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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO TUTELA PENAL NO PROCESSO ELEITORAL DEMOCRÁTICO Tatiana Michele Marazzi Laitano Professora Doutora Monica Herman S. Caggiano São Paulo 2008

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

MESTRADO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

TUTELA PENAL NO PROCESSO ELEITORAL DEMOCRÁTICO

Tatiana Michele Marazzi Laitano

Professora Doutora Monica Herman S. Caggiano

São Paulo

2008

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TATIANA MICHELE MARAZZI LAITANO

TUTELA PENAL NO PROCESSO ELEITORAL BRASILEIRO

Dissertação apresentada na Universidade

Presbiteriana Mackenzie como requisito

parcial para a obtenção do título de Mestre

em Direito Político e Econômico.

Orientador: Professora Doutora Monica Hermam Salem Caggiano

São Paulo

2008

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TATIANA MICHELE MARAZZI LAITANO

TUTELA PENAL NO PROCESSO ELEITORAL BRASILEIRO

Dissertação apresentada na Universidade

Presbiteriana Mackenzie como requisito

parcial para a obtenção do título de Mestre

em Direito Político e Econômico.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

Professora Doutora. Monica Herman Salem Caggiano – Orientadora Universidade Presbiteriana Mackenzie

Professor Doutor. Gianpaolo Poggio Smanio Universidade Presbiteriana Mackenzie

Professora Doutora. Eunice Aparecida de Jesus Prudente Universidade de São Paulo

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DEDICATÓRIA E AGRADECIMENTOS

Dedico esta dissertação a todos os que acreditam no

constante aprimoramento das instituições democráticas.

Agradeço aos meus mestres que me acompanharam nesta

fase, aos amigos e aos meus colegas de trabalho.

Faço especiais agradecimentos à minha família, na pessoa

de minha mãe, por todo o apoio recebido.

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RESUMO

Esta dissertação propõe-se a contribuir para a reflexão sobre a opção brasileira

em criminalizar condutas lesivas à regularidade do processo eleitoral. Os crimes

eleitorais tipificados no direito brasileiro, bem como o processo penal para sua

apuração são analisados dentro do contexto de proteção ao processo eleitoral

democrático. Busca indicar a correspondência entre o processo e o sistema

eleitoral e a tutela efetivamente realizada pelo direito penal.

Palavras-chave: Direito Penal, Direito Eleitoral, Democracia, Crimes eleitorais.

ABSTRACT

This dissertation has as its main purpose to contribute for the reflection on the

Brazilian option to criminalize offensive conducts to the regularity of the electoral

process. The electoral crimes set off for in Brazilian law as well as the criminal

procedures for their determination are analyzes within the context of protecting the

democratic electoral process. It aims the indication of the correspondence

between the electoral process and system and the protection effectively attained

by the criminal law.

Key-Words: Criminal law, Electoral law, Democracy, Electoral crimes.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 7

2 O PROCESSO ELEITORAL NAS DEMOCRACIAS ............................... 11

2.1 Democracia: Conceito e Elementos ......................................................... 13

2.2 Representação política ............................................................................. 27

2.3 O Processo Eleitoral ................................................................................. 32

2.3.1 Princípios diretores do processo eleitoral ................................................. 33

2.3.1.1 Free and fair elections .............................................................................. 34

2.3.1.2 One man one vote .................................................................................... 36

2.3.2 Direito de Sufrágio..................................................................................... 38

2.3.2.1 Garantias do sufrágio................................................................................ 40

2.3.3 Partidos Políticos ...................................................................................... 41

2.3.4 Sistemas Eleitorais ................................................................................... 44

2.3.4.1 Sistema Majoritário .................................................................................. 44

2.3.4.2 Sistema Proporcional................................................................................ 45

2.3.4.3 Sistema Misto ........................................................................................... 46

2.4 O processo eleitoral no Brasil ................................................................... 46

2.4.1 Breve histórico das eleições no Brasil ..................................................... 47

2.4.2 Caracteres do processo eleitoral brasileiro .............................................. 54

2.4.3 O voto na Constituição de 1988 ............................................................... 56

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2.4.4 Elegibilidade no Direito Positivo Brasileiro ................................................ 57

2.4.5 Sistema de controle das eleições no Brasil .............................................. 59

2.4.5.1 O papel da Justiça Eleitoral ..................................................................... 60

3 TUTELA PENAL DAS ELEIÇÕES NA DOGMÁTICA BRASILEIRA ...... 63

3.1 A proteção dos bens jurídicos pelo direito penal ...................................... 64

3.2 A proteção penal no processo eleitoral .................................................... 84

3.2.1 Natureza jurídica dos crimes eleitorais ..................................................... 88

3.2.2 Classificação dos crimes eleitorais ........................................................... 95

3.2.3 Penas cominadas ................................................................................... 100

3.2.4 Condutas incriminadas ........................................................................... 107

3.3 Processo penal eleitoral ......................................................................... 123

3.3.1 A competência penal da Justiça Eleitoral ............................................... 124

3.3.2 Aspectos do processo penal eleitoral ..................................................... 129

3.4 Efetividade da tutela penal ..................................................................... 134

4 CONCLUSÃO ........................................................................................ 138

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ................................................................... 142

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1 INTRODUÇÃO

A mera existência de eleições não significa que exista democracia

em um Estado. Ora, não é preciso grandes reflexões para se verificar esse fato,

basta o acompanhamento dos noticiários. Eleições foram noticiadas no Iraque,

eleições são realizadas em Cuba. Há eleições em ambientes autoritários e

totalitários.

Esses governos não são legitimados pelas eleições, que assume

outras funções. No entanto, qual seria a legitimidade da representação de um

povo ou dos governos tidos como democráticos se o processo eleitoral é

maculado pelas fraudes ou abuso de poder econômico, por exemplo? Não há

dúvida que, nesses casos, o resultado das eleições sofrerá distorções indevidas,

e a democracia restará prejudicada.

Portanto, mais do que simplesmente criar mecanismos para a

manifestação da vontade popular, é preciso proteger esse sistema. É necessário

proteger o processo eleitoral. E quais seriam esses meios de controle e proteção

da lisura do pleito eleitoral?

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Essa proteção se dá em vários âmbitos, e as sanções às condutas

lesivas à regularidade do processo eleitoral também variam. É também papel do

direito penal proteger o processo eleitoral. Mas quando que o direito penal irá

intervir?

Visa a proteção penal, especialmente, coibir o abuso do poder

econômico e restrição à liberdade, sendo esses princípios basilares do direito

eleitoral. O aprimoramento dessa proteção afeta diretamente o exercício da

cidadania, da consciência e da prática democrática. Apenas por meio de um

processo eleitoral livre de vícios na formação e expressão da vontade popular

haverá democracia e cidadania, entendida esta como participação política.

Diante disso, os mecanismos de fiscalização e controle do processo

eleitoral assumem substancial importância, e, nessa linha, a proteção pelo direito

penal, a ultima ratio ganha especial destaque.

O tema proposto se justifica pela sua importância intrínseca e pelas

atuais discussões sobre a reforma eleitoral, o que vai, obviamente, influir na

definição dos crimes eleitorais e, que pode também ter reflexos no processo penal

eleitoral.

Nota-se a necessidade de se debruçar mais detidamente sobre o

tema dos delitos eleitorais, visto que, comparativamente ao outros relacionados

ao direito eleitoral e ao direito penal e processual penal, ainda há um déficit a ser

suprido.

O aprimoramento do sistema eleitoral e dos institutos democráticos

reflete diretamente no fortalecimento da democracia. Significa, em última análise,

o aprimoramento da cidadania, da consciência democrática e da participação do

povo nos negócios do Estado. Afinal, para que um Estado se auto-intitule como

Estado Democrático de Direito, os meios de participação popular e representação

devem estão configurados de maneira adequada a cumprir o papel de legitimação

do poder.

Este trabalho está divido em duas partes. A primeira é dedicada a

traçar os contornos do processo eleitoral democrático, especialmente o caso

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brasileiro. Para tanto, é essencial, primeiramente, delimitar o que se entende por

democracia. Essa não é uma tarefa fácil, pois muito é discutido sobre o assunto

sem que se obtenha uma definição adequada e precisa do termo. De qualquer

maneira, os contornos da idéia central de democracia e sobre qual o sentido

preponderante do termo que se baseia o processo eleitoral a ser estudado

necessitam serem delimitados. Não há a pretensão de se esgotar o assunto.

Realizada essa tarefa, passa-se ao tratamento do processo eleitoral

em ambientes democráticos e de seus princípios norteadores. São destacados

dois princípios, dentre os existentes. Ao final, é apresentado o processo eleitoral

brasileiro tal qual está configurado na legislação em vigor.

Apenas vencida essa etapa primeira etapa pode-se passar ao

estudo da proteção do sistema pelo direito penal. Inicialmente é importante trazer

algumas informações sobre a evolução do direito e da doutrina penal,

apresentando, sucintamente, os princípios e fundamentos do sistema penal de

justiça. Alguns pontos são destacando, posto que considerados importantes para

o trabalho. Dada a complexidade e extensão do tema, não são abordados todos

os aspectos dessa evolução. Destaca-se a discussão sobre a função do direito

penal, pois tem relação direta com a verificação da questão central, sobre a

proteção do pleito eleitoral.

Acredita-se importante abrir essa discussão, pois o meio escolhido

para proteger as eleições e, conseqüentemente, a democracia, precisa ser melhor

compreendido nas suas finalidades, características e mesmo limitações. Do

contrário, toda a discussão perde sentido.

Finalmente, é tratada a questão dos crimes eleitorais, trazendo a

polêmica sobre sua natureza jurídica e quais as condutas incriminadas. A questão

não deve se ater tão somente à doutrina, mas, em especial, pelos tribunais, que

aplicam as disposições dos diplomas legais na prática. Também são traçadas

breves linhas a respeito do processo penal eleitoral, já que o sistema penal de

justiça age como um todo, não sendo possível se tratar tão-somente dos tipos

incriminadores sem se questionar como a apuração e julgamento são realizadas

pelos instrumentos processuais. Os crimes eleitorais e o sistema processual de

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apuração e julgamento desses crimes precisam ser abordados pelo prisma da

efetividade.

Está claro que o enfoque é dado ao caso brasileiro, à legislação hoje

em vigor e sua aplicação prática. Todavia, para a escolha do título do trabalho, foi

dada ênfase no título ao adjetivo democrático, em detrimento a brasileiro, pois o

sentido de se proteger as eleições existe apenas em ambientes que procuram,

por meio da consulta popular, legitimar o exercício do poder e representar o povo

adequadamente. Assim, a tutela penal do processo eleitoral brasileiro só faz

sentido enquanto este for um processo eleitoral democrático.

A pesquisa proposta apresenta como seu maior desafio a

complexidade do tema, que passa, necessariamente, pela análise tanto do

sistema político quanto do sistema penal de justiça.

Em meio a tantos temas importantes, que não podem ser tratados

superficialmente, aparece o segundo desafio, que é manter a linha proposta, sem

desviar a discussão para temas secundários, que são infindáveis.

Espera-se conseguir clarear a resposta a uma pergunta: O sistema

penal de justiça está cumprindo o papel que lhe foi dado ao incriminar condutas

lesivas ao processo eleitoral e chamar para si sua apuração e julgamento?

O tema do trabalho insere-se na linha de pesquisa da Universidade

Presbiteriana Mackenzie “A cidadania modelando o Estado”. O estudo do

processo eleitoral e dos mecanismos para a proteção da regularidade das

eleições tem como objetivo buscar os meios de garantir a legitimidade do sistema

representativo e, conseqüentemente, fortalecer o estado democrático de Direito.

Para a elaboração do trabalho proposto, é adotado o método

indutivo e comparado. Assim, será pesquisada a doutrina, estendendo a

bibliografia a autores clássicos e modernos a respeito de política, direito político e

eleitoral, direito penal e direito penal eleitoral. Além da pesquisa bibliográfica é

essencial buscar também a jurisprudência, analisando julgados que versem sobre

os crimes eleitorais. A exposição dos resultados da pesquisa segue o método

dissertativo.

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2 O PROCESSO ELEITORAL NAS DEMOCRACIAS

Apesar de ser feita relação imediata entre realização de eleições e

um ambiente democrático, na verdade a mera existência de eleições não

necessariamente é indicativa da adoção de um governo baseado nos princípios

da democracia ocidental. No entanto, não é possível imaginar a democracia nos

dias atuais sem a existência de processos eleitorais, pois estes estão ligados à

idéia de representatividade.1

Observa-se a realização de eleições também em regimes

autoritários e totalitários. No caso dos regimes totalitários, serviria como

instrumento de exercício do poder sob o controle dos órgãos governamentais

visando a unidade política e moral do povo. Nos regimes autoritários como

reafirmação das relações de poder. Nesses casos, a competitividade é reduzida

1 A relação entre eleições e democracia moderna é tão forte que, automaticamente,

relacionamos a representação com democracia. Assim, aponta Norberto Bobbio: “ (...) Quando falamos de democracia, a primeira imagem que nos vem à mente é o dia das eleições, longas filas de cidadãos que esperam a sua vez para colocar o voto na urna. Caiu uma ditadura, instaurou-se um regime democrático? O que nos mostram os televisores de todo o mundo? Uma cadeira de eleitor e um homem qualquer, ou o primeiro cidadão, que exercem o próprio direito ou cumprem o próprio dever de eleger quem deverá representá-los.” BOBBIO, Norberto.

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ou mesmo inexistente, sem que haja a possibilidade de alternância de poder,

limitando-se ou excluindo por completo a liberdade de escolha.

Nas democracias as eleições servem como fonte de legitimidade do

poder. Possuem, portanto, grande importância. Além de serem a forma para a

escolha dos representantes do povo, tanto no poder legislativo quanto, no caso do

Brasil, uma república presidencialista, o chefe dos cargos executivos. Há, então, a

possibilidade de efetiva e livre escolha, assegurando-se a possibilidade de

alternância de poder.

Sobre o tema, esclarece com precisão Mônica Herman Salem

Caggiano:

“(...) com efeito, em panoramas democráticos as eleições

competitivas comparecem em cenário político decisional

como fonte de legitimidade dos governantes, concorrendo

para assegurar a constituição de corpos representativos, de

sua parte, qualificados pela legitimação do voto popular.

Demais disso, atuam como instrumento para, por outro turno,

promover o controle governamental e, por outro, expressar a

confiança nos candidatos eleitos. E mais que isso, na

condição de locus de participação política, as eleições

autorizam a mobilização das massas, todo um processo de

conscientização política e canalização dos conflitos mediante

procedimentos pacíficos. Contribuem, ainda, para a

formação da vontade comum e, diante de sistemas

parlamentaristas, correspondem ao processo natural e eficaz

de designação do governo, mediante a formação de maiorias

governamentais.”2

Teoria Geral da Política. A Filosofia Política e as Lições dos Clássicos. 15ª Tiragem. Campus. p. 371.

2 CAGGIANO, Mônica Herman Salem. Direito Parlamentar e Direito Eleitoral. Barueri, SP, Manole, 2004. p. 74.

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Eis a razão por expressamente delimitado que este capítulo serve

para analisar apenas e tão somente as características do processo eleitoral nas

democracias.

Este capítulo está dividido em duas partes: na primeira se procura

descobrir o que é a democracia. Na segunda parte são abordados os aspectos

relativos ao processo e ao sistema eleitoral, destacando suas principais

características. A opção brasileira é feita em um terceiro momento.

2.1 Democracia: Conceito e Elementos

O que é democracia?

Conforme bem observa Giovanni Sartori, a “democracia se tornou

uma palavra universalmente honorífica”3, de forma que nenhuma doutrina aceita a

adjetivação de antidemocrática. Ser democrático passou a ser uma necessidade,

mesmo que apenas do ponto de vista retórico, assim, exige-se um cuidado com o

tema para que não se torne uma “simples armadilha verbal”.4

O conceito é abrangente e sofre distorções, pois qualquer tipo de

regime pretende se afirmar como uma democracia. Tamanha a confusão e

profusão de conceitos e idéias, que se perdeu a noção correta da abrangência do

conceito, razão pela qual o já citado autor desabafa:

“Que “democracia” tenha diversos significados é algo que

podemos conviver. Mas se “democracia” pode significar

absolutamente qualquer coisa, aí já é demais.”5

3 SARTORI, Giovanni. A Teoria da Democracia Revisitada. Vol I – O debate contemporâneo.

Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo, Ática, 1994. p. 18. A mesma idéia é demonstrada no doutrinador brasileiro Dalmo Dallari, que, após discorrer sobre o desenvolvimento histórico do conceito atual de Estado Democrático, conclui: “Consolidou-se a idéia de Estado Democrático como ideal supremo, chegando-se a um ponto em que nenhum sistema e nenhum governante, mesmo quando patentemente autoritários, admitem que não sejam democráticos”. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 19ª ed, São Paulo, Saraiva, 1995.

4 SARTORI, Giovanni. Op.Cit. p. 18. 5 Ibid, p. 22.

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Este trabalho se baseia no conceito político de democracia, pois nele

se insere a problemática dos crimes eleitorais tratados pela legislação pátria.

Portanto, antes de entrar no conceito e nos elementos presentes em um Estado

democrático, cabem algumas conceituações a respeito dos sentidos que a

palavra democracia pode tomar.

O conceito de democracia social é o trabalhado por Tocqueville em

A Democracia na América. O referido livro foi escrito em razão dos estudos in loco

que fez da sociedade e das leis dos Estados Unidos da América. Analisando a

sociedade americana do século XIX, observou o que se pode chamar de um

modo de vida democrático, em contraste com as tradições e história do povo

Europeu. Conclui, assim, ser o Estado Democrático pouco propício às

revoluções.6

Nota-se no referido autor grande entusiasmo pela sociedade

democrática americana que encontrou no seu tempo. A questão democrática não

é tratada pelo ponto de vista exclusivamente político, mas puramente no sentido

de uma sociedade democrática, que é mais que o sentido puramente formal.

Trata-se de outra configuração social, que, no caso americano, não passou pela

experiência do sistema feudal.

Chega a afirmar a democracia como uma inevitabilidade, assim

como o crescimento da igualdade de condições. É, portanto, uma concepção

6 Fala Alexis de Tocqueville na democracia enquanto “modo de vida”, o que seria

primordialmente o seu sentido social, a partir das observações que fez na sua passagem nos Estados Unidos da América. Outra é idéia apresentada por Rousseau, que, tratando da democracia (agora no seu sentido político), escreveu: “Acrescentemos que não há forma de governo tão sujeita às guerras civis e às agitações intestinas quanto a forma democrática ou popular, porque não há outra que tenda tão fortemente e continuamente a mudar de forma, nem que exija mais vigilância e coragem para ser mantida na forma original.(...)” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo, Nova Cultural. 1997, p. 151.) Qual a razão das conclusões dos autores? Poderia ser resolvida apenas pelo sentido de democracia estudado ou seria explicada por outra observação de Tocqueville? Segundo o autor o crescimento e desenvolvimento da democracia na Europa foi “desregrado e sem direcionamento”, anotando o seguinte: “Daí resultou-se que a revolução democrática realizou-se no material da sociedade, sem que se fizesse, nas leis, nas idéias e nos hábitos e nos costumes, a mudança que teria sido necessária para tornar essa revolução útil. Assim, temos a democracia, menos o que deve atenuar seus vícios e ressaltar suas vantagens naturais e, já vendo os males que ela acarreta, ainda ignoramos os bens que ela pode proporcionar.” (TOCQUEVILLE, Alexis de. Op. Cit. p. 13.) Não será feita análise mais aprofundada neste trabalho que privilegia o conceito político de democracia.

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fatalista, vislumbrando a expansão da sociedade democrática para além das

fronteiras políticas.

“O desenvolvimento gradual da igualdade de condições é

um fato providencial. Possui suas principais características:

é universal, é duradouro, escapa cada dia ao poder humano,

todos os acontecimentos, bem como todos os homens,

contribuem para ele.”7

Outra observação que deve ser feita antes de prosseguir para o

próximo sentido de democracia, é que não se confunde a democracia social com

a “democracia socialista”. Não se trata de um programa político imposto por um

Estado dito socialista. Nas palavras de Giovanni Sartori:

“(...) Enquanto uma democracia social se organiza de baixo

para cima, uma democracia socialista organiza-se de cima

para baixo. A democracia social é antes de mais nada um

estilo de vida, enquanto a democracia socialista é sobretudo

um estilo de governo.”8

A democracia industrial é expressão de significado preciso. Utilizada

no final do século XIX, significa a democracia nos interior das fábricas industriais.

Acabou por se tornar uma adaptação da democracia direta das cidades-estados

gregas, significando a co-determinação ou a auto-administração. 9

A noção de democracia econômica já é um conceito mais

“escorregadio”. Uma primeira definição nos leva à idéia de meta política de

redistribuição de riqueza e “equalização das condições e oportunidades

econômicas.”10 Pode, assim, representar meramente uma extensão ou

complementação do conceito de democracia política. (E, porque não, uma faceta

da democracia social, que tem no desenvolvimento da igualdade de condições

referida por Tocqueville, como vimos, um aspecto importante?) Também pode ser

7 TOCQUEVILLE, Alexis de. Op. Cit. p 11. 8 SARTORI, Giovanni. Op. Cit. p. 26. 9 Idem. 10 Idem.

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vista como um dos significados da democracia industrial, o que nos levaria a

concluir que se trata mais do controle do trabalhador sobre a economia do que

propriamente a distribuição igualitária de riqueza.

No entanto, na visão marxista, a democracia econômica não

pressupõe a democracia política. Conforme a análise marxista, o Estado

Moderno, melhor dizendo, o Estado Democrático de Direito que se nasce após a

queda do absolutismo apenas serve para a manutenção da exploração do

trabalho pelo capital.

A compreensão do conceito de democracia política depende do

estudo de sua origem. Em linhas gerais, a democracia política, nos moldes que a

entendemos hoje, nasceu como movimento contrário ao Estado Absolutista. Para

os marxistas, serviu apenas para colocar (e manter) a burguesia no poder (poder

político), e garantir a liberdade de contrato, a propriedade (ou melhor, o direito a

não ser privado da propriedade, o que só existira para aqueles que a possuem) e

a igualdade (formal). É o Estado quem garante a exploração e a manutenção da

infra-estrutura do modo de produção capitalista. A democracia política, assim, no

pensamento marxista, carece de valor, pois é reduzida a democracia burguesa.

Hoje em dia a democracia econômica acabou por se tornar um

termo extremamente ambíguo e exageradamente amplo, conforme as palavras de

Giovanni Sartori:

“Num extremo, significa apenas um programa de ação – e,

de fato, um programa determinado pela democracia política

no interior de suas estruturas e por meio de seus

procedimentos. No outro extremo, supõe-se que a

democracia econômica elimine e substitua a democracia

política – e se transforme numa noção que resiste a uma

definição precisa.”11

Democracia, quando tratada apenas por “democracia”, sem

adjetivações, é entendida sempre no seu sentido político. E o que interessa para

11 SARTORI, Giovanni. Op. Cit p 28.

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o momento, no entanto, é saber o que é, o que pode, e o que deve ser

democracia.

Etimologicamente, deriva da junção dos termos gregos demos, povo,

e cracia, governo, ou seja, “governo do povo”, remete, portanto, à supremacia da

preferência pelo governo popular, pelo governo de muitos, pela participação do

povo nos negócios do Estado. Qualquer definição de democracia passa

necessariamente por essa consideração, mas nela não se esgota.12

A essência da democracia está na titularidade e exercício do poder

político supremo pelo povo, ou conjunto de cidadãos.13 É o povo que exerce a sua

soberania, diretamente ou por meio de seus representantes. A eleição de um

governante, ou melhor, do chefe do poder executivo, não o transforma em

representante do povo, mas indica o consentimento sobre o exercício do governo,

o que deve ser fiscalizado.14 Uma outra característica indeclinável seria a regra da

maioria.15

O embrião da democracia como hoje a conhecemos é encontrado

ainda nas antigas civilizações, mais especificamente na civilização grega, mas se

estende a toda Grécia. E, para os antigos, democracia significava exatamente o

que sua etimologia descreve: poder do démos, ou poder do povo, o que

pressupunha o exercício da democracia diretamente. A existência de eleições não

era intimamente ligada à idéia de governo democrático necessariamente. Poderia

existir em outras formas de governo.16

12 A análise de Sartori não foi indiferente à essa dificuldade de conceituação e tipologia variada.

Apresenta, assim, a democracia direta, democracia, eleitoral democracia de referendum ou referendaria, democracia participativa e a democracia consociativa, ou consocial, proposta por Lijphart.

13 Norbert Bobbio faz a seguinte observação: “Se ainda desejarmos falar em relação à democracia moderna, fundada no princípio do poder ascendente, de soberania, entendida como poder originário, princípio, fonte, medida de toda forma de poder, a soberania não é do povo, mas de cada um dos indivíduos, enquanto cidadãos.” (BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. A Filosofia Política e as Lições dos Clássicos. Tradução: Daniela Beccaccia Versiani. 15ª Tiragem, Campus. p. 379.)

14 COMPARATO. Fabio Konder. Sentido e alcance do processo eleitoral no regime democrático. In: Estudos Avançados, 14 (38), 2000. p. 307.

15 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira, 9ª edição, São Paulo, Paz e Terra, 2004. p. 31.

16 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Op. Cit.,p. 372.

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Qualquer análise, mesmo superficial, do sentido de democracia,

passa, necessariamente, pela noção da democracia Ateniense, que teve seu

auge no chamado século de Péricles. Como já explicado, essa democracia é

muito diferente do conceito atual. Primeiro, por ser uma expressão da democracia

direta, que se passou a ser inviável17, segundo, porque a sua regra era a da

restrição: apenas os cidadãos participavam da polis.

O conceito de cidadão grego é muito diferente da noção atual, mas

não diferente da idéia de cidadão dos romanos. Quem tinha direito de votar nos

comícios, ou direito de sufrágio, eram os homens livres. Os semilivres, como as

mulheres, eram civis sine suffragio.

Apesar disso, a influência permanece com a exigência a participação

do povo na afirmação de um governo democrático.

Aristóteles faz a classificação dos governos em três categorias

básicas, dependendo do número de pessoas que dele participam: o governo que

caberia a um indivíduo, a um grupo ou a todos. Seriam esses, dependendo da

consideração pelo outros ou predomínio dos interesses pessoais: a monarquia ou

tirania, a aristocracia ou oligarquia e a politéia ou democracia18. E a democracia

não é considerada a melhor forma de governo por si mesma, mas por seus

resultados.

Segue-se a Idade Média, com a extinção do Império Romano. Esse

período histórico é dividido em duas partes pelos historiadores. A Alta Idade

Média é marcada pelo “esfacelamento do poder político e econômico, com a

instauração do feudalismo.”19 Mas a partir do século XI inicia-se um movimento

17 Não é pacífico o entendimento da inviabilidade da democracia direta, especialmente quando se

constata a crise da representatividade. Especialmente com o desenvolvimento das comunicações, em particular a internet, surgem novas idéias de como conferir algumas mais decisões diretamente aos cidadãos. De qualquer maneira, existem mecanismos de democracia direta que podem ser mais aplicados, convivendo com os institutos de democracia indireta, sem que um pressuponha a exclusão do outro. Sobre o tema e busca de novos caminhos para a democracia moderna, interessante consultar a obra Democratizar a Democracia. Os caminhos da Democracia Participativa. Organizado por Boaventura de Souza Santos. Consultamos a 3a edição, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2005.

18 SARTORI, Giovanni. A teoria de democracia revisitada. Vol II. As questões clássicas. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo, Ática, 1994. p. 38.

19 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 5ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007.

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19

para reconstruir a unidade política. Com os abusos da concentração de poder,

deram início as primeiras manifestações de descontentamento contra os abusos

cometidos, mas não alcançavam a todos, restritas a certos estamentos da

sociedade.

Como declínio do modo de produção feudal que dominou a Idade

Média, foi surgindo a primeira forma do Capitalismo: a economia mercantilista.

Com seu desenvolvimento e expansão, a descentralização política e monetária

européia tornou-se um entrave ao desenvolvimento dessa economia. Foi a

necessidade de criar a regulamentação das trocas e da segurança jurídica que

fez surgir o Estado Moderno.

O Estado Moderno nasce, pois, como uma construção, o qual se

atribui e assume a obrigação de dizer o direito e de dar a tutela jurisdicional.

Passa, então, a harmonizar os conflitos, as tensões e as contradições da

sociedade, a estabelecer os parâmetros para a ordem, o direito, a justiça, a

segurança, a liberdade e a propriedade. Transforma-se em uma poderosa

organização que regra a vida social, impelido pela racionalidade instrumental.

O absolutismo é a primeira forma de Estado Moderno. A formação

dos Estados absolutistas não teve o mesmo percurso em todos os países

europeus, e nem ocorreu de forma tranqüila. O processo histórico ocorreu com

fortes conflitos entre os países, entre burguesia e aristocracia, católicos e

protestantes, camponeses e senhores, marcando profundamente a constituição

do mundo capitalista.

Mas a necessidade da imposição de um Estado forte, que garantisse

as trocas econômicas, criando padrões monetários e jurídicos, acabou por

prevalecer e, em pouco tempo, quase toda a Europa era absolutista. A França é

apontada como a nação que a vivenciou em sua forma mais plena.

Por volta do ano 1700, a Europa já tinha implementado e

desenvolvido – ainda que embrionárias – as estruturas características do Estado

moderno; estruturas que estão na base da maioria dos Estados atuais. É claro

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20

que aqueles Estados estavam longe do que hoje entendemos por Estado

Democrático, mas já não era um despotismo completo.

No entanto, esse modelo político também se esgotou. Fortes os

Estados Nacionais, a burguesia em ascensão acabou por perceber que detinha o

poder econômico, mas não o poder político. Além disso, faltava-lhe a liberdade.

Ou melhor, a liberdade contratual. Era preciso um estado que garantisse a

propriedade e a liberdade, seguem-se as revoluções liberais.

O Estado Liberal apresenta-se como desdobramento lógico da

separação entre o publico e o privado ou pessoal. A revolução da burguesia

transformou radicalmente a sociedade feudal na Europa, exigindo uma nova

forma de Estado, que rompeu com a ordem hierárquica das corporações, dos

laços sanguíneos e dos privilégios e criou uma estrutura de poder político capaz

de manter e ampliar suas conquistas. Em 1787 foi aprovada a primeira

constituição liberal, que tinha como princípios a liberdade, a igualdade e a

fraternidade, lema da Revolução Francesa de 1789.

Democracia passa, então, a ter nova significação a partir do século

XVIII, com a proliferação das idéias iluministas, e passa a ganhar novos sentidos

ao longo dos séculos que se seguiram. O(s) discurso(s) democrático

contemporâneo leva(m) ao questionamento sobre qual seu real significado.

Conforme ensina Norberto Bobbio:

“Das duas diferenças entre a democracia moderna e a

democracia antiga, a primeira foi o efeito natural da

alteração das condições históricas, a segunda, ao contrário,

foi efeito de uma diferente concepção moral de mundo. A

substituição da democracia direta pela democracia

representativa deveu-se ao fato de uma questão de fato: o

distinto juízo sobre a democracia como forma de governo

implica uma questão de princípios. As condições históricas

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21

alteraram-se com a transição da cidade-Estado para os

grandes Estados territoriais. (...)”20

Quem mais se aproxima do pensamento de Aristóteles quanto às

distinções nas espécies de governo é Montesquieu, que também faz distinções a

partir de observações empíricas. Refere-se a três: o republicano, o monárquico e

o despótico. No republicano o povo ou parte dele governa, no monárquico,

apenas um, sob leis fixas e estabelecidas, e no despótico, apenas um, segundo

suas vontades e caprichos.21

A república pode ser democrática ou aristocrática. Em uma

democracia o povo é o Monarca e o súdito, dependendo do aspecto analisado.22

A igualdade seria a alma da democracia, e a escolha dos representantes por

sorteio, dessa forma, está afeta à democracia, enquanto o sufrágio teria natureza

aristocrática.23

Razões históricas que determinaram a preferência por um governo

democrático, do povo, abrangendo nessa concepção parcela muito mais ampla

dos habitantes, mesmo que ainda tivessem algumas restrições. A figura do

Estado como o concebemos, nasceu e se desenvolveu paralelamente ao

desenvolvimento do modo de produção capitalista, não antes. Logo, a idéia do

Estado Democrático de Direito não poderia ser anterior. Inicialmente o Estado

nasce com o poder centralizado nas mãos do monarca, e posteriormente essa

concentração de poder foi sendo questionada e foram buscados meios de

controlar o poder. Era o caminho para o enfraquecimento do absolutismo. Nasce

da luta contra este, servindo para a ascensão política da burguesia.24

20 BOBBIO. Norberto. Teoria Geral da Política. Op.Cit. p. 376. 21 MONTESQUIEU, O Espírito das Leis p. 83. 22 MONTESQUIEU, Op Cit. p. 84. : “O Povo, na Democracia, é, sob certos aspectos, o Monarca;

sob outros aspectos, é o súdito. Ele não pode ser Monarca senão através de seus sufrágios, que são as suas vontades. A vontade do soberano é o próprio soberano. Por isso mesmo as leis que estabelecem o direito de sufrágio são fundamentais neste Governo. Com efeito, disciplinar como, por quem, a quem, sobre o que serão dados os sufrágio, nele, é tão importante quanto saber, numa Monarquia, qual é o Monarca, e de qual maneira deve governar. Diz Libânio que, em Atenas, o estrangeiro que se misturava na assembléia do Povo era punido de morte. É que aquele homem usurpava o direito de soberania.”

