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Universidade Federal do Rio de Janeiro A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS NAS VARIEDADES URBANAS EUROPEIA, BRASILEIRA E SÃO-TOMENSE: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA DO PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XXI Maria de Fatima Vieira 2016

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS NAS VARIEDADES URBANAS

EUROPEIA, BRASILEIRA E SÃO-TOMENSE: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA

DO PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

Maria de Fatima Vieira

2016

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A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS NAS VARIEDADES URBANAS

EUROPEIA, BRASILEIRA E SÃO-TOMENSE: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA

DO PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

Maria de Fatima Vieira

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal

do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas

(Língua Portuguesa).

Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS NAS VARIEDADES URBANAS

EUROPEIA, BRASILEIRA E SÃO-TOMENSE: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA

DO PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

Maria de Fatima Vieira

Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Examinada por:

_______________________________________________________

Presidente, Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ

____________________________________________________________________

Professora Doutora Izete Lehmkuhl Coelho – UFSC

____________________________________________________________________

Professor Doutor Gilson Costa Freire – UFRRJ

____________________________________________________________________

Professora Doutora Beatriz Protti Christino – UFRJ

____________________________________________________________________

Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão – UFRJ

____________________________________________________________________

Professora Doutora Marcia dos Santos Machado Vieira – UFRJ, Suplente

____________________________________________________________________

Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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VIEIRA, Maria de Fatima.

A ordem dos clíticos pronominais nas variedades urbanas europeia, brasileira e

são-tomense: uma análise Sociolinguística do Português no início do século XXI / Maria

de Fatima Vieira. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2016.

xvii, 238f.:il.; 35cm.

Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Tese (Doutorado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

(Língua Portuguesa), 2016.

Referências Bibliográficas: f. 232-238.

1. Clíticos Pronominais. 2. Ordem. 3. Sociolinguística. 4. Variedades do

Português. I. VIEIRA, Silvia Rodrigues. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua

Portuguesa). III. A ordem dos clíticos pronominais nas variedades urbanas europeia,

brasileira e são-tomense: uma análise Sociolinguística do Português no início do século

XXI.

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À Maria Eduarda, minha pequena,

que me mostrou o lado bom da vida!

“Não sei quanto o mundo é bom

Mas ele está melhor

Porque você chegou

E explicou

O mundo pra mim”

(Espatódia – Nando Reis)

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, quero agradecer a Deus por tudo! Especialmente, por essa

oportunidade de fazer o doutorado; sou a primeira pessoa da família que está cursando o

doutorado, muito obrigada, Senhor! Agradecer a Deus por ter me dado os dois empregos – um

no Rio e outro em Angra –, agradecer por cada dia me dar mais forças para continuar nessa

caminhada e por toda a minha família, em especial a que eu estou começando a formar com o

Maurício e a Maria Eduarda! Só tenho a agradecer muito a esse Deus que é tão maravilhoso e

misericordioso!

Agradeço também a Nossa Senhora por toda a intercessão em todos esses anos de

doutorado. Que Nossa Senhora continue me protegendo e me guiando sempre para o caminho

certo.

Quero agradecer a todos os membros da minha família por sempre acreditarem em

mim e estarem ao meu lado. Meus irmãos: Ana Lúcia, Tuninho, Beto e João; minhas

cunhadas e cunhados: Damiana, Vera, Renata, Márcia, Tainá, Tuninho, Adriano e Júnior; meu

sogro, Manoel, minha sogra, Maria; e todos os meus sobrinhos, que não são poucos: Aninha,

Cristiane, João Vitor, Felipe, Maria Caroline, Luiz Fernando, Fabiana, Luiz Henrique,

Gabriel, Maria Luiza, Emanuelle, Yuri, Ana Julia e Luiz Antônio. Além das minhas tias

Conceição e Cecília, que não entendem porque eu ainda estou estudando, mas, mesmo assim,

me incentivam.

De modo especial, quero agradecer ao meu pai Antônio Vieira, in memoriam, que

não está ao meu lado para ver tantas conquistas que Deus tem realizado na minha vida, mas,

com certeza, está lá de cima olhando tudo e pedindo a Deus que nos proteja e nos ajude nessa

caminhada. Sempre me incentivou muito a estudar e ficou muito orgulhoso quando eu

consegui dois empregos por causa do estudo! Pai, muito obrigada por tudo!

Agora é a vez da minha mãe, um anjo que Deus colocou na minha vida. A pessoa

que mais me ajudou até hoje, em especial nessa reta final da tese, olhando minha princesa e

sempre me dando forças para nunca desistir dos meus sonhos! Mãe, obrigada por tudo! Você

é maravilhosa! Quero ser uma mãe igual a senhora é para mim! Tudo o que tenho e sou hoje,

eu agradeço à senhora.

Não posso esquecer do Mauricio, meu maridão! Sempre me dando forças para

estudar e me ajudando a decidir que caminho seguir. Desde o vestibular até agora no

doutorado, já se foram treze anos juntos, de muito amor e conquistas, graças a Deus! Que

Deus continue nos abençoando e nos protegendo hoje e sempre. Obrigada por tudo, amor!

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Maria Eduarda! Um anjo que Deus me deu para alegrar todos os meus dias. Sempre

com um beijinho e um carinho bem gostoso, inclusive depois de várias noites não dormidas.

Sempre acorda de manhã toda feliz por ver a mamãe! Filha, você é a alegria do meu viver!

Desculpa pela falta de tempo e, principalmente, pela distância e ausência desses dias. Saiba

que te amo muito e sempre vou te amar, minha pequena!

Falando em anjo... Deus me abençoou profundamente quando colocou na minha vida

uma orientadora muito importante, uma pessoa com quem posso contar sempre. Dos 30 anos

que tenho de vida, já estamos juntas há 10! Um terço da minha vida com uma orientadora

maravilhosa, juntando iniciação científica, mestrado e doutorado... Graças a Deus, sou uma

pessoa bem orientada! Vieira orientando Vieira! Saiba que sigo seu exemplo para sempre ser

uma professora boa, competente e amiga como você é. Muito obrigada por tudo e espero que

tenhamos mais oportunidades de trabalharmos juntas, que não seja o fim, mas o começo de

mais e mais trabalhos juntas! E... “Vamos que vamos!”

Quero também agradecer às diretoras do município do Rio, Fatinha Guerreira e Si

Mizael, mais dois anjos que entraram na minha vida. Obrigada pelo carinho e compreensão de

um ano bem complicado para mim. Também aos diretores de Angra dos Reis, Iná e

Emmanuel, que sempre compreenderam minha ausência em vários momentos. Agradeço

também aos colegas de trabalho que sempre estavam me dando forças para seguir: Miguel,

Sandra, Herculano, Kátia, Carla e Cristiane. Além de todos os colegas e amigos da F-310, em

especial minhas amigas Adriana e Giselle, que, mesmo distantes, sempre estão me ajudando

com suas palavras amigas.

De forma muito especial, quero agradecer às professoras que participaram da minha

banca da qualificação, Izete Lehmkuhl Coelho e Silvia Figueiredo Brandão, por terem me

dado várias dicas e orientações para a continuação da tese. Agradeço também à professora

Beatriz Protti Christino e ao professor Gilson Costa Freire, por terem aceitado gentilmente o

convite de participar da minha banca de doutorado, bem como Christina Abreu Gomes e

Marcia dos Santos Machado Vieira, que aceitaram ser suplentes da minha banca.

Enfim, quero agradecer a todos que, direta ou indiretamente, me ajudaram nessa

caminhada e acreditaram em mim, sabendo que, com a graça de Deus, JÁ DEU TUDO

CERTO!!!

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“Pode se alegrar e a Deus louvar

Que já deu tudo certo!”

(Padre Marcelo Rossi)

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SINOPSE

Estudo da ordem dos clíticos pronominais em

estruturas com lexias verbais simples e com

complexos verbais. Análise contrastiva das

normas de uso das variedades europeia,

brasileira e são-tomense no século XXI, a

partir da Sociolinguística Variacionista.

Interpretação do estatuto da ordem em função

de restrições linguísticas e extralinguísticas e

da situação de contato linguístico nos países

colonizados.

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RESUMO

A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS NAS VARIEDADES URBANAS

EUROPEIA, BRASILEIRA E SÃO-TOMENSE: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA

DO PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

Maria de Fatima Vieira

Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de pós-graduação em Letras

Vernáculas, área de concentração Língua Portuguesa, Faculdade de Letras, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título

de Doutora em Língua Portuguesa.

Com o objetivo de investigar a colocação dos clíticos pronominais na modalidade oral

da Língua Portuguesa, a presente tese utiliza dados do Português Europeu (PE), do Português

Brasileiro (PB) e do Português de São Tomé (PST). A pesquisa tem como base (i) a

Sociolinguística Variacionista (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968); (ii) o tratamento

dado aos temas gramaticais, como a colocação pronominal, a noção de complexos verbais, em

estudos anteriores; e (iii) questões relacionadas a situação de contato linguístico. Pretende,

assim, verificar se a regra de colocação pronominal nas três variedades é categórica,

semicategórica ou variável (LABOV, 2003), além de mostrar, com base em análise

comparativa dos dados, as semelhanças e diferenças entre os padrões verificados na língua do

país colonizador (PE) e na dos países colonizados (PB e PST).

Para tanto, foram analisadas as estruturas com um constituinte verbal – lexias verbais

simples – e com mais de um – complexos verbais. O corpus pertence ao banco de dados do

projeto “Estudo comparado dos padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras

e europeias”. Todos os dados são de variedades urbanas do início do século XXI e podem

ocupar, em relação às lexias verbais simples, as posições: proclítica (Não se senta), enclítica

(Senta-se) ou mesoclítica (Sentar-se-á). Nos complexos verbais, os dados poderão aparecer

antes do complexo verbal (Não se pode sentar), no interior, em ênclise a v1 ou em próclise a

v2 (Pode(-)se sentar / Pode-se sempre sentar / Pode sempre se sentar) ou depois (Pode

sentar-se).

Com o auxílio computacional do GOLDVARB-X, determinam-se as variáveis

linguísticas e extralinguísticas importantes, em caso de regra variável. Foi possível, verificar

que, no PB, a regra é semicategórica– variante pré-verbal/próclise a v2. No PE e no PST, há

ênclise categórica em início absoluto de oração. Nos demais contextos, há variação nessas

duas variedades, com preferência pela próclise em contextos com atratores; no PST, essa

preferência ocorre em meio a maior oscilação nos mesmos contextos sintáticos – típica de

uma língua em formação sobretudo em situação de intenso contato linguístico. Mesmo com a

presença de proclisadores clássicos, a próclise não ocorreu de forma categórica no PE nem no

PST e, nesta variedade, ocorreram alguns dados semelhantes aos brasileiros, como a próclise

com sujeitos e conjunções coordenativas. Nos complexos verbais, a colocação pronominal nas

duas variedades é sensível à forma do verbo principal: com gerúndio e particípio, ocorre a

próclise ou a ênclise a v1; com infinitivo, há variação sensível ao tipo de complexo, ao tipo de

clítico e ao elemento antecedente ao complexo.

Palavras-chave: Clíticos pronominais; Ordem; Sociolinguística; Variedades do Português.

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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ABSTRACT

CLITIC PRONOUN ORDER IN URBAN EUROPEAN, BRAZILIAN AND SÃO-TOMÉ

VARIETIES OF PORTUGUESE: A SOCIOLINGUISTIC ANALYSIS OF EARLY 21ST

-

CENTURY PORTUGUESE

Maria de Fatima Vieira

Orientadora: Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de pós-graduação em Letras

Vernáculas, área de concentração Língua Portuguesa, Faculdade de Letras, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título

de Doutora em Língua Portuguesa.

This thesis uses data from European Portuguese (EP), Brazilian Portuguese (BP) and

São Tomé Portuguese (STP) to ascertain the placement of clitic pronouns in oral Portuguese.

The study is grounded in (i) Variationist Sociolinguistics (WEINREICH, LABOV &

HERZOG, 1968); (ii) the treatment given to grammatical topics, such as pronoun placement

and the notion of verbal complexes, in previous studies; and (iii) issues deriving from

situations of linguistic contact. The purpose is thus to determine whether pronoun placement

rules in the three varieties are categorical, semi-categorical or variable (LABOV, 2003) and,

by comparative data analysis, to show whether there are similarities or differences between

the patterns found in the language of the colonising country (EP) and of those colonised (BP

and STP).

To that end, structures with one verbal constituent – single-word verbs – and with

more than one – verbal complexes – were examined. The corpus belongs to the data base of

the project “Estudo comparado dos padrões de concordância em variedades africanas,

brasileiras e europeias” [Comparative study of concordance patterns in African, Brazilian

and European varieties]. All data are from the early 21st century and, in single-word verbs,

can occupy the positions: proclitic (Não se senta), enclitic (Senta-se) or mesoclitic (Sentar-

se-á). In verbal complexes, the data can appear before the verbal complex (Não se pode

sentar), within it, in V1 enclisis or V2 proclisis (Pode(-)se sentar / Pode-se sempre sentar/

Pode sempre se sentar) or after it (Pode sentar-se).

In cases of variable rules, the relevant linguistic and extra-linguistic variables were

determined with the assistance of GOLDVARB-X software. It was found that, in BP, the rule

is semi-categorical: proclisis in single-word verbs and V2 proclisis in verbal complexes. In

EP and STP, enclisis is categorical at the absolute sentence initial position. In other contexts,

there is variation in these two varieties. In EP, preference is for proclisis in contexts with

attractors, while in STP, as is typical of a language in formation, there are oscillations in these

same syntactic contexts. In both varieties, pronoun placement is sensitive to the main verb in

verbal complexes: with the gerund and participle, proclisis or V1 enclisis occurs, while with

the infinitive, placement varies among three positions sensitive to the clitic type and to the

element preceding the complex.

Keywords: Clitic pronouns; Order; Sociolinguistics; Varieties of Portuguese

Rio de Janeiro

February 2016

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................18

2. CLITICIZAÇÃO E A ORDEM DOS CLÍTICOS NO PORTUGUÊS..........................23

2.1. Cliticização e padrões de colocação pronominal...............................................................23

2.2. Revisão da literatura: a ordem dos clíticos pronominais...................................................30

2.2.1. A colocação pronominal segundo compêndios gramaticais....................................30

2.2.2. A colocação pronominal segundo as pesquisas linguísticas....................................36

2.2.2.1. A colocação pronominal no Português: estudos diacrônicos.................37

2.2.2.2. A colocação pronominal no Português: estudos sincrônicos..................47

2.2.2.3. Síntese das principais tendências dos estudos........................................60

3. TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA: PRESSUPOSTOS BÁSICOS...................64

4. FORMAÇÃO HISTÓRICA E LINGUÍSTICA DAS VARIEDADES BRASILEIRA E

SÃO-TOMENSE.....................................................................................................................71

4.1. Conceitos básicos ..............................................................................................................71

4.2. Um pouco da história dos países colonizados....................................................................75

4.2.1. Breve história de colonização no Brasil ...............................................................75

4.2.2. Breve história de colonização em São Tomé ........................................................80

4.2.3. Descrição do Forro e a colocação pronominal......................................................86

4.2.4. Semelhanças na história linguística dos países colonizados (PB e PST)..............93

5. ASPECTOS METODOLÓGICOS....................................................................................96

5.1. Justificativa, problemas e hipóteses...................................................................................96

5.2. Procedimentos para a análise dos dados e descrição do corpus......................................100

5.3. Descrição das variáveis....................................................................................................104

5.3.1. Variável dependente.............................................................................................104

5.3.2. Variáveis independentes......................................................................................105

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5.3.2.1. Variáveis extralinguísticas....................................................................105

5.3.2.2. Variáveis linguísticas............................................................................107

6. ANÁLISE DOS DADOS...................................................................................................120

6.1. Lexias verbais simples.....................................................................................................121

6.1.1. Distribuição geral dos dados pela variável dependente.......................................121

6.1.2. Distribuição dos dados pelas variáveis extralinguísticas.....................................124

6.1.3. Variáveis relevantes para o fenômeno.................................................................126

6.1.3.1. Português do Brasil........................................................................................126

6.1.3.2. Português Europeu.........................................................................................138

6.1.3.3. Português de São Tomé..................................................................................155

6.1.4. Sistematização dos resultados das lexias verbais simples.................................171

6.2. Complexos Verbais..........................................................................................................176

6.2.1. Distribuição geral dos dados pela variável dependente e pela forma do verbo

principal..................................................................................................................................178

6.2.1.1. Português do Brasil........................................................................................178

6.2.1.1. 1. Complexos verbais do PB com o verbo principal no infinitivo.....179

6.2.1.1. 2. Complexos verbais do PB com o verbo principal no gerúndio......184

6.2.1.1. 3. Complexos verbais do PB com o verbo principal no particípio.....186

6.2.1.2. Português Europeu.........................................................................................187

6.2.1.2. 1. Complexos verbais do PE com o verbo principal no infinitivo.....188

6.2.1.2. 2. Complexos verbais do PE com o verbo principal no gerúndio......199

6.2.1.2. 3. Complexos verbais do PE com o verbo principal no particípio.....200

6.2.1.3. Português de São Tomé..................................................................................203

6.2.1.3. 1. Complexos verbais do PST com o verbo principal no infinitivo...203

6.2.1.3. 2. Complexos verbais do PST com o verbo principal no gerúndio...209

6.2.1.3. 3. Complexos verbais do PST com o verbo principal no particípio...210

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6.2.2. Sistematização dos resultados dos complexos verbais........................................211

6.2.2.1. Os resultados dos complexos com infinitivo.....................................213

6.2.2.2. Os resultados dos complexos com gerúndio.....................................215

6.2.2.3. Os resultados dos complexos com particípio....................................216

6.3. O estatuto da ordem dos clíticos nas três variedades da Língua Portuguesa: para a

definição dos parâmetros de colocação...................................................................................217

7. CONCLUSÃO ..................................................................................................................225

8. BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................232

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LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E QUADROS

TABELAS:

1. Distribuição das variantes relativas à ordem dos clíticos em lexias verbais simples no

“corpus” oral das três variedades do Português segundo Vieira (2002)......................49

2. Índices de frequência da próclise por “presença de operador de próclise na oração” e

variedade do Português nas lexias verbais simples do “corpus” oral segundo Vieira

(2002)...........................................................................................................................50

3. Distribuição das variantes pré-CV, pós-CV e intra-CV no “corpus” oral das três

variedades do Português segundo Vieira (2002)..........................................................52

4. Dados sobre as línguas faladas – censos de 1991 e de 2001– da população com mais de

5 anos segundo Hagemeijer (2009)..............................................................................82

5. Dados sobre as línguas faladas – censos de 1991, de 2001 e de 2012 segundo censo de

2012..............................................................................................................................82

6. Perfil dos informantes do PE e PB segundo o Projeto Concordância...........................102

7. Distribuição do número total de dados encontrados nas lexias verbais simples e nos

complexos verbais no PB, PE e PST..........................................................................120

8. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais pelas variáveis extralinguísticas

nas lexias verbais simples no PB, PE e PST..............................................................124

9. Distribuição dos dados da variante proclítica nas lexias verbais simples pelas três faixas

etárias do PB..............................................................................................................132

10. Distribuição dos dados da variante enclítica nas lexias verbais simples do PB pelo tipo

de clítico.....................................................................................................................133

11. Distribuição dos dados da variante proclítica nas lexias verbais simples do PB por tipo

de clítico.....................................................................................................................134

12. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o elemento antecedente

nas lexias verbais simples do PB................................................................................136

13. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o elemento antecedente

nas lexias verbais simples do PE................................................................................138

14. Distribuição dos dados de próclise e ênclise de acordo com o cruzamento entre

Localidade dos informantes e Elementos antecedentes nas lexias verbais simples do

PE...............................................................................................................................149

15. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o tempo/modo verbal nas

lexias verbais simples do PE......................................................................................151

16. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a distância entre o clítico

e um elemento antecedente nas lexias verbais simples do PE...................................153

17. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o sexo dos informantes

nas lexias verbais simples do PST..............................................................................155

18. Distribuição dos dados de próclise e ênclise de acordo com o cruzamento entre Sexo

dos informantes e Elementos antecedentes nas lexias verbais simples do PST.........156

19. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a presença e natureza do

elemento antecedente nas lexias verbais simples do PST..........................................158

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20. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o tempo/modo verbal nas

lexias verbais simples do PST....................................................................................165

21. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a distância entre o clítico

e um elemento antecedente nas lexias verbais simples do PST.................................166

22. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a tonicidade das formas

verbais nas lexias verbais simples do PST.................................................................168

23. Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a frequência de uso de um

crioulo nas lexias verbais simples do PST.................................................................170

24. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB,

PE e PST.....................................................................................................................176

25. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a

forma do verbo principal no PB.................................................................................178

26. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a

forma do verbo principal no PE.................................................................................187

27. Elementos integrantes e intervenientes aos complexos verbais no PB e PE e a ordem

dos clíticos em complexos verbais.............................................................................191

28. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo

o elemento antecedente com a forma do verbo principal no infinitivo no PE...........197

29. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a

forma do verbo principal no PST...............................................................................203

GRÁFICOS:

1. Aplicação da próclise (peso relativo) segundo o elemento antecedente ao clítico

segundo Vieira (2011)................................................................................................58

2. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nas lexias verbais simples no PB,

PE e PST...................................................................................................................122

3. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nas lexias verbais simples no

PB..............................................................................................................................127

4. Aplicação da próclise nas lexias verbais simples do PB de acordo como a faixa

etária..........................................................................................................................132

5. Aplicação da próclise nas lexias verbais simples do PB de acordo com o tipo de

clítico........................................................................................................................135

6. Aplicação da próclise de acordo com o elemento antecedente nas lexias verbais

simples do PB...........................................................................................................136

7. Aplicação da próclise de acordo com o elemento antecedente nas lexias verbais

simples do PE............................................................................................................139

8. Aplicação da próclise de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias verbais simples

do PE.........................................................................................................................151

9. Aplicação da próclise de acordo com a distância entre o clítico e um elemento

antecedente nas lexias verbais simples do PE..........................................................154

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10. Aplicação da próclise de acordo com o sexo dos informantes nas lexias verbais

simples do PST.........................................................................................................155

11. Distribuição dos clíticos pronominais encontrados na variante proclítica de acordo

com a presença e natureza do elemento antecedente nas lexias verbais simples do

PST............................................................................................................................159

12. Aplicação da próclise de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias verbais simples

do PST.......................................................................................................................165

13. Aplicação da próclise de acordo com a distância entre o clítico e um elemento

antecedente nas lexias verbais simples do PST........................................................167

14. Aplicação da próclise de acordo com a tonicidade das formas verbais nas lexias

verbais simples do PST.............................................................................................168

15. Aplicação da próclise de acordo com a frequência de uso de um crioulo nas lexias

verbais simples do PST.............................................................................................170

16. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB,

PE e PST...................................................................................................................176

17. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB:

variável ternária........................................................................................................181

18. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do

PE..............................................................................................................................193

19. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do

PST............................................................................................................................205

20. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB,

PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)..............................................................212

21. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no

infinitivo do PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)...................................213

22. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no

gerúndio do PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)...................................215

23. Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no

particípio do PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)..................................216

QUADRO:

1. Perfil dos informantes do PE e do PB segundo o Projeto Concordância.................102

2. Sistematização da ordem dos clíticos pronominais em lexias verbais simples nas três

variedades.................................................................................................................171

FIGURAS:

1. Mapa do Brasil...............................................................................................................79

2. Mapa de São Tomé e Príncipe.......................................................................................86

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18

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como objetivo investigar a colocação dos clíticos

pronominais na modalidade oral do Português Europeu (PE), do Português do Brasil (PB) e

do Português de São Tomé (PST), doravante PE (Português da Europa – Lisboa/Oeiras,

Cacém e Funchal), PB (Português do Brasil – Copacabana e Nova Iguaçu) e PST (Português

de São Tomé ). Pretende-se verificar se a regra de colocação dos pronomes oblíquos átonos

nas três variedades admite comportamento de uma regra categórica, semicategórica ou

variável (LABOV, 2003). Com base na análise comparativa dos dados, será possível verificar

semelhanças ou divergências do fenômeno nessas três variedades da língua portuguesa e

mostrar se o tipo de cliticização dos pronomes no país colonizador (PE) se manteve ou foi

alterado nos países colonizados (PB e PST). Por hipótese, haveria motivação sintática – como

o favorecimento da variante pré-verbal na presença de elementos proclisadores – para a

ordem dos clíticos no PE (país colonizador), mas no PB e no PST (países colonizados), se

houver variação, essa motivação não seria sistemática, sobretudo por razões relacionadas ao

fato de se tratar de ambientes de intenso contato linguístico. Dessa forma, acredita-se que

haverá particularidades ou parâmetros diferenciados por variedade, havendo, assim, três

possíveis normas de colocação na Língua Portuguesa.

Para o desenvolvimento do tema, investiga-se a ordem dos clíticos, considerando-se

lexias verbais simples – estruturas com apenas um constituinte verbal – e complexos verbais1

– estruturas com mais de um constituinte verbal – produzidos no início do século XXI, com

base no banco de dados construído recentemente pelo Projeto “Estudo comparado dos padrões

de concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias do Português” (cf.

www.concordancia.letras.ufrj.br).

Em relação às lexias verbais simples, os dados analisados poderão estar em próclise

(Não se senta melhor aqui 2 ), ênclise (Senta-se melhor aqui) ou mesóclise (Sentar-se-á

1 Nesta pesquisa, serão consideradas todas as estruturas em que há mais de uma forma verbal desde que haja

certo grau de integração sintático-semântica e que seja possível a alternância do clítico pronominal, sendo

mantido o mesmo conteúdo básico em questão. Sendo assim, são considerados não só os complexos verbais

formados por auxiliares de uso mais frequente, como ter, haver, ser e estar (CUNHA & CINTRA, 2007), mas

também os chamados semiauxiliares e outros que atendem a poucos requisitos de auxiliaridade (MACHADO

VIEIRA, 2004). Mais detalhes serão apresentados na descrição da variável tipo de complexo verbal. 2 Os exemplos apresentados na introdução foram criados com os mesmos verbos para que o leitor pudesse

visualizar a variação da ordem e compreender cada uma das colocações possíveis, facilitando, assim, a

comparabilidade das posições dos clíticos. No decorrer do trabalho, haverá diversos exemplos dos dados

estudados na presente pesquisa.

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melhor aqui). No que tange aos complexos verbais3, os dados poderão estar nas seguintes

posições: cl v1 v2 ou pré-complexo verbal (Não se pode sentar melhor aqui); no interior do

complexo verbal (Pode(-)se sentar melhor aqui), que pode configurar uma variante do tipo

v1-cl v2 / ênclise a v1 (Pode-se sempre sentar melhor aqui) ou um caso do tipo v1 cl-v2 /

próclise a v2 (Pode sempre se sentar melhor aqui); e pós-complexo verbal ou v1 v2-cl (Pode

sentar-se melhor aqui).

A pesquisa tem como base (i) a Teoria da Variação e Mudança, de orientação

laboviana (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1994, 2003), para o

tratamento da variabilidade no tema em questão; (ii) os pressupostos para o tratamento da

cliticização e dos temas gramaticais: parâmetros de cliticização segundo Klavans (1985),

abordagem tradicional (ROCHA LIMA, 2001; CUNHA & CINTRA, 2007) e linguística

(PERINI, 2007; CASTILHO, 2010; MATEUS et alii, 2003; RAPOSO et alii, 2013) para a

colocação pronominal e a noção de complexo verbal, além da consulta de diversos estudos

científicos anteriores; (iii) as bases para a interpretação das variedades: país colonizador (PE)

e países colonizados (PB e PST), a história de implantação da Língua Portuguesa nos países

colonizados, o contato linguístico e o multilinguismo (HAGEMEIJER, 2009; LUCCHESI,

2004; LUCCHESI et alii, 2009).

Dessa forma, pretende-se, com a presente pesquisa, verificar os elementos

motivadores da ordem dos clíticos pronominais nas três variedades do Português,

reconhecendo suas convergências e divergências, e debater a gênese e as possíveis

explicações para a divergência de comportamento entre as variedades, quando for o caso.

Além disso, será possível fornecer dados sobre as três variedades linguísticas, principalmente

sobre as duas menos exploradas (PE e PST) em termos sociolinguísticos, e expandir

conhecimentos acerca da norma de colocação dos clíticos pronominais, referentes a um e a

mais de um constituinte verbal, na modalidade oral do PE, PB e PST, demonstrando a opção

preferencial em cada caso.

Para tanto, com o auxílio do Programa Goldvarb-X, será possível (i) descrever, em

dados orais contemporâneos, a variante mais produtiva no PE, PB e PST (próclise, ênclise ou

mesóclise; cl-v1 v2, v1(-)cl v2 ou v1 v2-cl), em diversos ambientes em que o clítico se

encontra, para que se possa verificar quais seriam as opções preferenciais quanto à colocação

dos clíticos pronominais nas três variedades em questão; (ii) averiguar o estatuto da colocação

3 Destaca-se que serão coletados todos os complexos com infinitivo, gerúndio e particípio, mas cada uma dessas

estruturas será tratada separadamente.

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em cada variedade nas lexias verbais simples e nos complexos verbais, verificando, consoante

Labov (2003), se se trata realmente de uma regra variável, semicategórica ou categórica; (iii)

em caso de regra variável, identificar as variáveis linguísticas e extralinguísticas que atuam no

comportamento do fenômeno, apontando os elementos que funcionam, de fato, como

favorecedores da próclise e observando se tais elementos atuam igualmente nos contextos de

complexos verbais; (iv) comparar os padrões de colocação pronominal na fala dos indivíduos

pertencentes ao país colonizador (PE) e na fala dos informantes dos países colonizados, além

de verificar se na fala dos informantes dos dois países colonizados há semelhanças ou

diferenças, para propor um debate acerca da origem das diferenças ou semelhanças detectadas

e, caso haja diferenças, analisar se elas são quantitativa e qualitativamente suficientes para

que se postule a concretização de parâmetros diferenciados por variedade; e (v) com base nos

resultados obtidos para o PST, discutir questões atinentes a situações de contato linguístico e

a uma possível influência quanto aos parâmetros de cliticização pronominal.

Para tanto, pretende-se apresentar os elementos linguísticos e extralinguísticos que,

efetivamente, determinam a ordem de colocação dos clíticos pronominais no Português

Europeu e no Português de São Tomé no âmbito das lexias verbais simples e dos complexos

verbais, em que se verificaria, por hipótese, uma regra variável, em contraste com a análise do

fenômeno no PB. Com o estudo comparativo das variedades, será possível estabelecer as

características da gramática do Português utilizado em dados contemporâneos.

Sabe-se que apenas os trabalhos de Vieira (2002), Gonçalves (2009), Vieira, M. F.

(2011) e Corrêa (2012), até onde vai nosso conhecimento, contemplam dados da Língua

Portuguesa falada, que, segundo a orientação laboviana, seriam os mais indicados para o

estudo efetivo da língua. Além de Vieira (2002), ainda não há descrição/análise

sociolinguística contrastiva de dados da língua falada em lexias verbais simples e complexos

verbais em variedades do Português. Este trabalho investiga dados do século XXI valendo-se

de amostras com os mesmos perfis de informantes, para verificar a implementação de

determinadas estruturas, se motivada por fatores internos ou externos à língua, bem como a

possível influência da situação de intenso contato linguístico.

Dessa forma, a investigação variacionista ora proposta pretende contribuir para a

expansão dos conhecimentos acerca da ordem dos clíticos pronominais na modalidade oral

das variedades brasileira e europeia. Além disso, de forma original, o presente trabalho irá

contribuir para o conhecimento da variedade de são-tomense e da localidade de Funchal, nas

quais o tema ainda não foi descrito e estudado em termos sociolinguísticos. Dessa forma, a

parca exploração do tema nas duas localidades, especialmente considerando a língua falada,

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confere, por si só, a necessária originalidade e justificativa da pesquisa. Ademais, a pesquisa

almeja alcançar a desejável relevância em termos explicativos, ao conjugar a descrição dos

dados às reflexões concernentes ao estatuto variável ou semicategórico de cada variedade e à

interpretação da formação da Língua Portuguesa nos dois países colonizados, considerando

sobretudo a situação de contato linguístico. Assim, propõe-se a análise contrastiva das três

variedades em conjunto e, especialmente com a análise dos dados do PST, propicia-se um

conhecimento mais amplo de uma variedade africana de Língua Portuguesa: o Português de

São Tomé.

A presente tese, em termos de estruturação do texto, subdivide-se em oito capítulos,

incluindo este primeiro de introdução. O segundo capítulo mostra que o presente trabalho se

baseia em pressupostos relativos ao tema da cliticização pronominal, dos padrões de

colocação e em ampla revisão bibliográfica. Assim, há a descrição do tema abordado em

compêndios gramaticais diversos, passando por diversos estudos sobre a ordem dos pronomes

na diacronia e na sincronia, havendo, no final desse capítulo, uma síntese com os principais

resultados sobre as lexias verbais simples e os complexos verbais.

O capítulo terceiro apresenta os pressupostos básicos da Teoria da Variação e

Mudança, a Sociolinguística Laboviana, que embasam a presente pesquisa em termos de

fundamentação teórico-metodológica.

Logo após, no quarto capítulo, são apresentados os pressupostos relacionados à

influência de ambientes de intenso contato linguístico, como é o caso de São Tomé

atualmente. Há um breve panorama da formação linguística dos dois países colonizados (PB e

PST), mostrando algumas semelhanças socio-históricas a eles relacionadas. Além disso, nesse

capítulo também há a descrição da colocação pronominal do crioulo mais utilizado em São

Tomé, o Forro, com base em Ferraz (1979) e Hagemeijer (2007).

No quinto capítulo, toda a metodologia utilizada na elaboração da presente tese é

descrita, desde a justificativa, problemas e hipóteses até os procedimentos de análise dos

dados, que contemplam a coleta das ocorrências, passando pela codificação das variáveis

linguísticas e extralinguísticas, até chegar às decisões de codificação e recodificação dos

dados. Além disso, no âmbito da descrição das variáveis, apresenta-se a definição do que se

concebe como um complexo verbal e os tipos de complexos que serão analisados.

No capítulo sexto, é apresentada toda a análise das lexias verbais simples e dos

complexos verbais, com a separação por variedade da Língua Portuguesa e, nos complexos

verbais, por forma do verbo principal também, fazendo, sempre que possível, o debate sobre

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as semelhanças e diferenças na colocação dos clíticos pronominais nas três variedades. No

final de cada análise – lexias verbais simples e complexos verbais –, há uma breve

sistematização dos principais resultados encontrados e, logo após, a interpretação do perfil de

cada variedade, mostrando o estatuto da ordem dos pronomes no PB, PE e PST com o

objetivo de definir os parâmetros de colocação.

A conclusão do trabalho encontra-se no sétimo capítulo, em que há a retomada das

hipóteses mostradas na metodologia e as contribuições que foram possíveis com a elaboração

da presente pesquisa e, por último, no capítulo oitavo, referente à bibliografia, estão todas as

fontes consultadas para que esta pesquisa se concretizasse.

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2. CLITICIZAÇÃO E A ORDEM DOS CLÍTICOS NO PORTUGUÊS

Diversos estudos variacionistas sobre a colocação pronominal, em especial no

Português do Brasil, já foram desenvolvidos. Entretanto, em relação ao Português Europeu e

ao Português de São Tomé, especialmente na modalidade oral, praticamente não se dispõe de

pesquisas sobre o tema com base no arcabouço teórico-metodológico sociolinguístico. Esta

seção busca apresentar um panorama dos trabalhos variacionistas já desenvolvidos sobre o

tema nas referidas variedades, as quais constituem objeto da presente investigação. Assim,

não haverá um levantamento e uma descrição exaustiva dos trabalhos, mas uma visão geral

dos resultados que serviram de fundamentação para a presente pesquisa. Antes, porém, haverá

a definição do que seria um clítico e os padrões de colocação pronominal da Língua

Portuguesa.

2.1. Cliticização e padrões de colocação pronominal

O clítico corresponde a toda partícula átona que se liga a um vocábulo tônico. Os

clíticos podem aparecer antes ou depois desse vocábulo. Como a presente tese trata da

cliticização pronominal, a seguir serão mostradas algumas definições de clítico que serviram

de base ao tratamento dos dados e à interpretação dos resultados.

Segundo Houaiss (2001, p. 741), clítico seria todo “vocábulo átono que, num

enunciado, se integra fonologicamente à palavra anterior ou posterior, formando uma sílaba

da mesma (pronomes oblíquos, preposições, conjunções, artigos etc.)”.

O vocábulo clítico, de acordo com o Dicionário Aurélio (1986, p. 418), seria de

origem grega, e designaria “qualquer monossílabo átono subordinado, por meio de elemento

prosódico, ao vocábulo que o precede, ou que o segue, ou no qual se acha inserido”. Para

David Crystal (1997, p. 49-50), como propõe em seu Dicionário de Linguística, um clítico

seria parecido com uma palavra, mas não poderia ser colocado sozinho em uma frase, pois ele

seria “estruturalmente dependente da palavra vizinha na construção. (O termo clítico vem do

grego “inclinado”) (...)”.

De acordo com as definições anteriores, fica clara a dependência dos clíticos em

relação às palavras próximas, mostrando sua necessidade de “inclinar-se” a outro termo.

Constata-se, assim, que, além dos pronomes átonos, a categoria abrange outros termos como

as preposições, os artigos, as conjunções, entre outros.

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Na mais recente gramática do Português Europeu (RAPOSO et alii, 2013), também

se verifica a definição do que seria um clítico. No capítulo sobre o tema, escrito por Ana

Maria Martins (2013, p. 2231), a autora destaca que:

(...) os itens lexicais se organizam numa tipologia morfológica contendo três

categorias: palavra, afixo e clítico (o último, designado tradicionalmente por

“palavra átona”). Um clítico foi definido como um item lexical sem acento

prosódico atribuído no léxico (tal como os afixos e contrariamente às palavras; cf.

Caps. 11 e 14), mas com uma certa liberdade posicional (tal como as palavras, mas

contrariamente aos afixos).

A ausência de acento de palavra faz com que o clítico dependa necessariamente de

uma palavra adjacente acentuada. A esta palavra à qual o clítico se liga chama-se

palavra hospedeira ou, simplesmente, hospedeiro do clítico. Ao processo de

ligação do clítico ao seu hospedeiro, chama-se cliticização. Embora prosodicamente

dependente (de uma palavra acentuada), o clítico goza de autonomia no plano

morfológico (por oposição aos afixos, presos a uma base).

A autora – assim como faz detalhadamente Vieira (2002) – compara os clíticos com

as palavras e os afixos, mostrando que os clíticos possuem uma mobilidade posicional, como

as palavras, mas não possuem acento prosódico, como os afixos. Por isso, eles sempre

dependem de um hospedeiro para se ligar prosodicamente, havendo, assim, a cliticização.

No que tange ao tema da colocação dos pronomes oblíquos átonos, verifica-se que os

clíticos pronominais possuem como palavras hospedeiras, em termos sintáticos, os verbos.

Dessa forma, os clíticos, dependendo de sua colocação em relação à forma verbal, nas lexias

verbais simples, podem aparecer:

Proclíticos: Não se vive bem aqui.

Enclíticos: Vive-se bem aqui.

Mesoclíticos: Viver-se-á bem aqui.

Já nos complexos verbais, há mais possibilidades de ligação, pois há mais de uma

forma verbal para que os clíticos pronominais se conectem. Abaixo, podem-se observar

posições superficiais do clítico em termos de adjacência aos elementos circunvizinhos:

Pré-cv: Não se pode viver bem aqui.

V1-cl x v2: Pode-se agora viver bem aqui.

V1 (-) cl v2: Pode (-)4 se viver bem aqui.

V1 x cl v2: Pode agora se viver bem aqui.

4 O hífen, nessa variante, está entre parênteses porque o clítico, dependendo da variedade do Português, pode se

ligar ao verbo auxiliar (como no PE) ou ao verbo principal (como no PB). Vale ressaltar que os exemplos foram

retirados exatamente de como estavam nas transcrições feitas; por isso, ora os hífens estão presentes em alguns

dados e ora não estão.

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Pós-cv: Pode viver-se bem aqui.

Em relação à ligação fonológica do clítico pronominal com seu hospedeiro, a

presente pesquisa também se baseou nos parâmetros defendidos por Klavans (1985), para que

se possam sistematizar os parâmetros que efetivamente definem a ordem dos pronomes

átonos. Baseando-se nas realizações dos parâmetros de cliticização, a autora pretende mostrar

as opções preferenciais das línguas do mundo, categorizando-as segundo a produção de certas

estruturas gramaticais.

Embora não constitua interesse específico do presente estudo o debate acerca da

noção de parâmetro, o tema constitui aspecto relevante para a investigação, o que pode ser

verificado no artigo de Kato (2002). A autora, no referido trabalho, demonstra que, na teoria

de Princípios e Parâmetros, no início, o conceito de "parâmetro" procurava definir a língua

“através do conjunto de propriedades correlatas, mas, com a guinada conceitual de atribuir a

variação linguística a propriedades das categorias funcionais, parâmetros passam a ser

definidos cada vez mais como construções específicas e não como "macro-parâmetros".”

(KATO, 2002, p. 330).

Dessa forma, a autora mostra que

Os estudos sobre Parâmetros que partiram de fenômenos empíricos de variação têm

sua trajetória marcada pela preocupação de procurar correlações entre propriedades.

Poderíamos dizer que tais estudos buscam não Parâmetros associados a Princípios,

mas "princípios" associados a Parâmetros. Assim, uma propriedade singular de uma

língua não constitui um Parâmetro, mas sim a manifestação substantiva de alguma

propriedade formal abstrata da qual decorrem outras propriedades substantivas na

língua. Esses "princípios" são similares aos universais de variação perseguidos

desde Greenberg. (KATO, 2002, p. 325)

Em relação ao “Parâmetro pro-drop”, a autora utiliza como exemplo as línguas de

sujeito nulo. Ressalta, dentre outros exemplos, o fato de o PB ser considerado como uma

língua pro-drop parcial, ou seja, aceita sujeitos nulos na terceira pessoa, mas não na primeira

e na segunda pessoas. Assim, considerando a variação presente nas línguas de sujeito nulo, a

autora afirma que o Parâmetro pro-drop não é algo uniforme, havendo, por isso, possíveis

subparametrizações.

Klavans (1985) propõe 8 possibilidades para enquadrar as opções de determinada

língua em relação aos 3 parâmetros de cliticização propostos. De um lado, verifica-se a

preocupação com a tipologia linguística; de outro, atesta-se o propósito em descrever as

línguas em relação a uma construção específica. É nesse sentido que o presente trabalho

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aborda o tema da colocação pronominal nas variedades do Português. Vale-se de uma

construção específica para observar o comportamento das variedades em estudo.

Após estudar os clíticos em várias línguas, Klavans verificou que eles possuem

características que se aproximariam às vezes de palavras, às vezes de afixos, como já se

evidenciou nesta seção. Por isso, os clíticos parecem ser palavras independentes, no plano da

sintaxe e, ao mesmo tempo, parecem ser partes de palavras, no plano morfológico e/ou

fonológico. Dessa forma, a autora mostrou que existe uma independência entre a sintaxe e a

fonologia, ou seja, o hospedeiro sintático do clítico não precisaria ser, obrigatoriamente, seu

hospedeiro fonológico. Em relação aos clíticos pronominais, eles podem estar sintaticamente

ligado a um hospedeiro verbal e fonologicamente ligado a outro.

Com base nessas dependências fonológicas e sintáticas do clítico em relação a seu

hospedeiro, Klavans propõe três parâmetros para analisar a cliticização, sendo o primeiro e o

segundo de natureza sintática, enquanto o terceiro seria de natureza fonológica (KLAVANS,

1985, p. 97-98)5:

O P1 ou parâmetro da dominância (inicial / final). Verifica o hospedeiro

sintático do clítico, mostrando se o clítico se ligará ao constituinte inicial ou

final de um sintagma específico. Com os clíticos pronominais do Português, a

palavra hospedeira sempre será o verbo.

O P2 ou parâmetro da precedência (antes / depois). Determina as colocações

em que o clítico pode aparecer em relação a seu hospedeiro sintático que foi

selecionado pelo P1, podendo aparecer antes ou depois dele. Esse parâmetro

será o utilizado para verificar a colocação pronominal, se antes ou depois do

verbo / complexo verbal.

O P3 ou parâmetro da ligação fonológica (proclítico / enclítico). Mostra se o

clítico se ligará fonologicamente à palavra da direita (proclítico) ou da

esquerda (enclítico). Essa palavra será o hospedeiro fonológico do clítico que

não precisa ser, necessariamente, o hospedeiro sintático. Com os pronomes

5 Parameter 1 (also referred to as P1) expresses the possibility that a clític attaches to the initial or final

constituent dominated by a specified phrase.

(…) The second parameter, P2, encodes the other part of configurational information, i.e. PRECEDENCE: it

specifies whether a clitic occurs BEFORE or AFTER the host chosen by P1.

(…) The third parameter (P3) gives the direction of phonological attachment; it is a property of the clitic itself.

(KLAVANS, 1985, p. 97-98)

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clíticos, a ligação sintática pode ser a uma palavra, mas o clítico pode ligar-se

fonologicamente a outra palavra.

Constata-se, assim, que o primeiro parâmetro se refere à forma verbal, pois a palavra

hospedeira do clítico pronominal na Língua Portuguesa é o verbo.

Em relação ao terceiro parâmetro, não se pretende fazer, na presente pesquisa, uma

análise de natureza fonético-fonológica, mesmo sabendo que os dados são oriundos da

oralidade, porque o estudo desse parâmetro requer a realização de uma pesquisa específica

com corpus especialmente preparado para a análise prosódica, como mostram os trabalhos de

Vieira (2002) e Corrêa (2012), o que foge ao escopo do trabalho.

A presente investigação, portanto, vale-se, especificamente, do segundo parâmetro,

que se refere à posição dos pronomes oblíquos átonos: se ele aparece antes ou depois de seu

hospedeiro verbal. Assim, pretende-se verificar, em relação às lexias verbais simples, se o

pronome oblíquo átono aparece proclítico (cl v) ou enclítico (v-cl); e, em relação aos

complexos verbais, na posição pré-cv (cl v1 v2), intra-cv (v1(-) cl v2, ligado à primeira forma

verbal, como em v1-cl (X) v2 ou à segunda forma verbal, como em v1 (X) cl v2), ou pós-cv

(v1 v2-cl) na modalidade oral das variedades europeia, brasileira e são-tomense do Português.

Ao descrever a variante mais produtiva e os contextos em que a variação efetivamente ocorre,

o estudo pode delinear as opções gramaticais que configuram o perfil de cada variedade em

termos preferenciais, “paramétricos”, por assim dizer. De um lado, tais resultados poderão

confirmar e/ou ampliar o conhecimento que se tem das tendências que serão sistematizadas

posteriormente (cf. Capítulo 2.2.2.2) nos poucos estudos com dados da fala, sobretudo

brasileira e europeia, e, de outro, prover descrição e interpretação da ordem dos clíticos

pronominais no Português de São Tomé, considerando os diversos contextos sintáticos (e não

apenas os controlados por GONÇALVES, 2009).

Embora não se tenha por objetivo específico a investigação de natureza fonético-

fonológica, proposta no terceiro parâmetro, é importante sistematizar, aqui, as poucas

evidências empíricas que se tem para o postulado de que PB e PE adotam diferentes opções

paramétricas nesse caso. Como o trabalho de Corrêa (2012) trata alguns dados do PB que

também serão verificados neste trabalho, cabe sintetizar, aqui, os principais resultados da

análise fonética-fonológica da referida pesquisa. A autora verificou as características

prosódicas dos pronomes oblíquos átonos e a direção da ligação do clítico com o hospedeiro

fonológico, ou seja, se há próclise – ligação para a direita – ou ênclise fonológica – ligação

para a esquerda.

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Corrêa (2012), em sua dissertação de mestrado, verificou a análise variacionista dos

clíticos pronominais (cf. Capítulo 2.2.2.2) e também fez um estudo fonético-fonológico para

verificar a cliticização fonológica. Para tanto, baseou-se na Fonética Acústica e Fonologia

Experimental de modo a investigar quais seriam as ligações fonológicas possíveis.

A autora fez experimentos acústicos para verificar quais seriam as características

prosódicas dos clíticos pronominais e analisar a direção da ligação com sua palavra

hospedeira, se seria em próclise fonológica (pode me-dar), para a direita, ou ênclise

fonológica (pode-me dar), para a esquerda.

Para a análise fonético-fonológica, Corrêa utilizou enunciados lidos e gravados em

laboratórios. Dessa forma, as frases obtidas permitiram a realização de três experimentos: (i)

comparar as sílabas clíticas (me, te e se) com as sílabas vocabulares, (ii) verificar a ligação

fonológica dos pronomes se reflexivo/inerente e se indeterminador/apassivador presentes

entre dois verbos, e (iii) perceber a ligação fonológica dos clíticos pronominais.

Assim, com essa análise, a autora verificou que os pronomes me, te e se

(reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador), nas lexias verbais simples, se aproximam

das sílabas átonas vocabulares/lexicais. Quando esses pronomes estavam antepostos, sua

vogal aproximava-se da pretônica alta derivada ou da pretônica alta subjacente. Quando

estavam pospostos, assemelhavam-se, geralmente, à vogal postônica.

Nos contextos com complexos verbais, a autora verificou a duração, intensidade

média, F1 e F2 da vogal dos pronomes átonos. Em relação à duração, Corrêa (2012) verificou

que:

observando a duração por si só, isolada do parâmetro intensidade, não se

conseguiu distinguir, com segurança, vogal pretônica de postônica, nem

vogal de pronome anteposto de posposto, comprometendo qualquer

paralelismo entre esses fragmentos. Dessa forma, o controle da duração

permitiu opor termos com segmentos vocálicos nitidamente distintos (vogal

média e vogal alta); não se conseguiu, entretanto, atestar diferenças

estatisticamente significativas e sistemáticas entre vogais a priori com

diferentes graus acentuais. (CORRÊA, 2012, p. 174)

No que diz respeito à intensidade, a autora também não verificou diferenças

significantes quando o pronome mudava de posição. Somente a intensidade da vogal do

clítico “te” sofreu algum tipo de alteração. Segundo a autora, os outros clíticos “parecem se

comportar de forma constante; mesmo quando a intensidade da vogal muda, não é algo

regular.” (CORRÊA, 2012, p. 188).

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29

A autora ressalta que, embora a duração e a intensidade, vistas separadamente, não

tenham mostrado resultados significativos para o fenômeno em estudo, esses parâmetros,

quando atuam de forma conjunta, podem ser responsáveis pelas diferenças perceptuais.

No que se refere à frequência fundamental, Corrêa verificou, quanto ao primeiro

formante, que há diferenças entre a vogal média e a alta. Além disso, ressaltou que “o se

indeterminador/apassivador foi o único a ter alterado realmente o formante a depender da sua

posição sintática e, provavelmente, em função do tipo de ligação fonológica” (CORRÊA,

2012, p. 200).

Em relação ao segundo formante, a análise não se mostrou variável nos contrastes

das sílabas com o pronome “me”. No entanto, quando contrastadas com os pronomes “te” e

“se” (indeterminador/apassivador e reflexivo/inerente), verificaram-se diferenças entre as

vogais médias e altas.

Dessa forma, no experimento 1, que verifica os parâmetros acústicos da vogal dos

pronomes (me, te e se) de uma sílaba átona vocabular, a autora constatou que a análise de

forma isolada dos parâmetros não se mostrou esclarecedora, mas que, mesmo que

indiretamente, há um certo paralelismo entre o pronome e a sílaba átona.

No experimento 2, que analisa a ligação fonológica das vogais do pronome se

(reflexivo/inerente e indeterminador/apassivador), esses clíticos pronominais foram

confrontados entre si e em relação a uma vogal pretônica vocabular correspondente.

