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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar
Érika Silva Meneses
NATAL/RN 2010
Érika Silva Meneses
PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestra em Serviço Social. Orientação: Profª Drª Iris Maria de Oliveira
NATAL/RN 2010
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Meneses, Érika Silva. PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar / Érika Silva Meneses. - Natal, RN, 2009. 165 f. Orientadora: Profª. Dra. Iris Maria de Oliveira. Dissertação (Pós-graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço Social. 1. Serviço Social - Monografia. 2. Trabalho profissional - Monografia. 3. Serviços de saúde - Monografia. I. Oliveira, Iris Maria de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 364.4:614
Dedico esse trabalho à minha família, com muito carinho, por tudo o que ela representa para mim.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida prova maior de sua infinita grandeza.
À minha família, em especial, meus pais, Geraldo Magela e Terezinha da
Silva; e à minha irmã, Nadja Silva, pelo estímulo ao cultivo de pensamentos
que contribuem para o meu projeto de vida.
Ao meu filho, Erick Silva, pelo fato de existir e preencher minha vida de
alegria.
Ao meu companheiro, Geraldo Tomaz de Aquino, pela paciência,
companheirismo e apoio incondicional nos momentos de incerteza.
Ao meu cunhado e amigo, Newman de Andrade Lima, por ter surgido em
nossas vidas e nos incentivado a adentrar com entusiasmo no caminho do
conhecimento.
Aos amigos conquistados neste processo, e aos colegas de turma, pelos
ricos debates e discussões, necessários ao amadurecimento deste projeto
de vida, que possui uma origem pessoal e profissional. Especialmente, a
Josiane Rodrigues, a Any Kadidja, a Laíze Cristina e a Suelli Cavalcanti que
se fizeram presentes de variadas formas, ajudando-me a enfrentar os
momentos de insegurança com fé e confiança em Deus.
À minha orientadora, Iris Oliveira, pelas ricas contribuições e pela amizade
durante todo percurso, por ser exemplo de comprometimento para com a
profissão.
Aos docentes do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, pela
oportunidade e possibilidade de um desenvolvimento intenso para com os
meus conhecimentos, através dos seus, repassados durante cada momento,
mesmo em tempos difíceis devido às agendas, mas sempre oportunos e
ricos.
Aos hospitais Santa Catarina, da Polícia Militar, Walfredo Gurgel, Giselda
Trigueiro e Maria Alice Fernandes, que permitiram meu ingresso em seus
espaços institucionais, deixando-me entrevistar seus profissionais, cuja
colaboração foi ímpar para a elaboração desse trabalho.
Aos Assistentes Sociais entrevistados, que compartilharam comigo suas
experiências profissionais, colaborando para uma discussão crítica da
profissão.
A todos, muito Obrigada!
“Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.”
(Carlos Drummond de Andrade)
RESUMO
Este trabalho apresenta os resultados da pesquisa: PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE: uma análise das condições de trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar. Analisa a inserção dos assistentes sociais nos processos de trabalho em saúde, especificamente no âmbito público hospitalar, a partir das condições objetivas de trabalho, segundo as quais se materializa a ação profissional. O intuito é entendê-las sob o ponto de vista da sua relação com os usuários e demais profissionais de saúde, mediante a privatização da saúde, que inviabiliza o Sistema Único de Saúde (SUS), limitando a operacionalização dos serviços e a garantia dos direitos. A aproximação com a realidade pesquisada se deu através de procedimentos teórico-metodológicos fundamentados na pesquisa quali-quantitativa, privilegiando-se a pesquisa documental, a observação, a entrevista semi-estruturada e a fundamentação teórica. Observa-se que a inserção dos assistentes sociais neste contexto decorre das demandas derivadas das expressões da questão social, “matéria-prima” do trabalho profissional, e das lacunas decorrentes das contradições presentes no processo de racionalização/reorganização do SUS, significando que as necessidades da população se confrontam com o conteúdo e a forma de organização dos serviços. No âmbito hospitalar, as ações profissionais são desenvolvidas através do plantão, espaço contraditório de embate entre as práticas coletivas e individualistas, pelas quais são priorizadas atividades individuais e pontuais, não-planejadas e reduzidas à solução dos “problemas” dos usuários, através das ações assistenciais, de caráter emergencial e burocrático. É notória a inadequação do espaço físico e a falta de condições mínimas de atendimento aos usuários, o que compromete o exercício profissional no tocante aos princípios ético-políticos da profissão, visto que é responsabilidade e dever do assistente social garantir o sigilo profissional e a privacidade dos usuários naquilo que for revelado durante o processo de intervenção profissional. O exercício profissional dos assistentes sociais é perpassado pela diversidade de competências e atribuições; pela falta de planejamento das atividades; pela incorporação do discurso institucional em detrimento dos objetivos profissionais; pelo desconhecimento do Código de Ética profissional, por reduzido número de profissionais; pelo número crescente de informalidade; pelas precárias condições de trabalho e salário; pelo desestímulo à pesquisa e à participação em conselhos de políticas sociais, bem como de capacitação profissional. PALAVRAS-CHAVE: Saúde. Trabalho. Trabalho Profissional.
ABSTRACT
This paper presents the survey results: PROCEDURE FOR WORK IN HEALTH: an analysis of working conditions of social workers in hospitals. Analyzes the inclusion of social workers in work processes in healthcare, specifically in the public hospital, from the objective conditions of work, according to which materializes professional action. The aim is to understand them from the point of view of its relationship with users and other health professionals through the privatization of health, which prevents the Unified Health System (SUS), limiting the operation of the services and the guarantee of rights. The approach to the reality studied was through theoretical and methodological procedures based on the qualitative and quantitative research, focusing on documentary research, observation, semi-structured interview and the theoretical foundation. It is observed that the inclusion of social workers in this context arises from the demands derived from expressions of social issues, "raw material" of professional work, and the gaps resulting from contradictions in the process of rationalization / reorganization of the SUS, meaning that the needs the population are confronted with the content and form of organization of services. At the hospital, the professional actions are developed through the shift, space contradictory clash between the collective and individual, in which individual activities are prioritized and ad hoc unplanned and reduced to the solution of "problems" of users, through actions assistance in an emergency and bureaucratic. These findings emphasize the inadequacy of space and lack of minimum conditions of service to users, which undertakes the professional with regard to ethical and political principles of the profession, since it is the responsibility and duty of the social guarantee the secrecy and privacy of users what is revealed during the process of professional intervention. The professional social workers is permeated by the diversity of skills and competence; lack of planning activities, by incorporating the institutional discourse at the expense of professional goals, by knowing the Code of Professional Ethics, for small number of professionals, the increasing number informality; by poor working conditions and wages; by discouraging research and participation in social policy councils, as well as professional training. KEY WORDS: Health Work. Professional Work.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Abrasco - Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
AIH - Autorizações de Internação Hospitalar
ANAS - Associação Nacional dos Assistentes Sociais
CA - Centro Acadêmico
CAP - Caixa de Aposentadoria e Pensão
CBAS - Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CCQ - Círculos de Controle e de Qualidade
Cebes - Centro de Estudos Brasileiro em Saúde
CFAS - Conselho Federal de Assistentes Sociais
CFESS - Conselho Federal de Serviço Social
CFM - Conselho Federal de Medicina
CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas
CNS - Conferências Nacionais de Saúde
CNRH - Conferência Nacional de Recursos Humanos
CRH/SES - Coordenadoria de Recursos Humanos da Secretaria de Saúde
CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
Cress - Conselho Regional de Serviço Social
DA - Diretório Acadêmico
Datasus - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde
DST - Doenças Sexualmente Transmissíveis
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
EC - Emenda Constitucional
Enesso - Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social
EUA - Estados Unidos da América
DF - Distrito Federal
FNS - Fundo Nacional de Saúde
FHC - Fernando Henrique Cardoso
Funrural - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
HND - História Natural da Doença
HUOL - Hospital Universitário Onofre Lopes
Iaps - Instituto de Aposentadoria e Pensões
IAPB - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários
IAPC- Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários
IAPI - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários
IAPM - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos
Iapetel - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Estivadores e Transportadores de
Cargas
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS - Instituto Nacional de Previdência social
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
JIT - Just InTime
LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social
LOS - Lei Orgânica da Saúde
LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social
MEC - Ministério da Educação e da Cultura
MS - Ministério da Saúde
NOAS - Norma Operacional da Assistência à Saúde
NOB - Norma Operacional Básica
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONG - Organização não-governantal
OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde
PAB - Piso Assistencial Básico
PCCS - Plano de Cargos, Carreira e Salários
PEP - Projeto Ético Político
PE- Pernanbuco
PES - Planejamento Estratégico Situacional
PIB - Produto Interno Bruto
PL - Projeto de Lei
PM - Polícia Militar
PNI - Política Nacional do Idoso
PNHAH - Programa Nacional de Humanização Hospitalar
PNPCD - Política Nacional de Saúde das Pessoas com Deficiência
PNS - Política Nacional de Saúde
PT - Partido dos Trabalhadores
PSF - Programa Saúde da Família
RH - Recursos Humanos
RN - Rio Grande do Norte
ROREHS - Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde
SAMDU - Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência
SESAP - Secretaria Estadual de Saúde Pública
SPS - Secretaria de Política de Saúde
SSO - Serviço de Saúde Ocupacional
SUS - Sistema Único de Saúde
SPS/MS - Secretaria de Política de Saúde/Ministério da Saúde
TCC - Trabalho de Conclusão de Curso
UBS - Unidade Básica de Saúde
Uead - Unidades de Ensino à Distância
USFC - Unidade de Saúde Familiar e Comunitária
UTI - Unidade de Terapia Intensiva
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 - Formas de administração da saúde
Páginas
37
Quadro 02 - Percentual dos gastos públicos em saúde 39
Quadro 03 - Níveis de atenção do SUS 54
Quadro 04 - Debates sobre RH na saúde 71
Quadro 05 - Servidores efetivos no setor de serviço social 101
Quadro 06 - Número de assistentes sociais nos hospitais
pesquisados
101
Quadro 07 - Número de vagas oferecidas no concurso (SESAP,
2007) 106
Quadro 08 - Principais ações desenvolvidas pelos assistentes
sociais 130
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 - Evolução do destino da CPMF por setor
Gráfico 02 – Planejamento das ações profissionais
Páginas
41
60
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 17
2 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL PÓS-CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NOS SERVIÇOS DE SAÚDE...................................................................
2.1 O Direito à saúde no Brasil pós-constituição de 1988: algumas aproximações ao contexto do trabalho em saúde.....................................................................................................................
26 27
2.1.1 O Debate sobre o direito à saúde na sociedade capitalista...................................................
32
2.2 A Organização do trabalho em saúde.......................................................................................
47
2.3 As Discussões sobre a política de recursos humanos em saúde.............................................
3 O TRABALHO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS SERVIÇOS DE SAÚDE...........................................................................................................................................
3.1 A Força de trabalho dos assistentes sociais no Sistema Único de Saúde (SUS)..............................................................................................................................................
3.2 O Trabalho profissional dos assistentes sociais na rede hospitalar em Natal (RN)...............................................................................................................................................
4 A DEGRADAÇÃO DO TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA E NOS PROCESSOS DE TRABALHO EM SAÚDE...........................................................................................................
4.1 O Trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar.........................................................
69 77 91
100
108
114
4.2 Análises das condições de trabalho dos assistentes sociais....................................................
118 4.3 A Inserção dos assistentes sociais na equipe multiprofissional: um olhar sobre a prática profissional na equipe hospitalar.....................................................................................................
126 4.4 Desafios à materialização do Projeto Ético-Político Profissional (PEPP).................................
5 CONSIDERAÇÕES APROXIMATIVAS......................................................................................
REFERÊNCIAS............................................................................................................................... APÊNDICE...................................................................................................................................... ANEXOS..........................................................................................................................................
135
139
144 155 157
17
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo privilegia a análise do processo de trabalho em saúde,
voltando a atenção para o trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar da
rede pública estadual, no município do Natal, Rio Grande do Norte (RN). É um
trabalho que se soma às produções teóricas recentes direcionadas à apreensão da
situação dos trabalhadores do setor saúde1, bem como à literatura profissional2, que
pesquisa a inserção dos assistentes sociais neste espaço.
O processo de trabalho coletivo em saúde se caracteriza pela
fragmentariedade dos atos técnicos pelos quais se compartilham conhecimentos na
prestação dos serviços de saúde, isto porque os usuários percorrem diversos atos
de diagnósticos e terapias para terem seus problemas resolvidos.
Os serviços de saúde se encontram na esfera da produção não-material, pois
se completam no ato de sua realização, evidenciando uma inter-relação e/ou co-
interação entre quem os presta e quem os consome. Portanto, o acúmulo de novas
tecnologias se soma à variedade dos serviços, o que justifica a fragmentação na sua
prestação.
Trata-se da singularidade de cooperação presente nos processos de trabalho
em saúde, quais sejam: a cooperação vertical, diversas ocupações ou tipos de
trabalhadores que participam de uma determinada hierarquia; e a cooperação
horizontal, diversas subunidades que participam dos cuidados em saúde.
O trabalho dos assistentes sociais, no interior do processo de trabalho
coletivo do Sistema Único de Saúde (SUS), dá-se através da cooperação, a partir do
conjunto das operações coletivas de trabalho que garantem uma determinada lógica
de organização e funcionamento do serviço público de saúde.
A ampliação desta força de trabalho no contexto do SUS deve-se tanto à
ampliação horizontal das subunidades de serviços quanto à divisão social e técnica
do trabalho, visto que o SUS, através dos princípios da democratização e
1 MERHY (Org) (2007); BORGES (2005); MENDES (1999); CAMPOS (1994); NOGUEIRA (1999); SANTOS-FILHO; BARROS (2009); KOSTER (2008). 2 BRAVO (2006); COSTA (2000); MATOS (2003); MOTA (2007); MIOTO (2008); OLIVAR (2007); VASCONCELOS (2002); DAHMER (1990).
18
descentralização, apresenta-se como um espaço democrático, de acesso universal e
igualitário, garantindo a participação nos seus processos decisórios.
Num balanço do SUS, Nogueira (1999) observa que a partir da década de
1990, o sistema de saúde passou por múltiplas reformas, dentro da lógica neoliberal
implementada pelas políticas de Estado mínimo no Brasil. Trata-se da reforma
informal realizada a partir das terceirizações através dos prestadores de serviços e
contratos por tempo determinado, acarretando a desregulamentação e a perda de
consciência de classe dos trabalhadores de um modo geral, somando-se às perdas
sociais, trabalhistas e previdenciárias vivenciadas a partir desta década.
Observa-se que as requisições postas aos assistentes sociais advêm das
contradições do sistema de saúde, o que implica a ampliação e o
redimensionamento das atividades com novas qualificações técnicas e políticas.
Todavia, em condições desfavoráveis postas pela nova ordem do capital. Estas
novas exigências abalam formas tradicionais de funções, exercícios, papéis e
responsabilidades dos trabalhadores em geral, bem como a forma de interação com
seus pares e usuários.
Em geral, tais mudanças vêm acompanhadas de uma crescente precarização
no que se refere às condições de emprego e trabalho, o que repercute na qualidade
de vida, na saúde dos trabalhadores, nas suas relações com os usuários e demais
profissionais da equipe de saúde, além da conseqüente fragilização do
funcionamento do SUS.
A dinâmica de trabalho imposta nas unidades de saúde decorre das pressões
com relação à demanda, e da fragmentação do trabalho, sendo requisitada a
cooperação entre a equipe de saúde, através de mecanismos participativos de
planejamento, avaliação, condução do trabalho e tomadas de decisões.
Todavia, percebe-se que a atuação em equipe é incipiente no cotidiano do
serviço de saúde. E tanto as ações – focos, prioridades, escolhas – quanto os
conflitos institucionais são pouco problematizados e direcionados no espaço coletivo
(SANTOS-FILHO, 2009). Observa-se uma resistência do modelo médico-curativo
hegemônico e o caráter autoritário dos processos de decisão na saúde.
A inserção dos assistentes sociais nas equipes de saúde possibilita o enfoque
diferenciado das condições de saúde/doença dos usuários e dos meios de
administrá-las. A propósito, a competência dos assistentes sociais se diferencia dos
19
demais trabalhadores que atuam na saúde, que têm, nas suas formações, o
predomínio da técnica, em detrimento da visão de totalidade “questões sociais,
culturais e econômicas”; ou seja, das condições objetivas que perpassam os modos
de prevenção, promoção, cura e reabilitação.
Assim, os assistentes sociais são articuladores da equipe multiprofissional,
capazes de promover ações coletivas de educação e mobilização, que denunciam a
precariedade das condições de vida e de trabalho tanto dos usuários quanto da
classe trabalhadora de um modo geral.
As motivações para estudar esta temática, que se constitui o objeto desta
pesquisa, emergiram por ocasião do estágio curricular, durante o Curso de
Graduação em Serviço Social, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), no período de 2003.1 a 2004.1, realizado na Unidade de Saúde Familiar e
Comunitária (USFC), anexa ao Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Natal,
Rio Grande do Norte (RN). O intuito dessa aproximação foi identificar como se
efetiva a sistematização do trabalho do assistente social no que se refere ao
planejamento, ao registro e à avaliação das atividades desenvolvidas, dados
necessários ao desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), datado
do período de 2004.2 (MENESES; OLIVEIRA, 2005).
Através das entrevistas realizadas por ocasião do estágio curricular,
observou-se a inquietação desses profissionais, no tocante às condições3 objetivas
de trabalho, dentre as quais o espaço físico adequado às abordagens individuais
e/ou coletivas e a falta de recursos materiais4, humanos e financeiros para subsidiar
suas atividades.
O estudo realizado na graduação evidenciou certa indefinição por parte dos
entrevistados acerca do seu fazer profissional, tanto no que concerne às atividades
desenvolvidas quanto aos objetivos e à identidade profissional. Esse fato pode
relacionar-se ao acúmulo de atividades, por vezes, administrativas, que podem ser
desenvolvidas por outro profissional; ao predomínio do saber médico, considerado
agente privilegiado nas organizações de saúde e ao desconhecimento do Código de
3 A Resolução do CFESS nº. 493/2006, de 21 de agosto de 2006 dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do Assistente Social. 4 Faz-se referência aos recursos audiovisuais; meio de comunicação (telefone próprio ou não); e meio de transporte (carro disponível para visitas).
20
Ética profissional do assistente social, especificamente, quanto às suas
competências e atribuições5.
A sistematização do trabalho fica comprometida pelas questões acima
expostas, somadas à alta rotatividade de usuários. Portanto, a pouca
governabilidade destes profissionais quanto à definição de metas e indicadores que
norteiam o próprio trabalho proporciona descontinuidade e imediaticidade das ações.
Por tudo isto, verifica-se que as dificuldades enfrentadas pelos assistentes
sociais repercutem diretamente na realização do seu trabalho, visto que os
encaminhamentos das soluções não dependem da vontade e do interesse individual
do profissional, apesar de sua relativa autonomia (IAMAMOTO, 2001).
Acrescenta-se às motivações até aqui expostas, a inserção que se tem em
hospital público estadual, por meio de concurso público realizado em 2007, para
provimento de cargo efetivo de assistente social - Hospital Regional de Guarabira
promovido pela Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba (PB). Esta experiência de
trabalho na saúde instiga esta pesquisadora inquirir as determinações do processo
social, histórico, cultural e econômico, as quais perpassam as relações entre os
assistentes sociais e os sujeitos com os quais interagem – gestores, usuários e
equipe multiprofissional –, bem como apreender de que forma o processo em curso
reflete nas ações cotidianas no interior das entidades empregadoras, nas demandas
dos usuários e nas respostas profissionais.
Entende-se que não há escolhas isentas de interesses, nem conhecimentos
espontâneos, mas sim, uma construção historicamente condicionada pela posição
social do cientista social e pelas correntes de pensamento em conflito na sociedade
(MINAYO, 1996).
O objeto desse estudo é o processo de trabalho em saúde, no qual se
inserem os assistentes sociais. Entende-se por trabalho a atividade do sujeito vivo,
na construção de respostas às necessidades humanas, que em seu processo de
realização – condições, meios, formas materiais e sociais assumidas – transforma,
simultaneamente, o sujeito e a realidade.
Apreende-se o serviço social como uma especialização do trabalho coletivo
na sociedade capitalista, inscrito na divisão social e técnica do trabalho. A questão
social e suas múltiplas determinações são a matéria-prima ou o objeto do trabalho
5 Código de Ética profissional, Lei nº 8, 662, de 07 de junho de 1993. Art. 4º e 5º.
21
profissional, e sua gênese se relaciona à contradição fundamental desta
sociabilidade capitalista. Em outros termos, a contradição entre capital/trabalho, pois
a produção é social, enquanto a apropriação, as condições e os resultados do
trabalho são privados.
O trabalho profissional dos assistentes sociais é determinante/determinado
pelas circunstâncias históricas e sociais em que se insere o conjunto dos
trabalhadores afins. A condição de trabalhador assalariado, regulada por um
contrato de trabalho, imprime ao profissional os dilemas da alienação e das
determinações que afetam a coletividade dos trabalhadores.
Apesar de regulamentado como profissão liberal, o serviço social não tem
essa tradição na realidade brasileira. Os assistentes sociais são trabalhadores
especializados, que vendem sua capacidade de trabalho para entidades
empregadoras. Estas determinam as necessidades sociais; a matéria sobre a qual
incide esse trabalho; as condições em que se operam os atendimentos; e a forma
dos seus efeitos na reprodução das relações sociais.
O reconhecimento das condições e dos meios pelos quais este trabalho é
realizado na sociedade capitalista revela-se que, como parte do trabalho coletivo, há
uma tensão entre o Projeto Ético Político Profissional (PEPP) e a alienação do
trabalho social. Tal desvendamento possibilita a construção de um projeto
profissional socialmente referenciado na luta da coletividade dos trabalhadores
enquanto classe (IAMAMOTO, 2007).
Na área da saúde, os assistentes sociais atuam em equipe multidisciplinar. E
a formação genérica crítica, embasada nos fundamentos teórico-explicativos de
outras áreas do saber, possibilita uma visão de mundo numa perspectiva de
totalidade.
As unidades de saúde são espaços contraditórios de disputas de poderes,
nos quais estes profissionais mediam as deficiências do sistema e viabilizam o
acesso da população.
Daí a necessidade de os assistentes sociais construírem mediações que
legitimem o exercício profissional de acordo com as competências e atribuições
consolidadas no âmbito do PEPP.
O lócus privilegiado dessa pesquisa são as unidades de saúde a nível
terciário, ou seja, os hospitais públicos estaduais situados no município do Natal/RN.
22
Tal escolha partiu da necessidade de apreender e analisar o trabalho dos
assistentes sociais inseridos nos serviços de alta complexidade, cuja demanda é
histórica no Brasil, sobretudo, em tempos neoliberais, pelo agravamento da questão
social e pela resistência do modelo médico-curativo legitimado nas organizações
hospitalares.
Os critérios qualitativos utilizados foram: hospitais com maior número de
assistentes sociais e complexidade da especificidade do atendimento, quais sejam,
hospital Doutor José Pedro Bezerra – Santa Catarina (Pronto-Socorro e
maternidade), hospital Central Coronel Pedro Germano – da Polícia Militar
(maternidade e pediátrico), hospital Monsenhor Walfredo Gurgel (urgências e
emergências), hospital Giselda Trigueiro (doenças infecto-contagiosas) e hospital
Infantil Maria Alice Fernandes (maternidade e pediátrico).
Por conseguinte, [...] “pesquisar e conhecer a realidade é conhecer o próprio
objeto de trabalho, junto ao qual se pretende induzir ou impulsionar um processo de
mudanças” (IAMAMOTO, 2001, p. 62).
Na realidade pesquisada, totaliza-se o número de 64 (sessenta e quatro)
assistentes sociais, dos quais, priorizou-se o universo de 10% (dez por cento), para
proceder às entrevistas, o que implica 6,4 (seis vírgula quatro) profissionais de
serviço social. Diante deste quadro, em cada unidade hospitalar, entrevistou-se 01
(um) assistente social, perfazendo a quantidade de 05 (cinco) profissionais do
quadro efetivo, com faixa salarial entre R$ 2.000 (dois mil reais) e R$ 4.500 (quatro
mil e quinhentos reais), com carga horária semanal de trinta horas, em escala de
plantão de 12 horas, especificamente, dez plantões por mês6.
Para a coleta de dados, utilizou-se entrevistas semi-estruturadas, que [...]
“permitem a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente
com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos” (LÜDKE; ANDRÉ,
1986, p. 25); e observação, por ser uma estratégia de apreensão do objeto de
pesquisa, que implica em acompanhar todo o percurso de investigação, pois permite
a visualização mais ampla da realidade dos sujeitos, do espaço no qual intervêm e
as relações que estabelecem e constroem em seu cotidiano.
Para apreender o estado da arte do tema em questão, realizou-se um esforço
de aproximação à produção teórica existente durante todo o processo de
6 SESAP/RN, 2008.
23
investigação, tendo em vista seu papel complementar, em consonância com a
observação da realidade. Assim, ao longo de toda a pesquisa, realizou-se leituras
que nortearam a apropriação dos conceitos e a fundamentação teórico-metodológica
destinadas ao desvendamento da realidade do processo de trabalho coletivo em
saúde, no qual se insere o trabalho profissional dos assistentes sociais.
No processo de produção do conhecimento científico, não se começa tudo a
partir do zero em cada pesquisa. Antes, trabalha-se sobre os conhecimentos já
formulados, sobre os quais o pesquisador se apóia, ainda que seja para negá-los
(CARDOSO, 1976).
No roteiro de entrevistas, enfoca-se o número de assistentes sociais no
quadro, a distribuição da carga horária, as principais demandas, as condições éticas
e técnicas necessárias ao exercício profissional, os instrumentos de trabalho
utilizados, o planejamento das ações, a relação entre os assistentes sociais e os
demais profissionais da equipe em saúde, a participação em eventos e ainda os
anseios dos profissionais acerca das condições consideradas ideais para um
exercício profissional que se norteia pela materialização do PEPP.
Cabe registrar as dificuldades no percurso investigativo, pois alguns
profissionais remarcaram as entrevistas, seja por incompatibilidade de agendas, seja
por indisposição da coordenação de serviço social para tal fim, já que profissionais
com vínculos temporários não se comprometem perante a entidade empregadora a
prestar informações sobre seu cotidiano no interior das entidades. A realização das
entrevistas em três dos hospitais visitados foi interrompida diversas vezes, pela
intensa circulação de pessoas na sala de serviço social, tanto dos usuários quanto
dos demais profissionais, bem como das chamadas telefônicas.
Tais limitações foram superadas pelo retorno às unidades de saúde, sempre
que necessário, para esclarecer dúvidas, pelas observações que foram
imprescindíveis durante visitas às unidades hospitalares e pela constante leitura das
produções teóricas acerca do tema.
Compartilha-se com Japiassu (1986, p. 27) a idéia de que o conhecimento é
um processo e não um dado adquirido instantaneamente; ou seja, é um processo
histórico, o qual “[...] aos poucos e incessantemente, faze-nos captar a realidade a
ser conhecida”.
24
O resultado desse percurso se apresenta nos quatro capítulos deste trabalho.
No primeiro capítulo, apresenta-se o objeto de estudo, em suas múltiplas
determinações. Discorre-se acerca das categorias analíticas: trabalho e trabalho
profissional dos assistentes sociais nos processos de trabalho em saúde.
Aproximando-se do objeto, delimitando-se o campo de investigação, o universo da
pesquisa e os objetivos que foram perseguidos no processo de realização deste
estudo.
Neste sentido, a aproximação com o trabalho profissional dos assistentes
sociais na saúde, especificamente, no universo hospitalar, possibilita observar-se as
condições de trabalho – físicas, materiais e humanas, de emprego – salários,
legislação e vínculos – situando o trabalho profissional e os rebatimentos deste na
qualidade de vida e saúde dos trabalhadores, nas suas relações com os usuários e
equipe multidisciplinar, além da qualidade dos serviços prestados.
No segundo capítulo, realiza-se um resgate histórico acerca da política de
saúde no Brasil, pós-Constituição Federal de 1988, pela qual se consagram os
princípios da reforma sanitária, e inclui como sistema público, o SUS, enfatizando a
trajetória do direito à saúde a partir da década de 1990, em meio à política sócio-
econômica fundamentada na concepção neoliberal, que tem contribuído para a
“contra-reforma”7 do Estado. Analisa-se o trabalho dos assistentes sociais nos
serviços de saúde a partir das novas formas de gestão e organização do trabalho
em saúde, advindas das transformações em curso.
No terceiro capítulo, sinaliza-se a inserção dos assistentes sociais nos vários
níveis do SUS, a partir da descentralização e democratização do acesso dos
serviços. Discorre-se acerca do trabalho profissional, no âmbito hospitalar (nível
terciário), apreendendo o trabalho do assistente social como uma especialização do
trabalho coletivo na sociedade capitalista, tendo o não-acesso às ações e serviços
de saúde como uma das expressões da questão social.
Seguindo este raciocínio, no quarto capítulo, debate-se sobre a crescente
precarização da força de trabalho em saúde, condição na qual se inserem os
assistentes sociais, no contexto mais geral de precarização do trabalho na
7 A “contra-reforma” do Estado surge com o neoliberalismo, tem um caráter conservador e não revolucionário, e busca desmontar os direitos sociais conquistados pelos trabalhadores (BEHRING; BOSCHETTI (2007)).
25
sociedade capitalista. Explicita-se que a fragilização desta força de trabalho é
perpassada pelos vínculos temporários e pela desregulamentação das legislações
sociais e trabalhistas, repercutindo diretamente nas relações destes profissionais
com o conjunto da classe trabalhadora, seja pela competitividade acirrada e perda
da consciência de classe, seja pela qualidade dos serviços prestados aos usuários;
e, sobretudo, pela materialização do PEPP.
Com esta análise, apresenta-se as contradições existentes entre o ideal da
reforma sanitária – condições dignas de trabalho e salários, vínculos empregatícios
formais, atendimento de qualidade –, e o real – subcontratação, flexibilização das
relações de trabalho, precarização das condições de trabalho, insalubridade,
disparidade salarial, desqualificação do atendimento – no processo de trabalho em
saúde, contexto no qual se inserem os assistentes sociais.
Enfatiza-se a aparente separação entre o ideal – dever-ser –, e o real – o que
é. Aparente, porque o ideal e o real constituem uma unidade dialética, cuja síntese
movimenta a realidade social para a produção de novos conhecimentos e novas
realidades. É aqui problematizada, com o intuito de desvendá-la no enfrentamento
dos desafios postos ao trabalho profissional dos assistentes sociais, no âmbito do
SUS.
26
2 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL, PÓS CONSTITUÍÇÃO FEDERALDE 1988, E O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NOS SERVIÇOS DE SAÚDE
O texto que segue expõe a configuração da política de saúde no Brasil, pós
Constituição Federal de 1988, pela qual se consagram os princípios da reforma
sanitária8, e inclui como sistema público de saúde, o SUS. Este pressupõe uma
construção lenta e gradual, de dimensões política, ideológica e tecnológica
(MENDES, 1999) na sua organização, estruturação e gestão dos processos de
trabalho, implicando a defesa de um sistema de saúde para todos – universal;
igualitário e de qualidade.
A saúde integra o tripé da seguridade social, juntamente com a Assistência e
a Previdência Social. Trata-se de um avanço no tocante à proteção social, que
atende às históricas reivindicações e disputas políticas da classe trabalhadora.
Com a mobilização popular, por meio dos diversos segmentos que compõem,
os movimentos sociais foram de fundamental importância para a construção de uma
legislação de cunho democrático no Brasil, materializada na Constituição Federal de
1988.
O projeto da reforma sanitária tem como base um Estado democrático de
direito, responsável pelas políticas sociais e, conseqüentemente, pela saúde. A
organização dos serviços de saúde dar-se-ia por meio da estruturação e
funcionamento do SUS, que por sua vez, fundamenta-se nos princípios da
universalização e democratização do acesso; da integralidade e da eqüidade das
ações; da democratização das informações e transparência no uso de recursos e
ações do governo; da descentralização com o controle social democrático; e da
interdisciplinaridade das ações.
A política de saúde se respalda legalmente na Lei Orgânica da Saúde (LOS)
nº 8.080/1990, que trata do conjunto de ações e serviços de saúde, bem como das
8 Movimento composto por intelectuais ligados à saúde pública como o Centro de Estudos Brasileiro em Saúde (Cebes) e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), trabalhadores de saúde e a sociedade civil em geral. O ideário da reforma sanitária consistia na proposta de um sistema de saúde único, sob responsabilidade do Estado, sendo o setor privado suplementar àquele, sob controle público e descentralizado. O que estava em questão era a universalidade da atenção à saúde superando a histórica dicotomia entre assistência médica individual e ações coletivas de saúde (ELIAS, 2009).
27
instituições que materializam seus serviços; na Lei nº 8.142/1990, que discorre sobre
a descentralização da gestão e recursos no SUS; nas Normas Operacionais Básicas
(NOBS) 1991/93/96, que versam sobre a gestão, municipalização e controle social;
na Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS/2001), que dispõe sobre a
descentralização; na Norma Operacional Básica de Recursos Humanos
(NOB/RH/SUS/2002) que enfatizam a capacitação do RH.
Todavia, os avanços9 observados no decorrer da década de 1980 não
conseguiram superar a lógica de articulação entre o capital privado e a base de
financiamento do sistema de proteção social, pois, ao mesmo tempo em que
universaliza os direitos sociais, segmenta o acesso aos benefícios e serviços, de
acordo com critérios de financiamento e inserção dos usuários no mercado.
2.1 O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL PÓS CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: algumas aproximações ao contexto do trabalho em saúde
Formalmente, o direito à saúde dispõe de um sólido aparato legal. Todavia, a
realidade não condiz com o atendimento às necessidades de saúde da população, já
que persistem contradições históricas no sistema de saúde, que não foram
superadas pelas reivindicações do movimento sanitário.
Tais contradições se expressam através da demanda reprimida10, da
precariedade dos recursos, da condição da quantidade/qualidade da atenção, da
burocratização, da ênfase na assistência médica curativa individual, do controle
social incipiente para ações de cidadania e de um Estado desacostumado a ter seus
atos controlados pela sociedade.
Os avanços constitucionais de 1988, de natureza reformista, são originários
de uma conjuntura de radicalização democrática, após uma ditadura de vinte anos.
Todavia, a partir da década de 1990, especificamente, no governo de Fernando
Henrique Cardoso (FHC), a tendência geral tem sido a restrição e a redução de
direitos sob o argumento da crise fiscal do Estado, como se não houvesse uma crise
9 Avanços no tocante a descentralização administrativa, transferência de recursos aos municípios e estados e maior racionalidade operativa (CAMPOS, 1994, p.100). 10 Para fins deste estudo, entende-se essa categoria como uma procura/necessidade não atendida e/ou um atendimento incompleto (VIDAL, 2008, p. 137).
28
econômica e política, reduzindo-a a um modelo de Estado que, caso mude, irá
resolver a situação da crise instalada.
Na conjuntura de adesão às políticas neoliberais, a política de saúde proposta
se fundamenta na privatização, na descentralização e na focalização. Portanto,
confronta-se com o projeto da reforma sanitária (MENDES, 1993). O que implica o
agravamento das desigualdades sociais e a substituição do espaço público pelo
privado.
A ação devastadora do capital, no enfrentamento de suas cíclicas crises, e os
ajustes recomendados pelos organismos multilaterais, nos marcos do “consenso de
Washington” – sob orientação neoliberal – dita padrões culturais exacerbados,
através dos valores individualistas e competitivos; além de ações políticas que
provocam uma verdadeira “satanização” do Estado (NETTO, 1996).
O discurso da ineficiência do Estado no trato com as políticas sociais justifica
os constantes cortes na esfera da saúde. Neste sentido, consolidou-se, na segunda
metade da década de 1990, o projeto de saúde, articulado ao mercado ou privatista.
Este último tem como tendências a
Contenção dos gastos com a racionalização da oferta e a descentralização com isenção de responsabilidade do poder central, garantia mínima estatal aos que não podem pagar ficando para o setor privado o atendimento aos cidadãos consumidores. Como principais características destacam-se: o caráter focalizado para atender as populações vulneráveis, a desconcentração dos serviços e o questionamento da universalidade do acesso (BRAVO, 2006, p. 35).
