveis, pois se para os

brasileiros tais estrangeiros eram muito semelhantes, para os indivíduos as

diferenças eram seculares, a questão da sobrevivência era priorizada perante

qualquer outra necessidade exposta pelos sindicatos e a própria precariedade

daquela situação, pois para muitos, à volta ao seu país de origem após “fazer a

América” era o objetivo27.

Externamente, apesar da maior liberdade nas cidades e o acesso à informação, a

condição dos trabalhadores urbanos no fundo não se diferia muito da situação das

fazendas. O próprio estágio em que se encontrava a industrialização neste período

não atribuía à classe operária uma importância vital para o funcionamento da

máquina produtiva brasileira, calcada na agroexportação. As greves deste período

só tiveram impacto quando gerais ou em atividades ligadas diretamente ao

agronegócio.

A urbanização também favoreceu a valorização de profissões essencialmente

citadinas e assim um fortalecimento dos segmentos sociais não tão dependentes

das classes agrárias. Essa diversificação, por sua vez era mais sentida no Rio de

Janeiro do que em São Paulo, pela própria dinâmica econômico-social do Rio

remontar do período imperial.

De maneira geral, as tentativas de organização dos trabalhadores, bem como as

greves oriundas destes movimentos, só se constituíram em preocupação séria para

27

Cerca de 3,8 milhões de estrangeiros entraram no Brasil entre 1887 e 1930 (FAUSTO, 2002, p.157).

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as elites vigentes, no período entre 1917 e 1920, quando eclodiu uma série de

greves de grandes proporções em todo o país, principalmente no Rio de Janeiro e

São Paulo.

As motivações destes movimentos, que incluíram alguns segmentos da classe

média, foram a situação de alta inflacionária e de especulação de gêneros de

primeira necessidade justificadas como conseqüências da instabilidade econômica

ocasionada pela Primeira Guerra Mundial, e o impacto causado pela Revolução

Russa, com sua fundamentação pautada justamente no poder exercido pelo

operariado.

Estas manifestações foram duramente reprimidas pelo Estado, tratadas como um

problema de ordem pública e conseqüentemente de âmbito policial. No entanto,

fizeram com que o Estado começasse a ver a questão por uma ótica mais

abrangente e não apenas como problemas específicos e locais. Foi o início de uma

ingerência não apenas do Poder Executivo, mas também do Legislativo, com a

criação de leis que procuraram engessar e manipular tais formas de organização,

que já haviam extrapolado a condição meramente trabalhista e constituíam-se em

reflexo dos segmentos sociais existentes.

Apesar da proposição no Congresso Nacional de uma lei que previa a jornada de

trabalho de oito horas, o limite de trabalho para crianças e mulheres e a licença para

mulheres grávidas, após severa resistência de industriais e inúmeros congressistas,

o que sobrou desta proposta foi apenas uma regulamentação para indenizações por

acidentes de trabalho28.

Por outro lado, cabe salientar que em março de 1922 foi fundado o Partido

Comunista do Brasil, que de sua origem eminentemente operária, foi aglutinando

28

Promulgada em 1919.

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gradativamente representantes de outros segmentos da sociedade, porém de ação

limitada devido em grande parte à sua quase constante ilegalidade e teor ideológico

contestador a ordem vigente desejada. O fantasma da Revolução Bolchevique foi o

alvo constante dos ataques de inúmeros governantes deste período, não importando

neste caso, outras disparidades políticas.

Todas as incongruências, discrepâncias e dualidades da Primeira República,

somadas aos acontecimentos internacionais de relevância já citados no capítulo

anterior, como a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, com as

conseqüências advindas destas, imbricaram-se na década de 1920, fazendo com

que esta fosse o amálgama das grandes transformações que aconteceram durante e

principalmente após este período (FAUSTO, 1997, pp. 122-36).

O desejo de uma participação mais efetiva da classe média no processo político

brasileiro, principalmente nos grandes centros urbanos dos estados do Rio de

Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, representou o enaltecimento

do liberalismo, propondo uma república liberal, coerente com a constituição já

estabelecida. Voto secreto, eleições com lisura e criação de uma Justiça Eleitoral

para fiscalizar o processo eram alguns dos instrumentos de moralização e de

reforma social propostos.

Exemplo desta vontade de uma maior participação nos rumos do país, por parte

desta classe média urbana, foi a quantidade de votos conseguida por Rui Barbosa,

candidato derrotado da oposição em 1919, cerca de 1/3 do total e vitória no Distrito

Federal, sem o uso de qualquer máquina eleitoral, contra o candidato das

oligarquias dominantes, Epitácio Pessoa (FAUSTO, 2002, p.171).

Além do crescimento das pressões para maior participação destes segmentos

sociais antes alijados do processo, cismas começaram a ocorrer dentro das próprias

coligações dominantes vigentes. Não que estas nunca tivessem tido

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desentendimentos, mas estes sempre haviam sido equacionados em prol de

interesses comuns mais relevantes.

Na sucessão de Epitácio Pessoa, em 1921, mineiros em conjunto com os paulistas,

lançaram a candidatura do governador mineiro Arthur Bernardes para a presidência

da República. Contra esta candidatura ficaram o Rio Grande do Sul e alguns outros

Estados, sob a liderança de Borges de Medeiros, justificando que o acordo visava

exclusivamente à manutenção da política protecionista para valorização do café, em

detrimento da estabilização das finanças federais e o enfraquecimento da autonomia

regional. A oposição lançou o nome do carioca Nilo Peçanha, não só como contrário

a esta política, mas também como um representante das classes médias urbanas e

defensor do florianismo.

O apoio do Exército contra a candidatura Bernardes, que já era visto como

antimilitar, foi ratificado pelo episódio das cartas atribuídas a este, contendo ofensas

aos militares e denegrindo a corporação como um todo29. Mesmo a falsidade destas

tendo sido provada pelo fato de terem sido assumidas por dois falsários, ainda antes

das eleições, o ódio a Bernardes por parte dos militares já havia se instituído. O

fechamento do Clube Militar pelo governo em 1922, pelo fato deste ter se

manifestado contrário à utilização de tropas do Exército na intervenção da política

local de Pernambuco foi a gota d‟água.

Esta insatisfação deu origem ao movimento tenentista, que teve como primeira

revolta a insurgência do Forte de Copacabana, em 05 de Julho de 1922. De final

trágico para os revoltosos, somente os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes

sobreviveriam aos embates, mas serviu para sedimentar o movimento e destacar

suas primeiras lideranças.

29

Cartas publicadas no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, em 17 de outubro de 1921.

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Dois anos depois, na mesma data da insurgência do Forte de Copacabana, explodiu

a revolução de 1924 em São Paulo, com a liderança do general reformado Isidoro

Dias Lopes e do major da Força Pública de São Paulo, Miguel Costa. Além destes,

outros oficiais se destacaram como lideranças do tenentismo, como os irmãos

Juarez e Joaquim Távora, o já citado Eduardo Gomes, Estillac Leal e João Cabanas.

Apesar do sucesso inicial, após intensos bombardeios sobre a cidade de São Paulo,

com milhares de baixas civis, os revoltosos saíram da cidade encontrando-se com

os tenentistas gaúchos responsáveis por uma revolta naquele estado, no oeste do

estado do Paraná. Este movimento foi liderado pelo tenente João Alberto e pelo

capitão Luís Carlos Prestes com o apoio de políticos oposicionistas do PRR.

Este encontro deu origem à famosa coluna Miguel Costa-Luís Carlos Prestes,

posteriormente Coluna Prestes, que percorreu cerca de 24.000 mil quilômetros pelo

interior do Brasil, objetivando a conscientização da população rural da necessidade

de uma revolução que mudasse a ordem vigente findando com o domínio das

oligarquias. Tal movimento, na verdade, teve um impacto muito mais moral do que

prático, pois a adesão das camadas da população rural foi insignificante, levando a

um esvaziamento gradual da coluna, fazendo com que seus lideres se exilassem na

Bolívia, inicialmente, e em outros países latino americanos, posteriormente.

O ideário político do movimento tenentista30 era contrário à democracia liberal, pelo

menos num primeiro momento de recuperação econômica, vendo neste sistema

político a origem e o depositário de grande parte dos males da administração pública

nacional, como o despotismo, o fisiologismo e a corrupção em todos os níveis

hierárquicos.

30

“O tenentismo foi, sobretudo um movimento do Exército. Na marinha, o único episódio de ressonância

envolvendo quadros intermediários foi a revolta do encouraçado São Paulo, liderada pelo tenente Hercolino

Cascardo, em novembro de 1924. Depois de trocar tiros com as fortalezas da baía de Guanabara, o São Paulo

partiu para o alto-mar até chegar a Montevidéu, onde os rebelados se exilaram” (FAUSTO, 2002, p. 173).

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Para este movimento, de forma geral, o ideal seria uma centralização do poder nas

mãos do Exército, afinal de contas a implantação da República tivera a participação

primordial dos militares, com o poder nas mãos de lideres idôneos e exclusivamente

comprometidos com a ordem e o progresso da nação. Como se pode observar

claramente, o embasamento positivista tão caro aos militares desde a proclamação

da república continuava a ser a base ideológica.

Esta visão não era exclusividade de militares, pois alguns segmentos da sociedade

civil, principalmente a classe média urbana, também compactuavam deste ideário,

como também não tinha a anuência de todo o Exército e das outras Forças

Armadas.

Cabe esclarecer, que mesmo com as mudanças executadas pelo governo na

estrutura de formação do oficialato do Exército brasileiro, com o fechamento da

Escola Militar da Praia Vermelha em 1904, a manutenção apenas da Escola de

Guerra de Porto Alegre até 1911 e a criação da Escola Militar do Realengo, de

orientação exclusivamente profissionalizante, estas medidas não afereceram a visão

da necessidade do militar possuir também o conhecimento e conscientização dos

problemas da nação como um todo.

Internamente havia também grandes dificuldades para a ascensão na hierarquia

militar por parte destes jovens oficiais, além de acusações de conivência de altas

patentes com governos envolvidos em sérios casos de corrupção. Entretanto, o

radicalismo pelo qual os “tenentes” eram acusados provinha menos do conteúdo

ideológico do movimento e mais do principal instrumento propagado por eles para se

alcançar os objetivos propostos, a luta armada.

Se por um lado tínhamos radicalismo, o presidente Arthur Bernardes, durante a sua

gestão (1922-6), também estabeleceu a sua parcela, governando por quase todo

este período em estado de sítio, perseguindo incansavelmente a Coluna Prestes,

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movimentos operários, o partido comunista e qualquer outra forma de manifestação

contrária à sua administração, sempre considerando tais manifestações ou como

caso de polícia ou como de soberania nacional.

Somado a estes fatores de instabilidade política e social, a situação financeira da

República também não era das melhores, pois Bernardes teve que conviver com

uma grande inflação e desvalorização do câmbio, procurando equacionar as

heranças deixadas pelo seu antecessor, Epitácio Pessoa, justamente devido à

realização da terceira valorização do café.

Além disso, e também por isso, a desconfiança de credores quanto à possibilidade

de uma insolvência e de uma conseqüente moratória da dívida externa, levou à

contratação de consultorias estrangeiras para a análise da situação31. Todas

recomendaram unanimemente o rigoroso controle de gastos públicos, a interrupção

integral de emissão de papel moeda e a delegação de responsabilidades e

incumbências na política preservacionista do café.

A premência na solução destes problemas era condição administrativa irrefutável

para a própria manutenção da República. Por esta ótica podemos entender porque o

próximo presidente, Washington Luís (1926-30), mesmo sendo cafeicultor e membro

destacado da oligarquia cafeeira, impôs como objetivo primordial, em detrimento de

qualquer outro, a estabilização da moeda e a conversibilidade de todo papel moeda

em circulação, a qualquer custo. Mesmo após a saída de Getulio Vargas do

Ministério da Fazenda, em 1927, para assumir o governo do Rio Grande do Sul, esta

política econômica foi mantida pelo governo.

31

A missão financeira inglesa de Lord Montagu esteve no Brasil em 1926 e emitiu parecer extremamente

preocupante quanto à política e à situação econômica brasileira vigentes.

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2.2. A Revolução de 1930

Figura 7 - O fim de uma era: Washington Luís rumo ao exílio – 24/10/1930. (MEIRELLES, 2005)

A ruptura na política do “café com leite” entre mineiros e paulistas, que foi um dos

fatores preponderantes na formação do cenário revolucionário, já se esboçava na

década de 1920.

Fato relevante neste processo foi o rumo diametralmente oposto tomado pela

política nos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo. Enquanto observamos no

primeiro uma aproximação entre as elites, após uma guerra civil, no segundo

tivemos uma segmentação partidária com o surgimento do Partido Democrático

(PD).

Como já citado anteriormente, o ex ministro da Fazenda de Washington Luís, Getúlio

Vargas, assumiu o governo do estado com o objetivo primeiro de equalizar

interesses do Partido Republicano Rio-grandense (PRR) e da oposição, que haviam

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se tornado radicalmente contrários, chegando ao extremo do conflito armado. Ele

conseguiu este objetivo, tornando os últimos anos da década de 1920 no estado do

Rio Grande do Sul, um período de reconstrução ante os prejuízos do conflito, tempo

de união entre as elites locais.

Já em São Paulo, a criação do PD, em 1926, espelhava a maior diversidade da

sociedade neste estado e a conseqüente oposição de objetivos irreconciliáveis. O

PD tinha como plataforma a reforma política através do voto secreto e obrigatório, a

representação de outros segmentos da sociedade não presentes na Constituição

vigente, a independência dos três poderes e a fiscalização do processo eleitoral pela

criação de uma instância judiciária específica.

O PD era dirigido, principalmente, por profissionais liberais de prestígio e jovens

filhos da oligarquia cafeeira. O primeiro presidente do partido foi o conselheiro

Antonio Prado, que inclusive havia sido o primeiro prefeito da capital paulista. O PD

abrigou não só representantes da classe média, como segmentos da oligarquia

cafeeira, descontentes e alijados das decisões políticas estaduais e da nação.

Em 1929, o presidente Washington Luís lançou como seu sucessor o governador de

São Paulo, Julio Prestes. Esta decisão contrariava o acordo com os mineiros, que

estabelecia a escolha do governador de Minas Gerais, Antonio Carlos de Andrada,

como o próximo candidato a presidência.

