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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MARCELO FRANCO DO AMARAL HOPF UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A LÓGICA DA ATUAÇÃO DO BNDES JUNTO A ODEBRECHT NO PERIODO 2008-2014 São Paulo 2018

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

MARCELO FRANCO DO AMARAL HOPF

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A LÓGICA DA ATUAÇÃO DO BNDES

JUNTO A ODEBRECHT NO PERIODO 2008-2014

São Paulo

2018

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

MARCELO FRANCO DO AMRAL HOPF

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A LÓGICA DA ATUAÇÃO DO BNDES

JUNTO A ODEBRECHT NO PERIODO 2008-2014

Dissertação de Mestrado apresentada ao Centro

de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade

Presbiteriana Mackenzie para a obtenção do grau

de Mestre em Economia.

Orientador: Prof. Dra. Roberta Muramatsu

São Paulo

2018

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H792u Hopf, Marcelo Franco do Amaral. Uma investigação sobre a lógica da atuação do BNDES junto a Odebrecht no período 2008-2014. / Marcelo Franco do Amaral Hopf. 93 f. : il. ; 30 cm Dissertação (Mestrado Profissional em Economia e Mercados) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2019. Orientador: Prof. Dra. Roberta Muramatsu. Bibliografia: f. 85-93. 1. BNDES. 2. Odebrecht. 3. Relações patrimonialistas. 4. Vantagens indevidas. 5. Rent seeking. I. Maciel, Vladimir Fernandes, orientador. II. Título. CDD 330

Bibliotecário Responsável: Aline Amarante Pereira – CRB 8/9549

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“Príncipes, governantes e generais nunca são

espontaneamente liberais. Tornam-se liberais

quando forçados pelos cidadãos” (MISES,

LUDWIG VON, 1949. P.448)

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DEDICATÓRIA

À minha família querida espalhada por este

mundo.

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RESUMO

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um dos

maiores bancos de desenvolvimento do mundo e um importante organismo de

financiamento de longo prazo e investimento em diversos segmentos da economia

brasileira. A Odebrecht foi uma das empresas beneficiadas com volutuosos desembolsos

feitos pelo banco. As investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal (MPF)

sugerem que a Odebrecht construiu um sofisticado esquema de pagamento de propina

para agentes públicos que possuíssem influencia em órgãos estatais, incluindo o BNDES.

O acordo de leniência entre o MPF e o ex-presidente da empresa, Marcelo Odebrecht,

ajuda a interpretar que a doação de campanha foi uma forma em que a empresa poderia

retribuir vantagens indevidas alcançadas através da intervenções de atores políticos.

Assim, surge o convite para uma análise mais profunda sobre a prática de busca de

privilégios (rent-seeking) seguindo uma dinâmica patrimonialista. Neste sentido, o

presente trabalho objetiva verificar o valor explanatório de uma abordagem teórica

pautada na TEP e Escola Austríaca para analisar as relações patrimonialistas entre o

BNDES e a Odebrecht. Ele traz um estudo de caso sobre as relações entre estes dois

agentes durante os anos de 2008 e 2014 utilizando dados relevantes de investigações

judiciais já concluídas. Através dessas informações é possível verificar o valor

explanatório que as duas teorias possuem para uma melhor analise das vantagens

indevidas obtidas entre agentes privados e públicos através de relações patrimonialistas.

O trabalho sugere que novos desdobramentos das investigações em curso possam trazer

informações relevantes que se analisadas à luz do devido referencial teórico contribuirão

para um melhor processo de compliance e canais de integridade para regular a

discricionariedade do BNDES e outros órgãos governamentais.

Palavras-chave: BNDES, Odebrecht, relações patrimonialistas, vantagens indevidas,

Rent-seeking

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ABSTRACT

The National Bank for Economic and Social Development (BNDES) is one of the

largest development banks and an important long-term financing and investment

institution in several segments of the Brazilian economy. Odebrecht was one of the

companies benefiting from volatile disbursements made by the bank. The investigations

conducted by the Federal Public Prosecutor's Office (MPF) suggest that Odebrecht built

a sophisticated scheme for the payment of bribes to public agents who had influence in

state bodies, including the BNDES. The leniency agreement between the MPF and the

company's former CEO, Marcelo Odebrecht, helps to interpret campaign donation as a

way in which the company could repay undue advantages achieved through the

intervention of political actors. Thus, there is an invitation to a deeper analysis on the

practice of rent-seeking follows a patrimonialist dynamic. In this sense, the present work

aims to verify the explanatory value of a theoretical approach based on the TEP and the

Austrian School to analyze the patrimonialist relations between the BNDES and

Odebrecht. It brings a case study on the relationships between these two agents during the

years 2008 and 2014 using relevant data from judicial investigations already completed.

Through this information it is possible to verify the explanatory value that the two theories

have for a better analysis of the undue advantages obtained between private and public

agents through patrimonialist relations. The work suggests that new developments in

ongoing investigations may bring relevant information that if analyzed in the light of the

relevant theoretical framework will contribute to a better compliance process and integrity

channels to regulate the discretion of BNDES and other government agencies.

Keywords: BNDES. Odebrecht. Patrimonialist relations. Undue advantages. Rent-

seeking

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LISTA DE GRÁFICOS

Pág 22: Gráfico 1 - Estoque de crédito do BNDES \ estoque de crédito na economia (%)

Pág 23: Gráfico 2- Desembolsos do BNDES: preços correntes e constantes de 2016 (R$ bilhões)

Pág 24: Gráfico 3- Desembolsos do BNDES/PIB (%)

Pág 59: Gráfico 4: Patrimônio líquido Odebrecht

Pág 60: Gráfico 5: Faturamento Odebrechtas

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LISTA DE TABELAS

Pág 23: Tabela 1- Desembolsos do BNDES, por ramo de atividade (% do total)

Pág 25: Tabela 2 - indicadores de rentabilidade (dez/2016)

Pág 30: Tabela 3 – participação do BNDESPAR em empresas

Pág 72: Tabela 4– Investimentos no exterior do BNDES entre 2006 e

2014

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ABREVIATURAS E SIGLAS

BM – BANCO MUNDIAL

EA – ESCOLA AUSTRÍACA

TEP – TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA

OMS – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE

BNDES – BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO E SOCIAL

MPF – MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PIB – PRODUTO INTERNO BRUTO

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14

1. O BNDES ...................................................................................................................... 177

1.1 A trajetória de evolução do BNDES .............................................................................. 18

1.2 A racionalidade econômica de um banco público de desenvolvimento ........................ 25

1.3 BNDES e BNDESPAR: lógica e implicações ............................................................... 28

2. A integração entre Teoria da Escolha Pública e Escola Austríaca de

Economia.............................................................................................................................33

3

2.1 Fundamentos comportamentais da TEP .................................................................... 3333

2.1.1 Auto-interesse dos agentes públicos e privados ......................................................... 33

2.1.2 Auto-interesse dos agentes públicos e privados ....................................................... 335

2.2 Falhas de Mercado e de Governo? ................................................................................. 36

2.2.1 Falhas de mercado ...................................................................................................... 36

2.2.2 Falhas de governo ..................................................................................................... 377

2.2.3 Consequências das “falhas de governo” ................................................................... 388

2.3 Sobre capitalismo de laços e suas relações de patrimonialismo econômico ............... 399

2.3.1 A lógica do rent-seeking ........................................................................................... 399

2.3.2 Rent Seeking premia o sistema capitalista de laços .................................................... 40

2.3.3 Capitalismo de Estado e suas bases de compadrio ................................................... 411

2.4. Pressupostos básicos da Escola Austríaca .................................................................... 43

2.4.1 Pressupostos básicos da Escola Austríac .................................................................. 444

2.4.2 Concepção Dinâmica de mercado ............................................................................. 466

2.4.3 Escola Austríaca e a Escola Neoclássica .................................................................. 466

2.5 Lições da Escola Austríaca para a Escolha Pública ..................................................... 488

2.5.1 Visão estática de política e equilíbrio de Pareto utilizados pela TEP ....................... 499

2.5.2 Dificuldade de coordenação do mercado pelo Estado .............................................. 511

2.5.3 Empreendedorismo político ........................................................................................ 52

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2.5.4 Análise das contribuições ..................................................................................... 54544

3. Estudo de caso sobre conexões entre Odebrecht, BNDES, políticos e burocratas: uma

análise. ............................................................................................................................... 566

3.1 A Odebrecht e o Ministério Público Federal (MPF) .................................................... 577

3.2 Atuação do BNDES e a Odebrecht sobre a ótica do empreendedorismo político ....... 699

3.3 Institucionalização do rent seeking no Brasil .............................................................. 788

Considerações finais ........................................................................................................ 822

Bibliografia ....................................................................................................................... 855

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INTRODUÇÃO

De acordo com a Organização Transparência Internacional, o caso de corrupção na

Odebrecht é o mais organizado da história do capitalismo (DESIDERIO, 2018). A operação

Lava Jato conduzida pelo Ministério Público Federal (MPF) investigou diversos delitos

supostamente cometidos pela empresa.

Em dezembro de 2016, o grupo Odebrecht admitiu o pagamento de propina em 12 países

para centenas de políticos, e firmou com os Estados Unidos, Suíça e Brasil um acordo de

leniência de U$3,5 bilhões de dólares. O Departamento de Justiça Americano (DOJ) coordenou

este e o considerou como o maior acordo de leniência sobre pagamento de propina da história.

O esquema de propina que começou em 2003, segundo a própria empresa, se intensificou ao

longo dos anos e se sofisticou ao ponto de envolver diversos países.

Essa organização da empresa para pagamentos indevidos de propina teve forte

contribuição de atores públicos, os quais agiram de forma ativa, como verdadeiros

empreendedores políticos para proporcionar vantagens indevidas em licitações e contratos

superfaturados.

O governo brasileiro, por sua vez, estimulou o crescimento da empresa através de uma

política nacional de desenvolvimento que visava criar as chamadas campeãs nacionais. Para

tanto, o Estado utilizou o BNDES como ferramenta para a implementação de diversas fases

desta política (MANCUSO, 2015). Nesse sentindo, considera-se que a Odebrecht foi

privilegiada em grande parte pelos repasses do BNDES, uma vez que, no âmbito de atuação

internacional do banco para projetos de serviços de engenharia, a empresa foi o destino da maior

parte dos R$ R$50,5 bilhões, obtendo quase 80% dos contratos (TCU, 2018).

Em contrapartida, existiu um grande aporte desta empresa em campanhas eleitorais no

período de eleições entre 2002 e 2014 no montante de R$ 133 milhões conforme indicado pelo

Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Há ainda um montante não declarado aos órgãos

responsáveis que está sendo investigado no âmbito da Lava-jato, chamado “caixa dois”. Nesse

sentindo, o montante destinado sem ser declarado à justiça eleitoral atingiria diversos políticos,

conforme as investigações. A Odebrecht, como prospectora de privilégios, e os agentes

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públicos, como empreendedores políticos, mantiveram um esquema engenhoso de pagamento

de propina e vantagens obtidas por meio de empréstimos e licitações.

As investigações no âmbito da lava-jato e o acordo de leniência ajudam a interpretar

que a distribuição de propina através de doação legal e ilegal de campanha torna-se uma prática

comum em uma dinâmica patrimonialista na qual os contratos públicos são superfaturados e

demandados para empresas que beneficiam as campanhas de candidatos com doações.

Existe, assim, um convite para uma análise mais sistematizada de como a prática de

busca de privilégios foi institucionalizada nas relações público-privado. Nesse sentido, o

objetivo dessa dissertação de mestrado é trazer um estudo de caso sobre as relações da

Odebrecht com o BNDES no período de 2008 a 2014 para verificar o valor explanatório da

teoria da Escolha Pública (TEP) em conjunto com a Escola Austríaca no entendimento das

vantagens indevidas adquiridas através da interface governo e grupos privados.

Uma forma em que a busca de privilégio pode se manifestar é através das doações de

campanha para políticos que possam fornecer benéficos indevidos utilizando órgãos estatais

onde possuam influência direta. Neste sentido, estudos como os de Sztutman e Aldrighi (2013),

Lazzarini et al. (2011) e Lopes (2016) estudam a relação entre empréstimos do BNDES e

financiamentos eleitorais. Os autores observam uma relação positiva entre desembolsos do

banco e doações eleitorais para diversos cargos do governo federal, incluindo o da presidência

da república.

O presente trabalho torna-se relevante na medida que complementa tais estudos ao

sugerir uma abordagem teórica pautada na TEP e Escola Austríaca para analisar as relações

entre empréstimos do BNDES e doações de campanha.

Para esta tarefa o trabalho traz como fundamentação teórica a atuação do BNDES dentro

da lógica do saber tradicional e também elementos teóricos e contribuições da TEP e da Escola

Austríaca.

O primeiro capitulo apresentará as principais premissas que sustentam a racionalidade

econômica de um banco público de desenvolvimento. Grande parte da literatura pesquisada

entende que o papel a ser desempenhado por essas instituições está atrelado à percepção da

incompletude do desenvolvimento dos sistemas de crédito. As instituições financeiras públicas

justificam-se como forma de preencher falhas deixadas pelo segmento privado, principalmente

para determinados setores econômicos e áreas de mercado.

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O segundo capítulo, por sua vez, trata de elementos teóricos fundamentais para a

compreensão de como a Teoria da Escolha Pública (TEP) em conjunto com a Escola Austríaca

que podem auxiliar na interpretação do intervencionismo do Estado diretamente no mercado e

das relações de busca de privilégios.

Por fim, um estudo de caso será apresentado sobre as relações entre o BNDES e a

Odebrecht durante os anos de 2008 e 2014 utilizando dados relevantes de investigações

judiciais já concluídas. Os desdobramentos destas investigações e do acordo de leniência entre

o MPF e o ex-presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, ajudam a interpretar que a doação de

campanha foi uma forma em que a empresa poderia retribuir vantagens indevidas alcançadas

através da intervenções de atores políticos.

Sobre a ótica da TEP em conjunto com a Escola Austríaca é possível observar que as

informações levantadas nas investigações sugerem que a atuação dos executivos da Odebrecht

e do BNDES possibilitou a formação do empreendedorismo político que buscava vantagens

eleitorais para os postulantes do governo. Tais vantagens geralmente eram obtidas através de

financiamento de campanha por parte de empresas, as quais financiam campanhas a fim de

obter, em uma dinâmica patrimonialista, que vai desde benefícios regulatórios e fiscais,

facilidades em licitações dirigidas, e até mesmo, acesso a crédito subsidiado de bancos públicos

como o BNDES (LOPES, 2016).

Através desta análise o trabalho conclui que é possível verificar o valor explanatório

que as duas teorias possuem para uma melhor analise das vantagens indevidas obtidas entre

agentes privados e públicos através de relações patrimonialistas.

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1. O BNDES

O Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) tornou-se um dos maiores bancos de

desenvolvimento do mundo e é utilizado como principal ferramenta de financiamento de longo

prazo em diversos segmentos da economia. O banco atua no fortalecimento da estrutura de

capital das empresas privadas e destina financiamentos não reembolsáveis a projetos que

contribuam para o desenvolvimento social, cultural e tecnológico. Vale ressaltar que podem

solicitar apoio do banco: as empresas, as pessoas físicas residentes no país, e entes da

administração pública, as associações e fundações.

No período entre 2008 e 2014, o BNDES aumentou o volume de empréstimos e,

consequentemente, sua participação na economia brasileira. A maior fatia dos dispêndios, foi

destinada a empresas privadas, seja em forma de operações de fusões e aquisições ou apoio a

projetos de investimento, na maioria das vezes, com taxas de juros subsidiadas (ROCHA,

2011).

Neste período houve também grande utilização do braço acionário do BNDES, o

BNDESPAR. Criado em 1974, o BNDESPar é uma das três subsidiárias integrais do BNDES.

Logo, juntamente com o FINAME e o BNDES PLC, o BNDESPar forma o chamado Sistema

BNDES. Este órgão teve um papel importante no processo de privatizações ao longo da década

de 1990 (CARDOSO, 2004). No cenário atual ele possui participação em algumas empresas de

setores considerados estratégicos pelo governo brasileiro.

O BNDES entende seu papel como uma ferramenta de políticas públicas que visam

“corrigir as falhas de mercado causando o menor nível de falhas de governo possível” (BNDES,

2017). Revelar a dinâmica das operações do BNDES não é importante somente para os

pesquisadores da área econômica, mas sim para toda a sociedade. Esta empresa é custeada,

essencialmente, de fundos públicos como o FAT-Fundo de Amparo ao Trabalhador e do

Tesouro Nacional, ou seja, sustenta-se, principalmente, por meio dos tributos pagos pelo

cidadão e empresas.

Para entendermos o protagonismo do BNDES na economia brasileira, o primeiro

capítulo deste trabalho discute e a trajetória de evolução do banco e suas principais

características. Tratar-se-á, também, do volume de empréstimos concedidos pelo BNDES a

partir de 2008, que é maior que a soma do total gasto federal com as funções saúde e educação

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naqueles exercícios financeiros. Tal volume é cerca de três vezes maior que o desembolsado

pelo Banco Mundial entre 2010 e 2013 (LOPES, 2016).

1.1 A trajetória de evolução do BNDES

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) foi criado em 1952 com o

objetivo de fornecer crédito de longo prazo basicamente para os setores de energia e transportes.

Depois, ampliou seu escopo para o setor de “indústria básica”, como metais, petróleo, produtos

químicos e de construção civil.

Na primeira década o banco focou em projetos de infraestrutura como, por exemplo,

Furnas e Cemig. A atuação foi data em conjunto também com algumas linhas de crédito do

Banco Mundial (ROCHA, 2011).

Já no final da década de 1950, o foco começou a deslocar-se para a incipiente indústria

siderúrgica no âmbito público. Em 1965, cria-se o FINAME, primeira subsidiária do BNDE,

com objetivo exclusivo de fornecer empréstimos a longo prazo para a compra de equipamentos

no Brasil.

Sob o governo militar (1964-85), o BNDES mudou o foco de projetos de financiamentos

públicos, geralmente de projetos de infraestrutura, para financiamento de empresas privadas.

Em 1964, o Banco já descentralizava suas operações, abrindo escritórios regionais em

São Paulo, Recife e Brasília. Além disso, passou a operar em parceria com uma rede de agentes

financeiros credenciados espalhados por todo o Brasil.

Por volta de 1980, o setor privado já recebia cerca de 80% dos empréstimos, e nesse

momento o governo já priorizava algumas empresas e setores que julgava de interesse nacional,

como mineração e tecnologia. O BNDE não só emprestava, mas também detinha parte da

participação acionária de algumas empresas.

Dessa forma, é interessante notar uma espécie de empreendedorismo do setor público

nesse momento de maiores investimentos no setor privado. Esse empreendedorismo se dá por

meio de participação acionária em empresas que possam ser interessantes economicamente para

o banco, criando, assim, uma nova forma de negócios para aumentar sua lucratividade

(LAZZARINI, 2011).

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Entre 1974 e 1982, as prioridades do BNDE foram determinadas pelo segundo Plano

Nacional de Desenvolvimento, de 1974, do governo militar, principalmente na área energética.

Após a crise do petróleo de 1979 essas atividades se intensificaram. Além disso, houve um

programa para reduzir as importações.

