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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – CCHLA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS - MESTRADO
Luana Maria Lyra Carreras Correa de Oliveira
OS FILHOS EVANGÉLICOS DO NOVO CALDEIRÃO DO DIABO: A CONVERSÃO
RELIGIOSA NA PENITENCIÁRIA DE ALCAÇUZ.
Natal/RN
2012
Luana Maria Lyra Carreras Correa de Oliveira
OS FILHOS EVANGÉLICOS DO NOVO CALDEIRÃO DO DIABO: A CONVERSÃO
RELIGIOSA NA PENITENCIÁRIA DE ALCAÇUZ.
Trabalho apresentado como requisito para obtenção de grau de Mestre em Ciências Sociais, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Área de concentração: Política, Desenvolvimento e Sociedade.
Professor Orientador: Prof. Dr. Edmilson Lopes Júnior.
Natal/RN
2012
Catalogação da Publicação na Fonte.Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Oliveira, Luana Maria Lyra Carreras Correa de. Os filhos evangélicos do novo caldeirão do diabo: a conversão religiosa
na penitenciária de alcaçuz / Luana Maria Lyra Carreras Correa de Oliveira. – 2012.
111 f.: il. - Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Natal, 2012.
Orientador: Prof. Dr. Edmilson Lopes Júnior. 1. Prisões – Rio Grande do Norte. 2. Prisioneiros – Vida religiosa. 3.
Conversão. I. Lopes Júnior, Edmilson. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
RN/BSE-CCHLA CDU 316.62:343.81
Luana Maria Lyra Carreras Correa de Oliveira
OS FILHOS EVANGÉLICOS DO NOVO CALDEIRÃO DO DIABO: A CONVERSÃO
RELIGIOSA NA PENITENCIÁRIA DE ALCAÇUZ.
Trabalho apresentado como requisito para obtenção de grau de Mestre em Ciências Sociais, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Área de concentração: Política, Desenvolvimento e Sociedade.
Aprovado aos 06 de julho de 2012.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________Prof. Dr. Edmilson Lopes Júnior
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (Orientador)
_________________________________________Prof. Dr. Thadeu de Sousa Brandão
Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA (Examinador Externo)
________________________________________Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (Examinador Interno)
_________________________________________Profª Drª. Ilnete Porpino de Paiva (Suplente)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (Suplente)
Natal/RN
2012
Dedicatória
Dedico este trabalho especialmente aos apenados de Alcaçuz, com os quais pude
conviver e perceber o verdadeiro e grandioso valor das coisas simples da vida...
A todos eles ofereço as sábias palavras do eterno jurista italiano e convido a todos
a refletir:
Quando através da compaixão, cheguei a reconhecer nos piores dos encarcerados um homem como eu; quando se diluiu aquela fumaça que me fazia crer ser melhor do que ele; quando senti pesar nos meus ombros a responsabilidade do seu delito; quando, anos faz, em uma meditação na sexta-feira santa, diante da cruz, senti gritar dentro de mim: “Judas é teu irmão”, então compreendi não somente que os homens não se podem dividir em bons e maus, tampouco em livres e encarcerados, porque há fora do cárcere prisioneiros mais prisioneiros do que os que estão dentro e há, dentro do cárcere, mais libertos, assim da prisão, do que os que estão fora. Encarcerados somos todos, mais ou menos, entre os muros do nosso egoísmo; e talvez, para se evadir, não haja ajuda mais eficaz do que aquela que possam nos oferecer esses pobres que estão materialmente fechados entre os muros da penitenciária. (CARNELUTTI. p.85. 2008).
Dedico ainda:
À minha mãe, Socióloga e estudiosa da Religião.
Ao meu pai.
À minha AVÓ (in memoriam), espelho meu, sempre orgulhosa de mim e que me faz muita falta.
E a todos que se interessem pelo estudo do tema ora posto!
Agradecimentos
A Deus, por me proteger e me dar forças para fazer esse trabalho. A Edmilson, meu orientador, um grande educador: sábio, compreensivo e de uma
simplicidade admirável, sempre com um sorriso no rosto e disposto a ajudar; pela
oportunidade ímpar que me deu através desse trabalho de adentrar no mundo da Sociologia da
Violência e da Religião, e poder assim conhecer um pouco mais sobre a religião evangélica e
o ambiente prisional, sob a ótica das Ciências Sociais.
A Nestor, meu amigo, pela paciência e disponibilidade de sempre me ajudar
quando o procurei.
Aos membros da banca de qualificação, em especial ao Professor Doutor Thadeu,
fonte de inspiração, profundo conhecedor das teorias sociais, por suas valiosas sugestões que
contribuíram para o enriquecimento deste trabalho.
A todos do Sistema Penitenciário que de alguma forma contribuíram e me
ajudaram para o desenvolvimento deste trabalho, em especial à Direção de Alcaçuz e a Jonas
– um verdadeiro discípulo de Deus. Sem você, minha estrada, com certeza, teria sido bem
mais árdua e, sem dúvidas, não teria conseguido as flores que agora embelezam esse
trabalho... Um PAI.
Aos apenados que confiaram em mim e se dispuseram a contribuir com meu
trabalho respondendo às entrevistas e aos questionários, e, sem os quais, não poderia ter
concluído minha dissertação.
Posso dizer que outros me ajudaram, e a eles também agradeço, mas esses
merecem posição de destaque.
Obrigada a todos!
NEGRO DRAMA,
Entre o sucesso, e a lama, Dinheiro, problemas, Inveja, luxo, fama,
Negro drama,Cabelo crespo, E a pele escura, A ferida a chaga, A procura da cura,
Negro drama,Tenta vê, E não vê nada, A não ser uma estrela, Longe meio ofuscada,
Sente o drama, O preço, a cobrança, No amor, no ódio, A insana vingança,
Negro drama,Eu sei quem trama, E quem tá comigo, O trauma que eu carrego, Pra não ser mais um preto
fudido,
O drama da cadeia e favela, Túmulo, sangue, Sirene, choros e velas,
Passageiro do Brasil, São Paulo, Agonia que sobrevivem, Em meia zorra e covardias, Periferias,vielas e cortiços,
Você deve tá pensando, O que você tem a ver com isso, Desde o início, Por ouro e prata,
Olha quem morre, Então veja você quem mata, Recebe o mérito, a farda, Que pratica o mal,
Me vê, pobre, preso ou morto, Já é cultural, Histórias, registros, Escritos, Não é conto, Nem fábula, Lenda ou mito,
Eu sou irmão, Dos meus truta de batalha, Eu era a carne, Agora sou a própria navalha,
O dinheiro tira um homem da miséria, Mas não pode arrancar, De dentro dele, A favela,
Negro drama de estilo, Pra ser, E se for, Tem que ser, Se temer é milho,
Entre o gatilho e a tempestade, Sempre a provar, Que sou homem e não um covarde, Que deus me guarde,
Pois eu sei, Que ele não é neutro, Vigia os rico, Mais ama os que vem do gueto,
Eu visto preto, Por dentro e por fora, Guerreiro, Poeta entre o tempo e a memória (...)
Negro drama Racionais Mc's
RESUMO
O tema da pesquisa encontra-se inserido em um campo de interseção entre a Sociologia da Religião e a Sociologia da Violência, tendo como objetivo geral estudar o significado sociológico da conversão de presos que vivem no maior estabelecimento prisional (Penitenciária de Alcaçuz) do Rio Grande do Norte às igrejas evangélicas. A pesquisa se justifica, pois o Brasil abriga a quarta maior população carcerária do mundo, com projeções indicando que ela poderá se tornará a maior do mundo em 2034. Além disso, esse estudo sobre conversão religiosa de presos para as Ciências Sociais é muito relevante, pois é um tema pouco desenvolvido no Brasil e merece atenção, uma vez que tanto a massa carcerária quanto os evangélicos estão em expansão em nosso país. A partir das observações precedentes, orientamo-nos pela seguinte problemática de pesquisa: a prática religiosa em Alcaçuz apresenta uma perspectiva meramente instrumental, na qual as ações dos presos convertidos estariam propositalmente orientadas para conquistar privilégios materiais ou simbólicos; ou puramente religiosa, onde se busca uma renovação moral? Para desenvolver o trabalho, a metodologia empregada foi exploratória-explicativa, utilizando-se a teoria de Goffman sobre instituições totais e a cerca da representação do eu, e a doutrina de Blumer relativa ao Interacionismo Simbólico e o método da História de Vida, além de considerações sobre a religião evangélica. De posse dessa base teórica, foi realizada a pesquisa de campo, na qual foram feitas entrevistas e aplicados questionários a 11 Agentes Penitenciários, 31 presos, Diretor e Vice Diretor (em novembro de 2011), o coordenador dos projetos sociais do Presídio e o coordenador de evangelização nos presídios do Rio Grande do Norte. Como resultado, verifica-se que em Alcaçuz os presos podem ser separados em dois grupos: o dos Pavilhões e os do Setor Médico. Os Pavilhões são marcados por problemas estruturais e gerenciais, onde se encontram presos ociosos em celas coletivas e com um histórico de tentativas de fugas, motins e assassinatos. O Setor Médico tem algumas celas individuas ou para duas pessoas, além de coletivas também, e os presos trabalham e são mais comportados, não há fugas ou rebeliões e que, por esses motivos acabam por ter maior confiança por parte da Administração. Quanto à presença de presos evangélicos, a maioria está no Setor Médico, onde há um local específico para os cultos (o que não existe nos Pavilhões). Por fim, conclui-se que o preso que se diz evangélico em Alcaçuz, embora seja visto com desconfiança quanto a sua real conversão, acaba por ganhar um voto de confiança e até que se prove o contrário – ou seja, que não está se escondendo atrás da bíblia para desviar a vigilância da Direção e praticar faltas disciplinares sem levantar maiores suspeitas, é tratado com mais respeito e tem mais oportunidades – morar no Setor Médico; ter trabalho, que na maioria das vezes é remunerado e garantir o reconhecimento de sua remição de pena, além de outros benefícios, encurtando assim o seu tempo de prisão.
Palavras-chave: Penitenciária de Alcaçuz, presos evangélicos, conversão, privilégios.
ABSTRACT
The theme of the research is inserted at a field of intersection between the Sociology of Religion and Sociology of Violence, having as the general objective study the sociological meaning of the conversion of prisoners that lives at the biggest prison (Prison of Alcaçuz) of Rio Grande do Norte to the evangelical churches. The research is justified, because Brazil shelter the fourth greater arrested population arrested of the world, with projections indicating that it can turn the greatest in 2034. Besides, this study about religious conversion of prisoners to the Social Sciences is too important, because is a theme little developed in Brazil and deserves attention, one time that as the arrested people as the evangelicals are in expansion in our country. Starting from the precedent observations, we guide ourselves by the following problematic of research: the religious practice in Alcaçuz presents a mere instrumental perspective, where the actions of prisoners converted was on purpose oriented to conquest material or symbolic privileges; or purely religious, where seek a moral renovation? To develop the work, the scientific methodology adopted was exploratory and explanatory, using the Goffman´s theory about total institutions and presentation of self, and Blumer´s doctrine relating to Symbolic Interacionism and the Story life method, besides considerations about evangelical religion. Having this theoretical basis, was accomplished the Field research, when were made interviews and applied questionnaires to 11 Jailer Agents, 31 prisoners, Director and Vice-Dictor (in November, 2011), the coordinator of social projects of the prison and the coordinator of evangelization at the prisons in Rio Grande do Norte. As results, it was seeing in Alcaçuz that the prisoners can be separated in two groups: the one of Pavilions and other one of the Medical Section. The Pavilions are branded for managerial and structural problems, where are found idle prisoners in collective cells and with a historical of escaping attempts, mutinies and murders. The Medical Section has some individual cells or destined for two people, besides few collective also, and the prisoners work and have a more disciplined behavior, there isn’t escapes or rebellions and that, for these reasons end for have more confidence from the Administration. About the presence of evangelical prisoners, most are at Medical Section, where exist a specific place to the cults (what doesn’t at Pavilions). At the end, the conclusion is that the prisoner that says himself evangelical in Alcaçuz, although can be seeing with distrust about your real conversion, he gets win a trust vote and until the opposite being demonstrated – in other words, that he is not hiding himself behind the bible to divert the vigilance of Direction and practice disciplinary faults without make any suspicions, is treated with more respect and has more opportunities – live at Medical Section; have work, that most of times is paid and guarantee the homologation of your payment of penalty with work, besides other benefits, diminishing his time in jail.
Keywords: Prison of Alcaçuz, evangelical prisoners, conversion, presos evangélicos, conversão, privileges.
Lista de ilustrações
Figura 1 – Placa de inauguração do Presídio de Alcaçuz 38
Figura 2 – Placa de inauguração, fazendo menção aos Direitos Humanos 38
Figura 3 – Vista aérea do Presídio de Alcaçuz 39
Figura 4 – Vista aérea de Alcaçuz, mas focada na construção 39
Figura 5 – Lateral do presídio, com seus Pavilhões e guaritas 40
Figura 6 – Novo Pavilhão: Pavilhão Rogério Coutinho Madruga 40
Figura 7 – Preso decapitado em Alcaçuz 43
Figura 8 – Rebelião no Pavilhão IV de Alcaçuz 43
Figura 9 – Presos sendo reconduzidos para celas do Pavilhão IV 45
Figura 10 – Agentes e policiais controlam a volta de presos do Setor de Adaptação para o
Pavilhão IV 45
Figura 11 – Presos revoltados no Setor de Adaptação 56
Figura 12 – Presos do Pavilhão IV fazem preso de refém 56
Figura 13 – Frase em parede do Setor Médico, no local dos cultos 57
Figura 14 – Localização da fábrica de bolas em alcaçuz: entre pavilhões 62
Figura 15 – Slogan do programa social: “Pintando a Liberdade” 62
Figura 16 – Foto da entrada da fábrica de bolas 62
Figura 17 – Interior da fábrica de bolas, com apenados trabalhando 62
Figura 18 – Apenados trabalhando na fábrica de cartuchos 63
Figura 19 – Local destinado à assistência jurídica 64
Figura 20 – Culto no Setor Médico, com apenados e evangelizadores 67
Figura 21 – Imagem de uma bíblia, com números de celular 84
Figura 22 – “Jesus é amor”. Frase escrita em túnel escavado por presos, em Alcaçuz 92
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO…..................................................................................................102 CENÁRIO: A PRISÃO ….....................................................................................212.1 Instituições totais sob a ótica de Erwing Goffman........................................................212.2 O sistema carcerário do Rio Grande do Norte no contexto penitenciário nacional e
mundial.............................................................................................................................262.2.1 População carcerária no Brasil e no mundo.......................................................................272.2.2 História das prisões no Brasil.............................................................................................282.2.3 O sistema penitenciário do Rio Grande do Norte...............................................................302.3 O regime disciplinar previsto pela legislação brasileira e sua aplicação nas prisões. .322.3.1 Da Assistência...................................................................................................................332.3.2 Dos Deveres.......................................................................................................................342.3.3 Dos Direitos.......................................................................................................................342.3.4 Da Disciplina.....................................................................................................................352.3.5 Das Sanções e das Recompensas.......................................................................................362.4 A penitenciária estadual de Alcaçuz...............................................................................372.4.1 Problemas estruturais.........................................................................................................382.4.2 Problemas de gestão administrativa...................................................................................422.4.3 Em Alcaçuz os presos matam, fogem e se rebelam............................................................433 CONTEXTO: A RELIGIÃO EVANGÉLICA COMO MEIO OU FIM? …....483.1 Quem são os evangélicos?.................................................................................................483.2 O meio de conseguir vantagens na prisão?.....................................................................553.3 O fim da vida criminosa?.................................................................................................564 ATORES PRINCIPAIS: OS PRESOS EVANGÉLICOS …...............................574.1 Os presos evangélicos sob a ótica do Interacionismo Simbólico e do método História
de Vida...............................................................................................................................574.2 O dia-a-dia dos evangélicos na prisão de Alcaçuz..........................................................604.2.1 Micro ambiente em perfil....................................................................................................614.2.2 Quem planta o trabalho colhe morar no Setor Médico, ter remição e salário......................614.2.3 As visitas da família e da igreja e a assistência jurídica......................................................634.3 Os filhos evangélicos de Alcaçuz .....................................................................................664.3.1 Considerações iniciais e aspectos gerais.............................................................................674.3.2 Perfil...................................................................................................................................704.3.3 Os cultos em Alcaçuz..........................................................................................................724.3.4 Os filhos de Deus................................................................................................................764.3.4.1 Religião não, Deus..............................................................................................................764.3.4.2 Mudança de vida ao se tornar evangélico............................................................................774.3.4.3 Bons exemplos....................................................................................................................794.3.4.4 Bem comportados...............................................................................................................804.3.4.5 Tratamento diferenciado.....................................................................................................814.3.4.6 A conversão como forma de defesa.....................................................................................814.3.5 Os filhos do Diabo..............................................................................................................814.3. 6 A fuga em Alcaçuz interpretada à luz do Livro de Josué...................................................925 CONCLUSÃO.........................................................................................................95REFERÊNCIAS....................................................................................................................100APÊNDICE A – Modelo de questionário aplicado aos presos evangélicos…......................105APÊNDICE B – Modelo de questionário aplicado aos presos não evangélicos …...............109
10
1 INTRODUÇÃO
“Sistema dez”“Dez graçado,
Dez humano, Dez truidor,
Dez ligado,Dez figurado,
Dez engonçado, Dez agregador,
Dez temperado, Dez trambelhado,
Dez informado”
(Frase escrita a mão, vista pela CPI do sistema carcerário, em uma porta na Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador).
“Se quiseres conhecer a situação socioeconômica do paísvisite os porões de seus presídios”.
Nelson Mandela
O objetivo geral da presente dissertação é estudar o significado sociológico da
conversão de presos que vivem no universo do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte
às igrejas evangélicas. Partindo desta questão precípua, a análise é desenvolvida sob dois
pontos de vista: dos convertidos e dos que com eles convivem.
O tema do trabalho, portanto, encontra-se diretamente inserido em um campo de
interseção entre a Sociologia da Religião e a Sociologia da Violência, o que significa que
alguns conceitos intrínsecos a estes campos são abordados, para que se tenha uma melhor
compreensão do problema ora posto.
O Brasil abriga a quarta maior população carcerária do mundo e apresenta
atualmente o maior índice mundial de crescimento desta, com projeções indicando que sua
população carcerária se tornará a maior do mundo em 2034, se essa tendência continuar a se
manifestar.
Neste contexto, é incontroverso o ferimento a diversos princípios que regem,
inclusive internacionalmente, os direitos humanos, dentre os quais se destaca a dignidade da
pessoa humana, que, por sua vez, engloba muitos direitos que qualquer pessoa, pelo simples
fato de assim o ser, possui, pelo menos em tese, os quais devem se fazer presentes para
garantir ao homem o mínimo existencial. São eles, principalmente, o direito à vida, à
alimentação, à saúde, à liberdade, à moradia, ao trabalho e à educação. Dessa forma, é
pertinente buscar analisar quais instrumentos os presos utilizam para tentar diminuir ou
11
mesmo mascarar a realidade de privações, das mais diversas espécies, enfrentada por eles
durante o período de cárcere.
A preocupação com a massa carcerária do Brasil tornou-se ainda maior em
virtude da atuação de organizações criminosas1, como o PCC2 e o Comando Vermelho3, no
interior de penitenciárias, que comandam, principalmente por meio do aparelho celular4, o
tráfico de drogas e a execução de outros crimes que se passam fora dos presídios, além de
promoverem rebeliões internas.
Diante deste quadro, Deputados Federais resolveram elaborar um relatório
detalhado (divulgado em julho de 2008), apresentando a realidade dos estabelecimentos
prisionais dos Estados da federação, através da CPI do Sistema Carcerário5, realizada pela
Câmara dos Deputados. O Judiciário também tem se mobilizado em busca de melhoras, com
as iniciativas de cunho social do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o qual inaugurou em
2009 a Campanha denominada “Começar de Novo6” e ainda pela lei 12.403, de 04 de maio de
2011, a qual modifica normas relativas à prisão provisória no Brasil.
Assim, perante uma realidade prisional complexa, que abriga uma diversidade
enorme de condenados, como integrantes de organizações criminosas, pessoas que
cometerem crimes passionais ou mesmo viciados em drogas, que cometem outros delitos para
manter o vício, dentre outros, mas que, em sua maioria, se identificam por serem pessoas 1 A Lei Federal nº 9.034, de 3 de maio de 1995, dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações provocadas por organizações criminosas.2 PCC (Primeiro Comando da Capital) é a maior facção criminosa do Brasil – calcula-se que tenha mais de 130 mil representantes, dentro e fora das prisões (SOUZA, 2007). Foi fundada em 31 de agosto de 1993, por oito presos do Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté/SP (local que acolhia presos considerados de alta periculosidade, com o objetivo de combater a opressão dentro do sistema prisional paulista e vingar a morte dos cento e onze (111) presos, aos 2 de outubro de 1992, no “Massacre do Carandiru”, quando a Polícia Militar matou presos do Pavilhão 9 da extinta Casa de Detenção de São Paulo. A organização também é reconhecida pelos números 15.3.3 (15ª letra do alfabeto – P e 3ª letra – C), sendo comandada por presos e foragidos, principalmente do Estado de São Paulo. 3 O Comando Vermelho (CV ou CVRL) é uma organização criminosa criada em 1979, na prisão Cândido Mendes, na Ilha Grande/Angra dos Reis – RJ. 4 A Lei nº 11.466, de 28 de março de 2007, promoveu alterações na Lei de Execução Penal e no Código Penal, para prever como falta disciplinar grave do preso e crime do agente público a utilização do telefone celular. A Lei nº 12.012, de 06 de agosto de 2009, acrescentou o art. 349-A ao Código Penal para tipificar condutas relacionadas ao ingresso de aparelho celular em estabelecimento prisional.5 A CPI do sistema carcerário realizou diligências junto aos estabelecimentos penais de todos os estados da federação brasileira, em busca de irregularidades e abusos praticados. Como resultados, destacaram quais direitos estavam sendo violados, teceram considerações a cerca da gestão desse sistema e ainda apresentaram propostas para melhorar as condições de cumprimento de penas. 6 Criada em 2009, a campanha Começar de Novo visa à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil para que forneçam postos de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário. O objetivo do programa é promover a cidadania e consequentemente reduzir a reincidência de crimes. Para fazer a ponte vagas oferecidas por empresas e instituições e os detentos e ex-detentos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Portal de Oportunidades. Trata-se de página na internet que reúne as vagas de trabalho e cursos de capacitação oferecidos para presos e egressos do sistema carcerário. As oportunidades são oferecidas tanto por instituições públicas como entidades privadas, que são responsáveis por atualizar o Portal. (http://www.cnj.jus.br/campanhas-do-judiciario/comecar-de-novo)
12
pobres e discriminadas, resolvemos estudar como a religião se faz presente entre os presos
evangélicos, na Penitenciária Estadual Doutor Francisco Nogueira Fernandes – Alcaçuz, a
qual contava, na época da pesquisa, com mais de 700 presos, sendo o maior estabelecimento
prisional do Estado.
Alcaçuz, também chamada de “o novo caldeirão do diabo”7, abriga o descaso do
Estado e vítimas da nossa injusta sociedade, e ferve em busca de um lugar ao sol. Nesse
caldeirão é que fomos colher os objetivos específicos necessários ao desenvolvimento desse
trabalho, que são as respostas para as seguintes indagações primárias: em quais aspectos a
conversão religiosa redefine as práticas, comportamentos e percepções dos convertidos e
como as pessoas que convivem diretamente com aqueles interpretam essa conversão.
O estudo da conversão religiosa de presos para as Ciências Sociais é muito
relevante, pois é um tema pouco desenvolvido no Brasil8, como bem destaca Dias (2008) e
merece atenção, uma vez que tanto a massa carcerária quanto os evangélicos estão em
expansão em nosso país, e ambos os fenômenos requerem uma análise sociológica. No caso
da presença da religião nos estabelecimentos prisionais, o que mais chama atenção, enquanto
objeto de investigação sociológica, é tentar compreender porque a religião evangélica atrai os
presos, o que ela tem a oferecê-los.
A supracitada autora destaca que além de existirem poucos trabalhos sobre o
tema, os estudos já realizados, em sua maioria consideram especialmente este fenômeno do
ponto de vista qualitativo, isto é, revelando como acontecem e se realizam estas práticas
7 O “Caldeirão do Diabo” era como era conhecido o antigo e já demolido Complexo Penal João Chaves.8 Dentre os trabalhos realizados no Brasil sobre o tema, podemos destacar o de Lobo (2005), que se circunscreve ao crescimento das igrejas evangélicas nas prisões, verificando o universo prisional como campo fértil para o proselitismo religioso em unidades prisionais do Complexo Frei Caneca, no Rio de Janeiro; o de Vargas (2005), que demonstra que a religião nas prisões se inclina a servir de mecanismo de poder e controle da própria instituição prisional sobre a massa carcerária, para tê-la mais calma e dócil; o de Dias (2008), em sua Dissertação de Mestrado pela USP, com pesquisas realizadas durante os anos de 2003 e 2004 na Penitenciária I de São Vicente e Penitenciária do Estado de São Paulo, onde foram respondidos 32 questionários e realizadas 23 entrevistas, o qual aponta a religião evangélica como um refúgio de presos dentro das prisões, visando a assegurar a integridade física, obter alento espiritual e possibilidade de ressocialização; o de Boarccaech (2009), que analisa o significado da religião dentro do presídio, a honra e seu papel no processo de socialização e a relação entre discurso religioso e violência e o de Kronbauer (2010), que em sua Dissertação de Mestrado pela PUC/RS, realizada com base em pesquisas de campo feitas no Presídio Central de Porto Alegre (apelidado de Masmorra, foi avaliado pela CPI do Sistema Carcerário como um dos piores presídios do Brasil - 123 presos estavam infectados com Aids e 56, com tuberculose. Além disso, a tensão no Presídio era enorme, por abrigar cerca de 4.800 presos em condições muito precárias, quando a população carcerária prevista para o Presídio era de apenas 1.594 pessoas) e na Penitenciária Estadual do Jacuí, entre meados de 2008 e o final de 2009, teve os objetivos de analisar como os crentes pentecostais se adaptam, individualmente e em grupo, às instituições prisionais, bem como a construção e manutenção de sua identidade religiosa nas prisões, tendo como diferencial, segundo ele, a atenção dada à questão familiar, que ocupa papel de destaque para a reconversão ou conversão religiosa de presos, constituindo referência fundamental na vida do preso, uma vez que ela o assiste com apoio emocional e financeiro, fornecimento de roupa, alimento, material de higiene, etc. Por esta e por outras razões, o grupo familiar se torna o mais “sagrado” dentro das prisões.
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religiosas, especialmente evangélicas, dentro do contexto prisional. Este trabalho, portanto,
representa uma tentativa de preencher algumas lacunas abertas neste campo tão sinuoso e
problemático que é o cotidiano prisional.
Neste contexto, é importante ter em mente que a religião pode ser interpretada por
meio de diversas perspectivas, encontrando-se assim acolhida entre os mais variados cultos.
Estes, por sua vez, adotam uma série de preceitos que devem ser seguidos. A religião, apenas
a título de exemplo, para Marx (2005), “é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um
mundo sem coração, assim como é o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do
povo9”. Entre as várias interpretações que são dadas à religião, veremos como os presos a
enxergam e o que faz com que eles se atraiam ou não por ela.
A partir das observações precedentes, orientamo-nos pela seguinte problemática
de pesquisa: a prática religiosa no cárcere potiguar apresenta uma perspectiva meramente
instrumental, na qual as ações dos presos convertidos estariam propositalmente orientadas
com relação a fins determinados, ou seja, para conquistar benefícios materiais ou simbólicos;
ou uma perspectiva puramente religiosa, onde se busca uma renovação moral? O que os
presos convertidos respondem? O que aqueles que com eles convivem diretamente
respondem?
Do ponto de vista da minha particular motivação para tratar do tema, é de se
destacar em primeiro lugar que sou defensora dos direitos humanos e que me sinto
responsável pelo bem estar do meu próximo. Por essas razões, resolvi pedir amparo às
Ciências Jurídicas e às Ciências Sociais, que, para mim, se completam, para construir um
alicerce seguro na busca incansável pela Justiça.
Nessa caminhada, deparei-me inicialmente com o Direito e hoje sou advogada.
Nesse meio tempo, o mestrado trouxe para mais perto de mim as Ciências Sociais. O Direito
assim encontrou sua companheira e, dessa união, nasceu o presente trabalho.
Mas por que exatamente este? Para que se entenda melhor o porquê, vou resumir
os fatos pertinentes a esta compreensão. Quando ainda estudante do curso de Direito da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tive a experiência de estagiar junto à
Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania – SEJUC/RN, de maio de 2009 a junho de
2010. Lá, estive ligada ao sistema penitenciário do Estado através da Coordenadoria de
Administração Penitenciária (Coape).
9 Sentença que Karl Marx profere em seu manuscrito intitulado Crítica da filosofia do direito de Hegel , escrito em 1843 e publicado postumamente.
14
Como estagiária da supracitada Secretaria, desempenhei funções relativas ao
acompanhamento processual de alguns presos, com os quais tive contato direto, e, assim
sendo, pude conhecer um pouco da história de vida deles. De maio a agosto de 2009,
vivenciei a realidade da Penitenciária Estadual de Parnamirim - PEP, a qual contava com
cerca de 400 presos, onde estive toda semana desempenhando funções relacionadas com o
controle administrativo e judicial das penas privativas de liberdade de seus apenados.
De agosto de 2009 até o final de junho de 2010, estagiei em Alcaçuz,
penitenciária que, à época, contava com pouco mais de 600 presos, onde também atuei na
área de controle jurídico das penas, elaborando documentos pertinentes, como relatórios de
remição de pena e atestados de conduta carcerária, “atendendo” presos que buscavam
informações sobre seus processos e que diziam: “Já estou no meu Direito” etc.
Durante esse tempo, também tive acesso a todos os prontuários dos presos, por
meio dos quais pude verificar dados como: naturalidade, etnia, data de nascimento, faixa
etária, filiação, grau de escolaridade, procedência (área urbana, área rural), crimes cometidos,
tempo total de penas a serem cumpridas) e pude auxiliar (de outubro de 2009 a março de
2010) na coleta de dados que serviriam de base para a prestação de informações quantitativas
e qualitativas referentes aos presos ao Banco de Dados Nacional, o conhecido do Infopen10,
pertencente ao Departamento Penitenciário Nacional (DePen), que, por seu turno, é vinculado
ao Ministério da Justiça.
Com essa experiência, portanto, estive fisicamente próxima de mais de 1000
presos, durante pouco mais de 1 ano de minha vida, e, além disso, tive acesso às informações
relativas a sua vida criminal pregressa.
A partir desse levantamento de dados feito por mim, entre outubro de 2009 e
março de 2010, pude constatar que o perfil dos apenados de Alcaçuz pode assim ser definido:
brasileiros; jovens (entre 18 a 29 anos; pardos11; em regra reincidentes e com outros processos
em andamento; com ensino fundamental incompleto, condenados a cumprir penas privativas
de liberdade de 8 a 15 anos; acusados, na grande maioria, por assalto (art. 157§2º, CP); em
10 O Infopen consiste num Sistema de Informações Penitenciárias (site: www.infopen.com.br), por meio do qual todos os Estados da federação informam a essa espécie de cadastro nacional, os dados referentes aos estabelecimentos, recursos humanos, logísticos e financeiros, e sobre a população prisional, com o fim de que se conheça melhor o sistema penitenciário brasileiro. O InfoPen, portanto, nada mais é que um programa de computador (software) de coleta de dados do Sistema Penitenciário no Brasil, visando integrar os órgãos de administração penitenciária de todo Brasil, possibilitando, dessa forma, a criação dos bancos de dados federal e estaduais sobre os estabelecimentos penais e populações penitenciárias e, em consequência, promove a execução de ações articuladas dos agentes na proposição de políticas públicas. 11 Dado interessante, uma vez que o resultado obtido não correspondeu ao estigma de predomínio de negros, mas, pelo contrário, a grande maioria foi considerada parda; em segundo lugar vieram os brancos e uma pequena parcela foi identificada como da raça negra.
