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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ CAMPUS DE CAICÓ DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA JUCILENE GARCIA DA SILVA OS NEGROS DO RIACHO: INTERVENÇÃO RELIGIOSA E POLÍTICAS PÚBLICAS ENTRE 1980 E 2014 CAICÓ 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

CAMPUS DE CAICÓ – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES

ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA

JUCILENE GARCIA DA SILVA

OS NEGROS DO RIACHO:

INTERVENÇÃO RELIGIOSA E POLÍTICAS PÚBLICAS ENTRE 1980 E 2014

CAICÓ

2016

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JUCILENE GARCIA DA SILVA

OS NEGROS DO RIACHO:

INTERVENÇÃO RELIGIOSA E POLÍTICAS PÚBLICAS ENTRE 1980 E 2014

Trabalho de Conclusão de Curso, na

modalidade Artigo, apresentado ao Curso de

Especialização em História e Cultura Africana

e Afro-Brasileira, da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, Centro de Ensino

Superior do Seridó, Campus de Caicó,

Departamento de História, como requisito

parcial para obtenção do grau de Especialista,

sob orientação do Profa. Dra. Joelma Tito da

Silva.

CAICÓ

2016

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 04

2 DO BARRO AO CONCRETO, DO ORAL AO ESCRITO: O RIACHO COMO OBJETO

DE AÇÃO RELIGIOSA E DE CURIOSIDADE CIENTÍFICA ............................................ 07

3 POLÍTICAS PÚBLICAS E REIVENÇÃO DO RIACHO .................................................... 13

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 16

FONTES ................................................................................................................................... 16

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 17

ANEXOS .................................................................................................................................. 18

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OS NEGROS DO RIACHO:

INTERVENÇÃO RELIGIOSA E POLÍTICAS PÚBLICAS ENTRE 1980 E 2014

Jucilene Garcia da Silva1

Joelma Tito da Silva – Orientadora2

RESUMO

Este trabalho tem como propósito mostrar o resultado da análise feita sobre a ação de instituições

públicas, religiosas e ONGs na comunidade conhecida como Negros do Riacho, localizada a 13 km da

sede do município de Currais Novos/RN. As intervenções mais sistemáticas nesta localidade começam

a partir dos anos de 1980 com a atuação da Ordem Terceira Franciscana e ganham novo fôlego no

início dos anos 2000 com o reconhecimento das antigas comunidades rurais negras enquanto

remanescentes de quilombos. Tal emergência política e jurídica possibilitou a articulação de políticas

públicas voltadas para o grupo, resultando na tentativa de reparação da arte de fazer a louça de barro,

com o objetivo de inovar técnicas de produção, de modo a transformá-las em objetos decorativos, já

que não há uso doméstico de tais utensílios na região. Metodologicamente esta pesquisa desenvolve-

se com base na produção da fonte oral, a partir dos relatos dos moradores do Riacho sobre as relações

do “eu” e do “outro” presentes nas ações de assistência religiosa ou pública que foram desenvolvidas

naquela localidade desde a década de 1980.

PALAVRAS-CHAVE

Negros do Riacho. Quilombo. Assistência.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende analisar a ação de instituições públicas, religiosas e ONGs na

comunidade conhecida como Negros do Riacho, localizada a 13 km da sede do município de

Currais Novos/RN. As intervenções nesta localidade começaram a partir dos anos de 1980

com a atuação da Ordem Terceira Franciscana e ganham novo fôlego no início dos anos 2000

com o reconhecimento das antigas comunidades rurais negras enquanto remanescentes de

quilombos. Tal emergência política e jurídica possibilitou a articulação de políticas públicas

voltadas para o grupo, resultando na tentativa de reparação da arte de fazer a louça de barro,

1 Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade Federal

do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó,

Departamento de História (DHC). Graduado em Letras pela UFRN, CERES, Campus de Currais. Monitora do

Mais Educação da Rede Municipal de Ensino, na Escola Municipal São Francisco de Assis Unidade XXVIII

(Currais Novos-RN), onde ministra a disciplina de Língua Portuguesa. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em História Social pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected].

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com o objetivo de inovar técnicas de produção, de modo a transformá-las em objetos

decorativos, já que não há uso doméstico de tais utensílios na região.

Através das ações governamentais foram oferecidas aos moradores do Riacho oficinas

de leitura, fotografia, cerâmica, bordado e culinária. Associada ao mundo do mercado e diante

das dificuldades econômicas ali vividas, tais políticas encontram justificativas na necessidade

de gerar renda para comunidade, através da futura inauguração do Ponto de Memória, onde

serão vendidas panelas de barro e alimentos, além de exposição de trabalhos de pesquisa que

tematizam as experiências vividas pelos chamados “negros do Riacho”.