Neste cenário, o banco financiou a recém lançada empresa de computação nacional

Cobra (computadores e sistemas brasileiros) e outras inciativas parecidas podem ser listadas a

partir da criação de novas subsidiárias dentre elas: Insumos Básicos S.A. (Fibase), Mecânica

Brasileira S.A. (Embramec) e Investimentos brasileiros S.A. (Ibrasa). (ALMEIDA, 2009) )

Em 1982 o banco sofreu uma mudança importante, uma vez que fundiu suas subsidiárias

para constituir o BNDES participações S.A. (BNDESPar). Recebendo, assim, a

responsabilidade da administração do Finsocial e passa a incorporar o “S” ao seu nome sendo

nomeada BNDES.

O banco passou a utilizar o BNDESPAR para realizar a promoção industrial a partir de

um aumento de investimentos em ações minoritárias e majoritárias de empresas brasileiras. Esta

utilização do BNDESPAR pode ser observada ao longo da década de 1980, chegando ao final

da mesma com 45% do capital alocado em participações. A partir de então, o Banco consolidou

seu papel de investidor acionário.

Neste sentido, na década de 1990 o Banco teve um papel central no processo de

privatizações, as quais começaram nos governos Fernando Collor de Mello (1990-1992) e

foram impulsionadas, posteriormente, por Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

O Banco atuou em pelo menos três papéis nas reformas de privatizações e abertura de

mercado (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2009) sendo elas: planejamento e execução das

privatizações, financiamento dos adquirentes e compra de participações acionárias em várias

ex-estatais. Nesse sentido, a privatização da mineradora Vale pode servir como exemplo para

esses papéis. O BNDES teve forte atuação no processo por meio de seu braço acionário o

BNDESPAR e de sua coordenação com outras entidades como fundos de pensão e bancos

privados para captar os R$3,3 bilhões necessários.

Durante 16 anos compreendido entre 2001 e 2016 o Banco teve diferentes focos de

atuação, em decorrência tanto de mudanças do cenário internacional quanto de questões

relativas à economia brasileira. O atual escopo de ação do BNDES é amplo e heterogêneo. Ele

atua em praticamente todos os setores da economia, com exceção de financiamento do setor de

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armas. O BNDES se relaciona com entidades de distintas naturezas, sejam elas privadas ou

estatais. Uma de suas principais atribuições é executar a política industrial do governo federal

(ROCHA, 2011).

A atuação do BNDES pode se dar pelas seguintes modalidades: financiamentos,

recursos não reembolsáveis e subscrição de valores mobiliários. As modalidades de

financiamentos se dividem em linhas de produtos, de acordo com a finalidade do

empreendimento. Cada produto possui regras operacionais e condições financeiras específicas.

Abaixo seguem os principais produtos e tipos de financiamento disponíveis:

BNDES Finame: financiamentos para a produção e aquisição de máquinas e

equipamentos novos.

BNDES Automático: financiamento a projeto de investimento cujo valor seja, no

máximo, R$ 20 milhões.

BNDES Finem: financiamentos a projetos de investimento de valor superior a R$20

milhões.

BNDES Microcrédito: destinado a ampliar o acesso ao crédito entre os

microempreendedores formais e informais.

BNDES Finame Agrícola: financiamentos para a produção e aquisição de máquinas e

equipamentos novos, destinados ao setor agropecuário.

BNDES Finame Leasing: financiamento de aquisição isolada de máquinas e

equipamentos novos, de fabricação nacional, destinados a operações de arrendamento

mercantil.

BNDES Exim: financiamentos destinados tanto à produção e exportação de bens e

serviços quanto à comercialização destes no exterior.

As formas de apoio do BNDES podem ser classificadas como direta e indireta. A forma

direta é realizada diretamente com o próprio BNDES através de um documento que será

analisado por um comitê do Banco. Nesse documento, devem ser descritas todas as informações

sobre o empreendimento a ser auxiliado. O produto utilizado neste tipo de operação é BNDES

Finem e deve possuir valor acima de R$20 milhões (LOPES, 2016).

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Já as operações indiretas são realizadas através de instituições parceiras do BNDES.

Essas instituições financeiras devem analisar os pedidos de financiamento e realizar os

procedimentos operacionais devidos. São elas que ficam com o risco de não pagamento e devem

negociar as condições do financiamento com o cliente, respeitando regras e limites estipulados

pelo BNDES.

Existem duas modalidades entre as operações indiretas: Automática e Não automática.

A modalidade automática é atribuída para operações que não precisem passar por avaliação

prévia do BNDES e a instituição financeira faz todos os procedimentos e só pede a

homologação e liberação do recurso ao final do processo. Já a modalidade não automática exige

a aprovação prévia do BNDES por meio de envio de documentos que serão avaliados

individualmente.

Quanto ao panorama geral da atuação o BNDES divulgou um relatório operacional

intitulado “O Livre Verde” em julho de 2017. De acordo com tal relatoria, é possível que na

crise de 2008 os desembolsos do BNDES, acumulados em 12 meses a preços correntes, foram

de R$ 79,8 bilhões em agosto de 2008. Ao fim de 2009, esse valor havia atingido R$ 136,4

bilhões. As aprovações seguiram a mesma dinâmica, saindo, no acumulado em 12 meses a

preços correntes, de R$ 109,8 bilhões para atingir R$ 170,2 bilhões em 2009.

O Gráfico 1 mostra que, após uma alta em 2001, a participação do saldo das operações

do BNDES como proporção do crédito total da economia teve trajetória declinante durante

quase todo o período entre 2002 e 2008, saindo de 24,3% em 2002, para atingir 16,7% em 2008.

Contudo, após o advento da crise financeira internacional em fins de 2008, o BNDES expandiu

consideravelmente suas operações de financiamento, atingindo o auge de 21,2% do crédito total

em 2014. A partir de então, diante da retração da demanda pelos seus recursos e da revisão de

suas políticas operacionais, o BNDES teve sua participação no crédito total reduzida para

19,4% em 2016.

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Gráfico 1 - Estoque de crédito do BNDES \ estoque de crédito na economia (%)

Fonte: Banco Central do Brasil (BCB)

No que tange aos desembolsos totais do BNDES, o Gráfico 2 mostra a sua trajetória entre

2001 e 2016, tanto a preços correntes, quanto a preços constantes (de 2016, deflacionados pelo

deflator do PIB). O BNDES desembolsou R$ 112,0 bilhões, em média, a preços constantes,

durante o subperíodo 2001 e 2008. Chama a atenção, especificamente, o crescimento dos

financiamentos denominados no próprio relatório operacional como “contracíclicos” no biênio

2009-2010. Entre 2009 e 2013, essa média sobe para R$ 231,2 bilhões a preços constantes de

2016, aumentando, portanto, 106,3%.

Entre 2009 e 2013 o banco considera o seu período mais intenso de atuação, seja pelo

papel anticíclico no combate aos efeitos da crise internacional, seja pela execução de políticas

de estímulo à demanda agregada da economia, que visavam a manutenção da trajetória de

crescimento. Por sua vez, entre 2014 e 2016, os desembolsos reais do BNDES, calculados a

preços de 2016 utilizando o deflator do PIB, apresentaram contração média de 28,4% a.a.,

encerrando 2016 em R$ 88,3 bilhões, patamar muito próximo ao que vigorou no início da

década de 2000.

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Gráfico 2- Desembolsos do BNDES: preços correntes e constantes de 2016* (R$

bilhões)

Fonte: BNDES (*deflacionado pelo deflator do PIB)

No tocante aos ramos de atividade, a Tabela 1 abaixo detalha a evolução ano a ano da

composição setorial dos desembolsos. Os dados foram decompostos em quatro grandes grupos:

1 Infraestrutura; 2 Indústria; 3 Agropecuária; e 4 Comércio e Serviços. Observa-se que a

indústria foi a grande tomadora de empréstimos no BNDES entre 2001 e 2016, com 40% de

participação média, seguida pela infraestrutura (34% de participação), por comércio e serviços

(16%) e agropecuária (10%).

Tabela 1- Desembolsos do BNDES, por ramo de atividade

(% do total)

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Pela tabela é possível notar que a indústria recebeu uma parcela significativa de recursos

do BNDES durante 2005-2006. Observa-se também que o setor de infraestrutura, a partir de

2007, tem um ganho expressivo de participação relativa nas liberações do BNDES. O

crescimento expressivo do volume de recursos destinado ao setor de comércio e serviços, cuja

participação saltou de 8,6%, em 2001, para 20,7% em 2016.

Cabe comparar também a trajetória de desembolsos do BNDES em relação ao PIB para

se ter uma ordem de grandeza dos empréstimos concedidos. O Gráfico 3 elucida que após

manter uma média na casa dos 2,2% entre 2001 e 2008, os desembolsos do BNDES

aumentaram participação no PIB, alcançando 3,7% no período entre 2009 e 2013. A partir de

então, entre 2014 e 2016, a participação torna-se declinante, atingindo 1,4% do PIB em 2016,

menor valor desde 2001.

Gráfico 3- Desembolsos do BNDES/PIB (%)

Fonte: BNDES

A média do período acima demonstrado (2001 a 2016) foi de 2,7% e ficou acima da

média histórica de desembolsos desde sua fundação (1952) até o ano 2000, que representou

apenas 1,3% do PIB.

Sobre o panorama atual a quase totalidade dos recursos bancários destinados a

financiamentos com prazo de pagamento acima de cinco anos – cerca de 90% de todo o estoque

– está em ativos dos bancos públicos, sendo 53% do BNDES (dados de 2015; MADEIRA,

2017). No segmento de crédito com prazo de pagamento inferior a cinco anos, 35% do crédito

doméstico para pessoas jurídicas se dá mediante repasses do BNDES.

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Já quanto à rentabilidade, de acordo com o relatório do banco de 2017 (Livro Verde),

tanto em relação a seu patrimônio, como em relação a seu ativo total médio (ROA) – é mais

elevada do que a do BB e da CEF, ainda que levemente inferior à dos bancos exclusivamente

privados Itaú e Bradesco. O mesmo ocorre com a margem bruta de juros, em relação à carteira

de renda fixa média.

Abaixo a Tabela 2 demonstra estes dados:

Tabela 2 - indicadores de rentabilidade (dez/2016)

Fonte: Relatório BCB-Top 50 e demonstrações financeiras das instituições

Entre 2008 e 2014, já no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef, o

BNDES também atuou em projetos de larga escala, ajudou a coordenar fusões e aquisições, no

intuito de construir os campeões nacionais de diversos setores a partir em grande parte de

investimentos do BNDES Participações S.A. e empréstimos diretos.

Observa-se também no próprio relatório do BNDES que o banco possuiu um papel ativo

na tentativa de coordenar a economia brasileira neste período. Esta atuação seguiu um

planejamento macroeconômico elaborado pelo governo A próxima sessão irá justamente

debater sobre a racionalidade econômica que permeia instituições financeiras públicas de

desenvolvimento.

1.2 A racionalidade econômica de um banco público de desenvolvimento

Existe um desejo de que os governos deveriam interferir no mercado para promoverem

políticas desenvolvimentistas. O ponto de partida para esta atuação deve-se as “falhas de

mercado”. Tais falhas são provenientes da ocorrência de algum tipo de deficiência no "sistema",

ou seja, em resultados "injustos" na ordem espontânea de mercado (LORIO, 2001).

A literatura econômica comumente usa o termo “falha de mercado" para se referir a

fenômenos capazes de iluminar situações nas quais alocações vigentes não satisfazem o critério

ótimo de Pareto e por isso os custos marginais não são iguais aos seus benefícios marginais. O

ótimo de Pareto é um estado em que os recursos estão alocados da forma mais eficiente possível.

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Qualquer realocação dos recursos para melhorar a situação de um indivíduo irá necessariamente

piorar as condições de outro indivíduo. Esta maximização de eficiência na alocação traria o

maior bem-estar possível para os indivíduos.

Por sua vez, as falhas de mercado são associadas aos problemas e à maximização da

eficiência em mercados caracterizados por monopólios ou oligopólios. Do ponto de vista

estático, os monopólios criam ineficiências, cobrando preços muito acima dos seus custos

marginais que se traduzem em lucros extraordinários. Em termos dinâmicos, os monopolistas

não têm incentivos para investir em inovação tecnológica e melhora de seus produtos ou

serviços o que restringe os ganhos de produtividade da economia (CAMPOS, 2008).

A externalidade também é relevante para o surgimento de tais falhas. A externalidade

surge quando as empresas ou indivíduos realizam ações que levam em consideração somente

os benefícios e os custos privados, e não os custos e benefícios sociais. O benefício privado é

aquele restrito ao benefício do indivíduo que consome o bem ou o serviço. O benefício social

seria todo o impacto gerado para os indivíduos da sociedade. Neste caso, a externalidade é

considerada positiva quando o benefício social obtido é maior que o benefício privado. Quando

a externalidade é negativa o benefício privado é maior que o social e infere-se que exista uma

deficiência do sistema caracterizado como falha de mercado (CAMPOS, 2008).

A insuficiência de poupança privada e a restrição de crédito são exemplos de falhas de

mercado que possam gerar situações onde o Estado deva atuar (LAZZARINI, 2011). Esta

atuação pode se dar por meio de bancos de desenvolvimento e outros órgãos estatais.

Bancos de desenvolvimento no mundo são geralmente instituições financeiras

patrocinadas pelo governo, voltadas basicamente para o fornecimento de capital de longo prazo

a indústria. Existe uma perspectiva de que os bancos privados não consigam identificar com

eficácia as necessidades reais de investimento na economia (AGHION, 1999) gerando um tipo

de deficiência no sistema bancário. Finanças subsidiadas, através de bancos de

desenvolvimento, promovem novos investimentos e preenchem esse vácuo de expertise.

Em termos de política industrial, os bancos de desenvolvimento deveriam se

especializar na oferta de financiamento a longo prazo para projetos que não possuem recursos,

captando-os em centros financeiros orientados pelas taxas cobradas pelo livre mercado de fato,

o que poderia ocasionar em altíssimos custos de captação (JAYME; CROCCO, 2015).

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Seriam três as esferas de ação inter-relacionadas dos bancos de desenvolvimento numa

perspectiva de política industrial na tentativa de se coordenar o sistema bancários e solucionar

as “falhas de mercado” (LAZZARINI, 2015). Primeiro, eles devem avaliar a própria escassez

de capital no mercado privado para impulsionar projetos de longo prazo. Segundo, os bancos

de desenvolvimento podem financiar projetos de baixo retorno financeiro, mas de alto retorno

social. E, por último, os bancos podem possuir um papel promocional ao coordenar as ações

dos empreendedores, fornecendo informações relevantes para os projetos.

No caso do BNDES, foram listadas três possíveis razões básicas para a atuação deste

organismo em 1952 (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2015). A primeira premissa tem a ver com

o papel da comissão mista de Desenvolvimento Brasil-Estados Unidos, criada em dezembro de

1949. Assim, esta comissão indicou a criação do banco para o pleno desenvolvimento em áreas

estratégicas para o Brasil.

A segunda explicação para a criação do banco é a falta de crédito no mercado de longo

prazo. Isto se deve ao fato de que várias leis brasileiras dificultavam a indexação de

empréstimos atrelados à inflação, ferramenta de suma importância quando pensamos em

empréstimos de longo prazo. Desta forma, a carência de financiamento de longo prazo fez com

que surgisse o BNDE (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2015).

Uma terceira explicação era de que Getúlio Vargas criou o banco como uma entidade

autônoma, para proteger do clientelismo político e da burocracia. O banco fora criado em um

ambiente de mudanças e fortalecimento institucional, através de um programa de

corporativismo, por meio de novos sindicatos, associações empresariais que desempenhavam

uma importante função para os planos de Getúlio (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2015).

A visão sobre a necessidade de intervenção estatal consta no relatório publicado pelo

BNDES no ano de 2017 intitulado: “Livro Verde”. Neste sentido, destaca-se não somente a

importância de correção de “falhas de mercado”, mas também a função de gerar novos negócios

para economia. Abaixo um trecho do relatório defendendo uma intervenção mais ativa dos

órgão de financiamento estatal seguindo a lógica de intervenção estatal direta na economia:

A importância dos bancos de desenvolvimento na alavancagem do progresso

de um país vai além da superação das clássicas “falhas de mercado”,

argumento que serve para a defesa de uma atuação pontual diante das

incompletudes do sistema financeiro privado. Em alguns casos, como no dos

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estágios iniciais de tecnologias “disruptivas”, o nível de incerteza do

investimento é tão elevado que dificilmente será financiado pelo sistema

privado de crédito. Nesse caso, não se trata de suprir uma falha de mercado,

mas de criar novos mercados. (LIVRO VERDE, 2017, p. 38)

A partir do que foi exposto, percebe-se que o BNDES possui uma atuação ativa na

economia brasileira dentro de uma racionalidade econômica que delega ao banco um papel de

suma importância na coordenação do mercado e correção de falhas de mercado.

A próxima sessão irá analisar justamente esta atuação ativa do BNDES e também

debaterá sobre a criação do BNDESPAR como ferramenta de intervenção direta na economia

através do mercado de capitais.

1.3 BNDES e BNDESPAR: lógica e implicações

Em 2012 a revista britânica The Economist classificou o Brasil como sendo um exemplo

de capitalismo de Estado, onde o Estado possui um importante protagonismo sobre a economia

(LISSARDY, 2015). Esse protagonismo pode se dar por meio de ações de órgãos estatais como

o próprio BNDES. É importante notar que o sistema de capitalismo de laços é pautado pelo

controle e influencia estatal de setores chaves – como eletricidade e petróleo. Esta atuação se

dá por uma mescla de poder público e poder do mercado, geralmente através de investimentos

governamentais em empresas privadas. Este cenário não existe somente no Brasil, há uma

tentativa do Estado de influenciar a economia em países em desenvolvimento como os BRICS

(Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul). Principalmente após as crises econômicas dos anos

2000 a maior influência do Estado foi dada como alternativa para um sistema de livre mercado

(ALIGICA; TARKO, 2012). A intervenção estatal se dá muitas vezes na crença de correção

das falhas de mercado.

A participação do governo nas empresas, seja no Brasil ou em grande parte nesses países

em desenvolvimento, nunca deixou se ser relevante. As ditas reformas neoliberais ocorridas na

década de 1990 criaram formas de entrada do Estado nas empresas, mas não eliminaram as

intensas relações público-privado (LAZZARINI, 2011).

Muitas das privatizações foram na realidade uma mudança de participação majoritária

dos governos para uma participação minoritária, mas que acarretavam ainda uma forte

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influência estatal no mercado (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2013). A criação do órgão

BNDES Participações S.A., também conhecido como BNDESPar, foi uma das ferramentas do

governo brasileiro para aumentar sua participação na economia. Nesse sentido, dentro deste

contexto de capitalismo de Estado, o BNDESPAR foi uma ferramenta importante para a

atuação governamental na economia (LAZZARINI, 2011).

Para combater as falhas de mercado como, por exemplo, a falta de crédito, o BNDES

cria seu braço de investimentos para administrar as participações em empresas detidas pelo

banco, com a missão de desenvolver o mercado de capitais. Capitalizando empresas brasileiras

por meio de aquisição de ações ou debêntures conversíveis.

Na prática, a instituição funciona como uma espécie de “fundo de investimento” do

governo, por capitalizar, de forma direta, as empresas onde o BNDES quer investir – mantendo,

dessa forma uma participação no quadro acionário das mesmas. Criado em 1974, o BNDESPar

é uma das três subsidiárias integrais do BNDES. Logo, juntamente com o FINAME e o BNDES

PLC, o BNDESPar forma o chamado Sistema BNDES.