Verificou-se que a intensidade e F1 foram relevantes, ou seja, esses dois parâmetros definiram

se o pronome seria enclítico ao verbo auxiliar ou ao verbo principal. Sendo assim, apresentam

comportamento semelhante do ponto de vista prosódico, as estruturas do tipo: pode se dirigir

(reflexivo) e pode se dirigir (indeterminador). Nem sempre, entretanto, o pronome

reflexivo/inerente possui comportamento proclítico ou o indeterminador/apassivador

apresenta somente comportamento enclítico. Essas são as ligações mais usuais, mas há

diversos fatores que podem impedir essa realização, fazendo com que o clítico se

fonologicamente se ligue tanto ao verbo auxiliar como ao verbo principal, havendo, assim, ora

uma ligação proclítica, ora uma ligação enclítica.

Por último, no experimento 3, foi feito um teste de percepção com ressíntese de fala,

e verificou-se que, na posição intra-cv, o pronome “se” indeterminador/apassivador se ligaria

fonologicamente ao verbo auxiliar, havendo uma ênclise fonológica, enquanto o “se”

reflexivo/inerente se ligaria ao verbo principal, formando uma próclise fonológica.

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30

Depois das principais definições e considerações sobre a natureza dos clíticos e os

parâmetros de cliticização em questão, verificam-se, a seguir, o que dizem os diversos

compêndios gramaticais estudados, assim como os vários trabalhos que tratam o tema, tanto

na diacronia quanto na sincronia da Língua Portuguesa.

2.2. Revisão da literatura: a ordem dos clíticos pronominais

Nesta seção, apresenta-se uma breve descrição do que algumas gramáticas falam

sobre o tema em estudo, com uma visão mais tradicional e mais descritiva (2.2.1.), além da

síntese dos resultados de trabalhos acadêmicos sobre o tema estudado (2.2.2.) divididos em

trabalhos diacrônicos (2.2.2.1.) e trabalhos sincrônicos (2.2.2.2.).

2.2.1. A colocação pronominal segundo compêndios gramaticais

A gramática de Cunha e Cintra (2007), feita em parceria por filólogo brasileiro e

português, foi escolhida como melhor representante do pensamento tradicional que, em certa

medida, visa a unificar o modelo de norma padrão para Brasil e Portugal, embora, ao final,

particularize o Português do Brasil. Complementarmente, apresenta-se a gramática de Rocha

Lima, que também segue essa tendência. Não se localizaram, até o momento, gramáticas

tradicionais para o Português de São Tomé, o qual toma como modelo, em contexto escolar, a

orientação europeia.

Na gramática de Cunha e Cintra (2007), intitulada Nova Gramática do Português

Contemporâneo, os autores explicam em que posições os pronomes podem aparecer (próclise,

ênclise e mesóclise) e depois ressaltam que a colocação mais habitual é a ênclise.

A próclise ocorreria nas orações: a) com palavras negativas (sem pausa); b) com

pronomes e advérbios interrogativos; c) com palavras exclamativas e em orações optativas; d)

nas orações subordinadas desenvolvidas (mesmo com a conjunção oculta); e) com o gerúndio

antecedido pela preposição “em”; f) com certos advérbios (bem, mal, ainda, só, já etc.); g)

com pronomes indefinidos (tudo, todo, alguém etc.); e h) com orações alternativas.

Segundo os autores, pode ocorrer a próclise ou a ênclise com os infinitivos, mesmo

que haja um elemento proclisador na frase.

Já com as locuções verbais, os autores mostram que há três posições possíveis:

ênclise ao verbo principal (infinitivo ou gerúndio), próclise ao verbo auxiliar ou ênclise ao

verbo auxiliar.

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A ênclise ao verbo principal só poderá ocorrer com os verbos principais no infinitivo

e no gerúndio. Com o particípio, só poderá ocorrer a próclise ou a ênclise ao verbo auxiliar.

A próclise ao verbo auxiliar acontecerá quando os elementos antecedentes forem: a)

uma palavra negativa; b) pronomes ou advérbio interrogativo; c) palavra exclamativa e oração

optativa; e d) subordinada desenvolvida (mesmo que não apareça a conjunção). A ênclise ao

verbo auxiliar ocorrerá quando não aparecer nenhum desses elementos antecedentes.

No final dessa seção, os autores abordam “A colocação dos pronomes átonos no

Brasil” (p. 330) e destacam algumas características particulares do PB, como: a) a próclise em

início de frases; b) a próclise nas orações absolutas, principais e coordenadas; e c) a próclise

ao verbo principal nas locuções verbais.

Na gramática de Rocha Lima (2001), Gramática Normativa da Língua Portuguesa, o

autor mostra que, com as formas verbais finitas, a posição “normal” dos clíticos pronominais

é depois do verbo, em ênclise, e isso deve ocorrer quando: a) o verbo iniciar período ou

oração; b) o sujeito estiver antes do verbo; c) se tratar de orações coordenadas sindéticas.

Entretanto, Rocha Lima ressalta, no final dessa parte, que a próclise pode ocorrer “por puro

arbítrio, ou gosto” (p. 451), menos no início de período.

Já a próclise, segundo o autor, seria obrigatória: a) nas orações negativas (sem

pausa); nas orações exclamativas (com palavras exclamativas) e optativas; c) nas orações

interrogativas (com pronomes ou advérbios interrogativos); d) nas orações subordinadas; e e)

com advérbios e pronomes indefinidos (sem pausa; se houver pausa, ocorrerá a ênclise).

Com o infinitivo, o que ocorrerá será a ênclise, mas, se for infinitivo não-flexionado

e houver uma preposição ou palavra negativa antes dele, a colocação é facultativa. Se o

infinitivo estiver flexionado, prefere-se a próclise. Com o gerúndio, a ênclise também é a

regra, mas a próclise será obrigatória quando antes do gerúndio estiver: a) a preposição “em”

ou b) um advérbio que o modifique.

Nas locuções verbais com infinitivo, pode ocorrer, segundo o autor: a) ênclise ao

infinitivo, b) ênclise ou próclise ao auxiliar e c) próclise ou ênclise ao infinitivo precedido de

preposição (ex. “deixei de te ajudar ou deixei de ajudar-te”). Com o gerúndio, pode acontecer

a ênclise ao verbo principal e a ênclise ou a próclise ao auxiliar. Já com o particípio só pode

ocorrer ênclise ou próclise ao auxiliar.

Ainda em relação às locuções verbais, o autor destaca que

A interposição do pronome átono nas locuções verbais, sem se ligar por hífen ao

auxiliar, é sintaxe brasileira que se consagrou na língua literária, a partir (ao que

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parece) do Romantismo (...) “Vivia sozinho, não queria se casar.” (José Lins do

Rego). Tal construção não tem agasalho com o pronome o (a, os, as), em razão,

decerto, do volume fonético dele, mais reduzido do que o das demais partículas

pronominais átonas. De fato, não se usa „estou o esperando’, etc. (p. 455)

Dessa forma, verifica-se que a sintaxe brasileira é contemplada, em certa medida, nas

gramáticas normativas do Português.

Curiosamente, nas duas gramáticas do PB e, como se verá adiante, na de Mateus et

alii (2003), há a abordagem de peculiaridades que ocorrem no Português do Brasil. Verifica-

se, assim, que, mesmo no modelo normativo de colocação para o PE e PB, está descrita a

tendência particular de cada variedade, de modo que o PB assume comportamento diferente

do tradicionalmente proposto e o PE não apresenta dados categóricos consoante esse modelo,

como seria o esperado e será visto nos resultados mais adiante.

Em relação às gramáticas de cunho mais descritivo, no que se refere ao PB, pode-se

observar o fenômeno no tratamento descritivo das gramáticas de Perini (2007) e Castilho

(2010).

Perini (2007), na seção referente ao posicionamento dos clíticos, deixa claro que

mostrará o que “parece ser o mais amplamente aceito pelos usuários do padrão brasileiro” (p.

229). O autor define as restrições à próclise e à ênclise, mostrando que a colocação proclítica

não deveria ocorrer “no início de estrutura oracional não-subordinada ou logo após elemento

topicalizado.” (PERINI, p. 229) e a ênclise não poderia ocorrer quando o verbo estivesse no

gerúndio precedido da preposição “em”; quando estivesse no particípio e quando a oração

fosse precedida de elemento “atrator”. O autor deixa claro que

A ênclise está desaparecendo do português brasileiro; essa tendência, dominante na

modalidade falada, já deixou marcas muito profundas no próprio padrão escrito.

Conseqüentemente, as duas restrições tendem a desaparecer, para serem substituídas

por um princípio mais simples, que estabelece apenas que os clíticos se colocam

sempre antes do NdP. A análise acima cobre uma forma muito conservadora da

língua, conforme se verá na exemplificação. É necessário atualizá-la, mas isso

deverá ser precedido de um levantamento do uso dos clíticos no padrão brasileiro

moderno (PERINI, p. 230)

Logo após, Perini mostra que não há consenso no que é dito em todas as gramáticas,

mas que os contextos em que haveria “atração” seriam os que possuíssem: (i) os relativos e

interrogativos; (ii) as partículas não, nunca, só, até, mesmo, também, tudo, nada, alguém,

ninguém e o complementizador que. Segundo o autor, nas demais gramáticas, às vezes, são

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mencionados também: (i) SNs acompanhados de predeterminante (todos, ambos); (ii) SNs

iniciados por qualquer, nenhum; e (iii) itens como: bem, mal, ainda, já, sempre.

Após os elementos “atratores”, o autor, mais uma vez, mostra a necessidade da

pesquisa: “A única maneira de decidir quais desses itens realmente exercem atração é fazer

levantamentos nos textos (...). Na falta de estudos detalhados sobre o assunto, teremos de

deixar a lista em aberto; fica a sugestão de pesquisa” (PERINI, p. 232).

Com os complexos verbais, ele ressalta que pode haver ênclise ao auxiliar ou ao

verbo principal, desde que não haja as referidas restrições à ênclise, e mostra que, no PB, a

próclise pode ocorrer com o verbo auxiliar ou principal (ex.: “Minhas primas se estão

portando bem” ou “Minhas primas estão se portando bem”). Perini também deixa claro que

essa segunda colocação seria a mais utilizada no padrão brasileiro atual “de modo que se pode

dizer que a posição natural do clítico, quando o predicado é complexo, é a próclise ao NdP:

precisamente a construção antigamente considerada incorreta.” (p. 231).

Vale ressaltar que, com a presente tese, haverá, de certa forma, a atualização dos

contextos em que ocorrem a ênclise e a próclise nas estruturas com um ou mais verbos na

modalidade oral do Português do Brasil e de mais duas variedades do Português (PE e PST).

Castilho (2010) cita que os clíticos pronominais podem aparecer “antes ou depois de

um verbo no PE, e predominantemente antes no PB” (p. 483). O autor faz um resumo do que

é descrito na gramática normativa: (1) a ênclise seria a posição básica dos clíticos; (2) a

próclise ocorre quando há: (i) conjunção integrante ou pronome relativo, (ii) advérbios

(negação, tempo e focalização) e (iii) sujeito quantificado; (3) não se começa sentença com

um clítico: (i) nas perífrases com gerúndio e particípio, o clítico poderá posicionar-se antes ou

depois do verbo auxiliar e (ii) nas perífrases com infinitivo, o pronome estará sempre enclítico

ao verbo no infinitivo, mesmo na presença de atratores.

Logo após mostrar o que a gramática tradicional descreve, o autor retorna à história

dos clíticos no Português e mostra que havia a oscilação entre a próclise e a ênclise nos

mesmos contextos, mas com certo predomínio da ênclise, até o século XIV; depois, passou-se

a utilizar preferencialmente a próclise até o século XVI. O autor mostra vários dados de

estudos diacrônicos de diversos autores (SALVI, 1994; MARTINS, 1994; PAGOTO, 1992

entre outros) e deixa a hipótese de que o predomínio da próclise brasileira pode ter tido suas

origens no início do século XVI, quando o Brasil foi colonizado.

Segundo Castilho “Focalizando os tempos modernos, vê-se que o português europeu

é predominantemente enclítico, ao passo que o PB é predominantemente proclítico. Nas

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perífrases e nos tempos compostos, o PB favorece a colocação do pronome antes do verbo

pleno na forma nominal” (p. 484).

Ainda com uma agordagem mais descritiva, para o PE, será brevemente abordado o

tratamento do tema nas gramáticas de Mateus et alii (2003) e Raposo et alii (2013).

Mateus et alii (2003), na Gramática da Língua Portuguesa, destacam que vão

mostrar a colocação da variedade do PE moderno, segundo a qual o clítico pode aparecer

proclítico ou enclítico a seu hospedeiro verbal. No entanto, em diversos contextos, a variação

das duas posições não é livre, em especial no início absoluto, pois, segundo a “Lei de Tobler-

Moussafia, as formas clíticas não podem ocupar a posição inicial absoluta de frase”

(MATEUS et alii, 2003, p. 849). Em nota, as autoras ressaltam que essa generalização não se

concretiza em outras línguas românicas nem no PB.

Após a análise de diversos exemplos, concluem que “a ênclise é o padrão básico de

colocação dos pronomes clíticos na variedade europeia do português moderno” (MATEUS

et alii, 2003, p. 852) e a posição antes do verbo só ocorrerá quando houver a presença dos

“atractores de próclise” ou proclisadores antes do hospedeiro verbal do pronome.

Logo após, são elencados os elementos que seriam proclisadores: partículas de

negação (não, ninguém), palavras qu- (que, quem), conjunções subordinativas e preposições

(que, para), advérbios de focalização (só, apenas, já, também), alguns quantificadores (todos,

ambos, qualquer, alguém, algo), algumas conjunções correlativas (não só... mas, ou ... ou, ora

...ora) e alguns constituintes locativos ou dêiticos demonstrativos (aqui, isso).

Depois, as autoras abordam o tema da subida de clítico, que ocorre quando há duas

formas verbais e o clítico deixa de se ligar ao seu hospedeiro verbal para juntar-se ao verbo

auxiliar. Isso ocorre, especialmente, quando: (i) os verbos principais estiverem no gerúndio ou

particípio (em que a subida de clítico seria obrigatória e o clítico deve aparecer antes ou

depois do verbo auxiliar, dependendo da presença ou ausência de elementos proclisadores) e

(ii) com os verbos semiauxiliares aspectuais que selecionam complementos com as

preposições “a”, “de” e “por”. A subida de clítico ocorre não só quando há um elemento

proclisador, mas também quando a preposição no meio dos dois verbos for “a” ou “de”, nunca

com “por”. Quando os complementos não são preposicionados, mesmo que haja um elemento

proclisador antes, pode ocorrer a subida de clítico (“O João não a vai provavelmente

convidar”) ou não (“O João não vai provavelmente convidá-la.”).

Para as frases não finitas, com infinitivo não flexionado, as autoras destacam que há

casos particulares de colocação e pode haver: “(a) ocorrência de ênclise na presença de um

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constituinte negativo; (b) ocorrência de ênclise em construções-Q (interrogativas

independentes e encaixadas, relativas livres e relativas finais); e (c) oscilação entre ênclise e

próclise com preposições” (MATEUS et alii, 2003, p. 861).

Recentemente, Raposo et alii (2013) publicaram a Gramática do Português, em que

Ana Maria Martins, no capítulo sobre a colocação dos clíticos pronominais, descreve,

detalhadamente, todos os contextos de realização das variantes proclítica e enclítica. Nesta

parte, buscando dar destaque às informações mais relevantes para o presente trabalho, será

apresentada uma visão panorâmica da colocação abordada na obra referida.

A próclise, segundo a autora, ocorre:

(i) nas orações principais negativas (não, nem, nunca, ninguém, jamais, nenhum,

nada);

(ii) nas orações principais afirmativas em que há a presença de: alguns quantificadores

pronominais ou adjetivais que sejam não referenciais, ou seja, aqueles que não se

referem a indivíduos identificados pelo interlocutor (alguém, algum, pouco(s),

ambos, bastante, todo(s), tudo, vários etc); certos advérbios focalizadores e

locativos enfáticos (apenas, só, também, até, logo, já, ainda, aqui, lá, aí, cá etc.);

outros focos contrastivos antepostos (não adverbiais - ex.: “de pequeno se torce o

pepino”); orações declarativas afirmativas enfáticas (ex.: “Devagar se vai ao

longe”); palavras qu- (pronomes ou advérbios: que, quem, onde, como, quando

etc);

(iii) nas orações subordinadas finitas (ex.: “Se me descuido, estou-lhe no papo”) ;

(iv) nas orações subordinadas de infinitivo simples com proclisadores (ex.: “Pode até

pouco te importar, mas a mim preocupa-me muito”);

(v) nas orações subordinadas de infinitivo flexionado sem preposição e com

proclisadores (ex.: “Eles não tinham onde se esconderem”); e

(vi) nas orações subordinadas de infinitivo flexionado com as preposições “de”, “por”,

“para”, “em” e “sem” (“Para o impressionarem, diziam-lhe sempre isso.”).

Resumidamente, a autora ressalta que, apesar de parecer que há diversos contextos

favorecedores da variante proclítica nas orações principais, “a próclise está aí associada aos

processos gramaticais da negação, da quantificação, da focalização e da ênfase, tomados

singularmente ou não” (MARTINS in RAPOSO et alii, 2013, p. 2241).

Já a ênclise acontece: nas orações principais afirmativas sem proclisadores, na

presença de alguns quantificadores pronominais ou adjetivais que se referem a indivíduos

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identificados pelo interlocutor (alguns, muitos etc.), com alguns advérbios topicalizados

(logo, assim, aqui, aí, lá etc.), nas orações subordinadas de infinitivo simples sem

proclisadores (ex.: “Dizer-lhe o que íamos fazer parecia-me ainda mais absurdo”); nas

orações subordinadas de infinitivo simples sem proclisadores e com as preposições “a” e

“com” (ex.: “Não ficávamos nada contentes com reprová-lo”); e nas orações subordinadas de

infinitivo flexionado sem proclisadores e sem preposição (ou com as preposições “a” e “com”

– ex.: “Basta olharem-lhe para a cara”).

A próclise e a ênclise são facultativas: com a palavra próprio; nas orações

subordinadas finitas (em algumas orações completivas com verbo no indicativo, em orações

consecutivas, em algumas estruturas clivadas); nas orações subordinadas de infinitivo simples

negativas sem preposição somente com a palavra proclisadora “não”; nas orações

subordinadas de infinitivo simples sem proclisadores e com as preposições “de”, “por”,

“para”, “em” e “sem”; nas orações infinitivas simples subordinadas a haver que, ter que (ex.:

“Tenho que confessar-lhe” / “Tenho que lhe confessar”); nas orações infinitivas simples

introduzidas por que, quem e palavras afins sem elementos proclisadores; e nas orações

subordinadas de infinitivo flexionado sem proclisadores e com a preposição “em”.

A subida de clítico será facultativa (i) nas frases com infinitivo em que os clíticos

possuem a função de complemento (ex.: “Vai arranjar-lhe uns ovos!” ou “Vai-lhe arranjar

uns ovos!”); (ii) nas orações gerundivas sem preposição e sem proclisador, deverá ocorrer a

ênclise (ex.: “Bocejava, coçando-se todo de preguiça e de sono”), mas se houver preposição

ou proclisador, acontecerá a próclise (ex.: Os pais sabiam que era muito independente, só lhes

pedindo ajuda em ocasiões raras”); e (iii) com os complexos verbais com gerúndio e

particípio, a subida do clítico é obrigatória (ex.: “Ia-me atrasando, mas cá estou”. A ênclise ao

gerúndio só pode ocorrer se houver a anteposição dele – ex.: “Atrasando-me ia eu!”).

2.2.2. A colocação pronominal segundo as pesquisas linguísticas

Embora o presente trabalho trate de corpus da sincronia atual, serão apresentados,

primeiramente, alguns trabalhos com dados diacrônicos que abordam o tema, para que se

observem tendências mais gerais verificadas na evolução do fenômeno em cada variedade.

Dessa forma, serão apresentados, separadamente, os trabalhos descritivos com dados

diacrônicos (2.2.2.1) e com dados sincrônicos mais recentes (2.2.2.2). Os estudos tratam do

tema em lexias verbais simples e/ou complexos verbais, e serão descritos em ordem

cronológica de publicação.

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2.2.2.1. A colocação pronominal no Português: estudos diacrônicos

Em sua dissertação de mestrado, cujo título é A colocação dos clíticos em Português:

duas sincronias em confronto, Lobo (1992) baseou-se no arcabouço teórico-metodológico da

Sociolinguística Laboviana para o tratamento e a análise dos dados, e utilizou, como corpus

do Português Quinhentista, os documentos da corte de Dom João III – cartas representativas

da variedade culta da língua e, para o Português do Brasil, os inquéritos do Projeto NURC.

A autora fez uma comparação do PB com o PE contemporâneo, baseando-se em

pesquisas de outros estudiosos, além de ter analisado a posição dos clíticos pronominais, em

estruturas com apenas um verbo, na norma culta do Português Quinhentista, fazendo uma

comparação com o PB atual.

O estudo verificou as seguintes variáveis linguísticas: (i) tipo de oração, (ii) elemento

que antecede imediatamente o verbo, (iii) tempo e modo do verbo, (iv) tipo de clítico e (v)

tonicidade das formas verbais. As variáveis extralinguísticas verificadas foram: (i) faixa

etária, (ii) local de origem dos informantes, (iii) (des)obediência à norma-padrão – para o

Português do século XX. Para o século XVI, (i) a natureza estilística do texto (prosa epistolar

ou prosa legal) e (ii) os diferentes remetentes e destinatários da prova epistolar. Vale ressaltar

que, segundo a autora, as variáveis extralinguísticas controladas não se mostraram relevantes,

uma vez que o condicionamento do fenômeno estudado é de natureza estrutural.

Após a detalhada apresentação dos resultados em cada corpus, a autora propôs uma

breve comparação entre o Português do Brasil e o Português Europeu e verificou que há uma

variabilidade da posição dos clíticos no PB na maioria dos contextos, enquanto no PE a opção

por uma das variantes em um determinado contexto sintático quase que implicaria a exclusão

de outra variante. Os padrões da colocação pronominal com os verbos nas formas finitas e

não-finitas para o PB e para o PE são sintetizados a seguir:

Quanto às formas finitas:

(a) nas orações subordinadas desenvolvidas, tanto no PB quanto no PE, tem-se a

colocação pré-verbal;

(b) nas orações principais / absolutas:

– possibilidade no PB e impossibilidade no PE (em qualquer das suas variantes) de

ser o clítico o primeiro elemento da oração;

– verbo em posição não-inicial, antecedido por: (i) Sadv de negação: colocação pré-

verbal no PB e no PE; (ii) SN sujeito nominal ou pronome pessoal: no PE,

colocação pós-verbal, e no PB, colocação pré-verbal categórica (pron. pessoal) ou

quase categórica (sintagma nominal); (iii) Sadvs ou Spreps circunstanciais: tanto no

PE quanto no PB, Sadvs que apresentam uma relação mais estreita com o verbo,

colocação pré-verbal; os demais, colocação variável;

(c) nas orações coordenadas: no PE, é marcante a posição pós-verbal; no PB,

variabilidade posicional, com preferência pela colocação pré-verbal. (LOBO, 1992,

p. 205-207)

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Quanto às formas não-finitas:

(a) nas orações subordinadas reduzidas de infinitivo: no PE, colocação pós-verbal,

quando não regida por preposição, e colocação variável, quando regida; no PB,

preferência pela colocação pré-verbal, em ambos os casos.

(b) nas orações subordinadas reduzidas de gerúndio não regidas por prep.: no PE,

colocação pós-verbal; no PB, preferência pela colocação pós-verbal (único contexto

em que se dá tal preferência). (LOBO, 1992, p. 207-208)

A autora confirmou a diferença existente entre o PE e o PB, destacando que, no PE,

o ambiente sintático em que o clítico se encontra influenciaria na colocação pronominal,

enquanto que, no PB, a próclise se daria de forma generalizada:

O Português Europeu contemporâneo conserva um sistema de colocação dos clíticos

que se define a partir dos condicionamentos sintáticos. Já no Português do Brasil,

esses condicionamentos sintáticos praticamente desapareceram, em função do uso

generalizado da colocação pré-verbal. (LOBO, 1992, p. 228)

Martins (1994), em sua tese de doutorado Clíticos na história do Português, analisou

a ordem dos clíticos pronominais em dois períodos: (i) do século XIII ao XVI e (ii) do século

XVI aos dias atuais. Martins partiu do princípio de que a mudança na ordem dos pronomes

oblíquos átonos, nas línguas românicas, estivesse diretamente relacionada à natureza

categorial funcional Sigma. Dessa forma, a autora verificou a colocação pronominal no

Português Medieval e Português Clássico, baseando-se na Teoria de Princípios e Parâmetros.

A autora destacou que, atualmente, no PE, os clíticos aparecem, geralmente,

adjacentes ao verbo, embora ainda existam alguns contextos em que há a possibilidade de

ocorrência de elemento entre o pronome e seu hospedeiro verbal, o que se chama de

interpolação. Entre os séculos XIII e XVI, houve a possibilidade de interpolação de diferentes

tipos de elementos. Contudo, a partir do século XVII, houve a perda da interpolação de

elementos entre o clítico e o verbo, exceto o não, que continuou a ser “interpolado” em alguns

contextos.

Em relação ao desenvolvimento do estudo, com base na descrição de documentos

não literários (notariais) e na descrição de documentos literários portugueses, houve a

descrição detalhada do comportamento linguístico nos dois períodos; mostrou-se, nessa parte,

a apresentação de todos os dados sob análise. A autora verificou que, nas lexias verbais

simples – com orações não dependentes afirmativas e não introduzidas por quantificadores,

advérbios, sintagmas qu- ou focalizadores – do Português Medieval e Clássico, os clíticos

apareciam proclíticos ou enclíticos ao verbo, menos no início absoluto de oração. No entanto,

no PE atual, verifica-se que o clítico aparece em ênclise nos contextos acima.

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Martins fez um resumo da trajetória da posição dos pronomes oblíquos átonos

durante os séculos e constatou que, no século XIII, havia a preferência pela ênclise e esta foi

dando espaço, progressivamente, para a próclise, no século XVI, nos ambientes sem

proclisadores. Destacou-se que essa mudança ocorreu de forma lenta, gradual e ao longo de

séculos de alterações. No entanto, depois do século XVI, a posição proclítica foi tendo um

enfraquecimento, pois era utilizada em 70% e 100% dos contextos e passou a ser concretizada

em apenas 30% dos dados, mostrando que a colocação enclítica se tornou a mais utilizada nos

séculos XVII e XVIII, em contextos sem proclisadores. Essa última mudança já ocorreu de

forma mais rápida, diferente da anteriormente citada. Percebe-se, assim, que, a partir do

século XVII, houve a mudança sintática da ordem dos pronomes átonos da próclise para a

ênclise, sobretudo nos contextos sem proclisador.

No que diz respeito aos complexos verbais, a autora não verificou as estruturas com

o verbo principal no particípio nem no gerúndio, pois, segundo ela, não haveria variação na

ordem dos pronomes oblíquos átonos, tendo em vista que a colocação pós-complexo verbal

não foi utilizada nesses contextos. Desse modo, houve apenas a análise das construções com o

verbo principal no infinitivo. As estruturas verificadas foram as dos modais (dever a/de,

poder, haver a/de), aspectuais (começar a/de, tornar a, soer a/de) e temporais (ir, vir a, haver

de).

Na trajetória dos complexos verbais, Martins destacou que os clíticos se ligavam,

preferencialmente, ao verbo auxiliar, entre os séculos XIII e XVI, e não ao infinitivo. O

clítico ligava-se ao verbo principal no infinitivo apenas quando o verbo auxiliar se encontrava

elíptico. A colocação dos clíticos, nos complexos verbais, em relação ao verbo auxiliar,

mostrou-se bem parecida com a das lexias verbais simples, sendo a colocação pré-verbal a

mais utilizada no período referido acima. Destaca-se que a próclise era obrigatória nas

orações subordinadas finitas, nas orações negativas, depois de algumas preposições (“pera”,

de e sem) e do advérbio “asy”.

Assim, no século XIII, houve o predomínio da ênclise ao verbo auxiliar, passando

por uma distribuição equilibrada entre a próclise e ênclise ao verbo auxiliar no século XIV.

Nos séculos XV e XVI, houve o predomínio da colocação proclítica. Como não houve

qualquer apontamento em relação às estruturas em complexos verbais durante os séculos XVI

e XX, supõe-se que não houve a análise dessas estruturas durante o referido período.

Houve algumas estruturas em que o verbo auxiliar era precedido pelo verbo

principal, fazendo com que houvesse uma inversão das posições dos verbos, e o clítico

pronominal apareceria, em geral, à esquerda dos dois verbos (cl Vp. V aux.). A autora

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destacou, também, que, dos 106 dados analisados, apenas 5 aparecem enclítico ao verbo

principal no infinitivo – este em posição habitual, ou seja, depois do auxiliar e não sozinho

com o auxiliar elíptico (v1 v2-cl). A ênclise ao verbo auxiliar ocorreu apenas em 16 dados em

que havia preposição e advérbios intervenientes ao complexo verbal, fazendo com que

houvesse a separação do clítico e do infinitivo; ou quando havia a contração entre os clíticos

acusativos o(s), a(s) e uma forma verbal terminada em –s ou vogal nasal, gerando “uma

cliticização fonologicamente visível ao auxiliar.” (MARTINS, 1994, p. 152).

Dessa forma, sintetizando os resultados referentes aos complexos verbais produzidos

entre os séculos XIII e XVI, na tese de Martins (1994), observou-se que a ligação a v2 foi

muito pouco produtiva, inclusive nos dados em que o infinitivo estava antes do verbo auxiliar,

pois os clíticos ficaram, preferencialmente, adjacentes a v1, mostrando que a colocação

adjacente ao verbo auxiliar foi a mais utilizada no corpus analisado.

Galves, Britto e Paixão de Souza (2005), em seu trabalho intitulado The Change in

Clitic Placement from Classical to Modern European Portuguese: Results from the Tycho

Brahe Corpus, fizeram uma análise diacrônica dos clíticos pronominais na história da Língua

Portuguesa, de 1500 a 1850, a fim de verificar os indícios da provável competição de

gramáticas. As autoras estudaram a ordem dos pronomes nas lexias verbais simples

encontradas em 20 textos literários escritos por autores portugueses nascidos da metade do

século XVI até início do século XIX.

As autoras verificaram dois momentos na variação das colocações proclítica e

enclítica: (1) a ênclise não era muito produtiva, variando entre 0% a 20%, nos textos dos

autores que nasceram até o final do século XVII – exceto o texto de Vieira, Os Sermões, em

que 45% dos clíticos estavam enclíticos, tendo em vista as razões estilísticas do Barroco; e (2)

o aumento progressivo e significativo da ênclise, chegando a quase 90% dos casos, nos textos

dos autores nascidos no início do século XVIII.

As pesquisadoras descreveram esses dois momentos como duas fases diferentes da

gramática. No primeiro período, a posição proclítica seria a opção preferencial, não-marcada,

sendo o reflexo do Português Clássico, mas haveria também a utilização da ênclise. Já no

segundo momento, a próclise passou a ser considerada como um resquício da gramática

antiga na escrita, tendo em vista uma mudança gramatical segundo a qual a ênclise seria a

única opção possível, havendo, assim, a inversão dos dados proclíticos pelos enclíticos.

Os resultados mostraram a instabilidade da colocação pronominal – oscilações entre

o uso da próclise e da ênclise – até o início do século XVIII. A partir daí, houve um aumento

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considerável da colocação enclítica até o século XIX. As autoras mostraram que a ênclise

aumentou progressivamente ao longo dos séculos. Galves, Britto e Paixão de Souza

interpretaram os períodos em que houve grande variação e verificaram como um processo de

competição de gramáticas no uso dos pronomes oblíquos átonos, havendo uma gramática

inovadora dividindo o mesmo espaço com uma gramática conservadora.

Os dados foram divididos em três contextos: (1) verbo antecedido por um sujeito

referencial não focalizado, alguns advérbios ou um sintagma preposicional com função de

advérbio; (2) orações antecedidas por uma conjunção coordenativa ou oração independente;

(3) contextos em que a variação não foi verificada.

As autoras observaram que os contextos em que o elemento antecedente do verbo era

uma conjunção coordenativa ou uma oração independente apresentaram uma variação muito

importante desde o século XVI. No entanto, nos contextos em que o verbo era antecedido por

um sujeito referencial não focalizado, alguns tipos de advérbios ou por um sintagma

preposicional com função adverbial, haveria certa uniformidade entre os autores e poucos

dados na posição enclítica durante os séculos XVI e XVII.

As pesquisadoras verificaram, também, que a próclise se tornou categórica nos

contextos de: orações negativas, orações subordinadas, orações em que o verbo é antecedido

por um quantificador, um operador QU, um sintagma focalizado ou alguns advérbios e a

ênclise era categórica quando o verbo se encontrava em início absoluto de oração. As autoras

destacaram, assim, que os escritores nascidos no século XVIII modificaram a posição dos

clíticos pronominais por causa de uma mudança gramatical verificada na base do Português

Europeu.

Martins (2009), em sua tese de doutorado intitulada Competições de gramáticas do

português na escrita catarinense dos séculos XIX e XX, verificou os padrões empíricos da

colocação dos pronomes átonos na escrita de Santa Catarina, no PB, e de Lisboa, no PE. O

autor objetivou verificar se houve indícios de competição de gramáticas e, para tanto, analisou

dados de orações finitas não-dependentes, tanto com um como com mais verbos. Os dados

foram retirados de vinte e quatro peças teatrais de autores catarinenses (na escrita do PB) e

vinte e uma peças de autores lisboetas (na escrita do PE) nascidos durante os séculos XIX e

XX.

Martins defendeu que os padrões empíricos de colocação dos pronomes oblíquos

átonos verificados nos textos escritos refletiam características de três gramáticas do

Português: PB, PC e PE. Segundo o autor, haveria, portanto, uma competição de gramáticas,

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seguindo as propostas da Teoria Gerativa e baseando-se no trabalho de Galves, Britto e

Paixão de Souza (2005). O autor, em sua análise, utilizou dois quadros teóricos: os

pressupostos da Teoria de Princípios e Parâmetros, em sua versão minimalista, e os

pressupostos da Teoria da Variação e Mudança.

A pesquisa de Martins, baseando-se em trabalhos anteriores, mostrou que, em toda a

história do português, em especial, na escrita dos séculos XIII a XX, a próclise foi a

colocação padrão em orações com operadores de negação predicativa, em orações iniciadas

por quantificadores, por determinados advérbios ou por constituintes focalizados, enquanto a

ênclise foi a ordem padrão em contextos em que o verbo se encontrava em início absoluto de

oração. A próclise, nesse último contexto, não foi encontrada na diacronia do Português,

exceto em textos brasileiros dos séculos XIX e XX, mostrando que essa posição é uma

inovação da gramática brasileira.

Nos contextos de orações iniciadas por sujeitos não focalizados, advérbios não-

modais e sintagmas preposicionais, houve variação das colocações proclíticas e ênclíticas.

Nos textos dos séculos XIII a XVI, a ênclise foi a posição mais utilizada e houve um aumento

progressivo da próclise, enquanto, nos textos dos séculos XVI a XVIII, a próclise foi

amplamente utilizada. Nos textos do PE dos séculos XVIII e XIX, houve variação da próclise

e da ênclise, mas houve um aumento significativo da ênclise e esta tornou-se a colocação

padrão nesses contextos. Nos textos do PB dos séculos XVIII a XX, ocorreu o inverso, a

próclise tornou-se a variante mais utilizada; no entanto, houve ainda casos de ênclise nos

textos escritos supostamente por influência do padrão de colocação do PE.

Com os resultados estatísticos, o autor mostrou que, nas lexias verbais simples do

PB, houve um aumento progressivo da próclise, em especial, nos contextos antecedidos por

um sujeito, um advérbio não-modal ou um sintagma preposicional, de tal forma que, no

século XX, a colocação proclítica em orações com sujeitos antes do verbo chegou a ser

categórica. No século XIX, a variante pré-verbal estava correlacionada à natureza dos

sujeitos.

Nas estruturas compostas por mais de um verbo, o autor encontrou, no PB, a próclise

ao verbo auxiliar e ao verbo principal, nos textos de autores nascidos no século XIX, e houve

seu aumento gradativo nos textos dos autores nascidos no século XX. Em relação a esses dois

contextos, a variante proclítica ao verbo principal seria a forma inovadora da gramática do

PB, uma vez que não é encontrada em outros estágios do Português. Destacou-se que a

colocação enclítica a v2 nos textos do PB também se mostrou produtiva, tendo em vista,

segundo o autor, a influência da gramática do PE.

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Sendo assim, Martins defendeu a tese de que a ordem dos clíticos pronominais é

resultado de um caso específico de competição de três gramáticas do Português: o Português

Clássico, o Português do Brasil e o Português Europeu, apoiando-se nos resultados empíricos

descritos e analisados em seu trabalho.

Nunes (2009), em sua dissertação de mestrado: Um estudo sociolinguístico sobre a

ordem dos clíticos em complexos verbais no PB e no PE, utilizando textos jornalísticos e

publicitários (anúncios, editoriais e notícias) do Brasil e de Portugal produzidos nos séculos

XIX e XX, procedeu a uma investigação sociolinguística da ordem dos pronomes átonos em

construções com complexos verbais em dados do Português do Brasil e do Português

Europeu, apresentando as semelhanças e diferenças entre as duas variedades durante todo o

período analisado

A pesquisadora encontrou 300 ocorrências no PB e 449 no PE, totalizando 749 dados

com os clíticos em complexos verbais. Verificou a produtividade das três variantes

encontradas no corpus: pré-complexo verbal “Não se pode fazer”; intra-complexo verbal

“Pode(-)se fazer” e pós-complexo verbal “Pode fazer-se”. Para a análise dos dados, foi

utilizado o aporte teórico-metodológico da Sociolinguística Variacionista de orientação

Laboviana.

Destacou-se que não houve a variante proclítica ao complexo verbal em início

absoluto de oração. Embora, nos demais contextos, a colocação pré-complexo verbal tivesse

sido a mais utilizada no século XIX, tanto no PB quanto no PE, seguida pela variante pós-

complexo verbal. Já no século XX, houve diferenças entre as variedades do Português, uma

vez que o PE continuou com a produtividade da variante pré-complexo verbal e não possuiu

alto índice da variante intra-complexo verbal. O PB, no entanto, aumentou significativamente

o uso da variante intra-complexo verbal, com o registro de uma variante inovadora, a próclise

a v2, e realizou equilibradamente as colocações pré e pós complexo verbal.

O que favoreceu uma determinada variante no PE foi o contexto linguístico em que o

clítico se encontrava, ou seja, havia uma sistematicidade na colocação de acordo com os

aspectos estruturais dos contextos. No PB, tal sistematicidade não foi encontrada; o que se

encontrou foi, possivelmente, um início de mudança no padrão da escrita brasileira, uma vez

que houve o declínio da variante proclítica ao complexo e um aumento significativo da

colocação intra-complexo verbal. A autora destacou que, no século XIX e XX, a próclise a v2

– inovação do PB – foi a colocação mais utilizada, inclusive em textos jornalísticos,

confirmando a mudança de colocação nos complexos verbais.

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Nunes analisou contextos linguísticos e extralinguísticos que poderiam favorecer, ou

não, uma determinada variante na colocação pronominal e verificou que foram relevantes

para a pesquisa as seguintes variáveis: presença de um possível elemento proclisador, forma

do verbo principal e tipo de clítico.

A próclise ao complexo verbal foi a mais favorecida nas duas variedades e nos dois

séculos quando havia algum elemento proclisador antes do clítico. A autora destacou o fato de

os índices, nesses contextos, não serem categóricos nem próximos ao categórico em nenhuma

das variedades e séculos. No entanto, o PE realizou mais a variante próclítica do que o PB, já

que nos dados do século XX do PB a variante pré-complexo verbal foi menos utilizada do que

no século XIX. No século XX, o PB utilizou mais a variante proclítica ao verbo principal,

mesmo em contextos em que havia a presença de elementos proclisadores, mostrando que a

escrita jornalística brasileira estivesse assumindo seu padrão vernacular de próclise a v2.

Em relação à forma do verbo principal, verificou-se que não houve dado com a

variante pós-complexo verbal com o verbo principal no particípio, mas o uso

majoritariamente da pré-complexo verbal nas duas variedades e nos dois séculos. Com o

gerúndio, houve um equilíbrio na distribuição dos dados no PB e PE, em especial, no século

XX. Já com o verbo principal no infinitivo, o elemento proclisador favorecia a variante pré-

complexo verbal no século XIX, mas, no século XX, mesmo na presença desses contextos, a

variante mais utilizada foi a ênclise a v2, em especial no PB.

Com relação ao tipo de clítico, o “se” indeterminador ligou-se mais ao verbo auxiliar

e o “se” reflexivo/inerente mais ao verbo principal. O clítico acusativo “o/a (s)”, no século

XIX e em ambas as variedades, estava condicionado à presença de um elemento proclisador.

Já no século XX, os dados do PB mostraram o aumento significativo da colocação pós-

complexo verbal.

Quanto ao condicionamento extralinguístico, apenas o PB sofreu influência da época

de publicação e dos gêneros textuais. A época de publicação, ou seja, o século em que o texto

foi produzido, como já foi dito anteriormente, fez com que a realização das variantes fosse

bem distinta, havendo um aumento significativo da variante intra-complexo verbal no século

XX. Em relação aos gêneros textuais, os anúncios – por serem mais próximos à oralidade –

utilizaram mais a colocação intra-complexo, enquanto, nos editoriais, houve uma influência

maior da atração dos elementos proclisadores, sendo a colocação pré-complexo verbal a mais

utilizada.

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Santos (2010) analisou sociolinguisticamente a colocação dos pronomes átonos em

lexias verbais simples e em complexos verbais nas variedades brasileira e europeia no

percurso dos séculos XIX e XX em sua dissertação denominada Análise diacrônica da

colocação pronominal nas variedades brasileira e europeia do português literário: um estudo

segundo o conjugado “variação-mudança & cliticização”. Para tanto, utilizou romances

compostos por escritores da literatura brasileira e portuguesa, de modo a aferir a proximidade

ou o distanciamento das normas de uso verificadas em relação às normas idealizadas em

compêndios normativos.

Para a análise, a autora contou com 1427 dados do PB e 1538 do PE, em relação às

lexias verbais simples. Já para os complexos verbais, foram coletadas 431 ocorrências, sendo

194 do PB e 237 do PE. Constatou-se que há uma distribuição equilibrada entre próclise e

ênclise nas lexias verbais simples, provavelmente, por causa do ambiente sintático em que se

encontrava o pronome e a forma verbal. A posição mesoclítica não foi relevante e ocorreu,

majoritariamente, no PE. Em relação ao início absoluto de oração, a ênclise foi categórica no

PE, nos dois séculos; já no PB, a alta produtividade da ênclise cedeu ao uso da próclise no

final do século XX. Nos demais contextos, a próclise foi bem produtiva quando havia a

presença de elementos proclisadores clássicos tanto no PE quanto no PB e nos dois séculos,

em especial no PE, em que a variante proclítica ocorreu de forma quase categórica.

Santos separou os complexos verbais segundo a forma do v2 (particípio, gerúndio e

infinitivo) e verificou que a colocação proclítica a v1 não foi efetivamente favorecida nos

complexos verbais como ocorreu com as lexias verbais simples. Somente os complexos

verbais com o verbo principal no particípio tiveram o favorecimento dessa variante, tendo em

vista a impossibilidade da realização da colocação pós-complexo verbal com o particípio.

Segundo a autora, a forma mais utilizada com o infinitivo foi a pós-complexo verbal.

Com o gerúndio, a posição mais produtiva, no século XIX, foi a proclítica ao complexo

verbal e, no século XX, foi a intra-complexo verbal com hífen. Já com o verbo principal no

particípio, houve o favorecimento da variante pré-complexo verbal – talvez, segundo a autora,

por causa da presença de elementos proclisadores no contexto – e não houve a utilização da

colocação pós-complexo verbal.

Nunes (2014), em sua tese de doutorado, intitulada A ordenação do clítico “se” em

complexos verbais nas produções escritas do Brasil e de Portugal nos séculos XIX e XX

segundo a perspectiva sociolinguística, investigou a colocação do pronome átono “se” em

estruturas com mais de uma forma verbal nas variedades brasileira e europeia. O corpus foi da

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modalidade escrita e retirado de editoriais, notícias e anúncios dos jornais dos séculos XIX e

XX. A autora mostrou as diferenças e semelhanças na utilização do clítico “se” em estruturas

verbais complexas nas duas variedades.

O trabalho adotou uma abordagem diacrônica e utilizou como fundamentação a

Teoria da Variação e Mudança Laboviana. A autora verificou o comportamento das normas

de uso brasileiras e europeias ao longo dos dois séculos.

Com a análise dos dados, verificou-se que, durante toda a trajetória, houve uma

aproximação, no século XIX, da escrita brasileira à europeia, com o uso mais frequente da

variante proclítica a v1 ou enclítica a v2; e, no século XX, foi aumentando paulatinamente o

distanciamento das duas variedades, havendo, no PB, o início do uso da variante proclítica a

v2. Já no PE, a ordem dos pronomes estaria quase sempre relacionada com as motivações

estruturais, como o uso da próclise ao complexo verbal quando houvesse a presença de algum

elemento proclisador. Entretanto, vale ressaltar que, quando havia algum elemento que

favorecesse a variante proclítica, a próclise não se deu de maneira categórica, mas foi muito

produtiva.

Em relação ao tipo de clítico, vale ressaltar especificamente a diferença no

comportamento dos tipos de “se”. O “se” indeterminador ligou-se, em especial, a v1, e o

reflexivo/inerente ligou-se predominantemente a v2. A autora verificou que haveria

comportamento diferente de acordo com o tipo de “se” e segundo a variedade em questão –

brasileira ou europeia. Sendo assim, no PB, o pronome “se” reflexivo/inerente apareceria

mais proclítico a v2, que é o verbo que lhe dá papel semântico. Na última fase do século XX,

a ênclise a v1 chegou a desaparecer na amostra brasileira e a próclise a v1 apresentou forte

declínio. O “se” indeterminador/apassivador estaria mais ligado a v1. Já no PE, a diferença

entre os tipos de clítico seria menos evidente – embora o “se” indeterminador/apassivador

estivesse mais ligado a v1 –, pois o que atuaria fortemente seria o ambiente sintático em que o

clítico aparece.

NUNES destacou algumas semelhanças entre as variedades brasileira e europeia

quanto à colocação do clítico se em complexos verbais, como pode ser verificado abaixo:

(i) Em contexto de início absoluto de período/oração, não houve registros de

próclise a v1;

(ii) não houve dados de ênclise a v2 com a forma participial do verbo principal;

(iii) a próclise a v1 é a variante preferencial com o indeterminador, enquanto a

ênclise a v2 é a variante preferencial com o reflexivo;

(iv) o “se” indeterminador parece mais sensível à atuação do elemento

“proclisador” do que o “se” reflexivo. (NUNES, 2014, p. 264)

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A autora ressaltou também que, em relação ao PB, a utilização da próclise do se

reflexivo a v2 foi considerada uma inovação brasileira, tendo em vista o fato de não ser

encontrada na amostra europeia nem em outras línguas românicas. A colocação v1 (x) cl v2

foi utilizada, no PE, somente nas frases em que o complexo verbal era formado por uma

preposição ou conector interveniente com uma função proclisadora no interior da construção;

assim, o que haveria seria a ênclise ao elemento interveniente e não próclise a v2.

Além disso, também destacou o fato de a modalidade escrita ser bem diferente da

modalidade oral, uma vez que os resultados encontrados do PB escrito, embora sugiram as

transformações ocorridas na fala, estariam muito distantes dos verificados na norma

vernacular brasileira. Sendo assim, a partir da análise do corpus, verificou-se que a

modalidade escrita é completamente diferente da oral. Maior evidência disso foi o fato de não

ter ocorrido próclise a v1 em início de período ou oração, em nenhum período analisado.

Dessa forma, verifica-se que a tese de Nunes demonstra que a história do clítico “se”

se particulariza em relação à história dos clíticos em geral. Com o pronome “se”

indeterminador, não houve mudança nem diferença entre PB e PE; com “se” reflexivo, no

entanto, há uma aproximação da história geral da colocação, havendo, assim, a efetiva

alteração para a variante proclítica a v2.

Para atestar o que efetivamente acontece em dados sincrônicos do Português do

Brasil, do Português Europeu e do Português de São Tomé, serão resumidamente descritos,

no próximo tópico, os principais trabalhos que tratam o tema na sincronia mais

contemporânea.

2.2.2.2. A colocação pronominal no Português: estudos sincrônicos

Nesta seção, serão apresentados os trabalhos de Vieira (2002), Magro (2004),

Gonçalves (2009), Vieira, M. F. (2011) e Corrêa (2012), que estudam o tema em variedades

da Língua Portuguesa, com dados recolhidos entre os anos 70 e 90 do século passado e, no

caso do último trabalho citado, dados do século XXI.

Vieira (2002), em sua tese de doutorado, nomeada Colocação pronominal nas

variedades europeia, brasileira e moçambicana: para a definição da natureza do clítico em

português, mostrou resultados comparativos da ordem dos clíticos pronominais entre as

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variedades europeia, brasileira e moçambicana, com base na análise sociolinguística dos

dados da fala e da escrita do Português no século XX.

A autora analisou um total de 5196 dados de clíticos pronominais em lexias verbais

simples e complexos verbais, distribuídos pelas modalidades oral e escrita das três variedades

do Português. As lexias verbais simples compreenderam o total de 4167 dados e os

complexos verbais, 1029 casos.

Considerando exclusivamente os dados das lexias verbais simples e dos complexos

verbais na escrita, a pesquisa contou com o total de 722 ocorrências das primeiras e 137

ocorrências dos últimos, no conjunto das três variedades. Na modalidade escrita, os grupos de

fatores mais relevantes foram:

para o Português Europeu: operador de próclise, distância operador-clítico e

tempo e modo verbais;

para o Português Moçambicano: operador de próclise, distância operador-

clítico, tipo de oração e tipo de clítico;

para o Português do Brasil: operador de próclise, tipo de clítico / valor de “se”,

tipo de oração e distância operador-clítico.

Constatou-se que, de forma geral, a ênclise foi a variante não-marcada no PE e PM,

mas no PB foi a próclise. Em relação ao PE, verificou-se que, nas lexias verbais simples, há

um condicionamento estrutural sistemático na modalidade escrita, ou seja, quando havia um

elemento proclisador, ocorria a variante pré-verbal, mas, quando não havia, o que se dava era

a ênclise. Destacou-se, assim, a grande atuação dos elementos proclisadores no PE. A autora

também verificou que o número das duas variantes – próclise e ênclise – ficou equilibrado por

causa dos contextos subordinados, havendo, assim, elementos que favorecem a variante pré-

verbal. Nos complexos verbais da modalidade escrita, a colocação pré-complexo verbal

também foi a mais utilizada quando havia algum elemento proclisador.

No Português Moçambicano, o condicionamento não se mostrou sistemático como

no PE; o que há é uma instabilidade da “operação de próclise”, uma vez que a ênclise é uma

variante produtivamente utilizada nas lexias verbais simples, mesmo em contextos em que se

esperaria a realização da variante pré-verbal. Nos complexos verbais, a colocação pré-

complexo verbal também foi a mais encontrada, especialmente com o elemento proclisador

“não”.

Em relação ao Português do Brasil, houve um comportamento bem diferente em cada

modalidade. Nas lexias verbais simples da modalidade escrita, a posição enclítica ocorreu, em

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geral, quando não havia a presença de elementos proclisadores, mas, quando havia, verificou-

se mais a próclise. Nos complexos verbais, a variante mais encontrada foi a intra-complexo

verbal, com o clítico ligado ao verbo principal, configurando a chamada próclise a v2.

Para os dados orais do PE, a autora utilizou inquéritos de informantes com diferentes

faixas etárias e níveis de escolaridade, retirados do “Corpus de Referência do Português

Contemporâneo” (CRPC) – pertencentes ao Português Fundamental. Para investigar o

Português Moçambicano, os dados foram retirados do corpus do Projeto “Panorama do

Português Oral de Maputo” (PPOM), organizado por Perpétua Gonçalves, da Universidade

Eduardo Mondlane, considerado como os únicos dados de língua oral de Moçambique

disponíveis para estudo no momento da investigação. Para o estudo do PB, foram utilizadas

as entrevistas coletadas de três Projetos de Pesquisa: o Projeto NURC/Rio (Norma Linguística

Urbana Culta do Rio de Janeiro), o Projeto PEUL (Programa de Estudos do Uso da

Linguagem) e o Projeto APERJ (Atlas Etnolinguístico dos Pescadores do Estado do Rio de

Janeiro).

