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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO TRÊS RIOS DEPARTAMENTO DE DIREITO, HUMANIDADES E LETRAS – DHL GINO GUILHERME MATOS FERREIRA A VIABILIDADE DO PROJETO DE LEI 4962/2016 À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Três Rios, RJ 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO TRÊS RIOS

DEPARTAMENTO DE DIREITO, HUMANIDADES E LETRAS – DHL

GINO GUILHERME MATOS FERREIRA

A VIABILIDADE DO PROJETO DE LEI 4962/2016 À LUZ DO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

Três Rios, RJ

2017

GINO GUILHERME MATOS FERREIRA

A VIABILIDADE DO PROJETO DE LEI 4962/2016 À LUZ DO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em curso de graduação em Direito oferecido pela Universidade Federal Rural do Estado do Rio de Janeiro, campus Instituto Três Rios.

Orientadora: Prof.ª Thais Miranda de Oliveira

Três Rios, RJ

2017

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese,

desde que citada a fonte.

______________________________

Assinatura

_________________

Data

A viabilidade do Projeto de Lei 4962/2016 à luz do ordenamento jurídico brasileiro

Ferreira, Gino Guilherme Matos/ Gino Guilherme Matos Ferreira – 2017. 86 f. Orientadora: Profª Thais Miranda de Oliveira

1. Direito do Trabalho – Monografia. 2. Projeto de Lei 4962/16 – Monografia. 3. Viabilidade

Monografia (graduação). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Faculdade de Direito

GINO GUILHERME MATOS FERREIRA

A VIABILIDADE DO PROJETO DE LEI 4962/2016 À LUZ DO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em curso de graduação em Direito oferecido pela Universidade Federal Rural do Estado do Rio de Janeiro, campus Instituto Três Rios.

Aprovado(a) em: _____________________________________________________________

Banca Examinadora:

___________________________________________________________________________

Professora Ma. Orientadora Thais Miranda de Oliveira – UFRRJ-ITR

___________________________________________________________________________

Professor Dr. Klever Paulo Leal Filpo – UFRRJ-ITR

___________________________________________________________________________

Professora Dra. Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio – UFRRJ-ITR

Aos meus pais, pela base.

À minha namorada, por ser a melhor parte de

mim.

À minha segunda família, Mercecheeston, por

serem os melhores amigos que alguém pode ter.

À minha orientadora, Thais, por todo o apoio e

conhecimento passados.

RESUMO

FERREIRA. Gino Guilherme Matos. A viabilidade do Projeto de Lei 4962/2016 à luz do

ordenamento jurídico brasileiro. 2017. Instituto Três Rios, Departamento de Direito,

Humanas e Letras, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Três Rios, RJ, 2017.

O presente estudo pretende discorrer acerca da viabilidade do Projeto de Lei 4962/2016 à luz

do que dispõe o ordenamento jurídico brasileiro. O referido projeto traz novas diretrizes a

serem aplicadas ao instituto da flexibilização das normas trabalhistas, instituto esse que

permite a criação de normas jurídicas coletivas que vinculam as partes envolvidas em uma

negociação coletiva, variando o raio de incidência da norma concebida dependendo do

diploma coletivo utilizado. Analisar tais diretrizes será o objeto do presente trabalho,

recorrendo-se ao entendimento de diferentes doutrinadores acerca de tal instituto, que se

dividem em duas correntes, onde uma defende uma flexibilização das normas trabalhistas

mais ampla, sem a intervenção estatal ou de princípios protecionistas, enquanto concorda a

outra corrente que apenas será possível flexibilizar norma trabalhista heterônoma em função

de norma acordada quando esta não for prejudicial ao trabalhador, representando perda de

direito garantido no ordenamento jurídico brasileiro, esteja ele resguardado no Texto Maior ou

legislação infraconstitucional. Também serão examinadas, a fim de verificar a viabilidade do

projeto de lei mencionado, decisões judiciais de relevante repercussão de diferentes tribunais

superiores, com intuito de identificar como se posicionam tais tribunais em relação às

diferentes formas de flexibilização das leis trabalhistas.

Palavras-chaves: Projeto de Lei 4962/2016. Viabilidade. Flexibilização da legislação

trabalhista.

ABSTRACT

FERREIRA. Gino Guilherme Matos. The feasibility of the Bill 4962/2016 in the light of the

Brazilian legal system. 2017. Três Rios Institute, Department of Law, Humanities and

Languages, Federal Rural University of Rio de Janeiro, Três Rios, RJ, 2017.

The present study intends to analyze the feasibility of the Bill 4962/2016 in light of the

provisions of the Brazilian legal system. This project brings new guidelines to be applied to

the institute of flexibilization of labor standards, which is responsible for creating collective

legal norms that bind the parties involved in a collective bargaining, varying the incidence

range of the norm conceived depending on the collective diploma used. Analyzing these

guidelines will be the object of the present study, resorting to the understanding of different

doctrines about such institute, which are divided into two streams, where one advocates a

more flexible labor standards without state intervention or protectionist principles, while the

other current agrees that it will only be possible to flexibilize heteronomous labor norm in

function of an agreed norm when this is not harmful to the worker, representing loss of

guaranteed right in the Brazilian legal system, whether it is protected in the Major Text or

infraconstitutional legislation. In order to verify the viability of the mentioned bill, judicial

decisions of relevant repercussions from different higher courts will also be analyzed, in order

to identify how these courts are positioned in relation to different forms of flexibilization of

labor laws.

Key words: Bill 4962/2016. Viability. Flexibilization

of labor laws.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9

1 – TEMPOS DE CRISE .......................................................................................................... 11

1.1 – A crise político-econômica ....................................................................................11

1.2 – O Projeto de Lei 4962/2016 ................................................................................. 13

1.3 – Conceituando a flexibilização das normas trabalhistas ................................... 17

2 – NEGOCIAÇÕES COLETIVAS E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES ...................... 20

2.1 – Princípio da norma mais favorável .................................................................... 22

2.2 – Princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva ou autonomia negocial coletiva ........................................................................................................................... 23

2.3 – Princípio da adequação setorial negociada ....................................................... 24

2.4 – Princípio da intervenção sindical na normatização coletiva ............................ 25

2.5 – Princípio da equivalência dos contratantes coletivos ....................................... 27

3 – A FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS NO BRASIL ........................ 28

3.1 – Flexibilização ampla das normas coletivas x Flexibilização protetiva das normas trabalhistas .................................................................................................................... 28

3.2 – Arnaldo Süssekind e os limites à flexibilização ................................................. 28

3.3 – Vecchi e a não existência de “carta em branco” ................................................ 31

3.4 – A flexibilização plena de Romita......................................................................... 36

3.5 – A interpretação divergente atribuída ao princípio da autonomia coletiva pelo TST e STF ...................................................................................................................... 39

3.5.1 – As divergências acerca da Súmula 277 do TST................................................ 39

Súmula nº 277 do TST - As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho. .............................................. 41

3.5.2 – Recurso Extraordinário 590.415: A prudência do princípio da intervenção sindical sob a ótica do STF ............................................................................................ 44

3.6 – Recurso Extraordinário 895.759: A prudência do princípio da autonomia coletiva na visão do STF ............................................................................................... 47

4 – A VIABILIDADE DO PROJETO DE LEI 4962/2016 .................................................. 51

4.1 – Desregulamentação das normas trabalhistas .................................................... 51

4.2 – Projeto de Lei 4962/2016: flexibilização ou desregulamentação? ................... 54

4.3 – A desregulamentação como ferramenta para solucionar crises econômicas .. 56

4.4 – A viabilidade existencial ...................................................................................... 59

4.5 – A viabilidade sindical ........................................................................................... 67

4.6 – A viabilidade constitucional ................................................................................ 74

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 80

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 82

9

INTRODUÇÃO

Uma crise econômica e política assola o Brasil, desencadeada após os escândalos

envolvendo a maior empresa estatal do país. Demonstrou-se um aumento no índice inflacionário,

desvalorização da moeda nacional e um preocupante aumento nas taxas de desocupação.

Visando combater o desemprego e demais consequências da crise, foi proposto o Projeto de

Lei 4962/2016, que oferece novas diretrizes à flexibilização das normas trabalhistas de forma que

estas auxiliem na recuperação do país.

O instituto da flexibilização das leis trabalhistas consiste na aplicação de norma jurídica

coletiva acordada a uma relação empregatícia, onde tal norma submeterá as partes contratantes o

que foi acordado entre elas, agindo conjuntamente com a legislação heterônoma estatal.

Contudo, trata-se de um instituto controverso. Muito se discute acerca de seus limites, sendo

tal discussão a razão pela qual se dividem os doutrinadores da esfera trabalhista brasileira em duas

grandes correntes.

A primeira delas apoia a flexibilização ampla das normas trabalhistas, sem intervenção

estatal ou de princípios de cunho protecionista, a fim de adaptar o corpo normativo às exigências do

mercado; já a segunda entende ser viável a flexibilização do Direito do Trabalho somente quando

esta não representar prejuízo ao empregado, ou seja, quando este renunciar a direito assegurado na

legislação brasileira em troca de outro benefício.

Também se dividem os tribunais superiores acerca do instituto. O Tribunal Superior do

Trabalho, última instância da justiça trabalhista, utiliza-se da segunda corrente, eivando suas

decisões de conteúdo protecionista; já o Supremo Tribunal Federal, Corte Suprema Brasileira,

defende que o que for acordado deve ser respeitado, ainda que em detrimento do empregado em

certos casos.

Por isso, o presente trabalho se voltará para uma análise dos posicionamentos doutrinários

de diferentes autores, recorrendo também a decisões judiciais de relevante repercussão no país, a

fim de verificar a viabilidade das diretrizes propostas pelo Projeto de Lei 4962/2016.

Nesse sentido, o primeiro ponto a ser analisado é o instituto da flexibilização da legislação

trabalhista e sua definição aos olhos de diferentes juristas, a fim de se obter uma visão ampla acerca

do mesmo.

10

Importante saber, também, sobre a negociação coletiva, instrumento fundamental do

instituto acima mencionado, bem como acerca de seus princípios mais importantes, a fim de

entender o lastro no qual se deitam a negociação e, consequentemente, a flexibilização.

Ademais, surgem indagações acerca dos limites que os princípios caros à negociação

coletiva podem representar à flexibilização do Direito do Trabalho. Com o intuito de saciar tais

indagações, serão analisados os posicionamentos dos autores que defendem as duas correntes que

divergem acerca do instituto da flexibilização.

Além disso, cumpre examinar no que se baseiam o Tribunal Superior do Trabalho e o

Supremo Tribunal Federal quando prolatam suas decisões acerca do que foi acordado em

negociação coletiva, inferindo em como se dá a flexibilização das normas trabalhistas.

Analisadas as fontes acima propostas, discorrer-se-á acerca do instituto da

desregulamentação das normas trabalhistas, bem como será o mesmo diferenciado da flexibilização

das normas trabalhistas através da apresentação das características de ambos os institutos.

Por fim, após enquadrado o projeto de lei em análise neste trabalho em um dos institutos

acima referidos, verificar-se-á a sua viabilidade à luz do que dispõe o ordenamento jurídico, ou seja,

se o mesmo é compatível, sobretudo a Constituição Federal, com a entrada do Projeto de Lei

4962/2016 em seu meio.

11

1 – TEMPOS DE CRISE

1.1 – A crise político-econômica

É de suma importância para o presente trabalho que seja feita uma breve análise sobre a

crise político-econômica na qual o Brasil se encontra. Tal crise teve início pouco depois da reeleição

da presidente Dilma Rousseff, no final do ano de 2014, quando começaram a se tornar públicos os

resultados da Operação Lava Jato, conhecida como “a maior investigação de corrupção e lavagem

de dinheiro que o Brasil já teve”1, que dentre outras grandes empresas, envolveu a maior estatal do

país, a Petrobrás, estimando-se que bilhões de reais foram desviados de seus cofres através de

esquemas entre grandes empreiteiras organizadas em cartel que pagavam propina aos altos

executivos da estatal, a fim de burlar as fases licitatórias e forjar contratos bilionários

superfaturados2.

Após aproximadamente um ano de investigação, em março de 2015, o então Procurador-

Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, apresentou ao Supremo Tribunal Federal

um total de vinte e oito petições intentando a abertura de inquéritos criminais cujo escopo seria a

investigação de cinquenta e cinco pessoas envolvidas no esquema entre empreiteiras e altos

executivos da Petrobrás, citadas através de colaborações premiadas realizadas nas investigações de

1ª instância. Nesse ponto da investigação que culminou na atual crise político-econômica, diversos

políticos foram vinculados às fraudes licitatórias, uma vez que se descobriu que os executivos da

petroleira estatal Paulo Roberto Costa, Renato Duque e Nestor Ceveró foram não só indicados por

partidos políticos, como estes ajudaram a manutenção dos executivos em seus respectivos cargos.

Em decorrência dos escândalos políticos que envolveram a maior empresa estatal do Brasil,

em conjunto com fato de ter seu nome citado algumas vezes na Operação Lava Jato por dois dos

investigados3, a presidente Dilma Rousseff viu a popularidade de seu governo decair em proporções

alarmantes, finalizando o ano de 2015 com um amargo índice de popularidade beirando 9%4.

1 Ministério Público Federal. Caso Lava Jato – Entenda o Caso. Disponível em: <http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-

o-caso>. Acesso em: 13 set. 2016. 2 Ministério Público Federal. Caso Lava Jato – Entenda o Caso. Disponível em: <http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-

o-caso>. Acesso em: 13 set. 2016. 3 VALENTE, Rubens. Dilma foi citada 11 vezes nos depoimentos de delatores da Lava Jato. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1601387-dilma-foi-citada-11-vezes-nos-depoimentos-de-delatores-da-lava-jato.shtml>. Acesso em: 13 set. 2016.

4 CNI – Confederação Nacional da Indústria. Avaliação do Governo. Disponível em: <http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/cni_estatistica_2/2016/10/04/31/Pesquisa_CNI-IBOPE_Avaliacao_do_Governo_Dezembro2015_Relatorio_de_divulgao_v3.pdf>. Acesso em: 13 set. 2016.

12

Enquanto a popularidade da então governante decaía, o dólar ultrapassou a barreira histórica desde

a criação do Real e, em 22 de setembro de 2015, terminou o dia com seu valor de compra em

R$4,05135.

Com os frequentes abalos sofridos pelo governo e com a disparada no valor do dólar, o PIB

nacional sofreu a maior queda desde 1990, esta de 4,6%, finalizando o tortuoso ano de 2015 em

com R$5,9 trilhões6. De acordo com as projeções da Fundação Getúlio Vargas, feitas com base nos

métodos de pesquisa utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, é possível que o

ano de 2016 ainda termine mal em relação ao Produto Interno Bruto, com uma queda de 3,4% em

relação ao ano de 20157. Contudo, estas projeções não podem ser tomadas como certas, tendo em

vista as alterações sofridas, na última década, pelos métodos de pesquisa dos quais o IBGE se

utilizava, o que pode influenciar o resultado da pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas.

A inflação, segundo diversos jornais de grande circulação do país, também alcançou sua

maior marca dos últimos anos, representando uma alta de 10,67%, maior porcentagem desde 20028.

Para o ano de 2016, estudos apontam que a situação tende a melhorar em relação ao ano anterior,

com a inflação terminando o período anual em 7,23%9. Até setembro deste ano, o índice geral

estava em 8,47% e em queda10.

No cenário apresentado, não é difícil imaginar que, em razão do aumento do valor do dólar e

dos diversos choques sofridos pelo governo em diferentes setores, as empresas começariam a sentir

os impactos da montanha-russa que representa o contexto político-econômico do país. Em um

levantamento realizado pela consultoria Neoway, 1,8 milhão de empresas fecharam suas portas no

ano de 201511, ocasionando uma taxa de desemprego até o final do terceiro trimestre do mesmo ano

5 FIGO, Anderson. Dólar fecha acima de R$4 pela primeira vez na história. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1684978-dolar-fecha-acima-de-r-4-pela-primeira-vez-na-historia.shtml>. Acesso em: 13 set. 2016.

6� VILLAS-BÔAS, Marcos de Aguiar. Dólar fecha acima de R$4 pela primeira vez na história. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1745810-pib-cai-38-em-2015-o-pior-resultado-desde-1996.shtml>. Acesso em: 13 set. 2016.

7 CUCOLO, Eduardo. Recessão econômica atual deve ser a pior da história do Brasil. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1749299-recessao-economica-atual-deve-ser-a-pior-da-historia-do-brasil.shtml>. Acesso em: 13 set. 2016.

8 VILLAS-BÔAS, Bruno. Inflação atinge 10,67% em 2015 e estoura teto da meta do governo.Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1749299-recessao-economica-atual-deve-ser-a-pior-da-historia-do-brasil.shtml>. Acesso em: 13 set. 2016.

9 CONCEIÇÃO, Ana. Projeção para inflação em 2016 sai de 7,25% para 7,23%, aponta Focus. Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/4732689/projecao-para-inflacao-em-2016-sai-de-725-para-723-aponta-focus>. Acesso em: 13 set. 2016.

10 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores Conjunturais 2016. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/pesquisas/pesquisa_resultados.php?indicador=1&id_pesquisa=52>. Acesso em: 13 set. 2016.

11 CHIARA, Márcia de. 1,8 milhão de empresas fecharam em 2015. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,1-8-milhao-de-empresas-fecharam-em-2015,10000050202>. Acesso em: 13 set. 2016.

13

fixada em 8,7%, quase 2% a mais se comparado ao terceiro trimestre do ano anterior12.

Em 2016, o primeiro semestre começou registrando mais de mil pedidos de falência, um

aumento de 26,5% em relação ao mesmo período do ano de 201513. Em virtude de tais números, a

taxa de desocupação não poderia enfrentar destino diferente se não seu aumento, atingindo no final

do terceiro trimestre desse ano a espantosa marca de 11,8%, 3,1% a mais em comparação ao ano

anterior14.

O caos político-econômico propiciou movimentos políticos em oposição ao governo,

culminando no impeachment da presidente Dilma Rousseff no dia 31 de agosto de 2016, não sendo

aqui nossa preocupação discutir quanto aos aspectos jurídicos deste, se pertinentes ou não. Com o

novo governo surgiram os boatos de novas políticas para tirar o Brasil da crise na qual o mesmo se

encontra, como propostas de mudanças no texto vigente da Consolidação das Leis Trabalhistas e até

mesmo em alguns artigos da Constituição Federal, utilizando-se como pano de fundo a necessidade

de geração de emprego e renda.

Entretanto, em 11 de abril de 2016, uma das propostas se tornou concreta15. O deputado

Julio Lopes, eleito pelo Rio de Janeiro, filiado do Partido Progressista, apresentou na data

mencionada o Projeto de Lei nº 4962, cujo objetivo é, em suma, permitir flexibilizar

temporariamente a jornada de trabalho, bem como o salário, mediante acordo coletivo de trabalho.

Considerando-se o que foi proposto a ser abordado pelo presente trabalho, o qual versa

justamente sobre a flexibilização do trabalho e sua ampla interpretação para definir se o referido

projeto de lei apresentado pelo parlamentar está de acordo com a ordem constitucional vigente, se

faz mister analisar com mais afinco seu texto e suas proposições, o que será feito a seguir.

1.2 – O Projeto de Lei 4962/2016

Para melhor analisar o texto do Projeto de Lei 4962/2016 e as propostas nele contidas, é

pertinente que ele seja aqui acostado. Trazendo à baila, in verbis:

12 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 11,8% no trimestre

encerrado em agosto de 2016. Disponível em: <http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3269&busca=1&t=pnad-continua-taxa-desocupacao-11-8-trimestre-encerrado-agosto-2016>. Acesso em: 13 set. 2016.

13 Brasil Econômico. Brasil registra mais de mil pedidos de falência por empresas no 1º semestre. Disponível em: <http://economia.ig.com.br/2016-07-04/empresas-falencia-2016-scpc.html>. Acesso em: 13 set. 2016.

14 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 11,8% no trimestre encerrado em agosto de 2016. Disponível em: <http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3269&busca=1&t=pnad-continua-taxa-desocupacao-11-8-trimestre-encerrado-agosto-2016>. Acesso em: 13 set. 2016.

15 Câmara dos Deputados. PL 4962/2016. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2081782>. Acesso em: 13 set. 2016.

14

Art. 1º O artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 618 – As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de medicina e segurança do trabalho. § 1º - No caso de flexibilização de norma legal relativa a salário e jornada de trabalho, autorizada pelos incisos VI, XIII e XIV do art. 7º da Constituição Federal, a convenção e acordo coletivo de trabalho firmado deverá explicitar a vantagem compensatória concedida em relação a cada cláusula redutora de direito legalmente assegurado. § 2º - A flexibilização de que cogita o parágrafo anterior limita-se à redução temporária de direito legalmente assegurado, especialmente em período de dificuldade econômica e financeira pelo qual passe o setor ou a empresa, não sendo admitida a supressão do direito previsto em norma legal. § 3º - Não são passíveis de alteração por convenção ou acordo coletivo de trabalho normas processuais ou que disponham sobre direito de terceiro. § 4º - Em caso de procedência de ação anulatória de cláusula de acordo ou convenção coletiva que tenha disposto sobre normas de medicina e segurança do trabalho, processuais ou de direito de terceiros, deverá ser anulada igualmente a cláusula da vantagem compensatória, com devolução do indébito.16

A primeira mudança que se nota através da leitura do projeto apresentado pelo deputado

Julio Jorge é a mudança no texto do artigo 618, da CLT. O referido dispositivo trata da possibilidade

que empresas e instituições que não estejam incluídas no enquadramento sindical disposto no artigo

577, da própria CLT, possuem de celebrar acordos coletivos de trabalho – que, segundo a doutrina

majoritária, também abarca as convenções – com os sindicatos que representem seus empregados.

Como tal dispositivo atualmente é considerado por parte majoritária da doutrina tacitamente

revogado em razão do caráter prejudicial do seu conteúdo às categorias profissionais, é possível que

o criador do projeto de lei tenha visto nele uma abertura para incluir suas propostas.

Caso o PL 4962/2016 seja aprovado, sua nova redação implicaria inicialmente em dar mais

liberdade ao que for acordado nas convenções ou acordos coletivos de trabalho, estes prevalecendo

sobre o que estiver estabelecido em lei, caso não contrariem a Constituição Federal e as normas de

medicina e segurança do trabalho. O que se nota, portanto, é que a mudança no artigo 618 da CLT

proposta visa uma menor incidência do Estado nos acordos e convenções trabalhistas, o que se torna

cristalino através das palavras do autor do projeto em um trecho de sua justificação, onde o mesmo

afirma que “prestigiar e incentivar a negociação coletiva significa não obstruí-la pelo excesso de

intervencionismo estatal nas relações laborais passíveis de negociação coletiva.”17

Através do parágrafo primeiro do artigo 618 da CLT proposto é possível constatar que o

projeto de lei em tela não é uma inovação surgida do vácuo, mas sim uma adaptação de um instituto

16 Câmara dos Deputados. PL 4962/2016. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2081782>. Acesso em: 13 set. 2016. 17 Câmara dos Deputados. PL 4962/2016. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2081782>. Acesso em: 13 set. 2016.

