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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar Érika Silva Meneses NATAL/RN 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar

Érika Silva Meneses

NATAL/RN 2010

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Érika Silva Meneses

PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestra em Serviço Social. Orientação: Profª Drª Iris Maria de Oliveira

NATAL/RN 2010

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Meneses, Érika Silva. PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar / Érika Silva Meneses. - Natal, RN, 2009. 165 f. Orientadora: Profª. Dra. Iris Maria de Oliveira. Dissertação (Pós-graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço Social. 1. Serviço Social - Monografia. 2. Trabalho profissional - Monografia. 3. Serviços de saúde - Monografia. I. Oliveira, Iris Maria de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 364.4:614

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Dedico esse trabalho à minha família, com muito carinho, por tudo o que ela representa para mim.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida prova maior de sua infinita grandeza.

À minha família, em especial, meus pais, Geraldo Magela e Terezinha da

Silva; e à minha irmã, Nadja Silva, pelo estímulo ao cultivo de pensamentos

que contribuem para o meu projeto de vida.

Ao meu filho, Erick Silva, pelo fato de existir e preencher minha vida de

alegria.

Ao meu companheiro, Geraldo Tomaz de Aquino, pela paciência,

companheirismo e apoio incondicional nos momentos de incerteza.

Ao meu cunhado e amigo, Newman de Andrade Lima, por ter surgido em

nossas vidas e nos incentivado a adentrar com entusiasmo no caminho do

conhecimento.

Aos amigos conquistados neste processo, e aos colegas de turma, pelos

ricos debates e discussões, necessários ao amadurecimento deste projeto

de vida, que possui uma origem pessoal e profissional. Especialmente, a

Josiane Rodrigues, a Any Kadidja, a Laíze Cristina e a Suelli Cavalcanti que

se fizeram presentes de variadas formas, ajudando-me a enfrentar os

momentos de insegurança com fé e confiança em Deus.

À minha orientadora, Iris Oliveira, pelas ricas contribuições e pela amizade

durante todo percurso, por ser exemplo de comprometimento para com a

profissão.

Aos docentes do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, pela

oportunidade e possibilidade de um desenvolvimento intenso para com os

meus conhecimentos, através dos seus, repassados durante cada momento,

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mesmo em tempos difíceis devido às agendas, mas sempre oportunos e

ricos.

Aos hospitais Santa Catarina, da Polícia Militar, Walfredo Gurgel, Giselda

Trigueiro e Maria Alice Fernandes, que permitiram meu ingresso em seus

espaços institucionais, deixando-me entrevistar seus profissionais, cuja

colaboração foi ímpar para a elaboração desse trabalho.

Aos Assistentes Sociais entrevistados, que compartilharam comigo suas

experiências profissionais, colaborando para uma discussão crítica da

profissão.

A todos, muito Obrigada!

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“Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.”

(Carlos Drummond de Andrade)

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RESUMO

Este trabalho apresenta os resultados da pesquisa: PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar. Analisa a inserção dos assistentes sociais nos processos de trabalho em saúde, especificamente no âmbito público hospitalar, a partir das condições objetivas de trabalho, segundo as quais se materializa a ação profissional. O intuito é entendê-las sob o ponto de vista da sua relação com os usuários e demais profissionais de saúde, mediante a privatização da saúde, que inviabiliza o Sistema Único de Saúde (SUS), limitando a operacionalização dos serviços e a garantia dos direitos. A aproximação com a realidade pesquisada se deu através de procedimentos teórico-metodológicos fundamentados na pesquisa quali-quantitativa, privilegiando-se a pesquisa documental, a observação, a entrevista semi-estruturada e a fundamentação teórica. Observa-se que a inserção dos assistentes sociais neste contexto decorre das demandas derivadas das expressões da questão social, “matéria-prima” do trabalho profissional, e das lacunas decorrentes das contradições presentes no processo de racionalização/reorganização do SUS, significando que as necessidades da população se confrontam com o conteúdo e a forma de organização dos serviços. No âmbito hospitalar, as ações profissionais são desenvolvidas através do plantão, espaço contraditório de embate entre as práticas coletivas e individualistas, pelas quais são priorizadas atividades individuais e pontuais, não-planejadas e reduzidas à solução dos “problemas” dos usuários, através das ações assistenciais, de caráter emergencial e burocrático. É notória a inadequação do espaço físico e a falta de condições mínimas de atendimento aos usuários, o que compromete o exercício profissional no tocante aos princípios ético-políticos da profissão, visto que é responsabilidade e dever do assistente social garantir o sigilo profissional e a privacidade dos usuários naquilo que for revelado durante o processo de intervenção profissional. O exercício profissional dos assistentes sociais é perpassado pela diversidade de competências e atribuições; pela falta de planejamento das atividades; pela incorporação do discurso institucional em detrimento dos objetivos profissionais; pelo desconhecimento do Código de Ética profissional, por reduzido número de profissionais; pelo número crescente de informalidade; pelas precárias condições de trabalho e salário; pelo desestímulo à pesquisa e à participação em conselhos de políticas sociais, bem como de capacitação profissional. PALAVRAS-CHAVE: Saúde. Trabalho. Trabalho Profissional.

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ABSTRACT

This paper presents the survey results: PROCEDURE FOR WORK IN HEALTH: an analysis of working conditions of social workers in hospitals. Analyzes the inclusion of social workers in work processes in healthcare, specifically in the public hospital, from the objective conditions of work, according to which materializes professional action. The aim is to understand them from the point of view of its relationship with users and other health professionals through the privatization of health, which prevents the Unified Health System (SUS), limiting the operation of the services and the guarantee of rights. The approach to the reality studied was through theoretical and methodological procedures based on the qualitative and quantitative research, focusing on documentary research, observation, semi-structured interview and the theoretical foundation. It is observed that the inclusion of social workers in this context arises from the demands derived from expressions of social issues, "raw material" of professional work, and the gaps resulting from contradictions in the process of rationalization / reorganization of the SUS, meaning that the needs the population are confronted with the content and form of organization of services. At the hospital, the professional actions are developed through the shift, space contradictory clash between the collective and individual, in which individual activities are prioritized and ad hoc unplanned and reduced to the solution of "problems" of users, through actions assistance in an emergency and bureaucratic. These findings emphasize the inadequacy of space and lack of minimum conditions of service to users, which undertakes the professional with regard to ethical and political principles of the profession, since it is the responsibility and duty of the social guarantee the secrecy and privacy of users what is revealed during the process of professional intervention. The professional social workers is permeated by the diversity of skills and competence; lack of planning activities, by incorporating the institutional discourse at the expense of professional goals, by knowing the Code of Professional Ethics, for small number of professionals, the increasing number informality; by poor working conditions and wages; by discouraging research and participation in social policy councils, as well as professional training. KEY WORDS: Health Work. Professional Work.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

Abrasco - Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

AIH - Autorizações de Internação Hospitalar

ANAS - Associação Nacional dos Assistentes Sociais

CA - Centro Acadêmico

CAP - Caixa de Aposentadoria e Pensão

CBAS - Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

CCQ - Círculos de Controle e de Qualidade

Cebes - Centro de Estudos Brasileiro em Saúde

CFAS - Conselho Federal de Assistentes Sociais

CFESS - Conselho Federal de Serviço Social

CFM - Conselho Federal de Medicina

CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas

CNS - Conferências Nacionais de Saúde

CNRH - Conferência Nacional de Recursos Humanos

CRH/SES - Coordenadoria de Recursos Humanos da Secretaria de Saúde

CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira

Cress - Conselho Regional de Serviço Social

DA - Diretório Acadêmico

Datasus - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde

DST - Doenças Sexualmente Transmissíveis

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

EC - Emenda Constitucional

Enesso - Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social

EUA - Estados Unidos da América

DF - Distrito Federal

FNS - Fundo Nacional de Saúde

FHC - Fernando Henrique Cardoso

Funrural - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

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HND - História Natural da Doença

HUOL - Hospital Universitário Onofre Lopes

Iaps - Instituto de Aposentadoria e Pensões

IAPB - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários

IAPC- Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários

IAPI - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários

IAPM - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos

Iapetel - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Estivadores e Transportadores de

Cargas

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

INPS - Instituto Nacional de Previdência social

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

JIT - Just InTime

LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social

LOS - Lei Orgânica da Saúde

LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social

MEC - Ministério da Educação e da Cultura

MS - Ministério da Saúde

NOAS - Norma Operacional da Assistência à Saúde

NOB - Norma Operacional Básica

OMS - Organização Mundial da Saúde

ONG - Organização não-governantal

OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde

PAB - Piso Assistencial Básico

PCCS - Plano de Cargos, Carreira e Salários

PEP - Projeto Ético Político

PE- Pernanbuco

PES - Planejamento Estratégico Situacional

PIB - Produto Interno Bruto

PL - Projeto de Lei

PM - Polícia Militar

PNI - Política Nacional do Idoso

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PNHAH - Programa Nacional de Humanização Hospitalar

PNPCD - Política Nacional de Saúde das Pessoas com Deficiência

PNS - Política Nacional de Saúde

PT - Partido dos Trabalhadores

PSF - Programa Saúde da Família

RH - Recursos Humanos

RN - Rio Grande do Norte

ROREHS - Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde

SAMDU - Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência

SESAP - Secretaria Estadual de Saúde Pública

SPS - Secretaria de Política de Saúde

SSO - Serviço de Saúde Ocupacional

SUS - Sistema Único de Saúde

SPS/MS - Secretaria de Política de Saúde/Ministério da Saúde

TCC - Trabalho de Conclusão de Curso

UBS - Unidade Básica de Saúde

Uead - Unidades de Ensino à Distância

USFC - Unidade de Saúde Familiar e Comunitária

UTI - Unidade de Terapia Intensiva

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 - Formas de administração da saúde

Páginas

37

Quadro 02 - Percentual dos gastos públicos em saúde 39

Quadro 03 - Níveis de atenção do SUS 54

Quadro 04 - Debates sobre RH na saúde 71

Quadro 05 - Servidores efetivos no setor de serviço social 101

Quadro 06 - Número de assistentes sociais nos hospitais

pesquisados

101

Quadro 07 - Número de vagas oferecidas no concurso (SESAP,

2007) 106

Quadro 08 - Principais ações desenvolvidas pelos assistentes

sociais 130

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 - Evolução do destino da CPMF por setor

Gráfico 02 – Planejamento das ações profissionais

Páginas

41

60

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 17

2 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NOS SERVIÇOS DE SAÚDE...................................................................

2.1 O Direito à saúde no Brasil pós-constituição de 1988: algumas aproximações ao contexto do trabalho em saúde.....................................................................................................................

26 27

2.1.1 O Debate sobre o direito à saúde na sociedade capitalista...................................................

32

2.2 A Organização do trabalho em saúde.......................................................................................

47

2.3 As Discussões sobre a política de recursos humanos em saúde.............................................

3 O TRABALHO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS SERVIÇOS DE SAÚDE...........................................................................................................................................

3.1 A Força de trabalho dos assistentes sociais no Sistema Único de Saúde (SUS)..............................................................................................................................................

3.2 O Trabalho profissional dos assistentes sociais na rede hospitalar em Natal (RN)...............................................................................................................................................

4 A DEGRADAÇÃO DO TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA E NOS PROCESSOS DE TRABALHO EM SAÚDE...........................................................................................................

4.1 O Trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar.........................................................

69 77 91

100

108

114

4.2 Análises das condições de trabalho dos assistentes sociais....................................................

118 4.3 A Inserção dos assistentes sociais na equipe multiprofissional: um olhar sobre a prática profissional na equipe hospitalar.....................................................................................................

126 4.4 Desafios à materialização do Projeto Ético-Político Profissional (PEPP).................................

5 CONSIDERAÇÕES APROXIMATIVAS......................................................................................

REFERÊNCIAS............................................................................................................................... APÊNDICE...................................................................................................................................... ANEXOS..........................................................................................................................................

135

139

144 155 157

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo privilegia a análise do processo de trabalho em saúde,

voltando a atenção para o trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar da

rede pública estadual, no município do Natal, Rio Grande do Norte (RN). É um

trabalho que se soma às produções teóricas recentes direcionadas à apreensão da

situação dos trabalhadores do setor saúde1, bem como à literatura profissional2, que

pesquisa a inserção dos assistentes sociais neste espaço.

O processo de trabalho coletivo em saúde se caracteriza pela

fragmentariedade dos atos técnicos pelos quais se compartilham conhecimentos na

prestação dos serviços de saúde, isto porque os usuários percorrem diversos atos

de diagnósticos e terapias para terem seus problemas resolvidos.

Os serviços de saúde se encontram na esfera da produção não-material, pois

se completam no ato de sua realização, evidenciando uma inter-relação e/ou co-

interação entre quem os presta e quem os consome. Portanto, o acúmulo de novas

tecnologias se soma à variedade dos serviços, o que justifica a fragmentação na sua

prestação.

Trata-se da singularidade de cooperação presente nos processos de trabalho

em saúde, quais sejam: a cooperação vertical, diversas ocupações ou tipos de

trabalhadores que participam de uma determinada hierarquia; e a cooperação

horizontal, diversas subunidades que participam dos cuidados em saúde.

O trabalho dos assistentes sociais, no interior do processo de trabalho

coletivo do Sistema Único de Saúde (SUS), dá-se através da cooperação, a partir do

conjunto das operações coletivas de trabalho que garantem uma determinada lógica

de organização e funcionamento do serviço público de saúde.

A ampliação desta força de trabalho no contexto do SUS deve-se tanto à

ampliação horizontal das subunidades de serviços quanto à divisão social e técnica

do trabalho, visto que o SUS, através dos princípios da democratização e

1 MERHY (Org) (2007); BORGES (2005); MENDES (1999); CAMPOS (1994); NOGUEIRA (1999); SANTOS-FILHO; BARROS (2009); KOSTER (2008). 2 BRAVO (2006); COSTA (2000); MATOS (2003); MOTA (2007); MIOTO (2008); OLIVAR (2007); VASCONCELOS (2002); DAHMER (1990).

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descentralização, apresenta-se como um espaço democrático, de acesso universal e

igualitário, garantindo a participação nos seus processos decisórios.

Num balanço do SUS, Nogueira (1999) observa que a partir da década de

1990, o sistema de saúde passou por múltiplas reformas, dentro da lógica neoliberal

implementada pelas políticas de Estado mínimo no Brasil. Trata-se da reforma

informal realizada a partir das terceirizações através dos prestadores de serviços e

contratos por tempo determinado, acarretando a desregulamentação e a perda de

consciência de classe dos trabalhadores de um modo geral, somando-se às perdas

sociais, trabalhistas e previdenciárias vivenciadas a partir desta década.

Observa-se que as requisições postas aos assistentes sociais advêm das

contradições do sistema de saúde, o que implica a ampliação e o

redimensionamento das atividades com novas qualificações técnicas e políticas.

Todavia, em condições desfavoráveis postas pela nova ordem do capital. Estas

novas exigências abalam formas tradicionais de funções, exercícios, papéis e

responsabilidades dos trabalhadores em geral, bem como a forma de interação com

seus pares e usuários.

Em geral, tais mudanças vêm acompanhadas de uma crescente precarização

no que se refere às condições de emprego e trabalho, o que repercute na qualidade

de vida, na saúde dos trabalhadores, nas suas relações com os usuários e demais

profissionais da equipe de saúde, além da conseqüente fragilização do

funcionamento do SUS.

A dinâmica de trabalho imposta nas unidades de saúde decorre das pressões

com relação à demanda, e da fragmentação do trabalho, sendo requisitada a

cooperação entre a equipe de saúde, através de mecanismos participativos de

planejamento, avaliação, condução do trabalho e tomadas de decisões.

Todavia, percebe-se que a atuação em equipe é incipiente no cotidiano do

serviço de saúde. E tanto as ações – focos, prioridades, escolhas – quanto os

conflitos institucionais são pouco problematizados e direcionados no espaço coletivo

(SANTOS-FILHO, 2009). Observa-se uma resistência do modelo médico-curativo

hegemônico e o caráter autoritário dos processos de decisão na saúde.

A inserção dos assistentes sociais nas equipes de saúde possibilita o enfoque

diferenciado das condições de saúde/doença dos usuários e dos meios de

administrá-las. A propósito, a competência dos assistentes sociais se diferencia dos

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demais trabalhadores que atuam na saúde, que têm, nas suas formações, o

predomínio da técnica, em detrimento da visão de totalidade “questões sociais,

culturais e econômicas”; ou seja, das condições objetivas que perpassam os modos

de prevenção, promoção, cura e reabilitação.

Assim, os assistentes sociais são articuladores da equipe multiprofissional,

capazes de promover ações coletivas de educação e mobilização, que denunciam a

precariedade das condições de vida e de trabalho tanto dos usuários quanto da

classe trabalhadora de um modo geral.

As motivações para estudar esta temática, que se constitui o objeto desta

pesquisa, emergiram por ocasião do estágio curricular, durante o Curso de

Graduação em Serviço Social, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(UFRN), no período de 2003.1 a 2004.1, realizado na Unidade de Saúde Familiar e

Comunitária (USFC), anexa ao Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Natal,

Rio Grande do Norte (RN). O intuito dessa aproximação foi identificar como se

efetiva a sistematização do trabalho do assistente social no que se refere ao

planejamento, ao registro e à avaliação das atividades desenvolvidas, dados

necessários ao desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), datado

do período de 2004.2 (MENESES; OLIVEIRA, 2005).

Através das entrevistas realizadas por ocasião do estágio curricular,

observou-se a inquietação desses profissionais, no tocante às condições3 objetivas

de trabalho, dentre as quais o espaço físico adequado às abordagens individuais

e/ou coletivas e a falta de recursos materiais4, humanos e financeiros para subsidiar

suas atividades.

O estudo realizado na graduação evidenciou certa indefinição por parte dos

entrevistados acerca do seu fazer profissional, tanto no que concerne às atividades

desenvolvidas quanto aos objetivos e à identidade profissional. Esse fato pode

relacionar-se ao acúmulo de atividades, por vezes, administrativas, que podem ser

desenvolvidas por outro profissional; ao predomínio do saber médico, considerado

agente privilegiado nas organizações de saúde e ao desconhecimento do Código de

3 A Resolução do CFESS nº. 493/2006, de 21 de agosto de 2006 dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do Assistente Social. 4 Faz-se referência aos recursos audiovisuais; meio de comunicação (telefone próprio ou não); e meio de transporte (carro disponível para visitas).

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Ética profissional do assistente social, especificamente, quanto às suas

competências e atribuições5.

A sistematização do trabalho fica comprometida pelas questões acima

expostas, somadas à alta rotatividade de usuários. Portanto, a pouca

governabilidade destes profissionais quanto à definição de metas e indicadores que

norteiam o próprio trabalho proporciona descontinuidade e imediaticidade das ações.

Por tudo isto, verifica-se que as dificuldades enfrentadas pelos assistentes

sociais repercutem diretamente na realização do seu trabalho, visto que os

encaminhamentos das soluções não dependem da vontade e do interesse individual

do profissional, apesar de sua relativa autonomia (IAMAMOTO, 2001).

Acrescenta-se às motivações até aqui expostas, a inserção que se tem em

hospital público estadual, por meio de concurso público realizado em 2007, para

provimento de cargo efetivo de assistente social - Hospital Regional de Guarabira

promovido pela Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba (PB). Esta experiência de

trabalho na saúde instiga esta pesquisadora inquirir as determinações do processo

social, histórico, cultural e econômico, as quais perpassam as relações entre os

assistentes sociais e os sujeitos com os quais interagem – gestores, usuários e

equipe multiprofissional –, bem como apreender de que forma o processo em curso

reflete nas ações cotidianas no interior das entidades empregadoras, nas demandas

dos usuários e nas respostas profissionais.

Entende-se que não há escolhas isentas de interesses, nem conhecimentos

espontâneos, mas sim, uma construção historicamente condicionada pela posição

social do cientista social e pelas correntes de pensamento em conflito na sociedade

(MINAYO, 1996).

O objeto desse estudo é o processo de trabalho em saúde, no qual se

inserem os assistentes sociais. Entende-se por trabalho a atividade do sujeito vivo,

na construção de respostas às necessidades humanas, que em seu processo de

realização – condições, meios, formas materiais e sociais assumidas – transforma,

simultaneamente, o sujeito e a realidade.

Apreende-se o serviço social como uma especialização do trabalho coletivo

na sociedade capitalista, inscrito na divisão social e técnica do trabalho. A questão

social e suas múltiplas determinações são a matéria-prima ou o objeto do trabalho

5 Código de Ética profissional, Lei nº 8, 662, de 07 de junho de 1993. Art. 4º e 5º.

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profissional, e sua gênese se relaciona à contradição fundamental desta

sociabilidade capitalista. Em outros termos, a contradição entre capital/trabalho, pois

a produção é social, enquanto a apropriação, as condições e os resultados do

trabalho são privados.

O trabalho profissional dos assistentes sociais é determinante/determinado

pelas circunstâncias históricas e sociais em que se insere o conjunto dos

trabalhadores afins. A condição de trabalhador assalariado, regulada por um

contrato de trabalho, imprime ao profissional os dilemas da alienação e das

determinações que afetam a coletividade dos trabalhadores.

Apesar de regulamentado como profissão liberal, o serviço social não tem

essa tradição na realidade brasileira. Os assistentes sociais são trabalhadores

especializados, que vendem sua capacidade de trabalho para entidades

empregadoras. Estas determinam as necessidades sociais; a matéria sobre a qual

incide esse trabalho; as condições em que se operam os atendimentos; e a forma

dos seus efeitos na reprodução das relações sociais.

O reconhecimento das condições e dos meios pelos quais este trabalho é

realizado na sociedade capitalista revela-se que, como parte do trabalho coletivo, há

uma tensão entre o Projeto Ético Político Profissional (PEPP) e a alienação do

trabalho social. Tal desvendamento possibilita a construção de um projeto

profissional socialmente referenciado na luta da coletividade dos trabalhadores

enquanto classe (IAMAMOTO, 2007).

Na área da saúde, os assistentes sociais atuam em equipe multidisciplinar. E

a formação genérica crítica, embasada nos fundamentos teórico-explicativos de

outras áreas do saber, possibilita uma visão de mundo numa perspectiva de

totalidade.

As unidades de saúde são espaços contraditórios de disputas de poderes,

nos quais estes profissionais mediam as deficiências do sistema e viabilizam o

acesso da população.

Daí a necessidade de os assistentes sociais construírem mediações que

legitimem o exercício profissional de acordo com as competências e atribuições

consolidadas no âmbito do PEPP.

O lócus privilegiado dessa pesquisa são as unidades de saúde a nível

terciário, ou seja, os hospitais públicos estaduais situados no município do Natal/RN.

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Tal escolha partiu da necessidade de apreender e analisar o trabalho dos

assistentes sociais inseridos nos serviços de alta complexidade, cuja demanda é

histórica no Brasil, sobretudo, em tempos neoliberais, pelo agravamento da questão

social e pela resistência do modelo médico-curativo legitimado nas organizações

hospitalares.

Os critérios qualitativos utilizados foram: hospitais com maior número de

assistentes sociais e complexidade da especificidade do atendimento, quais sejam,

hospital Doutor José Pedro Bezerra – Santa Catarina (Pronto-Socorro e

maternidade), hospital Central Coronel Pedro Germano – da Polícia Militar

(maternidade e pediátrico), hospital Monsenhor Walfredo Gurgel (urgências e

emergências), hospital Giselda Trigueiro (doenças infecto-contagiosas) e hospital

Infantil Maria Alice Fernandes (maternidade e pediátrico).

Por conseguinte, [...] “pesquisar e conhecer a realidade é conhecer o próprio

objeto de trabalho, junto ao qual se pretende induzir ou impulsionar um processo de

mudanças” (IAMAMOTO, 2001, p. 62).

Na realidade pesquisada, totaliza-se o número de 64 (sessenta e quatro)

assistentes sociais, dos quais, priorizou-se o universo de 10% (dez por cento), para

proceder às entrevistas, o que implica 6,4 (seis vírgula quatro) profissionais de

serviço social. Diante deste quadro, em cada unidade hospitalar, entrevistou-se 01

(um) assistente social, perfazendo a quantidade de 05 (cinco) profissionais do

quadro efetivo, com faixa salarial entre R$ 2.000 (dois mil reais) e R$ 4.500 (quatro

mil e quinhentos reais), com carga horária semanal de trinta horas, em escala de

plantão de 12 horas, especificamente, dez plantões por mês6.

Para a coleta de dados, utilizou-se entrevistas semi-estruturadas, que [...]

“permitem a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente

com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos” (LÜDKE; ANDRÉ,

1986, p. 25); e observação, por ser uma estratégia de apreensão do objeto de

pesquisa, que implica em acompanhar todo o percurso de investigação, pois permite

a visualização mais ampla da realidade dos sujeitos, do espaço no qual intervêm e

as relações que estabelecem e constroem em seu cotidiano.

Para apreender o estado da arte do tema em questão, realizou-se um esforço

de aproximação à produção teórica existente durante todo o processo de

6 SESAP/RN, 2008.

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investigação, tendo em vista seu papel complementar, em consonância com a

observação da realidade. Assim, ao longo de toda a pesquisa, realizou-se leituras

que nortearam a apropriação dos conceitos e a fundamentação teórico-metodológica

destinadas ao desvendamento da realidade do processo de trabalho coletivo em

saúde, no qual se insere o trabalho profissional dos assistentes sociais.

No processo de produção do conhecimento científico, não se começa tudo a

partir do zero em cada pesquisa. Antes, trabalha-se sobre os conhecimentos já

formulados, sobre os quais o pesquisador se apóia, ainda que seja para negá-los

(CARDOSO, 1976).

No roteiro de entrevistas, enfoca-se o número de assistentes sociais no

quadro, a distribuição da carga horária, as principais demandas, as condições éticas

e técnicas necessárias ao exercício profissional, os instrumentos de trabalho

utilizados, o planejamento das ações, a relação entre os assistentes sociais e os

demais profissionais da equipe em saúde, a participação em eventos e ainda os

anseios dos profissionais acerca das condições consideradas ideais para um

exercício profissional que se norteia pela materialização do PEPP.

Cabe registrar as dificuldades no percurso investigativo, pois alguns

profissionais remarcaram as entrevistas, seja por incompatibilidade de agendas, seja

por indisposição da coordenação de serviço social para tal fim, já que profissionais

com vínculos temporários não se comprometem perante a entidade empregadora a

prestar informações sobre seu cotidiano no interior das entidades. A realização das

entrevistas em três dos hospitais visitados foi interrompida diversas vezes, pela

intensa circulação de pessoas na sala de serviço social, tanto dos usuários quanto

dos demais profissionais, bem como das chamadas telefônicas.

Tais limitações foram superadas pelo retorno às unidades de saúde, sempre

que necessário, para esclarecer dúvidas, pelas observações que foram

imprescindíveis durante visitas às unidades hospitalares e pela constante leitura das

produções teóricas acerca do tema.

Compartilha-se com Japiassu (1986, p. 27) a idéia de que o conhecimento é

um processo e não um dado adquirido instantaneamente; ou seja, é um processo

histórico, o qual “[...] aos poucos e incessantemente, faze-nos captar a realidade a

ser conhecida”.

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O resultado desse percurso se apresenta nos quatro capítulos deste trabalho.

No primeiro capítulo, apresenta-se o objeto de estudo, em suas múltiplas

determinações. Discorre-se acerca das categorias analíticas: trabalho e trabalho

profissional dos assistentes sociais nos processos de trabalho em saúde.

Aproximando-se do objeto, delimitando-se o campo de investigação, o universo da

pesquisa e os objetivos que foram perseguidos no processo de realização deste

estudo.

Neste sentido, a aproximação com o trabalho profissional dos assistentes

sociais na saúde, especificamente, no universo hospitalar, possibilita observar-se as

condições de trabalho – físicas, materiais e humanas, de emprego – salários,

legislação e vínculos – situando o trabalho profissional e os rebatimentos deste na

qualidade de vida e saúde dos trabalhadores, nas suas relações com os usuários e

equipe multidisciplinar, além da qualidade dos serviços prestados.

No segundo capítulo, realiza-se um resgate histórico acerca da política de

saúde no Brasil, pós-Constituição Federal de 1988, pela qual se consagram os

princípios da reforma sanitária, e inclui como sistema público, o SUS, enfatizando a

trajetória do direito à saúde a partir da década de 1990, em meio à política sócio-

econômica fundamentada na concepção neoliberal, que tem contribuído para a

“contra-reforma”7 do Estado. Analisa-se o trabalho dos assistentes sociais nos

serviços de saúde a partir das novas formas de gestão e organização do trabalho

em saúde, advindas das transformações em curso.

No terceiro capítulo, sinaliza-se a inserção dos assistentes sociais nos vários

níveis do SUS, a partir da descentralização e democratização do acesso dos

serviços. Discorre-se acerca do trabalho profissional, no âmbito hospitalar (nível

terciário), apreendendo o trabalho do assistente social como uma especialização do

trabalho coletivo na sociedade capitalista, tendo o não-acesso às ações e serviços

de saúde como uma das expressões da questão social.

Seguindo este raciocínio, no quarto capítulo, debate-se sobre a crescente

precarização da força de trabalho em saúde, condição na qual se inserem os

assistentes sociais, no contexto mais geral de precarização do trabalho na

7 A “contra-reforma” do Estado surge com o neoliberalismo, tem um caráter conservador e não revolucionário, e busca desmontar os direitos sociais conquistados pelos trabalhadores (BEHRING; BOSCHETTI (2007)).

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sociedade capitalista. Explicita-se que a fragilização desta força de trabalho é

perpassada pelos vínculos temporários e pela desregulamentação das legislações

sociais e trabalhistas, repercutindo diretamente nas relações destes profissionais

com o conjunto da classe trabalhadora, seja pela competitividade acirrada e perda

da consciência de classe, seja pela qualidade dos serviços prestados aos usuários;

e, sobretudo, pela materialização do PEPP.

Com esta análise, apresenta-se as contradições existentes entre o ideal da

reforma sanitária – condições dignas de trabalho e salários, vínculos empregatícios

formais, atendimento de qualidade –, e o real – subcontratação, flexibilização das

relações de trabalho, precarização das condições de trabalho, insalubridade,

disparidade salarial, desqualificação do atendimento – no processo de trabalho em

saúde, contexto no qual se inserem os assistentes sociais.

Enfatiza-se a aparente separação entre o ideal – dever-ser –, e o real – o que

é. Aparente, porque o ideal e o real constituem uma unidade dialética, cuja síntese

movimenta a realidade social para a produção de novos conhecimentos e novas

realidades. É aqui problematizada, com o intuito de desvendá-la no enfrentamento

dos desafios postos ao trabalho profissional dos assistentes sociais, no âmbito do

SUS.

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2 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL, PÓS CONSTITUÍÇÃO FEDERALDE 1988, E O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NOS SERVIÇOS DE SAÚDE

O texto que segue expõe a configuração da política de saúde no Brasil, pós

Constituição Federal de 1988, pela qual se consagram os princípios da reforma

sanitária8, e inclui como sistema público de saúde, o SUS. Este pressupõe uma

construção lenta e gradual, de dimensões política, ideológica e tecnológica

(MENDES, 1999) na sua organização, estruturação e gestão dos processos de

trabalho, implicando a defesa de um sistema de saúde para todos – universal;

igualitário e de qualidade.

A saúde integra o tripé da seguridade social, juntamente com a Assistência e

a Previdência Social. Trata-se de um avanço no tocante à proteção social, que

atende às históricas reivindicações e disputas políticas da classe trabalhadora.

Com a mobilização popular, por meio dos diversos segmentos que compõem,

os movimentos sociais foram de fundamental importância para a construção de uma

legislação de cunho democrático no Brasil, materializada na Constituição Federal de

1988.

O projeto da reforma sanitária tem como base um Estado democrático de

direito, responsável pelas políticas sociais e, conseqüentemente, pela saúde. A

organização dos serviços de saúde dar-se-ia por meio da estruturação e

funcionamento do SUS, que por sua vez, fundamenta-se nos princípios da

universalização e democratização do acesso; da integralidade e da eqüidade das

ações; da democratização das informações e transparência no uso de recursos e

ações do governo; da descentralização com o controle social democrático; e da

interdisciplinaridade das ações.

A política de saúde se respalda legalmente na Lei Orgânica da Saúde (LOS)

nº 8.080/1990, que trata do conjunto de ações e serviços de saúde, bem como das

8 Movimento composto por intelectuais ligados à saúde pública como o Centro de Estudos Brasileiro em Saúde (Cebes) e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), trabalhadores de saúde e a sociedade civil em geral. O ideário da reforma sanitária consistia na proposta de um sistema de saúde único, sob responsabilidade do Estado, sendo o setor privado suplementar àquele, sob controle público e descentralizado. O que estava em questão era a universalidade da atenção à saúde superando a histórica dicotomia entre assistência médica individual e ações coletivas de saúde (ELIAS, 2009).

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instituições que materializam seus serviços; na Lei nº 8.142/1990, que discorre sobre

a descentralização da gestão e recursos no SUS; nas Normas Operacionais Básicas

(NOBS) 1991/93/96, que versam sobre a gestão, municipalização e controle social;

na Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS/2001), que dispõe sobre a

descentralização; na Norma Operacional Básica de Recursos Humanos

(NOB/RH/SUS/2002) que enfatizam a capacitação do RH.

Todavia, os avanços9 observados no decorrer da década de 1980 não

conseguiram superar a lógica de articulação entre o capital privado e a base de

financiamento do sistema de proteção social, pois, ao mesmo tempo em que

universaliza os direitos sociais, segmenta o acesso aos benefícios e serviços, de

acordo com critérios de financiamento e inserção dos usuários no mercado.

2.1 O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL PÓS CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: algumas aproximações ao contexto do trabalho em saúde

Formalmente, o direito à saúde dispõe de um sólido aparato legal. Todavia, a

realidade não condiz com o atendimento às necessidades de saúde da população, já

que persistem contradições históricas no sistema de saúde, que não foram

superadas pelas reivindicações do movimento sanitário.

Tais contradições se expressam através da demanda reprimida10, da

precariedade dos recursos, da condição da quantidade/qualidade da atenção, da

burocratização, da ênfase na assistência médica curativa individual, do controle

social incipiente para ações de cidadania e de um Estado desacostumado a ter seus

atos controlados pela sociedade.

Os avanços constitucionais de 1988, de natureza reformista, são originários

de uma conjuntura de radicalização democrática, após uma ditadura de vinte anos.

Todavia, a partir da década de 1990, especificamente, no governo de Fernando

Henrique Cardoso (FHC), a tendência geral tem sido a restrição e a redução de

direitos sob o argumento da crise fiscal do Estado, como se não houvesse uma crise

9 Avanços no tocante a descentralização administrativa, transferência de recursos aos municípios e estados e maior racionalidade operativa (CAMPOS, 1994, p.100). 10 Para fins deste estudo, entende-se essa categoria como uma procura/necessidade não atendida e/ou um atendimento incompleto (VIDAL, 2008, p. 137).

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econômica e política, reduzindo-a a um modelo de Estado que, caso mude, irá

resolver a situação da crise instalada.

Na conjuntura de adesão às políticas neoliberais, a política de saúde proposta

se fundamenta na privatização, na descentralização e na focalização. Portanto,

confronta-se com o projeto da reforma sanitária (MENDES, 1993). O que implica o

agravamento das desigualdades sociais e a substituição do espaço público pelo

privado.

A ação devastadora do capital, no enfrentamento de suas cíclicas crises, e os

ajustes recomendados pelos organismos multilaterais, nos marcos do “consenso de

Washington” – sob orientação neoliberal – dita padrões culturais exacerbados,

através dos valores individualistas e competitivos; além de ações políticas que

provocam uma verdadeira “satanização” do Estado (NETTO, 1996).

O discurso da ineficiência do Estado no trato com as políticas sociais justifica

os constantes cortes na esfera da saúde. Neste sentido, consolidou-se, na segunda

metade da década de 1990, o projeto de saúde, articulado ao mercado ou privatista.

Este último tem como tendências a

Contenção dos gastos com a racionalização da oferta e a descentralização com isenção de responsabilidade do poder central, garantia mínima estatal aos que não podem pagar ficando para o setor privado o atendimento aos cidadãos consumidores. Como principais características destacam-se: o caráter focalizado para atender as populações vulneráveis, a desconcentração dos serviços e o questionamento da universalidade do acesso (BRAVO, 2006, p. 35).

