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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
COLETIVOS DE TRABALHO COMO UM DISPOSITIVO DE SAÚDE DOS
OFÍCIOS
Alda Karoline Lima da Silva
Natal-RN
2017
ii
Alda Karoline Lima da Silva
COLETIVOS DE TRABALHO COMO UM DISPOSITIVO DE SAÚDE DOS
OFÍCIOS
Tese elaborada sob orientação do Prof. Dr.
Pedro Fernando Bendassolli e apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito à obtenção do título de Doutora
em Psicologia.
Natal-RN
2017
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes - CCHLA
Silva, Alda Karoline Lima da.
Coletivos de trabalho como um dispositivo
de saúde dos ofícios / Alda Karoline Lima da
Silva. - Natal, 2017.
131f.: il.
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia.
Orientador: Prof. Dr. Pedro F.
Bendassolli.
1. Coletivos de trabalho - Tese. 2.
Clínicas do trabalho - Tese. 3. Saúde do
trabalhador - Tese. I. Bendassolli, Pedro F.
II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA
CDU 159.9:331
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva -
CRB-15/710
iii
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A tese COLETIVOS DE TRABALHO COMO UM DISPOSITIVO DE SAÚDE DOS
OFÍCIOS, elaborada por Alda Karoline Lima da Silva, foi considerada aprovada por
todos os membros da Banca Examinadora, e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à
obtenção do título de DOUTORA EM PSICOLOGIA.
Natal, RN ____de_________de____
BANCA EXAMINADORA
Pedro Fernando Bendassolli (UFRN) ____________________________________
Jorge Tarcísio da Rocha Falcão (UFRN) ____________________________________
Isabel Maria F. Fernandes de Oliveira (UFRN) ____________________________________
Claudia Osório da Silva (UFF) ____________________________________
José Newton Garcia de Araújo (PUC-MINAS) ____________________________________
iv
Agradecimentos
A Deus, mais uma vez pelos sinais, não mais sutis (como antes sentia), presentes
em minha história de vida, e por reafirmar que as invisibilidades (amor, sabedoria,
paciência...) ainda constroem os verdadeiros significados do real da atividade de viver.
Aos meus anjos da guarda disfarçados de: pai, mãe, padrinho, madrinha, tio, tia,
irmão, amigo, aluno, mentores/guias/cuidadores da terra e do céu, amor! Gratidão pela
proteção e luz de vida! Amo todos!
Ao Pedro Bendassolli, por aceitar o “desafio” de minha orientação, pelas ideias
compartilhadas, pelas dúvidas e inquietações.
Aos professores que aceitaram o convite para fazer parte da minha banca.
À equipe do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) regional
de Natal pela acolhida e acesso ao campo de pesquisa.
Aos participantes-trabalhadores do estudo, que me fazem a cada encontro
reafirmar meu lugar na vida!
Aos meus alunos, que me ensinam o caminho da docência, gratidão por
(re)revitalizar meu gênero profissional.
Ao Universo, que me possibilitou novos encontros de vida! A todos deixo um
presente escrito como forma de gratidão:
Não era um bonsai
“Tudo começou no dia em que recebi em minha casa um lindo bonsai. Desde
então, nunca mais fui a mesma. Recebi sob as cláusulas de contrato temporário, mas,
quando a gente cria vínculo afetivo, de que valem os papeis, não é mesmo?
A plantinha, mesmo com o batismo que ofereci, a água que reguei e a melhor
posição sob o sol que a coloquei, retornou para seu lar. Como jabuticaba que é, gostava
v
de enxergar as coisas do alto. E se, por causa daquele vaso, não iria mais crescer, teve que
dar seu jeito...
Guardou seu lugar na janela de um alto andar e, apesar de suas pequenas raízes
não a abandonarem, elas não foram suficientes para a manterem de pé depois de um louco
vento.
O bonsai caiu lá de cima, quebrou o vaso, feriu o caule, perdeu folhas, virou um
montinho de galhos e terra que, fosse um bonsai comum, qualquer pequeno grupo de
formigas poderia fazer dele alimento de uma estação. A pequena jabuticabeira chorou,
chorou, que nem água de mar: para banhar e para salgar. Essa água regou tudo que estava
morrendo.
O chão que aparou a queda da jabuticabeira relembrou que não era um
desconhecido, a firmeza que causou dor no primeiro impacto deu abertura para suas raízes
lembrarem que ainda estavam vivas, e cresceram. Cresceram para baixo, para dentro, para
o profundo. Cresceram. Cresceram tanto que a deixaram de pé novamente.
E aí veio chuva, veio mais vento, vieram galhos arrancados, sementes roubadas,
espalhadas. Nem entendia mais como continuava de pé. Foi aí que olhou para os lados e
viu que, ao seu redor, nasceu um pomar de jabuticabeiras, crescidas a partir de tudo que
lhe fora arrancado. Que doido? Como pode? – Questionou-se.
Não sei se ela sabe, mas ela não é bonsai, ela é árvore ‘está associada à: vida,
respiração, proteção e (re)oxigenação...’.
E se um dia sua madeira for derrubada, tenho certeza que virará ‘lápis de cor’,
para que com elas eu possa desenhar um mar, um sol, um arco-íris e um coração”.
(Jéssica Luana F. Queiroz, 2017)
vi
Hoje vamos desejar o bem
Sem olhar a quem
[...]
Peça tudo que você quiser
Acredite na sua fé
[...]
Tenha dentro do seu coração
Pureza e verdade
[...]
Quando não souber o que pedir
Peça felicidade
Quando não souber o que doar
Doe sua metade.
[...]
Vou fazer de um papel um avião
[...]
Quero presentear
Com flores Iemanjá
[...]
(Grupo Melim)
vii
Aos nossos coletivos de trabalha(dores) desmantelados ↔ empoderados na produção de
vida e saúde!
Cheios de paixão na ação, nos demais casos, o sofrer a ação dessa paixão.
(Spinoza, 2003)
viii
Sumário
Lista de figuras ix
Lista de tabelas x
Resumo xi
Abstract xiii
Introdução 14
Artigo um: O processo saúde-doença em diferentes ofícios segundo a
perspectiva de trabalhadores usuários de um CEREST no Nordeste brasileiro
36
Artigo dois: Uma síntese do conceito de coletivos de trabalho nas clínicas do
trabalho
60
Artigo três: Coletivos de trabalho e a produção de saúde dos ofícios 83
Considerações gerais 110
Apêndices
124
ix
Lista de figuras
Figura Página
1 As inter-relações dos elementos constituintes dos coletivos de
trabalho
90
x
Lista de tabelas
Tabela Página
1 Características da psicodinâmica do
trabalho
63
2 Características da clínica da atividade 65
3 Características da psicossociologia do
trabalho
69
4 Conceituação de coletivos de trabalho
pelas clínicas do trabalho
72
xi
Resumo
Este estudo apresenta os resultados de uma pesquisa-intervenção realizada em um Centro
de Referência em Saúde do Trabalhador, localizado no município de Natal-RN, com
trabalhadores-usuários do serviço. Objetivei analisar o papel dos coletivos de trabalho
como dispositivo de saúde em trabalhadores em situação de adoecimento profissional. As
clínicas do trabalho apropriam-se da categoria coletivos de trabalho como operador
fundamental na relação saúde-trabalho-desenvolvimento. Essas têm estudado e advogado
os coletivos de trabalho como dispositivo-chave para a compreensão, manutenção e
afirmação da saúde dos ofícios. Após apresentar brevemente o modo como cada uma
dessas clínicas define coletivo, ofereço uma síntese provisória que emerge a partir da
observação de pontos gerais de convergência entre elas no tocante ao sentido dos
coletivos. A partir dessa análise, via clínicas do trabalho, apresento um modelo como via
de entendimento dos elementos-base de constituição dos coletivos (relações com o ofício,
afeto, reconhecimento e dialogicidade). Conduzi as atividades em duas etapas: uma de
aproximação do campo com as atividades em grupo na sala de espera do serviço e
entrevistas semiestruturadas; e outra com entrevistas clínicas. Na primeira etapa do estudo
identifiquei três dispositivos: o coletivo provisório, a relação do sujeito com sua atividade,
e o assédio ao ofício. Também ilustrei o modelo por meio de casos clínicos reais, que
permitem destacar de que modo o funcionamento dos coletivos pode os fazer mantenedor
ou não da sobrevivência do trabalhador e fazê-lo desenvolver um ofício sadio. Por fim,
alerto para a necessidade de os indivíduos estarem como organizadores do seu próprio
trabalho, para que o coletivo de trabalho possa dar seus sinais de expressividade,
colocando em ação ele mesmo (o coletivo de trabalho) e o ofício no processo de produção
de saúde, sinalizando, mais uma vez, a necessidade de cuidar dos ofícios tanto quanto
xii
cuidar do trabalhador, numa perspectiva de reparação do bem-estar pelos próprios
coletivos de trabalho, sobre os critérios e as tensões da atividade de trabalho.
Palavras-chave: coletivos de trabalho; clínicas do trabalho; pesquisa-intervenção; saúde
e trabalho.
xiii
Abstract
This study represents the results of a research-intervention realized in a Center of
Reference in Worker Health, located in the city of Natal-RN, with workers users of the
service. The aim was to analyze how the collective work appears as health workers in
professional device sickening situation. The work clinics appropriate of the work
collective category as fundamental operator in the health-work-development relationship,
which traditionally have studied and advocated the work collective as a key device for
understanding, maintaining and affirming the crafts health. After a brief presentation of
the how as each one of these clinics defines collective, we offered a provisory synthesis
that emerges from observation of general points of convergence between them regarding
to the collective meaning. The activities were conducted in the fases: approach of the field
with the group activity in the waiting room of the service and semi-structured interviews
and clinical interviews. It was possible to identify three devices in the first fase: the
provisional collective; the relation of the subject with his activity and the harassment to
the job. The model was illustrated trough real clinical cases what allow us to highlight
that the way of collective operation can make it maintainer or not of the survivor and
develop a health craft. Finally, it alerts to the individuals need to be as organizers of their
own work so the collective work Cn give its signs of expressiveness, putting in action
itself (work collective) and craft in the process of health production. It is alerted to the
need of care with the job with equal level of importance of the care offered to the worker,
in a repairing perspective of the well-being by the collective about the criteria and the
tensions of the work activity.
Keywords: Work collective; work clinics; research-intervention; health and work.
14
Introdução
A presente tese de doutorado é fruto de uma pesquisa-intervenção que desenvolvi
em um Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) da cidade de Natal-
RN. Este espaço já era um campo de práticas de estágio e extensão das minhas ações
acadêmicas – sem vínculo como servidora, e sim como docente-pesquisadora. Entrei no
serviço um ano e meio antes do próprio ingresso no doutorado. Essa familiaridade com o
campo fez com que meu acesso e permanência durante o período de quatro anos de
doutoramento fosse facilitada pela acessibilidade ao local e, por conseguinte, aos
participantes da pesquisa. Isso me possibilitou uma aproximação ao campo, aos
profissionais do serviço, ao seu funcionamento, bem como aos usuários que ali
frequentavam. Aliado a isso, também me aproximei a diversos temas no campo da Saúde
do Trabalhador (ST).
No tempo dedicado ao campo, compreendi, na práxis, a complexidade da relação
saúde-doença e suas conexões com o trabalho, reafirmei a necessidade de destacar a
atividade de trabalho como elemento central para a compreensão↔transformação da
condição de adoecimento laboral. Alinhado a isto, ao final do meu mestrado, algumas
inquietações surgiram em relação ao papel dos coletivos de trabalho como elemento
fundamental na relação de produção de saúde pela atividade de trabalho.
Percebi que, apesar de os coletivos de trabalho serem citados nos estudos das
clínicas do trabalho, escassas são as sistematizações sobre seus elementos conceituais,
constitutivos e de funcionalidade interativa com a saúde no trabalho. A produção
acadêmica restringia-se ao olhar específico de cada clínica do trabalho quanto ao papel
desses coletivos.
Mesmo os coletivos de trabalho sendo considerados essenciais por uma linhagem
das ciências do trabalho – parte das quais nesta pesquisa estão articuladas às clínicas do
15
trabalho (Athayde, 1996; Clot, 2006a; Dejours, 1993; Guérin, Laville, Daniellon,
Duraffour, & Kerguellen, 2001; Leplat, 1994), as quais arrolam o coletivo como
fundamental para o desenvolvimento das competências de quem trabalha, assim como
para a construção de saúde e identidade –, os estudos das clínicas do trabalho não se
dedicavam ampla e profundamente a uma discussão conceitual mais sistêmica e
integrativa desse constructo, um dos aspectos que justifica meu interesse neste estudo.
As clínicas do trabalho compõem um rol de abordagens da Psicologia do Trabalho
(Psicodinâmica, Clínica da Atividade, Psicossociologia e Ergologia), que apresentam
convergências relativas às temáticas da relação trabalho-subjetividade frente aos
processos emancipatórios dos trabalhadores. Nessas, a noção de trabalho amplia-se para
além da relação contratual (emprego), concebendo-o como uma atividade pela qual o
indivíduo se afirma na sua relação consigo mesmo, com seus parceiros de trabalho e, por
conseguinte, contribui para a dinâmica e perpetuação de seu coletivo profissional
(Bendassolli & Soboll, 2011).
Mesmo com suas diferenças de bases epistemológicas e teórico-metodológicas, o
compartilhamento do conceito de coletivos de trabalho pelas clínicas é observado ao
longo dos estudos – que abordarei posteriormente. Bendassolli e Soboll (2011) destacam
que as clínicas do trabalho não constituem uma escola de pensamento, tampouco as
abordagens mencionadas são homogêneas. No entanto, os autores apresentam alguns
pontos comuns.
Um deles é o interesse pela ação no trabalho como poder de agir dos sujeitos e dos
coletivos – o termo poder refere-se não às classes sociais, à posse de recursos escassos, à
capacidade de influência ou à autoridade, mas àquele encontrado no nível do ato, como o
poder sobre si mesmo (no sentido do poder do uso de si), o poder sobre a atividade (a
maestria sobre meios e fins), o poder sobre a atividade de outros, e o poder sobre as
16
resistências (na forma de enfrentamento a restrições e frustrações do real). Desse modo,
ao ocupar um lugar central nessas clínicas, os coletivos funcionam como um mobilizador
de potência política para a mobilização subjetiva.
A noção de coletivo designa-se como um processo de construção de acordos
normativos, técnicos e éticos entre os trabalhadores, sendo o coletivo de trabalho
construído em torno das regras de trabalho comuns, derivadas do próprio coletivo. Na
ausência disso, segundo Gernet e Dejours (2011), há apenas um grupo ou reunião de
pessoas que podem compartilhar interesses. Destaco o modo como Clot (2006a) apresenta
o conceito de coletivo de trabalho. Para esse autor, o coletivo tem uma função primordial
na manutenção e no desenvolvimento de um ofício, sendo condição para realizar bem seu
trabalho e aperfeiçoar seu estilo pessoal, incorporando e sendo incorporado pelo coletivo.
Assim, ao se iniciar em um ofício, o novato procura realizar o trabalho a partir dos
conhecimentos adquiridos durante os treinamentos formais, mesmo que insuficientes.
Nesse momento, o ingressante circula em esferas mais externas do coletivo de trabalho.
Ao perceber aquela insuficiência, procura nortes em direção ao núcleo do seu coletivo
profissional, por exemplo, ao observar os trabalhadores mais experientes para copiar o
que fazem, mas o iniciante percebe que tal estratégia é ainda insuficiente. Nesse processo,
ele começa a incorporar o coletivo, mas este ainda lhe é externo, é algo que ele precisa,
portanto, tentar copiar. Então, o iniciante parte para as trocas mais efetivas com os outros
trabalhadores, para compreender as regras próprias daquele meio profissional e
incorporá-las a seu modo. Assim, pode trabalhar da sua própria maneira, com seu próprio
estilo pessoal no interior de um gênero profissional (Clot, 2006a), seguindo e
eventualmente modificando as regras daquele coletivo. Dessa maneira, o coletivo de
trabalho oferece instrumentos para que cada um supere as dificuldades encontradas no
seu meio, servindo de zona de desenvolvimento potencial (Clot, 2006a).
17
Neste estudo, o coletivo não se limita ao grupo, mas como recurso para o
desenvolvimento da subjetividade individual, sendo considerada a premissa do coletivo
no indivíduo. Nesse sentido, o coletivo é entendido como recurso para o desenvolvimento
individual. Os autores das clínicas (Clot, Dejours e Lhuilhier) retomam Cru (1987), no
que se refere ao conceito de coletivo de trabalho, quando apontam a exigência de uma
obra e linguagem comuns a vários trabalhadores, que constituem e são constituídas pelas
regras do ofício.
Outro ponto que destaco é o conceito de gênero profissional. A clínica da atividade
relaciona intimamente gênero profissional e coletivos de trabalho. O gênero profissional
da atividade é um conceito usado por Clot (2006a) a partir do conceito de gênero usado
por Bakhtine (Bakhtine, 1984). Para Clot, o gênero consiste em um sistema social aberto
de regras impessoais não escritas de um ofício. Esse conjunto de regras (explícitas ou
implícitas) é construído pelos próprios trabalhadores. Regulador das relações entre os
profissionais de um mesmo ofício, o gênero marca o pertencimento a um grupo, orienta
a ação, e constitui as atividades reconhecidas ou interditas em um meio profissional. O
coletivo de trabalho carrega as características do gênero profissional, sendo o gênero o
instrumento coletivo da ação, com o qual o sujeito, por meio de suas criações estilísticas,
ultrapassa o prescrito, ampliando seu poder de agir.
O poder de agir – relacionado à amplitude de ação sobre a atividade –, proposto
por Clot (2006a, 2010), relaciona-se à perspectiva de Canguilhem (2009) para a
diferenciação entre o normal e o patológico. A saúde, em Canguilhem (2009), refere-se
ao empobrecimento dos meios de que o organismo dispõe para seu funcionamento, do
que resulta uma diminuição da capacidade (da amplitude de ação) desse organismo, no
sentido de se adaptar e, no limite, manter-se vivo.
18
Para Clot (2010), há uma equivalência entre atividade e saúde. A clínica da
atividade adota a definição filosófica de saúde trazida por Canguilhem; logo, se se define
saúde segundo a leitura dele, no mundo do trabalho atual, a saúde está gravemente em
perigo. As pessoas usam seus recursos pessoais para preservar a saúde. A atividade não é
operação (gesto visível, detalhe, etc.), mas sim o que é feito e o que ainda não foi feito. É
assim que se desenvolve a produção subjetiva da experiência, por meio da atividade, que
é sinônimo de saúde (Pacheco & Silva, 2014). Para Canguilhem (1966/2011, citado por
Athayde & Rezende, 2015), a atividade é uma disposição do vivente para lidar com o
meio e reorganizá-lo; refere-se à afirmação da vida em seu caráter enigmático, conflituoso
e recriador, não se limitando ao já dado, ao prescrito. Já atividade de trabalho é tudo que
o trabalhador faz para dar conta de uma tarefa previamente definida, incluindo todas as
contradições e conflitos que emergem em sua realização, existindo, assim, um campo da
atividade de trabalho que não se reduz ao comportamento, como a mobilização cognitiva,
afetiva e corporal para cumprir a tarefa (Athayde & Rezende, 2015).
A atividade de trabalho é uma estratégia de adaptação à situação real de trabalho;
significa o trabalho real efetivamente realizado pelo indivíduo, a forma pela qual ele
consegue desempenhar suas tarefas. A distância entre o prescrito e o real é a manifestação
concreta da contradição presente no ato de trabalho (Guérin et al., 2001). Montmollin
(1990) defende que a atividade é um processo complexo, em evolução, destinado a
adaptar-se a tarefa, mas também com a função de transformá-la. Guérin el al. (2001)
fazem uma distinção conceitual entre tarefa e atividade de trabalho. A tarefa não é o
trabalho, mas o que é prescrito pela organização ao trabalhador; a tarefa é exterior ao
trabalhador, apresentando-se como um conjunto de prescrições impostas a ele.
Ao fazer uma distinção entre o prescrito e o real, Guérin el al. (2001) apontam que
as condições reais de trabalho são diferentes daquelas condições determinadas; os
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resultados efetivos são, ao menos parcialmente, diferentes dos resultados antecipados.
Logo, nesse espaço que vai do prescrito ao real, inúmeras renormalizações acontecem na
atividade desenvolvida pelo sujeito, sendo essa atividade rica em alternativas e engajada
em escolhas.
Clot (2006a) acrescenta o conceito de real da atividade, que se refere à atividade
do indivíduo sobre si mesmo, como uma espécie de filtro subjetivo que concede um
sentido para a vida do sujeito. O real da atividade consiste naquilo que pode ser feito, mas
se escolhe, em determinadas circunstâncias – que podem mudar – não o fazer.
Distinguindo a atividade realizada do real da atividade, o autor menciona que a primeira
é o que se faz, enquanto a segunda consiste no que não se pode fazer, mas gostaria de tê-
lo feito, e até mesmo no que se faz para não fazer aquilo que deve ser feito.
Canguilhem (1947/2001) aponta que toda atividade de trabalho tenta encontrar
um núcleo de renormalização, ou seja, que há uma tentativa de a pessoa ajustar o meio às
suas próprias normas, mesmo que no ínfimo, mesmo que, parcialmente, recentrando o
meio. O trabalho, além de ser um meio de produção de sentidos, é uma forma de a pessoa
se sentir útil e ativa, e afirmar sua própria saúde. Contudo, os efeitos das atuais
configurações do trabalho intensificaram alguns elementos nocivos às relações de
trabalho, como o individualismo e a competitividade – apontado por Sennett (1999) como
uma corrosão de caráter nas relações de trabalho; por Antunes (2013) como o
desmantelamento da classe trabalhadora; e, nos termos das clínicas do trabalho, como
uma desestabilização/enfraquecimento dos coletivos de trabalho (Dejours, 2004); ou um
enfraquecimento/amputação do poder de ação desses coletivos (Clot, 2010).
Estudos que se propõem a fazer uma análise do trabalho, independente de qual
clínica se filiem, tocam na questão dos coletivos de trabalho como um meio de reafirmar
a relação com a saúde e a segurança do trabalhador em realizar sua atividade, ou mesmo
20
para evidenciar sinais de fragilidade, perda de vitalidade ou adoecimento pelo trabalho
(Moraes & Athayde, 2014; Silva & Ramminger, 2014; Silveira & Merlo, 2014). Com a
fragilização dos coletivos de trabalho, o indivíduo perde a possibilidade de participar de
espaços de debate e discussão (Clot, 2010). Bendassolli (2011) aponta que coletivos só
são verdadeiros operadores de saúde quando permitem a livre fluência do conflito sobre
critérios, quando estimula disputas e heterogeneidade. Portanto, o bloqueio do poder dos
coletivos em articular estratégias compartilhadas de ação também consiste em um meio
de impedimento da ação, o que pode ocasionar sofrimento/adoecimento.
Na presente pesquisa, parto da premissa de que os coletivos de trabalho são um
meio para a potência de agir (aumentada ou diminuída) do trabalhador no processo de
produção de saúde dos ofícios. Ao adotar essa posição, alguns questionamentos são
elencados como norteadores:
Qual é a função exercida pelos coletivos de trabalho no processo saúde-
doença, em trabalhadores adoecidos em virtude do trabalho?
Como os elementos constitutivos dos coletivos de trabalho se articulam
como bases de manutenção e evolução desses, e, por conseguinte, para
produção de um ofício sadio?