15

já previsto na Carta Magna, nos incisos VI, XIII e XIV de seu artigo 7º, qual seja a flexibilização

das normas trabalhistas, que será oportunamente abordada. A fim de melhor visualizar tal instituto

sem entrar em suas nuances, trago abaixo o artigo 7º, da Constituição Federal, bem como seus

incisos que versam sobre a flexibilização das normas do trabalho:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; […] XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;18

Realizando-se a leitura conjunta do projeto de lei com o dispositivo constitucional acima

elencado se constrói o entendimento de que o intuito do PL 4962/2016 é ampliar e “libertar” um

instituto já previsto pela Constituição de 1988, dando maior importância às convenções e acordos

coletivos que versem sobre salários e jornadas a fim de que esses passem a reger as relações de

trabalho acerca da matéria por eles acordada, bem como no contexto no qual estão inseridos. Em

outro trecho de sua justificação, Julio Jorge fomenta a ideia de que seu projeto de lei busca apenas

otimizar a utilização de um recurso já previsto em seio constitucional ao não limitá-lo à intervenção

excessiva do Estado. O referido trecho está disposto abaixo:

O que os dispositivos constitucionais que tratam expressamente sobre negociação coletiva, sob o prisma de seus instrumentos normativos, que são as convenções e acordos coletivos, estabelecem é que as convenções e acordos coletivos de trabalho são fontes formais e materiais de estabelecimentos de direitos trabalhistas e que, no caso de salário e jornada de trabalho, é possível sua redução, mediante tutela sindical. É o que está expresso na Constituição. Ou seja, normas legais que disponham sobre verbas salariais e jornada de trabalho são passíveis de flexibilização, desde que esta se faça através de negociação coletiva entre empresas e sindicatos, nos limites da Constituição. [...] Em matéria de negociação coletiva, à luz da jurisprudência do STF, o art. 7º, VI, XII, XIV e XXVI, da CF, quando admite a flexibilização da legislação trabalhista mediante negociação coletiva, sob tutela sindical, quando se tratar de salário e jornada de trabalho, não estão sendo devidamente observados pelas Cortes Trabalhistas.19

Tal ideal prossegue em outro trecho contido na justificação do projeto de lei:

18 BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 set. 2016. 19 Câmara dos Deputados. PL 4962/2016. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2081782>. Acesso em: 13 set. 2016.

16

As autoridades executivas legislativas e judiciárias devem não apenas estimular, incentivar e promover a negociação coletiva direta entre empregadores e trabalhadores, através de suas entidades sindicais, mas especialmente não as obstruir pelo excesso de intervencionismo restritivo daquilo que possa ser objeto das normas coletivas20.

Contudo, não é o projeto uma ferramenta para alcançar uma anarquia trabalhista, ao prever

no fim da redação do parágrafo primeiro do novo artigo 618 que “a convenção e acordo coletivo de

trabalho firmado deverá explicitar a vantagem compensatória concedida em relação a cada cláusula

redutora de direito legalmente assegurado” - ou seja, o direito constitucionalmente assegurado

poderá ser temporariamente limitado, caso isso acarrete explicitamente uma vantagem ao

empregado.

As intenções em manter os direitos legalmente assegurados do empregado se tornam mais

claras no parágrafo segundo do dispositivo em análise, já que o mesmo poderá apenas ser reduzido,

mas não extinto, bem como tal redução poderá apenas ser de caráter temporário. Ademais, para que

tal medida seja tomada, é preciso que o setor ou a empresa estejam passando por dificuldades,

respaldando a necessidade de reduzir direitos dos empregados durante um lapso temporal,

possibilitando que a empresa consiga passar por seus deletérios.

Finalizando o dispositivo, os parágrafos terceiro e quarto ressaltam o que foi dito por Julio

Jorge em sua justificação acerca da maior flexibilidade almejada pelo PL 4962/2016 nas relações

trabalhistas, que estão essas limitadas pelo texto constitucional, bem como pelas normas de

medicina e segurança do trabalho, acrescentando ainda como elementos limitadores as normas

processuais ou referentes a direito de terceiros. O acordo ou convenção que não respeitar os limites

acima expostos será anulada, bem como a vantagem com ela obtida, conforme prevê a parte final do

parágrafo quarto do artigo 618 da CLT proposto pelo PL 4962/2016.

O autor do PL 4962/2016 ainda elenca o intuito de suas propostas, este acostado abaixo a

fim de corroborar a análise até então realizada:

E quais seriam esses parâmetros que norteariam a negociação coletiva, dando maior segurança a patrões e empregados ao negociarem novas e melhores condições de trabalho, inclusive em contextos de crise econômica? Basicamente os seguintes, expressos no texto do projeto de lei ora em apreço: a) não é possível a supressão de direito trabalhista constitucional e legalmente assegurado; b) não é possível a flexibilização de norma relativa a medicina e segurança do trabalho, norma relativa a direito de terceiros e norma processual; c) é possível a redução, mas apenas temporária, de direito de natureza salarial ou ligado a jornada de trabalho; d) tal redução econômica deve ser compensada com vantagem de natureza salarial ou

20 Câmara dos Deputados. PL 4962/2016. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2081782>. Acesso em: 13 set. 2016.

17

sindical, expressa no instrumento coletivo; e) eventual anulação da cláusula flexibilizadora deve ser acompanhada da anulação da vantagem compensatória conexa, como imperativo da justiça e do caráter sinalagmático do acordo.21

Destarte, é certo que, impulsionado pela crise político-econômica no qual o país se encontra

imerso, viu-se na adaptação da flexibilização de normas trabalhistas prevista na Constituição uma

forma de combater o desemprego e diminuir o número crescente de empresas que não mais

conseguem manter a economia próspera, ao permitir que empregadores e empregados decidam

juntos as melhores soluções para o mercado, sem a intervenção excessiva do Estado.

Contudo, tendo sido o PL 4962/2016 por ora detalhado, tão importante quanto a sua análise

é o estudo acerca do instituto mencionado a exaustão no qual seu texto legal se baseia, qual seja a

flexibilização da legislação trabalhista, que será apresentada no próximo segmento.

1.3 – Conceituando a flexibilização das normas trabalhistas

O slogan tem certo charme e causa impacto (...). O verbo é também simpático: passa a ideia de inovação, abertura, modernidade. Afinal, o contrário de flexível é inflexível. Faz pensar em ditadura, mente estreita, preconceito. O problema é que o verbo se tornou irregular, nem sempre se conjuga com todos os pronomes. O capital ordena: flexibilizem! Mas se recusa a dizer: flexibilizo!.22

(VIANA, Márcio Túlio, 2002, p. 105)

De forma a compreender melhor todas as propostas trazidas pelo PL 4962/2016, se faz tão

importante quanto entender a crise político-econômica e as propostas elencadas pelo referido

projeto entender o conceito de flexibilização das normas do trabalho.

Assiste razão o autor do projeto ao afirmar que a Constituição já possui em seu corpo a

possibilidade de flexibilização da legislação trabalhista no que diz respeito ao salário e à jornada,

ainda que seja discutível a questão acerca dos limites constitucionais para tais alterações, sendo tal

discussão abordada em um capítulo próprio neste trabalho. Por ora, o objetivo é conceituar a

flexibilização das normas trabalhistas.

Para que tal conceito seja fixado, nada mais certo do que ouvir o que têm a dizer os

doutrinadores acerca do assunto. Ensina Souto Maior:

21 Câmara dos Deputados. PL 4962/2016. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2081782>. Acesso em: 13 set. 2016. 22 VIANA, Márcio Túlio. A onda precarizante, as comissões de conciliação e a nova portaria do Ministério do

Trabalho. In: Revista de Direito do Trabalho nº. 28, out/dez 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p 105.

18

Por flexibilização entende-se a adaptação das regras trabalhistas à nova realidade das relações de trabalho, que permite, e muitas vezes exigem um neoordenamento do sistema jurídico, não necessariamente no sentido de regular, de modo diferente, as relações de trabalho.23

Acerca do mesmo instituto, assevera Oscar Ermida Uriarte:

Em termos gerais e no âmbito do direito do Trabalho, a flexibilização pode ser definida como eliminação, diminuição, afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica, com a finalidade - real ou pretensa - de aumentar o investimento, o emprego ou a competitividade da empresa.24

José Francisco Siqueira Neto demonstra em uma de suas passagens a relação entre a

flexibilização da legislação trabalhista e sua importância nas relações do mercado de trabalho,

averbando que:

Consubstancia-se no conjunto de medidas destinas a afrouxar, adaptar ou eliminar direitos trabalhistas de acordo com a realidade econômica e produtiva. A flexibilização do direito do trabalho é também entendida como um instrumento de adaptação rápida do mercado de trabalho. Neste sentido é concebida como a parte integrante do processo maior de flexibilização do mercado de trabalho, consistente no conjunto de medidas destinadas a dotar o direito laboral de novos mecanismos capazes de compatibilizá-lo com as mutações decorrentes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa, exigentes de pronto ajustamento.25

Tal definição, por si só, verifica-se pareável com os objetivos do Projeto de Lei 4962/2016

que, em meio a uma crise político-econômica que não se via no país há mais de uma década,

pretende justamente compatibilizar parte da legislação trabalhista a uma mutação decorrente de

fatores de ordem econômica e política, acreditando seu autor que o projeto agirá como uma

ferramenta responsável por realizar o “pronto ajustamento” citado por Siqueira Neto.

Ainda na toada de aplicação conjunta entre o conceito de flexibilização do direito do

trabalho e o mercado de trabalho, Arturo Bronstein, advogado argentino, cita Ralf Dahrendorf,

jurista responsável por presidir o grupo de peritos de alto nível convocados pelo secretário-geral da

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico:

Do “Relatório Dahrendorf” desprende-se uma definição muito utilizada para definir a flexibilidade: “é a capacidade dos indivíduos na economia e designadamente no mercado de

23 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos apud SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O Direito do Trabalho como

Instrumento de Justiça Social. In: Flexibilização Trabalhista. 2ª Edição. Belo Horizonte: Mandamentos. 2007, p. 116

24 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos apud URIARTE, Oscar Ermida. La flexibilidad. In: Flexibilização Trabalhista. 2ª Edição. Belo Horizonte: Mandamento. 2007, p. 117.

25 NETO, José Francisco Siqueira. Desregulamentação e Flexibilização do Direito do Trabalho. Revista de Direito do Mackenzie. São Paulo: nº 1, ano 1, 2000, p. 53-54

19

trabalho de renunciar a seus costumes e de adaptar-se a novas circunstâncias”26.

Portanto, até o momento é possível identificar que a flexibilização da legislação trabalhista,

além de uma ferramenta para adaptar a legislação trabalhista à dinamicidade das mudanças sofridas

no mercado de trabalho por eventos de diversas naturezas, é também um instituto que implica aos

envolvidos no processo de flexibilização a renunciar a seus costumes e adaptar-se a novas

circunstâncias.

Em uma passagem voltada mais para um viés histórico e filosófico, provavelmente em

virtude de seu ofício, o sociólogo e historiador estadunidense Richard Sennett ensina:

A palavra flexibilidade entrou na língua inglesa no século XV. Seu sentido derivou originalmente da simples observação de que, embora a árvore se dobrasse ao vento, seus galhos sempre voltavam à posição normal. Flexibilidade designa essa capacidade de ceder e recuperar-se da árvore, o texto e restauração de sua forma.27

Como último conceito doutrinário aqui juntado acerca da flexibilização das normas

trabalhistas, importante reportar à afirmação do deputado autor do projeto de lei anteriormente

acostada a este trabalho acerca da necessidade das autoridades executivas legislativas e judiciárias

estimularem, incentivarem e promoverem a negociação coletiva direta entre empregadores e

trabalhadores, prevê Luiz Carlos Amorim Robortella que:

O instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social.28

Com todos os ensinamentos de diferentes doutrinadores, de diferentes nacionalidades, acima

apresentados, é possível concluir que a flexibilização das normas trabalhistas é um instituto através

do qual a legislação trabalhista referente às jornadas de trabalho e à remuneração dos empregados

poderá ser alterada para atender às exigências do mercado de trabalho no qual a empresa e seus

empregados estão inseridos, sem, contudo, representar um prejuízo aos direitos trabalhistas do

empregado garantido por lei, devendo tais mudanças obedeceram a limites constitucionais.

Tais alterações na legislação trabalhista, conforme prelecionam os incisos VI, XII e XIV do

artigo 7º da Constituição Federal, se dão através de acordos ou convenções coletivas, cujo conceito

e peculiaridades estão previstas no artigo 611 e seguintes da CLT. Trago à baila:

26 BRONSTEIN, Arturo Séc. A Flexibilidade do Trabalho: Panorama Geral, p. 1. 27 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos apud SENNETT, Richard. A corrosão do caráter. In: Flexibilização

Trabalhista. 2ª Edição. Belo Horizonte: Mandamentos. 2007, p. 115. 28 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 1994, p. 97

20

Artigo 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.”29

Como diz o dispositivo legal, uma convenção coletiva de trabalho consiste em um

denominador comum ao qual chegam dois ou mais sindicatos representativos de categorias

econômicas e profissionais, e através do dito denominador comum são aplicadas novas condições

de trabalho – ou mantidas antigas condições – que afetam ambas as partes representadas. Note-se,

portanto, que em uma convenção coletiva a negociação se dá entre sindicatos.

Contudo, o texto legal não se refere ao acordo coletivo de trabalho, que embora possua a

mesma finalidade da convenção coletiva, diferencia-se desta pelo fato obrigar somente o sindicato

representante da categoria profissional – ou sindicato da classe dos empregados, para melhor

entendimento – a se envolver nas negociações, enquanto na convenção coletiva é necessário que

tanto a categoria profissional, quanto a categoria econômica, estejam representadas por, pelo menos,

um sindicato.

O fato do acordo coletivo de trabalho não ter previsão no artigo acima indicado da

Consolidação das Leis trabalhistas não o torna ilegítimo, uma vez que a doutrina já o reconheceu e

já declarou a aplicabilidade do artigo 611 a este instituto.

Isto exposto, tem-se que as previsões legais acerca de salário e jornada de trabalho que a

Constituição permita a flexibilização poderão ser revistas após uma negociação realizada através de

um acordo ou uma convenção trabalhista realizada entre empregadores e empregados – estes

sempre representados por ao menos um sindicato. As alterações ocasionadas pelo resultado da

negociação realizada representam o instituto da flexibilização do direito do trabalho.

Com o instituto da flexibilização das normas trabalhistas devidamente conceituado, o

próximo capítulo tem por escopo analisar melhor as negociações coletivas, indispensáveis para um

completo entendimento de como se dá a flexibilização das normas trabalhistas.

2 – NEGOCIAÇÕES COLETIVAS E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES

Antes de adentrar o cenário jurídico no qual será inserido – caso aprovado – o Projeto de Lei

4962/16, é mandatório analisar as negociações coletivas e seus princípios, uma vez que no capítulo

anterior foram abordados brevemente os diplomas coletivos da convenção coletiva de trabalho e o

29 BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas, 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del5452.htm>. Acesso em: 13 set. 2016.

21

acordo coletivo de trabalho – ambos imersos no instituto da negociação coletiva. Maurício Godinho

Delgado, ao tratar da negociação coletiva, afirma:

A importância da negociação coletiva trabalhista transcende o próprio Direito do Trabalho. A experiência histórica dos principais países ocidentais demonstrou, desde o século XIX, que uma diversificada e atuante dinâmica de negociação coletiva no cenário das relações laborativas sempre influenciou, positivamente, a estruturação mais democrática do conjunto social. Ao revés, as experiências autoritárias mais proeminentes detectadas caracterizavam-se por um Direito do Trabalho pouco permeável à atuação dos sindicatos obreiros e à negociação coletiva trabalhista, fixando-se na matriz exclusiva ou essencialmente heterônoma de regulação das relações de trabalho.30

A passagem acima demonstra a importância que o instituto guarda para o Direito do

Trabalho, sendo considerado pelo autor como “um dos mais importantes métodos de solução de

conflitos existentes na sociedade contemporânea”31. Se a negociação coletiva influencia

positivamente a estruturação mais democrática do conjunto social, também o faz a flexibilização

das leis trabalhistas, eis que aquele instituto é intrínseco a este.

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que a negociação coletiva não dá origem a

cláusulas contratuais – apesar de poder contê-las em seu interior – mas sim a normas jurídicas, cujo

alcance dependerá do diploma coletivo utilizado – convenção coletiva ou acordo coletivo. Leciona

Godinho:

As convenções coletivas, embora de origem privada, criam regras jurídicas (normas autônomas), isto é, preceitos gerais, abstratos e impessoais, dirigidos a normatizar situações ad futurum. Correspondem, consequentemente, à noção de lei em sentido material, traduzindo ato-regra (Duguit) ou comando abstrato. São, desse modo, do ponto de vista substantivo (ou seja, de seu conteúdo), diplomas desveladores de inquestionáveis regras jurídicas.32

Embora o autor mencione convenções coletivas, o autor entende que os acordos coletivos

possuem a mesma finalidade, embora alcancem um raio mais curto, ao afirmar que:

Do ponto de vista substantivo (seu conteúdo), os acordos coletivos também consubstanciam diplomas reveladores de regras jurídicas típicas, qualificadas por serem gerais (em seu âmbito mais delimitado, é verdade), abstratas e impessoais, sendo também dirigidas á regulação ad futurum de relações trabalhistas.33

Com os trechos acima expostos, nota-se que a negociação coletiva origina norma jurídica

coletiva negociada, conforme leciona Godinho, devendo estas serem respeitadas. Essa é a relação

30 � DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição. São Paulo: Ltr, 2016, p. 1516. 31 � Id. Ibid., p. 1514. 32 � Id. Ibid., p. 1521. 33 � Id. Ibid., p. 1522.

22

que negociação coletiva e flexibilização das normas trabalhistas mantêm, eis que esta se caracteriza,

em suma, quando uma norma originariamente legislada é alterada em virtude de algo que foi

acordado – sendo os critérios de validez para tal alteração um assunto divergente, que será

devidamente abordado no próximo capítulo – e se tornará “lei” entre as partes participantes da

negociação – tendo a convenção um raio maior de incidência se comparada com o acordo.

Trata-se de uma relação que ultrapassa a conexão entre dois institutos, sendo uma relação

entre acordado e legislado, representando esta um palco para inúmeras discussões, incluindo

divergências entre tribunais superiores do país - o que será também abordado adiante.

Por ser um vínculo tão importante no processo de democratização do Direito do Trabalho, o

mesmo é regrado por princípios, responsáveis por garantir que tal nexo se enquadre dentro das

disposições da Constituição Federal. Tais princípios serão agora abordados.

2.1 – Princípio da norma mais favorável

Ainda que não seja um princípio exclusivo do direito coletivo do trabalho, mas sim um

princípio fundamental do Direito do Trabalho, é de suma importância analisar o princípio da

aplicação da norma mais favorável a fim de embasar o entendimento acerca de certos assuntos que

serão ainda abordados neste trabalho.

Segundo Amauri Mascaro Nascimento:

Ao contrário do direito comum, em nosso direito entre várias normas sobre a mesma matéria, a pirâmide que entre elas se constitui terá no vértice, não a Constituição Federal, ou a lei federal, ou as convenções coletivas, ou o regulamento de empresa, de modo invariável e fixo. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma mais favorável ao trabalhador dentre as diferentes em vigor.34

Através do que leciona o autor, nota-se que tal princípio agirá tanto como um critério de

hierarquia de regras jurídicas, quanto como um princípio que servirá como base hermenêutica

destas mesmas regras.

Quando atuar como critério de hierarquia, elegerá dentro de um contexto conflituoso qual

regra é mais favorável ao trabalhador, observadas todas as forças atuantes dentro deste contexto.

Quando atuar como base hermenêutica, escolherá dentre mais de uma saída de um conflito

normativo aquela que for mais benéfica ao trabalhador.

Sob nenhuma circunstância, contudo, deverá o operador jurídico interpretar o Direito do 34 � NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito do Trabalho, 15ª Edição. São Paulo: Ltr, 1977, p.

235.

23

Trabalho de forma sistemática, a fim de eleger a norma mais benéfica ao trabalhador, não devendo

separar as normas jurídicas em tópicos isolados.

Portanto, o presente princípio versa sobre encontrar a norma mais benéfica ao trabalhador e,

assim que encontrada, deverá esta ser aplicada para sanar uma situação conflituosa, sem deixar de

observar toda a esfera legislativa trabalhista e seus diversos valores – o que deve ser considerado de

forma específica é a situação, e não determinada área do Direito do Trabalho.

2.2 – Princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva ou autonomia negocial coletiva

O princípio em tela confere aos processos negociais coletivas e seus instrumentos o poder de

criar norma jurídica a partir de um acordo, mantendo com as normas trabalhistas estatais uma

relação, regra geral, harmônica. Leciona Gustavo Filipe Barbosa Garcia que o presente princípio

visa “assegurar consequência jurídico-institucional a qualquer iniciativa de agregação estável e

pacífica entre pessoas, qualquer que seja seu segmento social, envolvendo as noções conexas de

reunião e associação.” 35

Nota-se que, sem o referido princípio, não seria possível democratizar o Direito do Trabalho,

eis que não haveria negociação coletiva, o que impediria a existência da flexibilização das normas

trabalhistas. É através dele que as partes negociantes encontram a flexibilidade em lidar com a

dinâmica do mercado, adaptando a legislação trabalhistas às suas necessidades.

Inexistindo o princípio da autonomia negocial coletiva, restaria às negociações coletivas

somente versar sobre cláusulas contratuais, resíduo surgido diante da impossibilidade de

negociações coletivas, cuja diferença em relação às normas jurídicas coletivas negociadas será

abordada com mais cautela na parte concernente ao princípio da intervenção sindical nas

negociações coletivas.

Por último, é importante ressaltar o que assevera o Maurício Delgado acerca deste princípio:

O Texto Máximo não autoriza ao legislador que elabore norma legal trabalhista que conspire contra os objetivos básicos do Direito do Trabalho (elevar as condições de pactuação da força de trabalho no mercado) e contra o essencial princípio da norma mais favorável (norma que melhor aperfeiçoe as condições de pactuação da força de trabalho no contexto social).36

35 � GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho, 2ª Edição. São Paulo: Método, 2008, p. 1049. 36 � DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição. São Paulo: Ltr, 2016, p. 655.

24

2.3 – Princípio da adequação setorial negociada

Princípio surgido recentemente em decorrência dos dilemas enfrentados quando se

contrapõe a força das normas jurídicas coletivas negociadas e a força das normas jurídicas

heterônomas estatais, sua função é tornar harmônica a relação entre elas. Através do princípio da

adequação setorial negociada são ponderadas as normas jurídicas coletivas negociadas e é analisada

a viabilidade de absorção das mesmas pelo ordenamento jurídico estatal pré existente.

São dois os critérios que, se atendidos, permitem uma relação harmônica entre as duas

classes normativas:

a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta).37

O primeiro critério prevê que, quando uma norma jurídica coletiva negociada for mais

benéfica ao empregado no que tange seus direitos trabalhistas, a mesma não representará afronta à

legislação estatal, sendo possível a convivência harmônica entre ambas.

Já o segundo critério adentra outro princípio, qual seja o princípio da indisponibilidade dos

direitos trabalhistas, sendo necessária sua análise. Tal princípio prevê, de forma sucinta, que é

inviável ao empregado renunciar aos seus direitos trabalhistas, sendo que tal irrenunciabilidade

pode ser absoluta ou relativa.