Washington Luís tinha uma convicção até arrogante, da hegemonia de sua influência

política no cenário nacional, confiava plenamente na estabilidade da estrutura

política sedimentada durante a Primeira República e na máquina do Estado para a

manutenção dos poderes estabelecidos. Para o presidente, a ruptura de tal sistema

era impossível, mesmo porque, além de sua força política, ele contava com o apoio

popular e havia feito um bom governo.

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O PRM de Minas Gerais, à exceção de alguns quadros do partido, aliou-se ao Rio

Grande do Sul como um todo, ao PD de São Paulo e ao Estado da Paraíba,

fundando a Aliança Liberal. Os candidatos desta coligação foram Getúlio Vargas

para presidente e João Pessoa para vice-presidente.

Como pode se observar, a Aliança Liberal aglutinou todas as oposições ao governo

vigente e aos segmentos socioeconômicos que o apoiavam. O discurso aliancista

propunha a diversificação da produção nacional, a extinção dos mecanismos de

valorização artificial do café, a ortodoxia financeira, algumas medidas de proteção

aos trabalhadores, defesa das liberdades individuais, a anistia aos tenentes e a

implantação da reforma política.

Esta plataforma política era o mote para a arregimentação, principalmente dos

excluídos em todo o país, através das caravanas da Aliança Liberal por inúmeros

estados do Nordeste, pelo Rio de Janeiro e São Paulo, despertando paixões

políticas nunca antes tão presentes no previsível cenário político brasileiro,

chegando em alguns lugares ao confronto armado durante a campanha eleitoral.

Em outubro de 1929 ocorreu a quebra da Bolsa de Valores de Nova York originando

uma das maiores crises econômicas mundiais, colocando a cafeicultura brasileira em

situação delicadíssima.

Como abordado anteriormente, a garantia do governo, comprando os estoques

excedentes de café para manter o lucro da atividade em patamares de equilíbrio, fez

com que as plantações crescessem, fazendo com que muitos fazendeiros tomassem

empréstimos a juros altos para a produção. Com a crise, veio a queda de consumo e

a conseqüente baixa dos preços do café levando à quase insolvência inúmeros

fazendeiros e setores ligados á cafeicultura.

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O presidente Washington Luís não cedeu ao apelo do setor cafeeiro para uma

moratória dos passivos ligados ao setor e para a liberação na concessão de novos

empréstimos, justificando tal atitude pela manutenção do plano de estabilidade

cambial. Mesmo com o não atendimento das solicitações do setor cafeeiro e do

conseqüente descontentamento deste, principalmente em São Paulo, o rompimento

com o poder central não ocorreu em definitivo, pois ambos, mesmo nesta situação

delicada, ainda estavam inexoravelmente ligados.

Por pior que fosse o momento para o setor cafeeiro, qualquer que fosse a saída,

mesmo remediada, passava pelo poder federal e este, ainda tinha como base de

suas divisas a exportação do café.

Com a explícita e vergonhosa utilização dos mecanismos já conhecidos de eleições

passadas, ambas as máquinas eleitorais promoveram a vitória de seus candidatos

em seus redutos, resultando ao final, na eleição de Julio Prestes, candidato da

situação, para a presidência da República em primeiro de março de 193032.

Este resultado não foi bem assimilado pelos setores mais jovens da Aliança Liberal,

fazendo com que estes se unissem aos tenentes, mesmos com diferenças

ideológicas primordiais, como a postura liberal dos primeiros e a totalitária dos

segundos. Afinal de contas, agora o inimigo era um só: as oligarquias donas do

poder vigente. O processo revolucionário, ante a constatação da impossibilidade de

se chegar ao poder pelas vias do voto, começa a contemplar o caminho das armas.

Aliás, a idéia de uma revolução já existia até antes da vitória de Julio Prestes, pois

se considerava muito difícil vencer a máquina governamental. Um dos principais

defensores da luta armada era o próprio secretário da casa civil do governador 32

“Os recursos políticos imperantes, condenados verbalmente pela Aliança, foram utilizados também por ela.

As máquinas eleitorais produziram votos em todos os Estados, inclusive no Rio Grande do Sul, onde Getúlio

teria vencido por 298.627 votos contra 982” (FAUSTO, 2002, p.179).

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Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha, que foi o articulador da frente revolucionária junto

com os tenentes. Ironia do destino, Aranha participara no passado de combates para

a manutenção do governador do Rio Grande do Sul em 1923, Borges de Medeiros,

em seu quinto mandato, ou seja, um dos principais nomes da oligarquia local.

Também combateu a Coluna Prestes em 1924, quando esta se dirigia a São Paulo

para unir-se à Coluna de Miguel Costa e por fim combateu rebeldes no estado, que

tentavam impedir a posse de Washington Luís. Portanto, levando ainda em

consideração que o ex-presidente Arthur Bernardes juntou-se ao grupo, não é nada

difícil entender o porquê dos grandes obstáculos encontrados pelos articuladores

desta oposição em organizá-la.

Exceção nesta coligação entre tenentes, segmentos da classe média urbana e

oligarquias dissidentes, foi a posição assumida por um dos principais nomes do

tenentismo, senão o mais carismático, Luís Carlos Prestes. Este se declarou

socialista e repudiou qualquer ligação com segmentos sociais ligados a alguma

oligarquia, mesmo dissidente. Para ele a revolução teria que ocorrer pelo caminho

da eliminação das estruturas de poder existentes, que eram conseqüência da

disputa de mercado e influências entre o imperialismo britânico e o norte americano

na América Latina. Em 1934 ele foi aceito no PCB (Partido Comunista Brasileiro),

mesmo com algumas discordâncias internas devido à sua postura bastante

independente perante as determinações do mesmo.

No entanto, os principais lideres da Aliança Liberal demonstraram aceitação do

resultado e uma maior preocupação em manter uma relação amigável com o

governo federal, amenizando as prováveis dificuldades provenientes da oposição.

Tanto para Getúlio Vargas como para João Pessoa, a palavra revolução não fazia

parte de seu vocabulário, pelo menos abertamente. O mineiro Antonio Carlos de

Andrada, um dos mentores da Aliança Liberal, era a própria ambigüidade da política

de seu estado, ora se aproximando ora se distanciando dos revolucionários. Foi por

essas discrepâncias, dissimulações e ambigüidades, que o movimento

revolucionário sofreu certa hibernação até o assassinato de João Pessoa, em julho

de 1930.

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Apesar da motivação do crime ter sido pessoal, seu autor, João Dantas, fora seu

desafeto político, fazendo com que somente a última razão ganhasse força,

fornecendo motivos para a exploração do fato neste aspecto. O acontecimento

causou comoção nacional e a Aliança Liberal promoveu as exéquias no Rio de

Janeiro, transformando estas em um dos melhores palanques para exortar o fim do

continuísmo dos quadros executivos vigentes. Uma das observações mais lúcidas

deste cenário foi do jurista Barbosa Lima Sobrinho: “João Pessoa vivo foi uma voz

contra a revolução. Mas João Pessoa morto foi o verdadeiro rearticulador do

movimento revolucionário” (FAUSTO, 2002, p.180).

Nas Formas Armadas a liderança do movimento ficou para o tenente-coronel Góis

Monteiro, que apesar da origem alagoana, cursou a Escola de Guerra de Porto

Alegre e fez carreira militar no Rio Grande do Sul. Assim sendo, conheceu Getúlio

Vargas e outros políticos gaúchos ligados a Borges de Medeiros, colaborando com

estes nas querelas políticas deste estado, tendo sido um dos comandantes das

tropas que combateram a Coluna Prestes no Nordeste brasileiro. Como se pode

observar, Góes Monteiro não havia compactuado com os ideais revolucionários tão

comuns entre alguns círculos militares durante a década de 1920.

Em 03 de outubro de 1930 eclodiu a revolução nos estados de Minas Gerais e Rio

Grande do Sul, onde o próprio Oswaldo Aranha liderou as tropas que tomaram o

quartel general do Exército, logo em seguida a própria cidade de Porto Alegre e em

alguns dias todo o estado. Em Minas houve uma pequena resistência.

No Nordeste o movimentou estourou em 04 de outubro no estado da Paraíba, sob a

liderança de Juarez Távora, expandindo-se para cidade do Recife, onde contou com

o apoio da população, que ocupou edificações federais e o paiol de armas da

guarnição legalista. Houve adesão ao movimento também na forma de greves em

áreas vitais, como as ferrovias.

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Uma resistência efetiva ocorreu em São Paulo, como era previsto, pois o estado era

o mais beneficiado pelo continuísmo e manteve o apoio ao presidente Washington

Luís mesmo após o desenlace da revolução. O PD, mesmo fazendo parte da Aliança

Liberal, manteve-se distante das articulações revolucionárias e não compactuava

com a opção bélica.

Felizmente, a batalha esperada para 25 de outubro, entre as tropas revolucionárias,

vindas do sul do país e as governistas, na cidade de Itararé, na fronteira dos estados

do Paraná e São Paulo, acabou não ocorrendo.

No dia 24 de outubro, praticamente todo o país, já estava em poder dos

revolucionários. Logo pela manhã, as altas patentes militares aplicaram um golpe de

estado em nome do Exército e da Marinha. Intimaram o presidente Washington Luís

a renunciar e na negativa deste, o prenderam, enviando-o ao Forte de Copacabana,

estabelecendo uma Junta Provisória de governo. Tratava-se de uma clara ação de

oportunismo, pois estes oficiais só tinham aderido ao movimento quando este já era

vitorioso.

Washington Luís até o último momento não acreditava na revolução e muito menos

numa deposição, que pudesse ser traído por pessoas que haviam sido muito

próximas a ele, como foi o caso de Getúlio Vargas. No próprio dia 24, enquanto a

Junta se estabelecia em um andar do Palácio do Catete, ele continuava a tentar

despachar em outro. Foi preso no exercício da presidência da República.

A Junta Provisória, no mesmo dia, organizou um novo ministério, como se a situação

fosse a definitiva e desejada pelos revolucionários. Em Ponta Grossa, Paraná, a

caminho da capital, Getúlio Vargas enviou um telegrama ao Ministro do Exterior da

Junta, Afrânio de Mello Franco, esclarecendo de forma bem clara o caráter

provisório da Junta: “Sou apenas uma expressão transitória dessa vontade coletiva.

Membros da Junta do Rio de Janeiro serão aceitos como nossos colaboradores,

porém não como dirigentes, uma vez que seus elementos participaram da revolução

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quando esta já estava virtualmente vitoriosa” (MEIRELLES, 2005, p. 634). O coronel

Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior das tropas revolucionárias complementa tal

iniciativa com outro telegrama enviado diretamente aos seus colegas de farda,

declarando: “[...] que o governo provisório deverá ter por chefe o Sr. Getúlio Vargas”

(MEIRELLES, 2005, p.640).

Quatro dias após a deposição de Washington Luís, a Junta Governativa concordou

em entregar o poder a Getúlio Vargas, evitando as manobras militares em direção à

Capital Federal de aproximadamente 30.000 homens.

Depois de uma passagem por São Paulo, onde foi recebido com bastante

entusiasmo por parte da população, chegou ao Rio de janeiro em 31 de outubro,

tomando posse oficialmente no dia 03 de novembro de 1930. Era finda a Primeira

República, novos tempos estavam por vir, pelo menos essa era a base do conteúdo

do discurso aliancista, mas quais das mudanças propagadas iriam efetivamente se

concretizar, era uma grande incógnita.

Durante muito tempo a historiografia nacional considerou a Revolução de 1930

como o movimento responsável pela ascensão das classes médias ou, em outros

momentos, como o acontecimento que levou a burguesia industrial ao poder. No

entanto, mais recentemente, as duas hipóteses foram descartadas, principalmente

pelo trabalho do historiador Boris Fausto, A Revolução de 1930 – Historiografia e

História, de 1970.

Neste trabalho, Fausto argumenta que as duas proposições se originaram “de uma

leitura simplista da história do Ocidente europeu, transplantada para o contexto

brasileiro”, de embasamento claramente marxista, “que vislumbrou nas revoluções

francesa e russa o triunfo, respectivamente, da burguesia e do proletariado, tidos

como protagonistas dessas revoluções”.

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As classes médias formavam uma das bases da Aliança Liberal, no entanto, não

podemos falar de uma classe média homogênea e independente, com um ideário

político próprio que as representasse, pois o que tínhamos era uma grande

heterogeneidade dentro deste segmento e uma ainda considerável dependência das

oligarquias agrárias. No que tange à simpatia destas com o movimento tenentista,

esta ficava mais no plano do inimigo comum do que de ideário e formas de atuação.

Quanto à proposição de revolução da burguesia industrial, cabe salientar que o

presidente eleito, Julio Prestes, tinha o apoio dos industriais de São Paulo, enquanto

o Partido Democrático, que apoiava os revolucionários, identificava-se com os

interesses agrários e tinha uma postura anti-industrial. Além do mais, na prática não

havia a existência de uma dualidade radical, ou oligarquia agrária ou burguesia

industrial. Ambos os setores tinham a consciência da necessidade da convivência e

participavam, medidas as proporções da influência política de cada grupo, do

governo federal. Afinal de contas, os industriais logo perceberam que a

sobrevivência e crescimento do setor passavam obrigatoriamente por uma

aproximação com o Estado, independentemente de qual.

Finalmente o que podemos concluir é que a partir de 1930 ocorreu uma troca da

elite do poder, sem grandes rupturas, com a decadência dos quadros oligárquicos

tradicionais e a ascensão das oligarquias da oposição, dos militares, dos técnicos

diplomados, dos jovens políticos e logo em seguida dos industriais. Houve uma

inversão na construção do poder, que antes partia dos Estados para a definição da

União, e depois passa a ser exercido da União que determinava a abrangência

destes.

A Revolução, se não foi suficientemente longe para romper com as formas de

organização social, ao menos abalou as linhas de interpretação da realidade

brasileira – já arranhadas pela intelectualidade que emergia em 1922, com a

Semana de Arte Moderna, de um lado, e com a fundação do partido

Comunista do outro (MOTA, 1980, pp. 27-8)

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Além disso, outros diferenciais deste novo Estado foram a diversificação econômica

com o incentivo à industrialização; a promoção de políticas trabalhistas, controladas

pelo Estado, mais protecionistas aos trabalhadores e o papel central atribuído às

Forças Armadas, especialmente o Exército, como determinante na manutenção da

ordem interna e na criação de uma indústria de base. Cabe salientar também que o

grande espectro de mudanças propostas transcorreu de forma gradual, cabendo a

esse Estado centralizador e que foi se tornando mais totalitário, as definições e

iniciativas em todas as instâncias do cotidiano.