Quais são os possíveis caminhos que os coletivos de trabalho podem
construir para restaurar ou ampliar o poder de agir dos trabalhadores
adoecidos, e, assim, atuar como dispositivo de saúde?
Para compreender a ideia de coletivo como dispositivo, é essencial elucidar o que
é dispositivo. Para Agambem (2005), trata-se de qualquer coisa que de algum modo tenha
a capacidade de orientar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas
e os discursos dos seres viventes, não sendo somente aquelas com conexões mais
evidentes (manicômios, prisões, escolas), mas outros objetos/instrumentos (telefones
21
celulares, computadores, canetas), e até a própria linguagem (o mais antigo dos
dispositivos). Isto posto, considerar os coletivos como um dispositivo de saúde significa
que esses asseguram os gestos, isto é, as orientações genéricas e os modos de fazer de um
ofício.
A ST no Brasil tem recebido diferentes contribuições teóricas das relações saúde,
trabalho e subjetividade. No entanto, de uma forma geral, há uma centralização na noção
de sofrimento psíquico, frente aos constrangimentos impostos pelas organizações e pelas
condições de trabalho. Aqui, destaco também uma iniciativa mais recente: a contribuição
de autores (Brito & Athayde, 2003; Clot, 2006a, 2010; Silva & Ramminger, 2014) que
sublinham a importância de produzir caminhos para a ampliação do poder de agir dos
trabalhadores diante das condições de produção desse sofrimento.
O adoecimento pelo trabalho ainda é uma pandemia oculta. Cerca de 2,34 milhões
de pessoas morrem todos os anos em virtude de acidentes e doenças relacionados ao
trabalho (Organização Internacional do Trabalho – OIT, 2013). Neste estudo, escolhi o
trabalhador adoecido pelo trabalho como representante desses coletivos de trabalho.
Quando o trabalhador desenvolve alguma doença profissional, ele sofre um corte do
convívio com seus pares, não simplesmente por seu afastamento laboral, mas pelas
consequências desse adoecimento. Ao ser acometido por uma doença/sofrimento laboral,
inicia-se uma luta do trabalhador, geralmente solitária, contra os sentimentos de
impotência diante daquela situação, às vezes, expressa pela negação inicial da sua
comorbidade e pela chamada fraqueza de ter adoecido.
Contraditoriamente, pode-se caracterizar essa era contemporânea do mundo do
trabalho como a que mais avançou nas questões tecnológicas e nas formas de gestão dos
processos de trabalho, mas a que mais produziu sequelas significativas de desintegração
da classe trabalhadora. Esse descompasso entre as transformações laborais e as ações em
22
ST produz problemáticas de diversas ordens na relação trabalho-saúde, dentre essas, o
adoecimento do trabalhador e o desmantelamento/enfraquecimento dos coletivos de
trabalho.
A ST propõe colocar o processo de trabalho (e não apenas o indivíduo-
trabalhador) no centro da análise dessa relação, defendendo mudanças em processos de
trabalho potencialmente produtores de adoecimento, ao mesmo tempo em que valorizam
a experiência do trabalhador sobre o seu trabalho, entendendo-o como sujeito ativo do
processo saúde-doença (Minayo-Gomez & Thedim-Costa, 1997).
Outro aspecto de relevância deste estudo é não reforçar o entendimento errôneo
de que os processos de trabalho só são interessantes para saúde coletiva quando se vincula
a uma patologização nítida – um enfoque já superado da saúde ocupacional (Brito, 2005).
Esta proposta ultrapassa a concepção trabalho-saúde de viés negativo e patológico, na
qual trabalho produz apenas adoecimento e alienação; ao contrário, proponho pensar
como o trabalho também pode produzir saúde (Silva & Ramminger, 2014).
Deste modo, objetivei analisar como os recursos dos coletivos de trabalho foram
mobilizados como dispositivos de mobilização de saúde de trabalhadores em situação de
adoecimento profissional. Para isso, especificamente, foi fundamental: a) investigar a
dinâmica do processo saúde-doença sob a ótica do ofício, para além do nível do
sofrimento capturado pela dimensão subjetiva individual; b) analisar as apropriações
conceituais sobre os coletivos de trabalho na perspectiva das clínicas do trabalho; e c)
apresentar um modelo compreensivo dos elementos-base de constituição dos coletivos,
por meio de casos clínicos reais, que ilustrem analiticamente o funcionamento dos
coletivos como dispositivo de um ofício sadio.
23
Pressupostos teórico-metodológicos
Para um melhor acompanhamento dos resultados – que apresento no formato de
três artigos –, é pertinente assinalar o tipo de pesquisa que desenvolvi e os pressupostos
que adotei: uma pesquisa-ação/intervenção, cuja base teórico-metodológica propõe
prover aos sujeitos vida e voz.
A pesquisa-intervenção rompe os enfoques tradicionais de pesquisa e amplia as
bases teórico-metodológicas para pesquisas participativas, propondo uma intervenção
micropolítica na experiência social. Assim, esta é uma atitude de pesquisa que desarticula
as práticas já instituídas, adotando certa concepção de sujeito e grupo, de autonomia e
práticas de liberdade e de ação transformadora (Rocha & Aguiar, 2003). Nesse sentido,
pesquisar é ação, construção e transformação coletiva, sendo a intervenção articulada à
pesquisa, com o intuito de produzir outra relação entre teoria e prática, sujeito e objeto,
não tendo, portanto, algo a ser revelado, descoberto ou interpretado, mas criado e
construído.
Para Lhuilier (2011) a pesquisa-ação é uma prática usual nas clínicas do trabalho,
cujo propósito central é o empoderamento dos sujeitos nas situações de trabalho
(considero que, mesmo afastado do trabalho, o sujeito sempre é um trabalhador em
potencial para transformação do seu trabalho, não necessariamente atrelada à relação com
o espaço físico, mas com o sentimento de pertença ao ofício).
Na ST, o trabalhador assume um papel essencial no saber acerca do seu próprio
trabalho, premissa que está alinhada aos pressupostos metodológicos do Modelo Operário
Italiano – MOI (Oddone et al., 1986) –, no qual a experiência do trabalhador é colocada
como elemento constitutivo capaz de produzir interferências nas suas condições de
trabalho e saúde (Pessanha, Silva, & Rotenberg, 2013).
24
Destaco, aqui, o princípio basilar da análise da atividade realizada pelos
trabalhadores, utilizando os métodos de coanálise do trabalho, adotando uma metodologia
de caráter clínico-qualitativo, que permita ao sujeito refletir sobre suas práticas
profissionais. Houve, então, um processo de reflexividade, que se manteve presente em
todo o percurso metodológico desta pesquisa-intervenção, que ao longo do tempo teve
suas técnicas construídas com seus participantes, em um processo de co-construção –
característica comum às clínicas do trabalho.
A pesquisa-intervenção tem essa característica: teoria e intervenção se constroem
simultaneamente; nesse caso, é aberta a possibilidade de construir, de uma abertura da
relação participantes-pesquisador para que novas relações sejam engendradas, tornando
possível um novo modo de estar com os outros. Estabelece-se uma relação responsiva,
um diálogo que, segundo Bakthin (2008), é inconcluso, e conecta-nos inexoravelmente a
muitos outros, para quem nossas respostas se dirigem, com quem estamos dialogando
todo o tempo, com várias vozes sociais – compreendidas por Bakhtin como pontos de
vista acerca do mundo –que compõem o universo do qual somos partícipes. Nossa própria
presença no mundo é já uma resposta, um modo de nos posicionarmos em relação às
vozes sociais com as quais concordamos, discordamos, aderimos parcial ou totalmente,
refutamos (Brito & Zanella, 2017).
Posicionar o trabalhador-participante nesse lugar de analisador, como um
representante vivo do mundo do trabalho e de seus coletivos, alinha-se à premissa adotada
em seu pressuposto basilar na ST, fundada e fortemente disseminada por Oddone et al.
(1986) – que, com sua equipe de trabalho, exercitaram concretamente uma abordagem
clínica do trabalho que serviu de instrumento para a ampliação da potência e do poder de
ação de coletivos de trabalho sobre o seu trabalho e sobre cada um de seus protagonistas
(Clot, 2010). Nesse desenho de pesquisa, os trabalhadores interessados em compreender
25
↔ transformar suas situações de trabalho são convidados a participar da análise do seu
trabalho, considerando que a discussão da sua experiência pode ser um meio de sua
transformação. Assim, estudos que se propunham a colocar o trabalho como o centro da
análise, tendo o trabalhador como seu analista principal, apresentam ricas contribuições
baseadas nos relatos e impedimentos vivenciados pelos próprios trabalhadores – iniciativa
realizada por Oddone et al. (1986) e fortemente alinhada às clínicas do trabalho.
No presente estudo, tomo como figura a questão dos coletivos de trabalho nos
processos de saúde, o que não torna secundária a atividade de trabalho como elemento de
análise essencial para compreensão dos coletivos e sua interação na própria atividade de
trabalho. Espero que este tipo de intervenção que coloca a atividade como foco de análise
permita a emergência, segundo Lacomblez, Araújo, Zambroni-de-Souza e Máximo
(2016), de: (a) ligações entre trabalho e saúde, por vezes não aparentes, mas insuspeitas
e impensáveis espontaneamente, que adquirem outra visibilidade e tornam-se “dizíveis”
e compartilháveis pelos coletivos; (b) conceitos explicativos que, advindos das
verbalizações dos trabalhadores sobre suas próprias práticas de trabalho e sobre suas
repercussões, são desenvolvidos em função do avanço da reflexão coletiva, e não segundo
um programa que eu predefino como pesquisadora; (c) uma co-construção de
conhecimentos novos sobre a situação de trabalho e adoecimento do trabalhador e sobre
si mesmo, em virtude do próprio exercício de reflexão e de expressão.
Desse modo, objetivo prioritariamente a descoberta e a apropriação de um
percurso pelos participantes, em benefício deles, e não unicamente o de uma contribuição
ao progresso da pesquisa científica – mesmo que a riqueza desta experiência abra portas
a projetos inéditos. Os conceitos e métodos de análise do trabalho que ora adoto passam,
assim, a ser considerados como ferramentas cognitivas capazes de facilitar a iniciativa e
a conduta da ação, ou, pelo menos, a intenção da ação dos trabalhadores. Essa ferramenta
26
assume uma função mais ampla, de tipo desenvolvimental, permitindo adquirir um
melhor domínio geral de um ofício ou de uma função, o que pode transformar igualmente
a relação com o trabalho e favorecer a saúde, na ótica dinâmica da sua construção
(Lacomblez et al., 2016).
Nesta pesquisa, adoto um método clínico – cuja operacionalização explicitarei
posteriormente. Para Amador, Rocha, Brito e Barros (2016), as metodologias clínicas são
uma forma de tratar a produção de conhecimento atrelada às tomadas de posição por parte
do trabalhador. Passos e Barros (2012), citados por Amador et al. (2016), apontam que é
nos encontros gerados pelo trabalho que estão presentes as imbricações políticas, posições
que fazem análise, intervenção e transformação – tríade significativa na produção de vida
no trabalho. Portanto, a prática de pesquisa com trabalhadores encontra, no plano clínico,
um mote metodológico para produzir nuanças inventivas do trabalho, reinvenções da
atividade, e outros diálogos do gênero. Desse modo, ao fazer pesquisa‐intervenção,
aposto: (a) no compartilhamento da produção de conhecimento; (b) na transformação do
vivido no trabalho, o que significa reconhecer o trabalhador engajado na atividade de
análise; (c) e na possibilidade de libertá-lo de modos habituais de pensar, gerando outros
modos de ver, relacionar e conduzir-se junto aos demais trabalhadores, e diante do seu
ofício (Amador et al., 2016).
Contexto e etapas da pesquisa
Realizei este estudo no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST)
regional de Natal, via inicial de acesso aos trabalhadores, que, ao serem encaminhados ao
Centro, geralmente, estão adoecidos, seja por algum tipo de comorbidade profissional ou
por acidente de trabalho. O acesso aos serviços de saúde pelos trabalhadores ocorre pela
Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), na qual o
27
CEREST apresenta-se como um dos dispositivos de relevância e notoriedade em ST. Para
Leão e Castro (2013), esses dispositivos de ST refletem o saber técnico-científico e a
correlação de forças sociais em certos momentos históricos, como apontou Minayo-
Gomez e Lacaz (2005).
A articulação à rede de atenção à ST, via CEREST, é um meio de aproximação e
integração do âmbito acadêmico com a rede. A ST convoca essas interlocuções a fim de
contemplar diversos saberes e abordagens (Dias & Hoefel, 2005; Machado & Santana,
2011; Minayo-Gomez & Lacaz, 2005; Minayo-Gomez & Thedim-Costa, 1997). Há a
necessidade de iniciativas que acompanhem as mutações do mundo do trabalho e que
possam contribuir para a construção de uma Política Nacional de Saúde do Trabalhador
e da Trabalhadora – PNSTT (Portaria n. 1.823, de 23 de agosto de 2012).
As ações na rede de ST ainda ocorrem de forma muito fragmentada, e mesmo
considerando os avanços obtidos desde a concepção da política de ST até os dias atuais,
ainda há muitos desafios, devido às dificuldades de implementação das políticas públicas
e sociais, da desintegração dos setores público e privado (Lacaz, 2007; Minayo-Gomez,
2013), e pela própria dificuldade de organizar coletivamente os trabalhadores.
São duas as etapas deste estudo. A primeira inclui atividades em grupo na sala de
espera do CEREST, seguidas de entrevistas semiestruturadas (Apêndice A). A segunda
se trata de entrevistas clínicas (Apêndices B e C). Na primeira etapa, criei o dispositivo
sala de espera, com rodas de debates, conduzidas por mim e voluntários da pesquisa1.
Nessas, abordamos temas relacionados à história do sofrimento/adoecimento relativa ao
trabalho. Ao total, realizamos dez salas de espera, registradas em diário de campo. As
salas de espera objetivaram a ruptura do silêncio do trabalhador, seus modos de
1 Em função de eu ter realizado este estudo com contribuições de voluntários para a pesquisa-intervenção,
os artigos e as considerações gerais estão redigidas na primeira pessoa do plural. Embora eu tenha feito esta
escolha para o relato da pesquisa, são de minha responsabilidade as inflexões teórico-metodológicas que
assinalo neste texto.
28
sofrimento e dialogicidade sobre o processo saúde-doença, e a ampliação do acolhimento
estritamente clínico-especializado para uma ótica de análise do trabalho – ação não
substitutiva dos grupos terapêuticos, mas um modo a ampliar a rede de apoio ofertada ao
trabalhador (Da Silva, Queiroz, Caraballo, Torres, & Bendassolli, no prelo).
Ainda na primeira etapa, realizei entrevistas individuais semiestruturadas com
trabalhadores, de modo acidental e por conveniência, a fim de compreender globalmente
o perfil de adoecimento dos trabalhadores usuários do CEREST. Nesse procedimento, os
trabalhadores expressavam sua história de vida no trabalho, suas relações atuais com o
trabalho (jornada, tipo da atividade, vínculo contratual, exigências físicas e psíquicas do
trabalho), as atividades desenvolvidas, o processo de adoecimento e sua relação com o
processo de trabalho, e seus modos de enfrentamento. Conduzi as 20 entrevistas nas salas
de atendimento do próprio serviço; todas foram gravadas e duraram em torno de uma
hora. O cargo ocupado pelo público-alvo desta etapa foi diverso: motoristas, cobradores,
vigilantes, costureiras, bancários, professores, vendedores, sendo a categoria motorista de
ônibus a mais recorrente nesta pesquisa. Ao fim da entrevista, convidei os trabalhadores
para participar da segunda etapa deste estudo.
Na segunda etapa, apenas cinco trabalhadores se disponibilizaram a participar das
entrevistas clínicas (Apêndices B e C): bancários, motorista, vigilante e professor; todos
estavam afastados do trabalho. Com cada trabalhador, realizei de cinco a seis encontros,
no próprio CEREST, com duração de uma hora, em um período de até três meses, sendo
todos os momentos registrados em áudio. Durante essa atividade, adotei muitas
estratégias de adesão para que o trabalhador pudesse continuar na pesquisa, de modo que
os encontros não se limitassem a um momento terapêutico – cuja importância é válida,
mas não apropriada ao campo de análise do trabalho. Destaco, aqui, a criação de um
caderno, que nomeei de caderno de memórias, compartilhado com os participantes, que
29
o utilizava para registrar o conteúdo da conversa e/ou outros aspectos relevantes para
expressão do seu fazer profissional.
A conotação clínica das entrevistas ultrapassa a perspectiva de uma “Psicologia
Clínica do Trabalho”; abarca uma “Clínica do Trabalho”, que visa a ação sobre o campo
profissional e busca desenvolver a capacidade de agir dos trabalhadores sobre eles
mesmos e sobre o campo profissional, atuando como um dispositivo de transformação da
situação em que o trabalhador se encontra e de restauração de sua saúde. É por isso que é
clínica, por buscar transformar a situação e a saúde; a clínica é a ação para restituir o
poder do sujeito sobre a situação. Desse modo, a finalidade não é desenvolver diferentes
modelos de interpretação do real, mas desenvolver a interpretação dos trabalhadores, para
que estes reinterpretem a sua posição e desenvolvam a sua interpretação sobre o trabalho
que fazem (Clot, 2006b).
Clínicas do Trabalho foi uma terminologia recentemente proposta (Bendassolli &
Soboll, 2011; Lhuilier, 2006) para caracterizar abordagens que, mesmo sem focar a
questão psicoterapêutica, partilham características do paradigma clínico (Bendassolli,
Borges-Andrade & Malvezzi, 2010), com o foco em uma metodologia qualitativa, o
recurso à interpretação e a ênfase na profundidade da compreensão de casos específicos
em detrimento de descrições ou descobertas de leis gerais. Essa perspectiva tem caráter
emancipador, pois visa ao empoderamento do trabalhador, seja em situações de
sofrimento ou vulnerabilidade, seja diante de bloqueios ou suspensões de seu poder de
agir (Clot, 2006a).
A fim de usar uma ferramenta que possibilitasse o movimento dialógico
interpretar-reinterpretar do trabalhador, usamos um caderno ao longo dos encontros
clínicos. O caderno foi uma ferramenta pensada por um dos trabalhadores da pesquisa,
que, devido ao desgaste causado pelo sofrimento psíquico relacionado ao trabalho, estava
30
com sua memória afetada, sofrendo com lapsos de esquecimentos. A sugestão do
trabalhador (anotar para lembrar) foi tomada como sugestão para os demais participantes,
que a adotaram como ferramenta de mediação para a etapa clínica deste estudo.
A articulação entre as duas etapas da pesquisa me possibilitou organizar os
resultados em três artigos: (a) O processo saúde-doença em diferentes ofícios segundo a
perspectiva de trabalhadores usuários de um CEREST no Nordeste brasileiro; (b) Uma
síntese do conceito de coletivos de trabalho nas clínicas do trabalho; (c) Coletivos de
trabalho e a produção de saúde dos ofícios. As revistas selecionadas para submissão dos
artigos são, respectivamente: Revista Espacios (Qualis B2); Revista Psico (Qualis A2);
Psicologia em Estudo (Qualis A1). Cabe ressaltar que a lógica de construção dos artigos
baseou-se nas diretrizes das revistas escolhidas (por exemplo, no estilo APA), exceto
quanto ao tamanho dos textos, para que mantenham a distinção e a originalidade
solicitadas na tese de doutorado. Em virtude da similitude das temáticas tratadas nos
artigos, do estilo de redação e da estruturação lógica da argumentação, o leitor pode se
deparar com alguns aspectos com certa vocação repetitiva. Isto se deve às escolhas que
fiz e a alguns limites de apresentação do conteúdo deste documento. Por fim, há uma
seção de considerações gerais, nos quais retomo os principais analisadores do estudo,
debatendo seu alcance e desafios.
31
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36
ARTIGO UM
O processo saúde-doença em diferentes ofícios segundo a perspectiva de
trabalhadores usuários de um CEREST no Nordeste brasileiro
RESUMO
Este estudo apresenta os resultados de uma pesquisa-intervenção que realizamos em um
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, localizado no município de Natal-RN,
com trabalhadores-usuários. Nosso objetivo foi analisar o processo saúde-doença em
diferentes ofícios, sob a ótica das clínicas do trabalho, notadamente por meio da análise
do trabalho. Conduzimos as atividades em duas etapas: uma de aproximação do campo
com as atividades em grupo na sala de espera do serviço e entrevistas semiestruturadas;
e outra de entrevistas clínicas. Identificamos três dispositivos: o coletivo provisório, a
relação do sujeito com sua atividade e o assédio ao ofício. Alertamos para a necessidade
de cuidado com os ofícios, com igual nível de importância do cuidado ofertado ao
trabalhador, numa perspectiva de reparação do bem-estar pelos coletivos, sobre os
critérios e as tensões da atividade de trabalho. Assim, a busca pela manutenção de um
ofício sadio apresentou-se como uma estratégia de promoção↔recuperação no campo da
saúde do trabalhador.
Palavras-chave: Saúde do Trabalhador; Ofício assediado; Clínicas do trabalho.
The health-disease process in different jobs according to workers users' perspective
of a CEREST in Northeast Brazil
This study represents the results of a research-intervention realized in a Center of
Reference in Worker Health, located in the city of Natal-RN, with workers users of the
37
service. The aim was to analyze the dynamic of the health-disease process taking into
account the level of the job, based of the work clinics. The activities were conducted in
the fases: approach of the field with the group activity in the waiting room of the service
and semi-structured interviews and clinical interviews. It was possible to identify three
devices: the provisional collective; the relation of the subject with his activity and the
harassment to the job. It is alerted to the need of care with the job with equal level of
importance of the care offered to the worker, in a repairing perspective of the well-being
by the collective about the criteria and the tensions of the work activity. Therefore, the
search for the maintenance of a "healthy" office was presented as a strategy of promotion
<-> recovery in the field of worker health.
Keywords: Worker heath; harassed job; work clinics.
Neste estudo, apresentamos os resultados de uma pesquisa-intervenção realizada
em um Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), localizado no
município de Natal, com trabalhadores-usuários do serviço. A pesquisa ocorreu com
aqueles afastados em virtude de sofrimento e adoecimento psíquico ocasionado pelo
trabalho. Por meio de diferentes dispositivos metodológicos, objetivamos investigar a
dinâmica do processo saúde-doença que também leve em conta o nível do ofício, e não
apenas o nível do sofrimento capturado pela ótica subjetiva individual.
Antes de apresentar o método e os resultados, empreendemos uma circunscrição
teórica de seu objeto, iniciando pela contextualização do campo da Saúde do Trabalhador
(ST), tendo em vista que as características de sua institucionalização ajudam a
compreender o ponto de partida deste artigo, centrado nos usuários do CEREST. Em
seguida, detalhamos o conceito de saúde-doença adotado no estudo, que privilegia a
38
discussão da atividade e dos ofícios, e sumarizamos algumas das principais abordagens
teóricas sobre o tema.
O campo da ST: definição, influências e institucionalização
A ST compreende um corpo de práticas teóricas interdisciplinares e
interinstitucionais desenvolvidas por diversos atores situados em lugares e papéis sociais
distintos (trabalhadores, empregadores, Estado, universidades, sindicatos). Constitui-se
em um patrimônio acumulado da Saúde Coletiva, com raízes no movimento da Medicina
Social Latino-Americana e influenciado pela experiência italiana – como se detalhará na
próxima subseção, tendo em vista sua importância até os dias atuais. Em suma, trata-se
de um campo cuja construção ocorre pelo alinhamento de diversos interesses,
determinado fortemente pela influência do momento histórico e pelas lutas políticas de
cada contexto (Lacaz, 2016; Mendes & Dias, 1991; Minayo-Gomez & Thedim-Costa,
1997).