A dicotomia público/privado é uma herança reforçada pela ofensiva neoliberal

no Brasil, que aponta como solução para as crises econômico-sociais, seja a

intervenção estatal em favor do grande capital, seja pelo incentivo ao consumo, pela

diminuição da produção, redução de impostos, retração dos postos de trabalho,

cortes nos gastos sociais. Ademais, o processo recessivo no cenário econômico

mundial, provocado pela crise do crédito nos Estados Unidos da América (EUA)

(2008-2009) é emblemático neste sentido.

A ofensiva neoliberal transfere a responsabilidade social das necessidades

humanas para o âmbito privado/individual pela adoção de mecanismos legais de

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transferência das responsabilidades estatais para a sociedade civil através de

parcerias com organizações sociais sem fins lucrativos.

Diante do exposto, é possível visualizar o caminho que trilha a política de

saúde no Brasil que está originariamente no patamar da universalização excludente

(BEHRING; BOSCHETTI, 2007), entre avanços e retrocessos, entre o formal e o

real. Acerca da análise entre o formal e o real, as autoras ressaltam que

Na saúde pública, o principal paradoxo é que o Sistema Único de Saúde, fundado nos princípios de universalidade, eqüidade, integralidade das ações, regionalização, hierarquização, descentralização, participação dos cidadãos e complementaridade do setor privado, vem sendo minado pela péssima qualidade dos serviços, pela falta de recursos, pela ampliação dos esquemas privados que sugam os recursos e pela instabilidade do financiamento (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 163).

Quanto mais se acentua o controle do capital e da assistência médica

individual, em detrimento da saúde pública, mais ações pontuais e ineficazes de

combate aos recorrentes problemas sanitários são identificadas.

O combate às recorrentes epidemias de dengue, por exemplo, é emblemático,

conforme Campos,

A maneira como se dá o combate às epidemias de dengue é de deixar Osvaldo Cruz envergonhado: privilegia-se o combate ao vetor, e a operação mata-mosquitos é apresentada como capaz de controlar a difusão da epidemia, sendo que, na realidade, deve-se-iam adotar medidas de reorganização e humanização do espaço urbano, uma vez que os focos de infestação são exatamente aqueles locais de infra- estrutura urbana básica deficiente (1994, p. 53).

Verifica-se que não há interesse por parte do grande capital de que o Estado,

por meio de ações públicas, promova e proteja a saúde dos trabalhadores, rurais e

urbanos. A saúde pública é inviabilizada mais por motivos políticos do que técnicos e

financeiros, pois o Estado, na perspectiva liberal, está a serviço da reprodução do

capital.

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A seguridade social brasileira, apesar de apresentar caráter inovador, de

ampliação dos direitos sociais, acabou caracterizando-se como um sistema híbrido,

que conjuga direitos derivados e dependentes do trabalho (previdência), com direitos

de caráter universal (saúde) e direitos seletivos (assistência). No entender de Bravo,

A proposta de seguridade social defendida na Carta Magna vem sofrendo fortemente os impactos da postura neoliberal dos últimos governos, visto que a reestruturação produtiva levada a cabo traz conseqüências alarmantes sobre as taxas de desemprego, agravando a pobreza e a desigualdade social. Neste cenário, aumentam as demandas sobre o sistema de proteção social, ao mesmo tempo em que o gasto social não é priorizado no orçamento público. Com efeito, vê-se como possibilidade de reversão deste quadro a superação da histórica submissão da política social à política macroeconômica (2006, p.16).

Assiste-se a um verdadeiro desmonte do sistema de seguridade social

brasileiro, que parecia apontar, a partir dos anos 1980, na direção da

universalização dos direitos sociais básicos.

Evidenciam-se retrocessos das conquistas sócio-históricas da classe

trabalhadora, em meio à política sócio-econômica fundamentada na concepção

neoliberal, que tem contribuído para a “contra-reforma”11 do Estado, no sentido de

desmontar os direitos sociais e de submetê-los ao movimento do capital.

O discurso em torno das políticas sociais públicas se reveste de concepções

conservadoras, por meio das quais a sociabilidade do capital dissemina os ideais

burgueses, como a criminalização da questão social, que culpabiliza os sujeitos

pelas suas necessidades. Um exemplo do caráter conservador que o Estado

imprime às políticas sociais pode ser observado na adoção de conceitos como riscos

sociais, vulnerabilidades, integração e promoção social no âmbito da política de

11 A reforma do Estado refere-se ao período da história em que os trabalhadores lutavam pela garantia de direitos sociais, políticos, econômicos e humanos no âmbito da organização social capitalista. Nesse contexto, buscavam modificar as relações de produção por meio do acesso a esses direitos. No entanto, não buscavam transformar os fundamentos que regiam essas relações, a própria sociedade capitalista. Para as autoras, a contra reforma do Estado surge com o neoliberalismo, tem um caráter conservador e não revolucionário, e busca desmontar os direitos sociais conquistados pelos trabalhadores no período da reforma (BEHRING E BOSCHETTI (2007)).

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assistência social. Este discurso tem a função ideológica de eliminar a perspectiva

de classe e intervir diretamente nos sujeitos, considerados culpados pela sua

inserção desigual na estrutura social.

O direito à saúde é parte do processo de reprodução social, com seus bens

materiais e simbólicos, que diferem em cada conjuntura, com suas relações sociais,

seus meios, seus instrumentos, e as contradições a ele inerentes. Situa-se no

âmbito da prestação de serviços sociais; ou seja, no setor terciário. Isso resulta na

presença da flexibilização e desregulamentação do trabalho no setor saúde, com

fortes implicações na precarização das condições de trabalho.

A finalidade do trabalho em saúde é atender às necessidades humanas

enquanto valores de uso em cada período histórico, e manter um determinado

padrão de proteção social. A partir dos anos 1990, o Estado se atrela aos interesses

do capital/grandes empresas, por meio da posição de Estado mínimo, assumindo a

perspectiva de “contra-reforma”, através de novas formas de gestão dos programas

sociais, caracterizadas pela focalização; terceirização das contratações;

descentralização do atendimento pela transferência direta, ou através de parceiras,

serviços para a comunidade e/ou para organizações filantrópicas particulares. Na

saúde, predomina a concepção de cidadão-consumidor, visando à acumulação de

capital das grandes empresas que atuam no ramo.

O movimento de saúde predominante – o privatista – trata o sujeito de

maneira fragmentada, e privilegia os serviços de alto custo financeiro. Contrapõe-se

aos princípios do movimento da reforma sanitária, que visa à construção de um novo

modelo assistencial, diferente do predominante, de caráter curativista, biologicista,

individualista e hospitalocêntrico. Esta visão suscita uma nova forma de operar o

trabalho em saúde, pela qual os trabalhadores que também são usuários; e os

usuários dos serviços de saúde ampliem suas visões do contexto social, político e

econômico e se organizem enquanto sujeitos de direitos.

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2.1.1 O Debate sobre o direito à saúde na sociedade capitalista

A sociabilidade capitalista é, caracteristicamente, competitiva. Ao longo do

processo histórico, os laços de solidariedade e controle social foram impostos pela

coerção e pela ideologia, seja por meio do consenso, seja da regulação das ações

individuais e coletivas, através das leis, das regras, das normas construídas, das

tradições e da cultura, que no contexto da sociedade capitalista, reproduzem as

concepções e domínios essenciais à sua existência.

A ampliação de direitos civis, humanos, políticos e sociais, no marco do

capitalismo, é um processo histórico decorrente das contradições inerentes à própria

constituição desta sociabilidade, com seus antagonismos de classe e suas relações

de poder.

Esta estratégia de educar o homem para a cidadania/democracia visando à

sua liberdade encontra-se limitada à emancipação política, entendida por Marx

(1989) como dimensão negativa da atividade do ser social, pois é expressão da

alienação de uma força social, apropriada por interesses particulares, contra os

interesses da maioria, que em determinadas circunstâncias históricas, pode impedir

a regressão e a barbárie social.

No presente estudo, compreende-se por cidadania12 a possibilidade real de

alguém alcançar a emancipação humana, por meio da crítica permanente ao

processo sócio-histórico, na concepção de liberdade humana para além do capital,

visto que o ser humano projeta conscientemente a finalidade de suas ações com

vistas à satisfação de suas necessidades. E neste processo, a partir de suas

escolhas, também reproduz a si mesmo, engendrando sua possibilidade histórica.

A supressão da propriedade privada, do antagonismo de classes e da

“exploração do homem pelo homem” é fundamental ao alcance da emancipação

humana. Assim, acredita-se que as reais possibilidades de superação estão postas

porque, primordialmente, o ser humano é um sujeito auto-construtor, pois na medida

12 O entendimento sobre a cidadania neste estudo difere do sentido adotado por Marshall (1965) que comporta o arcabouço dos direitos civis, políticos e sociais na projeção de um novo patamar civilizatório, no marco do capitalismo, o que é muito discutido devido à contraditória combinação entre acumulação e eqüidade, defendida pelo autor. Entende-se a cidadania aqui como meio para alcançar a emancipação humana, e não um fim em si mesmo.

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em que o capital se recompõe, cria novas contradições sobre novas bases,

passíveis de superação.

Na perspectiva marxiana, o ser social é radicalmente histórico; ou seja, sujeito

criativo/vivo, portanto, mutável. Segundo Tonet (2005) a própria natureza humana é

construída pelos seres humanos, e não recebida como dote da natureza.

A partir dessa perspectiva teórica, compreende-se o direito à saúde, e a

implantação do SUS13 como conquistas políticas, pelas quais os cidadãos são

incorporados à saúde pública, independente da condição de indigência ou de

inserção no mercado de trabalho.

Historicamente, a preocupação para com a saúde coletiva se relaciona ao

desenvolvimento sócio-econômico do país. Nas duas primeiras décadas do século

XX, as práticas sanitárias e/ou a saúde pública objetivavam criar as condições

favoráveis à expansão do modelo econômico agro-exportador, assentado na

monocultura cafeeira, que predominava na sociedade brasileira, sob a ordem do

Estado oligárquico.

O controle das principais epidemias urbanas, como as de varíola, febres

amarela e tifóide, entre outras, eliminou uma série de constrangimentos impostos

pelo quadro sanitário ao desenvolvimento dos principais centros exportadores,

comerciais e em processo incipiente de industrialização (CAMPOS, 1994).

A partir da década de 1930, apesar do acelerado processo de

industrialização, verifica-se uma perda significativa de importância da saúde coletiva

dentro do conjunto das políticas sociais do Estado brasileiro, e observa-se a

constituição de uma política nacional de saúde restrita, ou seja, limitada no tocante à

cobertura e aos aspectos técnicos e financeiros.

De acordo com Campos (1994), no “pós-trinta”, a saúde pública deixou

progressivamente de realizar ações coletivas, características do movimento

sanitário, passando a desempenhar assistência médica individual:

De fato, através do crescimento concomitante dos institutos de Previdência Social, cuidou-se de garantir acesso à assistência médica à maioria dos trabalhadores e suas famílias. (...) criou-se uma extensa rede de prestação de serviços de assistência médica

13 O marco da universalização do acesso à saúde está preconizado pela Constituição Federal de 1988, Art. 196 e constitui um dos princípios fundamentais do SUS (VIDAL, 2008).

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individual, financiada através da própria arrecadação dos tributos previdenciários (CAMPOS, 1994, p.41).

O processo de industrialização tardia no Brasil acompanhou uma acelerada

urbanização, e a utilização de imigrantes, especialmente, europeus – italianos,

portugueses – como mão-de-obra nas indústrias. Estes já tinham vivenciado a

experiência da mobilização e organização operária em seus países de origem, o que

influenciou fortemente a organização do operariado brasileiro.

O contexto de mobilização da classe trabalhadora, que começa a reivindicar

por direitos trabalhistas14, contexto este no qual o Estado mediatiza os conflitos

inerentes às relações capital/trabalho, através das políticas sociais15, torna a

questão social uma questão de política e não mais de polícia.

A intervenção estatal na área da seguridade social para assalariados urbanos

data de 1919, com o seguro de acidentes do trabalho, sendo criadas, na década de

1920, as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP)16.

A conquista dos direitos sociais – saúde e previdência – tem sido sempre

uma resultante do poder de luta, de organização e de reivindicação dos

trabalhadores e, nunca uma dádiva do Estado, como alguns governos querem fazer

parecer.

Os serviços de atenção médica individual e a assistência mutualista e

filantrópica foram substituídas pelas CAP que compravam serviços médicos do setor

privado sob a forma de credenciamento (COHN, 2006).

Ainda na década de 1930, as CAP foram substituídas pelos Institutos de

Aposentadoria e Pensões (IAP), pelos quais os trabalhadores urbanos se

organizavam por categoria profissional17. A natureza de seu financiamento era de

contribuição tripartite – empregadores, trabalhadores e Estado.

14 Cabe ressaltar as duas grandes greves gerais ocorridas no Brasil, uma em 1917 e outra em 1919 (ARAÚJO, 2004). 15 Em 24 de janeiro de 1923, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei Elói Chaves, marco inicial da Previdência Social no Brasil. Foram instituídas as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP) (ARAÚJO, 2004). 16 O decreto-lei n.º682/23 cria a primeira CAP, dos ferroviários, multiplicando-se rapidamente nos anos subseqüentes (COHN, 2006, p. 14). 17 O primeiro Instituto de Aposentadoria e Pensões foi o dos Marítimos (IAPM) em 1934; Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC) e Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB) em 1936; Instituto de Aposentadorias e

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Na década de 1960, sob a vigência do Regime Militar, foi promulgada a Lei

3.80718, denominada Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), unificando o

regime geral da Previdência Social entre os trabalhadores sujeitos ao regime da

Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), os empregados domésticos, os

servidores públicos e de autarquias, e os que tivessem regimes próprios de

previdência, excluídos os trabalhadores rurais19.

De acordo com Mendes (1993), a ampliação das diferentes modalidades

assistenciais não acompanhou o acesso quantitativo/qualitativo entre os setores

urbanos e rurais, consolidando a denominada “universalização excludente” das

políticas de saúde, pois

A inclusão dos vários setores sociais não foi acompanhada por investimentos no setor, mas, ao contrário, com racionamento de gastos, piorando a qualidade dos serviços, afastando do setor público a classe média da sociedade, que migrou para os planos de saúde privados (MENDES, 1993, p. 23).

Neste contexto, são definidas as competências das instituições públicas e

privadas a partir da divisão dos espaços institucionais que estavam se delineando20.

Em conseqüência, as ações de saúde pública (não-rentáveis) estavam reservadas

ao Estado, já as ações de atenção médica (rentáveis) para o setor privado,

intermediado pela Previdência Social, que, gradativamente, vai dando sinais de

esgotamento, devido à contraditória relação entre demanda e altos gastos.

Pensões dos Industriários (IAPI) e Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Estivadores e Transportadores de Cargas (IAPETEL) em 1938 (ARAÚJO, 2004). 18 A unificação vai se consolidar em 1967 com a implantação do Instituto Nacional de Previdência social (INPS), reunindo os seis Institutos de Aposentadorias e Pensões, o Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência (SAMDU) e a Superintendência dos Serviços de Reabilitação da Previdência Social (ARAÚJO, 2004). 19 Os trabalhadores rurais só viriam a ser incorporados ao sistema três anos mais tarde, quando foi promulgada a Lei 4.214 de 2/3/1973, que instituiu o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) (ARAÚJO, 2004). 20 O modelo assistencial privatista se caracterizou pela ampliação do complexo médico industrial, privilégios à iniciativa privada e ênfase a práticas curativas. Sua base jurídica, legal e institucional emergiu com a Lei do Sistema Nacional de saúde e do processo de especialização das organizações previdenciárias. Dentre estas, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Assim, mesclam-se atribuições privadas e estatais (MENDES, 1999).

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A saúde tem a função de controle social e manutenção da força de trabalho.

Mas a capacidade de intervenção na saúde pública foi subordinada aos interesses

de acumulação de capital, sobretudo, no processo de desenvolvimento econômico

brasileiro.

Na década de 1970, emergiu o movimento sanitário21, o qual fazia uma crítica

ao sistema de saúde brasileiro, movimento este que defendia uma concepção

abrangente de saúde para além da ausência de doença, enfatizando o papel do

Estado na prestação desse serviço.

A VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada no ano de 1986, foi o marco

brasileiro de ampliação do conceito de saúde, pelo qual são determinantes do

processo de saúde/doença as condições de habitação, a educação, o lazer, o

transporte, o trabalho, o meio ambiente e as demais dimensões da vida humana.

A saúde, como direito de todos e dever do Estado, é uma conquista histórica,

fruto de mobilizações da organização de segmentos do setor saúde e dos setores

organizados da sociedade civil, legalmente reconhecida pela Constituição Federal

de 1988, integrante da seguridade social. A Constituição Federal de 1988 preconiza

no seu Art. 196 que

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”.

O contexto político de redemocratização – década de 1980, no qual entram

em pauta interesses de novos sujeitos sociais, politiza a discussão sobre os direitos

sociais. Então é retirado o debate da política de saúde da esfera biomédica,

fundamentando-a nas determinações sociais da doença.

A implantação do SUS ampliou a concepção de saúde a partir de novos

discursos e práticas profissionais voltados para a educação em saúde. A diretriz

constitucional preconiza a atenção integral à saúde e aponta para a concretização

21 Composto essencialmente por médicos, mas que, gradativamente, passou a ganhar adesão de outros trabalhadores de saúde e da sociedade civil (MENDES, 1993).

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dos princípios da universalidade de acesso e equidade em relação aos direitos

sociais.

A partir da descentralização das ações e serviços, as intervenções

profissionais, em todos os níveis do sistema de saúde, devem estar em contínua

comunicação, ou seja, devem efetivar o canal de referência e contra-referência22,

para que possam ser atendidas as reais demandas de saúde da população.

O Quadro 01 mostra que alguns países, a partir de suas especificidades

históricas, sociais, políticas e econômicas, adotam um modelo de administração da

saúde pública, seja pautado na universalização, privatização e segmentação, de

acordo com a própria ideologia predominante.

PAÍS

FORMAS DE ADMINISTRAÇÃO DA SAÚDE

Estados Unidos

Modelo segmentado (público-para pobres (Medicaid); e para os idosos (Medicare) que cobre cerca de 1/4 da população do país; e o privado pelo qual os serviços são pagos diretamente ou indiretamente pelas empresas aos seus empregados.

Canadá

A universalidade é adotada para a maior parte dos serviços, mas os procedimentos mais específicos ficam por conta do sistema privado.

Suécia

Há limites para gastos individuais com médicos e consultas. Se o cidadão ultrapassar, o Estado paga. E as farmácias são parte do Estado, inibindo a fetichização das drogas.

França

96% da população têm cobertura do sistema público de saúde. Quem quiser consultar-se com um médico com honorários mais caros paga a diferença. E uma boa parte da população opta por pagar planos de saúde complementares.

Brasil

Adota o modelo universal de atendimento com a crescente privatização da saúde , por meio dos planos de saúde privados que dominaram as classes, alta e média e, atualmente, avançam sobre as camadas mais baixas da população.

Quadro 01. Formas da administração da saúde. Fonte: MONTEIRO; INDRIUNAS, 2007.

22 Instrumentos/mecanismos mínimos que garantem a articulação entre os serviços de saúde nos diferentes níveis e municípios/bairros, num processo dinâmico e flexível no alcance da eqüidade, controle da qualidade e da oportunidade dos procedimentos, principalmente aqueles de média e alta complexidades e custo (MENDES, 1993).

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Todos esses sistemas recebem críticas; principalmente, com relação ao

desembolso de impostos que tais sistemas acarretam para a população em geral.

De qualquer modo, uma análise do desembolso dos governos com saúde mostra

que o Brasil ainda tem muito a fazer.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE/2007), as despesas das famílias com bens e serviços de saúde, entre 2005 e

2007, corresponderam, em média, a 4,8% do Produto Interno Bruto (PIB); e no

mesmo período, as despesas do governo federal foram de 3,4% do PIB; e das

instituições sem fins lucrativos a serviço das famílias, de 0,1% do PIB.

As principais despesas de consumo final das famílias foram com

medicamentos, consultas e exames, oferecidos principalmente em ambientes

ambulatoriais. Portanto, o ônus das despesas com saúde recai sobre a maioria da

população, que arca com maior carga tributária sobre o consumo. E ainda assim,

não dispõe de serviços de saúde de qualidade.

Dados do IBGE (2007) mostram que a saúde pública foi a principal despesa

de consumo final das administrações públicas, variando entre 2,6% a 2,9% do PIB.

O maior valor adicionado no total de atividades de saúde, no ano de 2007, é o de

saúde pública, com 32,5% do total; seguido pelo de outras atividades como atenção

à saúde, com 19,7%; e pelo de comércio de produtos farmacêuticos médicos,

ortopédicos e odontológicos com 12,8%.

O valor adicionado às atividades de saúde foi de R$ 119,0 bilhões, em 2006;

e de R$ 137,9 bilhões, em 2007, o que corresponde a um crescimento de 15,8%.

Mas essa variação no valor adicionado às atividades de um ano para o outro reflete

tanto os aumentos na quantidade/qualidade dos produtos (variações de volume), os

seus preços quanto ao aumento da procura pelos serviços de saúde, ocasionado

pela crescente pauperização das condições de vida dos sujeitos.

De acordo com o IBGE (2007), os países com um sistema universal de saúde

têm elevados índices de gastos públicos com saúde. Entretanto, no Brasil, o gasto

total com saúde é de 45%, como mostra o Quadro 02, a seguir.

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Quadro 02. Percentual dos gastos públicos com saúde. Fonte: Organização Mundial da Saúde, 2006.

Apesar de o Brasil apresentar um modelo universal de atendimento, seus

gastos com saúde são insuficientes, devido à má distribuição dos recursos, à má

administração dos gastos, bem como à privatização da saúde por meio dos planos

privados de saúde.

O setor de saúde foi um dos pioneiros na luta para conquistar e garantir o

direito da população e designar o Estado como provedor do mesmo. Todavia, os

direitos sociais conquistados, inclusive, o direito à saúde, não chegaram de fato a

ser efetivados.

A partir da década de 1990, vivencia-se a negação de direitos na sua forma

mais visível, pela contenção dos gastos financeiros em políticas sociais por parte do

poder público, tornando o SUS um sistema desarticulado e não cooperativo, que

impossibilita e/ou dificulta o acesso do usuário às ações e serviços.

O SUS é caracterizado como ferramenta de fragmentação e burocratização

no tocante aos serviços oferecidos, bem como “cabide” de emprego manipulado por

determinados políticos que usam seus recursos financeiros para garantir seu “curral

eleitoral” por meio dos vínculos precarizados de trabalho. A agenda universalizante

proposta pelo SUS constitucional tem pouca chance de ser cumprida sob as

condições políticas, econômicas e institucionais que prevalecem no país.

PERCENTUAL DO GASTO PÚBLICO EM RELAÇÃO AO GASTO TOTAL EM SAÚDE

Países

Percentual

Cuba 86,8% Reino Unido 85,7% Suécia 85,2% Costa Rica 78,8% Alemanha 78,2% França 76,3% Itália 75,1% Espanha 71,3% Canadá 69,9% Portugal 69,7% Chile 48,8% Argentina 48,6% México 46,4% Brasil 45,3% Estados Unidos 44,6%

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A partir de um panorama da política de saúde, na década de 1990, configura-

se o não reconhecimento dos direitos historicamente conquistados (BRAVO;

MATOS, 2001, p. 201) visualizando-se quatro momentos no setor saúde, elencados

a seguir.

O primeiro momento, do governo do presidente Fernando Collor, nos dois

primeiros anos da década de 1990, nele observa-se um boicote à implantação do

SUS, por meio das propostas de emendas constitucionais que propunham a

comercialização de sangue e hemoderivados; cortes nos gastos sociais; e

privatização das empreses estatais.

Neste contexto, acontece a IX Conferência Nacional de Saúde, dois anos

após o previsto, com o tema: “A municipalização é o caminho”. Nesta, é ratificado o

SUS como o modelo ideal, retomando certos aspectos da reforma sanitária; todavia

o impeachment do citado presidente atrasou as discussões sobre o avanço do SUS.

O segundo momento, refere-se ao governo de Itamar Franco, que

compreende as gestões dos ministros Jamil Haddad23, e Henrique Santillo24, nas

quais se visualiza um contexto de estagnação no setor saúde.

Neste período, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência

Social (INAMPS) foi extinto, enquanto uma proposta do movimento sanitário, em

concomitância ao movimento do Ministério da Previdência, separando as políticas

por pastas, ministérios, e políticas com orçamentos próprios. Neste período, foi

promulgada a NOB/93 que versa sobre a municipalização da saúde (incipiente,

parcial e semi-plena), avançando no processo de descentralização.

A partir do governo FHC, em 1995, com a implantação do projeto neoliberal,

observa-se o descaso para com a saúde pública. Trata-se do terceiro momento no

setor saúde, no qual o ministro Adib Jatene25 conseguiu a aprovação da

23 Ministro da saúde no governo do Presidente Itamar Franco. Assumiu a pasta em 08 de outubro de 1992, na qual permaneceu até setembro de 1993. É de sua autoria o decreto dos medicamentos genéricos (CARVALHO, 2001). 24 Ministro da saúde a partir de 19 de Agosto de 1993, deixando a pasta neste mesmo ano. Apoiava a política de descentralização. Propôs o Programa Saúde da Família, porém não contribuiu em termos de avanços para a saúde. Inclusive, porque os recursos e projetos tinham que passar pelo Ministério da Fazenda sob gestão de FHC neste momento, já lançava mão de seu pacote de cortes com os gastos públicos (CARVALHO, 2001). 25 Adib Domingos Jatene foi ministro da saúde de 01 de janeiro de 1995 a 07 de novembro de 1996. Destacou-se pelo empenho para a aprovação da CPMF no Congresso Nacional (CARVALHO, 2001).

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Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) para financiar a

saúde pública, sem discutir com a população sobre a criação deste tributo.

A CPMF passou a vigorar em 23 de janeiro de 1997, baseada na edição da

Lei nº 9.311 de 24 de outubro de 1996. Destinava-se ao custeio da saúde pública, da

Previdência Social e do fundo de combate e erradicação da pobreza. Inicialmente, o

Artigo 18 da referida Lei estipulava que a totalidade da arrecadação seria destinada

exclusivamente ao Fundo Nacional de Saúde (FNS). A partir de 1999, com a

Emenda Constitucional (EC) nº 21, a CPMF passou a destinar parte de seus

recursos à Previdência Social e à erradicação da pobreza, como mostra o Gráfico

01, que segue.

Gráfico 01. Evolução do destino da CPMF por setor. Fonte: WIKIPEDIA, 2009.

A Previdência Social e a erradicação da pobreza recebiam 26% e 21% da

arrecadação, respectivamente. Assim, era questionada a real destinação destes

recursos, tendo em vista a situação precária em que se encontravam os hospitais

públicos e o atendimento aos pacientes, bem como a transferência dos seus

recursos ao financiamento de programas sociais como Bolsa Família.

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A carga tributária brasileira é altíssima, e recai sobre os mais pobres, a classe

trabalhadora, já que contribuem proporcionalmente sobre o consumo de bens não-

duráveis – alimentação, vestimentas, medicamentos, entre outros.

A CPMF perdeu seu caráter transitório, perdurando por onze anos. Em 13 de

dezembro de 2007, o Senado Federal rejeitou a proposta de prorrogação até 2011,

por 45 votos a favor e 34 contra, sem abstenções, bem como as ofertas do governo

federal de modificações do tributo. Dentre estas, era proposta a redução da alíquota,

do período e do destino. A última proposta do Planalto Central era de renová-la com

uma alíquota de 0,25%, e somente até 2010, com destino integral à saúde pública.

A atmosfera de ceticismo em relação à construção de um sistema de saúde efetivamente universal e a visão de um SUS restrito aos serviços públicos contaminam até o discurso do próprio Presidente Lula. Ao dizer que os senadores votaram contra a CPMF porque não são usuários do SUS, o Presidente, ainda que indiretamente reafirma a segmentação. E parecia desconhecer que os Senadores possuem um esquema assistencial prodigamente financiado por recursos públicos (BAHIA, 2009, p. 14).

O destino final da maior parcela dos recursos destinados à assistência

médico-hospitalar é o estabelecimento privado ou particular de saúde. Assim, os

recursos públicos e gastos sociais administrados por empresas privadas, e utilizados

para a compra de serviços privados reiteram, ainda que sob novas roupagens, o

padrão de intervenção estatal incentivado pelo Regime Militar, qual seja, a

assistência médica previdenciária que só cobre “os que podem pagar”.

Nesse terceiro momento do setor saúde, ressalta-se a realização da X

Conferência Nacional de Saúde, em 1996, sob o tema “Construindo um modelo de

atenção à saúde para qualidade de vida”. Na ocasião, foi explicitada a inócua

mobilização em torno da política de saúde, devido à incipiente participação do

Ministro da Saúde, Adib Jatene, e demais representantes do poder público.

Nas gestões dos ministros José Carlos Seixas26, Carlos César Albuquerque27

e José Serra28 é apresentada oficialmente uma proposta contrária ao SUS. Trata-se

26 Gestão de 06 de novembro a 13 de dezembro de 1996 (CARVALHO, 2001).

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do quarto momento do setor saúde, no qual o setor é adaptado aos ditames da

equipe econômica, pela ênfase à reestruturação hospitalar e ambulatorial; pela

regulamentação dos planos privados de saúde; e pela normatização dos

medicamentos. Caracteriza-se, pois, como uma estratégia de “contra-reforma”.

A “contra-reforma” do Estado no setor saúde atinge a assistência ambulatorial

e hospitalar, consideradas fundamentais e de maior custo do SUS, foram propostas

quatro ações: descentralização das atribuições e poder de decisão entre as três

esferas do governo, mantendo-se os estágios – centralizado, descentralização

incipiente, parcial e semi-pleno –; montagem de um sistema integrado e

hierarquizado, composto pelos sub-sistemas de entrada e controle – postos de

saúde e Programas Saúde da Família (PSF) – responsáveis pela integralidade das

ações; e rede ambulatorial e hospitalar para o atendimento aos casos de maior

complexidade e especialização, através de Autorizações de Internação Hospitalar

(AIH), distribuídas pelo número de habitantes; bem como a montagem de um

sistema (rede) de informações, através do Departamento de Informática do Sistema

Único de Saúde (DATASUS) para avaliar a qualidade dos serviços, gerar

indicadores para a vigilância epidemiológica e medir os resultados obtidos.

Neste contexto, observa-se o surgimento de diversas normatizações

privatizantes – emendas constitucionais e normas operacionais, como a NOB/ 96,

que regulamenta os planos e seguros de saúde, os preços dos medicamentos e o

estabelecimento dos genéricos. Em termos gerais, a partir do discurso neoliberal do

controle social, é priorizada a atenção básica sem o devido suporte técnico e

financeiro, desarticulando-a das atenções secundárias e terciárias, incentivando a

fetichização das drogas.

Por conseguinte, o quadro sanitário brasileiro no século XX reflete a situação

das profundas desigualdades sociais existentes no país: aumento da expectativa de

vida e diminuição da incidência de doenças infecto-parasitárias. No entanto,

aumentam as doenças cardiovasculares, acidentes de trabalho, incidência de

27 Ministro da saúde de 13 de dezembro de 1997 a 31 de março de 1997. Lançou o Piso Assistencial Básico (PAB) que previa o fim da tabela única de preços e do pagamento por produção (CARVALHO, 2001). 28 Ministro da Saúde, de 31 de março de 1998 a 20 de fevereiro de 2002. Deixou a pasta para candidatar-se à Presidência da República, sendo substituído pelo secretário-executivo, Barjas Negri. A criação de um endereço eletrônico para os hospitais públicos divulgarem os preços dos remédios e a regulamentação dos planos e seguros de saúde foram suas principais ações (CARVALHO, 2001).

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Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), câncer, endemias, inclusive da

fome e mortalidades infantil e materna.

Soma-se a esse quadro a não-efetivação do direito à saúde tal como

preconizado na Constituição Federal brasileira de 1988, como “direito de todos e

dever do Estado”, devido à existência de filas imensas, hospitais super lotados, falta

de leitos, dificuldade de acesso aos serviços, não-garantia de realização de exames

complementares e de medicação para tratamento (MACHADO, 2007).

Portanto, ao tratar da política de saúde, deve-se analisá-la em concomitância

ao movimento do sistema capitalista, no enfrentamento de suas constantes crises,

segundo as respostas estatais às mesmas e a capacidade de mobilização da classe

trabalhadora, na luta por direitos.

Neste sentido, cabe discutir de que direitos e a quais cidadãos está-se

referindo neste estudo, visto que a origem do direito se relaciona à preservação da

vida humana. Ou seja, diz respeito às formas de regulação dos conflitos sociais e

trata-se de um processo histórico decorrente das contradições inerentes à própria

constituição da sociedade capitalista.

A agenda dos direitos se encontra ancorada nos princípios da defesa da

igualdade, liberdade e fraternidade, sob a hegemonia do liberalismo, na conquista

das liberdades políticas com à Revolução Francesa, que objetivou pôr limites ao

absolutismo, em proteção ao direito à vida, à privacidade, à propriedade privada e à

representação dos interesses sociais frente ao Estado (revolução burguesa).

Segundo Santos (2007, p. 26), explicita-se a institucionalização sócio-jurídica

das relações entre os sujeitos e seu sistema de propriedade, sobretudo na

sociedade burguesa, na qual o direito torna igual todos os agentes da produção.

Para tanto, dispõe de um arcabouço ideológico necessário ao desenvolvimento das

relações de produção, sob o domínio do capital. Segundo Marx (2001, p. 56), é

nesse solo contraditório que “[...] as leis, a moral, a religião são [...] meros

preconceitos burgueses, por detrás dos quais se ocultam outros tantos interesses

burgueses”.

O tratamento de igualdade entre os desiguais tem a função ideológica de

naturalizar; e, por vezes, suprimir a exploração de classes na sociedade burguesa.

Esta aparente igualdade impede que as classes subalternizadas apreendam o

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processo de produção e reprodução da sociedade, e construam sua identidade de

classe. De acordo com Santos (2007, p. 26),

O direito é um complexo social parcial próprio da sociedade de classe e, assim, somente é possível compreender sua origem, função social e dimensão contraditória, se partirmos do conhecimento e análise da formação social, ou seja, do modo em que, numa dada sociedade, as relações sociais estão estruturadas, observando aí, o movimento das classes sociais para revelar e ocultar formas de dominação a um só tempo econômicas e ideológicas.

A discussão dos direito, posta nestes termos, coloca a necessidade dos

seguintes questionamentos: como efetivar direitos originários da lógica liberal-

burguesa, que tem a função de manter a ordem do capital pela aparente igualdade

jurídica? não se trata de compactuar com a ilusão de que todos são iguais

juridicamente? não implica camuflar o antagonismo de classes, que é intrínseco ao

modo capitalista de produção?

Tais questões são pertinentes para o desvendamento das contradições da

sociabilidade capitalista, que por meio da moral burguesa, mercantiliza as relações

humanas e sociais, incentiva o consumismo e a fetichização das imagens por meio

de jornais, revistas, propagandas, filmes e comerciais, desmaterializa a vida real-

pública a partir do individualismo, do espaço privado enquanto modo de vida.

O individualismo nega ao outro o direito de existir como tal: sujeito de direitos.

A negação é explícita pelas formas de intolerância que têm a finalidade de

desumanizar o trato com as tensões sociais, e desarticular a perspectiva de classe

dos trabalhadores. Como exemplos, citam-se os casos noticiados pela mídia sobre

racismo, xenofobia, homofobia, violências físicas, psicológicas e assédios morais.

Este é um dos grandes desafios para o projeto ético-político dos assistentes

sociais, qual seja analisar os direitos numa perspectiva de totalidade (Santos, 2007),

desmistificando as velhas formas de pensar burguesa que se apresentam com

novas roupagens – neoconservadoras.

Em outros termos, significa pensar a função social dos direitos nesta

sociedade, determinando o tipo de possibilidades, seja de dependência seja

autonomia frente à totalidade da vida social. Cabe apreender historicamente o

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caráter contraditório da luta de classes, a partir de uma visão de mundo crítica à

ordem estabelecida e às possibilidades postas pela dimensão política de suas lutas,

o que pode diminuir o nível de opressão e exploração imposta à classe trabalhadora.