Vieira obteve, para as lexias verbais simples na modalidade oral, um total de 3445

dados, bem mais elevado do que o da modalidade escrita, que correspondeu a apenas 722

dados. Os complexos verbais na amostra de fala apresentaram 892 ocorrências, também um

número bem maior que o da escrita, representada apenas por 137 casos nas três variedades.

Em relação às lexias verbais simples, semelhantemente ao que ocorreu na escrita, a

ênclise, na modalidade oral, também foi a variante não-marcada no Português Moçambicano,

enquanto no Português do Brasil foi a próclise. No Português Europeu, a próclise ocorreu um

pouco mais que a ênclise, provavelmente por causa da presença de elementos proclisadores.

Na tabela retirada da tese de Vieira (2002, p. 85), pode-se observar a ocorrência das variantes

nas três variedades:

Lexias verbais simples – Modalidade Oral

Português Europeu Português Moçambicano Português do Brasil

Freqüência Percentual Freqüência Percentual Freqüência Percentual

Próclise 383/729 53% 651/1347 48% 1221/1369 89%

Ênclise 346/729 47% 696/1347 52% 148/1369 11%

Mesóclise 0/729 0% 0/1347 0% 0/1369 0%

Tabela 1: Distribuição das variantes relativas à ordem dos clíticos em lexias verbais simples

no “corpus” oral das três variedades do Português segundo Vieira (2002)

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50

De acordo com a tabela, verifica-se que, no PE, houve mais dados proclíticos (53%),

enquanto, no PM, ocorreram mais dados enclíticos (52%). No entanto, nas duas variedades, as

duas variantes estão bem próximas da metade (50%). O resultado mais diferente está no PB

em que os índices da variante proclítica foram bem elevados (89%).

Os grupos de fatores mais relevantes para o condicionamento do fenômeno foram os

seguintes:

para o Português Europeu: operador de próclise, distância operador-clítico,

tempo e modo verbais e tipo de clítico;

para o Português Moçambicano: operador de próclise, distância operador-

clítico, tempo e modo verbais, tipo de clítico e tipo de oração;

para o Português do Brasil: operador de próclise, tipo de clítico, valor de “se”

e faixa etária.

Além do operador de próclise, que foi relevante para as três variedades e será

detalhado a seguir, no PE e no PM, a distância operador-clítico, tempo e modo verbais e tipo

de clítico também se mostraram importantes para a efetivação do fenômeno, além do tipo de

oração para o PM. Verifica-se, assim, que até os elementos importantes no condicionamento

do fenômeno são parecidos no PE e no PM.

A forte atuação dos elementos proclisadores nas lexias verbais simples do PE na

modalidade escrita também foi verificada nos dados orais, fazendo com que a próclise fosse a

mais utilizada nesses contextos, mas nem sempre de forma categórica, como se pode verificar

na tabela a seguir retirada de Vieira (2002, p. 103):

Lexias verbais simples – Modalidade oral

OPERADOR DE

PRÓCLISE

Português Europeu Português Moçambicano Português do Brasil

Freqüência Percentual Freqüência Percentual Freqüência Percentual

Nenhum 2/174 1% 8/285 3% 166/250 66%

SN sujeito nominal 3/26 12% 10/55 18% 57/62 92%

SN sujeito pronome

pessoal

3/20 15% 6/45 13% 140/143 98%

SN sujeito pronome

indefinido

– – 1/5 20% 3/3 100%

SN suj. pronome

demonstrativo

0/5 0% 0/5 0% 13/14 93%

Conj. coord. aditiva 0/31 0% 2/62 3% 41/55 75%

Conj. coord. altern. 1/5 20% 1/8 13% 0/1 0%

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51

Conj. coord. advers. 1/9 11% 1/18 6% 16/20 80%

Conj. coord. concl. 0/1 0% 0/7 0% – –

Conj. coord. explic. 4/17 24% 8/30 27% 19/21 90%

SAdv – aqui 20/25 80% 16/28 57% 44/55 82%

SAdv – sempre 3/17 18% 9/31 29% 20/22 91%

Sadv em –mente 0/4 0% 1/3 33% 3/3 100%

Locuções adverbiais 2/21 10% 0/12 0% 9/12 75%

Elem. “denotativo” 20/23 87% 6/20 30% 24/25 96%

Prep. A 2/6 33% 3/17 18% 3/3 100%

Prep. Para 18/19 95% 63/74 85% 45/47 96%

Prep. De 26/32 81% 45/59 76% 25/28 89%

Prep. Por – – 2/4 50% 1/1 100%

Prep. sem 3/3 100% 5/5 100% 2/2 100%

Prep. Em 2/4 50% 0/3 0% 3/3 100%

Part. de negação 96/96 100% 177/179 99% 210/211 100%

Conj. Subordinativa 31/35 89% 52/74 70% 55/57 96%

Conj. integrante se – – 4/5 80% 2/3 67%

Conj. integrante que 27/28 96% 25/52 48% 33/36 92%

Pron. relativo que 94/95 99% 144/183 79% 155/159 97%

Loc. Conj. em que 11/16 69% 12/14 86% 15/16 94%

Est. clivada em que 11/12 92% 26/32 81% 78/79 99%

Pal. QU- inter. pron. – – 5/5 100% 1/1 100%

Pal. QU- inter. adv. – – 6/7 86% 21/21 100%

Pron. / adv. Relativo 2/2 100% 15/20 75% 11/11 100%

Tabela 2: Índices de frequência da próclise por “presença de operador de próclise na oração” e

variedade do Português nas lexias verbais simples do “corpus” oral segundo Vieira (2002)

Somente com as partículas de negação e com os pronomes e advérbios relativos, a

próclise se deu de forma categórica no PE. Com os outros elementos proclisadores, como as

conjunções subordinativas (89%), conjunções integrantes (96%) e pronome relativo “que”

(99%), os índices foram bem altos, mas nenhum categórico.

Para o PM, a modalidade oral teve os resultados bem parecidos com os da escrita,

apresentando produtivamente a variante pós-verbal para as lexias verbais simples, mesmo nos

contextos favorecedores da próclise, mostrando a assistematicidade da colocação pronominal

no PM, como pode ser verificado na tabela acima, em que os elementos como as conjunções

subordinativas (70%), conjunções integrantes (48%) e pronome relativo “que” (79%) tiveram

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os índices bem abaixo do que ocorreu no PE. Dessa forma, no PE, apesar de não ser

categórica, a próclise, nesses contextos, ocorre com bem mais frequência que no PM.

Diferentemente do que ocorreu para as demais variedades do Português, a colocação

dos clíticos no PB, em relação às lexias verbais simples, deu-se de forma bem peculiar,

dependendo da modalidade em que se inseria. Como se viu, na escrita, houve produtiva

realização da variante enclítica (93/201 – 46%), em comparação com a modalidade oral, em

que a colocação proclítica foi a mais utilizada (1221/1369 – 89%), independente da presença

de um elemento proclisador. Dessa forma, a próclise foi a que prevaleceu de modo

generalizado nos contextos de lexias verbais simples. Isso mostrou que, na escola, se aprende

uma norma bem diferente da que é utilizada naturalmente pelos falantes, o que configuraria,

segundo a autora, uma nítida situação de “diglossia”. Ressalta-se que os 11% dos dados de

ênclises ocorridos no PB eram de tipo estrutural específico.

Em relação aos complexos verbais, pode ser observada a distribuição das três

variantes em cada modalidade do português na tabela abaixo retirada de Vieira (2002, p. 262):

Tabela 3: Distribuição das variantes pré-CV, pós-CV e intra-CV no “corpus” oral das três

variedades do Português segundo Vieira (2002)

No PE oral, a colocação mais utilizada foi a intra-complexo verbal (46%) e o clítico

estava enclítico a v1. A variante pré-complexo verbal foi a segunda mais utilizada (35%) e,

assim como nas lexias verbais simples, foi favorecida pela presença de elementos

proclisadores no contexto em que o clítico se inseria, embora o registro dessa variante não

tenha sido categórico, como não o foi nas lexias verbais simples. Por último, foi a realização

da pós-cv com 19% das ocorrências.

No PM, a maior ocorrência da colocação foi a intra-complexo verbal (64%), estando

o clítico pronominal ligado ao verbo auxiliar, como ocorreu no PE. Depois houve a maior

realização da pré-CV (20%) seguida pela pós-CV (16%).

Complexos verbais – Modalidade Oral

Português Europeu Português Moçambicano Português do Brasil

Freqüência Percentual Freqüência Percentual Freqüência Percentual

cl V1 V2 70/201 35% 86/437 20% 18/254 7%

V1 cl V2 92/201 46% 282/437 64% 229/254 90%

V1 V2 cl 39/201 19% 69/437 16% 7/254 3%

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Com os complexos verbais, na modalidade oral, a variante mais utilizada, no PB,

também foi a intra-complexo verbal. Vale ressaltar que essa variante foi utilizada em 90% dos

dados, independentemente da atuação de qualquer elemento proclisador. O clítico, nesses

casos, ao que parece, não se ligaria ao verbo auxiliar – como ênclise a v1 –, mas estaria ligado

ao verbo principal – como próclise a v2. Essa é uma particularidade do PB, segundo apontam

diversos estudos sobre o tema.

A autora também realizou uma análise prosódica da ligação dos clíticos aos

vocábulos circunvizinhos, além de apresentar condicionamentos linguísticos e sociais

referentes às lexias verbais simples e aos complexos verbais. Assim sendo, a tese levou em

consideração a interface morfologia-sintaxe-fonologia e utilizou o aporte teórico-

metodológico da Sociolinguística Variacionista Laboviana, com o objetivo de estabelecer os

condicionamentos linguísticos e extralinguísticos que determinam os parâmetros de colocação

dos pronomes oblíquos átonos.

Quanto à análise dos dados pela base acústica, Vieira fez uso do Programa CLS

(Computerized Speech Lab), utilizando dois procedimentos metodológicos: a medição dos

parâmetros acústicos de acento e a síntese de fala associada a testes de percepção auditiva.

Com base na análise prosódica, Vieira constatou que o pronome oblíquo átono no

PE, no que diz respeito à duração e à intensidade, possuía as mesmas características de uma

sílaba postônica vocabular e que a ligação fonológica do clítico pronominal no PE assumia o

parâmetro de ligação fonológica para a esquerda, o que confirmaria, também no plano da

pronúncia, o padrão enclítico dessa variedade. No PM, assim como o PE, supôs-se que o

padrão de cliticização fonológica também seria à esquerda.

Diferentemente das outras duas variedades, a análise acústica mostrou que o clítico,

no PB, possui, quanto à duração e à intensidade, as mesmas características de uma sílaba

pretônica vocabular. O estudo sobre a cliticização fonológica também mostrou que,

diferentemente das demais variedades, o padrão da ligação fonológica do PB é à direita,

inversa das demais variedades em estudo.

Os resultados de Vieira (2002) e de outros estudiosos que analisam a(s) norma(s)

brasileira(s) mostram a distância entre a língua que se aprenderia na escola no caso de alguns

fenômenos, como se fosse um código estranho ao usuário, e a fala natural, que revelaria a

língua vernacular. Confirma-se com clareza, assim, o pressuposto da afirmativa de Sartre

(apud VIEIRA): “falamos em nossa própria língua e escrevemos em língua estrangeira”.

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Considerando exclusivamente dados do Português Europeu, Magro (2004), em seu

trabalho intitulado O fenómeno da subida de clítico a luz de dados não-standard6 do PE,

apresentou os contextos em que há a possibilidade de um clítico, que é argumento do verbo

principal (v2), “subir” e ligar-se ao verbo auxiliar (v1), antes ou depois deste.

No decorrer do trabalho, a autora mostrou algumas propostas para analisar a subida

do clítico no PE standard e em outras línguas românicas, como o italiano e o espanhol. A

pesquisadora analisou 824 estruturas – em que fosse possível a subida do clítico – coletadas

de dados dialetais do PE contemporâneo encontrados no corpus CORDIAL-SIN – Corpus

Dialectal para o estudo da Sintaxe. Esse corpus é composto por dados orais de dezenove

localidades de Portugal, recolhidos entre os anos 70 e os anos 90. Das 824 estruturas, 245

delas cliticizaram-se ao verbo principal e 579 ligaram-se ao verbo auxiliar, mostrando a

grande quantidade da subida de clítico nos dados analisados.

Ressaltou-se que, no PE standard, a subida de clítico, nos contextos em que havia

mais de um verbo, sempre ocorre quando o verbo principal é formado por gerúndio ou

particípio. Contudo, quando o verbo principal está no infinitivo não-flexionado, a subida do

clítico poderia acontecer ou não.

A autora destacou o fato de os dados analisados, por serem extraídos de corpus

chamado “dialetal”, serem mais propícios à subida de clítico do que os das gramáticas

consideradas standard. Verificou, também, que os contextos que eram introduzidos por que e

com infinitivos preposicionados por de, em e para não eram favorecedores da subida de

clítico no Português Europeu dialetal e que havia uma preferência pela subida dos clíticos nas

estruturas em que os infinitivos não estavam preposicionados (“A minha mãe adora-me ver

com estas calças”) ou estavam preposicionados por a (ex.: “Eu já me aprendi a controlar”).

Gonçalves (2009), em sua dissertação de mestrado denominada A colocação dos

pronomes clíticos no português oral de São Tomé: análise e discussão de contextos numa

perspectiva comparativa, ocupou-se, como evidencia o título, da colocação dos clíticos

pronominais em corpus oral de São Tomé. A autora ressaltou a falta de trabalhos do

Português Africano e destacou que, quando há algum trabalho, geralmente é do Português de

Moçambique ou de Angola.

6 Vale ressaltar que o chamado Português não-standard ou dialectal se refere aos dados dos falantes considerados

analfabetos ou com pouca escolaridade de diversas regiões de Portugal.

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A pesquisadora teve como objetivo principal analisar e discutir os contextos em que

os clíticos pronominais apareceriam nos dados empíricos recolhidos nas entrevistas de São

Tomé e, para isso, baseou-se nos trabalhos que tratam do tema no Português nas variedades

padrão e dialetais, bem como os trabalhos sobre o Português do Brasil, Moçambicano e o de

Afonso (2008), que trata do Português em São Tomé. O corpus utilizado pertence ao Projeto

VAPOR – Variedades Africanas do Português7.

Inicialmente, a autora pretendia verificar todos os contextos relacionados ao

fenômeno; no entanto, como havia muitos dados, optou por analisar apenas dois tópicos: a) a

colocação dos clíticos em frases finitas e b) as estratégias de realização do clítico acusativo e

dativo de terceira pessoa. Além disso, a autora não utilizou as entrevistas de todos os

informantes do corpus, mas apenas as dez que já possuíam a transcrição dos dados orais até o

momento de sua dissertação, sendo seis do sexo masculino e quatro do sexo feminino.

No início de seu trabalho, a autora contextualizou o Português de São Tomé e

Príncipe como um espaço plurilinguístico. No entanto, ressaltou o fato de a maior parte da

população dizer que falava como língua materna o Português, e utilizava o crioulo apenas

quando não queriam ser compreendidos ou com pessoas mais velhas. As crianças, em geral,

não sabiam falar crioulo. A autora fez a apresentação e descrição detalhada de todos os dados

nos contextos de (i) orações principais finitas e em orações subordinadas e (ii) estratégias de

realização do pronome acusativo e dativo de 3ª pessoa.

Nas orações principais finitas, houve a análise dos clíticos pronominais nas frases

simples, nas orações principais de frases complexas (períodos compostos) e nas orações

coordenadas aditivas e adversativas em oposição às orações subordinadas. Todos os dados

foram analisados separando os dados proclíticos dos enclíticos nos contextos em que havia (i)

negação, (ii) advérbios focalizadores, (iii) advérbios focalizados, (iv) declarativas enfáticas e

(v) contextos ambíguos (quando houve a interpolação). Nas orações subordinadas, foram

analisadas as colocações dos clíticos em todos os contextos das diversas orações: relativas,

completivas, adverbiais, comparativas e construções de clivagem.

Com a análise detalhada de cada exemplo encontrado em cada contexto, a autora

verificou que havia variação entre próclise e ênclise nos mesmos ambientes sintáticos –

semelhantemente ao que, em certa medida, se atesta nos resultados de Vieira (2002) para o

7 Parte da amostra da presente tese é comum ao conjunto de dados verificados por Gonçalves (2009). No entanto,

diferentemente do ocorrido no trabalho da autora, que usou apenas parte dos dados produzidos por dez

informantes cujas entrevistas estavam transcritas, será analisada a totalidade das ocorrências produzidas por

esses informantes, além de todas as estruturas com clíticos verificadas em outros sete inquéritos não analisados

por Gonçalves (2009).

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Português Moçambicano – e isso era muito frequente no Português de São Tomé e Príncipe.

A pesquisadora ressaltou que essa era uma característica bem comum de uma variedade

linguística que estava começando a firmar o Português como língua materna. Ressaltou,

ainda, que:

Aquilo que os dados dos clíticos nos mostram é que, muito provavelmente, o

português de S. Tomé constitui uma interlíngua ainda não fossilizada pelo que a

variação nas mesmas estruturas não nos permite caracterizar o sistema de colocação

dos clíticos, mas tão-somente descrevê-lo o mais pormenorizadamente possível

procurando entrever aquilo que pode vir a constituir uma idiossincrasia do seu

sistema linguístico. (Gonçalves, 2009, p. 22)

Na segunda parte de seu trabalho, Gonçalves verificou as estratégias de realização do

clítico acusativo e dativo de terceira pessoa. Em relação ao caso acusativo, analisou o uso das

formas acusativas, nominativas e outras formas de realização. No que diz respeito ao caso

dativo, averiguou seu uso nas formas dativa, oblíqua, nominativa, com as preposições “a” e

“para”.

Com os resultados das análises, foi possível verificar que o corpus tende a evitar a

realização do pronome acusativo e dativo de 3ª pessoa, fazendo o uso de outras formas em seu

lugar. Nos dados, havia variação entre as formas átonas e tônicas dos pronomes. Em relação à

utilização do clítico acusativo e outras estratégias de realização do pronome, há variação entre

as duas. No que diz respeito ao pronome dativo, a variação ocorreu com a forma dativa e as

formas nominais divididas em: forma oblíqua com complemento preposicionado e o uso do

pronome sujeito. Os clíticos dativos, assim como os acusativos, estavam bem próximos da

variação.

No final de seu trabalho, os dados foram mostrados em uma perspectiva comparativa

entre as variedades nacionais e dialetais do Português em relação à norma padrão do

Português Europeu. A autora ressaltou o fato de seu trabalho ser um dos poucos que

abordavam o Português de São Tomé e enfatizou que ainda havia muita coisa para se observar

e discutir nessa variedade. Além disso, informou o que ainda poderia ser trabalhado com os

clíticos pronominais, mas que ainda não foi feito, como verificar os contextos de omissão dos

pronomes clíticos – e verificar se é uma estratégia recorrente como ocorre no PB – e analisar

se os “dados das orações subordinadas infinitivas seria fundamental para a criação do quadro

geral de colocação dos pronomes clíticos no Português Oral de S. Tomé” (p. 41).

Com a presente tese, a análise de todas as orações com clíticos no Corpus VARPOR

será feita, colaborando para a ampliação do conhecimento da ordem dos clíticos pronominais

no Português de São Tomé.

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Vieira, M. F. (2011), em sua dissertação de mestrado intitulada A cliticização

pronominal em lexias verbais simples e em complexos verbais no Português Europeu oral

contemporâneo: uma investigação sociolinguística, verificou a cliticização pronominal em

entrevistas produzidas no final do século XX por informantes entre 40 e 80 anos, analfabetos

ou com pouca escolaridade, do Português Europeu. Foram coletados os dados de dezesseis

localidades, utilizando, para tanto, o CORDIAL-SIN – corpus dialetal para o estudo da

sintaxe do Português Europeu, o mesmo material que foi usado no trabalho de MAGRO

(2004).

A autora analisou dados em lexias verbais simples e em complexos verbais,

mostrando os principais condicionamentos linguísticos e extralinguísticos atuantes na referida

variedade, tendo como arcabouço teórico-metodológico a Sociolinguística Variacionista

Laboviana e a proposta de parâmetros de cliticização.

Com a coleta de dados, obteve-se o total de 2.953 ocorrências de lexias verbais

simples, sendo 1.033 em início de oração e/ou período e 1920 nos demais contextos com

algum elemento antecedente. Nos complexos verbais, foram encontrados 450 dados; 6

referiam-se a estruturas com dois verbos auxiliares e foram analisadas separadamente,

sobrando, assim, 444 ocorrências. Nos complexos verbais, a estrutura mais produtiva foi com

o verbo principal no infinitivo (384 dados), seguida das estruturas com gerúndio (51 dados) e

particípio (11 dados).

No que diz respeito às lexias verbais simples, destacou-se que, confirmando a

variante prototípica em estruturas não marcadas no PE, não houve dado proclítico em início

absoluto de oração nem de período; por isso, esses contextos foram separados dos demais em

que o pronome aparecia e havia a presença de algum elemento antecedente. As variáveis

linguísticas selecionadas pelo programa GOLDVARB-X como estatisticamente relevantes,

para os demais contextos, foram: (i) elemento antecedente ao clítico, (ii) forma verbal, (iii)

tipo de oração, e (iv) distância entre o clítico e um elemento antecedente. Não houve a seleção

de variáveis extralinguísticas pelo Programa, mostrando que, no PE dialetal, o

condicionamento da colocação pronominal era eminentemente linguístico. A variante mais

utilizada nas lexias verbais simples foi a ênclise, com 52% dos dados, seguida pela próclise,

com 48% das ocorrências, evidenciando distribuição geral equilibrada entre as duas variantes,

com cerca de metade dos dados para cada uma delas. Vale ressaltar que não houve qualquer

dado de mesóclise em todo o corpus analisado.

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Observando o gráfico, a seguir, retirado da dissertação de Vieira (2011, p. 89), pode-

se constatar o favorecimento da próclise com os elementos proclisadores. No entanto, cabe

observar que não há dados categóricos em nenhum dos contextos controlados.

Gráfico 1: Aplicação da próclise (peso relativo) segundo o elemento antecedente ao clítico

segundo Vieira (2011)

As partículas de negação (.98), as preposições “para”, “de”, “por” e “sem” (.97), os

elementos de foco (.95), as estruturas clivadas (.94) e os elementos subordinativos (.76) são

nitidamente favorecedores da variante proclítica.

Em relação aos complexos verbais, a interpretação dos resultados foi feita pelos

percentuais das seguintes variáveis linguísticas: (i) elemento antecedente ao clítico, (ii) tipo

de clítico, (iii) tipo de complexo verbal, (iv) presença/ausência de elementos intervenientes no

complexo verbal e (v) forma verbal auxiliar. A variante mais utilizada foi a ênclise a v1 com

58% dos resultados. A colocação pré-complexo verbal (28% dos dados) foi favorecida pela

presença de algum elemento proclisador, tendo em vista que no PE, inclusive no chamado

dialetal, os contextos descritos como tipicamente “atratores” realmente favoreciam a

colocação do clítico pronominal antes do complexo. No entanto, assim como ocorreu nas

lexias verbais simples, a variante proclítica, nesse caso ao complexo verbal, não foi categórica

nesses contextos, mas ocorreu, principalmente, quando o elemento antecedente era um dos

seguintes tipos: partícula de negação, conjunção subordinativa, estrutura clivada ou

preposição “para” / “de”. A variante pós-complexo verbal (14% das ocorrências) foi a menos

produtiva em todo o corpus, tendo em vista que não houve nenhum dado com o particípio e

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1.98 .97 .95 .94

.76

.53

.18.10 .08.04 .01

Peso

Rela

tiv

o

Partículas de negação

Prep. 'para', 'de', 'por' e 'sem'

Elementos de foco

Estruturas clivadas

Elementos subordinativos

Advérbios

Preposições 'a' e 'em'

SN sujeito

SPrep

Elementos discursivos

Conjunções coordenativas

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apenas dois dados com o gerúndio; essa variante foi utilizada, em geral, com o infinitivo.

Conforme já se esperava, não houve qualquer dado de próclise ao complexo verbal em início

de oração e período, resultado igual ao das lexias verbais simples.

Em sua dissertação de mestrado denominada Cliticização pronominal na região

metropolitana do Rio de Janeiro: a interface sintaxe-fonologia, Corrêa (2012) fez o estudo da

colocação pronominal em complexos verbais de dados orais, do presente século, de falantes

de três faixas etárias e com três níveis de instrução da região metropolitana do Rio de Janeiro,

sendo consideradas as regiões de Nova Iguaçu e de Copacabana (e adjacências). Os dados

foram retirados do corpus do Projeto “Estudo comparado dos padrões de concordância em

variedades africanas, brasileiras e europeias”8.

A autora dividiu seu trabalho em duas partes: a primeira tratava da variação e a

segunda da cliticização pronominal no âmbito fonético-fonológico. Sendo assim, verificaram-

se, em especial, os níveis sintático – a variação posicional dos pronomes – e fonético-

fonológico – a cliticização pronominal propriamente dita, ou seja, a autora verificou se os

pronomes átonos se inclinariam para a direita (próclise fonológica) ou para a esquerda

(ênclise fonológica), com o apoio da Fonologia Experimental.

Como a presente tese trata apenas do plano sintático, será feito, aqui, um pequeno

resumo sobre os resultados variacionistas do trabalho de Corrêa – a colocação sintática

propriamente dita. No entanto, na seção “2.1. Cliticização e padrões de colocação

pronominal”, já houve a abordagem dos resultados referentes aos planos fonético-fonológico,

mostrando a cliticização fonológica dos pronomes.

Corrêa (2012) analisou, considerando as duas comunidades de fala, 258 dados de

lexias complexas. Desse total, 5 (2%) dados ocuparam a posição antes do complexo, 247

(96%) ocorrências foram realizadas no interior do complexo e 6 (2%) ocuparam a posição

posterior ao complexo verbal. Dessa forma, como já se esperava, observou-se que, de 258

dados, há somente 11 ocorrências que não ocuparam a variante interna ao complexo verbal.

Assim, para a análise dos resultados, a pesquisadora utilizou duas estratégias: (i) a descrição

dos dados em termos qualitativos e (ii) a observação de cada variante.

Em Vieira (2002) também se verificou que a posição intra-complexo verbal foi a

mais utilizada no corpus analisado, sendo um total de 90% dos dados, enquanto a posição

8 Ressalta-se que a amostra de onde se extraíram os dados estudados por Corrêa (2012) também será analisada na

presente tese. No entanto, além das ocorrências com duas formas verbais, os dados com apenas uma também

serão analisados.

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60

proclítica ao complexo verbal teve 7% das ocorrências e 3% foi da variante enclítica ao

complexo verbal. Trata-se de resultados com tendências bem parecidas com as verificadas em

Corrêa (2012).

Corrêa (2012) mostrou que, nos dados sob análise, a colocação intra-complexo

verbal estava presente em 96% dos dados. A colocação funcionaria, então, como uma regra

semicategórica (LABOV, 2003), sendo a posição dos clíticos entre as duas formas verbais a

ordem não-marcada. Os poucos dados diferentes seriam de natureza específica, pois a posição

pré-cv ocorreu somente com o pronome “se” indeterminador/apassivador e a pós-cv somente

com o acusativo “o/a (s)”.

Destacou-se que, em termos extralinguísticos, as colocações dos clíticos antes e

depois dos complexos verbais ocorreram praticamente nos dados de nível superior.

Considerando os falantes de ensino fundamental e médio, eles produziram apenas 1% dos

dados que não ocupassem a posição intra-complexo verbal. O caráter semicategórico ficou

mais expressivo ainda quando se abordou o nível de escolaridade; assim, os falantes com

baixo ou intermediário nível de escolaridade produziram em 99% de seus dados a variante

entre as duas formas verbais. Esta também foi a preferida em todos os contextos controlados

das variedades como “localidade”, “faixa etária” e “sexo”. Houve um pouco mais de variação

apenas em Copacabana e nos indivíduos homens com mais de 56 anos. Assim, foi possível

supor que as variantes proclítica e enclítica ao complexo verbal, em geral, não fazem parte do

padrão de colocação pronominal dos indivíduos jovens e de pouca escolaridade.

De modo geral, a autora constatou que a cliticização pronominal, nos complexos

verbais, não configuraria efetivamente um fenômeno variável, mas um processo de mudança

concluído – excetuando-se os dados com “se” indeterminador/apassivador –, tendo em vista o

elevado número de dados intra-complexo verbal e a especificidade das estruturas com a

variante pré-complexo verbal.

2.2.2.3. Síntese das principais tendências dos estudos

No caso das lexias verbais simples, os trabalhos que tratam do fenômeno numa

perspectiva diacrônica mostraram que, no século XVI, a colocação mais utilizada em

construções com uma só forma verbal, exceto em início absoluto de oração, era a proclítica.

No entanto, a partir do século XVII, a posição enclítica foi ganhando espaço, de modo que o

PE a adotou como posição não-marcada, ficando a próclise relegada a condicionamentos

específicos, o que se perpetua até os dias atuais ao menos como tendência geral (embora não

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61

se registrem dados categóricos ou próximo disso). No Português do Brasil, além da

continuidade da próclise nos contextos em que ela já ocorria, houve sua extensão para os

demais, como o do início absoluto de oração.

No que se refere aos complexos verbais, os resultados diacrônicos mostraram que no

PE, tanto no século XIX quanto no XX, não ocorreu a próclise a v2. O pronome apareceu à

esquerda de v2 apenas quando havia uma preposição que integrava o complexo verbal, como

em tem de fazer. Além disso, com a presença de elementos proclisadores ocorreu

preferencialmente a próclise a v1, embora a ênclise a v2 também fosse verificada. No PB do

século XIX, registraram-se alguns dados com a variante inovadora, a próclise a v2, e, no

século XX, a ocorrência dessa posição aumentou, em especial com o reflexivo (cf. NUNES,

2014). Nunes (2014) demonstrou que o clítico se em contextos de indeterminação apresentou

comportamento diferenciado do verificado para os demais clíticos. Assim, a mudança que fez

diferenciar PB e PE não foi efetivamente observável no caso desse pronome, que, por ser

nominativo, apresentou preferencialmente a posição adjacente a v1 nas duas variedades.

Para sintetizar as principais tendências verificadas nos trabalhos sincrônicos escritos,

pode-se afirmar que, em contextos de uma só forma verbal, a colocação dos clíticos no PE

contemporâneo – escrito ou oral – teve forte condicionamento sintático, especialmente no que

concerne à presença de elementos proclisadores, contexto que favorece a variante pré-verbal.

No entanto, vale destacar que, nos contextos em que há elementos que favorecem a variante

pré-verbal, a próclise não se dá de forma categórica, como mostraram os estudos de Vieira

(2002) e Vieira, M. F. (2011). Na ausência de determinados elementos e, em especial, no

início absoluto de frase, ocorreu a ênclise9.

Na modalidade oral das lexias verbais simples, nos contextos de início absoluto de

oração e de período, a variante enclítica ocorreu de forma categórica no PE (VIEIRA, 2002;

VIEIRA, 2011). Já nos demais contextos, o ambiente sintático indicaria se a maior ocorrência

seria de próclise ou de ênclise no PE, embora de forma menos rigorosa se comparada com a

escrita. A variante preferencial no PB foi a pré-verbal, ficando a pós-verbal circunscrita a

contextos muito específicos relacionados ao tipo de clítico, sobretudo o acusativo de terceira

pessoa, pouco produtivo de modo geral, e o se como estratégia de indeterminação. Ficou

claro, também, pela observação dos resultados, que as diferenças entre PB e PE foram

9 Na gramática do Raposo et alii (2013), Ana Maria Martins sistematiza detalhadamente os elementos que

licenciariam a próclise e a ênclise.

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fortemente atenuadas na modalidade escrita, por força do ideal de norma postulado, que se

inspira fundamentalmente no modelo europeu. No entanto, na modalidade oral a diferença é

bem significativa, em especial, dentro do próprio PB, nos quais os resultados da escrita não

são comparáveis com os da oralidade, tendo em vista que os índices de próclise nos dados

orais são quase categóricos nas lexias verbais simples.

Embora praticamente não se verifiquem resultados sobre variedades africanas do

Português, Vieira (2002) aponta que, em Moçambique, a colocação mais expressiva é a pós-

verbal, ocorrendo, inclusive, em contextos em que se costuma esperar – consoante o padrão

de uso europeu – a próclise ao verbo, o que sinalizaria certa instabilidade na opção

preferencial da variedade, típica da situação de formação inicial de uma variedade linguística.

Gonçalves (2009) verificou que, nos dados estudados em São Tomé, ocorreu a variação entre

próclise e ênclise nos mesmos contextos sintáticos. Segundo a autora, isso se justificaria pelo

fato de o Português em São Tomé ser uma variedade “que, embora actualmente comece a

afirmar-se como língua materna, foi adquirida como língua segunda” (GONÇALVES, 2009,

p. 22). Assim, segundo a autora, o Português em São Tomé “constitui uma interlíngua ainda

não fossilizada pelo que a variação nas mesmas estruturas não nos permite caracterizar o

sistema de colocação dos clíticos mas tão somente descrevê-lo o mais pormenorizadamente

possível.” (GONÇALVES, 2009, p. 22), ou seja, a próclise e a ênclise ocorreriam, muitas

vezes, nos mesmos contextos, fazendo com que nem sempre fosse possível definir uma

preferência por determinada colocação. Sendo assim, Gonçalves não conseguiu caracterizar

todo o sistema de colocação dos pronomes átonos, mas o descreveu o mais minuciosamente

possível, para verificar o que poderia ser uma idiossincrasia do sistema linguístico da

variedade em formação.

Quanto à colocação dos pronomes átonos nos complexos verbais, ressalta-se que há

apenas cinco trabalhos de natureza variacionista, dentre os pesquisados que trataram dessas

estruturas na modalidade oral da Língua Portuguesa – Vieira (2002), Magro (2004),

Gonçalves (2009), Vieira, M. F. (2011) e Corrêa (2012) – e, dentre eles, apenas três

abordaram o tema no PE – Vieira (2002), Magro (2004) e Vieira, M. F. (2011). Estes

trabalhos sugeriram, em geral, que, no Português Europeu, os clíticos apareceriam mais na

posição intra-complexo verbal e, aparentemente, estariam ligados, preferencialmente, ao

verbo auxiliar (v1-cl v2). A pré-cv ocorreria principalmente na presença de elementos

proclisadores e com o pronome “se” indeterminador/apassivador; a pós-cv seria desfavorecida

com verbos no gerúndio, não ocorreria com verbos no particípio e seria favorecida pelos

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pronomes acusativos “o/a (s)”. Em relação ao conjunto de mudanças sintáticas por que passou

a Língua Portuguesa, os estudos advertiram, também no caso dos complexos verbais, para a

diferenciação entre o Português da Europa e o Português do Brasil. No PB, a regra foi

semicategórica, uma vez que a colocação interna ao complexo verbal foi a mais utilizada,

independentemente da presença de qualquer tipo de elemento condicionador, com o pronome

ligado ao verbo posterior, configurando um caso de próclise a V2. Nessa variedade, os

contextos enclíticos a v2 ocorreram somente com os pronomes acusativos (“o (s)” e “a (s)”) e

os proclíticos a v1, somente com os pronomes “se”, em especial o indeterminador. Em

Moçambique, Vieira (2002) observou que o clítico, quando localizado entre as duas formas

verbais, preferencialmente se ligaria a V1. Em relação aos resultados do PST, não foi possível

propor qualquer sistematização, porque Gonçalves (2009) não estudou as estruturas com mais

de uma forma verbal.

Como se pode observar, a análise comparativa entre as três variedades do Português

proposta na presente pesquisa poderá preencher, ao menos em parte, a lacuna que existe em

descrições científicas, sobretudo as de natureza variacionista, em relação ao fenômeno em

pauta. Ademais, procura verificar se a colocação, em cada uma dessas regiões, possui

características diferentes ou semelhantes e, em que medida, pode ser aproximada a língua do

colonizador (PE) e dos colonizados (PB e PST), além de discutir se, de alguma forma, haveria

motivações, diretas ou indiretas, relacionadas à situação de contato linguístico envolvendo os

países colonizados.

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3. TEORIA DA VARIAÇÃO E MUDANÇA: PRESSUPOSTOS BÁSICOS

Neste capítulo, serão apresentados os pressupostos básicos da Teoria da Variação e

Mudança de orientação laboviana, destacando os principais conceitos e os cinco problemas da

mudança linguística.

Para a Sociolinguística Laboviana, a variação faz parte da língua e não ocorre

aleatoriamente, ou seja, a variação encontrada na língua ocorre de forma regular e

sistemática, havendo, assim, uma heterogeneidade ordenada (WEINREICH, LABOV &

HERZOG, 1968; LABOV, 1972; 1994; 2003). Dessa forma, pode-se dizer que a variação

e/ou mudança ocorre de maneira ordenada, influenciada por condicionadores internos e

externos da língua, contrapondo-se à tradição estruturalista de Saussure, que privilegiava o

caráter homogêneo da língua.

A análise da cliticização dos pronomes oblíquos átonos, como um fenômeno

variável, baseia-se, então, na Teoria da Variação e Mudança Linguística, referida acima. Para

tanto, verifica se a variação, ou seja, o fato de duas ou mais formas de colocação pronominal

transmitirem, em um determinado contexto, o mesmo significado, foi influenciada pelos

fatores línguísticos e/ou extralinguísticos sob análise.

Interessada fundamentalmente pela variação e mudança linguística, a análise

sociolinguística prioriza o estudo da língua utilizada dentro da sociedade, em situações reais

de fala. Para Labov (2008 [1972], p. 215), “este tipo de pesquisa tem sido às vezes rotulado

de „sociolinguística‟, embora este seja um uso um tanto enganoso de um termo estranhamente

redundante. A língua é uma forma de comportamento social (...)”. Sendo assim, o objetivo

principal da Sociolinguística é verificar a relação entre língua e sociedade e estudar a variação

e/ou mudança linguísticas dentro do contexto social de uma comunidade de fala.

Na Teoria da Variação e Mudança, o importante é estudar a estrutura e a evolução da

língua, tendo em vista sua interação com a sociedade. O lugar para verificar a variação e/ou

mudança linguística chama-se comunidade de fala. Para Labov (2008 [1972], p. 287), “as

atitudes sociais para com a língua são extremamente uniformes dentro de uma comunidade de

fala”, ou seja, os indivíduos não precisam usar as mesmas formas da língua, mas devem

acreditar nas mesmas normas de uso da língua para estarem dentro de uma comunidade de

fala. Guy (2000, p. 18) resume as características de uma comunidade de fala da seguinte

forma:

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(1) Definição de comunidade de fala

- características lingüísticas compartilhadas; isto é, palavras, sons ou construções

gramaticais que são usados na comunidade, mas não o são fora dela.

- densidade de comunicação interna relativamente alta; isto é, as pessoas

normalmente falam com mais freqüência com outras que estão dentro do grupo do

que com aquelas que estão fora dele.

- normas compartilhadas; isto é, atitudes em comum sobre o uso da língua, normas

em comum sobre a direção da variação estilística, avaliações sociais em comum

sobre variáveis lingüísticas.

Dessa forma, para a Sociolinguística, para que seja possível estudar a língua, deve-se

verificar a comunidade de fala e não o indivíduo isoladamente, mas os falantes em seu

ambiente social. Dessa forma, os indivíduos que pertencem à mesma comunidade de fala não

precisam compartilhar idênticas formas linguísticas, mas precisam ter as mesmas tendências

de uso e as mesmas normas de avaliação.

Na presente tese, serão analisadas as ocorrências de clíticos pronominais produzidas

nas diferentes comunidades de fala em estudo e, além da análise qualitativa das estruturas

gramaticais encontradas, serão observadas as tendências/frequências de uso de cada

comunidade, com base nos valores absolutos e percentuais, além dos pesos relativos, quando

possível, obtidos para cada fator controlado nas amostras de cada uma das variedades.

Segundo Labov, o vernáculo da língua seria “o estilo em que se presta o mínimo de

atenção ao monitoramento da fala. A observação do vernáculo nos oferece os dados mais

sistemáticos para a análise da estrutura linguística.” (2008 [1972], p. 244). Constata-se, assim,

que, para as pesquisas sociolinguísticas, o tratamento dos dados linguísticos deve considerar,

em especial, a modalidade oral da língua, tendo em vista que esta representaria o perfil

vernacular da comunidade de fala em estudo, sendo, portanto, fonte certa para o estudo da

mudança linguística. Por isso, o presente estudo, que se ocupa da variação linguística no

âmbito do Português da Europa, do Brasil e de São Tomé, utiliza a fala dos informantes

dessas três variedades do Português supracitadas, entendendo que as entrevistas

sociolinguísticas podem revelar as configurações preferenciais que caracterizam cada

amostra.

Contudo, não se pode deixar de considerar o que Labov aponta como o paradoxo do

observador (LABOV, 2008 [1972], p. 244), mostrando que “o objetivo da pesquisa

lingüística na comunidade deve ser descobrir como as pessoas falam quando não estão sendo

sistematicamente observadas – no entanto, só podemos obter tais dados por meio da

observação sistemática.”. Dessa forma, acredita-se que, mesmo que o corpus analisado não

seja o mais espontâneo possível, tendo em vista a necessidade da presença de um

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entrevistador, ele seria o que mais chegaria próximo ao vernáculo da língua, mostrando quais

seriam as tendências utilizadas pelos entrevistados nas três variedades analisadas.

Sabe-se, como propõe Labov (2003), que o falante não possui um estilo único, mas

pode alterá-lo constantemente. Essas mudanças se revelam nos diversos níveis gramaticais,

dependendo do contexto em que se encontram. As mudanças estilísticas podem ocorrer de

acordo com: (i) o grau de intimidade/familiaridade com o receptor, (ii) o contexto social e (iii)

o assunto.

Não obstante o caráter estilístico que sempre afeta o plano linguístico, Labov ressalta

que os fenômenos podem assumir comportamentos que configuram três tipos de regras: a

categórica, a semicategórica e a variável. A primeira regra, a categórica, equivale a 100% de

aplicação, ou seja, haveria apenas uma maneira de utilização, pois o outro uso não seria

empregado e, portanto, não ocorreria efetivamente variação. A segunda regra, a

semicategórica, ocorre quando há variação entre duas formas alternantes, mas uma delas é

utilizada em 95% a 99% dos casos; assim, uma das variantes é praticamente a única forma

utilizada na língua, embora as demais formas também sejam reconhecidas pelos falantes e

possivelmente empregadas em estruturas e contextos particulares. A terceira regra denomina-

se variável e dá-se quando as formas alternantes são utilizadas pelos falantes de forma

produtiva, ocorrendo entre 5% a 95% dos casos, restringida efetivamente por fatores

linguísticos e extralinguísticos, havendo, portanto, a variação10

.

Levando em consideração que a cliticização pronominal admite formas alternantes,

como os exemplos já oferecidos ao longo do trabalho permitem observar, supõe-se que ela

venha a se enquadrar no segundo ou no terceiro tipo de regras proposto por Labov (2003). No

entanto, somente com a análise dos dados, será possível verificar se o fenômeno é realmente

variável em cada variedade estudada e qual regra se aplicaria ao tema estudado com os dados

sob análise.

Assim, para verificar em que tipo de regra variável os clíticos estudados se

encaixam, utilizou-se o pacote de programas GOLDVARB-X, que é de suma importância,

uma vez que mostra a produtividade do fenômeno no corpus estudado, além de definir as

condições que estatisticamente favorecem ou restringem as variações e/ou mudanças e

verificar se realmente ocorre a variação nos dados analisados.

10

“I – 100% = none in natural speech / II – 95-99% = rare and reportable / 5-95% = none by definition and

unreportable” (LABOV, 2003, p. 243)

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Embora a presente pesquisa focalize a regra variável em estudo numa dada sincronia,

é importante salientar que, na Sociolinguística Laboviana, é concebida estreita relação entre

variação e mudança linguística, tendo em vista o pressuposto de que toda mudança linguística

advém de uma competição de formas alternantes. Por isso, a mudança não ocorre de maneira

uniforme e instantânea, mas influenciada por fatores linguísticos e sociais. Assim, as formas

que estão variando continuam em competição durante algum tempo e, depois de um período,

uma dessas formas alternantes pode se tornar a nova variante a ser utilizada pelos falantes –

mudança linguística – ou ambas permanecerem alternando, sem que nenhuma seja escolhida

em detrimento de outra – variação estável.

Desse modo, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968], p. 126) constatam que “nem

toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura linguística implica mudança, mas toda

mudança implica variabilidade e heterogeneidade.”, ou seja, as formas podem variar e, depois

de algum tempo, ocorrer a mudança, ou apenas permanecerem em variação sem que a

mudança efetivamente se concretize. Verifica-se que, nas duas opções, a variação e a

mudança se relacionam, mas a variação está presente nos dois casos, enquanto a mudança se

encontra apenas no primeiro caso.

Essa relação entre a variação e a mudança é importante para mostrar que os dados

que se encontram em variação no presente podem refletir algum tipo de mudança que ocorreu

no passado, pois, de acordo com o princípio do uniformitarismo (2008 [1972], p. 317), “as

forças que operam para produzir a mudança lingüística hoje são do mesmo tipo e ordem de

grandeza das que operaram no passado, há cinco ou dez mil anos”. Desse modo, a análise da

variação da colocação dos clíticos pronominais nos dados sincrônicos das três variedades do

Português em estudo poderá, mesmo que indiretamente, refletir algum tipo de mudança que

possa ter ocorrido no passado.

Segundo Labov (2008 [1972]), a mudança em progresso pode ser estudada em tempo

real ou em tempo aparente. A mudança em tempo real pode ser feita pelo estudo de painel ou

pelo estudo de tendência. O primeiro consiste em fazer o recontato dos mesmos informantes

em um período posterior, enquanto o segundo se vale da constituição de uma nova amostra

que seja representativa do mesmo perfil de informantes. O estudo em tempo aparente – que se

baseia na observação do comportamento de diversos informantes com diferentes idades num

dado espaço de tempo – pode sinalizar a dinamicidade da mudança em progresso, uma vez

que permite analisar as tendências de várias gerações de falantes, que adquiriram a língua em

épocas diferentes. Destaca-se que, na presente investigação, só se desenvolve a observação da

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mudança em tempo aparente, tendo em vista que se trata de informantes de diversas faixas

etárias de uma mesma sincronia.

Sendo assim, pretende-se verificar se o fenômeno ocorre da mesma maneira com os

jovens e os idosos de cada continente. Acredita-se que, no PE e no PB, não haja muita

diferença entre esses dois grupos, visto se tratar de fenômeno aparentemente bastante

estabilizado nessas variedades. No entanto, com o PST, essa diferença pode ser significativa,

tendo em vista que o contato linguístico com o Forro, pelo que indicam os resultados do

último censo em São Tomé a que se teve acesso, vem diminuindo significativamente; assim,

os jovens usariam bem menos o Forro, se comparados aos idosos.

Ao analisar as diferenças e/ou as semelhanças entre os diferentes grupos etários num

determinado momento do tempo, será possível perceber se está ocorrendo uma tendência a

mudança linguística em progresso ou não. Segundo Labov (2008 [1972], p. 318), a

combinação de evidências no tempo aparente e no tempo real é o método básico para o estudo

da mudança em progresso.

Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) buscam responder a questão de como a

língua continua bem estruturada enquanto as mudanças estão ocorrendo. Assim, chegam à

conclusão de que a heterogeneidade da língua é ordenada, como já foi dito anteriormente, e

formulam cinco problemas (questões) para a investigação da mudança linguística, tornando

possível, assim, relacionar os dados variáveis aos pressupostos teóricos. A seguir, os cinco

problemas da mudança serão sinteticamente apresentados:

(i) O problema dos fatores condicionantes ou das restrições – para verificar a

variação e a mudança linguística, é necessário tomar como base as variáveis

linguísticas e extralínguísticas que possivelmente influenciariam /

condicionariam a variação do fenômeno. Verifica-se, com essa questão,

quais são as condições que poderiam favorecer ou restringir as mudanças e

constatar quais são as possíveis mudanças. Estas seguiriam princípios

universais e levariam à simplificação e à generalização das regras, tendo

como base a estrutura social da língua. Por isso, o problema dos

condicionantes – que buscaria generalizações, tendências gerais,

regularidades – deve estar ligado ao problema do encaixamento – que seria

mais específico.

(ii) O problema do encaixamento – está ligado à estrutura linguística e social da

comunidade de fala e seria mais específico que o problema anterior. Assim,

há duas vertentes complementares: a) o encaixamento na estrutura

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linguística – que verifica a variação linguística dos membros da

comunidade de fala, considerando o grupo todo e não um indivíduo apenas,

tendo em vista que uma mudança ocorre sempre em conjunto dentro de

uma comunidade de fala; e b) o encaixamento na estrutura social – que

constata os elementos sociais que são importantes para a mudança

linguística. Dessa forma, as mudanças vão acontecendo durante um período

de tempo sem que cause prejuízo à comunicação dos indivíduos, fazendo

com que eles continuem se comunicando muito bem, e, ao mesmo tempo,

os fenômenos em mudança, vão se encaixando no sistema linguístico,

sendo influenciados pelas estruturas linguísticas e sociais que estão

encaixadas entre si. A junção das duas estruturas dá uma visão mais

adequada do processo histórico da formação de uma língua.

(iii) O problema da transição – mostra como as mudanças passam de um

momento para o outro e demonstra se seus estágios são discretos ou se são

um continuum. Verifica, em especial, a transmissão de um fenômeno novo,

mostrando como a mudança ocorreu ao longo do tempo, com as diferentes

gerações desse período e com os distintos grupos sociais. Fica evidente,

com o problema da transição, que a mudança não ocorre de maneira

abrupta, mas de forma lenta e gradual a partir de um continuum ininterrupto

de variação em que as formas variantes se alternam (formas conservadoras

e inovadoras) e, depois de um certo período, uma variante se sobrepõe a

outra, ocasionando, efetivamente, a mudança linguística.

(iv) O problema da avaliação – verifica como o falante avalia as mudanças,

refere-se a sua avaliação subjetiva e consciente do fenômeno linguístico

que está em variação/mudança. Há dois tipos de avaliação: a linguística e a

social. Esta refere-se à atribuição de valores sociais a um determinado

fenômeno linguístico, qualificando-o como algo positivo ou não,

dependendo da avaliação que a sociedade possui dessas variantes,

considerando-as como de prestígio ou estigmatizadas; aquela verifica a

funcionalidade do fenômeno em variação e mostra sua eficiência, ou não,

na língua. Determina-se, assim, em que medida a avaliação dos indivíduos

pode influenciar no processo da mudança linguística.

(v) O problema da implementação – mostra por que ocorreu a implementação

da mudança em uma determinada língua e em um determinado período.

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Investiga os estímulos e as restrições da comunidade de fala e da estrutura

da língua para verificar o que realmente favoreceu a implementação da

mudança e por que houve sua implementação em um determinado lugar e

período e não em outro. Dessa forma, é possível compreender como se deu

o processo, durante o tempo, de um certo fenômeno línguístico que estava

em variação e passou a uma mudança, em determinada comunidade

linguística.

A partir dos cinco problemas investigados acima, cabe ressaltar que, apesar de terem

sido analisados separadamente, eles sempre estão inter-relacionados, para que se possa ter

uma análise mais efetiva da mudança linguística. No presente estudo, de todos os problemas

citados, serão investigados, em especial, o problema das restrições ou fatores condicionantes

e, consequentemente, o encaixamento, verificando quais as condições – linguísticas e sociais

– que podem favorecer ou restringir a variação, de modo que se possa postular a opção

preferencial em cada variedade em questão; e o problema da implementação, tendo em vista

que se busca interpretar o que está ocorrendo na variedade são-tomense, ainda em formação,

e, pelo princípio do uniformitarismo, algumas reflexões poderão ser feitas acerca do que teria

acontecido na formação da variedade brasileira também. Dessa forma, com a interpretação

dos resultados, relacionados em maior ou menor graus às questões das restrições, do

encaixamento e da implementação, acredita-se que os objetivos mais originais da presente

investigação poderão ser alcançados.