Neste cenário de atuação via BNDES e BNDESPAR, o governo possui uma relação

estreita com os agentes privados e acaba atuando dentro do mercado de capitais através de seus

diversos organismos e mecanismos para influenciar as decisões das empresas. Consolida-se

assim um modelo de participação do Estado em empresas de setores específicos.

Atualmente, as principais empresas onde BNDESPAR possui participação são as

seguintes:

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Tabela 3 – participação do BNDESPAR em empresas

Empresa % Participação

Fibria Celulose 29,08%

Petrobrás 24,84%

Eletropaulo 18%

Embraer 5,30%

Eletrobras 18,70%

Light 9,39%

Odebrecht Transport 10,60%

Vale 7,60%

JBS 21%

Marfrig 33%

Bombril 10,61%

Rumo Ferrovias 7,93%

SuzanoPapel e Celulose 6,86%

Coteminas 6,27%

Oi S.A. 4,63%

Fonte: BNDES (data base: 31 agosto de 2018).

Pela tabela 3 é possível verificar que essa grande participação acionária se deu em parte

por políticas industriais. Cabe lembrar que o BNDES tinha a criação de campeãs nacionais

como uma das principais estratégias de atuação. O incentivo às "campeãs nacionais" começou

por volta de 2007, por meio de empréstimos em condições generosas e compras de participação.

A primeira operação neste sentido foi a injeção de cerca de R$ 18 bilhões nos frigoríficos JBS

e Marfrig, na Lácteos Brasil (LBR), na Oi e na Fibria (LANDIM; LEOPOLDO, 2013).

A lógica de tentativa de coordenação de mercado através do BNDES para combater as

chamadas falhas de mercado acaba criando um ambiente propício para práticas em busca de

interesses próprios.

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Assim, os atores bem relacionados podem ter maior capacidade de atrair investimentos

de bancos de desenvolvimento, mesmo com oportunidade de captar dinheiro de outras fontes,

como a fonte privada (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2015).

Para possuir este bom relacionamento com o governo, uma das ferramentas empregadas

são os financiamentos de campanhas políticas por parte do setor privado. Estas doações podem

gerar certa retribuição de favores por parte dos governos e, por isso, criar um ambiente propício

para um capitalismo de compadrio (CARVALHO, 2010).

Este modelo é definido pela dependência do sucesso econômico de um projeto das

relações entre os empresários e funcionários do governo. Algumas vantagens indevidas como

concessões de empréstimos em troca de financiamento político tornam-se exemplos frequentes

dentro do âmbito do capitalismo de compadrio (CRUZ, 2011).

A doação de campanha como forma de retribuição a empréstimos concedidos ao

BNDES foi objeto de estudo de Lopes (2016). O autor fez uma avaliação das doações de

campanha e dos desembolsos do BNDES no período de 2002 a 2014 e constatou que:

Os resultados demonstraram que as doações de campanha eleitoral destinadas

a partidos coligados ao do presidente da república influenciam positivamente

o montante dos empréstimos do BNDES, e que, por outro lado, as doações

realizadas a partidos não coligados ao presidente, têm o efeito contrário. Nesta

mesma linha, encontrou-se, também, evidências de que existe relação positiva

entre a vitória do candidato destinatário das doações, notadamente para o

cargo de deputado federal, e o acesso ao crédito do BNDES (LOPES, 2016,

p. 5).

A partir desses resultados, pode-se inferir que nem sempre os desembolsos do BNDES

estão isentos de aspirações de interesses próprios. Os desembolsos direcionados a empresas que

irão ser apoiadoras de determinados grupos políticos seguem uma lógica complexa definida por

interesses próprios e tem como consequência relações patrimonialistas. Esse cenário de

intervenção através do crédito e do controle acionário levanta alguns questionamentos sobre as

premissas e racionalidade que regem o BNDES. A dinâmica de atuação do banco deve ser

devidamente explanada considerando também as intenções dos atores e suas possíveis

consequências.

A evolução das funções do BNDES chegando as grandes intervenções via mercado

acionário são características marcantes de uma atuação direta do governo na economia

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(LAZZARINI, 2011). Tal atuação pode abrir espaço para relações escusas entre o poder público

e o poder privado (IKEDA, 2003).

Assim, o próximo capitulo irá apresentar as teorias da Escola Austríaca e a Teoria da

Escolha Público (TEP) para verificar uma possível sistematização das relações patrimonialistas

observadas entre entes públicos e privados.

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2 A integração entre Teoria da Escolha Pública e Escola Austríaca de

Economia

O presente capítulo visa trazer elementos teóricos fundamentais para a compreensão de

como a Teoria da Escolha Pública (TEP) integrada com a Escola Austríaca oferece uma

abordagem útil para melhor compreender os mecanismos subjacentes ao capitalismo de Estado,

sua lógica e implicações.

Para tanto, este capítulo está estruturado em cinco grandes seções para ajudar na

construção de uma abordagem integrativa entre as duas teorias. As quatro primeiras sessões

abordarão as principais premissas das duas teorias. A última sessão apresentará as contribuições

da TEP e Escola Austríaca para uma possível sistematização de relações patrimonialistas.

2.1 Fundamentos comportamentais da TEP

A TEP tem colaborado na compreensão de vários eventos político-econômicos ao dar

uma nova visão sobre o processo de escolha dos indivíduos. O arcabouço teórico usa

basicamente insights da Economia para estudar o comportamento das pessoas com relação ao

governo e aos processos políticos, dessa maneira nos ajuda a entender a atuação política como

algo influenciado por interesses próprios, afastando-se da ideia de que o ator público só aja em

favor do interesse coletivo (TULLOCK, 2002).

Neste sentido, a presente sessão apresentará as principais características e preceitos

desta teoria. Primeiramente, será discutido a questão do interesse próprio dos agentes públicos,

não se diferenciando do ambiente privado dos indivíduos. Em segundo lugar será apresentado

o conceito a ignorância racional. Por último a sessão vai levantar os benefícios concentrados e

os custos dispersos decorrentes de ações de indivíduos em busca de privilégios encontrados

justamente em um cenário de ignorância racional.

Esta teoria introduz um ferramental analítico da economia no âmbito da ciência política

(MUELLER, 1976).

2.1.1 Auto-interesse dos agentes públicos e privados

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A questão do auto-interesse dos agentes públicos tornou-se objeto de extenso estudo

pela TEP, pois ele acaba influenciando a atuação do Governo como um todo. Esta atuação

geralmente é baseada em ações que beneficiem o interesse coletivo, que obteve grande apoio

de teorias consideradas convencionais.

A TEP se contrapôs as teorias predominantes no pós-guerra, sendo elas inspiradas na

teoria de Keynes, a qual é pautada na capacidade do processo político adotar medidas

impulsoras do bem coletivo e de o Estado ser corretor de “falhas do mercado”. A confiança no

Estado se dava a partir de uma crença em que o controle estatal sobre as variáveis econômicas

era o mais eficaz possível e que as elites tecnocratas eram motivadas principalmente pelo bem

comum (BORSANI, 2004).

A capacidade dos atores políticos de serem motivados apenas pelo interesse público foi

questionada com a consolidação da TEP no final dos anos 1950. Desde então a intervenção do

governo para a correção das “falhas de mercado” foi examinada pela TEP. Esta sugere que os

servidores públicos são seres humanos guiados pelos seus próprios interesses. Logo, o processo

de tomada de decisão por parte de políticos e burocratas segue uma mesma lógica do que a do

consumidor e do empresário (BORSANI, 2004).

Nesse sentido, não existe diferenciação de atuação do indivíduo no âmbito público e no

privado, ou seja, o sujeito sempre terá motivações próprias para a sua tomada de decisões, sejam

elas no âmbito público ou privado. Tal conceito pode ser considerado simples, mas é primordial

para a quebra de parâmetro comumente adotado pela sociologia e ciência política, de maneira

que a condução da vida pública possa ser diferente da condução da vida privada pelo mesmo

indivíduo (CRUZ, 2011).

Com a premissa de que as pessoas sempre buscam seus interesses próprios e os políticos

vivem para ganhar eleições, a teoria discute que as escolhas coletivas sempre serão resultado

de um embate de preferências individuais. Desta forma, consolida-se a ideia de que os

servidores públicos não são funcionários com a finalidade única de representar a vontade do

povo (BUCHANAN, TULLOCK, 1963).

TEP apoia-se na perspectiva econômica de individualismo metodológico. Ela utiliza

uma abordagem econômica considerando para destacar que o indivíduo (tanto na esfera pública

quanto na privada) é guiado pelo seu interesse próprio e exibe comportamentos alinhados com

a hipótese de maximização de utilidade (MUELLER, 1989).

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TEP faz usa da mesma abordagem de interesse próprio para analisar o “mercado”

político. Desta forma, ela permite o estudo da política “sem romance”. Em tal perspectiva os

agentes são guiados por incentivos e, por isso, um ambiente de contratos com transparência e

mecanismos de freios e contrapesos (checks and balances) fazem-se indispensáveis para evitar

abusos de poder (BUCHANAN, 1984).

Sendo assim, a TEP apoia-se na metáfora de mercado político para compreender as

motivações econômicas dos agentes públicos e as consequências econômicas da capacidade

que eles têm de interferir na troca de direitos de propriedade e na vida econômica através de

regulações, impostos, subsídios, créditos direcionados a determinados grupos de interesse

(TULLOCK, SELDON, BRADY, 2002).

2.1.2 Ignorância Racional

A abordagem econômica do comportamento político, a TEP, faz-nos refletir sobre como

as decisões coletivas são construídas, principalmente na escolha dos representantes públicos.

Vale ressaltar que a decisão eleitoral também se dá em contexto de informação assimétrica.

Ademais, os custos da ação coletiva tendem a ser dispersos e os benefícios, concentrados.

Com relação à tomada de decisão eleitoral, pode-se dizer que o candidato tenta extrair as

preferências dos eleitores para prometer o que eles querem (TULLOCK, SELDON, BRADY,

2002). Entretanto, vale lembrar que eleitores têm conhecimento limitado e não possuem

informações completas sobre os candidatos, gerando, assim, consequências de suas ações em

termos de ganhos pessoais e de bem-estar coletivo.

Além disso, o indivíduo racional percebe que seu voto não define o resultado de uma

eleição (DOWNS,1957). Logo, o custo marginal para um eleitor mediano se informar sobre os

impactos da ação coletiva e investidas dos representantes políticos comumente supera o

benefício marginal. Ademais, o sistema de maioria amplamente utilizado gera algumas

considerações importantes por parte de dos especialistas em TEP (BORSANI, 2004). Por outro

lado, grupos de interesse financiam campanhas para obterem rendas de privilégio em um

ambiente de interação, no qual os custos de determinadas intervenções do Estado na economia

são dispersos e os benefícios concentrados (BUTLER, 2015).

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Os benefícios podem ser entendidos como uma questão de se incentivar uma determinada

área na economia. A isenção do imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a indústria

automobilística pode ser um bom indício de incentivo dado pelo governo a uma indústria

específica em detrimento de arrecadação, vista como custo para a sociedade (PEREIRA, 2007).

Assim temos um exemplo de custos dispersos, entendido como a arrecadação que não foi

contabilizada e o benefício dado a indústria automobilística.

Desta maneira, a TEP prevê que candidatos fazem recorrentemente promessas pouco

críveis para eleitores mal informados (importantes em um regime de votação com regra de

maioria) e beneficiam de fato grupos de interesse bem informados que financiam as suas

campanhas. Tal abordagem permite examinar criticamente a visão de que a intervenção do

Estado na economia maximiza bem-estar social e resolve falhas de mercado (MURAMATSU;

ORLANDI, 2017).

2.2 Falhas de Mercado e de Governo?

O arcabouço analítico da TEP não permite apenas o estudo das falhas de mercado, mas

também as de governo. Isso se deve, em parte, ao esforço de iluminar as mesmas motivações

dos agentes na vida privada e pública. De certa forma, a TEP deu uma visão mais clara e realista

sobre o funcionamento do mercado político (PEREIRA, 2007). Nessa sessão, apresentam-se e

discute-se as falhas de mercado e as de governo a fim de destacar o valor explanatório da TEP

e suas implicações.

2.2.1 Falhas de mercado

Os estudiosos da TEP levantam sérias dúvidas sobre a real eficácia das intervenções

governamentais na economia para corrigir as “falhas de mercado” (BUTLER, 2015).

A literatura econômica comumente usa o termo “falha de mercado" para se referir a

fenômenos capazes de iluminar situações nas quais alocações vigentes não satisfazem o critério

de Pareto

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de eficiência e por isso os custos marginais não são iguais aos seus benefícios marginais.

Exemplos comuns envolvem monopólios naturais, externalidades, bens públicos e padrões de

interação com informação assimétrica ( HOLCOMBE, 2002).

Dentro desta perspectiva, as falhas constituem desvios de um benchmark de mercado sob

concorrência perfeita e sem custos de transação. Em tal estrutura de mercado idealizada, os

únicos preços existentes são aqueles que garantem o resultado da coordenação dos interesses

de todos os vendedores e compradores em toda a economia.

A existência dessas “falhas de mercado” comumente é apresentada para justificar

intervenções do Estado na economia através de regulações, investimentos públicos, subsídios,

tributação, etc. Todavia, a TEP nos permite examinar consequências de intervenções que fazem

com que as trocas de direitos de propriedade sejam efetuadas por servidores públicos e

burocratas (ao invés dos mecanismos impessoais subjacentes ao sistema de preços). Neste

sentido, a TEP traz um programa de investigação pautado por uma abordagem interdisciplinar

que almeja entender as “falhas de governo” (PEREIRA, 2007).

2.2.2 Falhas de governo

A ideia de “falhas de governo” surgiu como contraponto às concepções políticas

dominantes após o fim da segunda guerra mundial (BORSANI, 2004). Neste período, as ideias

de Keynes influenciavam as teorias que acreditavam na capacidade do Estado em acabar com

as falhas de mercado e beneficiar a sociedade como um todo através de políticas públicas e

tomadas de decisões pautadas no interesse comum.

As “falhas de governo” são também consideradas a partir de formas ideais de atuação dos

governantes e do funcionamento da democracia em si (PEREIRA, 2007). Inspirados pelo

Keynesianismo e ótimas aspirações de planejamento dos mercados durante o século XX,

economistas tomam para si a tarefa de engenharia social e consideram que servidores públicos

e burocratas podem fazer escolhas maximizadoras do bem-estar da sociedade (PEREIRA,

2007).

A TEP oferece ferramentas para entendermos que isso só seria possível se os governantes

conseguissem captar todas as informações disponíveis. Esta crença de atuação isenta por parte

do poder político é crucial para entendermos os verdadeiros motivos das “falhas de governo”,

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as quais estão pautadas na lógica de que governos não conseguem capturar as preferências

exatas dos cidadãos e nem avaliar exatamente os custos e benefícios sociais (na margem) de

cada tarefa decisória na esfera pública (PEREIRA, 2007). Todavia, os governos dificilmente

irão (e tampouco poderão) conhecer as vontades e preferências endógenas de seus eleitores.

Isso dificulta estimar o que seria o interesse comum (BUTLER, 2015).

As “falhas de governo” emergem da dificuldade de uma interferência do Estado na

economia capaz de resolver o complexo problema de coordenação dos interesses dos indivíduos

e dos grupos. A tentativa de corrigir as “falhas de mercado” através de intervenções

governamentais comumente abre espaço para a criação de um ambiente de interação com

incentivos para que grupos de pressão busquem a obtenção de privilégios para garantir rendas

econômicas e trocas de direitos de propriedade com o Estado.

2.2.3 Consequências das “falhas de governo”

A impossibilidade de o Estado resolver o problema da coordenação das ações individuais

no mercado e alocar recursos de modo eficiente promove consequências perversas, tais como

mecanismos de transferência de renda e de destruição de riqueza.

Desta forma, cria-se um ambiente propício para a busca por rendas econômicas por meio

de privilégios concedidos pelo poder político que é chamada de atividade de rent-seeking. A

última se potencializa em um ambiente de relações econômicas personalistas em que direitos

de propriedade são trocados via o governo (MURAMATSU; ORLANDI, 2017).

As “falhas de governo” são tratadas dentro da TEP como uma consequência da própria

atuação governamental. Elas possibilitam relações patrimonialistas entre agentes públicos e

privados.

Uma consequência importante da busca de rendas é o próprio fortalecimento de um sistema

de relações de patrimonialismo econômico (crony relations) presentes em um arranjo

institucional chamado de capitalismo de laços ou compadrio. Quando isso ocorre, a

rentabilidade de um negócio passa a depender das conexões políticas entre servidores públicos,

burocratas e agentes do setor privado (HOLCOMBE 2013).

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2.3 Sobre capitalismo de laços e suas relações de patrimonialismo econômico

Como destacado antes, uma elevada intervenção governamental na economia pode gerar

consequências perversas, como a proliferação de incentivos para grupos de interesse caçarem

rendas de privilégio e distorções alocativas e distributivas. Tal relação privilégios propicia uma

ampla rede de troca de favores, criando verdadeiras relações de compadrio na esfera dos

mercados.

O Capitalismo de Estado constitui um sistema econômico no qual o Estado funciona

como um importante agente econômico que interfere na ordem do mercado principalmente para

obter ganhos políticos (ALIGICA; TARKO, 2012).

Esta sessão investiga como as práticas de busca de renda de privilégio (rent-seeking

activities) acabam sendo institucionalizadas e criam um sistema de compadrio entre agentes

privados e públicos, que por sua vez geram resultados não intencionais perversos para a geração

de riqueza e alocações eficientes.

2.3.1 A lógica do rent-seeking

O rent-seeking é definido como atividades que envolvem a busca de obtenção de

privilégios por meio de ações legais e ilegais tais como, busca por monopólio, zoneamento

especial, protecionismo, subornos, ameaças e restrições à importação. Essa prática envolve

necessariamente uso de recursos para tentar capturar uma renda criada artificialmente através

de intervenções do Estado na economia (TOLLISON, 1982).

Tal tarefa envolve a tentativa de alguns grupos particulares persuadirem servidores

públicos e burocratas sobre a importância de lhes conceder monopólios ou privilégios legais

(ou ilegais). Se a iniciativa de extrair renda extra resultante da conexão política for bem-

sucedida, haverá uma significativa transferência de renda da população para estes grupos

beneficiados (BUTLER, 2015). Esses monopólios geralmente não apenas distorcem os preços

fazendo com que os consumidores paguem preços muito mais elevados do que os que seriam

normalmente cobrados, mas também têm de adquirir bens e serviços de qualidade inferior

àqueles oferecidos em um ambiente de maior liberdade econômica.

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Foi justamente a literatura sobre rent-seeking que permitiu uma análise mais sistemática

da lógica econômica dos grupos de interesse que cooperam com agentes públicos (PEREIRA,

2007). As formas de intervenção governamental resultam quase sempre na criação de “rendas

de monopólio”, ou rendas associadas a preços regulados, não condizentes com preços de

mercado. Essas rendas são um prêmio que vale a pena lutar, e por isso existem as intervenções

do Estado na economia, as quais despertam o interesse e moldam incentivos dos grupos de

interesse (TULLOCK, 1971).

Existe realmente um ganho exponencial com a aquisição de privilégios em diversas

situações. Como exemplo podemos citar os benefícios da indústria automobilística com a

adoção de medidas protecionistas a importações. Se os fabricantes de carros conseguirem

utilizar a pressão necessária para influenciar os legisladores haverá um ganho considerável para

eles. Esta pressão é chamada de lobby, e é exercida por diversos atores de diferentes setores.

