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UNIVERSIDADE PAULISTA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NEGRA NA REVISTA CLAUDIA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista - UNIP para obtenção do título de mestre em Comunicação. RUBENS APARECIDO CAMPOS SÃO PAULO 2014

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UNIVERSIDADE PAULISTA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NEGRA NA REVISTA CLAUDIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista - UNIP para obtenção do título de mestre em Comunicação.

RUBENS APARECIDO CAMPOS

SÃO PAULO

2014

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UNIVERSIDADE PAULISTA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NEGRA NA REVISTA CLAUDIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista - UNIP para obtenção do título de mestre em Comunicação. Orientadora: Profa. Dra. Carla Reis Longhi

RUBENS APARECIDO CAMPOS

SÃO PAULO

2014

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Campos, Rubens Aparecido.

A mulher negra na revista Cláudia / Rubens Aparecido Campos. - 2014.

103 f. : il. color.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista, São Paulo, 2014.

Área de Concentração: Cultura Midiática. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carla Reis Longhi.

1. História da cor negra. 2. Mulher negra. 3. Revista Cláudia. I. Longhi, Carla Reis (orientadora). II. Título

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RUBENS APARECIDO CAMPOS

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NEGRA NA REVISTA CLAUDIA

EDIÇÃO DE SETEMBRO DE 2009

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista - UNIP para obtenção do título de mestre em Comunicação.

Aprovado em: _____/_____/_______

Banca examinadora

________________________________________

Professora Dra. Carla Reis Longhi

Universidade Paulista

________________________________________

Professora Dra. Barbara Heller

Universidade Paulista

________________________________________

Professora Dra. Dulcília Helena Schroeder. Buitoni

Faculdade Cásper Líbero

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha filha, Bárbara, pelo meu amor incondicional por ela.

Dedico também à minha família, à minha irmã, Macu, aos meus sobrinhos e à minha

tia Imaculada.

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AGRADECIMENTOS

Humildemente, agradeço acima de tudo a Deus. E, também humildemente

agradeço a todos meus amigos que me ajudaram a chegar até aqui, incentivando-

me a concretizar este trabalho.

Agradeço à Professora Dra. Carla Reis Longhi pela orientação, apoio,

compreensão, paciência e confiança depositados em mim. Agradeço também aos

Professores Bárbara Heller, Jorge Miklos, Janete Brostein pelo conhecimento que

compartilharam conosco, seus alunos.

Agradeço também a todos da secretaria, em especial, ao Marcelo,

profissionais sempre dispostos a nos ajudar e orientar com paciência, quando

precisamos de seus serviços.

Desejo agradecer a Darlene Baia e, em especial, ao meu grande amigo,

Flávio Shiniti, que sempre estiveram presentes e participaram do meu esforço para

que este trabalho se concretizasse. Ajudaram-me em todos os instantes em que

mais precisei, incentivando, apoiando, sendo compreensíveis e pacientes nos

momentos difíceis.

Também agradeço a Sandra Barbosa, hoje mestre, em quem descobri, além

de companheira de sala, uma grande amiga.

Agradecimentos as pessoas como Karina Souza, Chiang e sua esposa, Ana,

Marco Aurélio a quem precisei recorrer para obter forças e continuar acreditando em

mim durante este processo.

Agradeço ao meu amigo Sérgio que não pude visitar, durante a realização

deste trabalho, e também à minha amiga Tereza que me incentivou, ainda que

indiretamente.

Um especial agradecimento, com muito amor, carinho e orgulho para minha

filha, Bárbara Barros Campos. Não existem palavras que possam descrever a

importância de sua existência em minha vida.

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RESUMO

O presente estudo tem por objetivo analisar, a partir da edição de setembro de 2009

da revista CLAUDIA, a mudança de imagem da mulher negra, de negativa para

positiva. Nessa edição, a atriz negra Taís Araújo, aparece na capa, escolhida como

a musa da igualdade racial e com uma proposta de fim do racismo. Para investigar

essa transição de imagens, pretende-se pesquisar a história da cor da pele, o

discurso racial e a influência que esses tiveram na mídia. Pretende-se também

compreender os estereótipos, os estilos blackface e angel face, ou seja, as formas

de representações de mulheres negras e brancas na mídia. Busca-se também

entender com este estudo como a moda, as políticas públicas e a economia, ao

transformar a mulher negra em consumidora influenciam o mercado editorial.

Palavras-chave: Revista Claudia. Blackface. Angel face. Representação da mulher

negra. Racismo.

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ABSTRACT

This study aims to examine, from the September 2009 edition of the magazine

CLAUDIA, the changing image of black women, from negative to positive. In this

edition, the black actress Tais Araujo appears on the cover, chosen as the muse of

racial equality and with a proposal to end racism. To investigate this transition of

images it is intended to research the history of skin color, racial discourse and the

influence that these have had on the media. It also aims to understand stereotypes,

blackface and angel face styles, ie, forms of representations of black and white

women in the media. It is also intended with this study to understand how fashion,

public politics and economy influence the editoral market when turn the black woman

into a consumer.

Keywords: Claudia magazine. Skin color, Blackface, angel face.

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A gente olhava para eles e ficava se perguntando,

por que eram tão feios, olhava com atenção e não

conseguia encontrar a fonte. Depois percebia que

ela vinha da convicção, da convicção deles. Era

como se algum misterioso Patrão onisciente tivesse

dado a cada um deles uma capa de feiura para usar

e eles tivessem aceitado sem fazer pergunta. O

Patrão dissera: “Vocês são feios”. Eles tinham

olhado ao redor e não viram nada para contradizer a

afirmação na verdade, viram sua confirmação em

cada cartaz de rua, cada filme, cada olhar. “Sim,

disseram. O senhor tem razão”. Tomarão a feiura

nas mãos, cobriram-se com ela como se fosse um

manto e saíram pelo mundo. Cada um lidando com

ela do seu jeito.

(Tony Morrison – Os olhos mais azuis)

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – A sul africana Saartjie Baartman ............................................................. 23

Figura 2 – Blackface no cinema americano .............................................................. 26

Figura 3 – Diga: Azul Reckitt .................................................................................... 27

Figura 4 – N´o Dragão ............................................................................................. 28

Figura 5 – O ator Sérgio Cardoso em A Cabana do Pai Tomás ............................... 30

Figura 6 – Adelaide em Zorra Total .......................................................................... 31

Figura 7 – Creme facial Angel Face da Pond´s ........................................................ 32

Figura 8, 9, 10, 11, 12 – Capas da revista Claudia – dezembro de 2009 a fevereiro

de 2010 .................................................................................................................... 35

Figura 13 – Quadrado Semiótico.............................................................................. 37

Figura 14 – Primeira modelo brasileira, Luana de Noielles ...................................... 56

Figura 15 – Primeira modelo negra, Donayle Luna – Revista Happer’s Bazaar ....... 57

Figura 16 – Adriane Galisteu e Taís Araújo .............................................................. 59

Figura 17 – Capa da revista CLAUDIA com a atriz Taís Araujo ............................... 61

Figura 18 – Marcia Neder......................................................................................... 68

Figura 19 – A Atriz Taís Araújo – Musa da Igualdade .............................................. 70

Figura 20 – Taís Araújo e Lázaro Ramos ................................................................. 71

Figura 21 – Celebridades Negras............................................................................. 74

Figura 22 – Depoimentos ......................................................................................... 76

Figura 23 – O Segredo dos Cachos de Taís ............................................................ 78

Figura 24 – Cachos dos Sonhos .............................................................................. 79

Figura 25 – Produtos para cuidar dos cachos .......................................................... 82

Figuras 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34 – Propagandas com mulheres negras na

revista CLAUDIA ...................................................................................................... 85

Figura 35 – Produto destinado à Mulher Negra na Revista CLAUDIA ...................... 87

Figura 36 – Produto para mulheres negras .............................................................. 87

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11

1 A HISTÓRIA DE UMA COR ................................................................................ 14

1.1 A Cor nas Cruzadas .................................................................................... 16

1.1.1 Cor Preta e a Mulher Feia ................................................................... 18

1.1.2 As Mouras e a Cor do Preconceito ...................................................... 19

1.1.3 Da Moura à Negra: A Ideologia da Raça ............................................. 20

1.1.4 Saartjie Baartman: A Vênus Negra ...................................................... 22

1.2 Mulheres Negras nos Jornais Brasileiros do Século XIX ............................. 23

1.3 Blackface e Angel Face ............................................................................... 25

1.3.1 Blackface no Brasil .............................................................................. 26

1.3.2 A Negra N´o Dragão............................................................................ 28

1.3.3 Blackface na TV .................................................................................. 29

1.3.4 Zorra Total .......................................................................................... 30

1.3.5 Blackface na Imprensa Feminina ........................................................ 31

1.3.6 Angel Face .......................................................................................... 32

2 ESTEREÓTIPOS E RACISMO ............................................................................ 36

2.1 Quadrado semiótico: cor de pele ................................................................. 37

2.2 O Racismo Anunciado ................................................................................. 40

2.3 Políticas de Inclusão e o Negro Consumidor ............................................... 43

3 A NOVIDADE NA CAPA DA REVISTA CLAUDIA .............................................. 46

3.1 Perfil dos Leitores de CLAUDIA ................................................................... 46

3.2 Revista Raça Brasil ..................................................................................... 48

3.3 Revista CLAUDIA ........................................................................................ 50

3.4 A Mulata de Carmen da Silva ...................................................................... 53

3.5 A Moda ....................................................................................................... 54

3.6 FENIT ........................................................................................................ 55

3.7 Negras na Moda .......................................................................................... 55

3.8 A Moda Absorve Tudo ................................................................................. 57

3.9 A Primeira Vez na Capa da Revista CLAUDIA ............................................ 58

3.10 A atriz Taís Araújo na Capa de CLAUDIA ................................................. 60

3.11 A Capa ...................................................................................................... 64

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4 RACISMO É O FIM: CLAUDIA DEFENDE ESTA CAUSA .................................. 68

4.1 Musa da Igualdade ...................................................................................... 70

4.1.1 Racismo .............................................................................................. 72

4.1.2 Sorte ou suor?..................................................................................... 72

4.1.3 Pelo fim do racismo! ............................................................................ 73

4.1.4 Depoimentos ....................................................................................... 75

4.1.5 Racismo: de onde vem? ...................................................................... 77

4.1.6 Oportunismo Publicitário: Os Cachos .................................................. 78

4.1.7 Cachos dos Sonhos ............................................................................ 79

4.1.8 Nicho de mercado: A Feira Preta ........................................................ 83

5 REVISTA CLAUDIA: MULHERES NEGRAS E AS PROPAGANDAS ................ 85

5.1 Produtos para o Público Negro .................................................................... 87

5.2 Mulheres Negras em CLAUDIA: Tabelas de Distribuição ............................ 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 96

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 99

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INTRODUÇÃO

Para que se perceba a importância da revista CLAUDIA e sua influência na

imprensa feminina no Brasil, basta que se faça uma rápida consulta na internet para

que, imediatamente, surjam os mais variados temas sobre a revista.

São artigos, dissertações, pesquisas e livros escritos que tratam de assuntos

tão diversos que vão desde a influência exercida pela revista na moda feminina até a

presença de personagens marcantes como a jornalista Carmen da Silva, passando

por questões como a ideologia da revista e das matérias produzidas, a

comercialização de produtos anunciados e vinculados às matérias.

O presente estudo tem como objetivo estabelecer uma relação entre alguns

dos temas apresentados na revista e uma de suas edições, a edição de setembro de

2009. A escolha dessa edição se deve ao fato de ela trazer estampada na capa,

pela primeira vez em sua história, a fotografia de uma mulher negra sozinha, a atriz

Taís Araújo, além desse aspecto inovador, essa mesma edição propõe discutir um

tema sempre considerado delicado: o fim do racismo.

Foi realizada uma análise do conteúdo e da capa das edições da revista

CLAUDIA que compreendem o período de setembro de 2009 – quando Taís Araújo

aparece na capa da revista – até fevereiro de 2010, em uma amostragem que

permitisse, através da comparação, demonstrar as consequências desse ato

inovador. Com o objetivo de tentar entender a extensão do índice dessa publicação

na mídia impressa e os seus possíveis desdobramentos em áreas como a

propaganda e o consumo – já que, pela primeira vez, uma grande parcela da classe

média ascendente, era composta por mulheres negras, que podiam se ver refletidas

em uma revista de grande circulação; fez-se necessário, tentar compreender por que

a mulher negra esteve ausente por tanto tempo de uma revista como CLAUDIA.

Tal indagação conduziu esta pesquisa a uma viagem pela história, em busca

da origem do preconceito baseado na cor da pele e na sua disseminação. À medida

que a pesquisa se aprofundava, novas informações surgiam destacando o papel

fundamental que a religião, as ciências e a economia exerceram para que o

preconceito racial não apenas se expandisse, mas se enraizasse na cultura dos

povos e servisse a diferentes interesses.

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Tais interesses levaram os negros a serem tratados como objetos que

pertenciam a seus donos e, nesse contexto, a mulher negra sofreu ainda mais que

os homens, exposta como animal aprisionado, usada como objeto de prazer e

oprimida. Mesmo depois da abolição da escravidão, o homem e a mulher negros

continuaram a ser vistos como seres inferiores, ridicularizados em imagens

estereotipadas nos espetáculos públicos e na mídia impressa, destituídos de seus

direitos como cidadãos, ainda que fossem livres.

Para se chegar a uma capa de revista feminina de grande circulação, foi

necessário um longo caminho que passou pela luta pelos direitos civis nos Estados

Unidos e pela luta contra a ditadura no Brasil.

As pressões sociais no país começaram a tomar corpo na década de 1980,

mas foi somente a partir da década de 1990 que, através de políticas públicas e,

consequente, melhoria da condição socioeconômica das camadas mais pobres da

população - entre as quais se encontra a maior parte da população negra do país - a

mulher negra começa a ser vista pelo mercado como um potencial de consumo, uma

fonte de lucro.

E é nessa situação que Taís Araújo torna-se a primeira negra a estampar a

capa da revista CLAUDIA. Assim, o presente estudo tem como objetivo responder à

seguinte pergunta: Quais foram as razões que levaram a revista CLAUDIA a

estampar em sua capa uma negra, a atriz Taís Araújo? Por que, ainda que de

maneira suave, a revista se propôs a discutir a questão do racismo, denominando a

atriz como a Musa da Igualdade?

Com o propósito de responder a esses questionamentos, serão analisados a

capa e o conteúdo da revista, com a finalidade de avaliar as matérias presentes

nessa edição e tentar entender como é abordada a questão racial, além disso,

busca-se também analisar a disposição dos elementos como imagens, cor e textos -

na capa.

Para realizar este trabalho, realizaram-se pesquisas de caráter investigativo

bibliográfico, optou-se pela metodologia quali-quantitativa, ou seja, além de analisar

o preconceito baseado na cor da pele, optou-se também por quantificar as imagens

de mulheres negras no corpus escolhido e verificar se houve aumento da presença

de mulheres negras nas cinco edições que sucederam a edição da revista CLAUDIA

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de setembro de 2009.

Para entender o funcionamento do preconceito baseado na cor da pele, foram

pesquisados os trabalhos de historiadores como Said, 1990; Pastoureau, 2008 e

Wedderburn, 2007, além de autores como Magnoli, 2009. Com o objetivo de analisar

as representações, estereótipos, ideologia e discurso nos jornais do século XIX e na

imprensa feminina, pesquisamos os trabalhos de Buitoni, 2009; Fiorin, 2007;

Foucault , 2012; Hall, 2005; Fanon, 2008 e Freyre, 2003 e para examinar e esboçar

como o preconceito racial referente à mulher negra era representado na imprensa,

pesquisamos autores como Neponucemo, 2012; Bazzanesi, 2012. Para entender a

influência da televisão na mídia impressa feminina, utilizamos Sodré, 1972; Martel,

2012; Lipovetsky, 2009; Barthes, 2009 e Morin, 2009.

Para tentarmos responder à pergunta proposta, organizamos o presente

estudo em cinco capítulos.

O capitulo 1 procura abordar o princípio histórico do preconceito racial,

baseado na cor da pele e como ele se disseminou.

O capitulo 2 busca entender como o preconceito racial, com base na cor da

pele, converteu-se em ideologia racial por meio do discurso cientifico e,

posteriormente, através da mídia de massa.

O capitulo 3 introduz a revista CLAUDIA, destacando em qual contexto

político e social ela foi lançada e como a mulher branca e a negra eram

representadas na mídia impressa durante esse período. Este capítulo busca apontar

também como as mudanças sociais, políticas e econômicas, a moda e a televisão

influenciaram na inserção do negro como consumidor.

No capitulo 4, tentamos compreender como o preconceito é abordado pela

revista e como se mescla ao consumo com a finalidade de lucrar.

O capítulo 5 traz tabelas comparativas das edições da revista CLAUDIA

referentes aos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2009 e as

edições de janeiro e fevereiro de 2010.

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1 A HISTÓRIA DE UMA COR

Segundo Wedderburn (2007)1, o racismo sempre fez parte da “realidade

social” da maioria das culturas, quando essas se pautavam “exclusivamente no

fenótipo, antes mesmo de ser um fenômeno politico e econômico”. O autor destaca

que o fenótipo “é real e não se presta a negação ou confusão”, diferentemente dos

genes, que não são vistos a olho nu e, como “fantasmas nutrem o imaginário social”.

Neste capítulo, busca-se resgatar alguns elementos que são fundamentais

para entender a história de um preconceito: o preconceito da cor da pele. Essa

abordagem histórica procura analisar como se desenvolveu, ao longo dos séculos, a

associação entre a cor escura da pele e os elementos negativos do caráter humano

marcando o desenvolvimento das sociedades que, ora organizavam-se em torno da

similitude dos seus membros, no caso, o tom claro da pele; ora afastavam-se,

fechando-se em si mesmas a partir das diferenças com os outros, cuja pele era mais

escura.

Nessa trajetória, Wedderburn (2007) lembra que, mesmo entre a cultura do

Oriente Médio, a cor escura de povos como “egípcios, núbios e etíopes” era

carregada de negatividade e também associada à feiura e à maldade2. Outro

exemplo citado por ele refere-se aos indianos, por volta de 1700 A.C, em cujos livros

sagrados, Vedas (Rig-Veda), existem passagens em que a associação entre a cor

da pele e a maldade está presente e, portanto, precisa ser destruída: “eliminar a pele

negra da face da terra”, e matar “os bárbaros de nariz chato (anasha)”3.

Na Europa cristã, a semelhança era mais importante do que a diferença.

Foucault4 destaca que esse conceito já era muito difundido na Idade Média, herança

da cultura greco-romana, que “desempenhou um papel importante como construtor

do saber na cultura ocidental”, para o autor, “[...] foi ela que, em grande parte,

conduziu a exegese e a interpretação dos textos: foi ela que organizou o jogo dos

1 WEDDERBURB, Carlos Moore. O racismo através da história: da antiguidade à modernidade,

2007. Wedderburb é cubano, radicado na Bahia, é doutor em ciências humanas e em etnologia. 2 Ibid., p. 37.

3 Ibid., p. 31.

4 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas, 2007.

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símbolos, permitiu o conhecimento das coisas visíveis e invisíveis, guiou a arte de

representá-las.”5.

Baseados na semelhança, os europeus distinguiam e se identificavam dentro

e fora de seu território. O processo da similitude foi tão marcante na sociedade

europeia a ponto de ela se fechar religiosa e culturalmente, o que permitiu que se

desenvolvesse como uma sociedade própria e única, mas que, por temor, evitava

contatos mais profundos com outras culturas que não se assemelhassem a ela.

[...] O semelhante envolve o semelhante, que, por sua vez, o cerca e, talvez, será novamente envolvido por uma duplicação que tem o poder de prosseguir ao infinito. Os elos da emulação não formam uma cadeia como os elementos da conveniência: mas antes, círculos concêntricos, refletidos e rivais [...] Seu poder é imenso, pois as similitudes que executa não são aquelas visíveis, maciças, das próprias coisas; basta serem as semelhanças mais sutis das relações [...] As semelhanças exigem uma assinalação, pois nenhuma dentre elas poderia ser notada se não fosse legivelmente marcada. (FOUCAULT, 2007, p. 29).

Às semelhanças, a que se refere Foucault (2007), complementam-se as

observações de Wedderburn (2007) ao citar os exemplos de dois gregos, o filósofo

Aristóteles e o médico Claudio Galeno. Ambos acreditavam, ao comparar os tons de

pele dos gregos com povos que tinham a pele mais escura do que a deles, que os

indivíduos de pele clara eram mais desenvolvidos, mais civilizados e mais corajosos.