A dicotomia público/privado é uma herança reforçada pela ofensiva neoliberal
no Brasil, que aponta como solução para as crises econômico-sociais, seja a
intervenção estatal em favor do grande capital, seja pelo incentivo ao consumo, pela
diminuição da produção, redução de impostos, retração dos postos de trabalho,
cortes nos gastos sociais. Ademais, o processo recessivo no cenário econômico
mundial, provocado pela crise do crédito nos Estados Unidos da América (EUA)
(2008-2009) é emblemático neste sentido.
A ofensiva neoliberal transfere a responsabilidade social das necessidades
humanas para o âmbito privado/individual pela adoção de mecanismos legais de
29
transferência das responsabilidades estatais para a sociedade civil através de
parcerias com organizações sociais sem fins lucrativos.
Diante do exposto, é possível visualizar o caminho que trilha a política de
saúde no Brasil que está originariamente no patamar da universalização excludente
(BEHRING; BOSCHETTI, 2007), entre avanços e retrocessos, entre o formal e o
real. Acerca da análise entre o formal e o real, as autoras ressaltam que
Na saúde pública, o principal paradoxo é que o Sistema Único de Saúde, fundado nos princípios de universalidade, eqüidade, integralidade das ações, regionalização, hierarquização, descentralização, participação dos cidadãos e complementaridade do setor privado, vem sendo minado pela péssima qualidade dos serviços, pela falta de recursos, pela ampliação dos esquemas privados que sugam os recursos e pela instabilidade do financiamento (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 163).
Quanto mais se acentua o controle do capital e da assistência médica
individual, em detrimento da saúde pública, mais ações pontuais e ineficazes de
combate aos recorrentes problemas sanitários são identificadas.
O combate às recorrentes epidemias de dengue, por exemplo, é emblemático,
conforme Campos,
A maneira como se dá o combate às epidemias de dengue é de deixar Osvaldo Cruz envergonhado: privilegia-se o combate ao vetor, e a operação mata-mosquitos é apresentada como capaz de controlar a difusão da epidemia, sendo que, na realidade, deve-se-iam adotar medidas de reorganização e humanização do espaço urbano, uma vez que os focos de infestação são exatamente aqueles locais de infra- estrutura urbana básica deficiente (1994, p. 53).
Verifica-se que não há interesse por parte do grande capital de que o Estado,
por meio de ações públicas, promova e proteja a saúde dos trabalhadores, rurais e
urbanos. A saúde pública é inviabilizada mais por motivos políticos do que técnicos e
financeiros, pois o Estado, na perspectiva liberal, está a serviço da reprodução do
capital.
30
A seguridade social brasileira, apesar de apresentar caráter inovador, de
ampliação dos direitos sociais, acabou caracterizando-se como um sistema híbrido,
que conjuga direitos derivados e dependentes do trabalho (previdência), com direitos
de caráter universal (saúde) e direitos seletivos (assistência). No entender de Bravo,
A proposta de seguridade social defendida na Carta Magna vem sofrendo fortemente os impactos da postura neoliberal dos últimos governos, visto que a reestruturação produtiva levada a cabo traz conseqüências alarmantes sobre as taxas de desemprego, agravando a pobreza e a desigualdade social. Neste cenário, aumentam as demandas sobre o sistema de proteção social, ao mesmo tempo em que o gasto social não é priorizado no orçamento público. Com efeito, vê-se como possibilidade de reversão deste quadro a superação da histórica submissão da política social à política macroeconômica (2006, p.16).
Assiste-se a um verdadeiro desmonte do sistema de seguridade social
brasileiro, que parecia apontar, a partir dos anos 1980, na direção da
universalização dos direitos sociais básicos.
Evidenciam-se retrocessos das conquistas sócio-históricas da classe
trabalhadora, em meio à política sócio-econômica fundamentada na concepção
neoliberal, que tem contribuído para a “contra-reforma”11 do Estado, no sentido de
desmontar os direitos sociais e de submetê-los ao movimento do capital.
O discurso em torno das políticas sociais públicas se reveste de concepções
conservadoras, por meio das quais a sociabilidade do capital dissemina os ideais
burgueses, como a criminalização da questão social, que culpabiliza os sujeitos
pelas suas necessidades. Um exemplo do caráter conservador que o Estado
imprime às políticas sociais pode ser observado na adoção de conceitos como riscos
sociais, vulnerabilidades, integração e promoção social no âmbito da política de
11 A reforma do Estado refere-se ao período da história em que os trabalhadores lutavam pela garantia de direitos sociais, políticos, econômicos e humanos no âmbito da organização social capitalista. Nesse contexto, buscavam modificar as relações de produção por meio do acesso a esses direitos. No entanto, não buscavam transformar os fundamentos que regiam essas relações, a própria sociedade capitalista. Para as autoras, a contra reforma do Estado surge com o neoliberalismo, tem um caráter conservador e não revolucionário, e busca desmontar os direitos sociais conquistados pelos trabalhadores no período da reforma (BEHRING E BOSCHETTI (2007)).
31
assistência social. Este discurso tem a função ideológica de eliminar a perspectiva
de classe e intervir diretamente nos sujeitos, considerados culpados pela sua
inserção desigual na estrutura social.
O direito à saúde é parte do processo de reprodução social, com seus bens
materiais e simbólicos, que diferem em cada conjuntura, com suas relações sociais,
seus meios, seus instrumentos, e as contradições a ele inerentes. Situa-se no
âmbito da prestação de serviços sociais; ou seja, no setor terciário. Isso resulta na
presença da flexibilização e desregulamentação do trabalho no setor saúde, com
fortes implicações na precarização das condições de trabalho.
A finalidade do trabalho em saúde é atender às necessidades humanas
enquanto valores de uso em cada período histórico, e manter um determinado
padrão de proteção social. A partir dos anos 1990, o Estado se atrela aos interesses
do capital/grandes empresas, por meio da posição de Estado mínimo, assumindo a
perspectiva de “contra-reforma”, através de novas formas de gestão dos programas
sociais, caracterizadas pela focalização; terceirização das contratações;
descentralização do atendimento pela transferência direta, ou através de parceiras,
serviços para a comunidade e/ou para organizações filantrópicas particulares. Na
saúde, predomina a concepção de cidadão-consumidor, visando à acumulação de
capital das grandes empresas que atuam no ramo.
O movimento de saúde predominante – o privatista – trata o sujeito de
maneira fragmentada, e privilegia os serviços de alto custo financeiro. Contrapõe-se
aos princípios do movimento da reforma sanitária, que visa à construção de um novo
modelo assistencial, diferente do predominante, de caráter curativista, biologicista,
individualista e hospitalocêntrico. Esta visão suscita uma nova forma de operar o
trabalho em saúde, pela qual os trabalhadores que também são usuários; e os
usuários dos serviços de saúde ampliem suas visões do contexto social, político e
econômico e se organizem enquanto sujeitos de direitos.
32
2.1.1 O Debate sobre o direito à saúde na sociedade capitalista
A sociabilidade capitalista é, caracteristicamente, competitiva. Ao longo do
processo histórico, os laços de solidariedade e controle social foram impostos pela
coerção e pela ideologia, seja por meio do consenso, seja da regulação das ações
individuais e coletivas, através das leis, das regras, das normas construídas, das
tradições e da cultura, que no contexto da sociedade capitalista, reproduzem as
concepções e domínios essenciais à sua existência.
A ampliação de direitos civis, humanos, políticos e sociais, no marco do
capitalismo, é um processo histórico decorrente das contradições inerentes à própria
constituição desta sociabilidade, com seus antagonismos de classe e suas relações
de poder.
Esta estratégia de educar o homem para a cidadania/democracia visando à
sua liberdade encontra-se limitada à emancipação política, entendida por Marx
(1989) como dimensão negativa da atividade do ser social, pois é expressão da
alienação de uma força social, apropriada por interesses particulares, contra os
interesses da maioria, que em determinadas circunstâncias históricas, pode impedir
a regressão e a barbárie social.
No presente estudo, compreende-se por cidadania12 a possibilidade real de
alguém alcançar a emancipação humana, por meio da crítica permanente ao
processo sócio-histórico, na concepção de liberdade humana para além do capital,
visto que o ser humano projeta conscientemente a finalidade de suas ações com
vistas à satisfação de suas necessidades. E neste processo, a partir de suas
escolhas, também reproduz a si mesmo, engendrando sua possibilidade histórica.
A supressão da propriedade privada, do antagonismo de classes e da
“exploração do homem pelo homem” é fundamental ao alcance da emancipação
humana. Assim, acredita-se que as reais possibilidades de superação estão postas
porque, primordialmente, o ser humano é um sujeito auto-construtor, pois na medida
12 O entendimento sobre a cidadania neste estudo difere do sentido adotado por Marshall (1965) que comporta o arcabouço dos direitos civis, políticos e sociais na projeção de um novo patamar civilizatório, no marco do capitalismo, o que é muito discutido devido à contraditória combinação entre acumulação e eqüidade, defendida pelo autor. Entende-se a cidadania aqui como meio para alcançar a emancipação humana, e não um fim em si mesmo.
33
em que o capital se recompõe, cria novas contradições sobre novas bases,
passíveis de superação.
Na perspectiva marxiana, o ser social é radicalmente histórico; ou seja, sujeito
criativo/vivo, portanto, mutável. Segundo Tonet (2005) a própria natureza humana é
construída pelos seres humanos, e não recebida como dote da natureza.
A partir dessa perspectiva teórica, compreende-se o direito à saúde, e a
implantação do SUS13 como conquistas políticas, pelas quais os cidadãos são
incorporados à saúde pública, independente da condição de indigência ou de
inserção no mercado de trabalho.
Historicamente, a preocupação para com a saúde coletiva se relaciona ao
desenvolvimento sócio-econômico do país. Nas duas primeiras décadas do século
XX, as práticas sanitárias e/ou a saúde pública objetivavam criar as condições
favoráveis à expansão do modelo econômico agro-exportador, assentado na
monocultura cafeeira, que predominava na sociedade brasileira, sob a ordem do
Estado oligárquico.
O controle das principais epidemias urbanas, como as de varíola, febres
amarela e tifóide, entre outras, eliminou uma série de constrangimentos impostos
pelo quadro sanitário ao desenvolvimento dos principais centros exportadores,
comerciais e em processo incipiente de industrialização (CAMPOS, 1994).
A partir da década de 1930, apesar do acelerado processo de
industrialização, verifica-se uma perda significativa de importância da saúde coletiva
dentro do conjunto das políticas sociais do Estado brasileiro, e observa-se a
constituição de uma política nacional de saúde restrita, ou seja, limitada no tocante à
cobertura e aos aspectos técnicos e financeiros.
De acordo com Campos (1994), no “pós-trinta”, a saúde pública deixou
progressivamente de realizar ações coletivas, características do movimento
sanitário, passando a desempenhar assistência médica individual:
De fato, através do crescimento concomitante dos institutos de Previdência Social, cuidou-se de garantir acesso à assistência médica à maioria dos trabalhadores e suas famílias. (...) criou-se uma extensa rede de prestação de serviços de assistência médica
13 O marco da universalização do acesso à saúde está preconizado pela Constituição Federal de 1988, Art. 196 e constitui um dos princípios fundamentais do SUS (VIDAL, 2008).
34
individual, financiada através da própria arrecadação dos tributos previdenciários (CAMPOS, 1994, p.41).
O processo de industrialização tardia no Brasil acompanhou uma acelerada
urbanização, e a utilização de imigrantes, especialmente, europeus – italianos,
portugueses – como mão-de-obra nas indústrias. Estes já tinham vivenciado a
experiência da mobilização e organização operária em seus países de origem, o que
influenciou fortemente a organização do operariado brasileiro.
O contexto de mobilização da classe trabalhadora, que começa a reivindicar
por direitos trabalhistas14, contexto este no qual o Estado mediatiza os conflitos
inerentes às relações capital/trabalho, através das políticas sociais15, torna a
questão social uma questão de política e não mais de polícia.
A intervenção estatal na área da seguridade social para assalariados urbanos
data de 1919, com o seguro de acidentes do trabalho, sendo criadas, na década de
1920, as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP)16.
A conquista dos direitos sociais – saúde e previdência – tem sido sempre
uma resultante do poder de luta, de organização e de reivindicação dos
trabalhadores e, nunca uma dádiva do Estado, como alguns governos querem fazer
parecer.
Os serviços de atenção médica individual e a assistência mutualista e
filantrópica foram substituídas pelas CAP que compravam serviços médicos do setor
privado sob a forma de credenciamento (COHN, 2006).
Ainda na década de 1930, as CAP foram substituídas pelos Institutos de
Aposentadoria e Pensões (IAP), pelos quais os trabalhadores urbanos se
organizavam por categoria profissional17. A natureza de seu financiamento era de
contribuição tripartite – empregadores, trabalhadores e Estado.
14 Cabe ressaltar as duas grandes greves gerais ocorridas no Brasil, uma em 1917 e outra em 1919 (ARAÚJO, 2004). 15 Em 24 de janeiro de 1923, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei Elói Chaves, marco inicial da Previdência Social no Brasil. Foram instituídas as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP) (ARAÚJO, 2004). 16 O decreto-lei n.º682/23 cria a primeira CAP, dos ferroviários, multiplicando-se rapidamente nos anos subseqüentes (COHN, 2006, p. 14). 17 O primeiro Instituto de Aposentadoria e Pensões foi o dos Marítimos (IAPM) em 1934; Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC) e Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB) em 1936; Instituto de Aposentadorias e
35
Na década de 1960, sob a vigência do Regime Militar, foi promulgada a Lei
3.80718, denominada Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), unificando o
regime geral da Previdência Social entre os trabalhadores sujeitos ao regime da
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), os empregados domésticos, os
servidores públicos e de autarquias, e os que tivessem regimes próprios de
previdência, excluídos os trabalhadores rurais19.
De acordo com Mendes (1993), a ampliação das diferentes modalidades
assistenciais não acompanhou o acesso quantitativo/qualitativo entre os setores
urbanos e rurais, consolidando a denominada “universalização excludente” das
políticas de saúde, pois
A inclusão dos vários setores sociais não foi acompanhada por investimentos no setor, mas, ao contrário, com racionamento de gastos, piorando a qualidade dos serviços, afastando do setor público a classe média da sociedade, que migrou para os planos de saúde privados (MENDES, 1993, p. 23).
Neste contexto, são definidas as competências das instituições públicas e
privadas a partir da divisão dos espaços institucionais que estavam se delineando20.
Em conseqüência, as ações de saúde pública (não-rentáveis) estavam reservadas
ao Estado, já as ações de atenção médica (rentáveis) para o setor privado,
intermediado pela Previdência Social, que, gradativamente, vai dando sinais de
esgotamento, devido à contraditória relação entre demanda e altos gastos.
Pensões dos Industriários (IAPI) e Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Estivadores e Transportadores de Cargas (IAPETEL) em 1938 (ARAÚJO, 2004). 18 A unificação vai se consolidar em 1967 com a implantação do Instituto Nacional de Previdência social (INPS), reunindo os seis Institutos de Aposentadorias e Pensões, o Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência (SAMDU) e a Superintendência dos Serviços de Reabilitação da Previdência Social (ARAÚJO, 2004). 19 Os trabalhadores rurais só viriam a ser incorporados ao sistema três anos mais tarde, quando foi promulgada a Lei 4.214 de 2/3/1973, que instituiu o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) (ARAÚJO, 2004). 20 O modelo assistencial privatista se caracterizou pela ampliação do complexo médico industrial, privilégios à iniciativa privada e ênfase a práticas curativas. Sua base jurídica, legal e institucional emergiu com a Lei do Sistema Nacional de saúde e do processo de especialização das organizações previdenciárias. Dentre estas, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Assim, mesclam-se atribuições privadas e estatais (MENDES, 1999).
36
A saúde tem a função de controle social e manutenção da força de trabalho.
Mas a capacidade de intervenção na saúde pública foi subordinada aos interesses
de acumulação de capital, sobretudo, no processo de desenvolvimento econômico
brasileiro.
Na década de 1970, emergiu o movimento sanitário21, o qual fazia uma crítica
ao sistema de saúde brasileiro, movimento este que defendia uma concepção
abrangente de saúde para além da ausência de doença, enfatizando o papel do
Estado na prestação desse serviço.
A VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada no ano de 1986, foi o marco
brasileiro de ampliação do conceito de saúde, pelo qual são determinantes do
processo de saúde/doença as condições de habitação, a educação, o lazer, o
transporte, o trabalho, o meio ambiente e as demais dimensões da vida humana.
A saúde, como direito de todos e dever do Estado, é uma conquista histórica,
fruto de mobilizações da organização de segmentos do setor saúde e dos setores
organizados da sociedade civil, legalmente reconhecida pela Constituição Federal
de 1988, integrante da seguridade social. A Constituição Federal de 1988 preconiza
no seu Art. 196 que
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”.
O contexto político de redemocratização – década de 1980, no qual entram
em pauta interesses de novos sujeitos sociais, politiza a discussão sobre os direitos
sociais. Então é retirado o debate da política de saúde da esfera biomédica,
fundamentando-a nas determinações sociais da doença.
A implantação do SUS ampliou a concepção de saúde a partir de novos
discursos e práticas profissionais voltados para a educação em saúde. A diretriz
constitucional preconiza a atenção integral à saúde e aponta para a concretização
21 Composto essencialmente por médicos, mas que, gradativamente, passou a ganhar adesão de outros trabalhadores de saúde e da sociedade civil (MENDES, 1993).
37
dos princípios da universalidade de acesso e equidade em relação aos direitos
sociais.
A partir da descentralização das ações e serviços, as intervenções
profissionais, em todos os níveis do sistema de saúde, devem estar em contínua
comunicação, ou seja, devem efetivar o canal de referência e contra-referência22,
para que possam ser atendidas as reais demandas de saúde da população.
O Quadro 01 mostra que alguns países, a partir de suas especificidades
históricas, sociais, políticas e econômicas, adotam um modelo de administração da
saúde pública, seja pautado na universalização, privatização e segmentação, de
acordo com a própria ideologia predominante.
PAÍS
FORMAS DE ADMINISTRAÇÃO DA SAÚDE
Estados Unidos
Modelo segmentado (público-para pobres (Medicaid); e para os idosos (Medicare) que cobre cerca de 1/4 da população do país; e o privado pelo qual os serviços são pagos diretamente ou indiretamente pelas empresas aos seus empregados.
Canadá
A universalidade é adotada para a maior parte dos serviços, mas os procedimentos mais específicos ficam por conta do sistema privado.
Suécia
Há limites para gastos individuais com médicos e consultas. Se o cidadão ultrapassar, o Estado paga. E as farmácias são parte do Estado, inibindo a fetichização das drogas.
França
96% da população têm cobertura do sistema público de saúde. Quem quiser consultar-se com um médico com honorários mais caros paga a diferença. E uma boa parte da população opta por pagar planos de saúde complementares.
Brasil
Adota o modelo universal de atendimento com a crescente privatização da saúde , por meio dos planos de saúde privados que dominaram as classes, alta e média e, atualmente, avançam sobre as camadas mais baixas da população.
Quadro 01. Formas da administração da saúde. Fonte: MONTEIRO; INDRIUNAS, 2007.
22 Instrumentos/mecanismos mínimos que garantem a articulação entre os serviços de saúde nos diferentes níveis e municípios/bairros, num processo dinâmico e flexível no alcance da eqüidade, controle da qualidade e da oportunidade dos procedimentos, principalmente aqueles de média e alta complexidades e custo (MENDES, 1993).
38
Todos esses sistemas recebem críticas; principalmente, com relação ao
desembolso de impostos que tais sistemas acarretam para a população em geral.
De qualquer modo, uma análise do desembolso dos governos com saúde mostra
que o Brasil ainda tem muito a fazer.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE/2007), as despesas das famílias com bens e serviços de saúde, entre 2005 e
2007, corresponderam, em média, a 4,8% do Produto Interno Bruto (PIB); e no
mesmo período, as despesas do governo federal foram de 3,4% do PIB; e das
instituições sem fins lucrativos a serviço das famílias, de 0,1% do PIB.
As principais despesas de consumo final das famílias foram com
medicamentos, consultas e exames, oferecidos principalmente em ambientes
ambulatoriais. Portanto, o ônus das despesas com saúde recai sobre a maioria da
população, que arca com maior carga tributária sobre o consumo. E ainda assim,
não dispõe de serviços de saúde de qualidade.
Dados do IBGE (2007) mostram que a saúde pública foi a principal despesa
de consumo final das administrações públicas, variando entre 2,6% a 2,9% do PIB.
O maior valor adicionado no total de atividades de saúde, no ano de 2007, é o de
saúde pública, com 32,5% do total; seguido pelo de outras atividades como atenção
à saúde, com 19,7%; e pelo de comércio de produtos farmacêuticos médicos,
ortopédicos e odontológicos com 12,8%.
O valor adicionado às atividades de saúde foi de R$ 119,0 bilhões, em 2006;
e de R$ 137,9 bilhões, em 2007, o que corresponde a um crescimento de 15,8%.
Mas essa variação no valor adicionado às atividades de um ano para o outro reflete
tanto os aumentos na quantidade/qualidade dos produtos (variações de volume), os
seus preços quanto ao aumento da procura pelos serviços de saúde, ocasionado
pela crescente pauperização das condições de vida dos sujeitos.
De acordo com o IBGE (2007), os países com um sistema universal de saúde
têm elevados índices de gastos públicos com saúde. Entretanto, no Brasil, o gasto
total com saúde é de 45%, como mostra o Quadro 02, a seguir.
39
Quadro 02. Percentual dos gastos públicos com saúde. Fonte: Organização Mundial da Saúde, 2006.
Apesar de o Brasil apresentar um modelo universal de atendimento, seus
gastos com saúde são insuficientes, devido à má distribuição dos recursos, à má
administração dos gastos, bem como à privatização da saúde por meio dos planos
privados de saúde.
O setor de saúde foi um dos pioneiros na luta para conquistar e garantir o
direito da população e designar o Estado como provedor do mesmo. Todavia, os
direitos sociais conquistados, inclusive, o direito à saúde, não chegaram de fato a
ser efetivados.
A partir da década de 1990, vivencia-se a negação de direitos na sua forma
mais visível, pela contenção dos gastos financeiros em políticas sociais por parte do
poder público, tornando o SUS um sistema desarticulado e não cooperativo, que
impossibilita e/ou dificulta o acesso do usuário às ações e serviços.
O SUS é caracterizado como ferramenta de fragmentação e burocratização
no tocante aos serviços oferecidos, bem como “cabide” de emprego manipulado por
determinados políticos que usam seus recursos financeiros para garantir seu “curral
eleitoral” por meio dos vínculos precarizados de trabalho. A agenda universalizante
proposta pelo SUS constitucional tem pouca chance de ser cumprida sob as
condições políticas, econômicas e institucionais que prevalecem no país.
PERCENTUAL DO GASTO PÚBLICO EM RELAÇÃO AO GASTO TOTAL EM SAÚDE
Países
Percentual
Cuba 86,8% Reino Unido 85,7% Suécia 85,2% Costa Rica 78,8% Alemanha 78,2% França 76,3% Itália 75,1% Espanha 71,3% Canadá 69,9% Portugal 69,7% Chile 48,8% Argentina 48,6% México 46,4% Brasil 45,3% Estados Unidos 44,6%
40
A partir de um panorama da política de saúde, na década de 1990, configura-
se o não reconhecimento dos direitos historicamente conquistados (BRAVO;
MATOS, 2001, p. 201) visualizando-se quatro momentos no setor saúde, elencados
a seguir.
O primeiro momento, do governo do presidente Fernando Collor, nos dois
primeiros anos da década de 1990, nele observa-se um boicote à implantação do
SUS, por meio das propostas de emendas constitucionais que propunham a
comercialização de sangue e hemoderivados; cortes nos gastos sociais; e
privatização das empreses estatais.
Neste contexto, acontece a IX Conferência Nacional de Saúde, dois anos
após o previsto, com o tema: “A municipalização é o caminho”. Nesta, é ratificado o
SUS como o modelo ideal, retomando certos aspectos da reforma sanitária; todavia
o impeachment do citado presidente atrasou as discussões sobre o avanço do SUS.
O segundo momento, refere-se ao governo de Itamar Franco, que
compreende as gestões dos ministros Jamil Haddad23, e Henrique Santillo24, nas
quais se visualiza um contexto de estagnação no setor saúde.
Neste período, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência
Social (INAMPS) foi extinto, enquanto uma proposta do movimento sanitário, em
concomitância ao movimento do Ministério da Previdência, separando as políticas
por pastas, ministérios, e políticas com orçamentos próprios. Neste período, foi
promulgada a NOB/93 que versa sobre a municipalização da saúde (incipiente,
parcial e semi-plena), avançando no processo de descentralização.
A partir do governo FHC, em 1995, com a implantação do projeto neoliberal,
observa-se o descaso para com a saúde pública. Trata-se do terceiro momento no
setor saúde, no qual o ministro Adib Jatene25 conseguiu a aprovação da
23 Ministro da saúde no governo do Presidente Itamar Franco. Assumiu a pasta em 08 de outubro de 1992, na qual permaneceu até setembro de 1993. É de sua autoria o decreto dos medicamentos genéricos (CARVALHO, 2001). 24 Ministro da saúde a partir de 19 de Agosto de 1993, deixando a pasta neste mesmo ano. Apoiava a política de descentralização. Propôs o Programa Saúde da Família, porém não contribuiu em termos de avanços para a saúde. Inclusive, porque os recursos e projetos tinham que passar pelo Ministério da Fazenda sob gestão de FHC neste momento, já lançava mão de seu pacote de cortes com os gastos públicos (CARVALHO, 2001). 25 Adib Domingos Jatene foi ministro da saúde de 01 de janeiro de 1995 a 07 de novembro de 1996. Destacou-se pelo empenho para a aprovação da CPMF no Congresso Nacional (CARVALHO, 2001).
41
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) para financiar a
saúde pública, sem discutir com a população sobre a criação deste tributo.
A CPMF passou a vigorar em 23 de janeiro de 1997, baseada na edição da
Lei nº 9.311 de 24 de outubro de 1996. Destinava-se ao custeio da saúde pública, da
Previdência Social e do fundo de combate e erradicação da pobreza. Inicialmente, o
Artigo 18 da referida Lei estipulava que a totalidade da arrecadação seria destinada
exclusivamente ao Fundo Nacional de Saúde (FNS). A partir de 1999, com a
Emenda Constitucional (EC) nº 21, a CPMF passou a destinar parte de seus
recursos à Previdência Social e à erradicação da pobreza, como mostra o Gráfico
01, que segue.
Gráfico 01. Evolução do destino da CPMF por setor. Fonte: WIKIPEDIA, 2009.
A Previdência Social e a erradicação da pobreza recebiam 26% e 21% da
arrecadação, respectivamente. Assim, era questionada a real destinação destes
recursos, tendo em vista a situação precária em que se encontravam os hospitais
públicos e o atendimento aos pacientes, bem como a transferência dos seus
recursos ao financiamento de programas sociais como Bolsa Família.
42
A carga tributária brasileira é altíssima, e recai sobre os mais pobres, a classe
trabalhadora, já que contribuem proporcionalmente sobre o consumo de bens não-
duráveis – alimentação, vestimentas, medicamentos, entre outros.
A CPMF perdeu seu caráter transitório, perdurando por onze anos. Em 13 de
dezembro de 2007, o Senado Federal rejeitou a proposta de prorrogação até 2011,
por 45 votos a favor e 34 contra, sem abstenções, bem como as ofertas do governo
federal de modificações do tributo. Dentre estas, era proposta a redução da alíquota,
do período e do destino. A última proposta do Planalto Central era de renová-la com
uma alíquota de 0,25%, e somente até 2010, com destino integral à saúde pública.
A atmosfera de ceticismo em relação à construção de um sistema de saúde efetivamente universal e a visão de um SUS restrito aos serviços públicos contaminam até o discurso do próprio Presidente Lula. Ao dizer que os senadores votaram contra a CPMF porque não são usuários do SUS, o Presidente, ainda que indiretamente reafirma a segmentação. E parecia desconhecer que os Senadores possuem um esquema assistencial prodigamente financiado por recursos públicos (BAHIA, 2009, p. 14).
O destino final da maior parcela dos recursos destinados à assistência
médico-hospitalar é o estabelecimento privado ou particular de saúde. Assim, os
recursos públicos e gastos sociais administrados por empresas privadas, e utilizados
para a compra de serviços privados reiteram, ainda que sob novas roupagens, o
padrão de intervenção estatal incentivado pelo Regime Militar, qual seja, a
assistência médica previdenciária que só cobre “os que podem pagar”.
Nesse terceiro momento do setor saúde, ressalta-se a realização da X
Conferência Nacional de Saúde, em 1996, sob o tema “Construindo um modelo de
atenção à saúde para qualidade de vida”. Na ocasião, foi explicitada a inócua
mobilização em torno da política de saúde, devido à incipiente participação do
Ministro da Saúde, Adib Jatene, e demais representantes do poder público.
Nas gestões dos ministros José Carlos Seixas26, Carlos César Albuquerque27
e José Serra28 é apresentada oficialmente uma proposta contrária ao SUS. Trata-se
26 Gestão de 06 de novembro a 13 de dezembro de 1996 (CARVALHO, 2001).
43
do quarto momento do setor saúde, no qual o setor é adaptado aos ditames da
equipe econômica, pela ênfase à reestruturação hospitalar e ambulatorial; pela
regulamentação dos planos privados de saúde; e pela normatização dos
medicamentos. Caracteriza-se, pois, como uma estratégia de “contra-reforma”.
A “contra-reforma” do Estado no setor saúde atinge a assistência ambulatorial
e hospitalar, consideradas fundamentais e de maior custo do SUS, foram propostas
quatro ações: descentralização das atribuições e poder de decisão entre as três
esferas do governo, mantendo-se os estágios – centralizado, descentralização
incipiente, parcial e semi-pleno –; montagem de um sistema integrado e
hierarquizado, composto pelos sub-sistemas de entrada e controle – postos de
saúde e Programas Saúde da Família (PSF) – responsáveis pela integralidade das
ações; e rede ambulatorial e hospitalar para o atendimento aos casos de maior
complexidade e especialização, através de Autorizações de Internação Hospitalar
(AIH), distribuídas pelo número de habitantes; bem como a montagem de um
sistema (rede) de informações, através do Departamento de Informática do Sistema
Único de Saúde (DATASUS) para avaliar a qualidade dos serviços, gerar
indicadores para a vigilância epidemiológica e medir os resultados obtidos.
Neste contexto, observa-se o surgimento de diversas normatizações
privatizantes – emendas constitucionais e normas operacionais, como a NOB/ 96,
que regulamenta os planos e seguros de saúde, os preços dos medicamentos e o
estabelecimento dos genéricos. Em termos gerais, a partir do discurso neoliberal do
controle social, é priorizada a atenção básica sem o devido suporte técnico e
financeiro, desarticulando-a das atenções secundárias e terciárias, incentivando a
fetichização das drogas.
Por conseguinte, o quadro sanitário brasileiro no século XX reflete a situação
das profundas desigualdades sociais existentes no país: aumento da expectativa de
vida e diminuição da incidência de doenças infecto-parasitárias. No entanto,
aumentam as doenças cardiovasculares, acidentes de trabalho, incidência de
27 Ministro da saúde de 13 de dezembro de 1997 a 31 de março de 1997. Lançou o Piso Assistencial Básico (PAB) que previa o fim da tabela única de preços e do pagamento por produção (CARVALHO, 2001). 28 Ministro da Saúde, de 31 de março de 1998 a 20 de fevereiro de 2002. Deixou a pasta para candidatar-se à Presidência da República, sendo substituído pelo secretário-executivo, Barjas Negri. A criação de um endereço eletrônico para os hospitais públicos divulgarem os preços dos remédios e a regulamentação dos planos e seguros de saúde foram suas principais ações (CARVALHO, 2001).
44
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), câncer, endemias, inclusive da
fome e mortalidades infantil e materna.
Soma-se a esse quadro a não-efetivação do direito à saúde tal como
preconizado na Constituição Federal brasileira de 1988, como “direito de todos e
dever do Estado”, devido à existência de filas imensas, hospitais super lotados, falta
de leitos, dificuldade de acesso aos serviços, não-garantia de realização de exames
complementares e de medicação para tratamento (MACHADO, 2007).
Portanto, ao tratar da política de saúde, deve-se analisá-la em concomitância
ao movimento do sistema capitalista, no enfrentamento de suas constantes crises,
segundo as respostas estatais às mesmas e a capacidade de mobilização da classe
trabalhadora, na luta por direitos.
Neste sentido, cabe discutir de que direitos e a quais cidadãos está-se
referindo neste estudo, visto que a origem do direito se relaciona à preservação da
vida humana. Ou seja, diz respeito às formas de regulação dos conflitos sociais e
trata-se de um processo histórico decorrente das contradições inerentes à própria
constituição da sociedade capitalista.
A agenda dos direitos se encontra ancorada nos princípios da defesa da
igualdade, liberdade e fraternidade, sob a hegemonia do liberalismo, na conquista
das liberdades políticas com à Revolução Francesa, que objetivou pôr limites ao
absolutismo, em proteção ao direito à vida, à privacidade, à propriedade privada e à
representação dos interesses sociais frente ao Estado (revolução burguesa).
Segundo Santos (2007, p. 26), explicita-se a institucionalização sócio-jurídica
das relações entre os sujeitos e seu sistema de propriedade, sobretudo na
sociedade burguesa, na qual o direito torna igual todos os agentes da produção.
Para tanto, dispõe de um arcabouço ideológico necessário ao desenvolvimento das
relações de produção, sob o domínio do capital. Segundo Marx (2001, p. 56), é
nesse solo contraditório que “[...] as leis, a moral, a religião são [...] meros
preconceitos burgueses, por detrás dos quais se ocultam outros tantos interesses
burgueses”.
O tratamento de igualdade entre os desiguais tem a função ideológica de
naturalizar; e, por vezes, suprimir a exploração de classes na sociedade burguesa.
Esta aparente igualdade impede que as classes subalternizadas apreendam o
45
processo de produção e reprodução da sociedade, e construam sua identidade de
classe. De acordo com Santos (2007, p. 26),
O direito é um complexo social parcial próprio da sociedade de classe e, assim, somente é possível compreender sua origem, função social e dimensão contraditória, se partirmos do conhecimento e análise da formação social, ou seja, do modo em que, numa dada sociedade, as relações sociais estão estruturadas, observando aí, o movimento das classes sociais para revelar e ocultar formas de dominação a um só tempo econômicas e ideológicas.
A discussão dos direito, posta nestes termos, coloca a necessidade dos
seguintes questionamentos: como efetivar direitos originários da lógica liberal-
burguesa, que tem a função de manter a ordem do capital pela aparente igualdade
jurídica? não se trata de compactuar com a ilusão de que todos são iguais
juridicamente? não implica camuflar o antagonismo de classes, que é intrínseco ao
modo capitalista de produção?
Tais questões são pertinentes para o desvendamento das contradições da
sociabilidade capitalista, que por meio da moral burguesa, mercantiliza as relações
humanas e sociais, incentiva o consumismo e a fetichização das imagens por meio
de jornais, revistas, propagandas, filmes e comerciais, desmaterializa a vida real-
pública a partir do individualismo, do espaço privado enquanto modo de vida.
O individualismo nega ao outro o direito de existir como tal: sujeito de direitos.
A negação é explícita pelas formas de intolerância que têm a finalidade de
desumanizar o trato com as tensões sociais, e desarticular a perspectiva de classe
dos trabalhadores. Como exemplos, citam-se os casos noticiados pela mídia sobre
racismo, xenofobia, homofobia, violências físicas, psicológicas e assédios morais.
Este é um dos grandes desafios para o projeto ético-político dos assistentes
sociais, qual seja analisar os direitos numa perspectiva de totalidade (Santos, 2007),
desmistificando as velhas formas de pensar burguesa que se apresentam com
novas roupagens – neoconservadoras.
Em outros termos, significa pensar a função social dos direitos nesta
sociedade, determinando o tipo de possibilidades, seja de dependência seja
autonomia frente à totalidade da vida social. Cabe apreender historicamente o
46
caráter contraditório da luta de classes, a partir de uma visão de mundo crítica à
ordem estabelecida e às possibilidades postas pela dimensão política de suas lutas,
o que pode diminuir o nível de opressão e exploração imposta à classe trabalhadora.
