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Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as residênci as
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Pós Graduação
Sabrina Souza Bom Pereira
Dissertação de Mestrado
São Paulo, Setembro de 2010
Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as residênci as
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Pós Graduação
Sabrina Souza Bom Pereira
Orientação: Profº Dr. Abilio Guerra
Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie para obtenção do título de mestre. Área de Concentração: Projeto de Arquitetura e Urbanismo. Linha de Pesquisa: Arquitetura Moderna e Contemporânea: representação e intervenção
São Paulo, Setembro de 2010
P436r Pereira, Sabrina Souza Bom
Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as residências. / Sabrina Souza Bom Pereira – 2010.
238 f. : il. ; 30cm.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.
Bibliografia: f. 176-182.
1. Arquitetura paulista. 2. Arquitetura da década de 1950. 3. Influência norte-americana. I. Título.
III
Agradecimentos
Agradeço ao professor Abilio Guerra pela confiança desde o início e
pelas inestimáveis orientações.
Agradeço às professoras Ruth Verde Zein e Mônica Junqueira pelos
comentários valiosos na banca de qualificação.
Agradeço ao arquiteto Guilherme Ortenblad por me ter tão prontamente
colocado em contato com seu avô, Rodolpho Ortenblad Filho, e pela
ajuda com os desenhos e imagens.
Agradeço aos arquitetos Pedro Paulo de Mello Saraiva, Jorge Wilheim,
Arnaldo Paolielo, Carlos Lemos, José Luiz Fleury de Oliveira e Francisco
Segnini Jr. pelas entrevistas que contribuíram não só para esta
dissertação, mas para minha carreira como arquiteta.
Agradeço às alunas de graduação Vanessa Shiroma e Laís Fernandes
pela tão importante ajuda nos redesenhos.
IV
Agradeço aos colegas de curso pela troca de aprendizagem nas
disciplinas e por poder compartilhar nossas angústias e conquistas
durante a pesquisa.
Agradeço à secretária da pós-graduação Fernanda Freire pela simpatia
de sempre.
Agradeço aos funcionários da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura
Mackenzie e da Biblioteca da FAU Maranhão.
Agradeço em especial ao arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho pelas
longas conversas e disposição em contar sua trajetória. Agradecimento
que se estende a sua esposa Vilma Ortenblad, sua filha Adriana e sua
nora Catarina, que sempre me receberam com um carinho imenso.
Por fim, agradeço com todo meu amor ao meu marido, meus pais, meus
irmãos e meus avós – de quem sinto tanta saudade – pessoas para as
quais tento fazer sempre o meu melhor.
V
Resumo
O arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho, logo após a conclusão do curso
de arquitetura na Universidade Mackenzie, em 1950, teve a
oportunidade de viajar para os Estados Unidos, motivado pela vontade
de conhecer as “obras modernas”, que até então só havia visto em
revistas. É flagrante a influência que esta viagem teve na sua forma de
ver arquitetura, que acabou se refletindo na concepção de seus projetos.
Não é de se estranhar que os projetos de Ortenblad – embora em pouco
número e em poucas vezes – sempre foram citados em trabalhos
acadêmicos em contextos que relacionam a produção arquitetônica
residencial paulista e a casa moderna norte-americana. Esta dissertação
de mestrado, intitulada "Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as
residências", é a primeira pesquisa acadêmica com tema centrado
exclusivamente em sua obra, o que implicou – para uma maior
inteligibilidade de seus projetos residenciais, que mereceram análises
que delineiam suas principais características – na necessária
apresentação de sua trajetória pessoal e de um panorama geral dos
VI
projetos realizados, que envolvem concursos e projetos para programas
diversos: escola, clube, indústria.
Rodolpho Ortenblad Filho realizou centenas de projetos entre os anos
de 1950 e 1984, muitos deles publicados na revista Acrópole – da qual
foi diretor de 1953 a 1955, período correspondente às edições 182 até
200. Sua obra foi notada e respeitada no meio profissional, como
atestam diversos depoimentos atuais de colegas de sua geração e a
publicação de duas de suas casas na revista japonesa World's
Contemporary Houses (ed. 5), ladeadas pela Casa de Vidro, de Lina Bo
Bardi, a Casa do Morumbi, de Oswaldo Bratke, a Casa de Canoas, de
Oscar Niemeyer, a Casa Milton Guper, de Rino Levi, e casas de
importantes arquitetos da Argentina, México e Uruguai.
VII
Abstract
The architect Rodolpho Ortenblad Filho, soon after completing college of
architecture at Mackenzie University, in 1950, had the opportunity to
travel to the United States of America, motivated by the desire to know
the "modern works”, which until then he had only seen in magazines.
The influence of this trip on his way to see architecture is noteworthy,
and also being reflected in the design of his projects. So, it's no surprise
that Ortenblad’s projects were cited always – though few in number and
in a few times – in scholarly works in contexts that relate to residential
architectural production from Sao Paulo and the American modern
home.
This dissertation, entitled "Rodolpho Ortenblad Filho: estudo sobre as
residências", is the first academic research topic focused exclusively on
his work, what involve – for greater intelligibility of his residential projects,
which have received reviews that outline its main features – the
necessary submission of his personal background and an overview of
VIII
completed projects involving concourses and projects for various
programs: school, club, industry.
Rodolpho Ortenblad Filho realized hundreds of projects between the
years 1950 and 1984, many of them published in Acrópole magazine -
from which he was director from 1953 to 1955, a period corresponding to
editions 182 to 200. His work was noticed and respected in professional
circles, as demonstrated by several current testimonials from colleagues
of his generation and the publish of two of his homes in the Japanese
magazine World's Contemporary Houses ((ed. 5), flanked by Casa de
Vidro (The Glass House), by Lina Bo Bardi, Casa do Morumbi, by
Oswaldo Bratke, Casa de Canoas, by Oscar Niemeyer, Casa Milton
Guper, by Rino Levi, and houses of renowned architects from Argentina,
Mexico and Uruguay.
1
Sumário
Dedicatória II
Agradecimentos III
Resumo V
Abstract VII
Introdução 04
Capítulo I – A trajetória de Rodolpho Ortenblad Fil ho 22
Características cariocas dos projetos iniciais 22
1. Ginásio Modelar 24
2. Residência Engº Rodolpho Ortenblad 28
3. Residência Rodolpho Ortenblad Filho I 31
A casa moderna 37
Influências norte-americanas 45
De volta ao Brasil 49
As Bienais de São Paulo 53
IAB e outras artes 57
2
Revista Acrópole 60
Concursos e projetos institucionais 64
1. Colégio Nossa Senhora das Dores 65
2. Clube Alto de Pinheiros 71
3. Concurso Complexo Industrial Cosipa 73
4. Sesi de Sorocaba 76
5. Faculdade de Histologia da Universidade de São Paulo 81
Capítulo II – Projetos residenciais 89
Residências particulares 89
1. Residência Leopoldo Raimo 91
2. Residência Olavo Quintela 94
3. Residência Alfredo e Clemância Assad 98
4. Casa da Fazenda Santa Cecília 102
5. Residência Arnaldo Melão 107
6. Residência Carlos Barros 110
7. Residência Rodolpho Ortenblad Filho II 114
8. Residência Baltazar Fidélis 118
9. Residência Joaquim Freire 120
10. Residência Fábio Guimarães 123
Residências para o setor imobiliário 126
1. Conjunto de sobrados na Rua Campos Bicudo 127
2. Conjunto de sobrados na Rua Pedroso Alvarenga 130
Residências para o Banco Hipotecário Lar Brasileiro 133
1. Quatro residências para Campinas 135
3
2. Três residências para São Paulo 139
3. Três residências para Campinas 143
Capítulo III – Análise dos projetos residenciais 14 8
Categorias 148
1. Setorização 149
2. Distribuição e organização da planta 153
3. Planos cheios e vazios 157
Industrialização da construção 161
1. Coberturas 165
2. Caixilhos 168
Considerações finais 172
Bibliografia 176
Anexos 183
Entrevistas 183
1. Rodolpho Ortenblad Filho, 04 mai 2009 183
2. Rodolpho Ortenblad Filho, 21 mai 2009 192
3. Rodolpho Ortenblad Filho, 13 out 2009 203
4. Rodolpho Ortenblad Filho, 01 dez 2009 208
5. Pedro Paulo de Mello Saraiva, 03 nov 2009 216
6. Jorge Wilheim, 17 nov 2009 221
7. Carlos Lemos, 24 nov 2009 225
4
Introdução
Rodolpho Ortenblad Filho nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 25 de
janeiro de 1927. Seu avô paterno, Artur Ortenblad, de origem
dinamarquesa, era engenheiro e veio para o Brasil ainda jovem, onde se
casou com uma imigrante italiana oriunda de Livorno. Seus avós
maternos, da família Camargo Penteado, eram da cidade de Tietê,
interior paulista. Sua avó materna demonstrava sensibilidade para as
artes, organizando festas com apresentações e montagens de fantasias.
Sua mãe apresentava “uma certa vocação” para arquitetura e ainda no
Rio de Janeiro teve a oportunidade de comprar alguns apartamentos
antigos remodelando suas plantas e reformando-os. Seu tio Alberto
Ortenblad, engenheiro, era proprietário da Construtora Ortenblock, no
Rio de Janeiro, em sociedade com um inglês de sobrenome Locke.
Estudou nos Estados Unidos, onde defendeu uma tese de mecânica dos
solos.
5
Rodolpho Ortenblad Filho mudou-se para São Paulo aos dezesseis
anos, quando, por ocasião da Segunda Guerra, seu pai, também
engenheiro, foi transferido para a capital paulista. Assim que chegou na
cidade ingressou no curso de Engenharia Civil da Escola de Engenharia
Mackenzie. Neto, filho e sobrinho de engenheiros, sua família não
escondia a preferência em vê-lo com o mesmo diploma, mas seu
interesse pela arquitetura foi maior que os desejos da família:
“Assim que cheguei em São Paulo fui logo para o Mackenzie e me
adaptei bem ao espírito de lá. Eu estava cursando Engenharia e fui
reprovado duas vezes pelo professor Sonino em Cálculo Estrutural. Um
dia ele chegou pra mim e disse: ‘Rodolpho, você não vai ser
engenheiro, você vive enfiado no ateliê dos arquitetos. Por que você
não muda para arquitetura logo? Eu vou te reprovar outra vez’. ‘Então
vou mudar’, respondi. Eu perdi um ano – naquela época podia fazer
isso – e tive que fazer cadeiras que faltavam de arquitetura. Aí entrei
para o ateliê dos arquitetos. Naquela época o curso de arquitetura, que
depois veio ser a Faculdade de Arquitetura Mackenzie, tinha
pouquíssimos alunos. O Christiano das Neves teve muito valor, pois ele
conseguiu manter o curso de arquitetura com pouquíssimos alunos –
alguns anos tinha um aluno”.1
Em 1946, Ortenblad ingressou no então Curso de Arquitetura e se
formou no final de 1950. Sua turma foi a primeira desta instituição a
1 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 04 maio 2009.
6
receber o diploma de arquiteto; antes dela, a formação era de
engenheiros-arquitetos. Entre seus colegas de turma, alguns se
tornariam arquitetos de grande importância no cenário regional e mesmo
nacional: Roberto Aflafo, Arnaldo Paolielo, Carlos Lemos, Alberto Botti,
Marino Barros e Plínio Croce.2
O curso era dirigido pelo arquiteto Christiano Stockler das Neves,
formado pela Escola de Arquitetura da Universidade da Pensilvânia
(Filadélfia, EUA) em 1911, sob a influência da Escola de Belas Artes de
Paris. Fundou a Faculdade de Arquitetura Mackenzie em 1947, sendo
vice-reitor desta mesma Universidade durante os anos de 1952 a 1955.
Foi prefeito da cidade de São Paulo entre os meses de março e agosto
de 1947. Stockler das Neves, certamente devido à sua formação
segundo os preceitos da escola de Belas Artes, era extremamente
conservador em relação ao ensino e prática da arquitetura. Sob sua
direção, o curso de arquitetura foi conduzido dentro dos pressupostos da
arquitetura neoclássica.
Muitos dos depoimentos coletados para esta pesquisa apontam para
uma posição intransigente de Christiano Stockler das Neves ao refutar
os conceitos da nova arquitetura – a arquitetura moderna. Em
2 Enquanto a turma de Rodolpho Ortenblad Filho cursava o primeiro ano de arquitetura o ainda estudante Plínio Croce já cursava seu último ano, porém como havia apenas um ateliê de projeto os alunos de todos os anos se encontravam tendo acesso aos trabalhos dos colegas.
Turma de formandos do Curso de Arquitetura da Faculdade Mackenzie de 1950. Abaixados (da esquerda): 2º Diogo Faria Cradoso; 4º Arnaldo Paoliello. Em pé ao centro (da esquerda): 1º Vicente Ignati; 2º Rodolpho Ortenblad Filho; 3º Jorge Isciter; 4º Marino Barros; 5º Roberto Aflalo; 6º Carlos Lemos. Arquivo pessoal Rodolpho Ortenblad Filho
7
contrapartida, os mesmos entrevistados reconhecem o valor deste
arquiteto por ter conseguido manter um curso que, durante algum
tempo, formava apenas cinco ou seis alunos por ano. Em algumas
outras pesquisas foram citadas inúmeras cenas que demonstram sua
oposição à arquitetura moderna, do mesmo modo que também é sabido
que os alunos não tinham acesso, dentro da escola, às publicações
estrangeiras que apresentavam essa nova arquitetura, o que fez com
que esses mesmos alunos as procurassem fora do ambiente da
universidade.3
O fato é que esta visão sobre Stockler das Neves, que se tornou um
verdadeiro lugar comum nos depoimentos dos alunos daquela época,
mostra-se um tanto estereotipada quando nos deparamos com o
trabalho desenvolvido por Rodolpho Ortenblad Filho no terceiro ano do
curso, cujo tema era “projeto para um ginásio modelar”. O projeto, que
será apresentado no primeiro capítulo desta dissertação, recebeu
Primeira Menção (que era considerada a melhor avaliação na época) e
foi concebido totalmente nos moldes da arquitetura moderna, com
influências claramente apontadas como corbusianas.
3 Sobre o ensino de arquitetura no Mackenzie e o papel desempenhado por seu diretor Christiano Stockler das Neves, ver: FERRONI, Eduardo Rocha. Aproximações sobre a obra de Salvador Candia; CARRANZA, Edite Galote Rodrigues. Eduardo Longo na arquitetura paulista: 1961-2001.
8
Neste ambiente conservador do Mackenzie, aonde eram constantes os
conflitos com Stockler das Neves, muitos jovens passaram de alunos
para arquitetos vivenciando discussões acaloradas com os colegas de
curso entremeadas com consultas nas revistas estrangeiras.4
Conformou-se, assim, um curioso ambiente de autodidatismo coletivo,
onde os alunos tentavam trazer para seus projetos a certeza de que a
arquitetura moderna seria responsável pelo progresso social do país,
mesmo que não soubessem exatamente do que se tratava tal
modernidade. Carlos Lemos retrata muito bem a efervescência jovial
deste momento mackenzista:
“éramos dezesseis recém-chegados, para que não fôssemos
influenciados pelos veteranos, menos numerosos, não chegavam
possivelmente a dez alunos, dentre os quais estavam Plínio Croce,
Salvador Cândia, Carlos Bahiana, Gastão Rachou, todos visceralmente
‘desobedientes’ às ordens classicizantes. (...) Logo, logo todos se
irmanaram num só bloco coeso, defensor da modernidade, afrontando
o diretor, ou ‘dono’ do curso, que, no entanto, não tinha poder nem
autoridade suficiente para impedir que se projetasse dentro da
4 Em depoimento à autora, Arnaldo Paoliello lembra o “grupo OPA” – iniciais de Ortenblad, Paoliello e Aflalo – sigla cunhada por Christiano Stockler das Neves para o trio, que tinha o hábito provocativo de realizar dois trabalhos para os professores – um moderno e outro neoclássico –, sendo que o segundo somente era entregue após Christiano se enfurecer com o projeto moderno. A mesma história narrada por Paoliello aparece em IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960 (op. cit.), p. 103.
9
contemporaneidade arquitetônica. Modernidade que não sabíamos bem
como fosse, no entanto”.5
Uma vez formados, muitos dos jovens arquitetos mackenzistas, em
geral oriundos de famílias de posses, puderam viajar para os Estados
Unidos para conhecer ao vivo a arquitetura norte-americana que, até
então, só era admirada em revistas e livros.
Um dos exemplos mais conhecidos é a viagem que os amigos Miguel
Forte e Jacob Ruchti fizeram aos Estados Unidos durante o período de
março a agosto de 1947. O objetivo principal dessa viagem era
conhecer a arquitetura americana, em especial o trabalho de Frank
Lloyd Wright. Embarcaram em um navio cargueiro, chegando ao porto
de New Orleans. Visitaram Los Angeles, Pasadena, Las Vegas, Santa
Fé, Oklahoma, Filadélfia, Nova York, Boston, Chicago, Taliesin East,
Taliesin West, Santo Antônio, Santa Mônica, entre outros lugares.
Conheceram os arquitetos Richard Neutra, Philip Johnson, John Gaw
Meen, Rudolf Mock, Tour e Bianculli, Gustavo Pulitzer, Paul Lester
5 LEMOS, Carlos. Viagem pela carne, p. 137. Em entrevista, Carlos Lemos se recorda de outros elementos, que dão vida a este período: “Não tinham salas de aula, espaços apropriados, tinha apenas um enorme salão isolado. Neste salão todas as turmas tinham aula de ateliê juntos, o primeiro ano, o segundo, terceiro, quarto e quinto. Quando eu estava no primeiro ano, as turmas do segundo ao quinto ano pegaram ainda o regime como curso complementar ao de engenharia. Eles faziam cinco anos de engenharia e um ano de arquitetura. Havia muita confusão, mas ao mesmo tempo era muito engraçado porque os calouros trocavam idéias com os colegas mais velhos. Todos detestando o Christiano, era um complô comandado pelos mais velhos, sobre tudo pelo Plínio Croce”. LEMOS, Carlos. Depoimento à autora, 24 novembro 2009.
10
Wiener, Lütgen, William Wurster e Frank Lloyd Wright, além de visitarem
o ateliê de Alexander Calder. De volta ao Brasil, anos depois fundaram a
loja Branco e Preto – especializada em móveis e tecidos para decoração
– junto com seus colegas de faculdade Carlos Milan, Plínio Croce,
Roberto Aflalo e Chen Y Hawa.6
Em 1947 Salvador Candia, também formado arquiteto pela Faculdade
Mackenzie, realizou uma viagem aos EUA e Europa acompanhando
uma comitiva de arquitetos organizada pelo IAB. Conheceu o ateliê de
Le Corbusier e visitou a Ville Savoye e a Capela Ronchamp. Em sua
passagem por Nova York, fez contato com o arquiteto Bernard
Rudofsky, que havia trabalhado em São Paulo, e conheceu Philip
Johnson, que estava organizando na ocasião uma exposição sobre Mies
van der Rohe. O contato com os trabalhos de Mies, segundo Eduardo
Ferroni, teve
“um impacto significativo para o desenvolvimento posterior de seu
trabalho. Auto definindo-se como miesiano, o arquiteto procuraria
interpretar, através de seus projetos, determinados aspectos da
linguagem plástica e construtiva desenvolvida pelo mestre alemão
6 FORTE, Miguel. Diário de um jovem arquiteto: minha viagem aos Estados Unidos em 1947. Muitos dos móveis da loja Branco e Preto foram usados nas residências de Rodolpho Ortenblad Filho, sendo que alguns deles ainda se encontram em excelente estado no apartamento em que vive com sua esposa e filha.
11
principalmente em sua fase norte-americana, compreendendo-os
dentro das circunstâncias do clima e da indústria da construção locais” 7
O arquiteto Oswaldo Bratke visitou em 1948 as obras de Frank Lloyd
Wright e Richard Neutra.8 Poucos anos antes, em 1946, João Vilanova
Artigas esteve nos Estados Unidos como aluno bolsista da Fundação
Guggenheim, demonstrando que o interesse pela arquitetura norte-
americana não era exclusiva dos arquitetos mackenzistas.9 Hoje há
praticamente um consenso sobre uma fase “wrightiana” no início de
carreira de Artigas.
Assim que se formou no final do ano de 1950, Rodolpho Ortenblad Filho
teve a oportunidade de viajar para os Estados Unidos e Europa. Sua
principal intenção foi conhecer a arquitetura que, até então, só era vista
nas revistas que assinava junto com seus colegas de turma durante o
curso de arquitetura. Seu pai concordou e o ajudou a ficar pouco mais
de um ano viajando. “Eu pedi ao meu pai, porque eu queria conhecer
arquitetura de qualidade, tanto dos Estados Unidos quanto da Europa, e
ele inclusive uniu o útil ao agradável, e disse – então fica um ano fora e
você me traz um carro! Naquela época, quem ficasse um ano fora do
7 FERRONI, Eduardo Rocha. Op. cit., p. 47. 8 SEGAWA, Hugo; DOURADO, Guilherme Mazza. Op. cit. 9 IRIGOYEN, Adriana. Wright e Artigas: duas viagens.
12
país podia trazer um automóvel sem pagar impostos; no Brasil não tinha
indústria automobilística e os carros importados eram muito caros.”10
No início de 1951, no porto de Santos, Ortenblad embarcou em um
navio frigorífico com capacidade para oitenta passageiros e seguiu para
o sul da América do Norte. Ao desembarcar em Nova Orleans tratou
logo de comprar o carro que seu pai havia encomendado e começou
sua viagem. Sozinho e de carro novo, o jovem arquiteto brasileiro
percorreu todo o leste americano, hospedando-se em hotéis e
conhecendo cidades vizinhas, chegando até o Canadá. As intenções
eram mais ambiciosas do que apenas conhecer os projetos vistos nas
revistas. “A minha viagem”, diz Ortenblad, “não foi só de pesquisa
arquitetônica, mas também para conhecer a cultura americana. Visitava
os museus e parques nacionais”.11 É possível ter uma noção de sua
passagem pelos Estados Unidos a partir de fragmentos de suas próprias
lembranças:
“Iniciei a viagem em Nova Orleans, cidade de influência francesa muito
interessante, até do ponto de vista arquitetônico, e que foi
recentemente destruída por aquele tufão. Mas eu conheci Nova Orleans
em plena efervescência. Eu gostava muito de jazz, gosto. Frequentava
aqueles bares onde a orquestra era no meio de um círculo e os
10 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 04 maio 2009. 11 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 21 maio 2009.
13
expectadores ficavam em volta. Vi Louis Armstrong e vários nomes que
se tornaram ícones do jazz. Depois segui pelo Leste passando por
todos os parques nacionais”.
“Passei por Nova York, onde conheci tudo. Já tinha arquitetura boa por
lá – o Guggenheim, as Nações Unidas...”
“Permaneci em Nova York algum tempo, conheci os prédios do Mies,
Philip Johnson”.
Depois fui até Quebec, no Canadá, e voltei por outro itinerário,
passando por Chicago, aonde visitei algumas obras do Frank Lloyd
Wright. Naquela época sua obra já era motivo de preservação e a Casa
da Cascata não era mais habitada”.
“Quando eu voltei à Nova York, quis embarcar o carro para a França;
como era plena temporada turística, a única coisa que encontrei para
levá-lo era um navio cargueiro grego”.12
De Nova York, Ortenblad seguiu para a França em um navio cargueiro
que havia sido usado para comboio na guerra. Ao desembarcar
encontrou com Vilma, sua namorada na época e com quem se casou
anos mais tarde no Brasil. Vilma Ortenblad, uma senhora muito
simpática e também carioca como o marido, e que continua até hoje
muito interessada e participativa no trabalho de Ortenblad, foi
companheira de parte da viagem:
12 Idem, ibidem.
14
“Em Paris encontrei com Vilma e suas amigas. Fiquei amigo do guia,
era uma viagem de ônibus pela Europa toda. O rapaz disse assim: ‘tem
um banco lá atrás, você pode ficar lá, mas tem uma coisa, nas paradas
você vai ter que arrumar lugar para dormir, você vai só de carona, não
pode participar da hospedagem’. De carona, fiz a Provance, uma parte
na Suíça, depois ela (Vilma) voltou ao Brasil.”13
Ao voltar para Paris, após seu passeio com a namorada Vilma,
Ortenblad iniciou uma fase mais séria de sua viagem. Antes de iniciar
sua aventura, Ortenblad conheceu em São Paulo, por intermédio de seu
colega Carlos Lemos, um arquiteto português que trabalhava no ateliê
de Le Corbusier. Agora em Paris, de posse do endereço deste arquiteto,
o procurou com intuito de conseguir uma colocação. Por orientação do
arquiteto português, Ortenblad foi até o ateliê de Le Corbusier,
apresentou seu currículo e, como havia uma “mesa vaga”, foi aceito
para integrar a equipe. Teve a sorte de estar o escritório naquele
momento envolvido com projeto de extrema relevância histórica:
“Trabalhei no detalhamento de um palácio de Chandigarh, porque Le
Corbusier na época estava fazendo o projeto dos edifícios públicos da
capital da Índia, Chandigarh. Ele parava na minha mesa e dizia, em
francês: ‘você é brasileiro?’; queria saber tudo sobre o Brasil, não tanto
a arquitetura, mas como era o país; e eu dizia: ‘lá é tudo grande,
13 Idem, ibidem.
15
professor, tudo muito grande, as propriedades agrícolas são enormes,
têm rebanhos de trinta, quarenta mil bovinos’.”14
Mesmo reconhecendo a importância do trabalho de Le Corbusier,
Ortenblad, ao visitar algumas de suas obras na França, fez alguns
reparos aos projetos do mestre suíço-francês:
“Estavam terminando a Unidade de Habitação de Marselha, que, por
sinal, eu não gostei; os quartos eram muito pequenos, teto muito baixo,
os móveis eram todos de concreto, meio esquisito. Era uma concepção
muito restrita de espaço, com pequenos cubículos onde havia uma
cama e uma banqueta. Estava praticamente pronto, não tinha sido
inaugurado. [...] A Capela de Ronchamp também é mais bonita em
fotografia, não é tão espaçosa, é pequena”. 15
Além da viagem aos Estados Unidos e Europa, o aprendizado dos
arquitetos brasileiros se beneficia da reabertura do trânsito internacional
no segundo pós-guerra e com a presença do Brasil dentre os destinos
dos grandes arquitetos modernos. O relato de Mônica Junqueira sobre o
início de carreira de Oswaldo Bratke é exemplar na descrição da
extrema importância deste momento, quando a ida ao exterior e a vinda
de estrangeiros foi fundamental tanto para o conhecimento e
entendimento das obras internacionais dentro dos seus contextos
14 Idem, ibidem. 15 Idem, ibidem.
16
específicos, como para o desenvolvimento de uma obra própria no
ambiente local:
“As viagens que passou a fazer ao exterior a partir de 1942, onde teve
a oportunidade de visitar obras significativas, o contato com
profissionais americanos e europeus e a publicação de algumas obras,
como Arquitetura social em países de clima quente, de Richard Neutra,
publicado aqui em São Paulo em 1948, tiveram papel preponderante no
seu processo de transformação. Nesse livro, lançado logo após a sua
estada no Brasil, quando teve a oportunidade de visitar as obras de
Bratke, Neutra defende veemente a idéia de uma arquitetura própria
para cada local, segundo suas especificidades de clima, topografia,
cultura e sociedade, e contesta a arquitetura européia e americana
como modelo para outros países. A filosofia de Neutra – ‘há que
conhecer os homens antes de servi-los’ – contribuiu para o
desenvolvimento de uma arquitetura característica da Califórnia [...] que
foi uma forte referência no trabalho de Bratke”.16
16 CAMARGO, Mônica Junqueira. Princípios da arquitetura moderna na obra de Oswaldo Arthur Bratke, p. 105.
17
Percurso da viagem feita por Ortenblad. A linha preta se refere ao primeiro trecho da viagem saindo de New Orleans, passando pela Carolina do Norte, Washington, Nova York, chegando em Quebec no Canadá; a linha vermelha é o segundo trecho que descendo para Montreal e Toronto volta para os Estados Unidos, passando por Detroit e Chicago, volta para Nova York e parte para a Europa; o trecho azul se refere aos trajetos feitos na Europa; e a linha verde é a volta para o Brasil. O percurso foi desenhado pela autora a partir das entrevistas feitas com o arquiteto. Janeiro de 2010.
18
Neste período, a comunicação entre os arquitetos brasileiros e os
arquitetos estrangeiros, muitos deles radicados nos Estados Unidos, era
bastante viva, o que contribuiu para a vinda de alguns deles para o
Brasil. Em 1945, Richard Neutra, recebido pelo IAB de São Paulo, ficou
três meses percorrendo alguns países da América Latina, incluindo as
cidades de Santo Domingo, Porto Príncipe, Havana, Rio de Janeiro, São
Paulo, La Paz, Lima, Montevidéu e Buenos Aires. Voltou ao Brasil em
1959 para participar do Congresso Internacional de Críticos de Arte, que
teve lugar em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, ocasião em que
aproveitou para visitar as obras de Brasília com Oscar Niemeyer.17
Walter Gropius visitou São Paulo em 1954, em função da Bienal e se
reuniu com outros arquitetos no IAB/SP.18 Marcel Breuer participou do
júri da IV Bienal em 1957 e já havia estado no Brasil em 1947, passando
três dias no Rio de Janeiro.19 Mies também foi um dos convidados para
fazer parte deste júri, mas sua viagem foi motivada pelo projeto do
Consulado dos EUA em São Paulo, entre as ruas Itapeva e Rio Claro,
17 Sobre a presença de Richard Neutra no Brasil, ver RIBEIRO, Patrícia Pimenta Azevedo. Teoria e prática: a obra do arquiteto Richard Neutra. 18 Cf. IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960. 19 Idem, ibidem.
19
que não foi executado.20 Outros arquitetos como Kenzo Tange e Philip
Johnson participaram da IV Bienal com um quarto das obras
residenciais.21
Esta edição da Bienal teve enorme repercussão no meio arquitetônico, e
contou com a participação de diversos arquitetos mackenzistas, que
puderam assim marcar seu alinhamento ao ideário que vinha da
América. “Dos participantes brasileiros, muitos exibiam projetos
reverberantes com a arquitetura americana dentre eles, Oswaldo Bratke,
Plínio Croce, Ortenblad Filho, Galiano Ciampaglia e Miguel Forte. Estes
últimos ficaram conhecidos pela fidelidade ao ideário wrightiano.”22
É dentro deste cenário de troca de informações entre arquitetos
nacionais e estrangeiros, com a importação do modo de vida moderno
norte-americano no ambiente doméstico paulistano e na tentativa árdua
de muitos arquitetos desenvolver uma arquitetura que viesse de
encontro com as novas necessidades de uma sociedade que se
modernizava, que esta pesquisa abordará os projetos residenciais
20 Sobre Mies van der Rohe e o projeto do Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, ver GALEAZZI, Ítalo. Mies van der Rohe no Brasil. Projeto para o Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, 1957-1962. 21 LINS, Paulo de Tarso Amendola. Arquitetura nas Bienais Internacionais de São Paulo (1951-1961). 22 BERNARDI, Cristiane Kröhling Pinheiro Borges. Luiz Gastão de Castro Lima: trajetória de um arquiteto, p. 66.
20
desenvolvidos pelo arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho, considerando o
período que vai de sua formação profissional até o ano de 1984, ano em
que o arquiteto deixou de atuar profissionalmente para cuidar dos
negócios de família.23
No primeiro capítulo será feito um panorama geral da carreira de
Ortenblad, iniciando pelos projetos que foram desenvolvidos ainda
durante os anos de formação na Universidade Mackenzie – e que
apresentam semelhanças com a arquitetura carioca – passando pela
sua colaboração na revista Acrópole, presença no Instituto de Arquitetos
do Brasil e participação na IV Bienal, e finalizando com a apresentação
de alguns projetos desenvolvidos para concursos e instituições. Esta
narrativa panorâmica, tendo como pano de fundo o cenário histórico da
época, servirá como solo aonde se apoiarão o entendimento das obras
selecionadas por este trabalho, que será apresentado em dois
momentos, nos capítulos seguintes.
O trabalho se deterá com um pouco mais de profundidade na série de
projetos residenciais desenvolvidos entre os anos de 1952 (após sua
volta da viagem) até 1970 (último projeto encontrado de sua autoria), a
23 Segundo Ortenblad, em 1984 encerrou sua carreira como arquiteto e passou somente a administrar os negócios da família, mas esta pesquisa se limitou a estudar seus projetos entre os anos de 1948 até 1970, pois após esta data nenhum outro projeto de sua autoria foi encontrado. ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 21 maio 2009.
21
partir da hipótese que é nesse programa, mais constante na obra de
Ortenblad, que é possível se detectar a influência norte-americana e o
desenvolvimento de um repertório próprio a partir daquela. Então, no
segundo capítulo serão apresentadas cada uma destas residências
para, por fim, no terceiro capítulo, os seus projetos serem analisados
segundo os princípios de setorização, distribuição e volumetria. O
principal intuito dessas análises – que se apóia a partir nos redesenhos
feitos pela autora – é tentar encontrar tipologias e elementos recorrentes
que exemplifiquem o processo projetual do trabalho de Rodolpho
Ortenblad Filho.
22
Capítulo I – A trajetória de Rodolpho Ortenblad Fil ho
Características cariocas dos projetos iniciais
Os primeiros projetos de Rodolpho Ortenblad Filho são marcados por
fortes características da arquitetura moderna carioca, que – como é
unanimemente reconhecido hoje – foi bastante influenciada pela obra de
Le Corbusier. O arquiteto francês-suíço esteve pela primeira vez no Rio
de Janeiro em 1929, quando ministrou uma série de conferências sobre
arquitetura. Retornou poucos anos mais tarde, em 1936, por convite do
arquiteto Lúcio Costa e do Ministro Gustavo Capanema, para dar
consultoria à equipe responsável pelo projeto do edifício sede do
Ministério de Educação e Saúde a ser erguido no centro do Rio de
Janeiro. A equipe era formada pelos arquitetos Lúcio Costa
(coordenador), Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Carlos
Leão, Ernani Vasconcellos e Oscar Niemeyer. A presença de Le
Corbusier entre os arquitetos cariocas foi bastante marcante para o
desenvolvimento da chamada “Escola Carioca”, tendo como ponto de
23
partida a estrutura em concreto armado e os princípios defendidos pelo
mestre.24
Outra importante influência que a consultoria de Le Corbusier deixou
para a arquitetura brasileira foi grande sensibilidade pelas condições
culturais locais, que se expressou na valorização do uso de materiais e
técnicas locais. No edifício do Ministério da Educação e Saúde foi
usado, por sugestão do mestre, o granito cinza e rosa extraído de
montanhas que circundavam a cidade. O apreço de Le Corbusier pelos
azulejos portugueses levou seus seguidores a os utilizarem em painéis,
agregando ao projeto o efeito plástico e o caráter funcional eficaz contra
a umidade característica do clima local presentes no material.
O emprego de materiais locais em seus projetos é bastante recorrente
no trabalho de Ortenblad e garantiu o 2° Prêmio Gov erno do Estado no
VII Salão Paulista de Arte Moderna pelo “seu esforço de adequação da
obra às possibilidades materiais do local”25 no projeto da casa da
Fazenda Santa Cecília, datado de 1955.
24 “A experiência transmitida por Le Corbusier, nas seis semanas de trabalho intensivo desenvolvido com a equipe, influenciou profundamente os jovens brasileiros que dela faziam parte, modificando-os profundamente com esse breve contato. Desse trabalho, resultou o célebre edifício do Ministério da Educação e Saúde, concluído em 1943, marco da transformação decisiva da arquitetura contemporânea no Brasil”. BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil, p. 81. 25 Premiação publicada no Caderno de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo de um jornal da época. Ortenblad guardou apenas o recorte, sem identificação do jornal.
24
1. Ginásio Modelar
Sem local específico, São Paulo SP
1948
Não construído
Publicações: Revista de Engenharia Mackenzie, out. 1949
Em seu trabalho de faculdade para um Ginásio Modelar datado de 1948,
é possível notar características não só das idéias de Le Corbusier e que
foi utilizada por alguns arquitetos da época, sobretudo aqueles que
estiveram sob sua orientação no projeto do Ministério, mas também do
funcionalismo europeu. Com o tema “Projeto para um ginásio modelar”,
Ortenblad distribuiu os blocos de sala de aula paralelamente, enquanto
dispôs os edifícios de uso específico nas extremidades da implantação,
sendo que todo o conjunto foi interligado por uma marquise e separado
por pátios ajardinados. O esquema empregado na implantação dos
edifícios foi muito utilizado por outros arquitetos brasileiros, como é o
caso de Affonso Eduardo Reidy, que a adotou na parte não construída
da Unidade Residencial da Gávea (1952).
No conjunto proposto pelo jovem estudante Ortenblad, os prédios para
salas de aula obedecem um rigor geométrico e contam com estrutura
modulada e aparente, além de caixilhos também modulados entre os
pilares de concreto armado em forma trapezoidal. Em contrapartida os
edifícios de uso específico – biblioteca, administração, auditório e
Unidade Residencial da Gávea, Rio de Janeiro RJ, 1952. Arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Fonte: BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil
25
ginásio de esporte – possuem uma solução plástica diferente, de acordo
com sua função. No prédio para administração e biblioteca é possível
encontrar alguns dos elementos da arquitetura moderna corbusiana:
todo o programa do edifício está distribuído em dois pavimentos, sendo
que o pavimento térreo está recuado em relação ao superior e este está
apoiado sobre pilotis; a estrutura independente torna a fachada livre
para grandes aberturas, que em uma das faces estão protegidas por
brises dispostos verticalmente; na cobertura foi colocado um volume
curvo, diferente do volume prismástico dominante do restante do
edifício; para acessar o pavimento superior foi desenhado um volume
trapezoidal também apoiado sobre pilotis que abriga e protege a rampa
que se conecta, já no nível do solo, com a marquise.
A solução plástica deste edifício é bastante próxima do projeto para o
Cassino da Pampulha (1942), do arquiteto Oscar Niemeyer, que, a partir
de 1957, passou a funcionar como Museu de Arte de Pampulha. Anterior
a este projeto, também pode ser citado o Edifício para Estação de
Hidroaviões do Rio de Janeiro (1937) do engenheiro-arquiteto Attilio
Corrêa de Lima, formado em 1925 pela Escola Nacional de Belas Artes
do Rio de Janeiro. Este projeto foi considerado umas das primeiras
manifestações da arquitetura moderna no Brasil e está presente na capa
do mitológico catálogo Brazil Builds.
Seguindo a lógica de apresentar uma solução plástica diferente para
cada função do edifício, o ainda aluno de arquitetura Rodolpho
Estação de Hidroaviões, Rio de Janeiro RJ, 1937. Arquiteto Attilio Corrêa Lima. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds
Cassino de Pampulha, Belo Horizonte MG, 1942. Arquiteto Oscar Niemeyer. Fonte: CAVALCANTI, Lauro. Quando o Brasil era moderno – guia de arquitetura 1928-1960
26
Ortenblad, projetou o ginásio de esportes com uma cobertura curva
sobre estrutura em viga-pilar. Esta solução também foi usada, entre
inúmeros outros, no projeto para o ginásio do Conjunto Residencial
Pedregulho (Rio de Janeiro, 1946), de Affonso Eduardo Reidy, e no
projeto para o Museu de Arquitetura da Faculdade Nacional de
Arquitetura (Rio de Janeiro, 1957), de Jorge Machado Moreira. Esta
modulação estrutural permite obter grandes vãos, propícios para abrigar
um ginásio de esporte ou um museu (como é o caso do projeto de Jorge
M. Moreira), que requer espaços livres de interferências, além da
facilidade de estandardização dos elementos estruturais.