15
segundo lugar, por tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/06) e, em terceiro lugar, por
homicídio (art. 121§2º).
Convivendo com homens possuidores, em sua maioria, desse perfil, comecei a ver
nessas pessoas, além disso, pessoas que tinham famílias, necessidades e carências.
Necessidades estas, em regra, revertidas em carências, as quais, muito provavelmente, não
são e nem serão supridas. Resultado: estes homens, em apertada síntese, se sentem revoltados
e com descrédito na Justiça e na Sociedade e desejam não estar naquele lugar. Consequência:
uma palavra basta: fuga, seja do ambiente físico, ou mesmo recorrendo ao psicológico, por
meio, precipuamente, do uso de celulares, de drogas e da religião.
Passo a olhar para os apenados agora buscando essa resposta: Por que abraçar a
religião em Alcaçuz? Olhava para eles e via pessoas que se encontram num ambiente rodeado
pela humilhação e desprezo. Como sair dali, quando se tem uma pena a cumprir? Coloquei-
me no lugar deles... Daqueles que nem visita tem. Que não tem advogado, que não tem
ninguém. Como se sente uma pessoa dessas? Não tem estudo, não tem trabalho, não tem
credibilidade. O que uma pessoa dessas vai fazer da vida? Recorrer a Deus?
Muitos presos já deveriam ter progredido de regime prisional e estar apenas
cumprindo pena no regime semi-aberto, das 20:00 as 5:00 da manhã do dia seguinte, em
estabelecimento prisional adequado ou ter tido reconhecido o livramento condicional, por
exemplo, em vez de passar vinte e quatro horas em regime fechado, porém, sem assistência
jurídica, muitos acabam permanecendo por mais tempo presos em regime fechado. Cheguei a
ver um caso de um presidiário que se encontrava há quase três anos como preso provisório
em Alcaçuz, ou seja, esperando seu julgamento na prisão, contrariando, portanto, a
Constituição Federal, que dispõe que, em regra, a prisão só deve ser imposta e cumprida após
a sentença penal transitada em julgado, pois em princípio, todos devem ser considerados
inocentes.
Bastante interessada no Direito e Processo Penal, por estarem diretamente ligados
aos Direitos Humanos e suas violações, senti que, além de estudar a teoria, era preciso
conhecer a realidade criminal e, para tal, primordial vivenciar a aplicação das penas, seja
acompanhando os trâmites procedimentais penais junto aos Tribunais, como se colocando no
lugar daquele acusado e condenado. Com este objetivo, me encontrando no Estado do Rio
Grande do Norte, não poderia haver escolha melhor do que viver o sistema de cumprimento
de penas privativas da liberdade em Alcaçuz, pois lá se aprende com excelência como a
16
prática destoa da teoria, e não é nada garantista12 como esta; é, em verdade, uma real
violadora de normas.
Minha experiência em prisões, portanto, se deu principalmente em Parnamirim e
Alcaçuz. Estive algumas vezes também no Presídio Provisório Raimundo Nonato Fernandes e
no Complexo Penal João Chaves, onde funciona um Presídio feminino, bem como os regimes
semiaberto e aberto de cumprimento de pena masculino.
Resolvi, assim, desenvolver o estudo na Penitenciária de Alcaçuz, localizada no
município de Nísia Floresta, a qual fica a uma distância de cerca de 30 km da capital (Natal),
por ter certa familiaridade com o ambiente e com as pessoas que lá estão, e, além disso, por
ser o estabelecimento prisional do Estado que apresenta o maior número de apenados
reclusos, sendo conhecido por suas deficiências estruturais e de gestão, que acarretam
problemas, tais como fugas, motins e rebeliões.
A metodologia de trabalho aplicada é, quanto aos fins, exploratória-explicativa,
pois o objetivo é desenvolver o problema, com vistas a torná-lo mais explícito e a constituir
hipóteses. Neste contexto, observamos o tipo ideal13, nos moldes em que preleciona Weber,
como guia para a construção das hipóteses, na medida em que se procede a comparação entre
as amostras observadas com o tipo considerado ideal, ou seja, em termos concretos, quer
dizer que se parte do perfil ideal da imagem que se tem do fiel evangélico, para construir as
hipóteses que fazem com que um preso tenha interesse em ser conhecido como evangélico,
além dos conceitos de “fachada” e “representações” propostos por Goffman. Com o propósito
de estudar a interpretação sociológica da imagem de evangélico adotada por presos, busco
ainda um amparo teórico para análise do meu “material” de pesquisa, grosseiramente
resumido em presos, prisão, religião e duas relações: prisão versus presos e religião versus
presos, estando estes sob a vigilância do Estado e de outros presos.
Assim, em termos teóricos, o ambiente prisional é tratado sob a ótica de Goffman,
ou seja, com as características por ele elencadas, considerando-o uma instituição total. Para
tratar da relação entre preso e prisão, utilizamos os conceitos trazidos por Blumer em seu
Interacionismo Simbólico – tradição sociológica de linha pragmática, cuja grande força de
12 O garantismo penal é um modelo jurídico destinado a limitar e evitar a arbitrariedade do poder estatal, que se vincula ao conceito de Estado de Direito. Parte das ideias de Locke e Montesquieu, de que onde há poder sempre se espera um abuso, que é preciso ser neutralizado com o estabelecimento de um sistema de garantias, comprometido com a defesa da liberdade, e com a necessidade de minimizar a violência exercida pelo poder punitivo do Estado. (BRAGANÇA JUNIOR, 2009).13 O tipo ideal é o instrumento metodológico balizar da teoria sociológica de Max Weber. O tipo ideal exprime um objeto categorialmente construído, afirma De Oliveira (2008 apud WEBER, 1992), um objeto selecionado e apresentado em sua forma pura, o que vai aplanar a compreensão de aspectos do fenômeno social, a partir da presença de uma maior ou menor aproximação com o tipo ideal.
17
abordagem é o empirismo, defensora do princípio de que o ser humano responde aos
estímulos do ambiente, com base no significado que estes têm para ele. Por fim, são ainda
observados os ensinamentos de Bourdieu, quanto à metodologia a ser aplicada em entrevistas
e o método da História de Vida14, por sua pertinência com o presente objeto de pesquisa.
Bourdieu (2007) destaca que o fato é construído, e sendo assim, destaca as
seguintes constatações: o ponto de vista cria o objeto, e a pesquisa científica organiza-se em
torno de objetos construídos, que não tem nada em comum com as unidades separadas pela
percepção ingênua. Para ele, nada se opõe mais as evidências do senso comum do que a
distinção entre o objeto real, pré-construído pela percepção, e o objeto da ciência, como
sistema de relações construídas propositalmente. Após fazer tais constatações, conclui que,
por mais parcial e parcelar que seja um objeto de pesquisa, ele só poderá ser definido e
construído em função de uma problemática teórica que permita submeter a uma interrogação
sistemática os aspectos da realidade colocados em relação entre si pela questão que lhes é
formulada.
A teoria, acredita Bourdieu (2007), domina o trabalho experimental, desde sua
concepção até as últimas manipulações de laboratório, ou ainda que, sem teoria, não é
possível regular um único instrumento, interpretar uma única leitura. Explica que sempre que
o sociólogo for inconsciente em relação à problemática implicada em suas perguntas, privar-
se-á de compreender a problemática que os sujeitos implicam em suas respostas. A pesquisa
segue, portanto, com cunho explicativo, ligada ao método de história de vida, tendo a
preocupação central de identificar fatores que determinam ou que contribuem para a
ocorrência dos fenômenos, permitindo, assim, o aprofundamento do tema. Nessa via,
surgiram os objetivos específicos já citados.
Com relação aos meios utilizados na pesquisa teórica, iniciamos a pesquisa com a
consulta bibliográfica, tendo como instrumentos: livros, jornais, legislação e artigos
científicos; e o trabalho evolui com a realização de pesquisa de campo, junto ao ambiente
prisional – mais precisamente na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na qual são realizadas
entrevistas e aplicados questionários.14 Silva et al (2007) explica que o método de História de Vida se insere dentro de metodologias qualitativas (Abordagens Biográficas) que surgem com a Escola de Chicago e pode-se dizer sucintamente que objetiva apreender as articulações entre a história individual e a história coletiva, funcionando, portanto, como uma verdadeira ponte entre a trajetória individual e a trajetória social. A obra pioneira a utilizar o método da história de vida foi a dos sociólogos W.I.Thomas e F. Znaniecki, no trabalho intitulado “The Polish Peasant in Europe and America” (1918). Ainda neste contexto emerge a teoria do Interacionismo Simbólico de George Herbert Mead (1863-1931), que enfoca a natureza simbólica da vida social – traço facilmente percebido na metodologia dos estudos produzidos pela Escola de Chicago.
18
As entrevistas iniciam-se no dia 03 de novembro de 2011 e são finalizadas aos 16
de dezembro de 2011. Durante esse período, estive ao menos uma vez por semana em
Alcaçuz. Chegava pela manhã, por volta das 9h30min e ficava até às 16h00. No dia em que
iniciei as entrevistas, primeiramente entrevistei o Diretor, quem eu ainda não conhecia, mas
que sabia que eu já tinha estagiado lá, e depois entrevistei o vice-diretor, com o qual eu já
tinha trabalhado, na oportunidade em que lá estagiei. O fato de eu ter estagiado na referida
penitenciária, com certeza foi um facilitador, pois a Administração tinha confiança na minha
pessoa, tanto pela minha formação acadêmica quanto pela dedicação com a qual desempenhei
minhas funções.
Durante os dias posteriores, 11 (onze) agentes penitenciários foram entrevistados,
dentre eles alguns que já trabalhavam no sistema desde o primeiro concurso para agentes,
realizado em 2000 e outros, novatos, aprovados no último concurso, realizado em 2009, e que
tomaram posse em junho de 2010. O número de agentes entrevistados foi significativo, pois o
universo de agentes que trabalham na penitenciária de Alcaçuz, segundo informou a Direção
da época em que se deu a pesquisa de campo, girava em torno de 16 agentes penitenciários
por dia, os quais trabalham em regime de plantão alternados por escalas de três dias.
Concluímos a pesquisa de campo, entrevistando trinta e um (31) apenados,
número este que resulta das dificuldades estruturais e operacionais do estabelecimento,
intensificadas pelo insuficiente efetivo pessoal. Assim, para facilitar o deslocamento dos
presos entrevistados e a minha segurança, ficou acordado com a Direção que eu entrevistaria
quinze (15) presos custodiados no Setor Médico15 (pavilhão mais próximo do prédio
administrativo) e que trabalham em Alcaçuz, numa sala do prédio administrativo, e os
dezesseis (16) presos participantes do projeto social da fábrica de bolas, seriam lá
entrevistados. Quanto às entrevistas realizadas, contei com a ajuda do segundo dirigente
evangélico, que chamou alguns presos evangélicos para participarem na minha pesquisa, e
também com a colaboração do Coordenador dos projetos sociais em Alcaçuz, que com
autorização da Direção, me oportunizou conversar com os trabalhadores das fábricas de
cartucho e de bolas e, além deles, entrevistei alguns trabalhadores do rancho, como também
chamei alguns que já conhecia, os quais, por sua vez, chamavam conhecidos deles.
Para a apreensão das categorias de pensamento dos atores estudados, optei por
conhecer as histórias de vida dos presos, mas não de forma totalmente livre – direcionei a
narração deles por meio de perguntas constantes num questionário, o que tornou possível
delimitar também o tempo, evitando, assim, que eles fugissem muito dos pontos que
15 Alguns destes presos, eu já conhecia desde agosto de 2009, quando lá iniciei o estágio jurídico.
19
interessavam à pesquisa, pois como entende Bourdieu (2007), caso as pressuposições
implícitas não sejam controladas, os sujeitos sociais podem estar predispostos a falar
livremente de todas as coisas. O pesquisador, ensina Bourdieu (1997), “é quem inicia o jogo e
estabelece as regras”, devendo considerar à singularidade da história de vida do pesquisado,
“para tentar compreender ao mesmo tempo sua unicidade e generalidades de sua existência”,
e escolhê-lo livremente, preferencialmente entre pessoas conhecidas, pois “a proximidade
social e familiar asseguram efetividade, uma comunicação não violenta e o interrogatório
tende naturalmente a tornar-se uma análise a dois, na qual o analista está preso, e é posto à
prova, tanto quanto aquele que ele interroga” (BOURDIEU, p. 698, 1997).
Diante de tais ensinamentos, me sinto privilegiada, pois tive a possibilidade de
aplicá-los, uma vez que, se não todos, a maioria dos entrevistados já tinham convivido
diretamente comigo, por período não inferior a um ano, e sabiam que eu havia estagiado lá
como estudante de Direito e que no momento das entrevistas já era advogada. Esses
pormenores, provavelmente, fizeram com que, principalmente os presos, se sentissem, dentro
do possível, à vontade e com confiança em mim para responderem ao questionário e à
entrevista; o que, sem dúvida, favoreceu a colheita de informações que eu precisava.
Procurei saber qual a idade deles, onde nasceram, o grau de escolaridade, por que
não deram continuidade aos estudos, por que cometeram crimes, se eram réus primários, por
quais crimes “respondiam”, com quem viviam, como era formada a entidade familiar, o que
os levaram a querer se converter, o que mudou após a conversão em relação a eles próprios,
como se sentiam, como achavam que os outros recebiam essa conversão, se houve mudança
de tratamento conferida a eles pelo grupo dirigente do presídio (como era antes e depois da
conversão) etc.
O universo de pesquisa foi, portanto, o sistema carcerário do Rio Grande do
Norte, tendo como amostra o Presídio de Alcaçuz, por meio da análise de entrevistas e
questionários aplicados a presos evangélicos e presos não evangélicos, onze (11) agentes
penitenciários, evangelizadores da Assembleia de Deus e da Igreja do Evangelho
Quadrangular (que são as igrejas evangélicas que se fazem presentes em Alcaçuz) e
Direção16, representada pelo Diretor da época e pelo então Vice-Diretor.
16 Essa Direção foi substituída, passando a ser integrada por dois militares, em janeiro de 2012, após a fuga do dia 20; os quais, foram substituídos aos 22 de fevereiro de 2012, por 2 agentes penitenciários (o vice-diretor foi entrevistado por mim, e, no momento da entrevista (novembro de 2011), ele era apenas agente. Em julho de 2012, a Direção mudou mais uma vez, passando a contar com uma mulher, agente penitenciária, na Direção.
20
Quanto ao desenvolvimento do trabalho, se dá em três capítulos, os quais são
intitulados de forma a facilitar o entendimento do tema do presente trabalho, tratando-os
como se fossem partes de uma encenação.
Definimos o capítulo primeiro como sendo o cenário, representado pela prisão;
momento no qual está é caracterizada em todos os seus pormenores, com alicerce nos
ensinamentos de Goffman, revestido das particularidades do sistema prisional brasileiro –
com explanação, inclusive, das sanções e privilégios legais e preenchido pelos elementos
objetivos e subjetivos que formam a Penitenciária de Alcaçuz.
A segunda seção abarca os evangélicos, tratando de alguns conceitos a eles
relacionados, do panorama geral da evolução histórica deles no Brasil e, por fim, discute-se o
papel da religião na prisão, analisando se ela constitui um meio de se conseguir privilégios ou
se é um instrumento que permite a evolução espiritual, com consequente mudança de vida.
Por fim, o capítulo terceiro, que trata dos atores sociais (os presos evangélicos, os
presos não evangélicos e os demais entrevistados), reservado à análise propriamente dita dos
dados coletados na pesquisa de campo, realizada na Penitenciária de Alcaçuz.
Encerrando, o resultado da pesquisa. A título de considerações finais, pode-se
destacar que a opinião predominante dos entrevistados se dá no sentido de acreditar que a
minoria dos presos, de fato, tem a real intenção de ser evangélico; o que acaba prejudicando
uma pequena parcela de presos que parecem querer verdadeiramente ser evangélicos, pois
justificam que não querem enfrentar a desconfiança, o preconceito e a crítica daqueles que
veem com desconfiança a provável conversão do preso ao evangelho, além da carga já
suportada pelo fato de ser preso; e que a maioria se utiliza de uma fachada falsa, interagindo
com outros que parecem fazer uma representação verdadeira, se aproveitando assim da
imagem da categoria social dos presos evangélicos, para ganhar privilégios ou desviar a
atenção, conseguindo, mediante estes “prêmios”, representar o seu “eu”, não no palco, mas
nos bastidores (como coloca Goffmam), com mais liberdade e correndo menos riscos de ser
descoberto, podendo, inclusive, praticar faltas disciplinares ou condutas criminosas.
21
2 CENÁRIO: A PRISÃO
O preceito teórico tomado como alicerce para realizar o estudo da presente seção,
sobre as nuances do ambiente carcerário, foi o conceito de prisão desenvolvido pelo
sociólogo Erwing Goffman, o qual a enxerga como uma instituição total, de acordo com os
fundamentos apontados por ele, os quais serão conhecidos nessa seção. Partindo desse
pressuposto, foram tecidas considerações sobre as implicações decorrentes dessa visão. Em
seguida, necessário destacar, em termos concretos, quais são as sanções e privilégios
formalmente reconhecidas a esses presos. Por fim, parte-se para a apresentação do cenário do
sistema carcerário do Rio Grande do Norte e, depois, do ambiente onde a pesquisa foi
realizada: Penitenciária Estadual de Alcaçuz.
2.1 Instituições totais sob a ótica de Erwing Goffman
Goffman (1974) acredita que qualquer grupo de pessoas desenvolve uma vida
própria que se torna significativa, desde que você se aproxime dela, e que uma boa forma de
conhecer qualquer desses mundos é submeter-se à companhia de seus participantes, de acordo
com as pequenas conjunturas a que estão sujeitos.
O autor define instituição total como sendo um local de residência e trabalho onde
um grande número de indivíduos em situação semelhante, separados da sociedade mais ampla
por considerável período de tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada. Em
outras palavras, diz ele que a instituição total é um híbrido social, parcialmente comunidade
residencial, parcialmente organização formal; sendo aí onde reside seu especial interesse
sociológico. Assevera ainda que, em nossa sociedade, são as estufas para mudar pessoas;
onde cada uma é um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu. As prisões, afirma
Goffman (1974), servem como exemplo claro disso, desde que consideremos que o aspecto
característico de prisões pode ser encontrado em instituições cujos participantes não se
comportam de forma ilegal. Ao se estudar as instituições totais, em síntese, o supracitado
sociólogo destaca que o interesse fundamental é chegar a uma versão sociológica da estrutura
do eu, focalizando o problema da situação do internado.
Quanto às características dessas instituições, parte do pressuposto de que toda
instituição conquista parte do tempo e do interesse de seus participantes e lhes dá algo de um
mundo; em outros termos, toda instituição tem tendências de “fechamento”. Fechamento ou
caráter total esse, simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo e por
22
proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico – por exemplo, portas
fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, águas, florestas ou pântanos. Agrupa as
instituições totais da sociedade em cinco tipos17, dentre os quais estão inseridas aquelas
estabelecidas com a intenção de proteger a comunidade e o bem-estar das pessoas, grupo no
qual estariam inseridas as prisões.
Para expor as características gerais dessas instituições, utiliza-se de métodos de
tipos ideais, através de estabelecimentos de aspectos comuns:
O aspecto central das instituições totais pode ser descrito com a ruptura das barreiras que comumente separam essas três esferas da vida. Em primeiro lugar, todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob uma única autoridade. Em segundo lugar, cada fase da atividade diária do participante é realizada na companhia imediata de um grupo relativamente grande de outras pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em conjunto. Em terceiro lugar, todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários, pois uma atividade leva, em tempo predeterminado, à seguinte, e toda a sequência de atividades é imposta de cima, por um sistema de regras formais explícitas e um grupo de funcionários. Finalmente, as várias atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único, supostamente planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição. (GOFFMAN, p. 17-18, 1974).
Individualmente, lembra Goffman (1974), tais aspectos são encontrados em
outros locais, no entanto, o uso de tais recursos é sob muitos aspectos voluntários, portanto,
as pessoas não são coletivamente arregimentadas e não vão para as atividades diárias na
companhia imediata de um grupo de pessoas semelhantes.
O controle de muitas necessidades humanas pela organização burocrática de
grupos completos de pessoas é o fato básico das instituições totais, ensina o referido
sociólogo. Disso decorrem algumas consequências importantes, tais como: os grandes grupos
de pessoas controladas e o pequeno grupo dirigente são feitos um para o outro, onde cada
agrupamento tende a conceber o outro através de estereótipos limitados e hostis – a equipe
dirigente muitas vezes vê os internados como condescendentes, arbitrários e mesquinhos. Os
participantes da equipe dirigente, por sua vez, tendem a sentirem-se superiores e corretos; os
internados tendem, pelo menos sob alguns aspectos, a sentir-se inferiores, fracos, censuráveis
e culpados.
Há restrições para a transmissão de informações, sobretudo quanto aos planos dos
dirigentes para os internados, acrescenta, pois se presume que essas restrições de contato
ajudam a conservar os estereótipos antagônicos. “Desenvolvem-se, desse modo, dois mundos
17 Esta classificação não é exaustiva. (Goffman, p. 17, 1974)
23
sociais e culturais diferentes, que caminham juntos com pontos de contato social, mas com
pouca interpenetração.” (GOFFMAN, p. 22, 1974)
Goffman (1974) segue a análise considerando a instituição total sob a perspectiva
do mundo do internado. “Os internados tendem a chegar à instituição com uma ‘cultura
aparente’, derivada de um mundo da família. (...) Se a estada é muito longa, pode ocorrer um
‘desculturamento’, que o torna temporariamente incapaz de enfrentar alguns aspectos da vida
diária, caso ele volte para o mundo exterior”. (GOFFMAN, p. 23, 1974). Faz referência
também ao processo de admissão do internado, caracterizando-o como uma despedida e um
começo, momento em que o internado seria despojado de seus bens18, e, em consequência,
sofreria uma desfiguração pessoal. Exemplifica que pessoas da equipe dirigente ou outros
internados dão ao indivíduo nomes obscenos, podem xingá-lo, indicar suas qualidades
negativas, ou falar a seu respeito com outros internados como se não estivesse presente.
Ao entrar, é imediatamente despido do apoio dado por tais disposições. Começa uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações do eu. O seu eu é sistematicamente mortificado. Os processos pelos quais o eu da pessoa é mortificado são relativamente padronizados nas instituições totais. A barreira que as instituições totais colocam entre o internado e o mundo externo assinala a primeira mutilação do eu. Embora alguns dos papeis possam ser restabelecidos pelo internado, se e quando ele voltar para o mundo, é claro que muitas perdas são irrecuperáveis. Pode não ser possível recuperar o tempo não empregado no progresso educacional ou profissional, em outras palavras há uma “morte civil”. (GOFFMAN, p. 24 e 25, 1974)
Outra forma de “mortificação do eu” apresentada por Goffman (1974) seria a
exposição contaminadora, na qual existe, em primeiro lugar, a violação da reserva de
informação quanto ao eu (por exemplo: o registro de fatos desabonadores, representado
principalmente pela vida pregressa do preso, num prontuário, que fica a disposição da
direção). Os internos são vistos em condições de humilhação. Dormitórios coletivos,
“banheiros” sem porta delineiam o espaço onde terão que viver por certo período de suas
vidas.
Viola-se, assim, mais uma vez o território do eu.
De modo geral, o internado nunca está inteiramente sozinho19: está sempre em posição em que possa ser visto e muitas vezes ouvido por alguém, ainda que apenas pelos “colegas”20 de internamento. (...) As celas de prisão com barras de metal permitem toda uma exposição. (...) Durante a estada, pode
18 Um conjunto de bens individuais tem uma relação muito grande com o eu. Em resumo, o indivíduo precisa de um “estojo de identidade” para o controle de sua aparência pessoal. (GOFFMAN, p. 28, 1974)19 A vida reservada é impossível.20 Não poucas vezes, “companheiros” indesejáveis.
24
ser obrigado a sofrer exames em sua pessoa e em seu dormitório, seja de forma rotineira seja quando há algum problema. (GOFFMAN, p. 32, 1974)
O autor traz outros exemplos de exposição contaminadora: a correspondência de
um internado pode ser lida e censurada, e pode até ser caçoada; o caráter público das visitas.
Conclui: numa instituição total os menores segmentos da atividade de uma pessoa podem
estar sujeitos a regulamentos e julgamentos da equipe diretora.
Goffman (1974) enfatiza ainda que a autoridade desses estabelecimentos se dirige
para um grande número de itens de conduta21, os quais constantemente devem ser julgados.
Diante dessa realidade, é necessário haver um esforço persistente e consciente por parte dos
internados para não enfrentar problemas. A fim de evitar possíveis incidentes, indica
Goffman (1974), o internado pode renunciar a certos níveis de sociabilidade com seus
companheiros.
Após apresentar esses problemas de mortificação, Goffman (1974) passa a
destacar três problemas gerais, presentes nas instituições totais. Afirma que tais instituições
perturbam as ações que, na sociedade civil, tem o papel de atestar, ao ator e aos que estão em
sua presença, que se é detentor de certa autonomia no seu mundo. Os internos perdem
algumas comodidades materiais (cama macia e silêncio na hora que se quer, por exemplo).
Perdem muito do poder de decisão pessoal. A relação entre esse esquema simbólico de
interação para a consideração do destino do eu e o esquema psicofisiológico centraliza-se no
conceito de tensão. Por fim, aponta que um elevado nível de angústia ou a ausência de
materiais de fantasia (filmes, livros etc) podem aumentar muito o efeito de uma violação das
fronteiras do eu.
Goffman (1974) passa a expor em seguida o chamado “sistema de privilégios”,
presente nas instituições totais.
Ao mesmo tempo em que o processo de mortificação se desenvolve, o internado começa a receber instrução formal e informal a respeito do que aqui será denominado sistema de privilégios. Na medida em que a ligação do internado com seu eu civil foi abalada pelos processos de despojamento da instituição, é em grande parte esses sistema que dá um esquema para a reorganização pessoal. É possível mencionar três elementos básicos do sistema. Primeiro: “as regras da casa”, tido como um conjunto relativamente explícito e formal de prescrições e proibições que expõe as principais exigências quanto à conduta do internado. Segundo: em contraste com esse ambiente rígido, apresenta-se um pequeno número de prêmios ou privilégios claramente definidos, obtidos em troca de obediência, em ação e espírito, à equipe dirigente. (GOFFMAN, p. 49 e 50, 1974)
21 Uma instituição total assemelha-se a uma escola de boas maneiras, mas pouco refinada. (GOFFMAN, p. 44, 1974)
25
No mundo externo, Goffman (1974) defende que o internado provavelmente
poderia decidir, sem pensar muito, como desejaria seu café, quando falaria ou não; na
instituição total, entretanto, tais direitos podem se tornar problemáticos. Para Goffman
(1974), essas poucas reconquistas, apresentadas ao internado como possibilidade, parecem ter
um efeito reintegrador, pois restabelecem as relações com todo o mundo perdido e suavizam
os sintomas de afastamento com relação a ele e com relação ao eu perdido pelo indivíduo.
Principalmente no início, observa Goffman (1974), a atenção do internado passa a
fixar-se nesses recursos e a ficar obcecada por eles. Pode passar o dia todo, como um
fanático, em pensamentos concentrados a respeito da possibilidade de conseguir tais
satisfações, ou na contemplação da hora em que devem ser distribuídas. (...) A construção de
um mundo em torno desses privilégios secundários, continua, é talvez o aspecto mais
importante da cultura dos internados. (...)
Por fim, o terceiro elemento no sistema de privilégio está ligado aos castigos – estes definidos como consequências de desobediência às regras. De modo geral, os castigos enfrentados nas instituições totais são mais severos do que qualquer coisa já encontrada pelo internado em sua vida fora da instituição. Castigos e privilégios são modos de organização peculiares às instituições totais e passam a ligar-se a um sistema de trabalho interno. Os locais de trabalho e os locais de dormir se tornam claramente definidos como locais onde há certos tipos e níveis de privilegio. (GOFFMAN, p. 51, 52; 1974)
Embora haja tendências de solidariedade, elas são limitadas. Desta forma, o
internado precisa adaptar-se a tal sistema e, para tal, utiliza-se de algumas táticas.22 Segundo
Goffman (1974), estas podem ser: “afastamento da situação”, “intransigência” (o internado
intencionalmente desafia a instituição ao visivelmente negar-se a cooperar com a equipe
dirigente), “colonização” (o pouco do mundo externo que é dado pelo estabelecimento é
considerado pelo internado como o todo, e uma existência estável, relativamente satisfatória,
construída com o máximo de satisfações possíveis na instituição), por fim, a tática da
“conversão” (o internado parece aceitar a interpretação dada pela equipe dirigente e tenta
representar o papel do internado perfeito). O internado tende a sentir que durante a sua estada
obrigatória – sua sentença – foi totalmente exilado da vida. Este sentimento de tempo morto
provavelmente explica o alto valor dado às chamadas atividades de distração, que o faz
esquecer-se de sua situação real, explica Goffman (1974).
22 Cada tática representa uma forma de enfrentar a tensão entre o mundo original e o mundo institucional. (GOFFMAN, p. 2, 1974).
26
Toda instituição total pode ser vista como uma espécie de mar morto, em que aparecem pequenas ilhas de atividades vivas e atraentes, que podem ajudar o indivíduo a suportar a tensão psicológica usualmente criada pelos ataques do eu. (GOFFMAN, p. 66, 1974)
Para Goffman (1974), portanto, o mundo do internado é marcado principalmente
pelos seguintes elementos: o processo de mortificação, as influências reorganizadoras e as
táticas de resposta ao ambiente cultural que lá se desenvolve, onde funciona o sistema de
privilégios.
Para Dias (2008), as principais privações que incidem sobre a identidade do
indivíduo na prisão, são as seguintes: perda da liberdade, solidão, rejeição social, degradação
moral, privação de seus bens materiais, privação de relações sexuais, perda da autonomia e
privação da segurança. Acrescenta que além de suportar tais carências, encontram-se
submetidos a regras institucionais e informais – criadas pelos próprios apenados.
Finalizando as observações a respeito das instituições totais, Goffman (1974)
apresenta o chamado mundo do “grupo dirigente”. Sobre este, afirma que, a primeira coisa a
se dizer, talvez, é que o seu trabalho se refere a pessoas. Pessoas que, como material de
trabalho, podem adquirir características de objetos inanimados, mas que, por outra via, por
mais distante que os dirigentes procurem estar, podem se tornar objetos de sentimentos de
camaradagem e até afeição. Assim, quase sempre, essas pessoas são consideradas fins em si
mesmas, segundo princípios morais gerais da sociedade mais ampla de uma instituição total,
onde há padrões humanitários e direitos a serem seguidos.
Diante das observações tecidas por Goffman (1974), pretende-se analisar a
conversão religiosa dos presos, buscando compreender de forma adequada a acepção das
práticas evangélicas desenvolvidas, na presença das peculiaridades que preenchem o
ambiente prisional.
2.2 O sistema carcerário do Rio Grande do Norte no contexto penitenciário nacional e mundial
Nesse capítulo, conheceremos aspectos qualitativos das populações carcerárias de
outros países, bem como a posição do Brasil diante da realidade prisional mundial. Veremos
ainda como se tem dado o aumento do número de apenados no Brasil e quais as prováveis
implicações, caso o ritmo de crescimento se mantenha. Por fim, apresentaremos a evolução
histórica das prisões no Brasil e como funciona o sistema prisional do Estado do Rio Grande
do Norte.
