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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Paola Pinto Rivera Alvarez Side PODER, ÉTICA E ASSESSORIA: Quais os limites de um assessor de imprensa? Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Paola Pinto Rivera Alvarez Side

PODER, ÉTICA E ASSESSORIA:

Quais os limites de um assessor de imprensa?

Rio de Janeiro

2006

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PODER, ÉTICA E ASSESSORIA:

Quais os limites de um assessor de imprensa?

Paola Pinto Rivera Alvarez Side

Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Escola de Comunicação

Graduação em Comunicação Social,

Habilitação em Jornalismo

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Refkalefsky

Rio de Janeiro

2006

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PODER, ÉTICA E ASSESSORIA:

Quais os limites de um assessor de imprensa?

Paola Pinto Rivera Alvarez Side

Projeto Experimental submetido ao corpo docente da Escola de Comunicação,

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo.

Aprovado pelos professores:

__________________________________________

Eduardo Refkalefsky (Orientador) - ECO/UFRJ

__________________________________________

Sebastião Amoedo de Barros - ECO/UFRJ

__________________________________________

Gabriel Collares Barbosa - ECO/UFRJ

Rio de Janeiro, _______ de _____________________________de 2006

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SIDE, Paola Pinto Rivera Alvarez.

PODER, ÉTICA E ASSESSORIA: Quais os limites de um

assessor de imprensa? / Paola Pinto Rivera Alvarez Side. – Rio de

Janeiro, 2006

Projeto Experimental (Graduação em Comunicação Social –

Habilitação Jornalismo) – Universidade Federal do Rio de Janeiro –

UFRJ, Escola de Comunicação – ECO, 2006.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Refkalefsky

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Dedico este trabalho à minha família que sempre esteve ao

meu lado em todas as minhas experiências e conquistas.

Vocês foram essenciais na realização dos meus sonhos;

Aos “Melancias” que são os maiores responsáveis pela

minha paixão pela ECO/UFRJ; E a todos da TIM, que

tanto me ensinaram profissionalmente e se tornaram

grandes amigos, me apoiando e ajudando nessa nova etapa

da minha vida.

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Agradeço, primeiramente, a Deus, por guiar sempre meus

passos em todas as minhas decisões, e, em seguida, aos

meus pais, Nelma e Reinaldo, e à minha avó Celeste, por

estarem sempre me apoiando e por me incentivarem a

nunca desistir desse meu sonho.

Agradeço a todo o apoio, carinho e dedicação dispensado

a mim pelo meu professor orientador, Eduardo

Refkalefsky, pois sem ele a realização deste projeto não

seria possível. Agradeço também aos meus colegas de

monitoria no Laboratório de Multimídia da UFRJ e aos

colegas de TJ.UFRJ, que tanto me ensinaram.

Por último, mas não menos importante, um muito

obrigada especial a todos os meus amigos que sempre

estiveram presentes em minha vida, me dando muita força

e dividindo comigo os momentos mais importantes da

minha jornada, principalmente aos componentes do

“tripé”.

Muito obrigada!

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SIDE, Paola Pinto Rivera Alvarez. PODER, ÉTICA E ASSESSORIA: Quais os

limites de um assessor de imprensa?. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Refkalefsky. Rio

de Janeiro: UFRJ/ECO; 2006. Relatório Técnico (Graduação em Comunicação Social).

RESUMO

Estudo sobre as relações entre política e ética dentro da comunicação social, com base no caso de quebra de sigilo bancário de uma testemunha de acusação. A informação foi divulgada à imprensa por Marcelo Netto, ex-assessor de imprensa de Antonio Palocci, Ministro da Fazenda do primeiro governo Lula. Esse fato acabou gerando uma nova discussão sobre ética e comunicação, o que proporcionou um estudo mais aprofundado sobre essa relação. A pesquisa, que discute as reais funções de um assessor de imprensa e as normas éticas que regem esse trabalho, foi norteada pelo seguinte roteiro: introdução teórica à ética e assessoria de imprensa, contextualização do caso e análise do mesmo de acordo com a base teórica utilizada. A intenção do estudo realizado é mostrar o papel do jogo político e dos interesses dentro de uma profissão tida como formadora de opinião. Sendo assim, essa pesquisa se baseia em um estudo teórico e na opinião de profissionais especializados, para discutir a seguinte abordagem: Quais os parâmetros éticos que devem ser utilizados por um assessor?

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SIDE, Paola Pinto Rivera Alvarez. PODER, ÉTICA E ASSESSORIA: Quais os

limites de um assessor de imprensa?. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Refkalefsky. Rio

de Janeiro: UFRJ/ECO; 2006. Relatório Técnico (Graduação em Comunicação Social).

ABSTRACT

This study is about the relationship between ethics and politics inside social communication based on bank secrecy violation of an accusation witness. The information was spread in the press by Marcelo Netto, former press relations of Antonio Palocci, Ministry of Economy of first Lula Government. This fact generated a new discussion about ethics and communication, which allowed a deeper study about this relation. The research that explores the real roles of a press relations and the ethic rules that control the activity followed this script: theoretical introduction to ethics and press relations and contextualization and analysis of the case according to the theoretical basis. The intent of the study is to show the role of the political game and of the interests inside the profession perceived as an opinion maker. So, this research is based on a theoretical and on the opinion of specialized professionals to discuss the following approach: which ethic parameters must a press relation use?

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SUMÁRIO

1. Introdução 10

2. Ética e Comunicação 13

2.1. A História da Ética 13

2.2. A Ética Contemporânea 16

2.3. A Importância da Comunicação Eticamente Correta 18

3. A Assessoria de Comunicação Social 20

3.1. A História da Assessoria 20

3.2. A Função de um Assessor de Imprensa 24

3.3. Poder e Ética na Assessoria 27

4. O Caso Palocci 30

4.1. A informação ilegal e a relação assessor – jornalista 30

4.2. A Opinião de Especialistas 35

5. Conclusão 38

Referências 42

Anexos 44

A – Revista Época (Online): Quem está dizendo a verdade? 44

B – Blog Brasil: Extratos revelam depósitos para caseiro 49

C – Revista Isto É (Online): Mais uma versão 50

D – Revista Veja (Online): O “Paloccigate” e a morte da ética 51

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1. Introdução

Em meados do primeiro governo Lula, diante de um cenário de crise na política

nacional, o brasileiro começa a exigir uma maior transparência dos fatos políticos e,

assim, fortes e novas denúncias surgiam. O ex-deputado federal Roberto Jefferson

(PTB/RJ), envolvido no caso de corrupção dos Correios, foi o primeiro a apontar, em 6

de junho de 2005, a existência do “Mensalão” — nome dado por Jefferson a um

esquema de mensalidade paga a deputados para a compra de votos — como forma de se

livrar das acusações em torno de fraudes em licitações dentro dos Correios. E esse foi

apenas o estopim dos problemas.

Antes disso, o Brasil se viu abalado por diversos casos que envolviam o Partido

dos Trabalhadores, como o escândalo dos Bingos e o próprio caso dos Correios, entre os

anos de 2004 e 2005, o que acabou por desencadear uma série de investigações e CPIs

no Congresso Nacional.

Criada em 5 de março de 2004 e instalada em 29 de junho de 2005, a CPI dos

Bingos teve como finalidade investigar a possível ligação dos Bingos com a máfia do

crime organizado e também as denúncias de extorsão contra Waldomiro Diniz, ex-

assessor da Casa Civil, e seu suposto envolvimento com o jogo do bicho. As denúncias

surgiram quando o empresário Carlos Augusto Ramos tornou pública uma fita de vídeo

que mostrava Waldomiro negociando favorecimentos nas casas lotéricas do Rio de

Janeiro, em troca de propina.

Em 14 de maio de 2005, pouco mais de um ano depois do escândalo dos

Bingos, uma nova fita é divulgada na imprensa. Desta vez, trata-se de uma denúncia de

corrupção dentro do Departamento de Administração dos Correios. No próprio dia 14,

revista Veja divulga o caso, com a manchete de capa “O vídeo da corrupção em

Brasília”, e denuncia Maurício Marinho, diretor do Departamento de Contratação e

Administração de Material dos Correios. Nesse vídeo, o diretor explicava a alguns

empresários como funcionava o esquema de propina em troca de licitações, para o

favorecimento na contratação de determinadas empresas forjando uma comparação de

orçamentos.

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A denúncia apontava ainda Antonio Osório Batista e Roberto Jefferson como

os gestores desse esquema. Diante desse quadro de crise, uma Comissão Parlamentar de

Inquérito é aprovada em 8 de junho de 2005 e instalada sete dias depois.

Acuado pelas denúncias que o acusavam de gerir um esquema de corrupção e

sem ter mais o apoio do governo, Jefferson parte para o ataque à base petista e traz para

conhecimento público uma operação de grande porte que se espalhava pelo Congresso

Nacional: o pagamento mensal de 30 mil reais a alguns deputados para que eles

apoiassem a base governista e votassem a favor das propostas indicadas.

Em meio a esse quadro de corrupção que aflorava entre diversos partidos,

alguns deputados petistas como Babá, Luciana Genro e Chico Alencar optaram por

recusar, em dezembro de 2005, seus salários extras que receberiam pelas convocações

extraordinárias do Congresso Nacional. Outros, como a senadora Heloísa Helena,

preferiram doar seu salário a instituições de caridade. Um fato que serviu para ser usado

como argumento para provar integridade e honestidade de determinados políticos diante

dos escândalos de corrupção.

Em televisões, revistas e jornais, a corrupção não mais surpreende. Neste

período, discutir política deixa de ser uma atividade para intelectuais e passa a ser

conversa corriqueira em mesas de bar, entre amigos, colegas de trabalho e qualquer

pessoa minimamente informada.

Não se trata mais de simples preferências políticas. Discutir a política brasileira

se transforma em medidor de questões éticas, morais e sociais. Diante de todos os

acontecimentos, o cidadão se vê então perdido em meio à crise. Crise essa que teve

como um dos pontos cruciais o envolvimento do, até então, Ministro da Fazenda e

homem de confiança do Governo Lula, Antonio Palocci, em um caso de corrupção,

abuso de poder e quebra de ética.

Durante a CPI dos Bingos, Palocci é acusado de ser freqüentador assíduo da

Mansão do Lago Sul, uma casa de Brasília usada para a divisão de dinheiro ilícito entre

aliados políticos. A testemunha de acusação é Francenildo dos Santos, caseiro da

mansão utilizada pelos lobistas, que afirma ter visto o ministro por diversas vezes no

local. Palocci nega veementemente as acusações, mas dias depois confessa ao

Presidente Lula a sua presença na “Casa do Lobby”, como ficou conhecida a casa do

Lago Sul.

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Esse fato ocorre pouco tempo depois de Palocci ser acusado pelo seu ex-

assessor, Rogério Buratti, de receber dinheiro em troca de favorecimento de licitações

durante o mandato na Prefeitura de Ribeirão Preto. Buratti — secretário de governo na

prefeitura entre os anos de 1993 e 1994, demitido por corrupção — ocupava a

presidência da empresa Leão & Leão, a principal envolvida no esquema de licitações

ilegais em Ribeirão Preto.

A nossa realidade aponta para um momento de crise ética geral, o que

repercute na comunicação não apenas como notícia, mas como prática corriqueira,

através de influências, abusos de poder entre outros tópicos. O quadro político ao final

do primeiro governo Lula coloca, assim, a ética no centro de toda a discussão.

Até que ponto é ilegal privilegiar o fim em detrimento dos meios? Até que

ponto o poder influencia na comunicação? Essa discussão não é nova se a relação é com

a ética jornalística, afinal a base fundamental de um jornalismo bom e ético é a

imparcialidade, a objetividade e a exposição da verdade. Entretanto, a questão agora

ultrapassa novas barreiras e chega à assessoria de imprensa, ao “outro lado” do

jornalismo, como dizem os profissionais da área.

O assessor, assim como o jornalista, tem a obrigação de expor toda a verdade?

Ele pode omitir fatos se esses colocarem em risco a imagem do seu assessorado, bem

como enaltecer apenas determinados pontos que possam melhorar a imagem do mesmo?

A discussão surge devido ao abuso de poder de Marcelo Netto, ex-assessor de

Antonio Palocci, quando Netto fere o código de ética jornalístico ao divulgar dados da

conta bancária da testemunha de acusação que depõe contra Palocci na CPI dos Bingos -

dados que foram conseguidos de forma ilegal.

