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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SHEINE SANTOS DO NASCIMENTO O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA EDUCAÇÃO: ampliação do espaço ocupacional e precarização na assistência estudantil NATAL/RN 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

SHEINE SANTOS DO NASCIMENTO

O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA EDUCAÇÃO: ampliação do espaço

ocupacional e precarização na assistência estudantil

NATAL/RN

2018

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SHEINE SANTOS DO NASCIMENTO

O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA EDUCAÇÃO: ampliação do espaço

ocupacional e precarização na assistência estudantil

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Linha de Pesquisa: Serviço Social, Trabalho e Questão Social

Orientadora: Profa. Dra. Maria Célia Correia Nicolau

NATAL/RN

2018

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Nascimento, Sheine Santos do.

O trabalho do assistente social na educação: ampliação do

espaço ocupacional e precarização na assistência estudantil / Sheine Santos do Nascimento. - 2018.

115f.: il.

Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais

Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Natal, RN, 2018.

Orientador: Maria Célia Correia Nicolau.

1. Serviço Social - Dissertação. 2. Educação - Dissertação.

3. Ampliação do espaço ocupacional - Dissertação. 4.

Transformações societárias - Dissertação. 5. Precarização do

trabalho - Dissertação. I. Nicolau, Maria Célia Correia. II.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 364:37

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355

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SHEINE SANTOS DO NASCIMENTO

O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA EDUCAÇÃO: ampliação do espaço

ocupacional e precarização na assistência estudantil

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Aprovada em 31/07/2018

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Profa. Dra. Maria Célia Correia Nicolau (UFRN)

Orientadora

________________________________________________ Profa. Dra. Eliana Costa Guerra (UFRN)

Membro Titular Interno

________________________________________________

Profa. Dra. Erlenia Sobral do Vale (UECE) Membro Titular Externo

________________________________________________ Profa. Dra. Ilka de Lima Souza (UFRN)

Membro Suplente

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Para os meus pais (João e Célia), pela

força e coragem, por nos apontarem

sempre o melhor caminho: o

conhecimento.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é o ato de reconhecer que sozinhos não seríamos capazes de

grandes coisas, nem mesmo das pequenas. É ter a alegria de perceber que o

caminho foi trilhado de forma coletiva, em companhia de mãos sem as quais seria

difícil (e até impossível) percorrê-lo.

Agradeço aos meus pais, João e Célia, pela força e coragem, pelos

ensinamentos diários, pela compreensão, amor e cuidado. Por terem me ensinado

tudo, inclusive a buscar aquilo que desejo. Por sonharem por mim e comigo e por

realizarem sempre ao meu lado. A vocês o meu amor, admiração e gratidão por tudo

o que são e representam em minha vida!

Aos meus irmãos e irmãs, pelas ausências compreendidas, pelas orações e

preces realizadas, pela torcida e companhia, que não me deixaram esquecer que,

para além dos dias difíceis, a luz continuaria a brilhar. A você, meu irmão, que

acredito interceder por nós junto a Deus.

Aos meus sobrinhos, pela presença doce, por me trazerem leveza e sorrisos

em todos os momentos.

Ao meu namorado, Diogo, presença constante, força que impulsiona, por

sempre acreditar em mim, por não me permitir vacilar, por permanecer ao meu lado

em tudo. De você aprendi (e tenho aprendido) os melhores sentimentos. Obrigada

por ser fonte de fé, certeza em meio a tantas incertezas, cuidado nas minhas

angústias, amor e compreensão na minha falta de tempo e de paciência. Meu bem,

te amo muito! Chegar aqui tem muito de você!

Aos meus amigos e amigas, pela torcida, pelas partilhas, pelas orações, pela

fé, por desejarem que este momento chegasse, por me fazerem crer na coletividade

que ele encerra. Sonhamos juntos! “Eu acreditei, vocês acreditaram e Deus agiu”.

Agiu de forma linda e perfeita! A vocês a minha admiração e afeto.

À querida Ozi, pela possibilidade de trilhar esse caminho em sua companhia,

por dividir comigo as angústias, as dificuldades, as preocupações e as incertezas

que a vida na pós-graduação nos apresentou. Os encontros, os sorrisos, a fé no que

estava por vir se tornaram o combustível para que chegássemos ao ponto mais alto,

aquele que só pode ser conquistado por quem compreende que nunca se chega lá

sozinho. Obrigada por ter sido força, cuidado e coragem nesta caminhada!

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A Ana Lígia, na companhia de Ozi, pelas partilhas, pelos sorrisos, pela

amizade, pelas construções nesta trajetória. Alegria em tê-las perto e em dividir com

vocês mais esta etapa da nossa formação profissional e humana.

A minha turma de Mestrado em Serviço Social (Ada, Ana Ketsia, Ana Lígia,

Elizângela, Floriza, Leonardo, Monally, Caio, Érika, Karina, Ozileia, Márcia,

Edsângela e Angely), pelos debates e discussões, pelos lanches e cafés partilhados,

pelo respeito e laço de amizade, pela alegria do encontro. Não tenho dúvidas de ter

tido as melhores companhias nesse processo de formação!

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),

pelo apoio financeiro indispensável à realização desta pesquisa e a minha

permanência no Mestrado. Reitero a relevância do papel desta agência na formação

de pesquisadores, na produção do conhecimento como fonte libertadora.

A todos os que formam o Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da

UFRN, pelo acolhimento, empenho e cuidado na formação de profissionais

comprometidos com um projeto de sociedade mais humano e igualitário. A Lucinha,

como parte deste programa, pela disponibilidade e paciência em ouvir e sanar as

nossas muitas dúvidas.

A minha sempre orientadora, Profa. Célia, pelos ensinamentos, que

ultrapassaram, em muito, o âmbito acadêmico, pela compreensão, paciência e

presença, pela fé e confiança em mim depositadas. Guardo a certeza de que o

nosso encontro, em 2014, não foi em vão e é por tudo o que aprendi desde lá que

conseguimos chegar aqui. A você a minha admiração, respeito, gratidão e carinho

pelo ser lindo que és e pelo significado que tens em minha trajetória.

A todos os docentes que fizeram parte do meu processo de formação, aqui

representados pelas Profas. Carla, Iris, Dalva, Célia e Eliana Andrade, por todo o

conhecimento partilhado, pelo compromisso com o que acreditam e defendem: uma

educação de qualidade, ainda que em um contexto imerso e definido por desafios.

Às Profas. Eliana Guerra, Ilka e Erlenia, que compuseram a minha banca de

qualificação e a de defesa desta dissertação, por somarem conosco, pela

disponibilidade e cuidado na leitura do meu trabalho, pelas grandes e valiosas

contribuições na sua produção.

Às assistentes sociais participantes desta pesquisa, pela confiança, pela

abertura e partilha na produção do conhecimento. Os resultados deste estudo

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expressam, para além dos desafios, o compromisso ético e político de vocês com o

projeto de profissão, de educação e de sociedade defendidos pelo Serviço Social.

A Maria Santíssima, minha mãe e intercessora, pelos cuidados, pelo colo,

pela proteção e amor. Que alegria ser tua!

Por fim, e não por último, porque é a essência e início de tudo, ao meu

Deus, meu Mestre, pela força, por tomar em suas mãos as minhas dificuldades,

medos e angústias, transformando-os em fé, por me lembrar de que nunca

caminharei sozinha, por me convencer de seu amor e de que “tudo posso Naquele

que me fortalece”.

Foram vocês a força que me impulsionou a chegar aqui. Por tudo o que

significaram nessa caminhada e pelo que representam em minha vida, minha

gratidão e meu abraço!

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RESUMO Esta dissertação versa sobre o trabalho do assistente social na educação, na particularidade da assistência estudantil. Parte-se do pressuposto de que, enquanto trabalhador assalariado, o profissional de Serviço Social não está imune aos rebatimentos das transformações societárias e de suas implicações sobre a classe trabalhadora, dentre as quais a precarização. Tomando como lócus de pesquisa as Instituições Federais de Educação (IFEs) do município de Natal/RN, tem por objetivo analisar os determinantes e as formas através das quais a precarização se expressa no trabalho profissional na educação, no contexto de ampliação do espaço ocupacional na assistência aos estudantes. Alicerçada no método crítico dialético, buscou problematizar, a partir da expansão do ensino superior no Brasil, notadamente a partir da primeira década do século XXI, os elementos que contribuíram para a ampliação do mercado profissional e as condições sob as quais essa ampliação tem sido materializada. Como forma de subsidiar as análises teórico-metodológicas, foram realizadas a pesquisa de campo, por meio de entrevistas semi-estruturadas com assistentes sociais inseridas nas IFEs, a revisão bibliográfica, que acompanhou todo o processo de realização deste estudo, e a pesquisa documental, que envolveu, dentre outros, a análise de documentos relativos às instituições pesquisadas. As reflexões tecidas permitiram apreender que, ainda que guardadas especificidades, o trabalho do assistente social nas IFEs é atravessado pela precarização, que se torna estrutural no capitalismo contemporâneo, expressando-se nesses espaços, dentre outras formas, na sobrecarga, na elevação do ritmo e intensidade do trabalho, na extensão da jornada e na cobrança por resultados imediatos; sofrendo ainda os rebatimentos da assistência estudantil como política seletiva e focalizada. Atravessando o trabalho profissional, reflete não só no desenvolvimento das atividades, mas também nas próprias assistentes sociais, provocando, além do desgaste físico e emocional, o seu adoecimento. Tal realidade, definida pela precarização objetiva e subjetiva do trabalho, desafia as profissionais a buscarem estratégias para enfrentá-la, materializadas no cotidiano de sua prática na denúncia e resistência à superexploração de sua força de trabalho e na luta pela assistência estudantil como elemento indispensável à concretização do direito à educação. Palavras-chave: Serviço Social. Educação. Ampliação do espaço ocupacional. Transformações societárias. Precarização do trabalho.

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ABSTRACT

This dissertation talks about the work of social worker in education, particularly in the student assistance. In assumption that as a paid employee, a social worker professional is not immune of society transformation and its implications over the working class, among them it is the precariousness. Taking as the research place the federal institutions of education (IFEs) of Natal/RN, this work will analyze the determinant factors and the forms through which the precariousness express itself in the professional educational work, in the context of amplification of the occupational space in the students assistance. Based on the dialectical critical method, sought to problematize, from the expansion of college education in Brazil, noticeably since the first decade of the 21st century, the elements that contributed for the extension of the professional market and the conditions under which this extension have been materialized. As a way of supporting the theoretical methodological analysis, a field research was held through semi-structured interviews with social workers in the federal institutions, a bibliographic review that followed all the process of this study; and the documentary research that included, among other things, the analysis of documents related to the researched institutions. The reflections allowed us to learn that although stored specificities the work of a social worker in the federal institutions is crossed with precariousness which becomes structural in the modern capitalism, expressing itself in these spaces, among other things, in the overload, in the increase of rhythm and intensity of work, in the extension of work hours and in the demand of instant results; still suffering the refutations of the student assistance as a focused and selective policy. Trespassing the professional work reflects not only on the development of activities, but also on the social workers themselves, creating besides of physical and mental, wear their illness. Such reality defined by objective and subjective precariousness of work challenges the professionals to search for strategies to face it materialized in the daily life of their practice in resistance of overexploitation of their work force and in the fight of student assistance as a crucial element to the concretization of the right to education. Keywords: Social Work. Education. Amplification of occupational space. Social transformations. Work precariousness.

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LISTA DE SIGLAS

ABEPSS: Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social; CEFET: Centro Federal de Educação Profissional e Tecnológica; CERES: Centro de Ensino Superior do Seridó; CFESS: Conselho Federal de Serviço Social; CLT: Consolidação das Leis do Trabalho; CONSAD: Conselho de Administração; CRESS: Conselho Regional de Serviço Social; DEPEN: Departamento Penitenciário Nacional; EaD: Educação a Distância; EBSERH: Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares; ETFRN: Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte; FACISA: Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi; FIES: Fundo de Financiamento Estudantil; FONAPRACE: Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis; IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; IES: Instituições de Educação Superior; IFEs: Instituições Federais de Educação; IFRN: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte; INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; MEC: Ministério da Educação; PEC: Proposta de Emenda à Constituição; PNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios; PNAES: Programa Nacional de Assistência Estudantil;

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PNE: Plano Nacional de Educação; PORDATA: Base de Dados Portugal Contemporâneo; PROAE: Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis; PROUNI: Programa Universidade para Todos; REUNI: Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais; SIGAA: Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas; SINAES: Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior; UAB: Universidade Aberta do Brasil; UFERSA: Universidade Federal Rural do Semi-Árido; UFRN: Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................. 13

2. SERVIÇO SOCIAL, PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO CAPITALISMO

CONTEMPORÂNEO E AMPLIAÇÃO DO ESPAÇO OCUPACIONAL NA

EDUCAÇÃO.........................................................................................................

28

2.1. A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO CAPITALISMO

CONTEMPORÂNEO: implicações para a classe trabalhadora e para o

assistente social como trabalhador assalariado...................................................

28

2.2. A EXPANSÃO DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE EDUCAÇÃO E A

AMPLIAÇÃO DO ESPAÇO OCUPACIONAL PARA O ASSISTENTE

SOCIAL: elementos para a análise do trabalho profissional na assistência

estudantil..............................................................................................................

50

3. A PRECARIZAÇÃO E SUAS EXPRESSÕES NO TRABALHO DO

ASSISTENTE SOCIAL NAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE EDUCAÇÃO DO

MUNICÍPIO DE NATAL/RN: análise das condições e relações de trabalho na

assistência estudantil e estratégias de enfrentamento........................................

76

3.1. A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA

EDUCAÇÃO: expressões e implicações no fazer profissional no espaço da

assistência estudantil...........................................................................................

76

3.2. ASSISTENTE SOCIAL / TRABALHADOR ASSALARIADO: os efeitos do

trabalho precarizado sobre as profissionais e as estratégias de

enfrentamento......................................................................................................

93

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 103

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 106

APÊNDICE........................................................................................................... 114

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1. INTRODUÇÃO

A cena contemporânea envolta por transformações societárias, que trazem

implicações para o conjunto dos trabalhadores, convida a refletir sobre a realidade

do assistente social como trabalhador assalariado, sofrendo, portanto, os mesmos

dilemas que a classe trabalhadora na sociedade capitalista, dentre os quais a

precarização. Nesse sentido, a reflexão sobre o trabalho desse profissional nos

diversos espaços em que se insere, dentre os quais os espaços que implementam a

política de educação, não pode se dar sem que se considere tais transformações.

Isto porque o Serviço Social se configura e se reconfigura na dinâmica da sociedade

burguesa, resultante das macros-determinações sociais, econômicas, ideopolíticas,

terreno sócio-histórico em que transita e se exerce em diferentes espaços

ocupacionais, enquanto profissão inserida na e a partir da divisão social e técnica do

trabalho, como uma das especializações do trabalho coletivo (IAMAMOTO;

CARVALHO, 2014).

Parte-se do entendimento que as transformações operadas no mundo do

trabalho e no âmbito do Estado rebatem de forma direta na profissão de Serviço

Social, expressando-se nas condições e relações de trabalho dos assistentes

sociais, refletindo em suas competências e atribuições, nas respostas às demandas

que lhes são postas e, consequentemente, na qualidade dos serviços prestados.

São profissionais que vendem sua força de trabalho, a qual assume um valor de uso

no espaço institucional, passando a ser consumida como instrumento útil a serviço

dos interesses da instituição contratante.

Considerando a existência de diferentes processos de trabalho nos quais se

inscrevem, particulariza-se, neste estudo, o processo de trabalho no âmbito do

Estado, na especificidade das Instituições Federais de Educação (IFEs), estando o

fazer do assistente social, em uma perspectiva teleológica, orientado para a defesa

do direito à educação e das condições indispensáveis a sua concretização,

viabilizadas no âmbito dessas instituições e pela mediação de sua atividade

profissional, por meio da assistência estudantil1.

1 Como um trabalho especializado, expresso sob a forma de serviços, o Serviço Social é, de modo

geral, apreendido como um trabalho improdutivo, já que os produtos de seu trabalho (contribui na reprodução da força de trabalho e no processo de reprodução sociopolítica e ídeo-política dos indivíduos sociais, conforme Iamamoto (2014)), não resultam diretamente na criação de mais-valia, de valorização do capital. Vale destacar, porém, que a atividade profissional do assistente social pode

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O interesse pela discussão do trabalho do assistente social na educação é

fruto de um processo de amadurecimento iniciado ainda na graduação em Serviço

Social, despertado por duas singulares e ricas experiências: o estágio curricular

obrigatório, realizado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio

Grande do Norte (IFRN) Campus Cidade Alta, e a vivência da iniciação científica,

que me permitiu um contato mais direto com essa discussão e com a precarização

como elemento também presente no trabalho desse profissional2.

O aspecto generalista, característico da formação em Serviço Social,

possibilita um amplo olhar por parte de seus profissionais sobre os diversos espaços

em que pode ser materializado o seu trabalho, tornando possível, a partir das

experiências de cada um, o adensamento e aprofundamento do conhecimento em

determinadas áreas. No caso particular da minha experiência, a curiosidade foi

convertida em força impulsora para leituras e reflexões sobre o trabalho do

assistente social na educação.

Estando o trabalho profissional, no IFRN, vinculado, sobretudo, ao

desenvolvimento de atividades junto aos estudantes, mediadas pela política de

assistência estudantil, o estágio possibilitou o conhecimento e a aproximação com

as principais demandas postas aos assistentes sociais, com as suas competências e

atribuições neste espaço, bem como com os desafios que atravessam o seu

cotidiano e as estratégias, necessárias, possíveis e urgentes de serem construídas,

no contexto da atual sociabilidade capitalista, na perspectiva de consolidar o acesso,

a permanência e o êxito na educação. Foi no sentido de análise dessas demandas e

com a finalidade de identificar e problematizar os desafios e as estratégias que

atravessam e envolvem a efetivação do direito à assistência estudantil e o exercício assumir diferentes significados na relação com o processo de produção ou de redistribuição da mais-valia, a depender dos processos de trabalho nos quais se insere. No espaço de uma empresa capitalista, por exemplo, o assistente social como parte de um trabalho coletivo não produzirá diretamente riqueza, mas, juntamente com outros trabalhadores, estabelecerá as condições necessárias para que esse processo seja possível. É diferente do que acontece no âmbito do Estado, em que o assistente social, inserido na prestação dos serviços sociais, exerce a sua atividade profissional no sentido de redistribuição de parte da mais-valia via fundo público por meio das políticas sociais. O resultado da atividade desenvolvida por esse profissional depende, portanto, das características particulares dos diferentes processos de trabalho em que se insere. 2 Como aluna de iniciação científica, com o plano de trabalho “A inserção do assistente social no

mercado de trabalho: a precarização nas condições e relações de trabalho nos espaços sócio ocupacionais”, pude me aproximar de problematizações acerca da intensificação da precarização do trabalho como consequência das estratégias adotadas pelo capital no enfrentamento a sua crise estrutural iniciada nos anos 1970. A investigação realizada permitiu identificar nos baixos salários, na extensa jornada de trabalho, na terceirização e na desregulamentação dos direitos trabalhistas e sociais formas contemporâneas de precarização que também atingem o assistente social em sua condição de trabalhador assalariado.

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profissional do assistente social nesse espaço institucional que se deu o meu

Trabalho de Conclusão de Curso.

Os resultados da pesquisa realizada naquele momento, junto a profissionais

de Serviço Social inseridas nos campi do IFRN, permitiu identificar, dentre outros

desafios, a insuficiência de recursos para atendimento às demandas dos estudantes,

resultando em uma assistência estudantil focalizada e seletiva; o número limitado de

assistentes sociais para dar respostas às inúmeras e variadas demandas,

culminando no desafio em acompanhar, de forma efetiva, por meio da

capacidade/tempo/atividades, os discentes assistidos pelos programas dessa

política e na dificuldade em ultrapassar o trabalho restrito às análises

socioeconômicas e seleção dos estudantes para acesso aos programas que dela

derivam. Tais condições objetivas têm sufocado as possibilidades da atuação do

assistente social nesse espaço, sobretudo, no que diz respeito às respostas

profissionais.

Ao se expressarem no espaço da educação, esses desafios convidam a

uma análise do trabalho profissional, de suas atuais configurações, das tensões que

o atravessam, de suas características e das reais condições sob as quais tem sido

materializado; condições estas que acabam por refletir na forma de condução das

atividades e nos serviços prestados.

Analisar a educação como espaço ocupacional para o assistente social

pressupõe considerá-la no contexto da sociedade capitalista, na qual ela transita e

se exerce, sendo, portanto, passível a incorporação de rebatimentos e

características dessa sociabilidade. Com efeito, por não constituir espaço isolado da

vida social, as instituições de educação têm sido atravessadas pela questão social,

base sócio-histórica e matéria de intervenção desse profissional na realidade.

Questão social (e suas expressões) definida por Iamamoto (2001) como o conjunto

das desigualdades sociais engendradas no seio da sociedade capitalista, resultante

da contradição capital/trabalho, da produção social da riqueza e da apropriação

privada de seus resultados. Questão social que deve ser apreendida como

indissociável/produto da sociedade capitalista, criadora de um contexto de

desigualdade e exploração em que aqueles que produzem a riqueza social, por meio

do trabalho, se veem privados de seus resultados.

Intrínseca à sociedade capitalista e, portanto, presente em todos os espaços

da vida social sob o capitalismo, a questão social, em suas diversificadas

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expressões, tem se manifestado no âmbito escolar, dentre outras formas, na

ampliação da desigualdade, da pobreza e da miséria, na drogadição, nas

disparidades de gênero, na violência, no preconceito e na discriminação, que se

apresentam de maneira mais intensificada em decorrência das transformações no

atual contexto da sociedade brasileira. As instituições de educação não constituem,

portanto, ilhas sociais, espaços cuja dinâmica e organização sejam forjadas sem a

interferência e implicação dos processos mais gerais ocorridos em sociedade

(CFESS, 2011).

Nessa perspectiva, inseridas na totalidade dos processos sociais, e

marcadas por problemáticas que atravessam o cotidiano de seus estudantes, as

instituições de ensino passam a demandar a força de trabalho do assistente social

como uma das especialidades capaz de formular respostas e atuar no

enfrentamento dessa realidade atravessada por expressões da questão social e por

seu agravamento na cena contemporânea.

A requisição por profissionais como os assistentes sociais no âmbito da

política de educação é reveladora não apenas da presença da questão social nos

seus diferentes espaços, mas também de um contexto em que apenas os

professores já não podem e não conseguem dar conta da complexidade de

questões que envolvem o cotidiano escolar. Concordando com essa assertiva,

Almeida (2005) salienta que o enfrentamento dessa complexa realidade não é

competência exclusiva de nenhum profissional.

Por não constituir competência de uma categoria profissional, o

enfrentamento das expressões da questão social manifestas na educação tem

demandado a presença de equipes interprofissionais3, nas quais se inserem os

assistentes sociais. Como parte desse processo coletivo de trabalho, cujo produto é

resultado de um trabalho cooperativo4, os profissionais de Serviço Social, conforme

Iamamoto (2002), mesmo desenvolvendo atividades partilhadas com outras

profissões, dispõem de seus próprios ângulos de observação na interpretação dos

mesmos processos sociais e de competência também distinta no encaminhamento

das ações.

3 Ao encontrarem no trabalho integrado e coletivo o centro de sua ação, a equipe interprofissional é

aqui compreendida com base na troca de saberes, na articulação das diferentes habilidades no enfrentamento a uma dada realidade, reservadas as particularidades de cada profissão. 4 De acordo com Marx (1985, p.374), a cooperação constitui “a forma de trabalho em que muitos

trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos”.

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É por meio das diferentes habilidades, dos diferentes olhares acerca da

leitura e interpretação da questão social, que a equipe desenvolve competência para

enfrentá-la em sua totalidade. Isso significa dizer que o trabalho em equipe não dilui

as particularidades de cada profissão, mas, de modo contrário, abre espaços para

que, fazendo uso de suas competências teórico-metodológicas na leitura e

interpretação da realidade, os profissionais possam responder, de forma qualificada,

às demandas que lhes são postas no cotidiano.

A análise acerca do trabalho do assistente social na educação não pode se

dar distanciada também das transformações que incidem sobre essa política nos

últimos anos, mais especificamente a partir da abertura do século XXI, e que

acabam por demandar uma maior presença desse profissional nos espaços em que

é materializada. Nessa direção, é preciso considerar o processo de

“democratização5” da educação superior no Brasil, que, imerso em contradições,

expressa, além de um movimento de formação de mão de obra para atendimento às

necessidades do capital, de massificação da oferta dessa política social como

mercadoria, a possibilidade de acesso a esse nível de ensino, também em

instituições públicas, por imensa parcela da classe trabalhadora que não tinha

acesso a esse direito.

Na discussão dos resultados das transformações na educação superior,

particulariza-se a expansão do acesso a esse nível de ensino por meio das IFEs,

possibilitada pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais (REUNI) e pela expansão e interiorização dos Institutos

Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. A ampliação do acesso traz para

essas instituições uma nova realidade, definida pela maior heterogeneidade de seu

corpo discente, marcado por frágeis condições socioeconômicas, uma vez que não

se dá desvinculada das várias problemáticas sociais que atravessam e definem as

condições de existência da classe trabalhadora. Desse modo, ao adentrarem o

espaço de ensino, os estudantes levam consigo uma série de dificuldades que se

5 Temos presente, nesse contexto, uma política de educação associada aos interesses do capital, o

qual, por meio de um aparente processo de “democratização”, vem incentivando o seu empresariamento, mediante a privatização interna das universidades públicas e a abertura e diversificação de instituições e cursos na rede privada, conforme orientação do Banco Mundial e de outros organismos internacionais. Isto sob a gestão dos últimos governos brasileiros pós-ditadura militar, que vêm investindo em ações de reformulação do ensino superior no país, desde Collor de Melo (1990-1992) até o Governo Dilma (2011- 2016), chegando aos nossos dias no governo Temer (2017-2018). A discussão relativa ao processo de “democratização” da educação poderá ser encontrada no eixo 2.2 desta Dissertação.

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colocam como entraves a sua permanência na educação, podendo até mesmo

inviabilizá-la.

Nesse sentido, tendo por base a questão social, seu agravamento na cena

contemporânea e expressões no tecido da vida social, tem-se que somente o

acesso à educação não é garantia de sua concretização. É nesse contexto que a

assistência aos estudantes ganha centralidade como condição a efetivação desse

acesso; o que significa dizer que a expansão realizada, seja através do REUNI ou

da explosão no quantitativo de Institutos Federais, tem significado a necessidade de

ampliação das condições de permanência. Nessa perspectiva, torna-se possível

apreender o significado e a relevância das ações de assistência estudantil,

indispensáveis à concretização do direito à educação.

A demanda por ampliação das ações de assistência resulta, como parte de

um mesmo processo, na necessidade de contratação de uma série de profissionais

especializados, dentre os quais os assistentes sociais, para operarem no

planejamento, execução e implementação de programas e projetos. Tais elementos

permitem inferir que a expansão das IFEs e a centralidade da assistência aos

estudantes, no contexto das transformações que envolvem a sociedade brasileira e

que agudizam as expressões da questão social, têm resultado no crescimento do

espaço ocupacional para os assistentes sociais na educação.

Com base nesta assertiva, Almeida (2005) destaca alguns elementos

importantes que incidem na requisição de profissionais de Serviço Social no espaço

educacional, dentre os quais aponta a ampliação e a interiorização da rede federal

de educação profissional, as demandas por programas e ações de assistência aos

estudantes, a aprovação da política nacional de assistência estudantil e a afirmação

do direito à educação de largos contingentes populacionais antes destituídos do

acesso a este direito.

A ampliação do espaço ocupacional para o assistente social na educação,

além de ser uma consequência direta das transformações no âmbito dessa política,

sobretudo no nível superior, que culminam na expansão das IFEs, é também

resultado das reivindicações da categoria profissional pelo reconhecimento da

inserção nesse espaço enquanto possibilidade de luta pela efetivação do direito à

educação. Todavia, apesar de relevante, é necessário considerar que essa

ampliação não ocorre sem contradições, sem que sofra os impactos das

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transformações societárias que afetam os trabalhadores e, de modo específico, o

assistente social em sua condição de trabalhador assalariado.

Desse modo, na sua problematização é preciso ter claro o processo de crise

estrutural do capital, com suas estratégias de superação alicerçadas na

reestruturação produtiva, na mundialização do capital e na ofensiva neoliberal,

difundido no contexto brasileiro a partir de 1990, e os influxos provocados por tais

estratégias sobre a classe trabalhadora, dentre os quais o aprofundamento da

precarização do trabalho; revelado como estratégia do capital em sua incessante

busca de redução dos custos com a força de trabalho e na crescente subordinação

dos trabalhadores.

As implicações desse contexto, expressas na precarização, se expandem,

atingindo os diversos segmentos de trabalhadores e os assistentes sociais nos

vários espaços em que se inserem, pelas constantes inseguranças resultantes da

flexibilização nas formas de ingresso nos espaços institucionais, pelo “fantasma” do

desemprego, que assume feições estruturais no capitalismo contemporâneo, pela

intensificação do trabalho, resultante das extensas e intensas jornadas e da

sobrecarga, bem como pela violação de seus direitos.