Compartilha-se com Santos (2007) que é, no contexto contraditório, na
riqueza e dinâmica da totalidade social, do real, que se encontram as possibilidades
de superação da sociabilidade do capital.
O direito à saúde se insere no bojo de interesses contraditórios que se
confrontam e se excluem. E o reconhecimento das pessoas enquanto sujeitos de
direitos não se dá de forma aleatória, mas é historicamente determinado pela
organização social capitalista, que o antecede e o apropria. Isso porque, nessa
formação social, conforme explicita Marx (2001, p. 48),
Todas as relações fixas e cristalizadas, [...] são dissolvidas e as novas envelhecem antes mesmo de se consolidarem. Tudo que é sólido e estável se volatiliza, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados a encarar com sobriedade e sem ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas.
Há um processo contraditório de resistência e de luta que, paulatinamente,
ganha visibilidade na história das sociedades, tendo na classe trabalhadora, os
principais sujeitos de mudança. Por meio deste processo, novas relações sociais
são construídas entre os aparelhos privados de hegemonia, e destes com o Estado;
mudanças que se tornam visíveis por meio das leis e das políticas públicas delas
decorrentes.
O Estado moderno – capitalista – não é só entidade política particular atrelada
aos interesses do capital, é um espaço contraditório de interesses divergentes, que
pelas suas contradições, permite a ampliação do espaço público dos grupos sociais
sulbaternizados.
Essa ampliação é fruto das mobilizações e pressões da sociedade civil, que
segundo Costilla (2004, p. 125),
Com efeito, na visão de Gramsci, a sociedade civil é uma arena privilegiada da luta de classe, uma esfera do ser social onde se dá uma intensa luta pela hegemonia; e, precisamente por isso, ela não é
47
o ‘outro’ do Estado, mas - juntamente com a ‘sociedade política’ ou o ‘Estado-coerção’ – um dos seus inelimináveis momentos constitutivos.
A partir da concepção de Estado ampliado, a sociedade civil é constituída
pelas hegemonias da burguesia e do proletariado, ambas antagônicas, que buscam
espaços abertos para consolidação de um direcionamento ideológico na sociedade
capitalista.
Em tempos neoliberais, configura-se um novo perfil político-organizativo da
classe trabalhadora, marcado pela submissão, passividade e perda de uma
consciência crítica, com o refluxo do movimento sindical e a fragilização das
organizações coletivas de um modo geral.
Concorda-se com (RAMOS; SANTOS, 2008) que essa postura defensiva é
conseqüência dos efeitos perversos do atual modo de organização do mercado de
trabalho capitalista, que é, caracteristicamente, flexível e volátil, pois, ao passo que
destitui os espaços sócio-ocupacionais, também amplia a competitividade entre as
forças de trabalho disponíveis, pela da inserção precária, pelo não-trabalho e pela
falta de renda.
Por tudo isto, torna-se prioritário denunciar as bases do sistema capitalista e
suas conseqüentes implicações no meio ambiente, no mundo do trabalho e na
crescente desigualdade social. Priorizar a defesa dos direitos sociais significa pensar
nesta sociabilidade, que tem como ato fundante o trabalho e o antagonismo de
classes, “exploração do homem pelo homem”, para além do capital, visto que a luta
pelo fim da exploração do trabalho pelo capital não é breve e isolada; mas é,
sobretudo, uma luta longa, de milhares de trabalhadores organizados em todas as
épocas.
2.2. A Organização do trabalho em saúde
O processo de trabalho na saúde se baseia em uma relação entre sujeitos
com diferentes idéias, valores e concepções acerca de saúde e na forma de como
este trabalho deve ser desenvolvido. Portanto, o trabalho é inseparável do
48
conhecimento, idéias e concepções de mundo, isto é, das formas de pensar a vida
real (IAMAMOTO, 2007).
Nesse contexto, há um conjunto de intencionalidades de ações, que disputam
no sentido mais geral do trabalho. Assim, as organizações de saúde têm duas faces:
a das normas e papéis institucionais e a das práticas privadas de cada trabalhador
(MERHY, 2007).
O processo de organização do trabalho na saúde é modelado pela
acumulação de capital, subordinando-se às finalidades, condições, meios e formas
materiais e sociais que, aparentemente, são estranhas aos trabalhadores, pois a
realidade das coisas não se apresenta imediatamente ao homem tal qual elas são.
Neste sentido, a centralização dos processos políticos/decisórios e a
fragmentação do trabalho persistem nos processos de trabalho em saúde, levando
os profissionais à alienação e à desresponsabilização em relação aos resultados
finais.
O processo de trabalho pressupõe uma atividade com objetivo, objeto,
instrumentos e força de trabalho capacidade de os seres humanos operarem os
modos de produção que, é a mais importante das forças produtivas, pois diz respeito
ao acúmulo ao longo de gerações, meio pelo qual os seres humanos aperfeiçoam e
inventam instrumentos de trabalho, adquirindo habilidades e conhecimento (NETTO,
2007).
Segundo Marx (1989), é através da ação na matéria práxis que o ser humano
cria uma nova realidade, humanizada, cuja forma privilegiada é o trabalho. No
entanto, o reconhecimento de sua condição criativa e auto-produtora depende das
condições sócio-históricas segundo as quais se realiza que se encontram
respaldadas pelas relações de produção, pelos interesses de classe, pelas relações
de poder ligadas ao domínio dos meios de produção e pela maneira segundo a qual
se adquire seus meios de subsistência.
Na sociedade capitalista, a relação entre os seres humanos e as suas
criações aparece invertida. Trata-se da alienação29 que é própria deste modo de
29 Entendida como a relação contraditória do trabalhador com o produto de seu trabalho e a relação do trabalhador no ato de produção, um processo de objetivação, tornando o ser humano estranho a si mesmo, aos outros seres humanos e ao ambiente em que vive (MARX, 2002, p. 122).
49
produção, no qual prevalecem a divisão social do trabalho e a propriedade privada
dos meios de produção.
A marca fundamental da sociabilidade do capital é a contradição, pois os
antagonismos que permeiam as relações sociais explicitam o desenvolvimento das
forças produtivas, e ao mesmo tempo, o aumento da pauperização e da
desigualdade social.
Na medida em que se desenvolve a capacidade produtiva da sociedade,
evidencia-se a divisão social e técnica do trabalho. E inserir-se nesta implica
participar do processo de organização ou desorganização específico das
necessidades da produção e das condições sociais dadas.
De acordo com Organista (2006), a valorização do trabalho passou por um
processo de longa duração e, revestiu-se com status de direito e dever30 somente a
partir do advento da sociedade industrial.
A expropriação dos instrumentos de trabalho e dos meios de produção dos
trabalhadores, bem como o desenvolvimento da relação assalariada imprimiu novo
sentido ao trabalho: “De uma atividade que fazia parte da vida, o trabalho tornou-se
o meio de ganhar a vida”.
O que se verifica na sociedade atual é que o capital trouxe velhas formas de
produzir com nova roupagem visto que, não estar vinculado ao núcleo central do
capital – esfera da produção –, não implica o fim da importância do trabalho na vida
dos sujeitos. Ademais, trata-se de uma assimilação equivocada entre emprego e
trabalho, que fez com que alguns autores preconizassem o fim da sociedade do
trabalho31 (ORGANISTA, 2006, p. 170).
O vínculo empregatício formal ainda impõe um forte valor sócio-moral, por
meio do qual as pessoas se identificam enquanto sujeitos de direitos, e moralmente
aceitáveis32. Todavia não é o único, nem tão pouco o predominante, visivelmente
30 No Brasil, jamais se consolidou uma sociedade salarial ou um instrumento eficaz e eficiente de amparo e proteção ao trabalhador; e o pouco que foi construído tem sido fragmentado e flexibilizado (ORGANISTA, 2006). 31 Organista (2006) cita os seguintes autores: Gorz (2003), Offe (1987), Habermas (2002), Kurtz (1992). 32 Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, no Brasil, era obrigatória a apresentação da Carteira de Trabalho assinada, principalmente, em blitz policial, para diferenciar trabalhador de vagabundo. Porém, no próprio contexto histórico, o trabalho formal vai dando lugar ao informal, a Carteira deixa de ser usada para essa diferenciação (ORGANISTA, 2006, p. 23).
50
posto pelo aumento do desemprego estrutural e das formas precarizadas de
ocupações. Isto porque
Os trabalhadores que não conseguem inserir-se no mercado formal de trabalho tendem a recorrer às ocupações informais de forma a obter algum tipo de renda que possa viabilizar o nível mínimo de consumo para suprir suas necessidades (LIRA, 2002, p.145).
Face ao exposto, para entender as conseqüências das transformações na
composição do trabalho no Brasil, considera-se as peculiaridades de sua formação
sócio-histórica e econômica33 baseada no favoritismo, no clientelismo e na
dependência externa econômico-tecnológica aos países centrais do mundo, bem
como o papel do Estado34 na recomposição do capital.
O Estado atua como gestor das medidas anti-crise, sob a direção do capital,
atrelado aos interesses da burguesia, ora reprimindo duramente os trabalhadores,
ora regulamentando as relações de produção.
O cenário contraditório de luta de classes é inerente à história do nascimento,
consolidação e crise da sociedade capitalista, cujo papel do Estado é embebido pela
mediação das relações sociais; ou seja, segundo as correlações de forças da
sociedade civil (FALEIROS, 1985, p. 47).
Neste sentido, visualiza-se o papel estratégico das políticas sociais, visto que
ao Estado implica uma relativa autonomia na gestão das contradições inerentes ao
processo de produção e às relações de classe, seja pela repressão, recuperação,
integração ou controle da classe subalternizada, movimento que só pode ser
entendido uma vez situado na sua relação com o processo de acumulação de
capital.
33 Características de subordinação e dependência, somadas à industrialização tardia, que não chegou a consolidar de forma sistemática uma sociedade salarial. O pouco que foi construído tem sido fragmentado e flexibilizado, combinando as condições de trabalho entre formais e informais (ORGANISTA, 2006). 34 Originariamente atrelado aos interesses das elites, prevalecem as relações de favoritismo, clientelismo e escravidão, pois as regulamentações sociais e do trabalho estatais estão perpassadas de forte ambigüidade, “entre um liberalismo formal como fundamento e o patrimonialismo como prática no sentido da garantia dos privilégios das classes dominantes” (BOSCHETTI, 2007, p. 75).
51
É oportuno ressaltar que a marca central da sociabilidade capitalista é a
contradição, que na atual conjuntura é marcada, sobretudo, pela acumulação
capitalista e sua estrutura deficiente de distribuição de renda. Assim, observa-se
uma crescente taxa de informalidade, desemprego e degradação do meio ambiente,
somados à manutenção de uma estrutura social desigual, herdada secularmente, na
qual uma minoria privilegiada detém a maioria da riqueza socialmente produzida.
De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) 35,
a origem da pobreza do Brasil não está na falta de recursos, mas na má distribuição
dos recursos existentes. A renda média dos mais ricos no Brasil é vinte e oito vezes
maior do que a renda média dos mais pobres. Nos Estados Unidos da América
(EUA), por exemplo, a proporção é de cinco vezes; na Argentina, de dez vezes; e na
Colômbia, de quinze vezes. Portanto, poucos detêm muito e muitos não detêm
quase nada.
O processo saúde-doença se identifica com o modo de organização da
sociedade. Trata-se de uma determinação permanente de um mesmo processo,
composto por fatores biológicos, econômicos, políticos, culturais e sociais.
Na sociabilidade do capital, verifica-se o aumento da demanda pelos serviços
de saúde, tanto no enfrentamento de doenças que já deveriam ser erradicadas,
como rubéola, hanseníase, dengue, malária, pneumonia, tuberculose, desnutrição,
meningite, quanto novas formas de contaminação pela resistência de agentes
biológicos (gripe aviária, gripe suína-A, ou Influenza H1N1), AIDS, Câncer; ou seja,
agravos que são eminentemente passíveis de prevenção, e tratáveis.
Acrescenta-se os atendimentos decorrentes das várias formas de violência
nos espaços urbano e rural; dos acidentes automobilísticos, em decorrência de
consumo de álcool; do uso de drogas ilícitas por adolescentes e adultos; dos
problemas psicossomáticos – depressão, síndrome do pânico – relacionados à atual
configuração das relações sociais pautadas na insegurança e competitividade; da
desregulamentação das relações de trabalho, por meio da flexibilidade nos contratos
(parciais, precarizados); na dispensa dos trabalhadores, da alta rotatividade
profissional, dos baixos salários, das formas de qualificação a favor do tecnicismo,
da cultura do consumismo e do efêmero; da banalização da violência, que expressa
novas formas de dominação social do capital.
35 Dados referentes ao ano de 2008.
52
No presente trabalho, são inúmeros os depoimentos que reforçam essa
afirmativa, principalmente, entre profissionais que atuam diretamente no âmbito
hospitalar, pois se deparam cotidianamente com situações de óbito, doenças
crônico-degenerativas, situações terminais, infecto-contagiosas, aborto, gravidez na
adolescência, dependência química, abandono de incapazes, várias formas de
violências – física e psicológica –, sendo muitas vezes atingidos em seu próprio
bem-estar físico e emocional:
Assim sendo, sua atividade permite-lhe objetivar-se, ao mesmo tempo em que lhe é estruturante, vez que esse processo polariza não apenas seu intelecto e suas energias físicas, mas o contempla em suas múltiplas dimensões possibilitando-lhe expressar-se e se circunscrever (NICOLAU, 2005, p.159).
Os assistentes sociais entrevistados36 nesta pesquisa relatam que os espaços
ocupacionais onde prestam os serviços configuram-se pela precarização das
condições de trabalho e por constante clima de tensão, que atinge seu bem-estar
físico e emocional e que, recorrentemente, têm crises hipertensivas, já apresentando
quadro depressivo e de síndrome do pânico.
[...] olha aqui essas cadeiras que agente batalhou muito porque dessa altura dava sérios problemas de coluna. Outra coisa aqui, esse arcondicionado, eu acho que ele está num local inadequado, desde o dia que eu cheguei aqui, há três anos, e tem mais, ele está espalhando poeira, nós estamos adoecendo porque você está vendo, aí no chão, ventilando junto com a poeira, então aqui agente vive gripando, estou com problema alérgico, é, com faringite, então as condições de trabalho agente não têm (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).
A desqualificação do atendimento e dos serviços de saúde se associa às
condições precárias de trabalho nos serviços públicos.
Nos serviços de saúde, evidenciam-se determinadas particularidades que os
diferenciam das demarcações tradicionalmente conhecidas nos setores industrial,
36 Para resguardar os profissionais, conforme acordado com os mesmos, são denominados
por letras para referenciar suas falas.
53
financeiro e comercial. Como parte do setor de serviços, trata-se de um trabalho da
esfera da produção não-material, que se completa no ato de sua realização. O setor
de serviços37, sobretudo, sociais,
Envolvem tanto uma relação interpessoal intensa, constituindo-se em um processo de ‘intersecção partilhada’, como a mudança transformação de uma determinada ‘situação ou condição’ (COSTA, 2006, p. 111).
Por conseguinte, configura-se uma relação de troca, pela qual o usuário não é
mero expectador nem consumidor, mas um sujeito ativo, que compartilha suas
informações, seguindo ordens e executando atos, objetivando o enfrentamento da
situação e/ou condição para que sua saúde seja mantida ou restabelecida, sem,
necessariamente, apreender o movimento e sentido daqueles atos.
No modelo assistencial do SUS, os serviços de saúde são organizados de
acordo com os níveis de atenção, que são os de básica, média e alta
complexidades. A atenção básica compõe unidades de promoção à saúde através
da prevenção de doenças e agravos, assistência e reabilitação junto à Unidade
Básica de Saúde (UBS) e Programa Saúde da Família (PSF), conhecidas como a
porta de entrada do sistema de saúde.
O nível secundário se caracteriza pelos atendimentos especializados e
procedimentos de média complexidade em centros de saúde, policlínicas e hospitais
de baixa complexidade.
Já o nível terciário se caracteriza pelos procedimentos de alta complexidade e
internações hospitalares nos hospitais de emergência, gerais e especializados.
O sistema se saúde está organizado de acordo com as necessidades de
prevenção, tratamento e reabilitação, conforme mostra a seguir, o Quadro 03.
37 Serviço é o efeito útil de um valor de uso, seja ele mercadoria ou trabalho (MARX,1989). Nesses termos, ainda que sob a égide da produção capitalista, o serviço exprime o valor de uso particular do trabalho útil como atividade e não “como objeto” (COSTA, 2006).
54
NÍVEIS DE ATENÇÃO DO SUS
PRÉ-PATOGÊNICO (Prevenção 1ª)
PATOGÊNICO (Prevenção 2ª)
PÓS-PATOGÊNICO (Prevenção 3ª)
Prevenir que a doença ocorra (saneamento, vacinas, educação).
Diagnóstico e tratamento; prevenir mais agravos durante a doença.
Reabilitar e reinserir a capacidade produtiva,
prevenindo que a doença reincida.
Quadro 03. Níveis de atenção do SUS. Fonte: Organização Mundial de saúde. Elaboração própria, 2010
Os níveis de atenção devem estar qualificados para atender e resolver as
principais demandas da população, referenciando-as entre si, de acordo com a
necessidade e o grau de complexidade. No entanto, observa-se um movimento
contrário, pois houve um aumento da demanda na rede básica sem a devida
ampliação das equipes e da capacidade operacional – equipamentos, material de
laboratório e profissionais qualificados –, resultando em problemas de manutenção,
bem como a desintegração entre as ações desenvolvidas nas UBS, PSF, pronto-
atendimentos, hospitais e centros clínicos (COSTA, 2000).
Segundo Vidal (2008), a falta de acesso às variadas portas de entrada do
Sistema de Saúde, seja para continuidade no tratamento ou retorno as consultas e
exames, implicam uma demanda reprimida38, enquanto uma expressão da questão
social, pois integra “[...] o conjunto das desigualdades sociais engendradas na
sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado”
(IAMAMOTO, 2001).
Por tudo isto, as pessoas acessam o sistema de saúde por onde é possível.
Pode-se dizer que os usuários buscam formas de enfrentamento para acessar o
sistema, já que não obtêm como deveria.
38 Refere-se à demanda explicitada pelos usuários, ou seja, a procura espontânea desses por uma ação ou serviço de saúde, o que não inclui as necessidades de saúde relacionadas á promoção da saúde e a prevenção de doenças, danos, agravos e riscos, quase nunca colocadas de forma explícita pelos mesmos (VIDAL, 2008, p. 134).
55
Observa-se uma sobrecarga nos demais níveis de atendimento, como por
exemplo, nos hospitais, pois no momento em que um usuário não tem o suporte da
rede básica, recorre aos locais onde o atendimento é aparentemente mais fácil.
Sobretudo após a deflagração aguda das doenças, verifica-se o aumento da
demanda por ações curativas e individuais, devido à baixa resolutividade do sistema
de saúde em referenciar o serviço de um nível para outro.
De acordo com a assistente social A, em decorrência do não-acesso às UBS
e PSF, o aumento da demanda dos usuários nas emergências hospitalares e
Pronto-Socorros repercute na própria organização do trabalho profissional, conforme
a afirmativa que segue:
Segundo as meninas mais antigas, elas disseram que faziam planejamento, que faziam palestras, mas aumentou muito o número de pessoas a serem atendidas porque como as unidades básicas não dão suporte, não têm médicos, então tudo é trazido para o hospital, aumentou a demanda em 30%, porque desde que eu cheguei aqui o atendimento não pára, é gente demais, principalmente na outra sala (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).
Seguindo o mesmo raciocínio, a assistente social A, relata que:
Primeira coisa, aí tem a secretária, quando ela não está aí agente faz o levantamento de todos os internos, aí vai checar se todos têm entrevista, se não tiver, aí vai ao leito e entrevista o paciente, pega o número do telefone e tudo (xerox dos documentos). Aqui agente não pára. É muito corrido, você viu, o tempo que estamos aqui já recebi duas ligações, já me chamaram à porta, estão me chamando lá (nas enfermarias), então é assim, agente não pára (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).
Os hospitais, além de não assegurarem o atendimento para todos que
procuram seus serviços, constituem-se em espaços de "quebra” da integralidade das
ações, pois se compromete a racionalização e a qualidade da atenção entre os
diversos níveis de complexidade – UBS, PSF e centros clínicos. Os usuários
56
retornam várias vezes ao serviço onde o atendimento é paliativo, sem a necessária
educação em saúde, o que evitaria a reincidência da maioria dos problemas.
De um modo geral, os profissionais das unidades hospitalares culpabilizam os
usuários por procurarem o hospital e não os postos de saúde, como se estes
tivessem escolha. Essa procura pelos hospitais resulta numa demanda ambulatorial
(ações de prevenção e promoção) que inviabiliza um serviço de qualidade das
emergências e urgências responsáveis pelo atendimento às intercorrências na
saúde.
A ação cotidiana dos assistentes sociais tem papel importante na construção
da integralidade das ações em saúde, porque possibilita concretizar a diretriz
constitucional que preconiza a atenção integral através de diferentes níveis de
complexidade: prevenção, promoção, tratamento, reabilitação e cura, articulando-os
ao conjunto das políticas sociais.
Neste estudo, a integralidade é entendida numa perspectiva de totalidade,
englobando tanto a abordagem do sujeito, como parte de um contexto social,
econômico, histórico e político, quanto a organização de práticas de saúde que
garantam o acesso aos diferentes níveis de complexidade. Para tanto, fundamenta-
se em dois pilares básicos: a interdisciplinaridade e a intersetorialidade.
A interdisciplinaridade permite um olhar ampliado das especificidades que se
conjugam no âmbito das profissões, por meio das equipes multiprofissionais,
integrando saberes e práticas voltadas para a construção de novas possibilidades de
pensar e agir em saúde. Pois,
Para se constituir, a perspectiva interdisciplinar não opera uma eliminação das diferenças: tanto quanto na vida em geral, reconhece as diferenças e as especificidades, convive com elas, sabendo, contudo que elas se reencontram e se complementam, contraditória e dialeticamente (SEVERINO, 2000, p. 20).
O tema da interdisciplinaridade suscita limites diante da hegemonia neoliberal
que se impõe à operacionalização de uma ação interdisciplinar caracterizada pela
troca de conhecimentos e do reconhecimento de um saber coletivo. A sociabilidade
do capital se estrutura de maneira que haja um superior que ordene e cobre
57
atitudes. Centraliza-se o poder de decisão e o controle da vida social, limitando o
protagonismo das pessoas enquanto sujeitos que pensam, discutem e opinam.
A intersetorialidade representa uma nova forma de gerir políticas públicas,
integrando conhecimentos e estruturas organizacionais, no enfrentamento de
problemas complexos, contribuindo para atender às necessidades de saúde da
população.
A concepção da intersetorialidade acompanha o discurso contemporâneo da
participação, flexibilização, integração e politização da gestão pública, a qual
introduz mudanças nos processos de trabalho (BRONZO; VEIGA, 2007). Portanto,
não está isenta de interesses antagônicos, tanto relacionados à garantia de direitos,
através da descentralização dos serviços, a partir de uma gestão multinível e
relacional quanto à cultura tecnocrática, pela qual a questão social é equacionada a
partir de uma lógica residual e setorial das políticas públicas.
A partir da década de 1990, com a implantação do SUS, as mudanças
tecnológicas, organizacionais e políticas apontam para novas formas de organização
do trabalho em saúde, determinada pela hierarquização, descentralização e
democratização do Sistema. Trata-se das modalidades de cooperação horizontal -
expansão dos subsistemas de saúde e vertical – divisão social, técnica e
institucional do trabalho.
Tais mudanças atendem ao próprio protocolo39 de funcionamento do sistema
de referência e contra-referência para a autorização e marcação de consultas,
internamentos e exames de média e alta complexidades, de forma unificada,
hierarquizada e, em parte, informatizada.
Todavia, verifica-se que tais mudanças não contemplam as reais
necessidades da população, constituindo-se em mecanismos de burocratização,
pelos quais é retardada a perspectiva de cura dos sujeitos, condição que favorece o
setor privado.
Diante de risco iminente de morte, em situação de dor e sofrimento, quem
pode, paga por exames, consultas, internamentos e ambulâncias equipadas para
situações de emergência em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) móveis. Já 39 Tais protocolos, nos casos de cirurgias, incluem a triagem obrigatória; realizada por um
auditor, para autorizar cirurgias eletivas e procedimentos que demandem internamento ou exames e procedimentos ambulatoriais de alta complexidade sendo necessário levar o paciente em pessoa, com potenciais riscos de vários retornos (viagens) para conseguir autorizar/acessar tais serviços (COSTA, 2000, p. 11).
58
aqueles que não podem pagar – a maioria da classe trabalhadora, padece, desiste
da solicitação de exames e/ou morre nas filas, enquanto aguardam atendimento nas
emergências hospitalares.
A negativa de assistência à saúde não é contabilizada em nenhum nível do
Sistema de Saúde; ou seja, o usuário que não é atendido, não existe para o Sistema
de Saúde (VIDAL, 2008, p. 142).
A demora no agendamento de uma consulta e na marcação de um exame
está demandando um novo serviço aos assistentes sociais inseridos nos hospitais
públicos: pesquisar preços e marcar consultas e exames em clínicas particulares.
Seja a pedido dos pacientes e familiares, seja da equipe de saúde, que conta com o
poder de convencimento destes profissionais, a fim de viabilizar o tratamento
iniciado.
A lógica perversa do capital impõe como alternativa a procura pela iniciativa
privada. E os constrangimentos daí decorrentes, pois o profissional está naquele
espaço para viabilizar um serviço público que não existe.
Observa-se a existência de dois sub-sistemas de saúde: o de entrada e
controle e o de referência ambulatorial e especializado. O primeiro presta serviços
básicos, não rentáveis, de responsabilidade do Estado, voltados aos que não podem
pagar. O segundo, de maior complexidade, direciona-se aos setores privados e/ou
programas focalizados que são excludentes e privilegiam o cidadão consumidor.
Aqueles sujeitos que, diante do sucateamento da rede pública, pagam mensalidades
em planos e seguros de saúde, porém nem sempre dispondo de serviços de
qualidade.
O conflito de interesses entre público e privado, no âmbito do SUS, dificulta a
integração das instituições na rede. Há uma supervalorização da iniciativa privada
enquanto solucionadora de todos os problemas. Conforme (BAHIA, 2006, p. 167),
Para uma parcela importante dos profissionais de saúde, o SUS significa apenas o conjunto de serviços de saúde destinado a atender os que não podem pagar. Não é por menos que esses mesmos servidores consideram imprescindível a cobertura dos planos privados de saúde. O mesmo fenômeno, examinado sob outro registro, evidencia que as demandas das entidades dos profissionais de saúde (especialmente médicas) por melhores condições de trabalho nos serviços públicos quase sempre são dissociadas das necessidades de saúde da população.
59
De acordo com a autora, há um pacto silencioso entre trabalhadores de
saúde, sanitaristas, sindicatos, partidos políticos e Estado, que defende o projeto
privatista. Os movimentos sociais que defendiam a reforma sanitária, o SUS e a
saúde como direito universal, foram cooptados pelos interesses do empresariado da
saúde. A defesa do SUS constitucional torna-se uma tarefa de militantes,
determinados sanitaristas e participantes de conselhos de saúde.
É no contexto de negação de direitos que se inserem os assistentes sociais,
integrando o processo coletivo do trabalho em saúde, numa perspectiva de garantir
o direito a ter direitos, seja no tocante ao acesso aos bens e serviços, seja no
atendimento das necessidades de saúde da população, que não se reduz à atenção
médica – paradigma predominante no setor – e sim, à construção de uma
consciência sanitária que considera as dimensões política, econômica e social que
integram a totalidade da vida dos sujeitos.
O processo de descentralização na saúde amplia a inserção dos assistentes
sociais em diferentes espaços organizativos, exigindo destes, a formalização das
ações e decisões. Em outros termos, a racionalidade do trabalho profissional. O
planejamento das ações é um instrumento de trabalho importante, do qual dispõem
os assistentes sociais para direcionar politicamente o trabalho profissional.
A partir desta pesquisa, evidencia-se que parte dos assistentes sociais
inserida no âmbito hospitalar não sistematiza suas ações cotidianas, seja pela alta
rotatividade dos usuários, seja pelo reduzido número de profissionais, que não
contempla o quadro, e prejudica a continuidade das ações ou ainda pelo trabalho no
espaço do plantão, que se reduz as ações isoladas para resolver “problemas” dos
usuários. Observa-se no Gráfico 02, a seguir:
60
Não planeja
Planeja
Gráfico 02: Planejamento das ações profissionais. Fonte: Pesquisa de campo, 2009.
Entende-se por sistematização do trabalho o processo de organização
teórico-metodológico e técnico-instrumental da ação profissional. A ação planejada
possibilita a contínua reflexão da prática e do real, na construção de um processo de
mudança, considerando-se a diversidade de sujeitos envolvidos no processo de
transformação.
O planejamento é um instrumento de trabalho que pode contribuir para a
compreensão da realidade, a partir da definição de metas e dos recursos –
financeiros, humanos, estruturais e políticos – disponíveis para o alcance de
determinados objetivos pelos quais os assistentes sociais pretendem modificar o
real, para a incorporação de novas situações, tornando o processo dinâmico e
flexível.
O Planejamento Estratégico Situacional (PES)40 foi o método de planejamento
mais difundido pelo movimento sanitário brasileiro (na década de 1980), sua ênfase
nos núcleos de planejamento e gestão da saúde se relacionou, inicialmente, à área
técnica, a organização dos sistemas e serviços de saúde; e ultimamente, como uma
ferramenta estratégica (MATUS, 1997).
Torna-se necessário rever os conhecimentos produzidos a partir da
elaboração de indicadores que avaliam os impactos das mudanças nas relações e 40 O Planejamento Estratégico Situacional (PES), de Carlos Matus, economista chileno, utiliza o planejamento a serviço da libertação dos homens, fazendo com que, no curso dos acontecimentos, os homens, de conduzidos, transformem-se em condutores (MATUS, 1997).
61
estruturas organizacionais, nas ações profissionais, nos serviços oferecidos e nos
indicadores de saúde da população.
Assim sendo, considera-se a sistematização das ações – planejamento,
registro, avaliação e divulgação – por meio da elaboração de planos de trabalho e
projetos democráticos pautados por negociações em diferentes níveis e sujeitos,
imprescindíveis para diminuir o nível de conflitos nos espaços ocupacionais.
Nos processos de trabalho em saúde, observa-se um acúmulo de novas
tecnologias e variedade de serviços e uma fragmentariedade na sua prestação e
consumo; ou seja, uma organização parcelar, que aliena o trabalhador do próprio
objeto de trabalho, pois não há interação com o produto final da sua atividade
laboral.
A concepção fragmentada/parcializada do pensamento positivista advindo da
Idade Moderna, século XIX, marcada pelo avanço tecnológico, científico e
econômico, é transportada das ciências exatas para as ciências humanas, e destas
para as ciências da saúde (LAVILLE; DIONE, 1999).
As bases teóricas do positivismo são retomadas nos dias atuais pelos
neoliberais e pós-modernos que priorizam a construção do saber
técnico/especializado voltado para o mercado, em detrimento do trabalho coletivo, o
que torna necessária a constante reflexão acerca do saber, do conhecimento, da
ciência e das relações de poder nesta sociabilidade.
Concorda-se que a concretização da interdisciplinaridade pode contribuir para
a efetivação de um espaço democrático nas relações de trabalho, a partir de
debates e construções coletivas que rearticulem discursos e práticas profissionais,
bem como o incentivo à co-participação dos usuários nos órgãos de gestão
colegiada do SUS. Mas esta ainda está incipiente, conforme aponta Severino (2000,
p. 82):
A interdisciplinaridade é uma relação de reciprocidade, de mutualidade, que pressupõe uma atitude diferente a ser assumida frente ao problema de conhecimento, isto é, substituir a concepção fragmentária pela unitária.
62
A discussão acerca da interdisciplinaridade apresenta diversas abordagens.
Trata-se de uma histórica preocupação humana com a unidade do saber. Surge
como uma crítica à educação fragmentada, proporcionando uma reflexão sobre o
ensino, apoiada nos movimentos da ciência e da pesquisa. A perspectiva adotada
neste estudo entende a prática interdisciplinar intrínseca à concepção de totalidade,
porque
Exige uma inter-relação e cooperação entre os conhecimentos adquiridos, habilidades e competências, isto é, o fazer profissional baseado na reciprocidade, solidariedade e interdependência disciplinar (TEIXEIRA; NUNES, 2006, p. 122).
A natureza coletiva do processo de trabalho em saúde é perpassada por
determinantes históricos, econômicos, culturais e políticos, como elementos
constitutivos da totalidade. Na sociabilidade capitalista, o processo de trabalho em
saúde tem como principais características: a fragmentação das ações profissionais;
a imobilidade dos profissionais; a desarticulação entre as linhas de intervenção e
dos sistemas de informação; e a burocratização. Há o predomínio do modelo
assistencial centrado no ato médico, que decide sobre o diagnóstico; exames
complementares; terapêutica; uso ou não dos vários equipamentos de ponta; bem
como delega partes do trabalho assistencial a outros profissionais de saúde:
A assistência é fragmentada, resultante de um trabalho parcelado e compartimentalizado, ao mesmo tempo que mantém algumas características do trabalho tipo artesanal” (MERHY, 2007, p. 24).
Os sujeitos – gestores, profissionais de saúde e usuários – não são os únicos
responsáveis pela desconstrução da prática interdisciplinar. O processo de trabalho
em saúde e as práticas de atendimento são perpassadas pelas condições materiais,
históricas, objetivas e subjetivas para sua concretização.
Como exemplo, observa-se que nas unidades de média e alta complexidades
– ambulatórios e hospitais, os profissionais de saúde só consideram os usuários
quando estes são atendidos pelos médicos, ou seja, suas demandas são atendidas
63
por ações de diagnóstico e tratamento de doenças. São ignoradas as demandas por
ações de promoção e prevenção de doenças, danos, agravos e riscos, as quais, na
maioria das vezes, estão implícitas nos lamentos dos usuários.
Assim, se não passarem pelo atendimento médico, os usuários perdem a
oportunidade de educação em saúde, pois sem o contato com os demais
profissionais – assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, entre
outros, os mesmos ficam sem o direito à informação.
Não se trata de responsabilizar determinada categoria médica pela má
organização do trabalho, pois assim reduze-se as restrições da saúde ao âmbito
individual. Porém, denuncia-se as bases que legitimam o modelo de organização e
atenção vigentes, com vistas a criar o novo, em condições adversas, reforçando a
cultura do trabalho coletivo.
Cabe registrar a polêmica da aprovação do Projeto de Lei (PL) do Ato
Médico41 pela Câmara Federal seguindo agora para o Senado. Trata-se de um
retrocesso conceitual na saúde pública brasileira, cuja perspectiva corporativista e
mercantilista propõe a manutenção do modelo médico-hospitalar, com enfoque na
doença, privilegiando o atendimento privado da medicina, excluindo o atendimento
público e universal.
A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2005), redefine o conceito de saúde
para além da ausência de doenças, relacionado ao completo bem-estar físico,
mental e social. Portanto, ao delegar aos médicos as habilidades e competências
das demais profissões da saúde, o PL 25/02 coloca em risco à saúde da população
e restringe a abordagem multidisciplinar na saúde, contrariando os princípios da
reforma sanitária e a própria concepção de saúde.
A fragmentação no atendimento nega ao usuário a possibilidade de interagir
enquanto sujeito, rompe-se com a concepção de protagonismo do mesmo, no
tocante à autonomia de decidir por sua própria “forma de caminhar”, com intenção
41 Projeto de Lei nº 25/02, proposto pelo Senador Geraldo Althoff (médico), que busca regulamentar Atos Médicos. O PL sofreu emenda do Senador Tião Viana (PT-AC) e também médico, criador da Lei nº 7703/06, que regulamenta o exercício da medicina no Brasil. A proposta do “Ato Médico/02” institui aos médicos a exclusividade de diagnóstico de doenças (quaisquer que sejam) e a prescrição terapêutica (tratamento), e assegura a hegemonia da coordenação de equipes de saúde. Pelo projeto original, deixando mais claro, torna-se privativo da medicina a “[...]coordenação, chefia direção técnica, perícia, auditoria, supervisão e ensino vinculadas, de forma imediata e direta, a procedimentos médicos” (CFM, 2009).