Ginásio da Escola de Pedregulho, Rio de Janeiro, 1950. Arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Fonte: BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (atual reitoria também); à direita Museu de Arquitetura, não construído, Rio de Janeiro RJ, 1957. Arquiteto Jorge Machado Moreira. Fonte: CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Jorge Machado Moreira
27
Ginásio modelar, trabalho de faculdade, São Paulo SP, 1948. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Revista de Engenharia Mackenzie, out. 1949
28
2. Residência Engº Rodolpho Ortenblad
Praça Guadalupe, Jardim América, São Paulo SP
1948
Demolida
Publicações: Revista de Engenharia Mackenzie, jan. 1952
A primeira casa que projetou foi para seu pai enquanto cursava o
segundo ano da faculdade. Ortenblad Filho, ainda solteiro, morava com
os pais e seus dois irmãos em uma casa térrea na antiga Praça General
San Martin – hoje chamada de Praça Guadelupe –, no Jardim América.
A casa era pequena e seu pai pediu para que o filho, ainda estudante,
fizesse um projeto de ampliação. Ortenblad teve receio e, argumentando
não ter experiência, disse que não saberia fazer os desenhos para
execução. Seu pai entendeu a situação e conseguiu uma vaga para ele,
como estagiário na construtora de seu amigo Barreto Xandi. Este foi seu
primeiro estágio e Ortenblad começou a fazer desenhos técnicos para
execução. Poucos meses depois, Ortenblad, mais confiante, fez a
proposta para a reforma da casa de seus pais. Essa casa foi publicada
anos depois na revista Time, em uma matéria sobre o boom imobiliário
em São Paulo.
Residência Engº Rodolpho Ortenblad, São Paulo SP, 1948. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Revista de Engenharia Mackenzie, jan. 1952
29
Residência Engº Rodolpho Ortenblad, São Paulo SP, 1948. Arquiteto Rodolpho Ortenblad. Fonte: Revista de Engenharia Mackenzie, jan. 1952. Redesenho da autora
30
Esta casa foi projetada e construída para a família Ortenblad morar. Por
se tratar de três irmãos ainda jovens – Rodolpho, Dorival e Arthur – o
projeto teve como partido uma casa com dois pavimentos, onde o piso
superior fosse destinado aos filhos. Dessa maneira, no pavimento térreo
estão as áreas sociais, de serviço e a suíte dos pais. No pavimento
superior foram feitos três dormitórios, dois banheiros e uma sala íntima,
denominada studio. As salas são voltadas para um terraço cuja
cobertura é feita com o prolongamento do beiral do próprio telhado.
Toda a casa é rodeada por jardim; neste projeto Ortenblad não chegou a
usar os pátios, elemento bastante empregado nas próximas casas.
Conforme nota na Revista de Engenharia Mackenzie, “os elementos
plásticos foram orientados para a utilização de materiais naturais
simples (pedra, madeira, tijolos à vista, etc), sem compromisso algum
com cânones de simetria ou equilíbrio forçados”.26 Neste primeiro projeto
Ortenblad adotou o partido de colocar a escada de acesso ao pavimento
superior junto ao hall de entrada da casa. Esta solução se repetiu na
maioria de seus projetos, o que fez com que as áreas de circulação se
tornassem mínimas.
26 Revista de Engenharia Mackenzie, jan./fev. 1952.
31
3. Residência Rodolpho Ortenblad Filho I
Rua Campos Bicudo, Itaim Bibi, São Paulo SP
1952
Demolida
Publicações: Acrópole, n. 192, set. 1954
Esta casa foi projetada em seu último ano de faculdade (1950) e
construída no início de 1952, após sua volta da viagem aos Estados
Unidos e Europa. Foi a primeira casa onde viveu com sua esposa logo
que se casaram e onde tiveram seus três filhos – Cláudio, Adriana e
Sérgio. Neste projeto foram dadas algumas soluções que se repetiram
em outras residências: o pátio de serviço localizado próximo à cozinha e
dependências de empregada; as salas voltadas para o pátio social no
fundo do lote e o hall de entrada distribuindo e interligando todos os
setores da casa. Neste projeto, em particular, a fachada possui
inclinação que foi determinada após estudos que demonstraram o
melhor ângulo para incidência da luz solar e de observação de quem a
vê da rua, além dos motivos plásticos. O sistema estrutural, em concreto
armado, é independente das paredes, o embasamento recuado em
relação ao pavimento superior foi revestido com um tipo de litocerâmica
bastante usado na época e o muro que fecha o pátio de serviço foi
construído em pedra. Os materiais usados de forma aparente também
foi outro recurso bastante empregado pelo arquiteto. Este projeto foi
publicado na revista japonesa (editada também em inglês) World's
Residência Rodolpho Ortenblad Filho I, São Paulo SP, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad. Croqui do arquiteto. Fonte: Acrópole, n. 192, set. 1954
Residência Rodolpho Ortenblad Filho I, São Paulo SP, 1954. Arquiteto Rodolpho Ortenblad. Foto José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 192, set. 1954
32
Contemporary Houses, onde também foram divulgadas as seguintes
obras: a casa de Vidro, de Lina Bo Bardi, a casa do Morumbi de
Oswaldo Bratke, a casa de Canoas, de Oscar Niemeyer, a casa Milton
Guper, de Rino Levi, e casas de outros arquitetos da Argentina, México
(casas do Pedregal) e Uruguai.
Esta casa, cujo projeto é anterior a sua viagem de estudo aos Estados
Unidos e Europa, ainda possui fortes características que se aproximam
da chamada “Escola Carioca”, como o embasamento em pedra recuado
em relação ao pavimento superior, o uso de pilotis, o formato
trapezoidal, o pátio, a fachada modulada e a cobertura com pouca
inclinação e embutida no corpo da casa.
No corte longitudinal, pode-se notar a inclinação do telhado de duas
águas voltadas para uma única calha central que garantia a captação
dessas águas, compondo uma cobertura de forma trapezoidal. Esta
solução foi utilizada anteriormente por Oscar Niemeyer em Belo
Horizonte, nos projetos do Iate Clube de Pampulha (1942) e da Casa
Kubitschek (1943). Segundo Yves Bruand, “o sucesso desta original
solução deveu-se às suas vantagens práticas e, mais ainda à atração
que exerciam a originalidade e elegância do conjunto, cuja elevação
Iate Clube de Pampulha, Belo Horizonte MG, 1942. Arquiteto Oscar Niemeyer. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds
Casa do arquiteto, Mendes RJ, 1949. Arquiteto Oscar Niemeyer. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds
33
longitudinal era constituída de dois trapézios retangulares unidos pela
base menor”.27
Oscar Niemeyer em sua casa em Mendes (Rio de Janeiro, 1949) usou
este mesmo recurso de inclinar a fachada e fechá-la em partes com uma
treliça de madeira, que fazia às vezes de brise-soleil, criando um espaço
intermediário entre a área externa e o jardim e protegendo as varandas
dos quartos sala.
No projeto da primeira residência de Rodolpho Ortenblad Filho existem
também várias semelhanças com o projeto para a residência Carmem
Portinho de Affonso E. Reidy – e temos a curiosa coincidência que
ambos os projetos são do mesmo ano de 1950. Além das características
já mencionadas, pode-se notar que as duas casas são formadas por
dois volumes trapezoidais, ligados por um pátio interno que está
localizado praticamente no centro da planta no sentido longitudinal,
separando as áreas de serviço e estar das residências.
Cabe ressaltar que os projetos apresentados até aqui – Projeto para um
Ginásio Modelar, Residência do Engº Rodolpho Ortenblad e a Rodolpho
Ortenblad Filho I – foram desenvolvidos por Ortenblad enquanto ainda
era aluno de arquitetura, sendo anteriores a sua viagem aos Estados
Unidos e Europa. A aproximação desses projetos aos projetos dos
27 BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil, p. 112.
Residência Carmen Portinho, Rio de Janeiro, 1950. Arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Fonte: BONDUKI, Nabil. Affonso Eduardo Reidy
34
arquitetos cariocas – Attilio Corrêa Lima, Oscar Niemeyer, Affonso E.
Reidy e Jorge M. Moreira – aponta para a natural atração que exerciam
sobre os jovens daquele período, devido à enorme projeção que tinham
naquele momento. O contato direto com as obras norte-americanas –
principalmente as de Frank Lloyd Wright e Richard Neutra – foi de certa
forma transformadora no processo projetual de Ortenblad.
35
Residência Rodolpho Ortenblad Filho I, pavimento térreo ainda em construção, hall de entrada e escada com o piso em pedra e as paredes revestidas com as ripas de madeira provenientes de containers, São Paulo SP, 1954. Arquiteto Rodolpho Ortenblad. Fotos José Moscardi. Fontes: Acrópole, n. 192, jul. 1952, p 359 (1ª) e Arquitetura e Design, n. 20, 1956 (2ª e 3ª)
Residência Rodolpho Ortenblad Filho I, pátio social e sala de estar com móveis da loja Branco e Preto, São Paulo SP, 1954. Arquiteto Rodolpho
Ortenblad. Fotos José Moscardi. Fonte: Arquitetura e Design, n. 20, 1956
36
Residência Rodolpho Ortenblad Filho I, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 192, set. 1954. Redesenhado pela autora.
37
A casa moderna
Com a Europa devastada após a Segunda Guerra, os Estados Unidos
passou a ser visto como o novo centro mundial na política, economia,
cultura e técnica. Era o país das oportunidades, que consolidou um novo
modo de vida, de onde viria a ser exportado entre outras coisas, a casa
americana – embarcada de todos seus eletrodomésticos – e o
automóvel, que se tornaram os objetos do desejo de famílias em
diversos países. Conforme afirmou Marcelo Tramontano,
“com a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, a cultura norte
americana consagrou-se como referencial de costumes para toda a
sociedade mecanizada que pretendesse ser moderna e difundida.
Diante disso, o cinema de Hollywood tornou-se perfeito para a
divulgação da maneira de morar americana, que incluía
eletrodomésticos, automóvel, o marido no papel forte e a esposa, no
papel da intuitiva, dependente e sentimental, mas sempre satisfeita
gerenciadora de uma habitação impecavelmente limpa, então elevada à
categoria de bem de consumo.”28
O governo de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945) introduziu uma
série de reformas, como o New Deal, para tentar neutralizar os efeitos
da Grande Depressão após a crise da Bolsa de Valores de Nova York, 28 TRAMONTANO, Marcelo. Novos modos de vida, novos espaços de morar – uma reflexão sobre a habitação contemporânea, p. 189. Apud ZUFFO, Élida Regina de Moraes. Do rádio à Internet: os equipamentos de comunicação nos apartamentos paulistanos, p. 52.
Case Study House n. 22, Residência Stahl, Wood Drive, 1960. Arquiteto Pierre Koenig. Foto Julius Shulman. Fonte: Smith, Elizabeth, 2006.
38
em 1929. O programa incluiu um projeto de planejamento, o Tennessee
Valley Authority (TVA), obras de infraestrutura (redes de auto-estradas)
e o apoio estatal para a construção de moradias através da criação do
Federal Housing Administration (FHA), concedendo empréstimos em
longo prazo com juros baixos. O governo federal era fiador das
hipotecas, deixando o sistema bancário privado fora de riscos. Enquanto
a Europa investia em moradia coletiva, os Estados Unidos apoiavam a
construção de casas individuais.
Durante os anos 1930, arquitetos e engenheiros norte-americanos
desenvolveram projetos com intuito de racionalizar a construção,
baixando o custo das casas. Uma das propostas era o sistema de
painéis pré-fabricados que pudessem ser montados conforme a
necessidade do usuário. Frank Lloyd Wright desenvolveu as Usonian
Houses – seguindo os mesmos princípios de casas de baixo custo – a
planta foi reorganizada centralizando os espaços de serviço e em forma
de L, uso de novas tecnologias que facilitasse a construção, painéis
divisórios montados após a cobertura sobre um esquema em grelha e
sistema de aquecimento a vapor pelo piso. Assim, nos primeiros anos
do segundo pós-guerra, os Estados Unidos ergueram 800.000 casas,
em 1948 chegaram a 931.000 e em 1949 ultrapassaram um milhão de
moradias. Na década de 1950 foram construídas um milhão de novas
casas por ano.
Case Study House n. 20, Casa Bass, Altadena, 1958. Arquitetos Buff, Straub e Hensman. Foto Julius Shulman. Fonte: Smith, Elizabeth, 2006.
39
Essa produção foi colocada em evidência por diversos meios de
comunicação. Os editores de livros e revistas colocaram ao alcance do
público as vantagens de se viver em uma casa moderna. O MoMA
organizou exposições sobre o assunto: Modern Architecture in Califórnia
(1935-1939), A new house by Frank Lloyd Wright on Bear Run (1938-
1941), Modern houses in America (1938-1941), Modern interiors (1939-
1943), The wooden house in America (1940), Planning the modern
house (1942), Five California houses (1943), The house in the Museum
garden, onde Marcel Breuer e Gregory Ain, foram convidados a construir
uma casa-modelo nos jardins do museu em escala 1:1, para os
visitantes poderem admirar as virtudes do modo de viver moderno.
Foram criados o how-to-books que mostravam como planejar uma casa
moderna e o quanto suas propostas eram mais avançadas que os
tradicionalismos que a maior parte da população aceitava sem
questionar.29
O comportamento moderno exigia um novo programa, que incluía
reorganizar a planta espacialmente, a utilização dos espaços externos, o
uso de novos materiais, novos sistemas construtivos e a integração de
29 A síntese histórica dos parágrafos acima é baseada nos seguintes trabalhos: IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960; RIBEIRO, Patrícia Pimenta Azevedo. Teoria e prática: a obra do arquiteto Richard Neutra.
Case Study House n. 8, Casa Eames, Pacific Palisades, 1945-1949. Arquitetos Charles e Ray Eames. Foto Julius Shulman. Fonte: Smith, Elizabeth, 2006.
40
todos esses aspectos. Foi incorporado ao projeto residencial o family-
room, um espaço de uso para toda a família, que se converteria no hit
da casa americana. As tipologias tradicionais norte-americanas eram:
bungalow (layout simples, com uma área de dormitórios lado a lado com
o setor familiar – estar, jantar e cozinha, no centro do terreno,
valorizando a integração exterior-interior) e o ranch (retângulo simples,
alinhado frontalmente, com a ala familiar que fluía para o externo, de um
lado os quartos e do outro a garagem, essa forma evoluiu para as
formas em L e U), foram os mais utilizados entre 1945 e 1960.
A casa moderna era baseada no princípio da utilidade, objetividade e
funcionalismo. O conceito de open plan era baseado na integração dos
espaços, onde a cozinha não precisava mais ser separada da sala de
jantar e podia-se usar divisórias corrediças tornando esses espaços
mais flexíveis. Os sistemas construtivos se alternavam em novos e
tradicionais de acordo com as condições locais. A planta era zoneada
em áreas funcionais e atividades afins. A casa teria então um ou dois
setores de repouso, isolados das dependências com ruídos; uma parte
de serviços e uma ala para as atividades familiares incluindo os espaços
externos. A cozinha foi o sinônimo da casa moderna, com seu mobiliário
padronizado e repleto de eletrodomésticos. Assim, a racionalidade do
projeto, flexibilidade espacial, dissolução de janelas tradicionais em
fechamentos com vidros, integração dos ambientes, normatização das
Case Study House n. 20, Casa Bass, Altadena, 1958. Arquitetos Buff, Straub e Hensman. Foto Julius Shulman. Fonte: Smith, Elizabeth, 2006.
41
instalações, padronização estrutural e preocupação com o entorno, se
tornaram as principais características da casa moderna americana.
“O conceito de funcionalismo, associado ao ideal de beleza na
arquitetura, foi introduzido por Carlo Lodoli ao entender que não há
nada que seja representado que não tenha função e que o caráter da
arquitetura deveria resultar da natureza dos materiais empregados em
sua construção. [...] J. F. Blondel foi responsável por uma escola de
arquitetura, da qual saíram Étinne-Louis Boullé, Claude Nicholas
Ledoux, Jean-Baptiste Rondelet, que tiveram destacadas participações
no processo de formulação de idéias que vieram a constituir o
movimento moderno.”30
O Case Study House foi outro programa que abriu as portas para a
aceitação da casa moderna, propondo a realização de casas
experimentais. Uma iniciativa proposta por John Dymock Entenza para a
revista Arts & Architecture lançadas em 1945. O objetivo deste programa
era incentivar os arquitetos a desenvolverem projetos residenciais cujas
características deveriam ser: simplicidade de projeto; flexibilidade dos
espaços internos e externos; a localização da cozinha ao lado da family
room; uso de paredes de vidro; luz natural; integração de aquecimento,
ventilação e sistema elétrico; preocupação com o entorno e com a
paisagem circundante; facilidade de manutenção; uso de novos
30 CAMARGO, Mônica Junqueira de. Op. cit., p. 20.
Case Study House n. 20, Residência Bailey, Pacific Palisades, 1947-1948. Arquiteto Richard Neutra. Fonte: SMITH, Elizabeth A.T, 2006, p. 43
Case Study House n. 16, Residência Salzman, Bel Air, California, 1951-1952. Arquiteto Craig Ellwood. Fonte: Internet
42
materiais e novas técnicas construtivas (os materiais mais usados eram
madeira, tijolo, estrutura metálica e caixilhos de madeira padronizados);
e principalmente, projetos com baixos custos.
A revista Arts & Architecture era quase uma “fonte de referência” para
muitos arquitetos americanos e europeus. Arquitetos como Richard
Neutra, Eero Saarinen, Chales e Ray Eames, Raphael Soriano, Wiliam
Wilson Wurster, Kemper Nomland, Pierre Koenig, Craig Ellwood, Ed
Killingsworth e outros tiveram projetos publicados durante os vinte e
quatro anos em que a revista foi editada e publicada por John Entenza.
Em outubro de 1948 foi publicada a casa da rua Avanhadava, de
Oswaldo Bratke. Em 1949 foi publicada a casa Tremaine em Santa
Bárbara, projeto de Oscar Niemeyer e obras de Lúcio Costa e Roberto
Burle Marx. Na década de 1950, trabalhos de arquitetos latino-
americanos puderam ser vistos em suas páginas, entre eles estão Luís
Barragán, Juan O’Gorman e Felix Candela.31
Arts & Architecture, também serviu de modelo para edição de outras
revistas e em São Paulo, durante os anos de 1948 e 1951, um grupo de
alunos da Faculdade Mackenzie – contrários ao ensino de Christiano
Stockler das Neves – criou a revista Pilotis. Jorge Wilheim, conta que
junto com Salvador Candia e Carlos Milan, criou a revista que além de
tratar de assuntos sobre arquitetura, falava sobre cinema e teve sua
31 SEGAWA, Hugo; DOURADO, Guilherme Mazza. Oswaldo Arthur Bratke.
Case Study House n. 4, Casa Greenbelt (não construída), 1945. Arquiteto Ralph Rapson. Fonte: Smith, Elizabeth, 2006.
43
primeira capa desenhada por Alexander Calder. Jorge Wilheim nesta
ocasião trabalhava no Museu de Arte de São Paulo organizando uma
exposição sobre as obras de Calder. O contato com o artista fez com
que Wilheim solicitasse um desenho para a capa da primeira revista.
Calder aceitou e a revista Pilotis nasceu com uma capa de fundo
amarela e as letras do título “jogadas” sobre este fundo.32
A presença de Bratke na revista californiana é uma das múltiplas
expressões da crescente presença norte-americana no Brasil, tanto
econômica quanto culturalmente, após a Primeira Guerra Mundial.
Influência que se torna ainda mais forte após a Segunda Guerra, graças
à “política da boa vizinhança” de Roosevelt, em especial a ofensiva
cultural capitaneada por Nelson Rockefeller, Coordinator of Inter-
American Affairs. Após isso “a casa moderna americana é alvo de
grande interesse, incentivado pelo cinema e pelas revistas, que
promovem as ilimitadas vantagens do American way of life, com suas
conotações de modernidade, progresso e futuro”.33 São Paulo, ponta de
lança do desenvolvimento industrial capitalista brasileiro, apresentava
algumas semelhanças com os Estados Unidos – industrialização e
32 Jorge Wilheim em depoimento à autora em 17/11/2009.
33 IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960 (op. cit.), p. 11.
Ateliê na Rua Avanhandava, São Paulo, 1947. Arquiteto Oswaldo Arthur Bratke. Fonte: SEGAWA, Hugo; DOURADO, Guilherme Mazza, 1997
44
urbanização aceleradas, grande número de imigrantes e um certo
pragmatismo.
Na semana de 1922, o arquiteto espanhol radicado em São Paulo,
Antonio García Moya apresentou, segundo Yves Bruand, alguns
“desenhos de uma arquitetura visionária que agradava aos futuristas
por sua fisionomia extravagante. (...) Portanto de um ponto de vista
objetivo, não exerceu a Semana de Arte Moderna qualquer influência
sobre a arquitetura. (...) Ela criou um clima novo, revelou um espírito de
luta contra o marasmo intelectual, contra a aceitação incondicional dos
valores estabelecidos”.34
As primeiras manifestações no Brasil realmente modernas na área de
arquitetura foram apresentadas em dois textos: Arquitetura e a estética
das cidades, de Rino Levi, e Acerca da arquitetura moderna, de Gregori
Warchavchik. Publicados na imprensa diária, em 1925, ambos os artigos
defendiam a necessidade da arquitetura acompanhar os progressos
sociais e dar conta das demandas criadas pela intensa urbanização
decorrente da industrialização. Logo a seguir, foram construídas as
primeiras casas modernas, tendo a casa de Warchavchik na Rua Santa
Cruz, de 1927, entrado para a história como a primeira obra moderna do
país, com suas formas puras, ausência de elementos decorativos,
superfícies brancas, aberturas que sugerem a estrutura independente e
34 BRUAND, Yves. Op. cit., p. 63.
Residência Laaf, Massachusetts, 1957. Arquiteto Marcel Breuer. Fonte: Mônica Junqueira, 2000, p. 170
Residência do arquiteto, Morumbi, 1950. Arquiteto Oswaldo Arthur Bratke. Fonte: Mônica Junqueira, 2000, p. 170
45
planta funcional. A laje plana – princípio canônico das arquiteturas
modernas de extrato corbusiano e bauhausiano –, ausente da primeira
casa, seria também utilizada nas casas seguintes, como é o caso das
situadas nas ruas Bahia e Itápolis.
Influências norte-americanas
Nos últimos anos, diversas pesquisas têm demonstrado a influência da
arquitetura norte-americana na obra de arquitetos paulistas – alguns
deles ainda não haviam sido estudados – revelando uma arquitetura de
grande valor para a formação do cenário brasileiro, um dos principais
objetivos, também, deste trabalho. Dentre outros, tal preocupação está
presente na pesquisa de Débora Foresti, que aponta as características
do organicismo de Frank Lloyd Wright na arquitetura paulista, em
especial no trabalho do arquiteto José Leite de Carvalho e Silva,
formado em 1956, pela Faculdade de Arquitetura da Universidade São
Paulo. Em entrevista, Carvalho e Silva reconhece a influência de Wright
no uso dos materiais locais e na integração da arquitetura com a
natureza.35 Em sua tese de doutorado,36 Patrícia Pimenta Ribeiro aborda
as relações Brasil – Estados Unidos ao apresentar a obra do arquiteto
Richard Neutra e conta o interesse deste arquiteto em conhecer os
35 FORESTI, Débora Fabbri. Aspectos da arquitetura orgânica de Frank Lloyd Wright na arquitetura paulista: a obra de José Leite de Carvalho e Silva. 36 RIBEIRO, Patrícia Pimenta Azevedo. Teoria e prática: a obra do arquiteto Richard Neutra.
Residência Rio Branco Paranhos, São Paulo SP, 1943. Arquiteto Vilanova Artigas. Fonte: Irigoyen, 2002, p. 142
Casa Tomek, Riverside, 1904. Arquiteto Frank Lloyd Wright. Fonte: Irigoyen, 2002, p. 142
46
problemas locais, políticos e econômicos, além de conhecer os
trabalhos dos arquitetos atuantes nestas áreas, quando fez sua viagem
aos países da América do Sul. Em sua passagem por São Paulo foram
organizadas discussões e palestras nas universidades e com jovens
arquitetos. Gregori Warchavchik afirmou após sua visita: “se de longe, já
era tão grande a sua influência sobre todos nós, que dizer o que foi a
sua presença aqui?”37 Em 1950, o Masp montou a exposição “Neutra –
Residências”, mais um episódio que marca sua presença no país. A
conciliação entre racionalização e adequação climática nas obras de
Neutra é que as tornavam atrativas para o ambiente intelectual
brasileiro.
Durante o Movimento Moderno, a coerência entre os trabalhos de vários
arquitetos mostra o diálogo entre alguns países, principalmente aqueles
com afinidades políticas, econômicas, culturais e climáticas. Este último
aspecto tem peso considerável neste diálogo e é flagrante sua presença
na arquitetura brasileira, como detecta com perspicácia Philip Goodwin
na exposição “Brazil Builds”, organizada em 1943 pelo Museu de Arte
Moderna de Nova York. Goodwin, curador da mostra, afirma em seu
texto introdutório do catálogo que foi motivado pelo “desejo de conhecer
melhor a arquitetura brasileira, principalmente as soluções dadas ao
37 WARCHAVCHIK, Gregori. Introdução. In NEUTRA, Richard J. Arquitetura social em países de clima quente, p. 20.
Residência Tomás Marinho de Andrade, São Paulo SP, 1952-1953. Arquiteto Carlos Millan. Fonte: Sergio Matera, 2005, p. 147
47
problema do combate ao calor e aos efeitos da luz sobre as grandes
superfícies de vidro na parte externa das construções”.38 Rodolpho
Ortenblad Filho também admite as presenças de Wright e Neutra em
seu trabalho:
“Eu tinha uma influência muito grande de Frank Lloyd Wright e
posteriormente do Richard Neutra. Frank Lloyd Wright dava muita
importância aos materiais naturais, pedra, tijolo, madeira e minhas
casas têm muitos detalhes com materiais naturais; não usava pastilhas
na fachada, essas coisas eu nunca gostei.”39
O primeiro contato de Ortenblad com a arquitetura norte-americana
aconteceu quando ainda era estudante na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo do Mackenzie, onde ele e seus colegas de turma compravam
revistas e livros estrangeiros de um “vendedor italianinho” que tinha uma
banca com essas publicações dentro da própria faculdade:
“eu comprei muitos livros; por exemplo, tem um livro que eu gostava,
era muito bom, o Sun & Shadow, Sol e Sombra, do Marcel Breuer. Era
um livro importante. Eu comprava todos os livros que saíam sobre a
arquitetura de Richard Neutra e de Frank Lloyd Wright.”40
38 GOODWIN, Philip. Brazil Builds – Architecture new and old 1652-1942, p. 7. 39 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 21 maio 2009. 40 Idem, ibidem.
Casa de Castor Delgado Perez, São Paulo SP, 1958-1959. Arquitetos Rino Levi, R. Cerqueira Cesar e L. R. Carvalho Franco. Fonte: ANELLI, Renato; GUERRA, Abilio; KON, Nelson, 2001.
48
De volta ao Brasil – após sua viagem aos Estados Unidos e Europa,
onde pôde visitar algumas obras de Frank Lloyd Wright – Ortenblad
passou a assinar revistas estrangeiras especializadas em residências,
como Progressive Architecture, Architectural Record e a francesa
L’Architecture d’Aujourd’Hui. Como editor da revista Acrópole, o contato
com a arquitetura estrangeira se intensificou, uma vez que Ortanblad se
tornou correspondente de algumas revistas e editoras internacionais:
“me registraram como diretor responsável (da revista Acrópole), constava salário, mas eu não recebia, trabalhava de graça. Mas para mim foi muito bom, porque passei a ser correspondente de várias publicações internacionais. Eles me mandavam. Como eu era diretor da maior revista de arquitetura – praticamente a única – aqui no Brasil, eu recebia livros para fazer resenhas e essas resenhas eu fazia num boletim separado da revista Acrópole, onde se davam notícias sobre livros e revistas internacionais.”41
Algumas características das obras de Richad Neutra e Frank Lloyd
Wright, como o uso de grandes beirais, paredes em pedras ou tijolos
aparentes, amplas aberturas envidraçadas, madeiramento do telhado
aparente, integração do interior com o exterior da residência,
setorização e racionalização dos espaços e usos são bastante
presentes e recorrentes nos projetos residenciais de Ortenblad. Essas
características serão apresentadas com maiores detalhes nos capítulos
seguintes.
41 Idem, ibidem.
Residência Antonio Maurício da Rocha, São Paulo SP, 1957. Arquiteto David Libeskind. Fonte: Luciana Tombi, 2007, p. 84
49
De volta ao Brasil
De volta ao Brasil no início do ano de 1952, após sua viagem aos
Estados Unidos e Europa, Ortenblad abriu seu escritório na Rua Sete de
Abril, esquina com a Rua Xavier de Toledo. Sua família era proprietária
de inúmeros terrenos na região do Jardim Paulistano e Itaim Paulista,
um fator de grande importância para o início de sua carreira, uma vez
que a partir do desenvolvimento de alguns projetos encomendados pela
família e construído de imediato pelo próprio arquiteto, atraiu a atenção
de seus novos futuros clientes, que tinham acesso ao seu portifólio,
aonde constavam obras em construção ou já construídas. Assim,
Ortenblad projetou e dirigiu a obra de mais de trinta casas através da
contratação de empresas empreiteiras.
Ortenblad, ao ser contratado para desenvolver um projeto, fazia questão
de acompanhar sua execução; este hábito era imposto ao cliente, o que
garantia, segundo pensava, qualidade à construção. Ortenblad conta
que outra condição importante para “fechar negócio” com seus clientes é
que esses não poderiam interferir no partido adotado por ele. Isso até se
tornou, por várias vezes, motivo de discussões entre o arquiteto e sua
esposa, que dizia que ele não poderia dispensar o trabalho caso o
cliente não concordasse com suas idéias, afinal eles eram recém-
casados e não podiam correr o risco de perder o projeto. Mas Ortenblad
se colocou firme e, segundo seus depoimentos, chegou a deixar de
fazer alguns trabalhos por esse motivo. Ortenblad conta que na época
50
havia poucos arquitetos, principalmente os especializados em casas, e
assim se tornou muito conhecido como o “arquiteto especialista em
residências e muitos vinham por indicação, porque visitavam a casa de
um cliente e gostavam.”42
Antes de iniciar um projeto, Ortenblad visitava o terreno e conversava
com o cliente para definir o programa e estimar um orçamento para
execução da obra. Depois de aprovado o anteprojeto, fazia-se o projeto
executivo. Os projetos complementares eram feitos por especialistas,
mas revisados sob sua supervisão. Tanto o cálculo estrutural, o projeto
de formas e o projeto hidráulico eram analisados por ele para que não
ocorressem possíveis interferências no projeto arquitetônico. Os projetos
hidráulicos eram desenvolvidos pelo engenheiro e amigo Eurico Freitas
Marques. O projeto elétrico, na época, era “menos importante” e os
pontos de luz e energia eram incorporados e indicados no projeto
executivo de arquitetura.
O engenheiro Roberto Zuccolo era um de seus colaboradores e foi
responsável pelo projeto estrutural da Casa Clemância Assad. Cabe
aqui ressaltar a importância deste engenheiro civil, que se formou na
Escola de Engenharia Mackenzie em 1946 e é lembrado entre os
engenheiros calculistas como “a maior autoridade em concreto
42 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 13 out. 2009.
51
protendido no seu tempo”,43 tendo realizado quase duas mil obras. Sua
relação com os arquitetos se estreitou em 1953, ao assumir a cadeira de
Sistemas Estruturais da Faculdade de Arquitetura Mackenzie, onde foi
professor por mais de quinze anos. Entre seus alunos estavam Fábio
Penteado, Paulo Mendes da Rocha, João De Gennaro, Alfredo Paesani,
Pedro Paulo de Melo Saraiva, Francisco Petracco e Decio Tozzi, sendo
que de todos foi o arquiteto Pedro Paulo de Mello Saraiva quem mais
contratou seus serviços de calculista.44
As manhãs de Ortenblad no escritório eram reservadas para visitar as
obras, orientando e tirando possíveis dúvidas sobre o projeto. Por vezes,
seus clientes tinham um construtor ou empreiteiro de confiança; quando
não, Ortenblad indicava a construtora. Marino Barros, seu antigo colega
de turma, construiu várias de suas casas: “Marino Barros construía
muito bem, ele era perfeccionista”.45 Outro colaborador constante era
Delto Teixeira, proprietário da Construtora Panamericana.
43 SERAPIÃO, Fernando. Uma história para ser contada. A saga de Roberto Rossi Zuccolo, professor de todos os arquitetos modernos saídos do Mackenzie e alinhados com a escola paulista. Fernando Serapião afirma ainda o seguinte: “Nas recentes pesquisas sobre a escola paulista, a relação entre calculistas e arquitetos ainda revela uma lacuna. A importância do trabalho conjunto de ambos se dá, sobretudo, pelo significado da estrutura na linguagem do movimento. Nesse sentido, um dos profissionais mais destacados é o engenheiro Roberto Rossi Zuccolo (1924-1967). Ele foi professor do Mackenzie de 1953 a 1967, justamente o período em que saiu dos bancos mackenzistas a geração de ouro da escola paulista”. 44 Idem, ibidem. 45 Rodolpho Ortenblad Filho em depoimento à autora em 13/10/2009.
52
Ortenblad realizava seus desenhos com grafite, desde o projeto de
prefeitura até os detalhamentos executivos. Segundo ele, aprendeu a
trabalhar muito bem com o grafite quando estagiou no escritório do
arquiteto Oswaldo Bratke:
“Lá no Bratke, onde eu estagiei, só usávamos lápis. Ele ensinava usar o
lápis, seja pela dureza ou pela finura do apontamento. Fazia parede
com lápis mais mole e detalhe com lápis mais duro.”46
Suas casas eram setorizadas em áreas de serviço, social e íntima. A
área de serviço englobava cozinha, lavanderia, dormitório e banheiro de
empregada, e sempre que possível possuía um pátio exclusivo, por
onde se fazia a circulação de empregados e funcionários responsáveis
pela entrega de materiais e manutenção. A área social era composta por
salas de estar e jantar voltadas para outro pátio, que muitas vezes,
recebeu vigamentos de concreto armado – pérgulas – que além de
sombrear, era usado como medida de segurança. Na área íntima
ficavam os dormitórios e banheiro. Uma recorrência bastante forte em
seus projetos residenciais é a colocação da escada que dá acesso ao
pavimento superior no hall de entrada. Desta maneira o hall além de
recepcionar serve como distribuidor para os todos os outros ambientes,
inclusive para o pavimento superior. O que também faz com que a área
46 Idem, ibidem.
53
de circulação, por estar centralizada, ocupe menos área construída
possível.
As Bienais de São Paulo
Os princípios modernos invadiram o Brasil também pela área artística.
Em 1947, o curador Pietro Maria Bardi e o jornalista Assis
Chateaubriand fundaram o Museu de Arte de São Paulo (Masp), cuja
primeira sede ficava nas dependências dos “Diários Associados”, na
Rua Sete de Abril. O objetivo deste museu era formar um acervo de arte
que representasse os principais movimentos artísticos da Europa.
Através de doações do próprio Assis e de seus amigos o acervo cresceu
de tal maneira que passou a ocupar quatro andares do edifício dos
“Diários”, somando cerca de 4.500 m², que foram reformados a partir do
projeto da arquiteta Lina Bo Bardi. Em 1950 a reforma foi concluída e o
Museu inaugurado por Nelson Rockfeller, na ocasião presidente do
Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York.
Em 1948 foi o proprietário das Indústrias Matarazzo, Ciccillo Matarazzo
que, a partir de sua coleção particular composta por trabalhos feitos por
Picasso, Léger, Arp, Chagall, Kandinsky, Miró, Di Cavalcanti, Tarsila,
Bonadei entre outros artistas estrangeiros e nacionais, criou o Museu de
Arte Moderna de São Paulo, o MAM. No mesmo edifício dos “Diários”
onde estava instalado o Masp e com projeto de João Vilanova Artigas,
foram adaptados espaços para receber este acervo. Foi também Ciccillo
Desenho Edifício Diários Associados, São Paulo SP, 1947. Arquiteta Lina Bo Bardi. Fonte: Ferraz, Marcelo, 1996
54
Matarazzo que após a abertura do MAM, junto com sua esposa Yolanda
Penteado, tiveram a iniciativa de criar a Bienal Internacional de Artes.
Em outubro de 1951, organizada pelos críticos de arte Lourival Gomes
Machado e Sérgio Milliet, em um edifício projetado pelos arquitetos
Jacob Ruchti, Miguel Forte e Luís Saia, a I Bienal de São Paulo foi
aberta no antigo Trianon da Avenida Paulista. A mostra exibiu obras de
mais de quarenta países, na seção de arquitetura foram “cerca de 400
projetos apresentados por 150 arquitetos brasileiros e estrangeiros”.47
A II Bienal de São Paulo surgiu do reconhecimento conquistado com a
mostra anterior. Atendendo ao pedido do governador de São Paulo
Lucas Nogueira Garcez, Ciccillo Matarazzo ficou responsável por
escolher um lugar onde seria a sede permanente da bienal e onde fosse
possível realizar as comemorações do IV Centenário da cidade, que
veio a acontecer em 1954. O local escolhido era uma área de 2 milhões
de metros quadrados que resultou no Parque do Ibirapuera com seus
pavilhões projetados por Oscar Niemeyer e um grupo liderado por
Zenon Lotufo formado por jovens arquitetos, dentre eles o mackenzista
Eduardo Kneese de Mello.
47 ACAYABA, Marlene Milan. Branco e Preto: uma história de design brasileiro nos anos 50, p. 11.
Desenho Edifício Diários Associados, São Paulo SP, 1947. Arquiteta Lina Bo Bardi. Fonte: Ferraz, Marcelo, 1996
55
Esta Bienal, de grande importância, apresentou trabalhos de Picasso,
Paul Klee, Henry Moore e Calder, entre outros. Em conjunto foi feita a
Exposição Internacional de Arquitetura, que contou com obras do mundo
todo, em especial as casas: Ceasar Cottage (1951) de Marcel Breuer,
Casa e Estúdio (1949) de Charles Eames, a residência Warren Trimaine
(1948) de Richard Neutra, a residência Farnsworth (1950) de Mies van
der Rohe e a residência Herbert Jacobs (1948) de Frank Lloyd Wright.
Entre as casas brasileiras, destacam-se a Casa das Canoas (1952) de
Oscar Niemeyer e a Casa Enzo Segri (1953) de Miguel Forte e Galiano
Ciampaglia. Ainda nesta bienal foi organizada uma sala especial com os
trabalhos de Walter Gropius.48 São Paulo estava, definitivamente,
colocando o Brasil no circuito da Arte Moderna mundial.
A III Bienal, em 1955, por ter acontecido apenas um ano após a bienal
anterior, decidiu dedicar a Exposição Internacional de Arquitetura
somente para o Concurso Internacional de Escolas de Arquitetura.49 Já
em 1957, a IV Bienal promoveu uma sala especial para o projeto
vencedor para o Plano Piloto de Brasília, de Lúcio Costa e para os
projetos do Palácio da Alvorada e do Congresso Nacional. A residência
Oscar Americano (1952), projeto de Oswaldo Bratke, foi apresentada no
48 BRASIL, Luciana Tombi. David Libeskind: ensaio sobre as residências unifamiliares. p. 50-51. 49 LINS, Paulo de Tarso Amendola. Arquitetura nas Bienais Internacionais de São Paulo (1951-1961), p. 226.