Os impactos das transformações produzidas em sociedade sobre o trabalho

profissional são ainda agravados pela contrarreforma do Estado. Encontrando no

espaço estatal, em suas diversificadas esferas (municipal, estadual e federal), o seu

maior empregador, e nas políticas sociais o âmbito privilegiado de sua atuação, o

assistente social terá suas condições e relações de trabalho agravadas pela

crescente diminuição de recursos direcionados ao financiamento de tais políticas

como resultado da ofensiva neoliberal. É por essa realidade que passa a vivenciar

no desenvolvimento de suas atividades, com intensidade cada vez maior, a tensão

entre a demanda por um determinado serviço/programa e a redução das

possibilidades de seu atendimento. Além disso, a precarização das políticas sociais

incide, diretamente, na diminuição da realização de concursos públicos, com

implicações diretas na forma de inserção nos espaços institucionais, interferindo

também na qualidade dos serviços prestados, como decorrência da sobrecarga de

trabalho que traz aos profissionais.

A ampliação do espaço ocupacional na educação se dá, portanto, em um

contexto de metamorfoses no mundo do trabalho, de contrarreforma do Estado, de

reordenamento de suas ações e de ajustes e cortes na área social, que incidem, de

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forma direta, sobre as relações e condições de trabalho dos profissionais de Serviço

Social e sobre o seu fazer. Com base em tais problematizações, parte-se do

pressuposto de que, embora apresentem uma maior estabilidade e segurança no

emprego, por se tratarem de profissionais com vínculo de trabalho estatutário, cuja

inserção no espaço institucional é realizada por meio de concurso público, os

assistentes sociais inseridos nas IFEs também enfrentam à precarização do trabalho

resultante dessas transformações.

Tais reflexões conduziram ao seguinte problema de pesquisa: considerando

ser o assistente social trabalhador assalariado, não podendo, por isso, estar isento

às determinações e inflexões do capital, quais as formas por meio das quais a

precarização se expressa em seu trabalho no âmbito das IFEs, tendo em vista a

ampliação do espaço ocupacional no contexto das transformações societárias?

Na perspectiva de dar resposta a essa indagação, o objetivo principal desta

pesquisa está em analisar os determinantes e as formas por meio das quais a

precarização se expressa no trabalho do assistente social na educação, no contexto

de ampliação do espaço ocupacional na particularidade da assistência estudantil.

Para o seu alcance, definiu-se como objetivos específicos analisar as condições

objetivas e subjetivas do trabalho do assistente social, demarcando as expressões

da precarização nesse espaço ocupacional; analisar as implicações das expressões

da precarização nas respostas às demandas dos estudantes, nas competências e

atribuições profissionais; e analisar as estratégias tecidas pelos profissionais de

Serviço Social no enfrentamento à precarização do trabalho na assistência

estudantil.

Considerando o objeto deste estudo, qual seja, o trabalho do assistente

social na educação, no contexto de ampliação do espaço ocupacional na assistência

aos estudantes e de precarização do trabalho e das políticas sociais, como parte de

uma totalidade concreta e complexa que é a sociabilidade capitalista, tomam-se as

abstrações que o envolvem, indispensáveis ao processo de investigação, como

mediação necessária ao desvelamento de suas determinações.

Nesse sentido, na busca de tornar esse objeto conhecido, tendo por base os

princípios do pensamento crítico, foi adotado como método o materialismo histórico-

dialético, de modo a se partir da aparência, como um nível que não pode ser

descartado, visando, porém, ir além desta, de modo a se chegar à essência do

objeto investigado, como forma de dar resposta as indagações que deram origem ao

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problema de pesquisa. Esse método tornou possível a problematização da realidade

da qual o objeto faz parte, das relações que o configuram, permitindo, assim,

capturar a sua estrutura e dinâmica. De outra maneira, constituiu base para

problematizar a expansão do espaço ocupacional para o assistente social na

assistência estudantil, permitindo apreender as condições que dão sustentação a

essa ampliação e as formas por meio das quais a precarização se expressa no

trabalho profissional.

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, aplicada, conforme

Minayo (2013), ao estudo das histórias, das relações, das representações, das

crenças, das percepções e das opiniões, resultado das interpretações que os

homens fazem da forma como vivem, sentem e pensam. A opção por essa

abordagem se deu, justamente, por considerar as apreensões dos sujeitos acerca

de sua realidade, das experiências que vivenciam. Deve-se ressaltar, porém, que a

ela foram associados elementos quantitativos, indispensáveis à análise e

problematização dos resultados. As informações e os dados sobre os quais se

estrutura foram colhidos nas Instituições Federais de Educação Superior do

município de Natal/RN, lócus de sua realização: a Universidade Federal do Rio

Grande do Norte (UFRN) e o IFRN.

Instalada em Natal/RN em 1958 e federalizada em 1960, a UFRN está

presente em três mesorregiões do estado do Rio Grande do Norte. Na mesorregião

Leste Potiguar, representada pelo Campus Central, na capital, e pela Escola

Agrícola de Jundiaí, em Macaíba; na Central Potiguar, pelos Centros de Ensino

Superior do Seridó (CERES), Campus Caicó e Currais Novos; e na mesorregião

Agreste Potiguar, na qual está localizada a Faculdade de Ciências da Saúde do

Trairi (FACISA), em Santa Cruz.

No que se refere ao IFRN, a sua história tem início em 1967, quando a

antiga Escola Industrial de Natal é transferida para as instalações do atual Campus

Central6. Constituía, até a inauguração da primeira Unidade Descentralizada da

Escola Industrial, em 1994, na cidade de Mossoró/RN, a única sede da Instituição.

Com a política de expansão e interiorização da Rede Federal de Educação

6 A Escola Industrial de Natal é transformada, em 1965, em Escola Industrial Federal do Rio Grande

do Norte, sendo denominada, em 1968, Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN). Em 1999, a Escola Técnica é transformada em Centro Federal de Educação Profissional e Tecnológica (CEFET-RN) e, em 2008, através da Lei n° 11.892/2008, em Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN), denominação que recebe hoje.

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Profissional e Tecnológica, no Brasil, o IFRN chega a vários municípios do Rio

Grande do Norte, permitindo registrar, já em 2015, a existência de seus 21 (vinte e

um) Campi (sendo 01 (um) de educação a distância), distribuídos em todo o território

potiguar. Está presente na mesorregião Leste Potiguar por meio dos Campi Central,

Cidade Alta, Zona Norte, Parnamirim, Canguaretama, Ceará-Mirim e São Gonçalo

do Amarante; na mesorregião Agreste Potiguar pelos Campi João Câmara, Nova

Cruz, Santa Cruz e São Paulo do Potengi; na Central Potiguar por meio dos Campi

Caicó, Currais Novos, Macau, Lajes e Parelhas e na Oeste Potiguar pelos Campi

Ipanguaçu, Apodi, Pau dos Ferros e Mossoró.

O recorte territorial desta pesquisa abrange IFEs da mesorregião Leste

Potiguar, uma vez que foi desenvolvida no Campus Central da UFRN e nos Campi

Zona Norte, Cidade Alta e Central do IFRN; todos localizados em Natal/RN. A

escolha por esses espaços justifica-se por se tratar daqueles que concentram o

maior número de estudantes, como resultado do processo de expansão dessas

instituições nos últimos anos, e, consequentemente, de assistentes sociais para

atendimento as suas demandas.

No Campus Central da UFRN, compõe o quadro de técnicos administrativos

em educação na assistência estudantil 06 (seis) profissionais de Serviço Social. No

IFRN, na particularidade do Campus Cidade Alta, 02 (dois) profissionais; no Campus

Central, 05 (cinco); e no Zona Norte, 02 (dois) assistentes sociais.

Considerando o universo apresentado, de 15 (quinze) assistentes sociais

atuando na assistência aos estudantes no espaço dessas instituições, foi definida

uma amostra de 08 (oito) profissionais, sendo 03 (três) da UFRN e 05 (cinco) do

IFRN, 02 (dois) destes últimos do Campus Central, 02 (dois) do Cidade Alta, tendo

em vista estar o Campus dividido em dois espaços, um na Avenida Rio Branco e

outro na Comunidade das Rocas, e 01 (um) do Campus Zona Norte. A definição do

quantitativo de entrevistas por instituições pesquisadas deu-se de modo a realizar

um maior número naquelas que concentram mais profissionais de Serviço Social e

estudantes.

Dentre alguns resultados iniciais, pode-se apontar que todas as assistentes

sociais participantes desta pesquisa são do sexo feminino7, acompanhando a

tendência histórica da profissão no Brasil, composta majoritariamente por mulheres.

7 Considerando ser a amostra composta apenas por assistentes sociais mulheres, serão utilizadas as

formas nominais no feminino quando na referência aos sujeitos desta pesquisa.

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São profissionais, em sua maioria, com idade entre 31 e 50 anos, apresentando até

12 anos de formação em Serviço Social. Todas com algum tipo de pós-graduação

lato ou stricto sensu.

Dado relevante a se ressaltar, no que se refere à formação das profissionais,

é que todas advêm de instituição de educação pública, aqui representada, em sua

totalidade, pela UFRN. Sobre a modalidade de ensino, apesar da expansão

desenfreada da Educação a Distância no curso de Serviço Social, registrando uma

ampliação de 21.581 (vinte e uma mil, quinhentas e oitenta e uma) matrículas entre

os anos de 2010 e 2016, conforme dados do INEP (2017), todas as assistentes

sociais realizaram o curso de forma presencial.

Como mecanismo para a coleta desses e de outros dados problematizados

no decorrer deste estudo, foi utilizada a entrevista semi-estruturada. Para Minayo

(1994), esta técnica não constitui uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez

que se caracteriza como um meio de coleta de fatos relatados por atores, sujeitos

objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo

analisada. A entrevista possui um propósito definido, que permite a apreensão de

elementos do problema estudado por meio dos entrevistados, bem como a

percepção e compreensão destes acerca dos aspectos que o determinam. Na

entrevista semi-estruturada, definida pela combinação de perguntas abertas e

fechadas, o participante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em análise,

uma vez que ela, apesar de orientada por um roteiro, não apresenta uma estrutura

rígida.

Nessa direção, esta técnica possibilitou o aprofundamento das

problematizações acerca do objeto, a partir da interação direta entre pesquisadora e

pesquisadas. Com o consentimento das participantes, as entrevistas foram

gravadas, sendo preservado o sigilo das informações. Como forma de complementar

esta técnica, a observação também foi utilizada como fonte para a coleta de dados,

o que foi possível pela realização das entrevistas nos locais em que as assistentes

sociais desenvolvem o seu trabalho profissional. Procurou-se observar, dentre

outros elementos, a dinâmica do espaço ocupacional, o fluxo das demandas e a

busca dos estudantes pelo Serviço Social.

Realizadas as entrevistas, procedeu-se a sua análise, estabelecendo as

mediações necessárias com as bases teórico-metodológicas que orientam a

discussão desenvolvida. Neste processo, foi adotada a análise de conteúdo,

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designada por Bardin (1977) como o conjunto de técnicas de análise das

comunicações, visando obter, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos

de descrição dos conteúdos das mensagens, indicadores que permitam inferir

conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens. A

relevância desta técnica está, assim, em permitir uma análise aprofundada das falas

dos entrevistados, de modo a tornar conhecidos os significados e determinações

que carregam.

Nas instituições em que fossem entrevistadas mais de uma assistente social,

foi proposto, inicialmente, a realização de pelo menos uma entrevista com uma

profissional que estivesse a mais tempo na instituição e com outra que a ocupasse

mais recentemente, de modo que se pudesse estabelecer uma comparação entre as

informações dadas pelas profissionais que desenvolvem a sua atividade nas IFEs

antes da expansão e as prestadas por aquelas que adentraram os seus espaços

após essa realidade. Procedendo dessa maneira, seria possível apreender o modo

como percebem a ampliação no quantitativo de assistentes sociais em

concomitância com o aumento das demandas e da quantidade de trabalho,

considerando a também expansão no número de discentes nessas instituições.

Todavia, não foi possível proceder desta maneira, tendo em vista a particularidade

das próprias IFEs no que diz respeito ao número de profissionais de Serviço Social

em atividade no momento de realização da pesquisa empírica.

Tal comparativo seria possível, sobretudo, no Campus Central da UFRN e

no Campus Central do IFRN. Quando da realização desta pesquisa, porém, havia,

na primeira instituição, das assistentes sociais que têm seu trabalho ligado

diretamente à assistência estudantil, apenas 03 (três) em exercício, todas com

inserção após 2011. Na particularidade do Instituto Federal, a situação era ainda

bem mais complexa, pois o Campus apresentava apenas 01 (uma) profissional de

seu quadro permanente em atividade8. A realização das duas entrevistas nesse

espaço só foi possível pela cooperação mantida com o Campus São Paulo do

Potengi. Essa cooperação pode ser entendida como o desenvolvimento das

atividades profissionais, ao menos duas vezes por semana, por parte das

assistentes sociais lotadas neste Campus, no IFRN Central. Resulta, conforme as

8 Quando na referência às assistentes sociais do quadro permanente do IFRN, consideram-se, nesta

pesquisa, apenas as que desenvolvem o seu trabalho profissional no contato direto com os estudantes, respondendo, pela mediação de seu trabalho, às demandas relativas à assistência estudantil.

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entrevistadas, de uma necessidade deste último Campus, em decorrência da grande

demanda de trabalho e do número insuficiente de profissionais de Serviço Social

para dar resposta a esta.

Considerando a cooperação entre os campi e tendo em vista a

disponibilidade e interesse da assistente social, além de suas possíveis

contribuições para que se pudesse compreender os aspectos que se colocam por

trás deste processo, optou-se pela sua participação, sendo ela considerada, nesta

pesquisa, como pertencente ao quadro profissional do Campus Central do IFRN.

Ressalta-se que, sendo esta uma pesquisa que envolve seres humanos, a

sua realização se deu em conformidade com as Resoluções do Conselho Nacional

de Saúde nº 466/2012, que estabelece as diretrizes e normas regulamentadoras das

pesquisas com seres humanos, e nº 510/2016, que dispõe sobre as normas

aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais, cujos procedimentos

metodológicos envolvam a utilização de dados obtidos diretamente com os

participantes. Foi desenvolvida, portanto, observando os cuidados necessários e

recomendados por estas resoluções, assegurando às participantes confidencialidade

e garantia do resguardo das informações prestadas.

Tendo por base o percurso indicado, a realização deste estudo

compreendeu quatro momentos intimamente articulados. O primeiro foi definido pela

revisão bibliográfica, que acompanhou todo o processo de desenvolvimento desta

pesquisa, com a finalidade de aprofundamento das discussões acerca do objeto

estudado. Contribuíram nesse processo de revisão estudos como os de Alves (2007

e 2016), Antunes (2005 e 2010), Carvalho (2014), Druck (2011 e 2013), Guerra

(2005), Iamamoto (2015), Mota (2012), Netto (2005), Raichelis (2011), Mészáros

(2008), Pereira (2006), Tonet (2012) e outros.

Esse momento envolveu também a pesquisa documental, que permitiu,

dentre outros elementos, o contato e conhecimento com os dados relativos ao

processo de expansão da educação superior no Brasil e nas IFEs participantes

deste estudo, por meio de Relatórios de Gestão dessas instituições, do Decreto nº

6.096/2007, que instituiu o REUNI, da Lei nº 11.892/2008, que cria os Institutos

Federais, e de documentos elaborados pelo Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a exemplo das Sinopses

Estatísticas da Educação Superior e dos Censos relativos a esse nível de ensino.

Além desses documentos, é preciso mencionar ainda aqueles expressivos da

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legislação social, tais como o Decreto que instituiu o Programa Nacional de

Assistência Estudantil (PNAES) e outros.

O segundo momento foi reservado à pesquisa empírica, à realização das

entrevistas nas instituições, lócus de trabalho das assistentes sociais, para coleta

dos dados. O terceiro foi definido pelo processo de análise das informações

colhidas, como forma de problematizá-las, de confrontá-las com as indagações

iniciais do processo de investigação, procedendo à definição dos eixos e categorias

a serem analisadas. Por fim, o quarto momento indica o método de exposição, a

construção deste trabalho dissertativo.

As questões e análises demarcadas na realização desta pesquisa, traçadas

com base no percurso indicado, constituem pressupostos fundamentais à

problematização do trabalho do assistente social na educação, ao desvelamento das

formas pelas quais a precarização tende a se expressar e a atingir a sua atividade

no espaço da assistência estudantil. A relevância deste estudo está, portanto, no

voltar o olhar para o Serviço Social e para os seus profissionais, de modo que

possibilite apreendê-los imersos na trama das relações sociais, na dinâmica do

ordenamento do capital, que, encontrando sustentáculo na exploração do trabalho,

torna a precarização um fenômeno estrutural, a atingir todos aqueles que vivem da

venda da sua força de trabalho, e que, por isso, não poderia passar à margem dos

assistentes sociais inseridos nas IFEs.

Nessa perspectiva, espera-se, com este estudo, contribuir nas reflexões

sobre o trabalho profissional, sobre o conhecimento da realidade que o envolve e

que desafia, cotidianamente, os assistentes sociais, inclusive a buscarem

estratégias para enfrentar e resistir às armadilhas que a ordem social dominante

impõe. Assim sendo, este trabalho é constituído, além desta introdução e das

considerações finais, por dois capítulos.

No primeiro deles é realizada a discussão da precarização do trabalho na

sociedade capitalista, a partir das transformações societárias impulsionadas pela

crise estrutural do capital, que, iniciada em 1970 nos países cêntricos, assola, com

suas estratégias, a realidade brasileira já na década de 1990. Toma-se a

precarização como uma dimensão estrutural e estratégica do capitalismo

contemporâneo, que traz consequências devastadoras para a realidade de todos os

trabalhadores e também para o assistente social em sua condição de trabalhador

assalariado. Na problematização da forma como essa precarização atravessa o

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trabalho profissional, busca-se apreender e discutir as suas implicações sobre as

condições e relações de trabalho do assistente social, assim como sobre as políticas

sociais como campo e mediação necessária ao desenvolvimento de suas atividades.

Ainda nesse capítulo, é realizada a discussão da educação como espaço

para o Serviço Social e problematizadas as transformações que atravessam essa

política social na cena contemporânea, sobretudo, no ensino superior, instaurando

um aparente processo de “democratização”, que guarda, na sua essência, a ampla

mercantilização desse direito. Problematizam-se também os mecanismos que

determinam a expansão do acesso a esse nível de ensino na esfera pública, por

meio das IFEs, e aqueles que resultam na ampliação do espaço ocupacional para os

assistentes sociais nessas instituições, sobretudo para atuarem com programas e

projetos da assistência estudantil. Tais reflexões são tecidas à luz das

transformações societárias que atravessam o mundo do trabalho e o Estado,

apontando, por isso, não estar à atividade profissional, nesses espaços, isenta das

determinações e implicações da precarização.

No segundo capítulo, é realizada a discussão do trabalho do assistente

social nas IFEs do município de Natal/RN, de modo a apontar e problematizar as

expressões da precarização que o atravessam e as suas implicações nas respostas

as demandas dos estudantes e nas competências e atribuições na assistência

estudantil. Discutem-se também os efeitos do trabalho precarizado sobre as

assistentes sociais, no que se refere ao adoecimento e ao desgaste físico e

emocional que ele provoca. Tendo presente os desafios que a realidade impõe,

buscam-se apontar, ainda, as estratégias construídas pelas profissionais na

resistência à precarização, como expressão de sua luta por melhores condições de

trabalho e pelo direito à educação, que, imerso nas determinações do capital, não

prescinde das condições necessárias à permanência dos estudantes nas instituições

de ensino para que seja efetivado.

Por fim, são tecidas as considerações finais, que permitem reafirmar, apesar

dos desafios, a relevância da ampliação no espaço ocupacional na educação, na

especificidade das IFEs, e a necessidade permanente da luta contra as

determinações do capital e as suas investidas sobre os trabalhadores, dentre os

quais os assistentes sociais, assim como sobre os direitos que arduamente

conquistaram.

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2. SERVIÇO SOCIAL, PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO CAPITALISMO

CONTEMPORÂNEO E AMPLIAÇÃO DO ESPAÇO OCUPACIONAL NA

EDUCAÇÃO

Problematizar a precarização do trabalho como uma expressão do

capitalismo, intensificada na cena contemporânea, afetando toda a classe

trabalhadora, constitui eixo de discussão nesta seção. Tal debate embasa a

problematização da precarização como aspecto também presente no trabalho do

assistente social na educação, no contexto das transformações que atravessam

essa política social, sobretudo, no ensino superior, e que resultam, dentre outros

elementos, na ampliação do espaço ocupacional na assistência estudantil.

2.1. A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO:

implicações para a classe trabalhadora e para o assistente social como trabalhador

assalariado

A análise do Serviço Social no processo de produção e reprodução das

relações sociais capitalistas é inaugurada na década de 1980, a partir das

contribuições de Iamamoto e Carvalho (1982). As reflexões realizadas, alicerçadas

na teoria social de Marx, particularizaram a sua inserção na divisão social e técnica

do trabalho e permitiram identificar o assistente social como trabalhador assalariado,

provocando avanços na interpretação da profissão e em seu significado social.

A sua institucionalização como profissão se dá no contexto do capitalismo

monopolista, quando a questão social, em suas diversificadas manifestações, ganha

expressividade no cenário social, exigindo a intervenção do Estado no seu

enfrentamento. A profissionalização do Serviço Social está relacionada, portanto, a

uma progressiva ação estatal na vida social, a partir do ingresso da classe

trabalhadora no cenário político, em sua luta por melhores condições de existência,

momento em que as políticas sociais passam a constituir estratégias da burguesia

no enfrentamento aquela questão. De outro modo, é somente na ordem monopólica

que se gestam as condições histórico-sociais que estabelecem as bases para a

fundamentação de um espaço profissional em que se possa mover a prática do

assistente social (NETTO, 2005).

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O ordenamento do capital, definido em seu estágio monopolista, cria, nesse

sentido, um espaço de trabalho para esse profissional, e para o conjunto de outras

profissões; espaço este que, tensionado pela luta de classes, expressa a

contradição que a institucionalização do Serviço Social carrega, qual seja, a sua

necessária decorrência dos interesses e demandas das classes sociais (capitalista e

trabalhadora) que se põem como antagônicas no processo produtivo (GUERRA,

2014). A atuação do assistente social se institucionaliza, nessa direção, polarizada

por interesses contrapostos, respondendo, pela mesma atividade, tanto a demandas

do capital quanto do trabalho, uma vez que intervém nos mecanismos de

preservação e controle da força de trabalho e, simultaneamente, dá resposta a

necessidades da classe trabalhadora.

O processo por meio do qual a ordem monopolista passa a demandar a

força de trabalho do assistente social tem a ver, nesse sentido, com as formas

adotadas pelo Estado no enfrentamento às diversas expressões da questão social,

materializadas nas políticas sociais. Será, especificamente, na implementação

dessas políticas, imersos numa prática de natureza essencialmente executiva,

conforme Netto (2005), que esses profissionais irão desenvolver o seu trabalho, no

sentido de formular estratégias para responder as necessidades mais imediatas dos

segmentos atingidos pelas sequelas da questão social.

Contribuindo para a análise da profissão na ordem monopólica, Netto (2005)

aponta que

O caminho da profissionalização do Serviço Social é, na verdade, o processo pelo qual seus agentes – ainda que desenvolvendo uma auto-representação e um discurso centrados na autonomia dos seus valores e da sua vontade – se inserem em atividades interventivas cuja dinâmica, organização, recursos e objetivos são determinados para além do seu controle. [...] o agente passa a inscrever-se numa relação de assalariamento e a significação social do seu fazer passa a ter um sentido novo na malha da reprodução das relações sociais (NETTO, 2005, p. 71-72; grifos do autor).

O que se quer dizer é que a formação de um mercado de trabalho para o

assistente social se dá com todas as implicações que dele decorrem, inclusive com

a transformação desse profissional em assalariado, circunscrevendo às condições

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através das quais a sua atividade se insere no processo de mercantilização e, por

conseguinte, no reino do valor, no contexto de valorização do capital.

Na definição da força de trabalho do assistente social imersa nesse

processo, é preciso retomar a apreensão de que, na sociabilidade capitalista, o que

era finalidade básica do ser social, qual seja, a sua realização produtiva e

reprodutiva no e pelo trabalho, é transfigurada e transformada. O processo de

trabalho é convertido, conforme Antunes (2005), em meio de subsistência, de

manutenção da existência física do sujeito que o realiza, e a força de trabalho9 é

transformada em mercadoria, realidade da qual o profissional de Serviço Social,

como trabalhador assalariado, não se distancia.

A atividade do assistente social é, nesse sentido, definida por uma relação

de compra e venda de sua força de trabalho especializada, pressupondo a presença

do equivalente geral (dinheiro) que, manifesto no salário, exprime o valor de troca

dessa força, tornada mercadoria, e a transformação “[...] de seu trabalho em

atividade subordinada à classe capitalista [...]” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014,

p.92).

Inserida em um processo de assalariamento, a força de trabalho desse

profissional expressa um valor de uso e um valor de troca, conceitos marxistas

indispensáveis à problematização da categoria trabalho no capitalismo. É valor de

uso na medida em que atende a uma necessidade social, historicamente

determinada, que confere a ela a sua razão de ser e de existir, isto é, que a justifica

socialmente. Materializada em meio às relações estabelecidas na sociedade

capitalista, só é tornada útil pela mediação do mercado de trabalho, que a

transforma em mercadoria, passível de ser trocada por um salário, revelando,

portanto, o seu valor de troca10. É em decorrência desses processos que se pode

9 De acordo com Marx, a força ou capacidade de trabalho consiste “no conjunto das faculdades

físicas e espirituais que existem na corporalidade, na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento toda vez que produz valores de uso de qualquer espécie” (MARX, 1996, p. 285). 10

Na análise dos processos de trabalho na ordem metabólica do capital é necessário considerar o duplo caráter que ele assume, enquanto trabalho concreto e trabalho abstrato. O primeiro, fonte de produção de valores de uso, é condição necessária à formação e existência do ser social, indispensável à vida humana e presente em quaisquer formas de sociabilidade. O segundo, no entanto, se expressa como o seu reverso, como negação desse ser, destinado à produção de valores de troca, à satisfação dos interesses dominantes, próprio da sociabilidade capitalista. Acontece que, nesta sociabilidade, a dimensão abstrata subordina a dimensão concreta do trabalho, sendo a valorização do capital assumida como o principal objetivo a ser alcançado através da produção. A atividade criadora perde, nesse sentido, o seu caráter primeiro de atendimento às necessidades humanas para tornar-se meio de satisfação das necessidades do capital, em um processo em que é inteiramente subsumida por este. Ver a propósito Antunes (2005) e Alves (2007).

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atribuir ao caráter social do trabalho desenvolvido pelo assistente social uma dupla

dimensão: a de trabalho concreto e trabalho abstrato11.

Como parte do trabalho coletivo na sociedade, dispondo de uma força de

trabalho especializada, conquistada através de formação universitária, o assistente

social encontrará na questão social a base para a sua intervenção na realidade.

Será esta questão, em suas diversas expressões, na forma como experimentada

pelos sujeitos na família, no trabalho, na educação, nos diversos espaços da vida

em sociedade, a base fundante do seu trabalho, o objeto sobre o qual incidirá a sua

ação. Este profissional encontrará no conhecimento, nas bases teórico-

metodológicas que iluminam e direcionam a sua intervenção, conforme Iamamoto

(2014), um meio fundamental para a realização de seu trabalho12. O conjunto de

conhecimentos e habilidades adquiridos no decorrer de seu processo formativo é,

nesse sentido, parte constitutiva do acervo de seus meios de trabalho.

Todavia, a condição de trabalhador assalariado faz com que o assistente

social não disponha de todos os meios (recursos humanos, materiais e financeiros)

necessários à realização de sua atividade profissional. Estes lhes serão fornecidos

pelas instituições empregadoras, que definirão as condições de realização de seu

trabalho, as expressões da questão social sobre as quais deverá intervir, bem como

suas competências e atribuições13, impondo limites e desafiando a ação profissional

11

Na discussão do caráter concreto e abstrato assumido pela atividade profissional do assistente social, é possível mencionar o debate que vem sendo travado no interior da categoria quanto a sua definição ou não como trabalho. A caracterização da profissão como uma especialização do trabalho no capitalismo é inaugurada, em 1982, por Iamamoto e Carvalho. Alicerçada em Marx, a autora sustenta a tese de que, ainda que não participe, diretamente, do processo produtivo, o Serviço Social é trabalho. Os princípios desta afirmação, contudo, não passam sem contrassensos no interior da categoria profissional. Dentre os principais opositores à tese sustentada por Iamamoto está Sérgio Lessa, que defende que o Serviço Social não pode ser considerado trabalho, porque “não realiza a transformação da natureza nos bens materiais necessários à reprodução social. Não cumpre ele a função mediadora entre os homens e a natureza; pelo contrário, atua nas relações puramente sociais, nas relações entre os homens” (LESSA, 2000, p. 18). Para além das polêmicas que encerra, este debate é expressivo do crescimento da produção teórica no interior da profissão. 12

No processo da formação profissional do assistente social, segundo Guerra (2009), é determinada “a necessidade de um sólido referencial teórico-metodológico, que permita um rigoroso tratamento crítico-analítico, um conjunto de valores e princípios sociocêntricos adequados ao ethos do trabalho e um acervo técnico-instrumental que sirva de referência estratégica para a ação profissional. Daí a necessidade de formar profissionais capazes de desvendar as dimensões constitutivas da chamada questão social, do padrão de intervenção social do Estado nas expressões da questão social, do significado e funcionalidade das ações instrumentais a este padrão, através da pesquisa, a fim de identificar e construir estratégias que venham a orientar e instrumentalizar a ação profissional, permitindo não apenas o atendimento das demandas imediatas e/ou consolidadas, mas sua reconstrução crítica” (GUERRA, 2009, p. 01). 13

Sobre as competências e atribuições do assistente social na educação ver item 2.2.