64
de alterar a situação de sofrimento vivenciada no âmbito das relações sociais, ao
remetê-lo para a participação em diferentes espaços organizativos (MIOTO, 2008).
O processo de trabalho em saúde é realizado por uma equipe
multiprofissional, composta de profissionais de diferentes áreas42, que apresentam
diferenças particulares intra/interinstitucionais.
A diversidade de sujeitos e saberes não é um entrave na prestação dos
serviços. Ao contrário, a articulação entre os diversos saberes é um pressuposto na
concretização da integralidade das ações: “É a visão da totalidade da organização
do trabalho que torna possível situar a contribuição de cada especialização do
trabalho no processo global” (IAMAMOTO, 2001, p. 108).
A articulação de saberes se dá num contexto de disputas de interesses
individuais e coletivos. Portanto, o corporativismo, a vaidade e a falta de tempo para
reunir as equipes, e o não – pensar de forma coletiva fazem com que a
fragmentação do trabalho em saúde seja uma característica permanente.
A postura de isolamento dos profissionais e a resistência ao trabalho coletivo
são intrínsecas ao projeto neoliberal e aos seus ideais neoconservadores, pelos
quais os sujeitos se fecham em seus “mundos”, em suas angústias e possibilidades
individuais. Trata-se do “cada um por si”, “o mundo é dos mais fortes e espertos”, a
apologia à moral burguesa, que desumaniza as relações sociais a partir da
competitividade, insegurança e ameaça do desemprego.
A força de trabalho na saúde apresenta distinções nos níveis de escolaridade,
de capacitação para o trabalho, de experiências profissionais – idades e tempos de
trabalho distintos –, de gênero, de inserção social, de vínculos empregatícios, de
carga horária contratada e efetivamente trabalhada, de diversas faixas salariais, da
condição de informalidade43 e da falta de um Plano de Cargos, Carreiras e salários
(PCCS).
Tais distinções são cruciais na prestação do serviço, segundo a forma como o
profissional se vê no Sistema de Saúde, quanto ao grau de comprometimento, da
qualidade – ou não – dos serviços prestados e da alteração – ou não – dos
indicadores de saúde.
42 Biomedicina, enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, nutrição, educação
física, psicologia, serviço social, odontologia, radiologia e terapia ocupacional (CNS,1997). 43 Refere-se neste estudo às formas precarizadas de inserção no mercado de trabalho e as desregulamentações de suas relações no tocante à legislação trabalhista (TAVARES, 2006).
65
A precarização dos vínculos, a informalidade das formas de recrutamento de pessoal, por vezes permeáveis ao nepotismo, e as nomeações políticas para os ocupantes de cargos técnicos nas instituições públicas tornam quase inexeqüíveis a dedicação e o compromisso dos servidores públicos com a implementação de um SUS universal (BAHIA, 2009).
As condições segundo as quais estes trabalhadores atuam são insatisfatórias,
sendo freqüente a falta de materiais e de vagas/leitos; danificação de equipamentos;
falta de medicamentos; e outras tantas insuficiências. Por conseguinte, usuários e
trabalhadores convivem em seu cotidiano com uma rede sucateada.
A organização do trabalho, em nível terciário, especificamente, em hospitais,
caracteriza-se pelo atendimento a internações clínicas e pelas emergências vinte e
quatro horas, bem como consultas ambulatoriais pré e pós-internação imediata, com
alta complexidade tecnológica.
O processo de trabalho em saúde é influenciado pelas inovações tecnológicas
e pela organização científica do trabalho, na esfera do modo de produção capitalista
(OLIVAR; VIDAL, 2007, p. 145), diferenciando-se das outras formas de produção
material e industrial, na medida em que produz serviços e tem a peculiaridade de ser
consumido no momento em que é produzido.
A inserção dos assistentes sociais neste contexto é decorrente das demandas
derivadas das manifestações da questão social, “matéria-prima” do trabalho
profissional, e das lacunas decorrentes das contradições presentes no processo de
racionalização/reorganização do SUS. Ou seja, as necessidades da população se
confrontam com o conteúdo e a forma de organização dos serviços.
O trabalho profissional dos assistentes sociais é tensionado pelas condições e
vínculos de trabalho impostos pelos empregadores que impõem um relativo limite ao
recorte do objeto da ação profissional e à apreensão das demandas e definição de
objetivos, condicionando, ainda, os resultados do trabalho.
A possibilidade de exploração ocorre pela diminuição do poder dos
trabalhadores em seus processos de trabalho, pela concentração do poder de
decisão dos proprietários e/ou diretores que exploram o trabalho autônomo
(SANTOS-FILHO, 2009, p. 14).
O serviço social subsidia a prática médica, categoria hegemônica no setor
saúde, devido ao predomínio do modelo médico-curativo, na medida em que os
66
assistentes sociais são considerados mediadores dos conflitos postos pelo mau
funcionamento do Sistema de Saúde, bem como facilitadores da comunicação entre
a equipe de saúde e os usuários.
Trata-se de assegurar que o usuário transite pelos diversos processos de
atendimento, segundo as normas estabelecidas, seguindo o fluxo pré-estabelecido
de relações entre os diversos níveis de cooperação horizontal e vertical, bem como
suprir as "lacunas" gestadas nas práticas dos demais profissionais, no interior do
processo de trabalho em saúde.
Ressalta-se que o serviço social não é uma política pública de Estado, que
executa apenas o cumprimento de normas, em detrimento das práticas educativas.
É uma profissão reconhecida socialmente, legitimada por um projeto profissional
consolidado, e expresso no Código de Ética (1993) e na Lei nº 8.662/93 que a
regulamenta possibilitando a competência teórica, política e técnica para fazer a
leitura crítica desta sociabilidade e propor alternativas de enfrentamento/superação.
Os assistentes sociais entrevistados relatam um clima constante de tensão,
pois são cobrados duplamente: pelos usuários e pelos colegas de trabalho, já que os
consideram solucionadores dos problemas referentes à prestação ou não do serviço.
Para a ordem burguesa, o conflito é algo positivo para o progresso social. A
partir deste conflito, justifica-se a defesa da tolerância e da diferença. A lógica liberal
entende a divisão do poder enquanto uma necessidade de limitá-lo com a criação de
outro poder. Trata-se de pôr fim ao absolutismo, abrindo campo de disputa; isto é, o
incentivo à competição, tão estimulada pelos neoliberais.
A existência de conflitos é inerente ao solo contraditório de interesses que
divergem nesta sociabilidade capitalista. Ademais, não se acredita numa sociedade
harmônica. Assim, as possibilidades de negociação estão dadas nesta mesma
sociabilidade na qual tudo se renova.
Conforme previu Netto (1996, p. 124), tais possibilidades serão configuradas
“[...] por tensões e conflitos na definição de papéis e atribuições com outras
categorias sócio-profissionais”. Portanto, as ações profissionais pressupõem uma
mudança de atitudes que respeite as diferenças e considere todo conhecimento
importante.
Percebe-se que parcela dos entrevistados reduz a existência de conflitos à
dimensão pessoal, que pode ser solucionada a partir do investimento em relações
67
humanas, obscurecendo as contradições do sistema capitalista e a própria função
social da profissão, no âmbito das políticas sociais e dentre estas, a saúde.
A questão posta nestes termos denuncia os limites dos assistentes sociais de
sistematizar criticamente suas ações, porque, ao priorizar questões pessoais e
materiais em detrimento da questão social, perdem a dimensão ético-política na
busca da universalização dos direitos.
Portanto, “[...] a prática profissional se caracteriza como conservadora, já que
o controle e o poder coercitivo sobre os usuários são estratégias utilizadas na
condução das ações cotidianas” (AMADOR, 2009, p. 130).
Neste estudo, ressalta-se questões relacionadas às condições – éticas e
técnicas de trabalho, pelas quais os assistentes sociais materializam suas ações
profissionais. Estas são perpassadas pela falta de comunicação da equipe de
trabalho entre si, e desta com os usuários; pelo desconhecimento das competências
e atribuições privativas destes profissionais nos espaços de trabalho; pela
desapropriação dos conhecimentos relativos à saúde dos usuários e seus
respectivos modos de vida.
Por tudo isto, observa-se uma perspectiva conservadora do trabalho
profissional no âmbito hospitalar, que reforça a lógica do capital pela mudança
comportamental, aliada a alterações no meio social. Os profissionais são vistos
como meros executores das atividades determinadas pelos gestores nas diversas
esferas governamentais, limitando-se ao cumprimento de tarefas e à realização de
ações pontuais, para cumprir seu papel institucional.
Os assistentes sociais são profissionais que centralizam e difundem
informações sobre os usuários, nas organizações empregadoras facilitando a
adesão dos mesmos às exigências normativas e definições programáticas
(IAMAMOTO, 2007).
O assistente social é participe, como trabalhador coletivo, de uma grande equipe de trabalho e, nesse sentido, sua inserção faz parte de um conjunto de especialidade que são postas em movimento simultaneamente para efetivar os objetivos das instituições empregadoras, sejam elas públicas ou privadas (p. 262).
68
Neste cenário, os assistentes sociais se apropriam da linguagem e do
conhecimento, “[...] tanto das razões que levam o usuário e/ou sua família a ter
determinado comportamento, quanto das razões técnicas básicas que levaram a
equipe de saúde a optar por uma determinada terapêutica” (COSTA, 2000, p. 53).
Percebe-se um caráter conservador nos relatos das entrevistadas, no sentido
de responsabilizar os sujeitos por seus estilos de vida – saudáveis ou não – ou seja,
por sua condição de saúde/doença. Trata-se da culpabilização dos sujeitos pela falta
de cuidados com os filhos ou idosos, pela falta de higiene, por serem pobres, ou por
não terem estudo – analfabetos.
A concepção de saúde adotada, em parte dos relatos, desconsidera as
condições de vida, a organização sócio-espacial, os aspectos econômicos e
culturais dos sujeitos, reproduzindo a concepção orgânica dos modos de adoecer,
contrários aos preceitos da Constituição Federal de 1988.
Os usuários dos serviços de saúde pública são, em sua maioria, pessoas de
baixo poder aquisitivo, com baixo ou nenhum grau de escolaridade, provenientes
das zonas rurais e das periferias urbanas, onde as condições sanitárias adequadas
inexistem e onde não há atendimento básico e preventivo de agravos à saúde.
A população usuária procura o atendimento hospitalar fragilizada, debilitada e
desinformada, e investe toda expectativa no saber técnico especializado dos
profissionais de saúde.
O caráter pessoal nas relações profissionais nos serviços de saúde identifica
o assistente social como um técnico em relações humanas por excelência
(IAMAMOTO, 2007). Enfatiza-se o caráter educativo do exercício profissional, que
incide diretamente sobre os valores, comportamentos e atitudes da população, bem
como a linguagem enquanto instrumento privilegiado de ação profissional.
A comunicação é o centro de todo relacionamento, seja pessoal seja
profissional. Pode ser considerada a arte do entender e do fazer-se entender. É no
processo verbal ou não-verbal, de transmitir informações entre as pessoas, que se
entende o que está sendo expresso. Portanto, não está limitada à fala, à linguagem
oral, mas também é possível por meio de gestos, símbolos e expressões, bem como
qualquer forma que contenha em si um significado inteligível-compreensível.
Nos serviços de saúde, a comunicação entre a equipe de trabalho e desta
com os usuários tende a enfrentar algumas barreiras devido à heterogeneidade de
69
pensamentos, dos sentimentos, das idéias e valores culturais, acirrando o contexto
de precariedade ao qual estão submetidos e interferindo diretamente na
recuperação do estado de saúde dos pacientes.
O serviço social na saúde interfere e cria um conjunto de mecanismos que
incide sobre as principais contradições do sistema de saúde. O atendimento às
necessidades imediatas e mediatas da população usuária pressupõe o
comprometimento com as mesmas, com respeito aos seus direitos e modos de vida,
a partir de atitudes críticas acerca do processo social, político e econômico em
curso.
Para tanto, é exigida uma qualificação acadêmica de qualidade, a qual prime
pelo ensino, pesquisa e extensão, bem como o resgate aos princípios da reforma
sanitária, norteado pela materialização do PEPP.
O arcabouço constitucional e normativo do SUS, fruto da luta democrática,
garante a co-gestão nas três esferas do governo – municipal, estadual e federal –
com conferências a cada quatro anos e conselhos de saúde paritários e tripartites
entre gestores, trabalhadores /prestadores e usuários.
Aponta-se a expansão da força de trabalho em saúde. Dentre esta, o
contingente de assistentes sociais, nos diversos níveis de atenção, bem como a
articulação dos espaços de gestão como forma de enfrentar o cenário de
precarização que conduziu a flexibilização do trabalho. O que torna desafiante e
necessário o debate sobre as transformações do emprego formal na saúde, assim
como as novas formas de trabalho, no sentido de propor proteções mais ajustadas a
essas mudanças e garantir qualidade na assistência à saúde.
Neste sentido, discute-se a valorização desta força de trabalho a partir da
formação dos Recursos Humanos (RH) na saúde, enquanto estratégia para a
concretização do SUS, defendido pela reforma sanitária.
2.3 As Discussões sobre a Política de Recursos Humanos em saúde
No processo de construção do SUS, a política de RH constitui a base para a
viabilização dos projetos, ações e serviços de saúde. Ademais, há um consenso
70
entre os defensores da reforma sanitária brasileira, de que a formação dos RH é um
dos mais graves problemas do SUS. Movido por essa preocupação, o relatório da
OMS (2006) destaca a crise da força de trabalho em saúde como uma questão
estratégica, elegendo 2006-2015 como o período de RH.
Ressalta-se a importância de uma adequada preparação e de investimentos
na força de trabalho para a melhoria da qualidade dos serviços prestados à
população, no sentido de superar a herança clientelista, individualista e autoritária
nos serviços de saúde, para uma perspectiva de universalização dos direitos.
Os problemas concernentes à gestão de pessoal surgiram durante a
realização da IV Conferência Nacional de Saúde, em 1967, na qual foram discutidas
questões referentes à formação de uma política permanente de avaliação dos
recursos humanos, tendo em vista a formação de pessoal.
As conferências nacionais de saúde, em cada conjuntura, constituem espaços
ímpares nos quais os trabalhadores, gestores e sociedade civil protagonizam o
debate sobre a efetivação do direito à saúde.
A partir da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, o debate sobre RH
ganhou maior visibilidade devido o gradativo processo de abertura política no país.
Na ocasião, era discutida a política de desenvolvimento da força de trabalho, com
ênfase na valorização profissional, pelo investimento em educação continuada,
melhorias de salários e de condições de trabalho. Tais debates impulsionaram a
elaboração do relatório final da I Conferência Nacional de RH (CNRH) na saúde,
firmando um compromisso de formação relacionada às condições de vida dos
trabalhadores em geral e ao aprofundamento do processo de democratização.
Observa-se que os debates sobre a formação e valorização da força de
trabalho em saúde são recorrentes nas conferências, seminários e encontros do
setor saúde, como sinaliza o Quadro 04, a seguir.
71
CONFERÊNCIAS TEMAS PRINCIPAIS DISCUSSÕES I Conferência Nacional de Recursos Humanos na saúde (CNRH), em
1986.
“Política de Recursos Humanos Rumo à Reforma Sanitária”.
Formação e qualificação; Organização sindical;
Democratização do acesso aos serviços.
II Conferência Nacional de Recursos Humanos na saúde (CNRH), em
1993.
“Os desafios éticos frente às necessidades no setor
saúde”.
Implementação do SUS (formação, desenvolvimento e gestão do trabalho); Regulamentação do ingresso na saúde por meio de
concurso público; Elaboração do plano de cargos, carreira e salários (PCCS).
XI Conferência Nacional
de Saúde, (2000). “Efetivando o SUS: acesso, qualidade e
humanização na atenção à Saúde Indígena com
controle social".
Aprovação dos Princípios e Diretrizes para Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do
SUS-NOB/RH-SUS.
III Conferência Nacional de Recursos Humanos na saúde (CNRH), em
2006.
III Conferência Nacional de gestão do trabalho e da educação na saúde.
Propostas de diretrizes nacionais para a execução de políticas de gestão do trabalho e educação na saúde, ampliação d a participação e
a co-responsabilidade social. Quadro 04. Debates sobre RH na saúde. Fonte: pesquisa de campo, 2009.
Diante do exposto, sinaliza-se que os debates sobre a política de RH, no
âmbito do SUS, intensificaram-se nas últimas décadas, orientando-se por dois sub-
temas: de formação dos trabalhadores e de gestão do trabalho.
No entanto, não se discute criticamente sobre a precarização que essa força
de trabalho vivencia como tendência mais geral, decorrente das atuais
transformações do “mundo do trabalho”, dos processos de “contra-reforma” do
Estado, da utilização do sistema de saúde para fins eleitoreiros e dos parcos
financiamentos do SUS relativos ao trabalho e trabalhadores.
Em 2005 os recursos públicos disponíveis no orçamento do MS eram da ordem de 43 bilhões de reais; nesse mesmo ano o recurso previsto para o pagamento da dívida pública (juros) era de 111 bilhões. Juntando os três recursos da esfera do governo, o gasto não chega a R$ 1,00/dia por habitante, em saúde (SANTOS-FILHO, 2009, p. 55).
72
Presencia-se a crescente precarização das relações de trabalho, pela
estratégia da terceirização dos prestadores de serviços por contratos temporários,
sem a realização de concursos públicos e sem garantias trabalhistas, reflexo da
política de corte neoliberal, que além de desproteger os trabalhadores também os
desmobiliza enquanto classe, visto que perdem seu caráter coletivo, ficando cada
um por si, em suas lutas individuais.
Em contrapartida, a efetivação do sistema de saúde exige uma força de
trabalho qualificada dentro do nível de sua formação e de um reconhecimento sócio-
profissional que envolve temas como a criação de carreiras públicas e vínculos
institucionais que garantam os direitos do trabalhador.
Propõe-se a educação continuada como saída para superar o viés tecnicista
que perpassa os processos de trabalho em saúde, para uma perspectiva de
totalidade, do pensar coletivo e para uma melhor compreensão da saúde na
atualidade, o que é importante, se atrelada à apreensão das determinações
políticas, econômicas e sociais de recomposição do capital, que privatizam parte da
saúde pública – setores rentáveis – sucateando os serviços considerados não-
rentáveis.
Identifica-se forte apelo conservador no discurso da educação continuada,
pois camufla os determinantes sociais, políticos e econômicos que perpassam a
força de trabalho em saúde, em nome de uma “capacitação” que supostamente
integraria os trabalhadores ao sistema.
Indaga-se a quê educação se refere, e para quê educar no atual contexto de
mercantilização do ensino, visto que ao atender as exigências dos organismos
internacionais para integrar o Brasil entre os países que erradicaram o
analfabetismo, são forjados indicadores/números por meio de avaliações periódicas
os quais expressam tudo menos a qualidade do ensino.
O acesso precário aos ensinos elementar e médio resulta no não-acesso às
universidades públicas, que apesar das adversidades – seletividade e elitismo –
oferecem ensino presencial pautado nos pilares do ensino, pesquisa e extensão.
O ensino universitário particular é, em geral, de má qualidade, desenvolvido
sob o crivo da técnica, sem o incentivo às pesquisas, num contexto de exploração
tanto dos discentes – submetidos à lógica do capital/pagamento de mensalidades –
73
quanto dos docentes – submetidos às extensas jornadas de trabalho, baixos
salários, desqualificação acadêmica e desestímulo às pesquisas.
Pensando na educação permanente e continuada na área de RH na saúde,
em 1999, foi lançada a Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde
(ROREHS) instituída pela Secretaria de Política de Saúde do Ministério da Saúde
(SPS/MS), com a cooperação técnica da Organização Pan-Americana da Saúde
(OPAS), que integra atualmente dezesseis estações de trabalho.
A OPAS objetiva socializar informações sobre questões de RH em saúde,
produzir estudos sobre a área e fortalecer as políticas de desenvolvimento de RH do
SUS. Suas principais diretrizes são: articular-se com os demais observatórios;
subsidiar os gestores, trabalhadores e docentes nas suas discussões e decisões, e
ainda divulgar informações e análises sobre RH na saúde. Vincula-se às
universidades federais dos diversos estados brasileiros, inclusive o do Rio Grande
do Norte (RN) com o objetivo de promover redes de colaboração entre países e
troca de experiências entre grupos nacionais do observatório, com o intuito de
equacionar e analisar os dados vivenciados pelo RH, vigiar as tendências, atribuir
prioridades aos problemas, e propor um consenso entre os gestores, no que diz
respeito as suas intervenções.
De acordo com esses observatórios, há uma escassez aguda de pessoal de
saúde, distribuição inadequada da força de trabalho no que se refere às
necessidades, desigualdades na composição dos provedores de serviços de saúde
com relação à população atendida, deterioração das condições de trabalho, vínculos
de trabalho precarizados, desigualdade nas formas de proventos, reduzidos
concursos públicos, ausência de capacitação continuada; sistemas de incentivo
deficientes e ausência de estratégias adequadas para a manutenção de
trabalhadores.
Estudos mostram que este quadro de precariedade motiva o adoecimento dos
trabalhadores rebatendo na qualidade dos serviços de saúde e na própria saúde do
trabalhador (SANTOS-FILHO, 2009, p. 45):
A conta da má gestão do trabalho em saúde acaba sendo paga pelos trabalhadores, por usuários e sociedade. [...] Dados do Sistema Único de Benefícios do Ministério da Previdência Social, em 2004, mostram, onde estão notificados afastamentos por doença de
74
trabalho por mais de 15 dias: prevalência de afastamentos por mais de 15 dias nos trabalhadores celetistas na saúde é de 435,25/10 mil, sendo 29,46/10 mil por acidentes de trabalho e o restante 405,35 por auxílio das demais doenças; nas atividades de atendimento hospitalar este número chega a 550,78/10 mil. Os grupos de causas mais freqüentes nos afastamentos (CID-10) são problemas osteomusculares (113,92/10 mil), lesões e envenenamentos (80,99/10 mil) e distúrbio mental/comportamento 54,18/10 mil (SANTOS-FILHO, 2009, p. 47).
A questão relativa à gestão do trabalho e de pessoal na saúde, sua relação e
conseqüências no adoecimento dos trabalhadores, e os prejuízos na
qualidade/efetividade das ações em saúde deve sair do papel e ser discutida nos
espaços de trabalho pelos gestores, trabalhadores e usuários.
As políticas de saúde foram influenciadas pelo planejamento estratégico e
pela administração participativa, a partir da década de 1980. Nesta década, era
demonstrada a preocupação para com um tipo de formação do trabalhador,
habilitando-o para maiores níveis de comprometimento, envolvimento e participação,
tendo em vista a melhoria da qualidade da assistência à saúde.
Neste sentido, é exigida competência técnica dos trabalhadores no tocante à
visão global do processo de trabalho e das políticas de saúde, para se anteciparem
aos problemas, proporem soluções e aprimoramentos e agirem com
responsabilidade e autonomia diante de situações imprevistas.
De acordo com esta afirmação, o problema de RH se resolveria através das
novas técnicas de gestão e organização do trabalho, com propostas e projetos de
incentivos e recompensas que integrariam os sujeitos à estrutura.
As transformações no “mundo do trabalho” e as novas demandas e desafios
dos espaços empregatícios afetam diretamente a força de trabalho em saúde.
Porém, não são enfatizadas nas análises oficiais, que reduzem a discussão do não-
acesso à saúde pública ao âmbito da qualificação e participação profissionais; ou
seja, ao nível das relações pessoais e humanas, a responsabilização dos sujeitos.
Não se trata de reduzir a discussão ao âmbito individual, e sim, construir
linhas de transversalidade entre os pólos verticais – estruturas de
comando/poder/saber – e horizontais – equipes e usuários – em novos arranjos
organizacionais – rodas de conversa, colegiados, reuniões de equipe com pacientes
e famílias, plenárias, oficinas, conselhos de gestão – possibilitando a co-gestão da
75
produção em saúde entre os sujeitos envolvidos, combinando graus de autonomia e
responsabilidade na avaliação/negociação de interesses e desejos.
Deste modo, a organização pode garantir sua tríplice finalidade: produção de
saúde – eficácia e efetividade da ação –, produção de autonomia, bem-estar e
valorização dos trabalhadores e sua sustentabilidade e reprodução (CAMPOS,
1997).
Seguindo esse raciocínio, o Ministério da Saúde (MS) implantou, em 2003, o
Programa Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (PNH/SUS), com
o propósito de resgatar o respeito à vida humana nos serviços de saúde, destacando
em sua agenda de prioridades44, a valorização do trabalho e dos trabalhadores da
saúde.
Inicialmente, este programa focalizou o desenvolvimento de experiências em
hospitais públicos por meio do Programa Nacional de Humanização Hospitalar
(PNHAH). A partir de 2003, o PNHAH passou a ser concebido como eixo articulador
de todas as práticas em saúde; ou seja, como ação transversal aos modelos de
gestão e atenção estimulada em toda a rede.
A valorização do trabalho e dos trabalhadores pressupõe a criação de
mecanismos de escuta/diálogo entre usuários, profissionais e gestores, tais como:
ouvidorias, conselhos de unidades, rodas de conversa, caixas de
sugestões/reclamações, grupos focais, e educação continuada voltadas para a
melhoria da comunicação com o objetivo de qualificar a atenção dispensada aos
usuários.
Neste contexto, os assistentes sociais são historicamente identificados como
profissionais de ponta nas questões relativas à humanização do atendimento, sendo
convocados nos hospitais a proporem iniciativas e integrarem comitês de
humanização.
44 Estratégias programáticas do PNH: acolhimento nas unidades de saúde; projetos terapêuticos singulares e projetos de saúde coletiva; ativação/constituição de redes de continuidade e ações de atenção/cuidado; construção coletiva de ambiência; gestão participativa: colegiados, contratos de gestão inter e intra-institucional; mecanismos de escuta qualificada para usuários e trabalhadores da saúde: gerência porta-aberta, ouvidorias, grupos focais e pesquisa de satisfação; projeto de acolhimento do familiar/acompanhante: agenda com a equipe de referência, visita aberta, direito de acompanhante; programa de formação em saúde e trabalho e iniciativas de valorização e atenção à saúde dos trabalhadores da saúde; grupo de trabalho de humanização-GTH (MS/documento base e folder da PNH, 2006 (SANTOS-FILHO, 2009).
76
A implementação desta política pressupõe uma discussão coletiva e crítica
entre os profissionais de saúde, a fim de que o reconhecimento do profissional de
serviço social em lidar com a questão da humanização não seja associada à
tradição do pensamento humanista cristão45.
A visão humanista cristã, associada à concepção de saúde médica individual,
imprime ações no sentido de aliviar tensões derivadas de “situações problemas”; ou
seja, de manter a harmonização das relações. Daí um dos desafios postos ao
serviço social, nos dias atuais é a contínua ruptura com o neoconservadorismo, que
se renova por meio da filantropia, do trabalho voluntário, da passividade dos sujeitos
diante o avanço do capital sobre o trabalho, e do trato individualizado das
expressões da questão social. Trata-se de avançar na construção e no
fortalecimento das práticas educativas, na perspectiva de classe e na defesa dos
direitos conquistados.
45 Este influenciou o discurso e prática nos primórdios da profissão, pelos quais, o ser humano era visto isoladamente, alvo de ações voluntárias de pessoas caridosas (IAMAMOTO, 2001).
77
3 O TRABALHO PROFISSIOANAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS SERVIÇOS DE SAÚDE
O capítulo presente expõe elementos acerca da inserção dos assistentes
sociais em um processo de trabalho coletivo, legitimada na prestação de serviços
sócio-assistenciais, em relação aos quais existe uma demanda concreta em nível
das entidades públicas e privadas, de cujas bases materiais e organizacionais
dependem em seu exercício profissional.
O Estado seu é o seu principal empregador, sobretudo nas áreas da saúde e
assistência. Todavia, estes profissionais vivenciam, a partir dos anos 1990, um
Estado atrelado à lógica do mercado competitivo, sob a orientação neoliberal, que se
exime das responsabilidades de atuação efetiva no campo social. Nesse sentido,
transfere-as para as empresas, entidades filantrópicas e Organizações Não-
Governamentais (ONG), quadro que amplia os espaços ocupacionais e, ao mesmo
tempo, precariza as relações e condições de trabalho dos assistentes sociais.
O crescimento do contingente de trabalhadores acima exposto soma-se ao
significativo número de formandos, através da expansão das unidades de ensino à
distância (Uead) com sua formação acadêmica deficitária – não presencial, sem
prática de pesquisa e extensão – que expande um exército de reserva e/ou parcela
de sobrantes de assistentes sociais.
Esta massificação de mão-de-obra submete os trabalhadores à inserção
precária por meio do trabalho voluntário, temporário e informal, com tendência às
práticas que criminalizam a questão social, o que compromete a qualidade dos
serviços prestados à população.
Os trabalhadores vão perdendo seu “valor de uso”, podendo ser tratados
como algo desprezível/descartável, o que reduz seu poder político nos sindicatos, na
disputa ideológica e cultural na sociedade (SANTOS-FILHO, 2009).
Acirra-se a competitividade entre os profissionais, desmobilizando-os
enquanto classe trabalhadora configurando um novo perfil profissional, marcado pelo
empobrecimento e a perda de laços culturais.
Os assistentes sociais se inserem no mercado de trabalho como
trabalhadores assalariados, mediados por um contrato de compra e venda da sua
78
força de trabalho, que passa a ter um valor de uso46 no processo de trabalho das
entidades contratantes, sendo consumida em função do atendimento a uma
determinada necessidade humana (NICOLAU, 2005).
Com isso, os objetivos, as finalidades, as condições e os meios estratégicos
de operacionalização pelos quais realizam suas atividades profissionais são
definidos a partir de construções sociais, históricas e políticas, perpassadas por
interesses antagônicos. De um lado, os interesses das entidades empregadoras, em
oposição a estes; de outro, as necessidades dos usuários dos serviços.
Tal debate é pertinente, e não se dá sem polêmicas no interior da categoria
profissional, pois o significado da profissão imbrica-se com a relação existente entre
as classes, entre estas e o Estado, em diversas conjunturas no enfrentamento das
manifestações da questão social, bem como com a tensão entre o Projeto Ético
Político Profissional e a condição de trabalhador assalariado.
Trata-se do dilema entre causalidade e teleologia, entre momentos de
estrutura e de ação. Afirma-se que o assistente social é um ser social, um prático
social, dotado de liberdade e teleologia, capaz de realizar projeções e implementá-
las na vida social, o que é contraditoriamente inviabilizado pela sua condição de
trabalhador assalariado, cuja ação está submetida ao poder dos empregadores e
determinada por condições externas aos sujeitos singulares, ainda que capazes de
rebelarem-se coletivamente.
A materialidade das ações profissionais engloba um conjunto de
conhecimentos, informações, técnicas e habilidades, que em geral, não é perceptível
aos sujeitos, pois as condições objetivas do trabalho profissional não dependem
apenas da postura teleológica/individual dos seus agentes e de seus instrumentos
de intervenção. Mas está, contraditoriamente perpassada pela própria lógica do
capital, que move a ordem burguesa pelas fragmentações e abstrações que produz,
e a sustenta, e constrange qualquer prática que intencione romper com o
conservadorismo que a nutre (GUERRA, 2002).
No entanto, entende-se que é nesta sociabilidade que os assistentes sociais
vivenciam as possibilidades objetivas de re-configurarem a realidade, atuando sobre
as limitações, mantendo o foco para as finalidades de suas ações, e não nas
46 Produto do trabalho que responde a algumas necessidades humanas. Seu valor se assenta em ser útil para alguém. Não sendo, necessariamente, uma necessidade física (MARX, 1989).
79
dificuldades. Trata-se de romper com os vieses ora fatalistas, ora messiânicos,
presentes no cotidiano profissional47.
O serviço social, enquanto uma especialização do trabalho coletivo organiza-
se a partir dos elementos constitutivos dos processos de trabalho que segundo Marx
(1985) são o objeto ou a “matéria-prima”; os instrumentos; o trabalho em si; ou seja,
uma atividade adequada a um fim, a matéria e os meios que se aplicam ao trabalho,
o instrumental.
O trabalho é apreendido como atividade central na constituição do ser social,
e é o fundamento ontológico48 do ser social. É ele quem permite o desenvolvimento
de mediações que instituem a diferencialidade do ser social, face a outros seres da
natureza.
Trata-se de uma atividade vital à existência humana, visto que diferente do
animal, que age por instinto, o ser humano projeta conscientemente a finalidade de
suas ações, com vistas à satisfação de suas necessidades. E, neste processo,
também produz a si mesmo, engendrando sua possibilidade histórica.
A requisição pelo trabalho profissional enquanto trabalhador assalariado
perpassa por múltiplas determinações, caracteristicamente heterogêneas e
contraditórias, próprias da sociedade capitalista. Portanto, a questão social, em suas
múltipals determinações, é o objeto ou a matéria-prima do trabalho dos assistentes
sociais.
O trabalho profissional dos assistentes sociais é determinante/determinado
pelas circunstâncias históricas e sociais nas quais se insere a profissão, ou seja,
suas condições de trabalho são perpassadas pelo projeto societário dominante, a
partir da compreensão das necessidades sociais e das formas consideradas
adequadas para lhes responder.
O processo de organização do trabalho na sociedade capitalista legitima a
função social do serviço social, bem como determina as condições segundo as quais
esse profissional pode vender “livremente” a sua força de trabalho.
47 O viés fatalista superestima a força e a lógica do comando do capital no processo de (re) produção, submergindo a possibilidade de os sujeitos atribuírem direção às suas atividades, contrariamente, o viés voluntarista tenda a silenciar ou subestimar os determinantes histórico-estruturais objetivos que atravessam o exercício de uma profissão, deslocando-os para a vontade política do coletivo profissional, que passa a ser superestimada, correndo-se o risco de diluir a profissionalização na militância stricto sensu (IAMAMOTO, 2007). 48 O que tem existência real, histórico-concreta independente do conhecimento que tenham os homens ao seu respeito (NETTO, 2007, p. 54).
80
Trata-se de um trabalhador especializado que vende sua capacidade de
trabalho para entidades empregadoras, que determinam as necessidades sociais
que o trabalho do assistente social deve responder, a matéria sobre a qual incide
esse trabalho, as condições segundo as quais se operam os atendimentos, assim
como os seus efeitos na reprodução das relações sociais.
As inflexões macro-sociais que incidem sobre o trabalho profissional do
assistente social se atrelam ao desafio de conciliar o antagonismo existente entre os
interesses da instituição empregadora e dos usuários dos seus serviços, contexto
que o condiciona a um clima constante de tensões (VASCONCELOS, 2006). No
entanto, concorda-se com Nicolau (2001, p. 18), que,
É no ambiente das organizações empregadoras e na experiência cotidiana do espaço coletivo que são construídas as possibilidades de atuação profissional, enquanto mediador de conflitos, o profissional vai re-significando suas ações cotidianas.
Tal reflexão é pertinente nos âmbitos teórico e no agir profissional, no
contexto das entidades nas quais os assistentes sociais estejam empregados, para
não correr o risco de uma atuação unicamente em favor das entidades
empregadoras; ou seja, do capital.
Portanto, o trabalho profissional dos assistentes sociais se constitui como
parte do trabalho socialmente produzido pelo conjunto da sociedade, participando da
criação e da prestação de serviços que atendem às necessidades sociais; e, ao
produzir tais serviços gera um valor de uso. Neste sentido, o seu trabalho tem efeito
na produção e redistribuição do valor e da mais-valia49, inserido nas relações de
poder, podendo servir tanto aos interesses do capital quanto do trabalho. Neste solo
contraditório, a concretude do projeto profissional é tensionada pela condição de
trabalhador assalariado.
A partir do entendimento das condições de trabalho como um conjunto de
variáveis do ambiente que circunda uma pessoa durante a realização de suas
49 Valor excedente determinado pela quantidade de trabalho materializado no seu valor de
uso e pelo tempo de trabalho socialmente necessário a sua produção que é apropriado e não pago pelo capitalista (MARX, 1989).
81
atividades, e do trabalho enquanto categoria central na constituição dos sujeitos
sociais ressalta-se a importância de estudos que reflitam sobre o contexto no qual o
trabalho dos assistentes sociais se desenvolve.