A partir da inserção de novos agentes, que partem de lugares de interesses

institucionais, pretendemos analisar as estratégias das ações sistemáticas de assistência e de

políticas públicas, bem como a recepção dos moradores frente à tais intervenções, cuja

inserção no Riacho cria novas situações, com as quais os moradores passam a lidar.

Segundo os mais antigos, os moradores do Riacho já passaram por momentos muito

difíceis, especialmente a partir dos anos em que a venda da louça utilitária entrou em declínio.

Em razão do uso crescente de eletrodomésticos como a geladeira, que substituiu o pote, e de

utensílios em alumínio que substituíram as panelas feitas em barro. Essa mudança nos usos

cotidianos e no consumo interferiu diretamente na economia interna do Riacho e a arte de

fazer a louça perdeu, gradativamente, lugar enquanto prática utilitária. Algumas louceiras que

permaneceram a produzi-las esporadicamente o faziam como ato de memória (SILVA, 2009).

O tempo foi passando “e o governo veio ajudar a gente daqui. Hoje nós temos o Bolsa

Família, temos o nosso dinheiro todo mês”. A partir dessa fala podemos perceber que o

reconhecimento da comunidade como Remanescente de quilombola ocorrido há uma década

esteve associado à inserção de políticas públicas voltadas para melhoria das condições de vida

naquela localidade.

Tais narrativas sobre o presente e o passado evocam o cotidiano e estão no cerne do

nosso trabalho. Para realiza-lo utilizamos, portanto, a história oral como metodologia de

pesquisa e de construção de fontes, segundo as orientações sobre a elaboração do roteiro e a

execução da entrevista, conforme propõe Verena Alberti, cuja definição sucinta de história

oral é a seguinte:

(...) história oral é um método de pesquisa (histórica, antropológica,

sociológica etc.) que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que

participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de

mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo (...). Trata-se de

estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias

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profissionais, movimentos, conjunturas etc. à luz de depoimentos de pessoas

que deles participaram ou testemunharam. (ALBERTI, 2005, p.18).

Nesse sentido, a história oral nos aproxima das visões de mundo dos moradores do

Riacho para além da constatação de que naquele espaço rural vive uma extensa parentela em

situação de pobreza, cuja particularidade é ser formada por uma maioria de pessoas negras.

Entendemos, com Paul Thompson (1992, p.18), que a história e, em particular, a história oral,

não pode ser pensada sem levarmos em consideração à finalidade social destes estudos, uma

vez que este trabalho metodológico “amplia e enriquece” o “campo da produção histórica”,

tornando-o mais democrático.

Partindo dessa orientação metodológica e social, levantamos várias informações em

relação à comunidade através de conversas com os seus moradores, nas quais a narrativa

sobre o presente e o passado traz a memória momentos de alegrias e tristezas. Sem dúvidas,

isso deixa a narrativa cheia de pequenos detalhes a serem relembrados, já que foi dita por

alguém que participou de forma ativa desses períodos de mudança na comunidade.

Teoricamente nos baseamos nas analises de Michel de Certeau sobre a poética da

singularidade e do homem comum. Partimos, pois, da ideia de que: “a presença e a circulação

de uma representação (ensinada como o código da promoção sócio-econômica por

pregadores, por educadores ou por vulgarizadores) não indicam de modo algum o que ela é

para seus usuários” (CERTEAU, 2003, p.40). Nesta pesquisa, entendemos os moradores do

Riacho como usuários/consumidores de ações e políticas públicas institucionalmente

articuladas. Com base em Certeau, percebemos que esta posição não se confunde com aquela

do mero receptor, passivo e, portanto, aqueles que vivem no Riacho não deixam de se

apropriar de forma ativa das ações implementadas pelo poder político e entidades religiosas.

Sendo assim, o nosso trabalho foca nessa relação entre ações institutcionais e práticas

cotidianas, considerando as “maneiras de fazer” enquanto:

(...) mil práticas pelas quais os usuários se reapropriam do espaço organizado

pelas técnicas de produção sócio-cultural. (...) se trata de distinguir as

operações quase microbianas que proliferam no seio das estruturas

tecnocráticas e alteram o seu funcionamento por uma multiplicidade de

“táticas” articuladas sobre os “detalhes” do cotidiano (CERTEAU, 2003,

p.41).

Essa conceituação feita por Michel de Certeau para diferenciar a sua análise sobre os

usos cotidianos, das considerações sobre as ações microfísicas enquanto violência atomizada

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de uma prática disciplinar, na forma como analisava Michel Foucault, nos permite pensar o

Riacho não apenas a partir dos jargôes estereótipos sobre os homens infames, mas como

sujeitos comuns, enfim, ordinários. Sendo assim, no Riacho, as novas situações geradas pela

inserção de ações de cunho religioso e de politicas públicas ocorreram de forma negociada.