23 Ibid. p 88 e 119. 24 DALLARI, Dalmo de Abreu. P 124.

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22

Rousseau, no entanto, mesmo sendo o pensador de primordial

influência na construção da teoria democrática, era profundamente crítico. No

contrato social demonstra defender a democracia direta em detrimento à

democracia indireta (a soberania não pode ser representada25). Se por um lado

estão na sua obra os fundamentos da democracia ocidental, está também a sua

crítica.

“Tomando-se o termo no rigor da acepção, jamais existiu,

jamais existirá uma democracia verdadeira. É contra a

ordem natural governar o grande número e ser o menor

número governado.”26

Não só, o autor vai além, afirmando que “Se existisse um povo de

deuses, governar-se-ia democraticamente. Governo tão perfeito não convém aos

homens”.27 Essa afirmação nos dá a dimensão utópica do termo. No entanto, a

impossibilidade de se realizar a utopia democrática, com o pleno exercício da

democracia direita é reconhecida por Rousseau, pois exigiria um Estado muito

pequeno.

Foram três os grandes movimentos político-sociais que ajudaram a

conformar a Democracia representativa que hoje conhecemos, introduzindo no

plano prático o que antes era visto basicamente pelo ponto de vista teórico,

considerados marcos da decadência da monarquia absolutista com o

florescimento Estado de Direito28: a Revolução Inglesa, com sua expressão no Bill

25 Rousseau vai mais longe, criticando a democracia representativa como a existente na

Inglaterra. Chega a afirmar categoricamente: “O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois só o é durante a eleição do parlamento; uma vez estes eleitos ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso, que dela faz, mostra que merece perde-la” ROUSSEAU. Op. Cit. p. 187. A representatividade e o mandato imperativo, no entanto, serão tratados mais adiante.

26 ROUSSEAU. Op. Cit, p. 150. 27 Idem. 28 Fabio Konder Comparato, ao tratar do reino de Davi, faz o seguinte esclarecimento: “ Em

manifesto contraste com os regimes monárquicos de todos os outros povos do passado e de sua época, o reino de Davi, que durou 33 anos (c. 996 a c. 963 a.C.), estabeleceu, pela primeira vez na história política da humanidade, a figura do rei-sacerdote, o monarca que não se proclama deus nem se declara legislador, mas se apresenta, antes, como o delegado do Deus único e o responsável supremo pela execução da lei divina. Surgia, assim, o embrião daquilo que, muitos séculos depois, passou a ser designado como Estado de Direito, isto é, uma organização política na qual os governantes não criam o direito para justificar o seu poder, mas submetem-se aos princípios e normas editados por uma autoridade superior.” COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica histórica dos direitos humanos. p. 42.

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of Rights de 1689, a Revolução Americana, com seus princípios estampados na

Declaração de Independência de 1776 e a Revolução Francesa, que

universalizou seus princípios na Declaração do Homem e do Cidadão de 1789.29

Diz a Declaração da Independência Americana e da Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, expressando princípios sobre os quais se

fundamenta o Estado Democrático:

“Consideramos de per si evidentes as verdades seguintes:

que todos os homens são criaturas iguais, que são dotados

pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a

vida, a liberdade e a busca da felicidade. Os governos são

estabelecidos entre os homens para assegurar esses

direitos e os seus justos poderes derivam do consentimento

dos governados; quando qualquer forma de governo se

torna ofensiva destes fins, é direito do povo alterá-la ou

aboli-la, e instituir um novo governo, baseando-o nos

princípios e organizado os seus poderes pela forma que lhe

pareça mais adequada a promover a sua segurança e

felicidade. (...)”30

A idéia do Estado Democrático se consolida de tal forma que chega

a ser um ideal supremo, como tratamos no item anterior. No entanto, para um

Estado ser Democrático não basta que assim se autodenomine, sendo necessária

a presença de três pontos fundamentais: supremacia da vontade popular;

preservação da liberdade e igualdade de direitos.

Está presente na idéia de democracia, portanto, a preocupação da

participação do povo no Estado, na organização, formação e atuação do governo,

sempre presente a idéia da soberania popular, e a expressão livre dessa vontade

29 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p. 125. 30 Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776, in

MIRANDA, Jorge (org). Textos Históricos do Direito Constitucional. Estudos Portugueses, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1980.

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soberana, sabendo, conseqüentemente (e em tese), resguardar a liberdade e a

igualdade.31

“Nenhuma limitação deve ser imposta ao indivíduo, a não

ser por meio da lei, que é a expressão da vontade geral. E

todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente

ou por seus representantes, para a formação dessa vontade

geral”32

Norberto Bobbio aponta três condições que devem estar

simultaneamente presentes: a “atribuição a um elevado número de cidadãos do

direito de participar direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas”, a

existência da “regra da maioria” e, por fim, a terceira condição indispensável:

“é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a

eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de

alternativas reais e postos em condição de poder escolher

entre uma e outra.”

Mais adiante, nos alerta que essa terceira condição só se realiza

garantidos os denominados direitos de liberdade.

“os direitos à base dos quais nasceu o Estado liberal e foi

construída a doutrina do Estado de Direito em sentido forte,

isto é, do Estado que não apenas exerce o poder sub lege,

31 Interessante comentário sobre os requisitos para que se reconheça uma democracia

colocados por Norberto Bobbio. O autor alerta para a existência de três condições que devem estar simultaneamente presentes: a “atribuição a um elevado número de cidadãos do direito de participar direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas”, a existência da “regra da maioria” e, por fim, a terceira condição indispensável: “é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra.” Mas adiante, nos alerta que essa terceira condição só se realiza garantidos os denominados direitos de liberdade. “os direitos à base dos quais nasceu o Estado liberal e foi construída a doutrina do Estado de Direito em sentido forte, isto é, do Estado que não apenas exerce o poder sub lege, mas o exerce dentro de limites derivados do reconhecimento constitucional dos direitos “invioláveis” do indivíduo.” E, mas adiante, conclui: “A prova histórica desta interdependência [Estado democrático e Estado liberal] está no fato de que Estado liberal e Estado democrático, quando caem, caem juntos.” (BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Op. Cit. p 32-33)

32 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. Cit. p.127.

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mas o exerce dentro de limites derivados do reconhecimento

constitucional dos direitos “invioláveis” do indivíduo.”

E conclui:

“A prova histórica desta interdependência (Estado

democrático e Estado liberal) está no fato de que Estado

liberal e Estado democrático, quando caem, caem juntos.”33

A democracia direta, pensada aqui como a manifestação constante

do povo, ou seja, sua participação em todos os assuntos de seu interesse é

impraticável, e, nos dizeres de Norberto Bobbio34, insensata. As manifestações de

democracia direta existem apenas como curiosidade histórica, nada mais.

A democracia indireta, ou melhor, a democracia representativa, tem

prevalecido e, esta, por sua vez, é viabilizada com a escolha dos representantes

do povo. Nada impede, no entanto, que alguns institutos de democracia

semidireta sejam aplicados em sistemas predominantemente indiretos. Ao

contrário. Tem lugar nas democracias atuais a adoção de instrumentos como o

referendum, o plebiscito, a iniciativa popular lei e também o veto popular e o

recall.

“(...) A democracia moderna, nascida como democracia

representativa, em contraposição à democracia dos antigos,

deveria ser caracterizada pela representação política, isto é,

por uma forma de representação na qual o representante,

sendo chamado a perseguir os interesses da nação, não

pode estar sujeito a um mandato vinculado”.35

Visto as idéias a respeito de democracia abstratamente trabalhadas,

pode-se concluir que sob a mesma finalidade (instituição de um governo

democrático) podem ser encontradas diversas formas de manifestação ou

organização democrática. Assim, Arend Liphart desenvolve um estudo sobre a

33 BOBBIO, Norberto. Op. Cit. p 32-33. 34 BOBBIO, Norberto. Op. Cit. p 54. 35 BOBBIO, Norberto. Op. Cit. p 36.

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variedade de instituições, identificando padrões e regularidades, divididos em

modelos de democracia. São identificados pelo autor dois modelos básicos: o

consensual e o majoritário.

“(...) O contraste entre o modelo majoritário e o consensual

surge a partir da definição mais básica e literal da

democracia: governo pelo povo ou, no caso da democracia

representativa, governo pelos representantes do povo – e,

também, a partir da famosa frase de Abraham Lincoln

segundo a qual democracia significa governo, não apenas

pelo povo, mas também para o povo –, ou seja: governo de

acordo com a preferência popular.”36

Ora, sendo um governo pelo e para o povo, questiona-se: quando

não houver convergência quanto às preferências de um povo, quem governará e

quais interesses devem ser atendidos? Da resposta a essa questão se extrai a

essência dos modelos apresentados. Se a resposta for a maioria do povo, está-se

diante do modelo majoritário. Respondendo que prevalece a vontade do maior

número de pessoas, estamos diante do modelo consensual. Não se trata de um

mero jogo de palavras. No modelo majoritário, o poder político estaria

concentrado nas mãos de uma minoria, enquanto o modelo consensual procura

compartilhar, dispersar e limitar o poder.37

Se não existe uma fórmula única para moldar um governo

democrático, como identificar uma democracia dentre tantas variáveis? Partindo

da idéia genérica de democracia, como identificar a existência de um regime

democrático em um determinado Estado?

“Embora os cientistas políticos discordem sobre alguns

detalhes na definição e na avaliação da democracia

36 LIJPHART, Arend. Modelos de Democracia. Desempenho e Padrões de Governo em 36 países. Tradução de Roberto Franco. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. p. 17 a 23. Outra observação feita é a de que existe uma forte tendência em se associar a democracia somente ao modelo majoritário. Assim, a existência de uma forte oposição política e o uso do critério de alternância de poder revelam essa tendência. Mas a maioria das democracias, mesmo as predominantemente majoritárias, têm traços consensuais significativos.

37 Idem.

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(Beetham, 1994; Inkeles, 1991), os oito critérios propostos

por Robert A. Dahl (1971:3) em seu influente livro Polyarchy

ainda recebem amplo apoio. São eles: (1) o direito ao voto,

(2) o direito a ser eleito, (3) o direito dos líderes políticos de

competirem por apoio e votos, (4) eleições livres e honestas,

(5) liberdade de reunião, (6) liberdade de expressão, (7)

fontes alternativas de informação, (8) instituições capazes de

fazer com que as medidas de governo dependam do voto e

de outras manifestações da vontade popular.”38

Não foi explicitada a necessidade de se garantir a possibilidade de

alternância de poder bem como a existência de uma forte oposição, dadas as

peculiaridades nas democracias representativas decorrentes dentre outros

fatores, da opção quanto aos sistemas eleitorais. Assim, entendido por alguns

autores o aspecto consensual de especial importância, não entrou nesta visão

como elementos caracterizadores.

Observa-se também que, dentre os critérios propostos estão

princípios basilares do processo eleitoral (eleições livre e honestas), direitos

políticos relativos ao sufrágio (direito de voto) e liberdades públicas.39 Assim,

podemos concluir que a democracia é bem mais do que um governo do povo ou

para o povo, seja diretamente, seja por meio de seus representantes.

Democracia tem relação direta com a liberdade, e, sem ela, não é

mais do que retórica.

2.2 Representação política

38 Ibid., p. 69. 39 Liberdades Públicas podem ser resumidamente explicadas da seguinte forma: “Liberdades públicas são faculdades de autodeterminação, individuais ou coletivas, declaradas, reconhecidas e garantidas pelo Estado, mediante as quais os respectivos titulares escolhem o modo de agir, dentro de limites traçados previamente pelo poder público.” (CRETELLA JÚNIR, José. Liberdades Públicas. São Paulo, Bushatsky, 1974. p.45.)

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A origem da representação política não é isenta de polêmica,

havendo aqueles que entendem vir esta desde a Antiguidade e outros, que

entendem ter a representação política se originado na Idade Média.40

Apesar da existência de divergências sobre esse ponto, foi durante a

Idade Média que a idéia de representação assumiu seus primeiros contornos,

surgindo órgãos representativos para exprimir a vontade daqueles seus

representados. Aparece a representação, em um primeiro momento, como

instrumento de participação dos governados no governo, ou, ao menos como

mero instrumento de expressão da sua vontade junto aos governantes.

As cidades italianas do século XII, por exemplo, estabeleceram

governos independentes, nos quais o podestà era eleito pelo voto popular e

governava auxiliado por dois conselhos. Apesar de deter largo poder, era um

funcionário assalariado que, ao final do mandato, tinha suas decisões submetidas

a um exame formal.41

O representante era escolhido por uma comunidade para exprimir a

vontade determinada dos representados, e deles recebe remuneração; devendo a

estes obediência; sendo que, caso os representados não mais estejam satisfeitos

com o representante, podem despi-lo da representação. É o chamado mandato

imperativo, que foi posteriormente abandonado, como ensina Mônica Herman

Salem Caggiano:

“(...) O mandato imperativo, pois, foi sendo banido das

práticas representativas, detectando-se, até hoje, em

algumas constituições a presença desta preocupação com o

afastamento de qualquer possibilidade de ligadura ou

40 “La Antigüedad no conoció el régimen representativo. El pueblo, entonces, ejercía su poder por

sí mismo, en forma de gobierno directo. Es en la época feudal cuando hizo su aparición la representación política y hay que añadir que nació bajo la influencia de causas feudales.” (MARLBERG, R. Carre de. Teoria General del Estado. Verión española de José Lion Depetre, Pácuno, México, Fondo de Cultura Econômica. p. 942.)

41 SKINNER, Quentin. As fundações do Pensamento Político Moderno. Tradução: Renato Janine Ribeiro. São Paulo, Cia das Letras, 1996. p. 25-26.

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instruções passadas ao representante por um determinado

círculo de eleitores.”42

Essa concepção de representação medieval sobreviveu nas

assembléias estamentais. Mesmo não sendo possível precisar quando foi

abandonada pelos comuns, é certo que ela não sobreviveu ao século XVI.

O parlamento, tal qual como conhecemos hoje, órgão integrante do

Estado Moderno, tem suas origens remotas no século XI, ainda durante a Idade

Média, com o embrião das idéias de representatividade, conceito imprescindível

para a evolução da democracia representativa.43

No século XVII a concepção de representação exposta pelos autores

ingleses é outra. Cada membro do Parlamento Inglês, embora escolhido por um

distrito particular, serve a todo o reino. O fim para o qual é ele enviado não é

particular, mas geral: não é o interesse particular e exclusivo daqueles que os

constituíram, mas o da comunidade. A conseqüência dessa nova concepção é

que não está obrigado a consultar seus constituintes ou a ouvir sua opinião sobre

alguma questão determinada.

Surge no contexto feudal inglês, decorrente do costume do rei em

reunir com seus vassalos, o conselho feudal, meramente consultivo. No século

XII, a partir desse núcleo, que é criado o Magnun Consilium. Com a Magna Carta

de 1215, passa esse conselho por um processo de institucionalização. Junto

deste vem a competência tributária e o direito de apresentar petições ao rei.

A convocação de “dois cavaleiros de cada condado” para participar

desse Magnun Consilium em 1265 define o nascimento do parlamento inglês. Sua

configuração bicameral, porém, só veio em 1351, com a separação entre a

42 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito Parlamentar e Direito Eleitoral. Barueri, SP,

Manole, 2004. p. 13. 43 Cuidamos aqui da idéia da “democracia política”, conforme alerta Sartori, ao explicar os vários

sentidos que a palavra democracia pode tomar. (SATORI, Giovani. ATeoria da Democracia Rrevisitada. Vol. I – O debate contemporâneo. São Paulo, Ática, 1994. p.24 a 29.)

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Camada dos Comuns e a Câmara dos Lordes. A primeira abrigando os

representantes dos condados e a segunda, os prelados e eclesiásticos.44

Assim como na Inglaterra, também na Europa continental é

observado o processo de surgimento dos parlamentos. Na França, por exemplo,

surgiram os Estados Gerais, que permaneceram esquecidos durante a Guerra

dos 100 Anos, ressurgindo no século XVIII.

A idéia de parlamento, assim, vai se desenvolvendo, estando

sempre presente, primeiro, a idéia de representação política da comunidade,

após, a tomada de decisões por meio da deliberação, sendo essa a metodologia

que norteia as decisões desse órgão colegiado.

Somando-se a essas, são atribuídas outras competências, como a já

citada competência tributária, e o direito de petição. Além da idéia de fiscalização,

decorrente da responsabilidade política, que acabou por “coroar a estrutura

parlamentar de governo”.45

As constituições, inicialmente da Revolução Americana, seguida

pela Revolução Francesa, e outras nelas inspiradas, foram estruturadas segundo

a “separação dos poderes”. Essas Constituições organizam o Estado, tendo

dividido o poder em Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário,46

sempre colocando nas mãos do legislativo a função primordial da produção

legislativa.

Como se pode observar, a elaboração da lei por meio dessas casas

de representação, os parlamentos genericamente assim denominados47, não foi a

primeira de suas atribuições.48

A idéia moderna de representação não é mais fundada no mandato

imperativo. Mas é a representação geral e livre, isto é, o representante não está

44 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Op. Cit. p. 7. 45 Ibid, p. 11. 46 FERREIA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 5ª ed, São Paulo: Saraiva,

2002, p. 59. 47 Estão sendo tratadas sob esta denominação, os órgãos que hoje integram o poder legislativo,

que podem ter nomenclaturas variadas. 48 Ibid, p. 19.

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adstrito a instruções ou recomendações por parte de seus eleitores e deve

apreciar cada questão de acordo com a sua consciência. Por ser geral e livre

torna-se, também, irresponsável, já que o representante não tem que prestar

contas aos representados, assim como não está sujeito à destituição.

Nação não é o povo, mas uma entidade abstrata que não pode por

si só exercer o poder supremo. Assim, tem a necessidade de representantes que

exprimam a sua vontade. Se a soberania pertence à nação, são representantes

desta e só desta. Esses representantes são eleitos pelo povo e exercem a função

que lhes foi delegada pela Nação. A vontade na Nação é necessariamente de

seus representantes.49

A doutrina da representação e a da soberania da Nação se

desenvolveram a partir da desconfiança em relação à multidão e serviram

eficientemente para o estabelecimento de assembléias “menos próximas do

povo”. Assim, o mandato representativo à luz da doutrina clássica da Revolução

Francesa esta longe do mandato conhecido pelo Direito Privado.50

A idéia de representação, como se nota, está intimamente ligada à

doutrina da separação dos poderes e à organização constitucional.51 Tal doutrina

foi estruturada por Montesquieu especialmente a partir da experiência Inglesa.

Diante da necessidade de limitar e controlar o poder para a manutenção da

democracia, a separação de poderes se demonstrou a forma mais eficaz de

controlá-lo.52 Foi justamente com a observação do funcionamento do parlamento

inglês que Montesquieu escreveu: “O Povo não deve participar do Governo senão

para escolher os seus representantes, o que está muito ao seu alcance”.53

Predomina a idéia da impossibilidade do povo decidir diretamente

sobre os assuntos do governo, pela inviabilidade de constantes consultas

49 A influência dessa idéia se estende por toda a doutrina constitucional. 50 A idéia de mandato representativo, e não imperativo, tem reflexos práticos no sistema eleitoral.

Um exemplo disso é a adoção no Brasil do voto de comparecimento obrigatório, preterindo o voto facultativo. No entanto, se analisarmos o direito alienígena notaremos resquícios do antigo mandato imperativo. É o caso da previsão do instituto do recall no direito Norte- Americano, por exemplo.

51 Sobre o tema da representação, consultar FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 5ª ed, São Paulo: Saraiva, 2002., pp 63 à 70.

52 FERREIA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. Cit. p. 132

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populares a respeito de assuntos dos mais variáveis. Mas também há a idéia (ou

temor) de delegar ao povo as decisões, por falta de preparo ou capacidade.

Cabe aqui a observação de Norberto Bobbio, transcrita abaixo:

“(...) a proibição de mandatos imperativos tornou-se uma

regra constante de todas as constituições de democracia

representativa e a defesa intransigente da representação

política sempre encontrou convictos seguidores entre os

partidários da democracia representativa contra as tentativas

de substituí-la ou de combiná-la com a representação dos

interesses.”

E, mais adiante, adverte com precisão:

“Jamais uma norma constitucional foi mais violada que a

proibição do mandato imperativo. Jamais um princípio foi

mais desconsiderado que o da representação política. (...)

será que existe algum critério geral capaz de permitir a

distinção entre o interesse geral e o interesse particular

deste ou daquele grupo, ou entre o interesse geral e a

combinação de interesses particulares que acordam entre si

em detrimento de outros?”54

A opção pelo mandato representativo no Brasil pode ser extraída da

Constituição e da conformação do sistema eleitoral, tanto no que diz respeito aos

cargos do poder legislativo quanto aos cargos eletivos do poder executivo. Anote-

se que apesar da imediata relação que se faz entre representação e parlamento,

até porque a primeira função atribuída ao parlamento foi a representação, a

identificação não é imediata nem necessária.

2.3 O processo eleitoral

53 MONTESQUIEU , p. 170. 54 BOBBIO, Norberto. Op. Cit. p 37.

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33

Diante da importância das eleições nas democracias

contemporâneas, o processo eleitoral precisa ser conhecido e estudado, visando,

também, seu aprimoramento e controle.

Antes se entrar propriamente na questão envolvendo as eleições, no

que se refere especialmente ao processo e aos sistemas eleitorais, cabem

algumas breves observações sobre os princípios que norteiam o processo

eleitoral nas democracias bem como as figuras envolvidas no processo eleitoral,

como o eleitor, os candidatos, e os partidos políticos, além de alguns

esclarecimentos preliminares. Não há, de forma alguma, esgotamento do tema,

cuja profundidade não cabe neste trabalho, o que não lhes retira a importância.

Há várias opções para a formatação de um sistema eleitoral em um

ambiente democrático. Sistema eleitoral seria um conjunto de técnicas, ou regras,

para a organização da representação popular, com a conversão dos votos em

mandatos eletivos.

Também é exposto, de forma sucinta, os principais aspectos do

processo eleitoral no Brasil, pois para serem analisadas as condutas que lesam o

regular processo eleitoral, é preciso conhecer um pouco de sua sistemática.

2.3.1 Princípios diretores do processo eleitoral

Conforme exaustivamente alertado, não basta a realização de

eleições para considerar um Estado como democrático. As eleições devem servir

como fonte de legitimação do poder, realizadas dentro de uma sistemática que

garanta a formação e expressão das preferências populares. Assim,

independente da conformação específica do sistema eleitoral adotado e das

regras eleitorais, se não houver a observância e a preservação de certos

princípios basilares, é certo que a democracia restará prejudicada.

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34

Os princípios que devem nortear a configuração do direito eleitoral

requerem a tutela pelo ordenamento jurídico (não apenas a tutela penal). A

liberdade de votar e de ser votado; a atribuição igual do direito de voto; a

periodicidade do voto; o sufrágio universal; a pessoalidade e o sigilo do voto; o

direito dos candidatos e dos líderes políticos de disputarem o respaldo popular e

votos são princípios fundamentais norteadores do processo eleitoral.

Dentre os princípios eleitorais, entende-se que se destacam dois,

pela sua maior relevância para o sistema eleitoral em si e, conseqüentemente,

focos principais da tutela penal. Além disso, verifica-se que, por seu conteúdo,

eles pressupõem os demais.

2.3.1.1 Free and fair elections

O princípio free and fair elections é traduzido por eleições livres e

justas. Ou seja, a liberdade do processo eleitoral. Liberdade em que sentido?

A palavra liberdade pode ser entendida em três significados

correspondentes a três concepções.55 Liberdade moral, política, econômica e

metafísica não são conceitos separados, girando, seja qual for a “modalidade”

considerada, em torno desses três conceitos básicos expostos a seguir.

A primeira corresponde à liberdade como autodeterminação (ou auto

causalidade), isto é, ausência de limitações ou condições. É livre aquilo que é

causa de si mesmo. Essa concepção é encontrada primeiro em Aristóteles, que

pode ser encontrada na análise do voluntarismo. Hoje, ele está presente em todas

as formas de indeterminismo. No campo político, se traduz na anarquia, ou seja,

na ausência de condições e regras e recusa de obrigações.

55 Sobre o tema, consultar ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª edição

brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 4ª ed, São Paulo, Martins Fontes, 2000.

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35

A segunda concepção de liberdade corresponde à idéia de

necessidade. Esse conceito tem relação com o primeiro, mas não é atribuída à

parte, e sim ao todo. A origem está nos estóicos, para os quais só o sábio é livre,

e é livre porque vive em conformidade com a natureza, ou seja, a liberdade se

confunde com a ordem cósmica. Aqui cabe a separação entre a liberdade como

exigência concreta a e liberdade real, encontrada em Hegel, para o qual o Estado

é a realidade da liberdade concreta.56

“Essa coincidência entre liberdade e a necessidade, que

leva a atribuir a liberdade apenas ao Absoluto ou à sua

realização no mundo (o Estado), por um lado passou a

caracterizar todas as doutrinas de cunho romântico e por

outro foi utilizada, fora do âmbito de tais doutrinas, na esfera

do absolutismo estatal e na recusa do liberalismo político.”57

Essa concepção teve, portanto, diversas aplicações. Foi defendida

por liberais, mas na verdade, tem forte tendência antiliberal. Um poder de

autocausalidade é atribuído à totalidade, que é, na verdade, um poder absoluto,

que é, na verdade, poder (também absoluto) de coerção.

A terceira trata a liberdade como possibilidade ou escolha. A

liberdade, nessa concepção, é limitada e condicionada. A liberdade é entendida

como medida de possibilidade. Ou seja, é uma escolha motivada ou

condicionada, é um problema aberto e não uma questão absoluta. O primeiro a

tratar da liberdade nesse sentido foi Platão.

56 “É o Estado a realidade em ato da liberdade concreta. Ora, a liberdade concreta consiste na

individualidade pessoal, com os seus particulares, de tal modo possuir o pleno desenvolvimento e no reconhecimento dos seus direitos para si (nos sistemas da família e da sociedade civil) que, em parte, se integram por si mesmos no interesse universal e, em parte consciente e voluntariamente o reconhecem como seu particular espírito substancial e para ele agem como seu último fim. Daí provem que nem o universal tem valor e é realizado sem o interesse, a vontade particulares, nem os indivíduos vivem como pessoas privadas unicamente orientadas pelo seu interesse e sem relação com a vontade universal; deste fim são conscientes em sua atividade individual. (...)” HEGEL, G.W.F. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução Orlando Vitorino.São Paulo, Martins Fontes, 2000. § 260, pp. 225 e 226

57 ABBAGNANO, Nicola. Op. Cit. p 610

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36

A liberdade significa escolha, é limitada pelas possibilidades

objetivas e pela motivação. Admite, assim, uma forma de determinismo, mas não

a fatalidade da escolha sob certas condições.

Sob o ponto de vista político, a liberdade consiste em escolhas que

encontram seus limites em leis estabelecidas por um poder que sofre a

fiscalização dos cidadãos no estabelecimento dessas normas. Essa questão é a

problemática do liberalismo clássico, encontrada em Locke e Montesquieu, por

exemplo.

Hoje a liberdade é vista como uma questão de medida, condições e

limites. Não se trata de uma escolha, mas da possibilidade da escolha. As

liberdades políticas assim se traduzem por escolhas que assegurem aos cidadãos

a possibilidade de escolher. Em outras palavras, livre é aquele tipo de governo

que foi escolhido pelos cidadãos mantendo a possibilidade de continuarem

escolhendo continuamente. Significa a manutenção das demais liberdades, como

a liberdade de reunião, de pensamento, religiosa, de imprensa, e outras.

Nesse sentido, a liberdade deve ser garantia no sistema eleitoral

como forma de preservar a própria democracia, criando-se mecanismos que

garantam a liberdade do voto. Neste caso, tanto no sentido do eleitor escolher

livremente, como também na garantia da existência de opções de escolha.

O voto não pode sofrer interferências na sua manifestação e

também não deve sofrer interferências indevidas na formação dessa vontade. É

preciso garantir a lisura do voto, o pleno exercício dessa liberdade, em todos os

seus sentidos. Eis a razão porque se exige como um dos princípios basilares do

direito eleitoral, que o voto seja secreto, conforme já estudado.

Há também questão referente à liberdade das candidaturas. Uma

vez preenchidos os requisitos legais para concorrer a um pleito, deve ser

possibilitada a candidatura. Qualquer limitação deve ser razoável, visando sempre

a preservação da liberdade democrática, e não sua restrição.

E, assim, surge a segunda exigência: que além de livre, as eleições

sejam justas. Ou seja, não se permitam a ocorrência de abusos, fraudes, ou

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outras condutas que venham a favorecer um ou outro candidato ou partido de

forma a macular a lisura e a liberdade do pleito eleitoral.

Vêm desse princípio, por exemplo, as regras para a divulgação das

candidaturas, propaganda eleitoral, e, especialmente, a proibição do abuso do

poder econômico e do poder político.

2.3.1.2 One man one vote

O segundo princípio básico que deve ter atenção especial é o

conhecido como one man, one vote. Ou seja, um homem, um voto. Um cidadão,

um voto, um eleitor, um voto. E o que significa?

Esse princípio traz em si alguns significados. Primeiro, pode ser visto

como a tendência para a universalização do sufrágio. Como foi visto, o sufrágio

universal, completamente universal, não é considerada viável, inexistindo em

qualquer democracia atual ou passada e não se vislumbra que venha a existir no

futuro. Seria necessário incluir todos os habitantes, sem a adoção de nenhum

critério diferenciador, o que se sabe impraticável.

No entanto, o sufrágio deve ser o mais amplo possível, abarcando a

maior parcela da população. Tal medida favorece a legitimidade do resultado do

pleito, pois como visto, as eleições são o meio de escolha dos representantes do

povo e seus governantes. O povo que governa, direta ou indiretamente.

Claro que está aqui se tratando de situações ideais, cuja busca a

cada dia se procura aperfeiçoar. A democracia política como hoje se entende,

implica na caracterização da cidadania sob o ângulo da participação política. Isto

é, a participação do povo do qual emana o poder (soberania popular), é o ideal

buscado. Não que se busque a cidadania total, mas a crescente conscientização

e participação do povo, e esta passa, necessariamente pelo direito de sufrágio.

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38

Além desse sentido, há mais outros dois que são interligados. Cada

eleitor vota apenas uma vez, e os votos dos eleitores têm igual peso. Não deve

haver diferenciação, atribuindo-se, por exemplo, eleitores de determinada classe

social, ou origem voto com peso diferente do que o voto de outro eleitor.

Estão ligados a esse princípio, assim, todos os postulados referentes

à universalidade do sufrágio e ao voto direto. No Brasil, questiona-se se esse

princípio seria realmente observado tendo em vista a composição do congresso

nacional. Na composição da Câmara dos Deputados, cada Estado pode eleger

um número de deputados que varia de acordo com a composição do eleitorado,

mas com limites mínimo e máximo. Assim, a população de um Estado muito

populoso pode ter menos representatividade que a população de um Estado

pouco populoso, pois a proporção das cadeiras legislativas não faria uma exata

correspondência com a população numericamente considerada.

É o que explica Alexandre de Moraes:

“A Constituição Federal, porém, atenua o critério público da

proporcionalidade da população (representados) / deputados

(representantes), pois determina a realização de ajustes

necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma

das unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de

70 deputados. Além disso, fixa independentemente da

população, o número de quatro deputados cada Território.

Essa manutenção perpetuou a existência de graves

distorções em relação à citada proporcionalidade,

favorecendo Estados- membros com menor densidade

demográfica em prejuízo dos mais populosos, e acabando

por contradizer a regra prevista no art. 14, caput, da

Constituição Federal da igualdade do voto (One Man One

Vote).” 58

Em suma, importam para o estudo dos crimes eleitorais as condutas

penalmente tipificadas que sejam capazes de agredir os princípios eleitorais, aqui

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39

sintetizados nestes dois principais. Ou seja, possam influir sobre a vontade a

ponto de comprometer a igualdade que deve existir entre os concorrentes, e ao

exercício do sufrágio, com potencial para desvirtuar a relação de confiança entre

os eleitos e os eleitores e comprometer a legitimidade do mandato político.

2.3.2 Direito de Sufrágio

Antes se entrar propriamente na questão envolvendo as técnicas de

conversão dos votos em mandatos eletivos, cabem algumas breves observações

sobre as figuras envolvidas no processo eleitoral, como o eleitor, os candidatos, e

os partidos políticos, e alguns esclarecimentos preliminares. Não há, de forma

alguma, esgotamento do tema, cuja profundidade não cabe neste trabalho, o que

não lhes retira a importância.

O direito de sufrágio hoje é tido como um dos direitos mais

eminentes propiciando a participação nas decisões política ativa ou

passivamente. A operação eleitoral gira em torno desse direito, viabilização da

representação política. Não é o único. No mundo antigo, o sorteio era usado,

considerado merecedor da caracterização como democrático.

“(...) foi sendo reservado espaço cada vez mais significativo

à mecânica eleitoral, firmando-se esta na paisagem política

como instrumento único a se acomodar à engrenagem da

democracia representativa.”59

Sufrágio, portanto, é o momento de participação política de maior

relevância para os integrantes de uma comunidade politicamente organizada.