Concorda-se com Iamamoto (2007), que os espaços ocupacionais nos quais
os assistentes sociais exercem suas competências e atribuições profissionais,
resguardadas por lei, merecem maior atenção por parte da pesquisa acadêmica.
O mercado de trabalho dos assistentes sociais se encontra crescentemente
diversificado, seja no âmbito tradicional da esfera pública, seja no plano das
organizações privadas e não-governamentais, implicando novas competências e
atribuições. Porém, estas não se desenvolvem em condições favoráveis, pois
acompanham as transformações sociais em curso, que precarizam de várias
maneiras o conjunto da classe trabalhadora, tanto em termos de organização,
quanto em condições de trabalho, repercutindo em suas vidas.
A força de trabalho dos assistentes sociais está permeada pela insegurança,
seja pela fragilidade de sua formação, seja pela flexibilidade nas relações de
trabalho, pela desmotivação face às baixas remunerações, pela forte pressão pela
concorrência de outros profissionais e atitudes defensivas, frente a novas
demandas. E essas condições, repercutem na qualidade dos serviços prestados à
população (NETTO, 1996).
É revelador o fato de que durante a realização das entrevistas, os
profissionais designados a responderem os questionamentos foram aqueles que
estão há mais tempo nos hospitais, que têm vínculo empregatício efetivo e que
assumem cargo de coordenação. Os profissionais com vínculo temporário mantêm
uma postura defensiva, para não se comprometerem perante a entidade
empregadora. Compreende-se tal postura como conseqüência do quadro de
desemprego, subemprego, falta de perspectiva de classe e da fragilidade sindical
vivenciada pela classe trabalhadora. Reforça-se que o trabalho profissional não se
dá de forma estanque, mas a partir da construção de respostas profissionais
pautadas no PEPP, nas demandas dos usuários e empregadores, bem como pela
realidade social.
O serviço social é uma profissão inscrita na divisão social e técnica do
trabalho, regulamentada pela Lei nº 8662/93, de 07 de junho de 1993, com
alterações determinadas pelas resoluções do Conselho Federal de Serviço Social
82
(CFESS) nº 290/94 e nº 293/94, e balizada pelo Código de Ética Profissional,
aprovado pela resolução CFESS nº 273/93, de 13 de março de 1993, comprometido
com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento
intelectual, na perspectiva da competência profissional.
O aparato legal delimita o espaço profissional na relação com seus
interlocutores: usuários e organizações empregadoras, cabendo aos profissionais a
reconstrução em seus espaços sociais de trabalho, partindo de concepções
ampliadas sobre o contexto de transformações no “mundo do trabalho”.
De acordo com os assistentes sociais entrevistados, não há tempo para
aprimorar o conhecimento acerca das legislações sociais, excetuando-se aquelas
que lidam diariamente. A legislação profissional não é conhecida na sua íntegra, e
só recorrem à mesma por ocasião da participação em concursos públicos.
O conhecimento da legislação profissional e do conjunto da legislação social é
imprescindível para não comprometer o exercício profissional, inclusive, no tocante à
questão da visibilidade e do significado social que vem assumindo; ou não, na
contemporaneidade, visto que representa uma defesa da autonomia profissional,
através dos princípios e valores éticos, competências e atribuições, além de
conhecimentos essenciais, que têm força de lei, sendo judicialmente reclamáveis.
No contexto da reestruturação produtiva, constata-se o aumento da
desigualdade social e, conseqüentemente, da pobreza e da miséria. Portanto,
aumentam as demandas que chegam ao serviço social. Paradoxalmente,
identificam-se cortes nas respostas a tais demandas, provocados pela política
econômica neoliberal.
Assim, os assistentes sociais vivenciam condições adversas no espaço do
exercício profissional, no tocante à universalização dos direitos defendidos no
Código de Ética Profissional, tendo seus direitos também negados enquanto
trabalhadores.
Concorda-se com Iamamoto (2007) que, para apreender o efetivo exercício
da profissão, é imprescindível agregar um complexo de determinações e mediações
essenciais para elucidar o significado social do trabalho do assistente social, que
depende das relações estabelecidas com os sujeitos sociais que os contratam, os
quais personificam funções diferenciadas na sociedade.
83
O serviço social se consolidou, e atua numa relação conflituosa entre capital e
trabalho. Portanto, não se pretende idealizar uma sociedade em condições
favoráveis para o trabalho profissional, muito menos esconder-se atrás dos limites
institucionais. Mas, de apreender criticamente o cenário de precarização do trabalho
e das condições de vida dos sujeitos, contextualizando-o no movimento do capital.
Dentre os desafios postos aos assistentes sociais, está a análise crítica desta
realidade e a proposição de respostas respaldadas na garantia de direitos,
percebendo-se como integrantes, ou fazendo parte dessa classe de assalariados.
Neste contexto, a luta pela concretização do PEPP e do Código de Ética é
ameaçada, visto que o próprio sigilo profissional se encontra comprometido pela
estrutura física inadequada às abordagens individuais e coletivas realizadas por
estes profissionais nas unidades hospitalares. De acordo com relato do assistente
social A, acerca do sigilo profissional, identifica-se essa condição:
A sala é inadequada. Hoje tem duas assistentes sociais, eu e a outra, mas quando tem três aqui, mais a chefe e a secretária [...]. Tendo três assistentes sociais cada uma vai atender uma pessoa, isso aqui fica coisa de louco, você não consegue ouvir bem por causa da acústica e fora o código de ética porque não tem sigilo (Entrevista com ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).
Seguindo esta afirmativa,
Considero a sala adequada, pois o atendimento é rápido. A atividade de orientação é feita. Estamos em sala razoável, mas falta muito material e mais profissionais. As condições são precárias, falta material, o pessoal é muito humilde, as prefeituras não conseguem atender em tempo ágil as solicitações de transporte, os usuários pressionam o serviço social (Entrevista com ASSISTENTE SOCIAL C, informação verbal).
Em suma, defende-se o enfrentamento das questões cotidianas de modo
crítico e consciente, para a prestação de um serviço de qualidade, na perspectiva da
84
garantia de direitos e do sigilo profissional50, os quais também são determinados
pelas relações acima citadas.
A área da saúde absorve a maioria dos assistentes sociais, sendo o setor
público o principal mercado de trabalho. A elaboração do “novo” conceito51 de saúde
e a consolidação da Política Nacional de Saúde (PNS) no país, decorrente dos
gastos exorbitantes com a ampliação da assistência médica previdenciária52 foram
decisivos para a inserção destes profissionais na promoção, proteção e recuperação
da saúde nos diferentes níveis do SUS.
Ainda que considerados profissionais liberais, com autonomia ética e técnica
no exercício de suas funções, os assistentes sociais enfrentam dificuldades na
realização do seu trabalho, visto que os encaminhamentos das soluções não
dependem da vontade e do interesse individual destes profissionais. Segundo
Iamamoto (2001, p. 107), o seu desempenho está inscrito
Num processo de trabalho coletivo, organizado dentro de condições sociais dadas, cujo produto, em suas dimensões materiais e sociais, é fruto do trabalho combinado ou cooperativo, que se forja com o contributo específico das diversas especializações do trabalho.
De acordo com Iamamoto (2001, p. 112), “[...] a observação sobre o trabalho
coletivo ilumina a análise dos produtos de trabalho e/ou resultados do trabalho
efetuados pelo assistente social”, situando-o no contexto mais amplo, no movimento
do capital e suas contradições na contemporaneidade. E segundo Bravo (2006, p.
43),
O trabalho do assistente social na saúde deve ter como eixo central a busca criativa e incessante da incorporação destes conhecimentos
50 Conforme preconiza o Art. 8º do Código de Ética Profissional e a Resolução CFESS nº 493/2006. 51Trata-se de um estado de completo bem- estar físico, mental e social, e não apenas a mera ausência de doenças, que enfoca os aspectos biopsicossociais, nos quais se determina a requisição de outros profissionais para atuarem no setor, com ênfase no trabalho em equipe multidisciplinar (PRÉDES, 2007, p. 95). 52 Esta, por não ser universal, gerou uma contradição entre a demanda e o seu caráter excludente e seletivo, tinha uma quantidade significativa de assistentes sociais no seu quadro (BRAVO, 2006).
85
(questões subjetivas vividas pelos usuários somadas às particularidades do trabalho do assistente social), articulados aos princípios da reforma sanitária e pelo projeto ético político da profissão.
Reafirma-se a necessidade do enfrentamento destas questões de forma
crítica, a partir de alianças com outros profissionais, com os movimentos sociais,
partidos políticos e sindicatos, a fim de romper com o individualismo, e alargar as
possibilidades de avanço ao norte dos assistentes sociais que é a concretização do
PEPP. Realidade esta construída por meio de avanços e retrocessos, não de forma
abstrata, mas através de uma formação acadêmica qualificada – ensino, pesquisa e
extensão – e uma prática sistematizada – constante reflexão – com vistas à garantia
da qualidade dos serviços prestados à população.
A dicotomia existente entre os interesses das entidades empregadoras e o
compromisso ético-político profissional, voltado para os direitos dos usuários, tem
como elemento constituinte a dicotomia inerente ao modo de produção capitalista,
ou seja, entre capital e trabalho.
De acordo com o Código de Ética Profissional, o assistente social não pode
atender aos princípios institucionais que sejam contrários aos valores que o
orientam. Todavia, a viabilização dos direitos sociais dos usuários depende da
disposição da política organizacional, a qual geralmente é precária e restrita.
Novas qualificações técnicas exigem dos assistentes sociais atualização
teórica, domínio da legislação pertinente à categoria profissional e do conteúdo
próprio da política que perpassa a organização empregadora. Segundo Costa (2000,
p. 54) torna-se imprescindível uma permanente reflexão sobre a prática, e
Um relativo domínio do discurso médico, que o habilita a explicar alguns procedimentos terapêuticos de caráter complementar/auxiliar e cuidados a serem tomados durante o tratamento.
A apropriação teórico-metodológica tende a diminuir o esvaziamento do
exercício profissional nas suas dimensões política, social e cultural, o qual persiste
em separar quem elabora de quem executa, visto que ao profissional cumpre o
86
papel de articulador entre as políticas de saúde e as demais políticas sociais e/ou
setoriais (REZENDE, 2006).
A dimensão intelectual da profissão se constitui, historicamente, no âmbito da
academia, reconhecida como espaço do pensar/estudar, a partir de investigações
isoladas sobre o trabalho profissional. Enquanto que, o espaço do fazer, a partir do
uso de técnicas e instrumentos, fica reconhecido pelos profissionais em exercício
como único detentor de poder/saber acerca do trabalho profissional. Assim, este
movimento de dicotomia entre saber/fazer profissional restringe o sentido e a
importância social de ambos, e desarticula a possibilidade de alianças necessárias.
Conforme ressalta Nicolau (2005, p. 133-4),
Nessa argumentação, coloca-se que tanto no fazer profissional, como na academia, o processo de reflexão- ação está presente, articulando-se ao engajamento político social dos indivíduos e grupos. Sabe-se, contudo, que o demandado socialmente pelos empregadores em geral, é o exercício da técnica, do fazer imediato, burocratizado, quantitativamente mensurável, enquanto que, na academia a demanda social é o exercício da reflexão, do pensar, da produção intelectual, da pesquisa, da investigação, da construção do conhecimento.
O descompasso entre os espaços da formação e os do exercício profissional
é determinado/determinante pela/da totalidade social, constrói-se a partir do
movimento histórico, articulando interesses divergentes. Isto porque, a separação
entre trabalho intelectual e manual responde historicamente às necessidades do
modo de produção capitalista. A partir do advento da industrialização, as atividades
manuais e intelectuais são distinguidas, e estas não se encontram na esfera da
produção, mas têm um valor de uso à reprodução do capital.
O produto do trabalho intelectual é a ideologia (MARX; ENGELS, 2002) que
expressa uma falsa consciência da realidade, legitimando as relações sociais
existentes, naturalizando-as e universalizando-as sob uma forma considerada
legítima: a forma científica, filosófica e teológica, devido ao fato de ser considerado
verdadeiro, superior.
A discussão, posta nestes termos, entende que os espaços da produção do
conhecimento/academia e do fazer/trabalho profissional articulam-se num processo
87
contraditório que deve ser desvendado pelos assistentes sociais. Caso contrário,
ambas as dimensões – saber/fazer – tornam-se abstratas, constituindo-se no dever-
ser, distanciado das contradições – disputas de poder – e dos antagonismos entre
os grupos que pretendem a hegemonia nos espaços profissionais.
Os profissionais entrevistados relatam insatisfações, frustrações e queixas,
decorrentes da dicotomia entre o que é apreendido na academia e o que é
vivenciado na prática, bem como a falta de discussões acerca dos meios e
condições de trabalho no âmbito da graduação, que limitam o trabalho profissional.
Todavia, ressalta-se que os aportes teórico-metodológicos e técnico-
operativos não são receitas prontas a serem aplicadas na realidade, cuja dinâmica
não permite a padronização das ações profissionais.
A necessidade de atualização é elencada como importante meio de se refletir
sobre a prática. Porém, os entrevistados se intitulam “carentes de capacitação”, pois
os profissionais em exercício se consideram desatualizados e/ou inferiores,
legitimando o estatuto de autoridade acadêmica, em detrimento do fazer profissional.
A vinculação das dimensões teórico/práticas possibilita ao profissional ampliar
a visão crítica acerca do real, o desvendamento de suas contradições e a
proposição de respostas para superá-las. As dimensões teórico-metodológicas e
técnico-operativas, na perspectiva histórica e crítica, evidenciam as mediações
necessárias ao desvendamento da realidade.
A crescente pauperização das condições de vida e de trabalho das classes
subalternizadas amplia as demandas e requisições profissionais, enquanto que a
rede de serviços oferecidos está em menor proporção.
Nesse contexto, é exigido o contínuo conhecimento das legislações
pertinentes – social e profissional –, já que o serviço social intervém no solo
contraditório dos direitos. Daí, a impossibilidade de a academia fornecer um aparato
de técnicas prontas, pois a realidade é mutável assim como as relações sociais dela
decorrentes.
Faz-se necessário o conhecimento da legislação social por parte dos
assistentes sociais como a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei Orgânica
da Saúde (LOS), Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Política Nacional do
Idoso (PNI), Política Nacional de Saúde das Pessoas com Deficiência (PNPCD),
bem como as legislações profissionais de uma forma geral, a exemplo, o novo
88
Código de Ética Médica, cujo conteúdo define as novas regras em relação aos
direitos dos pacientes e os deveres dos profissionais da medicina53. Somam-se a
isso a necessária apropriação das suas próprias atribuições privativas e
competências, para não absorverem atividades burocráticas e administrativas, que
podem ser assumidas por outros profissionais.
Não se trata de um pacote de receitas para intervir na realidade, mas de um
exercício profissional com embasamento teórico-metodológico, ético-político e
técnico-operativo, para desvendar as adversidades postas pelo avanço do capital
financeiro – especulativo, em detrimento do trabalho.
Os assistentes sociais vêm sendo requisitados para as instâncias de
gerenciamento – coordenação, planejamento, divulgação, execução e avaliação –
dos serviços de saúde em todos os níveis; de educação em saúde (AIDS/HIV,
dengue, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), lixo, nutrição, saneamento
básico); e de caráter emergencial, tais como: “[...] providenciar transporte, marcação
de exames e consultas extras, mobilização de recursos assistenciais” (COSTA,
2000, p. 56); e ainda assessoria e participação em conselhos gestores.
No Brasil, a atuação do assistente social na área da saúde se desenvolveu a
partir da década de 1940, quando a profissão se caracterizava como serviço social
médico, no desempenho de atividades técnicas, com enfoque curativo junto aos
programas de saúde voltados aos indivíduos, às famílias e à sociedade – caso,
grupo e comunidade.
Na conjuntura da Ditadura Militar (pós-1964), face ao processo de
modernização/burocratização no âmbito da organização do Estado, ampliam-se as
funções dos assistentes sociais na política de saúde. Somam-se funções de
execução direta, com as de planejamento, administração e coordenação. No
entanto, esta prática era burocratizada, com ênfase na racionalidade e seletividade,
conforme a conjuntura política em curso.
A partir da Constituição Federal de 1988, com o processo de descentralização
e democratização das políticas sociais, expande-se o campo de atuação dos
assistentes sociais. A adesão do país ao projeto neoliberal agrava as expressões da
questão social, e abre caminho para novas respostas profissionais pautadas na
53 Resolução 1.931/09, que entrou em vigor a partir de 13 de abril de 2010.
89
lógica da mercantilização, incorporando-as à participação do terceiro setor. O
trabalho profissional se vincula às novas formas de gestão requeridas pelas
mudanças tecnológicas e organizacionais junto ao processo produtivo.
É exigida certa qualificação profissional tanto na esfera da execução quanto
da formulação de políticas – planos e projetos –, elaboração de pesquisas,
capacitações, treinamentos, gerenciamento de políticas públicas e empresariais, e
inserção em equipes multiprofissionais. O exercício profissional se redefine no
interior das organizações, interligando ações de execução final com as de gestão
dos projetos e programas sociais.
As funções gerenciais e, por conseguinte, a necessária participação dos
assistentes sociais na elaboração e definição dos orçamentos públicos, programas e
projetos sociais são entendidos sob o ponto de vista da competência técnica e
teórico-profissional, no sentido da apreensão do processo social em curso, em meio
às suas contradições, pretendendo, a partir destas, oferecer respostas às
necessidades da população usuária dos serviços sociais.
Conforme ressalta Rezende (2006), o desempenho das atribuições de
planejamento, gestão, execução e avaliação da política de saúde depende da
apreensão da dimensão teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política do
assistente social, na viabilização dos serviços de saúde.
Acerca disto, enfatiza-se que as especificidades do trabalho profissional na
área da saúde são demarcadas a partir da divisão de tarefas e hierarquização das
funções de gerenciamento – coordenação/direção –; de assessoria; e de tarefas
técnicas, o que implica diferenciações de vínculos, salários e condições de trabalho.
Em contrapartida, observa-se que, na saúde, há uma supervalorização da
técnica, pela qual, a prática se limita às atividades de execução subordinadas às
condições, prioridades e interesses que legitimam o espaço das entidades que
contratam o assistente social.
Os profissionais entrevistados estão subordinados às decisões da estrutura
hierárquica, assumindo funções de execução de tarefas, sem participação nos
processos decisórios. Observa-se que estes se utilizam de pequenos recursos –
informação de pacientes em UTI, agilização do atendimento, viabilização de
transporte, autorizar visitas fora do horário permitido – para reforçarem seu próprio
poder pessoal diante dos usuários.
90
O foco no atendimento às necessidades imediatas dos usuários por meio da
viabilização do acesso a procedimentos, normas, rotinas e informações da
organização hospitalar, facilitando ou amenizando o processo de internação, que é
difícil e traumático, constitui os assistentes sociais como elo entre
família/hospital/médico, supervalorizando o caráter interventivo da profissão, em
detrimento do pensar/produzir conhecimento:
O movimento dessas argumentações tem como referência implícita a afirmação que só desempenha o papel de assistente social aquele profissional que está em contato direto com o público, com a população, executando atividade, como estudos de caso, visita domiciliar, entrevista (NICOLAU, 2005, p. 224).
É como se as funções de coordenação/gerenciamento distanciassem o
assistente social, do seu trabalho, visto que, ao assumir a função de coordenação,
parcela significativa de profissionais não se identifica enquanto assistente social.
O trabalho profissional54 é re-configurado/re-significado a partir das exigências
do mercado, das possibilidades, das negociações, das buscas, tentativas e desafios,
pois o trabalho profissional não é estático, mas apresenta o mesmo dinamismo das
transformações em curso.
Por entender que novas demandas necessitam de novas respostas
profissionais que reafirmem o PEPP, em março de 2009, foi elaborado em Brasília-
DF, pelo grupo de trabalho serviço social na saúde55 um documento intitulado
“Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde”, com a finalidade de
referenciar a intervenção dos profissionais de serviço social na área de saúde.
Esta temática também foi objeto de debate no XIV Seminário Nacional de
Serviço Social na Saúde realizado, realizado em junho de 2009, na cidade de
Recife-PE visando orientar as respostas profissionais no trabalho em saúde, tanto às
demandas requisitadas pelos usuários quanto pelos empregadores.
54 Reconhecido na divisão social do trabalho como profissão eminentemente técnica e prático-operativa possui a prerrogativa de assumir funções administrativas na prestação de serviços sociais, enquanto conquista histórica da categoria (NICOLAU, 2005). 55 Grupo composto pelas entidades representativas da profissão, Conselho Federal e Conselhos Regionais (PARÂMETROS, 2009).
91
Parafraseando Bravo (2006), a requisição para o trabalho dos assistentes
sociais acontece pelas lacunas geradas pelo mau funcionamento do SUS. Porém,
tais contradições nem sempre são visualizadas pelos próprios assistentes sociais,
na medida em que os mesmos não apreendem que o projeto profissional e a lógica
capitalista são faces opostas da mesma realidade.
É incorporado o discurso conservador de conformação à ordem, perdendo a
capacidade de indignação perante as diferentes expressões da questão social, da
precarização do trabalho e da supervalorização da técnica. Uma postura ética
oposta à lógica do capital impõe certos desconfortos aos profissionais, já que é
dentro das entidades empregadoras que o assistente social desenvolve seu trabalho
e pretende mantê-lo.
De acordo com BRAVO (2006), tal imprecisão pode ser superada através de
uma intervenção profissional que supere o modelo médico-hegemônico, com vistas
a efetivar o projeto da categoria profissional, bem como o da reforma sanitária. A
questão, posta nestes termos, não pretende resolver tais contradições, mas torná-
las evidentes, visto que onde existem contradições também há espaço para o
confronto de idéias e interesses.
3.1 A Força de trabalho dos assistentes sociais no Sistema Único de Saúde (SUS)
É notória a inserção dos assistentes sociais nas unidades56 de saúde, na
medida em que o setor implementa atividades de educação em saúde e amplia as
equipes multiprofissionais, destacando assim a categoria profissional como a quarta
colocada em contratações de nível superior57 (COSTA, 2000). Os assistentes sociais
são reconhecidos como profissionais da saúde de nível superior pelo Conselho
56 Conforme Costa (2006) destacam-se como unidades de atendimento direto ao usuário: as Unidades Básicas de Saúde, os Pronto-Atendimentos, os Centros Clínicos e/ou Ambulatórios especializados, os Centro de Apoio Psicossocial, os Ambulatórios, e demais serviços de apoio ao diagnóstico, bem como os serviços de reabilitação. 57 Conforme relatórios do II Encontro Estadual de Assistentes Sociais da Secretaria de Saúde Pública/RN-SSAP/RN (COSTA, 2000).
92
Nacional de Saúde (CNS), pela Resolução nº 218/9758, como também pelo CFESS,
Resolução nº 383/9959.
É importante identificar como se deu a relação do serviço social com o
movimento da reforma sanitária na década de 1980, a qual representou o início da
maturidade intelectual da profissão, pela sua aproximação às fontes marxianas,
tendência hegemônica na academia e nas entidades representativas da categoria.
Num balanço do serviço social, na área da saúde nos anos 1980, Bravo
(2006, p. 34) observa que
Uma mudança de posições, a saber: a postura crítica dos trabalhos em saúde apresentados nos Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais de 1985 e 1989; a apresentação de alguns trabalhos nos Congressos Brasileiros de Saúde Coletiva; a proposta de intervenção formulada pela Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (ABESS), Associação Nacional dos Assistentes Sociais (ANAS) e Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) para o Serviço Social do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS); e a articulação do Conselho federl de Assistentes Sociais (CFAS), com outros conselhos federais da área da saúde.
A autora sinaliza um descompasso entre a profissão e a luta pela assistência
pública de saúde, visto que, apesar do serviço social receber influências desta
conjuntura – de crise do Estado brasileiro, do movimento de ruptura com a política
de saúde vigente e construção de uma reforma sanitária brasileira,
Está passando por um processo interno de revisão, de negação do Serviço Social Tradicional, e não estabelece nexos diretos com outros debates que buscavam a construção de práticas democráticas, como o movimento pela Reforma Sanitária (BRAVO, 2006, p. 33).
58 A Resolução reconhece como profissional de saúde de nível superior as seguintes categorias: assistentes sociais, biólogos, profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, médicos veterinários, nutricionistas, psicólogos e terapeutas ocupacionais (CNS, 1997). 59 De acordo com a aprovação da Resolução pelo Plenário do Conselho Federal de Serviço Social, em reunião ordinária realizada em 27 e 28 de março de 1999; Resolve: Art. 1º - Caracterizar o Assistente Social como profissional de saúde (CFESS, 1999).
93
Esta lacuna se faz perceptível pela incipiente alteração da prática
institucional, que chega à década de 1990 desarticulada do movimento da reforma
sanitária,
Com isso, sem nenhuma explícita e organizada ocupação na máquina do Estado pelos setores progressistas da profissão (como estava sendo o encaminhamento da Reforma Sanitária); e insuficiente produção sobre as demandas postas à prática em saúde (BRAVO, 2006, p. 34).
A análise da trajetória do serviço social na área da saúde, principalmente nos
anos 1990, explicita que há alguns desafios, dentre os quais, a existência de dois
projetos políticos em disputa, quais sejam, o projeto privatista e o projeto da reforma
sanitária, os quais apresentam diferentes requisições para os assistentes sociais.
O projeto privatista requisita ao assistente social, entre outras demandas:
seleção sócio-econômica dos usuários; atuação psicossocial, através de
aconselhamento; ação fiscalizatória aos usuários dos planos de saúde;
assistencialismo através da ideologia do favor; e predomínio de práticas individuais.
O projeto da reforma sanitária demanda aos assistentes sociais ações no
sentido da democratização do acesso às unidades e aos serviços de saúde;
atendimento humanizado; estratégias de interação das unidades de saúde com a
realidade; interdisciplinaridade60; ênfase nas abordagens grupais; acesso
democrático às informações; e estímulo à participação cidadã.
A perspectiva de garantias de direitos é intrínseca à profissão, mesmo que
nos marcos desta sociabilidade. Isto porque os direitos representam conquistas
históricas da classe trabalhadora, que já tiveram seu caráter revolucionário outrora.
A proposta da seguridade social foi interrompida pela “contra-reforma” do
Estado, que está submetido passivamente à lógica do capital. Há uma enorme
distância entre a proposta do movimento sanitário e a prática do sistema público de
saúde vigente.
Estes desafios estão postos aos assistentes sociais que atuam no âmbito da
saúde pública, e repercutem diretamente na formação profissional, nas influências 60 Esta é compreendida como um processo do desenvolvimento de uma postura profissional que viabiliza um olhar ampliado das especificidades que se conjugam no âmbito das profissões.
94
teóricas, nas condições de trabalho, na ampliação da demanda e na relação com os
usuários, profissionais e movimentos sociais.
Amplia-se o trabalho precarizado, e os profissionais são chamados para
amenizar situações não só decorrentes da pobreza absoluta à que a classe
trabalhadora é submetida, como também da ineficiência do próprio sistema de
saúde. Por conseguinte, as atividades são determinantes/determinadas pelas
próprias contradições do sistema capitalista e pelas diversas formas de administrá-
las.
Por tudo isto, o processo de trabalho em saúde requer adequações, a partir
do aporte de novos conhecimentos, habilidades e métodos de atuação em equipe, o
que é um desafio no âmbito da gestão (SANTOS-FILHO, 2009).
Os demais profissionais da saúde encaminham para o serviço social aquilo
que não conseguem resolver, ou que não têm tempo para fazê-lo. É desconsiderada
a importância das questões trabalhadas pelos assistentes sociais, pois as variadas
expressões da questão social não se revestem de caráter relevante na ordem sócio-
econômica.
De acordo com relato do assistente social B, sistematicamente, são
encaminhadas demandas que não estão no âmbito de respostas dos assistentes
sociais, mas os mesmos tentam resolver, provocando quem é de dever.
Diante das precárias condições de funcionamento do SUS, as necessidades
de inter-relação e co-participação requeridas por quem produz e consome os
serviços materializam outras demandas profissionais. Trata-se de suprir as "lacunas"
gestadas nas práticas dos demais profissionais no interior do processo de trabalho
em saúde.
O contexto de pressão ao qual estão submetidos os assistentes sociais para
dar respostas que muitas vezes não estão no âmbito da profissão, implica relações
sociais perpassadas pelo individualismo, pela competitividade, pela insegurança,
pela flexibilidade, e com problemas daí decorrentes, como a depressão, a síndrome
do pânico, as patologias consideradas “males do século”, de nossos dias atuais,
sinalizando novas atribuições e competências, precariedade, intensificação e
constante re-ordenamento das ações.
Por conseguinte, acirra-se o contexto de conflitos de diferentes ordens, tanto
entre a equipe multiprofissional quanto entre esta e os usuários, que buscam
95
respostas às suas necessidades, sem se darem conta do complexo de questões que
envolve a rotina organizacional.
A precariedade abrange aspectos desde a não-formalização dos vínculos e
garantias de direitos, até situações conflituosas no interior das relações sociais e das
condições de trabalho, cujas conseqüências recaem sobre toda a equipe de saúde.
Dentre estas, os casos de violência as quais a equipe de saúde tem sido exposta,
desde o desrespeito por parte dos colegas e chefias, até os diversos tipos de
agressões por parte da população (SANTOS-FILHO, 2009).
De acordo com os assistentes sociais entrevistados, no âmbito hospitalar, há
imprevisibilidade dos resultados, bem como a fluidez da sua intervenção, fato
característico no processo de trabalho em saúde, que se confunde a certa visão de
"indefinição" do serviço social. Segundo, o assistente social A,
Procuram informações que não são nossas, a gente encaminha e ainda saem chateados, a gente até já escutou “o que é que o serviço social faz aqui?” porque querem que a gente dê conta de médico, de exames, tem muitas coisas que não são da nossa competência e eles vêm cobrar da gente, como chamar médicos por exemplo. O dia a dia do hospital é esse, muito estresse (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).
As lacunas do Sistema de Saúde se explicitam no momento em que os
assistentes sociais são requisitados a responder nos casos de aquisição vagas para
internamento, de realização de exames, falta de medicamentos nas farmácias
hospitalares, solicitação de transporte para a recondução ao domicílio, ou a outra
unidade hospitalar, e falta de condições favoráveis – sociais e econômicas – das
famílias para continuar os tratamentos. Somam-se a isto, as demandas de
funcionamento/fluxo do sistema, como: manter a rotina hospitalar, garantir a
rotatividade dos leitos, seja por pressão da demanda reprimida, seja pela lógica de
remuneração/produtividade leito/dia, assegurar o disciplinamento e o
enquadramento dos usuários e acompanhantes às normas e rotinas das unidades,
embora também, em alguns momentos, contraditoriamente, identifica-se a
necessidade de abertura de exceções às regras:
96
Esses casos sabe, tá muito cheio aqui agora, aí tem uma fila e alguém fala com a menina da recepção: ei dá pra dá um jeitinho porque meu ônibus sai às cinco horas e não vai dá tempo, aí dizem: vá falar com o serviço social. Aí são coisas que eles sabem que não podem interferir, já teve gente que quebrou porta. Fez confusão, a gente quase já foi agredida por esse tipo de coisa. A gente procura não interferir, mas acontece muito isso, dá vontade de dizer: o que a gente tem a ver com isso? (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).
Assim, os assistentes sociais são convocados para intermediar a flexibilização
das normas; ou seja, abrir exceções, como exemplo, agilizar ambulâncias de
hospitais de emergência para locomover pacientes ao domicílio pós-alta médica61 ou
autorização de visitas fora do horário estabelecido. Observa-se assim, que a
exceção torna-se a regra. Deste modo, os conflitos daí decorrentes, como a grande
circulação de pessoas nas enfermarias, combatida pelo poder
coercitivo/policiamento sobre os usuários, o que deveria ser evitado com
orientação/informação.
Cabe ao profissional de serviço social apreender criticamente o objetivo
destas atividades que se originam, de um lado, pela rigidez das normas; e de outro ,
pela própria natureza do Sistema de Saúde, que requisita comportamentos,
cuidados e precauções especiais para a circulação dos pacientes, familiares,
acompanhantes e visitantes. Originam-se também, do quadro de desigualdade
social, cultural e educacional dos usuários que compromete sua capacidade para
decodificar normas e rotinas que poderiam ser veiculadas por outros meios,
principalmente, por escrito.
O processo de trabalho em saúde apresenta os seguintes aspectos: excesso
de atividades, desproporção entre a demanda e a capacidade dos serviços,
fragmentação, ambigüidade de atribuições, não-implicação entre objeto e objetivos
de trabalho, insegurança técnico-profissional, gerência autoritária, omissa ou sob
múltiplas linhas de comando, falta de trabalho em equipe sob a forma de conversa 61 Cabe registrar que os hospitais não disponibilizam as ambulâncias do serviço por ocasião de alta hospitalar. Realizam transferências e/ou encaminhamentos conforme solicitação dos médicos plantonistas. O retorno dos pacientes às suas residências ou à outra unidade de saúde fica por conta do mesmo ou da Secretaria Municipal de Saúde. O que demanda ao assistente social contato telefônico com secretários de saúde e/ou transporte, com respectivos motoristas para viabilizar o serviço.
97
para o enfrentamento dos problemas e a alienação quanto aos resultados do
trabalho.
Este cenário rebate sobre a saúde dos trabalhadores, sobre a auto-imagem
profissional e sobre suas relações de trabalho e sociais, contribuindo para a auto-
culpabilidade, a sensação de incompetência, e a diminuição da auto-estima; e ainda,
piora o rendimento e a qualidade profissionais com a perda da atenção, má acolhida
aos usuários e aos colegas, com tendência a posturas culpabilizantes e agressivas,
e manifestação de doenças psicossomáticas (SANTOS-FILHO, 2009).
O trabalhador em saúde lida com o limite humano, com a morte, a dor e o
sofrimento; geralmente, em espaços perigosos e/ou insalubres, de fracassos e de
competição. Portanto, estes cuidadores da saúde dos outros também necessitam de
cuidados, apoio, formação continuada/permanente e incentivos de carreira e
salários. A qualidade dos serviços prestados à população usuária do SUS, composta
por cerca de 180 milhões de pessoas; e a garantia dos direito à saúde requerem a
valorização dos seus trabalhadores 62.
O trabalho dos assistentes sociais, no interior do processo de trabalho
coletivo no SUS, dá-se pela cooperação, a partir do conjunto das operações
coletivas de trabalho, que garantem uma determinada lógica de organização e
funcionamento dos serviços públicos de saúde. A expansão deste mercado de
trabalho se deve tanto à ampliação horizontal das sub-unidades de serviços quanto
a uma divisão social e técnica do trabalho.
O processo de cooperação envolve atividades especializadas, saberes e
habilidades que mobilizam, articulam e põem em movimento, unidades de serviços,
tecnologias, equipamentos e procedimentos operacionais.
O processo de trabalho em saúde tem uma singularidade marcada pela
natureza e modalidade dos processos de cooperação, quais sejam: a cooperação
vertical, diversas ocupações ou tipos de trabalhadores, que participam de uma
determinada hierarquia; e a cooperação horizontal, diversas sub-unidades que
participam do cuidado em saúde (NOGUEIRA, 1999).
Observa-se que as requisições postas aos assistentes sociais advêm,
paradoxalmente, das contradições do sistema, o que implica a ampliação e o
62 Em 2002, o Brasil possuía aproximadamente 2,2 milhões de trabalhadores na saúde, sendo 54% deles no setor público (SANTOS-FILHO, 2009).
98
redimensionamento das atividades, com novas qualificações técnicas e políticas, em
geral, precarizadas.
As atividades do serviço social, no âmbito do SUS, relacionam-se às
dimensões emergencial/assistencial, de educação/informação/comunicação, de
planejamento/assessoria, e de mobilização/participação social.
As ações emergenciais respondem às demandas que interferem no processo
de saúde-doença e no acesso aos serviços de saúde. Relacionam-se às precárias
condições de vida da população, ao déficit na oferta dos serviços de saúde, e
demais políticas públicas sociais. Caracterizam-se pela agilização dos
internamentos, dos exames, das consultas – extras –, dos tratamentos, da obtenção
de transporte, dos medicamentos, das órteses e próteses, do sangue, dos alimentos,
das roupas e do abrigo.