A Revolução de 1930 foi o capitulo brasileiro de uma série de outras revoltas,

predominantemente militares, que ocorreram na América Latina neste período, na

esteira da crise mundial de 1929, inclusive a tomada do poder na Argentina por

militares em setembro de 193033, que serviu de inspiração, de modelo, para os

brasileiros.

33

Golpe do general Uriburu em setembro de 1930.

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2.3. O Governo Provisório

O governo provisório estabelecido com a posse de Getúlio Vargas em 03 de

novembro de 1930 tinha diante de si um país em situação financeira bastante

delicada e não demoraria muito para ter que equacionar os diversos interesses dos

variados grupos envolvidos na constituição da Aliança Liberal.

No plano econômico tínhamos uma produção de café sem mercado, a falência de

fazendeiros, as altas taxas de desemprego nos meios urbanos, o declínio

significativo das exportações e a insolvência da política da conversibilidade da

moeda.

Para tanto, o Governo Provisório, que tinha como uma de suas plataformas o

incentivo à industrialização, além de iniciar medidas nesta direção, atuou de forma

ativa para solucionar os problemas relacionados à cafeicultura, pois esta atividade

ainda era a responsável pela quase totalidade das divisas brasileiras.

A partir de 1931, o Governo Provisório iniciou a política de aquisição dos estoques

excedentes do café, com a receita originada do imposto de exportação e do confisco

cambial e a posterior destruição dos mesmos, visando à redução da oferta de café

no mercado externo. Em 1933 foi criado pelo governo o Departamento Nacional do

Café, justamente para centralizar em suas mãos todas as diretrizes e controle sobre

o produto.

No mesmo ano, os pagamentos da dívida pública externa brasileira foram suspensos

e se reintroduziu o monopólio cambial do Banco do Brasil e os Estados ficaram

terminantemente proibidos de adquirir empréstimos no exterior sem autorização do

governo federal.

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No plano político, Getúlio Vargas, já em novembro de 1930, fechou o Congresso

Nacional, assumindo além do poder executivo o legislativo também, como os

estaduais e municipais, criando as interventorias federais. Excluindo-se o

governador eleito de Minas Gerais, todos os outros foram demitidos e substituídos

pelos interventores, que tinham a sua atuação e abrangência determinadas pelo

poder central através do Código dos Interventores.

Os Estados tiveram que limitar os gastos com formação e aparelhamento das

policias militares a no máximo de 10% do orçamento do Estado e nunca se

equivalendo aos efetivos do Exército.

Com essas medidas, se objetivou não só o controle das oligarquias regionais que

apoiaram a revolução e que almejavam, na maioria dos casos, apenas uma

readequação do Estado nos velhos moldes, como também satisfazer com

previsibilidade, os anseios reformistas tenentistas. Estes cooptavam com o Governo

Provisório, no tocante à centralização do poder na esfera federal, mas em alguns

momentos representavam uma ameaça à hierarquia militar.

Outro fato marcante neste processo de centralização do poder por parte de Getúlio

Vargas foi um maior estreitamento das relações entre o Estado e a Igreja Católica.

Em troca da aceitação e apoio da Igreja para com este novo governo, o Estado

instituiu em abril de 1930, através de um decreto lei, a obrigatoriedade do ensino

religioso nas escolas públicas. Marco simbólico desta pretendida nova fase na

relação entre estas instituições foi a inauguração da estátua do Cristo Redentor, em

12 de outubro de 1931, com a presença de Getúlio Vargas com todo seu ministério e

do cardeal Leme com outras autoridades eclesiásticas.

Outro tópico de relevância na plataforma política da Aliança Liberal e aplicada pelo

Governo Provisório desde os primeiros momentos foi a política trabalhista. Apesar

de bastante inovadora quando comparada às iniciativas neste aspecto durante a

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Primeira República, os objetos básicos da política trabalhista de Vargas foram a

repressão dos esforços organizatórios da classe trabalhadora urbana fora do

controle do Estado e a arregimentação desta para o apoio ao governo. Todos os

sindicatos, ou qualquer outra forma de organização trabalhista de esquerda e em

especial, ligada ao Partido Comunista Brasileiro, que não mudassem de orientação

ideológica ou que não apoiassem o governo instituído foram duramente reprimidas,

fechadas e banidas.

Por outro lado o governo oferecia a legalidade, através da criação do Ministério do

Trabalho, Indústria e Comércio (novembro de 1930); de leis de proteção ao

trabalhador, de enquadramento de sindicatos patronais e operários pelo Estado

(Decreto de março de 1931) e de órgãos de arbitragem para as relações entre

patrões e operários. Em 1933 já não existiam mais sindicatos autônomos, todos

haviam sido enquadrados pelo Estado.

Outra área a merecer uma atenção diferenciada e, por conseguinte de iniciativas

efetivas por parte do novo governo foi a educação. Com a valorização da

capacitação técnica como premissa para o exercício no funcionalismo público e a

carência de quadros mais intelectualizados em todas as esferas da dinâmica

produtiva da nação, fazia-se premente a reestruturação de todas as políticas

educacionais.

Em novembro de 1930 o governo Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde,

que se constituiu no norte para todas as ações na área, em todas as instâncias. O

ministério organizou a educação no país de modo centralizado e totalitário, sem uma

grande participação da sociedade, porém o espectro cultural compreendido foi

bastante abrangente.

Esta pasta foi, desde a sua criação, monopólio de políticos mineiros, provenientes

das antigas oligarquias de Minas Gerais, que devido à própria juventude,

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espelharam a partir de 1930, os ideais de renovação34. Todas as iniciativas foram

relacionadas à criação de condições para o surgimento de universidades, na

concepção do que realmente significam, ou seja, espaços não só de ensino mas

também de pesquisa e a estruturação do ensino secundário, como etapa obrigatória

para o ingresso nos cursos de nível superior e não mais como meros cursos

preparatórios. São desta época, a Universidade de São Paulo, de 1934, e a

Universidade do Distrito federal, de 1935.

Além das questões relacionadas especificamente á educação formal, este ministério

também foi um dos principais responsáveis pelo reconhecimento da existência de

uma cultura brasileira propriamente dita. Não que a postura do ministério fosse uma

unanimidade nacional no tocante a este aspecto, mas foi a partir deste

reconhecimento e apoio a todas as manifestações neste sentido, que o conceito de

brasilidade se firmou. Uma parte considerável da intelectualidade brasileira, nestes

primeiros anos do novo governo, ainda entendia cultura como exclusividade da

civilização européia. Para estes, o Brasil, devido à mistura de três matrizes étnicas, a

nativa, a negra e a européia na constituição de seu povo, não possuía a

homogeneidade necessária para a formação de um substrato cultural.

Se a década de 1920 representou o início do processo de descobrimento da

existência de uma brasilidade através das manifestações modernistas e em especial

com Mário de Andrade com o seu Macunaíma de 1922, a de 1930 se constituiu no

momento em que nos olhamos no espelho à procura de nossa identidade como

brasileiros. Através de obras como Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de

Holanda, Casa Grande e Senzala (1937), de Gilberto Freyre e Formação do Brasil

Contemporâneo (1938), de Caio Prado Jr, aprendemos a interpretar o que víamos. E

o papel deste ministério na sedimentação e propagação destes conceitos foi

fundamental, independentemente da possibilidade de utilização de filtros

contaminados pela visão do Estado na determinação da legitimidade e pertinência

dos aspectos culturais a serem considerados. Salvo juízo de valor e a ilustração dos

34

Francisco Campos, de 1930 a 1932 e Gustavo Capanema, de 1934 a 1945.

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seus quadros funcionais, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(SPHAN), criado em 1937, determinava a partir de então o acervo patrimonial

representante da cultura brasileira.

2.4. O Período Constitucional

A compreensão da abrangência das ações do Governo Provisório passa

necessariamente, pelo reconhecimento da posição prioritária das soluções para as

questões políticas implícitas às alianças que embasaram o movimento de 1930.

De 1930 a 1934, Getúlio Vargas teve no equacionamento das forças políticas dentro

do governo, a principal tarefa, pois, por mais importantes que fossem as outras, o

transito necessário para a tomada de decisões só foi conseguido com a solução das

questões dos “tenentes” e das oligarquias35.

A centralização do poder na esfera federal era justamente uma das principais

plataformas políticas tenentistas, donde derivavam uma maior uniformização no

atendimento das necessidades das várias regiões do país, a instalação de uma

indústria de base, a nacionalização de todos os recursos minerais e energéticos do

país e infraestrutura operacional, como transportes e comunicação.

Os “tenentes” defendiam uma ditadura, de preferência militar, em oposição a uma

democracia liberal, que era vista como a origem dos males republicanos. Cabe

salientar que a Europa estava sendo tomada por uma onda de totalitarismo neste

período, décadas de 1920 e 1930, a citar o fascismo na Itália e o nazismo na

35

Os primeiros ocuparam vários cargos de interventoria nos estados, como Juarez Távora na recém criada

Delegacia regional do Norte, Juraci Magalhães na Bahia e João Alberto em São Paulo, para citar as duas regiões

do país onde a oposição à centralização do poder federal era mais forte.

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Alemanha, tratados no primeiro capítulo, que inclusive influenciaram este novo

Estado em formação, em maior e menor proporção, respectivamente.

Apesar do acima exposto, os “tenentes” interventores não demoraram a perceber

que o entendimento e não o radicalismo era o único caminho para a

governabilidade, nos estados do Norte/Nordeste.

No entanto, em São Paulo, a inabilidade política do governo federal foi a grande

responsável pela deflagração de um conflito armado, denominado Revolução

Constitucionalista, em julho de 1932. A nomeação do “tenente” João Alberto como

interventor de São Paulo e o não atendimento das solicitações do Partido

Democrático, que havia apoiado a Aliança Liberal, mas não participado da

revolução, fez com que as elites paulistas se unissem com a criação da Frente Única

Paulista e começassem a pensar em como pressionar o governo central.

Vários interventores passaram por São Paulo, até a nomeação de Pedro de Toledo,

em 1932, que apesar de ser paulista e civil, não era um nome de grande prestígio no

Estado e nem tinha o apoio das elites. Sob a bandeira da volta da democracia liberal

por meios constitucionais, estourou a Revolução Constitucionalista, em São Paulo,

em julho de 1932. Apesar da insinuação de apoio por parte de gaúchos e mineiros,

este não ocorreu, deixando São Paulo isolado no conflito36.

Os paulistas foram derrotados pelas armas em outubro do mesmo ano, porém já em

maio de 1933 realizaram-se eleições para a Assembléia Nacional Constituinte. Em

agosto do mesmo ano foi nomeado Armando de Salles de Oliveira como interventor

em São Paulo, atendendo às solicitações das elites do Estado e houve a

implantação de um plano econômico para ajudar os cafeicultores atingidos pela 36

“O movimento de 1932 uniu diferentes setores sociais, da cafeicultura à classe média, passando pelos

industriais. Só a classe operária organizada, que se lançara em algumas greves importantes no primeiro

semestre de 1932, ficou à margem dos acontecimentos” (FAUSTO, 2002, pp.191-2).

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crise. Deste momento em diante, ambos os lados adotaram atitudes mais

cautelosas, apesar do evidente domínio do poder central sobre o regional.

Por outro lado o movimento tenentista foi se enfraquecendo, pois mesmo com vários

interventores estaduais, o que foi prevalecendo foram as diretrizes administrativas

federais e estes logo perceberam que tomar o poder era uma coisa e mantê-lo e

administrá-lo, outra bem diferente. Os quadros do movimento que não se aliaram a

Vargas foram compor os partidos de direita e esquerda.

Como já era de se supor, pois apesar das mudanças implantadas pelo novo

governo, os redutos eleitorais se mantiveram - a maioria dos eleitos para a

Assembléia Nacional Constituinte, era oriunda de elites regionais e os “tenentes”

obtiveram um desempenho pífio.

Em 14 de julho de 1934 foi promulgada a nova Constituição, muito parecida com a

de 1891, ratificando o Federalismo e incorporando aspectos oriundos das

transformações ocorridas no país neste período, principalmente no tocante à ordem

econômica e social, da família, educação, cultura e segurança nacional.

Basicamente, as principais determinações estavam ligadas à nacionalização dos

recursos naturais considerados indispensáveis à defesa econômica e militar do país;

à garantia da pluralidade e autonomia dos sindicatos; à adequação da legislação

trabalhista, proibindo a diferenciação salarial discriminatória por sexo, nacionalidade

e estado civil, implementando o descanso semanal, férias remuneradas e

indenização por dispensa sem justa causa; à obrigatoriedade do ensino primário

custeado pelo Estado; ao serviço militar obrigatório e efetivo e à criação do Conselho

Superior de Segurança Nacional. Este último seria presidido pelo presidente da

República e formado pelos ministros e chefes dos Estados-maiores do Exército e da

Marinha.

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Em 15 de julho de 1934 foi eleito pelo voto indireto da Assembléia Nacional

Constituinte, para a presidência da República, Getúlio Vargas, com mandato até 03

de maio de 1938, quando então seriam realizadas eleições diretas para o cargo.

Apesar do inquestionável avanço em todas as áreas citadas, salientamos que a

aparência liberal deste novo governo, agora legitimado constitucionalmente, tinha

por trás um aparelho estatal para controlar a abrangência desta liberdade,

objetivando a centralização federal do poder. O espectro político ia da extrema

direita representada pela Ação Integralista Brasileira (AIB), fundada em 1932 pelo

intelectual Plínio Salgado, até a Aliança Nacional Libertadora (ANL), fundada em

1935. Esta tinha como presidente de honra, Luís Carlos Prestes e na presidência

efetiva o capitão da Marinha, Hercolino Cascardo, aglutinando os comunistas, os

“tenentes” de esquerda e outros segmentos contrários ao fascismo. A AIB era contra

a democracia liberal, o socialismo e o capitalismo financeiro internacional, em mãos

dos judeus. Era extremamente nacionalista, seu lema era “Deus, Pátria e Família” e

priorizava o culto da personalidade do chefe nacional, resultando em uma confiança

inabalável na ideologia por este representada. Para se ter uma idéia da simpatia que

a AIB despertou, principalmente entre as classes médias urbanas, estimava-se um

número de adeptos em torno de 100mil a 200 mil, no auge de sua ação, em 1937

(FAUSTO, 2002, p. 195).