Um exemplo concreto disto foi os desdobramentos gerados pela ação franciscana na

década de 1980, cujo projeto de construção de casas de alvenaria previa, de incio, a

organização dos domicílios em forma de vila. A proposta tinha como fundamento a

necessidade de operacionalizar a canalização da água e a instalação da eletricidade nas casas.

Porém, a geografia familiar formada por afetos e desafetos, gerou resistência por parte dos

moradores que não aceitaram uma nova organização espacial imposta. Dessa forma, cada um

escolheu onde a sua residencia seria erguida. Acrescente-se ainda que, durante as escavações

dos alicerces das casa, a colaboração dos moradores com trabalho foi solicitada, mas a ajuda

somente ocorreu mediante uma doação de cesta básica.

Essas histórias de negociação são o mote fundamental deste trabalho que será dividido

em duas partes. Na primeira, analisamos a inserção do Riacho como objeto de interesse de

curiosidade dos “de fora”, através da ação franciscana e das primeiras pesquisas universitárias

ali desenvolvidas. Em seguida, trataremos do contexto de reinvenção do Riacho enquanto

quilombo.

2 DO BARRO AO CONCRETO, DO ORAL AO ESCRITO: O RIACHO COMO

OBJETO DE AÇÃO RELIGIOSA E DE CURIOSIDADE CIENTÍFICA

Nos anos de 1980, com a ação franciscana e o gradual interesse do discurso

universitário pelo Riacho e seus moradores, as relações da comunidade com os “de fora”

ganham um novo capítulo. As negociações com o “outro” continuam, mas não mais por

terras, ou pela louça fabricada e vendida nas cidades e localidades vizinhas, mas nos termos

de ações que, de um lado tinham como mote o auxílio à comunidade, através do discurso da

solidariedade e, por outro lado, os moradores passaram a lidar com novas situações, ao

transformar-se em objeto de pesquisa.

Por volta de 1985, as paróquias de Santana, a Ordem Franciscana Secular, a Ordem

Terceira e a Secretaria de Obras do município de Currais Novos desenvolveram atividades

objetivando “alterar as condições (e as formas) de vida dos moradores do Riacho” (SILVA,

2009, p.157). Trata-se de um Projeto de Ação Comunitária, desenvolvido pelo PAEN- Natal-

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RN, com o apoio da Paroquia Santana de Currais Novos, a partir do qual foi realizado um

diagnóstico sobre as condições de vida na comunidade.

Nesse estudo, ficava evidente a situação de pobreza e os graves problemas enfrentados

na localidade, como a ausência de água canalizada, energia elétrica e saneamento, além de

verificar a precariedade da estrutura de habitação, visto que as casas eram feitas em barro e

cobertas com palha. Os homens estavam desempregados e trabalhavam com a produção e

venda de carvão. A fabricação da louça de barro ainda servia como meio para ganhar

dinheiro, embora as mulheres complementassem a renda com esmolas conseguidas nos sítios

vizinhos e na cidade de Currais Novos. As crianças estavam desnutridas, com vermes e

piolhos (MEDEIROS, 2008).

Gravura 1: casa de taipa e coberta com palha. 1986, Joabel R. de Souza.

Depois desse diagnóstico social sobre a comunidade, a Ordem Terceira Franciscana,

com o apoio da Prefeitura de Currais Novos, começou os primeiros trabalhos no Riacho com

a construção de casas e de um galpão, onde seriam realizadas reuniões e serviria de Escola

para os adultos. A condução do projeto, que culminou com a perfuração de um poço artesiano

e a construção de 27 casas de alvenaria, coube ao frei alemão Fernando Schnitker (SILVA,

2009).

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A presença da Ordem Terceira Franciscana no Riacho fundamentou-se em projetos de

cunho religioso. Por isso, com as ações materiais também tiveram lugar as ações espirituais

para que, aos poucos, os costumes cristãos fossem incorporados no modo de viver no Riacho.

Como um agente do processo civilizador, no sentido que Nobert Elias atribui ao termo (1994),

o humanitarismo franciscano pretendia reorganizar as formas de morar e reeducar os

moradores da comunidade para que estes passassem a frequentar a missa e seguir os

sacramentos (batismo, primeira eucaristia, crisma e casamento). Dessa forma:

Na realização dessas atividades, os moradores do Riacho foram civilmente

registrados e os religiosos fizeram casamentos e batismos, objetivando levar

a cristandade oficial e o direito civil para a comunidade. A Igreja Católica

desenvolveu no Riacho uma ação social e moral que visava,

deliberadamente, reabilitar os pobres sujeitos da miséria física e do

infortúnio de não viverem plenamente de acordo com os caminhos

apontados pela moral cristã. Essa parece uma velha história que reflete

enredos antigos: colonizar o outro, construí-lo pela negação, na igualdade

(todos são cristãos) e na diferença (são pobres e negros, indubitavelmente

apartados do “eu” branco (Idem, 2009, p.158).