Traduz tanto um direito, como um dever sociopolítico. Pode ser assim colocado:

58 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª edição. São Paulo, Atlas, 2004. p. 391 59 Idem

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40

“Dessa forma, por meio do sufrágio o conjunto de cidadãos

de determinado Estado escolherá as pessoas que irão

exercer as funções estatais, mediante o sistema

representativo existente em um regime democrático.”60

O voto é a expressão desse direito, sua manifestação, e o escrutínio

é a forma de exercício do voto.61 Apesar de não existir sufrágio completamente

universal, assim é chamado aquele que não se condiciona a questões

econômicas, de raça, sexo, ou instrução, ou seja, o que abarca a maior parcela

possível do povo.

Assim como existem variações no estabelecimento do sufrágio,

também o voto pode ser expresso de maneira diferente. A distinção mais óbvia é

entre o voto facultativo e o obrigatório. O voto de comparecimento obrigatório está

mais afeiçoado ao mandato representativo, pois confere maior grau de

representatividade dos eleitos, enquanto o facultativo pode trazer maior

“qualidade”, ou seja, maior grau de envolvimento do eleitor.

Outra distinção refere-se ao voto direto e indireto. No primeiro caso

o eleitor escolhe diretamente seu representante e, no segundo, indireto, ele vota

em quem irá fazer essa escolha.

A participação política não se resume, obviamente, no direito ao

voto, devendo abarcar também o direito a pleitear os cargos eletivos, ou seja, a

candidatura. Quanto às candidaturas, existem duas possibilidades de

apresentação: as independentes e as partidárias, o que também pode trazer

conseqüências diferentes quanto ao papel dos partidos no cenário político. A

Alemanha, por exemplo, adota um tipo que combina a possibilidade de

candidaturas partidárias com candidaturas independentes.

Uma redução significativa no direito a se candidatar aos cargos

eletivos não confere representatividade aos eleitos (se não existem muitas

opções, quem escolher?). Mas isso não significa que não devam existir

60 MORAES, Alexandre de. Op. Cit. p. 234 61 KIMURA, Alexandre Issa. Manual de Direito Eleitoral. São Paulo, Juarez, 2006. p. 12

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limitações. Elas servem, inclusive, para a proteção do próprio sistema, vindo

dessa necessidade a teoria das inelegibilidades, ou seja, quem pode e quem não

pode ser eleito.

2.3.2.1 Garantias do sufrágio

O direito de sufrágio é considerado hoje como um dos direitos

políticos mais eminentes. Também é verdade que não se pode ter como ilusão

que tenha servido efetivamente como instrumento eficaz à participação política.

Uma das suas formas de expressão é garantir que as eleições sejam realizadas

em consonância com os princípios eleitorais. 62

Assim, para se garantir o sufrágio, e seu exercício via eleitoral, são

positivadas algumas regras. No direito brasileiro, como será retomado a seguir, é

atribuído ao voto igual valor, sigilo e pessoalidade, garantindo a universalidade do

sufrágio. Igualmente as eleições devem ser realizadas periodicamente, com

mandatos pré-estabelecidos, havendo liberdade para postular os cargos públicos.

Todas as limitações existentes ao voto ou à candidatura são direcionadas à

proteção das instituições democráticas.

Servem para tanto as disposições constitucionais relativas aos

direitos políticos, bem como a legislação eleitoral, em especial as regras que

definem a formação do corpo eleitoral, o controle da regularidade do pleito, a

proibição do abuso do poder econômico e político, as inelegibilidades e as normas

referentes à propaganda eleitoral.

Tais normas não servem apenas para regulamentar o exercício do

sufrágio pelo voto, mas, especialmente, protegê-lo. Como garantir a liberdade do

voto, por exemplo, em um sistema que permite o voto a descoberto? Nessa

hipótese é exercida uma pressão indevida sobre o eleitor, que estará sujeito a

todo tipo de coação.

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42

2.3.3 Partidos Políticos

A origem dos partidos está intimamente ligada ao princípio da

representatividade, e sua origem eleitoral e parlamentar. Ainda na Itália

renascentista, facções que dividiam as repúblicas representam a sua fase

embrionária, com a reunião de grupos parlamentares por tendências políticas

semelhantes. Assim, a idéia de partido passa a se desenvolver, a despeito de

aversão da filosofia iluminista.63

Em razão disso, a figura dos partidos políticos está intimamente

ligada com a idéia de representação política, sendo que autores como Maurice

Duverger consideram sua existência a base do funcionamento das instituições

liberais.

“A analogia das palavras não pode enganar. Chama-se

igualmente partidos as facções que dividiam as Repúblicas

antigas, os clãs que se agrupavam em volta de um chefe de

soldados na Itália renascentista, os clubes onde se reuniam

os deputados das assembléias revolucionárias, os comitês

que preparavam as eleições censitárias das monarquias

constitucionais, e mesmo as grandes organizações

populares que enquadravam a opinião pública nas

democracias modernas. Esta identidade nominal se justifica

por um lado, porque ela traduz uma ligação profunda: todas

elas não desempenham o mesmo papel que é a conquista

do poder e seu exercício? Mas se pode que, apesar de tudo,

que não se trata da mesma coisa. De fato, os verdadeiros

partidos datam apenas de um século. Em 1850, nenhum

62 CAGGIANO, Monica Hermam Salem.Op. Cit.p. 79

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43

país do mundo (exceto os EUA) conheciam partidos políticos

no sentido moderno da palavra: encontrava-se tendências

de opiniões dos clubes populares, associações de idéias,

grupos parlamentares mas não partidos propriamente ditos.

Em 1950 estes funcionavam na maioria das nações

civilizadas, os outros se esforçavam para imitá-los.“ 64

Apesar da verificada uma crise da democracia de partidos, o fato é

que ainda fazem parte do cenário político, como “organizações direcionadas a

arregimentar e coordenar a participação nas atividades governamentais”. 65

No Brasil, os partidos políticos estão disciplinados na Constituição

Federal de 1988 no artigo 17, que garante a liberdade de criação, fusão,

incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional,

o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa

humana.

Devem os partidos ter caráter nacional, sendo proibido o

recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de

subordinação a estes. Os partidos têm a obrigação de prestar contas à Justiça

Eleitoral.

É assegurada pela Constituição autonomia para definir sua estrutura

interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o

regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as

candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus

estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

Os partidos adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, e

devem registrar seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral para terem direito a

recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da

lei.

63 CAGGIANO, Monica Hermam Salem. Sistemas eleitorais X Representação política. p. 181-182 64 DUVERGER, Maurice. . Les partis politiques. Paris, Libraire Armand Colin, 1976. p. 23 Tradução

livre.

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44

É expressamente vedada a utilização pelos partidos políticos de

organização paramilitar.

A Lei nº 9.096 de19 de setembro de 1995 regulamenta a atividade

partidária no Brasil. De acordo com a legislação, o partido é pessoa jurídica de

direito privado, destinada a assegurar, no interesse do regime democrático, a

autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais

definidos na Constituição Federal. A lei disciplina a formação, funcionamento,

fusão dos partidos e outras normas.

De acordo com o artigo 26, o parlamentar que deixar o partido após

eleito perde automaticamente a função ou cargo que exerça. Essa regra de

fidelidade partidária foi alvo de polêmica recentemente, após decisões do Tribunal

Superior Eleitoral a favor da aplicação na íntegra o citado dispositivo. 66 Conforme

explicitado pelo próprio artigo, preservar-se-ia a representação proporcional.

Hoje o Brasil tem 27 partidos registrados no Tribunal Superior

Eleitoral. 67

2.3.4 Sistemas Eleitorais

Decidido quem pode votar, como e quem pode ser candidato, cabe

questionar como se dará a transformação dos votos em mandatos eletivos. O

sistema eleitoral seria, portanto, um conjunto de técnicas, ou regras, para a

organização da representação popular e a conversão dos votos em mandatos. Há

várias opções para a formatação de um sistema eleitoral em um ambiente

democrático.

65 CAGGIANO, Mônica Herman Salem. Oposição na Política. Propostas para uma rearquitetura da

democracia. São Paulo, Ed. Angelotti, 1995. p. 77 66 Vide Resolução do TSE nº 22.610, de 25.10.2007, Relator: Ministro Cezar Peluso, alterada pela

Resolução-TSE nº 22.733, de 11.03.2008, que disciplina o processo de perda de cargo eletivo e justificação de desfiliação partidária.

67 Informação disponível no site do TSE: http://www.tse.gov.br/internet/partidos/index.htm. Acessado em 17 de junho de 2008.

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45

A seguir são expostas as principais características de cada um

desses sistemas. 68

2.3.4.1 Sistema Majoritário

O sistema eleitoral majoritário é aquele no qual se considera

vencedor o candidato que conquistou o maior número de votos. Pode ter adotado

o critério da maioria simples ou existir a exigência de maioria qualificada. Nesse

caso, há a necessidade de realizar as eleições em dois turnos, quando essa não

foi atingida.

A escolha por esse método traz tanto conseqüências positivas

quanto negativas. As conseqüências positivas referem-se à formação de

governos funcionais. Em regra, possibilita a formação de governos mais estáveis.

Além disso, é o sistema que melhor proporciona a alternância de poder. Também

proporciona o fortalecimento da oposição, que exerce papel fundamental no

ambiente democrático, possibilitando melhor controle do poder.

De outro lado, o sistema majoritário acaba enfraquecendo a

democracia representativa de partidos, pois tem como conseqüência a

personificação das candidaturas. Elas acabam por se centrar mais nas figuras

políticas dos candidatos do que nas idéias do partido ao qual ele se vincula.

Além disso, não há um retrato fiel e proporcional da vontade popular.

A adoção de um sistema puramente majoritário pode levar à chamada ditadura da

maioria, excluindo assim, outros segmentos da sociedade.

2.3.4.2 Sistema Proporcional

68 As características básicas foram extraídas do Capítulo II de Sistemas eleitorais X

Representação política, da professora Monica Hermam S. Caggiano.

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46

O método proporcional se baseia na idéia de representação

proporcional, ou seja, assegurar às agremiações partidárias uma representação

proporcional à sua importância no contexto político.

Para tanto, é aplicada uma fórmula, que também pode variar, para

determinar a representatividade de cada partido ou coligação e, com isso,

determinar quais os candidatos eleitos. Esse método é aplicado em vários países

para a configuração dos parlamentos.

Se por um lado, pode conduzir à resultados mais eqüitativos,

permitindo a expressão de várias forças políticas, pois a quase todas as facções é

possível conquistar assento parlamentar, por outro, pode multiplicar em demasia

o número de partidos de forma a estilhaçar a vontade do eleitorado, bem como

dificultar a formação de um governo estável. Também pode ocorrer de suprimir a

formação de uma oposição atuante.

2.3.4.3 Sistema Misto

Diante da inviabilidade da elaboração de um sistema perfeito, que

agregue as conseqüências benéficas de ambos, eliminando os problemas que

cada um acarreta, são elaboradas variações, combinando os elementos básicos.

Assim, costuma-se arrolar três grandes sistemas mistos,

dependendo dos elementos de qual sistema predomina: técnicas

predominantemente majoritárias, com tendência proporcional predominante e

outras que buscam equilibrar os elementos.

Dentre as possibilidades da adoção de um método misto, com a

combinação das duas fórmulas está o método adotado na Alemanha, conhecido

como “duplo voto”. As cadeiras parlamentares são “divididas” em duas partes,

sendo que uma parte será preenchida pelo sistema majoritário e a outra pelo

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47

sistema proporcional. O eleitor dispõe de dois votos, sendo que o primeiro para o

seu candidato, nominal, e cuja apuração do resultado segue o método majoritário.

O segundo voto é para o partido, sendo as cadeiras preenchidas adotando-se o

método proporcional. Nesse caso, decididas quantas cadeiras um partido irá

preencher, os representantes são indicados pelo partido, que entrega uma lista

com a posição dos candidatos.

2.4 O processo eleitoral no Brasil

Após brevemente apresentados algumas das principais

características do processo eleitoral, pode-se passar ao caso brasileiro, tendo em

vista que este será o objeto principal de análise no próximo capítulo.

Não há a pretensão de esgotar o assunto, pois demasiadamente

amplo, mas apenas informar as principais características do processo eleitoral

pátrio com o advento da Constituição de 1988 e a sua redemocratização.

2.4.1 Breve histórico das eleições no Brasil 69

As primeiras eleições ocorridas no Brasil remontam do ano de 1532,

quando os portugueses instalam o município de São Vicente, no litoral paulista, e,

com a criação da Câmara Municipal, veio também a eleição dos primeiros

vereadores. As eleições eram regulamentadas pelo título XLV das Ordenações

Manuelinas.

Posteriormente, outros instrumentos legislativos regulamentaram a

realização de eleições, como as Ordenações Filipinas, a partir de 1602, e outros

69 LEMBO, Claudio. Cronologia básica do Direito Eleitoral Brasileiro. IN O voto nas Américas.

Barueri, Manole, 2008.

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48

Regimentos e decretos que se seguiram, aplicados no Brasil. Até mesmo a

Constituição Espanhola de 1812, ou Constituição de Cádiz – La Pepa – foi

adotada no Reino Unido por vinte e quatro horas.

Com a Independência, em 1822, com foi convocada a Assembléia

Geral Constituinte e Legislativa, composta de deputados das províncias do Brasil,

eleitos pelas Instruções que forem expedidas. Os eleitores eram homens maiores

de 20 anos, excluídos os assalariados e religiosos. No entanto, a Assembléia

Geral Constituinte e Legislativa foi dissolvida por Pedro I e a Constituição do

Império foi outorgada pela Carta de Lei de 25 de março de 1824.

Em 1824, para a eleição dos deputados e senadores da Assembléia

Geral Legislativa e dos Membros dos Conselhos Gerais das Províncias, poderiam

votar os brasileiros com idade mínima de 25 anos. Os estrangeiros e os criados

eram proibidos de votar. O voto era censitário, exigindo a comprovação de renda

mínima anual. A eleição era realizada em duas etapas: os votantes, eleitores das

paróquias, realizavam as eleições primárias para escolher os delegados as

paróquias, que elegiam parlamentares.

Em 1828 formulam-se as câmaras municipais de todo o Império do

Brasil. Também foram feitas alterações em 1831 e 1832. A Lei de 12 de outubro

de 1832 ordena que os eleitores dos deputados para a seguinte Legislatura lhes

confiram, nas procurações, faculdade para reformarem alguns artigos da

Constituição.

Novas alterações ocorreram nos anos que se seguiram, sendo o

Decreto nº 157, de 4 de maio de 1842 um verdadeiro código eleitoral, apontando,

inclusive, para as formas de alistamento de cidadãos ativos. As eleições baseada

nestas instruções são conhecidas como “Eleições do Cacete”, tal o número de

atritos provocados.

Novas instruções sobre as eleições foram editadas em 1846, com a

criação da Junta Eleitoral. A última alteração significativa da legislação eleitoral do

Império, conhecida como Lei Saraiva, data de 1881. Nesse ano, todas as

províncias brasileiras foram redivididas em distritos, e se extinguiram-se as

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eleições primárias. Os serventes das repartições públicas e os analfabetos são

excluídos, e normas mais rígidas para definir a renda foram definidas. Igualmente

os empresários que tivessem negócios com o governo foram decretados

inelegíveis.

Com a Decretada a República, pelo Decreto n. 1, de 15 de

novembro de 1889, seguiram-se alterações no processo eleitoral. Assim,

passaram a consideram eleitores para as câmaras gerais, provinciais e municipais

todos os cidadãos brasileiros, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que

souberem ler e escrever. O critério de renda foi afastado.

Em 8 de fevereiro de 1890 é promulgado o regulamento que

estabelece alguns requisitos para ser eleitor, como ter idade mínima de 21 anos,

salvo se casado, e ser alfabetizado.

A idade mínima par ser senador, nas eleições para o primeiro

Congresso Nacional, foi estabelecida em 1890, exigindo-se 35 anos de idade e

nove anos como cidadão brasileiro.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil também

promoveu algumas alterações no cenário político brasileiro. O voto era secreto ou

a descoberto, a critério do eleitor.

Em 1899 um decreto dá instruções para as eleições federais,

determinando que, por exemplo, que o eleitor votaria em dois nomes. O Decreto

n. 2.419 de 11 de julho de 1911 prescrevia os casos de inelegibilidade para o

Congresso Nacional e para a Presidência e vice-presidência da República,

alterando algumas das disposições da lei eleitoral até então vigente. Tornavam-se

inelegíveis, entre outros: os magistrados estaduais e federais, e membros do

Ministério Público, os comandantes militares, os representantes do Ministério

Público junto ao Tribunal de Contas, o presidente e vice-presidente da República

para o período imediatamente seguinte e os ministros de Estado que tiverem

servido nos doze meses anteriores à eleição.

Para alistamento em 1916 eram exigidos documentos especiais, tais

como prova de renda, mediante comprovação do exercício de indústria ou

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profissão ou de posse de renda que assegure a subsistência e residência por

mais de dois meses no município.

A legislação de 1920 punia especificamente a falsificação da

assinatura de qualquer eleitor nos ofícios ou listas de apresentação de mesários.

Constituía crime atacar seção eleitoral em qualquer fase do processo eleitoral.

Deixar o mesário de rubricar os documentos era conduta passível de penalização.

As penas de multas eram convertidas em prisão simples à razão de 10$ por dia,

quando não forem pagas.

Em 1930 foi instituído o Governo Provisório, com a suspensão das

garantias constitucionais, a dissolução do Congresso, a criação de um Tribunal

Especial (tribunal de exceção) para julgamento de crimes políticos.

Foi em 1932 se promulgou o primeiro Código Eleitoral, no qual é

concedido às mulheres o direito de votar. Em 1932 também foi instituída a Justiça

Eleitoral, e a adoção do voto proporcional. Na época, as associações de classe

legalmente constituída faziam as vezes de partido político. As penas por delitos

eleitorais tornam-se longo elenco.

Com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte em 1933,

que aprova seu Regimento Interno, se estabeleceu a votação em dois turnos: o

primeiro votado na cédula ou único na mesma cédula considerava-se primeiro

turno; segundo turno consistia em voto de legenda e de candidato em lugar

diferente do primeiro. Admitia-se candidato avulso.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil dava à

União competência privativa para legislar sobre matéria eleitoral. Implantou-se o

sistema proporcional e sufrágio universal, igual e direto, e de representantes

eleitos pelas organizações profissionais, portanto pelo voto indireto. O mandato

presidencial é de quatro anos, proibida a reeleição. Também se proibiu a

cumulação de cargos públicos demissíveis ad nutum pelos parlamentares e

cumulação de cargos eletivos. A Justiça Eleitoral é elevada a nível constitucional.

A idade para ser eleitor passa para 18 anos, garantida a igualdade de sexos. As

eleições presidenciais são realizadas em dois turnos, se não obtida a maioria

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absoluta no primeiro turno. Em 1935 o Código Eleitoral sofre modificações,

fixando, finalmente, o voto secreto, e o voto passa a ser obrigatório, dentre outras

modificações.

Durante os anos de vigência da Carta de 1937 (1937-1945), nunca

foram convocadas eleições. Os partidos políticos foram dissolvidos, mas podiam

continuar a existir como associações para fins culturais, beneficentes ou

esportivos.

Com o final do período do Estado Novo, são fixadas as regras para

futuras eleições. Adota-se o sistema proporcional, com o voto obrigatório, direto e

secreto. Expressam-se garantias eleitorais e são estabelecidos requisitos para

formação de partidos políticos. Em 1946 é reaberto o alistamento eleitoral, com a

exigência da fotografia do eleitor. A inscrição é vedada aos analfabetos e

mendigos. Para os maiores de 65 anos, militares, magistrados, mulheres que não

exerçam profissão lucrativa, a inscrição é facultativa. Estabelece-se a proibição de

receber orientação política do estrangeiro ou dinheiro ou qualquer outro auxílio e

conter pregação contrária aos direitos fundamentais do homem.

Em de janeiro de 1948, a legislação apresenta as hipóteses

clássicas de morte, renúncia expressa, cassação do registro do partido e perda

dos direitos políticos. Criavam-se, assim, os pressupostos para a futura cassação

do Partido Comunista do Brasil, realizada em 10 de março de 1949. Em 1950 é

promulgado o Novo Código Eleitoral, que determina o voto obrigatório para ambos

os sexos, salvo se maiores de 70 anos, inválidos, mulheres que não exerçam

profissão lucrativa e enfermos, dentre outros. O sufrágio é universal e direito, o

voto, secreto. Surgem regras sobre propaganda partidária.

A alteração de 1955, que altera o Código Eleitoral, cria ônus para o

eleitor faltoso. A imunidade tributária para os partidos políticos data de 1957.

Tentou-se estabelecer, em 1961, o sistema parlamentarista de

governo, que sobreviveu apenas até 1963. Logo no ano seguinte o Ato

Institucional (nº1), de 9 de abril de 1964 suspendeu as garantias constitucionais e

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cassou os mandatos legislativos, com a exclusão da apreciação judicial. Era o

golpe militar.

Com a Emenda Constitucional n. 9, de 22 de julho de 1964, as

eleições para de parlamentares e posse do presidente e vice presidente são

alteradas, instituídas as eleições indiretas, o que, posteriormente se estendeu aos

cargos de governador e vice. Alteram-se também regras para elegibilidade de

militares, que eram restritivas.

Em 1965 se inicia a simultaneidade de datas para as eleições

majoritárias, instituindo o mandato de quatro anos para governadores e prefeitos.

Novas inelegibilidades para os chefes dos poderes executivos, que visavam

particularmente proibir a reeleição, a alteração do quorum para a aprovação de

leis determinando novas inelegibilidades, apresentação de declaração de bens

pelos candidatos e proibição de nomeações, contratação de obras e concessão

de empréstimos por bancos oficiais, noventa dias antes do término do mandato

majoritário são as alterações seguintes. Outras alterações que se seguiram foram

a suspensão das garantias da magistratura e a preservação da possibilidade de

cassação dos direitos políticos.

Não tardou a serem extintos os partidos políticos e cancelados os

respectivos registros, seguidas de novas regras para a criação de organizações

que terão atribuições de partidos políticos. O parlamentar que não se vinculasse a

uma organização perderia seu mandato, o que significa a impossibilidade de

candidaturas avulsas.

A Constituição do Brasil de 24 de janeiro de 1967 estabelece as

eleições de governadores e vice-governadores por sufrágio universal e voto direto

e secreto, com eleições diretas também para prefeitos e vice-prefeitos. A idade

mínima para ser deputado federal era de 21 anos, e 35 para senador. Eleitores

são os maiores de 18 anos, permanecendo a vedação do voto ao analfabeto. Os

partidos políticos obtém inserção constitucional, cuja organização e

funcionamento era disciplinada por Lei Federal indica a forma de organização e

funcionamento, sendo que o registro é feito perante a Justiça Eleitoral. A

ingerência na intimidade dos partidos permaneceu por muito tempo.

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Com o Ato Institucional nº 5, veio a possibilidade de recesso do

Congresso por ato do Presidente da República, o privilégio de foro por

prerrogativa de função e as garantias da magistratura foram suspensas.

Autorizou-se o confisco de bens e também se suspendeu a garantia do habeas

corpus no caso de crimes políticos.

A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, elaborada

com base nos Atos Institucionais proíbe o voto para os privados dos direitos

políticos, os cassados particularmente. Estabelece o sistema proporcional para os

parlamentos e a perda do mandato ao parlamentar que mudar de partido e que

deixar de obedecer diretrizes partidárias, vedando a objeção de consciência.

Para as eleições em 1974, foram regulamentados o fornecimento

gratuito de transporte em dias de eleição a eleitores residentes nas zonas rurais,

o uso de equipamento público para esse transporte, a vedação a veículos

particulares e a realização da propaganda eleitoral apenas no horário previsto na

legislação.

Em 14 de abril de 1977, uma Emenda Constitucional estabeleceu

normas para o colégio eleitoral para escolha de governador e vice-governador,

bem como instituiu o mandato de 6 anos para presidente da República, e de dois

anos para os prefeitos. O estrangeiro foi proibido de realizar atos políticos, como

passeatas, criar sociedades, difundir programas de partidos estrangeiro em 1980.

O português não é considerado estrangeiro.

Nesse mesmo ano foi fixado o sistema de voto direto nas eleições

para governador de Estado e para Senador. Em de 1982 normatizou-se a

vedação de atos pelos governadores 90 dias antes do pleito. Nesse mesmo ano,

para as eleições municipais simultâneas, foi proibida a publicação de

pronunciamento racistas, de caráter religioso ou contra a honra. Permitiu-se só

cinco comissões parlamentares de inquérito concomitantes e a subvenção de

viagem de congressistas, salvo em missão oficial. As clássicas garantias dos

parlamentares são retomadas.

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A lei orgânica dos partidos, de 1983, libera, em parte, a vida

doméstica dos partidos políticos, quanto a convenções. Em 1985, faculta-se às

comissões executivas dos partidos políticos decidir sobre a realização de

convenções e permite a prorrogação de mandatos diretivos. O parlamentar

investido na função de ministro e outros cargos afins deixa de perder o mandato.

Veda-se a organização paramilitar em partido político e se estabelece a liberdade

de associação em partido político. Também data de 1985 a instituição da cláusula

de barreira.

Finalmente, a Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de

1985 convoca a Assembléia Nacional Constituinte, concedendo a anistia para

todos os autores de crimes políticos ou conexos. A propaganda eleitoral também

foi disciplinada, em 1986, com a vedação de propaganda no dia da eleição e o

uso da imprensa, salvo para curricular, a fixação dos tempos no rádio e televisão

por partido político e a distribuição do mesmo tempo entre as chapas e a

proibição de pesquisas 21 dias antes do pleito.

Em 1988 novas alterações são feitas especialmente no Código

Eleitoral, até que a Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de

outubro de 1988 foi promulgada.

2.4.2 Caracteres do processo eleitoral brasileiro

O ordenamento jurídico brasileiro referente às eleições é composto

por normas da Constituição Federal, e legislação infraconstitucional,

especialmente a Lei Complementar nº 64 de 18 de maio 1990, e a Lei nº 4.737 de

15 de julho de 1965, Lei nº 9.096 de 19 de setembro de 1995, a Lei nº 9.504 de

setembro de 1997 e a Lei nº 11.300 de 10 de maio de 2006. Além dessas, devem

ser observadas as resoluções emitidas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

A Constituição Federal nos capítulos IV e V estabelece os direitos

políticos e as normas fundamentais a respeito dos partidos políticos. Os direitos

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políticos, por sua vez, são o conjunto de normas que determinam as formas de

atuação da soberania popular. Nos dizeres de Alexandre de Moraes:

“Tais normas constituem um desdobramento do princípio

democrático inscrito no art. 1º, parágrafo único, que afirma

que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de

seus representantes eleitos ou diretamente.”70

Quanto ao processo eleitoral brasileiro, ele se traduz na forma de

atuação da soberania popular, que será exercida pelo sufrágio universal e pelo

voto direto e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei, mediante

plebiscito; referendo e iniciativa popular.71 São incluídos nos direitos políticos,

portanto, o sufrágio; a alistabilidade; elegibilidade; iniciativa de lei, ação popular,

organização e participação política.

Em linhas gerais, o Brasil convive com dois sistemas eleitorais, o

majoritário, nos casos dos cargos de chefia do poder executivo (estadual,

municipal, federal e do distrito federal) e senado federal e o sistema proporcional,

que define a composição da Câmara dos Deputados, e dos poderes legislativos

dos Estados, Municípios e Distrito Federal.

O legislativo terá sua composição definida a partir da adoção de

fórmulas matemáticas que estabelecem quantas cadeiras um partido tem direito

de preencher. Definido esse número, os partidos preenchem as cadeiras de

acordo com os votos recebidos para cada candidato. O Brasil não adotou o

sistema de lista fechada, na qual o próprio partido define qual a ordem de

nomeação de seus candidatos. Assim, ao votar em um candidato, o eleitor

automaticamente entrega um voto ao partido e define a classificação do candidato

em relação aos outros do mesmo partido.

No Brasil, também foi estabelecida, no artigo 13 da Lei nº

9.096/1995 a chamada cláusula de barreira ou de desempenho. De acordo com

esse dispositivo legal o partido que não obtenha a cada eleição para a Câmara

70 MORAES, Alexandre. Op Cit. p 233 71 Idem

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dos Deputados no mínimo cinco por cento dos votos apurados, distribuídos em,

pelo menos, um terço dos estados, com o mínimo de dois por cento do total de

cada um deles, não terá direito a funcionamento parlamentar.

“Frise-se que o partido político é o destinatário do direito ao

funcionamento parlamentar e não o candidato por ele eleito,

pois para a eleição necessário se faz averiguar unicamente,

o requisito do quociente eleitoral. Portanto, ainda que

determinado partido não tenha alcançado o percentual

mínimo exigido para o direito ao funcionamento parlamentar,

a cláusula de barreira não tem aptidão para impedir a

diplomação, posse e exercício do mandato de candidato por

ele eleito.” 72

A cláusula de barreira foi alvo de Ação Direta de

Inconstitucionalidade, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou sua

inconstitucionalidade. 73

A administração das eleições é feita pela Justiça Eleitoral, que tem

algumas características peculiares, como se verá adiante.

72 KIMURA, Alexandre Issa. Manual de Direito Eleitoral. São Paulo, Juarez de Oliveira, 2006. p. 57 73 “Entendeu-se que os dispositivos impugnados violam o art. 1º, V, que prevê como um dos

fundamentos da República o pluralismo político; o art. 17, que estabelece ser livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana; e o art. 58, § 1º, que assegura, na constituição das Mesas e das comissões permanentes ou temporárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa, todos da CF. Asseverou-se, relativamente ao inciso IV do art. 17 da CF, que a previsão quanto à competência do legislador ordinário para tratar do funcionamento parlamentar não deve ser tomada a ponto de esvaziar-se os princípios constitucionais, notadamente o revelador do pluripartidarismo, e inviabilizar, por completo, esse funcionamento, acabando com as bancadas dos partidos minoritários e impedindo os respectivos deputados de comporem a Mesa Diretiva e as comissões. Considerou-se, ainda, sob o ângulo da razoabilidade, serem inaceitáveis os patamares de desempenho e a forma de rateio concernente à participação no Fundo Partidário e ao tempo disponível para a propaganda partidária adotados pela lei. Por fim, ressaltou-se que, no Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais da minoria, tais como a liberdade de se expressar, de se organizar, de denunciar, de discordar e de se fazer representar nas decisões que influem nos destinos da sociedade como um todo, enfim, de participar plenamente da vida pública.” (ADI 1351/DF e ADI 1354/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 7.12.2006. (ADI 1351) (ADI-1354) Publicado no Informativo nº 451 do STF - Disponível no site www.stf.gov.br.)

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2.4.3 O voto na Constituição de 1988

O texto constitucional trata do direito de voto, que é o ato

fundamental para exercer o sufrágio, a sua expressão, como já visto. A aquisição

desse direito, no Brasil, se dá por alistamento74. É ao mesmo tempo um direito

público subjetivo e também um dever sociopolítico.

As principais características do voto no Brasil são as seguintes:

– Personalidade, ou seja, o voto deve ser exercido pessoalmente,

não sendo admitido “voto por procuração”;

– Obrigatoriedade formal do comparecimento, atingida a idade de 18

anos, até os 70 anos. O voto é facultativo para os analfabetos, as pessoas entre

16 e 18 anos e maiores de 70 anos;

– Liberdade, ou seja, a manifestação da preferência pelo candidato

da escolha do eleitor e até não escolher candidato algum (voto em branco) e até

mesmo anular o voto.75

– Sigilosidade, isto é, o voto é secreto, não podendo ser revelado

por seu autor ou terceiro através de meios fraudulentos.

– Direto, que se traduz na escolha pelo eleitor de seus

representantes e governantes diretamente.76

– Peridiodicidade, que significa a temporariedade dos mandatos.

Conforme já exposto, a democracia pressupõe que se assegure a possibilidade

de alternância de poder, sendo o tempo de todos os mandatos eletivos

previamente delimitados.

– Igualdade, isto quer dizer que todos os votos tem igual valor.77

74Trata-se de um procedimento administrativo, instaurado perante a Justiça Eleitoral, para a

verificação do preenchimento das condições legais para a inscrição do eleitor. 75 A liberdade do voto será melhor tratada nos princípios eleitorais. 76 Essa regra comporta exceção, estabelecida na própria Constituição Federal, no artigo 81§ 2º.

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2.4.4 Elegibilidade no Direito Positivo Brasileiro

No que se refere à elegibilidade, isto é, a possibilidade de pleitear

determinados mandatos políticos, mediante eleição popular, suas condições estão

descritas no artigo 14 da Constituição Federal. Apenas para ilustrar, seriam essas

condições:

– Nacionalidade brasileira ou condição de português equiparado,

sendo exigida para alguns cargos a nacionalidade originária; 78

– Pleno exercício dos direitos políticos;

– Alistamento eleitoral;

– Domicílio eleitoral na circunscrição em que for disputar o cargo

eletivo; 79

– Filiação partidária. 80 A filiação partidária é requisito essencial para

a candidatura no Brasil, sendo exigido o período mínimo de filiação prévia

estabelecido em lei para a concorrência no pleito eleitoral. Não há a possibilidade

de candidatura avulsa. No entanto, não é requisito para permanecer no cargo que

continue filiado; 81

– Idade mínima, que varia de acordo com o cargo pretendido.