Compartilha-se com Santos (2007) que é, no contexto contraditório, na

riqueza e dinâmica da totalidade social, do real, que se encontram as possibilidades

de superação da sociabilidade do capital.

O direito à saúde se insere no bojo de interesses contraditórios que se

confrontam e se excluem. E o reconhecimento das pessoas enquanto sujeitos de

direitos não se dá de forma aleatória, mas é historicamente determinado pela

organização social capitalista, que o antecede e o apropria. Isso porque, nessa

formação social, conforme explicita Marx (2001, p. 48),

Todas as relações fixas e cristalizadas, [...] são dissolvidas e as novas envelhecem antes mesmo de se consolidarem. Tudo que é sólido e estável se volatiliza, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados a encarar com sobriedade e sem ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas.

Há um processo contraditório de resistência e de luta que, paulatinamente,

ganha visibilidade na história das sociedades, tendo na classe trabalhadora, os

principais sujeitos de mudança. Por meio deste processo, novas relações sociais

são construídas entre os aparelhos privados de hegemonia, e destes com o Estado;

mudanças que se tornam visíveis por meio das leis e das políticas públicas delas

decorrentes.

O Estado moderno – capitalista – não é só entidade política particular atrelada

aos interesses do capital, é um espaço contraditório de interesses divergentes, que

pelas suas contradições, permite a ampliação do espaço público dos grupos sociais

sulbaternizados.

Essa ampliação é fruto das mobilizações e pressões da sociedade civil, que

segundo Costilla (2004, p. 125),

Com efeito, na visão de Gramsci, a sociedade civil é uma arena privilegiada da luta de classe, uma esfera do ser social onde se dá uma intensa luta pela hegemonia; e, precisamente por isso, ela não é

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o ‘outro’ do Estado, mas - juntamente com a ‘sociedade política’ ou o ‘Estado-coerção’ – um dos seus inelimináveis momentos constitutivos.

A partir da concepção de Estado ampliado, a sociedade civil é constituída

pelas hegemonias da burguesia e do proletariado, ambas antagônicas, que buscam

espaços abertos para consolidação de um direcionamento ideológico na sociedade

capitalista.

Em tempos neoliberais, configura-se um novo perfil político-organizativo da

classe trabalhadora, marcado pela submissão, passividade e perda de uma

consciência crítica, com o refluxo do movimento sindical e a fragilização das

organizações coletivas de um modo geral.

Concorda-se com (RAMOS; SANTOS, 2008) que essa postura defensiva é

conseqüência dos efeitos perversos do atual modo de organização do mercado de

trabalho capitalista, que é, caracteristicamente, flexível e volátil, pois, ao passo que

destitui os espaços sócio-ocupacionais, também amplia a competitividade entre as

forças de trabalho disponíveis, pela da inserção precária, pelo não-trabalho e pela

falta de renda.

Por tudo isto, torna-se prioritário denunciar as bases do sistema capitalista e

suas conseqüentes implicações no meio ambiente, no mundo do trabalho e na

crescente desigualdade social. Priorizar a defesa dos direitos sociais significa pensar

nesta sociabilidade, que tem como ato fundante o trabalho e o antagonismo de

classes, “exploração do homem pelo homem”, para além do capital, visto que a luta

pelo fim da exploração do trabalho pelo capital não é breve e isolada; mas é,

sobretudo, uma luta longa, de milhares de trabalhadores organizados em todas as

épocas.

2.2. A Organização do trabalho em saúde

O processo de trabalho na saúde se baseia em uma relação entre sujeitos

com diferentes idéias, valores e concepções acerca de saúde e na forma de como

este trabalho deve ser desenvolvido. Portanto, o trabalho é inseparável do

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conhecimento, idéias e concepções de mundo, isto é, das formas de pensar a vida

real (IAMAMOTO, 2007).

Nesse contexto, há um conjunto de intencionalidades de ações, que disputam

no sentido mais geral do trabalho. Assim, as organizações de saúde têm duas faces:

a das normas e papéis institucionais e a das práticas privadas de cada trabalhador

(MERHY, 2007).

O processo de organização do trabalho na saúde é modelado pela

acumulação de capital, subordinando-se às finalidades, condições, meios e formas

materiais e sociais que, aparentemente, são estranhas aos trabalhadores, pois a

realidade das coisas não se apresenta imediatamente ao homem tal qual elas são.

Neste sentido, a centralização dos processos políticos/decisórios e a

fragmentação do trabalho persistem nos processos de trabalho em saúde, levando

os profissionais à alienação e à desresponsabilização em relação aos resultados

finais.

O processo de trabalho pressupõe uma atividade com objetivo, objeto,

instrumentos e força de trabalho capacidade de os seres humanos operarem os

modos de produção que, é a mais importante das forças produtivas, pois diz respeito

ao acúmulo ao longo de gerações, meio pelo qual os seres humanos aperfeiçoam e

inventam instrumentos de trabalho, adquirindo habilidades e conhecimento (NETTO,

2007).

Segundo Marx (1989), é através da ação na matéria práxis que o ser humano

cria uma nova realidade, humanizada, cuja forma privilegiada é o trabalho. No

entanto, o reconhecimento de sua condição criativa e auto-produtora depende das

condições sócio-históricas segundo as quais se realiza que se encontram

respaldadas pelas relações de produção, pelos interesses de classe, pelas relações

de poder ligadas ao domínio dos meios de produção e pela maneira segundo a qual

se adquire seus meios de subsistência.

Na sociedade capitalista, a relação entre os seres humanos e as suas

criações aparece invertida. Trata-se da alienação29 que é própria deste modo de

29 Entendida como a relação contraditória do trabalhador com o produto de seu trabalho e a relação do trabalhador no ato de produção, um processo de objetivação, tornando o ser humano estranho a si mesmo, aos outros seres humanos e ao ambiente em que vive (MARX, 2002, p. 122).

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produção, no qual prevalecem a divisão social do trabalho e a propriedade privada

dos meios de produção.

A marca fundamental da sociabilidade do capital é a contradição, pois os

antagonismos que permeiam as relações sociais explicitam o desenvolvimento das

forças produtivas, e ao mesmo tempo, o aumento da pauperização e da

desigualdade social.

Na medida em que se desenvolve a capacidade produtiva da sociedade,

evidencia-se a divisão social e técnica do trabalho. E inserir-se nesta implica

participar do processo de organização ou desorganização específico das

necessidades da produção e das condições sociais dadas.

De acordo com Organista (2006), a valorização do trabalho passou por um

processo de longa duração e, revestiu-se com status de direito e dever30 somente a

partir do advento da sociedade industrial.

A expropriação dos instrumentos de trabalho e dos meios de produção dos

trabalhadores, bem como o desenvolvimento da relação assalariada imprimiu novo

sentido ao trabalho: “De uma atividade que fazia parte da vida, o trabalho tornou-se

o meio de ganhar a vida”.

O que se verifica na sociedade atual é que o capital trouxe velhas formas de

produzir com nova roupagem visto que, não estar vinculado ao núcleo central do

capital – esfera da produção –, não implica o fim da importância do trabalho na vida

dos sujeitos. Ademais, trata-se de uma assimilação equivocada entre emprego e

trabalho, que fez com que alguns autores preconizassem o fim da sociedade do

trabalho31 (ORGANISTA, 2006, p. 170).

O vínculo empregatício formal ainda impõe um forte valor sócio-moral, por

meio do qual as pessoas se identificam enquanto sujeitos de direitos, e moralmente

aceitáveis32. Todavia não é o único, nem tão pouco o predominante, visivelmente

30 No Brasil, jamais se consolidou uma sociedade salarial ou um instrumento eficaz e eficiente de amparo e proteção ao trabalhador; e o pouco que foi construído tem sido fragmentado e flexibilizado (ORGANISTA, 2006). 31 Organista (2006) cita os seguintes autores: Gorz (2003), Offe (1987), Habermas (2002), Kurtz (1992). 32 Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, no Brasil, era obrigatória a apresentação da Carteira de Trabalho assinada, principalmente, em blitz policial, para diferenciar trabalhador de vagabundo. Porém, no próprio contexto histórico, o trabalho formal vai dando lugar ao informal, a Carteira deixa de ser usada para essa diferenciação (ORGANISTA, 2006, p. 23).

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posto pelo aumento do desemprego estrutural e das formas precarizadas de

ocupações. Isto porque

Os trabalhadores que não conseguem inserir-se no mercado formal de trabalho tendem a recorrer às ocupações informais de forma a obter algum tipo de renda que possa viabilizar o nível mínimo de consumo para suprir suas necessidades (LIRA, 2002, p.145).

Face ao exposto, para entender as conseqüências das transformações na

composição do trabalho no Brasil, considera-se as peculiaridades de sua formação

sócio-histórica e econômica33 baseada no favoritismo, no clientelismo e na

dependência externa econômico-tecnológica aos países centrais do mundo, bem

como o papel do Estado34 na recomposição do capital.

O Estado atua como gestor das medidas anti-crise, sob a direção do capital,

atrelado aos interesses da burguesia, ora reprimindo duramente os trabalhadores,

ora regulamentando as relações de produção.

O cenário contraditório de luta de classes é inerente à história do nascimento,

consolidação e crise da sociedade capitalista, cujo papel do Estado é embebido pela

mediação das relações sociais; ou seja, segundo as correlações de forças da

sociedade civil (FALEIROS, 1985, p. 47).

Neste sentido, visualiza-se o papel estratégico das políticas sociais, visto que

ao Estado implica uma relativa autonomia na gestão das contradições inerentes ao

processo de produção e às relações de classe, seja pela repressão, recuperação,

integração ou controle da classe subalternizada, movimento que só pode ser

entendido uma vez situado na sua relação com o processo de acumulação de

capital.

33 Características de subordinação e dependência, somadas à industrialização tardia, que não chegou a consolidar de forma sistemática uma sociedade salarial. O pouco que foi construído tem sido fragmentado e flexibilizado, combinando as condições de trabalho entre formais e informais (ORGANISTA, 2006). 34 Originariamente atrelado aos interesses das elites, prevalecem as relações de favoritismo, clientelismo e escravidão, pois as regulamentações sociais e do trabalho estatais estão perpassadas de forte ambigüidade, “entre um liberalismo formal como fundamento e o patrimonialismo como prática no sentido da garantia dos privilégios das classes dominantes” (BOSCHETTI, 2007, p. 75).

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É oportuno ressaltar que a marca central da sociabilidade capitalista é a

contradição, que na atual conjuntura é marcada, sobretudo, pela acumulação

capitalista e sua estrutura deficiente de distribuição de renda. Assim, observa-se

uma crescente taxa de informalidade, desemprego e degradação do meio ambiente,

somados à manutenção de uma estrutura social desigual, herdada secularmente, na

qual uma minoria privilegiada detém a maioria da riqueza socialmente produzida.

De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) 35,

a origem da pobreza do Brasil não está na falta de recursos, mas na má distribuição

dos recursos existentes. A renda média dos mais ricos no Brasil é vinte e oito vezes

maior do que a renda média dos mais pobres. Nos Estados Unidos da América

(EUA), por exemplo, a proporção é de cinco vezes; na Argentina, de dez vezes; e na

Colômbia, de quinze vezes. Portanto, poucos detêm muito e muitos não detêm

quase nada.

O processo saúde-doença se identifica com o modo de organização da

sociedade. Trata-se de uma determinação permanente de um mesmo processo,

composto por fatores biológicos, econômicos, políticos, culturais e sociais.

Na sociabilidade do capital, verifica-se o aumento da demanda pelos serviços

de saúde, tanto no enfrentamento de doenças que já deveriam ser erradicadas,

como rubéola, hanseníase, dengue, malária, pneumonia, tuberculose, desnutrição,

meningite, quanto novas formas de contaminação pela resistência de agentes

biológicos (gripe aviária, gripe suína-A, ou Influenza H1N1), AIDS, Câncer; ou seja,

agravos que são eminentemente passíveis de prevenção, e tratáveis.

Acrescenta-se os atendimentos decorrentes das várias formas de violência

nos espaços urbano e rural; dos acidentes automobilísticos, em decorrência de

consumo de álcool; do uso de drogas ilícitas por adolescentes e adultos; dos

problemas psicossomáticos – depressão, síndrome do pânico – relacionados à atual

configuração das relações sociais pautadas na insegurança e competitividade; da

desregulamentação das relações de trabalho, por meio da flexibilidade nos contratos

(parciais, precarizados); na dispensa dos trabalhadores, da alta rotatividade

profissional, dos baixos salários, das formas de qualificação a favor do tecnicismo,

da cultura do consumismo e do efêmero; da banalização da violência, que expressa

novas formas de dominação social do capital.

35 Dados referentes ao ano de 2008.

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No presente trabalho, são inúmeros os depoimentos que reforçam essa

afirmativa, principalmente, entre profissionais que atuam diretamente no âmbito

hospitalar, pois se deparam cotidianamente com situações de óbito, doenças

crônico-degenerativas, situações terminais, infecto-contagiosas, aborto, gravidez na

adolescência, dependência química, abandono de incapazes, várias formas de

violências – física e psicológica –, sendo muitas vezes atingidos em seu próprio

bem-estar físico e emocional:

Assim sendo, sua atividade permite-lhe objetivar-se, ao mesmo tempo em que lhe é estruturante, vez que esse processo polariza não apenas seu intelecto e suas energias físicas, mas o contempla em suas múltiplas dimensões possibilitando-lhe expressar-se e se circunscrever (NICOLAU, 2005, p.159).

Os assistentes sociais entrevistados36 nesta pesquisa relatam que os espaços

ocupacionais onde prestam os serviços configuram-se pela precarização das

condições de trabalho e por constante clima de tensão, que atinge seu bem-estar

físico e emocional e que, recorrentemente, têm crises hipertensivas, já apresentando

quadro depressivo e de síndrome do pânico.

[...] olha aqui essas cadeiras que agente batalhou muito porque dessa altura dava sérios problemas de coluna. Outra coisa aqui, esse arcondicionado, eu acho que ele está num local inadequado, desde o dia que eu cheguei aqui, há três anos, e tem mais, ele está espalhando poeira, nós estamos adoecendo porque você está vendo, aí no chão, ventilando junto com a poeira, então aqui agente vive gripando, estou com problema alérgico, é, com faringite, então as condições de trabalho agente não têm (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).

A desqualificação do atendimento e dos serviços de saúde se associa às

condições precárias de trabalho nos serviços públicos.

Nos serviços de saúde, evidenciam-se determinadas particularidades que os

diferenciam das demarcações tradicionalmente conhecidas nos setores industrial,

36 Para resguardar os profissionais, conforme acordado com os mesmos, são denominados

por letras para referenciar suas falas.

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financeiro e comercial. Como parte do setor de serviços, trata-se de um trabalho da

esfera da produção não-material, que se completa no ato de sua realização. O setor

de serviços37, sobretudo, sociais,

Envolvem tanto uma relação interpessoal intensa, constituindo-se em um processo de ‘intersecção partilhada’, como a mudança transformação de uma determinada ‘situação ou condição’ (COSTA, 2006, p. 111).

Por conseguinte, configura-se uma relação de troca, pela qual o usuário não é

mero expectador nem consumidor, mas um sujeito ativo, que compartilha suas

informações, seguindo ordens e executando atos, objetivando o enfrentamento da

situação e/ou condição para que sua saúde seja mantida ou restabelecida, sem,

necessariamente, apreender o movimento e sentido daqueles atos.

No modelo assistencial do SUS, os serviços de saúde são organizados de

acordo com os níveis de atenção, que são os de básica, média e alta

complexidades. A atenção básica compõe unidades de promoção à saúde através

da prevenção de doenças e agravos, assistência e reabilitação junto à Unidade

Básica de Saúde (UBS) e Programa Saúde da Família (PSF), conhecidas como a

porta de entrada do sistema de saúde.

O nível secundário se caracteriza pelos atendimentos especializados e

procedimentos de média complexidade em centros de saúde, policlínicas e hospitais

de baixa complexidade.

Já o nível terciário se caracteriza pelos procedimentos de alta complexidade e

internações hospitalares nos hospitais de emergência, gerais e especializados.

O sistema se saúde está organizado de acordo com as necessidades de

prevenção, tratamento e reabilitação, conforme mostra a seguir, o Quadro 03.

37 Serviço é o efeito útil de um valor de uso, seja ele mercadoria ou trabalho (MARX,1989). Nesses termos, ainda que sob a égide da produção capitalista, o serviço exprime o valor de uso particular do trabalho útil como atividade e não “como objeto” (COSTA, 2006).

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NÍVEIS DE ATENÇÃO DO SUS

PRÉ-PATOGÊNICO (Prevenção 1ª)

PATOGÊNICO (Prevenção 2ª)

PÓS-PATOGÊNICO (Prevenção 3ª)

Prevenir que a doença ocorra (saneamento, vacinas, educação).

Diagnóstico e tratamento; prevenir mais agravos durante a doença.

Reabilitar e reinserir a capacidade produtiva,

prevenindo que a doença reincida.

Quadro 03. Níveis de atenção do SUS. Fonte: Organização Mundial de saúde. Elaboração própria, 2010

Os níveis de atenção devem estar qualificados para atender e resolver as

principais demandas da população, referenciando-as entre si, de acordo com a

necessidade e o grau de complexidade. No entanto, observa-se um movimento

contrário, pois houve um aumento da demanda na rede básica sem a devida

ampliação das equipes e da capacidade operacional – equipamentos, material de

laboratório e profissionais qualificados –, resultando em problemas de manutenção,

bem como a desintegração entre as ações desenvolvidas nas UBS, PSF, pronto-

atendimentos, hospitais e centros clínicos (COSTA, 2000).

Segundo Vidal (2008), a falta de acesso às variadas portas de entrada do

Sistema de Saúde, seja para continuidade no tratamento ou retorno as consultas e

exames, implicam uma demanda reprimida38, enquanto uma expressão da questão

social, pois integra “[...] o conjunto das desigualdades sociais engendradas na

sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado”

(IAMAMOTO, 2001).

Por tudo isto, as pessoas acessam o sistema de saúde por onde é possível.

Pode-se dizer que os usuários buscam formas de enfrentamento para acessar o

sistema, já que não obtêm como deveria.

38 Refere-se à demanda explicitada pelos usuários, ou seja, a procura espontânea desses por uma ação ou serviço de saúde, o que não inclui as necessidades de saúde relacionadas á promoção da saúde e a prevenção de doenças, danos, agravos e riscos, quase nunca colocadas de forma explícita pelos mesmos (VIDAL, 2008, p. 134).

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Observa-se uma sobrecarga nos demais níveis de atendimento, como por

exemplo, nos hospitais, pois no momento em que um usuário não tem o suporte da

rede básica, recorre aos locais onde o atendimento é aparentemente mais fácil.

Sobretudo após a deflagração aguda das doenças, verifica-se o aumento da

demanda por ações curativas e individuais, devido à baixa resolutividade do sistema

de saúde em referenciar o serviço de um nível para outro.

De acordo com a assistente social A, em decorrência do não-acesso às UBS

e PSF, o aumento da demanda dos usuários nas emergências hospitalares e

Pronto-Socorros repercute na própria organização do trabalho profissional, conforme

a afirmativa que segue:

Segundo as meninas mais antigas, elas disseram que faziam planejamento, que faziam palestras, mas aumentou muito o número de pessoas a serem atendidas porque como as unidades básicas não dão suporte, não têm médicos, então tudo é trazido para o hospital, aumentou a demanda em 30%, porque desde que eu cheguei aqui o atendimento não pára, é gente demais, principalmente na outra sala (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).

Seguindo o mesmo raciocínio, a assistente social A, relata que:

Primeira coisa, aí tem a secretária, quando ela não está aí agente faz o levantamento de todos os internos, aí vai checar se todos têm entrevista, se não tiver, aí vai ao leito e entrevista o paciente, pega o número do telefone e tudo (xerox dos documentos). Aqui agente não pára. É muito corrido, você viu, o tempo que estamos aqui já recebi duas ligações, já me chamaram à porta, estão me chamando lá (nas enfermarias), então é assim, agente não pára (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).

Os hospitais, além de não assegurarem o atendimento para todos que

procuram seus serviços, constituem-se em espaços de "quebra” da integralidade das

ações, pois se compromete a racionalização e a qualidade da atenção entre os

diversos níveis de complexidade – UBS, PSF e centros clínicos. Os usuários

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retornam várias vezes ao serviço onde o atendimento é paliativo, sem a necessária

educação em saúde, o que evitaria a reincidência da maioria dos problemas.

De um modo geral, os profissionais das unidades hospitalares culpabilizam os

usuários por procurarem o hospital e não os postos de saúde, como se estes

tivessem escolha. Essa procura pelos hospitais resulta numa demanda ambulatorial

(ações de prevenção e promoção) que inviabiliza um serviço de qualidade das

emergências e urgências responsáveis pelo atendimento às intercorrências na

saúde.

A ação cotidiana dos assistentes sociais tem papel importante na construção

da integralidade das ações em saúde, porque possibilita concretizar a diretriz

constitucional que preconiza a atenção integral através de diferentes níveis de

complexidade: prevenção, promoção, tratamento, reabilitação e cura, articulando-os

ao conjunto das políticas sociais.

Neste estudo, a integralidade é entendida numa perspectiva de totalidade,

englobando tanto a abordagem do sujeito, como parte de um contexto social,

econômico, histórico e político, quanto a organização de práticas de saúde que

garantam o acesso aos diferentes níveis de complexidade. Para tanto, fundamenta-

se em dois pilares básicos: a interdisciplinaridade e a intersetorialidade.

A interdisciplinaridade permite um olhar ampliado das especificidades que se

conjugam no âmbito das profissões, por meio das equipes multiprofissionais,

integrando saberes e práticas voltadas para a construção de novas possibilidades de

pensar e agir em saúde. Pois,

Para se constituir, a perspectiva interdisciplinar não opera uma eliminação das diferenças: tanto quanto na vida em geral, reconhece as diferenças e as especificidades, convive com elas, sabendo, contudo que elas se reencontram e se complementam, contraditória e dialeticamente (SEVERINO, 2000, p. 20).

O tema da interdisciplinaridade suscita limites diante da hegemonia neoliberal

que se impõe à operacionalização de uma ação interdisciplinar caracterizada pela

troca de conhecimentos e do reconhecimento de um saber coletivo. A sociabilidade

do capital se estrutura de maneira que haja um superior que ordene e cobre

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atitudes. Centraliza-se o poder de decisão e o controle da vida social, limitando o

protagonismo das pessoas enquanto sujeitos que pensam, discutem e opinam.

A intersetorialidade representa uma nova forma de gerir políticas públicas,

integrando conhecimentos e estruturas organizacionais, no enfrentamento de

problemas complexos, contribuindo para atender às necessidades de saúde da

população.

A concepção da intersetorialidade acompanha o discurso contemporâneo da

participação, flexibilização, integração e politização da gestão pública, a qual

introduz mudanças nos processos de trabalho (BRONZO; VEIGA, 2007). Portanto,

não está isenta de interesses antagônicos, tanto relacionados à garantia de direitos,

através da descentralização dos serviços, a partir de uma gestão multinível e

relacional quanto à cultura tecnocrática, pela qual a questão social é equacionada a

partir de uma lógica residual e setorial das políticas públicas.

A partir da década de 1990, com a implantação do SUS, as mudanças

tecnológicas, organizacionais e políticas apontam para novas formas de organização

do trabalho em saúde, determinada pela hierarquização, descentralização e

democratização do Sistema. Trata-se das modalidades de cooperação horizontal -

expansão dos subsistemas de saúde e vertical – divisão social, técnica e

institucional do trabalho.

Tais mudanças atendem ao próprio protocolo39 de funcionamento do sistema

de referência e contra-referência para a autorização e marcação de consultas,

internamentos e exames de média e alta complexidades, de forma unificada,

hierarquizada e, em parte, informatizada.

Todavia, verifica-se que tais mudanças não contemplam as reais

necessidades da população, constituindo-se em mecanismos de burocratização,

pelos quais é retardada a perspectiva de cura dos sujeitos, condição que favorece o

setor privado.

Diante de risco iminente de morte, em situação de dor e sofrimento, quem

pode, paga por exames, consultas, internamentos e ambulâncias equipadas para

situações de emergência em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) móveis. Já 39 Tais protocolos, nos casos de cirurgias, incluem a triagem obrigatória; realizada por um

auditor, para autorizar cirurgias eletivas e procedimentos que demandem internamento ou exames e procedimentos ambulatoriais de alta complexidade sendo necessário levar o paciente em pessoa, com potenciais riscos de vários retornos (viagens) para conseguir autorizar/acessar tais serviços (COSTA, 2000, p. 11).

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aqueles que não podem pagar – a maioria da classe trabalhadora, padece, desiste

da solicitação de exames e/ou morre nas filas, enquanto aguardam atendimento nas

emergências hospitalares.

A negativa de assistência à saúde não é contabilizada em nenhum nível do

Sistema de Saúde; ou seja, o usuário que não é atendido, não existe para o Sistema

de Saúde (VIDAL, 2008, p. 142).

A demora no agendamento de uma consulta e na marcação de um exame

está demandando um novo serviço aos assistentes sociais inseridos nos hospitais

públicos: pesquisar preços e marcar consultas e exames em clínicas particulares.

Seja a pedido dos pacientes e familiares, seja da equipe de saúde, que conta com o

poder de convencimento destes profissionais, a fim de viabilizar o tratamento

iniciado.

A lógica perversa do capital impõe como alternativa a procura pela iniciativa

privada. E os constrangimentos daí decorrentes, pois o profissional está naquele

espaço para viabilizar um serviço público que não existe.

Observa-se a existência de dois sub-sistemas de saúde: o de entrada e

controle e o de referência ambulatorial e especializado. O primeiro presta serviços

básicos, não rentáveis, de responsabilidade do Estado, voltados aos que não podem

pagar. O segundo, de maior complexidade, direciona-se aos setores privados e/ou

programas focalizados que são excludentes e privilegiam o cidadão consumidor.

Aqueles sujeitos que, diante do sucateamento da rede pública, pagam mensalidades

em planos e seguros de saúde, porém nem sempre dispondo de serviços de

qualidade.

O conflito de interesses entre público e privado, no âmbito do SUS, dificulta a

integração das instituições na rede. Há uma supervalorização da iniciativa privada

enquanto solucionadora de todos os problemas. Conforme (BAHIA, 2006, p. 167),

Para uma parcela importante dos profissionais de saúde, o SUS significa apenas o conjunto de serviços de saúde destinado a atender os que não podem pagar. Não é por menos que esses mesmos servidores consideram imprescindível a cobertura dos planos privados de saúde. O mesmo fenômeno, examinado sob outro registro, evidencia que as demandas das entidades dos profissionais de saúde (especialmente médicas) por melhores condições de trabalho nos serviços públicos quase sempre são dissociadas das necessidades de saúde da população.

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De acordo com a autora, há um pacto silencioso entre trabalhadores de

saúde, sanitaristas, sindicatos, partidos políticos e Estado, que defende o projeto

privatista. Os movimentos sociais que defendiam a reforma sanitária, o SUS e a

saúde como direito universal, foram cooptados pelos interesses do empresariado da

saúde. A defesa do SUS constitucional torna-se uma tarefa de militantes,

determinados sanitaristas e participantes de conselhos de saúde.

É no contexto de negação de direitos que se inserem os assistentes sociais,

integrando o processo coletivo do trabalho em saúde, numa perspectiva de garantir

o direito a ter direitos, seja no tocante ao acesso aos bens e serviços, seja no

atendimento das necessidades de saúde da população, que não se reduz à atenção

médica – paradigma predominante no setor – e sim, à construção de uma

consciência sanitária que considera as dimensões política, econômica e social que

integram a totalidade da vida dos sujeitos.

O processo de descentralização na saúde amplia a inserção dos assistentes

sociais em diferentes espaços organizativos, exigindo destes, a formalização das

ações e decisões. Em outros termos, a racionalidade do trabalho profissional. O

planejamento das ações é um instrumento de trabalho importante, do qual dispõem

os assistentes sociais para direcionar politicamente o trabalho profissional.

A partir desta pesquisa, evidencia-se que parte dos assistentes sociais

inserida no âmbito hospitalar não sistematiza suas ações cotidianas, seja pela alta

rotatividade dos usuários, seja pelo reduzido número de profissionais, que não

contempla o quadro, e prejudica a continuidade das ações ou ainda pelo trabalho no

espaço do plantão, que se reduz as ações isoladas para resolver “problemas” dos

usuários. Observa-se no Gráfico 02, a seguir:

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Não planeja

Planeja

Gráfico 02: Planejamento das ações profissionais. Fonte: Pesquisa de campo, 2009.

Entende-se por sistematização do trabalho o processo de organização

teórico-metodológico e técnico-instrumental da ação profissional. A ação planejada

possibilita a contínua reflexão da prática e do real, na construção de um processo de

mudança, considerando-se a diversidade de sujeitos envolvidos no processo de

transformação.

O planejamento é um instrumento de trabalho que pode contribuir para a

compreensão da realidade, a partir da definição de metas e dos recursos –

financeiros, humanos, estruturais e políticos – disponíveis para o alcance de

determinados objetivos pelos quais os assistentes sociais pretendem modificar o

real, para a incorporação de novas situações, tornando o processo dinâmico e

flexível.

O Planejamento Estratégico Situacional (PES)40 foi o método de planejamento

mais difundido pelo movimento sanitário brasileiro (na década de 1980), sua ênfase

nos núcleos de planejamento e gestão da saúde se relacionou, inicialmente, à área

técnica, a organização dos sistemas e serviços de saúde; e ultimamente, como uma

ferramenta estratégica (MATUS, 1997).

Torna-se necessário rever os conhecimentos produzidos a partir da

elaboração de indicadores que avaliam os impactos das mudanças nas relações e 40 O Planejamento Estratégico Situacional (PES), de Carlos Matus, economista chileno, utiliza o planejamento a serviço da libertação dos homens, fazendo com que, no curso dos acontecimentos, os homens, de conduzidos, transformem-se em condutores (MATUS, 1997).

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estruturas organizacionais, nas ações profissionais, nos serviços oferecidos e nos

indicadores de saúde da população.

Assim sendo, considera-se a sistematização das ações – planejamento,

registro, avaliação e divulgação – por meio da elaboração de planos de trabalho e

projetos democráticos pautados por negociações em diferentes níveis e sujeitos,

imprescindíveis para diminuir o nível de conflitos nos espaços ocupacionais.

Nos processos de trabalho em saúde, observa-se um acúmulo de novas

tecnologias e variedade de serviços e uma fragmentariedade na sua prestação e

consumo; ou seja, uma organização parcelar, que aliena o trabalhador do próprio

objeto de trabalho, pois não há interação com o produto final da sua atividade

laboral.

A concepção fragmentada/parcializada do pensamento positivista advindo da

Idade Moderna, século XIX, marcada pelo avanço tecnológico, científico e

econômico, é transportada das ciências exatas para as ciências humanas, e destas

para as ciências da saúde (LAVILLE; DIONE, 1999).

As bases teóricas do positivismo são retomadas nos dias atuais pelos

neoliberais e pós-modernos que priorizam a construção do saber

técnico/especializado voltado para o mercado, em detrimento do trabalho coletivo, o

que torna necessária a constante reflexão acerca do saber, do conhecimento, da

ciência e das relações de poder nesta sociabilidade.

Concorda-se que a concretização da interdisciplinaridade pode contribuir para

a efetivação de um espaço democrático nas relações de trabalho, a partir de

debates e construções coletivas que rearticulem discursos e práticas profissionais,

bem como o incentivo à co-participação dos usuários nos órgãos de gestão

colegiada do SUS. Mas esta ainda está incipiente, conforme aponta Severino (2000,

p. 82):

A interdisciplinaridade é uma relação de reciprocidade, de mutualidade, que pressupõe uma atitude diferente a ser assumida frente ao problema de conhecimento, isto é, substituir a concepção fragmentária pela unitária.

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A discussão acerca da interdisciplinaridade apresenta diversas abordagens.

Trata-se de uma histórica preocupação humana com a unidade do saber. Surge

como uma crítica à educação fragmentada, proporcionando uma reflexão sobre o

ensino, apoiada nos movimentos da ciência e da pesquisa. A perspectiva adotada

neste estudo entende a prática interdisciplinar intrínseca à concepção de totalidade,

porque

Exige uma inter-relação e cooperação entre os conhecimentos adquiridos, habilidades e competências, isto é, o fazer profissional baseado na reciprocidade, solidariedade e interdependência disciplinar (TEIXEIRA; NUNES, 2006, p. 122).

A natureza coletiva do processo de trabalho em saúde é perpassada por

determinantes históricos, econômicos, culturais e políticos, como elementos

constitutivos da totalidade. Na sociabilidade capitalista, o processo de trabalho em

saúde tem como principais características: a fragmentação das ações profissionais;

a imobilidade dos profissionais; a desarticulação entre as linhas de intervenção e

dos sistemas de informação; e a burocratização. Há o predomínio do modelo

assistencial centrado no ato médico, que decide sobre o diagnóstico; exames

complementares; terapêutica; uso ou não dos vários equipamentos de ponta; bem

como delega partes do trabalho assistencial a outros profissionais de saúde:

A assistência é fragmentada, resultante de um trabalho parcelado e compartimentalizado, ao mesmo tempo que mantém algumas características do trabalho tipo artesanal” (MERHY, 2007, p. 24).

Os sujeitos – gestores, profissionais de saúde e usuários – não são os únicos

responsáveis pela desconstrução da prática interdisciplinar. O processo de trabalho

em saúde e as práticas de atendimento são perpassadas pelas condições materiais,

históricas, objetivas e subjetivas para sua concretização.

Como exemplo, observa-se que nas unidades de média e alta complexidades

– ambulatórios e hospitais, os profissionais de saúde só consideram os usuários

quando estes são atendidos pelos médicos, ou seja, suas demandas são atendidas

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por ações de diagnóstico e tratamento de doenças. São ignoradas as demandas por

ações de promoção e prevenção de doenças, danos, agravos e riscos, as quais, na

maioria das vezes, estão implícitas nos lamentos dos usuários.

Assim, se não passarem pelo atendimento médico, os usuários perdem a

oportunidade de educação em saúde, pois sem o contato com os demais

profissionais – assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, entre

outros, os mesmos ficam sem o direito à informação.

Não se trata de responsabilizar determinada categoria médica pela má

organização do trabalho, pois assim reduze-se as restrições da saúde ao âmbito

individual. Porém, denuncia-se as bases que legitimam o modelo de organização e

atenção vigentes, com vistas a criar o novo, em condições adversas, reforçando a

cultura do trabalho coletivo.

Cabe registrar a polêmica da aprovação do Projeto de Lei (PL) do Ato

Médico41 pela Câmara Federal seguindo agora para o Senado. Trata-se de um

retrocesso conceitual na saúde pública brasileira, cuja perspectiva corporativista e

mercantilista propõe a manutenção do modelo médico-hospitalar, com enfoque na

doença, privilegiando o atendimento privado da medicina, excluindo o atendimento

público e universal.

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2005), redefine o conceito de saúde

para além da ausência de doenças, relacionado ao completo bem-estar físico,

mental e social. Portanto, ao delegar aos médicos as habilidades e competências

das demais profissões da saúde, o PL 25/02 coloca em risco à saúde da população

e restringe a abordagem multidisciplinar na saúde, contrariando os princípios da

reforma sanitária e a própria concepção de saúde.

A fragmentação no atendimento nega ao usuário a possibilidade de interagir

enquanto sujeito, rompe-se com a concepção de protagonismo do mesmo, no

tocante à autonomia de decidir por sua própria “forma de caminhar”, com intenção

41 Projeto de Lei nº 25/02, proposto pelo Senador Geraldo Althoff (médico), que busca regulamentar Atos Médicos. O PL sofreu emenda do Senador Tião Viana (PT-AC) e também médico, criador da Lei nº 7703/06, que regulamenta o exercício da medicina no Brasil. A proposta do “Ato Médico/02” institui aos médicos a exclusividade de diagnóstico de doenças (quaisquer que sejam) e a prescrição terapêutica (tratamento), e assegura a hegemonia da coordenação de equipes de saúde. Pelo projeto original, deixando mais claro, torna-se privativo da medicina a “[...]coordenação, chefia direção técnica, perícia, auditoria, supervisão e ensino vinculadas, de forma imediata e direta, a procedimentos médicos” (CFM, 2009).