A existência das chamadas crianças pagãs era algo recorrente entre os chamados

Negros do Riacho, como afirma um dos moradores “aqui, minha filha, morria muitos anjinho

pagão. Nascia aqui mesmo, aí não escapava, aí a gente botava na cabeça dentro de uma

caixinha e levava pra mode enterrar na rua”. (Morador da Comunidade, 2016).(morado Co

Outra prática vista como pouco católica e comum ao Riacho era a poligamia

masculina, algo que transformou-se em uma das evidências a estigmatizar os moradores da

comunidade.

Nas memórias da infância desta pesquisadora que sempre residiu em sitio próximo ao

Riacho, tais relações tecidas entre homens e mulheres vêm à tona. Lembro-me que todos iam

logo cedo para a cidade pedir nas casas. Quando retornavam, ao entardecer, as mulheres

carregavam sacos enormes amarrados na cabeça, enquanto, o homem permanecia sem levar

peso algum. Certamente, para uma jovem acostumada ao modelo cristão de relações

familiares esta cena chamava alguma atenção. Aguçava ainda mais minha curiosidade infantil

o fato dessas famílias chegarem em minha casa, todos tomavam água e café, dividindo o pão

ou o bolo em partes iguais para as mulheres de um mesmo marido, havendo, aparentemente,

aceitação e parceria em relação àquela situação.

Com a inserção do casamento religioso não verificamos atualmente a existência da

prática da poligamia. Embora, nem todas as famílias tenham aderido o estatuto do casamento

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civil e/ou religioso, especialmente nos moldes definidos pela prática institucional cristã, cada

vez mais presente desde a década de 1980. O fim das uniões poligâmicas e, por outro lado, a

permanência de relações não amparadas pela igreja demonstram que, ao mesmo tempo em

que as ações institucionais concorrem para a criação de novos hábitos, elas também

precisaram negociar com as formas de ser dos moradores da comunidade.

Como já dissemos, a ação dos franciscanos uniu elementos espirituais e materiais

como um projeto de reinvenção das maneiras de ser e morar daquelas famílias. O primeiro

signo de mudança estaria impregnado no próprio material que servia a construção das novas

casas: no lugar da paisagem tomada por residências desordenadas erguidas em varas e barro e

cobertas de palha, com proteção precária diante das chuvas, surgiriam casas construídas com

tijolo e cimento, ordenadas em formato de vila e com acesso à água encanada e iluminação

elétrica. A proposta de reordenação do espaço, como vimos, gerou resistência, pois

significava a desarticulação territorial das lógicas familiares, afetivas e de poder que

organizavam aquele terreno.

Para os franciscanos, assim como para os “de fora”, o Riacho pode parecer um tecido

unívoco de pessoas, com as mesmas características, um tipo de comunidade ideal e isolada.

Na década de 1980, certamente esta afirmação não condiz com aquela realidade familiar,

rachada entre “negros” e “caboclos”. Estes últimos formam um núcleo familiar gerado a partir

do casamento de Antônio Lopes da Silva, neto de Trajano Passarinho (uma espécie de mito de

origem) e Joana Caboclo, oriunda da Serra de Santana (ASSUNÇÃO, 1994, QUEIROZ,

2002, SILVA, 2009). De forma geral, pode-se afirmar que nos anos de 1980, quando a Ordem

Franciscana desenvolveu o projeto de construção de casas no Riacho, as divisões familiares e

a construção da memória social se processavam da seguinte forma: “Os assim chamados

‘caboclos’ afirmam que são descentes de Joana e, portanto, se auto definem como ‘caboclos’

mas se consideram também ‘negros do Riacho’, uma vez que descendem do antigo fundador”

ASSUNÇÃO, 1994, p.21).

Sobre o contexto e as divisões motivadas pelo casamento, pode-se afirmar que, a

construção dessa diferença ocorreu:

(...) a partir das primeiras décadas do século XX, quando Joana Maria da

Conceição (1897-1989), oriunda de uma localidade na Serra de Santana, se

casou religiosamente com Antônio Lopes da Silva, morto por afogamento

em um poço no Bonsucesso aos 31 anos, no dia 09 de novembro de 1926,

deixando a viúva com cinco filhos (José Lopes ou Zé Banda, Ana, Tereza da

Conceição, Maria Alice e Augusto Lopes da Silva). Embora estivesse casada

com Antônio e, portanto, fizesse parte da família por laços rituais, Joana

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retornou para a casa dos pais na Serra de Santana com seus filhos. Depois

começou a trabalhar em serviços domésticos no Serrote do Melo, local

próximo ao Riacho (...). Os filhos de Joana Caboclo e Antônio se criaram na

terra do pai e construíram famílias com parentes negros. Mais de meio

século depois da morte de Antônio Lopes, cerca de 60% da população era

composta por descendentes de Joana Caboclo (...)