Segundo Aristóteles: “a cor demasiada negra é a marca dos covardes” enquanto a

“cor rosada naturalmente enuncia as boas disposições.”6.

A religião foi outra fonte que contribuiu para ressaltar a semelhança física e

marcar a diferença e a inferioridade de povos não europeus, principalmente, a

religião cristã que combatia o islamismo, o Islã e seu fundador Maomé. Essa religião

se desenvolveu entre os povos de vários tons de pele do norte da África, tons mais

escuros que o da pele do europeu. Assim, a cor da pele torna-se um dos modos de

identificação e discriminação dos pagãos islâmicos.

5 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas, 2007,

p. 23 6 WEDDERBURB, Carlos Moore. O racismo através da história: da antiguidade à modernidade,

2007, p. 35.

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1.1 A Cor nas Cruzadas

Durante o período das Cruzadas na Idade Média7, Maomé e sua religião se

tornam o mal, sendo representados como parceiros do diabo no inferno de Dante.

O Islamismo surgiu no século VII da era cristã e foi fundado pelo mercador

árabe Maomé (Mohammad, 570-632), portanto, é a mais “recente das grandes

religiões mundiais”; recebeu a influência tanto do judaísmo quanto do cristianismo,

mas, distanciou-se e se “opôs” a ambas8.

Said (1990) afirma que a religião islâmica é baseada na militância e na forte

ação missionária, dessa maneira, rapidamente, espalhou-se pelo Oriente Médio e

África, conquistando essas regiões - territórios sob poder cristão - e avançando

também para o sul da Europa, dominando algumas regiões da Península Ibérica

como a Espanha, a Sicília e parte da França.

Ainda de acordo com Said (1990), “a esse extraordinário assalto, a Europa

podia reagir muito pouco além do medo e de certo pasmo”9, já que o exército

Islâmico era composto por diferentes povos, tradicionalmente guerreiros. Esse

enorme exército impunha respeito e medo ao exército cristão europeu, que via o

exército islâmico como um grande “enxame de abelhas, mas com as mãos pesadas

[...] que devastavam tudo”. Para a Europa, o exército e a religião mulçumana

simbolizavam “o terror, a devastação, o demoníaco, a horda de odiosos.”10.

Centrada na fé e voltada para dentro de si, a Europa perdia territórios e

também fiéis para um Islã muito mais combativo e missionário, que se expandia

rapidamente pela África e regiões próximas da Europa. A proximidade geográfica e

cultural significava para a Europa cristã uma ameaça concreta que não poderia ser

ignorada. Após várias tentativas e acordos para tentar convertê-los ao cristianismo

7 PASTOUREAU, Michel. História de uma cor: Preto, 2008. Pastoureau é um historiador francês,

especialista em Idade Média e dedicado ao estudo das cores, das heráldicas e dos símbolos. 8 SAID, Edward. O orientalismo: o oriente como invenção do ocidente, 1990.

9 Ibid., p. 69.

10 Ibidem.

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ou para expulsá-los de seus territórios, os cristãos decidiram que “alguma coisa

tinha que ser feita a propósito do Islã.”11.

Said (1990) ressalta também que alguns escritores e poetas cristãos, apesar

de admirarem as virtudes dos mulçumanos, não se importaram com a sua cultura.

Nos contos e poemas escritos nesse período encontramos representações

negativas de Maomé, descrito como representante do mal e “disseminador da

mentira, da devassidão, da traição, da sodomia”12, o autor destaca, como exemplo,

uma citação do poeta Dante Alighieri, em A Divina Comédia. “[...] Maomé aparece no

canto 28 do inferno. Está localizado no oitavo de nove círculos do inferno, na nona

das dez bolgias de Malebolge, um círculo de lúgubres fossos que rodeiam a

fortaleza de satã no inferno.”13.

No livro A Divina Comédia, escrita em língua vulgar, Dante coloca Maomé ao

lado de Satã, o que ajuda a reforçar a imagem negativa do Islamismo e do seu

fundador e a tornar essa ideia uma verdade incontestável entre os cristãos. Segundo

Burke (2010)14, “Dante foi um dos poetas que contribuiu para a disseminação da

língua vulgar quando escreveu em 1305 sua obra De vulgari eloquentia”15. Ainda de

acordo com o autor, por volta dessa época, surgiram alguns textos em linguagem

vulgar - utilizada pelos peregrinos de classe baixa - e o latim começava a ser

substituído pelas várias línguas que se formavam no continente europeu. O uso

dessas línguas pelos poetas e escritores ajudava ainda mais a propagar os valores

cristãos e a atacar o islamismo.

Said (1990) lembra que os cristãos usaram todos os esforços para evitar a

expansão do islamismo em seus territórios, formando uma verdadeira “operação

mental contra o Islã”. E a cor de pele foi uma das formas de se diferenciar o bem do

mal e os bons dos maus.

11

SAID, Edward. O orientalismo: o oriente como invenção do ocidente, 1990, p. 71. 12

Ibid., p. 78. 13

Ibidem. 14

BURKE, Peter. Linguagens e comunidades nos primórdios da Europa Moderna, 2010. 15

Dissertação de Mestrado (Catálogo USP) - Uma leitura do De vulgari eloquentia de Dante Alighieri VIVAI, Cosimo Bartolini Salimbeni. Disponível em:

<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8148/tde-17112009-153952/pt-br.php>. Acessado em 28 maio 2014.

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18

1.1.1 Cor Preta e a Mulher Feia

Assim, na Idade Média, a cor de pele se tornava marca de distinção e de

diferenças entre culturas; a princípio, a discriminação, que era voltada contra o

inimigo, aos poucos, passou também a atingir as pessoas comuns.

Pastoureau (2008) destaca que nas Canções de Gestas16, os cavaleiros

atribuíam valor negativo à cor escura da pele, e não apenas aos inimigos

mulçumanos, mas também quando se referiam às camponesas. “[...] era preta como

a gralha, preta como o carvão, preta como o piche derretido e até preta como molho

com pimenta do reino.”17.

Nos contos de cavalaria, como os escritos em 1170 por Chrétien de Troyes -

as aventuras do rei Arthur e Le Chevalier au Lion (Ivain, o Cavaleiro Leão) - o

galante cavaleiro Calogrenant depara-se com um camponês e descreve-o para seus

companheiros: “ele era um vilão completamente preto, que se parecia com um

mouro, um gigante horrendo, tão feio que faltam palavras para descrevê-lo.”18.

A cor preta estava associada à feiura e o branco à beleza, somadas

características zoomórficas atribuídas às pessoas comuns, principalmente às

mulheres19.

[...] seu pescoço e as mãos eram mais pretos que o mais preto dos metais; seus olhos eram simples ocos, tão pequenos como os olhos de ratos; seu nariz era ao mesmo tempo parecido como o do macaco e do gato; suas orelhas, parecidas com as do burro e do boi; seus dentes tinham a cor da gema do ovo e o queixo era ornado com uma barba semelhante a do bode; do seu peito emergia uma corcova igual àquela que havia em suas costas. (PASTOUREAU, 2008, p.78).

De Troyes (apud Pastoreau, 2008) continua sua descrição, citando as

características “zoomórficas” das “horrendas donzelas”, esses elementos se

16

Canções de Gestas são manifestações poéticas que surgiram entre os séculos X e XII e atingiram o ápice no século XV. São conjuntos de poemas que constituem uma epopeia em que se narram as aventuras de um cavaleiro, um guerreiro dotado de bravura, heroísmo, valor e virtudes. Muito populares, eram transmitidas oralmente e costumavam ter de 2.000 a 20.000 versos, mas geralmente não ultrapassavam 4.000. Disponível em: <http://www.mestrando.com/2013/02/cancoes-de-gesta.html>. Acessado em: 15 dez. 2013.

17 PASTOUREAU, Michel. História de uma cor: Preto, 2008, p. 78.

18 Ibidem.

19 DE TROYES, Chretien. Le Conte du Graal (ed. F. Lecoy. Paris, 1975, t. I), versos 4596-4608.

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19

desenvolvem em um sistema de valores e de oposição entre os aspectos positivos e

negativos. Os positivos como “brilho, pureza e luz”, referiam-se ao europeu de pele

clara e, os negativos como “sombra, impureza e inferno” aos de pele preta.

[...] uma representação semelhante às peles escuras é observada nas imagens sacras. Desde a época carolíngia até o final da Idade Média, são abundantes os exemplos que representam tanto os diabos e os demônios, como também os sarracenos ou pagãos, os traiçoeiros e os traidores (Judas, Caim, Dalila, os traidores da Bíblia; Canelão, o traidor na Canção de Rolando; Mordred, o traidor na lenda do rei Arthur) dotados de peles pretas ou marrons, e ainda os criminosos de todos os tipos, as esposas adúlteras, os filhos rebeldes, os irmãos perjuros, os tios usurpadores e mesmo os personagens que exercem profissões reprovadas ou atividades que situam à margem da ordem social: carrascos (principalmente os carrascos de Cristo e dos santos), as prostitutas, os usuários, as feiticeiras, os cunhadores de moedas falsas e até os leprosos, os mendigos ou os enfermos. Todos são privados da pele clara, as características dos bons cristãos, das pessoas honestas e dos indivíduos bem nascidos.

20

Pastoreau (2008) afirma que como os sistemas de valores são mutáveis,

também é possível encontrar imagens e ilustrações positivas da cor preta, como

exemplo, ele cita o caso da lendária rainha de Sabá - “rainha da longínqua Etiópia”,

que conquistou o coração do rei Salomão.

Entretanto, é importante lembrar que a própria cultura europeia não é pura,

como destaca Gilberto Freyre21. Na Península Ibérica, região que abrange Portugal

e Espanha, dominada pelos mouros e sarracenos mulçumanos por vários séculos,

havia por parte dos homens portugueses certa admiração pela beleza e exotismo

das mouras, de acordo com Freyre.

1.1.2 As Mouras e a Cor do Preconceito

Em Portugal e Espanha, as mouras gozavam de certo prestígio entre os

homens. Freyre (2003) afirma que eles as consideravam mais atraentes

sexualmente - com seus “olhos pretos, envoltas em misticismo sexual” - do que as

mulheres europeias.

20

PASTOUREAU, Michel. História de uma cor: Preto, 2008, p. 79. 21

FREYRE, Gilberto. Casa Grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal, 2003, p. 71.

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20

Entretanto, Freyre (2003) ressalta que, apesar da mística figura da moura,

desenvolveu-se também a imagem oposta e preconceituosa da “moura-torta”,

originada pela inveja e ciúme das mulheres da corte que, então, começaram a odiá-

las. O autor destaca também que o ciúme levava as mulheres da corte portuguesa e

espanhola a tingirem os cabelos de louro e a clarear o rosto para parecerem mais

brancas.

[...] o certo é que no século XVI, os embaixadores mandados pela República de Veneza às Espanhas a fim de cumprimentarem o Rei Felipe II, notaram que em Portugal algumas mulheres das classes altas tingiam os cabelos de cor loura e lá na Espanha várias “arrebicavam” o rosto de branco e encarnado para tornarem a pele, que é algum tanto, ou antes, muito trigueira, mais alva e rosada, persuadidas de que todas as trigueiras são feias. (FREYRE, 2008, p. 71).

Séculos de um conjunto de ideias, crenças, tradições e princípios marcados

pela semelhança entre indivíduos, que sustentada sobre a aparência, a beleza e a

pureza, difundiu-se através da filosofia, da religião e da ciência, criando uma única

ideologia: a ideologia racial, representada por um signo absoluto e distintivo - a cor

da pele. Nesse processo, quem mais sofreu foi a mulher de pele escura.

1.1.3 Da Moura à Negra: A Ideologia da Raça

No século XV, com o controle do Mar Mediterrâneo pelos turcos otomanos, o

comércio entre a Europa e a Ásia ocidental tornou-se mais difícil, obrigando os

europeus a buscarem novas rotas para comercialização. A aventura resultou na

descoberta de novas terras. Os europeus já conheciam o mercado de escravos

africanos praticado pelos árabes e, para explorar essas novas terras, substituíram a

mão de obra nativa utilizada, a princípio, pela dos africanos escravizados.

No final do século XVIII e início do século XIX, o movimento intelectual

denominado Iluminismo - caracterizado pela centralidade da ciência e da razão -

começava a combater tanto o comércio de escravos quanto a exploração dos

empregados que trabalhavam nas fábricas por até 18 horas, opondo-se à ideia de

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21

que homens fossem reduzidos a “coisas, objetos, mercadorias e propriedade”

escreveu o economista francês, Gustave de Molinari, no século XIX 22.

Os iluministas argumentavam que todos os homens eram iguais, qualquer

que fosse sua origem. A ideologia da raça surge para justificar a continuidade do

comércio de escravos e a expansão do imperialismo no continente africano e na

Ásia, para se opor a tais argumentos e convencer uma opinião pública que

começava a se formar, havia a necessidade de se criarem argumentos filosóficos,

científicos e religiosos de que os homens eram iguais, mas alguns eram superiores.

Assim, justificariam a existência de uma divisão da humanidade em raças e,

consequente, diferenças existentes entre elas.

Dentro deste sistema de crenças e de hierarquia de raças, o europeu se

posicionava como sendo a raça superior e a africana como inferior a todas as outras.

Magnoli (2009) afirma que surge daí a ciência das raças para justificar as razões

mercantilistas para uma opinião pública que se formava na Europa23: “[...] a ciência

de raças nasceu no final do Século XVIII junto com a Revolução Francesa e a

consolidação do conceito de cidadania se desdobrou na forma de depravações

extremadas até a segunda guerra mundial.”24.

Portanto, o fardo civilizatório de levar aos africanos primitivos e pagãos a luz

da razão e a luz da religião cabia ao homem branco, o que justificava a continuidade

da escravidão. A alegação era de que os africanos somente seriam tirados da

escuridão e da ignorância a partir do contato com uma raça superior.

Magnoli (2009) analisa a origem desse tipo de pensamento racial25 que se

fortalece no séc. XVIII com cientistas como Carolus Linneaus, “o pai da taxonomia

biológica”, que propôs a divisão do “Homo Sapiens” em quatro raças, tendo como

ponto de partida a geografia e a cor da pele dos indivíduos. Linneaus também

atribuiu características positivas e negativas ao estágio de evolução em que se

encontrava cada grupo humano.

22

MOLINARI, Gustave de. Da Abolição da Escravidão, 1854. P. 13 - Biblioteca do Senado Federal. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/222295>. Acessado em 06 mar 2014.

23 MAGNOLI, Demétrio. Uma gota de Sangue: historia do pensamento racial, 2009.

24 Ibid., p. 15.

25 Ibid., p. 21.

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22

[...] Americanus, Asiaticus, Africanos e Europeus. Naturalmente, a raça Europeus era constituída por indivíduos inteligentes, inventivos e gentis, enquanto os índios americanos seriam teimosos e irritadiços, os asiáticos sofreriam com inatas dificuldades de concentração e os africanos não conseguiriam escapar a lassidão e a preguiça. (MAGNOLI, 2009, 24).

Cem anos após a classificação de Linneaus, Johann Friedrich Blumenabach,

médico alemão - por meio de análises do crânio (craniometria) - sugere como os

seres humanos deveriam ser divididos: “Caucasoide (branca), mongoloide (amarela),

malaia (marrom), Etiópia (negra) e americana (vermelha)”26.

A classificação proposta por Blumenbach27 ocultava o “ideal platônico” de

raça, que se baseava nas diferenças dos grupos humanos, e seu mote principal

pautava-se na “similitude” dos indivíduos.

O diplomata e aristocrata francês Arthur de Gobineau28, escreveu o “Ensaio

sobre a desigualdade das raças humanas – 1853 e 1855”. Gobineau dividiu a raça

humana em três grandes grupos: brancos, amarelos e negros. Para ele, afirma

Magnoli (2009), foi do branco europeu que surgiram todas as raças humanas.

Portanto, o progresso da civilização humana dependeria “direta ou

indiretamente” da raça branca, isto é, da grande “família ariana”. Magnoli (2009)

ainda afirma que Gobineau também acreditava que a miscigenação entre as raças

gerava novas raças degeneradas, e que colocava em risco a grande civilização

europeia.

1.1.4 Saartjie Baartman: A Vênus Negra

As ciências das raças levou no século XIX à criação de uma verdadeira

zoologia humana formada por tipos exóticos, como foi o caso da escrava sul-

africana, Saartjie Baartman29.

Levada para a Europa, Londres e Paris, entre 1810 e 1815, foi exibida como

um animal preso em uma jaula. Divertia variadas plateias formada desde

trabalhadores ignorantes à elite burguesa de Paris.

26

MAGNOLI, Demétrio. Uma gota de Sangue: historia do pensamento racial , 2009, p. 21. 27

Ibid., p. 24. 28

Ibidem. 29

Ibid., p. 28.

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23

Figura 1 – A sul africana Saartjie Baartman

Fonte: Google30

Por causa de suas características anatômicas31, (vagina e quadris

avantajados), herança de sua tribo, após sua morte, seu corpo serviu também para

propósitos científicos da época, a fim de comprovar que o africano estava, na cadeia

da evolução, muito mais próximo dos chimpanzés.

Os discursos e exposições sobre raças, que ocorreram na Europa, eram tão

poderosos que levaram personalidades proeminentes, como o pai da Psicanálise,

Freud32, a aderirem a tais ideias que se alastraram para diversas áreas científicas

que se desenvolviam ou surgiam no século XIX.

1.2 Mulheres Negras nos Jornais Brasileiros do Século XIX

No mesmo período em que Saartjie Baartman era exibida na Europa como

um animal exótico, no Brasil, as escravas eram comercializadas, negociadas e

trocadas nas seções comerciais dos jornais. Inúmeras imagens de escravas podem

30

Disponível em: <iamthecrime.tumblr.com/post/21274972331/saartjie-sarah-baartman-hottentote-venus>. Acesso em 20 mar 2014.

31 A história de Saartjie Baartman é contada no filme francês de 2009, A Vênus Negra.

32 MAGNOLI, Demétrio. Uma gota de Sangue: historia do pensamento racial, 2009, p. 28.

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24

ser encontradas nos museus de história, em acervos de fotografia, em livros

escolares, vestidas ou semivestidas com trajes coloridos, usando turbantes,

carregando tabuleiros de doces ou com uma criança pendurada, exercendo suas

atividades rotineiras de escrava.

Quando fugiam, as negras eram descritas, nessas mesmas seções de troca e

venda de objetos e animais, para facilitar a identificação das escravas “fujonas”.

Como qualquer objeto, coisa ou animal, a negra era trocada, emprestada ou

alugada: “[...] precisa-se alugar uma escrava para serviços de casa, entre as

prendas que tiver que saiba cozinhar tão bem, não se quer nem moça nem velha,

meio termo; quem a tiver dirija-se a Rua Grande casa nº 1.” 33.

O artigo de Pereira (2010) confirma que essa era uma prática muito comum,

até 1888, nas seções de comércio de jornais como o Diário Maranhão, Diário da

Parayba, Jornal do Commercio. A transação do escravo disputava espaço com

anúncios de máquina de costura Singer, compra ou venda de bode, cabra, produtos

milagrosos e tecidos, dentre outros objetos. Encontramos exemplares fac-similes

desses jornais na Hemeroteca digital34:

Cozinheira: Na Rua de São João no. 5, canto da Rua da Saavedra, precisa-se de uma cozinheira, livre ou escrava, contanto que possa dormir na casa. (DIARIO DO MARANHÃO).

Na Rua de Santa Anna, casa no. 8: Precisa-se de uma Criada que saiba cozinhar e engomar. Na mesma casa compra-se uma escrava que saiba cozinhar. (DIARIO DO MARANHÃO).

Vende-se huma preta de idade de 40 annos acostumada a vender em tabuleiro, é própria para o serviço doméstico. (JORNAL DO COMMERCIO).

No armazém de Silva, Oliveira e Cª. Se diz quem tem para vender, uma preta moça que além de saber fazer o serviço doméstico d´uma casa, lava e gomma. (JORNAL DO COMMERCIO).

Quando uma escrava fugia, o anúncio era colocado na mesma seção

comercial, e era representado por uma pequena figura de um negro carregando um

33

PEREIRA, Josenildo de Jesus. Imprensa ética, Escravista e idéias Abolicionistas no Maranhão na Década de 1880. Disponível em: <http://www.anpuh.org/anais/wp-content/aploads/mp/pdf/anpuh.525.1332.pdf>. Acessado em 06 mar 2014. Notícia extraída do exemplar de 24 de setembro de 1885.