Será que tudo é válido quando se trata da relação assessor — mídia —

assessorado? Qual o limite ético de um assessor de imprensa? É esse estudo sobre ética

na assessoria de comunicação que será melhor analisada nas próximas páginas.

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2. Ética e Comunicação

Com o surgimento das assessorias de imprensa, as organizações começam a

perceber a importância de divulgar suas ações e o fluxo de informações aumenta

significativamente. Sendo a mídia a grande formadora de opinião pública, as

informações veiculadas devem ser as mais corretas possíveis, atendendo aos interesses

do cidadão de forma ética e precisa.

2.1. A História da Ética

A ética — termo que já se tornou prosaico na sociedade contemporânea —

surgiu como conceito com o filósofo grego Sócrates, em meados do século V a.C, e foi

paralelamente desenvolvida por Platão e Aristóteles.

Baseada na premissa de que todo ser humano é dotado de consciência moral,

capaz de avaliar seus atos e de distinguir o certo do errado, o bom do mau e o justo do

injusto, a ética surge como a noção de valores e/ou deveres que norteiam a conduta

humana. Considerada uma das principais Doutrinas Filosóficas, ela tem como objeto

central a Moral (1) que, diferente da ética, não se pretende ser uma abordagem teórica,

mas sim algo mais imaterial e menos objetivo, ainda que moral e ética se refiram a um

conjunto de normas pré-determinadas.

Do ‘ethos’ vem o termo ‘Ethiké’ (ética), para designar o conjunto dos ‘nomoi’ – regras e valores que dão forma à territorialização do indivíduo humano, que organizam, em vários níveis, a morada do grupo num determinado lugar, tentando determinar-lhe os objetos bons ou supremos, o Bem. (SODRÉ, Muniz, 1999 apud KOSOCSKI, Ester, 1999, p. 52)

Segundo Sócrates, o conceito da ética ultrapassa o senso comum da época.

Existe uma bondade absoluta pertencente à alma do homem, que somente o corpo

purificado pode reconhecer.

Enquanto Sócrates subordina a ética ao indivíduo, Aristóteles acreditava que a

alta virtude estava presente na política e na aristocracia. Para ele, é importante que o

homem se conforme com a sua realidade e siga o caminho do “bem”, visando uma

(1) Moral, s. f. Parte da filosofia que trata dos costumes ou dos deveres do homem para com seus semelhantes e para consigo; s. m. o conjunto de nossas faculdades morais; tudo o que diz respeito à inteligência ou ao espírito, por oposição ao que é material – Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa

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finalidade virtuosa, seguindo a premissa de que o agente, a ação e a finalidade são

inseparáveis para um conjunto ético. A política, por constituir o âmbito das realidades,

não deve, portanto, apenas conhecer o bem, mas praticá-lo, e a razão passaria a

influenciar diretamente na conduta humana.

Ética, como ciência, é hoje disciplina de um campo do conhecimento humano chamado Filosofia. Como já foram a Física, a Matemática, a Estética, a Política e outras áreas do saber agora autônomas. Como parte de transformação que atravessa toda a cultura ocidental, a teoria chamada Filosofia tem sido tomada como disciplina crítica; não ensina nada. Essa teoria convoca as singularidades e os acidentes para que sejam lidos em suas interações e seus cortes. Incentiva as abordagens múltiplas, relativiza as dogmatizações, integra e abre. (BATISTA, Willian, 1999 apud KOSOVSKI, Ester, 1999, p. 40)

Platão, no entanto, em seus diálogos, parte da premissa que o homem busca,

durante a sua vida, o Sumo Bem — uma junção de elementos que trazem a felicidade,

bem como a sabedoria e a virtude. Na Grécia Antiga, o homem bom era um homem

virtuoso por saber contemplar a idéia do bem supremo que, segundo Platão, é o ápice de

uma escala de bens, tais como justiça, prudência, razão e serenidade, entre outros. É

necessário determinar um Bem que deve ser alcançado e nos empenhamos por ele, sem

bem importar os meios utilizados para isso. Essa busca, porém, era diferente da pregada

por Aristóteles, que sustentava que a ética era necessariamente uma ciência de como se

deve agir. O Bem aristotélico é o ponto de convergência de todas as ações de

determinada sociedade. Ser bom é ser justo.

Mas se na Grécia Antiga a ética surge como estudo dos elementos que trazem a

felicidade ao homem na busca pelo Sumo Bem, no período do Cristianismo a ética gira

em volta dos ideais religiosos. Para ser ético, o homem deve amar e servir a Deus.

A partir do século XV, entretanto, surge uma nova concepção de ética

influenciada pelas idéias renascentistas e iluministas, conforme o autor Álvaro Valls

explica em seu livro O que é ética:

Com o Renascimento e o Iluminismo, ou seja, aproximadamente entre os séculos XV e XVIII, a burguesia que começava a crescer e a impor-se em busca de uma hegemonia, acentuou outros aspectos da ética: o ideal seria viver de acordo com a própria liberdade pessoal, e em termos sociais, o grande lema foi o dos franceses: liberdade, igualdade e fraternidade. (VALLS, Álvaro, 2000, p. 45)

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Uma das principais figuras que surge nessa época é Emmanuel Kant, filósofo

alemão que traduziu o conceito de “ser ético” como “agir de acordo com sua razão e

liberdade”. Mas o que é, então, a liberdade?

Para Friedrich Hegel, contemporâneo de Kant, significa viver dentro de um

governo que preserva os direitos dos homens e cobra seus deveres. Segundo essa ótica,

a ética está ligada às leis previamente determinadas e não simplesmente à subjetividade

humana, como Kant prega de forma abstrata.

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2.2. A Ética Contemporânea

Com base no ideal ético de Hegel, o pensamento social e dialético do século

XX busca, como concretização da ética, uma sociedade voltada para as relações sociais,

sem injustiças sócio-econômicas. No entanto, a idéia dessa responsabilidade social já é

trabalhada desde o período de Kant. Para ele, o sujeito livre é o sujeito capaz de

raciocinar entre o bem e o mal tendo consciência dos seus deveres, isto é, das suas

obrigações morais. Kant (apud 2000, p. 18) afirmava que “o dever obriga moralmente a

consciência moral livre, e a vontade verdadeiramente boa deve agir sempre conforme o

dever e por respeito ao dever”. A relação entre os fins e os meios, porém, ainda é algo

questionável para esses teóricos.

Para a geração de filósofos alemães pós-Kant, fica ainda mais clara a separação

de ética e moral. A primeira se coloca acima da segunda, a partir do momento que

afirmam que, enquanto a moral visa ao individualismo, a ética se baseia em uma

sociedade de seres morais.

No jogo do reconhecimento, vê-se, de um lado, o valor ético-institucional que impõe obrigações (a pressão no sentido de se manter a integridade do grupo), e, do outro, a regra universal da linguagem (jogos), que impõe o sistema das posições (o sistema lingüístico dos pronomes pessoais), pelo qual o indivíduo se oferece ao reconhecimento, entrando no jogo das obrigações. (SODRÉ, Muniz ,1999 apud KOSOVSKI, Ester. 1999, p.52)

Inspirados por filósofos como Karl Marx, muitos pensadores atuais preferem

falar de ética trabalhando com duas dimensões da ação humana. Uma é a atividade

teórica, contemplativa, conforme os gregos do Mundo Antigo pregavam A outra é a

atividade técnica, dividida em duas vertentes: o trabalho produtivo e a prática

representada por valores como fraternidade, ideais de comunicação e outros. Esse

último, propriamente dito, representa o exercício da ética.

Seguindo essa linha de pensamento, teóricos como J. Habermas propõem um

estudo mais aprofundado sobre o capitalismo moderno para que se possa entender até

que ponto a atividade técnica (o trabalho) e a prática (a ética) se influenciam

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mutuamente. Mais que isso, é necessário estudar qual das duas predomina na vida do

indivíduo.

Outro filósofo contemporâneo que adapta a discussão sobre ética ao período

contemporâneo é Theodor Adorno. Adorno (ADORNO, Theodor, apud VALLS,

Álvaro, 2000, p. 70) aponta para o fato de que a ética atual deixou de ser algo universal

para ser algo privado, o que é um mal sinal a partir do momento em que o homem se

torna ainda mais individualista. E até mais do que individualista, se torna um ser cínico.

Quanto maior o poder envolvido, maiores são as chances de usar o discurso puramente

ético para esconder atitudes não tão éticas assim.

A reflexão ético-social do século XX trouxe, além disso, uma outra observação importante: na massificação atual, a maioria hoje talvez já não se comporte mais eticamente, pois não vive imoral, mas amoralmente. Os meios de comunicação de massa, as ideologias, os aparatos econômicos e do Estado, já não permitem mais a existência de sujeitos livres, de cidadãos conscientes e participantes, de consciências com capacidade julgadora. (VALLS, Álvaro, 2000, p. 47)

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2.3. A Importância da Comunicação Eticamente Correta

Com o problema do discurso se sobrepondo às ações, o homem se sente

obrigado a discutir a relação íntima entre discurso e meios de comunicação. Michel

Foucault (2002) trata a questão da fala verossímil como um elemento do processo de

exclusão, ascensão e manutenção do poder. Segundo Foucault, na contemporaneidade, a

verdade de um discurso ultrapassa as barreiras da enunciação para se colocar no próprio

enunciado — ou seja, passa para o sentido do enunciado, para a forma que aquelas

palavras iriam tomar na sociedade. A novidade não está no que se diz, mas sim nos

acontecimentos à sua volta.

Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, Michel, 2002. p. 8)

Portanto, a força que o discurso possui na relação entre os indivíduos é muito

maior, às vezes, do que os próprios atos. É nesse ponto que a discussão sobre ética e

comunicação acontece.

Para Álvaro Valls (2000, p. 77), “o rádio e a televisão podem ser muito mais

ditatoriais do que o telefone”. Isso, porém, não significa que os dois primeiros sejam

inúteis para o exercício da democracia. Pelo contrário, é através deles e através da

liberdade de expressão que é possível colocar em prática os preceitos democráticos.

No entanto, se os meios de comunicação de massa favorecem à democracia,

eles também são capazes de influenciar na tomada de decisão do indivíduo de uma

forma bastante enfática. Justamente por esse motivo, toda e qualquer informação

veiculada por esses meios deve ser verdadeira. Sendo assim, não podemos negar a

importância da divulgação correta dos fatos.

Na contemporaneidade, a principal fonte de divulgação de conteúdo

informativo para os jornais são as assessorias de comunicação social, ou assessorias de

imprensa, ou relações públicas. É importante, portanto, que o profissional que exerce o

papel de assessor tenha consciência da sua capacidade de influenciar a população —

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positiva ou negativamente — e, assim, se preocupe em sempre ter uma atitude

eticamente correta, sem se deixar manipular ou ser influenciado por motivos externos.

Bem como saber lidar — e nem sempre ceder — à pressão de seu assessorado.

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3. A Assessoria de Comunicação Social

Surgida no século XIX, nos Estados Unidos, a assessoria de imprensa é

atualmente a principal fonte utilizada pelos veículos jornalísticos. Responsável por

mediar o relacionamento entre a mídia e o cliente, o profissional que trabalha nas

assessorias deve promover a troca de informações através de um canal de mão dupla,

entre jornal e assessorado, evitando priorizar única e exclusivamente a visibilidade de

seu cliente.

3.1. A História da Assessoria

Em meados do século XIX, após a Revolução Industrial, o descontentamento

dos trabalhadores faz com que os sindicatos lancem suas primeiras publicações, ainda

que sem periodicidade fixa. O primeiro jornal sindical regular é o anarquista “Le

representant du peuble”, lançado por Pierre Joseph Proudhon, em 1848. No mesmo

ano, Karl Marx lança a “Nova Gazeta Renana”.

Com as vontades e insatisfações dos operários sendo levadas a publico, a

imprensa deixa de ser meramente informativa e passa a ter peso na opinião pública.

Com esse início de tomada de consciência pela população, o governo passa a enxergar a

importância de informar à sociedade sobre suas opiniões e realizações, como Elisa

Kopplin e Luiz Artur Ferrareto descrevem:

Em 1772, quatro anos antes da Declaração de Independência dos Estados Unidos, o grupo de revolucionários liderados por George Washington preocupava-se com a divulgação de informações, nomeando Samuel Adams, um escritor e editor do Kentucky, para realizar um trabalho que misturava Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade. Mais tarde, em 1829, Amos Kendall dava o passo seguinte na assessoria de imprensa governamental. Servindo ao então presidente norte-americano, Andrew Jackson, Kendall organizou o setor de Imprensa e de Relações Públicas da Casa Branca, editando ainda o primeiro “house-organ” do governo dos EUA, The Globe. (KOPPLIN, Elisa; FERRARETO, Luiz Artur, 2001, p. 20)

A comunicação institucional dava, então, seus primeiros passos com a

divulgação dos house-organs governamentais e, com isso, surge também uma nova

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qualidade de jornalistas, uma nova vertente dentro da profissão. Essa nova vertente era

composta por profissionais encarregados de consolidar as informações sobre a empresa

e/ou organização para transmiti-las à população. Ainda no século XIX, surgem as

primeiras denominações para esses profissionais: Agente de Imprensa e Divulgador

(2001, p.20).