Os conflitos entre os núcleos familiares se acirraram a partir do óbito de

Antônia, aos 93 anos, em 1958. Não por acaso, na década seguinte, um de

seus filhos, Damião Lopes, participou de uma tentativa malograda de venda

daquelas terras e, em 1973, buscou formalizar a posse individual junto ao

INCRA (SILVA, 2009, p.107-8).

O problema da herança familiar e as disputas internas conformavam as lógicas

espaciais que dividiam “negros” e “caboclos”. Assim, se para os Franciscanos aquela

disposição das residências parecia caótica, para os moradores do Riacho ela fazia todo o

sentido e permaneceu. É curioso perceber que, tanto na ação majoritariamente religiosa

desenvolvida a partir de 1985, assim como nas políticas públicas mais recentes que se

dedicaram a alterar as condições de vida dos moradores do Riacho, sempre paira certa certeza

de que há um estado inicial de desorganização que precisa ser reparado. Deve-se, entretanto,

enfatizar que as ações articuladas a partir dos anos 2000 trazem como novo elemento a

rediscussão acadêmica e jurídica do conceito de quilombo, transformando comunidades com

o Riacho em remanescentes de quilombos.

Sobre o primeiro elemento (a ação assistencial e religiosa) podemos afirmar que a

construção das casas de alvenaria mudou a paisagem, embora não tenha alterado a lógica

espacial das residências, implicou em novas formas de morar, apesar de não ter significado o

fim das residências construídas em taipa. É nesse período que a Universidade chega ao

Riacho, através da pesquisa realizada pelo antropólogo Luís Carvalho Assunção, cujo texto

evoca o tecido das construções familiares na localidade, seus modos de crer, o começo, o

cotidiano, enfim, as particularidades dos seus moradores (ASSUNÇÂO, 1994).

A vida comum, ordinária, passa a ser objeto da curiosidade alheia, cientificamente

pautada. Essa etnografia é o primeiro documento escrito a registrar as diferenças familiares

gestadas pela divisão entre “negros” e “caboclos”. Do oral ao escrito, Assunção tem como

uma de suas principais narradoras Tereza Maria da Conceição, filha de Joana Caboclo e

Antônio Lopes. A partir dela e de outros narradores, o etnógrafo registrou a narrativa sobre o

mito de origem da comunidade, concluindo que, mesmo diante das divisões familiares os

chamados “Negros do Riacho” devem ser pensados como um coletivo, pois:

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Formam um grupo de famílias descendentes de um ex-escravo de nome

Trajano Lopes da Silva ou Trajano Passarinho – como é conhecido por essas

pessoas – que no século passado apossou-se das terras, após ter sido

alforriado por um senhor da região. É essa a visão apresentada pelos mais

velhos e repetido pelos mais moços (ASSUNÇÃO, 1994, p.17).

Segundo alguns moradores mais antigos “muitas pessoas chegaram aqui fazendo

preguntas querendo saber a vida de nós daqui bateram retrato dizendo que adepois voltava e

nunca mais apareceram” (Morador da Comunidade, 2016). Isso ocorre em razão do assédio

vivido pela comunidade que depois da década de 1980 precisou lidar com a presença de

estudiosos, como também, de estudantes de escolas locais que, de alguma forma, esperavam

encontrar no Riacho um pedaço da África. Atualmente os livros, dissertações e artigos

dedicados ao tema tornam-se, de alguma forma, dispositivos de memória com a morte dos

mais velhos e a falta de interesse dos mais novos por histórias antigas. De alguma forma, o

registro acadêmico torna-se suporte de uma memória social, que permanece pela escrita, pois,

na contingência das narrativas orais a tendência tem sido a do silenciamento gradual, como

boa parte da história e da memória social sobre as comunidades formadas por famílias de

descentes africanos no Seridó (CAVIGNAC, 2013, p.115).