27
2.2.1 População carcerária no Brasil e no mundo
A população carcerária mundial, em maio de 2011, segundo a nona edição do
World Prison Population List, ultrapassou os 10,1 milhões de pessoas. Nesse contexto, o
sistema prisional brasileiro é o quarto do mundo em número de pessoas, (513.802 reclusos,
em junho de 201123), ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia. Esses quatro
países juntos, por sua vez, representam mais de 52% das pessoas presas no mundo.
Em 2008, a CPI do sistema carcerário brasileiro apontou os seguintes números
para as populações carcerárias desses países: Estados Unidos (2,2 milhões de presos), China
(1,5 milhão de presos) e Rússia (870 mil presos). Em 2010, uma pesquisa realizada pelo IPC
– LFG24 divulgou os seguintes números: Estados Unidos, com 2.297.400 presos; China,
contando com 1.620.000 encarcerados e Rússia, com população carcerária de 838.50025. E,
por fim, em 2011, segundo dados publicados na nona edição do World Prison Population
List, os números são: Estados Unidos (2,29 milhões de presos), China (1,65 milhão de presos)
e Rússia (810 mil presos).
Em 2010, segundo dados fornecidos por Losekann, coordenador do Departamento
de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF) do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), de 2005 a 2010, o número de presos no Brasil aumentou 37%, o que
representou 133.196 pessoas a mais nas penitenciárias. Dentre os encarcerados, Losekann
chamou atenção para o elevado número de presos provisórios existentes no País, 44% no
total, segundo dados do Ministério da Justiça; o que, segundo ele, significa que 219.274
pessoas aguardavam na prisão o julgamento de seus processos.
Por último, sobre a dimensão da população carcerária no Brasil, em trabalho de
pesquisa realizado pelo jurista Luis Flávio Gomes, ele demonstra que, considerando-se o
período de vinte anos (1990-2010), o Brasil é o país com maior crescimento de
encarceramento de pessoas do mundo26: 450% de aumento e que, diante dessa realidade, se
23 De acordo com dados divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (DePen).24 Instituto de Pesquisa e Cultura Luis Flavio Gomes (http://www.ipcluizflaviogomes.com.br/). 25Dados extraídos do site inglês King’s College London – World Prison Brief (http://www.kcl.ac.uk/depsta/law/research26 Os Estados Unidos, segundo essa pesquisa, no mesmo período, cresceram 77%, China, 31% e Rússia, 17%. Concluiu-se que enquanto a população carcerária brasileira (de 1990 a 2010) mais que quintuplicou, o crescimento nos países citados nem sequer dobrou. A projeção carcerária do Brasil foi calculada com base na média da taxa de crescimento da população carcerária no período de 2005 a 2010, ou seja, correspondente a 6,80% ao ano e para os Estados Unidos, o cálculo foi realizado com base na taxa de redução bienal da população carcerária entre 2007 a 2009, uma vez que os EUA apresentaram neste biênio uma inversão na tendência de crescimento, o equivalente a -0,03% por biênio e aproximadamente -0,0139% por ano.
28
essa tendência continuar, o Brasil, em 2034 pode ter a maior população do mundo vivendo
em cárcere prisional.
2.2.2 História das prisões no Brasil
Em 1769, a Carta Régia do Brasil determinou no Rio de Janeiro a construção da
Casa de Detenção – primeira prisão brasileira. Nessa, já não havia separação de presos por
tipo de crime, ficando juntos primários e reincidentes; os que praticaram crimes “leves” e os
criminosos mais perigosos27.
Somente em 1824, a Constituição Federal do Brasil determinou que as cadeias
tivessem os apenados separados por tipo de crime ou pena e que fossem adaptadas para que
os detentos pudessem trabalhar.
A determinação foi cumprida, mas por pouco tempo: no início do século XIX, surgiu um dos mais graves problemas do sistema carcerário atual: a superlotação, quando as cadeia do Rio de Janeiro, já tinham mais presos do que de vagas. (Relatório da CPI do sistema carcerário, p. 53, 2008).
Em 1933, o Brasil formalmente demonstrou a preocupação com a ressocialização
do apenado, por meio da edição do Código Penitenciário da República, o qual estabelecia
além do direito do estado punir, o dever de recuperar do detento, segundo aponta o relatório
da CPI do sistema carcerário, e, finalmente, em 1984, aquele objetivo ressocializador foi
tratado de modo mais detalhado, e a execução penal no Brasil para a ser regida pela Lei de
Execução Penal, considerada um dos melhores instrumentos jurídicos do mundo, segundo .
Atualmente, o sistema penitenciário brasileiro tem como órgão maior o Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), previsto pela Lei 7.210/84 (Lei de
Execução Penal – LEP), o qual está vinculado ao Ministério da Justiça e presidido pelo
desembargador mineiro Dr. Herbert José Almeida Carneiro, cujo mandato teve início em 18
de abril de 2012 e se estenderá até 18 de abril de 2014.
Com relação aos tipos penais mais cometidos no Brasil, segundo dados do
Departamento Penitenciário Nacional, destacam-se, pelo número de ocorrências, pela ordem:
o roubo qualificado, o tráfico de drogas, o roubo simples, o homicídio qualificado e o furto
qualificado.
Os Estados federativos têm o dever de enviar os dados estatísticos referentes ao
sistema penitenciário, contendo todos os estabelecimentos e o número de presos, anualmente
27Dados constantes no relatório do CPI do Sistema Carcerário.
29
ao CNPCP, pois, dessa forma, é possível verificar a evolução da população carcerária. Outro
ponto interessante é constatar a relação entre crescimento da população prisional e a
progressão da população brasileira como um todo. O primeiro censo penitenciário global feito
no Brasil, datado de 1994, constatou um déficit de vagas no sistema carcerário brasileiro
(equivalente a 105.075). Sá e Schecaria (2008) verificam que de 1994 a 2007, enquanto a
população brasileira aumentou cerca de 20% (157 milhões para 190 milhões), a população
carcerária cresceu mais de 320%.
Tabela 1: Evolução da população carcerária no Brasil.
Ano População Carcerária no Brasil1994 129.1692007 419.5512010 496.2512011 513.802
Fonte: CNPCP28/ Elaborado pela pesquisadora (2011)
A realidade carcerária é de superlotação29 nos estabelecimentos prisionais e
desrespeito aos direitos fundamentais dos presos provisórios e condenados, contando com
prisões ilegais, abuso de autoridade e carência de assistência jurídica, social, à saúde e
religiosa. Diante das irregularidades e deficiências estruturais e de gestão do sistema
penitenciário nacional, visando reverter este quadro, a Câmara dos Deputados instalou a CPI
do Sistema Carcerário em agosto de 2007, a qual finalizou suas atividades em junho de 2008.
Durante esse período, uma comitiva de deputados foi fiscalizar a realidade dos
estabelecimentos prisionais, em todos os Estados brasileiros, flagrando o total desrespeito, em
muitos lugares, aos direitos humanos.
O autor do requerimento da criação da supracitada CPI, o deputado Domingos
Dutra (PT-MA), considerou, como motivos para proceder a instauração da CPI:
Rebeliões, motins frequentes com destruição de unidades prisionais; violência entre encarcerados, com corpos mutilados de companheiros, e as cenas exibidas pela mídia; óbitos não explicados no interior dos estabelecimentos; denuncias de torturas e maus tratos; presas vitimas de abusos sexuais; crianças encarceradas; corrupção de agentes públicos; superlotação; reincidência elevada; organizações criminosas controlando a massa carceraria, infernizando a sociedade civil e encurralando governos; custos elevados de manutenção de presos; falta de assistência jurídica e descumprimento da Lei de Execução Penal. (DUTRA, p. 29, 2008).
28 Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP.29 Para conter o avanço do contingente de presos em todo o país, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem desenvolvendo uma política de mutirões, que pretende atuar em todos os Estados, em parceria com os tribunais de justiça estaduais, OAB e defensoria pública, com a meta de analisar a situação processual dos infratores e conceder os direitos daqueles que os já possuem.
30
A CPI do sistema carcerário pode ser considerado, portanto, em síntese, um
instrumento destinado a investigar a realidade do sistema carcerário e a buscar soluções para
o efetivo cumprimento das penas.
Para atingir seus objetivos, a CPI utilizou-se da seguinte metodologia: manteve contatos com autoridades dos Poderes Executivo e Judiciário Federal; promoveu audiências públicas com estudiosos, autoridades vinculadas ao tema e representantes de entidades de classe e da sociedade civil; realizou diligências nos estabelecimentos penais nos estados brasileiros, mantendo contato direto com os encarcerados na porta das celas, em enfermarias e manicômios, como forma concreta de vivenciar a realidade da população carcerária nacional; promoveu audiências em todos os estados diligenciados, ouvindo autoridades das três esferas do poder público, representantes de classe e da sociedade civil, como sindicatos de agentes penitenciários, OAB e Pastoral Carcerária. (DUTRA, p. 30-31, 2008).
Após todos as diligências realizadas, o material colhido na CPI resultou em um
relatório escrito contendo o diagnóstico do sistema, ilustrado com fotografias reveladoras do
caos do sistema carcerário e em um documentário com as imagens da desumana situação dos
presos no país, que servira de instrumento itinerante para o debate nacional e internacional
sobre situação dos detentos e a responsabilidade do estado e da sociedade para com os
encarcerados.
2.2.3 O sistema penitenciário do Rio Grande do Norte
No Estado do Rio Grande do Norte, o órgão responsável pela gestão do Sistema
Penitenciário é a Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (SEJUC), com estrutura básica
definida pela Lei Complementar nº 129 de 02 de fevereiro de 1995, e competências definidas
no Decreto nº 12.478 de 07 de fevereiro de 1995.
A Secretaria de Justiça do Rio Grande do Norte passa por problemas, a começar
por sua mais alta gestão, que no atual Governo (2011-2014), já passou por quatro Secretários.
Quanto aos agentes penitenciários (servidores públicos responsáveis pela segurança,
vigilância e manutenção dos apenados nos estabelecimentos prisionais do Estado), foram
selecionados por dois concursos públicos: um que ocorreu em 2000 e outro em 2009, o qual
empossou 600 novos agentes (480 homens e 120 mulheres). Por fim, tem-se que a Direção
dos estabelecimentos prisionais do Estado também muda bastante, pois são cargos
comissionados, e, dessa forma as exonerações podem se dar a qualquer momento. Na
31
Penitenciária de Alcaçuz, por exemplo, a rotatividade30 de Direção Administrativa é intensa:
mudou cerca de 11 vezes, desde maio de 2009 até julho de 2012.
Quanto ao quadro de estabelecimentos penais, o Rio Grande do Norte, segundo a
SEJUC, conta com os seguintes: Cadeia Pública de Caraúbas, Cadeia Pública de Mossoró,
Cadeia Pública de Nova Cruz, Cadeia Pública de Natal, Centro de Detenção Provisória da
Ribeira, Centro de Detenção Provisória da Zona Norte, Centro de Detenção Provisória de
Candelária, Complexo Penal Dr. João Chaves, Complexo Penal Estadual Dr. Mário Negócio,
Complexo Penal Estadual de Pau dos Ferros, Penitenciária Estadual de Alcaçuz, Penitenciária
Estadual de Parnamirim, Penitenciária Estadual do Seridó, Unidade Psiquiátrica de Custódia
e Tratamento; além da Penitenciária Federal de Mossoró.
Ainda conforme a supracitada Secretaria, em 2008 existiam cerca de 561 presos
em Delegacias da Polícia Civil na grande Natal e 993 presos nas Delegacias do interior do
Estado do Rio Grande do Norte, todos sob a responsabilidade da Secretaria de Segurança
Pública do Estado. Quanto ao total da população carcerária no Estado, a SEJUC informou
que, em janeiro de 2008, ela era de 4.560 presos (dos quais, 790 presos na faixa etária de 18 a
24 anos e 22 estrangeiros – sendo 19 homens e 03 mulheres), somando-se àqueles
custodiados pela Secretaria de Justiça e pela Secretaria de Segurança Pública. Em abril de
2012, o corregedor geral de Justiça31, Desembargador Cláudio Santos32, aponta que a situação
é a seguinte: o Sistema Prisional do RN disponibiliza 2.556 vagas para custodiar presos em
todo o Estado, mas abriga atualmente 7.252. “O cumprimento de pena de forma subumana
em razão da superlotação, agravada pela falta de alimentação diária, viola flagrantemente os
direitos humanos, podendo configurar inclusive crime de tortura”, relatou o documento
assinado pelo referido desembargador.
O documento enfatiza ainda que entre as reais condições em que se encontra o
Sistema Penitenciário do RN pode ser destacado que é contumaz, por exemplo, a ausência de
condução dos presos provisórios para as audiências devido à escassez de viaturas para o
transporte, a carência de efetivo diante do reduzido número de agentes penitenciários, a 30 Além do fato do cargo de Direção ser comissionado, também contribui para a sua rotatividade, a falta de investimentos do Estado nos presídios, tanto na estrutura física quando na operacional, pois, desta forma, as condições de trabalho acabam sendo muito precárias. 31 A Corregedoria de Justiça acompanha a situação do complexo carcerário do RN desde junho de 2009, através de inspeções realizadas pelo Grupo de Apoio à Execução Penal (GAEP), que, por sua vez, foi criado pela Portaria nº 223, de 29 de abril de 2009, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do RN, e em todas elas se constatou a precariedade do sistema. Em Alcaçuz, especificamente o GAEP realizou 3 inspeções (2009, 2010, 2011).32 O corregedor-geral de Justiça, desembargador Cláudio Santos, em abril de 2012, enviou ofício ao procurador-geral de Justiça, Manoel Onofre Neto, sugerindo que o Ministério Público tome providências – inclusive para eventual intervenção e sequestro de verbas públicas oriundas da conta única do Estado – para atender às despesas necessárias ao funcionamento regular do sistema prisional do Rio Grande do Norte.
32
precária estrutura das instalações prisionais, a falta de pagamento aos fornecedores e o risco
iminente de fugas, com possibilidade de rebeliões.
Quanto à despesa mensal com a manutenção do Sistema Penitenciário do RN, a
SEJUC informou à Corregedoria que, excluídos os gastos com os Centros de Detenção
Prisional (CDPs) situados na capital – os quais são mantidos pela Secretaria de Segurança
Pública, ela totaliza R$ 2.315.898,00.
Por último, uma constatação quanto à reincidência dos presos. A maioria dos
presos é reincidente e não consegue cumprir suas penas, pois ao progredir de regime para o
semiaberto, costuma faltar (geralmente sob a alegação de que tem inimigos que os ameaça) e
ser considerada fugitiva, o que acarreta o retorno dela para o sistema fechado. O ciclo se
repete: apenados ameaçados, que ou são mortos de fato por seus desafetos ou deixam de ir
para o semiaberto e regridem de regime. Resultado: índice de reincidência muito alto e baixo
nível de ressocialização.
2.3 O regime disciplinar previsto pela legislação brasileira e sua aplicação nas prisões
Os presos estão submetidos a dois regimes disciplinares: aquele considerado
oficial, regido pelo ordenamento jurídico (principalmente pela Lei Federal de Execução Penal
- LEP (Lei nº 7210/84) e outro, informal, constituído por verdadeiros mandamentos entre os
presos. Com relação ao primeiro, tem-se que encontra fundamento na legislação brasileira.
A exposição de motivos do Projeto da Lei de Execução Penal, datada de 09 de
maio de 1983, ao tecer considerações sobre a disciplina no cumprimento de pena privativa de
liberdade, refere-se a ela como sendo uma questão tormentosa, pois vinha sendo aplicada nos
estabelecimentos prisionais “quase sempre de modo humilhante e restritivo”. A LEP trouxe
relevantes mudanças: passou a defender os presos das sanções coletivas ou das que possam
colocar em perigo sua integridade física, vedando, ainda, o emprego da chamada cela escura
(art. 44 e parágrafos).
78. Na Comissão Parlamentar de Inquérito, instituída em 1975, na Câmara dos Deputados, que levantou a situação penitenciária do país, chegamos à conclusão de que a disciplina tem sido considerada “matéria vaga por excelência, dada a interveniência de dois fatores: o da superposição da vontade do diretor ou guarda vontade do diretor ou guarda ao texto disciplinar e o da concepção dominantemente repressiva do texto. Com efeito, cumulativamente atribuídos à direção de cada estabelecimento prisional a competência para elaborar o seu código disciplinar e o poder de executá-lo, podem as normas alterar-se a cada conjuntura e se substituírem as penas segundo um conceito variável de necessidade, o que importa, afinal,
33
na prevalência de vontades pessoais sobre a eficácia da norma disciplinar. O regime disciplinar, por seu turno, tem visado à conquista da obediência pelo império da punição, sem a tônica da preocupação com o despertar do senso de responsabilidade e da capacidade de autodomínio do paciente”. (Diário do Congresso Nacional, Suplemento ao n. 61, de 06.04.1976, p. 6. apud Exposição Motivos do Projeto de Lei de Execução Penal, p. 5, 1983).
Mesmo elaborada num contexto marcado por uma tradição penal repressiva,
baseada no modelo norte-americano, preocupado, sobretudo, em punir, e não em reabilitar o
condenado, ainda assim a LEP tem sua importância, na medida em que trouxe disposições
precisas e taxativas, objetivando abolir o arbítrio existente em sua aplicação. Na prática,
entretanto, verifica-se que esta finalidade não foi atingida, deixando muito a desejar.
2.3.1 Da Assistência
A LEP prevê, em seus artigos 10 e 11, que assistir o preso é dever do Estado,
sendo essa assistência de ordem material, jurídica, educacional, social, relativa à saúde e
religiosa. Pela supracitada Lei, a assistência material ao preso e ao internado consistirá no
fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas. Na prática, contudo, verifica-
se que a realidade não é bem assim.
Na Penitenciária da Alcaçuz, a grande maioria das celas são coletivas, abrigando,
em média, 8 homens, os quais dormem nas chamadas pedras33, como eles chamam. Neste
ínfimo espaço, eles procuram o mínimo de intimidade, fechando seus “quadrados” com
lençóis, como se fossem cortinas e improvisando estantes nas paredes, pendurando
ventiladores e aparelhos de TVs.
Quanto à assistência à saúde, o art. 14 da LEP diz que esta se revestirá de caráter
preventivo e curativo, compreendendo atendimento médico, farmacêutico e odontológico. Vai
mais adiante, garantindo a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do internado
ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes, a fim de
orientar e acompanhar o tratamento.
Em Alcaçuz, há um setor médico que funciona como pavilhão, para os presos que
trabalham; há uma sala destinada ao armazenamento de medicamentos, os quais são
insuficientes e existe também uma sala destinada ao atendimento odontológico, porém não
mais funciona. Quando um preso passa mal, muitas vezes é levado para o hospital no carro de
escolta, que funciona como se ambulância fosse, nessas ocasiões.
33 As pedras são espécies de camas de alvenaria, as quais ficam dispostas da seguinte forma: 4 de cada lado, como se fossem beliches.
34
A assistência educacional também deixa muito a desejar, sendo irregular e
precária, atendendo uma proporção irrisória de apenados, montante esse representado por
mais de 90% de pessoas com ensino fundamental incompleto e que deveriam ter essa
assistência garantida.
A lei prevê, principalmente, o seguinte, no tocante à assistência social nos
estabelecimentos prisionais: o relato, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, dos
problemas e das dificuldades enfrentadas pelo assistido; o acompanhamento do resultado das
permissões de saídas e das saídas temporárias; a promoção, no estabelecimento, pelos meios
disponíveis, da recreação; e a orientação e amparo, quando necessário, a família do preso, do
internado e da vítima.
O trabalho é mencionado pela LEP como sendo dever social e condição de
dignidade humana, com finalidade educativa e produtiva; estando o condenado à pena
privativa de liberdade obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade. Na
prática, entretanto, não é assim que acontece e em Alcaçuz, não é diferente: ao invés de todo
condenado estar obrigado ao trabalho, nos termos que prevê a LEP, dos mais de 700 presos,
cerca de cem (100) trabalham.
2.3.2 Dos Deveres
Cumpre ao condenado, de acordo com os arts. 38 e 39 da LEP, além das
obrigações legais inerentes ao seu estado, submeter-se às normas de execução da pena, que
consistem nos seguintes deveres: comportamento disciplinado e cumprimento fiel da
sentença; obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se;
urbanidade e respeito no trato com os demais condenados; conduta oposta aos movimentos
individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina; execução do
trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; submissão à sanção disciplinar imposta;
indenização à vitima ou aos seus sucessores; indenização ao Estado, quando possível, das
despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração
do trabalho; higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; conservação dos objetos de uso
pessoal.
2.3.3 Dos Direitos
A LEP, do art. 40 ao art.43, impõe a todas as autoridades o respeito à integridade
física e moral dos presos. Sabemos que no dia-a-dia não é bem o que ocorre. Inúmeros são os
35
relatos de presos que, tão logo são detidos, são agredidos física e moralmente, por meio de
insultos de toda a espécie.
Mesmo diante da corriqueira violação a essa norma, o preso tem direitos
assegurados, pelo menos, teoricamente. São eles, os direitos à: alimentação suficiente e
vestuário; atribuição de trabalho e sua remuneração; Previdência Social; constituição de
pecúlio; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a
recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas
anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; assistência material, à saúde,
jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de
parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamento
salvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência especial com o diretor do
estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; contato
com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de
informação que não comprometam a moral e os bons costumes; atestado de pena a cumprir,
emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.
2.3.4 Da Disciplina
A disciplina, nos termos do art. 44 da LEP, consiste na colaboração com a ordem,
na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho;
sendo o poder disciplinar exercido pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o
condenado.
Quanto às sanções, estabelece que não poderão colocar em perigo a integridade
física e moral do condenado, sendo vedado o emprego de cela escura, bem como são
proibidas as sanções coletivas. Na prática, todavia, não é o que ocorre com frequência. Em
regra, as celas não são individuais, mas sim construídas para abrigar 8 homens. Essa
organização coletiva de espaço dificulta a apuração, por exemplo, do proprietário de um
celular, arma ou droga, que lá seja encontrado pelos agentes penitenciários, pois,
principalmente quem vivencia a realidade prisional sabe muito bem que é comum um preso
assumir a propriedade de um objeto (celular, facas artesanais, drogas etc), bem como a autoria
de condutas, coagido por outros “companheiros” de cela, por meio de violência ou grave
ameaça.
36
Assim, alguém acaba assumindo a propriedade de objetos que não lhe pertencem
ou a autoria de condutas que não cometeram, pois ficam divididos entre duas opções:
submeter-se as sanções informais, correndo o risco de ser morto por algum preso que não
fique muito satisfeito pelo fato dele não ter assumido o fato ou sofrer sanções administrativas,
perdendo alguns dias de visita íntima ou social, indo para a chapa ou, na pior das hipóteses, a
uma sindicância. Como o sistema informal é mais severo, aquele que assume o fato acaba
preferindo se submeter à sanção imposta pela Administração e não por seus “colegas” de
prisão, e a Administração atua correndo o risco de punir um inocente.
A LEP elenca três níveis de gravidade de faltas disciplinares, classificando-as em
leves, médias e graves; das quais caberá à legislação local especificar as leves e médias, bem
assim como as respectivas sanções.
Neste contexto, portanto, a lei federal 7.210/84 (LEP), dispõe, em seu art. 50,
quais condutas são consideradas falta grave34.
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;II - fugir;III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;IV - provocar acidente de trabalho;V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas;VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do art. 39, desta Lei.VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007)Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.
Como determina a Lei Federal, devem ser dispostas em legislação estadual as
faltas consideradas médias e leves. Diante desta imposição legal, a Portaria nº. 072/2011/GS-
SEJUC, de 28 de março de 2011, disciplina tais espécies de faltas a serem aplicadas nos
estabelecimentos prisionais do Estado do Rio Grande do Norte.
2.3.5 Das Sanções e das Recompensas
Constituem sanções disciplinares, segundo a lei federal: advertência verbal;
repreensão; suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo único); isolamento na
34 A LEP também elenca como falta grave, a prática de fato prevista como crime doloso, sujeitando o preso à sanção disciplinar, além da sanção penal correspondente.
37
própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo,
observado o disposto no artigo 88 desta Lei; inclusão no regime disciplinar diferenciado.
As recompensas oficiais, reconhecidas pela LEP, por sua vez, têm em vista o bom
comportamento reconhecido em favor do condenado, de sua colaboração com a disciplina e
de sua dedicação ao trabalho. São elas: o elogio e a concessão de regalias.
A Portaria estadual estabelece como sanções a serem aplicadas às sanções leves e
médias, as seguintes: advertência verbal; repreensão; suspensão ou restrição de regalias;
suspensão ou restrição de direitos; isolamento em local adequado; inclusão no Regime
Disciplinar Diferenciado - RDD, mediante decisão fundamentada do juízo competente.
Por fim, como regalias, a Portaria da Sejuc prevê expressamente, sem prejuízo de
aplicação de outras formas diversas: visitas íntimas; assistir coletivamente sessões de cinema,
teatro, shows e outras atividades socioculturais, fora do horário normal em épocas especiais;
assistir coletivamente sessões de jogos esportivos em épocas especiais, fora do horário
normal; participar de atividades coletivas, além da escola e trabalho, em horário pré-
estabelecido de acordo com a Unidade do Sistema e Direção; participar em exposições de
trabalho pintura e outros, que digam respeito às suas atividades; visitas extraordinárias
devidamente autorizadas pela direção se comprovada sua necessidade e relevância.
2.4 A penitenciária estadual de Alcaçuz
Sai no jornal: mais uma fuga do presídio.A “João Chaves” é o inferno neste mundo.
É Hamurabi retornando do esquecidoE propalando o animalismo mais profundo.
Combate, ó norma, o que gera o criminoso:Seja a miséria, o abandono, o desengano.
Traz para o pobre a esperança de algo novo.Não só nascer, crescer e ver passarem os anos.
Que teia é essa que só prende vaga-lumes?Pois os “gravatas” agem livres e impunes.
Será o Direito um inseticida social?
Corrupção nos palacetes do poder,Milhões nos campos que mal têm o que comer...
Nesse país o absurdo é tão normal!Rosivaldo Toscano Júnior – Juiz de Direito.
38
Figura 1. Placa de inauguração do Presídio de Figura 2. Placa de inauguração, fazendo menção Alcaçuz. aos Direitos Humanos.
Fonte: A pesquisadora. Fonte: A pesquisadora.
A penitenciária estadual de Alcaçuz foi inaugurada no dia 26 de março de 1998.
Com pouco mais de quatorze (14) anos de funcionamento, é também conhecida como o
“Novo Caldeirão do Diabo” (como era conhecido o antigo e já demolido Complexo Penal
João Chaves35), e vem passando por muitos problemas estruturais e de gestão administrativa.
2.4.1 Problemas estruturais
Quanto a sua estrutura física, tem-se que Alcaçuz foi resultado de um projeto
desenvolvido em um trabalho de conclusão do curso de Arquitetura da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte. Trindade (2010) afirma, entretanto, que o projeto original
desenvolvido pelas arquitetas Lavínia Negreiros e Rosanne Albuquerque não foi plenamente
executado.
As duas imagens a seguir mostram a estrutura física da unidade prisional. Diante
35 Segundo Da Silva (2010), o Complexo Penal João Chaves começou a ser construído em 1953, mas só foi inaugurado em 1969, no governo do Monsenhor Walfredo Gurgel. Foi palco de grandes tragédias e custodiou os presos mais perigosos do estado. Um filme intitulado “Caldeirão do Diabo”, rodado na João Chaves, em 2004, foi produzido para mostrar um pouco da história desse estabelecimento prisional, tendo como pano de fundo o período de 1990 a 1995, no qual três delinquentes – Naldinho do Mereto, Paulo Queixada e Demir – reinaram nas páginas policiais dos jornais do estado do RN, os quais eram também conhecidos por terem feito um pacto de sangue "A Santíssima Trindade do Diabo." Durante muito tempo, o Complexo foi o único presídio de segurança máxima do Rio Grande do Norte, chegando a receber mais de 700 presos, o que resultou em inúmeras mortes. Em virtude da grande violência entre os reclusos, recebeu vários apelidos como “Universidade do Crime” e “Casa dos Horrores”. Entretanto, foi com a alcunha de “Caldeirão do Diabo” (nome que também fazia referencia ao presídio de Ilha Grande, localizado no Rio de Janeiro) que as histórias que ali aconteceram se tornaram conhecidas. A penitenciária foi se desestruturando fisicamente, e era cenário de muitas rebeliões, por isso, o governo do estado assinou no dia 08 de agosto de 2005 um decreto, desativando o sistema de regime fechado da penitenciária e em março de 2006, ele foi demolido. (DIÁRIO DE NATAL, 26/03/2006, p. 05).
39
dela e em seu interior, estudaremos um pouco da rotina de vida desse lugar, e, assim,
tentaremos compreender o dia-a-dia dos presos evangélicos.Figura 3. Vista aérea do Presídio de Alcaçuz Figura 4. Vista aérea, mas focada na construção.
O projeto original contava com a seguinte estrutura: Unidade de guarda militar;
Unidade dos agentes; Unidade da administração central; Unidade de inclusão e observação
(triagem); Unidade médica; Unidade de lazer (quadra coberta); Unidade de visita (intima);
Unidade de serviços gerais; Unidade da cozinha/ padaria/ lavanderia; Unidade de vida
(pavilhões onde ficam os presos); Unidade de ensino; Unidade de trabalho e Quadra
poliesportiva com pista de corrida.
Esse modelo ideal, contudo não foi erguido, e, pelo contrário, uma realidade
bastante diferente foi construída. Além disso, não há muitas condições de trabalho. Hoje,
pode-se descrever Alcaçuz, como o bem fez Trindade (2010): “As deficiências são tantas que
é difícil enumerá-las. Talvez o mais grave seja a falta de condições de trabalho para os
policiais militares e agentes penitenciários. Falta tudo. Algemas, armas, viaturas e até colete à
prova de balas; não há medicamentos e muito menos médico ou dentista. Assistente social e
psicóloga nem pensar”.
Em novembro de 2011, a população carcerária de Alcaçuz oscilava em torno de
pouco mais de 700 apenados, entre apenados condenados e presos provisórios, os quais
moram em 4 pavilhões. O Pavilhão I é tido como o mais perigoso e o Pavilhão IV como o
mais problemático (hoje se encontra desativado, tendo em vista o estado de deterioração
resultante das tentativas de fuga e motins detonados pelos apenados que lá “moravam” ao
longo do tempo e aguarda a recuperação da sua estrutura física para que possa abrigar os
presos), em termos de tentativa de fuga e revoltas de presos, pois é o prédio mais afastado da
estrutura onde funciona a Administração e abrigava principalmente presos provisórios,
40
muitos dos quais já estavam presos há muito mais tempo do que o considerado razoável para
sua formação de culpa36, como se diz em termos jurídicos.
Figura 5. Vista lateral do Presídio de Alcaçuz, onde podem ser vistos os Pavilhões e 4, das 11 guaritas.
Fonte: Tribunal do Norte. Edição de 24 de janeiro de 2012
Um novo pavilhão (prédio amarelo, indicado pela seta na figura acima), com
capacidade para 400 presos, teve sua obra concluída em dezembro de 2010, mas como o
Ministério Público apontou algumas irregularidades e falhas em sua construção, ele só foi
inaugurado no final de 2011, e já em janeiro de 2012, foi cenário da maior fuga já registrada
pois precisou de reparos, o que demonstra que não apenas a estrutura física deveria ter sido
avaliada, mas também se havia condições de administrá-lo, seja oferecendo segurança, seja
fornecendo as condições de funcionamento por meio de controle de visitas e fornecimento de
alimentos e assistência à saúde.
Figura 6. Novo Pavilhão (Pavilhão Rogério Coutinho Madruga), com capacidade para 420 presos.
Fonte: Foto de Adriano Abreu. Tribuna do Norte. Edição de 21 jan2012.