A irrenunciabilidade absoluta quando o direito ao qual se quer renunciar merecer tutela de

nível de interesse público, pois tal direito é considerado patamar mínimo acordado pela sociedade.

É o caso, por exemplo, da obrigatoriedade de assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência

Social – é absolutamente irrenunciável o direito à assinatura da mesma. Também será

absolutamente irrenunciável o direito que estiver protegido por norma de interesse abstrato de

determinada categoria.

Já a irrenunciabilidade relativa, por sua vez, trata de direito pautado sobre interesse

individual ou bilateral simples – ou seja, que não seja direito que represente um patamar mínimo

socialmente assim considerado. É o caso, por exemplo, da compensação de horários e redução de

jornada prevista no artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal, uma vez que esta permite que tal

direito seja flexibilizado.

Portanto, para o segundo critério, caso as alterações trazidas por norma jurídica coletiva

37 � DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição. São Paulo: Ltr, 2016, p. 1466.

25

negociada não afrontem um patamar mínimo estabelecido pela sociedade, poderá este coexistir

pacificamente com a legislação estatal.

Contudo, além desses critérios, Godinho traz a necessidade do preenchimento de requisitos

complementares, mas de igual importância:

A norma coletiva não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia (e não transação). É que ao processo negociai coletivo falecem poderes de renúncia sobre direitos de terceiros (isto é, despojamento unilateral sem contrapartida do agente adverso). Cabe-lhe, essencialmente, promover transação (ou seja, despojamento bilateral ou multilateral, com reciprocidade entre os agentes envolvidos), hábil a gerar normas jurídicas. Também não prevalece a adequação setorial negociada se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por negociação sindical coletiva. Tais parcelas são aquelas imantadas por uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização adequada deferível ao trabalho.38

O autor dispõe ainda, de forma didática, acerca do dito patamar civilizatório mínimo:

No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado, essencialmente, por três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral; as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro; as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora.39

Portanto, todos os critérios acima expostos deverão ser respeitados a fim de que seja aceita

pela legislação heterônoma estatal uma norma jurídica derivada de negociação coletiva.

2.4 – Princípio da intervenção sindical na normatização coletiva

O princípio da intervenção sindical na normatização coletiva está previsto no texto

constitucional, nos incisos III e VI do artigo 8º. Os mesmos dispõem:

Art. 8º - É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; 40

Tal princípio, que possui denominação autoexplicativa, consiste na participação obrigatória

38 � DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição. São Paulo: Ltr, 2016, p. 1467. 39 � Id. Ibid., p. 1457. 40 � BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 set. 2016.

26

dos sindicatos durante das negociações coletivas. Apesar do texto constitucional não mencionar

qual seria o sindicato, o entendimento majoritário é de que a obrigatoriedade se aplica somente ao

sindicato da categoria, visto que o acordo coletivo pode ser realizado sem a presença do sindicato

das empresas.

Visando ilustrar a visão das correntes doutrinárias trabalhistas acerca da obrigatoriedade da

presença sindical nas negociações coletivas, vem à baila trecho do jurista Giuliano Mazzoni, ao

versar sobre negociações coletivas:

É a relação jurídica constituída entre dois ou mais grupos, respectivamente de empregadores e trabalhadores, sindicalmente representados, ou então entre um empresário e um sindicato ou mais sindicatos de trabalhadores para regular as condições de trabalho dos sócios representados e o comportamento dos grupos visando ordenar as relações de trabalho ou os interesses dos grupos.41

Com o trecho acima é possível captar que um dos requisitos para que uma negociação

coletiva dê origem a uma norma jurídica coletiva negociada é a participação do sindicato da

categoria dos empregados na negociação, ao mencionar que estes devem estar sindicalmente

representados. Caso este não se faça presente durante as negociações, o acordo ali firmado ensejará

somente a criação de cláusulas contratuais, não se igualando ao patamar de norma trabalhista.

É certo que tal princípio visa resguardar o empregado no palco negocial, uma vez que é

inegável que o empregador possui uma diversidade maior de ferramentas para se sobressair e

conduzir as negociações para um rumo de seu interesse.

Válido contornar que o presente princípio deriva do princípio da autonomia sindical,

também previsto no artigo 8º da Constituição Federal e conceituado por Saraiva como:

Princípio que cumpre o papel de assegurar condições à própria existência do ser coletivo obreiro e sustenta a garantia de autogestão às organizações associativas e sindicais dos trabalhadores, sem interferências empresariais do Estado. Trata, portanto, da livre estruturação interna da entidade sindical, sua livre atuação externa, sua sustentação econômico-financeira e sua desvinculação de controles administrativos estatais ou em face do empregador.42

Portanto, para que o sindicato cumpra seu papel de intermediário e zelador dos interesses

trabalhistas, é necessário que este tenha autonomia plena para atuar em favor dos mesmos.

41 NASCIMENTO, Amauri Mascaro apud Giovani Mazzoni. Curso de Direito do Trabalho, 24ª Edição. São Paulo:

Saraiva, 2009, p. 1214. 42 SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. São Paulo: Método, 2008, p. 461.

27

2.5 – Princípio da equivalência dos contratantes coletivos

O princípio aqui examinado, relacionado ao princípio da intervenção sindical nas

negociações coletivas, prevê que deve haver igualdade entre os contratantes coletivos, ou seja, entre

empregador e empregado. É certo que o empregador, por si só, representa um ente coletivo por

possuir uma diversidade maior de recursos em uma negociação, o que pode pender esta para o seu

lado. No caso dos empregados, o que supostamente mantém esta equivalência são os sindicatos –

daí sua relação com o princípio anteriormente exposto.

Trata-se de um princípio que defende que empregador e empregado devem possuir paridade

de armas em uma negociação coletiva, sendo tal paridade alcançada através da intervenção do

sindicato nas negociações coletivas, sendo uma consequência desta intervenção.

Ademais, a equidade das forças contratantes se dá com a legislação estatal heterônoma, que

garantirá às partes mecanismos a serem aplicados nas negociações, que poderão ser usados em

favor próprio. Note-se o papel importante que a legislação trabalhista possui nas negociações

coletivas, uma vez que desnivelada, contribuirá com a desigualdade nas negociações.

28

3 – A FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS NO BRASIL

3.1 – Flexibilização ampla das normas coletivas x Flexibilização protetiva das normas trabalhistas

Ainda que o conceito do instituto da flexibilização das normas do trabalho tenha sido

apresentado, é importante observar que o mesmo tem relação direta com a capacidade de

negociação dos direitos trabalhistas. Para que o presente trabalho cumpra sua finalidade, é

necessário entender como se dividem nossos doutrinadores e nossos tribunais acerca do tema, a fim

de entender a realidade na qual o Projeto de Lei 4962/2016 será inserido, caso aprovado.

Visando analisar as disparidades mais acentuadas, serão trazidos posicionamentos de

diferentes juristas, bem como dos tribunais superiores do país, através dos quais será possível

delinear tanto uma flexibilização das normas trabalhistas mais restrita e preocupada com o impacto

das negociações sobre os direitos trabalhistas, quanto uma flexibilização mais ampla, onde é

imperioso manter o que for acordado, independente de perdas de direitos trabalhistas assegurados

na legislação heterônoma.

3.2 – Arnaldo Süssekind e os limites à flexibilização

Leciona Arnaldo Süssekind acerca das negociações coletivas e, consequentemente, acerca da

flexibilização das normas trabalhistas:

Os defensores do Estado social, esteados na doutrina social de Igreja ou na filosofia trabalhista advogam a intervenção estatal nas relações de trabalho, na medida necessária à efetivação dos princípios formadores da justiça social e à preservação da dignidade humana; e, porque a social-democracia contemporânea pressupõe a pluralidade das fontes do Direito, consideram que o patamar de direitos indisponíveis, adequado a cada país, deve e pode ser ampliado pelos instrumentos da negociação coletiva entre sindicatos de trabalhadores e empresários, ou as associações destes.43

Süssekind deixa claro desde o início do trecho acima exposto a razão pela qual pertence à

corrente que defende a flexibilização restrita. O autor entende que a negociação coletiva deve atuar

para que os direitos indisponíveis de cada país sejam ampliados – o que implica na não aplicação de

tais negociações, caso estas se deem em detrimento do empregado, sendo tal ampliação garantida

43 SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Curso de Direito do Trabalho, 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2010, p.

337.

29

pela intervenção estatal cuja finalidade é efetivar a justiça social e a dignidade humana. Salta aos

olhos o profundo respeito pelo princípio da aplicação da norma mais benéfica ao empregado, o que

torna a presente corrente protetora da classe proletariada.

Ao versar sobre negociação coletiva, Süssekind não se mostra contrário à flexibilização das

normas trabalhistas heterônomas, inclusive demonstrando o entendimento de que as negociações

coletivas são necessárias. Em outra passagem, o autor não só reforça ser um dos adeptos do Estado

Social que menciona, como também discorre um pouco mais acerca da flexibilização:

Os adeptos do Estado social, entre os quais nos incluímos, admitem apenas, nesta fase da história socioeconômica, a redução do grau de intervenção da lei nas relações de trabalho, a fim de que: […] 2º) esses sistemas abram espaço para a complementação do piso protetor irrenunciável ou para flexibilizar a aplicação das normas gerais de nível superior, mediante negociação coletiva, isto é, com a participação dos correspondentes sindicatos, aos quais cumpre assegurar a liberdade sindical, tal como prevista na Convenção da OIT n0 87.44

Mais uma vez Süssekind se mostra a favor da flexibilização, devendo esta se dar com

atuação conjunta dos sindicatos – onde se vê o princípio da intervenção sindical nas negociações

coletivas abordado neste trabalho, que versa sobre a necessidade de intervenção sindical obrigatória

para nivelar o poder de negociação as partes envolvidas. As normas gerais mencionadas pelo autor

são definidas posteriormente na mesma obra onde o trecho acima se encontra, tidas pelo mesmo

como “concernentes à proteção ao trabalhador, com as quais o Estado coloca os indivíduos e

grupos, sobre quem elas incidem, subordinados à própria vontade, estabelecendo limites mínimos

de proteção, em que prevalece, intensamente, o interesse coletivo que encarna”45. Ainda completa

ressaltando que “o fato de ter a Constituição brasileira de 1988 possibilitado a flexibilização,

mediante tutela sindical, de alguns direitos referentes a salário e duração do trabalho, não modifica

a natureza jurídica dos mesmos”46.

Portanto, é notório que, para o autor, a flexibilização das normas do trabalho devem não só

ser objeto de intervenção estatal, com o intuito de garantir o respeito pelo princípio da aplicação da

norma mais benéfica ao empregado, como também deverá ser tutelada pelos sindicatos, tendo em

vista a fragilidade do obreiro em relação àquele que lhe contratou.

Verificando-se o posicionamento de Arnaldo Süssekind em relação à flexibilização das

normas trabalhistas, pode-se dizer que há incompatibilidade do entendimento do mesmo sobre a

44 SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Curso de Direito do Trabalho, 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2010, p.

339. 45 Id. Ibid., p. 372. 46 Id. Ibid.

30

flexibilização com a proposta contemplada no Projeto de Lei 4962/2016, uma vez que, como já foi

apresentado, referido projeto defende maior liberdade negocial, com a diminuição da intervenção

estatal nas negociações entre empregador e empregado em sua justificação.

Torna-se mais evidente a discordância de Süssekind em relação ao projeto de lei detendo-se

sobre a visível ausência de limites quanto à flexibilização das normas trabalhistas da qual trata o

projeto de lei. Em momento algum são mencionados limites ou respeito a princípios caros à

corrente mais protecionista, estes importantes para Süssekind, contentando-se apenas em afirmar

que os direitos trabalhistas poderão ser reduzidos se a empresa ou setor se encontrar em crise

financeira ou econômica. Acerca da importância dos limites da flexibilização, Süssekind afirma:

Seria melhor se a Constituição Federal tivesse possibilitado à lei ordinária indicar, restritivamente, quais são os direitos que poderiam ser objeto de negociação coletiva, sendo que a estes direitos autorizados seriam fixados limites a esta flexibilização, ou seja, não sendo uma carta em branco para a autodeterminação coletiva, por exemplo, negociar da forma que bem entender.47

Desta forma, para o autor, a Constituição Federal deveria deixar expressos os limites que as

negociações coletivas deveriam respeitar, cabendo ressaltar que a flexibilização das normas

trabalhistas mediante negociação coletiva está prevista somente nos casos referentes à jornada de

trabalho, salário ou jornada de trabalho nas atividades realizadas em turnos ininterruptos de

revezamento, dispostos nos respectivamente nos incisos VI, XIII e XIV, do artigo 7º, da

Constituição Federal, o que não é suficiente para Süssekind. Para melhor visualização, tais incisos

possuem as seguintes redações:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;48

Para Süssekind, a flexibilização se dará somente nos casos destes incisos, uma vez que estes

seriam os limites constitucionais acerca da possibilidade de flexibilização dos direitos trabalhistas.

Em uma linha de raciocínio similar à de Süssekind acerca dos limites que devem ser

47 SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Curso de Direito do Trabalho, 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2010, p.

342 48 BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

Acesso em: 15 set. 2016.

31

respeitados pelas negociações coletivas – consequentemente, pela flexibilização das normas

trabalhistas heterônomas, Benedito Calheiros Bomfim assevera que:

Ao se permitir que, mediante negociação coletiva, os percentuais ou valores, correspondentes a cada direito ou parcela, sejam, reduzidos os direitos ali consagrados serão, na prática, anulados, perderão efetividade, tornar-se-ão meramente simbólicos. Seria um desvirtuamento do preceito constitucional. Criar-se-iam, por via oblíqua, outras exceções, que, ao em vez de visarem à melhoria dos direitos sociais, redundariam em prejuízo destes.49

Portanto, não respeitados certos limites - estes não expressos pela Constituição, segundo

Süssekind - nas negociações coletivas, estes podem não só prejudicar os empregados

imediatamente, como poderiam gerar precedentes para outras exceções que os prejudicariam ainda

mais. Em o que se assemelha a uma conversa entre Bomfim e Süssekind, em uma das suas obras

este leciona o que poderia ser um complemento à passagem daquele:

Se nem por emenda constitucional poderão ser abolidos direitos relacionados no art. 7º da Carta Magna, elevados a categoria de cláusulas pétreas, como se admitir possam fazê-lo convenções ou acordos coletivos ou que esses instrumentos normativos possam modificá-los em sua essência?50

Para o autor, a essência de tais direitos é a proteção do empregado. Em hipótese alguma

Süssekind admite que o acordado em negociações coletivas seja sobreposto em relação à norma

estatal heterônoma quando aquela for prejudicial aos empregados, ou que estes iniciem uma

negociação sem a intervenção sindical ou que a essência dos incisos VI, XIII e XIV do artigo 7º, da

Carta Magna, seja afetada. Ainda que a Constituição Federal não aponte limites às negociações

coletivas, estes são os limites aludidos por Süssekind.

Analisada a posição deste autor, é importante examinar o que tem a dizer Ipojucan

Demétrius Vecchi, outro jurista defensor da corrente à qual Süssekind se afilia.

3.3 – Vecchi e a não existência de “carta em branco”

Ipojucan Demétrius Vecchi é o segundo autor escolhido para defender a corrente cujo

entendimento é de que a flexibilização das normas trabalhistas deve existir, desde que sejam

respeitados certos limites que garantem a proteção do empregado na relação empregatícia. Vejamos

49 BOMFIM, Benedito Calheiros. A legislação trabalhista e a flexibilização. Revista de Direito do Trabalho. São

Paulo: RT, p. 31-37, ano 28, n.108, out.-dez. 2002. 50 SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Curso de Direito do Trabalho, 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2010, p.

380.

32

seu posicionamento acerca do instituto:

Se muitos dos direitos dos trabalhadores são configurados como direitos fundamentais, entra em discussão a questão de sua proteção e limitação não só pelo Estado, por meio de emendas constitucionais ou leis, mas também por instrumento de autonomia privada, como as convenções e acordos coletivos de trabalho. Se estes direitos estão protegidos contra uma emenda constitucional que atente contra o seu núcleo essencial, isso se acentua perante qualquer norma infraconstitucional ou norma provida da autonomia privada coletiva, que jamais poderão afetar o núcleo essencial ou não observar o princípio da proporcionalidade.51

Note que o trecho de Vecchi acima exposto em muito se assemelha com o posicionamento

de Süssekind, uma vez que menciona a intervenção do Estado nos direitos dos trabalhadores aliada

às negociações coletivas, afirmando ainda que se tais direitos estão protegidos contra uma emenda

constitucional que atente contra seu núcleo, este estará protegido contra qualquer norma que tente

afetá-lo – o que remete ao que diz Süssekind sobre modificar os direitos trabalhistas em sua

essência, quando se refere à redução dos mesmos.

Porém, além de reconhecer as negociações coletivas como uma força atuante sobre os

direitos trabalhistas, Vecchi também problematiza a questão dos limites que estas devem obedecer

ao afirmar:

A negociação coletiva é um direito do trabalhador, e sua base legal se dá pelo inciso XXVI do art. 7º da CF. Mas aí há um grande problema, pois estabeleceu-se um debate sobre o alcance da negociação coletiva, ou seja, se só se pode negociar o que está expressamente autorizado, ou se permite-se negociar outros direitos, não só os expressamente previstos, tendo em vista o reconhecimento da negociação coletiva como instrumento normativo.52

Perceba que Vecchi tem a mesma preocupação de Süssekind sobre os direitos que podem se

submeter a negociação coletiva e sobre a possibilidade desta abrir precedentes para negociações de

direitos trabalhistas que não tenham previsão de flexibilização na Carta Magna. Sua posição em

relação ao tema é semelhante à de Süssekind:

A interpretação restritiva parece a mais razoável se levarmos em conta o todo constitucional. Assim, mesmo para as hipóteses de flexibilização expressamente previstas na CF de 1988, não se está dando uma carta em branco para a restrição, pois qualquer restrição a um direito fundamental sempre deverá passar pelos critérios de razoabilidade, proporcionalidade e preservação do núcleo essencial dos direitos restringidos.53

51 VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. 2. ed. v.1. Passo

Fundo: UPF, 2007, p. 205. 52 Id. Ibid., p. 207. 53 Id. Ibid, p. 208.

33

Os ensinamentos de Vecchi e Süssekind se entrelaçam. Ambos defendem que a

flexibilização das normas trabalhistas tratada pela Constituição Federal, quando sob a forma de

negociação coletiva, não é uma “carta em branco”, já que tal instituto deve observar os critérios de

razoabilidade, proporcionalidade e preservação do núcleo essencial dos direitos restringidos, eis que

se tratam de direitos fundamentais. Em suma, Vecchi adiciona dois novos limites à flexibilização

das normas trabalhistas além dos princípios da intervenção sindical nas negociações coletivas, da

aplicação da norma mais benéfica ao empregado e da adequação setorial adequada – quais sejam a

razoabilidade e a proporcionalidade durante as negociações coletivas, reforçando a ideia de que este

instituto não deve ser livremente utilizado e deverá respeitar a proteção que os direitos trabalhistas

conferem ao empregado.

Vecchi entende ainda que a flexibilização das normas trabalhistas é a saída mais fácil, não

sendo correto recorrer a este instituto tão logo se aviste uma crise financeira ou econômica no

horizonte de uma empresa:

Segundo o viés interno ao Estado democrático de direito brasileiro, a saída legítima não é simplesmente flexibilizar, ou melhor, possibilitar a destruição dos direitos fundamentais mínimos, mas, sim, buscar políticas públicas de emprego, de crescimento, de inclusão e de distribuição de renda que alcancem esse grande número de pessoas que estão fora do sistema, além de garantir a efetividade das normas constitucionais que preveem os direitos humanos fundamentais.54

E completa:

O trabalho não pode ser visto com uma visão predominantemente utilitarista ou econômica, pois na verdade é muito mais que isso, é o trabalho um dos pilares da sociedade, e é por meio do trabalho que a pessoa humana deve buscar a sua dignidade. Deste modo, não pode o trabalho ser maleável de forma mais agradável aos custos do empregador, e mudanças sociais como um todo.55

Portanto, a flexibilização das normas trabalhistas deve ser uma medida secundária, segundo

Vecchi. É preciso primeiro buscar em outras esferas do Estado soluções para os problemas advindos

de uma crise econômica antes de tomar medidas que possam desestabilizar a segurança jurídica dos

trabalhadores, parte mais fraca do vínculo empregatício e dependente da estabilidade de seus

direitos considerados fundamentais.

Defende ainda que o trabalho não deve ser tratado apenas como coisa ou mercadoria, mas

como um dos pilares da sociedade, sendo por meio do mesmo que a pessoa humana buscará sua

54 VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. 2. ed. v.1. Passo

Fundo: UPF, 2007, p. 208. 55 Id. Ibid., p. 209.

34

dignidade. Devido à sua importância, não devem ser as normas trabalhistas flexibilizadas em

benefício do empregador. Tais afirmações de Vecchi encontram morada no próprio texto

constitucional, que em seu artigo 1º, inciso IV, defende que um dos fundamentos da República

Federativa do Brasil são os valores sociais do trabalho. Nas palavras do autor:

Ora, no art. 1º, inciso IV, primeira parte, e no art. 170, caput, da Constituição Federal de 1998 está prevista como valor fundamental de nossa ordem jurídica a valorização social do trabalho, que, portanto, não pode ser tratado como simples mercadoria, por ser uma das bases do desenvolvimento da sociedade. A valorização do trabalho, assim, não significa apenas o seu aspecto econômico, mas também o seu aspecto ético, demonstrando que o trabalhador é fator de desenvolvimento não só de riquezas, mas também da própria personalidade humana, visto que o trabalho deve possibilitar a pessoa humana, em sua atividade, acabe por imprimir no mundo um pouco de sua individualidade e de sua contribuição social.56

Mais uma vez é ressaltado o papel dignificador do trabalho em relação à figura da pessoa

humana, que ao assumir a posição de trabalhador não deve ser tratada como mercadoria, mas como

um fator de desenvolvimento.

Visando solidificar o seu ponto sobre a flexibilização não ser a medida adequada para lidar

com o desemprego, Vecchi afirma:

A flexibilização do direito do trabalho exercido pela autonomia coletiva, acaba por precarizar as relações de trabalho, e esta modernização das normas trabalhistas se mostram dramáticas com o passar do tempo, sendo que o capital mostra-se cada vez mais concentrado na mão de poucos e isso acaba por prejudicar a economia e o mais prejudicado é o próprio trabalhador, pois optou-se por flexibilizar para não causar o desemprego, mas este tende a crescer cada vez mais, não sendo esta a solução para se melhorar as relações de trabalho.57

Vecchi cria a imagem de um descompasso entre os avanços tecnológicos e as normas

trabalhistas, pois aqueles influem na suposta modernização destas, em um cenário onde a figura do

empregador se encontra cada vez mais forte, enfraquecendo a figura do empregado em

contrapartida, cujos direitos foram flexibilizados sem que nada concreto fosse lhe dado em troca –

note que nesse cenário não há a transação de direitos da qual trata Godinho58, tida por este como

núcleo do princípio da adequação social adequada -, já que o autor afirma que o desemprego não

tende a diminuir, muito pelo contrário. Portanto, tendo em vista que a flexibilização das normas

trabalhistas tem por finalidade reduzir o desemprego e este não decresce, tal instituto não só não

está sendo efetivo como está envenenando os direitos trabalhistas.