Há quatro dissertações que pesquisam aspectos sobre os chamados “negros do

Riacho”. A etnografia de Luís Carvalho Assunção já apresentada aqui foi pioneira e dedicou-

se a uma análise social e cultural ampla dos negros do Riacho na década de 1980; o estudo

sobre preconceito racial no município de Currais Novos desenvolvido por Pedro Fernandes

Queiroz em 2002; a dissertação de mestrado Retratos de dignidade: Negros do Riacho, de

Maria Iglê de Medeiros sobre as imagens construídas pelas políticas públicas no Riacho e, por

fim, o estudo de Joelma Tito da Silva sobre a memória, as artes de fazer e as rearticulações

identidárias no novo contexto de reinvenção do conceito de quilombo.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS E A REINVENÇÃO DO RIACHO

Nos anos 2000 o Governo Federal lançou novos projetos de ação social para reparação

dos anos de indiferença para com as comunidades negras do Brasil. Tais políticas fazem parte

de uma história de lutas dos movimentos sociais e da ressignificação acadêmica do termo

quilombola para fazer valer o artigo n. 68, das Disposições Constitucionais Transitórias,

presente na Carta Magna de 1988, cujo texto diz que: “Aos remanescentes das comunidades

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de quilombo que estejam ocupando suas terras é reconhecida a posse definitiva, devendo o

Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

A comunidade dos Negros do Riacho foi comtemplada com tais ações que visavam

recuperar a dignidade de seus moradores, já que eram vistos como pessoas ociosas com

aversão ao trabalho.

Com a atuação governamental, o Riacho teve os holofotes das mídias locais voltados

para os seus moradores que antes eram invisíveis para o mundo. O Projeto Dignidade

concorreu para que houvesse algumas mudanças na comunidade, promovendo a emissão de

documentos, a construção de novas casas e a reforma das já existentes, perfuração de um poço

para o abastecimento, uma arena para futuros eventos, o incentivo às práticas esportivas (com

a terraplanagem de um campo de futebol e doação de uniformes para a formação de times de

futebol), a criação da Associação Comunitária para que, de forma organizada, os seus

participantes buscassem, junto aos órgãos competentes, novos projetos e melhorias. Foi

construído, também, um Centro de Artesanato para a exposição das panelas, potes e

alguidares feito com o barro. O SEBRAE promoveu cursos de aperfeiçoamento do trabalho

com o barro visando a volta da comercialização da louça, cujo declínio como utilitário não

impedia a sua comercialização com ornamento, de forma a gerar renda e abrir novos

mercados de consumo para o produto.

Com a atuação das políticas públicas, especialmente na esteira da ressignificação do

conceito de quilombola, os Negros do Riacho foram reinventando identidades e reafirmando

direitos depois de anos de invisibilidade histórica, política e jurídica. Os negros do Riacho

foram reconhecidos como remanescentes das comunidades de quilombos em 2006, sob a

liderança de Tereza da Conceição Filha, descendente de Joana Caboclo.

Hoje a Comunidade é composta por 47 famílias, 42 casas, sua população é de 130

adultos e 78 crianças. Os moradores vivem em casas de alvenaria, com luz elétrica e água.

Algumas delas são acrescidas por um pequeno vão feito em taipa, servindo como anexo, e nos

remetemos aos saberes sobre a edificação de casas anteriores às ações religiosas e políticas.

A configuração política atual teve como divisor de águas a morte de Tereza Maria da

Conceição Filha em 2007, deixando a liderança da comunidade a sua filha Silmara. Aos

poucos, outro jovem, por nome de Paulo, ganha destaque entre os moradores e assume o posto

de líder, tendo conseguido, nesse período, a construção de uma grande caixa de água, capaz

de abastecer todo a comunidade.

De 13 de março 2013 até os dias de hoje, quem lidera o Riacho é José da Silva, que

vem conseguido alguns benefícios para a Comunidade. Segundo ele, a sua posição de poder

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foi alcançada da seguinte forma: “Primeiro foi a confiança dos moradores. Consegui junto aos

órgãos públicos que durante um ano a comunidade recebesse uma cesta básica, o peixe da

semana santa”. Aquele que consegue criar uma interlocução entre as necessidades da extensa

família e os “de fora”, ganha notoriedade. José tem sido um líder ativo participando de

reuniões e eventos ligados a causa quilombola.

Sobre as dificuldades enfrentadas até hoje pelos moradores da comunidade a liderança

segue a cobrar um posto de saúde para atendimento qualificado, uma vez que quando o

médico e sua equipe se deslocam para a comunidade o serviço é oferecido no Centro

Comunitário, sem qualquer estrutura. Não há área de lazer para as crianças assim como uma

escola na própria comunidade, as crianças estudam na Escola São Francisco de Assis que fica

no vizinho sítio Serrote do Melo e os adolescentes na cidade. Em geral, as políticas

defendidas pelos líderes tratam da melhoria de estrutura dentro da comunidade. Parece ser

pouco preferível o deslocamento à cidade. A dificuldade de transporte e a memória dos

preconceitos sofridos historicamente parecem pesar nesta escolha.

Em entrevista com José da Silva declara perceber interesse de igrejas (evangélicas e

católicas), de ONGs e da universidade, no desenvolvimento de atividades e ações na

comunidade. Sem nenhum pudor ou barreiras, os moradores do Riacho dialogam com essa

pluralidade de instituições, fazendo uso das intenções de catequese religiosa (dividia em

igrejas diferentes), a ação política das ONGs e intenções das pesquisas universitárias.