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cotidiana. Tem-se, pois, que o seu fazer é tensionado pela relação de compra e

venda de sua força de trabalho.

Nesse sentido, como parte da classe trabalhadora, necessitando vender a

sua capacidade de trabalho como condição para subsistir, o assistente social não

poderia estar imune aos rebatimentos das transformações societárias que atingem

esta classe, dentre os quais a precarização, com todas as implicações que provoca.

Como uma dimensão que atravessa o trabalho na sociedade capitalista, a

precarização tem se aprofundado e generalizado na cena contemporânea, afetando

até mesmo os segmentos de trabalhadores estáveis, aqueles cuja inserção no

mercado profissional ocorre através de concursos públicos. De outro modo, ela se

torna um fenômeno estrutural, atingindo a todos indiscriminadamente, fragilizando

toda a classe trabalhadora. Referindo-se a esse processo, Druck (2013) afirma que

as formas de manifestação da precarização diferem em grau e intensidade, mas

apresentam a sua unidade no sentido de ser ou estar precário não mais em uma

condição provisória, mas permanente.

Partindo desse entendimento, da precarização como um fenômeno estrutural

e geral na sociedade capitalista contemporânea, o assistente social, enquanto parte

da classe trabalhadora, também tem suas condições e relações de trabalho

tensionadas por expressões dessa precarização, que se apresentam em todos os

espaços nos quais desenvolve sua atividade profissional, inclusive no espaço

estatal, no âmbito das IFEs, na particularidade da assistência estudantil.

Analisar a precarização do trabalho como um processo histórico na

sociedade exige concebê-la não como algo inédito no capitalismo, mas como um

antigo processo que, ao metamorfosear-se em face das transformações societárias,

assume novos contornos na cena contemporânea. Trata-se, dessa forma, de uma

velha precarização, agudizada e sem limites no contexto de hegemonia do capital

financeiro. A compreensão de sua atual configuração leva a buscar identificar as

suas principais determinações. Estas podem ser encontradas na crise estrutural do

capital, iniciada nos anos 1970 nos países cêntricos, e nas estratégias adotadas

para o seu enfrentamento, expressas na reestruturação produtiva e na ofensiva

neoliberal, aspectos indispensáveis para explicá-la e dimensioná-la.

Antes de prosseguir na problematização da precarização e de sua

agudização na cena contemporânea, porém, é preciso ressaltar que a crise atual é,

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na verdade, uma crise endêmica, crônica, profunda e permanente, indissociável do

modo de produção capitalista. Trata-se, conforme Mészáros (2011),

da crise estrutural do sistema que se estende por toda parte e viola nossa relação com a natureza, minando as condições fundamentais de sobrevivência humana. [...] essa não é apenas a maior crise da história humana, mas a maior crise em todos os sentidos (MÉSZÁROS, 2011, p. 130-133).

Acentuando a lógica destrutiva do capital, a crise estrutural representou a

substituição do padrão produtivo de bases taylorista e fordista pelas formas de

produção flexibilizadas e desregulamentadas, cedendo espaço à acumulação

flexível e ao toyotismo. O modelo de regulação social que deu sustentação ao

Estado de Bem Estar Social, em diversos países centrais, também foi sendo,

gradativamente, substituído, dando lugar à (des)regulação de cunho neoliberal14.

Superar a crise, de modo a garantir a recuperação das taxas de lucro, na

perspectiva de valorização do capital, exigia transformações na organização da

produção material, nas modalidades de gestão e consumo da força de trabalho, bem

como na forma de intervenção do Estado nas arenas econômica e social.

Inaugurava-se, assim, nos países do capitalismo central, em contraposição ao

modelo rígido da era fordista, o regime da acumulação flexível, do capital

flexibilizado, nos termos de Alves (2011), no qual se flexibilizava não apenas a

produção, mas também as relações e direitos sociais e do trabalho.

Essas tendências, como respostas do capital a sua crise, são sentidas de

forma perversa pela classe trabalhadora. Destrói-se, conforme Antunes (2010), a

força humana que trabalha, os seus direitos sociais, brutalizam-se enormes

contingentes de homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho,

torna-se predatória (destrutiva) a relação entre o homem e a natureza, como

consequência da lógica descartável da produção e das transformações em curso,

mantendo-se, entretanto, o sistema reprodutivo do capital.

14

O neoliberalismo é “uma teoria das práticas político-econômicas que propõem que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio (HARVEY, 2008, p. 12). Conquistando hegemonia em todo o cenário mundial, e em sua particularidade no Brasil, significou, de outro modo, a desregulação, a privatização, a retirada do Estado na garantia do bem estar social, a tendência à mercantilização dos serviços sociais e de todas as dimensões da vida humana.

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Em sua estratégia de reestruturação, marcada pelo avanço tecnológico, pelo

incremento da tecnologia no processo produtivo, pela substituição da produção em

série pela produção vinculada à demanda, pela constituição das formas de

acumulação flexível e do toyotismo, pela produção horizontalizada e

desterritorializada em contraposição a produção verticalizada da era fordista, o

capitalismo consolida profundas mutações no processo produtivo. A ordem geral era

recuperar as taxas de lucro, de forma a assegurar/preservar à reprodução ampliada

e dominação do capital, ainda que isso significasse elevados custos para a classe

trabalhadora. De outro modo, o capitalismo vai metamorfoseando o mundo do

trabalho, ao passo em que não só mantém, mas intensifica a exploração sobre os

trabalhadores, instaurando um amplo processo de precarização do trabalho15.

Tal processo, consubstanciado por meio da imposição de crescentes perdas

a classe trabalhadora, sobretudo, no campo dos direitos, e do aumento de sua

exploração, se manifesta, dentre outras formas, no “crescente contingente de

trabalhadores desempregados supérfluos à produção do capital” (ALVES, 2007, p.

126). A nova fase do capitalismo, envolta pela rapidez, efemeridade, volatilidade,

traz consigo a descartabilidade de tudo, atingindo todas as dimensões da vida

social, de tudo o que se produz e também daqueles que produzem, homens e

mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho.

O desemprego estrutural ganha expressividade na nova fase da acumulação

capitalista e, em decorrência dele, a formação de uma população excedente que,

disponível às necessidades do capital, possibilita a compressão dos salários e a

oferta de empregos cada vez mais precários, aos quais os trabalhadores são

obrigados a se submeter como condição a sua sobrevivência e de sua família.

Resulta da maior introdução de inovações tecnológicas no processo

produtivo, das modificações na composição orgânica do capital, em que o trabalho

morto expande-se, na mesma proporção em que se restringe a demanda por

trabalho vivo16. Compreende-se, pois, que a ampla substituição de contingentes

15

Segundo Mota (2012, p.02), “esses movimentos na Europa e na América Latina” (onde se encontra a realidade brasileira) “comportam propósitos imediatos distintos, porém não revelam nenhum antagonismo, por possuírem uma unidade subjacente: a precarização do trabalho, a reiteração das desigualdades sociais e a manutenção da mundialização financeira (Chesnais,1996), sob os auspícios da reforma do Estado em prol dos interesses do grande capital”. 16

Além das mudanças impulsionadas na produção, o uso das novas tecnologias possibilita ao capital uma maior extração de sobretrabalho, uma vez que permite a elevação dos índices de produtividade e de intensificação do trabalho, resultando em uma maior extração de mais-valia relativa do trabalhador.

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populacionais por máquinas automatizadas na produção tem provocado a redução

dos postos de emprego, produzindo uma força de trabalho sobrante que tende a

engrossar as fileiras do desemprego e do trabalho precário (MONTAÑO;

DURIGUETTO, 2011).

A propósito, segundo informações da Base de Dados Portugal

Contemporâneo (PORDATA), na União Europeia a taxa de desemprego em 28

países, no ano de 2017, foi de 7,6% entre a população ativa dos 15 aos 74 anos.

Dentre esses países, destaca-se a Grécia com taxa de desemprego de 21,567%,

maior índice, seguida da Espanha com 17,2%, a Itália com 11,2%, a França com

9,4% e Portugal com 8,9%. Na Alemanha, esse índice foi de apenas 3,7%. No

contexto da América Latina a taxa mais alta foi a da Venezuela com 26% nesse

mesmo ano.

Sobre essa realidade, no Brasil, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios (PNAD - Contínua), referente ao primeiro trimestre de 2017, mostram que

a taxa de desocupação no país registrou 13,7%, atingindo 14,2 milhões de

trabalhadores. Se comparado ao último trimestre de 2016, este contingente

representa um crescimento de 14,9%, quando a taxa de desempregados foi

estimada em 12,3 milhões. No confronto com o mesmo trimestre do ano anterior

(janeiro a março de 2016), esta estimativa cresceu 27,8%, significando um aumento

de 3,1 milhões de pessoas desocupadas em 01 (um) ano (INSTITUTO BRASILEIRO

DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE, 2017a).

Na especificidade das regiões brasileiras, o Nordeste apresenta as maiores

taxas de desocupação, registrando, no primeiro trimestre de 2018, uma estimativa

de 15,9%, expressando um crescimento de 2,1% em relação ao último trimestre de

2017, quando esta taxa era de 13,8% (IBGE, 2018). No Rio Grande do Norte,

particularizando o município de Natal/RN, lócus desta pesquisa, o índice de

desemprego, no segundo trimestre de 2017, foi de 17,3%; terceiro maior entre as

capitais do país17. A taxa de desemprego na capital potiguar supera até mesmo as

médias da região metropolitana e do estado nesse mesmo período, de 15,8% e

15,6% respectivamente (IBGE, 2017b).

17

Os dois primeiros lugares na referência a taxa de desemprego entre as capitais brasileiras foram ocupados por São Luís e Manaus, ambas as capitais com 19,8% de pessoas desempregadas no segundo trimestre de 2017.

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A existência de uma população sobrante, disponível ao capital, é preciso

salientar, não constitui uma característica específica do capitalismo contemporâneo,

sendo mesmo um aspecto necessário a este modo de produção e, por isso, sempre

presente em seu desenvolvimento. Para Marx (1996), essa força de trabalho

excedentária é própria da dinâmica do capitalismo, que atua no sentido de sua

formação. É, portanto, elemento estrutural, indispensável à ordem dominante, uma

vez que cumpre, dentre outras funções, o papel de inibir reinvindicações por parte

dos trabalhadores.

O que diferencia a presença dessa população no cenário atual, de outras

fases do capitalismo, é que na era da mundialização a sua existência não constitui

apenas elemento essencial à compressão dos salários, mas à submissão dos

trabalhadores às determinações dos empregadores, como alternativa ao

desemprego, na luta pela sobrevivência. As condições de trabalho e as formas de

emprego, cada vez mais precárias, manifestam-se, nessa direção, como imposição

frente a permanente ameaça do desemprego estrutural. Afinal, para os

trabalhadores, ter um emprego, ainda que sob estas condições, é melhor do que não

possuir vínculo algum18.

A presença dessa força de trabalho excedente na cena contemporânea

envolve, portanto, a subjetividade da classe trabalhadora, que, entre a possibilidade

e a impossibilidade de venda da sua força de trabalho, se ver coagida a aceitar

quaisquer formas de emprego. O medo passa a constituir, por essas mediações, o

maior combustível da indústria dos novos consentimentos da vida social (ALVES,

2007). Além disso, a ameaça do desemprego estrutural opera na divisão dos

trabalhadores, na sua fragmentação, na concorrência entre eles para a manutenção

de seus vínculos empregatícios, numa corrida em que ganha cada vez mais espaço

o fetiche da meritocracia, alimentado pela lógica do “fazer por merecer”, atribuindo a

cada sujeito social a responsabilidade exclusiva pelas suas condições de vida e de

sobrevivência.

O aumento do desemprego e a formação de uma massa de trabalhadores

excedente às necessidades do capital abrem margem à constituição de regimes e

18

Convivendo com esse perverso quadro de desemprego e com a constante ameaça que ele representa, os trabalhadores enfrentam, no Brasil Real, uma precarização do trabalho revelada numa dupla dimensão: na precariedade do emprego e salário, que penetra o núcleo integrado da classe dos trabalhadores assalariados, atingindo também os que ainda mantêm vínculo formal de emprego, e na expansão e avanço do setor informal (CARVALHO, 2002).

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contratos de trabalhos cada vez mais flexíveis, aprofundando a precarização, que

também se expressa na terceirização, na subcontratação, no trabalho em tempo

parcial, temporário, informal e por conta própria e no trabalho a domicílio (que

permite a retomada e proliferação de antigas práticas laborativas) e infantil, e

mesmo nas formas de trabalho forçado. Todas essas tendências têm como

pressuposto a superexploração e a degradação da força humana que trabalha,

ameaçada também em seu direito à proteção social e trabalhista, uma vez que a

garantia do acesso a esta proteção tem vinculação direta com o emprego formal19.

O novo contexto social, com implicações para o conjunto dos trabalhadores

em todo o cenário mundial, é então definido por novas modalidades de consumo da

força de trabalho enquanto mercadoria20, caracterizadas pela fragilidade dos

vínculos e das formas de inserção, pela insegurança no emprego e pela elevação da

exploração contraposta à redução dos salários, instaurando um amplo processo de

precarização laboral, que se alastra pelo mundo do trabalho, comprometendo as

diferentes categorias profissionais.

A condição de instabilidade, de insegurança, de fragmentação dos

trabalhadores e de suas lutas, como expressão da precarização no capitalismo

contemporâneo, torna-se hegemônica, opondo-se ao trabalho protegido e

concretizando-se como ameaça aos direitos conquistados pela classe trabalhadora.

O trabalho precário como realidade vivida por aqueles que vivem da venda de sua

capacidade produtiva é, portanto, processo que os unifica e que dá unidade também

aos distintos lugares em que a precarização se manifesta (DRUCK, 2011). Esta se

torna regra, em uma sociabilidade em que não há exceção quando o assunto é a

preservação dos ganhos e da rentabilidade do capital.

As demandas de um capitalismo flexibilizado, atravessado pelo avanço da

ciência e da tecnologia, requerem um novo tipo de trabalhador, mais flexível,

19

Partindo da discussão da proteção social e trabalhista que emana da Seguridade Social brasileira, um de seus pilares é definido pela lógica do seguro social, cujo pressuposto é garantir, conforme Boschetti (2009), às vezes exclusivamente, às vezes prioritariamente, à proteção ao trabalhador inserido no mercado de trabalho e a sua família. Uma forma de proteção social profundamente limitada, cuja universalização depende da universalização do emprego em uma sociabilidade marcada pelo desemprego estrutural. Aos trabalhadores sem vínculo formal e, portanto, destituídos dos direitos do trabalho, é reservado o acesso à assistência social, atravessada na cena contemporânea por processos de seletividade e focalização. 20

Na sociedade capitalista, o caráter útil do trabalho, a sua dimensão concreta, é subsumida por um caráter abstrato, cuja característica principal é a produção de valores destinados à troca. A produção volta-se para o mundo das mercadorias e a força de trabalho torna-se uma mercadoria especial, comprada pelo capitalista, cuja finalidade vem a ser, através de sua crescente exploração, a criação de novas mercadorias destinadas à valorização do capital.

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polivalente, multifuncional, disposto a se submeter aos ditames da ordem

estabelecida, um trabalhador sem resistência aos seus interesses. É com o intuito

de formação da mão de obra necessária ao atendimento de suas necessidades que

se tem empreendido, pela mediação da ação estatal, como se verá no próximo eixo

deste trabalho dissertativo, a ampliação da oferta no ensino superior, sobretudo por

meio das instituições privadas. A promoção do processo de massificação da

formação e de certificação em larga escala tem contribuído, além dos entraves

postos à qualidade da educação e a sua garantia como direito social, para a

fundamentação de mais uma face da precarização do trabalho no capitalismo

contemporâneo, aquela expressa na constituição do precariado. Na sua definição,

Carvalho (2014) aponta:

São milhões de trabalhadores jovens-adultos com alta escolaridade, desempregados ou inseridos em contratos de trabalho precários que transitam de uma ocupação a outra, quase sempre com baixos salários, sem projetos de vida e perspectiva de futuro. É uma multidão de jovens proletários assalariados, vinculados a camadas médias, com níveis elevados de qualificação profissional, entrando e saindo de empregos precários, a viver em situação de insegurança econômica e social, sem identidade ocupacional, sem garantia de direitos e tomados pelo sentimento de ansiedade perante o futuro (CARVALHO, 2014, p. 230).

O capitalismo, em sua sede incessante por lucros, demanda a ampliação da

formação em um contexto que produz o descarte dos trabalhadores, incapaz de

absorver a todos, inserindo-os na linha tênue entre o trabalho precário e o

desemprego. O precariado constitui, nesse sentido, uma expressão do crescimento

de trabalhadores supérfluos ao processo produtivo, mas necessários aos interesses

dominantes. A sua existência confirma o pressuposto de que a precarização do

homem que trabalha constitui um fenômeno universal nesta sociabilidade, atingindo,

conforme Alves (2016), tanto gerações mais velhas de operários e empregados, que

portam a experiência da precarização do trabalho que ocorreu na década de 1990,

quanto às novas gerações que se inseriram nos espaços de trabalho reestruturados

nos anos 2000. Referindo-se a realidade brasileira, o autor expõe que a nova

precariedade, que atravessa o trabalho assalariado e que caracteriza o mercado

profissional organizado nos anos iniciais do século XXI, tende a comprometer

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também as expectativas de realização pessoal de segmentos de trabalhadores

assalariados mais qualificados.

As mutações no mundo do trabalho resultam, nesse sentido, conforme

Antunes (2010), na formação de uma classe trabalhadora mais heterogênea, que se

fragmenta e complexifica, dividida entre trabalhadores mais qualificados e menos

qualificados, pertencentes ao mercado formal e informal21, ou postos a margem

destes, o que acaba por afetar a sua identidade, dificultando a sua organização

enquanto classe. Tal realidade se torna ainda mais visível quando, em um mesmo

espaço de trabalho, é possível encontrar trabalhadores que, ainda que

desempenhando funções idênticas, diferem na forma de inserção e na condição

salarial. Exemplo disso, no Brasil, é a heterogeneidade dos vínculos imposta aos

assistentes sociais, e aos demais trabalhadores, funcionários públicos, nos Hospitais

Universitários.

A diversidade das formas de inserção na particularidade desses espaços

tornou-se possível a partir da criação, pelo governo federal, em 2011, da Empresa

Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH)22. Com a adesão das universidades a

essa empresa para gerência dos Hospitais, a forma de ingresso dos servidores, cujo

valor de uso da força de trabalho está na prestação das ações e serviços de saúde,

passa a ser regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dispensando-se a

contratação pelo Regime Jurídico Único. De outro modo, a inserção profissional,

ainda que baseada na realização de concursos públicos de provas ou de provas e

títulos, passa a ser definida pelo vínculo celetista, sem estabilidade, em

contraposição ao vínculo estatutário, estável, dos trabalhadores cujo acesso ao

espaço institucional ocorre antes da adesão à empresa.

A heterogeneidade dos vínculos nos Hospitais Universitários, definida pela

existência de trabalhadores estatutários (cedidos à EBSERH) e celetistas, é

expressiva da precarização do trabalho que também se manifesta nesses espaços,

21

No Brasil, o trabalho formal é compreendido como aquele em que o trabalhador dispõe de um vínculo estável, com carteira assinada, sendo-lhe assegurados os benefícios preconizados na legislação trabalhista, sobretudo, os relativos à Previdência Social. O trabalho informal, de outro modo, é entendido com base na desregulamentação, na inexistência de carteira assinada, nos vínculos precários e, com isso, na ausência de acesso aos direitos legalmente garantidos. Os trabalhadores informais são, portanto, “pessoas sem direito à Previdência, ao Programa de Integração Social (PIS) e outros benefícios como férias, 13° salário e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)” (CARVALHO, 2002, p. 09). 22

Criada pela Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011, a EBSERH é uma empresa pública com personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio, vinculada ao Ministério da Educação.

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revelando a investida desenfreada do neoliberalismo no desmonte do conteúdo

social do Estado, na direção de sua crescente privatização. São várias as

dificuldades/fragilidades decorrentes da forma híbrida de inserção nesses espaços,

dentre as quais os problemas nas relações entre os próprios trabalhadores,

instaurando um clima de disputa entre estes, e na representação sindical de uns e

outros, fragmentando a sua organização e lutas (DRUCK, 2016).

O desemprego, a divisão entre trabalhadores estáveis e com vínculos

precários, as diferenças salariais afetam a própria identidade da classe trabalhadora,

dificultando a sua organização. Vale considerar, esta constitui uma estratégia do

capital, que tem investido pesadamente na desmobilização daqueles que vivem da

venda da sua força de trabalho, com a finalidade de diminuir a resistência aos

processos por ele criados. Outra estratégia do capital, no sentido de captura da

subjetividade dos trabalhadores, de modo a subsumi-la inteiramente, consiste na

busca da adesão passiva a sua lógica. Nessa direção, Alves (2011) salienta que,

sob o espírito do toyotismo, os trabalhadores assalariados, operários ou

empregados tornam-se colaboradores, esvaziando-se o discurso do conflito ou da

luta de classes. A crise tem, portanto, implicações tanto na materialidade quanto na

subjetividade da classe trabalhadora.

À precarização social do trabalho somam-se as transformações na relação

entre Estado e sociedade civil, definidas, em grande medida, pela ofensiva

neoliberal, com implicações diretas sobre os direitos da classe trabalhadora,

apontando para a sua anulação. O pacto fordista/keynesiano, consolidado no

segundo pós-guerra nos países do capitalismo central, em que os interesses do

capital se mostravam permeáveis a demandas da classe trabalhadora, chega a um

processo de esgotamento. Nega-se o Estado dos “anos de ouro” com suas funções

de promoção de uma política expansiva e anticíclica, de proteção ao pleno emprego,

de garantia de serviços públicos e de salários indiretos aos trabalhadores.

Nesse contexto, será a proteção social, viabilizada pela ação estatal, e as

constantes pressões dos trabalhadores, a fim de manter assegurado o atendimento

as suas demandas, apontadas como as principais responsáveis pela crise fiscal do

Estado. Estas, porém, não constituem as suas principais causas, sendo este, antes

de tudo, “[...] um argumento para a defesa neoliberal do corte dos gastos sociais,

escamoteando as intenções reais de diminuição do custo do trabalho, ao lado da

imposição de derrotas aos seguimentos mais organizados dos trabalhadores”

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(BEHRING, 2008, p. 63). Mais uma vez, o peso das transformações societárias recai

sobre a classe trabalhadora, sobre as suas conquistas e direitos, demandando

mudanças regressivas nos custos de produção e reprodução de sua força de

trabalho.

O novo quadro social, definido pela mundialização do capital, demanda,

nesse sentido, a redefinição do papel do Estado na esfera econômica, a liberdade

de mercado, a constituição e defesa de interesses individuais em detrimento da

coletividade, a desconstrução dos direitos sociais, a desproteção do trabalhador e a

consequente precarização das suas condições de trabalho e existência. Do Estado é

esperado o desenvolvimento de novas prerrogativas e, a partir destas, a destituição

de sua face social, devendo esta ser (re)constituída a partir dos princípios

neoliberais. Importa salientar, entretanto, que a “diminuição” estatal no âmbito social

reflete, de forma simultânea, a sua maior presença no campo de defesa e garantia

de interesses do capital. Desse modo, “[...] o neoliberalismo, mais que menos

Estado, propugna outro Estado. O que pretende é mudar algumas de suas pautas,

porém não tem asco da intervenção do Estado quando preserva e garante os

privilégios do capital” (MONTES, 1996 apud BEHRING, 2008, p. 64).

Nessa perspectiva, na esteira de preservação dos interesses capitalistas, o

Estado neoliberal passa a ser, conforme Alves (2007), o Estado político do capital,

aliando-se a este na eliminação das restrições de exploração do trabalho, que passa

também pela negação dos direitos sociais e trabalhistas. A crise estrutural amplia,

portanto, a demanda por um envolvimento direto do Estado na sobrevivência do

sistema, confirmando o pressuposto de que ele “na sua composição na base

material antagônica do capital não pode fazer outra coisa senão proteger a ordem

sociometabólica estabelecida, defendê-la a todo custo, independentemente dos

perigos para o futuro da sobrevivência da humanidade” (MÉSZÁROS, 2015, p. 28).

As transformações processadas no âmbito do Estado relevam, portanto, o

seu ajustamento às prerrogativas capitalistas e compromisso com a preservação da

ordem dominante, permitindo inferir que, somadas as metamorfoses nos processos

de trabalho, contribuem para intensificação da precarização, concebida, não só nos

países cêntricos, mas em todos os recantos envoltos pela hegemonia do capital,

como a principal estratégia do capitalismo flexível na busca de subordinação e

controle do trabalho.

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Os efeitos dessas transformações na esfera da produção e no âmbito do

Estado, verificadas em todo o cenário mundial, ganham centralidade, no Brasil, a

partir da década de 1990, mais precisamente no Governo Collor. Adentram o cenário

brasileiro logo após o período de redemocratização do país, contexto do qual

derivam, como resultado da luta travada entre capital e trabalho e da tensão entre as

diversas forças presentes na sociedade, conquistas para a classe trabalhadora

inscritas na Constituição Federal de 1988, que trouxe como novidades a instituição

da Seguridade Social e a perspectiva da universalidade no acesso aos direitos.

Não escapando à realidade brasileira, a análise dos efeitos do capitalismo

flexibilizado requer considerar as particularidades sócio-históricas que marcam e

definem essa sociedade. De outro modo, as transformações societárias processam-

se mediadas pela condição periférica do país e por sua inserção subordinada no

sistema capitalista mundial23 (GONÇALVES, 1994 apud NETTO, 1996).

Na problematização dessas particularidades e de suas determinações sobre

as condições de trabalho e a proteção social da classe trabalhadora brasileira, é

preciso mencionar que, diferente dos países do capitalismo central, em que o

fordismo representou uma série de conquistas para os trabalhadores, expressas,

dentre outras formas, no pleno emprego e na estabilidade, no Brasil ele não se deu

acompanhado de garantias sociais à classe trabalhadora, mas de flexibilidade e

precariedade na estrutura de ocupações conforme apontado por Santos (2012).

A política do pleno emprego, nos países cêntricos, explicada, em grande

medida, pela necessidade da existência de um mercado consumidor capaz de

absorver a produção em massa, tornou possível o fortalecimento do papel dos

sindicatos, que, por meio de negociações coletivas, obteve ganhos expressivos para

a classe trabalhadora, a exemplo dos aumentos salariais associados à elevação da

produtividade (SANTOS, 2012). No Brasil, a forma da democracia, restrita a classe

dominante, inviabilizou o reconhecimento da interlocução com os sindicatos,

atingindo, diretamente, as lutas trabalhistas24. A ampla utilização de instrumentos

23

A forma de dominação burguesa constitui, segundo Fernandes (1981), a chave para explicar a existência e o aperfeiçoamento da versão do capitalismo que coube à realidade brasileira, o capitalismo selvagem. O capitalismo possível na periferia, conforme o autor, na era da partilha do mundo entre as nações capitalistas hegemônicas, as empresas multinacionais e as burguesias das nações em desenvolvimento, que associa luxo, poder e riqueza, de um lado, extrema miséria, degradação e opressão, do outro. 24

Para Fernandes (1981), o caráter autocrático da revolução burguesa no Brasil aponta para a dissociação pragmática entre o desenvolvimento capitalista e a democracia. Nesse sentido, “o que “é bom” para intensificar ou acelerar o desenvolvimento capitalista entra em conflito, nas orientações de

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coercitivos por parte do Estado foi fundamental para a restrição da participação

política e do exercício da cidadania por amplos setores da população, resultando, de

acordo com Iamamoto (2015), em uma rede de relações autoritárias que atravessa e

impacta a sociedade civil.

Esse aspecto torna possível demarcar mais uma particularidade da

formação social brasileira, aquela em que a tomada de decisões se dá sem a

participação das forças populares, “pelo alto”, desconsiderando os mecanismos

democráticos instituídos, típico da modernização conservadora do capitalismo no

país.

O caráter conservador dessa modernização, explicado pela construção do

novo por meio do arcaico, garante a preservação dos interesses da classe

dominante e, no reverso, a crescente exploração da classe trabalhadora. Moderniza-

se a economia, o aparelho do Estado, aliado fundamental do capital em todo esse

processo, mas não as conquistas sociais e políticas da classe trabalhadora, que se

mantêm defasadas (IAMAMOTO, 2015).

Ao adentrarem o cenário brasileiro, redefinindo as condições de existência

da classe trabalhadora, as transformações processadas no tecido social,

mediatizadas pelas particularidades históricas que atravessam e caracterizam as

relações sociais no Brasil, agudizam a precarização, que passa a se expressar em

todas as dimensões da vida em sociedade. Há, nesse sentido, uma nova

precarização social do trabalho no país, denominada por Alves (2016) como a nova

precariedade salarial que caracteriza o mercado de trabalho, uma vez que foi

reconfigurada e ampliada, conduzindo a regressões no campo do trabalho e dos

direitos, impondo variadas perdas aos trabalhadores (DRUCK, 2013). Nos termos de

Alves (2016), no Brasil,

a reestruturação produtiva com precarização do trabalho que ocorreu na década de 1990, e que deu origem à nova precariedade salarial, disseminada na década de 2000, fez emergir novos ambientes de trabalho reestruturados do capitalismo flexível, provocando alterações significativas na experiência do emprego assalariado e nas condições de trabalho dos operários e empregados “estáveis”,

valor menos que nos comportamentos concretos das classes possuidoras e burguesas, com qualquer evolução democrática da ordem social. A noção de “democracia burguesa” sofre uma redefinição, [...] pela qual ela se restringe aos membros das classes possuidoras que se qualifiquem, econômica, social e politicamente, para o exercício da dominação burguesa” (FERNANDES, 1981, p. 292).