34 HEMEROTACA DIGITAL. <http://memoria.bn.br/acervo-digital/diario-mararnhao/72001>.

Acessado em: 06 mar 2014.

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25

saco e em fuga. Na descrição havia algumas das características marcantes da

fugitiva como o porte físico, altura, cor da pele (tonalidades variadas), cicatrizes etc.

[...] no dia 14 de setembro do anno passado fugio da casa do abaixo assinado uma escrava de sua propriedade, de nome Candida de 20 a 22 annos de idade, e com os seguintes segnaes: Criôla, fula, boca grande, dentes limados e bem alvos, olhos grandes e muito vivos, estatura alta, e não muito secca, e andando estallão lhe as juntas dos pés; a referida foi da Sra. D. Joanna, e foi do Sr. Barbalho da serra D´Araruna, e foi do Sr. Capitão justino morador na mesma serra, que com ella fez pagamento n´esta praça do Sr. José de Azevedo Maia, a quem comprei-a.

Consta estar omiziada nos suburbios da dita serra D´Araruna, sob a proteção dos escravos da referida Sra. D. Joanna, (...) São bento (Provincia do Rio Grande do Norte) aonde foi vista no lugar denominado Jacu, em companhia d´um homem com quem vai passando por casada. O mesmo abaixo assignado gratifica com cem mil reis a quem trouxer a dita escrava a sua casa n´esta capital, Rua das convertidas, no. 37.

Parayba, 20 de fevereiro de 1862 - Antônio Francisco Ramos (DIÁRIO DA PARAYBA, 1862)

35

1.3 Blackface e Angel Face

Blackface é a representação de personagens negros por atores brancos, foi

muito usada em espetáculos de menestréis do século XIX na Europa e nos Estados

Unidos. Esse recurso visual torna possível agregar muitos valores negativos ao

negro. Atualmente, é utilizado durante o período de carnaval ou em protestos de

grupos racistas que se manifestam contra os negros.

O primeiro episódio de Blackface36 ocorreu no século XVI, quando o ator e

comediante britânico, Lewis Hallam, representou o personagem de um negro

bêbado chamado “Mungo” e aplicou em suas mãos e rosto uma tinta preta. O

grande interesse popular incentivou que outros atores o imitassem.

No século XIX, essa forma de representação nos teatros britânicos ganhou

popularidade e contribuiu para a proliferação do estereótipo influenciando inclusive

os trovadores (menestréis) de espetáculos nos Estados Unidos. Os trovadores

utilizavam o Blackface para entreter as plateias e perdurou por mais de 100 anos.

35

Texto transcrito na íntegra. 36

Tradução livre do artigo Black identity: The perception of race through history . Disponível em: <http://vt2013group.wordpress.com/2013/05/02blackface-how-stereotypes-influenced-the-perception-of-face.html>. Acessado em 15 fev 2014.

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26

Em meados de 1860, nos Estados Unidos, atores negros, para sobreviver e

serem aceitos nos espetáculos pintavam o rosto de Blackface, ou seja, exageravam

os gestos e parodiavam a si mesmos, o que dava à plateia a sensação de um

espetáculo mais “realista”. O estilo foi explorado pelo cinema, e o ator branco Al

Johnson participou do primeiro filme falado, representando um negro com seu rosto

pintado de negro. A televisão inglesa explorou o estilo Blackface até meados da

década de 1980.

Figura 2 – Blackface no cinema americano

Fonte: Google

37

1.3.1 Blackface no Brasil

Com o fim da escravidão no Brasil, a imprensa passa a representar a mulher

negra nos jornais com base nas características visuais distintivas. São caricaturas

estereotipadas da ex-escrava que, agora, traja o uniforme da serviçal, criando um

estilo brasileiro de Blackface de ilustração e da mulher negra.

Campos (2009) aponta que o estilo Blackface americano foi usado nos

anúncios dos jornais em pequenas cidades do interior como em Araraquara (SP). A

loja Casas Bueno, fez uso desse estilo no jornal da cidade, “A Noticia de 1936”.

37

Disponível em: < http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/166/artigo258363-1.asp/.>. Acesso em: 20 abr 2013.

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27

[...] no que se refere à caricatura do entregador das Casas Bueno, evidenciam-se alguns dos estereótipos da época acerca da pessoa negra e, por conseguinte, da então denominada “raça negra”. O menor, que bem poderia ser denominado como moleque, é meio risonho, meio abobado, evidentemente camarada, desastrado e servil, com os lábios pronunciados demais, assim como suas orelhas. [...] Vale notar que o menino das Casas Bueno usa um traje que é arrematado pela civilidade e higiene das luvas brancas que, nele, combinadas com o gestual servil, com a expressão patética e com curvatura das pernas, lembram uma ridícula fantasia, bastante diferente, convém lembrar, daquelas utilizadas pelos pequenos que frequentavam as matines de carnaval. (CAMPOS, 2009, p. 206).

Para a autora, fica evidente a forte influência do estilo Blackface americano na

imprensa brasileira. Mesmo distantes geograficamente os dois países mantinham

certo discurso das representações dos grupos sociais e compartilhavam a mesma

ideologia racial, o que ocorria devido à influência comercial e cultural de meios de

comunicação como o cinema.

Figura 3 – Diga: Azul Reckitt

Fonte: Capa do livro Estilo Brasileiro de Propaganda

A imagem do cartaz “Azul Reckitt” pode ser analisada, levando-se em

consideração sua polissemia. A empresa fabricante do alvejante de roupas “Reckitt”

utiliza a arara, de plumagem colorida, para representar a diversidade étnica da

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28

população brasileira e a mulher negra como uma serviçal, representante que garante

a qualidade de branqueamento que o produto oferece. O pássaro “abraça” a mulher,

envolvendo-a, ela aponta para ele, sugerindo que repita a frase “Diga Azul Reckitt

para alvejar roupas”. Como alguns pássaros são capazes de aprender pequenas

frases e repeti-las, a propaganda faz uso de um pássaro que tem essa habilidade e

do recurso linguístico da repetição para fixar no leitor o nome, a função do produto e

a imagem da empregada negra. A negra que deixará suas roupas mais alvas, isto é,

mais brancas.

1.3.2 A Negra N´o Dragão

Figura 4 – N´o Dragão

Fonte: Nova história da mulher no Brasil

A propaganda acima é muito mais caricatural que a anterior, semelhante a

uma ilustração de gibi, a empregada negra está sorridente, entre seus utensílios de

cozinha, confirmando que a patroa “acertou”, quando comprou as louças na loja

“N´O DRAGÃO, O rei dos Barateiros”.

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29

A empregada exibe todos os dentes. O escritor e psicanalista negro Frantz

Fanon chama esse sorriso de “grin”38, ele afirma que esse era um sorriso do negro,

encontrado em cartazes, no cinema e em etiquetas de produtos.

[...] o sorriso do negro, chamado de grin, parece ter interessado muitos escritores [...]. “Nós gostamos de representar o negro sorridente, com todos os dentes à mostra. E este sorriso, tal como o vemos – tal como criamos – significa sempre um dom”. Dons sem fim nos cartazes, nas telas do cinema, nas etiquetas dos produtos alimentícios. (FANON, 2008 p. 59).

Os anúncios das mulheres negras nas propagandas brasileiras nem sempre

eram acompanhados do sorriso “grin”, mas esse era um dos elementos que

acentuava o estilo Blackface e o estereótipo caricatural.

A caricatura é um recurso poderoso de representação e o linguista Roland

Barthes39 ressalta que a caricatura tem mais importância e força do que uma

fotografia.

[...] não há duvida de que, na ordem da percepção, a imagem e a escrita, por exemplo, não solicitam o mesmo tipo de consciência; e a própria imagem propõe diversos modos de leitura; um esquema é muito mais aberto a significação do que um desenho, a imitação mais do que um original, uma caricatura mais do que um retrato (BARTHES, 2009, p. 200).

As imagens destacadas são apenas alguns exemplos da representação da

mulher negra, após a escravidão. Baseada, geralmente, em um estilo caricatural,

cômico que, exagerado, reforçava o preconceito e a discriminação na imprensa.

Esse estilo brasileiro de Blackface se propagou também para outros veículos como a

televisão.

1.3.3 Blackface na TV

A pesquisadora Raquel Discini Campos40 lembra que, no final dos anos de

1960, o estilo Blackface brasileiro foi levado à televisão e apresentado na minissérie

A Cabana do Pai Tomas, conto da escritora americana Harriet Beacher Stowe,

38

FANON, Frantz. Pele negra, máscara branca, 2008. 39

BARTHES, Roland. Mitologias, 2009. 40

CAMPOS, Raquel Discini. Mulheres e crianças na impressa paulista, 1920-1940: educação e história / Raquel Discini de Campos, 2009.

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30

publicado entre os anos de 1851 e 1852. Na minissérie o ator branco, Sérgio

Cardoso, recorreu ao estilo Blackface.

Figura 5 – O ator Sérgio Cardoso em A Cabana do Pai Tomás

Fonte: Google41

A respeito do Blackface, Raquel Discini Campos afirma que:

[...] tal recurso foi muito utilizado, mesmo no Brasil, onde a longevidade do estilo Blackface chegou à televisão em 1969, quando o ator Sergio Cardoso, branco, utilizou Blackface para fazer o papel de um negro por exigência dos patrocinadores da novela na qual atuava. (CAMPOS, 2009 p. 207).

1.3.4 Zorra Total

O estilo Blackface também foi usado na TV em programas humorísticos,

Chico Anísio utilizou esse recurso na criação de alguns dos seus personagens e,

recentemente, o mesmo ocorreu com o ator Rodrigo Sant´nna no programa de

humor Zorra Total. Sant´nna representa uma mulher negra, mendiga, desdentada,

preguiçosa, feia, suja e ignorante. Houve protestos de telespectadores para que se

retirasse o programa do ar, além disso, o ator foi processado em 2012 42.

41

Disponível em: < http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/166/artigo258363-1.asp/.>. Acesso em 30 mar 2014.

42 Fonte: Imagens e informações sobre o processo podem ser encontradas em

<http://ne10.uol.com.br/canal/cultura/noticia/2012/09/05/adelaide-do-zorra-total-processada-por-racismo-365931.php> . Acessado em 16 dez 2013.

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31

Figura 6 – Adelaide em Zorra Total

Fonte: Google43

1.3.5 Blackface na Imprensa Feminina

Nos jornais femininos de meados do século XX, é possível encontrar

exemplos do estilo Blackface. Dulcília Buitoni (2009) destaca que, em uma edição da

revista O Cruzeiro, na coluna Dona na Sociedade, o colaborador Pelegrino Junior

descreve em a Arte de Conversar, a fofoca duas senhoras, Miss Boca do Mundo e

Miss Ponta da Rua. “[...] Miss Boca do Mundo – Mas não gostei dos sapatos. E o

chapéu de D. Anastácia? Estava simplesmente ridículo! Mulher parda é uma

tragédia: Não há nada que fique bem”. (BUITONI, 2009, p. 80)

Em outro jornal, A Cigarra de 1932, a autora analisa a seção Quadro de todo

dia, escrito pela jornalista de codinome “Bluette”, ao entrevistar Iracema, uma mulher

comum, negra e jornaleira:

[...] Iracema é negra de lábios grossos, engraçada, esbelta, sem marido, não é mais virgem como a Iracema do romance. Surge a dúvida na pergunta da jornalista “A virgem de lábios de mel?” Ela sabe que existiu uma outra Iracema que era branca, virgem e pura e que tinha os lábios de mel” [...] Esta Iracema amou e foi amada, diferente da Iracema real, órfã cuidada pela “gente de família”, acreditou em um moreno e foi abandonada por ele embora fosse alertada de que o “peste não prestava”. Ainda assim tinha sonhos, de ter uma banca e ganhar muito dinheiro. (BUITONI, 2009, p. 84).

43

Disponível em <<http://ne10.uol.com.br/canal/cultura/noticia/2012/09/05/adelaide-do-zorra-total-processada-por-racismo-365931.php>. Acessado em 16 dez 2013.

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32

O preconceito contra a cor de pele preta atravessou os séculos e os oceanos,

manteve os discursos religioso e ideológico, numa batalha de representação de

opostos entre o bem e o mal, a luz e a sombra, o belo e o feio.

O mal, a sombra e o feio estão representados no estilo Blackface, isto é, na

imagem da mulher negra, já o oposto - o bem, a luz e o belo - é representado pela

mulher branca, a Angel Face.

1.3.6 Angel Face44

Diferente do Blackface, a Angel Face não pintava o rosto com pasta de

carvão ou cortiça queimada. As revistas e os jornais brasileiros publicavam anúncios

de cremes de embelezamento para as pessoas de pele clara.

Figura 7 – Creme facial Angel Face da Pond´s

Fonte: Google45

Além dos anúncios de cremes de beleza, voltados exclusivamente para as

mulheres brancas, os concursos de beleza, organizados em todo o país, desde o

início do século XX, destacavam as qualidades indispensáveis para uma candidata:

44

O termo Angel Face foi extraído da propaganda de creme de beleza da Pond’s, que circulava nas revistas femininas nas décadas de 1940 e 1950. A expressão também é encontrada como subtítulo de Beleza ANGEL FACE, no livro A Nova Historia das Mulheres no Brasil. Os termos Blackface e Angel face são usados nesta pesquisa para marcar a polarização social das mulheres negras e brancas representadas nos meios de comunicação.

45 Disponível em: < https://www.etsy.com/uk/listing/92133692/retro-angel-face-mirror-case-

foundation.> Acesso em 15 mar 2013.

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33

[...] não bastava para a candidata ser extremamente bonita, pois era preciso ir muito, além disso. Juntamente à simpatia contagiante, esperava-se que a mulher ideal fosse esportiva, caridosa e recatada, ao mesmo tempo em que se aguardava que também fosse sedutora – mas não muito. Todos esses atributos deveriam ser agregados numa única pessoa que seria ungida finalmente com o titulo de “Rainha da Araraquarense”. (CAMPOS, 2009, p. 166).

Campos (2009) e Buitoni (2009) mencionam que esses concursos eram

comuns e quando eram realizados no interior, eram publicados nos principais jornais

locais. O perfil ideal excluía aquelas que não eram Angel face assim como as

jovens de nível socioeconômico inferior, pois o critério utilizado para a inscrição

sempre pedia “moças bem nascidas”.

[...] tanto rainha quanto princesas tinham entre quatorze e vinte e dois anos, e eram todas estudantes normalistas ou professoras já formadas, com exceção da eleita da cidade de Catanduva, que era secretária. Ao que parece, o caminho rumo a Escola Normal era destino consagrado a essas moças bem nascidas e significava fator de diferenciação em relação ao restante da população feminina. Frequentar a Escola Normal era critério de bom gosto e boa educação. (CAMPOS, 2009, p. 168)

Nesses concursos, assim como em tudo que estava relacionado à beleza

feminina – independente da região do país -, já havia um padrão predeterminado,

baseado numa ideologia de beleza excludente:

[...] as imagens da mulher encontram-se nesses modelos. Toda uma ideologia do papel feminino está em cada um dos tipos propostos. O padrão de beleza apresentado, apesar de subdividido em sete, é um só: o da mulher branca, de pele fina. [...], cabelos e olhos bonitos. (BUITONI, 2009, p. 95)

A autora ainda afirma que, nesses eventos, predominavam, principalmente,

as características que se aproximavam das modelos europeias e americanas, mais

uma vez, destaca-se o poder ideológico da beleza, influenciado pelo cinema

americano:

[...] todas as características físicas, portanto, pertencem à americana ou europeia clara. Cabelos louros e olhos azuis também aparecem; se os cabelos são morenos, são “sedosos e finos”. Então, além de apresentar modelos estrangeiros, há toda uma idealização da beleza. A mulher tem estatura boa ou é alta (deslumbrante); nunca é baixa: é “pequena”, sempre bem proporcionada. (BUITONI, 2009, p. 95)

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Buitoni (2009) ressalta que a ideologia da beleza e os estereótipos das

mulheres brancas deveriam seguir os modelos europeus ou americanos. Para as

mulheres que não se encaixavam nos padrões exigidos, principalmente, as mulheres

negras, eram reservadas as caricaturas estereotipadas do Blackface.

Se tais exigências, imagens e modelos forem comparados com as imagens

presentes nas capas de revistas femininas mais recentes, percebe-se que o padrão

requerido na época e a ideologia existente por trás dessa exigência não mudaram

com os anos. São os mesmos modelos padronizados, com as mesmas

características europeias: cabelos lisos, sedosos, nariz afilado, loiras.

As modelos mais conhecidas no mundo da moda, as artistas da música e,

principalmente, da televisão são as que se encaixam nos modelos impostos e

ajudam a manter a ideologia da beleza europeia que ainda estampa a capa das

revistas, são as Angel Faces, atualizadas e tornadas perfeitas através de

tratamentos virtuais fotográficos, recursos tecnológicos de programas de

computadores, luzes especiais que ressaltam qualidades e escondem defeitos. Todo

esse aparato tecnológico torna-as mais sedutoras, metas impossíveis de serem

alcançadas pelas simples mortais leitoras. Essas são as atuais Angel Faces,

modelos padronizados de mulheres que estampam as principais revistas femininas.

A seguir estão reproduzidas as capas da revista CLAUDIA de outubro de

2009 a fevereiro de 2010, são cinco edições em cujas capas estão a cantora Claudia

Leitte; a atriz Flávia Alessandra; a apresentadora e ex-modelo Ana Hickmann e a

atriz Grazi Massafera, além de profissionais bem sucedidas, com corpos perfeitos,

todas são loiras. A capa da edição de fevereiro traz a cantora Ivete Sangalo falando

sobre a maternidade.

Propositalmente foi excluída a capa da edição de setembro de 2009 que traz,

pela primeira vez na história da revista CLAUDIA, uma mulher negra – sozinha – na

capa, a atriz Taís Araújo, que no mesmo ano, já havia sido precursora em outra

área, a televisão: primeira protagonista negra de uma novela, cujo enfoque não era a

escravidão - ela já havia sido protagonista na novela Xica da Silva, da extinta TV

Manchete.

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Figura 8, 9, 10, 11, 12 – Capas da revista Claudia – dezembro de 2009 a fevereiro de 2010

ANGEL FACES

TAÍS ARAÚJO

Setembro 2009

Claudia Leitte

Flávia Alessandra

Ana Hickmann

Grazi Massafera

Ivete Sangalo

Fonte: Revista CLAUDIA

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2 ESTEREÓTIPOS E RACISMO

José Luiz Fiorin (2009)46 afirma que os estereótipos funcionam como crenças

compartilhadas de um grupo social em relação a outro grupo. Eles se revelam nos

discursos e na linguagem em que muitas pessoas se expressam em relação a

outras pessoas e acreditam como natural:

[...] o discurso transmitido contém em si, como parte da visão de mundo que veicula um sistema de valores, isto é, estereótipos dos comportamentos humanos que são valorizados positiva ou negativamente. Ele veicula os tabus comportamentais. A sociedade transmite aos indivíduos – com a linguagem e graças a ela – certos estereótipos, que determinam certos comportamentos. Estes estereótipos entranham-se de tal modo na consciência que acabam por ser considerados naturais. Figuras como negros, comunista, puta têm conteúdo cheio de preconceitos, aversões e hostilidade, ao passo que outras como branco e esposa estão impregnadas de sentimentos positivos. Não devemos esquecer que os estereótipos só estão na linguagem porque representam a condensação de uma prática social.” (FIORIN, 2009, p. 78).

O autor discorre sobre a linguagem como a “condensação de uma prática

social”, Stuart Hall (2009) corrobora essa ideia afirmando que a ideologia se dá pela

linguagem, segundo Hall, quando se usa o termo negro, ele já está carregado de

atributos negativos.

Quero refletir sobre o complexo particular de discursos que implicam as ideologias de identidade, lugar, etnia e formação social gerada em torno do termo “negro”. Tal termo funciona como uma “linguagem”, e de fato o faz. Na verdade, funciona como linguagens, uma vez que as formações nas quais situo o termo, baseadas em minha própria experiência. (HALL, 2009, p. 176)

Para Hall (2009), as figuras são usadas para o mesmo fim e esses são

estereótipos que tentam fixar sentidos para grupos específicos, não importando em

qual sociedade. A propósito da construção dos estereótipos a partir dos discursos,

Fiorin (2009, p. 41) afirma que: “[...] na medida em que é determinado pelas

formações ideológicas o discurso cita outros discursos. Os mesmos percursos

temáticos e figurativos se repetem.”. Ou seja, os discursos visuais seguem

identicamente uma ordem de discurso47, vinculados aos já existentes como o

46

FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia, 2007. 47

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: Aula inaugural no College de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970, 2012.