Ainda assim, nesse momento, não existe por parte do governo uma

preocupação, de fato, com o público. Não é pela população que as informações são

veiculadas, mas sim como parte de material de divulgação das organizações. Uma

espécie de publicidade informativa.

Esse cenário, no entanto, se modifica logo no início do século XX, quando Ivy

Lee cria, em 1906, uma Declaração de Princípios sobre imagem institucional e

divulgação e a distribui aos jornais norte-americanos. Considerado o primeiro

documento oficial sobre Relações Públicas e Assessoria de Imprensa, o documento

contém o seguinte texto:

Este não é um departamento de imprensa secreto. Todo nosso trabalho é feito às claras. Pretendemos divulgar notícias, e não distribuir anúncios. Se acharem que o nosso assunto ficaria melhor como matéria paga, não o publiquem. Nossa informação é exata. Maiores pormenores sobre qualquer questão serão dados prontamente e qualquer redator interessado será auxiliado, com o máximo prazer, na verificação direta de qualquer declaração de fato. Em resumo, nossos planos, com absoluta franqueza, para o bem da empresa e das instituições públicas, são divulgar à imprensa e ao público dos Estados Unidos, pronta e exatamente, informações relativas a assuntos com valor e interesse para o público. (KOPPLIN, Elisa; FERRARETO, Luiz Artur, 2001, p. 21)

Quase um século depois de seu surgimento nos Estados Unidos, mais

precisamente em 1938, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, a comunicação

institucional começa a dar seus primeiros passos aqui no Brasil, com a criação do

Departamento de Imprensa e Propaganda. A função do DIP era servir exclusivamente

ao Estado, num misto de comunicação institucional e divulgação do governo, além de

impor e controlar a censura no país.

Nota-se, portanto, que a função de assessor de comunicação surge

primeiramente dentro dos órgãos governamentais — tanto nos Estados Unidos como no

Brasil – como forma de divulgação de suas atitudes, opiniões e informativos. O governo

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passa a se relacionar melhor com a mídia a fim de expor ao público suas ações. Pouco

tempo depois as empresas privadas percebem a importância da assessoria de imprensa.

Com o fim do Estado Novo, o DIP se extingue e, com a redemocratização do

Brasil, a Secretaria de Comunicação Social passa a exercer o papel de porta-voz do

governo federal. Porém, somente em 1979 foi aprovado um decreto que regulamentou a

atividade jornalística e, por conseguinte, a atividade das assessorias de comunicação

social (ACS) foi aprimorada.

A expansão das assessorias começa a apontar para um promissor caminho,

ainda muito pouco explorado no país, o da comunicação institucional — como forma de

divulgar fatos importantes das organizações. A sociedade descobriu assim que, segundo

a ótica capitalista e de informação de massa, de nada adiantariam os esforços para

realizar alguma coisa se ninguém tomasse conhecimento disso. Fazer com que esse

reconhecimento ecoasse no mercado passou a ser fundamental.

Somente no Brasil a função de assessor de imprensa (AI) é predominantemente

exercida por profissionais com formação em jornalismo. Por fazer parte de um conjunto

de atividades relacionadas à comunicação organizacional — muitas das vezes ligada ao

marketing, à publicidade e ao relacionamento com o público — em outros países o

cargo de AI é ocupado prioritariamente por relações-públicas.

A necessidade de uma assessoria de imprensa aumenta proporcionalmente ao

crescimento e modernização da sociedade, que traz consigo o desenvolvimento da

comunicação de massa. A informação se populariza e a possibilidade de divulgar

inovações, opiniões e diversos outros fatos, por meio de matérias jornalísticas, passa a

interessar bastante às empresas e até mesmo ao próprio indivíduo. A popularidade das

Assessorias de Comunicação Social crescia visivelmente.

Sua consolidação acontece com a necessidade de canalização dessas

informações que passam a ser produzidas para divulgação à população. Cada nova

instituição que surge no mercado — empresa, entidade e afins — passa a abrir espaço

para os profissionais de jornalismo que viam na assessoria de imprensa um promissor

mercado. Para as empresas, era uma importante função suas imagens corporativas. Mais

do que isso, as “pessoas públicas” começam também a ter seus assessores, para que

sejam trabalhadas suas imagens perante a imprensa.

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Mas, então, se a Assessoria de Comunicação Social é uma instituição

especializada em prestar serviços de relacionamento com a mídia, qual o trabalho de um

jornalista que atua como assessor, se não mais a apuração das matérias?

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3.2. A Função de um Assessor de Imprensa

Apesar de o nome sugerir um serviço à disposição da imprensa, o assessor de

imprensa tem como principal função assessorar seu contratante na relação com a mídia.

Os jornalistas que trabalham em ACS (número que, desde os anos de 1990, cresce cada

vez mais devido à crise econômica e à saturação do mercado das redações) se colocam

do “outro lado da notícia”, como os próprios profissionais fazem questão de dizer. Ao

invés da apuração do fato, o profissional passa a ser responsável pela divulgação dos

acontecimentos para a mídia, de forma informativa. É o assessor quem media a troca

constante de informações entre assessorado (seja pessoa física ou jurídica) e a grande

imprensa.

Cabe ao assessor de imprensa estar em constante sintonia com seu assessorado,

ter um planejamento baseado em metas a serem alcançadas, criar planos de ação e

estratégias para as metas pré-estabelecidas, ter bom relacionamento com os meios de

comunicação — afinal são eles os grandes veiculadores de informações à população —

e zelar pela imagem do assessorado.

O que acontece, no entanto, é que muitas vezes a Assessoria de Comunicação

acaba tendo sua função deturpada, dando mais visibilidade aos clientes do que

exercendo seu real papel na transmissão de informação. A assessoria não deve se

restringir a ações unilaterais no contato com a mídia, tornando o assessorado acessível à

imprensa apenas quando a situação lhe for conveniente. Assessorar é aconselhar,

auxiliar, contribuir e colaborar (2). O assessor deve, portanto, promover um

relacionamento efetivo com os veículos de comunicação e com os jornalistas.

O objetivo de uma assessoria de comunicação é estabelecer uma boa relação

com a imprensa, o que só se torna possível se a comunicação realizada for contínua,

através de um canal de troca — é impossível estabelecer uma base sólida de

comunicação com o meio jornalístico apenas com uma via de mão única de informação.

Nessa função de mediador no relacionamento com a mídia, o profissional que

trabalha nas ACS passa a ser considerado uma importante fonte de informação para os

veículos. Em seu manual de redação, o jornal Folha de São Paulo determina que o

assessor de imprensa seja tratado com respeito e desconfiança pois, apesar de ele ser

uma boa fonte, está sempre defendendo o interesse de seu assessorado atuando como

(2) Definição do Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Michaelis

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lobista (3), influenciando a população através da divulgação de informações que nem

sempre têm, relação direta com os interesses dos leitores.

Isso acontece porque muitas vezes o próprio assessorado só quer procurar a

imprensa quando lhe convém, isto é, quando ele possui alguma coisa de seu interesse a

divulgar, mas nunca se coloca disponível para atender aos veículos quando solicitado. É

nesse ponto que a função do assessor se torna primordial, à medida que o assessor

precisa fazer com que as notícias que realmente interessam ao público cheguem de

forma clara e verdadeira.

O que se quer dizer com isso é que, por ter ligação direta com a formação de

opinião, o assessor de imprensa não deve esquecer que a divulgação da informação tem

sempre uma função social. Ele é o responsável pela circulação da informação do

assessorado até a população e não deve deixar que pressão e manipulação influenciem

em sua atividade.

O ato do discurso por si só já carrega um grande peso. Quando veiculado pelos

meios de comunicação de massa, toma grandes proporções, sendo capaz de influenciar

na tomada de decisão. Segundo Michel Foucault (2002, p. 9), a transmissão da

informação está, também, diretamente ligada ao poder, à apropriação de segredos e à

escolha entre ocultar e divulgar.

Certamente, se nos situamos no nível de uma proposição, no interior de um discurso, a separação entre o verdadeiro e o falso não é nem arbitrária, nem modificável, nem institucional, nem violenta. Mas se nos situamos em outra escala, se levantamos a questão de saber qual foi, qual é constantemente, através dos nossos discursos, essa vontade de verdade que atravessou tantos séculos de nossa história, ou qual é, em sua forma muito geral, o tipo de separação que rege nossa vontade de saber, então é talvez algo como um sistema de exclusão (sistema histórico, institucionalmente constrangedor) que vemos desenhar-se. (...) Enfim, creio que essa vontade de verdade, assim apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos uma espécie de pressão e como que um poder de coerção. (FOUCAULT, Michel, 2002, p.14)

Mas, então, seria errado omitir determinados fatos que o cliente não queira

divulgar? Não. Porém, o que não se pode negar é que a omissão de informação gera

muitas críticas e especulações em torno do assessorado. Segundo Vera Dias (1998), é

necessário saber o quanto é importante transmitir as informações de forma clara e

precisa. Estar disponível para falar com a imprensa, na grande maioria das vezes, não

(3) Segundo a Folha de São Paulo, lobby é: “grupo de pressão formado para influenciar pessoas com poder de decisão e de convencimento. (...) Em muitos casos, pouco se diferencia do simples aliciamento”

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significa que se deva informar tudo sobre seus atos e suas decisões. Em muitos casos há,

assuntos estratégicos do cliente que não devem e não podem ser divulgados.

Entretanto, saber que se pode omitir determinados fatos não significa não dar

retorno aos jornalistas que buscam contato. Ao contrário, uma relação de atenção com a

mídia é sempre importante. Vera Dias explica:

Estabelecer esse canal de mão dupla significa ter uma relação franca e objetiva com o meio jornalístico a fim de possibilitar, inclusive, explicar o motivo para, em um dado momento, a empresa não poder se pronunciar sobre um determinado assunto. (DIAS, Vera, 1998, p. 6)

Outro ponto importante a discutir é o que se pode e o que não se deve omitir.

Qual é o momento de falar com a imprensa e qual a hora de se calar? Por mais pessoal

que seja essa resposta, alguns pontos importantes devem ser respeitados. Toda empresa

— bem como todas as pessoas de visibilidade pública — possuem assuntos que são

considerados parte de uma estratégia, como já apontado acima. São decisões

confidenciais que fazem parte da estratégia organizacional, restritas pela política de

comunicação da empresa ou assuntos pessoais do assessorado, que não deveriam

influenciar a opinião sobre a personalidade pública.

Porém, se o assunto a ser tratado não é de cunho pessoal ou estratégico, o mais

correto é não se omitir perante a imprensa. Nem mesmo que seja para comunicar aos

veículos que as informações buscadas pelos jornalistas não podem ser divulgadas

naquele momento.

No entanto, até aqui, a discussão teve como objeto central de estudo uma

função de comunicação institucional que, na maioria dos casos, não possui tanta força

quanto a comunicação exercida dentro da política. Se as informações divulgadas pelas

grandes organizações já são capazes de formar opinião pública, o que se pode dizer das

informações divulgadas sobre um político — a favor ou contra — levando em

consideração até mesmo a sua vida pessoal? Pois neste caso as informações são capazes

de influenciar em grande escala a tomada de decisão dos indivíduos.

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3.3. Poder e Ética na Assessoria

Karl Marx afirma que o homem é capaz de provocar o surgimento de

segmentações quando ele interage no meio social dentro de seu ambiente natural. Para

um mesmo fato podem existir diferentes pontos de vista e isso influencia o sujeito de

acordo com a sua ética pessoal.

É nesse ponto que a atividade de assessoria de imprensa se torna responsável

pela formação de opinião pública. As informações selecionadas para divulgação vão, de

alguma forma, afetar o indivíduo que, de acordo com o seu ponto de vista, poderá tomar

uma posição a favor ou contrária a realidade que está sendo divulgada por intermédio do

assessor.