Residência Warren Trimaine, Santa Barbara, 1948. Arquiteto Richard Neutra. Fonte: Internet
Residência Herbert Jacobs, Madison, 1948. Arquiteto Frank Lloyd Wright. Fonte: Internet
56
programa de residências unifamiliares. Nesta bienal foram apresentados
dois projetos residenciais do arquiteto – a residência Rodolpho
Ortenblad Filho II, de 1956, e a casa da Fazenda Santa Cecília, de
1955.
Rodolpho Ortenblad Filho II, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Arquivo pessoal do arquiteto
Casa da Fazenda Santa Cecília, Uchoa, 1955. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Arquivo pessoal do arquiteto
57
IAB e outras artes
O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) era, entre outras coisas, um
ponto de encontro de arquitetos e estudantes. Com sede na Rua Bento
Freitas, aonde se encontra até hoje, muitos profissionais que tinham
seus escritórios na região central de São Paulo o frequentavam
assiduamente. O arquiteto Pedro Paulo de Mello Saraiva, ingressou no
curso de arquitetura da Faculdade Mackenzie em 1950, tendo convivido
com Ortenblad quando este cursava seu último ano; em seguida este
convívio continuou nas reuniões do IAB. Pedro Paulo comenta:
“o IAB era interessante, porque ficava muito próximo das duas escolas,
a FAU Maranhão e o Mackenzie, e todo mundo tinha escritório na
Barão ou do outro lado do Viaduto do Chá. Esses escritórios eram
sempre onde nós fazíamos estágio. No próprio IAB havia muitos
arquitetos que tinham sido estagiários. O IAB era um ambiente bom:
embaixo tinha o clubinho dos artistas, um lugar onde se discutia as
coisas da arquitetura e era a oportunidade da gente ter contato com os
arquitetos mais velhos”.50
O Instituto promovia exposições, debates e organizava a visita de
arquitetos estrangeiros. Richard Neutra, em visita por algumas cidades
latino-americanas, esteve no instituto em 1945. Gropius se reuniu com
outros arquitetos no IAB/SP em 1954, em função da Bienal. Os
50 SARAIVA, Pedro Paulo de Mello. Depoimento à autora, 03 novembro 2009.
Rodolpho Ortenblad Filho e o mercado de arte na revista Senhor, n. 3, mar. 1971. Arquivo pessoal
58
arquitetos Mies van der Rohe, Kenzo Tange, Marcel Breuer e Philip
Johnson estiveram em São Paulo para compor a banca julgadora que
premiou os projetos da IV Bienal em 1957.51
O arquiteto Jorge Wilheim se lembra de uma ocasião onde o então
presidente Jânio Quadros havia prometido a um arquiteto carioca que
pagaria todas as despesas para um grupo de arquitetos estrangeiros
que viria ao Brasil participar de um seminário que deveria ser
organizado pelo IAB/SP. Porém Jânio Quadros renunciou antes que
fosse organizado este seminário e Jorge Wilheim descreve assim os
desdobramentos:
“O presidente do IAB era o Ícaro de Castro Mello, que ficou com o
abacaxi para estourar nas mãos. Então ele pediu para o Joaquim
Guedes e a mim, para dividirmos essa turma no Rio. Levamos o
pessoal para viajar por cinco ou seis dias, cada um para um lugar. Eu
51 “Em 1957, realizou-se em São Paulo, a IV Bienal do Museu de Arte Moderna. Mies van der Rohe, Marcel Breuer, Kenzo Tange, Phillip Johnson, Francisco Beck, Jacob Mauricio Ruchti e Mario Glicerio Torres foram os arquitetos convidados para compor o júri que selecionaria os melhores projetos apresentados na Exposição Internacional de Arquitetura da IV Bienal. Entretanto, segundo a ata publicada na revista Acrópole nº 227 de 1957, onde estão divulgados os profissionais premiados, o nome de Mies van der Rohe não está relacionado entre aqueles já referidos, responsáveis pelas menções. Desconhecidos os motivos da provável ausência de Mies nas atividades que lhe haviam reservado na Bienal, sabe-se que o arquiteto esteve em São Paulo para visitar o terreno onde projetaria o edifício do Consulado dos Estados Unidos, como se pode comprovar na nota publicada por Philipp Lohbauer na revista Acrópole nº 230 de dezembro de 1957”. GALEAZE, Ítalo. Mies van der Rohe no Brasil. Projeto para o Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, 1957-1962.
Rodolpho Ortenblad Filho em seu apartamento, janeiro de 2010. Foto Sabrina Bom
59
escolhi a Bahia e o Guedes foi para Ouro Preto, para só depois
chegarmos em Brasília, que tratou de organizar alguma coisa que se
parecesse com um seminário. Não me lembro como foi financiado tudo
isso; acho que teve um empréstimo bancário e depois de alguma forma
foi coberto”.52
No final da década de 1950, Rodolpho Ortenblad Filho, sócio do
instituto, foi convidado a fazer parte da diretoria do IAB/SP. Como
secretário redigia as atas de reunião e organizou um caderno de
arquitetura que era impresso semanalmente no jornal Folha de São
Paulo. Este caderno tratava de exposições e concursos de arquitetura.
Uma delas, o Salão Paulista de Arte Moderna, que acontecia todos os
anos na Galeria Prestes Maia. Era um salão de arquitetura, pintura,
escultura e artes gráficas e Ortenblad, por algumas vezes, foi convidado
a fazer parte do júri.
No subsolo do Instituto aconteciam as atividades do Clube dos Artistas.
Ortenblad, por ser apreciador da arte moderna – em todos os campos,
não só o de arquitetura – frequentava o clube e gostava de conversar
com os frequentadores. A partir do contato com esses artistas,
Ortenblad, teve a oportunidade de começar sua coleção de pinturas
modernas. Hoje possui um acervo grande onde ele próprio intitula como
“parte pioneira da pintura moderna brasileira”, que inclui obras de Di
52 WILHEIM, Jorge. Depoimento à autora, 17 nov. 2009.
60
Cavalcanti, Candido Portinari, Ismael Nery e Tarsila do Amaral. Mais
tarde adquiriu trabalhos de Volpi, Bonadei, Benack, Clóvis Graciano e
Francisco Rebolo. Em 1958, em uma das vezes que fez parte do júri do
Salão Paulista de Belas Artes, idealizado e organizado por Gomes
Cardin, premiou junto com os demais jurados, um trabalho do artista
Manabu Mabe, sendo este o primeiro prêmio de importância do artista.
O convívio e o trabalho no Instituto dos Arquitetos deram a oportunidade
de Rodolpho Ortenblad Filho participar de exposições e eventos de
arquitetura. Um desses foi o Congresso Internacional de Arquitetura em
Cuba, ocorrido em 1963. O IAB organizou uma comissão de arquitetos
para assistir e participar deste congresso. Entre eles estavam: Rodolpho
Ortenblad Filho, Marino Barros, Jorge Wilheim, Paulo Mendes da Rocha
e Ruy Ohtake. Ortenblad fez duas apresentações: uma referente às
novas leis de zoneamento de São Paulo, onde se regulamentou o limite
de 4 vezes a área do terreno para construção (ele era a favor desta lei e
a comparou com o que havia acontecido em Copacabana, que sem o
limite de construção fechou toda sua orla com prédios encostados uns
nos outros); e uma segunda, que tratou sobre o clima brasileiro e o uso
do brise-soleil.
Revista Acrópole
A 1ª edição da revista Acrópole é datada de maio de 1938, sob a
direção de Roberto Corrêa de Brito. Durante sua direção, a revista
61
apresentava obras de variadas vertentes, refletindo um panorama
eclético da arquitetura. Foi em 1952, a partir do número 174, que Max
M. Gruenwald se tornou o novo diretor da revista e a arquitetura
moderna teve um peso muito maior em suas páginas. Com
periodicidade muito regular, a Acrópole foi publicada mensalmente de
maio de 1938 a dezembro de 1971, sendo que alguns números tiveram
publicação bimestral. A revista era dedicada ao tema de arquitetura,
com a intenção de informar e mostrar o desenvolvimento da arquitetura
contemporânea no país53. Durante o período em que Roberto A. Corrêa
de Brito foi seu diretor geral, a revista publicava, principalmente, projetos
recentemente construídos, reservando poucos espaços à reprodução de
textos. Posteriormente, com a entrada de Max M. Gruenwald foram
reservados espaços para textos com temas específicos, geralmente
publicados em série, além de textos complementares aos projetos
publicados. Apesar desta reforma, a linha editorial não sofreu uma
mudança profunda, pois a ênfase continuou a ser dada à publicação de
projetos arquitetônicos.
53 “Em números, a revista de Roberto Corrêa Brito publicou a maioria dos projetos do Estado de São Paulo, 88,86%. (...) A revista de Max Grunwald, também publicou a maioria dos seus projetos do Estado de São Paulo (78,91%), ‘por força da circunstância’, segundo Manfredo Grunwald, já que havia grande dificuldade em conseguir projetos de outros Estados, por causa da necessidade de viagens e outras questões que dificultavam esse processo. Nessa fase, há um predomínio de obras vinculadas ao movimento moderno, e a publicação de projetos públicos passa a aumentar, enquanto diminuíam as obras privadas”. OLLERTZ, Aline. Morte e vida de uma revista de arquitetura.
62
Entre 1953 e 1955 (edições 182 à 200), o arquiteto Rodolpho Ortenblad
Filho foi diretor da revista Acrópole. Foi um período breve, “mas
determinante na história da revista, que começou a reproduzir textos
lendários de Rino Levi e Gregori Warchavchik, além de organizar uma
atualização da obra de um bom número de profissionais atuantes em
São Paulo”54. Além de reproduzir textos sobre arquitetura brasileira,
Ortenblad redigia pequenos artigos onde comentava sobre projetos e
livros referentes à arquitetura estrangeira. Na edição de nº 180, datada
de outubro de 1953, Ortenblad comenta sobre uma residência projetada
por Frank Lloyd Wrigth no Estado de Michigan, onde destaca que a casa
contempla: “todos os princípios pelos quais Wright debate e as inúmeras
idéias de que foi pioneiro. O plano livre, horizontalidade das elevações,
janelas contínuas, sabedoria no emprego dos materiais e a riqueza das
texturas (...). Os grandes beirais, as lareiras generosas, as janelas de
canto (tão deturpadas nas casas pseudo-modernas), os forros
inclinados, enfim, um vocabulário arquitetônico criado por ele e
composto com tal sabedoria que o conjunto transpira humanidade e
sentido eclético”.55 Na edição de n. 183, de janeiro de 1954, Ortenblad
faz menção sobre a importância dos “mestres e pioneiros do movimento
54 IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960 (op. cit.), p. 90. 55 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. A modulação do espaço interno é transmitida ao exterior: a harmonia resultante é intencional, p. 451-453.
Residência em Michigan, vista externa e detalhe da lareira. Arquiteto Frank Lloyd Wright. Fonte: ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. A modulação do espaço interno é transmitida ao exterior: a harmonia resultante é intencional. Acrópole, n. 180, out. 1953, p. 451
63
moderno” (Neutra, Gropius, Mies, Aalto e Wright) a partir da
apresentação do livro Built in U.S.A: Post-war Architecture de Henry-
Russel Hitchcock e Arthur Drexler (Museu de Arte Moderna de Nova
York, 1953), enfatizando a qualidade da arquitetura que estava sendo
produzida no país norte-americano e comunicando aos leitores que
alguns dos projetos apresentados neste livro poderiam ser vistos
durante a II Bienal de São Paulo, fazendo parte da representação
americana. Ortenblad termina o texto dizendo: “Esperamos que a
análise dos mesmos seja proveitosa aos nossos arquitetos tão
arraigados nos princípios estabelecidos por Le Corbusier. Por menor
que seja a influência que venhamos a receber, sempre será um sopro
de ar fresco revigorante no ambiente já viciado de academismos
decadentes e arquiteturas fáceis”.56 Em dezembro de 1957, mesmo
Ortenblad não sendo mais seu diretor, a edição nº 230 da revista
publicou um texto onde o arquiteto apresenta a residência Joseph Staller
(Califórnia) de Richard Neutra, onde destaca o uso dos materiais e o tipo
de “estrutura de grande beleza e simplicidade, na qual cada detalhe se
justifica e cada material desempenha uma função de acordo com suas
características naturais”.57
56 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Sobre arquitetura pós guerra, p. 120-121. 57 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. A arquitetura de Richard Neutra, p. 56-57.
Residência em Michigan, detalhe do corredor. Arquiteto Frank Lloyd Wright. Fonte: ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. A modulação do espaço interno é transmitida ao exterior: a harmonia resultante é intencional. Acrópole, n. 180, out. 1953, p. 451
64
No final de 1971 saiu o número 390-391, o volume derradeiro da revista
Acrópole. Os anunciantes rarearam e não foi mais possível manter a
publicação.
Concursos e projetos institucionais
A seguir serão apresentados os projetos de caráter institucional que
Rodolpho Ortenblad Filho desenvolveu durante sua carreira. Como já foi
mencionado, infelizmente o acervo do arquiteto se limita apenas aos
projetos que foram publicados em periódicos da época, de onde
Ortenblad arquivou somente as páginas correspondentes aos seus
trabalhos. Em algumas dessas páginas nem se quer estava anotado o
nome e data da publicação, o que tornou bastante difícil e trabalhoso
consultar o exemplar original.
Esses projetos foram na maioria das vezes desenvolvidos em parceria
com outros arquitetos, como é o caso do Clube Alto de Pinheiros e do
projeto para o concurso Cosipa, desenvolvidos com o arquiteto José
Luiz Fleury de Oliveira; do projeto para o Colégio Nossa Senhora das
Dores, feito com os arquitetos e colegas de turma, Carlos Lemos e
Marino Barros; e dos edifícios administrativos para a Indústria Helca,
projetados em parceria com o arquiteto Paulo Renan Mamede, que
também colaborou nos projetos para a residência Baltazar Fidélis e
Joaquim Renato Freire (apresentadas no próximo capítulo).
65
1. Colégio Nossa Senhora das Dores, Uberaba
Co-autores Carlos Lemos e Marino Fernandes Barros Uberaba MG 1952 Não construído Publicações: Acrópole, n. 175, maio de 1953
Em parceria com os arquitetos Carlos Lemos e Marino Barros, que se
formaram na mesma turma de Ortenblad, e por intermédio de uma
conhecida de Marino Barros, os três jovens arquitetos desenvolveram
este projeto no início do ano de 1952. O projeto, não construído, deveria
prever a ampliação das áreas de ensino do Colégio Nossa Senhora das
Dores na cidade de Uberaba, Minas Gerais.
Além de uma capela, já existia no terreno um edifício linear de salas de
aula, que acabou servindo de “régua” para a implantação dos dois novos
edifícios, também lineares, que abrigariam as novas instalações.
Aproveitando o desnível do terreno, os edifícios do ginásio e da
administração foram colocados em paralelo com o edifício existente. Na
parte posterior do terreno foi disposto o auditório, implantado
perpendicular em relação aos demais blocos e com características
formais e construtivas que diferem da linearidade e horizontalidade do
restante do conjunto, contraste que, como já foi comentado
anteriormente, é bastante peculiar no modernismo de Le Corbusier e
dos arquitetos cariocas. Atrás da capela foi colocado o convento com
Colégio Nossa Senhora das Dores, planta e corte do Auditório, Uberaba MG, 1952. Arquitetos Carlos Lemos, Marino Barros e Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 175, maio de 1953
66
planta em “H”. Os prédios são interligados por passarelas cobertas e
entremeados por pátios ajardinados.
O primeiro edifício, colocado logo na frente do conjunto, abriga os
departamentos administrativos e os setores que já funcionavam no
colégio (serviços sociais, cursos para noivas e apartamentos para
hóspedes). Concebido em dois pavimentos, seu térreo, sob pilotis, se
integra com o jardim. Com estrutura independente, as fachadas frontal e
posterior possuem grandes aberturas em vidro. O prédio intermediário,
já existente, foi interligado aos demais blocos pela passarela coberta.
O terceiro edifício era destinado para o ginásio, colégio, curso de música
e internato. Como solução acústica e tomando partido do desnível do
terreno, as salas de música foram colocadas no subsolo, por onde se
teria acesso em nível pela calçada que vem do auditório. As salas de
aula ficaram no pavimento térreo (acessado pelas passarelas) e no
primeiro andar, enquanto que o segundo pavimento foi destinado aos
dormitórios.
O pavimento inferior, aberto para o auditório e para o jardim, está parte
sob pilotis e parte sob os muros em pedra que fecham as áreas do
vestiário e do conservatório. Esses fechamentos em pedras, diferentes
da ortogonalidade restante do edifício, são em formatos curvos que
fogem dos ângulos retos do projeto.
67
Colégio Nossa Senhora das Dores, proposta de implantação, Uberaba MG, 1952. Arquitetos Carlos Lemos, Marino Barros e Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 175, maio de 1953
68
Colocado no nível dos demais edifícios e acessado pela marquise, os
pavimentos térreo e superior abrigam as salas de aula e mantém o
conceito funcionalista moderno com as salas colocadas lado a lado,
voltadas para as faces externas do edifício e acessadas por um único
corredor central. Também no centro da planta, mas em sentido oposto
ao corredor foram colocados a escada e bloco de sanitários. Esta
escada em curva sobe até o terceiro pavimento onde foi destinado para
o grande dormitório das alunas internas que ocupa apenas metade do
andar.
O convento, também interligado aos demais edifícios, inclusive à capela
existente, pela marquise, foi projetado em forma de “H” o que contrubui
para a formação de dois pequenos pátios (um deles deveria ser
totalmente fechado e de uso exclusivo das noviças, conforme as regras
do convento). Seguindo o desnível do terreno, foi colocado um
pavimento inferior para os departamentos de serviços. No nível térreo,
sob pilotis, foram colocados alguns dormitórios e as salas de estudos,
costura e conferências de uso das freiras e noviças. Nos dois andares
superiores foram colocados os demais dormitórios, todos voltados para
as faces externas do edifício e um único corredor central no pavimento.
Por último o auditório, que foi colocado próximo da escola de música
podendo ser acessado pela comunidade também pela rua lateral ao
terreno. Foi projetado com uma sequência de pilares/vigas de concreto
em formato curvo que difere das linhas retas do restante do conjunto.
Colégio Nossa Senhora das Dores, perspectiva e desenhos esquemáticos do Convento, Uberaba MG, 1952. Arquitetos Carlos Lemos, Marino Barros e Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 175, maio de 1953
69
Colégio Nossa Senhora das Dores, perspectiva e plantas do Edifício de salas de aula, Uberaba MG, 1952. Arquitetos Carlos Lemos, Marino Barros e Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 175, maio de 1953
3º Pavimento 2º Pavimento
Pavimento Inferior Pavimento térreo
70
Colégio Nossa Senhora das Dores, Plantas pavimento térreo e pavimentos superiores do Convento, Uberaba MG, 1952. Arquitetos Carlos Lemos, Marino Barros e Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 175, maio de 1953
71
2. Clube Alto de Pinheiros
Co-autor José Luiz Fleury de Oliveira Alto de Pinheiros, São Paulo SP 1960 Reformado
Em 1954 Ortenblad havia mudado seu escritório para o Edifício
Califórnia na Rua Barão de Itapetininga, região central da cidade de São
Paulo. Neste mesmo edifício o ainda estudante da Faculdade de
Arquitetura da Universidade de São Paulo, José Luiz Fleury de Oliveira,
ocupava uma sala que era de seu pai atendendo seus primeiros
clientes. Desse encontro, Ortenblad e Fleury de Oliveira iniciaram uma
parceria que resultou no desenvolvimento de alguns projetos e
participação em concursos.
Em 1960 – também por haver amigos em comum que eram sócios do
clube – foram convidados para desenvolver o Plano Diretor para o
projeto do Clube Alto de Pinheiros. Fizeram um projeto onde eram
contemplados a piscina, a quadra de tênis, os vestiários, o salão de
festas e a sede social. A implantação foi obedecida e a princípio só não
foi construído o salão de festas. 58
58 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 01 dez 2009.
OLIVEIRA, José Luiz Fleury de. Depoimento à autora, 26 nov. 2009.
Clube Alto de Pinheiros, antiga sede e atual lanchonete, São Paulo SP, 1960. Arquitetos Rodolpho Ortenblad Filho e José Luiz Fleury de Oliveira. Fotos Sabrina Souza Bom Pereira, 26 jan. 2010
72
Depois de duas eleições, a nova diretoria do clube não deu andamento
ao projeto original e contratou o arquiteto Fábio Penteado para propor
um novo edifício para a Sede Social. A antiga sede, projetada por
Ortenblad e Fleury de Oliveira ainda existe e abriga a lanchonete do
clube. Recentemente sofreu uma reforma cujo projeto é de autoria do
arquiteto Francisco Segnini Jr, que é um dos membros da atual diretoria
do clube. Segnini fez questão de seguir o mesmo padrão nos materiais,
caixilharia e linguagem, mantendo a identidade original da edificação.59
59 SEGNINI JR, Francisco. Depoimento à autora, 26 de janeiro de 2010.
73
3. Complexo Industrial Cosipa
Co-autor José Luiz Fleury de Oliveira Cubatão SP 1960 Não construído Publicação: Acrópole, n. 241
Durante o desenvolvimento do projeto para o Clube Alto de Pinheiros,
Rodolpho Ortenblad Filho e José Luiz Fleury de Oliveira elaboraram um
projeto para participar do concurso promovido pela Siderúrgica Cosipa
para seu complexo industrial na cidade de Cubatão.
O 1º lugar do concurso ficou para o projeto de Plinio Croce e Roberto
Aflafo, sendo que Ortenblad e Fleury de Oliveira ficaram em segundo
lugar. O projeto contemplava um edifício para abrigar as instalações de
operação, um edifício para a área administrativa e um terceiro, que foi
chamado de casa de hóspedes para o complexo industrial.
O edifício industrial e o edifício administrativo foram projetados em
estrutura de aço modulada, com vedações em bloco de concreto e tijolo
aparentes. A modulação foi usada para que houvesse flexibilidade de
usos e fácil ampliação desses edifícios caso houvesse necessidade. O
edifício administrativo possuía corredor central, que, segundo os
Complexo Industrial Cosipa, vista da Casa de Hóspedes, 2º lugar no concurso, 1960. Arquitetos Rodolpho Ortenblad Filho e José Luiz Fleury de Oliveira. Fonte: Acrópole, n. 241
74
arquitetos-autores, “facilitava o controle e favorecia a intercomunicação
entre os vários departamentos”.60
Já a residência para hóspedes foi colocada no ponto mais alto do
terreno, onde a vista se abria para todo o complexo industrial. O
pavimento térreo, de planta retangular que ultrapassava os limites da
cobertura quase quadrada abrigava, entre paredes “cegas” erguidas em
pedras, o setor de serviços do lado esquerdo e um jardim do lado direito
– também rodeado por paredes em pedras – de onde se tinha vista pelo
pavimento superior. Dessa forma, chegava-se pelo pavimento térreo
com pé-direito duplo que era protegido por uma cobertura sustentada
sobre pilotis. No centro havia o pátio e a escada que dava acesso ao
pavimento superior. Este pavimento, que obedecia ao formato da
cobertura, abrigava as suítes e a área social da grande residência que
estavam separadas e ao mesmo tempo conectadas pelo pátio central,
de onde se tinha a vista para o jardim do pavimento térreo.
60 Acrópole, n. 241, p. 12.
Complexo Industrial Cosipa, plantas e corte da Casa de Hóspedes, 2º lugar no concurso, 1960. Arquitetos Rodolpho Ortenblad Filho e José Luiz Fleury de Oliveira. Fonte: Acrópole, n. 241
75
Complexo Industrial Cosipa, vista e plantas do Edifício Administrativo, 2º lugar no concurso, 1960. Arquitetos Rodolpho Ortenblad Filho e José Luiz Fleury de Oliveira. Fonte: Acrópole, n.241
76
4. Sesi de Sorocaba
Sorocaba SP 1967 Construído
Em 1967, Ortenblad foi convidado para elaborar o projeto para as
futuras instalações do Serviço Social da Indústria na cidade Sorocaba.
“Na época o diretor do Sesi já conhecia meu trabalho e me convidou
para fazer o projeto.”61
O programa era bastante diversificado e devia prever espaços para
ambulatórios médico e odontológico; delegacia regional; escola primária
e noturna; centros de aprendizados domésticos (corte e costura, arte
culinária e cozinha experimental); e um centro social para prática de
esportes, jogos de salão e festividades sociais.
O terreno destinado ao complexo, com 9.700m², foi doado pela
prefeitura e possuía um desnível acentuado – formando uma grota – e
uma nascente na sua parte mais baixa. Desta maneira, na parte mais
alta do terreno foi colocado o edifício onde funcionariam o ambulatório e
a delegacia. Um outro edifício idêntico a este foi colocado em paralelo,
mas em nível mais baixo que o primeiro, onde foram previstos o centro
social e a escola. Em um terceiro nível foi colocado o ginásio de esporte,
no sentido perpendicular aos edifícios anteriores. E na parte mais baixa
61 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 01 dez. 2009.
Sesi, Sorocaba SP, 1967. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos do arquivo pessoal do arquiteto
77
do terreno foi colocada a piscina, aproveitando a água da nascente que
ali existia para abastecê-la.
Tomando partido do desnível acentuado do terreno, os três edifícios
foram colocados em diferentes níveis e foi criado um “grande subsolo”
que os interligava. Assim, as áreas do ambulatório e da delegacia eram
acessadas em meio nível pela sua parte posterior e ocupavam mais um
andar acima. Descendo outro meio nível, chegava-se ao “grande
subsolo” onde estavam as áreas destinadas para o centro social e
escola.
A escola ainda ocupava o único andar acima deste subsolo e que podia
ser acessado também em nível pelo térreo. Continuando pelo subsolo,
chegava-se por fim, ao Ginásio de esportes pelo nível da quadra. O
Ginásio com pé-direito triplo alcançava em altura a cobertura do edifício
dos ambulatórios e da delegacia, mantendo o mesmo gabarito entre os
dois edifícios e fechando todo o conjunto.
78
Sesi, corte transversal e plantas Ambulatório e Delegacia, Sorocaba SP, 1967. Arquivo pessoal Rodolpho Ortenblad Filho. Redesenho da autora.
79
Sesi, plantas Centro Social e Escola, Sorocaba SP, 1967. Arquivo pessoal Rodolpho Ortenblad Filho. Redesenho da autora.
80
Sesi, plantas Ginásio, Sorocaba SP, 1967. Arquivo pessoal Rodolpho Ortenblad Filho. Redesenho da autora.
81
5. Faculdade de Histologia da Universidade de São P aulo
Atual Instituto de Ciências Biomédicas Cidade Universitária da USP, São Paulo SP 1967 Construído
Conforme o depoimento do próprio arquiteto, Rodolpho Ortenblad Filho
foi indicado pelo professor responsável pela Faculdade de Histologia da
Universidade de São Paulo para desenvolver o anteprojeto do edifício
que sediaria este curso. 62 Na época havia um departamento dentro da
Cidade Universitária que fiscalizava os projetos e obras da instituição
(Fundusp – Fundo de Construções da USP, atual Coesf). O coordenador
era o arquiteto Paulo Camargo e Ortenblad foi contratado para
desenvolver o anteprojeto e supervisionar o projeto estrutural dos dois
edifícios. Os projetos executivos foram desenvolvidos pelo arquiteto
João Roberto Leme Simões, da antiga Fundusp.
Segundo Ortenblad, a principal exigência do contratante, a Fundusp, era
contemplar os edifícios com grande flexibilidade para futuras 62 “Em 1967 foi feito um programa para construção dos prédios principais da USP no Butantã. O coordenador era o arquiteto Paulo Camargo e eu fui indicado por um companheiro meu de pesca submarina (...), o Prof. Junqueira. Ele era o catedrático da cadeira de Histologia e me convidou para fazer o projeto do prédio da Histologia. Hoje funciona o Instituto de Ciências Biomédicas; como o projeto era muito versátil, seu uso pode ser modificado. O partido é interessante, eu organizei com a estrutura totalmente independente, que tinha tubulações visitáveis horizontais e verticais; como era um terreno em dois níveis, o prédio com laboratórios ficou na parte superior, é o maior, ligado através de uma passarela com o prédio mais embaixo de aulas teóricas” ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 01 dez. 2009.
Faculdade de Histologia da USP (atual Instituto de Ciências Biomédicas), São Paulo SP, 1967. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos do arquivo pessoal do arquiteto
82
modificações e ampliações. Como o terreno era em desnível, foram
feitos dois blocos em dois diferentes níveis que foram ligados por uma
passarela. O edifício maior, disposto na cota mais alta do terreno,
abrigava a administração e os laboratórios; o edifício mais baixo foi
projetado para receber as salas de aula. As salas foram fechadas com
divisórias removíveis, garantindo a solicitada flexibilidade dos espaços.
Os dois edifícios possuem o mesmo partido arquitetônico e estrutural e,
por imposição da Fundusp – mas com total apreço e aprovação do
arquiteto –, foram construídos em concreto aparente. Assim, todos os
pilares, vigas, lajes e fechamentos laterais foram concebidos de tal
material e técnica construtiva. No pavimento térreo de ambos os
edifícios, a cada doze metros foram colocados pórticos, cujos pilares
foram deslocados das extremidades da viga, que alcançam toda a
largura dos edifícios. As faces externas dos pórticos são inclinadas
(tanto nos pilares quanto nas vigas), evitando o uso excessivo de
materiais nos pontos menos solicitados da peça e proporcionando
leveza ao conjunto. Nas extremidades destas peças estruturais foram
apoiados os beirais vazados (formando um tipo de pérgula em forma de
grelha), que se repetem em todos os pavimentos superiores e na
cobertura. Esses beirais vazados, além de suportar os pilares e vigas
dos pavimentos superiores, também protegem os grandes panos de
vidro das fachadas frontais e posteriores. As lajes foram apoiadas por
um sistema de inúmeras vigotas que acompanham a grelha dos beirais.
Faculdade de Histologia da USP (atual Instituto de Ciências Biomédicas), São Paulo SP, 1967. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos da autora,13 jul. 2010
83
Com exceção das fachadas laterais, que são totalmente vedadas por
painéis em concreto armado aparente, as outras duas e maiores faces
dos edifícios foram fechadas com caixilhos de alumínio e vidro. No
pavimento térreo, recuado em relação aos superiores, os caixilhos foram
colocados entre os pilares dos pórticos; nos pavimentos superiores, as
aberturas são totais, alcançando todo o comprimento dos edifícios, uma
vez que os pilares ficaram externos. As diversas instalações – elétrica,
ar condicionado, hidráulica e captação de águas pluviais – foram
deixadas aparentes, o que facilita na manutenção.
As plantas bastante funcionalistas foram desenhadas a partir da
modulação estrutural, tendo sido colocadas as caixas de circulação
vertical no centro da planta de ambos os prédios. O projeto original
sofreu alterações apenas na disposição das salas – o que já era previsto
pelo arquiteto – atendendo às novas necessidades da instituição. Os
edifícios ainda existem, mas não estão em bom estado de conservação.
Faculdade de Histologia da USP (atual Instituto de Ciências Biomédicas), detalhe dos elementos estruturais São Paulo SP, 1967. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto da autora,13 jul. 2010
84
Plantas do Edifício para salas de aula da Faculdade de Histologia da USP (atual Instituto de Ciências Biomédicas, onde essas salas são usadas como laboratórios), São Paulo SP, 1967. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Coesf
85
Corte longitudinal do Edifício para salas de aula da Faculdade de Histologia da USP (atual Instituto de Ciências Biomédicas, onde essas salas são usadas como laboratórios), São Paulo SP, 1967. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Coesf
Corte transversal dos Edifícios da Faculdade de Histologia da USP (atual Instituto de Ciências Biomédicas), São Paulo SP, 1967. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Coesf
86
Planta do Subsolo do Edifício para laboratório da Faculdade de Histologia da USP (atual Instituto de Ciências Biomédicas), São Paulo SP, 1967. Arquiteto Rodolpho
Ortenblad Filho. Fonte: Coesf
87
Planta do pavimento térreo do Edifício para laboratório da Faculdade de Histologia da USP (atual Instituto de Ciências Biomédicas), São Paulo SP, 1967. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Coesf
88
Planta do pavimento superior do Edifício para laboratório da Faculdade de Histologia da USP (atual Instituto de Ciências Biomédicas), São Paulo SP, 1967. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Coesf
89
Capítulo II – Projetos residenciais
Residências particulares
Neste capítulo serão apresentados dez projetos residenciais projetados
por Rodolpho Ortenblad Filho – alguns também construídos por ele –
para clientes particulares e cinco projetos residenciais projetados para o
setor imobiliário, todos realizados no período que vai de 1952 até 1970.
Os projetos apresentados estão presentes no acervo pessoal do
arquiteto e nas publicações da época que puderam ser encontradas em
pesquisa.
Ortenblad tinha por hábito entregar todos os desenhos para seus
clientes ou para a construtora responsável pela execução da obra e,
com o passar dos anos, foi se desfazendo dos desenhos que ainda
guardava, mantendo apenas aqueles que haviam sido publicados em
revistas e jornais. Dessa maneira, todo o acervo no momento disponível
sobre seus projetos está sendo apresentado nesta dissertação.
90
O estudo mais aprofundado de seus projetos residenciais tem como
objetivo reconhecer os princípios projetuais deste arquiteto, presentes
em uma obra que se desenvolveu entre os anos de 1948 e 1970.
Esta trajetória foi dividida em dois períodos, de duração muito diferente:
o primeiro está circunscrito entre os anos de 1948 e 1950 – logo após
sua formatura, portanto ainda em uma fase imatura – e apresenta uma
arquitetura fortemente impregnada de características da arquitetura
moderna carioca do período heróico protagonizado por Lucio Costa,
Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Jorge Machado Moreira, Attílio Correa
Lima e outros; o segundo período – posterior à sua viagem aos Estados
Unidos e Europa – se estende pelo restante de sua vida profissional,
indo de 1952 (ano que retornou de sua viagem) até 1970 (data do último
projeto de sua autoria encontrado); nesta fase é flagrante a influência da
arquitetura residencial norte-americana do pós-guerra, em especial as
assinadas por Frank Lloyd Wright e Richard Neutra. Os elementos
brutalistas presentes no edifício da Faculdade de Histologia da USP são
por demais circunstanciais para se configurar uma fase, mas são nítidas
as preocupações funcionalistas nos programas não residenciais.
A análise do acervo a seguir focará, portanto, os projetos residenciais de
Rodolpho Ortenblad Filho, levantando suas principais características e
recorrências para relacioná-as com a arquitetura moderna paulista em
voga naquele momento. Esses projetos serão apresentados em ordem
cronológica, de acordo com o ano em que foram desenvolvidos.
91
1. Residência Leopoldo Raimo
Rua Capitão Antônio Rosa, Jardim Paulistano, São Paulo SP 1952 Demolida
Esta casa foi projetada e construída em um terreno plano e de esquina
com frente para a Rua Capitão Antônio Rosa, onde Rodolpho Ortenblad
Filho projetou algumas outras casas, inclusive a sua própria. O terreno
medindo 10,00m x 23,50m era considerado pequeno pelo arquiteto, que
fez o possível para tentar adequar o projeto à baixa condição financeira
do cliente.
Por se tratar de um terreno de esquina, a entrada de automóvel e
serviços foi colocada na sua parte posterior, tendo acesso pela rua
lateral Dr. Ferreira da Rosa. Acoplados ao volume da garagem foram
colocadas as dependências de empregada e a área de serviço,
separados do corpo da casa por um pátio de serviço. A entrada social se
dá pela Rua Capitão Antônio Rosa através de um hall por onde se
chega a sala de estar e a escada de acesso ao pavimento superior. As
salas de estar e jantar se voltam para o jardim. A planta bastante
compacta foi dividida no sentido longitudinal, onde do lado da escada
ficaram as áreas que necessitam de instalações hidráulicas (cozinha e
sanitários) e o lado oposto ficou destinado para as áreas de estar no
pavimento térreo e de repouso no pavimento superior.
Residência Leopoldo Raimo, vistas principal e para a rua lateral, São Paulo SP, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto Arquivo pessoal do arquiteto
92
O pavimento superior avança sobre o inferior nas faces da casa que
ficaram voltadas para as ruas e sua cor branca valoriza a sensação de
suspensão deste pavimento em relação ao pavimento térreo, revestido
com tijolos aparentes, que lhe dá aparência de maior solidez. Mesmo
estando a garagem e as dependências de serviço em um bloco
separado da casa, os dois volumes parecem ser um só quando vistos
frontalmente, pois a garagem se alinha em altura com a parede de tijolos
do pavimento térreo. Os caixilhos – sempre muito bem detalhados por
Ortenblad63 – foram projetados como grandes painéis de madeira,
ocupando todo o pé-direito e divididos em três partes iguais no sentido
horizontal; contam com duas folhas fixas de madeira nas partes superior
e inferior; na faixa central foram usadas duas folhas que corriam lado a
lado, sendo uma com venezianas e outra com fechamento em vidro.
Este sobrado foi concebido com estrutura de concreto moldada ”in loco”
e fechamentos em tijolo aparente no pavimento térreo e alvenaria no
pavimento superior. O telhado em quatro águas manteve os beirais com
o madeiramento aparente e fechado em toda sua volta por uma tabeira
que reforça suas linhas. As telhas usadas foram de cimento-amianto
(seu uso era permitido na época) o que permitia fazer a cobertura com
pouca inclinação, sendo quase imperceptível do nível da rua.
63 Desenhos de Rodolpho Ortenblad Filho e Oswaldo Bratke ilustraram artigo sobre detalhamento de esquadrias. ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Portas e janelas de correr a beira-mar, p. 322-323.
Detalhe de uma porta de correr projetada por Rodolpho Ortenblad Filho. Acrópole, n. 286, set. 1962
93
Residência Leopoldo Raimo, plantas, São Paulo SP, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Arquivo pessoal do arquiteto. Redesenho da autora.
94
2. Residência Olavo Quintela
Jardim Paulistano, São Paulo SP 1952 Existente, com alterações
No que diz respeito à volumetria da fachada e uso dos materiais, este
outro sobrado possui várias semelhanças com a casa projetada para
Leopoldo Raimo, mas o terreno maior e as melhores condições
financeiras do proprietário em relação ao cliente anterior permitiram o
uso de algumas soluções que seriam recorrentes em seus projetos
futuros, como o uso de pérgulas e iluminação conseguida pela diferença
da altura das lajes na sala – solução bastante utilizada por Frank Lloyd
Wright e Richard Neutra.
Sendo o terreno igualmente de esquina, o acesso de automóvel e
serviços foi colocado no limite direito do terreno, sendo que as
dependências de empregada são um prolongamento da cobertura que
protege o veículo. Toda esta área ficou separada do volume principal da
casa por um pátio de serviço.
A casa é acessada por um hall estrategicamente localizado quase no
centro da planta, dividindo-a em duas partes: à direita ficam o escritório,
a cozinha, os banheiros – reunindo os ambientes servidos com
instalações hidráulicas – e a escada de acesso ao pavimento superior; à
esquerda foram dispostas as áreas sociais (pavimento térreo) e de
repouso (pavimento superior). No térreo, as salas de estar e jantar
Residência Olavo Quintela, fachada principal e sala de estar com vista para o pátio social, São Paulo, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto do arquivo pessoal do arquiteto
95
formam um grande ambiente integrado, onde os pilares demarcam os
espaços para cada uso. A sala de estar – com fachada cega para rua –
e a sala de jantar – com fachada cega para os fundos – se abrem
lateralmente para um pátio disposto no lado esquerdo do terreno e
coberto com vigotas de concreto.