Segundo ele:

Os crentes a 11 anos têm um projeto de futebol durante o final de semana. O

Pastor Marconi Silva e os seus colaboradores fazem bazar, oficinas de

artesanato para as mulheres, realizam festividades no dia das crianças e no

natal. Leva a palavra de Deus, faz palestras para os moradores.

A ONG RPTV atuando a cinco anos desenvolve o trabalho com oficinas de

fotografia, criação do ponto de memória, arborização da comunidade e da

escola São Francisco de Assis com o apoio dos funcionários da mesma,

oficinas de cinema com exibição de filmes na escola e comunidade, oficinas

de cerâmica com artesão de outros estados e oficina de gastronomia.

Em 2016, a igreja resgatou o padroeiro oficial do Riacho São Sebastião com

a realização de batizados e a proposta de missas mensais na própria

comunidade.

As universidades realizaram a festa do dia das crianças ano passado.

Com o apoio da RPTV, na pessoa de Raimundo Melo e colaboradores, foi feito um

trabalho de retomada da fabricação de louça com o barro extraído na região. Participaram

desta atividade as louceiras Iralice (Pretinha), Aparecida, filha de Maria Anunciada (Maria de

Nego) que é louceira, Ana, Valdirene (Nininha) e José Pereira (Veinha). Foi estimulada a

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realização de visitas à comunidade por parte de estudantes tanto de Currais Novos, quanto de

outras cidades vizinhas, com o objetivo de comprar produtos fabricados com o barro,

motivando, assim, a retomada do oficio de fazer a louça.

Assim como aconteceu com o Projeto Dignidade, no qual o SEBRAE levou a

comunidade artesãos para ensinar novas técnicas de trabalho com o barro, houve a resistência

das louceiras em aprender a manejar o barro de outras maneiras para fazer peças para uso

decorativo, nos dias de hoje não mudou pois, o que as antigas louceiras aprenderam com os

mais velhos continuará a ser repetido na hora de construir as peças com o barro.

Enquanto estava sendo realizado as pesquisas de campo, tivemos então, a

oportunidade de participar de uma oficina de cerâmica decorativa promovida pela RPTV, com

o intuito de apresentar novas técnicas trazida por uma artesã mineira na construção e na

queima das peças que era feita com um forno que era alimentado por um botijão de gás,

diferente do que é utilizado na comunidade que é um forno alimentado por lenha e garranchos

secos. Na primeira fase da oficina cada um fazia o trabalho com o barro de forma livre, e na

segunda o trabalho era feito de acordo como a artesã mineira ensinava. Foi perceptível como

cada um dos participantes de seu jeito nato de construção, desde o jeito que pega no barro

para iniciar a peça como o seu acabamento, na primeira foram feitas peças em um curto

espaço tempo e saíram peças perfeitas, na segunda fase saíram peças que ficaram tão

uniformes apesar do empenho dos participantes.

Nesse sentido, tentou-se ensinar aos que moram na comunidade um novo jeito de

viver, apontando o mercado ornamental da louça como uma saída, como podemos perceber na

construção do Centro de Artesanato direcionado à comercialização desse produto antigo, mais

que precisava ser repaginado. Por isso, o SEBRAE procurou introduzir uma nova forma de

produção que envolvia técnicas estranhas ao saber das louceiras, mas, afinadas com o gosto

do potencial consumidor de cerâmica decorativa. Sobre essa questão, uma moradora do

Riacho diz o seguinte: “Olhe minha filha, eu cresci vendo os mais velhos fazendo a loiça de

um jeito e eu aprendi. Agora esse povo que vem de fora querendo ensinar a nós. Acho muito

bonito, mas já tô acostumada a fazer do meu jeito. (Depoimento de uma louceira da

comunidade, 2016).

Essa iniciativa não funcionou, pois as louceiras não conseguiram trabalhar com o

torno, instrumento utilizado pelos técnicos do SEBRAE para facilitar o trabalho com o barro.

O Centro de Artesanato também foi abandonado pelos moradores. Fica claro que tais projetos

encontram dificuldades em se efetivar. Parece haver um hiato entre as linguagens e interesses

dos moradores do Riacho a tais ações. Não podemos negligenciar nesta interpretação os anos

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de exclusão e submissão dessas populações rurais às diversas formas de mandonismo local

que permanecem nas configurações políticas do Município. Por último, ressalte-se a

participação desses grupos políticos enraizados na política local na implementação das ações

afirmativas no Riacho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois das políticas públicas, permanece o trabalho com o carvão como uma das

principais atividades econômicas desenvolvidas pelos homens, ao lado do cultivo de

hortaliças. Algumas mulheres continuam a pedir gêneros alimentícios e roupas na cidade.