Trabalhando como intermediário entre o assessorado e seus públicos, o jornalista que atua em assessoria de imprensa afeta, em diversos graus, a opinião das pessoas e dos grupos, interferindo nos fatores psicológicos, sociológicos e históricos. Um desvio na conduta profissional poderá causar distorções nesse processo, contribuindo para a desinformação e, assim, servindo a interesses escusos. (KOPPLIN, Elisa; FERRARETO, Luiz Artur, 2001, p. 26)

Por ser, atualmente, uma atividade imprescindível para a circulação de

informação nos meios jornalísticos, é necessário que a função de assessoria contribua

diretamente para a democratização da informação. Sendo assim, a conduta ética é

primordial para o bom relacionamento entre assessorado e mídia.

Como já foi discutido no capítulo anterior, a ética requer uma consciente

divisão entre bem e mal. É preciso delimitar a situação e discernir entre o que seria certo

e o que seria errado dentro do determinado caso.

Segundo aponta Alberto André (1979) em seu livro Ética e Códigos da

Comunicação Social, a ética é, para os jornalistas, um conjunto de regras que regem a

conduta do profissional para um bom desempenho de sua função. No Brasil, a profissão

é regulamentada como área jornalística. Por isso, a assessoria de imprensa utiliza como

base o Código de Ética do Jornalista, aprovado em 1985 e em vigor atualmente.

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Eugênio Castelli comparou liberdade e responsabilidade, afirmando que o ‘dever de informar se apóia na liberdade e pressupõe um ato de responsabilidade’: a) moral, em que despontam a verdade e o respeito para com a dignidade do ser humano e implica a consciência profissional; b) social, em que a liberdade de informar corresponde ao direito de ser bem informado; c) legal, que é o cumprimento das leis. (ANDRÉ, Alberto, apud KOPPLIN, Elisa; FERRARETTO, Luiz Artur, 2001, p. 27)

Dentro do Código de Ética do Jornalista encontram-se normas que prezam pela

livre expressão, caso essa não infrinja os direitos do indivíduo e não esbarre na

legislação atual. “Respeitar o direito à privacidade do cidadão”, “não pressionar para

que notícias sobre o cliente sejam publicadas”, “não divulgar inverdades privilegiando

os interesses do objeto assessorado acima dos da sociedade” e “não sonegar

informações de interesse” são alguns dos pontos importantes do Código de Ética.

Pontos esses cada vez mais esquecidos na sociedade atual, passando, muitas das vezes,

despercebidos pela população.

Acontece que uma atitude antiética só se torna de conhecimento público

quando afeta algum interesse do “jogo político” — visto hoje em dia não apenas no

campo da política real, mas também na guerra de forças entre empresas, entre outros

fatores — e acaba por virar escândalo nos jornais. Ser ou não ético não está ligado

apenas aos artifícios utilizados para se conseguir alguma coisa, mas também ao

resultado final que pode ter influências diretas ou indiretas sobre determinado caso.

A ação eticamente responsável significa que ela diz respeito não somente à seleção dos meios para se alcançar um fim específico, mas também à comparação dos valores – isto é, os objetivos finais – entre si e aos possíveis efeitos de um determinado curso de ação não apenas no tocante à consecução de seu próprio objetivo imediato ou final em uma seqüência direta, mas também diretamente ou através de canais indiretos sobre os outros valores. (KUNCZIK, Michael, 1988, p. 41)

Max Weber (1988), filósofo alemão, indaga sobre grau de preparação de

políticos e jornalistas para que ambos consigam assumir as responsabilidades por suas

ações. Weber postula a existência de duas vertentes éticas dentro da comunicação: a

ética absoluta, baseada no dever para com a verdade sem levar em consideração as

conseqüências que isso poderia causar, e a ética de responsabilidade, na qual o

indivíduo prima pela reação de seus atos agindo racionalmente sobre seus propósitos.

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Para ele, os políticos se valem da ética de responsabilidade, avaliando os

efeitos de seus discursos, programando-os para que as conseqüências sejam as menores

possíveis e não afetem sua imagem. Por sua vez, os jornalistas adotam a ética de valores

absolutos, atuando racionalmente segundo seus valores, ou seja, se recusam a assumir a

responsabilidade pelas conseqüências de seus atos.

Isto é o que se vê a todo momento nas matérias jornalísticas. Toda e qualquer

conseqüência é apontada como causa da declaração de alguma fonte ou algo

semelhante. Porém, quando o erro é da própria apuração do jornalista, podemos

perceber uma mobilização da classe no reconhecimento da responsabilidade de seu ato

equivocado – como aconteceu com a Revista "Veja", que apurou a fundo a história da

quebra ilegal de sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, depois dos

dados terem sido disponibilizados pela Revista "Época". A imprensa surge como crítica

da própria imprensa.

Portanto, segundo essa lógica, o que se pode discutir é a relação do poder

político com os meios de comunicação de massa. Cada vez mais os governos

democráticos estão dependentes da grande imprensa, já que ela é considerada a base de

um poder de persuasão capaz de difundir idéias e interpretações da realidade.

Veremos a seguir um caso de abuso de poder e manipulação da comunicação

exercido, justamente, por um assessor de imprensa – o jornalista Marcelo Netto, ex-

assessor de Antonio Palocci. Esse profissional, que tem como função tratar as

informações divulgadas de forma clara e precisa, foi acusado no ano de 2006 de utilizar

meios ilícitos para conseguir uma informação que favoreceria seu assessorado.

O poder político mais uma vez se sobrepõe à conduta ética, deturpando o dever

de um assessor. É o caso a seguir que inspira essa discussão teórica sobre os limites

éticos de um assessor de imprensa. Como foi dito, nem todos os atos em prol de seu

cliente são válidos. Principalmente quando estão em jogo os interesses políticos, pois

haverá sempre algo a se questionar.

O bom profissional de assessoria é aquele que consegue tratar a relação entre a

mídia e seu assessorado sem que fatos se tornem escândalos na imprensa. Com sua

ação, Marcelo Netto consegue justamente o contrário.

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4. O Caso Palocci

Durante o primeiro Governo Lula, diversos escândalos envolvendo vazamento

de informações se tornaram públicos. Um dos mais recentes, é o caso de Marcelo Netto,

ex-assessor de imprensa de Antonio Palocci, Ministro da Fazenda entre os anos de 2002

e 2006. Jornalista e assessor de imprensa político, Netto divulgou os extratos bancários

de uma testemunha de acusação, com o intuito de proteger Palocci. O caso se tornou um

importante ponto de estudo para a discussão sobre ética na assessoria de imprensa.

4.1. A informação ilegal e a relação assessor - jornalista

Em março de 2006, quase um ano após o escândalo do “Mensalão” e durante a

extensa CPI dos Bingos, surge uma nova denúncia que estremece ainda mais as bases

do governo Lula. O episódio é apelidado pela "Folha de São Paulo" de “Caseirogate” e

pela Revista "Veja" como “Paloccigate”, em uma clara mensão ao caso Watergate —

quando republicanos invadiram a sede do Partido Democrata para roubar papéis

importantes e terminaram por tentar fazer com que Richard Nixon renunciasse. O "

caseirogate" surge quando o então Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, é apontado

como freqüentador da “Casa do Lobby”, em Brasília — um local freqüentado por

lobistas de Ribeirão Preto, utilizado para fechar negócios escusos e promover festas

com garotas de programa.

O responsável por essa acusação é Francenildo dos Santos Costa, caseiro da

mansão que, em 8 de março de 2006, depõe na CPI dos Bingos afirmando ter visto

Palocci algumas vezes no local, junto com seus ex-assessores Rogério Buratti e

Vladimir Poleto, para supostamente fazer a repartição do dinheiro originado de doações

ilegais às campanhas do PT.

Antonio Palocci — que sempre foi considerado “o homem forte” do governo

Lula e braço direito do presidente — vê sua imagem se abalar da noite para o dia.

Diferentemente dos primeiros meses de governo, quando Palocci trouxe a estabilidade

para a economia e passou a ter seu nome associado ao bom senso e ao equilíbrio, o

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início do quarto ano petista mostra um ministro frágil, com sua vida privada tornada

pública, e acusado de corrupção.

Em 17 de março de 2006, no dia seguinte ao depoimento de Francenildo dos

Santos à CPI dos Bingos, a reportagem da Revista "Época" tem acesso a extratos

bancários do caseiro. Conforme postado no Blog Brasil, os extratos revelaram que

Francenildo recebeu, em sua poupança da Caixa Econômica Federal, depósitos de mais

de 30 mil reais, o que passa a colocar em dúvida o depoimento. Teria Francenildo dos

Santos Costa recebido dinheiro da oposição para acusar Palocci? Pois é isso que alega a

base governista.

O que não se poderia prever, no entanto, era que essa jogada política daria uma

volta de 180 graus e recairia novamente sobre Palocci.

A questão central, agora, não é mais o envolvimento do então Ministro da

Fazenda com os lobistas. Surge um fato novo, ainda mais complexo e mais crítico: a

quebra de sigilo bancário de uma testemunha com o intuito de proteger um acusado.

Esse ultraje à Constituição resulta em uma grande crise e é considerado o pior escândalo

envolvendo a cúpula do governo petista, depois do “Mensalão”.

A violação do sigilo tem caráter absolutamente ilícito, irregular e intolerável. É uma afronta ainda mais grave à lei porque parece envolver autoridades que deveriam conhecer minimamente seus deveres cívicos e públicos. (VALLS, Álvaro, 2000)

Diante desse caso, a imprensa se propõe a investigar a si mesma, buscando

suspeitos para a informação anônima e desconsiderando um de seus principais

fundamentos: a manutenção do anonimato das fontes.

A quebra de sigilo bancário gera uma intensa investigação para que os

responsáveis fossem encontrados e punidos. Em 29 de março de 2006, a revista “Veja”

traz como reportagem de capa a denúncia de que Marcelo Netto, o então assessor de

imprensa do Ministro Palocci, é o responsável pelo vazamento dos extratos bancários de

Francenildo.

Se a ação de quebra de sigilo bancário, ordenada pelo Ministro da Fazenda e

executada pelo presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, é um ultraje à

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legislação — por ser uma ação sem amparo judicial — a atitude de Marcelo é, no

mínimo, antiética:

Quebrar o sigilo bancário de um inocente para amedrontá-lo e impedir que continue acusando um potentado é mais grave constitucionalmente do que cada uma das ações miúdas reunidas sob o rótulo de ‘mensalão’. A CPI dos Bingos, que investiga o caso, trabalha com a informação de que a Caixa mandou um fax do extrato do caseiro ao jornalista Marcelo Amorim Netto, assessor de imprensa de Palocci, que se encarregou de fazê-lo chegar à redação da revista Época, que publicou o caso somo ‘denúncia’ contra o caseiro, e não como imoralidade patrocinada pelo governo. (DUALIBI, Julia e Cabral, Otávio. 2006) 4

Como qualquer profissional formado em jornalismo, Marcelo Netto seria capaz

o suficiente para ter consciência de que em suas mãos estava um documento com poder

de desviar as investigações de seu cliente para a testemunha de acusação. Como foi

citado, a função primordial de um assessor é informar os fatos à população de forma

clara e precisa. Nesse caso, entretanto, não é isso que ocorre.

Poucos dias depois, quando todos os fatos começam a se esclarecer, a imprensa

toma conhecimento de que os depósitos feitos naquela conta são legais e, portanto, as

acusações levantadas contra Francenildo dos Santos Costa são insustentáveis. E mais

um problema recai sobre o governo. Problema esse que acaba por tirar Antonio Palocci

do Ministério da Fazenda e depõe também Jorge Mattoso da presidência da Caixa

Econômica Federal. Marcelo Netto é afastado do cargo e indiciado por infração ao

código de ética jornalístico.

O desvio ético de Marcelo Netto, no entanto, não termina na divulgação do fato

em si. Outro ponto importante dessa atitude mostra a ação por um ângulo diferente. Se o

jornalista fere a ética ao divulgar uma informação obtida de forma ilegal, a pressão

exercida pelo cliente sobre o assessor representa um atenuante. Porém, é de consenso

geral na categoria dos jornalistas que o profissional deve ter como parâmetros a sua

ética pessoal e, assim, não se permitir ser influenciado ou pressionado pelo assessorado,

mesmo que isso envolva interesses políticos.