56 VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. 2. ed. v.1. Passo

Fundo: UPF, 2007, p. 210. 57 Id. Ibid., p. 212. 58 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição. São Paulo: Ltr, 2016, p. 1467.

35

Como já foi dito mais de uma vez, assim como Süssekind, Vecchi defende que a

flexibilização das normas trabalhistas deve observar uma série de limites. Porém, o autor afirma que

a flexibilização já é usada à exaustão sem observá-los:

Medidas legislativas de âmbito nacional e internacional caminharam para o lado da flexibilização das relações de trabalho, sobretudo no que tange aos critérios de admissão, pagamento de salário, compensação de jornada e ainda os de alteração, suspensão e rescisão do contrato de trabalho. A flexibilização, tal como é apregoada hoje, é um primeiro passo na trajetória de total desregulamentação do direito do trabalho, fenômeno que faz parte do receituário neoliberal que propugna pela diminuição do custo operacional e pela destruição dos direitos sociais.59

O instituto da desregulamentação mencionado por Vecchi no trecho acima será devidamente

tratado ainda neste trabalho, não sendo pertinente abordá-lo agora. O que é importante ressaltar nas

palavras de Vecchi é que a flexibilização hodierna não está em consonância com os valores

defendidos pela corrente à qual pertencem ele e Süssekind, que se traduzem na proteção do

empregado, e a não proteção deste acarretará na eventual destruição dos direitos sociais.

Por fim, a fim de sintetizar tudo o que foi trazido acerca do posicionamento deste autor,

Vecchi afirma que:

No contexto da globalização, ocorre hoje um ataque aos princípios que norteiam o direito do trabalho e a segurança das conquistas das classes trabalhistas através da flexibilização das leis além dos limites impostos pela Constituição, tal fato mostra que a flexibilização não cumpriu com o seu objetivo prometido.60

Desta forma, é de suma importância que, para que o instituto da flexibilização dos direitos

trabalhistas funcione em prol do empregado, sejam devidamente observados e respeitados os

princípios da intervenção sindical nas negociações coletivas, da aplicação da norma mais benéfica

ao empregado e da adequação setorial adequada, além das três hipóteses – incisos VI, XIII e XIV do

artigo 7º, da Constituição Federal – tidas por esta corrente como as únicas nas quais um direito

trabalhista poderá ser flexibilizado.

Finalizada a apresentação desta corrente, que defende a flexibilização da legislação

trabalhista de um ponto de vista mais protecionista, não devendo esta ser prejudicial ao empregado,

é hora de analisar a corrente oposta.

59 VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. 2. ed. v.1. Passo

Fundo: UPF, 2007, p. 212. 60 Id. Ibid., p. 325.

36

3.4 – A flexibilização plena de Romita

Defensor da segunda corrente, que entende que as negociações coletivas devem prevalecer

sobre o que está disposto em lei independentemente do resultado para o empregado, em respeito ao

princípio da liberdade negocial coletiva, Arion Sayão Romita defende que “não é função do direito

do trabalho proteger o empregado”61. Torna-se evidente de imediato uma das razões pela qual as

duas correntes aqui estudadas não se confundem, uma vez que para a corrente de Süssekind e

Vecchi, o direito do trabalho deve servir como um baluarte para o empregado, ao contrário da

afirmação acima exposta de Romita. O autor afirma ainda:

Numa ordem democrática, inexiste possibilidade de antagonismo ou oposição entre o negociado e o legislado. Existiria apenas o negociado, pois o legislador se limitaria a promover as condições em que o negociado poderia expandir-se. O Estado, como nume tutelar do interesse maior da coletividade, atuaria como mediador e arbitraria os conflitos.62

Pela passagem acima exposta, entende-se que Romita considera a ação do Estado intervir no

resultado das negociações coletivas um catalisador de um cenário antagônico entre negociado e

legislado, sendo que estes devem ter uma relação harmônica. Para que tal nexo harmônico exista, o

Estado somente ditaria os limites das negociações, não cabendo intervir diretamente no produto

destas.

Romita alega que os empregados não ficariam em desigualdade em relação aos seus

empregadores, uma vez que os sindicatos, detentores de autonomia dada pela Constituição, estarão

presentes nas negociações para ampará-los – uma alusão ao princípio da intervenção sindical nas

negociações coletivas e da equivalência dos contratantes coletivos. Afirma que “há de se corrigir os

rumos, mudar a orientação, prosseguir na via aberta pela própria Constituição de 1988, ao admitir a

autonomia sindical, dar ênfase à negociação coletiva”.63

Portanto, os sindicatos devem se valer de sua autonomia constitucionalmente adquirida que,

segundo entendimento de Romita, é uma “via aberta pela própria Constituição” cujo destino é a

negociação coletiva permeada pela autonomia privada, sendo um real indicativo que a flexibilização

das normas trabalhistas devem ser feitas fielmente com base no que for decidido em tais

negociações. Com o intuito de ilustrar a autonomia sindical mencionada por Romita, esta se

encontra no inciso I, do artigo 8º, do Texto Magno, que prevê:

61 ROMITA, Aron Sayão. Princípios em conflito: autonomia privada coletiva e norma mais favorável. Revista de

Direito do Trabalho. São Paulo: RT, p. 13-27. ano 28, n.107, jul.-set. 2002. p. 15. 62 Id. Ibid., p. 23. 63 Id. Ibid., p. 21.

37

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical.64

Contudo, apesar de entender que a Carta Magna gerou uma via ligada diretamente à

flexibilização do direito do trabalho por meio de negociações coletivas mais autônomas, o autor não

se mostra satisfeito com o restante do conteúdo da Constituição de 1988 em relação às normas

trabalhistas:

A Constituição de 1988 representa a vitória do retrocesso, o apego às concepções retrógradas impostas pelo Estado Novo e, assim, impede a democratização das relações de trabalho no Brasil. O entrave deve ser afastado: o ingresso da democracia nas relações de trabalho é inevitável. A prática tem demonstrado que os obstáculos opostos pela Constituição de 1988 ao avanço da regulação democrática são inoperantes.65

Parece que as duas correntes aqui apresentadas concordam em uma coisa: os limites

impostos às negociações coletivas não têm funcionado como deveriam. Contudo, a primeira

corrente exposta entende que os limites são benéficos; já a segunda, mais precisamente Romita,

entende que tais limites são obstáculos. Outro ponto convergente é que, eventualmente, a ineficácia

destes limites acarretarão no advento de uma flexibilização das leis trabalhistas mais frouxa,

desprovida de intervenção estatal.

É possível ainda concluir que, para Romita, uma menor intervenção do Estado nas

negociações coletivas, e consequentemente na flexibilização da legislação trabalhista, importa no

advento da democracia nas relações de trabalho. Nota-se aqui que as correntes também divergem no

que diz respeito à democratização das relações de trabalho, eis que a corrente de Süssekind e Vecchi

defende ferrenhamente que os limites impostos às negociações coletivas e à flexibilização das

normas trabalhistas representam justamente a democratização das relações trabalhistas; a corrente

defendida por Romita entende que a real democratização se dá através de uma menor intervenção

estatal, sendo esta minimizada quando os limites às negociações coletivas são superados.

Ainda sobre o posicionamento de Romita acerca da intervenção estatal e esta servir apenas

para criar um cenário onde forças se opõem, em vez de atuarem harmonicamente, o autor assevera:

A ideologia da proteção desempenha uma função. Quem fala em proteção admite com antecedência a existência de dois atores sociais: o protetor e o protegido. Se o trabalhador – sujeito mais fraco da relação – é o protegido, sua posição de submissão se perpetua com a

64 BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

Acesso em: 17 set. 2016. 65 ROMITA, Aron Sayão. Princípios em conflito: autonomia privada coletiva e norma mais favorável. Revista de

Direito do Trabalho. São Paulo: RT, p. 13-27. ano 28, n.107, jul.-set. 2002. p. 22.

38

consequente exaltação da posição social do protetor. Talvez isto se decante, no Brasil, a proteção proporcionada (na realidade dos fatos, autêntico mito) ao trabalhador brasileiro: perpetuada a posição social de submissão em que se encontra o protegido, resguarda-se a posição social do protetor. Afinal, a “proteção”, no caso em estudo, interessa não ao protegido, mas sim ao protetor. Ao protegido só interessa – em ínfima parcela – a proteção, quando ela fundamenta (quase sempre de forma não explicita) a decisão judicial pela procedência do pedido formulado pelo trabalhador. Triste consolo, triste participação nas migalhas caídas da mesa do banquete!66

Primeiramente, Romita deixa claro que a intervenção estatal apenas polariza as relações de

trabalho, colocando empregador e empregado como adversários dentro de um ringue. Ademais,

afirma que a proteção dada pela legislação trabalhista apenas torna o empregado submisso,

perpetuando o mesmo como a figura mais fraca na relação trabalhista.

O autor afirma ainda que a proteção social é um mito: ou seja, não se trata de proteção, mas

sim de um artifício para manter a posição paternalista do Estado frente aos empregados, que ao agir

como garantidor de proteções, torna os empregados dependentes destas. Com todo esse maquinário

constituído de cordões travestidos de proteções, o intuito do Estado é guardar para si os reais

benefícios contidos na legislação trabalhista, conferindo ao empregado somente uma pequena

parcela dos mesmos.

Através desta passagem, percebe-se de onde vem o descontentamento de Romita, que não

crê que os limites às negociações coletivas – sendo importante recordar sempre que tais limitações

incidem diretamente na flexibilização das normas trabalhistas – desempenhem um papel

protecionista, de fato, ao trabalhador, mas artifícios dos quais se utiliza o Estado para eternizar o

empregado como figura mais fraca da relação empregatícia, a fim de tornar este dependente do

poderio estatal. Daí a ideia de que a abolição dos limites constitucionais trará uma democratização

nas relações trabalhistas, sendo possível ao empregado somente neste momento ocupar um papel de

igualdade perante o empregador.

Romita defende ainda que a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas que defende a

corrente de Süssekind e Vecchi é ultrapassada. Vejamos o que tem o autor a dizer:

A suposta irrenunciabilidade dos direitos outorgados por lei imperativa ao trabalhador, decanta pelos compêndios em obediência a uma tradição já ultrapassada pelas novas realidades econômicas e sociais, existe apenas no papel. Na realidade prática, o crescimento do setor informal e a negociação processada após a extinção do vínculo empregatício ou eliminam pela raiz os supostos direitos (trabalhador removido para o setor informal não tem qualquer direito trabalhista) ou os transformam em direitos negociáveis em nível individual. A realidade atual demonstra que a indisponibilidade dos direitos já é noção própria de um passado longínquo: juridicamente a Constituição de 1988 já transformou tais direitos em negociáveis, fulminando a decantada irrenunciabilidade; e faticamente, como objeto de transação judicial, jamais foram tidos por indisponíveis, uma vez que no acordo celebrado

66 ROMITA, Aron Sayão. Princípios em conflito: autonomia privada coletiva e norma mais favorável. Revista de

Direito do Trabalho. São Paulo: RT, p. 13-27. ano 28, n.107, jul.-set. 2002. p. 23.

39

em juízo o resultado da conciliação engloba todas as verbas postuladas na ação em um só valor pecuniário.67

Entende, portanto, que a dinamicidade do mercado não deixa brechas para a

irrenunciabilidade de direitos trabalhistas, razão pela qual deixar que as negociações coletivas

valham por sua integridade contribuirá para uma flexibilização não só das normas trabalhistas,

como do mercado de trabalho, adequando-se à realidade – trata-se de uma ponderação na qual o

princípio da autonomia negocial coletiva se sobressai perante o princípio da irrenunciabilidade dos

direitos trabalhistas.

Tal dinamicidade se dá, em parte, pelo crescimento do setor informal no qual, segundo o

autor, não existem direitos para os empregados, o que resulta em negociações dos direitos a nível

individual.

Embora frise o autor sua discordância quanto à existência de limites impostos, alguns deles

pela Constituição, ao exercício contratual dos direitos sociais, enfatiza ele que a Carta

Constitucional já transformou os direitos trabalhistas em negociáveis quando tornou possível a

negociação dos direitos referentes ao salário e à jornada de trabalho, o que refuta a ideia de

irrenunciabilidade defendida pela corrente oposta à qual Romita é filiado.

Desta forma, de acordo com seu posicionamento acerca da flexibilização das normas

trabalhistas, considera que os limites atualmente existentes são meras formalidades que

eventualmente se dissiparão, formalidades estas que representam um entrave à liberdade do

empregado, que seria o mais prejudicado, ao contrário do que alega a corrente de Vecchi e

Süssekind já examinada. Enquanto persistirem limitações às negociações coletivas, não haverá,

ainda segundo Romita, democratização nas relações de trabalho.

Estando a visão do autor pautada na flexibilização plena, examinar-se-á agora decisões

judiciais de considerável relevância, os quais permitir-se-ão um entendimento mais cristalino acerca

do cenário jurídico atual, que serve juntamente de embasamento para o PL 4962/2016.

3.5 – A interpretação divergente atribuída ao princípio da autonomia coletiva pelo TST e STF

3.5.1 – As divergências acerca da Súmula 277 do TST

O Tribunal Superior do Trabalho defende a necessidade de negociações coletivas, mas que

67 ROMITA, Aron Sayão. Princípios em conflito: autonomia privada coletiva e norma mais favorável. Revista de

Direito do Trabalho. São Paulo: RT, p. 13-27. ano 28, n.107, jul.-set. 2002. p. 26.

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estas devem passar pelo crivo do Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, em contrapartida,

prolata decisões em consonância com a corrente que dá maior importância ao princípio da

autonomia negocial coletiva, esta defendida por Romita, alegando em uma destas decisões que em

negociações coletivas “existe paridade de armas. Sindicato e empresa estão em igualdade de

condições”68, em alusão ao princípio da intervenção sindical nas negociações coletivas e do

princípio da equivalência dos contratantes coletivos. Para melhor ilustrar a alegada turbulência,

comecemos pela análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 323, referente à

Súmula 277, do TST.

A referida súmula preconizava, em sua antiga redação, que a eficácia das negociações

coletivas se daria somente em seu período de vigência. Tal súmula continha a seguinte redação:

Súmula 277, TST - As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos.69

A redação acima estava em consonância com o artigo 614, §3º, da Consolidação das Leis

Trabalhistas, que previa igualmente que o acordado em negociação coletiva só duraria durante um

período de tempo pré-determinado, mais precisamente dois anos. Dispõe o referido artigo:

Art. 614 - Os Sindicatos convenentes ou as emprêsas acordantes promoverão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 (oito) dias da assinatura da Convenção ou Acôrdo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho e Previdência Social, nos demais casos. § 3º Não será permitido estipular duração de Convenção ou Acôrdo superior a 2 (dois) anos.70

O Tribunal Superior do Trabalho, com o passar dos anos, mudou seu posicionamento em

relação à Súmula 277, entendendo que:

[…] Provocava uma vantagem injustificável para a categoria patronal: ela não aceitava negociar com o sindicato dos trabalhadores porque o advento da data-base fazia caducarem todas as conquistas históricas da categoria profissional e, além disso, tal empregador ainda podia instaurar o dissídio de greve para o tribunal do trabalho pôr fim a qualquer paralisação mediante decisão em que se assegurava apenas a proteção legal. Em resumo, os empregados perdiam ou perdiam, sem anteparo para abusos patronais – repetindo o

68 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF reconhece validade de cláusula de renúncia em plano de dispensa

incentivada. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=290618>. Acesso em 03 nov. 2016.

69 TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Súmula nº 277 do TST. Disponível em <http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-brs d=BLNK&s1=277&s2=bden.base.&pg1=NUMS&u=http://www.tst.gov.br/jurisprudencia/brs/nspit/nspitgen_un_pix.html&p=1&r=1&f=G&l=0>. Acesso em 03 nov. 2016.

70 BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas, 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 03 nov. 2016.

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infortúnio de Sísifo, personagem mitológico condenado a empurrar eternamente uma pedra morro acima; quando se aproximava do cume, a pedra deslizava e se iniciava novamente o penoso processo.71

Em virtude de tal entendimento, os ministros do TST se reuniram em setembro de 2012 para

discutir acerca da redação da Súmula 277, concluindo que esta desestimulava a negociação coletiva

de trabalho, estando ainda ancorada na revogada Constituição de 1967. O TST, então, optou por

rever a súmula, esclarecendo que as cláusulas normativas previstas em convenções ou acordos

coletivos seriam ultra-ativas – ou seja, vigorariam até que fossem revogadas ou modificadas por

negociação coletiva de trabalho ulterior. Dispõe o texto revisto da Súmula 277, do TST :

Súmula nº 277 do TST - As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.72

A nova redação, segundo o novo entendimento do TST, estaria em harmonia com a

Constituição Federal de 1988. Ademais, os artigos 616, §3º e 867, parágrafo único, alínea b, ambos

da CLT, indicam ser inconcebível que categorias organizadas devam suportar períodos sem proteção

de normas coletivas73. Os mesmos preceituam:

Art. 616 - Os Sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais e as empresas, inclusive as que não tenham representação sindical, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva.

§ 3º - Havendo convenção, acordo ou sentença normativa em vigor, o dissídio coletivo deverá ser instaurado dentro dos 60 (sessenta) dias anteriores ao respectivo termo final, para que o novo instrumento possa ter vigência no dia imediato a esse termo.

Art. 867 - Da decisão do Tribunal serão notificadas as partes, ou seus representantes, em registrado postal, com franquia, fazendo-se, outrossim, a sua publicação no jornal oficial, para ciência dos demais interessados. Parágrafo único - A sentença normativa vigorará: b) a partir do dia imediato ao termo final de vigência do acordo, convenção ou sentença normativa, quando ajuizado o dissídio no prazo do art. 616, § 3º.74

71 CARVALHO, Augusto César Leite de; CORRÊA, Lelio Bentes; FILHO, Luiz Philippe Vieira de Mello. A

caminho de um novo e desnecessário Direito do Trabalho – A triste sina de Sísifo . Disponível em: <http://jota.info/artigos/caminho-de-um-novo-e-desnecessario-direito-trabalho-triste-sina-de-sisifo-18102016>. Acesso em: 03 nov. 2016.

72 TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Súmula nº 277 do TST. Disponível em <http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-brs d=BLNK&s1=277&s2=bden.base.&pg1=NUMS&u=http://www.tst.gov.br/jurisprudencia/brs/nspit/nspitgen_un_pix.html&p=1&r=1&f=G&l=0>. Acesso em: 03 nov. 2016.

73 CARVALHO, Augusto César Leite de; CORRÊA, Lelio Bentes; FILHO, Luiz Philippe Vieira de Mello. A caminho de um novo e desnecessário Direito do Trabalho – A triste sina de Sísifo . Disponível em: <http://jota.info/artigos/caminho-de-um-novo-e-desnecessario-direito-trabalho-triste-sina-de-sisifo-18102016>. Acesso em: 03 nov. 2016.

74 BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas, 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 03 nov. 2016.

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Portanto, a alteração da referida Súmula tem intuito único de “dar aplicabilidade prática ao

artigo 114, § 2º, da Constituição Federal, ao exigir que a negociação coletiva preserve ‘as

disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas

anteriormente’”75. Prevê o artigo 114, §2º, da Constituição Federal:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

[...]

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.76

A trama se complica quando o TST justifica que a razão pela qual seu novo entendimento

acerca da Súmula 277 foi concretizado tardiamente, no fim do ano de 2012, foi um entendimento do

STF segundo o qual a ultra-atividade das normas coletivas de trabalho não teriam base

constitucional. Este entendimento da Corte Suprema, segundo os ministros do TST anteriormente

citados, era pautado em precedentes que remetiam ao artigo 142, §1º, da Constituição Federal de

196777. Ao se deparar com isso, o TST editou a Súmula 277 cuja validez se daria apenas após sua

edição, sendo esta mantida atualmente.

Contudo, em julho de 2014 foi ajuizada a ADPF 323 pela Confederação Nacional dos

Estabelecimentos de Ensino, na qual a confederação alegava ser inconstitucional a ultra-atividade

da qual dispõe a Súmula 277, afirmando:

O legislador teria regulado essa matéria na Lei 8542/1992 e, mais adiante, a MP 1053/1995 (convertida enfim na Lei 10192/2001) teria revogado o art. 1º, §1º da Lei 8542 que previa: ‘as cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho’. Ao fazer ressurgir a ultra-atividade que não estava mais consagrada em lei, porque lei a teria derrogado, o TST teria

75 CARVALHO, Augusto César Leite de; CORRÊA, Lelio Bentes; FILHO, Luiz Philippe Vieira de Mello. A

caminho de um novo e desnecessário Direito do Trabalho – A triste sina de Sísifo . Disponível em: <http://jota.info/artigos/caminho-de-um-novo-e-desnecessario-direito-trabalho-triste-sina-de-sisifo-18102016>. Acesso em: 03 nov. 2016.

76 BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 03 nov. 2016.

77 CARVALHO, Augusto César Leite de; CORRÊA, Lelio Bentes; FILHO, Luiz Philippe Vieira de Mello. A caminho de um novo e desnecessário Direito do Trabalho – A triste sina de Sísifo . Disponível em: <http://jota.info/artigos/caminho-de-um-novo-e-desnecessario-direito-trabalho-triste-sina-de-sisifo-18102016>. Acesso em: 03 nov. 2016.

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invadido espaço de regulação reservado ao Poder Legislativo e violado o princípio da separação de poderes.78

A Advocacia-Geral da União se manifestou sobre não ser cabível a ADPF 323, afirmando

ainda que a ultra-atividade das normas coletivas contribui para o equilíbrio entre os atores coletivos

da relação trabalhista. Também se posicionou contrariamente à ADPF o então Procurador-Geral da

República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, asseverando que “a novel redação da súmula 277 do

TST não contraria os princípios constitucionais suscitados como parâmetro de controle”.79

Contudo, apesar do posicionamento do TST, da AGU e da PGR, em 14 de outubro de 2016 o

ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, concedeu liminar para suspender processos

em curso na Justiça do Trabalho que versarem sobre ultra-atividade de negociações coletivas.

Trago um trecho da justificação do ministro em sua decisão:

Em relação ao pedido liminar, ressalto que não tenho dúvidas de que a suspensão do andamento de processos é medida extrema que deve ser adotada apenas em circunstâncias especiais. Em juízo inicial, todavia, as razões declinadas pela requerente, bem como a reiterada aplicação do entendimento judicial consolidado na atual redação da Súmula 277 do TST, são questões que aparentam possuir relevância jurídica suficiente a ensejar o acolhimento do pedido. Da análise do caso extrai-se indubitavelmente que se tem como insustentável o entendimento jurisdicional conferido pelos tribunais trabalhistas ao interpretar arbitrariamente a norma constitucional.80

Note-se que o relator entende ser arbitrária a interpretação do TST acerca da Súmula 277.

No decorrer de sua justificação, o ministro ainda considerou tal interpretação como uma “verdadeira

fraude hermenêutica”, adjetivando-a “jurisprudência sentimental” e “zigue-zague jurisprudencial”81.

O inconformismo com a liminar deferida pelo STF, fez com que ministros do TST

publicassem texto no qual procura-se demonstrar a preocupação com a garantia dos direitos

78 CARVALHO, Augusto César Leite de; CORRÊA, Lelio Bentes; FILHO, Luiz Philippe Vieira de Mello. A

caminho de um novo e desnecessário Direito do Trabalho – A triste sina de Sísifo . Disponível em: <http://jota.info/artigos/caminho-de-um-novo-e-desnecessario-direito-trabalho-triste-sina-de-sisifo-18102016>. Acesso em: 03 nov. 2016.