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com consequências perversas na vida pessoal de homens e mulheres que trabalham (ALVES, 2016, p. 144).

Ao analisar a precarização do trabalho na realidade brasileira, a partir dos

processos de reestruturação que o atravessam, Druck (2013) constrói uma tipologia

com a finalidade de tornar mais claras as suas diferentes expressões na sociedade.

Nesse sentido, permite identificar cinco grandes tipos de precarização, expressos:

nas formas de mercantilização da força de trabalho, que produz um mercado

profissional definido pela vulnerabilidade estrutural, pelas formas precárias de

inserção dos trabalhadores em relações de assalariamento; na organização e nas

condições de trabalho, com a elevação do ritmo e intensidade, o estabelecimento de

metas inalcançáveis, a pressão do tempo, a extensão da jornada, a polivalência e a

rotatividade, aspectos que conduzem a intensificação; nas condições de segurança

no trabalho, isto é, em sua fragilização; no reconhecimento, na valorização simbólica

e no processo de construção da identidade individual e coletiva dos trabalhadores; e

nas condições de representação e de organização sindical, provocando a

fragilização política da classe trabalhadora. Além destes, Druck (2011) apresenta um

sexto tipo de precarização social do trabalho, aquele expresso na condenação e no

descarte do Direito do Trabalho25.

No campo da proteção social, já na abertura da década de 1990, as

conquistas do período de pós-redemocratização, alicerçadas no cenário de luta pelo

fim da ditadura militar que durara mais de duas décadas no Brasil, no século XX, são

fortemente tensionadas, encontrando no direcionamento adotado pelo Estado um

obstáculo a sua realização. Trata-se, conforme Behring (2008), de uma

contrarreforma do Estado, uma vez que existe no pensamento neoliberal forte

evocação ao passado e um receituário regressivo quando observadas as condições

de vida, de trabalho e de participação política das maiorias.

De fato, os efeitos das transformações societárias chegam com força e uma

perversidade ainda maior na realidade brasileira, uma vez que aqui não se registra,

a exemplo do que aconteceu nos países centrais, a emergência de um Estado de

Bem Estar Social. Não há, conforme explicitado por Netto (1996), um Welfare State

25

Como expressão desse sexto tipo de precarização social do trabalho, no Brasil, é possível apontar o ataque neoliberal, promovido pelo governo Temer, aos direitos trabalhistas, sobretudo por meio da aprovação da Lei nº 13.467/2017, que altera a CLT, e da PEC 287/2016, que propõe a reforma da Previdência Social.

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a destruir na particularidade brasileira, tão pouco “gorduras” nos gastos sociais. O

que se concretiza no país são a negação e a destruição dos direitos conquistados e

inscritos na Constituição Federal de 1988, antes mesmo de sua efetivação. Não por

acaso, e é preciso mencionar, ela se torna um importante alvo para o capital em

suas estratégias neoliberais.

Nessa perspectiva, as conquistas e garantias, que espelhavam a

possibilidade de melhoria nas condições de trabalho e de existência da população

brasileira, não se efetivaram, em um contexto em que os ataques promovidos por

um Estado rendido aos interesses capitalistas somente contribuíram para intensificar

a precarização dessas condições. Assim, é possível dizer que “o país foi pego a

meio caminho na sua tentativa tardia de montagem de um Estado de Bem-Estar

Social, num processo que foi atropelado pelo ajuste neoliberal” (SOARES, 2000

apud BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 158).

Vive-se, no Brasil, como consequência direta dessa realidade e do

neoliberalismo que aqui se instala, a regressão da cidadania, reduzida as suas

dimensões civil e política, destituída de sua face social. Nessa direção, seguindo as

recomendações dos organismos multilaterais para toda a América Latina, delineadas

no Consenso de Washington26, o Estado brasileiro tem posto em execução o ajuste

estrutural, que, pressupondo cortes na área social, tem apontado como “saída” à

proteção social políticas focalizadas e seletivas; sem contar com a transferência de

responsabilidades à sociedade civil, por meio do estímulo a organizações

filantrópicas e não governamentais na prestação de serviços sociais.

A oferta de serviços marcados pelos ideais da solidariedade e postos sob a

responsabilidade de instituições da sociedade civil tem contribuído para o

fortalecimento da cultura paternalista que marca a história do Brasil, convertendo em

favor o que é direito e derruindo o princípio da universalização posto na Constituição

Federal de 1988, uma vez que os direitos só podem ser universalizados no âmbito

do Estado. Nesse sentido, é inevitável reconhecer que cresce o abismo entre o país

legal, expresso nas conquistas inscritas na nova Constituição, e o país real, revelado

pela privação de direitos que marca o cotidiano da população brasileira. Trata-se do

26

Foram dez as medidas defendidas nesse Consenso sob um receituário neoliberal que se tornou hegemônico para toda a América Latina. Dentre estas: ajuste fiscal e monetário, redução dos gastos sociais, privatização, controle das contas públicas, desregulamentação e abertura dos mercados internacionais. Medidas orientadas pelo princípio da eficiência econômica e pelo pressuposto de que dariam sustentabilidade financeira ao Estado e possibilitariam o crescimento econômico e a equidade social (SILVA, 2002).

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encolhimento do horizonte de legitimidade dos direitos, que tende a transformá-los

em privilégio (RAICHELIS, 2009).

Considerados custo excessivo do trabalho e não mais uma responsabilidade

exclusiva do Estado, os serviços sociais27 passam a ser ofertados também via

mercado, transformando-se em mercadoria, numa sociabilidade que tende a

transportar os direitos para a esfera do consumo, convertendo tudo o quanto

possível, desde a força de trabalho aos meios de sua produção e reprodução, em

coisas vendáveis. Trata-se de reformar o Estado dando ênfase às privatizações,

desprezando-se os ganhos constitucionais no campo dos direitos, no sentido de

adaptar o país a lógica globalizada do capital.

Cria-se, em decorrência disso, uma dualidade na forma de acesso às

políticas sociais, entre aqueles que acessam pela via pública e aqueles que dispõem

de condições para acessá-las via mercado. O neoliberalismo, como força ideológica

e hegemônica na sociedade, responsável pela produção de uma nova subjetividade

necessária a atual fase da acumulação capitalista, tende a perpetuar o pensamento

de que o que é bom deve ser acessado via mercado, promovendo, com isso, um

processo de negação da coisa pública. É precisamente nesse arco, conforme Netto

(2012), que está concentrada a essência do neoliberalismo, a partir de uma

argumentação teórica que restaura o mercado como instância de mediação societal

elementar e insuperável, tendo por base uma proposição política que repõe e

defende o Estado mínimo como única alternativa e forma para a democracia.

Partindo do pressuposto que o enfrentamento à questão social se dá, em

grande medida, pela mediação das políticas sociais, as estratégias adotadas nesse

enfrentamento também têm sido redimensionadas. De modo geral, as respostas às

suas diversificadas expressões têm se dado por meio da refilantropização das

políticas sociais, com transferência de responsabilidades para a sociedade civil, por

políticas focalizadas e seletivas, contrapostas ao princípio da universalidade, pela

27

Na consideração do que sejam os serviços sociais, importa demarcar que parte do valor criado pela classe trabalhadora é apropriada pelo Estado, sobretudo sob a forma de impostos e taxas pagos por toda a população. Parte dessa riqueza produzida pelos trabalhadores e apropriada pelo Estado e pela classe dominante é redistribuída sob a forma de serviços, dentre os quais os assistenciais, previdenciários ou sociais. Nesse sentido, tais serviços nada mais são, na sua realidade substancial, do que uma forma transfigurada de parcela do valor criado pela classe trabalhadora, devolvida a toda a sociedade (especialmente aos trabalhadores, que deles mais fazem uso) sob a forma de serviços sociais (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014).

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mercantilização, que transforma serviços sociais em mercadoria, e, em última

instância, pela ação coercitiva do Estado, que tende a (re)criminalizá-la28.

Formas de enfrentamento expressivas da perda e retração de direitos dos

trabalhadores; realidade agravada com a aprovação, em 2017, das duas leis que

impactam diretamente os direitos trabalhistas: a Lei nº 13.429/2017, que alterou

substancialmente a lei do trabalho temporário, e a Lei nº 13.467/2017, que instituiu a

Reforma Trabalhista em vigor, fragilizando ainda mais as condições e relações de

trabalho pela predominância da negociação sobre o inscrito na legislação,

permitindo alterações, dentre outras, na jornada de trabalho, no salário e no tempo

de descanso dos trabalhadores29. As transformações sociais têm, portanto,

implicações nas formas de resposta à questão social e às necessidades sociais dos

trabalhadores.

Os elementos aqui sintetizados permitem apreender que as transformações

engendradas pelo capitalismo em sua nova fase de acumulação implicam na

precarização estrutural do trabalho, de suas condições e relações, bem como na

precarização das formas de resposta do Estado às necessidades sociais dos

trabalhadores, isto é, das políticas sociais e dos serviços que as materializam,

provocando o agravamento da questão social e de suas expressões na realidade

brasileira. Tendo em vista, conforme Iamamoto (2015), que o trabalho do assistente

social é indissociável dos dilemas vividos pelo conjunto dos trabalhadores, importa

apreender a forma pela qual as transformações societárias se “constituem em

28

Como expressão do avanço da (re)criminalização da questão social e da instituição de um Estado que, avesso à garantia dos direitos sociais, assume uma feição penal, há uma ampliação desmedida do encarceramento no Brasil. Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2014) sobre a evolução da população carcerário no país, havia, em 1990, 90.000 (noventa mil) pessoas privadas de liberdade em todo o território nacional. Em 2005, essa população passa a ser de 361.402 (trezentos e sessenta e um mil, quatrocentos e dois), chegando a 574.000 (quinhentos e setenta e quatro mil) em 2014. O tráfico de drogas aparece como o crime com maior representatividade no sistema carcerário brasileiro, representando 307% do índice de prisões entre os anos 2005 e 2012. 29

Tais leis fazem parte do conjunto de medidas empreendidas pelo ilegítimo governo Temer, no atual contexto da sociedade brasileira, no ataque aos direitos sociais e do trabalho. Além destas leis, outras medidas implementadas, neste governo, que reafirmam a presença e o peso do neoliberalismo na condução dos direitos conquistados, arduamente, pelos trabalhadores, consistem na Proposta de Emenda à Constituição nº 241/2016 (PEC 55 ou 241), que congela os gastos públicos por vinte anos, sobretudo nas áreas de Saúde e Educação, e na PEC 287/2016, que propõe a Reforma da Previdência Social, apontando, dentre outras alterações na previdência atual, a exigência de 49 (quarenta e nove) anos de contribuição para o trabalhador ter direito à aposentadoria integral. Todas essas medidas, expressivas da negação dos direitos da classe trabalhadora, são adotadas como mecanismos de redução dos custos de produção e reprodução da força de trabalho, de precarização em todas as dimensões da vida social, como estratégias de potencialização dos ganhos do capital.

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mediações às práticas profissionais e ao Serviço Social, em particular” (GUERRA,

2005, p. 01).

Parte-se do pressuposto que os espaços ocupacionais dos assistentes

sociais, enquanto resultantes históricos, determinados, em grande medida, pelas

transformações engendradas no tecido da vida social, são indissociáveis dos

processos de reestruturação produtiva, de flexibilização do trabalho, de investida

contra os trabalhadores; processos estes que imprimem mudanças na questão

social enquanto matéria de seu trabalho, nas demandas que lhes são postas, nas

formas de respostas a estas, mediadas pelas políticas sociais, e nas suas condições

e relações de trabalho, demandando, inclusive, novas habilidades, competências e

atribuições profissionais. Como sinalizado por Iamamoto (2002),

É esse contexto que altera a demanda de trabalho do AS, modifica o mercado de trabalho, altera os processos de trabalho e as condições em que se realizam, nos quais os assistentes sociais ingressam enquanto profissionais assalariados. As relações de trabalho tendem a ser desregulamentadas e flexibilizadas. Verifica-se uma ampla retração dos recursos institucionais para acionar a defesa dos direitos e dos rateios de acessá-los. Enfim, tem-se um redimensionamento das condições do nosso exercício profissional, porque ele se efetiva pela mediação das condições do assalariamento (IAMAMOTO, 2002, p. 40).

Assim, guardadas as especificidades, o trabalho do assistente social, à

semelhança de toda a classe trabalhadora, sofre os efeitos das estratégias

formuladas pelo capital no enfrentamento a sua crise, que tendem a precarizá-lo

duplamente, por meio das transformações no mundo do trabalho e nas políticas

sociais, enquanto campo e mediação indispensável ao desenvolvimento de sua

atividade profissional.

Nessa perspectiva, como trabalhador assalariado, o assistente social

enfrenta, nos diversos espaços em que se insere, os rebatimentos da precarização,

submetendo-se a novas requisições, regulamentações, condições e relações de

trabalho, tanto no âmbito do Estado, quanto das instituições empresarias e da

sociedade civil. A dinâmica da precarização passa a atingir o seu trabalho “pela

insegurança do emprego, precárias formas de contratação, intensificação do

trabalho, aviltamento dos salários, pressão pelo aumento da produtividade e de

resultados imediatos, ausência de horizontes profissionais de mais longo prazo, falta

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de perspectivas de progressão e ascensão na carreira, ausência de políticas de

capacitação profissional, entre outros” (RAICHELIS, 2011, p. 420).

Esses elementos, ao atravessarem o trabalho profissional na cena

contemporânea, conformam uma realidade em que a polivalência, a terceirização, a

subcontratação, a queda de padrão salarial, a ampliação de contratos de trabalho

temporários e o desemprego passam a ser dimensões que afetam o Serviço Social

na contemporaneidade, não sendo, portanto, uma realidade alheia e externa a

profissão (IAMAMOTO, 2014).

O processo de precarização que atravessa o trabalho dos assistentes

sociais pressupõe considerar ainda o quadro que envolve e caracteriza as políticas

sociais no atual contexto da sociedade brasileira, uma vez que o formato dessas

políticas e dos serviços que as materializam exercem influência direta sobre os

profissionais que atuam no seu planejamento, organização e execução. Desse

modo, as condições de trabalho e relações sociais nas quais se inscrevem os

profissionais de Serviço Social são, conforme Behring (2008), indissociáveis da

contrarreforma do Estado.

Pesquisa realizada pelo CFESS (2005), cujos resultados confirmam a

tendência histórica do Estado como o maior empregador dos assistentes sociais no

Brasil, permite apreender efeitos da precarização do trabalho no espaço estatal.

Conforme dados coletados, 78,16% dos profissionais empregados desenvolvem o

seu trabalho nesse espaço, em instituições municipais, estaduais e federais, dos

quais apenas 55,68% possuem vínculo estatutário, o que permite apreender que

nem todos os assistentes sociais que atuam em instituições de natureza pública

mantêm vínculos efetivos, decorrentes de concursos públicos, e que a forma de

inserção nessas instituições também tem sido definida por vínculos precários, a

exemplo do contrato temporário.

Essa realidade de precarização no âmbito estatal é reafirmada pela

contrarreforma do Estado, que promove, pela adoção dos princípios neoliberais, o

sucateamento dos serviços públicos, com implicações diretas no trabalho dos

profissionais que prestam tais serviços, expressas, dentre outras maneiras, na

redução de concursos públicos, promovendo, pela insegurança e instabilidade dos

vínculos, a precarização nas formas de inserção em seus espaços institucionais.

Além disso, é preciso considerar as precárias condições de realização do

trabalho profissional, que passam pela quantidade/sobrecarga de atividades, pelas

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extensas jornadas, pelas cobranças e pelas diversas formas de insegurança, desde

as relativas à (im)possibilidade de resposta às demandas dos estudantes, àquelas

referentes aos direitos dos próprios assistentes sociais, fortemente desrespeitados e

tensionados nestes tempos perversos. Estas são, portanto, características que

ultrapassam o âmbito das instituições empresariais e da sociedade civil, atingindo

também os trabalhadores do setor público.

Nesse sentido, a precarização como um antigo processo no capitalismo,

intrínseco a este, reatualizado e aprofundado na cena contemporânea, atravessa

todos os espaços que demandam a força de trabalho do assistente social, dentre os

quais os espaços das instituições estatais. As transformações societárias instalam,

portanto, um processo de precarização no trabalho deste profissional nos diversos

setores em que se insere, dos quais não está isento aquele relativo à política de

educação, na particularidade da inserção e atuação na assistência estudantil.

2.2. A EXPANSÃO DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE EDUCAÇÃO E A

AMPLIAÇÃO DO ESPAÇO OCUPACIONAL PARA O ASSISTENTE SOCIAL:

elementos para a análise do trabalho profissional na assistência estudantil

Como profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho, encontrando

nas políticas sociais a mediação necessária ao seu desenvolvimento, o Serviço

Social tem sido requisitado em vários espaços institucionais, dentre estes, os

espaços que dão materialidade à política de educação. Considerar esta política

como espaço de trabalho para o assistente social pressupõe compreendê-la na

trama das relações constituintes da sociabilidade capitalista, sendo, por isso,

atravessada por suas implicações. De outro modo, pressupõe entender que não

constituindo “ilhas sociais”, as problemáticas resultantes desta sociabilidade

atravessam as instituições educacionais (escolas, institutos, universidades),

demandando, além do professor, a presença do assistente social, do psicólogo, do

nutricionista, do médico, do enfermeiro, dentre outros profissionais.

A educação é então apreendida como parte de uma totalidade maior, cuja

amplitude não se restringe aos muros que cercam as instituições de ensino, mas às

relações da sociedade capitalista em suas contradições, estando a maior destas na

contradição capital/trabalho, produtora de uma série de desigualdades que tecem o

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cotidiano de grande parte dos estudantes da classe trabalhadora. É por essa

realidade de contradições que emerge a questão social, definida por Iamamoto

(2009) como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista,

tendo sua raiz na produção cada vez mais social, enquanto a apropriação de seus

frutos se mantém privada.

A questão social, em suas múltiplas expressões, se manifesta no espaço da

educação, dentre outras formas, na violência, no preconceito, na discriminação, na

drogadição, nas privações relativas à alimentação, ao transporte, a condições dignas

de moradia, trabalho, segurança e sobrevivência. Essas problemáticas, levadas

pelos estudantes para as instituições de ensino, gerando requisições nesses

espaços, tornam evidente a necessidade de profissionais que possam com elas

trabalhar, na perspectiva de defesa das condições necessárias à efetivação do

direito à educação. Será nessas diversas expressões da questão social que o

assistente social encontrará a base fundante do seu trabalho, o objeto sobre o qual

incidirá a sua ação. Por encontrar nela a base de realização de seu trabalho, esse

profissional torna explícito o seu reconhecimento no que diz respeito às contradições

da sociedade capitalista, direcionando sua atividade profissional, na educação, ao

enfrentamento de tais problemáticas, na perspectiva de tornar real este direito.

Na consideração do significado do trabalho do assistente social no espaço

educacional, porém, importa destacar que este nem sempre esteve direcionado pela

perspectiva de reconhecimento do estudante enquanto sujeito de direito. Conforme o

Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2011), a inserção profissional nessa

área não constitui uma realidade nova, sendo forjada desde a gênese dos processos

sócio-históricos da profissão no Brasil, em 1930, como exigência da classe

dominante ao processo de formação técnica, intelectual e moral da classe

trabalhadora. Nesse contexto, a atuação dos assistentes sociais na educação

apresentava-se, em grande medida, orientada por princípios conservadores,

legitimadores da ordem burguesa, indispensáveis a sua manutenção.

A família era enxergada pelos profissionais de Serviço Social como

responsável pelas suas condições de vida e de trabalho e pelo baixo grau de

escolaridade de seus filhos. O enfrentamento e superação dessas condições eram,

por isso, apreendidos como de sua responsabilidade exclusiva, sendo função

desses profissionais orientá-la, na perspectiva de manutenção da ordem social, de

adaptação e de ajustamento dos indivíduos aos valores morais da época (SOUZA,

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2008). Apoiados numa atuação profissional distanciada de uma reflexão crítica, a

perspectiva exposta torna expressa a dificuldade dos assistentes sociais em

problematizar tais condições, em enxergá-las no processo das relações que

permitem apreendê-las como indissociáveis ao capitalismo.

Sendo uma realidade possível, no Brasil, desde a origem da profissão, a

atuação do assistente social na educação, por meio de uma série de mediações

históricas, é requalificada, assumindo novos contornos a partir das transformações

sociais que atravessam a sociedade e essa política social na contemporaneidade,

definindo-a como direito de todos e dever do Estado; bem como a partir do processo

de renovação política e ética do Serviço Social, que inaugura no seio da categoria

profissional o compromisso com os interesses da classe trabalhadora.

A referência à concepção inicial do trabalho do assistente social na

educação se faz necessária para reforçar o salto qualitativo e indispensável à

compreensão do significado e papel da atividade profissional na cena

contemporânea. Apreender a relevância desse trabalho no espaço ocupacional da

educação pressupõe esclarecer, desde logo, que, apoiado nos princípios e diretrizes

da legislação profissional, materializada no Código de Ética, na Lei de

Regulamentação da Profissão (Lei nº 8.662/93) e nas Diretrizes Curriculares da

Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), ele estará

direcionado pela perspectiva de ampliação e consolidação da cidadania, com vistas

à garantia dos direitos, pela universalidade de acesso aos bens e serviços relativos

aos programas e políticas sociais e pela qualidade dos serviços prestados à

população (CFESS, 2012).

Esses princípios, ao nortearem o trabalho profissional, permitem identificar a

sua direção social comprometida com a defesa da educação, a partir do

reconhecimento dos estudantes como sujeitos de direito. Assumindo essa

perspectiva, e estando a sua atividade imersa num cotidiano marcado pela

correlação de forças entre as classes, os assistentes sociais expressam também a

defesa da centralidade do Estado na garantia desse e dos demais direitos dos

trabalhadores.

Encontrando legitimidade social em sua capacidade de responder às

demandas que lhes são postas, ao adentrarem o espaço das instituições de ensino

os profissionais de Serviço Social encontrarão como principal requisição o

estabelecimento e desenvolvimento de ações que possam contribuir para a

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superação das dificuldades presentes no cotidiano escolar como marca das

expressões da questão social. Tais dificuldades lhes serão apresentadas sob a

forma de demandas, revelando as necessidades mais imediatas dos estudantes

para permanência na educação. Na discussão do que sejam essas demandas, vale

considerar o que dizem Mota e Amaral (2008),

a rigor, são requisições técnico-operativas que, através do mercado de trabalho, incorporam as exigências dos sujeitos demandantes. Em outros termos, elas comportam uma verdadeira “teleologia” dos requisitantes a respeito das modalidades de atendimentos de suas necessidades (MOTA; AMARAL, 2008, p. 25, grifo das autoras).

As demandas dos estudantes não se confundem, portanto, com as

necessidades sociais, que apresentam uma conotação mais ampla, manifestando-se

no espaço da educação, dentre outras formas, na busca por alimentação, por

recursos que garantam o deslocamento à instituição de ensino e a aquisição de

material didático e por orientação e encaminhamentos para serviços sociais que

extrapolam o âmbito educacional, mas que com este se relacionam no sentido da

garantia das condições necessárias para que nele se possa permanecer.

Tais demandas e necessidades constituem expressões da questão social

que, materializadas nas diversas situações que chegam ao assistente social,

expressam, de um lado, a violação de direitos a qual os estudantes estão

submetidos e, de outro, a relevância e legitimidade da inserção profissional no

espaço educacional, cujo horizonte, na contramão das violações em curso, tem

apontado para a inserção e permanência desses estudantes como pressupostos

fundamentais a efetivação do direito à educação.

Nesse sentido, tendo em vista que o trabalho desenvolvido pelos assistentes

sociais mantém uma relação direta com as demandas que lhes são postas no

cotidiano profissional, bem como com as características da política social a qual se

vincula, estarão dentre as suas competências e atribuições30 na educação, conforme

30

Conforme parecer jurídico da Assessoria de Sylvia Terra (parecer de nº 27/98), no sentido etimológico a competência refere-se à capacidade/habilidade de apreciar e resolver determinado assunto. Já a atribuição é faculdade inerente a uma profissão. Nessa perspectiva, as competências dizem respeito a funções genéricas, não sendo exclusividade de uma especialidade profissional, mas a ela relacionadas em razão das habilidades e capacitação de seus sujeitos profissionais. As atribuições privativas, de outro modo, são aquelas funções de caráter privativo, constituindo, por isso, prerrogativa exclusiva dos assistentes sociais.

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os subsídios para a atuação nesta política, elaborados pelo CFESS (2011), a

realização de estudos socioeconômicos; a concessão de bolsas e definição das

condições de acesso a determinados estabelecimentos educacionais; o

desenvolvimento de ações pedagógico-interpretativas para socialização das

informações por meio da orientação social/esclarecimentos aos estudantes sobre os

direitos sociais; a realização de abordagens individuais/grupais junto a eles, a suas

famílias e/ou trabalhadores e trabalhadoras da política de educação; o

gerenciamento, planejamento e execução dos bens e serviços no âmbito dessa

política e a investigação acerca da realidade social.

Considerando as competências e atribuições indicadas nesse documento,

bem como as explicitadas na Lei 8.662/93, nos seus artigos 4º e 5º,

respectivamente, que também apontam à realização de estudos socioeconômicos

com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais; a orientação a indivíduos

e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e fazer

uso destes no atendimento e defesa de seus direitos; a orientação social a

indivíduos, grupos e à população; a elaboração, implementação, execução e

avaliação das políticas sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou

indireta, empresas, entidades e organizações populares e o planejamento, execução

e avaliação de pesquisas que contribuam para a análise da realidade social e para o

desenvolvimento das ações profissionais como atividades a serem desenvolvidas

pelos assistentes sociais, apreendem-se as várias possibilidades do trabalho

profissional a ser desenvolvido no espaço da educação.

No sentido de explicitar e problematizar essas possibilidades, não estando

estas restritas ao campo da assistência estudantil, os subsídios para a atuação dos

assistentes sociais na educação apontam dimensões que particularizam a inserção

profissional nos espaços dessa política31. Dentre estas dimensões encontra-se a

atuação direcionada para a garantia da qualidade da educação escolarizada. O

trabalho desenvolvido com base nessa dimensão não pode perder de vista às

contradições da sociedade capitalista e a compreensão da política de educação

como resultante de sua dinâmica, constituindo, por isso, mecanismo indispensável a

31

Para além das dimensões apresentadas neste trabalho dissertativo, a inserção dos profissionais de Serviço Social na política de educação se dá também a partir da atuação na docência.

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sua reprodução e a internalização dos valores dominantes32. Nessa perspectiva, é

preciso ter claro, conforme Mészáros (2008), que,

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade [...] (MÉSZÁROS, 2008, p. 35, grifo do autor).

Sendo indispensável à produção de consensos e reprodução de uma forma

de sociabilidade marcada pela exploração do homem pelo homem, a educação é

também permeada pela luta de classes, podendo, de modo inverso, contribuir para

que os indivíduos questionem os valores da ordem vigente. Desse modo, mesmo

perpassada por determinações do capital e atravessada por seus interesses, é

indispensável que se considere o potencial da educação na formação política dos

sujeitos.

Tendo em vista o papel contraditório que a política educacional assume

nesta sociedade, podendo constituir mecanismo de produção/reprodução da ordem

social estabelecida, ao mesmo tempo em que pode oferecer os pressupostos

indispensáveis a sua contestação, o trabalho desenvolvido com base nessa

dimensão requer considerar de qual perspectiva classista se defende a noção de

qualidade. Partindo do projeto ético político do Serviço Social e da concepção de

educação a este vinculada e que orienta o trabalho profissional, a garantia da

qualidade da educação que deve pautar a atuação do assistente social está

ancorada em uma perspectiva que contribua para a afirmação de outros significados

para essa política, numa clara direção contra hegemônica, cujo objetivo é a

emancipação humana33.

32

É preciso ter claro que “[...] a educação formal não é a força ideologicamente primária que consolida o sistema do capital” (MÉSZÁROS, 2008, p. 45). Ela é apenas uma parte do sistema de internalização dos valores dominantes, pois mesmo um indivíduo que nunca tenha frequentado uma instituição formal de educação tomará como naturais os valores de reprodução da sociedade, uma vez que as diversas relações sociais aparecem permeadas por eles. 33

A emancipação humana implica a construção de uma sociabilidade distinta da sociedade do capital, na qual o trabalho é realizado de forma associada, em um processo em que os trabalhadores detêm o controle livre e consciente do processo de produção em sua integralidade. Desta forma de trabalho está ausente a exploração e sujeição dos homens uns aos outros. Assim, falar em emancipação do homem é falar em liberdade plena, é pensar a construção de uma autêntica comunidade humana, de “[...] uma forma de sociabilidade que, fundada na materialidade do trabalho

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Outra dimensão que caracteriza a inserção e atuação dos assistentes

sociais na área educacional, conforme documento do CFESS (2011), é aquela

voltada para a garantia da gestão democrática da escola e da política de educação.

A construção dessa dimensão depende, essencialmente, da afirmação e

compromisso desses profissionais com os princípios éticos e políticos que definem o

seu projeto profissional e que orientam o seu fazer, uma vez que não se trata de

uma dimensão vinculada a programas ou rotinas institucionais. O trabalho

desenvolvido com base nessa dimensão requer, desse modo, a compreensão por

parte dos assistentes sociais acerca dos determinantes de classe que atravessam a

educação, dos projetos que se constroem em volta desta e a clareza da vinculação

de seu projeto profissional com determinado tipo de educação e de sociedade, os

quais apontam para a emancipação do homem.