Por mais que Marcelo desconhecesse a origem dessas informações — embora

deve haver segredos entre assessor e assessorado — ele sabia que o conteúdo a ser

divulgado pela imprensa representa uma “meia informação” que traria grandes

(4) Veja Online - “O ‘Paloccigate’ e a morte da ética” – 29.03.06 – Disponível em www.veja.com.br – Acessado em 10.04.06 (Ver anexo D)

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especulações. Isso já serve de base para questionar a sua ética. O mais correto nesse

momento é mostrar a Palocci e aos outros envolvidos no caso que aquela informação

poderia causar problemas e, assim, convencê-los a não divulgá-la — o que não foi feito.

O agravamento do caso ocorre, então, por um fato externo à obtenção ilegal

dos dados bancários. Mais grave do que disponibilizar essa informação para a imprensa,

é a escolha do veículo utilizado para divulgar a suposta denúncia. Marcelo Netto

escolhe a revista "Época" para entregar esse “furo de reportagem”. O que não se sabe,

até então, é que o filho do assessor é jornalista da "Época".

Marcelo se aproveita, assim, de sua ligação pessoal com um repórter para

poder tornar pública uma informação sem que maiores dados sobre a apuração do fato

precisassem ser divulgados, além de privilegiar a informação para apenas um veículo.

Coincidência ou não, o fato é que cada elemento desse caso fere algum dos artigos do

Código de Ética do Jornalista, como os citados abaixo:

Art. 7º - O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação Art. 10º - O jornalista não pode concordar com a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, políticos, religiosos, raciais ou de sexo. Art. 12º - O jornalista deve evitar a divulgação de fato com interesse de favorecimento pessoal ou vantagens econômicas Art. 13º - O jornalista deve ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas objeto de acusações não comprovadas, feitas por terceiros e não suficientemente demonstradas ou verificadas (KOPPLIN, Elisa; FERRARETTO, Luiz Artur, 2001)

Não é possível afirmar como estaria o cenário atual se esse caso não tivesse

ocorrido. Talvez, se Marcelo Netto tivesse exercido sua função de maneira eticamente

correta, essa discussão sobre influências, pressão, poder e ética na comunicação

institucional não ocorresse, pela falta de elementos concretos para o estudo. Talvez, ao

questionar a divulgação do material, o assessor seria substituído por outro, e “Marcelo”

poderia ser qualquer um.

A questão a nosso ver, no entanto, é um pouco mais específica sobre a função

de assessor. O ponto chave da discussão é saber se, com o crescimento significativo das

assessorias de comunicação social, não está na hora de regulamentar a profissão de

assessor, criando um código próprio de ética e separando-o do jornalismo. Toda e

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qualquer profissão tem suas crises éticas, seus problemas sobre certo e errado, mas

talvez essa separação seja importante e necessária, como o jornalista Ricardo Noblat

(2003) já afirmou. Recentemente, em seu artigo publicado pelo portal Comunique-se,

Noblat apontou que o assessor de imprensa não pode ser considerado jornalista por não

possuir a autonomia necessária para praticar o jornalismo.

O mais grave são as questões éticas decorrentes da possibilidade de transitar livremente de uma função a outra. Dentro desse ambiente promíscuo, é difícil controlar se as informações de clientes ficam ou não sob um regime de sigilo profissional e em que medida a condição privilegiada de acesso a redações influencia as pautas dos veículos com notícias que deveriam ser mais bem apuradas. (NOBLAT, Ricardo, 2003, apud HARTZ, Bárbara, 2003)

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4.2. A Opinião de Especialistas

Todos esses escândalos envolvendo casos éticos, como vazamento de

informações confidenciais e/ou ilegalmente obtidas, acabam gerando uma discussão não

só entre a população, indignada com todos os problemas envolvendo grandes nomes,

mas principalmente entre os próprios jornalistas — classe afetada diretamente por esses

fatos. A ética e os limites de atuação de um jornalista / assessor permeia diariamente as

atividades desses profissionais. Sendo assim, alguns jornalistas opinaram sobre “quais

os limites de um assessor de imprensa”.

Para Francisco Campera, assessor de imprensa do Ministério das

Comunicações, o assessor está sempre a serviço da população e, por isso, é necessário

seguir uma linha totalmente ética. Campera afirma ainda que qualquer tipo de deslize

acaba com a carreira de um profissional, sem levar em conta todos os outros anos

trabalhados de forma correta.

Particularmente, acho que o profissional que vai prestar assessoria política tem que levar essa ética consigo. Às vezes nos deparamos com uma situação pela qual nunca passamos antes e nos deparamos afundados por uma série de interesses conflitantes. A ética é a única saída. O que é certo? O assessor tem que estabelecer um limite, o seu próprio limite, ‘ou eu faço isso ou eu vou embora’. O assessor tem que ter peito, firmeza e coragem pra se impor e falar. Aprender a dizer não, dizer que não dá para ser assim. Tem que aprender. Contratar uma pessoa que só vai fazer o que o chefe manda, tem aos montes, mas alguém que vá discutir e debater são poucos. (CAMPERA, Francisco, apud DINIZ, Mariana, 2006)

João Paulo Soares, assessor de imprensa nacional do Partido dos

Trabalhadores, também opina sobre o assunto para um artigo do portal Comunique-se:

No caso específico de um partido ou de um político, eu acho importante que o assessor de imprensa tenha afinidade ideológica e acredite no projeto que vai ajudar a defender – embora isso nem sempre ocorra. Assessor de imprensa que se porta como ‘garoto de recados’ não é bom assessor de imprensa. Para se desvencilhar dessa imagem ou desse comportamento, o assessor deve buscar sempre convencer o assessorado de que as questões levantadas pela imprensa merecem respostas claras e convincentes, sobretudo se a pauta tiver impacto negativo. É uma triangulação complexa (assessor,

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(5) O Banco Vetor estava sendo acusado pela CPI dos Títulos Públicos de estar ligado a Celso Pitta, então prefeito de São Paulo, na emissão e negociação de títulos públicos fraudulentos.

assessorado e jornalistas), que não pode ser limitada, nem reduzida, a um mero procedimento de leva e traz. Não vou julgar as supostas ações de Marcelo Netto. A relação entre o assessor de imprensa e os funcionários das empresas jornalísticas deve ser exclusivamente profissional. Ela se torna promíscua quando rompe esses parâmetros. (SOARES, João Paulo, apud DINIZ, Mariana, 2006).

Outro especialista que coloca esse tema em discussão é o advogado Ruy

Martins Altenfelder Silva, presidente da Aberje. Para ele, esses fatos de quebra de ética

são importantes para demonstrar o quanto é necessário se legalizar o lobby no país. Um

outro exemplo importante que ele fornece é a descoberta do contrato firmado entre o

Banco Vetor e as empresas de comunicação ADS e Internac, contratadas para fazer a

assessoria do banco. Segundo divulgado pela imprensa (TV Bandeirantes, 1997), a

ADS, Assessoria de Comunicação de São Paulo, propôs ao Banco Vetor trabalhar junto

aos membros da CPI para neutralizar ou prolongar suas atividades, objetivando que a

CPI dos Títulos Públicos (5) não resultasse em nada. Esse tipo de contrato extrapolaria,

claramente, o limite ético no na prestação de serviços de assessoria.

Esta atividade é imprescindível no mundo contemporâneo, como canal de ligação entre a mídia e as fontes geradoras de notícias (governos, empresas, sindicatos patronais e de trabalhadores, entidades de classe, instituições políticas, religiosas, públicas e privadas e organismos internacionais, entre outras). Evidenciada a importância desse profissional no contexto da comunicação, vale, agora, analisar os limites éticos de sua atuação. Não cabe a ele, após enviar um release ou uma simples nota ao seus colegas da mídia, exercer qualquer pressão que exceda aos parâmetros técnicos e éticos de seu trabalho, para que a informação seja veiculada. E esses parâmetros são muito claros: demonstrar profissionalmente, com um texto bem escrito, gramaticalmente correto e informações precisas, a importância do release como notícia. Em nada desabona o trabalho do assessor de imprensa conversar, pessoalmente ou por telefone, com seu colega da mídia, para comentar o texto enviado, perguntar sobre o eventual interesse em sua publicação e se colocar à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas ou agendar uma entrevista sobre o tema em questão. Ao realizar este trabalho, o assessor de imprensa terá cumprido — integral, profissional, ética e dignamente — o seu papel. Publicar ou não o release, entrevistar ou não o cliente são decisões soberanas do jornalista que trabalha no veículo de comunicação. (SILVA, Ruy Martins Altenfelder, 1997).

Para jornalista Denise Chaves, assessora de imprensa da empresa de telefonia

TIM, a ética profissional deve estar de acordo com a ética pessoal do homem,

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independente dos privilégios que possam existir na profissão exercida — no caso do

jornalismo, o fácil acesso a informações e à sua divulgação.

Claudio Abramo declarou que a ética do jornalista é a ética de qualquer cidadão. Não teria motivos para ser diferente: o fato de sermos jornalistas não deve admitir qualquer liberdade ou poder adicional, principalmente não deve dar o direito de estar acima das leis. Isso tem que ser levado em conta tanto em situações graves como o envio à imprensa de dados bancários protegidos pela lei, como em situações corriqueiras, por exemplo pedir produtos grátis a uma empresa usando o poder na imprensa como uma espécie de ameaça caso não seja concedido o agrado. Uma maneira prática de testar seu comportamento ético na profissão, em qualquer que seja ela, é perguntar-se a cada situação se o que você está fazendo pode ser explicado sem constrangimentos a uma criança. Vi esse assunto ser abordado pelo publicitário Stalimir Vieira há muitos anos, ao comentar uma campanha de cigarros que produziu em sua agência e se arrependeu porque fez seu filho de quatro anos pensar que fumar era uma coisa boa. É um exercício diário e vale a pena: se ficar envergonhado ao explicar sinceramente seus atos a uma criança, de fato seu comportamento não deve estar sendo ético. Daí por diante, continuar agindo de forma questionável depende da sua consciência e do que você considera aceitável na sua vida profissional. (CHAVES, Denise, em depoimento à autora, em 09.11.06).

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5. Conclusão

Após análise sobre ética na comunicação, com base no caso de Marcelo Netto,

ex-assessor de imprensa do ex-ministro Antonio Palocci, é possível observar a

necessidade de tomada de consciência sobre ética de uma forma geral. Vivemos em uma

época em que a conduta ética é primordial para o andamento da sociedade, conforme

Aristóteles, Kant e Hegel afirmam em seus estudos.

A sociedade está no limite de seu comportamento moral, sem um referencial

interno sobre ética. Se, segundo Platão, pode-se partir da premissa que o homem é

dotado naturalmente de consciência moral, capaz de distinguir o certo do errado e o

justo do injusto, estamos diante de ações que divergem dessa consciência moral. A

sociedade está se tornando individualista, o que acarreta na saída da ética do plano

universal para o plano privado.

Na contemporaneidade, o homem é regido por códigos de ética – como os

códigos profissionais — que estipulam qual deve ser o comportamento ético adequado

para determinada ocasião. Isso acontece porque a subjetividade humana pode colocar

em xeque o entendimento global da ética — afinal, alguns valores não são nem

totalmente certos, nem totalmente errados, o que gera discussões sobre ser ou não ético.

Mesmo com a existência desses códigos, continuamos a ver atitudes antiéticas

sendo camufladas por discursos legalmente corretos. Esse tipo de atitude acontece

porque os meios de comunicação em massa são os responsáveis por formar a opinião da

sociedade. Assim sendo, a palavra se torna mais forte do que a ação e, muitas vezes, um

discurso bem articulado pode ser capaz de contornar determinado ato ilícito. Michael

Kunczik (1988, p. 89) aponta que “os meios de comunicação de massa são considerados

a base de um poder de persuasão capaz de uma interpretação da realidade”, o que

enfatiza essa importância do discurso na formação de opinião crítica do homem. As

informações divulgadas devem ser, portanto, as mais corretas possíveis.

Atualmente, os assessores de imprensa são as principais fontes para os veículos

jornalísticos, através da produção de press-releases e da divulgação de informações

relevantes sobre o assessorado. Logo, é necessário que esse profissional se preocupe em

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divulgar conteúdos verdadeiros, tendo uma atitude ética e sabendo separar o que é ou

não relevante para o interesse público.

Porém, a atividade das assessorias de comunicação social tem sido deturpada

por alguns profissionais que trabalham nessa área. O que se pode notar em

determinados momentos é que há uma preocupação maior em dar visibilidade ao

cliente, deixando a relevância da informação em segundo plano, o que se distancia do

objetivo principal de uma assessoria, que é promover um bom relacionamento entre o

assessorado e a mídia — num canal de troca — e divulgar informações relevantes à

população.