79 CARVALHO, Augusto César Leite de; CORRÊA, Lelio Bentes; FILHO, Luiz Philippe Vieira de Mello. A caminho de um novo e desnecessário Direito do Trabalho – A triste sina de Sísifo . Disponível em: <http://jota.info/artigos/caminho-de-um-novo-e-desnecessario-direito-trabalho-triste-sina-de-sisifo-18102016>. Acesso em: 03 nov. 2016.

80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 323. Relator: MENDES, Gilmar Ferreira. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF323.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2016.

81 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 323 . Relator: MENDES, Gilmar Ferreira. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF323.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2016.

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garantidos dos trabalhadores, bem como com a constitucionalidade da atual redação da Súmula 277,

senão vejamos:

Por inapetência, conveniência ou estratégia processual, a Confederação, autora da ADPF, não esclareceu que a revogação do art. 1º, §1º da Lei 8542 se deu porque nele se fundava um instituto jurídico novo e revolucionário, o ‘contrato coletivo de trabalho’, severamente criticado por parte expressiva da doutrina. Como não seria possível abolir o contrato coletivo sem sacrificar todo o dispositivo, revogou-se o art. 1º, §1º da Lei 8542 por inteiro, levando-se a reboque a ultra-atividade que, de resto, já estaria consagrada na carta constitucional.82

3.5.2 – Recurso Extraordinário 590.415: A prudência do princípio da intervenção sindical sob

a ótica do STF

Não é a ADPF 323 a única situação na qual STF e TST divergiram acerca de nuances da

negociação coletiva que causou repercussão. Originada no Recurso Extraordinário 590.415, no qual

se discute o pedido de uma ex-empregada do Banco do Estado de Santa Catarina que, após aderir ao

Plano de Dispensa Incentivada, ajuizou ação requerendo o pagamento de verbas trabalhistas

supostamente devidas após sua dispensa, questionando ainda a validade de uma cláusula segundo a

qual a autora teria aberto mão de alguns de seus direitos trabalhistas.

O juízo de primeiro grau concluiu pela improcedência do pedido, alegando ser válida a

cláusula de renúncia contida no plano, este aprovado em convenção coletiva, que previa a quitação

ampla de todas as parcelas decorrentes da relação de emprego. Tal decisão foi mantida pelo

Tribunal Regional do Trabalho da 12º Região.

Contudo, o Tribunal Superior do Trabalho deu provimento ao Recurso de Revista da antiga

empregada do banco, com fulcro no artigo 477, §2º, da CLT, e na Orientação Jurisprudencial 270 da

Subseção 1 - Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), que implicam na quitação

exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo, liberando o empregador somente destas.

Tendo em vista o entendimento do TST de que os direitos trabalhistas são irrenunciáveis, o relator

deu preferência ao legislado perante o negociado.

O Banco do Brasil, que sucedeu o Banco do Estado de Santa Catarina na ação, ajuizou

Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão acima exposta, alegando que

82 CARVALHO, Augusto César Leite de; CORRÊA, Lelio Bentes; FILHO, Luiz Philippe Vieira de Mello. A

caminho de um novo e desnecessário Direito do Trabalho – A triste sina de Sísifo . Disponível em: <http://jota.info/artigos/caminho-de-um-novo-e-desnecessario-direito-trabalho-triste-sina-de-sisifo-18102016>. Acesso em: 03 nov. 2016.

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o acórdão do TST violou o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, gerando “insegurança

política”83.

Em seu voto, o relator e ministro do STF, Luís Roberto Barroso, tomou decisão contrária ao

que havia decidido o TST: prezou pelo negociado em detrimento do legislado. Trago à baila

importantes trechos retirados diretamente do voto do ministro relator:

8. O direito individual do trabalho tem na relação de trabalho, estabelecida entre o empregador e a pessoa física do empregado, o elemento básico a partir do qual constrói os institutos e regras de interpretação. Justamente porque se reconhece, no âmbito das relações individuais, a desigualdade econômica e de poder entre as partes, as normas que regem tais relações são voltadas à tutela do trabalhador. Entende-se que a situação de inferioridade do empregado compromete o livre exercício da autonomia individual da vontade e que, nesse contexto, regras de origem heterônoma – produzidas pelo Estado – desempenham um papel primordial de defesa da parte hipossuficiente. Também por isso a aplicação do direito rege-se pelo princípio da proteção, optando-se pela norma mais favorável ao trabalhador na interpretação e na solução de antinomias.

9. Essa lógica protetiva está presente na Constituição, que consagrou um grande número de dispositivos à garantia de direitos trabalhistas no âmbito das relações individuais. Essa mesma lógica encontra-se presente no art. 477, §2º, da CLT e na Súmula 330 do TST, quando se determina que a quitação tem eficácia liberatória exclusivamente quanto às parcelas consignadas no recibo, independentemente de ter sido concedida em termos mais amplos.

10. Não se espera que o empregado, no momento da rescisão de seu contrato, tenha condições de avaliar se as parcelas e valores indicados no termo de rescisão correspondem efetivamente a todas as verbas a que faria jus. Considera-se que a condição de subordinação, a desinformação ou a necessidade podem levá-lo a agir em prejuízo próprio. Por isso, a quitação, no âmbito das relações individuais, produz efeitos limitados. Entretanto, tal assimetria entre empregador e empregados não se coloca – ao menos não com a mesma força – nas relações coletivas.

O ministro relator demonstra primeiramente em seu voto apreço pelo princípio da aplicação

da norma mais favorável ao trabalhador, já discorrido neste trabalho, devendo este ser protegido

pela legislação heterônoma frente ao poder desigual do empregador, ressaltando que a subordinação

a este e a comum desinformação podem induzir o empregado a sabotar seus próprios direitos.

Contudo, assevera que tal tratamento somente deve se dar na esfera do Direito Trabalhista

Individual, onde a assimetria entre empregador e empregado não é tão díspar. Prossegue:

20. Diferentemente do que ocorre com o direito individual do trabalho, o direito coletivo do trabalho, que emerge com nova força após a Constituição de 1988, tem nas relações grupais a sua categoria básica. O empregador, ente coletivo provido de poder econômico, contrapõe-se à categoria dos empregados, ente também coletivo, representado pelo

83 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF reconhece validade de cláusula de renúncia em plano de dispensa

incentivada. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=290618>. Acesso em: 03 nov. 2016.

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respectivo sindicato e munido de considerável poder de barganha, assegurado, exemplificativamente, pelas prerrogativas de atuação sindical, pelo direito de mobilização, pelo poder social de pressão e de greve. No âmbito do direito coletivo, não se verifica, portanto, a mesma assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Por consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual.

21. Ao contrário, o direito coletivo do trabalho, em virtude de suas particularidades, é regido por princípios próprios, entre os quais se destaca o princípio da equivalência dos contratantes coletivos, que impõe o tratamento semelhante a ambos os sujeitos coletivos – empregador e categoria de empregados.

Neste trecho o relator justifica o motivo pelo qual o protecionismo no Direito Trabalhista

Coletivo é menor, exaltando o papel dos sindicatos como niveladores nas negociações coletivas,

sendo tal ente responsável pela diminuição das diferenças – estas consideráveis no Direito

Trabalhista Individual – na esfera coletiva. Ainda acrescenta:

34. A quitação, em tais condições, foi objeto de acordo coletivo, cujos termos, em razão da resistência do sindicato a parte de suas cláusulas, foram aprovados, primeiramente, pelos próprios trabalhadores, por meio de assembleia dos trabalhadores convocada para esse fim. Posteriormente, o sindicato, cedendo às pressões da categoria, convocou assembleia sindical pela qual convalidou a decisão tomada pela assembleia dos trabalhadores.

35. Houve, portanto, no presente caso, inequívoco exercício da autonomia da vontade coletiva da categoria dos bancários. Tal categoria, mediante instrumento autônomo, dispôs sobre as regras que pautariam o plano de demissão voluntária do BESC, permitindo que aqueles que aderissem ao PDI outorgassem quitação plena de toda e qualquer verba oriunda do contrato de trabalho, sem a observância de qualquer outra condição. Em tais circunstâncias, sequer é possível questionar a legitimidade representativa do sindicato, tampouco a consciência da categoria dos empregados sobre as implicações da referida cláusula, uma vez que a própria categoria pressionou os sindicatos a aprová-la.

Nestas passagens o relator chama atenção ao fato de que os sindicatos envolvidos

cumpriram seus papéis quanto à representatividade dos empregados, uma vez que intermediaram os

desejos destes frente aos empregadores. Por fim, conclui seu voto:

48. Não socorre a causa dos trabalhadores a afirmação, constante do acórdão do TST que uniformizou o entendimento sobre a matéria, de que “o empregado merece proteção, inclusive, contra a sua própria necessidade ou ganância”24. Não se pode tratar como absolutamente incapaz e inimputável para a vida civil toda uma categoria profissional, em detrimento do explícito reconhecimento constitucional de sua autonomia coletiva (art. 7º, XXVI, CF). As normas paternalistas, que podem ter seu valor no âmbito do direito individual, são as mesmas que atrofiam a capacidade participativa do trabalhador no âmbito coletivo e que amesquinham a sua contribuição para a solução dos problemas que o afligem. É através do respeito aos acordos negociados coletivamente que os trabalhadores poderão compreender e aperfeiçoar a sua capacidade de mobilização e de conquista, inclusive de forma a defender a plena liberdade sindical. Para isso é preciso, antes de tudo, respeitar a sua voz.

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49. Por todo o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para assentar a validade do termo de quitação plena assinado pela reclamante, à luz do art. 7º, XXVI, CF, e declarar a improcedência do pedido inicial. Fixo como tese, em sede de repercussão geral, que: “A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado.84

Em suma, o relator admite que o direito individual do trabalho é permeado pelo

protecionismo estatal, tendo em vista que empregador e empregado possuem peso econômico e

político diversos. Contudo, o mesmo afirma que, nas negociações coletivas, as forças dos

negociantes são igualadas em decorrência da intervenção sindical, que serve de suporte aos

empregados.

Ressalta ainda que, nas negociações coletivas, os princípios norteadores são diversos da

irrenunciabilidade de direitos trabalhistas e demais princípios de cunho protecionista dos quais se

utiliza o TST, visando dar maior estímulo e autonomia às negociações. O relator, inclusive, afirma

que a Constituição valoriza enfaticamente as convenções e acordos coletivos, apresentando o artigo

7º, inciso XXVI, da Carta Magna, para reforçar seu ponto.

Com base em tudo o que foi apresentado, torna-se ainda mais nítida a discordância entre

TST e STF acerca das negociações coletivas. Passemos ao último julgado a ser analisado neste

trabalho acerca das disparidades dos tribunais superiores acima mencionados.

3.6 – Recurso Extraordinário 895.759: A prudência do princípio da autonomia coletiva na

visão do STF

O presente julgado gira em torno de uma negociação realizada entre a Usina Central Olho

D’Água S/A e o Sindicato de Trabalhadores Rurais de seis municípios acerca da supressão dos

pagamentos de horas in itinere, sendo estas as horas pagas ela empresa quando não existe transporte

público regular no trajeto entre a casa do empregado e o local do trabalho. Têm caráter semelhante

ao das horas extras, estando previstas no artigo 58, §2º, da CLT, que prevê:

84 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Recurso Extraordinário 590.415 . Relator:

BARROSO, Luis Roberto. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE590415Voto.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2016.

48

Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

[...]

§ 2º - O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.85

Em substituição ao pagamento de tais verbas, foi negociado que os cortadores de cana

receberiam cestas básicas durante a entressafra, bem como teriam seguro de vida e acidentes além

do obrigatório, pagamento do abono anual aos trabalhadores com ganho mensal superior a dois

salários-mínimos, pagamento de salário-família além do limite legal, fornecimento de repositor

energético e adoção de tabela progressiva de produção em adição à prevista na convenção coletiva.

Segundo o advogado da empresa, tal decisão foi tomada em razão da dificuldade em calcular

as horas in itinere devidas, uma vez que alguns trabalhadores moram há 20 minutos do local de

trabalho, enquanto outros moram há quatro horas. Para facilitar a remuneração por tais horas, o

sindicato e a empresa acordaram em renunciar ao pagamento das mesmas, sendo os empregados

compensados pelos benefícios acima expostos86.

Após decisão do Tribunal Superior do Trabalho que desconsiderou a negociação, novamente

com fulcro na irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas garantidos pela CLT, a empresa recorreu

ao Supremo Tribunal Federal.

Em seu voto, o relator, ministro Teori Zavascki, deu preferência ao que foi acordado em

detrimento do que está previsto em lei, semelhante à decisão do Recurso Extraordinário 590.415

anteriormente apresentado neste trabalho. Trago partes relevantes do voto do relator:

2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal apreciou discussão semelhante à presente, sob o rito do art. 543-B do CPC/1973, no julgamento do RE 590.415 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 29/5/2015, Tema 152), interposto contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que negara a validade de quitação ampla do contrato de trabalho, constante de plano de dispensa incentivada, por considerá-la contrária ao art. 477, § 2º, da CLT.

[…]

3. No presente caso, a recorrente firmou acordo coletivo de trabalho com o sindicato da categoria à qual pertence a parte recorrida para que fosse suprimido o pagamento das horas

85 BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas, 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del5452.htm>. Acesso em: 03 nov. 2016. 86 POMBO, Bárbara e PIMENTA, Guilherme. Teoria reforça prevalência do negociado sobre o legislado.

Disponível em: <http://jota.info/ministro-stf-reforca-prevalencia-negociado-sobre-o-legislado-em-causa-trabalhista>. Acesso em: 03 nov. 2016.

49

in itinere e, em contrapartida, fossem concedidas outras vantagens aos empregados, “tais como ‘fornecimento de cesta básica durante a entressafra; seguro de vida e acidentes além do obrigatório e sem custo para o empregado; pagamento do abono anual aos trabalhadores com ganho mensal superior a dois salários-mínimos; pagamento do salário-família além do limite legal; fornecimento de repositor energético; adoção de tabela progressiva de produção além da prevista na Convenção Coletiva” (fl. 7, doc. 29). O acórdão recorrido não se encontra em conformidade com a ratio adotada no julgamento do RE 590.415, no qual esta Corte conferiu especial relevância ao princípio da autonomia da vontade no âmbito do direito coletivo do trabalho. Ainda que o acordo coletivo de trabalho tenha afastado direito assegurado aos trabalhadores pela CLT, concedeu-lhe outras vantagens com vistas a compensar essa supressão.

Verifica-se o apreço do ministro relator pelo princípio da autonomia negocial coletiva, eis

que afirma que ainda que o acordo coletivo tenha resultado em perda de direito previsto na

legislação trabalhista vigente, tal perda foi compensada por outras vantagens concedidas pelo

empregador aos seus empregados. Completa:

[…] Ademais, a validade da votação da Assembleia Geral que deliberou pela celebração do acordo coletivo de trabalho não foi rechaçada nesta demanda, razão pela qual se deve presumir legítima a manifestação de vontade proferida pela entidade sindical. Registre-se que a própria Constituição Federal admite que as normas coletivas de trabalho disponham sobre salário (art. 7º, VI) e jornada de trabalho (art. 7º, XIII e XIV), inclusive reduzindo temporariamente remuneração e fixando jornada diversa da constitucionalmente estabelecida. Não se constata, por outro lado, que o acordo coletivo em questão tenha extrapolado os limites da razoabilidade, uma vez que, embora tenha limitado direito legalmente previsto, concedeu outras vantagens em seu lugar, por meio de manifestação de vontade válida da entidade sindical.87

Importante ressaltar que o Recurso Extraordinário 590.415 serve como precedente no

julgamento do caso em tela, tendo em vista que o relator menciona o referido julgado em sua

decisão.

Ademais, reforça-se a disparidade entre o entendimento do TST e do STF, uma vez que o

órgão trabalhista mais uma vez optou por proteger o direito previsto em lei, entendendo ser a

compensação feita pela empresa um prejuízo ao trabalhador; já a Corte Suprema, mais precisamente

o ministro relator, entende que os benefícios dados em troca respeitam os limites da razoabilidade,

não sendo o resultado da negociação inconstitucional.

Portanto, nota-se que a prevalência do negociado sobre o legislado tem sido reiteradamente

aplicada pela Corte Suprema em suas decisões, o que aponta para uma prevalência da corrente

87 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Recurso Extraordinário 895.759 . Relator:

ZAVASCKI, Teori. Disponível em:<http://d2f17dr7ourrh3.cloudfront.net/wp-content/uploads/2016/09/STF-acordo.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2016.

50

defensora da flexibilização das normas trabalhistas baseada em uma negociação coletiva onde

sempre será respeitado o que for acordado, independente de geração de prejuízos ao empregado,

sobre a corrente oposta, representante da flexibilização da legislação trabalhista dentro dos limites

expressos previstos em lei e da interpretação que beneficie o empregado, nunca o empregador.

Isto posto, tanto as correntes doutrinárias mais relevantes acerca da flexibilização do direito

do trabalho quanto o contexto jurisprudencial foram devidamente abordados, garantindo um

panorama satisfatório que permite visualizar o cenário jurídico no qual o Projeto de Lei 4962/2016

será inserido, caso aprovado. Uma vez que as razões ensejadoras do projeto foram devidamente no

capítulo 1 deste trabalho, é importante agora analisar sua viabilidade à luz da Constituição,

considerando tudo o que foi aqui apresentado.

51

4 – A VIABILIDADE DO PROJETO DE LEI 4962/2016

4.1 – Desregulamentação das normas trabalhistas

Anteriormente neste trabalho foi apresentado um trecho de Ipojucan Demétrius Vecchi no

qual o autor afirma que “a flexibilização, tal como é apregoada hoje, é um primeiro passo na

trajetória de total desregulamentação do direito do trabalho, fenômeno que faz parte do receituário

neoliberal que propugna pela diminuição do custo operacional e pela destruição dos direitos

sociais”88. É importante, então, tratarmos do instituto da desregulamentação das normas trabalhistas,

tendo em vista a aparente relação que tal instituto tem com a flexibilização das normas trabalhistas.

Comecemos pelo seu aspecto histórico.

A desregulamentação se apresentou ao mundo justrabalhista no período que alguns chamam

de quarta fase do Direito do Trabalho, compreendida no final do século XX. Nos países ocidentais

desenvolvidos, o marco inicial se dá a partir de 1979. Nesse período, buscavam-se meios de aplacar

os impactos da crise econômica que atingiu o mundo nos anos de 1973 e 1974, conhecida

comumente como “crise do petróleo”, que consistiu no aumento do preço dos barris de petróleo em

até 400% em razão de conflitos ocorridos no território dos maiores exportadores de tal material à

época da crise89.

Como é comum a uma crise econômica, os índices inflacionários dos países desenvolvidos

apresentaram substancial aumento e a concorrência entre as empresas se tornou drasticamente mais

acirrada, sendo suficiente para elevar as taxas de desocupação – ou desemprego90.

É importante destacar que nos bastidores desse período de crise ocorriam expressivas

mudanças no ramo tecnológico, tais mudanças conhecidas como “primavera micro”, recebendo tal

nome em razão da introdução da microeletrônica e da microinformática, iniciando-se a robotização

moderna. As mudanças no cenário tecnológico tiveram como consequências, dentre outras, a

substituição de postos de trabalho – principalmente nas indústrias – por robôs e o advento de novas

modalidades de trabalho, como o teletrabalho e o home-office.

88 VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional, 2ª Edição. Passo

Fundo: UPF, 2007, p. 22. 89 Editorial O Globo. Opep mergulha o mundo na crise do petróleo nos anos 70, causando recessão. Disponível

em: <http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/opep-mergulha-mundo-na-crise-do-petroleo-nos-anos-70-causando-recessao-10230571>. Acesso em: 03 nov. 2016.

90 JUNIOR, Antonio Gasparetto. Crise do Petróleo. Disponível em: <http://www.infoescola.com/economia/crise-do-petroleo/>. Acesso em: 03 nov. 2016.

52

Entretanto, a mudança mais expressiva talvez seja a base que o período representa para a

globalização, ao trazer novos meios de comunicação mais dinâmicos91. É notório que, com a

globalização, o mundo econômico se tornou muito mais competitivo, caracterizando um capitalismo

muito mais “selvagem” e implacável em relação ao que já tinha sido visto até então92.

Tendo em vista a crise econômica e as mudanças tecnológicas que incidiam nos países

desenvolvidos, soluções precisavam ser encontradas para responder a crise, bem como novos

modelos de gestão trabalhista e empresarial precisavam ser estudados para adequar as empresas às

novas invenções.

Feito tal acréscimo, a solução que os chefes de Estado dos países desenvolvidos – em sua

maioria neoliberais – encontraram foi o rompimento do Welfare State, ou do Estado de Bem-Estar

Social, caracterizado por políticas sociais e por um ordenamento jurídico que limitava o mercado

econômico93. Com o rompimento do Estado de Bem-Estar Social, é correto afirmar que o Direito do

Trabalho foi afetado, tendo em vista que em sua terceira fase, conforme leciona Maurício Godinho

Delgado, afirmou-se como um instrumento de políticas sociais surgido no capitalismo, produzindo

inquestionável intervenção normativa na economia, em favor, regra geral, de importante

distribuição social dos ganhos do sistema econômico94. Foi com a decisão de romper o Welfare

State que surgiu a desregulamentação das normas trabalhistas, bem como os primeiros esboços de

flexibilização das mesmas95.

É de suma importância construir um paralelo entre tais mudanças e a situação da legislação

trabalhista no Brasil que, menos de dez anos após os acontecimentos aqui listados, submeter-se-ia a

um processo de democratização iniciado pelo advento da Constituição de 1988 e que perdurou nos

anos seguintes, visando sanar eventuais contradições contidas no Texto Magno, como as Emendas

Constitucionais 24/99 e 45/04, que desestruturaram a representação corporativa classista e

reduziram o poder normativo da Justiça do Trabalho, mantidos no texto original da Constituição

Federal de 1988.

91 TELECO. A microeletrônica no mundo móvel. Disponível em:

<http://www.teleco.com.br/tutoriais/tutorialcelular/pagina_2.asp>. Acesso em 03 nov. 2016. 92 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do

trabalho. São Paulo: Cortez Editora, 1995, p. 31. 93 CANCIAN, Renato. Estado do bem-estar social: História e crise do Welfare State. Disponível em:

<https://educacao.uol.com.br/disciplinas/sociologia/estado-do-bem-estar-social-historia-e-crise-do-welfare-state.htm>. Acesso em: 03 nov. 2016.

94 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição. São Paulo: Ltr, 2016, p. 103. 95 FORIGO, Marlus Vinicius. Crise do Estado de Bem-Estar Social e Neoliberalismo. Disponível em:

<revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RIMA/article/download/228/201>. Acesso em: 03 nov. 2016

53

Isto posto, não é difícil visualizar que tais mudanças na vertente justrabalhista conviveram

com os ideais liberalistas que permeavam o Ocidente na mesma época, sendo os mesmos

importados para o Brasil, o que gerou um conflito entre a democracia nas normas trabalhistas

trazida pela Constituição Federal e a desregulamentação defendida pelos países liberais

desenvolvidos. Para melhor ilustrar o cenário no qual a desregulamentação das normas trabalhistas

foi importada para o Brasil, trago à baila uma lição de Maurício Godinho Delgado:

Ou seja, mal se iniciara a transição democrática do Direito do Trabalho (já guardando, em si mesma, algumas contradições), a ela se acoplava uma proposta de desarticulação radical desse ramo jurídico especializado. Nesse quadro, a maturação do processo democratizante comprometia-se em face do assédio da proposta extremada de pura e simples desarticulação de todo o ramo jurídico protetivo.