Este esforço por influência consome grandes quantias de capital para uma atividade considerada

improdutiva (BUTLER, 2015).

O tempo, esforço, dinheiro e habilidades das diversas pessoas são desperdiçadas em uma

atividade improdutiva. O rent-seeking acaba sendo uma atividade custosa para a sociedade à

medida que apenas determina qual privilegio será concedido para qual grupo de interesse.

O rent-seeking ilumina a dificuldade em se produzir uma política de interesse coletivo. A

escolha dos servidores públicos é tão motivada pelos interesses próprios das partes envolvidas

quanto as tarefas decisórias dos indivíduos na esfera privada.

Vale salientar que quanto maior for a estrutura estatal, maior será a chance do rent-

seeking obter sucesso. Desta forma, maior será a perda potencial para a sociedade se os

privilégios forem concedidos (BUTLER, 2015).

2.3.2 Rent-Seeking premia o sistema capitalista de laços

Parece lugar comum afirmar que a evolução das atividades de busca por rendas de

privilégios alimenta uma ampla rede de troca de favores, criando relações de compadrio. Haverá

assim a solidificação de um capitalismo de laços, pautado em um modelo no qual há uma grande

influência do grupo de políticos em exercício no poder sobre os diversos órgãos do governo.

Essa influência propicia a retribuição de favores de grupos de interesse que ajudaram aos

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políticos a chegar ao poder público. Constrói-se assim um ciclo de benefícios concedidos por

agentes públicos e privados (LAZZARINI, 2011).

O capitalismo de laços em si associa-se diretamente com o que se denomina como

sociedade de rent-seeking. Esta sociedade emana de um governo grande, com interferência em

diversos setores sociais econômicos e, assim, o sucesso de diversos negócios e

empreendimentos dependem das relações do poder privado com o poder político

(HOLCOMBE, 2013).

As relações de laços de interesse são impulsionadas e fortalecidas em um ambiente no

qual o Estado funciona como o um importante agente econômico usando o mercado

principalmente para obter ganhos políticos (ALIGICA; TARKO, 2012). Tal sistema de

consolidação de patrimonialismo econômico também é tratado na literatura como capitalismo

de Estado (HOLCOMBE, 2013)

2.3.3 Capitalismo de Estado e suas bases de compadrio

Após as crises do sistema financeiro na primeira década dos anos 2000, houve a expansão

e o fortalecimento do sistema de capitalismo de Estado no qual o governo passa a ter o papel

principal de promover a economia. Esse sistema mescla o poder do Estado com o poder do

capitalismo e está sendo adotado por diversos países, principalmente os países em

desenvolvimento (THE ECONOMIST, 2012).

O capitalismo de Estado acaba por institucionalizar as relações de compadrio em diversos

âmbitos da sociedade. A intensa atuação do governo para corrigir as chamadas “falhas de

mercado” acaba criando um ambiente propício para essas relações de compadrio que podem ter

consequências severas para a sociedade. Segundo Aligica e Tarko (2012), as intervenções são

justificadas para atender os interesses nacionais do país e as demandas estratégicas de

determinados grupos de pressão (ALIGICA; TARKO, 2012).

O sistema de capitalismo de Estado pressupõe que o governo tem o papel de promover

o crescimento da economia através do planejamento e da escolha de empresas ou setores

estratégicos para a expansão do mercado doméstico e aprofundamento da nação no processo de

divisão internacional do trabalho. Para tanto, o Estado utiliza instrumentos financeiros –

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abertura de capital de estatais e concessão de créditos - para impulsionar negócios das empresas

escolhidas e sua internacionalização (ECONOMIST, 2012).

De acordo com Lazzarini e Musacchio (2018), o modelo de capitalismo de Estado, isto é,

o modo de participação do Estado na economia e negócios tem se transformado ao longo do

tempo. Em suas próprias palavras:

O Leviatã empreendedor é um modelo que o Estado controla, financia e

gerencia empresas(...) O modelo de Leviatã como investidor majoritário

envolve empresas ou grupos estatais em que o Estado é controlador, mas conta

com a presença de outros investidores... é o caso, por exemplo, de estatais...

como Petrobrás... Há ainda o modelo de Leviatã como investidor minoritário,

envolvendo participações menores do Estado em empresas controladas por

investidores privados. (p. 68).

A pesar dos desafios e consequências das intervenções estatais na esfera dos mercados, o

sistema de capitalismo de Estado ganhou adeptos no século XXI em vários países como uma

alternativa ao livre mercado (MUSACCHIO E LAZZARINI, 2014).

Existem quatro atores principais para o funcionamento do sistema de capitalismo de

Estado: Companhias estatais de gás e petróleo, empresas estatais, empresas campeãs nacionais

privados, fundos soberanos. Com esses 4 elementos é possível enxergar claramente o princípio

operacional elementar deste sistema econômico, que é pautado a submeter os mercados para o

poder político (BREMMER, 2009). O Estado domina assim o mercado e consegue obter ganhos

políticos e econômicos através de ferramentas do livre mercado. Este domínio acaba por minar

o próprio livre mercado ao dar vantagens e privilégios para certos setores.

Desta maneira, esses 4 atores são essenciais para o funcionamento do capitalismo de

Estado. As empresas nacionais de gás e petróleo são, em sua grande maioria, controladas pelo

Estado. As empresas estatais em outros setores são geralmente monopólios constituídos a partir

de uma ideia de soberania nacional que não irá, necessariamente, prover altos lucros, mas que

são imprescindíveis para a afirmação de posições políticas.

As empresas campeãs nacionais são o terceiro ator do sistema e que, embora privadas,

estão sobre o patrono dos governos que lhes dão ajudas financeiras e regulatórias quando

preciso for. Essas empresas são domésticas, mas possuem grandes ambições para se tornarem

exportadoras globais e, de certa forma, gerar receitas e amplitude política para os governos. Por

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último, os fundos soberanos passam a desempenhar um papel crucial nos mercados de capitais

ao selecionar setores e/ ou empresas para investir (BREMMER, 2009).

Com o auxílio desses quatro atores, alguns governos como, por exemplo, os da China e

Rússia ofereceram o sistema econômico de capitalismo de Estado como alternativa para o

sistema de livre mercado. Essa ação foi mais fácil após a grande perda de confiança no sistema

de livre mercado, consequência das crises observadas ao longo dos anos 2000 (ALIGICA;

TARKO, 2012).

Criou-se, assim, um cenário perfeito para um forte papel exercido pelo governo na

economia. Esse sistema sustenta o argumento de que este possa fornecer, ao mesmo tempo,

estabilidade com crescimento consistente. É de fato muito tentador para um governo acelerar o

processo de uma empresa, visto que o capital privado talvez demorasse anos para fazê-lo.

Entretanto, o Estado acaba selecionando e fortalecendo empresas em uma ponta e acaba

destruindo pequenas empresas na outra. Cria-se uma desconfiança para os próprios investidores

dos mercados de capitais, que não possuem segurança para investir em setores e empresas que

não estejam “protegidas” pelo governo (LISBOA; LATIFF, 2013).

Esta atuação do poder público que intermedeia e regula as relações sociais e econômicas

parece ser uma característica marcante do capitalismo de Estado, que constrói ao longo do

tempo mecanismos de intervenção com ampla magnitude e extensão.

A influência estatal acaba também favorecendo as pessoas e grupos que estão mais

conectados com governo do que com as boas práticas administrativas. A forte atuação do

governo acaba institucionalizando uma forte relação de compadrio entre o setor público e

privado na qual a sociedade interage com o Estado através de práticas de rent-seeking

(LISBOA; LATIFF, 2013)

Para uma melhor análise das motivações e atuação do governo na tentativa de

coordenação do mercado, o próximo capitulo trará os pressupostos básicos da Escola Austríaca

de Economia. A Escola Austríaca (EA) fornece uma grande contribuição para a TEP em seu

estudo de dinamismo de mercado, assim como para uma análise de falhas de mercado e falhas

de governo importantes para se compreender o fortalecimento destas relações patrimonialistas.

2.4. Pressupostos básicos da Escola Austríaca

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A Escola Austríaca possui características próprias que formaram uma compreensão mais

profunda sobre os fenômenos econômicos através do estudo dos processos dinâmicos dos

indivíduos. Os austríacos consideram essencial entender as implicações do constante

empreendedorismo em busca de oportunidades. Ao mudar o foco de estudo dos modelos

estáticos para uma análise do processo de mercado, a Escola Austríaca traz um novo olhar sobre

a ciência econômica pautado na capacidade humana de constante transformação e inovação.

Para entendermos as principais contribuições da Escola Austríaca a presente sessão irá

levantar primeiramente os principais pressupostos básicos desta Escola organizados por

Boettke (2012). Posteriormente, irá apresentar a importante concepção dinâmica do mercado

defendida pelos austríacos. Ao final, após dar um apanhado geral sobre a teoria austríaca, serão

apresentados alguns pontos principais de distinção entre a Escola Austríaca e a Escola

Neoclássica.

2.4.1 Pressupostos básicos da Escola Austríaca

Peter Boettke (2012) sintetizou em 10 preceitos básicos as principais características dessa

escola de pensamento econômico:

Pressuposto 1: Apenas indivíduos escolhem.

Adoção de um individualismo metodológico para entender as ações de cada indivíduo e

suas possíveis consequências não intencionais.

Pressuposto 2: Estudo da ordem de mercado é fundamentalmente sobre o

comportamento de troca e sobre as instituições em meio as quais essas trocas ocorrem.

Estudo sobre trocas considerando o mercado como um “Katallasso”, termo de origem

grega para se referir a introdução de membros em uma comunidade a partir da troca.

Pressuposto 3: Os fatos das ciências sociais são aquilo que as pessoas acreditam e

pensam.

A ciência humana deveria focar os objetivos e crenças dos indivíduos, e a ciência humana

pode e deve utilizar do subjetivismo para entender como as pessoas tomam suas decisões.

Pressuposto 4: Utilidade e Custos são subjetivos.

A escola austríaca se utiliza do preceito que os custos também são subjetivos, pois eles

são determinados pelo valor atribuído ao uso alternativo de recursos. Desta forma, temos que

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utilidade e custo irão depender do valor estipulado por cada indivíduo, não podendo ser

calculado objetivamente.

Pressuposto 5: O sistema de preços economiza a informação que as pessoas necessitam

saber para proceder com suas decisões.

Preços sinalizam e informam valores de troca, mas não necessariamente demonstram

todas as informações possíveis. Desta forma, eles possibilitam uma coordenação de ações

descentralizadas, sem, contudo, garantir a eficácia dessa coordenação. Assim, temos um cenário

de conhecimento dispersos e dificuldade em se coordenar o mercado.

Pressuposto 6: Propriedade privada como condição necessária para cálculo econômico

racional.

A propriedade privada é muito importante para a escolha de alocação de recursos

escassos. Ela é responsável por manter os mercados, os preços e, consequentemente, a

racionalidade na alocação de recursos.

Pressuposto 7: O mercado competitivo é um processo de descoberta empresarial.

As informações essenciais de mercado são descobertas e não dadas. Assim o

empreendedor possui um papel importante para reconhecer oportunidades no mercado. O

sistema de preços e a economia de mercado são mecanismos de aprendizado, que guia os

empreendedores para um caminho de maior lucratividade e alocação eficiente de recursos. As

instituições de certa forma podem atrapalhar esse processo de aprendizado.

Pressuposto 8: Moeda não é neutra.

A moeda, como meio de troca, pode afetar toda a cadeia de produção, ou seja, o governo

deve tomar cuidado com a implementação de políticas monetárias, pois estas alteram e

distorcem o cenário de investimento e de tomada de decisão no processo produtivo de um país

como um todo.

Pressuposto 9: Estrutura de capital possui bens heterogêneos com usos não específicos

que precisam ser alinhados.

A produção de um bem como um carro possui diversas etapas de investimento, desde a

etapa de compra de matéria-prima a ser utilizada imediatamente até os investimentos em

projetos futuros. Desta maneira, se existir distorções no mercado e nos preços, os investidores

serão impactados e provavelmente haverá perda de recursos.

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Pressuposto 10: Instituições são resultado da ação humana e não exatamente do desenho

humano.

As mais importantes instituições da humanidade foram construídas ao longo do tempo e

não planejadas e impostas por entidades. Assim, as línguas, as leis e os mercados foram criados

ao longo da história pela própria ação dos indivíduos que agiram de forma a melhorar seu bem-

estar. Desta forma, a coordenação é mais favorável quando os indivíduos possuem um

protagonismo central e não burocratas que tentam dimensionar o que será mais benéfico a

sociedade.

2.4.2 Concepção Dinâmica de mercado

A partir desses pressupostos, entendemos que a Escola Austríaca considera o agente

econômico como Homo sapiens e não como Homo economicus, uma vez que existe uma

complexidade de informações e ignorância racional muito grande influenciando a tomada de

decisões dos indivíduos (HOLCOMBE, 2002). O que existe é o indivíduo na forma de

empreendedor sempre buscando oportunidades, de forma constante e dinâmica. Falar deste

dinamismo criado a partir da ação humana é crucial para entendemos a Escola Austríaca.

Neste sentido, os austríacos consideram que existe uma competição dinâmica, com o

mercado sendo influenciado por diversos componentes e resultante de ações individuais o

tempo todo, sendo muito difícil seu pleno entendimento e coordenação. Desta forma, é muito

difícil também estipularmos parâmetros, visto que o subjetivismo embutido no processo de

tomada de decisão torna a missão de compreender os processos causais quase impossível.

A Escola Austríaca, portanto, tenta muito mais compreender as ações dos indivíduos do

que prever possíveis acontecimentos através de informações estáticas. A partir deste apanhado

geral dos principais pressupostos teóricos de tal grupo, a presente sessão irá seguir com as

principais diferenças entre a Escola Austríaca e a Escola Neoclássica.

2.4.3. Escola Austríaca e a Escola Neoclássica

A Escola Austríaca possui algumas visões diferentes em relação à Escola Neoclássica.

De Soto (2010) organiza essas visões começando justamente com a própria concepção dinâmica

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de mercado. Esta é a primeira e principal diferença entre a Escola Austríaca e a Escola

Neoclássica, pois nos revela que os austríacos consideram a Ciência Econômica muito mais

como uma ciência de ação do que de decisão.

Sendo assim, o mais importante para os austríacos não é que se tenha tomado uma

decisão, mas quais foram as ações humanas que levaram a esta decisão. Essas ações passaram

por um processo dinâmico que produz uma série de interações e coordenações que devem ser

o verdadeiro foco de estudo dentro da Ciência Econômica. Desta forma, esta ciência precisa

tratar os processos de interação social, que podem ou não ser coordenados dependendo da

capacidade dos agentes envolvidos nas ações.

Este foco de estudo difere do adotado pela Escola Neoclássica que pressupõe que exista

um conhecimento estático sobre os fins e os meios e que o objetivo de análise seja refletir sobre

a utilização dos bens escassos para melhor satisfazer as necessidades humanos. A Escola

Neoclássica torna a ciência econômica uma ciência meramente técnica, que tenta resolver

problemas de optimização de recursos através de informações dadas.

Os austríacos, por sua vez, acreditam que a ciência econômica deva estar em um contexto

muito mais amplo, que abranja a capacidade humana de procurar e criar novas oportunidades,

ou seja, de encontrar meios alternativos de atingir fins.

Um segundo aspecto crucial de diferenciação entre a Escola Austríaca e a Escola

Neoclássica é o subjetivismo adotado pelos austríacos (DE SOTO, 2010). Este subjetivismo

adotado pelos austríacos identifica que os bens materiais são frutos da ação humana e de sua

capacidade intelectual. Os neoclássicos possuem uma visão objetiva de que as riquezas são

elementos da natureza, criadas através de fenômenos objetivos ou fatores exteriores.

O terceiro elemento teórico adotado pelos austríacos é o subjetivismo também das

informações disponíveis. O constante e dinâmico empreendedorismo por parte dos indivíduos

gera informações com caráter subjetivo, ou seja, de cunho prático e disperso. A informação é

criada a partir de uma ação humana e não de um processo de tomada de decisão sobre alocação,

conforme acredita a Escola Neoclássica.

Por último, o quarto aspecto que os austríacos consideram é de haver uma força de

coordenação da atuação do empreendedor. Aqui tem-se um conceito de que o empresário irá

atuar em ambientes oportunos para o lucro, geralmente encontrados a partir de comportamentos

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desajustados que ocorrem na sociedade. Após atuar em uma oportunidade a mesma desaparece,

produzindo-se assim um processo espontâneo de coordenação.

A coordenação da atuação do empreendedor nos revela uma importante diferença sobre

o foco de atuação de cada Escola. Para os austríacos, a concorrência dinâmica deve ser vista

como o problema fundamental e colocada como foco de estudo. Por sua vez, os neoclássicos

dão importância aos modelos de equilíbrio pautados em informações estáticas.

Os neoclássicos se atentam ao entendimento da concorrência perfeita, monopólio e

concorrência imperfeita. Já os austríacos não acreditam em um equilíbrio estático, pois os

indivíduos sempre gerarão ou transmitirão novas informações a partir do empreendedorismo,

dando combustível para novas percepções dos meios e objetivos de toda a sociedade. Essa

constante transformação sempre irá oferecer novas oportunidades para os indivíduos em um

ciclo interminável.

Como o foco para os austríacos deve ser a concorrência dinâmica, faz sentido estudarmos

os problemas econômicos de forma inter-relacionadas (LORIO, 1997). Os estudiosos

neoclássicos acreditam que exista um ajustamento perfeito entre as variáveis dentro de um

modelo estático. Esses estudiosos acabam chegando a conclusões errôneas quanto às relações

de causa e efeito entre os diferentes fenômenos econômicos. A utilização do equilíbrio de Pareto

acaba barrando uma análise mais efetiva sobre as verdadeiras motivações e implicações das

relações econômicas.

Portanto, os austríacos acreditam que a análise dinâmica é um instrumental fundamental

que permite confrontar as teorias que utilizam métodos empíricos pautados no modelo de

equilíbrio de Pareto, sem levar em consideração o dinamismo inerente ao ser humano. Este

conceito será mais aprofundado na próxima sessão, na qual iremos entender as lacunas da

Teoria de Escolha Pública (TEP) para possíveis contribuições da Escola Austríaca.

2.5 Lições da Escola Austríaca para a Escolha Pública

Conforme exposto na sessão anterior, os austríacos consideram essencial entender as

implicações da ação humana para a coordenação. Ao adotar uma concepção dinâmica do

mercado, a Escola Austríaca contribui em diversos aspectos para a Teoria da Escolha Pública

(TEP).

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A pressente sessão irá levantar os principais pontos de contribuição entre essas duas

teorias. Em primeiro lugar, será tratado o tema sobre a visão estática do mercado político e

equilíbrio de Pareto utilizados pela TEP. Em segundo, será discutida a dificuldade de

coordenação do mercado através de intervenções estatais. Por último será examinado o

empreendedorismo político dos servidores públicos e seus efeitos sobre os distintos

mecanismos de criação e transferência de renda.

2.5.1 Visão estática de política e equilíbrio de Pareto utilizados pela TEP

Ao colocar o indivíduo como foco de observação dentro da esfera pública e privada, a

TEP constrói o importante conceito sobre “falhas de governo”. Este conceito infere que os

indivíduos também possam atuar em busca de interesses próprios dentro do universo político.