A identidade desse campo tinha como referência inicial a abordagem da Saúde
Ocupacional, por meio da qual os trabalhadores eram vistos como pacientes ou objetos
da intervenção profissional. Na ST, eles constituem-se em sujeitos políticos coletivos,
depositários de um saber emanado da experiência e agentes essenciais de ações
transformadoras. O trabalho é entendido como uma arena composta por coletivos
desiguais (articulados na díade capital-trabalho), estruturalmente determinada por
conflitos e embates de concepções e práticas, que também são condicionados pelos
recursos que agentes e instituições possuem (Bourdieu, 1996), e que mudam ao longo do
tempo. A dinâmica do trabalho leva, pois, à necessidade de contínua reinvenção do campo
(Minayo-Gomez, 2011).
39
A experiência italiana
O campo da ST sofreu – e sofre até os dias atuais – influência de diversos
movimentos e atores sociais. Como dissemos na seção anterior, uma dessas influências
em particular merece destaque. Trata-se da experiência proveniente da Itália na década
de 1970, culminando no que foi então proposto como Modelo Operário Italiano (MOI).
O MOI surge em Turim, promovido por um grupo composto de médicos, sociólogos,
psicólogos, estudantes, trabalhadores e sindicalistas, articulados em torno de
“comunidades científicas ampliadas”, que se desenvolveram em todo o território italiano
(Brito, 2011). Uma figura central do movimento foi o médico e psicólogo Ivar Oddone,
considerado um símbolo do caráter multiprofissional e inter/transdisciplinar do campo da
ST (Athayde & Souza, 2015; Muniz, Brito, Souza, Athayde, & Lacomblez, 2013).
As referidas comunidades ampliadas foram responsáveis pela criação de um novo
modelo de conhecimento e de estratégia sindical a respeito das condições de vida e de
trabalho. Elas recuperaram o valor científico da experiência dos trabalhadores,
desenvolvendo uma forma original de pesquisa-ação, na qual todos os atores se tornariam
coautores das iniciativas propostas (Oddone, 2007; Oddone et al., 1986). A herança
deixada por Oddone é uma clínica do trabalho fundada na observação de fatos singulares,
focalizando sua atenção na relação dialética entre a experiência e a aprendizagem na
compreensão do comportamento, ambas mediadas pela consciência.
Embora marcada pelo seu tempo e contexto, a herança de Oddone e de sua equipe
possibilitou ao campo da ST no Brasil uma prioridade crescente dos coletivos de
trabalhadores, que têm autonomia e saberes próprios para alargar o seu poder de ação
sobre o meio de trabalho real e sobre si mesmos.
40
A rede de apoio ao trabalhador
Até este ponto, destacamos algumas definições gerais sobre o campo da ST e a
influência recebida do modelo italiano, centrado em torno das comunidades ampliadas e
na recuperação do protagonismo do trabalhador. Porém, a dimensão conceitual que
norteou e ainda norteia os atores do referido campo foi se materializando
progressivamente, a partir de dispositivos institucionais variados. Em específico, detemo-
nos brevemente à descrição da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador (RENAST), haja vista ser nesse contexto que os sujeitos da presente pesquisa
foram inquiridos.
A RENAST foi criada em 2002, por meio da Portaria n. 1.679/GM, objetivando
disseminar ações de ST articuladas às demais redes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Para Dias e Hoefel (2005), a RENAST é uma estratégia bem-sucedida, embora com
limites, entre eles as discrepâncias na área de cobertura dos CEREST; a frágil articulação
intrasetorial; a falta de clareza na definição das instâncias de coordenação das ações e de
direcionamentos para a pactuação entre os diferentes níveis de governo no planejamento
regional, estadual e municipal.
O CEREST foi desenhado para funcionar como unidade especializada de
retaguarda para as ações de ST no SUS. As unidades mais consolidadas tornaram-se porta
de entrada para trabalhadores com doenças ocupacionais ou acidentes do trabalho.
Considerando o amplo escopo conceitual e mesmo político do campo da ST, esse tipo de
atenção se torna assistencialista; portanto, romper com tal lógica é um desafio para a
própria estruturação da rede. Tendo situado o campo da ST, a seguir, voltamo-nos à
demarcação de um conceito central não só para o referido campo, mas também para a
presente pesquisa: o conceito de saúde e sua interface com os ofícios e coletivos de
trabalho.
41
Saúde e trabalho: um olhar pela Clínica do Trabalho
O conceito de saúde foi, ao longo de muitos anos, pautado pelas diretrizes da
Organização Mundial da Saúde (OMS), de acordo com a qual, saúde é um estado de
completo bem-estar físico, mental e social, não sendo caracterizado apenas como a
ausência de doenças ou enfermidades (OMS, 1946). Contudo, para além desse marco
legal, definir saúde não é uma tarefa fácil, e diversas são suas conceituações em outros
terrenos teóricos.
Globalmente, há pelo menos três correntes de pensamento nesse domínio: as
enraizadas na teoria do estresse, as psicopatologias fortemente influenciadas pelo
referencial psicanalítico e as fundamentadas no materialismo histórico, centradas em
torno do operador desgaste no trabalho (e.g., Bernardo 2014; Franco, Druck, &
Seligmann-Silva, 2010; Paparelli, Sato, & Oliveira, 2011; Seligmann-Silva, 2011, 2015).
Uma quarta corrente, mais recente, sustenta nossa perspectiva neste estudo; refere-se às
Clínicas do Trabalho (Bendassolli & Soboll, 2011). Na sequência, debruçamo-nos sobre
o conceito de saúde desenvolvido nessas clínicas, particularmente o que toma, em alguma
medida, a compreensão do processo saúde-doença baseado na obra de Canguilhem
(2009).
Para Canguilhem (2009), saúde está relacionada à capacidade do ser vivo em
estabelecer novas normas, tolerar e enfrentar as infidelidades e as agressões do meio –
algo além de um mero processo de adaptação. Essa perspectiva está baseada no
entendimento de que uma das características-chave do ser humano é a vitalidade, que se
manifesta na tentativa permanente de adequar o meio às suas necessidades e anseios, ou,
como coloca Canguilhem, às suas normas. Portanto, saúde está relacionada à atividade,
ao poder de agir, à capacidade de transgredir o meio e suas normas vigentes, tendo em
vista a criação de novos espaços de vida.
42
Ao mencionar que os indivíduos buscam modificar seu meio de acordo com suas
próprias normas, Canguilhem corrobora com um dos caminhos propostos pela ergonomia
da atividade, que inverte a lógica (taylorista) predominante de adequar as pessoas ao
trabalho. Em vez disso, é o inverso que se persegue: adaptar o trabalho ao homem. Esse
também foi o caminho escolhido pelo MOI, que visou compreender↔transformar as
situações de trabalho, de modo que essas não gerassem danos à saúde e permitissem aos
trabalhadores expressarem ao máximo sua capacidade produtiva como sujeitos pensantes
(Oddone, 2007).
Portanto, saúde corresponde, de um lado, a uma margem de tolerância que os seres
humanos têm em relação às infidelidades do meio e, de outro, à capacidade de as pessoas
(individual e coletivamente) criarem novas normas, ou seja, de agirem sobre o meio e o
transformar (incluindo o trabalho). Sentir-se com saúde é, pois, ser capaz de criar novas
normas de vida; é ser capaz de detectar, interpretar e reagir, mas também de renormalizar,
inventar novas normas. Essa caracterização de saúde foi reapropriada e desenvolvida no
interior das várias das Clínicas do Trabalho, como no caso de Clot (2006, 2010), Dejours
(1986, 2004) e Lhuilier (2006, 2014).
Lhuilier (2014) destaca que o ato de trabalhar implica a mobilização de recursos
pessoais já desenvolvidos, mas também a criação de novos recursos. O que está dado, o
que já existe, as normas antecedentes, sejam elas produzidas por quem prescreve a tarefa,
pela profissão ou pelo coletivo de trabalho, são colocados à prova do real na atividade.
Os imprevistos, os obstáculos encontrados, constituem as muitas solicitações à invenção
e à transgressão. Só assim o trabalho se torna um operador de saúde, pois permite que, ao
engajar-se na atividade (na ação), o sujeito transforme os obstáculos.
Similarmente, para Clot (2013), saúde está ligada ao poder de agir, à potência
transformadora por meio da atividade. Para Clot, a atividade realizada não possui o
43
monopólio sobre o real; é apenas uma versão provisória, um arranjo momentâneo criado
pelos coletivos e informado por um gênero profissional. O real da atividade, por sua vez,
consiste em tudo aquilo que, por alguma razão (impedimento), não foi ou não pôde ser
realizado. Para nossos propósitos neste texto, é importante destacarmos que o coletivo,
os ofícios, podem agir como operadores de saúde quando auxiliam na mobilização dos
recursos do gênero profissional e permitem a contínua reconstrução dos jeitos de ser e
fazer no trabalho. A doença emerge quando, em um ofício, a atividade é impedida, o
poder de criar novos mundos pelo trabalho é cerceado, e quando a mobilização psíquica,
no interior dos coletivos, não é mais fonte de criação de novas regras, de novos saberes,
novas práticas e novos padrões para um trabalho benfeito.
Por mais díspares que sejam as abordagens em Clínica do Trabalho, um ponto,
todavia, parece se destacar entre elas: o fato de que os contextos de trabalho precisam ser
cuidados, por estar relacionado às inúmeras formas de violência que contaminam,
envenenam, os coletivos em seu esforço e luta constante pela afirmação da saúde pela
atividade. Silva e Ramminger (2014) lembram-nos que o trabalho só é um operador de
saúde quando cede espaço para a criação coletiva e pessoal. A manutenção da saúde no
trabalho passa pela vitalidade do ofício, pelo seu movimento de restauração contínua
contra as violências sofridas. Na continuidade, após descrevermos o método deste estudo,
apresentamos o modo como alguns trabalhadores assistidos pelo CEREST respondem a
seu próprio adoecimento, ao enfraquecimento de seu poder de agir, ao poder de instituir
e criar novas normas para a realização de sua atividade.
44
Método
Fundamentos gerais
Trata-se de um desenho de pesquisa-intervenção, notadamente com ênfase na
coanálise do trabalho, tomando o trabalhador como detentor do saber sobre sua própria
atividade, cabendo a nós, pesquisadores, o papel de mediador, tal como historicamente
proposto pelo MOI. Ademais, como já aludido anteriormente, a análise da atividade
profissional parte da identificação da discrepância entre a atividade real (que incorpora a
tarefa) e o real da atividade – entre o que deveria ser feito, de um lado, e o que
efetivamente foi feito e também as possibilidades que não conseguiram se manifestar
nessa atividade, de outro. Portanto, saúde está relacionada à atividade, ao poder de agir,
à capacidade de transgredir o meio e suas normas vigentes, tendo em vista a criação de
novos espaços de vida.
Coligimos informações sobre momentos críticos ou significativos, da perspectiva
do participante, em relação à atividade e, no presente caso, aos aspectos nela inseridos,
que sinalizam para o fortalecimento ou enfraquecimento dos coletivos e, como resultado,
os processos de adoecimento. Também buscamos, ao mergulhar na história do sujeito em
sua relação com a atividade, captar os fatores de impedimento, de cerceamento, de
estrangulamento da capacidade ou do poder de agir do trabalhador naqueles coletivos, e,
por conseguinte, na relação trabalho-saúde-doença. Assim, visamos à análise da relação
do desenvolvimento da atividade profissional e das expressões do processo saúde-doença.
Contexto e etapas
Realizamos esta pesquisa no CEREST localizado no município de Natal, no
estado do Rio Grande do Norte. Conduzimos as atividades em duas etapas: uma de
45
aproximação do campo com as atividades em grupo na sala de espera do serviço e
entrevistas semiestruturadas; e outra centrada em entrevistas clínicas.
Na primeira etapa, objetivamos observar a organização do campo de pesquisa. Ao
mesmo tempo em que coletamos as informações, também criamos um dispositivo
interventivo – neste caso, denominado sala de espera. Trata-se de um serviço no qual, o
trabalhador é convidado a participar de rodas de conversas na recepção, enquanto aguarda
o atendimento. Essas rodas, conduzidas pelos pesquisadores e informalmente
estruturadas, abordavam temas como a percepção do trabalhador sobre o serviço, a
história do adoecimento, os acidentes de trabalho que por ventura tenham sido vítimas,
as questões relacionadas à violência e ao assédio moral no trabalho, e a percepção do
sofrimento/adoecimento relativo ao trabalho. Realizamos dez salas de espera em um
período de, aproximadamente, três meses, semanalmente, com duração média de duas
horas, sendo as atividades registradas em diário de campo.
Ainda nessa primeira etapa, realizamos 20 entrevistas individuais
semiestruturadas com os participantes, cuja amostra foi acidental e por conveniência. Os
trabalhadores eram convidados para essa entrevista após as atividades da sala de espera.
Agendávamos outro momento para realizar as entrevistas, em uma sala de atendimento
do próprio CEREST, com duração de aproximadamente uma hora. Abordamos aspectos
como a história profissional, as condições de trabalho, o processo de adoecimento e sua
relação com o trabalho, o suporte frente ao adoecimento, e a participação dos coletivos
de trabalho.
Essa primeira etapa foi essencial tanto para nos aproximar e nos fazer
compreender o cenário local quanto para traçar o perfil geral de adoecimento dos
trabalhadores usuários do CEREST – informações importantes para subsidiar a segunda
etapa deste estudo, caracterizado por entrevistas clínicas.
46
Dos 20 participantes da primeira etapa, cinco se disponibilizaram a participar da
segunda. Baseando-nos nos fundamentos supracitados, foram incluídos e abordados
tópicos em três eixos, a saber: (a) relações com a atividade (implicação afetiva com a
atividade; impedimentos; recursos; processos de organização da atividade;
reconhecimento pelo trabalho benfeito e seus critérios); (b) a vivência do adoecimento (o
histórico que levou ao adoecimento; os recursos percebidos para a ação; as redes de
apoio); e (c) a relação com os coletivos de trabalho (relações de confiança e cooperação,
engajamento afetivo, espaços de debates e suporte dos coletivos).
Nessa etapa clínica, também realizada na sala de atendimento do CEREST,
participaram bancários, motorista, vigilante e professor. Com cada um foram realizados
de cinco a seis encontros, com duração de, aproximadamente, uma hora cada, em um
período de até três meses. A faixa etária foi de 25 a 60 anos, com experiência de trabalho
entre 8 e 25 anos na função. Todos os trabalhadores que participaram do estudo estavam
afastados em virtude de sofrimento e adoecimento psíquico ocasionado pelo trabalho,
com variação de três a seis meses de afastamento.
Procedimentos de análise
O material que sustenta nossa análise proveio de duas fontes: dos registros que
fizemos durante as intervenções, contendo os incidentes mais importantes, tendo em vista
o contexto do trabalho realizado; e da transcrição das entrevistas individuais e das
entrevistas clínicas – já descritas. Orientamo-nos por um processo de categorização que
privilegiou a identificação de dispositivos formados em torno da nossa relação com os
participantes. Entendemos por dispositivo um dado concreto, sinalizador de sentidos
teorético e vivencialmente relevantes, de acordo com nossa interpretação (ancorada no
47
referencial teórico e nas anotações das experiências em seus momentos qualitativamente
mais significativos).
A partir da análise do material, identificamos três grandes dispositivos, não por
acaso, refletindo o propósito de cada intervenção que propusemos. O primeiro dispositivo
refere-se à própria sala de espera. O principal resultado desse momento – como se verá
na seção seguinte – foi a formação do que denominamos coletivo provisório. O eixo
significativo refere-se, pois, ao papel que a constituição de um grupo provisório, acidental
(formado pelas pessoas que estavam à espera de atendimento), desempenhou nos relatos
sobre saúde, sofrimento, atividade e trabalho.
No segundo momento, quando o dispositivo (entrevista) passa a enfatizar a
subjetividade (a experiência pessoal na linha biográfica de cada participante), desvelam-
se aspectos nucleares da relação desses trabalhadores com sua atividade – novamente,
contra o fio condutor da saúde-sofrimento-trabalho. Por fim, o terceiro dispositivo se
forma em torno da atividade propriamente dita, visto que este era o fio condutor do
terceiro momento, também de entrevistas, desta vez, focadas essencialmente no fazer
concreto, em seus impedimentos, nos aspectos que, ao final das contas, esvaziaram o
sujeito (quando, teoricamente, seria o inverso: a energização pela atividade, pela
potencialidade de instituir novas normas de vida). Estruturamos a seção seguinte em
função desses três grandes dispositivos.
Resultados e discussão
Norteamos esta seção pelos três dispositivos elucidados no processo de análise do
material: (a) o coletivo provisório (referente à sala de espera); (b) a relação do sujeito
com sua atividade, na linha biográfica; e, por fim, (c) o assédio a que vemos estar sujeito
não apenas os trabalhadores, sobretudo, o ofício em si.
48
O coletivo provisório
O dispositivo coletivo provisório apresentou-se como produto da construção de
um espaço advindo da implantação da sala de espera no serviço. A sala de espera do
CEREST era um espaço silencioso, para o atendimento das especialidades médicas que o
serviço oferta. Com a criação desse dispositivo, transformamos esse não lugar (ou espaço
vazio de espera) em um lugar a ser investido e vivenciado por esses trabalhadores, em
conformidade aos pressupostos interventivos iniciados por Oddone el al. (1986) e Oddone
(2007). Sem a sala, a rotina é o silêncio. Nessa intervenção, questionamo-nos: como
romper um silêncio que era tradutor tanto do sofrimento quanto de uma estratégia de
proteção pessoal frente ao seu processo de adoecimento?
Inspirados pela ideia inicial de comunidade ampliada (Brito, 2011; Oddone,
2007), decidimos transformar as condições que estimulavam o silêncio. Iniciamos a
incipiente construção da comunidade ampliada (pesquisadores, trabalhadores, familiares
e estudantes), permitindo uma ressignificação da voz do trabalhador. Esse processo
passou pela construção de um espaço em que o trabalhador percebe que é ele o detentor
do saber sobre seu próprio adoecimento. Então, progressivamente, criamos um espaço
dialógico – no qual ele não só se ouvia falar, como também se endereçava a outros com
destinos laborais similares – no que diz respeito à rota do adoecimento no e pelo trabalho.
Ainda que breve, esse dispositivo permitiu a emergência da história de sofrimento
de cada trabalhador, suas afetações e, por conseguinte, a reelaboração da sua experiência
de saúde-doença no trabalho. Ademais, o que, implicitamente, vimos ganhando corpo foi
a presença, ainda que frágil, instável, de um coletivo2, aqui entendido como um espaço
compartilhado em torno de uma problemática comum; senão a constatação, quando
2 Não se trata de um coletivo de trabalho único, pois estamos falando de profissionais de atividades distintas,
logo, teríamos vários coletivos de trabalho reunidos, na perspectiva de que o coletivo está no indivíduo,
conforme aponta Clot (2010) em seus estudos sobre o constructo.
49
comparamos todas as salas de espera, de que o sofrimento era o que os unia, como em um
uníssono. O fato de o sofrimento ter uma faceta compartilhada não significa, obviamente,
a inexistência de matizes singulares – o que captamos nas entrevistas individuais no
momento seguinte. Contudo, o principal resultado dessa etapa parece ter sido, a julgar
pelas reações da maioria dos envolvidos, a tomada de consciência de um
compartilhamento oculto, velado, de um sofrimento comum. Ademais, a sala também se
revelou, ao cabo da intervenção, um espaço no qual o trabalhador poderia reconhecer-se
no outro, com possíveis impactos (embora não tenhamos como os avaliar) na
transformação da culpa pelo adoecimento, sentimento reforçado nos espaços
institucionalizados (empresa, perícia).
Um conteúdo que se destaca no relato dos trabalhadores, em todas as salas de
espera, é a existência de violência no trabalho, mais especialmente o assédio moral. Um
dos trabalhadores mencionou ser traumático o fato de sofrer vários assaltos em seu
ambiente de trabalho. Contudo, em seu relato, ele reconhecia que o sofrimento de ser
assaltado, de ter a vida em risco, era subjetivamente menos custoso do que a ausência de
suporte na empresa – e pior: sofria acusações veladas, com comentários no limite entre o
descaso e a culpabilização mais rasteira. Por consequência, o trabalhador relata ter
desenvolvido sintomas patológicos, que incluíam pesadelos, ansiedade e pânico ao se
aproximar do local onde trabalhava.
Nessa mesma direção, em uma das salas de espera, uma trabalhadora propôs que
o assédio moral, de aspecto nem sempre positivamente palpável, deveria ser colocado na
mesma categoria de acidente; ainda que invisível ou de difícil comprovação, real e com
efeitos subjetivamente danosos. Essa releitura feita pela trabalhadora apresenta-se como
um meio de recuperar o debate sobre saúde no trabalho, por meio da capacidade de
50
detectar e instruir novas regras, de diálogos entre os coletivos e um meio de mobilizar a
atividade em si.
Por fim, outro conteúdo que emergiu no espaço do coletivo provisório refere-se
aos acidentes de trabalho. Nesse caso, a presença de um advogado entre os integrantes do
grupo foi essencial para elucidar o modo como a troca entre os trabalhadores poderia
fortalecer um coletivo presente e atuante. Ao explicar a necessidade de emissão do
Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT) para o grupo de trabalhadores (que
desconhecia completamente o tópico), o advogado explicitou o modo como os espaços
de diálogo podem promover a interlocução dos saberes entre os coletivos de trabalho.
O sujeito e sua relação com atividade de trabalho
A atividade de trabalho pode ou não ser fonte de vitalidade para o sujeito. Na
prática, o adoecimento pelo trabalho ocorre quando a atividade perde sua conexão afetiva
com a pessoa, seu potencial de transformação, quando o sujeito já não se sente mais na
origem da qualidade do que faz (Clot, 2010). O dispositivo das entrevistas
semiestruturadas revela o esvaziamento pela atividade, a incapacidade ou impossibilidade
de o sujeito falar de outra coisa que não os aspectos negativos de seu métier. Observamos
uma fala centrada nos impedimentos, o que, à primeira vista, era compreensível, uma vez
que o espaço institucional no qual os trabalhadores foram abordados coloca a doença no
centro da atenção. Contudo, essa “monologia” só agrava o estado de sofrimento.
O dispositivo das entrevistas diferencia-se da sala de espera por nos permitir
entender algumas características relacionadas à atividade na perspectiva biográfica do
trabalhador e o seu enveredamento para o adoecimento. Ao mesmo tempo em que tal
momento de entrevista nos permitiu contribuir para a ressignificação do sofrimento em
questão (ao dar voz, o sujeito era, enfim, autorizado a elaborar sobre sua dor), ele também
51
nos permitiu conhecer melhor o público da pesquisa nos termos de sua história de vida
pelo trabalho e os sinais, mesmo que pontuais, de desenvolvimento/impedimentos da
atividade pela via do adoecimento.