77 A igualdade do voto foi tratada também dentro dos princípios eleitorais, traduzida como one man one vote.

78 As hipóteses de aquisição da nacionalidade brasileira estão delimitadas na Constituição. A definição dos nacionais é ato de soberania.

79 O domicílio eleitoral também é disciplinado no direito brasileiro, definido pelo Artigo 42, parágrafo único do Código Eleitoral. O TSE editou a Resolução nº 21.538 de 2003 para disciplinar a comprovação do domicílio eleitoral. A transferência é requerida ao juiz eleitoral, mediante a comprovação dos requisitos legais.

80 Os partidos políticos estão tratados no artigo 17 da Constituição Federal e pela Lei 9.096/95. 81 No caso de desfiliação imotivada, há a possibilidade de perda do cargo, em razão das regras de

fidelidade partidária.

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Além do preenchimento dessas condições, não pode estar presente

nenhuma das inelegibilidades, ou seja, ausência da capacidade eleitoral passiva,

previstas no § 9º do artigo 14 da Constituição Federal ou estabelecidas em lei

complementar.82

As hipóteses de inelegibilidade são divididas em absolutas e

relativas, sendo estas últimas obstáculos referentes a determinados pleitos ou

mandatos. As absolutas referem-se ao inalistáveis, ou seja, não-eleitores não

podem ser candidatos, e os analfabetos. 83 As relativas podem ser por motivos

funcionais,84 por parentesco, afinidade, aplicáveis aos militares, ou estabelecidas

em lei complementar. 85 Quem está privado de seus direitos políticos, por perda

ou suspensão, obviamente não pode pleitear os cargos eletivos.

2.4.5 Sistema de controle das eleições no Brasil

Ora, de nada adianta a previsão da realização das eleições, com a

imposição de regras referentes à liberdade e ao sigilo do voto, dentre outras, se

não são previstos mecanismos que garantam a lisura do pleito eleitoral. Assim,

cabe verificar qual o sistema para fiscalizar e punir as infrações à legislação

eleitoral que o Brasil adota.

O Código Eleitoral estabelece um conjunto de medidas visando

garantir o exercício do sufrágio 86, bem como a fiscalização das pesquisas

eleitorais 87, e medidas para coibir o abuso do poder econômico e político.88

82 Trata-se da Lei Complementar 64/90. 83 CF art. 14, § 4º. 84 Para o mesmo cargo, se trata das restrições a reeleição, que não é admitida para todos os

casos, e nos demais, há a exigência da desincompatibilização. 85 Algumas inelegibilidades legais são tratadas como absolutas. Vide, por exemplo, Alexandre

Kimura, p 28 et seq. 86 Vide artigos 235, caput, 236 e 239 do Código Eleitoral. Tratam das hipóteses de prisão durante

a realização das eleições. 87 Vide artigo 33 da Lei das Eleições 88 Vide artigo 14, § 9º da CF.

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60

A Justiça Eleitoral exerce o papel fundamental no controle do

processo eleitoral, editando resoluções para regulamentar as eleições gerais e

locais, bem como fiscalizar todo o procedimento.

São previstas penalidades administrativas, direito de resposta por

ofensa divulgada em propaganda eleitoral ou partidária, restrições aos

administradores durante o ano eleitoral e um extenso elenco de crimes eleitorais.

Há também previsão de ações judiciais, tais como a ação de

impugnação de pedido de registro de candidatura, investigação judicial eleitoral

por abuso de poder econômico ou político, reclamações e representações por

descumprimento da lei das eleições, ação de impugnação de mandato eletivo e

ação rescisória. São também previstos recursos próprios para impugnação das

decisões da Justiça Eleitoral.

2.4.5.1 O papel da Justiça Eleitoral

As eleições são administradas pela Justiça Eleitoral, que acumula as

funções judicante e administrativa, adotando o sistema jurisdicional do controle do

processo eleitoral. Trata-se de uma justiça especializada, prevista na Constituição

Federal do artigo 118 ao artigo 121, possuindo algumas características

peculiares.

A Justiça Eleitoral não tem quadros próprios na área judicante, na

qual servem os funcionários de diversos tribunais e da magistratura de primeiro

grau, emprestados por estas durante dois anos. Com exceção dos funcionários

dos cartórios, secretarias e acessórias, que são servidores públicos selecionados

por concurso, não existem membros exclusivos da Justiça Eleitoral. São eles

provisórios com mandato de dois anos, prorrogáveis por mais dois, além das

funções judicantes, também possui funções executivas. Note-se que a Justiça

Eleitoral é permanente, mas os mandatos de seus integrantes são periodicamente

investidos.

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61

A função administrativa se soma com a judicante, pois a justiça

eleitoral administra a si mesma internamente e também às eleições. A outra

diferença seria a jurisdição em bloco, ou seja, “cuida do exame global das

eleições, tanto no seu caráter administrativo quanto na esfera jurisdicional”.89

Assim, a Justiça Eleitoral: julga as demandas eleitorais, administra a

si mesma e as eleições, sendo, por exemplo, competente para nomear os

membros receptores de votos, e também promove a investigação judicial eleitoral,

como a realizada nas contas dos partidos políticos, após denúncia fundamentada

de filiado ou delegado de partido.

É também a Justiça Eleitoral que declara os vencedores dos pleitos

eleitorais e julga as ações e os crimes eleitorais, bem como aqueles que lhe forem

conexos.

O artigo 121 da Constituição Federal dispõe que lei complementar

tratará da organização e da competência dos tribunais, dos juízes e das juntas

eleitorais. Até o momento, essa lei não foi editada, no entanto, o Tribunal Superior

Eleitoral, buscando suprir essa lacuna, editou a Resolução n.º 14.150, vinculando

o entendimento de que o Código Eleitoral foi recepcionado como lei

complementar, no que se refere à organização e funcionamento da Justiça

Eleitoral.

Em que pese opiniões contrárias90, tal entendimento é perfeitamente

admissível no nosso ordenamento, e até mesmo necessário em muitos casos,

sob pena de se impossibilitar a aplicação do texto constitucional. Trata-se do

fenômeno da recepção, que é assim definido por Alexandre de Moraes:

“Recepção consiste no acolhimento que uma nova

constituição posa em vigor dá às leis e atos normativos

89 COSTA, Tito. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitora. São Paulo, Ed Juarez de Oliveira,

2002. p. 22 90 Tito Costa escreve: “É curiosa tal posição do TSE, que se traveste de legislador,

indevidamente, ao nosso ver. Claro está que se trata de medida de ordem prática abrangendo tão só o que respeita à organização e ao funcionamento da Justiça Eleitoral, suprindo assim uma falta de providência de parte do poder executivo (ou da própria) na propositura de projeto referente à matéria, nos termos do que dispôs a Constituição federal, no título referente ao processo legislativo (art. 61, § 1, b)”. COSTA, Tito. Op, Cit., p.21

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editados sob a égide da Carta anterior, desde que

compatíveis consigo. O fenômeno da recepção, além de

receber materialmente as leis e atos normativos compatíveis

com a nova Carta, também garante a sua adequação à nova

sistemática legal.”91

Somente as disposições relativas à organização e competência da

Justiça Eleitoral foram recepcionadas como lei complementar, exigindo para a sua

alteração, portanto, que se siga o processo legislativo referente às leis

complementares.

As normas de natureza penal não estão incluídas nesse

entendimento. São, portanto, recepcionadas como lei ordinária, e seguem o

processo legislativo de alteração de lei ordinária. Além de ter sido esse o

procedimento adotado para sua aprovação, a Constituição não faz exigência de

lei complementar para a definição de crimes ou do procedimento a ser observado

em sede criminal.

Ao lado da Justiça Eleitoral funciona o Ministério Público Eleitoral, a

quem compete propor as ações para declarar a nulidade de negócios jurídicos ou

atos de administração pública infringentes de vedações legais destinadas a

proteger a normalidade e a legitimação das eleições contra a influência do abuso

do poder econômico ou o abuso do poder político e administrativo. 92

91 MORAES, Alexandre. Op. Cit. p. 546

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3 TUTELA PENAL DAS ELEIÇÕES NO BRASIL

Há registros históricos da existência de fraudes eleitorais, como a

corrupção e a compra de votos, desde a Antigüidade, ainda na Grécia e em

Roma. Abandonando o rigor inicial, após a edição da Lei das XII Tábuas as

práticas eleitorais corruptas passaram a ser tratadas com certa leniência. Com um

esquema de corrupção e abuso de poder instalado na República Romana, foram

editadas leis buscando moralizar os processos eleitorais existentes à época.

92 Lei Complementar nº 75/1993, artigo 72, parágrafo único.

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A história também registra corrupção eleitoral nas Repúblicas de

Veneza e Florença dos séculos XIII e XIV, bem como na Inglaterra medieval.

Enfim, sempre existiram práticas ilícitas com o intuito de alterar o resultado da

consulta eleitoral, bem como eram previstos meios de controle mais ou menos

eficazes e punições aos infratores. A punição dos ilícitos eleitorais, portanto,

também era feita pelo direito penal, como, por exemplo, previa o Código

Napoleônico de 1810.93

Mesmo com todas as preocupações e regramentos para que o

resultado das eleições reflita as reais aspirações do povo, sobram exemplos de

mecanismos destinados a falseá-lo. Assim, as fraudes, a corrupção e o abuso do

poder econômico, bem como a utilização direcionada dos meios de comunicação

em massa, viciam não só o resultado de determinado pleito, mas o próprio

funcionamento do regime.

“Quando essa doença toma conta do corpo político, pode

conduzi-lo, na falta de uma intervenção oportuna e

adequada, a um avançado estado de decomposição.”94

Entram os mecanismos de controle das eleições, e, conforme visto

no capítulo anterior, a opção brasileira com a fiscalização feita pela Justiça

Eleitoral. A imposição de restrições legais à candidatura bem como a previsão de

ações judiciais para garantir a lisura do processo eleitoral independem da

tipificação de todas as condutas potencialmente lesivas como crime.

Não é papel exclusivo do direito penal o resguardo da lisura do

processo eleitoral e a imposição de punições. Mas deve o direito penal se

preocupar com a matéria ou não seria suficiente para coibir as condutas a

imposição de sanções civis e administrativas mais severas?

Acredita-se necessária a intervenção do direito penal em conjunto

com as demais instâncias de controle, em razão mesma da natureza e

93 CORDEIRO, Vinicius; SILVA, Anderson Claudino da. Crimes Eleitorais e seu processo. Rio de

Janeiro, Forense, 2006. p. 1 et seq. 94 COMPARATO. Sentido e alcance do processo eleitoral no regime democrático. . In: Estudos

Avançados, 14 (38), 2000. p. 316

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importância do que é protegido: as eleições, diretamente, e a democracia,

indiretamente. Mas, se mal desenhado, a proteção penal de nada adiantará, pois

não pode ser mais um mero simbolismo.

3.1 A proteção dos bens jurídicos pelo direito penal

O ser humano, como um ser social, sempre estabeleceu regas de

convivência, e, desde os primórdios, também as violou. Da violação das regras

estabelecidas sobrevinham punições. Assim, o direito, como regra social, surge

com a sociedade, e o direito penal, ou melhor, a justiça punitiva, o primeiro direito.

Claro está que o conceito de castigo não é o mesmo que hoje temos por pena. A

vingança penal não evoluiu de forma sistemática, mas a doutrina majoritária adota

a seguinte divisão: vingança privada, vingança divina e vingança pública.95

Explica Cezar Roberto Bitencourt:

“Nas sociedades primitivas, os fenômenos naturais maléficos

era recebidos como manifestações divinas (“totem”)

revoltadas com a prática de atos que exigiam reparação.

Nessa fase, punia-se o infrator para desagravar a divindade.

A infração totêmica, ou melhor dito, a desobediência, levou a

coletividade a punir o infrator para desagravar a entidade. O

castigo aplicável consistia no sacrifício da própria vida do

infrator. Na verdade, a pena em sua origem distante

representa o simples revide à agressão sofrida pela

coletividade, absolutamente desproporcional, sem qualquer

preocupação com algum conteúdo de Justiça.”96

Nessa fase, chamada de fase da vingança divina, esses castigos

tinham um caráter religioso, divino ou sobrenatural. Sem a sanção, a ira divina

95 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1, 13ª edição

atualizada, São Paulo, Saraiva, 2008. p. 28

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atingiria todos os membros do grupo. O direito, como diz Heleno Cláudio Fragoso,

“não é mais do que um dos aspectos da religião.”97 A pena, ou melhor, o castigo,

era aplicado pelos sacerdotes, por delegação divina. Eram penas cruéis e

desumanas que tinham a intimidação como a maior finalidade.98

Uma segunda fase era conhecida como vingança privada, ou seja, a

justiça pelas próprias mãos. Mas a aplicação do castigo pelo próprio ofendido

implicava em uma nova agressão, que gerava nova reação colocando todo o

grupo em risco.99 A vingança privada era violenta e não representava uma

correspondência entre a reação e a agressão. A ofensa também poderia passar a

ser de toda a coletividade a que pertencia o indivíduo, causando lutas e guerras.

“A vingança privada arraigou-se muito no costume dos

povos. Só lentamente foi sendo abandonada, graças ao

fortalecimento do poder social, quando as penas públicas

passaram a instituir suficiente proteção para o indivíduo,

que, em conseqüência, já não necessitava recorrer ao seu

próprio desfôrço.”100

A punição foi assim assumida pelo chefe do grupo, ou seja, a

autoridade do chefe fazia-se valer na imposição do castigo. Não se tratava mais

de uma mera vingança, com a aplicação de uma pena, como o banimento,

expulsão ou mesmo morte.

Com o passar do tempo, foi se estabelecendo certo critério em que

se buscava chegar a um equilíbrio entre a ofensa e o castigo. Assim, surge o

critério do talião, significando que o malfeitor deveria padecer do mesmo mal que

96 Idem 97 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. A Nova Parte Geral. 9ª ed. revista por

Fernando Fragoso. Rio de Janeiro, Forense, 1985. p. 24. Conforme explica o referido autor: “A idéia primitiva de pena é a reação vindicativa do ofendido, mas não se pode dizer que a simples vingança individual dos primeiros grupos sociais constituísse um Direito Penal. Nas sociedades primitivas, o direito não pe mais do que um dos aspectos da religião (Foustel de Coulanges), de sorte que a reação punitiva apresentava caráter religioso, surgindo a pena com sentido sacral.”

98 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op Cit. p. 29 99 NUCCI. Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6ª ed. rev. Atualizada e ampliada.

São Paulo, RT, 2006. p 42 100 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. vol 1, 4ª edição, 32ª Tiragem, São Paulo, Max

Limonad. p. 13

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causara. É um primeiro critério de punição estabelecido, que visava tão-somente

aplacar a ira da comunidade.

Assim, essa transição entre vingança divina, vingança privada e

vingança pública é assim explicada por de Heleno Cláudio Fragoso:

“Cessada, pelo menos para grande número de infrações

penais, essa fase primitiva, a reação penal torna-se

represália por parte de vítima, situando-se na esfera privada.

A evolução processa-se então no sentido de restringir a

princípio a vingança privada, limitando-a pelo talião e pela

composição com a vítima (preço da paz), para em seguida

assumir o Estado o monopólio da justiça punitiva. A

composição é a princípio voluntária, depois imposta pelo

Estado e finalmente abolida, passado as penas a serem

públicas.”101

Independentemente da interpretação que seja dada a essa

transição, o fato é que, na antigüidade, ao passar a retribuição penal a ser

regulamentada, com certo critério, prevaleceu a idéia da correspondência entre o

mal praticado e o mal imposto. Esclarece Basileu Garcia:

“Nas legislações da antiguidade, como a hebraica, a grega e

a romana, observam-se sinais do largo emprego do talião.

Olho por olho, dente por dente, advertia a legislação

israelita, reunida no Pentateuco, que apresenta os cinco

primeiros livros do Antigo Testamento, atribuídos a Moisés.

E, mais recuado que o antiquíssimo Código de Manu, da

Índia, o de Hammurabi, da Caldéia, que remonta a cerca de

dois mil anos antes da era cristã, já previa, profusamente, a

retribuição talional.”102

101 FRAGOSO. Heleno Claudio. Op Cit p. 24. 102 GARCIA, Basileu. Op cit. p. 13

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Igualmente observamos o embrião da responsabilidade criminal.

Antes do estabelecimento dessas regras, a punição, como dito, poderia se

estender a toda uma comunidade. Já com a pena de talião, o castigo alcança o

autor da ofensa. Da mesma forma, foi se desenvolvendo a idéia de composição

pecuniária, considerando a idéia da pena coincidir com o castigo pecuniário, em

favor da vítima ou de sua família.

“E, quando se introduziu no Direito Penal da Antigüidade a

pena pecuniária, através da composição, mais se acentuou o

poder do Estado, como intermediário entre a vítima e o

delinqüente. Era indispensável regular o processo punitivo-

reparatório. Organizavam-se certas tabelas, que indicavam o

preço de uma vida suprimida, de um membro ou órgão

lesado, ou outro dano qualquer causado. No Direito romano,

por exemplo, a Lei das Doze Tábuas, que também acolhia

talião, continha tarifas para a compositio. O poder público

necessitava, pois, intervir. E sua intervenção, embrionária na

justiça privada dos mentores de agregados humanos, aos

poucos se intensificou, até afirmar-se predominante e

inevitável no Direito Penal, constituído, por fim, em regras de

atividade estatal. Propendeu-se, mesmo, a impedir ou limitar

a ingerência do particular na realização da justiça.”103

Cezar Roberto Bitencourt também destaca a questão da

composição:

“Com a evolução social, para evitar a dizimação das tribos,

surge a lei de talião, determinando a reação proporcional ao

mal praticado: olho por olho, dente por dente. (...) No

entanto, com o passar do tempo, como o número de

infratores era grande, as populações iam ficando

deformadas, pela perda de membro, sentido ou função, que

o Direito talional propiciava. Assim, evoluiu-se para a

103 BASILEU, Garcia. Op. Cit p. 14-5

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composição, sistema através do qual o infrator comprava a

sua liberdade, livrando-se do castigo. A composição, que foi

largamente aceita, na sua época, constitui um dos

antecedentes da moderna reparação do Direito Civil e das

penas pecuniárias do Direito Penal.”104

A evolução do Direito Romano apresenta todas as fases aqui

expostas. Em Roma, a pena que inicialmente existia tinha caráter sacro, estando

sua definição e aplicação sob o poder absoluto do pater famílias, passando para o

estágio da vingança privada.

Durante a República, foi promulgada a Lei das XII tábuas, que

inaugurou uma série de dispositivos legais. Continha também disposições penais,

constituindo limitação da vingança privada. Nessa época verificamos a adoção de

talião e a admissibilidade da composição. Havia uma divisão entre o conceito de

crimes públicos e privados, consistindo os últimos em ofensas aos indivíduos, que

não eram julgados pelos magistrados romanos, que interferia no processo para

regular o exercício dos direitos dos particulares.

A palavra crimen originariamente se refere ao processo, e passa a

designar crimes públicos. A palavra delictum tinha significado diferente, referindo-

se a delitos privados, em contraposição aos públicos. As expressões passam a

ser usadas indistintamente na época de Justiniano, quando perderam a

conotação processual.105 No final da República foram publicadas as leges

Corneliae e Juliae, que catalogaram os comportamentos considerados

criminosos.

Na época do Império surge a modalidade de crime extraordinário, ou

crimina extraordinaria.106 As penas, que haviam ganhado caráter mais preventivo

do que repressivo, tornaram-se mais rigorosas, inclusive com a restauração da

pena de morte. A prisão não era pena, mas apenas como custódia cautelar, para

depois ser aplicada a punição propriamente dita.

104 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op Cit. p. 29 105 FRAGOSO, Heleno Cláudio.Op. Cit.. p 25 106 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. Cit. p. 31

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Os romanos conheceram vários dos institutos penais que hoje

teorizamos, como a culpa, o dolo, o nexo casal, a imputabilidade, o concurso,

dentre outros. Apesar de não terem sistematizado teorias jurídicas, são dos

romanos a origem de parte significativa dos institutos penais da atualidade.

“Distingue nitidamente o direito penal dessa época a culpa, o

dolus e o casus, considerando na aplicação da pena

circunstâncias agravantes e atenuantes. A tentativa, em

geral desconhecida do direito anterior, posteriormente é

punida nos crimes extraordinários de mais recente criação. É

absolutamente dominante a função pública da pena.”107

O Direito Germânico caracteriza-se como um direito consuetudinário,

concebido como uma ordem de paz. A sua ruptura seria, conseqüentemente, uma

ruptura da paz, seja pública, seja privada.108 Divide-se em duas fases; na

primeira, a pena é uma expiação religiosa e uma vingança de sangue. Essa fase

representava uma verdadeira guerra familiar. A vingança de sangue foi

paulatinamente sendo substituída pela composição, com a instalação e o

fortalecimento da monarquia.

A segunda fase, correspondente ao império franco, caracterizou-se

pela composição. O Direito Germânico adotou a pena de talião tardiamente,

influenciado pelo direito romano e pelo cristianismo. Na dinastia carolíngia,

surgem várias leis importantes, que enfraquecem a concepção privatística da

punição, com o fortalecimento do poder público.

São originárias do direito germânico a utilização de ordálias, ou os

juízos de Deus. O direito germânico também não trabalhava a idéia de

responsabilidade subjetiva, sendo sua característica a responsabilidade objetiva

(o fato julga o homem). O vínculo psicológico começou a ser exigido mais tarde,

também sob influência do Direito Romano.109

107 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. Cit. p 29 108 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Op. Cit. p. 32 109 Ibid. p. 33 e 34

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O Cristianismo exerceu grande influência no Direito Penal, iniciando

com a proclamação da liberdade de culto pelo imperador Constantino, e quando

passou a ser religião oficial em 379 d.C. No século IX, a Igreja passou a se impor

também sob o poder temporal, impondo leis ao Estado. Surge a repressão penal

de crimes religiosos e a jurisdição eclesiástica.110. Pode-se dizer, inclusive, que o

Direito Canônico, ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana,

perpetuou o caráter sacro da punição.

Diferenciavam os delitos entre delicta eclesiastica, julgados

exclusivamente pelos tribunais eclesiásticos, de delicta mera secularia, de

competência dos tribunais leigos e, por fim, delicta mixta, que atentavam

concomitantemente contra a ordem divina e humana, julgado pelo tribunal que

primeiro tomasse conhecimento.111

As punições continuavam severas, mas acrescentadas de caráter

corretivo, visando a regeneração do criminoso. Cumulavam portanto a “justa

retribuição” com a busca do arrependimento e emenda do réu. Distinguiam-se em

espirituales e temporales.

A influência do Direito Canônico é observada com a acentuação do

aspecto subjetivo do crime, fortalecimento da justiça pública, e a introdução das

penas privativas de liberdade, até então desconhecidas. A despeito da

contribuição referente às penas privativas de liberdade, visto que a penitenciária é

de clara inspiração eclesiástica, marcam os manifestos contra os excessos

cometidos pela Santa Inquisição, que se valia de tortura e utilizava medidas cruéis

e públicas.

Apesar de alguns avanços, note-se que a humanidade permaneceu

por um longo tempo sob a égide da vingança pública, com a imposição de penas

ferozmente intimidativas e cruéis. Mesmo nos períodos em que uma certa

proporcionalidade entre o mal causado e o mal imposto em retribuição, havia

larga aplicação das penas corporais.

110 Idem 111 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. Cit.. p. 32

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Apenas perto do século XVIII, com o iluminismo, foi inaugurado um

período humanitário, clamando pelo abrandamento das sanções. Assim, não é

preciso retornar até a idade antiga para encontrar exemplos de castigos corporais

e outras atrocidades.

“Para se ter idéia do que representou no passado o sistema

de atrocidades judiciárias, não será necessário remontar a

mais longe do que há três séculos. Na França, por exemplo,

ainda depois do ano de 1700, a pena capital era imposta de

cinco maneiras: esquartejamento, fogo, roda, fôrca e

decapitação. O esquartejamento, infligido notadamente no

crime de lesa-majestade, consistia em prender-se o

condenado a quatro cavalos, ou quatro galeras, que se

lançavam em diferentes direções. A morte pelo fogo

verificava-se após ser amarrado e condenado a um poste,

em praça pública, onde o corpo era consumido pelas

chamas. E costume houve, também, de imergir o

sentenciado em chumbo fundido, azeite ou resina ferventes.

O suplício da roda era dos mais cruéis: de início, o paciente,

que jazia amarrado, era esbordoado pelo verdugo, até se lhe

partirem os membros. Em seguida, era colocado sobre uma

roda, com a face voltada para o céu, até expirar. Às vezes,

estrangulavam-no, nos derradeiros momentos, para apressar

o fim do impressionante espetáculo.”112

Essa passagem, na qual Basileu Garcia descreve a crueldade na

execução de algumas penas, não resume toda a imaginatividade humana para

impingir sofrimento a seus iguais, pelos poderes constituídos, sob o manto da

legitimidade.113

Contra o abuso e a inexistência de correspondência entre as penas

e a infração, insurgiu-se Cesare Beccaria. Nasce a escola clássica, dos preceitos

112 GARCIA, Basileu. Op Cit. p. 16

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contidos na sua obra Dos delitos e das penas, publicado em 1764, com caráter

claramente humanista e crítico das leis, que deveriam ser “pactos entre homens

livres”, mas não passaram, “geralmente, de instrumento de paixões de uns

poucos, ou nasceram de fortuita e passageira necessidade.”114 A preocupação é a

proporcionalidade das penas, que deve ser correspondente ao dano causado.

A escola clássica115 é responsável pela defesa da legalidade, da

proibição da tortura e da responsabilidade pessoal, fundada no livre-arbítrio.116

Dividia-se em duas correntes principais, uma defendendo que a pena teria caráter

puramente retributivo, e a segunda, da qual se destaca Carrara, que entendia

dever ter a pena caráter utilitário, consistindo na prevenção geral e especial. É

uma retribuição jurídica, afastando-se da idéia de vingança pública, até então

vigente. O crime é tratado como um ente jurídico, significando que se trata de

uma violação do direito, como exigência racional.117 O estudo do penal segue um

método lógico-abstrato.

Cesar Lombroso inaugurou a chamada escola positiva, sustentando

a existência de um criminoso nato, um tipo antropológico específico. Juntam-se a

ele Raffaele Garofalo e Enrico Ferri. O grande mérito dessa escola foi o início dos

113 Michel Foucault também parte da descrição crua dos suplícios impingidos aos seres humanos

em verdadeiros espetáculos punitivos para analisar as mudanças no direito penal como táticas de poder, abrindo Vigiar e Punir com a narrativa de uma execução em 1757.

114 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: J. Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2ª ed rev., São Paulo, RT. 1997. p. 23. Na introdução, nota-se a preocupação com a proporcionalidade das penas e sua humanidade, questão que passou ao largo dos filósofos das luzes, que se preocuparam apenas com as questões políticas. Assim, escreve: “Pouquíssimos, porém, examinaram e combateram a crueldade das penas e as irregularidades dos processos criminais, parte tão importante quão descurada da legislação em quase toda a Europa. Pouquíssimos os que, remontando aos princípios gerais, eliminaram os erros acumulados durante séculos, refreando, ao menos, com a força dos que possuem as verdades conhecidas, o demasiado livre curso do mal dirigido poder, que deu até hoje longo e autorizado exemplo cruel de atrocidade”. Idem, p. 24.

115 Conforme explica Heleno Claudio Fragoso, o nome de “escola clássica” foi posteriormente dado pelos positivistas, com um certo sentido pejorativo. Op. Cit. p. 41

116 A característica básica do XVIII, conhecido como século das luzes, é a proliferação de idéias fundadas na razão e humanidade, que permearam todo o pensamento da época. É o chamado iluminismo, cujas idéias aplicáveis ao direito penal representam apenas uma parte das mudanças propostas. O movimento atingiu seu apogeu na Revolução Francesa, sendo inúmeros os pensadores da época, muitos apontados na primeira parte do trabalho. Não há mudança de concepção que não seja contextualizada em um determinado momento histórico.

117 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. Cit. p. 43

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estudos antropológicos e criminológicos, acentuando o aspecto da investigação

científica.118 A fase jurídica veio depois, consagrando alguns princípios básicos.

O crime passa a ser visto como um fenômeno natural e social,

sofrendo influências do meio e dos fatores que influem sobre o comportamento. A

responsabilidade penal é social, buscando averiguar a periculosidade do agente.

A pena é medida de defesa social, buscando a recuperação ou neutralização do

criminoso. Imputa ao criminoso um caráter de anormalidade psicológica, quando

não também defeitos físicos, classificando-os em tipos (ocasionais, habituais,

natos, passionais e enfermos).119 Essa escola exerceu grande influência no que

se refere à individualização da pena.

A ineficácia do sistema penal clássico como repressão à

criminalidade é a base desse novo sistema de pensamento, que substitui o

princípio da retribuição pela prevenção especial. Tal concepção é conseqüência

direta da prevalência da idéia de determinismo sobre o livre arbítrio.

Após, outras escolas buscaram conciliar os princípios de ambas,

chamadas escolas ecléticas, mas sem conseguir a mesma consistência. A escola

eclética acabou por se basear na hipertrofia dogmática, conforme anota Frederico

Marques.120

Von Listz apresenta uma corrente que se pode chamar de eclética,

vindo a exercer grande influência na legislação penal. Acolhia as exigências de

reforma inspiradas na necessidade de um combate à criminalidade mais eficiente

sem abandonar o enquadramento do Direito Penal clássico. A questão do livre

arbítrio é excluída do Direito Penal permanecendo exclusivamente no campo

filosófico. Distingue pena, fundada na culpa, de medida de segurança, fundada na

periculosidade.

118 FERNANDES, Newton, FERNADES, Valter. Criminologia integrada. São Paulo, RT, 1995.

pp. 73 a 90. 119 Conforme anota Miguel Reale Junior: “(...) O direito penal se reduzia, encontrando assim seu

conteúdo, no estudo do delinqüente e das causas da delinqüência, estabelecendo em vista da periculosidade social revelada, a fim de equacionar a adequada prevenção especial.” E, mais adiante: “ A antijuridicidade se infere da personalidade do delinqüente, a tal ponto que tudo vem a se resumir no aspecto da periculosidade.” REALE JUNIOR, Miguel. Teoria do Delito. 2ª edição revista, São Paulo, RT, 2000. p. 23

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É feita separação entre o direito penal e a política criminal, sendo o

primeiro barreira intransponível da segunda. Aponta Listz a idéia de finalidade do

Direito Penal e indica seu caráter garantista, pois serve para proteger tanto a

sociedade quanto o indivíduo, que só poderá ser punido dentro dos limites legais.

O crime e a pena são generalizações conceituais, caracterizando uma abordagem

puramente técnico-jurídica.

Essa visão técnico-jurídica busca estruturação do conceito de crime,

que preencheria a solução dos casos concretos de segurança, não mais as

subordinando ao sentimento.

As discussões doutrinárias a respeito do conceito de crime estão

longe de encontrarem um final. O crime pode ser definido sob o ponto de vista

sociológico, material, formal ou analítico. Visto do ponto de vista exclusivamente

formal, o crime é a ação ou omissão proibida, sob a ameaça de uma sanção

penal (pena).

Crime, de acordo com Francisco de Assis Toledo, pode ser definido

como “um fato humano que expõe a perigo bens jurídicos penalmente

protegidos.”121 Essa definição vê o crime sob o seu ponto de vista material.

“De acordo com a teoria causal da ação, o resultado é fruto

de um movimento muscular dominado pela força psíquica

que o impele. Seriam, então, dois elementos diversos e que

distintamente devem ser analisados: o elemento exterior,

causador do resultado, em virtude do qual a ação é

juridicamente relevante; e o elemento interior, que torna a

ação atribuível a alguém. É a separação total entre a

realização da vontade e o conteúdo da vontade.”122

Assim, os causalistas definem o crime, no seu sentido analítico,

como um fato típico, antijurídico e culpável, analisando o dolo e a culpa dentro da

120 MARQUES, Frederico. Tratado de Direito Penal. vol 1. Ed. rev. Atualizada, e reformada.

Campinas, Bookseller, 1997. pp. 110 e 111. 121 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª ed. São Paulo, Saraiva,

2000, p. 80.