Além do auto interesse, as “falhas de governo” podem ser iluminadas sobre uma ótica de

assimetria de informações, inclusive contanto com a ignorância racional dos eleitores.

Porém, como a TEP é resultado da abordagem econômica tradicional, ela ainda preserva

a análise do equilíbrio tendo como referência o critério de Pareto para tratar “falhas de governo”

e “falhas de mercado”.

Assim, a TEP leva em conta que qualquer desvio do equilíbrio ótimo de Pareto seja um

resultado de informação assimétrica e custos de informação. Os economistas da TEP inferem

que a prática de rent-seeking também na esfera pública fere o interesse coletivo e traz custos

sociais.

Por sua vez, a Escola Austríaca se opõe a uma visão de maximização de bem-estar social

e obtenção de Pareto ótima. Os austríacos não acreditam em “falhas de mercado” e suas teorias

evitam utilizar agregados homogêneos, tendo como pressuposto que o conhecimento e

expectativas variam conforme o agente (LORIO, 1997).

A Escola Austríaca não utiliza um modelo estático pautado por concorrência perfeita,

monopólio, oligopólio e concorrência monopolística. Para ela, existe uma tendência ao

equilíbrio entre a oferta e demanda advindos do empreendedorismo dinâmico (LORIO, 1997).

Assim, infere-se que surja uma ordem espontânea de mercado a partir da própria atuação

humana. Os indivíduos sempre irão buscar oportunidades, criando e transmitindo novas

informações para toda a sociedade.

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Estas novas informações acabarão mudando a percepção dos indivíduos e,

consequentemente, irão influenciar a decisão dos mesmos nos mercados. Esse fator demonstra

como as informações estão em constante transformação, não sendo possível capturá-las para a

utilização em um modelo estático que vise estudar o equilíbrio de Pareto.

Desde sempre os economistas austríacos inspiram-se nos seus grandes representantes –

Mises e Hayek – para enfatizar a complexidade das interações humanas, a questão da

coordenação e o processo de mercado. Sendo assim, o mercado por hipótese tem falhas e isso

não possui qualquer conotação negativa. Para a Escola Austríaca, o subjetivismo das ações

humanas e o nosso conhecimento limitado impõem que somente os próprios indivíduos

envolvidos nas atividades econômicas possam ponderar se elas são eficientes ou não.

As expectativas, o conhecimento das preferências dos bens e as conjecturas empresariais

são criadas pelos próprios agentes sobre diversas influências individuais. A escola austríaca

utiliza esse subjetivismo das escolhas individuais para contestar a análise neoclássica de

equilíbrio, levando em conta a complexidade advinda das diversas forças de mercado. Desta

forma, não podemos entender por completo e muito menos prever as respostas individuais as

várias oportunidades em ambientes específicos de mercado (BARBIERI, 2001).

Existe, assim, um ponto importante de contribuição da Escola Austríaca para a TEP por

meio de uma aplicação de individualismo metodológico associada a uma visão sobre o mercado

competitivo levando em conta um cenário de ignorância radical, subjetivismo e consequência

não intencionais das ações humanas.

Para um completo entendimento da utilização dos recursos para o interesse coletivo faz-

se necessário configurar um padrão de informações sobre todos os usos alternativos de tais

recursos. Essa tarefa torna-se mais difícil em um cenário de distorção causado pelas constantes

interferências do Estado na economia.

Essas interferências geralmente visam acabar com as chamadas “falhas de mercado”.

Entretanto, os austríacos não acreditam em “falhas de mercado” e, consequentemente, não

observam uma real eficácia na atuação do Governo para criar uma engenharia de mercado que

busque um equilíbrio de Pareto (LORIO, 1997). O próximo item desta sessão irá debater sobre

a tentativa de coordenação do mercado pelo Estado e as “falhas de governo” consequentes desta

atuação.

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2.5.2 Dificuldade de coordenação do mercado pelo Estado

Os austríacos acabam duvidando da real capacidade dos agentes públicos em alocar de

forma eficiente os recursos disponíveis. Além do mais, a tentativa de criar uma engenharia de

mercado que utilize o critério de Pareto acaba estimulando as “falhas de governo”.

Ao adicionar a complexidade das escolhas humanas à análise da economia, a Escola

Austríaca nos mostra as diversas forças atuantes no mercado, criando um sistema econômico

complexo de adaptação a mudanças frequentes e desconhecidas pelos próprios agentes,

formando uma ordem espontânea auto organizável. Nesse cenário, não haveria possibilidade de

os agentes públicos coordenaram suas decisões com uma alocação considerada eficiente de

recursos.

A utilização da racionalidade desses agentes públicos em suas tarefas não

necessariamente geraria um equilíbrio de mercado. Desta forma, Mises (1949) considera que

mesmo possuindo apenas boas intenções e sem sofrer influências individualistas, os agentes

públicos não teriam como fazer escolha Pareto eficientes.

Vale destacar, ainda, que a Escola Austríaca complementa a Escolha Pública no sentido

que abre espaço para uma visão alternativa de mercado e eficiência econômica mais próxima

de Adam Smith do que a de Pareto. Isso porque, as instituições são tidas como eficientes se

ajudarem as pessoas a realizarem suas próprias trocas mutuamente benéficas, permitindo assim

que os indivíduos possam ser agentes do seu próprio destino. Devido ao subjetivismo associado

à ação humana e ao nosso conhecimento limitado, apenas os próprios indivíduos podem saber

se as alocações são eficientes para eles.

A Escola Austríaca já parte do preceito de que o conhecimento prático é diferente do

teórico. Para Friedrich August von Hayek (1945), em seu artigo “A Pretensão do

Conhecimento” (1945), muitos gestores públicos não possuem o conhecimento prático

necessário para as atuações governamentais na economia. Assim, eles não teriam como

coordenar o mercado de forma eficiente por falta de conhecimento dispersos e formulados

individualmente.

Segundo o autor, o próprio mercado funciona como um mecanicismo coordenador de

conhecimento disperso entre seus agentes. Os indivíduos conseguem apenas ter parte da

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informação disponível e irão atuar preferencialmente em áreas que possuam conhecimento

prévio. (HOLCOMBE 2002).

Através de um excesso de confiança sobre o funcionamento de fenômenos complexos por

parte de políticos, existe uma intervenção estatal que possibilita o surgimento de práticas como

rent-seeking, relações de compadrio e corrupção. Esses são bons exemplos de falhas resultantes

desta tentativa de coordenação, que gera oportunidades ou demandas por novos controles do

mercado (MURAMATSU, ORLANDI, 2017).

A Escola Austríaca contribui com a TEP ao colocar em foco as “falhas de governo”

advindas da criação de engenharia de mercado que utilize o critério de Pareto. Ela também

demonstra que os mercados irão sempre funcionar, ou seja, os preços sempre irão responder

aos estímulos de oferta e demanda. Para os austríacos os governos deveriam interferir nas

instituições que cercam o mercado, e não intervir, diretamente, no mercado em si. Desta forma,

ao tentar controlar diretamente os preços, o governo acaba causando distorções da ordem

espontânea e dando oportunidades para uma atuação de grupos de interesse.

A atuação do governo para tentar coordenar o mercado também acaba estimulando o

surgimento de oportunidades de organização de grupos de interesses que vão buscar ativamente

vantagens individuais. A seguir a sessão irá debater a forma ativa de atuação destes grupos.

2.5.3 Empreendedorismo político

A última contribuição analisada será a atuação de agentes públicos como empreendedores

políticos de forma ativa. Esta atuação é justamente estimulada pela tentativa de coordenação de

mercado. Assim, ao acreditar em “falhas de mercado”, os governantes acreditam que possam

interferir no mercado sem gerar efeitos colaterais, mas acabam criando as “falhas de governo”.

A tentativa de coordenar o mercado cria um ambiente favorável ao empreendedorismo

político, com pontes de comunicação direta entre poder público e poder privado, no qual grupos

de interesse atuem em busca de rendas.

A escola Austríaca acaba contribuindo para o rent-seeking com a premissa de que os

próprios políticos e os agentes públicos explorem oportunidades de criação de demanda pelos

seus serviços para a facilitação de concessões e transferências de rendas. Temos assim, uma

colaboração importante para a TEP ao enfatizar que esses agentes públicos também atuem de

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maneira ativa, ou seja, buscando interessados em seus serviços, e não somente recebendo

pressão externa do mundo privado (DILORENZO, 1988).

Para Holcombe (2002), o empreendedorismo político ocorre quando um indivíduo age

para ter ganhos através da política. A oportunidade de ganho pode ser dividida em duas

categorias: a produtiva e a predatória. A oportunidade produtiva de ganho se dá quando os

empreendedores e agentes privados da economia conseguem aumentar seus lucros através de

eficiência governamental. A oportunidade predatória se dá no aumento dos lucros através de

transferência de recursos e propriedades de um indivíduo para outro.

O empreendedorismo político pode ocorrer mesmo em um contexto de implementação

de uma política nacional desenvolvimentista, construída para uma maior eficiência de mercado

através da venda de facilidades. Temos assim um cenário de transferência de riqueza com custos

disseminados para a sociedade (DILORENZO 1988).

Para a Escola Austríaca, a própria questão de intervenção governamental na economia já

vem ligada ao preceito de transferência de renda, pois ela favorece um indivíduo ou grupo em

detrimento de outros indivíduos (MISES; 2010).

As oportunidades são encontradas e trabalhadas de maneira diferente entre

empreendedorismo de mercado e político. O empreendedorismo político está atrelado a uma

realocação de recursos de forma imposta por alguns agentes públicos, de forma a implementar

suas preferências. A “mão coercitiva” do Estado geralmente leva a uma ineficiente alocação de

recursos.

No mercado privado, os indivíduos geralmente se especializam em uma área em que

possuam mais conhecimento e irão atuar para otimizar seus lucros. Essa atuação ocorre de

forma voluntária, sem necessariamente criar custos por falta de informação. As ações dos

empreendedores políticos geram custos aos indivíduos e os penalizam justamente por não

possuírem conhecimento em áreas que não são especializados.

Desta forma, o alto custo de oportunidade para se informar em diversas áreas que são

alvo de ações governamentais acaba garantindo que a maioria dos indivíduos permaneçam

desinformados, resultando em um ambiente ótimo para o aproveitamento de oportunidades

predatórias (HOLCOMBE 2002).

Os atores políticos sempre irão em busca de oportunidades através de informações que

não sejam de conhecimento de grande parte dos indivíduos. Com as ferramentas disponíveis de

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coerção, eles acabam conseguindo atuar de forma predatória. Os indivíduos desinformados

acabam sendo prejudicados por meio dessa atuação de transferência de recursos imposta sem o

consentimento dos mesmos. A participação no mercado privado é consensual entre as partes,

já no mercado político ela é imposta.

Deste modo, a escola Austríaca contribui também para a TEP ao apontar que os custos

das atividades ligadas ao rent-seeking não são apenas recursos usados e transferidos aos

interessados, mas que causa distorções em todo o mercado e em seus processos. Aqui, temos

uma grande importância dada as consequências não intencionais das intervenções e regulações

governamentais, pois elas podem bloquear e distorcer o processo dos agentes privados de busca

por oportunidades de mercado (MURAMATSU, ORLANDI, 2017).

Um aspecto negativo deste intervencionismo, atrelado a um aumento de atividades de

rent-seeking e esquemas de compadrio, é que ele acaba barrando mecanismos de geração de

riqueza (EBELING, 2016). As relações de rent-seeking institucionalizadas, podem distorcer os

mercados na medida que a viabilidade e lucratividade dos empreendimentos passem a depender

quase que exclusivamente de conexões políticas e de empreendedorismo político predatório.

Esta atuação do governo com empresários acaba por distorcer o que o mercado demanda

de fato (consumidores) e coloca em prática apenas o que os envolvidos em esquemas de

privilégios impoem a sociedade. A Escola Austriaca também defende que as intervenções do

governo atreladas as relações de favoristimo demantelam os costumes públicos, minando a

capacidade de indignação e da distinção entre o bem e o mal (MURAMATSU, ORLANDI,

2017).

2.5.4 Análise das contribuições

A utilização dos preceitos da Escola Austríaca complementam a análise da economia feita

pelos estudiosos da TEP. Os Austríacos sugerem que a coordenação política que utilize o

equilíbrio de Pareto não será eficaz e poderá gerar oportunidades para “falhas de governo’’

Por sua vez, a TEP complementa a Escola Austríaca com seu vasto e rico estudo das

atividades de rent-seeking na sociedade como um todo, incluindo o mundo político. Do ponto

de vista conceitual, Ikeda (2003) acredita que para manter sua consistência metodológica a TEP

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deveria colocar de lado as premissas de equilíbrio e informações perfeitas do mercado, sem,

entretanto, abrir mão a perspectiva individualista do mundo político.

O empreendedorismo político exprime a atuação ativa por parte dos agentes públicos que

buscam privilégios. Não são somente os empresários que buscam se beneficiar. Neste caso, a

doação de campanha como retribuição para os agentes públicos é a forma em que o rent-seeking

pode se manifestar.

Ao adicionar um framework (arcabouço) econômico para as análises dos processos

políticos que integra a Teoria da Escolha Pública e Escola Austríaca de econômica, esta

dissertação propôe que “falhas de governo” merecem investigação sistemática. Isso porque, a

tarefa explanatório consiste em desvendar e interpretar relações patrimonialistas entre o banco

público de desenvolvimento econômico brasileiro BNDES e empresas privadas (como a

Odebrecht) em um ambiente de mercado de pouca liberdade econômica entre 2008 a 2014.

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3 Estudo de caso sobre conexões entre Odebrecht, BNDES, políticos e burocratas: uma

análise

A criação de empresas – “campeãs nacionais” – acaba por privilegiar certos grupos

econômicos que possam retribuir os benefícios por meio de dinheiro de campanha e outras

formas de apoio político, como aprovação de emendas parlamentares que ajudem as empresas

privadas (LOPES 2016). Estas ações possibilitam interpretações no âmbito do capitalismo de

compadrio, em que a concessão de benefícios segue uma via de mão dupla: os atores privados

retribuem privilégios concedidos por meio de doação de campanha ou até mesmo diretamente

em bens materiais aos agentes públicos.

Este modelo de capitalismo de compadrio é motivado pela grande atuação do Estado na

economia. No cenário nacional, existe intervenção estatal em setores selecionados para oferecer

benefícios específicos, a qual tem sido vista como um mecanismo legítimo e fundamental para

se promover o desenvolvimento econômico e social (LISBOA; LATIFF, 2013)

No caso recente do Brasil, houve uma grande utilização do BNDES como uma importante

força motriz para a prática da política econômica estipulada pelos governos de Luís Ignácio

Lula da Silva e Dilma Rousseff (LISBOA; LATIFF, 2013). Nesse sentido, o crédito

desembolsado triplicou nos dois mandatos do presidente Lula em relação aos mandatos de

Fernando Henrique Cardoso, chegando a cerca de R$709,2 bilhões de reais. E entre 2010 e

2015 já nos governos de Dilma foram R$709,2 bilhões de reais desembolsados. A empresa

Odebrecht foi beneficiada por diversos atos do governo e se tornou o maior destino de

empréstimo do BNDES de todas as linhas de crédito por dois anos seguidos: 2012 e 2013

(LOPES 2016).

Existe, portanto, um convite para uma análise mais sistematizada de como a prática de

rent-seeking foi institucionalizada levando em consideração a promoção do governo de uma

política econômica pautada no desenvolvimento nacional.

Considerando essa discussão, o presente capitulo trará um estudo de caso sobre as

relações da Odebrecht com o BNDES no período de 2008 a 2014 para mostrar o valor

explanatório da teoria da Escolha Pública (TEP) com Escola Austríaca para entender as

vantagens indevidas adquiridas através da interface governo e grupos privados.

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Será utilizada a Teoria da Escolha Pública em conjunto com a Escola Austríaca para

relacionar atuação do banco em um âmbito das ações tomadas para financiar os diversos

projetos da empreiteira Odebrecht. O estudo de caso objetiva exemplificar a institucionalização

de atividades de rent-seeking e compadrio realizados entre entidades privadas e grupos políticos

através de ações governamentais pautadas pelo critério de equilíbrio de Pareto.

O trabalho sugere que a Odebrecht exerceu no período o papel de rent-seeker

(compradora de rendas de privilégio). Os agentes públicos, por sua vez, são empreendedores

políticos (vendedores de rendas de privilégio da conexão política) que colaboraram para a

consolidação de um esquema engenhoso de pagamento de propina e vantagens obtidas por meio

de empréstimos e licitações.

As investigações no âmbito da “Operação Lava-Jato” e o acordo de leniência assinado

com a empreiteira destacam que a distribuição de propina através de doação legal e ilegal de

campanha tornou-se institucionalizada.

Inspirada pelas lentes combinadas da Teoria da Escolha Pública e da Escola Austríaca de

Economia, esta dissertação explora a conjectura de que tal comportamento ou padrão de

interação emerge e evolui em um ambiente econômico patrimonialista, no qual os contratos

públicos são superfaturados e enviados para empresas que beneficiam as campanhas de

candidatos com doações. A “Operação Lava-Jato” e o acordo de leniência fornecem insumos

relevantes para uma intepretação inspirada numa perspectiva teórica explanatória para

desvendar os nexos das interações dos compadres doadores de campanha, governos e burocratas

do BNDES.

3.1 A Odebrecht e o Ministério Público Federal (MPF)

A Odebrecht tornou-se a maior construtora do Brasil em 2008 e viu-se envolvida em um

dos escândalos de corrupção mais bem estruturados do mundo. O pagamento de propina foi

uma das formas em que o rent-seeking se manifestou. A própria maneira em que a empresa

buscou negócios através de relações de compadrio demonstra também que entidades privadas

são rent-seekers, ou seja, prospectoras de rendas e vantagens indevidas.

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Para se entender melhor este contexto de vantagens indevidas é necessário observar a

trajetória da empresa até seu envolvimento com as investigações do Ministério Público Federal

(MPF) no âmbito da “Operação Lava-Jato”.

O grupo Odebrecht surgiu na Bahia e ganhou o país com obras de grande porte. Entre as

empresas do grupo está a construtora Norberto Odebrecht, que entre 2003 e 2014 triplicou o

seu patrimônio líquido se consolidando como a maior construtora do país no final deste período,

com R$ 9,14 bilhões em patrimônio.

A Organização Odebrecht (ou Grupo Odebrecht, ou apenas Odebrecht) é um

conglomerado empresarial brasileiro de capital fechado que atua em diversas partes do mundo

nas áreas de construção e engenharia, química e petroquímica, energia, entre outros. A empresa

foi fundada pelo engenheiro pernambucano Norberto Odebrecht, no ano de 1944, em Salvador,

no estado da Bahia, e está presente em 21 países distribuídos por todo o Continente Americano,

na África, na Europa e no Oriente Médio

A empresa ganhou força com contratos firmados com o governo militar na década de

1970. Ela participou da construção da sede da Petrobras, do campus da Universidade Federal

do Rio de Janeiro e do aeroporto do Galeão, todos no Rio de Janeiro. Ela ganhou destaque entre

2003 e 2014, no governo petista, quando o patrimônio da empresa triplicou.

De modo geral, o grupo desenvolve e gerencia projetos de infraestrutura, em colaboração

com parceiros públicos e privado. Além de infraestrutura uma ampla gama de serviços, a

empresa se expandida ao longo dos anos e chegou a realizar projetos até na área de segurança

nacional ( MANETTO, 2018).