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europeu e o americano e essas manifestações sobre os estereótipos, sejam eles

textuais ou visuais, repetem-se e naturalizam-se. Tais discursos contêm em si um

ethos 48 e uma dinâmica histórica que influenciaram a mídia brasileira. Sobre o

conceito de ethos Sodré escreve que:

[...] o ethos de hoje se deixa ver como a consciência atuante e objetivada de um grupo social – explicitada em costumes, hábitos, regras e valores -, onde se manifesta a compreensão histórica do sentido da existência, onde tem lugar as interpretações simbólicas do mundo e, portanto, funciona a instância de regulação das identificações individuais e coletivas. (SODRÉ, 2006, p. 67)

Essa consciência da existência de outros grupos nos meios de comunicação,

e que se manifestava nas representações, é aqui marcada por sua oposição, a

imagem da Angel Face.

2.1 Quadrado semiótico: cor de pele

Figura 13 – Quadrado Semiótico

Fonte: Volli (2013)

No quadrado semiótico49, os termos Blackface e Angel Face, substituem as

categorias raciais negra e branca, não-negra e não-branca. De acordo com Volli

48

SODRE, Muniz. As estratégias sensíveis: afeto mídia e política, 2006 49

VOLLI, Ugo. Manual de semiótica, 2007. Conforme Volli, o quadro semiótico é um instrumento

aplicado em análise de textos muito utilizado pelo semioticista A. J. Greimas. O quadrado permite que o pesquisador possa estabelecer oposições de forma arbitrária e definir dois termos mesmo que não sejam naturais como Blackface e Angel Face, mas que, entretanto devem pertencer ao mesmo plano de sentido, isto é, semiótico; preto e branco são cores opostas na definição de matiz humana e são substituídos por termos que equivalem a eles dentro da pesquisa.

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(2007), o quadrado semiótico pode ser usado para análise de textos ou “formalizar

um fenômeno bastante difundido no âmbito dos textos, sobretudo narrativo”, no caso

do presente estudo, o preconceito relativo à cor de pele e suas representações

textuais ou imagéticas.

Pietroforte (2007)50 propõe o uso do quadrado semiótico também para

analisar imagens. Segundo ele, as imagens pertencem à manifestação da semiótica

plástica da qual faz parte também a cor, o autor ainda explica que “os registros

escritos das línguas também são imagens”51, ou seja, analisa-se uma imagem como

se analisa um texto, mantendo o mesmo percurso gerativo do sentido: “o sentido

continua a ser estudado de acordo com o percurso gerativo e com as relações semi-

simbólicas entre forma e conteúdo” 52.

O conceito de raças humanas não se aplica mais biologicamente, pois já está

ultrapassado e restringe-se ao mundo acadêmico para que os pesquisadores das

ciências humanas possam identificar culturas humanas. Por ser um conceito social e

arbitrário, circula muito mais nos discursos como forma de falar do outro, conforme

aponta Hall (2005 p. 51).53

[...] a raça é uma categoria discursiva e não uma categoria biológica. Isto é, ela é a categoria organizadora daquelas formas de falar; daqueles sistemas de representação e práticas sociais (discursos) que utilizam um conjunto frouxo, frequentemente pouco específico, de diferenças em termos de característica físicas – cor da pele, textura do cabelo, características físicas e corporais, etc. – como marcas simbólicas, a fim de diferenciar socialmente um grupo do outro.

Assim, os termos não-Angel Face e não-Blackface, na parte inferior do

quadrado, também por oposição são categorias discursivas de raça, idênticos aos

termos Angel face e Blackface.

Pietroforte (2007) destaca que quaisquer palavras, quando escritas, são

ouvidas e vistas em uma combinação de palavras e imagens para criar sentido, ou

seja, os termos Blackface e Angel face em conjunto com as imagens projetadas

podem produzir sentidos negativos ou positivos.

50

PIETROFORTE, Antonio Vicente. Análise do texto visual: uma construção da imagem, 2007. 51

Ibid., p. 33. 52

Ibid., p. 11. 53

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade, 2005

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[...] qualquer palavra – própria das semióticas verbais -, quando escrita, é antes vista que ouvida, o que faz desse registro linguístico uma semiótica sincrética em que se combinam palavra e imagem escrita. Por pertencer aos domínios do visível, trata-se apenas de reconhecer a plasticidade da escrita e incluía-la nos domínios em que o conceito de “imagem” se confunde com plasticidade da expressão. (PIETROFORTE, 2005, p. 51).

Como lembra Volli (2007), a arbitrariedade configura apenas uma questão de

contexto assim como o vermelho e o amarelo são cores análogas no disco de cores,

ironicamente, negros e brancos podem defender as mesmas bandeiras, as mesmas

ideologias, seja na política ou nos esportes.

Dessa maneira, o quadrado pode servir para interpretar a oposição estética e

a ideologia dos discursos de beleza que são encontradas nas revistas concorrentes

de CLAUDIA. O próprio Volli (2007) sugere que é possível aplicar o quadrado

semiótico para estabelecer as oposições a partir dos matizes de pele: “[...] se

examinarmos um texto em que a oposição branco/preto assume um valor ideológico,

por exemplo, em relação ao afro-americanos, o nosso quadrado semiótico pode

exprimir essas complexas posições.”54.

Então, termos como Blackface e Angel face, são substitutos, ou seja, termos

metonímicos que representam mulheres negras e brancas, escolhidos

arbitrariamente como opostos, assim como os termos não-Angel Face e não-

Blackface, na parte inferior do quadrado, também por oposição são categorias

discursivas de raça, idênticos aos termos Angel Face e Blackface.

Não-Angel Face e não-Blackface atuam como categorias intermediárias nas

quais os sujeitos que nelas se encontram são, muitas vezes, discriminados pelas

duas categorias principais no extremo do matiz, Blackface e Angel Face, ao não se

identificarem por traços, características físicas ou cor com nenhum indivíduo

pertencente aos extremos.

As categorias intermediárias, na mídia, servem muitas vezes para atenuar o

estereótipo negativo do Blackface, dessa forma, utilizam o discurso amenizador e

tolerante, posicionando o sujeito Blackface na categoria de não-Angel Face ou não-

Blackface, usando termos como “morena”, “moreninha”, “mulata” etc.

54

VOLLI, Ugo. Manual de semiótica, 2007, p. 77.

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Na sociedade brasileira, dentre as principais características que mais

identificam os sujeitos nas relações sociais e no espaço público, a cor da pele é uma

das que mais que marcam ou rotulam os sujeitos. Assim, como a cor de pele ainda

define as relações sociais no Brasil, resgatar algumas reflexões sobre o racismo55 no

país é importante para o presente estudo.

Para Darcy Ribeiro56:

A característica distintiva do racismo brasileiro é que ele não incide sobre a origem racial das pessoas, mas sobre a cor da sua pele. Nessa escala, negro é negro retinto, o mulato já pardo e como tal meio branco, e se a pele é um pouco mais clara, já passa a incorporar a comunidade branca. (RIBEIRO, 1995, p. 225).

Já em uma pesquisa mais recente, feita por meio de amostragem fotográfica

de homens brancos, pardos e negros, ALMEIDA (2007) 57, concluiu que a cor da

pele no Brasil é ainda o signo mais marcante nas relações sociais e é associada às

posições que cada um deve ocupar no imaginário do brasileiro.

[...] A verdade é que, pelo visto nos capítulos que tratam da questão do preconceito no país, não há como negar o que dizem os dados da Pesquisa Social Brasileira. Há discriminação no Brasil, e ela é voltada contra pardos e pretos. Para eles, a vida é bem mais difícil do que para os brancos. Em alguns casos, os pardos são mais vitimas desse preconceito do que os pretos. Sob outros aspectos, os pretos estão em piores condições. De uma forma ou de outra, tudo isso quer dizer que no Brasil, não há nada melhor do que ser homem e branco. Fato que muitos conhecem por experiência. Pelos resultados de nossa pesquisa é também o que afirmam os próprios brasileiros. Aqueles que continuam insistindo que não existe racismo no Brasil, ou se há, ele é “suave” e “cordial”, terão que encarar os dados apresentados neste livro. São os brasileiros que se declaram racistas. E não necessariamente cordiais (ALMEIDA, 2007 p.272).

2.2 O Racismo Anunciado

A edição de outubro de 1967 da revista REALIDADE, já anunciava: “Existe

racismo no Brasil” e, em setembro de 1968, a Revista VEJA publicava uma matéria

55

Para mais informações sobre o tema, consultar: IANNI, Octavio. Raças e classes sociais no Brasil. Rio de Janeiro, Rj. Editora Civilização Brasileira S.A. 2ª. Ed. 1972 e FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. / Florestan Fernandes; apresentação de Lilia Moritz

Schwarcz. 2ª. ed. revista. São Paulo. Global Editora, 2011. 56

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. A formação e o sentido do Brasil, 1995. 57

ALMEIDA, Alberto Carlos. A cabeça do brasileiro / Alberto Carlos Almeida, 2007.

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sobre atores negros, “Negros em Cena”, em que se mostravam as dificuldades dos

profissionais para conseguir papéis não estereotipados no cinema e na televisão.

Nos anos 1960, ou seja, apenas dez anos depois de surgir, a televisão já

começava a ocupar os espaços dos veículos tradicionais como o jornal, a revista, o

rádio e o cinema, transformando-se em um novo poder de cultura de massa58.

Concessão do governo federal, a televisão funcionava, por vezes, como instrumento

ideológico do Estado e das empresas concessionarias.

Em torno da televisão, diferentes camadas sociais reúnem-se para assistir às

novelas e às aventuras dos heróis e heroínas, vilões e vilãs tendo como base os

estereótipos sociais. Morin (2009) afirma que a televisão59 “é o único grande terreno

de comunicação entre as classes sociais”.

No Brasil, o alto índice de analfabetismo e a baixa escolaridade da população

proporcionou grande poder à televisão. Segundo dados do IBOPE60, a televisão é o

veículo que mais recebe verbas publicitárias e a mais consumida dentre todos os

meios de comunicação. Por ela, os diferentes discursos e ideologias se

intercambiam em busca de um público heterogêneo, ainda que não alterem valores

implantados.

Morin (2009, p. 46-47) e Lipovetsky (2009, p. 262-263) concordam que a

televisão como cultura de massa se sujeita aos valores tradicionais, segue as

mudanças sociais sem propor nada, apenas o consumo universal, absorve e

transforma tudo que a sociedade produz em produto e para todos os tipos de

consumidores, pessoas, empresas e mídia imprensa.

No Brasil, as telenovelas são consideradas bens culturais, abrangem todas as

faixas etárias e alcançam todas as regiões do país. O lucro acontece pela venda dos

intervalos, dos produtos que, muitas vezes, são inseridos no contexto das novelas,

dependendo da atuação dos atores, atrizes e seus papéis.

58

SODRÉ, Muniz. A comunicação do grotesco, 1972. 59

MORIN, Edgar. Culturas de massas no século XX: neurose, 2009, p. 41. 60

IBOPE <http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/Media-Book-2014-consumo-e-investimento-em-m%C3%ADdia-em-12-paises-da-America-Latina-.aspx> . Acessado em 15 maio 2014.

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As novelas assim como o cinema são os maiores fornecedores de deuses

olimpianos, como ressalta Morin (2009 p. 104). Esses deuses são envolvidos em

tramas romanescas ou épicas, marcadas por confrontos entre o bem e o mal, e

pautadas por finais felizes, o tradicional happy end. O processo funciona como um

combate61 em que, antecipadamente, se imagina quem será o vencedor e quem

será o vencido, assim como se sabe o que acontecerá no encontro do herói e da

“donzela”. O público se emociona, compartilha as dores da infeliz mocinha, julga e

condena o vilão.

Neste cenário editado com atores, atrizes, objetos, imagens estáticas ou em

movimento, sons, músicas, sussurros, planos, enquadramentos, cortes etc., tudo é

previamente estudado e os elementos são selecionados para formar um único signo

composto de diferentes sinédoques organizadas como se tudo fosse real e natural,

ao se concretizar na tela retangular da televisão, formando uma linguagem, uma

mensagem, uma fala:

[...] Esta fala é uma mensagem. Pode, portanto, não ser oral; pode ser formada por escritas ou representações: o discurso escrito, assim como a fotografia, o cinema, a reportagem, o esporte, os espetáculos, a publicidade, tudo isso pode servir de apoio à fala mítica. [...] toda unidade ou toda síntese significativa, quer seja verbal, quer seja visual: uma fotografia será, por nós, considerada fala, exatamente como um artigo de jornal; os próprios objetos poderão transformar-se em fala se significarem alguma coisa (BARHTES, 2009 p.200 - 201).

Os poucos concessionários de canais de televisão são homens e brancos,

mas, no ano de 200562, o empresário, músico e apresentador Netinho de Paula com

a intenção de participar deste mercado com os olhos em uma população negra

consumidora, começou a lutar para conseguir a concessão do primeiro canal de

televisão, voltado para esse público consumidor, a TV da Gente.

No documentário, Netinho de Paula conta que seu esforço pelo canal tinha

como objetivo reduzir o estereótipo negativo do negro na televisão, tal como feito na

mídia impressa pela revista Raça Brasil.

61

BARTHES, Roland. Mitologias, 2009. 62

Documentário: Raça, de Joel Zito Araujo. Lançado em 2012, o documentário mostra os esforços de três personagens negros em busca de seus ideais: o senador Paulo Paim, pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. O empresário, músico e apresentador Netinho de Paula, por um canal de televisão e Miuda dos Santos, neta de escravos, ativista quilombola, pela posse da terra, herança de seus antepassados.

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A televisão, principalmente com as telenovelas, transformou-se em grande

fornecedora de conteúdo para todos os outros meios. Seu poder de influência

alimenta, fundamentalmente, as capas e páginas das revistas femininas e, por

vezes, é o motor que mantém muitas delas em circulação.

Guel Arraes aponta que a novela “é uma instituição no Brasil. Seja no interior

ou nas favelas, todo mundo assiste à novela da noite.” 63. Os temas são variados

para representar as mazelas e o caráter da sociedade: drogas, traição, amantes,

ostentação, pobreza, morte, vida, corrupção, honestidade, tudo gira em torno do

bem e do mal. É o que Contrera chama de “binarismo na mídia” 64, muito comum nas

telenovelas brasileiras. É a eterna luta presente nos conflitos entre os opostos, na

polarização e na binarização que excitam o imaginário nacional: “já que, como

podemos ver, esse conflito encontra-se bastante enraizado em nossa vida, em

nossa cultura e nos textos que esta cultura propõe.”65.

O racismo como outros conflitos também faz parte da trama das telenovelas,

embora seja abordado sutilmente, com cuidado, por autores e diretores, que optam

pelo didatismo, por se tratar de um tema ainda espinhoso e singular.

Esse conflito novelístico continua nas páginas das revistas femininas, em um

formato próprio, estático, arranjado estrategicamente com fotos, chamadas,

adiantando as tramas dos próximos capítulos, mais tátil, na mão da leitora,

juntamente com outros produtos e serviços oferecidos.

2.3 Políticas de Inclusão e o Negro Consumidor

A população negra - que tinha a educação como “instrumento de ascensão

social” – começou a se mobilizar em associações no século XX, mas o golpe militar

de 1964 66 destruiu qualquer perspectiva de continuidade do movimento. Sem apoio

do Estado, as entidades criaram seus próprios programas educacionais e jornais,

dentre eles: Liberdade (1919), Clarim da Alvorada (1924), Voz da Raça (1933).

63

MARTEL, Frédéric. Mainstream: a guerra global das mídias e das culturas, 2012, p. 306. 64

CONTRERA, Malena Segura. O Mito na Midia: a presença de conteúdos arcaicos nos meios de comunicação, 1996.

65 Ibid., p. 79.

66 NEPOMUCEMO, Bebel. Mulheres negras: Protagonismo ignorado. In: PINSKY, Carla

Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (org.) Nova História das mulheres no Brasil, 2012, p. 454.

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44

Já a primeira tentativa de se criar um partido negro ocorreu em 1937, com a

Frente Negra Brasileira (FNB), cassada no mesmo ano por Getúlio Vargas.

Conforme Bebel Nepomuceno (2012, p. 398), a FNB surgiu em 1931, com a

proposta de unir todos os negros, política e socialmente. Nepomuceno (2012 p. 398)

afirma que o tema racismo, abafado pela ditadura militar e ignorado pela sociedade,

toma corpo nos anos de 1970 com o surgimento do “Movimento Negro Unificado

contra a Discriminação Racial (MNU)”.

No ano de 1995, aconteceu a IV Conferência Mundial sobre a Mulher em

Beijing, na China, promovida pela ONU, com a participação de representantes de

diversos países. O objetivo do encontro era criar programas que promovessem a

igualdade de gêneros e combater a discriminação racial contra as mulheres.

No Brasil, no mesmo ano, o extinto GTI – Grupo de Trabalho Interdisciplinar -

do governo Fernando Henrique Cardoso criou o primeiro trabalho de ações contra a

discriminação de grupos, etnias, religiões, deficientes etc. A análise do papel da

mídia, do audiovisual e da publicidade sobre mulheres negras, ficou a cargo do

Geledés – Instituto da Mulher Negra – “Programa de Comunicação e da RECON –

Rede Eletrônica de Comunicação de Mulheres” e, em abril de 1998, realizou-se o 1º.

Seminário Nacional de Mulheres Negras e Comunicação (PEREIRA, 2004, p. 47, 48,

49).

Nos anos 2000, a discussão racial foi transformada em políticas públicas, tais

como cotas para negros nas universidades, nas empresas públicas e privadas e

ações para redução da pobreza e desigualdades sociais. Nesse ano, a ONU

apresentou um proposta denominada Ações Afirmativas e Combate ao Racismo nas

Américas (2000) no “II Foro Global sobre Desenvolvimento Humano”, que foi

publicado em outubro pela UNESCO – Fundo das Nações Unidas para a Educação

e Cultura67.

67

OLIVEIRA, Dennis. Racismo midiatizado: Quando o antagonismo se transforma em mera

diferença. In: Cinema Negro: algumas contribuições reflexivas para a compreensão da questão do afrodescendente na dinâmica sócio-cultural da imagem / Celso Luiz Prudente (org.) – São Paulo, SP. Editora Fiuza, 2009 (p. 35).

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45

Em 2010, foi publicado o Relatório Anual das Desigualdades Raciais no

Brasil; 2009-201068, cujo objetivo era analisar a “evolução das assimetrias de cor ou

raça e grupos de sexo no Brasil”. A missão do relatório era refletir “sobre avanços e

recuos da equidade cor ou raça e gênero no Brasil e suas diversas dimensões,

procurando entender seus fatores determinantes” ou servir de “referência para

pesquisas sociais para estudos e militantes no tema”.

No mesmo período, Barack Obama se tornava o primeiro presidente negro

dos Estados Unidos e sua esposa, Michelle Obama, a mulher negra mais

fotografada e estampada nas capas das mais variadas revistas. No Brasil, as

discussões para se resolver problemas como os da desigualdade social, cotas nas

universidades e maior participação negro na sociedade e no mercado de trabalho se

arrastavam.

Lentamente, a presença de negros aumentava na mídia, nas propagandas

televisivas, nas publicidades impressas e nas telenovelas, diminuindo também o

estereótipo da imagem negativa do negro nos meios de comunicação. Mas foi só em

2009 que uma atriz negra, conhecida do publico, atuaria como protagonista de uma

novela em horário nobre da TV Globo.

68

Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil; 2009-2010: Constituição Cidadã, seguridade social e seus efeitos sobre as assimetrias de cor ou raça. PAIXÃO, Marcelo; ROSSETO, Irene; MONTOVANELE, Fabiana CARVANO, Luiz M. (Orgs.). Rio de janeiro. Editora Garamond Ltda. 2010.

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46

3 A NOVIDADE NA CAPA DA REVISTA CLAUDIA

Conforme pesquisa realizada pela Marplan – EMG, a Revista CLAUDIA da

Editora Abril era uma das mais vendidas no Brasil e na América Latina69. Realizada

em 2013, apresentava o perfil dos leitores, divididos por sexo, classe social e faixa

etária.

3.1 Perfil dos Leitores de CLAUDIA

CLASSE SOCIAL

Tabela 1 – Classe Social

Fonte: Abril – Perfil de leitores – Pag. 47. Disponível em: <http://www.publiabril.com.br/marcas/claudia/revista/informacoes-gerais>.