A crise e a transição do Direito do Trabalho, que despontaram na Europa Ocidental a partir de meados ou fins da década de 1970, fizeram-se sentir tardiamente no Brasil, ao longo da década de 1990 - em pleno processo de transição democrática desse ramo jurídico instigado pela Constituição de 1988. Essa coincidência temporal de processos - o de democratização, de um lado, e, de outro, o de desarticulação radical do ramo justrabalhista - tornou dramática a fase brasileira de crise e transição do Direito do Trabalho.96

Através da passagem acima elencada torna-se evidente que os avanços democráticos

trazidos pela Carta Magna de 1988 ao direito trabalhista eram contrapostos pelos ideais liberais

contidos no instituto da desregulamentação e as mudanças que este traria.

É preciso, portanto, conceituar tal instituto a fim de tornar claro no que o mesmo consiste.

Ensina Godinho:

A desregulamentação trabalhista consiste na retirada, por lei, do manto normativo trabalhista clássico sobre determinada relação socioeconômica ou segmento das relações de trabalho, de maneira a permitir o império de outro tipo de regência normativa. Em contraponto ao conhecido expansionismo do Direito do Trabalho, que preponderou ao longo da história desse ramo jurídico no Ocidente, a desregulamentação trabalhista aponta no sentido de alargar espaços para fórmulas jurídicas novas de contratação do labor na vida econômica e social, naturalmente menos interventivas e protecionistas. Nessa medida, a ideia de desregulamentação é mais extremada do que a ideia de flexibilização, pretendendo afastar a incidência do Direito do Trabalho sobre certas relações socioeconômicas de prestação de labor.97

Considerando a lição de Godinho, é possível afirmar então que a desregulamentação é uma

flexibilização das normas trabalhistas extremada. Relacionando com o trecho de Vecchi acostado no

96 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição. São Paulo: Ltr, 2016, p. 121. 97 Id. Ibid., p. 69.

54

início deste capítulo, não seria absurdo afirmar que o Direito do Trabalho, caso não haja mudanças

em sentido contrário, caminha para a desregulamentação, uma vez que Vecchi assevera que a

flexibilização como é tratada atualmente já esboça tal destino.

É importante, portanto, analisar o Projeto de Lei 4962/2016, a fim de afirmar se o mesmo é

uma proposta de flexibilização das normas trabalhistas ou um texto legal cujo intuito é legitimar a

desregulamentação da legislação trabalhista, caso aprovado.

4.2 – Projeto de Lei 4962/2016: flexibilização ou desregulamentação?

Vimos através da conceituação de Godinho acerca da desregulamentação das normas

trabalhistas que esta é uma flexibilização extremada, afastando totalmente a incidência do Direito

do Trabalho de certas relações das quais o mesmo cuida; a flexibilização da legislação trabalhista,

tendo em vista tudo o que foi aqui exposto até então, visa afrouxar certas normas trabalhistas a fim

de adequá-las a certos vínculos laborais, conforme a dinâmica socioeconômica prediz. É importante

ressaltar, ainda que soe repetitivo, que a flexibilização, dependendo de como esta é tratada, pode ser

o primeiro passo para a desregulamentação das normas trabalhistas.

Pois bem, anteriormente neste trabalho foi exposto que a flexibilização das normas

trabalhistas está disposta na Constituição e que normas infraconstitucionais poderiam versar

também sobre tal instituto, ditando limites e parâmetros para sua utilização, obviamente respeitando

o Texto Magno. A princípio, o Projeto de Lei 4962/2016 parece se enquadrar nessa ideia, já que o

mesmo traz exigências tais como: o respeito aos limites Constitucionais, às normas de medicina e

segurança do trabalho; a necessidade de explicitar a vantagem compensatória a ser dada ao

empregado através da negociação coletiva celebrada; a não supressão de direito previsto em norma

legal. Tal pensamento se amolda com a corrente aqui apresentada, defendida por Süssekind e

Vecchi, na qual a flexibilização das normas trabalhistas deveria respeitar limites, a fim de não

prejudicar o empregado, em respeito aos princípios da adequação setorial negociada e da norma

mais favorável ao empregado.

Contudo, analisando-se outros trechos de seu texto é possível ter uma ideia diversa. O

projeto traz consigo a ideia de que direitos trabalhistas legalmente assegurados poderão ser

reduzidos em troca de uma outra vantagem, prevalecendo o negociado sobre o legislado – ainda que

em prejuízo, tratando-se de política social assecuratória, do empregado. Ademais, o texto é vago ao

55

dizer que tal redução temporária de direitos poderá se dar, especialmente, quando uma empresa ou

setor passarem por dificuldades econômicas ou financeiras, não caracterizando o que é uma

dificuldade financeira ou econômica – o que gera certa insegurança jurídica não admitida na

corrente mais garantista da flexibilização das normas trabalhistas, que abomina a

desregulamentação.

É importante considerar ainda a justificação do autor do projeto, na qual este menciona à

exaustão a necessidade de menor intervencionismo estatal nas negociações coletivas, e que somente

o sindicato deveria representar o empregado frente ao empregador, tendo em vista a sua autonomia

concedida pela Constituição Federal de 1988. Tal discurso pareia-se com o que afirma Romita,

quando este defende sua corrente, na qual a flexibilização deve ser também livre do

intervencionismo estatal, sendo o primeiro passo para a desregulamentação das normas trabalhistas.

Por fim, é inegável a semelhança do contexto histórico, em suas devidas proporções, no qual

surgiu a ideia de desregulamentação do Direito do Trabalho e no qual nasceu o Projeto de Lei

4962/2016. Vivemos em um período de austeridade no país, conforme foi ilustrado na primeira

parte do primeiro capítulo deste trabalho, onde, assim como na crise econômica de 1973, busca-se

alternativas para abrandar o índice crescente de inflação, bem como a igualmente crescente taxa de

desocupação.

O que reforça o contexto histórico como vetor influente no desabrochar de ideias de cunho

liberal é a existência de outra lei, criada também em período de crise econômica enfrentada pelo

país, crise esta conhecida como a “crise do Real”. Tal diploma legal é a Lei 9601/98, cuja proposta

principal visava tornar a legislação trabalhista mais fluida, sem considerar a proteção do

empregado, muito semelhante à desregulamentação. Uma das propostas de seu texto, por exemplo,

era tornar o contrato de trabalho por prazo determinado como o padrão, sendo o contrato por prazo

indeterminado – hoje guardado por princípios trabalhistas e sendo a regra dos vínculos

empregatícios – a exceção. É pertinente informar que os dispositivos referentes ao tema foram

vetados, assim como outros dispositivos que inferissem em uma desregulamentação do Direito do

Trabalho.

Portanto, todos os fatores até então apresentados indicam que o Projeto de Lei 4962/2016

propõe, se não uma flexibilização que abrirá claros precedentes para uma desregulamentação das

normas trabalhistas, uma direta e clara desregulamentação da legislação trabalhista. Assim como

não é a primeira vez no Brasil que a desregulamentação é proposta, alguns países no mundo já

vivenciaram a desregulamentação das normas trabalhistas. Interessa-nos a análise dos períodos nos

56

quais alguns desses países decidiram por desregulamentar seu corpo normativo trabalhista, a fim de

verificar sua viabilidade.

4.3 – A desregulamentação como ferramenta para solucionar crises econômicas

Para uma análise mais justa dos resultados da desregulamentação, serão analisados dois

países que adotaram tal instituto: Argentina e Espanha. Ambos são de blocos econômicos diferentes,

seus índices de desenvolvimento são também diferentes e o sistema de governo vigente quando a

desregulamentação das normas trabalhistas foi inserida também é diferente, dando uma visão ampla

de funcionalidade do instituto. Examinemos primeiramente a implantação da desregulamentação da

legislação trabalhista na Argentina.

Em 1990 a Argentina vivenciava o pico de sua crise econômica, que teve início na década de

80 com a queda de rendimentos, desarticulação das finanças públicas e a hiperinflação98.

Reconhecendo que as dificuldades econômicas e financeiras não eram episódicas, mas sim o

resultado de falhas no sistema de organização econômica, o novo governo Argentino, liderado pelo

presidente Carlos Menem, resolveu implantar um novo sistema99.

Nesse sistema, Menem seguiu as orientações dos países Ocidentais desenvolvidos em

relação ao Direito do Trabalho. Como já foi mostrado neste trabalho, tais países estavam

experimentando a desregulamentação das normas trabalhistas como forma de combater os

resultados da presente crise petrolífera. Tem início a desregulamentação argentina que, assim como

o Projeto de Lei 4962/2016, visa combater a inflação, a desvalorização da moeda nacional e a taxa

crescente de desocupação100.

O jurista uruguaio, Oscar Ermida Uriarte, do qual alguns ensinamentos já foram trazidos a

este trabalho, relata como foi o período no qual a Argentina optou pela desregulamentação da

legislação trabalhista:

A Argentina. O presidente Alfonsín, todos vocês devem lembrar, entregou o governo para o presidente Menen, no ano de 1990, com uma hiperinflação horrorosa. Vocês todos lembram

98 MARIN, Denise Chrispim. Cresce desemprego na Argentina. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/7/20/dinheiro/8.html>. Acesso em: 06 nov. 2016. 99 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos apud URIARTE, Oscar Ermida. La flexibilidad. In: Flexibilização

Trabalhista. 2ª Edição. Belo Horizonte: Mandamento. 2007, p. 125. 100 Id. Ibid.

57

disso, não é mesmo? O que ninguém diz é que, nesse momento, a taxa de desemprego na Argentina era de 6%, o que, em termos históricos, equivale a pleno emprego. Era uma taxa muito baixa de desemprego. No ano de 1991, começa o processo de flexibilização trabalhista na Argentina, para melhorar o emprego, a competitividade, etc, e o desemprego aumentou para 20%. Recém-começou a diminuir no ano de 1997, curiosamente quando esses contratos temporários foram eliminados.101

Assiste razão ao jurista uruguaio, pois em matéria publicada em julho de 1995 do jornal

Folha de São Paulo, a jornalista Denise Chrispim Marin relata que entre novembro de 1994 e maio

de 1995 a taxa de desocupação chegou a 18,8%, o que correspondia à 2,6 milhões de habitantes

argentinos sem emprego102. Segundo o site The Global Economy, que filtra os dados fornecidos

pelo Banco Mundial, a taxa de desocupação só entrou em declínio, realmente, a partir de 1997,

conforme afirma Uriarte, chegando a 12,8% em 1999103.

Portanto, nota-se que, durante o período no qual se adotou uma política de

desregulamentação do Direito do Trabalho na Argentina, a taxa de desocupação triplicou em relação

ao período anterior. Esse foi um dos impactos da desregulamentação das normas trabalhistas em um

país subdesenvolvido, cujo governo à época da desregulamentação era neoliberal, no qual a adoção

do instituto não surtiu efeitos positivos. Vejamos sua implantação na Espanha.

Em 1984 teve início na Espanha a ditadura de Francisco Franco, e um de seus legados foi

uma taxa de ocupação de 10%104. Visando combater tal índice preocupante, o primeiro presidente

espanhol após a instauração da democracia, Felipe González, decidiu fazer alterações nas políticas

econômicas do país a fim de recuperar as rédeas deste e se inserir no novo bloco econômico

europeu que se formava. Antônio Fabrício de Matos Gonçalves descreve a adoção das novas

medidas por González:

“Ocorre que, como fruto das pressões do capital, o país também cedeu, em razão do desemprego, estipulando doze novas modalidades contratuais, em forma de pactos ou nas bases da lei.”105

101 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos apud URIARTE, Oscar Ermida. La flexibilidad. In: Flexibilização

Trabalhista. 2ª Edição. Belo Horizonte: Mandamento. 2007, p. 125. 102 MARIN, Denise Chrispim. Cresce desemprego na Argentina. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/7/20/dinheiro/8.html>. Acesso em: 03 nov. 2016. 103 THE GLOBAL ECONOMY. Argentina e Taxa de desemprego. Disponível em:

<http://pt.theglobaleconomy.com/Argentina/Unemployment_rate/>. Acesso em: 03 nov. 2016. 104 FOLHA DE SÃO PAULO. Desemprego na Espanha tem maior nível desde 1997. Disponível em:

<http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,desemprego-na-espanha-tem-maior-nivel-desde-1997-imp-,588429>. Acesso em: 06 nov. 2016.

105 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos. Flexibilização Trabalhista. 2ª Edição. Belo Horizonte: Mandamento. 2007, p. 126.

58

Tem início então, em um governo socialista, a desregulamentação das normas trabalhistas na

Espanha, visando combater a crescente taxa de desocupação e a aceitação de seus vizinhos

europeus, na esperança de ocupar novamente um lugar no bloco econômico. Uriarte também

explica as mudanças trazidas pela desregulamentação à Espanha:

A Espanha começou seu processo flexibilizador, como foi dito ontem – e é verdade –, com um governo socialista, no ano de 1984. Nesse momento, o desemprego na Espanha era de 10%. Foram quatorze anos de política flexibilizadora, e o desemprego não diminuiu, mas subiu para 22%, segundo números oficiais. A oposição, como sempre, dizia quer era mais. Mas vamos falar dos números do governo. O desemprego chegou a 22%, até que um governo conservador, pró-empresarial, o de Aznar, resolver, então, parar com isso.106

Mais uma vez assiste razão ao jurista uruguaio, já que a taxa de desocupação neste ano foi a

maior desde 1998, que registrou um índice de 22%107. Mais uma vez a desregulamentação não teve

resultados satisfatórios, duplicando a taxa de desocupação. Neste caso, tratava-se de um país

desenvolvido, e o modelo de governo era socialista – diferente do governo de Menem.

Tais episódios apontam para uma tendência em tornar o Direito do Trabalho culpado pela

crise econômica de um país, acreditando-se que através de sua desregulamentação ou flexibilização

exacerbada será encontrada a solução dos problemas econômicos e financeiros.

Durante a crise do petróleo surgiram rumores que prediziam que as máquinas substituiriam

os empregados, formando uma “sociedade sem trabalho”, sendo necessária a adoção da

desregulamentação da legislação trabalhista para impedir que tal previsão catastrófica se

concretizasse, já que de nada adiantaria o protecionismo característico do Direito do Trabalho.

Nesta toada, Godinho leciona:

Entretanto, passadas mais de três décadas do início da crise do ramo juslaborativo, não se tornaram consistentes as catastróficas predições de uma sociedade sem trabalho. Não se tornaram também consistentes as alardeadas predições de uma sociedade capitalista com intensas relações laborativas subordinadas e pessoais, mas sem algo como o Direito do Trabalho. Houve, sem dúvida, uma acentuada desregulação, informalização e desorganização do mercado de trabalho, especialmente nos países semiperiféricos ao capitalismo central (Brasil, incluído, especialmente na década de 1990), porém, sem que se criassem alternativas minimamente civilizadas de gestão trabalhista, em contraponto com o padrão juslaborativo clássico.

106 GONÇALVES, Antônio Fabrício de Matos apud URIARTE, Oscar Ermida. La flexibilidad. In: Flexibilização

Trabalhista. 2ª Edição. Belo Horizonte: Mandamento. 2007, p. 127. 107 FOLHA DE SÃO PAULO. Desemprego na Espanha tem maior nível desde 1997. Disponível em:

<http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,desemprego-na-espanha-tem-maior-nivel-desde-1997-imp-,588429>. Acesso em 06 nov. 2016.

59

Na verdade, tornou-se ainda mais clara a necessidade histórica de um segmento jurídico com as características essenciais do Direito do Trabalho. Evidenciou-se inquestionável, em suma, que a existência de um sistema desigual de criação, circulação e apropriação de bens e riquezas, com um meio social fundado na diferenciação econômica entre seus componentes (como o capitalismo), mas que convive com a liberdade formal dos indivíduos e com o reconhecimento jurídico-cultural de um patamar mínimo para a convivência na realidade social (aspectos acentuados com a democracia), não pode mesmo desprezar ramo jurídico tão incrustado no âmago das relações sociais, como o justrabalhista.

No fundo, o que despontara, no início, para alguns, como crise para a ruptura final do ramo trabalhista, tem-se afirmado, cada dia mais, como essencialmente uma transição para um Direito do Trabalho renovado.108

Segundo Godinho, o direito do trabalho se torna cada dia mais necessário, ao contrário do

que se tornou tendência em tempos de crise. Portanto, conforme é possível entender de acordo com

o posicionamento acima exposto do autor, não seria o Projeto de Lei 4962/2016 uma alternativa

válida para lidar com a crise econômica e financeira vivenciada atualmente pelo país.

Desta forma, entende-se que a desregulamentação não é uma forma salubre de lidar com a

questão. Em tempos de crise econômica, a última coisa que o empregado, parte mais fraca na

relação empregatícia, necessita é a insegurança jurídica trazida por uma mudança tão brusca na

legislação trabalhista. É simplesmente incompatível e inviável tentar tornar igual o poder que

empregado e empregador possuem em uma negociação.

As principais razões que explicitam a inviabilidade da desregulamentação da legislação

trabalhista e, consequentemente, do Projeto de Lei 4962/2016 serão apresentadas a seguir.

4.4 – A viabilidade existencial

Quando Maurício Godinho Delgado afirma que “a importância da negociação coletiva

trabalhista transcende o próprio Direito do Trabalho”109, lhe assiste razão. Afinal, o Direito do

Trabalho trata sobre as nuances dos vínculos empregatícios e aqueles a eles vinculados, não sendo

estes coisas, mas pessoas. Segundo Flávio Filgueiras Nunes, “o trabalho não deve ser visto somente

como um instrumento capaz de prover necessidades básicas, mas, também, como fonte de

identificação e de auto-estima, de desenvolvimento das potencialidades humanas e de alcançar

108 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição. São Paulo: Ltr, 2016, p. 104. 109 Id. Ibid., p. 1516.

60

sentimento de participação nos objetivos da sociedade”110. Desta forma, é correto afirmar que a

flexibilização da legislação trabalhista transcende o Direito do Trabalho, incidindo em diferentes

esferas do Direito, bem como em pessoas.

Em trecho já acostado neste trabalho, afirma Vecchi que “o trabalho não pode ser visto com

uma visão predominantemente utilitarista ou econômica, pois na verdade é muito mais que isso, é o

trabalho um dos pilares da sociedade, e é por meio do trabalho que a pessoa humana deve buscar a

sua dignidade”, afirmando ainda que o trabalho não deve ser flexibilizado ao sabor do que deseja o

empregador. Note-se que o autor não diz que a norma trabalhista é flexionada, mas sim o trabalho.

Não se encontra em erro o autor uruguaio, uma vez que, flexibilizadas as normas trabalhistas, será

também o trabalho – sua duração, sua forma de prestação, a remuneração dada aos empregados.

Acerca da flexibilização do trabalho propriamente dito, e não da flexibilização da legislação

trabalhista – embora esta influencie aquela –, leciona Flávio Filgueiras Nunes sobre as diferentes

formas de flexibilização do trabalho:

A flexibilização pode ser descrita como sendo a capacidade de adaptação das empresas em relação às rápidas oscilações do mercado. Segundo Garrido, esta adaptação pode ocorrer de formas diversas, podendo ser classificadas em quatro tipos de processos: 1) flexibilidade numérica (redução do quadro de empregados e minimização dos custos com demissões); 2) flexibilidade temporal (utilização de novas modalidades de contrato e fixação de horários atípicos, possibilitando modificações rápidas nas cargas horárias e nos turnos dos trabalhadores); 3) flexibilidade produtiva (obtida através da externalização e terceirização da produção); e 4) flexibilidade funcional (pautada no ideal de trabalhador polivalente, qualidade que permite à empresa realizar a rotação dos trabalhadores nos postos de trabalho conforme suas necessidades.111

Observe-se que todas as formas de flexibilização do trabalho acima descritas defluem da

flexibilização das normas trabalhistas. Logo, a forma como as negociações coletivas serão tratadas

afetarão a flexibilização das normas trabalhistas, que por sua vez afetará a forma como a

flexibilização do trabalho é feita.

Tendo em vista que as correntes que defendem formas distintas de flexibilização das normas

trabalhistas apresentadas anteriormente neste trabalho convergem em relação à afirmação de

Romita, quando este assevera que “a prática tem demonstrado que os obstáculos opostos pela

110 NUNES, Flávio Filgueiras. Flexibilização, intensificação e precarização das relações laborais como fato

gerador do afrouxamento das relações familiares. Disponível em: <http://www.ufrrj.br/SEER/index.php?journal=RJEDSD&page=article&op=view&path%5B%5D=3075>. Acesso em: 03 nov. 2016, p. 4.

111 Id. Ibid., p. 5.

61

Constituição de 1988 ao avanço da regulação democrática são inoperantes” - ou seja, os limites

impostos pelos princípios da aplicação da norma mais benéfica e da adequação setorial negociada e

as situações previstas na Constituição na qual poderão ser as normas trabalhistas flexibilizadas,

considerar-se-á que a flexibilização das normas trabalhistas e do trabalho caminham para a

desregulamentação.

Não é difícil visualizar a flexibilização do trabalho: horários mais flexíveis, onde o

empregado exerce seu ofício somente o suficiente para cumprir suas metas; desnecessidade de

comparecer ao local do trabalho, variando com a atividade que o empregado desempenha; o

empregado como dono da sua rotina de trabalho. Ora, é seguro dizer que isso já existe, e acerca

dessa flexibilidade do trabalho em decorrência da flexibilização das normas trabalhistas cada vez

mais frouxa – e nisso concordam a corrente que defende a flexibilização ampla e a corrente que

defende a flexibilização com a intervenção do Estado – assevera Flávio Filgueiras Nunes que

“como efeito da flexibilização enquanto nova forma de organização do trabalho, o trabalhador

perdeu a estabilidade e a segurança, tendo sua capacidade de contestar os ditames do mercado

enfraquecida, já que irresignação pode significar demissão em uma época em que trabalho é

escasso.”112

Apesar de ser somente uma espiadela pela fechadura, tal afirmação permite vislumbrar que a

flexibilização das normas trabalhistas, da forma como caminham, não têm contribuído com relações

de trabalho mais fluidas, que atendam às necessidades do mercado, sem, contudo, prejudicar o

empregado. Pelo, contrário, como se pode ver quando Filgueiras completa que “para conseguir um

salário satisfatório, o empregado precisou envidar mais esforços e tempo na atividade laboral. Em

outras palavras, houve intensificação do ritmo laboral, os horários tornaram-se mais maleáveis e os

ganhos passaram a ser relativos às atividades realizadas em si consideradas”.113

A flexibilização das normas trabalhistas criaram uma modalidade de flexibilização do

trabalho, nomeada por Maria José Tonelli como “flexitempo”, sendo definida pela autora como

“uma nova forma de controle, não mais direto, mas onipresente, não mais o relógio de ponto, não

mais a rotina: uma liberdade aparente, desde que se consiga atingir as metas!114”. Cássio Adriano

Braz de Aquino, Edgla Maria Costa Barros e Camilla Alves Lima ainda completam acerca desse 112 NUNES, Flávio Filgueiras. Flexibilização, intensificação e precarização das relações laborais como fato

gerador do afrouxamento das relações familiares. Disponível em: <http://www.ufrrj.br/SEER/index.php?journal=RJEDSD&page=article&op=view&path%5B%5D=3075>. Acesso em: 03 nov. 2016, p. 5.