O primeiro aspecto a destacar neste momento consiste no cenário de descrédito e
insensibilidade da organização do trabalho em relação ao adoecimento iminente. Trata-
se de uma invisibilidade associada, paradoxalmente, a um presenteísmo (ir trabalhar
mesmo doente), no qual o ritmo de desempenho do trabalhador deveria ser mantido. De
fato, para Seligmann-Silva (2015), o presenteísmo tende a agravar os sintomas, podendo
chegar ao limite do esgotamento. Uma trabalhadora (Bancária, 28 anos, 7 anos na
profissão), ao ser questionada sobre o momento quando percebeu seu adoecimento,
relatou:
Comecei a chorar na frente do cliente. Não consegui me controlar. Comecei a
chorar, fui pro banheiro. Quando eu voltei, tava [ar de riso] o segurança da agência
na minha frente [...]. E, quando eu olhei o segurança de costas, quando eu olhei
pra arma dele, eu tive vontade de pegar a arma dele. Foi aí que eu vi [...]. Algumas
vezes, eu ficava tão nervosa, que eu batia [reprodução de socos na mesa para
exemplificar sua ação].
A insensibilidade diante da fragilização da saúde pode levar a reações extremas,
desde o embotamento à explosão afetiva – como no caso aludido. Em geral, o próprio
sujeito tende a traduzir seus sentimentos, percepções e avaliação da situação para a esfera
interna, na qual, não raras vezes, acaba ficando preso. Do lado externo, na situação de
fragilidade e esgarçamento de coletivos capazes de suportar o peso do trabalhar (Clot &
Gollac, 2014), por vezes, impera a indiferença, o descrédito ou o estigma (loucura,
preguiça ou frescura). O resultado, no plano individual, é o desinvestimento da atividade;
no plano da tarefa, a ameaça ao desempenho, mesmo, por vezes, em funções corriqueiras.
52
As entrevistas ecoaram aspectos relativamente consolidados, a exemplo da forte
culpabilização do trabalhador pela sua condição; situações de questionamento da própria
identidade (“O que estou fazendo aqui, e por quê?”); lapsos de esquecimento, afetando o
desenvolvimento da atividade, além das falhas/erros na atividade de trabalho; bem como
irritação e agressividade com colegas e/ou público que fazia uso do seu serviço. O
desgaste mental impedia o transformar do real pelo investimento de si – que, conforme
destaca Lhuilier (2014), implica na mobilização de recursos pessoais já desenvolvidos,
mas também na criação de novos recursos.
À medida que as entrevistas mergulhavam na tentativa de compreensão dos laços
do sujeito com sua história de trabalho, fomos constando, como resultado da escuta neste
momento, problemas ligados à gestão do trabalho, ligados ao descaso, com a própria
atividade, seus motivos, finalidades e resultados. A forma pela qual isso reverbera na
prática, e pode ser visualizado, é na inexistência, nas falas dos entrevistados, de um cuidar
do trabalho, da discussão e da preocupação com um trabalho benfeito (Clot, 2010).
Quando isso ocorre, a atividade perde seu potencial de instituição de novas regras de vida,
e o sujeito volta-se, então, à única coisa que lhe resta: seu mundo interior, suas
lamentações. De modo mais enfático, dois métiers parecem fortemente a risco: o bancário
e o trabalhador de transportes.
No caso particular dos motoristas de ônibus, a procura pelo CEREST revela dados
assustadores: eles são vítimas reincidentes de assaltos (média de nove a dez por mês).
Conforme sinalizamos na seção anterior, esses trabalhadores apontam que, mais duro que
o assalto em si é o descaso da organização, a ausência de envolvimento com os
trabalhadores no sentido de se discutir medidas de enfrentamento. Ademais, as exigências
dessa profissão são complexas, desde a atenção ao trânsito e às condições urbanas,
passando pelo acúmulo da dupla função (motorista/cobrador), a violência social, e a
53
gestão pelo medo. A nosso ver, esse é um caso de ofício doente, pois suas condições de
execução beiram ao insuportável, havendo pouca ou ineficaz ação coletiva para a
construção de recursos psicossociais de enfrentamento. Aprofundaremos este ponto a
seguir.
O ofício assediado na atividade de trabalho
O terceiro bloco de resultados refere-se às entrevistas clínicas. Estas diferenciam-
se das anteriores (semiestruturadas) por seu acento nas questões ligadas à atividade
propriamente dita, ao ofício, cujo foco é o desenvolvimento de sua atividade de trabalho
para a análise desse mesmo eixo.
Assim, o que estaria acontecendo na atividade de trabalho desses trabalhadores,
ao ponto de propormos a metáfora de um ofício assediado? Vamos responder a esta
pergunta baseando-nos na distinção dos níveis de ofício proposta por Clot (2006, 2010):
pessoal e impessoal (âmbito da tarefa e das condições materiais e procedimentais para
sua realização), e interpessoal e transpessoal (nível do gênero, isto é, da memória de um
determinado ofício, dos saberes passados de geração para geração; cultura do ofício).
Quanto à perspectiva pessoal, de um modo geral, os trabalhadores se
identificavam/gostavam da atividade de trabalho, tendo relativo domínio de seu nível
impessoal (regras, procedimentos e conhecimentos). No entanto, nos âmbitos interpessoal
e transpessoal, foi comum identificarmos um conflito de critérios ou de demandas: de um
lado, a organização (relações de competitividade, condições de trabalho, gestão pelo
medo, pressão e violência psicológica); do outro, o próprio coletivo de trabalho, no
sentido de um orientar-se por um fazer com qualidade. A visão que esses trabalhadores
tinham sobre como, idealmente, o ofício (e, neste, a atividade) deveria ser realizado se
chocava tanto com imperativos do real, como com os da organização. Haver esse choque
54
de critérios não é, por si só, um aspecto grave, em si mesmo adoecedor. O problema é
quando tais conflitos não são colocados a serviço do debate, da controvérsia (Clot, 2006,
2010). Foi o que sugerimos – na seção anterior – ao mencionar o desinvestimento, a
desafetação da atividade pelos trabalhadores.
Para Clot (2010, 2013), é no confronto e encontro das possibilidades que os
coletivos de trabalho devem perseverar. Quando o trabalhador não tem qualquer margem
de manobra sobre a ação, seu poder de agir, isto é, sua capacidade de mobilizar recursos
psicossociais no confronto com o real, fica esvaziado, diminuído, propiciando a
emergência de condições para o adoecimento. Um exemplo dessa ausência de poder de
agir no confronto de critérios pode ser depreendido do seguinte relato: “Nos meses agora,
a gente tá sendo pressionado para vender produtos que os clientes não precisam e para
captar de quem não tem. Você tem que fazer, porque, se não fazer, tem quem faça”
(Bancário, 42 anos, 10 anos na profissão).
Quando a discordância, e, pior, a indiferença, não podem ser questionadas no
coletivo, enfrentadas, a saúde entra em risco. Quando o trabalhador perde sua autonomia
para responder pelo trabalho, pelo que nele acontece (sentindo-se muito mais um objeto
das circunstâncias, e não um sujeito – como no caso relatado sobre os motoristas de
ônibus), o trabalhador perde a própria noção do motivo de seu fazer. Nesse contexto, a
recuperação dos coletivos é um dispositivo fundamental de enfrentamento. Primeiro –
como já adiantamos na seção sobre as salas de espera –, pois o trabalhador sai da órbita
do cuidar de si, passando a ver outros na mesma situação. Segundo, ao assim se colocar,
pode articular-se a esses outros, cujo destino os aproxima, e passar para um nível de
afirmação da saúde que implica, necessariamente, o cuidado do outro, notadamente o
outro representado pelo ofício:
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Eu fui tentar ver o que estava acontecendo. É só comigo? O problema está dentro
de mim? [...] Aí, eles [Sindicato] vieram e conversaram comigo: “Olha, não é não;
o negócio tá acontecendo. Você tá no miolo do furacão. Não é só você, outros
colegas seus que você nem sabe, mas esse já está afastado [...], demitido e
reintegrado”. (Bancário, 42 anos, 10 anos na profissão)
Portanto, para além de uma clínica do sofrimento do sujeito, o que se coloca é a
urgência em se sensibilizar e conscientizar os trabalhadores por dispositivos que os
implique e os afirme em seu próprio saber, para o destino comum a que todos estão
colocados, incluindo a própria organização – afinal, esta última é também constituída pela
atividade de outras pessoas – e, mais amplamente, a sociedade. Há necessidade de
consciência sobre o nível de cerceamento a que a própria atividade está sendo subjugada.
Considerações finais
Neste artigo, reforçamos a necessidade do cuidado com os ofícios, em
complemento, porém, com igual grau de importância, ao cuidado ofertado às pessoas
(trabalhadores), em uma perspectiva de reparação do bem-estar. Para isso, os coletivos de
trabalho podem centrar a discussão sobre o benfazer, os critérios e as tensões da atividade.
Conforme argumentamos anteriormente, quando se perde as margens de manobra sobre
a ação (autonomia sobre a atividade, a discussão e a controvérsia), amputa-se o poder de
agir do trabalhador, mas também o seu grau de manobra sobre o ofício, sobre sua sensação
de estar vinculado à realização de um trabalho benfeito. Um ofício adoecido não
potencializará saúde.
Priorizar a saúde ligada à raiz dos ofícios implica a escolha de perspectivas que
analisem o trabalho – o que, uma vez mais, não significa desconsiderar o sofrimento
individual do trabalhador, que, afastado de sua atividade de trabalho, enfrenta o
56
isolamento e uma luta solitária e impotente para garantir voz e veracidade ao seu
adoecimento.
O ofício precisa ser entendido como um operador de saúde – e, nele, os coletivos
de trabalho: dos provisórios (a exemplo da situação artificial da sala de espera) aos mais
extensos ou permanentes. Destacamos, também, a necessidade real de incorporar as
questões de saúde mental dos trabalhadores nas discussões e nas pautas das lutas sindicais
– sendo estes os coletivos organizados e instituídos, cuja missão é realizar esse tipo de
mediação. Esses coletivos organizados devem se colocar como um caminho para o
cuidado com o trabalhador, e necessariamente, com o trabalho, em uma conjuntura
contraditória e desafiadora, composta por modelos organizativos e relações de poder
desiguais e opressores.
Por fim, a disposição para dar voz e vida ao trabalho é um meio de proporcionar
ao trabalhador reviver sua experiência, reelaborar e renovar o desenvolvimento do ofício,
e, por conseguinte, contribuir para a restauração de sua saúde, quando efetivamente ocorre
a mobilização dos recursos do gênero profissional (nível transpessoal do ofício). A
manutenção de um ofício sadio é uma estratégia de promoção↔recuperação no campo
da ST, pois suas renormalizações e recriações permitem transformações nos processos de
trabalho em si, afetando o desenrolar da atividade desse trabalhador.
57
Referências
Athayde, M. & Souza, W. F. (2015). Saúde do Trabalhador. Dicionário de Psicologia do
Trabalho e das Organizações. In P. F. Bendassolli & J. E. Borges-Andrade (pp. 597-
606). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Bendassolli. F., & Soboll, L. A. P. (2011). Clínicas do trabalho: novas perspectivas para
compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas.
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60
ARTIGO DOIS
Uma síntese do conceito de coletivos de trabalho nas clínicas do trabalho
RESUMO
As clínicas do trabalho apropriam-se da categoria coletivos de trabalho como operador
fundamental na relação saúde-trabalho-desenvolvimento. O artigo debruça-se sobre três
clínicas do trabalho: a psicodinâmica, a clínica da atividade e a psicossociologia do
trabalho – que, tradicionalmente, têm estudado e advogado os coletivos de trabalho como
dispositivo-chave para a compreensão, manutenção e afirmação da saúde dos ofícios.
Após uma breve apresentação do modo como cada uma dessas clínicas define coletivo,
oferecemos uma síntese provisória que emerge a partir da observação de pontos gerais de
convergência entre elas no tocante ao sentido dos coletivos. Nesta síntese, destacamos o
papel desses coletivos como fiadores da atividade (ao fornecer os recursos e os critérios
para a ação benfeita), como base para o estabelecimento da confiança, da cooperação e
do sentimento de pertencimento a um mesmo destino comum, que é captado pela ideia de
ofício.
Palavras-chave: coletivos de trabalho; clínicas do trabalho; ofício.
A synthesis of the concept of collective work at work clinics
ABSTRACT
The work clinics appropriate of the work collective category as fundamental operator in
the health-work-development relationship. The paper looks over three work clinics: a
psychodynamic, an activity clinic and a work psychosociology – which traditionally have
studied and advocated the work collective as a key device for understanding, maintaining
61
and affirming the crafts health. After a brief presentation of the how as each one of these
clinics defines collective, we offered a provisory synthesis that emerges from observation
of general points of convergence between them regarding to the collective meaning. In
this synthesis, it is noteworthy the role of these collective as guarantors of the activity (by
promoting resources and criteria for well-done actions) as a basis for establishing trust,
cooperation and the sense of belonging to the same common destiny, which is captured
by the craft idea.
Keywords: work collective; work clinics; craft.
Há muito se discute as dimensões sociais do trabalho. Dentre os aspectos dessa
sociabilidade, um em particular tem sido desenvolvido em torno do conceito de coletivos
de trabalho. Em diversas perspectivas teóricas em Psicologia do Trabalho, tais coletivos
têm sido apresentados como dispositivo-chave para o desenvolvimento de competências,
assim como de saúde (e.g., Athayde, 1996; Clot, 2006; Dejours, 1993; Guérin, Laville,
Daniellon, Duraffour, & Kerguellen, 2001; Leplat, 1994).
Contudo, coletivos de trabalho é um termo sujeito a sobreposições conceituais
que tornam sua definição desafiadora. Por exemplo, pode-se tomá-lo como algo associado
a uma reunião de pessoas que compartilham o mesmo espaço ou meio profissional,
quando então se pode falar de grupo ou equipe. Também pode ser tomado como
relacionado a um grupo organizado de trabalhadores visando à conquista de objetivos
comuns, no que seria definido como uma associação ou agrupamento institucionalizado.
Em contrapartida, no contexto das clínicas do trabalho (Bendassolli & Soboll, 2011), o
termo assume um lugar central nas elaborações teóricas propostas, a despeito de essas
clínicas não deverem ser tomadas como um todo homogêneo.
62
Neste artigo, discutimos as apropriações conceituais dos coletivos de trabalho na
perspectiva das clínicas do trabalho. Para isso, nossa análise começa pelo interior de três
clínicas em específico – conforme se verá na próxima seção –, e então prosseguimos com
uma perspectiva transversal, pela qual buscamos alguns pontos de convergência entre
elas. Na construção dessa análise transversal, levamos em conta mais diretamente o papel
dos ofícios (ou dos métiers, na nomenclatura francesa), operador teórico que pode
contribuir para uma interlocução entre as clínicas sobre coletivos de trabalho. Como
resultado final deste caminho lógico, finalizamos o texto com uma proposta de síntese
dos elementos centrais definidores dos coletivos com base nas três clínicas consideradas.
Os coletivos no interior das clínicas do trabalho
Nesta seção, propomos uma breve descrição dos sentidos atribuídos aos coletivos
de trabalho no interior de três clínicas: na psicodinâmica do trabalho, na clínica da
atividade, e na psicossociologia do trabalho.
Psicodinâmica do trabalho
A psicodinâmica do trabalho foi desenvolvida na França, a partir de 1990,
fortemente influenciada pela psicanálise e pela psicopatologia do trabalho, ao menos se
se leva em conta a perspectiva de Dejours (1993, 2004). Baseada em uma orientação
clínica, visa compreender e intervir nas diversas mediações que ocorrem entre o sujeito e
o real do trabalho. A Tabela 1 sintetiza algumas características-chave dessa abordagem.
63
Tabela 1
Características da Psicodinâmica do Trabalho
Características da Psicodinâmica do Trabalho
Objeto de estudo Estuda as relações dinâmicas entre a organização do trabalho e os
processos subjetivos, que se manifestam nas vivências de prazer e
sofrimento, e nas estratégias de ação para mediar as contradições
da organização do trabalho. Propõe uma análise sociopsíquica do
trabalho – e não, como se poderia pensar erroneamente, do
indivíduo (como em uma terapia). Parte da análise da organização
do trabalho para entender os processos de subjetivação – e,
reciprocamente, destes à transformação daquela.
Objetivos da
abordagem
Mobilizar os sujeitos para uma mudança na sua posição subjetiva,
implicando o repensar dos modelos de organização do trabalho
adotados. Seu alvo é a emancipação do trabalhador e a mobilização
política dos coletivos de trabalho.
Afiliações
epistemológicas
Influenciada pela Filosofia, Ergonomia, Sociologia e, notadamente,
Psicanálise. Para uma emancipação do sujeito do trabalho, faz uma
crítica ao trabalho prescrito (estudos recentes de psicodinâmica têm
enfatizado o papel da “transgressão” como estratégia de saúde).
Parte de um modelo de homem marcado pelo poder de resistência,
engajamento e mudança diante da dominação simbólica, social,
política e econômica presente nos contextos de trabalho.
Via metodológica Privilegia analisar as patologias e o adoecimento articulados ao
sofrimento no trabalho, bem como adensar a compreensão dos
processos que mobilizam o prazer. Para isso, usa como recurso
64
metodológico a enquete, a análise dos núcleos de sentido, e os
espaços coletivos de discussão. Princípios metodológicos básicos
incluem a escuta e a interpretação da fala, uma vez que se assume
que é pela palavra que o trabalhador torna visível o invisível. A fala
é interpretada em um espaço público, um meio de clarificar a rede
de relações que sustentam o trabalhador.
Principais
categorias
conceituais
Mobilização subjetiva: processo em que o trabalhador se engaja
pelo trabalho, recorrendo à subjetividade, à inteligência prática e ao
coletivo.
Sofrimento: pode ser patogênico ou criativo, dependendo da
mobilização psíquica gerada pela organização do trabalho. Quando
esta oferece espaço para uso da engenhosidade do trabalhador, e
essa contribuição é reconhecida pelos outros, o sofrimento
transforma-se em prazer, e fortalece a ST.
Organização do trabalho: forma pela qual as tarefas são definidas
e distribuídas pelos trabalhadores, a direção das prescrição, o
controle e a hierarquia.
Estratégias defensivas: regras de conduta, construídas pelo
conjunto dos trabalhadores, tendo como alvo suportar o sofrimento
sem adoecer.
Reconhecimento: modo específico de retribuição simbólica dada ao
sujeito como forma de compensação por sua contribuição aos
processos da organização de trabalho.
Nota. Adaptado de Dejours (2004), Mendes (2007), Mendes e Vieira (2014).
65
Clínica da atividade
Trata-se de uma perspectiva inspirada na Psicologia de orientação sociocultural, bem
como na psicopatologia do trabalho francesa. Tem como um de seus principais
formuladores Yves Clot (e.g., 2006, 2010a, 2010b). Entre outras expectativas, visa criar
subsídios para a transformação da atividade de trabalho com vistas ao desenvolvimento
tanto do trabalhador como do ofício (ou do gênero profissional). A Tabela 2 destaca
outros aspectos-chave da clínica da atividade.
Tabela 2
Características da clínica da atividade
Características da clínica da atividade
Objeto de estudo Estuda o trabalho como uma atividade dirigida, desempenhando
uma função psicológica específica na vida do sujeito. Parte do
princípio de que o trabalho “só preenche sua função psicológica
para o sujeito se lhe permite entrar num mundo social cujas regras
sejam tais que ele possa ater-se a elas” (Clot, 2006, p. 18).
Objetivos da
abordagem
Busca uma análise do trabalho embasada em uma perspectiva
dialógica do funcionamento psicológico e do desenvolvimento
humano. Considera o trabalho como uma atividade permanente de
recriação de novas formas de viver, não apenas como prescrições
da tarefa, mas como uma concepção desenvolvimental de fazer
parte de história de um ofício. Seu objetivo é ampliar a margem de
análise e escolha do sujeito sobre sua própria atividade, ampliando,
dessa maneira, seu poder de agir.
Afiliações
epistemológicas
Uma vertente que se filia à perspectiva Histórico-Cultural, fundada
por Vigotski e colaboradores, bem como à análise da linguagem
66
proposta pelo Círculo de Bakhtin. Influenciada por Ivar Oddone,
suas contribuições reportam-se à função psicológica do coletivo de
trabalho, buscando conhecer a maneira pela qual os operários
desenvolveram uma experiência e estruturaram seu
comportamento, compreendendo que a atividade individual
encontra seus recursos em uma história coletiva que retém,
capitaliza, valida ou invalida as estratégias de comportamento.
Via metodológica A análise psicológica do trabalho é sempre análise do sujeito, de
um grupo de trabalhadores, referente às atividades efetivamente
realizadas ou impedidas. O pesquisador/clínico é um coanalista
junto ao trabalhador. Busca-se tornar real e explícito um universo
de elementos implícitos por meio da desnaturalização da atividade
junto ao trabalhador. Para isso, faz uso das técnicas de instrução ao
sósia e autoconfrontação simples e cruzada (Clot, 2010a), métodos
que levem o sujeito a refletir sobre suas práticas profissionais. O
acesso ao real é sempre indireto-mediado, na medida em que ele
ocorre pela linguagem, via imagens registradas (videografadas)
sobre a realização da atividade.
Principais categorias
conceituais
A atividade é entendida como um tensionamento entre várias
atividades possíveis. Clot (2006) distingue a atividade realizada do
real da atividade. A atividade realizada é o que se faz, enquanto o
real da atividade consiste também no que não se pode fazer, mas
gostaria de fazer, e até mesmo no que se faz para não fazer aquilo
que deveria ser feito.
67
Contextos de desenvolvimento da atividade: a dimensão pessoal
refere-se à singularidade do sujeito na atividade, ao seu agir
individual; a interpessoal diz respeito à existência do outro, um
destinatário a quem seu agir se direciona; a transpessoal reporta-se
à atividade sendo atravessada pela história de um coletivo, das
circunstâncias socioculturais em que se ela insere; por fim, a
dimensão impessoal refere-se às normatizações planejadas para a
tarefa, e dizem respeito ao esforço de manutenção de um eixo de
prescrição para além das outras três dimensões.
O poder de agir refere-se ao raio de ação que os trabalhadores
dispõem no desenvolvimento da atividade; ao raio de ação efetivo
do sujeito em sua esfera profissional.
Nota. Adaptado de Clot (1999, 2006, 2010a).
Nessa perspectiva (e.g., Clot, 2010a), o coletivo de trabalho tem uma função
primordial na manutenção e no desenvolvimento do ofício. Ele dispõe ao trabalhador, na
forma de recursos para a ação, ferramentas para que ele possa realizar um trabalho
benfeito. Aqui, também o coletivo não é pensado, necessariamente, como um grupo
(espacial e temporalmente presente), mas como um outro transpessoal ao qual cada
membro do ofício recorre, para o qual contribui, pelo qual se orienta (internalização) e
graças ao qual se desenvolve. Clot (2010a) observa, por exemplo, que esse outro pode
estar dentro do indivíduo – daí sua ideia, inspirada em Vigotski, do coletivo no indivíduo.
A dimensão transpessoal abarcada pelo coletivo implica em um sistema dinâmico
que sedimenta saberes profissionais acumulados e guardados (cuidados) ao longo da
história do ofício. Clot (1999, 2010a) teoriza sobre a transpessoalidade do ofício ao propor
68
e destacar o conceito de gênero profissional – uma instância que é, ao mesmo tempo,
pessoal (localizada e disponível a um indivíduo), mas também, obviamente, coletiva –
tanto em um sentido proximal (um coletivo histórico e localmente situado) como distal
(o coletivo anônimo contido na história do gênero/ofício). O coletivo, contextualizado no
âmbito de um gênero, precisa, pois, ser aprendido, conservado e transmitido. Pelo
exposto, nota-se que o conceito de coletivo de trabalho e gênero profissional na clínica
da atividade estão intimamente relacionados.