36 Tempo para formação de culpa consiste no lapso razoável para que se tenha a produção de provas necessárias para julgar um acusado de ter cometido uma conduta criminosa.
41
Trindade (2010) descreve com bastante precisão, os principais problemas
estruturais da instituição:
Constantemente a penitenciária fica sem luz e, aí, o desespero é geral.
Quando chove também é normal ter queda de energia. A fiação é subterrânea e, segundo policiais militares e agentes, não existe manutenção. Após ativado, o gerador ainda demora cerca de 15 minutos para começar a funcionar. Quando acaba a luz, os guariteiros atiram nas laterais do muro (para o lado de dentro) para evitar possíveis fugas. Como estão acostumados com a falta de energia, os sentinelas abrem fogo em sequência. Primeiro a guarita 1, depois a 2 até chegar na guarita 9 (já que a dez não tem policial por falta de efetivo).
Uma cerca elétrica foi instalada em parte do muro da instituição, entretanto, PMs disseram que membros dos direitos humanos mandaram retirar.
Sem bloqueadores de celulares, a penitenciária possui um equipamento de Raio-X para revista de roupas e alimentos e um detector de metais para revista pessoal.
O esgoto a céu aberto exala um cheiro horrível não só para quem está detido, mas principalmente para os sentinelas que trabalham entre as guaritas 3 e 4.
Parte do alicerce do muro da penitenciária está totalmente desprotegido. Localizado atrás da unidade, nas proximidades da guarita seis, em bem pouco tempo pode trazer problemas de rachaduras.
O observatório de Alcaçuz é o ponto mais alto da penitenciária, local onde o sentinela visualiza parte da unidade. É possível ver a frente dos pavilhões 1, 2 e 3, a estrada de barro que liga Pium à Alcaçuz, a mata e parte da comunidade Hortigranjeira. Mas o campo de visão de quem está lá em cima não é completo. Apenas se vêem as laterais dos pavilhões. Durante a noite, a dificuldade é bem maior, não se enxerga quase nada. As condições para o sentinela chegar até o observatório são precárias. Pela primeira vez uma equipe de reportagem chegou até o topo. O observatório é uma torre com 38 metros de altura. É necessário subir 69 degraus de uma escada de ferro junto ao paredão, o que dificulta ainda mais a subida. São nove minutos até a base (o ponto mais alto), onde fica o policial com um fuzil.
Se "pra descer todo santo ajuda", no observatório é bem diferente. A descida é bem pior. Lá de cima quem olha para baixo sente um "frio na barriga" e pode até passar por momentos de temor e desespero. Qualquer deslize - uma queda, por exemplo, pode levar o policial à morte. Um dos guardas, ao chegar no observatório para trabalhar, passou mal devido a altura e precisou ser resgatado por meio de cordas pelos colegas de trabalho. Nem todo mundo quer trabalhar no local. Em uma emergência ter que subir ou descer todos aqueles degraus com agilidade e com um fuzil 762 pesando três quilos e duzentos gramas, nas costas, sem dúvida não é tarefa fácil. Quando chove, a umidade provoca choques na escada devido às instalações precárias de energia elétrica. Praticamente todos os policiais que trabalham no observatório já tomaram choque durante o expediente.
42
Sem reforma desde a construção, infiltrações existem há muito tempo e nada é feito para contornar a situação.
Lá no alto, o sentinela ainda sofre com o calor forte durante o dia, o vento e o frio nas tardes e noites e no inverno, quando chove com mais frequência, é água para todo o lado. Não há como se proteger. Não tem janelas ou vidros. É como se fosse uma guarita de extensão superior às normais e com três aberturas para que o policial tenha um campo de visão maior. Nas paredes do observatório estão escritas frases que refletem o que os profissionais vivenciam naquele lugar. Em uma das frases um dos sentinelas escreveu: "O coração de Jesus está comigo". Em uma outra, talvez o verdadeiro retrato da instituição: "Alcaçuz, o abandono está aqui", frase de um autor desconhecido que, provavelmente, trabalhou ou ainda trabalha naquele local.
Reconhecendo esse quadro desolador, as idealizadoras do projeto original,
garantem que se fosse colocado em prática, na sua totalidade, poderia solucionar inúmeros
dos atuais problemas. As projetistas asseveram que Alcaçuz foi construída muito em
desacordo com o planejamento feito por elas. Primeiramente, não poderia ter vegetação de
nenhuma espécie dentro ou fora da unidade, pois se trata de recomendação para se construir
penitenciárias. Segundo, afirmam que no projeto, elaborado em 1988, havia três alambrados
que dificultariam a fuga de presos, os quais também não foram construídos. Pelo projeto
original, os presos teriam que passar pelos alambrados para depois tentar fugir pelo muro.
Destacam ainda que havia, na planta, inclusive, passarelas cobertas onde seria
possível haver circulação de agentes – as quais não foram construídas e, por fim, afirmam que
a penitenciária não deveria ter sido erguida em cima de Dunas, já que esse tipo de terreno
facilita a escavação de túneis.
2.4.2 Problemas de gestão administrativa
Os jornais do Estado do Rio Grande do Norte trazem, com frequência, manchetes
que informam a sociedade sobre mais uma fuga, mais uma mudança de Direção, a falta de
condições de trabalho, que fazem com que os agentes penitenciários estejam sempre
reivindicando aumento de pessoal, melhorias salariais e instrumentos de trabalho.
Contando com tantos problemas, foram feitas várias inspeções, em Alcaçuz, pelo
Grupo de Apoio a Execução Penal (GAEP), entre 2009 e 2011, bem como vistorias pessoais
foram realizadas pelo próprio magistrado de Nísia Floresta, nos meses de outubro, novembro
e dezembro de 2011, e janeiro de 2012, com o objetivo de verificar de perto seus problemas, e
para que o juiz de Nísia Floresta tivesse conhecimento necessário para elaborar um relatório
destacando os problemas mais evidentes.
43
O relatório foi concluído em fevereiro de 2012, apontando 17 problemas37 e foi
encaminhado para os Secretários de Segurança e da Justiça e Cidadania, para que sejam
tomadas, o quanto antes, as medidas necessárias para resolver a situação do Presídio de
Alcaçuz.
2.4.3 Em Alcaçuz os presos matam, fogem e se rebelam.
Os problemas estruturais e o número insuficiente de agentes penitenciários,
associados à falta de instrumentos de trabalho trazem como resultado a dificuldade em se
conseguir ter um controle absoluto sobre a relação entre os presos, a qual, por vezes, é
amistosa (muitas vezes se unem, inclusive, para tramar planos de fuga), porém, em outras, é
de rivalidade, resultando até em assassinatos. As figuras abaixo servem para ilustrar até que
ponto já chegaram as ações dos presos:
Figura 7. Preso decapitado em Alcaçuz Figura 8. Rebelião no Pavilhão IV de Alcaçuz.
Fonte: No Minuto. 19 Fev 2008. . Fonte: Tribuna do Norte. 14 Set 2009.
As matérias dos jornais do Estado do Rio Grande do Norte noticiam com
frequência as fugas, rebeliões e assassinatos ocorridos em Alcaçuz. Vejamos:
19 de fevereiro de 2008. Morte. O preso José Teodósio é morto durante banho de sol.
Em reportagem feita pela Tribuna do Norte, a manchete destaca: Latrocida é degolado
dentro de Alcaçuz por ter dado tapa em rival. Já o suposto rival, João Gordo, afirma:
“Ele disse que ia arrancar minha cabeça. Então, eu fui lá e arranquei a dele”.
13 de março de 2009. Morte. Pai Bola e Gaubino Getúlio Justino, o "Foguinho",
mataram o colega de cela Silvanio da Silva Alves, enforcado com um lençol.
37 Terreno inadequado, pavilhões deteriorados, erros estruturais, ausência de espaço apropriado para recebimento de visitas, deficiência de iluminação, ocupação das guaritas, insuficiência de agentes penitenciários, falta de segurança, problemas de gestão, controle de vagas, falta de controle sobre a identificação dos presos, falta de controle sobre vagas, equipe técnica, ausência de equipamentos de comunicação, falta de equipamentos de vigilância, alimentação, assistência médica e odontológica e viaturas.
44
09 de novembro de 2009. Morte.
O ex-detento da penitenciária estadual do Seridó, Francenildo de Oliveira, 27 anos, conhecido como "Ciclone" foi morto na tarde de hoje em uma das celas da penitenciária de Alcaçuz com vários golpes de estilete. O crime ocorreu por volta das 17 horas e 30 minutos. Os acusados do assassinato foram os colegas de cela dele, Ney Armstrong Aravena Matos Filgueira (acusado de assaltos no litoral do Rio Grande do Norte) e Antônio Fernandes de Oliveira, conhecido como "Pai Bola". Motivo do crime, segundo os acusados: Ciclone38, durante uma discussão, teria dado um tapa no rosto de Ney Armstrong. (Texto adaptado).
05 de abril de 2010: Tentativa de fuga. Pavilhão 3. Alcaçuz vive momento de tensão
e nova tentativa de fuga é registrada.
Resumo dos fatos: Na manhã desta segunda-feira (5), dois presos foram pegos em flagrante tentando escalar os muros da unidade. Amilton Gleysson, o Carrefour, e Wellington Barbosa utilizaram uma “Tereza” para escalar a parede. Além dos dois homens pegos em flagrante, outros 90 detentos estavam no pavilhão e também poderiam utilizar a mesma corda para escapar. Esta é a segunda manifestação de presos de Alcaçuz em três dias. No fim de semana, eles promoveram um motim que deixou pelo menos três feridos. Motivo: Os detentos reclamavam da superlotação nos Pavilhões 4 e 5. Os presos deste setor também alegam que estão sem direito a visitas. (texto adaptado. Jornal No Minuto)
22 de abril de 2010: Morte. Pavilhão 1. O preso Alexandro Teodósio da Silva Pessoa,
já condenado por homicídio, confessa ter matado o preso André Luiz Pereira dos
Santos (vulgo André Magrão) com dois golpes de faca.
16 de maio de 2010: Alcaçuz: uma bomba-relógio. (Jornal Tribuna do Norte).
16 de junho de 2010. Rebelião. Pavilhão 1: Motivos apontados: 1º) Mulheres dos
presos descontentes com a rigidez das revistas nelas realizadas. 2º) Presos
descontentes com a transferência de presos condenados pelo crime de estupro do
Pavilhão 3 para o Pavilhão 1.
24 de abril de 2011. Morte. O ex-policial Roberto do Nascimento, o "Bebeto", foi
morto a tiros pelo presidiário conhecido como "Bombado".
03 de maio de 2011: Tentativa de fuga. Pavilhão 2. Custodiados: 130 presos.
Tentativa de fuga frustrada por policiais militares que trabalhavam nas guaritas.
Resultado: rebelião. Colchões foram queimados, cadeados arrombados e depredadas.
O apenado Magno Boaventura (vulgo Bode Zé) é decapitado e seu cadáver é
38 Ciclone tinha sido transferido há quinze dias da penitenciária estadual do Seridó para Alcaçuz após a polícia ter descoberto que ele estaria tramando um atentado contra o diretor, Major Marcos Moreira e a vice-diretora, Veruska Saraiva, insatisfeito com o que ele considerava apoio a alguns detentos que ele (Ciclone) queria espancar ou até matá-los. Ciclone era acusado de assaltos, homicídios e tráfico de drogas. Em Caicó, ele já estava implantando o tráfico de entorpecentes de dentro do presídio.
45
destruído. O Pavilhão é bastante danificado e os presos precisam ser relocados, assim
noticia a edição do Jornal Tribuna do Norte, no referido dia.
28 de julho de 2011. Morte. Antônio Maia dos Santos, conhecido como "Mainha" ou
"Baianinho", foi morto a tiros por Humberto Alves Saldanha, o "Galego de Antenor".
Motivo: inimizade, por causa da rixa entre as famílias Carneiro x Veras/Saldanha, da
Região Oeste do Rio Grande do Norte.
14 de setembro de 2011. Rebelião. Pavilhões I e III. 58 companheiras de presos são
mantidas reféns durante mais de 20 horas. Motivo: revolta de 101 homens transferidos
do Pavilhão 4 para a Ala de Adaptação, culminou com a destruição de portões de
ferro, estruturas de concreto e colchões queimados.
Figura 9. Presos reconduzidos, por agentes do Grupo de Operações Especiais (GOE), para o Pavilhão 4, após três horas de início do motim.
Fonte: Tribuna do Norte. Aos 14set2011.
Figura 10. Agentes penitenciários (de preto) e policiais civis controlam o retorno dos presos do Setor de Adaptação para o Pavilhão IV.
Fonte: Tribuna do Norte. 15set2011.
06 de novembro de 2011. Novo pavilhão de alcaçuz inaugurado há menos de um
mês tem primeira rebelião. (Jornal Tribuna do Norte).
(...) Desta vez, o local do motim foi o presídio Rogério Coutinho Madruga, que tem 88 detentos. Na tarde deste domingo (6), colchões e toda a estrutura hidráulica das celas foram destruídos pelos presos. (...) O motivo
46
aparente para o motim foi a falta de regalias para os presos da unidade, que não têm acesso a equipamentos de som ou televisão e também não podem receber alimentação dos parentes. Hoje, em dia de visita, os detentos quebraram os vasos sanitários, chuveiros e as pias das celas e chegaram a tentar queimar os colchões, mas não conseguiram porque não havia isqueiros. Com isso, os detentos optaram por destruir o material. (Tribuna do Norte)
09 de janeiro de 2012. Fuga. Pavilhão 1. Quatro presos fogem usando um túnel
antigo fechado pela Administração do Presídio há cerca de 10 dias e 35 voltaram para
as celas sem obter êxito na fuga.
16 de janeiro de 2012. Morte. Pavilhão 1. O apenado Maciel Anderson Nascimento
Silva, 22 anos, foi assassinado a facadas. Provável motivo: briga entre este e a mulher
de Jeanderson Douglas, quando Maciel fugiu de Alcaçuz em 2011.
20 de janeiro de 2012. Maior fuga em massa registrada em Alcaçuz. Número oficial
de fugitivos: 41. Até então, a fuga39 liderada por José Valdetário Benevides (o
Valdetário Carneiro), aos 05 de novembro de 2000, era a maior já registrada.
02 de fevereiro de 2012: Fuga40. Pavilhão 1. Presos reabrem túnel e seis fogem.
29 de maio de 2012. Fuga. Pavilhão Novo. Três conseguem fugir com auxílio de uma
“Teresa”, corda formada por lençóis, transpondo, assim, os muros da prisão. Um é
recapturado na manhã seguinte, na Rota do Sol.
As matérias jornalísticas foram citadas com o objetivo de demonstrar de forma
concreta que os problemas estruturais e de gestão são responsáveis pela insegurança do
presídio – que não deveria haver, pois, na teoria, a Penitenciária foi construída para ser de
segurança máxima, o que significa que não deveria haver fugas, que as penas deveriam ser
cumpridas nos termos da Lei de Execução Penal e que a integridade física dos presos deveria
ser preservada. Entretanto, a realidade, distante de conseguir cumprir as determinações legais,
39 Até então, a fuga liderada por José Valdetário Benevides, o conhecido como Valdetário Carneiro, era a maior já registrada. Contudo, àquela fuga ocorreu num contexto bem diferente. No dia 5 de novembro do ano 2000, vinte e oito presos escaparam da unidade durante resgate realizado pelo bando de Valdetário, onde armas de grosso calibre foram utilizadas para garantir a fuga. Além do assaltante, também foram libertados criminosos como Cimar Carneiro, primo de Valdetário, e o assassino, sequestrador e estelionatário Benito Muradás. Na ação do bando, apenas um sentinela fazia a vigilância. Um soldado da PM foi baleado, ficando ferido, com gravidade, dois agentes carcerários foram feitos reféns e o governador Garibaldi Filho exonerou o então diretor do presídio, Ricardo Roland. O ex-diretor, à época, justificou que "da maneira como se deu o resgate, aconteceria em qualquer unidade prisional". No entanto, o delegado Maurílio Pinto, que ocupava o cargo de subcoordenador de operações da Secretaria de Segurança, disse que houve negligência por parte da direção do presídio. "Todo o plano era de conhecimento da polícia. Inclusive, que o resgate de Valdetário seria em um fim de semana", explicou Maurílio Pinto, logo após a fuga de Valdetário Carneiro, morto em 10 de dezembro de 2003 durante ação da polícia. (Fonte: Tribuna do Norte)40 Dentre os problemas estruturais e de gestão merecem destaque: o terreno arenoso, que faz com que túneis sejam facilmente escavados, a maioria das guaritas desativadas, que diminui a vigilância e o reduzido número de agentes penitenciários, que impede que se tenham um controle efetivo dos presos.
47
convive com sérios problemas, como bem ilustra a reportagem do dia 17 de abril de 2012, na
qual o então Diretor de Alcaçuz anuncia ao jornal local “Patrulha da cidade”41, que “o almoço
dos presos está garantido, já o jantar está comprometido”. “Hoje a alimentação de Alcaçuz
não temos, né... em estoque”, acrescenta o Diretor. Além disso, a reportagem mostra o lixo
acumulado e anuncia o risco de desabamento que corre o Pavilhão I, onde estão custodiados
180 presos.
41 O inteiro teor da referida reportagem encontra-se disponibilizada no seguinte link, no site do Jornal “Patrulha da cidade”: http://www.tvpontanegra.com.br/reportagem_pc.asp?notTVPN=MTM1OTQ
48
3 CONTEXTO: A RELIGIÃO EVANGÉLICA COMO MEIO OU COMO FIM?
Nesse capítulo, conheceremos a evolução histórica dos evangélicos pentecostais,
dando ênfase à origem de suas principais vertentes e ao seu perfil socioeconômico e
demográfico, bem como à presença deles no Brasil, para prosseguir com a discussão sobre a
presença deles nas prisões e o significado sociológico que este fato pode assumir.
3.1 Quem são os evangélicos?
Segura na mão de Deus (...)
Pois ela, ela te sustentará!
Não temas, segue adiante e não olhes para trás!
Mas segura na mão de Deus e vai (...)
(Trecho de uma música comumente
cantada pelos presos durante os cultos
pentecostais).
Etimologicamente, explica Rodrigues (2006), o termo “evangélico” deriva da
palavra “evangelho”, a qual significa "boas novas". Durante toda a história, o termo
"evangélico", segundo o autor supracitado, foi usado para referir-se a tudo o que concerne ao
evangelho de Jesus e ser evangélico, portanto, no sentido real da palavra, é crer no evangelho
de Jesus e segui-lo. O vocábulo “pentecostalismo”, por sua vez, está relacionado ao evento
da descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, descrita no capítulo 2 do livro de Atos dos
Apóstolos42. O pentecostalismo, ensina Mariano (1999), distingue-se do protestantismo
histórico, do qual é herdeiro, por pregar a crença na contemporaneidade dos dons do Espírito
Santo, entre os quais se destacam os dons de línguas (glossolalia), cura e discernimento de
42 Capítulo 2 do livro de Atos dos Apóstolos: 1 Quando chegou o dia de Pentecostes, todos os seguidores de Jesus estavam reunidos no mesmo lugar. 2 De repente, veio do céu um barulho como o sopro de um forte vendaval, e encheu toda a casa onde eles se encontravam. 3 Então todos viram coisas parecidas com chamas, que se espalharam como línguas de fogo; e cada um foi tocado por uma dessas línguas. 4 Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, de acordo com o poder que o Espírito dava a cada um. 5 Estavam morando ali em Jerusalém judeus religiosos vindos de todas as nações do mundo. 6 Quando ouviram aquele barulho, uma multidão se ajuntou, e todos ficaram muito admirados, porque cada um poderia entender na sua própria língua o que os seguidores de Jesus estavam dizendo. 7 A multidão estava admirada e espantada e comentava: - Estes homens que estão falando assim são galileus! 8 Como é que nós os ouvimos falar nas nossas próprias línguas? 9 Viemos da Pártia, da Média, do Elão, da Mesopotâmia, da Judeia, da Capadócia, do Ponto, da Ásia, 10 da Frígia, da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia que ficam perto de Cirene. Alguns de nós vieram de Roma. 11 Uns são judeus, e outros, convertidos ao Judaísmo. Alguns vieram de Creta, e outros da Arábia. E como é que todos estamos ouvindo essa gente falar nas nossas próprias línguas a respeito das grandes coisas que Deus tem feito? 12 Todos estavam admirados, sem saber o que pensarem, e perguntavam uns aos outros: - Que quer dizer tudo isso? 13 Porém outros zombavam e diziam: - Estes homens estão bêbados.
49
espíritos, e por defender a retomada de crenças e práticas do cristianismo primitivo, como a
cura de enfermos, a expulsão de demônios, a concessão divina de bênçãos e a realização de
milagres.
O Pentecostalismo tem sua origem no início do século XX nos Estados Unidos, e
vem crescendo em vários países em desenvolvimento do Sul do Pacífico, da África, do Leste
e do Sudeste da Ásia, sobretudo da América Latina, onde o Brasil se destaca, afirma Mariano
(2004). Da Cunha (2008) aponta que existem mais de meio bilhão de evangélicos
pentecostais no mundo, sendo de 25 mil o número de pessoas convertidas por dia. Quanto ao
panorama sobre o crescimento das Igrejas Evangélicas pentecostais, Da Cunha (2008), afirma
que este é um fenômeno mundial, tendo como marco a década de 1960, período no qual as
Igrejas Protestantes, referidas também na literatura especializada como Evangélicas de
Missão ou, ainda, Históricas, sofreram uma diminuição do número de seus membros no
Brasil e no mundo.
A supracitada autora destaca o debate travado, nos últimos anos, por
pesquisadores da religião sobre o crescimento pentecostal, sobretudo nos países do chamado
Terceiro Mundo, apontando que este aumento se dá provavelmente por uma possível relação
entre este fenômeno e a desigualdade e a vulnerabilidade sociais, tendo em vista que o
pentecostalismo seria uma corrente religiosa que se fortalece onde os contextos de
precariedade político-social são abundantes.
Sobre o avanço demográfico de evangélicos no Brasil, temos os seguintes dados:
Segundo o Censo, em 1980 os evangélicos eram 6,6% população; em 1990, atingiam 9%, e, em 2000, chegaram a 15,6%. Em três décadas, os evangélicos duplicaram em números absolutos, de 13.157.094 para 26.452.174. Importante notar que boa parte deste crescimento acontece entre os evangélicos pentecostais, que formam a maioria do segmento, com 77,86%, contra 22,4% de evangélicos de missão (MAFRA, p. 32, 2009).
Após apresentar esses dados quantitativos, a autora chama atenção para a
importância de entender o fenômeno, sem nos dispersarmos em uma multiplicidade de
explicações. Diante desta premissa, aponta como proposta interpretativa para a indagação
proposta, o fato de haver um contexto socioeconômico caracterizado por grande
vulnerabilidade social, pobreza, desigualdade, violência e criminalidade, o qual permite e
requer um avanço da religiosidade pluralista e de mercado.
Mafra (2009) acrescenta que, conforme especialistas no estudo da religião, a
partir da década de 1980 o crescimento evangélico se revelou vertiginoso, acentuando uma
tendência que era um tanto tímida e minoritária nas décadas anteriores.
50
Em termos sociológicos, algo aconteceu de relevante nas três últimas décadas do século XX, intensificando um processo que anteriormente se arrastava. [...]A década de 1980 foi marcada pelo arrefecimento da migração rural-urbana e interregional. [...]Há uma presença mais acentuada de católicos, nos bairros centrais ou naqueles em que se verificam melhores níveis de renda e de escolaridade dos seus habitantes. Em contraposição, os maiores índices de pentecostais, sem exceção, estão nas periferias metropolitanas. (MAFRA, p. 33, 2009)
Na América Latina, o termo evangélico abrange as igrejas protestantes históricas
(Luterana, Presbiteriana, Congregacional, Anglicana, Metodista, Batista, Adventista), as
pentecostais (Congregação Cristã no Brasil, Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular,
Brasil Para Cristo, Deus é Amor, Casa da Bênção etc.) e as neopentecostais (Universal do
Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra etc),
de acordo com Mariano (2004).
Já no Brasil, segundo Mariano (2004), o primeiro missionário pentecostal,
chegou em 1920. Desde então, foram criadas centenas de igrejas, tornando este movimento
religioso complexo e diversificado. No Brasil, o movimento pentecostal foi dividido em três
em ondas, vejamos:
O pentecostalismo brasileiro pode ser compreendido como a história de três ondas de implantação de igrejas. A primeira onda é a década de 1910, com a chegada da Congregação Cristã (1910) e da Assembleia de Deus (1911) (...) A segunda onda pentecostal é dos anos 50 e início de 60, na qual o campo pentecostal se fragmenta, a relação com a sociedade se dinamiza e três grandes grupos (em meio a dezenas de menores) surgem: a Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus é amor (1962). O contexto dessa pulverização é paulista. A terceira onda começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80. Suas principais representantes são a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e a Igreja Internacional do Reino de Deus (1980) (...) O contexto é fundamentalmente carioca (FRESTON, 1993 apud MARIANO, p. 28-29, 1999).
O pentecostalismo clássico, segundo Mariano (p. 123, 2004) abrange as igrejas
pioneiras: Congregação Cristã no Brasil e Assembleia de Deus. Acrescenta que a
Congregação Cristã foi fundada por um italiano em 1910, na capital paulista, e a Assembleia
de Deus, por dois suecos, em Belém do Pará, em 1911. Embora europeus, os três missionários
converteram-se ao pentecostalismo nos Estados Unidos, de onde vieram para evangelizar o
Brasil. De início, na condição de grupos religiosos minoritários em terreno “hostil”, ambas as
igrejas caracterizaram-se pelo anticatolicismo, por radical sectarismo e ascetismo de rejeição
do mundo.
51
O segundo grupo, que não obteve nomenclatura consensual na literatura
acadêmica, começou na década de 1950, quando dois missionários norte-americanos da
International Church of The Foursquare Gospel criaram, em São Paulo, a Cruzada Nacional
de Evangelização, afirma Mariano (p. 123, 2004). O referido autor destaca que esta vertente
pentecostal iniciou o evangelismo com a seguinte estratégica proselitista: focados na pregação
da cura divina, usando intensamente o rádio e pela pregação itinerante com o emprego de
tendas de lona. Em 1953, fundaram a Igreja do Evangelho Quadrangular no Estado de São
Paulo. No rastro de suas atividades de evangelização, surgiram Brasil Para Cristo (1955, SP),
Deus é Amor (1962, SP) e Casa da Bênção (1964, MG). Seguindo o bem-sucedido
movimento de cura propagado nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.
O terceiro grupo, representado pelo neopentecostalismo, teve início na segunda
metade dos anos de 1970, ensina Mariano (p. 123-124, 2004). Cresceu, ganhou visibilidade e
se fortaleceu no decorrer das décadas seguintes. A Universal do Reino de Deus (1977, RJ), a
Internacional da Graça de Deus 1980, RJ), a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra
(1976, GO) e a Renascer em Cristo (1986, SP), fundadas por pastores brasileiros, constituem
as principais igrejas neopentecostais do país.
A expansão pentecostal em âmbito nacional não é recente nem episódica.
Ocorre de modo constante já há meio século, o que permitiu que o pentecostalismo se
tornasse o segundo maior grupo religioso do país, destaca o supracitado autor. Avanço 43este,
expressivo não apenas nos planos religioso e demográfico, como também nos campos
midiático, político partidário, assistencial, editorial e de produtos religiosos. Quanto aos seus
adeptos, não se restringem mais somente aos estratos pobres da população, encontrando-se
também nas classes médias, incluindo empresários, profissionais liberais, atletas e artistas.
Conforme os Censos Demográficos do IBGE, os evangélicos perfaziam apenas
2,6% da população brasileira na década de 1940. Avançaram para 3,4% em 1950, 4% em
1960, 5,2% em 1970, 6,6% em 1980, 9% em 1991 e 15,4% em 2000, ano em que somava
26.184.941 de pessoas. Quanto a dados mais recentes, missionários da SEPAL44 (Missão
43 “A glossolalia (“Falar em línguas”) remete em particular aos versículos da 1ª Epístola de Paulo aos Coríntios 14,2,13. “Pois aquele que fala em línguas não fala aos homens, mas a Deus”. “Ninguém o compreende, pois ele, em espírito, diz coisas incompreensíveis”. (Corten, 1996, p. 124). A glossolalia, segundo Corten (1996) é a confirmação do profecia de Joel, e ao mesmo tempo presságio do anúncio de um acontecimento, a parusia (termo usualmente empregado para indicar a segunda vinda de Jesus Cristo, no fim dos tempos, para presidir o Juízo Final – Apocalipse 20:12-15). 44 A SEPAL realizou o estudo em 2010, baseado nos dados do Censo do IBGE de 2000 e da pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em março de 2007. A confiabilidade dos dados é de 95%, afirmou Luis André Bruneto (um dos pesquisadores da SEPAL).
52
Internacional Servindo aos Pastores e Líderes) fizeram uma projeção da população evangélica
de 57,4 milhões para este ano de 2011 e de 109,3 milhões para 2020.
O Nordeste, conta com apenas 10,4% de evangélicos, sendo ainda o principal
reduto católico do país e, por isso, a região de mais difícil penetração protestante, enquanto o
Norte e o Centro-Oeste, com 18,3% e 19,1%, respectivamente, constituem as regiões em que
esses religiosos mais se expandem. O Sul, onde se concentra o luteranismo, tem apresentado
os mais baixos índices de crescimento evangélico. Por fim, o Sudeste, abriga 17,7% deles,
correspondendo a um dos mais importantes pólos da expansão evangélica.
Os principais responsáveis por tal sucesso proselitista, observa Mariano (2004),
foram os pentecostais, que cresceram 8,9% anualmente, enquanto os protestantes históricos
atingiram a cifra de 5,2%. Os pentecostais, que perfazem dois terços dos evangélicos,
saltaram de 8.768.929 para 17.617.307 adeptos (ou seja, de 5,6% para 10,4% da população)
de 1991 a 2000, ao passo que os protestantes históricos passaram de 4.388.310 para
6.939.765 (de 3% para 4,1%). Para Mariano (2004), esse aumento foi possível graças à
agudização das crises social e econômica, ao aumento do desemprego, ao recrudescimento da
violência e da criminalidade, ao enfraquecimento da Igreja Católica, à liberdade e ao
pluralismo religioso, à abertura política e à redemocratização do Brasil, e à rápida difusão dos
meios de comunicação de massa. Outro aspecto que Mariano (2004) ressalta é que, apesar do
elevado número de denominações pentecostais no país, a Assembleia de Deus, a Congregação
Cristã no Brasil e a Universal do Reino de Deus, juntas, concentravam, em 2000, 74% dos
pentecostais.
Quanto ao perfil socioeconômico e demográfico dos pentecostais e dos
protestantes, eles são bastante distintos. Dados do Censo de 2000 revelavam que a maioria
dos pentecostais apresentava renda e escolaridade inferiores à média da população brasileira.
Em contraste, os protestantes históricos apresentam renda e escolaridade elevadas, ambas
bem superiores à média brasileira, estando distribuídos mais nos níveis escolares de segundo
grau, graduação e pós-graduação e nas faixas de renda entre seis e vinte salários mínimos.
Pentecostais e protestantes são majoritariamente urbanos e apresentam maior
proporção de mulheres que de homens. Quanto à cor dos fiéis, os primeiros sobressaem pela
presença de pretos e pardos superior à média da população, enquanto os últimos pela maior
proporção de brancos.
No plano teológico, os neopentecostais caracterizam-se, conforme Mariano (p.
124, 2004), por enfatizar guerra espiritual contra o Diabo e seus representantes na terra, por
53
pregar a Prosperidade, e por rejeitar usos costumes de santidade pentecostais, tradicionais
símbolos de conversão e pertencimento o pentecostalismo.