Essa deturpação do sentido real da função de assessor pode ser vista no caso do

jornalista Marcelo Netto. Ao ser responsável pelo vazamento de uma informação obtida

de forma ilegal, o assessor ultrapassa os limites éticos tentando favorecer seu cliente —

o ex-Ministro da Fazenda Antonio Palocci. Netto se utiliza de recursos e privilégios que

a sua profissão lhe proporciona — como o acesso a determinadas informações

estratégicas — e também da força que existe na divulgação de um fato político para

enviar à imprensa dados sobre Francenildo, testemunha que depunha contra Palocci na

CPI dos Bingos. Francenildo dos Santos Costa, caseiro da Mansão do Lago Sul, em

Brasília, que acusava o ex-Ministro de envolvimento com lobistas de Ribeirão Preto,

tem seus extratos bancários divulgados pela revista “Época” graças ao intermédio de

Marcelo Netto, que fez com que esses dados chegassem à redação da revista.

Sem informar a forma ilegal através da qual os extratos foram obtidos, a

intenção com a quebra do sigilo bancário é apontar que Francenildo estava sendo pago

pela oposição para depor contra Palocci, o que é desmentido poucos dias depois da

publicação do saldo bancário do caseiro, ao ser provado que os depósitos feitos em sua

conta eram legais e vinham de seu pai.

Com isso, Marcelo Netto infringiu o código de ética jornalística ao ser

responsável pela veiculação de uma notícia tendenciosa, com o único intuito de proteger

seu assessorado.

É necessário perceber, então, que a crise ética na sociedade é alarmante e isso

reflete na divulgação de informações, chegando até à população por meio da grande

imprensa. Diante de todo esse cenário, o ponto chave desta pesquisa é apontar a

necessidade de criação de um código de ética voltado especialmente à função de

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assessor de imprensa, já que esse profissional se encontra na fronteira — extremamente

frágil — entre a publicidade e o jornalismo, sem se encaixar totalmente em nenhuma

dessas duas profissões.

Ricardo Noblat, jornalista do jornal O Estado de São Paulo, levantou essa

questão, em seu artigo na revista Comunicação Empresarial, da Associação Brasileira

de Comunicação Empresarial (6), ao apontar que “o jornalismo tem que ser livre, crítico

e, se necessário, impiedoso” e que assessorias de imprensa não sobreviveriam se esse

fosse o jornalismo praticado por elas, pois não teriam clientes dispostos a pagar por

isso. Para Noblat, o assessor de imprensa não possui a autonomia necessária para

praticar esse jornalismo imparcial, pois sua função depende dos objetivos de seu

assessorado.

Talvez, com a criação de um código de ética voltado especificamente para a

função de assessor de imprensa, os problemas referentes à divulgação de fatos fossem

minimizados, pois o código atenderia perfeitamente às demandas da profissão. Porém,

como isto ainda não é possível, é necessário que o assessor se preocupe mais com sua

função social, que é atender às demandas da sociedade divulgando informações de

forma clara e precisa, não se preocupando exclusivamente com o interesse de seu

cliente.

É necessário ressaltar também que, se a questão central da assessoria é

promover um canal de troca entre assessorado e mídia, através de um bom

relacionamento com a imprensa, a conduta ética é primordial para promover essa

importante ligação do assessor com os veículos jornalísticos.

Se o profissional utiliza meios ilícitos para promover seu cliente, divulga

“meias verdades” ou até mesmo passa para a imprensa informações tendenciosas,

unicamente para criar uma boa imagem de seu cliente, a relação do assessor com os

jornalistas fica fragilizada. Em um primeiro momento, pode ser interessante conseguir

plantar uma matéria que dê visibilidade ao seu cliente mas, com o tempo, isso cria um

desgaste e o assessor de imprensa fica queimado nas redações, como os próprios

profissionais ressaltam.

Ser ético, além de trazer para a profissão uma função social, de

responsabilidade com a sociedade, é importante para manter a credibilidade do assessor

(6) Portal Aberje – Revista Comunicação Empresarial, edição nº 47 - Disponível em www.aberje.com.br – Acessadoem 10.10.06

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com a mídia. Atitudes eticamente corretas são responsáveis pelo bom andamento das

assessorias, mantendo-as como principais fontes de informação.

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mídia. São Paulo. Atlas, 2002.

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dos fatos que derrubaram Palocci. 27.03.2006 – Disponível em

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HARTZ, Bárbara – Assessor e jornalista, a separação necessária – 01.07.2003 –

Disponível em Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br) –

Acesso em 03.06.2006.

KOPPLIN, Elisa e FERRARETTO, Luiz Artur. Assessoria de imprensa – teoria e

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KRIEGER, Gustavo, MEIRELLES, Andrei – Extratos revelam depósitos para o

caseiro – 17.03.2006 – Disponível em Blog Brasil (www.blogbrasil.globolog.com.br) –

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KUNCKIZ, Michael - Conceitos de jornalismo - São Paulo. USP, 1988.

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ANEXO A

Revista Época – 16/03/06 – Edição Digital nº 409 Quem está dizendo a verdade?

Extratos bancários mostram depósitos em dinheiro na conta do caseiro que acusa Palocci Andrei Meireles e Gustavo Krieger Ele foi, no primeiro momento, a solução da administração Lula. Num cenário de apreensão, quase de pânico, sobre os rumos que seriam dados para a economia pelo recém-chegado governo petista, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, representou como que um suspiro de alívio. Com palavras e, mais que isso, atitudes de efeito calmante, Palocci instantaneamente virou uma espécie de garantia contra maluquices na economia. Não, o Brasil não daria as costas ao mundo e não rejeitaria a era da globalização. Não, o Brasil não assistiria a um festival extemporâneo de estatizações. Não, o Brasil não romperia contratos em sua relação com credores e investidores. Sim, o Brasil de Lula ficaria bem parecido, nas diretrizes econômicas, com o Brasil de Fernando Henrique Cardoso. E, se isso aborrecia militantes petistas e negava muitas promessas do candidato Lula, era um bálsamo para um país que parecia correr o risco de se descolar do mundo contemporâneo. O homem sereno do interior transmitiu exatamente isso - serenidade - ao Brasil. E por isso sua imagem logo se associou à estabilidade econômica.

Mas é um dado da vida que soluções muitas vezes se convertam em problemas. E a esse anátema não escapou o ministro Antônio Palocci. Nas últimas semanas, desde que a CPI dos Bingos concentrou seu fogo sobre uma casa de Brasília na qual pretensamente se misturavam negócios suspeitos e mulheres de idoneidade ainda mais suspeita, Palocci foi crescendo como um problema para Lula. Ele diz que não freqüentava a casa, mas as palavras incisivas e nacionalmente marteladas do caseiro Francenildo dos Santos Costa pareciam selar a sorte do ministro. O caseiro afirmou que vira Palocci pelo menos dez vezes na casa. 'Confirmo até a morte', disse Francenildo na CPI.

O valor do depoimento de Francenildo parecia inestimável para os interessados em ver o governo Lula sob ataques no campo da moral e da ética. Mas documentos aos quais ÉPOCA teve acesso sugerem que aquele valor pode, talvez, ser expresso em moeda corrente. Um conjunto de extratos da Caixa Econômica Federal - da conta de poupança número 1048-8, da agência do Lago Sul, próxima à casa onde Francelino trabalha e mora - indica que, desde o início do ano, a conta recebeu depósitos de R$ 38.860. Todos

CONSTRANGIDOPalocci disse ao presidente que não freqüentou a casa

de lobby.Lula disse que tem dúvidas

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registrados como depósitos em dinheiro. De acordo com os extratos, quando o ano começou, a conta em nome do caseiro tinha um saldo de R$ 24,76. No dia 6 de janeiro, é registrado um depósito de R$ 10 mil. Três dias depois, um saque com cartão eletrônico de R$ 2.500. Nos dias seguintes, há outros saques, de menor valor. Em 6 de fevereiro, aparece outro depósito, de R$ 9.990. A conta ficou parada até o dia 15 de fevereiro, quando há um saque de R$ 15 mil, com cartão eletrônico. Um dia depois, outro depósito, de R$ 10 mil, mais uma vez em dinheiro. No dia 3 de março, há o registro de mais um depósito, desta vez de R$ 3.870. Finalmente, em 6 de março há um depósito no valor de R$ 5 mil. No dia 16 de março, quando foi tirado o extrato, o saldo da conta é de R$ 19.662,35. Nesse dia, Francenildo depôs na CPI.

Os extratos de Francenildo que chegaram a ÉPOCA foram emitidos às 20h58min21s desta quinta-feira. Quando isso aconteceu, o caseiro estava sob proteção da Polícia Federal em uma casa de segurança de Brasília. Ao receber os extratos, a reportagem de ÉPOCA entrou em contato com o advogado Wlício Chaveiro Nascimento, que representa o caseiro. Ele levou um susto. Não sabia que Francenildo tinha dinheiro. O advogado diz que está defendendo o caseiro de graça. Quinze minutos depois, Nascimento telefonou para a redação. De acordo com ele, Francenildo re admitiu os depósitos. Afirmou que o dinheiro veio de seu pai. Ele diz ser filho bastardo do empresário Euripedes Soares da Silva, dono de uma empresa de ônibus em Teresina.

De acordo com o advogado, o pai mandou esse dinheiro em segredo, porque a família não sabe que ele

ajuda Francenildo. Segundo o caseiro, o pai teria enviado R$ 25 mil. O saque de R$ 15 mil teria sido feito para a compra de um carro. Ele desistiu de comprar o veículo e depositou de novo parte do dinheiro, cerca de R$ 13 mil, disse Nascimento.

Francenildo também afirmou ao advogado que fora interrogado sobre o assunto pelo delegado Wilson Damásio, da PF. Na sexta-feira à tarde, o caseiro dispensou a proteção policial e foi para casa. O empresário Euripedes Soares confirmou a ÉPOCA os depósitos, mas negou que seja pai do rapaz. Independentemente de quem esteja com a razão, os extratos põem em dúvida a credibilidade do caseiro.

Palocci está no centro dos ataques da oposição há mais de seis meses. Na CPI dos Bingos, a oposição tem maioria. O catálogo de investigações passa por denúncias de corrupção na Prefeitura de Ribeirão Preto em 2001 e 2002, ligações com ex-assessores que viraram lobistas e acusações de que ele teria intermediado doações ilegais para a campanha eleitoral do PT.

Até aqui, o ministro sobreviveu a todos os ataques. A onda atual é mais sensível. O ministro da Fazenda é acusado de mentir à CPI ao negar que tenha posto os pés na casa de lobby montada por seus ex-assessores. É a palavra dele contra a de duas testemunhas

'Confirmo até a morte (que Palocci ia à casa). Se eu estivesse com esse celular, tirava foto dele dentro do quarto e jogando tênis' Francenildo Costa, caseiro da mansão alugada pelos amigos do ministro

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- o caseiro Francenildo e o motorista Francisco das Chagas. É difícil provar quem está dizendo a verdade. Entre um político e uma pessoa simples, a tendência é acreditar no caseiro e no motorista, diz um ministro.

Apelidada de 'Casa do Espanto', nome de um filme de terror, a casa foi alugada por um grupo antes ligado a Palocci. Dele fazia parte Rogério Buratti, que se transformou no grande acusador do ministro depois de ter sido preso pela Polícia Civil de São Paulo em razão de um inquérito que investiga corrupção em Ribeirão. Buratti descreveu a casa como uma central de negócios e diz que as contas eram pagas por um consórcio de empresas interessadas em fazer negócios com o governo do PT. Em janeiro, quando depôs na CPI, Palocci negou conhecer a casa. O primeiro a contestar essa versão foi Francisco das Chagas, motorista que trabalhou para Buratti. Ele disse ter visto o ministro três ou quatro vezes na casa. O depoimento do caseiro Francenildo Costa foi mais comprometedor.

O caseiro deu detalhes sobre a rotina da casa. Disse que ali eram realizadas festas com empresários, políticos e garotas de programa. Afirmou que as despesas eram todas pagas com dinheiro vivo. E disse que uma vez acompanhou o motorista Francisco das Chagas até o estacionamento do Ministério da Fazenda. Lá, Francisco teria entregue um envelope com dinheiro a um assessor de Palocci. O motorista e o assessor negaram a história. No depoimento, Francenildo reafirmou o conteúdo de sua entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, mas entrou em contradição. Na entrevista, disse que Palocci invariavelmente chegava sozinho à casa, dirigindo um

carro. No depoimento, afirmou que, no começo, Palocci ia à casa acompanhado. Depois que se acostumou, ia sozinho.