113 Id. Ibid., p. 6. 114 TONELLI, Maria José. Feitos pra não durar: emprego e casamento no final do século. Disponível em:

http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnANPAD/enanpad_2000/ARH/2000_ARH1097.pdf. Acesso em: 03 nov. 2016, p. 7.

62

novo sistema flexível de trabalho onde se tem maior apreço pelas metas, e não pelo horário de

expediente, afirmando que “o estabelecimento de metas é apresentado ao sujeito como um desafio a

ser cumprido, e o fracasso desta meta resulta na culpabilização do indivíduo.”115

As negociações coletivas e a flexibilização das normas trabalhistas deveriam agir de forma

benéfica ao empregado. Contudo, o que se vê aqui é o oposto, onde tais institutos, da forma como

são tratados atualmente, agem como lastro para instauração de um modelo de produção

contemporâneo onde o empregado é um objeto, uma mercadoria, contrariando totalmente o

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que busca no trabalho seu meio de dignidade.

Sob o novo modelo de produção pautado no flexitempo, a proposta que se tem é um

benefício mútuo a empregadores e empregados: estes se beneficiam dos horários mais flexíveis para

cuidarem de assuntos pessoais; aqueles lucram sobre a produtividade supostamente potencializada

de empregados que agora trabalham satisfeitos por terem mais tempo para administrarem suas

vidas. Filgueiras desconstrói a referida proposta, afirmando:

Portanto, o discurso pró-flexibilização, embora pregue vantagens para empregados e empregadores, favorece estes em detrimento daqueles. De um lado tem-se as promessas ao empregado de ‘autonomia’, ‘controle’ das próprias funções e de, ‘podendo fazer seu horário’, destinar mais tempo às demais esferas da vida.. De outro lado, os empregadores efetivamente ganham: o aumento da competitividade gera aumento da produção e a redução de despesas – discurso este que vai totalmente ao encontro da lógica do mercado e do capital.

Infelizmente, a submissão do empregado à mesma decorre do medo da instabilidade laboral, já que é dele que as pessoas podem se sustentar e sustentar seus desejos na sociedade de consumo.116

Trata-se, portanto, de ganho único e exclusivo do empregador, já que as metas são iguais ou

piores em relação ao tempo tomado pelas jornadas de trabalho pelo tempo utilizado pelo empregado

para se deslocar de sua casa para o trabalho. Soma-se a isso, conforme Filgueiras aponta, a

impossibilidade do empregado de se queixar, tendo em vista a instabilidade laboral. Contudo, o

115 AQUINO, Cássio Adriano Braz de; BARROS, Edgla Maria Costa; LIMA, Camilla Alves. Flexibilização e

intensificação laboral: manifestações da precarização do trabalho e suas conseqüências para o trabalhador. In: Revista Labor, n. 7, v. 1, 2012, p. 115. Disponível em: http://www.revistalabor.ufc.br/Artigo/volume7/7_Flexibilizacao_e_intensificacao_laboral_-_manifestacoes_da_precarizacao_do_trabalho_e_suas_consequencias_para_o_trabalhador_Cassio_Adriano_Braz_de_Aquino.pdf. Acesso em: 03 nov. 2016.

116 NUNES, Flávio Filgueiras. Flexibilização, intensificação e precarização das relações laborais como fato gerador do afrouxamento das relações familiares. Disponível em: <http://www.ufrrj.br/SEER/index.php?journal=RJEDSD&page=article&op=view&path%5B%5D=3075>. Acesso em: 03 nov. 2016, p. 7.

63

impacto que esta representa no cenário da flexibilização das normas laborais será abordado em

momento oportuno neste trabalho.

Os efeitos causados pela evidente disparidade de forças nas negociações coletivas vão além.

Aquino, Barros e Lima apontam que “decorrente da flexibilização e da intensificação, temos a

precarização laboral, que não se confunde com condições precárias de trabalho. A precarização

laboral deve ser entendida como processo crescente e generalizado de instabilidade, de

flexibilização e de perda de garantias sociais”117. Perda de garantias sociais é, e sempre será, algo

no mínimo preocupante, já que este é um núcleo que jamais deve ser atingido pela flexibilização –

seja ela das normas trabalhistas estatais heterônomas ou do trabalho propriamente dito.

Aquino completa a afirmação acima elencada, em citação de Filgueiras, ao prelecionar que

“a precarização, portanto, acaba por se constituir uma ‘resposta’ contemporânea do capital que

articula novos modelos de temporalidades e vínculos laborais que vulneram os direitos básicos dos

trabalhadores”118. Os posicionamentos aqui juntados apontam conjuntamente para uma deterioração

do trabalho como um todo, partindo da legislação e se embrenhando dentre os vieses que esta

alcança.

É certo que, com os impactos causados por um instrumento de flexibilização das leis

trabalhistas tão desregulado, quem sofrem são os empregados. Não só em relação à flutuação das

taxas de desocupação, mas também – ou principalmente – em suas vidas, em suas esferas

existenciais. David Moreno Montenegro leciona que:

Esta constante reinvenção do trabalho ditada pelo capital tem como reflexo a imposição de excessivas demandas de trabalho, a fragmentação das jornadas e a desorganização da vida pessoal, bem como a perda do controle das funções que, por sua vez, leva à perda da noção de tempo linear não só na realização de trabalhos determinados como também na perspectiva de realização pessoal a longo prazo e de sonhos individuais e familiares.119

117 AQUINO, Cássio Adriano Braz de; BARROS, Edgla Maria Costa; LIMA, Camilla Alves. Flexibilização e

intensificação laboral: manifestações da precarização do trabalho e suas conseqüências para o trabalhador. In:Revista Labor, n. 7, v. 1, 2012, p. 108. Disponível em: <http://www.revistalabor.ufc.br/Artigo/volume7/7_Flexibilizacao_e_intensificacao_laboral_-_manifestacoes_da_precarizacao_do_trabalho_e_suas_consequencias_para_o_trabalhador_Cassio_Adriano_Braz_de_Aquino.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2016.

118 AQUINO, Cássio Adriano Braz de. O processo de precarização laboral e a produção subjetiva: um olhar desde à Psicologia Social. In: O público e o privado. nº 11, Jan/Jun, 2008. p. 174.

119� MONTENEGRO, David Moreno. Desemprego, informalidade e precarização do trabalho no Brasil contemporâneo: ensaio sobre uma tragédia anunciada. In: Anais do VI Seminário do Trabalho: Trabalho, economia e educação no Século XXI (2008). Disponível em: <http://www.estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/davidmorenomontenegro.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2016, p. 4.

64

Em decorrência da perda da noção de posicionamento pessoal do empregado dentro da

imensa dimensão das relações humanas, há também a perda de posicionamento do empregado como

parte atuante dentro de uma empresa. Com as mudanças no modelo de produção, cada vez mais

“flexível”, dá-se primazia à competição em detrimento à cooperação. Como assevera Filgueiras,

citando Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, ao versar sobre as consequências das flexibilizações

pelas quais passa o trabalho, “pelo fato de a concorrência ter substituído a solidariedade, assiste-se à

decomposição dos vínculos coletivos”.120

É um processo que se eterniza: a flexibilização das leis trabalhistas flexibiliza também o

trabalho, que enfraquece o vínculo coletivo dentre os empregados. Por sua vez, o fraco vínculo

coletivo enfraquece a categoria profissional em uma nova negociação, que penderá mais uma vez

para o empregador.

Um dos fundamentos da República Federativa do Brasil são os valores sociais do trabalho,

fundamento este previsto na Constituição Federal, lei máxima dentro de um país. Não se pode

ameaçar – e, alguns casos, violar, conforme já foi apontado neste trabalho por autores de relevante

porte – tais valores com a falsa premissa de melhorias, de adequações ao capital. Embora já tenha

sido dito por diversas vezes neste trabalho, nunca será suficiente ressaltar que o empregado não é

uma mercadoria. Não deve o mesmo ser tratado unicamente como uma ferramenta para atingir

lucros. Não se pode alterar as normas trabalhistas em função de valores transmitidos pelo capital,

eis que o direito deve servir às pessoas, e não a via contrária.

A fim de ilustrar toda a construção intelectual até agora realizada para formar o pensamento

de que a flexibilização do trabalho atinge o empregado em sua esfera mais pessoal, provando que

não se trata de uma divagação filosófica dentro de um trabalho cuja proposta é analisar a viabilidade

de um projeto de lei que carrega em si a premissa de mudar as marés ruins que assolam o país, o

Recurso Ordinário 1533-23/2012, julgado pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª

Região é peça fundamental a ser aqui acostada. Diz sua ementa:

DANO EXISTENCIAL. As condições em que era exercido o trabalho da reclamante no empreendimento réu apontam a ocorrência de dano existencial, pois sua árdua rotina de trabalho restringia as atividades que compõem a vida privada lhe causando efetivamente um prejuízo que comprometeu a realização de um projeto de vida. No caso, a repercussão nociva do trabalho na reclamada na

120

� NUNES, Flávio Filgueiras apud BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. In: Flexibilização, intensificação e precarização das relações laborais como fato gerador do afrouxamento das relações familiares. Disponível em: <http://www.ufrrj.br/SEER/index.php?journal=RJEDSD&page=article&op=view&path%5B%5D=3075>. Acesso em: 03 nov. 2016, p. 10.

65

existência da autora é evidenciada com o término de seu casamento enquanto vigente o contrato laboral, rompimento que se entende provado nos autos teve origem nas exigências da vida profissional da autora.121

No Recurso Ordinário acima exposto era avaliada a necessidade de manter decisão de

primeira instância que concedeu à funcionária de uma empresa indenização por dano existencial.

Dano existencial é considerado pelo Tribunal Superior do Trabalho como “consiste em espécie de

dano extrapatrimonial cuja principal característica é a frustração do projeto de vida pessoal do

trabalhador, impedindo a sua efetiva integração à sociedade, limitando a vida do trabalhador fora do

ambiente de trabalho e o seu pleno desenvolvimento como ser humano, em decorrência da conduta

ilícita do empregador”122. Note-se que não se trata apenas de jornada exaustiva, por exemplo,

devendo esta prejudicar o empregado em seus planos de vida.

A reclamante afirmou que seu casamento teve fim em razão das jornadas às quais era

submetida. As jornadas eram, durante a semana, das 08h00 às 20h00, aos sábados, das 08h00 às

16h00 e em dois domingos por mês, das 08h00 às 13h00. Ainda que tais jornadas pareçam abusivas,

elas são permitidas, desde que acordado em negociação coletiva, conforme prevê o artigo 7º, inciso

XIII, do Texto Magno:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.123

A empresa alegou que só seriam devidas horas extras. Contudo, o entendimento da 4ª Turma

do TRT da 4ª Região entendeu que seria, de fato, devida à reclamante indenização por dano

existencial, tendo em vista a perda de seu casamento. A perda ocorrida em sua esfera existencial, em

seu âmbito pessoal que lhe define como pessoa. É pertinente, mais uma vez, lembrar da afirmação

de Godinho: “a importância da negociação coletiva trabalhista transcende o próprio Direito do

Trabalho”.

121

� TRT 4a. Região. 4a. Turma. RO 0001533-23.2012.5.04.0006, Rel. Des. André Reverbel Fernandes, j. 10.06.2010 122

� TST. 2a. Turma. RR 0001034-74.2014.5.15.0002, Min. Rel. José Roberto Freire Pimenta, j. 13.11.2015 123

� BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 03 nov. 2016.

66

Contudo, este não é um caso isolado de indenização por dano existencial, uma vez que o

TST reconheceu como uma modalidade de dano paralela ao dano moral e ao dano patrimonial. No

Recurso de Revista 1034-74/2014, julgado pelo pela 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho,

mais uma vez foi concedida indenização por dano existencial:

O dano existencial consiste em espécie de dano extrapatrimonial cuja principal característica é a frustração do projeto de vida pessoal do trabalhador, impedindo a sua efetiva integração à sociedade, limitando a vida do trabalhador fora do ambiente de trabalho e o seu pleno desenvolvimento como ser humano, em decorrência da conduta ilícita do empregador. O Regional afirmou, com base nas provas coligidas aos autos, que a reclamante laborava em jornada de trabalho extenuante, chegando a trabalhar 14 dias consecutivos sem folga compensatória, laborando por diversos domingos. Indubitável que um ser humano que trabalha por um longo período sem usufruir do descanso que lhe é assegurado, constitucionalmente, tem sua vida pessoal limitada, sendo despicienda a produção de prova para atestar que a conduta da empregadora, em exigir uma jornada de trabalho deveras extenuante, viola o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, representando um aviltamento do trabalhador. O entendimento que tem prevalecido nesta Corte é de que o trabalho em sobrejornada, por si só, não configura dano existencial. Todavia, no caso, não se trata da prática de sobrelabor dentro dos limites da tolerância e nem se trata de uma conduta isolada da empregadora, mas, como afirmado pelo Regional, de conduta reiterada em que restou comprovado que a reclamante trabalhou em diversos domingos sem a devida folga compensatória, chegando a trabalhar por 14 dias sem folga, afrontando assim os direitos fundamentais do trabalhador.124

Observe-se que não se trata apenas de extrajornada, mas de um verdadeiro abuso com o

empregado, que não tem outra escolha se não aceitar as condições que lhe são impostas, sob pena

de perder seu emprego – sua fonte de sustento. É basicamente uma chantagem, onde o empregado

abre mão de sua qualidade de vida para não desamparar seus dependentes – ou, ainda que não tenha

algum, deixar de pagar seus credores.

O progressivo afrouxamento dos limites impostos às negociações coletivas tem como um de

seus reflexos o que foi apresentado por meio de posicionamentos doutrinários e de decisões

judiciais: a necessidade de criação de uma nova modalidade de dano e indenização para este, a fim

de remediar os abusos possibilitados por flexibilizações realizadas na legislação trabalhista; a

necessidade de criação, por parte das empresas, de políticas superficiais para fugir das hipóteses de

incidência de dano existencial, como inserção de espaços de recreação dentro da empresa – o que de

nada adianta ao empregado; a precarização do trabalho; o desgaste do vínculo coletivo dos

empregados; a desestruturação da vida pessoal do trabalhador.

124

� TST. 2a. Turma. RR 0001034-74.2014.5.15.0002, Min. Rel. José Roberto Freire Pimenta, j. 13.11.2015

67

Torna-se claro, portanto, que a forma como as negociações coletivas são conduzidas

influencia – no caso do Brasil, de forma negativa –, de fato, outros fatores que transcendem o

Direito do Trabalho. O prejuízo em tais esferas transcendentais deve ser um fator impeditivo da

desregulamentação das normas trabalhistas e, tendo em vista que o PL 4962/16 é um passo rumo à

desregulamentação, o mesmo não se mostra viável.

Analisada a inviabilidade do Projeto de Lei 4962/16 à luz da esfera existencial dos

trabalhadores tocados pelos efeitos da flexibilização plena, será estudada sua inviabilidade do ponto

de vista legislativo e sindical.

4.5 – A viabilidade sindical

É comum aos defensores da desregulamentação ou da flexibilização plena da legislação

trabalhista tratarem dos sindicatos como defensores dos empregados capazes tornar estes

equivalentes ao empregador em uma negociação coletiva, dando vida ao princípio da equivalência

dos contratantes coletivos.

Romita o faz em uma passagem já juntada neste trabalho, ao afirmar que “há de se corrigir

os rumos, mudar a orientação, prosseguir na via aberta pela própria Constituição de 1988, ao

admitir a autonomia sindical, dar ênfase à negociação coletiva”; o autor do Projeto de Lei 4962/16,

em sua justificação, afirma que “normas legais que disponham sobre verbas salariais e jornada de

trabalho são passíveis de flexibilização, desde que esta se faça através de negociação coletiva entre

empresas e sindicatos, nos limites da Constituição”125; o ministro do Supremo Tribunal Federal,

Luis Roberto Barroso, em decisão neste trabalho já exposta, não só trata dos sindicatos como força

de amparo aos trabalhadores, como ainda acrescenta:

O empregador, ente coletivo provido de poder econômico, contrapõe-se à categoria dos empregados, ente também coletivo, representado pelo respectivo sindicato e munido de considerável poder de barganha, assegurado, exemplificativamente, pelas prerrogativas de atuação sindical, pelo direito de mobilização, pelo poder social de pressão e de greve.

125

� Câmara dos Deputados. PL 4962/2016. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2081782>. Acesso em: 03 nov. 2016.

68

Todos os argumentos acima juntados representam a ideia de que é possível desregulamentar

as normas trabalhistas, ou flexibilizá-las amplamente, pois o sindicato supriria o papel protecionista

do Estado, sendo o suficiente para proteger o empregado sem desvirtuar o que foi pactuado na

negociação coletiva.

Pois bem, resta então analisar se os sindicatos, de fato, são suficientes para suprir o auxílio

prestado pelo Estado, de forma que este não mais necessite intervir nas negociações coletivas.

Prevê o artigo 579, da Consolidação das Leis Trabalhistas:

Art. 579 - A contribuição sindical é devida por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591.126

Portanto, há previsão legal de que os empregados de determinada categoria profissional ou

econômica devem aos seus sindicatos uma contribuição. Tendo em vista a redação do artigo, trata-

se de uma contribuição obrigatória que, de acordo com o artigo 580 da CLT, refere-se a um dia de

serviço, sendo recolhida de uma só vez. Abaixo, o referido artigo in verbis:

Art. 580. A contribuição sindical será recolhida, de uma só vez, anualmente, e consistirá:

I - Na importância correspondente à remuneração de um dia de trabalho, para os empregados, qualquer que seja a forma da referida remuneração.127

Trata-se, portanto, de outra modalidade de custeio do sistema sindical, esta fruto de

negociação coletiva. Tal contribuição é coletada em março, sendo o valor enviado à União, que

repassa os valores aos sindicatos.

Contudo, antes de despender o devido cuidado às problemáticas envolvendo a contribuição

sindical, é necessário avaliar um tema que guarda com este uma ligação inegável e que igualmente

representa um entrave ao desenvolvimento sindical no país: a unidade sindical.

126

� BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas, 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 03 nov. 2016.

127 � Ibid.

69

A unidade sindical, disposta no artigo 8º, inciso II, da Carta Magna, veda a criação de mais

de um sindicato – seja ele representante da categoria profissional ou econômica – em uma mesma

base territorial. Abaixo, o referido dispositivo in verbis:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município.128

Em decorrência do texto acima elencado, apenas um sindicato em determinado segmento

territorial tem o papel de captar e representar os interesses de todos os trabalhadores neste segmento

situados, caracterizando a unidade sindical da qual o Brasil se serve. E justamente aqui reside o

primeiro problema com os sindicatos: a falha representatividade.

O presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Lorival Ferreira dos Santos,

afirma que “é preciso haver mudanças na Constituição da República, artigo 8º. Hoje prevalece o

princípio da unicidade, do sindicato único”, afirmando ainda que a resolução do problema se daria

com a ratificação da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho129, que prevê a

adoção da pluralidade sindical, conforme abaixo:

Art. 1 — Cada Membro da Organização Internacional do Trabalho, para o qual a presente Convenção está em vigor, se compromete a tornar efetivas as disposições seguintes. Art. 2 — Os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas. Art. 3 — 1. As organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de elaborar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de organizar a gestão e a atividade dos mesmos e de formular seu programa de ação. 2. As autoridades públicas deverão abster-se de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou entravar o seu exercício legal. Art. 4 — As organizações de trabalhadores e de empregadores não estarão sujeitas à dissolução ou à suspensão por via administrativa. Art. 5 — As organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de constituir federações e confederações, bem como o de filiar-se às mesmas, e toda organização,

128 BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

Acesso em: 03 nov. 2016. 129 ROVER, Tadeu e GRILLO, Brenno. Especialistas defendem reforma sindical antes da trabalhista. Disponível em

<http://www.conjur.com.br/2016-jul-25/reforma-sindical-vir-antes-trabalhista-dizem-especialistas>. Acesso em: 06 nov. 2016.

70

federação ou confederação terá o direito de filiar-se às organizações internacionais de trabalhadores e de empregadores.130

No mesmo sentido de Lorival Ferreira dos Santos, o ministro do Tribunal Superior do

Trabalho, Lelio Bentes, defende que a pluralidade sindical é o primeiro passo para a solução da

fraca representatividade sindical:

Sem sombra de dúvidas a estrutura sindical brasileira precisa ser revista. Precisamos ter entidades sindicais verdadeiramente representativas.

[...]

Isso demonstra uma distorção trágica na estrutura sindical brasileira, imposta por uma determinação constitucional que trouxe para o plano constitucional um dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho da década de 1940 que é a unicidade sindical, reforçada e agravada pelo imposto sindical, uma forma artificial de dar uma sustentação econômica a entidades sindicais que muitas vezes não tem a mínima legitimidade junto à categoria sequer para angariar seus próprios associados.131

Na passagem acima, o magistrado não só reforça os malefícios da unidade sindical, como

também os relaciona com o imposto sindical, sendo ele um agente agravante na situação retrógrada

na qual os sindicatos se encontram, servindo de sustentáculo econômico de sindicatos que não

representam sua classe profissional.

Ilustrando o quadro da não representação das classes profissionais como um todo em virtude

da unidade sindical, Luiz Philippe, também ministro do TST, justifica que “no Brasil apenas 17%

dos trabalhadores são sindicalizados. Então já temos um problema enorme. Além dos 17%, eles só

têm a proteção legal, e não a proteção do negociado. De outro lado os sindicatos representam

apenas 17%, então nós temos da massa trabalhadora um déficit de quase 83%”132. O magistrado

ainda completa, salientando o impacto da falha representatividade nas negociações coletivas:

Os instrumentos coletivos são fontes autônomas de direito para melhorar as condições da categoria representada, um estatuto mínimo superior ao estatuto legal, desde que observadas as condições específicas. Temos que assegurar um pluralismo para que, se eu assinar um acordo que não seja bom para a categoria, eu não mais os represente.133

130 Organização Internacional do Ttrabalho. Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização. Disponível

em: <http://www.oit.org.br/content/liberdade-sindical-e-protecao-ao-direito-de-sindicalizacao>. Acesso em 06 nov. 2016.

131 ROVER, Tadeu e GRILLO, Brenno. Especialistas defendem reforma sindical antes da trabalhista. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2016-jul-25/reforma-sindical-vir-antes-trabalhista-dizem-especialistas>. Acesso em 06 nov. 2016.

132 Ibid. 133 Ibid.

71

Por fim, o presidente do TST, Ives Gandra Filho, pontua acerca da melhoria na

representatividade sindical:

Penso que o caminho seria o pluralismo sindical, sendo os acordos coletivos firmados com os sindicatos de maior representatividade e as ações de substituição processual protegendo apenas os associados, de modo a estimular a filiação.134

Com as palavras dos magistrados neste trabalho elencadas, torna-se cristalino que a unidade

sindical é o engessamento do progresso da representatividade das classes profissionais, o que, por

sua vez, repercute negativamente em sede de negociações coletivas: pois um sindicato que não

representa os interesses de seus empregados sob sua égide “protegidos”, jamais poderá negociar

algo que, de fato, lhes favoreça, sendo a pluralidade sindical apontado pelos mesmos juristas o

agente responsável por sanar parte deste problema.