A Classe social que mais lê a revista CLAUDIA é a classe B com 52%,

seguida pela classe C com 28%, a Classe A com 17% e a classe D com 3%, Não

há apontamento para a Classe E.

69

Fonte: EGM - Estudos Marplan - Consolidado 2011 <http://publicidade.abril.com.br/tabelas-gerais/revistas/perfil-dos-leitores/imprimir> – acessado em 18/07/13 – 18:20.

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47

SEXO

Tabela 2 – Sexo

Fonte: Abril – Perfil de leitores – Pag. 47. Disponível em: <http://www.publiabril.com.br/marcas/claudia/revista/informacoes-gerais>.

Na categoria sexo, a maioria dos leitores da Revista é formada por mulheres

com 94 %, seguido pelos homens com 6 %.

IDADE

Tabela 3 – Idade

Fonte: Abril – Perfil de leitores – Pag. 47. Disponível em: <http://www.publiabril.com.br/marcas/claudia/revista/informacoes-gerais>.

Na categoria faixa etária, as mulheres acima de 50 anos são maioria com

32%. As mulheres com faixa etária entre 25 a 34 anos concentram 24% das

leitoras. Seguem as faixas de 35 a 44 anos com 19%, de 45 a 49 com 10%, de 20 a

24 anos com 9%, dos 15 aos 19 anos com 4% e dos 10 aos 14 anos com 2%.

Os dados da tabela não apresentam a quantidade de leitores da revista por

etnia, embora nos últimos anos, já encontremos imagens da diversidade étnica que

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48

compõe a população do país. Mas, é claro que, o mesmo padrão de mulheres na

capa se mantém, desde seu lançamento:

[...] a mulher branca, sorridente é rótulo e marca da chamada imprensa feminina. [...] Num país de mestiços, a negra raramente surge em revistas femininas, a não ser como manequim exótico. Da mesma forma, com toda colônia japonesa que possuímos a oriental também não tem vez [...] Todavia, tais manifestações não fogem as pinceladas exóticas ou tropicais, surgidas por inspirações estrangeiras (BUITONI, 2009 p. 209).

A autora ainda afirma que, no Brasil, é somente a partir dos anos 1990, que

isso começou a mudar nas revistas de moda “negras e mulatas apareceram um

pouco mais, assim como jovens de traços orientais ou indígenas”, ou seja, as

revistas começaram a abrir espaço para o novo e a diversidade, com o objetivo de

aumentar as vendas, pois são celebridades da televisão.

3.2 Revista Raça Brasil

Em setembro de 1996, o lançamento da revista Raça Brasil, uma revista

destinada ao público negro, uma demanda ignorada pela mídia e pelo mercado e

que mexeu com o mercado publicitário e de estética. Utilizando como estratégia

mensagens que falavam do orgulho de ser negro, da necessidade de se aumentar a

autoestima, de se ver bonito, de afirmar suas qualidades enquanto se divertia e

consumia: “[...] a revista Raça Brasil estampava negros e negras e temas a eles

relacionados da primeira à ultima pagina, vendeu em poucos dias toda a edição de

280 mil exemplares e precisou reimprimir mais de 100 mil.”. Nepomuceno (2009, p.

209).

Raça Brasil adotou propósitos semelhantes aos da revista negra americana,

EBONY Magazine, lançada em 1955. EBONY visava melhorar a autoestima e o

orgulho de ser negro com mensagens direcionadas, principalmente, a uma classe

média negra que crescia e consumia. Estampava somente negros e negras,

músicos, personalidades, esportistas, políticos, acadêmicos etc., e os temas

estavam relacionados à comunidade negra.

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49

Alguns anos depois, em setembro de 2012, foi lançada a revista VOZES DA

CLASSE MÉDIA70, projeto do Governo Federal que, por meio da Secretaria de

Comunicação Social (SECOM), vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos

(SAE), visava informar os empresários da comunicação sobre a importância de se

conhecer a nova classe média, orientando o mercado publicitário para comunicar-se

adequadamente com o novo consumidor.

O resultado mostrou o crescimento da classe média e dos principais grupos

que a compõem. De acordo com a revista, houve melhoria na qualidade de vida, fato

que trouxe benefícios, inclusive, à boa parcela da população negra; entretanto, a

revista lembra que, embora tenham ocorrido avanços, ainda existem desigualdades

raciais dentro da classe média como um todo.

[...] negros e brancos detêm aproximadamente a mesma proporção de pessoas na classe média (53% e 47% respectivamente). Além disso, tanto um grupo quanto o outro encontram-se em equilíbrio na classe média: 53% dos negros pertencem à classe média, bem como 53% dos brancos. Isso significa que no interior dessa classe já não há desigualdade racial! O equilíbrio na classe média, no entanto, não quer dizer que as desigualdades raciais foram superadas. Nas demais classes elas perduram: enquanto os negros estão fortemente sobrerrepresentados na classe baixa, os brancos estão sobrerrepresentados na classe alta. (VOZES DA CLASSE MÉDIA, 2012, p. 24).

Os dados divulgados pela revista VOZ DA CLASSE MÉDIA não ignoravam o fato de

que as mulheres negras, da nova classe média, desejam consumir produtos de

maquiagem e roupas para aumentar a autoestima e valorizar sua aparência:

[...]. roupas e produtos de maquiagem, antes tidos como compras supérfluas, hoje são considerados investimento para essa jovem mulher que, na classe média, passa a ter profissões mais vinculadas ao atendimento ao público. Almejando novos empregos e estabilidade na carreira, ela se preocupa cada vez mais com sua aparência e não se importa em gastar com isto, pois os benefícios vão além da valorização da sua autoestima e garantem o sustento da família e sua evolução profissional. Na outra ponta, ao observarmos as mulheres mais velhas, enxergamos que profissões como a de empregada doméstica alcançaram ganhos reais de salários, uma vez que suas filhas procuram outras perspectivas profissionais. Em outras palavras, as mais jovens estudam, têm emprego formal e constroem um plano de carreira. As mais velhas ganham mais pelo mesmo trabalho que há anos responde por sua renda (VOZES DA CLASSE MÉDIA, 2012, p. 47).

70

Vozes da Classe Média: É ouvindo a população que se constroem políticas públicas adequadas. Brasília. Edição: Marco Zero, 2012.

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Além disso, a revista também indicava como o mercado devia se comunicar

com o negro da classe média, levando em conta os aspectos referentes ao orgulho

da cor e do sentimento de negritude:

[...] O negro – É praticamente impossível falar da população emergente sem citar a importância do negro. Foram os brasileiros dessa raça os responsáveis pela maioria absoluta dos cidadãos que subiram de classe social. Os negros da classe média têm orgulho de sua cor; exigem, portanto, uma comunicação que dialogue com sua etnia e um Estado que seja parceiro da melhora da sua qualidade de vida (VOZES DA CLASSE MÉDIA, 2012, p. 47).

Essas mudanças já tinham sido detectadas pela revista Raça Brasil e pela

revista CLAUDIA, poderosa no mercado editorial e cujo público-alvo sempre foi a

classe média, que enxergou - antes que muitas outras publicações - as

oportunidades de negócios que se abriam com “essa nova classe média” ansiosa

por consumo e em busca de uma identidade.

Em 2007, CLAUDIA já tinha publicado uma capa, em que Adriane Galisteu e

Taís Araújo apareciam lado a lado. A escolha, em 2009, de Taís Araújo como a

musa da igualdade é bem oportuna, diante das mudanças na sociedade brasileira. É

importante lembrar que a Editora Abril - assim como outros grupos editoriais - fazia

parte do grupo que participava das pesquisas realizadas pela revista VOZES DA

CLASSE MÉDIA.

3.3 Revista CLAUDIA

A revista CLAUDIA da Editora Abril é uma das mais antigas e mais vendidas

no Brasil em seu segmento, moda e beleza. Ela foi lançada em outubro de 1961 e,

desde o início, graças ao trabalho de seus editores, esteve sempre sintonizada com

os anseios de suas leitoras.

Naquele momento, o país se industrializava, o mundo entrava em uma

década de grandes transformações políticas, tecnológicas e sociais e ocorria grande

migração do campo para as cidades. O estilo de vida se alterava lentamente tanto

as ideias quanto no destino feminino.

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Desde o início do século XX, as mulheres obtinham, cada vez mais, espaço

no mercado de trabalho e exerciam o papel de consumidoras. O consumo das

revistas femininas aumentava e o projeto editorial era estrategicamente elaborado

para que a imagem da capa, as chamadas e matérias internas estivessem

vinculadas aos produtos anunciados:

[...] o projeto editorial de cada veículo dirigido às mulheres tem em vista o consumo, em primeiro lugar. Contos, culinária, psicologia, conselhos de beleza não são escolhidos por si; tudo que vem dentro de uma revista estava diretamente ligado ao produto (moda e maquiagem, por exemplo) ou serve de atrativo para que a revista seja comprada e com isso divulgue a publicidade nela contida. O conteúdo é, portanto instrumental: serve a objetivos empresariais bem delimitados. (BUITONI, 2009, p. 104).

Segundo a autora, CLAUDIA foi lançada para atender a essa nova mulher

consumidora e “representar o espirito da década”. Dirigida por Luís Carta e inspirada

em similares estrangeiras, a primeira edição da revista atingiu 164 mil exemplares.

Seu público era formado por mulheres de classe média, casadas, mães com

tempo para cuidar da família e mulheres com poder de influenciar ou decidir na

escolha dos produtos e no consumo dentro de casa. Por isso, a publicidade, desde o

inicio, foi a estratégia da editora para convencer suas leitoras a consumir os

produtos anunciados:

[...] não por acaso, a publicidade invadiu suas páginas desde o inicio, exibindo as vantagens dos artigos industrializados, as linhas retas e funcionais que deveriam imperar no mobiliário das residências, em consonância com os princípios da arquitetura e do design modernos, e proclamando o reinado da praticidade, facilidade e modernidade, ao qual a leitora/consumidora deveria se conformar [...]. (LUCA, 2012, p. 454).

No início, a revista CLAUDIA seguia os temas tradicionais das revistas

femininas em circulação, geralmente, adaptações estrangeiras, porém, CLAUDIA

inovou. Todo o conteúdo começou a ser produzido nacionalmente exigindo

profissionalismo no desenvolvimento das matérias e experimentações nas diferentes

seções. (LUCA, 2012, p. 456).

Além disso, a revista incluía desde seções como atendimento jurídico,

cuidados com os animais domésticos até o orçamento doméstico, como destaca

Buitoni (2009, p. 105). Luca (2012, p. 456) ressalta que o discurso geral da revista

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deveria estar afinado em todas as seções, que eram “previamente testadas”, antes

de chegar às “mãos de suas leitoras”. A editora apresentava CLAUDIA como amiga

e orientadora em busca de soluções para os novos problemas enfrentados pelas

mulheres, consequência da modernização acelerada.

No ano de 1961, a pílula anticoncepcional chega às farmácias do país71, as

mulheres, mais liberadas, eram capazes de decidir sobre seu próprio corpo, fato que

provocou lentamente a redução da taxa de natalidade e a consequente diminuição

no número de filhos na classe média.

Pinsky (2012) ressalta que as mulheres estavam mais qualificadas e

conscientes das desigualdades sociais em 1962, ano em que, por meio do Estatuto

Civil da Mulher Casada, são reconhecidas como colaboradoras nas relações

conjugais. Para orientar suas leitoras a enfrentarem a nova realidade, a Editora Abril

contrata, em 1963, Carmen da Silva.

Buitoni (2009, pg. 106) diz que a contratação de Carmen da Silva se dá na

mudança da capa da revista, “quando a capa deixa de ser desenho para ser uma

foto” e, durante vinte e dois anos de atuação, de 1963 a 1985, teve papel importante

junto às suas leitoras por intermédio de sua coluna “A arte de ser Mulher”.

Como psicóloga e escritora, Carmen da Silva orientava suas leitoras sobre os

novos papéis masculinos e femininos. Os temas variavam desde a liberação do

corpo feminino, adultério, infidelidade masculina até temas controversos como

virgindade, fidelidade feminina, casamento e recato, cuidadosamente elaborados

para não ofender a moral, as tradições e os bons costumes.

Como em toda imprensa feminina, na coluna de Carmen da Silva, apesar da

diversidade temática, estavam ausentes discussões sobre diferenças sociais,

culturais, preconceitos e o abismo econômico e social entre as mulheres brasileiras:

[...] a imprensa feminina brasileira mal toca em outras raças, apesar de sua presença em nosso meio e mesmo entre suas leitoras. A oriental, a negra não são referidas nos jornais e revistas dedicadas à mulher. O modelo subjacente em todos os textos é a européia, branca. (BUITONI, 2009, p.102).

71

PINSKY, Carla Bassanezi, 2012, p. 514.

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53

3.4 A Mulata de Carmen da Silva

A mulata de Carmen da Silva é o estereótipo da mulher sedutora, faceira,

exótica e provocadora. Um discurso encontrado em diversas literaturas como a de

Jorge Amado em Gabriela, Cravo e Canela, de 1958, ou em livros de sociologia

como Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre. É o mito carnal da atração do

português pela mulata.

[...] com relação ao Brasil, que o diga o ditado: "Branca para casar, mulata para f..., negra para trabalhar"; que o diga o ditado em que se sente, ao lado do convencionalismo social da superioridade da mulher branca e da inferioridade da preta, a preferência sexual pela mulata. Aliás o nosso lirismo amoroso não revela outra tendência senão a glorificação da mulata, da cabocla, da morena celebrada pela beleza dos seus olhos, pela alvura dos seus dentes [...]. (FREYRE, 2003, p. 72).

“A mulata Dalva na Rua Mar” 72 demonstra como funciona o estereótipo da

mulher negra retratada pelo discurso que Carmen da Silva tem sobre o outro.

[...] Dalva dos Santos é a mulata ardendo em sua beleza, consciente do rastilho que o rebolar de suas cadeiras vai acendendo ao longo da Avenida; ela não levita como a mulher branca – sua carne solar não foi feita para os abraços aéreos e impalpáveis, carne de chocolate pálido que as miradas lambem com línguas infantilmente vorazes – Dalva-mulata desliza como lagartixa no areal escaldante, a seiva escachoando dentro dela que nem a água côr de sol nos aquários [...]. Dalva- entra no pôrto da Avenida com o moreno velame do seio enfunado, baloiçando à brisa – caravela abrindo nôvo caminho-das-Índias no sangue marinheiro dos homens. (E se ela é mar não adianta gritar “Terra” porque eles torcerão o rumo em busca do recôncavo do horizonte. E se ela é terra não adianta mandá-los torcer o rumo porque eles se jogarão e irão a nado em busca de suas praias. […] Mas como ela é apenas carne - tépida polpa sumarenta - braços, seios, pernas, olhos, cintura, bôca – êles só sabem é ficar olhando embasbacados e mudos, prendendo a respiração nos pulmões. (HANCIAU, p. 5).

O texto evidencia que mesmo Carmen da Silva não escapa do discurso

ideológico e do mito da mulata que provoca desejo no homem branco.

72

HANCIAU, Nubia Jacques. A mulata “Dalva na rua Mar”, de Carmen da Silva., 2004. Disponível em: <http://repositorio.furg.br:8080/bitstream/handle/1/2326/Carmen%20da%20Silva.%20Dalva% 20na%20rua%20Mar.pdf?sequence=1>. acessado em 10/06/2013.

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[...] essa “cor local” continua a ser celebrada de geração em geração e assim o é na narrativa de Carmen da Silva, urdida com requintes barrocos na própria linguagem. Embora em aparência igualada a mulher negra – ainda hoje condenada aos trabalhos subalternos – a situação da mulata é diferente. [...] A mulata Dalva de Carmen da Silva, em sua relação com o homem branco e na representação do amor pela sua cor, o amor não carnal, o amor com desejo de levar Dalva-mulata ao altar, desconstrói o dito popular [...]. Ele ama a mulata. (HANCIAU, p. 5 ).

Apesar do estereótipo da mulata de Carmen da Silva ser parte do

“prejulgamento” que temos em relação ao outro, Dalva constitui o “estereótipo

positivo” da mulata que, embora sexualmente desejada, é também amada. Tendo

em vista que o desejo sexual existia, a mulata de Carmen da Silva não correspondia

ao modelo de mulheres estampadas na revista em que a colunista trabalhava. A

mulata de Carmen da Silva circulava somente nos contos, nos romances e nos

sambas.

3.5 A Moda

Cada vez mais, durante os anos 1960, o mercado feminino se segmentava e

o público jovem feminino tornava-se o alvo das revistas femininas, no entanto,

CLAUDIA mantinha-se fiel ao seu público formado por mulheres casadas, voltadas

ao seu mundo doméstico.

As garotas vestiam minissaias, calças jeans, roupas coloridas, biquínis

provocadores, faziam barulho nas ruas, participavam de comícios políticos, de

festivais e eventos artísticos junto com garotos. Já não eram mais tão passivas como

seus pais (LUCA, 2012, p. 456). Os tempos mudavam e ser jovem era estar na

moda, era o início do culto à juventude, à moda e à novidade.

As transformações sociais haviam começado na década anterior e eram

acompanhadas pelo mercado editorial feminino, que lançava revistas especializadas

em moda para as garotas ansiosas por novidade e por acompanhar a moda,

principalmente, a europeia. Isso proporcionou o surgimento também de um novo

mercado, o mercado da confecção:

[...] em 1959, surge a primeira revista de moda brasileira dedicada inteiramente à moda: Manequim. Trazia moldes e visava um publico especializado: costureiras e mulheres que costuravam em casa. A pioneira Manequim desempenhou um papel muito importante no desenvolvimento da indústria de confecção. (BUITONI, 2009, p. 100).

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55

Luca (2012) confirma a importância da revista Manequim para atender a esse

novo “nicho de mercado”. Em 1958, a multinacional francesa Rodhia produtora de

tecido sintético (náilon), promoveu a primeira Feira Internacional da Industrial Têxtil

(FENIT). “[...] Manequim (1959), revista consagrada tão somente à moda e cujo

atrativo estava em substituir os desenhos por moldes, que explicavam passo a

passo o processo de confecção da roupa.” (LUCA, 2012, p. 456).

3.6 FENIT

FENIT, a primeira feira de moda no Brasil, foi criada em 1958 pelo publicitário

Caio da Alcântara Machado que “conseguiu reunir tecelagens, fiações, matérias-

primas, maquinário e confecções suprindo uma carência do mercado têxtil” afirma

Shitara (2010, pg. 96). A criação dessa feira colocou São Paulo no circuito

internacional da moda: “1960: Nova Iorque, Paris e São Paulo” 73.

SHITARA (2010, p. 100) lembra que a empresa Rodhia juntamente com as

revistas Manequim (1958), o Cruzeiro (1928), CLAUDIA (1961) e Manchete (1952)

desejava promover, por meio de suas campanhas publicitárias, o consumo de

produtos sintéticos, enfatizando a arte nacional e a moda totalmente brasileira. Para

isso os editoriais de moda deveriam “funcionar como vitrine nas mãos de suas

leitoras”.

3.7 Negras na Moda

Foi na FENIT de 1966 que a modelo negra, Luana de Noielles, “codinome da

baiana Simone Raimunda Nonato do Sacramento” participou do evento, segundo

Maria Claudia Bonadio74, no artigo “As modelos negras na publicidade de moda no

Brasil dos anos de 1960”.

73

SHITARA, Mitsuko. 1960: Nova Iorque, Londres, Paris e São Paulo.<http://www.sapientia.pucsp.br/tde_arquivo/17/tde-2010-08-31t12:13:52z-9931/publico/mitsukoshitara.pdf > acessado em 08/01/2014. 13:20.

74 BONADIO, Maria Claudia. As modelos negras na publicidade de moda no Brasil dos anos.

<http://www.revistas.ufg.br./index.php/visual/article/viewfile/18190/1085> acessado em 09/01/2014. 8:50.

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56

Figura 14 – Primeira modelo brasileira, Luana de Noielles

Fonte: Google

75

O objetivo da Rodhia era “agregar valores positivos às suas marcas de roupas

e promover a brasilidade e a diversidade cultural”. 76 Nesse sentido, a empresa

acompanhava as tímidas mudanças da moda internacional, principalmente, da

Europa e dos Estados Unidos.

Bonadio (2010, p. 3) ainda lembra que o estereótipo da mulher negra estava

em desacordo com o padrão e o discurso dominante que circulava nos editoriais das

revistas femininas, isto é, a coerência visual dos discursos nas capas e na

publicidade das revistas femininas brasileiras era “abalizada” pelo padrão de beleza:

mulheres brancas, traços finos, olhos claros, cabelos frequentemente lisos,

castanhos, pretos ou louros.