Na quinta-feira, após uma reunião com o presidente Lula, o senador petista Tião Viana recorreu ao Supremo Tribunal Federal. Acusou a CPI dos Bingos de investigar assuntos que fugiam a suas atribuições. Conseguiu uma liminar e interrompeu o depoimento de Francenildo, mas o estrago já estava feito. O presidente Lula disse a interlocutores que acha que o ministro pode ter estado na casa, mas que foram visitas de caráter pessoal, não para discutir negócios de governo.

Os extratos bancários são o mais novo ingrediente nessa novela de desfecho imprevisível. Não se pode antever se Palocci, cuja contribuição milionária para a calma nacional há de cavar um lugar de destaque para ele na história recente do Brasil, conseguirá deixar de ser um problema para Lula. Mas é inegável que uma imagem que seria letal para Palocci desaparece caso se comprove que a credibilidade de Francenildo não vale nada: a que contrapõe o ministro poderoso ao humilde caseiro. O caseiro pode até não ter mentido, mas escondeu de todos que tinha tanto dinheiro.

Se, nos primórdios do governo Lula, se temeu, e com razão, que a saída de Palocci fosse uma ameaça para a estabilidade econômica, hoje um retrocesso parece fora de questão. Lula já não precisa de Palocci para mostrar que, se não é exatamente um neoliberal,

PROMOTORA DE EVENTOS Festas na mansão teriam sido animadas pelas garotas de programa agenciadas por Jeany Mary Corner

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também não tem pretensões de instalar um regime de repúdio ao capital e ao capitalismo. Neste final de primeiro mandato e num eventual segundo, Lula tenderá a ser parecido com a administração anterior, que ele tanto criticara. E Palocci já não mais é necessário como prova de que o país não está exposto ao risco de uma espécie de terror econômico.

Caso Lula seja forçado a substituí-lo, há dois candidatos para o cargo: o senador Aloizio Mercadante e o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal. Técnico competente e afinado com a atual política econômica, Portugal seria a escolha lógica para a vaga, mas Mercadante tem dois pontos a seu favor. É um petista histórico, condição importante num ano eleitoral, e conta com a intimidade e a confiança do presidente. Há 11 meses na equipe de Palocci, Portugal é um estranho no Palácio do Planalto.

Lula não deseja demitir Palocci, o ministro não pretende pedir demissão, mas os dois sabem que esse é um desfecho possível. Se a 'Casa do Espanto' continuar a assombrar Palocci, isso poderá ser uma pedra no caminho de Lula rumo à tentativa de reeleição. Entre Palocci e o segundo mandato, a escolha de Lula não tende a ser difícil.

A MANSÃO Velhos amigos usavam mansão no Lago Sul, em Brasília, para fazer negócios, jogar

tênis e encontrar garotas de programa

De acordo com o caseiro Francenildo dos Santos Costa, o secretário particular de Palocci, Ademirson Ariosvaldo da Silva, ia à mansão acompanhando o chefe

LEALDADE O presidente Lula agiu

para preservar o ministro da Fazenda, mas não se

compromete casoas acusações contra Palocci

arrastem o governo para uma crise

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Foi Vladimir Poleto, ex-assessor de Palocci em Ribeirão Preto, quem alugou a mansão do Lago Sul. Pagou o aluguel antecipado, com dinheiro vivo. Era o responsável por bancar a manutenção do imóvel

Ex-secretário de Palocci na prefeitura de Ribeirão Preto, Rogério Buratti chegou a brigar com o antigo chefe por causa de uma das meninas de Jeany Mary Corner, segundo o caseiro

Morto em 2004, vítima de um câncer, Ralph Barquete também freqüentou a casa. Segundo Buratti, Ralph seria a principal testemunha das acusações que pesam sobre o ministro Palocci

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ANEXO B

Blog Brasil – Época – 17/03/06

Extratos revelam depósitos para caseiro O caseiro Francenildo dos Santos Costa, que ganhou fama ao aparecer na CPI dos Bingos esta semana acusando o ministro Antonio Palocci de freqüentar a “casa do lobby”, montada por lobistas de Ribeirão Preto pode ser um trabalhador humilde, como foi descrito diversas vezes, mas está longe de passar por dificuldades financeiras. Época teve acesso a um conjunto de extratos de uma conta poupança na Caixa Econômica Federal em nome dele. A conta, de número 1048-8, fica na agência do Lago Sul, próxima à casa onde ele trabalhae mora. Segundo estes extratos, desde o início do ano, a conta recebeu depósitos de R$ 38.860,00. Todos foram registrados como “depósitos em dinheiro”. Francenildo reconheceu os depósitos. De acordo com o caseiro, eles foram resultado de uma doação familiar. Os extratos indicam que, quando o ano começou, a conta em nome do caseiro tinha um saldo de R$ 24,76. No dia 6 de janeiro, é registrado um depósito de R$ 10.000,00. Três dias depois, aparece um saque com cartão eletrônico de R$ 2.500,00. Nos dias seguintes, há outros saques, de menor valor. Em 6 de fevereiro, aparece um outro depósito, desta vez de R$ 9.990,00. A conta fica parada até o dia 15 de fevereiro, quando há um saque de R$ 15.000,00, novamente com cartão eletrônico. Um dia depois, outro depósito, desta vez de R$ 10.000,00, mais uma vez em dinheiro. No dia 3 de março, há o registro de mais um depósito, de R$ 3.870,00. Finalmente, em 06 de março há outro depósito no valor de R$ 5.000,00. No dia 16 de março, quando foi tirado o extrato, o saldo da conta é de R$ 19.662,35. Neste dia, Francenildo depôs na CPI. Ao receber os extratos, a reportagem de Época entrou em contato com o advogado Wlício Chaveiro Nascimento, que representa o caseiro. Ele levou um susto. “Não sabia que ele tinha dinheiro. Estou defendendo ele de graça”. Quinze minutos depois, o advogado telefonou para a redação. De acordo com ele, Francenildo reconheceu os depósitos, mas disse que o dinheiro veio de seu pai. “Ele é filho bastardo do empresário Euripedes Soares da Silva, dono de uma empresa de ônibus em Teresina. O pai mandou este dinheiro em segredo, porque a família não sabe que ele ajuda o Francenildo”, disse o advogado. Segundo o caseiro, o pai mandou R$ 25 mil. O saque de R$ 15 mil teria sido para comprar um carro. “Ele desistiu de comprar o veículo e depositou de novo boa parte do dinheiro, cerca de R$ 13 mil”. O empresário Euripedes Soares confirmou à Época que fez os depósitos, mas negou que seja pai do rapaz. "O sobrenome dele é muito diferente do meu para eu ser pai dele", disse. Ele afirma que só vai explicar o motivo do depósito "depois de falar com um advogado". (Gustavo Krieger e Andrei Meirelles)

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ANEXO C

Revista Isto É – 22/03/06 – Online

Mais uma versão Caseiro diz na CPI que Palocci participou de reuniões na “casa do lobby”. No governo, ninguém acredita

Na última semana, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, se viu envolvido em uma situação embaraçosa. Ele é acusado de haver participado de reuniões informais em uma casa no Lago Sul de Brasília. Trata-se de um imóvel alugado por Vladimir Poleto – antigo auxiliar de Palocci na Prefeitura de Ribeirão Preto (SP) –, que na CPI dos Bingos é apontado como a “casa do lobby”. Na casa, segundo depoimentos prestados à CPI, assessores de Palocci, lobistas e empresários se reuniam para discutir negócios e também para festinhas reservadas. Desafetos do ministro afirmaram que Palocci participou de algumas dessas reuniões. Não provaram o que diziam e o ministro sempre negou tal informação. Na quinta-feira 16, Francenildo dos Santos Costa, antigo caseiro do imóvel, deveria depor na CPI. A oposição, no entanto, foi surpreendida por uma decisão judicial que impediu a audiência de Francenildo. Mesmo assim, ele chegou a responder a três senadores durante aproximadamente uma hora, até que a ordem judicial chegasse ao Congresso. Foi tempo suficiente para alegar que o ministro frequentava a casa de 15 em 15 dias, sempre nas noites das quintas-feiras, entre 2003 e o início de 2004. Dentro do governo e entre pessoas próximas ao ministro há a absoluta convicção de que o caseiro Francenildo mente – sobre a orientação de quem e movido por quais objetivos ninguém sabe. O ataque do caseiro pode ser parte de uma trama para desestabilizar o governo.

O presidente Lula, já na sexta-feira 17, afirmou publicamente que não acredita nas versões lançadas na CPI. “Palocci ganhou respeitabilidade no mundo inteiro pela sobriedade e pela seriedade no trato das questões econômicas”, ressaltou o presidente, garantindo que o ministro fica no cargo. Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça, também mostrou indignação: “A CPI é um instrumento importante da democracia, mas temo que esta CPI (dos Bingos) tenha perdido o foco e esteja fazendo uma investigação seletiva e uma disputa eleitoral”, afirmou. A mesma tese é compartilhada pelo ministro Jacques Wagner. De acordo com ele, a CPI está se transformando em palanque eleitoral. “Querem atingir um dos esteios deste governo”, conclui o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan.

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ANEXO D

Revista Veja – 29/03/06 – Edição Online

O "Paloccigate" e a morte da ética

Julia Duailibi e Otávio Cabral

Montagem sobre fotos de Pablo Valadares/AE, Mauricio Lima/AFP e Pedro Rubens

DUELO DESIGUAL O caseiro Francenildo, que denunciou Palocci e agora é investigado devido à "suspeita" de que lavava dinheiro...

O ministro Antonio Palocci pode ficar no governo até amanhã. Ou depois de amanhã. Ou até 31 de março, o último prazo para os candidatos na eleição de outubro deixarem seus cargos públicos. Ou até 31 de dezembro, quando termina o mandato do presidente Lula. Mas desde as 20h50min25s do dia 16 de março, uma quinta-feira, o ministro Antonio Palocci começou a perder aceleradamente as condições – políticas, éticas, administrativas – de manter-se no cargo de ministro da Fazenda do Brasil. Naquela hora daquela quinta-feira, os computadores da Caixa Econômica Federal, banco estatal sob o comando do Ministério da Fazenda, foram bisbilhotados ilegalmente para emitir um extrato da conta bancária de Francenildo Costa, o caseiro que disparou um petardo contra o ministro ao jurar "até morrer" tê-lo visto "dez ou vinte vezes" no célebre casarão do Lago Sul onde a turma de Ribeirão Preto se esbaldava em festas e negócios.

A quebra do sigilo bancário do caseiro, praticada com o intuito de defender Palocci e desqualificar seu acusador, é um estupro constitucional como poucas vezes os governantes ousaram cometer no Brasil. O resultado da ação é

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um vendaval ainda em formação mas que já pode ser considerado o pior escândalo do governo depois do mensalão.

Pior do que roubar dinheiro público e, com ele, comprar a cumplicidade, o silêncio ou o apoio de deputados no Congresso? Sim, pior. Quebrar o sigilo bancário de um inocente para amedrontá-lo e impedir que continue acusando um potentado é mais grave constitucionalmente do que cada uma das ações miúdas reunidas sob o rótulo de "mensalão". Este foi orquestrado em cima, mas executado por asseclas secundários em operações de ilegalidade presumida porém não flagrante. Ou pelo menos não flagradas em pleno vôo. O sigilo do caseiro foi quebrado por um braço do Estado que se colocou a serviço dos interesses de um grupo político. Essa ação desperta os mais sombrios presságios sobre os atos autoritários que ainda podem vir por aí. "Quem faz isso faz qualquer coisa", diz Paulo Brossard, de 81 anos, ex-ministro da Justiça e membro da galeria dos grandes juristas do país. "A violação do sigilo tem caráter absolutamente ilícito, irregular e intolerável. É uma afronta ainda mais grave à lei porque parece envolver autoridades que deveriam conhecer minimamente seus deveres cívicos e públicos."

Não há sinal de que o ministro Palocci tenha tido um envolvimento direto no caso, mas existem suspeitas de que o rastro dessa violação constitucional chega à soleira da porta de seu gabinete. A CPI dos Bingos, que investiga o caso, trabalha com a informação de que a Caixa mandou um fax do extrato do caseiro ao jornalista Marcelo Amorim Netto, assessor de imprensa de Palocci, que se encarregou de fazê-lo chegar à redação da revista Época, que publicou o caso como "denúncia" contra o caseiro, e não como imoralidade patrocinada pelo governo. Netto trabalha com Palocci desde os tempos da transição de governo, em 2002. Tem sala contígua à do ministro e, à exceção dos assessores econômicos, é seu auxiliar mais próximo. Não se conhecem ainda os meandros da operação nem o papel exato do jornalista, mas já se sabe que, na noite de quinta, Palocci tinha a informação de que o caseiro recebera somas altas na sua conta bancária.