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de alterar a situação de sofrimento vivenciada no âmbito das relações sociais, ao

remetê-lo para a participação em diferentes espaços organizativos (MIOTO, 2008).

O processo de trabalho em saúde é realizado por uma equipe

multiprofissional, composta de profissionais de diferentes áreas42, que apresentam

diferenças particulares intra/interinstitucionais.

A diversidade de sujeitos e saberes não é um entrave na prestação dos

serviços. Ao contrário, a articulação entre os diversos saberes é um pressuposto na

concretização da integralidade das ações: “É a visão da totalidade da organização

do trabalho que torna possível situar a contribuição de cada especialização do

trabalho no processo global” (IAMAMOTO, 2001, p. 108).

A articulação de saberes se dá num contexto de disputas de interesses

individuais e coletivos. Portanto, o corporativismo, a vaidade e a falta de tempo para

reunir as equipes, e o não – pensar de forma coletiva fazem com que a

fragmentação do trabalho em saúde seja uma característica permanente.

A postura de isolamento dos profissionais e a resistência ao trabalho coletivo

são intrínsecas ao projeto neoliberal e aos seus ideais neoconservadores, pelos

quais os sujeitos se fecham em seus “mundos”, em suas angústias e possibilidades

individuais. Trata-se do “cada um por si”, “o mundo é dos mais fortes e espertos”, a

apologia à moral burguesa, que desumaniza as relações sociais a partir da

competitividade, insegurança e ameaça do desemprego.

A força de trabalho na saúde apresenta distinções nos níveis de escolaridade,

de capacitação para o trabalho, de experiências profissionais – idades e tempos de

trabalho distintos –, de gênero, de inserção social, de vínculos empregatícios, de

carga horária contratada e efetivamente trabalhada, de diversas faixas salariais, da

condição de informalidade43 e da falta de um Plano de Cargos, Carreiras e salários

(PCCS).

Tais distinções são cruciais na prestação do serviço, segundo a forma como o

profissional se vê no Sistema de Saúde, quanto ao grau de comprometimento, da

qualidade – ou não – dos serviços prestados e da alteração – ou não – dos

indicadores de saúde.

42 Biomedicina, enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, nutrição, educação

física, psicologia, serviço social, odontologia, radiologia e terapia ocupacional (CNS,1997). 43 Refere-se neste estudo às formas precarizadas de inserção no mercado de trabalho e as desregulamentações de suas relações no tocante à legislação trabalhista (TAVARES, 2006).

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A precarização dos vínculos, a informalidade das formas de recrutamento de pessoal, por vezes permeáveis ao nepotismo, e as nomeações políticas para os ocupantes de cargos técnicos nas instituições públicas tornam quase inexeqüíveis a dedicação e o compromisso dos servidores públicos com a implementação de um SUS universal (BAHIA, 2009).

As condições segundo as quais estes trabalhadores atuam são insatisfatórias,

sendo freqüente a falta de materiais e de vagas/leitos; danificação de equipamentos;

falta de medicamentos; e outras tantas insuficiências. Por conseguinte, usuários e

trabalhadores convivem em seu cotidiano com uma rede sucateada.

A organização do trabalho, em nível terciário, especificamente, em hospitais,

caracteriza-se pelo atendimento a internações clínicas e pelas emergências vinte e

quatro horas, bem como consultas ambulatoriais pré e pós-internação imediata, com

alta complexidade tecnológica.

O processo de trabalho em saúde é influenciado pelas inovações tecnológicas

e pela organização científica do trabalho, na esfera do modo de produção capitalista

(OLIVAR; VIDAL, 2007, p. 145), diferenciando-se das outras formas de produção

material e industrial, na medida em que produz serviços e tem a peculiaridade de ser

consumido no momento em que é produzido.

A inserção dos assistentes sociais neste contexto é decorrente das demandas

derivadas das manifestações da questão social, “matéria-prima” do trabalho

profissional, e das lacunas decorrentes das contradições presentes no processo de

racionalização/reorganização do SUS. Ou seja, as necessidades da população se

confrontam com o conteúdo e a forma de organização dos serviços.

O trabalho profissional dos assistentes sociais é tensionado pelas condições e

vínculos de trabalho impostos pelos empregadores que impõem um relativo limite ao

recorte do objeto da ação profissional e à apreensão das demandas e definição de

objetivos, condicionando, ainda, os resultados do trabalho.

A possibilidade de exploração ocorre pela diminuição do poder dos

trabalhadores em seus processos de trabalho, pela concentração do poder de

decisão dos proprietários e/ou diretores que exploram o trabalho autônomo

(SANTOS-FILHO, 2009, p. 14).

O serviço social subsidia a prática médica, categoria hegemônica no setor

saúde, devido ao predomínio do modelo médico-curativo, na medida em que os

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assistentes sociais são considerados mediadores dos conflitos postos pelo mau

funcionamento do Sistema de Saúde, bem como facilitadores da comunicação entre

a equipe de saúde e os usuários.

Trata-se de assegurar que o usuário transite pelos diversos processos de

atendimento, segundo as normas estabelecidas, seguindo o fluxo pré-estabelecido

de relações entre os diversos níveis de cooperação horizontal e vertical, bem como

suprir as "lacunas" gestadas nas práticas dos demais profissionais, no interior do

processo de trabalho em saúde.

Ressalta-se que o serviço social não é uma política pública de Estado, que

executa apenas o cumprimento de normas, em detrimento das práticas educativas.

É uma profissão reconhecida socialmente, legitimada por um projeto profissional

consolidado, e expresso no Código de Ética (1993) e na Lei nº 8.662/93 que a

regulamenta possibilitando a competência teórica, política e técnica para fazer a

leitura crítica desta sociabilidade e propor alternativas de enfrentamento/superação.

Os assistentes sociais entrevistados relatam um clima constante de tensão,

pois são cobrados duplamente: pelos usuários e pelos colegas de trabalho, já que os

consideram solucionadores dos problemas referentes à prestação ou não do serviço.

Para a ordem burguesa, o conflito é algo positivo para o progresso social. A

partir deste conflito, justifica-se a defesa da tolerância e da diferença. A lógica liberal

entende a divisão do poder enquanto uma necessidade de limitá-lo com a criação de

outro poder. Trata-se de pôr fim ao absolutismo, abrindo campo de disputa; isto é, o

incentivo à competição, tão estimulada pelos neoliberais.

A existência de conflitos é inerente ao solo contraditório de interesses que

divergem nesta sociabilidade capitalista. Ademais, não se acredita numa sociedade

harmônica. Assim, as possibilidades de negociação estão dadas nesta mesma

sociabilidade na qual tudo se renova.

Conforme previu Netto (1996, p. 124), tais possibilidades serão configuradas

“[...] por tensões e conflitos na definição de papéis e atribuições com outras

categorias sócio-profissionais”. Portanto, as ações profissionais pressupõem uma

mudança de atitudes que respeite as diferenças e considere todo conhecimento

importante.

Percebe-se que parcela dos entrevistados reduz a existência de conflitos à

dimensão pessoal, que pode ser solucionada a partir do investimento em relações

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humanas, obscurecendo as contradições do sistema capitalista e a própria função

social da profissão, no âmbito das políticas sociais e dentre estas, a saúde.

A questão posta nestes termos denuncia os limites dos assistentes sociais de

sistematizar criticamente suas ações, porque, ao priorizar questões pessoais e

materiais em detrimento da questão social, perdem a dimensão ético-política na

busca da universalização dos direitos.

Portanto, “[...] a prática profissional se caracteriza como conservadora, já que

o controle e o poder coercitivo sobre os usuários são estratégias utilizadas na

condução das ações cotidianas” (AMADOR, 2009, p. 130).

Neste estudo, ressalta-se questões relacionadas às condições – éticas e

técnicas de trabalho, pelas quais os assistentes sociais materializam suas ações

profissionais. Estas são perpassadas pela falta de comunicação da equipe de

trabalho entre si, e desta com os usuários; pelo desconhecimento das competências

e atribuições privativas destes profissionais nos espaços de trabalho; pela

desapropriação dos conhecimentos relativos à saúde dos usuários e seus

respectivos modos de vida.

Por tudo isto, observa-se uma perspectiva conservadora do trabalho

profissional no âmbito hospitalar, que reforça a lógica do capital pela mudança

comportamental, aliada a alterações no meio social. Os profissionais são vistos

como meros executores das atividades determinadas pelos gestores nas diversas

esferas governamentais, limitando-se ao cumprimento de tarefas e à realização de

ações pontuais, para cumprir seu papel institucional.

Os assistentes sociais são profissionais que centralizam e difundem

informações sobre os usuários, nas organizações empregadoras facilitando a

adesão dos mesmos às exigências normativas e definições programáticas

(IAMAMOTO, 2007).

O assistente social é participe, como trabalhador coletivo, de uma grande equipe de trabalho e, nesse sentido, sua inserção faz parte de um conjunto de especialidade que são postas em movimento simultaneamente para efetivar os objetivos das instituições empregadoras, sejam elas públicas ou privadas (p. 262).

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Neste cenário, os assistentes sociais se apropriam da linguagem e do

conhecimento, “[...] tanto das razões que levam o usuário e/ou sua família a ter

determinado comportamento, quanto das razões técnicas básicas que levaram a

equipe de saúde a optar por uma determinada terapêutica” (COSTA, 2000, p. 53).

Percebe-se um caráter conservador nos relatos das entrevistadas, no sentido

de responsabilizar os sujeitos por seus estilos de vida – saudáveis ou não – ou seja,

por sua condição de saúde/doença. Trata-se da culpabilização dos sujeitos pela falta

de cuidados com os filhos ou idosos, pela falta de higiene, por serem pobres, ou por

não terem estudo – analfabetos.

A concepção de saúde adotada, em parte dos relatos, desconsidera as

condições de vida, a organização sócio-espacial, os aspectos econômicos e

culturais dos sujeitos, reproduzindo a concepção orgânica dos modos de adoecer,

contrários aos preceitos da Constituição Federal de 1988.

Os usuários dos serviços de saúde pública são, em sua maioria, pessoas de

baixo poder aquisitivo, com baixo ou nenhum grau de escolaridade, provenientes

das zonas rurais e das periferias urbanas, onde as condições sanitárias adequadas

inexistem e onde não há atendimento básico e preventivo de agravos à saúde.

A população usuária procura o atendimento hospitalar fragilizada, debilitada e

desinformada, e investe toda expectativa no saber técnico especializado dos

profissionais de saúde.

O caráter pessoal nas relações profissionais nos serviços de saúde identifica

o assistente social como um técnico em relações humanas por excelência

(IAMAMOTO, 2007). Enfatiza-se o caráter educativo do exercício profissional, que

incide diretamente sobre os valores, comportamentos e atitudes da população, bem

como a linguagem enquanto instrumento privilegiado de ação profissional.

A comunicação é o centro de todo relacionamento, seja pessoal seja

profissional. Pode ser considerada a arte do entender e do fazer-se entender. É no

processo verbal ou não-verbal, de transmitir informações entre as pessoas, que se

entende o que está sendo expresso. Portanto, não está limitada à fala, à linguagem

oral, mas também é possível por meio de gestos, símbolos e expressões, bem como

qualquer forma que contenha em si um significado inteligível-compreensível.

Nos serviços de saúde, a comunicação entre a equipe de trabalho e desta

com os usuários tende a enfrentar algumas barreiras devido à heterogeneidade de

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pensamentos, dos sentimentos, das idéias e valores culturais, acirrando o contexto

de precariedade ao qual estão submetidos e interferindo diretamente na

recuperação do estado de saúde dos pacientes.

O serviço social na saúde interfere e cria um conjunto de mecanismos que

incide sobre as principais contradições do sistema de saúde. O atendimento às

necessidades imediatas e mediatas da população usuária pressupõe o

comprometimento com as mesmas, com respeito aos seus direitos e modos de vida,

a partir de atitudes críticas acerca do processo social, político e econômico em

curso.

Para tanto, é exigida uma qualificação acadêmica de qualidade, a qual prime

pelo ensino, pesquisa e extensão, bem como o resgate aos princípios da reforma

sanitária, norteado pela materialização do PEPP.

O arcabouço constitucional e normativo do SUS, fruto da luta democrática,

garante a co-gestão nas três esferas do governo – municipal, estadual e federal –

com conferências a cada quatro anos e conselhos de saúde paritários e tripartites

entre gestores, trabalhadores /prestadores e usuários.

Aponta-se a expansão da força de trabalho em saúde. Dentre esta, o

contingente de assistentes sociais, nos diversos níveis de atenção, bem como a

articulação dos espaços de gestão como forma de enfrentar o cenário de

precarização que conduziu a flexibilização do trabalho. O que torna desafiante e

necessário o debate sobre as transformações do emprego formal na saúde, assim

como as novas formas de trabalho, no sentido de propor proteções mais ajustadas a

essas mudanças e garantir qualidade na assistência à saúde.

Neste sentido, discute-se a valorização desta força de trabalho a partir da

formação dos Recursos Humanos (RH) na saúde, enquanto estratégia para a

concretização do SUS, defendido pela reforma sanitária.

2.3 As Discussões sobre a Política de Recursos Humanos em saúde

No processo de construção do SUS, a política de RH constitui a base para a

viabilização dos projetos, ações e serviços de saúde. Ademais, há um consenso

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entre os defensores da reforma sanitária brasileira, de que a formação dos RH é um

dos mais graves problemas do SUS. Movido por essa preocupação, o relatório da

OMS (2006) destaca a crise da força de trabalho em saúde como uma questão

estratégica, elegendo 2006-2015 como o período de RH.

Ressalta-se a importância de uma adequada preparação e de investimentos

na força de trabalho para a melhoria da qualidade dos serviços prestados à

população, no sentido de superar a herança clientelista, individualista e autoritária

nos serviços de saúde, para uma perspectiva de universalização dos direitos.

Os problemas concernentes à gestão de pessoal surgiram durante a

realização da IV Conferência Nacional de Saúde, em 1967, na qual foram discutidas

questões referentes à formação de uma política permanente de avaliação dos

recursos humanos, tendo em vista a formação de pessoal.

As conferências nacionais de saúde, em cada conjuntura, constituem espaços

ímpares nos quais os trabalhadores, gestores e sociedade civil protagonizam o

debate sobre a efetivação do direito à saúde.

A partir da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, o debate sobre RH

ganhou maior visibilidade devido o gradativo processo de abertura política no país.

Na ocasião, era discutida a política de desenvolvimento da força de trabalho, com

ênfase na valorização profissional, pelo investimento em educação continuada,

melhorias de salários e de condições de trabalho. Tais debates impulsionaram a

elaboração do relatório final da I Conferência Nacional de RH (CNRH) na saúde,

firmando um compromisso de formação relacionada às condições de vida dos

trabalhadores em geral e ao aprofundamento do processo de democratização.

Observa-se que os debates sobre a formação e valorização da força de

trabalho em saúde são recorrentes nas conferências, seminários e encontros do

setor saúde, como sinaliza o Quadro 04, a seguir.

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CONFERÊNCIAS TEMAS PRINCIPAIS DISCUSSÕES I Conferência Nacional de Recursos Humanos na saúde (CNRH), em

1986.

“Política de Recursos Humanos Rumo à Reforma Sanitária”.

Formação e qualificação; Organização sindical;

Democratização do acesso aos serviços.

II Conferência Nacional de Recursos Humanos na saúde (CNRH), em

1993.

“Os desafios éticos frente às necessidades no setor

saúde”.

Implementação do SUS (formação, desenvolvimento e gestão do trabalho); Regulamentação do ingresso na saúde por meio de

concurso público; Elaboração do plano de cargos, carreira e salários (PCCS).

XI Conferência Nacional

de Saúde, (2000). “Efetivando o SUS: acesso, qualidade e

humanização na atenção à Saúde Indígena com

controle social".

Aprovação dos Princípios e Diretrizes para Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do

SUS-NOB/RH-SUS.

III Conferência Nacional de Recursos Humanos na saúde (CNRH), em

2006.

III Conferência Nacional de gestão do trabalho e da educação na saúde.

Propostas de diretrizes nacionais para a execução de políticas de gestão do trabalho e educação na saúde, ampliação d a participação e

a co-responsabilidade social. Quadro 04. Debates sobre RH na saúde. Fonte: pesquisa de campo, 2009.

Diante do exposto, sinaliza-se que os debates sobre a política de RH, no

âmbito do SUS, intensificaram-se nas últimas décadas, orientando-se por dois sub-

temas: de formação dos trabalhadores e de gestão do trabalho.

No entanto, não se discute criticamente sobre a precarização que essa força

de trabalho vivencia como tendência mais geral, decorrente das atuais

transformações do “mundo do trabalho”, dos processos de “contra-reforma” do

Estado, da utilização do sistema de saúde para fins eleitoreiros e dos parcos

financiamentos do SUS relativos ao trabalho e trabalhadores.

Em 2005 os recursos públicos disponíveis no orçamento do MS eram da ordem de 43 bilhões de reais; nesse mesmo ano o recurso previsto para o pagamento da dívida pública (juros) era de 111 bilhões. Juntando os três recursos da esfera do governo, o gasto não chega a R$ 1,00/dia por habitante, em saúde (SANTOS-FILHO, 2009, p. 55).

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Presencia-se a crescente precarização das relações de trabalho, pela

estratégia da terceirização dos prestadores de serviços por contratos temporários,

sem a realização de concursos públicos e sem garantias trabalhistas, reflexo da

política de corte neoliberal, que além de desproteger os trabalhadores também os

desmobiliza enquanto classe, visto que perdem seu caráter coletivo, ficando cada

um por si, em suas lutas individuais.

Em contrapartida, a efetivação do sistema de saúde exige uma força de

trabalho qualificada dentro do nível de sua formação e de um reconhecimento sócio-

profissional que envolve temas como a criação de carreiras públicas e vínculos

institucionais que garantam os direitos do trabalhador.

Propõe-se a educação continuada como saída para superar o viés tecnicista

que perpassa os processos de trabalho em saúde, para uma perspectiva de

totalidade, do pensar coletivo e para uma melhor compreensão da saúde na

atualidade, o que é importante, se atrelada à apreensão das determinações

políticas, econômicas e sociais de recomposição do capital, que privatizam parte da

saúde pública – setores rentáveis – sucateando os serviços considerados não-

rentáveis.

Identifica-se forte apelo conservador no discurso da educação continuada,

pois camufla os determinantes sociais, políticos e econômicos que perpassam a

força de trabalho em saúde, em nome de uma “capacitação” que supostamente

integraria os trabalhadores ao sistema.

Indaga-se a quê educação se refere, e para quê educar no atual contexto de

mercantilização do ensino, visto que ao atender as exigências dos organismos

internacionais para integrar o Brasil entre os países que erradicaram o

analfabetismo, são forjados indicadores/números por meio de avaliações periódicas

os quais expressam tudo menos a qualidade do ensino.

O acesso precário aos ensinos elementar e médio resulta no não-acesso às

universidades públicas, que apesar das adversidades – seletividade e elitismo –

oferecem ensino presencial pautado nos pilares do ensino, pesquisa e extensão.

O ensino universitário particular é, em geral, de má qualidade, desenvolvido

sob o crivo da técnica, sem o incentivo às pesquisas, num contexto de exploração

tanto dos discentes – submetidos à lógica do capital/pagamento de mensalidades –

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quanto dos docentes – submetidos às extensas jornadas de trabalho, baixos

salários, desqualificação acadêmica e desestímulo às pesquisas.

Pensando na educação permanente e continuada na área de RH na saúde,

em 1999, foi lançada a Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde

(ROREHS) instituída pela Secretaria de Política de Saúde do Ministério da Saúde

(SPS/MS), com a cooperação técnica da Organização Pan-Americana da Saúde

(OPAS), que integra atualmente dezesseis estações de trabalho.

A OPAS objetiva socializar informações sobre questões de RH em saúde,

produzir estudos sobre a área e fortalecer as políticas de desenvolvimento de RH do

SUS. Suas principais diretrizes são: articular-se com os demais observatórios;

subsidiar os gestores, trabalhadores e docentes nas suas discussões e decisões, e

ainda divulgar informações e análises sobre RH na saúde. Vincula-se às

universidades federais dos diversos estados brasileiros, inclusive o do Rio Grande

do Norte (RN) com o objetivo de promover redes de colaboração entre países e

troca de experiências entre grupos nacionais do observatório, com o intuito de

equacionar e analisar os dados vivenciados pelo RH, vigiar as tendências, atribuir

prioridades aos problemas, e propor um consenso entre os gestores, no que diz

respeito as suas intervenções.

De acordo com esses observatórios, há uma escassez aguda de pessoal de

saúde, distribuição inadequada da força de trabalho no que se refere às

necessidades, desigualdades na composição dos provedores de serviços de saúde

com relação à população atendida, deterioração das condições de trabalho, vínculos

de trabalho precarizados, desigualdade nas formas de proventos, reduzidos

concursos públicos, ausência de capacitação continuada; sistemas de incentivo

deficientes e ausência de estratégias adequadas para a manutenção de

trabalhadores.

Estudos mostram que este quadro de precariedade motiva o adoecimento dos

trabalhadores rebatendo na qualidade dos serviços de saúde e na própria saúde do

trabalhador (SANTOS-FILHO, 2009, p. 45):

A conta da má gestão do trabalho em saúde acaba sendo paga pelos trabalhadores, por usuários e sociedade. [...] Dados do Sistema Único de Benefícios do Ministério da Previdência Social, em 2004, mostram, onde estão notificados afastamentos por doença de

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trabalho por mais de 15 dias: prevalência de afastamentos por mais de 15 dias nos trabalhadores celetistas na saúde é de 435,25/10 mil, sendo 29,46/10 mil por acidentes de trabalho e o restante 405,35 por auxílio das demais doenças; nas atividades de atendimento hospitalar este número chega a 550,78/10 mil. Os grupos de causas mais freqüentes nos afastamentos (CID-10) são problemas osteomusculares (113,92/10 mil), lesões e envenenamentos (80,99/10 mil) e distúrbio mental/comportamento 54,18/10 mil (SANTOS-FILHO, 2009, p. 47).

A questão relativa à gestão do trabalho e de pessoal na saúde, sua relação e

conseqüências no adoecimento dos trabalhadores, e os prejuízos na

qualidade/efetividade das ações em saúde deve sair do papel e ser discutida nos

espaços de trabalho pelos gestores, trabalhadores e usuários.

As políticas de saúde foram influenciadas pelo planejamento estratégico e

pela administração participativa, a partir da década de 1980. Nesta década, era

demonstrada a preocupação para com um tipo de formação do trabalhador,

habilitando-o para maiores níveis de comprometimento, envolvimento e participação,

tendo em vista a melhoria da qualidade da assistência à saúde.

Neste sentido, é exigida competência técnica dos trabalhadores no tocante à

visão global do processo de trabalho e das políticas de saúde, para se anteciparem

aos problemas, proporem soluções e aprimoramentos e agirem com

responsabilidade e autonomia diante de situações imprevistas.

De acordo com esta afirmação, o problema de RH se resolveria através das

novas técnicas de gestão e organização do trabalho, com propostas e projetos de

incentivos e recompensas que integrariam os sujeitos à estrutura.

As transformações no “mundo do trabalho” e as novas demandas e desafios

dos espaços empregatícios afetam diretamente a força de trabalho em saúde.

Porém, não são enfatizadas nas análises oficiais, que reduzem a discussão do não-

acesso à saúde pública ao âmbito da qualificação e participação profissionais; ou

seja, ao nível das relações pessoais e humanas, a responsabilização dos sujeitos.

Não se trata de reduzir a discussão ao âmbito individual, e sim, construir

linhas de transversalidade entre os pólos verticais – estruturas de

comando/poder/saber – e horizontais – equipes e usuários – em novos arranjos

organizacionais – rodas de conversa, colegiados, reuniões de equipe com pacientes

e famílias, plenárias, oficinas, conselhos de gestão – possibilitando a co-gestão da

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produção em saúde entre os sujeitos envolvidos, combinando graus de autonomia e

responsabilidade na avaliação/negociação de interesses e desejos.

Deste modo, a organização pode garantir sua tríplice finalidade: produção de

saúde – eficácia e efetividade da ação –, produção de autonomia, bem-estar e

valorização dos trabalhadores e sua sustentabilidade e reprodução (CAMPOS,

1997).

Seguindo esse raciocínio, o Ministério da Saúde (MS) implantou, em 2003, o

Programa Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (PNH/SUS), com

o propósito de resgatar o respeito à vida humana nos serviços de saúde, destacando

em sua agenda de prioridades44, a valorização do trabalho e dos trabalhadores da

saúde.

Inicialmente, este programa focalizou o desenvolvimento de experiências em

hospitais públicos por meio do Programa Nacional de Humanização Hospitalar

(PNHAH). A partir de 2003, o PNHAH passou a ser concebido como eixo articulador

de todas as práticas em saúde; ou seja, como ação transversal aos modelos de

gestão e atenção estimulada em toda a rede.

A valorização do trabalho e dos trabalhadores pressupõe a criação de

mecanismos de escuta/diálogo entre usuários, profissionais e gestores, tais como:

ouvidorias, conselhos de unidades, rodas de conversa, caixas de

sugestões/reclamações, grupos focais, e educação continuada voltadas para a

melhoria da comunicação com o objetivo de qualificar a atenção dispensada aos

usuários.

Neste contexto, os assistentes sociais são historicamente identificados como

profissionais de ponta nas questões relativas à humanização do atendimento, sendo

convocados nos hospitais a proporem iniciativas e integrarem comitês de

humanização.

44 Estratégias programáticas do PNH: acolhimento nas unidades de saúde; projetos terapêuticos singulares e projetos de saúde coletiva; ativação/constituição de redes de continuidade e ações de atenção/cuidado; construção coletiva de ambiência; gestão participativa: colegiados, contratos de gestão inter e intra-institucional; mecanismos de escuta qualificada para usuários e trabalhadores da saúde: gerência porta-aberta, ouvidorias, grupos focais e pesquisa de satisfação; projeto de acolhimento do familiar/acompanhante: agenda com a equipe de referência, visita aberta, direito de acompanhante; programa de formação em saúde e trabalho e iniciativas de valorização e atenção à saúde dos trabalhadores da saúde; grupo de trabalho de humanização-GTH (MS/documento base e folder da PNH, 2006 (SANTOS-FILHO, 2009).

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A implementação desta política pressupõe uma discussão coletiva e crítica

entre os profissionais de saúde, a fim de que o reconhecimento do profissional de

serviço social em lidar com a questão da humanização não seja associada à

tradição do pensamento humanista cristão45.

A visão humanista cristã, associada à concepção de saúde médica individual,

imprime ações no sentido de aliviar tensões derivadas de “situações problemas”; ou

seja, de manter a harmonização das relações. Daí um dos desafios postos ao

serviço social, nos dias atuais é a contínua ruptura com o neoconservadorismo, que

se renova por meio da filantropia, do trabalho voluntário, da passividade dos sujeitos

diante o avanço do capital sobre o trabalho, e do trato individualizado das

expressões da questão social. Trata-se de avançar na construção e no

fortalecimento das práticas educativas, na perspectiva de classe e na defesa dos

direitos conquistados.

45 Este influenciou o discurso e prática nos primórdios da profissão, pelos quais, o ser humano era visto isoladamente, alvo de ações voluntárias de pessoas caridosas (IAMAMOTO, 2001).

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3 O TRABALHO PROFISSIOANAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS SERVIÇOS DE SAÚDE

O capítulo presente expõe elementos acerca da inserção dos assistentes

sociais em um processo de trabalho coletivo, legitimada na prestação de serviços

sócio-assistenciais, em relação aos quais existe uma demanda concreta em nível

das entidades públicas e privadas, de cujas bases materiais e organizacionais

dependem em seu exercício profissional.

O Estado seu é o seu principal empregador, sobretudo nas áreas da saúde e

assistência. Todavia, estes profissionais vivenciam, a partir dos anos 1990, um

Estado atrelado à lógica do mercado competitivo, sob a orientação neoliberal, que se

exime das responsabilidades de atuação efetiva no campo social. Nesse sentido,

transfere-as para as empresas, entidades filantrópicas e Organizações Não-

Governamentais (ONG), quadro que amplia os espaços ocupacionais e, ao mesmo

tempo, precariza as relações e condições de trabalho dos assistentes sociais.

O crescimento do contingente de trabalhadores acima exposto soma-se ao

significativo número de formandos, através da expansão das unidades de ensino à

distância (Uead) com sua formação acadêmica deficitária – não presencial, sem

prática de pesquisa e extensão – que expande um exército de reserva e/ou parcela

de sobrantes de assistentes sociais.

Esta massificação de mão-de-obra submete os trabalhadores à inserção

precária por meio do trabalho voluntário, temporário e informal, com tendência às

práticas que criminalizam a questão social, o que compromete a qualidade dos

serviços prestados à população.

Os trabalhadores vão perdendo seu “valor de uso”, podendo ser tratados

como algo desprezível/descartável, o que reduz seu poder político nos sindicatos, na

disputa ideológica e cultural na sociedade (SANTOS-FILHO, 2009).

Acirra-se a competitividade entre os profissionais, desmobilizando-os

enquanto classe trabalhadora configurando um novo perfil profissional, marcado pelo

empobrecimento e a perda de laços culturais.

Os assistentes sociais se inserem no mercado de trabalho como

trabalhadores assalariados, mediados por um contrato de compra e venda da sua

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força de trabalho, que passa a ter um valor de uso46 no processo de trabalho das

entidades contratantes, sendo consumida em função do atendimento a uma

determinada necessidade humana (NICOLAU, 2005).

Com isso, os objetivos, as finalidades, as condições e os meios estratégicos

de operacionalização pelos quais realizam suas atividades profissionais são

definidos a partir de construções sociais, históricas e políticas, perpassadas por

interesses antagônicos. De um lado, os interesses das entidades empregadoras, em

oposição a estes; de outro, as necessidades dos usuários dos serviços.

Tal debate é pertinente, e não se dá sem polêmicas no interior da categoria

profissional, pois o significado da profissão imbrica-se com a relação existente entre

as classes, entre estas e o Estado, em diversas conjunturas no enfrentamento das

manifestações da questão social, bem como com a tensão entre o Projeto Ético

Político Profissional e a condição de trabalhador assalariado.

Trata-se do dilema entre causalidade e teleologia, entre momentos de

estrutura e de ação. Afirma-se que o assistente social é um ser social, um prático

social, dotado de liberdade e teleologia, capaz de realizar projeções e implementá-

las na vida social, o que é contraditoriamente inviabilizado pela sua condição de

trabalhador assalariado, cuja ação está submetida ao poder dos empregadores e

determinada por condições externas aos sujeitos singulares, ainda que capazes de

rebelarem-se coletivamente.

A materialidade das ações profissionais engloba um conjunto de

conhecimentos, informações, técnicas e habilidades, que em geral, não é perceptível

aos sujeitos, pois as condições objetivas do trabalho profissional não dependem

apenas da postura teleológica/individual dos seus agentes e de seus instrumentos

de intervenção. Mas está, contraditoriamente perpassada pela própria lógica do

capital, que move a ordem burguesa pelas fragmentações e abstrações que produz,

e a sustenta, e constrange qualquer prática que intencione romper com o

conservadorismo que a nutre (GUERRA, 2002).

No entanto, entende-se que é nesta sociabilidade que os assistentes sociais

vivenciam as possibilidades objetivas de re-configurarem a realidade, atuando sobre

as limitações, mantendo o foco para as finalidades de suas ações, e não nas

46 Produto do trabalho que responde a algumas necessidades humanas. Seu valor se assenta em ser útil para alguém. Não sendo, necessariamente, uma necessidade física (MARX, 1989).

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dificuldades. Trata-se de romper com os vieses ora fatalistas, ora messiânicos,

presentes no cotidiano profissional47.

O serviço social, enquanto uma especialização do trabalho coletivo organiza-

se a partir dos elementos constitutivos dos processos de trabalho que segundo Marx

(1985) são o objeto ou a “matéria-prima”; os instrumentos; o trabalho em si; ou seja,

uma atividade adequada a um fim, a matéria e os meios que se aplicam ao trabalho,

o instrumental.

O trabalho é apreendido como atividade central na constituição do ser social,

e é o fundamento ontológico48 do ser social. É ele quem permite o desenvolvimento

de mediações que instituem a diferencialidade do ser social, face a outros seres da

natureza.

Trata-se de uma atividade vital à existência humana, visto que diferente do

animal, que age por instinto, o ser humano projeta conscientemente a finalidade de

suas ações, com vistas à satisfação de suas necessidades. E, neste processo,

também produz a si mesmo, engendrando sua possibilidade histórica.

A requisição pelo trabalho profissional enquanto trabalhador assalariado

perpassa por múltiplas determinações, caracteristicamente heterogêneas e

contraditórias, próprias da sociedade capitalista. Portanto, a questão social, em suas

múltipals determinações, é o objeto ou a matéria-prima do trabalho dos assistentes

sociais.

O trabalho profissional dos assistentes sociais é determinante/determinado

pelas circunstâncias históricas e sociais nas quais se insere a profissão, ou seja,

suas condições de trabalho são perpassadas pelo projeto societário dominante, a

partir da compreensão das necessidades sociais e das formas consideradas

adequadas para lhes responder.

O processo de organização do trabalho na sociedade capitalista legitima a

função social do serviço social, bem como determina as condições segundo as quais

esse profissional pode vender “livremente” a sua força de trabalho.

47 O viés fatalista superestima a força e a lógica do comando do capital no processo de (re) produção, submergindo a possibilidade de os sujeitos atribuírem direção às suas atividades, contrariamente, o viés voluntarista tenda a silenciar ou subestimar os determinantes histórico-estruturais objetivos que atravessam o exercício de uma profissão, deslocando-os para a vontade política do coletivo profissional, que passa a ser superestimada, correndo-se o risco de diluir a profissionalização na militância stricto sensu (IAMAMOTO, 2007). 48 O que tem existência real, histórico-concreta independente do conhecimento que tenham os homens ao seu respeito (NETTO, 2007, p. 54).

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Trata-se de um trabalhador especializado que vende sua capacidade de

trabalho para entidades empregadoras, que determinam as necessidades sociais

que o trabalho do assistente social deve responder, a matéria sobre a qual incide

esse trabalho, as condições segundo as quais se operam os atendimentos, assim

como os seus efeitos na reprodução das relações sociais.

As inflexões macro-sociais que incidem sobre o trabalho profissional do

assistente social se atrelam ao desafio de conciliar o antagonismo existente entre os

interesses da instituição empregadora e dos usuários dos seus serviços, contexto

que o condiciona a um clima constante de tensões (VASCONCELOS, 2006). No

entanto, concorda-se com Nicolau (2001, p. 18), que,

É no ambiente das organizações empregadoras e na experiência cotidiana do espaço coletivo que são construídas as possibilidades de atuação profissional, enquanto mediador de conflitos, o profissional vai re-significando suas ações cotidianas.

Tal reflexão é pertinente nos âmbitos teórico e no agir profissional, no

contexto das entidades nas quais os assistentes sociais estejam empregados, para

não correr o risco de uma atuação unicamente em favor das entidades

empregadoras; ou seja, do capital.

Portanto, o trabalho profissional dos assistentes sociais se constitui como

parte do trabalho socialmente produzido pelo conjunto da sociedade, participando da

criação e da prestação de serviços que atendem às necessidades sociais; e, ao

produzir tais serviços gera um valor de uso. Neste sentido, o seu trabalho tem efeito

na produção e redistribuição do valor e da mais-valia49, inserido nas relações de

poder, podendo servir tanto aos interesses do capital quanto do trabalho. Neste solo

contraditório, a concretude do projeto profissional é tensionada pela condição de

trabalhador assalariado.

A partir do entendimento das condições de trabalho como um conjunto de

variáveis do ambiente que circunda uma pessoa durante a realização de suas

49 Valor excedente determinado pela quantidade de trabalho materializado no seu valor de

uso e pelo tempo de trabalho socialmente necessário a sua produção que é apropriado e não pago pelo capitalista (MARX, 1989).