Os embates entre integralistas e comunistas foram se tornando cada vez mais sérios

durante a década de 1930, apesar de ambos terem vários pontos em comum, como

a oposição à democracia liberal, a valorização do partido único e o já citado culto à

personalidade do líder. No Brasil, como em outras partes do mundo, essa

polarização radical era o espelhamento do cenário europeu, com fascistas de um

lado e comunistas do outro.

Mesmo nos segmentos políticos intermediários e justamente pelo receio dos

extremos expostos, o autoritarismo constituiu-se no apanágio para as dificuldades no

estabelecimento do entendimento e da compreensão, premissas de qualquer

sistema que se pretenda intitular democrático. Portanto, tanto para conservadores

como para liberais, para a manutenção de privilégios e de mudanças que não

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fossem de base, a alternativa autoritária se constituía no porto seguro, dando

origens a termos como “modernização conservadora” (FAUSTO, 2002, p.195). O

Estado autoritário extinguiria os conflitos sociais, as lutas partidárias, e uma

desmesurada liberdade de expressão. No entanto, devemos diferenciar uma postura

autoritária do integralismo totalitário. A primeira não contempla um partido para

chegar ao poder, mas a ilustração necessária a alguns homens para chegar à

liderança, ou seja, a noção do Estado pelo Estado. Enquanto o integralismo

propunha a tomada do Estado através do partido. Em suma, o partido fascista

levaria ao extremo a crise do Estado, enquanto o estatismo autoritário à sua

fortificação.

A valorização e modernização das Forças Armadas e principalmente do Exército foi

contemplada como medida primordial para o fortalecimento da centralização do

poder federal de Vargas em detrimento das forças estaduais. Gradualmente, tanto

pela reforma quando pela exoneração e exílio, no caso dos oficiais revoltosos de

1932 e posteriormente de 1935, foi- se estruturando um grupo de oficiais de alta e

média patente que deviam suas promoções ao novo governo, estabelecendo-se

entre estes e o governo Vargas laços de lealdade que perdurariam até 1945. Seus

principais representantes foram os generais Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra.

O primeiro ano do mandato constitucional de Getúlio Vargas, 1934, foi marcado por

intensa onda de greves e grande atividade política em segmentos da classe média

urbana. Os embates entre integralistas e grupos contrários as fascismo tornavam-se

cada vez mais violentos, culminando com vitimas fatais em um destes choques, em

São Paulo. Em 1935 o governo propôs e conseguiu a aprovação pelo Congresso

Nacional, de uma Lei de Segurança Nacional, que determinava como crimes contra

a ordem pública: “[...] a greve de funcionários públicos, a provocação de

animosidade nas classes armadas, a incitação de ódio entre as classes sociais, a

propaganda subversiva e a organização de associações ou partidos com o objetivo

de subverter a ordem política ou social por meios não permitidos em lei” (FAUSTO,

2002, p.197).

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A ação da ANL representava a oposição ao fascismo de vários segmentos da

sociedade, inclusive de um Partido Comunista mais permeável às questões

nacionais e não exclusivamente operárias. Aliás, a entrada de Luís Carlos Prestes e

seus seguidores, companheiros de farda, para o PCB, representou uma maior

penetração do partido em segmentos sociais da classe média.

No entanto, entre propostas de aliança de classes e insurreição para a conquista do

poder, a segunda conquistou a preferência dos aliancistas. No aniversário da

Revolta do Forte de Copacabana e da Revolução Paulista de 1924, o 5 de julho,

Carlos Lacerda, um dos principais líderes da ANL, ao ler um manifesto de Prestes

insuflando a população à derrubada do governo Vargas, forneceu o motivo para o

fechamento da ANL. O governo fechou a ANL através de um decreto em 11 de

julho, tornando seus adeptos e simpatizantes em agitadores da ordem pública,

executando inúmeras prisões, inclusive de deputados, com a anuência do

Congresso Nacional, nas dependências do mesmo. Após o fechamento da via

política, restou ao PCB o caminho pela insurreição, que sempre foi o preferido de

Prestes.

Embasada em dados fantasiosos do próprio PCB, relacionados à existência de uma

suposta predisposição popular em apoiar um levante comunista, este foi colocado

em prática em 23 de novembro de 1935, na cidade de Natal. Alastrando-se para as

cidades do Recife e do Rio de Janeiro no dia seguinte, a data realmente

estabelecida para o levante, desde o início já estava fadado ao fracasso. Em menos

de uma semana todo o levante já havia sido sufocado, com inúmeros mortos e

prisões. Este episódio foi usado para justificar qualquer repressão a grupos

contrários ao governo Vargas, independentemente da participação nos levantes ou

não.

Foi comprovada, pela presença estrangeira na organização e execução dos levantes

com a própria esposa de Prestes, a alemã Olga Benário, na linha de frente, o apoio

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do Comintern37, configurando a temida exportação da Revolução Bolchevique para

outros países.

O ano de 1936 foi marcado por um grande expurgo de qualquer simpatia

esquerdista, levando inclusive à formação de uma Comissão Nacional de Repressão

ao Comunismo, pelo ministro da Justiça. Em paralelo instituiu-se um tribunal de

exceção, o Tribunal de Segurança Nacional, que iniciando sua ação para o

julgamento dos envolvidos na chamada “Intentona Comunista de 1935”, acabou se

transformando em um órgão permanente do governo Vargas até 1945.

Uma luz de democracia neste difícil ano de 1936 foi ao seu final, o lançamento das

candidaturas para as eleições presidenciais de janeiro de 1938. José Américo de

Almeida como candidato oficial, Armando de Salles Oliveira pelo Partido

Constitucionalista e Plínio Salgado pela Ação Integralista Brasileira, foram os

postulantes ao cargo. Esta configuração não ofereceu nenhuma surpresa quanto às

forças políticas que estavam a apoiá-los.

Em 1937, o estado de guerra decretado após a revolta comunista não foi prorrogado

pelo Congresso e houve abrandamento das medidas repressivas diante do período

eleitoral vindouro. No entanto houve a intervenção federal em alguns Estados e no

próprio Distrito Federal devido ao tom de algumas manifestações e ações de

conteúdo oposicionistas. Na verdade, Getúlio Vargas, apesar do cumprimento do

determinado pela Constituição de 1934, no que concernia à promoção de eleições

diretas para a presidência da República, demonstrou inúmeras vezes a predileção

pela própria manutenção no cargo. E esta manutenção foi conseguida e

acompanhada de um fechamento político absoluto, com o golpe de 10 de novembro

de 1937, dando inicio ao chamado Estado Novo, que se estendeu até 1945.

37

Denominação da Internacional Comunista (1919-43). Organização internacional fundada por Vladimir Lênin e

pelo PCUS (bolchevique) em março de 1919, para reunir os partidos comunistas de diferentes países.

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Um documento chamado Plano Cohen, que aparentemente era uma prospecção da

AIB quanto às ações que seus membros deveriam executar quando de uma

insurreição comunista, que contemplaria massacres dos opositores, saques,

depredações, extinção da propriedade privada, desrespeito a unidade familiar,

incêndio de igrejas e outras barbaridades, foi veiculado pelo governo através dos

meios de comunicação, causando grande comoção, justificando assim as medidas

arbitrárias tomadas por Getúlio Vargas. O Congresso Nacional foi fechado por tropas

do Exército e iniciou-se uma série de prisões. Cabe salientar que do âmbito

integralista, este documento, produzido pelo general Olímpio Mourão Filho,

pertencente ao partido, chegou à cúpula do Exército já não como o exposto

anteriormente, mas como realidade em vias de execução.

O golpe transcorreu na mais absoluta tranqüilidade, pois não encontrou grandes

resistências, visto que as esquerdas tinham sido liquidadas após a Revolta

Comunista de 1935, os integralistas e a classe dominante apoiaram e/ou aceitaram o

fato como um acontecimento previsível e até desejável. Prova irrefutável de que o

golpe vinha sendo urdido já há algum tempo por Getúlio Vargas e que se aguardava

apenas o momento mais oportuno para deflagrá-lo, foi a apresentação na noite de

10 de novembro de uma nova Carta constitucional elaborada pelo ministro Francisco

Campos.

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2.5. O Estado Novo

Figura 8 - Comemorando o Dia do Trabalho: Rio de Janeiro – 1942 (ABRIL COLEÇÕES, 1985)

Não houve rupturas com o advento do Estado Novo. Na verdade, este representou a

oficialização da opção centralizadora que caracterizou o Governo de Getúlio Vargas

desde a tomada do poder pela Revolução de 1930.

O poder era irradiado do governo central para os estados. Todas as decisões

administrativas e diretrizes de relevância partiam do governo de Vargas para os

interventores dos estados, nomeados pelo próprio.

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A representatividade da sociedade deixou de ter como canais o Congresso Nacional

e alguns órgãos governamentais, e passou a ser exclusividade de órgãos técnicos

dentro da estrutura do Estado.

Sob aspectos socioeconômicos, o Estado Novo representou a união da burocracia

civil e militar com a burguesia industrial, pois ambas viam na industrialização o

caminho para a modernização do país, apesar de motivos diferenciados.

Os primeiros pelo fato da industrialização poder oferecer ao país uma maior

independência das importações e da balança comercial constantemente

desfavorável ao Brasil, repercutindo em todos os setores. Os militares, pelo fato da

implantação de uma indústria de base tratar-se de uma questão de segurança

nacional, principalmente no setor siderúrgico. E finalmente, os industriais paulistas

que tendo se conscientizado que o incremento da atividade industrial não faria parte

de políticas regionais, mas sim de interesses nacionais, e assim sendo pertencente à

esfera federal, procuraram uma maior aproximação com Getúlio Vargas após a

derrota paulista em 1932. No entanto, apesar desta colaboração, não apoiavam a

intervenção total do Estado e eram favoráveis a participação do capital estrangeiro

neste processo.

Getulio Vargas era a instância máxima e decisiva na estrutura administrativa do

Estado Novo. Sua relação com os ministros era baseada na confiança e na lealdade.

Para exemplificar o exposto basta observar que até 1941 nenhum membro de seu

gabinete foi substituído ou solicitou afastamento.

As Forças Armadas e principalmente o Exército, formaram desde o Governo

Provisório um dos principais pilares de manutenção de Vargas, acentuando esta

participação durante o Estado Novo com a presença de órgãos técnicos através dos

Estados-maiores e do Conselho de Segurança Nacional, que influenciavam decisões

em vários setores do governo. Afinal de contas, desde a proclamação da República

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por militares, em sua maioria, e da influência do positivismo em setores do Exército,

a racionalidade e objetividade no trato das questões nacionais, passaram a ser

vistas como prerrogativas implícitas a alguns quadros destes. Como exemplo desta

postura, tivemos a presença significativa deles no equacionamento de questões

ligadas às indústrias do aço e do petróleo.

O principal ponto de encontro entre os objetivos do segmento civil do Estado Novo

com os militares era a modernização do país pelo caminho do autoritarismo, mesmo

com disparidades internas entre ambos, mas que não chegavam a comprometer as

relações simbióticas entre eles.

A política econômico-financeira do Estado Novo diferenciou-se da do período

anterior, principalmente pelo apoio e incentivo mais intenso ao setor industrial em

relação ao setor agrário. Não que este tenha sido abandonado, mas foi assumindo

gradualmente um papel secundário. A priorização do setor industrial se deu por dois

fatores básicos: o permanente desequilíbrio negativo da balança comercial brasileira

e a perspectiva de guerra que se avizinhava. O Estado Novo deu um prazo para que

empresas estrangeiras se nacionalizassem, ou tivessem em sua composição

estatutária, brasileiros.

Duas áreas de grande interesse nesse processo de definições para a indústria de

base no Brasil foram a siderúrgica e a petrolífera. A primeira, já apontada pelos

militares do governo, como fundamental na manutenção dos interesses do Estado

Novo, foi equacionada com a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, na

cidade de Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Boa parte dos capitais envolvidos

nesta eram oriundos de empréstimos de instituições norte-americanas em condições

extremamente interessantes, visto tal medida fazer parte da política de influência dos

Estados Unidos na América Latina. Com a entrada dos norte americanos na

Segunda Guerra Mundial esta relação se estreitou a ponto do Brasil ter sido

arregimentado para o grupo dos aliados e ter a construção de base americana no

Nordeste.

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No caso do petróleo, devido à maior complexidade do setor, que envolve desde a

extração, o refino e a distribuição, o governo do Estado Novo permitiu a instalação

no Brasil das grandes empresas norte americanas da área e da adoção de políticas

que ora priorizavam aspectos nacionalistas, ora favoreciam as empresas

estrangeiras. De maneira geral, os recursos naturais foram nacionalizados e a

tecnologia para a sua exploração era estrangeira.

No campo trabalhista, o Estado Novo foi o grande responsável pela implantação de

política, que com algumas mudanças e adaptações vigora até hoje. Dois aspectos

básicos foram tratados: a legislação propriamente dita, inspirada na Carta del Lavoro

do fascismo italiano e a construção da figura mítica do chefe de Estado como o

protetor dos trabalhadores.

A legislação incidiu sobre a jornada de trabalho, remuneração mínima (salário

mínimo), descanso remunerado (Férias e Descanso Semanal), bonificações (13º

salário), provisões quando de dispensa sem justa causa (Fundo de Garantia por

Tempo de Serviço) e a abrangência da justiça do trabalho na observância das leis e

na proibição de greves e lock-out.

Foi estabelecida uma estrutura vertical na organização sindical, com a criação dos

sindicatos únicos por categoria, federações regionais e confederações federais.

Instituiu-se o imposto sindical obrigatório, equivalente a um dia de trabalho

descontado na fonte, independentemente da sindicalização ou não do trabalhador.

Esta política, ao mesmo tempo em que foi benéfica para as classes trabalhadoras,

que nunca haviam tido uma legislação tão abrangente, as amarrava por meio dos

próprios sindicatos às conveniências do Estado.

Foi este o ponto que embasou a construção da figura de Vargas como o “Pai dos

Pobres”, o protetor dos trabalhadores, através de grandes eventos públicos, como o

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1º de Maio e a intensa veiculação pelos meios de comunicação das suas ações.

Estádios de futebol, grandes avenidas e praças, foram os espaços preferidos para

estas manifestações e o rádio, o maior instrumento da difusão desta propaganda,

com a criação do programa “A hora do Brasil”.