O espaço resultante lembra muito algumas soluções do arquiteto Rino
Levi, em especial as presentes nas residências Milton Guper, de 1951, e
Castor Delgado Perez, de 1958, ambas em São Paulo, onde jardins
dispostos em pátios e fechados superiormente com pérgulas se
articulam de forma franca com salas, praticamente dobrando ou
triplicando seu tamanho quando as portas envidraçadas estão abertas.
Se levarmos em conta que este projeto de Rodolpho Ortenblad Filho é
contemporâneo aos de Rino Levi, se têm a medida de quanto sua obra
está atualizada em relação às melhores soluções residenciais do
período.64
Segundo Ortenblad, as vigotas de concreto usadas no jardim, além de
sombrear o pátio deixando-o mais fresco, tinham ainda a finalidade
complementar de aumentar a segurança do imóvel, já que as salas eram
fechadas apenas com grandes painéis de vidro. Ainda na sala,
Ortenblad projetou duas lajes com alturas diferentes, que formavam um
64 Ver ANELLI, Renato; GUERRA, Abilio; KON, Nelson. Rino Levi – arquitetura e cidade.
Residência Olavo Quintela, pátio social coberto com vigotas de concreto, São Paulo, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto do arquivo pessoal do arquiteto
96
vão por onde se infiltrava a luz natural no meio do ambiente, garantindo
uma sensação mais agradável.
No pavimento superior foram colocados os dois dormitórios dos filhos,
divididos por armários e voltados para a rua frontal ao terreno. Em frente
ao hall da escada foi disposto um espaço multiuso, que acabou sendo
usado como sala de costura. A suíte do casal se volta para o pátio
social, enquanto os banheiros se voltam para o pátio de serviço.
Diversas decisões de projeto se assemelham às soluções presentes na
Residência Leopoldo Raimo: os caixilhos são grandes painéis em
madeira acoplados na fachada; o pavimento térreo foi construído em
tijolo aparente (este material se manteve aparente também no interior da
sala) e recuado em relação ao pavimento superior, com o conseqüente
efeito de suspensão; o telhado em duas águas e com pouca inclinação
mantém o beiral com o madeiramento aparente. Este projeto, com
cercas baixas que apenas delimitavam a frente do terreno, possui um
paisagismo bastante exuberante. Ortenblad, na maioria das casas que
fez, também projetou os jardins.
Residência Olavo Quintela, detalhe da iluminação entre as lajes da sala, São Paulo, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto do arquivo pessoal do arquiteto
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Residência Olavo Quintela, plantas, São Paulo, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Arquivo pessoal do arquiteto. Redesenho da autora.
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3. Residência Alfredo e Clemância Assad
Jardim América, São Paulo SP 1952 Demolida Publicações: Acrópole, n. 191, ago. 1954; World’s Contemporary House, n. 5, 1954; Casa e Jardim, n. 52, maio 1959.
Após o término da reforma da casa de seu pai, Rodolpho Ortenblad,
uma amiga da família ficou muito bem impressionada com o resultado
final do projeto desenvolvido por Ortenblad Filho. Este, ainda estudante
na ocasião, foi convidado pela Sra. Clemância Assad para desenvolver
o projeto de uma casa para sua família. Na época, Ortenblad Filho já
estava com sua viagem aos Estados Unidos e Europa marcada e não
pode atender ao convite de imediato, mas a amiga de seus pais,
dizendo não ter pressa, afirmou que aguardaria por sua volta.
Assim, ao retornar de sua longa viagem ao exterior, Ortenblad acabou
desenvolvendo o projeto desta residência, que foi construída na Rua
México. Também neste projeto a entrada de automóvel e serviço foi
posicionada no lado direito do terreno. A garagem e dependências de
empregados foram colocadas no fundo do lote, em dois pavimentos.
Ortenblad comenta que preferia manter as áreas de empregados junto
ao corpo da casa, gerando um volume único, mas na maioria das vezes
seus clientes não aceitavam esta solução e ele era obrigado a criar um
anexo para comportar essas áreas.
Residência Alfredo e Clemância Assad, vistas frontal e lateral, São Paulo SP, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Acrópole, n. 191, ago. 1954
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A entrada social foi colocada no mesmo lado que a entrada de serviço e
coberta por uma laje vazada que cobre toda a largura do corredor
lateral. O hall de entrada servia também de distribuição a todos os
outros ambientes do térreo e de acesso ao pavimento superior. A série
de salas articuladas em forma de “L” rodeia o pátio social; este é
separado do jardim voltado para a rua por uma parede de elementos
vazados, que serve de apoio para uma longa marquise que liga o
terraço da sala ao orquidário posicionado no fundo de lote.
As grandes aberturas das salas de jogos e estar – voltadas para a rua
principal – são protegidas por dois painéis de elementos vazados e por
um pequeno jardim espremido entre os caixilhos e os painéis, resultando
em maior privacidade e segurança para esses ambientes.
No andar superior, com volumetria que avança sobre o pavimento térreo
na fachada frontal, a suíte do casal e quarto de vestir se voltam para
frente do lote, dividindo uma grande varanda; uma segunda varanda, um
pouco recuada em relação à maior, foi colocada à frente ao banheiro, o
que possibilitou recuar o caixilho, que recebeu o mesmo tratamento dos
demais. Outros dois dormitórios com um banheiro em comum se voltam
para o pátio social, assim como uma segunda suíte, que mesmo
estando mais no fundo do lote também se abre para o mesmo pátio.
Com exceção de um, todos os banheiros estão voltados para o pátio de
serviço no fundo da casa; o outro banheiro, a copa, a rouparia e a
Residência Alfredo e Clemância Assad, vista do pátio social, São Paulo SP, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Acrópole, n. 191, ago. 1954
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escada estão posicionados ao lado do acesso do automóvel; com tal
disposição, todos os usos de serviço são iluminados e ventilados pelos
espaços externos menos qualificados.
Como já é característico em seus projetos, Ortenblad usou tijolo
aparente nas paredes do pavimento térreo e manteve o volume do
pavimento superior com pintura branca.
Esta casa foi publicada nas revistas brasileiras Acrópole e Casa e
Jardim e na japonesa Contemporany Houses, ao lado de projetos ícones
da arquitetura moderna brasileira: a Casa de Vidro, de Lina Bo Bardi, a
Casa das Canoas, de Oscar Niemeyer, e a Casa Oscar Americano, de
Oswaldo Bratke.
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Residência Alfredo e Clemância Assad, plantas, São Paulo SP, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Acrópole, n. 191, ago. 1954. Redesenho da autora.
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4. Residência da Fazenda Santa Cecília, Uchôa
Uchôa SP 1955 Existente, bom estado de conservação Publicação: Visão, 8 nov. 1957; Revista de Engenharia Mackenzie, 1966. Premiação: 2º prêmio Governo do Estado no VII Salão Paulista de Arte Moderna
De todos os projetos de Rodolpho Ortenblad Filho, este parece ser o
que mais demonstra a influência de Frank Lloyd Wright, fato
reconhecido pelo próprio arquiteto em depoimento. Essa liberdade na
aplicação de alguns conceitos do arquiteto norte-americano se explica
pela presença de dois fatores determinantes: o grande terreno
disponível, uma vez que a casa é a sede de uma fazenda; e o cliente ser
ele próprio e a família.
Todo o programa foi resolvido em um único pavimento em forma de
catavento, construído sobre um grande patamar, que eleva o nível da
casa em dois metros e meio acima da cota da piscina. Assim, a
garagem e as áreas de serviço são acessadas em nível pela parte
posterior da residência, enquanto que a entrada principal é acessada
por uma larga escadaria.
Após subir esta larga escadaria – na verdade, trata-se de duas escadas,
anguladas em 90º entre si, que convergem para um retângulo comum
na parte superior – chega-se a uma grande varanda, fechada ao fundo
por uma parede de pedra que isola, em seu outro lado, a área destinada
ao abrigo de automóveis. Do lado esquerdo desta varanda se encontram
Residência da Fazenda Santa Cecília, Uchôa SP, 1955. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos do acervo pessoal do arquiteto
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dois dormitórios destinados aos hóspedes da família, com um banheiro
em comum.
Do lado direito da varanda de entrada estão as salas de estar e jantar,
que se encontra no cotovelo do “L” formado pelo corpo principal da
casa, desconsiderando a “hélice” correspondente aos quartos de
hóspedes. Em uma das alas temos a área de repouso, com um corredor
central articulando cinco dormitórios – dois conjuntos de dois dormitórios
com um banheiro em comum e a suíte principal no fundo. Na outra
ponta do “L”, voltada para a parte posterior, temos a ala que concentra
as atividades de serviço – cozinha, copa e área de serviços separados
dos dois dormitórios de empregada, que compartilham o banheiro único,
por um pátio interno.
A fachada alterna painéis modulares, que ora são caixilhos de madeira,
ora são em tijolos aparentes, ora são em alvenaria em cor branca. Todo
o volume da sala foi feito em tijolo, madeira e grandes panos de vidro,
onde o telhado avança por toda a varanda através de um grande beiral,
todas elas características da arquitetura organicista de Wright.
A pouca inclinação do telhado foi possível graças ao uso de telhas de
cimento amianto que, segundo o arquiteto, permanece em perfeito
estado até hoje, assim como todos os caixilhos que foram projetados por
ele.
Residência da Fazenda Santa Cecília, vistas da parede de fechamento da varanda e sala de jantar em construção, Uchôa SP, 1955. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos do acervo pessoal do arquiteto
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Rodolpho Ortenblad Filho recebeu com este projeto o 2º prêmio
Governo do Estado no VII Salão Paulista de Arte Moderna pelo “seu
esforço de adequação da obra às possibilidades materiais do local”.65 O
motivo do prêmio está amplamente justificado, pois grande parte dos
materiais usados nesta residência foi de fato retirada do próprio local ou
da região. Na época existia uma olaria na fazenda que fazia tijolos
“grandes e de boa qualidade”.66 Os pisos foram feitos com arenito rosa
vindo de Araraquara. O Amendoim – madeira utilizada nos forros – era
adquirido em toras de uma fazenda vizinha e tratado no canteiro por um
mestre de obra português “muito competente e perfeccionista”.67 Os
vigamentos foram feitos em madeira Ypê, também adquiridos na região.
Para esta casa, Ortenblad também projetou os móveis, que foram
executados pelo mesmo mestre de obra português. A casa conserva
seu projeto original e ainda é usada pela família.
65 Premiação publicada no Caderno de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo de um jornal da época. Ortenblad guardou apenas o recorte, sem identificação do jornal. 66 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 21 maio 2009. 67 Idem, ibidem.
Residência da Fazenda Santa Cecília, vistas da salas de estar, Uchôa SP, 1955. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos do acervo pessoal do arquiteto
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Residência da Fazenda Santa Cecília, vistas varanda, Uchôa SP, 1955. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos do acervo pessoal do arquiteto
Residência da Fazenda Santa Cecília, fachadas, Uchôa SP, 1955. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Acervo pessoal do arquiteto. Redesenho da autora
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Planta Residência da Fazenda Santa Cecília, Uchôa SP, 1955. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Acervo pessoal do arquiteto. Redesenho da autora
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5. Residência Arnaldo Melão
Jardim Paulistano, São Paulo SP 1956 Existente, com alterações Publicações: Acrópole, n. 235, maio 1958; Casa e Jardim, n. 81, out. 1961; Folha da Manhã, São Paulo, 29 jun. 1958 Premiação: Medalha de Ouro – VII Salão Paulista de Arte Moderna
Esta casa, por contar com um terreno com dimensões generosas (23m x
30m), foi implantada praticamente no centro do lote, possibilitando o uso
de pátios ajardinados em quase todo seu redor. A garagem – também
acessada pela lateral direita do terreno, como em outros projetos de
Otenblad – foi posicionada mais à frente do lote, criando um pátio de
serviço entre ela e o setor de serviços da casa.
O volume principal da casa foi modulado em três partes, sendo que o
hall de entrada – acessado por uma grande pérgula que atravessa todo
o recuo frontal desde o alinhamento do terreno – divide o primeiro terço
da modulação com áreas de serviço (copa, cozinha e banheiro) e
escada que sobe ao pavimento superior. Um recurso usado neste
projeto, e que se repetiu em alguns outros, foi a engenhosa colocação
de um corredor que liga cozinha e sala de jantar sob o patamar da
escada, ficando assim “escondido” a passagem, de uso restrito aos
empregados. As salas – acessadas pelo lado esquerdo do hall de
entrada – ocupam generosamente os outros dois terços da planta térrea;
Residência Arnaldo Melão, fachada principal, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 235, maio 1958
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a sala de visitas e terraço se voltam para o pátio da frente do lote e as
salas de jantar e estar para o pátio do fundo.
No pavimento superior, a escada chega em um corredor central de
distribuição, conectando três dormitórios voltados para a fachada
principal e um quarto, voltado para a lateral. As aberturas dos três
sanitários foram discretamente voltadas para o fundo do terreno.
A planta é dividida por quatro linhas de pilares em concreto moldados “in
loco”, que se revelam na modulação das fachadas frontal e posterior. No
pavimento superior, grandes caixilhos de madeira vão de pilar a pilar,
formando uma grande faixa mais escura superior. Sobre os pilares, as
vigas da cobertura avançam até o limite dos beirais, uma característica
presente em outros projetos de Ortenblad, mas também nos de seu
parceiro eventual, arquiteto José Luiz Fleury de Oliveira. Os painéis de
fechamento do pavimento superior se mantiveram brancos enquanto
que o pavimento térreo e muros foram executados em pedras
aparentes.
Residência Arnaldo Melão, pátio social (jardim frontal), São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Acrópole, n. 235, maio 1958
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Residência Arnaldo Melão, plantas, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Arquivo pessoal Rodolpho Ortenblad Filho. Redesenho da autora
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6. Residência Carlos Barros
Alto de Pinheiro, São Paulo SP 1956 Demolida Publicações: Acrópole, n. 270, maio 1961; Acrópole, n. 315, mar. 1965
Esta casa projetada e construída no Bairro de Alto de Pinheiros foi
implantada, segundo o arquiteto, “de maneira que fossem vedados os
ventos frios do quadrante suleste. Salas e dormitórios abrem para o
norte, devidamente protegidos por terraço, beirais e pergolados”.68
Dessa maneira a face lateral da residência ficou voltada para a rua,
enquanto que os ambientes de estar e repouso ficaram voltados para o
jardim.
A solução de acesso à residência é peculiar e inventiva: um corredor
lateral em relação ao terreno, mas posicionado na parte posterior da
casa rotacionada em 90º, congrega os acessos sociais e de serviço. Por
este corredor se acessa o hall social, localizado em sua área mediana, a
copa e o pátio de serviço, que, por sua vez, permite o acesso às
dependências de serviços e empregados bem ao fundo, situado em área
separada do bloco principal da residência. O abrigo de automóvel –
posicionado lateralmente em relação ao corredor de entrada – permite
acesso direto ao escritório locado ao lado das áreas sociais, mas que
desta pose ser isolado a qualquer momento por divisória tipo “biombo”. 68 Acrópole, n. 315, p. 45.
Residência Carlos Barros, vista para Rua Prof. Fonseca Rodrigues, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 270, maio 1961
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O volume visto em planta foi modulado em cinco partes no sentido
transversal e em duas partes no sentido longitudinal. Em solução similar
à já vista em outros projetos, a metade direita do volume – levando em
conta o sentido longitudinal – foi destinada, no pavimento térreo, para o
hall de entrada e distribuição, escada e setor de serviço (cozinha, copa,
despensa e lavabo), e no pavimento superior aos sanitários, quartos de
vestir, circulação e terraço de serviço. Ou seja, todos os espaços e
ambientes de menor importância do ponto de vista dos familiares foram
voltados para o fundo da casa (ou lateral direita do lote, se levarmos em
consideração a rua).
Na metade esquerda do volume se encontram os ambientes sociais
(térreo) e os dormitórios (pavimento superior), todos orientados para o
jardim e para o quadrante norte. A modulação no sentido transversal
divide os usos do setor social e dimensiona os dormitórios do pavimento
superior.
Do hall de entrada é possível acessar todos os setores da residência: no
térreo, à esquerda, está o escritório (que também pode ser acessado
pela garagem); à frente, está a sala íntima; a primeira porta à direita
acessa o setor de serviço; a porta seguinte leva às áreas sociais; ainda
à direita está localizada a escada de acesso ao pavimento superior. O
hall cumpre assim a função de distribuir e interligar todos os ambientes
da residência, que foram tão rigidamente divididos e separados por
setores de acordo com cada uso específico (serviço, estar e repouso).
Residência Carlos Barros, vista para Rua Prof. Fonseca Rodrigues e vista da varanda e pérgula, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 270, maio 1961
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Em relação aos materiais, no pavimento térreo foi usada litocerâmica
nas poucas paredes e grandes fechamentos em vidro (um tipo de
cerâmica cujo desenho se assemelha com tijolos de barro). No
pavimento superior as superfícies se mantiveram brancas.
Existe uma sobreposição entre as modulações de planta e de estrutura.
Neste projeto os pilares ficaram totalmente embutidos nas paredes e
somente as vigas de madeira, que sustentam a cobertura, se
mantiveram aparentes, marcando visualmente a modulação, que é
reiterada pelos pilares de concreto – dispostos no mesmo eixo da
estrutura da casa – que sustentam a pérgula situada entre a varanda e a
piscina. A cobertura da casa, praticamente plana, revela-se em beirais
elegantes e parece apoiar-se exclusivamente nas vigas de madeira.
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Residência Carlos Barros, plantas, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 270, maio de 1961. Redesenho da autora.
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7. Residência Rodolpho Ortenblad Filho II
Rua Capitão Antônio Rosa, Jardim Paulistano, São Paulo SP 1956 Existente, com alterações Publicações: Acrópole, n. 262, ago. 1960; Casa e Jardim, n. 81, out. 1961; Folha da Manhã, São Paulo, 29 jun. 1958 Premiação: “Viagem pelo país” – VII Salão Paulista de Arte Moderna
Este projeto se refere à segunda casa de Ortenblad, onde ele viveu com
sua família até o final da década de 1960. Ao terreno com dimensões de
11,60m x 35,00m foi incorporada junto com o jardim da residência uma
faixa de seis metros de largura, pertencente à uma viela sanitária que ali
existia. Desta casa, Ortenblad mudou-se com a família para o
apartamento em que vive até hoje na Rua Barão de Capanema, projeto
de autoria do arquiteto Pedro Paulo de Mello Saraiva.
A área do pavimento térreo, que ocupa quase todo o comprimento do
terreno, é muito maior do que a do pavimento superior, que corresponde
apenas à da área social, sobre a qual está construído. Voltados para a
fachada frontal foram dispostos o abrigo de automóvel e dependências
de empregados, que estão ligados parcialmente ao corpo principal da
casa pela cozinha. Um pátio de serviço – fechado em uma das laterais
por um muro de pedras aparentes que o separa do jardim da residência
– permite a ventilação da cozinha e dos cômodos posteriores da área de
serviço.
Residência Rodolpho Ortenblad Filho II, vistas frontal e da lateral (pátio de serviço e hall de entrada), São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 262, ago. 1960
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A entrada social – disposta lateralmente um pouco além da metade da
casa – dá acesso a um hall, que se conecta a todos os ambientes do
térreo e à escada que vai até o pavimento superior. Sob o patamar da
escada foi criado um corredor de ligação entre a cozinha e sala de
jantar, utilizado como circulação de serviços, solução usada
anteriormente na Residência Arnaldo Melão, de 1956.
Todas as salas foram voltadas para o jardim na parte posterior do
terreno. Parte deste jardim foi coberto por pérgula de madeira,
cuidadosamente alinhada com as vigas que suportam o forro rebaixado
(também em madeira) da sala. Este prolongamento de vigas valoriza a
sensação de integração do interior com o exterior, realçado pelo uso de
grandes fechamentos em vidro. Esta fachada da sala (no pavimento
térreo) parece ter sido encaixada no bloco em alvenaria da residência.
Com a diferença de altura entre o forro de madeira e a laje, criou-se uma
entrada de luz natural, como já se viu em outras casas. As vigas do forro
extravasam o limite da casa e se prolongam até a pergula do jardim;
estas vigas são sustentadas por pilares de madeira que, por sua vez,
modulam os caixilhos de madeira com grandes panos em vidro.
No pavimento superior se encontram quatro dormitórios: um voltado
para a rua Capitão Antônio Rosa; outro voltado para a viela sanitária
(para onde se voltam também dois banheiros, cujas janelas têm
caixilhos similares aos do dormitório, compondo um desenho
homogêneo da fachada lateral); os dois últimos dormitórios estão
Residência Rodolpho Ortenblad Filho II, hall de entrada e detalhe do prolongamento das vigas em madeira até o jardim, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 262, ago. 1960
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virados para o jardim no fundo do lote. Entre cada dois dormitórios, a
divisão é feita pelo próprio mobiliário.
Quanto ao uso de materiais, o pavimento térreo foi revestido com
litocerâmica e no superior a alvenaria se manteve branca. As paredes e
portas do hall de entrada (com exceção da porta “tipo biombo” de
acesso à sala) foram revestidas com ripas de madeiras, que – segundo
o arquiteto – foram reutilizadas de containers, enquanto o piso foi feito
em pedra natural. Os demais pisos da casa eram em tacos de madeira.
Os pilares e vigas foram feitos em concreto armado aparente e tiveram
acabamento “picotado”, com exceção dos pilares e vigas da varanda
lateral e pérgula, que são em madeira. As vigas em que sustentam as
coberturas são em madeira aparente, assim como os caixilhos. Sobre as
áreas de serviço, o telhado de pouca inclinação do pavimento térreo se
prolonga na lateral, formando uma varanda que protege a parte maior do
caminho até o hall de entrada, restando um pequeno trecho ao relento.
Esta casa recebeu o prêmio “Viagem pelo país” no IX Salão Paulista de
Arte Moderna. No mesmo salão, os arquitetos David Libeskind e
Joaquim Guedes receberam o 1º e o 2º prêmios “Governo do Estado”
com projetos também residenciais.69
69 Premiação publicada no Caderno de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo de um jornal da época. Ortenblad guardou apenas o recorte, sem identificação do jornal.
Residência Rodolpho Ortenblad Filho II, vista interna da sala (detalhe do forro rebaixado) e vista do jardim com pérgula, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 262, ago. 1960
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Residência Rodolpho Ortenblad Filho II, plantas, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 262, ago. 1960. Redesenho da autora
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8. Residência Baltazar Fidélis
Co-autor Paulo Renan Mamede Rua Olímpio Catão, Pacaembu, São Paulo SP 1956 Demolida Publicação: Acrópole, n. 270, maio 1961
Aproveitando o terreno em aclive, esta casa foi projetada mantendo a
garagem e a escada de acesso de serviço ao lado direito do lote e no
nível da rua. A escada de acesso social foi colocada no centro do lote,
por onde se chega ao hall de entrada. Do lado esquerdo do hall estão o
escritório e a suíte de casal – esta voltada para o pátio social. Do lado
direito de quem entra no hall estão a escada de acesso ao segundo
pavimento, lavabo, copa e cozinha. Seguindo o hall à frente estão as
salas de estar e jantar voltadas para o pátio social e protegidas pela
varanda. O segundo pavimento foi colocado sobre a área da sala de
jantar, copa e cozinha onde foram projetados dois dormitórios voltados
para o pátio social e um banheiro voltado para o corredor de serviço,
resultando em um painel “cego” na fachada da rua. Voltando ao primeiro
pavimento, da escada de serviço se acessa o corredor que leva até a
entrada da cozinha e dependência de empregados, que são separados
da residência pelo pátio de serviço.
Nos muros da frente do lote, de acordo com o desenho do arquiteto,
foram usadas pedras naturais. Nas paredes do primeiro pavimento foi
sugerido o uso de litocerâmica enquanto que as paredes do segundo
Residência Baltazar Fidélis, ilustração da fachada, São Paulo SP, 1956. Arquitetos Rodolpho Ortenblad Filho e Paulo Renan Mamede. Fonte: Acrópole, n. 270, maio 1961
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pavimento se manteriam brancas. Este projeto foi desenvolvido com a
colaboração do arquiteto Paulo Renan Mamede. Não foram encontradas
imagens desta residência após sua execução.
Residência Baltazar Fidélis, plantas, São Paulo SP, 1956. Arquitetos Rodolpho Ortenblad Filho e Paulo Renan Mamede. Fonte: Acrópole, n. 270, maio 1961. Redesenho da autora
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9. Residência Joaquim Renato Freire
Co-autor Paulo Renan Mamede Rua Alagoas, Pacaembu, São Paulo 1957 Demolida Publicação: Acrópole, n. 270, maio de 1961
Também em terreno em aclive, na Rua Alagoas, este projeto apresenta
algumas semelhanças com a Residência Baltazar Fidélis. A garagem foi
colocada no pavimento térreo, no nível da rua, e foram usadas duas
escadas para acessar o nível da casa. A escada do lado direito acessa
as dependências de serviço, por onde se chega aos dormitórios de
empregada (colocados no fundo do lote e separados da residência pelo
pátio de serviço), lavanderia e cozinha. A segunda escada, colocada no
centro do lote, sobe até o hall de entrada. Do lado esquerdo do hall está
o escritório, voltado para o corredor lateral que foi protegido por uma
pérgula que avança até a lateral da sala de estar. Esta, junto com a sala
de jantar, foram voltadas para o pátio social no fundo do lote. Do lado
direito do hall, estão o lavabo, escada de acesso ao segundo pavimento,
copa e cozinha. No pavimento superior foram dispostos três dormitórios:
um voltado para o corredor lateral com a pérgula e os outros dois
voltados para o pátio social. Através do desenho da fachada é possível
notar que o arquiteto sugeriu o uso de pedras naturais nos muros
frontais e revestimento tipo litocerâmica no primeiro pavimento; este,
como é comum nas residências de Ortenblad, é recuado em relação ao
Residência Joaquim Freire, ilustração da fachada, São Paulo SP, 1956. Arquitetos Rodolpho Ortenblad Filho e Paulo Renan Mamede. Fonte: Acrópole, n. 270, maio 1961
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segundo pavimento que teriam suas faces brancas. Este projeto
também teve a colaboração do arquiteto Paulo Renan Mamede.
Segundo Ortenblad esta casa foi construída, mas não existem imagens
após sua construção.
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Residência Joaquim Freire, plantas, São Paulo SP, 1956. Arquitetos Rodolpho Ortenblad Filho e Paulo Renan Mamede. Fonte: Acrópole, n. 270, maio 1961. Redesenho da autora
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10. Residência Fábio Lima Verde Guimarães
Rua Guadelupe, Jardim América, São Paulo SP 1970 Demolida
Construída na Rua Guadelupe, a implantação da casa destina todo seu
lado esquerdo à entrada e dependências de serviço e todo o lado direito
às áreas sociais. No fundo foi projetada uma edícula para as
dependências de empregados, que ficou separada do corpo da casa
pela garagem; esta, por sua vez, diferente dos outros projetos, não se
revela na fachada frontal por estar encravada no lado esquerdo da
residência, no setor de serviços, com acesso direto à cozinha. A entrada
social, voltada para a frente do terreno e protegida por uma varanda, dá
acesso ao hall social, que conecta aos principais cômodos da área
social e de serviço – escritório, salas e copa – e a escada de acesso
para o pavimento superior.
À direita do hall e voltada para a frente do lote, temos uma sala de
visitas que pode se integrar, graças ao deslizamento de divisórias
corrediças, com as duas salas que se abrem com vidraças para uma
varanda voltada para a parte posterior do terreno, junto ao jardim do
pátio social. No pavimento superior, voltados para a fachada frontal,
foram colocados banheiros, closets e rouparia. O arquiteto opta por uma
simulação de programas mais nobres na fachada, dispondo na metade
direita grandes caixilhos de madeira protegidos por uma falsa varanda
Residência Fábio Lima Verde Guimarães, fachada para Rua Guadelupe e fachada posterior, São Paulo SP, 1970. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Arquivo pessoal do arquiteto
124
usada como jardim, trazendo volume para a fachada; na metade
esquerda, as aberturas são estreitas e dispostas na parte superior da
parede. Os dormitórios ficaram voltados para o pátio social, na fachada
norte-leste.
Os pilares em concreto armado são aparentes, com acabamento
apicoado (inclusive os pilares e vigas das varandas). Para todas as
paredes se prescreveu a cor branca, enquanto que o madeiramento do
telhado foi deixado natural. Os caixilhos em madeira foram desenhados
pelo arquiteto.
Residência Fábio Lima Verde Guimarães, vista lateral, São Paulo SP, 1970. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Arquivo pessoal do arquiteto
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Residência Fábio Lima Verde Guimarães, plantas , São Paulo SP, 1970. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Arquivo pessoal do arquiteto. Redesenho da autora.
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Projetos residenciais para o setor imobiliário
Além das casas unifamiliares, programa mais constante em sua
produção habitacional, o arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho teve a
oportunidade de elaborar e construir dois conjuntos residenciais a partir
de iniciativas da própria família, que investiu na construção de casas
para vendagem. Segundo o arquiteto, “no início da minha carreira eu
projetava e construía, contratava um empreiteiro e dirigia a obra até o
final. Foram mais de trinta casas que projetei para minha família no
Itaim, que foram construídas por empreiteiros e dirigidas por mim”.70 Seu
tio Alberto Ortenblad – engenheiro como seu pai, Rodolpho Ortenblad,
com quem dividia a propriedade dos terrenos – tinha contato com as
empresas empreiteiras e o contratava para fazer os projetos e dirigir a
obra. Tratava-se de um investimento totalmente familiar, onde as casas
eram construídas para comercialização e lucro.
A seguir serão apresentados dois conjuntos de casas, o primeiro na Rua
Campos Bicudo com oito sobrados geminados, e o segundo na Rua
Pedroso Alvarenga, onde foram feitos três conjuntos com quatro casas
cada.
70 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 13 out. 2009.
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1. Conjunto de sobrados na Rua Campos Bicudo
Local: Rua Campos Bicudo, Itaim Bibi, São Paulo SP 1948 Demolido
Este conjunto de oito sobrados geminados, construídos quatro grupos
de duas casas geminadas, foi o primeiro projeto para o setor imobiliário
desenvolvido por Rodolpho Ortenblad Filho. O terreno escolhido era
situado na Rua Campos Bicudo, no bairro do Itaim Bibi, era de
propriedade de sua família, que possuía na região outros terrenos e
imóveis.
Cada unidade foi implantada em um lote com aproximadamente 9,00m x
25,00m. No pavimento térreo e acoplado ao volume da casa foi
colocada a garagem, com acesso direto ao interior do hall de entrada.
Este – disposto quase no centro da planta e voltado para a fachada
frontal – permite o acesso ao lavabo e cozinha, cujas aberturas se
abrem também para frente da casa; seguindo pelo hall pode-se acessar
a escada e as duas salas que ficaram voltadas para o pátio social,
colocado no fundo do terreno. A cozinha – com entrada de serviço pelo
corredor externo, que leva até o dormitório de empregados no fundo do
terreno e separado da casa pelo pátio de serviço – também tem acesso
à sala de jantar por uma passagem colocada sob a escada que sobe até
os dormitórios, estratagema tão ao gosto do arquiteto.
Conjunto de sobrados na rua Campos Bicudo, São Paulo, 1948. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Arquivo pessoal do arquiteto
128
Na pavimento superior foram colocados três dormitórios: dois voltados
para o pátio social e um terceiro voltado para a fachada frontal, ao lado
de dois banheiros. Os banheiros tiveram seus caixilhos protegidos por
uma espécie de varanda, fechada com elementos vazados que
permitem ventilação natural e garantem a privacidade do interior frente
aos olhares de transeuntes na calçada e arruamento.
Os caixilhos de madeira dos dormitórios foram instalados na face
externa da alvenaria, possibilitando a abertura total do vão, permitindo
ampla iluminação e ventilação. O pavimento térreo, recuado em relação
ao pavimento superior, recebeu detalhes em pedra, enquanto que o
pavimento superior se manteve branco. O telhado em duas águas e com
os beirais em madeira aparente, foi coberto com telha de cimento
amianto que possibilitou deixá-lo com pouca inclinação. O uso de
materiais com textura no pavimento térreo, as paredes brancas e lisas
no pavimento superior que avança sobre o andar de baixo, o telhado de
pouca inclinação com o madeiramento aparente e os caixilhos também
em madeira aparente e desenhados pelo arquiteto, foram características
que acompanharam toda a carreira de Ortenblad, como já pudemos
observar em projetos anteriores.
129
Conjunto de sobrados na rua Campos Bicudo, plantas, São Paulo, 1948. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Arquivo pessoal do arquiteto. Redesenho da autora
130
2. Conjunto de sobrados na Rua Pedroso Alvarenga
Rua Pedroso Alvarenga, esquina com Rua Campos Bicudo, Itaim Bibi, São Paulo SP 1950 Demolido Publicação: Acrópole, n. 181, nov. 1953
Trata-se do segundo conjunto de casas construídas para a venda,
também de propriedade da família Ortenblad. Neste projeto foram feitos
três grupos de quatro casas cada, sendo que as duas casas das pontas
foram implantadas em terrenos com aproximadamente 7,50m de frente
e possuíam recuo lateral; as duas casas centrais do grupo ficaram em
terrenos com 5,50m de frente, sem os recuos laterais (o terreno tinha
aproximadamente 21,00m de comprimento).
Conjunto de sobrados da Rua Pedroso Alvarenga, perspectiva, São Paulo 1950. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 181, nov. 1953
131
O abrigo de automóvel foi colocado no recuo frontal e protegido por
pérgula de madeira. A sala de estar (ao lado do hall de entrada) ficou
voltada para a Rua Pedroso Alvarenga e se manteve integrada à sala de
jantar, voltada para o pátio social colocado no fundo do terreno. A
cozinha – ao lado da sala de jantar e acessada pelo hall de entrada – se
abre para o pátio de serviço, também colocado no fundo do lote e ao
lado do pátio social, mas dividido por um muro de elementos vazados.
Semelhante ao projeto anterior, o pavimento superior possui três
dormitórios, dois deles voltados para o pátio social e outro, com
banheiro ao lado, para a fachada frontal. As três casas localizadas nas
esquinas das quadras possuíam entrada de serviço pela lateral do
terreno, por onde se acessava as dependências de serviço.
No pavimento térreo, a fachada principal foi revestida com litocerâmica.
O caixilho da sala de estar, voltado para a rua, foi feito em ferro por
“segurança”, segundo o arquiteto. A pérgula que protegia o automóvel
era em madeira aparente, com estrutura esbelta. O pavimento superior
avança sobre o pavimento térreo e se mantém em painéis lisos brancos.
Os caixilhos em madeira, desenhados pelo arquiteto, ficam encostados
nas paredes de divisa, simulando a fachada de uma única casa. Nas
partes superior e inferior dos caixilhos foram usados painéis fixos de
madeira, e no vão de abertura as venezianas e folhas com vidro abrem
em sistema de guilhotina. Os telhados em duas águas, uma voltada para
frente e outra para o fundo do lote, mantém os beirais aparentes.
Conjunto de sobrados da Rua Pedroso Alvarenga, vista da fachada, São Paulo 1950. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 181, nov. 1953
132
Conjunto de sobrados da Rua Pedroso Alvarenga, vista da fachada, São Paulo 1950. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole 181, nov. 1953. Redesenho da autora
133
Residências para o Banco Hipotecário Lar Brasileiro
O Banco Hipotecário Lar Brasileiro (BHLB) foi fundado em 1925.
Pioneiro no Brasil na área de crédito hipotecário foi responsável pelo
financiamento de inúmeros empreendimentos residenciais destinados à
classe média. Adriana Irigoyen afirma que a instituição era um braço do
Chase Manhattan Bank do Brasil.71 Segundo Eunice Abascal e Célio
Pimenta, “em 1950 já tinha cerca de 20 mil clientes, 80 mil depositantes
e guardava economias em torno de um bilhão e meio de cruzeiros,
números expressivos para a época”.72
Esta instituição atuou em todo o território nacional e teve a contribuição
de arquitetos que desenvolveram trabalhos importantes para a
consolidação da arquitetura moderna brasileira. Entre eles podem ser
citados: Acácio Gil Borsoi, com o projeto para o Conjunto Residencial da
Praça Professor Fleming em Recife, 1954; Eduardo Kneese de Mello,
autor do projeto para um conjunto de habitações de interesse social,
situado à Rua Pedroso de Moraes, esquina com Rua Galeano de
Almeida, em São Paulo, 1942 73; Abelardo de Souza, que entre os anos
71 IRIGOYEN, Adriana. Da Califórnia a São Paulo: referências norte-americanas na casa moderna paulista 1945-1960 (op.cit.), p. 219-220. 72 ABASCAL, Eunice Helena Sguizzardi; PIMENTA, Celio. Arquitetura Mackenzie e o Jardim Ana Rosa em São Paulo. 73 Idem, ibidem. Os autores afirmam que Kneese de Mello, engenheiro-arquiteto formado no Curso de Arquitetura da Escola de Engenharia do Mackenzie College em 1931, apresentou uma arquitetura baseada na racionalização dos espaços de
134
de 1950 e 1954 realizou três versões para o projeto do Conjunto Jardim
Ana Rosa, São Paulo – sendo que a alteração definitiva para este
projeto foi realizada pelo arquiteto Salvador Candia em 1954; Hélio
Duarte e Ernest Mange, que fizeram o projeto para o Conjunto Indaiá em
Santos, 1952.74
Rodolpho Ortenblad Filho também foi um dos arquitetos contratados
pelo Banco Hipotecário Lar Brasileiro para propor projetos residenciais
cuja construção seria financiada pela própria instituição. A seguir serão
apresentados onze projetos residenciais correspondentes a três
encomendas distintas feitas a Ortenblad pelo BHLB. Nestes projetos é
possível notar a tentativa do arquiteto em industrializar alguns elementos
construtivos – como os caixilhos, painéis em madeira da fachada e
vigamento dos telhados – e racionalizar o processo construtivo – com a
concentração das instalações hidráulicas graças à disposição dos
cômodos nas plantas – com o claro intuito de se obter a redução de
custos na construção.
circulação e na eliminação de ornamentos. No entanto seu projeto não foi aceito e “este conjunto de casas foi marcado por uma estilística conservadora, voltada aos interesses de mercado”. 74 Cf. NUNES, Luiz Antonio de Paula; RAMOS, Dawerson da Paixão. A proposta modernista de um edifício em Santos. Hélio Duarte e o Conjunto Indaiá.
135
1. Quatro residências para Campinas
Campinas SP 1956 Não construído Publicação: Acrópole, n. 219, jan. 1957
A primeira proposta de Rodolpho Ortenblad Filho foi feita para quatro
residências térreas que seriam construídas na cidade de Campinas pela
Knapp Construtora Ltda. Os projetos fazem parte de um plano de
financiamento para construção de casas em terreno já loteado e
adquirido pelo empreendedor. Segundo Ortenblad, “devido a grande
variedade de características dos lotes, tais como dimensões, orientação,
topografia, etc, foram estudados cerca de uma dezena de protótipos de
acordo com os mais diversos orçamentos e necessidades, sendo
possível com poucas modificações, adaptá-las às condições reais do
terreno”.75
As duas primeiras casas, aqui nomeadas como “casa 01” e ”casa 02”,
possuem sala, cozinha, um banheiro, três dormitórios, área de serviço
na área externa e abrigo de automóvel incorporado ao volume da casa.