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atividades, e do trabalho enquanto categoria central na constituição dos sujeitos

sociais ressalta-se a importância de estudos que reflitam sobre o contexto no qual o

trabalho dos assistentes sociais se desenvolve.

Concorda-se com Iamamoto (2007), que os espaços ocupacionais nos quais

os assistentes sociais exercem suas competências e atribuições profissionais,

resguardadas por lei, merecem maior atenção por parte da pesquisa acadêmica.

O mercado de trabalho dos assistentes sociais se encontra crescentemente

diversificado, seja no âmbito tradicional da esfera pública, seja no plano das

organizações privadas e não-governamentais, implicando novas competências e

atribuições. Porém, estas não se desenvolvem em condições favoráveis, pois

acompanham as transformações sociais em curso, que precarizam de várias

maneiras o conjunto da classe trabalhadora, tanto em termos de organização,

quanto em condições de trabalho, repercutindo em suas vidas.

A força de trabalho dos assistentes sociais está permeada pela insegurança,

seja pela fragilidade de sua formação, seja pela flexibilidade nas relações de

trabalho, pela desmotivação face às baixas remunerações, pela forte pressão pela

concorrência de outros profissionais e atitudes defensivas, frente a novas

demandas. E essas condições, repercutem na qualidade dos serviços prestados à

população (NETTO, 1996).

É revelador o fato de que durante a realização das entrevistas, os

profissionais designados a responderem os questionamentos foram aqueles que

estão há mais tempo nos hospitais, que têm vínculo empregatício efetivo e que

assumem cargo de coordenação. Os profissionais com vínculo temporário mantêm

uma postura defensiva, para não se comprometerem perante a entidade

empregadora. Compreende-se tal postura como conseqüência do quadro de

desemprego, subemprego, falta de perspectiva de classe e da fragilidade sindical

vivenciada pela classe trabalhadora. Reforça-se que o trabalho profissional não se

dá de forma estanque, mas a partir da construção de respostas profissionais

pautadas no PEPP, nas demandas dos usuários e empregadores, bem como pela

realidade social.

O serviço social é uma profissão inscrita na divisão social e técnica do

trabalho, regulamentada pela Lei nº 8662/93, de 07 de junho de 1993, com

alterações determinadas pelas resoluções do Conselho Federal de Serviço Social

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(CFESS) nº 290/94 e nº 293/94, e balizada pelo Código de Ética Profissional,

aprovado pela resolução CFESS nº 273/93, de 13 de março de 1993, comprometido

com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento

intelectual, na perspectiva da competência profissional.

O aparato legal delimita o espaço profissional na relação com seus

interlocutores: usuários e organizações empregadoras, cabendo aos profissionais a

reconstrução em seus espaços sociais de trabalho, partindo de concepções

ampliadas sobre o contexto de transformações no “mundo do trabalho”.

De acordo com os assistentes sociais entrevistados, não há tempo para

aprimorar o conhecimento acerca das legislações sociais, excetuando-se aquelas

que lidam diariamente. A legislação profissional não é conhecida na sua íntegra, e

só recorrem à mesma por ocasião da participação em concursos públicos.

O conhecimento da legislação profissional e do conjunto da legislação social é

imprescindível para não comprometer o exercício profissional, inclusive, no tocante à

questão da visibilidade e do significado social que vem assumindo; ou não, na

contemporaneidade, visto que representa uma defesa da autonomia profissional,

através dos princípios e valores éticos, competências e atribuições, além de

conhecimentos essenciais, que têm força de lei, sendo judicialmente reclamáveis.

No contexto da reestruturação produtiva, constata-se o aumento da

desigualdade social e, conseqüentemente, da pobreza e da miséria. Portanto,

aumentam as demandas que chegam ao serviço social. Paradoxalmente,

identificam-se cortes nas respostas a tais demandas, provocados pela política

econômica neoliberal.

Assim, os assistentes sociais vivenciam condições adversas no espaço do

exercício profissional, no tocante à universalização dos direitos defendidos no

Código de Ética Profissional, tendo seus direitos também negados enquanto

trabalhadores.

Concorda-se com Iamamoto (2007) que, para apreender o efetivo exercício

da profissão, é imprescindível agregar um complexo de determinações e mediações

essenciais para elucidar o significado social do trabalho do assistente social, que

depende das relações estabelecidas com os sujeitos sociais que os contratam, os

quais personificam funções diferenciadas na sociedade.

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O serviço social se consolidou, e atua numa relação conflituosa entre capital e

trabalho. Portanto, não se pretende idealizar uma sociedade em condições

favoráveis para o trabalho profissional, muito menos esconder-se atrás dos limites

institucionais. Mas, de apreender criticamente o cenário de precarização do trabalho

e das condições de vida dos sujeitos, contextualizando-o no movimento do capital.

Dentre os desafios postos aos assistentes sociais, está a análise crítica desta

realidade e a proposição de respostas respaldadas na garantia de direitos,

percebendo-se como integrantes, ou fazendo parte dessa classe de assalariados.

Neste contexto, a luta pela concretização do PEPP e do Código de Ética é

ameaçada, visto que o próprio sigilo profissional se encontra comprometido pela

estrutura física inadequada às abordagens individuais e coletivas realizadas por

estes profissionais nas unidades hospitalares. De acordo com relato do assistente

social A, acerca do sigilo profissional, identifica-se essa condição:

A sala é inadequada. Hoje tem duas assistentes sociais, eu e a outra, mas quando tem três aqui, mais a chefe e a secretária [...]. Tendo três assistentes sociais cada uma vai atender uma pessoa, isso aqui fica coisa de louco, você não consegue ouvir bem por causa da acústica e fora o código de ética porque não tem sigilo (Entrevista com ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).

Seguindo esta afirmativa,

Considero a sala adequada, pois o atendimento é rápido. A atividade de orientação é feita. Estamos em sala razoável, mas falta muito material e mais profissionais. As condições são precárias, falta material, o pessoal é muito humilde, as prefeituras não conseguem atender em tempo ágil as solicitações de transporte, os usuários pressionam o serviço social (Entrevista com ASSISTENTE SOCIAL C, informação verbal).

Em suma, defende-se o enfrentamento das questões cotidianas de modo

crítico e consciente, para a prestação de um serviço de qualidade, na perspectiva da

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garantia de direitos e do sigilo profissional50, os quais também são determinados

pelas relações acima citadas.

A área da saúde absorve a maioria dos assistentes sociais, sendo o setor

público o principal mercado de trabalho. A elaboração do “novo” conceito51 de saúde

e a consolidação da Política Nacional de Saúde (PNS) no país, decorrente dos

gastos exorbitantes com a ampliação da assistência médica previdenciária52 foram

decisivos para a inserção destes profissionais na promoção, proteção e recuperação

da saúde nos diferentes níveis do SUS.

Ainda que considerados profissionais liberais, com autonomia ética e técnica

no exercício de suas funções, os assistentes sociais enfrentam dificuldades na

realização do seu trabalho, visto que os encaminhamentos das soluções não

dependem da vontade e do interesse individual destes profissionais. Segundo

Iamamoto (2001, p. 107), o seu desempenho está inscrito

Num processo de trabalho coletivo, organizado dentro de condições sociais dadas, cujo produto, em suas dimensões materiais e sociais, é fruto do trabalho combinado ou cooperativo, que se forja com o contributo específico das diversas especializações do trabalho.

De acordo com Iamamoto (2001, p. 112), “[...] a observação sobre o trabalho

coletivo ilumina a análise dos produtos de trabalho e/ou resultados do trabalho

efetuados pelo assistente social”, situando-o no contexto mais amplo, no movimento

do capital e suas contradições na contemporaneidade. E segundo Bravo (2006, p.

43),

O trabalho do assistente social na saúde deve ter como eixo central a busca criativa e incessante da incorporação destes conhecimentos

50 Conforme preconiza o Art. 8º do Código de Ética Profissional e a Resolução CFESS nº 493/2006. 51Trata-se de um estado de completo bem- estar físico, mental e social, e não apenas a mera ausência de doenças, que enfoca os aspectos biopsicossociais, nos quais se determina a requisição de outros profissionais para atuarem no setor, com ênfase no trabalho em equipe multidisciplinar (PRÉDES, 2007, p. 95). 52 Esta, por não ser universal, gerou uma contradição entre a demanda e o seu caráter excludente e seletivo, tinha uma quantidade significativa de assistentes sociais no seu quadro (BRAVO, 2006).

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(questões subjetivas vividas pelos usuários somadas às particularidades do trabalho do assistente social), articulados aos princípios da reforma sanitária e pelo projeto ético político da profissão.

Reafirma-se a necessidade do enfrentamento destas questões de forma

crítica, a partir de alianças com outros profissionais, com os movimentos sociais,

partidos políticos e sindicatos, a fim de romper com o individualismo, e alargar as

possibilidades de avanço ao norte dos assistentes sociais que é a concretização do

PEPP. Realidade esta construída por meio de avanços e retrocessos, não de forma

abstrata, mas através de uma formação acadêmica qualificada – ensino, pesquisa e

extensão – e uma prática sistematizada – constante reflexão – com vistas à garantia

da qualidade dos serviços prestados à população.

A dicotomia existente entre os interesses das entidades empregadoras e o

compromisso ético-político profissional, voltado para os direitos dos usuários, tem

como elemento constituinte a dicotomia inerente ao modo de produção capitalista,

ou seja, entre capital e trabalho.

De acordo com o Código de Ética Profissional, o assistente social não pode

atender aos princípios institucionais que sejam contrários aos valores que o

orientam. Todavia, a viabilização dos direitos sociais dos usuários depende da

disposição da política organizacional, a qual geralmente é precária e restrita.

Novas qualificações técnicas exigem dos assistentes sociais atualização

teórica, domínio da legislação pertinente à categoria profissional e do conteúdo

próprio da política que perpassa a organização empregadora. Segundo Costa (2000,

p. 54) torna-se imprescindível uma permanente reflexão sobre a prática, e

Um relativo domínio do discurso médico, que o habilita a explicar alguns procedimentos terapêuticos de caráter complementar/auxiliar e cuidados a serem tomados durante o tratamento.

A apropriação teórico-metodológica tende a diminuir o esvaziamento do

exercício profissional nas suas dimensões política, social e cultural, o qual persiste

em separar quem elabora de quem executa, visto que ao profissional cumpre o

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papel de articulador entre as políticas de saúde e as demais políticas sociais e/ou

setoriais (REZENDE, 2006).

A dimensão intelectual da profissão se constitui, historicamente, no âmbito da

academia, reconhecida como espaço do pensar/estudar, a partir de investigações

isoladas sobre o trabalho profissional. Enquanto que, o espaço do fazer, a partir do

uso de técnicas e instrumentos, fica reconhecido pelos profissionais em exercício

como único detentor de poder/saber acerca do trabalho profissional. Assim, este

movimento de dicotomia entre saber/fazer profissional restringe o sentido e a

importância social de ambos, e desarticula a possibilidade de alianças necessárias.

Conforme ressalta Nicolau (2005, p. 133-4),

Nessa argumentação, coloca-se que tanto no fazer profissional, como na academia, o processo de reflexão- ação está presente, articulando-se ao engajamento político social dos indivíduos e grupos. Sabe-se, contudo, que o demandado socialmente pelos empregadores em geral, é o exercício da técnica, do fazer imediato, burocratizado, quantitativamente mensurável, enquanto que, na academia a demanda social é o exercício da reflexão, do pensar, da produção intelectual, da pesquisa, da investigação, da construção do conhecimento.

O descompasso entre os espaços da formação e os do exercício profissional

é determinado/determinante pela/da totalidade social, constrói-se a partir do

movimento histórico, articulando interesses divergentes. Isto porque, a separação

entre trabalho intelectual e manual responde historicamente às necessidades do

modo de produção capitalista. A partir do advento da industrialização, as atividades

manuais e intelectuais são distinguidas, e estas não se encontram na esfera da

produção, mas têm um valor de uso à reprodução do capital.

O produto do trabalho intelectual é a ideologia (MARX; ENGELS, 2002) que

expressa uma falsa consciência da realidade, legitimando as relações sociais

existentes, naturalizando-as e universalizando-as sob uma forma considerada

legítima: a forma científica, filosófica e teológica, devido ao fato de ser considerado

verdadeiro, superior.

A discussão, posta nestes termos, entende que os espaços da produção do

conhecimento/academia e do fazer/trabalho profissional articulam-se num processo

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contraditório que deve ser desvendado pelos assistentes sociais. Caso contrário,

ambas as dimensões – saber/fazer – tornam-se abstratas, constituindo-se no dever-

ser, distanciado das contradições – disputas de poder – e dos antagonismos entre

os grupos que pretendem a hegemonia nos espaços profissionais.

Os profissionais entrevistados relatam insatisfações, frustrações e queixas,

decorrentes da dicotomia entre o que é apreendido na academia e o que é

vivenciado na prática, bem como a falta de discussões acerca dos meios e

condições de trabalho no âmbito da graduação, que limitam o trabalho profissional.

Todavia, ressalta-se que os aportes teórico-metodológicos e técnico-

operativos não são receitas prontas a serem aplicadas na realidade, cuja dinâmica

não permite a padronização das ações profissionais.

A necessidade de atualização é elencada como importante meio de se refletir

sobre a prática. Porém, os entrevistados se intitulam “carentes de capacitação”, pois

os profissionais em exercício se consideram desatualizados e/ou inferiores,

legitimando o estatuto de autoridade acadêmica, em detrimento do fazer profissional.

A vinculação das dimensões teórico/práticas possibilita ao profissional ampliar

a visão crítica acerca do real, o desvendamento de suas contradições e a

proposição de respostas para superá-las. As dimensões teórico-metodológicas e

técnico-operativas, na perspectiva histórica e crítica, evidenciam as mediações

necessárias ao desvendamento da realidade.

A crescente pauperização das condições de vida e de trabalho das classes

subalternizadas amplia as demandas e requisições profissionais, enquanto que a

rede de serviços oferecidos está em menor proporção.

Nesse contexto, é exigido o contínuo conhecimento das legislações

pertinentes – social e profissional –, já que o serviço social intervém no solo

contraditório dos direitos. Daí, a impossibilidade de a academia fornecer um aparato

de técnicas prontas, pois a realidade é mutável assim como as relações sociais dela

decorrentes.

Faz-se necessário o conhecimento da legislação social por parte dos

assistentes sociais como a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei Orgânica

da Saúde (LOS), Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Política Nacional do

Idoso (PNI), Política Nacional de Saúde das Pessoas com Deficiência (PNPCD),

bem como as legislações profissionais de uma forma geral, a exemplo, o novo

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Código de Ética Médica, cujo conteúdo define as novas regras em relação aos

direitos dos pacientes e os deveres dos profissionais da medicina53. Somam-se a

isso a necessária apropriação das suas próprias atribuições privativas e

competências, para não absorverem atividades burocráticas e administrativas, que

podem ser assumidas por outros profissionais.

Não se trata de um pacote de receitas para intervir na realidade, mas de um

exercício profissional com embasamento teórico-metodológico, ético-político e

técnico-operativo, para desvendar as adversidades postas pelo avanço do capital

financeiro – especulativo, em detrimento do trabalho.

Os assistentes sociais vêm sendo requisitados para as instâncias de

gerenciamento – coordenação, planejamento, divulgação, execução e avaliação –

dos serviços de saúde em todos os níveis; de educação em saúde (AIDS/HIV,

dengue, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), lixo, nutrição, saneamento

básico); e de caráter emergencial, tais como: “[...] providenciar transporte, marcação

de exames e consultas extras, mobilização de recursos assistenciais” (COSTA,

2000, p. 56); e ainda assessoria e participação em conselhos gestores.

No Brasil, a atuação do assistente social na área da saúde se desenvolveu a

partir da década de 1940, quando a profissão se caracterizava como serviço social

médico, no desempenho de atividades técnicas, com enfoque curativo junto aos

programas de saúde voltados aos indivíduos, às famílias e à sociedade – caso,

grupo e comunidade.

Na conjuntura da Ditadura Militar (pós-1964), face ao processo de

modernização/burocratização no âmbito da organização do Estado, ampliam-se as

funções dos assistentes sociais na política de saúde. Somam-se funções de

execução direta, com as de planejamento, administração e coordenação. No

entanto, esta prática era burocratizada, com ênfase na racionalidade e seletividade,

conforme a conjuntura política em curso.

A partir da Constituição Federal de 1988, com o processo de descentralização

e democratização das políticas sociais, expande-se o campo de atuação dos

assistentes sociais. A adesão do país ao projeto neoliberal agrava as expressões da

questão social, e abre caminho para novas respostas profissionais pautadas na

53 Resolução 1.931/09, que entrou em vigor a partir de 13 de abril de 2010.

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lógica da mercantilização, incorporando-as à participação do terceiro setor. O

trabalho profissional se vincula às novas formas de gestão requeridas pelas

mudanças tecnológicas e organizacionais junto ao processo produtivo.

É exigida certa qualificação profissional tanto na esfera da execução quanto

da formulação de políticas – planos e projetos –, elaboração de pesquisas,

capacitações, treinamentos, gerenciamento de políticas públicas e empresariais, e

inserção em equipes multiprofissionais. O exercício profissional se redefine no

interior das organizações, interligando ações de execução final com as de gestão

dos projetos e programas sociais.

As funções gerenciais e, por conseguinte, a necessária participação dos

assistentes sociais na elaboração e definição dos orçamentos públicos, programas e

projetos sociais são entendidos sob o ponto de vista da competência técnica e

teórico-profissional, no sentido da apreensão do processo social em curso, em meio

às suas contradições, pretendendo, a partir destas, oferecer respostas às

necessidades da população usuária dos serviços sociais.

Conforme ressalta Rezende (2006), o desempenho das atribuições de

planejamento, gestão, execução e avaliação da política de saúde depende da

apreensão da dimensão teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política do

assistente social, na viabilização dos serviços de saúde.

Acerca disto, enfatiza-se que as especificidades do trabalho profissional na

área da saúde são demarcadas a partir da divisão de tarefas e hierarquização das

funções de gerenciamento – coordenação/direção –; de assessoria; e de tarefas

técnicas, o que implica diferenciações de vínculos, salários e condições de trabalho.

Em contrapartida, observa-se que, na saúde, há uma supervalorização da

técnica, pela qual, a prática se limita às atividades de execução subordinadas às

condições, prioridades e interesses que legitimam o espaço das entidades que

contratam o assistente social.

Os profissionais entrevistados estão subordinados às decisões da estrutura

hierárquica, assumindo funções de execução de tarefas, sem participação nos

processos decisórios. Observa-se que estes se utilizam de pequenos recursos –

informação de pacientes em UTI, agilização do atendimento, viabilização de

transporte, autorizar visitas fora do horário permitido – para reforçarem seu próprio

poder pessoal diante dos usuários.

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O foco no atendimento às necessidades imediatas dos usuários por meio da

viabilização do acesso a procedimentos, normas, rotinas e informações da

organização hospitalar, facilitando ou amenizando o processo de internação, que é

difícil e traumático, constitui os assistentes sociais como elo entre

família/hospital/médico, supervalorizando o caráter interventivo da profissão, em

detrimento do pensar/produzir conhecimento:

O movimento dessas argumentações tem como referência implícita a afirmação que só desempenha o papel de assistente social aquele profissional que está em contato direto com o público, com a população, executando atividade, como estudos de caso, visita domiciliar, entrevista (NICOLAU, 2005, p. 224).

É como se as funções de coordenação/gerenciamento distanciassem o

assistente social, do seu trabalho, visto que, ao assumir a função de coordenação,

parcela significativa de profissionais não se identifica enquanto assistente social.

O trabalho profissional54 é re-configurado/re-significado a partir das exigências

do mercado, das possibilidades, das negociações, das buscas, tentativas e desafios,

pois o trabalho profissional não é estático, mas apresenta o mesmo dinamismo das

transformações em curso.

Por entender que novas demandas necessitam de novas respostas

profissionais que reafirmem o PEPP, em março de 2009, foi elaborado em Brasília-

DF, pelo grupo de trabalho serviço social na saúde55 um documento intitulado

“Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde”, com a finalidade de

referenciar a intervenção dos profissionais de serviço social na área de saúde.

Esta temática também foi objeto de debate no XIV Seminário Nacional de

Serviço Social na Saúde realizado, realizado em junho de 2009, na cidade de

Recife-PE visando orientar as respostas profissionais no trabalho em saúde, tanto às

demandas requisitadas pelos usuários quanto pelos empregadores.

54 Reconhecido na divisão social do trabalho como profissão eminentemente técnica e prático-operativa possui a prerrogativa de assumir funções administrativas na prestação de serviços sociais, enquanto conquista histórica da categoria (NICOLAU, 2005). 55 Grupo composto pelas entidades representativas da profissão, Conselho Federal e Conselhos Regionais (PARÂMETROS, 2009).

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Parafraseando Bravo (2006), a requisição para o trabalho dos assistentes

sociais acontece pelas lacunas geradas pelo mau funcionamento do SUS. Porém,

tais contradições nem sempre são visualizadas pelos próprios assistentes sociais,

na medida em que os mesmos não apreendem que o projeto profissional e a lógica

capitalista são faces opostas da mesma realidade.

É incorporado o discurso conservador de conformação à ordem, perdendo a

capacidade de indignação perante as diferentes expressões da questão social, da

precarização do trabalho e da supervalorização da técnica. Uma postura ética

oposta à lógica do capital impõe certos desconfortos aos profissionais, já que é

dentro das entidades empregadoras que o assistente social desenvolve seu trabalho

e pretende mantê-lo.

De acordo com BRAVO (2006), tal imprecisão pode ser superada através de

uma intervenção profissional que supere o modelo médico-hegemônico, com vistas

a efetivar o projeto da categoria profissional, bem como o da reforma sanitária. A

questão, posta nestes termos, não pretende resolver tais contradições, mas torná-

las evidentes, visto que onde existem contradições também há espaço para o

confronto de idéias e interesses.

3.1 A Força de trabalho dos assistentes sociais no Sistema Único de Saúde (SUS)

É notória a inserção dos assistentes sociais nas unidades56 de saúde, na

medida em que o setor implementa atividades de educação em saúde e amplia as

equipes multiprofissionais, destacando assim a categoria profissional como a quarta

colocada em contratações de nível superior57 (COSTA, 2000). Os assistentes sociais

são reconhecidos como profissionais da saúde de nível superior pelo Conselho

56 Conforme Costa (2006) destacam-se como unidades de atendimento direto ao usuário: as Unidades Básicas de Saúde, os Pronto-Atendimentos, os Centros Clínicos e/ou Ambulatórios especializados, os Centro de Apoio Psicossocial, os Ambulatórios, e demais serviços de apoio ao diagnóstico, bem como os serviços de reabilitação. 57 Conforme relatórios do II Encontro Estadual de Assistentes Sociais da Secretaria de Saúde Pública/RN-SSAP/RN (COSTA, 2000).

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Nacional de Saúde (CNS), pela Resolução nº 218/9758, como também pelo CFESS,

Resolução nº 383/9959.

É importante identificar como se deu a relação do serviço social com o

movimento da reforma sanitária na década de 1980, a qual representou o início da

maturidade intelectual da profissão, pela sua aproximação às fontes marxianas,

tendência hegemônica na academia e nas entidades representativas da categoria.

Num balanço do serviço social, na área da saúde nos anos 1980, Bravo

(2006, p. 34) observa que

Uma mudança de posições, a saber: a postura crítica dos trabalhos em saúde apresentados nos Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais de 1985 e 1989; a apresentação de alguns trabalhos nos Congressos Brasileiros de Saúde Coletiva; a proposta de intervenção formulada pela Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS), Associação Nacional dos Assistentes Sociais (ANAS) e Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) para o Serviço Social do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS); e a articulação do Conselho federl de Assistentes Sociais (CFAS), com outros conselhos federais da área da saúde.

A autora sinaliza um descompasso entre a profissão e a luta pela assistência

pública de saúde, visto que, apesar do serviço social receber influências desta

conjuntura – de crise do Estado brasileiro, do movimento de ruptura com a política

de saúde vigente e construção de uma reforma sanitária brasileira,

Está passando por um processo interno de revisão, de negação do Serviço Social Tradicional, e não estabelece nexos diretos com outros debates que buscavam a construção de práticas democráticas, como o movimento pela Reforma Sanitária (BRAVO, 2006, p. 33).

58 A Resolução reconhece como profissional de saúde de nível superior as seguintes categorias: assistentes sociais, biólogos, profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, médicos veterinários, nutricionistas, psicólogos e terapeutas ocupacionais (CNS, 1997). 59 De acordo com a aprovação da Resolução pelo Plenário do Conselho Federal de Serviço Social, em reunião ordinária realizada em 27 e 28 de março de 1999; Resolve: Art. 1º - Caracterizar o Assistente Social como profissional de saúde (CFESS, 1999).

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Esta lacuna se faz perceptível pela incipiente alteração da prática

institucional, que chega à década de 1990 desarticulada do movimento da reforma

sanitária,

Com isso, sem nenhuma explícita e organizada ocupação na máquina do Estado pelos setores progressistas da profissão (como estava sendo o encaminhamento da Reforma Sanitária); e insuficiente produção sobre as demandas postas à prática em saúde (BRAVO, 2006, p. 34).

A análise da trajetória do serviço social na área da saúde, principalmente nos

anos 1990, explicita que há alguns desafios, dentre os quais, a existência de dois

projetos políticos em disputa, quais sejam, o projeto privatista e o projeto da reforma

sanitária, os quais apresentam diferentes requisições para os assistentes sociais.

O projeto privatista requisita ao assistente social, entre outras demandas:

seleção sócio-econômica dos usuários; atuação psicossocial, através de

aconselhamento; ação fiscalizatória aos usuários dos planos de saúde;

assistencialismo através da ideologia do favor; e predomínio de práticas individuais.

O projeto da reforma sanitária demanda aos assistentes sociais ações no

sentido da democratização do acesso às unidades e aos serviços de saúde;

atendimento humanizado; estratégias de interação das unidades de saúde com a

realidade; interdisciplinaridade60; ênfase nas abordagens grupais; acesso

democrático às informações; e estímulo à participação cidadã.

A perspectiva de garantias de direitos é intrínseca à profissão, mesmo que

nos marcos desta sociabilidade. Isto porque os direitos representam conquistas

históricas da classe trabalhadora, que já tiveram seu caráter revolucionário outrora.

A proposta da seguridade social foi interrompida pela “contra-reforma” do

Estado, que está submetido passivamente à lógica do capital. Há uma enorme

distância entre a proposta do movimento sanitário e a prática do sistema público de

saúde vigente.

Estes desafios estão postos aos assistentes sociais que atuam no âmbito da

saúde pública, e repercutem diretamente na formação profissional, nas influências 60 Esta é compreendida como um processo do desenvolvimento de uma postura profissional que viabiliza um olhar ampliado das especificidades que se conjugam no âmbito das profissões.

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teóricas, nas condições de trabalho, na ampliação da demanda e na relação com os

usuários, profissionais e movimentos sociais.

Amplia-se o trabalho precarizado, e os profissionais são chamados para

amenizar situações não só decorrentes da pobreza absoluta à que a classe

trabalhadora é submetida, como também da ineficiência do próprio sistema de

saúde. Por conseguinte, as atividades são determinantes/determinadas pelas

próprias contradições do sistema capitalista e pelas diversas formas de administrá-

las.

Por tudo isto, o processo de trabalho em saúde requer adequações, a partir

do aporte de novos conhecimentos, habilidades e métodos de atuação em equipe, o

que é um desafio no âmbito da gestão (SANTOS-FILHO, 2009).

Os demais profissionais da saúde encaminham para o serviço social aquilo

que não conseguem resolver, ou que não têm tempo para fazê-lo. É desconsiderada

a importância das questões trabalhadas pelos assistentes sociais, pois as variadas

expressões da questão social não se revestem de caráter relevante na ordem sócio-

econômica.

De acordo com relato do assistente social B, sistematicamente, são

encaminhadas demandas que não estão no âmbito de respostas dos assistentes

sociais, mas os mesmos tentam resolver, provocando quem é de dever.

Diante das precárias condições de funcionamento do SUS, as necessidades

de inter-relação e co-participação requeridas por quem produz e consome os

serviços materializam outras demandas profissionais. Trata-se de suprir as "lacunas"

gestadas nas práticas dos demais profissionais no interior do processo de trabalho

em saúde.

O contexto de pressão ao qual estão submetidos os assistentes sociais para

dar respostas que muitas vezes não estão no âmbito da profissão, implica relações

sociais perpassadas pelo individualismo, pela competitividade, pela insegurança,

pela flexibilidade, e com problemas daí decorrentes, como a depressão, a síndrome

do pânico, as patologias consideradas “males do século”, de nossos dias atuais,

sinalizando novas atribuições e competências, precariedade, intensificação e

constante re-ordenamento das ações.

Por conseguinte, acirra-se o contexto de conflitos de diferentes ordens, tanto

entre a equipe multiprofissional quanto entre esta e os usuários, que buscam

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respostas às suas necessidades, sem se darem conta do complexo de questões que

envolve a rotina organizacional.

A precariedade abrange aspectos desde a não-formalização dos vínculos e

garantias de direitos, até situações conflituosas no interior das relações sociais e das

condições de trabalho, cujas conseqüências recaem sobre toda a equipe de saúde.

Dentre estas, os casos de violência as quais a equipe de saúde tem sido exposta,

desde o desrespeito por parte dos colegas e chefias, até os diversos tipos de

agressões por parte da população (SANTOS-FILHO, 2009).

De acordo com os assistentes sociais entrevistados, no âmbito hospitalar, há

imprevisibilidade dos resultados, bem como a fluidez da sua intervenção, fato

característico no processo de trabalho em saúde, que se confunde a certa visão de

"indefinição" do serviço social. Segundo, o assistente social A,

Procuram informações que não são nossas, a gente encaminha e ainda saem chateados, a gente até já escutou “o que é que o serviço social faz aqui?” porque querem que a gente dê conta de médico, de exames, tem muitas coisas que não são da nossa competência e eles vêm cobrar da gente, como chamar médicos por exemplo. O dia a dia do hospital é esse, muito estresse (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).

As lacunas do Sistema de Saúde se explicitam no momento em que os

assistentes sociais são requisitados a responder nos casos de aquisição vagas para

internamento, de realização de exames, falta de medicamentos nas farmácias

hospitalares, solicitação de transporte para a recondução ao domicílio, ou a outra

unidade hospitalar, e falta de condições favoráveis – sociais e econômicas – das

famílias para continuar os tratamentos. Somam-se a isto, as demandas de

funcionamento/fluxo do sistema, como: manter a rotina hospitalar, garantir a

rotatividade dos leitos, seja por pressão da demanda reprimida, seja pela lógica de

remuneração/produtividade leito/dia, assegurar o disciplinamento e o

enquadramento dos usuários e acompanhantes às normas e rotinas das unidades,

embora também, em alguns momentos, contraditoriamente, identifica-se a

necessidade de abertura de exceções às regras:

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Esses casos sabe, tá muito cheio aqui agora, aí tem uma fila e alguém fala com a menina da recepção: ei dá pra dá um jeitinho porque meu ônibus sai às cinco horas e não vai dá tempo, aí dizem: vá falar com o serviço social. Aí são coisas que eles sabem que não podem interferir, já teve gente que quebrou porta. Fez confusão, a gente quase já foi agredida por esse tipo de coisa. A gente procura não interferir, mas acontece muito isso, dá vontade de dizer: o que a gente tem a ver com isso? (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).

Assim, os assistentes sociais são convocados para intermediar a flexibilização

das normas; ou seja, abrir exceções, como exemplo, agilizar ambulâncias de

hospitais de emergência para locomover pacientes ao domicílio pós-alta médica61 ou

autorização de visitas fora do horário estabelecido. Observa-se assim, que a

exceção torna-se a regra. Deste modo, os conflitos daí decorrentes, como a grande

circulação de pessoas nas enfermarias, combatida pelo poder

coercitivo/policiamento sobre os usuários, o que deveria ser evitado com

orientação/informação.

Cabe ao profissional de serviço social apreender criticamente o objetivo

destas atividades que se originam, de um lado, pela rigidez das normas; e de outro ,

pela própria natureza do Sistema de Saúde, que requisita comportamentos,

cuidados e precauções especiais para a circulação dos pacientes, familiares,

acompanhantes e visitantes. Originam-se também, do quadro de desigualdade

social, cultural e educacional dos usuários que compromete sua capacidade para

decodificar normas e rotinas que poderiam ser veiculadas por outros meios,

principalmente, por escrito.

O processo de trabalho em saúde apresenta os seguintes aspectos: excesso

de atividades, desproporção entre a demanda e a capacidade dos serviços,

fragmentação, ambigüidade de atribuições, não-implicação entre objeto e objetivos

de trabalho, insegurança técnico-profissional, gerência autoritária, omissa ou sob

múltiplas linhas de comando, falta de trabalho em equipe sob a forma de conversa 61 Cabe registrar que os hospitais não disponibilizam as ambulâncias do serviço por ocasião de alta hospitalar. Realizam transferências e/ou encaminhamentos conforme solicitação dos médicos plantonistas. O retorno dos pacientes às suas residências ou à outra unidade de saúde fica por conta do mesmo ou da Secretaria Municipal de Saúde. O que demanda ao assistente social contato telefônico com secretários de saúde e/ou transporte, com respectivos motoristas para viabilizar o serviço.

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para o enfrentamento dos problemas e a alienação quanto aos resultados do

trabalho.

Este cenário rebate sobre a saúde dos trabalhadores, sobre a auto-imagem

profissional e sobre suas relações de trabalho e sociais, contribuindo para a auto-

culpabilidade, a sensação de incompetência, e a diminuição da auto-estima; e ainda,

piora o rendimento e a qualidade profissionais com a perda da atenção, má acolhida

aos usuários e aos colegas, com tendência a posturas culpabilizantes e agressivas,

e manifestação de doenças psicossomáticas (SANTOS-FILHO, 2009).

O trabalhador em saúde lida com o limite humano, com a morte, a dor e o

sofrimento; geralmente, em espaços perigosos e/ou insalubres, de fracassos e de

competição. Portanto, estes cuidadores da saúde dos outros também necessitam de

cuidados, apoio, formação continuada/permanente e incentivos de carreira e

salários. A qualidade dos serviços prestados à população usuária do SUS, composta

por cerca de 180 milhões de pessoas; e a garantia dos direito à saúde requerem a

valorização dos seus trabalhadores 62.

O trabalho dos assistentes sociais, no interior do processo de trabalho

coletivo no SUS, dá-se pela cooperação, a partir do conjunto das operações

coletivas de trabalho, que garantem uma determinada lógica de organização e

funcionamento dos serviços públicos de saúde. A expansão deste mercado de

trabalho se deve tanto à ampliação horizontal das sub-unidades de serviços quanto

a uma divisão social e técnica do trabalho.

O processo de cooperação envolve atividades especializadas, saberes e

habilidades que mobilizam, articulam e põem em movimento, unidades de serviços,

tecnologias, equipamentos e procedimentos operacionais.

O processo de trabalho em saúde tem uma singularidade marcada pela

natureza e modalidade dos processos de cooperação, quais sejam: a cooperação

vertical, diversas ocupações ou tipos de trabalhadores, que participam de uma

determinada hierarquia; e a cooperação horizontal, diversas sub-unidades que

participam do cuidado em saúde (NOGUEIRA, 1999).

Observa-se que as requisições postas aos assistentes sociais advêm,

paradoxalmente, das contradições do sistema, o que implica a ampliação e o

62 Em 2002, o Brasil possuía aproximadamente 2,2 milhões de trabalhadores na saúde, sendo 54% deles no setor público (SANTOS-FILHO, 2009).

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redimensionamento das atividades, com novas qualificações técnicas e políticas, em

geral, precarizadas.

As atividades do serviço social, no âmbito do SUS, relacionam-se às

dimensões emergencial/assistencial, de educação/informação/comunicação, de

planejamento/assessoria, e de mobilização/participação social.

As ações emergenciais respondem às demandas que interferem no processo

de saúde-doença e no acesso aos serviços de saúde. Relacionam-se às precárias

condições de vida da população, ao déficit na oferta dos serviços de saúde, e

demais políticas públicas sociais. Caracterizam-se pela agilização dos

internamentos, dos exames, das consultas – extras –, dos tratamentos, da obtenção

de transporte, dos medicamentos, das órteses e próteses, do sangue, dos alimentos,

das roupas e do abrigo.