Encabeçado pela Igreja Universal45, o neopentecostalismo é a vertente pentecostal
que mais cresce atualmente, garante o supracitado autor, o qual a descreve como sendo, do
ponto de vista comportamental, a mais liberal, que suprime características sectárias
tradicionais do pentecostalismo e rompe com boa parte do ascetismo contra cultural tipificado
no estereótipo pelo qual os crentes eram reconhecidos. Seus fiéis foram liberados para vestir
roupas da moda, usar cosméticos e demais produtos de embelezamento, frequentar praias,
piscinas, cinemas, teatros, torcer para times de futebol, praticar esportes variados, assistir a
televisão e vídeos, tocar e ouvir diferentes ritmos musicais, exemplifica Mariano (p. 124,
2004); com exceção da Deus é Amor, que manteve incólume a velha rigidez ascética.
Por fim, com relação a todos os três grupos, ainda permanecem alguns pontos em
comum, lembra Mariano (2004): a interdição ao consumo de álcool, tabaco e drogas e ao
sexo extraconjugal e homossexual.
Diante de todos esses dados, pergunta-se: Qual o papel desempenhado pelas
igrejas evangélicas nos estabelecimentos prisionais? Seriam elas responsáveis por prover aos
apenados apenas apoio moral, um conforto espiritual, ou também fornecem outros atrativos,
como, por exemplo, suportes materiais?
Kronbauer (2010) afirma que a maior presença desses religiosos nas prisões se
verifica principalmente a partir da década de 90, momento que coincide com a aceleração da
expansão evangélica no país. É importante que se destaque que o mais importante não é a
quantidade de evangélicos nas prisões, mas, sobretudo, o comportamento distintivo deles em
relação ao restante da população carcerária.
Lobo (2005) acredita que o sucesso desse empreendimento se dá em grande parte
pelas condições que o sistema penitenciário oferece ao indivíduo condenado pela justiça para
o cumprimento da sua pena: superlotação de prisões, condições precárias de sobrevivência,
45 A Igreja Universal, segundo Mariano (2004), foi fundada pelo fluminense Edir Bezerra Macedo (antes católico e freqüentador de Umbanda), em 1977, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, onde antes funcionava uma pequena funerária. Entre 1980 e 1989, o número de templos cresceu 2.600%. Nos primeiros anos, encontrava-se presente nas regiões metropolitanas do Rio de janeiro, São Paulo e Salvador; e na década de 1990, já se localizava em todos os estados brasileiros. Conquista adeptos majoritariamente entre os estratos mais pobres e menos escolarizados da população. A extraordinária expansão numérica e institucional da Igreja Universal, segundo o supracitado autor, resulta do desempenho de sua liderança eclesiástica e administrativa à frente do governo denominacional, do trabalho religioso em período integral e da eficiência de seu clero, do ativismo militante dos obreiros, do poder de atração de sua mensagem, do investimento em redes de comunicação e da acentuada eficácia das técnicas e estratégias de proselitismo eletrônico, da oferta sistemática de serviços mágicos adaptados aos interesses materiais e ideais de estratos pobres da população, do sincretismo de crenças e práticas mágico-religiosas em continuidade com a religiosidade popular.
54
lentidão da justiça no andamento dos processos; o que demonstra a violação de direitos da
parte das autoridades, que deveriam garanti-los aos presos.
Em sua Dissertação de Mestrado, por exemplo, o autor garante que os presos
evangélicos formam um grupo com comportamento muito peculiar e com presença
significativa em prisões gaúchas, principalmente os oriundos das denominações pentecostais,
como Assembleia de Deus, Deus é Amor, Universal do Reino de Deus, Internacional da
Graça de Deus (Show da Fé) e Pentecostal Cristã.
Bourdieu (1989) acredita que a religião vai além de uma demarcação
propriamente religiosa, cumprindo também funções sociais. Os leigos, segundo ele, esperam
da religião não apenas justificações de existir capazes de livrá-los da angústia existencial da
contingência e da solidão, da miséria biológica, da doença, do sofrimento ou da morte; como
também contam como ela para que lhes forneça justificações de existir em uma posição social
determinada, em suma, de existir como de fato existem, ou seja, com todas as propriedades
que lhes são socialmente inerentes.
Melo (2007) chama a atenção para o fato das igrejas evangélicas assumirem,
muitas vezes, dentro dos presídios, atribuições que ultrapassam as limitações religiosas
tradicionais, alcançando outros campos, como a assistência social, o apoio financeiro e a
interferência jurídica. “O ato de culto é um ato social de reunião, em que o grupo restabelece
sua relação com os objetos sagrados e, através destes, com o além, e ao fazê-lo reforça sua
solidariedade e reafirma seus valores.” (MELO, p. 3, 2007).
Parece que o detento adere ao pentecostalismo assim como as massas mais pobres e desfavorecidas das cidades também aderem. O fiel que está preso parece não ser diferente do fiel que está solto, suas necessidades podem diferenciar-se em alguns aspectos, mas os quesitos opressão econômica e carência educacional, os tornam parecidos. Tanto na penitenciária como na rua, existem pessoas que sofrem do abandono social e econômico, que buscam uma intervenção para a situação em que vivem. Esta ajuda aparece na pregação da igreja pentecostal, cujo discurso do pastor lhes promete a solução desses problemas, não apenas pelas práticas religiosas, mas também pelas práticas assistencialistas, pela amizade, pela disposição em ouvi-los, etc. (…) (MELO, p. 4, 2007).
Outro aspecto citado por Melo (2007), diz respeito à incerteza no preso em
relação ao futuro, aliada a um mínimo de proteção e conforto oferecidos pela prisão. Esses
fatores, para ela, fazem com que a religião se mostre como um paliativo para diminuir essas
sensações desagradáveis. Melo (2007), fazendo uma análise sociológica da relação entre a
igreja evangélica e o preso, conclui, nesse contexto, que há uma troca de interesses.
55
Melo (2007) afirma que de um lado está o detento que precisa da igreja para
ajudá-lo materialmente (porque não tem dinheiro, não trabalha, o presídio não lhe oferece tal
ajuda e a família que em vários casos não o visita para ajudá-lo), que precisa da cura da
doença por meio sobrenatural, porque a assistência médica do presídio é caótica, que precisa
de entretenimento porque lá na igreja ele envolve o seu tempo com atividades do culto, goza
de maior prestígio social em suas relações com outros detentos, incrementa seu status social
porque fala ao microfone, canta, dá testemunhos, dá conselhos aos outros, redefinindo-se à
frente dos outros como um ser transformado e não mais moralmente marginalizado. Isso
garante um sentimento familiar de uns com outros, substituindo os laços familiares perdidos,
em que se chamam uns aos outros de irmãos e abraçam-se, oram juntos, etc., o que oferece
segurança e confiança de que Deus cuidará da sua estada no presídio, dando conforto e
coragem para transformar as situações difíceis.
De outro lado está a igreja que precisa do detento para preencher seus bancos bem
como de seus familiares que ali vão visitá-lo, que por sua vez, podem se converter e passar a
praticar a mesma religião nos seus templos lá fora, garantindo o crescimento de fiéis não só
dentro da igreja local, mas também das tantas outras igrejas próximas às residências dos
visitantes, favorecendo o trabalho de outros pastores da sua denominação.
3.2 O meio de conseguir vantagens na prisão?
A prisão é um ambiente muito hostil e cheio de privações, como foi demonstrado
no ponto 2.1 do presente trabalho, onde o indivíduo passa a ter uma vida limitada, fechada e
formalmente administrada. Além disso, o preso passa a conviver com as mais diversas
pessoas, perde sua intimidade, suas comodidades materiais e seu poder de decisão, sujeita-se
a um nível alto de tensões e angústias. As distrações são bastante limitadas. Diante desses
desestímulos, o preso busca adaptar-se utilizando táticas, das quais destacamos o afastamento
da situação e a conversão, na tentativa de esquecer a situação real, na qual se encontra.
Detenhamo-nos na tática da conversão, mais precisamente da conversão religiosa,
perante o ambiente prisional de Alcaçuz, considerando duas realidades: a dos Pavilhões, onde
as fugas, motins e assassinatos ocorrem com frequência, e do Setor Médico, onde há um local
próprio para os cultos, os presos trabalham e estão envolvidos em projetos sociais, ostentando
um comportamento melhor.
Com a finalidade de ilustrar o ambiente de tensões e angústias pelo qual um
preso pode passar em Alcaçuz, pois vários episódios, nesse sentido, já foram citados no
tópico 2.4.3, mencionamos o ocorrido aos 14 de setembro de 2011, ocasião em que presos
56
custodiados no Pavilhão IV, por meio da rebelião e da ameaça de matar inclusive outros
presos, reivindicavam sair do Setor de Adaptação (onde ficam celas destinadas para presos
que cometem indisciplina, e, portanto, o isolamento é ainda maior) e voltar para sua morada
de origem: o Pavilhão IV.
Figura 11. Presos revoltados no setor de Adaptação. Figura 12. Presos do Pavilhão IV fazem preso refém.
Fonte: Tribuna do Norte. 14set2011 Fonte: Tribuna do Norte. 14set2011
O objetivo, neste momento, é defender a hipótese de que o preso pode utilizar
como tática para se afastar da violência e ameaça dos pavilhões, a conversão religiosa, além
de que a religião pode preencher a solidão e acabar ou diminuir com o sofrimento
proporcionado pelas humilhações que passa no cárcere. Mais a frente, discutir-se-á se a
conversão é sincera ou apenas um instrumento de defesa e consolo, a quais as implicações
que a conversão, verdadeira ou não, produz em termos práticos.
3.3 O fim da vida criminosa?
Em outra via, a religião também pode ser vista como uma oportunidade para
aqueles que estariam arrependidos de terem cometido condutas ilícitas e que buscam na
religião uma força, um baluarte, um bastião para mudarem de vida, desde a prisão.
A prisão, por deixar a pessoa mais vulnerável, mais solitária, pode fazer com que
ela reflita mais sobre seus atos e sobre sua vida, e decida mudar. A religião proporciona e
incentiva a mudança de hábitos e comportamentos.
57
4 ATORES PRINCIPAIS: OS PRESOS EVANGÉLICOS
Considerando a Penitenciária de Alcaçuz, uma instituição total, partimos para a
análise da categoria social dos presos evangélicos, sob o prisma do Interacionismo Simbólico
e com auxílio de suas histórias de vida, delas tomados os aspectos que mais interessavam a
presente pesquisa, os quais foram desenvolvidos segundo o questionário46 aplicado a eles.
Com este arrimo, veremos como é o dia-a-dia em Alcaçuz e como se dão as relações entre os
presos não evangélicos e os presos evangélicos, bem como entre estes e a Administração da
Penitenciária.
Figura 13. Frase escrita em parede, próximo a sala onde ocorrem os cultos, na Penitenciária de Alcaçuz.
Fonte: A pesquisadora. Aos 16dez2011.
4.1 Os presos evangélicos sob a ótica do Interacionismo Simbólico e do método História
de Vida.
“A certeza do castigo, moderado embora, causará sempre
impressão mais forte do que o temor de outro mais terrível, porém,
associado à esperança da impunidade”.
BECCARIA, Dos delitos e das penas
Para estudar a realidade dos presos custodiados em Alcaçuz que dizem seguir o
evangelho, optamos por analisá-los segundo o método da História de Vida e os ensinamentos
46 O modelo do questionário aplicado está em apêndice.
58
postos na Teoria do Interacionismo Simbólico, ambos construções da Escola de Chicago47,
pelos motivos abaixo explicitados.
Partimos do pressuposto de que metodologias quantitativas e qualitativas não são
opostas, como bem lembra Silva et al (2007).
A pesquisa qualitativa, por sua vez, ensina Spindola e Santos (2003), preocupa-se
com uma realidade que não pode ser quantificada, respondendo a questões muito particulares,
trabalhando um universo de significados, crenças, valores e que correspondem a um espaço
mais profundo das relações, dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização
de variáveis. O objetivo desse tipo de estudo, portanto, é justamente apreender e compreender
a vida conforme ela é relatada e interpretada pelo próprio ator social. É inegável que todas
essas observações são fundamentais para desenvolver o presente trabalho que aborda os
prováveis significados para a conversão religiosa na prisão.
Particularmente, quanto ao método de História de Vida, Barros (2000 apud
SILVA ET AL 2007) observa que este método funciona como uma possibilidade de acesso do
indivíduo e à realidade que lhe transforma e é por ele transformada “pelo interior”, na busca
da apreensão do vivido social, das práticas do sujeito, “por sua própria maneira de negociar a
realidade onde está inserido”.
Por meio da história de vida contada da maneira que é própria do sujeito, portanto,
tentamos compreender o universo do qual ele faz parte. Além disso, esse método pode ser
visto como uma tentativa de oferecer escuta e, ainda mais, “de dar voz àqueles cujo discurso
foi calado ou teve pouca influência no discurso dominante” (Paraná, 1996 apud SILVA ET
AL 2007). Nesse sentido, como bem coloca Spindola e Santos (2003), histórias de vida, por
mais particulares que sejam, são sempre relatos de práticas sociais, das formas com que o
indivíduo se insere e atua no mundo e no grupo do qual ele faz parte – daí sua aplicabilidade
pertinente às Ciências Sociais.
Assim, conforme o objeto selecionado, a pesquisa qualitativa é a abordagem
metodológica mais adequada, pois permite captar as singularidades do estudo, uma vez que se
preocupa com os indivíduos e seus ambientes em suas complexidades, não havendo limites
ou controle impostos pelo pesquisador – que é o caso do presente estudo. Nesse âmbito, é
importante que se diga, por último, que o método de História de Vida é necessariamente
histórico (a temporalidade contida no relato individual remete ao tempo histórico), dinâmico 47 Esse nome é dado a um grupo de professores e pesquisadores da Universidade de Chicago que surge nos EUA, nos anos 20 e durante algumas décadas do início de século XX, os quais trouxeram várias contribuições à Sociologia e à Psicologia Social. A Universidade de Chicago, por sua vez, foi inaugurada em 1892, a partir de doações de batistas liderados por John Rockfeller.
59
(apreende as estruturas de relações sociais e os processos de mudança) e dialético (teoria e
prática são constantemente colocados em confronto durante a investigação).
Quanto ao Interacionismo Simbólico48, ele se detém na natureza simbólica da vida
social, defendendo a concepção dos atores sociais a respeito do mundo social que, em última
análise, constitui o objeto essencial da pesquisa sociológica, explica Coulon apud Abrahão
(2004). Assim, tem-se que esse Interacionismo apenas ocorre se os seres humanos não agirem
de um modo automático, mas ao invés disso, construírem uma linha de ação levando em
conta o significado do que os outros fazem em resposta a suas ações anteriores, o que só é
possível se eles puderem incorporar as respostas dos outros aos seus próprios atos e antecipar
o que provavelmente acontecerá. Isto, na ótica de Becker (1990), é que enfatiza o modo pelo
qual as pessoas constroem o sentido dos atos alheios é de onde vem o “simbólico” e o
“interacionismo simbólico”.
Blumer (1986), ao tratar a Sociedade vista sob o foco do Interacionismo
Simbólico, afirma que a sociedade vista como interação simbólica tem sido muito mais
seguida do que propriamente formulada, e destaca Mead, dentre vários autores, como aquele
que de fato demonstrou as premissas fundamentais dessa abordagem, considerando, todavia,
que este não desenvolveu suficientemente as implicações metodológicas necessárias ao
estudo sociológico. Blumer (1986), assim, se comprometeu a apresentar as premissas básicas
do que seria esse Interacionismo Simbólico e desenvolveu suas conseqüências metodológicas
para o estudo da vida humana em grupo.
O termo “interação simbólica” refere-se, segundo o supracitado autor, ao peculiar
e distintivo tipo de interação como ele toma lugar entre os seres humanos e a grande força
dessa abordagem sociológica é o empirismo, ensina Becker (1990). Para ele, o definitivo teste
interacionista de conceitos é que eles fazem sentido em situações particulares conhecidas em
grandes detalhes através de uma observação detalhada. A abordagem interacionista requer
48 Sobre o Interacionismo Simbólico, Abrahão (2004) destaca que nos Estados Unidos houve uma importante movimentação, nas primeiras décadas do século XX, nas Ciências Sociais, na qual um grupo de sociólogos, dentre ele Cooley, Mead e Thomas, iniciaram uma proposição de conceber os estudos sobre a sociedade como um processo do indivíduo e da sociedade inter-relacionados com a subjetividade humana.
O Interacionismo Simbólico, nesse contexto, foi desenvolvido pelo sociólogo americano Herbert Blumer (1900-1987), discípulo do também americano, o filósofo George Mead (1863-1931), membro da Escola de Chicago, pertencente à corrente teórica da filosofia americana, denominada Pragmatismo. Blumer, em 1937, teria designado pelo termo “Interacionismo Simbólico” o que estava sendo construído naquele momento no início do século XX, nos EUA, lembra Abrahão (2004). Os quadros teóricos dos estudos desenvolvidos nessa época, com este enfoque na pesquisa sociológica, foram basicamente elaborados por George Mead, o qual não deixou nenhuma obra completa editada, lembra a supracitada autora. Afirma que Mead, orientado pelo pragmatismo de Charles Pierce (1829-1914), Willian James (1842-1910) e principalmente John Dewey (1859-1952), tinha a intenção de transformar o pragmatismo em um instrumento de intervenção social.
60
que questões sejam respondidas utilizando-se de observações, estudando-se a real palavra, e,
por fim, avaliando-se a evidência reunida. Os sociólogos interacionistas, afirmam que, ao
serem empíricos, dão conta melhor da natureza humana, ação humana e a vida humana em
grupo.
Para os interacionistas, os eventos sociais não ocorrem a um só tempo, mas sim
em etapas; onde cada etapa sucessora cria novas condições sob as quais as pessoas e
organizações envolvidas devem negociar a próxima. Segundo Blumer (1986), sob a
perspectiva do Interacionismo Simbólico, a ação social encontra-se alojada nas ações
individuais que ajustam suas respectivas linhas de ação através de um processo de
interpretação. A ação do grupo é tida, portanto, como a ação coletiva dos indivíduos. Em
oposição a este ponto de vista, as concepções sociológicas geralmente posicionam a ação
social na ação da sociedade ou em alguma unidade de sociedade.
Uma análise realista da sociedade, para Blumer (1986), clama pelo
reconhecimento empírico de que a sociedade consiste em ações unitárias, as quais se dão sob
certas condições, que, por sua vez, também devem ser consideradas. Isto conduz ao
reconhecimento de uma segunda condição principal: que a ação é construída pela
interpretação da situação.
Por fim, interessante mencionar uma consideração tecida pelo supracitado autor,
quanto à questão da conversão religiosa, por estar diretamente relacionada ao estudo ora
desenvolvido. Ele chama atenção de que análises mais prematuras buscam as condições que
levam as pessoas a se converterem, mas não tiveram linguagem para descrever de um lado
para outro, trocando os tipos (personagens) de o que, quando e onde eles fizeram. Alega que
como teorias instantâneas de conversação falharam ao observar a importância dos eventos
que conduzem para a conversação e, talvez, mais importante, os eventos que seguem a
conversação, reforçando e solidificando o que poderia de outra forma ser um capricho
elementar.
Diante desses apontamentos, portanto, foram direcionadas as entrevistas e os
resultados que assumem relevância para o presente estudo e que estão expostos a seguir.
4.2 O dia-a-dia dos evangélicos na prisão de Alcaçuz
O objetivo desta seção é caracterizar o panorama geral que o preso evangélico
enfrenta diariamente em Alcaçuz. Onde ele se encontra fisicamente, bem como com quais
61
pessoas ele convive. Para atingir esse objetivo, veremos os seguintes aspectos: organização
do ambiente e trânsito de pessoas, definindo-as em termos quantitativos e qualitativos.
4.2.1 Micro ambiente em perfil
Após conhecermos o ambiente onde se passa a pesquisa, verificamos que em
Alcaçuz existem, na verdade, 6 pavilhões. Os mais antigos (Pavilhão 1, Pavilhão 2 e Pavilhão
3), destinados à custódia de presos já condenados pela Justiça, estão divididos em duas alas,
as quais têm celas com capacidade para 8 presos, cada. No total, um Pavilhão tem vagas para
pouco mais de 100 presos. O Pavilhão 4, por sua vez, abrigava principalmente presos
provisórios e era palco constante de tentativas de fugas, o que o deixou bastante deteriorado e
que, por isso, encontra-se interditado aguardando reformas. Os presos que lá estavam foram
transferidos para o novo Pavilhão (Rogério Coutinho Madruga), local onde ocorreu a maior
fuga da história do referido presídio.
Há ainda o Setor Médico (prédio que não mais se destina à finalidade para a qual
foi construído, ou seja, prestar assistência à saúde dos presos), considerado pela
Administração como lugar mais tranquilo, onde, em regra, não ocorrem fugas ou mortes; e
onde estão custodiados os presos que trabalham ou que, por algum motivo não possam morar
(como eles chamam) nos pavilhões, seja, por exemplo, porque é ex-policial condenado ou por
sofrer ameaças. Esse sui generis “pavilhão” conta com celas coletivas e individuais e aparenta
ser sossegado.
Quanto à Administração do presídio, esta se encontra localizada no prédio da
frente e conta com salas para o Diretor e Vice-diretor; Secretaria; Setor Jurídico; cozinha,
onde os agentes penitenciários e policiais militares podem fazer suas refeições (preparadas
por 2 presos que lá trabalham), algumas outras salas, parlatório e um pátio, localizado na
entrada do referido prédio.
4.2.2 Quem planta o trabalho colhe morar no Setor Médico, ter remição e salário.
Para um preso trabalhar em Alcaçuz, precisa passar por uma “seleção”, na qual,
segundo o Coordenador dos Programas Sociais, leva-se em conta por qual crime foi
condenado49 (preferindo-se os acusados de homicídio – esse crime reflete um caráter mais
passional, e, portanto, acredita-se que a pessoa que assim age, não teria, em regra, um perfil
49 Não significa que presos por tráfico de drogas, por exemplo, não possam trabalhar em Alcaçuz, mas, é fato, são minoria, uma vez que os que trabalham transitam mais pelo presídio, o que poderia favorecer o tráfico.
62
voltado para o cometimento de crimes, sendo consideradas mais confiáveis50), e, em segundo
lugar os acusados de furto ou assalto), além do comportamento e grau de escolaridade (no
caso do trabalho ser exercido na fábrica de cartuchos).
Além dos prédios citados no tópico anterior, Alcaçuz conta com algumas outras
construções destinadas ao labor. Uma delas abriga o projeto social denominado “Pintando a
Liberdade”: a fábrica de bolas, na qual trabalham 11 apenados atualmente, mas onde muito
mais pessoas já trabalharam, informa o Coordenador do projeto.
Figura 14. Localização da fábrica de bolas: entre pavilhões.
Fonte: A pesquisadora. Aos 16dez2011.
Figura 15. Slogan do programa social Figura 16. Entrada da fábrica. Figura 17. Presos trabalhando.
Fonte: A pesquisadora. Aos 16 dez 2011.
Para trabalhar em Alcaçuz, há outra opção: a fábrica de cartuchos, na qual 5
reclusos estão hoje desempenhando a laborterapia. Esse projeto de ressocialização 50 Nesse sentido, as declarações de um dos agentes entrevistados, quando perguntado se havia preferência de presos para trabalhar, em relação ao crime cometido, e ele respondeu: “Geralmente prefere-se presos por homicídio, porque são mais difíceis de buscarem alguma vantagem, como o pessoal que está preso por tráfico, que esses sempre são pegos com alguma coisa”.
63
(denominado Reciclar e Renascer) tornou-se referência nacional, tendo sido, inclusive,
publicado no manual51 de Boas Práticas, elaborado pelo Ministério da Justiça.
Figura 18. Apenados trabalhando na fábrica de cartuchos.
Fonte: A pesquisadora. 2009.
Há ainda outras escolhas para quem quer trabalhar e morar no Setor Médico: o
rancho (hoje com cerca de 22 presos registrados no programa do governo que paga a eles pelo
serviço e por volta de 8 que são voluntários, e, embora não recebam pecúnia, poderão ter a
concessão do benefício da remição52) a cozinha e os serviços gerais.
Assim, quem trabalha em Alcaçuz irá morar no Setor Médico (prédio mais seguro
e próximo da Administração), terá um salário mínimo pago pelo governo do Estado (caso
esteja cadastrado em algum dos programas sociais de ressocialização, como os dois citados
anteriormente) e terá seu direito à remição de pena garantido.
4.2.3 As visitas da família e da igreja e a assistência jurídica. Às quartas-feiras ocorrem as visitas íntimas, e uma fila de mulheres logo cedo se
forma na frente do presídio. Mulheres esperam para ver seus maridos. Trazem afeto e comida.
A fila anda e chega a hora da esposa ou companheira mostrar a “carteirinha53” e ser revistada
51 O Departamento Penitenciário Nacional incluiu seis projetos de ressocialização do Rio Grande do Norte no Manual de Boas Práticas do sistema prisional brasileiro: Mente Livre, Nascer da Terra, Pintando a Liberdade, Reciclar e Renascer, Transforme-se e Central de Penas Alternativas. 52 A remição consiste num direito previsto na LEP, pelo qual o preso a cada três dias de trabalho tem reconhecido 1 dia de pena cumprida, e, dessa forma, pode passar menos tempo na prisão. É importante que se diga: ele não tem sua pena diminuída, ele paga um dia de pena com 3 dias de trabalho.53 Para que alguém visite um preso é necessário prévio cadastro na Penitenciária, o qual requer copias dos documentos de identificação, comprovante de residência e certidão de antecedentes criminais expedida pelo ITEP. Estando tudo ok, o Presídio cadastra a pessoa no sistema e emite uma carteira de visita – a conhecida carteirinha.
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por agentes femininas, as quais improvisam, pois o aparelho de raio X está quebrado. As
mulheres tiram a roupa e as agentes pedem que elas se abaixem e façam força para verificar
se trazem drogas ou celulares escondidos em seu corpo. Após serem revistadas, são
autorizadas a entrar nos pavilhões por volta das 09h00min da manhã e por lá ficam até as
16h00min horas.
Nos finais de semana, as visitas são novamente permitidas. Funciona assim: se na
semana x a visita ocorreu no sábado, significa que no próximo fim de semana, a visita será no
domingo. Nestes dias, ocorrem as chamadas visitas sociais, nas quais os parentes podem
visitar seus filhos, sobrinhos, maridos ou pais.
Com relação à assistência jurídica, muito embora, na teoria, os advogados possam
falar com o cliente preso a qualquer hora e qualquer dia, as deficiências operacionais da
prática não permitem e, por questões de segurança, também é definido um horário para eles,
em Alcaçuz. Durante a Direção responsável pelo presídio, de fevereiro a julho, por exemplo,
foi fixado a seguinte horário: das 8:00 à 13:00. O local reservado é o da imagem abaixo.
Como advogada, já me comuniquei com apenados utilizando tal recurso e posso dizer, que
me senti constrangida, não só pelo fato de não haver cadeiras, como também pela péssima
acústica que essa proteção proporciona, além de não estar respeitado o direito de conversa
reservada, pois a todo momento passa alguém e, como está claro pela imagem, é possível que
até 4 advogados, em tese, falem ao mesmo tempo com seus clientes.
Figura 19. Local para assistência jurídica.
Fonte: A pesquisadora. 2009.
Às segundas, terças, quintas e sextas, por sua vez, os presos recebem assistência
religiosa dos evangelizadores, prestada por pregadores da Igreja do Evangelho Quadrangular
e da Assembleia de Deus. Numa das oportunidades em que estava em Alcaçuz, conversei
com dois pregadores da Igreja do Evangelho Quadrangular. Procurei saber com qual
frequência e como eram realizados os cultos. Diante dessas indagações, responderam que vão
a Alcaçuz uma vez por semana, geralmente na quinta-feira ou sexta-feira, de maneira
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alternada, nas semanas que se sucedem. Foi-me dito ainda que cada visita semanal dura em
torno de duas horas e ocorre em 1 (um) pavilhão apenas, por dia, até pregarem em todos os
pavilhões e repetirem o ciclo. No dia 03 de novembro de 2011, por exemplo, que foi uma
quinta-feira, eles estiveram no Pavilhão III; e na próxima sexta-feira, esperavam pregar no
Setor Médico. Segundo eles, não há local destinado para culto, sendo este feito no Refeitório
ou na Quadra do respectivo pavilhão, em dia de banho de sol. Fazem esse trabalho há cerca
de 2 anos. Por fim, quanto ao número de presos que participam, de forma mais direta e
assídua, dos cultos, afirmam ser esse de 4 a 5 presos evangélicos por Pavilhão.
Em outra ocasião, o grupo de pregadores da Assembleia de Deus permitiram que
eu assistisse a um culto realizado no Setor Médico. Assim, na manhã do dia 16 de dezembro
de 2011, estava lá. Após o culto entrevistei um dos pregadores, que desde 2000 realiza este
tipo de trabalho e é o coordenador de evangelização nos presídios, e nesta função, disse
preparar uma equipe de 28 pessoas para atuarem nesse tipo de missão. Ele disse que o perfil
dos evangelizadores da Assembleia de Deus que atuam em Alcaçuz é o seguinte: homens na
faixa etária entre 25 e 60 anos; com ensino fundamental ou médio completo; a maior parte
deles trabalha; tem família já constituída, com filhos. Quanto aos cultos, informou que o
número de presos que participam, varia muito, estando entre 15 e 20, ou mais. Durante a
entrevista pedi também que ele me falasse como era o culto. Segue o trecho:
Para o Senhor, qual é o presídio que precisa de mais assistência?
Eu creio que seja... Todos eles são carentes, mas Alcaçuz é mais carente. São 5 pavilhões e nós temos somente duas equipes, aí nós dividimos os cultos de 15 em 15 dias em cada pavilhão, porque... falta de pessoal... né?
Pensei que os senhores vinham 2 vezes por semana...
Nós estamos aqui toda semana, só que uma semana é num pavilhão, e, naquele pavilhão, só daqui a 15 dias é que vamos novamente, pois vamos para outros pavilhões.
E o culto demora em torno de quanto tempo?
Uma hora, uma hora e meia, no máximo.Como é que funciona?
A liturgia do nosso culto é... iniciamos com oração, depois cânticos congregacionais, e depois vem a leitura oficial da palavra de Deus, seguida aí de uma oração e uma pregação, apelos... As vezes damos oportunidade para eles louvarem, testemunharem alguma mudança que está ocorrendo, que Jesus está fazendo na vida deles, e, no final, apelo e término do culto.
66
No fim da entrevista, questionei: Por que vir evangelizar no Presídio? Ele, de
pronto, respondeu:
Porque foi um mandamento de Jesus. Para aqueles que foram resgatados por ele, ele deu uma ordem, está escrito nos Evangelhos, né? Quando Jesus disse: Ide por todo o mundo, pregai o meu evangelho a toda criatura. Veja bem que você esta incluída também. Pregai o meu evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado, será salvo. Quem não crer, será condenado. Então o evangelho veio para salvar as pessoas da morte eterna.
4.2.4 Os presos: quantos são e quem são.
Aos 03 de novembro de 2011, o então Diretor afirmou que o número oficial de
vagas no Presídio de Alcaçuz era 420 e que, o novo pavilhão (que em sua visão, deveria ser
visto e gerido como um verdadeiro novo presídio), também tinha capacidade para custodiar
420 presos. Nesse dia, o número de presos no pavilhão novo, segundo ele, estava em torno de
70 presos, dentre os quais havia alguns transferidos da Delegacia de Plantão da Zona Sul e
outros do Centro de Detenção Provisória (CDP) da Zona Norte. Do total de presos, afirmou
que no máximo 110 exerciam atividades laborais. Por fim, importante mencionar que, no
referido dia, o número de presos em Alcaçuz era de 735, segundo informação de um Agente
Penitenciário, após a chegada de 11 (onze) apenados.