Com base na análise dessas dimensões, importa considerar que tanto a

garantia da qualidade da educação, como da gestão democrática da escola e da

política educacional, não constituem responsabilidade exclusiva de uma categoria

profissional, demandando, por isso, um trabalho articulado dos assistentes sociais

com os demais trabalhadores da educação, com os estudantes, famílias e

comunidade em geral, com os profissionais e às redes que compõem as demais

políticas sociais, bem como com as instâncias de controle social e movimentos

sociais. A defesa e construção dessas garantias são, portanto, coletivas.

Ao conformarem ações dos assistentes sociais na política de educação, as

dimensões apresentadas tornam expresso o leque de possibilidades da atuação

profissional no âmbito dessa política, não estando estas possibilidades restritas à

assistência estudantil, ainda que, ao longo dos últimos anos, a inserção profissional

nesse campo venha se dando, sobretudo, com o propósito de responder às

requisições de ampliação das condições de acesso e de permanência dos

estudantes nos diferentes níveis e modalidades da educação. Nesse sentido,

Embora se reconheça a dimensão estratégica das ações voltadas para a garantia do acesso e da permanência na educação escolarizada, no âmbito da política educacional - sem perder de vista as contradições que as atravessam -, elas não esgotam o potencial e

associado, permite aos homens serem os verdadeiros protagonistas do seu destino” (TONET, 2001, p. 125). Uma possibilidade cuja efetivação depende dos próprios homens enquanto produtores de sua história.

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o alcance do trabalho profissional dos/as assistentes sociais (CFESS, 2011, p. 38).

O reconhecimento das várias possibilidades de atuação dos profissionais de

Serviço Social na educação permite apreender a riqueza e amplitude das ações

passíveis de serem desenvolvidas nesse espaço. A articulação de tais ações e sua

efetivação no cotidiano profissional, porém, se darão atravessadas por tensões,

encontrando limites nas próprias condições de trabalho dos assistentes sociais.

Particularizando o trabalho na assistência estudantil, âmbito de atuação das

profissionais participantes desta pesquisa, é impossível realizar a sua

problematização sem que se considerem as transformações que têm atravessado à

política de educação nos últimos anos, uma vez que estas transformações se

tornam imprescindíveis para compreender os movimentos que se processam no

interior das profissões que nela se inserem, quando se pensa, por exemplo, o

mercado de trabalho e as condições que o definem.

Problematizar o trabalho do assistente social na educação, nesse sentido,

pressupõe considerar as contradições que a atravessam enquanto política social,

respondendo, por isso, tanto a demandas da classe trabalhadora, como resultado de

suas lutas, na resposta a algumas de suas questões, quanto a interesses da classe

dominante, por meio da possibilidade de transmissão/reprodução de sua ideologia.

Tem-se, pois, que, tensionada por interesses de classes, a política educacional será

também atravessada por projetos distintos.

Na problematização desses projetos, é necessário considerar que a

educação sempre constituiu pauta de luta da classe trabalhadora no sentido de

acesso aos seus direitos, ao passo em que também se define como uma estratégia

indispensável à classe dominante na direção da perpetuação de seus interesses e

valores. Como uma demanda da classe trabalhadora, a educação é definida como

direito de todos e dever do Estado no art. 205 da Constituição Federal de 1988,

resultado das lutas pela redemocratização do Brasil nos anos 1980, que incluíam em

si a reivindicação pelos direitos sociais. Assim definida, ela se expressa envolta por

um projeto democrático que a caracteriza como política pública e universal.

A análise da política educacional como direito, porém, não pode se dar

distanciada das condições que passam a caracterizar o país já na abertura da

década de 1990, atravessado por rebatimentos das estratégias de enfrentamento à

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crise estrutural do capital que, iniciada em 1970, se faz sentir em todo o mundo,

aprofundando, no cenário brasileiro, o projeto privatista de educação.

Na direção de explicitar as implicações dessa crise sobre as dimensões da

vida social, e sobre a educação, Tonet (2012) apresenta o trabalho como o

fundamento ontológico do ser social, com o qual todas as outras dimensões sociais

mantêm uma relação de dependência ontológica e de autonomia relativa; o que

significa dizer que, na dinâmica social, existe uma determinação recíproca entre o

trabalho e as outras dimensões, bem como entre estas mesmas. É por essa

determinação recíproca que se torna possível entender que à medida que o trabalho

sofre os rebatimentos da crise estrutural do capital, sendo seus efeitos sentidos em

todos os espaços da vida em sociedade, as outras dimensões também são afetadas

por ela. Nessa perspectiva, a política de educação não poderia deixar de sentir os

impactos de mais essa crise do padrão de acumulação capitalista.

A consideração a respeito das estratégias burguesas para enfrentamento a

crise do capital, expressas no processo de reestruturação produtiva, na

disseminação do projeto neoliberal, na mundialização financeira e na reconfiguração

no papel do Estado, constitui, desse modo, elemento fundamental à compreensão

das características que atravessam a educação no cenário contemporâneo,

aprofundando o projeto privatista e impondo desafios à consolidação de um projeto

democrático.

A perspectiva aqui defendida é a de que não se pode entender o

direcionamento dado a esta política, na sociedade capitalista, sem conectá-la às

relações mais gerais que configuram essa sociabilidade. É então imersa no quadro

de transformações sociais, impulsionadas pelo capitalismo, que a educação precisa

ser pensada hoje, tanto em contexto mais amplo, quanto em sua especificidade no

Brasil.

Nesse sentido, como parte da totalidade das relações que conformam a

sociabilidade brasileira, e na condição de direito social, a política de educação

precisa ser analisada no quadro da contrarreforma do Estado e de consolidação do

neoliberalismo, com as sérias implicações que traz para as políticas sociais.

Resultado da reação burguesa à crise do capital, tais aspectos, ao apoiarem-se na

defesa da redução da intervenção estatal e na diminuição de sua responsabilidade

na garantia dos direitos, apontam para a transformação dos direitos sociais em

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mercadoria, dentre os quais a educação, transmutada em campo de lucro e

rentabilidade para o capital. A propósito, Tonet (2012) afirma:

Isto acontece porque, como consequência direta de sua crise, o capital precisa apoderar-se, de modo cada vez mais intenso, de novas áreas para investir. A educação é uma delas. Daí a intensificação do processo de privatização e de transformação desta atividade em uma simples mercadoria (TONET, 2012, p. 32).

Como estratégia para a sua restauração, em sua incessante busca por

superlucros, o capital necessita mercantilizar todas as dimensões da vida social.

Direitos sociais conquistados, a exemplo da saúde, assistência, previdência e

educação, passam a ser, conforme Pereira (2006), um lucrativo ramo de valorização

para o capital em crise, metamorfoseados em “serviços” vendáveis, disponíveis no

mercado, em detrimento de sua oferta como serviço público e direito de todos.

No contexto de posição da política de educação como campo de exploração

do capital, será central o papel dos organismos internacionais, com destaque para o

Banco Mundial, com suas indicações neoliberais na condução dessa política em

toda a América Latina. É nesse sentido que, em 1994, este Banco publica o

documento “La enseñanza superior – las leciones derivadas de la experiência”

apresentando quatro principais estratégias para a reforma desse nível de ensino nos

países em desenvolvimento. Tais estratégias apontam para a diversificação das

instituições de ensino superior (universidades públicas, privadas e instituições não

universitárias), incluindo o maior desenvolvimento/ampliação de instituições

privadas; para o estímulo às instituições públicas para que diversifiquem as fontes

de financiamento, com a mobilização de mais fundos privados para o ensino

superior, incluindo a participação dos estudantes nos gastos e a estreita vinculação

entre o financiamento fiscal e os resultados; para a redefinição das funções do

Estado na educação superior e, por fim, para a implantação de uma política que tem

sua prioridade na qualidade do ensino superior, definida com base nos interesses do

setor privado.

As indicações desses organismos, intelectuais orgânicos do projeto

burguês34, reforçam a concepção de educação enquanto serviço mercadológico,

34

Designação dada por Pereira (2006) aos organismos internacionais em seu texto “A reação burguesa à crise capitalista e o processo de mercantilização do ensino superior no pós – 1970”.

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consolidando, ao longo da década de 1990 e início do novo século, um intenso

processo de mercantilização da educação, sobretudo no nível superior.

Na problematização desse nível de ensino no Brasil, é preciso considerar

que a necessidade de expansão sempre se apresentou como uma demanda política

da classe trabalhadora, uma vez que a educação superior se consolidou

atravessada pela lógica do privilégio social, restrita às camadas dominantes. A luta

pela destruição da monopolização do conhecimento e pela democratização interna

das universidades constitui, nesse sentido, uma demanda histórica dos

trabalhadores. Com o desenvolvimento do capitalismo no país e com as estratégias

construídas na resistência à crise estrutural, a expansão da educação passou a

constituir também uma exigência do próprio capital, seja para a formação da mão de

obra necessária ao atendimento de suas necessidades, seja para a difusão de sua

concepção de mundo e para a intensificação da oferta dos serviços educacionais

como um negócio lucrativo e rentável.

Legitimando os pressupostos neoliberais, os organismos internacionais se

definem como fortes aliados no processo de moldagem da educação aos interesses

dominantes. Nesse sentido, o diagnóstico apresentado pelo Banco Mundial em

relação à educação superior é de que às universidades públicas seriam também

responsáveis pelas crises fiscais, uma vez que financiadas por orçamentos do

Estado, e, ainda assim, permaneciam com poucos e mal aplicados recursos

(CISLAGHI; SILVA, 2012). A lógica defendida, de ineficiência da universidade

pública, resulta, assim, como parte de um mesmo processo, na intensificação da

privatização e mercantilização da educação nesse nível de ensino.

Em consonância com as políticas dos organismos internacionais, os

governos brasileiros empreendem uma verdadeira contrarreforma na educação

superior, cujas expressões, transmutadas em processos de expansão, são

apresentadas a partir do conceito de “democratização”. As medidas para expansão

nesse nível de ensino, consideradas a partir da década de 1990, momento de

emergência, no país, das estratégias do capital na resistência a sua crise,

manifestam-se, conforme Lima (2013), através de dois mecanismos básicos, quais

sejam, a ampliação do setor privado e a privatização interna das universidades

públicas.

Tais mecanismos, em execução já no governo de Fernando Henrique

Cardoso, contribuem para a consolidação do empresariamento e reformulação da

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educação superior. O primeiro deles permite a expansão do acesso às instituições

privadas por meio da diversificação que as atravessam. Isentas das exigências e da

responsabilidade de implementação de ações de pesquisa e extensão, essas

Instituições de Educação Superior (IES) se expandem por todo o país, ampliando o

acesso a cursos de curta duração, sequenciais e a distância, consolidando, a partir

da noção de educação terciária35, difundida historicamente pelo Banco Mundial, um

processo de formação aligeirada e de certificação em larga escala, sem qualquer

preocupação com a qualidade do “serviço” ofertado.

No que diz respeito ao segundo mecanismo de expansão (a privatização

interna das universidades públicas, particularmente das federais), este se deu, no

governo de Fernando Henrique, sobretudo, pela venda de serviços educacionais. A

venda destes serviços alcançou materialidade, dentre outras formas, de acordo com

Lima (2013), através da oferta de cursos pagos, especialmente cursos de pós-

graduação lato sensu; do estabelecimento de parcerias entre as universidades

públicas e as empresas para a realização de cursos, consultorias e assessorias

viabilizadas pelas fundações de direito privado; do redirecionamento da política de

extensão universitária, apreendida pela venda de cursos de curta duração e da

criação de mestrados profissionalizantes, em parceria com empresas públicas e

privadas, considerados cursos autofinanciáveis.

A intensa reconfiguração do ensino superior encontra sua fundamentação na

contrarreforma do Estado, sendo este, por isso, um verdadeiro aliado do capital no

atendimento aos seus interesses e na consolidação de um projeto neoliberal para a

educação superior. Nesse sentido,

O papel histórico do Estado brasileiro na condução da política de expansão da educação superior é, portanto, fundamental. É o Estado que cria o arcabouço jurídico para operar esta política, autorizando e credenciando as IES privadas, bem como, legalizando a privatização interna das IES públicas e estimulando o produtivismo e o padrão mercantil da pesquisa e da produção do conhecimento (LIMA, 2013, p. 02).

35

Os organismos internacionais promovem o deslocamento da concepção de educação superior para educação terciária, possibilitando, por meio deste, a defesa de que qualquer curso pós-médio (de curta ou longa duração, presencial ou a distância) é a ela equivalente (LIMA, 2013). A noção de educação terciária encontra sua fundamentação na diversificação das instituições de ensino e das modalidades de cursos ofertados por estas instituições, contribuindo, nesse sentido, para o processo indiscriminado de certificação em larga escala.

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Assim, na estruturação de um modelo de educação e de universidade

sintonizado com os novos tempos de sua acumulação, o capital encontrará no

reordenamento do papel Estado, a partir das transformações que o envolvem e de

sua feição neoliberal, uma parceria necessária e indispensável.

Ao requerer a flexibilização da educação superior por meio da diversificação

das IES, dos cursos ofertados e das formas de financiamento referentes a ela, o

capitalismo contemporâneo aposta no esvaziamento do pensamento crítico, na

formação de sujeitos inaptos quando da reflexão de sua realidade social e dos

determinantes que a condicionam, habilitados tão somente ao atendimento das

exigências capitalistas, tecnicamente preparados e politicamente enfraquecidos.

É na perspectiva de atendimento a essas exigências que a abertura do

século XXI registra a continuidade e aprofundamento da contrarreforma da

educação superior. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010)36 não só dá

prosseguimento como amplia as ações iniciadas no governo Cardoso. Nessa

direção, e atendendo às prerrogativas indicadas pelos organismos internacionais, o

Plano Nacional de Educação, com vigência entre os anos 2001 e 2010, apresenta,

dentre as suas metas, a diversificação do sistema superior de ensino, favorecendo e

valorizando os estabelecimentos não universitários, isto é, a expansão das

“instituições de ensino”, uma vez que desprovidas das obrigações de pesquisa e

extensão. É assim que, em 2010, as faculdades passam a corresponder, conforme o

INEP (2011), a 2.025 (duas mil e vinte e cinco) das 2.378 (duas mil, trezentos e

setenta e oito) instituições de ensino superior no país, estando 382 (trezentas e

oitenta e duas) dessas faculdades localizadas na Região Nordeste e 22 (vinte e

duas) no estado do Rio Grande do Norte37.

36

Foram muitas as ações implementadas pelo governo Lula na continuidade ao processo de reformulação do ensino superior no país. Dentre as leis e decretos que indicam essa continuidade é possível destacar: a Lei n° 10.861/04, que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES); a Lei nº 10.973/04 (Lei de Inovação Tecnológica), que trata do estabelecimento de parcerias entre universidades públicas e empresas; a Lei nº 11.096/05, que institui o Programa Universidade para Todos (PROUNI); os Decretos nº 5.622/05 e 5.800/06, que tratam da regulamentação do EaD e da Criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB); o Decreto nº 6.096/07, que institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI); o Decreto nº 6.095/07, que estabelece as diretrizes para o processo de integração de instituições federais de educação tecnológica, para fins de constituição dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, no âmbito da Rede Federal de Educação Tecnológica, e a Lei nº 11.892/2008, que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. 37

Em 2016, ao término do governo Dilma, esses números passam a ser de 2.004 (duas mil e quatro) e 2.407 (duas mil, quatrocentos e sete) respectivamente. Estando 412 (quatrocentos e doze) dessas faculdades localizadas na Região Nordeste e 21 (vinte e uma) no Rio Grande do Norte (INEP, 2017).

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Sob o manto da “democratização”, o governo Lula intensifica o projeto

privatista e de transformação da educação em mercadoria, com base no argumento

de que o setor público seria pouco eficiente nos gastos e de que a demanda de

matrículas ultrapassaria a oferta de vagas nas universidades públicas. A expansão

pelo viés das instituições privadas se dá, dessa maneira, em nome do interesse

público.

É indispensável ressaltar que o crescimento da oferta em instituições

privadas encontra impulso no seu financiamento pelo Estado, por meio de elevadas

isenções tributárias que ultrapassam até mesmo, de acordo com Leher (2013), os

limites postos na Constituição Federal de 1988, ao conceder isenções às

organizações com fins lucrativos, e nos empréstimos estudantis subsidiados pelo

setor público. O quadro desenhado é o de transferência de recursos públicos para o

financiamento dessas instituições, com um claro estímulo à

privatização/mercantilização da educação, provocando, com isso, uma verdadeira

“asfixia” da esfera pública e do projeto democrático educacional.

Dentre as ações desenvolvidas nesse governo, que contribuíram para a

intensificação da oferta da educação superior na rede privada, é possível destacar o

Programa Universidade para Todos (PROUNI), institucionalizado pela Lei nº 11.096

em 2005. Esse programa surge com a finalidade de conceder bolsas de estudo

integrais e parciais para estudantes em cursos de graduação e sequenciais de

formação específica, em instituições privadas de ensino superior (BRASIL, 2005).

Além deste, outro programa, ampliado nesse governo, que contribuiu para a

expansão da educação superior de forma mercantilizada, foi o Fundo de

Financiamento Estudantil (FIES38), destinado a financiar a graduação de estudantes

inseridos em instituições privadas e com avaliação positiva pelo Ministério da

Educação (MEC). Tais ações, materializadas por meio de isenções gigantescas às

instituições que as implementam, são expressivas da destinação de recursos

públicos para o setor privado e encontrarão solo a sua continuidade e

aprofundamento no governo Dilma Rousseff (2011-2016)39.

Observa-se que, comparado ao ano de 2010, houve redução no número de faculdades tanto no país quanto no estado. Apesar disso, é preciso ressaltar que não há diminuição no número de IES privadas no Brasil, que passou de 2.100 (duas mil e cem), nesse ano, para 2.111 (duas mil, cento e onze) em 2016. 38

O FIES foi instituído pela Lei nº 10.260/2001 no governo de Fernando Henrique Cardoso. 39

A discussão relativa aos ataques à educação superior pública, promovidos pelo governo Temer, poderá ser encontrada no próximo capítulo desta dissertação. A escolha pela discussão no próximo

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Nesse sentido, dados do censo da educação superior de 2010 confirmam o

caráter preponderantemente privado da expansão nesse nível de ensino, ao apontar

que do total de 6.379.299 (seis milhões, trezentos e setenta e nove mil e duzentas e

noventa e nove) matrículas em cursos de graduação (presencial e a distância40)

nesse ano, 74,2% correspondiam a matrículas no setor privado, de acordo com o

INEP (2011). Em 2015, o número de matrículas em cursos de graduação41, nesse

setor, foi de 6.075.152 (seis milhões, setenta e cinco mil e cento e cinquenta e duas)

(INEP, 2016). O crescimento registrado é tão expressivo que alcança quase a

totalidade das matrículas realizadas na graduação em 2010.

Esses dados permitem identificar que as ações desenvolvidas pelos

governos brasileiros apontam, de fato, para a expansão da educação superior no

país. Os números atestam essa realidade. Todavia, uma análise aprofundada acerca

desses dados leva a refletir sobre a qualidade da educação ofertada, uma vez que

pautada em mecanismos que apostam tão somente em uma formação “competente”

para atendimento às exigências do capital, distanciada de uma prática crítica e

reflexiva. É preciso considerar, ainda, a quem se destina essa educação

mercantilizada, quem serão os seus “clientes”. Estes serão (e são), em sua maioria,

estudantes da classe trabalhadora que, enfrentando os desafios de uma educação

básica precarizada e aqueles advindos de suas condições de vida e necessidades

de sobrevivência, verão na oferta do ensino pelas IES privadas uma chance de dar

continuidade aos seus estudos, na perspectiva de, por meio destes, alcançar

melhores condições de existência nesta sociabilidade regida pelo ordenamento

capítulo justifica-se pela sua necessária articulação com a precarização do trabalho do assistente social nas IFEs. 40

Outra medida expandida na realidade brasileira, justificada através do discurso da “democratização” da educação, consiste no mecanismo de Educação a Distância (EaD) que, somado as demais medidas de privatização da educação superior, tem contribuído para a sua fragilização e precarização. Indicando que está cada vez mais presente no Brasil, dados do Censo da Educação Superior de 2013 mostram que, de 2010 a 2013, essa modalidade da educação cresceu 35,3% no país. 41

Na especificidade do curso de Serviço Social, havia, em 2010, 68.724 (sessenta e oito mil, setecentas e vinte e quatro) matrículas na graduação presencial, conforme o INEP (2011). Em 2016, esse número passa a ser de 68.636 (sessenta e oito mil, seiscentos e trinta e seis), do qual 50.753 (cinquenta mil, setecentos e cinquenta e três) correspondiam a matrículas em instituições privadas (INEP, 2017). É possível notar que esses anos não registram um crescimento nas matrículas presenciais nesse curso, indicando, de outro modo, um pequeno decréscimo. O mesmo não acontece quando considerada a modalidade a distância, que totalizava, em 2010, 74.474 (setenta e quatro mil, quatrocentos e setenta e quatro) matrículas, chegando a 96.055 (noventa e seis mil e cinquenta e cinco) em 2016 (INEP, 2017). Este último dado é expressivo da expansão da educação a distância no Serviço Social e da ameaça que esse crescimento representa a uma formação de qualidade e em sintonia com o projeto ético-político da profissão.

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burguês. A investida contra a educação superior pública brasileira será assim

apresentada, aos segmentos mais pauperizados da população, como

“democratização” do acesso (LIMA, 2011).

A discussão desse nível de ensino no período dos governos petistas,

todavia, principalmente no ciclo do “lulismo”, impõe a necessidade de algumas

problematizações, que permitem melhor compreender o seu direcionamento no novo

século. Nesse sentido, uma característica específica desses governos, sobretudo, a

partir da última metade dos anos 2000, centrou-se, de modo contraditório, no

seguimento à risca à política macroeconômica de ajustes e no amplo processo de

investimento em políticas de enfrentamento à pobreza, consolidando um equilíbrio

de forças do capital e do trabalho (CARVALHO; GUERRA, 2015).

Tendo por base esse equilíbrio, e a estratégia da qual se reveste, na

perspectiva de atendimento a interesses contrapostos, é possível apreender a

também contradição no processo de expansão da educação superior no Brasil,

possível não somente pelo viés das instituições privadas, mas também por meio do

setor público. Nesse sentido, para além das medidas implementadas na esfera do

mercado, outras ações que, iniciadas no governo Lula, contribuíram para o processo

de expansão da educação superior no país encontram-se pautadas no REUNI, por

meio do Decreto nº. 6.096/2007, e na criação dos Institutos Federais de Educação,

Ciência e Tecnologia pela Lei nº 11.892/2008.

A expansão pelo viés das Instituições Federais de Educação permite

apreender que o crescimento da oferta nas IES privadas não se dá isento de

tensões. Nessa perspectiva, ainda que também atravessada por interesses do

capital, sofrendo os seus determinantes, a expansão da educação superior pública é

fruto da organização de estudantes, docentes e movimentos sociais que, resistentes

ao projeto burguês de sociabilidade, se posicionam em defesa da educação.

O REUNI, instituído em 2007, apresentou como principal objetivo ampliar as

condições de acesso e de permanência dos estudantes na educação superior pelo

melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas

Universidades Federais e, como meta global, a elevação gradual da taxa de

conclusão média dos cursos de graduação presenciais para 90%, em um prazo de

05 (cinco) anos. Dentre suas diretrizes, a redução das taxas de evasão; a ocupação

de vagas ociosas e a ampliação de vagas para ingresso, especialmente no período

noturno; a ampliação da mobilidade estudantil, mediante o aproveitamento de

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créditos e a circulação de estudantes entre instituições, cursos e programas de

educação superior; a diversificação das modalidades de graduação e a ampliação

de políticas de inclusão e assistência estudantil.

No sentido de consolidação da expansão viabilizada pelo REUNI, de 2003 a

2011, há um crescimento de, aproximadamente, 111% na oferta de vagas nos

cursos de graduação presenciais nas Universidades Federais. Em 2003, o número

de vagas ofertadas foi de 109.184 (cento e nove mil e cento e oitenta e quatro). Em

2007, esse número passa a ser de 139.875 (cento e trinta e nove mil e oitocentos e

setenta e cinco), o que torna possível registrar um crescimento de cerca de 30.000

(trinta mil) novas vagas no decurso desses anos. Em 2011, o quantitativo de vagas

ofertadas nas universidades é de 231.530 (duzentos e trinta e um mil e quinhentos e

trinta). Considerando-se o período de concepção e implementação do REUNI,

definido entre 2007 e 2011, é possível registrar o crescimento exponencial de 91.655

(noventa e uma mil e seiscentas e cinquenta e cinco) novas vagas após a criação

desse programa (MEC, 2012).

O aumento de vagas nas universidades federais teve impacto direto no

número de matrículas presenciais na graduação, que passaram de 578.536

(quinhentas e setenta e oito mil e quinhentas e trinta e seis), em 2007, para

1.133.172 (um milhão, cento e trinta e três mil e cento e setenta e duas) em 2015

(INEP, 2016). Considerando-se os cursos de pós-graduação Scricto Sensu, esse

quantitativo passa a ser de 1.317.213 (um milhão, trezentos e dezessete mil e

duzentos e treze). Além disso, com o REUNI, iniciou-se um processo de verdadeira

interiorização do ensino superior no Brasil, com a expansão das universidades e a

criação de 2.046 (dois mil e quarenta e seis) novos cursos. Nessa perspectiva, de

2003 a 2010, foram criadas 14 (catorze) novas Universidades Federais e mais de

100 (cem) novos campi/unidades em todo o país, atendendo a 275 (duzentos e

setenta e cinco) municípios (MEC, 2012).

No que diz respeito aos Institutos Federais, estes foram expandidos e

interiorizados com a finalidade, dentre outras, de ofertar educação profissional e

tecnológica, formando e qualificando os cidadãos com vistas à atuação nos diversos

setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local,

regional e nacional. No sentido de expansão da Rede Federal de Educação, na qual

se inserem essas instituições, dados divulgados pelo MEC (2016) mostram que de

1909 a 2002 foram construídas 140 (cento e quarenta) unidades de escolas técnicas

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no país; de 2003 a 2016 esse número passa a ser de 502 (quinhentas e duas). Hoje,

existem 644 (seiscentos e quarenta e quatro) campi em pleno funcionamento no

Brasil, atendendo a 568 (quinhentos e sessenta e oito) municípios.

São 38 (trinta e oito) Institutos Federais presentes em todos os estados

brasileiros, divididos em diversos campi, oferecendo cursos de qualificação, ensino

médio integrado, cursos superiores de tecnologia e licenciaturas. Na particularidade

das matrículas realizadas na graduação, tem-se, em 2010, 87.506 (oitenta e sete mil

e quinhentas e seis) (INEP, 2015). Já em 2015, o total de matrículas é de 144.876

(cento e quarenta e quatro mil e oitocentos e setenta e seis) (INEP, 2016).

Os dados apresentados, tanto em relação às Universidades Federais,

quanto aos Institutos, são expressivos da expansão que tem atravessado à

educação superior pública no Brasil. No entanto, apesar de relevante, é preciso que

se considerem às contradições e os limites que a atravessam. Nesse sentido, pode-

se dizer que também resulta dos interesses do capital para capacitação dos

trabalhadores, para formação de mão de obra qualificada ao atendimento às

necessidades de acumulação, para construção da coesão social acerca do projeto

burguês.

Com base em dados divulgados na PNAD (2011) e sistematizados por

Frigotto (2013), importa considerar, porém, que, em uma sociedade em que 16,5

milhões de pessoas com idade entre 18 e 24 anos (faixa etária de ingresso na

universidade), o equivalente a 69,1% de jovens, não estudam, a expansão das IFEs

(e também das matrículas nas instituições privadas), ainda que guardando enormes

contradições, tem sido de extrema relevância para a inserção na educação de

setores tradicionalmente excluídos do ensino superior no Brasil42. De outro modo, a

expansão dessas instituições significou a possiblidade de acesso à educação por

grande parcela da classe trabalhadora que não tinha acesso a ela.

A ampliação no número de matrículas e o ingresso expressivo de estudantes

no âmbito das IFEs traz para estas instituições uma nova realidade, definida pela

maior heterogeneidade no seu corpo discente, marcado por frágeis condições

socioeconômicas. Contribuiu para o aprofundamento dessa diversificação a Lei n°

12.711/2012 (Lei de cotas), ao garantir a reserva de vagas nas IFEs de, no mínimo,

42

Ainda conforme dados divulgados na PNAD (2011), dezoito milhões de pessoas entre 15 e 24 anos estão fora da escola e 1,8 milhão, em idade de estar no ensino médio, não o estão frequentando. Dados da pesquisa mostram ainda que apenas 9% dos jovens na idade entre 18 e 24 anos ingressam no ensino superior (FRIGOTTO, 2013).

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50% para estudantes oriundos de escolas públicas, reservando, ainda, cotas para

estudantes pretos, pardos, indígenas e com renda familiar per capita igual ou inferior

a 1,5 salário mínimo (um salário mínimo e meio).

Tendo em conta os processos de transformações sociais, expressos nas

metamorfoses no mundo do trabalho e nas mudanças no âmbito estatal, que

agudizam a questão social, ampliando as necessidades da classe trabalhadora, o

acesso dos estudantes a essas instituições dá-se atravessado por uma série de

demandas, cujo atendimento implicará na sua permanência ou não na educação.

Assim, para além do acesso, é necessário garantir as condições de permanência,

uma vez que ele, como lembra Mészáros (2008, p. 11), “é condição necessária, mas

não suficiente para tirar das sombras do esquecimento social milhões de pessoas,

cuja existência só é reconhecida nos quadros estatísticos”.