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4. FORMAÇÃO HISTÓRICA E LINGUÍSTICA DAS VARIEDADES BRASILEIRA E

SÃO-TOMENSE

Dê-me um cigarro, diz a gramática

do professor e do aluno

e do mulato sabido

mas o bom negro e o bom branco

da nação brasileira

dizem todos os dias

deixa disso, camarada

me dá um cigarro

(Oswald de Andrade, 1922)

Antes de abordar a formação histórica e linguística dos países colonizados, propõe-se

a apresentação de alguns conceitos básicos referentes ao tratamento de situações de

multilinguismo, que serão utilizados neste capítulo. Logo após, propõe-se uma breve

exposição de fatos relativos à colonização no Brasil e em São Tomé, seguida pela descrição

do Forro, principal crioulo utilizado em São Tomé; para finalizar, destacam-se algumas

semelhanças na história linguística do PB e do PST.

4.1. Conceitos básicos

Nesta parte, serão apresentadas algumas noções que serão utilizadas nos próximos

capítulos, relativas a contato linguístico, crioulo, crioulização, transmissão linguística

irregular, tese da deriva, entre outras. Antes de mostrar tais definições, é interessante

compreender em quais ambientes elas, geralmente, ocorrem e, para tanto, o PB servirá como

base para exemplificação. Destaca-se que não é o objetivo, da presente seção, defender uma

ou outra tese relativa à formação do PB, mas abordar propostas teóricas sobre o assunto.

Em diversos espaços territoriais, e muito comumente em países colonizados, há o

que se chama multilinguismo, situação que envolve uma complexidade de situações e que

ocorre pelo fato de diversos povos de diferentes regiões estarem em contato direto em uma

determinada região. Desse modo, com esses diversos povos, há a convivência das diversas

culturas, fazendo com que haja um ambiente em que muitas línguas são utilizadas.

Assim, mediante a diversidade linguística que acomete o contato entres os povos e a

necessidade de intercompreensão, pode nascer daí, dentre várias possibilidades, uma língua

franca, um pidgin ou um crioulo. Língua franca é uma língua geral utilizada por um grupo

multilíngue de pessoas de uma mesma região para se comunicarem. O Pidgin nasce quando

vocábulos de uma ou mais línguas são utilizados na comunicação de diversas dessas pessoas,

mas ele não é considerado língua porque não possui uma gramática estruturada e não se torna

língua materna de ninguém. Quando esse pidgin se torna uma língua materna, com estruturas

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72

e vocabulários consolidados, passa a ser um crioulo. Segundo Pereira (2006, p. 117-118),

pode-se observar uma abordagem mais detalhada:

Crioulos – Os crioulos são línguas novas que emergem em comunidades onde

previamente se desenvolveu um pidgin para a comunicação entre os falantes das

diferentes línguas maternas em presença. Devido ao seu uso continuado, num

número cada vez maior de situações, esse pidgin acaba por se reestruturar,

complexificar e sistematizar, com a ajuda das novas gerações de crianças que o

adoptam como língua materna, dando assim origem aos crioulos.

Pidgin – forma de linguagem criada por falantes de diferentes línguas maternas,

convivendo em comunidades relativamente estáveis, quando se sentem obrigados,

por razões de sobrevivência, a comunicar entre si, embora num conjunto restrito de

situações. Para tanto, recorrem inicialmente a um léxico reduzido, em geral da

língua do grupo dominante, que estruturam de forma idêntica à dos falantes adultos

em fase inicial de aprendizagem de uma língua não materna, em contexto natural. Se

os falantes acabam por adquirir plenamente a língua do grupo dominante, ou se

deixam de ter necessidade de comunicar entre si, o pidgin desaparece. Se o pidgin é

adoptado como língua materna da comunidade, complexifica-se, expande o seu

léxico, torna-se mais sistemático e transforma-se num crioulo.

Holm (2000, p. 6) também oferece esclarecimentos sobre a relação entre línguas

crioulas e a pidginização, bem como sobre as condições que geralmente envolvem sociedades

nessa situação de multilinguismo:

Um crioulo tem um jargão ou um pidgin em sua ascendência; é falado nativamente

por uma comunidade de fala inteira, comunidade cujos antepassados frequentemente

foram deslocados geograficamente, de modo que seus laços com sua língua original

e identidade sociocultural foram parcialmente quebrados. Tais condições sociais

foram muitas vezes o resultado de escravidão. 11

Verifica-se, assim, que o crioulo nasce em um ambiente multilíngue e “a expansão

gramatical dessa variedade linguística [crioulo] que se forma na situação de contato

decorrente principalmente dos processos de reestruturação original da gramática e da

transferência de estruturas provenientes das línguas do substrato” (LUCCHESI et alii, 2009,

p. 107). Línguas do substrato referem-se às línguas dos povos dominados e, portanto, seria

baseado nelas que o crioulo se formaria.

Holm (2000, p. 8) também faz uma discussão acerca da relação entre pidgins e

crioulos, chamando a atenção para a prudência que se deve ter quanto às considerações –

muitas vezes incipientes – acerca desses estágios de formação linguística. Segundo o autor,

Alguns linguistas fazem uma distinção entre a crioulização de um pidgin estendido,

que é ao mesmo tempo social e linguisticamente gradual, e a crioulização de um

pidgin jovem ou mesmo um jargão instável, chamado crioulização precoce

11

A creole has a jargon or a pidgin in its ancestry; it is spoken natively by an entire speech community, often

one whose ancestors were displaced geographically so that their ties with their original language and

sociocultural identity were partly broken. Such social conditions were often the result of slavery.

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73

(Bickerton in Bickerton et alii, 1984) ou crioulização abrupta (Thomason and

Kaufmann, 1988). Se crioulos caribenhos e outros tivessem crescido de fato a partir

de variedades nativizadas ou de jargões pré-pidgin instáveis, então a definição

clássica de um crioulo como "qualquer língua com um pidgin em sua ascendência"

estaria tecnicamente errada. [...] No entanto, nosso conhecimento das fases iniciais

de crioulos particulares normalmente é bastante modesto e baseado em especulação

mais do que em evidência direta. Pode ser prudente certa reserva de juízo sobre essa

questão.12

Há duas interpretações que costumam ser muito debatidas sobre o nascimento de

uma nova língua, com feições próprias, em situações de dominação político-econômica: uma

que aposta na continuidade das características da língua do colonizador, que transferiria os

padrões com adaptações; e outra que propõe que a nova língua sofreria processos de

adaptações advindos sobretudo da situação de multilinguismo. No caso do PB, que se usa

aqui como ilustração, já se propôs que houve uma língua crioula de base portuguesa no Brasil

e, depois, poderia ter havido um processo de descrioulização, fazendo com que esse crioulo

desse origem ao Português Brasileiro. Por isso, este teria algumas diferenças cruciais em

relação ao Português Europeu. Uma segunda tese não proporia uma origem crioula, mas

apostaria nas mudanças internas da língua; o PB seria, assim, o resultado de uma continuação

da mudança que vem ocorrendo desde o latim vulgar. Desse modo, o PB seria diferente do PE

porque “o português carrega em si diversas possibilidades de mudanças estruturais; algumas

delas se desenvolveram no Brasil e outras não; o mesmo vale, mutatis mutandis, para

Portugal.” (BASSO e GONÇALVES, 2014, p. 289).

De acordo com Tarallo (apud BASSO e GONÇALVES, 2014), no Brasil, não teria

ocorrido a descrioulização. Segundo o autor,

essa ideia é problemática porque com o passar do tempo a distância entre as

estruturas do PB e do PE só aumenta: se uma descrioulização estivesse em

andamento, deveríamos esperar que o PB se aproximasse cada vez mais do PE, que

afinal é o “alvo” da descrioulização, a gramática para a qual a língua crioula estaria

rumando. Porém, tanto na língua escrita – notadamente mais conservadora – quanto

na fala vernacular, o PB e PE vão se afastando. Sem essa aproximação entre o PB e

PE, a ideia de descrioulização fica bastante enfraquecida e, por consequência,

também a ideia de que houve um crioulo na base do português (p. 293).

No que se refere à formação do PB, por exemplo, existem duas teses, mais

difundidas, que abordam esse assunto: a tese da “deriva” e a tese da “transmissão linguística

12

Some linguists distinguish between the creolization of an extended pidgin, which is both socially and

linguistically gradual, and the creolization of an early pidgin or even an unstable jargon, called early creolization

(Bickerton in Bickerton et alii, 1984) or abrupt creolization (Thomason and Kaufmann, 1988). If Caribbean and

other creoles did indeed grow out of nativized varieties of unstable pre-pidgin jargons, then the classical

definition of a creole as „any language with a pidgin in its ancestry‟ is technically wrong. […] However, our

knowledge of the earlier stages of particular creoles is usually quite sketchy and based on speculation rather than

direct evidence. It may be prudent to reserve judgement on this issue. (HOLM, 2000, p. 8).

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irregular”. Esta subdivide-se em duas: uma versão mais forte, que consistiria num processo de

crioulização/descrioulização (GUY, 1981, 1989; HOLM, 2003), e uma versão mais leve

(LUCCHESI et alii, 2009).

A primeira defende que a aquisição da língua em situação de contato linguístico,

originaria uma aquisição imperfeita. Assim, a “transmissão linguística irregular” designaria

amplamente os processos históricos de contato maciço entre povos falantes de

línguas tipologicamente diferenciadas, entre os séculos XVI e XIX, em decorrência

da ação do colonialismo europeu na África, Ásia, América e Oceania. Nas diversas

situações de dominação que se constituíram nesse contexto histórico, a língua do

grupo dominante, denominada língua de superstrato ou língua-alvo, se impõe, de

modo que os falantes de outras línguas, em sua maioria adultos, são forçados a

adquiri-la em condições bastante adversas de aprendizado, em função de sua

sujeitação e marginalização. As variedades de segunda língua que se formam nessas

condições, mais ou menos defectivas consoante as especificidades de cada contexto

histórico, acabam por fornecer os modelos para aquisição da língua materna para as

novas gerações de falantes, na medida em que os grupos dominados vão

abandonando as suas línguas nativas. (LUCCHESI et alii, 2009, p. 101)

Essa transmissão ocorreria de maneira irregular e poderia formar uma língua crioula,

que se designaria como um processo do tipo “radical” ou poderia dar origem a outra

variedade da língua do povo dominante, que seria denominada de “leve”. Lucchesi, que é um

dos defensores dessa tese, acredita que no Brasil a transmissão línguística que ocorreu foi do

tipo “leve”, havendo, assim, “a formação de uma variedade da língua-alvo afetada por

mudanças induzidas pelo contato.” (LUCCHESI et alii, 2009, p. 517).

De acordo com Roberts (apud LUCCHESI et alii, 2009, p. 147), na “transmissão

linguística irregular”, existem três propriedades dos sistemas linguísticos que seriam

importantes:

(i) as evidências para certos parâmetros parecem instáveis (como é o caso do

parâmetro do sujeito nulo no PB culto e popular);

(ii) a tendência a não realizar a morfologia flexional (como é o caso da variação de

concordância no PB);

(iii) as alterações em diversas estruturas da língua-alvo (como é o caso das estruturas

relativas do PB, bem como algumas partículas gramaticais, como o artigo, as

preposições e os clíticos).

A tese da “deriva” é defendida por Naro e Scherre (2007), que acreditam na

existência de “confluência de motivos” que levariam à “deriva”. Segundo os autores, no

Brasil, os contextos sociais e linguísticos favoreceram a deriva, ou seja, essa “confluência de

motivos” fizeram com que o PB acelerasse ou freasse a deriva linguística, mas de qualquer

forma, se distanciasse do PE.

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De acordo com Naro e Scherre (2007, p. 31), “parece então improvável que tenha

existido no Brasil uma língua pidgin ou crioula de base lexical portuguesa associada

predominantemente com a etnia afro-brasileira ou ameríndia”. Os autores destacam que

Para dar conta da mudança que ocorreu no português brasileiro é o da

CONFLUÊNCIA DE MOTIVAÇÕES, SEM CRIOULIZAÇÃO PRÉVIA do

português, mas levando em conta a existência da língua geral (ou das línguas

gerais) e da língua de preto prévias. (...) o português moderno brasileiro é o

resultado natural da deriva secular inerente na língua trazida de Portugal,

indubitavelmente exagerada no Brasil pela exuberância do contato de adultos,

falantes de línguas das mais diversas origens, e da nativização desta língua pelas

comunidades formadas por esses falantes e seus descendentes. (p. 85)

Vale destacar que, independentemente da defesa de uma das duas teses, é inegável

que o contato linguístico nas duas propostas é fator muito importante para as feições

características do Português do Brasil. No próximo capítulo, será mostrada brevemente a

história desse contato linguístico que foi muito importante no Brasil e também é em São

Tomé, uma vez que o contato com diversas línguas interferiria diretamente nas feições das

variedades em formação, fazendo com que nascesse uma variedade nos países colonizados

que não possuiria, exatamente, as mesmas características da variedade do país colonizador.

4.2. Um pouco da história dos países colonizados

4.2.1. Breve história de colonização no Brasil13

Com a expansão marítimo-comercial, os portugueses, representados por Pedro

Álvares Cabral, chegaram ao “Novo Mundo” (América), no território que hoje se chama

brasileiro, no século XVI. O Brasil era habitado por variados povos indígenas, que viviam,

especialmente, da caça e da pesca e utilizavam diversas línguas para se comunicarem. De

acordo com Basso e Gonçalves (2014, p. 189-190):

estima-se que a população indígena, por volta de 1500, girava em torno de 2 a 6

milhões de pessoas. Essa população, apesar da unidade tupi-guarani no litoral e em

parte do interior, era bastante diversificada em termos culturais e linguísticos, e

alguns pesquisadores creem que havia aqui nada menos que mil línguas indígenas

no tempo do descobrimento.

Sobretudo para a catequização por parte dos jesuítas, os portugueses valeram-se da

chamada “língua geral”, utilizada nas missões pelos povos indígenas, em especial os da costa.

Essa língua geral, mais tarde denominada de língua geral paulista, perdurou até o início do

13

Ressalta-se que o panorama histórico sobre o PB se baseou, além dos diversos textos sobre o assunto,

principalmente, em Lucchesi et alii (2009).

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76

século XVIII. Vale ressaltar que, também ao norte do país, havia a chamada Língua Geral

Amazônica (LGA); essa língua, “de base tupinambá, e atualmente chamada de nheengatu (“a

língua/fala boa”), sobrevive em vários pontos da Região Amazônica e é, como dissemos,

ainda hoje a língua oficial do município de São Gabriel da Cachoeira.” (BASSO e

GONÇALVES, 2014, p. 278).

Com a colonização do território brasileiro pelos portugueses, em especial a partir de

1530, período em que surgiram as primeiras plantações de cana-de-açúcar, a mão de obra

indígena foi utilizada abundantemente; contudo, com a maior facilidade dos povos indígenas

de fugirem por conhecerem geograficamente o território e, principalmente, pelo lucro que o

tráfico de escravos concedia aos colonizadores, a mão de obra indígena foi sendo substituída

pela africana. O tráfico de escravos tornou-se mais uma fonte de lucros, além da produção de

açúcar, para o governo e para os colonizadores portugueses. Dessa forma, vieram ao Brasil

vários negros escravizados e, com eles, suas línguas e culturas.

Nesse período, segundo Lobo & Oliveira (2009, p. 7), “dá-se início ao tráfico de

escravos que para aqui [Brasil] trará falantes de, aproximadamente, 200 a 300 línguas”. De

acordo com Raimundo (apud LUCCHESI et alii, 2009 p. 45), era permitido “aos donos de

engenho do Brasil o resgate de escravos da Costa da Guiné e da Ilha de São Tomé, por sua

própria conta, até o limite de cento e vinte „peças‟ para cada engenho montado.” No século

XVIII, destaca-se, ainda, no Brasil, o ciclo da mineração. Assim, houve um deslocamento de

grande contingente escravo do nordeste para o sudeste para trabalhar nas minerações, visto

que a atividade açucareira no nordeste entra em declínio. Além disso, vários portugueses

vieram para o Brasil, buscando o enriquecimento fácil.

No que se refere às línguas de intercomunicação entre esses diversos grupos

conviventes no país, cabe destacar que, na década de 1750, uma Provisão Real proibiu a

utilização do tupi, consoante a “reforma pombalina e a expulsão dos jesuítas do Brasil”

(LUCCHESI et alii, 2009, p. 48), fazendo com que o Português se tornasse, definitivamente,

a língua oficial. Quando a família real veio para o Brasil, entre 1808 e 1821, o uso da Língua

Portuguesa intensificou-se consideravelmente.

Ao longo desse processo de intenso convívio entre línguas, diversos povos, para se

aproximarem da cultura do branco, utilizavam a norma que fosse mais parecida com a língua

do dominador. Assim, Lucchesi et alii (2009, p. 69) citam o exemplo dos mestiços, que

possuíam mais facilidade de integração cultural e ascensão social, e mostram que:

Os reflexos, no plano linguístico, desse esforço do mestiço em se integrar aos

padrões culturais da sociedade branca são inegáveis; como atestado na observação

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77

perspicaz (posto que um tanto quanto romântica) do conhecido poema de Oswald de

Andrade, em que o negro e o bom brasileiro dizem „me dá um cigarro‟, enquanto o

mulato, mais realista que o rei, diz „dá-me um cigarro‟.

Após a independência, em 1822, inicia-se o período da Monarquia com Dom Pedro I

e depois com seu sucessor Dom Pedro II. Somente em 1888 houve a abolição da escravidão e

foi intensificada a vinda de mão de obra imigrante. Com isso, pessoas de diversos países

trouxeram suas línguas e culturas para o Brasil. Segundo Lucchesi et alii (2009), “o português

que esses imigrantes – italianos, japoneses, alemães, etc. – aprenderam, ao chegar ao Brasil,

era o português popular, com as mais profundas mudanças decorrentes do processo de

transmissão linguística irregular por que este havia passado.” (p. 55).

O fim do período Monárquico, com o início da industrialização, chegou junto com a

República em 1889. Esse período é marcado por uma urbanização crescente do território

brasileiro, fazendo com que povos de diferentes nacionalidades convivessem muito mais

proximamente. Em 1930, teve início a era Vargas, que durou até 1945. Logo depois, tem-se

um período nacional desenvolvimentista, no qual se pode destacar o governo de Juscelino

Kubitschek (JK) e a construção de Brasília para ser a capital do país. Nesse período, houve

grande migração para o Planalto Central de diversas populações para a realização das obras da

capital. Diversas estradas foram construídas ligando pontos distantes do país e levando ao

contato mais intenso de diversas regiões. Dessa forma, houve a intensa migração nacional

entre as regiões brasileiras e a vinda de diversos imigrantes ao Brasil.

Com o intenso contato linguístico, que caracterizou toda a história de formação do

Português do Brasil, diversas palavras indígenas, estruturas lexicais, expressões e a cultura

dos povos africanos, além de expressões utilizadas pelos imigrantes foram incorporados à

Língua Portuguesa do Brasil. Assim, o contato com os indígenas, africanos e imigrantes de

diversas regiões favoreceu o chamado multilinguismo que contribuiu para a formação da

identidade do Português Brasileiro. De acordo com Basso e Gonçalves (2014, p. 220),

o multilinguismo parece ser a situação mais comum nos primeiros séculos da

América Portuguesa. Línguas indígenas, línguas gerais, línguas africanas, línguas de

imigrantes europeus e o português conviveram em solo brasileiro e, à sua maneira,

contribuíram para a formação, constituição e fixação do que chamamos de

“português brasileiro” (ou PB).

Sabe-se que, no Brasil, por causa de sua grande extensão territorial (cf. Figura 1:

Mapa do Brasil), é mais do que esperada certa variação regional. Esta pode estar relacionada

ao grande fluxo migratório e ao tamanho geográfico desse país; pode-se entender melhor,

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78

assim, por que o Brasil é um território pluridialetal e com certas diferenças linguísticas em

diversas regiões.

O contato linguístico, decorrente do processo de formação de sua nacionalidade, com

diversos povos, fez com que a variação da língua aumentasse significativamente no território

brasileiro e possivelmente trouxesse feições próprias. Essa é a proposta de alguns estudiosos

do Português, como se observa em Basso e Gonçalves (2014), que afirmam que o PB é

diferente do PE porque

sofreu, ao longo de séculos, influências de outras línguas que não o português –

línguas indígenas, africanas, de outros imigrantes – e por isso o PB mudou tanto em

relação ao PE, que, por sua vez, não teve um contato tão próximo e constante com

outras línguas. (p. 190).

Conforme já se observou, no que se refere à formação do Português do Brasil, há

duas teses diferentes e não compatíveis, que mostram que o PB teria nascido: (i) de uma

transmissão linguística irregular ou (ii) de uma deriva (cf. Capítulo 4.1). Mesmo em se

tratando de teses diferentes, nas duas o contato linguístico existente no Brasil é inegável e

muito importante para a caracterização do PB.

A primeira tese, da “transmissão linguística irregular”, é defendida por vários

estudiosos que apresentam evidências de que o PB teria nascido e se formado a partir dessa

transmissão defeituosa entre falantes de diferentes gerações. Segundo Lucchesi et alii (2009,

p. 53)

a língua portuguesa passava por drásticas alterações, sobretudo em função do

processo de transmissão linguística irregular, desencadeado nas situações de

contato entre línguas abrupto, massivo e radical, compreendendo a aquisição

precária do português por parte dos índios e africanos, a sua socialização entre esses

segmentos e a sua nativização, a partir desses modelos defectivos, entre os

descendentes endógamos e mestiços desses índios aculturados e africanos

escravizados.

Basso e Gonçalves (2014) corroboram essa afirmação concluindo que no Brasil

“podemos supor que a transmissão lingüística se deu entre falantes, em sua imensa maioria

adultos, distante de condições mínimas de aprendizado formal, sem esquecer o fato de que

esses falantes provavelmente falavam outras línguas, como as indígenas e as africanas.” (p.

298).

A segunda tese, que seria da deriva, é defendida por Naro e Scherre (2007). Os

autores reforçam que no Brasil as variações linguísticas ocorreram com mais vigor por causa

do ambiente de intenso contato linguístico daqui, pois

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79

(...) temos que levar em conta a dimensão tempo, ao longo da qual chegaram ao

Brasil ondas de populações de diversas origens étnicas. Esses movimentos

demográficos tiveram o efeito de reforçar certas forças arroladas acima e de inibir

outras. (...) segundo nossa visão, o impulso motor do desenvolvimento do Português

do Brasil veio já embutido na deriva secular da língua de Portugal. Se as sementes

trazidas de lá germinaram mais rápido e cresceram mais fortes, é que as condições,

aqui, mostraram-se mais propícias devido a uma CONFLUÊNCIA DE MOTIVOS.

(p. 47-48)

Assim, os autores defendem que as variações linguísticas e as modificações ocorridas

na Língua Portuguesa do Brasil já estavam presentes em Portugal, ou seja, derivam do PE. E,

na variedade brasileira, por causa do ambiente de intenso contato linguístico, houve uma

expansão das mudanças com mais facilidade e rapidez que no continente europeu. Dessa

forma, eles destacam que:

O português brasileiro não é o português simplificado ou o português com influência

africana; é o português com as suas raízes originais, rurais e populares,

transplantado para uma terra mais fértil e conseqüentemente com um

desenvolvimento mais intenso. Longe de ser um português crioulizado, o português

do Brasil é o português radicalizado. (p. 186)

Figura 1: Mapa do Brasil14

14

Mapa retirado do site: www.todamateria.com.br/capitais-do-brasil

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4.2.2. Breve história de colonização em São Tomé

São Tomé e Príncipe é o menor estado da África ocidental, está situado no Golfo da

Guiné, no oceano Atlântico, e é um arquipélogo constituído de duas ilhas principais – São

Tomé e Príncipe – mais 20 ilhéus e rochedos. Segundo Basso e Gonçalves (2014), as ilhas

estiveram desabitadas até 1470, quando os navegadores portugueses João de Santarém e Pêro

Escobar as descobriram, no final do século XV, e elas foram povoadas e colonizadas pelos

portugueses. Estes trouxeram habitantes de outras partes do continente africano que eram

utilizados como escravos na produção de cana-de-açúcar. A África passou a ser o maior

exportador desse alimento na época; além disso, a ilha também servia como ponto de escala

nas rotas de navegação, sendo um ponto estratégico, para o comércio de escravos. As

circunstâncias em que se deu a origem de São Tomé e Príncipe foram propícias à

crioulização, pois havia uma grande necessidade de os portugueses e de os escravos se

comunicarem, havendo, sobretudo, um número maior de africanos.

No século XIX, as plantações de café e cacau substituíram a cana-de-açúcar. São

Tomé e Príncipe tornaram-se grandes produtores de cacau mundialmente conhecidos e esta

continua sendo a cultura mais importante do país – juntamente com o turismo e a exploração

de petróleo a partir de 1990.

Mesmo após a abolição da escravidão, em 1876, muitos habitantes continuavam

trabalhando de forma escrava, e isso fez com que ocorresse uma rebelião em 1953 chamada

de o “Massacre de Batepa”, na qual muitos foram mortos nos confrontos.

Em 1975, houve a independência de São Tomé e Príncipe, logo após a queda do

ditador Português Marcelo Caetano, na Revolução dos Cravos em 1974. No entanto, a

primeira eleição democrática ocorreu apenas em 1991.

Em São Tomé e Príncipe, há cerca de 165.000 habitantes, incluindo vários

imigrantes que vieram ao país desde 1485. São identificados sete grupos15

:

Mestiços, ou os chamados mulatos, descendentes de colonos e escravos

Africanos trazidos para as ilhas durante os primeiros anos de assentamento do

Benim, Gabão e Congo (essas pessoas também são conhecidos como Filhos da

Terra).

Angolares, supostamente descendentes de escravos angolanos que

sobreviveram a um naufrágio 1540 e agora ganham a pesca de subsistência;

Forros, descendentes de escravos libertos quando a escravidão foi abolida;

Serviçais, trabalhadores contratados de Angola, Moçambique e Cabo Verde,

que vivem temporariamente nas ilhas;

Tongas, filhos de serviçais nascidos nas ilhas;

15

Dados retirados do site: www.saotomeprincipe.st/pt/historia.html

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81

Europeus, principalmente portugueses;

Asiáticos, incluindo pessoas de ascendência macaense e chinesa Português

misto de Macau.

Verifica-se, assim, com a mistura de tantos povos, em um espaço tão pequeno de

terra16

, que a riqueza cultural das ilhas se origina dessa miscigenação entre os portugueses e

nativos que vieram da costa do Golfo da Guiné, Angola, Cabo Verde e Moçambique. Além

das duas principais ilhas – São Tomé e Príncipe –, há outros ilhéus menores que fazem parte

do território, num total de aproximadamente 1000 km² de extensão, fazendo de São Tomé e

Príncipe o segundo menor país africano em território.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), quase metade da população vive

abaixo da linha da pobreza. O idioma oficial é o Português, mas também há diversas línguas

regionais que convivem com a Língua Portuguesa, configurando o multilinguismo presente

no país. Sendo assim, o Português é a língua oficial, mas o Forro (ou são-tomense) também é

utilizado pela população e o Crioulo (cabo-verdiano) – usado pelos carboverdianos e seus

descendentes – é a terceira língua mais falada nas ilhas. Além dessas línguas, também são

utilizadas: o angolar, o tonga e o monco (ou principense) que são faladas pelos habitantes17

:

O Forro (ou são-tomense) é um crioulo de origem portuguesa, que se originou

da mistura da antiga língua utilizada pela população livre e mestiça das cidades.

O angolar é um outro crioulo de base portuguesa, mas com mais termos de

origem bantu e chegou às ilhas no século XVI depois do naufrágio de um barco de

escravos angolanos perto da região e muitos desses escravos conseguiram nadar até o

território e formaram um grupo étnico a parte. No entanto, há muita semelhança –

cerca de 78% – entre o Forro e o angolar.

O tonga é um crioulo formado com base no português e em outras línguas da

África, e é utilizado pela comunidade descendente dos trabalhadores oriundos de

outros países africanos (como Angola, Moçambique e Cabo-Verde).

O cabo-verdiano é o crioulo trazido por milhares de cabo-verdianos que vieram

para o país para trabalharem na agricultura no século XX.

O monco (Lung‟ie ou principense) é utilizado na Ilha de Príncipe e originou-se

da Língua Portuguesa com acréscimos de outras línguas indo-européias.

Verifica-se, assim, a intensa diversidade linguística presente em São Tomé e

Príncipe. Segundo Hagemeijer (2009, p. 1), “apesar do espaço geográfico limitado e do

reduzido número de habitantes, as ilhas de S. Tomé e Príncipe são autênticas ilhas de Babel”.

Essa diversidade linguística está diretamente relacionada aos dois ciclos presentes na história

das ilhas, já mencionados anteriormente: o ciclo da cana-de-açúcar – no século XVII – e o

ciclo do café e do cacau – nos séculos XIX e XX. De acordo com o autor: “é fácil perceber

16

Ver Figura 2: Mapa de São Tomé e Príncipe. 17

Dados retirados de Hagemeijer (2009) e do site: www.linguaportuguesa.ufrn.br/pt_3.4.e.php

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82

que as ilhas vivem actualmente uma situação de multilinguismo. Basta analisar os dados

estatísticos para perceber que a maioria da população sabe falar duas línguas ou até mais

línguas” (p. 18), como se pode verificar na tabela abaixo retirada de Hagemeijer (2009, p. 18):

Pessoas > 5 anos Português Santomé Lung‟ie Outras línguas

1991 __ 99,8% 73,5% 1,6% 13,4%

2001 137,599 98,9% 72,4% 2,4% 12,8%

Tabela 4: Dados sobre as línguas faladas – censos de 1991 e de 2001– da população com mais de 5 anos

segundo Hagemeijer (2009)

Constata-se, assim, que o Português é a língua mais falada e isso, segundo

Hagemeijer (2009), está se intensificando em relação às línguas crioulas da região:

A maior mobilidade social, à qual não é alheio o fenómeno da emigração, o acesso

generalizado ao ensino e aos meios de comunicação na língua oficial, a ausência de

políticas orientadas para as línguas crioulas, assim remetidas à informalidade e à

oralidade, são factores que têm desfavorecido cada vez mais as línguas minoritárias

das ilhas. O censo de 2001 referente à língua falada por grupo etário mostra, por

exemplo, que entre os jovens com menos de 20 anos há uma quebra acentuada do

número de falantes que alega falar o Santomé. (p. 19).

De acordo com o CENSO de 201218

, a tabela anterior poderá ser ampliada com

informações mais atuais sobre a realidade populacional e linguística de São Tomé, como se

pode verificar abaixo:

Pessoas > 5 anos Português Santomé

(Forro)

Lung‟ie Outras línguas

1991 __ 99,8% 73,5% 1,6% 13,4%

2001 137,599 98,9% 72,4% 2,4% 12,8%

2012 187,356 98,4% 36,2% 1,0% 26,9%

Tabela 5: Dados sobre as línguas faladas – censos de 1991, de 2001 e de 2012 segundo censo de 2012

18

Dados retirados do site:

www.ine.st/Documentacao/Recenseamentos/2012/TemasRGPH2012/11CARACTERISTICAS%20EDUCACIO

NAIS%20%20DA%20POPULACAO%20Recenseamento%202012.pdf

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83

No site Central Intelligence Agency (CIA)19

, em que há informações mais

atualizadas, verificou-se que, em julho de 2015, havia 194,006 habitantes no total

populacional.

De acordo com as informações do Censo oferecidas na Tabela 5, a Língua

Portuguesa continuaria sendo a mais utilizada em São Tomé, com o passar dos anos, e,

curiosamente, ocorreria grande diminuição, em níveis percentuais, da utilização do Forro,

tendo em vista que em 2001 ele seria falado por 72,4% dos habitantes e, em 2012, passaria a

ser utilizado por apenas 36,2% dos falantes. Além do Forro, o Lung‟ie também teria

diminuido consideravelmente seu emprego, de 2,4% para 1%. Como se pode observar,

segundo o Censo, está havendo uma drástica redução do uso das línguas locais e um aumento

muito expressivo do Português. A esse respeito, é importante apontar que não se teve acesso

às perguntas e aos critérios de recolhas de informações linguísticas utilizados pelos

organizadores do Censo, o que certamente influencia os resultados obtidos nesse tipo de

pesquisa. De todo modo, embora não se possa avaliar a efetiva representatividade dos índices

apresentados, entende-se ser essa uma fonte relevante no que se refere à indicação de clara

tendência ao aumento do uso do Português e à diminuição do uso das línguas locais,

sobretudo do Forro.

Vale ressaltar que se manteve a categoria denominada “outras línguas” da tabela

anterior com os dados oferecidos por Hagemeijer (2009, p. 18), para que pudesse ser feita

uma comparação depois de tantos anos. No entanto, quando se fala em outras línguas, a

comparação não poderia ser tão fiel, tendo em vista que não se sabe quais seriam as outras

línguas a que Hagemeijer faz referência. A parte referente às demais línguas, no CENSO de

2012, refere-se às seguintes: Cabo Verdiano: 8,5%, Francês: 6,8%, Angolar: 6,6%, Inglês:

5%.

Assim, apesar de o Forro, como já foi mencionado anteriormente, ser conhecido e

utilizado pela maioria da população, a Língua Portuguesa está cada vez mais sendo utilizada

pelos são-tomenses. Segundo Petter & Fiorin (2008, p. 68),

para alguns, falar português bem pode ter sido um objetivo que permitiria atingir

funções mais gratificantes; geralmente as mulheres falam uma língua mais afastada

do português padrão. A escolarização recente das crianças tem um impacto não

somente sobre o português que elas falam mas também sobre o de seus pais, o que

introduz novas variações no seio da comunidade.

19

Dados retirados do site: www.cia.gov/library/publications/resources/the-world-factbook/geos/tp.html

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84

Segundo Hagemeijer (2009), São Tomé e Príncipe é o único país de Língua

Portuguesa da África em que a maioria de seus habitantes tem o Português como L1. No

entanto, na prática, é preciso atentar para o fato de que há diversos registros do Português, ou

seja, um mais próximo do PE e outro em que há certo grau de influência dos crioulos,

dependendo do nível de escolaridade, social e econômico. Segundo Mata (2009, p. 14),

As interferências das línguas crioulas, sobretudo do crioulo do Forro, fazem-se

perceptíveis na sintaxe, na fonologia, na semântica e na prosódia do português oral,

criando uma grande distância entre a língua falada ao nível informal e a língua

falada em situações formais (no discurso político, na comunicação social, na Igreja,

na Escola). E a distância é ainda maior quando se trata da língua escrita, que é a

língua de estudo e do Estado.

De acordo com o CENSO 2012, “os dados revelam que em S. Tomé e Príncipe o

Português é a língua mais falada ao nível nacional e igualmente no meio urbano e rural.” (p.

12). Além disso, seria a língua mais utilizada pela população jovem – que não utilizaria muito

o Forro –, enquanto as pessoas com mais de 50 anos usariam um pouco menos o Português e

um pouco mais o Forro.

De acordo com Pontífice (apud MATA, 2009, p. 16-17), com base em um dos

trabalhos de Pontífice em 1991, a autora verificou que as crianças:

Geralmente provenientes das camadas económicas e socialmente mais

desfavorecidas e de famílias com baixo grau de instrução, [as crianças] encontram-

se numa das seguintes situações: a) no seio da família exprimem-se única e

exclusivamente em português (deturpado); b) o meio familiar é bilingue, todavia as

crianças não são bilingues na medida em que não são falantes activos de duas

línguas. Atentemos no caso do Forro em que podemos falar com relativa segurança:

as crianças entendem-no mas não o falam. Aprendem, por imersão total no meio

familiar, as suas estruturas, adquirindo uma certa “performance” mas não atingem a

competência, isto é, não são capazes de o falar. É frequente assistirmos à cena em

que, numa conversa bem longa entre um adulto e uma criança, aquele fala em Forro

e esta português, mesmo que deturpado. (PONTÍFICE, 1991, p. 89)

De acordo com Pereira (2006, p. 62), “Em S. Tomé há muitas famílias que evitam o

uso do Forro e procuram que os seus filhos adquiram Português desde a infância.” Dessa

forma, acredita-se que os crioulos que hoje existem, tendem a desaparecer, pois os jovens e as

crianças não se interessam em aprendê-los, havendo sua utilização bem reduzida (cf. CENSO

2012). Além disso, as famílias estão, cada vez mais, influenciando, em geral, o uso da Língua

Portuguesa para que seus filhos possam ascender socialmente (PETTER & FIORIN, 2008).

Os próprios informantes do corpus utilizados na presente pesquisa relatam que o

Português é a língua materna e que, na infância, os pais ficavam irritados ou proibiam que

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85

eles falassem outra língua que não fosse o Português, como se pode verificar nos depoimentos

abaixo:

I: não sei, bom naquela altura a gente, por exemplo, eu vejo a casa que, por

exemplo, se estiveres a falar dialecto mãe zanga, diz não precisa falar essa língua

não, a gente tem que aprender a falar português, não sei quê… mas eu acho que

aprender dialecto também é bom, porque o dialecto também é… eu nasci e ouvi

dizer que dialecto é nossa língua mas apesar que nasci a gente fala mais português

que… mas…

T: Sempre falou mais português?

I: Sim, (...)

T: E e achas que ago& hoje, não é, comparando com o passado, achas que hoje há

menos pessoas que falam essa língua ou está está igual?

I: Eu acho que está há menos, né, porque antigamente pessoa falava mais dialecto

nossas avós usavam mais o di&, mais dialecto mas com… cada vez com a evolução

de escola, então jovens, estamos a crescer mas a falar a aproximar para português do

que dialecto. [ST-A-1-M]

S – quer dizer a mãe não, mas pronto a mãe gostava, era uma ideologia que nós

tínhamos que estudar depois, essas coisas todas, ela não queria que nós voltássemos

para para para o Forro e depois perder o feed-back do desenvolvimento e então ela

falava mais português mas com a minha avó, os meus tios falavam sempre Forro.

[ST-A-2-H]

S: entender eu entendo mas não sei falar muito bem o crioulo porque muitas vezes

eu tenho às vezes posso misturar o crioulo com o português e não fica muito bem

correcto. [ST-A-2-M]

G: Eu acho que a língua Forro está a ficar um pouco mais aportuguesada, não é o

português que está a ficar Forro, nada disso, porquê? Porque a influência do

português está cada vez mais dominante, está cada vez mais dominante. [ST-A-3-H]

D: de casa quando era pequeno... falava português?

L: sempre português

D: sempre português

L: porque nós sabemos/ nós vivemos a educação colonial portanto era proibido falar

na escola os meus pais não queriam que eu na escola não tivesse dificuldade na

aprendizagem então eu tinha que falar português em casa para ser meu hábito falar

português ouvir e perceber bem os Meus professores... portanto mas todavia como

eu tinha por exemplo avó que era analfabeta portanto tinha que falar a língua

nacional portanto aí portanto fui ouvindo e ouvir todos os dias claro que a gente

aprende portanto foi aí que eu aprendi. [ST-B-3-H]

Assim, as línguas crioulas das ilhas – por não serem o idioma oficial, não possuírem

uma ortografia própria e divulgada para a população (cf. HAGEMEIJER, 2009), serem

utilizadas apenas nos registros sobretudo de fala informal, e não serem muito utilizadas pelos

jovens – tendem a desaparecer, uma vez que o número de pessoas que utilizam e sabem o

Forro diminuiu pela metade, conforme confirma o CENSO de 2012. Destaca-se, também, que

ainda não há tentativas oficiais que identifiquem a ortografia das línguas locais. Assim,

acredita-se que elas podem mesmo se extinguir, se não houver uma política linguística que

contribua para sua manutenção.

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86

Figura 2: Mapa de São Tomé e Príncipe20

4.2.3. Descrição do Forro e a colocação pronominal

De acordo com Petter & Fiorin (2008), “A ilha de São Tomé foi descoberta pelos

portugueses no fim do século XV e efetivamente povoada a partir do início do século XVI.

Nesse primeiro povoamento, dois crioulos, que são ainda falados, nasceram: a lungwa

santomé ou o Forro e lunga ngola ou angolar” (p. 63-64). Segundo Holm (2000, p.72):

Angolar, chamado ngola por seus falantes, é um crioulo de base portuguesa falado

pelos Angolares, na ilha de São Tomé. Eles constituem um grupo etnolinguístico

minoritário, configurando menos de 10% da população da ilha. Mantiveram-se

distintos da população geral de Forro (literalmente 'libertos'), i. e. dos crioulos da

mesma ilha que falam São-tomense. 21

20

Mapa retirado do site: pt.mapsofworld.com/sao-tome-principe/

21 Angolar, called ngola by its speakers, is a Portuguese-based creole spoken by the Angolares on the island of

São Tomé. They constitute an ethnolinguistic minority group making up under 10% of the island‟s population.

They have remained distinct from the general population of Forro (literally „freedmen‟), i. e. the creoles of the

same island who speak São Tomense.

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O Forro das ilhas de São Tomé e Príncipe derivou de um crioulo com base no

Português. Pereira (2006) mostra que, para que uma língua seja considerada um crioulo, os

falantes ou os pesquisadores da língua devem denominá-la como tal. No entanto,

por vezes, não existe coincidência entre falantes e linguistas. Os santomenses, por

exemplo, dizem que falam Lungwa Santomé (Língua Santomé) ou Forro, ou mesmo

dialecto, mas nunca chamam à sua língua crioulo. No entanto, para os linguistas, o

Forro de São Tomé é um crioulo, tal como o Principense (da ilha de Príncipe) ou o

cabo-verdiano. Esta classificação tem por base um conjunto de critérios que

assentam, sobretudo, no processo de formação destas línguas, em contextos

sociolinguísticos excepcionais. (p. 22)

De acordo com o CENSO de 2012, o português é a língua oficial que conviveria com

as línguas locais:

Efectivamente, o português é, além da língua oficial de trabalho, e portanto,

utilizada nos documentos oficiais, a língua de comunicação mais utilizada e

considerada por grande parte da população como língua materna. As línguas locais,

utilizadas em paralelo com o português, são apelidadas de “crioulo”, por terem

fortes raízes na língua portuguesa, e, geralmente não são escritas. Dessas línguas

destacam-se o “Fôrro”, o “Angolar” e o “Lunguié”. (p. 74)

Basso e Gonçalves (2014) explicam um pouco sobre os crioulos afro-portugueses de

São Tomé e confirmam que “a língua oficial de São Tomé e Príncipe é o Português; porém,

ao lado do Português há o Forro ou São-tomense, um crioulo de base portuguesa, com

influência de línguas do grupo Kwa, falado por praticamente toda a população do país” (p.

182-183).

Para que se possa conhecer um pouco mais sobre o Forro, serão mostradas algumas

contribuições do trabalho de Ferraz (1979), que estudou e descreveu, cuidadosamente, esse

crioulo durante sua estadia nas ilhas, fazendo comparações com outras línguas locais e

mostrando várias características elementares do Forro. Não se tem conhecimento de outro

trabalho que tenha feito um panorama tão detalhado sobre o São-tomense22

.

Ferraz (1979) destaca que há quatro línguas faladas no Golfo da Guiné, sendo três

em São Tomé, e todas possuem como base o Português. Trata-se, na realidade, de três ilhas: a

de São Tomé, onde se falaria o São-tomense (mais ao norte) e o angolar (mais ao sul); a ilha

de Príncipe, na qual se falaria o principense; e a ilha do Anno Bom, onde se falaria o

annobonense. Apesar de serem quatro tipos de crioulos, o autor destaca o fato de os quatro

possuírem muitas palavras do léxico em comum e com base no Português. Em relação à

22

Nessa descrição do crioulo de São Tomé mais falado, serão utilizados como sinônimos os vocábulos crioulo,

Forro e São-tomense.

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88

fonologia, as diferenças são significativas e, do ponto de vista gramatical, as diferenças já não

seriam tão grandes.

Em seu texto, Ferraz mostra diversas características importantes sobre o crioulo São-

tomense, que é falado pela maioria dos habitantes de São Tomé, e mostra diversos aspectos

relevantes que estão presentes na fonologia, morfologia e sintaxe dessa língua.

O autor destaca que a maioria do léxico do Forro veio do Português, mas esse crioulo

possui muita influência africana também, principalmente na fonologia e na sintaxe, que são

bem parecidas com as do Bantu e Kwa, que são grupos linguísticos da Costa Oeste Africana.

Além disso, ele destaca que o crioulo demorou, aproximadamente, 80 anos para a formação e

consolidação, e possuiria, então, mais ou menos 400 anos.

Em relação à utilização dos pronomes pessoais sujeitos, Ferraz destaca o fato de o

crioulo ter mais de uma forma de expressar os pronomes pessoais, diferentemente do que

ocorre com o Português; por exemplo, a primeira pessoa do singular, em Português, sempre

será “eu”, mas, no Forro, teria diversas formas para expressar o mesmo pronome.

Observe, abaixo, o quadro, retirado de Ferraz (1979, p. 62), que mostra os pronomes

sujeitos e objetos:

Os pronomes pessoais objetos seriam mais simples no Forro que em Português,

tendo em vista que este idioma possui diversas formas e regras que não existem no crioulo. O

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89

autor cita algumas dessas construções que existem no Português e não são encontradas no

Forro (FERRAZ, 1979, p. 61-62)23

:

(a) Diferentemente do Português, São-tomense não possui conjuntos de pronomes objetos

acentuados e não acentuados para distinguir respectivamente objetos de preposições

dos objetos de verbos, como ocorre nos seguintes exemplos do Português:

Ptg dá-me “give me” (átono)

Para mim “for me” (tônico)

Comigo “with me” (tônico)

(b) São-tomense não tem pronomes objetos infixais como encontrados nos tempos futuros

e condicionais do Português, como pode ser ilustrado pelos seguintes exemplos :

Ptg dá-lo-ei “I Will give it” da-lo-ia “I would give it”

cf. ST nga da e I-ka give it “I will give it”

(c) Os objetos pronomes de São-tomense não mudam a posição na sentença, como ocorre

em Português. Eles sempre seguem o verbo ou a preposição de que são objetos,

diferentemente do Português, em que transformações diversas acarretam uma

mudança na posição do pronome objeto. Se por exemplo, a transformação negativa é

aplicada em Português, o pronome objeto muda da posição pós-verbal para a pré-

verbal, como em:

23

(a) Unlike Portuguese, ST does not have sets of stressed and unstressed object pronouns to distinguish

respectively objects of prepositions from objects of verbs, such as occur in the following Portuguese examples:

Ptg dá-me “give me” (unstressed)

Para mim “for me” (stressed)

Comigo “with me” (stressed)

(b) ST does not have the infixal object pronouns found in the Portuguese future and conditional tenses, as may

be illustrated by the following exemples:

Ptg dá-lo-ei “I Will give it” da-lo-ia “I would give it”

cf. ST nga da e I-ka give it “I will give it”

(c) The object pronouns of ST do not change position in the sentence, as occurs in Portuguese. They always

follow the verb or the preposition of which they are objects, unlike Portuguese, where several transformations

entail a change in the position of the object pronoun. If, for instance, the negative transformation is applied in

Portuguese, the object pronoun changes from post verbal to pre verbal position, as in:

Ptg dei-o "I gave it", ndo o dei "I did not give it”

(d) There is no equivalent category in ST for the Portuguese sets of possessives (meu, teu, seu, etc.). In ST the

object pronouns are used to indicate genitive relationships, as in:

ST e be mu "He sees me."

lu’mõ mu (brother me) "my brother".

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90

Ptg dei-o "I gave it", não o dei "I did not give it”

(d) Não existe uma categoria equivalente em São-tomense para a série de possessivos do

Português (meu, teu, seu etc.). Em São-tomense, os pronomes objetos são usados para

expressar relações genitivas, como em:

ST e be mu "He sees me."

lu’mõ mu (brother me) "my brother"

Além dessas informações, o autor ressalta que não há pronomes reflexivos no Forro

(FERRAZ, 1979, p. 110).

Com base no quadro pronominal apresentado e nos quatro tópicos acima, algumas

informações sobre o Forro interessam particularmente ao presente trabalho: (i) primeiramente,

as formas pronominais sujeito e complementos, bem como complementos verbais e

preposicionais podem ser as mesmas ou semelhantes; (ii) não ocorre a mesóclise; (iii) o

pronome objeto sempre se encontra na posição depois do verbo ou da preposição, não

havendo efeitos de partículas proclisadoras.

Num trabalho comparativo entre o crioulo utilizado na Alta Guiné e no Golfo da

Guiné, Hagemeijer & Alexandre (2012) também verificaram que o sistema pronominal, nas

línguas das duas regiões, apresentaria formas parecidas para as posições sujeito e objeto, e

mostraram os seguintes exemplos (HAGEMEIJER & ALEXANDRE, 2012, p. 243):

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Ao que parece, em relação à colocação pronominal, os pronomes objetos fracos

parecem estar sempre depois do verbo, confirmando os resultados de Ferraz (1979).

Além disso, os autores propõem uma diferença importante entre o comportamento

dos pronomes fracos dos crioulos da Alta Guiné e o dos pronomes dos crioulos do Golfo da

Guiné, onde se inclui o Forro: enquanto os primeiros seriam sintáticos, os últimos assumiriam

o estatudo de clíticos fonológicos:

O funcionamento do sistema pronominal dos CAG e dos CGG é, no entanto,

bastante distinto. Tem-se argumentado que os pronomes fracos dos CAG se

comportam como clíticos sintácticos (Baptista 2002; Pratas 2004), enquanto os

mesmos pronomes nos CGG têm o estatuto de clíticos fonológicos (Hagemeijer

2007). Além disso, a oposição entre pronomes fortes e fracos abrange apenas uma

parte do paradigma pronominal nos CGG e o paradigma no seu todo nos CAG. (p.

244)

Propõe-se, assim, que, no Golfo da Guiné, provavelmente, haveria clíticos

fonológicos. Ao consultar a tese de doutorado do referido autor (HAGEMEIJER, 2007),

verificou-se que haveria, em São-tomense, uma ligação do pronome para a esquerda, como se

confirma a seguir:

Um dos argumentos usados por Deprez (1994) em sua argumentação contra os

clíticos sintáticos no Haitiano é o comportamento dos clíticos objetos nessa língua.

As posições dos objetos corroboram que pronomes podem cliticizar-se à esquerda,

mas sem estarem relacionados com o movimento do verbo. A esse respeito, um

paralelo pode ser estabelecido entre Santome e o Haitiano. Note-se, em primeiro

lugar, que o paradigma de sujeito e objeto são virtualmente idênticos em suas

formas. 24

(HAGEMEIJER, 2007, p. 38)

O autor compara os pronomes fracos do Haitiano com os de São-tomense, mostrando

que, nos dois, haveria a realização de clíticos fonológicos. Para confirmar sua constatação, o

autor ressalta (HAGEMEIJER, 2007, p. 38-39) que as “formas fortes não podem ocorrer na

posição do objecto, como mostram os exemplos que se seguem” 25

:

24

One of the arguments used by Déprez (1994) in her argumentation against syntactic clitics in Haitian is the

behavior of object clitics in that language. Object positions corroborate that pronouns may cliticize to the left but

without being related to verb movement. In this respect, a parallel can be established between Santome and

Haitian. Note in the first place that the subject and object paradigm are virtually identical in form. 25

Strong forms cannot occur in object position, as shown by the following examples.

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92

Verifica-se, assim, que, na realidade, “a cliticização fonológica é sensível ao

fraseamento fonológico, que, por sua vez, é sensível ao “bracketing” sintático. Foi mostrado

que o pronome sujeito n se cliticiza para a direita, enquanto os pronomes objetos se cliticizam

para a esquerda” 26

(grifo nosso) (HAGEMEIJER, 2007, p. 40). O autor mostra que a

cliticização para a esquerda fica claramente explícita com os pronomes fracos da 3SG, que

sofrem diversos processos fonológicos (harmonização vocálica, semivocalização e

contrações), como mostram os exemplos a seguir (HAGEMEIJER, 2007, p. 40):

Logo após, o autor reafirma que “os pronomes objetos confirmam a importância da

cliticização fonológica em São Tomé” 27

. Dessa forma, de acordo com todo o exposto acima,

baseado em Ferraz (1979) e Hagemeijer (2007), os pronomes objetos fracos no Forro serão

considerados como possíveis clíticos fonológicos que ocorreriam em posição pós-verbal.