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culpabilidade. Alguns autores ainda incluem a punibilidade123 na definição de

crime. A periculosidade é excluída do conceito, como anota Nelson Hungria:

(Crime) “Mais precisamente: é o fato (humano) típico (isto é,

objetivamente correspondente ao descrito in abstrato pela

lei), contrário ao direito, imputável a título de dolo ou culpa e

a que a lei contrapõe uma pena (em sentido estrito) como

sanção específica. É de enjeitar-se, categoricamente, pelo

menos em face do direito positivo, a inclusão da

periculosidade subjetiva no conceito de crime, segundo

pretende a chamada teoria sintomática (Tesar, Kollmann),

que vai ao ponto de subordinar a importância realística do

crime (como efetivo ataque a bens ou interesses

juridicamente tutelados) à sua importância sintomática (no

sentido da periculosidade do agente). O reconhecimento de

um fato como crime independe da periculosidade de quem o

pratica. Entendo como “probabilidade de reincidência”, e

periculosidade não funciona, sequer, como medida de

pena.”124

Hans Welzel inaugura a teoria finalista da ação, com reflexos na

teoria do delito.125 Diferencia-se fundamentalmente da clássica tripartição positivo-

causalista, mas não confere espaço autônomo a diretrizes político-criminais na

122 REALE JUNIOR. Op. Cit. p. 123. 123 “O vocábulo “punibilidade” tem dois sentidos, que devem ser claramente delineados: a)

punibilidade pode significar merecimento de pena, ser digno de pena no sentido da palavra alemã Strafwürdig; neste sentido, todo delito (toda conduta típica, antijurídica e culpável) é punível, pelo simples fato de sê-lo; b) punibilidade pode significar possibilidade de aplicar a pena, no sentido da palavra alemã Strafbar; neste sentido, nem todo o delito é passível de aplicação de uma pena, isto é, não se pode dar a todo o delito o que teria merecido. Nem sempre a punibilidade no sentido “a” pode ser satisfeita no sentido “b”. Isto não é conseqüência da falta de qualquer característica do delito, mas é apenas uma questão que tem lugar e opera dentro da própria teoria da coerção penal. A afirmação de que o delito é punível (sentido a) surge da afirmação de que é delito, mas a coercibilidade a que este dá lugar nem sempre ocorre, porque possui uma problemática própria e que ocasionalmente impede a sua atuação (sentido b).” (ZAFARONI, Manual. p. 636)

124 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol 1, Tomo 2, 3ª edição, Rio de Janeiro, RT, 1955. pp. 6 e 7.

125 Vide a esse respeito a obra WELZEL, Hans. Direito Penal. Tradução de Afonso Celso Rezende. 1ª edição. Campinas, Romana, 2003.

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dogmática. Para os finalistas europeus a definição analítica de crime continua

tripartida, ao contrário do que ocorre no Brasil.126

Após a Segunda Guerra, novos estudos do Direito Penal conduziram

às tendências atuais, consubstanciadas nas teorias da defesa social. A discussão

sobre o conceito analítico de crime não parece ser o foco principal dessas

correntes.

Expõe Claus Roxin duras crítica à chamada dogmática reduzida:

“De que serve, porém, a solução de um problema jurídico,

que apesar de sua linda clareza e uniformidade, é político-

criminalmente errada? Não será possível uma decisão

adequada ao caso concreto, ainda que não integrável no

sistema?”127

A grande contribuição de Claus Roxin está em estabelecer que a

política criminal e o sistema jurídico penal devem estar intimamente

relacionados128. É, sem dúvida, o inaugurador do funcionalismo, uma das grandes

tendências do Direito Penal atual, ao lado da corrente liderada por Günther

Jakobs.129

126 Para os doutrinadores europeus e parte significativa dos brasileiros, como Guilherme de

Souza Nucci, o crime continua sendo um fato típico, antijurídico e culpável, com a diferença que o dolo e a culpa são analisados no mesmo momento em que se verifica a tipicidade. Há também os que conceituem crime como um injusto típico culpável, sendo o injusto típico a junção da tipicidade com a antijuridicidade. Já Miguel Reale Júnior apresenta uma posição diversa. Para ele a tipicidade pressupõe a antijuridicidade: “Constituem um mesmo momento o juízo da tipicidade e o da antijuridicidade, correspondendo à culpabilidade como juízo de valor significar a reprovabilidade da ação injusta.” (REALE JUNIOR. Op. Cit. p. 56) Assim, toda a ação típica, para Miguel Reale Junior, é antijurídica, e ocorrendo uma causa de justificação, não há adequação típica. O autor também busca romper o formalismo com aplicação do conceito de ação socialmente adequada. (Idem. p. 58)

127 ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico Penal. Rio de Janeiro, Renovar, 2002. p. 7. 128 Para Roxin, a tarefa da lei não se esgota na função garantista, apontando a dupla função do

principio nullun crimen sine (praevia) lege que é tanto a proteção quanto o fornecimento de diretrizes de comportamento, como instrumento de regulação social. Assim os “(...) problemas político-criminais constituem o conteúdo próprio também da teoria geral do delito” Idem, p. 13

129 O autor tem apresentado algumas inovações e teorias polêmicas. Vide os seguinte JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal. Tradução: André Luís Callegari, São Paulo, RT, 2000. Em linhas gerais, a teoria trata da idéia de risco. Essa teoria admite que a sociedade atual é uma sociedade de risco. Assim, alguns riscos seriam socialmente permitidos, ficando de fora da tutela penal, e outros, proibidos. O direito penal, portanto, se ocupa com a criação ou o

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Conforme esclarece sobre o funcionalismo:

“Então o Direito é tido como um subsistema do sistema

social geral. E o delito vem a ser um comportamento

disfuncional, quer dizer, um obstáculo ao funcionamento do

sistema social. O Direito Penal objetiva proteger o aludido

funcionamento, diante de um fato socialmente danoso.”130

As tendências modernas superam a dicotomia causada pela herança

positivista que reduz o direito ao seu sistema legal, excluindo qualquer valoração.

Busca-se uma unidade sistemática, na qual a ordem e a clareza conceitual

estejam mais próximas da realidade, orientadas por fins político-criminais.

O Direito Penal, assim, tem se detido principalmente sobre alguns

temas, como a proteção dos bens jurídicos, o conceito de ação e conduta,

garantia dos direitos humanos, funções da pena, surge a teoria da imputação

objetiva, a definição de crime por conceitos e não mais condutas. E, por fim, as

principais correntes, ou sejam, as minimalistas, maximalistas, abolicionistas, e,

fora do âmbito das correntes garantistas, o chamado direito penal do inimigo.131

O garantismo busca controlar o poder punitivo do Estado, exigindo-

se do mesmo uma estrita vinculação ao princípio de previsibilidade, igualdade,

proporcionalidade e segurança jurídica, sem olvidar das garantias formais

asseguradas ao suspeito, ao processado e ao condenado.

O princípio da intervenção mínima (direito penal mínimo) propõe ao

ordenamento jurídico penal uma redução dos mecanismos punitivos do Estado ao

mínimo necessário. Deve apenas sancionar as condutas mais graves e perigosas

que lesem os bens jurídicos de maior relevância, deixando de se preocupar com

incremento de um risco não permitido, imputando objetivamente a conduta ao agente criador ou implementador do risco que causou o resultado (normativo) vedado pela norma penal.

O risco permitido exclui o tipo. Vide também JAKOBS, Günther. Direito Penal do Inimigo. Noções e Críticas. org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 2ª ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007.

130 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-Penal e Constituição. 2ª ed. ver e ampliada. São Paulo, RT, 1997. pp. 39 e 40.

131 Em linhas gerais, o que essa teoria busca é separar o cidadão do “inimigo”, sendo que ao “inimigo” não se aplicam as mesmas garantias (é a eliminação do perigo). (JAKOBS, Günther. Direito Penal do Inimigo. Noções e Críticas. Op. Cit. p. 49.)

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toda e qualquer conduta lesiva132, caracterizando, destarte, o caráter fragmentário

do Direito Penal. Pelo Direito Penal mínimo se outras formas de sanção ou

controle social forem eficazes e suficientes para a tutela dos bens jurídicos.

Nessa linha podem ser traçados dois caminhos não excludentes: a

despenalização e a descriminalização. A descriminalização, ou destipificação,

significa tornar lícitas (criminalmente) condutas antes delituosas. Despenalização

implica em substituir as penas criminais.

“Em uma concepção mais restrita, “despenalizar é excluir ou

reduzir a incidência das penas privativas de liberdade”.

Dentro dessa visão, fica em destaque o assunto da pena

carcerária. (...)133

Em outro extremo, há o Abolicionismo Penal, que se desenvolveu

principalmente na Europa. Revelou-se como o meio mais radical de enfrentar a

realidade do Direito Penal, pregando a substituição do Direito Penal por outras

formas não punitivas de solução dos delitos praticados.134

Apesar do abolicionismo ter fracassado nos países onde surgiu

(Escandinavos e Holanda), sua grande contribuição é escancarar a falência do

direito de punir do Estado, que se mostrou incompetente em ressocializar o

infrator e de lhe possibilitar um cumprimento de pena digno à sua qualidade de

ser humano.

As questões centrais abordadas por essa correntes são: qual a

razão da existência de leis incriminadoras, que definem certas condutas como

132 “A lesividade, como princípio, aproxima-se de uma justificativa doutrinária para o princípio da

intervenção mínima – porquanto relacionada com o processo de seleção prévio de condutas, oferecendo um critério semântico e ontológico para ele.” (LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Critérios Constitucionais de Determinação dos Bens Jurídicos Penalmente Relevantes. A Teoria dos Valores Constitucionais e a Indicação do Conteúdo Material dos Tipos Penais. Tese de Livre-Docência em Direito Penal. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999. p. 354)

133 DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. 2ª edição. São Paulo, RT, 1998. p. 266

134 “Infelizmente as quatro perspectivas abolicionistas ora ilustradas constituem, somente em parte, utopias, e, imaginar as mesmas não é, definitivamente, mero exercício intelectual proposto como argumento a contrario para satisfazer o ônus da justificação do direito penal.”

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crime? Qual a diferença na definição de um ilícito como civil, criminal ou

administrativo? Porque manter em funcionamento um Sistema Penal de Justiça?

A princípio, não haveria uma diferença significativa entre um fato ser

sancionado civilmente ou criminalmente. Mas a carga semântica da palavra

“crime” e de “criminoso” é inegavelmente maior que qualquer ilícito civil ou

administrativo pode assumir. Por essa razão, o Direito Penal é coativo por

essência, e acaba sendo, quando bem estruturado, um instrumento de controle.

Reitera-se: um instrumento de controle. Nunca o único.

Uma das suas características diferenciadoras é a cominação de

penas restritivas da liberdade. Hoje essa não é a única pena criminal possível de

ser aplicada. Pode ser aplicada também a multa e as penas restritivas de direitos,

sem descaracterizar o direito penal.

Sobre o tema, convém reportar ao pensamento de Maurício Antônio

Ribeiro Lopes:

“Sempre nos perturbou a afirmação de que a pena criminal

corresponde à mais aguda e penetrante forma de

intervenção estatal sobre a esfera dos direitos

fundamentais do homem, uma vez que a sanção penal, por

excelência, recai sobre a liberdade de locomoção, ou pior,

em diversos Estados, sobre a própria vida ou sobre a

integridade corporal do indivíduo.

A restrição da liberdade colocada como meio apto a

prevenir e reprimir delitos atentatórios a bens jurídicos de

hierarquia inferior à da própria sanção sempre representou

em nosso ideal um exagero a ser compensado com um

sistema mais garantidor não apenas sob o aspecto formal

(processual), mas principalmente material, relacionado ao

próprio conceito de crime e a verificação dos pressupostos

(FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Vários tradutores. 2ª ed. São

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legitimadores da intervenção penal: a legalidade, a

lesividade, a taxatividade, enfim, as expressões das

prerrogativas constitucionais maximamente garantidoras do

sistema de valores fundamentais considerado diante da

promessa – também Constitucional – de nos constituirmos

como Estado Social e Democrático de Direito.”135

Se a experiência tem mostrado a incapacidade das penas criminais

no processo de ressocialização e a limitação do alcance de sua função

preventiva, as modernas tendências do direito penal passam ao questionar de sua

finalidade, sua função na proteção de controle social136. Serve o direito penal a

mais de uma finalidade, sendo a principal delas, o estabelecimento de padrões de

conduta mediante a proibição de condutas lesivas a bens jurídicos (jurídico-

penais) sob a ameaça de aplicação de pena (sanção penal).

Assim, orientado por finalidades político-criminais, o papel da

proteção de bens jurídicos ganha destaque, sendo o delito uma lesão ou perigo

de lesão a um bem jurídico.137

“A missão central do direito penal reside, então, em

assegurar a valia inviolável desses valores, mediante a

ameaça e aplicação de pena para as sanções que se

apartam de modo realmente ostensivo desses valores

fundamentais do atuar humano.”138

A questão não é pacífica, havendo opiniões divergentes a respeito,

tanto da função do direito penal, quanto de quais bens devem ser protegidos pelo

Paulo, RT, 2006. p. 316)

135 LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Critérios Constitucionais de Determinação dos Bens Jurídicos Penalmente Relevantes. A Teoria dos Valores Constitucionais e a Indicação do Conteúdo Material dos Tipos Penais. Tese de Livre-Docência em Direito Penal. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999. p. 26

136 A esse respeito, consultar ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique, CERVINI, Raúl. Direito Criminal. Belo Horizonte. Del Rey, 2000. pp. 57 à 69.

137 “Bem jurídico é, portanto, todo o estado social pretendido que o direito deseja assegurar contra lesões.” Idem, p. 32

138 “A missão central do direito penal reside, então, em assegurar a valia inviolável desses valores, mediante a ameaça e aplicação de pena para as sanções que se apartam de modo realmente ostensivo desses valores fundamentais do atuar humano.” (WELZEL, Hans. Direito Penal. Tradução de Afonso Celso Rezende. 1ª edição, Campinas, Romana, 2003. p. 29)

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direito penal, bem como da necessidade ou não de estarem elevados a status

constitucional.139 O próprio conceito de bem jurídico ainda é “demasiado vago”,

sem que exista uma unidade conceitual.140

“Em resumo: de pouco serve a construção de um sistema

liberal (e formal) de garantias (de limites ao ius puniendi) se

depois o legislador conta com ampla margem para, sem

nenhum constrangimento ou censura, ser autoritário (ou

vago, ou impreciso) na seleção do bem jurídico.”141

Realmente, não se pode deixar o legislador amplamente autorizado

a criminalizar qualquer conduta que entenda necessária, sob pena de inflacioanr

de tal maneira a legislação penal que se perca a carga semântica da palavra

“crime”.

De qualquer maneira, não se pode ignorar as palavras de Gianpaolo

Smanio, que esclarece:

“O Direito Penal é resultado de escolhas políticas

influenciadas pelo tipo de Estado em que a sociedade está

organizada. O direito de punir é uma manifestação do poder

de supremacia do Estado nas relações com os cidadãos

principalmente na relação indivíduo – autoridade. A situação

histórica, portanto, condiciona o conceito de crime, e,

conseqüentemente, o conceito de bem jurídico e sua

importância para o direito penal.”142

139 Não se pode ignorar essa questão. Quais são os critérios para determinar quais bens serão

tutelados penalmente? “Será absolutamente livre o legislador ordinário para estabelecer o catálogo de delitos ou há limites impostos pela Constituição? Esses limites devem ser apenas de conteúdo das leis penais ou também quanto às formas como são elaboradas?” (LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Critérios Constitucionais de Determinação dos Bens Jurídicos Penalmente Relevantes. A Teoria dos Valores Constitucionais e a Indicação do Conteúdo Material dos Tipos Penais. Tese de Livre-Docência em Direito Penal. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999. p. 28)

140 LOPES. Mauricio Ribeiro. Op. Cit. p. 388 141 GOMES, Luiz Flávio (coordenação). Direito Penal. Introdução e princípios fundamentais.

Volume 1. São Paulo, RT, 2007 p. 401 142 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O Bem Jurídico e a Constituição Federal. Disponível em

www.amps.org.br/images/gianpaolo2.pdf. Arquivo acessado em 09 de dezembro de 2007. p. 2

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Para o autor, pode-se conceituar o bem jurídico como:

“(...) objeto da realidade, que constitui um interesse da

sociedade para a manutenção de seu sistema social,

protegido pelo Direito, que estabelece uma relação de

disponibilidade, por meio de tipificação de condutas.”143

E, na seqüência, o autor apresenta sua visão, definindo a esfera de

atuação do direito penal e esclarecendo a dupla função do tipo penal:

“Adotamos a perspectiva sistêmica-social como núcleo

central do conceito de bem jurídico, sem abandonar a

referência normativa mediante a qual o Direito atua,

especificamente no que se refere ao Direito Penal, por meio

do tipo, que é uma estrutura protetora tanto da sociedade

quanto do indivíduo, uma vez que tutela bens jurídicos

considerados imprescindíveis para a vida social, assim,

como estabelece os limites da atuação penal do Estado,

principalmente naquilo que não foi objeto de tipificação,

garantindo aos indivíduos a sua liberdade.”144

Note-se que a ação do direito penal é limitada, pois atua

efetivamente uma vez lesionado um bem. Não basta, portanto, como única

instancia de controle, devendo ser mantida seu caráter de ultima ratio, atuando

quando todas as demais falharam.

“(...) não é qualquer lesão a bens jurídicos que acarretará a

atuação do Direito Penal, mas apenas aquelas lesões ou

ameaças de lesões consideradas relevantes e justificadoras

da sanção penal. Passamos, portanto, a encontrar a noção

de bem jurídico penal, como aquela espécie de bem jurídico

143 Ibid.,p. 5 144 Idid. p. 5 e 6

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cuja importância fosse considerada vital para a manutenção

da sociedade e que é objeto de proteção das leis penais.”145

A lei penal deve se ocupar dos bens jurídicos de maior relevância

para o corpo social, combinando as funções de repressão e prevenção. Acaba

também por delimitar um código de conduta, estipulando as condutas proibidas.146

Nesse prisma, é prescindível descrever a importância cabal do processo eleitoral,

que merece a atenção do direito penal.

Além disso, entende-se não ser qualquer lesão ou ameaça a lesão

merecedora de um tipo incriminador ou da restrição da liberdade, aprimorando os

outros meios de controle social, e resguardando a tutela penal aos casos mais

graves, e a fim de se garantir sua efetividade, e não a sua utilização meramente

simbólica.

3.2 A proteção penal no processo eleitoral

Sendo inegável a importância do processo eleitoral como

mecanismo para a exteriorização da vontade popular em relação à escolha dos

representantes147, bem como a necessidade de se instrumentalizar meios de

controlar esse processo, preservando, portanto, os direitos eleitorais relativos ao

exercício da cidadania, também se faz necessária a criminalização de condutas

lesivas a lisura das eleições.

145 Idem 146 De uma maneira geral fala-se em conduta e essa terminologia é aqui mantida por tradição. No

entanto, tanto a criminalidade quanto o direito penal têm sofrido alterações substanciais, de forma que hoje não são apenas condutas objetos de proibição penal, mas conceitos. A teoria da imputação objetiva já mencionada pode ser usada para explicar a sociedade atual e a nova criminalidade, com reflexos no direito penal.

147 Cabe retomarmos uma observação. As eleições servem para a escolha dos representantes, dos chefes do executivo e também para viabilizar alguns instrumentos de democracia participativa (ou semi-direta), como o referendo e o plebiscito, que também exigem a manifestação popular por meio de um voto. Esse tema será adiante retomado.

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Dessa forma, o direito penal não se isenta de atuar na proteção, em

última análise, da garantia dos meios de viabilização da democracia

representativa.

Já foi visto que houve, desde a imposição das primeiras penas até

hoje, uma evolução do direito penal, em todos os seus aspectos. Sob o ponto de

vista unicamente jurídico, ainda não se tem uma definição de crime ou delito que

seja unânime ou isenta da discussão. O crime, como dito, pode ser definido sob o

ponto de vista sociológico, material, formal ou analítico. Igualmente, a definição de

crime eleitoral dependerá da definição de crime que for adotada.

Pode-se expor como primeira definição, a exposta por Suzana de

Camargo Gomes:

“(...) crimes eleitorais, sob o aspecto formal, são aquelas

condutas consideradas típicas pela legislação eleitoral, ou

seja, aquelas descritas no Código Eleitoral e em leis penais

eleitorais extravagantes e sancionadas com a aplicação de

penas.”148

Em um primeiro momento, identificamos como crimes eleitorais

aqueles que a lei eleitoral assim tipifica. O critério de localização legislativa é o

primeiro parâmetro.

Por outro lado, os crimes eleitorais também podem ser definidos sob

o aspecto material, sendo, assim, ações ou omissões que atentem contra os bens

jurídicos expressos no exercício dos direitos políticos e na legitimidade e

regularidade dos pleitos eleitorais, sancionadas penalmente.149

A combinação das definições do sob o ponto de vista formal e do

material, ou seja, a previsão penal topologicamente considerada e a finalidade de

proteção do sistema eleitoral e da legitimidade da representação política, obtêm-

se um melhor conceito de crimes eleitorais.

148 GOMES, Suzana Camargo. Op. Cit. p. 27 149 Ibid. p. 27-28.

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86

A liberdade e a integridade do voto direito e secreto e o exercício da

soberania popular são o foco da tutela penal. A violação pode ocorrer durante o

sufrágio, antes ou mesmo depois das eleições, mas dentro do calendário eleitoral.

Importante esclarecer que também é possível sua ocorrência durante o plebiscito

ou o referendo.

Não existe uma codificação específica para os crimes eleitorais.

Conforme explica Flávia Ribeiro:

“O isolamento das tipificações delituosas eleitorais

corresponde primeiramente a uma exigência de ordem

sistemática, agrupando as atividades eleitorais, em seus

diferentes enfoques, dentro de um mesmo quadro normativo,

à vista de comum traço preponderante.

(...)

Por outro lado, permite dar adequado ajustamento das

figuras delitivas à problemática eleitoral, exprimindo

compatível escala punitiva, a ser levada À aplicação por

especializada jurisdição, com observância de peculiar

ordenação processual.”150

A previsão dos crimes eleitorais em leis especiais, e não no Código

Penal nem sempre foi assim, pois o Código Penal de 1830 incluía a figura dos

crimes eleitorais, em sessão específica. Os delitos eleitorais só vieram a ser

excluídos da legislação penal comum em 1940, com a promulgação do código ora

vigente. Apesar dessa anterior inclusão, outras legislações previam punições às

infrações de ordem eleitoral, mas estas eram colocados em caráter complementar

à legislação penal comum.151

150 RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. 4ª edição. Rio de Janeiro, Forense, 1996. p. 551. 151 Idem. p. 552. “Essa, por sinal, é a orientação dominante no Brasil desde o primeiro diploma

eleitoral, com a Lei nº 387 de 19.08.1846. Aí não se pode ainda tratar propriamente de sanção penal, consistindo na imposição de multas, aplicadas administrativamente. A imposição da multa era feita em caso de descumprimento de uma prestação exigida pela ordem pública nos próprios canais administrativos. (...)”

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87

A Lei Saraiva passou a dispor sobre a parte da matéria penal

eleitoral, com certa sistematização. Igualmente, as legislações eleitorais

posteriores continuaram legislando em matéria penal eleitoral com caráter

complementar ao Código Penal.

Assim, as Leis nº 1.269 de 15 de novembro de 1904, 3.208 de 27 de

dezembro de 1916, o Decreto nº 21.076 de 24 de fevereiro de 1932 e a Lei nº 48

de 04 de maio de 1938 trouxeram previsões de crimes eleitorais, sendo que as

duas últimas dedicaram um capítulo às sanções penais e outro à ação penal.

Com o fim do Estado Novo e a redemocratização, o novo Código Eleitoral

(Decreto-Lei nº 7.586 de 28 de maio de 1945) passou a disciplinar a matéria com

exclusividade. O Código Eleitoral de 1950 (Lei 1.164 de 24 de julho de 1950)

manteve a sistematização.

Os tipos penais eleitorais estão hoje previstos no Título IV do Código

Eleitoral vigente (Lei 4.737 de 15 de julho de 1965) e em várias leis esparsas

como a Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997, alterada pela Lei 11.300 de 10 de

maio de 2006 e a Lei 6.091 de 15 de agosto de 1974.

A competência para legislar sobre direito eleitoral é privativa da

União, que também é competente para legislar em matéria penal. 152 É verdade

que há a possibilidade da União permitir a edição de lei penal incriminadora pelo

Estado em casos específicos. Mas Estado jamais poderia legislar em matéria de

Direito Penal Fundamental, que devem ter alcance nacional a fim de manter a

integridade do sistema ou compor normas contrárias à legislação federal. Claro

está que sendo a legislação eleitoral de competência privativa da União, essa

possibilidade não alcança dos crimes eleitorais, que só poderão ser definidos,

portanto, por lei federal.

Todas as normas referentes à matéria ora estudada serão,

necessariamente, leis federais.

Sabendo que para cada eleição pode ser editada uma lei específica

para discipliná-la, é possível que sejam previstos crimes eleitorais no corpo dessa

152 Ver artigos 22, I seu parágrafo único da Constituição Federal.

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lei específica. Assim, pode ocorrer a existência de lei penal temporária, com a

vigência previamente fixada. Diante do fenômeno das leis temporárias, estamos

diante, também de normais penais com caráter temporal. De certa maneira,

ocorre uma auto-revogação das leis especiais de direito penal eleitoral, pelo

decurso do prazo de sua duração, coincidente ao término das eleições.153

As leis temporárias possuem ultra-atividade, continuando a reger os

fatos ocorridos durante o período de sua vigência mesmo após sua revogação, ou

melhor, auto-revogação. Essas leis acabam por tipificar condutas que apenas

ocorrem dentro do calendário eleitoral. Apesar dessa possibilidade o fato é que,

desde sua edição, a Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997 tem sido usada para

disciplinar todas as eleições.

“Cai a lanço notar que, para cada eleição, seja de cunho

nacional, estadual ou municipal, existe uma lei especial

disciplinadora. Esta lei trata de tipos penais, cuja aplicação é

temporária, seguindo o artigo 16 da Constituição Federal,

que disciplina o princípio da anualidade em matéria

penal.”154

O regramento das eleições é mutável, pois, apesar de se discutir a

permanência de citada Lei 9.504/97, o Tribunal Superior Eleitoral, a cada eleição,

exerce uma atividade normativa, com a edição de resoluções para disciplinar

cada eleição, abordando diversos aspectos, como a propaganda eleitoral.

A parte geral do Código Penal é plenamente aplicada, não havendo

razão para sua exclusão, pois contém a base do direito penal brasileiro, em

conjunto com os direitos e garantias constitucionais, o que é dispensável dizer.

Apesar de desnecessário, o Código Eleitoral determina expressamente a

aplicação das normas do Código Penal, no artigo 287.

3.2.1 Natureza jurídica dos crimes eleitorais

153 RAMAYAMA. Marcos. Direito Eleitoral. 3ª ed. Niterói, Impetus, 2005. p. 455

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Os crimes eleitorais, previstos em legislação específica e julgados

por uma Justiça especializada, precisam ser enquadrados nas categorias de

direito penal referentes à sua natureza jurídica.

A grande questão a respeito dos crimes eleitorais, no entanto, é

definir a sua natureza, ou seja, se estes seriam ou não crimes políticos. A

resposta depende, principalmente, do que se entende por crime político, que não

tem uma definição unânime.

Nelson Hungria faz a seguinte diferenciação entre os crimes comuns

e os crimes políticos:

“Enquanto os primeiros atacam os bens ou interesses

jurídicos do indivíduo, da família e da sociedade, penalmente

protegidos pelo Estado, os crimes políticos agridem a própria

segurança interna ou externa do Estado ou são dirigidos

contra a própria personalidade deste.”155

“Ao pé da letra, crime político devia ser crime da política, crime

contra a política, crime adverso a política.” Escreve Lauro Nogueira.156 No

entanto, conforme expõe Raul Machado:

“Os estudiosos de Direito Penal sabem que até hoje, apesar

de existirem verdadeiras bibliotecas sobre o assunto, não se

conseguiu uma definição precisa de “delito político”.

Divergem os mais reputados autores a respeito da sua

concepção teórica e, conseqüentemente, da sua

conceituação legal.

154 RAMAYAMA, Marcos.Op. Cit. p. 454 155 HUNGRIA, Neslon. Op Cit. p. 55 156 NOGUEIRA, Lauro. Do Crime Político. These de concurso apresentada à Faculdade de Direito

do Ceará. Ceará, Atelier Royal. 1935. p.39

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A discordância chega ao ponto de se não entenderem

sequer sobre a matéria orgânico-jurídica que deva integrar-

lhe os elementos constitutivos, depois de exaustivamente lhe

discutirem a natureza, o fundamento e a noção.”157

O conceito de crime político varia conforme as circunstâncias

políticas. Da antiga noção de crime lesa-majestade ao delito contra o Estado,

encontrar uma definição precisa ao crime político é tarefa árdua.

O que se pode afirmar é que ao tratamento dado ao criminoso

político muito se alterou desde o século XIX. Se antes eram gravemente

apenados, exatamente por estarem sob a rubrica de crimes lesa-majestade,

passaram, com o liberalismo, a receber um tratamento mais benévolo. Aliás,

muitas transformações político-sociais se originaram em movimentos que eram

caracterizados como criminosos, criminosos políticos.158

Uma primeira concepção de crimes políticos é a teoria objetiva, que

define estes como sendo aqueles que atentam contra as condições de existência

do Estado com organização política. Já a definição da teoria subjetiva exigir para

a configuração dos crimes políticos a existência de dolo relacionado com

motivação puramente política. Uma terceira teoria diz serem os crimes políticos

aqueles que consideram a motivação política em conjunto com a lesão do bem

jurídico ser a existência do Estado.159 A lei de Segurança Nacional, no seu artigo

2º, teria consagrado a teoria mista.

Frederico Marques distingue o direito penal entre direito penal

comum e direito penal especial com base no grupo de órgãos judiciários que

aplicam a norma penal. O direito penal comum, portanto, diz respeito à Justiça

Penal Comum tanto Estadual quanto Federal. Já a segunda categoria, do direito

penal especial, se refere aos crimes militares e os eleitorais. E faz a seguinte

ressalva:

157 MACHADO, Raul. Delitos contra a Ordem Politica e Social. . São Paulo, 1944. p. 7 158 ARANHA. Adalberto José de Camargo. Dos crimes eleitorais: sua natureza e classificação. In:

Cadernos de Direito Constitucional e Eleitoral. Tribunal Regional Eleitoral. Procuradoria Regional do Estado de São Paulo. nº 18, ano V,São Paulo, Imprensa Oficial SP, maio, junho, julho de 1992. p. 17

159 RAMAYANA, Marcos. Op. Cit. p. 461

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91

“Todavia, o caráter “especial” do Direito Penal militar é muito

mais acentuado que o Direito Penal eleitoral. Este último é

aplicado por uma jurisdição especial quase toda composta,

na sua quase totalidade, de juízes e magistrados recrutados

da justiça comum. E tão tênue é a sua separação do Direito

Penal comum, que a Justiça Eleitoral tem competência para

processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe

forem conexos.”160

Os delitos eleitorais são também considerados como crimes políticos

por Fávila Ribeiro, levando em consideração, também, que são julgados por

justiças especializadas:

“Os crimes eleitorais compõem subdivisão dos crimes

políticos em duas categorias, estando a primeira ocupada

pelos crimes militares ficando a segunda com os crimes

eleitorais.”161

Para alguns autores, portanto, os crimes políticos se dividem em

duas categorias. A primeira englobaria os crimes contra a segurança nacional e a

ordem política e social, e a segunda, os crimes eleitorais. São classificados como

uma espécie de crime político, pois atentam contra o acesso e o exercício do

poder político e contra a organização do Estado. 162 A objetividade jurídica dos

crimes eleitorais está, justamente, em proteger a liberdade e legitimidade do

sufrágio e o exercício dos direitos políticos. As condutas afetam, primordialmente,

as instituições democráticas.163

Mas essa posição sofre duras críticas por parte da doutrina, que

considera dos crimes eleitorais como crimes comuns. Essa tese pode ser

resumida pelas palavras de Marcos Ramayana, que também conclui pela sua

160 MARQUES, Frederico. Tratado de Direito Penal. vol 1. Ed. rev. Atualizada, e reformada.

Campinas, Bookseller, 1997, p. 47 161 RIBEIRO, Fávila. Op Cit. p. 554 162 KIMURA, Alexandre Issa. Op. Cit. p 207. Vide também GOMES, Suzana Camargo. Op. Cit. p.

46 e COSTA, Tito, Op. Cit. p. 27 163 RIBEIRO, Fávila. Op. Cit. p. 557

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natureza como crimes comuns em razão da inaplicabilidade da regra do artigo 64,

inciso II do Código Penal, argumentado o que se transcreve abaixo:

“Todavia, os crimes eleitorais são crimes comuns,

especialmente diante das regras eleitorais específicas, das

normas de caráter temporário e da incidência típica

delimitada pelo calendário eleitoral entre o alistamento e a

diplomação dos candidatos eleitos, pois, fora dessas fases,

o crime perde sua natureza jurídico-eleitoral e passa a

atingir a bens jurídicos diferenciados.”