A construção mitológica da figura de Getúlio Vargas, não tinha como objetivo apenas

as classes trabalhadoras, mas a opinião pública de forma geral. Desde os primeiros

anos após a Revolução de 1930, foi criado o Departamento Oficial de Publicidade,

que se encarregou de explicar o que foi a revolução, seus objetivos, os inimigos a

serem combatidos e censurando críticas e informações contrárias a estes

propósitos.

Em 1934 foi criado no Ministério da Justiça um Departamento de Propaganda e

Difusão Cultural, que funcionou até 1939, quando foi substituído pelo Departamento

de Imprensa e Propaganda (DIP), com status de ministério e subordinado

diretamente ao presidente da República.

A abrangência da ação do DIP era grande e diversa, contemplando a imprensa, a

literatura, o teatro, o cinema, o rádio e a organização do programa oficial no mesmo,

a seleção das publicações importadas e a relação com a imprensa estrangeira, com

a conseqüente escolha das informações a serem publicadas.

A repressão foi dura e implacável, prendendo, torturando e exilando os responsáveis

por qualquer manifestação contrária aos interesses do governo. No entanto, Vargas

relevou a postura oposicionista de inúmeros intelectuais, procurando atraí-los para

os quadros funcionais do governo. Ele sabia que a presença de uma classe

intelectualizada em órgãos estatais, além de atribuir qualidade a estes, conferia uma

imagem de concordância e colaboração, espelhando a condição de unanimidade

apregoada pelo Estado Novo.

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A relação entre intelectuais e o Estado Novo for um capítulo peculiar, pois ao mesmo

tempo em que houve contribuições basilares à cultura nacional por parte de políticas

do Estado Novo, tivemos a censura e a prisão de intelectuais.

Órgãos criados pelo Ministério da Educação e Saúde foram fundamentais na

formulação dos conceitos de cultura brasileira e patrimônio nacional. O projeto de

Mário de Andrade para a criação do Serviço do Patrimônio Histórico Nacional, em

1937, foi extremamente avançado, mesmo no âmbito mundial para época, pois já

considerava patrimônio nacional, danças e músicas regionais e, assim sendo,

passíveis de serem preservadas e inseridas no livro de tombamento patrimonial

brasileiro. Nomes da elite intelectual brasileira, como Carlos Drummond de Andrade,

Rodrigo Mello Franco de Andrade, Lúcio Costa, Manuel Bandeira, Oscar Niemeyer,

Heitor Villa-Lobos, dentre muitos outros, faziam parte dos quadros oficiais,

independentemente de posições políticas. Muitos destes, para conseguirem os

avanços desejados no campo cultural, acabaram cedendo a interesses

propagandísticos governamentais. Publicações como Cultura Política, destinada a

um circulo mais restrito da sociedade, transmitiam a visão estatal da história do

Brasil e como o Estado Novo representava uma nova época na construção de uma

nação propriamente dita. Não devemos nos esquecer que este processo de

construção de uma cultura brasileira propriamente dita, iniciou-se na década de

1920 e foi encampado por esta política.

A crise da ordem oligárquica, com a Revolução de 1930, provocou a

elaboração do conjunto de reflexões que atingiria seus pontos mais altos

nas obras de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Novas formas

de percepção e ajustamento à ordem vigente foram elaboradas – e não será

difícil encontrar o saudosismo aristocrático perpassando as reflexões de

ambos. Não parece o caso de Caio Prado Júnior, que ultrapassou o

momento (MOTA, 1980, p.31)

No caso da arquitetura, foi sem dúvida alguma com o apoio do governo federal,

através da contratação de edificações projetadas pelos jovens arquitetos do

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modernismo, que este estilo foi sendo sedimentado no Brasil. Como nos casos do

Aeroporto Santos Dumont (1937/1941), dos Irmãos Roberto, do Pavilhão Brasileiro

na Feira Internacional de Nova York (1939), de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e do

próprio edifício do Ministério da Educação e Saúde (1936/1943), de uma equipe

brasileira liderada por Lúcio Costa, para citar apenas alguns exemplos.

Outro ponto também crucial para a sedimentação e manutenção do Estado Novo foi

a reforma administrativa dos quadros funcionais do Estado. Os objetivos das

mudanças propostas eram a modernização do aparelho administrativo, através da

criação de uma elite burocrática identificada com os princípios do regime, mas

desvinculada da política partidária. Um funcionalismo exclusivamente dedicado aos

interesses da nação, constituído de técnicos com as ações pautadas na eficiência,

economia e racionalidade.

Para tanto, Vargas criou o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP),

em 1938, ligado diretamente à Presidência da República. Este órgão foi o

responsável pelo estabelecimento das políticas de recrutamento, seleção,

contratação e enquadramento de todo o funcionalismo federal, contemplando os

parâmetros e a abrangência da meritocracia para o quadro de carreiras.

Houve uma adesão significativa de segmentos da classe média aos quadros

funcionais, porém, os postos chaves, chamados de cargos de confiança,

continuaram sendo ocupados pela escolha direta do presidente da República e seus

ministros.

No tocante à política externa, o que se observou foi muito mais alinhamentos

provenientes das melhores condições oferecidas pelos parceiros, do que posições

rígidas oriundas de questões ideológicas. Este período, 1930 – 1945, foi marcado

por uma gradual decadência da hegemonia inglesa e crescimento da influência

norte-americana e alemã no cenário internacional.

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De 1934 a 1940 tivemos um crescimento significativo nas relações comerciais entre

a Alemanha nazista e o Estado brasileiro, a destacar o período do Estado Novo.

Aliás, houve manifestação de júbilo desta e da Itália quando do golpe de 1937. Havia

uma predileção pela Alemanha por parte dos militares brasileiros nos cargos da

instância federal e pelos Estados Unidos nas esferas civis, a citar o general Góes

Monteiro e Oswaldo Aranha, respectivamente. No ano de 1938 o Brasil estabeleceu

um acordo de fornecimento de material bélico com a empresa alemã Krupp.

No entanto, no campo político tivemos fatos que foram importantes no processo de

uma maior aproximação com os norte americanos. Apesar do apoio integralista ao

golpe do Estado Novo, estes foram alijados do poder quando da efetivação do

mesmo, gerando grande descontentamento desta facção fascista. A AIB tentou

assumir o governo através de uma revolta armada, em 1938, que foi prontamente

sufocada, colocando seus partidários na ilegalidade e mandando inúmeros para as

temidas prisões do Estado Novo.

Somado a este acontecimento, o governo reprimiu manifestações nazistas no sul do

Brasil, prendendo um agente alemão pregando a submissão brasileira ao Reich,

resultando na expulsão do embaixador alemão do país. A diplomacia tratou de

colocar panos quentes no episódio e os dois países reataram relações diplomáticas

e comerciais, mas o ocorrido havia deixado seqüelas.

A eclosão da Segunda Guerra Mundial e o bloqueio naval inglês forçaram a

Alemanha a recuar na influência na América Latina, o que propiciou uma quase

exclusividade das relações comerciais com os Estados Unidos. Somado a isto,

tivemos a criação da ideologia do Pan-americanismo pelos norte americanos como

embasamento para uma aproximação absoluta.

No início de 1942, o Brasil rompeu ligações com o Eixo e assinou um acordo secreto

de colaboração político-militar com os Estados Unidos. Em agosto do mesmo ano,

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cinco navios mercantes brasileiros foram afundados por submarinos alemães,

fazendo com que o Brasil declarasse guerra à Alemanha.

O fato que fechou a adesão brasileira à frente antifascista foi o envio de uma força

expedicionária para a Europa, não que isto tenha sido uma imposição dos aliados,

pois a importância que se dava à adesão brasileira era principalmente pela sua

posição extremamente estratégica no Atlântico Sul.

A vitória aliada contra os regimes totalitários e fascistas italiano e alemão expôs de

forma bastante evidente a incongruência do Estado Novo brasileiro. Brasileiros

haviam morrido combatendo ditaduras e internamente continuávamos a viver uma.

Vozes do próprio cerne do governo começaram a clamar por uma abertura

democrática, como o ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha.

O general Góes Monteiro, procurando preservar a imagem do Exército perante a

iminência da derrocada do Estado Novo, assumiu o Ministério da Guerra, visando

muito mais o controle no processo da deposição de Vargas do que a sua

permanência do poder.

No entanto, o processo de decadência do Estado Novo já vinha desde a entrada do

Brasil na guerra, através de inúmeras manifestações populares, com conflitos que

chegaram a deixar dois mortos em São Paulo. Mas somente a quebra do

sustentáculo militar casou realmente estragos. Em fevereiro de 1945, Vargas

assinou decreto que estipulava a data para as novas eleições gerais, sendo 02 de

dezembro de 1945 para presidente da República e 06 de maio de 1946 para as

eleições estaduais.

A oposição liberal fundou a União Democrática Nacional (UDN) lançando como

candidato o brigadeiro Eduardo Gomes. A máquina do Estado federal, dos

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interventores estaduais e do próprio Getúlio Vargas, criou o Partido Social

Democrático (PSD) e teve como candidato o general Eurico Gaspar Dutra.

Já antevendo a perda do apoio das elites controladas pelo PSD, Vargas fundou

também o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), embasado na estrutura trabalhista,

do ministério aos sindicatos, e inicialmente sem candidato.

E apesar das manobras de Getúlio para se manter no poder; com o movimento

“queremista” que pleiteava a instituição de uma Assembléia Nacional Constituinte

liderada por Vargas, que estabeleceria as novas eleições e permitiriam a

participação deste; com a adesão do PCB à sua candidatura, Vargas foi deposto no

final de 1945, retirando-se para sua cidade natal, São Borja.

O que se apreendeu deste episódio terminal do Estado Novo, foi que mesmo

iniciando-se um período democrático, a implantação deste havia sido controlada

pelas mesmas forças que promoveram e apoiaram o estado de exceção anterior, a

destacar o Exército, e o momento se apresentava muito mais como uma mudança

de rumo do que uma ruptura definitiva entre as estruturas vigentes.

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CAPÍTULO 3: A ARQUITETURA DOS DITADORES

Estou convencido que a arte, já que forma a mais incorrupta, a mais imediata

reflexão da alma do povo, exerce inconscientemente a maior influência direta

possível sobre as massas (HITLER apud CURTIS, 2008, p.351).

3.1. A arquitetura do poder

Devido ao caráter gregário do homem, desde os tempos mais remotos da história da

humanidade, a necessidade de comunicação constituiu-se em premissa para nossa

própria sobrevivência. Esta comunicação não se restringiu apenas à linguagem

verbal oral ou escrita, mas também a outras formas, como os desenhos rupestres,

pinturas, danças, músicas, cerimoniais, jogos e arquitetura, por exemplo. Aliás, a

própria linguagem verbal escrita que conhecemos no ocidente, foi conseqüência de

um processo gradual de codificação alfabética iniciado pelos gregos, havendo, no

entanto, também outras formas de codificação escrita, como os hieróglifos, os

pictogramas e os ideogramas. Podemos assim sintetizar os processos de

comunicação em linguagem verbal e não verbal (FERRARA, 2007, pp. 6-7).

A arquitetura tem sido também instrumento de ostentação das mais variadas

mensagens a serem transmitidas através de sua materialização. Aliás, podemos

dizer ser um caráter implícito da arquitetura essa agregação de valores inerentes ao

seu papel funcional (PIGNATARI, 2004, pp.154-5). A monumentalidade das

edificações visava à representação de significados de segmentos da sociedade e

suas ideologias, onde se incluíam os aspectos propagandísticos dos poderes

constituídos. Tratava-se de materialização do poder, em suas mais variadas

nuances: religioso, político e econômico.

Na História da Arquitetura podem-se encontrar inúmeros exemplos para ilustrar esta

condição. Não conseguiremos entender a escala utilizada na construção das

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pirâmides de Gisé se procurarmos explicações no campo racional da compreensão

através da função do edifício, pois elas sendo apenas túmulos, poderiam somente

ter se prendido à guarda do corpo e a uma demarcação superficial do fato. A

mensagem a ser transmitida era a crença em uma vida após a morte, com a

conseqüente necessidade da construção de um espaço para que tal existência se

efetivasse e a condição divina do faraó, explicitada justamente pela priorização da

dimensão vertical como a materialização do poder. A escolha pela forma piramidal

também foi apoiada em aspectos simbólicos, relacionados a uma associação com

pretensas facilidades para a ascensão do espírito e captação de energias cósmicas.

Por sua vez, a utilização da pedra nestas construções estava ligada não apenas à

perenidade esperada para tais edificações como também ao caráter de nobreza

atribuído a tal material, comparando-se com a maioria das edificações egípcias,

construídas com adobe38

Já para os arquitetos da Grécia Clássica, os templos não se resumiriam apenas a

espaços de adoração a uma divindade específica, mas na síntese mais elaborada e

precisa do próprio significado da religião para esta civilização: um caminho para

explicações lógicas dos mistérios do homem e do mundo. Tanto a matemática como

a geometria, por exemplo, eram instrumentos utilizados para esta finalidade e

deveriam explicitar através de sua utilização massiva nas edificações, a opção pela

busca do entendimento racional no mundo. A utilização do termo “ordem

arquitetônica” e não estilo, para as edificações gregas, residia justamente no fato

destas contemplarem a arquitetura como um universo aglutinador das inúmeras

possibilidades intelectuais humanas, inclusive como suporte comunicacional, e não

apenas como mera expressão plástica individual.

Assim sendo, “ordem arquitetônica” para os gregos era um sistema projetual e

construtivo baseado em relações de proporcionalidades matemáticas e geométricas

38

Bloco enformado com argila misturada com fibras vegetais ou palha, seco ao sol, muito utilizado até hoje em

regiões com índices pluviométricos baixos, como o Oriente Médio e o Norte da África.

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entre as partes de uma edificação, pelas quais se atingiria o ideal de beleza39. Os

edifícios da Acrópole de Atenas constituíram-se na perfeição máxima pautada em tal

premissa e eram a representação do poder do intelecto humano à disposição de seu

líder político, Péricles, na demonstração da coragem e heroísmo gregos frente ao

até então invencível Império Persa. A utilização do mármore branco, segundo o

próprio Péricles, representaria a hegemonia dos ideais racionalistas, mais justos e

puros, da democracia ateniense frente aos regimes despóticos de então.