Para finalizar essa parte sobre a descrição do Forro, a título de curiosidade quanto a

como se escreveria nas línguas acima mencionadas, retirou-se de Pereira (2006, p. 39) uma

26

In fact, phonological cliticization is sensitive to phonological phrasing, which on its turn is sensitive to

syntactic bracketing. It was shown that subject pronoun n cliticizes rightwards, whereas object pronouns cliticize

leftwards. 27

Hence, object pronouns confirm the importance of phonological cliticization in Santome, but also confirm that

the behavior of subject 1sg n cannot be explained by phonology alone.

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93

parte do poema clássico de Camões com uma tentativa de representar graficamente tais

línguas: o Forro de São Tomé e o Lung‟ie do Príncipe:

Amor é fogo que arde sem se ver;

é ferida que dói e não se sente;

é um contentamento descontente

é dor que desatina sem doer.

(Luís de Camões)

Amuêlê sá ua Fôgô cu cá lêdê sê pá abê;

ê sá flida cucá dá dôlô, magi ê Sá mó fingui – lóló;

ê sua contentamento sê contento,

ê sá dôlô cucá fé – a tlapaiá sê pá a sêbê.

(Tradução, para Forro de São Tomé, de Guslário de Almeida)

Amoê fôgô ua kiçá rêdê kia sa vê-fá;

ê flida ua kça dá dô maji açá chintchi-fá;

ê contentamento ua xi contento,

ê ká dá dô kia tapaia xi pá sêbê.

(Tradução, para o Lung‟ie do Príncipe, de Lucília Lavres)

4.2.4. Semelhanças na história linguística dos países colonizados (PB e PST)

Depois desse breve panorama histórico e linguístico, referente à formação do

Português do Brasil e de São Tomé, pode-se perceber que a história de colonização e do

contato com diversos povos e culturas constitui fator fundamental na diferenciação entre a

história de formação dessas variedades do Português.

Esse contato com os diferentes povos fez com que a língua do colonizador fosse

influenciada pelas línguas dos povos que habitavam ou vieram para o Brasil, na época da

colonização e nos séculos seguintes, fazendo com que esse contato influenciasse diretamente

o PB em formação. Em São Tomé, o contato com diversos povos que foram levados para as

ilhas também influenciaria diretamente a formação do PST.

Essa influência, que ocorreu nos dois países durante muitos séculos, faz com que o

Português utilizado nos países colonizados não seja exatamente igual ao do país colonizador.

No PB, em que a Língua Portuguesa já está edificada, verifica-se essa diferença muito

claramente, principalmente na modalidade oral. No PST, país em que a Língua Portuguesa

ainda está em formação, também se verificam algumas diferenças em relação à língua do país

colonizador.

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94

Vários linguistas verificaram algum tipo de aproximação da história da língua no

Brasil e em São Tomé. Segundo Lucchesi et alii (2009), no PB e no PST, não ocorreu a perda

de morfologia flexional porque

nos casos de uma transmissão linguística irregular mais leve (a exemplo do crioulo

francês da Ilha de Reunião, o inglês de Singapura, o português de Maputo, em

Moçambique, e o português dos tongas de São Tomé), não se configura um quadro

de eliminação em níveis tão categóricos, mas um quadro de variação mais ou menos

intenso conforme o caso. (p. 124)

Holm (apud NARO e SCHERRE, 2007, p. 184) ressalta que “„parece provável que a

alternância (ente [l] e [r]) do PPB [português popular do Brasil] seja TAMBÉM o resultado de

influência crioula‟, alegando a existência do mesmo fenômeno em diversas línguas de

substrato africano, em especial na língua crioula de São Tomé”

Ferraz (1979) também compara o PB e o PST, mostrando que a dupla negação que

ocorre no Português do Brasil, também ocorre nos crioulos de São Tomé e, provavelmente,

ocorra nos dois países por causa da influência da língua africana utilizada em diversos séculos

nos dois continentes.

De acordo com Baxter et alii (1998, p. 98), o Português do Brasil teve um contexo

sociolinguístico caracterizado por três fatores principais: “(i) por situação de contato entre

diversas variedades do Português e as línguas ameríndias e africanas, (ii) pelo bilinguismo, e

(iii) pelo domínio do Português e o gradual abandono das outras línguas.” O autor ressalta que

esses não são os únicos parâmetros, mas são os mais relevantes para a construção do PB. Ele

destaca que o terceiro deles, no Brasil, implicaria três fatores:

(i) a mudança de língua criou uma considerável população de falantes africanos e

indígenas de variedades L2 do português;

(ii) estas variedades L2 do português teriam construído um modelo estímulo potencial

para a aquisição L1 do português por descendentes de africanos e índios;

(iii) As variedades L1 e L2 do português faladas por africanos e índios ou pelos seus

descendentes teriam fornecido um modelo-estímulo potencial para fases posteriores

da aquisição do português como L2 e L1 dentro destes dois grupos. (BAXTER et

alii, 1998, p. 98)

Com base nos argumentos acima, acredita-se que o que ocorreu com o PB poderá

ocorrer com o PST, ou seja, supõe-se que, daqui a alguns anos ou séculos, o Português poderá

ser o idioma utilizado por todos em São Tomé e os crioulos, existentes hoje, deixariam de

existir como língua, mas permanecerão de forma indireta dentro da Língua Portuguesa que se

formará, como afirma Hagemeijer (2009, p. 19-20):

muito mais significativo é, no entanto, o impacto do Santome no Português porque,

além de influência lexical, a gramática do crioulo penetra a língua oficial a todos os

níveis (e. g. Afonso, 2008). Em vez de existir uma diglossia „exemplar‟ entre os

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95

crioulos, por um lado, e o português, por outro, esta parece estar a fundir-se no

Português local.

Por isso, de acordo com Hagemeijer & Gonçalves (2015, p. 9), o Português de São

Tomé e Príncipe estaria passando de L2 para L1:

São Tomé e Príncipe sofreu uma transformação linguística e sociolinguística a partir

do último quartel do século XIX que se traduz atualmente na hegemonia do

português em detrimento das línguas crioulas autóctones. Esta transição histórica de

português L2 para português L1 reflete-se nas características que hoje constituem o

português de São Tomé.

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96

5. ASPECTOS METODOLÓGICOS

Neste capítulo, serão apresentados os problemas e as hipóteses, além da justificativa,

que norteiam a presente pesquisa. Os procedimentos para a análise dos dados, assim como a

descrição do corpus também serão expostos nesta parte, com a apresentação detalhada das

variáveis em estudo – tanto a dependente como as independentes (extralinguísticas e

linguísticas).

5.1. Justificativa, problemas e hipóteses

Com o levantamento dos resultados das pesquisas sobre o fenômeno (cf. Capítulo

2.2.2. A colocação pronominal segundo as pesquisas linguísticas), foi possível verificar que

apenas os trabalhos de Vieira (2002), Magro (2004), Gonçalves (2009), Vieira, M. F. (2011) e

Corrêa (2012), até onde vai nosso conhecimento, contemplam dados da Língua Portuguesa

falada nos séculos XX e XXI28

. Desse modo, é flagrante a falta de descrição sociolinguística

de dados espontâneos contemporâneos, principalmente do PST (variedade mais recente e

ainda em formação).

Além disso, constatou-se que não é proposta uma análise contrastiva das ocorrências

sob as mesmas bases e a partir de amostras com os mesmos perfis, para, acima de tudo, buscar

respostas para o debate sobre a implementação de determinadas estruturas, se motivada por

fatores internos ou externos à língua, como aqueles decorrentes da situação de intenso contato

linguístico. A pesquisa pretende descrever o fenômeno com base em dados da ordem dos

clíticos em lexias verbais simples e em complexos verbais, estratificados

sociolinguisticamente e coletados da fala de portugueses, brasileiros e africanos de São Tomé

no período de 2008 a 2011. Dessa forma, pretende-se realizar uma análise contrastiva do

fenômeno de cliticização nas três variedades, com base no emprego efetivo e empiricamente

atestado dessa estrutura nos dias atuais.

Segundo orientação laboviana, os dados orais seriam os mais indicados para o estudo

real da língua, uma vez que apresentariam a maneira como a língua está sendo efetivamente

usada com naturalidade e espontaneidade. Assim sendo, justifica-se, aqui, também a escolha

da modalidade oral para o cumprimento dos objetivos postulados.

Pretende-se, com a presente pesquisa, verificar os fatores linguísticos e

extralinguísticos que favorecem e desfavorecem cada variante e fazer uma descrição

28

Como foi visto no capítulo 2, a maioria dos trabalhos variacionistas usa dados de escrita. Somente os trabalhos

aqui citados tratam de dados retirados da fala.

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97

detalhada das três variedades linguísticas. Será possível, assim, ampliar o conhecimento que

já se tem do PB e do PE e conhecer o que ocorre na localidade de Funchal e na variedade de

São Tomé que não foram ainda exploradas, em especial no que diz respeito aos estudos

sociolinguísticos. Ademais, a conjugação dos resultados oriundos da descrição dos dados às

reflexões concernentes ao estatuto variável ou semicategórico da colocação pronominal

permitirá apresentar as opções preferenciais de cada variedade em análise.

Para investigar a posição preferencial do pronome átono na modalidade oral, busca-

se responder a algumas questões referentes ao fenômeno, tais como:

(i) a ordem dos clíticos manifesta-se, tanto nas lexias verbais simples quanto

nos complexos verbais, como efetivamente variável nas três variedades em

estudo?;

(ii) caso a regra em questão seja variável, que variáveis linguísticas,

efetivamente, determinam a colocação dos clíticos pronominais na

modalidade oral do PE, PB e PST nos contextos de lexias verbais simples e

de complexos verbais?;

(iii) quais são os elementos que funcionam como proclisadores nos contextos

com um e mais de um verbo?;

(iv) as variáveis extralinguísticas interferem na preferência por determinada

variante, quanto à ordem dos pronomes oblíquos átonos?;

(v) quais são as diferenças significativas entre PE (variedade do país

colonizador), PB e PST (variedades dos países colonizados)?;

(vi) essas diferenças são quantitativa e qualitativamente suficientes para que se

postule a concretização de parâmetros diferenciados por variedade?;

(vii) a história das variedades colonizadas (PB e PST), ou seja, a implementação

da Língua Portuguesa já formada (PB) ou sendo formada (PST) em um

contexto com flagrante e intenso contato linguístico aproximam ou

distanciam as duas variedades dos países colonizados?

Para tais questionamentos, tem-se algumas hipóteses:

(i) no PE, a colocação seria efetivamente variável em determinados contextos

sintáticos, nos ambientes de lexias verbais simples e nos complexos verbais.

No PB, não haveria efetiva variação nas lexias verbais simples nem nos

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98

complexos verbais, o que configuraria um caso de regra semicategórica29

. Já

no PST, a variação ocorreria nas lexias verbais simples e nos complexos

verbais, mas não haveria a atuação dos condicionamentos de forma

sistemática, como ocorreria na língua do colonizador.

(ii) nas lexias verbais simples, o elemento que antecede o clítico seria o

determinador da colocação no PE, o que não ocorreria de forma expressiva

no PST nem no PB. Nos complexos verbais do PE, com a presença de um

elemento proclisador, haveria o favorecimento da variante pré-CV, mas

ocorreriam também, nesses contextos, dados da ênclise a v2 e ênclise a v1.

No PST, haveria também a colocação pré-CV, mas não seria com um

número expressivo de dados. Já o PB seria uma variedade em que não se

teria efetivamente uma regra variável, mas uma regra semicategórica para os

CVs, com ampla realização da próclise a v2;

(iii) nas variedades em que se verifica o efeito proclisador, as partículas de

negação, os elementos subordinativos e as palavras QU- seriam os

favorecedores da posição pré-verbal e pré-CV, em especial no PE;

(iv) existiria certa diferença na colocação dos clíticos pronominais, de acordo

com o nível de escolaridade do informante, no PB, mas essa variável não se

mostraria relevante para as outras variedades;

(v) haveria motivação sintática – como a presença de elementos proclisadores –

para a ordem dos clíticos pronominais no PE, variedade do país colonizador,

mas no PST essa motivação não seria sistemática;

(vi) as diferenças seriam quantitativa e qualitativamente suficientes para que se

postule que haveria uma norma/gramática da colocação pronominal

diferente para cada variedade; e

(vii) a análise contrastiva entre o PB e o PST mostraria que a colocação dos

pronomes átonos ocorreria de forma distinta entre as duas variedades

colonizadas.

Ressalta-se que essa última hipótese se baseia no processo da implantação da Língua

Portuguesa no PB e no PST, tendo em consideração sua história de colonização. Esse

29

Vale ressaltar que Corrêa (2012), em sua dissertação de mestrado, verificou que o comportamento da

colocação pronominal em complexos verbais em dados coletados do PB seria semicategórico, e não

efetivamente variável.

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99

enfraquecimento dos padrões regulares de motivação sintática seria reflexo da existência de

uma situação típica de intenso contato linguístico que foi presente no Brasil e ainda ocorre em

São Tomé. Seriam importantes, segundo Lucchesi (2009, p. 101),

os processos históricos de contato maciço entre povos falantes de línguas

tipologicamente diferenciadas, entre os séculos XVI e XIX, em decorrência da ação

do colonialismo europeu na África, Ásia, América e Oceania. Nas diversas situações

de dominação que se constituíram nesse contexto histórico, a língua do grupo

dominante, denominada língua de superstrato ou língua-alvo, se impõe, de modo

que os falantes das outras línguas, em sua maioria adultos, são forçados a adquiri-la

em condições bastante adversas de aprendizado, em função de sua sujeição e

marginalização. As variedades de segunda língua que se formam nessas condições,

mais ou menos defectivas consoante as especificidades de cada contexto histórico,

acabam por fornecer os modelos para aquisição da língua materna para as novas

gerações de falantes, na medida em que os grupos dominados vão abandonando as

suas línguas nativas.

O autor ressalta que, dessa forma, o processo de nativização da língua do colonizador

ocorre de maneira irregular, uma vez que os dados linguísticos primários ensinados às

crianças que nascem nessas situações provêm, em geral, de versões de segunda língua

desenvolvidas entre os falantes adultos das outras línguas, apresentando, assim, lacunas e

reanálises em relação aos seus mecanismos gramaticais. Desse modo, não surpreende que o

PST, embora tenha por modelo de aprendizagem do Português o PE, possa apresentar usos

diferentes desse modelo, em função da intensa situação de contato linguístico e, hoje, da

aquisição de Português como L1 com gerações que nem sempre tiveram o Português como

L1.

Destaca-se que, nas duas variedades dos países colonizados, o intenso contato

linguístico teria influenciado diretamente na formação da Língua Portuguesa; no entanto, esta

pode não ter ocorrido da mesma maneira nos dois continentes, pois a história de colonização e

os povos que conviveram em cada localidade não foram os mesmos. No PB, antes da chegada

dos portugueses, já havia a presença de povos indígenas no Brasil e vieram povos de

diferentes países no decorrer do processo de colonização (cf. Capítulo 4). Já no PST, não

havia, segundo mostram os estudiosos, habitantes em São Tomé e Príncipe e os portugueses o

habitaram com diversos escravos de diferentes regiões, fazendo com que o ambiente social

propiciasse a formação de diversos crioulos que existem até hoje e são utilizados por uma

parte da população, como o Forro.

No PB, a Língua Portuguesa já está formada e é utilizada pela maioria dos

habitantes, mas ela não é igual à do país colonizador. Em relação aos clíticos pronominais,

por exemplo, no Brasil a colocação é basicamente proclítica, enquanto no PE é enclítica com

diversos contextos favorecedores da próclise.

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100

Dessa forma, acredita-se que, em São Tomé – país em que a variedade local da

Língua Portuguesa ainda está em formação –, o Português assumirá possivelmente feições

semelhantes às do PE, mas terá suas peculiaridades resultantes, dentre outros motivos, da

história da colonização e do contato linguístico existente durante todo esse período de

formação.

Segundo o estudo da ordem dos clíticos pronominais desenvolvido por

GONÇALVES (2009), o Português possuiria um comportamento oscilante em São Tomé, o

que seria típico de línguas em situação de intenso contato linguístico, como é o caso dessa

variedade. Na realidade, a complexidade da situação de multilinguismo em São Tomé

colaboraria para essa suposta instabilidade na fixação dos padrões linguísticos: de um lado,

acredita-se que o Forro, ainda utilizado sobretudo pelos indivíduos mais velhos, pode deixar

alguma influência sobre a variedade do Português em formação; de outro, tem-se por hipótese

que esse processo de consolidação da Língua Portuguesa em São Tomé também seja

influenciado diretamente pela língua do colonizador, uma vez que há um forte decréscimo da

utilização do Forro (CENSO, 2012), fazendo com que, cada vez mais, o PST possa adotar

padrões compatíveis com os praticados no PE.

Supõe-se, assim, que a colocação dos clíticos pronominais – daqui a alguns anos ou,

provavelmente, séculos – poderá ser até mesmo o inverso do que ocorre no Brasil hoje, ou

seja, pode ser praticamente toda enclítica, pois o PE tem como ordem não marcada a ênclise e

os pronomes objetos fracos no Forro encontram-se sempre depois dos verbos, segundo Ferraz

(1979) e Hagemeijer (2007), e provavelmente em ligação fonológica para a esquerda. De

outro lado, a admissão do efeito proclisador, advindo do modelo do PE, pode vir a ser

parcialmente adotada, o que geraria certa instabilidade no comportamento do PST, como

proposto por Gonçalves (2009). Sendo esta apenas uma suposição, para verificar se ela

ocorrerá ou não, somente os estudos, como o presente e os que venham a ser desenvolvidos

por futuros pesquisadores, poderão desvendar se isso será uma afirmativa ou não.

5.2. Procedimentos para a análise dos dados e descrição do corpus

Baseando-se na metodologia utilizada nos trabalhos de orientação sociolinguística, a

presente investigação desenvolve os seguintes procedimentos: 1º) coleta de dados em todo o

corpus; 2º) estabelecimento das variáveis linguísticas e extralinguísticas a serem investigadas;

3º) codificação dos dados segundo tais variáveis; 4º) tratamento dos dados segundo o

instrumental técnico-computacional do pacote de programas GOLDVARB-X; e 5º) análise e

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101

interpretação dos resultados, à luz do perfil de cada variável linguística e extralinguística

controlada e, ainda, da situação de formação socio-histórica em questão.

Como já mencionado, serão analisados os dados produzidos nas variedades do

Português praticadas na Europa, no Brasil e em São Tomé, em amostras estratificadas

segundo variáveis sociolinguísticas. Recorre-se ao corpus do Projeto “Estudo comparado dos

padrões de concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias”30

, a fim de

descrever os inquéritos selecionados a partir de critérios extralinguísticos.

Trata-se de um banco de dados com entrevistas produzidas no século XXI. Os dados

pertencentes a esse corpus – coletado de 2008 a 2011 – obedecem ao método dos estudos de

variação e mudança linguística, havendo, portanto, a constituição de amostra estratificada,

consoante o mesmo número de informantes para cada variável extralinguística controlada.

No site www.concordancia.letras.ufrj.br, verifica-se que o corpus faz parte do

referido projeto de cooperação internacional Brasil-Portugal coordenado pelas professoras

doutoras Silvia Rodrigues Vieira – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – e Maria

Antónia Ramos Coelho da Mota – Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL),

hoje Projeto ALFAL 21.

Há três pontos de inquérito em Portugal, dois no Brasil e um em São Tomé e

Príncipe. No total, são 107 entrevistas, sendo, no PE, 18 de Lisboa/Oeiras, 18 de Cacém e 18

de Funchal, na Ilha da Madeira. No PB, são 18 de Copacabana e 18 da cidade de Nova

Iguaçu. No PST, são somente 17 gravações, pois falta um informante feminino com nível

superior da faixa etária C, perfil raro na sociedade são-tomense, que não foi encontrado

quando da formação da amostra.

Por que a utilização da subamostra recolhida em Funchal? Esta pergunta deve ser

respondida para esclarecer a introdução dessa localidade extra apenas no caso do PE.

Como se sabe, a história de formação da Língua Portuguesa em Funchal, que é um

território insular, é bem diferente da que ocorreu com o Português continental. No entanto,

como não há efetivo conhecimento do que ocorre na variedade portuguesa madeirense e como

já estavam disponíveis todos os inquéritos para a análise, optou-se por averiguar o que

realmente se efetiva na colocação pronominal, mesmo sabendo que, além das características

potencialmente particulares dessa subamostra, haveria uma assimetria em relação às

localidades e à quantidade de informantes por variedades.

30 www.concordancia.letras.ufrj.br

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102

Sabe-se que a realidade social, cultural e histórica de Funchal é bem diferente

daquela que se encontra em Lisboa e Cacém. Guy e Zilles (2007) deixam claro que o ideal é

garantir que a amostra represente o mais fidedignamente possível a comunidade de fala, ou,

nos casos em que isso não seja possível, que o pesquisador assuma explicitamente que seus

resultados se aplicam a amostras diferentes. Assim, em caso de comparações, os autores

ressaltam que se deve ter cuidado ao comparar resultados obtidos em diferentes amostras, já

que elas devem apresentar os mesmos parâmetros de constituição.

Todas as amostras tiveram os mesmos parâmetros em sua constituição – como se

mostrará a seguir – e, na análise dos dados, será possível decidir se a localidade de Funchal

poderá integrar os demais dados do PE ou se deverá ser feita uma análise em separado dessa

localidade.

Os critérios utilizados para a construção da amostra respeitam, além da região, três

variáveis extralinguísticas – sexo, nível de instrução e faixa etária –, como se pode observar

na tabela a seguir, extraída do site www.concordancia.letras.ufrj.br:

Faixa etária Nível de escolaridade Gênero

A = 18 a 35 anos 1 = Fundamental – 2º segmento

(6º ao 9º ano)

Masculino

B = 36 a 55 anos 2 = Médio (10º ao 12º ano) Feminino

C = 56 a 75 anos 3 = Superior

3 células x 3 células x 2 células =18 informantes (naturais das localidades em estudo)

Quadro 1: Perfil dos informantes do PE e do PB segundo o Projeto Concordância31

Para investigar o Português de São Tomé, a pesquisa contará com uma das amostras

do corpus VAPOR, construída pelo pesquisador Tjerk Hagemeijer, do Centro de Linguística

da Universidade de Lisboa (CLUL). Ressalta-se que todos os informantes desse corpus

31

Todos os dados do corpus serão identificados da seguinte forma: localização (COP – Copacabana, NIG –

Nova Iguaçu, OEI – Oeiras/Lisboa, CAC – Cacém, FNC – Funchal e ST – São Tomé), faixa etária (A, B e C),

nível de instrução (1, 2 e 3) e sexo dos informantes (H – homem e M – mulher), respectivamente. Ressalta-se

que essa identificação foi retirada do site www.concordancia.letras.ufrj.br.

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103

possuem, segundo o pesquisador, a Língua Portuguesa como L1, embora os informantes

declarem ter graus de domínio linguístico bastante diferenciado32

.

Segundo Hagemeijer (2009, p. 19), em São Tomé e Príncipe, “o Português é a língua

mais falada, uma tendência que actualmente parece estar a intensificar-se em detrimento das

línguas crioulas autóctones”. O autor ressalta que, além do Português, são faladas três línguas

crioulas autóctones: o Santomé ou Forro, o Lung‟ie e o Angolar. Ainda coexistem com elas o

crioulo de Cabo Verde e o Português dos Tongas, além dos resquícios de línguas do grupo

Bantu.

Com a análise dos dados de todo o corpus, pretende-se comparar as variedades do

Português usadas nas três regiões (Europa, Brasil e São Tomé), e, para tanto, foi utilizado o

programa GOLDVARB-X, para que fosse possível fazer a análise estatística e quantitativa

das ocorrências. Ele fornece a aplicabilidade da regra, as frequências, os percentuais e os

pesos relativos de cada uma das variantes verificadas na ordem dos clíticos. Além disso,

verifica quais as variáveis – sejam de ordem linguística ou extralinguística – que favorecem o

uso das variantes em questão, por ordem de seleção e mostra a influência de cada fator no

condicionamento do fenômeno.

Com os resultados obtidos a partir das rodadas feitas pelo Programa, pode-se

confirmar (ou não) as hipóteses iniciais e: (i) verificar, em dados orais contemporâneos, a

variante mais produtiva no PE, PB e PST (próclise, ênclise ou mesóclise; cl v1 v2, v1(-) cl v2

ou v1 v2-cl), nos diversos contextos sintáticos, para que se possam estabelecer os padrões da

cliticização pronominal da modalidade oral das três variedades; e (ii) identificar as variáveis

linguísticas e extralinguísticas que determinam a opção pela variante pré-verbal, no caso de

rodadas multivariadas, verificando os elementos que funcionam, de fato, como elementos

favorecedores dessas variantes, se houver efetivamente uma regra variável.

Assim, o estudo detalhado de cada uma das variedades permitirá esboçar, em síntese,

o panorama da colocação dos clíticos pronominais da modalidade oral nas variedades

portuguesa, brasileira e são-tomense do século XXI, permitindo a análise contrastiva dos

resultados e a interpretação da formação dessas variedades quanto ao fenômeno estudado.

32

Brandão (2011) verificou a possibilidade de interferência de outras línguas faladas e sua frequência, e propôs

uma variável, em seu trabalho, que controlou se os falantes de São Tomé se consideravam falantes apenas da

Língua Portuguesa ou do crioulo também (cf. Item 5.3.2.1). No presente trabalho, esse controle também foi feito,

seguindo os critérios propostos por Brandão (2011).

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104

5.3. Descrição das variáveis

5.3.1. Variável dependente

As variantes da variável dependente da presente pesquisa são as já citadas

anteriormente: nas lexias verbais simples, próclise (ex.: Não se senta muito), ênclise (ex.:

Senta-se muito) ou mesóclise (ex.: Sentar-se-á muito).

Acredita-se que a mesóclise não ocorrerá em nenhuma das variedades da Língua

Portuguesa em estudo. No PE, supõe-se que a variante enclítica será a mais utilizada e a

proclítica ocorrerá somente quando houver algum tipo de elemento proclisador na frase. No

PST, espera-se que ocorra mais a variante enclítica; no entanto, como ainda está em formação

a Língua Portuguesa e pelo intenso contato linguístico com o Português do país colonizador,

também haveria dados proclíticos, devido ao modelo europeu, mesmo que de forma oscilante

nos mesmos contextos sintáticos. Já no PB, acredita-se que a variante proclítica ocorrerá de

forma generalizada, independentemente do elemento que vier antes do verbo, mas a ênclise

também ocorrerá com tipos específicos de clíticos (como os acusativos), em poucos dados,

provavelmente.

Em relação aos complexos verbais, os clíticos podem aparecer nas posições: próclise

a v1 ou cl v1 v2 (ex.: Não se pode sentar) – pré-complexo verbal; ênclise a v1 ou v1-cl v2

(ex.: Pode-se depois sentar muito) – intra-complexo verbal; próclise a v2 ou v1 cl-v2 (ex.:

Pode depois se-sentar muito) – intra-complexo verbal; ou ênclise a v2 ou v1 v2-cl (ex.: Pode

sentar-se muito) – pós-complexo verbal.

A próclise a v1 (cl v1 v2 – pré-complexo verbal) e a ênclise a v2 (v1 v2-cl – pós

complexo verbal) não deixam dúvidas quanto à ligação do clítico ao verbo. No entanto,

quando o pronome átono aparece no meio do complexo verbal, pode-se ter ênclise a v1 (v1-cl

v2) ou próclise a v2 (v1 cl-v2). Como se trata de dados orais, não se pode garantir, apenas

pela audição dos enunciados, qual seria a ligação fonológica do clítico, ou seja, há a

impossibilidade de definir se houve ênclise a v1 ou próclise a v2 em termos fonético-

fonológicos. Nos dados em que há algum elemento interveniente, fica clara a ligação do

clítico ao verbo; estes dados serão descritos separadamente dos demais, a fim de fundamentar

a interpretação geral que se faz dos dados de clítico na posição intra-complexo verbal.

Ainda em relação aos complexos verbais, destaca-se que a análise de cada variedade

será dividida em três grupos, a depender do verbo principal: (a) infinitivo, (b) gerúndio e (c)

particípio. Essa análise separada de cada tipo de verbo principal ocorrerá pelo fato de os

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105

clíticos não se comportarem da mesma forma em cada uma delas. Com o v2 no infinitivo, a

posição pós-cv poderá ocorrer; entretanto, se estiver no particípio ou no gerúndio, resultados

de estudos anteriores fazem supor que ela provavelmente não ocorrerá. Com os verbos no

particípio, acredita-se que a colocação pré-cv será a mais produtiva e, com os complexos

gerundivos, a intra-cv (seja v1-cl x v2 ou v1 x cl v2). Isso provavelmente ocorrerá com o PE e

PST; no entanto, com o PB, acredita-se que a colocação no interior do complexo verbal será a

mais utilizada, independentemente da forma do verbo principal.

5.3.2. Variáveis independentes

Considerando-se que cada variedade do Português pode apresentar distintas normas

de uso da ordem dos clíticos pronominais, as três amostras (PB, PE e PST) serão discutidas

separadamente. Assim, para a análise dos dados, haverá o tratamento das variáveis

extralinguísticas e linguísticas a seguir:

5.3.2.1. Variáveis extralinguísticas

Na qualidade de variáveis extralinguísticas, foram considerados quatro grupos de

fatores relativos ao perfil do informante na estratificação proposta para o banco de dados

utilizado: sexo, faixa etária, nível de escolaridade e a localidade de cada informante.

Sexo: homem ou mulher

No que diz respeito ao sexo dos informantes, acredita-se que as mulheres se mostrem

mais conservadoras no que se refere ao atendimento ao que se considera padrão do que os

homens, o que se sustenta na proposta laboviana (LABOV, 1972). No entanto, isso só

ocorreria, provavelmente, nas variedades do PE e PST, nas quais haveria certa motivação

sintática na colocação pronominal, vinculada sobretudo ao efeito de partículas proclisadoras.

No entanto, para o PB, em que a colocação pronominal teria um comportamento mais

uniforme, supõe-se que a regra não seria influenciada pela diferença entre homens ou

mulheres.

Faixa etária: A = 18 a 35 anos, B = 36 a 55 anos e C = 57 a 75 anos

Como esclarecem Coelho et alii (2015), “a mudança linguística na sincronia,

conhecida como mudança em tempo aparente, cada pessoa preserva durante a vida o

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106

sistema vernacular que foi adquirido durante seus primeiros anos de formação até a puberdade

(de 5 a 15 anos, aproximadamente)” (p. 85). Sendo assim, o idoso teria em sua língua

vernacular o que ele aprendeu nessa faixa etária e conserva até hoje, ou seja, sua fala refletiria

o vernáculo de seus anos iniciais.

Com a análise da variável extralinguística referente à faixa etária dos informantes,

será possível verificar se há uma mudança linguística em tempo aparente, ao considerar se há

ou não alteração do comportamento linguístico em uma determinada sincronia. Desse modo,

pode-se verificar se há uma mudança em progresso ou uma variação estável da língua num

determinado período de tempo.

Acredita-se que, no PE, a faixa etária dos informantes não faça diferença. No PB e

no PST, parece que ela será importante. Talvez a variante enclítica seja mais produzida por

falantes com mais idade nessas duas variedades.

Nível de escolaridade: nível 1 = fundamental, nível 2 = médio e nível 3 =

superior

Acredita-se que quanto mais escolarizado for o indivíduo, mais formas cultas da

língua ele produzirá. Supõe-se que essa variável afete as três variedades em estudo, em

especial o PB, visto que, nessa variedade, é pela influência do contato com práticas letradas

que se tem acesso a normas de colocação segundo o contexto morfossintático e o efeito

proclisador. Segundo Teyssier (1997, p. 98)

as divisões “dialetais” no Brasil são menos geográficas que socioculturais. As

diferenças na maneira de falar são maiores, num determinado lugar, entre um

homem culto e o vizinho analfabeto que entre dois brasileiros do mesmo nível

cultural originários de duas regiões distintas uma da outra.

Localidade: Lisboa/Oeiras, Cacém, Funchal, Nova Iguaçu, Copacabana e São

Tomé

Supõe-se que haja uma regra relativamente igual para todas as localidades de uma

mesma variedade do Português. Sendo assim, a localidade de que se origina o informante não

influenciaria na ordem dos pronomes oblíquos átonos em cada país. Acredita-se, com base na

observação impressionística das ocorrências, que isso também ocorrerá com a localidade de

Funchal e que não será necessária sua separação das demais, mas isso só será confirmado na

análise dos dados.

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107

Para São Tomé, verificou-se, também, segundo o próprio depoimento dos

informantes, se os falantes utilizavam outras línguas locais (ou não) e com que frequência eles

o faziam. Para isso, utilizou-se a variável relativa à frequência de uso de um crioulo proposta

por Brandão (2011):

− zero/baixa, os indivíduos que se expressam fundamentalmente em Português;

− média, os indivíduos que se expressam em Português, mas dominam um crioulo

e dele fazem uso eventualmente;

− alta, os indivíduos que, embora falem o Português, se expressam, regularmente, num

crioulo.

Supõe-se, para essa variedade da língua, que quanto mais contato o indivíduo tiver

com o Forro, mais formas pós-verbais ele produzirá, ou, pelo menos, haverá mais oscilações

na posição dos pronomes.

5.3.2.2. Variáveis linguísticas

Para as lexias verbais simples e para os complexos verbais, foram consideradas as

seguintes variáveis linguísticas:

1) Tipo de clítico

Foram coletados e codificados separadamente os pronomes oblíquos átonos: me, te,

se reflexivo / inerente, se indeterminador, se apassivador, o(s)/a(s), nos,vos e lhe(s). Ressalta-

se que, nas rodadas para a análise, foram feitas algumas amalgamações para que fosse

possível verificar o que acontecia com um grupo de pronomes, como os de primeira pessoa,

segunda pessoa etc.

Como já foi verificado em trabalhos anteriores (VIEIRA, 2002; VIEIRA, M. F.

2011; CORRÊA, 2012; NUNES, 2014; dentre outros), o tipo de clítico favorece ou

desfavorece as formas de colocação pronominal. Dessa forma, verificou-se que os acusativos,

por exemplo, em geral, ocorrem na posição pós-verbal e pós-cv por causa de sua fragilidade

fonética. Corrêa (2012) só encontrou a colocação pós-cv com esses tipos de clítico no PB.

Abaixo, seguem os exemplos com esse tipo de pronome:

Ex. [LVS]: o que eu faria assim... expandia a rede de abrigos e torná-los centros de

formação... realmente do indivíduo e naqueles locais as pessoas terem [COP-A-2-H]

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Ex. [CV]: a educação do índio era... permanente coletiva se um garoto indígena fosse

pra: caçada... ele ia encontrar lá um mais velho que ia orientá-lo ia ensinar etc

[NIG-C-3-H]

Em relação ao clítico “se”, ele apresentaria mais mobilidade nas lexias verbais

simples e nos complexos verbais, consoante o tipo de função que exerce. No entanto, com os

dados em que há mais de uma forma verbal, o pronome “se” indeterminador/apassivador

estariam, em geral, mais próximos de v1 e o “se” reflexivo/inerente se ligariam mais a v2, que

seria o verbo que lhe dá papel temático.

2) Tipo de oração

Foram analisadas separadamente as orações principal ou absoluta, coordenada

assindética, coordenada sindética, subordinada desenvolvida, subordinada reduzida de

infinitivo, subordinada reduzida de gerúndio, subordinada reduzida de particípio e estruturas

clivadas. No entanto, para que os resultados fossem mais bem analisados, as orações

coordenadas foram amalgamadas, assim como as subordinadas desenvolvidas.

No PB, independentemente do tipo de oração, acredita-se que as colocações

proclíticas ao verbo das lexias verbais simples e ao verbo principal dos complexos seriam as

mais utilizadas. Já no PE e PST, supõe-se que o tipo de oração influenciaria diretamente na

ordem dos clíticos pronominais, uma vez que as orações subordinadas desenvolvidas

favoreceriam a colocação pré-verbal e pré-cv. Já com as coordenadas, não ocorreriam a

colocação proclítica ao verbo e ao complexo verbal; ela só aconteceria se houvesse um

elemento proclisador antes (como a partícula “não”, por exemplo); se não houvesse nenhum

elemento atrator antecedendo, ocorreria a ênclise, para as lexias verbais simples, e a

colocação interna ou pós-cv, para os complexos verbais, como se pode verificar nos exemplos

a seguir:

Ex. [LVS]: L – sei lá já muitas vezes já me ligaram e depois disseram que me ligaram

e eu não vi nada [CAC-B-1-H]

Ex. [CV]: é que vieram para… outros pescadores tomaram canoa lá e vieram buscar-

me [ST-A-1-H]

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109

3) Presença e natureza do elemento antecedente ao verbo (ou complexo

verbal)33

:

Vale ressaltar que foram considerados diversos elementos que apareceram antes do

verbo. Assim, além da posição inicial absoluta de oração/período, foram investigados,

também, os elementos considerados como “atratores” do clítico pronominal e vários outros

que apareceram antes dele, para que se pudesse verificar quais podem favorecer, em alguma

medida, a variante proclítica ao verbo/complexo verbal.

Entende-se que, quando há um elemento antes do clítico que seja considerado

tradicionalmente uma palavra atratora, a variante antes do verbo e do complexo verbal seria a

mais utilizada, em especial no PE e no PST. No entanto, quando a ocorrência fosse de um

elemento sem o efeito proclisador, a colocação mais frequente seria a pós-verbal/cv ou intra-

cv. No entanto, essa regra não seria efetiva nos dados do PB, uma vez que,

independentemente de o elemento antecedente ser ou não considerado como um proclisador

clássico, a variante mais utilizada seria a proclítica, nas lexias vebais simples, e a próclítica a

v2, nos complexos verbais.

Para verificar quais elementos seriam os favorecedores de cada variante e em cada

variedade em estudo, os elementos analisados foram os seguintes: a) posição inicial absoluta

de oração ou período, b) sintagmas nominais sujeito, c) complementos preposicionados

antepostos/focalizados, d) partículas de negação, e) adjuntos adverbiais (advérbios simples,

advérbios em –mente ou locuções adverbiais), f) preposições, g) conjunções coordenativas, h)

elementos subordinativas, i) operadores de foco, j) elementos discursivos/fáticos e k)

hesitações, interjeições e truncamentos.

Tendo como base os argumentos acima, seguem os exemplos de cada elemento

antecedente controlado. Vale relembrar que cada elemento encontrado entre parênteses foi

codificado separadamente; no entanto, tendo em vista a mesma natureza funcional de cada

um, eles foram amalgamados para que a análise e a interpretação dos resultados fosse o mais

clara e objetiva:

33

Vale ressaltar que cada elemento citado a seguir foi codificado separadamente. No entanto, para melhor

verificação e interpretação dos resultados, houve a necessidade de amalgamá-los, para melhor compreendê-los.

Os dados que foram codificados separadamente estão entre parênteses.

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a) Posição inicial absoluta de oração ou posição inicial absoluta de período34

Ex. [LVS]: não aceitei de ir então o meu pai foi. Deixou-me aqui com minha avó [ST-

A-1-M]

Ex. [CV]: muita juventude morreu a defender o quê e quem? Começaram-se a

aperceber disto e depois- tinham os estudos [OEI-C-1-H]

b) Sintagmas nominais sujeito (SN sujeito nominal / SN sujeito mais constituinte

adjunto, SN sujeito pronome pessoal, SN sujeito pronome indefinido – exceto ninguém –, SN

sujeito pronome demonstrativo)

Ex. [LVS]: L: a minha sogra telefonou-nos a dizer que tava no hospital com ela...

[CAC-B-3-H]

Ex. [CV]: É culpa de quem? Ele é que é culpado. O indivíduo pode até se exprimir

assim, abertamente [ST-A-3-H]

c) Complementos preposicionados (objeto indireto...)

Ex. [LVS]: então qualquer bairro que não seja... zona norte zona sul zona leste oeste

que não seja perto de praia a mim me incomoda eu fico meia... ah tá faltando

alguma coisa... [COP-B-3-M]

Ex. [CV]: não é só no Brasil não é só no Rio cá vai acontecer também em segurança

começa-se a notar está bem? [OEI-A-3-M]

34

Destaca-se que o início absoluto de oração e o início absoluto de período foram codificados separadamente,

mas, como não houve nenhuma diferença significativa entre eles, foram amalgamados. Os contextos em que

havia hesitações (eh: ah:), interjeições e truncamentos também receberam um código diferente, mas esses

contextos foram amalgamados ao início absoluto, entendendo que haveria uma pausa e depois que se retomaria a

frase nesses contextos, havendo, portanto, um início absoluto.

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d) Partículas de negação (nenhum, não, nunca)

Ex. [LVS]: Quando uma dívida já estava soldada saldada com a xx duplicou mas

sinceramente onde é que nós estamos, não se faz nada, não se ouve nada sobre isso

[ST-A-2-H]

Ex. [CV]: nesse aspecto pouco ou nada tenho mais que dizer porque eu quero não não

posso ensinar-lhe nada [OEI-C-1-H]

e) Adjuntos adverbiais (advérbios simples, advérbios em –mente ou locuções adverbiais)

Ex. [LVS]: L: eu aqui dedico-me exclusivamente aos trabalhos que eles têm da

escola...ao ajudá-los na escola... [CAC-B-2-M]

Ex. [CV]: os pais têm um papel fundamental fundamental porque infelizmente veio-se

a provar pela experiência [CAC-B-2-H]

Ex. [LVS]: LF: às vezes às vezes nota-se: é mais o caso da indisciplina...[ST-B-3-M]

f) Preposições (para, a, de, por, sem, em)

Ex. [LVS]: L: eu acho que: eu não queria ter filho fui quase que meu marido levou

cinco anos para me convencer a ter um filho aí eu disse que só teria um e acabei

tendo dois ((risos)) [COP-C-3-M]

Ex. [CV]: então eu tomei um pedaço de tábua, de canoa, daquelas canoa já já partida e

que dava muito bem para se ir remar um bocado[ST-A-1-H]

g) Conjunções coordenativas (aditiva, alternativa, adversativa, conclusiva, explicativa)

Ex. [LVS]: O país tem condições, apesar de não ser tão grande né, mas vê-se mesmo

que o estado lá está a fazer alguma coisa [ST-A-3-M]

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Ex. [CV]: e a gente as raparigas e punha-se a dizer qual era a que cortava uã [FNC-

C-1-M]

h) Conjunções subordinativas (quando, se, embora, enquanto etc; pronome relativo

“que”; outros pronomes/ advérbios relativos (cujo, o qual, onde, quem); conjunções

integrantes “que” e “se”; partícula “que” em estruturas clivadas e “que” em locução

conjuntiva (para que...); palavra QU interrogativa do tipo pronominal (quem, qual...) e do tipo

adverbial (quando, como, onde, por que))

Ex. [LVS]: depois de conhecer o pessoal ehh fiquei aceitei ir e foi uma das coisas que

me também marcou a universidade [FNC-A-3-H]35

Ex. [CV]: D: porque quando ia levantar-me às vezes não me conseguia levantar

[CAC-C-1-M]

i) Operadores de foco “apenas”, “só”, “até”, “mesmo”, “ainda”, “inclusive” e “também”

(inclusão)

Ex. [LVS]: porque que ele trabalha em Angra né... a gente não se vê... a gente só se vê

finais de semana... [NIG-A-2-M]

Ex. [CV]: eu não digo que é devido quer dizer… isso também depende da pessoa, a

pessoa também tem que dedicar-se, é assim nosso país [ST-B-2-M]

j) Elementos discursivos / fáticos (quer dizer... por favor... então tá)

Ex. [LVS]: mas uma forma geral vende todas as coisas que o outro também vende,

quer dizer não há, quer dizer vê-se tanto [ST-B-2-M]

Ex. [CV]: a partir de aí assim então é que realmente quer dizer comecei a sentir-me

mais integrado em igreja [OEI-C-3-H]

35

Curiosamente, neste dado, o efeito de atração do pronome relativo “que” mostrou-se tão atuante que houve a

interpolação da palavra “também”. Segundo Mateus et alii (2003), não ocorreria, no PE contemporâneo,

interpolação com palavras diferentes do advérbio de negação “não”.

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k) Hesitações (eh: ah:), interjeições, truncamentos

Ex. [LVS]: INF: ehh a gente joga-se à bola vole [voleiy] a gente corre ehh joga-se às

escondidas [FNC-A-1-M]

Ex. [CV]: D: acha que fala assim fala... ele consegue se expressar?

L: ah...consegue se expressar bem [NIG-C-1-M]

4) Distância entre V-Cl ou CL-V e um possível elemento antecedente

Verificou-se a distância existente entre o verbo e o clítico com um elemento

antecedente (zero sílaba, uma sílaba, duas sílabas, três sílabas, quatro sílabas, cinco sílabas,

seis sílabas, sete a 10 sílabas, 11 sílabas em diante, ausência de elemento).

Ex. [LVS]: e você saiba usar esse dinheiro de forma direita... e não se torne um

escravo do dinheiro...excelente. [NIG-B-1-H]

Ex. [CV]: gestos quotidianos que são muito específicos daquela daquela cultura e que

aos poucos vão-se perdendo vão-se perdendo [CAC-B-2-H]

5) Tempo/modo verbal

Os tempos verbais verificados foram amalgamados segundo o modo verbal e/ou a

forma nominal e houve a seguinte separação: (i) indicativo (presente, pretérito imperfeito,

pretérito perfeito, pretérito mais-que-perfeito, futuro do presente, futuro do pretérito), (ii)

subjuntivo (presente, pretérito imperfeito, futuro), (iii) imperativo, (iv) infinitivo e (v)

gerúndio36

.

Cabe esclarecer, aqui, que a variável tempo e modo verbal nos complexos verbais foi

controlada em relação à forma do verbo auxiliar, aquela que carrega as informações flexionais

da construção.

Supõe-se que o tempo e o modo verbal sejam importantes na ordem dos clíticos

pronominais, uma vez que o modo subjuntivo favoreceria a posição proclítica e, no modo

36

Nesta parte, o particípio não foi investigado tendo em vista a não ocorrência de formas do tipo: “Encontrado-

o” – reduzida de particípio (LVS) e “Tido encontrado-o” – verbo auxiliar no particípio (CV).

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indicativo, essa posição só ocorreria quando houvesse um elemento proclisador antecedendo,

como se pode verificar nos exemplos abaixo:

Ex. [LVS]: eu por exemplo sou católico pedir a Deus que nos ajude de forma a nós

ultrapassarmos esta fase [ST-B-3-H]

Ex. [CV]: não faço assim actividades com com elas ah no entanto quer dizer a única

coisa que eu lhe posso dizer neste momento[OEI-C-3-H]

Com as formas não finitas – excetuando o particípio, que não aceitaria a ênclise – e

o imperativo, haveria o favorecimento à ênclise.

Ex. [LVS]: já todas dizem “oh senhor Guimarães dê-me lá mais dois quilos como os

da semana passada” pronto [CAC-B-1-H]

Ex. [CV]: L: então andava lá na escola e a mãe coitada ia para o trabalho e às vezes ia

a avó para o ir buscar mas a avó tinha que tirar o o passe [CAC-C-1-M]

6) Tonicidade das formas verbais

O controle da tonicidade das formas verbais em oxítonas, paroxítonas ou

proparoxítonas pode ser importante, tendo em vista que ela poderia influenciar a colocação

dos clíticos por motivos de natureza rítmica. Dessa forma, seria importante sua análise para

verificar que tipo de tonicidade verbal favoreceria uma variante em detrimento de outra.

Assim, quando o hospedeiro verbal possuir a tonicidade de uma palavra paroxítona ou

proparoxítona, provavelmente, a colocação pós-verbal será desfavorecida, pois não é habitual,

na Língua Portuguesa, a formação de palavras proparoxítonas. Com isso, mesmo sem um

elemento proclisador clássico, a variante proclítica poderá ser favorecida, como pode ser

observado no exemplo a seguir:

Ex. [LVS]: foi uma mais-valia e e e ainda mais por ser um trabalho de voluntariado

porque nós nos esforçávamos [FNC-A-3-H]

Como se pôde observar, todas as variáveis acima foram codificadas nos contextos de

lexias verbais simples e de complexos verbais, exceto a última – tonicidade –, que não foi

controlada no caso do complexos. Como se trata de duas formas verbais presentes na

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estrutura, só seria viável considerá-la como um todo; desse modo, eleger o elemento a que se

ligaria o pronome a priori e prever o vocábulo fonológico resultante com a adjunção do

clítico seria uma tarefa por demais subjetiva.

Para o controle da ordem em complexos verbais, também foi acrescentada a seguinte

variável:

7) Tipo de complexo

A fim de fundamentar a coleta de dados da presente pesquisa no que se refere aos

complexos verbais, fez-se um levantamento dos diversos tipos contemplados em trabalhos

referentes ao tema, em especial no artigo de Machado Vieira (2004), que detalha e aprofunda

o tema de forma particular. Em seu trabalho, a autora estuda diversas perífrases verbais e

mostra que a auxiliaridade verbal constitui tema de alta complexidade, de modo que, diversas

vezes, estruturas diversas (como querer + infinitivo, tentar + infinitivo, poder + infinitivo,

entre outras) oferecem dificuldade quanto às propriedades de auxiliarização e consequente

classificação quanto ao tema abordado.

A autora demostra que a tradição gramatical mostra apenas a diferença dos verbos

auxiliares (não nocionais/lexicais) e principais (nocionais/lexicais), como se houvesse apenas

essas duas grandes classes verbais. Assim, não abordaria os verbos que seriam semiauxiliares,

ou seja, os verbos que estariam entre os verbos auxiliares e os verbos principais, no que se

configura, na realidade, como um continuum de auxiliarização.

Em seu trabalho, Machado Vieira apresenta várias propriedades que permitiriam a

definição dos verbos auxiliares (com caráter gramatical) e semiauxiliares (com caráter

semigramatical), em oposição aos plenos. Antes, porém, ela apresenta diversos pressupostos

que encaminham o tratamento proposto para a categorização dos verbos. Entre eles, estão:

(i) A relação entre sintaxe e semântica – (a semântica influenciando na escolha do

verbo), (ii) a categorização escalar (a proposta da classificação dos verbos em um continuum),

(iii) A multifuncionalidade dos verbos (o mesmo verbo, dependendo do contexto, pode se

localizar em mais de um ponto do continuum), (iv) o que significa auxiliaridade (a definição

de auxiliaridade e auxiliarização), (v) a noção de perífrase verbal (os diferentes graus de

integração entre dois verbos) e (vi) a identificação da auxiliarização (os parâmetros que

distinguem o elemento auxiliar do elemento auxiliado).

Machado Vieira (2004), com base em tais pressupostos, apresenta, então, na seção

referente aos tipos e subtipos de verbos, os critérios que são utilizados para definir a

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auxiliaridade. Esclarece, então, que todos os critérios podem ser observados nas formas

verbais temporais “ter” e “haver” + particípio, ou seja, quando utilizados como verbos

auxiliares: “(1) Operação/atuação sobre outro(s) verbo(s) num domínio predicativo; (2)

alteração/perda semântica; (3) desligamento semântico entre Vauxiliar e sujeito gramatical;

(4) unidade significativa/fusão semântica com um Vpredicador numa única predicação; (5)

impossibilidade de co-ocorrência da parte da sequência introduzida por Vpredicador com

oração completiva finita; (6) uma só posição sintática de sujeito com um só referente-sujeito

para as formas verbais da unidade complexa; (7) impossibilidade de substituição da estrutura

sintagmática introduzida pelo Vpredicador por uma forma pronominal demonstrativa; (8)

ocorrência de complementos clíticos em adjacência ao Vauxiliar; (9) impossibilidade de

incidência de operador de negação sobre o domínio do Vpredicador; (10) impossibilidade de

circunstante temporal que afete apenas o domínio do Vpredicador; (11) comportamento em

bloco do Vauxiliar e do Vauxiliado diante das transformações passiva e interrogativa.” (p. 72-

80).