Sobre a posse coletiva da terra, no INCRA não há qualquer processo de demarcação

daquele território quilombola. Há, apenas uma escritura em nome de Dameâo Lopes e datada

dos anos de 1970. “O mencionado documento de propriedade teria sido conferido pelo

INCRA, na data 31.05.73 a Dameão Lopes em seu próprio nome. Ele era filho da velha

Antônia, neto do velho Trajano e cunhado de Joana Cabocla.” (ASSUNÇÃO, 1994, p: 23).

Em relação ao reconhecimento e reconstrução da identidade a partir da inserção do

termo quilombola, percebe-se que há uma reapropriação, apesar do estranhamento em relação

à nova denominação. Ser quilombola torna-se signo de acesso à direitos e à visibilidade. De

maneira significativa, esse novo momento que cria um sujeito político também novo não

parece significar a conquista pacífica de direitos, mas demarcar uma luta. Assim, o líder José

considera que as políticas públicas decorrentes do autoreconhecimento como quilombola são

“(...) importantes. Só que as leis não funcionam. Dizer que a gente tem direito a escola aqui, a

gente não tem. Diz que a gente tem direito a saúde, a gente não tem. As crianças têm direito

ao lazer, a gente não tem. O preconceito diminuiu, a gente se aceita e procura os nossos

direitos”.

Tendo uma história de perdas e conquistas, a comunidade Negros do Riacho segue em

busca de uma vida melhor.

FONTES

FELIX, José Leandro, 18 anos. Entrevistadora: Jucilene Garcia da Silva. Áudio: MP3.

OLIVEIRA, José da Silva. 23 anos. Entrevistadora: Jucilene Garcia da Silva, Áudio: MP3,

data: 16/02/2016.

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REFERÊNCIAS

ALBERTI, Verena. Manual de história oral. 3.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

ASSUNÇÂO, Luis Carvalho de. Os Negros do Riacho: estratégias de sobrevivência e

identidade social. Natal/RN: CCHLA,1994.

CAVIGNAC, Julie. As voltas da história: terra, memória e educação patrimonial na Boa

Vista dos negros. Vivência. n. 42, Natal: UFRN, 2013. p.116-23.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano I – artes de fazer. 9ª ed. Petrópolis/ RJ:

Vozes, 2003.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador, volume 1: uma história dos costumes. Rio de

Janeiro: Zahar, 1994.

MEDEIROS, Maria Iglê. Retrato e Dignidade Negros do Riacho- Identidade, Educação e

Fotografia (2005-2007) UFRN: 2008.

QUEIROZ, Pedro Fernandes. O sertão: negros e brancos – uma amostra do preconceito racial

no município de Currais Novos. Dissertação de Mestrado. Campina Grande/PB: UFPB, 2002.

SILVA, Joelma Tito. O Riacho e as Eras: memórias, identidade e território em uma

comunidade rural negra no Seridó potiguar. Mestrado (Dissertação). Fortaleza/CE: Programa

de Pós-Graduação em História Social - UFC, 2009.

THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

THE BLACKS OF THE STREAM :

RELIGIOUS INTERVENTION AND PUBLIC POLICY BETWEEN 1980 AND 2014

ABSTRACTY

This work showed the result of analysis on the performance of public institutions, NGOs and

religious community known as the Negros do Riacho, located 13 km from the seat of the

municipality of Currais Novos/ RN. Interventions in this location start from the 1980s with

the work of the Third Order Franciscan and gain new momentum in the early 2000s with the

recognition of the old rural black communities as quilombo remnants. Such a policy and legal

emergency allowed the articulation of public policies for the group, resulting in an attempt to

art repair to the crockery, in order to innovate production techniques in order to turn them into

decorative objects since that there is no domestic use of such tools in the region.

Methodologically this research is developed based on the production of oral source, from the

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reports of Riacho residents about the relationship of "I" and "other" present in religious or

public assistance measures that were developed in that area since the decade 1980.

KEY-WORDS

Negros do Riacho. Quilombo. Assistance.

Gravura 2: Centro Comunitário dos Negros do Riacho. Acervo pessoal de Jucilene G. da Silva, 2015.

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Gravura 4: Oficina realizada para ensinar novas técnicas para a produção de peças ornamentais com o

barro em parceria com uma artesã de Minas Gerais e a RPTV. Acervo da RPTV, 2015.

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Gravura 5: trabalhando com o barro. Acervo pessoal de Jucilene G. da Silva, 2015.

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Gravura 6: trabalho com o barro feito pelos alunos da Escola São Francisco de Assis Unidade XXVIII

que atende aos alunos vindo do Riacho, com o Projeto Mais Educação implantado na escola onde os

alunos tem aulas para desenvolver as habilidades com o barro. Acervo pessoal de Jucilene G. da Silva,

2015.