É nesse contexto, tendo em vista o conjunto de expressões da questão

social vivenciadas pelos estudantes, que cresce a demanda por ações que

contribuam para a permanência e êxito na educação, dentre as quais se destaca o

Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Instituído pela Portaria

39/2007, e regulamentado pelo Decreto nº 7.234/2010, esse programa, executado

no âmbito do MEC, constitui o principal indicador para operacionalização das ações

de assistência estudantil nas Universidades e Institutos Federais. Tem como

finalidade ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior

pública federal e como objetivos, demarcados em seu art. 2º, democratizar as

condições de permanência, minimizar os efeitos das desigualdades sociais e

regionais na permanência e conclusão dos cursos, reduzir as taxas de retenção e

evasão e contribuir para a promoção da inclusão social pela educação.

Desenvolvendo ações, dentre outras, nas áreas de moradia estudantil,

alimentação, transporte, atenção à saúde, creche e apoio pedagógico, o PNAES

destina-se, prioritariamente, a estudantes oriundos da rede pública de educação

básica ou com renda familiar per capita de até 1, 5 salário mínimo (BRASIL, 2010).

Ao demarcar um público prioritário para acesso às ações e serviços que dele

derivam, o programa traz em si um forte limitador no seu acesso, tornando evidente,

desde a sua concepção, a lógica focalista e seletiva que o atravessa, sendo este um

obstáculo à universalização do direito a assistência estudantil.

Constituindo um direito à permanência no âmbito da política de educação, e

bandeira histórica de luta do movimento estudantil universitário, a assistência aos

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estudantes, apesar de regulamentada recentemente, já vinha sendo executada há

algum tempo, ainda que por meio de ações pontuais e com recursos escassos, em

instituições de educação superior públicas no Brasil. As primeiras discussões

relativas a ela, mobilizadas pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos

Comunitários e Estudantis (FONAPRACE), ocorreram em 1987. Este fórum,

importante ator nos processos de luta e articulação das discussões acerca da

assistência estudantil nas IFEs, será responsável pela realização de uma série de

pesquisas com a finalidade de conhecer o perfil socioeconômico e cultural dos

estudantes, cujos resultados constituirão base à indicação de ações estratégicas

para implementá-la.

Os processos de lutas sociais em torno do reconhecimento da assistência

estudantil como direito resultam na inscrição na Constituição Federal de 1988, em

seu art. 206, da igualdade de condições para acesso e permanência na escola como

um dos princípios norteadores da educação, sendo este princípio ratificado,

posteriormente, pelo art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB

– Lei nº 9.394/1996). Em 2001, a assistência aos estudantes é incluída no Plano

Nacional de Educação (PNE), quando traz, no eixo relativo aos objetivos e metas,

estimular a adoção pelas instituições públicas de programas relativos à assistência

estudantil, tais como bolsa trabalho ou outros destinados a estudantes carentes que

demonstrem bom desempenho acadêmico.

Com o PNAES, as ações de assistência estudantil são ampliadas, passando

a contar com recursos próprios a sua operacionalização, sendo confirmadas em sua

condição de direito. É então com a expansão no número de matrículas nas IFEs que

a resposta às demandas dos estudantes ganha centralidade na cena

contemporânea, como condição à efetivação do acesso à educação e do direito à

permanência.

A implementação do PNAES traz como necessidade à inserção no espaço

dessas instituições de uma série de profissionais que pudessem operacionalizar as

suas ações. Demanda-se, nesse sentido, a formação de equipes de trabalho

compostas, dentre outros, por psicólogos, odontólogos, enfermeiros, médicos,

nutricionistas e assistentes sociais. A demanda por profissionais para além do

docente no espaço das instituições de ensino torna evidente que, atravessada pelos

rebatimentos da sociabilidade capitalista, a educação não pode ser pensada de

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forma isolada, distanciada dos determinantes sociais que a atravessam e nela

interferem.

Na particularidade da inserção dos profissionais de Serviço Social nesse

espaço, as transformações processadas na educação superior pública43, por meio

da expansão, têm ampliado o mercado de trabalho para esses profissionais,

absorvendo um maior número de assistentes sociais, sobretudo na assistência

estudantil. No que se refere a essa realidade, as profissionais participantes desta

pesquisa apontam:

[...] teve uma ampliação devido aos investimentos que houve da educação superior, os IFRNs principalmente. Com relação também às políticas de assistência estudantil e as formas de ingresso na Universidade, que foram ampliadas. Então ampliou muito o número de alunos, principalmente alunos carentes, que precisam de apoio para permanecer no curso e pra concluir. Então eu acho que devido a essa demanda houve realmente uma ampliação no espaço sócio ocupacional na área da educação (Assistente Social 0544).

[...] houve, sem dúvida nenhuma, uma ampliação. Há muito tempo se fala sobre o Serviço Social na educação, mas era sempre no âmbito escolar e, mesmo assim, com muita deficiência. Você via poucas escolas que, efetivamente, tinha o Serviço Social. De uns anos para cá, eu acho que começaram a surgir algumas legislações, inclusive prevendo esse profissional. Mas, efetivamente, não havia concursos. No caso da UFRN, parece que sempre teve, mas duas profissionais, uma, duas profissionais. Eu acredito que com a Política de Assistência Estudantil [...] é que realmente começou a ocorrer concursos e uma expansão, mas também por causa do acesso de filhos da classe trabalhadora na universidade pública aumentou também muito a demanda (Assistente Social 06).

Então, houve uma ampliação [...], de fato ela ocorreu. Que eu vejo como algo extremamente positivo. Então, hoje, nós somos a segunda maior categoria de técnicos administrativos na Instituição. (Assistente Social 02).

43

O processo de expansão das vagas nas instituições privadas conduz também à demanda por profissionais de Serviço Social nestes espaços, chamados a contribuir no processo de organização e execução das políticas, programas e projetos de concessão de bolsas. Nos limites da discussão realizada neste estudo, porém, detém-se aqui ao trabalho profissional desenvolvido na assistência aos estudantes no espaço das IFEs. 44

Como forma de resguardar a identidade das profissionais participantes desta pesquisa, na referência as suas falas será sempre utilizado o termo “Assistente Social” seguido de um número que indica a sequência de realização das entrevistas.

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As falas das profissionais expressam a ampliação do espaço ocupacional

para o assistente social na educação, sobretudo quando se pensa a particularidade

da atuação profissional na assistência aos estudantes. A sua análise permite

apreender também a relação entre essa ampliação e a expansão das IFEs, bem

como do número de matrículas e da demanda pela assistência estudantil.

Confirmando a ampliação do mercado de trabalho para os profissionais de

Serviço Social na educação, dados do MEC mostram que, em 2010, existiam 2.930

(dois mil, novecentos e trinta) assistentes sociais distribuídos em 63 (sessenta e

três) Universidades Federais de todo o Brasil. Em 2015, esse quantitativo passa a

ser de 3.199 (três mil, cento e noventa e nove), permitindo registrar um considerável

aumento no número de profissionais nessas instituições. No que se refere aos

Institutos Federais essa ampliação é também realidade, uma vez que, em 2012, o

número de assistentes sociais que compunham os seus quadros profissionais era de

372 (trezentos e setenta e dois), passando a ser de 643 (seiscentos e quarenta e

três) em 2015 (SOUZA, 2016).

Como uma consequência direta da expansão das Universidades e dos

Institutos Federais, do crescimento expressivo no número de matrículas, da

diversificação das condições socioeconômicas dos discentes que acessam o ensino

superior, do agravamento das expressões da questão social e da conquista do

PNAES, a ampliação do mercado de trabalho para os assistentes sociais nas IFEs

do estado do Rio Grande do Norte45, em 2015, comparado a 2010, foi de 37%,

superando, conforme Souza (2016), a média nacional de 14,3%. Nas Universidades

a ampliação foi de 24,4% e nos Institutos de 52,3% nesse mesmo período.

Resultado, em grande medida, da expansão da educação superior, a

ampliação do espaço ocupacional para o assistente social na particularidade das

IFEs em que se deu a realização desta pesquisa, quais sejam, a UFRN (Campus

Central) e o IFRN (Campi Cidade Alta, Central e Zona Norte), apresenta-se como

uma consequência direta do aumento no quantitativo de estudantes e da demanda

por profissionais para implementarem os programas e projetos da política de

assistência estudantil, expressando a relevância e o espaço conquistado por esse

profissional na sua operacionalização.

45

São IFEs do Rio Grande do Norte a UFRN, o IFRN e a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA).

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Considerando o movimento de expansão dessas instituições, a fim de que

se possa indicar a consequente ampliação do quantitativo de assistentes sociais em

seu interior, a UFRN adere às ações propostas pelo REUNI já no primeiro semestre

de 2008. No período anterior à adesão, em 2007, a universidade condensava 58

(cinquenta e oito) cursos de graduação presenciais e 23.350 (vinte e três mil,

trezentas e cinquenta) matrículas presenciais, entre estudantes de graduação e pós-

graduação (UFRN, 2008). Em 2012, já no processo de execução do programa, a

universidade passa a contar com 96 (noventa e seis) cursos de graduação e com

32.957 (trinta e duas mil, novecentas e cinquenta e sete) matrículas. Tendo por base

a expansão registrada, em 2016, a UFRN passa a oferecer 102 (cento e dois) cursos

de graduação, sendo a sua comunidade acadêmica formada por 37.437 (trinta e

sete mil, quatrocentos e trinta e sete) estudantes, dos quais 26.488 (vinte e seis mil,

quatrocentos e oitenta e oito) são da graduação presencial, público a que se destina

às ações da assistência estudantil (UFRN, 2016).

No que se refere ao IFRN, com a política de expansão e interiorização da

Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica no Brasil, essa instituição de

ensino chega a vários municípios do Rio Grande do Norte, permitindo registrar, já

em 2015, a existência de seus 21 (vinte e um) Campi, sendo 01 (um) destes de

educação a distância.

Dividida em três momentos, a primeira fase da expansão da Rede Federal

de Educação Tecnológica no país, com período definido entre 2005 e 2006, resulta

na criação dos Campi Currais Novos e Ipanguaçu do IFRN. A segunda, iniciada em

2007 e encerrada em 2010, considerada a maior em níveis de expansão no estado,

permitiu a ampliação para Apodi, Caicó, João Câmara, Macau, Cidade Alta, Zona

Norte, Nova Cruz, Parnamirim, Pau dos Ferros e Santa Cruz. A terceira fase,

definida a partir de 2011, resulta nas instituições de Canguaretama, Ceará-Mirim,

São Gonçalo do Amarante, São Paulo do Potengi, Lajes e Parelhas. Considerando o

período posterior a 2008, ano de Instituição da Rede Federal de Educação e de

transformação do Centro Federal de Educação Profissional e Tecnológica (CEFET)

em IFRN, tem-se, com base nos dados da expansão, a criação de,

aproximadamente, 16 (dezesseis) novos campi no estado.

A expansão e interiorização do IFRN, levando à educação profissional e

tecnológica a vários estudantes, repercutem na ampliação de matrículas na

instituição. Em 2007, quando se inicia a segunda fase da expansão no Brasil,

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possuía 15.971 (quinze mil, novecentos e setenta e um) discentes matriculados,

conforme Relatório de Gestão do IFRN. Em 2016, consolidada a atual estrutura do

Instituto Federal, esse número passa a ser de 27.718 (vinte e sete mil, setecentas e

dezoito) matrículas presenciais, referentes aos cursos de graduação, pós-graduação

e técnicos integrado e subsequente46 (IFRN, 2017).

Particularizando o quantitativo de matrículas, em 2016, nas instituições

participantes desta pesquisa, o Campus Central da UFRN apresentava 32.736 (trinta

e duas mil, setecentas e trinta e seis), sendo que, deste total, 23.803 (vinte e três

mil, oitocentas e três) correspondiam a estudantes inseridos nos cursos de

graduação presencial. No Campus Cidade Alta do IFRN foram atendidas 924

(novecentas e vinte e quatro) matrículas, das quais 770 (setecentas e setenta)

equivaliam à graduação e aos cursos técnicos integrado e subsequente. No Campus

Central esses números foram, respectivamente, de 6.310 (seis mil, trezentas e dez)

e 5.342 (cinco mil, trezentas e quarenta e duas) e no Campus Zona Norte de 1.210

(um mil, duzentas e dez) e 1.038 (um mil e trinta e oito).

O crescimento quantitativo dessas IFEs no Rio Grande do Norte teve

relevância significativa na ampliação do espaço ocupacional para os assistentes

sociais na educação. Na UFRN, em 2008, ano de adesão ao REUNI, existiam

apenas 02 (dois) profissionais de Serviço Social cujo exercício profissional estava

ligado diretamente a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAE). Até 2015, em

decorrência da expansão institucional, esse espaço contará com 10 (dez)

profissionais, estando 07 (sete) destes inseridos no Campus Central. Vale

considerar, porém, que, na especificidade deste Campus, no momento de realização

desta pesquisa, o quadro profissional na assistência estudantil era composto por 06

(seis) assistentes sociais47.

No caso do IFRN a ampliação é ainda mais expressiva, quando, em apenas

03 (três) anos, o número de assistentes sociais inseridos na assistência estudantil

46

Uma particularidade dos Institutos Federais está em serem instituições de educação superior, básica e profissional. Nesse sentido, o curso técnico integrado é aquele relativo ao ensino médio, acrescido da formação técnica em determinado campo. Já o curso subsequente é direcionado a estudantes egressos desse nível de ensino e que buscam formação profissional em uma área específica. 47

Dos 07 (sete) assistentes sociais inseridos no Campus Central da UFRN, em 2015, 01 (um) havia se aposentado no momento de realização desta pesquisa e outro havia dado entrada em seu processo de aposentadoria. Nesse momento também a instituição passava pela realização de concurso público, que apresentava 02 (duas) vagas para profissionais de Serviço Social, o que levantava, nas profissionais em exercício, grande expectativa em relação ao setor para o qual os novos assistentes sociais seriam encaminhados.

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mais que dobra, passando de 20 (vinte), em 2012, para 42 (quarenta e dois) em

2015. Destes, 02 (duas) desenvolvem o seu exercício profissional no Campus

Cidade Alta, 05 (cinco) no Central e 02 (duas) no Zona Norte.

Chamados, no espaço dessas instituições, a desenvolver o seu trabalho na

assistência aos estudantes, os assistentes sociais têm contribuído para a afirmação

do direito à educação por meio do planejamento, execução e avaliação dos

programas alimentação, auxílio transporte, auxílio moradia, residência universitária e

outros, sem os quais a permanência no ensino superior seria impensável.

Encontram, além desta, dentre as suas competências e atribuições, conforme as

profissionais entrevistadas, a elaboração e divulgação dos editais relativos aos

programas da assistência estudantil; a seleção dos estudantes para acesso a esses

programas; a orientação para acesso aos serviços disponíveis na instituição; a

realização de estudos socioeconômicos e de pesquisas sobre o perfil dos usuários,

a fim de subsidiar a atividade profissional e em equipe; o trabalho junto às famílias e

aos demais profissionais da educação; a ação socioeducativa junto aos estudantes;

a supervisão direta de estágio em Serviço Social; a articulação e encaminhamento à

rede socioassistencial e o acompanhamento e participação no planejamento

orçamentário e financeiro da assistência estudantil.

As competências e atribuições indicadas pelas profissionais mantêm, como

se pode observar, uma relação direta com aquelas presentes nos subsídios para a

atuação na política de educação e com as impressas na Lei 8.662/93. Apontam,

nesse sentido, para a afirmação, no cotidiano profissional, dos princípios inscritos na

legislação da profissão e para a defesa da educação enquanto direito social, a partir

do reconhecimento da assistência estudantil como pressuposto indispensável a sua

concretização. Aspecto também indispensável a se ressaltar acerca das atividades

que cabem às profissionais no espaço institucional é aquele relativo ao

acompanhamento e participação no planejamento orçamentário da assistência

estudantil. Esta constitui, na cena contemporânea, uma nova requisição (exigência)

aos profissionais de Serviço Social, que não podem estar alheios às discussões

relativas ao orçamento das políticas sociais, por disporem de um acervo de

informações acerca das condições de vida e de trabalho dos usuários e, assim, de

suas principais demandas e necessidades sociais.

É indispensável ressaltar, com base nas suas competências e atribuições, a

relevância da ampliação do espaço ocupacional na educação, da própria estratégia

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que constitui a inserção neste espaço, ao se considerar a dimensão política que

orienta o fazer do assistente social e a sua contribuição e luta para a conquista da

assistência estudantil e afirmação da educação como direito. A cena

contemporânea, todavia, instiga a refletir sobre o contexto em que se materializa

essa ampliação, atravessado pela precarização estrutural do trabalho e das políticas

sociais; o que torna imprescindível conhecer as formas por meio das quais esta

precarização tende a se expressar e a atingir a sua atividade profissional no espaço

da assistência estudantil nas IFEs.

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3. A PRECARIZAÇÃO E SUAS EXPRESSÕES NO TRABALHO DO ASSISTENTE

SOCIAL NAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE

NATAL/RN: análise das condições e relações de trabalho na assistência estudantil e

estratégias de enfrentamento

Como uma dimensão estruturante da sociedade capitalista contemporânea,

que atinge a toda a classe trabalhadora, ainda que em intensidade distinta, a

precarização se manifesta também no trabalho do assistente social nas IFEs do

município de Natal/RN. É no sentido de problematizar as suas expressões e

implicações no trabalho profissional, bem como os efeitos que produz sobre as

assistentes sociais e as estratégias adotadas no seu enfrentamento, que foi

construído este capítulo.

3.1. A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA

EDUCAÇÃO: expressões e implicações no fazer profissional no espaço da

assistência estudantil

Os caminhos percorridos pela educação superior no Brasil, sobretudo na

primeira década dos anos 2000, resultaram em processos de expansão no ensino

superior público, especialmente por meio das IFEs. O crescimento no número de

matrículas nessas instituições, em um cenário de transformações societárias com

imensas implicações sobre as condições de vida e de trabalho da classe

trabalhadora, agudizando as expressões da questão social, trouxe consigo a

necessidade de constituição de ações que pudessem consolidar o acesso dos

estudantes a esses espaços. Assim, em 2010, é ampliado o PNAES, ganhando

centralidade no que se refere às ações de permanência nas Universidades e

Institutos Federais e demandando, para a implementação de suas ações, uma série

de profissionais, dentre os quais os assistentes sociais.

A presença desses profissionais nas IFEs já constituía uma realidade antes

mesmo do REUNI ou da expansão dos Institutos Federais. O que se vivencia nos

últimos anos é uma ampliação da requisição por seu trabalho nesses espaços,

reafirmando a sua visibilidade, relevância e contribuição no sentido de tornar real o

direito à educação. Mesmo sendo diversas as formas de inserção do assistente

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social na política educacional, a ampliação realizada se deu na assistência

estudantil.

A relevância dessa ampliação é inquestionável, é preciso (re)afirmar.

Todavia, é necessário considerá-la no contexto das transformações

macrossocietárias, que instauram um amplo processo de precarização nas

condições e relações de trabalho da classe trabalhadora, do qual o assistente social

não poderia estar isento.

Na referência às condições objetivas de realização do trabalho profissional

nesses espaços, que envolvem, conforme Guerra (2000), a produção material da

sociedade, as condições postas na realidade material, tais como a divisão do

trabalho, a propriedade dos meios de produção, a conjuntura, os objetos e os

campos de intervenção profissional, bem como os espaços ocupacionais e as

relações e condições materiais de desenvolvimento do trabalho profissional, é

preciso apontar que a inserção das profissionais de Serviço Social, nas IFEs do

município de Natal/RN, se consolida pelo vínculo estatutário, decorrente de concurso

público. Não constitui, dessa forma, um vínculo precário, a exemplo do que acontece

em outros espaços estatais, cuja inserção profissional tem se dado por meio de

contratos temporários e celetistas.

Apresentando uma realidade constituída por um vínculo estável e relações

trabalhistas regulamentadas em um plano de cargos, carreiras e salários, as

assistentes sociais participantes desta pesquisa possuem o mínimo de 03 (três) e o

máximo de 12 (doze) anos de tempo de trabalho nas IFEs, e rendimentos acima de

04 (quatro) salários mínimos. Se comparado também a outros espaços

ocupacionais, os rendimentos percebidos se colocam acima da média nacional.

Ainda na referência às condições materiais de realização do trabalho

profissional, as assistentes sociais entrevistadas afirmam:

[...] a gente tem questão de infraestrutura, o material, a gente tem. Em relação a outros espaços, a gente tem uma boa condição, porque tem espaços do Serviço Social por aí que não têm condições mínimas de trabalho, de atendimento à população. A questão assim de infraestrutura, de sala, de material, de equipamentos e para atender ao estudante, a gente tá num nível... [...] em nível de infraestrutura material a gente não tem nada do que reclamar, porque tem sala, equipamento, tudo o que precisar. [...]. Então nessa questão de infraestrutura, eu acho que a gente ainda é um dos

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espaços que tem, acho que tem melhores condições do que muitos outros. Bem melhores. (Assistente Social 01).

O setor é bem equipado, em termos do que a gente precisa, se a gente for pensar em computadores, telefone, sala. A gente conseguiu fazer uma reforma que assegurou essa sala aqui, que antes a gente não tinha. [...] Então em termos de estrutura ela é muito boa. Se eu precisar fazer uma visita a uma Instituição, a família de um estudante eu consigo agendamento sem grandes malabarismos. Tem o telefone disponível para ligar para celular, pra assim, se precisar fazer contato. Tenho material de trabalho, eu tenho computador. Então, tenho condições se eu for pensar desse ponto de vista. (Assistente Social 02).

No que se refere às condições objetivas no IFRN [...], nós temos uma boa estrutura sim, na minha concepção; no que se refere a equipamentos, a equipamentos: computadores, uma sala de atendimento individual, que a gente precisa devido ao sigilo profissional, um transporte para fazer um atendimento externo, para fazer uma visita domiciliar. (Assistente Social 08).

As profissionais expressam satisfação em relação aos recursos materiais e

de infraestrutura necessários ao desenvolvimento de suas atividades, especialmente

se comparados a outros espaços de realização do trabalho profissional. Partindo do

expresso na legislação que rege a profissão, notadamente no que diz o Código de

Ética, em seu art. 7º, inciso “a”, é direito do assistente social, em sua relação com a

instituição empregadora, dispor de condições de trabalho condignas, de forma a

garantir a qualidade do exercício profissional e dos serviços prestados à população

usuária.

Há, portanto, no espaço das IFEs pesquisadas, o respeito a essas

condições, que garantem também o direito e o dever dos assistentes sociais em

manter o sigilo profissional, uma vez que contam com salas reservadas ao

atendimento individual. Além da conformidade com o que diz o Código de Ética, que

orienta a instituição das demais legislações referentes ao Serviço Social, as

condições materiais nesses espaços se apresentam em consonância também com a

Resolução do CFESS nº 493/2006, que dispõe sobre as condições éticas e técnicas

do exercício profissional do assistente social.

De acordo com essa resolução, o local de atendimento destinado aos

profissionais deve contar com espaço suficiente para as abordagens individuais ou

coletivas, conforme as características dos serviços prestados, devendo possuir e

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garantir iluminação adequada ao trabalho diurno ou noturno; recursos que garantam

a privacidade do usuário no que for revelado no processo de intervenção

profissional; ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com

portas fechadas; e espaço adequado para a guarda de material técnico de caráter

reservado e, portanto, de acesso apenas do Serviço Social.

Importa ressaltar que a garantia dessas condições é resultado da luta

profissional, do respaldo que as assistentes sociais encontraram na legislação da

profissão e no reconhecimento do papel do Conselho Regional de Serviço Social

(CRESS) para embasar as suas reivindicações, uma vez que, tanto na UFRN quanto

no IFRN, essas condições, sobretudo de espaços adequados para o

desenvolvimento do trabalho e guarda de material, nem sempre constituíram uma

realidade, como apontam as entrevistadas:

Então era um espaço bem pequeno, realmente [...]. E várias reuniões foram feitas com a Reitora, aonde a gente também denunciou ao CRESS, nessa situação, porque ficavam todas numa sala bem pequena para atender. [...] E era uma loucura, porque não tinha nem espaço. Era um corredor mínimo para os alunos ficarem. [...] Onde guardar os documentos? Era uma complicação; que precisa de um armário para a própria questão do sigilo. Mas os processos ficavam em caixas, do lado de fora da sala, porque não cabia a gente, nem cabia. [...] E aí a gente acionou novamente o CRESS e fez um documento. Nos reunimos, fizemos um documento mostrando todas as nossas condições e o que que versava na nossa Lei de Regulamentação; que exigia-se um espaço, exigia-se a questão do sigilo. [...] Então essa questão do espaço foi resolvido. (Assistente Social 04).

[...] quando eu quis ampliar essa sala aqui para ter esse espaço individualizado e outro ali de atendimento, eu justifiquei através do sigilo profissional, coloquei o Código de Ética e disse que se tivesse dificuldade ia chamar o CRESS para apresentar aos Gestores. E, assim, eu acho que a gente tem que se respaldar em alguns momentos. (Assistente Social 07).

Apreende-se, a partir das falas das assistentes sociais, a relevância da

existência e do (re)conhecimento da legislação profissional na luta e conquista de

condições materiais indispensáveis ao desenvolvimento de suas atividades. Tais

condições permitem inferir que também aqui não residem aspectos de um trabalho

precarizado. No entanto, o direcionamento dado neste estudo toma a precarização

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como elemento que ultrapassa essas condições e também as formas de inserção,

os vínculos de trabalho nas IFEs; sendo aqui compreendida, conforme tipologia

elaborada por Druck (2013), e discutida no capítulo anterior desta Dissertação, com

base na organização e em condições que envolvem a elevação do ritmo e

intensidade, o estabelecimento de metas, muitas vezes inalcançáveis, a pressão do

tempo, a extensão da jornada e a polivalência, aspectos que conduzem a

intensificação do trabalho.

Nesse sentido, a análise da precarização do trabalho do assistente social

nas IFEs do município de Natal/RN pressupõe considerar o crescimento expressivo

no número de matrículas, que não é acompanhado de uma elevação proporcional no

quantitativo de profissionais nessas instituições, seja de docentes ou de técnicos

administrativos em educação.

A ampliação do espaço ocupacional, em um contexto de crise do capital, se

dá em meio à exigência de melhor aproveitamento dos recursos humanos existentes

nessas instituições, provocando, pelo aumento das demandas, sobrecarga de

atividades e processos de intensificação no uso da força de trabalho de seus

profissionais, dentre os quais os assistentes sociais. Sobre essa realidade, as

entrevistadas afirmam:

Um crescimento que não deu conta das demandas. Quando a gente olha assim o número que cresceu bastante, a gente pensa: ah, ponto positivo, muito bom. Mas assim, parece que enquanto cresceu, assim, o número de assistente social, triplicaram as demandas, os trabalhos. [...] Então eu acho que assim, o crescimento do espaço sócio ocupacional foi muito importante, cresceu os espaços nesse mercado de trabalho. [...] mas também foi um crescimento que não tá dando conta das demandas, a gente tá sobrecarregada mesmo de trabalho. (Assistente Social 01).

Então embora haja, efetivamente, um crescimento no número de profissionais na área da assistência, no caso, no âmbito da educação, eu tô pensando na assistência estudantil no âmbito da educação, mas eu acho que ainda é desproporcional ao número de alunos que a gente tem pra atender. (Assistente Social 06).

Na problematização dessas questões, no Campus Central da UFRN havia,

em 2017, 23.240 (vinte e três mil, duzentas e quarenta) matrículas na graduação

presencial, conforme Relatório de Gestão, sem contar aquelas relativas aos cursos

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técnicos e de pós-graduação, e 06 (seis) profissionais de Serviço Social. No caso do

IFRN, também nesse ano, com base em dados do Relatório Institucional, na

especificidade do Campus Cidade Alta o total de estudantes matriculados na

graduação e nos cursos técnicos, integrado e subsequente, foi de 863 (oitocentos e

sessenta e três), contando o Campus com 02 (duas) assistentes sociais. No Campus

Central, o número de matrículas foi de 5.625 (cinco mil, seiscentos e vinte e cinco) e

de 04 (quatro) assistentes sociais e, no Campus Zona Norte, de 1.039 (um mil e

trinta e nove) estudantes e de 02 (duas) profissionais.

Ainda que nem todos os estudantes matriculados nessas instituições

demandem a assistência estudantil, é possível ter uma dimensão da quantidade de

trabalho posta às profissionais. Como expressão dessa realidade, no Campus

Central da UFRN, em 2017, apenas em relação aos programas mais procurados

pelos estudantes, houve uma demanda geral de 9.200 (nove mil e duzentos)

inscritos48. Esse número traz em si uma vasta quantidade de processos e uma

enorme variedade de documentos a serem analisados pelas assistentes sociais,

sem contar as entrevistas sociais e visitas domiciliares, a fim de identificar os

discentes a serem inseridos nos programas.

No IFRN, o número de atendimentos a estudantes nas principais ações e

programas de assistência estudantil, em 2017, na especificidade do Campus Cidade

Alta foi de 1.235 (um mil, duzentos e trinta e cinco); no Campus Central de 3.921

(três mil, novecentos e vinte e um) e no Campus Zona Norte de 970 (novecentos e

setenta)49. Ainda que um único estudante possa ser atendido em mais de um

programa, os números mostram que há uma enorme quantidade de trabalho para as

assistentes sociais, uma vez que cada inserção requer a análise de realidades

específicas, de documentos comprobatórios da situação familiar e de vida de cada

discente. Além disso, esses dados revelam apenas a quantidade de atendimentos

deferidos pela instituição, não revelando, portanto, o trabalho envolto na demanda

reprimida.