Estas ações demandam a mobilização e a articulação de recursos humanos e
materiais dentro e fora do sistema, tratadas como situações excepcionais, pois os
mecanismos institucionais existentes não as absorvem rotineiramente, pela falta de
recursos materiais e financeiros.
As ações de educação, informação e comunicação em saúde visam a
esclarecer e informar a população, por meio de orientações e abordagens individuais
e/ou grupais sobre os problemas de saúde, bem como sobre a forma de prevenção
e enfrentamento.
Assim, é facilitada a comunicação interna entre unidades da rede SUS,
setores, profissionais, serviços e usuários, com vistas à qualificação e à
humanização da atenção, destacando-se a participação em equipes
multiprofissionais.
As atividades de planejamento e assessoria objetivam qualificar os recursos
humanos na esfera operacional das unidades. Nestas, os assistentes sociais atuam
como monitores, instrutores e articuladores de reuniões, treinamentos, oficinas de
trabalho, projetos, programas, planos municipais, grupos de discussão e
implantação de novos sistemas de registro das atividades e de controle da
produtividade.
As ações de mobilização e participação social têm caráter político-
organizativo e sócio-educativo, pois visam a sensibilizar, articular e mobilizar a
comunidade. Trata-se de explicar e convocar usuários e trabalhadores do SUS a
99
participarem dos conselhos de saúde no âmbito local – das unidades de saúde – e
distritos sanitários, municipal e estadual. É Incentivado o engajamento de lideranças
tanto em relação à participação nos referidos conselhos quanto à organização de
trabalhos educativos voltados para a prevenção e o controle de doenças,
principalmente, endemias e epidemias.
É no interior do processo mais geral de cooperação, envolvendo as diversas
unidades, sub-unidades, setores, saberes e atividades profissionais que se
operacionaliza/objetiva o trabalho dos assistentes sociais, atendendo a interesses
contraditórios; ou seja, tanto às exigências mais gerais do sistema e das
necessidades operacionais das unidades de saúde quanto às necessidades de
acesso dos usuários.
No atendimento hospitalar, que é o lócus privilegiado nesse estudo, sinaliza-
se que a obtenção dos dados dos pacientes, no ato do internamento, por meio de
entrevistas, preenchimento de ficha social ou formulários, é a primeira etapa do
processo de atendimento/acompanhamento realizado pelos assistentes sociais.
A objetivação dessa atividade se dá a partir do encaminhamento dos médicos
de plantão, quando autorizam um internamento, bem como dos demais
profissionais63, propiciando o acesso interno e externo dos sujeitos e famílias.
Esta demanda integra o conjunto de procedimentos e normas relativos ao
funcionamento do sistema de saúde, o que configura o assistente social como
agente de interação entre os diversos níveis do SUS, e entre as demais políticas
sociais. Conclui-se que seu principal produto é assegurar, pelos caminhos mais
tortuosos, a integralidade das ações (COSTA, 1998).
A baixa resolutividade no sistema de saúde é um agravante que repercute
diretamente no exercício profissional dos assistentes sociais, conforme afirmativa a
seguir:
Questão de exames e de parecer com outras especialidades que é difícil de conseguir, a gente depende do favor voluntário deles lá, entendeu? A gente liga pra o Varela, pra o HOSPED [Hospital Pediátrico], pra o HUOL[Hospital Onofre Lopes], então se eles tiverem boa vontade. Exames que não são feitos aqui, exames que não sejam de alta complexidade porque esses, a gente consegue pelo sistema. Outros exames como
63 Nos hospitais, os usuários só são atendidos pela equipe multiprofissional a partir do atendimento médico, o qual detêm o poder de decisão sobre internamento, alta e transferência.
100
endoscopia, neuropediatra é muito difícil, esses são aqueles que emperram ali. Eu fico pedindo favor como se fosse pra mim (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).
A participação dos assistentes sociais no processo de trabalho em saúde tem
a singularidade de "repor", por meio de suas ações, as lacunas da parcialização,
fragmentação, super-especialização e terceirização do trabalho, dos quais fazem
parte como produto e sujeito.
3.2 O Trabalho profissional dos assistentes sociais na rede hospitalar em Natal (RN)
No caso particular desta pesquisa, realiza-se uma aproximação com o
trabalho profissional dos assistentes sociais em hospitais públicos estaduais. Neste
sentido, apresenta-se a rede hospitalar estadual no município do Natal/RN composta
por 06 (seis) hospitais de referência com atendimento 24 h (vinte e quatro horas).
Compreende os hospitais Doutor José Pedro Bezerra (Santa Catarina), Hospital
Materno Infantil Maria Alice Fernandes, Hospital Colônia João Machado, Hospital
Coronel Pedro Germano (Hospital da Polícia Militar-HPM), Hospital Doutora Giselda
Trigueiro e Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel (Pronto- Socorro Clóvis Sarinho).
Os hospitais funcionam em regime de internação, dia e noite, e apresentam
diferentes graus de incorporação tecnológica, bem como regime permanente e
contínuo de atendimento especializado para situações de urgências e emergências
médicas – clínicas médicas, centros cirúrgicos, exames de alto custo e
maternidades.
De acordo com dados da Coordenadoria de Recursos Humanos da Secretaria
de Estado da Saúde (CRHSES), o número de assistentes sociais com cargo efetivo
na rede de serviços de saúde, em todo o Estado – zonas rural e urbana – fica assim
distribuído, conforme o Quadro 05, a seguir.
101
RESUMO TOTAL
Assistente Social
254
Assistente Social – Redistribuídos/ IPE
01
Total
255
Quadro 05. Servidores efetivos no setor de serviço social. Fonte: Secretaria de Saúde Pública-RN /NR(Coordenadoria de Recursos Humanos), 2008.
O número de profissionais presentes na rede hospitalar, informado pela
Secretaria de Saúde (conforme coluna SESAP, no Quadro 05) difere dos dados
obtidos a partir do relato dos profissionais entrevistados (conforme coluna
unidade/gestor, no Quadro 06).
Essa diferença no número de profissionais decorre da falta de atualização do
banco de dados, quanto ao número de servidores, da sua distribuição na rede de
serviços, bem como dos desvios de função. A Secretaria também não dispõe de
mecanismos que avaliem a insuficiência de algumas categorias profissionais, e os
desníveis salariais, conforme Quadro 06, a seguir:
QUANTIDADE DE PROFISSIONAIS Hospitais SESAP/RN UNIDADE/GESTOR
Hospital Santa Catarina 15 13 Hospital da Polícia Militar 04 10 Hospital Walfredo Gurgel 31 23 Hospital Giselda Trigueiro 16 14 Hospital Infantil Maria Alice Fernandes 03 04 Total
69 64
Quadro 06. Número de assistentes sociais no quadro dos hospitais. Fonte: Pesquisa de campo. 2009.
No decorrer da pesquisa, observou-se que o quadro de assistentes sociais se
encontra desfalcado devido ao número de profissionais em férias e em licenças
prêmio, maternidade e médica. Reconhece-se que são direitos garantidos pela
legislação que devem ser respeitados pelos empregadores. Mas a insuficiência
desta categoria no quadro funcional do Estado acarreta a intensificação no trabalho,
pelo acúmulo de demandas, somando-se ao fato de que, na falta dos assistentes
sociais, outros profissionais se consideram capazes de realizar seu trabalho.
Esta postura tem implicações éticas, pois o exercício profissional requer
formação acadêmica e registro em conselho de classe, além da crescente
102
desvalorização desta força de trabalho, pelo fato de outra pessoa achar que pode
fazer o trabalho do assistente social.
No tocante à carga horária nas unidades hospitalares, os assistentes sociais
acompanham o movimento das demais categorias na saúde, principalmente, a
médica e a de enfermagem que cumprem a escala de plantão – 12 e/ou 24 horas –,
com folgas intercaladas.
Estes dados revelam a fragilidade da força de trabalho em saúde, visto que o
cumprimento da carga horária nesses moldes facilita e incentiva o duplo ou até triplo
vínculo empregatício para os assistentes sociais, sendo imensuráveis os danos
causados à qualidade de vida e de trabalho destes profissionais.
A partir de um resgate histórico da produção clássica do Serviço Social64
sobre o espaço do plantão, nota-se que cabia ao assistente social propiciar o “bom
atendimento” dos “clientes” na rotina institucional, “averiguando” se os seus pedidos
poderiam ser atendidos pela instituição ou encaminhados para outra “obra social”
que pudesse atendê-los.
Nesta perspectiva, observa-se que a concepção de plantão se relaciona aos
objetivos institucionais; ou seja, a natureza do plantão é determinada apenas pelos
objetivos da instituição, fazendo que os objetivos profissionais coincidam com
àqueles.
Concorda-se com Vasconcelos (2002, p. 166), de que a prática dos
assistentes sociais no plantão é conservadora, visto que objetiva o controle e o
poder coercitivo sobre os usuários, na garantia da condução das ações cotidianas,
visando ao bom andamento da rotina organizacional, sem o comprometimento com
a população usuária.
A trajetória do serviço social é marcada pelo forte vínculo com o pensamento
conservador, seja oriundo da Igreja Católica, seja do pensamento laico. Esta
vinculação não se deu por acaso. Legitimava-se os interesses da ordem burguesa a
partir de ações profissionais frente às demandas existentes, diante dos “problemas
sociais”.
64 Trata-se das produções de Balbina Otoni Vieira; Gordon Hamilton; Mary Richmond pelas quais o plantão foi pensado e trabalhado visando o atendimento emergencial e burocrático às demandas trazidas à instituição (AMADOR, 2009).
103
A intervenção profissional se voltava para o âmbito individual, de fundo moral
e/ou psicológico, cujo “tratamento” se pautava no relacionamento assistente
social/cliente, objetivando a mudança comportamental.
A prática profissional era isenta de uma dimensão política, pois a abordagem
psicossocial da questão social tornava suas expressões um problema oriundo de um
comportamento psicologicamente perturbado ou desviante, porque
[...] a psicologização das relações sociais se expressa como individualização da questão social, transformada em problemas pessoais, essa forma é apenas uma dentre outras maneiras de o pensamento conservador conceber a questão social [...] (GUERRA, 2001, p. 264).
O retorno às práticas psicologizantes e individualistas se materializam por
meio dos atendimentos de orientação, apoio e aconselhamento que visam tão
somente a naturalizar as expressões da questão social, afastando a dimensão
política da prática profissional, na busca pela universalização dos direitos sociais.
Nos hospitais, o plantão social funciona, em geral, em salas pequenas, sem
ventilação e sem condições de privacidade e sigilo profissional, pois um ou mais
profissionais aguardam os usuários que o fazem espontaneamente ou
encaminhados pela equipe da saúde.
As demandas do plantão são atendidas individualmente, por meio de
orientações, encaminhamentos internos e externos, esclarecimentos, informações,
providências, apoio e aconselhamento, em salas de atendimento, nos corredores e
nas enfermarias (leitos) (VASCONCELOS, 2002).
As inadequações do espaço físico e das condições mínimas de atendimento
aos usuários comprometem o exercício profissional, pois não estão em
conformidade com os princípios ético-políticos da profissão, visto que é
responsabilidade e dever do assistente social garantir o sigilo profissional e a
privacidade dos usuários naquilo que for tratado durante o processo de intervenção
profissional.
Ademais, o compromisso para com a qualidade dos serviços prestados à
população e para com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência
104
profissional, é um dos princípios fundamentais do Projeto Ético-Político Profissional.
Veda-se ao assistente social transgredir qualquer preceito do Código de Ética
Profissional, bem como da Lei de Regulamentação Profissional (Lei Federal nº
8662/93), e ainda de acatar determinação institucional que fira os princípios e
diretrizes deste Código, sob a pena de apuração de sua responsabilidade ética.
Diante do exposto, afirma-se que o plantão é um espaço contraditório de
embate entre as práticas coletiva e individual, caracterizado por atividades pontuais,
não-planejadas e reduzidas a resolverem os “problemas” dos usuários para manter o
bom andamento da rotina organizacional:
Trata-se de uma prática burocrática e não assistencial que segue mecanicamente normas impostas pelo regulamento das entidades empregadoras, ou seja, aos interesses do capital, visto que ao priorizar um atendimento de escuta/ encaminhamento e o preenchimento de cadastro, fichas, formulários que viabilizam o acesso a benefícios ou inscrição em programas da instituição, referenda a morosidade e a complicação da coisa pública burocratizada que objetiva limitar o acesso dos usuários aos direitos sociais (VASCONCELOS, 2002, p. 170).
Concorda-se com a autora, pois a ênfase às práticas individuais de
atendimento aos interesses imediatos dos usuários como um fim em si mesmo, em
detrimento das abordagens coletivas, previamente planejadas, impedem a
participação consciente dos mesmos e da equipe multiprofissional, no tocante à
democratização das informações e do controle social.
Neste sentido, o plantão se constitui como um espaço desafiante para os
profissionais comprometidos com a construção de práticas democráticas e coletivas
de atendimento às demandas dos usuários.
Destaca-se que nos atendimentos individuais, os assistentes sociais
entrevistados afirmam que têm contato direto com os pacientes e seus respectivos
acompanhantes, seja no ato do internamento, seja em visitas diárias aos leitos.
Todavia, nem todos recebem o adicional de insalubridade65, assegurado pela
65 O artigo 189 da Consolidação das Leis Trabalhistas prescreve “[...] Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de
105
Constituição Federal (Art. 7º, XXIII) aos trabalhadores urbanos e rurais, dentre
outros.
O adicional de insalubridade corresponde aos percentuais de 5% (cinco por
cento), 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento), calculados sobre o vencimento
do cargo efetivo do servidor, de acordo com os graus mínimo, médio ou máximo de
insalubridade da atividade exercida, estabelecidos em laudo pelo serviço de saúde
ocupacional (SSO).
Trata-se de um direito trabalhista constitucional ao que fazem jus os
servidores que trabalham com habitualidade em locais insalubres e/ou perigosos, ou
em contato com substâncias tóxicas, radioativas e/ou que ofereçam risco de vida.
Apesar da exposição a determinadas doenças, como tuberculose, meningite,
hepatite, hanseníase e gripe A, e o corrente risco ao contágio, há profissionais que
não recebem o adicional, mesmo atuando diariamente em hospitais referenciados
em doenças infecto-contagiosas. E estes, somam-se àqueles que percebem este
adicional segundo um cálculo sobre o valor salarial desatualizado.
Observa-se uma crescente precarização desta força de trabalho, por meio
dos contratos temporários, sem garantias trabalhistas e previdenciárias. Segundo
estas condições, os assistentes sociais cobrem o quadro para responder às
demandas. O acesso se dá por meio de processos seletivos para contratação
temporária e/ou por indicação, desconsiderando as condições objetivas e subjetivas
que estes profissionais dispõem para prestar um atendimento de qualidade.
O trabalho profissional dos assistentes sociais é perpassado por aspectos que
devem ser problematizados, como a diversidade de atribuições, a falta de
planejamento das atividades, a incorporação do discurso institucional em detrimento
dos objetivos profissionais e dos usuários, o desconhecimento do Código de Ética
Profissional, o reduzido número dos assistentes sociais, as precárias condições de
trabalho e salário, a falta de pesquisas e participação em conselhos de políticas
sociais, bem como de capacitação profissional.
O reduzido número de concursos público, e na ocasião destes, de insuficiente
número de vagas, é emblemático no tocante ao que vem sendo discutido neste
trabalho. O último concurso de provas e títulos realizado em 2008, destinado a
tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos”.
106
selecionar candidatos para provimento de vagas e cadastro de reserva, contou com
a seguinte oferta de vagas, conforme o Quadro 07:
Cargo
Requisito
Ch
Vagas
Total de vagas (cr)
Região
Vencimento
R$
Assistente Social
Diploma, devidamente registrado e registro no Conselho Profissional
30
01 04 Agreste
1.050,00
01 04 Alto Oeste 01 04 Assu
01 04 Mato Grande
01 04 Metropolitana
01 04 Oeste
01 04 Seridó 01 04 Trairi/Potengi
Quadro 07. Número de vagas no concurso público da Secretaria de Saúde. Fonte: Edital nº 001/2007, Instituto Cidades. 2007.
A necessidade de ampliação do quadro de assistentes sociais se relaciona ao
avanço do projeto neoliberal e ao acirramento das expressões da questão social no
país. O resultado do trabalho do assistente social não é material, ou seja, não é
mensurado em unidades físicas. Porém, o seu valor de uso tem uma utilidade à
funcionalidade do capital, mesmo não gerando diretamente um valor, interfere e cria
condições favoráveis ao desenvolvimento das forças produtivas.
É evidente a expansão do trabalho na saúde, devido às mudanças
demográfica e epidemiológica, como o envelhecimento da população, o aumento
das doenças crônicas, o aumento da morbidade por causas externas, o sofrimento
mental e a disseminação de algumas epidemias.
Todavia, a aquisição da força de trabalho em saúde se dá de forma lenta e
precarizada, a partir da degeneração dos vínculos, negação ou omissão quanto aos
direitos constitucionais dos trabalhadores, adversidades no âmbito das organizações
e relações sociais, nos contextos de trabalho e gestão tradicionais. Reforça-se que
é, neste contexto contraditório que o serviço social assume o papel de mediador
entre os usuários e o sistema de saúde.
Os relatos dos entrevistados nos revelam que as deficiências no número de
profissionais no quadro tende a ser suprida de acordo com o interesse e
sensibilidade de cada gestor das unidades hospitalares. A lógica gerencial
hegemônica decide sobre atos, finalidades e efetividade do trabalho, subordinando
107
as decisões profissionais à estrutura hierárquica das entidades empregadoras.
Todavia, há experiências bem sucedidas de interação entre a equipe
multiprofissional, os gestores e os assistentes sociais, conforme relato a seguir:
A gente sempre fala isso porque sempre vemos as colegas das outras instituições reclamarem [...] sobre a interdisciplinaridade entre eles que não existe, mas aqui existe, os médicos vêm aqui pra discutir casos de pacientes, sobre os pais, se tá tratando bem a criança, essa coisa, enfermeiro, fisioterapeuta para saber o que a ente acha. O diálogo com gestores é bem aberto [...] nossos projetos [...] a direção recebe muito bem (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).
A falta de participação nos processos decisórios é uma característica do
espaço hospitalar. E a falta de autonomia66 e de poder de decisão direciona o
trabalho profissional à mera execução de tarefas pré-estabelecidas, pelos gestores,
secretários de saúde, diretores e coordenadores das unidades hospitalares.
A responsabilização dos trabalhadores por tarefas e procedimentos de pouco
significado, e sem espaço criativo distancia-os de sua “obra”, do entendimento e da
celebração de resultados finais na organização, levando-os à conseqüente alienação
e desmotivação (CAMPOS, 1997).
Na luta pela concretização do projeto da reforma sanitária, torna-se de
fundamental importância a reflexão permanente acerca do trabalho profissional nos
serviços de saúde, o qual se amplia sob condições degradantes, do ponto de vista
das condições de trabalho, das dimensões ético-políticas, da saúde dos
trabalhadores e da qualidade dos serviços prestados.
66 Maior capacidade de compreender e agir sobre si mesmo e sobre o contexto, com protagonismo, com maior capacidade reflexiva, e de estabelecer compromissos e contratos com outros (CAMPOS, 2000).
108
4 A DEGRADAÇÃO DO TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA E NOS PROCESSOS DE TRABALHO EM SAÚDE
O processo de trabalho na saúde é parcelado, tornando a assistência em
saúde fragmentada. Há uma especialização dentro das profissões, que dificulta a
apreensão dos sujeitos em sua totalidade. Nota-se uma crescente precarização das
relações e condições de trabalho, por meio da degeneração dos vínculos –
prestação de serviços e assalariamento –, que desqualifica o atendimento com
profissionais desvalorizados e desmotivados, repercutindo na qualidade de vida e na
saúde dos trabalhadores.
A atual tendência de desestruturação do trabalho organizado e/ou formal, a
partir da crescente ocupação em atividades instáveis, precárias e atípicas, enquanto
alternativas ao desemprego, implicam a fragilização da classe trabalhadora, tanto na
sua forma quanto na sua organização.
O quadro de degradação do trabalho decorre da histórica exploração da
classe trabalhadora, que se intensifica e se re-configura no contexto neoliberal, a
partir de um novo padrão de acumulação capitalista, pelo qual se impulsionam novas
formas de produção e gestão do trabalho.
O padrão de acumulação fordista-taylorista67 e a política de regulação social
keynesiana68, contexto que ficou conhecido como “[..] os anos dourados ou os 30
gloriosos” (MARTINS, 1992) entra em crise em meados da década 1970.
Neste contexto, os gastos sociais e a organização dos trabalhadores são
acusados de desestabilizarem as bases de sustentação da economia. A retirada do
Estado, enquanto regulador das relações econômicas e dos gastos públicos na área
social é apontada pelos ideais neoliberais como o meio de superação da crise.
A transição do processo de produção fordista/taylorista para a vigência de um
novo padrão industrial e tecnológico, com base no modelo toyotista e/ou acumulação
flexível69 traduz uma nova era de transformação das relações sociais. Intensifica-se
67 Padrão produtivo do capitalismo desenvolvido no século passado, que tem como características a produção em massa, concentrada e verticalizada, com controle de tempo e movimentos (IAMAMOTO, 2000). 68 Política de regulação social, voltada ao pleno emprego e à manutenção de um padrão salarial capaz de manter o poder de compra dos trabalhadores (IAMAMOTO, 2000, p. 47). 69 Padrão produtivo do capitalismo, caracterizado pela flexibilidade nos processos de trabalho, mercados, produtos e padrões de consumo (CORIAT, 1994).
109
a acumulação do capital a partir da reestruturação produtiva, por meio de novas
formas de exploração do trabalho.
As mudanças no “mundo do trabalho” ocorrem pela introdução de novas
máquinas, da chamada automação microeletrônica, e somam-se ao uso de novas
técnicas de gerenciamento, de métodos de administração do trabalho, da produção
e do consumo.
Trata-se da busca frenética por novas técnicas de dominação, no Brasil e no
mundo, que não é recente, pois acompanha o próprio desenvolvimento do sistema
capitalista, desde a sua gênese no enfrentamento de suas constantes crises de
superprodução.
As denominações Just-in-time (JIT)70, Círculos de Controle de Qualidade
(CCQ), kanban71e administração-participativa fazem parte do vocabulário das
organizações empresariais, e são métodos requintados, denominados de toyotismo,
pelos quais o capital não suga somente o esforço físico do trabalhador, mas
expressa perdas sociais, mutilação do corpo, mente e de sua capacidade de luta
(FREIRE, 2003).
O toyotismo, originário do Oriente – Japão – representa um conjunto de
compromissos que assegura a “regulação” da empresa e da economia, baseado na
história econômica particular daquele país, pós II Guerra Mundial, e de seus traços
culturais particulares, mas que são comparáveis aos princípios de organização do
trabalho e gerência de produção do fordismo/taylorismo, no Ocidente (CORIAT,
1994).
A ocidentalização do toyotismo é uma saída para a crise do capital, pois
representa um novo ordenamento social, pactuado entre capital, trabalho e Estado.
No entanto, Antunes (2005) afirma que essas inovações visam a aperfeiçoar os
métodos de manipulação dos operários, portanto não são técnicas neutras ou
isentas de interesses.
A história da organização capitalista do trabalho mostra que o patronato visa
sempre a basicamente dois objetivos: o econômico, que é o do crescimento e da
70 Técnica de gestão e controle de mercadorias que procura minimizar o nível de estoques nas indústriais, pela qual a produção é determinada com hora certa para que chegue antes que o estoque existente termine, economizando assim espaço e capital, e evitando o desperdício (CORIAT, 1994). 71 Cartão de sinalização que controla os fluxos de produção ou transportes em uma indústria (CORIAT, 1994).
110
acumulação de capital; e o político, que é o de manter a submissão dos
trabalhadores, de modo a garantir o primeiro intento.
No Brasil, o processo de reestruturação produtiva se consolidou a partir da
década de 1990, na qual se iniciou a adoção de novos padrões organizacionais e
tecnológicos e de novas formas de organização social do trabalho, em um contexto
mundial de competitividade, gerado pelo mercado globalizado (FREIRE, 2003). Tais
mudanças são regidas pelos países centrais, que são ricos e desenvolvidos, nas
esferas econômica e técnico-cientifica, razões pelas quais determinam todas as
relações na sociedade.
A adesão dos países à ideologia neoliberal72 representa um retrocesso
histórico no âmbito da consolidação dos direitos, das conquistas sociais e do projeto
da classe trabalhadora, já que enfraquece o espírito revolucionário das mesmas, que
hoje são cooptadas pelo grande capital.
Tal implantação se dá por meio da cultura da crise (MOTA, 2000), pela qual
se justifica a perda de direitos sociais conquistados como inevitáveis, em prol de
interesses privados (FREIRE, 2003).
Os países periféricos – emergentes –, como é caso do Brasil, inserem-se na
economia mundial de forma desigual, pois seus espaços físicos são abertos a
capitais externos, e sua economia é totalmente dependente desse tipo de
investimento. Soma-se a adoção aos ideais das grandes potências, no tocante à
organização do Estado no âmbito dos direitos civis, políticos, sociais, fundamentais e
humanos, sem a devida leitura da realidade sócio-cultural, econômica e política de
cada país, com suas especificidades.
O processo de expansão capitalista em curso, mediante a terceira revolução
tecnológica, desencadeia novas articulações de processos econômicos, políticos e
sociais, projetos de sociedade, formas de organização de poder, do trabalho e dos
sujeitos sociais, em proporções mundiais.
Os desdobramentos mais visíveis são o aumento da produtividade, por meio
do avanço tecnológico nas redes de telefonia fixa e móvel; máquinas; robótica;
72 Os avanços dos ideais neoliberais se efetivaram de forma heterogênea no mundo, com destaque para a Europa, mais precisamente, na Inglaterra, por intermédio da atuação da Ministra Margareth Thatcher; e nos Estados Unidos da América, com o Presidente Ronald Reagan, no decênio de 1980, do século XX. Estes se configuram como uma referência à disseminação da doutrina neoliberal, no contexto mundializado. Contudo, o Chile foi “[...] a primeira experiência neoliberal sistemática do mundo” (ANDERSON, 1995, p. 19).
111
satélites espaciais; computadores e demais inovações técnico-científicas; o
desemprego e a conseqüente desvalorização do trabalho.
O processo de globalização da economia, oriundo da revolução técnico-
científica, expande o capital pela supremacia dos agentes econômicos sobre os
Estados-Nação, de forma irrestrita e universal, sem barreiras nacionais e políticas
que possam cercear seu crescimento (MARTINS, 1992, p. 2-3). Assim,
Paradoxalmente, a crise de acumulação de capital na era da globalização tem criado grandes e novas dificuldades, em vez de resolver as iniqüidades do sistema há muito tempo contestadas, como os otimistas porta – vozes da globalização, sem nenhum problema, querem nos fazer acreditar, pois as margens da viabilidade produtiva do capital estão diminuindo [...] apesar dos esforços dos Estados capitalistas – individualmente ou em conjunto [...] para manter firmes as margens do sistema (MÉSZÁROS, 2006, p. 38).
A única alternativa de aumento das margens de acumulação capitalista dá-se
a partir do agravamento das condições econômicas e dos pacotes de salários
precarizados da força de trabalho. E, neste sentido, o Estado nunca foi tão
intervencionista, tanto no plano econômico quanto político, em favor das empresas
capitalistas.
Na era tecnológica, acentuam-se práticas de exclusão, que têm, no
desemprego estrutural,sua característica mais perversa e preocupante, bem como o
aumento do trabalho precário no âmbito da economia informal; o desenraizamento
pelas correntes migratórias inter-regionais e internacionais leva ao aumento das
periferias no espaço planetário; e o aumento da pobreza e do abandono dos que
não são mais de interesse ao sistema (MARTINS, 1992). É o mundo das relações
mercantilizadas, no qual tudo é descartável, desde que não seja do interesse do
capital.
As transformações no modo de produção ocorrem simultaneamente na
organização do Estado e no processo de trabalho nos setores: primário –
agropecuária e extração de minérios –; secundário – indústria, pesquisa, informática
–; e terciário – serviços, sendo este último o âmbito do setor saúde.
112
Na saúde, o modo de produção se diferencia do mercado de bens e consumo
capitalista, pois requer modos de pensar comprometidos com a vida. Em outros
termos, práticas comprometidas com a coletivização da gestão, publicização das
relações de trabalho – saberes –, sujeitos – necessidades, desejos e interesses –, e
poderes – relação saberes e sujeitos (SANTOS-FILHO, 2009).
O processo de desmonte do Estado brasileiro no âmbito da saúde pública, ao
longo da década de 1990, atrela-se à lógica produtivista de acumulação capitalista,
que favorece as empresas que atuam no ramo, favorecendo uma “universalização
excludente”, com uma política pública voltada para pobres. Ao mesmo tempo,
fragmenta-se a classe trabalhadora pela terceirização, que a desprotege legalmente,
no que se refere às condições de trabalho e salarial.
Desregulamenta-se o trabalho por meio da sua flexibilização, com o intuito de
aumentar a produtividade e diminuir os custos, combatendo todas as formas
possíveis dos mercados rígidos, enquanto condição para manter e/ou ampliar a
participação das empresas e países nos principais mercados consumidores –
capacidade competitiva –, e a diminuir os números alarmantes do desemprego.
Trata-se de uma eficiente modalidade de exploração do trabalho pelo capital,
a partir do discurso da desconcentração da propriedade e da
independência/autonomia dos trabalhadores.
A ausência do vínculo empregatício passa a idéia de que a pequena produção
ou os pequenos negócios permitem que todos possam ser capitalistas. Concorda-se
com Vasapollo (2006, p. 45), na afirmativa de que segue
A flexibilização, definitivamente, não é solução para aumentar os índices de ocupação. Ao contrário, é uma imposição à força de trabalho para que sejam aceitos salários mais baixos e em piores condições.
Difundem-se novas ofertas de trabalho por meio do mercado ilegal, do
trabalho irregular, precário e sem garantias, quadro que gera violência e desmobiliza
as lutas por formas dignas de trabalho, já que a crise estrutural e a globalização do
desemprego (MÉSZÁROS, 2006) fragmenta as lutas de classes, reduzindo-as à
submissão, pelo medo da perda dos postos de trabalho. Isto porque, apesar da
113
inserção precária no mercado de trabalho, pretende-se mantê-la para garantir o
próprio sustento.
A flexibilização do trabalho é a chave do processo de reestruturação
produtiva, caracterizando uma nova etapa do capitalismo, qual seja, de precarização
das condições de trabalho, pela substituição das ocupações formais e dos direitos
trabalhistas, por meio da subcontratação de trabalhadores temporários, eventuais,
part-time, a domicílio, ocupações pelas quais os trabalhadores podem ser
contratados com encargos menores e demitidos sem indenização. Em outros
termos, podem ser descartados conforme os interesses do capital.
Agrava-se o desemprego estrutural instaurado pela redução dos postos de
trabalho, bem como o direcionamento dos trabalhadores desempregados para o
cerne do mercado informal que reduz a parcela de pessoas ocupadas que
contribuem para com a Previdência Social.
A informalidade existente no mercado de trabalho se manifesta na expansão
das formas atípicas de trabalho. Englobam-se aí, desde os contratos flexíveis, aos
trabalhadores autônomos – domésticos e/ou familiares –, as cooperativas, as
pequenas empresas, como também os vendedores, em geral, numa estratégia para
garantir, ao menos, a sua sobrevivência:
O indivíduo que se auto-emprega, mesmo que sua atividade não seja interior à produção capitalista, não é nem autônomo nem capitalista. Tal qual um assalariado, o produto do seu trabalho será enlaçado pela lógica do capital. O mercado é ponto para qual todos convergem e no qual todas as pseudo- autonomias se dissolvem. Por mais independente que o indivíduo imagine ser, o produto do seu trabalho terá, em algum momento, de se confrontar com outros, no mercado [...] (TAVARES, 2006, p. 441).
Deste modo, livra-se o desenvolvimento capitalista dos constrangimentos das
relações empregado-empregador, mediante estratégias que fazem do trabalho
informal a forma de ser da sociedade assalariada (TAVARES, 2006).
A condição de desempregado ou a constante ameaça do desemprego
provoca estresse, angústia, depressão, baixa auto-estima, agressividade e fadiga,
114
tornando os trabalhadores vulneráveis aos acidentes de trabalho e/ou constituindo
causas do aumento da violência na sociedade.
No contexto da saúde, cujo mercado de trabalho tem propiciado a expansão
do multi-emprego como forma de compensar as perdas salariais; e os contratos
temporários, traz consigo as ambigüidades características do “mundo do trabalho”
precarizado, no qual os trabalhadores são, ao mesmo tempo “cuidadores” da saúde
de outros e também carentes de cuidados de sua saúde e de melhores condições de
vida e de trabalho.
4.1 O Trabalho dos assistentes sociais no âmbito hospitalar
O convívio com precárias condições de trabalho no contexto hospitalar é fato.
Incluindo-se aí, desde a precária estrutura física e técnica, a insalubridade de
algumas atividades e ambientes, a peculiar organização parcelar na prestação dos
serviços, até as condições salariais, obrigando os profissionais cumprirem jornadas
extensas de plantões, num esforço de complementação salarial.
O trabalho dos assistentes sociais apresenta as fragilidades enfrentadas pelo
conjunto da classe trabalhadora, como: a precarização da força de trabalho por meio
da terceirização; as extensas jornadas de trabalho (plantões de 12 e/ou 24 horas);
as ações individualizadas e imediatas; a intensificação do trabalho por duplo ou até
triplo vínculo; as privatizações; a não existência de um PCCS; e a massiva
flexibilização das relações de trabalho. Assim,
É neste processo de precarização do trabalho que as terceirizações são intensificadas, com o objetivo de aumento de produtividade e garantia dos lucros [...] assim, a informalidade amortece os impactos do desemprego aberto, sob formas ocultas de desemprego (GUSMÃO, 2002, p. 93).
O discurso ideológico da “contra-reforma” estatal objetiva transferir suas
responsabilidades para a iniciativa privada, retirando direitos da classe trabalhadora,
115
pelo sucateamento da rede pública de saúde, ao lado do crescimento dos planos e
seguros de saúde, incentivando os que estão inseridos no mercado de trabalho –
formal ou informal – à pagarem mensalidades às empresas privadas de saúde, que
estabelecem suas regras, nem sempre claras.
Na rede pública, identifica-se o “pacote para pobres”, restando-lhes a
alternativa de “correr o risco” de ser pelo menos atendido, pois é exatamente assim
que a crise na saúde é apresentada pelos veículos de comunicação de massa, que
têm a função ideológica de transmitir os interesses das classes dominantes. O SUS
é deslegitimado perante a sociedade, apesar dos resultados obtidos com a
ampliação do acesso, a melhoria dos indicadores de saúde e a expansão do
trabalho direto e indireto neste setor (SANTOS-FILHO, 2009, p. 55).
O processo de redução das funções do Estado, que sempre foi o principal
empregador dos assistentes sociais, reduz o número de contratações na condição
estável, por meio de concursos públicos nas esferas municipal, estadual e federal. É
feita a opção pelos contratos temporários, com desregulamentação e restrição dos
direitos trabalhistas:
O consenso econômico neoliberal restringe os direitos trabalhistas com as desregulamentações, de modo que a contratualização assume assimetria de direitos das partes envolvidas, garantindo vantagens aos mais poderosos, quando não a ausência total de qualquer contrato, com precarização das relações de trabalho de grandes massas dos trabalhadores (SANTOS-FILHO, 2009, p. 30).
A desqualificação dos serviços e servidores públicos por parte das políticas
neoliberais de Estado mínimo, a partir do incentivo à privatização e à lógica lucrativa
de mercado, aponta o funcionalismo público como o principal culpado pela ineficácia
do sistema público de saúde, sendo por isso, desvalorizado.
A redução de contratações via concursos públicos rebate no sistema de
arrecadação previdenciária, para a qual os empregados contratados segundo a CLT
ou pelo estatuto dos servidores públicos contribuem para a Previdência Social.
A contratação indireta de serviços é priorizada como meio de diminuir o ônus
que os encargos trabalhistas impõem aos cofres públicos, visto que aumentaria a
eficácia do serviço e do atendimento, de acordo com as demandas e necessidades,
116
melhorando o aproveitamento dos recursos disponíveis (GUSMÃO, 2002, p. 100).