Segundo a autora, no ano de 1964, na Europa, o estilista italiano, Emilio Pucci

dedicou seu desfile à África e foi o pioneiro internacional a inserir no quadro de

modelos uma negra. Nos anos seguintes foram publicadas diversas revistas e

suplementos de moda com mulheres negras na capa.

A revista americana HARPER’S BAZAAR, foi quem estampou na capa a

primeira modelo contratada por Yves Saint-Laurent, Donayle Luna (1965), que

também foi capa da revista VOGUE Inglesa. Em seguida foi a modelo Naomi Sims

75

Disponível em: <http://taisantosconsultoria.blogspot.com.br/2012_11_01_archive.html>. Acesso em 20 abr 2013.

76 BONADIO, Maria Claudia, 2010, p. 3.

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(1967), estampada em Fashion of the times, do jornal The New York Times.

Segundo SHITARA (2010), aos 19 anos, Sims alcançou fama mundial como a

“modelo ano”.

O autor ainda ressalta que as duas modelos eram mulheres negras,

representantes do ideal de beleza e não eram somente bonitas, mas superstars,

cujas imagens foram muito divulgadas na televisão. Já Bonadio (2010) esclarece

que, no Brasil, apesar do pioneirismo da Rodhia, o ideal de beleza permaneceu

estanque, focado no modelo europeu.

Figura 15 – Primeira modelo negra, Donayle Luna – Revista Happer’s Bazaar

Fonte: Google 77

No Brasil, ainda que se pregasse a “democracia racial”, era marcante a

ausência da mulher negra nas revistas femininas e na moda. A Rodhia foi ousada e

pioneira, mas cercou-se de certos cuidados e discrição para não abalar suas

campanhas, sempre procurando não contrariar as tradições e valores sociais da

época.

3.8 A Moda Absorve Tudo

A moda é efêmera e opera por meio da sedução e da diferença, cedendo

espaço à novidade, atingindo os indivíduos e o coletivo, sendo consumida por todos.

77

Disponível em: <http://atlesthetique.tumblr.com/page/52 >. Acesso em :20 abr. 2013.

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58

Lipovetsky (2009) destaca que, desde os anos 1950, o culto à juventude fez

com que o hedonismo e o individualismo se propagassem, mudando toda uma

cultura conformada e fixada nos valores tradicionais.

[...] o impulso de uma cultura jovem no decorrer dos anos 1950 e 1960 acelerou a difusão dos valores hedonistas, contribuiu para dar uma nova fisionomia à reivindicação individualista. Instalou-se uma cultura que exibe o não conformismo, que exalta valores de expressão individual, de descontração, de humor e de espontaneidade livre. (LIPOVETSKY, 2009, p. 139).

Quando a moda governa através do hedonismo e do individualismo permite

que se inverta o tempo entre o passado de tradições fixas e o presente de novidade

efêmera, como afirma Lipovetsky (2009, p. 314):

[...] se a moda nos governa, é que o passado já não é o polo que ordena o detalhe de nossas ações, de nossos gostos, de nossas crenças; os decretos antigos são amplamente desqualificados para orientar os comportamentos, os exemplos que seguimos são tomados cada vez mais em torno de nós em um meio precário. Quer seja em matéria de educação, de saber, de higiene, de consumo, de esporte, de relações humanas, de lazer, é aqui e agora que encontramos nossos modelos, não atrás de nós. (LIPOVETSKY, 2009, p. 139).

A moda “sacraliza” o novo e o novo pode ser o exotismo da mulher negra que

se tornava novidade nas revistas de moda americana e inglesa. “[...] o legado

ancestral não estrutura mais, no essencial, os comportamentos e as opiniões, a

imitação dos antepassados apagou-se diante da dos modernos, o espírito

costumeiro cedeu espaço ao espírito da modernidade.” 78

Lipovetsky (2009) aponta que o tradicional não “desaparece ou perde seu

poder de continuar a coagir o coletivo”. De acordo com ele, os costumes tradicionais

são preservados: casamento, religião e diferenças de classes sociais. A moda pode

igualar na efemeridade da novidade, democratizar nas individualidades, mas não

destrói valores sociais.

3.9 A Primeira Vez na Capa da Revista CLAUDIA

A primeira vez em que a revista CLAUDIA colocou a imagem de uma negra

na capa foi em 2007, quando Adriane Galisteu e Taís Araújo “compartilharam” a foto. 78

LIPVOTESKY, Gilles, 2009, p. 314.

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Na capa, Adriane Galisteu e Taís Araújo representam o oposto tanto na cor

quanto na expressão. Galisteu está mais séria e Taís mais sorridente. Adriane

Galisteu é a representante-modelo, isto é, a Angel Face padronizada da revista, já

Taís Araújo, negra, é nova no discurso da revista.

A televisão é o componente comum que conecta as duas personagens da

capa. Adriane Galisteu, modelo e apresentadora de um programa de auditório e Taís

Araújo, atriz. Os contrastes dos elementos faciais, cor do cabelo e da tez, cor dos

olhos, formato do nariz, e sorriso foram ali colocados intencionalmente na capa.

Segundo Barthes, “certos detalhes me poderiam “ferir”; se não o fazem é, sem

dúvida, porque foram colocados lá intencionalmente pelo fotógrafo.” (BARTHES,

1984, p.75).

Figura 16 – Adriane Galisteu e Taís Araújo

Fonte: Revista CLAUDIA

A intenção do fotógrafo deve acompanhar os propósitos da editora que

conhece bem seu público-alvo. A escolha dos elementos que compõem a fotografia

tal como a pose, o sorriso, o olhar, o rosto frontal, conota uma conversa direta com a

leitora. Além desses aspectos, deve-se considerar também o enquadramento e o

corte fotográfico; analisando esses componentes isolados, podemos perceber a

intenção do fotografo em criar um texto que, quando visto em conjunto, torna-se

compreensível pela leitora.

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60

[...] graças ao seu código de conotação, a leitura da fotografia é, pois, sempre histórica; ela depende do “saber” do leitor, como se se tratasse de uma língua verdadeira, inteligível apenas se soubessem os signos. No fim de contas, a “linguagem” fotográfica acaba por lembrar certas línguas ideográficas, em que unidades analógicas e unidades sinal éticas estão misturas, com a única diferença que o ideograma é vivido como signo, enquanto a “cópia” fotográfica passa pela denotação pura e simples da realidade (BARTHES 2009 p. 23).

Essa capa funciona como se fosse uma espécie de prognóstico que prepara

as leitoras mais tradicionais de que haverá mudanças e, como amiga e orientadora,

a revista CLAUDIA, sinaliza que haverá novidade no discurso visual. Algo que é

próprio das “revistas femininas de grande circulação é a presença de alguns

discursos paradoxais – ou contrastantes – com o resto da edição”. (BUITONI, 2009

p. 209).

Como novo elemento, a imagem de Taís Araújo não afeta substancialmente o

discurso e nem a ideologia da revista, mas espera-se que agregue valor de venda

ampliando mais o público. BUITONI (2009) lembra a importância do novo na

imprensa feminina:

[...] o novo na imprensa feminina trabalha num nível secundário, na aparência. Não é vanguarda, não inova; sua aspiração máxima é ser a novidade que venda. É o novo que não pertence arte; é o novo que serve ao consumo. Por isso, acentua-se mais e mais com a sociedade de consumo, a qual ajuda a acelerar (BUITONI, 2009 p.195).

Como mulher negra e protagonista, caso raro na televisão brasileira, Taís

Araújo é a novidade que vende. Avança nos espaços sociais e de comunicação de

massa, e vai sendo absorvida em doses homeopáticas, transformando-se em

produto.

3.10 A atriz Taís Araújo na Capa de CLAUDIA

Em setembro de 2009, Taís Araújo aparece pela segunda vez na revista

CLAUDIA. Naquele mês estreava como a protagonista da novela Viver a Vida, da

emissora Rede Globo do autor Manoel Carlos, no papel principal de Helena,

personagem que é uma marca das novelas do autor.

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No papel de uma profissional do mundo da moda. A visibilidade da atriz se

adequava aos propósitos de mercado e a atriz negra demonstrava que sua imagem

podia servir de referência para novas consumidoras, nesse caso, mulheres negras.

Estampar a imagem da atriz em uma das edições da revista CLAUDIA foi

apenas uma estratégica mercadologia, em que a editora sinalizava para suas

leitoras de que estava em sincronia com seu tempo e com as mudanças sociais que

ocorriam no país, apontava também para o fato de estar atenta ao surgimento de

uma nova classe média, ansiosa para consumir e constituída por negros em sua

maioria.

Ao publicar uma edição com a atriz Taís Araújo e a apresentadora Adriane

Galisteu, a revista Claudia já havia preparado suas leitoras. A edição de setembro

era mais um passo e de olho neste novo nicho de mercado, a editora decide discutir

o fim do racismo.

Figura 17 – Capa da revista CLAUDIA com a atriz Taís Araujo

Fonte: Revista CLAUDIA

Nesta capa vemos a atriz Taís Araújo vestida de rosa e branco como uma

princesa debutante. A roupa lhe confere aura de poder e dominação da capa, ela

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reina sozinha sem dividir o poder do espaço capa com outra celebridade. Em O

poder simbólico79, Pierre Bourdieu (2012, p. 15) afirma que: “os símbolos do poder

(traje, cetro etc) são apenas capital simbólico objetivado [...]”.

Com os cabelos longos e cacheados, as mãos na cintura e o sorriso

confiante para a leitora. As cores da capa e do vestido remetem ao desabrochar das

flores e da mulher negra na primavera, na edição de setembro de 2009. Parece uma

moura exaltada por Gilberto Freyre, Carmen da Silva e Jorge Amado.

A capa que é exposta nas bancas de jornal tem a função de atrair ao máximo

a atenção de assíduas ou potenciais leitoras. Tal como suas concorrentes usam a

mesma estratégia com o objetivo econômico de atrair também mulheres negras ao

abordar o racismo. No espaço da banca de jornal, cor e raça se mesclam,

transformando-se em um único produto.

A capa precisa conversar com as leitoras, dialogar com elas. Somente uma

equipe de profissionais e técnicos qualificados, que conhecem os princípios e os

objetivos da revista, sabem que devem se comunicar entre si, numa única voz, numa

única mensagem de forma clara e objetiva.

Cada etapa do projeto editorial é antecipadamente pensada o que faz parte

da estratégia de qualquer empresa de comunicação. Envolve especialistas

(fotógrafos, designers, jornalistas etc.) todos focados em um único objetivo, vender a

revista.

Fazendo menção a esse aspecto, Buitoni (2009, p. 210) e Barthes (2009, p.

11) lembram que toda equipe deve trabalhar, como em uma linha de montagem de

fábrica de imagens e discursos, cada profissional desempenha sua atividade para

que o produto, neste caso, a revista baseada em uma única mensagem e discurso,

seja entregue nas mãos da leitora.

Para que a atriz Taís Araújo pudesse ser capa da revista, sua imagem deveria

contemplar certas características, ainda que estivesse fora dos padrões e da

ideologia que costumam circular nas revistas femininas de moda e beleza. Não foi

79

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico / Pierre Bourdieu. Trad. Fernando Tomaz (português de

Portugal) – 16º. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

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apenas por sua beleza que a imagem da atriz foi estampada na capa, neste caso,

existem as intenções mercadológicas e a influência da televisão.

As circunstâncias econômicas e midiáticas favoreceram a atriz Taís Araújo,

escolhida pela revista para ser a mulher negra representante e musa da igualdade

racial no Brasil. A atriz é também convertida em heroína e exemplo de mulher

batalhadora que venceu barreiras difíceis como o preconceito racial que a própria

revista reconhece, precisa acabar.

Assim, atrelada à imagem da atriz, a revista trata do tema muito espinhoso do

racismo - que esteve sempre presente e ao mesmo tempo sugere atualizar suas

leitoras como se fosse uma nova causa social à qual ela devesse aderir. Deste

modo, a imagem da atriz somada à proposta para pôr fim ao racismo soa como um

discurso filosófico e humanista, mas, na verdade, o objetivo da revista é lucrar. A

revista lucra ao atrair novas consumidoras, mulheres negras da classe média e que

se mantêm atualizadas.

Devido à capacidade de penetrar em todas as camadas sociais e de exercer

uma profunda influência sobre elas, a televisão no Brasil serve de fonte de

informação e de conteúdo tanto para si mesma quanto para os outros meios de

comunicação de massa. Dentre todas as programações, as telenovelas produzem

conteúdos que abastecem, principalmente, as revistas femininas.

No Brasil, a televisão costuma converter a atriz protagonista das telenovelas

em heroína e, assim, ela é “promovida à celebridade”, como afirma Morin (2009). O

papel da atriz e a telenovela em que ela participa alimentam o imaginário dos

telespectadores a ponto de o público misturar fantasia e realidade. Como um mito

grego, as atrizes são vistas como deusas e seu papel nas novelas serve, muitas

vezes, como exemplo para a vida real. Dessa forma, elas são adoradas ou odiadas

com a mesma intensidade pelos telespectadores. A emoção como um clamor

religioso transborda da tela e invade as capas e páginas das revistas femininas,

mesclando realidade e mitologia.

Quando a atriz, protagonista da telenovela, é promovida à celebridade, em

deusa olimpiana - mesmo que seja uma deusa diferente, uma deusa negra - ela será

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inserida no mito narrativo midiático, transformada em produto e consumida como

qualquer produto.

A atriz Taís Araújo foi protagonista de telenovela e seu magnetismo inspirou a

revista CLAUDIA, que a promoveu à musa da igualdade racial, ou seja, ela foi

alçada à categoria de deusa olimpiana para atrair consumidoras negras que se

identificassem com as narrativas sobre o racismo elaboradas pela revista e assim

aumentassem o lucro.

[...] os novos olimpianos são, simultaneamente, magnetizados no imaginário e no real, simultaneamente, ideias e modelos inimitáveis; sua dupla natureza é análoga à dupla natureza teológica do herói-deus da religião cristã: olimpianas e olimpianos são sobre humanos na existência privada que levam. A imprensa de massa, ao mesmo tempo em que investe os olimpianos de um papel mitológico, mergulha em suas vidas privadas a fim de extrair delas a substância humana que permite a identificação (MORIN, 2009, p. 107).

3.11 A Capa

A fotografia está sobre o logotipo da revista e passou pelo processo de

manipulação e tratamento. A manipulação e o tratamento fazem parte da “categoria

fotoilustração” como afirma Buitoni (2011, p, 91), ou seja, a fotografia juntamente

com outros elementos gráficos são combinados para formar uma única imagem, é o

que Barthes (2009, p. 17) chama de processos de conotação: “[...] a conotação, isto

é, a imposição de um segundo sentido à mensagem fotográfica propriamente dita,

elabora-se nos diferentes níveis de produção da fotografia (escolha, tratamento

técnico, enquadramento, paginação).”

O autor ainda destaca que a conotação fotográfica divide-se em seis

processos “estruturais”, dentre elas, a pose. A pose é uma atitude postergada

“porque existe uma reserva de atitudes estereotipadas” derivada principalmente da

pintura, do teatro.

A pose frontal e mãos na cintura confere à imagem de Taís Araújo, uma

atitude de autoconfiança. Georges Péninou80 (1974) em Física e Metafisica da

80

PÉNINOU, Georges. Física e Metafisica da Imagem Publicitária. In: A analise das imagens [por] Christian Metz e outros. Trad. Luís Costa Lima e Priscila Viana de Siqueira. Petrópolis, RJ. Vozes, 1974

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Imagem Publicitaria, diz que esse tipo de imagem faz parte da função implicativa e

imperativa que encontramos nos textos e que ela “pode ser, além disso,

sobressignificada por um tratamento gráfico multiplicador de efeito, de caráter mais

ou menos opressivo”, o autor continua:

[...] a forma mais característica da imagem implicativa está ligada à situação frontal dos personagens, olhos fixos num expectador ausente a que encaram; esta situação sempre põe o personagem do anúncio em posição de superioridade em relação ao leitor a que se dirige. Ele tem a iniciativa da proposição e não esta quase nunca em situação de resposta. (PÉNINOU, 1974 p. 69).

Raul Eguizabal Maza (2001)81 em Fotografía Publicitária concorda com tais

afirmações e chama de “As personagens do Verbo” (Las Personas del Verbo),

quando a pose frontal se dirige ao leitor-espectador. “[...] en la que el personaje se

afirma frente al espectador y se dirige a él en un régimen de discurso”82 (MAZA,

2001, p. 202).

No livro “Edição e design”83 de Jon V. White (2006), americano especialista

em projetos gráficos para revistas e que criou um “manual básico de edição e

design”, adotado pela Editora Abril, segundo o Revisteiro e vice-Presidente do

Conselho Editorial da própria editora, Thomaz Souto Corrêa, orientou sobre quais

seriam os usos mais adequados para projetar revistas e conseguir mais leitoras. De

acordo com Corrêa, seus conselhos foram úteis para manter a existência das

revistas da Editora, por ter um padrão para facilitar a identificação junto às suas

concorrentes.

De acordo com White (2006), desde a capa, diagramação, tipografias, cores,

fotografias, ilustrações, matérias, divisões, seções, títulos, subtítulos, papel,

tratamento gráfico etc., cada item é extremamente importante quando bem escolhido

e posicionado adequadamente dentro do espaço físico retangular do papel.

81

MAZA, Raul Eguizabal. Fotografía Publicitaria. Madrid. Ediciones Cátedra (Grupo Anaya, S. A), 2001.

82 Tradução: [...] nela que o personagem se afirma frente ao espectador e se dirige a ela em um

regime de discurso. 83

WHITE, Jan V. Edição e design: para designers, diretores de arte e editores: o guia clássico para ganhar leitores. Trad. Luís Reyes Gil. São Paulo. JSN Editora, 2006. - White trabalhou para a Editora Abril, em 1978 e influenciou as revistas da editora para atrair mais consumidores através de projetos gráficos.

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Todo projeto editorial deve ser muito bem pensado a fim de manter seu

público fiel ou para obter um novo publico. Nesse caso, as orientações de White

(2006) para a editora foram importantes, pois possibilitaram que se criasse para

cada revista, uma linguagem própria e bem direcionada.

O autor diz que a capa de uma revista não é um processo artístico porque o

mercado é competitivo, ela deve deixar sua marca para ter sentido de identidade,

continua ele: [...] a capa deve ter sangue-frio e ser comercial primeiro e acima de

tudo. Ela não só é a página mais vital por ser uma vitrine que representa “você”, mas

também porque tem outras funções essenciais e inter-relacionadas. (WHITE, 2006

p. 185).

Ele sugere que se deve pensar na capa racionalmente, em termos de

negócios. Tudo envolve concessões e custos embutidos. Capa não é arte, deve-se

pensar a capa como um cartaz ou pôster que envia mensagens para quem está

passando, então ela precisa “gritar” para ser “ouvida” a determinada distância por

meio dos elementos que a compõem, ressalta White (2006, p. 185-188).

Nesta edição, a imagem da atriz destaca-se, mas não é o único elemento, as

chamadas em cor amarela também recebem atenção e estão posicionadas para

facilitar a leitura em zonas de leitura axial, partindo do topo esquerdo para o canto

inferior direto da capa.

Em a “Introdução à Analise da Imagem”84, Martine Joly (1996, p. 97),

especialista em análise de imagem, destaca que a hierarquia de leitura tem

importância capital seja ela na pintura, no plano de cinema, no desenho, na imagem

de síntese etc.. Capital, porque as distribuições dos elementos guiam o olhar do

leitor para o que é importante, para as “informações-chave”.

É o que ocorre com as chamadas da revista: “Amor & sexo”, “Cabelos” e

“Verão”, que são privilegiadas na composição pelo tamanho da tipografia e cores,

amarelo e vermelho se destacam e podem ser vistos a uma distância maior.

84

JOLY, Martine. Introdução a Analise da imagem. Trad. Marina Appenzeller. Campinas, SP.

Papirus, 1996.

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Setembro, mês do lançamento da revista remete a um período mais quente.

As cores “rosa” (fundo e parte inferior do vestido), amarela e vermelha são

escolhidas para lembrar a chegada do sol e das flores.

As cores quentes, amarelo e vermelho atraem o olhar da leitora e se

convertem em “informações-chave”, secundarizando chamadas menores que estão

na cor branca como a chamada “Pelo fim do Racismo”.