A autora sugere que haja uma categorização escalar das perífrases estudadas e

propõe 5 graus de afastamento do pólo da auxiliaridade, formando, assim, o continuum que

vai do polo com verbo mais auxiliar para o menos auxiliar/mais lexicalizado. Segundo

Machado Vieira (2004, p. 80),

Os elementos que não revelam todas essas características são considerados semi-

auxiliares (...), classe que, por sua vez, abrange membros com diferentes

comportamentos, visto que engloba casos de verbos que se apresentam em

diferentes estágios de gramaticalização: alguns sofreram um processo de semi-

auxiliarização mais completo, outros, menos completo.

Dos cinco graus propostos para a classificação das formas verbais

auxiliares/semiauxiliares no trabalho de Machado Vieira, foram feitas adaptações (amálgama

do terceiro e quarto graus, e reorganização dos graus 2, 3 e 4) para o tratamento das

ocorrências analisadas na presente tese, obtendo-se, assim, quatro grandes grupos de

complexos verbais, como se pode verificar abaixo:

(1) Passiva de ser: ser + particípio;

(2) perífrases temporais e aspectuais: ter + particípio; haver + particípio; ir +

infinitivo; estar + gerúndio; estar + a + infinitivo; vir + infinitivo; ir + gerúndio; vir +

gerúndio; acabar + gerúndio; acabar + de/por + infinitivo; chegar + a + infinitivo;

começar / passar / voltar / pôr-se / tornar-se + a + infinitivo; continuar / ficar /

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habituar / andar + a + infinitivo; costumar + infinitivo; continuar / ficar / andar +

gerúndio;

(3) perífrases modais: haver + de / que + infinitivo; ter + de / que + infinitivo;

poder + infinitivo; dever + infinitivo; precisar + infinitivo; dar + pra + infinitivo;

(4) complexos bi-oracionais com mesmo referente sujeito (verbos

volitivos/optativos ou declarativos): querer / evitar / prometer / resolver / decidir /

pretender / preferir + infinitivo; saber + infinitivo; tentar / procurar / conseguir /

ousar + infinitivo.

Cabe destacar que cada estrutura encontrada no corpus foi codificada

individualmente e, depois, as ocorrências foram amalgamadas em um dos grupos referidos

acima por terem propriedades sintáticas e semânticas parecidas, em relação ao nível de

auxiliaridade do v1.

Vale destacar que os verbos causativos (mandar, fazer, deixar) e sensitivos (ver,

olhar, ouvir), além dos verbos bi-oracionais com referente sujeito diferente, não foram

considerados como complexos verbais, tendo em vista que o clítico não configuraria em todas

as posições da mesma forma, ou seja, não transmitiriam o mesmo significado, como ocorre

nos verbos citados acima. Como exemplo, observe a sentença a seguir: “Deixei João vender o

livro” “Deixei-o vender” “Deixei vendê-lo”. Nas duas últimas frases, não há uma

correspondência semântica, uma vez que o clítico da última frase corresponderia à palavra

“livro” e o pronome do exemplo anterior retomaria o nome “João”.

Ressalta-se, assim, que, para a presente tese, foram consideradas como complexos

verbais as estruturas com duas formas verbais – sendo a segunda um particípio, gerúndio ou

infinitivo – entre as quais se registra, de certa forma, algum grau de integração sintático-

semântica e nas quais os clíticos pronominais possam ocupar as quatro posições em análise:

próclise a v1, ênclise a v1, próclise a v2 e ênclise a v2.

Destaca-se que a codificação inicial foi feita pelas formas verbais

auxiliares/semiauxiliares verificadas no corpus, consideradas individualmente. Sem dúvida, é

importante que se proceda à análise dos tipos de complexos verbais, tendo em vista que a

colocação pronominal, dependendo da natureza do complexo, não seria a mesma.

Assim, nos complexos com particípio e gerúndio, por hipótese a colocação pós-cv

não ocorreria, ao menos de forma produtiva, em nenhuma das variedades do Português. No

entanto, quando o verbo principal estivesse no infinitivo, todas as posições poderiam ocorrer,

dependendo da presença ou ausência de um elemento proclisador antes do complexo. Caso

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haja a presença de tal elemento, a colocação pré-cv seria a mais utilizada no PE e PST, mas,

se não houver nenhum elemento favorecedor da variante proclítica, o pronome poderia

ocorrer enclítico a v1 ou a v2. Entretanto, no PB, independentemente do elemento antecedente

do clítico e do tipo do complexo verbal, a colocação predominantemente seria a intra-cv com

próclise a v2.

Ressalta-se que cada tipo de complexo verbal referente a v1 foi coletado e codificado

individualmente. No entanto, para melhor análise dos resultados, fez-se necessária a junção de

acordo com as semelhanças presentes em cada estrutura. Abaixo, segue a lista dos vários

complexos verbais encontrados já reunidos em subgrupos, nos quais se detectou, a partir dos

dados, a possibilidade de o clítico figurar nas várias posições possíveis.

a) Passiva de ser: ser + particípio

Ex. [CV]: pra todo povo de forma social para os estudantes como nós não tínhamos

educação e saúde era-nos garantido a cem por cento [ST-B-3-H]

b) Perífrases temporais e aspectuais: ter + particípio; haver + particípio; ir +

infinitivo; estar + gerúndio; estar + a + infinitivo; vir + infinitivo; ir + gerúndio; vir +

gerúndio; acabar + gerúndio; acabar + de/por + infinitivo; chegar + a + infinitivo; começar /

passar / voltar / pôr-se / tornar-se + a + infinitivo; continuar / ficar / habituar / andar + a +

infinitivo; costumar + infinitivo; continuar / ficar / andar + gerúndio

Ex. [CV]: L: olha eu acho que como tem menos saúde... as pessoas estão se

preocupando mais acredito... [COP-C-1-M]

c) Perífrases modais: haver + de / que+ infinitivo; ter + de / que + infinitivo; poder +

infinitivo; dever + infinitivo; precisar + infinitivo; dar + pra + infinitivo

Ex. [CV]: I – é - eles utilizam mais essa essa linguagem hum como é que te hei-de

explicar? [OEI-A-3-H]

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d) Complexos bi-oracionais com mesmo referente sujeito (verbos volitivos/optativos

ou declarativos): querer / evitar / prometer / resolver / decidir / pretender / preferir +

infinitivo; saber + infinitivo; tentar / procurar / conseguir / ousar + infinitivo

Ex. [CV]: muito poucas pessoas querendo estudar... querendo realmente levar a sério

a escola... a pessoa quer se formar.... não quero me formar... [NIG-B-1-H]

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120

6. ANÁLISE DOS DADOS

Por vários anos, resisti ao termo Sociolinguística, já que

ele implica que pode haver uma teoria ou prática

linguística bem-sucedida que não é social. (Labov, 2008

[1972])

Neste capítulo, serão apresentados os resultados da ordem dos clíticos tanto no

contexto das lexias verbais simples, quanto no dos complexos verbais.

No que se refere aos dados com apenas um constituinte verbal, estes serão

analisados de acordo com os resultados da rodada variacionista multivariada. Assim, será

considerado, em cada variedade do Português, o peso relativo de cada fator das variáveis

selecionadas pelo programa Goldvarb-x, quando se tratar de uma regra variável. Quando a

regra não for considerada efetivamente variável, mas semicategórica, serão analisados

qualitativamente todos os dados que apresentem a ordem do clítico pouco produzida, para

verificar em que contexto essa estrutura ocorre; adicionalmente, qualquer índice relativo

extraído de uma experiência adicional que se realizou com rodada multivariada no Goldvarb-

X será apresentado para justificativas e esclarecimentos que se julguem necessários.

Para os complexos verbais, como se conta com uma regra em geral ternária, optou-

se por apresentar as frequências absolutas e percentuais obtidas para cada variedade do

Português, considerando separadamente as subamostras por tipo de verbo principal, ou seja,

os resultados dos complexos com infinitivo, gerúndio e particípio serão mostrados

individualmente.

Na tabela a seguir, pode-se verificar a quantidade de dados encontrados em cada uma

das variedades do Português, tanto nas lexias verbais simples como nos complexos verbais:

Total de dados encontrados nas LVS e nos CVS no PB, PE e PST

Variedades Lexias verbais simples Complexos verbais

Português do Brasil 1.088 369

Português Europeu 2.664 642

Português de São Tomé 525 120

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121

Tabela 7: Distribuição do número total de dados encontrados nas lexias verbais simples e nos complexos verbais

no PB, PE e PST37

A seguir, serão mostrados os resultados das lexias verbais simples e, logo após, dos

complexos verbais.

6.1. Lexias verbais simples

Quanto às ocorrências de clíticos em lexias verbais simples, registrou-se o total de

4.277 dados, em relação aos quais foi possível obter a distribuição absoluta e percentual dos

dados e, depois de fazer algumas recodificações, o peso relativo dos fatores relevantes para o

favorecimento da próclise, e o valor de aplicação escolhido. No gráfico abaixo, serão

mostrados os percentuais de próclise, ênclise e mesóclise verificados em cada variedade do

Português em estudo.

6.1.1. Distribuição geral dos dados pela variável dependente

No gráfico a seguir, encontra-se a realização das variantes da ordem dos clíticos em

cada uma das variedades em estudo:

37

O número de dados por variedade deve ser relativizado pelo fato de no PE se tratar de três localidades (Oeiras,

Cacém e Funchal), no PB duas (Copacabana e Nova Iguaçu) e no PST uma (área urbana de São Tomé) (cf. 5.

Metodologia). Além disso, no PST, as entrevistas são mais curtas do que nas outras variedades. Além dessas

características das amostras, vale destacar as particularidades de cada variedade; no PB, além de serem apenas

duas localidades, há o fato de haver outras estratégias para substituir o clítico pronominal, ou seja, nem sempre o

objeto é retomado com a forma átona, sendo, em alguns casos, a retomada feita pela forma tônica ou nula.

Total de dados 4.277 1.131

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Gráfico 2: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nas lexias verbais simples

no PB, PE e PST

Na amostra brasileira, foram encontrados 1.088 dados com lexias verbais simples e a

próclise foi a opção preferencial, pela maioria dos informantes, tendo um percentual muito

alto de realização (1.053/1088; 97%) em relação à ênclise (35/1088; 3%), pouco produtiva no

corpus. Segundo Labov (2003 – cf. Capítulo 3), quando há mais de 95% da realização de uma

das supostas formas alternantes, a regra não seria variável, mas semicategórica. Destaca-se,

também, que não houve a ocorrência da variante mesoclítica no PB.

Comparando os resultados desta pesquisa à de Vieira (2002), verifica-se que a

expressividade dos presentes resultados é ainda maior: enquanto em Vieira (2002) se

encontraram 11% de dados da variante pós-verbal, o presente estudo encontrou apenas 3%,

passados cerca de 30 anos entre uma amostra e outra. Esses dados também confirmam o que

Castilho (2010, p. 484) mostra sobre o PB em sua gramática, confirmando que “o PB é

predominantemente proclítico”. Abaixo, pode-se observar um exemplo da posição pré-verbal

do clítico, prototípica no PB, e um da posição pós-verbal, em uma das estruturas particulares

em que se encontra essa forma na variedade brasileira:

Ex.1: L: vê com LF onde é que tira meu amor... e quando você descobrir me fala

porque eu também que precisa tirar [COP-B-2-M] - Próclise

Ex.2: sorvete na mão falou “ah segura aí meu sorvete” ((risos)) ai ganhou-lhe um

TApa pela mão né o sorvete foi parar longe ... [NIG-B-3-M] - Ênclise

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PB PE PST

97%

55%

40%

0% 0% 1%3%

45%

59%

Variável dependente PB, PE e PST

Próclise

Mesóclise

Ênclise

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123

No PE, obteve-se um total de 2.664 dados com um constituinte verbal e verificou-se

que há uma distribuição equilibrada entre as duas variantes da variável dependente, tendo a

próclise (1.453/2664; 55%) ocorrido um pouco mais do que a ênclise (1.211/2664; 45%).

Esse resultado está bem parecido com o de Vieira (2002), no qual a próclise (53%) também

ocorreu um pouco mais que a ênclise (47%). Não se registrou qualquer dado em mesóclise.

Assim, diferentemente do PB, a regra seria variável, ao menos em termos quantitativos, tendo

sido as variantes proclítica e enclítica bem produtivas. Por meio da análise variacionista, será

possível estabelecer os condicionamentos que atuam quanto ao uso de cada variante. Seguem

os exemplos no PE:

Ex.3: é que era sempre meio traquinas e dei cabo da cabeça dos meus pais mas por

acaso em relação à educação que os meus pais me deram foi excelente [FNC-A-1-

H] - Próclise

Ex.4: L: somos um povo envelhecido por algum motivo é não é? e depois as pessoas

queixam-se muito que isto não tá bom de finanças pa ter filhos. [CAC-A-1-M] -

Ênclise

No PST, encontraram-se 525 dados com uma forma verbal. Em relação aos

resultados percentuais, essa variedade apresentou comportamento semelhante ao do PE, tendo

a ênclise (310/525; 59%) ocorrido um pouco mais do que a próclise (215/525; 40%). A

distribuição dos dados – com maior produtividade da variante enclítica – no PST pode estar

relacionada não só ao modelo europeu de colocação, mas também à situação de contato

linguístico na sociedade são-tomense, o que será observado melhor com o levantamento dos

condicionamentos da regra variável. A regra nessa variedade também apresenta

comportamento quantitativo variável, como no PE, como mostram os exemplos a seguir.

Ex.5: fui trabalhar na casa de pessoa porque salário era muito baixo, também com a

ajuda de minha avó sempre ela apoiou-me porque hoje em dia mesmo há mais [ST-

A-1-M] - Ênclise

Ex.6: eu tento lutar também porque a gente não pode sentar só esperar o que Deus

vai dar né Deus, bíblia diz, Deus disse põe tua mão que eu te ajudo então eu ponho

mão [ST-A-1-M] - Próclise

Diferentemente das outras variedades, houve a realização da mesóclise (1/525; 1%),

embora em apenas um dado, como se pode observar no exemplo abaixo:

Ex.7: MAS é preciso que haja motivação por parte dos governantes e essa motivação

tornar-se-ia mais extensiva aos professores [ST-C-3-H] - Mesóclise

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124

Com base no descrito anteriormente, os dados do PB serão analisados de forma

diferente das outras variedades. Como a regra é semicategórica, será feita a análise dos dados

enclíticos e, adicionalmente, haverá uma demonstração das variáveis selecionadas pelo

programa em uma rodada experimental, de modo a confirmar estatisticamente os contextos

específicos em que se registra a posição pós-verbal. Já com o PE e com o PST, realiza-se um

efetivo tratamento de regra variável e serão mostradas as variáveis selecionadas pelo

programa, acompanhadas de exemplificação adequada. Antes, porém, observa-se a

distribuição das ocorrências pelas variáveis extralinguísticas.

6.1.2. Distribuição dos dados pelas variáveis extralinguísticas

Serão apresentados os resultados obtidos quanto às três variáveis extralinguísticas

codificadas – sexo, faixa etária e nível de instrução – para a verificação do que ocorreu na

fala dos indivíduos de cada sexo, das três faixas etárias e dos três níveis de instrução. Vale

destacar que nem todas as variáveis foram selecionadas pelo Programa para o fenômeno;

somente o sexo no caso do PST foi selecionado. No entanto, acredita-se ser importante sua

análise para que se possa construir um panorama do comportamento de cada variedade.

Variáveis extralinguísticas nas três variedades

Próclise Sexo Faixa etária Nível de instrução

Homem Mulher Faixa A Faixa B Faixa C Nível 1 Nível 2 Nível 3

PB 536/558

(96%)

517/530

(98%)

290/300

(97%)

374/382

(98%)

389/406

(96%)

365/371

(98%)

325/336

(97%)

363/381

(95%)

PE 659/1.215

(54%)

794/1.449

(55%)

360/657

(55%)

503/926

(54%)

590/1.081

(55%)

503/991

(51%)

476/833

(57%)

474/840

(56%)

PST 137/260

(53%)

78/265

(29%)

82/154

(53%)

60/180

(33%)

73/191

(38%)

44/126

(35%)

59/169

(35%)

112/230

(49%)

Tabela 8: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais pelas variáveis extralinguísticas nas lexias

verbais simples no PB, PE e PST

No PB, verifica-se que os índices são muito próximos (todos a partir de 95%), não

havendo, portanto, diferença expressiva pelos percentuais. Confirma-se, assim, que a regra é

realmente semicategórica na variedade como um todo, não se tratando mais de fenômeno

sensível a condicionamentos sociais.

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No PE, conforme já foi dito anteriormente, nenhuma das variáveis extralinguísticas

foi selecionada. Essa não seleção realmente se justifica pelo fato de os índices estarem bem

próximos (entre 51% - 57%). Com isso, os resultados demonstram que o fenômeno não é

sensível ao perfil do informante quanto ao sexo e à faixa etária (54% - 55%) nem ao nível de

instrução (51% - 57%). Confirmam, assim, que a colocação dos clíticos pronominais depende,

de forma geral, dos contextos sintáticos em que o pronome se encontra, contextos que serão

descritos na próxima seção.

Vale ressaltar que, no PE, a distribuição das variantes em relação a cada uma das três

localidades controladas não foi efetivamente distinta, obtendo-se a variante proclítica em 57%

dos dados em Cacém, 54% em Lisboa e 52% em Funchal. Além da distribuição geral dos

dados, fez-se um cruzamento das três localidades com os elementos antecedentes (que será

devidamente explorado na análise dos dados do PE) para verificar se haveria alguma

diferença significativa nessa localidade, diferença que também não foi detectada. Pelo fato de

não haver qualquer diferença significativa entre as três localidades do PE em termos

percentuais e, ainda, de nenhuma variável extralinguística ter sido selecionada pelo Programa

Goldvarb-x, não se separou a localidade de Funchal das demais.

Com relação à atuação das variáveis extralinguísticas na amostra do PST, há uma

perceptível diferença de comportamento entre os dados produzidos por indivíduos do sexo

masculino (53%) e os do sexo feminino (29%), uma vez que os homens utilizam mais de 50%

de próclise enquanto as mulheres utilizam apenas 29%. A faixa B (33%) e a faixa C (38%)

estão bem próximas no que diz respeito à utilização da próclise, enquanto diferentemente a

faixa A foi a que mais utilizou essa variante (53%). Quanto aos graus de instrução, também

houve um equilíbrio nos níveis 1 e 2, tendo ambos 35% dos dados na posição proclítica, e o

nível 3 foi o que mais realizou essa colocação (49%). Além de haver certa diferença

percentual entre os fatores, a análise multivariada revelou condicionamento da variável sexo,

que foi selecionada pelo programa Goldvarb-x e será mais bem analisada em subseção a

seguir (cf. 6.1.3.3. Português de São Tomé).

Com base na descrição ora apresentada, verifica-se que a distribuição quase idêntica

quanto aos fatores sociais no PB e no PE sugere que o fenômeno está com o comportamento

totalmente estável, pois, no PB, a próclise realmente seria quase categórica para todas as

variáveis extralinguísticas e, no PE, elas não se mostrariam relevantes, pois o contexto

estrutural em que o clítico se encontra seria o que realmente condicionaria cada variante em

questão. No caso do PST, diferentemente das duas anteriores, não há uma estabilidade no

condicionamento social do fenômeno, uma vez que a variável sexo (29% - 53%) foi

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selecionada pelo programa, mostrando sua importância, e há níveis de realização bem

diferentes na faixa etária (33% - 53%) bem como no nível de instrução dos informantes (35%

- 49%). Assim, no PST, estaria ocorrendo uma instabilidade também no encaixamento social

do fenômeno, que ainda está em via de se estabelecer como um tendência efetiva geral são-

tomense.

6.1.3. Variáveis relevantes para o fenômeno

O Programa selecionou, para o PE e PST, de todas as variáveis linguísticas

codificadas para este estudo, as variáveis presença e natureza do elemento antecedente,

tempo/modo verbal e distância entre o clítico e um elemento antecedente. Para o PST, além

dessas variáveis, o programa também selecionou o sexo dos informantes e a tonicidade das

formas verbais.

Vale ressaltar que foram feitas várias rodadas com junções diferentes e foram

escolhidas as rodadas multivariadas em que se pudesse observar o efeito das referidas

variáveis sempre selecionadas e nas quais a significância fosse considerada muito boa para o

tratamento das três variedades do Português: PB (0.04), PE (0,00) e PST (0,03). Destaca-se

que, para o PB, como já foi dito anteriormente, a análise qualitativa será dos dados enclíticos,

mas a rodada mais relevante será mostrada a título de curiosidade e informação adicional. Por

isso, a partir daqui, os resultados apresentados das lexias verbais simples – não só os valores

absolutos e percentuais (nas tabelas/gráficos), mas também os pesos relativos (nos gráficos) –

referem-se às variáveis selecionadas pelo programa.

6.1.3.1. Português do Brasil

Para analisar as lexias verbais simples do PB, observe-se o gráfico apresentado

abaixo, que mostra a expressiva ocorrência da próclise em todos os contextos (início absoluto

de oração/período e demais contextos):

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Gráfico 3: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nas lexias verbais simples no PB

Como os índices gerais de próclise no PB alcançaram exatamente 97% dos casos, o

que configuraria uma regra semicategórica nos termos de Labov (2003), e como nos contextos

com elementos antecedentes à forma verbal, a maioria passou de 95%, é preciso investigar a

natureza dos dados de ênclise para testar a hipótese de que eles não configurem efetivamente

uma situação de variação. Por isso, diferentemente da análise do PE e do PST, em que a

ênfase será dada à variante proclítica, para o PB, a análise será baseada nos dados enclíticos.

Vale ressaltar que, quando possível e necessário, serão utilizados os resultados da

rodada multivariada para confirmar o que estiver sendo analisado. Destaca-se que foram feitas

diversas rodadas: com todas as variáveis linguísticas, retirando da rodada os dados

categóricos com o pronome “te” e as partículas de negação, retirando o pronome “te” e todos

os elementos antecedentes e, por último, retirando tudo o que fosse categórico (pronome “te”,

partículas de negação, orações subordinativas e modo verbal no subjuntivo). Esta última

rodada será utilizada na análise, pois foi a que mostrou os resultados de forma mais

esclarecedora. A significância foi de .04 e o input, ou seja, a tendência da aplicação da

próclise, foi de .98, mostrando que a tendência do PB é a colocação proclítica e confirmando

que o estatuto da regra de colocação pronominal no PB é semicategórico.

Dessa forma, dos 1.088 dados em lexias verbais simples encontrados no PB, 1053

dados estão proclíticos, confirmando que a próclise em diversos contextos é comum na

variedade brasileira (CUNHA & CINTRA, 2007; CASTILHO, 2010; VIEIRA, 2002)38

,

inclusive em início absoluto de frase, sendo uma inovação brasileira, segundo Martins (2009).

38

Em contextos da escrita (LOBO, 1992; VIEIRA, 2002; MARTINS, 2009), embora também se registrem, a

depender sobretudo do gênero textual, a próclise em diversos contextos, a distribuição dos dados é bastante

diferente da fala brasileira, visto haver o uso produtivo da ênclise.

Ênclise3%

Próclise97%

Mesóclise0%

Português do Brasil

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Descumpre-se, assim, a chamada Lei de Tobler-Moussafia, segundo a qual as formas clíticas

não podem ocupar a posição inicial absoluta de frase; de acordo com Mateus et alii (2003, p.

849), “esta generalização não é válida para (...) o português brasileiro (...) „Me conta essa

história direitinho‟”.

Foram encontrados somente 35 exemplos de ênclise em todo o corpus, confirmando

o que Perini (2007, p. 2030) diz em sua gramática: “a ênclise está desaparecendo do

português brasileiro”. Dessa forma, foram analisados tais dados, listados a seguir, para

verificar em quais contextos ela ainda ocorre.

Ex.8: outros não outros estão ali de repente... alguns frustrados porque não

alcançaram o que desejavam na vida e restou-lhes apenas lecionar na rede pública

[COP-A-2-H]

Ex.9: se por exemplo no caso hipoteticamente eu sou o prefeito do Rio de Janeiro... o

que eu faria assim... expandia a rede de abrigos e torná-los centros de formação...

[COP-A-2-H]

Ex.10: àquelas pessoas dar cidadania dar... horizontes pra ela você formá-la se a

família não teve a competência de formar aquela/ aquele indivíduo NE [COP-A-2-H]

Ex.11: as armas só só trazem/ o que elas podem trazer? eh morte apenas né eu acho

que deveria estar restrita a quem é capaz e competente para usá-la pra manuseá-la...

[COP-A-2-H]

Ex.12: as armas só só trazem/ o que elas podem trazer? eh morte apenas né eu acho

que deveria estar restrita a quem é capaz e competente para usá-la pra manuseá-la...

reformar a polícia [COP-A-2-H]

Ex.13: então eh: então eles vêm aqui justamente com essa intenção (que) as pessoas

aqui têm como eh provê-las essas pessoas nesse sentido né [COP-A-2-H]

Ex.14: você moldar você controlar se torna muito mais complicado né então se

houvesse um preparação de pais de ensiná-los a ser pais o que é ser pai? [COP-A-2-

H]

Ex.15: eu tenho uma relação de respeito com o meu pai que: assim nunca precisou

bater em mim pra... eu temê-lo pra que eu (o) respeitasse... [COP-A-3-H]

Ex.16: uns Erros griTANtes assim... nunca ví... falam BEM... são duas pessoas que

discursam bem eu já tive oportunidade de/ de vê-los de PERto e tudo... eh:: e são

pessoas que falam bem [COP-A-3-H]

Ex.17: L: “que i::sso ca:ra como é que tu pode deixar um negócio desse acontecer na

tua ca::sa rapaz:”... que falta de (sabe)

D1: é

L: perdeu-se a questão (do sentar-me) à me:sa [COP-B-1-H]

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Ex.18: L: “que i::sso ca:ra como é que tu pode deixar um negócio desse acontecer na

tua ca::sa rapaz:”... que falta de (sabe)

D1: é

L: perdeu-se a questão (do sentar-me) à me:sa [COP-B-1-H]

Ex.19: Maria e José que acompanhavam Jesus onde ele ia: entendeu Jesus que

respeitava os seus pais... perdeu-se hoje isso... e (tal) não tem mais respeito né

[COP-B-1-H]

Ex.20: L: então perdeu-se muito isso... (já do meu outro irmão) é uma zo:na

D2: ((risos)) [COP-B-1-H]

Ex.21: L: eu tenho... não quando eu me aposentar eu provavelmente vou-me embora

pra Maceió e vou vir ao Rio apenas pra passear [COP-B-2-M]

Ex.22: L: então o quê que você tem que fazer daqui pra frente na sua vida?... tudo

que você quiser ou acontecer você diz “envolvo-me... na força da imensidão do amor

de Deus”... [COP-C-1-M]

Ex.23: ajudar a fazer currículo... ensinavam como a gente deveria proceder... nas

entrevistas... foi muito bom e acabou-se... [COP-C-2-M]

Ex.24: a mulher é mulher e homem é homem... hoje em dia em dia eu sou amiga do

meu marido... eu sou de deixá-lo... eu acho que ele vai ficar sozinho [COP-C-2-M]

Ex.25: L: lá nos Estados Unidos... quando ele tirou o:... o PHD... e: o orientador

dele... até hoje... convida-o... para dar aulas no lugar dele [COP-C-3-H]

Ex.26: L: é batalhão (Suez)... chama-se batalhão Suez um batalhão do segundo

regimento de infantaria... aqui do Rio [COP-C-3-H]

Ex.27: L: com coisinhas para os/... mandavam goiabada (mandavam isso mandavam

aquilo)... e na volta... o avião levava... coisas que o pessoal de lá comprava

D: uhn

L: mandava-se... e/ essas coisas raras (que tem por aí) [COP-C-3-H]

Ex.28: L: eh fui receber a LF no Cairo

D: uhn

L: e levei-a para um ( )... lá ela ficou hospedada na pensão que havia justamente pra

isso [COP-C-3-H]

Ex.29: a LF foi pra (uma ilha) no Cairo... passamos uns dias lá e depois ela foi pra

Faixa de Gaza... eu levei-a pra pensão [COP-C-3-H]

Ex.30: L: mas ganhavam tudo... no meu batalhão... no/ na minha metade/ no meu

batalhão que é o décimo primeiro... foi o campeão brasileiro de tiro... chamava-se

Major LM... [COP-C-3-H]

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Ex.31: L: é as pessoas

L: percebe... percebe-se muito aí fora [NIG-A-2-M]

Ex.32: Pai Rico Pai Pobre... chama-se criar um portefólio... você tem que criar teu

portefólio... [NIG-B-3-H]

Ex.33: sorvete na mão falou “ah segura aí meu sorvete” ((risos)) ai ganhou-lhe um

TApa pela mão né o sorvete foi parar longe ... [NIG-B-3-M]

Ex.34: aí você imagina ... eu: já tou aqui ... eu NASCI:: no K onze ... então o K onze

pra mim tornou-se realmente assim ... [NIG-B-3-M]

Ex.35: “ah não peraí tá entrando lama na caixa econômica” se é um banco do Brasil

“ah não tem que f/ fechar”... que se dane-se Guanabara se fosse uma polícia

federal... [NIG-C-1-H] 39

Ex.36: deram o nome de Bahia de todos os santos por que dia primeiro é dia de todos

os santos então usa-se esse costume de dar nomes aos locais para identificar... [NIG-

C-3-H]

Ex.37: as crianças estão muito sol:tas muito não/ não tem assim uma re:gra a seguir:

e isso parece-me que é voz geral em to:das as escolas ... entendeu? [NIG-C-3-M]

Ex.38: por exemplo quando é as pessoas que moram lá dentro de Iguaçu Ve:lho por

exemplo ... parece-me que é até às dez horas da noite que o ônibus chega [NIG-C-3-

M]

Ex.39: o projeto é do Bournier ... agora parece-me que vai se estender a/ o projeto o

/ oficial é que ele/ a: Via Light se estenda até o porto de Sepetiba né ... [NIG-C-3-M]

Ex.40: a Via Li:ght é o cartão de visitas deve-se ao Bournier ... aí fica naquela /

naquele jogo de empurra ... [NIG-C-3-M]

Ex.41: L: só não vale é botar um monte de criança no mundo e não ter como fazer

para / para faze-lo ge / gente grande gente descente ... [NIG-C-3-M]

Ex.42: L: ele simplesmente tirou ZERO ... o professor de ciências deu-lhe ZERO ...

isso palav / coisas contadas por ele [NIG-C-3-M]

Analisando os 35 exemplos supracitados, verifica-se que a ênclise ocorre em

contexto com ou sem proclisador, embora a grande maioria desses dados tenha ocorrido sem

elemento proclisador clássico: como no início absoluto, depois de sujeitos, de conjunções

coordenativas etc.

39

Verifica-se que o clítico apareceu duplicado nesse exemplo, mostrando a dúvida do falante, se utilizaria a

colocação proclítica ou enclítica. Embora não seja objetivo específico do presente estudo observar essas

estruturas, comportamentos como esse são relevantes para sinalizar o processo de aquisição de variantes pouco

familiares a usuários de normas vernaculares distintas das que se tem como modelares.

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131

Cabe observar, ainda, que, dos 36 informantes brasileiros investigados no presente

estudo, os dados de ênclise ocorreram na fala de apenas 13, sendo que 4 deles foram os que

mais produziram a variante enclítica – os quatro em conjunto concretizaram 23 das 35

ocorrências. São três homens de Copacabana: COP-A-2-H com 7 dados, COP-B-1-H com 4

dados e COP-C-3-H com 6 dados; e uma mulher de Nova Iguaçu: NIG-C-3-M com 6 dados.

Vale destacar que os dois últimos informantes são da faixa etária C e do nível de instrução 3.

Além disso, dos 35 dados enclíticos, 25 são de Copacabana e somente 10 de Nova Iguaçu.

Provavelmente, essa diferença pode estar relacionada ao fato de os informantes de

Copacabana terem mais acesso a uma variedade de práticas socioculturais e consequentes

experiências de letramentos múltiplos, típicas da região de prestígio em uma sociedade, se

comparados aos indivíduos de Nova Iguaçu. Obviamente, essa hipótese só poderá ser

confirmada mediante um estudo sociológico aprofundado dessas comunidades, bem como do

impacto de suas características em relação a vários fenômenos linguísticos.

No que diz respeito, ainda, às variáveis extralinguísticas, os falantes do sexo

masculino produziram maior número de dados: foram 22 ocorrências encontradas na fala dos

informantes do sexo masculino e apenas 13 na do sexo feminino.

O controle do nível de instrução demonstrou que mais da metade dos dados foi

concretizada por informantes com nível 3 (superior) de escolaridade, indivíduos que

estudaram mais, o que confirmaria o pressuposto de o clítico na posição pós-verbal ser um

aprendizado da escola. Interessante é a escala que se formou nessa variável, tendo em vista

que, depois do nível 3 (com 18 dados de ênclise), vem o nível 2 (com 11 dados) e, por último,

o nível 1 (com apenas 6 dados), mostrando que, na subamostra de dados de colocação pós-

verbal, quanto mais instruído é o indivíduo, maior é o número de ênclises por ele produzida.

Em relação à faixa etária, verificou-se certa diferença, tendo em vista que quase a

metade dos dados foi produzida pela faixa etária C (17 dados), ou seja, por falantes mais

velhos. Na rodada experimental, em que, mesmo assumindo não haver um caso de efetiva

regra variável, se testou o tratamento estatístico, a faixa etária foi selecionada pelo programa e

teve o seguinte resultado:

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132

Faixa etária no PB

LVS - PB Próclise

Faixa A 290/300 - 97%

Faixa B 374/382 - 98%

Faixa C 389/406 - 96%

Tabela 9: Distribuição dos dados da variante proclítica

nas lexias verbais simples pelas três faixas etárias do PB

Gráfico 4: Aplicação da próclise nas lexias verbais simples do PB de acordo como a faixa etária40

Analisando os resultados acima, embora se reafirme que percentualmente não há

praticamente diferença entre as faixas etárias (A = 97%, B = 98% e C = 96%), os pesos

relativos indicam tendência à implementação genérica da próclise, de modo que, quanto mais

jovem, maior se mostra a realização da próclise nas lexias verbais simples; assim, a faixa

etária A (0,7) favorece a posição proclítica, seguida da faixa B (0,52) com favorecimento

mais discreto, visto estar próximo ao ponto neutro (0,50), e a faixa C (0,32) desfavoreceria a

posição antes do verbo, como se pode observar nos exemplos a seguir:

Ex.43: L: então eu pa/ passava o dia inteiro com a minha vó entendeu... a minha avó

o meu avô me levavam pra escola de manhã... fazia almoço [COP-A-2-M] – Faixa

A

40

Constata-se que houve certa assimetria entre os percentuais e os pesos relativos no caso da variável faixa

etária. No entanto, vale destacar que, percentualmente, a distribuição da próclise por faixa etária se mostrou

praticamente idêntica nos três fatores controlados; desse modo, coube à análise estatística desenvolvida pelo

Programa ponderar os diversos fatores em coatuação e prover os pesos relativos dispostos no gráfico, que

sinalizam o efetivo efeito condicionador em questão.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Faixa A Faixa B Faixa C

0,7

0,52

0,32

Faixa Etária - PB

Próclise

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133

Ex.44: L: as minhas noras me chamam de você [NIG-B-1-M] – Faixa B

Ex.45: as crianças estão muito sol:tas muito não/ não tem assim uma re:gra a seguir:

e isso parece-me que é voz geral em to:das as escolas ... entendeu? [NIG-C-3-M] –

Faixa C

Em relação às variáveis linguísticas, no que tange ao tempo verbal, há onze

exemplos com o verbo no infinitivo e vinte e quatro com o verbo no indicativo. Dos verbos

no indicativo, doze estão no passado e doze no presente; esse uso expressivo de formas

infinitivas sugere um comportamento particular dessas estruturas, o que, como se observa a

seguir, se associa ao tipo de pronome em questão.

No que diz respeito ao tipo de clítico, dos 35 dados de ênclise, 13 são com os clíticos

acusativos, mostrando que a posição pós-verbal é verificada com as formas “o(s)” e “a(s)”,

principalmente quando o verbo está no infinitivo.

Na tabela a seguir, registra-se a distribuição percentual do total de dados de ênclise

quanto ao tipo de clítico:

Tipo de clítico

Clíticos Ênclise

O (s), a (s) 13/35 = 37%

Se 13/35 = 37%

Me 6/35 = 17%

Lhe 3/35 = 9%

Tabela 10: Distribuição dos dados da variante enclítica nas lexias verbais simples

do PB pelo tipo de clítico

No que se refere exclusivamente aos 35 dados de ênclise e ainda ao tipo de clítico, os

exemplos ocorrem com o acusativo (13 dados), com a forma dativa “lhe” (3 dados), como se

mostrou anteriormente, ou com o “se” (13 dados), além de 6 ocorrências com o pronome

“me”, o que pode estar relacionado ao que o indivíduo aprendeu na escola. Estudos anteriores,

como os de Rodrigues-Coelho (2011), demonstram que, no contexto escolar, os brasileiros

acabam por utilizar, até o fim do ensino médio, as formas acusativa e dativa, além do clítico

se sobretudo em estruturas indeterminadoras – clíticos pouco utilizados na fala vernacular,

espontânea e não monitorada – em ênclise nas redações escolares.

Além disso, há que se atentar para a presença de construções como se fossem formas

“fixas” com o “se”, como nos dados de “chama-se”, “dane-se”, ou, ainda, “deve-se”. Quanto

às três ocorrências de “lhe”, sobretudo duas, elas também podem, ao que parece, estar

associadas a um tipo de construção mais ou menos fixa, uma com o verbo dar (“deu-lhe

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134

zero”) e outra com o verbo ganhar (“ganhou-lhe uma tapa”), além da ocorrência com o verbo

restar (“restou-lhe”). Dos seis dados com o “me”, o exemplo 22 é uma citação; há dois dados

com o pronome inerente ligados o verbo ir (vou-me) e sentar (sentar-me); e os outros três

dados são com o verbo parecer – o que também se associa a certo grau de fixidez na

construção “parece-me que...” – e são do mesmo informante: uma mulher de Nova Iguaçu da

faixa etária C e com o nível 3 de instrução.

Para confirmar a análise feita sobre os pronomes enclíticos, observe-se a tabela, a

seguir, que apresenta os índices percentuais de próclise na totalidade dos dados do PB,

considerando a variável tipo de clítico:

Tipo de pronome

LVS – PB Próclise

te 41

104/104 - 100%

me, nos 479/485 - 99%

se reflexivo 304/308 - 99%

se indeterminador/apassivador 157/166 - 95%

o (s), a (s), lhe (s)42

9/25 - 36%

Tabela 11: Distribuição dos dados da variante proclítica

nas lexias verbais simples do PB por tipo de clítico

A tabela mostra que, percentualmente, os clíticos “o(s)”, “a(s) e “lhe(s)” realizariam

efetivamente mais a ênclise, sendo a próclise registrada em apenas 36% dos dados. Tal

resultado pode estar diretamente relacionado ao fato de esses pronomes serem adquiridos por

intermédio da escola, da leitura de textos mais formais, conforme já se apresentou. Nos

exemplos a seguir, verifica-se o comportamento preferencial dos clíticos acusativo e dativo de

terceira pessoa.

Ex.46: L: primeiramente quanto aquele problema que a gente falou inicialmente os

moradores de rua ter na/ eh se por exemplo no caso hipoteticamente eu sou o prefeito

do Rio de Janeiro... o que eu faria assim... expandia a rede de abrigos e torná-los

centros de formação... realmente do indivíduo e naqueles locais as pessoas terem

[COP-A-2-H]

41

Vale ressaltar que todos os dados com o pronome “te” apareceram proclíticos; por isso, no gráfico a seguir

apresentado só figura o percentual, e não o peso relativo. 42

Como já foi visto anteriormente, houve somente seis dados com o “lhe (s)”, motivo pelo qual se optou, para a

rodada multivariada experimental, fazer a junção dos referidos clíticos de terceira pessoa e os acusativos.

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135

Ex.47: àquelas pessoas dar cidadania dar... horizontes pra ela você formá-la se a

família não teve a competência de formar aquela/ aquele indivíduo né então o Estado

assume a responsabilidade de formar aquele indivíduo dar educação [COP-A-2-H]

Ex.48: L: mas muito bonzinho... pra nós que estávamos ( )... e:... a LF foi pra (uma

ilha) no Cairo... passamos uns dias lá e depois ela foi pra Faixa de Gaza... eu levei-a

pra pensão [COP-C-3-H]

Ex.49: sorvete na mão falou “ah segura aí meu sorvete” ((risos)) ai ganhou-lhe um

TApa pela mão né o sorvete foi parar longe ... [NIG-B-3-M]

Na rodada multivariada experimental adicional, o programa indicou o

desfavorecimento da próclise com os pronomes acusativos, o “lhe(s)” e o “se”

indeterminador/ apassivador, como pode ser visto no gráfico a seguir 43

:

Gráfico 5: Aplicação da próclise

nas lexias verbais simples do PB de acordo com o tipo de clítico

Em relação aos tipos de clíticos, verifica-se que os pronomes “te” (100% de

próclise), os de primeira pessoa – “me”, “nos” – (0,63) e o “se” reflexivo (0,59) favorecem a

próclise, enquanto os clíticos “se” indeterminador e apassivador (0,21) e os pronomes

acusativo e dativo de terceira pessoa – “o (s)”, “a (s)” e “lhe (s)” – (0,00) desfavorecem a

referida variante.

43

Quando os índices foram categóricos, seja para a próclise (100%) ou para a ênclise (0%), o resultado foi

adaptado para a representação em peso relativo, como mostra o Gráfico 5, no qual a próclise se deu, por

exemplo, em 100% dos dados com o pronome “te”.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1

0,63 0,59

0,21

0

Tipo de Clítico - PB

Próclise

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136

Apenas para confirmar que a variante proclítica assume caráter geral na variedade

brasileira, apresentam-se, aqui, os resultados quantitativos referentes à presença e à natureza

do elemento antecedente, como se pode observar na tabela e no gráfico a seguir:

Elementos antecedentes

LVS – PB Próclise

Partículas de negação 177/177- 100%

Conjunções subordinativas 266/268 - 99%

Sujeitos 286/291 - 98%

Adjuntos adverbiais 60/64 - 94%

Preposições 101/108 - 93%

Complementos preposicionados 14/15 - 93%

Início absoluto 116/128 - 91%

Conjunções coordenativas 33/37- 89%

Tabela 12: Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o elemento antecedente

nas lexias verbais simples do PB

Gráfico 6: Aplicação da próclise de acordo com o elemento antecedente

nas lexias verbais simples do PB

No Português do Brasil, quando se analisam os percentuais dos elementos

antecedentes, confirma-se não haver qualquer efeito proclisador, visto que, mesmo em início

absoluto de oração, a próclise chega a alcançar 91% das ocorrências. Os resultados apontam,

0%

20%

40%

60%

80%

100%

100% 99% 98%94% 93% 93% 91% 89%

Elementos Antecedentes - PB

Próclise

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137

ainda, a próclise categórica com as partículas de negação (100%) e quase categórica com as

conjunções subordinativas (99%), consideradas tradicionalmente atratoras, mas também após

sujeitos (98%), contexto que obrigaria a ênclise na visão tradicional. Além disso, vale

destacar que os demais contextos analisados se mostraram com um percentual bem relevante,

sendo a maioria acima de 91%, somente as conjunções coordenativas tiveram um percentual

um pouco menor (89%).

Embora haja certa oscilação dos índices percentuais, verifica-se a confirmação do

input geral da regra, mostrando que a próclise é a colocação geral, de modo que os valores

percentuais registram essa opção preferencial em todos os contextos, considerados “atratores”

tradicionais ou não, o que invalida a possibilidade de interpretação de efeito proclisador no

PB.

Esse resultado demonstra que não há, efetivamente, o tradicional efeito proclisador,

mas um comportamento particular no PB, como pode ser verificado nos exemplos a seguir:

Ex.50: L: é eu trabalhei no Humaitá... antes... porque eu trabalhei num órgão da

prefeitura... eh:: e trabalhar no Centro é muito melhor por tudo por transporte que é

mais fácil porque o metrô te leva até lá... coisa que/ no Humaitá já não tem metrô...

né... eh [COP-A-3-H]

Ex.51: eh justamente isso você... embora... eh você pode conse/ muitos claro que não

são não tem essa/ esse instinto não tem essa caráter delinqüente assim não são

bandidos mas você se sente inseguro [COP-A-2-H]

Ex.52: D: e você acha que em matéria de segurança o seu bairro é um bom bairro?

você se sente seguro?

L: me sinto eu nunca fui assaltado só você andar na rua que tá tranqüilo... [COP-A-

1-H]

Assim, após a análise qualitativa dos 35 dados enclíticos encontrados em 1.088

ocorrências coletadas para o PB, complementada pela rodada multivariada que se

experimentou fazer e pela análise de alguns grupos de fatores costumeiramente relevantes ao

fenômeno, pode-se mostrar que as ênclises encontradas são muito específicas, pois ocorrem,

em geral, com determinadas formas verbais (infinitivo (11), além do presente e passado do

indicativo) e determinadas formas pronominais (destacando-se “o(s)”, “a(s)”), além de em

alguns casos parecerem expressões com algum grau de fixação lexical, como em “deu-lhe”,

“parece-me” e “chama-se”.

Dessa forma, confirma-se o estatuto semicategórico da colocação pronominal no PB

também em termos qualitativos. Em relação à realização da variante pós-verbal, a maioria dos

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138

casos é, de fato, de construções particulares e está longe de representar mobilidade geral dos

clíticos no PB. Trata-se de pronomes normalmente adquiridos por letramento, de frases

prontas, não configurando ser a ênclise uma construção sintática natural. Ao que parece,

seriam construções mais fixas, cristalizadas ou, mais raramente, adquiridas através de

experiências de letramento, na escola ou por meio da leitura de textos.

6.1.3.2. Português Europeu

Tendo sido atestada a variação quantitativa na colocação pronominal do PE, serão

mostradas as variáveis relevantes selecionadas pelo programa, considerando como valor de

aplicação a variante pré-verbal, quais sejam: presença e natureza do elemento antecedente,

modos verbais e distância entre o clítico e um elemento antecedente. Sendo a ordem dos

clíticos pronominais no PE um fenômeno controlado estruturalmente, os grupos de fatores

relacionados limitam-se ao efeito exercido pela presença e natureza do elemento antecedente

ao verbo e à própria forma verbal em questão.

a) Presença e natureza do elemento antecedente

Presença e natureza do elemento antecedente

LVS – PE Próclise

Partículas de negação 387/398 - 97%

Conjunções subordinativas 702/770 - 91%

Prep. „para‟, „de‟ „por‟ e „sem‟ 145/155 - 93%

Operadores de foco 130/151 - 86%

Adjuntos adverbiais 15/96 - 15%

Complementos preposicionados 6/42 - 14%

Preposições „a‟ e „em‟ 5/34 - 14%

Sujeitos 39/348 - 11%

Conjunções coordenativas 20/186 - 10%

Início absoluto 0/484 - 0%

Tabela 13: Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o elemento antecedente nas lexias

verbais simples do PE

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139

Gráfico 7: Aplicação da próclise de acordo com o elemento antecedente

nas lexias verbais simples do PE

Na tabela e no gráfico acima, verifica-se que, em início de sentença (oração e

período), não houve nenhum dado em próclise, como se esperava, motivo pelo qual foram

desconsiderados (excluídos da amostra) os dados em início absoluto de oração e de período.

Esse resultado categórico – que confirma o que foi atestado nos poucos estudos que tratam da

fala portuguesa, como Vieira (2002), Vieira, M. F. (2011) – é fundamental para o

estabelecimento do perfil de cada variedade do Português, sobretudo porque se configura uma

diferença radical entre o parâmetro adotado no PB (com 91% de próclise nesse contexto) e o

adotado no PE, com ausência de variação no início de sentença.

Quanto aos demais contextos, constata-se a atuação de dois grupos em direção

contrária: o dos elementos que exerceram efeito proclisador e o dos elementos sem esse

efeito. As partículas de negação (0,91) e as conjunções subordinativas (0,81) são os elementos

que mais favorecem a realização da próclise. Além dos dois fatores já referidos, as

preposições “para”, “de”, “por” e “sem” (0,77) e os operadores de foco (0,66) também

favoreceram a variante proclítica.

Ex.53:INF: porquê porque as pessaoas [pessoas] não se respeitam agora as melheres

[mulheres] já não se se submetem aos homens [FNC-A-1-M]

Ex.54: o momento mais marcante se calhar vai ser (XX) provavelmente foi quando

me disseram a nota do do projecto final [FNC-A-3-H]

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1 0,910,81 0,77

0,66

0,04 0,04 0,03 0,03 0,02 0

Elementos Antecedentes - PE

Próclise

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140

Ex.55: L: os meus pais são capazes de se sentar comigo e com o meu irmão e termos

ali uma conversa... [CAC-A-2-H]

Ex.56: L:...aqui onde eu estou por exemplo acontece muito isso a gente temos

pessoas mais do Norte também se vê muitos alentejanos acho engraçado... [CAC-A-

1-M]

No entanto, é importante destacar que essa realização proclítica não registra nem se

aproxima de índices categóricos (cf. exemplos a seguir), ou seja, a realização da próclise não

se deu em 100% dos dados que tinham esses elementos antes do clítico. Com as partículas de

negação, por exemplo, registrou-se o percentual de 3% da variante pós-verbal e o peso

relativo de 0,09 em relação à ênclise. Esse resultado não confirma a suposta parametrização

radical em relação ao efeito proclisador no PE. Nos trabalhos de Vieira (2002) e Vieira, M. F.

(2011), esse efeito proclisador categórico também não foi confirmado. Em Vieira (2002), só

as partículas de negação obtiveram 100% dos dados enclíticos; nos demais contextos

proclisadores, isso não ocorreu (conjunção subordinativa (89%), conjunção integrante (96%)

e pronome relativo “que” (99%), por exemplo). Essa variação em tais contextos foi

confirmada, quase dez anos depois, com o trabalho de Vieira, M. F. (2011), que verificou a

colocação no chamado Português Dialetal e mostrou que não houve nenhum dado com

atração categórica (partículas de negação (.98), preposições “para”, “de”, “por” e “sem” (.97),

elementos de foco (.95), estruturas clivadas (.94) e elementos subordinativos (.76)). De

acordo com a mais recente gramática de Raposo et alii (2013)44

, Martins propõe que “os

pronomes clíticos são sempre proclíticos nas orações principais negativas, até mesmo nos

casos em que ocorre a chamada „negação expletiva‟ (grifo nosso)” (p. 2242). Além disso,

destaca que as “palavras nenhum, nada, ninguém se encontram associadas ao valor negativo e

à natureza quantificacional, o que permitiria juntá-las ao grupo dos quantificadores, que são

também desencadeadores de próclise” (p. 2243).

Com as conjunções subordinativas, o percentual de ênclise foi ainda maior, de 9% e

0,19. Entretanto, segundo Martins (in Raposo et alii, 2013), “os pronomes clíticos ocorrem

em posição proclítica em todos os tipos de orações subordinadas finitas.” (p. 2274). Na página

seguinte, “a fim de ilustrar a universalidade da próclise nos domínios de subordinação finita

(grifo nosso)” (p. 2275), apresenta-se um conjunto de exemplos em que a colocação proclítica

ocorre, mesmo quando o elemento subordinativo não está adjacente ao verbo. No entanto,

44

Escolheu-se essa gramática por ser a mais recente, mas, em Mateus et alii (2003), as considerações sobre a

colocação nesses contextos são bem parecidas.