Estas ações demandam a mobilização e a articulação de recursos humanos e

materiais dentro e fora do sistema, tratadas como situações excepcionais, pois os

mecanismos institucionais existentes não as absorvem rotineiramente, pela falta de

recursos materiais e financeiros.

As ações de educação, informação e comunicação em saúde visam a

esclarecer e informar a população, por meio de orientações e abordagens individuais

e/ou grupais sobre os problemas de saúde, bem como sobre a forma de prevenção

e enfrentamento.

Assim, é facilitada a comunicação interna entre unidades da rede SUS,

setores, profissionais, serviços e usuários, com vistas à qualificação e à

humanização da atenção, destacando-se a participação em equipes

multiprofissionais.

As atividades de planejamento e assessoria objetivam qualificar os recursos

humanos na esfera operacional das unidades. Nestas, os assistentes sociais atuam

como monitores, instrutores e articuladores de reuniões, treinamentos, oficinas de

trabalho, projetos, programas, planos municipais, grupos de discussão e

implantação de novos sistemas de registro das atividades e de controle da

produtividade.

As ações de mobilização e participação social têm caráter político-

organizativo e sócio-educativo, pois visam a sensibilizar, articular e mobilizar a

comunidade. Trata-se de explicar e convocar usuários e trabalhadores do SUS a

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participarem dos conselhos de saúde no âmbito local – das unidades de saúde – e

distritos sanitários, municipal e estadual. É Incentivado o engajamento de lideranças

tanto em relação à participação nos referidos conselhos quanto à organização de

trabalhos educativos voltados para a prevenção e o controle de doenças,

principalmente, endemias e epidemias.

É no interior do processo mais geral de cooperação, envolvendo as diversas

unidades, sub-unidades, setores, saberes e atividades profissionais que se

operacionaliza/objetiva o trabalho dos assistentes sociais, atendendo a interesses

contraditórios; ou seja, tanto às exigências mais gerais do sistema e das

necessidades operacionais das unidades de saúde quanto às necessidades de

acesso dos usuários.

No atendimento hospitalar, que é o lócus privilegiado nesse estudo, sinaliza-

se que a obtenção dos dados dos pacientes, no ato do internamento, por meio de

entrevistas, preenchimento de ficha social ou formulários, é a primeira etapa do

processo de atendimento/acompanhamento realizado pelos assistentes sociais.

A objetivação dessa atividade se dá a partir do encaminhamento dos médicos

de plantão, quando autorizam um internamento, bem como dos demais

profissionais63, propiciando o acesso interno e externo dos sujeitos e famílias.

Esta demanda integra o conjunto de procedimentos e normas relativos ao

funcionamento do sistema de saúde, o que configura o assistente social como

agente de interação entre os diversos níveis do SUS, e entre as demais políticas

sociais. Conclui-se que seu principal produto é assegurar, pelos caminhos mais

tortuosos, a integralidade das ações (COSTA, 1998).

A baixa resolutividade no sistema de saúde é um agravante que repercute

diretamente no exercício profissional dos assistentes sociais, conforme afirmativa a

seguir:

Questão de exames e de parecer com outras especialidades que é difícil de conseguir, a gente depende do favor voluntário deles lá, entendeu? A gente liga pra o Varela, pra o HOSPED [Hospital Pediátrico], pra o HUOL[Hospital Onofre Lopes], então se eles tiverem boa vontade. Exames que não são feitos aqui, exames que não sejam de alta complexidade porque esses, a gente consegue pelo sistema. Outros exames como

63 Nos hospitais, os usuários só são atendidos pela equipe multiprofissional a partir do atendimento médico, o qual detêm o poder de decisão sobre internamento, alta e transferência.

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endoscopia, neuropediatra é muito difícil, esses são aqueles que emperram ali. Eu fico pedindo favor como se fosse pra mim (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).

A participação dos assistentes sociais no processo de trabalho em saúde tem

a singularidade de "repor", por meio de suas ações, as lacunas da parcialização,

fragmentação, super-especialização e terceirização do trabalho, dos quais fazem

parte como produto e sujeito.

3.2 O Trabalho profissional dos assistentes sociais na rede hospitalar em Natal (RN)

No caso particular desta pesquisa, realiza-se uma aproximação com o

trabalho profissional dos assistentes sociais em hospitais públicos estaduais. Neste

sentido, apresenta-se a rede hospitalar estadual no município do Natal/RN composta

por 06 (seis) hospitais de referência com atendimento 24 h (vinte e quatro horas).

Compreende os hospitais Doutor José Pedro Bezerra (Santa Catarina), Hospital

Materno Infantil Maria Alice Fernandes, Hospital Colônia João Machado, Hospital

Coronel Pedro Germano (Hospital da Polícia Militar-HPM), Hospital Doutora Giselda

Trigueiro e Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel (Pronto- Socorro Clóvis Sarinho).

Os hospitais funcionam em regime de internação, dia e noite, e apresentam

diferentes graus de incorporação tecnológica, bem como regime permanente e

contínuo de atendimento especializado para situações de urgências e emergências

médicas – clínicas médicas, centros cirúrgicos, exames de alto custo e

maternidades.

De acordo com dados da Coordenadoria de Recursos Humanos da Secretaria

de Estado da Saúde (CRHSES), o número de assistentes sociais com cargo efetivo

na rede de serviços de saúde, em todo o Estado – zonas rural e urbana – fica assim

distribuído, conforme o Quadro 05, a seguir.

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RESUMO TOTAL

Assistente Social

254

Assistente Social – Redistribuídos/ IPE

01

Total

255

Quadro 05. Servidores efetivos no setor de serviço social. Fonte: Secretaria de Saúde Pública-RN /NR(Coordenadoria de Recursos Humanos), 2008.

O número de profissionais presentes na rede hospitalar, informado pela

Secretaria de Saúde (conforme coluna SESAP, no Quadro 05) difere dos dados

obtidos a partir do relato dos profissionais entrevistados (conforme coluna

unidade/gestor, no Quadro 06).

Essa diferença no número de profissionais decorre da falta de atualização do

banco de dados, quanto ao número de servidores, da sua distribuição na rede de

serviços, bem como dos desvios de função. A Secretaria também não dispõe de

mecanismos que avaliem a insuficiência de algumas categorias profissionais, e os

desníveis salariais, conforme Quadro 06, a seguir:

QUANTIDADE DE PROFISSIONAIS Hospitais SESAP/RN UNIDADE/GESTOR

Hospital Santa Catarina 15 13 Hospital da Polícia Militar 04 10 Hospital Walfredo Gurgel 31 23 Hospital Giselda Trigueiro 16 14 Hospital Infantil Maria Alice Fernandes 03 04 Total

69 64

Quadro 06. Número de assistentes sociais no quadro dos hospitais. Fonte: Pesquisa de campo. 2009.

No decorrer da pesquisa, observou-se que o quadro de assistentes sociais se

encontra desfalcado devido ao número de profissionais em férias e em licenças

prêmio, maternidade e médica. Reconhece-se que são direitos garantidos pela

legislação que devem ser respeitados pelos empregadores. Mas a insuficiência

desta categoria no quadro funcional do Estado acarreta a intensificação no trabalho,

pelo acúmulo de demandas, somando-se ao fato de que, na falta dos assistentes

sociais, outros profissionais se consideram capazes de realizar seu trabalho.

Esta postura tem implicações éticas, pois o exercício profissional requer

formação acadêmica e registro em conselho de classe, além da crescente

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desvalorização desta força de trabalho, pelo fato de outra pessoa achar que pode

fazer o trabalho do assistente social.

No tocante à carga horária nas unidades hospitalares, os assistentes sociais

acompanham o movimento das demais categorias na saúde, principalmente, a

médica e a de enfermagem que cumprem a escala de plantão – 12 e/ou 24 horas –,

com folgas intercaladas.

Estes dados revelam a fragilidade da força de trabalho em saúde, visto que o

cumprimento da carga horária nesses moldes facilita e incentiva o duplo ou até triplo

vínculo empregatício para os assistentes sociais, sendo imensuráveis os danos

causados à qualidade de vida e de trabalho destes profissionais.

A partir de um resgate histórico da produção clássica do Serviço Social64

sobre o espaço do plantão, nota-se que cabia ao assistente social propiciar o “bom

atendimento” dos “clientes” na rotina institucional, “averiguando” se os seus pedidos

poderiam ser atendidos pela instituição ou encaminhados para outra “obra social”

que pudesse atendê-los.

Nesta perspectiva, observa-se que a concepção de plantão se relaciona aos

objetivos institucionais; ou seja, a natureza do plantão é determinada apenas pelos

objetivos da instituição, fazendo que os objetivos profissionais coincidam com

àqueles.

Concorda-se com Vasconcelos (2002, p. 166), de que a prática dos

assistentes sociais no plantão é conservadora, visto que objetiva o controle e o

poder coercitivo sobre os usuários, na garantia da condução das ações cotidianas,

visando ao bom andamento da rotina organizacional, sem o comprometimento com

a população usuária.

A trajetória do serviço social é marcada pelo forte vínculo com o pensamento

conservador, seja oriundo da Igreja Católica, seja do pensamento laico. Esta

vinculação não se deu por acaso. Legitimava-se os interesses da ordem burguesa a

partir de ações profissionais frente às demandas existentes, diante dos “problemas

sociais”.

64 Trata-se das produções de Balbina Otoni Vieira; Gordon Hamilton; Mary Richmond pelas quais o plantão foi pensado e trabalhado visando o atendimento emergencial e burocrático às demandas trazidas à instituição (AMADOR, 2009).

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A intervenção profissional se voltava para o âmbito individual, de fundo moral

e/ou psicológico, cujo “tratamento” se pautava no relacionamento assistente

social/cliente, objetivando a mudança comportamental.

A prática profissional era isenta de uma dimensão política, pois a abordagem

psicossocial da questão social tornava suas expressões um problema oriundo de um

comportamento psicologicamente perturbado ou desviante, porque

[...] a psicologização das relações sociais se expressa como individualização da questão social, transformada em problemas pessoais, essa forma é apenas uma dentre outras maneiras de o pensamento conservador conceber a questão social [...] (GUERRA, 2001, p. 264).

O retorno às práticas psicologizantes e individualistas se materializam por

meio dos atendimentos de orientação, apoio e aconselhamento que visam tão

somente a naturalizar as expressões da questão social, afastando a dimensão

política da prática profissional, na busca pela universalização dos direitos sociais.

Nos hospitais, o plantão social funciona, em geral, em salas pequenas, sem

ventilação e sem condições de privacidade e sigilo profissional, pois um ou mais

profissionais aguardam os usuários que o fazem espontaneamente ou

encaminhados pela equipe da saúde.

As demandas do plantão são atendidas individualmente, por meio de

orientações, encaminhamentos internos e externos, esclarecimentos, informações,

providências, apoio e aconselhamento, em salas de atendimento, nos corredores e

nas enfermarias (leitos) (VASCONCELOS, 2002).

As inadequações do espaço físico e das condições mínimas de atendimento

aos usuários comprometem o exercício profissional, pois não estão em

conformidade com os princípios ético-políticos da profissão, visto que é

responsabilidade e dever do assistente social garantir o sigilo profissional e a

privacidade dos usuários naquilo que for tratado durante o processo de intervenção

profissional.

Ademais, o compromisso para com a qualidade dos serviços prestados à

população e para com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência

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104

profissional, é um dos princípios fundamentais do Projeto Ético-Político Profissional.

Veda-se ao assistente social transgredir qualquer preceito do Código de Ética

Profissional, bem como da Lei de Regulamentação Profissional (Lei Federal nº

8662/93), e ainda de acatar determinação institucional que fira os princípios e

diretrizes deste Código, sob a pena de apuração de sua responsabilidade ética.

Diante do exposto, afirma-se que o plantão é um espaço contraditório de

embate entre as práticas coletiva e individual, caracterizado por atividades pontuais,

não-planejadas e reduzidas a resolverem os “problemas” dos usuários para manter o

bom andamento da rotina organizacional:

Trata-se de uma prática burocrática e não assistencial que segue mecanicamente normas impostas pelo regulamento das entidades empregadoras, ou seja, aos interesses do capital, visto que ao priorizar um atendimento de escuta/ encaminhamento e o preenchimento de cadastro, fichas, formulários que viabilizam o acesso a benefícios ou inscrição em programas da instituição, referenda a morosidade e a complicação da coisa pública burocratizada que objetiva limitar o acesso dos usuários aos direitos sociais (VASCONCELOS, 2002, p. 170).

Concorda-se com a autora, pois a ênfase às práticas individuais de

atendimento aos interesses imediatos dos usuários como um fim em si mesmo, em

detrimento das abordagens coletivas, previamente planejadas, impedem a

participação consciente dos mesmos e da equipe multiprofissional, no tocante à

democratização das informações e do controle social.

Neste sentido, o plantão se constitui como um espaço desafiante para os

profissionais comprometidos com a construção de práticas democráticas e coletivas

de atendimento às demandas dos usuários.

Destaca-se que nos atendimentos individuais, os assistentes sociais

entrevistados afirmam que têm contato direto com os pacientes e seus respectivos

acompanhantes, seja no ato do internamento, seja em visitas diárias aos leitos.

Todavia, nem todos recebem o adicional de insalubridade65, assegurado pela

65 O artigo 189 da Consolidação das Leis Trabalhistas prescreve “[...] Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de

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Constituição Federal (Art. 7º, XXIII) aos trabalhadores urbanos e rurais, dentre

outros.

O adicional de insalubridade corresponde aos percentuais de 5% (cinco por

cento), 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento), calculados sobre o vencimento

do cargo efetivo do servidor, de acordo com os graus mínimo, médio ou máximo de

insalubridade da atividade exercida, estabelecidos em laudo pelo serviço de saúde

ocupacional (SSO).

Trata-se de um direito trabalhista constitucional ao que fazem jus os

servidores que trabalham com habitualidade em locais insalubres e/ou perigosos, ou

em contato com substâncias tóxicas, radioativas e/ou que ofereçam risco de vida.

Apesar da exposição a determinadas doenças, como tuberculose, meningite,

hepatite, hanseníase e gripe A, e o corrente risco ao contágio, há profissionais que

não recebem o adicional, mesmo atuando diariamente em hospitais referenciados

em doenças infecto-contagiosas. E estes, somam-se àqueles que percebem este

adicional segundo um cálculo sobre o valor salarial desatualizado.

Observa-se uma crescente precarização desta força de trabalho, por meio

dos contratos temporários, sem garantias trabalhistas e previdenciárias. Segundo

estas condições, os assistentes sociais cobrem o quadro para responder às

demandas. O acesso se dá por meio de processos seletivos para contratação

temporária e/ou por indicação, desconsiderando as condições objetivas e subjetivas

que estes profissionais dispõem para prestar um atendimento de qualidade.

O trabalho profissional dos assistentes sociais é perpassado por aspectos que

devem ser problematizados, como a diversidade de atribuições, a falta de

planejamento das atividades, a incorporação do discurso institucional em detrimento

dos objetivos profissionais e dos usuários, o desconhecimento do Código de Ética

Profissional, o reduzido número dos assistentes sociais, as precárias condições de

trabalho e salário, a falta de pesquisas e participação em conselhos de políticas

sociais, bem como de capacitação profissional.

O reduzido número de concursos público, e na ocasião destes, de insuficiente

número de vagas, é emblemático no tocante ao que vem sendo discutido neste

trabalho. O último concurso de provas e títulos realizado em 2008, destinado a

tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos”.

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selecionar candidatos para provimento de vagas e cadastro de reserva, contou com

a seguinte oferta de vagas, conforme o Quadro 07:

Cargo

Requisito

Ch

Vagas

Total de vagas (cr)

Região

Vencimento

R$

Assistente Social

Diploma, devidamente registrado e registro no Conselho Profissional

30

01 04 Agreste

1.050,00

01 04 Alto Oeste 01 04 Assu

01 04 Mato Grande

01 04 Metropolitana

01 04 Oeste

01 04 Seridó 01 04 Trairi/Potengi

Quadro 07. Número de vagas no concurso público da Secretaria de Saúde. Fonte: Edital nº 001/2007, Instituto Cidades. 2007.

A necessidade de ampliação do quadro de assistentes sociais se relaciona ao

avanço do projeto neoliberal e ao acirramento das expressões da questão social no

país. O resultado do trabalho do assistente social não é material, ou seja, não é

mensurado em unidades físicas. Porém, o seu valor de uso tem uma utilidade à

funcionalidade do capital, mesmo não gerando diretamente um valor, interfere e cria

condições favoráveis ao desenvolvimento das forças produtivas.

É evidente a expansão do trabalho na saúde, devido às mudanças

demográfica e epidemiológica, como o envelhecimento da população, o aumento

das doenças crônicas, o aumento da morbidade por causas externas, o sofrimento

mental e a disseminação de algumas epidemias.

Todavia, a aquisição da força de trabalho em saúde se dá de forma lenta e

precarizada, a partir da degeneração dos vínculos, negação ou omissão quanto aos

direitos constitucionais dos trabalhadores, adversidades no âmbito das organizações

e relações sociais, nos contextos de trabalho e gestão tradicionais. Reforça-se que

é, neste contexto contraditório que o serviço social assume o papel de mediador

entre os usuários e o sistema de saúde.

Os relatos dos entrevistados nos revelam que as deficiências no número de

profissionais no quadro tende a ser suprida de acordo com o interesse e

sensibilidade de cada gestor das unidades hospitalares. A lógica gerencial

hegemônica decide sobre atos, finalidades e efetividade do trabalho, subordinando

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as decisões profissionais à estrutura hierárquica das entidades empregadoras.

Todavia, há experiências bem sucedidas de interação entre a equipe

multiprofissional, os gestores e os assistentes sociais, conforme relato a seguir:

A gente sempre fala isso porque sempre vemos as colegas das outras instituições reclamarem [...] sobre a interdisciplinaridade entre eles que não existe, mas aqui existe, os médicos vêm aqui pra discutir casos de pacientes, sobre os pais, se tá tratando bem a criança, essa coisa, enfermeiro, fisioterapeuta para saber o que a ente acha. O diálogo com gestores é bem aberto [...] nossos projetos [...] a direção recebe muito bem (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).

A falta de participação nos processos decisórios é uma característica do

espaço hospitalar. E a falta de autonomia66 e de poder de decisão direciona o

trabalho profissional à mera execução de tarefas pré-estabelecidas, pelos gestores,

secretários de saúde, diretores e coordenadores das unidades hospitalares.

A responsabilização dos trabalhadores por tarefas e procedimentos de pouco

significado, e sem espaço criativo distancia-os de sua “obra”, do entendimento e da

celebração de resultados finais na organização, levando-os à conseqüente alienação

e desmotivação (CAMPOS, 1997).

Na luta pela concretização do projeto da reforma sanitária, torna-se de

fundamental importância a reflexão permanente acerca do trabalho profissional nos

serviços de saúde, o qual se amplia sob condições degradantes, do ponto de vista

das condições de trabalho, das dimensões ético-políticas, da saúde dos

trabalhadores e da qualidade dos serviços prestados.

66 Maior capacidade de compreender e agir sobre si mesmo e sobre o contexto, com protagonismo, com maior capacidade reflexiva, e de estabelecer compromissos e contratos com outros (CAMPOS, 2000).

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4 A DEGRADAÇÃO DO TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA E NOS PROCESSOS DE TRABALHO EM SAÚDE

O processo de trabalho na saúde é parcelado, tornando a assistência em

saúde fragmentada. Há uma especialização dentro das profissões, que dificulta a

apreensão dos sujeitos em sua totalidade. Nota-se uma crescente precarização das

relações e condições de trabalho, por meio da degeneração dos vínculos –

prestação de serviços e assalariamento –, que desqualifica o atendimento com

profissionais desvalorizados e desmotivados, repercutindo na qualidade de vida e na

saúde dos trabalhadores.

A atual tendência de desestruturação do trabalho organizado e/ou formal, a

partir da crescente ocupação em atividades instáveis, precárias e atípicas, enquanto

alternativas ao desemprego, implicam a fragilização da classe trabalhadora, tanto na

sua forma quanto na sua organização.

O quadro de degradação do trabalho decorre da histórica exploração da

classe trabalhadora, que se intensifica e se re-configura no contexto neoliberal, a

partir de um novo padrão de acumulação capitalista, pelo qual se impulsionam novas

formas de produção e gestão do trabalho.

O padrão de acumulação fordista-taylorista67 e a política de regulação social

keynesiana68, contexto que ficou conhecido como “[..] os anos dourados ou os 30

gloriosos” (MARTINS, 1992) entra em crise em meados da década 1970.

Neste contexto, os gastos sociais e a organização dos trabalhadores são

acusados de desestabilizarem as bases de sustentação da economia. A retirada do

Estado, enquanto regulador das relações econômicas e dos gastos públicos na área

social é apontada pelos ideais neoliberais como o meio de superação da crise.

A transição do processo de produção fordista/taylorista para a vigência de um

novo padrão industrial e tecnológico, com base no modelo toyotista e/ou acumulação

flexível69 traduz uma nova era de transformação das relações sociais. Intensifica-se

67 Padrão produtivo do capitalismo desenvolvido no século passado, que tem como características a produção em massa, concentrada e verticalizada, com controle de tempo e movimentos (IAMAMOTO, 2000). 68 Política de regulação social, voltada ao pleno emprego e à manutenção de um padrão salarial capaz de manter o poder de compra dos trabalhadores (IAMAMOTO, 2000, p. 47). 69 Padrão produtivo do capitalismo, caracterizado pela flexibilidade nos processos de trabalho, mercados, produtos e padrões de consumo (CORIAT, 1994).

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a acumulação do capital a partir da reestruturação produtiva, por meio de novas

formas de exploração do trabalho.

As mudanças no “mundo do trabalho” ocorrem pela introdução de novas

máquinas, da chamada automação microeletrônica, e somam-se ao uso de novas

técnicas de gerenciamento, de métodos de administração do trabalho, da produção

e do consumo.

Trata-se da busca frenética por novas técnicas de dominação, no Brasil e no

mundo, que não é recente, pois acompanha o próprio desenvolvimento do sistema

capitalista, desde a sua gênese no enfrentamento de suas constantes crises de

superprodução.

As denominações Just-in-time (JIT)70, Círculos de Controle de Qualidade

(CCQ), kanban71e administração-participativa fazem parte do vocabulário das

organizações empresariais, e são métodos requintados, denominados de toyotismo,

pelos quais o capital não suga somente o esforço físico do trabalhador, mas

expressa perdas sociais, mutilação do corpo, mente e de sua capacidade de luta

(FREIRE, 2003).

O toyotismo, originário do Oriente – Japão – representa um conjunto de

compromissos que assegura a “regulação” da empresa e da economia, baseado na

história econômica particular daquele país, pós II Guerra Mundial, e de seus traços

culturais particulares, mas que são comparáveis aos princípios de organização do

trabalho e gerência de produção do fordismo/taylorismo, no Ocidente (CORIAT,

1994).

A ocidentalização do toyotismo é uma saída para a crise do capital, pois

representa um novo ordenamento social, pactuado entre capital, trabalho e Estado.

No entanto, Antunes (2005) afirma que essas inovações visam a aperfeiçoar os

métodos de manipulação dos operários, portanto não são técnicas neutras ou

isentas de interesses.

A história da organização capitalista do trabalho mostra que o patronato visa

sempre a basicamente dois objetivos: o econômico, que é o do crescimento e da

70 Técnica de gestão e controle de mercadorias que procura minimizar o nível de estoques nas indústriais, pela qual a produção é determinada com hora certa para que chegue antes que o estoque existente termine, economizando assim espaço e capital, e evitando o desperdício (CORIAT, 1994). 71 Cartão de sinalização que controla os fluxos de produção ou transportes em uma indústria (CORIAT, 1994).

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acumulação de capital; e o político, que é o de manter a submissão dos

trabalhadores, de modo a garantir o primeiro intento.

No Brasil, o processo de reestruturação produtiva se consolidou a partir da

década de 1990, na qual se iniciou a adoção de novos padrões organizacionais e

tecnológicos e de novas formas de organização social do trabalho, em um contexto

mundial de competitividade, gerado pelo mercado globalizado (FREIRE, 2003). Tais

mudanças são regidas pelos países centrais, que são ricos e desenvolvidos, nas

esferas econômica e técnico-cientifica, razões pelas quais determinam todas as

relações na sociedade.

A adesão dos países à ideologia neoliberal72 representa um retrocesso

histórico no âmbito da consolidação dos direitos, das conquistas sociais e do projeto

da classe trabalhadora, já que enfraquece o espírito revolucionário das mesmas, que

hoje são cooptadas pelo grande capital.

Tal implantação se dá por meio da cultura da crise (MOTA, 2000), pela qual

se justifica a perda de direitos sociais conquistados como inevitáveis, em prol de

interesses privados (FREIRE, 2003).

Os países periféricos – emergentes –, como é caso do Brasil, inserem-se na

economia mundial de forma desigual, pois seus espaços físicos são abertos a

capitais externos, e sua economia é totalmente dependente desse tipo de

investimento. Soma-se a adoção aos ideais das grandes potências, no tocante à

organização do Estado no âmbito dos direitos civis, políticos, sociais, fundamentais e

humanos, sem a devida leitura da realidade sócio-cultural, econômica e política de

cada país, com suas especificidades.

O processo de expansão capitalista em curso, mediante a terceira revolução

tecnológica, desencadeia novas articulações de processos econômicos, políticos e

sociais, projetos de sociedade, formas de organização de poder, do trabalho e dos

sujeitos sociais, em proporções mundiais.

Os desdobramentos mais visíveis são o aumento da produtividade, por meio

do avanço tecnológico nas redes de telefonia fixa e móvel; máquinas; robótica;

72 Os avanços dos ideais neoliberais se efetivaram de forma heterogênea no mundo, com destaque para a Europa, mais precisamente, na Inglaterra, por intermédio da atuação da Ministra Margareth Thatcher; e nos Estados Unidos da América, com o Presidente Ronald Reagan, no decênio de 1980, do século XX. Estes se configuram como uma referência à disseminação da doutrina neoliberal, no contexto mundializado. Contudo, o Chile foi “[...] a primeira experiência neoliberal sistemática do mundo” (ANDERSON, 1995, p. 19).

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satélites espaciais; computadores e demais inovações técnico-científicas; o

desemprego e a conseqüente desvalorização do trabalho.

O processo de globalização da economia, oriundo da revolução técnico-

científica, expande o capital pela supremacia dos agentes econômicos sobre os

Estados-Nação, de forma irrestrita e universal, sem barreiras nacionais e políticas

que possam cercear seu crescimento (MARTINS, 1992, p. 2-3). Assim,

Paradoxalmente, a crise de acumulação de capital na era da globalização tem criado grandes e novas dificuldades, em vez de resolver as iniqüidades do sistema há muito tempo contestadas, como os otimistas porta – vozes da globalização, sem nenhum problema, querem nos fazer acreditar, pois as margens da viabilidade produtiva do capital estão diminuindo [...] apesar dos esforços dos Estados capitalistas – individualmente ou em conjunto [...] para manter firmes as margens do sistema (MÉSZÁROS, 2006, p. 38).

A única alternativa de aumento das margens de acumulação capitalista dá-se

a partir do agravamento das condições econômicas e dos pacotes de salários

precarizados da força de trabalho. E, neste sentido, o Estado nunca foi tão

intervencionista, tanto no plano econômico quanto político, em favor das empresas

capitalistas.

Na era tecnológica, acentuam-se práticas de exclusão, que têm, no

desemprego estrutural,sua característica mais perversa e preocupante, bem como o

aumento do trabalho precário no âmbito da economia informal; o desenraizamento

pelas correntes migratórias inter-regionais e internacionais leva ao aumento das

periferias no espaço planetário; e o aumento da pobreza e do abandono dos que

não são mais de interesse ao sistema (MARTINS, 1992). É o mundo das relações

mercantilizadas, no qual tudo é descartável, desde que não seja do interesse do

capital.

As transformações no modo de produção ocorrem simultaneamente na

organização do Estado e no processo de trabalho nos setores: primário –

agropecuária e extração de minérios –; secundário – indústria, pesquisa, informática

–; e terciário – serviços, sendo este último o âmbito do setor saúde.

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Na saúde, o modo de produção se diferencia do mercado de bens e consumo

capitalista, pois requer modos de pensar comprometidos com a vida. Em outros

termos, práticas comprometidas com a coletivização da gestão, publicização das

relações de trabalho – saberes –, sujeitos – necessidades, desejos e interesses –, e

poderes – relação saberes e sujeitos (SANTOS-FILHO, 2009).

O processo de desmonte do Estado brasileiro no âmbito da saúde pública, ao

longo da década de 1990, atrela-se à lógica produtivista de acumulação capitalista,

que favorece as empresas que atuam no ramo, favorecendo uma “universalização

excludente”, com uma política pública voltada para pobres. Ao mesmo tempo,

fragmenta-se a classe trabalhadora pela terceirização, que a desprotege legalmente,

no que se refere às condições de trabalho e salarial.

Desregulamenta-se o trabalho por meio da sua flexibilização, com o intuito de

aumentar a produtividade e diminuir os custos, combatendo todas as formas

possíveis dos mercados rígidos, enquanto condição para manter e/ou ampliar a

participação das empresas e países nos principais mercados consumidores –

capacidade competitiva –, e a diminuir os números alarmantes do desemprego.

Trata-se de uma eficiente modalidade de exploração do trabalho pelo capital,

a partir do discurso da desconcentração da propriedade e da

independência/autonomia dos trabalhadores.

A ausência do vínculo empregatício passa a idéia de que a pequena produção

ou os pequenos negócios permitem que todos possam ser capitalistas. Concorda-se

com Vasapollo (2006, p. 45), na afirmativa de que segue

A flexibilização, definitivamente, não é solução para aumentar os índices de ocupação. Ao contrário, é uma imposição à força de trabalho para que sejam aceitos salários mais baixos e em piores condições.

Difundem-se novas ofertas de trabalho por meio do mercado ilegal, do

trabalho irregular, precário e sem garantias, quadro que gera violência e desmobiliza

as lutas por formas dignas de trabalho, já que a crise estrutural e a globalização do

desemprego (MÉSZÁROS, 2006) fragmenta as lutas de classes, reduzindo-as à

submissão, pelo medo da perda dos postos de trabalho. Isto porque, apesar da

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inserção precária no mercado de trabalho, pretende-se mantê-la para garantir o

próprio sustento.

A flexibilização do trabalho é a chave do processo de reestruturação

produtiva, caracterizando uma nova etapa do capitalismo, qual seja, de precarização

das condições de trabalho, pela substituição das ocupações formais e dos direitos

trabalhistas, por meio da subcontratação de trabalhadores temporários, eventuais,

part-time, a domicílio, ocupações pelas quais os trabalhadores podem ser

contratados com encargos menores e demitidos sem indenização. Em outros

termos, podem ser descartados conforme os interesses do capital.

Agrava-se o desemprego estrutural instaurado pela redução dos postos de

trabalho, bem como o direcionamento dos trabalhadores desempregados para o

cerne do mercado informal que reduz a parcela de pessoas ocupadas que

contribuem para com a Previdência Social.

A informalidade existente no mercado de trabalho se manifesta na expansão

das formas atípicas de trabalho. Englobam-se aí, desde os contratos flexíveis, aos

trabalhadores autônomos – domésticos e/ou familiares –, as cooperativas, as

pequenas empresas, como também os vendedores, em geral, numa estratégia para

garantir, ao menos, a sua sobrevivência:

O indivíduo que se auto-emprega, mesmo que sua atividade não seja interior à produção capitalista, não é nem autônomo nem capitalista. Tal qual um assalariado, o produto do seu trabalho será enlaçado pela lógica do capital. O mercado é ponto para qual todos convergem e no qual todas as pseudo- autonomias se dissolvem. Por mais independente que o indivíduo imagine ser, o produto do seu trabalho terá, em algum momento, de se confrontar com outros, no mercado [...] (TAVARES, 2006, p. 441).

Deste modo, livra-se o desenvolvimento capitalista dos constrangimentos das

relações empregado-empregador, mediante estratégias que fazem do trabalho

informal a forma de ser da sociedade assalariada (TAVARES, 2006).

A condição de desempregado ou a constante ameaça do desemprego

provoca estresse, angústia, depressão, baixa auto-estima, agressividade e fadiga,

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tornando os trabalhadores vulneráveis aos acidentes de trabalho e/ou constituindo

causas do aumento da violência na sociedade.

No contexto da saúde, cujo mercado de trabalho tem propiciado a expansão

do multi-emprego como forma de compensar as perdas salariais; e os contratos

temporários, traz consigo as ambigüidades características do “mundo do trabalho”

precarizado, no qual os trabalhadores são, ao mesmo tempo “cuidadores” da saúde

de outros e também carentes de cuidados de sua saúde e de melhores condições de

vida e de trabalho.

4.1 O Trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar

O convívio com precárias condições de trabalho no contexto hospitalar é fato.

Incluindo-se aí, desde a precária estrutura física e técnica, a insalubridade de

algumas atividades e ambientes, a peculiar organização parcelar na prestação dos

serviços, até as condições salariais, obrigando os profissionais cumprirem jornadas

extensas de plantões, num esforço de complementação salarial.

O trabalho dos assistentes sociais apresenta as fragilidades enfrentadas pelo

conjunto da classe trabalhadora, como: a precarização da força de trabalho por meio

da terceirização; as extensas jornadas de trabalho (plantões de 12 e/ou 24 horas);

as ações individualizadas e imediatas; a intensificação do trabalho por duplo ou até

triplo vínculo; as privatizações; a não existência de um PCCS; e a massiva

flexibilização das relações de trabalho. Assim,

É neste processo de precarização do trabalho que as terceirizações são intensificadas, com o objetivo de aumento de produtividade e garantia dos lucros [...] assim, a informalidade amortece os impactos do desemprego aberto, sob formas ocultas de desemprego (GUSMÃO, 2002, p. 93).

O discurso ideológico da “contra-reforma” estatal objetiva transferir suas

responsabilidades para a iniciativa privada, retirando direitos da classe trabalhadora,

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115

pelo sucateamento da rede pública de saúde, ao lado do crescimento dos planos e

seguros de saúde, incentivando os que estão inseridos no mercado de trabalho –

formal ou informal – à pagarem mensalidades às empresas privadas de saúde, que

estabelecem suas regras, nem sempre claras.

Na rede pública, identifica-se o “pacote para pobres”, restando-lhes a

alternativa de “correr o risco” de ser pelo menos atendido, pois é exatamente assim

que a crise na saúde é apresentada pelos veículos de comunicação de massa, que

têm a função ideológica de transmitir os interesses das classes dominantes. O SUS

é deslegitimado perante a sociedade, apesar dos resultados obtidos com a

ampliação do acesso, a melhoria dos indicadores de saúde e a expansão do

trabalho direto e indireto neste setor (SANTOS-FILHO, 2009, p. 55).

O processo de redução das funções do Estado, que sempre foi o principal

empregador dos assistentes sociais, reduz o número de contratações na condição

estável, por meio de concursos públicos nas esferas municipal, estadual e federal. É

feita a opção pelos contratos temporários, com desregulamentação e restrição dos

direitos trabalhistas:

O consenso econômico neoliberal restringe os direitos trabalhistas com as desregulamentações, de modo que a contratualização assume assimetria de direitos das partes envolvidas, garantindo vantagens aos mais poderosos, quando não a ausência total de qualquer contrato, com precarização das relações de trabalho de grandes massas dos trabalhadores (SANTOS-FILHO, 2009, p. 30).

A desqualificação dos serviços e servidores públicos por parte das políticas

neoliberais de Estado mínimo, a partir do incentivo à privatização e à lógica lucrativa

de mercado, aponta o funcionalismo público como o principal culpado pela ineficácia

do sistema público de saúde, sendo por isso, desvalorizado.

A redução de contratações via concursos públicos rebate no sistema de

arrecadação previdenciária, para a qual os empregados contratados segundo a CLT

ou pelo estatuto dos servidores públicos contribuem para a Previdência Social.

A contratação indireta de serviços é priorizada como meio de diminuir o ônus

que os encargos trabalhistas impõem aos cofres públicos, visto que aumentaria a

eficácia do serviço e do atendimento, de acordo com as demandas e necessidades,

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melhorando o aproveitamento dos recursos disponíveis (GUSMÃO, 2002, p. 100).