Os projetos internacionais começaram a ganhar destaque ao final da década de 1980,

quando já representavam cerca de 30% dos contratos em carteira. Neste aspecto, em 1991 a

empresa conseguiu o primeiro contrato de uma empreiteira brasileira para realizar uma obra

pública nos Estados Unidos. Em 1993, houve a conquista do primeiro contrato em regime de

concessão fora do Brasil: o Acesso Oeste a Buenos Aires, na Argentina.

A partir de 2000, a empresa começa com uma intensa diversificação de negócios. O grupo

Odebrecht cria em 2006 a Odebrecht Óleo e Gás, por meio da qual a organização retoma os

investimentos em perfuração offshore. No mesmo ano a Braskem, braço petroquímico do grupo,

se torna a maior empresa do setor da América Latina.

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Outro exemplo de diversificação é a criação da Odebrecht Defesa e Tecnologia, em 2011,

voltada para apoiar o desenvolvimento da indústria brasileira de Defesa. Em 2013, a Odebrecht,

junto com a EBX, empresa de Eike Batista, faz parte do consórcio que irá administrar o

Maracanã, pelos próximos 30 anos.

Em 2014, a Organização Odebrecht faz 70 anos, com atuação diversificada por meio de

15 negócios, três Fundos de Investimento e cinco Empresas Auxiliares. A história de

crescimento e expansão da empresa também foi espelhada em dados financeiros. Abaixo é

apresentada a evolução da Odebrecht em dados financeiros no período de 2003 a 2014:

Gráfico 4: Patrimônio líquido Odebrecht

*Valores correntes de janeiro de 2016 corrigidos pelo IPCA

Fonte: Revista "O Empreiteiro" / CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção)

3,01

3,823,43

2,55 2,83

3,954,46

5,58

6,5

7,447,96

9,14

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Patrimônio (R$ bilhões)

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Gráfico 5: Faturamento Odebrecht

*Valores correntes de janeiro de 2016 corrigidos pelo IPCA

Fonte: Revista "O Empreiteiro" / CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção)

Os gráficos 4 e 5 sugerem a crescente evolução do patrimônio e faturamento a partir de

2007. O faturamento da empresa caiu em 2014, pois a empresa se viu envolvida em

investigações do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU),

que culminaram com a prisão de seu presidente Marcelo Odebrecht e interrompeu um amplo

crescimento e destaque entre as empresas nacionais. Os impactos geraram um processo de

renovação praticamente total no seu Conselho de Administração, com a inclusão de maioria de

conselheiros independentes contratados no mercado.

A Operação Lava Jato conduzida pelo Ministério Público Federal (MPF) investigou

diversos delitos supostamente cometidos pela empresa. O MPF começou com a investigação

da lava jato em 2013 e, desde lá, várias empresas brasileiras e estrangeiras se viram acusadas

de corrupção. Em novembro de 2014, a Polícia Federal deflagrou uma nova fase da Lava Jato,

que envolveu buscas em grandes empreiteiras, como a Construtora Odebrecht, Camargo

Corrêa, Andrade Gutierrez e outras empreiteiras companhias.

Indícios da investigação apontavam que a Odebrecht participava de carteis que

organizavam licitações de obras públicas e corrompiam diretores da Petrobras. Tais indícios

constavam em agenda do executivo Márcio Faria, ligado à Construtora Odebrecht.

5,346,25

6,98

4,124,97

7,69 7,988,7

11,912,3 12,1

8,35

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Faturamento (R$ bilhões)

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Em dezembro de 2016, o grupo Odebrecht admitiu o pagamento de propina em 12 países

para centenas de políticos, e firmou com os Estados Unidos, Suíça e Brasil um acordo de

leniência de U$3,5 bilhões de dólares.

O próprio MPF organizou as informações de suas investigações e as disponibilizou para

o público em geral, o que facilitou para se ter uma noção das práticas de corrupção da empresa.

A partir dessas informações, soube-se que, ao final de 2016, a Odebrecht admitiu ter concedido

cerca de U$1bilhão de dólares a agentes públicos em 12 países em troca de contratos em obras

públicas. Esse resultado só foi possível com a cooperação envolvendo investigadores do MPF

do Brasil, do departamento de Justiça dos Estados Unidos e da Procuradoria-Geral da Suíça.

O Departamento de Justiça Americano (DOJ) coordenou a elaboração do acordo e o

considerou como o maior acordo de leniência sobre pagamento de propina da história. O

esquema de propina que começou em 2003, conforme a própria empresa, intensificou-se ao

longo dos anos e se sofisticou ao ponto de envolver diversos países. Somente no Brasil foram

aproximadamente U$349 milhões pagos em propina conforme expresso no item 33 do acordo

de leniência, o qual segue:

33. Começando em princípios de 2003 e intensificando-se até

aproximadamente 2016, Odebrecht causou cerca de U$349 milhões em

propinas distribuídas para partidos políticos, oficiais externos, e

representações no Brasil para assegurar vantagens indevidas para obter e reter

negócios para a empresa. A Odebrecht beneficiou-se de mais de U$1.9 bilhões

através destes pagamentos de propinas” (ACORDO DE LENIENCIA, 2016,

p. 12).

A Odebrecht mantinha uma complexa rede de empresas fantasmas e contas bancárias

espalhadas para disfarçar o pagamento de propinas. Estas propinas eram pagas para se garantir

contratos de serviço da empresa com órgãos públicos em diversos países. A engenharia contábil

era tão complexa que a empresa construiu uma área interna denominada “Departamento de

Operações Estruturadas”. De acordo com o MPF, esta divisão da empresa era responsável pelo

ocultamento e pagamento sistemático de propina para funcionários públicos de diversos países.

No acordo de leniência, existe uma sessão inteira apenas para falar sobre a área de

operações estruturadas. Com a contribuição de 4 ex-funcionários da empresa, o acordo relata

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com detalhes como a área atuava, no item 27 é apontado como os funcionários operavam

financeiramente:

Para amparar a atuação criminosa da Odebrecht, a área de operações

estruturadas administrava e distribuía fundos que a empresa nunca havia

relatado em seus balanços. Estes fundos não declarados eram gerados de

diversas maneiras pela Odebrecht, dentre elas: taxas cobradas de suas

subsidiarias, sobretaxas de serviços contratados para projetos, ativos não

declarados oriundos de fusões e compras de empresas e transações internas

entre áreas de negócios”. (ACORDO DE LENIENCIA, 2016, p. 10).

Após levantar os recursos não declarados, várias transações eram realizadas em diversos

países para acobertar a origem ilícita do dinheiro. Foram usadas diversas contas de empresas

de fachada e contas de bancos menores em diversos países até os recursos chegassem aos

destinatários finais.

A investigação também descobriu que os operadores desses pagamentos usavam um

sistema sofisticado de comunicação, repleto de códigos para dificultar o rastreamento. Além

disso, diversos países foram envolvidos no esquema. De acordo com os relatos no acordo de

leniência foram pagos mais de U$439 milhões para governos e entidades no plano internacional

conforme descrito abaixo:

Entre 2001 e 2016 a Odebrecht fez cerca de U$439 milhões em pagamentos

de propina para políticos e agentes públicos de outros países incluindo

Angola, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala,

México, Moçambique, Panamá, Peru e Venezuela. Os recursos destinavam-se

a assegurar vantagens indevidas em contratos para a Odebrecht nesses países.

A Odebrecht conseguiu cerca de U$1,4 bilhões em benefícios advindos dos

contratos nestes países”. (ACORDO DE LENIENCIA, 2016, p. 10).

Dentro do acordo de leniência foram separados os valores pagos em território brasileiro e

os pagamentos feitos para governos no exterior. Isso ajudou a investigações em outros países

como no caso do Peru, onde o ex-presidente Alan García foi acusado de recebimento de propina

da empresa (NAKAGAWA, 2018). Para uma melhor compreensão da atuação da Odebrecht e

dos valores pagos em propina seguem, abaixo, as principais informações levantadas no tratado

de cooperação judicial entre a empresa e os órgãos judiciais dos países (TAVOLIERI, 2016):

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1.Brasil: De acordo com a investigação e o contrato de leniência, descobriu-se o esquema

de propina desde de 2001 até 2016. A Odebrecht desembolsou U$349 milhões em propina e,

como resultado, garantiu ganhos em contratos de quase U$2 bilhões. Já a Braskem, subsidiária

do grupo, autorizou o pagamento de U$250 milhões em subornos durante o período.

2. Angola: A empreiteira admitiu ter desembolsado cerca de U$ 50 milhões em propinas

a funcionários do governo entre 2006 e 2013, em troca de participação em obras públicas. A

empresa afirma ter conseguido um retorno de U$260 milhões com obras no país.

3. Argentina: Os pagamentos ilícitos chegaram a U$ 35 milhões a intermediários do

governo durante a construção de ao menos 3 obras. Segundo a justiça americana, os subornos

de 2007 e 2014 geraram ganhos de U$278 milhões no país.

4. Colômbia: 2007 e 2014 a empresa gastou cerca de U$11 milhões com intermediários

no país, que garantiram uma receita de U$51 milhões no país.

5. República Dominicana: A empresa atou com esquema ilícitos neste país durante quase

13 anos, de 2001 a 2014 desembolsando U$93 milhões e auferiram mais de U$160 milhões em

ganhos.

6. Equador: De 2007 e 2016. No total, a Odebrecht desembolsou 33,5 milhões de dólares

e obteve, em troca, benefícios que somaram mais de 116 milhões de dólares.

7. Guatemala: Para participar de diversas concessões a Odebrecht U$18 milhões ao longo

de 2013 e 2015. Segundo as investigações, os ganhos passaram U$34 milhões no país.

8. México: Entre 2010 e 2014, a empresa pagou cerca de U$11 milhões e conseguiu obter

U$ 39 milhões em estimativas da investigação.

9. Moçambique: Entre os anos de 2011 a 2014, a empresa afirmou ter pagado cerca de

U$900 mil a agentes públicos para ter suas obras aprovadas no país.

10. Panamá: Para conquistar diversos contratos entre 2010 a 2014, a empresa pagou U$

59 milhões em subornos e obteve cerca de U$ 175 milhões em ganhos.

11. Peru: Entre 2005 e 2014, a empresa desembolsou U$29 milhões em propina para

intermediários e conseguiu cerca de U$143 milhões em ganhos segundo estimativas do MPF.

12. Venezuela: De acordo com o MPF, o país foi o que mais recebeu propinas, na ordem

de U$98 milhões entre 2006 e 2015.

Conforme verificado, existem dados abundantes e diversos sobre os esquemas de

pagamento de propina pela empresa. Tal ação tornou-se a maneira pela qual o rent-seeking se

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manifestou no caso das buscas de privilégios em meio às operações da Odebrecht com agentes

públicos ao redor do mundo.

Criou-se um amplo esquema de corrupção pautado por uma engrenagem estruturada, a

qual atuava dentro e fora da empresa, de forma que incluía um departamento interno de propina

e uma ampla rede de ocultação e lavagem de recursos financeiros. A atuação da empresa em

busca de novos negócios para alimentar esta engrenagem sugere que houve uma busca contínua

de ganhos através de vantagens indevidas (LOPES, 2016).

As diversas reuniões com o alto escalão do governo e até mesmo o acompanhamento dos

executivos da empresa em viagens internacionais com agentes públicos demonstram que

Odebrecht foi uma rent-seeker, ou seja, uma prospectora de privilégios através de conexões

políticas.

Tais fatos foram expostos em delação premiada do ex-presidente da empresa Marcelo

Odebrecht, em 2017. Em longos e sucessivos relatos a uma numerosa equipe de procuradores

da República, o mais poderoso empreiteiro do país escancarou negociatas, tráfico de influência,

fraudes em licitações bilionárias, conluios e a corrupção que atingiu as mais altas instâncias do

poder público (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2017).

Marcelo Odebrecht afirma que houve o pagamento de propina em forma de doação de

campanhas para partidos políticos, principalmente para os que estavam no poder na época,

como o Partido do Trabalhadores. O empresário diz, em delação, ter feito depósitos em contas

ligadas a supostos operadores do partido entre 2004 até 2017.

Além de doações ao partido, havia pagamento de propina direta para agentes públicos. O

empresário entregou e-mails à justiça que comprovavam, segundo ele, a contribuição para

compra de um terreno que serviria para a construção do Instituto Lula, instituto do ex-presidente

Luís Inácio Lula da Silva. As 21 mensagens, trocadas entre 2010 e 2012, foram encontradas

pelo próprio Marcelo em seu computador, e servem de provas para amparar sua delação

premiada. Em um dos e-mails o executivo pede para seu funcionário, Paulo Melo, ordenar o

pagamento em três parcelas de R$ 1,5 milhão.

Esses mesmos valores aparecem em planilha mantida pelo setor de propinas da Odebrecht

descoberta por investigações da “Operação Lava Jato”, em 2015. Os valores aparecem em

planilha intitulada “italiano” relacionadas à linha descritiva “Prédio IL”.

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Antônio Palocci, que era ministro da casa civil na época dos pagamentos, confessou ser

o “italiano” da planilha que gerenciava as operações estruturadas da Odebrecht. Palocci foi

preso na “Operação Omertà”, desdobramento da “Operação Lava Jato”, em setembro de 2016,

e condenado a 12 anos e 2 meses de prisão. Ele confessou em depoimento ter gerenciado

propinas pagas pela Odebrecht os políticos do Partido dos Trabalhadores (VASSALLO, 2017).

Assim, TEP em conjunto com a Escola Austríaca fornecem a interpretação de que a

Odebrecht pode ter agido como uma rent-seeker, na medida que buscou relações próximas a

pessoas que possuíam influência nas escolhas do órgão estatal. Por sua vez, essa perspectiva

teórica também corrobora com a ideia de que os agentes públicos busquem relações

patrimonialistas.

Essa ideia é também respaldada pelo fato de outros quatro delatores da empresa

Odebrecht foram julgados e condenados à prisão por pagamento de propina. Este caso se deu

com Quatro executivos da Odebrecht - Rogério Araújo e Márcio Faria, por corrupção e

lavagem, e Olívio Rodrigues Junior e César Ramos Rocha por lavagem - foram condenados e

vão cumprir penas acordados em suas delações.

A acusação apontou pagamento de propina entre o período de 2010 a 2014 na construção

do complexo petroquímico de Suape (Pernambuco) realizada pela Odebrecht para a empresa

estatal Petrobras, que também teve seus executivos presos.

Os pagamentos de propina somam cerca de R$32 milhões enviados em diversas contas

no exterior para obter vantagens indevidas em prestações de serviço de engenharia.

Sobre as propinas pagas no caso, a juíza Gabriela Hardt relata em sua sentença sobre os

acusados que:

Quando a corrupção é sistêmica, as propinas passam a ser pagas como rotina

e encaradas pelos participantes como a regra do jogo, algo natural e não

anormal, o que reduz igualmente os custos morais do crime... a constatação

de que a corrupção era rotineira, evidentemente, não elimina a

responsabilidade dos envolvidos, servindo apenas para explicar os fatos

(AFFONSO, 2018. p.1)

De acordo com a denúncia encaminhada pelo Ministério Público Federal (MPF), nesse

caso existiriam três núcleos de atuação dos pagamentos de propina objetivando vantagens

indevidas. A denúncia diz que o primeiro núcleo era composto por executivos de empreiteiras

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que buscavam obter tratamento favorecido em licitações e aditivos em contratos de prestação

de serviço com a estatal conforme relatado abaixo:

Para que o esquema criminoso pudesse funcionar de forma mais eficiente, os

altos executivos dessas empresas, direta e indiretamente, ofereciam e

pagavam propina a agentes públicos da Estatal, com base em porcentuais dos

valores dos contratos e aditivos. Com tais pagamentos esses executivos

objetivavam manter o cartel funcionando perfeitamente, bem como a obtenção

de tratamento favorecido às empresas de que faziam parte em licitações,

contratos e aditivos com a PETROBRAS. (MPF, 2018 p. 3)

O segundo núcleo apontado na denúncia era composto pelos próprios executivos da

Petrobras, que garantiriam a obtenção de privilégios para os empresários:

O segundo núcleo era integrado por diretores e gerentes da PETROBRAS,

que, mantidos em seus cargos mediante o apoio dos integrantes do núcleo

político, recebiam propinas das empreiteiras contratadas pela Estatal. Esses

funcionários recebiam, em favor próprio e dos demais membros do esquema,

valores provenientes de contratos firmados pela PETROBRAS com as

empresas integrantes do primeiro núcleo. Em contrapartida, valendo-se de

seus altos cargos, não só não turbavam o funcionamento do cartel das

empreiteiras, como garantiam que aquelas que se sagravam vencedoras nas

licitações tivessem tratamento favorecido na celebração e execução dos

contratos. (MPF, 2018 p. 4)

O terceiro núcleo seria composto por políticos e agentes públicos que poderiam

influenciar os cargos dos empresários da Petrobras, conforme demonstrado na denúncia abaixo:

O terceiro núcleo, por sua vez, fazia-se composto por agentes políticos com

mandato ou agentes próximos ao poder político, os quais, utilizando-se de

agremiações partidárias, indicavam e mantinham no cargo funcionários do

alto escalão da PETROBRAS, em especial os Diretores. Recebiam, em

contrapartida, uma parte dos valores indevidos pagos pelo núcleo empresarial

em decorrência dos contratos firmados com a Estatal. Os valores de propina

destinados ao núcleo político do esquema tinham como destinatários tanto os

agentes pessoas físicas como os próprios partidos político. (MPF, 2018. p. 5)

Por hora apenas executivos da Odebrecht e Petrobras foram condenados pela justiça. Os

políticos possuem foro privilegiado e deverão ser julgados por outras instâncias. Contudo, é

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interessante notar a troca de favores envolvendo agentes públicos e privados em uma

perspectiva de rent-seeking. A busca por vantagens indevidas dos executivos da Odebrecht em

contratos com a estatal sugere uma criação de relações de compadrio para obtenção de

benefícios.

Os depoimentos resultaram em mais 76 inquéritos abertos pela Procuradoria-Geral da

República, os quais serão conduzidas pelo ministro Edson Fachin, relator da “Operação Lava

Jato” no Supremo Tribunal Federal. Tais inquéritos serão tratados em tal tribunal, pois

envolvem deputados, senadores, governadores, ministros e outros políticos que detêm foro

privilegiado.

No exterior, existem também diversas investigações em andamento que ligam políticos a

pagamentos de propinas via Odebrecht. O vice-presidente do Equador, Jorge Glas, foi

condenado a 6 anos de prisão pela Corte Nacional de Justiça do país. A Corte considerou que

Jorge recebeu pagamentos indevidos do gerente de projetos da construtora no Equador, José

Conceição Santos (ESPANHA, 2017). Houve uma troca de favores em que o político facilitava

concessões para prestação de serviço e a empresa depositava recursos em contas relacionadas

ao Jorge Glas. A propina recebida chegou a U$33 milhões de dólares.

Marcelo Odebrecht ainda se viu envolvido em inquéritos sobre pagamentos indevidos

para manter influencia dentro do BNDES. Delatores da Odebrecht disseram ter gasto uma

verdadeira fortuna para acelerar acesso a créditos com dinheiro público, através do BNDES

(LOSEKANN, 2017). As delações dão detalhes de pagamentos a pessoas próximas de órgãos

estatais como a Câmara de Comércio Exterior (Camex) e conselheiros do próprio BNDES para

influenciar nas escolhas das empresas prestadoras de serviços a serem financiadas pela

instituição.