O Estado romano era representado pelo Fórum, que por sua vez abrigou todas as

excentricidades, ostentações e idiossincrasias dos imperadores romanos. Podia-se

respirar o poder imperial percorrendo-se as principais ruas da cidade, próximas a

este espaço, vislumbrando as edificações públicas resultantes da sobreposição dos

vários fóruns imperiais construídos no mesmo local40, ao longo do tempo, oferecendo

não uma leitura de continuidade, mas a de materialização das vaidades pessoais

acima de qualquer outra questão.

Entretanto, o Estado romano fazia-se presente muito mais pelos edifícios de uso

público do que apenas pelos governamentais, pois através da construção de

anfiteatros, termas, estádios e basílicas, tipologias presentes em qualquer cidade

romana com a devida adequação de capacidade local, eles demonstravam

capacitação técnica e financeira, além da ingerência sobre a vida dos seus

cidadãos.

A escala das edificações era a monumental, não apenas porque deveriam abrigar

um número grande de pessoas concentrado em um único lugar, mas principalmente

porque deveriam externar a excelência construtiva romana e a magnitude imperial.

Materiais considerados nobres, como o travertino e uma grande variedade de

39

Eram três as ordens: dórica, jônica e coríntia; com denominações relacionadas às suas regiões ou civilizações

de origem.

40 Dos imperadores Vespasiano, Nerva, César, Augusto e Trajano.

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mármores, eram o padrão dos edifícios públicos que aliados a grandes arcos e

cúpulas, remetiam estas edificações à escala monumental e, por conseguinte à

imagem da opulência e magnitude desejada pelos imperadores romanos. Eram

edifícios que atendiam bem aos seus propósitos funcionais, mas sem dúvida, o

caráter simbólico destes era o que os destacava no cenário urbano romano.

Esta dimensão de monumentalidade foi também utilizada pelos romanos em

Constantinopla, atual Istambul, quando da transferência da capital do Império. A

igreja de Santa Sofia, nesta cidade, foi o mais claro exemplo desta magnitude,

explicitada pela sua cúpula, pelos arcos monumentais das fachadas e pelo

elaboradíssimo e sofisticado conjunto de mosaicos em seu interior.

As igrejas românicas, com poucas aberturas e grossas paredes, mais se

assemelhavam a fortalezas do que a edifícios religiosos. A Igreja Católica nos

séculos X e XI ainda não era a instituição hegemônica da Idade Média, como a

conhecemos através do estilo gótico, mas possuidora de edificações inicialmente

pequenas e introspectivas.

As catedrais góticas foram à materialização da hierarquização das relações entre o

homem e Deus, onde a priorização da dimensão vertical ao mesmo tempo em que

revelava ao homem sua insignificante existência perante os desígnios divinos,

representava a aproximação do institucional com o divino. A luz que adentrava

nestes edifícios reforçava este caráter de cunho sensório/espiritual, atribuindo à

nave central, em relação às naves laterais, a luminosidade do divino em contraste

com as trevas em que estavam imersos os homens, segundo a Igreja Católica

Apostólica Romana.

Os Palácios Renascentistas, dos séculos XIV, XV e XVI, objetivaram mostrar uma

nova ordem de poder vigente, baseada não apenas na posse territorial e na origem

genealógica legitimada pela Igreja, mas na acumulação monetária advinda,

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principalmente, da atividade comercial. Apesar de a gramática arquitetônica utilizada

ser a clássica, as soluções eram novas, portanto, tais edificações não poderiam ser

encontradas nem na Grécia Clássica e nem na Roma Imperial.

Quanto à agregação do simbolismo de poder à arquitetura, os arquitetos

renascentistas se valeram dos mesmos instrumentos anteriores; a escala

monumental, formas monolíticas, textura pétrea pela utilização de pedras

propriamente ditas ou por argamassa moldada e frisada no formato destas,

iluminação hierarquizada e elementos específicos, como escadarias, colunatas e

frontões.

O grande diferencial da construção imagética a partir do Renascimento residiu no

acréscimo da condição de modernidade enquanto qualidade, numa justificativa

temporal dialética. O moderno passa também a ser um dado a ser considerado

quando da construção sígnica do poder na arquitetura.

Assim sendo, os estilos subseqüentes, Maneirismo (Século XVII), Barroco (Séculos

XVII e XVIII), Neoclássico (Século XIX), Historicismo (Século XIX) e Ecletismo

(Século XIX), além da construção sígnica de poder com os mesmos elementos

arquitetônicos já citados, tiveram na responsabilidade da representação do moderno

um dos principais paradigmas de qualificação. Na dinâmica implícita a modernidade,

a representação do poder do Estado expresso pela opulência ornamental barroca foi

substituída pela austeridade neoclássica do Estado laico iluminista, que por sua vez

deu lugar à diversidade do ecletismo do Estado burguês.

O final do século XIX e o início do século XX foi um período na história marcado por

profundas e irreversíveis mudanças de cunho estrutural. A ciência tornou-se o

apanágio para males seculares da humanidade, com um grande desenvolvimento

tecnológico, fazendo com que predominasse de forma geral, na humanidade

ocidental uma postura relativamente arrogante, pois não se acreditava que haveria

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mais problemas que a ciência e a tecnologia não pudessem resolver. Tal euforia e

entusiasmo só seriam dirimidos pela eclosão da Primeira Guerra Mundial, onde

constatamos pela pior maneira possível, que o mesmo gênio criador era muito mais

eficiente na destruição (BANHAM, 1979, pp. 11-7).

Na arquitetura, o momento de transição citado iniciou-se pela imagem de

ambigüidade da Arquitetura do Ferro. Apesar da utilização do ferro na arquitetura a

partir da segunda metade do século XIX - como estrutura através do aço, como

ornamento através do ferro fundido e como cobertura e vedação através das chapas

corrugadas - ter representado a adoção de alta tecnologia, não só pelos materiais

como também pelos processos de fabricação e montagem, as edificações

continuaram a ser vestidas pela história (GIEDION, 2004, pp. 199-221).

Magníficas estruturas de estações ferroviárias, que demonstravam serem seus

construtores detentores das mais modernas tecnologias vigentes, tinham a sua

racionalidade projetual e construtiva escamoteada em parte pelo conjunto de

modinaturas e adereços estilísticos. Era como se a modernidade precisasse de

legitimação pela tradição incorporada, restringindo-se a “nudez arquitetônica” a

pouquíssimas edificações. A aceitação de uma arquitetura que tivesse na clareza de

suas formas, materiais e técnicas utilizadas para sua construção e na sua função, foi

gradual e mais morosa do que a de outras formas de expressão, pois, afinal de

contas, o objeto arquitetônico é o que demanda mais tempo e recursos para sua

concretização. Modernidade, a partir do final do século XIX e início do XX passou a

agregar o conceito de funcionalidade como paradigma essencial (BANHAM, 1979,

pp. 11-7).

Todavia, foi neste momento de priorização do olhar racional do mundo, agora não

apenas contemplando o mundo que o circundava, mas olhando também para dentro

de si, que o imenso e inexplorado universo interior do homem passou a ser objeto de

especulação. Buscávamos não apenas explicações para o que víamos, como

também os porquês e como isto acontecia, sistematizando e teorizando

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conhecimentos acumulados pelo homem. No que concernia ao processo de

agregação de significados simbólicos ligados ao poder, ao objeto arquitetônico,

houve a criação de vários instrumentos para percepção, análise e manipulação

consciente nesse período.

Foi neste contexto, contemporâneo ao início da Psicanálise com Sigmund Freud

(1856-1939), que foi criada a Fenomenologia: sistema filosófico proposto por

Edmund Husserl (1859-1938), que consistia numa análise descritiva dos processos

psicológicos, onde o objeto só pode ser conhecido na sua relação com o sujeito,

opondo-se conseqüentemente ao objetivismo científico, segundo o qual o objeto da

ciência deve se constituir de fatos puros e simples, dotados de perfeita objetividade

e, portanto, supostamente descomprometidos do sujeito. Neste aspecto, “Husserl

retornou à idéia de Descartes de que a filosofia devia começar com o sujeito

pensante e cunhou o termo fenomenologia para nomear uma abordagem que

descrevia o que é diretamente manifesto para a consciência” (LAW, 2008, p.43). Na

arquitetura e no urbanismo esta nova abordagem permitiu uma inserção mais

abrangente do homem em seus espaços, considerando a existência de outras

dimensões nesta relação, além da funcional ou da meramente estética.

Quase que concomitantemente à Fenomenologia, tivemos a criação da Psicologia

da Gestalt, também chamada Psicologia da Forma, que foi uma escola de psicologia

fundada na Alemanha em 1912 por Max Wertheimer (1880-1943), Kurt Koffka (1886-

1941) e Wolfgan Köhler (1887-1967), que propunha estudar os fundamentos da

percepção humana e as bases de sua estrutura mental, utilizando também métodos

de base fenomenológica41. Opunha-se à psicologia comportamental e ao

associacionismo. Na arquitetura, o interesse residiu na investigação das razões que

levavam algumas formas a se fixarem em nossa retina com mais facilidade que

outras, constituindo-se, segundo esta abordagem, em formas de alta pregnância,

parte de nosso repertório formal recorrente. 41

“Considera-se que Von Ehrenfels, filósofo vienense de fins do século XIX, foi o precursor da psicologia da

Gestalt” (GOMES FILHO, 2000, p.18). Mais tarde teve seu início efetivo na Universidade de Frankfurt pelo

autores citados.

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A Gestalt, após sistemáticas pesquisas apresenta uma teoria nova sobre o

fenômeno da percepção. Segundo essa teoria, o que acontece no cérebro

não é idêntico ao que acontece na retina. A excitação cerebral não se dá

em pontos isolados, mas por extensão. Não existe, na percepção da forma,

um processo posterior de associação das várias sensações. A primeira

sensação já é de forma, já é global e unificada (FRACCAROLI,1952, p.1).

Ainda dentro do contexto da construção de instrumentos para percepção, análise e

utilização consciente dos elementos do universo de agregação simbólica, houve a

criação da Semiótica.

Semiótica vem da etimologia grega semeion, que significa signo. Foi o nome dado

pelo filósofo e matemático Charles Sanders Peirce (1839-1914) 42 à “ciência geral

dos signos”, no início do século XX, no imbricamento com o modelo lógico

matemático. Signo, segundo Peirce, é a unidade de um sistema de comunicação

que representa alguma coisa para alguém, em algum momento, e em condições

determinadas, como por exemplo, as palavras, os sinais de trânsito, os gestos, a

moda (TEIXEIRA COELHO, 2003, p.20). Assim sendo, nossa percepção de mundo e

conseqüentemente as formas pelas quais nos expressamos e nos comunicamos

seriam intermediadas pelos signos, constituídos por uma parte que seria o suporte

da mensagem a ser transmitida e por outra que seria a própria mensagem.

No caso da comunicação verbal, oral e escrita, estas questões foram abordadas pelo

lingüista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), em seu Curso Geral de

Lingüística, de 1915, onde já havia o discernimento entre o significado de língua e

linguagem. Assim sendo, a Lingüística seria a ciência da linguagem verbal e a

42

“Peirce foi mais um cientista profissional que um filósofo, e sua experiência no laboratório teve sempre um

peso decisivo em seu pensamento. Contra a tradição moderna em filosofia, sustentou que o conhecimento não

era adquirido por um pesquisador solitário em busca de certeza, mas através da abordagem experimental de

uma comunidade de pesquisadores examinando incertezas dentro de um sistema de crenças aceitas”(LAW,

2008, p. 313).

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Semiótica da não verbal, pois cada uma delas se faz através de um sistema singular

de signos. (SANTAELLA, 2005, pp.9-14).

Estes instrumentos para compreensão dos processos de significação dos

fenômenos de cultura foram criados justamente em um momento marcado por um

vazio deixado pelo rompimento com paradigmas seculares de significação e

qualificação na arte e na arquitetura. Na abstração dos significados conhecidos do

objeto arquitetônico, característica essencial da proposta do Modernismo

funcionalista das primeiras décadas do século XX, foram deixadas explicações para

o processo de percepção e agregação de valores a este, mas ainda impregnadas do

conceito hegeliano de Zeitgest43, utilizado na construção de sua legitimidade como

representante de sua época.

A proposta modernista do início do século XX de se reduzir a arquitetura a uma

equação formal, resultado de uma racionalização da mesma, com a eliminação de

todo elemento da gramática clássica das edificações ou de romper drasticamente

com o modus operandi da arquitetura, que desde o século XV caracterizou-se pela

manipulação deste repertório, não se mostrou adequada para a representação do

poder e da ideologia do Estado, devido ao seu caráter compositivo de baixa

hierarquização e atemporalidade. De certa forma, foi este caráter da arquitetura

moderna que ocasionou a manutenção da utilização da gramática clássica da

arquitetura concomitantemente com a modernidade, justamente pelas possibilidades

opostas, de hierarquização e temporalidade, entendida como a qualidade inerente

do Classicismo e os valores advindos deste.

As duas primeiras décadas do século XX foram marcadas pelo surgimento de várias

propostas de visão do mundo moderno, pois, como mencionado anteriormente, a

partir do ponto que não importava mais o que eu via; pois neste aspecto as 43

“Georg Hegel (1770-1831), tornou-se ainda vivo o maior filósofo alemão, com um projeto que abrangia a

totalidade da história, da realidade e do pensamento num único sistema filosófico. A realidade é constituída

por Geist (mente ou espírito), uma força dinâmica que dirige o processo da história rumo à sua meta final[...]”

“*...+ A lógica da marcha da história é o que Hegel chamou de dialética. Qualquer situação contém tensões que

a tornam inerentemente instável, fomentando a mudança histórica” (LAW, 2008, p.302).

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invenções da fotografia (1839) e posteriormente do cinema (1896) acabariam

esvaziando a figuração como parâmetro qualificatório da arte; mas o “como eu via”,

este ver passa a ser interpretativo e conseqüentemente pessoal, e assim sendo,

oferecendo a possibilidade para esta diversificação. Foram criadas as chamadas

Vanguardas Artísticas Modernas: Expressionismo (1900-10), Cubismo (1906-9),

Futurismo (1909), Suprematismo (1915), Dadaísmo (1916), Neoplasticismo (1917),

Construtivismo (1917-20) e o Surrealismo (1924).