Verifica-se o velho discurso da crise estatal, pela qual é privatizado o espaço

público.

A contratação indireta na esfera do Estado é preconizada desde o Decreto-Lei

nº 200/6773, durante o governo militar, como forma de estímulo à atuação das

empresas privadas no âmbito da administração direta e autárquica, sempre que

possível e conveniente.

A Lei em vigor, Decreto nº 2.271/9774, estabelece a contratação de serviços

pela administração pública federal para “[...] execução indireta de atividades

materiais acessórias, instrumentais e complementares aos assuntos que constituem

área de competência legal do órgão ou entidade” (CF, 1988).

A Lei nº 8.666/9375, que regulamenta os contratos na administração pública e

licitações para seleção da empresa prestadoras de serviços, define a execução

indireta como a que o órgão ou entidade contrata com terceiros (Art. 6º, CF, 1988).

A terceirização no espaço público extrapola a forma de contratação. Refere-

se à estratégia da flexibilização do trabalho, por meio da desregulamentação

institucional disseminada pela “contra-reforma” estatal, pela qual os contratos

temporários deixam de ser a exceção, e se tornam regra, constituindo um modo de

precarização das relações de trabalho, já que evitam os encargos trabalhistas e

desmobiliza politicamente os trabalhadores.

A Constituição Federal de 1988 determina que o cargo público seja provido

por concurso público, ressalvados os cargos comissionados (Art. 37). Porém, a

oferta fica reduzida, especialmente, nas áreas não exclusivas76 do Estado.

A subcontratação está associada à desregulamentação das relações e

garantias trabalhistas, visto que os subcontratados, geralmente, não têm acesso às

mesmas, os salários são baixos, não são pagas as horas extras, o adicional noturno,

73 Aprovado no governo de Castello Branco em 25 de fevereiro de 1967 que dispõe sobre a organização da administração Federal, e estabelece diretrizes para a reforma administrativa, e dá outras providências. 74 De 07 de julho de 1997; dispõe sobre a contratação de serviços pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências (BRASIL, 1988). 75 De 21 de Junho de 1993; regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da administração pública e dá outras providências (BRASIL, 1988). 76 Áreas que não envolvem o exercício de poder do Estado, mas devem ser subsidiados por ele, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica (BRASIL, 1988).

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a periculosidade/insalubridade, os encargos sociais, e os insumos – uniforme, vales

transporte, treinamentos, seguro –, as jornadas de trabalho são mais extensas e há

maior exposição a situações de risco e acidentes77.

A naturalização das condições precárias de trabalho é precondição para a

intensificação do trabalho e o aumento dos lucros, produzindo conflitos entre os

trabalhadores formais versus informais, a fragilização do movimento sindical e da

saúde dos trabalhadores, o comodismo, o desânimo e o distanciamento de um

trabalho criativo.

O processo de trabalho em hospitais é marcado pela competitividade e

corporativismo dos servidores e pela falta de consciência de classe, visto que para

os referidos, as terceirizações desqualificam técnica e politicamente o serviço

público, o que contribui para a perda de auto-estima, desmotivando-os para o

trabalho, ao ter que conviver com os que foram admitidos indiretamente. Explicitam-

se características próprias desta sociabilidade capitalista, pela qual as relações são

individualistas, competitivas e mercantilizadas, sinalizando-se a coisificação das

relações sociais.

Nas unidades hospitalares, o trabalho é organizado a partir do modelo clínico

de atenção à saúde, centrado no atendimento médico. Nestes espaços, é objetivada

a recuperação dos aspectos físico-biológicos e psíquico-sociais do ser humano em

um curto espaço de tempo e com o menor gasto possível. Portanto, envolve saberes

e trabalhadores específicos a cada formação profissional em torno de um objetivo

comum, qual seja, o atendimento às necessidades de prevenção,

tratamento/reabilitação e cura dos sujeitos.

A partir deste estudo, evidencia-se que, no âmbito hospitalar, todo e qualquer

problema que envolva dificuldade de deslocamento, de acesso a atendimentos,

medicamentos, exames, alimentos, documentos e informação é encaminhado ao

serviço sócial, que cumpre um papel fundamental como instrumento viabilizador de

condições objetivas para a realização do processo de trabalho em saúde e,

principalmente, para tornar possível o acesso dos usuários, que em sua maioria, são

excluídos do próprio serviço existente, constituindo-se numa espécie de elo invisível

(COSTA, 1998).

77 Ver pesquisa sobre a terceirização de serviços na “contra-reforma” do Estado (GUSMÃO, 2002, p. 108-9).

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É nesse processo que se discute as particularidades da inserção do trabalho

dos assistentes sociais no processo de trabalho coletivo no SUS, especificamente,

no contexto hospitalar, pois esta força de trabalho não está aquém do contexto de

desregulamentação e precarização das relações de trabalho em curso.

4.2 Análise das condições de trabalho dos assistentes sociais

O trabalho profissional na saúde, especificamente, no âmbito hospitalar,

desenvolve-se a partir da dimensão assistencial/emergencial; ou seja, por ações de

aconselhamento, atividades burocráticas, seleções sócio-econômicas e apoio em

casos de óbitos, transferências e altas. Há o predomínio de atendimentos individuais

no acesso aos serviços e benefícios sociais, em detrimento de uma prática

sistematizada, contínua e coletiva.

Tal afirmativa se respalda no conteúdo das entrevistas e nas análises

bibliográficas feitas durante a pesquisa, além de experiência profissional vivenciada

no âmbito do SUS, especificamente em um hospital público gerido pelo Estado.

A partir de observações feitas nos hospitais visitados, nota-se que a inserção

dos assistentes sociais no processo de trabalho não é exclusiva nem organizada por

estes profissionais. Os empregadores organizam e atribuem unidade ao processo de

trabalho na sua totalidade, de acordo com as demandas socialmente produzidas.

Há referências à precariedade nos relatos das entrevistadas, sem tentativa de

atenuar o que se configura como limitação concreta ao desenvolvimento do próprio

trabalho, que vão desde a distribuição de profissionais por setores – clínicas

cirúrgica, médica, obstétrica, emergência e recursos humanos –, até a consecução

de metas estabelecidas (produtividade), localização e condições dos espaços

físicos.

Neste sentido, a categoria profissional, por meio dos seus órgãos

representativos, tem empenhando-se na garantia do exercício profissional

qualificado, ético e tecnicamente, em defesa dos direitos dos usuários. Sobre as

condições éticas e técnicas do exercício profissional, no que se refere ao espaço

físico, a resolução CFESS nº 493/2006, de 21 de agosto de 2006 resolve:

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Art. 1º - É condição essencial, portanto obrigatória, para a realização e execução de qualquer atendimento ao usuário do Serviço Social a existência de espaço físico, nas condições que esta Resolução estabelecer. Art. 2º - O local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de espaço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes características físicas: A - iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno, conforme a organização institucional; B - recursos que garantam a privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o processo de intervenção profissional; C - ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas fechadas; D - espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de material técnico de caráter reservado (CFESS, 2006).

As condições físicas ideais ao exercício profissional se distanciam da

realidade observada, visto que os espaços de trabalho nos hospitais não

proporcionam privacidade e conforto aos usuários e profissionais, são elas: salas

pequenas e sem ventilação; quando grandes, aglomeram mais de um profissional,

realizando atendimento ao mesmo tempo; faltam equipamentos, transporte e

materiais permanente e de consumo.

O exercício profissional dos assistentes sociais em hospitais é fragmentado e

direcionado ao atendimento de situações problemas, o que reforça a concepção de

especialização nas diversas patologias médicas, colocada pelas demais profissões

de saúde como necessária de superação. De acordo com Iamamoto,

Os resultados ou processos de trabalho em que participam os assistentes sociais situam-se [...] no campo da reprodução da força de trabalho, da obtenção das metas de produtividade e rentabilidade das empresas, da viabilização de direitos e da prestação de serviços públicos de interesse da coletividade, da educação sócio-política, afetando hábitos, modos de pensar, comportamentos, práticas dos indivíduos sociais em suas múltiplas relações e dimensões da vida quotidiana na produção e reprodução social (2001 p.111-12).

O trabalho profissional dos assistentes sociais se reduz à ação exclusiva

sobre as questões subjetivas vividas pelos usuários e pela defesa de uma suposta

particularidade entre o trabalho desenvolvido por estes profissionais perante as

diferentes especialidades da medicina.

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A visão de totalidade na organização do trabalho possibilita a contribuição de

cada especialização no processo global. Para tanto, é imprescindível ultrapassar as

fronteiras imediatas das atividades rotineiras, para apreender os processos sociais e

as mudanças contemporâneas, pelas quais são identificadas novas possibilidades e

exigências para o trabalho.

O entendimento da função social da profissão, na divisão social e técnica do

trabalho, que na área da saúde passa pela compreensão dos aspectos sociais,

econômicos, culturais que interferem no processo saúde-doença, é imprescindível

ao enfrentamento destas questões.

O atual contexto de desmonte das políticas de proteção social, diante do

explícito desrespeito à perspectiva de seguridade social, instituída pela Constituição

Federal de 1988, atinge tanto os sujeitos alvos dos serviços sociais quanto os

trabalhadores que prestam esses serviços,

Por se constituírem programas pobres para pobres, esses serviços acabam sendo desenvolvidos em condições de trabalho precárias, além da má remuneração; diante desse quadro os profissionais sentem-se impotentes pela não possibilidade de concretude e materialidade dos objetivos e finalidades do seu fazer (NICOLAU, 2005, p. 176).

Este quadro de precarização rebate, sobretudo na concretização dos

princípios ético-políticos da profissão, explicitados nos diversos documentos legais –

Código de Ética Profissional e Lei de Regulamentação da Profissão, ambos datados

de 1993, e nas diretrizes curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa

em Serviço Social (ABEPSS), datada de 1996.

Apesar da realidade mencionada, há possibilidade de uma atuação crítica na

saúde, desde que articulada ao projeto ético-político profissional e ao projeto da

reforma sanitária, a partir do enfrentamento das expressões da questão social e das

determinações sociais do processo saúde-doença.

O debate acerca das ações profissionais na saúde é imprescindível no atual

contexto de desmonte de direitos sociais e trabalhistas. Enfatiza-se neste estudo, a

contribuição das entidades representativas da profissão, na luta por melhores

condições de trabalho para os assistentes sociais, culminando na elaboração dos

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Parâmetros (CFESS, 2009) para a atuação destes profissionais na saúde, bem

como na aprovação da tabela de honorários78 da categoria, e da redução da jornada

de trabalho79·.

O documento ora intitulado por “Parâmetros (CFESS, 2009) para a atuação

de assistentes sociais na saúde”, é um instrumento fruto de discussões e debates da

categoria por todo país. Foi o centro do debate nacional, em junho de 2009, durante

o Seminário Nacional de Serviço Social na Saúde, em Recife, sua conclusão cumpre

a deliberação do 37º Encontro Nacional CFESS/CRESS, que previa a definição de

competências e atribuições de assistentes sociais na saúde.

De acordo com os Parâmetros (CFESS, 2009), as principais ações a serem

desenvolvidas pelos assistentes sociais na área da saúde são:

• prestar orientações – individuais e coletivas – e/ou encaminhamentos quanto aos direitos sociais da população usuária, no sentido de democratizar as informações;

• identificar a situação socioeconômica – habitacional, trabalhista e previdenciária – e familiar dos usuários com vistas à construção do perfil socioeconômico para possibilitar a formulação de estratégias de intervenção;

• realizar abordagem individual e/ou grupal, tendo como objetivo trabalhar os determinantes sociais da saúde dos usuários, familiares e acompanhantes;

• criar mecanismos e rotinas de ação que facilitem e possibilitem o acesso dos usuários aos serviços, bem como a garantia de direitos na esfera da seguridade social;

• realizar visitas domiciliares quando avaliada a necessidade pelo profissional do serviço social, procurando não invadir a privacidade dos usuários e esclarecendo os objetivos das mesmas;

• realizar visitas institucionais com objetivo de conhecer e mobilizar a rede de serviços no processo de viabilização dos direitos sociais;

• trabalhar com as famílias no sentido de fortalecer seus vínculos, na perspectiva de torná-las sujeitos do processo de promoção, proteção, prevenção e recuperação da saúde;

78 Resolução CFESS Nº 418/01 dispõe sobre a Tabela Referencial de Honorários do Serviço Social (CFESS, 2001). 79 Projeto de Lei Nº 1890 de 2007 dispõe sobre a duração do trabalho do Assistente Social. O Congresso Nacional decreta: “Art. 5º-A. A duração do trabalho do Assistente Social é de trinta horas semanais Art. 2º [...] é garantida a adequação da jornada de trabalho, vedada a redução do salário (CFESS, 2007).

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• criar protocolos e rotina de ação que possibilitem a organização, normatização e sistematização do cotidiano do trabalho profissional;

• registrar os atendimentos sociais no prontuário único com objetivo de formular estratégias de intervenção profissional e subsidiar a equipe de saúde quanto às informações sociais dos usuários, resguardadas as informações sigilosas que devem ser registradas no prontuário social (CFESS, 2009, p. 22-23).

De acordo com os assistentes sociais entrevistados, as principais ações

desenvolvidas pelos assistentes sociais inseridos na saúde são exatamente àquelas

que os Parâmetros (CFESS, 2009) ressaltam como competências de outros

profissionais, a saber:

• marcação de consultas e exames; • solicitação e regulação de ambulância para remoção e alta; • identificação de vagas em outras unidades nas situações de

necessidade de transferência hospitalar; • pesagem e medição de crianças e gestantes; • convocação do responsável para informar sobre alta e óbito; • comunicação de óbitos; • emissão de declaração de comparecimento na unidade quando o

atendimento for realizado por quaisquer outros profissionais que não o Assistente Social;

• montagem de processo e preenchimento de formulários para viabilização de Tratamento Fora de Domicílio (TFD), medicação de alto custo e fornecimento de equipamentos (órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção) bem como a disponibilização destes (CFESS, 2009, p. 24).

Neste sentido, todos profissionais entrevistados afirmaram que chegam

demandas que não estão no âmbito de suas competências, conforme relatos a

seguir do Assistente Social E:

É engraçado. Queima uma luz, uma televisão, isso parte não só dos usuários como dos funcionários. Por exemplo, se chegar alguém querendo entrar com mamadeira, tudo que se relaciona a alimentação é com a nutrição, mas mandam pra a gente. Chega uma reportagem pra falar com a direção, e não tá, mandam pra o Serviço Social. A fila ta imensa (...) fala com o Serviço Social pra dar um jeitinho (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).

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E o entrevistado A, que disse:

Quando alguém não resolve e diz não tem como resolver, aí diz procura o Serviço Social. Dependendo do que seja, se for algo que a gente ver que é da gente, se não for a gente diz volte, vamos lá, olha isso aqui não é nosso [...]veio um homem para atendimento aqui e me pediu dinheiro [...] A gente não trabalha com dinheiro, a gente trabalha dessa maneira, o carro trás você e eu ligo pra o carro lhe levar de volta ( ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).

Nota-se que os assistentes sociais que atuam na saúde desenvolvem as

ações acima citadas, somadas a uma série de atividades que não são propriamente

da sua alçada, mas que são absorvidas no dia-a-dia, como: receber e formalizar

reclamações tanto dos usuários quanto da equipe, sobre atendimento de outro

profissional; bem como da existência de mobília/objetos quebrados e/ou mal

conservados – macas, ventiladores, lâmpadas, telefones, computadores,

impressoras –; acerca do desaparecimento de objetos pessoais – ventiladores,

bolsas, colchões –; e a condução à saída do hospital àqueles visitantes que driblam

a recepção fora do horário de visitas.

Estas situações geram certos constrangimentos para os profissionais de

serviço social, pois têm poder coercitivo, de policiamento/fiscalizatório sobre os

usuários e demais profissionais, mas não dispõem de poder de decisão/solução dos

problemas apontados.

As atribuições e competências das assistentes sociais estão norteadas pelos

direitos e deveres constantes no Código de Ética Profissional e na Lei de

Regulamentação da Profissão, que devem ser observados e respeitados, tanto pelos

profissionais, quanto pelas entidades empregadoras.

No que se refere aos direitos dos assistentes sociais, o Artigo 2º do Código de

Ética assegura:

• garantia e defesa de suas atribuições e prerrogativas, estabelecidas na Lei de Regulamentação da Profissão e dos princípios firmados neste Código;

• livre exercício das atividades inerentes à profissão;

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• participação na elaboração e gerenciamento das políticas sociais, e na formulação e implementação de programas sociais;

• inviolabilidade do local de trabalho e respectivos arquivos e documentação, garantindo o sigilo profissional;

• desagravo público por ofensa que atinja a sua honra profissional; • aprimoramento profissional de forma contínua, colocando-o a

serviço dos princípios deste Código; • pronunciamento em matéria de sua especialidade, sobretudo

quando se tratar de assuntos de interesse da população; • ampla autonomia no exercício da profissão, não sendo obrigado a

prestar serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições, cargos ou funções;

• liberdade na realização de seus estudos e pesquisas, resguardados os direitos de participação de indivíduos ou grupos envolvidos em seus trabalhos(CFESS, 2009, p. 16).

No que se refere aos deveres profissionais, o Artigo 3º do Código de Ética

estabelece:

• desempenhar suas atividades profissionais, com eficiência e responsabilidade, observando a Legislação em vigor;

• utilizar seu número de registro no Conselho Regional no exercício da profissão;

• abster-se, no exercício da profissão, de práticas que caracterizem a censura, o cerceamento da liberdade, o policiamento dos comportamentos, denunciando sua ocorrência aos órgãos competentes (CFESS, 2009, p. 16-17).

Nessa perspectiva, e com base na Lei de Regulamentação da Profissão, a

compreensão do contexto sócio-histórico, no qual se situa sua intervenção depende

de competências gerais (fundamentais), a saber:

• apreensão crítica dos processos sociais de produção e reprodução das relações sociais numa perspectiva de totalidade;

• análise do movimento histórico da sociedade brasileira, apreendendo as particularidades do desenvolvimento do capitalismo no país e as particularidades regionais;

• compreensão do significado social da profissão e de seu desenvolvimento sócio-histórico, nos cenários internacionais e nacionais, desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade;

• identificação das demandas presentes na sociedade, visando a formular respostas profissionais para o enfrentamento da questão social, considerando as novas articulações entre o público e o privado (CFESS, 2009, p. 18).

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Tais competências possibilitam ao profissional a análise crítica da realidade,

para a partir daí, estruturar seu trabalho e estabelecer as competências e atribuições

específicas e necessárias ao enfrentamento das demandas sociais que se

apresentam em seu cotidiano.

Identifica-se avanços da profissão no processo de ruptura com o

conservadorismo, iniciados em 1979, com o Congresso da Virada, no III Congresso

Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) em São Paulo, na ocasião a categoria

transformou sua consciência política e assumiu um compromisso profissional com as

lutas sociais e a organização da classe trabalhadora.

Ao comemorar os 30 (trinta) anos80 do evento realizado com o slogan

“Começaríamos tudo outra vez, se preciso fosse” são reafirmados os rumos do

direcionamento político que o serviço social escolheu naquele momento histórico. E

a partir de um balanço analítico reafirmou o compromisso com a luta da classe

trabalhadora, com o Projeto Ético-Político e com os movimentos sociais.

A categoria profissional enfrenta os atuais desafios de negação dos direitos e

de desregulamentação das relações de trabalho através, de um lado, pela

participação da categoria nos congressos e encontros nacionais, e na

quantidade/qualidade dos trabalhos e comunicações apresentados; e de outro, da

luta pela concretização do Projeto Ético-Político e pela defesa da formação

acadêmica pública e de qualidade.

O caminho é este, de articulação e reorganização da classe trabalhadora no

enfrentamento ao neo-conservadorismo que se reveste sob o discurso da pós-

modernidade, pelo qual é ocultada à essência real dos fenômenos, e o rompimento

com qualquer possibilidade emancipatória da classe trabalhadora.

A atualização do conservadorismo [...] é favorecida pela precarização das condições de trabalho, da formação profissional, pela falta de preparo técnico e teórico e fragilização de uma consciência crítica e política, e que podem resultar na busca de respostas pragmáticas, na incorporação de técnicas aparamente úteis em um contexto fragmentado e imediatista" (NOTAS, Barroco, 2009).

80 Comemoração dos 30 Anos do Congresso da Virada, realizada no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo, nos dias 16 e 17 de novembro de 2009, pelo CFESS, CRESS-SP, ABEPSS e ENESSO.

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O contexto de desemprego, subemprego, regressão dos direitos,

fragmentação das políticas sociais, desvalorização do trabalho e dos trabalhadores,

ocasionado pela acumulação do capital exige uma postura profissional crítica –

antagônica – a esta mesma ordem. Por meio de um trabalho profissional qualificado,

respaldado pelo Projeto Ético-Político, a partir do re-conhecimento de si mesmos

enquanto trabalhadores, inseridos num contexto de degradação do trabalho que

descarta e explora o conjunto da classe trabalhadora com a diminuição do seu poder

de ação e decisão nos processos de trabalho.

4.3 A Inserção dos assistentes sociais na equipe multiprofissional: um olhar sobre a prática na equipe hospitalar

A partir da Constituição de 1988, é definido que as necessidades de saúde

são produtos das relações sociais, e destas com os meios físico, social e cultural. O

processo saúde-doença engloba determinantes biológicos – idade, sexo e

características genéticas –, o meio físico – condições geográficas, características da

ocupação humana, disponibilidade e qualidade de alimento, condições de habitação

–, e os meios sócio-econômicos e culturais, que expressam os níveis de ocupação,

renda, acesso à educação formal e ao lazer, graus de liberdade e possibilidade de

acesso a serviços, entre outros (MOTA et al, 2007, p. 229).

Neste sentido, a definição das necessidades de saúde ultrapassa o nível de

acesso a serviços e tratamentos médicos, envolvendo aspectos éticos relacionados

à vida, saúde, direitos e deveres. Esta visão suscita a necessidade de ações

realizadas por diferentes profissionais, respeitando a integralidade das ações e a

participação social. O CNS81 afirma a importância da ação interdisciplinar no âmbito

da saúde (BRAVO, 2006).

A dinâmica no processo de trabalho nas unidades de saúde decorre das

pressões com relação à demanda, à fragmentação do trabalho e à persistência do

81 A Resolução nº 218, de 06 de março de 1997, reconhece como profissionais de saúde os assistentes sociais, biólogos, profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, veterinários, nutricionistas, odontólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais (BRASIL, 1997).

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modelo médico-hegemônico, que reduz as ações em saúde ao ato médico. Todavia,

a efetivação do SUS, fundamentado nos princípios da universalização, integralidade

das ações, descentralização e participação popular, requisita a cooperação entre os

profissionais da equipe de saúde, e destes com usuários, por meio de reuniões,

encontros, debates, fóruns e seminários.

A política de saúde mantém conselhos de saúde funcionando nos três níveis

do Sistema de Saúde, e financiamento garantidos legalmente, ainda que não

respeitados (BRAVO, 2006). O padrão flexível em curso exige que todos

trabalhadores, incluindo-se o assistente social, além da execução de tarefas

participe na elaboração, condução, compreensão, discussão e solução das

eventuais limitações constantes no processo de trabalho na saúde.

A inserção do assistente social nas equipes de saúde possibilita o enfoque

nas condições sociais, econômicas, políticas e culturais que englobam o processo

saúde/doença dos usuários, e os meios de administrá-las, por uma competência

diferenciada em relação aos demais trabalhadores que atuam na saúde, que têm,

nas suas formações, o predomínio da técnica em detrimento da visão de totalidade.

Os assistentes sociais têm possibilidades de compreender estas questões a

partir de uma formação acadêmica qualificada e um exercício profissional

comprometido com o respeito à diversidade e ao outro, enquanto sujeito de direitos,

o que, geralmente, é mais difícil para outros profissionais de saúde. Assim, os

assistentes sociais são considerados articuladores da equipe multiprofissional,

capazes de promover ações coletivas que denunciem a precariedade das condições

de trabalho e de vida dos usuários.

Os assistentes sociais entrevistados relatam a falta de diálogo entre

determinados profissionais de saúde e destes com os usuários, como uma postura

pouco comprometida assumida por alguns profissionais da equipe médica, no

atendimento à população, pois durante o atendimento, não esclarecem acerca da

enfermidade e do tratamento:

Quando eu cheguei aqui estranhei porque os profissionais daqui até em dá bom dia olham pra sua cara e baixam a cabeça. A parte médica se ele puder, ele pisa. Isso eu acho, que a parte médica, a maioria, é muito mal educada mesmo, também tem assistente social mal educada, como existe enfermeiro e aí vai [...] aqui é difícil trabalhar em equipe (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).

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Ainda complementa,

Você sabe que têm assistentes sociais que são comprometidas e as que não são. Então têm aquelas que levantam da cadeira e vão resolver os problemas, mas têm aquelas que deixam pra lá e sobra pra agente no dia seguinte (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).

Seguindo este raciocínio,

E outra coisa, como a gente procura informação, porque eles [usuários] não têm acesso ao prontuário, tem se pedir né, mas muitos não sabem nem o que está se passando ali com ele aqui dentro. Então a gente procura saber muito assim, do médico o que tá sendo feito, aí vai muito de o médico simpatizar com tua cara ou não, se ele simpatizar ele passa tudo pra você, se não simpatizar ele diz tá bem, regular, comprometido e grave [...]. Mas quando ele não vai com sua cara ele diz: tá bem. Aí você passa pelo paciente, ele tá com uma cara, aí você diz: ele não disse que tava bem? Aí você vai discutir com que argumento?Se ele aqui é o dono do saber [...]. Agora quando eles querem um exame de alta complexidade, um exame caro, uma vaga, aí eles, chegam chamam o serviço social rápido estamos precisando disso urgente, aí chega todo mundo (ASSISTENTE SOCIAL D, informação verbal).

Diante disto, a população usuária não tem oportunidade de informar como se

sente. E assim, não exerce o protagonismo enquanto sujeitos autônomos, no

processo de enfrentamento de seu estado de saúde.

A partir da pesquisa de campo, observa-se que o acesso às informações

pelos assistentes sociais depende do nível de alianças estabelecidas no interior das

organizações. Portanto, se seu grau de envolvimento pessoal – amizades, com

demais profissionais for satisfatório, consegue o máximo de informações sobre o

estado de saúde do paciente, o tipo de tratamento, as possibilidades de

recuperação. E a partir daí, transmite estas informações ao paciente e/ou seus

familiares. Caso contrário, as informações se resumem à nomenclatura dada aos

estados de saúde: bom, regular; grave e gravíssimo.

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Os limites na operacionalização dos serviços, tais como: demora no

atendimento, precariedade dos recursos, burocratização, ênfase na assistência

médica curativa, problemas com a qualidade/quantidade de atendimento, não

acesso dos usuários, desemprego e subemprego, ausência de local de moradia,

violências urbana e doméstica, acidentes de trabalho e o abandono, explicitam-se no

cotidiano dos serviços por meio das seguintes demandas:

• solução quanto ao atendimento (facilitar marcação de consultas e exames, solicitação de internação, alta e transferência);

• reclamação com relação à qualidade do atendimento e/ou ao não atendimento (relações com a equipe falta de medicamento, entre outros);

• não entendimento do tratamento indicado; • solicitação de transportes para remoções, transferências e em casos

de altas; • alto índice de evasão hospitalar e alta a pedido82 (interrupção do

tratamento)(CFESS, 2009, p, 21).

A evasão hospitalar – alta a pedido – proporciona desconforto entre os

profissionais da equipe de saúde – enfermeiros, médicos e assistentes sociais –,

pois os referidos não querem se responsabilizar-se pela saída dos pacientes nesta

condição. Os fatores que mais contribuem para a solicitação de alta por parte dos

usuários são:

• desinformação quanto ao tratamento e aos procedimentos; • aspectos culturais e religiosos; • necessidade de sobrevivência/manutenção familiar; • demanda das mulheres por cuidados com os filhos, com a casa,

de não faltar ao trabalho, pois as mesmas têm assumido, muitas vezes, o papel de chefes de família (CFESS, 2009, p. 25).

A intervenção do assistente social frente à solicitação da alta a pedido é o de

orientação, esclarecimento e reflexão junto ao usuário e à equipe de saúde acerca

das possíveis reincidências ao hospital, enquanto conseqüência de agravamento do

quadro de saúde, o que proporciona outros tantos problemas, como a contaminação

por infecção hospitalar. Por isso, a postura adotada pelos profissionais é a de 82 O profissional responsável pela alta e pelos procedimentos da mesma deve ser o médico, e não o assistente social. Os médicos só podem se recusar a dar a alta a pedido ao usuário no caso de iminente risco de vida. Caso contrário, deverá respeitar a decisão do usuário, segundo o Artigo 46 do Código de Ética Médica (BRASIL, 1988).

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educação contínua e não de policiamento e/ou cerceamento ao direito de ir e vir do

usuário.

O exercício da profissão implica saber propor e negociar com as entidades

empregadoras e demais profissionais, defendendo seu espaço de trabalho, suas

atribuições, competências e direitos profissionais, fazendo a devida leitura dos

contextos social, político e econômico no qual se insere.

Embora as possibilidades de superação existam na realidade, não são

facilmente percebidas pelos profissionais. Neste caso, observa-se a busca por

soluções individuais, pela via da qualificação pessoal e pela afirmação das

competências, em nome da empregabilidade.

As ações profissionais são mediadas pelo reconhecimento social da profissão

e por um conjunto de necessidades que se redefinem a partir das condições

históricas, sob as quais a saúde pública se desenvolveu no Brasil. Assim, as

principais ações desenvolvidas pelos entrevistados são, conforme o Quadro 08:

HOSPITAIS PRINCIPAIS AÇÕES DESENVOLVIDAS

Hospital Santa Catarina Visita às enfermarias; marcação de consultas e exames pelo sistema; orientações aos acompanhantes sobre rotina institucional; ligações telefônicas solicitando transporte; elaboração de projetos.

Hospital da Polícia Militar

Atendimentos individuais na sala; visita aos leitos; aulas de humanização para os médicos residentes; marcação de consultas e exames pelo sistema; entrevista social para orientar os acompanhantes.

Hospital Walfredo Gurgel (Pronto-Socorro Clóvis

Sarinho)

Orientar pacientes e acompanhantes sobre a rotina hospitalar; solicitar transporte; informar alta e óbito; marcar exames e consultas pelo sistema; entrevista social no ato do internamento.

Hospital Giselda Trigueiro

Orientações sobre a rotina hospitalar e direitos dos acompanhantes; visita aos leitos; marcação de consultas e exames pelo sistema; solicitação de transporte de outros municípios; solicitação de transporte de outros municípios; informar alta e óbito.

Hospital Infantil Maria Alice

Solicitar vagas em outros hospitais/ Providencia de transferências; visitas às enfermarias/ entrevistas sociais/ orientação; marcação consultas e exames pelo sistema; coordenar programas; solicitação de transportes.

Quadro 08. Principais ações dos assistentes sociais em hospitais públicos. Fonte: Pesquisa de campo. 2009.

No entanto, os assistentes sociais devem ter como Parâmetros (CFESS,

2009, p. 27-28) de ação na equipe de saúde:

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• esclarecer as suas atribuições e competências, elaborando, junto com a equipe propostas de trabalho que delimitem as ações dos diversos profissionais, por meio da realização de seminários, debates, grupos de estudos e encontros;

• elaborar, junto com a equipe de saúde, a organização e realização de treinamentos e capacitação do pessoal técnico-administrativo, com vistas a qualificar as ações administrativas que têm interface com o atendimento ao usuário, tais como: a marcação de exames e consultas e a convocação da família e/ou responsável nas situações de alta e óbito;

• incentivar e participar, junto com os demais profissionais de saúde, da discussão do modelo assistencial e da elaboração de normas, rotinas e da oferta de atendimento, tendo por base os interesses e demandas da população usuária. Isso exige o rompimento com o modelo assistencial baseado na procura espontânea e no tratamento isolado das doenças;

• criar, junto com a equipe, uma rotina que assegure a inserção do Serviço Social no processo de admissão, internação e alta hospitalar, no sentido de atender desde a entrada do usuário/família na unidade,

• identificar e trabalhar os aspectos sociais da situação apresentada, e garantir a participação dos mesmos no processo de reabilitação, bem como a plena informação de sua situação de saúde, e a discussão sobre as suas reais necessidades e possibilidades de recuperação, face às suas condições de vida;

• realizar, em conjunto com o médico, o atendimento à família e/ou responsáveis em caso de óbito, cabendo ao assistente social o apoio necessário para o enfrentamento da questão e, principalmente, esclarecer a respeito dos benefícios e direitos referentes à situação, previstos no aparato normativo e legal vigentes, tais como, os relacionados à Previdência Social, ao mundo do trabalho – licença – e aos seguros sociais (DPVAT), bem como informações sobre sepultamento gratuito, translado – com relação a usuários de outras localidades, entre outras garantias de direitos;

• participar, em conjunto com a equipe de saúde, de ações sócio-educativas nos diversos programas e clínicas, como por exemplo: no planejamento familiar; na saúde da família; na saúde da mulher; da criança e do idoso; na saúde do trabalhador; nas doenças infectocontagiosas – DST/AIDS, tuberculose, hanseníase, entre outras –, e nas situações de violências sexual e doméstica;

• planejar, executar e avaliar com a equipe de saúde ações que assegurem a saúde enquanto direito;

• convencer o usuário e/ou sua família a participar do tratamento de saúde proposto pela equipe;

• participar do projeto de humanização da unidade, na sua concepção ampliada, sendo transversal a todo o atendimento da unidade, e não restrito à porta de entrada, tendo como referência o projeto de reforma sanitária;

• realizar a notificação, frente a uma situação constatada e/ou suspeita de violência83 contra crianças, adolescentes, mulheres, idosos,

83 Enfatiza-se que a responsabilidade pela notificação da violência é função de toda a equipe. O assistente social deve colaborar nesta ação, mas não é atribuição privativa do mesmo. Cabe ao mesmo fazer uma abordagem sócio-educativa com a família, socializar as

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homossexuais, transexuais e pessoas com deficiências, às autoridades competentes, bem como a verificação das providências cabíveis84.

A divulgação dos Parâmetros (CFESS, 2009) é imprescindível nos locais

onde os profissionais materializam suas ações, a partir do atendimento direto ao

usuário e/ou junto à equipe de saúde nas policlínicas, institutos, maternidades e

hospitais gerais, de emergência e especializados, incluindo os universitários, nos

postos e centros de saúde, nas instâncias: federal, estadual ou municipal, nos níveis

de planejamento, gestão, assessoria, investigação, formação de recursos humanos

e nos mecanismos de controle social – conselhos e conferências.

Todavia, identifica-se uma inserção precária dos assistentes sociais em todos

os níveis de atendimento, o que leva estes profissionais a absorverem atividades

rotineiras de forma acrítica, conforme os interesses das entidades empregadoras.

O presente estudo mostra que, no contexto hospitalar, há o predomínio da

dimensão assistencial das ações profissionais, em detrimento das práticas coletivas,

sócio-educativas, de mobilização, participação e controle social; de investigação;

planejamento/gestão; e de assessoria, qualificação e formação profissional.

Identifica-se iniciativas pontuais, pelas quais são propostos projetos e discussões

sobre os problemas vivenciados, porém, não são materializados devido à pouca

legitimidade da profissão perante os demais profissionais e gestores.

Assim, tinha a semana do aleitamento materno, elas [assistentes sociais antigas] faziam palestras no auditório, aí a semana da AIDS tinha também, era uma parceria com da Secretaria do Estado com o município, mas era antigamente (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).

Assim, segue a afirmativa de que,

informações em relação aos recursos, e viabilizar os encaminhamentos necessários (CFESS, 2009). 84 Trata-se de encaminhamentos aos recursos e mecanismos legais instituídos e/ou garantidos por legislação social vigente no Brasil, a saber: Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), ECA (Lei nº 8069/90), LOAS (Lei 8742/93), Lei da Acessibilidade (Lei nº 10.098/00), Lei dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Lei n.º 7.853/89), LOS (lei nº 8080/90 e nº8142/90), Resolução CFESS nº 489/06, entre outros.