Essas delações de executivos da Odebrecht estão ainda em fase de investigação sem ter

gerado uma sentença final do poder judiciário e sem poder contribuir, por hora, para análises

mais profundas. O avanço das investigações, julgamento e sentença dos processos serão de

suma importância para gerar insumos relevantes para uma intepretação inspirada numa

perspectiva teórica explanatória para desvendar os nexos das interações empresários e o

BNDES.

A TEP em conjunto com a Escola Austríaca fornecem a interpretação de que a Odebrecht

pode ter agido como uma rent-seeker, na medida que buscou relações próximas a pessoas que

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possuíam influência nas escolhas do órgão estatal. Por sua vez, essa perspectiva teórica também

corrobora com a ideia de que os agentes públicos buscam relações patrimonialistas.

O empreendedorismo político observado na delações e julgamentos expostos pode ser

interpretado pelo referencial teórico proposto como uma consequência da intervenção estatal.

Importante lembrar que o governo brasileiro estimulou o crescimento da Odebrecht através de

uma política nacional desenvolvimentista que visava criar as chamadas campeãs nacionais. Para

tanto, o Estado utilizou o BNDES como ferramenta para a implementação desta política

(MANCUSO, 2015). A Odebrecht abocanhou cerca de 80% de todo o crédito de exportação do

banco para serviços de engenharia na última década, o que demonstra seu papel como principal

destino de investimentos do banco.

As operações realizadas pelo BNDES possuem algumas características próprias que podem

acentuar a busca por vantagens indevidas (LOPES, 2016). Sendo elas destacadas abaixo:

1- Altos volumes financeiros envolvidos.

2- Controle deficiente: já que por possuir natureza jurídica de direito privado, o

BNDES não obedece rigorosamente aos ditames do direito financeiro e da lei de

licitações para transacionar no mercado, como as regras aplicáveis à administração direta,

autárquica e fundacional.

3- Critérios de decisão subjetivos na decisão sobre a escolha dos projetos a financiar

4- Falta de legitimidade: já que o parlamento, que representa o cidadão, diferentemente do

que acontece no orçamento federal, possui pouca influência nas decisões do banco.

Os altos volumes financeiros envolvidos são um grande prêmio a ser conquistado por

interesses próprios. A TEP em conjunto com a EA torna possível interpretar que a tentativa de

se coordenar o mercado pode abrir espaço para que grupos de interesse busquem se beneficiar

de recursos disponíveis do BNDES. Além disso, com um controle deficiente sobre a prestação

de contas dos empréstimos do banco cria-se um cenário propício para esta busca de privilégios.

A falta de critérios claros das decisões sobre as escolhas dos projetos a financiar pode

muitas vezes beneficiar grupos específicos e trazer custos dispersos para a sociedade. A TEP e

a EA explicam também a dificuldade de captar os reais interesses da sociedade (BUTTLER,

2015). Desta forma, é difícil dar legitimidade nas escolhas dos empréstimos do banco.

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Com a injeção de vultuosas quantias na operação, existe a atuação dos burocratas e

funcionários públicos como empreendedores políticos, ou seja, vendedores de privilégios que

buscam satisfazer seus objetivos de manutenção do poder.

Esse empreendedorismo político pode ser ajudado pelo mecanismo do aparelhamento dos

cargos de gestão e comando que se apoiam na indicação de aliados para funções-chave da

burocracia estatal. Atualmente, o BNDES é administrado por uma diretoria composta pelo

presidente, vice-Presidente e por sete diretores, todos nomeados pelo presidente da república,

ad nutum (livre nomeação e exoneração). Haja vista que o papel exercido pela diretoria do

BNDES é crucial ao controle das decisões do banco, as indicações políticas para tais cargos

ganham um grande peso para os rumos dos desembolsos (LOPES, 2016).

Sobre a luz da TEP em conjunto com a Escola Austríaca é possível avaliar que a

manutenção do poder pretendida pelos empreendedores políticos infere que um grupo de

políticos consiga financiamento de campanha suficiente para se obter um resultado favorável

nas urnas. No modelo atual de gestão do BNDES, há incentivos para que um político eleito

indique alguém favorável a empréstimos para as empresas doadoras de campanha vencedora.

Dessa forma, é construída um sistema de troca de benefícios em que acordos com entes

políticos resultem em benefícios para contratos e concessões para empresas privadas. A

próxima sessão irá debater sobre a atuação do BNDES e Odebrecht sobre a ótica de relações

patrimonialistas, dando foco também para as doações de campanha em troca de benefícios

indevidos.

3.2 Atuação do BNDES e a Odebrecht sobre a ótica do empreendedorismo político

A atuação do BNDES na promoção de diversos projetos da Odebrecht no Brasil e no

exterior seguiu o preceito da escolha de “campeãs nacionais” e possui um papel relevante na

dinâmica de empreendedorismo político e rent-seeking. A falta de transparência e de critérios

para a escolha das empresas que receberiam os recursos também corroboraram para a prática

de busca de privilégios.

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Estes privilégios podem se manifestar em forma de propina, ou pagamentos ilícitos feitos

diretamente para os agentes ou, até mesmo, em forma de doação para campanhas de agentes

públicos que proveram vantagens indevidas aos doadores.

Assim, surge a formação do empreendedorismo político que busca vantagens eleitorais

para os partidos no poder. Estas vantagens geralmente eram obtidas através de financiamento

de campanha por parte de empresas. Empresas que financiam campanhas podem fazê-lo,

buscando objetivos pouco republicanos, em uma dinâmica patrimonialista, que vão desde

benefícios regulatórios e fiscais, facilidades em licitações dirigidas, e até mesmo, acesso a

crédito subsidiado de bancos públicos como o BNDES (LOPES, 2016)

Para se compreender como as estratégias de rent-seeking adotadas pelas empresas

privadas inspiram modelo de financiamento público de campanhas eleitorais torna-se

necessário se entender os motivos e a forma em que o governo atuou na implementação de suas

políticas econômicas através do BNDES.

Os gestores do BNDES passaram a ver com bons olhos estratégias de criação de grandes

empresas que pudessem se tornar atores relevantes na cena internacional. Havia o interesse do

empresariado em obter capital estatal (subsidiado) para bancar suas iniciativas de expansão e

havia também o interesse público de se fortalecer grandes grupos com peso e relevância setorial

(PEREIRA, 2007). Assim, numa perspectiva teórica da TEP em conjunto com a Escola

Austríaca pode-se interpretar que o governo estava disposto a intervir no mercado para

impulsionar as empresas pré-selecionadas

Neste sentido, alguns grupos nacionais foram consolidados através de fusões e aquisições

e começaram a se fortalecer também no cenário internacional. Dentre estes grupos vemos

claramente a ascensão da Odebrecht que se consolidou como maior construtora em patrimônio

do país em 2009. Durante o governo Dilma Rousseff, a construtora se destacou também como

a empresa privada que mais recebeu recursos direto do governo federal em dois anos seguidos:

2012 e 2013, de acordo com dados do Tribunal de Contas da União (TCU).

Dentro do cenário de presença internacional, a linha de financiamento de exportação de

serviços de engenharia é o de grande destaque em termos de volume de dinheiro disponibilizado

pelo banco. Neste caso, vimos um grande crescimento de protagonismos de empresas de

engenharia como Odebrecht, OAS e Andrade e Gutierrez.

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Nos mandatos de Lula e Dilma Roussef diversas empresas de engenharia expandiram sua

presença na África e na América Latina graças a vultuosos empréstimos do banco de fomento,

o que rendeu contratos bilionários.

Os desembolsos para empresas brasileiras no exterior atingiram um crescimento de

1185% de 2003 a 2013 frente a 500% de crescimento dos desembolsos totais do banco no

mesmo período (IBASE, 2013).

O BNDES teve a possibilidade de apoiar investimentos diretos a empresas brasileiras no

exterior a partir de sua mudança de estatuto ocorrida em 2003. Mas, somente em 2005 que

aprovaram as normas e diretrizes para este apoio, tornando o banco um importante agente no

processo de internacionalização de empresas.

Este apoio do BNDES se dá pelos produtos: BNDES Exim (Pré e Pós-Embarque), o

BNDES Finem (com as linhas de apoio à internacionalização de empresas e de aquisição de

bens de capital) e o BNDES Automático. Cada produto tem mecanismos e objetivos

específicos, mas podem ser combinados entre si de acordo com o critério do banco.

Para se receber um financiamento do BNDES, o caminho começa com o envio do pedido

formal da empresa acompanhado da documentação exigida de acordo com a modalidade

escolhida. Os acordos bilaterais entre países também norteiam muitos dos financiamentos

pedidos ao banco.

Dentre os produtos e dos diversos setores e linhas especiais criadas, a linha de

financiamento de exportação de serviços de engenharia é o destaque em termos de volume de

dinheiro. Alguns destes empréstimos foram questionados, principalmente em países pobres

como os feitos a Angola. Entretanto, os valores individualizados não são fornecidos em razão

do sigilo que cerca o BNDES graças ao art. 6º, I, do decreto 7.724/2012, promulgado pela

presidenta Dilma Rousseff.

Em agosto de 2014, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou à justiça a liberação

das informações sobre os empréstimos do BNDES no exterior. O banco até então considerava

estas informações estratégicas e não divulgava os montantes emprestados. A justiça brasileira

aceitou a partir de então o pedido de abertura dos números sempre que solicitada por os três

órgãos competentes: Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público Federal e a

controladoria-Geral da União (CGU).

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Descobriu-se assim uma lista de 3.137 empréstimos ao exterior destinados a diversos

projetos entre 1998 e 2014. Abaixo foram listados alguns dos empréstimos destinados a grandes

obras de infraestrutura realizados entre 2006 e 2014 em termos de valores e respectivos países.

Insere-se também a empresa responsabilizada pela obra.

Tabela 4– Investimentos no exterior do BNDES entre 2006 e 2014

Fonte: TCU – Tribunal de Contas da União

Observa-se pela tabela 4 que a Odebrecht foi o principal destino das obras de engenharia

no exterior, contabilizando cerca de 80% da quantia emprestada nessa modalidade. Verifica-se

também na tabela um grande volume para países com pouca expressão comercial com o Brasil,

com exceção da Argentina, terceiro maior parceiro comercial do Brasil na época (MDIC, 2018).

As informações disponibilizadas pelo TCU revelam que no total 140 obras de

infraestrutura foram financiadas pelo banco entre 1998 e 2014. Destas 140 obras, 121 foram

destinadas a 5 empresas envolvidas em investigações do MPF. No total foram investidos em

Investimentos Externos BNDES

Obra Pais Valor do empréstimo Empresa Responsável

1 Porto de Mariel Cuba US$ 682 milhões Odebrecht

2 Hidrelétrica de San Francisco Equador US$ 243 milhões Odebrecht

3 Hidrelétrica Manduriacu Equador US$ 90 milhões Odebrecht

4 Hidroelétrica de Chaglla Peru US$ 320 milhões Odebrecht

5 Metrô Cidade do Panamá Panamá US$ 1 bilhão Odebrecht

6 Autopista Madden-Colón Panamá US$ 152,8 milhões Odebrecht

7 Aqueduto de Chaco Argentina US$ 180 milhões OAS

8Soterramento do Ferrocarril

Sarmiento Argentina

US$ 1,5 bilhões Odebrecht

9 Linhas 3 e 4 do Metrô de Caracas Venezuela US$ 732 milhões Odebrecht

10 Segunda ponte sobre o rio Orinoco Venezuela US$ 300 milhões Odebrecht

11 Barragem de Moamba Major Moçambique US$ 350 milhões Andrade Gutierrez

12 Aeroporto de Nacala Moçambique US$125 milhões Odebrecht

13 BRT da capital Maputo Moçambique US$ 180 milhões Odebrecht

14 Hidrelétrica de Tumarín Nicarágua US$ 343 milhões Queiroz Galvão

15Projeto Hacia el Norte –

Rurrenabaque-El-Chorro Bolívia

US$ 199 milhões Queiroz Galvão

16 Exportação de 127 ônibus Colômbia US$ 26,8 milhões San Marino

17 Exportação de 20 aviões Argentina US$ 595 milhões Embraer

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obras de infraestrutura no exterior cerca de R$50,5 bilhões (considerando a atualização com

valores de junho de 2016).

Os países que mais receberam investimentos foram Angola (R$14 bilhões), Venezuela

(R$11 bilhões), Argentina (R$8 bilhões), República Dominicana (R$8bilhões) e Cuba (R$3

bilhões).

A Odebrecht foi responsável por 67 destas operações (55% do total), com a maioria sendo

executada em Angola (37 obras) e República Dominicana (15 obras).

Em relação ao ano de contratação destas 121 operações de serviço de engenharia no

exterior, é possível identificar que entre 1998 e 2002, na gestão de Fernando Henrique Cardoso,

foram realizadas 6 operações (5%). Entre 2003 e 2006 na primeira gestão de Lula foram

realizadas 9 operações (7,4%). Entre 2007 e 2010 na segunda gestão de Lula foram 63

operações (52,1%). Por fim, entre 2011 e 2014 o número de contratações foi para 43 (35,5%).

Nota-se no comparativo ano a ano que o grande salto foi em 2007 com 22 contratos ante

3 contratos assinados em 2006. Foi justamente em 2007 que Luciano Coutinho assume a

presidência do banco e implementa a política de campeãs nacionais.

Já em 2014, nenhum contrato foi assinado para obras de infraestrutura no exterior. No

anterior, em 2013, o então presidente do BNDES, Luciano Coutinho, veio a público informar

que a política de criação de campeãs nacionais chegava ao fim. Conforme informado por

Coutinho: “A promoção da competitividade de grandes empresas de expressão internacional é

uma agenda que foi concluída" (LANDIM; LEOPOLDO, 2013).

O TCU em seu relatório sobre os empréstimos do BNDES a obras de infraestrutura no

exterior apontou também que dos 140 projetos o banco financiava cerca de 68% de toda a obra.

Dos 68% cerca de 19% eram destinados a contratação de serviços e 49% para compra de

máquinas e equipamentos brasileiros para serem levados para as obras no exterior.

Entretanto, o relatório apontou também que o BNDES nunca auditou se os valores

emprestados de fato eram gastos no território nacional, recebendo apenas informações das

próprias empresas sobre o andamento das obras.

De qualquer forma, os técnicos do TCU afirmam no relatório que o percentual utilizado

para o banco é muito generalista e não serve de base para os contratos no exterior. Como

exemplo o relatório aponta que para obras de construção de rodovias a média de 68% de valor

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a ser exportado é incompatível com os custos reais deste tipo de obra, pois ela utiliza 80% do

valor apenas para compra de asfalto e serviços de terraplanagem.

Desta maneira, geram-se dúvidas a respeito dos critérios adotados sobre os empréstimos

e também para quais projetos deveriam ir os recursos. Essa falta de transparência, de certa

forma, auxilia as relações em busca de privilégios por facilitar a iniciativa de rent-seeking.

A atuação do banco na área nacional e internacional se deu sobre influência do governo

brasileiro na escolha dos países através da atuação da Secretaria-Executiva da Câmara de

Comércio Exterior (CAMEX). A CAMEX preparava relatórios indicando os países que

necessitavam de obras pública. A partir de então, o BNDES apenas precisaria avaliar a

viabilidade econômica dos projetos atrelados aos países já selecionados pelo governo.

Esta atuação do BNDES frente a Odebrecht e outras empreitaras sugere uma interpretação

de como o governo interviu na economia com o intuito de sanar certas “falhas de mercado”,

influenciando grupos específicos em uma associação clara do poder público com o poder do

Estado. A política partidária vigente influenciou as escolhas das empresas que receberiam

aportes do BNDES por meio de indicações de agências envolvidas com a atuação do BNDES,

como a CAMEX. Dessa forma, constrói-se um sistema de capitalismo de Estado que se

completa e se mantém.

A ideia de corrigir as “falhas de mercado” através de uma atuação intensa produz um

ambiente propício para que pequenos grupos particulares busquem privilégios para garantir

rendas econômicas junto ao poder público. O governo é detentor único da atuação em diversas

áreas sensíveis a economia. Sobre uma influência indevida em um cenário de pouca

transparência, ele é capaz de realizar uma intervenção seletiva que acabe dando vantagens para

grupos particulares de interesse.

A possível influência política sobre as decisões do BNDES é um aspecto bastante

relevante, na medida em que se trata de uma empresa pública federal, cujos recursos provêm,

essencialmente, de fundos públicos como o Fundo de Amparo ao Trabalhador e do Tesouro

Nacional.

As estratégias de rent-seeking adotadas pela empresa acaba por fortalecer também um

mecanismo de financiamento de campanhas em busca de retornos de investimentos e licitações

para prestação de serviços públicos. E este é um elo importante para a compreensão de como a

troca de privilégios segue uma via de mão dupla entre rent-seekers e empreendedores políticos.

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No modelo da composição da diretoria do BNDES, os diretores são indicados por

políticos que tenham vencido as eleições com dinheiro doado por empresas privadas. Assim,

os políticos vencedores podem indicar gestores propensos a desembolsar empréstimos para

empresas que os ajudaram na hora do pleito.

Existiu um grande aporte da Odebrecht em campanhas eleitorais no período de eleições

entre 2002 e 2014 no montante de R$ 133 milhões conforme indicado pelo Tribunal Superior

Eleitoral (TSE). Há ainda um montante não declarado aos órgãos responsáveis que está sendo

investigado no âmbito da Lava-jato, chamado “caixa dois”. Nesse sentindo, o montante

destinado sem ser declarado à justiça eleitoral atingiria diversos políticos, conforme

investigações.

Outro dado interessante é que o número de contratos celebrados com as empreiteiras foi

considerado reduzido em anos eleitorais como em 2006 com 3 contratos e, em 2010, com 5

contratos. Entretanto, o número de contratos aumentou significativamente após este o período

eleitoral, chegando a 22 em 2007 e 21 em 2011.

A Odebrecht não foi o único doador de campanha no Brasil. Cerca 75% das doações de

campanha declaradas tiveram origem de empresas privadas de 2001 a 2012 (MANCUSO,

2015). Em um cenário mais geral, observa-se neste período a consolidação de empresas com

forte influência governamental a partir de mecanismos de empréstimos subsidiados e

investimentos no mercado de capitais.

Existe assim a mescla do poder público com o poder de mercado em um sistema de

capitalismo de compadrio. Este sistema é ancorado por interesses partidários claros para manter

os grupos de interesse no exercício do governo. Em mercados emergentes, existe um aumento

de empréstimos por parte de bancos de governo durante as campanhas políticas (DINC, 2005).

Este fato pode ser comprovado nos desembolsos de empréstimos no âmbito do BNDES.

O maior volume de empréstimos é em regiões controladas por políticos alinhados ao governo

federal (CARVALHO, 2010). Nesse caso, o processo se dava em duas vias, primeiro o

empresário poderia apoiar um político e então usar esse canal para aumentar suas chances de

vencer uma licitação estatal. Segundo, ao ver que um empresário recebeu recursos o próprio

grupo político em exercício no governo poderia solicitar recursos da campanha.