Psicossociologia do trabalho
A psicossociologia, conforme elucidam Carreteiro e Barros (2011), consiste de
uma perspectiva interdisciplinar, cujo trabalho é fundamentalmente espaço de troca com
os outros, permitindo, como já havia discutido Clot (2006) a partir de Meyerson, “sair de
si”, construir e manter engajamentos, possibilitando ao sujeito inscrever-se em uma
história coletiva. Tanto a psicossociologia quanto a psicodinâmica do trabalho
pressupõem um indivíduo vinculado ao coletivo, ao afetivo e institucional, e aos
processos inconscientes e sociais para a compreensão das relações de trabalho nas
organizações. A Tabela 3 arrola características-chave dessa perspectiva.
69
Tabela 3
Características da psicossociologia do trabalho
Características da psicossociologia do trabalho
Objeto de estudo Investe na investigação das instâncias mediadoras entre o social e
o psíquico, notadamente grupos, organizações e instituições. O
objeto da análise são as relações entre o individual e o coletivo, o
psíquico e o social, o particular e o geral.
Objetivos Pretende ajudar os trabalhadores a analisar melhor as estratégias de
ação que podem desenvolver, assim como compreender as
consequências de suas tomadas de decisão. Para essa abordagem, é
na vida cotidiana que as transformações ocorrem (e.g., Carreteiro,
2001).
Afiliações
epistemológicas
Baseia-se em recursos teórico-metodológicos constituídos, ao
mesmo tempo, pela Psicologia Social Clínica e pelas Ciências do
Trabalho, especialmente a Psicopatologia, a Sociologia do
Trabalho e a Ergonomia da Atividade. No caso da influência da
Psicopatologia, destacam-se as de Sivadon e Amiel (1969), que
trabalha com uma clínica de distúrbios individuais; de Louis Le
Guillant (2006), que privilegia o peso das condições concretas de
existência e as incidências psicopatológicas das condições de
trabalho; e de Claude Veil (2012), que considera a história do
sujeito nos momentos em que ele adoece e, ao mesmo tempo, as
normas de trabalho em determinado ambiente – os teóricos acima
foram citados por Lhuilier (2014). Trata-se de manter juntos o
70
sujeito, em sua dinâmica psíquica, e suas inscrições sociais
contextualizadas e normatizadas (Lhuilier, 2014).
Via metodológica A intervenção psicossociológica tem como uma de suas posturas
metodológicas fundamentais a escuta dos sujeitos, dos grupos, e
dos coletivos. São eles que vão diagnosticar os conflitos, as crises
organizacionais e/ou institucionais. O processo interventivo é
cooperativo, voltado à intervenção in situ – algo herdado de Lewin
e sua proposta de pesquisa-ação que, por extensão, também é
intervenção-ação, intervenção-participante (Araújo, 2012).
Principais categorias
conceituais
Segundo Lhuilier (2014), a psicossociologia do trabalho implica
uma reavaliação do quadro teórico e metodológico da
psicossociologia sob o prisma dos conceitos de atividade, de ação
e de práxis. No caso da intervenção, os conceitos centrais incluem:
a demanda (solicitação endereçada ao psicossociólogo) e sua
distinção de encomenda (feita por quem ocupa uma posição de
poder), e a implicação (equilíbrio entre a simpatia-interesse e a
distância do objeto a ser pesquisado). Recentemente, toma o ponto
de vista da atividade para mediação das relações no mundo do
trabalho.
A concepção do trabalho não é somente como uma atividade, mas
também como uma instituição com dupla funcionalidade: social e
psíquica. O trabalho como instituição é uma formação da sociedade
e da cultura, mas também psíquica: mobiliza investimentos,
representações e valores que garantem as bases da identificação do
sujeito com as finalidades por ele definidas.
71
Nota. Adaptado de Araújo (2012), Carreteiro e Barros (2011) e Lhuilier (2014).
Não obstante o termo coletivos de trabalho não ser diretamente empregado pelos
autores da psicossociologia, podemos observar outros recursos teóricos em que a
dimensão coletiva é apreendida pela ação dos mediadores entre indivíduo e sociedade,
essencialmente o grupo, a organização e a instituição. Tomemos, em particular, a questão
dos grupos, especificamente na interface da psicossociologia com o trabalho.
Um trabalho produzido por Lhuilier e Litim (2010) merece destaque. Isso porque
as autoras fazem uma crítica pertinente, endereçada à própria tradição psicossociológica,
do que elas denominam de grupo sem trabalho, isto é, grupos para os quais o elemento
central seria as interações e, graças à influência da Psicanálise, observável na tradição da
psicossociologia, das forças reprimidas que impediam o funcionamento autônomo dos
grupos. Propõem, em vez disso, uma psicossociologia do trabalho que, ao abarcar uma
compreensão sobre os fundamentos da organização coletiva, coloca a atividade no centro
da atenção psicossociológica. Assim, os coletivos centram-se em torno tanto de processos
psicossociais inerentes ao campo das relações (inclusive pela mediação
institucional/organizacional), como, sobretudo, da realização (e do engajamento e da
mobilização) de uma atividade real.
Em linha similar, Amado (1999) já havia apontado que faltava aos dispositivos do
grupo centrado no grupo a questão da ação coletiva e dos processos psíquicos específicos
que são solicitados pela tarefa, pela atividade, pela organização produtiva, enfim, pela
realidade que se quer transformar. Embora reconhecendo que um coletivo se serve de
elemento definidor da vida grupal (Anzieu & Martin, 2003) – por exemplo, trocas,
afetividades, laços de solidariedade, diferenciações de papéis, normas comuns –, Lhuilier
e Litim (2010) observam que um grupo não é, necessariamente, um coletivo. O elemento
72
central para a constituição deste último é a existência de um trabalho coletivo – ou de
uma atividade deontológica. As autoras observam que tal atividade depende da formação
de compromissos instáveis com respeito às regras e ao como fazer, embora possam ser
modificadas e subvertidas a cada instante pelos membros do coletivo.
Elementos-chave: uma síntese provisória
Resguardadas as múltiplas diferenças internas às clínicas do trabalho (e.g.,
Bendassolli & Falcão, 2015), podemos, não obstante, identificar alguns elementos de
convergência e compartilhamento em torno do tópico dos coletivos de trabalho, tendo,
como base, uma revisão de trabalhos recentes produzidos por autores filiados a tais
clínicas (e.g., Clot, 2010a; Dejours, 2004; Lhuilier & Litim, 2010; Mendes, 2007; Mendes
&Vieira, 2014). Na Tabela 4, comparamos as três clínicas previamente discutidas vis-à-
vis sua definição de coletivos de trabalho.
Tabela 4
Conceituação de coletivos de trabalho pelas clínicas do trabalho
Clínicas do trabalho Definição de coletivos de trabalho
Psicodinâmica do
trabalho
Para essa abordagem, o coletivo de trabalho funcionaria como
um regulador do sofrimento derivado da relação do sujeito com
o real. O coletivo refere-se à prática de construção comum de
regras de trabalho, de acordos normativos, técnicos e éticos
entre os trabalhadores sobre os seus modos de trabalhar e sobre
suas formas de enfrentar as resistências do real do trabalho.
Dejours retoma Cru (1987) ao apontar que coletivo é entendido
não como um ente, um ser, mas com um evento, um
acontecimento que ocorre quando “vários trabalhadores
73
concorrem a uma obra comum, no respeito a regras”. Assim,
um trabalhador, mesmo isolado, jamais está só, face ao seu
trabalho; ele está sempre frente a regras e leis
(fundamentalmente não escritas) que transcendem a esfera da
hierarquia. O papel do coletivo consiste no fornecimento de
ferramentas que permitam aos trabalhadores exercer suas
atividades com mais segurança – o que Dejours, retomando
Cru (1987), denomina saberes de prudência.
Clínica da atividade Para essa abordagem, o coletivo é o ofício como história
comum, do gesto partilhado a ser transmitido por herança como
história coletiva do pensar sobre o trabalho. Clot (2010a), ao
tratar do conceito, se inspira em Oddone, na medida em que
anuncia a importância do coletivo não somente como um meio
de experiências compartilhadas entre seus membros, mas,
sobretudo, como um processo que foi transmitido ao longo da
história profissional desse coletivo.
Assim, para a clínica da atividade, o coletivo de trabalho
carrega as características do gênero profissional, sendo este o
instrumento coletivo da ação, quando o sujeito, por meio de
suas criações pessoais, ultrapassa o prescrito, podendo, assim,
contribuir para o gênero. É compreensível, pois, que o
enfraquecimento dos coletivos de trabalho se apresente como
indicador de saúde/sofrimento no trabalho, pois o indivíduo
perde a possibilidade de participar de espaços de debate sobre
os critérios de um trabalho benfeito (Clot, 2010a), e perde o
74
acesso ao saber coletivo que o orienta e suporta. Sem tais
critérios coletivamente compartilhados, o trabalhador entra no
dilema de como deveria realizar seu próprio trabalho.
Psicossociologia do
trabalho
Nessa abordagem, os coletivos de trabalho podem adquirir
modos de funcionamento variados, sem a necessidade da
presença física de todos que o compõem, não se limitando,
pois, à operação presencial e conjunta na realização de uma
tarefa. Lhuilier (2006) afirma que não é determinante a
copresença ou o pertencimento formal, mas a cooperação
manifestada e o sentimento de pertencimento que liga cada um
dos trabalhadores em uma unidade de trabalho. O coletivo faz
a mediação do sujeito com a organização, mas não se limita à
ação instituída, como, por exemplo, na representação sindical.
O coletivo está em cada indivíduo trabalhador, mas, para
continuar vivo, precisa da alteridade dos pares (Lhuilier &
Litim, 2010).
Nota. Adaptado de Clot (2010a), Cru (1987), Lhuilier (2006), Lhuilier e Litim (2010).
Podemos identificar o trabalho coletivo, a confiança, a cooperação, a visibilidade,
a construção de um espaço de discussão, e o pertencimento a um ofício (e gênero) como
os principais demarcadores conceituais de um coletivo na convergência das três clínicas
em questão. A seguir, detalhamos cada um desses elementos teóricos.
O trabalho coletivo reflete, de um lado, a própria natureza da atividade de
trabalho, uma vez que esta é direcionada não só para a atividade própria de cada
trabalhador, mas, especialmente, à atividade do outro. Não é incomum que o trabalho só
75
seja possível (ou se torne bloqueado, impedido) devido ao compartilhamento de
atividades – por exemplo, na assertiva “dependo da atividade do outro para executar a
minha”. Por outro lado, mais uma vez, é preciso destacar que o trabalho coletivo não
deveria ser tomado apenas pelo seu valor de face, isto é, pela existência de trabalhadores
agindo juntos (como em um grupo ou equipe, no linguajar organizacional). O aspecto
decisivo, na perspectiva das clínicas aqui inventariadas, é de que os próprios membros do
coletivo se sintam ou se vejam como os efetivos organizadores de seu próprio trabalho, e
invistam no espaço coletivo como seu espaço.
A cooperação está relacionada à capacidade de construção de laços pelos atores,
centrados em torno de uma atividade comum. A cooperação não é algo que se possa
prescrever: ao contrário, ela é parte constituinte dos coletivos desde seu nascimento
(Figueiredo & Athayde, 2005). O agir cooperativo está baseado na construção de
identificações mútuas (Caroly, Loriol, & Boussard, 2006), na solidariedade derivada de
um destino comum diante do processo de enfrentamento do real (Dejours, 2004). Para
Mendes e Vieira (2014), a cooperação não equivale ao coleguismo, mas sim à construção
de acordos para melhorar as prescrições da organização do trabalho, e para permitir e
lastrear o reconhecimento pelos pares. A construção dos laços de cooperação depende de
um compartilhamento mínimo de modos de trabalhar, o que implica relações de
confiança e espaços para confrontação de opiniões sobre a organização do trabalho
(Nascimento, Vieira, & Araujo, 2012). Da confiança nascem as condições para a
controvérsia, elemento-chave na construção conjunta de um sentido de trabalho benfeito
(Clot, 2010a).
A visibilidade, por sua vez, implica tornar inteligível o trabalho para o outro. Essa
ação não segue, porém, sem risco. O risco consiste em expor informações ao outro que
podem ser sensitivas, que demandam confiança. A visibilidade desoculta o trabalho real,
76
seus dilemas e paradoxos, e limites do prescrito (Cruz-Lima, 2013; Lhuilier, 2006). A
confiança não remete às competências técnicas e psicológicas, mas, sobretudo às
competências éticas, à promessa de equidade dos julgamentos das informações
pronunciadas pelo outro.
Sobre os espaços públicos de discussão, Dejours (1993) alude à possibilidade de
trabalhadores e hierarquias criarem uma arena na qual possam discutir e questionar as
insuficiências da organização do trabalho. Mais uma vez, um pré-requisito para que esses
espaços cumpram efetivamente o seu papel é que existam relações de confiança,
possibilitando a comunicação intersubjetiva, a demonstração dos modos de fazer e de
proceder de cada um e, por fim, a elaboração de um referencial comum que paute as
escolhas individuais.
Por fim, embora a existência dos coletivos não dependa, como condição inexorável,
da presença física de seus membros, eles dependem de um sentimento de pertença a um
ofício (Clot, 2006; Lhuilier, 2006). É justamente esse sentimento que permite ao gênero
operar como fiador do desenvolvimento dos trabalhadores, tanto em termos de
competências, como em termos de afirmação de seu poder de agir, de sua saúde (Clot,
1999, 2010a). O gênero, esse coletivo transpessoal internalizado, age como uma voz
interior (ou conjunto de vozes), que dá o tom e auxilia no desenvolvimento da atividade.
Porém, não se trata de pertencer a uma profissão, no sentido de um corpo regulado
institucionalmente, mas de um ofício, de um gênero de ação e de vinculação com o real a
ser transformado por meio do trabalho. Aqui, o ofício é pensado como a base de
manutenção dos coletivos, de seus modos de existir e de se conservar.
77
Implicações e perspectivas
As apropriações pelas clínicas sobre os coletivos de trabalho, independentemente
de suas raízes epistemológicas, compartilham o fato de que esse constructo exerce um
papel-chave na compreensão do trabalho, especialmente no tocante à afirmação da
potência de ação e de saúde. Neste artigo, objetivamos apresentar uma síntese, baseada
em pontos de convergência entre três das referidas clínicas, de modo a servir de subsídio
para processos de intervenção nos contextos de trabalho. De fato, pesquisas em clínica do
trabalho têm, reincidentemente, apontado para os desafios que os coletivos de trabalho
têm enfrentado na atualidade (para uma síntese, ver Clot, 2010b). Se é para o psicólogo
do trabalho intervir em situações em que a atividade de trabalho esteja impedida, levando
ao adoecimento e à desmobilização psíquica, então, os coletivos deveriam comparecer
como dispositivo de interesse nesse intento. Recuperar a dimensão coletiva do trabalho e
o desejo de trabalhar com é um desafio inescapável para o clínico do trabalho nas atuais
condições do mundo do trabalho, com sua tendência à fragmentação das relações e
isolamento dos trabalhadores.
Chamamos igualmente a atenção, repetidas vezes, sobre a necessidade de não se
sobreporem – como amiúde ocorre na Psicologia das Organizações – os conceitos de
grupo/equipe ao de coletivo. Embora possam lidar com facetas similares do mesmo
fenômeno, tais conceitos referem-se, no plano mais óbvio, a bases teóricas e históricas
diferentes, como também, no plano prático, a distintas formas de intervenção. Enquanto
autores de grupos e equipes tratam de temas como team building, por exemplo (e.g.,
Clevenger, 2007), quando se consideram as clínicas que aqui realçamos, a intervenção
implica construir um processo de coanálise do próprio trabalho e inserção em um gênero
(clínica da atividade), ou então a construção de um espaço de fala e escuta que tenha,
como mote central, os dilemas compartilhados acionados pelo confronto dos
78
trabalhadores com o real e que levam ao sofrimento ou ao potencial desmobilizador
(psicodinâmica do trabalho).
Uma implicação adicional das ideias que discutimos neste artigo refere-se à
dimensão afetiva dos coletivos. O desejo, a vontade ou a disposição para investir em um
trabalho compartilhado não depende de percepções sobre ganhos instrumentais
relacionados à força da maioria, mas a ganhos – se assim se pode dizer – no campo do
pertencimento subjetivo a um destino comum circunscrito pelo ofício. Ora, não à toa,
talvez uma das mais violentas ameaças à saúde nos contextos de trabalho hoje seja a
fragilização dos ofícios. O que isso significa, na prática?
Primeiro, que a ideia (ou seria ideologia?) de que a atividade de trabalho se resuma
à carreira individual, e à aquisição de habilidades e competências individuais para se
enfrentar, novamente de modo pretensamente individual, o “mercado de trabalho”.
Segundo, que na linguagem individualizante que vivemos hoje, a dimensão do ofício, do
gênero, seria, na melhor das hipóteses, traduzida como profissão ou ocupação – ou, o que
é pior, como algo relativo a movimentos organizados, tais como sindicatos. Tampouco o
espírito de grupo ou de equipe seriam equivalentes ou poderiam suplantar, em termos de
suas funções psicológicas, o papel exercido pelos ofícios. Mais que versões transmutadas
e atualizadas das antigas corporações de ofício, ofícios referem-se a um construir que é,
em sua essência, coletivo, social. Em última instância, o ofício seria o fiador dos coletivos.
Se não há esse fiador representado pelo ofício, resta, então – para dizer como Clot
(2010a) –, a dúvida e incerteza sobre os critérios de um trabalho benfeito. A mentalidade
gerencial tenta suplantar essa ideia central de qualidade por métricas tipicamente
organizacionais, mas essa faceta da qualidade não captura o poder do ofício e dos
coletivos na consubstanciação de regras, normas e procedimentos avaliativos e que sejam
capazes de honrar a memória do gênero em questão. Assim, finalizamos com o alerta de
79
que, sob a fragilização ou mesmo destruição dos coletivos, o que vemos é o trabalhador
ingressando em um dilema profundo sobre os critérios (estéticos, práticos, etc.) de como
realizar seu trabalho. Restar-lhe-á, nesse caso, a via do reconhecimento interpessoal, ou,
ainda mais restritivamente, do reconhecimento de seus grupos primários de
pertencimento (família, por exemplo). Sem a recuperação da função mediadora dos
coletivos, dentro do ofício e do seu gênero, veremos não só a manutenção do sofrimento
no trabalho (solitário e frio), mas a vaporização dos critérios sobre o que significa
trabalhar, seu propósito, direção e estética (trabalho benfeito).
80
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83
ARTIGO TRÊS
Coletivos de trabalho e a produção de saúde dos ofícios
Coletivos de trabalho e saúde
Work Collective and the production of crafts health
Work Collective and health
Colectivos de trabajo y la producción de salud de los oficios
Colectivos de trabajo y salud
RESUMO
Neste artigo, propomos, inicialmente, uma releitura conceitual dos coletivos de trabalho
baseado nos sistemas de identificação, partilha de valores e debates de normas. A partir
dessa análise, inspirada nas clínicas do trabalho, apresentamos um modelo que visa
identificar os elementos-base de constituição dos coletivos (relações com o ofício,
mobilizações afetivas, reconhecimento e dialogicidade). Realizamos a pesquisa em duas
etapas: uma de aproximação do campo com as atividades em grupo na sala de espera do
serviço e entrevistas semiestruturadas; e entrevistas clínicas, transformadas em casos
clínicos – foco deste estudo. Esse modelo foi ilustrado por meio de casos clínicos reais,
que permitem destacar o modo de funcionamento dos coletivos como mantenedor, ou
não, da sobrevivência e do desenvolvimento de um ofício sadio. Por fim, alertamos para
a necessidade de os trabalhadores serem organizadores de seu próprio trabalho, acionando
os coletivos em seus elementos potencializadores de desenvolvimento e saúde.
Palavras-chave: coletivos de trabalho; clínicas do trabalho; saúde e trabalho.
84
ABSTRACT
This paper initially proposes a conceptual re-reading of the work collective based on the
systems of identification, value sharing and standards debates. From this analysis through
work clinics, a model is presented as a way of understanding the basic elements of the
collective constitution (relationships with craft, affective mobilizations, recognition and
dialogicity). The activities were conducted in the fases: approach of the field with the
group activity in the waiting room of the service and semi-structured interviews and
clinical interviews, that are the focus of this study. Such model was illustrated trough real
clinical cases what allow us to highlight that the way of collective operation can make it
maintainer or not of the survivor and develop a health craft. Finally, it alerts to the
individuals need to be as organizers of their own work so the collective work give its
signs of expressiveness, putting in action itself (work collective) and craft in the process
of health production.
Keywords: Work collective, work clinics, health and work.
RESUMEN
Inicialmente, este artículo propone una relectura conceptual de los colectivos de trabajo
basándose en los sistemas de identificación, en el compartir valores y en debates de
normas. A partir de ese análisis, inspirado en las clínicas del trabajo, se presenta un
modelo que pretende identificar los elementos básicos que constituyen a los colectivos
(relaciones con el oficio, movilizaciones afectivas, reconocimiento y dialogicidad). La
investigación fue realizada en dos etapas: una de aproximación al campo con actividades
en grupo en la sala de espera del servicio y entrevistas semidirectivas, y entrevistas
clínicas, transformadas en casos clínicos, foco de este estudio. Tal modelo fue ilustrado a
través de casos clínicos reales que nos permiten destacar que el modo de funcionamiento
85
de los colectivos puede convertirlos en mantenedores, o no, de la sobrevivencia y del
desarrollo de un oficio sano. Finalmente, se alerta sobre la necesidad de que sean los
trabajadores quienes organicen su propio trabajo, accionando a los colectivos en sus
elementos potenciadores de desarrollo y salud.
Palabras-clave: colectivos de trabajo; clínicas del trabajo; salud y trabajo.
Neste artigo, propomos um modelo teórico sobre coletivos de trabalho,
contemplando sua definição e seus componentes, tomando como base inicial os pontos
de convergência das clínicas do trabalho; então, consideramos seus desdobramentos, a
partir da sistematização já existente sobre tais coletivos – proposta por Moraes e Athayde
(2014). Inicialmente, apresentamos a interconexão entre os coletivos e os processos de
saúde-adoecimento no trabalho. Em seguida, introduzimos o modelo expandido de
coletivo (Moraes & Athayde, 2014), no qual se destaca o papel dos ofícios (ou dos
métiers, alusão francesa). Por fim, após apresentarmos esse modelo expandido,
aprofundamo-nos no papel dos coletivos frente aos processos de saúde-adoecimento no
trabalho. Para desenvolver este último tópico, apresentamos estudos de caso conduzidos
com trabalhadores afastados por adoecimento no trabalho e que, no momento da pesquisa
que deu origem a este artigo, estavam em acompanhamento em uma das unidades de
referência em ST (CEREST) em uma capital do nordeste brasileiro.