“Ao ensejo da conclusão desse item, podemos afirmar que

os crimes eleitorais atingem não a organização política do

Estado de forma direta, mas a organização do processo

democrático eleitoral, atingindo os direitos públicos políticos

subjetivos ativos e passivos e a ordem jurídica da relação

pública da legitimidade política dos mandatos eletivos.”164

No entanto, importante transcrever também a conclusão de Suzana

de Camargo Gomes, em sentido oposto:

“Assim considerando, não é possível deixar de enquadrar os

crimes eleitorais como espécies de crimes políticos, posto

que as condutas delituosas atingem justamente as

instituições democráticas, desvirtuando-as. É alias, o que

ressalta Nelson Hungria, ao precisar que os crimes eleitorais

“são dirigidos subjetiva e objetivamente, de modo imediato,

contra o Estado como unidade orgânica das instituições

políticas e sociais.”(...) Abstraído o exagero romântico e

suranné do individualismo, é força convir que a atividade

estatal, por meio do voto, representa, em última análise,

antes que um direito individual, um função orgânica do

próprio Estado. (...) O eleitor atua em nome e por conta do

Estado. A tutela penal, na espécie, é estatuída,

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primacialmente, no interesse das instituições

representativas, (...) Os crimes eleitorais, exatamente

apreciados, são por conseqüência, crimes contra o Estado

ou contra a ordem pública ”165

A posição de Tito Costa referente aos crimes políticos é bem ampla,

entendendo serem configurados sempre que há ofensa à ordem política ou

político-social, tipificada pela:

“transgressão de leis especiais reguladoras da segurança do

Estado e do comportamento do indivíduo em suas relações

com aquele.”166

Assim, cabe transcrever a explicação do autor referente a essa

distinção:

“Até para efeito de fixação de competência é importante a

diferenciação aceita pelo STF, entre crimes de

responsabilidade e crimes comuns, pois a Constituição usa

essas expressões distintas contrapondo uma espécie de

delitos a outra. Na observação do então Min. Luiz Gallotti, a

distinção é importante para efeito de fixação de competência

do Supremo Tribunal: crime de responsabilidade é o crime

de função, e na expressão genérica “crimes comuns”,

compreendem-se os demais. Segundo esse entender,

deputados ou senadores ou quem quer que seja titular de

cargo privilegiado com foro privativo, por prerrogativa de

função, terão seu julgamento perante esse foro qualquer que

seja a natureza da infração, excluídos os chamados crimes

de responsabilidade.”167

164 Idem. p. 462 165 GOMES, Suzana Camargo. Op. Cit. p. 41 166 COSTA, Tito. Op, Cit., pp. 29 e 30. 167 COSTA, Tito. Op. Cit. p. 31.

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Igualmente, Adalberto José de Camargo Aranha também sustenta a

tese de que os crimes eleitorais sejam crimes comuns, e não políticos. Para o

autor, a definição de crime político não é feita pelo ordenamento jurídico, sendo

que a sua conceituação é meramente doutrinária. Assim os crimes políticos são

aqueles que visariam atingir a ordem política, estando claro esse objetivo. Ao lado

deles, estariam os delitos sociais, voltados conta a estrutura econômica da

sociedade.

Divide os crimes políticos em duas categorias:

“externos, quando visam à independência do país, à

integridade territorial ou ao relacionamento entre Estados;

internos, quando envolvem a forma de governo e os poderes

políticos.”168

E conclui:

“Tanto na definição apresentada por Nélson Hungria169 como

na classificação exposta, não podemos de forma alguma

incluir os crimes eleitorais, pois todos eles, todas as figuras

estabelecidas pelo legislador como delituosas, visam apenas

proteger o processo eleitoral, o direito dos partidos e dos

cidadãos, de tal forma que os violadores da norma objetivam

apenas fraudar o processo eleitoral, um direito individual ou

atentar contra a administração da Justiça Eleitoral.

Nenhuma figura típica de crime eleitoral tem por objetivo a

defesa do Estado.”170

Ao definir os crimes eleitorais como crimes comuns, o Supremo

Tribunal Federal não está distinguindo-os dos crimes políticos, e sim dos crimes

de responsabilidade, cuja competência tem para seu julgamento, em virtude do

disposto no artigo 101, inciso II alínea b. A Constituição Federal usa expressões

168 ARANHA, Adalberto José de Camargo. Op. Cit p. 16 169 Vide nota 58 170 ARANHA, Op. Cit. p. 17

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distintas, contrapondo as duas espécies. Os crimes de responsabilidade são

crimes de função e os crimes “comuns” seriam os demais, incluídos os crimes

eleitorais e até mesmo os militares. Cabe também esclarecer que o fato dos

crimes eleitorais estarem inseridos no direito penal especial os exclui sua

natureza de crimes políticos.

Ademais, a definição dos crimes eleitorais como crimes políticos

traria algumas conseqüências consideradas perigosas por Camargo Aranha.171

Os crimes políticos, por imposição constitucional, gozam de certos privilégios,

como o direito de asilo. Conforme o artigo 5º, inciso LII da Constituição Federal

não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião. Na

legislação infra-constitucional, o Código Penal, no artigo 64 determina no inciso II

que não se consideram para efeitos de reincidência os crimes militares próprios e

políticos.

3.2.2 Classificação dos crimes eleitorais

A legislação penal eleitoral descreve condutas das mais variadas de

maneira que uma classificação dos crimes se faz necessária. Essa necessidade

decorre também do fato de que o próprio Código Eleitoral, e as demais leis que

definem os crimes eleitorais, não o fizeram de forma sistematizada. Assim, cada

doutrinador propõe uma classificação.

Uma primeira classificação leva em consideração o objeto jurídico

especificamente tutelado. Com base nesse critério a doutrina chegou a três

classificações diferentes. A primeira é a proposta por Fávila Ribeiro, que se

subdivide nas seguintes categorias:172

1. Lesivos à autenticidade do processo eleitoral;

2. Lesivos ao funcionamento do serviço eleitoral

171 Idem 172 RIBEIRO, Fávila. Op Cit. p. 558

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3. Lesivos à liberdade eleitoral

4. Lesivos aos padrões éticos ou igualitários nas atividades

eleitorais.

A segunda classificação é proposta por José Joel Cândido, também

com base em critérios objetivos:

1. Crimes contra a Organização Administrativa da Justiça Eleitoral:

artigos 294; 305; 306; 310; 311; 318 e 340 do Código Eleitoral;

2. Crimes contra os Serviços da Justiça Eleitoral: artigos 45, §§ 9º e

11, 47, § 4º, 68, § 2º, 71, § 3º, 114, parágrafo único, 120, 289, 293,

296, 303, 304, 341 a 347 do Código Eleitoral, art. 11 da Lei

6.091/74; art. 72, III, da Lei 9.504/97.

3. Crimes contra a Fé Pública Eleitoral: artigos 174, § 3º; 313 a 316;

348 a 354 do Código Eleitoral e artigo 15 da Lei 6.996/82.

4. Crimes contra a propaganda eleitoral: artigos 322 a 337 do

Código Eleitoral;

5. Crimes contra o Sigilo e o Exercício do Voto: artigos 295; 297 a

302; 307 a 309; 312; 317; 339; art. 5º da Lei 7.021/82; art. 129,

parágrafo único e art. 135, § 5º do Código Eleitoral.

6. Crimes contra os Partidos Políticos: artigos 319 a 321; 338 do

Código Eleitoral e artigo 25 da Lei Complementar 64/90.

Já Adalberto José de Camargo Aranha173 propõe a seguinte

classificação:

1. Crimes contra o alistamento eleitoral;

2. Crimes contra a atividade partidária;

3. Crimes contra a administração da Justiça Eleitoral;

4. Crimes contra a liberdade eleitoral;

5. Crimes contra a igualdade eleitoral;

6. Crimes conexos aos eleitorais

173 ARANHA. Op Cit. p. 19

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97

O segundo critério possível de ser utilizado na classificação dos

crimes eleitorais leva em consideração a fase do processo eleitoral. Sob esse

critério, Antônio Roque Citadini propõe a agrupação dos crimes eleitorais da

seguinte maneira:

1. Crimes eleitorais no alistamento eleitoral: artigos 289 a 295;

2. Crimes eleitorais no alistamento partidário: artigos 319 a 321;

3. Crimes eleitorais na propaganda eleitoral: artigos 299 a 304 e

322 a 338;

4. Crimes eleitorais na votação: artigos 297, 298, 305 a 312;

5. Crimes eleitorais na apuração: artigos 313 a 319;

6. Crimes eleitorais no funcionamento do serviço eleitoral: artigos

296, 339 a 354.

O terceiro critério proposto pela doutrina diz respeito à forma de

execução. Nesse prisma, os crimes podem ser cometidos mediante fraude,

violência ou corrupção. Esse critério recebe crítica de Suzana de Camargo

Gomes, com a qual se concorda, pois a consumação de um delito eleitoral não

pressupõe necessariamente algum desses meios de execução descritos, não

sendo, portanto, um critério seguro.

A quarta possibilidade de classificar os crimes eleitorais é proposta

por Nelson Hungria, que traz uma classificação eclética, combinando a fase do

processo eleitoral com o bem jurídico tutelado. Temos como resultado da adoção

desse critério, a seguinte divisão:

1. Abusiva propaganda eleitoral: artigos 322 a 337;

2. Corrupção eleitoral: artigo 299;

3. Fraude eleitoral: artigos 289 a 291; 302; 307; 309; 310; 312;

315; 317; 319; 321; 337; 339; 340; 348; 349; 352; 353; 354;

4. Coação eleitoral: artigos 300 e 301;

5. Aproveitamento econômico da ocasião eleitoral: 303 e 304;

6. Irregularidades no ou contra o serviço público eleitoral: os

demais artigos do Capitulo II do Titulo IV.

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98

Suzana de Camargo Gomes também apresenta uma proposta de

classificação dos crimes eleitorais, baseada em uma mescla de critérios, de forma

a tornar o estudo dos crimes pragmático. É proposta a seguinte classificação:

1. Crimes eleitorais concernentes à formação do corpo eleitoral;

2. Crimes eleitorais relativos à formação e funcionamento dos

partidos políticos;

3. Crimes eleitorais em matéria de inelegibilidades;

4. Crimes eleitorais concernentes à propaganda eleitoral;

5. Crimes eleitorais relativos à votação;

6. Crimes eleitorais pertinentes à garantia do resultado legítimo

das eleições

7. Crimes eleitorais relativos à organização e funcionamento dos

serviços eleitorais;

8. Crimes eleitorais contra a fé pública eleitoral.

Há dois projetos de leis que trariam alterações tanto no direito

eleitoral quanto especificamente na matéria relativa aos crimes eleitorais, e que

trazem já no seu corpo uma classificação dos crimes eleitorais. O primeiro deles é

o Projeto de Lei Complementar 195, que instituiria o Código do Poder de Sufrágio,

atualmente na Câmara dos Deputados, que traria no seu bojo, a seguinte divisão:

Dos crimes lesivos à autenticidade do poder de sufrágio;

Dos crimes lesivos à organização e ao funcionamento do poder de

sufrágio;

Dos crimes lesivos à liberdade de sufrágio;

Dos crimes lesivos à igualdade e ao respeito ético.

O segundo seria o projeto de Lei do Senado n.º 398 de 2005, que,

reformando o Código Eleitoral, faz a seguinte sistematização:

1. Dos crimes contra o alistamento eleitoral;

2. Dos crimes contra a propaganda e a campanha eleitoral;

3. Dos crimes contra o sufrágio universal;

4. Dos crimes contra a votação;

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5. Dos crimes contra a apuração e a contagem de votos;

6. Dos crimes contra a administração da Justiça Eleitoral.

Na opinião de Suzana de Camargo Gomes, a proposta de

classificação esboçada nesse projeto “revela-se altamente técnica e

adequada”.174 Realmente, nota-se a preocupação em sistematizar os delitos tanto

focando o bem jurídico protegido, quanto a sua ordem cronológica de ocorrência.

Há, como visto, mais de uma possibilidade de classificar os crimes

eleitorais, sendo as mais precisas aquelas que levam em consideração o objeto

jurídico protegido. As classificações, que levam em conta tanto os crimes

previstos no Código Eleitoral, quanto os crimes descritos nas leis esparsas,

facilitam o estudo do direito penal eleitoral.

Os princípios eleitorais merecem especial atenção pela lei penal, por

serem a base do sistema. Segundo Monica Herman Salen Caggiano, a maior

preocupação do legislador é com a proibição da fraude eleitoral.

“Não restam dúvidas de que o legislador, sensível à matéria,

procurou debruçar-se, com constante atenção, sobre o

problema da fraude. O que se busca, porém no campo

eleitoral, é coibir que a ação fraudulenta produza reflexos

concretos sobre o resultado da consulta, interferindo na

sinceridade e lisura a adornar o processo seletivo.”175

Observa-se, porém, que não é apenas a fraude a preocupação do

legislador, que atinge a lisura das eleições e o exercício do sufrágio, mas também

o abuso do poder econômico, como no caso dos crimes relativos aos gastos em

propaganda eleitoral.

A lei das eleições contém disposições específicas sobre o tema e

estabelece vários tipos penais, nos artigos 39, §5º, 40, 71 e no artigo 33, § 4º. Em

linhas gerais, todos cominam penas para descumprimento das regras de

174 GOMES, Suzana de Camargo. Op. Cit. pp. 65 à 76. 175 CAGGIANO, Mônica Herman Salem. Sistemas Eleitorais X Representação Política. São Paulo,

1987. p. 124.

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propaganda eleitoral, como a “boca de urna”, a utilização de símbolos, frases ou

imagens que façam referencia a órgãos do governo, empresa pública ou

sociedade de economia mista.

Aliás, como se verá adiante, o extenso elenco de tipos penais

incrimina condutas irregulares durante todo o processo eleitoral, da inscrição dos

eleitores à apuração. Das ofensas proferidas em razão das eleições à

propaganda irregular. Dos abusos às fraudes.

3.2.3 Penas cominadas

Não faz sentido um estudo da tutela penal de qualquer bem jurídico

apenas na análise das condutas incriminadas. É essencial uma breve análise a

respeito das penas criminais que são aplicadas para a violação do padrão de

conduta estabelecido.

“Convém registrar que a uma concepção de Estado

corresponde uma de pena, e a esta, uma de culpabilidade.

Destaque-se a utilização que o Estado faz do Direito Penal,

isto é, da pena, para facilitar e regulamentar a convivência

dos homens em sociedade. Apesar de existirem outras

formas de controle social – algumas mais sutis e difíceis de

limitar que o próprio Direito Penal – o Estado utiliza a pena

para proteger de eventuais lesões determinados bens

jurídicos, assim considerados, em uma organização

socioeconômica específica. Estado, pena e culpabilidade

formam conceitos dinâmicos inter-relacionados. (...)”176

A culpabilidade pode ser conceituada em três sentidos diferentes.

Primeiramente, como fundamento da pena, referindo-se à possibilidade de

aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico. Exige, para tanto,

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101

a verificação da capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e

exigibilidade da conduta. Também é vista como elemento de determinação da

pena, indicando o limite de sua aplicação. Por fim, pode ser vista como a

impossibilidade de responsabilização objetiva em direito penal.177

Sem a possibilidade responsabilização penal objetiva a análise da

culpabilidade de agente (nullum crimen sine culpa) é essencial para a imposição

(ou não) da sanção penal.

“(...) Vale dizer: só se pode intimidar o homem, com algum

proveito, com a ameaça de pena, de dor ou de sofrimento,

para que este deixe de praticar fatos indesejáveis, nocivos

ao semelhante, à tribo, à comunidade, à sociedade, quando

tais fatos indesejáveis são evitáveis, ou, por outras palavras,

quando esteja na esfera do indivíduo membro fazer ou não

fazer o que se quer evitar por meio da ameaça referida. Uma

pena cominada para um espirro (ato impulsivo automático),

para a sede (estímulo orgânico incontrolável), para o ódio ou

para algum tipo de aversão seria uma total inutilidade, além

de absurda.” 178

Aplicam-se, portanto, no âmbito dos crimes eleitorais, as

excludentes de culpabilidade: inimputabilidade, inexigibilidade de conduta diversa,

estado de necessidade exculpante, excesso de legítima defesa exculpante,

coação moral irresistível, caso fortuito, força maior, erro de proibição,

descriminantes putativas e obediência hierárquica (a ordem ilegítima)179

A definição de pena tradicionalmente se reporta à imposição de um

sofrimento pelo Estado em razão da infração penal.

“Para alguns, a pena é meramente aflitiva. Para outros,

constitui, exclusiva, precípua ou subsidiariamente, um meio

176 BITENCOURT, Cesar Roberto. Op. Cit. p. 80. 177 Idid p. 330-331. 178 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª ed. São Paulo, Saraiva,

2000. p. 218.

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102

para a obtenção de certos benefícios, quer para o

condenado, quer para a coletividade.”180

As teorias sobre a pena variam no entendimento de qual ou quais

seriam suas funções. Pode-se, a princípio listar três funções básicas apontadas

largamente pela doutrina, quer isoladamente, quer em combinações: retribuição,

prevenção geral e prevenção especial. Ao lado das teorias retributivas e

preventivas, também há a teoria da prevenção geral positiva, surgidas em razão

da necessidade de se eliminar as antinomias trazidas pelas teorias anteriores.

“A luta dos defensores das teorias retributivas e das teorias

preventivas teve como saldo as já mencionadas teorias

ecléticas ou unificadoras. Dessa unificação resultou como

conseqüência, dentre outras, deixar de considerar a pena

como uma exigência ética de justiça – conceito retributivo –,

transportando as finalidades da pena às teses

prevencionistas, na qual a idéia de retribuição aparece

apenas como um mero limite de mínimo e máximo. Nesse

sentido, é compreensível a atitude conciliatória de um Estado

Social e Democrático de Direito, cuja finalidade é a defesa

da sociedade através da prevenção jurídico-penal, e a

conveniência de estabelecer limites a tal participação

preventiva, em função da consideração do indivíduo em

particular e não da coletividade em geral.”

“No entanto, o choque entre princípios, idéias, finalidades e

fundamentos absolutamente distintos era inevitável. O que

poderia resultar aconselhável em termos de prevenção geral

poderia contrariar o princípio de culpabilidade ou de

proporcionalidade, e ambos poderiam, inclusive, colidir com

as previsões da prevenção especial. Os problemas

decorrentes de tudo isso se concretizam na hora da

179 Idid. p. 310 et seq. 180 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. vol 2, 4ª edição, 32ª Tiragem, São Paulo, Max

Limonad. p. 406

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103

cominação penal ou da determinação judicial e penitenciária

da pena.”181

As discussões sobre a missão do direito penal refletem diretamente

nas teorias da pena. Assim, a missão de proteção dos bens jurídicos (prevenção

negativa) se soma à expressão da opção de valores, em inegável função ética.182

Além disso, a pena deve também estar subordinada “aos limites do Direito Penal

do fato e da proporcionalidade” e somente imposta através de um “procedimento

cercado de todas as garantias jurídico-constitucionais.”183

Tem aplicação os princípios norteadores da pena, quais sejam:

pessoalidade (ou responsabilidade pessoal); legalidade; inderrogabilidade;

proporcionalidade; individualização da pena; humanidade.184

De acordo com o artigo 32 do Código Penal, após a reforma de

1984, são três as espécies de penas criminais: as privativas de liberdade,

restritivas de direitos e a multa. As três são aplicadas em sede de crimes

eleitorais, juntamente com as regras que regem cada uma dessas espécies de

pena.

“As normas que tipificam delitos eleitorais, em sua quase

totalidade, cominam penas privativas de liberdade para as

condutas criminosas ali descritas, mas isso não significa que

não possam ser aplicadas as penas restritivas de direitos.

Não podemos esquecer que as normas contidas no Código

Penal são aplicáveis às leis especiais que definem crimes,

sendo esta a situação das leis que tipificam os crimes

eleitorais. (...)”185

As penas restritivas de direitos podem ser, portanto, aplicadas em

substituição às penas privativas de liberdade. São elas: a prestação pecuniária, a

181 BITENCOURT. Op. Cit. 96 182 Vide nota 45. 183 BITENCOURT Op cit p. 100 184 NUCCI. Manual de Direito Penal. Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral

Parte Especial. 2 edição. São Paulo, RT, 2005. p. 365 185 GOMES, Suzana de Camargo. Op. Cit., p 82.

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perda de bens e valores, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades

públicas, a interdição temporária de direitos e a limitação de fim de semana.

Verdade é que não são todos os casos em que a pena restritiva de liberdade se

mostra como a mais adequada. E a aplicação das penas restritivas de direitos

permite a adequada punição dos infratores enquanto impede os malefícios que

decorrem do encarceramento.186

A respeito das penas privativas de liberdade, René Ariel Dotti traz a

seguinte observação:

“Foi através das fantasmagorias da execução e da

inutilidade das penas corporais, especialmente a pena de

morte, que o pensamento jurídico reformador concebeu a

perda da liberdade como fórmula de respeito à dignidade do

ser humano e de segurança comunitária.”

“Nos dias correntes, verifica-se que é também através dos

tormentosos meios de execução – agora referidos às penas

privativas de liberdade – que se desenham as penas

alternativas.”187

A legislação eleitoral também prevê a cassação do registro do

candidato no delito descrito no artigo 334 e a suspensão de sua atividade eleitoral

por prazo de seis a doze meses na hipótese descrita pelo artigo 336, parágrafo

único, ambos do Código Eleitoral.

Uma peculiaridade em relação às penas aplicadas ao direito eleitoral

são as previsões dos artigos 284 e 285, que impõem um mínimo legal “genérico”

no caso do tipo penal não determinar a pena mínima, mas apenas o grau máximo,

bem como indicam o quantum a pena agrava ou atenua no caso de omissão.

Essa situação não é incomum no preceito secundário dos tipos penais eleitorais.

186 Ibid. p. 83. 187 DOTTI, René. Op. Cit. p. 323.

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105

Art. 284. Sempre que este Código não indicar o grau

mínimo, entende-se que será ele de quinze dias para a pena

de detenção e de um ano para a de reclusão.

Art. 285. Quando a lei determina a agravação ou atenuação

da pena sem mencionar o "quantum", deve o juiz fixá-lo

entre um quinto e um terço, guardados os limites da pena

cominada ao crime.

A pena de multa no âmbito dos delitos eleitorais tem disciplina

própria, conforme disposto no artigo 286 do Código Eleitoral.

Art. 286. A pena de multa consiste no pagamento ao

Tesouro Nacional, de uma soma de dinheiro, que é fixada

em dias-multa. Seu montante é, no mínimo, 1 (um) dia-multa

e, no máximo, 300 (trezentos) dias-multa.

§ 1º O montante do dia-multa é fixado segundo o prudente

arbítrio do juiz, devendo este ter em conta as condições

pessoais e econômicas do condenado, mas não pode ser

inferior ao salário-mínimo diário da região, nem superior ao

valor de um salário-mínimo mensal.

§ 2º A multa pode ser aumentada até o triplo, embora não

possa exceder o máximo genérico caput, se o juiz considerar

que, em virtude da situação econômica do condenado, é

ineficaz a cominada, ainda que no máximo, ao crime de que

se trate.

Antes de iniciar a enumeração das condutas incriminadas, o Código

Eleitoral traz algumas disposições preliminares. A exemplo do que ocorre nos

crimes contra a administração pública previstos no Código Penal, o Código

Eleitoral conceitua funcionário público e membro da Justiça Eleitoral.

Art. 283. Para os efeitos penais são considerados membros

e funcionários da Justiça Eleitoral:

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106

I - os magistrados que, mesmo não exercendo funções

eleitorais, estejam presidindo Juntas Apuradoras ou se

encontrem no exercício de outra função por designação de

Tribunal Eleitoral;

II - Os cidadãos que temporariamente integram órgãos da

Justiça Eleitoral;

III - Os cidadãos que hajam sido nomeados para as mesas

receptoras ou Juntas Apuradoras;

IV - Os funcionários requisitados pela Justiça Eleitoral.

§ 1º Considera-se funcionário público, para os efeitos penais,

além dos indicados no presente artigo, quem, embora

transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo,

emprego ou função pública.

§ 2º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo,

emprego ou função em entidade paraestatal ou em

sociedade de economia mista.

A execução das penas privativas de liberdade compete ao Juízo das

Execuções Penais do Estado, conforme a súmula 192 do Superior Tribunal de

Justiça. Seguem todas as regras da execução criminal estabelecidas pela

legislação penal comum.188

188 “Habeas corpus. Prisão domiciliar. Inexistência de prova inequívoca de sua necessidade. 1. A

prisão domiciliar é de natureza extraordinária. Só deve ser concedida em situação excepcional, com demonstração inequívoca da sua necessidade para garantir tratamento à saúde de paciente portador de doença gravíssima. 2. Prestígio ao acórdão a quo que, com base nos fatos existentes nos autos, negou a ordem de habeas corpus. 3. Denegação da ordem. Liminar revogada.” (Ac. de 25.9.2006 no HC no 539, rel. Min. José Delgado.)

“Habeas corpus. Crime de desobediência (art. 347 do Código Eleitoral). Dosimetria. Fixação da pena acima do mínimo. Falta de fundamentação. Necessidade de indicação objetiva de eventuais circunstâncias favoráveis e desfavoráveis do art. 59 do Código Penal. Precedentes: STF e STJ. Evidenciado que não foram sopesadas todas as circunstâncias judiciais para a dosimetria da pena-base, tem-se que a simples referência a apenas uma delas é insuficiente para a exasperação da reprimenda. Prescrição antecipada. Reconhecida a exasperação na fixação da pena-base, qualquer que seja a redução importará na prescrição da pretensão punitiva. Habeas corpus concedido para anular a individualização da pena e declarar extinta a

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107

Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a

execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça

Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a

estabelecimentos sujeitos a administração estadual.

3.2.4 Condutas incriminadas

São previstos cerca de sessenta tipos penais incriminadores na

legislação penal eleitoral, mas apenas uma parcela destes é efetivamente

processada, razão pela qual não se estenderá este trabalho sobre o estudo dos

delitos eleitorais.

Não há a previsão de crimes eleitorais culposos. Todos os tipos

penais a seguir são dolosos e se exige, para a configuração de um crime eleitoral,

em boa parte dos casos, que se verifique no caso concreto a existência do dolo

específico.189

punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva”. (Ac. no 485, de 27.5.2004, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)

“Pena. Execução. Ante o princípio da não-culpabilidade – art. 5o, inciso LVII, da Constituição Federal – a execução de pena pressupõe o trânsito em julgado da decisão condenatória. Recurso da defesa. Parâmetros do pronunciamento do órgão revisor. Mandado de prisão. Descabe, sem recurso do estado-acusador, do Ministério Público, alterar o pronunciamento do juízo, no que condicionados os efeitos do decreto condenatório à preclusão na via recursal.” (Ac. no 495, de 7.4.2005, rel. Min. Marco Aurélio.)

189 CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. PREFEITO. CRIME ELEITORAL. INOCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. Não verificado o dolo específico da conduta típica descrita na lei eleitoral, não há que se falar na competência desta justiça especializada. In casu, não ficou evidenciado que as doações de bens realizadas pelo acusado condicionava-se à contraprestação de cunho eleitoral. Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. (STJ - CC 38.348/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14.03.2007, DJ 26.03.2007 p. 195)

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108

O Código Eleitoral estabelece nos artigos 289, 290190 e 291 três

modalidades relativas à inscrição fraudulenta de eleitor, diferenciadas pelo sujeito

ativo: se praticada pelo próprio eleitor, induzida e perpetrada por terceiro e a

inscrição fraudulenta efetuada pelo juiz. Entende-se que tanto a inscrição quanto

a transferência fraudulenta são punidas. Há quem admita o dolo genérico, sendo

encontradas decisões judiciais que consideram o delito do artigo 289, a exemplo

do que ocorre nos crimes previstos nos artigos 290 e 291.191

Os artigos seguintes, 292 a 293, se referem a obstáculos indevidos

apostos contra a inscrição do eleitor. O artigo 294192 foi revogado pela Lei nº

8.868 de 14 de abril de 1994. A retenção do título eleitoral contra a vontade do

eleitor é punida no artigo 295, que prevê pena de detenção até dois meses ou

pagamento de 30 a 60 dias-multa. Conforme Vinicius Cordeiro e Anderson

Claudino da Silva, o artigo 295 deveria ter sido expressamente revogado com a

edição da Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997.193

“Era hábito dos dirigentes políticos conservarem os títulos de

seus parentes, agregados, e das pessoas cujo alistamento

patrocinavam. Com a detenção do título assegurava-se a

continuidade do vínculo de dependência, levando a cada

eleitor à véspera ou no próprio momento do pleito, antes de

dirigir-se à sessão eleitoral, fosse pessoalmente receber as

cédulas dos candidatos que deviam ser sufragados.”

190 “Recurso em habeas corpus. Instauração de inquérito policial. Determinação. Juiz eleitoral. Art.

260 do Código Eleitoral. Apreensão de declarações. Finalidade eleitoral. Alistamento. Transferências eleitores. Configuração. Crime eleitoral em tese. (...)” NE: O art. 290 do Código Eleitoral “refere-se a induzir alguém, abrangendo a conduta de instigar, incitar ou auxiliar terceiro a alistar-se fraudulentamente, aproveitando-se de sua ingenuidade ou de sua ignorância”. (TSE - Ac. no 68, de 19.4.2005, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)

191 TRE-SP acórdãos nºs 67.206, 67.686, 95.255, 118.672 e 119.272 192 “Art. 294. Exercer o preparador atribuições fora da sede da localidade para a qual foi

designado: Pena - Pagamento de 15 a 30 dias-multa.” A figura do preparador eleitoral foi extinta em 1994.

193 CORDEIRO, Op. Cit. p. 116

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109

“A adoção da cédula oficial e, posteriormente, a vedação ao

transporte de eleitores contribuíram para o declínio dessa

prática anacrônica.”194

A Lei nº 9.504 de 30 de setembro de 1997 passou a punir, no artigo

91, a retenção de comprovante de alistamento eleitoral ou de título eleitoral. Neste

caso, trata-se de crime próprio, cujo sujeito ativo são os servidores responsáveis

pela entrega desses documentos e que os retenham de forma dolosa.

O tipo penal do artigo 296 pune a conduta de promover desordem

que prejudique os trabalhos eleitorais, e, conforme entendimento do Tribunal

Regional Eleitoral de São Paulo, entende que há necessidade de prejuízo. Neste

caso, o dolo seria genérico, sem graduação do efeito no que se refere à

intensidade da desordem.195 O artigo 297 trata do impedimento ou embaraço do

exercício do sufrágio. Não basta o mero incentivo a não votar, devendo existir

uma ação efetivamente tendente a embaraçar ou impedir o voto.

O artigo 298 prevê como crime o ato de “prender ou deter eleitor,

membro de mesa receptora, fiscal, delegado de partido ou candidato, com

violação do disposto no art. 236.” O artigo 236 dispõe:

Art. 236. Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias

antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do

encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor,

salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal

condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por

desrespeito a salvo-conduto.

§ 1º Os membros das mesas receptoras e os fiscais de

partido, durante o exercício de suas funções, não poderão

ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito; da

mesma garantia gozarão os candidatos desde 15 (quinze)

dias antes da eleição.

194 RIBEIRO, Fávila. Op Cit p. 589 195 CORDEIRO. Op cit. p. 119

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110

§ 2º Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente

conduzido à presença do juiz competente que, se verificar a

ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a

responsabilidade do coator.

Dessa forma, o eleitor somente poderá ser preso, desde

cinco dias antes até quarenta e oito horas depois do

encerramento da eleição, se caracterizada a flagrância

delitiva, ou ainda, na hipótese de sentença criminal

condenatória por crime inafiançável, ou ainda, por

desrespeito a salvo-conduto.196

A corrupção eleitoral é prevista no artigo 299, que tipifica a seguinte

conduta: “Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem,

dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para

conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita. Pena:

reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.”

Esse tipo penal fere frontalmente a liberdade do voto. Distingue-se

dos crimes de corrupção previstos no Código Penal, que abrangem tanto a

corrupção passiva quanto a ativa.

A vantagem oferecida em troca de voto consiste, via de regra, em

cestas básicas de alimento, material básico de construção, gasolina, receitas

médicas ou remédios197. Quem aceita vantagem dessa natureza normalmente

está em desvantagem econômica. Mas tal fato não foi diferenciado pelo legislador

na imputação das penas abstratas, que é a mesma para ambos.198

196 GOMES, Suzana. Op Cit. p. 233 197 “Habeas corpus. Trancamento. Inquérito policial. Requisição. Juiz eleitoral. Apuração.

Distribuição de próteses dentárias. Crime. Corrupção eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. (...) 1. A prática do crime capitulado no art. 299 do Código Eleitoral pode ser cometido inclusive por quem não seja candidato, uma vez que basta, para a configuração desse tipo penal, que a vantagem oferecida esteja vinculada à obtenção de votos. 2. Para analisar a alegação de supostos vícios na busca e apreensão ocorrida, que embasou o pedido de requisição para instauração de inquérito policial, é necessário o exame aprofundado das provas, o que não é possível em habeas corpus. Recurso improvido”. (TSE - Ac. no 65, de 11.5.2004, rel. Min. Fernando Neves.)

198 “Recurso ordinário. Habeas corpus. Ordem denegada. Corrupção eleitoral. Abolitio criminis. Não-ocorrência. Prescrição. Afastada. Sursis processual. Art. 89 da Lei no 9.099/95. Não-

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111

À primeira vista, qualquer forma de corrupção ativa ou

passiva, havendo potencialidade de lesão ou “possibilidade

de dano real” (Magalhães Noronha) ao pleito, sendo de

consumação imediata (Fávila Ribeiro) leva a constatação do

ilícito – a jurisprudência do TSE, porém, entende pela

necessidade de se estabelecer o nexo causal entre a

corrupção e o resultado eleitoral concreto, fato que

impulsionou o movimento de se aprovar o atual artigo 41-A

da lei das eleições, introduzido pela Lei 9.840.199

Com a inserção do artigo 41-A na Lei das Eleições pela Lei nº 9.840,

de 28/9/1999, sendo o candidato o autor da corrupção eleitoral, também estará

sujeito a multa bem como a cassação do registro, ou do diploma, se já eleito ou

diplomado.

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos,

constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o

candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor,

com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de

qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública,

desde o registro da candidatura até o dia da eleição,

inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e

cassação do registro ou do diploma, observado o

procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64,

de 18 de maio de 1990.