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141

como se pode observar, os dados da presente pesquisa com negativas não se revelaram

“sempre proclíticos” (há 11 contra-exemplos) e os subordinativos não mostraram “a

universalidade da próclise” (há 68 contra-exemplos), como se pode observar nas ocorrências a

seguir:

Ex.57: I- o que é que me agrada em Lisboa eu amo muito eu acho que eu acho que

agrada-me quase quase tudo eu gosto muito de viver em Lisboa [OEI-B-2-H]

Ex.58: comia e aproveitava e ía visitar e isso parece que não dava-me um sentido ah

moral e psicológico que parece que não a ajuda-me o dia-a-dia ficava preenchido

[OEI-C-2-H]

Ex.59: as mercearias na altura fechava às onze às nove da noite a gente só

tomava-se banho pois ia-se pá [para a] mercearia enquanto ia-se pá mercearia

[FNC-B-1-M]

Ex.60: eu também trabalhei no bes no bes foi uma experiência do meu primeiro ano

de curso que eu candidatei-me [FNC-A-3-M]

Ex.61: mas é que quando ela foi pa lá disse tu vais gostar tu vais gostar diana que ela

chama-se Diana [FNC-B-3-M]

Ex.62: e então isto era chamado a gaiola representava o figorífico mas era chamado a

gaiola e era que cozia-se o comer [FNC-C-1-H]

Ex.63: todas essas aritméticas é um fascínio que eu sempre tive ehh é evidente que

uma pessoa sente-se bem [FNC-C-2-H]

Ex.64: era tudo pronto tudo à mão tudo eram pronto eram foram tempos

espectaculares que eu recordo me iss/isso tendo em vista talvez hoje [CAC-C-2-H]

Ex.65: não podia comer aquilo houve uma vez que o miúdo a sentiu-se à solta [OEI-

C-2-M]

Ex.66: portanto eu era a mais pequena ah batiam-me não é mas depois havia uns que

eles protegiam-me não é? [OEI-C-3-M]

Ex.67: já tenho estado em países que aquilo depois é um odor inesquecível que eu às

vezes lembro-me daquele país [OEI-C-3-M]

Ex.68: e então meu pai eeh eles era ele era ele ele dormia num quarto sozinho e a

minha mãe à [é] que dava-lhe o almoço [FNC-B-1-M]

Ex.69: é assim eu adoro todos os miúdos que tenho aqui...e o engraçado é que eles

sentem-se aqui bem... [CAC-B-2-M]

Ex.70: a palavra é a MESMA coisa portanto não vejo diferença tanto que eu sinto

me bem tanto numa como noutra [CAC-C-2-H]

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142

Ex.71: como se tem ouvido ultimamente que não tenha ido ao conhecimento dele só

que ele faz-se ingénuo e ignorante [CAC-C-2-H]

Ex.72: INF: eh é assim ele eu quero que ele estude e que concretize-se

profissionalmente [FNC-A-3-M]

Ex.73: não há nenhuma criança que não seja um pouco distraída porque acho que as

crianças distraem-se com facilidade [FNC-B-2-H]

Ex.74: oxalá que eu teja [esteja] enganado e que eu diga que esta selecção

surpreendeu-me pela positiva [FNC-B-2-H]

Ex.75: porque a matriz é a mesma agora é evidente que a partir daí abre-se um

campo de possibilidades [FNC-B-3-H]

Ex.76: a: portanto a: era o suficiente para eu ficar com medo não fiquei não fiquei

muito assustada a: acho que pensei que aconteceu-me a mim e já aconteceu a tanta

gente [CAC-A-2-M]

Ex.77: agora mora mais em cima noutro noutro noutro bloco de de prédio a: mas

estão ali todos três juntos e se eu disser que passa-se mês meses que a gente não se

vê… [CAC-C-1-M]

Ex.78: abriu de repente abriu a ferida e: eu estava em casa a fazer repouso entretanto

vejo através da televisão que as pessoas encaminhavam-se prá/prá Itália [CAC-C-2-

M]

Ex.79: bem como a identidade e a cultura própria e é evidente que isso traz-nos

alguns problemas [CAC-C-3-H]

Ex.80: I- se eu vejo-me casado e com filhos? a eu sou a favor do casamento a sou a

favor de ter filhos também acho que sim que vejo-me casado e com filhos [OEI-B-2-

H]

Ex.81: gosto muito de estar sossegada até mesmo se estiver sozinha não me importo

nada que eu distraio-me sempre [OEI-C-2-M]

Nos exemplos acima, a colocação proclítica não ocorreu. Na gramática de Raposo et

alii (2013), Martins não abre nenhuma exceção em relação às partículas negativas, como seria

o exemplo 58. No entanto, em relação às orações subordinadas finitas, ela ressalta que

“embora a próclise seja o padrão dominante de colocação dos pronomes clíticos em todos os

tipos de orações subordinadas, a ênclise é permitida (sendo uma opção de expressão pouco

frequente) nas seguintes situações” (p. 2276) e mostra que nas orações com os verbos

declarativos (afirmar, concluir, declarar), apresentativos (ocorrer, acontecer), de crença e de

conhecimentos (achar, acreditar, pensar, saber), de percepção (ouvir, sentir) e pelo verbo

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143

parecer, além das orações consecutivas e algumas estruturas clivadas. Com a quantidade e a

variedade dos exemplos acima, pode-se constatar que, ao contrário do que diz a gramática,

não seria pouco frequente a ênclise nesses contextos; além de essa variante ser registrada com

as partículas de negação, diversos casos não se encaixam nos contextos particulares citados

pela gramática.

Os operadores de foco são favorecedores da variante proclítica e apresentaram

muitas ocorrências proclíticas, uma vez que, de 151 dados, 130 concretizaram essa variante.

Ressalta-se que esses elementos ocorreram com uma frequência considerável, tendo em vista

que se trata de dados orais e são muito comuns nessa modalidade. Os dados que estão nesse

grupo são, como já foi visto na metodologia, apenas, só, até, mesmo, ainda, inclusive,

também, já entre outros, como se pode observar nos exemplos a seguir:

Ex.82: para o supremo tribunal o seguinte e um processo muito vasto agora ehh a

maior parte das questões até se resolvem normalmente por negociação [FNC-C-3-H]

Ex.83: a casa de minha mãe bordar e a gente também se bordava quando a minha tia

vinha [FNC-B-1-M]

Ex.84: L:...aqui onde eu estou por exemplo acontece muito isso a gente temos

pessoas mais do Norte também se vê muitos alentejanos acho engraçado... [CAC-A-

1-M]

Ex.85: são coisas que faci resolve-se facilmente porque as pessoas que já lá estão já

se conhecem muito bem [FNC-A-3-H]

Ex.86: INF: a gente trab ah lá a gente trabalha ganhamos mas a gente trabalha não é

coma [como a] aqui isto aqui também ganha-se pouco [FNC-C-2-M]

Ex.87: e depois a na as mercearias na altura fechava às onze às nove da noite a

gente só tomava-se banho [FNC-B-1-M]

Na gramática de Raposo et alii (2013), Martins destaca que “os advérbios

focalizadores, tanto os de inclusão como os de exclusão, determinam próclise obrigatória

quando precedem o verbo” (p. 2255). Analisando os exemplos acima, verifica-se que a

maioria ocorreu com a variante proclítica. No entanto, nos dois últimos, a ênclise foi

realizada. Assim, destaca-se que, apesar de ser bem produtiva a próclise depois desses

operadores de foco, como determina a gramática portuguesa, há alguns exemplos que não

seguem essa tendência.

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144

Os adjuntos adverbiais (0,04), os complementos preposicionados (0,04), as

preposições “a” e “em” (0,03), os sujeitos (0,03) e as conjunções coordenativas (0,03)

desfavoreceram a próclise.

Em relação aos adjuntos adverbiais, como já foi dito na metodologia, foram

considerados os advérbios simples, os advérbios em –mente e as locuções adverbiais. Na

realidade, dos 96 dados com esses advérbios, 15, com os advérbios simples (mais curtos como

o aqui), concretizaram a colocação proclítica, enquanto os advérbios mais longos (em –

mente) e as locuções adverbiais favoreceram a colocação enclítica, como se pode verificar nos

exemplos abaixo:

Ex.88: L: pronto eu nasci numa aldeia pequenina... mesmo a minha aldeia tem uma

festinha anual... pronto lá lhe dão um nome... [CAC-B-2-M]

Ex.89: os meus amigos da rua depois os meus pais lá me chamavam à razão para ir

para casa [CAC-A-3-H]

Ex.90: estava com atenção e isso parece que não mas por aqui se vê na realidade a

diferença [OEI-C-2-H]

Ex.91: quande antigamente antigamente ia-se comia-se mais verduras coisas naturais

[FNC-C-1-M]

Ex.92: INF: antigamente arranjava-se um noivo [FNC-C-1-M]

Ex.93: L: não ando a pé na rua portanto logo também ah.. estas questões me podem

passar um bocadinho mais despercebidas ah mas realmente nota-se que é uma zona

mais desfavorecida [CAC-A-3-M]

Ex.94: parece que não a ajuda-me o dia-a-dia ficava preenchido até depois às vezes

discutia-se com horários [OEI-C-2-H]

Ex.95: aquele barulho muito grande de volta dos ouvidos já não não ah tenho aí

filmes por vezes esqueço-me de os passar porquê? [OEI-C-2-H]

Ex.96: D: o principal era a sopa e então pronto todos os dias se variava não é todos

os dias [CAC-C-1-M]

Ex.97: L: pó alto mar pá pesca e é assim a vida e assim se passa... num instante se

passa o ano [CAC-C-1-H]

Destaca-se que, nos dois últimos exemplos, há dois tipos de adjuntos adverbiais do

tipo locução e, mesmo sendo um adjunto longo, que, geralmente, não favorece a próclise, esta

variante foi a que ocorreu. Isso pode ter ocorrido por ter havido, ao que parece, uma

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145

focalização do constituinte adverbial, que estaria fora de sua posição normal após o verbo. Na

gramática de Raposo et alii (2013), Martins afirma que “os advérbios focalizados ocorrem em

posição pré-verbal e induzem a colocação proclítica dos pronomes átonos.” (p. 2261).

No que diz respeito ao sujeito, foram encontradas 348 ocorrências e 39 com a

variante proclítica. Destaca-se que a maioria dessas ocorrências antes do verbo ocorreu com

sujeitos em que havia algum tipo de quantificador ou demonstrativo, e, por vezes, com

pronomes pessoais, como mostra a maior parte dos exemplos a seguir:

Ex.98: L: se tivermos acompanhados pouca gente se metem connosco... [CAC-A-2-

H]

Ex.99: L: toda gente se conhece... toda gente se fala... toda gente sabe das vidas uns

dos outros digamos assim... [CAC-B-2-M]

Ex.100: mas infelizmente foi desviado dinheiro pá aqui pá acolá toda gente se

governou todos todos... os que lá passaram todos os governos todos eles se

governaram... nenhum criou uma lei a favorecer o povo [CAC-C-1-H]

Ex.101: infelizmente foi desviado dinheiro pá aqui pá acolá toda gente se governou

todos todos... os que lá passaram todos os governos todos eles se governaram...

nenhum criou uma lei a favorecer o povo [CAC-C-1-H]

Ex.102: eles vinham cá e nós íamos muito a casa deles e até ia a França e então e eu

recusava-me a falar e toda a gente me dizia “qualquer dia não sabes falar” [CAC-B-

3-M]

Ex.103: o que é que foram surpresas agradáveis a muita coisa agradável me

aconteceu mas assim surpresas mesmo [OEI-B-3-H]

Ex.104: é mais pequeno ainda não percebi esta esta lotação mas efectivamente eu

constato que é e toda a gente e toda a gente o diz [FNC-B-3-M]

Ex.105: a selecção nacional bem deve pensar que o povo suportará suportará melhor

os sacrifícios que tem tido tudo se liga com tudo [FNC-B-3-H]

Ex.106: como diz a canção uma bola que rebola e e é uma constante da vida como

tudo muda tudo tudo se anticipa [OEI-C-1-H]

Ex.107: com brasileiro falo à brasileiro com o português falo à português e nós todos

nos entendemos não tem problema nenhum [OEI-A-3-M]

Ex.108: no lugar de mandares pra casa na direcção de casa ia pa ilma a na na

direcção da ilma a depois aquilo me fazia uã confusão [FNC-B-1-M]

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146

Ex.109: são capazes de fazer tão mal a seres tão tão inocentes tão pequeninos mas

pronto em todo mundo isso se faz pronto isso era uma das coisas que e nem é só o

trabalho infantil [OEI-B-2-M]

Ex.110: todas as semanas e é quase tude a a todas principalmente todas as semanas

eu falo com eles ou eles me tilfonam [telefonam] [FNC-C-1-M] – conjunção

correlativa

Ex.111: mas não dá “olha Rui a tua mãe deu-me estas ordens assim ou tu te portas

como deve ser…” “pronto pronto [CAC-C-1-M] – conjunção correlativa

Ex.112: a directora de turma sabia... que não era a de português... mas ela sabia e o

miúdo lhe disse ( ) filho... quando ela/eu recebo a caderneta [CAC-B-1-M]

Ex.113: a minha mais velha fez o exame do nono ano notou-se nos testes que foram

fáceis ela me disse ah isso foi uma perna às costas [OEI-B-1-H]

Ex.114: eu tinha que ensinar um colega meu que tinha estudado comigo era

complicado mas o chefe lhe indicou que eu tinha mais conhecimentos do que ele

[FNC-A-3-M]

Ex.115: L: então eu pronto eu conforme as atitudes que eu tinha com os alunos os

pais me conheciam [CAC-C-1-M]

Ex.116: ah casamento isso ah isso para mim o que interessa é a pessoa se dar bem o

casal se dar bem sim tudo bem concordo mas pronto acho que se deviam manter

certas tradições [OEI-A-2-M]

Ex.117: INF: ah eu me lidava bem [FNC-C-2-M]

Ex.118: ao terxeiro [terceiro] pontapé apareceu uã uã rapariga à frente dele e ele

disse ele à rapariga o que fazes aqui? ela disse ah eeh tu me deste um pontapé vais

ter que me pôr a casa [FNC-B-1-M]

De acordo com os exemplos acima, verifica-se que a maioria dos dados ocorre com

os sujeitos que possuem algum tipo de quantificador (“pouca”, “toda”, “muita”, “tudo”,

“todos”), demonstrativo (“aquilo”, “isso”), ou conjunções correlativas (“ou”). A próclise

nesses contextos é agasalhada tanto pela gramática de Mateus et alii (2003) quanto pela de

Raposo et alii (2013), como se pode ver nos exemplos de 98 até 111. “A próclise está aí

associada aos processos gramaticais da negação, da quantificação, da focalização e da

ênfase, tomados singularmente ou não” (MARTINS in RAPOSO et alii, 2013, p. 2241).

No entanto, curiosamente, a colocação proclítica também ocorreu com sujeitos sem

quantificadores e depois de pronomes pessoais, como nos exemplos de 112 até 118, um tipo

de sujeito que não é abordado nas gramáticas portuguesas como contexto de próclise. De todo

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modo, não se pode negar a possibilidade de esses dados, que são em número reduzido,

representarem um caso de ênfase nas referidas situações em que foram empregados.

Os complementos preposicionados e as preposições “a” e “em” também se

mostraram desfavorecedoras da variante proclítica, como pode ser observado nos exemplos

abaixo:

Ex.119: se te oferecerem cigarros tu nunca aceites... nem nada que te dêem tu não

aceites nem os trates mal... nem te dês mal com eles mas também não te acompanhes

com eles não te aproximes... trata essas pessoas assim com indiferença pra ti é-te

indiferente se eles tiverem se eles não tiverem [CAC-B-1-M]

Ex.120: escrever com giz e mapas que andávamos com eles mapas enormes a

transportá-los de de casa pra escola [FNC-B-2-M]

Ex.121: se calhar até ajudam um uma pessoa velhota a entar dentro do autocarro ou a

levantarem-se para dar a uma pessoa para dar lugar [OEI-A-1-H]

Ex.122: nós temos prazos pra cumprir e não conseguimos às vezes lidar lidar

conseguimos temos é alguma dificuldade em resolvê-los todos [OEI-B-3-M]

No que se refere ao comportamento da preposição “a”, embora a variante mais

frequente tenha sido a enclítica, também se realizou ocasionalmente a variante proclítica.

Ex.123: INF: nã [nã] eu pensava qu‟era [que era] um fantasma pensava que era

alguém a se mexer [FNC-B-1-H]

Ex.124: quando ele portanto ele foi pa o qua ele foi po ultramar ele mandou uma

carta à mãe a me pedir namoro [FNC-B-1-M]

Ressalta-se o fato de, na gramática de Raposo et alii (2013), Martins não mostrar

nenhum exemplo como os da preposição “a” proclítica acima, uma vez que, segundo a autora:

a variação entre ênclise e próclise em infinitivas preposicionadas é independente da

distinção entre orações infinitivas completivas e orações infinitivas adverbiais e

quase abrange a generalidade das preposições. Ficam, contudo, fora do padrão de

variação as preposições “a” e “com”, que se associam sempre à ênclise. (p. 2280)

Desse modo, há que se registrar alguns contraexemplos a essa generalização, o que

carece de maior número de dados para qualquer interpretação segura.

No que tange ao contexto de verbo antecedido de conjunções coordenativas, das 186

estruturas encontradas, 20 apareceram proclíticas ao verbo, como se pode verificar nos

exemplos a seguir:

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148

Ex.125: é normal que a seguir prevaleça e os corrija de com maior cuidado [FNC-A-

3-M]

Ex.126: silos que permitissem que as pessoas a preços acessíveis que as pessoas

pudessem deixar os carros aí e se deslocarem ao centro do Funchal [FNC-B-3-M]

Ex.127: Com os outros ele só querem o deles e se acabou [FNC-C-2-M]

Ex.128: vou pró Estádio Nacional ou pró Estádio Universitário mas é assim quem

tem hipóteses de pegar nas coisas e se afastar não usufrui ali... [CAC-B-3-M]

Ex.129: L: variaçõ/ sim por mais variedade de coisas... no entanto eu acho quando

uma família dedica o tempo... dedica um tempo suficiente a estar/a estar junta com

os filhos e se constitui o pai e mãe e até outros familiares como modelo não é?

[CAC-C-3-M]

Ex.130: há muitas que vêm do Alentejo e que se vê que são aletenjanas... que vêm do

Norte e se vê claramente em termos de linguagem mesmo [CAC-C-3-M]

Ex.131: ver ou discutir futebol é um excelente como gosto muito é uma excelente

forma de sair deste quadrado e pensar noutras coisas e me descontrair e a leitura de

jornais eu uso isso [FNC-B-3-H]

Ex.132: INF: mas não quer dizer que ainda não vá ehh saber ou me informar come é

[FNC-B-2-M]

Ex.133: alimento mínimo seja o que for essas pessoas não fazem sequer pela vida é

normal que se fale em subsídio ou se fale nisto ou se fale há pobreza claro [OEI-A-3-

M]

Ex.134: Pra estrada antiga porque se vê a aquelas casas com as varandas [FNC-C-1-

M]

Ex.135: o tradicional almoço de domingo acho que já não é tão sólido como era

antigamente as pessoas porque se desculpam porque tão muito cansadas [CAC-A-1-

M]

Ex.136: L: eles sabem... eles sabem... eles practicam o sexo porque se lembram que

é assim [CAC-B-1-M]

Ex.137: estou lá quase como ( ) estou como professor e isso é é bom porque na te

sentes bem em ajudar as pessoas [OEI-A-3-H]

Nos exemplos acima, verifica-se que alguns estão em frases subordinadas

coordenadas entre si ou possuem conjunção alternativa e esses dois casos são descritos nas

gramáticas portuguesas. Destaca-se que, no exemplo 131, haveria um “de” elíptico em

coordenação à estrutura anterior, o que provavelmente justifique a variante proclítica. No

entanto, há outros em que nenhuma das situações anteriores ocorre e, mesmo assim, a variante

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149

proclítica se concretizou. Nesses, ao que tudo indica, é a presença da conjunção “porque” a

motivação para a próclise. Considerando seu valor semântico entre explicação e causalidade,

acredita-se ser o efeito proclisador nesse caso uma possibilidade.

Vale destacar, mais uma vez, que nenhuma variável extralinguística foi selecionada

no tratamento dos dados do PE, mostrando que o fenômeno é apenas condicionado

estruturalmente. Sendo assim, não se viu a necessidade da separação da localidade de

Funchal, mesmo sabendo que se trata de um Português insular com uma história bem

diferente da do Português continental.

O tratamento das variáveis na análise multivariada também sustenta esse tratamento

conjunto das três subamostras do PE, visto que a localidade também não foi selecionada. De

todo modo, sabendo das diferenças sócio-históricas e até linguísticas que existem entre as três

localidades e para assegurar que não haveria a necessidade da separação dos resultados de

Funchal, procedeu-se a um cruzamento de dados entre as localidades e os elementos

antecedentes, para verificar se haveria alguma peculiaridade em Funchal. Esse cruzamento

forneceu os resultados expostos na tabela a seguir:

Cruzamento: Localidade dos informantes versus Elementos antecedentes

Elementos antecedentes Funchal Cacém Lisboa Total

Início absoluto

Próclise

Ênclise

100% enclítico

100% enclítico

100% enclítico

100% enclítico

Partículas de negação

Próclise

Ênclise

126 (98%)

2 (2%)

155 (97%)

5 (3%)

106 (96%)

4 (4%)

387 (97%)

11 (3%)

Conjunções subordinativas

Próclise

Ênclise

209 (89%)

25 (11%)

248 (94%)

16 (6%)

245 (90%)

27 (10%)

702 (91%)

68 (9%)

Preposições para, de, por e sem

Próclise

Ênclise

40 (95%)

2 (5%)

60 (95%)

3 (5%)

45 (90%)

5 (10%)

145 (94%)

10 (6%)

Operadores de foco

Próclise

Ênclise

36 (82%)

8 (18%)

54 (90%)

6 (10%)

40 (85%)

7 (15%)

130 (86%)

21 (14%)

Adjuntos adverbiais

Próclise

Ênclise

2 (6%)

30 (94%)

5 (15%)

28 (85%)

8 (26%)

23 (74%)

15 (16%)

81 (84%)

Complementos preposicionados

Próclise

Ênclise

2 (18%)

9 (82%)

3 (14%)

18 (86%)

1 (10%)

9 (90%)

6 (14%)

36 (86%)

Preposições a e em

Próclise

Ênclise

4 (50%)

4 (50%)

0 (0%)

15 (100%)

1 (9%)

10 (91%)

5 (15%)

29 (85%)

Sujeitos

Próclise

12 (10%)

14 (12%)

13 (12%)

39 (11%)

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150

Ênclise 111 (90%) 100 (88%) 98 (88%) 309 (89%)

Conjunções coordenativas

Próclise

Ênclise

9 (14%)

56 (86%)

7 (11%)

58 (89%)

4 (7%)

52 (93%)

20 (11%)

166 (89%)

Total

Próclise

Ênclise

Total

440 (64%)

247 (36%)

687

546 (69%)

249 (31%)

795

463 (66%)

235 (34%)

698

1449 (66%)

731 (34%)

2180

Tabela 14: Distribuição dos dados de próclise e ênclise de acordo com o cruzamento entre Localidade

dos informantes e Elementos antecedentes nas lexias verbais simples do PE

Destaca-se que os dados em início absoluto de oração e de período apareceram

sempre enclíticos nas três localidades, não havendo diferenças entre elas quando a frase ou o

período se encontravam em início absoluto.

De acordo com a tabela acima, constata-se, ainda, que a distribuição dos dados de

próclise em relação aos elementos atratores nos dados de cada localidade é bem parecida. Os

proclisadores tradicionais obtiveram índices bem altos tanto em Funchal quanto no

continente, como se pode observar com as partículas de negação (98% - Funchal, 97% -

Cacém e 96% - Lisboa), as conjunções subordinativas (89% - Funchal, 94% - Cacém e 90% -

Lisboa), as preposições para, de, por e sem (95% - Funchal, 95% - Cacém e 90% - Lisboa) e

os operadores de foco (82% - Funchal, 90% - Cacém e 85% - Lisboa).

Os elementos antecedentes que não são atratores tradicionais, obtiveram percentuais

bem baixos, como mostram os adjuntos adverbiais (6% - Funchal, 15% - Cacém e 26% -

Lisboa), os complementos preposicionados (18% - Funchal, 14% - Cacém e 10% - Lisboa), as

preposições a e em (50% - Funchal, 0% - Cacém e 9% - Lisboa), os sujeitos (10% - Funchal,

12% - Cacém e 12% - Lisboa) e as conjunções coordenativas (14% - Funchal, 11% - Cacém e

7% - Lisboa). De todos esses elementos, somente as preposições a e em destoaram das

demais, mas isso pode ser explicado pela pouca quantidade de dados: em Funchal, ocorreram

somente oito dados com esses elementos antecedentes, sendo quatro proclíticos e quatro

enclíticos, enquanto nas demais localidades houve um pouco mais de dados (15 em Cacém e

11 em Lisboa).

Até mesmo os dados que fogem à regra concretizaram-se de maneira semelhante nas

três localidades. A título de exemplificação, podem-se citar as partículas de negação que

seriam atratores clássicos. Ocorreram onze dados enclíticos, sendo 2 em Funchal, 5 em

Cacém e 4 em Lisboa. Verifica-se, assim, que Funchal foi a localidade que mais seguiu a

regra da atração gramatical, mas que, mesmo assim, também realizou dados enclíticos, apesar

de ter sido em menor quantidade.

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151

Pelo fato de a variável localidade não ter sido selecionada pelo Programa, pelo fato

de a distribuição percentual nas três localidades ter sido bem parecida e por tudo que foi

exposto acima, mostrando a semelhança na utilização dos clíticos pronominais nas três

localidades, optou-se por não separar a localidade de Funchal das demais, havendo, assim, a

análise do PE englobando sempre as três.

b) Tempo/modo verbal

Tempo/modo verbal

LVS - PE Próclise

Subjuntivo 120/129 - 93%

Infinitivo 199/295 - 67%

Indicativo 1.129/2.213 - 51%

Imperativo / gerúndio 5/27 - 18%

Tabela 15: Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias

verbais simples do PE

Gráfico 8: Aplicação da próclise de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias verbais simples do PE

Verifica-se, de acordo com o gráfico e a tabela acima, que o modo subjuntivo

favorece consideravelmente a próclise (0,86), o que se associa, principalmente, à presença de

elementos antecedentes que são subordinativos (cf. Exemplo 138). No entanto, cabe

mencionar que também se encontraram dados de ênclise nesse contexto, como se pode

verificar no exemplo de subjuntivo em 139, a seguir.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1 0,86

0,560,46

0,12

Tempo/modo Verbal - PE

Próclise

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152

Ex.138: se te oferecerem cigarros tu nunca aceites...nem nada que te dêem tu não

aceites nem os trates mal... nem te dês mal com eles mas também não te

acompanhes com eles não te aproximes... [CAC-B-1-M]- subjuntivo

Ex.139: INF: eh é assim ele eu quero que ele estude e que concretize-se

profissionalmente [FNC-A-3-M] - subjuntivo

Conforme evidenciam os exemplos a seguir, com o infinitivo ocorreram vários

exemplos com a preposição “para” antecedendo a forma verbal; observou-se que o índice de

favorecimento da próclise (0,56), ao que tudo indica, se relaciona a esse contexto (cf.

Exemplo 140), mas, quando a preposição não estava presente, a variante enclítica era a que

mais se concretizava. Assim, com o infinitivo, a próclise ou a ênclise estaria diretamente

relacionada com o ambiente sintático em que se encontra o clítico e o verbo no infinitivo. O

indicativo, comparativamente aos demais fatores, apresentaria leve desfavorecimento à

variante proclítica, embora com peso relativo muito próximo ao ponto de neutralidade (0,46).

O imperativo e o gerúndio (0,12) também desfavorecem a utilização dessa variante, como

pode ser observado nos exemplos a seguir.

Ex.140: I - a eu acho que que eles sabem que quando precisam eu estou lá para os

ajudar em tudo se que eu puder [OEI-A-1-H] - Infinitivo

Ex.141: está-se a tornar uma uma geração fác de facilitismos os pais facilitam-lhes a

vida a escola facilita-lhes a vida [OEI-B-1-H]- Indicativo

Ex.142: L: fazendo uma... ou as pessoas sujeitando-se mais ou menos portanto...

[CAC-A-1-M]- Gerúndio

Conforme já se observou, não houve qualquer ocorrência da mesóclise em 2.664

dados do PE. Isto pode estar relacionado à baixa frequência de verbos no futuro. De todos os

dados, apenas cinco estão no futuro e, nessas ocorrências, os clíticos apareceram na posição

proclítica, como se pode verificar a seguir:

Ex.143: não se pensa só nem pensa nem neles próprios pensa a a o dia-a-dia amanhã

logo se verá ah um para aqui outro para acolá nem se vê então não há comer [OEI-

C-1-H]

Ex.144: por questão de de alguns tipos de comportamentos que para para eles são são

normais e fazem parte do seu dia-a-dia e que para mim não os faria é um pouco por

aí [CAC-B-2-H]

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153

Ex.145: I - hum eu acho que tive um bom ensino sempre hum tudo depende do

professor com que se calha posso-lhe dizer a nível do meu filho eu não o colocaria

no público neste momento [OEI-A-3-M]

Ex.146: houve oportunidades se calhar quem sabe daqui a alg mais algum tempo se

verá se verá com com melhor [FNC-B-3-M]

Ex.147: houve oportunidades se calhar quem sabe daqui a alg mais algum tempo se

verá se verá com com melhor [FNC-B-3-M]

A variante pré-verbal tem nesses exemplos alguma motivação estrutural, de modo

que não se pode afirmar a inexistência da mesóclise no PE falado. No exemplo 143, houve

próclise por causa do atrator “logo”. Nos exemplos 144 e 145, a próclise ocorreu pela

presença do atrator “não”. Já nos exemplos 146 e 147, a posição proclítica pode estar

relacionada à construção QU- constitutiva do sujeito oracional e/ou, ainda, ao adjunto

adverbial intercalado. Na realidade, apenas com dados de futuro mais clíticos em situações

que não favoreçam a próclise, seria possível avaliar a vitalidade ou não da mesóclise na fala

europeia.

b) Distância entre o clítico e um elemento antecedente

Distância entre o clítico e um elemento antecedente

LVS – PE Próclise

Zero 1.255/2.000 - 63%

1 ou 2 91/124 - 73%

3 ou mais 107/140 - 76%

Tabela 16: Distribuição dos dados da variante proclítica de acordo com a distância entre o clítico e um

elemento antecedente nas lexias verbais simples do PE

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154

Gráfico 9: Aplicação da próclise de acordo com a distância entre o clítico e um elemento antecedente

nas lexias verbais simples do PE45

A seleção desta variável confirma a relevância do efeito proclisador na variedade

europeia, que apenas se atenuaria mediante o fator distância. Pode-se constatar que a

adjacência do clítico ao elemento que o antecede favorece a próclise, ao contrário dos demais

contextos – com alguma distância entre tais elementos – que a desfavorecem. Fato curioso é

que, quando há três ou mais sílabas, o efeito de atração é um pouco maior (0,23) do que

quando há apenas uma ou duas sílabas (0,19). Porém, a diferença entre esses dois fatores não

parece muito significativa, distando apenas 4 pontos relativos.

Ex.148: L – penso que há mais violência há e há mais perigos não é que não os

houvesse quando eu estudei não é isso [CAC-A-2-M] – zero sílaba

Ex.149: é assim eu adoro todos os miúdos que tenho aqui... e o engraçado é que eles

sentem-se aqui bem... [CAC-B-2-M] – duas sílabas

Ex.150: I – eu por exemplo se neste momento dissessem-me que se tivesse e pudesse

pôr as minhas filhas numa escola particular não não punha [OEI-B-1-H] – cinco

sílabas

45

Verifica-se que, também na variável distância, houve uma inversão entre os percentuais e os pesos relativos.

Novamente, parte-se do pressuposto de que a análise estatística realizada obriga a considerar, com segurança, os

índices relativos como mais confiáveis, tendo em vista já terem sido filtradas as possíveis influências de outras

variáveis. Uma observação impressionística dos dados leva a crer que o maior índice percentual de próclise em

contextos com a partícula atratora mais distante, contrariando a tendência esperada para a variável, estaria

relacionado à presença de determinadas formas verbais e de certas construções sintáticas intervenientes.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Zero 1 ou 2 3 ou mais

0,54

0,19 0,23

Distância entre o clítico e um elemento antecedente - PE

Próclise

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155

6.1.3.3. Português de São Tomé

Em relação à amostra referente ao PST, esta foi a variedade do Português em relação

à qual o Programa selecionou mais variáveis como estatisticamente relevantes para o

fenômeno. A primeira variável que foi selecionada foi a extralinguística, sexo, seguida pelas

variáveis linguísticas: presença e natureza do elemento antecedente, tempo/modo verbal,

distância entre o clítico e um elemento antecedente e a tonicidade das formas verbais.

a) Sexo do informante

Sexo do informante

LVS - PST Próclise

Homem 137/260 - 53%

Mulher 78/265 - 29%

Tabela 17: Distribuição dos dados da variante proclítica

de acordo com o sexo dos informantes nas lexias verbais simples do PST

Gráfico 10: Aplicação da próclise

de acordo com o sexo dos informantes nas lexias verbais simples do PST

De acordo com a tabela e o gráfico acima, pode-se constatar a diferença na utilização

da próclise entre os homens (0,57) e as mulheres (0,40). Enquanto a fala de indivíduos do

sexo masculino favorece a utilização da próclise, a do sexo feminino tende a favorecer a

ênclise, como se pode observar nos exemplos abaixo:

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Homem Mulher

0,57

0,4

Sexo do informante - PST

Próclise

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156

Ex.151: eu gosto de casas de madeira, é por isso que agora que, desde que essa

história de abate de árvore é ilegal então as coisas se tornam mais difícil [ST-A-1-H]

- homem

Ex.152: o meu pai quando foi para San Catarina e achei, sim, achei que tinha os dois

anos, mas des em quando dá-me assim [ST-A-1-M] – mulher

Para a seleção dessa variável, tem-se a seguinte hipótese: a diferença entre os dois

sexos poderia estar vinculada ao fato de as mulheres, para se enquadrarem melhor na

sociedade, utilizarem, ao máximo possível, as regras presentes na gramática do PE. Assim,

nos contextos favorecedores da variante proclítica, elas utilizariam mais essa variante e,

efetivamente quando não houvesse contexto favorecedor da posição pré-verbal, realizariam

mais a ênclise. Já os homens apresentariam uma colocação pronominal mais variável e

apresentariam em suas falas maior mobilidade do clítico, embora não dominassem exatamente

os contextos em que se utilizaria a próclise, segundo a norma do PE. Assim, eles utilizariam

tanto a próclise quanto a ênclise nos mesmos contextos. Dessa forma, nos ambientes em que

há o favorecimento da variante proclítica, eles utilizariam as duas variantes, mas com mais

produtividade a proclítica. No entanto, nos contextos em que há o favorecimento da ênclise, a

variante proclítica também seria utilizada em larga escala.

Acredita-se que a diferença existente entre os sexos só pode ser interpretada

mediante o conhecimento dos contextos sintáticos em que essa diferença se expressa.

Conforme já informado, o modelo para a L1 dos informantes da amostra em estudo, o

Português Europeu, apresenta colocações diferentes, de acordo com o ambiente sintático em

que o clítico se encontra.

Para verificar, ao menos, os contextos de realização de próclise e ênclise consoante a

variável sexo do informante, foi verificado o cruzamento feito entre esse grupo de fatores e a

natureza do elemento antecedente, obtendo-se os seguintes resultados:

Cruzamento: Sexo dos informantes versus Elementos antecedentes

Sexo x Elemento antecedente Homens Mulheres Total

Partículas de negação

Próclise

Ênclise

39 (93%)

3 (7%)

24 (92%)

2 (8%)

63 (93%)

5 (7%)

Elementos subordinativos

Próclise

Ênclise

56 (77%)

17 (23%)

36 (78%)

10 (22%)

92 (77%)

27 (23%)

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157

Preposições

Próclise

Ênclise

10 (71%)

4 (29%)

6 (60%)

4 (40%)

16 (67%)

8 (33%)

Operadores de foco

Próclise

Ênclise

11 (73%)

4 (27%)

3 (30%)

7 (70%)

14 (56%)

11 (44%)

Conjunções coordenativas

Próclise

Ênclise

3 (43%)

4 (57%)

1 (9%)

10 (91%)

4 (22%)

14 (78%)

Adjuntos adverbiais

Próclise

Ênclise

4 (67%)

2 (33%)

1 (6%)

17 (94%)

5 (21%)

19 (79%)

Sujeitos

Próclise

Ênclise

12 (25%)

36 (75%)

5 (14%)

30 (86%)

17 (20%)

66 (80%)

Complementos preposicionados

Próclise

Ênclise

2 (25%)

6 (75%)

0 (0%)

3 (100%)

2 (18%)

9 (82%)

Total

Próclise

Ênclise

213

137 (64%)

76 (36%)

159

76 (48%)

83 (52%)

372

213 (57%)

159 (43%)

Tabela 18: Distribuição dos dados de próclise e ênclise de acordo com o cruzamento entre Sexo dos

informantes e Elementos antecedentes nas lexias verbais simples do PST

Destaca-se o fato de os dados em início absoluto de oração e de período (todos em

ênclise) não entrarem na contagem dos dados nesse cruzamento, tendo em vista que eles

foram retirados da rodada para que fosse possível obter os pesos relativos.

Nos demais contextos, verifica-se que, com os elementos considerados como

proclisadores, como as partículas de negação (H – 93% / M – 92%), conjunções

subordinativas (H – 77% / M – 78%) e preposições (H – 71% / M – 60%), os percentuais da

próclise são bem parecidos. Somente com os operadores de foco, o resultado foi oposto entre

os dois sexos, pois os homens realizariam mais a próclise (73%) que as mulheres (30%), de

modo que, nesse caso, estas se afastam do modelo europeu, demonstrando um domínio

parcial do Português, e efetivamente generalizando o uso da variante enclítica. Ocorre que,

com o pequeno número de dados desse contexto, não se pode assegurar a generalidade dessa

interpretação.

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158

A grande diferença no comportamento linguístico relativo aos dois sexos parece que

está nos elementos que não são considerados tradicionais atratores, pois os homens, nesses

contextos, utilizam mais a variante proclítica do que as mulheres, como nas conjunções

coordenativas (H – 43% / M – 9%), adjuntos adverbiais (H – 67% / M – 6%), sujeitos (H –

25% / M – 14%) e complementos preposicionados (H – 25% / M – 0%).

Dessa forma, de acordo com esses resultados, os homens tenderiam buscar a imitar a

alternância que há no Português Europeu e isso faria com que houvesse maior mobilidade dos

clíticos. Assim, os homens utilizariam os clíticos nas duas posições, aplicando o padrão

enclítico e proclítico, mas sem seguir as regras da gramática do PE por falta de domínio. Já as

mulheres utilizariam mais a colocação enclítica de modo geral (e, assim, utilizariam mais a

ênclise em contextos efetivamente enclíticos); de outro lado, sendo mais conservadoras,

utilizariam mais a próclise nos contextos padrão. Caso tal hipótese seja confirmada em maior

número de dados e com outros materiais, pode-se supor que os homens seriam os

responsáveis por dar ao PST as feições que mais o diferenciam do PE, havendo, dessa forma,

mais oscilações nos mesmos ambientes sintáticos, principalmente motivadas por informantes

do sexo masculino.

b) Presença e natureza do elemento antecedente

Presença e natureza do elemento antecedente

LVS - PST Próclise

Partículas de negação 63/68 - 93%

Conjunções subordinativas 92/119 - 77%

Preposições 16/24 - 67%

Operadores de foco 14/25 - 56%

Conjunções coordenativas 4/18 - 22%

Adjuntos adverbiais 5/24 - 21%

Sujeitos 17/83 - 20%

Complementos preposicionados 2/11 - 18%

Início absoluto 0/153 - 0%

Tabela 19: Distribuição dos dados da variante proclítica

de acordo com a presença e natureza do elemento antecedente nas lexias verbais simples do PST

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159

Gráfico 11: Distribuição dos clíticos pronominais encontrados na variante proclítica

de acordo com a presença e natureza do elemento antecedente nas lexias verbais simples do PST

Ressalta-se que, como ocorreu no PE, não houve nenhum dado na posição proclítica

em início de oração ou absoluto de período, o que é bem diferente do que ocorre com os

dados do PB, que registram produtivamente a variante pré-verbal nesse contexto. Em relação

a esse contexto de início de sentença, pode-se postular que os dados aproximam radicalmente

PE e PST versus PB, ao assumirem parâmetros muito diferentes.

Quanto aos demais contextos, os elementos que favorecem a próclise são as

partículas de negação (0,88), as conjunções subordinativas (0,71) e as preposições (0,59). Os

operadores de foco (0,42), apesar de não apresentarem índice acima de 0,50, também atuaram

no maior uso da próclise se comparados aos demais contextos, nitidamente desfavorecedores

dessa variante. Os demais elementos, como as conjunções coordenativas (0,17), os adjuntos

adverbiais (0,15), os sujeitos (0,12) e os complementos preposicionados (0,1) desfavoreceram

a posição proclítica.

De modo geral, os elementos antecedentes que atuaram como proclisadores no PST

são bem parecidos com os do PE, como se verá mais detalhadamente quando comparados os

ranges (índices que medem as distâncias entre fatores) nas duas variedades, o que mostrará

que a atuação dos elementos antecedentes pode ser diferenciada, mas todos eles apontam para

uma mesma direção. Dessa forma, verifica-se que há, nas duas variedades, a clara atuação das

partículas de negação (0,88 – PST e 0,91 – PE), das conjunções subordinativas (0,71 – PST e

0,81 – PE) e das preposições (0,59 – PST e 0,77 – PE). Os únicos elementos que favoreceram

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1 0,88

0,710,59

0,42

0,17 0,15 0,12 0,10

Elementos Antecedentes - PST

Próclise

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160

nitidamente a próclise no PE e atuaram de forma mais discreta no PST foram os os operadores

de foco (0,42 – PST e 0,66 – PE).

De acordo com os exemplos abaixo, percebe-se uma correlação possível entre a

variável Operadores de foco e a variável Sexo do informante, uma vez que os exemplos

enclíticos com os operadores de foco do PST sempre ocorreram com o elemento “também” na

fala de indivíduos do sexo masculino e com os elementos “já”, “até” e “também” na fala dos

indivíduos do sexo feminino, como mostram os exemplos a seguir:

Ex.153: não vê porque também há determinadas pessoas ocupando funções de

responsabilidade também não sabe também banalizou-se [ST-C-2-H]

Ex.154: esse pra mim e as filhas que eu tenho lá também deram-me grande grande

grande grande apoio [ST-C-3-H]

Ex.155: I: é… nunca… até já tinha… meus tios já convidaram-nos para ir, eu e

minha avó, para ir passear [ST-A-1-M]

Ex.156: O meu filho que é pequenino, como ele vive lá com avó paterno, passa mais

tempo com avó paterno, ela gosta mais é de utilizar o crioulo cabo-verdiano. Ele até

fala-me umas palavras em crioulo [ST-A-3-M]

Ex.157: depois fica a coser... depois de coser é que se põe também põe-se

quiabo...[ST-C-1-M]

Ex.158: Eu fui obrigada agora a concluir essas essas três que me faltavam e já

conclui-las e vim agora [ST-B-2-M]

Ex.159: LF: e ent:ao... depois então eu já formei-me [ST-C-2-M]

Nos exemplos acima, verifica-se que as mulheres utilizam mais a variante enclítica

com elementos diferentes, enquanto os homens a utilizam somente com o “também”.

Em relação às preposições, vale destacar que não houve sua separação, como ocorreu

no PE, tendo em vista o pequeno número de dados. Foram encontrados somente 24 dados

com a preposição e em 16 deles a variante proclítica ocorreu.

Ex.160: a cobra veio, parou mesmo de frente a mim, parou mesmo também a ver-me

[ST-A-1-H]

Ex.161: eu creio que: Deus é misericordioso e ele será o primeiro a perdoar-me a

perdoar quem sabe né? [ST-B-3-M]

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161

Ex.162: eu posso dizer que veio em boa hora mas veio se calhar de uma forma se

calha não muito convincente porque no meu entender, antes quase de se pensar na

reforma [ST-A-2-H]

Ex.163: era um contexto de luta, era um contexto de rivalidade, portanto havia toda

essa necessidade de se desenvolver a capacidade nesse sentido, [ST-A-3-H]

Ex.164: um preparação muito boa muito boa razoavelmente boa... mas ele não foi

capaz de me ajuda:r não fo:i...[ST-B-3-M]

Ex.165: Mas também os homens devem compreender que elas às vezes fazem isso

como forma de sentirem-se, de mostrarem que elas estão aí presentes [ST-A-3-M]

Ex.166: desculpa no próximo ano não, no ano passado é que tive a iniciativa de

conclui-las e pronto [ST-B-1-M]

Ex.167: Portanto, há todo um exercício que eu tenho estado a fazer para me

preparar para poder ser um pouco mais do que esse Genisvaldo do Nascimento [ST-

A-3-H]

Ex.168: Cada um tem seu jeito, eu procuro sempre integrar no jeito deles, falar como

eles falam, procurar fazer tudo do jeito que eles fazem que seja para me enquadrar

neles [ST-A-3-M]

Ex.169: hoje não digo porque não tenho poder de mobilidade... estão sempre

disponíveis para Me ensinar eh falar mesmo[ST-C-3-H]

Ex.170: pode ser sim, na rádio que tal, mensagem passa melhor, sobretudo para

piada porque habituou-se muito a utilizar a nossa língua para fazer-se piada [ST-A-

3-H]

Ex.171: D: havia castigos?

L: não isso era só pra alertar-me depois eu consegui [ST-C-1-H]

Nos exemplos com as preposições, verificou-se que, em todas as estruturas com a

preposição“a”, a única variante utilizada foi a enclítica; com a preposição “de”, houve

oscilação entre a próclise e a ênclise; com a preposição “para”, ocorreram somente os dois

últimos dados (exemplos 170 e 171) com a variante enclítica, enquanto os demais apareceram

em próclise. Na gramática de Raposo et alii (2013), Martins mostra que essa alternância entre

próclise e ênclise com as preposições “de” e “para” é habitual e com a preposição “a” deveria

ocorrer a variante enclítica, como confirmam os dados do PST.

Embora haja quase coincidência total dos contextos apontados como proclisadores e

não proclisadores no PE e no PST (o que nos faz aproximar, mais uma vez, as duas

variedades), percebe-se uma diferença na atuação desse condicionamento. Vale destacar que a

forma de “atração” no PST ocorre de uma maneira bem peculiar, tendo em vista que o efeito

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162

proclisador representado no gráfico vai nitidamente decrescendo, de forma gradual. Para

efeito de comparação, observem-se, novamente, os gráficos das duas variedades a seguir:

Comparando os ranges de fatores não proclisadores em relação a cada fator

proclisador em cada uma das variedades – o que permite mostrar a diferença entre um fator e

outro na própria variável –, verifica-se que, no PE, a distância dos adjuntos adverbiais

(primeiro elemento com atuação não proclisadora) para os operadores de foco (0,62), as

preposições para, de, por e sem (0,73), para as conjunções subordinativas (0,77) e para as

partículas de negação (0,87) é bem maior do que a que ocorre no PST, apresentada a seguir.

Quando se observam os ranges referentes aos primeiro fator não proclisador e os

demais para o PST, verifica-se que a distância das conjunções coordenativas para os

operadores de foco (0,25), para as preposições para, de, por e sem (0,42), para as conjunções

subordinativas (0,54) e para as partículas de negação (0,71) é nitidamente menor do que a que

ocorreu no PE.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

10,88

0,710,59

0,42

0,17 0,15 0,12 0,10

Elementos Antecedentes - PST

0

0,2

0,4

0,6

0,8

10,91

0,81 0,770,66

0,04 0,04 0,03 0,03 0,02 0

Elementos Antecedentes - PE

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163

Tendo como base, além do aspecto visualmente mais gradual da ação dos elementos

controlados no PST do que no PE, os ranges calculados acima, verifica-se que não há uma

delimitação tão precisa dos elementos que favorecem a próclise em oposição aos outros, que

não a favorecem no PST, como ocorreu no PE, em que o menor range foi de 0,62. Em outras

palavras, não se verifica um efeito indubitavelmente proclisador, de um lado, contra outro

nada ou quase nada proclisador, de outro, como no PE, mas o que ocorre no PST é um

declínio gradual do efeito de atração, que teve o menor range de 0,25, passando por 0,42, 0,54

e 0,71. Fica, então, evidenciada a concretização do que se tem identificado como certo efeito

oscilante, como mostram os exemplos a seguir:

Ex.172: por exemplo, um professor ou um médico, por exemplo. Por exemplo, se

formos para médico, eu já fui para para para para hospital hhh naquilo que chama-se

de urgência [ST-A-2-H]

Ex.173: posso apoiar também qualquer amigo qualquer amigo que me peça, vamos

lá [ST-A-1-H]

Ex.174: mas continuamos sempre a movimentar. E se for sentido contrário ao tecto,

pior um pouco, mas se perguntarem-nos: estão a movimentar? [ST-B-2-H]

Ex.175: Eu admirava porque a forma como a minha mãe nos criou era totalmente

diferente [ST-A-2-H]

Ex.176: em termos de política (como que) oposição aí tinha problemas era mais no

sentido/ ( ) não era porque o povo tava oprimido que não Se podia nada não falava-

se fazia-se tudo (normal) [ST-C-2-H]

Ex.177: A: Não, lá não, não se paga nada. hhh todo o mundo é bem-vindo [ST-A-1-

H]

Ex.178: pode ser sim, na rádio que tal, mensagem passa melhor, sobretudo para

piada porque habituou-se muito a utilizar a nossa língua para fazer-se piada [ST-A-

3-H]

Ex.179: Cada um tem seu jeito, eu procuro sempre integrar no jeito deles, falar como

eles falam, procurar fazer tudo do jeito que eles fazem que é para me enquadrar

neles [ST-A-3-M]

Ex.180: dos dois um de química: e um de biologia ((risos)) Eu lembro-me é [ST-B-

3-M]

Ex.181: foi cubano... o de biologia no décimo primerio também foi cubano... eu me

lembro do/ dos dois professores que tive [ST-B-3-M]

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164

Nos exemplos acima, pode-se verificar que não há uma regra clara para cada tipo de

elemento que antecede o clítico pronominal, mas o que há, realmente, é uma oscilação no

comportamento do clítico dentro do mesmo ambiente sintático. Ocorre tanto a próclise como

a ênclise em elementos subordinativos, com o advérbio de negação, com a preposição “para”

e até com elementos que não são proclisadores, como o pronome pessoal, nos dois últimos

exemplos. Embora os dados europeus não apresentem efeito categórico, as tendências são

claramente definidas entre proclisadores e não proclisadores, enquanto os dados são-tomenses

apresentam uma tendência geral de efeito proclisador, produtivamente contrariada do ponto

de vista quantitativo e qualitativo.

Ainda em relação aos elementos antecedentes, destaca-se que houve próclise no PST

em contextos com vários itens que não são considerados atratores clássicos, segundo a norma

europeia, como depois de conjunções coordenativas e SN sujeito.

Ex.182: lá naquelas tascas, não os altos restaurantes mas lá onde os pobres comem,

viver e sentir o calor da cozinha, ver as panelas, enfim, cheias de tisna de de forno e

de carvão mas me senti como se tivesse sido em casa [ST-A-3-H]

Ex.183: LF: português ... e a língua do Príncipe praticamente vim aprender aqui em

São Tomé porque me casei muito cedo... [ST-C-2-M]

Ex.184: Eu consegui conviver com a população, consegui mergulhar onde há

pobreza em Nigéria, as pessoas me olhavam com bons olhos, consegui comer com

os nigerianos [ST-A-3-H]

Essa certa oscilação no comportamento por contexto sintático e exemplos como os

três registrados aqui – em que se verifica a próclise em contextos interpretados usualmente

como brasileiros (e não europeus), como após sujeito e conjunção coordenativa – aproximam

curiosamente certos dados do PST aos do PB. Assim, apesar de a próclise não ocorrer em

início absoluto, como ocorre no PE, o comportamento oscilante em determinadas ocorrências

– embora não sejam quantitativamente expressivas – pode mostrar que há certa aproximação

com os dados brasileiros ou, simplesmente, que os falantes não dominam rigorosamente os

contextos que exigem a colocação proclítica.