No tocante à arquitetura, a influência destes movimentos artísticos foi um pouco

mais tardia do que nas artes plásticas e literatura, haja vista que o próprio objeto

arquitetônico demanda maiores recursos e tempo para a sua produção, além da

dificuldade de convencimento por se tratar de uma estética, para a época, muito

diferente dos padrões. No caso da construção de edificações para Estados

preocupados em transmitir imagens de poder e força, como veremos a seguir, estas

linguagem deixavam a desejar.

A estética Expressionista, com seus arrojos formais não convencionais, não foi

aceita de imediato, pela sua incapacidade de representar algum valor que não fosse

essencialmente sensorial (ARGAN, 1992, p.227). Operava-se muito mais com o

ícone, com as qualidades materiais das coisas, que com o caráter indicial/ semântico

de uma função definida. Conseqüentemente, simbolismos arquitetônicos com

intenções que pudessem ir além do mero prazer estético, foram descartados pelos

arquitetos expressionistas. Porém, isso não significava uma inadequação ao

equacionamento de um programa de necessidades, muito pelo contrário, os edifícios

expressionistas da vertente holandesa, representada principalmente pelo arquiteto

Michael de Klerk (1884-1923), e da alemã, onde se destacaram Bruno Taut (1880-

1938), Erich Mendelsohn (1887-1953) e Hans Scharoun (1893-1972) funcionavam

muito bem para o que foram concebidos.

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Figura 9 - Erich Mendelson, Torre Einsten, Potsdam, 1920-24. (CURTIS 2008)

Os cubos brancos do Purismo de Le Corbusier, da década de 1920, eram por

demais simples e uniformes formalmente, não possuíam nem a escala, nem os

elementos de textura e nem a hierarquização de luz necessária para que

expressassem a emanação de um poder, fosse qual fosse esse. Eram, antes de

qualquer outra intenção, objetos atribuídos a uma “pretensa” imagem de

Modernidade. Eram muito democráticos, na própria acepção do significado de tal

palavra: em um curto espaço de tempo, todos poderiam desfrutar destes espaços

adequados à vida moderna, pois eram simples, impessoais e facilmente produzíveis,

visto a democratização dos sistemas de produção industrial. Deveriam ser

específicos, tal quais as máquinas o eram44.

44

A escala do monumento só foi trabalhada por Le Corbusier a partir do pós 2ª Guerra Mundial, a destacar o

projeto de Chandigarh (1951-1965) no Punjab indiano.

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Figura 10 - Le Corbusier, Vila Savoye, Poissy, 1928-31. (CURTIS 2008)

A estética proveniente da Escola Bauhaus, na Alemanha, apresentava os mesmos

problemas acima descritos, no tocante à demonstração de poder, reforçados pela

radicalização da padronização funcionalista, pedra de toque da escola e dos adeptos

desta. Ludwig Mies Van der Rohe, que foi o último diretor da Bauhaus, só alcançou

uma escala de magnitude em seus projetos, quando da execução de arranha-céus

em Nova York para importantes empresas americanas, como o Seagran Building, de

1954-5845. Cabe salientar, que além das questões estéticas relacionadas acima, o

antagonismo ideológico entre o Estado nazista alemão e a escola, que levou ao seu

fechamento já no primeiro ano deste governo, em 1933.

45

Tal qual Walter Gropius, com o edifício para a companhia aérea PANAM, em Nova York. (1948-51)

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Figura 11 - Walter Gropius, Bauhaus, Dessau, 1926. (CURTIS, 2008)

Figura 12 - Ludwig Mies Van Der Rohe, Edifício Seagran, Nova York, 1954-8. (CURTIS, 2008)

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A arquitetura do De Stijl, na Holanda, com sua opção pela composição rigidamente

inserida no sistema ortogonal, principalmente através das obras do arquiteto Gerrit

Thomas Rietveld (1888-1964), resultou em uma proposição espacial sugerida pela

intersecção de planos, além da limitação à utilização apenas de cores primárias. Foi

um exercício, antes de tudo, exclusivamente plástico, daí seu caráter icônico. A

escala era humana, as formas prismáticas e as texturas utilizadas não expressavam

apenas hierarquização na composição arquitetônica, a luz interior era uma

conseqüência da disposição e da intersecção dos planos constituintes e as cores

chamavam a atenção pela simplicidade.

Figura 13 - Gerrit Thomas Rietveld, Casa Schrörder, Utrecht, 1923-4. (CURTIS, 2008)

Apesar da estreita cumplicidade entre o Construtivismo russo e a política, advinda da

vontade de se produzir uma imagem para a arte desta nova sociedade, oriunda da

criação da União Soviética pela Revolução Bolchevique, ou seja, voltada a

importância do seu caráter icônico, esse movimento teve suas premissas baseadas,

principal e prioritariamente, em questões de cunho estético. A redução da arquitetura

à sua dimensão construtiva básica e a explicitação dos componentes arquitetônicos

que simbolicamente faziam a ligação desta com as necessidades ligadas ao

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cotidiano moderno, como antenas e elevadores, ditavam a composição

arquitetônica. Assim sendo, tratava-se antes da concretização de um conceito

vigente de Modernidade - ligado ao desenvolvimento tecnológico, à funcionalidade e

a uma nova visão de mundo, onde segundo os seus principais arquitetos, Konstantin

Melnikov (1890-1974), Eliezer (El) Lissitzky (1890-1941) e Ivan Leonidov (1902-59),

estaria inserido o socialismo, como novo modo de organização social, política e

econômica; do que a exclusiva ostentação do poder político com seus elementos

sígnicos tradicionais. Fato ratificado posteriormente, quando da adoção do estilo

Tardo-classicista pelo arquiteto Boris Iofan, como representante do Estado Stalinista,

evidenciado pela vitória deste no concurso para o Palácio dos Sovietes, em 1931:

O gosto oficial interveio e deu o prêmio para o competidor soviético Boris

Iofan (tendo honrado também o classicista I. V. Zholtovsky). O projeto

finalmente aprovado lembrava um mausoléu escalonado e era dominado

por uma estátua colossal de Lênin, maior ainda que a Estátua da Liberdade

de Manhattan (CURTIS, 2008, p.214).

Figura 14 - Konstantin Melnikov, Pavilhão da União Soviética na Exposição de Artes Decorativas,

Paris, 1925. (CURTIS, 2008)

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O Futurismo italiano do arquiteto Antonio Sant‟Elia46, com a escala monumental de

sua Cittá Nuova, remete-nos muito mais a uma dimensão temporal, ou seja, uma

tentativa de antevisão do que poderiam vir a ser as novas cidades e sua arquitetura

mediante as grandes transformações ocorridas em todos os campos do

conhecimento humano, ao final do século XIX e início do XX, do que um exercício

imagético do poder naqueles novos tempos. E apesar do flerte com o fascismo,

quando da escolha da imagem arquitetônica deste por Mussolini, não foi o Futurismo

o escolhido.

O próprio Mussolini logo percebeu o poder das imagens culturais

tradicionais em sua projeção de um novo espírito nacionalista. Ele forjou

uma linhagem da história romana, identificando-se com o Imperador

Augusto, montando elaborados eventos políticos no capitólio e no Palazzo

Venezia, e prometendo tornar a „Terceira Roma‟ uma cidade de mármore

(CURTIS, 2008, p.360).

Figura 15 - Antonio Sant‟Elia, La Cittá Nuova, Estação Ferroviária Central e Aeroporto, 1913 – 14.

(CURTIS, 2008)

46

Ao qual nos referimos do capítulo 1

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Como podemos observar, a arquitetura das Vanguardas Modernas se mostrou, de

forma geral, inadequada, no que tangia ao universo sígnico necessário para a

representação de poder dos Estados totalitários europeus a partir da segunda

metade da década de 1920, a citar, a Itália fascista, a Alemanha nazista e a União

Soviética stalinista.

Neste contexto, o totalitarismo que varreu o continente europeu trouxe consigo a

reutilização do repertório clássico nas edificações estatais e os grandes planos

urbanísticos de reconstrução das grandes cidades. Esta arquitetura foi vinculada por

Estados totalitários aos mais legítimos anseios nacionais por uma imagem ligada às

origens, portanto, verdadeira no tocante à representação de seu povo. Portanto,

para estes, a arquitetura moderna foi tanto a expressão do bolchevismo, para

italianos e alemães, quanto a imagem do capitalismo decadente, para os soviéticos,

ou seja, passou a ser execrada de forma geral, mas gradualmente.

Essa gradualidade na rejeição do Modernismo, tanto na Itália, quanto na Alemanha,

foi ocasionada pela apropriação por estes países, das qualidades funcionais da

arquitetura moderna frente às novas necessidades espaciais provenientes dos

avanços tecnológicos e da necessidade de novas tipologias, ficando assim restrita a

edificações de cunho estritamente funcional47.

Os italianos depuraram a gramática clássica e segundo o arquiteto Marcelo

Piacentini,

[...] a medida certa entre a tradição e os novos tempos passa no máximo

pela depuração das ordens, o que não é novidade, pois nossos

antepassados romanos já haviam procedido desta forma ao criarem novas

ordens e ao não se prenderem as relações de proporcionalidades próprias

de cada uma (SETA, 1972, P. 71).

47

Exemplo desta postura foi uma fábrica Heinkel, do arquiteto Herbert Rimpl, de 1936, em Oranienburg,

Alemanha.

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Foi considerando esta abrangência que se desenvolveu o Tardo-classicismo para

uns, ou Neoclassicismo Simplificado para outros, mais descompromissado com a

pureza das ordens na Itália e menos na Alemanha.

3.2. A arquitetura da Itália fascista

Em 1922, Benito Mussolini e seus “camisas negras” adentram a cidade de Roma,

pela colina do Campidolio, no ato que ficou conhecido como “A marcha de Roma”. O

partido fascista, com neste ato, ocupava o cargo de primeiro ministro, na figura de

Mussolini. Gradativamente, as ações deste novo governo caminharam para uma

centralização absoluta, eliminando todas as possíveis lacunas de questionamento às

medidas a serem tomadas para inserir a Itália dentre as principais economias da

Europa.

O país ainda não havia se livrado da imagem de ser um dos mais atrasados no que

tange à industrialização, e as seqüelas do processo de unificação durante a segunda

metade do século dezenove, ainda eram evidentes. As diferenças entre o norte do

país, em processo de industrialização e o sul, predominantemente agrícola, eram

acentuadas e em algumas regiões ainda sob a tutela de antigos nobres, que mesmo

tendo aderindo à República Italiana não se incorporavam efetivamente com o

federalismo, constituíam-se em poder paralelo.

O fascismo anunciava como premissas basilares o nacionalismo, a centralização

administrativa, o desenvolvimento intensivo da industrialização e o fortalecimento

das Forças Armadas, segundo o próprio Mussolini, indispensáveis para a garantia da

república e das fronteiras. O expansionismo também fazia parte das propostas

fascistas na constituição da Nuova Itália, resolvendo antigos conflitos territoriais e

ocupando áreas justificadas pela visão imperial de Mussolini. Mais uma vez na

história, o monumental Império romano era a fonte para a constituição de um estado

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forte. Mussolini reivindicava a justa herança deste império para com a República

italiana, para seu governo.

O rei Humberto I teve seu papel gradativamente eclipsado pela imagem onipresente

de seu primeiro ministro e pelas ações efetivas de centralização política. O Duce

ditava todas as diretrizes a serem tomadas em todas as esferas da nação.

A questão da construção da imagem do novo estado implementado com a chegada

dos fascistas ao poder, foi de imediato encarada por Benito Mussolini, no tocante à

construção dos edifícios estatais e á reformulação do tecido urbano romano,

priorizando a abertura de grandes vias como elementos constituintes de

perspectivas grandiosas.

A base conceitual que norteou as iniciativas arquitetônicas e urbanísticas fascistas

foi este nacionalismo, que deveria ser resultante da congruência de um passado

imperial com um presente desenvolvimentista. Adotando como fontes referenciais as

intervenções do Barão de Haussmann na Paris do século XIX e as transformações

promovidas pelos papas nos séculos XVII e XVIII, Mussolini e seu arquiteto chefe,

Marcello Piacentini, elaboraram transformações destacando no tecido urbano os

monumentos da Roma imperial, através da liberação por grandes avenidas com

seus fluxos intensos de veículos, numa clara alusão à propalada integração

temporal48.

A linguagem arquitetônica proposta por Piacentini era a de um Neoclássico

simplificado, ou seja, nas palavras do próprio arquiteto, “[...] a valorização da

essência clássica pela eliminação dos excessos ornamentais acumulados pelo

tempo, ao longo de sua utilização [...]” (SETA, 1972, p.184-5), “[...] os arquitetos do

Barroco, mesmo com sua genialidade compositiva, deturparam completamente os

48

O projeto para a nova cidade de Roma foi denominado de E42 e compreendia no seu escopo projetual uma

seleção executada por Piacentini e Mussolini dos monumentos a serem mantidos e os que seriam demolidos.

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fundamentos da linguagem clássica, uma clareza quase obvia [...]” (SETA, 1972,

p.184-5).

A vantagem dos arquitetos italianos na construção desse novo ideário arquitetônico,

em comparação com seus colegas alemães, era a existência de um lócus

impregnado de significados, na criação do logus significante fascista. Afinal de

contas, Berlim era uma cidade relativamente nova, surgida no século XIII e não

contava com ruínas romanas.

Caberia aos arquitetos italianos estabelecer, através dos novos edifícios e

principalmente os estatais, o diálogo entre o antigo e o novo, os signos materiais da

Nuova Itália, uma monumentalidade reverencial. Mussolini já contava com alguns

cenários prontos e ideais para a apresentação dos grandiosos eventos do partido e

do culto à sua própria imagem de estadista.

Um dos primeiros exemplos implantados desta visão arquitetônica foi o projeto do

arquiteto italiano Vittorio Ballio Morpurgo para o Piazzale Augusteo, às margens do

rio Tibre, em 1934-8. Edifícios de linguagem clássica simplificada aos seus

elementos básicos como arcadas e colunatas, com fachadas de vidro de frente para

o Mausoléu de Augusto.

Neste momento de construção e definição de uma nova linguagem arquitetônica,

que na mesma Itália onde se buscava a afirmação de grande nação européia pela

releitura do passado, houve a criação de uma das vanguardas modernas mais

radicais na defesa da tecnologia como a solução os problemas advindos do século

XIX, o Futurismo. Filippo Tomaso Marinetti era amigo de Mussolini e ambos

compartilhavam da idéia de que somente uma grande guerra varreria da Europa as

estruturas viciadas vigentes, abrindo espaço para o futuro. Um futuro pautado na

indústria e suas máquinas, na cidade como única depositária das condições para o

desenvolvimento e equiparação da Itália aos grandes países europeus e num

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governo centralizado e ativo para a execução das transformações necessárias para

atingir tal objetivo.