Este abrigo foi colocado na lateral esquerda do lote e possui acesso às
áreas de serviço da residência. A sala ficou voltada para frente e
recebeu fechamento em muro no alinhamento do lote, criando um pátio
75 Acrópole, n. 219, jan. 1957.
Quatro residências para Campinas, vista e planta da casa 01, Campinas SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 219, jan. 1957. Redesenho da autora
136
social. O banheiro foi colocado no centro da planta, permitindo fácil
acesso a partir de todos os ambientes da casa.
Na “casa 02” os três dormitórios foram colocados no fundo do terreno,
diferente da “casa 01” onde um dos dormitórios foi disposto na fachada
frontal, sendo possível usá-lo como sala íntima ou escritório.
As outras duas casas, aqui nomeadas como “casa 03” e ”casa 04”,
diferem das primeiras basicamente pela disposição da planta e por
contarem com apenas dois dormitórios. Nessas casas foi usado
(conforme termo do próprio arquiteto) um terraço na frente da casa para
onde estava voltada a sala – ali também foi colocada a entrada social da
residência. Este terraço poderia ser usado como abrigo de automóvel
caso houvesse necessidade. A sala dava acesso a um corredor de
distribuição dos demais ambientes da casa. A cozinha, voltada para o
recuo lateral tinha entrada de serviço independente. Um dormitório ficou
voltado para o fundo do lote e o outro para frente. O banheiro ficou
localizado na região central da planta, equidistante de todos os
ambientes.
Quatro residências para Campinas, vista e planta da casa 02, Campinas SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 219, jan. 1957. Redesenho da autora
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Quatro residências para Campinas, vista e planta da casa 03, Campinas SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 219, jan. 1957. Redesenho da autora
Quatro residências para Campinas, vista e planta da casa 04, Campinas SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 219, jan. 1957. Redesenho da autora
138
A técnica construtiva foi padronizada para todas as residências,
havendo algumas modificações nos elementos que compõem as
fachadas. Todas as casas seriam construídas em bloco cerâmico, sendo
que alguns painéis de fechamentos voltados para frente do lote
poderiam ser erguidos em material aparente como tijolo de barro e
pedra. Os caixilhos seriam em madeira. O telhado seria em duas águas,
com uso de telha de cimento-amianto com 12% de inclinação. Todos os
projetos foram contemplados com amplas áreas ajardinadas, tanto na
frente como no fundo do terreno.
139
2. Três residências para São Paulo
Vila Elvira, Santo Amaro, São Paulo SP 1957 Não construído Publicação: Acrópole n. 230, dez. 1957
Os projetos apresentados a seguir se referem à três estudos de casas
para terrenos na Vila Elvira em Santo Amaro, capital paulista, que
seriam financiadas pelo Banco Hipotecário Lar Brasileiro.
As duas primeiras casas aqui denominadas como “casa 01” e “casa 02”
possuem soluções bastante parecidas. São casas térreas onde o abrigo
de automóvel foi colocado na frente do lote e protegido pelo
prolongamento do telhado que cobre a residência. A sala, voltada
também para a fachada frontal, foi protegida por um muro (que poderia
ser feito em pedra) colocado na divisa do terreno com a calçada. O lado
esquerdo do lote foi reservado para as áreas de serviço – que inclui
cozinha, lavanderia, dormitório e banheiro de empregada – com acesso
independente da entrada social. Na parte posterior da planta foram
colocados três dormitórios. Segundo Ortenblad, “foi deixada uma área
sem ocupação no fundo do terreno para que o morador tivesse a
flexibilidade de ampliar a casa quando estivesse em melhores condições
financeiras”. Essas duas residências tinham respectivamente, 97,00m² e
105,00m² de área construída.
Três residências para São Paulo, perspectiva da casa 01, São Paulo SP, 1957. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 230, dez. 1957
Três residências para São Paulo, perspectiva da casa 02, São Paulo SP, 1957. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 230, dez. 1957
140
Três residências para o São Paulo, planta e fachadas da casa 01, planta e fachadas da casa 02 e plantas térreo e superior da casa 03, São Paulo SP, 1957. Arquiteto
Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 230, dez. 1957. Redesenhos da autora
141
Diferente das outras duas residências, a “casa 03” é uma opção de
planta em dois pavimentos, prevendo maiores áreas sociais e de pátios.
O lado direito do recuo frontal foi destinado para o abrigo de automóvel
e entrada social, ambos abertos para a rua. Já o lado esquerdo foi
usado para a entrada de serviço e fechado com um muro em pedra ou
revestido com litocerâmica colocado no alinhamento da calçada. Do hall
de entrada se tem acesso, pelo lado esquerdo à cozinha e lavabo; do
lado direito, à escada; e seguindo em frente às salas de estar e jantar,
sendo que a sala de estar foi voltada para o pátio social enquanto que a
sala de jantar, por estar voltada para o pátio de serviço, recebeu
fechamento em elementos vazados. No fundo do lote foi colocada a
edícula com lavanderia, dormitório e banheiro de empregados. No
pavimento superior todos os três dormitórios ficaram voltados para o
pátio no fundo do terreno e o banheiro foi colocado sobre a área da
cozinha (centralizando as instalações hidráulicas que contribuem para a
redução de custos). Os mesmos caixilhos usados na cozinha foram
colocados no banheiro compondo a fachada frontal. Esta casa possui
130,00m² de área construída.
Três residências para São Paulo, perspectiva da casa 03, São Paulo SP, 1957. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 230, dez. 1957
142
O programa das residências é basicamente o mesmo, sala, cozinha, três
dormitórios, dois sanitários e dependências de empregada, alternado
apenas para um melhor aproveitamento do terreno, onde pode-se
aumentar as áreas de uso social (salas e pátios). A técnica construtiva
também é a mesma para os três projetos: alvenaria em tijolo cerâmico
ou bloco de concreto com acabamento em massa branca; telhado em
duas águas com o madeiramento do beiral aparente e uso de telhas
onduladas de cimento-amianto, que possibilitam pouca inclinação para a
cobertura; caixilhos de madeira; o muro de fechamento frontal
construído em pedra ou revestido com litocerâmica; alguns painéis em
madeira compondo com o desenho da caixilharia na fachada da frente; e
o uso de pérgulas de madeira protegendo a entrada social.
143
3. Três residências para Campinas
Campinas SP 1957 Não construído Publicação: Acrópole, n. desconhecido
Também de iniciativa e financiamento do Banco Hipotecário Lar
Brasileiro, este conjunto residencial faz parte de um programa para
construção de casas que segundo Ortenblad, seria para “dotar
Campinas e outras cidade de habitações modernas de baixo custo,
devido a grande aceitação que a arquitetura moderna residencial vem
tendo nas cidades do interior, pretendem os promotores dessa iniciativa,
prosseguir na execução de conjuntos semelhantes em bairros novos”.
Foram desenvolvidos três tipos de plantas, sendo que para cada tipo
havia uma variante para o desenho da fachada.
Na planta “tipo A”, com 135,00m², a garagem foi colocada na frente e do
lado direito do lote, aberta para a rua. Seguindo pela mesma lateral da
garagem se tem acesso ao setor de serviços da casa. A entrada social é
feita pela sala de jantar que está voltada para o pátio social colocado na
frente do terreno e protegido por um muro. Integrada à esta está a sala
de estar, voltada para um pátio interno. Os três dormitórios também
foram voltados para este mesmo pátio interno, sendo que dois deles
estão colocados na região central da planta e o último ficou na parte
posterior do terreno.
Três residências para o Campinas, duas opções de fachada para a casa “tipo A”, Campinas SP, 1957, Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. desconhecido
144
Três residências para Campinas, planta de situação e planta da casa ”tipo A”, Campinas SP, 1957. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. desconhecido .Redesenhos da autora
145
A planta “tipo B”, com 125,0m², possui o mesmo programa do projeto
anterior: salas de estar e jantar, cozinha, dependências de empregada,
três dormitórios, um banheiro e garagem. Neste projeto a garagem foi
colocada ao lado da entrada social e coberta com o prolongamento do
telhado que cobre todo o corpo da casa. A sala voltada para frente do
lote é protegida por um muro que delimita o espaço do pátio social e
bloqueia a visão do pedestre para dentro da residência. O setor de
serviço (formado pela cozinha, dormitório e banheiro de empregada) foi
colocado na lateral oposta ao da entrada social. Os dormitórios e
banheiro ocupam a parte posterior da planta.
Três residências para Campinas, duas opções de fachada para a casa “tipo B”, Campinas SP, 1957. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho
146
Três residências para o Campinas, plantas das casas ”tipo A” e “tipo B”, Campinas SP, 1957. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. desconhecido. Redesenhos da autora
147
A planta “tipo C” possui 140,70m² e difere dos outros dois projetos
somente na implantação das dependências de empregada que foram
colocadas isoladas da casa, no fundo do terreno. A garagem neste
projeto é fechada e foi colocada na frente do lote do mesmo lado da
entrada de serviço. As salas foram voltadas para frente do terreno e
protegidas por um muro que cria uma espécie de pátio. Os dormitórios
foram colocados na parte posterior da planta.
O sistema construtivo seria idêntico para todos os tipos de plantas: não
previa estrutura de concreto, sendo usados somente blocos auto-
portantes; a laje seria com tijolo furado pré-moldado e protegida com
cobertura em estrutura de madeira e telha tipo Eternit que permitiam
12% de inclinação. As fachadas frontais seriam em materiais naturais
como tijolo à vista, pedras e madeira envernizadas. Os caixilhos e
madeiramento do telhado também seriam em madeira aparente.
Três residências para o Campinas, duas opções de fachada para a casa “tipo C”, Campinas SP, 1957. Fonte: Acrópole, n. desconhecido. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho
148
Capítulo III – Análise dos projetos residenciais
Categorias
Para melhor entender o raciocínio projetual do arquiteto Rodolpho
Ortenblad Filho foram analisadas as doze residências apresentadas
nesta pesquisa a partir de três categorias com as quais se busca
encontrar recorrências em seus projetos: setorização, que mostra os
diferentes usos dentro do ambiente doméstico; distribuição e
organização da planta, onde se pode entender como os usos foram
distribuídos e como acontecem suas conexões; e, por último, a análise
dos planos cheios e vazios que compõem a volumetria do projeto.
Além desses conceitos funcionais e estéticos, julgamos importante
abordar os projetos a partir de questões construtivas – a busca de
industrialização de componentes, em especial nas coberturas e caixilhos
– pois elas demonstram as preocupações e apreço do arquiteto em
relação aos aspectos técnico-construtivos da arquitetura. Em toda sua
trajetória, sempre esteve muito próximo da obra durante sua construção.
149
1. Setorização
A análise das plantas confirma que Ortenblad organizava seus projetos
segundo quatro zonas de uso: área social; área de serviço; área íntima e
de repouso; e área de lazer.
A área social é composta pela sala de estar, sala de jantar e, em alguns
projetos, por uma sala íntima, que poderia ser usada como escritório e
como sala para as crianças (em dias de reuniões). Esta opção foi usada
nas residências Carlos Barros, Rodolpho Ortenblad Filho II e Fábio
Guimarães. Em todos os projetos a área social está voltada para um
pátio, reforçando a integração entre as áreas interna e externa.
A área de serviço é formada pela cozinha, copa, lavanderia, dormitório e
banheiro de empregados. Em todos os projetos há uma entrada restrita
e independente da entrada social, onde empregados e funcionários
pudessem acessar o interior da casa sem passar pelas áreas sociais.
Com exceção dos projetos feitos para a própria família – residências
Rodolpho Ortenblad Filho I, Fazenda Santa Cecília e Rodolpho
Ortenblad Filho II – em todas os outros as dependências de empregados
foram colocadas no fundo do lote e separadas do corpo principal da
casa por um pátio de serviço. Segundo Ortenblad, este tipo de
separação foi sempre uma exigência de seus clientes.
A área íntima e de repouso é composta pelos dormitórios, closets e
banheiros de uso dos moradores. A única residência térrea (daquelas
150
que estão sendo analisadas) é a casa da Fazenda Santa Cecília, onde
os cinco dormitórios principais foram colocados na extremidade
esquerda da planta, ao lado da área social e no lado oposto à esses
foram colocados mais dois dormitórios para hóspedes. Em todos os
outros onze projetos as casas foram desenvolvidas em dois pavimentos
e a área íntima e de repouso foi colocada no pavimento superior. As
duas únicas exceções são as residências Rodolpho Ortenblad (pai) e
Baltazar Fidélis, onde a suíte do casal foi colocada no pavimento térreo
voltada também para o pátio social e o pavimento superior foi destinado
apenas para os filhos.
A última zona de uso é a área de lazer que abrange o pátio social. Este
pátio era usado como uma extensão das áreas sociais e colocado, na
maioria dos projetos, no fundo do lote. Com exceção da residência
Carlos Barros, onde a área de lazer foi colocada no sentido longitudinal
do terreno, iniciando na frente do lote e seguindo até o final do mesmo e
a casa da Fazenda Santa Cecília, que por se tratar de uma fazenda a
casa é rodeada por áreas verdes. Na residência Olavo Quintela todo o
pátio foi coberto por um pergolado de madeira que além de proteger
contra furtos, também amenizava a incidência de raios solares, já as
residências Carlos Barros e Rodolpho Ortenblad Filho II, apenas parte
dos pátios foram cobertos com este mesmo recurso. Em todos os outros
projetos os pátios permaneceram totalmente abertos.
153
2. Distribuição e organização da planta
Todas as residências analisadas foram projetadas tendo o hall de
entrada como centro de distribuição e conexão entre todos os setores da
planta. Nos projetos para as residências Eng. Rodolpho Ortenblad,
Rodolpho Ortenblad Filho I, Olavo Quintela, Alfredo e Clemância Assad,
Carlos Barros e Rodolpho Ortenblad Filho II a entrada social da casa,
por onde se chega ao hall, foi colocada na lateral do terreno e quase no
centro da planta. Nos demais projetos (com exceção da casa da
Fazenda Santa Cecília), a entrada foi colocada na fachada frontal.
Nos dois tipos de disposição de entrada, o hall foi projetado de maneira
que torna possível o acesso para os diferentes setores da casa,
separando-os de tal maneira que não seja necessário passar por um
para chegar ao outro setor (somente a cozinha possui acesso direto
para servir a sala de jantar). Nas residências Rodolpho Ortenblad Filho I,
Arnaldo Melão e Rodolpho Ortenblad Filho II foi criada uma conexão de
serviço que é feita por um corredor colocado sob a escada para acesso
dos empregados entre a cozinha e sala de jantar. Do hall também se
tem acesso à área íntima, localizada no pavimento superior da planta.
Todos os halls são de formato retangular e constituem a principal
conexão do exterior com o interior da casa. Cada face deste retângulo
dá acesso a um setor da casa, de um lado à escada que chega aos
dormitórios, do outro a área social e o último lado ao setor de serviço.
154
De um modo geral, sobre a área de serviço eram colocados os
banheiros do pavimento superior, com isso os ambientes que eram
servidos por instalações hidráulicas ficavam centralizados, visando a
economia na construção.
A casa da Fazenda Santa Cecília, novamente, é exceção neste sistema
de distribuição desenvolvido por Ortenblad. Nesta casa o papel de hall
de distribuição é representado pela grande varanda na entrada, que liga
os dormitórios de hóspedes ao restante da residência. Desta varanda se
chega diretamente na sala, por onde se pode acessar a área de serviço
e o corredor para onde estão voltados os demais dormitórios.
157
3. Planos cheios e vazios
Dentro de um vocabulário plástico e estético característico da década de
1950, Ortenblad compõe a volumetria de seus projetos a partir de
volumes e reentrâncias com diferentes texturas e planos vazados.
De um modo geral, algumas das paredes do pavimento térreo eram
colocadas recuadas em relação ao pavimento superior e revestidas com
um material que dava textura a esses fechamentos. Em geral, sua
predileção era pelo uso de pedras, tijolo e litocerâmica. As aberturas em
vidro, principalmente das áreas sociais, também ficavam recuadas em
relação à cobertura, esses recuos estão sendo chamados aqui como
reentrâncias.
Os jogos volumétricos, em especial o uso de pequenos balanços, se
davam principalmente no pavimento superior, com o avanço de
varandas e falsos terraços para onde os banheiros eram voltados. Em
alguns projetos, uma das faces deste pavimento resultava em um
grande painel “cego”, sempre revestido com argamassa e pintado em
branco. Tal operação tinha o desejo de se obter um grande contraste
tectônico, opondo as texturas de revestimentos e das esquadrias em
madeira com lisura quase abstrata das paredes brancas.
Os elementos vazados em madeira, argila e concreto eram usados nos
planos verticais e horizontais, com finalidades distintas. Nos planos
verticais eram usados em geral para garantir a intimidade, vedando
158
parcialmente a visão, mas permitindo a entrada de luz e ventilação. No
projeto da residência Alfredo e Clemância Assad, por exemplo, foram
usados pilares bastante esbeltos colocados próximos um dos outros
entre o jardim e as grandes aberturas da sala de estar que serviam de
proteção visual e de conforto térmico para o interior deste ambiente. Na
mesma casa, elementos vazados cerâmicos separam o pátio interno do
jardim externo junto ao calçamento público, garantindo a privacidade.
No sentido horizontal, as pérgulas que eram usadas em alguns projetos
sobre os pátios e em outros, como na casa Arnaldo Melão, protegendo o
caminho até a entrada social, tinham a mesma função dos painéis
vazados verticais, trazer segurança e proteger da incidência solar. Um
dos casos mais exemplares desta solução são as vigotas de concreto
que cobrem o pátio social da residência Olavo Quintelo.
161
Industrialização da construção
Os arquitetos atuantes na cidade de São Paulo de uma maneira geral
desenvolveram seus trabalhos “a partir da possibilidade de se fazer
Arquitetura Moderna sem condições tecnológicas avançadas, uma
arquitetura que trabalhasse com a tecnologia construtiva disponível e
fornecesse elementos para o seu desenvolvimento, em uma linguagem
contemporânea de acordo com as possibilidades dos materiais
utilizados”.76
Este pensamento entre os arquitetos paulistas teve início no começo da
década de 1940, onde se destacam os arquitetos Rino Levi e Oswaldo
Bratke. Com os dois principais escritórios de arquitetura de São Paulo
na época, a maioria dos estudantes teve a oportunidade de fazer estágio
com os dois grandes mestres, o que contribuiu imensamente na
formação de um pensamento projetual que veio a se consolidar na
arquitetura moderna de São Paulo.
O arquiteto Rino Levi, que se formou em 1926 na Real Escola Superior
de Arquitetura de Roma, montou o primeiro escritório na capital paulista
dedicado exclusivamente ao desenvolvimento de projetos sem assumir
a execução da obra. Dessa maneira Levi apresentou em seu trabalho
76 MATERA, Sérgio. Carlos Millan, um estudo sobre a produção em arquitetura, p. 61.
Projeto de sistema de cobertura a partir de componentes pré-fabricados de fibrocimento, 1949. As calhas funcionariam como fôrmas para moldagem de vigas de concreto armado no local, contendo em seu interior algumas recomendações para os operários: indicações de quantidade e bitola de ferragem em função dos vãos a serem empregados. Arquiteto Oswaldo Arthur Bratke. Fonte: SEGAWA, Hugo; DOURADO, Guilherme Mazza, 1997, p. 39.
162
“seriedade profissional de homem minucioso, que ia às últimas
indagações em seus desenhos de pormenorização de detalhes
construtivos, em seus esquemas funcionais em seus gráficos de
circulação. Rino foi o anti-Oscar por excelência; em vez de se livrar dos
condicionantes do partido, procurava-os para tentar vencê-los. Disso,
decorreu uma arquitetura sobriamente bem composta, com cada coisa
em seu lugar”.77
Oswaldo Bratke, formado engenheiro-arquiteto em 1930 no Mackenzie,
percorreu junto com outros profissionais na mesma época uma
“sucessão de estilos até o racionalismo”. Segundo Segawa,
“não houve arquiteto formado em São Paulo da mesma geração dos
pioneiros cariocas que tenha iniciado sua vida profissional com a
linguagem moderna e sem envolvimento com a construção. Todos os
paulistas praticavam uma arquitetura eclética antes de se converterem
ao modernismo; todos, também, adquiriram grande prática de canteiro
porquanto rara era a encomenda de projeto sem a respectiva obra. A
introdução de componentes modernos na arquitetura paulista não se
iniciou mediante os recursos formais que caracterizam a linha carioca:
foi no tratamento racional e inovador das plantas que certa
modernidade emergiu em São Paulo”.78
77 LEMOS, Carlos. Arquitetura brasileira, p. 140. 78 SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990, p. 140.
Detalhamento de caixilhos desenvolvido por Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Acrópole, n. 286, set. 1962, p. 322-323.
163
Bratke desenvolveu soluções de projeto a partir dos materiais locais,
mas com uma linguagem totalmente moderna. Em sua tese de
doutorado, Mônica Junqueira afirma:
“[Bratke] mostrava com fatos as vantagens que podiam ser obtidas
através do emprego dos elementos industriais segundo sua natureza;
ele fazia ver que a arquitetura moderna funcionava melhor que a antiga,
produzia casas menos dispendiosas, de manutenção mais fácil, janelas
que fechavam bem, instalações que não se desgastavam facilmente.
Assim Bratke conseguiu conquistar a classe média, de profissionais
liberais, para a arquitetura moderna que, até então, estava restrita a um
pequeno grupo de intelectuais, professores universitários ou iniciados
na arte moderna”.79
Pode-se notar que as primeiras influências na Arquitetura Moderna
Brasileira foram de origem européia, tanto no campo teórico quanto
pelos arquitetos imigrantes que se estabeleceram por aqui. Com a
Segunda Guerra e o país sob a ditadura do Estado Novo de Getúlio
Vargas, o contato com culturas estrangeiras ficou debilitado. Somando
este fato com a política de boa vizinhança dos Estados Unidos com os
países latino-americanos, os valores e costumes americanos foram
facilmente inseridos na cultura brasileira, refletindo também no campo
79 CAMARGO, Mônica Junqueira de. Op. cit., p. 78.
Detalhamento da cobertura. Casa da fazenda Santa Cecília, 1955. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fonte: Revista de Engenharia Mackenzie, 1966.
164
da arquitetura, principalmente na cidade de São Paulo que estava em
pleno desenvolvimento industrial e tecnológico.
Dessa maneira muitos arquitetos orientaram sua prática profissional em
direção ao funcionalismo racionalista, desenvolvendo seus projetos
baseados nas possibilidades econômicas e tecnológicas locais, tendo
como principal intuito a tentativa de industrialização da construção.
Assim, a partir da análise de alguns elementos construtivos é possível
reconhecer recorrências nos projetos de Rodolpho Ortenblad Filho que
também aparecem em trabalhos do mesmo período de outros
arquitetos, como Rino Levi, Oswaldo Bratke, José Luiz Fleury de
Oliveira, David Libeskind e outros – não excluindo alguns recursos
utilizados pelos norte-americanos Frank Lloyd Wright e Richard Neutra –
sendo que alguns desses elementos comprovam essa tentativa de
industrialização dos componentes na construção.
Como os projetos residenciais são o principal foco de estudo desta
pesquisa, nos limitaremos a analisar alguns dos elementos construtivos
que foram identificados nesses projetos.
165
1. Coberturas
Com exceção da residência Rodolpho Ortenblad Filho I (1950), que
tinha o telhado em duas águas voltadas para a região central da planta e
embutido nas paredes externas formando o desenho de dois trapézios,
todos os demais projetos para residência desenvolvidos por Rodolpho
Ortenblad Filho tiveram em comum o uso de telhado com pouca
inclinação (devido ao uso das telhas de cimento-amianto, não proibidas
na época) e com os beirais aparentes.
Nas residências Leopoldo Raimo e Alfredo Assad o telhado foi
concebido em quatro águas e com o beiral com cerca de sessenta
centímetros rodeando toda a casa. Na primeira casa o madeiramento do
beiral ficou aparente, já na segunda foram usadas ripas de madeira
pintadas de branco.
Nas residências Olavo Quintela, Casa da Fazenda, Arnaldo Melão,
Rodolpho Ortenblad Filho II, Fábio Guimarães e nos projetos de
conjuntos de casas para venda (as casas para investimento da família e
as casas encomendadas pelo Banco Hipotecário Lar Brasileiro) os
telhados foram resolvidos em duas águas. A Casa da Fazenda teve a
varanda coberta com o prolongamento do beiral e todo o madeiramento
foi deixado aparente. Na residência Rodolpho Ortenblad Filho II o beiral
foi prolongado lateralmente protegendo parte do caminho entre o portão
de entrada até o hall social, enquanto que no pavimento superior, o
Residência Carlos Barros, detalhe das vigas da cobertura, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 270, maio 1961
Residência Aron Birmann, detalhe das vigas da cobertura, Porto Alegre, 1969. Arquiteto David Libeskind. Fonte: BRASIL, Luciana Tombi. Op. cit.
166
beiral avançou – mais que no restante da planta – na fachada onde
estavam os caixilhos de madeira. Em alguns projetos para as casas do
BHLB a área da garagem também foi coberta com o prolongamento do
telhado.
Já nas residências Carlos Barros, Baltazar Fidélis e Joaquim Freire
foram utilizadas coberturas quase planas de uma única água. O
vigamento principal (mais espesso) foi colocado no sentido transversal
da planta, acompanhando a modulação da fachada e sobre este
apoiavam-se as estruturas para fixação das telhas.
Em todos os projetos residenciais apresentados, o arquiteto optou pelo
uso de telhas onduladas de cimento amianto (na época ainda eram
desconhecidos os danos à saúde causados pelo material). Ortenblad, ao
comentar o projeto da Casa da Fazenda, diz o seguinte:
“detalhei os telhados e todo o escalonamento das telhas de cimento
amianto; fiz questão de procurar a Eternit para garantir uma boa
sobreposição das telhas e evitar entrada de água. Eu quis fazer um
telhado muito baixo, que não aparecesse; usei apenas dez por cento de
caimento e eles (técnicos da Eternit) recomendaram uma sobreposição
de trinta centímetros entre uma telha e outra. Nunca entrou água! As
telhas eram aparafusadas, o que é bom, porque quando venta forte,
principalmente pelo fato de ter pouco caimento, não cria obstáculo para
Residência Arnaldo Melão, São Paulo, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 235, maio 1958
Residência Rodolpho Ortenblad Filho II, SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 262, ago. 1960
167
o vento. A casa já tem cinqüenta e quatro anos e nunca deu problema;
o telhado está funcionando bem até hoje”.80
Essas telhas, além de permitirem pouca inclinação ao telhado, eram de
fácil e rápida montagem, por se tratar de peças bem maiores que as
telhas de barro; em decorrência do tamanho das telhas, o madeiramento
do telhado não precisava ser tão fechado, tornando possível a solução
de usar algumas poucas vigas mais espessas (de madeira ou pré-
moldada) apoiadas diretamente no corpo da casa, onde seriam fixados
os caibros menores para que as telhas fossem aparafusadas. Dessa
maneira o telhado se tornava um componente que poderia ser montado
facilmente na obra, a partir de peças com tamanhos padronizados e que
vinham prontas do fabricante, recurso que melhor atende à possibilidade
de industrialização.
80 ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 13 out. 2009.
Residência da Fazenda Santa Cecília, Uchôa SP, 1955. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Fotos do acervo pessoal do arquiteto
168
2. Caixilhos
Ortenblad, assim como a maioria dos arquitetos atuantes na época,
desenhava e detalhava todos os caixilhos que seriam usados em seus
projetos. No pavimento térreo (para salas, cozinha e banheiro)
Ortenblad usava geralmente caixilhos de ferro e vidro, enquanto que nos
dormitórios localizados no pavimento superior eram usados caixilhos de
madeira. Esses caixilhos, na maioria das vezes, eram painéis que em
alguns projetos tinham a mesma altura do pé-direito do ambiente e em
outros era a largura que obedecia a modulação do cômodo. Dessa
maneira os caixilhos acompanhavam a modulação e estruturação do
desenho de fachada.
Na época, eram poucos os fabricantes de portas e janelas, por isso
eram comuns os desenhos tão bem detalhados dos arquitetos para
esses elementos. Geralmente era usado o mesmo modelo de caixilho
em todos os quartos, o que facilitava na fabricação das peças e
instalação na obra.
Um desses poucos fabricantes, e talvez o mais conhecido entre os
arquitetos da época, era a Esquadria Ideal, cujo modelo de esquadria
mais difundido era a do tipo “guilhotina”, com folhas que deslizavam
verticalmente com um sistema de contrapeso. Este modelo de caixilho
tinha sua medida vertical ajustada à altura entre o piso e o teto e seu
Residência Arnaldo Melão, detalhe dos caixilhos horizontais, São Paulo SP, 1956. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 235, maio 1958
Residência Leopoldo Raimo, detalhe dos caixilhos verticais, São Paulo SP, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto Arquivo pessoal do arquiteto
169
sistema de cabos de aço fazia com que a bandeira e peitoril, também
fabricados em madeira, fossem parte do conjunto.
O arquiteto Luiz Espallargas Gimenez destaca as qualidades destas
esquadrias, que aliam os benefícios da industrialização e da beleza
plástica:
“Na verdade, um número grande de arquitetos paulistanos na década
de 1940 e 1950 entende com naturalidade e convicção o potencial dos
fechamentos leves e vêem nessa organização do projeto a atitude
moderna aderente e conforme que confirma a arquitetura como um feito
baseado em pauta comum que todos podem entender. (...) Essa
condição encerra vantagens formativas excepcionais para as fachadas
dos edifícios, pois iludem a figura da janela e a conseqüente perfuração
da parede e oferecem elementos fabricados como painéis que definem
planos quadriláteros regulares completados com alvenarias íntegras e,
quase sempre, constituem o terceiro elemento de um sistema
construtivo definido pelas espessuras da estrutura vertical e horizontal,
pelos planos de alvenaria revestidos com pastilhas e pelos próprios
painéis de madeira pintada ou envernizada. Não é sempre que um
conjunto construtivo alcança resultado estético e construtivo tão
apropriado, raro é contar resultados negativos com a integração desses
elementos”.81
81 ESPALLARGAS GIMENEZ, Luis. A propósito do juízo da arquitetura paulistana.
Sobrados da Rua Pedroso Alvarenga, caixilhos verticais em guilhotina, São Paulo SP, 1950. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 181, nov. 1953
Residência Olivio Gomes, caixilhos verticais em guilhotina, São José dos Campos, 1950-53. Arquitetos Rino Levi e Roberto Cerqueira Cesar. Fonte: Sabrina Bom, abr. 2000
170
Uma outra maneira de iluminar o ambiente pode ser encontrada nas
residências Rodolpho Ortenblad Filho I (1950), Olavo Quintela (1952) e
Rodolpho Ortenblad Filho II (1956), onde o arquiteto usou um caixilho de
ferro com vidro fixo bastante estreito (com altura de aproximadamente
25cm) que acompanhava toda a largura da sala. Neste ambiente foram
feitas duas lajes em alturas diferentes, uma avançando sobre a outra. O
espaço entre essas lajes foi fechado com este longo caixilho permitindo
que a luz externa natural entrasse pelo meio do ambiente. Este mesmo
recurso já tinha sido utilizado por Frank Lloyd Wright na residência
Katherine Winkler (Okemos, 1939) e por Richard Neutra na Casa
Tremaine (1948). Neutra ainda acrescentou um vão para ventilação.
Em uma das entrevistas feitas para esta dissertação, Ortenblad narra
sua breve colaboração para a empresa cooperativa Inocoop,82 uma
instituição que organizava a compra de terrenos e a construção de
residências para determinada classe de trabalhadores. O arquiteto
desenvolveu protótipos de núcleos de casas com sala, cozinha,
banheiro e um dormitório, que com telhado de duas águas eram
organizados de tal maneira que pudessem ser ampliados
posteriormente.
Essas passagens da carreira de Ortenblad como colaborador do Banco
Hipotecário Lar Brasileiro, da Inocoop e mesmo para seus clientes
82 Inocoop – Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais.
Residência Rodolpho Ortenblad Filho I, detalhe da iluminação natural na cobertura, São Paulo SP, 1954. Arquiteto Rodolpho Ortenblad. Foto José Moscardi. Fonte: Acrópole, n. 192, set. 1954
Residência Olavo Quintela, detalhe da iluminação natural na cobertura, São Paulo, 1952. Arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho. Foto do arquivo pessoal do arquiteto
171
particulares, demonstram, em comunhão com o apuro de detalhes dos
desenhos, a busca por uma padronização e sistematização do uso de
elementos construtivos e certos tipos de materiais pelo arquiteto. A
maneira de compor as fachadas com materiais e volumes, o cuidado
com o tratamento dos caixilhos e o desenho da construção do telhado,
sem se esquecer do agenciamento interno da planta e sua relação com
o exterior estão presentes em todos os projetos de Ortenblad de uma
maneira bastante explícita.
Sua obra não tem o vulto quando comparada às de inúmeros outros
arquitetos, mas ela é uma clara colaboração na busca coletiva de uma
geração preocupada em “simplificar” a construção civil, mantendo-se
sempre atenta ao conforto e elegância da boa arquitetura.
Res Katherine Winkler, 1939. Arq. Frank Lloyd Wright
Casa Tremaine, 1948. Arq. Richard Neutra. Fonte: RIBEIRO, Patrícia Pimenta Azevedo. Op. cit.
172
Considerações finais
Este trabalho foi elaborado a partir do acervo de obras e do contato com
o arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho, que com seus 83 anos pode
descrever os fatos que marcaram tanto sua trajetória pessoal como o
cenário de sua época.
O foco principal da dissertação é a pesquisa e o estudo de seus projetos
residenciais, analisando-os tanto em suas características projetuais
internas como dentro do contexto da arquitetura moderna das décadas
de 1950 e 1960 aonde tais decisões de projeto ganham um sentido mais
profundo.
Para se compreender o campo de possibilidades disponíveis a
Ortenblad, foi desenhado o cenário aonde pôde se formar e trabalhar.
Transitou-se pelos anos de formação no seio da família, com sua
mudança do Rio de Janeiro para São Paulo; pelos estudos de
arquitetura na Universidade Mackenzie, jogando luz sobre suas relações
com professores e colegas de classe; pelo período curto mas intenso de
173
sua viagem pelos Estados Unidos e Europa, que pode ser considerado
decisivo na transição da condição de jovem estudante para o
profissional gabaritado.
Ainda nesta primeira parte, a dissertação apresenta a atuação de
Ortenblad como editor da revista Acrópole e sua participação ativa no
Instituto de Arquitetos de São Paulo, Bienais e mostras de arquitetura.
Fechando este panorama mais geral de seu trajeto profissional foram
apresentados os projetos desenvolvidos para escolas, indústrias, para a
instituição do Sesi de Sorocaba e para a Universidade de São Paulo.
O segundo capítulo traz à cena o principal objetivo da pesquisa, os
projetos residenciais desenvolvidos para clientes particulares, que são
apresentados com maior profundidade. Menciona-se também os
projetos de conjuntos residenciais para o setor imobiliário, pois são
projetos que ajudam a elucidar seus procedimentos projetuais. Aborda-
se nesta parte o partido tomado pelo arquiteto para agenciar as plantas,
a volumetria das fachadas e o emprego dos materiais, relacionando
todos esses temas com a arquitetura praticada contemporaneamente
pelos profissionais brasileiros e estrangeiros, especialmente norte-
americanos.
Por fim, a terceira etapa da pesquisa tenta agrupar as principais
características de sua obra. A partir da análise sistematizada das doze
residências apresentadas, pode-se apontar as recorrências utilizadas no
174
desenvolvimento desses projetos: a setorização das plantas e a maneira
que esses setores estão conectados e distribuídos; a tentativa de
racionalizar a construção agrupando áreas com necessidades comuns
(como é o dos ambientes servidos por instalações hidráulicas); a
maneira de usar os materiais, relacionando-os cheios e vazios para
compor a fachada; o detalhamento e tentativa de simplificação de
elementos construtivos como telhado e caixilhos.
A partir dessas análises foi possível tentar entender a preocupação de
Ortenblad (que era compartilhada por inúmeros outros profissionais) de
se alcançar uma arquitetura voltada para o conforto ambiental,
qualidade estética e construtiva, buscando a simplificação e
padronização dos elementos que compõem esta arquitetura.
Em vários momentos da pesquisa os projetos de Ortenblad são
colocados ao lado de outros arquitetos com os quais compartilhava
ideias e princípios – Oswaldo Bratke, Rino Levi, Carlos Millan, David
Libeskind, Frank Lloyd Wright e Richard Neutra – em sua fase mais
madura, quando desenvolveu uma arquitetura que valorizava os
materiais e princípios plásticos identificados com o dístico de
“arquitetura wrightiana”. Mas também aparecem os arquitetos cariocas
da primeira geração moderna, Eduardo Affonso Reidy, Jorge Machado
Moreira, Oscar Niemeyer e Atillio Corrêa Lima, que alimentaram sua
imaginação quando estudante e recém-formado.
175
Na arquitetura feita nestas décadas é possível constatar que havia um
certo tipo de consenso entre os arquitetos, uma tentativa de se chegar
ao que seria ideal para atender às novas exigências de uma sociedade
que modernizava de forma acelerada. E Rodolpho Ortenblad Filho,
mesmo com um trabalho mais modesto quando comparado aos grandes
nomes da geração, foi igualmente protagonista deste momento histórico
e deu uma grande colaboração para a constituição da arquitetura
brasileira daqueles anos gloriosos. A dissertação revela aqui seu
comprometimento histórico: evitar o esquecimento.
176
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ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. Depoimento à autora, 01 dez. 2009.
PAOLIELO, Arnaldo. Depoimento à autora, 14 fev. 2010.
SARAIVA, Pedro Paulo de Mello. Depoimento à autora, 03 nov. 2009.
SEGNINI JR, Francisco. Depoimento à autora, 26 janeiro 2010.
WILHEIM, Jorge. Depoimento à autora, 17 nov. 2009.
Acervos de fontes primárias
Coesp – Coordenadoria do Espaço Físico da USP
Rodolpho Ortenblad Filho
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Anexos
Entrevistas
1. Rodolpho Ortenblad Filho
Data: 04/05/2009
Onde o senhor nasceu?
Rio de Janeiro, no dia 25 de janeiro de 1927, numa residência que naquele tempo as senhoras tinham parteiras que atendiam em casa, eu nasci na casa, era uma casa avarandada que tinha que porão, era na Rua Visconde de Taunay, lá no Catete. E depois, logo, talvez quando eu tinha uns 4, 5 anos, meu pai e meu tio resolveram construir um prédio em Copacabana que seria o segundo edifício de estrutura em Copacabana. Meu pai era engenheiro, meu tio era também, e eles construíram com o financiamento do Banco Hipotecário lar Brasileiro. E esse prédio, eu visitei agora recentemente está perfeito, em estilo art nouveau, de boa arquitetura, as plantas muito boas, eram 3 apartamentos por andar.
Quem fez o projeto deste prédio?
Deste prédio, foi um arquiteto que meu pai e meu tio escolheram, que tinham, não lembro o nome, faz tanto tempo, mas era um arquiteto de renome do RJ, se não me engano ele se chamava Saldanha, mas não vou afirmar isso. Porque depois ele fez outro, evolui dentro do estilo moderno, ele fez vários prédios de ótima arquitetura lá no Rio de Janeiro.
O senhor morou no RJ até qual idade?
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Até os 16 anos. Eu vim para SP pq meu pai era diretor da Pirelli, filial no RJ e qdo estourou a guerra o diretor-presidente aqui em SP, ele era o Sr Lavilla, ele foi considerado adepto do Richt do eixo Roma-Berlim, ele foi afastado e meu pai foi chamado para dirigir a Pirellli, a matriz aqui em SP. Eu estranhei muito, mas teve um aspecto positivo, que eu vim estudar no Mackenzie. E o ambiente do Mackenzie era muito alegre, era um ambiente, o Mackenzie não era grande, ele tinha basicamente a Escola de Engenharia e arquitetura era o Curso de Arquitetura que dependia de matérias técnicas do curso de engenharia, então Resistência dos Materiais, Cálculo vetorial, Cálculo, enfim era tudo em comum com a engenharia.