Em termos qualitativos, o perfil dominante dos apenados de Alcaçuz pode assim
ser definido: brasileiros; jovens (entre 18 a 29 anos, em sua maioria); pardos54; em regra
reincidentes e com outros processos em andamento; com ensino fundamental incompleto,
condenados a cumprir penas privativas de liberdade durante 8 a 15 anos; acusados, em termos
percentuais, a grande maioria por assalto (art. 157§2º, CP); em segundo lugar por tráfico de
drogas (art. 33 da Lei 11.343/06) e, em terceiro lugar, por homicídio (art. 121§2º).
4.3 Os filhos evangélicos de Alcaçuz
Vitória (Hino)
Amigo, escuta o que eu vou te dizerDeus tem algo pra te oferecer
54 Dado interessante, uma vez que o resultado obtido não correspondeu ao estigma de predomínio de negros, mas, pelo contrário, a grande maioria foi considerada parda; em segundo lugar vieram os brancos e uma pequena parcela foi identificada como da raça negra.
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Escuta, me dá um pouco de atençãoDeixa Deus entrar no seu coração
Então abre as portas e deixa Deus entrarQue a mudança ele vai fazer, você vai notar
Pra tudo tem o seu tempo certoA sua benção Deus vai te dar no tempo correto
Paulo e Silas, quando estavam na prisãoEles oravam e louvavam pra o SenhorAs corrente todos grilhões se partiram
Os portões se abriram graças ao louvor
Então Paulo e Silas saíramO carcereiro tentou suicídio e Paulo não deixou
E perguntou o que eu posso fazerPara herdar a vida eterna e Paulo falou
Se crer somente no SenhorO Senhor te dá vitória
É salvo tu e tua casaE você vai morar na glória do céu
Então exalta o Senhor, com muito louvor,Com muito louvor, com muito louvor
Compositor: Francisco Canindé Luis da Silva (apenado)
Figura 20. Setor Médico. Ambiente destinado aos cultos. 4 (quatro) evangelizadores da Assembleia de Deus e 14 apenados se misturam. Foto obtida após o culto, ocorrido na manhã do dia 16 de dezembro de 2011.
Fonte: A pesquisadora. Aos 16dez2011.
4.3.1 Considerações iniciais e aspectos gerais
A pesquisa de campo demonstrou que não há um controle por parte da
Administração do presídio de Alcaçuz sobre o número de presos evangélicos, nem quanto ao
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universo de cadastrados como evangelizadores dos presídios, os quais eram cadastrados
apenas na Coordenação de Administração Penitenciária (Coape), onde após informarem
dados pessoais deles, recebiam uma carteira de identificação, autorizando sua entrada nos
presídios. Diante dessa informação, fui à Coape em fevereiro de 2012. Lá, realmente me
mostraram os cadastros, mas não tinham essas informações organizadas, ou seja, não tinham
o controle qualitativo nem quantitativo desses evangelizadores, nem quantos eram, de que
igreja, em quais dias visitavam o presídio x ou y. Não tinha nada além dos cadastros e
acrescentaram que estes, esse ano, passariam a ser feitos nos próprios estabelecimentos
prisionais.
Sobre uma possível organização espacial dos presos evangélicos em Alcaçu, tanto
os representantes da Direção, quanto os agentes penitenciários entrevistados informaram que
não há celas destinadas formalmente pela Administração aos evangélicos e o que pode
acontecer e já aconteceu é haver entre os próprios presos, uma organização nessa direção.
Citaram, por exemplo, que num Pavilhão com 14 celas (cada uma, em média, com 8 homens),
vai haver entre 1 ou 2 celas preenchidas por evangélicos. Assim, o máximo que se pode fazer
é uma projeção no número de evangélicos, pois nem a Administração nem os evangelizadores
souberam precisar esse número. Um dos agentes penitenciários entrevistados, que trabalha no
sistema carcerário há mais de 10 anos, descreveu a provável distribuição de evangélicos em
Alcaçuz: “Pavilhão II tem 2 (duas) celas só com evangélicos. No Setor Médico tem um local
só com evangélicos. No Pavilhão III, também. No Pavilhão1, também. Em cada pavilhão aqui
dentro tem um local específico, no mínimo uma cela com um grupo”.
Quanto ao número de presos que participam dos cultos, os evangelizadores
informaram que varia normalmente ente 5 e 15, o número de presos que participam no culto,
não havendo maior controle qualitativa ou quantitativamente, nesse sentido.
Diante dos dados quantitativos obtidos nas entrevistas aos agentes, Direção e
evangelizadores, eles indicam que cerca de 10% dos presos afirmam ser evangélicos. Nesse
sentido, apontou o ex-diretor de Alcaçuz, quando entrevistado, em novembro de 2011. Segue
o trecho da entrevista:
“Quanto à questão de organização, de separação dos evangélicos dos demais apenados, eu tenho convicção de que se firma de forma natural, de forma espontânea, informal. Tanto que quando eles se reúnem em uma determinada cela, ou estão reunidos porque gostam de usar drogas, aí tem aquele grupo que gosta mais é, tá pensando em fugir; então já estão se tentando se unir para uma fuga. Então os evangélicos, eles ficam um pouco isolados do resto da população carcerária”. (Ex-diretor) Tem algum exemplo mais concreto?
69
“Pavilhão 4, por exemplo, tinha uma cela da Ala B que era só de evangélicos, mas não foi algo imposto pela Direção ou pelo Pavilhão, foi uma seleção natural, espontânea, informal, feita entre eles, porque nós não estamos tolerando tá fumando maconha, por exemplo, ta usando crack e do lado ta o camarada orando. Nos 4 pavilhões vai ter isso”. (Ex-diretor)
Sabe dizer qual o número de celas?
Por cima, no máximo 2 por Pavilhão. Numa população carcerária de 722 apenados, vamos colocar aí uma média de 40, 50 apenados, no máximo, que são evangélicos mesmo, que se dizem evangélicos, pois na verdade, só Deus para ter uma noção exata de até onde é verdade ou só aparência. (ex-diretor)
Quanto às atividades laborais exercidas em Alcaçuz, pode-se dizer que as funções
que mais se destacam são as desempenhadas na fábrica de bolas (onde 11 trabalham), na
fábrica de cartuchos (onde 5 trabalham), na cozinha (onde 2 trabalham) e no rancho (onde
cerca de 30 trabalham), além das funções de pagador de água, pagador de quentinha,
lavanderia, pedreiro, além de auxiliar de serviços gerais. A antiga Direção, que ficou no
presídio até a fuga de 20 de janeiro, não soube precisar, e apenas aproximou que seriam cerca
de 100 presos trabalhando em Alcaçuz. Esse número deve ser menor, acredita a atual Direção
(que assumiu no fim de fevereiro de 2012), a qual providenciou a conferência desse número.
Um ponto interessante observado foi a relação direta entre os presos que
trabalham e os evangélicos. Muito embora, quando perguntado aos agentes e a Direção, se,
diante de uma vaga de trabalho, faria diferença em termos de escolha, ser ou não evangélico,
tenham dito que não, que seria indiferente, verifica-se que, explicita ou implicitamente, deve
haver alguma diferença, pois dos 31 presos entrevistados, todos trabalham e estes se não são,
já foram evangélicos ou mesmo tem uma relação mais forte com Deus. Nesse sentido,
também verifica o vice-diretor de então, o qual afirma que a maioria de trabalhadores em
Alcaçuz, é evangélica.
Pelas razões citadas na introdução do trabalho, a amostra de presos entrevistados
foi retirada do universo de presos que exerciam atividades laborais. Assim, de um universo
estimado pela Direção em cerca de 100 pessoas, foram escolhidos inicialmente 30, buscando
15 evangélicos e 15 não evangélicos, porém como a Fábrica de Bolas contava com 16
pessoas, acabou-se entrevistando 31.
70
4.3.2 Perfil
Diante do número de presos evangélicos presentes em Alcaçuz, estimado em
torno de 50, pude conversar com 16 que se consideram evangélicos e, interessante destacar
que, dos outros 15 com os quais conversei, percebi que, pelo menos 3, já foram e pensam em
voltar a ser evangélicos. A maioria deles (56,25%) diz ser da Assembleia de Deus e alguns
afirmam que não tem religião, mas que seguem Jesus ou que frequentam os cultos de
Alcaçuz. Por meio das entrevistas, portanto, foi possível verificar que eles fazem uma
distinção entre ter religião e seguir Jesus. Nesse sentido, segue a resposta de um entrevistado,
quando perguntado se a religião dava força a ele. Assim, explicou:
A religião não, quem tá me dando força é Jesus, a religião não dá força a ninguém não, quem dá força é Jesus, porque se a pessoa for pra religião, se ele não tiver de coração limpo, puro, ele vai sempre cair de novo, entendeu, ele tem que ir pra religião, buscar com a certeza a Jesus, não buscar as coisas do mundo, porque tem gente que vai pra religião, pra ganhar carro, ganhar, né, ganhar aquilo, ganhar isso, não é pra servir a Deus, né.
Como resultado da análise das entrevistas e questionários aplicados aos presos
evangélicos, o seguinte perfil pode ser traçado:
Tabela 2: Perfil dos presos evangélicos entrevistados em Alcaçuz
Exercem atividade laboral na prisão Sim (100%)
Conversão Logo após ser preso (70%). Antes de ser preso (20%).
Custodiados No Setor Médico (100%)
Estado civil Casados ou em união estável (60%)
Idade Entre 30 e 40 anos (56,25%). Mais de 40 anos (25%)
Número de filhos Mais de 1 filho
Escolaridade Ensino fundamental incompleto (32,25%). Ensino fundamental completo (18,75%). Analfabetos (18,75%).
Remuneração, antes de ser preso Menos de 1 salário-mínimo (66,6%)
Formação familiar Criados pelo pai e pela mãe, com uma média de 5 irmãos
Domicílio, antes de ser preso Bairros da periferia de Natal (62,5%)
Reincidência 50,00%
Acusação Assalto (50%), Homicídio (43,75%), Estupro (12,5%)Fonte de dados: Entrevistas e questionários aplicados na pesquisa.
O perfil dos presos evangélicos de Alcaçuz, conforme demonstrado na tabela
acima, bem como por outros dados resultantes da pesquisa, pode ser definido como:
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trabalhadores, moradores do setor médico; com idade, em sua maioria, entre 30 e 40 anos;
casados ou em união estável; com ensino fundamental incompleto; com mais de 1 filho;
recebendo desde menos de 1 salário mínimo até menos de 3 (três); sem receber auxílio
reclusão; sem ter trabalhado com carteira assinada; que começaram a trabalhar muito cedo,
em torno dos 14 anos de idade55, para ajudar no sustento da família, como auxiliar de
pedreiro, em oficinas de carro etc; criados pela mãe e pelo pai, com uma média de 5 irmãos;
que aos 18 anos, em média, foi morar com alguma companheira; que antes de serem presos,
em regra, moravam em bairros pobres de Natal; 50% réus primários; 50% reincidentes;
presos, na maioria, acusados de assalto; 70% convertidos logo após ser preso; 20% antes de
ser preso e apenas 1, muito depois de preso (cerca de 2 anos depois).
Por fim, dentre todos os entrevistados (Agentes, Direção, presos evangélicos e
não evangélicos), perguntados se haveria diferença entre o comportamento de um preso
evangélico e de um preso não evangélico, a maioria respondeu que há muitas diferenças,
destacando as seguintes: o modo de andar, de falar (não falam gírias nem palavrões), de agir
(mais disciplinados, mais firmes, mais controlados, mais calmos, mais compreensivos, mais
educados, não se alteram, esperam em silêncio e procuram se corrigir), são mais unidos, se
ajudam mais, trabalham, perdoam mais, têm mais respeito aos outros e são mais respeitado
por todos, não falam sobre crimes, não usam drogas, não julgam os outros presos. Um preso
evangélico, ao ser entrevistado, respondeu: “A diferença é total, transmitem paz, têm um
brilho, uma luz na imagem”. Outro assim falou: “Muita diferença. Os religiosos são mais
firmes: os outros se destroem nas drogas”. E outro disse: “Diferença tão grande, que só Deus!
Drogas... Ser mal... Falar da vida dos outros... Os crentes procuram Jesus, de coração. Pedem
a Deus que abençoe os outros. Tratam todos bem”.
Outro ponto questionado, aos entrevistados supracitados, foi se percebiam
diferença de tratamento conferido a eles pelo fato de serem evangélicos. 60% responderam
que sim. A maioria viu a diferença com bons olhos, mas uma minoria também citou pontos
negativos. Vejamos.
Os que enxergam de forma positiva, dizem que a maioria dos presos não
evangélicos respeita e dá muita atenção aos que são, os têm como conselheiros, que a palavra
deles vale muito; que a Administração, por sua vez, prefere procurá-los, quando saber de algo
55 Os presos evangélicos entrevistados disseram ter começado a trabalhar nos seguintes afazeres e com as respectivas idades: 10 anos; 16 anos, como garçom; 16 anos; 14 anos, como ajudante de servente, em marcenaria e solda; 10 anos, catando lixo e juntando papelão com o pai; 8 anos, ajudando a mãe em sua pousada; 14 anos, em fazendas em Nísia Floresta, em plantações para fragrâncias de perfumes; 13 anos; 15ª; 18anos, entregando pão. 15anos, como ASG; 7anos e 17anos (remunerado), como pintor automotivo.
72
ou pedir alguma coisa, do que os que não são; por serem mais bem comportados, a
Administração (Direção e Agentes Penitenciários) os tratam melhor.
Os que percebem que são vistos com maus olhos, alegam que aqueles que assim
os enxergam, falam que eles fingem, que não seriam evangélicos, que se escondem atrás da
bíblia, que isso é um atraso de vida; que a maioria quando sair vai fazer o mesmo e que, por
fim, são perseguidos. Diante de tal problemática, se encaixam muito bem as palavras de um
dos entrevistados, no sentido de reconhecer a opinião dessas pessoas e demonstrar que é
preciso ânimo para superá-la, e que estão dispostos a passar por cima do preconceito:
Nós que estamos aqui desse lado, preso... Nós já somos considerados, perdão pela expressão, o lixo da sociedade... Nós já somos... Então... Já se torna muito difícil pra pessoa. Apagar o que fez nunca vai ser apagado, nunca vai ser apagado. Então, assim, confiança é o que você vai ter que conquistar aos poucos. Do jeito que você vai perdendo você tem que conquistar aos poucos... (...)
Na defesa deles, esse entrevistado lembra àqueles que duvidam deles ou os
criticam:
Assim, aqui é difícil, é difícil ser crente aqui... Muitos, muitos, a maioria que eu sei se afastaram aqui mesmo. A maioria, porque é difícil ser crente na prisão... Mas... Assim... Lá fora também pessoas que cometeram crimes e saíram lá para fora do e se afastaram... Então, não vejo que é porque lá fora é mais difícil não... Porque, tipo assim, do mesmo jeito que existe uma pessoa que foi evangélica e se afastou... Do mesmo jeito que existem policiais, né? Bandidos com fardas de policiais, que existem policiais honestos, existem falsos juízes, falsos advogados, existem falsos médicos... Então, em todas as classes têm pessoas que não honram o que dizem o que são, dizem que honram e não honram. Então, assim, como é... o evangélico ele é visado... Realmente, ele é visado mesmo... Por quê? Porque ele.. ele diz seguir uma coisa da bíblia, e a regra da bíblia é procurar cada vez mais melhorar.... Né? Falar em Deus, tudo, a gente tem isso... Mas quando você erra, vai ter alguém para te apontar... para dizer: Olha, você disse que num... Então, uma pessoa que não tem regra, a pessoa não espiritual, quando ele erra é normal... É normal ele falar em pornografia, é normal ele beber, é normal ele fumar. Tudo para ele é normal. Quem é que vai julgar ele, não é? (Entrevistado 10 – Preso evangélico)
Por fim, dentre os motivos que mais os influenciaram a se converter, os presos
evangélicos apontam principalmente: a solidão, o sofrimento, querer mudar de vida e o amor.
4.3.3 Os cultos em Alcaçuz
Antes de apresentar o ritual dos cultos evangélicos realizados em Alcaçuz,
vejamos alguns fundamentos dos cultos pentecostais, que, podem parecer atrativos aos
presos, uma vez que permitem que eles sejam escutados e exprimam suas emoções, o que
73
pode proporcionar como resultado o sentimento de mais conforto espiritual e a sensação de
ser menos desigual em relação àqueles da sociedade que não cometeram condutas passíveis
de punição judicial.
O culto é a reativação ritual do versículo dos Atos (Atos 2), a renovação do temor, do assombro e da alegria na experiência imediata do Espírito Santo, e a imersão no mistério e no milagre. O culto fornece ao crente uma possibilidade de expressão individual, forja uma ligação emocional com a comunidade espiritual, traz consolo e segurança e eleva ao sublime. O objetivo do crente é sentir que ele se move no Espírito. (ELIADE, 1987, p. 230 apud CORTEN 1996, p.133)
Corten (1996) afirma que, de maneira sumária, podemos opor os cultos “frios”
das igrejas aos cultos “quentes” das seitas, que deixam uma maior participação aos fiéis. Do
ponto de vista antropológico, acrescenta, constata-se uma influência africana, segundo
MacRobert (1988, p. 30 apud Corten, 1996, p. 49), nos clamores, respostas na forma de
antífonas, cantos repetitivos, glossolalia, aplausos, batidas de pés, tripúdios, saltinhos,
balanço do corpo, fazendo cair alternadamente o peso do corpo sobre um pé e sobre outro,
dança e outros gestos.
O pentecostalismo, segundo Corten (1996), é uma utopia de igualdade, de amor e
de emoção, colocada em cena no culto; que recorre constantemente a certo número de
versículos bíblicos para fundar sua crença. Insiste, por exemplo, nas palavras de João Batista:
“Eu vos batizo em água... Ele vos batizará no Santo Espírito e em fogo” (Mt 3,11), e nas de
Jesus: “Recebereis um poder, o Santo Espírito, que descerá sobre vós, e me sereis
testemunhas.” (Atos 1,8) “Os pentecostais sustentam que, como o Espírito Santo desceu sobre
os Apóstolos, aqueles chamados a serem cheios (Atos 2,4) são batizados no Espírito Santo
(Atos 11,15) e que o sinal exterior normal deste ‘batismo’ é o falar em línguas” (CORTEN,
1996, p.58).
Outra prática presente nos referidos cultos é o canto (símbolo da comunicação
oral), que representa um método de emoção, destaca Corten (1996). Esse autor explica que o
culto pentecostal apresenta-se como uma alternância de cantos e palavras (preces,
lamentações, pregações, bênçãos, coleta, informações). O canto, nesse contexto, “sobretudo
quando se prolonga, produz uma elevação do clima emocional. Sua repetição torna-se
enfeitiçadora.” (CORTEN, 1996, p. 60)
Por fim, um ponto muito interessante apontado por Corten (1996) é que a
conversão pode atuar como instrumento estimulante para desenvolver a Educação, pois, como
sinaliza, o pentecostalismo, ao citar continuamente versículos bíblicos, acarreta a vontade de
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aprender a ler da parte dos crentes, que se traduz por uma baixa taxa de analfabetismo nos
meios pentecostais pouco favorecidos. Em Alcaçuz, a pesquisa de campo possibilitou a
verificação de um exemplo deste, ou seja, da religião como meio de motivação para a
educação: um dos presos evangélicos entrevistados, envolvido desde muito jovem com a
criminalidade, e que, devido aos obstáculos de seu caminho, não conseguiu estudar, em
Alcaçuz tem frequentado aulas de alfabetização e está tentando aprender a ler. Ainda não lê,
mas se mostrou muito feliz quando assinou o termo de consentimento da entrevista. Também
se mostrou muito empolgado quando falou sobre suas composições de hinos:
Não sei nem ler nem escrever, mas sou compositor também, faço musica, hino para Deus. Você toca aqui nos cultos?Não, não toco não. Meus irmãos que tocam. Eu tava compondo um hino hoje, terminando de agilizar, coisa maravilhosa. São 8 (oito) hinos que eu já compus. Eu tava até fazendo um agora. “Num deserto eu estava. No meio de uma tempestade, procurando uma saída. Eu querendo encontrar...”
Outra característica dos cultos é a participação anárquica ou plural da palavra.
“Em qualquer momento, qualquer fiel pode pontuar o culto de um ‘aleluia’ ou de um ‘glória a
Deus’ sonoro, e às vezes repetido numerosas vezes” (CORTEN, 1996, 62).
Para finalizar as observações quanto aos principais elementos presentes nos
cultos, vejamos como Corten (1996) define aqueles que deles participam: o crente é um
“humilde” que se sente existir no canto de louvor a Deus, preso aos seus irmãos pelo “efeito
da devoção”, retirado do mundo e esperando o segundo retorno de Cristo, que muda, através
da conversão, sua vida.
Diante dessa exposição teórica inicial, que traz em síntese a dinâmica do culto
pentecostal e o significado dos atos praticados nele, nos deteremos à análise dos cultos
realizados na Penitenciária de Alcaçuz.
Para tratar desse tópico, dividi os presos evangélicos de Alcaçuz em dois grupos:
o grupo dos que se encontram nos pavilhões e o dos que estão no Setor Médico, dadas as
diferenças estruturais e de organização que se passam nesses dois ambientes.
Nos pavilhões, por exemplo, não há local apropriado para os cultos e, segundo os
evangelizadores entrevistados, eles ocorrem nos corredores e pátios dos próprios pavilhões e
são abertos a todos os presos que queiram participar. A participação, contudo é pequena, em
torno de 5 a 15 pessoas por culto.
Já no setor médico, os presos evangélicos conseguiram reservar um local para os
cultos e lá os realizam. Um apenado me conta com foi que se deu essa conquista:
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Recebemos pessoas de outras igrejas, mas praticamente somos nós mesmos. Eu fiz um desenho e comecei a desenhar Alcaçuz para Cristo, aí esse desenho está na parede... Começamos a pendurar umas cortinas... Hoje em dia temos uma caixa de som com microfone. (...)Temos um espaço onde determinamos para isso, que foi muita luta, mas graças a Deus, Deus abençoou.
Além dos cultos realizados pelos pregadores que vem a Alcaçuz, os eles se
reúnem dia sim dia não, das 18h00min às 18h30min/18h40min, para realizarem o culto entre
eles. Lá tem caixa de som, microfone e púlpito. No dia em que assisti a um culto, neste
referido setor, como se pode observar na foto acima, havia 14 presos presentes. Um dos
presos explicou como eles se organizam em relação aos cultos:
Os cultos que a gente organiza, a gente vai pela palavra, e a palavra de Deus explica tudo, né? Fala sobre a ordem e a decência. Que a gente organiza os cultos no horário tudo adaptado a... ao nosso convívio ali, que a gente tem que ir também respeitando as autoridades que dá as oportunidade de a gente fazer os culto. A gente organiza com o primeiro dirigente e o segundo dirigente, para ver se aquela pessoa ta capacitada pra...
E quem é que escolhe esses dirigentes?
São todos, é tipo uma votação.
E quais são as características que fazem com que um pessoa tenha mais chance de ser escolhido?
O conhecimento, principalmente o testemunho, o conhecimento da palavra, é... Os milagres que Deus fez na vida dele, pra ser mais um exemplo.
Há, portanto, uma hierarquia representada pelo 1º dirigente, 2º dirigente e os
demais – intitulados de pregadores.
Outro preso que participa dos cultos no Setor Médico, e que progrediu de regime
em fevereiro de 2012, complementa:
Vocês se juntam e ai... fazem orações?
Faz orações, canta louvor...
De que horas?
De 17h30min, agora. Antes era de 18h00min/18h30min. Agora é de cinco e meia, porque tem a caixa de som que os irmão levou, microfone, violão...Também toca musica evangélica?Toca, uns canta louvor, a harpa cristã...
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Corten (1996) descreve o perfil dos crentes pentecostais como sendo o de
pessoas que frequentemente vivem na miséria, na doença, na violência, e cantam na alegria e
na louvação de Deus e misturam suas queixas aos salmos de lamentação. “No consolo que os
cerra, quase sempre à beira de lágrimas, é a dignidade de seres humanos que se afirma. Não é
a tradição que os reúne, é a vontade de proclamar suas emoções” (Corten, p. 14,1996)
4.3.4 Os filhos de Deus...
Ele pode estar dentro das grades e estar feliz, satisfeito com Jesus.(Entrevistado)
Corten (1996) explica que os evangélicos buscam o contato direto com Deus, o
acesso direto à bíblia e veem no pentecostalismo a valorização da pobreza à imagem de
Cristo. Essas duas possibilidades e a analogia simbólica, para ele, são bastante atrativas para
pessoas carentes afetivamente e à margem da sociedade. Podemos acrescentar que essas
características favorecem a adesão de presos, pelo fato de não requerer maiores investimentos
materiais, a não ser uma bíblia, que pode ser fornecidas a eles pelos evangelizadores, sem
custos, além de promover uma identificação entre a imagem deles e a de Cristo, que os atrai.
Esta parte do trabalho reserva-se à transcrição e ao comentário de trechos das
entrevistas realizadas com a Direção do Presídio, agentes penitenciários e presos não
evangélicos, que demonstram apoio aos seguidores do evangelho ou pelo menos a crença de
que a religião é tomada por eles com o seu propósito verdadeiro e ainda destaques para
esclarecimentos prestados pelos próprios presos evangélicos.
4.3.4.1 Religião não, Deus.
Durante as entrevistas feitas com os presos evangélicos, vários deles fizeram
questão de deixar bem claro que não seguiam uma religião, mas sim Jesus. Vejamos como se
pronunciam sobre essa questão:
Não escolhi una igreja, eu acho que que Deus é que faz toda obra. Jesus nos quiere felizes, sorrindo na igreja e o louvor é isso: representar a alegria que temos de seguir a Jesus. (Entrevistado 21)
No primeiro dia que eu fui preso, no dia que eu fui preso, eu aceitei o Senhor Jesus, já. A pessoa tando preso, é assim, um grande sofrimento. (Entrevistado 30)
Por que você não tem uma religião? Religião... Deus, primeiramente, não deixou religião, deixou apenas um cumprimento da sua palavra, pra analisar, como se diz, a palavra de Deus:
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Se conhecer a verdade, a verdade o libertará. Então... tem o que? Tem que conhecer a verdade e conhecendo a verdade, você tem que praticar, felizmente, a verdade, que é a justiça de Deus. Deus não faz distinção das pessoas. Então, quando a gente chega a Deus: Deus diz: vim a mim como estais. Ai tem outra palavra que diz assim: Aqueles que quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e segue-me. (Entrevistado 17)
E os evangélicos são como?
O evangélico, eles são pessoas que procura Jesus, são umas pessoa do coração voltado para Deus, eles clama a Deus, pede a Deus que abençoe todos aqueles que não são crente, pra que eles saiba que só Jesus é o salvador. (Entrevistado 28)
4.3.4.2 Mudança de vida ao se tornar evangélico
“Agora eu espero recomeçar. Fazer o que eu nunca fiz, para ter o que eu nunca tive. Para ser o que eu nunca fui. Tem que fazer...o que nunca fiz”. (Entrevistado 10)
A religião e a cultura estão intrinsecamente relacionadas. Prandi (2007) explica
que “é comum dar como certo que a religião não apenas é parte constitutiva da cultura, mas
também a abastece axiológica e normativamente. E que a cultura, por sua vez, interfere na
religião, reforçando-a ou forçando-a a mudanças e adaptações”.
Rezende Junior (2010), por sua vez, ao estudar a conversão, destaca que, com ela,
a cultura se altera, pois novos valores e significados se apresentam. Nessa via, o mundo moral
passa a ser “o pano de fundo em que o Eu exercita sua liberdade, inclusive a da escolha das
identidades postas à sua disposição no interior de tal ou qual sistema cultural concreto”
(OLIVEIRA, 2006, p. 60, apud Rezende Júnior, 2010). Conclui, afirmando que a esfera
moral é elemento integrante do sistema cultural, portanto, um alvo a ser focalizado
simultaneamente à investigação do processo de identidade, observável em casos específicos e
que, em geral, o que se vê são inúmeros peregrinos em busca do cumprimento do simbólico,
em busca de bens provisórios, nunca permanentes, mas capazes de permitir o
desenvolvimento do sentimento definitivo de pertencimento e propiciar a identidade.
Lobo (2005), ao tratar da questão de como os agentes religiosos percebem os
presos, fala do pecado, reconhecendo que ele norteia o discurso evangélico de modo geral, e
que no universo prisional, tem suas proporções aumentadas. O crime que o indivíduo
cometeu é explicado como resultado de uma vida imersa no pecado e controlada pelo
demônio (Lobo (2005) apud Birman, 1997; Mariz, 1997): para deixar a vida criminosa, os
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agentes religiosos afirmam que só nascendo de novo, tornando-se “nova criatura”. Nessa
percepção, isso só acontece quando o indivíduo aceita Jesus e se converte.
Além disso, Lobo (2005) destaca que se somam aspectos socioeconômicos
decorrentes da imoralidade, violência, prostituição e vícios, que levam à degradação social,
condição essa propícia para a ação do “mal” e que, segundo os evangélicos, só pode ser
mudada pelo poder de Jesus Cristo e do evangelho. Na maioria das vezes, os evangelizadores
descrevem os presidiários como pessoas infelizes que entraram para o crime como forma de
sobrevivência, e que na infância foram crianças abandonadas e que tiveram uma criação em
ambiente de violência. Dizem que, à primeira vista, são inseguros e desconfiados e que a
maioria nunca experimentou sentimentos de amor e segurança.
Enxergando os presos com esse olhar, os evangelizadores procuram trabalhar a
autoestima dos presos, com o objetivo de levá-los a compreender que, apesar dos erros que
cometeram contra a sociedade e contra o próprio Deus, o amor de Deus não acaba (Jesus te
ama) e é nessa perspectiva que se dá o discurso religioso. O discurso do amor de Deus,
somado à ajuda material, contribui para amenizar o sofrimento na prisão e proporciona a
sensação de autoestima, produzindo um novo significado na vida de muitos presidiários.
Sucintamente, em outros termos, portanto, pode-se dizer que a conversão
religiosa proporciona a aceitação, o perdão, o conhecimento de uma nova forma de conduzir a
vida, que provoca mudanças nas formas de se vestir, de se expressar e em linhas gerais, de
interpretar os estímulos exteriores.
Partindo desses pressupostos, analisemos as mudanças apontadas pelos presos
convertidos em suas vidas.
Como era sua vida antes de ser evangélico?Acha que se sente bem, né? Mas, quando está no mundo acha que é tudo, que pode tudo, e não percebe que depende de Jesus para ter as coisas... Todo que você tem, Deus é quem entrega e do mesmo jeito que ele entrega, ele tira. Mas, desgraciadamente não percebe que não estava certo e que faz toda diferença quando conhece a palavra de Jesus, quando conhece o evangelho. Ai é quando percebe realmente que você estava errado e que estava prestando mais atenção as coisas do mundo, dos ímpios e que estava muito, muito afastado... Aonde Deus não poderia ouvir sua voz, né... Quando você clamava Deus, você era um homem, uma pessoa que estava muito longe, não dava pra ouvir. Eu acho que meu Jesus me ouviu quando eu me aproximei mais dele.