É o novo na revista CLAUDIA. Lipovetsky (2009) e Buitoni (2009) concordam

que o novo deve agregar valor simbólico e econômico, porém sem perturbar o

discurso ideológico principal, por isso Foucault (2012) salienta que regras são

importantes para controlar o discurso e limitar a participação a certo número de

indivíduos.

[...] ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo. Mais precisamente: nem todas as regiões do discurso são igualmente abertas e penetráveis; algumas são altamente proibidas (diferenciadas e diferentes), enquanto outras parecem quase abertas a todos os ventos e postas, sem restrição prévia, disposição de cada sujeito que fala. (FOUCAULT, 2012 p. 35).

Foucault (2012, p. 35) ainda lembra que todo discurso pode passar por um

processo de “rarefação” dos sujeitos e que esses devem ser submetidos por

poderes que controlam as “aparições aleatórias, as quais selecionam os sujeitos que

falam”. No caso de “rarefação”, ao tema racismo vinculado à imagem de Taís Araújo

é permitido “falar” com suas leitoras/consumidoras.

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4 RACISMO É O FIM: CLAUDIA DEFENDE ESTA CAUSA

Na seção EU e VOCÊ, o texto começa com um efeito tipográfico. Um grande

sinal de aspas inicia o texto, as mesmas que são usadas nos depoimentos das

personalidades negras que comentam sobre o racismo, o sinal serve para vincular e

facilitar a identificação do tema dentro da revista.

Figura 18 – Marcia Neder

Fonte: Revista CLAUDIA, edição de setembro de 2009

O texto é leve e convida a leitora, de forma intimista, à conversa sobre o

preconceito racial, intimista porque não é fácil falar abertamente em uma revista

como CLAUDIA sobre esse assunto, por isso, a utilização de fotos de

personalidades felizes, individualmente vencedoras.

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Por isso, que CLAUDIA faz, nesta edição, um manifesto pelo fim do racismo, a mais abominável forma de discriminação e exclusão que ainda persiste no Brasil e no mundo. Nossa musa inspiradora na defesa dessa causa é Taís Araújo, que brilha em nossa capa. Engajada nessa missão, como você vai ver no perfil “Musa da igualdade”, ela conta um episódio acontecido na infância que definiu sua consciência e marcou suas atitudes daí em diante. Na pele da primeira Helena negra de uma novela de Manoel Carlos, que estreia este mês, ela sabe o poder que esse papel lhe confere como exemplo para tantas pessoas.

A luta pela igualdade – gênero, de raça e muitas outras – está no DNA de CLAUDIA. E nós nos juntamos às diversas vozes que expressam seu repúdio ao racismo em nosso manifesto. Várias trajetórias vitoriosas estão aí, inspirando essa reflexão. A era Obama veio sacudir os Estados Unidos e ferir de morte a longa história de segregação racial do país.

No Brasil, ainda estamos muito longe disso. Fomos os últimos a acabar com escravidão, e o mito da democracia racial só fez atrasar a discussão sobre a igualdade. Tem muito trabalho pela frente. Mas não é tarde, não. Como disse Nelson Mandela, a prova viva de que a luta contra o racismo pode vencer, “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”.

Tenho sempre a esperança de que as novas gerações serão melhores que as anteriores. E é nosso dever ensinar a nossos filhos que o único valor que define uma pessoa é seu caráter. O combate ao racismo é um legado que devemos passar a todos, brancos amarelos, vermelhos, negros...

Junte-se a nós, defenda essa causa!”

Marcia Neder

MARCIA NEDER, Diretora de Redação (Setembro de 2009, p. 10)

Assim, o convite da seção EU e VOCÊ, na edição de CLAUDIA, setembro de

2009, é feito pela diretora de redação Marcia Neder.

Nessa edição, CLAUDIA coloca em pauta a discussão sobre o racismo e a

igualdade representada pela imagem da atriz Taís Araújo, declarada “Musa da

Igualdade”, que abre o debate.

No editorial, Neder se apropria de elementos da linguagem para criar um

efeito discursivo em forma de manifesto. São elementos como “fim do racismo”,

“abominação”, “exclusão”, “igualdade”, “musa”, “Helena negra”, “mito da democracia

racial”, “prova viva” além de imagens simbólicas de lideres negros da atualidade

como Barack Obama e Nelson Mandela, igualando-os à figura de Taís Araújo.

O uso desses elementos simbólicos dentro de uma revista para o consumo

tem por objetivo manter suas fiéis consumidoras e agregar também mulheres negras

da nova classe média pelo discurso simbólico em forma de manifesto sobre o

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racismo. Bourdieu (2012) assinala que essa atitude faz parte do controle daqueles

que dominam a produção cultural e os sistemas simbólicos como é o caso do

manifesto de CLAUDIA sobre o fim do racismo.

[...] os “sistemas simbólicos” distinguem-se fundamentalmente conforme sejam produzidos e, ao mesmo tempo, apropriados pelo conjunto do grupo ou, pelo contrário, produzidos por um corpo de especialistas e, mais precisamente, por um campo de produção e de circulação relativamente autônomo; a história da transformação do mito em religião (ideologia) não se pode separar da história da constituição de um corpo de produtores especializados de discursos e de ritos religiosos. (BOURDIEU, 2012, p. 12).

A moura admirada pelos portugueses é hoje cultuada pelos telespectadores e

continua lucrativa, diferente dos anúncios de jornais do século XIX. Lucrativa como

novidade na moda como lembram Lipovetsky (2009) e Buitoni (2009), mas sem

abalar os valores tradicionais da revista.

4.1 Musa da Igualdade

Figura 19 – A Atriz Taís Araújo – Musa da Igualdade

Fonte: Revista CLAUDIA edição de setembro de 2009

A matéria assinada por Vera Gudin, se inicia na página 48, da seção “Estrela

da capa” com o título “Musa da Igualdade”.

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A partir deste mês, quando estreia a novela global Viver a Vida, Taís Araújo tem nas mãos uma conquista enorme e responsabilidade idem. A atriz é a primeira negra a protagonizar uma trama das 9 e quer que sua personagem entre para a história da TV brasileira e da luta contra o racismo. (VERA GUDIN, setembro 2009, p. 48-52).

A matéria trata da vida da artista e do duplo papel, como protagonista e a

primeira Helena negra na novela Viver a vida do “prestigiado roteirista da TV

brasileira”, Manoel Carlos e da importância do papel para atores e atrizes negros.

No texto, a atriz diz acreditar na responsabilidade e na tarefa de valorizar e

aumentar a autoestima da imagem desgastada e estereotipada dos negros na

televisão brasileira. “É um passo importante que vai melhorar a minha vida, a dos

meus filhos e a de todos os negros. Num país preconceituoso como o nosso, não há

como negar que meu trabalho tem uma função social” afirma.

Figura 20 – Taís Araújo e Lázaro Ramos

Fonte: Revista CLAUDIA, edição de setembro de 2009

A matéria continua na página 50 e fala da quebra das barreiras raciais

protagonizadas pela atriz em novelas como Xica da Silva, em 1996, na “extinta Rede

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Manchete” e Cor do Pecado, em 2004, da Rede Globo, além de ser a apresentadora

do programa Superbonita do GNT.

4.1.1 Racismo

Taís Araújo fala de sua preocupação com o racismo e a admiração por líderes

negros como Nelson Mandela e Barack Obama, fala também da importância que

ambos tiveram em sua vida. Conta de sua viagem para os Estados Unidos para

assistir à posse do presidente: “Eu precisava testemunhar aquele momento

histórico”, disse a atriz.

Taís Araújo nasceu em uma família de classe média e estudou em “escolas

boas e caras”. O pai é economista e a mãe pedagoga, segundo ela, eles priorizaram

a educação das filhas, Taís Araújo e sua irmã, que se formou médica.

A atriz relata que era uma das poucas negras na escola e conta um episódio

em que se sentiu ofendida por uma de suas colegas ao perguntar se era a patroa da

mãe dela quem pagava a mensalidade, ela diz: “a pergunta queimou os ouvidos. E a

alma”, completa que, a partir de então, começou a entender como funcionava o

racismo no país. A atriz é uma das poucas personalidades negras conhecidas,

casada com um negro, o ator Lázaro Ramos.

4.1.2 Sorte ou suor?

Nessa parte da matéria, o tema racismo desaparece e o foco é a vida privada

e cotidiana. Trabalho, relacionamento “misto de namorado marido”, família, comida,

viagem para Jordânia e França, experiência com outros diretores, roteiristas e

colegas de cenas, medo de engordar, bolsa Chanel, modernos aparelhos

eletrônicos, altura, peso, óculos escuros, remédios, cólicas, maquiagem, roupas e

fuga dos paparazzi.

Encontramos também alguns diminutivos, “Taizinha”, “magriiinha”,

“gordurinha” e “barrinha” que suavizam a principal questão racial, além de criar uma

proximidade com a leitora-consumidora. O modo como a matéria expõe parte da

vida particular da atriz, nos leva a concluir com a afirmação de Morin (2009):

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[...] os olimpianos por meio de sua natureza, divina e humana, efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o mundo da identificação. Concentra nessa dupla natureza um complexo virulento de projeção-identifcação. Eles realizam os fantasmas que os mortais não podem realizar, mas chamam os mortais para realizar o imaginário (MORIN, 2009 p. 107).

Nesse sentido, Taís Araújo atua como modelo de quem venceu barreiras

difíceis, como as do preconceito de cor. Morin (2009) completa:

[...] conjugando a vida cotidiana e a vida olimpiana, os olimpianos se tornam modelos de cultura no sentido etnográfico do termo, isto é, modelos de vida. São heróis modelos. Encarnam os mitos de autorealização da vida privada (MORIN, 2009 p. 107).

Intercalar problemas concretos e contraditórios é um dos recursos recorrentes

na mídia. Encontramos aqui os mesmos recursos estilísticos do jornalismo feminino

que, como afirma Buitoni (2009, p. 200) são comuns “nas revistas femininas”.

Nesses termos, comentar sobre a vida pessoal da atriz negra, “atualiza” as

leitoras e valoriza mais a mulher, quando enfoca o “signo de trabalho doméstico,

casamento, maternidade”, como aponta Buitoni (2009).

A matéria continua na página 52. Os cabelos cacheados da atriz são também

importantes para aproximar a atriz da leitora, com o titulo “Os Cachos”, ocupam

quase toda a parte inferior da primeira coluna.

4.1.3 Pelo fim do racismo!

Nesta seção, a diagramação é mais solta, cheia de efeitos tipográficos, filetes

ornamentais, grandes aspas vermelhas que destacam os depoimentos, sobrepostas

às imagens de cada personalidade, são recursos para atrair a atenção da leitora.

As páginas contêm muito espaço em branco e as fotografias mostram

pessoas felizes.

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74

Figura 21 – Celebridades Negras

Fonte: Revista CLAUDIA, edição de setembro de 2009

São vinte e quatro depoimentos e, aqui, reproduzimos somente os principais

que foram destacados pela revista. CLAUDIA selecionou fotos das personalidades

em um momento de felicidade, quase todos estão sorridentes, com a exceção de

duas fotos, a da cantora Elza Soares, que olha para o lado e para baixo e a do

cantor Tony Garrido que olha diretamente para a leitora. Coincidentemente, é a

ultima imagem que fecha a matéria.

As personalidades são: a esportista Daiane dos Santos, o presidente

americano, Barack Obama, o rapper americano Jay-Z, a atriz Elisa Lucinda, o ator

Milton Gonçalves, o cantor Jairzinho, a apresentadora americana Oprah Winfrey, a

atriz Isabel Fillardis, o cantor Dudu Nobre, a apresentadora e jornalista Gloria Maria,

o ex-presidente da África do Sul - Nelson Mandela -, o automobilista Lewis Hamilton,

a cantora Elza Soares e o cantor Tony Garrido.

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75

4.1.4 Depoimentos

Os depoimentos têm início na página 56 e terminam na página 64, entretanto

alguns não estão em destaque, são os depoimentos que personalidades do meio

artístico, líderes ativistas e autoridades públicas deram, como Sueli Carneiro, ativista

do GELEDÉS - Instituto da mulher negra -; Rosa Parks, citada pelo rapper

americano, Jay-Z e que se manifestaram sobre o racismo.

Há também os depoimentos do advogado e empresário Mário Oliveira; da

atriz Zezé Motta, hoje atuando como superintendente da Secretária da Igualdade

Racial do Estado do Rio de Janeiro; do ator Lázaro Ramos; do líder da causa dos

direitos civis dos negros - Martin Luther King que foi assassinado em 1968 -; do

empresário Alessandro Werneck; do Ministro do Supremo Tribunal Federal -

Joaquim Barbosa -; do ativista americano, Malcom X, morto em 1965 e do ator

Antônio Pitanga.

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76

Figura 22 – Depoimentos

Fonte: Revista CLAUDIA, edição de setembro de 2009

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77

4.1.5 Racismo: de onde vem?

Na seção “De onde vem?” na página 60, a jornalista Patrícia Negrão, procura

mostrar a origem do racismo. A matéria de Negrão é um texto mais didático, que

busca explicar a origem do racismo.

De onde vem?

A origem do racismo não é consenso. Alguns estudiosos dizem que as raízes estão na

antiguidade clássica. Outros apontam a colonização do mundo pela Europa. “No século 15,

com as grandes navegações, ficou clara a distinção entre europeus e os ´outros´”, afirma

Leila Hernandez, professora de história da África da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência

Humanas (FFLCH), da USP. No século 16, o sistema colonial se construiu com a grande

propriedade e a mão de obra escrava. Africanos, feitos cativos em seus países, eram

vendidos nas Américas. Os europeus se atribuíam uma missão civilizadora e cristã.

Para o historiador Joel Rufino dos Santos, o tráfico negreiro foi a grande forma de

dominação. “Durou três séculos e meio e envolveu 10 milhões de pessoas”, diz. Ele

considera a mais emblemática resistência dos africanos no Brasil o Quilombo do Palmares –

comunidade autossustentável na serra da Barriga, em alagoas, formada por escravos

fugidos entre 1597 e 1695. “Palmares era uma espécie de problema nacional que durou um

quinto da história brasileira.”

No século 1, filósofos passaram a classificar a espécie humana em raças distintas,

formadas por grupos biologicamente contrastados e hierarquizados com base em

diferenças. “A pirâmide era encabeçada pelos brancos, tendo os negros na base inferior e

os amarelos na intermediária”, explica o antropólogo Kabengele Munanga, professor da

FFLCH/USP. Para ele, a teoria racista do século 18 se transformou em ideologia dos

Estados colonialista para ocupar territórios africanos. Nazistas e fascistas também se

basearam em racismo para matar milhões de judeus e ciganos na Segunda Guerra Mundial.

No Brasil não houve leis racistas como nos Estados Unidos e na África do Sul. Aqui

predominou o mito da democracia racial, o que atrasou o surgimento da Lei no. 7.716, de

1989, que tornou o racismo um crime inafiançável e sujeito a prisão. “Apesar do avanço, leis

não substituem as politicas publicas afirmativas e macrossociais”, afirma Kabengele. Uma

prova: a média salarial dos negros é de 654 reais; a dos brancos, 1275 reais.

Patrícia Negrão (setembro 2009, ano 48, p. 60)

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78

4.1.6 Oportunismo Publicitário: Os Cachos

Na página 52, na parte inferior da primeira coluna, há uma interrupção na

leitura, para falar do “segredo de Taís” e de como ela mantém os cabelos

cacheados. O “Segredo de Taís”, ou seja, como a leitora pode deixar seus cabelos

iguais aos cachos da atriz.

Figura 23 – O Segredo dos Cachos de Taís

Fonte: Revista CLAUDIA, edição de setembro de 2009

A imagem acima representa dois momentos da presença da atriz em novelas.

Na fotografia menor, ela está com os cabelos alisados e “aloirados”, quando atuou,

em 2006, na novela “Cobras e Lagartos”, com o nome de Pretinha da Silva. Na

imagem maior, ela está com os cabelos cacheados, em 2009, na novela “Viver a

Vida”, em que representava uma famosa modelo que se apaixonava pelo galã,

branco.

Falar dos cachos de Taís Araújo é relevante para o presente estudo, pois há

mais de uma década, a população negra - principalmente as mulheres - vem sendo

analisada como potencial de consumo de produtos de beleza.

Faltam produtos para os cabelos das mulheres negras, o que representa um

enorme problema, para elas. Os produtos, em sua maioria, são destinados para as

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79

mulheres brancas, com cabelos lisos ou ondulados, o que exclui a maioria das

mulheres negras. A solução tem sido assumir o cabelo natural, black power.

As propagandas de produtos para cabelos nas revistas femininas não

contemplam o cabelo natural das mulheres negras - o estilo mais duro do blackface.

Os produtos são voltados mais para as não-blackface e não-angel face, isto é, para

as mulheres que têm os cabelos encaracolados ou que possam cachear.

4.1.7 Cachos dos Sonhos

A matéria descreve as técnicas usadas pelos consultores para melhorar os

cabelos crespos e torná-los cacheados como o uso de leave-in - e mega-hair, pois,

“é mais natural”, completa a jornalista responsável pela matéria.

Figura 24 – Cachos dos Sonhos

Fonte: Revista CLAUDIA, edição de setembro de 2009

A fotografia que mostra os cabelos cacheados não é a da atriz Taís Araújo e

tem o título de “Cachos dos sonhos”, o subtítulo é: “Cabelo cacheado é patrimônio

nacional. Mas para mantê-lo brilhante, cheio de balanço e com ondas bem definidas,

é preciso lançar mão de alguns segredos. A gente revela todos para você”. O texto

está dividido em três pequenas colunas, abaixo do subtítulo.

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80

"Cacheados e crespos estão com tudo. Dúvida? Marco Antônio de

Biaggi, do M.G Hair, conhecido como o rei das loiras de fios

longos e lisos, se diz apaixonado pelo castanho cacheado da atriz

Taís Araújo. Marcos Proença, do Proença Hair & Care, e Júlio

Crepaldi, do salão Galeria, celebram a invasão de produtos pró-

curly. O expert Charles Veiyga criou uma exposição fotográfica

privilegiando os cachos e Aldeni Ribeiro, do Lay Out, enfatiza que

o verão, de carona com as tendências internacionais, será dos

looks com ondas de vários tipos. Seu cabelo se encaixa no perfil?

Então, tire proveito dele.”

(Deise Garcia, setembro de 2009, nº 48, p. 114)

Na página 115 são apresentados dez recursos para cuidar dos cabelos

crespos ou para torná-los cacheados, os recursos são indicados por quatro

especialistas.

BRILHO NATURAL: O formato irregular dos fios dificulta a distribuição da gordura

protetora, e o ressecamento deixa o cabelo opaco. Uma ducha fria no último

enxágue, diferentemente da quente, não remove a oleosidade natural: fecha as

escamas e deixa o look reluzente.

TRIPLA HIDRATAÇÃO: Cabelo crespo exige o uso constante de produtos

específicos. “Aplicar um bom condicionador, passar um leave-in e depois um

moderador é fundamental para quem deseja cachos bem cuidados. E não pule

etapas”. Afirma Júlio Crepaldi.

COQUE AMIGO: Depois de lavar e aplicar o leave-in, faça um rabo de cavalo (use

elásticos revestidos), torça e prenda os fios em um coque firme. Seque com difusor

em alta temperatura e baixa velocidade e solte. Assim, os cachos não armam e

caem em ondas largas.

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81

CASCATA PURA: Deseja o look da Taís Araújo, com cachos médios e volume sob

medida? Enquanto seca, massageie a raiz com o próprio difusor (ele tem pontinhas

em relevo) e solte os cachos da raiz às pontas.

NEW CURLY: Nem crespão nem ondulado. O chamado new curly tem inspiração

no movimento hippie. “Ele une cacheado com frisado. Faça tranças pequenas por

toda cabeça, aqueça-as com secador e solte depois, quando o cabelo já estiver

frio”, diz Proença.

MATEMÁTICA DA TESOURA: Seja qual for o comprimento, o melhor corte deve

ser sempre geométrico. “Aposto no degradê, desfiando os fios com a tesoura de

corte, do comprimento até as pontas. Dá leveza e caimento sem armar”, conta a

cabeleireira Aldeni Ribeiro.

ACESSÓRIOS DO BEM: Deseja o look da Taís Araújo, com cachos médios e

volume sob medida? Enquanto seca, massageie a raiz com o próprio difusor (ele

tem pontinhas em relevo) e solte os cachos da raiz às pontas. Na onda natural,

hippie chic, amarre fitinhas na testa, rentes a raiz”, sugere Biaggi.