Até a noite de sexta-feira passada, a operação ilegal permanecia sem culpados claros. A CPI soube que a ordem para violar o sigilo do caseiro partiu do gabinete da presidência da Caixa, ocupada pelo petista Jorge Mattoso, mas não obteve nenhuma confirmação disso. O que se sabe é que a conta do caseiro foi bisbilhotada durante dezesseis minutos. A invasão ao computador começou às 20h50min25s e foi encerrada às 21h06min12s. Quem vasculhou os dados fez questão de ampliar a pesquisa, conferindo as informações bancárias do caseiro desde julho de 2005 – quando o escândalo do mensalão mal completara um mês de vida. Os governistas empenham-se em dar curso à versão de que o extrato foi emitido legalmente por gente com acesso autorizado aos dados. Não explicam, porém, como o papel saiu do banco para ser entregue à imprensa. A narrativa oficial é cheia de falhas. O indício mais eloqüente de que a bruxaria estava encomendada desde o início reside no fato de que o funcionário que entrou no computador tomou o cuidado de apagar seu rastro, eliminando do extrato a sua matrícula, ou seja, o número pessoal que serve para identificá-lo.

O que se tem agora é uma situação muito parecida com o conhecido escândalo de Watergate, a invasão da sede do Partido Democrata nos Estados Unidos por bandidos a soldo dos republicanos, o que levaria o presidente Richard Nixon à renúncia, em 1974. Tanto em Watergate quanto agora no "Paloccigate" é muito mais grave a cadeia de crimes cometidos para esconder a transgressão inicial do que ela própria. Em Watergate o crime inicial foi um arrombamento seguido do roubo de papéis sem importância. O Paloccigate começou com a investigação das ligações do ministro da Fazenda com uma turminha da pesada formada por ex-amigos e colaboradores dos tempos em que ele foi prefeito da cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Os amigos gostavam de farras sexuais e ansiavam por arrastar o ministro para seu meio novamente e, assim, fazer negócios lucrativos com o governo Lula. Existem evidências claras da volta do ministro ao convívio da turminha da pesada. A mais forte delas é o depoimento do caseiro Francenildo. Sobre os negócios que teriam produzido esses encontros, existem apenas suspeitas sem a mínima comprovação.

Beto Barata/AE

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ARTILHARIA PESADA Marcelo Netto, assessor de imprensa do ministro Palocci (acima, ao centro), e o petista Jorge Mattoso, presidente da Caixa (abaixo): o sigilo do caseiro foi violado no banco estatal, e a CPI trabalha com a informação de que uma cópia foi parar com o assessor de Palocci

Permanece, portanto, o mistério de por que Francenildo passou a ser tratado como o inimigo número 1 do governo. O que levou o governo do PT, esse partido que chegou a fazer da ética sua ideologia, a assemelhar-se tanto com os momentos de vale-tudo dos estertores da era Collor? O escândalo atual é um emblema da ruína moral deste governo. Sua gravidade, porém, não está nos aspectos mais comentados. Não está no passado de sombras de Palocci na prefeitura de Ribeirão Preto, nas suas visitas furtivas ao casarão do Lago Sul, nas suas afirmações reiteradamente desmentidas em público ou mesmo nas acusações do caseiro Francenildo Costa. Não está na novidade mais recente – a de que a turma de Ribeirão, com Palocci à frente, também freqüentava uma casa em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, para onde se deslocaria a bordo do helicóptero de um bingueiro angolano. A gravidade do caso está mesmo é na inacreditável cadeia de ações criminosas patrocinadas pelo governo nas duas últimas semanas.

O sigilo bancário e fiscal é um dos pilares das nações civilizadas. Ele protege os cidadãos. Nem Fidel Castro e seus barbudos assassinos buliram com o sigilo bancário nos primeiros momentos da Revolução Cubana. O governo Lula veio em um crescendo de ousadia. Primeiro, calou o caseiro com uma medida judicial, o que esteve perfeitamente dentro da lei, mas não deixa de ser truculento. Por que não deixar o caseiro falar e processá-lo por qualquer calúnia ou mentira? Depois disso, o governo estuprou-lhe o sigilo bancário para tentar desmoralizá-lo diante do país, agora atuando flagrantemente ao arrepio da lei. Em seguida, o governo desencadeou uma operação para acobertar os responsáveis pelo crime da quebra do sigilo bancário, com o intuito óbvio de proteger a cúpula da Caixa Econômica Federal. Por fim, o governo, talvez no seu movimento mais aterrador, abriu uma investigação contra o caseiro no âmbito da Polícia Federal, a pedido do Coaf, o órgão que fiscaliza as atividades financeiras no país. Sim, o caseiro, por incrível que pareça, de acusador passou a investigado. Ele é oficialmente suspeito de lavagem de dinheiro porque recebeu depósitos de 25 000 reais na sua conta. O caseiro diz que os depósitos foram feitos por seu pai biológico, o empresário Eurípedes Soares, do Piauí. O empresário confirma os depósitos, mas nega a paternidade.

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"É coisa de gângster, de sindicato do crime", disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, sobre a perseguição ao caseiro. "Não é possível que persista essa retaliação a essa pessoa que teve a coragem de testemunhar contra a segunda figura mais importante da República." A investigação contra o caseiro começou a pedido do Coaf, mas toda a sua gênese é reveladora de que se trata de uma perseguição sórdida. Os bancos são obrigados a informar o Coaf sobre as movimentações financeiras atípicas de seus correntistas. Como o caseiro recebe 700 reais por mês, os depósitos de 25.000 reais feitos entre janeiro e fevereiro poderiam mesmo sugerir algo estranho. A Caixa informou o Coaf na sexta-feira, o Coaf informou a Polícia Federal na segunda e, três dias depois, já se investigava com o inquérito formalmente instaurado a suspeita de "lavagem de dinheiro" pelo caseiro. A rapidez e o empenho seriam elogiáveis se fossem a regra, mas são a exceção. Em 2004, os bancos fizeram mais de 85.000 comunicados de movimentações atípicas ao Coaf, mas o Coaf só se interessou por menos de 500 casos – ou seja, 99,5% dos comunicados foram ignorados. No escândalo dos bingos, o advogado Valter Santos Neto, suspeito de pagar propinas a autoridades, recebeu 5 milhões de reais da GTech, empresa acusada de subornar a Caixa. O advogado retirou parte do dinheiro em moeda sonante. Chegou a levar um carro-forte até o banco e não soube explicar como gastou o dinheiro. Foi investigado pelo Coaf? O Coaf diz que não pode comentar...

Se, como afirma Brossard, "quem faz isso faz qualquer coisa", o que se pode esperar para o país quando o pior exemplo vem de cima? (É esse o tema da reportagem seguinte.) No Congresso, as absolvições de mensaleiros, inclusive dos confessos, estão virando uma rotina de deboche e acinte à opinião pública. No Judiciário, são freqüentes as intromissões na vida do Legislativo e os sinais de que há magistrados mais interessados em fazer política do que em fazer justiça. Para a sociedade em geral, o que deixa a sensação de que o país entrou no reino da bandalheira é o show ininterrupto de hipocrisia promovido pelo governo, materializado na sucessão de desmentidos peremptórios diante de evidências acachapantes. O presidente Lula não se encabula de dizer que o mensalão nunca existiu. Palocci disse que nem conhecia Rogério Buratti direito. Os dólares na cueca eram apenas renda de um modesto agricultor. Até hoje, o governo chega ao ponto de defender a inocência de Waldomiro Diniz, flagrado em vídeo – imagem e som, portanto – achacando um empresário de jogos!

Ricardo Stuckert/PR Celso Junior/AE

GOVERNO E OPOSIÇÃO O presidente Lula, usando um cocar de uma tribo indígena, e o deputado tucano Alberto Goldman, sem cocar: o presidente faz tudo para manter Palocci no governo, até porque lhe serve de escudo, mas a oposição, ao contrário de antes, agora pediu a renúncia do ministro

É lamentável, mas os últimos governos no Brasil, todos eles, deixaram sua marca em violação de direitos na

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parlamentares do PPB, produzida dentro do Banco do Brasil, foi usada para constranger os políticos a votar conforme o desejo do governo. Em nenhum dos casos anteriores, porém, houve uma violação tão explícita de sigilo bancário como a atual, que conta até com a emissão de extrato, e em nenhum se usou o imenso peso do Estado para esmagar uma vítima tão desproporcionalmente mais fraca como um caseiro – o que, além do pendor totalitário, revela uma boa dose de covardia. No governo do PT, o abuso autoritário de agora não soa como caso isolado, acidental, mas parece integrar um todo ameaçador devido a outras atitudes autoritárias cometidas no passado recente, como as ameaças de controlar a imprensa, a televisão e o cinema.

Mergulhada no epicentro do escândalo, a direção da Caixa adotou um comportamento suspeito, próprio de quem está mais empenhado em esconder do que em revelar. Seu presidente, Jorge Mattoso, nem sequer apareceu em público para dirigir uma palavra de tranqüilidade aos correntistas do banco. Ao silêncio se juntaram tentativas canhestras de acobertar o crime e ocultar os responsáveis. De início, a direção do banco pediu quinze dias de prazo para identificar os culpados – informação que se pode obter no sistema de informática do banco em quinze minutos. Ao receber uma comissão de senadores da CPI dos Bingos na terça-feira, a vice-presidente da área de tecnologia, Clarice Coppetti, uma petista casada com um assessor do Palácio do Planalto, apresentou uma lista de dificuldades para apurar o caso e chegou a insinuar que talvez fosse impossível encontrar os responsáveis. No dia seguinte, a Caixa anunciou que divulgaria uma nota com o nome de dois possíveis responsáveis. Mas acabou cancelando a divulgação da nota. Por quê? Soube-se que os dois supostos culpados não se encaixavam no perfil: um estava viajando na quinta-feira da violação do sigilo e o outro, na mesma hora, acompanhava um familiar no hospital.

Com a crise engrossando, além da suspeita de que seu braço-direito participou da difusão de uma ilegalidade, Palocci teve uma conversa delicada com o presidente Lula na quarta-feira passada. VEJA reconstituiu o diálogo com três interlocutores do presidente que souberam de detalhes do encontro. Eles contam que, em tom de desabafo, Palocci aventou deixar o governo, mas não chegou a apresentar carta de demissão. Falou de seu abalo emocional com as denúncias, disse que sua permanência no ministério estava prejudicando o governo e reclamou de seu crescente isolamento – na verdade, uma senha para dizer que gostaria de ficar no cargo. Entre os tucanos, em cujas fileiras Palocci sempre obteve mais apoio do que entre os petistas, a coisa mudou completamente. Na semana passada, o deputado Alberto Goldman entrou com um pedido de impeachment contra o ministro por crime de responsabilidade – ao mentir na CPI e, depois, ao omitir-se no caso da violação do sigilo bancário do caseiro. Na conversa com Palocci, porém, Lula pediu-lhe que se mantivesse firme no cargo e prometeu defendê-lo. "Eu sou a estaca que vai te apoiar. Vamos enfrentar essa crise juntos", disse. O presidente quer segurar Palocci no governo porque está convencido de que, na ausência do ministro, a oposição se voltará contra ele próprio. "Você é o último na linha de tiro. Se sair da batalha, os alvos passam a ser eu e a minha família", disse Lula. A preocupação do presidente é com Fábio, seu filho de 31 anos cuja empresa – um modesto negócio de games – conseguiu atrair, sabe-se lá como, investimentos de 15 milhões de reais da Telemar, uma empresa concessionária de serviço público.

Não pode ser bom um governo que gasta a maior parte de seu tempo e sua energia negando crimes, driblando suspeitas, incitando uns a mentir, constrangendo outros a ficar calados. Não pode ser bom um governo cujo líder máximo, o presidente Lula, insiste em usar seus inegáveis carisma e prestígio para amortecer os impactos dos escândalos mais patentes. Ao negar, negar e negar o que os olhos vêem, os ouvidos escutam e as bocas falam cada vez com maior clareza, Lula está impedindo que os escândalos passem pelo metabolismo natural que vai da denúncia à apuração até desaguar nas eventuais punições. Sem esse calvário, só Lula ganha. O país perde.