Apesar da escala monumental dos projetos do arquiteto futurista italiano Antonio

Sant‟Elia, estas propostas estavam mais vinculadas a uma imagem maquinicista,

assemelhando-se a estações produtoras de energia elétrica, por exemplo, do que

como materialização da onipresença e poder do Estado.

Assim sendo, apesar da empatia com alguns aspectos do movimento futurista,

Mussolini acreditou mais na conjunção entre o clássico e a dita racionalidade

moderna como expressão do fascismo, do governo fascista italiano e de sua própria

figura.

O embate entre a Arquitetura Moderna e a Neoclássica Simplificada depois

denominada Tardo-classicista, ocorreu de forma bem menos enfática na Itália do

que na Alemanha nazista, pelo fato de o fascismo ter se estabelecido e sedimentado

ainda na década de 1920, assumindo apenas o papel de um problema estético, sem

as associações com o provável conteúdo socialista que estaria implícito na

homogeneidade de tipologias e processos de produção modernos.

O Tardo-classicismo italiano ergueu-se sobre as polêmicas quanto à predominância

de uma linguagem clássica mais tradicional ou de uma mais depurada. Ambas

vertentes constituíram o protótipo imagético almejado pelo Duce, tendo no primeiro

grupo os arquitetos Marcello Piacentinni, Giovanni Guerrini, Ernesto La Padula,

Mario Romano e Vittorio Ballio Morpurgo e, no segundo; o “Grupo 7”, os arquitetos

Luigi Figini, Guido Frete, Sebastiano Larco, Gini Pollini, Carlo Enrico Rava, Giuseppe

Terragni, Ubaldo Castagnoli e posteriormente Adalberto Libera, no lugar deste.

Bons exemplos de edifícios Tardo-classicistas projetados com elementos do

repertório da linguagem clássica mais tradicional e, portanto mais facilmente

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identificáveis, são as edificações da Universidade de Roma de Marcello Piacentini

com suas colunatas de colunas toscanas e o Palazzo della Civilitá Italiana, de

Giovani Guerrini, Ernesto La Padula e Mario Romano, com as arcadas de arco pleno

envolvendo um cubo de vidro. Ambos ostentavam a escala monumental necessária

e exigida pelo governo a instituições congêneres.

O “Grupo 7”, surgido em 1926, de vocabulário arquitetônico mais racionalista,

próximo inclusive de algumas das premissas modernas preconizadas por Le

Corbusier, como a estrutura independente e a planta livre, situava-se no campo da

interface entre este caráter e a pregnância do substrato clássico italiano. São bons

exemplos da arquitetura deste grupo, as edificações da Casa di Dopolavoro, de

1928 e A Casa di Elettricitá, de 1930, dos arquitetos Luigi Figini e Gino Polini; O

Officino per La Produzione Del Gaz do arquiteto Giuseppe Terragni, ainda na

década de 1930. As estruturas porticadas de concreto e os revestimentos pétreos

permitiam que se fizessem as conexões entre a tradição clássica e os elementos da

arquitetura moderna.

No norte da Itália, em cidades como Milão e Turim, com acentuada atividade

industrial e pólo tecnológico, o que se observou foi uma grande aceitação deste

modernismo com referências clássicas. Em Roma, foi o contrário, pois sendo esta a

capital do país e sede governamental, o repertório clássico foi mais evidenciado.

Esta polaridade assumida, aceita e explícita foi mais bem representada pelas obras

dos arquitetos Giuseppe Terragni e Marcello Piacentini. A depuração da linguagem

clássica da arquitetura feita por Terragni objetivou chegar a uma essência

compositiva representada pela ordenação, ou seja, pelo próprio conceito de ordem

arquitetônica proposto pela arquitetura grega clássica: a arquitetura proveniente de

um sistema projetual e construtivo baseado em relações de proporcionalidades

matemáticas e geométricas entre as partes de um edifício.

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“Terragni usou a arquitetura para transmitir um conceito intelectual do fascismo,

assim como para dar uma sensação de autoridade, sensação que sobreviveu no

edifício até hoje, visto que é usado como distrito da polícia fiscal italiana” (SUDJIC,

2007, p.67).

Para Terragni, a escala da lógica clássica já era impregnada de um caráter

magnífico, o que dispensaria complementos, evitando assim prováveis afetamentos.

No caso da tradição romana, a essência a ser buscada estaria no principal sistema

construtivo romano, o arcado e na utilização de seus elementos estruturais, o arco

pleno, as abóbadas e a cúpula.

Esta mescla de profunda observação e sensibilidade fez com que Terragni dotasse

os edifícios por ele projetados para o fascismo, de uma lógica inquestionável e de

uma identidade única, indo ao encontro com a imagem da face desejada para os

edifícios do partido.

Exemplo das convicções de Terragni foi a Casa Del Fascio, sede do partido fascista

na cidade de Como, de 1932-6. A edificação é um grande cubo com um pátio

interno, sendo sua fachada única e exclusivamente a trama estrutural de concreto

armado, com os vãos vedados por vidro. O edifício é implantado com a fachada

principal para uma praça frontal.

O raciocínio compositivo de Terragni neste edifício é próximo dos palácios

renascentistas, com sua forma cúbica, rígida ordenação e identidade baseada na

repetição de um único elemento. Porém, há uma diferença fundamental, a fluidez

visual, que não se faz presente nos edifícios renascentista. Esta fluidez, segundo

Terragni, representaria o discurso fascista da transparência entre Estado e o povo,

propiciado pela onipresença do Estado fascista no cotidiano.

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Ordem e transparência eram, portanto os elos desta arquitetura com a linguagem

clássica da arquitetura. Há uma conexão entre o eixo organizacional da praça e o

eixo ordenador dos espaços do edifício, reforçando o caráter público e ressaltando o

papel do edifício que representa o Estado como elemento aglutinador, pois a Casa

Del Fascio pode ser visualizada de diversos pontos da cidade. Outro bom exemplo

deste processo de releitura dos cânones da arquitetura clássica, principalmente no

tocante à identidade dos edifícios públicos, foi o projeto apresentado por Terragni e

equipe para o Palazzo Littorio, em Roma, em 1934.

O programa de necessidades era composto por escritórios para o partido fascista e

um memorial da civilização italiana. A localização do terreno era desafiadora,

próximo das basílicas de Maxêncio, de Constantino e do Coliseu, ou seja,

completamente impregnado pela história imperial romana.

Terragni anteviu com este projeto as possíveis interfaces entre Arquitetura e História,

que seriam fundamentos da arquitetura Pós Moderna da década de 1960, na própria

Itália. A primeira possibilidade se dava através do dialogo entre a edificação e o

entorno imediato, expresso pela grandiosa fachada curva, de aproximadamente 80m

de comprimento por 50m de altura, procurando estabelecer assim, não só um

dialogo formal e repertorial com as curvas e arcadas, mas também de significados,

por intermédio da escala.

Uma segunda possibilidade de estabelecer interfaces da Arquitetura com a História,

presente neste projeto foi através da relação com uma cultura italiana, de escala

imperial, preconizada pelo fascismo. A fachada deslocada para a frente do

alinhamento do edifício, projetando a tribuna de Mussolini à frente e acima de seus

ouvintes, era uma alusão à posição do líder dentro desta nova estrutura. O

revestimento em pórfiro negro polido, material proveniente do Egito e utilizado nas

colunas do Panteão, representava a integração proveniente do domínio italiano

sobre o Mediterrâneo e suas nações, numa reinvenção da hegemonia imperial

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romana. Para Terragni, nesta proposta não havia como dissociar a poética49 da

política, as ações de uma seriam concomitantes às intenções da outra.

Outro exemplo da obra de Terragni que foi reflexo da conjunção da tríade, poder,

arquitetura e história, foi o projeto do Danteum em 1938. Tratava-se de um edifício

monumento em homenagem ao escritor Dante Alighieri, considerado pai da “madre

língua”, o italiano a ser falado em todas as regiões do país, elemento catalisador

basilar para a afirmação do conceito de nação pretendido pelos fascistas.

A localização do sítio não poderia ser mais apropriada para reforçar o caráter cívico

e mítico almejado pelo partido para a edificação, o Fórum Romano. O edifício

propunha espaços alusivos à “Divina Comédia”; inferno, purgatório e paraíso; sendo,

portanto, de essência temática e não funcional. Utilizando elementos históricos e já

universais da arquitetura, como salas hipostilas, perístilos, colunatas e arcadas, as

escalas iam do humano ao monumental, numa recriação do universo da existência

humana. Os elementos compositivos estavam rigidamente inseridos em um sistema

ortogonal, com dois eixos ordenadores e em relações baseadas em

proporcionalidade.

A intenção era que o Danteum fosse uma espécie de microcosmos do

império do Duce, sua ambição Pan-Mediterrânea, seu triunfo, sua aquisição

cultural, e sua sansão divina, que supostamente ligava a Era do Fascismo a

outras grandes eras da história da Itália (CURTIS, 2008, p.341).

No extremo a linguagem proposta por Terragni tivemos o arquiteto Marcello

Piacentini, como o principal representante dos tradicionalistas. Piacentini foi

praticamente o inventor Tardo-classicismo ou Neoclássico Simplificado.

49

Entendendo como poética a maneira de se fazer algo.

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Tratava-se da depuração da linguagem neoclássica, mantendo-lhe a escala, mas

abstraindo-lhe parte significativa de seus elementos decorativos. Piacentini, em um

processo de racionalização, coerente com as premissas da época, mantinha o que

ele considerava essencial, o raciocínio projetual clássico e suas relações de

proporcionalidade. Os discursos de Terragni e Piacentini eram semelhantes,

baseados em premissas semelhantes, porém de interpretações diferentes.

O embate entre o novo e o antigo já existia no início de sua carreira profissional, em

1906, com a premiação no concurso para a reestruturação do espaço para feiras da

cidade de Bérgamo. A proposta constituía-se de intervenções de cunho regulador,

coerentes com a nova arquitetura, em um tecido urbano medieval e renascentista.

No entanto, cabe salientar que enquanto na Alemanha nazista as diretrizes

propostas pelo arquiteto Albert Speer tornavam-se normativas, Piacentini defendia o

objeto arquitetônico como elemento determinante e focal no processo de redesenho

das cidades.

A monumentalidade do Tardo-classicismo de Marcello Piacentini constituiu-se em

condição básica para o projeto de espaços comemorativos e cívicos, mesmo antes

do fascismo, como no Foro das Regiões na Praça d’ Armi, em Roma, em 1911,

durante a Exposição Internacional da Unidade Italiana.

Outros exemplos foram o Pavilhão Italiano Cittadela, em São Francisco, em 1915,

durante a Festa Norte-americana para Colombo, os projetos para a “Grande Roma”

fascista, em 1925, a Cidade Universitária Romana, de 1932-5 e a Praça da Vitória,

em Brescia, em 1928-32.

Piacentini desenvolveu padrões imagéticos de poder calcados na utilização de

elementos da gramática clássica na escala romana. Seus Palácios da Justiça, como

os de Bérgamo (1916-22), Messina (1923-8) e Milão (1931-41), tornaram-se padrões

para esta tipologia arquitetônica, justamente pelos motivos citados anteriormente.

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Nos seus projetos no exterior, como no Brasil50, na Etiópia e na Líbia, rebate o

cabedal acumulado das experiências italianas, excluindo-lhes aspectos de

identidade local.

Marcello Piacentini também desenvolveu em paralelo à atividade projetual, uma

produção ensaística considerável, presente, principalmente, nos periódicos

“Architettura e Arti Decorativa“ (1921-6) e “Architettura” (1931-43), além da docência

na Escola Superior de Arquitetura de Roma, desde 1921, tendo sido professor de

dois importantes arquitetos do processo de implantação da Arquitetura Moderna no

Brasil: Gregori Warchavchick e Rino Levi.

Por fim, para Piacentini, a nova arquitetura não poderia em hipótese alguma

distanciar-se da gramática clássica ao ponto de torná-la não identificável, ou pior

ainda, irreconhecível. Tratava-se de uma modernização do clássico, como fizeram

os romanos e não uma abstração total destes símbolos, o que se constituiria em

uma “não arquitetura”, portanto, nada pior para um Estado totalitário que uma

imagem dúbia ou completamente estranha ao universo popular.

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Os melhores exemplos são o edifício Matarazzo, hoje ocupado pela Prefeitura da Cidade de São Paulo, no

Vale do Anhangabaú, e a antiga residência da família Matarazzo, já demolida, que ficava na Avenida Paulista.

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Figura 16 – Piazzale Augusteu, Roma, 1934-8, arqto. Vittorio Ballio Morpurgo. (CURTIS, 2008)

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Figura 17 – Palazzo della Civiltá Italiana, Roma, 1937-42, arqtos. Giovanni Guerrini, Esnesto La

Padula e Mario Romano. (CURTIS, 2008)

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Figuras 18 e 19 – Academia de esgrima em Roma, 1934-6, do arqto.Luigi Moretti e Casa di Elettricitá

em Monza, 1930, dos arqtos. Luigi Figini e Gino Polini, respectivamente. (CURTIS, 2008)

Figura 20 – Asilo Sant‟Elia, Como, 1936-7, arqto. Giuseppe Terragni. (CURTIS, 2008)

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Figura 21 – Casa del Fascio, Como, 1932-6, Arqto. Giuseppe Terragni. (CURTIS, 2008)

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Figura 22 – Projeto para o Palazzo Littorio, Roma, 1934, arqto. Giuseppe Terragni e equipe.

(CURTIS, 2008)

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Figura 23 – Perspectiva do “Paraíso” para o projeto Danteum, Roma, 1938, arqtos. Giuseppe Terragni

e Pietro Lingeri. (CURTIS, 2008)

Figura 24 – Palácio das Corporações, Roma, 1927-32, arqto. Marcello Piacentini. (TOGNON, 1999)

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Figuras 25 e 26 – Palácio das Exposições, Roma, 1932, arqtos. Antonio Libera e Mario de Renzi e

Estação de Santa Mario Novella, Florença, 1932-5, Arqto. Giulio Michelucci e equipe. (TOGNON,

1999)