Verifica-se o velho discurso da crise estatal, pela qual é privatizado o espaço
público.
A contratação indireta na esfera do Estado é preconizada desde o Decreto-Lei
nº 200/6773, durante o governo militar, como forma de estímulo à atuação das
empresas privadas no âmbito da administração direta e autárquica, sempre que
possível e conveniente.
A Lei em vigor, Decreto nº 2.271/9774, estabelece a contratação de serviços
pela administração pública federal para “[...] execução indireta de atividades
materiais acessórias, instrumentais e complementares aos assuntos que constituem
área de competência legal do órgão ou entidade” (CF, 1988).
A Lei nº 8.666/9375, que regulamenta os contratos na administração pública e
licitações para seleção da empresa prestadoras de serviços, define a execução
indireta como a que o órgão ou entidade contrata com terceiros (Art. 6º, CF, 1988).
A terceirização no espaço público extrapola a forma de contratação. Refere-
se à estratégia da flexibilização do trabalho, por meio da desregulamentação
institucional disseminada pela “contra-reforma” estatal, pela qual os contratos
temporários deixam de ser a exceção, e se tornam regra, constituindo um modo de
precarização das relações de trabalho, já que evitam os encargos trabalhistas e
desmobiliza politicamente os trabalhadores.
A Constituição Federal de 1988 determina que o cargo público seja provido
por concurso público, ressalvados os cargos comissionados (Art. 37). Porém, a
oferta fica reduzida, especialmente, nas áreas não exclusivas76 do Estado.
A subcontratação está associada à desregulamentação das relações e
garantias trabalhistas, visto que os subcontratados, geralmente, não têm acesso às
mesmas, os salários são baixos, não são pagas as horas extras, o adicional noturno,
73 Aprovado no governo de Castello Branco em 25 de fevereiro de 1967 que dispõe sobre a organização da administração Federal, e estabelece diretrizes para a reforma administrativa, e dá outras providências. 74 De 07 de julho de 1997; dispõe sobre a contratação de serviços pela administração pública federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências (BRASIL, 1988). 75 De 21 de Junho de 1993; regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da administração pública e dá outras providências (BRASIL, 1988). 76 Áreas que não envolvem o exercício de poder do Estado, mas devem ser subsidiados por ele, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica (BRASIL, 1988).
117
a periculosidade/insalubridade, os encargos sociais, e os insumos – uniforme, vales
transporte, treinamentos, seguro –, as jornadas de trabalho são mais extensas e há
maior exposição a situações de risco e acidentes77.
A naturalização das condições precárias de trabalho é precondição para a
intensificação do trabalho e o aumento dos lucros, produzindo conflitos entre os
trabalhadores formais versus informais, a fragilização do movimento sindical e da
saúde dos trabalhadores, o comodismo, o desânimo e o distanciamento de um
trabalho criativo.
O processo de trabalho em hospitais é marcado pela competitividade e
corporativismo dos servidores e pela falta de consciência de classe, visto que para
os referidos, as terceirizações desqualificam técnica e politicamente o serviço
público, o que contribui para a perda de auto-estima, desmotivando-os para o
trabalho, ao ter que conviver com os que foram admitidos indiretamente. Explicitam-
se características próprias desta sociabilidade capitalista, pela qual as relações são
individualistas, competitivas e mercantilizadas, sinalizando-se a coisificação das
relações sociais.
Nas unidades hospitalares, o trabalho é organizado a partir do modelo clínico
de atenção à saúde, centrado no atendimento médico. Nestes espaços, é objetivada
a recuperação dos aspectos físico-biológicos e psíquico-sociais do ser humano em
um curto espaço de tempo e com o menor gasto possível. Portanto, envolve saberes
e trabalhadores específicos a cada formação profissional em torno de um objetivo
comum, qual seja, o atendimento às necessidades de prevenção,
tratamento/reabilitação e cura dos sujeitos.
A partir deste estudo, evidencia-se que, no âmbito hospitalar, todo e qualquer
problema que envolva dificuldade de deslocamento, de acesso a atendimentos,
medicamentos, exames, alimentos, documentos e informação é encaminhado ao
serviço sócial, que cumpre um papel fundamental como instrumento viabilizador de
condições objetivas para a realização do processo de trabalho em saúde e,
principalmente, para tornar possível o acesso dos usuários, que em sua maioria, são
excluídos do próprio serviço existente, constituindo-se numa espécie de elo invisível
(COSTA, 1998).
77 Ver pesquisa sobre a terceirização de serviços na “contra-reforma” do Estado (GUSMÃO, 2002, p. 108-9).
118
É nesse processo que se discute as particularidades da inserção do trabalho
dos assistentes sociais no processo de trabalho coletivo no SUS, especificamente,
no contexto hospitalar, pois esta força de trabalho não está aquém do contexto de
desregulamentação e precarização das relações de trabalho em curso.
4.2 Análise das condições de trabalho dos assistentes sociais
O trabalho profissional na saúde, especificamente, no âmbito hospitalar,
desenvolve-se a partir da dimensão assistencial/emergencial; ou seja, por ações de
aconselhamento, atividades burocráticas, seleções sócio-econômicas e apoio em
casos de óbitos, transferências e altas. Há o predomínio de atendimentos individuais
no acesso aos serviços e benefícios sociais, em detrimento de uma prática
sistematizada, contínua e coletiva.
Tal afirmativa se respalda no conteúdo das entrevistas e nas análises
bibliográficas feitas durante a pesquisa, além de experiência profissional vivenciada
no âmbito do SUS, especificamente em um hospital público gerido pelo Estado.
A partir de observações feitas nos hospitais visitados, nota-se que a inserção
dos assistentes sociais no processo de trabalho não é exclusiva nem organizada por
estes profissionais. Os empregadores organizam e atribuem unidade ao processo de
trabalho na sua totalidade, de acordo com as demandas socialmente produzidas.
Há referências à precariedade nos relatos das entrevistadas, sem tentativa de
atenuar o que se configura como limitação concreta ao desenvolvimento do próprio
trabalho, que vão desde a distribuição de profissionais por setores – clínicas
cirúrgica, médica, obstétrica, emergência e recursos humanos –, até a consecução
de metas estabelecidas (produtividade), localização e condições dos espaços
físicos.
Neste sentido, a categoria profissional, por meio dos seus órgãos
representativos, tem empenhando-se na garantia do exercício profissional
qualificado, ético e tecnicamente, em defesa dos direitos dos usuários. Sobre as
condições éticas e técnicas do exercício profissional, no que se refere ao espaço
físico, a resolução CFESS nº 493/2006, de 21 de agosto de 2006 resolve:
119
Art. 1º - É condição essencial, portanto obrigatória, para a realização e execução de qualquer atendimento ao usuário do Serviço Social a existência de espaço físico, nas condições que esta Resolução estabelecer. Art. 2º - O local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de espaço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes características físicas: A - iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno, conforme a organização institucional; B - recursos que garantam a privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o processo de intervenção profissional; C - ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas fechadas; D - espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de material técnico de caráter reservado (CFESS, 2006).
As condições físicas ideais ao exercício profissional se distanciam da
realidade observada, visto que os espaços de trabalho nos hospitais não
proporcionam privacidade e conforto aos usuários e profissionais, são elas: salas
pequenas e sem ventilação; quando grandes, aglomeram mais de um profissional,
realizando atendimento ao mesmo tempo; faltam equipamentos, transporte e
materiais permanente e de consumo.
O exercício profissional dos assistentes sociais em hospitais é fragmentado e
direcionado ao atendimento de situações problemas, o que reforça a concepção de
especialização nas diversas patologias médicas, colocada pelas demais profissões
de saúde como necessária de superação. De acordo com Iamamoto,
Os resultados ou processos de trabalho em que participam os assistentes sociais situam-se [...] no campo da reprodução da força de trabalho, da obtenção das metas de produtividade e rentabilidade das empresas, da viabilização de direitos e da prestação de serviços públicos de interesse da coletividade, da educação sócio-política, afetando hábitos, modos de pensar, comportamentos, práticas dos indivíduos sociais em suas múltiplas relações e dimensões da vida quotidiana na produção e reprodução social (2001 p.111-12).
O trabalho profissional dos assistentes sociais se reduz à ação exclusiva
sobre as questões subjetivas vividas pelos usuários e pela defesa de uma suposta
particularidade entre o trabalho desenvolvido por estes profissionais perante as
diferentes especialidades da medicina.
120
A visão de totalidade na organização do trabalho possibilita a contribuição de
cada especialização no processo global. Para tanto, é imprescindível ultrapassar as
fronteiras imediatas das atividades rotineiras, para apreender os processos sociais e
as mudanças contemporâneas, pelas quais são identificadas novas possibilidades e
exigências para o trabalho.
O entendimento da função social da profissão, na divisão social e técnica do
trabalho, que na área da saúde passa pela compreensão dos aspectos sociais,
econômicos, culturais que interferem no processo saúde-doença, é imprescindível
ao enfrentamento destas questões.
O atual contexto de desmonte das políticas de proteção social, diante do
explícito desrespeito à perspectiva de seguridade social, instituída pela Constituição
Federal de 1988, atinge tanto os sujeitos alvos dos serviços sociais quanto os
trabalhadores que prestam esses serviços,
Por se constituírem programas pobres para pobres, esses serviços acabam sendo desenvolvidos em condições de trabalho precárias, além da má remuneração; diante desse quadro os profissionais sentem-se impotentes pela não possibilidade de concretude e materialidade dos objetivos e finalidades do seu fazer (NICOLAU, 2005, p. 176).
Este quadro de precarização rebate, sobretudo na concretização dos
princípios ético-políticos da profissão, explicitados nos diversos documentos legais –
Código de Ética Profissional e Lei de Regulamentação da Profissão, ambos datados
de 1993, e nas diretrizes curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa
em Serviço Social (ABEPSS), datada de 1996.
Apesar da realidade mencionada, há possibilidade de uma atuação crítica na
saúde, desde que articulada ao projeto ético-político profissional e ao projeto da
reforma sanitária, a partir do enfrentamento das expressões da questão social e das
determinações sociais do processo saúde-doença.
O debate acerca das ações profissionais na saúde é imprescindível no atual
contexto de desmonte de direitos sociais e trabalhistas. Enfatiza-se neste estudo, a
contribuição das entidades representativas da profissão, na luta por melhores
condições de trabalho para os assistentes sociais, culminando na elaboração dos
121
Parâmetros (CFESS, 2009) para a atuação destes profissionais na saúde, bem
como na aprovação da tabela de honorários78 da categoria, e da redução da jornada
de trabalho79·.
O documento ora intitulado por “Parâmetros (CFESS, 2009) para a atuação
de assistentes sociais na saúde”, é um instrumento fruto de discussões e debates da
categoria por todo país. Foi o centro do debate nacional, em junho de 2009, durante
o Seminário Nacional de Serviço Social na Saúde, em Recife, sua conclusão cumpre
a deliberação do 37º Encontro Nacional CFESS/CRESS, que previa a definição de
competências e atribuições de assistentes sociais na saúde.
De acordo com os Parâmetros (CFESS, 2009), as principais ações a serem
desenvolvidas pelos assistentes sociais na área da saúde são:
• prestar orientações – individuais e coletivas – e/ou encaminhamentos quanto aos direitos sociais da população usuária, no sentido de democratizar as informações;
• identificar a situação socioeconômica – habitacional, trabalhista e previdenciária – e familiar dos usuários com vistas à construção do perfil socioeconômico para possibilitar a formulação de estratégias de intervenção;
• realizar abordagem individual e/ou grupal, tendo como objetivo trabalhar os determinantes sociais da saúde dos usuários, familiares e acompanhantes;
• criar mecanismos e rotinas de ação que facilitem e possibilitem o acesso dos usuários aos serviços, bem como a garantia de direitos na esfera da seguridade social;
• realizar visitas domiciliares quando avaliada a necessidade pelo profissional do serviço social, procurando não invadir a privacidade dos usuários e esclarecendo os objetivos das mesmas;
• realizar visitas institucionais com objetivo de conhecer e mobilizar a rede de serviços no processo de viabilização dos direitos sociais;
• trabalhar com as famílias no sentido de fortalecer seus vínculos, na perspectiva de torná-las sujeitos do processo de promoção, proteção, prevenção e recuperação da saúde;
78 Resolução CFESS Nº 418/01 dispõe sobre a Tabela Referencial de Honorários do Serviço Social (CFESS, 2001). 79 Projeto de Lei Nº 1890 de 2007 dispõe sobre a duração do trabalho do Assistente Social. O Congresso Nacional decreta: “Art. 5º-A. A duração do trabalho do Assistente Social é de trinta horas semanais Art. 2º [...] é garantida a adequação da jornada de trabalho, vedada a redução do salário (CFESS, 2007).
122
• criar protocolos e rotina de ação que possibilitem a organização, normatização e sistematização do cotidiano do trabalho profissional;
• registrar os atendimentos sociais no prontuário único com objetivo de formular estratégias de intervenção profissional e subsidiar a equipe de saúde quanto às informações sociais dos usuários, resguardadas as informações sigilosas que devem ser registradas no prontuário social (CFESS, 2009, p. 22-23).
De acordo com os assistentes sociais entrevistados, as principais ações
desenvolvidas pelos assistentes sociais inseridos na saúde são exatamente àquelas
que os Parâmetros (CFESS, 2009) ressaltam como competências de outros
profissionais, a saber:
• marcação de consultas e exames; • solicitação e regulação de ambulância para remoção e alta; • identificação de vagas em outras unidades nas situações de
necessidade de transferência hospitalar; • pesagem e medição de crianças e gestantes; • convocação do responsável para informar sobre alta e óbito; • comunicação de óbitos; • emissão de declaração de comparecimento na unidade quando o
atendimento for realizado por quaisquer outros profissionais que não o Assistente Social;
• montagem de processo e preenchimento de formulários para viabilização de Tratamento Fora de Domicílio (TFD), medicação de alto custo e fornecimento de equipamentos (órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção) bem como a disponibilização destes (CFESS, 2009, p. 24).
Neste sentido, todos profissionais entrevistados afirmaram que chegam
demandas que não estão no âmbito de suas competências, conforme relatos a
seguir do Assistente Social E:
É engraçado. Queima uma luz, uma televisão, isso parte não só dos usuários como dos funcionários. Por exemplo, se chegar alguém querendo entrar com mamadeira, tudo que se relaciona a alimentação é com a nutrição, mas mandam pra a gente. Chega uma reportagem pra falar com a direção, e não tá, mandam pra o Serviço Social. A fila ta imensa (...) fala com o Serviço Social pra dar um jeitinho (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).
123
E o entrevistado A, que disse:
Quando alguém não resolve e diz não tem como resolver, aí diz procura o Serviço Social. Dependendo do que seja, se for algo que a gente ver que é da gente, se não for a gente diz volte, vamos lá, olha isso aqui não é nosso [...]veio um homem para atendimento aqui e me pediu dinheiro [...] A gente não trabalha com dinheiro, a gente trabalha dessa maneira, o carro trás você e eu ligo pra o carro lhe levar de volta ( ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).
Nota-se que os assistentes sociais que atuam na saúde desenvolvem as
ações acima citadas, somadas a uma série de atividades que não são propriamente
da sua alçada, mas que são absorvidas no dia-a-dia, como: receber e formalizar
reclamações tanto dos usuários quanto da equipe, sobre atendimento de outro
profissional; bem como da existência de mobília/objetos quebrados e/ou mal
conservados – macas, ventiladores, lâmpadas, telefones, computadores,
impressoras –; acerca do desaparecimento de objetos pessoais – ventiladores,
bolsas, colchões –; e a condução à saída do hospital àqueles visitantes que driblam
a recepção fora do horário de visitas.
Estas situações geram certos constrangimentos para os profissionais de
serviço social, pois têm poder coercitivo, de policiamento/fiscalizatório sobre os
usuários e demais profissionais, mas não dispõem de poder de decisão/solução dos
problemas apontados.
As atribuições e competências das assistentes sociais estão norteadas pelos
direitos e deveres constantes no Código de Ética Profissional e na Lei de
Regulamentação da Profissão, que devem ser observados e respeitados, tanto pelos
profissionais, quanto pelas entidades empregadoras.
No que se refere aos direitos dos assistentes sociais, o Artigo 2º do Código de
Ética assegura:
• garantia e defesa de suas atribuições e prerrogativas, estabelecidas na Lei de Regulamentação da Profissão e dos princípios firmados neste Código;
• livre exercício das atividades inerentes à profissão;
124
• participação na elaboração e gerenciamento das políticas sociais, e na formulação e implementação de programas sociais;
• inviolabilidade do local de trabalho e respectivos arquivos e documentação, garantindo o sigilo profissional;
• desagravo público por ofensa que atinja a sua honra profissional; • aprimoramento profissional de forma contínua, colocando-o a
serviço dos princípios deste Código; • pronunciamento em matéria de sua especialidade, sobretudo
quando se tratar de assuntos de interesse da população; • ampla autonomia no exercício da profissão, não sendo obrigado a
prestar serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições, cargos ou funções;
• liberdade na realização de seus estudos e pesquisas, resguardados os direitos de participação de indivíduos ou grupos envolvidos em seus trabalhos(CFESS, 2009, p. 16).
No que se refere aos deveres profissionais, o Artigo 3º do Código de Ética
estabelece:
• desempenhar suas atividades profissionais, com eficiência e responsabilidade, observando a Legislação em vigor;
• utilizar seu número de registro no Conselho Regional no exercício da profissão;
• abster-se, no exercício da profissão, de práticas que caracterizem a censura, o cerceamento da liberdade, o policiamento dos comportamentos, denunciando sua ocorrência aos órgãos competentes (CFESS, 2009, p. 16-17).
Nessa perspectiva, e com base na Lei de Regulamentação da Profissão, a
compreensão do contexto sócio-histórico, no qual se situa sua intervenção depende
de competências gerais (fundamentais), a saber:
• apreensão crítica dos processos sociais de produção e reprodução das relações sociais numa perspectiva de totalidade;
• análise do movimento histórico da sociedade brasileira, apreendendo as particularidades do desenvolvimento do capitalismo no país e as particularidades regionais;
• compreensão do significado social da profissão e de seu desenvolvimento sócio-histórico, nos cenários internacionais e nacionais, desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade;
• identificação das demandas presentes na sociedade, visando a formular respostas profissionais para o enfrentamento da questão social, considerando as novas articulações entre o público e o privado (CFESS, 2009, p. 18).
125
Tais competências possibilitam ao profissional a análise crítica da realidade,
para a partir daí, estruturar seu trabalho e estabelecer as competências e atribuições
específicas e necessárias ao enfrentamento das demandas sociais que se
apresentam em seu cotidiano.
Identifica-se avanços da profissão no processo de ruptura com o
conservadorismo, iniciados em 1979, com o Congresso da Virada, no III Congresso
Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) em São Paulo, na ocasião a categoria
transformou sua consciência política e assumiu um compromisso profissional com as
lutas sociais e a organização da classe trabalhadora.
Ao comemorar os 30 (trinta) anos80 do evento realizado com o slogan
“Começaríamos tudo outra vez, se preciso fosse” são reafirmados os rumos do
direcionamento político que o serviço social escolheu naquele momento histórico. E
a partir de um balanço analítico reafirmou o compromisso com a luta da classe
trabalhadora, com o Projeto Ético-Político e com os movimentos sociais.
A categoria profissional enfrenta os atuais desafios de negação dos direitos e
de desregulamentação das relações de trabalho através, de um lado, pela
participação da categoria nos congressos e encontros nacionais, e na
quantidade/qualidade dos trabalhos e comunicações apresentados; e de outro, da
luta pela concretização do Projeto Ético-Político e pela defesa da formação
acadêmica pública e de qualidade.
O caminho é este, de articulação e reorganização da classe trabalhadora no
enfrentamento ao neo-conservadorismo que se reveste sob o discurso da pós-
modernidade, pelo qual é ocultada à essência real dos fenômenos, e o rompimento
com qualquer possibilidade emancipatória da classe trabalhadora.
A atualização do conservadorismo [...] é favorecida pela precarização das condições de trabalho, da formação profissional, pela falta de preparo técnico e teórico e fragilização de uma consciência crítica e política, e que podem resultar na busca de respostas pragmáticas, na incorporação de técnicas aparamente úteis em um contexto fragmentado e imediatista" (NOTAS, Barroco, 2009).
80 Comemoração dos 30 Anos do Congresso da Virada, realizada no Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo, nos dias 16 e 17 de novembro de 2009, pelo CFESS, CRESS-SP, ABEPSS e ENESSO.
126
O contexto de desemprego, subemprego, regressão dos direitos,
fragmentação das políticas sociais, desvalorização do trabalho e dos trabalhadores,
ocasionado pela acumulação do capital exige uma postura profissional crítica –
antagônica – a esta mesma ordem. Por meio de um trabalho profissional qualificado,
respaldado pelo Projeto Ético-Político, a partir do re-conhecimento de si mesmos
enquanto trabalhadores, inseridos num contexto de degradação do trabalho que
descarta e explora o conjunto da classe trabalhadora com a diminuição do seu poder
de ação e decisão nos processos de trabalho.
4.3 A Inserção dos assistentes sociais na equipe multiprofissional: um olhar sobre a prática na equipe hospitalar
A partir da Constituição de 1988, é definido que as necessidades de saúde
são produtos das relações sociais, e destas com os meios físico, social e cultural. O
processo saúde-doença engloba determinantes biológicos – idade, sexo e
características genéticas –, o meio físico – condições geográficas, características da
ocupação humana, disponibilidade e qualidade de alimento, condições de habitação
–, e os meios sócio-econômicos e culturais, que expressam os níveis de ocupação,
renda, acesso à educação formal e ao lazer, graus de liberdade e possibilidade de
acesso a serviços, entre outros (MOTA et al, 2007, p. 229).
Neste sentido, a definição das necessidades de saúde ultrapassa o nível de
acesso a serviços e tratamentos médicos, envolvendo aspectos éticos relacionados
à vida, saúde, direitos e deveres. Esta visão suscita a necessidade de ações
realizadas por diferentes profissionais, respeitando a integralidade das ações e a
participação social. O CNS81 afirma a importância da ação interdisciplinar no âmbito
da saúde (BRAVO, 2006).
A dinâmica no processo de trabalho nas unidades de saúde decorre das
pressões com relação à demanda, à fragmentação do trabalho e à persistência do
81 A Resolução nº 218, de 06 de março de 1997, reconhece como profissionais de saúde os assistentes sociais, biólogos, profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, veterinários, nutricionistas, odontólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais (BRASIL, 1997).
127
modelo médico-hegemônico, que reduz as ações em saúde ao ato médico. Todavia,
a efetivação do SUS, fundamentado nos princípios da universalização, integralidade
das ações, descentralização e participação popular, requisita a cooperação entre os
profissionais da equipe de saúde, e destes com usuários, por meio de reuniões,
encontros, debates, fóruns e seminários.
A política de saúde mantém conselhos de saúde funcionando nos três níveis
do Sistema de Saúde, e financiamento garantidos legalmente, ainda que não
respeitados (BRAVO, 2006). O padrão flexível em curso exige que todos
trabalhadores, incluindo-se o assistente social, além da execução de tarefas
participe na elaboração, condução, compreensão, discussão e solução das
eventuais limitações constantes no processo de trabalho na saúde.
A inserção do assistente social nas equipes de saúde possibilita o enfoque
nas condições sociais, econômicas, políticas e culturais que englobam o processo
saúde/doença dos usuários, e os meios de administrá-las, por uma competência
diferenciada em relação aos demais trabalhadores que atuam na saúde, que têm,
nas suas formações, o predomínio da técnica em detrimento da visão de totalidade.
Os assistentes sociais têm possibilidades de compreender estas questões a
partir de uma formação acadêmica qualificada e um exercício profissional
comprometido com o respeito à diversidade e ao outro, enquanto sujeito de direitos,
o que, geralmente, é mais difícil para outros profissionais de saúde. Assim, os
assistentes sociais são considerados articuladores da equipe multiprofissional,
capazes de promover ações coletivas que denunciem a precariedade das condições
de trabalho e de vida dos usuários.
Os assistentes sociais entrevistados relatam a falta de diálogo entre
determinados profissionais de saúde e destes com os usuários, como uma postura
pouco comprometida assumida por alguns profissionais da equipe médica, no
atendimento à população, pois durante o atendimento, não esclarecem acerca da
enfermidade e do tratamento:
Quando eu cheguei aqui estranhei porque os profissionais daqui até em dá bom dia olham pra sua cara e baixam a cabeça. A parte médica se ele puder, ele pisa. Isso eu acho, que a parte médica, a maioria, é muito mal educada mesmo, também tem assistente social mal educada, como existe enfermeiro e aí vai [...] aqui é difícil trabalhar em equipe (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).
128
Ainda complementa,
Você sabe que têm assistentes sociais que são comprometidas e as que não são. Então têm aquelas que levantam da cadeira e vão resolver os problemas, mas têm aquelas que deixam pra lá e sobra pra agente no dia seguinte (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).
Seguindo este raciocínio,
E outra coisa, como a gente procura informação, porque eles [usuários] não têm acesso ao prontuário, tem se pedir né, mas muitos não sabem nem o que está se passando ali com ele aqui dentro. Então a gente procura saber muito assim, do médico o que tá sendo feito, aí vai muito de o médico simpatizar com tua cara ou não, se ele simpatizar ele passa tudo pra você, se não simpatizar ele diz tá bem, regular, comprometido e grave [...]. Mas quando ele não vai com sua cara ele diz: tá bem. Aí você passa pelo paciente, ele tá com uma cara, aí você diz: ele não disse que tava bem? Aí você vai discutir com que argumento?Se ele aqui é o dono do saber [...]. Agora quando eles querem um exame de alta complexidade, um exame caro, uma vaga, aí eles, chegam chamam o serviço social rápido estamos precisando disso urgente, aí chega todo mundo (ASSISTENTE SOCIAL D, informação verbal).
Diante disto, a população usuária não tem oportunidade de informar como se
sente. E assim, não exerce o protagonismo enquanto sujeitos autônomos, no
processo de enfrentamento de seu estado de saúde.
A partir da pesquisa de campo, observa-se que o acesso às informações
pelos assistentes sociais depende do nível de alianças estabelecidas no interior das
organizações. Portanto, se seu grau de envolvimento pessoal – amizades, com
demais profissionais for satisfatório, consegue o máximo de informações sobre o
estado de saúde do paciente, o tipo de tratamento, as possibilidades de
recuperação. E a partir daí, transmite estas informações ao paciente e/ou seus
familiares. Caso contrário, as informações se resumem à nomenclatura dada aos
estados de saúde: bom, regular; grave e gravíssimo.
129
Os limites na operacionalização dos serviços, tais como: demora no
atendimento, precariedade dos recursos, burocratização, ênfase na assistência
médica curativa, problemas com a qualidade/quantidade de atendimento, não
acesso dos usuários, desemprego e subemprego, ausência de local de moradia,
violências urbana e doméstica, acidentes de trabalho e o abandono, explicitam-se no
cotidiano dos serviços por meio das seguintes demandas:
• solução quanto ao atendimento (facilitar marcação de consultas e exames, solicitação de internação, alta e transferência);
• reclamação com relação à qualidade do atendimento e/ou ao não atendimento (relações com a equipe falta de medicamento, entre outros);
• não entendimento do tratamento indicado; • solicitação de transportes para remoções, transferências e em casos
de altas; • alto índice de evasão hospitalar e alta a pedido82 (interrupção do
tratamento)(CFESS, 2009, p, 21).
A evasão hospitalar – alta a pedido – proporciona desconforto entre os
profissionais da equipe de saúde – enfermeiros, médicos e assistentes sociais –,
pois os referidos não querem se responsabilizar-se pela saída dos pacientes nesta
condição. Os fatores que mais contribuem para a solicitação de alta por parte dos
usuários são:
• desinformação quanto ao tratamento e aos procedimentos; • aspectos culturais e religiosos; • necessidade de sobrevivência/manutenção familiar; • demanda das mulheres por cuidados com os filhos, com a casa,
de não faltar ao trabalho, pois as mesmas têm assumido, muitas vezes, o papel de chefes de família (CFESS, 2009, p. 25).
A intervenção do assistente social frente à solicitação da alta a pedido é o de
orientação, esclarecimento e reflexão junto ao usuário e à equipe de saúde acerca
das possíveis reincidências ao hospital, enquanto conseqüência de agravamento do
quadro de saúde, o que proporciona outros tantos problemas, como a contaminação
por infecção hospitalar. Por isso, a postura adotada pelos profissionais é a de 82 O profissional responsável pela alta e pelos procedimentos da mesma deve ser o médico, e não o assistente social. Os médicos só podem se recusar a dar a alta a pedido ao usuário no caso de iminente risco de vida. Caso contrário, deverá respeitar a decisão do usuário, segundo o Artigo 46 do Código de Ética Médica (BRASIL, 1988).
130
educação contínua e não de policiamento e/ou cerceamento ao direito de ir e vir do
usuário.
O exercício da profissão implica saber propor e negociar com as entidades
empregadoras e demais profissionais, defendendo seu espaço de trabalho, suas
atribuições, competências e direitos profissionais, fazendo a devida leitura dos
contextos social, político e econômico no qual se insere.
Embora as possibilidades de superação existam na realidade, não são
facilmente percebidas pelos profissionais. Neste caso, observa-se a busca por
soluções individuais, pela via da qualificação pessoal e pela afirmação das
competências, em nome da empregabilidade.
As ações profissionais são mediadas pelo reconhecimento social da profissão
e por um conjunto de necessidades que se redefinem a partir das condições
históricas, sob as quais a saúde pública se desenvolveu no Brasil. Assim, as
principais ações desenvolvidas pelos entrevistados são, conforme o Quadro 08:
HOSPITAIS PRINCIPAIS AÇÕES DESENVOLVIDAS
Hospital Santa Catarina Visita às enfermarias; marcação de consultas e exames pelo sistema; orientações aos acompanhantes sobre rotina institucional; ligações telefônicas solicitando transporte; elaboração de projetos.
Hospital da Polícia Militar
Atendimentos individuais na sala; visita aos leitos; aulas de humanização para os médicos residentes; marcação de consultas e exames pelo sistema; entrevista social para orientar os acompanhantes.
Hospital Walfredo Gurgel (Pronto-Socorro Clóvis
Sarinho)
Orientar pacientes e acompanhantes sobre a rotina hospitalar; solicitar transporte; informar alta e óbito; marcar exames e consultas pelo sistema; entrevista social no ato do internamento.
Hospital Giselda Trigueiro
Orientações sobre a rotina hospitalar e direitos dos acompanhantes; visita aos leitos; marcação de consultas e exames pelo sistema; solicitação de transporte de outros municípios; solicitação de transporte de outros municípios; informar alta e óbito.
Hospital Infantil Maria Alice
Solicitar vagas em outros hospitais/ Providencia de transferências; visitas às enfermarias/ entrevistas sociais/ orientação; marcação consultas e exames pelo sistema; coordenar programas; solicitação de transportes.
Quadro 08. Principais ações dos assistentes sociais em hospitais públicos. Fonte: Pesquisa de campo. 2009.
No entanto, os assistentes sociais devem ter como Parâmetros (CFESS,
2009, p. 27-28) de ação na equipe de saúde:
131
• esclarecer as suas atribuições e competências, elaborando, junto com a equipe propostas de trabalho que delimitem as ações dos diversos profissionais, por meio da realização de seminários, debates, grupos de estudos e encontros;
• elaborar, junto com a equipe de saúde, a organização e realização de treinamentos e capacitação do pessoal técnico-administrativo, com vistas a qualificar as ações administrativas que têm interface com o atendimento ao usuário, tais como: a marcação de exames e consultas e a convocação da família e/ou responsável nas situações de alta e óbito;
• incentivar e participar, junto com os demais profissionais de saúde, da discussão do modelo assistencial e da elaboração de normas, rotinas e da oferta de atendimento, tendo por base os interesses e demandas da população usuária. Isso exige o rompimento com o modelo assistencial baseado na procura espontânea e no tratamento isolado das doenças;
• criar, junto com a equipe, uma rotina que assegure a inserção do Serviço Social no processo de admissão, internação e alta hospitalar, no sentido de atender desde a entrada do usuário/família na unidade,
• identificar e trabalhar os aspectos sociais da situação apresentada, e garantir a participação dos mesmos no processo de reabilitação, bem como a plena informação de sua situação de saúde, e a discussão sobre as suas reais necessidades e possibilidades de recuperação, face às suas condições de vida;
• realizar, em conjunto com o médico, o atendimento à família e/ou responsáveis em caso de óbito, cabendo ao assistente social o apoio necessário para o enfrentamento da questão e, principalmente, esclarecer a respeito dos benefícios e direitos referentes à situação, previstos no aparato normativo e legal vigentes, tais como, os relacionados à Previdência Social, ao mundo do trabalho – licença – e aos seguros sociais (DPVAT), bem como informações sobre sepultamento gratuito, translado – com relação a usuários de outras localidades, entre outras garantias de direitos;
• participar, em conjunto com a equipe de saúde, de ações sócio-educativas nos diversos programas e clínicas, como por exemplo: no planejamento familiar; na saúde da família; na saúde da mulher; da criança e do idoso; na saúde do trabalhador; nas doenças infectocontagiosas – DST/AIDS, tuberculose, hanseníase, entre outras –, e nas situações de violências sexual e doméstica;
• planejar, executar e avaliar com a equipe de saúde ações que assegurem a saúde enquanto direito;
• convencer o usuário e/ou sua família a participar do tratamento de saúde proposto pela equipe;
• participar do projeto de humanização da unidade, na sua concepção ampliada, sendo transversal a todo o atendimento da unidade, e não restrito à porta de entrada, tendo como referência o projeto de reforma sanitária;
• realizar a notificação, frente a uma situação constatada e/ou suspeita de violência83 contra crianças, adolescentes, mulheres, idosos,
83 Enfatiza-se que a responsabilidade pela notificação da violência é função de toda a equipe. O assistente social deve colaborar nesta ação, mas não é atribuição privativa do mesmo. Cabe ao mesmo fazer uma abordagem sócio-educativa com a família, socializar as
132
homossexuais, transexuais e pessoas com deficiências, às autoridades competentes, bem como a verificação das providências cabíveis84.
A divulgação dos Parâmetros (CFESS, 2009) é imprescindível nos locais
onde os profissionais materializam suas ações, a partir do atendimento direto ao
usuário e/ou junto à equipe de saúde nas policlínicas, institutos, maternidades e
hospitais gerais, de emergência e especializados, incluindo os universitários, nos
postos e centros de saúde, nas instâncias: federal, estadual ou municipal, nos níveis
de planejamento, gestão, assessoria, investigação, formação de recursos humanos
e nos mecanismos de controle social – conselhos e conferências.
Todavia, identifica-se uma inserção precária dos assistentes sociais em todos
os níveis de atendimento, o que leva estes profissionais a absorverem atividades
rotineiras de forma acrítica, conforme os interesses das entidades empregadoras.
O presente estudo mostra que, no contexto hospitalar, há o predomínio da
dimensão assistencial das ações profissionais, em detrimento das práticas coletivas,
sócio-educativas, de mobilização, participação e controle social; de investigação;
planejamento/gestão; e de assessoria, qualificação e formação profissional.
Identifica-se iniciativas pontuais, pelas quais são propostos projetos e discussões
sobre os problemas vivenciados, porém, não são materializados devido à pouca
legitimidade da profissão perante os demais profissionais e gestores.
Assim, tinha a semana do aleitamento materno, elas [assistentes sociais antigas] faziam palestras no auditório, aí a semana da AIDS tinha também, era uma parceria com da Secretaria do Estado com o município, mas era antigamente (ASSISTENTE SOCIAL A, informação verbal).
Assim, segue a afirmativa de que,
informações em relação aos recursos, e viabilizar os encaminhamentos necessários (CFESS, 2009). 84 Trata-se de encaminhamentos aos recursos e mecanismos legais instituídos e/ou garantidos por legislação social vigente no Brasil, a saber: Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), ECA (Lei nº 8069/90), LOAS (Lei 8742/93), Lei da Acessibilidade (Lei nº 10.098/00), Lei dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Lei n.º 7.853/89), LOS (lei nº 8080/90 e nº8142/90), Resolução CFESS nº 489/06, entre outros.