O senhor entrou para estudar engenharia não é?
Eu entrei na engenharia por pressão familiar, pq meu avô era engenheiro, meu avô era dinamarquês, Artur Ortenblad era engenheiro, ele tinha formação mais de agrimensura sabe, meu tio Alberto era engenheiro, ele defendeu uma tese de resistência dos materiais e mecânica de solos que até hoje é adotada, ele fez esse trabalho lá nos EUA, no MIT. Do lado paterno minha ascendência é dinamarquesa pelo lado de meu avô e italiana pelo lado de minha avó, ela veio com 2 anos imigrante de Livorno, ela nasceu em Livorno na Itália. Do lado de minha mãe era uma família, Camargo Penteado, tinha origem em Tietê, meu avô Dourival, era originário de Tietê e minha avó materna era do Vale do Paraíba, família Martins, brasileiros. Do lado da minha mãe, minha avó materna tinha um temperamento artístico, ela criava, nas festas de aniversário ela inventava turmas e fazia fantasias, era uma pessoa ultra sensível, com uma grande sensibilidade artística. Minha mãe tinha uma vocação para arquitetura, ela lá no RJ, costumava investir em apartamentos antigos que ela remodelava, ela refazia a planta, enfim, dava.
E seu pai reformava?
Não meu pai como diretor da Pirelli não tinha tempo, quem era construtor era meu tio Alberto, ele teve uma grande construtora no Rio em associaçãocom um engenheiro inglês, Locke, era a construtora Ortenblocke. Quando meu tio quis fazer uma casa, ele morava em apartamento, aí ele comprou um terreno, numa avenida que liga Copacabana à Ipanema, eu tava recém-formado, ele disse: “Você vai fazer o projeto da minha casa”, eu digo tio Alberto, não vou poder, porque eu vou para os EUA e para a Europa, e vou ficar um ano fora, se o senhor quiser esperar. E meu pai comprou em 1947 uma casa antiga, térrea, aqui no Jardim América, na época chamava Praça Guadelupe, hoje é a Praça
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Gen. San Martin e depoisd e um ano, ele disse: “essa casa não me serve”. Nós éramos adolescentes, cada um queria ter seu quarto. Ele disse: “você vai fazer um projeto novo pra nós”, eu digo, mas pai eu tô no 2º ano da faculdade, eu não sei nem desenhar para execução, “não faz mal, eu ponho você lá no escritório da Barreto Xandi, e você vai treinar lá” era a construtora de uns amigos dele. E lá tinha um desenhista muito hábil que me ensinou fazer desenho técnico para execução, eu sabia fazer perspectiva.
O senhor já estava na faculdade de arquitetura?
Eu tava no 2º ano, essa casa é aquela que tem publicada na Revista de engenharia Mackenzie, era uma casa que, quando a revista Time fez uma reportagem sobre o boom imobiliário aqui em SP, publicou a casa, era ao lado de uma casa do Oswaldo Bratke, as duas foram publicadas. A casa existe até hoje, dentro do Jd América, da Cia City.
Nós interrompemos a conversa sobre quando seu pai veio para SP. Por que seu pai veio para cá?
Ele veio e eu fui logo para o Mackenzie e me adaptei bem ao espírito do Mackenzie, só que eu estava cursando Engenharia, não me conformava, eu fui reprovado duas vezes pelo prof. Sonino em cálculo, um dia ele chegou pra mim e disse: “ Rodolpho, você não vai ser engenheiro, você vive enfiado no ateliê dos arquitetos, por que você não muda para arquitetura logo, eu vou te reprovar outra vez?. (rs..) Eu digo, é? Então vou mudar, eu perdi um ano, naquela época podia fazer isso, eu tive que fazer cadeiras que faltavam de arquitetura. Aí entrei para o ateliê dos arquitetos. Naquela época o curso de arquitetura, que depois veio ser a Faculdade de Arquitetura Mackenzie tinha pouquíssimos alunos, porque o curso era de 6 anos, então ninguém queria saber de arquitetura, fazia engenharia. Seu Christiano das Neves, teve muito valor porque ele conseguiu manter o curso de arquitetura com pouquíssimos alunos, tinham anos que tinha 1 aluno. Quando nós entramos, passou a ser de 5 anos, quando eu entrei na faculdade, curso na época.
O senhor entrou em qual ano no curso de arquitetura?
Em 1947, eu me formei em 1950, na realidade a minha turma já era maior, uns 19, da qual fazia parte gente muito competente, gente que se realizou bem na profissão, eu era colega do Roberto Aflafo, ele era um excelente designer de móveis, ele fundou a Branco e Preto, junto com Miguel Forte e Jacob Ruchti, tinha o Arnaldo Paolielo, que é até hoje um arquiteto muito competente e o
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prof. Carlos Lemos, ele é prof. da USP, ele adotou a carreira de pesquisador de arquitetura colonial brasileira, história da arquitetura. Uma vez fiz uma viagem com ele super interessante, vou fazer um parênteses: um dia ele me convidou para ir para Minas, conhecer o desemboque, o desemboque, “é uma coisa interessantíssima, são 3 igrejas das quais só restam as paredes num descampado, era uma vila de mineração, as casas eram precárias foram feitas durante a exploração de ouro naquela vila”, ela subexistiu depois acabou o ouro do rio e as casas eram de material precário acabaram caindo restando só 5, eu digo tá bem vamos pra lá, não tinha estrada pra chegar no tal de desemboque.
Vocês eram estudantes ainda?
Não já estávamos formados, tô falando do Carlos Lemos como pesquisador, e fomos lá para o desemboque, era perto de Araxá, era um descampado de capim baba de bode, não tinha estrada, nós perguntávamos: onde ficam aquelas 3 grandes igrejas do desemboque? “é pra lá”, íamos por cima do capim até chegar lá. Eles tinham uma rural, um carro de tração em quatro rodas e só tinham 3 marchas (rs..), chegamos lá no desemboque, eu fiquei impressionado, eram três enormes, igrejas de uma escala fora do comum. Paredes de 1,5m de espessura, alvenaria de pedra, só tinham 5 casas onde moravam pessoas muito idosas rendeiras, as mulheres eram rendeiras e nós ficamos hospedados em uma das casas, era um casal muito idoso, tinham dois quartos, então ficamos em um dos quartos. Depois saímos do desemboque para chegar em uma cidade, era Passo Bonito, que ficava em baixo de uma serra, a estrada era cavada na terra em patamares, tinha que botar uma roda aqui outra ali, uma loucura (rs..). Bom, esses são episódios da época que comecei arquitetura.
Voltando para o tempo de faculdade, o prof. Christiano presava pelo neoclássico, não é?
Só neoclássico.
Como eram as aulas?
As aulas nunca começavam certas, nós tínhamos uma estratégia para interromper a aula do Christiano, eu assinava muitas revistas de arquitetura, principalmente as americanas, e punha uma pilha assim na minha mesa e o Christiano entrava e dizia bravo: “Ortenblad o que é isso aí, essa arquitetura decadente, gerâmica, isso não é para o nosso clima”. Nós fazíamos um circo
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em volta dele polemizando, sabe, eu o Aflafo, o Arnaldo, o Carlos é mineiro, mais quieto, não participava tanto. Chegava o Plínio Croce que tava um ano acima, o Plínio era bravinho, era baixinho, ele falava assim: “professor, assim não dá”, e o Christiano: “como não dá, vocês tem que fazer arquitetura neoclássica, isso que é arquitetura de tradição americana, do século XIX”. Mas ele fez a estação, na época, da Sorocabana, hoje é a estação Júlio Prestes, que se transformou num centro cultural. Ela é bonita, só que ela é baseada num estilo totalmente inadequado, já naquela época Le Corbusier, Mies van der Rohe, todos esses pioneiros, Frank Lloyd Wrigth também, fazia uma arquitetura totalmente desligada dessa tradição romântica.
Com quem mais o senhor tinha aula?
Na parte de desenho artístico era Pedro Corona, era muito bom professor, nós saíamos para o parque no Mackenzie, tinha uma vegatação muito exuberante, tinha um campo enorme de futebol, era arborizada, então nós fazíamos pintura com aquarela, com várias técnicas, cryon, ao ar livre, com Pedro Corona, era um bom professor. Tínhamos perspectiva, dada pelo prof Kosuta. Tínhamos resistência dos materiais que era pelo prof. Evaristo Costa, esses eram os principais professores na época.
Tinha cadeira de urbanismo nesta época?
Tinha, mas era só no último ano, era dado muito superficialmente, o básico mesmo era projeto. Quando eu estava no 3º ano, nós fizemos greve, fomos procurar o prof. Christiano e dizer: nós queremos fazer arquitetura contemporânea, com temas sociais, residências, ele disse: “isso eu não sei dar, comigo vocês não vão fazer não”.
E qual o projeto que ele pedia para vocês fazerem?
Era pavilhão lateral de um palácio, (rs..) fonte em estilo greco-romano em um parque. Aí vou fazer um parêntese: eu tive que fazer esse projeto na fazenda do meu avô, eu botei uma mesa de desenho no sótão, a casa do meu avô era em estilo normando, fazia um calor terrível e tinha na frente, uns 50 metros, uma figueira branca, linda, eu me encantei pela figueira e comecei o projeto pela figueira, a folha era tamanho padrão e a figueira encheu praticamente a folha inteira, aí sobrou um cantinho lá pra fonte em estilo greco-romano, eu meti lá uma fonte em estilo dórico, que era o mais simples né, e ela ficou lá no cantinho, pequeninha, eu apresentei ela no julgamento, o prof. Christiano, ele convocava uma comissão pra dar as notas.
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Eram professores do Mackenzie?
Não eram professores de fora, ele chegou e disse assim: “Ortenblad, cadê a fonte? Você fez o projeto de uma árvore”? (muitos rs..). Aí todo mundo deu risada, pessoal da comissão. Eu disse: prof. não aguentei, essa árvore me impressionou muito. “Tá bom desta vez passa” (rs). Eu era bom aluno, ele gostava muito de mim. Tinha um outro personagem, no nosso ano, que era o Billy Branco , Willian Branco Trindade, ele era sambista de vocação, ele entrou na arquitetura e morava no pensionato Chanderlain , era ao lado ateliê. Nosso ateliê era um pavilhão grande, pé-direito alto e todo mundo tinha uma prancheta grande também. Os trabalhos eram colados com fita colante e eram rubricados, não podia levar para fazer em casa, nem dar para terceiros. E tínhamos também um bom armário para guardar todo o material. Os julgamentos eram feitos depois de um prazo determindo, colocava-se os projetos na parede e convocavam uma comissão para dar as notas, não eram bem notas, eram menções, primeira, segunda, terceira menção. Essa figura o Wuillian Branco, era um grande sambista, tanto que na internet meu filho Sérgio tirou matéria de 10 páginas sobre ele. Ele escreveu a sinfonia do RJ, sinfonia de SP, sambas antológicos, ele era um grande compositor, o Billy Branco, era o nome dele artístico. Mas na parte de arquitetura ele ficava batucando o tempo inteiro e não entregava, chegava no último dia, às vezes a gente varava a noite, porque podia entrar a noite para fazer o projeto, o ateliê era aberto, era muito agradável.
As aulas eram durante o dia?
Sim, e podíamos trabalhar a noite, todos nós estagiávamos em escritórios que eram poucos na época, o principal para minha formação no caso, foi o do Oswaldo Bratke, ele morava na Rua Avanhandava e tinha o ateliê ao lado, era um pavilhão grande que tinha umas 20 mesas e todo mackenzista queria uma mesa lá e eu consegui com o Arnaldo Paolielo, fui estagiário lá com o Arnaldo Paolielo e depois passei uma temporada no Rino Levi também. Na faculdade, eu já trabalhava, eu, Arnaldo, Marino Barros que era um grande construtor, ele era perfeccionista, era arquiteto mas gostava mais da parte de construção, tanto que nós encaminhávamos os projetos das residências para ele.
Os trabalhos da faculdade eram em grupos ou individuais?
Não, cada um fazia o seu, éramos indivualistas e praticamente auto-didatas, eu formei a minha formação baseada em revistas que eu assinava, livros.
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Tinha aula de História da Arquitetura?
Tinha, mas era muito superficial.
O senhor estava falando que no 3º anos vocês se reuniram para falar com o Christiano?
É, pra modificar o sistema de ensino. Ele indicou um amigo dele, dicípulo talvez, dele, que era um arquiteto bom, o Fernando Martins Gomes, ele fazia uma arquitetura residencial de bom nível, tinha muita coisa do colonial, neocolonial, mas era de bom nível. O Fernando era sensível, às vezes nós dizíamos: queremos fazer uma clínica de múltipla utilidade, ele dava, um anfiteatro de uma faculdade, ele permitia que fizéssemos, aí dava um programa que nós seguíamos e daí, ele não influenciava muito com críticas nos projetos, mas os projetos eram submetidos depois á um julgamento, por uma comissão de julgamento. Na formatura nós pedimos que fosse feito um campus universitário, ele aceitou e nós fizemos o projeto de um campus universitário como trabalho final, me formei em 1950.
Logo depois o senhor viajou? Como foi a viagem?
Eu pedi ao meu pai, que eu queria conhecer arquitetura de qualidade, tanto dos EUA quanto da Europa e ele inclusive uniu o útil ao agradável, ele disse: “ então fica um ano fora e você me traz um carro”, porque naquele tempo quem ficasse um ano fora do país, podia trazer um automóvel sem pagar direitos, porque no Brasil não tinha indústria automobilística e os carros importados eram muito caros na época. Então eu fui em um navio frigorífico que tinha acomodação para 80 passageiros, era da empresa Delta. Fui até o norte, que saiu de Santos e foi até New Orleans, foi muito interessante, porque New Orleans é uma cidade de origem, formação francesa e foi praticamente destruída por um furação, mas na época era muito alegre. Eu comprei o carro lá e percorri o leste todos dos EUA, fui sozinho, dava carona para mochileros, com isso desenvolvi muito meu inglês, tinha que falar inglês, no navio mesmo eu já falava, quase todos passageiros eram amercianos, foi uma viagem muito boa, o navio eram muito confortável, tinha piscina, um deck muito bom, o almoço era servido no deck, tomei tanto sol que cheguei a ficar desidratado. Segui viagem para o leste, passei pelos parques nacionais que eram muito bonitos, a cidade da Louisiana que era uma formação holandesa, fui até o Canadá.
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O senhor ía visitando as cidades e conhecendo o que estava sendo construído?
Como era difícil estacionar carro, já naquela época as cidades maiores tinham muitos problemas para estcionarm, então eu fazia o seguinte, alguns quilômetros antes de uma cidade grande eu ficava num motel de estrada, eram muito bons e baratos, depois eu ia visitar a cidade, eu tinha que andar com o carro. Passei por Nova York, fiquei uns 15 dias, conheci tudo, já tinha arquitetura boa lá, o Guggenheim, as Nações Unidas, aí eu fui até Quebec no Canadá, depois voltei por outro itinerário, por Chicago, visitei algumas obras do Frank Lloyd Wright, naquela época já era preservado, aquela casa da cascata, não era mais habitada. Quando cheguei de volta a Nova York, eu quis embarcar o carro pra França, era plena temporada turística, a única coisa que encontrei para levar o carro era um navio cargueiro grego.
Qual mês era?
Era verão de 1951, também conincidiu da Vilma ir para a frança com duas amigas e as avós dessas duas amigas, meu sogro deu essa viagem à ela. Eu digo: vou aproveitar e me encontrar com a Vilma. Peguei um cargueiro daqueles que eram usados para comboio na guerra, chamava-se Liberty Chips, era um navio horroroso, só levava cinco passageiros, os companheiros de viagem eram muito ruins, era um professor primário muito ignorante, um americano, vivia muito fechado. O comandante vivia bêbado, o navio era muito ruim. No Atlântico Norte nós pegamos uma tempestade com ondas de mais de cinco metros, o navio parecia que ia desconjuntar, eu estava preocupado com o meu carro no porão, aí depoisd e 5 dias passou a tempestade, e eu pedi ao comandante para eu descer no porão para ver meu carro, será que está inteiro? Estava, bem amarrado. Cheguei, dei carona para este professor primário até Paris, encontrei com Vilma e suas amigas, fiquei amigo do guia, era uma viagem de ônibus pela Europa toda. O rapaz disse assim: “tem um banco lá atrás, você pode ficar lá, mas tem uma coisa, nas paradas você vai ter que arrumar lugar para dormir, você vai só de carona, não pode participar da hospedagem”. De carona, fiz a Provance, depois fizemos uma parte na Suíça, depois ela (Vilma) voltou ao Brasil. Eu tinha uma indicação de um arquiteto português que conheci aqui em SP, ele era conhecido Carlos Lemos, ele disse assim: “olha, eu vou voltar para o ateliê do Le Corbusier, eu tenho um lugar lá”, eu disse: será que você não me arruma uma prancheta para ficar junto? “vamos ver, lá muda muito, tem um revezamento muito grande, sabe,
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são arquitetos do mundo inteiro, um cai fora, o outro volta”. Quando cheguei em Paris, eu procurei ele, eu tinha o endereço desse arquiteto português, e ele disse: “ih, você deu sorte, tem uma mesa, mas é lá no fundo, você quer entra?”, eu digo: quero, “então vai uma manhã lá e se inscreve”. Eu fui, me inscrevi, e fui chamado, apresentei um currículo e trabalhei lá durante 3 meses, trabalhei no detalhamento de um palácio do Chamdigard, porque Le Corbusier na época estava fazendo o projeto dos edifícios públicos da capital da Índia, Chandigard. Ele parava na minha mesa: “você é brasileiro?” tudo em francês, queria mais saber sobre o Brasil, não tanto a arquitetura, queria saber como era o país, eu digo: lá é tudo grande professor, tudo muito grande, as propriedades agrícolas são enormes, têm rebanhos de 30, 40 mil bovinos.
Ele já tinha vindo para o Brasil, não é?
Já tinha, mas conhecia só o RJ, ele se limitou a dar acessoria ao Ministério de Educação e Saúde, um convite do Gustavo Capanema, que era ministro da Educação e Saúde. Gustavo Capanema era um homem muito inteligente, evoluído, já existia um projeto para o ministério em estilo, vamos dizer, eclético (rs), teve um concurso que foi anulado, foi constituída uma equipe que eram arquitetos brilhantes na época que era chefiada por Lúcio Costa, da qual fazia parte o Oscar Niemeyer, Afonso Eduardo Reidy, que era excelente arquiteto. Posso fazer um parêntesse? Em Paris, nós tínhamos um grupo que se reunia no Café du flour que tinham vários brasileiros, o Ivo Pitanguy, um arquiteto da equipe do MES, o Vanconcelos e ele me confidenciou que de todos os arquitetos da equipe, o mais influente era o Afonso Eduardo Reidy, ele de certa maneira era o chefe da equipe. Então, Le Corbusier nunca falava de arquitetura, ele comparecia relativamente pouco no escritório, ele tinha muitos acessores de caráter internacional. O ateliê era perto do meu hote, eu ia a pé pra lá, era um porão enorme, dependia de iluminação artificial, tinha uma parte que era o escritório do Le Corbusier. Nós tínhamos que comer fora, não tinha nem cozinha, só tinha banheiro (rs). Eu encerrei esse detalhamento e resolvi viajar, fiz ponto em Paris, levei o carro para uma cidade próxima, o estacionamento era muito caro em Paris, deixei meu carro em Tour , daí segui viagem com dois brasileiros que tinham alugado um carro pequeno, um Renault, tinha motor atrás, viajei com eles, fui para Espanha, Suiça, Alemanha.
O senhor visitou alguma obra do Le Corbusier?
Sim, estavam terminnado a Unidade de Habitação de Marsellhia, por sinal eu não gostei, os quartos eram muito pequenos, teto muito baixo, os móveis eram
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todos de concreto, meio esquisito, era uma concepção muito restrita de espaço, eram pequenos cubículos onde tinham uma cama, uma banqueta. Tava praticamente pronto, não tinha sido inaugurado, passei pela Ville Savoye, era uma bela residência, inovador na época, Capela de Ronchamp também, é mais bonita em fotografia, não é tão bem espaçosa, pequena. Dali eu fui para Suécia, com meu carro, segui viagem sozinho até Estocolmo. Ah, passei pela Dinamarca para conhecer os parentes do meu avô, tinham vários irmãos do meu avô vivos ainda, meu avô moço, ele tinha um irmão e duas irmãs gêmeas do meu avô que eram donas de uma tabacaria, fiquei lá por uns 10 dias, vieram outros parentes para me conhecer. Acontece uma coisa interessante, a família Ortenblad lá ficou reduzida a apenas um que é pastor e aqui, que meu avó veio só, ele era topógrafo e abriu a região de São José do Rio Preto, ele era um topógrafo muito ativo e teve só dois filho, meu pai e meu tio. Hoje a família Ortenblad aqui tem mais de quarente e lá só tem o pastor que é casado, teve só 4 ou 5 filhos, é o único que está dando continuidade ao nome lá na Dinamarca. Voltei para Paris, tava quase cumprindo o prazo de um ano. Voltando, eu saí de Paris, fui encontar com esses dois amigos em uma cidade onde havia uma feira famosa de tourada, com os principais toureiros (já na Espanha), ali eu fiz a Riviera Espanhola, voltei novamente para Marselhia e fui para Paris.
O que o senhor conheceu na Espanha que te chamou a atenção?
Em Sevilha conheci os palácios de influência moura. Fiquei um ano fora, troxe o carro, meu pai o vendeu e pagou minha viagem com a venda do carro (rs).
2. Rodolpho Ortenblad Filho
Data: 21/05/2009
Qual era seu contato com os arquitetos norte-americanos?
Em primeiro ligar através de assinaturas de revistas, muitas delas especializadas em residências, no caso Progressive Architecture, Architectural Record que era exclusivamente dedicada à residências, também uma outra que não era americana, era arquitetura européia, L’architecture d’aujourd’hui. Eu comprava e assinava essas revistas. Como falei em entrevista para a revista projeto: tinha um italianinho que fazia ponto. Eu passei a ser como Diretor do Instituto dos Arquitetos, um cargo quase como secretário e a revista
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Acrópole precisou de um diretor responsável brasileiro, ela era de pai e filho judeus. Me registraram como diretor responsável, constava salário, mas eu não recebia, trabalhava de graça. Mas pra mim foi muito bom, porque passei a ser correspondente de várias publicações internacionais. Eles me mandavam, como eu era diretor da maior revista de arquitetura, praticamente a única aqui no Brasil, a Acrópole, eu recebia livros para fazer resenhas e essas resenhas eu fazia num boletim, era separada da revista Acrópole, onde se davam notícias sobre livros, revistas, enfim comentários, eu era o único redator dessa revista, dessa separada, era entregue anexada à revista Acrópole na época, engraçado que não guardei nenhuma dessas, tenho acrópole.
O senhor comprava as revistas do italianho do Mackenzie?
Comprava, além de comprar eu recebia muitas publicações pra fazer comentários.
Mas quando o senhor comprava do italianho, o sr já tinha se formado?
Não, era estudante.
E quando o senhor foi diretor do Instituto?
Eu fui diretor do Instituto a partir do fim da década de 50, porque em seguida a ser direto do Instituto e fui convidado para ser diretor da revista Acrópole e fui durante muito tempo, registrado em carteira de trabalho, tudo direitinho.
E enquanto o senhor era estudante o seu contato com arquitetura norte-americana?
Era só com assinatura de revistas e livros que eu comprava também. Eu comprei muitos livros, por exemplo, tem um livro que eu gostava, era muito bom, era o Sun & Shadow, Sol e Sombra do Marcel Breuer, era um livro importante. Todos os livros que saíam sobre arquitetura do Richard Neutra, tudo que saía sobre Frank Llloyd Wright. Eu me considero um auto-ditada, porque do ponto de vista de aulas, nós não tínhamos um professor que viesse dizer olha aqui isso, nós somente escolhíamos temas, passávamos isso para o Fernando Martins Gomes após o Christiano ter passado sua cadeira de projetos, ele desistiu de ser, porque brigávamos o tempo todo (rs). O Fernando Martins Gomes está vivo, que eu saiba está muito bem, com mais de 90 anos, era bom arquiteto, fez muitas residências, ele fazia um neocolonial, mas de muita qualidade, têm umas residências dele aqui numa rua do Jardim América, é uma rua sem saída, lá no fim ele fez duas residências muito boas. Chamava-
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se Iucatan, se não me engano. Aqui no Jardim América, saindo da praça Guadelupe.
Quando o senhor foi para os EUA, o sr foi seguindo o que o sr vio nas revistas?
A minha viagem não foi só de pesquisa, mas para conhecer a cultura americana, então comprei um carro para meu pai e eu fiz duas coisas: visitava os museus, parques nacionais, porque meu trajeto foi pelo Leste, iniciei a viagem em New Orleans, era uma cidade de influência francesa muito interessante, até do ponto de vista arquitetônico, foi recentemente destruída por aquele tufão. Mas eu conheci New Orleans em plena efervencência, tinha, eu gostava muito de jazz, gosto, frequentava aqueles bares onde a orquestra era no meio de um círculo e os expectadores ficavam em volta, vi Louis Armistron, vários nomes que se tornaram ícones do jazz. Depois segui pelo Leste passando por todos os parques nacionais. Em Chicago eu conheci algumas obras do Frank Lloyd Wright, porque na volta fui para, no lado leste, permaneci em Nova York, algum tempo conheci os prédios do Mies em NY, Philip Jhonson, aí segui para o Canadá, não vi arquitetura.
Mas o senhor foi para o Canadá por curiosidade, ou já tinha algo que te chamava a atenção?
Não, fui por curiosidade. A arquitetura lá era muito tradicionalista na época. Em 1990 eu voltei ao Canadá e vi arquitetura moderna lá. Bom, voltando, do Canadá eu voltei por Chicago, Detroit e voltei para NY de onde eu parti para Europa.
Quantos dias foram de viagem?
Quinze dias entre NY e o Porto do Ávero, no sul da França. Eu gostava muito de viajar de navio, no tempo de estudante no Mackenzie, participávamos de uma competição, chamava Mack Nav, era o Mackenzie contra a Escola Naval e nós três éramos nadadores, eu e meus irmãos, nós embarcávamos num destroier, no porto de Santos, era malandragem da Escola Naval (rs), porque tinham uns que enjoavam, o destroier é que nem um cabrito, balança muito, meu irmão enjoou, mas de uma forma, feia, e ele era o melhor nadador de grandes distâncias e ele chegou lá no Rio muito abalado, eu não, eu não enjoo, é um episódio a parte, né. Então cheguei no Ávero e fui me encontrar com Vilma, éramos namorados, eu quis ficar noivo antes de viajar, mas minha sogra não deixou (rs). Ela disse: “você vai arrumar uma francesa e vai deixara
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a Vilma mal vista”. Mas eu encontrei com ela e me engajei no circuito do tour dela. Fizemos toda a Provance, cidades muito interessantes do ponto de vista da arquitetura medieval, depois pela Riviera, a Riviera italiana também, depois Monte Carlo, a república de san Marino, voltamos pela Suíça, uma parte do sul da Alemanha, o norte da França e a viagem terminou em Paris e desceu até Marselhe, aí me deslguei deles, Vilma embarcou um navio, ia voltar para o Brasil e eu continuei, fui buscar meu carro que tinha ficado em Tour, uma cidade próxima de Paris, aí eu encontrei com dois brasileiros que iam fazer um circuito enorme de carro, eram dois irmãos: Flávio e Sérgio Almeida Prado, eles tinham alugado um carrinho econômico, era o Renault Chuvaicar, aqui no Brasil o apelido era rabo quente, porque tinha o motor atrás. Aí eles me convidaram e disseram: “guarda seu carro e vai conosco”. Eu fui. Fizemos uma viagem até voltar para Paris. Fizemos toda a Riviera Espanhola, participei de uma festa em Valência onde tinham os maiores toreiros da época, Domingui, Litre, Arruça, era uma maravilha.
O que o senhor conheceu de arquitetura lá?
Arquitetura de influência árabe, em Sevilha, em Valência e também um passeio que fizemos até o sul da Espanha, o arquipélago, não lembro o nome da ilha, enfim curti muito o sul da Espanha, teve um episódio em que tive que pegar um trem de soldados, era um trem, tinha soldados até em cima, era super lotado. Foi quando encontrei os irmãos Almeida Prado e segui viagem com eles. Aí fizemos a Espanha, norte da Espanha, voltamos para Barcelona e seguimos até Paris. Aí eu conheci muitas cidades do interior da França e a arquitetura era mais tradicional. Em Marselhe estava sendo terminada a Unidade Habitacional de Le Corbusier, era a primeira dele, estava no final de obra e eu gostei pouco da parte de habitação porque eram cubículos, a escala era muito, ele inclusive fez um livrinho, se chamava Le Modulor, em que ele deteve uma época de escala que na época não era muito adequada, por exemplo para um americano, que é de estatura muito alta, o pé-direito era baixo, os móveis eram todos de alvenaria, não tinha mobília, era tudo alvenaria com acolchoado em cima. Le Corbuier não era muito afeto para residências, ele fez uma residência boa, a Ville Savoye, nessa viagem eu conheci Ronchamp, Ville Savoye, Ronchamp é muito bonita, mas é pequena.
E a Ville Savoye, o que o senhor achou?
Têm conceitos, pilotis, vários conceitos importantes, pilotis, a rampa, a laje ajardinada e uma concepção com muito vidro, enfim, um belo edifício, apesar
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que le Corbusier na sua primeira fase fez muita residência, mas não eram modernas.
O senhor chegou a estudar as residências dele, ou não?
Eu tenho um livro, que é publicação da Fundação Le Corbusier, e é interessante este livrinho porque uma grande parte dos projetos dele não foi executada e muitos já não existem mais. Esse livro relaciona, é um livreto, editado pela Fundação, até quem me trouxe foi uma namorada do meu neto. Bom, depois dessa viajem eu voltei para o Brasil, casei e assumi a profissão.
Já que estamos falando de viagens, como foi sua viagem para Cuba?
Foi o seguinte, na véspera da revolução de 64, se não me engano foi setembro de 63, eu tenho até uma bolsa que tem as datas do congresso. Cuba organizou um congresso de arquitetura internacional que continuaria no México. Então, a 1ª etapa da viagem, havia Guerra Fria, então os aviões não podiam passar sobre território americano e de aliados, então nós fizemos o seguinte, o Instituto dos Arquitetos que dominado por elementos de esquerda conseguiu da Air France passagens até Paris e os estudantes que participariam do Congresso foram de navio, eu era diretor do Instituto dos Arquitetos, fui convidado.
Quem mais foi para este congresso?
Ruy Otake, Paulo Mendes da Rocha, Pedro Paulo Saraiva e muitos do RJ também. Então fomos a Paris pela Air France, assinamos umas promissórias, um carioca chamado Ivan, era uma figura, completamente maluco, el quando chegou em Cuba, muita gente não teve tempo de assinar as promissórias no avião, era tudo muito mal organizado. Eu recebi a passagem de ida e volta e assinei as promissórias. E os que não assinaram, sobraram muitas estampilhas que eram obrigados a colocar naquelas promissórias, esse Ivan chegou em Cuba e distribuiu para a garotada estampilhas (rs). Bem, as etapas dessa viagem foram assim, nós chegamos em Paris, ficamos num hotel destinado, um hotel bom, depois de dois dias fomos para Praga onde tivemos que aguardar a vinda de um avião que nos levaria a Moscou, depois de Moscou pelo círculo Ártico até Cuba. Uma viagem sem etapa, mas depois teve que fazer uma etapa emMurmansk, era uma cidade no círculo Ártico, muito fria, na Europa era Inverno. Esse avião era um Tupolev se não me engano, quadrimotor. E quando nós entramos neste avião em Praga tinha uma caixa no meio da cabine de passageios e não tinha banco pra sentar. Nós dormíamos
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em cima das malas, era uma viagem longa. Ah, em Moscou nós tivemos que aguardar a passagem de um furacão e ficamos num alojamento militar, com ordem terminante de não sair. Esse alojamento militar tinha uma parte para mulheres e outra parte para homens, eram beliches e com banheiros também separados. Tinham uns africanos que estavam fazendo curso de pilotos de jato, e nós fizemos amizade com um deles que era daquela tribo Massat, enorme, com quase dois metros de altura e fugimos do alojamento (rs), guiados por ele.
E vocês fugiram para onde?
Para o centro de Moscou, pra Praça Vermelha, tinha uma grande galeria com vários andares, chamava-se Boom e lá era o único lugar que vendiam coisas de caráter mais sofisticado, porque o sapato, a roupa que o russo compra na época era muito feia, eram uns sapatões horrorosos, tanto que no metro de Moscou nós estávamos usando keds ou mocassin, e os russos queriam que vendêssemos pra eles, eram artigos melhores. Nesse Boom existia em pleno inverno sorvete, era uma das coisas mais saborosas que eles tinham e tomavam sorvete com champagne (rs). Lá circulava o dólar, nesse lugar, era tipo galeria, vários andares, muito bonito por sinal. Bom, nós perdemos a hora e voltamos para pegar o ônibus, eram 10:30 ou 11h, pra voltar pro alojamento, só que não tinha mais nenhum ônibus, eles iam todos para o centro, na Praça Vermelha, pra começarem a circular no dia seguinte. E pra voltar?Um frio, talvez 2 ou 3 graus abaixo de zero e os cariocas não levaram agasalho (rs). Ai, dissemos: vamos ficar juntos dos motores, estão quentes e destacamos alguns para procurarem taxis para nos levar, depois de algum tempo arrumaram os taxis que nos levaram de volta para o alojamento. Ficamos esperando mais um ou dois dias pra ter condições climáticas pra ir pra Cuba. Ai, fomos neste grande avião, tinha só um caixotão enorme no meio e levava antibióticos, medicamentos pra Cuba, que não tinha nada, era frigorífica essa caixa e nós nos acomodamos em cima de mochilas, das malas, enfim. Uma viagem grande de quase 20 horas, fez uma escala em Murmansk, nos permitiram descer, porque no avião não tinha nada, não tinha comida. Descemos no aeroporto que tinha uma cafeteria, e conseguimos comer alguma coisa, tomar um café quente, pra seguir viagem. Saímos de Murmansk com 30° abaixo de zero e chegamos em Cuba, em Havana, com 38, 40° (rs), uma mudança terrível de temperatura. Bom, aí, houve assim, uma discriminação muito legal, eu achei, os diretores que eram do IAB, os dirigentes, ficaram no Havana Hilton, que era um hotel moderno, que chamava lá Havana Libre, eles trocaram o nome,
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estava em bom estado de manutenção, tinham algumas coisas quebradas e as camareiras, os empregados eram todos cubanos e nos confidenciaram muitas coisas, por exemplo: nós estamos num regime que a partir das 9 horas da noite, todo mundo é obrigado a ficar dentro de casa e não pode haver reuniões de mais de dez pessoas em cada residência, cada quarterão tinha um fiscal. Os cubanos queriam fazer uma demonstração que o país tava bem organizado e nos proporcionavam muita coisa, por exemplo, a comida do Hotel Havana Libre, Havana Hilton era de primeira qualidade, era tudo importado, vinha tudo de Moscou, do bloco soviético, eram presuntos, até pão vinha de outros lugares, tinham enlatados, embutidos, enfim, e o povo passando fome, não digo passando fome, mas com uma restrição alimentar muito grande sabe? Eram obrigados a usar tickets de racionamento, não só de alimento, como de vestimenta, sapato, por exemplo: pra conseguir uma bicicleta o cubano entrava numa fila que podia durar um ano, um ano e meio, automóvel nem se fala e essa época os automóveis eram americanos, já estavam em estado deplorável, a revolução tinha quanto tempo? Cinco, seis anos. Bom, aí eles forneciam um boleto que a gente podia usar o taxi que parava na porta do hotel pra qualquer destino. Vilma e eu pegamos um taxi e fomos até Varadeiro, saímos bem cedo de manhã, passamos um dia inteiro lá em Varadeiro, era muito simples. Varadeiro não tinha hotelaria, tinham algumas instalações, tava iniciando o turismo lá e isso era geral. Os próprios motoristas de taxi mostravam as residências: “olha, aqui era a residência de um milionário”, agora é uma escola de jovens, eles transformaram as grandes residências, dos ricaços em clínicas, adaptaram para clínicas. Aí, ele disse: “eu vou levar vocês pra conhecerem uma granja, avícola, que é a última novidade aqui”. Aí, nos levou numa granja avícola, não tinham galinhas (rs), tinham lá umas trezentas galinhas, mas era instalação pra mais de vinte mil galinhas e disse: “ao lado, aqui, tem uma granja de vacas leiteiras”. Eu fui lá, tinha muito interesse nessa área, tinham umas trinta vaquinhas só, e o leite era importado, tudo era importado. A Rússia sustentou Cuba durante muitos anos, sustentou com alimentos, medicamentos, até roupas.
E o que aconteceu no Congresso?
Eu me inscrevi para duas palestras, uma foi porque a prefeitura de São Paulo regulamentou a utilização máxima, limitava a ocupação dos terrenos. Então de acordo com a área do terreno só podia construir 4 vezes, dependendo do zoneamento e eu comparei esta lei com o que aconteceu com Copacabana. Copacabana não fez nenhuma restrição à limites para construção, aquilo é um
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bloco, primeiro: da praia para as ruas posteriores não tem ventilação, um prédio é grudado no outro e aqui não, aqui tinha recuos laterais, recuos de frente. As cidades de certa forma são muito diferentes, na Europa mesmo, as construções umas encostam nas outras, Paris é assim, apesar de ter um limite de gabarito, de altura, aqui além de limite de gabarito tinham recuos laterais, índices de ocupação que variavam de duas vezes ou três vezes a área do terreno. Eu era contra o que foi feito em Copacabana, eu morava lá, morei lá até completar dezesseis anos, foi na época do boom imobiliário e a prefeitura permitiu que construísse os prédios grudados um no outro de frente para o mar, um absurdo. Guarujá é muito melhor, porque Guarujá, Santos também, têm essas limitações de ocupação do terreno. Eu fiz essa preleição lá, quando eu estava no meio o pessoal começou a sair, sabe por quê? O pessoal só queria temas políticos, não queriam saber de arquitetura, a maioria que estava lá era de esquerda, não só estudante como dirigentes, os próprios dirigentes eram de esquerda. Eu tinha uma outra palestra marcada, era sobre o clima, sobre o clima houve bastante interesse. O Brasil é continental, eu falei, digo talvez vocês não saibam, mas Brasil é um continente, tem desde o clima amazônico, tropical ao extremo até um clima de temperado pra frio no Rio Grande do Sul, inclusive a topografia, a vegetação é completamente diferente. Pena que não tinha nada pra projetar, não levei, mas esse houve bastante interesse. O congresso ia continuar no México e, não sei se você gravou sobre o controle americano dos participantes?
Não, como era?
Antes de eu ir para esta viagem o sócio do meu construtor que era Marino Barros, era um chinês chamado Max Ouang, ele era muito amigo do cônsul americano aqui em São Paulo, ele me procurou e disse: “o cônsul quer conversar com você, porque quer que você faça uma espécie de documentário do que você vai encontrar lá em Cuba”. Eu digo, é ele quer que eu banque o espião? Eu não vou fazer isso de forma alguma, “ah, mais pra você é interessante”, de jeito nenhum, eu não vou fazer isso, e não fiz, queria que eu passasse informações para o consulado americano, não sei por que, eu disse não, é um país independente, eu sou neutro, não vou me meter nisso. Bom, a Cidade do México, era uma cidade caótica, você não calcula o trânsito naquela época, em 63 já era um caos.