A pluralidade sindical solverá apenas parte do problema de representatividade pois,

conforme aponta Lelio Bentes135, existe ainda o imposto sindical obrigatório e sua forma de

distribuição. Portanto, não só se faz necessária a pluralidade sindical disposta na Convenção 87 da

Organização Internacional do Trabalho, como também uma forma de contribuição que seja à ela

adequada.

Nesse ponto, é importante analisar parte da proposta do Projeto de Lei 5795/2016, que

propõe a criação do Capítulo III-A na Consolidação das Leis Trabalhistas, que trataria da

contribuição negocial. O primeiro artigo deste capítulo, 610-A, trata de uma contribuição sindical

que, ao contrário da atualmente existente, seria direcionada aos sindicatos de cada categoria

profissional, com o intuito de financiar as negociações coletivas. Prevê o artigo:

Art. 610-A. A contribuição negocial, destinada ao financiamento da negociação coletiva e outras atividades sindicais, será descontada de todos os trabalhadores membros da categoria profissional e de todos os representados pelas categorias econômicas, conforme o disposto na alínea ‘e’ do art. 513 desta Consolidação, ressalvado o direito de oposição previsto no art. 610-C. § 1º O valor da contribuição negocial, a ser creditado em favor das entidades sindicais

134 ROVER, Tadeu e GRILLO, Brenno. Especialistas defendem reforma sindical antes da trabalhista. Disponível em

<http://www.conjur.com.br/2016-jul-25/reforma-sindical-vir-antes-trabalhista-dizem-especialistas>. Acesso em 06 nov. 2016.

135 Ibid.

72

representativas, será fixado, com base na autonomia coletiva da categoria, em assembleia destinada a aprovar o resultado final do processo de negociação ou os termos de eventual acordo ou convenção coletiva. § 2º A importância arrecadada dos trabalhadores será distribuída da seguinte forma: I - 80% (oitenta por cento) para o Sindicato respectivo; II - 5% (cinco por cento) para a Central Sindical correspondente; III - 5% (cinco por cento) para a Confederação correspondente; IV - 7% (sete por cento) para a Federação correspondente; V - 2,5% (dois vírgula cinco por cento) para o Conselho Nacional de Autorregulação Sindical; VI - 0,5% (zero virgula cinco por cento) para o Departamento Intersindical de Estudos Sócio Economicos-Dieese. § 3º A importância arrecadada dos representados por categoria econômica será distribuída da seguinte forma: I - 85,5% (oitenta e cinco virgula cinco por cento) para o Sindicato respectivo; II - 5% (cinco por cento) para a Federação correspondente; III - 7% (sete por cento) para a Confederação correspondente; IV - 2,5% (dois virgula cinco por cento) para o Conselho Nacional de Autorregulação Sindical. § 4° Inexistindo Confederação, Federação ou, ainda, filiação a Central Sindical, os respectivos percentuais reverterão ao Conselho Nacional de Autorregulação Sindical. § 5º O valor da contribuição prevista no art. 610-A desta Consolidação não poderá ultrapassar 1% (um por cento) da remuneração bruta anual do trabalhador em atividade ou até três vezes o valor da contribuição sindical prevista no inc. IV, do art. 580 para representado por categoria econômica. § 6º No mês da incidência da contribuição sindical, conforme prevê o art. 583 desta Consolidação, não se fará desconto relativo à contribuição negocial.136

As contribuições obrigatórias por categoria acima propostas seriam uma forma mais justa de

coletar a contribuição sindical, sendo esta remetida ao sindicato da classe profissional que melhor a

represente com o intuito único e exclusivo de auxiliar no custeio da negociação coletiva, muito

assemelhando-se ao que propôs Ives Gandra Filho sobre os sindicatos de maior representatividade

firmarem acordos em negociações coletivas.

Godinho lista, além de uma reforma no imposto sindical e sua coleta, alguns aspectos que

contribuiriam para uma atuação sindical mais forte junto aos empregados em negociações coletivas:

É óbvio que tais poderes só se realizam se, de fato, houver uma reforma sindical extirpadora do corporativismo remanescente no modelo sindical oriundo de 1930, combinada a uma Carta de Direitos Sindicais que realmente assegure consistência e força à atuação do sindicalismo. Tudo isso combinado a uma prática jurisprudencial que saiba ler a Constituição em seu essencial espírito democrático e coletivo.”137

136 Câmara dos Deputados. PL 5795/2016. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=160B78A6DAFFA52D36BFF80D3BA12061.proposicoesWebExterno1?codteor=1487799&filename=PL+5795/2016>. Acesso em 03 nov. 2016.

137 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição. São Paulo: Ltr, 2016, p. 122.

73

Apesar de discorrer sobre os sindicatos e sua fraca representatividade atual, é importante

ainda analisar outro ponto importantíssimo que não permite aos empregados uma equivalência nas

negociações perante os empregadores. Foi dito anteriormente neste trabalho que uma legislação

coerente também desempenha papel fundamental para que o princípio da equivalência das partes

contratantes se veja cumprido.

Nesta toada, como pode o empregado ter igualdade negocial quando a estabilidade

empregatícia é uma exceção no ordenamento jurídico? Simplesmente não pode. A legislação

trabalhista não concede amparo ao empregado para que este exerça pressão na negociação coletiva.

Sem estabilidade no emprego, esta leva consigo a possibilidade de greve ou de qualquer outro ato

legal que cause impacto na mesa de negociações, pois o trabalhador não pode perder seu emprego.

Ainda que o artigo 477, da Consolidação das Leis Trabalhistas, conceda o direito de

indenização ao empregado dispensado sem justa causa, isso não lhe basta. Na verdade, se

comparado com a estabilidade no emprego, tal indenização se torna algo semelhante a uma esmola.

Prevê o referido dispositivo:

Art. 477 - É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para a terminação do respectivo contrato, e quando não haja ele dado motivo para cessação das relações de trabalho, o direto de haver do empregador uma indenização, paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa.138

Acerca da legislação possuir um papel importante nas negociações coletivas, leciona

Godinho:

Os instrumentos colocados à disposição do sujeito coletivo dos trabalhadores (garantias de emprego, prerrogativas de atuação sindical, possibilidades de mobilização e pressão sobre a sociedade civil e Estado, greve, etc.) reduziriam, no plano juscoletivo, a disparidade lancinante que separa o trabalhador, como individuo, do empresário. Isso possibilitaria ao Direito Coletivo conferir tratamento jurídico mais equilibrado às partes nele envolvidas. Nessa linha, perderia sentido no Direito Coletivo do Trabalho a acentuada diretriz protecionista e intervencionista que tanto caracteriza o Direito Individual do Trabalho.139

Não há como se falar em equidade de negociadores enquanto a entidade que deveria atuar

em defesa da classe dos trabalhadores não tem força suficiente para tornar a mesa plana, e não

138 BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas, 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del5452.htm>. Acesso em: 03 nov. 2016. 139 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 15ª Edição. São Paulo: Ltr, 2016, p. 1459.

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íngreme; não há como se falar em pressão dos empregados em busca de melhores condições

trabalhistas enquanto for facultado ao empregador demitir os funcionários que discordem das

diretrizes da empresa, dando em retorno apenas uma ínfima indenização. O princípio da intervenção

sindical nas negociações coletivas, bem como o princípio da equidade dos contratantes coletivos, no

cenário atual, pouco representam. Leciona Lourival José de Oliveira:

O atual desequilíbrio entre capital e trabalho acentua-se pelo notório enfraquecimento sindical e pelo próprio desemprego. Nestas circunstâncias, seria viável conceder uma maior autonomia à negociação coletiva se o desequilíbrio entre as forças que celebrarão a avença é tão acentuado? Como asseverar que o pacto firmado estabelecerá realmente uma compensação entre o que for renunciado em prol do que se pretende manter?140

Somente com uma reformulação legislativa que conceda estabilidade empregatícia ao

trabalhador em conjunto com uma reforma sindical é possível imaginar negociações coletivas nas

quais não seja necessária a intervenção do Estado. Enquanto as desigualdades se iniciarem antes

mesmo das negociações, será inviável desregulamentar as normas trabalhistas ou permitir que estas

sejam flexibilizadas amplamente.

Tratadas as questões referentes à inviabilidade do Projeto de Lei 4962/2016 em razão das

mazelas sindicais e legislativas, o próximo ponto a ser abordado neste trabalho serão os limites

constitucionais que impedem a desregulamentação das normas trabalhistas.

4.6 – A viabilidade constitucional

Já foi dito neste trabalho através de citações de juristas de relevante porte, ainda que

superficialmente – de forma proposital, que a Constituição Federal limita o instituto da

flexibilização das normas trabalhistas, devendo esta se dar dentro das hipóteses dos incisos VI, XIII

e XIV, do artigo 7º do Texto Maior. São elas:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

140 OLIVEIRA, Lourival José de. Os limites da flexibilização no direito do trabalho sob uma perspectiva

constitucional. Disponível em: <www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/10743/9393>. Acesso em: 03 nov. 2016, p. 7.

75

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;141

As três hipóteses acima listadas são as únicas previstas taxativamente na Carta Magna onde

será possível flexibilizar norma trabalhista, observando-se o que dispõe o caput do dispositivo: “que

visem à melhoria de sua condição social”, referindo-se aos trabalhadores. Apenas a redação do

referido artigo seria suficiente para elucidar que a negociação coletiva e a flexibilização das normas

trabalhistas previstas na Constituição, nas palavras de Vecchi, não são uma “carta em branco”.

Contudo, visando esclarecer todos os pontos, é preciso ir além e examinar os demais limites

previstos na Constituição, ainda que implícitos – de certa forma. Nas lições de Lourival José de

Oliveira:

Há de se observar que o Direito do Trabalho está listado entre os direitos fundamentais protegidos pelo diploma legal de 1988, que reconheceu a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho, a justiça social e a função social da ordem econômica como seus primados.

Assim como as cláusulas pétreas mencionadas não são objeto de deliberação, princípios como os descritos não podem ser desconsiderados quando iminentes alterações legislativas tenderem a abolir direitos fundamentais e sociais.142

Pois bem. De fato, prevê a Carta Magna:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

[...]

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:143

141 BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

Acesso em: 03 nov. 2016.. 142 OLIVEIRA, Lourival José de. Os limites da flexibilização no direito do trabalho sob uma perspectiva

constitucional. Disponível em: <www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/10743/9393>. Acesso em 03 nov. 2016, p. 14.

76

São fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os

valores sociais do trabalho. Ademais, a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho

humano e deve estar em conformidade com os ditames da justiça social. São previsões expressas,

contidas no texto constitucional.

Acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, preleciona Lourival:

Têm-se o princípio da dignidade da pessoa humana, alçado pela Constituição Federal de 1988 como princípio estruturante de todo o nosso ordenamento jurídico. A importância dada a esse princípio impõe compreendê-lo enquanto cláusula geral voltada à efetivação dos direitos fundamentais, enquanto garantia das faculdades jurídicas necessárias à existência digna da pessoa e como linha diretiva condutora da sociedade.144

É o princípio da dignidade humana, protegido pela Constituição, regulador máximo da

discricionariedade legislativa. Pelo seu crivo devem passar as normas criadas, a fim de dizer se são

as mesmas constitucionais ou não. Como visto, as negociações coletivas criam normas jurídicas de

aplicação coletiva, portanto é natural que as mesmas não se evadam do referido princípio

constitucional.

O autor ainda completa afirmando que “a relevância desse axioma deve-se à própria

hierarquia que ocupa no ordenamento jurídico, ao passo em que, conflitando normas e valores

constitucionalmente protegidos, nos quais sejam prováveis os prejuízos à isonomia e à existência

digna, conclama a imposição dos valores sobre as regras”145.

É lógico raciocinar que, se os incisos VI, XIII e XIV, do artigo 7º da Constituição Federal,

juntamente com os princípios da adequação setorial negociada e aplicação da norma mais benéfica

ao empregado e demais princípios constitucionais anteriormente acostados visam dar ao trabalhador

um patamar mínimo de dignidade, se uma norma acordada atinge este lastro, é natural que a mesma

seja rechaçada, em virtude do que prevê o princípio da dignidade da pessoa humana.

O princípio da dignidade humana, imerso no Direito do Trabalho, ganha ainda novos

formatos:

143 BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

Acesso em: 03 nov. 2016. 144 OLIVEIRA, Lourival José de. Os limites da flexibilização no direito do trabalho sob uma perspectiva

constitucional. Disponível em: <www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/10743/9393>. Acesso em 03 nov. 2016, p. 14.

145 Id. Ibid.

77

No âmbito juslaboralista, a dignidade da pessoa do trabalhador ampara todo o sistema legislativo de leis, haja vista intrinsecamente relacionada ao princípio protetivo do 'operário'. A busca pela mínima proteção de quem vende sua força produtiva visa, liminarmente, a preservar a dignidade da pessoa humana trabalhadora; a compensar a diferença socioeconômica existente no âmbito das relações capitalistas de trabalho; e a resguardar um equilíbrio dentro da própria sociedade capitalista.146

Trata-se, conforme dito, de proteção mínima ao trabalhador, esta composta de princípios

constitucionais aqui já louvados, como a justiça social nas relações de trabalho, a função social da

ordem econômica e a valorização social do trabalho. Estes, combinados com o princípio da

dignidade humana, se sobressaem em um sopesamento – visto não haver hierarquia entre princípios

– em relação ao princípio da autonomia negocial coletiva tão defendido por aquelas que apoiam

uma flexibilização das normas trabalhistas plena.

Quando se fala em sopesamento, se faz mister discorrer sobre o princípio da

proporcionalidade ou da razoabilidade, este decorrente do princípio do devido processo legal,

previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.

O princípio da razoabilidade, segundo Luis Roberto Barroso:

É mecanismo de controle da discricionariedade legislativa e administrativa, o qual permite ao Judiciário invalidar atos que a esta premissa se opõem, na medida em que não houver adequação entre o fim perseguido e o meio empregado, quando a medida imposta não for exigível, sendo oportuno e possível trilhar caminho alternativo para alcançar o mesmo resultado com menor ônus ao direito individual; e quando, comparativamente, aquilo que se perde sobrepuser-se ao que se ganha.147

Segundo o jurista, portanto, o Poder Judiciário, valendo-se do princípio da

proporcionalidade, poderá invalidar atos que, dentre outras afrontas, causarem uma perda maior em

relação ao que se ganha. No Direito do Trabalho o referido princípio é de suma importância,

segundo lição de Lourival José de Oliveira:

A incidência do princípio da razoabilidade interessa ao Direito do Trabalho na proporção em que reclama do Judiciário a prolatação de decisões que atentem para a melhoria das condições sociais do trabalhador, sopesando a aplicabilidade das disposições normativas e a

146 OLIVEIRA, Lourival José de. Os limites da flexibilização no direito do trabalho sob uma perspectiva

constitucional. Disponível em: <www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/10743/9393>. Acesso em 03 nov. 2016, p. 14.

147 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 38.

78

convalidação do resultado que melhor responda aos anseios da classe hipossuficiente, atendendo primariamente aos axiomas constitucionais.148

Nota-se, tanto nas lições de Barroso quanto nas lições de Lourival, que devem ser

respeitados os axiomas constitucionais. Embora o princípio da autonomia negocial coletiva seja

também constitucional, uma vez que habita os incisos VI, XIII e XIV, do artigo 7º da Carta Magna,

o mesmo não deve ser colocado acima da melhoria das condições sociais do trabalhador. Não

devem os demais princípios serem sacrificados para que um seja aplicado, ainda mais quando este

princípio representa um retrocesso em direitos sociais conquistados pelos trabalhadores.

A importância dos princípios faz com que sejam o centro do sistema jurídico, não devendo

uma regra acordada se sobrepor a eles. Não é lógico que um direito fundamental claramente

assegurado, como é o caso do caput do artigo 7º da Constituição, seja superado em razão de um

princípio que visa exterminá-lo.

Tendo em vista o texto constitucional, não é cabível que a intenção do legislador, ao incluir

diversos princípios e direitos fundamentais, bem como limites à flexibilização das normas

trabalhistas, fosse a interpretação extensiva de tais limites. Leciona Lourival:

Não teria sentido algum fixar um sem-número de direitos fundamentais sociais na Constituição para depois permitir a alteração de seus parâmetros, de modo a retirar toda a 'fundamentalidade' das garantias, atacando o rigor inerente a estes tipos de direitos.

Permitir uma interpretação extensiva afronta os princípios constitucionais da dignidade humana e da valorização social do trabalho, em manifesto desacordo ao perfil solidarista da Carta Magna.149

Certo é que através de interpretação extensiva, seria conferida “carta branca” ao instituto da

negociação coletiva e, consequentemente, ao instituto da flexibilização das normas trabalhistas,

muito se perderia das garantias trabalhistas atuais – destoando totalmente do propósito

constitucional.

Lourival ainda completa seu ensinamento acima exposto:

148 OLIVEIRA, Lourival José de. Os limites da flexibilização no direito do trabalho sob uma perspectiva

constitucional. Disponível em: <www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/10743/9393>. Acesso em 03 nov. 2016, p. 13.

149 Id. Ibid., p. 9.

79

A modernização do Direito do Trabalho não pode se distanciar de garantias constitucionais como a valorização do trabalho, a persecução da dignidade da pessoa humana, a primazia de uma efetiva justiça social. A elevação do nível de vida do trabalhador está afiançada pelo caput do artigo 7º da Lei Maior, que apregoa serem edificados direitos que visam à melhoria da condição social do trabalhador, e não a instituição de autorizações que intencionam baratear o custo da mão de obra para atender às crises econômicas pelas quais supostamente passam os detentores dos meios de produção. Há muito a visão do trabalho como mercadoria deixou de ser validada pelo Estado e pela sociedade: ao menos, teoricamente, essa posição é combalida.

Desatendidos, portanto, os pressupostos delineados na Constituição, é impossível conferir validade à flexibilização das normas trabalhistas. É imperioso, portanto, endossar a adaptação da norma quando em consonância com os princípios fundamentais vigentes, sob pena de se sobreporem direitos econômicos sobre os sociais, afrontando os pressupostos do Estado Democrático de Direito.150

A flexibilização das normas trabalhistas deve, portanto, respeitar os preceitos constitucionais

vigentes que permitem ao empregado buscar sua dignidade, buscar se auto afirmar em seu meio

como pessoa.

Uma vez que o Projeto de Lei 4962/16 visa abertamente minimizar direitos trabalhistas em

troca de supostas vantagens – sendo aqueles garantidos, diferente destas –, abrindo vias para uma

flexibilização da legislação trabalhista ampla, até mesmo para a desregulamentação das normas

trabalhistas, não há espaço no ordenamento jurídico para sua aprovação.

A Constituição, por mais de um meio, repulsa o referido projeto de lei em sua integridade,

eis que este contraria tudo que lhe é mais caro, representando retrocessos no Direito do Trabalho

que o texto constitucional de 1988 lutou – e ainda luta – para abolir.

Convence, portanto, a inviabilidade do Projeto de Lei 4962/16 também na esfera

constitucional, igual se comprova na esfera existencial do trabalhador, bem como no que tange à

igualdade dos contratantes em uma negociação coletiva.

150 OLIVEIRA, Lourival José de. Os limites da flexibilização no direito do trabalho sob uma perspectiva

constitucional. Disponível em: <www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/10743/9393>. Acesso em 03 nov. 2016, p. 11.

80

CONCLUSÃO

Ao final do presente estudo, tem-se que o Projeto de Lei 4962/2016 e suas propostas não se

amoldam ao ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no período de crise no qual o mesmo se

encontra.

É em tempos de crise, onde aumentam as taxas de desocupação, que o trabalhador como

classe necessita, mais do que nunca, da segurança jurídica que lhe é prestada pelo texto

constitucional e pela legislação trabalhista.

Conforme foi exposto, não é a primeira vez que se recorre à retração do Direito do Trabalho,

buscando impulsionar o mercado e atingir a recuperação financeira e econômica de um país em

crise. Foi exposto, ainda, que tal medida só agravou o desemprego nos países que se utilizaram de

tal recurso.

Ao permitir que o Projeto de Lei 4962/2016 e suas propostas de flexibilização plena

adentrem o ordenamento jurídico pátrio, é indiscutível que tanto princípios resguardados em seio

constitucional quanto princípios contidos na legislação infraconstitucional serão afrontados,

representando uma perda inestimável ao trabalhador.

A aprovação do projeto analisado permitirá a criação de precedentes para decisões judiciais

abusivas, onde o negociado será sobreposto ao legislado, culminando em uma desregulamentação

das normas trabalhistas que deixará expostos os trabalhadores.

Não resta, em vista do que foi exposto no presente trabalho, a menor dúvida de que não se

tem a tão falada igualdade entre as partes contratantes da qual versa o princípio da equidade dos

contratantes da negociação coletiva.

É cômodo dar preferência ao princípio da autonomia negocial coletiva valendo-se do

argumento que a Constituição dá guarida ao referido princípio e da suposta igualdade que os

sindicatos conferem à relação negocial.

É importante frisar que os sindicatos, na condição em que se encontram atualmente, não são

páreo para o poder dos empresários de forma a igualar a capacidade negocial destes com a dos

empregados.

A legislação vigente não permite que sejam igualados empregador e empregado em uma

mesa onde se negocia a condição de trabalho destes, haja vista a ausência de suporte caracterizada

pela dispensa sem justa causa, da qual pode se valer à exaustão o empregador para minimizar as

propostas iniciais trazidas à negociação pelos empregados.

81

Os limites mínimos conferidos pela Constituição que visam proteger a esfera existencial do

trabalhador devem ser respeitados, pois sem eles não é possível falar em valorização social do

trabalho, nem no princípio máximo da dignidade da pessoa humana.

Ademais, foi apresentado que, mesmo sem a aprovação de um projeto de lei que legitima a

usurpação dos direitos trabalhistas existentes, estes já são ignorados pela Corte Suprema do país,

que em suas decisões, mais de uma vez, preferiu o acordado em detrimento do legislado,

importando em retrocessos aos empregados a estas decisões vinculados.

O Estado deve buscar em outros meios a solução das crises econômicas e financeiras que o

mesmo venha a vivenciar, não recorrendo de imediato ao Direito do Trabalho, tornando a legislação

trabalhista, que tem o condão de proteger – por óbvio – a parte mais fraca da relação trabalhista,

inimiga do progresso.

Pelo contrário, o presente trabalho salienta que o Direito do Trabalho tem o papel de

remediar as mazelas trazidas com o suposto avanço, como foi o caso citado da indenização por dano

existencial, este advindo com a dinamização do mercado, reflexo do capitalismo cada vez mais

desenfreado.

A Constituição de 1988 trouxe inúmeros avanços às garantias sociais dos trabalhadores, não

devendo as mesmas, conquistadas com tanto esmero, serem dilaceradas. Não é papel do Direito

servir ao capital, mas àqueles que dele dependem.

Enfim, espera-se que este trabalho tenha contribuído para aclarar os principais aspectos

jurídicos e existenciais que inviabilizam a aprovação do Projeto de Lei 4962/2016 e porque o

mesmo representa um retrocesso às conquistas trazidas pela Carta Magna, sendo uma afronta à esta

e a todo o corpo normativo vigente.

82

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