E o que você passou a esperar da vida depois de se tornar evangélico? O que mudou? Não, mudar... mudou tudo. Conseguir ver a Deus, seguir a Jesus, não va mudar em 30% a sua vida, logicamente va mudar os 100%. Você tem que se habituar a ver as coisas com outra natureza, aprender a perdoar, que é
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muito difícil, ao principio costa muito, perseguido que nem eu, me costo muito aprender como é o perdon, é entender verdadeiramente o perdon para você ser continuar sendo perdoado por Jesus. (Entrevistado 21)
Como o senhor enxerga sua vida sem ser crente?É. Eu já fui crente umas 3 vez e toda vida eu me senti feliz. Quando eu saia na crença, eu me achava desinfeliz, eu achava que eu tava num caminho mal, então eu só caia, me afundava, e agora que eu estou com Jesus, eu me sinto feliz, eu até já sonhei voando, é muito bom, eu me sinto beeeem feliz da minha vida, uma pessoa alegre. (Entrevistado 28)
Essa vontade de mudar, fez com que você quisesse aceitar Jesus, e depois disso, o que você passou a esperar de sua vida? Mudou alguma coisa?Graças a Deus está mudando, porque ele já me restaurou de, de... ele já me libertou das drogas, porque era uma coisa que eu nunca imaginava que ia se libertar e ia deixar, mas ainda sou perseguido, né, através do inimigo invisível, né, que vinha oferecendo as coisas de bandeja à pessoa. (Entrevistado 22)
Jesus disse: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Eu sentia um vazio muito grande, era uma pessoa realizada, tinha dois empregos, era noivo, tinha minha casa própria, tinha amigos, achava que tinha... Mas no fundo, no fundo, sentia um vazio... Bebia... Hoje em dia, apesar dos pesares, de ter acontecido isso na minha vida, mas você sabe que o ser humano é falho... Infelizmente eu ainda continuo fazendo algo que não é a favor da religião... Eu ainda fumo... mas, eu sentia um vazio muito grande. Eu tinha tudo, mas faltava algo dentro de mim, que eu não sabia o que era. E, depois do.. do acontecido, realmente, é, eu preenchi esse vazio: o vazio era Deus, e eu não sabia. (Entrevistado 9)
O que leva uma pessoa que está presa, procurar uma religião?Lá na vida dele, melhora tudo. Os pensamento mau, não tem mais. Tem só pensamento bom. Você acha que todos que estão presos que procuram uma religião, seria por esse motivo ou também tem outros motivos?O homem que procura Deus, tá procurando a felicidade da vida dele, né? Buscando uma coisa que venha renovar a vida dele. Mudar de vida né? (Entrevistado 26)
4.3.4.3 Bons exemplos
É claro que, a gente pode dizer que há uma pequena porcentagem que diria assim “Encontrei Jesus” ou que quer se evangelizar de verdade, que tocou o coração dele e ele sabe que quer mudar de vida. Acontece. Alcancei casos aqui em Alcaçuz de pessoas que saíram do mundo das drogas e também do mundo do crime através da fé em Deus. Mas é minoria. (Ex vice diretor)
Exemplo 1: Lá no Pavilhão 4, tinham 3 evangélicos lá. Eles respeitam muito os evangélicos quando são fervorosos, aqueles evangélicos que seguem a doutrina, os exemplos, eles são muito respeitados dentro do sistema. Um exemplo de evangelização na unidade prisional: Tem “n” exemplos. Tem um apenado que saiu daqui há mais de 4 anos e outro que saiu há 7 anos (J. W.), ambos envolvidos em homicídios. Aí, esses dois são exemplos que eu vejo bem claro. O J. W. S., morava no Pavilhão 1, era
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protestante aqui dentro; o outro, G. F., inclusive, já avistei mais de 3 vezes, pregando aqui. (Ex vice diretor)
Exemplo 2: Nós temos alguns que foram homens perigosos, e que, através da palavra de Deus, eles se converteram, aceitaram e hoje são pessoas firmes, fieis e são ganhadores de alma. Eles trabalham, entram em presídios... E outros até se tornaram dirigentes de trabalhos dentro de presídios, como o J. W., ele mora do outro lado, na Zona Norte. Ele foi preso daqui, inclusive quando eu trouxe ele para cá, o Diretor até se admirou muito dele e eu disse: Olhe, esse jovem, ele aqui, está dirigindo um trabalho em um dos presídios de Natal. Temos J. N., que traficou 40 anos nas Rocas e hoje é um auxiliar do trabalho no Templo Central. Ele vai para os presídios também?Ele vai. As vezes eu trago ele para cá, mas ele faz trabalhos no Presídio Provisório Raimundo Nonato, CDP Ribeira. O dirigente de lá, do Raimundo Nonato, é um rapaz que fez parte de quadrilha nacional de trafico aqui no Brasil, e hoje ele é um crente que prega a palavra e dirige o trabalho lá. (Pregador da Assembleia de Deus)
Exemplo 3: O único apenado que ainda se identifica mais como evangélico é Dante56, que é um apenado que morava no IV, ele agora veio para o Setor Médico, ele é, é... um tipo de pastor lá dentro do Pavilhão e... o comportamento dele até hoje assim, nesse tempo que eu tou aqui, nunca teve nenhum tipo de alteração, por parte dele. (Agepen 5)
4.3.4.4 Bem comportados
É diferente de um preso dentro de um pavilhão, que geralmente procura tumultuar o ambiente, a cadeia. (Agepen 5)
Então, quer dizer, quando a gente nega a si mesmo e toma essa posição, quer dizer o que, a gente tem que deixar de fumar droga, a gente tem que deixar de prostituição, deixar de mentira, de muitas coisas, que Deus, como é que se diz, Deus cobra diante da sua justiça. Então, a pessoa é uma nova criatura, que deixa as coisas velhas para trás e começa tudo de novo, buscando o melhor, conforme a palavra de Deus. (Entrevistado 17)
Com relação aos presos evangélicos, é perceptível a presença deles aqui no presídio para você?Dá sim. Geralmente os presos que são evangélicos costumam falar muito de Deus, ficam citando passagens da bíblia, se interessam pela religião do agente.
E entre os presos que trabalham, tem evangélicos?Dos que trabalham, eu acho que a maioria é evangélica e sempre procuram participar dos cultos, é..., buscam pregar a palavra.Você acha que eles se convertem por quê?Sei lá, para buscar uma salvação, paz, arrependido. (Agepen 1)
56 Não consegui entrevistá-lo, tendo em vista que ele foi transferido para o novo pavilhão Rogério Madruga Coutinho e não teve como algum agente trazê-lo até o prédio da Administração para que eu falasse com ele. Muitos o citaram como um preso verdadeiramente evangélico.
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Gostaria que você fizesse um relato de tudo que você observou durante esses mais de 10 anos que você tem trabalhado em Alcaçuz sobre os presos evangélicos, se dá pra distinguir, se eles têm celas específicas, como eles se distribuem?
Eles procuram, na realidade, é, serem um grupo fechado, vamos dizer assim, porque, é, você pega um pavilhão, com 2 (duas) alas, com 7 celas em cada uma, em pelo menos numa das alas vai ter um cela, onde não só com auxílio da Direção, mas entre eles mesmos, os evangélicos procuram ficar juntos. Por quê? Se evita que se adentre nessa cela um celular, droga, já que não é dá concepção deles usar esse tipo de coisa, então, eles não querem ninguém de fora ali para trazer problema. (Agepen 11)
4.3.4.5 Tratamento diferenciado
Então o tratamento é diferente?
É. O tratamento é diferente, né? Porque a pessoa que é crente, a pessoa vê mesmo, né? Essa pessoa aí não me dá trabalho... E aqueles que não procura Jesus, eles tão no mal, né? É fumando droga, é roubando, eles roubam muito dentro das cela; aí as pessoa chega na Direção e diz: Doutor, lá na cela tão robando tudo meu, quando eu saiu pra trabalhar. Então, umas pessoa dessa, não é pessoa que as pessoa trate eles bem. (Entrevistado 28)
4.3.4.6 A conversão como forma de defesa
Você acha que esses presos se tornaram evangélicos, por quê?
Alguns por arrependimento do que fizeram, outros pela... outros pela... comodidade, pela acomodação, por fazer parte de um grupo que é menos violento, até por medo dos outros, acabam formando um grupo maior e se juntando, vamos dizer assim. Seria uma forma de defesa. (Agepen 11)
4.3.5 Os filhos do Diabo...
Infelizmente a fraqueza do coração de muitos não permitem a eles se tornarem fieis, porque aí até para a gente se salvar a gente tem que ser fiel e guardar o que temos recebido de Deus. O que ele prometeu: guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa. O agressor de nossa alma é astuto e traiçoeiro e ele pega alguém que já estava no evangelho, até mesmo sem ser delinquente. Pessoas dentro das igrejas desfalecem. (Palavras de um pregador com mais de 10 anos de experiência em evangelização em presídios do RN).
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Esse espaço foi destinado a discussão sobre a possibilidade de haver uma
representação57 falsa da figura do evangélico e as impressões negativas sentidas por parte dos
entrevistados (agentes penitenciários, policiais militares, presos não evangélicos e até mesmo
evangélicos), decorrentes desta “fachada58”, aparentemente utilizada por alguns presos que se
encontram custodiados em Alcaçuz.
Goffman (2002) afirma que o “papel” que um indivíduo representa é talhado de
acordo com os papéis dos outros indivíduos. Aplicando esta observação à pesquisa, tem-se a
análise do “papel” representado pelos presos evangélicos, diante dos presos não evangélicos,
agentes penitenciários, Diretor e Vice-Diretor. Neste seção, portanto, o foco está na
representação dos presos evangélicos ao interagir socialmente com os outros atores citados.
Goffman (2002) defende que quando o indivíduo está na presença imediata de
outros, sua atividade terá um caráter promissório. Este indivíduo, entretanto, nem sempre
representará59 o seu “eu” próprio, ou seja, a verdade, podendo, em outra via, transmitir
informação falsa intencionalmente por meio da fraude ou da dissimulação, porém, mesmo
assim, os outros, provavelmente, acharão que devem aceitar o indivíduo em confiança,
oferecendo-lhe uma justa retribuição, pois “a sociedade está organizada sob o princípio de
que qualquer indivíduo que possua certas características sociais tem o direito moral de esperar
que os outros o valorizem e o tratem de maneira adequada” (GOFFMAN, p. 19, 2002).
Contudo, caso os atores sociais percebam que o indivíduo está manipulando o
aspecto supostamente espontâneo de seu comportamento, passarão a procurar no próprio ato
da manipulação alguma variação da conduta que o indivíduo não tenha conseguido controlar,
chama atenção Goffman (2002). A importância de tal situação, para Goffman (2002), está na
sua consequência: “uma falsa impressão mantida por um indivíduo em qualquer de suas
práticas pode ser uma ameaça ou papel inteiro do qual a prática é apenas uma parte, pois uma
revelação desonrosa em um área da atividade de um indivíduo lançará dúvida sobre as
múltiplas outras, nas quais não tenha o que ocultar” (GOFFMAN, p. 64, 2002).
57 Goffman (p. 28, 2002) utiliza o termo “representação” para se referir a toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes alguma influência.58 Goffman (p. 29, 2002) explica que “fachada” seria a parte do desempenho do indivíduo que funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que observam a representação. Fachada, portanto, é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação. Entre as partes da fachada pessoal inclui os distintivos da função ou da categoria, vestuário, sexo, idade, características raciais, aparência, atitude, padrões de linguagem, expressões faciais. 59 Quanto à segurança sobre esta representação, Goffman (2002) defende que ela variará de acordo com as informações que os outros possuam a respeito daquele.
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Dentro das paredes do estabelecimento social encontramos uma equipe de atores que cooperam para apresentar à plateia uma dada definição da situação. Encontramos às vezes uma divisão entre região dos fundos, onde é preparada a representação de uma prática, e a região de fachada, onde ela é representada. O acesso a estas regiões é vigiado, a fim de evitar que o auditório veja os bastidores e para impedir que estranhos participem de uma representação que não lhes é endereçada. (GOFFMAN, p. 218, 2002).
Com base nas observações tecidas nesta seção, até o presente momento, vejamos
os resultados encontrados na pesquisa que se identificam com elas. Sobre a impressão
negativa da representação, por exemplo, podemos destacar que alguns presos entrevistados,
que se disseram evangélicos, reconheceram que há presos que se aproveitam de uma fachada,
criada com base na imagem do evangélico, para ocultar uma outra representação, como posto
acima, não endereçada à plateia. Por exemplo, o representação do evangélico é incompatível
com certas condutas, como uso de drogas e indisciplina. Assim, ao representar o evangélico
para alguém, no caso da pesquisa, para agentes penitenciários e outros presos, restariam, em
tese, afastadas as condutas consideradas negativas na prisão, como uso de drogas e de celular.
Outra observação: uma mesma representação pode produzir impressões diversas
sob aqueles com os quais se interage. Em relação a este aspecto, citamos uma situação que
ocorre durante a pesquisa, na qual um preso “evangélico” afirmou que outro presos
entrevistado não era evangélico, como teria dito. Para mim, a impressão da representação foi
positiva, pois pareceu sincero, tendo dito que aceitou o evangelho, mas que não costumava
frequentar os cultos da prisão, por não se sentir a vontade naquele ambiente. Já para o outro
preso, a representação passava uma impressão negativa, talvez, pelo fato de não participar dos
cultos, o outro apenado tenha tido esse juízo de valor em relação aquele.
Muitos entrevistados demonstraram ter esta impressão negativa da representação
de alguns atores pertencentes à categoria social dos presos evangélicos, sob o argumento de
que teriam tido acesso aos “bastidores”, onde aconteceriam as representações verdadeiras do
“eu” (o preso usando drogas, celulares, falando gírias etc), as quais desmascaram a
representação simulada do evangélico, pois, dizem ainda que quando estes falsários interagem
para a “plateia”, com os presos que parecem ser realmente convertidos, adotam um
comportamento parecido com o destes: o modo de andar, falar (não usam gírias) e tratar os
outros (com formalidade e respeito), sobretudo, quando estão diante deles (dos responsáveis
pela Administração do Presídio – agentes penitenciários e Direção).
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Figura 21. Imagem de uma bíblia, com anotações de números de celular em uma de suas páginas, mostrada na reportagem sobre revista realizada no Pavilhão I (que contava com 226 presos, na ocasião), em Alcaçuz, após a fuga de 20 jan 2012.
Fonte: Programa Patrulha da Cidade. 27jan2012.
A pesquisa indicou que os presos podem usar a religião como meio de conseguir
privilégios, como sair dos pavilhões, onde o perigo é maior, e ir morar no Setor Médico, onde
a “liberdade” (dentro do possível) é maior, pois têm um contato mais fácil com a
Administração, ficam mais tempo sem estar trancados nas celas, trabalham, têm um local
próprio para os cultos. Vejamos o que dizem, sobre essa questão, dois dos presos evangélicos
entrevistados, que já moraram no Pavilhão 1:
Pedi a um agente pra tirar nós, porque alguns agentes aqui sabem, né, que ali dentro havia muito furada, muita morte. (...) Nós aqui no Pavilhão sofremos muito. Fizemos até campanha de oração em jejum pra ganhar, da parte de Deus, um privilégio de um trabalho, e Deus deu, né? Foi ele (Entrevistado 12).
Você acha que já mudou para melhor?Mudou, que eu tava no pavilhão, vim pra cá pra fora, ta bom demais. Você era de qual pavilhão?Do 1. Um pavilhão bastante complicado. (Entrevistado 14 – Preso evangélico)
A imagem do crente traduz-se em confiança, e, num ambiente prisional, onde a
regra é desconfiar dos presos, quando se encontra alguém em quem se pode, de certa forma,
confiar mais, ou, desconfiar menos, é natural que a essa pessoa sejam conferidos mais
benefícios que àquelas que ostentam um comportamento mais indisciplinado.
Segundo Prandi (2007), Sociólogos entendem que a religião intervém na visão de
mundo, muda hábitos, inculca valores, enfim, é fonte de orientação da conduta e
Antropólogos ensinam que “a cultura constitui um processo pelo qual os homens orientam e
dão significado às suas ações através de uma manipulação simbólica que é atributo
fundamental de toda prática humana”, nas palavras de Durham (2004).
O que se pretende defender, por meio dessas observações supracitadas, é que a
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história de vida de cada ator social deve ser interpretada de acordo com os valores culturais a
que o mesmo está sujeito, diante dos estímulos ambientais a que se sujeita, pois só assim
conseguir-se-á entendê-lo de modo mais eficiente e completo.
Assim, quando se considera, no mínimo, um esboço da imagem conferida a um
determinado ator social, por exemplo, o evangélico, muitos podem se aproveitar desse
estereótipo para buscar atingir algum objetivo. Na prisão, pode muito bem ocorrer isso. Se
um preso percebe que um tipo de pessoa está tendo vantagens, pode muito bem tentar seguir
aquela linha de comportamento para tentar lograr alguns de seus anseios.
Teve um preso entrevistado, por exemplo, que se disse evangélico, e que antes de
iniciada a entrevista, perguntou: “Responder essa entrevista vai ajudar no processo, é?” A
resposta foi negativa: “Não, uma coisa não tem nada a ver com outra”. Esta passagem serve
para elucidar que esta conduta não garante que ele não seja evangélico e que apenas esteja
usando de má-fé para conseguir um benefício; pois evangélico ou não, todos procuram suas
melhoras. A sinceridade da conversão é muito particular e não deve ser interpretada de modo
taxativo. A dúvida paira e permanece sem uma resposta absoluta: ele é evangélico e também
busca ter vantagens de outra ordem, que não a religiosa? É evangélico porque percebe que em
sendo assim consegue vantagens? É evangélico e busca melhoras, como qualquer pessoa
buscaria?
Vejamos o que alguns entrevistados exprimem sobre essa questão da provável
conversão ao evangelho.
A gente sabe muito bem que não é só a questão específica de religião, sabe-se que há o interesse de quem vem de fora, não só de dar um apoio religioso, mas interagir na área jurídica, para ajudar o preso; o preso, por sua vez, têm outros interesses, até de ordem íntima. (...) Então, não há só o interesse religioso, mas o interesse material, as vezes financeiro, afetivo, então, quer dizer, a coisa é muito mais complexa. (...) Com sinceridade, eu não acredito que todos que dizem que aceitaram Jesus, realmente aceitaram. Muitos dizem da boca para fora. Eu diria, que uns 5% aceitaram de verdade. (Ex-diretor)Tens uns que são, não todos, tem uma minoria, na verdade, que tem um perfil de vândalo ainda, apesar de ser evangélico. (...) Boa parte desses que se convertem, se convertem para receber alguma coisa, para receber algum material de higiene, alguma atenção. (...) Eles (os evangelizadores) trazem material de higiene, algumas roupas, e, o mais importante, para eles é a atenção. Geralmente, eles não têm atenção nem da família nem de ninguém. Aí, eles, quando tem uma atenção maior, os evangelizadores proporcionam isso a eles, atenção. (Ex vice diretor)
O próprio evangélico reconhece:
(...) O evangélico tem tanto privilégio aqui dentro da cadeia que... alguns presos respeitam, né? Respeito dentro da cadeia, até por outros presos. Ou
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seja, porque os presos, muitos deles, respeitam o nome de Jesus, mesmo que não conheça. Mas quando um homem se torna um crente dentro da cadeia, ele ganha respeito, né? Até por outros, né? Mas o senhor acha que tem alguns que fingem que se convertem só para ter um tratamento melhor?Ter um tratamento melhor e quando sai volta pro crime de novo. Não se converteu. Fingindo, no meio da gente ali pra ganhar privilégios, ou seja, pra ganhar algumas coisas ou..., num lugar desses, ganhar um emprego melhor, né? Porque muitos aqui porque se diz cristão, aí a autoridade confia nele e dá uma posição melhor a ele, né? Muitos, né? Uma outra coisa que eu achei muito legal também em ser crente é porque, ali, a gente, pra comer bem aqui, tem que mandar uma comida escondido, né? Ou, então, pela visita, a mãe ou a Irma, a esposa, pra Direção não começar... (Entrevistado 12 – Preso evangélico)
O próximo trecho consta de uma entrevista feita a um preso que já foi evangélico
em sua adolescência, e que, antes de ser preso já não era. Afirma que frequenta os cultos, mas
não quer se intitular evangélico na prisão, justamente devido a visão pré concebida daqueles
que desconfiam da real intenção professada pelos presos que se dizem evangélicos.
Por que você acha que têm pessoas que nunca tiveram uma religião... Aí é presa e passa a ter uma religião, mas quando sai, não fica mais na religião...Porque se esconde detrás da palavra de Deus, pra ganhar algo melhor, né? Uma confiança. Ta entendendo? Porque muitos inventam de ser crentes aqui no presídio, não é pra aceitar Jesus, muitos é pra se esconder atrás da palavra de Deus, pra ter uma oportunidade, ta entendendo? Já saiu muito daqui evangélico e depois que saiu cometeu pior do que o que era. (Entrevistado 16)
Por fim, também nesse sentido, um preso
não evangélico:
Eu não tenho nada contra ninguém, mas pra mim, se esconde tudo atrás da bíblia.E eles se escondem atrás da bíblia pra quê? A gente ta nesse lugar, né, a gente ta nesse lugar, a gente quer a melhora da gente. Aí, uns acha que ser isso aí, vai sair mais rápido... Eu penso eu. Vai sair mais rápido, gente vai olhar com outros olhos pra eles. (Entrevistado 31)
Já a visão dos agentes, em regra, pode ser representada pelos trechos seguintes:
Qual sua opinião sobre os presos evangélicos, aqui em Alcaçuz, no caso?
95% dos presos evangélicos usam a religião pra se dar bem. Eu quero que você foque só na realidade de Alcaçuz. A sua experiência de 9 anos.A maioria deles é pra se dar bem. (...) Eu acho que até pra enganar o... o... o servidor, né? (Agepen 2 – 2000)
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(...) De uma margem de 10 que se diz evangélico eu estouro 2 que sejam de verdade. O resto...
E os outros se dizem evangélicos por que em sua opinião?Pra ter regalias.
Que tipo de regalia?Ficar em local privilegiado com eles mesmos, com os evangélicos. Porque os evangélicos, na maioria das vezes quando eles são, eles retiram eles dos cantos mais perigosos e pra colocar numa cela só eles mesmos. (Agepen 8 – 2009)
Eu penso o seguinte: alguns usam da prerrogativa de ser evangélico pra tirar benefícios. Muitos poucos que realmente...
Que tipo de benefício?É... Ficar num canto melhor, pra se beneficiar em relação ao tempo que ele tem de passar aqui dentro, né? Apesar de muito poucos realmente seguir a carreira de evangélico. (Agepen 3 – 2000)
Diante das respostas dadas nas entrevistas, verifica-se que a maioria dos agentes
penitenciários tem a opinião de que os presos apenas usam a imagem do evangélico para
conseguir alguma regalia que lhes interesse, e não porque se converteu realmente.
Outro ponto que, tanto agentes penitenciários quanto os presos evangélicos
entrevistados reconhecem, é a presença do respeito. Essa questão parece ser uma decorrência
lógica do ganho desses privilégios. Respostas obtidas nas entrevistas mostraram que ser
evangélico na prisão, em regra, denota respeito, pois presos não evangélicos costumam
confiar neles, e, por isso, pedem conselhos e gostam de ouvir a palavra deles. Nesse sentido,
declarou um dos entrevistados: “E até mesmo, às vezes, por causa de um respeito também,
dentro de uma cadeia, né, pra ser respeitado. Não todos, mas têm alguns assim” (Entrevistado
8 – Preso evangélico). A Administração, por sua vez, ao confiar neles acaba por tratá-los
também com mais respeito.
Teve um entrevistado, que citou uma situação bastante peculiar, nesse sentido:
contou que conheceu uma pessoa que se dizia evangélico enquanto estava preso, mas que ao
encontrá-lo na rua e chamá-lo de irmão, ele teria dito, “aqui eu sou boy fulano”. Esta
passagem leva a duas possíveis interpretações: o preso, enquanto preso, pode ter-se utilizado
da imagem do evangélico apenas para conseguir algum benefício ou a religião serviu naquele
momento como instrumento de suporte, de consolo, para enfrentar a solidão e o sofrimento,
que cessaram ou diminuíram quando ele foi solto, e, por isso, não despertou mais a
necessidade de ser religioso.
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Isoladamente alguns entrevistados apontaram outros motivos para o fato do preso
abandonar a religião, como a infidelidade, a fraqueza etc. Vejamos alguns relatos.
O senhor acha que há presos que quando saem do regime fechado, não permanecem na religião, por quê?
Infidelidade. Infidelidade mesmo. É. Tem uma causa aqui que leva muitas pessoas a se desviarem rápido. É abandonar a leitura bíblica e a falta de oração na vida. Tem um versículo da palavra de Deus que diz: Primeiro Timóteo, capítulo 4, versículos 4 e 5 que diz: Toda criatura de Deus é boa, sendo recebida com ação de graça, mas pela oração e pela palavra ele é santificado. Então, quando falta isso na vida, a oração e a palavra de Deus, a pessoa perde a santidade e volta para a vida cotidiana, normal ou pior do que estava, se era uma pessoa perigosa, volta a ser pior do que era.(Pregador da Assembleia)
Vejamos como se posiciona um dos presos evangélicos entrevistados, sobre esse
aspecto:
No seu ponto de vista, você acha que eles abandonam a religião, por que, depois que saem da prisão?
Por causa das suas fraquezas. Porque... Ele começa a... O pecado é prazeroso, é muito prazeroso. Prostituição é prazeroso. Dinheiro é prazeroso... Então o pecado é muito prazeroso... Nossa carne ama essas coisas... Né? Eu vejo o seguinte: que eu não olho para essas coisas, que se eu passar a olhar para isso, eu também caio. Eu vejo nas melhores famílias... (Entrevistado 10)
Por fim, a pesquisa demonstrou também que a maioria dos agentes penitenciários
e presos não evangélicos, além da Direção da época, acredita que muitos presos apenas usam
a imagem do crente para ganhar mais confiança e serem menos visados e assim poderem
praticar condutas consideradas ilegais ou mesmo faltas disciplinares, de forma a despertar
menores suspeitas, ou seja: diminui a chance de serem surpreendidos e, em consequência,
punidos. Um dos agentes entrevistados chegou a afirmar que teve um preso que se dizia
evangélico, que fugiu, aproveitando-se da menor vigilância conferida a ele. Vejamos um
trecho de um preso não evangélico que também apresentou essa opinião: “Acho que tem uns
que procura Deus, mas tem uns que é só pra ficar melhor aqui dentro, né? Porque tendo uma
religião todo mundo trata melhor. Ele é crente, ta entendendo, não faz nada errado. A imagem
é essa, aí eles aproveitam isso aí. Eu acho assim”. (Entrevistado 18)
Muitos outros opinam nesse sentido, o seja, que uma parte realmente segue os
preceitos religiosos do evangelho, mas que, em contrapartida, outra parte, se aproveita da
imagem e, em consequência, do tratamento conferido ao evangélico. Abaixo seguem alguns
trechos das entrevistas, que fortalecem esse entendimento:
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Não, tens uns que é fiel a Deus mesmo, e têm outros que é patifaria, se escondendo atrás da bíblia. Todos eles são calmos, entendeu, mas tem deles que diz que é crente, e não é crente. Usa droga, fuma um cigarro escondido, faz algumas coisa. Isso aí é a vida particular deles, ninguém tem nada a ver com isso não. (Entrevistado 25)
Um ponto interessante explicitado nesse trecho diz respeito ao comportamento do
preso que se diz evangélico (engloba-se aqui tanto os supostamente convertidos, quanto os
que fingem), que de forma unânime foi apontado como detentor de melhor disciplina, pelos
entrevistados. Assim, quando estão diante da Direção, eles se mostram disciplinados, e
apenas quando surge uma oportunidade, dentro de suas celas, eles usariam seus celulares e
drogas. Conclui-se, desse modo, que, mesmo ainda sendo falho e não ideal, o comportamento
melhor já pode ser tomado como decorrência positiva em virtude da “prática” religiosa.
Vejamos outros posicionamentos:
(...) Eu tenho um exemplo, desse 1 ano e pouco que eu cheguei aqui, eu me deparei com um camarada, um preso, que ele trabalhava num outro setor e veio pra aqui pra copa, acho que, assim, pelo bom comportamento e sempre eu percebia que ele andava com a bíblia na mão, mas quando chegou aqui, não passou muito tempo, ele fugiu. Todo mundo chamava ele de abençoado, era muito conhecido por abençoado, abençoado pra lá, abençoado pra cá, mas foi ele quem fugiu. Sempre andava com a bíblia na mão, se dizia convertido, mas depois disso ele foi recapturado. É o fato que eu conheço de alguém que se dizia evangélico e fugiu. (Agepen 4)
O exemplo supracitado demonstra que o preso, ao que tudo indica, se utilizou da
imagem de evangélico para adquirir mais confiança da Administração e, em consequência, ter
diminuída a vigilância sobre sua pessoa, o que, concretamente deve ter ocorrido, pois ele
conseguiu empreender fuga.
O próximo segmento expressa uma das práticas adotadas pelos presos que se
dizem evangélicos: quererem facilitar a sua localização para os Agentes Penitenciários e
mesmo para os demais presos, o que, em via oposta garante não sua vigilância, mas sim o
desvio da atenção – pois leva as pessoas a pensarem da seguinte forma: ali está um
evangélico, então é menos um para vigiar; vou deter a atenção em outros, que são
indisciplinados e podem causar problemas. Esses não, esses são tranquilos. Nesse sentido, um
agente evangélico se expressa:
(...) Já acompanhei muita gente lá pros pavilhões. Então, numa dessas visitas, percebi que, aqueles que se convertem costumam andar com a bíblia pra cima e pra baixo, às vezes numa situação que nem precisa, que nem, por exemplo, vai pro pátio, sentar lá no pátio, junto com os demais, no
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sol. (...) Portar a bíblia, mas só pra passar uma imagem, não é que vai ler. Assim, mas a questão das motivações, o que leva alguém a portar uma bíblia... A vender essa imagem de evangélico, porque, queira ou não, como a gente vive em um país em que os evangélicos tão crescendo de forma assustadora, então, e já criou aquela imagem do evangélico, as vezes a imagem, a imagem fala muito, não é? Você quer passar uma determinada imagem, aí você compra essa imagem que já existe, que já foi comprada pela sociedade, que é a imagem do evangélico, de ser uma pessoa bem comportada, aí, o que acontece, assim, o que leva alguém a ser evangélico? Pode ser a conversão mesmo né, se converter, ou não. A questão do respeito, de ser bem mais visto, oportunidades, ta entendendo? De trabalho, de, enfim, sair de um pavilhão; ta num pavilhão perigoso, aí “sou evangélico, será que tem como conseguir um emprego pra mim, um trabalho aí?” (Agepen 4 – Evangélico)
Outra amostra de entrevistados acredita que a totalidade apenas tira algum
proveito da imagem do evangélico, e não tem intenções religiosas. Veja-se:
Eles não se convertem. Eles fingem. Tem preso que não sabe ler, tá com a bíblia na mão. Serve de que? (Agepen 8 – 2009)
(...) Objetivando, no caso, um benefício próprio, ta entendendo...
Que tipo de benefício?
Drogas, celulares, essas coisas... No caso ele usa a maquiagem do evangélico, você não segue ele, você não presta atenção nele... (...)
Tem algum exemplo assim que você já pegou? Alguma bíblia escondendo celular?
Não nesse presídio aqui. Em outro. Celular, drogas... (Agepen 9 – 2009)
Olhe, uma boa parte desse pessoal que entra, que aceita o evangelho, a gente vê que... Todos têm um perfil muito parecido, eles se escondem atrás de uma religião pra, de certa forma, ter algumas regalias, mas na verdade, aquilo nem sempre é coincidente com o que eles são realmente por dentro. É tipo uma máscara. (Agepen 660 – 2000).
Os trechos supracitados podem servir de exemplo concreto para o que Goffman
(2002) chama de fachada, através da qual consegue os privilégios que deseja, além de
demonstrar as representações do eu que ocorrem quando o indivíduo está na sua intimidade, e
não precisa mais representar para os outros o que ele não é.
Por fim, os trechos seguintes retratam uma consequência para outros indivíduos,
decorrentes das representações falsas atribuídas a outros indivíduos que se dizem pertencentes
a uma categoria, mais que não convencem, causando impressões negativas em outras
60 Esse agente já trabalhou em vários presídios.
91
categorias que interagem com aquela – no caso concreto, os atores sociais pertencentes a
categoria da Administração do presídio e os presos da categoria dos não evangélicos.