Os delitos dos artigos 300 e 301 tratam do uso da violência física ou

da coação moral, para alterar o voto do eleitor. No primeiro caso, o crime é

próprio, praticado por servidor público ou, no caso do servidor pertencer à justiça

eleitoral, a pena é agravada.

incidência. O art. 41-A da Lei no 9.504/97 não alterou a disciplina do art. 299 do Código Eleitoral, no que permanece o crime de corrupção eleitoral incólume. (...)” NE: “Em verdade, responderá pelo art. 299 do Código Eleitoral tanto o candidato quanto qualquer pessoa que praticar as figuras típicas ali descritas. A diferença é que o candidato infrator também estará sujeito às sanções de multa e cassação do registro ou diploma a que alude o art. 41-A,

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112

O artigo 302, conhecido como concentração de eleitores, incrimina a

promoção de concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o

fornecimento gratuito de alimento e transporte coletivo, no dia da eleição, com o

fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto. Imputa a pena de

reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa. A previsão

anterior era de detenção de até dois anos e pagamento de 200 a 300 dias-

multa.200 A concentração de eleitores deve ter uma das finalidades descritas no

tipo penal, isto é, impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto.

O crime previsto no artigo 303 prevê a punição em razão da

majoração dos preços de utilidades e serviços necessários à realização de

eleições, tais como transporte e alimentação de eleitores, impressão, publicidade

e divulgação de matéria eleitoral. Objetiva, portanto, conter a especulação dos

serviços e atividades econômicas que naturalmente se intensificam com o

processo eleitoral.

Os responsáveis pelos serviços descritos no caput do artigo 304 são

os sujeitos ativos do crime ali descrito.

Art. 304. Ocultar, sonegar, açambarcar ou recusar no dia da

eleição o fornecimento, normalmente a todos, de utilidades,

alimentação e meios de transporte, ou conceder

exclusividade dos mesmos a determinado partido ou

candidato:

Pena - pagamento de 250 a 300 dias-multa.

devidamente apurado mediante a realização do procedimento previsto no art. 22 da Lei no 64/90.” (TSE - Ac. no 81, de 3.5.2005, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)

199 CORDEIRO, Op. Cit. p. 122 200 “Crime. Condenação. (...) Autoria e materialidade. Dosimetria de pena. Análise.

Correspondência. Prova dos autos. Exame. Inadmissibilidade. Reexame de prova. Vedação. (...) Concentração de eleitores. Art. 302 do Código Eleitoral. Revogação. Parte final do dispositivo (...) 3. O exame das alegações de não-comprovação de autoria e materialidade, bem como da análise da correspondência dos fundamentos da dosimetria da pena com as provas dos autos, exige o reexame do conjunto fático-probatório, o que é inadmissível em sede de recurso especial (...). 5. O dispositivo que tipifica a concentração ilegal de eleitores (art. 302 do Código Eleitoral) teve somente revogada a sua parte final pelo disposto no art. 11, inciso III, da Lei no 6.091/74. (...)” (TSE - Ac. no 21.401, de 13.4.2004, rel. Min. Fernando Neves.)

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As condutas dos artigos 305201 e 306 são relativas a condutas

vedadas durante a votação. Já o artigo 307 visa a punição da fraude eleitoral,

incriminando o fornecimento de cédula oficial já assinada ou marcada. A

semelhança do artigo 307, o artigo 308 pune o fornecimento ou a rubrica em

cédula oficial em momento diverso à entrega desta ao eleitor.202 A ocorrência

desses delitos só será possível no caso da votação convencional, admitindo

tentativa. No caso do eleitor verificar irregularidade na cédula de votação, poderá

requerer outra.

O código eleitoral também incrimina, nos artigos que se seguem,

outras graves irregularidades relativas ao exercício do voto, como a votação

múltipla (artigo 309), o cometimento de irregularidades pela mesa receptora

determinantes da anulação do voto (artigo 310), votação em sessão diversa da

que o eleitor está inscrito fora das hipóteses legais (artigo 311). O sigilo do voto

serve ao resguardo de sua liberdade, assim, a sua violação é crime previsto no

artigo 312. A violação do sigilo, não do voto em si, mas das urnas de apuração,

também é crime, previsto no artigo 317.

Para resguardar a regularidade da votação, também foi considerada

necessária de criminalização a conduta de não receber ou não mencionar nas

atas da eleição ou da apuração os protestos devidamente formulados ou deixar

de remetê-los à instância superior.

Os delito dos artigos 313 e 314 do Código Eleitoral são crimes

próprios, praticados pelos sujeitos ativos indicados. Ao lado do delito do artigo

318 e dos delitos descritos pelos artigos 68 e 72 da Lei 9.504/97 violam a garantia

do resultado legítimo das eleições.

201 “Entretanto, qualquer intromissão de autoridades estranhas aos trabalhos da mesa receptora,

que não sejam aquelas que a constituem, o próprio juiz eleitoral ou outras que estejam autorizadas legalmente ali atuar, caracteriza o delito em questão. (...)” (GOMES, Suzana Camargo. Op Cit p. 267)

202 Art. 305. Intervir autoridade estranha à mesa receptora, salvo o juiz eleitoral, no seu funcionamento sob qualquer pretexto: Pena - detenção até seis meses e pagamento de 60 a 90 dias-multa.

Art. 306. Não observar a ordem em que os eleitores devem ser chamados a votar: Pena - pagamento de 15 a 30 dias-multa.

Art. 307. Fornecer ao eleitor cédula oficial já assinalada ou por qualquer forma marcada: Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

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O artigo 315, antes conhecido como “mapismo” prevê a alteração

nos mapas ou nos boletins de apuração a votação obtida por qualquer candidato

ou lançar nesses documentos votação que não corresponda às cédulas apuradas.

Em razão da utilização das urnas eletrônicas, e conseqüentes boletins impressos

pelas próprias máquinas, a conduta passou a ser prevista pelo artigo 72 da Lei

9.504/97.203

Os delitos dos artigos 319, 320 e 321 visam impedir a subscrição

irregular dos eleitores em partidos políticos.204 Os partidos políticos, ao lançarem

candidaturas e defenderem idéias, devem atender aos interesses do povo e das

instituições democráticas, sendo a autenticidade e legitimidade alvo da tutela

penal.

Ao lado desses tipos penais específicos, os artigos 338205 e 346206

também visam preservar o regular desenvolvimento e exercício das funções

partidárias.

O crime descrito no artigo 323 do Código Eleitoral visa proteger o

eleitorado contra a propaganda enganosa, punindo a divulgação de fatos

Art. 308. Rubricar e fornecer a cédula oficial em outra oportunidade que não a de entrega da

mesma ao eleitor. Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 60 a 90 dias-multa. 203 CORDEIRO. p. 142 204 Art. 319. Subscrever o eleitor mais de uma ficha de registro de um ou mais partidos: Pena -

detenção até 1 mês ou pagamento de 10 a 30 dias-multa. Art. 320. Inscrever-se o eleitor, simultaneamente, em dois ou mais partidos: Pena - pagamento de

10 a 20 dias-multa. Art. 321. Colher a assinatura do eleitor em mais de uma ficha de registro de partido: Pena -

detenção até dois meses ou pagamento de 20 a 40 dias-multa. 205 Art. 338. Não assegurar o funcionário postal a prioridade prevista no Art. 239: Pena - Pagamento de 30 a 60 dias-multa. 206 Art. 346. Violar o disposto no Art. 377: Pena - detenção até seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa. Parágrafo único. Incorrerão na pena, além da autoridade responsável, os servidores que

prestarem serviços e os candidatos, membros ou diretores de partido que derem causa à infração.

Art. 377. O serviço de qualquer repartição, federal, estadual, municipal, autarquia, fundação do Estado, sociedade de economia mista, entidade mantida ou subvencionada pelo poder público, ou que realiza contrato com este, inclusive o respectivo prédio e suas dependências, não poderá ser utilizado para beneficiar partido ou organização de caráter político.

Parágrafo único. O disposto neste artigo será tornado efetivo, a qualquer tempo, pelo órgão competente da Justiça Eleitoral, conforme o âmbito nacional, regional ou municipal do órgão infrator mediante representação fundamentada partidário, ou de qualquer eleitor.

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inverídicos. 207 No entanto, não é a divulgação de qualquer fato inverídico que

consuma o crime, mas daqueles capazes de influenciar o eleitorado.

É muito freqüente a ocorrência de crimes contra a honra208, em

razão mesma da competição eleitoral, onde os limites relativos ao uso da

linguagem, que acaba por atingir a individualidade dos candidatos, e a ânsia de

subtrair votos dos adversários políticos, revelam-se tênues, quando não

inexistentes. A única diferença entre esses delitos e os contra a honra previstos

no direito penal comum, refere-se à finalidade de agir do agente, que atinge tanto

a pessoa, ou partido e o interesse do Estado em manter a uma competição

eleitoral livre, igual e leal como condição inerente ao regime democrático.209

207 Art. 323. Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inveridicos, em relação a partidos ou

candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado: Pena - detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa. Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido pela imprensa, rádio ou televisão. 208 Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-

lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa. § 1° Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. § 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas não é admitida: I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II - se o fato é imputado ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro; III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa. Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa. § 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - se o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. § 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou meio empregado, se considerem aviltantes: Pena - detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 20 dias-multa, além das penas correspondentes à violência prevista no Código Penal.

Art. 327. As penas cominadas nos artigos. 324, 325 e 326, aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I - contra o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro; II - contra funcionário público, em razão de suas funções; III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa.

209 PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A HONRA. OFENSA PROFERIDA FORA DO PERÍODO DE PROPAGANDA ELEITORAL. CRIME ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. 1. Os crimes contra a honra prescritos no Código Eleitoral exigem finalidade eleitoral para que restem configurados. 2. Sendo o eventual crime contra a honra praticado fora do período de propaganda eleitoral, resta afastada a figura típica especial do Código Eleitoral e subsiste o tipo penal previsto no Código Penal, se for o caso. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, suscitado. (STJ - CC 79.872/BA, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26.09.2007, DJ 25.10.2007 p. 123)

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Para a configuração da calúnia eleitoral é exigida, da mesma forma

que no crime de calúnia previsto no Código Penal, que a ofensa não tenha caráter

genérico, mas se refira a fato determinado210, como exemplificado pelo julgado

abaixo:

“Ação penal. Crimes contra a honra. Decisão regional.

Procedência parcial. Recurso especial. Alegação. Violação.

Art. 324 do Código Eleitoral. Calúnia. Não-configuração.

Imputação. Ausência. Fato determinado. 1. A ofensa de

caráter genérico, sem indicação de circunstâncias a mostrar

fato específico e determinado, não caracteriza o crime de

calúnia previsto no art. 324 do Código Eleitoral. (...)” (Ac. de

31.10.2006 no AgRgREspe no 25.583, rel. Min. Caputo

Bastos.)

Os crimes dos artigos 331, 332, 334, 335 e 337 do Código Eleitoral

também se referem à propaganda eleitoral, visando mantê-la dentro dos padrões

éticos, a fim de não macularem a liberdade de pensamento do eleitor.211

210 “Ação penal. Condenação. Calúnia. Art. 324 do Código Eleitoral. Nota. Jornal. Fato. Afirmação

genérica. Não-caracterização. Divulgação de fato inverídico ou difamação. Enquadramento. Impossibilidade. Prescrição da pena em abstrato. 1. A afirmação genérica não é apta a configurar o crime de calúnia, previsto no art. 324 do Código Eleitoral, sendo exigida, para a caracterização desse tipo penal, a imputação de um fato determinado que possa ser definido como crime. 2. Impossibilidade de se enquadrar o fato nos tipos previstos nos arts. 323 do Código Eleitoral, que se refere à divulgação de fato inverídico, ou art. 325 do mesmo diploma, que diz respeito ao crime de difamação, em face da ocorrência da prescrição pela pena em abstrato para esses delitos. Recurso especial provido a fim de declarar extinta a punibilidade.” (Ac. no 21.396, de 19.2.2004, rel. Min. Peçanha Martins, red. designado Fernando Neves.)

211 Art. 331. Inutilizar, alterar ou perturbar meio de propaganda devidamente empregado: Pena - detenção até seis meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa. Art. 332. Impedir o exercício de propaganda: Pena - detenção até seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa. Art. 334. Utilizar organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios

para propaganda ou aliciamento de eleitores: Pena - detenção de seis meses a um ano e cassação do registro se o responsável fôr candidato. Art. 335. Fazer propaganda, qualquer que seja a sua forma, em língua estrangeira: Pena - detenção de três a seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa. Parágrafo único. Além da pena cominada, a infração ao presente artigo importa na apreensão e

perda do material utilizado na propaganda. Art. 337. Participar, o estrangeiro ou brasileiro que não estiver no gôzo dos seus direitos políticos,

de atividades partidárias inclusive comícios e atos de propaganda em recintos fechados ou abertos:

Pena - detenção até seis meses e pagamento de 90 a 120 dias-multa.

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117

Somam-se a esses os delitos da Lei 9.504/97, nos artigos 39, § 5º, I

e II e 40.212 Observa-se que, no que se refere à propaganda eleitoral, há

constantes alterações sobre o que é ou não permitido. A cada eleição é aplicada

uma legislação específica. A Lei nº 11.300 de 10 de maio de 2006 fez diversas

alterações no que se refere à propaganda eleitoral, proibindo formas de

divulgação antes permitidas aos candidatos. Algumas práticas, como a entrega de

brindes de pequeno valor, voltaram a ser proibidas com as alterações da nova

lei.213

Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá o responsável pelas emissoras de rádio ou televisão

que autorizar transmissões de que participem os mencionados neste artigo, bem como o diretor de jornal que lhes divulgar os pronunciamentos.

212 PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO. BOCA DE URNA. CRIME PREVISTO NO ART. 39, § 5º, DA LEI 9.504/97. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL. - A Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar crimes eleitorais. - O crime do art. 39, § 5º, da Lei 9.504/97- propaganda eleitoral irregular - se integra na competência da justiça eleitoral. - Conflito conhecido. Competência da Justiça Eleitoral. (TSE - CC 37.527/SC, Rel. Ministro VICENTE LEAL, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12.02.2003, DJ 10.03.2003 p. 86)

213 A redação atual dos artigos referidos passou a ser a seguinte: Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou

fechado, não depende de licença da polícia. § 1º O candidato, partido ou coligação promotora do ato fará a devida comunicação à autoridade

policial em, no mínimo, vinte e quatro horas antes de sua realização, a fim de que esta lhe garanta, segundo a prioridade do aviso, o direito contra quem tencione usar o local no mesmo dia e horário.

§ 2º A autoridade policial tomará as providências necessárias à garantia da realização do ato e ao funcionamento do tráfego e dos serviços públicos que o evento possa afetar.

§ 3º O funcionamento de alto-falantes ou amplificadores de som, ressalvada a hipótese contemplada no parágrafo seguinte, somente é permitido entre as oito e as vinte e duas horas, sendo vedados a instalação e o uso daqueles equipamentos em distância inferior a duzentos metros:

I - das sedes dos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das sedes dos Tribunais Judiciais, e dos quartéis e outros estabelecimentos militares;

II - dos hospitais e casas de saúde; III - das escolas, bibliotecas públicas, igrejas e teatros, quando em funcionamento. § 4o A realização de comícios e a utilização de aparelhagem de sonorização fixa são permitidas

no horário compreendido entre as 8 (oito) e as 24 (vinte e quatro) horas. (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

I - o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata; II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna; (Redação dada pela Lei nº

11.300, de 2006) III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos,

mediante publicações, cartazes, camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

§ 6o É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

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A Lei 11.300/06 também previa, em seu texto original, a inserção do

artigo 40-A, que incriminava a imputação falsa de conduta vedada pela Lei

9.504/97, sujeitando o infrator às mesmas sanções previstas para as condutas

falsamente imputadas. A alteração sofreu veto presidencial, pelas seguintes

razões:

Razões do veto

“A proposta, além de criar a possibilidade de se punir

alguém com as penas de um crime eleitoral sem que o autor

tenha qualquer atividade eleitoral direta, é evidentemente

desproporcional, posto que a pena aplicável não se

relaciona ao fato objetivamente cometido – imputar

falsamente a outrem conduta vedada naquela lei. Tal

situação não pode se sustentar frente ao atual sistema

jurídico-penal brasileiro, que se configura como um direito

penal do fato. Com efeito, a adequação de uma conduta à

figura típica descrita no preceito legal é a causa de

aplicabilidade da pena, sucedendo-se, pois, a sanção

cabível. A sanção deve ser estabelecida pela própria norma

criminalizadora, como forma de individualizá-la, e nunca

variar de acordo com elementos alheios à própria conduta

descrita pelo tipo.”

“A sistemática adotada não se coaduna com a exigência do

art. 5o, inciso XXXIX, da Constituição ‘não há crime sem lei

§ 7o É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de

candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

§ 8o É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, coligações e candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de 5.000 (cinco mil) a 15.000 (quinze mil) UFIRs. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

Art. 40. O uso, na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista constitui crime, punível com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.

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anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação

legal’, pois não especifica a pena aplicável à conduta.”

O artigo 337 do Código Eleitoral impõe ao diretório a penalidade de

suspensão de sua atividade eleitoral por prazo de seis a doze meses, agravada

até o dobro na reincidência, aplicada pelo juiz criminal no caso de verificada

concorrência dos membros dos partidos com as condutas delituosas nele

indicadas.

Segundo Suzana de Camargo Gomes, trata-se de norma penal que

consagra a responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que é avançado para a

época em que o Código foi aprovado.214

A legislação eleitoral também prevê, nos artigos 33, § 4º, 34, § 5º e

35 da Lei 9.504/97 a criminalização de irregularidades nas pesquisas eleitorais,

como a pesquisa fraudulenta, a publicação irregular dos dados obtidos nas

pesquisas e, igualmente, qualquer forma de impedir o acesso dos partidos ao

exame das pesquisas.

Os trabalhos eleitorais também são objeto da tutela penal com a

criminalização da conduta de destruir, suprimir ou ocultar urna contendo votos, ou

documentos relativos à eleição, prevista no artigo 339 do Código Eleitoral bem

como objeto de tutela a incolumidade das urnas e dos votos depositados.

A organização e o funcionamento dos serviços eleitorais, de acordo

com a classificação proposta por Suzana de Camargo Gomes, também é tutelada

pelas previsões dos delitos dos artigos 340, 341, 342, 343, 344, 345 e 347 do

Código Eleitoral.215

214 GOMES, Suzana. 215 Art. 340. Fabricar, mandar fabricar, adquirir, fornecer, ainda que gratuitamente, subtrair ou

guardar urnas, objetos, mapas, cédulas ou papéis de uso exclusivo da Justiça Eleitoral: Pena - reclusão até três anos e pagamento de 3 a 15 dias-multa. Parágrafo único. Se o agente é membro ou funcionário da Justiça Eleitoral e comete o crime

prevalecendo-se do cargo, a pena é agravada. Art. 341. Retardar a publicação ou não publicar, o diretor ou qualquer outro funcionário de órgão

oficial federal, estadual, ou municipal, as decisões, citações ou intimações da Justiça Eleitoral: Pena - detenção até um mês ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.

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Os delitos de falso também merecem atenção. A falsidade material e

a ideológica, e o uso de documento falso são diferenciados do direito penal

comum apenas pela existência da finalidade eleitoral. O conceito de documento

abrange papéis, filme cinematográfico, fotografia, disco e fita, sempre que

incorporar declaração ou imagem destinada à prova de fato juridicamente

relevante. Esses delitos referem-se aos documentos em geral, não se incluindo

aqui a falsidade nos boletins e mapas de apuração, que têm capitulação

própria.216

Entende-se que o delito do artigo 350 seja crime formal, sendo o

objeto de tutela não a autenticidade dos documentos, mas a veracidade das

informações nele contidas.217

Art. 342. Não apresentar o órgão do Ministério Público, no prazo legal, denúncia ou deixar de

promover a execução de sentença condenatória: Pena - detenção até dois meses ou pagamento de 60 a 90 dias-multa. Art. 343. Não cumprir o juiz o disposto no § 3º do Art. 357: Pena - detenção até dois meses ou pagamento de 60 a 90 dias-multa. Art. 344. Recusar ou abandonar o serviço eleitoral sem justa causa: Pena - detenção até dois meses ou pagamento de 90 a 120 dias-multa. Art. 345. Não cumprir a autoridade judiciária, ou qualquer funcionário dos órgãos da Justiça

Eleitoral, nos prazos legais, os deveres impostos por este Código, se a infração não estiver sujeita a outra penalidade:

Pena - pagamento de trinta a noventa dias-multa. Art. 347. Recusar alguém cumprimento ou obediência a diligências, ordens ou instruções da

Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua execução: Pena - detenção de três meses a um ano e pagamento de 10 a 20 dias-multa. 216 Art. 348. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público

verdadeiro, para fins eleitorais: Pena - reclusão de dois a seis anos e pagamento de 15 a 30 dias-multa. § 1º Se o agente é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo, a pena é

agravada. § 2º Para os efeitos penais, equipara-se a documento público o emanado de entidade paraestatal

inclusive Fundação do Estado. Art. 349. Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular

verdadeiro, para fins eleitorais: Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa. Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dêle devia constar, ou nele

inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e

reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular. Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime

prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.

217 “(...) Transferência eleitoral. Declaração. Terceiro. Falsidade. 1. A jurisprudência do TSE entende que ‘para a adequação do tipo penal previsto no art. 350 do Código Eleitoral é necessário que a declaração falsa prestada para fins eleitorais seja firmada pelo próprio eleitor interessado, e não por terceiro’ (REspe no 15.033/GO, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 24.10.97). (...)” (Ac. de 2.5.2006 no REspe no 25.417, rel. Min. José Delgado.)

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“Falsidade documental. Prestação de contas. Arts. 350 do

Código Eleitoral e 20 e 21 da Lei no 9.504/97. O crime

formal do art. 350 do Código Eleitoral, presente a prestação

de contas regida pela Lei no 9.504/97, pressupõe ato

omissivo ou comissivo do agente, ou seja, haver subscrito o

documento no qual omitida declaração ou inserida

declaração falsa ou diversa da que deveria constar.” (Ac. no

482, de 17.6.2004, rel. Min. Luiz Carlos Madeira, rel.

designado Min. Marco Aurélio.)

Os demais delitos relativos às falsidades cometidas durante o

processo eleitoral estão previstos nos artigos 352, 353 e 354.218 A norma do artigo

351 conceitua documento para fins penais. Hoje existem outras formas de

documento não relacionadas no artigo.

A esses delitos previstos pelo Código Eleitoral e a Lei das Eleições,

e suas alterações posteriores, somam-se os crimes da Lei 6.091 de 15 de agosto

de 1974, que trata do transporte e alimentação dos eleitores em dia de votação.219

“Habeas corpus. Recurso ordinário. Trancamento. Ação penal. Falsidade ideológica. Indícios.

Materialidade e autoria. 1. O tipo do art. 350 do Código Eleitoral pressupõe que o agente, ao emitir documento, omita declaração que devesse dele constar ou insira declaração falsa. (...)” (Ac. de 11.4.2006 no RHC no 95, rel. Min. Caputo Bastos.)

218 Art. 351. Equipara-se a documento (348, 349 e 350) para os efeitos penais, a fotografia, o filme cinematográfico, o disco fonográfico ou fita de ditafone a que se incorpore declaração ou imagem destinada à prova de fato juridicamente relevante.

Art. 352. Reconhecer, como verdadeira, no exercício da função pública, firma ou letra que o não seja, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Art. 353. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados, a que se referem os artigos. 348 a 352:

Pena - a cominada à falsificação ou à alteração. Art. 354. Obter, para uso próprio ou de outrem, documento público ou particular, material ou

ideologicamente falso para fins eleitorais: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração. 219 Art. 11 - Constitui crime eleitoral: I - descumprir, o responsável por órgão, repartição ou unidade do serviço público, o dever imposto

no Art. 3, ou prestar informação inexata que vise a elidir, total ou parcialmente, a contribuição de que ele trata:

Pena - detenção de quinze dias a seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa; II - desatender à requisição de que trata o Art. 2: Pena - pagamento de 200 a 300 dias-multa, além da apreensão do veículo para o fim previsto; III - descumprir a proibição dos artigos 5, 8 e 10: Pena - reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias multa (Art. 302 do Código

Eleitoral);

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Para a configuração do crime descrito no artigo 11 e incisos, é

necessária a comprovação de dolo específico, a fim de influenciar, captar ou

constranger a liberdade dos eleitores transportados. 220

A Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990, posteriormente

alterada pela Lei Complementar nº 81 de 13 de abril de 1994, conhecida como Lei

das Inelegibilidades, revogou expressamente a Lei Complementar nº 5, de 29 de

abril de 1970. No seu artigo 25, repete o disposto no artigo 22 da lei revogada,

prevendo a seguinte conduta como crime eleitoral:

Art. 25. Constitui crime eleitoral a argüição de inelegibilidade,

ou a impugnação de registro de candidato feito por

interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder

de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta

má-fé:

Pena: detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa

de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) vezes o valor do Bônus do

Tesouro Nacional (BTN) e, no caso de sua extinção, de título

público que o substitua.

IV - obstar, por qualquer forma, a prestação dos serviços previstos nos artigos 4 e 8 desta Lei,

atribuídos à Justiça Eleitoral: Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos; V - utilizar em campanha eleitoral, no decurso dos 90 (noventa) dias que antecedem o pleito,

veículos e embarcações pertencentes à União, Estados, Territórios, Municípios e respectivas autarquias e sociedades de economia mista:

Pena - cancelamento do registro do candidato ou de seu diploma, se já houver sido proclamado eleito.

Parágrafo único. O responsável, pela guarda do veículo ou da embarcação, será punido com a pena de detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e pagamento de 60 (sessenta) a 100 (cem) dias-multa.

220 “(...) Transporte de eleitores. Dolo específico. Não-comprovação. Lei no 6.091/74, arts. 5o e 11. Código Eleitoral, art. 302. Para a configuração do crime previsto no art. 11, III, da Lei no 6.091/74, há a necessidade de o transporte ser praticado com o fim explícito de aliciar eleitores. (...)” (Ac. no 21.641, de 19.5.2005, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)

“Habeas corpus. Crime capitulado no art. 11, III, da Lei no 6.091/74. (...) Sentença transita em julgado. (...) Incompetência da Justiça Eleitoral. Afastada. Atipicidade da conduta. Alegação isolada e em descompasso com as provas colhidas ao longo da instrução criminal. Ordem denegada.” NE: “Paciente foi preso em flagrante quando transportava eleitores gratuitamente no dia do pleito (...). Constatou-se ainda que o paciente portava a quantia de R$300,00 (trezentos reais) em notas de R$10,00 (dez reais) e material de campanha pertencente a seu pai, candidato a vereador naquele pleito”. (Ac. no 478, de 16.12.2003, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)

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A argüição da inexigibilidade deve ser, portanto, feita com

embasamento fático e legal, sendo que a propositura da ação temerária, neste

caso, agindo por razões escusas, foi considerada repulsiva e merecedora de

penalidade criminal.

3.3 Processo penal eleitoral

A persecução penal no caso dos delitos eleitorais tem algumas

peculiaridades em relação ao procedimento comum. Não há uma legislação

processual codificada específica para o processamento das ações penais

referentes aos crimes eleitorais ou outras infrações de natureza análoga. No

entanto, o Código Eleitoral contém diversas normas processuais.

Mas não é só o Código Eleitoral que contém disposições

processuais. A Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 define regras

específicas para a investigação judicial para apurar fatos relativos a abuso ou

desvio de poder econômico ou de autoridade, utilização indevida de meios de

comunicação social para beneficiar candidato ou partido. É prevista também a

instauração de processo penal decorrente das apurações realizadas.221

Subsidiariamente às regras especificas, aplicam-se as normas do

Código de Processo Penal,222 sendo dispensável lembrar a observância

obrigatória das previsões constitucionais referentes às garantias do processo.223

221 COSTA, Tito. Op. Cit. p. 193 222 “Embargos infringentes e de nulidade. Justiça Eleitoral. Admissibilidade. Art. 609, parágrafo

único, Código de Processo Penal. Aplicação subsidiária. Art. 364 do Código Eleitoral. Recurso. Exclusividade. Defesa. 1. Os embargos infringentes e de nulidade constituem recurso criminal dirigido ao próprio Tribunal que proferiu a decisão, têm nítido caráter ofensivo e de retratação e buscam a reforma do julgado embargado pelo voto vencido favorável ao acusado. 2. Ainda que as cortes regionais eleitorais sejam órgãos que não se fracionam em turmas, câmaras ou seções, não há exceção prevista no art. 609 do CPP, no sentido de não serem cabíveis os embargos infringentes e de nulidade contra decisão do Pleno do próprio Tribunal. 3. Conquanto no Código Eleitoral haja a previsão de um sistema processual especial para apuração dos crimes eleitorais, que prestigia a celeridade no processo e julgamento desses delitos, essa mesma celeridade não pode ser invocada para negar ao réu o direito de interpor um recurso

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Diante dessas peculiaridades, considera-se importante analisar os

aspectos singulares do processo penal eleitoral.

3.3.1 A competência penal da Justiça Eleitoral

A regra geral é que de os juízes eleitorais de primeira instância tem

competência para julgar os crimes eleitorais e os crimes comuns conexos, ou

seja, aqueles expressamente previstos como crimes eleitorais bem como os

crimes a eles conexos.224 Os crimes cometidos contra juiz eleitoral são julgados

pela Justiça Federal, e não pela Justiça Eleitoral.225

exclusivo, que a lei lhe assegura, previsto apenas para situações em que haja divergência na Corte Regional. (...)” (Ac. no 4.590, de 17.6.2004, rel. Min. Fernando Neves.)

223 “(...) Denúncia. Condenação. Aliciamento. Eleitor. Fornecimento. Transporte. Art. 11, III, da Lei no 6.091/74 c.c. o art. 29, caput, do Código Penal. (...) I – A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia (Súmula-STJ no 234).” (Ac. no 4.723, de 17.8.2004, rel. Min. Peçanha Martins.)

224 CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A HONRA PRATICADO EM DETRIMENTO DE PREFEITO MUNICIPAL. ENCERRADO PERÍODO ELEITORAL. CRIME DEFINIDO NO CÓDIGO PENAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA PROCESSAMENTO DO FEITO. 1. Encerrado o período eleitoral, não há que se falar em competência da Justiça Especializada para o julgamento de crime contra honra praticado contra Prefeito Municipal. 2. Conflito conhecido para fixar a competência da 1ª Vara Criminal do Juizado Especial da Comarca de Avaré/SP. (CC 57.811/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13.02.2008, DJ 22.02.2008 p. 160)

225 PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME COMUM PRATICADO CONTRA JUIZ ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A competência criminal da Justiça Eleitoral se restringe ao processo e julgamento dos crimes tipicamente eleitorais. 2. O crime praticado contra Juiz Eleitoral, ou seja, contra órgão jurisdicional de cunho federal, evidencia o interesse da União em preservar a própria administração. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal do Juizado Especial Cível e Criminal da Seção Judiciária do Estado de Rondônia, ora suscitado. (CC 45.552/RO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08.11.2006, DJ 27.11.2006 p. 246)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME ELEITORAL. CONEXÃO. CRIME FEDERAL. FRAUDE. PREVIDÊNCIA SOCIAL. ART. 78, INCISO IV, DO CPP. NÃO-APLICAÇÃO. NORMAS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA JUSTIÇA ELEITORAL E JUSTIÇA COMUM FEDERAL. 1. Consta dos autos que os Réus realizaram fraude para obter benefício previdenciário em detrimento do INSS, sendo as condutas tipificadas no art. 299 do Código Eleitoral e 171, § 3º, do Código Penal, verificando-se a ocorrência da conexão. 2. Contudo, não pode permanecer a força atrativa da jurisdição especial, pois ocorreria conflito entre normas constitucionais, o que não é possível em nosso ordenamento jurídico. 3. Na hipótese vertente, não pode persistir a unidade processual, devendo o crime do art. 299 do Código Eleitoral ser julgado pela Justiça Eleitoral e o crime do art. 171, § 3º, do Código Penal pela Justiça Comum Federal. 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 309ª Zona Eleitoral de Três Marias/MG para o crime de competência eleitoral e competente o Juízo Federal da 9ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais para o crime de

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125

Essa regra não se aplica aos casos onde haja previsão de foro por

prerrogativa de função. Tradicionalmente se denominam esses casos como “foro

privilegiado”, expressão que não corresponde à essência do instituto, razão pela

qual não se adota essa denominação, que deve ser evitada ao máximo.

Tratam-se de casos disciplinados constitucionalmente, com a

determinação de julgamento por outro órgão que não o juiz de primeiro grau, para

os membros de certas carreiras e detentores de cargos específicos, não se

tratando de um privilégio.

“Essa modalidade de determinação de competência

jurisdicional cuida da prerrogativa que algumas pessoas têm

de serem julgadas, originariamente, por órgãos de jurisdição

mais graduada, em razão das funções que exercem.”226

Assim, nem todo o crime eleitoral terá como juiz natural o juiz

eleitoral da zona eleitoral correspondente, e sim algum dos Tribunais Regionais

Eleitorais ou o próprio Tribunal Superior Eleitoral. É o caso, por exemplo, dos

Prefeitos Municipais. Entende o TSE que, com base no artigo 29, X da

Constituição Federal, o julgamento deve ser realizado pelos Tribunais Regionais

Eleitorais. Findo o mandato do prefeito, não tem mais aplicabilidade a regra de

competência estabelecida com base na prerrogativa de função.227

competência federal. (CC 39.357/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09.06.2004, DJ 02.08.2004 p. 297)

COMPETÊNCIA. CONFLITO NEGATIVO. - É da Justiça Federal a competência para o processo e julgamento do crime de falso testemunho que teria sido praticado em detrimento de serviço da União: a Justiça Eleitoral. (CC 35.883/SE, Rel. Ministro FONTES DE ALENCAR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27.08.2003, DJ 15.09.2003 p. 232)

226 DEMERCIAN, Pedro Henrique, MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 3ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2005. p. 231.