O estudo de Alex Lopes (2016) analisou exatamente esta relação existente entre o

financiamento de campanhas eleitorais e as operações de crédito do BNDES com o objetivo de

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entender a dinâmica existente entre as eleições e a política de crédito da estatal. Para o trabalho,

Lopes utilizou um modelo em dados de painel para verificar o impacto do volume de recursos

empregados nos financiamentos de campanha sobre os empréstimos do BNDES. O autor

utilizou os dados de todos os empréstimos do BNDES entre 2002 e 2014 e as doações da

campanha das eleições federais e municipais do mesmo período. Lopes conclui que:

Os resultados demonstraram que as doações de campanha eleitoral destinadas

a partidos coligados ao do presidente da república influenciam positivamente

o montante dos empréstimos do BNDES, e que, por outro lado, as doações

realizadas a partidos não coligados ao presidente, têm o efeito contrário. Nesta

mesma linha, encontrou-se, também, evidências de que existe relação positiva

entre a vitória do candidato destinatário das doações, notadamente para o

cargo de deputado federal, e o acesso ao crédito do BNDES.” (LOPES, 2016,

p. 10).

Outros trabalhos também demonstram a relação positiva entre empréstimos do BNDES e

financiamentos eleitorais. O estudo de Lazzarini et al. (2011) verificou os desembolsos de

empresas para campanhas de deputados estaduais, deputados federais, governadores e

presidentes nas eleições 2002 e 2006 e a relação com os empréstimos do BNDES para as

empresas doadoras entre os anos de 2002 a 2009. Os resultados mostram que empresas que

mais financiaram as campanhas vencedores foram as que mais receberam capital do BNDES.

Por sua vez, as empresas que mais financiaram campanhas perdedoras tiveram menor acesso

ao crédito do banco.

Sztutman e Aldrighi (2013) estudaram a relação existente entre os financiamentos de

campanha do pleito de 2006 e os empréstimos do BNDES de 2003 a 2010. Ambos autores

observaram o aumento nos empréstimos liberados paras as empresas doadoras, medido pela

diferença de volume de desembolsos durante o período 2007 a 2010 com o período de 2003.

Assim como no estudo de Lazzarini, os resultados indicaram haver uma relação positiva entre

doações de campanha e empréstimos do BNDES: as regressões mostraram estimadores

positivos e significantes para doações a candidatos “vencedores” e coeficientes negativos para

doadores de candidatos “perdedores”. Os autores indicaram também que há uma “penalização”

às empresas pelos políticos no poder, por doarem a políticos concorrentes (LOPES, 2016).

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Através dos estudos apresentados, pode-se observar uma forte relação de investimentos

político empresarial em campanhas e acesso ao crédito do BNDES. Portanto, os atores bem

relacionados podem ter maior capacidade de atrair investimentos de bancos de

desenvolvimento, mesmo com oportunidade de captar dinheiro de outras fontes, como a fonte

privada (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2015).

Os dados acima expostos tornam-se também um bom exemplo de busca de rendas

econômicas por parte da Odebrecht e do poder político em exercício. A Odebrecht como rent-

seeker e os agentes públicos como empreendedores políticos mantiveram um esquema

engenhoso de pagamento de propina e vantagens obtidas por meio de empréstimos e licitações.

Esse cenário pode ser explicado pela relação positiva entre doações eleitorais e empréstimos do

BNDES a qual é sustentada pela maior capacidade das empresas doadoras serem beneficiadas

com grandes projetos e contratos públicos (BOAS, HIDALGO E RICHARDSON, 2012) e que

por sua vez são historicamente apoiados por financiamento estatal (LAZZARINI et al., 2011).

As investigações no âmbito da lava-jato e o acordo de leniência sugerem que se tornou

prática a distribuição de propina através de doação legal e ilegal de campanha em uma dinâmica

patrimonialista na qual os contratos públicos são superfaturados e são demandados para

empresas que beneficiam as campanhas de candidatos com doações.

Os estudos sobre doações de campanha e empréstimos de Lopes (2016) também indicam

que a relação é mais consistente para os cargos de deputados federais, que possuem entre outras

prerrogativas aprovarem emendas constitucionais que podem ajudar certas empresas. O acesso

a recursos e contratos governamentais por parte das empresas privadas pode se dar pelas

emendas parlamentares, dando poder de decisão para os políticos ajudados em campanha por

doações (MEZZARANA, 2011).

O caso da atuação do BNDES e a Odebrecht sugere que a tentativa de coordenar o mercado

cria um ambiente favorável para o empreendedorismo político, com pontes de comunicação

direta entre poder público e poder privado, no qual grupos de interesse atuem em busca de

rendas.

Mais uma vez o caso da atuação do BNDES com a Odebrecht demonstra o valor

explanatório da TEP em conjunto com a Escola Austríaca ao observar que a busca por corrigir

as “falhas de mercado” sem levar em consideração de que o “mercado político” é também

imperfeito pode ajudar a criar um ambiente com dificuldades regulatórias dando a chance do

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rent-seeking obter ainda mais sucesso. Dessa forma, conclui-se que temos um incentivo ao rent-

seeking através das “falhas de governo” (MURAMATSU; ORLANDI, 2017).

A próxima sessão irá analisar justamente as relações patrimonialistas do governo com o

público privado através de uma perspectiva de capitalismo de compadrio, no qual existe uma

transferência de recursos públicos para o setor privado através de relações de laços entre o

empresariado e agentes do governo.

3.3. Institucionalização do rent-seeking no Brasil

O Brasil vem passando por uma “democratização de privilégios”, visto que nas últimas

décadas benefícios específicos e políticas discriminatórias foram, progressivamente, estendidos

a vários grupos de interesse (LISBOA; LATIFF, 2013). O BNDES atuando ora como grande

credor e ora como acionista é um bom exemplo de mecanismo de intervenção econômica do

governo que beneficiou diversos setores pré-selecionados.

A intervenção estatal para favorecer certos grupos de interesse acaba distorcendo os

resultados dos negócios, incentivando a busca de renda econômica através empreendedorismo

político. Consolida-se, assim, uma tradição no Brasil onde os direitos de propriedade são

trocados de modo personalista com o respaldo do governo em um ambiente hostil para se fazer

negócios de modo impessoal e transparente (MURAMATSU; ORLANDI, 2017). Essa grande

intervenção estatal e baixa transparência do setor político acabam fortalecendo a relações de

compadrio no cenário nacional.

Neste sentido, o trabalho de Marcos Lisboa e Zeina Latif (2013) é de suma importância

para a compreensão das relações e principais características de rent-seeking no Brasil. Para os

autores, o surgimento e consolidação do conceito de nacional desenvolvimentismo utilizado

nas políticas econômicas e socais ao longo da história é fundamental para entendermos a

atuação do Estado no mercado.

Esta atuação acabou institucionalizando no Brasil uma forte relação de compadrio entre

o setor público e privado em que a sociedade interage com o Estado através de práticas de rent-

seeking. Essa atuação do poder público que intermedeia e regula as relações sociais e

econômicas parece ser uma característica marcante na história do desenvolvimento econômico

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e político do país. Existe uma construção ao longo do tempo de um cenário diferente de muitos

países com a existência de mecanismos de intervenção com ampla magnitude e extensão.

Com o conhecimento de grandes e profundos esquemas de corrupção a partir de

operações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal no âmbito da Lava-Jato é possível

notar esta magnitude e extensão da intervenção estatal. Nesse sentido, as operações apontam

que a busca de privilégios por parte de grupos de interesse abrange diversos escalões dos setores

privado e público, e que as pessoas envolvidas representam diferentes grupos da sociedade. O

alvo das operações abrange desde pequenos empresários de gráficas focadas em material

eleitoral até conhecidos gestores de empresas privadas.

Esse rent-seeking fica mais claro quando vemos empresários do ramo de engenharia,

como os da Odebrecht, viajando na mesma comitiva do governo em busca de projetos de

investimentos para países africanos. A operação Lava-Jato revelou também as doações de

campanha dessas mesmas empresas de engenharia no processo eleitoral, mostrando que a busca

de privilégios se deu em um sentido de mão dupla com uma forte atuação de empreendedores

políticos.

Nesse cenário, ao se avaliar os dados contabilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral

(TSE), entre 2002 e 2014, as empreiteiras investigadas pela Lava-Jato alavancaram em cinco

vezes suas doações, passando de R$ 87 milhões em 2002 para R$ 438 milhões em 2014 (valores

atualizados no período pelo IPCA). O dinheiro saiu dos cofres de 12 empreiteiras: OAS,

Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, UTC Engenharia, Galvão

Engenharia, Engevix, Mendes Junior, IESA, Toyo Setal e Promon.

As iniciativas do poder público para promover projetos de engenharia em outros países

foram em grande parte motivadas por uma crença de que o Estado deve corrigir “falhas de

mercado” através de uma política nacional de desenvolvimento que promova a economia e os

interesses da sociedade.

Na maior parte do século passado, a intervenção pública foi considerada essencial para

viabilizar o desenvolvimento econômico do Brasil. Os agentes do governo deveriam prover o

capital para investimentos privados e decidir a respeito da produção em diversos setores

selecionados. Este projeto é geralmente denominado na literatura econômica do Brasil como

um nacional desenvolvimentismo, que era amplamente aceito por praticamente toda a classe

política, independente de posições ideológicas (LISBOA; LATIFF, 2013).

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Na primeira metade do século passado, o país era basicamente uma economia agrícola,

sem um setor industrial consolidado e faltava financiamento disponível para grandes projetos

privados. Como forma de superar essas restrições, diversos órgãos públicos foram criados com

o objetivo de proporcionar investimentos, coordenar decisões de empresas privadas, proteger o

mercado brasileiro frente aos concorrentes externos e intervir em mercados específicos de

setores selecionados. A criação do próprio BNDES veio consolidar essa ideia de atuação estatal.

Desta forma, existe no Brasil uma intervenção estatal que difere de outros países por sua

amplitude e por possuir aspectos detalhados para ocorrer em diversos âmbitos da economia.

Alguns instrumentos foram utilizados pelo governo tais como empréstimos subsidiados,

protecionismo, controle de preços, regras de conteúdo nacional, transferência de recursos

públicos não contabilizados no orçamento da União.

Por este motivo, Marcos Lisboa e Zeina Latif (2013) acreditam que o processo pelo qual

certos grupos obtêm privilégios e benefícios do poder público no Brasil deve ser considerado

como um “rentismo institucional”. Este conceito especifico para o Brasil abrange três aspectos

centrais:

1. Em vez de negociações obscuras, grande parte do rentismo decorre do projeto nacional

desenvolvimentista, através de benefícios concedido por políticas públicas objetivas, que são

consideradas legítimas pela opinião pública.

2. Diversos grupos de setores minoritários organizados estão tendo suas demandas

atendidas e sendo beneficiados por ações governamentais. Em vez de o poder público ser

capturado pelos agentes regulamentados, ele está sendo capturado por minorias organizadas

que demandam tratamentos específicos como preços e regulamentação específicos.

3. As próprias políticas públicas do Brasil criam e promovem grupos de interesses. Elas

podem ter a intenção de proteger temporariamente certos setores de produção doméstica contra

concorrentes externos com a premissa de propiciar um ambiente favorável de desenvolvimento

até certo estágio que possibilite a retirada dessa proteção. O que ocorre é que grupos de interesse

são formados a partir desta ação e começam a exercer pressão no poder público para não

perderem mais esta proteção.

Outro fator importante para o fortalecimento das relações de compadrio no cenário

brasileiro é a falta de transparecia no ambiente político. A própria atuação do BNDES se deu

até final de 2014 de maneira estritamente sigilosa. Ao final deste ano, um Mandato de

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Segurança (MS – 33.340) estipulou o envio de informações de transações com investigados

pela operação lava-jato ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Com toda a repercussão da operação lava-jato, instaurou-se uma comissão parlamentar

de inquérito (CPI) em 2015 para investigar os empréstimos do BNDES. A CPI visava explanar

para a população o destino de mais de R$400 bilhões repassados pelo BNDES para empresas

escolhidas pelo governo. Após cinco meses de trabalho a CPI-BNDES entregou um relatório

investigativo final em que não continha acusações formais, mas apenas pedidos de maior

transparência e abertura e envio de informações para órgãos fiscalizadores. A CPI demonstrou

uma falta de transparecia do BNDES com a própria comissão que não disponha de dados

suficientes e a falta de capacidade investigativa estatal (LOPES, 2016).

Consolida-se, assim, uma característica no Brasil de “rentismo institucionalizado”. Os

benefícios de intervenções governamentais são tangíveis e corroboram para a formação de

grupos políticos fortes e estruturados que, por sua vez, se opõem a retirada de seus benefícios

e proteções. Os custos de tais benefícios nem sempre são transparentes, assim não conseguimos

mensurar os reais impactos sociais e nem debater as questões politicamente.

Não é fácil dissolver as relações de rent-seeking entre poder público e privado. Toda vez

que o governo provê um benefício, são criados grupos de interesses sólidos que tentarão manter

este benefício. Tem-se assim o caso de surgimento de “falhas de governo” ao se tentar produzir

políticas que se pautem no equilíbrio de Pareto. O resultado é uma rigidez de políticas

governamentais ou ausência de autonomia de agências regulatórias que consigam rediscutir e

reavaliar tais políticas (LOPES, 2016).

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Considerações finais

A partir das relações do BNDES e da Odebrecht é possível examinar o valor

explanatório da Escola Austríaca em conjunto com a TEP para se entender a busca por

privilégios através da interface governo e grupos privados. O trabalho integrativo entre essas

teorias pode servir de instrumento para uma melhor análise e prevenção de relações compadrio

e busca de renda de privilegio que se manifestam ou se alimentam com comportamentos

colaborativos corruptos.

As duas teorias demonstram que a intervenção estatal para coordenar o mercado acaba

por gerar graves “falhas de governo”. Ao favorecer determinados grupos de pressão, a

intervenção estatal distorce a rentabilidade dos negócios, incentiva a busca de renda de

privilégio através do pagamento de propinas e financiamento de campanhas.

Consequentemente, consolida-se uma tradição de que os direitos de propriedade são trocados

de modo personalista com o respaldo do governo em um ambiente hostil para se fazer negócios

de modo impessoal e transparente.

Cria-se, assim, o cenário propicio para a busca de privilégios, que tentam encontrar

espaço nas ações governamentais que almejem legitimar e implementar o interesse nacional

(ALIGICA; TARKO, 2012). O rent-seeking acaba por se tornar um fenômeno econômico e

político e constitui uma prática elementar para solidificar um sistema mais amplo de laços de

interesses.

A Escola Austríaca contesta a chamada economia de bem-estar derivada do critério de

Pareto. O conceito austríaco de "eficiência" difere do neoclássico, por ver a eficiência a partir

de ações individuais, em que os próprios indivíduos interessados são os melhores juízes para

julgar o que são falhas e o que não são (LORIO, 2001). A TEP, por sua vez contribui com a

noção de que os indivíduos irão buscar seus interesses independentemente se ocuparem cargos

públicos ou não.

A Escola Austríaca e a TEP defendem que a ordem espontânea de mercado deve ser

incentivada. A intervenção Estatal deve ser feita sobre as instituições que permeiam o mercado.

A alternativa não seria deixar tudo por conta do mercado, pois, desta forma, os custos de

transação de algumas atividades políticas como as diretrizes de segurança pública seriam

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elevadíssimos (TULLOK,1959). O governo se torna um substituto do mercado obtendo

benefício econômico em que o custo de transação é alto (CRUZ, 2011).

Nesse sentido, torna-se necessário a análise correta das “falhas de governo” em regimes

democráticos não para lutar, necessariamente, por menos Estado, mas antes para um melhor

Estado (PEREIRA, 2007). O intervencionismo direto no mercado deveria ser trocado por um

intervencionismo nos órgãos que permeiam o mercado (DE SOTO 2010).

Para se combater o empreendedorismo político, as leis e órgãos devem dar mais

transparência a essas políticas. A TEP e a Escola Austríaca explanam que em um cenário de

mais transparecia e liberdade econômica pode diminuir o poder da burocracia, dando mais força

ao mercado (DE SOTO 2010). Este novo cenário pode fornecer freios e contrapesos para as

relações patrimonialistas. Os órgãos reguladores e todos envolvidos no setor público devem

também levar em conta que são passiveis de pressões externas e do próprio sistema político

(VISCUS; GAYER,2015). Por isso, torna-se necessário uma atenção maior sobre as diversas

intervenções do Estado que anulem o trabalho dos órgãos reguladores.

O empreendedorismo político motivado por tentativas de coordenação de mercado

acabou instaurando no Brasil o “rentismo institucionalizado”. Entretanto, alguns órgãos como

o Ministério Público Federal são capazes de trazer à tona os benefícios alcançados

indevidamente. Analisando o caso da atuação do BNDES junto a Odebrecht, pode-se concluir

que a atuação deste organismo acabou por conscientizar a população sobre as “falhas de

governo” advindas de políticas que utilizem o critério de Pareto.

Outro fator importante analisado com o caso da Odebrecht é a forma pouco transparente

em que os empréstimos foram concedidos pelo banco. Além da questão da transparência dos

desembolsos, no modelo atual de escolha de gestores para o banco, há um incentivo para o

fortalecimento do empreendedorismo político. Isso se deve ao fato de que as indicações para

cargos com poder de decisão estejam na mão de políticos vencedores das eleições, fato que

pode ensejar a relação positiva entre os empréstimos do BNDES e as doações eleitorais

destinadas aos partidos coligados ao presidente da república (LOPES,2016).

A questão da nomeação para cargos decisórios do BNDES também é citada no relatório

final da CPI-BNDES como havendo uma incongruência entre a previsão de mandato e a

possibilidade de livre exoneração e substituição de seus diretores. A definição de prazo de

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gestão especifico dos dirigentes costuma ser uma ferramenta de autonomia ante interesses dos

agentes políticos (LOPES, 2016).

Urge, portanto, a necessidade de se garantir autonomia aos gestores do BNDES, através

de instrumentos como mandatos fixos (a exemplo das agências reguladoras) e maior controle

nas nomeações (como sabatinas públicas).

Outro ponto importante para a relação positiva entre doações de campanhas eleitorais e

empréstimos do BNDES é atribuído a maior capacidade de empresas doadoras de campanhas

serem beneficiados com contratos de grandes obras públicas (BOAS, HIDALGO e

RICHARDSON, 2012) que são costumeiramente apoiados por financiamento estatal

(LAZZARINI ET AL., 2011).

Neste caso, órgãos reguladores devem verificar as licitações e concessões para obras do

governo identificando as grandes doadoras de campanha eleitoral entre as empresas licitantes.

Embora a influência do investimento político empresarial sobre as decisões dos eleitos

seja de difícil comprovação probatória nos casos concretos (MANCUSO, 2015), o simples

indício de corrupção nos financiamentos pelo BNDES deveria soar o alerta para órgãos de

controle como o Tribunal de Contas da União-TCU e Ministério Público (MP) para uma

atuação mais incisiva nas auditorias relacionadas ao banco (LOPES,2016).

Esse passo torna-se primordial para que toda a sociedade consiga enxergar as relações de

compadrio que são construídas através da atuação governamental. Somente assim será

consolidada uma visão de “política sem romance”, na qual seja possível mapear exatamente os

grupos de interesses e também fortalecer as instituições que barrem as práticas de busca por

rendas.

Estudos de caso mais avançados são necessários, principalmente sobre os processos

representativos envolvendo a Odebrecht e membros do BNDES. A “Operação Lava Jato” e as

futuras investigações trarão ainda mais conteúdo para se entender a dinâmica das relações

patrimonialistas. A análise deste insumo à luz do devido referencial teórico pode contribuir para

um melhor processo de compliance e canais de integridade para regular a discricionariedade do

BNDES e outros órgãos governamentais.

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