O senhor acha importante ter uma religião enquanto está preso?
Importante, é importante, agora só que a gente... A cadeia é um negócio tão sinistro, que por mais que a gente queira seguir a... o...a reta da gente, é difícil, fica difícil, tá entendendo? Ai o cara vê o camarada acolá... Tá... Desculpa a expressão, aí tá agarrado com o baseado de maconha, fumando, chega no pavilhão dando uma de santinho, com a bíblia debaixo do braço, eu também não dou valor a isso não, aí, passa 2, 3 meses, aquilo é só pra ver como é o setor, eles costumeiramente encosta a bíblia, encosta tudo, vai se drogar, diz que vai fazer faca.Se esconde atrás da bíblia?Justamente. Isso aí, eu também não dou valor, ou é ou não é, ta entendendo?E o comportamento desses presos que se dizem evangélicos, é diferente?Enquanto eles estão com a bíblia debaixo do braço, é; a partir do momento que eles abandonam e começam a usar droga aí ficar... A faca de cima... Um bando de faca. Isso aí já é totalmente... Já é o mesmo, é o mesmo bandido que tava na rua, é o mesmo bandido que tava na rua, né.Quando eles tão com a bíblia?...Justamente... Aí também ninguém mexe com eles. A gente também fica na da gente....Aí mostram ser calmos?Calmos, comportados. Ta entendendo? (Entrevistado 20)
Eu não tenho nada contra não... Eu gosto até de ouvir eles... mas é porque... O negócio é... Os caba ta orando aqui... Daqui a pouco ta fazendo outras coisas... A senhora sabe... (...)Aí você acha que eles inventam de ser crentes por quê?Por certo é para favorecer em mais alguma coisa a eles, né. Porque tem uns que chega lá na rua e vai fazer o mesmo que fez anterior... volta pra cá de novo... e sai da lei de crente lá... e não quer mais saber de lei de crente quando chega lá fora. (Entrevistado 5)Pelo que a gente vê, muuuuitos abraçam a religião como forma de se esconder de algo, ou seja, se esconder atrás da religião. É que a gente vê que alguns praticam a religião, mas quando sai daqui, esquece o que praticaram aqui. Não são todos, mas uma... uma grande maioria. (Entrevistado 7 – Preso não evangélico)
Diante dos trechos de entrevistas colacionados a esse trabalho, a conclusão a que
chegamos pode ser expressa segundo termos utilizados por Goffman (2002), da seguinte
forma: a impressão transmitida pela maioria dos atores sociais que se dizem pertencentes à
categoria dos presos evangélicos, à sua plateia, ou seja, às seguintes categorias: presos não
evangélicos, agentes penitenciários e Direção do presídio, se dá no sentido de que eles
representam por meio de fachadas, atuando falsamente conforme o comportamento padrão
92
dos presos evangélicos, em busca de privilégios que permitirão a representação do eu, nos
seus íntimos bastidores, que é o verdadeiro objetivo deles.
4.3. 6 A fuga em Alcaçuz interpretada à luz do Livro de Josué
“O sol ficou parado no meio do céue um dia inteiro ficou sem ocaso.
Nem antes, nem depoishouve um dia como esse,
quando Javé obedeceu à vozde um homem.
É porque Javé lutava a favor de Israel”. Josué, 10:13,14
O sol e a lua chegaram a parar, durante a batalha de Josué em defesa dos
Gibeonitas, contra o ataque de cinco reis cananeus, narra o Livro de Josué. Aos 05 de
setembro de 2012, mais uma tentativa de fuga é registrada em Alcaçuz. Dessa vez, entretanto,
algo diferente foi encontrado no túnel cavado pelos presos: uma bíblia aberta no Livro
“Josué”, capítulo 24 – que trata do compromisso decisivo, e uma escritura: “Jesus é amor”.
Estes elementos religiosos podem ser interpretados perante a realidade prisional,
por meio de analogias. Antes de nos referimos a elas, imprescindível traçar algumas
considerações. Primeiro: a palavra “Jesus”, provém do hebraico “Jeshua” e significa
“Jeová/Javé61 salva”. Javé, por sua vez, trata-se de representação do nome hebraico do Deus
de Israel. Por fim, “Josué”, também do hebraico, quer dizer: “Javé salva” ou “Javé é
salvação”. Conhecendo esses significados, vejamos, em linhas gerais, de que trata o livro
“Josué”. Josué, segundo a tradição judaico-cristã, foi sucessor do profeta Moisés e líder de
Israel, responsável por conduzir os israelitas à Terra Prometida. Figura 22. “Jesus é amor”. Frase escrita em parede de grande túnel escavado por presos, em Alcaçuz.
Fonte: Reportagem62 do Programa Patrulha da Cidade. 05Set2012.
61 Não foram consideradas as discussões a cerca da tradução para o português, do termo em hebraico.62 Reportagens disponíveis em: http://www.tvpontanegra.com.br/reportagem_pc.asp?notTVPN=MTcwMTA
e http://www.tvpontanegra.com.br/reportagem_pc.asp?notTVPN=MTY5ODk Acesso aos 08set2012.
93
Antes de mencionar as passagens do Livro “Josué”, importante destacar que as
considerações tecidas buscaram o significado sociológico que pode ser dado aos elementos
religiosos encontrados no túnel supramencionado. Nessa direção, a possível interpretação
dada levou em conta o acontecimento “fuga” a partir da fé em Deus e em seus ensinamentos,
diante de todos os problemas mencionados nesse trabalho, a respeito do ambiente prisional. A
par dessas premissas, iniciemos a análise.
Os livros Josué, Juízes e Samuel formam um relato mais ou menos contínuo,
apresentando a história do povo desde a conquista da terra até o exílio na Babilônia. Tais
livros mostram que a história de Israel depende da atitude que o povo toma na aliança com
Deus. Se o povo é fiel à aliança, explicam Storniolo e Balancin (1990), Deus lhe concede a
bênção, que se concretiza no dom da terra e na prosperidade. Se o povo é infiel, atrai para si
mesmo a maldição, que se traduz em fracasso. O livro de Josué, destacam os supracitados
autores, não é uma crônica, mas uma interpretação dos fatos, para mostrar o significado da
conquista de Canaã. A personagem principal é a Terra Prometida. O povo foi libertado da
escravidão do Egito para ser livre e próspero na Terra que Deus daria. Fato que chama
atenção: o povo teve de conquistar a Terra que Deus lhe dera. O livro de Josué, lembram
Storniolo e Balancin (1990), relata, portanto, o cumprimento da promessa: Deus vai dar a
terra ao seu povo. Esse dom, porém, supõe firmeza e coragem, pois o povo terá que lutar para
se apropriar da terra que Deus lhe deu.
Comecemos a traçar as possíveis analogias entre a “luta” pela Terra Prometida e a
situação da tentativa de fuga em Alcaçuz. A Terra Prometida pode ser tida como a Liberdade.
Alguns presos, descontentes com o sistema social vigente na prisão, podem aplicar a esta
realidade, a proposta de uma nova sociedade, assim como propõe o Livro de Josué, a qual
requer uma aliança feita em nome de Javé, que deve ser integrada por todo o grupo
marginalizado pelo sistema. Depreende-se da leitura deste Livro bíblico que ele pode ser
tomado como instrumento de incentivo e persistência para a fuga, uma vez que trata de táticas
e estratégias de conquista da libertação, além de defendê-la e fundamentá-la sob um preceito
divino. Afirma, por exemplo, que “o comando de Javé não dispensa a prudência e o emprego
de estratégias no momento oportuno” (JOSUÉ 8, 1-29) e que o processo de conquista é longo
e difícil.
Storniolo e Balancin (1990), ao interpretar o capítulo 13 do Livro Josué, destaca
que a conquista da terra é um movimento em que todo o povo se solidariza para conquistar
seus próprios direitos, destruindo um sistema classista e injusto. Esse trecho parece se
adequar ao sistema penitenciário, onde a justiça é falha e lenta e os direitos humanos são
94
desrespeitados e que, sendo assim, pode gerar a necessidade dos presos procurarem meios
alternativos de conseguirem seus direitos. A leitura de Josué, pode, inclusive, fomentar essa
busca, segundo a qual a meta é concretizar o projeto de Javé, ou seja, construir uma sociedade
onde todos tenham acesso à vida e onde todos têm direito ao necessário para viver.
Por fim, vejamos de que trata o texto final do Livro de Josué – capítulos 23 e 24,
que correspondem às páginas abertas, na ocasião em que a bíblia foi encontrada no grande
túnel escavado por presos, em Alcaçuz, descoberto aos 05 de setembro de 2012. O capítulo
23 refere-se ao testamento de Josué e o capítulo 24 ao compromisso decisivo. Sobre os
referidos capítulos, Storniolo e Balancin (1990) explicam que o cerne do testamento de Josué
trazia o seguinte ensinamento: Amem a Javé seu Deus. Só ele é o verdadeiro Deus que liberta
os cativos e exige a fraternidade e a vida para todos. Deixar de adorá-lo, abandonando seu
projeto, é entregar de novo a terra em mãos dos inimigos que oprimem e matam. Não há meio
termo: ou se cria uma sociedade justa e fraterna, onde todos possam gozar a vida e a
liberdade, ou se volta a repetir um sistema social onde o povo é reduzido à escravidão e à
morte.
95
5 CONCLUSÃO
O Brasil, país oficialmente laico, porém, tradicionalmente católico, tem
observado, nos últimos anos, em sintonia com a tendência da América Latina, o crescimento
do número de fieis seguidores de diversas vertentes evangélicas, havendo projeções,
inclusive, que apontam que a parcela de evangélicos irá ultrapassar a proporção de católicos,
em nosso país. Diante dessa realidade, é de muito interesse para a Sociologia da Religião,
portanto, estudar o dito fenômeno, buscando seus prováveis responsáveis, bem como
analisando suas possíveis consequências.
Em outra via, está a importância do tema “prisões” para a Sociologia da
Violência, a qual se preocupa com a análise do referido microambiente social. Neste trabalho,
optou-se por enxergá-lo, tal como faz o teórico Goffman, que o considera uma instituição
total, caracterizada, sobretudo, pelo fechamento, representado, por sua vez, de forma abstrata,
por uma série de regras formais e informais, que impõe limites aos que ali se encontram e
concretamente por vários símbolos estruturais que caracterizam a arquitetura de uma prisão,
como, por exemplo: as grades, os altos muros e as guaritas.
Assim, estudamos os argumentos por ele expostos para reconhecer na prisão, uma
instituição total. Dessa forma, verificamos as várias privações e condições que são impostas
aos prisioneiros e como estes reagem a elas. Observamos, portanto, de forma detalhada as
constatações feitas pelo supracitado autor no plano teórico e pudemos demonstrar que elas se
fazem presentes, no ambiente estudado: na Penitenciária de Alcaçuz, maior estabelecimento
prisional do Estado do Rio Grande do Norte, o qual pode ainda ser mencionado como aquele
que ostenta o maior número de deficiências, como foi abordado de forma pormenorizada no
corpo do trabalho.
Focando ainda mais na questão das reações dos atores sociais ao ambiente
prisional, buscamos todos os possíveis estímulos que recaem sobre o preso, reconhecendo
dentre eles: privações de ordem emocional e financeira, falta de assistência educacional, de
saúde, dentre outras, como foram detalhadamente explicitados em momento anterior.
Para melhor entender como se dá esse mecanismo de ação e reação desenvolvido
pelo preso, escolhemos seguir os ensinamentos propostos pelos seguidores da teoria social do
Interacionismo Simbólico e o método da História de vida.
Diante da prisão e da religião evangélica, a proposta de trabalho foi pesquisar
sobre ambas, para em seguida verificar quais as implicações, quando são consideradas em
conjunto, ou seja, a que a religião se presta e o que pode proporcionar no ambiente prisional.
96
Com alicerce formado pelos supracitados amparos teóricos e de posse dos dados
colhidos durante a pesquisa de campo realizada em Alcaçuz, pudemos caracterizar o ambiente
de pesquisa, bem como perceber os estímulos conferidos aos presos, que podem ser
traduzidos por três palavras: privação, desconfiança e punição, e como e por que alguns
presos optam pela adoção de uma postura de conversão religiosa.
Nesta linha de pesquisa, portanto, se deu o presente trabalho, sendo proposta a
seguinte problemática: a prática religiosa no cárcere potiguar apresenta uma perspectiva
meramente instrumental, na qual as ações dos presos convertidos estariam propositalmente
orientadas com relação a fins determinados, ou seja, para conquistar benefícios materiais ou
simbólicos; ou uma perspectiva puramente religiosa, onde se busca uma renovação moral?
Levando em consideração a teoria estudada e os resultados da pesquisa,
percebemos que a resposta a esta problemática não pode ser dada de forma objetiva, e o mais
importante, ao nosso ver, é mencionar as constatações tecidas sobre ela.
A primeira observação que fazemos é que o ambiente de pesquisa comunga de
duas realidades: a dos Pavilhões e a do Setor Médico. Os Pavilhões podem ser caracterizados
como ambientes com muitos problemas estruturais e de gestão; onde a indisciplina parece ser
maior e onde ocorrem, com frequência, fugas, motins e tragédias, e onde a liberdade e
intimidade são mínimas, já que todas as celas são coletivas. O Setor Médico, por sua vez,
abriga presos com comportamento reconhecidamente melhor pela Administração e que
trabalham, e está situado bem próximo ao prédio administrativo (o que permite um contato
mais fácil entre estes presos com a categoria dirigente do presídio), além de contar com
algumas celas individuais, o que permite ao preso ter certo grau de individualidade, o qual se
torna impossível nos Pavilhões. Em Alcaçuz, a estada no Setor Médico pode ser considerada,
pelos motivos apontados, mais digna do que a vivida nos Pavilhões.
Diante desta divisão, o que se propõe é defender que os estímulos que se passam
nos Pavilhões são muito destrutivos e provocam muito mais solidão e sofrimento e, portanto
um isolamento maior do que o verificado no Setor Médico. Assim, uma vez que os presos dos
Pavilhões percebem a diferença entre os dois ambientes citados, eles podem passar a buscar
maneiras de serem transferidos para o Setor Médico. Uma delas seria usar a religião, pois
neste referido setor, a categoria de presos evangélicos é maior e eles formam um grupo coeso,
havendo inclusive um local próprio para os cultos, conforme demonstram os resultados da
pesquisa.
Uma observação sobre as sanções também merece ser feita. Nos Pavilhões, os
presos estão muito mais sujeitos a sofrerem sanções por condutas que não cometeram (por
97
exemplo, se um preso usa droga ou celular e a Administração toma conhecimento, esse preso
provavelmente não vai assumir e como a Direção vai querer saber quem foi o responsável,
este acaba colocando a culpa em outro, o qual sabe que se falar quem foi realmente o culpado,
pode ter sua integridade física e psicológica muito mais comprometida – correndo o risco até
de ser morto, diante das sanções impostas pelo autor do fato ilícito, do que se for submetido
às sanções formais – a pior seria a instauração de sindicância para fins de investigação e
julgamento, a qual, caso resulte na verificação da culpa por parte do acusado, lhe trará como
sanção máxima, ter que passar mais tempo preso.
As considerações supramencionadas fazem lembrar a analogia proposta por
Goffman, de que toda instituição total pode ser vista como uma espécie de mar morto, em que
aparecem pequenas ilhas de atividades vivas e atraentes, que podem ajudar o indivíduo a
suportar a tensão psicológica usualmente criada pelos ataques do eu, a qual pode ser aplicada
ao Setor Médico, que está repleto de prêmios: trabalho, dinheiro, remição, respeito, maior
intimidade, mais conforto e mais segurança. Vamos além: o Setor Médico pode ser tido como
uma ilha que comporta ainda outra ilha: a religião evangélica.
Quanto à atuação dos pregadores evangélicos em Alcaçuz, a Direção e os agentes
penitenciários veem com bons olhos a presença da Igreja e acreditam que ela se faz presente
apenas com o intuito religioso, ou seja, o de propagar a palavra de Deus, como ensina a
bíblia: “Ide e pregai o evangelho a toda criatura” (Marcos 16:15). Os evangelizadores,
segundo os dados coletados, levam auxílio material com pouca frequência, e quando o fazem
estariam apenas cumprindo com sua obrigação social, entendem os servidores de Alcaçuz.
Pode-se fazer uma primeira constatação: não é, em regra, o interesse direto em algum
beneficio proporcionado pelas igrejas, que motiva os presos a “seguirem seus preceitos”, mas
talvez o fato da religião poder funcionar como uma ponte que leva do Pavilhão para o Setor
Médico.
Diante da sistemática de vida de Alcaçuz, então, se dizer evangélico traduz-se,
para nós, numa forte chance de conseguir privilégios, pois como a Administração vê com
bons olhos a presença dos evangelizadores, acreditando que eles vêm verdadeiramente
cumprir a palavra de Deus, presume-se que seguir os evangelizadores pode constituir um
meio legítimo de se conseguir a atenção positiva e a confiança da Direção.
Perguntados, por sua vez, sobre os reais motivos que levariam um preso a se dizer
evangélico, os agentes, Direção e presos não evangélicos defendem a opinião de que a
minoria é sincera e se converteu de verdade, tentando mudar de vida. A maioria, para os três
98
grupos citados acima, se utiliza da imagem do evangélico para conseguir privilégios. Dentre
estes, podemos citar como principais: morar no Setor Médico; trabalhar; ter remição de pena.
Outro ponto observado foi o fato de muitos deles buscarem utilizar elementos que
facilitem sua identificação, como, por exemplo, andar sempre com a bíblia debaixo do braço.
Agindo desse modo, provocam, naqueles com quem convivem, uma percepção visual maior,
possibilitando que sejam reconhecidos de longe e ao mesmo tempo, conseguem evitar uma
aproximação constante das autoridades que os vigiam, pois acabam passando a mensagem
subliminar de que são de confiança, pelo fato de serem religiosos e, assim, consegue-se um
grau maior de intimidade, a qual é bastante violada na prisão.
Com relação a perspectiva religiosa da conversão, o que podemos verificar é que
o ambiente prisional deve favorecer o interesse pela religião evangélica, uma vez que ela
promove a união, a descontração com seus hinos e o consolo, decorrente do seu ritual, o que
atrai o preso, que suporta uma grande carga de privações e está sujeito a muitas regras de
conduta no cárcere. Além disso, enquanto a categoria “preso” é preconcebida negativamente,
a imagem que se tem do evangélico é positiva, o que pode render um tratamento mais
humano e respeitoso ao preso.
Escolher esse caminho pode ser vantajoso, pois a pesquisa demonstrou que,
apesar da desconfiança, os agentes e a Direção reconhecem que mesmo pairando a dúvida
sobre a sinceridade da conversão, os presos evangélicos adotam um comportamento mais
disciplinado e causam menos problemas e, por isso, podem sim ter mais oportunidades e
sossego na prisão, do que aqueles mais indisciplinados.
As ideias interacionistas, por sua vez, defendem que as pessoas ajustam o que
fazem levando em conta o que os outros fazem, pois dessa forma podem incorporar as
respostas dos outros aos seus próprios atos e antecipar o que provavelmente acontecerá.
Aplicando esse raciocínio à realidade dos evangélicos de Alcaçuz, significa dizer que, se é
fato que nesse presídio, a maioria que trabalha é evangélica, e que, em decorrência desse
trabalho, consegue-se uma série de benefícios, é compreensível que possa haver o interesse de
presos fingirem ser evangélicos para conseguir os referidos privilégios.
A resposta para a problemática, entretanto, é a seguinte: a prática religiosa em
Alcaçuz pode apresentar uma perspectiva instrumental, porém, não se pode afirmar ou se
negar categoricamente se as ações dos presos estariam propositalmente orientadas com
relação a fins determinados. O que é mais interessante é apontar para as consequências das
impressões decorrentes da representação de um comportamento tido como representativo da
categoria social do evangélico (seu modo de vestir, de falar, de andar, de se expressar etc),
99
perante a sua plateia. Com relação a este ponto, a pesquisa demonstrou um aspecto prático
interessante para o grupo dirigente do presídio: que verdadeira ou não, a representação da
conversão proporciona uma mudança positiva de comportamento, mesmo que seja aparente,
fazendo com que estes presos sejam mais disciplinados. Outro ponto que se percebe, é que,
proposital ou não, a representação da figura do evangélico pode conceder ao preso benefícios,
como morar no Setor Médico, onde há a chance de se conseguir um “prêmio” bem
interessante para quem está preso: uma cela individual ou mesmo dividi-la com apenas mais
uma pessoa, e não com sete, como ocorre nos Pavilhões. Assim, o preso teria mais liberdade
para representar o seu eu verdadeiro, nos bastidores, como se refere Goffman (2002).
Uma outra observação que fazemos é que a impressão negativa da representação
parece acabar por desmotivar presos que possivelmente podem ter um interesse puramente
religioso, de buscar o consolo e a mudança de vida, num ambiente que proporciona uma
sensação intensa de solidão e sofrimento. Por fim, uma crítica àqueles que utilizam como
argumento para não acreditar na conversão, o fato de alguns presos não seguirem mais o
evangelho quando estão em liberdade. O que se sugere, sobre isto, é uma reflexão, no
seguinte sentido: a prisão leva ao indivíduo uma série de privações, como foi demonstrado no
trabalho, e a religião, por sua vez, presta-se a consolar e acolher a pessoa, fazendo com que
tenha mais força espiritual para suportar o desprezo e as carências. Uma vez solto, o preso
volta a ter contato com os estímulos que tinha antes, volta para o seu ambiente, o que pode
fazê-lo sentir mais independente e confortado, não mais sentindo o vazio que o fazia procurar
a religião, o que não significa que ele não foi verdadeiro, enquanto esteve preso.
Em outras palavras, pretende-se dizer que a verdadeira conversão é um aspecto
muito subjetivo, que não pode ser mensurado, além do que o ser humano não é estático,
podendo ter uma crença hoje e pensar de forma diferente no futuro, o que não significa
necessariamente que ele fingiu e se aproveitou de uma representação, a qual podia ser
adequada num determinado momento, mas que devido a alterações de vida, deixou de ser,
num momento posterior. Por fim, reiteramos que o mais relevante é buscar as consequências e
implicações decorrentes da representação da categoria social dos evangélicos, como, por
exemplo, como a religião evangélica pode ajudar no processo de alfabetização das pessoas.
100
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105
APÊNDICE A – Modelo de questionário aplicado aos presos evangélicos
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTEPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
PESQUISA: OS FILHOS EVANGÉLICOS DO CÁRCERE
QUESTIONÁRIO – Presos Evangélicos
Data da entrevista: __/___/2011Nº do questionário: ___
P1. Idade1. ( ) 18 a 22 anos2. ( ) de 23 a 25 anos3. ( ) de 26 a 30 anos4. ( ) de 31 a 35 anos5. ( ) de 36 a 40 anos6. ( ) de 41 a 50 anos7. ( ) de 51 a 60 anos8. ( ) Mais de 60 anos
P2. Estado civil1. ( ) Solteiro (a)2. ( ) Casado (a)3. ( ) União civil estável4. ( ) Separado(a) 5. ( ) Divorciado (a)6. ( ) Viúvo (a)
P3. Você é:1. ( ) Brasileiro(a)2. ( ) Estrangeiro (a)
P4. Se estrangeiro(a), de onde é? _________________ (pule para a P9).
P5. Você é natural 1. ( ) Do Rio Grande do Norte2. ( ) De outro estado.
P6. Se de outro estado, qual? ______________________________________
P7. E município? Você é natural de qual município? ___________________
P8. Em relação ao ensino, você1. ( ) Nunca freqüentou a escola2. ( ) Tem o ensino fundamental incompleto3. ( ) Possui o ensino fundamental completo4. ( ) Tem ensino médio incompleto5. ( ) Possui o ensino médio completo6. ( ) Tem o ensino superior incompleto7. ( ) Possui o ensino superior completo.8. ( ) Fez pós-graduação
106
P9. Se possui o ensino superior completo, qual o curso universitário que concluiu? ______________
P10. Você é pai ou mãe?1. ( ) Sim2. ( ) Não
P11. Se sim, de quantos filhos? _____________
P12. Qual a renda mensal de sua família?1. ( ) Menos de 01 SM2. ( ) Mais de 01 e menos de 03 SM3. ( ) Mais de 03 e menos de 05 SM4. ( ) Mais de 05 e menos de 07 SM5. ( ) Mais de 07 e menos de 10 SM6. ( ) Mais de 10 SM
P13. Recebe o auxílio reclusão?1. ( ) Sim2. ( ) Não (pule para P18)
P14. Você trabalhava antes de ser preso?1. ( ) Sim. Em que?2. ( ) Não
P15. Se sim, tinha carteira assinada?1.( ) Sim2.( ) Não
P16. Você começou a trabalhar com que idade? ________ Em que?
P17. E no presídio, você trabalha?Onde?1. ( ) Sim2. ( ) Não
P18. Você foi criado por1. ( ) Mãe e pai2. ( ) Somente mãe3. ( ) Somente pai4. ( ) Mãe e padrasto5. ( ) Pai e madrasta6. ( ) Por tios7. ( ) Pelos avós8. ( ) Outra situação? P19. Qual?___________________________________________________
P20. Até que idade você residia com essa(s) pessoa(s)?______________________________________
P21. Antes de ser preso, você residia com quem? __________________________________________
P22. Em qual município, você residia?___________________________________________________
P23. Qual a data da sua última prisão?__________________________________________________
P24. Você foi acusado de que?_________________________________________________________
107
P24A Qual sua pena a cumprir? ________________________________________________________
P24B Está preso a quanto tempo? _______________________________________________________
P24C Se já foi preso antes, passou quanto tempo preso? _____________________________________
P25. Como sua mãe (ou madrasta, avó, tia) se define (ia) em relação à religião:1. ( ) Católica2. ( ) Protestante3. ( ) Evangélica4. ( ) Umbandista5. ( ) Candomblé6. ( ) Mulçumana7. ( ) Judia8. ( ) Não praticava nenhuma religião, mas acreditava em Deus9. ( ) Era atéia.
P26. E o seu pai (ou padrasto, tio ou avô)?1. ( ) Católico2. ( ) Protestante3. ( ) Evangélico4. ( ) Umbandista5. ( ) Candomblé6. ( ) Mulçumano7. ( ) Judeu8. ( ) Não praticava nenhuma religião, mas acreditava em Deus
9. ( ) Era ateu
P27. Antes de se tornar evangélico, você praticava alguma religião?1. ( ) Sim2. ( ) Não
P28. Se sim, qual? _____________
P29. Você se converteu1. ( ) Antes de ser preso2. ( ) Logo após ser preso3. ( ) Muito tempo depois de ser preso
P30. O que mais influenciou você a se tornar evangélico? _______
P31. Em qual igreja evangélica você congrega atualmente? ______
P32. Antes dessa igreja, você já congregou em outra igreja evangélica?1. ( ) Sim2. ( ) Não
P33. Se sim, qual? ________________
P34. Você acha que há diferença de comportamento entre os presos evangélicos e os outros?1. ( ) Sim2. ( ) Não
108
P35. Se sim, qual é (ou quais são) essa(s) diferença(s)____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
P36. Você percebe diferença no tratamento dispensado aos presos evangélicos?1. ( ) Sim2. ( ) Não
P37. Essa diferença é:1. ( ) Positiva2. ( ) Negativa
P38. Você poderia falar a mais a esse respeito?
P39. E a relação com os seus familiares, mudou após a sua conversão?1. ( ) Sim2. ( ) Não
P40. Se sim, você poderia me dizer como e o quê mudou? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________
TERMO DE CONSENTIMENTO
Eu, _______________________________________________________ declaro que aceito participar da pesquisa sobre “A conversão dos presos às igrejas evangélicas”. Assim declaro estar ciente de que as informações prestadas poderão ser gravadas, transcritas e utilizadas, com minha identidade mantida em sigilo.
Em qualquer momento, poderei desistir ou solicitar novos esclarecimentos acerca desta pesquisa.
Ciente,
ENTREVISTADO:
__________________________________________________________________
ENTREVISTADOR:__________________________________________________________________
Nísia Floresta/RN.
109
APÊNDICE B – Modelo de questionário aplicado aos presos não evangélicos
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTEPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
PESQUISA: OS FILHOS EVANGÉLICOS DO CÁRCERE
QUESTIONÁRIO – Presos Não Evangélicos
Data da entrevista: __/___/2011Nº do questionário: ___
P1. Idade1.( ) 18 a 22 anos2.( ) de 23 a 25 anos3.( ) de 26 a 30 anos4.( ) de 31 a 35 anos5.( ) de 36 a 40 anos6.( ) de 41 a 50 anos7.( ) de 51 a 60 anos8.( ) Mais de 60 anos
P2. Estado civil1.( ) Solteiro (a)2.( ) Casado (a)3.( ) União civil estável4.( ) Separado(a) 5.( ) Divorciado (a)6.( ) Viúvo (a)
P3. Você é:1.( ) Brasileiro(a)2.( ) Estrangeiro (a)
P4. Se estrangeiro(a), de onde é? _________________ (pule para a P9).
P5. Você é natural 1.( ) Do Rio Grande do Norte2.( ) De outro estado.
P6. Se de outro estado, qual? ______________________________________
P7. E município? Você é natural de qual município? ___________________
P8. Em relação ao ensino, você1.( ) Nunca freqüentou a escola2.( ) Tem o ensino fundamental incompleto3.( ) Possui o ensino fundamental completo4.( ) Tem ensino médio incompleto5.( ) Possui o ensino médio completo6.( ) Tem o ensino superior incompleto7.( ) Possui o ensino superior completo.8.( ) Fez pós-graduação
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P9. Se possui o ensino superior completo, qual o curso universitário que concluiu? ______________
P10. Você é pai ou mãe?1.( ) Sim2.( ) Não
P11. Se sim, de quantos filhos? _____________
P12. Qual a renda mensal de sua família?1.( ) Menos de 01 SM2.( ) Mais de 01 e menos de 03 SM3.( ) Mais de 03 e menos de 05 SM4.( ) Mais de 05 e menos de 07 SM5.( ) Mais de 07 e menos de 10 SM6.( ) Mais de 10 SM
P13. Recebe o auxílio reclusão?1.( ) Sim2.( ) Não (pule para P18)
P14. Você trabalhava antes de ser preso?1.( ) Sim. Em que?2.( ) Não
P15. Se sim, tinha carteira assinada?1.( ) Sim2.( ) Não
P16. Você começou a trabalhar com que idade? ________ Em que?
P17. E no presídio, você trabalha?Onde?3. ( ) Sim4. ( ) Não
P18. Você foi criado por9. ( ) Mãe e pai10. ( ) Somente mãe11. ( ) Somente pai12. ( ) Mãe e padrasto13. ( ) Pai e madrasta14. ( ) Por tios15. ( ) Pelos avós( ) Outra situação? P19. Qual? _______________
P20. Até que idade você residia com essa(s) pessoa(s)?____________
P21. Antes de ser preso, você residia com quem? ________________
P22. Em qual município, você residia?_________________________
P23. Qual a data da sua última prisão?________________________
P24. Você foi acusado de que? ______________________________
P24A Qual sua pena a cumprir? _____________________________
111
P24B Está preso a quanto tempo? __________________
P24C Se já foi preso antes, passou quanto tempo preso? ____________________________
TERMO DE CONSENTIMENTO
Eu, _______________________________________________________ declaro que aceito participar da pesquisa sobre “A conversão dos presos às igrejas evangélicas”. Assim declaro estar ciente de que as informações prestadas poderão ser gravadas, transcritas e utilizadas, com minha identidade mantida em sigilo.
Em qualquer momento, poderei desistir ou solicitar novos esclarecimentos acerca desta pesquisa.
Ciente,
ENTREVISTADO:
__________________________________________________________________
ENTREVISTADOR:__________________________________________________________________
Nísia Floresta/RN.