Nesse sentido, tem-se, nas instituições pesquisadas, a ampliação do espaço

ocupacional para o assistente social, que se torna insuficiente frente a grande

48

Foram considerados os programas relativos à alimentação, transporte e residência universitária, demandados por estudantes de graduação e de pós-graduação. O total apresentado envolve também a demanda das Escolas de Saúde e de Música da UFRN. Tais dados foram obtidos junto às profissionais entrevistadas. 49

Os dados são do Relatório de Gestão do IFRN de 2017.

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quantidade de demandas, consolidando um cotidiano marcado pela sobrecarga de

trabalho, como afirmam as profissionais:

Então assim, houve um aumento absurdo. [...]. Sabe, tá muito grande a demanda, não só dos processos, porque a gente não tem só processos seletivos. Temos outras demandas, outras atividades e, às

vezes, outro atendimento. E a gente atende qualquer aluno. (Assistente Social 04).

Aumentou o número de profissionais, só que também aumentou a demanda. Você pega relatórios antigos tinha programa que tinha 200 alunos. Hoje em dia esse mesmo programa tem 1.200. (Assistente Social 06).

Tal situação é agravada, nesses espaços, por algumas situações específicas

que revelam o ainda desconhecimento, seja por parte dos estudantes, da instituição

contratante ou dos demais trabalhadores da educação, sobre o que é de

competência do Serviço Social. Como resultante dessa realidade, atividades que

deveriam estar sendo desenvolvidas por um auxiliar administrativo, a exemplo do

preenchimento de planilhas referentes aos programas da assistência estudantil,

trabalhos burocráticos, conforme as assistentes sociais, têm sido por estas

realizadas.

Como a requisição pelo trabalho profissional nas IFEs se dá em torno dos

programas da assistência estudantil, todas aquelas demandas que possuam alguma

relação com esses programas têm sido encaminhadas ao setor de Serviço Social. É

o que acontece no IFRN Campi Cidade Alta e Zona Norte, que, pela inexistência de

um profissional da Nutrição, tem posto como responsabilidade das assistentes

sociais não apenas o processo de seleção para acesso dos estudantes ao programa

de alimentação, mas também as atividades de monitoramento da qualidade da

alimentação ofertada, de reuniões com o nutricionista da empresa que a subsidia, a

fim de discutir a aceitação dos estudantes, e de fiscalização do contrato com a

instituição fornecedora.

Confirmando a imprecisão por parte de outros profissionais sobre o que

compete ou não as assistentes sociais, as participantes desta pesquisa afirmam

ainda que todas aquelas demandas que apresentem a nomenclatura “social” ou que

mantenham alguma relação com a questão de renda são associadas e

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encaminhadas ao Serviço Social. Foi por essa realidade que a análise da

comprovação de renda das pessoas que pleiteiam o acesso ao IFRN pelo sistema

de reserva de vagas destinadas a estudantes com renda per capita igual ou inferior

a 1,5 salário mínimo tornou-se mais uma demanda para as assistentes sociais na

instituição50. Conforme as profissionais, tal análise consistia tão somente em um

cálculo matemático que envolvia a soma das rendas de todas as pessoas que

compõem o grupo familiar do candidato e uma posterior divisão. Não exigia,

portanto, a necessidade de uma avaliação socioeconômica ou de um estudo social,

podendo, dessa forma, ser realizada por qualquer servidor.

São atividades que contribuem para sobrecarregar o trabalho profissional

não somente no que diz respeito ao volume de atividades, mas também no que se

refere ao burocratismo, revelando também o entendimento, ainda presente em

muitos espaços ocupacionais, do papel do assistente social como o profissional que

tem competência para julgar quem deve ou não ter acesso a determinado direito.

Além disso, permitem reafirmar que a expansão das IFEs não se dá em

conformidade com o quantitativo de profissionais necessários à realização dos

serviços, e essa não é, como foi possível apreender, uma particularidade que

envolve apenas o Serviço Social.

Essa realidade não passa sem resistência, sem ser problematizada e

enfrentada pelas profissionais, que, em defesa das condições para realizar o que é

de sua competência no espaço da educação, assumem a luta no âmbito

institucional, seja por meio da reivindicação pela ampliação da equipe

interprofissional para o desenvolvimento das atividades, seja através do que diz a

Lei de Regulamentação da Profissão, que permite afirmar que a análise das cotas

não pode ser atribuída como de sua responsabilidade exclusiva.

A sobrecarga que caracteriza e atravessa o trabalho das assistentes sociais

nessas instituições levou ao processo de cooperação entre campi do IFRN. Frente à

excessiva demanda e ao insuficiente número de profissionais para dar resposta a

esta, a saída encontrada pela instituição se deu através do desenvolvimento das

atividades de uma profissional em mais de um campus. É o que tem acontecido no

50

A Lei 12.711/2012 (Lei de Cotas) estabelece que tanto as instituições federais de educação superior quanto as instituições de ensino técnico de nível médio deverão reservar, em cada processo seletivo para acesso aos seus cursos, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes egressos de escolas públicas. No preenchimento dessas vagas, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservadas aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita.

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IFRN Campus Central, que conta com o auxílio, ao menos em 02 (dois) dias da

semana, das profissionais do Campus São Paulo do Potengi. Consiste nessa

realidade aspectos de um trabalho precarizado, já que não há garantia de sua

alteração, sendo a cooperação apenas um paliativo com data marcada para acabar.

Ainda que expressiva de uma fragilização que atravessa e precariza o

trabalho profissional, a análise feita acerca dessa cooperação precisa levar em

consideração a apreensão das próprias assistentes sociais, que a enxergam como

alternativa para enfrentar a sobrecarga e como possibilidade de ter melhores

condições para responder as demandas dos estudantes. Nesse sentido, ainda que

não resulte em mudanças estruturais, ela assume contornos de extrema relevância

ao desenvolvimento das atividades.

São várias as implicações decorrentes da sobrecarga, que passam não só

pela necessidade da cooperação, mas também pelo sufocamento das possibilidades

do trabalho profissional. Embora a ampliação do espaço ocupacional tenha se dado

na política de assistência estudantil, as assistentes sociais reconhecem que o seu

exercício profissional não pode se dar imerso nessa dimensão como se não

houvesse alternativas. A predominância dessa demanda institucional, todavia,

impacta decisivamente, conforme o CFESS (2011), na imediata associação entre o

desenvolvimento dessa política e a atividade profissional, provocando equívocos e

tensões que acabam por restringir o trabalho às análises socioeconômicas e seleção

dos estudantes para acesso aos programas de assistência; desconsiderando

expressões da questão social que, presentes no espaço das IFEs, poderiam ser

enfrentadas pela mediação do assistente social, a exemplo da violência e do

preconceito, que cercam o cotidiano dos estudantes, atingindo as suas chances de

permanência na educação.

A insuficiente quantidade de profissionais para atendimento às demandas e

a sobrecarga de trabalho a que estão expostas as assistentes sociais no espaço das

IFEs conduz, também, a outros processos de precarização que precisam ser

mencionados e analisados, dentre os quais a ampliação nos níveis de intensidade e

de cobrança em seu trabalho. Com base nessa realidade, têm-se depoimentos das

entrevistadas ressaltando,

Isso a gente que, principalmente a gente que quer ter, que faz um trabalho com responsabilidade, com qualidade, a gente se sente

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pressionado e você quando começa: Ah, eu não vou dar conta disso não. Aí vai fazendo o que vai dando tempo. (Assistente Social 01).

[...] a Instituição quer saber de números. Quantos alunos vão ser atendidos, quantos foram aprovados e quantos foram indeferidos e pronto. (Assistente Social 05).

Estando suas competências e atribuições, nessas instituições, vinculadas ao

desenvolvimento da política de assistência estudantil e o valor de uso de sua força

de trabalho ao enfrentamento, mediado por essa política, das expressões da

questão social que se colocam como entraves à permanência e conclusão dos

cursos, as profissionais são convocadas a responder no menor espaço de tempo

possível às atividades relativas à seleção e inserção dos estudantes nos programas

dessa assistência. Realidade esta que, em consequência da elevada demanda, se

apresenta como extremamente desafiadora, expressando-se, dentre outras

maneiras, no aumento das cobranças por respostas cada vez mais imediatas e em

uma exigência maior no que se refere ao cumprimento de prazos. É nesse sentido

que as assistentes sociais entrevistadas apontam:

Eu tive já, em vários momentos que eu estava no processo, de me sentir como uma máquina, não como uma pessoa [...]. [...] É o único momento que a gente tem para ter esse contato mais próximo com o aluno e a gente fica na correria de não se sentir à vontade para ficar tanto tempo em uma entrevista, porque tem um monte de gente esperando. Eles mesmos falam: “ai, tá demorando muito”. E até já ouvimos da Gestão também que as entrevistas têm que ser mais rápidas. Aí cai de novo a questão da qualidade do atendimento. Tudo pela questão da produtividade. Ser mais rápida. (Assistente Social 06).

A condição assalariada (seja como funcionário público ou assalariado de

empregadores privados) envolve a incorporação de parâmetros institucionais e

trabalhistas que regulam as relações de trabalho consubstanciadas em um contrato

que a este corresponde, estabelecendo as condições em que ele se realiza:

intensidade, jornada, salário, controle do trabalho, índices de produtividade e metas

a serem cumpridas (IAMAMOTO, 2015). Exige considerar, portanto, a lógica do

aumento do ritmo de trabalho e da intensificação, da cobrança por resultados

imediatos, que tende a se expressar no âmbito do Estado, tornando evidente “[...] a

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incorporação crescente da lógica e da racionalidade da produção capitalista na

prestação dos serviços” (COSTA, 2010, p. 110).

Esse quadro imprime ao trabalho profissional o imediatismo nos

atendimentos realizados, impregnando-o da lógica produtivista. Traz também sérias

implicações ao seu desenvolvimento quando se pensa a qualidade dos serviços

prestados, uma vez que o momento da entrevista pode constituir, como afirmado por

uma das profissionais, em decorrência da expressiva quantidade de trabalho, o

único momento do qual dispõe a assistente social para estar em contato com o

estudante, para identificar outras necessidades que, embora ainda não manifestas

sob a forma de demandas, atravessam o seu cotidiano, impondo-se como entrave a

sua permanência na educação.

Torna-se evidente a lógica burocrática do trabalho quantitativo em

detrimento da qualidade das ações desenvolvidas pelas assistentes sociais nas

IFEs, sendo esta uma requisição que tende a impregnar o seu trabalho nos diversos

espaços em que é desenvolvido, exigindo, por isso, a resistência profissional na

perspectiva da competência crítica, que implica, conforme Iamamoto (1994), dentre

outros elementos, no redimensionamento dos critérios de objetividade do

conhecimento para além dos promulgados pela instituição e pela burocracia e uma

competência teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa que não reifica

o saber fazer, subordinando-o à direção do fazer, recusando o espontaneísmo, o

voluntarismo e o determinismo.

A exigência de maior agilidade nos resultados, nas respostas dos processos

seletivos para acesso aos programas da assistência estudantil, manifesta-se

também, como é possível apreender, por parte dos estudantes. Imersos em um

contexto demarcado por privações, a cobrança que expressam revela a sua

urgência em ter respondidas as suas demandas como condição à permanência na

educação. As assistentes sociais, conhecedoras dessa realidade, posta

cotidianamente ao seu trabalho, e direcionadas por um compromisso ético e político

com esses estudantes (na defesa do direito que eles veem arriscado), passam a

sofrer outra pressão, a que estabelecem sobre si mesmas, na tentativa de

responder, o mais breve possível, as suas requisições. Deriva daí e da sobrecarga

de atividades outra expressão da precarização que impregna o trabalho profissional,

aquela manifesta na extensão da jornada. Nessa perspectiva, as entrevistadas

ressaltam:

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Durante os processos seletivos a gente não tem como não trabalhar um pouco a mais. Embora, por todas essas questões que eu já falei, a gente tem se policiado para realmente trabalhar dentro do nosso horário. Quando a gente tava 06h tinha colegas que, às vezes, ficava 07h, já ajudando a colega da tarde. Mas a gente tem se policiado, porque a gente percebe que, por mais que a gente trabalhe 1h a mais, a gente não consegue resolver da mesma forma. Então a gente só se prejudica na nossa saúde e não consegue resolver um problema que tem que ser resolvido pela Instituição. (Assistente Social 06).

Costumo trabalhar fora do expediente, às vezes é necessário. Mas tento, ao máximo, diminuir isso, para que, assim, não haja adoecimento do profissional, não fique um profissional estressado, nem cansado, porque isso vai mexer no rendimento e na abordagem com o estudante. [...] Então, assim, eu tento, ao máximo, não levar trabalho para casa. Geralmente eu levo no período de inscrição dos programas, porque realmente a gente tem muitas inscrições, tem que fazer análise e tem que fazer para colocar, publicar o resultado no dia previsto. Então, geralmente, eu só levo mais, assim, alguma demanda aqui do IF para casa só no período de inscrições dos programas. (Assistente Social 07).

Ainda que não seja algo constante, como afirmam as assistentes sociais,

sendo uma realidade mais presente no momento dos processos de seleção dos

estudantes para acesso aos programas, a extensão da jornada de trabalho

manifesta-se também como um aspecto que fragiliza o fazer profissional, podendo

levar ao adoecimento.

A menção à jornada de trabalho nas IFEs permite introduzir a discussão

sobre um direito fundamental conquistado pelos profissionais de Serviço Social, no

Brasil, que vem sendo fortemente violado nesses espaços, qual seja, a garantia da

redução da jornada de trabalho para 30h semanais sem redução salarial51. A

conquista desse direito se insere na luta do conjunto CFESS/CRESS por melhores

condições de trabalho e de vida para os assistentes sociais.

Todavia, das 08 (oito) entrevistadas apenas 02 (duas) responderam

desenvolver as suas atividades em 30h semanais. Aqui cabem algumas reflexões:

são duas instituições pertencentes ao governo federal, mas que apresentam

particularidades em relação à carga horária de trabalho de seus profissionais. A

51

A definição da jornada de trabalho do assistente social em 30h semanais sem redução salarial é normatizada pela Lei nº 12.317, de 26 de agosto de 2010, que altera o artigo 5º da Lei de Regulamentação da Profissão.

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violação desse direito se torna ainda mais explícita quando a diferenciação ocorre no

âmbito de uma mesma instituição, como é o caso do IFRN.

Na UFRN, todas as assistentes sociais possuem carga horária de 40h

semanais. Importa mencionar que a perda das 30h nesse espaço constituía algo

recente quando da realização desta pesquisa. Conforme as profissionais, desde

2015 vinha sendo possível desenvolver as suas atividades dentro desta jornada. Tal

realidade era possível com base na Resolução n° 010/2016 do Conselho de

Administração (CONSAD), que faculta a autorização da jornada de trabalho com 06h

diárias e 30h semanais aos serviços que exigem atividades contínuas de regimes de

turnos ou escalas, em período igual ou superior à 12h.

Como uma demanda dos estudantes, que buscavam o Serviço Social nos

intervalos entre aulas e atividades de bolsas (de pesquisa, monitoria ou apoio

técnico) e daqueles que vinham de municípios distantes e que só podiam procurar

os serviços e informações relativos aos programas da assistência estudantil no final

da tarde, horário em que, geralmente, o setor estava fechando, foi percebida a

necessidade de desenvolvimento das atividades profissionais em turnos contínuos,

definidos por 12h ininterruptas. Daí a possibilidade, com a autorização da Reitoria,

de atender a uma demanda dos estudantes e, ao mesmo tempo, ter a garantia das

30h. A tentativa das profissionais em normatizar a situação junto ao CONSAD,

todavia, levou ao indeferimento do direito, devendo ser retomada às 40h semanais.

A realidade exposta não se define por uma preocupação com o atendimento

às demandas dos estudantes, na perspectiva de garantia de seus direitos, mas de

uma necessidade de impor a carga horária de 40h semanais como uma exigência às

assistentes sociais, como foi possível apreender por meio de suas falas:

É pensar que a gente vai querer, não querer trabalhar. Ele não entende a questão da qualidade de vida do trabalhador. Não entende que, de acordo com as especificidades daqui, é impossível você fazer um processo seletivo quando você tem meio dia a sala cheia aqui. A gente vai ter que trabalhar com agendamento, o que vai diminuir mais o atendimento, porque chegar meio dia eu tenho que bater, eu sou abrigada a bater o meu ponto e sair. E o aluno vai ficar aqui esperando 1h? Aí quando voltar, aí a gente vai atender até 05:00h da tarde. Pronto. (Assistente Social 04).

Embora a gente vá trabalhar 02h a mais, mas o horário do setor diminuiu, porque antes não fechava na hora do almoço. No final da

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tarde ficava aberto até às 07:30h. Então aquele aluno que só tem o intervalo de aula ou o intervalo de aula e bolsa para ser atendido, que era no horário do almoço ou final da tarde, ele não vai ter mais esse horário. Vai ficar mais difícil. Mas foi uma determinação da própria Instituição. (Assistente Social 06).

A negação das 30h representou, nesse sentido, perda tanto para os

profissionais, quanto para os estudantes na UFRN.

No IFRN, apenas 02 (duas) assistentes sociais afirmaram ter carga horária

de trabalho de 30h semanais. O estabelecimento dessa jornada no espaço

institucional se deu em consonância com os Decretos Federais 1.590/95 e

4.836/2003, através da Portaria nº 290/2003-DG/CEFET-RN, que aprovou a

flexibilização da jornada para os servidores Técnicos Administrativos em Educação.

Da mesma que na UFRN, essa portaria permite às 06h diárias e 30h semanais aos

profissionais cujos serviços requerem atividades contínuas de regime de turnos por,

no mínimo, 12 (doze) horas ininterruptas. No IFRN, porém, a implementação dessa

flexibilização depende de um acordo entre profissionais e Gestão de cada Campus,

o que faz com que não seja um direito reconhecido a todas as assistentes sociais,

provocando diferenciação na carga horária de trabalho de uma mesma categoria no

âmbito de uma mesma instituição.

Tenha-se presente que, ainda que tenha sido um direito conquistado pelos

profissionais de Serviço Social, a duras lutas, constituindo uma grande vitória para a

profissão no Brasil, a jornada de 30h tem encontrado resistência para ser efetivada

no espaço das IFEs. E aquelas poucas profissionais que ainda desenvolvem a sua

atividade sob essa carga horária a fazem não pela Lei das 30h, que não é

reconhecida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, nesses

espaços, mas por portarias específicas, que não garantem o direito, imprimindo uma

sensação constante de ameaça e insegurança no que se refere a sua preservação.

Essa realidade permite algumas reflexões que tornam expresso que o

assistente social, comprometido com a defesa dos direitos dos estudantes, também

enfrenta, em sua condição de trabalhador assalariado, a violação de seus direitos.

Violação expressa, para além da negação das 30h semanais de trabalho, nos

seguintes discursos que ouve no espaço das IFEs:

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Saiu agora uma normativa. Quer dizer, foi colocado pra gente que a redução da jornada de trabalho poderia ser feita, mas com o condicionamento da redução do salário. Veio lá do governo essa orientação. [...] Eu já escutei dizerem: “vocês são preparadas para isso”. Inclusive uma das pessoas que foi contra essas 06h... Ela puxou lá o coro de que não é necessário. “Vocês são preparadas para isso, vocês podem trabalhar 08h”. Com essa concepção de que trabalhar 08h é mais do que trabalhar 06h. (Assistente Social 04).

Todos os servidores estavam lá e escutou a seguinte frase: “vocês deveriam se envergonhar de querer 30h, porque os alunos de vocês chegam a pé, enquanto vocês entram na Instituição de carro”. [...] É essa a precarização, são esses os discursos. São essas as questões que chegam até nós e isso vai nos precarizando. Isso vai nos minando, isso afeta os fazeres profissionais. (Assistente Social 03).

As profissionais de Serviço Social inseridas nas IFEs vivenciam, nesse

sentido, diversos aspectos de um trabalho precarizado, que se expressa não

somente no desemprego e nos trabalhos informais, mas também nos extratos

formais do mercado de trabalho, por meio das perdas de direitos e benefícios, da

ampliação da jornada laboral e das horas extras sem remuneração, da intensificação

dos processos de trabalho e da insegurança no emprego e na carreira, como

demostram as constantes reedições dos Programas de Demissão Voluntária

(ALVES, 2007).

Consolidando-se nesses espaços, a precarização tem dificultado às ações

de planejamento das atividades profissionais e a tentativa de definição de um tempo

para estudo no espaço de trabalho, inclusive para encaminhamento de ações

referentes à atribuição de supervisão de estágio, interferindo, ainda, na realização

do trabalho interdisciplinar, uma vez que “tá todo mundo na correria”. (Assistente

Social 01). Seus efeitos, portanto, trazem sérias implicações ao trabalho profissional,

afetando a sua dimensão subjetiva52, ao interferir não só nessas questões, mas

também na perspectiva de formação continuada das assistentes sociais, uma vez

que se torna difícil, como mencionado por estas, se “ausentar” do cotidiano

profissional para a realização de um mestrado ou doutorado, tendo em vista às

exigências que este cotidiano impõe.

52

As condições subjetivas são aquelas relativas “aos sujeitos, às suas escolhas, ao grau de qualificação e competência, ao seu preparo técnico e teórico-metodológico, aos referenciais teóricos, metodológicos, éticos e políticos utilizados, dentre outras” (GUERRA, 2010, p.02).

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Agudizando as expressões da precarização e suas implicações no trabalho

do assistente social é necessário mencionar, ainda, às próprias características

assumidas pelas políticas sociais na cena contemporânea, uma vez que este

trabalho é realizado pela mediação de tais políticas, sofrendo, por isso, os

rebatimentos que as atravessam. Nessa direção, é preciso considerar os ataques

que têm sido promovidos pelo atual (e ilegítimo) governo brasileiro no sentido de

destruição dos direitos sociais, dentre os quais o direito à educação, no qual está

imerso o direito à assistência estudantil. Dentre as principais medidas adotadas no

governo Temer, que reafirmam a defesa dos interesses dominantes em detrimento

dos direitos da classe trabalhadora, é possível destacar a Proposta de Emenda à

Constituição nº 241/2016 (ou PEC 55), que regulamenta cortes orçamentários nos

gastos públicos com saúde e educação por 20 (vinte) anos.

As redefinições nos investimentos das políticas sociais são parte constitutiva

do processo de enxugamento do Estado, definido pelas reformas neoliberais.

Intensificando o desfinanciamento na educação, a PEC 241 reafirma a

subordinação, na sociedade brasileira, da política social à política econômica e dos

direitos sociais, dentre os quais a assistência estudantil, à lógica orçamentária do

Estado, influenciada pelos organismos multilaterais.

O contexto social se define pela redução das possibilidades de resposta às

necessidades dos estudantes, com uma clara convocação à assistência estudantil

para que assuma um caráter cada vez mais seletivo e focalizado53. Essa realidade

se ergue como uma ameaça à garantia do direito à educação, representando a real

possibilidade de redefinição do quadro de expansão do acesso ao ensino superior

construído nos últimos anos. Para o Serviço Social, no espaço das IFEs, significa,

além da tensão cotidiana de trabalhar na perspectiva de efetivar direitos em uma

sociedade que os nega constantemente, o aumento do volume de trabalho, como

afirmado pelas profissionais:

É mais trabalho e mais assim, um trabalho desgastante, porque você fica assim: que critérios mais criar? Porque, assim, você já tem aqueles critérios e você vai elaborar, tendo que elaborar mais outros.

53

A seletividade tem como pretensão definir regras e critérios para escolher, para averiguar minuciosamente e criteriosamente quem vai ser selecionado e incluído. Resulta, dessa forma, na diminuição dos atendimentos ou mesmo na negação do acesso aos direitos. Já a focalização associada à seletividade restringe e reduz as ações a poucos e pequenos grupos, desconsiderando o direito de todos (BOSCHETTI, 2003).

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Se tinha 05 itens lá para você cumprir, se o aluno precisa de 05 tava... Mas se cumprindo esses 05 têm muitos mais. Você vai criar mais critérios? Então isso gera mais trabalho. Gera mais trabalho nesse sentido de selecionar, gera mais trabalho no sentido agora que você vai ter mais alunos insatisfeitos e vindo saber por que que ele não foi selecionado [...]. (Assistente Social 01).

[...] rigor no processo de seleção, rigor na questão da comprovação de que o estudante é pobre, de que o estudante é carente. [...] Então traz algumas cascas de banana pra gente, no sentido de burocratizar os processos de seleção [...]. Então tá uma cobrança: vocês têm que fazer visita, no sentido de ver realmente se o estudante precisa ou não. Então voltando a uma concepção bem tradicional, daquela coisa do estudante, do cidadão, do estudante que requer um benefício ter que comprovar por A mais B de que ele necessita daquele benefício, quando a gente olha para o nosso país e ver a desigualdade social, os índices de desemprego, de subemprego, de pobreza que a gente tem.

O aumento do rigor nos processos de seleção ocasiona, como afirmado

pelas assistentes sociais, mais trabalho, tornando expresso que as transformações

processadas no âmbito do Estado afetam, diretamente, os profissionais aos quais

emprega. Além disso, a crescente desvalorização dos serviços públicos envolve a

redução de custos com recursos humanos na área social, colaborando para a não

realização de concursos públicos em conformidade com as demandas, contribuindo

para a sobrecarga, a intensificação e a superexploração da força de trabalho no

espaço estatal. Há, portanto, como afirmam Cavalcante e Prédes (2010), uma

estreita relação entre a precarização das políticas sociais, nesse caso da política de

educação, e a precarização do trabalho do assistente social.

As reflexões tecidas permitem identificar um conjunto de fatores que,

resultantes das transformações sociais, contribuem para a consolidação de um

duplo processo de precarização do trabalho do assistente social nas IFEs, pelas

condições que o definem e pelas características que atravessam a assistência

estudantil no atual estágio do capitalismo, agudizando o seu perfil de política

focalizada e seletiva.

Tal realidade permite considerar que o mercado profissional para o

assistente social no âmbito da educação, na particularidade da assistência

estudantil, tem sido definido não apenas por processos de ampliação, mas também

por novas características que têm atravessado o mundo do trabalho em razão da

reestruturação produtiva e da ofensiva neoliberal. Nessa perspectiva, a condição de

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trabalhador assalariado, ainda que inserido em espaços públicos estatais, impregna

o seu trabalho dos efeitos das transformações que incidem sobre a classe

trabalhadora, não estando esse profissional imune às formas contemporâneas de

exploração e de precarização do trabalho. São várias as expressões que a

precarização assume no espaço das IFEs, o que torna relevante conhecer a maneira

como afeta as profissionais e as estratégias construídas no seu enfrentamento.

3.2. ASSISTENTE SOCIAL / TRABALHADOR ASSALARIADO: os efeitos do

trabalho precarizado sobre as profissionais e as estratégias de enfrentamento

As resultantes dos processos de transformações societárias agudizaram as

expressões da precarização, que, ao tornar-se parte e estratégia de dominação, no

capitalismo contemporâneo, passa a atingir a todos os que vivem da venda de sua

força de trabalho, ainda que em intensidade distinta. Ao assumir contornos

estruturais, próprios da sociabilidade do capital, da constituição do trabalho em sua

dimensão abstrata, a precarização não poderia passar à margem do Serviço Social.

Partindo desta assertiva e tendo por base os processos de flexibilização do

trabalho e dos direitos sociais, pautados na reestruturação produtiva e na ofensiva

neoliberal, são diversas as expressões da precarização no trabalho do assistente

social na educação, dentre as quais a sobrecarga de atividades que o atravessa e

caracteriza, a extensão da jornada, a cobrança por resultados, a intensificação da

exploração e as violações de direitos a que também este profissional está suscetível.

A forma de organização do trabalho e as condições postas ao seu

desenvolvimento impactam não só os serviços prestados, as respostas às

demandas dos estudantes, as competências e atribuições profissionais, produzindo

efeitos também sobre as assistentes sociais. O volume de trabalho a que estão

expostas no espaço das IFEs, tendo em vista a realização das atividades com base

em sistemas informatizados, conduz a um contato cada vez maior com os recursos

desses sistemas, o que leva ao surgimento de lesões. A propósito, veja-se o

enunciado de duas entrevistadas:

Assim, o sistema ele ajuda. Ajuda, mas também adoece. [...] A gente tendo que utilizar do recurso do mouse, o tempo todo digitando, o

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tempo todo. Então assim, foi muito mais, contribuiu muito mais para que a gente tivesse problemas mesmo de LER, porque são muitos processos. [...] então é tudo no sistema. Então você tá utilizando o mouse toda hora e o teclado, isso faz com que a gente realmente tenha problemas. Eu vivo com esse meu braço doendo. Tem dias que eu tenho que chegar em casa e botar gelo, se não eu não durmo com o ombro doendo. (Assistente Social 04).

Eu acho que ao mesmo tempo que facilita, porque fica tudo lá registrado... Mas, como eu disse, a alta demanda termina obrigando a gente a usar o computador, já que tudo é no sistema, por um tempo muito, muito longo. E a gente tá, eu digo a gente, porque não sou apenas eu que estou com problemas. Hoje, mais especificamente, é o caso mais grave, com restrição médica, mas tem outras colegas que estão adoecendo também das mãos. Então essa intensidade com que a gente tem que usar, tudo no sistema, tem nos prejudicado fisicamente. (Assistente Social 06).