Só para voltarmos um pouco, em Cuba o que mais foi falado no congresso?
Só política.
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Teve algum outro arquiteto brasileiro que fez palestras?
Poucos, eu fui um dos únicos que se inscreveu pra fazer palestras, os outros passeavam, faziam comícios.
Tinham outros arquitetos conhecidos, da época, que estavam lá também?
Que eu me lembre tinham, Pedro Paulo Saraiva, Paulo Mendes da Rocha, Ruy Otake, tinham outros que eu não me lembro tão bem, do Rio de Janeiro tinham outros. Mas era uma elite da arquitetura da época.
E de outros países, tinha alguém conhecido?
Não, eu não conhecia ninguém, era um congresso que o Brasil era convidado, porque aqui exsitia um presidente controlado pela esquerda internacional que era o João Goulart, que deu origem a revolução, porque ele estava entregando o Brasil ao comunismo internacional e foi derrubado, é por isso. O Brasil era o único convidado, não tinha argentino, não tinha nada, americano nem se fala.
Por isso as palestras eram tão políticas?
Era de caráter político, exatamente, “porque a burguesia domina, a arquitetura é muito limitada para o comunismo..” e é, porque a burguesia brasileira, as classes conservadoras aqui do Brasil não admitiram aquela demagogia, as próprias forças armadas que passaram a dominar o Brasil durante vinte anos posteriormente eram conservadores, de livre iniciativa, liberdade, e o regime cubano não era de liberdade, tinham restrições à burguesia, quer dizer o burguês era mal visto, tinha que ser enquadrado naqueles limites, não ter propriedade privada, hoje já afrouxaram muita coisa lá, com esse Raul Castro, irmão do Fidel, as coisas estão evoluindo, Cuba ainda é um quisto, não têm outros países que mantêm aquela estrutura. No México já havia mais liberdade, tinha um museu maravilhoso, o Museu de Antropologia, lindo, a própria cultura mexicana é muito parecida com a nossa, o zóculo, que a praça principal, onde tinha a matriz, é uma área enorme, a própria matriz que seria a igreja principal, a catedral mexicana, ela estava afundando, aquilo tudo foi construído em cima de pântano, a Cidade do México foi feita sobre um tipo de aterro, a parte de subsolo era muito frágil, eles tinham muitos problemas, pra entrar na catedral você descia degraus, porque ela tinha afundado. Como era uma estrutura muito bem feita, ela não rachou, ela afundou de vagar. E tinham parques municipais muito bonitos, tinham canais, aqueles canais, eles fizeram
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uma área de jardins muito grande, avenidas modernas, era uma cidade moderna. O trânsito era horrível, pesado.
E o Congresso lá, como foi?
Lá o pessoal foi praticamente pra passear viu, faziam mais turismo, eu não participei de nenhuma reunião, nem tive convite pra fazer isso, foi mais uma parte turística do congresso. Voltei por Lima, passei dois dias em Lima, gostei muito, tem muita coisa histórica e chegamos aqui no Brasil. Encontrei um ambiente difícil para o exercício da arquitetura, tinha pouco trabalho, eu construía ainda, não só projetava e uma parte do meu trabalho foi fazer coisas para minha família, meu pai tinha muitos terrenos e eu construi e projetei pra ele, para os meus irmãos também. Aí surgiu já em 68,69, um convite pra projetar um edifício em frente ao parque Trianon, o parque Cerqueira Campos, era um terreno de esquina, não era grande, como eu era diretor do Instituto, estava lá em uma reunião, e de repente veio o projeto inteiro na minha cabeça. Era na Rua Peixoto Gomide, esquina com a Al. Santos, eu bolei o ante projeto, saí de lá, tava chovendo muito, uma chuva pesada, eu tinha um fusquinha, quando eu cruzei a Bento Freitas, veio um táxi e me pegou por trás, meu carro rodopiou, perto do Instituto dos Arquitetos, rodopiou e foi bater num carros que estavam estacionados, eu me agarrei com tanta força no volante que eu entortei o volante. Eu não tive na hora nenhuma sequela, eu vim a ter sequela uns três anos depois, eu já ensinava no Mackenzie, me deu um deslocamento de vértebra que eu passei a não poder dar aula. Eu pedi uma licença, na época o reitor do Mackenzie era Salvador Cândia e ele, isso vou falar em off, ele foi muito chato comigo, disse: “tá correndo aí que você inventou esse negócio”, eu digo, a é? Meu sogro tava muito doente, no fim da vida, com enfizema, eu disse: tudo bem, amanhã eu entrego, não vou ensinar mais.
Quanto tempo o senhor ficou no Mackenzie?
Fiquei uns oito anos, foi de 63 até 81, mais ou menos, eu ensinei também na FAAP, até pra justificar uma licença médica eles me encaminharam, o Mackenzie me encaminhou para exames médicos no Hospital aqui na Brigadeiro Luis Antônio, e eu tive que levar radiografias, eu tive muita sorte, tinha um amigo, ele era judeu alemão, ele tinha tido um problema de coluna e tratou com uma inglesa Miss Edita Rhur, ela até publicou um livro sobre coluna, era muito competente, ela não tinha validado seu diploma aqui então usava um médico pra encaminhar os exames, enfim. Ela era uma pessoa enérgica, entendia muito de coluna, ela me deitou numa maca e disse: “fica
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quieto e vire de lado”, ela sentou em cima de mim e estralou toda minha coluna e disse: “agora vai pra casa, toma 5ml de novalgina, você não vai aguentar a dor, hein, depois me liga”, realmente, eu fui pra casa e uirrava de dor, fui melhorando e nunca mais tive problema, foi um deslocamento lateral da coluna.
Depois ela ficou bastante tempo no Brasil e depois foi embora.
Mas o senhor abandonou o Mackenzie?
Nessa ocasião não. O Cândia era uma pessoa complicada, tudo em off, hein? Ele era fofoqueiro. A noite eu dava aulas na FAAP, eu estava ensinando na FAAP e me passaram da manhã pra noite, cadeira de desenho industrial, eu ia de manhã, era muito bom, a turma vinha pra aula descansado, agora quando me passaram da manhã pra noite, eu enfrentei uma turma brava, o pessoal chegava cansado, não queria nada com nada, era uma situação difícil. A FAAP na época alugava a área comum deles, aquele salão enorme embaixo, para eventos, e lá tinha bebida, comida, os alunos saíam da aula pra participar, teve ocasião de eu ter aluno bêbado dentro da sala, eu fui à diretoria e disse: assim não dá, eu não estou de acordo com isso, aí eles puseram certas limitações que o aluno não podia ficar nas festas, aí eu tive um problema com um diretor, eu tive uma aluna que era desonesta, ela não comparecia às aulas, não fazia os trabalhos e comprava o projeto com uma colega que fazia pra ela e eu adotei o sistema que tinha no Mackenzie, que era de passar visto desde o estudo preliminar até o projeto executivo, ela nunca passou por essas fases e entregava o projeto no fim pronto, eu reprovei, ela era uma protegida de um diretor, ele era militar e foi convidado pela, na época diretora, presidente da Fundação do Armando Álvares Penteado, ele era professor de cerâmica, até publicou um livrinho sobre moldagem de cerâmica, enfim, e ele me cha,ou na diretoria e disse: “você tem que aprovar essa moça”, eu disse: absolutamente, ela é desonesta, eu já chamei a atenção dela várias vezes, ela é rebelde, “mas se você não aprovar eu vou convocar uma junta e ela vai ser aprovada”, digo então faça isso e ela foi aprovada pela junta que ele arrumou, quando eu voltei das férias recebi o cartão sendo afastado, foi uma represália. A Adriana (minha filha) um tempo depois foi aluna dele, a melhor aluna da turma dela e ele perseguia ela, era um militar, as colegas da turma diziam: “você é a melhor aluna, o que é isso?”, pessoal de baixo nível. Então fui dispensado, não queriam me pagar os direitos trabalhistas, eu fiz questão de receber, e larguei o ensino, parei.
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3. Rodolpho Ortenblad Filho
Data: 13/10/2009
O período mais ativo da minha carreira foi até 1980. A construtora Panamericana era uma empreiteira, construiu várias casas para nós, para mim, para meu irmão no Brooklin, na Praça Moreira Cabral, Ibirapuera, eu dirigia a obra. Eu sempre fiscalizava as obras.
Quais eram seus principais clientes? Como eram feitos os contatos?
Pelas placas de obra, na época nós colocávamos placas grandes. No início da minha carreira eu projetava e construía, contratava um empreiteiro e dirigia a obra até o final. As mais de trinta casas que projetei para minha família no Itaim foram construídas por empreiteiros e dirigidas por mim. A minha casa da Rua Campos Bicudo, fui eu que construi. (Sua esposa comenta: “as placas naquela época eram muito impotantes, porque tinham poucos arquitetos, então as placas influenciavam muito”). As pessoas viam uma casa que achavam bonita, de qualidade e me procuravam, eu era procurado por indicação também, eu criei um acervo de clientes. Marino Barros, que foi meu colega de turma construiu muitas casas que eu projetei, construía muito bem, por sinal, ele era perfeccionista. Fez muitas casas, a da Rua México, por exemplo, que foi demolida e no lugar foi feito uma casa que parece um pombal. Essa casa está publicada na Acrópole, foi um concurso que a proprietária, Sra Clemância Hadad, fez convocando cinco arquitetos. Ela resolveu comprar a casa do meu pai na Praça General San Martin, na época meu pai não quis vender, então ela disse: “Quem a projetou?”. Meu pai respondeu: “foi meu filho, Rodolpho”. “Então eu quero que ele faça um projeto para mim”. Mas eu estava de viagem marcada para a Europa, fiquei um ano fora, mas ela esperou que eu voltasse. Quando voltei fiz a casa, pegava a esquina da Rua México, eles moraram lá muito tempo. Durante a construção, ela teve mais um filho e foi preciso fazer mais um dormitório. As obras demoravam de um à dois anos, eram construções artesanais, bom ainda é assim. Eu detalhava bem as casas, fazia questão de detalhar tudo, usava muito a solução com páteos, quando possível no fundo, mas quando não era colocava na frente, mas sempre tinha páteo, que criavam também um sistema de segurança. Eram aquelas vigotas de concreto, que além de serem estéticas, quebravam um pouco o excesso de luz, davam segurança. Voltando, como naquela época havia poucos arquitetos, principalmente nesta especialidade de fazer casas, eu me tornei muito conhecido como arquiteto especialista em residências e muitos vinham por
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indicação, porque visitaram a casa de um cliente e gostaram, passei a ter muitos projetos. Eu fazia questão de colocar na placa “projeto e fiscalização”.
Qual era o partido do seu projeto?
Eu visitava o terreno, conversava com o cliente, via o programa, o orçamento. Uma das coisas que eu dava prioridade era o orçamento, teve um cliente meu, um advogado aposentado, que queria fazer uma casa muito grande e eu disse, qual é a sua possibilidade financeira para construir essa casa, o senhor não quer aguardar ou reduzir o programa? Mas ele insistiu tanto que eu fiz o projeto quase como ele pretendia, mas ele parou no meio, levou mais um ano ou dois para terminar. Eu entregava um projeto detalhado, com todos elementos para tocar a obra, fazia o cálculo estrutural, pedia o projeto de formas para o calculista para ver se não havia interferências no projeto arquitetônico, o de hidráulica também. Quando o projeto estava inteiro, vamos dizer assim, eu iniciava a obra. Eu contratava outros profissionais para fazer os projetos complementares, a parte estrutural teve, no início da casa da d. Clemância Hadad, foi projetada pelo engenheiro Roberto Zuccolo, ele ficou muito conhecido porque era inovador, produziu o sistema de concreto protendido, mas ele era um homem difícil, ele entregava as coisas em cima da hora, mas era muito bom como profissional. O projeto estrutural da Cidade Universitária foi de um engenheiro japonês, mas nunca mais ouvi falar dele. Muitos construtores tinham seus calculistas de confiança. O projeto hidráulico quando eu podia indicava o amigo, o engenheiro Eurico Freitas Marques, o projeto elétrico era menos importante, os pontos de luz e energia faziam parte do projeto executivo, não era complicado, não tinha internet, não se usava ar condicionado incorporado a obra, muito raramente. Por exemplo, este prédio que eu moro, foi projetado para receber ar condicionado, tem o lugar para o equipamento, mas só um morador resolveu fazer, aqui não houve necessidade. Eu contratava esses projetos, mas sempre passavam por uma análise minha.
Como era o acompanhamento da obra?
Eu ia quando era chamado ou espontaneamente, a parte da manhã eu me dedicava a isso, visitar a obra, orientar o engenheiro, algumas dúvidas que ele pudesse ter.
Como eram as participações em concursos?
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Eu fazia com colegas. Fiz com Carlos Lemos a ampliação do Clube Atlético Paulistano, o projeto da Concima foi com o Arnaldo Paolielo e o Marino Barros. Com o Marcelo Fragéli foi o concurso da orla, mas não foi executado, teve uma premiação, o Marcelo insistiu em fazer um telhado que eu não concordava, era um projeto muito agradável, mas no fim o incorporador deu o projeto para o Sérgio Bernardes, que fez uma coisa que nunca funcionou, inadequada para função de clube, era o Clube da Orla no Guarujá.
Entre os projetos de casa que o senhor fez, qual é o mais importante?
A minha casa da Rua Capitão Antônio Rosa é muito importante, inclusive ganhou prêmios. A casa da fazenda Santa Cecília, que eu me dediquei muito, eu mesmo desenhei trinta e tantas pranchas de projeto em escalas de 1:50 e 1:20, detalhei os telhados, o escalonamento das telhas de cimento amianto, fiz questão de procurar a Eternit sobre a sobreposição das telhas para evitar entrada de água. Eu quis fazer um telhado muito baixo, que não aparecesse, então era dez por cento só de caimento e eles recomendaram uma sobreposição de trinta centímetros e nunca entrou água, mas tinha que ser parafusado, o que é bom, porque com vento forte, principalmente pelo fato de ter pouco caimento, não cria obstáculo para o vento, a casa já tem cinqüenta e quatro anos e nunca deu problema, o telhado está funcionando bem até hoje, as telhas eram de seis mm de espessura, bem reforçadas. Já a casa da Capitão Antônio Rosa era bem articulada, uma casa que tinham espaços muito bonitos, como era o caso da sala de estar que tinha um vigamento de madeira de oito por vinte que ia até o fundo do terreno, incorporando o páteo ao espaço interior. Teve a casa do Arnaldo Mellão, teve do Olavo Quintelo, que foram duas, as duas existem até hoje, mas foram reformadas, tinha um beiral grande um metro e quarenta. Tinha uma seleção de soluções que eu fui aos poucos introduzindo, tinha a ventilação do forro, um espaçamento bem grande entre o telhado e a laje. Eu fazia um projeto preliminar, apresentava para o cliente, sempre frisava que eu não gostaria que o partido fosse alterado, algum detalhe de banheiro, cozinha, coisas menores podiam ser modificados, mas o partido era aquele. Geralmente os clientes aceitavam, de certa maneira eu afastava a interferência da esposa (rs). Sua esposa comenta: “quando não aceitava ele dispensava”. É, eu não mudava, porque quando eu assumia um partido, achava que ele era o melhor e quando passei a ensinar no Mackenzie e depois na FAAP, eu frisava muito isso, quando o partido não é bom, é melhor apagar e fazer outro. O cliente às vezes tinha um construtor ou empreiteiro da confiança dele, eu não interferia nisso, mas quando não tinha eu indicava,
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como era o caso do Marino Barros, que era um construtor de qualidade, o Delto Teixeira, tinha a Construtora Panamericana que era muito boa, uma construtora modesta, mas construía muito bem.
Quais os materiais o senhor costumava usar?
Eu tinha uma influência muito grande de Frank Lloyd Wright e posteriormente do Richard Neutra. Frank Lloyd Wright dava muita importância aos materiais naturais, pedra, tijolo, madeira e minhas casas têm muitos detalhes com materiais naturais, não usava pastilhas na fachada, essas coisas eu nunca gostei. Usei pouco concreto à vista, naquele tempo ainda se usava pouco.
Vamos falar sobre o IAB, como foi o convite para participar do instituto?
Eu freqüentava muito o clube dos artistas que era no subsolo, eu me dava com os pintores, o Volpi, Bornadei, todos eram artistas que formavam o núcleo paulista de pintores de vanguarda de certa forma, eu passei a ser muito conhecido como arquiteto e fui convidado para participar da diretoria. Eu era secretário quase permanente, tinha que redigir as atas, fiquei bastante tempo no IAB.
Quem frequentava o IAB na época?
Teve um presidente que parmaceu muito tempo, ele era influente socialmente, o Ícaro de Castro Mello. Depois houve um período em que o pessoal de esquerda tentou várias vezes dominar a diretoria do IAB e não conseguiu. Mas depois conseguiu, aí eu me afastei, não dava mais, era só blá, blá, blá e não se construía nada.
O IAB promovia encontros entre os arquitetos?
Nessas gestões do Ícaro e outros arquitetos importantes, o IAB teve uma projeção muito grande, inclusive eu e Carlos Lemos, conseguimos na Folha um caderno semanal que publicava trabalhos, notícias sobre arquitetura. O IAB era representativo da classe, ele procurava orientar na legislação, teve modificação de leis municipais e eventualmente até federais, mas o arquiteto passou a ter uma certa projeção através da mídia, a Folha de São Paulo, teve muita importância nesse ponto. Carlos Lemos era muito amigo dos Frias, os donos da Folha, o Otávio Frias, através dele que foi conseguido este caderno sobre arquitetura.
Sobre o que falava este caderno?
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Concursos, exposições, por exemplo, todos os anos tinha o Salão Paulista de Arte Moderna, ali embaixo da Praça do Patriarca, na Galeria Prestes Maia, era um salão de arquitetura, pintura, escultura e artes gráficas e eu passei a fazer parte dos júris, eles convidavam. Houve um salão que primeiro eu passei a expor, ganhei vários prêmios com projetos meus, depois comecei a fazer parte do júri, fazia parte também Carlos Milan, na parte de artes plásticas, Aldemir Martins, o Bratke em arquitetura. Quer dizer tinha muita atividade paralela ao exercício profissional de projeto que eu participava, nunca deixei de colaborar.
Vocês conseguiam interferir na legislação da cidade?
Algumas coisas, não muitas. Tinha um códio de obras que era obsoleto, tinham umas normas que o IAB de certa forma conseguiu. Chamava código Saboya, eu tenho até hoje, na parte urbanística o IAB participou também. Tinham arquitetos como Jorge Wilhen que foi secretário de obras, era um arquiteto que gostava desta parte política. O Alberto Botti também era. Eu não sei, depois que o IAB caiu nas mãos do grupo de esquerda, ele apagou, teve um processo de decadência, você vê o edifício que está lamentavelmente decadente, muita coisa se perdeu. Tinham expositores que doavam obra de arte, faziam a exposição e doavam algumas coisas, como o Alexander Calder que deu uma escultura para o IAB.
Dona Vilma interfere e lembra: “você falou Rodolpho que em uma porção das casas você complementava, não com decoração, mas você fazia o desenho de móveis, ou indicava o mobiliário, como o Branco e Preto?”. Na época eram poucas as casas de mobiliário brasileiras, tinham aquelas que importavam, como a Forma, foi quando apareceu o Branco e Preto que era de um grupo de arquitetos muitos bons, o Aflafo, que era o melhor projetista de móveis, aquela mesa ali é deles, aquelas duas cadeiras, os sofás, aquela mesa que se chama aranha. Bom, quando era possível orientar nisso, eu não gostava que o cliente contratava decorador antes de acabar a obra, porque eles geralmente palpitavam no projeto de uma maneira desastrosa. Indiquei muito o Branco e Preto, alguns móveis do Tenreiro, na fazenda eu tenho uma mesa dele. Mas muitas coisas dos móveis da fazenda eram integrados com o projeto e foram todos desenhados por mim, com muita influência do mobiliário japonês. Eu gostava muito da arquitetura japonesa e de certa forma influenciou nos detalhes de arquitetura também, a sala de estar tema composição de lambris de madeira e painéis brancos que são de muita influência japonesa.
Voltando a falar da legislação, como era a aprovação dos projetos?
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Horrível, havia muita corrupção, eu tive que dar uma propina para um colega de turma meu, engenheiro, isso é em off, porque na Capitão Antônio Rosa era obrigado a manter um recuo de três metros da viela sanitária. Eu aprovei uma planta e depois mudei, aumentei, a sala era no recuo, eu aprovei como pérgola.
Quanto tempo demorava para aprovar?
A parte do habite-se não demorava, o engenheiro fechava os olhos para muita coisa, mas a tramitação interna para projetos era muito ruim, faltava às vezes um detalhesinho de desenho, o projeo voltava, tinha que fazer novas cópias, tudo de novo.
O senhor desenhava com grafite?
Só a lápis e tirava cópia para a prefeitura. Uma vez consolidado o projeto de construção, fazia o projeto de prefeitura, sempre acomodado com a legislação em vigor, depois que era aprovado o projeto de prefeitura, começava a detalhar, tudo a lápis, eu não usava nanquim. Lá no Bratke, onde eu estagiei, também só usava lápis. Ele ensinava usar o lápis, seja pela dureza ou pela finura do apontamento. Fazia parede com lápis mais mole, detalhe com lápis mais duro.
Quando foi este estágio com Bratke?
Foi no primeiro e segundo ano, eu fiquei lá um ano, todo mundo ia para o Bratke, quer dizer, todo mundo que gostava da profissão. O Arnaldo Paolielo, eu fui com ele para lá, fiz um estágio também no Rino Levi, por pouco tempo e depois abri meu escritório, eu estava no terceiro ano.
4. Rodolpho Ortenblad Filho
Data: 01/12/2009
Como foi sua participação no Inocop?
Eu fui funcionário, convidado para trabalhar no Inocop. Era Instituto de coopertaiva de São Paulo. Era uma instituição de organizava a compra de terrenos e residências. Eu fiz protótipos que começava com núcleos de sala, cozinha, banheiro e um dormitório. Essas casas tinham facilidade de aumentar, como era um telhado só de duas águas, para o fundo do terreno. Esses
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terrenos eram de 5 metros por 10, depois passaram a aumentar, de 10 x 20m. Então essas casas tinham facilidade de aumento sem alterar o núcleo principal. Depois eu saí, porque formei um grupo com o Marcelo Frageli, Telésforo Cristófani, José Ghiu, aliás o José Ghiu é um arquiteto que foi meu colaborador durante muito tempo, a última notícia que eu tive dele, ele estava bem, foi para seu aniversário de oitenta anos, até me convidou para um churrasco na casa dele. Foi um ótimo colaborador.
Comente sobre o projeto da Rua Campos Bicudo (Rev. Mackenzie 1962)
Logo que voltei da viagem aos EUA e Europa, eu me casei. Já tinha projetado essa casa e a construi para morar. Morei por oito ou dez anos, no Itaim Rua Campos Bicudo. Já foi tudo demolido para fazer condomínios, escritórios, flats. É uma casa com um partido muito bom. A planta é bem aproveitada e detalhada. Tinham três pátios, o da frente era o pátio de serviço. Aliás eu fui um dos primeiros das época em que a parte de serviços, que antes era uma edícula, fosse incorporada ao corpo da casa, onde tinham quarto e banheiro de empregada, lavanderia, anexo à cozinha e com páteo murado na frente com acesso fácil para entrega de alimentos, mercadorias. Era um partido bastante novo na época, pois ainda usava muito a edícula. Eu praticamente a partir dessa ocasião não fiz mais casas com edícula. Claro que dependendo do terreno, por exemplo, teve uma casa na Rua Guadelupe, o terreno era bem grande, com 1200m², eu fiz para o Fábio Lima Verde Guimarães, eles pediram que a parte de serviço fosse em uma edícula. Foi a 1ª residência que eu fiz para morar (a da Rua Campos Bicudo). Tinha na parte interna, do térreo, o páteo de serviço na frente murado com acesso fácil para rua, depois tinha um pequeno páteo no hall de entrada e acesso ao andar superior, duas salas voltadas para o páteo principal que ficana no fundo do terreno. A garagem, que era fechada, servia de acesso para jardineiros, enfim, manutenção do páteo interno. Em cima tinham dois dormitórios com banheiro conjugado, a suíte, e outro quarto com terraço. Essa casa era bastante confortável. O terreno era pequeno de 10x30m.
Quais os materiais forma usados nesta casa?
Usei no muro da frente rachão de granito, tijolo aparente no embasamento. No terraço superior tinha brise-soleil de madeira Cabreúva. O telhado era com telha Eternit com 10% de caimento com calha central. Foi a única casa que eu fiz que não tinha beiral, depois nunca mais deixei de usar beiral.
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Comente sobre o projeto da casa da Fazenda Santa Cecília
O terreno que meu pai escolheu tinha uma terra bastante degradada e logo ao lado passava uma estrada que depois de muito tempo passei a saber que essa estrada era a 1ª ligação que existia entre Uchoa e Tabapuã, passava bem ao lado dessa ala com os dois dormitórios. Esse projeto é de 1955. Basicamente, foram usados materiais que existiam na própria fazenda. Na época tinha uma olaria lá que fazia tijolos grandes e de boa qualidade. Então eu usei tijolo, usei arenito que veio de Araraquara, do Chibarro que era uma jazida de arenito rosa. Fiz todos os pisos, inclusive os internos, da casa com esse arenito. Usei a madeira amendoim que era retirada de toras adquiridas de um vizinho e desmembrada na própria fazenda. Meu pai adquiriu uma ofina completa de marcenaria, com todas as ferramentas. Nós tivemos muita sorte de conseguir um mestre de obras português, o Sr Aníbal, que era muito competente e perfeccionista, então usei muita madeira nessa casa. Os forros são de amendoim, o vigamento é de Ypê, muito vidro. A sala tem vidro em toda a volta. E uma coisa curiosa, o tipo de janela que eu usei nas casas em 1955, é idêntico ao daquela casa japonesa do Parque Ibirapuera que foi construída muito tempo depois. Aliás na época eu era muito influenciado por arquitetura japonesa. Inclusive tem um recanto na sala que lembra muito a arquiettura japonesa trradicional. A mobília foi toda desenhada por mim e feita na própria fazenda, por esse mestre de obra.
Essa casa teve quanto tempo de obra?
Um ano e pouco, não demorou muito. Foi feita basicamente com esses recursos. Tinham pedreiros e serventes da própria região. O partido desse projeto é muito interessante, eu não gostava das soluções de varanda das casas das casas coloniais, que geralmente era em frente e em volta da casa. Eram muito expostas ao sol, muito estreitas em alguns casos, por isso optei por uma grande varanda que unia duas alas da casa. O corpo principal que tinha salas, serviços, copa, cozinha, cinco dormitórios, dois quartos de empregada que eram incorporados ao bloco principal. Essa grande varanda é dividida por um muro de pedra. Esqueci de falar, eu usei pedra tipo moledo que veio lá de Atibaia, de outra fazenda do meu pai. Eu fiz um muro com 2,10m de altura que dividia essa grande varanda em um corpo voltado para frente - para vista - e atrás era o abrigo para quatro automóveis. Mais tarde foi feito um abrigo separado, tipo edícula e nesse salão atrás da parede virou sala de jogos. Então essa varanda ligava o corpo principal da casa ao apartamento
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que eu usava. Na época eu tinha três filhos, então tinha meu quarto e da Vilma, um banheiro composto, com box e chuveiro para fora, um lavatório para fora, então era muito versátil podendo ser usado por até trê pessoas ao mesmo tempo. E tinha o quarto dos meninos, era grande com três camas. A Adriana até hoje usa esse quarto. Como havia uma inclinação razoável no terreno, eu fiz a piscina em um nível com mais ou menos 1,80m mais baixo, com acesso por uma escada toda em arenito. O piso em volta da piscina também é todo em arenito. É uma piscina semi-olímpica, nós – eu e meus irmãos – éramos nadadores na época.
Aproveitando, todos com quem converso dizem que o sr tem muitas obras de arte nessa fazenda
A maior parte está aqui em casa mesmo, ficaram algumas lá. Eu tenho muita pintura brasileira. Principalmente da parte pioneira da pintura moderna brasileira, que seria (Emiliano) Di Cavalcanti, (Cândido) Portinari, Ismael Nery, Tarsila do Amaral. Depois, um pouco mais para frente, (Alfredo) Volpi, (Aldo) Bonadei, Benaqui, Clovis Graciano, eram todos paulistas. Conheci todos, eu era secretário do Instituto dos Arquitetos, na Rua Bento Freitas e o Clube dos Artistas era no subsolo do Instituto, que foi projetado por Miguel Forte, Jacob Ruchti. Depois das reuniões e assembléias da diretoria, eu descia lá para conversar com os artistas e fiquei conhecendo Volpi, Bonadei, o (Francisco) Rebolo. Meu assunto com o Rebolo era futebol, ele era corinthiano e gostava muito de futebol, ele foi jogador. Eu conhecia esses artitas, até comprei algumas coisas deles, mas comprava muito mais em leilões. Tenho uma boa coleção. Durante algumas vezes, fui convidado para ser júri no Salão Paulista de Belas Artes, que era realizado na Galeria Prestes Maia. Era organizado por um idealista chamado Gomes Cardim, ele manteve esse salão por muito tempo e havia um júri de arquitetos e artistas plásticos. Na época nós premiamos o (Manabu) Mabe, foi o primeiro prêmio dele de importância em 1958, daí ele começou sua carreira de grande sucesso, ganhou em Veneza, enfim. Eu o conheci pessoalmente, comprei dois quadros dele, conheci sua casa, que era muito simples, tinha chão de terra, lá no Jabaquara, sua casa ainda existe. Nós demos o prêmio a ele por unanimidade, era de uma importância única. Ele era agricultor, de Lins, se não me engano, tinha muita sensibilidade, muito talento. A coleção foi evoluindo, sempre comprei as obras, com intenção de formar uma coleção com peças selecionadas, nunca no sentido expeculativo, nunca comprei quadro para revender. Aquela parede é só de Ismael Nery, foi o maior acervo particular de Ismael Nery, porque quando tomei conhecimento da obra
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dele, foi em uma ocasião onde sua viúva Adalgisa Nery, para comprar dois apartamentos para os filhos se casarem, vendeu tudo. As coisas estavam em baús guardados, o Murilo Mendes que era o grande amigo do Ismael, conservava. O Murilo colava os desenhos dele em cartolina de boa qualidade, tinham até desenhos feitos em papel de pão. Tinha até um desenho muito importante, grande, que tinha uma mancha de café. Esse acervo todo da viúva Adalgisa Nery, foi comprado por dois marchands aqui em São Paulo, o Pietro Maria Bardi e o Josep Bacaro e o Franco Terranova, que era do Rio. O Josep era muito amigo meu, eu ia na casa dele escolhia dez desenhos selecionados de uma vez, e formei um acervo respeitável desse artista. Aquele quadro é da Tarsila, chama-se pastoral, não sei porque. É o pai do Oswald de Andrade com o neto, o None, baseado em uma fotografia onde eles estavam sentados em um banco, e no fundo tem uma paisagem com folhas exuberantes, é um quadro muito importante. Eu tenho o auto-retrato com brincos da Tarsila. Aqui são só Di Cavalcanti. Não faço muito alarme disso, emprésto para retrospectivas. Já me convidaram para eu fazer uma exposição da coleção interira, mas eu nunca quis.
Projeto da Rua Guadelupe (Jd América – Prop. Fábio Lima Verde Guimarães)
Essa casa está muito bem conservada. Tem um páteo muito grande atrás, que dá para as salas. Tem a parte de serviço separada. Tinha um pórtico de acesso para entrada principal, garagem para dois automóveis. Nesse caso, a área de serviço ficou separada, era uma área grande. Ele era fazendeiro, tinha muitos empregados. Tinha na época um tipo de lajotinha da São Caetano, chamava Litocerâmica, era um material de primeiríssima qualidade e infelizmente, a São Caetano não existe mais. Eu usava muito esse material para o embasamento da casa, usava muita madeira e beiral. O telhado é de cimento amianto, essas telhas são muito duráveis, a casa da Fazenda tem um telhado com caimento de dez por cento, e está lá até hoje, perfeito. Eu usava essa telha por causa da pouca inclinação, assim o telhado não ficava aparente.
E esta casa do Jd Paulista (Prop. Dr Leopoldo Raimo)
Essa casa foi feita para um médico, Dr Leopoldo Raimo. Era de esquina, foi uma das 1as que eu fiz, é uma casa simples. Eu procurava sempre destacar o andar de baixo, um pouco recuado do andar superior. Também tinha um páteo. Essa ainda tinha a edícula com acesso lateral, já que o terreno era de esquina, pela Rua Sampaio Vidal, aqui é a Rua Capitão Antônio Rosa. Eu fiz várias casas nesse bairro. Não foi publicada, mas eu fiz uma casa para o meu irmão
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Dorival, que era em um terreno de esquina, também, mas tinha um caimento grande, então adotei um partido muito interessante. A parte de serviço, garagem em baixo. Em cima tinham a cozinha e as salas. Subia meio lance de escada e chegava nos dois dormitórios e banheiro e mais um lance chegava na suíte superior. Meu irmão deve ter esse projeto, a casa está lá ainda, íntegra. É no Jd. Paulistano. É na rua acima da Capitão Antônio Rosa. Ele vendeu.
Casa Itaim – Dr Olavo Quintela
Foi a 1ª casa que fiz para meu dentista Olavo Quintela. É de esquina e foi a 1ª onde eu usei o recuo de uma das ruas para fazer um páteo com vigotas na parte superior, que além de integrar às salas, tinha a função de segurança. Antigamente, pelo fato de haver muito ladrão que arrombava as casas, não se usava vidros grandes, então fazia até portas pantográficas por segurança. Então para poder usar vidros grandes e não comprometer a estética. Usei uma segurança na parte de cima do páteo, usei uma pérgola. Esse tipo de iluminação era feita com um desnível de mais ou menos 30 ou 40 cm entre as lajes, a sala tinha uma iluminação zenital, era apenas uma laje impermeabilizada. Usei essa solução em outras casas. Eu indicava os móveis, também. Na época só existia móvel importado praticamente, quem importava era a Forma, inclusive eles tinham uma loja em baixo do Instituto dos Arquitetos. Eram móveis feitos por desenhistas da Bauhaus. Mis van der Rohe, Alvar Aalto, Sarine. Mas quatro arquitetos brasileiros, sendo que um era meu colega de turma, o Roberto Aflalo formaram uma firma chamada Brando e Preto. Foi a primeira produtora de moveis com qualidade aqui do Brasil. Eles criaram uma linha de móveis artesanais. Eu procurava induzir meus clientes a usarem essa linha de mobiliário. Eu usei seus móveis na minha casa da Rua Campos Bicudo, na Capitão Antonio Rosa e aqui nesse apartamento que estou hoje, ainda os tenho. Eles usavam um tipo de tecido de lã do lanifício Fileco, que era do Miguel Forte, que era um dos sócios da firma. O grande desenhista da firma era o Roberto Aflalo, ele criou muita coisa interessante, aquela mesinha (aponta para mesa lateral) é dele, chama-se “Mesa aranha”. Ele era o mais influente na turma, na parte de criação. Esta casa tem o páteo no recuo voltado para uma das ruas com pergolado para segurança em vigotas de cimento armado. Como era de esquina, tinha uma edícula com a parte de seviço separada.
Casa Alto de Pinheiros – Carlos Moraes Barros
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Essa casa tinha um terreno muito grande, era para uma família grande com muitos filhos. Na Av. Professor Fonseca Rodrigues. Ela existe ainda, só que foi vendida posteriormente para o Maurício de Souza e ele murou a casa toda.
O que o senhor. Fez para o Ademar de Barros Filho?
Foi uma casa, foi interessante. Projetei uma casa no Pacaembú, em um terreno de esquina, mas o desnível de uma das ruas, para a rua inferior era de 18 metros, então adotei um partido, que o acesso para parte de serviço era pela rua superior, tinha um desnível onde ficou garagem, lavanderia, quarto de empregada. Depois descia um ou dois metros e chegava no nível das salas que eram voltadas para um páteo com piscina. Tinha um outro nível inferior que era um salão com atividades multi-uso. Essa casa existe e está perfeita. É no final da Av. Paulista, onde sai uma rua sentido o Pacaembu. A 2ª esposa do Ademar de Barros Filho quis morar no Morumbi, então ele comprou uma casa lá e conservava essa casa para passar fim de semana. Agora não é mais dele. Essa casa não foi publicada. Foi construída pelo Marino Barros, com ótima qualidade.
O escritório do Marino Barros fechou?
Por algum tempo, sua viúva, a Cristina manteve seu escritório, inclusive eles pegaram a reforma da Casa das Rosas, mas depois fechou. Ele reformou a casa do Najin Nahas.
E as casas de Campinas?
Eu projetei muita coisa para o Banco Hipotecário Lar Brasileiro, esse grupo (da foto) era de 10 casas para a Rua Barão de Itapura, era uma rua em declive que chegava em um parque muito bonito. E o BHLB pediu que eu fizesse todas diferentes. Eu fiz alguns partidos bem parecidos, mas com soluções diferentes de fachada. Algumas tinham um até páteo entre os dormitórios e outro na sala.
Para fazer o projeto do Sesi, o senhor foi convidado?
Na época o diretor do Sesi já conhecia meu trabalho e me convidou para fazer o projeto. Era um terreno doado pela prefeitura muito ruim. De um lado era uma grota que tinha uma nascente, tinha um desnível grande entre um lado e outro do terreno, eram quase dez metros. Adotei um partido onde coloquei o ginásio de esporte e a piscina no lado próximo à grota e a água da nascente foi usada para abastecer a piscina. Tinham duas alas paralelas de três níveis. Embaixo tinha os pilotis e mais dois níveis para salas multiuso, tinha curso de
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culinária, costura, eram diversos cursos. Esse projeto foi premiado com o prêmio “Governador do Estado”. Esse projeto é 1967 ou 68.
Ontem conversei com o arquiteto Fleury e ele comentou sobre o projeto que vocês fizeram juntos para o Clube Alto de Pinheiros. Como foi essa parceria?
Sim, um grupo de moradores nos escolheu para desenvolver o projeto para o clube, mas infelizmente, a política entre os moradores, fez com que fosse escolhido um novo arquiteto para finalizar o projeto. Quem fez isso foi o Fábio Penteado. Uma parte do clube é projeto nosso. A primeira sede, a parte das piscinas e das quadras.
Fale do projeto da Cosipa.
A Cosipa pretendeu fazer novos galpões industriais e eu e o arquiteto Luiz Fleury fomos convidados, eles queriam também uma casa de hóspedes num morro bastante alto. Tinha que estudar a solução para um trevo de acesso. Era em Cubatão, na década de 1960.
Sobre o BCIMG
Foi um concurso para o Banco, foi uma idéia maluca. Esse banco pretendeu fazer uma nova sede aqui em São Paulo naquele triângulo em frente à Faculdade de Direito que era da prefeitura. No fim fizeram um concurso que não deu em nada. Nós tiramos menção honrosa, foram uns dez ou doze concorrentes também convidados. Prometeram um pro-labore, mas não deram. Eu fiz esse projeto com o Arnaldo Paolielo. Ele ainda é vivo, foi muito meu amigo, seus filhos são arquitetos.
O prédio de apartamentos na Aclimação foi construído?
Sim, eram dois apartamentos por andar, com sala multiuso, pequenos. Esse espaço podia ser usado como sala ou dormitório.