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Por exemplo, o trabalho que a gente faz com acompanhantes foi uma proposta de uma estagiária e uma assistente social, o trabalho da maternidade foi uma proposta de [...] e duas estagiárias dela. Então é assim, a gente pega o trabalho delas, ou insere aqui quando elas podem ficar ou aproveita. Se você estagiou aqui a gente incentiva a que elabore uma proposta condizente com a nossa realidade, para que se aproveite. A gente tem aproveitado todas as propostas de estagiários que tem passado por aqui (ASSISTENTE SOCIAL B, informação verbal).

Portanto, relata-se que,

A gente não tem uma receita pra passagem, paciente fica não sei quantos dias aguardando transporte. Porque a gente fica sempre pedindo, mas a Secretaria nunca fez. A gente já conseguiu por amizade, a filha de um empresário de Natal teve meningite e veio pra cá, eles conheceram o hospital e ficaram dando uma quantia pra passagem, mas é uma questão particular, a gente tava pensando em ir à assembléia né, ver se eles criam uma verba pra não ficar nessa dependência (ASSISTENTE SOCIAL D, informação verbal).

Os relatos seguem afirmando que

Todos nossos projetos nós elaboramos, todos somos conscientes, então todas as festividades, eventos estão dentro da nossa programação. Então todos nós sabemos, então é por aí. [...] A gente sabe que quando chega o dia das crianças tem o programa “gotas de alegria”. A gente tá sempre conversando entre si. Eu digo [...] o que você acha?Nós devemos fazer isso? A direção recebe muito bem! (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).

De acordo com os Parâmetros (CFESS, 2009), as ações assistenciais devem

transpor o caráter emergencial e burocrático na direção sócio-educativa, por meio de

uma consciência sanitária e da socialização e democratização das informações.

Para tanto, é exigida uma constante reflexão acerca das condições sócio-históricas

às quais estão submetidos usuários e o incentivo à participação destes em defesa

da garantia do direito à saúde.

A realidade das condições de trabalho dos assistentes sociais, das suas

ações na saúde e do atendimento aos usuários expõe dificuldades que vão além da

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precária estrutura física e da falta de recursos materiais e humanos. Diz respeito à

degradação do trabalho, vivenciada pelo conjunto da classe trabalhadora, pois,

atualmente, nenhum setor do trabalho está imune à miséria do desemprego e do

trabalho temporário (MÉSZÁROS, 2006).

A degradação do trabalho impõe aos assistentes sociais o enfrentamento

crítico e permanente dos desafios postos por esta realidade, no sentido de

concretizar o Projeto Ético-Político da profissão e os direitos sociais conquistados,

como forma de promover melhores condições de vida e trabalho para o conjunto dos

trabalhadores.

Concorda-se com (BOSCHETTI, 2009) que não se promove a ruptura do

capitalismo apenas com o trabalho do cotidiano, mas com a participação no

tensionamento das contradições do próprio sistema capitalista.

Por tudo isso, compreende-se que o trabalho dos assistentes sociais na

saúde é determinante/determinado pelas condições sócio-históricas e econômicas

postas pela organização capitalista do trabalho e perpassado pela precariedade,

flexibilização, desregulamentação e aumento do desemprego; e que a possibilidade

de superar está posta a partir de uma ação articulada com outros segmentos que

defendem o aprofundamento do SUS, tendo como nortes o Projeto-Ético Político

profissional e o projeto da reforma sanitária.

4.4 Desafios à materialização do Projeto Ético-Político Profissional (PEPP)

O Projeto Ético-Político Profissional representa uma projeção coletiva, que

envolve sujeitos individuais e coletivos, em torno de uma determinada valoração

ética, intimamente vinculada a determinados projetos societários, com interesses

sociais distintos/contraditórios, em disputa na sociedade, podendo ser

transformadores ou conservadores da ordem social (BRAZ, 1999).

A dimensão política da intervenção profissional imprime uma direção social às

ações profissionais, favorecendo a um ou a outro projeto societário. Portanto, o

PEPP dos assistentes sociais vincula-se a um projeto de transformação da

sociedade, comprometido com os interesses da classe trabalhadora.

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Tal vinculação recebeu influências dos princípios do movimento de

reconceituação, deflagrado nos diversos países latino-americanos e no processo de

redemocratização da sociedade brasileira, em meados da década de 1970,

contribuindo para a gênese do Projeto Ético-Político que avança nos anos de 1980

reafirmando sua vinculação com a classe trabalhadora.

A demarcação do compromisso ideo-político do serviço social com a classe

trabalhadora se deu a partir da elaboração do Código de Ética de 1986 e dos

avanços referentes à produção teórica – processo de renovação –, com a discussão

dos seguintes temas: a questão da metodologia, as políticas sociais e os

movimentos sociais, imprimindo o caráter prático-normativo à profissão.

O PEPP se consolidou na década de 1990, por meio do aumento significativo

de centros de formação – pós-graduações – ampliando a produção de

conhecimentos e a participação político-organizativa da categoria, por meio de suas

entidades e de seus fóruns deliberativos.

Os desafios atuais de degradação no mundo do trabalho; a retração dos

direitos conquistados; o incentivo ao consumo; o individualismo e a competitividade

acirrados; a perda da consciência coletiva (de classe), e as variadas formas de

violência e intolerância ao outro (o diferente), cuja moral burguesa dita padrões

funcionais à consolidação de uma sociabilidade aos seus moldes, inviabiliza

qualquer projeto societário que lhe seja contrário.

Assim, a materialização do Projeto Ético-Político se encontra tensionada

pelos rumos neoliberais e por uma reação conservadora, no seio da profissão, visto

que, teoricamente, os profissionais reproduzem o discurso dos princípios ético-

políticos; todavia, não os referenciam na prática, o que pode ser justificado pelo

relativo desconhecimento do PEPP pela categoria profissional.

De acordo com análise dos relatos, observa-se que os profissionais

entrevistados desconhecem o Projeto Ético-Político Profissional e; por conseguinte,

não visualizam a possibilidade de transformação da realidade vivenciada, nem se

identificam enquanto categoria partícipe do conjunto da classe trabalhadora.

Há um estranhamento acerca do “outro”, como se os usuários e demais

profissionais fossem sujeitos estranhos; e, portanto, com problemas particulares que

não fazem parte da “vida” dos assistentes sociais. É fato que em algum momento as

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adversidades no “mundo do trabalho”, nos modos de vida e na saúde do trabalhador

alcançarão estes profissionais.

O imobilismo/conformismo é explícito, diante das precárias condições de

trabalho. Em contraponto, há relatos isolados de que a falta de condições objetivas

de trabalho depende da capacidade individual/desenvoltura de cada profissional.

A incompreensão da dinâmica contraditória da sociabilidade capitalista tende

a desmobilizar, fragmentar e enfraquecer a classe trabalhadora. Estes profissionais

se limitam ao que é possível nos espaços ocupacionais e se isolam nas suas lutas

individuais, e não materializam o Projeto Ético-Político, fato que repercute na

qualidade dos serviços prestados à população.

O enfrentamento destas questões depende de uma postura mais crítica diante

do mundo, com atitudes mais coerentes entre a ética que defende e a que reproduz

em todas as instâncias da vida cotidiana:

Fica ainda mais difícil quando nas pequenas atitudes de sociabilidade eu vou contra os princípios que defendo: como não respeitar assentos preferenciais dentro de um ônibus, ou explorar a empregada doméstica na relação de trabalho dentro da própria casa (NOTAS, Matos, 2009).

O relato de Matos (2009)85 é emblemático: “[...] o discurso de que o PEPP é

muito bonito, mas impossível de ser implantado reproduz a ideologia de que vivemos

em um mundo onde o destino está dado e não há alternativas”.

Neste sentido, a alienação, própria da sociabilidade capitalista, limita o

trabalho profissional desencadeando formas de superação do sofrimento não muito

saudáveis, tais como: negação das dificuldades, apatia, desesperança e baixa auto-

estima (BORGES, 2005), somadas às ações pautadas no possibilismo, imobilismo

ou imediatismo.

As condições sócio-históricas que perpassam o trabalho profissional

ameaçam o Projeto Ético-Político dos assistentes sociais, visto que interferem

diretamente nas competências e atribuições destes nos espaços ocupacionais.

85 Professor da UERJ; ressalta a necessidade de usar os princípios do PEP para direcionar o exercício profissional (MATOS, 2009).

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O projeto profissional se materializa por meio das ações profissionais

cotidianas, constituídas a partir de dimensões articuladas entre si, quais sejam: a

dimensão da produção de conhecimentos no interior do serviço social, a dimensão

político-organizativa da categoria e a dimensão jurídico-política da profissão.

Todavia, afirma-se que não há tempo, estímulo, nem conhecimento por parte dos

profissionais para articularem as dimensões acima expostas, de acordo com os

relatos que seguem:

Eu vejo em todo hospital, tem funcionários aqui que tá se aposentando e nunca mudou. A capacitação que vem é mínima, quer dizer, o pessoal é totalmente desestimulado (ASSISTENTE SOCIAL D, informação verbal).

O relato a seguir reafirma o exposto,

Sempre que tem algum evento, se formos convidadas, vai uma representante que repassa para as demais (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).

Isso se dá por questões pessoais – falta de tempo, prioridades, e/ou

oportunidades –; bem como pela resistência/desinteresse de algumas entidades

empregadoras em dispensarem os profissionais para a participação em eventos fora

do espaço organizacional. A fragilidade político-organizativa da categoria reflete na

desmaterialização do Projeto Ético-Político Profissional, enquanto conseqüência do

processo de exploração do trabalho e dos trabalhadores.

A dimensão da produção do conhecimento no interior do serviço social deve

se pautar de uma postura investigativa da profissão, por meio dos aportes teórico-

críticos do pensamento social, e não conforme a ordem estabelecida.

A dimensão político-organizativa da categoria, expressa pelas entidades

representativas da profissão, como: CFESS/CRESS, ABEPSS, demais associações

político-profissionais, movimento estudantil composto pelo conjunto de CA (Centro

Acadêmicos das Escolas de Serviço Social) e DA (Diretórios Acadêmicos das

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Escolas de Serviço Social) e pela Executiva Nacional de Estudantes de Serviço

Social (ENESSO) constituem espaços democráticos de discussões e respeito ao

pluralismo de idéias no seu interior.

Na dimensão jurídico-política, a profissão é respaldada pelo aparato jurídico,

político e institucional envolvendo um conjunto de leis e resoluções, tais como: o

atual Código de Ética profissional, a Lei de Regulamentação da Profissão – Lei

8662/93 –, e as novas diretrizes curriculares aprovadas pelo Ministério da Educação

e da Cultura (MEC), bem como do conjunto de leis advindas da Constituição Federal

de 1988 que, embora não exclusivo da categoria, é objeto de luta e defesa no

cotidiano profissional.

A materialidade do Projeto Ético-Profissional Profissional depende da

articulação destas dimensões. Trata-se de uma construção coletiva que tem uma

determinada projeção/direção social, pela qual se envolvem valores, compromissos

e princípios contraditórios presentes nesta sociedade, que devem ser discutidos

continuamente; ou seja, com a mesma dinâmica com a qual os reproduzem.

Portanto, o trabalho profissional, em conformidade com o Projeto Ético-

Político Profissional, depende de análises críticas das condições subjetivas e

objetivas da realidade, bem como de ações políticas coerentes com os

compromissos norteados pelas mesmas análises.

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5 CONSIDERAÇÕES APROXIMATIVAS

No movimento aproximativo ao objeto de estudo, observa-se que o trabalho

dos assistentes sociais no processo de trabalho em saúde é marcado pelas

contradições do contexto sócio-econômico-político do país, que em tempos de

opção neoliberal, com a posição do Estado mínimo, tem comprometido as condições

de trabalho e de vida dos trabalhadores. Rebate-se no próprio trabalho profissional e

na qualidade dos serviços prestados aos usuários, exigindo constante re-

ordenamento das ações na defesa e na luta por direitos.

A saúde é uma conquista histórica, legalmente reconhecida pela Constituição

Federal de 1988, integrando a Seguridade Social, juntamente com a Assistência e

Previdência Social. A partir desta, a saúde é concebida como “direito de todos e

dever do Estado”, e a integração dos serviços de saúde é vista de forma

regionalizada e hierárquica, constituindo um Sistema Único.

A compreensão do processo saúde/doença como decorrente das condições

de vida e trabalho, assim como do acesso igualitário de todos cidadãos aos serviços

de promoção e recuperação em saúde, respeitando a integralidade das ações, a

participação popular e a ação interdisciplinar, amplia os espaços de co-

responsabilidade social para a troca de experiências e dos saberes existentes

(BRAVO, 2006).

O SUS é um modelo de atendimento em construção lenta e gradual, que

constitui a idéia de cidadania e de justiça social, a ser implantado em uma sociedade

capitalista injusta, desigual e excludente. Portanto, sua efetivação exige a ampliação

do conceito saúde/doença entre os sujeitos envolvidos, trabalhadores e população

usuária, na superação do modelo médico-curativo hegemônico.

Os preceitos de acesso universal e integral ao atendimento do SUS se dá por

meio da descentralização da gestão, pela qual a valorização e a expansão da força

de trabalho na administração pública é condição indispensável ao cumprimento da

missão do referido sistema, nas esferas estadual e municipal.

Todavia, evidencia-se a crescente precarização do trabalho e dos

trabalhadores da saúde, com a desregulamentação das relações de trabalho, por

meio dos reduzidos concursos públicos, a ausência de avaliações de desempenho

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eficientes, a falta de investimento em qualificação profissional, os baixos salários e

as disparidades das remunerações entre as mesmas categorias e funções, a

ausência de carreira e de direitos sociais, e os contratos temporários.

No contexto do SUS, os assistentes sociais participam do processo de

reorganização dos serviços, nas ações interdisciplinares e inter-setoriais, no controle

social, entre outras demandas que expressam a abrangência do conceito de saúde

vigente, buscando fortalecer a perspectiva da universalização do acesso a bens e

serviços relativos aos programas e políticas sociais (BRAVO, 2006).

A pesquisa de campo mostra que, especificamente nos serviços hospitalares,

o serviço social funciona em escalas plantões de 12 (doze) ou 24 (vinte e quatro)

horas, com folgas intercaladas, incentivando o duplo e/ou até triplo vínculo,

repercutindo na saúde e na qualidade de vida destes profissionais.

A sala de serviço social se localiza, em geral, na entrada dos hospitais, junto

à recepção hospitalar, sendo procurada em casos de reclamações, orientações e

informações, confundindo-se com as funções do setor de recepção, o que

sobrecarrega e desvia suas funções.

Observa-se, a partir deste estudo, que o trabalho dos assistentes sociais se

dá no espaço contraditório do plantão, de embate entre as práticas individualistas e

coletivas, determinada pelos objetivos institucionais, isenta de dimensão política,

caracterizando-se por atividades pontuais, não-planejadas e reduzidas a resolverem

os “problemas” dos usuários para manter o bom andamento da rotina

organizacional.

O trabalho coletivo deve ser priorizado sem prejuízo da atenção individual, de

acordo com a afirmativa de (PRÉDES, 2005, p. 103)

O atendimento coletivo é de suma importância no que se refere à socialização das informações acerca dos direitos e dos limites institucionais para o enfrentamento das relações de poder e o fortalecimento dos espaços coletivos de luta, principalmente pelos familiares.

Daí a importância das práticas coletivas na construção da autonomia dos

usuários, capacitando-os a decidirem por suas formas de

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encaminharem/enfrentarem os problemas vivenciados, por meio do incentivo à

participação, à conscientização e à organização social.

A perspectiva conservadora da prática profissional reforça a lógica do capital,

pela mudança comportamental, aliada a alterações no meio social. Respalda-se pelo

desconhecimento das competências e atribuições privativas dos assistentes sociais

nos espaços de trabalho e pela não apropriação dos conhecimentos relativos à

saúde dos usuários e seus respectivos modos de vida.

As ações assistenciais predominam nos relatos dos assistentes sociais

entrevistados, as quais são: visitas às enfermarias; encaminhamento de

providências para consultas, transferências e exames; orientação social a sujeitos e

famílias; realização de entrevista no ato do internamento; fornecimento de

informações sobre altas, óbitos, estado de saúde dos pacientes e rotina hospitalar; e

solicitação de transportes em casos de altas e transferências.

As ações de educação e assessoria são citadas em 02 (duas) unidades

hospitalares, nas quais os assistentes sociais elaboram e coordenam

projetos/programas sociais. Acrescenta-se a atribuição de ministrar aulas de

humanização aos médicos residentes em 01 (uma) unidade visitada. Percebe-se

que há certa confusão entre atividades e instrumentos, pois as atividades mais

citadas são as visitas às enfermarias e entrevistas sociais.

Os instrumentos de registro mais utilizados são: o livro de ocorrências, as

fichas sociais, os registros em prontuários, as visitas às enfermarias e as reuniões

multidisciplinares. Todavia, o domínio das informações referentes aos usuários, bem

como do atendimento da saúde não subsidiam a formulação de propostas para

reivindicar recursos e mudanças em prol das suas necessidades. É pleiteado o

repasse informações/recados, pendências para o outro profissional e prestação de

contas da produtividade junto à administração hospitalar e/ou à Secretaria Estadual

de Saúde.

A postura investigativa – crítica e reflexiva – do cotidiano fortalece a atividade

profissional dos assistentes sociais, por meio da apreensão do movimento

contraditório da realidade e das possibilidades de reconstruí-la e transformá-la.

Identifica-se a falta de planejamento das ações profissionais no espaço do

plantão, relacionada ao volume de atividades e à alta rotatividade dos usuários.

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Apenas 02 (duas) assistentes sociais afirmam planejarem suas ações. E ainda

assim, reforçam a existência de dificuldades para tal fim.

Em geral, o trabalho profissional se caracteriza pela descontinuidade,

imediaticidade e improvisação das ações, ocultando as deficiências da política de

saúde e reforçando a idéia de que a qualidade dos serviços depende

exclusivamente dos profissionais de saúde (PRÉDES, 2005).

As condições físicas e técnicas disponíveis ao exercício profissional dos

assistentes sociais, no âmbito hospitalar são tensionadas pelas relações e

condições de trabalho precarizadas. Acerca das condições físicas de trabalho, 03

(três) dos profissionais entrevistados consideram os espaços físicos – salas –

péssimos; enquanto 02 (duas) consideram-nos adequados, devido à natureza do

trabalho desenvolvido, qual seja, o atendimento individualizado, em detrimento das

ações coletivas, implicando eticamente nas ações profissionais, pois compromete o

sigilo profissional e a qualidade dos serviços prestados à população.

No tocante às condições humanas, os entrevistados consideram insuficiente o

número de profissionais de serviço social, diante do aumento da demanda,

ocasionado pelo agravamento das expressões da questão social. Denunciam que a

contratação destes profissionais, seja via concurso público ou temporário, não

acompanha as necessidades dos usuários e do próprio sistema de saúde, mas sim,

o interesse/sensibilidade de cada gestor da unidade hospitalar. Em outros termos, a

ampliação do quadro de serviço social depende do direcionamento ideo-político dos

gestores, e de seu compromisso para com determinado projeto societário da

burguesia ou dos trabalhadores.

Seguindo este raciocínio, percebe-se que as condições materiais de trabalho

– telefone, transporte, material de expediente, computador, impressora, aparelho de

fax –, não são disponibilizados de acordo com a necessidade do serviço social, mas

pelo poder de convencimento – “jogo de cintura” –, do poder de barganha de

determinados profissionais, interferindo na rotina profissional, pois nem todos

assistentes sociais se utilizam destes recursos, e simplesmente, na falta de

condições materiais, cada um realiza o trabalho como dá/pode, e não como deveria.

O contexto de “contra-reforma”, que desconstrói os direitos assegurados na

legislação – social e trabalhista – atinge o trabalho e os trabalhadores nas suas

relações sociais, modos de vida, projetos de classe e condições de trabalho,

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contribuindo para seu adoecimento e desqualificando os serviços prestados à

população.

Por tudo isto, torna-se urgente e necessária, a apreensão da dinâmica

contraditória desta sociabilidade capitalista, que é caracteristicamente consumista,

individualista e competitiva, com tendências à desmobilização, à fragmentação e ao

enfraquecimento da classe trabalhadora, limitando-a ao que é possível nos espaços

ocupacionais. O desvendamento destas questões – contraditórias – e da própria

função social da profissão, no âmbito das políticas sociais, dentre estas, a saúde, é

imprescindível no sentido de concretizar o Projeto Ético-Político Profissional e os

direitos sociais conquistados.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICES

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APÊNDICE – A

ROTEIRO DE ENTREVISTA

Quantos assistentes sociais existem no quadro?

Como é distribuída a carga horária?

Quais as principais demandas que chegam ao serviço social?

De que infra-estrutura vocês dispõe para realizarem o trabalho?

Há planejamento das ações do serviço social?

Quais os instrumentos de trabalho mais utilizados?

Você participa de eventos da profissão ou demais eventos promovidos pelas

Secretarias de saúde?

Você considera ideal a relação entre os assistentes sociais e demais profissionais da

equipe de saúde?

Chegam demandas ao serviço social que não estão no âmbito de suas

competências e atribuições?

Você considera que a atuação profissional corresponde aos princípios do Projeto

Ético-Político da Profissão?

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ANEXOS

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ANEXO – A

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ANEXO – B

RESOLUÇÃO CFESS nº 493/2006 de 21 de agosto de 2006.

Ementa: Dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social.

O CONSELHO FEDERAL DO SERVIÇO SOCIAL - CFESS, por sua Presidente no

uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 8º da Lei n° 8.662, de 07 de junho de 1993, que regulamenta o exercício profissional do assistente social e dá outras providências; CONSIDERANDO que na qualidade de órgão normativo de grau superior, compete ao Conselho Federal de Serviço Social orientar, disciplinar fiscalizar e defender o exercício da profissão do assistente social, em conjunto com os CRESS; CONSIDERANDO a necessidade de instituir condições e parâmetros normativos, claros e objetivos, garantindo que o exercício profissional do assistente social possa ser executado de forma qualificada ética e tecnicamente; CONSIDERANDO que a ausência de norma que estabeleça parâmetros, principalmente das condições técnicas e físicas do exercício profissional do assistente social, tem suscitado diversas dúvidas, inclusive, para a compreensão do assistente social na execução de seu fazer profissional. CONSIDERANDO a necessidade do cumprimento rigoroso dos preceitos contidos no Código de Ética do Assistente Social, em especial nos artigos 2º, inciso “d”, 7 inciso “a”e 15; CONSIDERANDO o Parecer Jurídico 15/03, prolatado pela assessoria do CFESS, “que considera ser competência a regulamentação da matéria pelo CFESS de forma a possibilitar uma melhor intervenção dos CRESS nas condições de atendimento ao usuário do Serviço Social”; CONSIDERANDO a aprovação da presente Resolução em Reunião Ordinária do Conselho Pleno do CFESS, realizada em 20 de agosto de 2006; RESOLVE: Art. 1º - É condição essencial, portanto obrigatória, para a realização e execução de qualquer atendimento ao usuário do Serviço Social a existência de espaço físico, nas condições que esta Resolução estabelecer. Art. 2º - O local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de espaço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes características físicas: a- iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno, conforme a organização institucional; b- recursos que garantam a privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o processo de intervenção profissional;

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c- ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas fechadas d- espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de material técnico de caráter reservado. Art. 3º - O atendimento efetuado pelo assistente social deve ser feito com portas fechadas, de forma a garantir o sigilo. Art. 4º - O material técnico utilizado e produzido no atendimento é de caráter reservado, sendo seu uso e acesso restrito aos assistentes sociais. Art. 5º - O arquivo do material técnico, utilizado pelo assistente social, poderá estar em outro espaço físico, desde que respeitadas as condições estabelecidas pelo artigo 4º da presente Resolução. Art. 6º- É de atribuição dos Conselhos Regionais de Serviço Social, através de seus Conselheiros e/ou agentes fiscais, orientar e fiscalizar as condições éticas e técnicas estabelecidas nesta Resolução, bem como em outros instrumentos normativos expedidos pelo CFESS, em relação aos assistentes sociais e pessoas jurídicas que prestam serviços ociais. Art. 7º - O assistente social deve informar por escrito à entidade, instituição ou órgão que trabalha ou presta serviços, sob qualquer modalidade, acerca das inadequações constatadas por este, quanto as condições éticas, físicas e técnicas do exercício profissional, sugerindo alternativas para melhoria dos serviços prestados. Parágrafo Primeiro - Esgotados os recursos especificados no “caput” do presente artigo e deixando a entidade, instituição ou órgão de tomar qualquer providência ou as medidas necessárias para sanar as inadequações, o assistente social deverá informar ao CRESS do âmbito de sua jurisdição, por escrito, para intervir na situação. Parágrafo Segundo - Caso o assistente social não cumpra as exigências previstas pelo “caput” e/ou pelo parágrafo primeiro do presente artigo, se omitindo ou sendo conivente com as inadequações existentes no âmbito da pessoa jurídica, será notificado a tomar as medidas cabíveis, sob pena de apuração de sua responsabilidade ética. Art. 8º - Realizada visita de fiscalização pelo CRESS competente, através de agente fiscal ou Conselheiro, e verificado o descumprimento do disposto na presente Resolução a Comissão de Orientação e Fiscalização do Conselho Regional, a vista das informações contidas no Termo de Fiscalização ou no documento encaminhado pelo próprio assistente social, notificará o representante legal ou responsável pela pessoa jurídica, para que em prazo determinado regularize a situação. Parágrafo único - O assistente social ou responsável pela pessoa jurídica deverá encaminhar ao CRESS, no prazo assinalado na notificação, documento escrito informando as providências que foram adotadas para adequação da situação notificada. Art. 9º- Persistindo a situação inadequada, constatada através de visita de fiscalização, será registrada no instrumento próprio a situação verificada. Art. 10 - O relato da fiscalização, lavrado em termo próprio, conforme art. 9º, constatando inadequação ou irregularidade, será submetido ao Conselho Pleno do CRESS, que decidirá sobre a adoção de medidas cabíveis administrativas ou judiciais, objetivando a adequação das condições éticas, técnicas e físicas, para que o exercício da profissão do assistente social se realize de forma qualificada, em respeito aos usuários e aos princípios éticos que norteiam a profissão.

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Art. 11- Os casos omissos e aqueles concernentes a interpretação abstrata geral da norma, serão resolvidos e dirimidos pelo Conselho Pleno do CFESS. Art. 12- O CFESS e os CRESS deverão se incumbir de dar plena e total publicidade a presente norma, por todos os meios disponíveis, de forma que ela seja conhecida pelos assistentes sociais bem como pelas instituições, órgãos ou entidades que prestam serviços sociais. Art. 13- A presente Resolução entra em vigor, passando a surtir seus regulares efeitos de direito após a sua publicação no Diário Oficial da União.

Brasília, 21 de agosto de 2006 Elisabete Borgianni

Presidente do CFESS

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ANEXO – C

RESOLUÇÃO CFESS Nº 418/01. Ementa: Tabela Referencial de Honorários do Serviço Social. O Conselho Federal de Serviço Social no uso de suas atribuições legais e regimentais; CONSIDERANDO a Lei 8662/93, particularmente as disposições dos artigos 4º e 5º, que estabelecem, respectivamente competências e atribuições privativas da (do) Assistente Social. CONSIDERANDO os interesses gerais e individuais dos Assistentes Sociais face às transformações da estrutura produtiva geratriz de novas demandas do mercado e o processo de trabalho que desafiam os profissionais CONSIDERANDO a necessidade de fixar e uniformizar parâmetros mínimos de remuneração da atividade profissional da (do) Assistente Social que assegurem a retribuição dos serviços prestados, observando as peculiaridades do trabalho e as diferenças regionais. CONSIDERANDO e cumprindo deliberação do XXV Encontro Nacional CFESS/CRESS, ocorrido na cidade de fortaleza, em 1996, e o compromisso da gestão 99/2002. RESOLVE: Art. 1º - Instituir a Tabela Referencial de Honorários de Serviço Social – TRHSS, com previsão da hora técnica, fixando o valor mínimo a ser cobrado, que servirá de parâmetro para prestação dos serviços profissionais da (do) Assistente Social que trabalhe sem qualquer vínculo empregatício, vínculo estatutário ou de natureza assemelhada. § 1º - Fixa-se à Hora Técnica em, no mínimo, R$ 64,77 reais. § 2º - O valor da Hora Técnica será corrigido anualmente com base no ICV/DIEESE. § 3º - O Profissional poderá adotar a Hora Técnica multiplicada pelo total de horas trabalhadas para calcular o valor do procedimento. I – Disposições Introdutórias Art. 2º - O honorário profissional deve ser fixado em relação às atividades que forem realizadas pela (o) Assistente Social, e deverá ser estipulado considerando os seguintes elementos: I – relevância, vulto, complexidade, dificuldade do trabalho e das questões nele versadas; II – duração do trabalho, tempo e urgência necessários para a sua elaboração e para a sua efetiva conclusão; III – Impossibilidade de prestação de serviços concomitantes ou exigência de exclusividade; IV – lugar da prestação de serviços, fora ou não do domicilio profissional da (o) Assistente Social; V – competência, experiência, especialização e titulação; VI – exposição do (a) Assistente Social a situações de risco pessoal e condições insalubres, quando na execução de suas atribuições.

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Art. 3º - Compete exclusivamente aos profissionais Assistentes Sociais deliberarem e decidirem quanto à metodologia do trabalho e aos procedimentos técnicos e éticos a serem observados no desenvolvimento de sua atividade profissional. Art. 4º - A (o) Assistente Social deve contratar, por escrito, a prestação dos seus serviços profissionais, observando as disposições constantes da Lei 8662, de 11 de setembro de 1993, que regulamenta a profissão da (do) Assistente Social; o Código de Ética Profissional da (do) Assistente Social, instituído pela Resolução o CFESS nº 273/93; O Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei 8078 de 11 de setembro de 1990; fixando, para tanto, o valor dos honorários, reajuste e condições de pagamento, recomendando-se que seja observado, a título de parâmetro, o valor mínimo constante da presente Tabela. Art. 5º - A TRHSS fixa os honorários mínimos da (do) Assistente Social podendo haver contratação e fixação de valor superior ao estabelecido na presente Tabela, considerando os aspectos e elementos especificados pelos incisos I e VI do artigo 2º da presente Resolução. Art. 6º - A(O) Assistente Social deve evitar o aviltamento dos valores de seus serviços profissionais, não fixando valor inferior ao fixado na presente Tabela de Honorários. Art. 7º - Todas as despesas decorrentes da prestação de serviços, tais como: alimentação, locomoção, hospedagem, transporte, certidões e cópias, serão arcadas pelo contratante independentemente dos honorários fixados, desde que previsto no contrato. Art. 8º - É assegurado ao Assistente Social o direito de cobrar na íntegra seus honorários, respeitadas as normas constantes no Código de Defesa do Consumidor, Código Civil e outras normas referentes à matéria. Art. 9º - O desempenho das atividades inerentes ao Serviço Social constituem-se na ação técnica do profissional, motivo pelo qual os honorários contratados serão sempre devidos, independentemente do resultado que for obtido pela (o) Assistente Social. II Disposições Específicas Art. 10º - Os procedimentos alvo desta TRHSS, dispostos a seguir, estão vinculados aos art. 4º e 5º da Lei 8662/93, cujos valores devem ser calculados conforme o parágrafo 3º do Artigo I desta Resolução; 01– Prestar orientação social, realizar visitas, identificar recursos e meios de acesso para atendimento ou defesa de direitos; encaminhar providências junto a indivíduos, grupos, segmentos populacionais. 02 – Planejar ou organizar e administrar benefícios e serviços sociais 03 – Realizar estudos sócio-econômicos com usuários para fins de prestação de serviços sociais e concessão de benefícios. 04 – Prestar assessoria e/ou consultoria em Serviço Social. 05 – Realizar perícia técnica ou laudo pericial. 06 – Realizar estudo e parecer técnico 07 – Elaborar provas de concurso e/ou seleção para Assistentes Sociais 08 – Compor ou presidir bancas de exames ou comissão julgadora de concurso ou seleção para Assistentes Sociais. 09 – Planejar, organizar e coordenar Congressos, Conferências ou eventos assemelhados. 10 – Atuar em Unidade de Serviço Social no planejamento, organização e administração de programas e projetos.

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11 – Estudos e levantamento de dados socioeconômicos. 12 – Estudos sobre a viabilidade de programas. 13 – Elaborar projetos. 14 – Pesquisas sociais. 15 – Elaborar e/ou executar planos. 16 – Supervisão Técnica 17 – Avaliar projetos/atividades 18 – Avaliar benefícios sociais. 19 – Implantar serviços/projetos 20 – Realizar palestras. 21 – Realizar curso/treinamento técnico - operativo. 22 – Realizar oficinas e seminários. III – Das Disposições Finais Art. 11º – A utilização da presente Tabela é recomendada pelo Conselho Federal de Serviço Social, cumprindo as deliberações e a aprovação do XXX Encontro Nacional CFESS/CRESS, realizado de 02 a 05 de setembro de 2001, em Belo Horizonte. Art. 12º – A Tabela Referencial de Honorários do Serviço Social será operacionalizada, em caráter experimental, até o XXXI Encontro Nacional CFESS/CRESS. Art. 13º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, quando passará a surtir seus regulares efeitos, revogando eventuais disposições em contrário. Brasília, 05 de setembro de 2001. Elaine Rossetti Behring Presidente do CFESS Publicado no Diário Oficial da União de 18 de outubro de 2001.

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ANEXO – D

PROJETO DE LEI Nº 1890/2007 (DEPUTADO MAURO NAZIF)

Acrescenta dispositivo à Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993, para dispor sobre a duração do trabalho do Assistente Social. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º A Lei nº 8.662, de 07 de junho de 1993, passa a vigorar acrescida do seguinte artigo: “Art. 5º-A. A duração do trabalho do Assistente Social é de trinta horas semanais.” Art. 2º Aos profissionais com contrato de trabalho em vigor na data de publicação desta Lei é garantida a adequação da jornada de trabalho, vedada a redução do salário. Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. JUSTIFICAÇÃO A limitação da jornada de trabalho visa primordialmente a preservar a saúde e a segurança dos trabalhadores. Como regra geral, a Constituição Federal fixou, no art. 7º, inciso XIII, a duração do trabalho em 8 horas diárias e 44 semanais. Algumas atividades, entretanto, exigem mais do trabalhador, levando-o mais rapidamente à fadiga, pelo desgaste físico ou psicológico. Sua produtividade fica comprometida, e o trabalhador exposto a doenças profissionais e acidentes de trabalho. Em conseqüência, os usuários dos seus serviços também correm riscos maiores. A maior exposição à fadiga, causada pelo exercício de determinadas profissões, justifica, portanto, a fixação de jornadas reduzidas de trabalho. Os assistentes sociais constituem, sem dúvida, uma categoria cujo trabalho leva rapidamente à fadiga física, mental e emocional. São profissionais que atuam junto a pessoas que passam pelos mais diversos problemas, seja em hospitais, presídios, clínicas, centros de reabilitação ou em outras entidades destinadas ao acolhimento e à (re)inserção da pessoa na sociedade. As condições sob as quais os assistentes sociais trabalham muito os aproxima dos profissionais da saúde, que têm direito, em diversos casos, à jornada de trabalho reduzida. É este o caso, por exemplo, dos médicos, que fazem jus a jornada de no mínimo 2 e no máximo 4 horas diárias (art. 8º,”a”, da Lei 3.999, de 15 de dezembro de 1961); dos auxiliares (auxiliar de laboratorista e radiologista e internos), cuja jornada legal é de 4 horas diárias (art. 8º,”b”, da Lei 3.999, de 1961); dos técnicos em radiologia, que têm jornada de 24 horas semanais (art. 14 da Lei 7.394, de 29 de outubro de 1985); e dos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, que trabalham 30 horas por semana (art. 1º da Lei 8.856, de 1º de março de 1994). O Projeto de Lei que ora apresentamos visa a conceder a jornada reduzida também aos assistentes sociais, cujas atividades são reguladas pela Lei nº 8.662, de 1993. Por considerarmos ser justa e socialmente relevante a proposição ora apresentada, rogamos aos nobres Pares apoio para sua aprovação. Sala das Sessões, em de 2007. Deputado Mauro Nazif.