Coletivos de trabalho e saúde
Atualmente, a intensificação do trabalho é um aspecto importante para se
compreender o desmantelamento dos coletivos de trabalho. Para Pina e Stotz (2014), essa
intensificação ocorre em contexto de forte orientação para a individualização do
trabalhador (metas e desempenho sendo avaliados individualmente, contra um cenário de
86
intensa cobrança por resultados), que pressiona e dificulta a capacidade coletiva de
enfrentamento dos trabalhadores diante da organização do trabalho. Destaca-se que, na
esteira do enfraquecimento dos coletivos, derivam-se problemas de saúde, tais como as
patologias relacionadas à solidão e à falta ou às fragilidades dos processos de
reconhecimento e suporte mútuo (Lhuilier, 2006).
A última observação poderia nos levar a indagar, como o fez Clot (2013), se então
deveríamos nos “voltar ao coletivo”, isto é, tentar reconstruí-lo, ou investir mais em seu
desenvolvimento, ainda que em condições potencialmente adversas nos contextos de
trabalho contemporâneos, com sua lógica de gestão individualizante. Paradoxalmente,
para Clot, a resposta não parece ser direta, considerando que há “coletivos e coletivos”.
De um lado, prossegue o autor, a idade “mítica” do que ainda hoje temos como um ideal
de coletivos está localizado no passado remoto das corporações de ofício. Porém, por
outro lado, sequer tais corporações poderiam (ou deveriam) ser tomadas como oásis para
a ST. O autor observa que elas tinham, ao contrário, efeitos deletérios, como a rigidez e
a imutabilidade, e uma coesão que dificilmente permitiria a instalação da controvérsia ou
do debate sobre as normas do trabalho, entre outros aspectos.
Se a resposta não é direta, não significa que devamos pôr o papel dos coletivos de
lado em relação ao debate sobre saúde no trabalho. Primeiramente, temos – talvez como
representação social – a imagem de que saúde é algo que só podemos viver ou possuir no
âmbito privado: “minha saúde”, “sua saúde”. A conjugação da saúde no plural (“nossa
saúde”) é, talvez, mais sutil e, por isso, difícil de observarmos. Em segundo lugar, há a
tarefa de se explicitar qual noção de coletivo reside de trás de nossas teorizações sobre o
tema. Por exemplo, seria o coletivo um agregado de pessoas, relativamente
interdependentes, como se capta em termos como grupo ou equipe? Um grupo de
trabalhadores deve, pois, não só se coordenar mutuamente, como elaborar e articular o
87
processo coletivo implicado em sua atividade, ela também, em graus variados, coletiva.
Seria, pois, os coletivos um proxy ou representante de grupos ou equipes?
Inspirando-nos em abordagens das clínicas do trabalho (Bendassolli & Soboll,
2011; Lhuilier, 2006), podemos pensar à concepção de saúde e sua relação com o coletivo,
que a coparticipação no trabalho, pela qual o trabalhador pode vivenciar conjuntamente
os desafios, as rupturas ou as “traições” do real da atividade (Bendassolli & Gondim,
2016), decerto é um elemento ou um dispositivo de afirmação de saúde – aqui entendida
como vinculada não a um projeto solitário de construção de mundo, mas a uma ação
concatenada, compartilhada, inscrita em um mesmo gênero profissional (Clot, 2006,
2010a, 2010b).
No último tópico, remetemo-nos a uma característica-chave dos coletivos em sua
relação com a saúde: o fato de o coletivo, tanto o internalizado como o organizado no
aqui e agora, servirem como um fiador, um orientador, um garantidor, por assim dizer, da
atividade individual (Clot, 2010a, 2013). A saúde, como a doença, quando pensada contra
o pano de fundo do trabalho, não é, jamais, uma aventura solitária, se partirmos do
princípio de que a atividade é o que a sustenta. Clot (2010a, 2010b) observa que atividade
é saúde, é a ação de produzir um contexto para viver. É nesse cenário de íntima ligação
entre saúde e trabalho, como exercício de engajamento de si em uma atividade que é, em
sua essência, coletiva, que, na sequência, dedicamo-nos a um esforço de sistematização e
definição conceitual dos coletivos de trabalho.
Coletivos de trabalho: um esforço de síntese
Recentemente, Moraes e Athayde (2014) avançaram na sistematização dos
elementos que compõem um coletivo de trabalho. O coletivo é ali também relacionado às
atividades de trabalho no interior do ofício, atravessado por sistemas de identificação,
88
partilha de valores e debates de normas. Fazendo uma síntese, aqueles autores propõem
sete elementos centrais do que poderíamos aqui tomar como um modelo teórico sobre
coletivos de trabalho:
1. A existência de vários trabalhadores em presença, trabalhando em uma obra em
comum, partilhando regras de ofício (que não são sinônimo de regulamentos
prescritos, ou normas – Cru,1987). Aqui é importante enfatizarmos a dimensão
do aqui e agora como definidora de um coletivo, ao contrário do que
complementamos no item seguinte, relativo à “presença internalizada”, por assim
dizer, dos coletivos;
2. A ocorrência de princípios de gênero da atividade profissional, o que remete a
um substrato transpessoal de conhecimentos, valores, discursos e uma memória
impessoal que sedimenta, organiza e configura o meio do qual o trabalhador irá
se apropriar para executar as suas tarefas, permitindo o intercâmbio entre si e os
demais companheiros (Clot, 2006). Como dissemos anteriormente, esse aspecto
do coletivo reenvia à dimensão não propriamente presente, derivada da
convivência no aqui e agora, mas resgata os aspectos mediadores, transmitidos na
cultura de ofício, de outros distantes que, ao terem se engajado com a atividade
no passado, contribuíram com seu estoque de procedimentos, normas, etc.;
3. Uma determinada linguagem de ofício, partilhada pelos trabalhadores e eliciada
em discursos mais ou menos comuns (Boutet, 1993, 1998, citados por Moraes &
Athayde, 2014). Este item faz menção à dimensão linguageira dos ofícios. A
linguagem é, de fato, um mediador privilegiado da atividade, e não se refere
apenas a um “discurso sobre”, mas à dimensão demiúrgica, operativa, da palavra;
89
4. A existência de uma psicodinâmica do reconhecimento (Dejours, 2002, 2004,
2012), referindo-se ao julgamento, especialmente o estético, empreendido pelos
pares;
5. Existência de um espaço público interno de discussão, de confiança e cooperação
entre pares. Esse espaço é o que permite o debate e a introdução da controvérsia.
Sem esta última, diria Clot (2006), não há espaço para a renovação do gênero, em
outras palavras, para a criação de novas formas de lidar com o real da atividade
ou com a atividade real;
6. Um determinado período de tempo, e certa constância nos contatos transcorridos
entre os que permanecem em uma profissão (Clot, 2006; Dejours, 2004);
7. Proximidade dos modos que enfrentam os desafios da vida; a existência de
engajamentos subjetivos e a explicitação de prazeres, sobretudo perante aquilo
que Cru (1987) denomina “arte de viver”.
Ampliando a sistematização
Os elementos elaborados por Moraes e Athayde (2014), sem dúvida, ajudam-nos
a sistematizar um aporte teórico sobre os coletivos, no cruzamento das várias clínicas do
trabalho. Contudo, nesta seção, propomos uma ligeira ampliação do leque de tais
elementos. Mais especificamente, sugerimos a inclusão de uma nova característica,
baseada no tangenciamento dos coletivos pela dimensão do ofício (métier). Isto porque
assumimos a premissa de que o trabalhador faz parte de um coletivo na medida em que
se sente pertencer a um ofício. Situação diferente ocorre em seu acesso a grupos ou
mesmo equipes de trabalho, estes mais localizados – por vezes delimitados pelas
fronteiras de uma organização em específico.
90
O coletivo, como dissemos anteriormente, se estabelece como o fiador do gênero,
da memória transpessoal de cada ofício. E o gênero, por sua vez, informa os coletivos
sobre os critérios de um trabalho benfeito – única forma de honrar o gênero, de o preservar
e expandir. Donde nossa proposta:
8. A possibilidade de realizar um trabalho benfeito (Clot, 2006, 2010). Consiste na
possibilidade de se promover um debate sobre os critérios definidores dessa
qualidade, que são operados no e pelos coletivos de trabalho.
Afora o acréscimo desse novo elemento, também propomos um esquema
ilustrativo (Figura 1) buscando as possíveis inter-relações das bases dos coletivos de
trabalho, as quais propomos a seguir e em torno das quais igualmente propomos a
aglutinação de seus oito elementos constituintes. As bases são das relações com o ofício,
das mobilizações afetivas, do reconhecimento e da dialogicidade.
Figura 1. As inter-relações dos elementos constituintes dos coletivos de trabalho.
Dialogicidade
(IV)
Reconhecimento (III)
(II) Mobilizações
afetivas
Relações com o Ofício (I)
91
A base das relações com o ofício
A base I, das relações com o ofício, do sentimento de pertencimento, congrega
elementos de compartilhamento das regras do ofício (item 1 da lista apresentada na seção
anterior), os princípios do gênero profissional (item 2), a linguagem particular de cada
ofício (item 3), o tempo de atuação no meio profissional (item 6), e a noção de trabalho
benfeito (item 8).
O ofício se define tanto em um nível sociológico quanto psicológico.
Sociologicamente, Clot (2010a) embasado em Osty (2003), aponta três instâncias do
ofício: o profissionalismo; a socialização dos saberes; e a estabilização de regras na
elaboração de competências específicas, que permitem acesso à identificação profissional
e à edificação das regras sociais da profissão. Psicologicamente, o ofício faz parte do
indivíduo quando ele assume a responsabilidade por um ato (Bakhtine, 1984), embora
este ato seja atravessado por outros. Envolve um apropriar-se do ato, sem jamais ser seu
proprietário, pois se trata de um ato coletivo, compartilhado por outros profissionais do
mesmo ofício.
A base das mobilizações afetivas
A segunda base, denominada de mobilizações afetivas (II), refere-se,
essencialmente, aos laços de confiança e cooperação, aglutinando os elementos:
existência de um espaço público de discussão, condicionado à existência de cooperação
e confiança entre os pares (item 5), o engajamento subjetivo e expressão de prazeres (item
7), e a noção de trabalho benfeito (item 8). Em nosso cotidiano, somos mobilizados pelo
fato de nos relacionarmos com outros. Somos afetados porque temos um corpo; também
afetamos os outros pela mesma razão. Podemos agir passiva ou ativamente. No caso dos
coletivos, os afetos têm papel de mobilização, de fazer com que o já vivido se torne objeto
92
de outra vivência (Clot, 2010a). É nesse espaço moldado pela confiança e cooperação que
a atividade é afetada, no sentido de ações ativas da parte dos sujeitos, mobilizadoras.
Algo similar, embora por outras entradas teóricas, foi intuído por Dejours (2004)
quando ele afirma que o trabalho não é só produzir, mas viver junto, donde a importância
da cooperação. Adicionalmente, esse viver compartilhado não é algo evidente, que surge
por si: ele supõe a mobilização da vontade dos trabalhadores visando a conjurar a
violência nos litígios ou os conflitos que podem nascer de desacordos entre as partes sobre
as maneiras de trabalhar, sobre os critérios de um trabalho benfeito.
A partir de Spinoza3, Clot (2010a) também discorre sobre o papel do afeto. Para
ele: “(...) o esforço para desenvolver o poder de agir não está separado de um esforço para
elevar, ao grau mais elevado, o poder de ser afetado” (p. 31). Assim, para Clot (2010a) o
afeto é um elemento vital da construção dos coletivos, na medida em que a presença dos
afetos positivos (que aumentam a potência do agir) dão consistência ao vínculo. Por sua
vez, esses afetos relacionados aos vínculos dos coletivos alimentam as relações de
confiança e cooperação.
A base do reconhecimento
A base do Reconhecimento (III) aglutina os elementos da psicodinâmica do
reconhecimento (item 4), a noção do trabalho benfeito (item 8), e o gênero profissional
(item 2). Em que consiste o reconhecimento? Na psicodinâmica do trabalho, esse depende
dos julgamentos sobre a qualidade do trabalho, recaindo sobre o fazer, e não sobre a
pessoa (Dejours, 2009). Esse julgamento assume duas formas: a de utilidade, que é
realizada pela hierarquia; e a de beleza ou estética, que é conduzida pelos pares. Enquanto
3 Neste estudo, fazemos uma leitura a partir de Clot, de modo pontual e circunscrito aos esforços cabíveis
para relação proposta (poder de agir-afeto). Reiteramos que o estudo em profundidade das obras
Spinozanas, aqui não contempladas, podem ser abordadas em estudos posteriores para a real amplitude que
as interações conceituais sobre afeto merecem.
93
o primeiro atende ao desejo de ser útil, o segundo gera um sentimento de pertencimento
a um coletivo de trabalho.
O reconhecimento, tanto pela mediação do outro como pela inscrição do sujeito
em uma história coletiva, permite a passagem do sofrimento, inerente ao confronto com
o real pelo e no trabalho, ao prazer, uma vez que dá sentido a esse confronto. É por isso
que Dejours (2009) vincula o reconhecimento à sublimação, e esta, ao que ele denomina
de deôntica do fazer: a implicação do sujeito na elaboração e na discussão das regras de
cooperação no trabalho, sobre as quais se baseiam os critérios de julgamento da qualidade
do fazer.
Importante realçarmos que, quando comparadas, a psicodinâmica do trabalho e a
clínica da atividade têm posturas distintas sobre a questão do reconhecimento e sobre as
consequências de sua ausência (Bendassolli, 2012). Para a clínica da atividade, o
reconhecimento não ocorre apenas no nível interpessoal (relação sujeito-trabalho
mediada pelo outro – como na psicodinâmica), mas especialmente no nível transpessoal,
isto é, na relação gênero/ofício. Essa diferença carrega um posicionamento teórico
segundo o qual o ofício não se resume, apenas, a uma comunidade de cooperação e
pertencimento, mas engloba a história do coletivo em cada trabalhador, ou seja, ele é um
interlocutor coletivo interno, um recurso de que dispõe o sujeito para agir (Clot, 2006,
2010a). Para Clot, o reconhecimento refere-se à possibilidade de o sujeito reconhecer-se
naquilo que faz, no contexto de um determinado gênero profissional. Assim, na
perspectiva da clínica da atividade, como o ofício está dentro do indivíduo, não haveria
necessidade vital de um reconhecimento somente pelos pares, já que o próprio sujeito
estaria posicionado de modo a julgar se o que está fazendo atenderia aos critérios de um
trabalho benfeito. Não se trata de um julgamento individualista, porém Clot (2010a)
observa que, na ausência desse interlocutor interno, resta ao pseudocoletivo recorrer às
94
estratégias interpessoais de reconhecimento, muitas vezes baseadas em julgamentos de
indivíduos que convivem entre si em uma equipe – sem, necessariamente, constituírem
um coletivo de trabalho. Clot (2006) vai além ao sugerir que o sujeito busca o
reconhecimento do outro no nível interpessoal (pares ou superiores) quando já não pode
se reconhecer no ambiente do ofício – e tal reconhecimento torna-se, assim, um
reconhecimento sem raízes.
A base da dialogicidade
Por fim, na base da dialogicidade (IV) temos a aglutinação dos elementos do
espaço público interno de discussão (item 6). Aqui, o dialogismo aparece como elemento
central. Essa base está, como se nota pela Figura 1, em íntima conexão com o sentimento
de pertencimento ao ofício, conectando-se, pois, com os elementos que se relacionam ao
ofício em si: o compartilhamento das regras (item 1), o gênero profissional (item 2) e a
linguagem (item 3). A dialogicidade refere-se à criação de espaços de discuss-ação sobre
as possibilidades e os impedimentos da ação diante das mobiliz-ações do fazer
profissional.
Bakhtin (1997) contrasta a noção de diálogo com a de monólogo. Ele ainda
distingue o monólogo do diálogo a partir do conceito de vozes. O primeiro é constituído
de apenas uma voz, enquanto o diálogo é composto por duas ou mais vozes. O monólogo
é um discurso que reconhece somente a si mesmo e o seu objeto, não considerando a
palavra do outro, ao passo que o diálogo leva em conta a palavra do(s) interlocutor(es) e
as condições concretas da comunicação verbal.
Nessa mesma linha, Brait (1996) sintetiza de maneira elucidativa a dupla função
do dialogismo bakhtiniano: o dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre
simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma
95
comunidade. É nesse sentido que podemos apontar a necessidade do dialogismo como
um dos elementos centrais nos coletivos de trabalho, que podem compartilhar de uma
linguagem de ofício comum, mas divergirem sobre os modos de fazer do ofício, na
medida em que, ao trabalhar no contexto de um coletivo, os trabalhadores são,
paradoxalmente, ao mesmo tempo atores de seus próprios atos (estilizando, como diz
Clot, 2010a, suas ações), mas coagentes de um ato coletivo (a atividade propriamente
dita).
Em suma, o dialogismo refere-se às características interacionais e contextuais do
discurso humano, da ação e do pensamento. Podemos definir esse discurso como uma teia
constituída de muitas vozes ou de outros discursos, que se entrecruzam, se completam,
respondem uns aos outros, e discordam entre si. Nos discursos, falam diferentes vozes
com posicionamentos ideológicos semelhantes ou contraditórios. Nesse sentido, os
coletivos de trabalho se constituem nas relações dialógicas, pelas quais os sentidos do
ofício vão emergindo. Para Bakhtin (1997), a pessoa só se tornaria consciente de si mesma
na medida em que se revela ao outro, por meio do outro e com a ajuda do outro. Logo, o
dialogismo refere-se ao princípio da alteridade que norteia as atividades discursivas, isto
é, a influência contínua da palavra do outro na construção dos enunciados.
Método
Pressupostos teórico-metodológicos
Este artigo é resultado de uma pesquisa empírica que realizamos com
trabalhadores afastados do trabalho por motivos de saúde, que estavam em atendimento
em um CEREST municipal de uma capital do nordeste brasileiro. O projeto mais amplo
desdobrou-se em duas grandes etapas: na primeira, conduzimos atividades em grupo na
sala de espera do serviço, seguidas de entrevistas individuais semiestruturadas com
96
trabalhadores em atendimento; na segunda etapa, realizamos entrevistas clínicas com
cinco participantes da primeira etapa que se dispuseram a seguir no processo. Neste
artigo, relataremos três casos extraídos e sistematizados a partir deste momento
interventivo (estudos clínicos).
Nas análises clínicas elaboradas com base nos três casos, pressupomos que falar
sobre a experiência funciona como um disparador para a elaboração de outras vivências
(Clot, 2010a). A análise do trabalho funciona, pois, como um instrumento de
transformação da experiência, sendo a verbalização, em si, uma atividade, e não apenas
um meio de acessar outra atividade que o trabalhador realizava “enquanto estava no
trabalho”. Clot (2006) também assinala o fato de os próprios trabalhadores serem
considerados coanalistas do processo de construção dos dados de pesquisa sobre seu agir
no trabalho. Aqui, entendemos o conhecimento como uma construção dialógica entre
sujeito-pesquisado e sujeito-pesquisador. Logo, ao descrever-nos sua situação de
trabalho, o sujeito faz mais do que recontar a ação desenvolvida no passado.
Participantes e procedimentos
Os trabalhadores que participaram foram bancários, motorista, vigilante e
professor. Ao todo, cinco trabalhadores estiveram envolvidos nas etapas que descrevemos
acima, mas, para os objetivos deste artigo, selecionamos apenas três. O critério de
inclusão que usamos na pesquisa baseou-se na conveniência e na disponibilidade de cada
trabalhador. A etapa da entrevista clínica consistiu em encontros com os trabalhadores
orientado por um roteiro centrado em torno da compreensão do processo de adoecimento
e na escuta de elementos que pudessem apontar para o comparecimento, na fala dos
trabalhadores, dos coletivos de trabalho
97
Mais especificamente, organizamos os encontros de modo a permitir ao
trabalhador expressar os marcadores do desenvolvimento de sua atividade de trabalho,
mais particularmente: (1) sua experiência de vida pelo trabalho, até chegar ao momento
das relações com o trabalho atual (desenvolvimento da atividade; sentimento de pertença;
rotina de trabalho; etc.); (2) sua vivência do adoecimento (relação adoecimento/trabalho;
o agir frente à doença e as redes de apoio); e (3) as relações do coletivo de trabalho (laços
de confiança, cooperação, engajamento afetivo, suporte e espaços de debates).
Para cada participante, realizamos seis encontros, em um período de três meses,
nas dependências do CEREST, com duração de, aproximadamente, uma hora cada.
Registramos seu conteúdo em áudio para posterior transcrição. Ademais, entregamos a
cada trabalhador um caderno de memórias, no qual ele registrava o conteúdo da conversa
ou outros aspectos, tais como fotos e outros recursos simbólicos que pudessem ajudá-lo
na expressão do seu fazer profissional. Essa estratégia facilitou não apenas nossa
condução das entrevistas como a posterior sistematização.
Procedimentos de análise
Após os encontros de cunho clínico-interventivo com cada trabalhador,
organizamos o corpus derivado das entrevistas clínicas, seja a partir do caderno de
memórias seja das transcrições das entrevistas, no formato de estudos de caso, em função
de três eixos: (1) história de vida e trabalho; (2) bases do coletivo (conforme seção
anterior); e (3) coletivos e produção de saúde. Sistematizamos os estudos de caso por
meio da análise clínica das entrevistas, arrolada notadamente na centralidade dos
coletivos na relação saúde↔trabalho. Em termos metodológicos, as informações que
apresentamos na sequência revelam os princípios gerais das técnicas de classificação e
categorização qualitativas que utilizamos (Turato, 2003), sendo as informações
98
categorizadas tanto pelo discurso verbalizado quanto pelos pressupostos teóricos de
análise do trabalho, com foco especial nos coletivos de trabalho.
Resultados e discussão
Estudo de caso 1
História de vida pelo trabalho e na profissão
Motorista, 25 anos de profissão, afastado do trabalho há um ano e três meses. Teve de se
afastar do trabalho após ser vítima de reincidentes assaltos e violência no seu “ambiente
de trabalho”: o ônibus. O “ser assaltado” funcionou como um fato disparador, tendo-o
mobilizado a tal ponto, que chegou mesmo a considerar medidas extremas (suicídio)
como forma de lidar com a dor de não poder realizar seu trabalho. No entanto, apresentava
sua história profissional com muito orgulho, sendo a profissão um desejo realizado, um
sonho alcançado na sua trajetória profissional.
Bases do coletivo de trabalho
Relações com o ofício. Um profissional reconhecido no desenvolvimento da função, e
também intensamente identificado com ela. Mencionou várias vezes que gostava e se
reconhecia como motorista, que era um “bom motorista” (“Os pais das crianças
confiavam em mim”; “Os idosos gostavam do meu cuidado”; “Eu dava cursos para os
motoristas novatos”). Preservava seu sentimento de pertencimento à profissão, aspecto
essencial ao julgamento da atividade (e.g., Clot, 2010a, 2010b), mesmo estando
dilacerado quanto aos seus afetos e pelas impossibilidades de continuar exercendo-a
devido a seu adoecimento.
Mobilizações afetivas. Após o “evento do assalto”, no qual o motorista prende o
assaltante, o que se passa é uma ausência de apoio e suporte da organização. O trabalhador
menciona como “(...) era doído escutar, primeiro: “Quanto levaram?”; e não: “Como você
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está?”. Essa postura é um traço de um coletivo frágil, pois o trabalhador é deixado sozinho
no processo de elaboração de um evento traumático, e generalizadamente banalizado.