227 Competência – Foro privilegiado “Competência. Crime eleitoral praticado por prefeito. Nexo de causalidade. A existência de nexo de causalidade, considerado o exercício de mandato e o crime, é conducente, de início, à atuação do Tribunal Regional Eleitoral. Competência. Crime eleitoral praticado por prefeito. Nexo de causalidade. Cassação do mandato. Com a cassação do mandato, tem-se o afastamento da prerrogativa de foro no que voltada à proteção do cargo, e não do cidadão. Inconstitucionalidade do § 1o do art. 84 do Código de Processo Penal, com a redação imprimida pela Lei no 10.628/2002 – ADI no 2.797, relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento de 15.9.2005.” (TSE - Ac. no 519, de 15.9.2005, rel. Min. Marco Aurélio.)

“Competência. Ação penal. Agente ex-prefeito. Arts. 39, § 5o, inciso II, da Lei no 9.504/97 e 84, § 1o, do Código de Processo Penal. O crime tipificado no inciso II do § 5o do art. 39 da Lei no 9.504/97 não é de agente, considerada a prática de ato administrativo. Deixa-se de ter a incidência, de início, do § 1o do art. 84 do Código de Processo Penal, mostrando-se

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126

Houve discussão a respeito do tema. O STF havia editado a súmula

394 que dispunha o seguinte:

“Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a

competência especial por prerrogativa de função, ainda que

o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação

daquele exercício.”

Reapreciada a questão pelo tribunal constitucional, a súmula foi

cancelada, sendo entendido que a competência encerra com o exercício da

função.228

Posteriormente foi publicada a Lei 10.628 de 24 de dezembro de

2002 que alterou a redação do artigo 84 do Código de Processo Penal,

restabelecendo a competência pela prerrogativa de função após cessado o

exercício da função pública. Parte da doutrina entende tal dispositivo

inconstitucional conforme a opinião de Pedro Henrique Demercian:

“Convém destacar que somente o texto constitucional pode

fixar a competência dos Tribunais, quer Federal quer

Estadual. Não pode, assim, uma lei ordinária (como é o

Código de Processo Penal) regular essa matéria

(HC70.474/RS, 1ªT. DJU de 24.09.93)”229

Há o entendimento contrário, pela constitucionalidade do artigo 184

do Código Penal, explicitado pelo julgado abaixo:

“Ação penal. Crime. Art. 334 do Código Eleitoral.

Competência. Foro por prerrogativa de função. Não-

dispensável o exame da constitucionalidade ou não deste último dispositivo”. (TSE - Ac. no 518, de 15.9.2005, rel. Min. Marco Aurélio.)

228 “Crime. Condenação. Foro por prerrogativa de função. Prorrogação. Não configuração. (...) 1. Se ao tempo do oferecimento da denúncia, a Súmula no 394 do egrégio Supremo Tribunal Federal já estava cancelada, esse Pretório Excelso não tinha mais competência para processar e julgar aquele que teve decretada a perda de mandato de deputado federal. 2. A perpetuação do foro por prerrogativa de função prevista na Lei no 10.628/2002, diploma que alterou o art. 84 do Código de Processo Penal, somente incide em relação a fatos imputados relativos a atos administrativos no exercício da função. (...)” (Ac. no 21.401, de 13.4.2004, rel. Min. Fernando Neves.)

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aplicação. Art. 84 do Código de Processo Penal, com a nova

redação dada pela Lei no 10.628. Constitucionalidade da

norma. Discussão. Prescrição. Pretensão punitiva. Art. 109,

V, do Código Penal. Configuração. Extinção da punibilidade

1. A antiga Súmula-STF no 394 dispunha sobre a

competência especial por prerrogativa de função, que dizia

respeito a qualquer crime cometido no exercício funcional. A

nova redação do art. 84, § 1o, do Código de Processo Penal,

restringiu a aplicação dessa competência tão-somente

àquelas hipóteses em que os fatos imputados sejam

relativos a atos administrativos ligados ao exercício da

função, o que vem sendo seguido por este Tribunal Superior.

Precedentes. Agravo de instrumento provido. Declarada, de

ofício, a extinção da punibilidade dos recorrentes, em face da

prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato.”

(TSE - Ac. no 4.623, de 6/5/2004, rel. Min. Fernando Neves.)

O mesmo raciocínio é aplicado no outros casos de prerrogativa de

função. É o caso dos membros do Ministério Público e juízes de Direito que

desempenhem funções eleitorais em primeira instância, conforme o artigo 29, I, d

do Código Eleitoral. 230

O Supremo Tribunal Federal é competente para o julgamento dos

crimes eleitorais imputados ao presidente, ao vice-presidente, aos membros do

Congresso Nacional, seus próprios ministros e ao procurador-geral da acima

229 DEMERCIAN, Pedro Henrique. Op. Cit. pp. 232 e 233. 230 “Ação penal. Crime. Corrupção eleitoral. Juiz. Competência. Prorrogação. Foro por

prerrogativa de função. Ausência. Art. 84 do Código de Processo Penal, com a nova redação dada pela Lei no 10.628/2002. Art. 78, III, do CPP. Não-aplicação. 1. Para a incidência e a perpetuação do foro por prerrogativa de função, o art. 84 do CPP, com a nova redação dada pela Lei no 10.628/2002, exige que os fatos imputados sejam relativos a atos administrativos ligados ao exercício da função. Precedente: Acórdão no 471. 2. A regra do art. 78, III, do CPP, estabelece que, nas hipóteses de determinação de competência por conexão ou continência, predominará no concurso de jurisdições de diversas categorias a de maior graduação, regra que não se aplica ao caso em exame, por ausência de qualquer foro privilegiado. Recurso improvido.” NE: “(...) os fatos a ele imputados datam de período anterior ao seu mandato de prefeito” o qual findou no decorrer do processo, tornando incompetente o TRE perante quem foi oferecida a denúncia. (Ac. no 64, de 4.3.2004, rel. Min. Fernando Neves.)

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República.231 Nos demais casos, aplicam-se os critérios de competência definidos

pelo Código de Processo Penal.

No caso da existência de crimes conexos, seu julgamento também

será realizado pela Justiça Eleitoral, aplicando-se a regra do artigo 76 do Código

de Processo Penal. A conexão é caracterizada pela existência de uma relação,

um liame ligando os crimes. Essa ligação poder ser decorrente da prática

simultânea de infrações, ao mesmo tempo, ou com grande proximidade temporal

por várias pessoas. Pode mesmo ser caracterizado com o concurso de pessoas

independente das circunstâncias de tempo ou lugar. A finalidade da prática da

infração também pode caracterizar a conexão com algum crime eleitoral. O que

importa para a conexão é que sempre haja algum liame, como a chamada

conexão intersubjetiva.

A competência da Justiça Eleitoral pode ser resumida pela seguinte

lição de Vicente Greco:

“Compete à Justiça Eleitoral o julgamento dos crimes

eleitorais e os conexos. Somente são crimes eleitorais os

previstos no Código Eleitoral (Lei 4.737/65) e os que a lei,

eventual expressamente defina como eleitorais. Todos eles

referem-se a atentados ao processo eleitoral, que vai do

alistamento do eleitor até a diplomação dos eleitos. Crime

que não esteja no Código Eleitoral ou que não tenha a

expressa definição legal como eleitoral, salvo o caso de

conexão, jamais é de competência da Justiça Eleitoral. A

motivação política ou mesmo eleitoral, não é suficiente para

definir a competência da Justiça Especial de que estamos

tratando. Assim, por exemplo, um homicídio, ainda que no

período que antecede as eleições e ainda que por motivos

político-eleitorais, será julgado pelo júri comum.”232

231 KIMURA, Alexandre Issa. Op. Cit. p. 214. 232 GRECO FILHO. Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo, RT, 2002. p 150.

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Os crimes dolosos contra a vida não podem ser considerados

eleitorais de nenhuma maneira, pois protegem bem jurídico bem diverso do

visado pela legislação penal eleitoral. No entanto, isso não impede que haja a

possibilidade dessas infrações estarem conexas a um crime eleitoral. Nesses

casos, indaga-se a competência para seu julgamento, posto que a Constituição

determina seu julgamento pelo júri, e este, de acordo com as regras processuais,

atrai os crimes conexos.

Sendo a Justiça Eleitoral especializada com competência também

definida pela Constituição, e admito que o julgamento de crimes dolosos contra a

vida pelo tribunal do júri seja excetuado no caso de competência constitucional

diversa atribuída, conclui-se que estes também serão julgados pela Justiça

Eleitoral. Exceção se faz aos casos de prerrogativa de função, que também

preferem tanto a instituição do júri quanto a justiça especializada.

Pode-se pensar, em um primeiro momento, que seja constituído no

âmbito da Justiça Eleitoral, um Tribunal do Júri, presidido pelo juiz eleitoral, a

exemplo do que ocorre na Justiça Federal. No entanto, essa possibilidade é

prontamente afastada, como explica Suzana de Camargo Gomes:

“É que não autoriza a lei a constituição de Tribunal do Júri

no âmbito da Justiça Eleitoral, não havendo, destarte, que

se falar possa o Juiz Eleitoral realizar a condução e

presidência do processo afeto ao tribunal popular, pois, se

assim fosse, estaria sendo desrespeitado o art. 5º, XXXVIII,

da CF, que determina tenha a instituição do júri a

organização que a lei lhe conferir”233

Enquanto não aprovada alteração legislativa que permita a

instauração do Tribunal do Júri no âmbito da Justiça Eleitoral, o julgamento dos

crimes dolosos contra a vida conexos aos eleitorais, excetuados os casos de

prerrogativa de função, serão julgados pelo juiz singular da Justiça Eleitoral.

233 GOMES, Suzana de Camargo. Op. Cit. p. 64.

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130

3.3.2 Aspectos do processo penal eleitoral

Todas as infrações são de ação penal pública incondicionada. Por

visarem a proteção da normalidade do funcionamento das eleições, e assim,

garantir a regular estruturação política do Estado Democrático de Direito234, o

Estado é sempre vítima. Por essa razão a ação penal privada só é admitida na

sua modalidade subsidiária, se for o caso de inércia do promotor.

Pode ocorrer também da conduta ofender simultaneamente,

interesses particulares, como ocorre nos delitos contra a honra praticados durante

a propaganda eleitoral.235 Eventual ofendido poderá comunicar o crime ao juiz

eleitoral da zona onde a infração ocorreu, podendo requerer sua intervenção no

processo como assistente de acusação.

O procedimento está definido nos artigos 355 a 364 do Código

Eleitoral, sendo utilizado o Código de Processo Penal supletivamente. Assim,

ressaltam-se algumas peculiaridades do processo.

Recebido o inquérito ou as peças de informação, o prazo para

Ministério Público decidir entre o oferecimento da denúncia, arquivamento,

requisição de diligências, ou manifestar-se pela incompetência do juízo eleitoral é

de dez dias. Há a possibilidade de remessa ao procurador regional eleitoral no

caso de discordância do juiz com o pedido de arquivamento.

Recebida a denúncia236, é marcada a data do interrogatório,

chamado pelo Código Eleitoral de depoimento pessoal. Antes da edição da Lei

10.732/2003 havia a tendência a se defender a dispensabilidade do interrogatório

234 KIMURA, Alexandre Issa. Op. Cit., p. 210. 235 TULIO, Denise. TULIO, Denise Vince. Crimes Eleitorais. In: Cadernos de Direito Constitucional e Eleitoral. Tribunal Regional Eleitoral. Procuradoria Regional do Estado de São Paulo. V12, nº 42, São Paulo, Imprensa Oficial SP, janeiro de 1998 a junho de 1999. p. 27.

236 Notícia Crime. Governador de Estado. Reeleição. Art. 40 da Lei n° 9.504/97, c/c art. 90 do mesmo diploma, e 287 da Lei n° 4.737/65. Crime eleitoral. Propaganda. Símbolo utilizado pelo Governo. Denúncia. 1. Estando a denúncia assentada em fato típico, com elementos suficientes sobre a materialidade e a autoria, fica alcançada pela disciplina positiva indicada. 2. Denúncia recebida. (Apn .274/AM, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, CORTE ESPECIAL, julgado em 15.10.2003, DJ 19.12.2003 p. 300)

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em razão da existência de contestação nos autos.237 O Supremo Tribunal Federal

havia se pronunciado a respeito, decidindo pela desnecessidade do interrogatório

no processo penal eleitoral.238 Com a alteração, o interrogatório passa a ser

necessário. Após sua realização, que segue as normas do Código de Processo

Penal, a defesa tem o prazo de 10 dias para oferecer as alegações escritas e

arrolar as testemunhas, à semelhança da defesa prévia do procedimento

comum.239

Após, serão ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação e pela

defesa, podendo ser requeridas diligências suplementares. Com o encerramento

da instrução, cada parte terá o prazo de 10 dias para apresentação das alegações

finais. O mesmo prazo é dado ao juiz para proferir a sentença. Contra esta cabe

recurso (inominado) para o Tribunal no prazo de 10 dias, conforme o artigo 362

do Código Eleitoral.

A possibilidade de aplicação das Leis 9.099 de 26 de setembro de

1995, 10.259 de 10 de junho de 2001 e 11.313 de 28 de junho de 2006 em sede

de crimes eleitorais não é uma questão pacífica, especialmente no que se refere à

composição, transação penal e suspensão condicional do processo. O único

critério estabelecido pelos referidos diplomas normativos para a definição de

crime de menor potencial ofensivo e sua conseqüente aplicação é a pena

cominada. Não se trata de um critério disparatado, pois se baseia no princípio da

proporcionalidade, ou seja, que a pena cominada seja proporcional à violação dos

237 “(...) Não viola o princípio do devido processo legal ato praticado na vigência do art. 359 do

Código Eleitoral, em sua redação anterior.” NE: “O fato de que o Código Eleitoral não previa o interrogatório do acusado não implicava violação ao princípio do devido processo (...)”. ( TSE - Ac. no 21.523, de 2.9.2004, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.)

238 RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 3ª ed. Niterói, Impetus, 2005, p. 466. 239 “Prefeito. Ação penal de competência originária de TRE. Duas notificações para apresentar

defesa. Erro judiciário que não aproveita ao recorrente. Ausência de prejuízo. Intempestividade da defesa ofertada após a segunda notificação. Não-conhecimento. Denúncia fundada em inquérito policial. Cerceamento de defesa. Não-ocorrência. Harmoniza-se com a jurisprudência o entendimento segundo o qual a resposta à notificação do acusado em ação penal de competência originária de TRE é faculdade deste, dela não se conhecendo quando apresentada fora do prazo. Hipótese na qual, mesmo sem conhecer a defesa prévia, uma vez que fora apresentada a destempo, a Corte Regional recebeu a denúncia lastreada em inquérito policial por entender preenchidos os requisitos aplicáveis à espécie. Precedentes. Agravo desprovido.” (Ac. de 4.4.2006 no AgRgREspe no 24.888, rel. Min. Gilmar Mendes.)

“(...) A não-apresentação de defesa prévia não constitui causa de nulidade do processo, uma vez que sua apresentação é facultativa. Nesse sentido, RHC no 54.431, Plenário, HC no 51.463, 2a Turma, HC no 69.034, 1a Turma, todos do STF (...)”. (Ac. no 21.520, de 12.8.2004, rel. Min. Peçanha Martins.)

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bens jurídico tutelado. Assim, as infrações penais cuja pena máxima atribuída

abstratamente não for superior a dois anos, são consideradas de menor potencial

ofensivo.

Apesar de não existirem Juizados Especiais criminais estruturados

na Justiça Eleitoral, a aplicação das disposições legais a eles referentes deve ser

feita pelo juízo comum. Tem sido o entendimento da doutrina e da jurisprudência

a aplicabilidade dos juizados especiais criminais também nas justiças

especializadas, como é o caso da justiça eleitoral e justiça militar.240

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou favoravelmente à

aplicação do procedimento dos juizados especiais criminais, como no caso

abaixo:

CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME

ELEITORAL. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA NATUREZA

DA INFRAÇÃO. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS.

APLICABILIDADE AOS CRIMES SUJEITOS A

PROCEDIMENTOS ESPECIAIS. COMPETÊNCIA DO

JUÍZO SUSCITADO.. A criação dos Juizados Especiais

Criminais não afasta a competência da Justiça Eleitoral para

processar e julgar os crimes elencados no Código Eleitoral e

nas demais leis, in casu, Lei n.º 9.504/97, por se tratar de

competência em razão da Natureza da infração. II. Aplica-se,

todavia, no que cabível, os institutos preconizados na Lei n.º

9.099/95. III. A Lei dos Juizados Especiais incide nos crimes

sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos

os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a

240 PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ELEITORAL E

JUIZADO ESPECIAL. CRIME ELEITORAL. I - Compete à Justiça Eleitoral o processo e julgamento de crime previsto no âmbito da Lei nº 9.504/97, ainda que a pena máxima cominada para a infração seja inferior a 1 (um) ano. II - A possibilidade de aplicação de institutos previstos na Lei nº 9.099/95, como a composição civil extintiva da punibilidade, a representação, a transação e a suspensão condicional do processo, em feitos de competência da justiça especializada, não transfere para os Juizados Especiais Criminais a competência para processá-los. Conflito conhecido, competente o MM. Juiz da 3ª Zona Eleitoral de Blumenau (SC). (STJ - CC 37.589/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26.03.2003, DJ 26.05.2003 p. 255)

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suspensão condicional do processo inclusive nas ações

penais de competência da Justiça Eleitoral. IV. Conflito

conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito

da 3ª Zona Eleitoral de Blumenau/SC, o Suscitado.(CC

37.595/SC, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA

SEÇÃO, julgado em 09.04.2003, DJ 23.06.2003 p. 238)

Em seu artigo, Denise Vince Tulio é taxativa ao afirmar que hoje

não restam mais controvérsias quanto à possibilidade da aplicação da “suspensão

condicional do processo”, isto é, a faculdade prevista no artigo 89 da Lei 9.099 de

1995.241 Sustenta, contudo, que a suspensão processual não é um direito

subjetivo do réu, mas faculdade do Ministério Público.242

“Como detentor da exclusividade de ação penal pública,

somente o Ministério Público poderá dispô-la nos termos da

própria Constituição Federal (art. 98, I) e da Lei 9.099/95,

propondo, juntamente com a denúncia, a suspensão

condicional do processo, que somente poderá ser

homologada pelo Poder Judiciário, após expressa aceitação

do acusado e análise de sua legalidade.”243

Cabem, portanto, em sede de crimes eleitorais, os institutos da

transação penal e da suspensão condicional do processo244. Afirma Tito Costa

241 “(...) Matéria criminal. Art. 290 do Código Eleitoral. Condenação. Suspensão condicional do

processo. Prerrogativa. Ministério Público. Não oferecimento. Possibilidade. Critérios. Subjetivos. (...) A proposta de suspensão condicional do processo é prerrogativa do Ministério Público, que pode, motivadamente, deixar de oferecê-la. (...)” (TSE - Ac. de 29.6.2006 no AgRgREspe no 25.845, rel. Min. Caputo Bastos.).

242 TULIO, Op. Cit. p. 37 A autora faz referência ao Habeas Corpus 75.343, publicado no informativo n 92 do STF.

243 PAZZAGLINI FILHO, Marino; MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio; VAGGIONE, Luiz Fernando. Juizado Especial Criminal. Aspectos Práticos da Lei 9.099/95. 3ª edição. São Paulo, Atlas, 1999. p. 104

244 “(...) Crime eleitoral. Suspensão condicional do processo. Art. 89 da Lei no 9.099/95. Período de prova. Condições. Cumprimento. Revogação posterior. Superveniência. Novo processo-crime. Impossibilidade. Extinção. Punibilidade. 1. A decisão que revoga a suspensão condicional do processo pode ser proferida após o tempo final do período de prova, mas deve ser fundada em fatos ocorridos até esse tempo. Concessão de ordem para declarar extinta a punibilidade do paciente.” (Ac. no 487, de 7.12.2004, rel. Min. Caputo Bastos.)

“Habeas corpus. Processual penal. Suspensão condicional do processo. Prerrogativa exclusiva do Ministério Público. Aplicação análogica do art. 28 do CPP. ‘Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao procurador-geral, aplicando-se por analogia

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que sua aplicação não implica na inelegibilidade de candidato, o que só poderia

ocorrer no caso de sentença penal condenatória e, neste caso, há apenas

denúncia.245

Os recursos, por sua vez, estão previstos nos artigos nos artigos 362

à 364 do Código Eleitoral. O recurso inominado suspende a eficácia da sentença

penal condenatória, sendo aplicáveis as disposições do Código de Processo

Penal referentes à prisão preventiva. Com a confirmação da sentença

condenatória, os autos ficam retidos nas instâncias superiores e a execução

imediata é viabilizada com a expedição de carta de sentença.

Além dos recursos especificamente previstos para serem aplicados

no processo penal eleitoral, cabe o Recurso em Sentido Estrito previsto no artigo

581 do Código de Processo Penal. Também é possível a utilização da ação de

habeas corpus, prevista constitucionalmente e disciplinada no Código de

Processo Penal.

3.4 Efetividade da tutela penal

Não é preciso buscar com muito afinco para se encontrar dezenas

de notícias e casos envolvendo crimes eleitorais nos noticiários, comum e

especializado. O próprio Tribunal Superior Eleitoral divulgou em 12 de março de

2008, que a Justiça Eleitoral cassou 250 prefeitos desde 2004, sendo 95 apenas

no ano passado.

A notícia, disponível no endereço eletrônico da TV Justiça, é ora

reproduzida na íntegra:

o art. 28 do Código de Processo Penal’ (Enunciado-STF no 696). Prerrogativa exclusiva do Ministério Público. Ordem denegada.” (Ac. no 523, de 22.11.2005, rel. Min. Cesar Asfor Rocha.)

245 COSTA, Tito, Op. Cit, p, 212 e 213

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“O abuso de autoridade, de poder econômico e a compra de

votos foram os principais motivos da perda de mandato de

250 prefeitos desde 2004, com 95 deles afastados apenas

no ano passado, segundo dados da Justiça Eleitoral.

Dezenas ainda se mantêm no cargo graças à concessão de

liminares. Em alguns casos houve realização de novas

eleições e, em outros, verdadeiras batalhas jurídicas foram

iniciadas.

Somado ao levantamento feito pelo Tribunal Superior

Eleitoral (TSE) e Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) em

agosto de 2007 - que identificou 159 cassações - o número

de prefeitos eleitos em 2004 e afastados do poder supera os

250, ou seja, 4,5% do total de chefias municipais.

Há cidades que já contaram com quatro prefeitos em três

anos, como Caldas Novas, importante centro turístico de

Goiás. Em outras cidades, o presidente da Câmara de

Vereadores assumiu a prefeitura. Nesses casos, a

condenação por crime eleitoral atingiu tanto a chapa eleita

como a derrotada. Em pelo menos um caso, houve até

prefeito que foi cassado, venceu uma nova eleição para

substituí-lo para, meses depois, ser retirado do cargo pela

Justiça, o que ocorreu em Guajará-Mirim, Rondônia.

A cassação do prefeito pode ser determinada tanto pelo juiz

eleitoral como pelo Tribunal Regional Eleitoral. O Ministério

Público, partidos e coligações podem oferecer denúncia

contra os eleitos. Acolhidas ou rejeitadas pelo juiz

eleitoral, delas ainda cabe recurso ao Tribunal Eleitoral de

cada estado. Da sentença da Corte regional, em alguns

casos, também caberá recurso ao próprio Tribunal e ao

Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com idas e vindas das

ações, é difícil determinar com exatidão quantos prefeitos

estão sujeitos a perder o cargo ainda neste ano.

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136

Ao longo de 2007, os juízes, desembargadores e ministros

se debruçaram sobre casos inusitados. Prefeitos foram

julgados e condenados por comprarem votos por meio de

entrega de material de construção, promessa de emprego

público e terreno para moradia, além do pagamento em

espécie. O suposto uso de "caixa dois" na campanha, por

exemplo, resultou em perda de mandato para apenas o

prefeito de Nova Veneza (GO), uma das quatro cidades

goianas que tiveram que trocar de mandatário.

Na maioria das vezes, o afastamento do cargo ocorre por

comprovação da compra de votos, quando são feitas ofertas

de toda natureza ao eleitor. O prefeito de Sátiro Dias, na

Bahia, perdeu o cargo acusado de comprar votos com

fertilizantes.

Em Minas Gerais, estado com maior número de prefeituras,

foram cassados 20 prefeitos, entre eles um que distribuiu

carne, pão e chope para eleitores durante um comício.

Na Paraíba, um dos nove prefeitos cassados teria comprado

votos por meio da distribuição irregular de certidões de

quitação de imóveis que integrava um programa social do

Governo do Estado.

Acusados de fraude e outros atos ilícitos, a prefeita de Nova

Santa Rita, no Piauí, perdeu o mandato por motivo

semelhante: ela teria se aproveitado dos programas sociais

para obter voto dos eleitorado. O uso do aparelho da

prefeitura, aliás, é uma das principais causas das denúncias

de abuso de autoridade por parte dos prefeitos.

No estado de São Paulo, onde oito prefeitos ficaram sem

mandato, o prefeito de Reginópolis foi condenado por ter

doado, durante a campanha, cestas básicas com material de

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propaganda política (camisetas e folhetos); fornecido

medicamentos, atestados e consultas médicas; e até

transporte gratuito de eleitores em troca de votos.

O tipo de acusação contra prefeito não muda muito entre as

regiões do País. No Paraná, o ex-prefeito e o vice do

município de Itaperuçu teriam, inclusive, passado um recibo

do crime de corrupção eleitoral. De acordo com os autos, o

candidato a vice-prefeito se comprometia, em um

documento, a assegurar a permanência de três eleitores em

cargos do primeiro escalão da Prefeitura, confirmava que

teria recebido R$ 350 mil para distribuição entre seus

correligionários e, em outra cláusula "desse suposto contrato

de compromisso político-financeiro", o candidato a vice

afirmou, caso sua chapa fosse eleita, que pagaria esse valor

com dinheiro público da Prefeitura e, se não eleito, apoiaria

"um determinado candidato" nas eleições de 2008.

No Rio Grande do Sul, cinco prefeitos perderam o mandato,

entre eles o prefeito de Harmonia (RS), cassado depois que

o Tribunal Regional Eleitoral gaúcho julgou a acusação de

fraude no recadastramento eleitoral, abuso do poder

econômico, uso indevido dos serviços públicos, transporte

irregular de eleitores e captação ilícita de votos, mediante a

doação de um fogão e o pagamento de ecografia a eleitor.

Mato Grosso, Acre, Mato Grosso do Sul e Tocantins não

tiveram prefeitos cassados em 2007. Já no estado do

Amapá, não há registro de cassação de prefeito em toda sua

história eleitoral.” 246

Note-se que há atuação da Justiça Federal com o intuito de apurar

as denúncias referentes a crimes eleitorais, sendo significativo o número de

246 Fonte: http://www.tvjustica.gov.br/maisnoticias.php?id_noticias=6311

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condenações e afastamentos. Mas ainda se encontram muitas decisões judiciais,

especialmente em fase recursal, nas quais ocorreu a prescrição punitiva.

4 CONCLUSÃO

Do exposto, extrai-se que os tipos penais definidos pela legislação

eleitoral, tanto no corpo do Código Eleitoral quanto das leis esparsas, visam a

proteção da lisura do processo eleitoral brasileiro em todas as suas fases. Os

objetos jurídicos tutelados podem ser extraídos das classificações apontadas pela

doutrina, sempre visando, em última análise, a preservação dos princípios da

liberdade e da igualdade.

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Estando a democracia representativa, intimamente relacionada às

eleições, tem-se que a preocupação com o processo eleitoral é, na verdade, a

preocupação em preservar e viabilizar o próprio exercício da participação política,

seja via representação, seja por meio dos institutos de democracia semi-direta.

Os crimes eleitorais, assim, acabam por se constituírem de forte

caráter político, pois se relacionam diretamente com as instituições políticas do

Estado. Violam bens jurídicos referentes à liberdade do voto e a legitimidade das

eleições, com a proibição da fraude e do abuso de poder. No entanto, considerá-

los como crimes eleitorais poderá trazer algumas conseqüências perigosas e

indesejadas, como a impossibilidade de considerar a condenação em crime

eleitoral para efeitos de reincidência.

A tendência do direito penal atual não o separa do sistema criminal

como um todo, como se fosse apenas um ordenamento normativo fechado, mas o

insere no sistema, apontando como requisito a sua finalidade. Efetividade,

finalidade, proteção dos bens jurídicos, defesa social, são essas as palavras que

devem ser lembradas ao tratar do tema.

Portanto, a questão que se coloca é se o direito penal, enquanto

última instância de controle social, cumpre seu papel de indicar um código de

conduta, delimitar as condutas e os resultados normativos proibidos. A questão

também é saber se o direito penal, neste caso o direito penal eleitoral, preserva

seu caráter intimidativo. Questiona-se se as penas cominadas são proporcionais à

lesão e à importância do bem protegido. Por fim, questiona-se se, no caso de

violação a seus preceitos, este consegue realizar efetivamente seu propósito,

aplicando as penas.

Não pode, portanto, o processo penal ser por demais demorado,

nem por demais abreviado, neste último caso, correndo-se o risco de violar as

garantias processuais, como a ampla defesa. Também não podem as penas

serem tímidas ou severas demais. Há uma necessidade de encontrar um

equilíbrio difícil de se estabelecer na prática.

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Verificou-se que existe um largo espectro de condutas irregulares

lesivas ao processo eleitoral incriminadas. É realmente necessário tipificar todas

essas irregularidades? Não seria mais eficaz, pois mais célere a apuração e o

processo, o estabelecimento de penalidades administrativas ou civis para os

casos de violação mais branda reservando ao direito penal a punição para os

casos mais graves? Afinal, não é a “quantidade” de tipos incriminadores que

definirá se a eficácia da tutela criminal, mas seu poder em impedir a ocorrência

das fraudes e abusos, bem como estabelecer parâmetros éticos.

No mais, não é sempre que a pena de prisão é a opção mais

adequada, devendo-se manter aplicabilidade das penas restritivas de direitos. O

que não se pode permitir é que as penas restritivas sejam aplicadas de

excessivamente branda, a ponto de cumprirem as funções da pena criminal.

No mais, as outras formas de controle devem ser fortalecidas, pois

quando o direito penal é chamado a atuar, em forma de apuração e aplicação da

sanção penal, o bem jurídico já foi lesionado ou colocado em perigo.

Quanto a sua atuação em matéria de crimes eleitorais, cabe a crítica

da professora Mônica Hermam:

“Em terreno promocional, o qual, a seu turno, vem

sensibilizando o legislador e o Juiz, não sendo poucas as

hipóteses em que a sanção, quando aplicada –

invariavelmente transcorrido largo lapso de tempo de prática

do delito – perde todo o seu efeito intimidativo; o ato

catalogado como crime já atingiu o objetivo almejado e a

pena dificilmente conduz à medida mais drástica, a exemplo

da segregação, costumeiramente afastada por força de

sursis.”247

Note-se que o único critério de diferenciação das condutas lesivas

aos bens jurídicos eleitorais acaba por ser a pena aplicada. Pois, com a

247 CAGGIANO, Mônica Herman Salem. Sistemas Eleitorais X Representação Política. São Paulo, 1987. p.

124.

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admissibilidade da aplicação da lei dos juizados especiais e, conseqüentemente,

seus institutos como a transação penal e a suspensão condicional do processo,

condutas diversas, de diferentes potenciais ofensivos, acabam tendo o mesmo

tratamento final pelo sistema criminal de justiça.

Exemplo disso é a criminalização da distribuição de brindes e

material de propaganda no dia da eleição que, em que pese ter pena diversa que

a de causar dano á máquina de votação, acaba tendo o mesmo tratamento

processual.

Para um fortalecimento das instituições democráticas, já tendentes à

instabilidade, o caráter casuístico precisa ser afastado, mutável a cada eleição,

atendendo interesses pontuais. Uma definição se faz necessária, adequando a

legislação penal às mudanças político-sociais também na esfera dos crimes

eleitorais.

Sem a pretensão de concluir definitivamente o assunto, mas

lançando o questionamento a título de reflexão, toma-se de empréstimo das

palavras da professora Mônica Herman Salem Caggiano:

“Poderíamos, destarte, aduzir (...) que os crimes eleitorais,

inobstante toda a atenção e cuidado com que têm sido

contemplados, assumem certa conotação contravencional,

conduzindo à exigência de maior severidade e coragem por

parte dos organismos fiscalizadores para tornar eficazes os

mecanismos de controle, nem um pouco tímidos, pelo

legislador.”248

O que pode ser objeto de reflexão é o fato de não haver previsão

legal da aplicação do direito penal eleitoral no que se refere aos instrumentos de

consulta popular da democracia semi-direta: o plebicito e o referendo.

Não seriam também merecedores da tutela penal por exprimirem a

vontade direta do povo, titular do poder político?

248 Idem

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