Projeto para a Helca S.A
Foi um projeto para uma indústria de eletro-eletrônicos. Era em Interlagos.
Prédio de Histologia da USP
Em 1967 foi feito um programa para construção dos prédios principais da USP no Butantã. O coordenador era o arquiteto Paulo Camargo e eu fui indicado por um companheiro meu de pesca submarina, eu fazia parte do Iate Clube de Santos de pesca de mergulho, o prof. Junqueira. Ele era o catedrático da
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cadeira de Histologia e me convidou para fazer o projeto do prédio da Histologia. Hoje funciona a faculdade de Veterinária, como ele era muito versátil, pode ser modoficado até o destino. O partido é interessante, eu organizei com a estrutura totalmente independente, que tinha tubulações visitáveis horizontais e verticais, como era um terreno em dois níveis, o prédio com laboratórios ficou na parte superior, é o maior. Ligado através de uma passarela com o prédio mais embaixo de aulas teóricas. Ainda existe.
5. Pedro Paulo de Mello Saraiva
Data: 03/11/2009
Qual foi seu contato com o arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho?
Nós tivemos alguns contatos esporádicos, ele tinha uma atividade bastante exclusiva fazendo casas, esse tipo de profissional é bem caracterizado, apesar que tem um projeto dele, ali na esquina da Alameda Santos, onde a garagem é no andar superior, ele fez no 1º andar, embaixo é um bar e tem salas de escritório, em tijolo à vista e concreto. Naquele tempo, é onde era o escritório dele, é também onde ele tem uma coleção de quadros. Eu ainda não conheci onde era seu escritório, ele só está ficando em casa. É o apartamento dele é muito grande, ele mora com uma filha, esse apartamento dele tem escritório, três dormitórios, sala de almoço, é grande, o projeto é meu, mas é um prédio que tem um defeitinho, o elevador é um pouco estreito, pequeno, os moradores reclamam.
De qual ano é este projeto?
Eu tenho tudo documentado, só um minuto, está em uma prancha. Esses painéis estavam em uma sala na penúltima bienal.
Então o senhor entrou na Faculdade de Arquitetura Mackenzie em 1951?
Eu convivi um ano com ele, eu acho que ele era colega do Carlos Lemos, Arnaldo Paolielo. Eu não estudei com o Lemos, o Arnaldo foi meu contemporâneo. O Mackenzie antigamente colocava na entrada da faculdade o quadro de formatura do ano, naquela época quase 90% era civil, um o outro industrial ou eletricista e embaixo ficavam os arquitetos, o Ortenblad se formou só arquiteto, já o Plínio e o Lemos tenho impressão que eles são engenheiro-arquitetos, o Lemos não sei, mas o Plínio tenho quase certeza que é
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engenheiro-arquiteto. Era ele o Nelson Pedalini, me lembro que eram sempre apenas 5 pessoas no quadro. Não sei se Jacob Ruchti também estava. Então era um grupo assim, Miguel Forte, o Ruchti e o Miguel eram parentes, casados com parentes, depois que acabaram o curso foram para os EUA, foram recebidos por Frank Lloyd Wright, fizeram uma belíssima viagem de uma ano pelos EUA, depois voltaram, montaram aquela loja Branco e Preto, foi o início do desenho de móveis modernos, junto com aquele design Joaquim Tenreiro, eram os únicos praticamente conhecidos. O Tenreiro era português, veio para o Brasil e fez uma loja na Marquês de Itú, naquele primeiro trecho, trabalhava sempre com Jacarandá da Bahia, coisas laqueadas, aquelas cadeiras de madeira colada. Mas o Rodolpho, a gente conviveu pouco, mas depois profissionalmente a gente se encontrou algumas vezes, sempre mantivemos contato, nunca foi de laços muito estreitos, mas a gente se encontrava no IAB.
E como era o ambiente do Mackenzie naquela época?
Eu estava comentando do ateliê. O ateliê não existia, haviam 5 salas de aula, no térreo ficava o 5° ano, no 1° andar tinham duas salas e no 3° eram mais duas. Cada andar tinham duas salas, sendo que o 5° era na entrada e eram poucos os alunos do 5° ano, quando eu entrei em 195 1 nós éramos 48 e a turma do Paulo Mendes da Rocha, do Alfredo Paisani, do Hugo já era uma turma de trinta e poucos, ia abaixando até ficar 15, 16 e veja, foi a 1ª escola, nasceram juntas a Nacional no Rio e o Mackenzie, um ano depois veio a FAU, a FAU é de 48 e as outras são de 1947. Engraçado é que tanto a FAU quanto o Mackenzie foram desgrudadas da engenharia, diferentemente de outras escolas do Brasil que a origem é Belas Artes, a do Rio, Bahia, Belo Horizonte.
E como eram as aulas?
Nós tínhamos aula espalhadas pelo campus. As aulas de desenho, como tinha um número muito grande alunos, eram muitas aulas de desenho, desenho topográfico, desenho de sombra, perspectiva, geométrico. Tinha também o Elisiário da Cunha Bahiana, ele era sobrinho do 1° presidente que o IAB teve, que era o Gastão, um arquiteto famoso do Rio que fundou o IAB e responsável por aqueles prédios bonitos que tem ali no Flamengo. Então as aulas eram dadas no edifício da engenharia, que eram topografia, matemática, cálculo, resistência dos materiais, o que não era desenho era no prédio da engenharia e os desenhos artísticos e modelagem, escultura era num galpão que tinha do lado do prédio do Chamberland, esse prédio originalmente o prédio dos internos do Mackenzie, das moças do internato. O Mackenzie era muito ligado
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no lado feminino, de formação de moças, por exemplo secretariado era um curso clássico do Mackenzie, eu inclusive teno 3 primas que fizeram secretariado no Mackenzie, e muito ligado à igreja também, a Igreja Protestante. No meu tempo era Universidade Mackenzie, eu fui um dos primeiros alunos formado com diplona da Universidade, antes era Faculdade de Arquitetura Mackenzie, depois ficou Faculdade de Arquitetura Mackenzie da Universidade Mackenzie e agora é Universidade Presbiteriana Mackenzie.
E como era a direção do Christiano?
Ele era uma figura, uma pessoa importante do ponto de vista da tenacidade dele, mas o ensino dele eu acho completamente equivocado do ponto de vista da arquitetura que se fazia, que era uma arquitetura absolutamente fora do nosso contexto, voltado para edifícios espetaculares, o prédio original da Sala São Paulo é dele, antiga estação Sorocabana e o Dupret fez o salão em parte do que havia lá, cobriu e fez a sala. Para você ver a qualidade de arquitetura que se produzia. Ele era formado em Philadelphia e a arquitetura dele era como a do Grand prix de Rome, e ele se rebelava. Porque alguns arquitetos faziam aquelas coisas modernas, mas com grandes brigas. Milan, eu mesmo discuti com ele, depois fizemos uma greve lá e acabamos tirando ele, ele acabou saindo, mas ele tem seus méritos, todo mundo reconhece isso hoje, ao lado daquela irritabilidade que ele tinha. O movimento moderno para ele era movimento de comunista, tinha essa visão bastante equivocada.
Miguel Forte e o próprio Ortenblad tiveram a oportunidade de viajar após o término da faculdade, o senhor também teve esta oportunidade?
Não, eu já me formei com o escritório, já tinha o escritório com colegas, Paulo Mendes da Rocha, Botti, um grupo grande. Não o Botti, não, com ele eu fiz um concurso grande, fui eu que apresentei o Botti para o Marc, nós fizemos o concurso de um hospital para estudante, ficamos em 3° lugar e eu sai assim que acabou o concurso e eles ficaram lá trabalhando em umas casinhas e acabou virando um escritório que dura até hoje, talvez o escritório mais velho de São Paulo com a mesma titularidade.
O Sr Rodolpho comenta que no Mackenzie tinha um vendedor português que vendia revistas de arquitetura americana e da Europa e era por elas que ele conhecia o que estava sendo feito..
É na verdade eram dois, tinha o português e depois foi um alemão, que aliás no meu tempo, era o que mais estava presente ali no pátio. E era o contato
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que todo mundo tinha com os arquitetos. Principalmente a Architectural Records que era muito difundida dentro do Mackenzie.
Falando agora já da vida profissional, como era a relação com o cliente, a busca por novos clientes?
Tinha muito a questão dos conhecidos, dos familiares. O Ortenblad, e eu conheci também os irmãos dele, o Dorival e o Artur, eles eram da Engenharia do Mackanzie, eram meus contemporâneos, eles eram atletas, participavam de competições de natação. Naquela época o grupo de universitários enchia um salão de baile, eram poucos, que se conhecia muito. Faculdade de Medicina, por exemplo tinham duas em São Paulo, de arquitetura nem se fale. Eu inclusive fundei o IAB de Florianópolis quando fui fazer o projeto da ponte, eu levei um grupo grande arquitetos que deu o número necessário para fazer um departamento. Mas essa questão que você fez sobre o acesso ao cliente, um grupo grande da nossa turma começou fazendo construção também e era uma característica do Mackenzie, o Bratke era construtor, o Artigas também era, quando fiz estágio no escritório dele me surpeendi ao ver uma mira de topografia, ele fazia esses levantamentos topográficos, inclusive calculava, fazia projeto hidráulico, elétrico, fazia tudo, claro que para projetos maiores eles tinham calculista, mas para residências eles que faziam. Tinha também o aspecto da gente disputar concurso. Esse projeto da Assembléia de Florianópolis é de concurso. Mas o caso de casas, era um pouco diferente desse tipo de obra, porque casa era um contato do proprietário direto com o arquiteto, ou porque era conhecido, mas não era coisa de arquiteto jovem, os jovens sempre pegavam coisas da família. Não dava para competir com Rino Levi, Bratke, Artigas.
Durante algum tempo o plano do Carvalho Pinto também ajudou?
Sim, alguns projetos do governo Carvalho Pinto eram ligados ao Ipesp, o Instituto de Previdência do Estado de S.P. andou finaciando muitos projetos de escolas, de fóruns, eu fiz um fórum em Jacareí, uma escola em Eldorado Paulista e muitos arquitetos fizeram na época, era uma coisa bastante democrática a forma de acesso, não tinha assim aquele que faz, hoje em dia tem alguns nichos de trabalho é ocupado por alguns arquitetos, isso não tinha na época. O Abraão fez projeto, Ruy Otake.
E como eram os encontros no IAB?
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É o IAB era interessante, porque ficava muito próximo das duas escolas, a FAU Maranhão e o Mackenzie e todo mundo tinha escritório na Barão ou do outro lado do Viaduto do Chá, esses escritórios eram sempre onde nós fazíamos estágio, no próprio IAB, tinham muitos arquitetos que tinham sido estagiários, então o IAB era um ambiente bom, embaixo tinha o clubinho dos artistas, era um lugar onde se discutia as coisas da arquitetura e era a oportunidade da gente ter contato com os arquitetos mais velhos. Eu tinha escritório ali perto, na Barão, o primeiro escritório que eu tive foi no prédio no edifício Filizola, em frente a Biblioteca, um projeto do Heep. Tinha aquela convivência quase diária, primeiro nós éramos sócios espirantes, depois fui sócio, diretor, representante do IAB no Conselho superior, tesoureiro internacional e presidente sem querer, problemas de conjuntura, em 71 e 72.
Quando o senhor começou a dar aulas no Mackenzie?
Eu comecei a dar aulas no Mackenzie muito tempo depois de começar a dar aulas. Eu dei aula em 1962 com o Artigas, depois eu fui cedido pela USP para reabrir a UNB, isso foi em 68 e 69, aí eu voltei para a FAU, mas aí eu comecei a ter outras atividades fora, na EMURB, isso tomava muito tempo. Quando eu voltei meus amigos tinham sido cassados, era o caso do Paulinho, do Artigas, fiquei meio sem ambiente lá, porque quando o Artigas convidou o Paulinho e eu como assistentes ficou um certo mal estar, porque nós éramos oriundos do Mackenzie, ele quis abrir aquele ambiente fechado de FAU, POLI, e aí eu não cheguei a pedir demissão, mas o diretor na época pediu meu currículo, e eu disse que meu currículo estava na biblioteca, era para fazer novos contratos, mas eu não era contratado, eu fui convidado para dar aula com o Artigas, não fiz concurso então não tem porque, mas o Nestor era cheio de coisa e eu não dei, parei de dar aula, não tinha mais carga horária. Por insistência do Guedes eu me candidatei para uma cadeira de professor titular da FAU em 1999, 2000, uma coisa assim, mas tinha uma briga muito grande entre os departamentos de tecnologia e de projeto, nas instâncias de direção, o Guedes era muito polêmico, discutiu com o departamento de tecnologia e eles não aceitaram meu notório saber. Acabei não voltando para a FAU mais, um pouco antes, dei aula em Santos quando voltei de Florianópolis, dei aula também na Anhembi Morumbi e em 1992 estava dando aula também no Mackenzie, eu dou aula de TFG, para o 4° e 5° anos, quer dizer 9° e 10° semes tres.
O Sr conheceu algum projeto do Rdolpho?
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Eu conheci a casa do pai dele na Praça Guadelupe e alguns projetos eu vi na Acrópole, esta era praticamente a única revista, tinha também a da Lina, a Habitat, era quase contemporânea, a Acrópole é mais antiga, as nacionais eram essas. Tinhas as estrangeiras L’Achitecture D’Aujourd’ hui, que era a melhor revista de arquitetura da época. As revistas americanas não eram muito boas, apesar de ter bons projetos, era a Architectural Records, Pencil Points a Arts & Architectural, mas as de peso da época eram primeiro a L’Achitecture D’Aujourd’ hui, depois a Domus, também fazia parte das nossas investigações. A divulgação era muito grande entre nós mesmos, havia muita discussão eu tinha todos os livros de Le Corbusier, que a gente discutia muito. Já o Ortenblad estava mais, vamos dizer, eu acho que a maior influência que ele teve foi do Bratke, ficou muito marcado no Bratke esta arquitetura de grande beiral, uso de madeira. Esse Bratke que a gente conhece mais atuante é Neutra puro, a casa dele, do Oscar Americano e outros projetos até da Serra do Navio no Amapá, é uma arquitetura de construção dele, com madeira, que o Wright, o Neutra já fazia. A arquitetura do Neutra variou muito, ele influenciou várias gerações, inclusive o Bratke. O Bratke não negava isso. Pena que demoliram a casa dele que foi premiada no I Bienal, ali na Marques Gomes, no Morumbi. Ele vendeu para o filho de uma Matarazzo, a casa foi reformada, depois destruíram a casa, uma judiação. Depois ele foi morar em uma casa que ele fez junto com outras três na Avenida Cidade Jardim. Uma vez conversando com o filho dele o Carlos, descobri que o Bratke foi morar em Chicago, eu não sabia, ficou quase um ano lá, ele fez alguns prédios interessantes também. Ele deixou mais casas do que prédios. O Bratke era muito cuidadoso, influenciou muita gente, muitos estrangeiros foram trabalhar com ele.
6. Jorge Wilheim
Data: 17/11/2009
Quando o senhor entrou no Mackenzie?
Em 1948, me formei em 1952. Naquela época eram pouco alunos. As turmas começavam com trinta e pouco e acabavam com menos de dez alunos.
Quem eram seus colegas de turma?
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O Elson Gomes, já tinha começado a fazer arquitetura em Curitiba depois veio pra cá e dpois voltou a Curitiba. Outras pessoas, o Urpiano Carpijan, era uma pessoa que se interessava muito por arquitetura e construção. Depois tinham outros com o Sodré que desenhava bem, é curioso porque ele encontrou a forma de não ter problemas durante os cinco anos com o Diretor, o Christiano Stockler das Neves, que tinha uma visão muito peculiar daquilo que era moderno em arquitetura, o moderno era neoclássico, nada mais e nada além disso. Então o Sodré tinha, uma vez ele copiou de uns álbuns uma fachada inteira de um palácio neoclássico, depois ele retirava pedaços e apresentava no projeto dele. Ele passou cinco anos muito bem, ele desenhava bem, mas copiava, ele agradava o Christiano. A nossa turma e portanto, também a turma do Ortenblad fui uma das turmas que brigava com o Christiano nos cinco anos, essa foi nossa vida acadêmica, porque o Christiano tinha abolido todas as revistas de arquitetura moderna, ela era muito preconceituoso. Ele achava que a arquitetura moderna que estava se fazendo era coisa feita por judeus, por comunistas, os críticos que elogiavam eram todos mulatos. Ele tinha todos os preconceitos possíveis. Quando ele dava um projeto de 24 horas, de uma semana, ele escolhia uma escala que não tinha entre as escalas da régua triangular, pra fazer a gente calcular tudo e essa é uma tarefa mental absolutamente inútil. E a gente fazia greve, combinava de não entregar, uma briga constante, o ambiente era muito marcado com isso, tanto que nós criamos o DAFAM, o diretório acadêmico, ele foi feito basicamente por três pessoas, o Carlos Milan, o me fugiu o nome que trabalhou no escritório do Rino e eu. Nós fizemos o desenho símbolo do DAFAM, o Modulor, isso tudo foi feito na época em que eu estava lá, o Rodolpho também estava.
Vocês tinham contato com os alunos dos outros anos?
Muito, tanto que junto com o Salvador Candia, o Milan e eu criamos a revista Pilotis, era uma revista que se tratava de arquitetura, mas também de cinema. Tinha uma revista americana chamada Arts&Architecture, era um pouco no estilo desta revista e a primeira capa foi desenhada pelo Calder. O Calder estava em São Paulo, eu trabalhava no MASP na ocasião e aproveitando que ele estava aqui, fizemos uma exposição sobre Calder no MASP e eu estava com uma certa intimidade com ele, trabalhando junto, pedi para ele fazer o desenho e ele fez, com fundo amarelo, só com as letras jogando. A revista nasceu com uma capa de Calder, não é qualquer capa. Tiveram três ou quatro números, como essas revistas costumam ter, depois morrem por falta de recursos. Mas essa inquietude cultural era muito da época, final dos anos
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quarenta, acredito que o Rodolpho participou dessas coisas, ele ficou um grande colecionador de artes, certamente ele tinha muita sensibilidade para isso.
Ele fala muito sobre a assinatura de revistas estrangeiras para conhecer e estudar arqutetura moderna.
Sim, porque a biblioteca não assinava mais, isso é um absurdo. A biblioteca tinha essas revistas, mas por ordem do diretor, tinha cancelado.
O senhor teve a oportunidade de viajar depois de formar?
Não, imagina, eu abri meu escritório. Eu ganhei um concurso quando estava no fim do 5º ano. Teve um concurso fechado para o projeto da Santa Casa de Jaú e abri meu escritório na Sete de Abril que tinha dois e oitenta por cinco e sessenta. Abri esse escritório logo que me formei, antes disso eu trabalhei com Rino Levi. Eu já estava casado, não podia viajar, tinha que trabalhar e ganhar dinheiro.
E sobre o IAB, como eram os encontros?
Tinha muita atividade no IAB, criamos inclusive, eu já estava formado, foi logo nos primeiros anos, um núcleo de estudos brasileiros, que era para agitar um pouco no aspecto cultural, tinha um pouco de inquietudes esquerdistas. Criamos núcleos de atividades com exposições na sede do IAB. Além disso, no porão do IAB tinha o Clube dos Artistas e eu ganhei o concurso para decoração dele, junto com o Jorge Fupim, ele era arquiteto, mais velho que eu. Foi um concurso julgado pela Lina Bardi e pelo Rebolo que era presidente do clube.
O IAB recebeu alguns arquitetos estrangeiros, o senhor participou desses encontros?
Tiveram muitas aventuras no IAB. Sobre isso que você está se referindo, teve uma quando o Jânio Quadro era presidente, ele prometeu para um arquiteto colega nosso do Rio de Janeiro que pagaria todas as despesas para um grupo de arquitetos que viria aqui para um seminário e esse arquiteto jurava que estava tudo organizado, mas não tinha nada organizado. O Jânio Quadros renunciou e quando se foi ver no Itamaraty o que havia sido feito, não havia absolutamente nada. Estava anunciada na semana seguinte a chegada de uns quarenta arquitetos, quase todos franceses, tinham alguns que não eram. O presidente do IAB era o Ícaro de Castro Mello, que ficou com o abacaxi pra
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estourar nas mãos, então ele pediu para o Joaquim Guedes e a mim, nós dividimos essa turma no Rio, levamos viajar por cinco ou seis dias, cada um para um lugar, eu escolhi a Bahia e o Guedes foi para Ouro Preto, para só depois chegarmos em Brasília, que tratou de organizar alguma coisa que se parecesse com um seminário. Não me lembro como foi financiado tudo isso, acho que teve um empréstimo bancário e depois de alguma forma foi coberto.
O senhor lembra de algum participante?
Me lembro de um português que depois fiquei amigo, o Carlos Tojau. Ficamos muito amigos, depois eu até fiz um trabalho em Portugal e o chamei para trabalhar comigo. Trabalhamos no escritório dele. Somos ainda amigos. Me lembro dele, dos outros não, eram uns chatos, uns franceses rabugentos. Mas no fim eles se divertiram muito, estava tudo pago, foram para a Bahia, compraram chapéus, viam as mulheres.
O senhor participou de congressos fora do Brasil?
Muitíssimo, eu era representante do IAB na União Internacional dos Arquitetos na comissão de urbanismo, então eu participei, durante um período de três ou quatro anos, de todas as reuniões, na Inglaterra, França, Suécia.
O senhor participou do Congresso que teve em Cuba em 1963? Como foi?
Fui, o Rodolpho também. O IA tinha já programado os congressos mundiais com antecedência de três ou quatro anos. Naquele ano estava convocado um Congresso em Havana e o fato de ter havido uma mudança no governo, não deveria mudar o congresso. O IAB organizou a comissão para ir ao congresso. Foi muito interessante (ele consulta seu livro), claro que o tema principal era política, nós sabíamos onde estávamos e o que tinha acontecido. Nesses congressos não se falava em questões técnicas, se fala da política da profissão, de problemas estéticos eventualmente. Obviamente foi um congresso muito marcado, pelo local e pela época em que se foi feito. Em geral, os arquitetos que tinham ido, estavam muito esperançosos sobre a derrubada de Fujêncio Batista e a vinda de um revolucionário idealista como Fidél Castro. Eu conheci o Che Guevara nesta ocasião, fiquei muito impressionado com a figura do Che. Nós estávamos todos vendo as coisas que estavam sendo feitas em Havana para modernizar a cidade, não eram obras grandes, coisas pequenas, o redesenho das calçadas com azulejo, mosaicos, coisas desse tipo. Eram coisas modestas, mas havia o espírito da renovação, da coisa nova.
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O Rodolpho que a viagem dele para Cuba, teve que ser por um trajeto que passou primeiro em Moscou, como foi a sua?
A minha não, nós fretamos um avião da Varig, saindo de Viracopos, uma parte da delegação foi direto, foi o meu caso. Alguns tiveram que ir a Praga e depois Havana. Uma parte do congresso foi para o México, mas eu não fui.
O senhor conhece o trabalho do Rodolpho Ortenblad?
Conheço alguns projetos de casas, ele fazia uma arquitetura que era. Nós todos éramos muito influenciados, localmente tinha o Plínio Croci, muito talentoso, eu gostava das coisas que ele fazia. Do ponto de vista mais internacional, muitos de nós gostávamos das plantas de Mies van der Rohe, de dividir o espaço com quatro paredes bem colocadas, e acho que o Rodolpho também, tinha uma certa influência do Breuer, Gropius, da escolha de materiais em tijolo e pedra, o Richard Neutra. Eu fiz um livrinho do Neutra quando estava no MASP, foi editado um livrinho no museu, porque teve uma exposição de fotografias sobre ele. O Neutra além de ser um bom arquiteto, na Califórnia tinha um excelente fotógrafo que se chamava Shuman. Ele foi o primeiro fotógrafo importante de arquitetura, ele era o melhor. Na ocasião nós fizemos, com suas fotografias, um livro sobre Richard Neutra. Produzimos isso, no museu todo mundo fazia tudo, fazíamos isso também. Eu sei que ele fez algumas escolas. Os projetos de escola, isso é interessante porque houve uma época em que o Estado contratava arquitetos para fazer escolas e fóruns, então todos nós fizemos projetos de escolas. Eu fiz muitas escolas, até perdi a conta e os registros delas. Eu fiz o fórum de Herculândia, o grupo escolar de Vinhedo, Sorocaba. Foi um tempo em que tínhamos essa possibilidade e era um tema interessante, foi o plano Carvalho Pinto.
7. Carlos Lemos
Data: 24/11/2009
Quando o senhor entrou na Faculdade de Arquitetura Mackenzie?
Entrei em 1946. Existe uma divergência porque o Mackenzie comemora o ano de fundação da Faculdade de Arquitetura como 1947, mas eu fiz o primeiro ano em 1946. Eu fiz o curso junto com Rodolpho Ortenblad, Marino Barros, Paolielo, nós éramos em dezessete. Eu acho que essa defazagem de data é
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em função do registro, a Faculdade de Arquitetura Mackenzie deve ter sido registrada como tal em 1947.
Como era o ambiente na faculdade?
Naquele tempo de inauguração da faculdade, ela foi inaugurada sem ter uma infraestrutura necessária. Não tinha salas de aula, espaços apropriados, tinha apenas um enorme salão isolado, Neste salão todos os anos tiveram aula de ateliê juntos, o primeiro ano, o segundo, terceiro, quarto e quinto. Quando eu estava no primeiro ano, as turmas do segundo ao quinto ano pegaram ainda o regime como curso complementar ao de engenharia. Eles faziam cinco anos de engenharia e um ano de arquitetura. Havia muita confusão, mas ao mesmo tempo era muito engraçado porque os calouros trocavam idéias com os colegas mais velhos. Todos detestando o Christiano, era um complô comandado pelos mais velhos, sobre tudo pelo Plínio Croce. O nosso aprendizado foi cada um por si e Deus pra todos, não havia quem pudesse proporcionar um clima comum conceitual, porque de cara o Christiano se revelou absolutamente contrário à arquitetura moderna. Contrário e inimigo, ele dizia que aquilo era uma coisa que jamais poderia ser praticado, porque era obra ou de comunista ou de judeu, ele também era preconceituoso. Então a gente aprendia e conhecia arquitetura moderna através de revistas que eram compradas e examinadas clandestinamente. Haviam discussões homéricas entre ele e o Plínio, que acabou se rebelando quando no seu quinto ano apresentou no seu projeto-tese um edifício de escritório moderno. Acho que no fim das contas o Christiano deixou ele passar para ficar livre de problemas. E foi desse jeito, só mais tarde quando eu estava saindo é que mudou. Tinha um edifício ao lado, o Chamberlend, que havia sido um internato para homens. Quando eu estava saindo conseguiram esvaziar esse prédio, fizeram algumas adaptações, fizeram salas para aulas expositivas porque antes essas aulas eram no prédio da engenharia. Depois cada um foi tratar da sua vida, trabalhando como podia, porque cada um aprendeu de um jeito, evidente que entre os dezesseis tinham as panelinhas, não para cultuar e projetar da mesma maneira um tipo de modernidade, as panelinhas eram para estudar juntos as disciplinas técnicas mais complicadas, como concreto armado, esteriotomia, olha que matéria, ciência do corte das pedras. Era uma matéria do tempo medieval, como se cortava as pedras para fazer as catedrais. Tinha uma sala onde eram as aulas de desenho, o professor se chamava Pedro Corona. O único professor legal que tinha no curso era o Professor Bahiana, Iliziário da Cunha Bahiana, que fazia arquitetura moderna, naquele tempo era a Art Deco,
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ele era uma pessoa engraçada, inteligente, as aulas dele eram concorridas, nós cultuávamos muito ele. Mas oficialmente, nós éramos obrigados a seguir aquilo que o Christiano mandava, ou o que os professores prepostos dele mandavam, tudo improvisado, não havia um consenso projetual. Tinha o Bahiana que era independente, moderno, tinha o Christiano que era o contrário, sempre na base da arquitetura clássica sobre tudo Luis XVI. Tinha o Kojuta que dava aula de teoria das sombras, isso não existe mais, a gente aprendia a projetar sombras. Havia outra disciplina que tratava, além de outras coisas, era a Modinatura, que é a sombra que as molduras fazem na própria fachada, as molduras eram compostas a partir da sombra que o sol fazia, de acordo com sua inclinação. Ele também dava aula de perspectiva. Eu comecei a ganhar a vida fazendo perspectivas aquareladas, eu era bom disso.
O senhor abriu seu escritório assim que se formou?
Não, eu montei antes de me formar. Eu tinha um amigo que era engenheiro civil pelo Mackenzie e depois fez arquitetura lá também, abri o escritório com ele, porque o CREA exigia que havia um engenheiro ou arquiteto responsável e ele já era formado. Ele ficou responsável pelo escritório. Nós éramos em três sócios, o terceiro era meu pai, que era médico. Eu fiz esse escritório por necessidade, porque eu já tinha recebido algumas encomendas de projeto, mas sobretudo projetos importantes patrocinados pelo Banco Nacional Imobiliário, foi quando eu projetei o Teatro Maria de La Costa. De modo que quando me formei, eu simplismente fechei o escritório e fiquei como profissional liberal.
O senhor fez estágio antes de abrir este escritório?
Sim, desde o primeiro ano. No primeiro ano fui estagiário do Oswaldo Bratke, o ano de 46 inteiro, teve até uma festa de fim de ano, foi um churrasco no dia 31 de manhã, ele morava na Rua Avanhandava, seu escritório era nos fundos. O Marino Barros e eu. Depois fui ser estagiário do Zenon Lotufo, que ficou muito meu amigo, trabalhei com ele até o projeto do Ibirapuera em que eu trabalhei com o Oscar.
Quando o senhor começou a dar aulas?
Em 1954, aqui neste prédio (FAU Maranhão), fui convidado pelo Corona, naquele tempo era tudo meio avacalhado, não tinha concurso, não tinha nada. Eu estava passando na Barão de Itapetininga, o Corona estava parado na porta da livraria do Caio Prado, a Brasiliense, eu passei e ele disse: “foi bom te
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encontrar, você quer lecionar na FAU? Ser meu assistente em Teoria da Arquitetura e tem uma parte com muitos desenhos, precisa ensinar os alunos a projetar curvas de visibilidade em teatros, cozinhas, banheiros. Você sabe tudo isso”. Na hora eu aceitei, isso foi em janeiro de 1954, portanto eu leciono há 45 anos. Mas eu sou proibido de dar aulas para a graduação, depois de setenta anos não pode mais, porque a gente cai na “compulsória”. O Estado tem dessas coisas, compulsória quer dizer que o cara é inútil, fez setenta anos tem que largar, não pode mais dar aulas. Mas aceitam que a gente dê aula na pós graduação sem receber nada, eu dou aula mas não recebo nem um tostão.
E o senhor deu aulas no Mackenzie?
Não, eu sai brigado de lá. Eu fiquei uns trinta anos sem ir no Mackenzie. Eu fui chamado para as comemorações dos cinqüenta anos. A diretoria da época chamou cinqüenta alunos, uma para cada ano, mais significativos que comparecessem para uma exposição e me convidaram. Eu fui lá, ainda não conhecia aquele prédio.
Como o senhor foi convidado para o projeto do Ibirapuera?
Eu trabalhava para o Banco Nacional Imobiliário e o Oscar precisava de alguém aqui em São Paulo para tocar os projetos da Bienal, o banco me indicou, ele viu meus desenhos e gostou. Ficamos amigos até hoje. Há pouco tempo fui visitá-lo, ele está muito mal, bem, com 102 anos não existe ninguém bem. Ninguém chega impunimente nessa idade. Ele está quase cego e ele vive do olho, ele enxerga com a periferia do olho, ele precisa desenhar com a cabeça de lado, ele faz os desenhos e seu escritório desenvolve o projeto.
O senhor participava das reuniões do IAB?
Não. O IAB era uma organização forte, eu freqüentava o IAB socialmente falando. O IAB fez aquele prédio e ficou com uma sede concorridíssima, todos almoçavam juntos lá. Todos iam lá confraternizavam, tinham eventos no auditório, depois teve o Clube Sociedade Amigos dos Artistas. Era uma sede com grande poder, que a gente freqüentava com os colegas mais velhos. Mas o IAB foi definhando e hoje não é nada, absolutamente nada e o prédio está literalmente caindo, passei em frente ontem.
O senhor participou de algum congresso de arquitetura?
Não, eu só trabalhei na minha vida. Nunca participei de congresso, de concurso, nunca coloquei placa em obra. Quer dizer, soa uma vez, fui
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obrigado. Eu projetei o prédio do Bradesco, em frente ao Copan, o prédio já estava alto quando eu recebi uma bruta multa porque o projeto já estava aprovado há um ano e meio e ainda não tinha placa. Fui obrigado a fazer uma. Eu entrei com recurso, eles me perdoaram, mas fui obrigado a colocar a placa. Foi a primeira e última.
O senhor ainda faz projeto?
Não, faz dez anos que fechei o escritório definitivamente, agora eu só escrevo e dou aulas na pós. Estou terminando o livro Hostória do Copan, por encomenda da Imprensa Oficial. Eles queriam oferecer para o Oscar este livro, mas não vai dar tempo de sair em dezembro, vai sair em março. Serão três volumes, o meu será sobre a história do Copan, o segundo é o Viver no Copan, tem um nome assim, fala sobre seu pós-uso, é uma obra coletiva organizada pela professora Maria Ruth de Amaral e o terceiro volume é sobre a personalidade do Oscar, escrito por um rapaz aqui de São Paulo e um amigo dele lá do Rio.
Qual foi seu contato com o Rodolpho Ortenblad depois da faculdade?
Eu convivi socialmente com ele depois de formado, nossas esposas ficaram muito amigas. Era uma turminha basicamente de três, Marino Barros com a mulher, Rodolphinho com a Vilma e eu com minha mulher Celina, estávamos sempre fazendo programas juntos. O Rodolphinho chegou a viajar comigo, nós fomos para Minas, para Araxá. Eu viajava muito por causa do dicionário que eu fiz junto com o Corona para a Revista Acrópole, o Dicionário de Arquitetura Brasileira. O Corona fazia a parte moderna e eu a antiga. Então eu tirava fotos da arquitetura em geral para fazer as ilustrações e ao mesmo tempo pesquisava documentos para poder fazer os verbetes. Eu fiz umas vinte viagens pelo interior do Brasil todo, Goiás, Minas, Mato Grosso, Bahia. Eu ia de carro e em uma dessas viagens, o Rodolphinho foi junto. Nós fomos em lugar chamado desemboque, não tinha estrada, era um campo chamado Chapadão da Babilônia, era só capim baba-de-bode. Não tinha estrada, tínhamos que seguir a rede elétrica, tinha apenas uma trilha que pegava as rodas direitas do carro, era uma trilha de cavalo. O desemboque foi um arraial de mineração no século XVIII, o mais distante de Minas. Lá tinha uma igreja muito interessante e eu fui lá fotografar. Essa igreja foi a única a levar a sério a tradição de enterrar os mortos no seu átrio, é a única igreja do século até hoje que manteve seus túmulos, para entrar na igreja precisa passar pelo cemitério. Nós descemos uma serra, a Serra das Sete Voltas, muito íngrime, levamos
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três horas para descer 5 quilômetros de serra. Mas não éramos só em três, eu, Rodolphinho e minha esposa, nós fomos em uma caravana, tinha o Jaime Arlindo de Barros também, nós éramos em seis. Era um tipo de jipe, eu fui dirigindo e eles iam calçando as rodas com pedras, a gente descia três, quatro medos e as pedras de trás eles levavam para a frente do carro. Chegamos no desemboque com uma fome medonha, não tinha nada para comer. Me lembrei de uma coisa engraçada, o desemboque no fundo era, uma igreja com o cemitério na frente, uma pracinha com umas casas muito modestas formando o quadro da praça e as ruas já não tinham mais. Tinha uma venda onde estava sentada uma preta tecendo, chegou uma outra pretinha e me perguntou da onde eu era, eu disse que era de São Paulo, ela ficou maravilhada e disse: “o senhor vai fazer um favor para mim, dá um recado para minha irmã? Faz três anos que ela foi para lá e não dá notícia, não escreve.” E eu disse, mas como vou encontrar sua irmã?. Ela disse: “ela é a minha cara”. Aí eu tirei um retrato dela. O Rodolphinho freqüentava muito a turma do Miguel Forte que era organicista, fazia arquitetura orgânica de Frank Lloyd Wright. Nós fizemos juntos um concurso para uma escola em Uberaba. Nós entramos nesse concurso, o Marino, Rodolphinho, eu e acho que o Paolielo. Não me lembro se ganhamos esse concurso. A família dele tinha muitos terrenos. Sua mãe, Dona Nadir era descendente do General Couto de Magalhães, que era dono de uma casa bandeirista na Rua Iguatemi. Ele tinha muitos terrenos naquela baixada toda do Itaim. O Rodolphinho encheu aquilo de casa.
E quando o senhor começou a se interessar pela Casa bandeirista?
Eu comecei a me interessar como estudante. Foi o motivo pelo qual eu briguei no curso, o Christiano ficou uma fera comigo, nós brigamos, discutimos. Porque ele improvisava os professores e inventou um careta lá que seria professor de História da Arquitetura Brasileira e ele não tinha preparo nenhum, para ele arquitetura brasileira era colonial e arquitetura colonial era barroca. Tinha um livro de arquitetura barroca em que um médico registrou Relíqueas da Arquitetura no Império do Ouro, Relíqueas da Arquitetura na Bahia, eram três ou quatro volumes. Ele escolhia algumas igrejas, fotografava e só, eram álbuns de arquitetura, mas não tinham textos, eram pequenas histórias com os dados históricos do local. Aí tinha o trabalho do semestre, nos cinco anos o Christiano dava o trabalho final, eu peguei o edital desse professor que era projetar uma igreja colonial em um terreno descrito. Fui na biblioteca municipal, peguei uma coleção de livros do IPHAN e comecei a folhear, para me inspirar e topei com a Igreja Bandeirista de Santo Antonio, gostei demais. Li o artigo do
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Saia, me informei sobre arquitetura colonial paulista bandeirista. Fiz o meu projeto com base nessa igrejinha. O professor nas aulas acompanhava os desenhos, eu mostrei a planta e ele me perguntou como seria a fachada, eu respondi que seria simples, iria resultar m um alpendre. Ele ficou surpreso e disse: “onde existe ingreja com alpendre?”. Respondi: em São Roque. “Mas que arquitetura tem em São Roque, isso não vale, eu disse que tinha que ser arquitetura colonial barroca”. Muito bravo. Eu disse: o senhor não escreveu barroca. E ele deixou de ver meu trabalho, eu terminei, fiz uma aquarela maravilhosa, eu desenhava muito bem. No dia da entrega, ele olhou aquilo, disse que não aceitava e jogou no chão, na frente dos meus colegas. Vieram me devolver este trabalho na formatura e eu não aceitei. Fiz uma reclamação, espinafrei esse careta por escrito, nunca fui de brigar, mas eu adoro escrever. Pedi para o Saia um parecer sobre o projeto, ele elogiou demais dizendo que aquilo era uma arquitetura colonial. Resultado, a partir daí o professor passou a me bajular, qualquer coisa que eu fizesse ele me dava dez. Mas meu diploma no fundo não vale, porque eu não fui aprovado naquele trabalho, ele não me deu nota. Tudo que fiz por escrito foi para o CTA, Conselho Técnico Administrativo do Mackenzie. Passei por cima do Christiano, foi parar lá na cúpula do Mackenzie, por isso acho que ele ficou com medo. Nunca mais voltei no Mackenzie. Depois nunca mais larguei a arquitetura bandeirista. A minha tese de doutorado foi sobre a área de serviço, me especializei em arquitetura residencial.
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