Mesmo internamente, para o próprio trabalhador, esse coletivo parece não estar presente,
tamanha a sensação de desamparo e solidão. Ademais, os pares, neste caso, não
comparecem como elementos fiadores. Os afetos tristes que nascem dessa constatação de
solidão levam, paradoxalmente, à intoxicação da própria atividade, que, então, deixa de
cumprir seu papel de mobilizadora afetiva (e.g, Lhuilier, 2006). A “des-afetação” da
atividade bloqueia, como ato contínuo, a capacidade de ação – mesmo que, no contexto
do assalto, o motorista tenha se lançado em uma transgressão do que lhe é prescrito: de
fato, não cabe ao trabalhador lidar e conter atos de violência como o de um roubo.
Reconhecimento. Por ter uma relação estreita com o julgamento fundado nos critérios de
qualidade do fazer, quando o trabalhador faz a transgressão (prender o ladrão no ônibus),
estabelece-se um paradoxo: ao mesmo tempo em que exerce o zelo e a virilidade de que
essa atividade é revestida, não é compreendido pelo outro, pela organização – emergindo
um sentimento de impotência para lidar com a organização e os pares. Para ele, há um
não reconhecimento de um ato (controverso) que carrega as características do seu gênero
profissional.
Dialogicidade. A consequência de um coletivo frágil é a experiência do monologismo,
oposto à dialogicidade (Clot, 2010a). Isto ocorre porque, não tendo destinatários a quem
recorrer, o trabalhador se lança em uma espécie de murmúrio anônimo consigo mesmo.
Como nos disse o trabalhador: “Não temos mais momentos com todos juntos, falar sobre
o que está acontecendo; não nos preparam a como agir diante um assalto”. A emergência
dos sentidos sobre os acontecimentos no trabalho, mesmo o de casos como este, de
violência, ocorre justamente na dialogicidade, no circular de vozes (e.g, Brait, 1996) e dos
dilemas nessa contidos. Ao não serem ouvidas, ou ao serem “caladas”, ou ainda
100
direcionadas a pseudo-interlocutores (como, por vezes, ocorre com o sindicalismo
institucionalizado), não só ocorre o monologismo, como o trabalhador enfrenta uma
versão sua que é paralisante em termos do poder de ação.
Coletivo e produção de saúde
Os motoristas, não só este do caso (e.g., Assunção & Medeiros, 2015), estão submetidos
a uma organização de trabalho precária que os lançam em um estado de vulnerabilidade.
Realizar um trabalho benfeito é uma façanha a cada dia. A tentativa de manter a qualidade
do trabalho paradoxalmente coloca a saúde desses profissionais em risco. Como continuar
a dirigir após uma tentativa de assalto? Como retornar no outro dia para atividade de
trabalho, após ter de arcar com o prejuízo emocional e material de um assalto? É aqui que
a necessidade (vital e do ofício) de continuar trabalhando impõe-se com força, estando na
origem do dilema que é esse tipo de trabalho nas grandes metrópoles brasileiras.
Em síntese, se, por um lado, nosso entrevistado nos dá mostras de uma forte
identificação com a história da sua profissão, da sua utilidade social e do seu “gosto”, por
outro, há um descaso com as condições de desenvolvimento da atividade, seja no que
tange à própria execução do ato de dirigir (condições de trabalho precárias, insalubres e
vulneráveis), como também no que diz respeito à manutenção dos critérios de qualidade
do trabalho – que, neste caso, parece-nos ter sido sufocada pela maximização produtiva.
No contexto da atividade do motorista, a alteridade comparece na forma de representantes
vivos do ofício, incluindo, em primeiro nível, os pares, mas também a organização do
trabalho, os usuários, a sociedade mais amplamente.
101
Estudo de caso 2
História de vida pelo trabalho e na profissão
Assistente comercial (bancária), sete anos de profissão, afastada há, aproximadamente,
11 meses. Reconhece-se como bancária (no real de sua atividade), inclusive pela
similitude das atividades que desenvolvia, não obstante ser registrada como assistente
comercial. Inicialmente, apresentou problemas relacionados às Doenças Ostomusculares
Relacionadas ao Trabalho – DORTs (calcificação, tendinite e túnel do carpo), seguidos
de quadro depressivo relacionado ao trabalho. No seu relato, destacou o gosto pelo
trabalho no comércio/serviços.
Bases do coletivo de Trabalho
Relações com o ofício. Assumia uma atividade que se caracterizava como desvio de
função (tarefa real versus tarefa prescrita): desenvolvia tarefas relativas ao cargo de
bancária e de gerente, mas não as assumia legalmente. Era uma trabalhadora “exemplo
de resultados” (“Fazia bem – o trabalho, porque... assim..., na época eu mudei de agência,
eu consegui alavancar os números da outra agência, eu sempre fui muito bem falada,
muito elogiada por todos os gestores”). Seu sentimento de pertencer ao ofício de bancário,
contraditoriamente, a fragilizava, pois há aí um pseudocoletivo estabelecido; afinal, a qual
coletivo de trabalho pertencia?
Mobilizações afetivas. Tinha uma atitude cooperativa em relação a sua equipe de trabalho,
os ajudava com suas metas, se considerava colaborativa. Durante seu afastamento,
recebeu reclamações do seu gestor por ter buscado assistência no sindicato e no serviço
especializado em ST. Essa falta de apoio generalizada despotencializa a atividade, o “ser
boa no que faz” transforma-se em mobilização de medo e de desgaste mental (“não
consigo entrar dentro de uma agência porque eu me tremo todinha”). Há uma ruptura dos
102
laços de confiança que, nesse cenário de metas, é colocado à prova. Os pares são
impedidos de comparecer pela ameaça constante da perda do emprego.
Reconhecimento. Sofria humilhação em público por não “alcançar as metas” (“Você tá
passeando”, “Tá sem fazer nada”, “Tá olhando pro tempo, aí”, “Você tá vindo trabalhar
pra fazer o que?” – lembra-se da fala do seu gestor). Mesmo não sendo formalmente
bancária, reconhecia-se (sentimento de pertencimento) como tal, e seus superiores
exigiam que ela agisse de acordo com aquela função. Essa distorção produzia ganhos para
a organização, que, intencionalmente, estimula o trabalhador a realizar tarefas desse
pseudocoletivo, mas não o ampara frente às exigências do seu fazer, além de pôr em ação
uma dinâmica do reconhecimento que é fantasiosa, quando a estimulava a recorrer às
orientações genéricas da atividade de bancária.
Dialogicidade. O medo constante entre os pares, pelo formato precário de trabalho,
dificulta a presença de interlocutores na atividade. Há um discurso de trabalho em equipe
que estimula, contraditoriamente, a competição e a individualidade, atrelados às
exigências de orientações de um gênero profissional que inexiste formalmente, mas que
é necessário – não ser bancária formalmente, mas, para fazer seu trabalho benfeito, deve
recorrer ao gênero profissional de bancário. Esse sentimento de pertencimento não
reconhecido reflete-se de dois modos opostos: em um, tem-se o estímulo ao dialogismo
com os pares devido ao compartilhamento das regras, do gênero e da linguagem desse
ofício; no outro, tem-se um monologismo: ser bancária apenas para si mesma, no âmbito
interno, não ecoando nos demais âmbitos de desenvolvimento da sua atividade de
trabalho, podendo gerar falsos passos na ação (Clot, 2010a, 2013), principalmente no
âmbito do prescrito.
103
Coletivo e produção de saúde
A atividade bancária comporta, em si, muitos riscos – fato que o demonstra a farta
literatura a respeito (e.g., Marques & Giongo, 2016; Paparelli, 2011; Petarli, Salaroli,
Bissoli, & Zandonade, 2015). Não obstante, é uma atividade que, no imaginário social,
parece despertar interesse – em parte, por seu status social. Contudo, aqueles riscos, como
o de estar exposto a metas continuamente ambiciosas (Paparelli, 2011), têm minado a
base afetiva desses coletivos, a julgar, ao menos, pelo caso relatado. Há uma discrepância
entre o trabalho benfeito e seu reconhecimento. Adicionalmente, a dimensão ética desses
coletivos vem sendo, progressivamente, atacada, esgotando sua vitalidade. Na atividade
bancária no Brasil atual, parece que resta apenas aos sindicatos, com todas as dificuldades
e problemas envolvidos, agir como instância formal de regulação, ajudando a orientar
esse coletivo desmantelado.
Estudo de caso 3
História de vida pelo trabalho e na profissão
Vigilante, oito anos de profissão, afastado há, aproximadamente, um ano e dez meses. Foi
militar no início de sua carreira e, em seguida, ingressou no campo da segurança privada.
Mencionou ter vocação para essa área, que foi seu campo exclusivo de trabalho.
Apresentou sintomas psicopatológicos de perseguição e pânico diante de sua atividade de
trabalho, chegando a ter sonhos de perseguição e confrontos, com frequência, após
episódios de “apagões no trabalho”.
Bases do coletivo de trabalho
Relações com ofício. Conseguiu evoluções na carreira de vigilante, indo para o transporte
de valores, função que só foi possível depois de certo tempo (Vieira, Lima, & Lima,
2010). Considerava exercer muito bem a função. Em seu discurso, havia uma linguagem
104
usual e típica da categoria, com jargões e ações do gênero profissional do campo da
segurança – por exemplo: estar vigilante e atento o tempo todo, mesmo fora do ambiente
de trabalho. Sentia pertencer ao ofício de vigilante, e sentiu esse pertencimento ameaçado
quando começou a ter “apagões” (confundidos, incialmente, com labirintite) no seu
trabalho, evento esse que não poderia ser partilhado, pois colocava em risco sua atividade.
Sentiu-se inútil e pouco esperançoso para retornar à atividade quando percebeu que a
medicação afetava suas habilidades (agilidade, reflexo) – para ele, fundamentais ao seu
ofício.
Mobilizações afetivas. Tinha uma forte relação afetiva com a profissão (“Eu gosto, não;
eu amo!”). Teve sua confiança rompida a partir de um evento considerado por ele como
“injusto”: assinar uma advertência de suspensão por ter apresentado um atestado de
acompanhamento médico da esposa. Ele se negou a assinar e, desde então, essa ruptura
de confiança refletiu em sua potência de ação (Clot, 2010a, 2010b). O trabalhador
orgulhava-se por não ter falta no trabalho, sendo essa advertência uma incoerência, diante
de seu histórico de engajamento afetivo e subjetivo com a profissão.
Reconhecimento. Sentia-se frágil e considerava não ter mais a mesma habilidade que a
profissão exigia. Tinha noção de que a psicopatologia atingiu os critérios de qualidade do
seu trabalho. Sabia o que era ser um bom vigilante; sentia o ofício dentro de si (Clot,
2013) e, por isso mesmo, fazia julgamentos quanto às perdas de habilidades do seu fazer.
Nessa dinâmica de reconhecimento, relatou desvalorização por parte da organização
(“Não imaginaria nunca que uma empresa, ao invés de te dar um plano de saúde para
você procurar se tratar, te dava, ao invés, um auxílio funeral”).
Dialogicidade. O ofício de vigilante carrega heranças do gênero profissional do campo
da segurança. Talvez por isso, ainda seja um coletivo próprio em vias de solidificação.
Contém regras que levam os trabalhadores a sentir forte receio em questionar, incluindo
105
as próprias políticas organizacionais (“Muitas documentações a assinar, sem ter
conhecimento jurídico, de algum representante que pudesse orientar a gente do que era,
pra que seria, aí eles ‘não, tem que assinar e vocês não pode levar’”). Características do
gênero como discrição e obediência são utilizados rigidamente em um processo de
desproteção do trabalhador.
Coletivo e produção de saúde
As condições adversas de desenvolvimento da atividade (turnos, escalas de trabalho e
condições de alimentação e repouso desgastantes) têm levado a categoria a uma
segmentação, inclusive na organização sindical – não existe apenas um sindicato de
vigilantes na região pesquisada. Pode-se questionar se seria esse um caminho de proteção
ao coletivo (a segmentação em torno de interesses e visões de mundo específicos), ou se,
ao assim proceder, esses trabalhadores não estariam se afastando cada vez mais de um
trabalho coletivo e dialógico, base de saúde e desenvolvimento.
Considerações finais
Compreendermos as bases de funcionamento de um coletivo de trabalho nos
permite apreender os elementos que, quando em baixa ou alta potência, afetam o poder
de agir desse ofício. Também nos possibilita esboçar mais detalhadamente a relação dos
coletivos com a produção de saúde, a ponto de analisar o que acontece com um ofício
quando as bases que os compõem são postas em risco.
No que diz respeito a coletivo ser sinônimo de grupo, a resposta pode ser,
novamente, ambígua, pois, de um lado, embora o coletivo dependa de sua inscrição físico-
espacial (compartilhar um mesmo aqui e agora no trabalho, por exemplo); de outro, o
coletivo está no indivíduo, quer na forma de um interlocutor interno, um destinatário para
106
a atividade individual, quer na forma de um grupo internalizado, que se transmite na e
pela cultura do ofício, ou seu gênero profissional.
Nessa relação dos coletivos com a saúde, o coletivo, tanto o internalizado como o
organizado no aqui e agora, serve como um fiador, um orientador, um garantidor, por
assim dizer, da atividade individual. Tome-se, por exemplo, a questão de como os
trabalhadores conseguem elaborar ou formular sua visão sobre a qualidade de seu
trabalho. Essa qualidade depende mais do que da opinião individual acerca do fazer;
depende, sobretudo, de critérios de julgamento e valor, e de um projeto coletivo sobre
como desenvolver o gênero de uma atividade. Esse gênero não ocorre isoladamente, mas
no seio dos coletivos; por meio do sentimento de fazer algo para a posteridade, para a
memória desse mesmo ofício e gênero. Quer dizer, o coletivo, para além de colegas e
chefes, age como um terceiro referencial que baliza as ações e lhes dá um
encaminhamento no terreno da qualidade e no do sentido.
A saúde, como a doença, quando pensada contra o pano de fundo do trabalho, não
será, jamais, uma aventura solitária se partirmos do princípio de que a atividade é o que
a sustenta. Clot (2010a, 2010b) observa, nesse sentido, que atividade é saúde, é a ação de
produzir um contexto para viver. Na fragilização dos coletivos, seja no plano do
observável (o isolamento físico e funcional dos trabalhadores na organização, ou mesmo
sua submissão a um contexto de trabalho que prioriza o eu em detrimento do nós), como
no plano mental (o desinvestimento do indivíduo de suas próprias conexões intrínsecas
com seu interlocutor interno), resta ao sujeito a tarefa de cuidar de si, privadamente, de
um processo de adoecimento que não foi necessariamente gerado dentro de si, mas na
própria atividade, no próprio espaço público do coletivo.
Os casos apresentados sob a ótica de um modelo expandido de coletivos ilustram
a necessidade destes últimos serem cuidados, fomentados, mesmo nos casos individuais
107
que poderiam, à primeira vista, sugerir solidão e abandono. Mesmo ali, nos conflitos
internos, esse coletivo é colocado à prova. Contudo, se esse conflito não transcender a
órbita individual, fatalmente haverá o risco, como parece nos casos analisados, de a
dialogicidade ceder lugar ao monologismo, ao sofrimento sem destinatário. O coletivo
como operador de saúde é justamente a instância que articula a saúde individual à ideia
de saúde como potência de ação em um cenário coletivo, como é, intrinsecamente, o
cenário do trabalho.
Na falência ou fragilidade dos coletivos, resta ao trabalhador a responsabilidade
de cuidar de um adoecimento cuja origem pode não estar apenas dentro de si, mas dentro
da atividade, no espaço do coletivo. Como observou Clot (2010a), uma amostra da
fragilidade dos coletivos é a tendência de o trabalhador adoecer pelo social (no contexto
do trabalho) e curar-se pelo individual, no leito solitário da clínica, ou, infelizmente, no
isolamento das instituições que, supostamente, deveriam ampará-lo.
Além de ter de cuidar e de tratar a si próprio fora do contexto vital que esvaziou
suas energias e potência, o trabalhador também fica desamparado quanto aos critérios de
valor de seu próprio fazer. Como vimos anteriormente, além de fator de saúde, ao oferecer
o prumo sobre a qualidade do trabalho, os coletivos agem também como fatores de
desenvolvimento da ação. Portanto, o cuidado dispensado aos coletivos ajudará a evitar
um atrofiamento do ofício dele próprio, evitando que ele e seus coletivos percam a mão
sobre o quê, como e com quem fazer.
108
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110
Considerações gerais
Ao retomarmos o ponto de partida desta pesquisa – como os coletivos de trabalho
comparecem como dispositivo de saúde, caminho que nos permitiu a realização de uma
análise do trabalho sobre a ótica dos ofícios –, enfatizamos um posicionamento no campo
das relações saúde-trabalho que não se limita a um viés individualizante das
psicopatologias relacionadas ao trabalho. Percebemos que o trabalhador adoecido passa
por um processo intenso e insensível de desgaste mental (e.g. Seligmann-Silva, 2011,
2015), seja relacionado aos próprios sintomas que a patologia carrega, seja ao descrédito
dado a esta por parte das instâncias reguladoras do seu fazer.
Ao falarmos de coletivos como dispositivo, destacamos que essa ideia foi
transversal durante todo o processo de análise dos elementos discursivos dos
trabalhadores nesta pesquisa-intervenção – retomando o conceito exposto por Agambem
(2005), como algo capaz de orientar, controlar e assegurar os gestos, as condutas e os
discursos dos indivíduos. Destacamos, para este estudo, o assegurar gestos como
característica essencial dos coletivos de trabalho: estes asseguram os gestos dos
trabalhadores de um ofício, sendo essa função de dispositivo contemplada na medida em
que asseguram/dão o tom da ação do ofício, e essa qualidade protege o ofício de “atos
inseguros”, que, por vezes, podem colocar em risco a saúde. Eis que, quando o coletivo
se torna um “muro de proteção” dos ofícios, está exercendo seu papel de operador de
saúde destes.
As formas contemporâneas de gerenciamento (enxugamento dos quadros,
intensificação dos processos de terceirização, flexibilização e precarização das relações
de trabalho) colocam os trabalhadores como vítimas daquilo que Clot (2006) chama de
“amputação de sua história coletiva”. Os coletivos estão se desfazendo e não estão sendo
111
recompostos, o que representa um risco considerável, visto que, dentre suas funções, há
aquela de auxiliar os indivíduos na tomada de decisões.
No primeiro artigo desta tese, analisamos o processo saúde-doença em diferentes
ofícios, sob a ótica das clínicas do trabalho. Para isso, desenvolvemos a análise do
trabalho por meio de três dispositivos, construídos na relação pesquisador-trabalhadores.
Eles se apresentaram como sinalizadores do percurso metodológico adotado na pesquisa,
exercendo o papel de orientadores dos modos de intervenção criados na pesquisa-
intervenção. O primeiro dispositivo foi a sala de espera, que se concretizou em um grupo
provisório acidental para partilhar experiências sobre saúde, sofrimento e trabalho. O
segundo dispositivo (representado pela entrevista sobre a biografia do trabalhador) focou
na subjetividade, apresentando aspectos da relação desses trabalhadores com sua
atividade. Por fim, o terceiro dispositivo (entrevistas clínicas) destacou a relação do
sujeito com a atividade de modo mais profundo, elucidando o esvaziamento e o
adoecimento da atividade de trabalho.
Nesta análise, destacamos alguns aspectos dessa tríade trabalho-
saúde/adoecimento-coletivos. Por meio desses dispositivos, exploramos a intimidade
entre o dizer e o fazer do trabalhador, que, para as clínicas do trabalho, pudesse conter a
análise processual do vivido por meio da transmissibilidade de uma experiência
anunciada pelos trabalhadores (Amador, Rocha, Brito, & Barros, 2016). A
transmissibilidade em dizer o trabalho é tensionar-se nele; dizer não é representar um
vivido inerte (Amador et al., 2016). A experiência com a atividade de trabalho foi ali
posta. A figura do adoecimento, presente nas falas iniciadas pelo desgaste mental “da
prova” de estar ou não adoecido pelo trabalho, colocava em risco aspectos da saúde
psíquica, que afetam diretamente o desenvolvimento da atividade de trabalho. Esta
atividade aparecia pela via da inatividade, impedida pela recriação, dados os empecilhos
112
dos recursos subjetivos mobilizados para criar novos modos de desenvolver a atividade
em um processo de fazer que era nitidamente vulnerável a um ofício sadio.
O que seria um ofício sadio? Um ofício que reluta em manter sua qualidade de
trabalho está processualmente tentando manter-se vivo, e essa manutenção, como
podemos perceber no dizer sobre o trabalho dos nossos trabalhadores, envolvia esse
cuidado e o gosto pelo fazer, característica que se alinha à manutenção da saúde. Para
Canguilhem (2009), dispor de saúde é desenvolver a potência de ação sobre o mundo,
como capacidade normativa de inventar novas normas que questionem o que está posto,
principalmente diante do contexto de constante negação de suas singularidades,
necessidades e potencialidades no qual o trabalhador se insere, o que homogeneiza,
vulnerabiliza e exclui grande parcela da população do trabalho como meio de realização
e reconhecimento.
Nos trabalhadores destacados – notadamente no terceiro artigo deste escrito, quais
sejam, motorista, bancário e vigilante –, o adoecimento não os fazia “perder à mão” sobre
o trabalho; era justamente essa tentativa de fazer o trabalho com qualidade que os fazia
adoecer. Assim, nestes casos, a doença era uma reposta saudável para o ofício, ela
aparecia como uma forma protetiva para manutenção do benfazer, sendo o coletivo um
meio de reafirmar essa condição.
Na conjuntura atual de precarização e flexibilização das relações de trabalho,
retirar do trabalhador a autonomia de responder pelo seu trabalho – uma condição sine
qua non para a qualidade do fazer – não se conjuga apenas como um modo de violentá-
lo, mas de violentar também o próprio trabalho. Os diversos modos de violentar o
trabalhador foram postos; assim, o assédio apresentou-se como pano de fundo
desencadeador dos diversos sofrimentos/patologias relacionadas ao trabalho. Um assédio
que assedia (moralmente) não somente esse trabalhador, mas, necessariamente, seu ofício
113
(ofício assediado). Nesse caso, os coletivos de trabalho aparecerem como um dispositivo
central de enfrentamento, sinalizando, mais uma vez, a necessidade do cuidado com os
ofícios tanto quanto o cuidado ofertado ao trabalhador.
Retomamos a uma questão posta na introdução desta tese: “Qual seria a função
exercida pelos coletivos de trabalho no processo saúde-doença, em trabalhadores
adoecidos em virtude do trabalho?”. Replicamos com outro questionamento: “Como, nas
contradições atuais do mundo do trabalho, os coletivos podem manter sua função de
ativação/protetiva da saúde do(s) trabalhador(es)?”. Aqui, sinalizamos alguns pontos: o
primeiro desses diz respeito à dimensão política de articulação dos coletivos como um
meio de enfrentamento, que constantemente vem sendo fragilizada nessas condições,
logo, a revitalização dessa dimensão seria um caminho. O segundo diz respeito ao
enraizamento sobre o fazer, a capacidade de não perder a noção dos critérios de qualidade
do ofício; aqui, os coletivos de trabalho são uma espécie de “guardiões dos segredos dos
métiers”; recorremos a eles/Outros (não em uma instância concreta) sobre o que tem de
ser feito (eles nos ajudam na tomada de decisão), o que não se pode deixar de fazer (...)
para ser um bom motorista, bancário, vigilante (...), e ser reconhecido como tal.