133
Por exemplo, o trabalho que a gente faz com acompanhantes foi uma proposta de uma estagiária e uma assistente social, o trabalho da maternidade foi uma proposta de [...] e duas estagiárias dela. Então é assim, a gente pega o trabalho delas, ou insere aqui quando elas podem ficar ou aproveita. Se você estagiou aqui a gente incentiva a que elabore uma proposta condizente com a nossa realidade, para que se aproveite. A gente tem aproveitado todas as propostas de estagiários que tem passado por aqui (ASSISTENTE SOCIAL B, informação verbal).
Portanto, relata-se que,
A gente não tem uma receita pra passagem, paciente fica não sei quantos dias aguardando transporte. Porque a gente fica sempre pedindo, mas a Secretaria nunca fez. A gente já conseguiu por amizade, a filha de um empresário de Natal teve meningite e veio pra cá, eles conheceram o hospital e ficaram dando uma quantia pra passagem, mas é uma questão particular, a gente tava pensando em ir à assembléia né, ver se eles criam uma verba pra não ficar nessa dependência (ASSISTENTE SOCIAL D, informação verbal).
Os relatos seguem afirmando que
Todos nossos projetos nós elaboramos, todos somos conscientes, então todas as festividades, eventos estão dentro da nossa programação. Então todos nós sabemos, então é por aí. [...] A gente sabe que quando chega o dia das crianças tem o programa “gotas de alegria”. A gente tá sempre conversando entre si. Eu digo [...] o que você acha?Nós devemos fazer isso? A direção recebe muito bem! (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).
De acordo com os Parâmetros (CFESS, 2009), as ações assistenciais devem
transpor o caráter emergencial e burocrático na direção sócio-educativa, por meio de
uma consciência sanitária e da socialização e democratização das informações.
Para tanto, é exigida uma constante reflexão acerca das condições sócio-históricas
às quais estão submetidos usuários e o incentivo à participação destes em defesa
da garantia do direito à saúde.
A realidade das condições de trabalho dos assistentes sociais, das suas
ações na saúde e do atendimento aos usuários expõe dificuldades que vão além da
134
precária estrutura física e da falta de recursos materiais e humanos. Diz respeito à
degradação do trabalho, vivenciada pelo conjunto da classe trabalhadora, pois,
atualmente, nenhum setor do trabalho está imune à miséria do desemprego e do
trabalho temporário (MÉSZÁROS, 2006).
A degradação do trabalho impõe aos assistentes sociais o enfrentamento
crítico e permanente dos desafios postos por esta realidade, no sentido de
concretizar o Projeto Ético-Político da profissão e os direitos sociais conquistados,
como forma de promover melhores condições de vida e trabalho para o conjunto dos
trabalhadores.
Concorda-se com (BOSCHETTI, 2009) que não se promove a ruptura do
capitalismo apenas com o trabalho do cotidiano, mas com a participação no
tensionamento das contradições do próprio sistema capitalista.
Por tudo isso, compreende-se que o trabalho dos assistentes sociais na
saúde é determinante/determinado pelas condições sócio-históricas e econômicas
postas pela organização capitalista do trabalho e perpassado pela precariedade,
flexibilização, desregulamentação e aumento do desemprego; e que a possibilidade
de superar está posta a partir de uma ação articulada com outros segmentos que
defendem o aprofundamento do SUS, tendo como nortes o Projeto-Ético Político
profissional e o projeto da reforma sanitária.
4.4 Desafios à materialização do Projeto Ético-Político Profissional (PEPP)
O Projeto Ético-Político Profissional representa uma projeção coletiva, que
envolve sujeitos individuais e coletivos, em torno de uma determinada valoração
ética, intimamente vinculada a determinados projetos societários, com interesses
sociais distintos/contraditórios, em disputa na sociedade, podendo ser
transformadores ou conservadores da ordem social (BRAZ, 1999).
A dimensão política da intervenção profissional imprime uma direção social às
ações profissionais, favorecendo a um ou a outro projeto societário. Portanto, o
PEPP dos assistentes sociais vincula-se a um projeto de transformação da
sociedade, comprometido com os interesses da classe trabalhadora.
135
Tal vinculação recebeu influências dos princípios do movimento de
reconceituação, deflagrado nos diversos países latino-americanos e no processo de
redemocratização da sociedade brasileira, em meados da década de 1970,
contribuindo para a gênese do Projeto Ético-Político que avança nos anos de 1980
reafirmando sua vinculação com a classe trabalhadora.
A demarcação do compromisso ideo-político do serviço social com a classe
trabalhadora se deu a partir da elaboração do Código de Ética de 1986 e dos
avanços referentes à produção teórica – processo de renovação –, com a discussão
dos seguintes temas: a questão da metodologia, as políticas sociais e os
movimentos sociais, imprimindo o caráter prático-normativo à profissão.
O PEPP se consolidou na década de 1990, por meio do aumento significativo
de centros de formação – pós-graduações – ampliando a produção de
conhecimentos e a participação político-organizativa da categoria, por meio de suas
entidades e de seus fóruns deliberativos.
Os desafios atuais de degradação no mundo do trabalho; a retração dos
direitos conquistados; o incentivo ao consumo; o individualismo e a competitividade
acirrados; a perda da consciência coletiva (de classe), e as variadas formas de
violência e intolerância ao outro (o diferente), cuja moral burguesa dita padrões
funcionais à consolidação de uma sociabilidade aos seus moldes, inviabiliza
qualquer projeto societário que lhe seja contrário.
Assim, a materialização do Projeto Ético-Político se encontra tensionada
pelos rumos neoliberais e por uma reação conservadora, no seio da profissão, visto
que, teoricamente, os profissionais reproduzem o discurso dos princípios ético-
políticos; todavia, não os referenciam na prática, o que pode ser justificado pelo
relativo desconhecimento do PEPP pela categoria profissional.
De acordo com análise dos relatos, observa-se que os profissionais
entrevistados desconhecem o Projeto Ético-Político Profissional e; por conseguinte,
não visualizam a possibilidade de transformação da realidade vivenciada, nem se
identificam enquanto categoria partícipe do conjunto da classe trabalhadora.
Há um estranhamento acerca do “outro”, como se os usuários e demais
profissionais fossem sujeitos estranhos; e, portanto, com problemas particulares que
não fazem parte da “vida” dos assistentes sociais. É fato que em algum momento as
136
adversidades no “mundo do trabalho”, nos modos de vida e na saúde do trabalhador
alcançarão estes profissionais.
O imobilismo/conformismo é explícito, diante das precárias condições de
trabalho. Em contraponto, há relatos isolados de que a falta de condições objetivas
de trabalho depende da capacidade individual/desenvoltura de cada profissional.
A incompreensão da dinâmica contraditória da sociabilidade capitalista tende
a desmobilizar, fragmentar e enfraquecer a classe trabalhadora. Estes profissionais
se limitam ao que é possível nos espaços ocupacionais e se isolam nas suas lutas
individuais, e não materializam o Projeto Ético-Político, fato que repercute na
qualidade dos serviços prestados à população.
O enfrentamento destas questões depende de uma postura mais crítica diante
do mundo, com atitudes mais coerentes entre a ética que defende e a que reproduz
em todas as instâncias da vida cotidiana:
Fica ainda mais difícil quando nas pequenas atitudes de sociabilidade eu vou contra os princípios que defendo: como não respeitar assentos preferenciais dentro de um ônibus, ou explorar a empregada doméstica na relação de trabalho dentro da própria casa (NOTAS, Matos, 2009).
O relato de Matos (2009)85 é emblemático: “[...] o discurso de que o PEPP é
muito bonito, mas impossível de ser implantado reproduz a ideologia de que vivemos
em um mundo onde o destino está dado e não há alternativas”.
Neste sentido, a alienação, própria da sociabilidade capitalista, limita o
trabalho profissional desencadeando formas de superação do sofrimento não muito
saudáveis, tais como: negação das dificuldades, apatia, desesperança e baixa auto-
estima (BORGES, 2005), somadas às ações pautadas no possibilismo, imobilismo
ou imediatismo.
As condições sócio-históricas que perpassam o trabalho profissional
ameaçam o Projeto Ético-Político dos assistentes sociais, visto que interferem
diretamente nas competências e atribuições destes nos espaços ocupacionais.
85 Professor da UERJ; ressalta a necessidade de usar os princípios do PEP para direcionar o exercício profissional (MATOS, 2009).
137
O projeto profissional se materializa por meio das ações profissionais
cotidianas, constituídas a partir de dimensões articuladas entre si, quais sejam: a
dimensão da produção de conhecimentos no interior do serviço social, a dimensão
político-organizativa da categoria e a dimensão jurídico-política da profissão.
Todavia, afirma-se que não há tempo, estímulo, nem conhecimento por parte dos
profissionais para articularem as dimensões acima expostas, de acordo com os
relatos que seguem:
Eu vejo em todo hospital, tem funcionários aqui que tá se aposentando e nunca mudou. A capacitação que vem é mínima, quer dizer, o pessoal é totalmente desestimulado (ASSISTENTE SOCIAL D, informação verbal).
O relato a seguir reafirma o exposto,
Sempre que tem algum evento, se formos convidadas, vai uma representante que repassa para as demais (ASSISTENTE SOCIAL E, informação verbal).
Isso se dá por questões pessoais – falta de tempo, prioridades, e/ou
oportunidades –; bem como pela resistência/desinteresse de algumas entidades
empregadoras em dispensarem os profissionais para a participação em eventos fora
do espaço organizacional. A fragilidade político-organizativa da categoria reflete na
desmaterialização do Projeto Ético-Político Profissional, enquanto conseqüência do
processo de exploração do trabalho e dos trabalhadores.
A dimensão da produção do conhecimento no interior do serviço social deve
se pautar de uma postura investigativa da profissão, por meio dos aportes teórico-
críticos do pensamento social, e não conforme a ordem estabelecida.
A dimensão político-organizativa da categoria, expressa pelas entidades
representativas da profissão, como: CFESS/CRESS, ABEPSS, demais associações
político-profissionais, movimento estudantil composto pelo conjunto de CA (Centro
Acadêmicos das Escolas de Serviço Social) e DA (Diretórios Acadêmicos das
138
Escolas de Serviço Social) e pela Executiva Nacional de Estudantes de Serviço
Social (ENESSO) constituem espaços democráticos de discussões e respeito ao
pluralismo de idéias no seu interior.
Na dimensão jurídico-política, a profissão é respaldada pelo aparato jurídico,
político e institucional envolvendo um conjunto de leis e resoluções, tais como: o
atual Código de Ética profissional, a Lei de Regulamentação da Profissão – Lei
8662/93 –, e as novas diretrizes curriculares aprovadas pelo Ministério da Educação
e da Cultura (MEC), bem como do conjunto de leis advindas da Constituição Federal
de 1988 que, embora não exclusivo da categoria, é objeto de luta e defesa no
cotidiano profissional.
A materialidade do Projeto Ético-Profissional Profissional depende da
articulação destas dimensões. Trata-se de uma construção coletiva que tem uma
determinada projeção/direção social, pela qual se envolvem valores, compromissos
e princípios contraditórios presentes nesta sociedade, que devem ser discutidos
continuamente; ou seja, com a mesma dinâmica com a qual os reproduzem.
Portanto, o trabalho profissional, em conformidade com o Projeto Ético-
Político Profissional, depende de análises críticas das condições subjetivas e
objetivas da realidade, bem como de ações políticas coerentes com os
compromissos norteados pelas mesmas análises.
139
5 CONSIDERAÇÕES APROXIMATIVAS
No movimento aproximativo ao objeto de estudo, observa-se que o trabalho
dos assistentes sociais no processo de trabalho em saúde é marcado pelas
contradições do contexto sócio-econômico-político do país, que em tempos de
opção neoliberal, com a posição do Estado mínimo, tem comprometido as condições
de trabalho e de vida dos trabalhadores. Rebate-se no próprio trabalho profissional e
na qualidade dos serviços prestados aos usuários, exigindo constante re-
ordenamento das ações na defesa e na luta por direitos.
A saúde é uma conquista histórica, legalmente reconhecida pela Constituição
Federal de 1988, integrando a Seguridade Social, juntamente com a Assistência e
Previdência Social. A partir desta, a saúde é concebida como “direito de todos e
dever do Estado”, e a integração dos serviços de saúde é vista de forma
regionalizada e hierárquica, constituindo um Sistema Único.
A compreensão do processo saúde/doença como decorrente das condições
de vida e trabalho, assim como do acesso igualitário de todos cidadãos aos serviços
de promoção e recuperação em saúde, respeitando a integralidade das ações, a
participação popular e a ação interdisciplinar, amplia os espaços de co-
responsabilidade social para a troca de experiências e dos saberes existentes
(BRAVO, 2006).
O SUS é um modelo de atendimento em construção lenta e gradual, que
constitui a idéia de cidadania e de justiça social, a ser implantado em uma sociedade
capitalista injusta, desigual e excludente. Portanto, sua efetivação exige a ampliação
do conceito saúde/doença entre os sujeitos envolvidos, trabalhadores e população
usuária, na superação do modelo médico-curativo hegemônico.
Os preceitos de acesso universal e integral ao atendimento do SUS se dá por
meio da descentralização da gestão, pela qual a valorização e a expansão da força
de trabalho na administração pública é condição indispensável ao cumprimento da
missão do referido sistema, nas esferas estadual e municipal.
Todavia, evidencia-se a crescente precarização do trabalho e dos
trabalhadores da saúde, com a desregulamentação das relações de trabalho, por
meio dos reduzidos concursos públicos, a ausência de avaliações de desempenho
140
eficientes, a falta de investimento em qualificação profissional, os baixos salários e
as disparidades das remunerações entre as mesmas categorias e funções, a
ausência de carreira e de direitos sociais, e os contratos temporários.
No contexto do SUS, os assistentes sociais participam do processo de
reorganização dos serviços, nas ações interdisciplinares e inter-setoriais, no controle
social, entre outras demandas que expressam a abrangência do conceito de saúde
vigente, buscando fortalecer a perspectiva da universalização do acesso a bens e
serviços relativos aos programas e políticas sociais (BRAVO, 2006).
A pesquisa de campo mostra que, especificamente nos serviços hospitalares,
o serviço social funciona em escalas plantões de 12 (doze) ou 24 (vinte e quatro)
horas, com folgas intercaladas, incentivando o duplo e/ou até triplo vínculo,
repercutindo na saúde e na qualidade de vida destes profissionais.
A sala de serviço social se localiza, em geral, na entrada dos hospitais, junto
à recepção hospitalar, sendo procurada em casos de reclamações, orientações e
informações, confundindo-se com as funções do setor de recepção, o que
sobrecarrega e desvia suas funções.
Observa-se, a partir deste estudo, que o trabalho dos assistentes sociais se
dá no espaço contraditório do plantão, de embate entre as práticas individualistas e
coletivas, determinada pelos objetivos institucionais, isenta de dimensão política,
caracterizando-se por atividades pontuais, não-planejadas e reduzidas a resolverem
os “problemas” dos usuários para manter o bom andamento da rotina
organizacional.
O trabalho coletivo deve ser priorizado sem prejuízo da atenção individual, de
acordo com a afirmativa de (PRÉDES, 2005, p. 103)
O atendimento coletivo é de suma importância no que se refere à socialização das informações acerca dos direitos e dos limites institucionais para o enfrentamento das relações de poder e o fortalecimento dos espaços coletivos de luta, principalmente pelos familiares.
Daí a importância das práticas coletivas na construção da autonomia dos
usuários, capacitando-os a decidirem por suas formas de
141
encaminharem/enfrentarem os problemas vivenciados, por meio do incentivo à
participação, à conscientização e à organização social.
A perspectiva conservadora da prática profissional reforça a lógica do capital,
pela mudança comportamental, aliada a alterações no meio social. Respalda-se pelo
desconhecimento das competências e atribuições privativas dos assistentes sociais
nos espaços de trabalho e pela não apropriação dos conhecimentos relativos à
saúde dos usuários e seus respectivos modos de vida.
As ações assistenciais predominam nos relatos dos assistentes sociais
entrevistados, as quais são: visitas às enfermarias; encaminhamento de
providências para consultas, transferências e exames; orientação social a sujeitos e
famílias; realização de entrevista no ato do internamento; fornecimento de
informações sobre altas, óbitos, estado de saúde dos pacientes e rotina hospitalar; e
solicitação de transportes em casos de altas e transferências.
As ações de educação e assessoria são citadas em 02 (duas) unidades
hospitalares, nas quais os assistentes sociais elaboram e coordenam
projetos/programas sociais. Acrescenta-se a atribuição de ministrar aulas de
humanização aos médicos residentes em 01 (uma) unidade visitada. Percebe-se
que há certa confusão entre atividades e instrumentos, pois as atividades mais
citadas são as visitas às enfermarias e entrevistas sociais.
Os instrumentos de registro mais utilizados são: o livro de ocorrências, as
fichas sociais, os registros em prontuários, as visitas às enfermarias e as reuniões
multidisciplinares. Todavia, o domínio das informações referentes aos usuários, bem
como do atendimento da saúde não subsidiam a formulação de propostas para
reivindicar recursos e mudanças em prol das suas necessidades. É pleiteado o
repasse informações/recados, pendências para o outro profissional e prestação de
contas da produtividade junto à administração hospitalar e/ou à Secretaria Estadual
de Saúde.
A postura investigativa – crítica e reflexiva – do cotidiano fortalece a atividade
profissional dos assistentes sociais, por meio da apreensão do movimento
contraditório da realidade e das possibilidades de reconstruí-la e transformá-la.
Identifica-se a falta de planejamento das ações profissionais no espaço do
plantão, relacionada ao volume de atividades e à alta rotatividade dos usuários.
142
Apenas 02 (duas) assistentes sociais afirmam planejarem suas ações. E ainda
assim, reforçam a existência de dificuldades para tal fim.
Em geral, o trabalho profissional se caracteriza pela descontinuidade,
imediaticidade e improvisação das ações, ocultando as deficiências da política de
saúde e reforçando a idéia de que a qualidade dos serviços depende
exclusivamente dos profissionais de saúde (PRÉDES, 2005).
As condições físicas e técnicas disponíveis ao exercício profissional dos
assistentes sociais, no âmbito hospitalar são tensionadas pelas relações e
condições de trabalho precarizadas. Acerca das condições físicas de trabalho, 03
(três) dos profissionais entrevistados consideram os espaços físicos – salas –
péssimos; enquanto 02 (duas) consideram-nos adequados, devido à natureza do
trabalho desenvolvido, qual seja, o atendimento individualizado, em detrimento das
ações coletivas, implicando eticamente nas ações profissionais, pois compromete o
sigilo profissional e a qualidade dos serviços prestados à população.
No tocante às condições humanas, os entrevistados consideram insuficiente o
número de profissionais de serviço social, diante do aumento da demanda,
ocasionado pelo agravamento das expressões da questão social. Denunciam que a
contratação destes profissionais, seja via concurso público ou temporário, não
acompanha as necessidades dos usuários e do próprio sistema de saúde, mas sim,
o interesse/sensibilidade de cada gestor da unidade hospitalar. Em outros termos, a
ampliação do quadro de serviço social depende do direcionamento ideo-político dos
gestores, e de seu compromisso para com determinado projeto societário da
burguesia ou dos trabalhadores.
Seguindo este raciocínio, percebe-se que as condições materiais de trabalho
– telefone, transporte, material de expediente, computador, impressora, aparelho de
fax –, não são disponibilizados de acordo com a necessidade do serviço social, mas
pelo poder de convencimento – “jogo de cintura” –, do poder de barganha de
determinados profissionais, interferindo na rotina profissional, pois nem todos
assistentes sociais se utilizam destes recursos, e simplesmente, na falta de
condições materiais, cada um realiza o trabalho como dá/pode, e não como deveria.
O contexto de “contra-reforma”, que desconstrói os direitos assegurados na
legislação – social e trabalhista – atinge o trabalho e os trabalhadores nas suas
relações sociais, modos de vida, projetos de classe e condições de trabalho,
143
contribuindo para seu adoecimento e desqualificando os serviços prestados à
população.
Por tudo isto, torna-se urgente e necessária, a apreensão da dinâmica
contraditória desta sociabilidade capitalista, que é caracteristicamente consumista,
individualista e competitiva, com tendências à desmobilização, à fragmentação e ao
enfraquecimento da classe trabalhadora, limitando-a ao que é possível nos espaços
ocupacionais. O desvendamento destas questões – contraditórias – e da própria
função social da profissão, no âmbito das políticas sociais, dentre estas, a saúde, é
imprescindível no sentido de concretizar o Projeto Ético-Político Profissional e os
direitos sociais conquistados.
144
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155
APÊNDICES
156
APÊNDICE – A
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Quantos assistentes sociais existem no quadro?
Como é distribuída a carga horária?
Quais as principais demandas que chegam ao serviço social?
De que infra-estrutura vocês dispõe para realizarem o trabalho?
Há planejamento das ações do serviço social?
Quais os instrumentos de trabalho mais utilizados?
Você participa de eventos da profissão ou demais eventos promovidos pelas
Secretarias de saúde?
Você considera ideal a relação entre os assistentes sociais e demais profissionais da
equipe de saúde?
Chegam demandas ao serviço social que não estão no âmbito de suas
competências e atribuições?
Você considera que a atuação profissional corresponde aos princípios do Projeto
Ético-Político da Profissão?
157
ANEXOS
158
ANEXO – A
159
ANEXO – B
RESOLUÇÃO CFESS nº 493/2006 de 21 de agosto de 2006.
Ementa: Dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social.
O CONSELHO FEDERAL DO SERVIÇO SOCIAL - CFESS, por sua Presidente no
uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO o que dispõe o artigo 8º da Lei n° 8.662, de 07 de junho de 1993, que regulamenta o exercício profissional do assistente social e dá outras providências; CONSIDERANDO que na qualidade de órgão normativo de grau superior, compete ao Conselho Federal de Serviço Social orientar, disciplinar fiscalizar e defender o exercício da profissão do assistente social, em conjunto com os CRESS; CONSIDERANDO a necessidade de instituir condições e parâmetros normativos, claros e objetivos, garantindo que o exercício profissional do assistente social possa ser executado de forma qualificada ética e tecnicamente; CONSIDERANDO que a ausência de norma que estabeleça parâmetros, principalmente das condições técnicas e físicas do exercício profissional do assistente social, tem suscitado diversas dúvidas, inclusive, para a compreensão do assistente social na execução de seu fazer profissional. CONSIDERANDO a necessidade do cumprimento rigoroso dos preceitos contidos no Código de Ética do Assistente Social, em especial nos artigos 2º, inciso “d”, 7 inciso “a”e 15; CONSIDERANDO o Parecer Jurídico 15/03, prolatado pela assessoria do CFESS, “que considera ser competência a regulamentação da matéria pelo CFESS de forma a possibilitar uma melhor intervenção dos CRESS nas condições de atendimento ao usuário do Serviço Social”; CONSIDERANDO a aprovação da presente Resolução em Reunião Ordinária do Conselho Pleno do CFESS, realizada em 20 de agosto de 2006; RESOLVE: Art. 1º - É condição essencial, portanto obrigatória, para a realização e execução de qualquer atendimento ao usuário do Serviço Social a existência de espaço físico, nas condições que esta Resolução estabelecer. Art. 2º - O local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de espaço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes características físicas: a- iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno, conforme a organização institucional; b- recursos que garantam a privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o processo de intervenção profissional;
160
c- ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas fechadas d- espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de material técnico de caráter reservado. Art. 3º - O atendimento efetuado pelo assistente social deve ser feito com portas fechadas, de forma a garantir o sigilo. Art. 4º - O material técnico utilizado e produzido no atendimento é de caráter reservado, sendo seu uso e acesso restrito aos assistentes sociais. Art. 5º - O arquivo do material técnico, utilizado pelo assistente social, poderá estar em outro espaço físico, desde que respeitadas as condições estabelecidas pelo artigo 4º da presente Resolução. Art. 6º- É de atribuição dos Conselhos Regionais de Serviço Social, através de seus Conselheiros e/ou agentes fiscais, orientar e fiscalizar as condições éticas e técnicas estabelecidas nesta Resolução, bem como em outros instrumentos normativos expedidos pelo CFESS, em relação aos assistentes sociais e pessoas jurídicas que prestam serviços ociais. Art. 7º - O assistente social deve informar por escrito à entidade, instituição ou órgão que trabalha ou presta serviços, sob qualquer modalidade, acerca das inadequações constatadas por este, quanto as condições éticas, físicas e técnicas do exercício profissional, sugerindo alternativas para melhoria dos serviços prestados. Parágrafo Primeiro - Esgotados os recursos especificados no “caput” do presente artigo e deixando a entidade, instituição ou órgão de tomar qualquer providência ou as medidas necessárias para sanar as inadequações, o assistente social deverá informar ao CRESS do âmbito de sua jurisdição, por escrito, para intervir na situação. Parágrafo Segundo - Caso o assistente social não cumpra as exigências previstas pelo “caput” e/ou pelo parágrafo primeiro do presente artigo, se omitindo ou sendo conivente com as inadequações existentes no âmbito da pessoa jurídica, será notificado a tomar as medidas cabíveis, sob pena de apuração de sua responsabilidade ética. Art. 8º - Realizada visita de fiscalização pelo CRESS competente, através de agente fiscal ou Conselheiro, e verificado o descumprimento do disposto na presente Resolução a Comissão de Orientação e Fiscalização do Conselho Regional, a vista das informações contidas no Termo de Fiscalização ou no documento encaminhado pelo próprio assistente social, notificará o representante legal ou responsável pela pessoa jurídica, para que em prazo determinado regularize a situação. Parágrafo único - O assistente social ou responsável pela pessoa jurídica deverá encaminhar ao CRESS, no prazo assinalado na notificação, documento escrito informando as providências que foram adotadas para adequação da situação notificada. Art. 9º- Persistindo a situação inadequada, constatada através de visita de fiscalização, será registrada no instrumento próprio a situação verificada. Art. 10 - O relato da fiscalização, lavrado em termo próprio, conforme art. 9º, constatando inadequação ou irregularidade, será submetido ao Conselho Pleno do CRESS, que decidirá sobre a adoção de medidas cabíveis administrativas ou judiciais, objetivando a adequação das condições éticas, técnicas e físicas, para que o exercício da profissão do assistente social se realize de forma qualificada, em respeito aos usuários e aos princípios éticos que norteiam a profissão.
161
Art. 11- Os casos omissos e aqueles concernentes a interpretação abstrata geral da norma, serão resolvidos e dirimidos pelo Conselho Pleno do CFESS. Art. 12- O CFESS e os CRESS deverão se incumbir de dar plena e total publicidade a presente norma, por todos os meios disponíveis, de forma que ela seja conhecida pelos assistentes sociais bem como pelas instituições, órgãos ou entidades que prestam serviços sociais. Art. 13- A presente Resolução entra em vigor, passando a surtir seus regulares efeitos de direito após a sua publicação no Diário Oficial da União.
Brasília, 21 de agosto de 2006 Elisabete Borgianni
Presidente do CFESS
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ANEXO – C
RESOLUÇÃO CFESS Nº 418/01. Ementa: Tabela Referencial de Honorários do Serviço Social. O Conselho Federal de Serviço Social no uso de suas atribuições legais e regimentais; CONSIDERANDO a Lei 8662/93, particularmente as disposições dos artigos 4º e 5º, que estabelecem, respectivamente competências e atribuições privativas da (do) Assistente Social. CONSIDERANDO os interesses gerais e individuais dos Assistentes Sociais face às transformações da estrutura produtiva geratriz de novas demandas do mercado e o processo de trabalho que desafiam os profissionais CONSIDERANDO a necessidade de fixar e uniformizar parâmetros mínimos de remuneração da atividade profissional da (do) Assistente Social que assegurem a retribuição dos serviços prestados, observando as peculiaridades do trabalho e as diferenças regionais. CONSIDERANDO e cumprindo deliberação do XXV Encontro Nacional CFESS/CRESS, ocorrido na cidade de fortaleza, em 1996, e o compromisso da gestão 99/2002. RESOLVE: Art. 1º - Instituir a Tabela Referencial de Honorários de Serviço Social – TRHSS, com previsão da hora técnica, fixando o valor mínimo a ser cobrado, que servirá de parâmetro para prestação dos serviços profissionais da (do) Assistente Social que trabalhe sem qualquer vínculo empregatício, vínculo estatutário ou de natureza assemelhada. § 1º - Fixa-se à Hora Técnica em, no mínimo, R$ 64,77 reais. § 2º - O valor da Hora Técnica será corrigido anualmente com base no ICV/DIEESE. § 3º - O Profissional poderá adotar a Hora Técnica multiplicada pelo total de horas trabalhadas para calcular o valor do procedimento. I – Disposições Introdutórias Art. 2º - O honorário profissional deve ser fixado em relação às atividades que forem realizadas pela (o) Assistente Social, e deverá ser estipulado considerando os seguintes elementos: I – relevância, vulto, complexidade, dificuldade do trabalho e das questões nele versadas; II – duração do trabalho, tempo e urgência necessários para a sua elaboração e para a sua efetiva conclusão; III – Impossibilidade de prestação de serviços concomitantes ou exigência de exclusividade; IV – lugar da prestação de serviços, fora ou não do domicilio profissional da (o) Assistente Social; V – competência, experiência, especialização e titulação; VI – exposição do (a) Assistente Social a situações de risco pessoal e condições insalubres, quando na execução de suas atribuições.
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Art. 3º - Compete exclusivamente aos profissionais Assistentes Sociais deliberarem e decidirem quanto à metodologia do trabalho e aos procedimentos técnicos e éticos a serem observados no desenvolvimento de sua atividade profissional. Art. 4º - A (o) Assistente Social deve contratar, por escrito, a prestação dos seus serviços profissionais, observando as disposições constantes da Lei 8662, de 11 de setembro de 1993, que regulamenta a profissão da (do) Assistente Social; o Código de Ética Profissional da (do) Assistente Social, instituído pela Resolução o CFESS nº 273/93; O Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei 8078 de 11 de setembro de 1990; fixando, para tanto, o valor dos honorários, reajuste e condições de pagamento, recomendando-se que seja observado, a título de parâmetro, o valor mínimo constante da presente Tabela. Art. 5º - A TRHSS fixa os honorários mínimos da (do) Assistente Social podendo haver contratação e fixação de valor superior ao estabelecido na presente Tabela, considerando os aspectos e elementos especificados pelos incisos I e VI do artigo 2º da presente Resolução. Art. 6º - A(O) Assistente Social deve evitar o aviltamento dos valores de seus serviços profissionais, não fixando valor inferior ao fixado na presente Tabela de Honorários. Art. 7º - Todas as despesas decorrentes da prestação de serviços, tais como: alimentação, locomoção, hospedagem, transporte, certidões e cópias, serão arcadas pelo contratante independentemente dos honorários fixados, desde que previsto no contrato. Art. 8º - É assegurado ao Assistente Social o direito de cobrar na íntegra seus honorários, respeitadas as normas constantes no Código de Defesa do Consumidor, Código Civil e outras normas referentes à matéria. Art. 9º - O desempenho das atividades inerentes ao Serviço Social constituem-se na ação técnica do profissional, motivo pelo qual os honorários contratados serão sempre devidos, independentemente do resultado que for obtido pela (o) Assistente Social. II Disposições Específicas Art. 10º - Os procedimentos alvo desta TRHSS, dispostos a seguir, estão vinculados aos art. 4º e 5º da Lei 8662/93, cujos valores devem ser calculados conforme o parágrafo 3º do Artigo I desta Resolução; 01– Prestar orientação social, realizar visitas, identificar recursos e meios de acesso para atendimento ou defesa de direitos; encaminhar providências junto a indivíduos, grupos, segmentos populacionais. 02 – Planejar ou organizar e administrar benefícios e serviços sociais 03 – Realizar estudos sócio-econômicos com usuários para fins de prestação de serviços sociais e concessão de benefícios. 04 – Prestar assessoria e/ou consultoria em Serviço Social. 05 – Realizar perícia técnica ou laudo pericial. 06 – Realizar estudo e parecer técnico 07 – Elaborar provas de concurso e/ou seleção para Assistentes Sociais 08 – Compor ou presidir bancas de exames ou comissão julgadora de concurso ou seleção para Assistentes Sociais. 09 – Planejar, organizar e coordenar Congressos, Conferências ou eventos assemelhados. 10 – Atuar em Unidade de Serviço Social no planejamento, organização e administração de programas e projetos.
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11 – Estudos e levantamento de dados socioeconômicos. 12 – Estudos sobre a viabilidade de programas. 13 – Elaborar projetos. 14 – Pesquisas sociais. 15 – Elaborar e/ou executar planos. 16 – Supervisão Técnica 17 – Avaliar projetos/atividades 18 – Avaliar benefícios sociais. 19 – Implantar serviços/projetos 20 – Realizar palestras. 21 – Realizar curso/treinamento técnico - operativo. 22 – Realizar oficinas e seminários. III – Das Disposições Finais Art. 11º – A utilização da presente Tabela é recomendada pelo Conselho Federal de Serviço Social, cumprindo as deliberações e a aprovação do XXX Encontro Nacional CFESS/CRESS, realizado de 02 a 05 de setembro de 2001, em Belo Horizonte. Art. 12º – A Tabela Referencial de Honorários do Serviço Social será operacionalizada, em caráter experimental, até o XXXI Encontro Nacional CFESS/CRESS. Art. 13º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, quando passará a surtir seus regulares efeitos, revogando eventuais disposições em contrário. Brasília, 05 de setembro de 2001. Elaine Rossetti Behring Presidente do CFESS Publicado no Diário Oficial da União de 18 de outubro de 2001.
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ANEXO – D
PROJETO DE LEI Nº 1890/2007 (DEPUTADO MAURO NAZIF)
Acrescenta dispositivo à Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993, para dispor sobre a duração do trabalho do Assistente Social. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º A Lei nº 8.662, de 07 de junho de 1993, passa a vigorar acrescida do seguinte artigo: “Art. 5º-A. A duração do trabalho do Assistente Social é de trinta horas semanais.” Art. 2º Aos profissionais com contrato de trabalho em vigor na data de publicação desta Lei é garantida a adequação da jornada de trabalho, vedada a redução do salário. Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. JUSTIFICAÇÃO A limitação da jornada de trabalho visa primordialmente a preservar a saúde e a segurança dos trabalhadores. Como regra geral, a Constituição Federal fixou, no art. 7º, inciso XIII, a duração do trabalho em 8 horas diárias e 44 semanais. Algumas atividades, entretanto, exigem mais do trabalhador, levando-o mais rapidamente à fadiga, pelo desgaste físico ou psicológico. Sua produtividade fica comprometida, e o trabalhador exposto a doenças profissionais e acidentes de trabalho. Em conseqüência, os usuários dos seus serviços também correm riscos maiores. A maior exposição à fadiga, causada pelo exercício de determinadas profissões, justifica, portanto, a fixação de jornadas reduzidas de trabalho. Os assistentes sociais constituem, sem dúvida, uma categoria cujo trabalho leva rapidamente à fadiga física, mental e emocional. São profissionais que atuam junto a pessoas que passam pelos mais diversos problemas, seja em hospitais, presídios, clínicas, centros de reabilitação ou em outras entidades destinadas ao acolhimento e à (re)inserção da pessoa na sociedade. As condições sob as quais os assistentes sociais trabalham muito os aproxima dos profissionais da saúde, que têm direito, em diversos casos, à jornada de trabalho reduzida. É este o caso, por exemplo, dos médicos, que fazem jus a jornada de no mínimo 2 e no máximo 4 horas diárias (art. 8º,”a”, da Lei 3.999, de 15 de dezembro de 1961); dos auxiliares (auxiliar de laboratorista e radiologista e internos), cuja jornada legal é de 4 horas diárias (art. 8º,”b”, da Lei 3.999, de 1961); dos técnicos em radiologia, que têm jornada de 24 horas semanais (art. 14 da Lei 7.394, de 29 de outubro de 1985); e dos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, que trabalham 30 horas por semana (art. 1º da Lei 8.856, de 1º de março de 1994). O Projeto de Lei que ora apresentamos visa a conceder a jornada reduzida também aos assistentes sociais, cujas atividades são reguladas pela Lei nº 8.662, de 1993. Por considerarmos ser justa e socialmente relevante a proposição ora apresentada, rogamos aos nobres Pares apoio para sua aprovação. Sala das Sessões, em de 2007. Deputado Mauro Nazif.