Os sistemas informatizados utilizados pelas assistentes sociais nas IFEs são

considerados de extrema relevância ao desenvolvimento do trabalho, uma vez que

facilitam o registro das informações dos estudantes e o acesso a estas quando

necessário. Todavia, a exposição a grande demanda de trabalho acaba por obrigar

as profissionais a um contato prolongado com tais sistemas, provocando o

adoecimento, com destaque para a Lesão por Esforço Repetitivo (LER), como

mencionado por elas.

Aspecto importante a ser ressaltado é que o adoecimento provocado pela

intensificação do trabalho informatizado se manifesta apenas no espaço da UFRN,

não sendo uma realidade para as profissionais cujo exercício profissional tem se

dado no Instituto Federal. Algumas considerações são possíveis com base nessa

realidade e que talvez possam explicá-la. No Campus Central da UFRN, ainda que a

assistência estudantil possa contar com um quantitativo maior de assistentes

sociais, há também, pela estrutura deste Campus, um número mais elevado de

estudantes e, consequentemente, de demandas, o que determina um contato

sempre maior com os sistemas informatizados. Outro fator relevante pode ser

explicado pelos seguintes enunciados das entrevistadas,

No que se refere aos sistemas de informação, no IFRN, eu acredito que contribui muito. Ele a cada dia ele tá sendo aprimorado e com sugestões da equipe de Serviço Social. A gente sugere e os

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engenheiros eles melhoram a partir das nossas sugestões. (Assistente Social 08).

Mas até agora a gente não teve nenhum empenho em modificar, sabe, o SIGAA54. A alegação é que eles têm muitas demandas de modificações e que eles não têm tempo agora de fazer as que a gente precisa. Mas é um sistema que eu acho que veio para ajudar, claro. E ele ajuda, de certa forma. Mas ele é muito trabalhoso, muito burocrático. (Assistente Social 05).

As sugestões dadas pela equipe de assistentes sociais parecem ser

determinantes nessa relação com os sistemas informatizados. Ao serem ouvidas e

acatadas, no IFRN, contribuem para a desburocratização do acesso ao sistema,

facilitando e reduzindo o percurso de registro das informações. Na especificidade da

UFRN, porém, esta não é uma realidade, e a sua ausência, somada a sobrecarga de

trabalho, resulta em adoecimento.

A intensificação, ao revelar-se, no espaço estatal, ganha concretude,

segundo Dal Rosso (2008), no ritmo e na velocidade do trabalho, nas cobranças e

nas exigências, no volume das tarefas, nas características do trabalho intelectual

demandante e no peso da responsabilidade. Materializada no espaço das IFEs

provoca o desgaste físico das assistentes sociais, sentido cotidianamente e revelado

ao fim de cada processo seletivo para acesso dos estudantes aos programas da

assistência estudantil.

Apresentando um cotidiano profissional marcado pela sobrecarga e pela

intensificação, que encontra seu objetivo na redução do trabalho pago e na

ampliação do trabalho excedente, raiz do sofrimento do trabalhador assalariado,

conforme Raichelis (2013), as assistentes sociais se deparam com a impossibilidade

de ampliar suas atividades profissionais para além daquelas definidas no espaço

institucional, restritas à operacionalização dos programas da assistência estudantil.

Em contato com os estudantes e com suas demandas, defrontam-se com novas

expressões da questão social, que ultrapassam aquelas definidas na demanda por

alimentação, transporte e moradia, revelando-se no acirramento do preconceito, na

violência, nas disparidades de gênero e outras; problemáticas sobre as quais têm

54

Consiste no Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas utilizado por toda a comunidade universitária (estudantes, docentes e técnicos administrativos em educação) na UFRN.

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competência e habilidade para intervir, mas indisponibilidade de tempo no espaço

das IFEs.

Essa realidade imprime às profissionais a sensação de um trabalho

mecânico e burocrático, que resulta em descontentamento, conforme expresso por

elas:

A gente fica desestimulada, porque a gente tá fazendo um trabalho praticamente mecânico. Faz um trabalho... Não é mecânico, mas eu digo... Porque a gente não vai fazer uma seleção de forma mecânica. Não é isso que eu tô te dizendo. Mas eu digo assim, todo semestre a mesma coisa. Tá entendendo? Termina um processo, começa outro. [...] E aí a gente fez o que para a gente se sentir profissionalmente realizadas, satisfeitas? Tá entendendo? Porque envolve essa realização profissional também. Que a gente não é só para conceder o auxílio, conceder ou não conceder, ou aprovar ou não aprovar, o parecer favorável, não favorável. (Assistente Social 05).

E assim, a gente se sente um pouco frustrada, porque eu acho que a assistência estudantil, todas nós compreendemos isso, que a assistência estudantil ela não se resume só a deferimento, indeferimento de bolsa. Ela tem uma dimensão muito maior. Tem uma dimensão educativa. E pegando isso, assim, a gente tem vários projetos para trabalhar na Residência, têm as oficinas, que parou. [...] Então assim, é meio frustrante e desestimulante você ficar somente em processos seletivos. (Assistente Social 04).

As assistentes sociais não negam a relevância das ações profissionais na

assistência estudantil, tão pouco os resultados de seu fazer, mas reconhecem que

essa política precisa ser apreendida de forma mais ampla no espaço institucional, de

maneira que se possa enxergar o estudante na totalidade das relações em que se

insere, das necessidades que o envolvem e que já não podem ser enfrentadas

apenas pela oferta de bolsas e auxílios financeiros. Há uma dimensão educativa,

numa perspectiva mais ampla, a ser desenvolvida junto aos estudantes, que se

perde em meio às exigências técnicas-burocráticas de um processo seletivo para

distribuição de bolsas que acaba por incidir na precarização do trabalho profissional

do assistente social, ao mesmo tempo em que na sua subjetividade, uma vez que

frustra e desestimula.

Apreender os efeitos da precarização sobre os profissionais de Serviço

Social exige considerar a base de fundamentação de seu trabalho, ou seja, a

questão social e todas as suas manifestações na vida cotidiana. Pressupõe

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apreender que as suas consequências se expressam nos espaços da educação,

dentre outras formas, no aumento da requisição dos estudantes pela assistência

estudantil, em um cenário explícito de degradação das políticas sociais.

A exposição continuada das assistentes sociais as mais dramáticas

expressões da questão social, lindando com as diversas situações enfrentadas pelos

estudantes e por suas famílias, aparecem também, em suas falas, como elemento

de angústia, do qual se torna difícil desvincular. Nesse sentido, afirmam,

A sensação que eu tenho é que diariamente eu tenho trabalhado bastante. Trabalhado bastante, assim... Eu tenho feito o exercício de me desvincular quando saio daqui, porque também tem uma coisa que acontece: a gente sai do trabalho, mas a gente, diante das coisas que a gente vivenciou, encaminhou, das demandas que chegaram, que às vezes... A gente lida com situações bastante complicadas e ultimamente têm aparecido muitas situações, bem complicadas, que os nossos estudantes passam. Então não tem como você não se afetar, você não se envolver. (Assistente Social 02).

Há especificidades também, porque as demandas da gente são muito, assim, abalam. Nós somos seres humanos. Então, assim, você... E tem crescido muito. Questão de dependência química, que é um atendimento altamente desgastante pra gente, porque assim, você não lida só com o sentimento do aluno. Você lida com o sentimento da família. [...] Então assim, como você trabalhar 08h com questões pesadas, abuso, que é uma coisa que tá crescendo muito? E assim, eu não sei até quando a gente não vai adoecer, porque você receber uma carga grande, principalmente quando é, assim, que me abala muito. (Assistente Social 04).

O peso das demandas, relacionadas, dentre outras, a abusos e dependência

química, com as quais se deparam no cotidiano de suas atividades, expressões da

questão social que se apresentam como de extrema gravidade na cena

contemporânea, se transformam em requisições para as assistentes sociais,

constituindo fonte de sofrimento. Entre outras estratégias e/ou alternativas possíveis

no âmbito institucional, este sofrimento poderia ser “amenizado” com a garantia das

30h semanais, conforme apontado por uma das profissionais, uma vez que, ainda

que não altere estruturalmente a forma de organização do trabalho, possibilitaria a

diminuição da sobrecarga que o atravessa, podendo melhorar a saúde do

trabalhador, ao impor limites à exploração (BOSCHETTI, 2011).

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As problematizações realizadas permitem apreender que os efeitos da

precarização atingem não só o trabalho, mas também as assistentes sociais, por

meio do adoecimento e do desgaste físico, bem como do descontentamento e

sofrimento na relação com a atividade profissional. Na discussão das implicações

que provoca sobre as profissionais, é preciso considerar, ainda, a configuração da

política de assistência estudantil, também apontada como mecanismo que contribui

para a precarização objetiva e subjetiva do trabalho.

No cenário de transformações que definem a realidade brasileira, e como

parte constitutiva dos direitos sociais, a assistência aos estudantes tem sido

atravessada pela lógica neoliberal, que imprime a ela, dentre outras características,

um caráter focalizado e seletivo. Em consequência disso, o acesso aos seus

programas e serviços tem sido restrito por meio de critérios socioeconômicos,

estando suas ações direcionadas aos estudantes em situação de maior dificuldade.

Nega-se a assistência estudantil como direito de todos os discentes, mesmo em um

cenário em que as condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora têm sido

fortemente afetadas pelas transformações em curso, como apontado por uma das

participantes desta pesquisa:

Essa demanda tem aumentado cada vez mais, porque como eu já disse: as necessidades das famílias têm aumentado com essa crise. A gente vê muitas pessoas perdendo o emprego e aqui mesmo a gente vê os estudantes trazendo: “não, meu pai trabalhava em tal coisa e não tá mais trabalhando. Saiu do emprego”. A gente vê muito isso. [...] Vê no dia a dia, porque eles trazem: “não, meu pai tava trabalhando, não tá mais. Agora tá só minha mãe”. Ou então: “não tem ninguém em casa trabalhando”. Isso a gente viu que aumentou muito do ano passado para cá. [...] E a grande maioria é o quê? Trabalho autônomo. “Não, eu trabalho por conta própria. Eu vendo pipoca [...]”. (Assistente Social 01).

As transformações societárias chegam com intensidade na vida dos

estudantes, materializando-se em diversas expressões da questão social que

ganham concretude, dentre outras, no desemprego, agora estrutural, nas formas

precárias de trabalho, no subemprego, na desproteção social e trabalhista que

marca o seu cotidiano e de suas famílias. É por essa mesma realidade que terão

suas necessidades ampliadas e, a partir destas, a demanda por ações de

assistência no âmbito das IFEs como condição a sua permanência na educação.

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Todavia, é nesse mesmo cenário da sociedade brasileira, que ataca e ameaça as

políticas sociais, dentre as quais a assistência estudantil, que as respostas as suas

necessidades serão restringidas.

É nesse contexto que as assistentes sociais inseridas nas IFEs passam a se

deparar com o aumento das demandas pela assistência estudantil e, de forma

inversa, como consequência da redução da ação do Estado na área social, com o

corte de recursos direcionados a sua operacionalização. Chamadas a viabilizar esse

direito e os meios de exercê-lo, veem-se tolhidas em suas atividades, “que

dependem de recursos, condições e meio de trabalho cada vez mais escassos para

operar as políticas sociais e serviços sociais públicos” (IAMAMOTO, 2002, p. 52).

Sabendo ser essa assistência condição indispensável à efetivação do direito

à educação, as profissionais de Serviço Social têm ampliados, diante de si, o

estresse e o desgaste físico e emocional que essa realidade impõe, sofrendo na

carne, conforme Matos (2015), os efeitos do afrontamento expresso na redução de

recursos e no enxugamento das políticas sociais. Nesse sentido, têm-se argumentos

das entrevistadas ao enunciarem,

Não tem previsão de aumento para o próximo orçamento. Já foi dito isso para a gente. Ou seja, a gente tem que trabalhar no mínimo que a gente já vinha trabalhando e isso só afeta mais ainda o nosso trabalho, porque é a gente que vai decidir assim, dentre tantos, a gente tem que fazer aquela peneira [...] para saber quem vai entrar e quem não vai entrar no programa, sabendo que todos precisam. [...] Então assim, eu acho que vai ser muito mais impactante e estressante a gente tá exercendo a atividade na assistência estudantil diante dessa questão, porque a gente defende o direito. Então como defender um direito se você tem um recurso mínimo? (Assistente Social 04).

Eu vejo que o aluno tem perfil, eu vejo que ele precisa, eu escuto isso, eu sofro com isso, porque nós somos humanos. É impossível não sentir o outro. E assim, torna o nosso trabalho muito mais difícil, muito mais sofrido, muito mais desgastante, porque eu tenho uma demanda e com essa demanda de pessoas com todo esse sofrimento que vem dos estudantes e da família, e às vezes a gente não tem como incluir todos. Inclui uma parte e fica uma parte. E também tem aquela cobrança: E por que que eu? E, às vezes, você escolhe entre... Pessoas na mesma situação e você tem que escolher entre um e outro. (Assistente Social 08).

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Então tem um desgaste emocional, assim, e que tem repercussões físicas, que você fica com dores nas costas, da pressão, da sobrecarga. No meu caso, dores nas costas. Colegas que precisam, às vezes, se afastar pra poder cuidar da saúde emocional, que adoeceram fisicamente também. (Assistente Social 02).

São diversos, portanto, os efeitos da precarização da política de assistência

estudantil, que contribui para a precarização do trabalho no espaço da educação,

sobre as assistentes sociais, que diante da crescente restrição da capacidade de

atendimento, veem-se, institucionalmente, cada vez mais compelidas “[...] a exercer

a função de um juiz rigoroso da pobreza, técnica e burocraticamente conduzida,

como uma aparente alternativa à cultura do arbítrio e do favor” (IAMAMOTO, 2014,

p. 161; grifos da autora).

Na tensão entre a ampliação da demanda e a diminuição dos recursos para

respondê-la, as assistentes sociais veem-se ainda constrangidas a decidir entre

aqueles que terão ou não acesso aos programas da assistência estudantil55.

Sabendo ser esta assistência condição indispensável à permanência dos estudantes

na educação e estando o seu trabalho orientado, dentre outros, pelo princípio da

universalização do acesso aos direitos, as profissionais deparam-se com o desafio

da materialização dos próprios princípios do Serviço Social em seu cotidiano

profissional, enfrentando, por isso, o estresse e o desgaste físico e emocional.

O cenário atual tem sido definido, como é possível apreender, por uma série

de implicações, que, resultantes das transformações societárias, rebatem nas

condições de trabalho e nas próprias assistentes sociais, desafiando-as a buscar

estratégias para resistir as suas determinações.

A construção dessas estratégias passa pela exigência de conhecimento da

realidade, dos efeitos dessas transformações, impulsionadas pelo capitalismo

contemporâneo, sobre a vida da classe trabalhadora e sobre o assistente social

como parte desta classe. Pressupõe, nesse sentido, ter clareza de que esse

profissional está sujeito aos mesmos constrangimentos que os demais

trabalhadores.

55

Consiste nessa realidade uma verdadeira tensão entre o direito ao acesso a um determinado serviço/programa de assistência estudantil para os estudantes que dela precisam e a insuficiência de recursos para atendê-los. Nessa perspectiva, observa-se, conforme Iamamoto (2015), uma inversão e uma subversão, uma vez que não é o direito constitucional, com base na universalidade, que impõe e orienta a distribuição das verbas orçamentárias, mas a disponibilidade de recursos. O resultado dessa lógica “é a subordinação de necessidades sociais e sua satisfação à mecânica instrumental do orçamento público” (IAMAMOTO, 2015, p. 149).

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Questionadas sobre as estratégias construídas na resistência à precarização

do trabalho, as participantes desta pesquisa apontam, sobretudo, aquelas relativas

ao enfrentamento da precarização da política de assistência estudantil, que passa,

como afirmado por elas, pelo diálogo com os estudantes, pela necessidade de sua

formação política, a fim de que, como sujeitos políticos, possam somar na luta pelos

direitos sociais e pela educação como parte destes. As assistentes sociais

reconhecem, porém, que esta estratégia se reveste de desafio, uma vez que a

realidade de seu cotidiano profissional, marcado pela sobrecarga de atividades, pela

exigência de respostas imediatas e pela intensificação, tende a limitar o contato com

os discentes, contribuindo para a fragilização da dimensão educativa de seu trabalho

no espaço das IFEs.

Na defesa da assistência estudantil como condição necessária ao acesso e

permanência no espaço educacional, ainda que o cenário presente aponte para o

crescimento da seletividade e da focalização, as profissionais respondem com dados

da realidade, com o acervo de informações construído com base nas demandas dos

estudantes, nas suas condições de vida e nas necessidades que trazem consigo,

revelando a ameaça que o contexto atual representa para o direito à educação.

Revela-se, nessa estratégia, a importância da dimensão teórico-

metodológica (direção intelectual) que dá conta da leitura e interpretação dessa

realidade, viabilizando a sistematização das informações que compõem o exercício

profissional, isto é, a produção de conhecimentos acerca das experiências que se

desdobram por meio dele, como parte constitutiva de um processo reflexivo e

investigativo. Por meio deste processo, as assistentes sociais passam a dispor de

argumentos (com competência crítica) e perspectivas de ação, firmados em dados

da realidade, construídos a partir do contato diário com as demandas dos

estudantes. Tomada como estratégia, a construção e exposição desse acervo é

também forma de denúncia de uma sociedade produtora de desigualdades, que é

em si fonte de injustiça.

O enfrentamento à precarização passa também, como apontado pelas

assistentes sociais, pela resistência à superexploração de sua força de trabalho e às

intensas cobranças, que pode ser feita com base na realidade das próprias

condições em que desenvolvem as suas atividades, a partir dos dados que mostram

ser as demandas, muitas vezes, superiores a capacidade de resposta profissional.

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A construção das estratégias não poderia passar, numa profissão como o

Serviço Social, sem a necessária articulação e embasamento com a legislação

profissional e com os órgãos de representação da categoria. É nesse sentido que a

clareza das competências e atribuições, inscritas na Lei 8.662/93, se afirma como

uma estratégia que precisa ser exposta e disseminada no espaço das IFEs, como

condição de torná-las conhecidas pela instituição empregadora, pelos demais

profissionais da educação e pelos estudantes, por todos aqueles que ainda guardam

dúvidas sobre o que compete ou não ao assistente social.

Foi com base nessa legislação que as profissionais inseridas nas Instituições

Federais de Educação do município de Natal/RN puderam construir a sua luta e

argumentos na defesa de melhores condições materiais de trabalho. É também por

ela que afirmam a possibilidade de lutar e a necessidade de defender uma

assistência estudantil mais ampla, direcionada a todos os discentes, ainda que o

contexto presente caminhe na contramaré.

O cenário se afirma como adverso ao trabalho profissional, aos direitos

sociais, as conquistas de todos os trabalhadores. Desafia não só assistentes sociais,

mas toda a classe trabalhadora. Ainda que desafiador, não paralisa. De modo

contrário, impulsiona. Movimenta a necessidade da luta, da construção de

estratégias que se mantenham em sintonia com o projeto de profissão, de educação

e de sociedade defendidos pelo Serviço Social, revelando, mais que nunca, como

afirmado pelas profissionais, que “a questão é luta e resistência”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As transformações processadas no âmbito da educação superior brasileira,

nos últimos anos, resultaram, dentre outras medidas, na possibilidade de acesso a

esse nível de ensino por parcelas da classe trabalhadora que não desfrutavam

desse direito. Apesar da relevância e significado desse processo, muitos desafios

ainda se colocam no sentido de efetivação do direito à educação, que passam,

inclusive, por uma verdadeira democratização das formas de ingresso, capaz de

garantir um ensino público de acesso a todos.

O crescimento da população universitária, no Brasil, possível também pela

ampliação das Instituições Federais de Educação, trouxe consigo uma maior

diversificação de estudantes para o âmbito destas instituições, cada um dos quais

com uma realidade de vida específica, muitas vezes, marcada por necessidades

que, transmutadas em demandas, exigem respostas para consolidar o acesso e o

direito à educação.

Ainda que sejam diversas as possibilidades de inserção e atuação dos

profissionais de Serviço Social no âmbito da política educacional, foi para dar

resposta a essas demandas, pela mediação da assistência estudantil, que se deu a

ampliação da requisição por sua força de trabalho na educação. Vive-se, nesse

sentido, como resultado da expansão do ensino superior, da demanda dos

estudantes por ações de permanência, mas não só, uma vez que é preciso

considerar a luta profissional pelo reconhecimento e relevância da inserção nos

espaços dessa política, uma maior presença da categoria de assistentes sociais nas

IFEs.

A análise acerca do trabalho profissional nesses espaços pressupõe

considerar a ampliação vivenciada e o “chão” em que acontece. Desse modo, não

poderia se dar distanciada da problematização das transformações societárias, em

curso na realidade brasileira desde a década de 1990, que se materializam em uma

série de perdas para os trabalhadores, expressas, dentre outras formas, na

intensificação de sua exploração e na precarização que atinge as suas condições e

relações de trabalho e os direitos que arduamente conquistaram.

Como um fenômeno intrínseco ao capitalismo, a precarização do trabalho,

indispensável ao seu desenvolvimento, tem se aprofundado no cenário presente,

assumindo amplas dimensões e atingindo toda a classe trabalhadora. Nessa

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direção, e como estratégia de dominação que atinge a todos, ainda que de forma

diferenciada e hierarquizada, sendo parte estruturante da dinâmica do capitalismo

contemporâneo, no contexto de globalização e hegemonia neoliberal, conforme

Druck (2016), a precarização não poderia deixar de se expressar no trabalho do

assistente social na educação.

O que se quer apontar é que a ampliação do espaço ocupacional para o

assistente social nas IFEs, inserida no contexto de transformações impulsionadas

pelo capitalismo, não se deu isenta dos efeitos da precarização. Presente no

trabalho profissional, nesses espaços, ela ganha materialidade na sobrecarga de

atividades, na cobrança por resultados imediatos, que tendem a inviabilizar a

reflexão das profissionais acerca das demandas que lhes são postas e sobre o seu

fazer, na extensão da jornada; isto é, na intensificação de sua exploração, bem

como nas características assumidas pela assistência estudantil, aprofundada em

seu caráter de política focalizada e seletiva. Tudo isso com sérias implicações ao

trabalho e as próprias profissionais, uma vez que as expressões da precarização,

presentes nos diferentes ramos de atividade e espaços ocupacionais dos

assistentes sociais, produzem efeitos também sobre o seu corpo e mente

(RAICHELIS, 2013).

Atravessando o trabalho profissional no espaço das IFEs, a precarização

dificulta/inviabiliza a ação educativa, apontada nos Subsídios para atuação do

assistente social na educação como atividade a ser desenvolvida junto aos

estudantes. Tal dimensão, no cenário de agudização da questão social e de suas

expressões, poderia dar conta de demandas relativas à dependência química, aos

abusos e violências, a gravidez precoce, ao preconceito e outras problemáticas que

são postas aos profissionais no cotidiano de suas atividades.

É também pela precarização que incide sobre a assistência estudantil,

enquanto política social, que as profissionais de Serviço Social vivenciam e sentem

na pele os efeitos da tensão entre o princípio da universalidade, defendido e

expresso na Constituição Federal de 1988 (ao afirmar ser a educação direito de

todos e dever do Estado) e no seu projeto ético-político (que direciona o seu fazer e

expressa o tipo de profissão, de sociedade e de educação que defendem), e o

princípio da seletividade e focalização, que, resultante do projeto neoliberal,

restringe o direito dos estudantes ao acesso a um determinado benefício/serviço

indispensável à efetivação da educação.

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São diversas, portanto, as implicações da precarização sobre o trabalho

profissional, que incidem, ainda, sobre as assistentes sociais, produzindo um cenário

caracterizado pelo adoecimento, que ganha forma nas lesões por esforço repetitivo

e no desgaste físico e emocional. Consiste, nessa realidade, aspectos de um dos

tipos de precarização apontados por Druck (2011), aquele que se concretiza na

saúde do trabalhador.

Tal realidade permite inferir que o mercado profissional para o assistente

social no âmbito da educação, na particularidade da assistência estudantil, tem sido

definido não apenas por processos de ampliação, mas também por novas

características que têm atravessado o mundo do trabalho em razão da

reestruturação produtiva e da ofensiva neoliberal. Nessa perspectiva, a condição de

trabalhador assalariado, ainda que inserido em espaços públicos estatais, impregna

o seu fazer dos efeitos das transformações societárias que incidem sobre a classe

trabalhadora, não estando esse profissional imune às formas contemporâneas de

exploração e de precarização do trabalho.

É indispensável ressaltar e (re)afirmar, apesar dos desafios enfrentados no

cotidiano profissional, a relevância da ampliação registrada, da própria estratégia

que constitui a inserção do assistente social no espaço da educação, ao se

considerar a dimensão política que orienta o seu trabalho e a sua contribuição e luta

para a afirmação desse direito, mediada pela garantia da assistência estudantil

também como um direito fundamental.

Por fim, a ampliação do mercado de trabalho para o assistente social nas

IFEs aponta para a relevância de estudos e reflexões sobre o Serviço Social na

educação, de modo a problematizar a realidade da inserção e atuação nos espaços

dessa política e, partindo desta realidade, estabelecer as mediações com o

cotidiano; sendo esta, também, uma competência demandada aos assistentes

sociais no atual contexto da sociabilidade capitalista, uma vez que o

estabelecimento de estratégias, no sentido da resistência e na luta contra a

precarização do trabalho, só é possível pelo conhecimento e problematização dessa

mesma realidade.

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APÊNDICE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

ROTEIRO DE ENTREVISTA

I. PERFIL PESSOAL E PROFISSIONAL

1. Sexo:

( ) Masculino ( ) Feminino

2. Faixa etária:

( ) Até 21 anos ( ) De 21 a 25 anos ( ) De 26 a 30 anos ( ) De 31 a 35

anos

( ) De 36 a 40 anos ( ) De 41 a 45 anos ( ) De 46 a 50 anos ( ) Acima de 51

anos

3. Estado civil:

( ) Solteiro ( ) Casado ( ) União estável ( ) Divorciado ( ) Viúvo

4. Filhos:

( ) Não ( ) Sim. Quantos? ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ou mais

5. Considera-se chefe de família?

( ) Não ( ) Sim

Por quê?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

6. Reside no município em que trabalha?

( ) Sim. Qual a Zona Administrativa? ( ) Leste ( ) Oeste ( ) Sul ( ) Norte

( ) Não. Aonde? ______________________

Em caso negativo, faz o deslocamento diário para o município de trabalho?

( ) Não ( ) Sim

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7. Já militou em alguma organização política?

( ) Não ( ) Sim

Se sim, qual ou quais? ________________________________________________

Permanece fazendo parte atualmente? ____________________________________

8. Instituição em que se formou: _________________

9. Ano de formação: ____________________

10. Nível de formação atual:

( ) Graduação ( ) Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado

Área de realização do curso de formação atual: ______________________

Ano de conclusão do curso de formação atual:____________________

II. TRABALHO PROFISSIONAL (Inserção no mercado)

11. Instituição em que desenvolve o exercício profissional: _______________

12. Em que ano começou a trabalhar nesta Instituição? ___________________

13. Quantos assistentes sociais, incluindo você, tem o exercício profissional voltado

para a assistência estudantil nesta instituição? ______________

14. Qual a sua carga horária semanal de trabalho?

( ) 20h ( ) 30h ( ) 40h ( ) Mais de 40h 15. Qual a sua renda mensal?

( ) De 2 a 4 SM ( ) De 5 a 7 SM ( ) De 8 a 10 SM ( ) Mais de 10 SM

16. Você possui outro vínculo empregatício e/ou outra fonte de renda?

( ) Não ( ) Sim

Se sim, qual ou quais? _______________________________

III. AMPLIAÇÃO DO ESPAÇO OCUPACIONAL E CONDIÇÕES DE TRABALHO

17. Comente sobre a ampliação do espaço ocupacional para o assistente social na

assistência estudantil.

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17.1 Comente sobre o que para você determinou a ampliação do espaço

ocupacional na assistência estudantil.

18. Fale-me sobre o seu cotidiano de trabalho.

19. Fale-me sobre as demandas do cotidiano profissional e sobre o número de

assistentes sociais para dar resposta a elas. (Esse número tem sido suficiente?).

19.1. Comente sobre a quantidade, o volume de trabalho posto ao Serviço

Social nesta Instituição.

19.2. Comente sobre as demandas que não são para o Serviço Social, mas

que chegam ao setor.

20. Fale-me sobre a frequência com que tem tido a impressão de que tem

trabalhado demais e de que o tempo não é suficiente para dar conta de todas as

demandas.

21. Comente sobre a relação com os sistemas informatizados utilizados pelo Serviço

Social na operacionalização da assistência estudantil.

22. Fale-me sobre a sua carga horária diária de trabalho, se costuma trabalhar aos

finais de semana e/ou fora do expediente.

23. Comente sobre a relação do Serviço Social com a Chefia.

24. Fale-me sobre as competências e atribuições do assistente social na educação e

sobre quais têm sido possível desenvolver neste espaço ocupacional.

25. Comente sobre a atual configuração da assistência estudantil e sobre os

desafios que ela impõe ao trabalho profissional.

26. Fale-me sobre as suas condições objetivas de trabalho.

27. Fale-me sobre as suas condições subjetivas de trabalho.

28. Fale-me sobre a sensação de cobrança de produtividade em seu trabalho.

29. Comente sobre a existência de precarização em seu trabalho.

30. Fale-me sobre as estratégias que têm sido pensadas e formuladas pelo Serviço

Social no enfrentamento a essa realidade.

30.1. Comente sobre como os assistentes sociais têm se organizado e resistido

à precarização do trabalho neste espaço ocupacional.

31. Comente sobre a forma pela qual a legislação profissional pode contribuir na

resistência à precarização.

32. Gostaria de acrescentar algo sobre o qual não conversamos?