Destacamos, aqui, esse papel dialógico, processual, imbricado no funcionamento
dos coletivos de trabalho. O trabalhador reconhece no coletivo os modos de fazer, e por
ele se faz trabalhador de um ofício. Nessa relação constitutiva Eu-Outro, acontece o
conhecimento do eu e do outro, porém, o autoconhecimento (ser um bom motorista por
exemplo) implica, primeiramente, o reconhecimento do outro (nos demais trabalhadores
motoristas, nas regras do ofício, na história partilhada), isto é, temos consciência de nós
porque temos dos demais, porque nós somos para nós o mesmo que os demais são para
nós. Reconhecemo-nos quando somos outros para nós mesmos; então, o reconhecimento
do outro leva ao conhecimento do eu. Vigotski (1991) considera que no sujeito ocorre o
114
desdobramento do mim e do eu, essa duplicidade proporciona o contato consigo. O eu
não é sujeito, é constituído sujeito na relação Eu-outro (Brito & Zanella, 2017).
Sobre o segundo questionamento que lançamos na tese – “Como os elementos
constitutivos dos coletivos de trabalho se articulam como bases de manutenção e evolução
destes coletivos, e, por conseguinte, para produção de um ofício sadio?” –, apontamos a
necessidade de compreender a dinâmica de funcionamento dos coletivos de trabalho sob
as perspectivas das Clínicas do Trabalho. Mesmo considerando suas divergências
teóricas, propusemos uma análise de suas convergências quanto à característica notória
dos coletivos atuarem como algo que transita entre o individual (no trabalhador) e o
coletivo (na história profissional). Portanto, para as Clínicas do Trabalho, os coletivos
atuam como o transportador (não visível, mas real) dos meios de realização de um
trabalho benfeito (sendo esta a instância notadamente especializada para tal fim). Desse
modo, o ofício fia (aposta/confia) no coletivo como uma garantia de seu funcionamento
e manutenção, e espera que esse honre a confiança a ele dada. No entanto, podemos
realizar outra reflexão: o que está em risco nessa relação de fiadores (ofício ↔ coletivos)?
O papel que os coletivos de trabalho vêm conseguindo desenvolver aponta a existência
de manobras, por vezes sutis e de pouca visibilidade, do cenário laboral que os impedem
de engendrar seu funcionamento. Em alguns momentos, há uma atuação
institucionalizada, ou formalmente obrigada a agir, aspecto que empobrece e
descaracteriza sua dimensão psicológica de atuação; em outros, há a formação de
pseudocoletivos, na tentativa de justificar para o trabalhador a existência de uma instância
grupal, que os mobiliza e une, mas que, ao mesmo tempo, estimula aspectos
contraditórios/incoerentes com a sua própria constituição (individualidade,
competitividade, falta de autonomia diante seu fazer, dentre outros).
115
Assim, o papel dos coletivos de trabalho no processo saúde-doença nos faz
apontar que a legitimação da doença como algo do indivíduo vem corroborando para um
afastamento distal da ação do coletivo. Há uma necessidade premente de o trabalhador
sair de si, da redoma/ostracismo diante de seu sofrimento – que é legítimo – para ocupar
um papel nesse transporte, e não ser um excesso, um peso a ser eliminado. Não podemos
agir em uma reciprocidade de urgência, apenas quando o caos já está instaurado nos
modos de desenvolver a atividade de trabalho.
O coletivo, nos termos de Clot (2006, 2010a, 2010b), deve funcionar como um
“muro de proteção”. Para nós, uma espécie de carro-forte transportador e
protetor/guardião, ao mesmo tempo, dos valores do ofício, carregando sua história, sua
estética e seus meios orientativos de ação, e, por conseguinte, da qualidade de um trabalho
benfeito. Então, precisamos questionar o funcionamento desses coletivos. A energia de
vida dos coletivos precisa ser revitalizada, reoxigenada por meio da ativação da potência
de agir dos elementos que o constituem (aqui representados pelas relações com o ofício,
as mobilizações afetivas, o reconhecimento e a dialogicidade). Precisamos olhar para a
dinâmica interna de funcionamento desses coletivos, para, então, sair de si e identificar
os impedimentos postos em sua amplitude de ação, ampliar o poder de agir dos coletivos
de trabalho.
Destacamos o papel dos afetos, assinalado por Clot (2010a), nessa dimensão da
relação trabalho-saúde. Lamentavelmente, neste estudo, não nos foi possível uma análise
aprofundada da temática; assim, citamos, de modo transversal, sua relação ao fenômeno
foco de análise, os coletivos de trabalho. A intenção não foi secundarizar o tema,
afirmamos este limite de aprofundamento teórico diante da temática, apontando a
necessidade de desenvolvimento de pesquisas que se proponham a analisar com mais
robustez o papel dos afetos no desenvolvimento e impedimento da atividade de trabalho.
116
Aqueles estudos nos possibilitarão repensar sobre o que fazer quando a atividade está
esvaziada e/ou desafetada.
São múltiplos os caminhos teóricos traçados pelas Clínicas do Trabalho, que,
mesmo com as divergências advindas de tradições filosóficas distintas, possuem uma
similitude de propósitos quanto à análise da relação trabalho-saúde. Neste estudo, ao
enfatizamos a dimensão coletiva do trabalho, estamos elegendo a centralidade ocupada
por esses no rol dessas clínicas. Optamos por uma lente de análise do fenômeno que nos
apontasse caminhos para a restauração da saúde dos ofícios. O ofício sadio nos remete
àquilo que é favorável à produção de saúde. Assim, defendemos que, ao recorrer ao
coletivo de trabalho, como gênero profissional – que nos leva às orientações genéricas do
nosso fazer no trabalho –, insurgem caminhos de luta diante da formação de coletivos
falaciosos (pseudocoletivos), tão estimulados hoje no cenário laboral, pela sua facilidade
de dissolução.
No segundo artigo, ao adensarmos o olhar das Clínicas do Trabalho quanto as
apropriações conceituais do constructo coletivos de trabalho, destacamos a necessidade
de reaver a dimensão coletiva do trabalho, desafio posto para as atuais condições do
mundo do trabalho. Mais uma vez, apontamos como caminho a retomada do papel do
ofício como fiador dos coletivos. O fiador funciona como um ente que concede garantias
do cumprimento de um contrato, apostando nos coletivos como uma instância de
zelo/qualidade para realização do trabalho benfeito. No entanto, se não há esse fiador,
restam as incertezas sobre os critérios de um trabalho benfeito, e o que vemos é o
trabalhador ingressando em um dilema sobre que critérios (estéticos, práticos, políticos,
etc.) para realizar seu trabalho. Nesse caso, restar-lhe-á a via do reconhecimento
interpessoal. Sem a recuperação da função mediadora dos coletivos no ofício e seu
gênero, veremos não só a manutenção do sofrimento no trabalho (solitário), mas a
117
liquidez dos critérios sobre o que significa trabalhar, seus propósitos, direção e estética
(trabalho benfeito).
Podemos nos questionar: o que acontece com um ofício quando as bases que os
compõem são postas em risco? A fragilização dos coletivos se configura em um risco de
alta potência ao ofício (os coletivos em risco fragilizam a função maior de
proteção/guardião do ofício). Assim, mais uma vez, retornamos à questão de como os
trabalhadores concebem a qualidade de seu trabalho, para apontarmos um dos caminhos
defendidos ao longo desta tese: a qualidade do trabalho (não nos termos da filosofia
administrativa da qualidade total) é, certamente, um indicador de que o coletivo pode ser
acionado para seu papel de ativação da saúde. Desse modo, essa qualidade depende mais
do que da opinião individual do fazer; depende de um projeto coletivo sobre como
desenvolver o gênero de uma atividade, um coletivo, para além de colegas e superiores,
mas uma entidade que age como um terceiro referencial que baliza as ações e lhes dá um
encaminhamento no terreno da qualidade e do sentido do trabalho.
Logo, a fragilização dos coletivos nesse cenário, seja no plano do concreto seja no
do imaterial, reafirma no sujeito a tarefa de cuidar de si (de modo isolado), de um processo
de adoecimento que não foi necessariamente gerado dentro de si, mas na própria
atividade. Para a o coletivo, operar saúde é justamente a instância que articula a saúde
individual à ideia de saúde como potência de ação em um cenário coletivo, como é,
intrinsecamente, o cenário do trabalho. Além de ter de cuidar e de tratar a si próprio, o
trabalhador fica largado diante de critérios de valor de seu próprio fazer. Os coletivos
também agem como orientadores do desenvolvimento da ação. Portanto, o cuidado
dispensado aos coletivos evitará um atrofiamento do ofício e dele próprio, evitando que
ele e seus coletivos percam-se nos critérios exigidos pelas organizações de trabalho, que
podem estar em dissonância com a manutenção do ofício.
118
No primeiro artigo, fizemos uso da terminologia coletivos provisórios, utilizada
para expressar a dimensão coletiva grupal de acolhida e troca afetiva que o espaço
interventivo da sala de espera poderia exercer, não tendo sido nosso propósito estimular
uma característica de transitoriedade, que, para nós, é passível de mudanças, transições,
mas que sempre se reporta a um “núcleo duro” (Lakatos, 1974) para continuar a ser o
transportador de confiança do ofício. Nossa ideia não foi estimular um processo
transitório de formação de coletivos de trabalho, mas sim a troca coletiva em que o
trabalhador pode reviver sua experiência em momentos coletivos (grupais) de vários
coletivos de trabalho, funcionando como um coletivo de apoio.
Também destacamos a necessidade real de incorporar as questões de saúde,
principalmente as relacionadas à saúde mental e trabalho, nas discussões e nas pautas das
lutas sindicais – sendo estes os coletivos organizados e instituídos, cuja missão é realizar
esse tipo de mediação. Ademais, é importante priorizarmos uma discussão que verse
sobre a saúde e a raiz dos ofícios, o que, inevitavelmente, traz implicações na escolha de
perspectivas e métodos que usem a análise do trabalho como caminho interventivo das
práticas do campo da ST, com a adoção de dispositivos metodológicos que estimulem a
análise do trabalho como prática operativa de saúde.
Essa postura não significa desconsiderar o sofrimento individual do trabalhador,
que, afastado de sua atividade de trabalho, enfrenta as problemáticas do isolamento e de
uma luta solitária e impotente para dar voz e veracidade ao seu adoecimento. A disposição
para dar voz e vida ao trabalho é um meio de proporcionarmos ao trabalhador reviver sua
experiência, reelaborar e renovar o desenvolvimento do ofício, e, por conseguinte,
contribuirmos para a restauração de sua saúde, quando efetivamente ocorre a mobilização
dos recursos do gênero profissional (nível transpessoal do ofício). A busca pela
manutenção de um ofício sadio apresenta-se, portanto, como uma estratégia de
119
promoção↔recuperação no campo da ST, pois suas renormalizações e recriações podem
permitir transformações nos processos de trabalho em si, afetando o desenrolar da
atividade desse trabalhador. A ótica transversal do ofício ao longo da pesquisa e dos
artigos que produzimos nos fez assinalar e reafirmar o uso de metodologias que façam do
ato da fala uma atividade em si, de transformação para compreensão – nos termos de Clot
(2006). Ademais, o espaço para falar da atividade diante de sua condição de adoecimento
não favoreceu o uso de técnicas usuais de análise da atividade de trabalho – inicialmente,
pensamos em usar a técnica de instrução ao sósia, por exemplo, mas, ao longo do processo
da pesquisa, por ser uma do tipo pesquisa-intervenção, percebemos as dificuldades no uso
de algumas técnicas. Dentre essas, destacamos o cuidado quanto ao modo como
desenvolveríamos as entrevistas clínicas, notadamente no uso do caderno de memórias,
que adotamos como ferramenta de mediação desses encontros, e se apresentou como um
bom caminho para retomada/continuidade de cada encontro.
Como o trabalhador podia levar o caderno consigo, o instrumental permitiu um
acompanhamento para além do espaço agendado/programado dos encontros. O
trabalhador poderia, ao logo da semana, recorrer ao caderno para registrar suas sensações,
sejam a partir da pergunta/questionamento que deixávamos ao final de cada encontro,
relacionada ao que foi dialogado no dia (por exemplo, “Como percebeu que não estava
fazendo seu trabalho como gostaria de fazê-lo? O que mudou na atividade? O que não faz
mais como antes?”), sejam em forma de registro livre (desenhos, frases ou imagens) de
outras sensações diante da relação trabalho-saúde/doença (por exemplo, idas à perícia,
sonhos com algo relacionado ao trabalho, idas ao trabalho, encontros com colegas, dentre
outros). Deste modo, retomávamos cada encontro a partir de como havia sido a semana
do trabalhador, o que tinha sido armazenado no caderno, o que tinha “vindo em sua
memória naqueles dias”, diante da questão disparadora lançada no encontro anterior. A
120
abertura para o trabalhador usar qualquer tipo de registro, não se limitando à linguagem
escrita, foi importante para contemplar a diversidade (escolaridade, facilidade com leitura
e escrita) dos trabalhadores que estavam conosco.
Ao logo do desenvolvimento dos nossos encontros com os trabalhadores,
necessitamos realinhar as técnicas que focassem na atividade, mas também que
acolhessem a demanda premente diante do trabalhador falar e reelaborar o seu
adoecimento – o que pode ser apontado como um limite deste estudo, pois a tentativa
inicial de manter um purismo teórico-metodológico de uma abordagem das clínicas,
inicialmente a Clínica da Atividade, foi impedida pelas necessidades reais que os
trabalhadores apresentavam naquele espaço de reviver a experiência do trabalho frente à
sua doença. Então, fizemos com que o movimento de “transmissibilidade em dizer o
trabalho” (Amador et al., 2016) contemplasse a representação de um vivido, imbuído
notadamente dos sofrimentos advindos do adoecimento relacionado ao trabalho.
Tentamos respeitar essa condição do trabalhador, ao mesmo tempo em que fizemos um
ir-vir para a sua atividade de trabalho, o seu fazer, o modo como esse fazer foi afetado
pela condição de sofrimento posta.
Outro limite do nosso estudo foi trabalhar com diferentes profissões, não sendo
possível uma análise aprofundada em uma categoria de trabalho específica.
Sintomaticamente, algumas delas se destacaram, como os motoristas de ônibus e
bancários; um pelo cenário avassalador de precarização laboral atual (dupla-função),
outro, pela tradição histórica de adoecimento da categoria. Se a tentativa do grupo
terapêutico tivesse avançado para além da sala de espera, seria provável ampliarmos as
intervenções quanto às questões de mobilizações coletivas mais consistentes e articuladas
ao campo da ST.
121
Uma dificuldade típica da ST é a adesão às atividades mais prolongadas, como a
etapa das entrevistas clínicas, que levaram em torno de três meses. Dos trabalhadores que
aderiram às entrevistas, apenas um desistiu, aspecto essencial para termos avançado na
pesquisa. Nesse momento, a atividade de trabalho pode emergir, bem como sugerir seu
papel clínico, de caráter terapêutico, característica primordialmente respeitada e
extremamente contributiva para adesão dos trabalhadores a essa etapa da pesquisa.
O comparecimento das relações com os coletivos de trabalho por meio das
memórias da sua profissão, isto é, da dimensão transpessoal do ofício, foi, muitas vezes,
motivo de orgulho para o trabalhador, sendo esse movimento contributivo para
consciência do ser trabalhador, do seu reconhecimento em uma atividade útil, com
sentidos e significados partilhados socialmente, mas impedido por uma gestão das
condições de trabalho que não reconhece e/ou amputa essa história do gênero profissional.
Logo, uma luta solitária desse coletivo no indivíduo aparece como uma memória de como
não se perder na ação, sendo preciso uma retomada do trabalho coletivo frente às
problemáticas atuais desses cenários, para que a dimensão do coletivo no coletivo possa
ser posta em exercício.
Ao final, analogamente, se pensarmos em uma atividade de trabalho para os
coletivos, é preciso um movimento de reciprocidade, em que o trabalhador precisaria ir
para ele (coletivo), e usufruir da sua característica de proteção à sua saúde (co-
construção). O risco é o trabalhador se perder nesse caminho. Para isso, ele precisa ter
clareza do seu benfazer, dos meios que tem para realizar um trabalho benfeito, e esse
aspecto funcionar como um mapa/localizador das rotas que ele deve seguir para
restabelecer sua saúde; e, mais do que isso, de como criar modos de transformar sua
atividade de trabalho, ao ponto de renormalizá-la, de sentir-se ativo, de saber que é
122
detentor de um poder de ação, e não apenas um objeto a ser conduzido pelos receios e
angústias que a atual gestão da organização do trabalho pode suscitar.
123
Referências
Agambem, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-16.
Amador, F. S., Rocha, C. T. M., Brito, J. M., & Barros, M. E. B. (2016). A narrativa como
dispositivo metodológico em Clínicas do Trabalho. In 5o Congresso Ibero-Americano
em Investigação Qualitativa (Org.), Atas CIAIQ2016 (v. 2, pp. 420-428). Recuperado
de http://proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2016/article/view/779/766
Brito, R. V. A., & Zanella, A. V. (2017). Formação ética, estética e política em oficinas
com jovens: tensões, transgressões inquietações na pesquisa-intervenção. Bakhtiniana,
12(1), 42-64. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/2176-457326093
Clot, Y. (2006). A função psicológica do trabalho. Petrópolis: Vozes.
Clot, Y. (2010a). Trabalho e poder de agir. Belo Horizonte: Fabrefactum.
Clot, Y. (2010b). Le travail à coeur. Paris: La Découverte.
Lakatos, I. (1974). Criticism and the growth of knowledge. Cambridge: Cambridge
University Press.
Seligmann-Silva, E. (2011). Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si
mesmo. São Paulo: UFRJ/Cortez.
Seligmann-Silva, E. (2015). Desemprego e desgaste mental: desafio às políticas públicas
e aos sindicatos. Revistas Ciências do Trabalho, 4, 89-109.
Vigotski, L. S. (1991). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes.
125
APÊNDICE A
Roteiro de entrevista individual semiestruturado
Roteiro para entrevista individual com o trabalhador adoecido – Analisar como os
condicionantes do processo de trabalho e as condições de desenvolvimento da atividade
influenciam o processo saúde-doença. Aqui, começa a tentativa de compreender o
cotidiano dos trabalhadores por meio do acesso à sua história de vida pelo e no trabalho.
Profissão:
Idade:
Escolaridade:
Renda:
Estado civil:
Filhos:
Tempo na Profissão:
Tipo de organização que trabalha:
1. História profissional
2. Relações atuais com o trabalho – jornada, tipo de atividade, vínculo contratual,
exigências físicas e psíquicas do trabalho
3. Atividades que desenvolve no trabalho
4. Início do processo de adoecimento
5. Estratégia(s) de enfretamento frente ao adoecimento
6. Como relaciona seu adoecimento com seu processo de trabalho?
7. Suporte recebido pela organização, pelos colegas de trabalho, pela família e
pelos amigos durante o período de adoecimento
126
8. Relação com o sindicato – como é o papel do sindicato diante dos trabalhadores
adoecidos?
9. Receio/angústia frente ao adoecimento
10. Percebe se os demais colegas de trabalho estão adoecendo? Do quê?
127
APÊNDICE B
História de vida pelo trabalho
Primeiro contexto/momento – Relações com a atividade de trabalho
Relação com o
trabalho
Ingresso no mundo do trabalho?
Como chegou à profissão atual?
Sentimento de
pertença à
atividade que
desenvolve
Noção de
trabalho
benfeito
Como se sente desenvolvendo a
profissão?
Considera que desenvolve bem a
atividade?
Rotina de
trabalho
(jornada, turnos,
atribuições)
Como avalia a rotina de trabalho?
Impedimentos
da atividade de
trabalho
O que gosta de fazer e faz?
O que faz, mas não gosta?
O que não gosta de fazer, mas faz?
O que não gosta de fazer, e não faz de
modo algum?
Reconhecimento Relação de reconhecimento da função
social do trabalho pelos pares – como a
128
família, os amigos, o social atribuem
importância ao seu trabalho?
Segundo contexto/momento – A vivência do adoecimento
O processo de
adoecimento
Como percebeu o adoecimento?
Relação do
adoecimento
com o trabalho
Como percebeu que o adoecimento tinha
relação com o trabalho?
Agir frente ao
adoecimento
Como agiu quando percebeu seu
adoecimento? Quem buscou?
E como está reagindo hoje?
Se pudesse mudar algo do trabalho, o que
mudaria?
Redes de apoio
diante do
adoecimento
Como foi o apoio, o papel da organização,
dos colegas, da família, dos sindicatos,
dos serviços de saúde diante do
adoecimento?
Terceiro contexto/momento – Relação com os coletivos de trabalho
Relações de
confiança e
cooperação
Considera que existe confiança entre seus
colegas de profissão e trabalho? Em que
momentos, por exemplo?
Em que momentos considera que existe
cooperação entre seus colegas de
profissão?
129
Engajamento
afetivo e
subjetivo
Considera que seus colegas de profissão,
de modo geral, gostam do seu trabalho, se
envolvem, se comprometem?
Constância nos
contatos entre os
trabalhadores
Como é o contato com seus colegas de
profissão no dia a dia de trabalho? –
finalidade.
Espaços de
debate sobre o
trabalho
Existem momentos de diálogo/conversa
entre seus colegas de profissão sobre o
trabalho? Com que frequência?
Geralmente, quando ocorre?
Suporte do
coletivo de
trabalho
Em que momentos considera que seus
colegas de profissão dão apoio um ao
outro?
Relação com
a(s) entidade(s)
de representação
coletiva –
sindicatos,
associações,
conselhos
Como é a sua relação com essas entidades
de representação coletiva?
130
APÊNDICE C
Caderno de memórias
Primeiro momento – Situação atual: o adoecimento na sua vida
Presente Como estou hoje?
Passado Como me via antes?
Futuro Como me vejo no futuro?
Segundo momento – Adoecimento e sua relação com o trabalho
O trabalho e
o processo
de
adoecimento
Como estou hoje com o meu trabalho?
O que considero que no meu trabalho me
faz sentir bem e com saúde?
O que considero que no meu trabalho me
faz sentir mal?
O que considero que no meu trabalho
leva ao adoecimento?
Como deveria ser meu trabalho para que
ele pudesse produzir saúde?
Agir frente
ao
adoecimento
O que mudou na minha vida depois que
adoeci?
Como estou enfrentando minha situação
atual de vida?
Redes de
apoio
Quem e como foi o apoio dado nessa
situação atual?
Terceiro contexto/momento – Papel dos coletivos de trabalho
131
Concepção
de coletivos
de trabalho
Quando penso em coletivos de trabalho,
a que me remete?
Relações de
confiança e
cooperação
Escolha um momento/situação em que
sentiu confiança e cooperação do seu
coletivo de trabalho. Como foi?
Engajamento
afetivo e
subjetivo
Escolha um momento/situação em que
seu coletivo de trabalho demonstrou
envolvimento com o trabalho. Como foi?
Escolha um momento em que seu
coletivo de trabalho não teve
envolvimento com o trabalho. Como foi?
Agir do
coletivo de
trabalho
Escolha um momento em que seu
coletivo de trabalho demonstrou
sucesso/êxito no trabalho. Como foi?
Escolha um momento em que seu
coletivo de trabalho não teve êxito no
trabalho. Como foi?
Espaços de
debate sobre
o trabalho
Em momentos de conflito, como o meu
coletivo de trabalho tem reagido? Como
foi?
Suporte do
coletivo de
trabalho
Como meu coletivo de trabalho me
ajudou nesse momento de adoecimento?