CACHOS DE FESTA: Depois de lavar, retire a umidade, aplique um produto

termoativado e faça uma escova lisa. Com babyliss ou uma chapinha especial,

modele os cachos alternando mechas finas e médias.

ROLINHOS PRÁTICOS: Não tem babyliss? Sem problemas. Com os fios úmidos,

desembaraçados com ativador de cachos, separe o cabelo em mechas médias,

enrole-as e prenda com grampos. Solte com os dedos.

CARINHO NA LAVAGEM: Nada de esfregar os fios. Espalhe o xampu com

movimentos delicados, passando os dedos entre os fios para soltar nós e abrir os

cachos. Antes de usar o secador, amasse as mechas, de baixo para cima, com uma

toalha macia para não desmanchar as ondas nem provocar frizz, deixando o cabelo

levemente úmido. “Isso faz com que os fios fiquem mais pesados e evita que

armem”, conta Marcos Proença.

A propaganda dos produtos indicados ocupa quase toda a segunda coluna

com a seguinte chamada:

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82

“Selecionamos alguns dos melhores lançamentos para você se apaixonar

ainda mais pelos seus cachos”.

Figura 25 – Produtos para cuidar dos cachos

Fonte: Revista CLAUDIA, edição de setembro de 2009

“Chapinha Multistyle by Marco Antônio de Biaggi” como os outros produtos

relacionados a seguir, servem para encaracolar, tratar e proteger após o uso da

chapinha.

Shampoo, Cabelos Cacheados, Perfect Performance Vizcaya, Leave-In

Cabreúva, est. ativador de cachos Curly, Fix Truss, Nectar Thermique, Kerastase

Nutritive, loção finalizadora efeito cacheado, Styling Avon, creme para pentear

Farmaervas e, finalmente, Curl Definer Joico.

Todos os produtos são acompanhados pelos preços. Em 2011, foi lançado

um livro com dicas para tratar os cabelos cacheados, tendo como garota

propaganda a atriz Taís Araujo. Afinal, tudo é negócio.

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83

4.1.8 Nicho de mercado: A Feira Preta85

A Feira Preta surgiu em 2002 e ocorre no mês de novembro, em São Paulo,

frequentada, principalmente, por homens e mulheres negras com diferentes estilos

visuais, é um espaço de encontro e de afirmação de negritude, que serve para

demonstrar o potencial de consumo do público negro.

O evento é também um espaço para os empreendedores e as empresas

divulgarem produtos e serviços relacionados à moda - desde roupas até cosméticos

- e estarem em contato com o público consumidor que vem de várias cidades do

país, em busca de novos produtos e tendências destinados, especificamente, a ele.

Uma das principais questões do negro reside na sua aparência e, para a

mulher negra, o cabelo é a característica mais fundamental de afirmação de sua

identidade. Entretanto, existem poucos produtos voltados exclusivamente para a

população negra feminina.

A indústria de cosméticos, ainda conservadora, desenvolve produtos para

que o cabelo da mulher negra fique “bom”, isto é, cacheado ou encaracolado e não

para que seja valorizado naturalmente, para deixá-lo mais longo, a mulher negra

precisa alisá-lo ou colocar apliques.

No entanto, atualmente, as mulheres negras mais jovens estão assumindo o

estilo natural dos anos 1970, o black power. É possível vê-las pelas ruas, nos fóruns,

ostentando, com orgulho, seu cabelo natural.

As áreas da moda e da beleza para a mulher negra representam um grande

potencial de mercado. É um mercado carente, que recebe pouca ou nenhuma

atenção. Nos estabelecimentos de vendas de produtos de beleza não se encontram

produtos para esse público, que é ainda mais raro nas revistas de moda e beleza.

85

BARBOSA, Adriana. Feira Preta – Por uma outra economia: economia criativa. CELACC/ECA – USP, 2009. Nesse artigo, Barbosa trata da importância da economia criativa, adotada por diversos países, e que se baseia na inclusão de grupos sociais marginalizados no mercado de consumo. O Brasil, que possui uma enorme diversidade cultural, começa a tirar vantagens dessa prática, no entanto, poderia melhorar ainda mais sua economia, caso buscasse incluir tais grupos, como o dos negros, por exemplo. Disponível em:<http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/blacc/article/viewfile/142/176>. Acessado em 02 jun 2014.

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84

O evento da Feira Preta é um espaço de diversidade e exemplo para que

especialistas de revistas femininas como CLAUDIA, comecem a evitar expressões

como “Nem crespão nem ondulado”, que demonstram preconceito e seguem uma

ideologia baseada em modelos europeus, isto é, nas Angel Faces.

As poucas imagens de mulheres negras na revista CLAUDIA são o resultado

de um modelo tradicional, o das mulheres brancas e que não inclui a outra. A outra

ainda é vista com reservas.

No universo da beleza, a imagem da mulher negra ainda é pouco

representada, porém, com a consciência de que esse é um mercado lucrativo, essa

situação tende a melhorara a cada dia.

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85

5 REVISTA CLAUDIA: MULHERES NEGRAS E AS PROPAGANDAS

O objetivo deste capítulo é demonstrar qual foi o índice causado na revista

CLAUDIA, a partir da publicação da edição de setembro de 2009, que trazia na

capa, a foto da atriz negra Taís Araújo. Para detectar tal índice, são apresentadas

diferentes tabelas que mostram a quantidade de propagandas com mulheres negras

na revista, a quantidade de produtos voltados, exclusivamente, para esse público, a

quantidade de reportagens e fotos e as seções em que é possível se encontrar a

presença de mulheres negras na revista CLAUDIA.

Para atingir esse objetivo foram analisadas as edições de setembro, outubro,

novembro e dezembro de 2009 e as edições de janeiro e fevereiro de 2010.

Figuras 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34 – Propagandas com mulheres negras na revista CLAUDIA

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86

Fonte: Revista CLAUDIA, edições de setembro de 2009 a fevereiro de 2010

Nenhum dos produtos apresentados é dirigido, exclusivamente, à

mulher/jovem ou criança negra, ainda que haja a presença de uma jovem/mulher ou

criança negra.

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87

5.1 Produtos para o Público Negro

Na matéria abaixo, aparece uma modelo negra, mas o produto se refere

apenas ao cabelo que foi alisado.

Figura 35 – Produto destinado à Mulher Negra na Revista CLAUDIA

Fonte: Revista CLAUDIA, outubro de 2009

Figura 36 – Produto para mulheres negras

Fonte: Revista CLAUDIA, outubro de 2009

Essa foi a única propaganda, voltada exclusivamente para as mulheres

negras, nas edições de setembro de 2009 a fevereiro de 2010.

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88

5.2 Mulheres Negras em CLAUDIA: Tabelas de Distribuição

As tabelas a seguir servem para quantificar as imagens das pessoas negras

que apareceram nas seis edições de CLAUDIA, tendo como base a edição de

setembro, na qual aparece a atriz Taís Araújo na capa. Quantificamos fotografias,

ilustração em propagandas, moda e beleza, produtos cosméticos e textos, além das

entrevistas ou reportagens.

Analisamos o corpus e observamos que a revista CLAUDIA mantém fixas as

principais seções em todas as edições.

Quadro de Distribuição das seções fixas

Seções Set. 2009 Out. 2009 Nov.. 2009 Dez. 2009 Jan. 2010 Fev. 2010

CAPAS Taís

Araújo

Claudia

Leite

Flávia

Alessandra

Ana

Hickmann

Grazi

Massafera

Ivete

Sangalo

Editorial – Eu e

Você

Claudia online

Sua Opinião

Horoscopo

Conversa Com

Danuza Leão

Conexão

Claudia

Claudia

Entrevista

Premio Claudia

Estrela da Capa

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O quadro a seguir mostra o tipo de representação, em qual seção, localizam-

se as personagens negras.

Presença dos negros nas edições pesquisadas.

Seções Tipo Quantidade

Propaganda Fotografia 17

Reportagens e entrevistas Fotografia 8

Moda e beleza, cosmética e maquiagem. Fotografia 6 *

Produtos Ilustração 1

Reportagem e entrevistas Texto* 7

Total 39

*Os textos referem-se aos negros em entrevistas e reportagens.

Todas as propagandas encontradas foram quantificadas e comparadas com o

total da presença de mulheres negras em todo o corpus. Constata-se que, ainda

assim, existe pouca presença de mulheres negras.

CLAUDIA – Mulheres Negras nas Propagandas

Propagandas nas

Edições pesquisadas

EDIÇÕES

Set.

2009

Out.

2009

Nov.

2009

Dez.

2009

Jan.

2010

Fev.

2010

GERAL 396 82 76 90 90 38 37

NEGRAS 17 2 5 4 3 2 1

TOTAL 413 MULHERES NEGRAS

PERCENTUAL 4,2% 2,4% 6,5% 4,4% 3,3% 5,2% 2,7

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90

Das 413 propagandas, que correspondem a 100% das propagandas das seis

edições, aparecem mulheres ou crianças negras em 17, o que perfaz 4,2% do total.

Dessas, três são propagandas de produtos para pele e cabelos, duas de moda e

uma de maquiagem.

Na edição de outubro de 2009 ocorreu um aumento das propagandas,

entretanto, nas edições seguintes, houve queda tanto das propagandas, em geral,

quanto das propagandas com personagens negras.

As personagens negras foram separadas por seção, mês da edição da

revista, em quais páginas se encontram e como são representadas por fotografia,

ilustração ou texto; algumas dessas constituem reportagens, como afirma Buitoni

(2009) “fato real”, em geral, são de sofrimento ou conquistas, poucas tratam de

felicidade ou prazer de viver bem como são as reportagens sobre as mulheres

brancas.

Nas páginas seguintes, encontram-se os dados mencionados acima, mês a

mês. Constata-se através das tabelas que a presença da mulher negra continuou

muito baixa nas edições da revista CLAUDIA, mesmo após a divulgação da capa

com a imagem de Taís Araújo.

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91

Edição – Setembro 2009

Seção Setembro 2009 – Atriz Taís Araújo Páginas

Eu e Você

Foto e Texto

Racismo é o fim e pela luta da igualdade

Marcia Neder. Diretora de redação (mulher negra)

10

Reportagens

internas.

Foto e Texto

Estrela da capa – Titulo: A musa da igualdade, reportagem com

Tais Araujo. Primeira negra protagonizar uma trama das 9.

Reportagem de Vera Gudin.

48, 49, 50

e 52

Seção Cláudia defende: Pelo do Racismo - Declarações e

opiniões de personalidades negras de diferentes áreas da

cultura, do esporte, da musica, do jornalismo, Talk show e da

politica como as dos presidentes Nelson Mandela e Barack

Obama, recém-eleito em 2008 no EUA.

56, 57, 58,

60, 62, 64

Quadro – De

onde vem?

Texto

Quadro em que Patrícia Negrão tenta explicar a origem do

racismo

60

Propaganda

Foto

- ZigZigZaa da Malwwe – propaganda de roupa infantil em que

um garotinha negra é a única personagem.

11

Beleza

Texto

Beleza cabelos – Cachos dourados. Cita os cabelos cacheados

da atriz Tais Araújo

114, 115

Propaganda

Foto

Luz da Lua – Camila Pitanga 133

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92

Edição – Outubro 2009

Seção Outubro 2009 – Cantora Claudia Leite Páginas

Propaganda

Foto

Bradesco – Tais Araújo 40 – Página

dupla

Propaganda

Foto

Natura – Tais Araújo 56 – Página

dupla

Propaganda

Foto

Purificador de água IBBL – quatro crianças que

representam a diversidade de raças

61

Propaganda

Foto

Elegê – modelo infantil negra - “Com certeza a

minha filha vai ser modelo. Até para comer ela faz

pose.”

146 – Página

dupla

Propaganda

Foto

Moça - Skechers – Fitness footwear – Tênis 155

Look perfeito aos 20,

30, 40, 50, 60 + anos.

Foto

Maquiagem – Modelo Iman 213

Achados e soluções

Ilustração

Brincadeira fashion – coleção de adesivos

removíveis – Artfix Store

254

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93

Edição – Novembro 2009

Seção Novembro 2009 – Atriz Flavia Alessandra Páginas

Prêmio

Claudia

Foto

Trabalho social – Neide Castanha.

Comitê Nacional de Enfretamento da Violência Contra

Crianças e Adolescentes

39

Propaganda

Foto

Oral-B Pro-Saúde – Três representantes especialistas –

dois brancos e um negro.

70, 71 – Página -

meia dupla.

Propaganda

Foto

Dermacyd sabonete líquido – quatro mulheres - três

brancas e uma negra.

79

Propaganda

Foto

Luz da Lua – Camila Pitanga 95

Turismo

Foto

Búzios – Tais Araújo e Jose Mayer 169

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94

Edição – Dezembro 2009

Seção Dezembro 2009 – Apresentadora, Ana Hickmann Páginas

Conexão Claudia

Foto

Escritora – Ana Paula Maia 28

Propaganda

Foto

Dermacyd sabonete liquido – quatro mulheres - três

brancas e uma negra.

125

O que faço

agora?

Texto

Cidadania, ética e boas maneiras por Sibelle Pedral.

Depoimentos – Mulher negra no cinema é confundida

com faxineira por uma mulher branca.

126

Propaganda

Foto

Oral-B Pro-Saúde – Três representantes especialistas –

dois brancos e um negro.

134, 135

Pagina - meia

dupla.

A mulher no

mundo pós-crise

Foto

Dona do próprio negócio – Cardiologista e cearense

Camila Paiva

140

Propaganda

Foto

Gooc Eco Sandal - Pelé 147

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95

Edição – Janeiro 2010

Seção Janeiro 2010 – Atriz, Grazi Massafera Páginas

Propaganda

Foto

McDonald's – Mãe e filha convida o consumidor (infantil

principalmente) para experimentar o sabor Del Valle sabor

pêssego em uma de suas lojas.

23

Conexão

Claudia

Foto e texto

Entrevista com a cantora e percussionista Anelis Assumpção,

filha do cantor Itamar Assumpção, morto em 2003.

28

Propaganda

Foto

Revista Nova – Tais Araújo 73

Educar para

crescer

Foto

Reportagem - A revolução das mães de amanhã 75, 77

Reportagem

Foto e texto

Reportagem – A formidável Mãe de Obama: Ela desafiou o

preconceito ao casar com um homem negro.

146, 147,

148, 149

Edição – Fevereiro 2010

Seção Fevereiro 2010 – Cantora, Ivete Sangalo Páginas

Propaganda

Foto

Ariel - Produto de limpeza – Mãe e filha 20, 21

Reportagem

Foto e texto

Barbárie sem fim. – Mutilação de mulheres e meninas africanas. 96, 97,

98, 99

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cor da pele é a mais marcante das distinções sociais que ainda prevalece

nas sociedades, em que as cores da pele de variados grupos de indivíduos existem,

e em grande proporção. Como facções, elas se dividem, identificam ou mesmo se

rejeitam. Por elas projetam-se imaginários culturais, hábitos sociais, alimentam-se

preconceitos, suposições, estigmas, medos e prazeres.

Pela cor da pele fazemos ou evitamos amizades. Julgamos o belo ou o feio,

o certo ou errado, o inferior ou superior. A cor da pele foi, também, para antigas

civilizações como a indiana e, até mesmo, a grega um elemento de distinção e

semelhança, elemento de caráter e de valor que definia indivíduos e povos.

Na Europa medieval, a cor da pele foi uma marca visível que distinguia o

inimigo religioso, o invasor dos territórios cristãos e os simples camponeses.

Paradoxalmente, na Península Ibérica - invadida pelos mouros, sarracenos - a figura

da moura encantada habitava o imaginário dos homens portugueses. Era também

motivo de preocupações das mulheres europeias, descendentes dos cruzamentos

de povos mulçumanos e europeus, para ocultar sua pele escura, dado a uma proto-

ideologia racial que surgia.

Com o advento da descoberta de novas terras e a necessidade de mão de

obra para abastecer a Europa com ouro, prata e açúcar, obtidos através da

exploração das descobertas, a cor da pele serviu para alimentar uma ideia que

justificava escravizar africanos de pele mais escura que a dos mouros ou

sarracenos. Justificava uma presumida inferioridade, baseada nos discursos

científico, religioso ou econômico.

A cor da pele negra justificava que o africano era um ser muito mais próximo

dos animais e das bestas selvagens - que povoavam o imaginário do homem branco

comum e ignorante -, que o negro era incapaz de aprender, de se adaptar ao mundo

civilizado. A aparência e a cor preta do africano tinham o apoio da ciência e da

religião em que sua situação de escravo o colocava em condição de inferioridade,

em relação a todas as outras raças humanas. Eram homens, não seres sem alma,

no entanto, eram considerados semelhantes a um animal domesticado, portanto sua

vida pertencia a seus donos, os homens brancos.

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Dentro desse sistema cruel de convivência, marcado pela diferença e

superstição, a mulher negra foi quem mais sofreu. Como escrava e mulher, nesse

universo patriarcal de homens, brancos e negros, foi explorada, abusada, violentada

e a mais discriminada das criaturas. E como todos os escravos era também tratada

como um animal de carga e negociada como coisa nas seções dos jornais do século

XIX.

Com o fim da escravidão, a mulher negra foi ignorada pela imprensa, mas ao

mesmo tempo, era garota propaganda de produtos de limpeza, utensílios de

cozinha, servia para convencer e garantir a qualidade dos produtos. As imagens

eram caricaturas estereotipadas que mostravam o grande preconceito que havia

sobre a mulher negra. Tais caricaturas são conhecidas como Blackface, muito

utilizadas para representar e humilhar os negros na mídia de massa.

O estereótipo Blackface, uma das mais cruéis representações da mídia. Nela,

o Blackface é símbolo de comicidade visual, do ridículo e do grotesco que se atribui

à representação do negro e a angel face, representa a mulher branca, aquela que

tem mais características europeias, a beleza idealizada na sociedade e ratificada

pela mídia.

Nos anos 1960, com as mudanças políticas e sociais, os negros começam a

brigar para conquistar seu espaço como ser social, mas a mulher negra continua

ignorada, principalmente, na mídia de massa. Em alguns casos, raros, e devido ao

conceito de novidade, que era determinado pelo mundo da moda, a mulher negra

começa a participar das revistas de beleza.

Para a mídia imprensa de massa internacional, a descoberta da novidade

torna-a mais lucrativa. Incluir o outro aumenta as vendas do produto, atrai novos

consumidores e não altera valores e nem a ideologia tradicional. Aos poucos, a

mulher negra ocupa as capas das revistas de moda, não apenas como coisa feia, o

estereótipo negativo de blackface, ainda que seja um produto, mas um produto de

beleza, tal qual uma Angel face, concorrendo pelo mesmo espaço que gera lucros.

No Brasil, devido ao forte preconceito racial, à resistência a mudanças da

mídia tradicional, como a revista CLAUDIA, foi necessário que houvesse influências

políticas, sociais e econômicas e da mídia televisiva para que a mulher negra

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estampasse a capa de uma de suas edições e discutisse o tema espinhoso que é

marcado pela cor da pele, o racismo.

A televisão é, no Brasil, o principal veículo de comunicação, por ela a

população se informa, diverte, distrai, avalia, julga. A atriz negra, Taís Araújo,

protagonista de uma novela em horário nobre é a novidade que, independente de

sua cor, proporciona lucros. A presença da atriz na capa da revista CLAUDIA, com

seus cabelos cacheados é fonte de lucro, vende revistas, cosméticos, serviços

bancários, promove a igualdade de raças e atrai novas leitoras-consumidoras.

Hoje, é menos frequente encontrar o estereótipo Blackface na mídia de

massa. Mas, infelizmente, eles existem em programas cômicos, em jornais

sensacionalistas, na pequena imprensa. Ouvimos também o Blackface na rua, nas

discussões raivosas e na intolerância com o outro, principalmente, contra a mulher

negra, pobre e desassistida.

Sabemos que existe um nicho de mercado, revelado pela revista Raça Brasil

a ser explorado. Um mercado em que mulheres negras buscam formas de extirpar a

imagem negativa por meio de produtos próprios, cosméticos, moda e não cortiças

queimadas.

A revista CLAUDIA e todas as suas concorrentes buscam esse pequeno

nicho de mercado mal explorado de mulheres negras da nova classe média.

Mulheres ansiosas por uma identidade, um espelho que revele algo de si, da sua

cor, por meio de depoimentos de artistas, celebridades negras. E como tudo em

CLAUDIA é negócio, propor a suas leitoras-consumidoras discutir o racismo, cor de

pele, igualdade racial em uma revista de moda, constitui negócio.

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