Vale destacar que essa oscilação foi proposta por Gonçalves (2009). Segundo a

autora, isso é típico de uma língua que ainda não está completamente formada, em especial

em um contexto de plurilinguismo como o que existe em São Tomé (cf. Capítulo 4). Os dados

de Vieira (2002), referentes ao Português de Moçambique, também mostraram a variação da

próclise e da ênclise nos mesmos ambientes sintáticos, confirmando essa instabilidade.

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165

c) Tempo/Modo verbal

Tempo/Modo verbal

LVS - PST Próclise

Subjuntivo 17/17 - 100%

Indicativo 174/464 - 37%

Infinitivo 24/42 - 57%

Imperativo 0/2 - 0%

Tabela 20: Distribuição dos dados da variante proclítica

de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias verbais simples do PST

Gráfico 12: Aplicação da próclise

de acordo com o tempo/modo verbal nas lexias verbais simples do PST46

Analisando o gráfico e a tabela, fica claro que o elemento nitidamente favorecedor da

próclise é o subjuntivo (100%), ambiente em que ela ocorreu de forma categórica, o que não

ocorreu nem com o PE.

Ex.185: A: Forro, Caustrino que me ajude, hhh Caustrino é que é bom nisto [ST-A-

3-M]

O Indicativo (0,51) seria “neutro”, ou seja, dependendo do elemento que o antecede,

poderia ocorrer a próclise ou a ênclise.

46

Com a variável Tempo/modo verbal, assim como ocorreu com a variável distância, no Gráfico 9, houve certa

inversão entre os percentuais e os pesos relativos. Uma vez mais, postula-se a confiabilidade dos índices

relativos e pondera-se que o maior índice percentual de próclise como infinitivos, contrariando a tendência

esperada para a variável, estaria relacionado à presença de preposições, influência que fora devidamente

“filtrada” pela análise estatística.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1

0,510,36

0

Tempo/modo Verbal - PST

Próclise

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166

Ex.186: não vejo isso como um dever mas faço isso por uma maneira de ajudar a

igreja, eh… é isso, mas o resto não tem, não se obriga ninguém a fazer nada [ST-A-

1-H]

Ex.187: a gente tem que ter um pouco de coragem pra: ultrapassar se não o que nos

resta só é fugir né? [ST-B-3-M]

Ex.188: é isso a fazer consultas aos doentes... depois colocou-se o sapateiro no lugar

do agricultor ... [ST-B-3-M]

O infinitivo (0,36) e o imperativo (0,0 em apenas duas ocorrências) seriam contextos

desfavorecedores da variante proclítica.

Ex.189: D: havia castigos?

L: não isso era só pra alertar-me depois eu consegui [ST-C-1-H]

Ex.190: Se o senhor hoje, um professor, qualquer funcionário, vai xx olhe dê-me tal

produto no dia vinte cinco eu venho-te pagar [ST-A-2-H]

Nos exemplos acima, verifica-se a próclise no modo subjuntivo e no modo indicativo

quando há a presença de um elemento proclisador clássico (o pronome “que”). No entanto, no

modo indicativo com um elemento antecedente que não é um “atrator”, o que ocorre é a

ênclise. A variante enclítica também acontece com o infinitivo, mesmo tendo uma preposição

antecedendo o clítico (“para”), e com o imperativo.

d) Distância entre o clítico e um elemento antecedente

Tabela 21: Distribuição dos dados da variante proclítica

de acordo com a distância entre o clítico e um elemento antecedente nas lexias verbais simples do PST

Distância entre o clítico e um elemento antecedente

LVS - PST Próclise

Zero 194/376 - 52%

1 ou 2 7/12 - 58%

3 ou mais 14/26 - 54%

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167

Gráfico 13: Aplicação da próclise de acordo com a distância entre o clítico e um elemento antecedente

nas lexias verbais simples do PST

Em relação à distância entre o clítico e seu elemento antecedente, verifica-se que,

quando não há distância entre eles, ocorre discreto favorecimento da próclise (0,52). No

entanto, quando a distância aumenta para uma ou duas sílabas (0,29) e três ou mais sílabas

(0,27), há o desfavorecimento da variante proclisadora.

Ex.191: é um conjunto de situação que faz com que a nossa educação não está nós

deveríamos, quer dizer, como nós alvejamos que estivesse, ela não está, é melhor, é

preciso que se faça mais [ST-A-2-H]

Ex.192: já não se pode dizer os da roça porque às vezes há alunos que até tem pais

com nome de deputados... com nomes disse e às vezes são piores... por que? por

que? eu creio que isso deve-se a degradação dos valores [ST-B-3-M]

Ex.193: com essa um pouco de:... desse clima de:... conturbação... Eu creio que

muitos portugueses foram-se embora, não é? [ST-B-3-M]

Nos exemplos supracitados, verifica-se que os elementos que antecedem o clítico são

casos de proclisador tradicional, pois trata-se de conjunções integrantes nos três exemplos.

Embora se registre a tendência à próclise quando não há elemento entre o clítico e o

proclisador, a instabilidade da colocação pronominal no PST mesmo diante de elementos

proclisadores se acentua, fazendo acontecer ainda mais a ênclise quando há duas ou mais

sílabas entre o clítico e os referidos elementos.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Zero 1 ou 2 3 ou mais

0,52

0,29 0,27

Distância entre o clítico e um elemento antecedente - PST

Próclise

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168

e) Tonicidade das formas verbais

Tonicidade das formas verbais

LVS – PST Próclise

Oxítona 109/231 - 47%

Paroxítona/proparoxítona 106/294 - 36%

Tabela 22: Distribuição dos dados da variante proclítica

de acordo com a tonicidade das formas verbais nas lexias verbais simples do PST

Gráfico 14: Aplicação da próclise de acordo com a tonicidade das formas verbais nas lexias verbais

simples do PST

Com relação à tonicidade das formas verbais, constata-se que as formas oxítonas

(0,59) favorecem a próclise e as formas paroxítonas ou proparoxítonas (apenas 3 dados desta

última na amostra, em ênclise) a desfavorecem, como se pode observar nos exemplos abaixo:

Ex.194: um pouco:... é:... como posso explicar? Eu não senti/ eu não me senti be:m...

[ST-B-3-M]

Ex.195: porque o ministério conhece sabe que eu eu tenho uma segunda profissão

que eu pratico de vez em quando eu acho que foi nessa base que mandaram-me pra

aqui [ST-B-3-H]

Ex.196: também naquela altura eu lembro-me do velho Costa Alegre o ( ) Aguiar e:

muitos outros muitos outros (enfim) ajudávamo-nos muito no conhecimento da

língua [ST-C-3-H]

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Oxítona Parox./propar.

0,59

0,41

Tonicidade das formas verbais -PST

Próclise

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169

Verifica-se que esse resultado pode estar relacionado com o fato de a ligação

fonológica do clítico no PST também ser para a esquerda, como supostamente ocorre com o

PE, formando, assim, vocábulos fonológicos com o que vem antes (ênclise fonológica) e não

depois (próclise fonológica), como ocorre no PB. Dessa forma, acredita-se que essa variável

no PST, tendo como base a ênclise, favoreceria essa variante até com as formas paroxítonas e

proparoxítonas, formando casos de formas proparoxítonas (“mandaram-me”) e até esdrúxulas

(“ajudávamo-nos”).

Assim, esse resultado vai ao encontro do que propõe Hagemeijer, ao advogar em

favor da existência de clíticos fonológicos no Forro. Além de os pronomes objetos do Forro

figurarem sempre na posição pós-verbal – como confirmam os trabalhos de Ferraz (1979) e

Hagemeijer (2007) –, a possibilidade da existências de clíticos fonológicos no PST está

plenamente corroborada pelos resultados da variável ora em análise.

Ademais, isso pode justificar o fato de não haver clíticos em início absoluto de

oração e de período, pois a ligação fonológica do clítico no PST seria para a esquerda – como

no PE –, ao contrário do PB, em que a ligação fonológica seria para a direita, como mostram

os trabalhos de Vieira (2002) e Corrêa (2012).

Para finalizar a análise dos dados do PST, vale a pena destacar o comportamento

obtido com o controle do grupo de fatores relativo à frequência de uso do crioulo

(BRANDÃO, 2011). Embora esse grupo tenha sido retirado da rodada multivariada básica

para a análise da amostra são-tomense – visto que não se trata de uma relação causa-efeito

sobre a colocação pronominal, mas um grupo de controle que permite observar se a

frequência de uso do Forro pode estar correlacionada ao uso da ênclise em geral ou da

oscilação de comportamento quanto à colocação pronominal –, apresentam-se aqui os

resultados obtidos na rodada em que esse grupo de fatores estava contemplado e foi

selecionado47

:

47

Vale relembrar que os dados foram codificados segundo a proposta de Brandão (2011):

− zero/baixa, os indivíduos que se expressam fundamentalmente em Português;

− média, os indivíduos que se expressam em Português, mas dominam um crioulo e dele fazem uso

eventualmente;

− alta, os indivíduos que, embora falem o Português, se expressam, regularmente, num crioulo

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170

Frequência de uso de um Crioulo

PST Próclise

Zero/baixa 110/223 - 49%

Média 87/275 - 32%

Alta48

17/22 - 77%

Tabela 23: Distribuição dos dados da variante proclítica

de acordo com a frequência de uso de um crioulo nas lexias verbais simples do PST

Gráfico 15: Aplicação da próclise de acordo com a frequência de uso de um crioulo nas lexias verbais

simples do PST

O comportamento desse grupo de fatores quanto à colocação pronominal mostrou

que o falante que se considera uma pessoa que usa frequentemente o crioulo seria o que mais

produziria a variante proclítica (0,89) – o que só pode sinalizar uma tendência a generalizar a

próclise por desconhecimento do efeito proclisador; em segundo lugar no que se refere ao uso

da próclise, viriam os que supostamente não utilizariam o crioulo (0,58) e, por último, os

falantes que só o utilizam às vezes, mostrando que a próclise seria desfavorecida nesse caso

(0,39).

Retirando o único informante que se declara como um falante do crioulo com alta

frequência, verifica-se que os que afirmam utilizar basicamente o Português teriam uma

48

Destaca-se o fato de somente um informante (do sexo masculino) se considerar como um falante regular do

crioulo, o que justifica o menor número de dados.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

Zero/Baixa Média Alta

0,58

0,39

0,89

Frequência de uso de um Crioulo

Próclise

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171

preferência pela variante proclítica (possivelmente por dominar os contextos europeus de

próclise), e os que conhecem e utilizam o Forro, mesmo que eventualmente, prefeririam a

colocação enclítica, o que talvez possa sinalizar a influência da colocação pós-verbal dos

pronomes objetos do crioulo, segundo Ferraz (1979) e Hagemeijer (2007).

Efetivamente, qualquer interpretação das interinfluências do uso do Forro dependeria

de pesquisa específica com amostra que controlasse efetivamente esse efeito, além de

pesquisa etnográfica a respeito dos informantes e de sua relação com o uso da Língua

Portuguesa e da língua local. De todo modo, é interessante perceber que, ainda que não se

tenha uma interpretação segura acerca desse efeito considerando os limites metodológicos do

presente trabalho, os resultados sugerem a interrelação entre a colocação pronominal e a

frequência de uso de um crioulo.

6.1.4. Sistematização dos resultados das lexias verbais simples

A seguir, segue um quadro resumitivo com os principais resultados de cada

variedade em estudo. Destaca-se que, para a análise do PB, essa sistematização toma por base

os comentários qualitativos dos 35 dados enclíticos encontrados, enquanto, para o PE e o

PST, considera o comportamento das variáveis selecionadas pelo programa.

Quadro 2

Sistematização da ordem dos clíticos pronominais em lexias verbais simples nas três

variedades

LVS PB PE PST

Início absoluto de oração Próclise = 91%

Ênclise = 100% Ênclise = 100%

Próclise em início absoluto Sim

Não Não

Distribuição das variantes

nos demais contextos

Próclise = 97%

Ênclise = 3%

Mesóclise = 0%

Próclise = 55%

Ênclise = 45%

Mesóclise =0%

Próclise = 40%

Ênclise = 59%

Mesóclise = 1%

Estatuto da regra segundo

Labov (2003)

Semicategórica

Variável Variável

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172

Variáveis extralinguísticas –

condicionamento externo

Não49

Obs.: Os

informantes com

mais instrução e

idade foram os que

mais utilizaram a

variante enclítica.

Não Atuação da

variável sexo e,

em plano

secundário, do

grupo de controle

Frequência de uso

de um crioulo

Variáveis linguísticas Não

A ênclise é

registrada

sobretudo com

acusativos de 3ª

pessoa

(frequentemente

combinados com

infinitivos), alguns

casos de “lhe” e de

“se”, em estratégia

de indeterminação.

Presença de

expressões fixas.

- Presença e

natureza do

elemento

antecedente

-Tempo/modo

verbal

- Distância entre o

clítico e um

elemento

antecedente

- Presença e

natureza do

elemento

antecedente

-Tempo/modo

verbal

- Distância entre o

clítico e um

elemento

antecedente

- Tonicidade das

formas verbais

Efeito proclisador

Não Sim – embora o

efeito não seja

categórico, dois

grupos –

proclisadores

versus não

proclisadores –

podem ser

claramente

delimitados.

Sim – com certa

instabilidade; e

distância de

comportamento

entre

proclisadores e

não proclisadores

menor.

Favorecem a próclise em

maior ou menor medida:

Partículas de negação

Conjunções subordinativas

Preposições

Operadores de foco

Não se aplica!

Em qualquer

contexto, inclusive

em início absoluto,

a próclise acontece

com alta frequência

Sim

Sim

Sim (para, de)

Sim (também,já,

até)

Sim

Sim

Sim

Não

Favorecem a próclise:

Conjunções coordenativas

Embora haja, entre

os dados de ênclise,

maior incidência de

Não

Não

49

Por princípio, não se pode falar em condicionamentos linguísticos e extralinguísticos, já que não se concebe

uma regra variável no caso do PB, mas uma regra semicategórica. Apenas se observam as tendências verificadas

nos poucos dados da variante pós-verbal.

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173

Sujeitos

Adjuntos adverbiais

Compl. preposicionados

ambientes sem

tradicionais

atratores, nenhuma

generalização

segura pode ser

proposta, visto não

haver, em geral,

efeito proclisador.

Não

Não

Não

Não

Não

Não

Quadro 2 - Sistematização da ordem dos clíticos pronominais em lexias verbais simples nas três

variedades

De acordo com o quadro acima, constata-se que, no PB, ocorre próclise em início

absoluto e com grande frequência (91%). Essa frequência seria também produtiva nos demais

contextos (97%), mostrando que não há variação nas lexias verbais simples, sendo a regra,

então, semicategórica, segundo Labov (2003). Assim, o parâmetro de colocação do PB seria

bem diferente do praticado na língua do país colonizador e do outro país colonizado em

estudo, o PST, como se verá mais adiante.

No PB, o perfil do informante que produziu os poucos dados de ênclise correlaciona-

se, possivelmente, a maior idade e, secundariamente, a maior nível de instrução. Como são

restritos os dados de ênclise quantitativa (apenas 3%) e qualitativamente (estruturas

particulares), qualquer conclusão nesse sentido é, sem dúvida, prematura. Hipoteticamente, os

resultados fazem supor que, possivelmente, quanto mais instruído e idoso for o informante,

maior será a probabilidade de uso da posição pós-verbal, sugerindo que os mais velhos,

possivelmente, teriam recebido mais esse suposto efeito do letramento. Nas variáveis

linguísticas, os clíticos acusativos, principalmente com o verbo no infinitivo, e o pronome

“se” seriam os contextos em que a posição enclítica mais ocorreria. Além disso, houve

exemplos de construções cristalizadas (como “chama-se”, “deu-lhe”, “ganhou-lhe” e “parece-

me”) que concretizaram a colocação enclítica.

Em relação ao país colonizador, verifica-se que, no PE, em início absoluto, a

colocação é categoricamente enclítica, nos contextos de LVS. Nos demais contextos, há

variação nas lexias verbais simples, o que se configura uma diferença paramétrica

fundamental. Não houve seleção de nenhuma variável extralinguística, mostrando que o

ambiente sintático é o que realmente influencia na posição dos clíticos pronominais.

As variáveis linguísticas selecionadas foram presença de um elemento antecedente,

tempo/modo verbal e distância entre o clítico e um elemento antecedente. No entanto, não há

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174

efeito categórico dos proclisadores, pois os contextos antecedentes com as partículas de

negação, as conjunções subordinativas, as preposições “para”, “de”, “por” e “sem” e os

operadores de foco mais determinados advérbios favoreceram a próclise, mas também

apresentam a ênclise em número expressivo de dados. Em relação à distância entre o pronome

clítico e o elemento antecedente proclisador, verificou-se que a adjacência do clítico a esse

elemento favorece a realização da próclise e, quando ocorre distância entre tais elementos,

não se registra o referido favorecimento.

De toda forma, é nítida a atuação diferenciada do grupo dos elementos que atuaram

como proclisadores versus o grupo dos elementos que não atuaram como proclisadores, o que

valida a interpretação de que o PE, embora em todos os casos registre variação entre as

variantes pré e pós-verbal, permite a generalização de que existem contextos de (i) ênclise

categórica (início absoluto de oração e de período); (ii) próclise altamente favorecida

(partículas de negação, elementos subordinativos, preposições – para, de, por e sem – e

operadores de foco); e (iii) próclise altamente desfavorecida (adjuntos adverbiais,

complementos preposicionados, preposições – a e em –, sujeitos e conjunções coordenativas).

O PST, de acordo com a análise, segue tendências gerais equivalentes às verificadas

para o PE, quais sejam: (i) o fenômeno também se mostra variável; (ii) ocorre ênclise

categórica em início absoluto de oração e de período (diferenciando-se ambas do PB

radicalmente nesse contexto) e (iii) apresenta algumas variáveis linguísticas como

condicionamentos favorecedores da próclise consoante as mesmas tendências gerais.

No que se refere aos condicionamentos linguísticos relevantes para os contextos de

um verbo, além de o elemento antecedente, tempo/modo verbal e a distância entre o clítico e

o elemento antecedente terem sido selecionados, a tonicidade das formas verbais também se

mostrou relevante para o fenômeno. Constatou-se que, em relação ao elemento antecedente, a

ação dos elementos proclisadores não é dicotômica como no PE, ou seja, as diferenças entre

os elementos proclisadores e não proclisadores não são tão bem delimitadas como o são no

PE, uma vez que o que se verifica, no PST, é uma queda de influência gradual dos elementos,

como distâncias mais curtas entre tais elementos conforme demonstrou a análise dos ranges.

As tendências quanto ao favorecimento da variante pré-verbal por parte desses elementos,

entretanto, são bem parecidas, tendo em vista que somente a atuação dos operadores de foco,

em termos de efeito relativo, diverge um pouco entre eles.

Além da presença de um elemento antecedente, tempo/modo verbal e da distância

entre o clítico e um elemento antecedente, o que também aproxima PST do PE, houve

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175

também na amostra são-tomense a seleção do grupo de fatores Tonicidade da forma verbal,

segundo a qual as formas paroxítonas favoreceriam a ênclise. Desse modo, assim como se

afirma na literatura ocorrer no PE, a tendência rítmica do PST favoreceria a ligação de formas

átonas a vocábulos precedentes. Esse comportamento foneticamente enclítico parece justificar

o fato de, em início de absoluto de oração/período, a ênclise ter sido categórica, mostrando

uma ligação fonológica para a esquerda, também como no PE.

Embora não se encontre a variante proclítica em início absoluto de oração/período e

os condicionamentos relativos ao efeito de partículas proclisadoras sejam semelhantes –

aproximando o PST ao PE –, é preciso registrar que ocorre no PST efetivamente a próclise em

contextos considerados tipicamente brasileiros, como depois do sujeito (SN com núcleo

substantivo e sem quantificadores etc.) e das conjunções coordenativas (sem subordinação

coordenada), por exemplo. Dessa forma, o PST se particulariza – e, em termos qualitativos,

até se aproxima do PB – no que se refere à oscilação da colocação em determinados

ambientes sintáticos, os quais assumem um comportamento fixo ou muito rígido no PE.

Assim, esse país colonizado não segue rigorosamente as normas de colocação do país

colonizador quanto à efetiva ação dos elementos proclisadores, embora adote a ênclise como

ordem não marcada, e siga condicionamentos sintáticos semelhantes aos europeus como

tendência geral. Essa particularização do PST em relação ao PE fica ainda mais evidente,

quando se verificam alguns dados considerados na literatura inovações do Português do Brasil

na amostra são-tomense.

De acordo com o princípio do uniformitarismo, dados do presente podem indicar o

que aconteceu no passado; assim, comportamentos que ocorrem exclusivamente no PB e no

PST, em contraste com o PE, merecem destacada atenção. Por ora, salienta-se que pode haver

explicações internas e/ou externas para essas semelhanças/diferenças, que serão brevemente

discutidas após a análise dos complexos verbais.

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176

6.2. Complexos verbais

No que se refere aos complexos verbais, apresentam-se, inicialmente, os valores

absolutos e percentuais de todas as variantes controladas separadamente, para proporcionar

uma visão geral da colocação no total de 1.131 dados de complexos verbais nas três

variedades.

Para uma visualização panorâmica da colocação dos pronomes nos complexos

verbais, a tabela e o gráfico abaixo mostram a produtividade das variantes da variável

dependente – em seu maior grau de detalhamento, controlando a posição superficial e a

presença ou não de material interveniente – em cada variedade do Português:

Distribuição da variável dependente no PB, PE e PST

Variedades cl v1 v2 v1-cl x v2 v1 (-)50

cl v2 v1 x cl v2 v1 v2 cl Total

PB 8 2% 0 0% 289 78% 66 18% 6 2% 369

PE 246 37% 68 11% 172 27% 75 12% 81 13% 642

PST 26 22% 12 10% 45 38% 14 12% 23 18% 120

Tabela 24: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB, PE e PST

Gráfico 16: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB, PE e PST

50

Cabe relembrar que há dados que aparecem com hífen e outros não, mas, em todos os exemplos dados na

presente tese, as estruturas foram retiradas exatamente como se encontravam na transcrição do Corpus

Concordância.

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PB PE PST

2%

37

%

22

%

0%

11

%

10

%

78

%

27

%

38

%

18

%

12

%

12

%

2%

13

% 18

%

A variável dependente: PB, PE e PST

cl v1 v2

v1-cl x v2

v1 (-) cl v2

v1 x cl v2

v1 v2-cl

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177

De modo geral, a visualização do gráfico faz aproximar PE e PST e separar PB, com

um comportamento nitidamente particular quanto à colocação pronominal em complexos

verbais.

No PB, a variante mais produzida foi a v1 (-) cl v2 (78%) e não ocorreu a colocação

do clítico antes de um elemento interveniente, posição esta que asseguraria a interpretação da

presença de ênclise a v1 na variedade em questão (como em ele pode-me hoje dar). Destaca-

se que, se forem amalgadas as variantes v1 (-) cl v2 (78%) e v1 x cl v2 (18%), ambas no

interior do complexo verbal, o percentual registrado passa a ser de 96% dos dados, mostrando

que a próclise a v2 (interpretação feita em função de haver muitos casos de clítico antes de

V2 e após o elemento interveniente, como em pode hoje me dar, e de não ter sido registrada

qualquer ocorrência de ênclise a v1)51

é quase categórica, seguida pela colocação proclítica a

v1 e pós-cv que obtiveram, cada uma, o mesmo percentual (2%).

Diversas gramáticas confirmam a colocação proclítica a v2, desde a tradição

gramatical, com

(i) Cunha & Cintra (2007) – “a próclise ao verbo principal nas locuções verbais”

(p. 331) –; e

(ii) Rocha Lima (2001) – “A interposição do pronome átono nas locuções verbais,

sem se ligar por hífen ao auxiliar, é sintaxe brasileira” (p. 455);

passando pela tradição linguística brasileira

(i) Perini (2007) – “No padrão brasileiro atual, (...) a posição natural do clítico,

quando o predicado é complexo, é a próclise ao NdP” (p. 231); e

(ii) Castilho – “Focalizando os tempos modernos, (...) nas perífrases e nos tempos

compostos, o PB favorece a colocação do pronome antes do verbo pleno na

forma nominal” (p. 484).

Essa tendência é confirmada em diversos estudos que abordam o tema tanto na

modalidade escrita (MARTINS, 2009; NUNES, 2009; VIEIRA, 2002; dentre outros), como

na modalidade oral (VIEIRA, 2002 e CORRÊA, 2012).

No PE, a variante proclítica a v1 foi a mais utilizada (37%), seguida pela v1 (-) cl v2

(27%) e pós-cv (13%). A colocação antes de algum elemento interveniente – v1 (-) cl x v2 –,

que não foi encontrada na amostra brasileira, ocorreu em 68 dados do PE, o que equivale a

11% dos dados. A variante v1 x cl v2 (12%) ocorreu, em geral, com os complexos verbais

51

Vale destacar que, como já foi dito nos capítulos anteriores, a ligação que se fala em toda a análise dos

complexos verbais não é a fonético-fonológica, mas a sintática. Assim, serão verificadas as variantes: proclítica a

v1, enclítica a v1, proclítica a v2 e enclítica a v2 no contexto sintático apenas.

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178

que já possuem algum elemento integrante em seu interior – o “que” e o “de” (ter que/de), por

exemplo –, mostrando que, diferentemente do PB, não ocorreria uma próclise a v2, mas uma

ênclise ao elemento que atua como proclisador interno ao complexo, como em “tem que se

fazer” (VIEIRA, 2002; VIEIRA, M. F., 2011). Na realidade, como será analisado na próxima

seção, nesses casos não ocorreu propriamente um elemento interveniente, como um advérbio,

por exemplo, mas sim um proclisador integrante do tipo de complexo verbal específico.

No PST, a variante v1-cl v2 foi a mais produtiva (38%), seguida pela próclise a v1

(22%) e pela pós-cv (20%); as colocações antes de um elemento interveniente (10%) e depois

do elemento (12%) foram as menos utilizadas. Em relação a esta última posição (14 dados),

serão mostrados os contextos em que ela ocorre; com a análise, será possível verificar se

ocorreu uma ênclise ao elemento que/de integrante do tipo de complexo verbal – como no PE

– ou uma próclise a v2 – como no PB –, mostrando, assim, se o PST seria mais parecido com

a língua do país colonizador ou do outro país colonizado.

6.2.1. Distribuição geral dos dados pela variável dependente e pela forma do verbo

principal

6.2.1.1. Português do Brasil

A ordem dos clíticos nos Complexos Verbais pela forma de V2: PB

V2 cl v1 v2 v1-cl x v2 v1 (-) cl v2 v1 x cl v2 v1 v2 cl Total

Infinitivo 8 3% 0 0% 188 72% 58 22% 6 3% 260 71%

Gerúndio 0 0% 0 0% 90 92% 8 8% 0 0% 98 26%

Particípio 0 0% 0 0% 11 100% 0 0% 0 0% 11 3%

Total 8 2% 0 0% 289 78% 66 18% 6 2% 369 100%

Tabela 25: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a

forma do verbo principal no PB

Verifica-se que a colocação pronominal varia dependendo da forma do verbo

principal (v2). Com v2 no particípio, a regra observada no total de 11 dados registrou

comportamento categórico, com todos eles no interior do complexo, o qual, por sua vez, não

registrou qualquer elemento interveniente (como em tem me dado). Com o gerúndio, a

colocação ocorreu no interior do complexo verbal também, mas nos ambientes sem elementos

intervenientes (como em está me vendo) e depois de algum elemento (como em está sempre

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179

me vendo). Já com a forma verbal no infinitivo, foram quatro colocações possíveis: x v1 v2,

v1 (-) cl v2, v1 x cl v2 ou v1 v2 cl. Destaca-se que não houve qualquer dado enclítico a v1,

que seria representado por v1 cl x v2.

Na amostra brasileira como um todo, encontraram-se 369 dados de complexos

verbais com clíticos. O infinitivo (71%) foi o verbo principal com mais ocorrências, sendo

seguido pelo gerúndio (26%) e, por último, pelo particípio (3%). Somando todas as variantes

intra-cv – com e sem elementos intervenientes –, pode-se constatar que a tendência geral da

variedade é a chamada próclise a v2, tendo em vista que não há dados de ênclise a v1,

ocorrem só oito dados de próclise a v1 e seis de ênclise a v2. Assim, independente da forma

nominal utilizada como verbo principal, a posição mais utilizada é a interna ao complexo

tanto no infinitivo (72% + 22%), quanto no gerúndio (92% + 8%) e particípio (100% - apenas

onze dados).

A colocação no interior do complexo verbal na totalidade dos dados foi a mais

encontrada, com 78% dos dados sem elemento interveniente e 18% com elemento

interveniente, o que perfaz um total de 96% das ocorrências. Assim, pode-se dizer que a

colocação nos complexos verbais, assim como nas lexias verbais simples, também é

semicategórica, segundo Labov (2003). Confirmam-se, assim, os resultados de Vieira (2002)

– retomados em Vieira; Corrêa (2012), em que as autoras interpretaram a regra de colocação

pronominal na fala brasileira, sobretudo em complexos verbais, como semicategórica, em

termos quantitativos e qualitativos –, tendo em vista o alto percentual de utilização da variante

que pode ser aqui interpretada como proclítica a v2, pelas razões já apresentadas e pelo

respaldo dado por diversas gramáticas e trabalhos sobre o tema.

A colocação pós-cv e a proclítica a v1 foram registradas em apenas 2% dos dados,

cada uma. Vale ressaltar que, nos dados brasileiros, a colocação v1 cl x v2 não foi empregada

pelos informantes, confirmando que não se efetiva a ênclise a v1.

6.2.1.1.1. Complexos verbais do PB com o verbo principal no infinitivo

Em relação aos elementos intervenientes no complexo verbal, verificou-se que a

posição v1 x cl v2 ocorreu em 66 dados e, na metade deles, com complexos do tipo “ter que +

infinitivo” (31 dados). No entanto, essa posição do clítico ocorreu também com outros tipos

de construções verbais, como os que possuem os verbos auxiliares, muitos deles sem qualquer

preposição/conector integrante da construção verbal, como estar, ir, dar, saber, poder,

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180

acabar, voltar, ficar, começar, querer e vir, mostrando que essa variante pode ocorrer com

diversos tipos de complexos verbais.

O tipo de clítico parece também influenciar o comportamento dessa variante, uma

vez que, das 66 ocorrências, 45 foram com a forma pronominal “se”, seguida pelos pronomes

“me” (13 dados) e “te” (8 dados). Mais da metade dos dados foi com o pronome “se”, o que

demonstra que esse pronome é bastante utilizado na posição v1 x cl v2. A seguir, serão

mostrados alguns exemplos em que há um elemento interveniente, diferente das conjunções e

preposições que geralmente integram o próprio complexo:

Ex.197: D: = em educação física e vai ser um profissional da área

L: ( ) é vai ver ele ia até se dar muito melhor na educação física [COP-A-2-M]

Ex.198: comecei a trabalhar com do:ze a:no ... meus pais nunca pôde me dar: ... o

que eu queria sempre TER né ... para mim poder... me VESTIR: ... eu tinha que

trabalhar na casa dos ou:tro ... para poder ao menos me manter né ... com rou:pa

calça:do ... [NIG-A-1-M]

Ex.199: e foi uma coisa até que talvez ... pela minha inexperiência... foi tranquilo...

eu não me apavorei eles queriam até me levar... e eu tive até uma atitude que não se

deve ter né? [NIG-B-1-H]

Ex.200: O Brasil nunca foi tão respeitado lá fora... e por incrível que pareça... eu vou

falar uma coisa aqui agora... que outras pessoas podem até me recriminar:.. isso já

começou lá com seu Fernando Henrique... [NIG-B-1-H]

Ex.201: D2: [uhn uhn

L: não custa nada... só vai só te beneficiar... tá entendendo? [NIG-C-1-H]

Ex.202: L: Deus ouviu as preces até falei isso no trem né falei todo mundo depois o

pessoal veio até me comprimentar pô meus parabéns tal pô você tem um filho

formado em engenheiro naval” aí todo mundo veio me comprimentar então eu vi a

importância né [NIG-C-2-H]

Com os exemplos acima, pode-se confirmar que realmente existe a próclise a v2 no

PB, como já foi mostrado em estudos anteriores. A posição do clítico adjacente à segunda

forma verbal e após uma diversidade dos elementos intervenientes – muitos deles

considerados tradicionalmente proclisadores, mas não exclusivamente desse tipo (até, sempre,

nem, lá, não, ao menos, quase, só e assim) – mostraria que a próclise a v2 realmente se

confirma como uma variante brasileira.

Por isso, com base na análise dos resultados e dos exemplos aqui apresentados, a

partir daqui serão juntadas, para o PB, as variantes v1 (-) cl v2 e v1 x cl v2 – internas ao

complexo verbal –, entendendo que nos dois tipos de colocação ocorreria o que se concebe

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181

como próclise a v2. Dessa forma, será possível ter uma demonstração ternária do que ocorre

no PB, o que facilitará a interpretação dos resultados. Desse modo, observe-se o gráfico a

seguir:

Gráfico 17: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais do PB:

variável ternária

Com base no gráfico acima, pode-se constatar a expressiva produtividade da variante

proclítica a v2, tendo um total de 94% dos dados, o que equivale a 246/260 ocorrências.

Verifica-se, assim, que, realmente, a regra no PB estaria nos limites do que Labov

consideraria semicategórico (a partir de 95%) no contexto dos complexos verbais também,

tendo em vista a pouca ocorrência das variantes pré e pós-CV. A colocação proclítica a v1

ocorreu em somente oito dados e a pós-cv em seis dados, o que merece uma análise

qualitativa, como será feito a seguir.

Em relação à próclise a v1, os oito dados encontrados na amostra brasileira podem

ser observados nos exemplos abaixo:

Ex.203: Ex.: mas eu acho que essa história... violenta de negócio que se possa

contar... nunca teve não... ((ruído)) como você tinha falado [COP-B-3-H]

Ex.204: mas também é função daquilo que a gente QUER ter né e pode ter então

acho que ele é menor em função... das coisas que eu posso colocar ( ) que se pode

colocar dentro de casa (como a) grande maioria não pra todo mundo [COP-B-3-M]

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PB

3%

94%

3%

A variável dependente do PB

Próclise a v1

Próclise a v2

Ênclise a v2

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182

Ex.205: você ficar muito tempo... ahn numa situação em que você precise pensar

ponderar e falar depois de um certo tempo você se habitua a fazer isso pensando e

refletindo pouco [COP-B-3-M]

Ex.206: L2: você poderia ter tido os mesmos filhos filhos que você teve mas de

repente com outra situação né?

L: isso nunca se vai saber [COP-C-3-M]

Ex.207: botaram as portas novas ... destruíram as portas ... então ... eu acho que isso

é vandalismo ... que não se deve aprender dentro do colégio e sim dentro de casa ...

[NIG-A-3-H]

Ex.208: eu não me apavorei eles queriam até me levar... e eu tive até uma atitude que

não se deve ter né?... eu quando eles tavam tentando me jogar dentro do carro... eu

me abaixei e saí... eles entraram dentro do carro... [NIG-B-1-H]

Ex.209: o que que acontece... então eu acho que ele criou isso e depois ele começou

a acertar esses troços... então já se começou a ter emprego... e o Lula.. [NIG-B-1-H]

Ex.210: tem que ter responsabilidade com aquela criança de educar:... de

conversar:... entendeu de dar amor... independente de tá separado ou não então se

pode ver fizeram uma pesquisa outro dia eu escutei na televisão [NIG-C-1-M]

Verifica-se que a próclise a v1 ocorre praticamente com o “se” indeterminador,

conforme demonstram os estudos anteriores, como Pagotto (1998), Vieira (2002), Martins

(2009) e Nunes (2014). Esta última autora, em especial, fez um traçado histórico dos tipos de

“se” e sua colocação, demonstrando que, embora a colocação brasileira tenha assumido a

variante proclítica a v2 a partir do século XVII/XVIII, essa mudança não teria se processado

igualmente nas construções de indeterminação do sujeito, uma vez que a maioria dos dados

com próclise a v1 se refere a essa construção. No que se refere aos exemplos da amostra

brasileira, vale, ainda, destacar que, apesar de a maioria ser formada com “se”

indeterminador, há um exemplo de “se” reflexivo/inerente (“se habitua a fazer”), mas este se

ligaria exclusivamente a v1 mesmo, o que, na verdade, poderia justificar a exclusão dessa

ocorrência do conjunto de dados estudados como complexo verbal.

No que se relaciona aos tipos de complexos verbais, observa-se que três dados são

com “poder + infinitivo”, dois com “ dever + infinitivo”, um com “começar a + infinitivo” e

um com “ir + infinitivo”. Com isso, constata-se que a maioria dos complexos (seis dados) é

composta de perífrases verbais modais, e somente um dado é de construção temporal.

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183

A seguir, serão analisados os seis exemplos de ênclise a v2:

Ex.211: L: tirou o mestrado no Canadá... e depois foi tirar o:... doutorado... nos

Estados Unidos

D: uhn uhn

L: ( ) nós fomos visitá-lo umas três/ três vezes ( ) [COP-C-3-H]

Ex.212: a educação do índio era... permanente coletiva se um garoto indígena fosse

pra: caçada... ele ia encontrar lá um mais velho que ia orientá-lo ia ensinar etc

[NIG-C-3-H]

Ex.213: L: até que eu consegui... levá-la pra lá.. e ela viajou pro exterior/ primeira

vez que ela ia para o exterior viajou sozinha [COP-C-3-H]

Ex.214: L: era um general CERTO garantido ( )... passou pra reserva nós fizemos

várias... demonstrações de solidariedade a ele... e nós (diríamos) que quem devia

julgá-lo... seriam oficiais que já tivessem estado [COP-C-3-H]

Ex.215: porque uma vez eu... encontrei com ele no mercado... ou eu precisei de um

favor dele aí eu passei a conhecê-lo... aí ficou meu amigo... [COP-B-2-M]

Ex.216: os alunos têm medo “professora ... libera a gente porque tá ruim:” sabe ... o

que que você entende? ... você não pode deixá-los até ... as tan:tas porque eles tão

correndo risco [NIG-B-3-M]

Vale destacar que os seis exemplos da variante pós-cv são com os clítico “o (s)” ou

“a (s)”, mostrando que, assim como nas lexias verbais simples, o clítico acusativo ocorre, em

especial, na posição pós-cv. Em relação ao tipo de complexo verbal, foram encontrados dois

dados com “ir + infinitivo”, e um dado com cada um dos complexos a seguir: “conseguir +

infinitivo”, “dever + infinitivo”, “passar a + infinitivo” e “poder + infinitivo”.

Em relação ao perfil dos falantes que empregaram essa variante, nota-se que quatro,

dos seis dados, foram produzidos por informantes do sexo masculino e da faixa etária C,

mostrando, que, talvez, para os complexos verbais, esses fatores também podem exercer

algum tipo de influência sobre o fenômeno. Quanto ao nível de instrução, o nível superior

também parece que influencia em alguma medida, tendo em vista que cinco dos seis

exemplos foram de informantes desse grau de escolaridade, ou seja, indivíduos com mais

instrução. Além disso, deve-se observar que três dados são do mesmo informante: COP-C-3-

H.

Por todo o descrito, mesmo em complexos verbais com infinitivo, com maior

aparente variabilidade no comportamento da ordem dos clíticos, verifica-se que as supostas

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184

formas alternantes na realidade são absolutamente restritas não só quantitativamente, mas

também qualitativamente.

6.2.1.1. 2. Complexos verbais do PB com o verbo principal no gerúndio

Nos complexos verbais com o verbo principal no gerúndio, a posição pós-cv não foi

encontrada, nem a próclise a v1. As únicas posições encontradas foram internas ao complexo

verbal – v1 cl v2 e v1 x cl v2.

Em relação aos dados com gerúndio, o complexo verbal mais encontrado foi o “estar +

gerúndio” com 65 ocorrências, seguido por “acabar + gerúndio” (14 dados), “ir + gerúndio”

(10 dados), “ficar + gerúndio” (7 dados), “vir + gerúndio” (1 dado) e “continuar + gerúndio”

(1 dado). Verifica-se, assim, que o tipo de complexo verbal mais utilizado foi o dos tempos

compostos (estar, ir e vir) com um total de 76 ocorrências, em especial o complexo verbal do

tipo “estar + gerúndio”, tendo em vista que mais da metade dos dados foram realizados com

esse tipo de complexo. O outro tipo utilizado foi o das perífrases verbais (acabar, ficar e

continuar) com 22 dados.

No que diz respeito ao tipo de clítico, foram encontradas somente três formas

pronominais: “se” (47 dados), “me” (35 dados) e “te” (16 dados). O tipo de clítico “se”

mostrou-se muito produtivo, pois quase a metade dos dados foi produzida com esse pronome.

O pronome “me” também foi bem utilizado, tendo em vista a quantidade de dados (35

ocorrências).

Com o verbo principal no gerúndio, houve a realização de somente duas posições: v1

cl v2 (90 dados) e v1 x cl v2 (8 dados). Para o verbo principal no gerúndio, assim como se

procedeu com o infinitivo, também serão amalgamadas as duas posições que ocorreram no

interior dos complexos – v1 cl v2 e v1 x cl v2 –, considerando que as duas seriam proclíticas

a v2, obtendo-se, assim, um total de 98 dados e 100% proclíticos a v2. Isso pode ser

confirmado com a análise dos oito dados em que há algum elemento interveniente no interior

do complexo, como se pode ver abaixo:

Ex.217: na parte da política ... principalmente porque a maioria das pessoas ... assim

... minha tia é candida:ta ... o amigo do meu pai é candidato ... então a gente acaba

que se envolvendo .... mas eu acho que a política aqui ... [NIG-A-3-H]

Ex.218: L: [eu achava irritante às vezes... eu achava irritante... e eles também assim

até pelo fato deles... tarem sempre me sacaneando mesmo por causa do meu

sotaque... eu chagava pra pessoa oi/ conhecia alguém oi prazer tudo bom... mal eu

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185

me apresentava “prazer: e aí beleza?” assim sabe... já me sacaneando de cara nem me

conhece [COP-A-2-M]

Ex.219: L: = isso não: pra mim não sair “não façam isso que vocês tão eh até me

prejudicando” se eles chegarem lá e comentar alguma coisa que gostariam que eu

ficasse... devido ao meu serviço até... acho bom agora... [COP-B-3-H]

Ex.220: “olha as senhoras não se assustam não... mas eu acho tá tendo um assalto

aqui”... as mulher ficaram me olhando acho que elas tavam pensando que eu tava

querendo assaltar elas foi até meio estranho que elas tudo se afastaram de mim eu

falei “olha... a senhora não se assusta porque eu acho que tá tendo um assalto” (elas

foram tudo pro canto ficaram tudo me olhando) de repente veio um rapaz... [COP-

B-3-H]

Ex.221: você tem Deu/ você tem duas posições ou você está com Deus ou você está

sem Ele... Ele estará sempre te querendo... porém você tem que dizer “sim”... daí

o amor verdadeiro... né... então a importância de você... optar por Deus... então

[COP-C-1-M]

Ex.222: eu estava com dificuldade de conversar com uma pessoa... ela não me dava

chance... aí eu disse “Senhor... eu gostaria tanto de ter um diálogo... mas eu não

tenho chance... é difícil... a gente acaba não se entendendo direito”... aí Ele disse

assim “envia amor”... [COP-C-1-M]

Ex.223: mais os planos de saúde são atendidos... só que infelizmente... os nossos

planos de saúde já estão quase se transformando... um... uma saúde pública [NIG-

B-1-H]

Ex.224: mas não é MESMO... que ele gostaria que o pai dele estivesse brincando

com ele de bola na rua... se sujando todo com ele:... [NIG-B-1-H]

Com base nos exemplos acima, somente o primeiro deles (“a gente acaba que se

envolvendo”), em que há uma construção particular (com a presença de um “que” que pode

ter sido utilizado em comparação com a perífrase “acabar que X”, como em “acaba que eu me

envolvi”), os demais possuem elementos variados. Pode-se verificar que os elementos

intervenientes encontrados são sempre, até, tudo, não e quase. Ressalta-se que, no último

exemplo, curiosamente, houve a elipse do verbo auxiliar (“estivesse”) e a variante proclítica

permaneceu, confirmando, assim, que os dados com o gerúndio também confirmam o estatuto

proclítico a v2 no PB de forma categórica no gerúndio – assim como no particípio, como se

verá a seguir.

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186

6.2.1.1. 3. Complexos verbais do PB com o verbo principal no particípio

Nos exemplos abaixo, podem-se observar os onze dados com particípio:

Ex.225: porque eu dou uma coisa muito chata que é número pro arquiteto que não

gosta... né... mas ah: mas certamente alguém teria me... me recolocado às vezes

pessoas não tão entendendo... [COP-B-3-M]

Ex.226: a gente já aprendia que ela tinha que ser mais técnica... ahn:... eu não/

provavelmente se eu tivesse me tornado professora... tendo feito pedagogia eu teria

levado grandes reprovações mas eu me tornei professora pelo mérito técnico... por

ter feito [COP-B-3-M]

Ex.227: L: eu estudava aqui pedi transferência pra lá... pelo fato/ por isso mesmo por

eu ter me mudado... eu tava estudando aqui eu tomei uma carreira do rapaz ali à

noite... [NIG-A-2-M]

Ex.228: L: por exemplo da minha linguagem o rapaz/... o amigo dele percebeu como

eu não sei ele não falou... que eu não tinha o estudo que eu não tinha me formado

[NIG-A-2-M]

Ex.229: deixa eu provar isso ver se é bom” provei tou até hoje ((risos)) não que ela

tenha ME oferecido eu pedi então a mim ninguém influenciou [NIG-B-1-M]

Ex.230: apesar que eu venho de uma família de fumantes na minha casa todos são

fumantes entendeu mas eu não sei não vou dizer para você... que:: minha mãe e meu

pai tenha me influenciado não [NIG-B-1-M]

Ex.231: ele fugiu quando eu cheguei na calçada tremendo chorava ai que eu fui

sentir aquela dorzinha tinha me dado um arranhão dois arranhões [NIG-B-1-M]

Ex.232: têm pessoas que diz que não mas a maioria das pessoas são hipócritas

porque assim... eu penso assim... não é: se Deus tivesse me dado um filho gay [NIG-

B-1-M]

Ex.233: L: então eu/ eu sempre/ às vezes quando eu vejo certas pessoas que eu vejo

que não... não têm certa preocupação com os filhos eu falo assim “Senhor muito

obrigado por ter me dado os meus filhos... e eu me preocupei com todos os

problemas que eles sempre tiveram...” entendeu então... eu sou muito agradecida a

Deus por tudo [NIG-C-1-M]

Ex.234: são muito GROssas entendeu... acha que pelo fato de você ter um estudo

você ter se formado você tem que arrumar uma pessoa do seu nível... [NIG-A-2-M]

Ex.235: L: ah: eu acho que foi muito bom... não tenho o que reclamar:... era:/...

vamos dizer... acho é que nem nego:/ como que eu tinha te falado acho que é

metade um do outro se encaixou perfeito... [COP-B-3-H]

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187

Verificando os dados citados, percebe-se que, de 369 dados produzidos no PB,

somente onze estão com o verbo principal no particípio. Não houve a ocorrência da colocação

proclítica a v1 nem pós-cv e todos os exemplos são do complexo verbal do tipo “ter +

particípio”. Além disso, nove estão com o pronome “me”; somente os dois últimos não o

apresentam, sendo um com o pronome “se” reflexivo/inerente e um com o pronome “te”.

Ressalta-se que esses clíticos são argumentos de v2, mostrando que o que estaria se

efetivando seria a próclise a v2 e confirmando, em especial, o trabalho de Nunes (2014).

Não houve estruturas do tipo “não me é dado” e “não se tinha pensado em X” que

são casos específicos de próclise a v1 – com voz passiva de ser e com pronome “se” em

estrutura de indeterminação do sujeito – já registrados no PB e que serão encontrados na

análise do PE (cf. 6.2.1.2.3. Complexos verbais do PE com o verbo principal no particípio).

Dessa forma, verifica-se que a variante efetivamente brasileira e mais produtiva na

amostra do PB é a próclise a v2. Essa variante foi a mais produzida no infinitivo (94%) e foi a

que ocorreu de forma categórica com o verbo principal no gerúndio e no particípio,

confirmando o que é dito em diversas gramáticas e trabalhos anteriores.

6.2.1.2. Português Europeu

A ordem dos clíticos nos Complexos Verbais pela forma de V2: PE

V2 cl v1 v2 v1-cl x v2 v1 (-) cl v2 v1 x cl v2 v1 v2 cl Total

Infinitivo 208 38% 68 12% 113 21% 75 14% 81 15% 545 84%

Gerúndio 10 22% 0 0% 38 78% 0 0% 0 0% 48 8%

Particípio 28 56% 0 0% 21 44% 0 0% 0 0% 49 8%

Total 247 37% 68 11% 172 27% 75 12% 81 13% 642 100%

Tabela 26: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a

forma do verbo principal no PE

No PE, as regras de colocação são diferentes dependendo da forma do verbo

principal. Em caso de v2 no gerúndio ou no particípio, não ocorreu a colocação enclítica a v2

possivelmente por serem formas mais nominais (cf. VIEIRA, 2002; VIEIRA, M. F., 2011;

NUNES, 2014). Dessa forma, a regra apresentou-se como binária e o pronome apareceu, na

amostra analisada, apenas antes ou depois de v1. De acordo com Mateus et alii (2003, p. 830),

“os complementos participiais e gerundivos de verbos auxiliares (...) representam os casos

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188

extremos de defectividade funcional, com Subida do Clítico obrigatória para todos os

pronomes clíticos”. Assim, os dados em análise, realmente seguiram essa regra e houve a

subida dos pronomes que apareceram apenas antes ou depois de v1. Quando o verbo principal

se encontra no infinitivo, as cinco posições foram realizadas.

No total de 642 dados com mais de uma forma verbal na amostra europeia, a variante

mais utilizada foi a pré-complexo verbal, tendo um percentual de 37%. A preferência pela

utilização da variante próclise a v1 pode ter ocorrido por causa do contexto em que os

complexos estavam, ou seja, provavelmente por causa da presença de algum elemento

proclisador. A segunda mais utilizada foi a v1 (-) cl v2, com 27%. A variante v1-cl x v2 teve

11% (68 dados) de produtividade, comportamento que, vale ressaltar, diferencia a variedade

europeia da brasileira, em cuja amostra não se verificou essa posição. A variante v1 x cl v2

ocorreu em 12% dos dados e, como se verá adiante, está restrita ao tipo de complexo verbal;

na realidade, ela foi realizada quando havia algum tipo de elemento integrante do complexo

verbal, como um “que” ou um “de”, por exemplo, e não efetivamente um elemento que se

colocou entre os constituintes do complexo verbal. A variante v1 v2-cl ocorreu em 13% dos

dados.

6.2.1.2.1. Complexos verbais do PE com o verbo principal no infinitivo

Conforme já se observou, com os complexos com infinitivo, as diversas posições

superficialmente controladas ocorreram na amostra europeia. Para definir melhor o estatuto

dessas formas alternantes, é preciso observar o comportamento dos dados sobretudo na

posição interna ao complexo verbal.

Quanto à variante interna ao complexo, o controle do contexto com material

interveniente antes do clítico (v1 x cl v2) permitiu verificar que se trata de complexos que

contêm em sua própria formação os elementos “por” (14 dados), “a” (6 dados) ou “de” (5

dados). Das construções encontradas, ocorreu, principalmente, a do tipo de complexo “ter

que/de + infinitivo” com um total de 48 dos 75 dados. Os outros dados são formados pelos

complexos “acabar por/de + infinitivo” (16 dados), “estar a + infinitivo” (3 dados), “começar

a + infinitivo” (3 dados), “poder + infinitivo” (2 dados), “dever de + infinitivo” (2 dados) e

“haver de + infinitivo” (1 dado), como se pode ver nos exemplos dessa forma alternantes

dispostos a seguir:

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189

Ex.236: a última a fase em que acabei por ser membro da direcção do núcleo e aí sim

ehh acabou por me marcar [FNC-A-3-H]

Ex.237: e de alguma forma acabou por se revelar uma certa experiência [FNC-A-3-

H]

Ex.238: e o mais certo é que a coisa comece ali a se baralhar toda e acabe por por

desabar [FNC-A-3-H]

Ex.239: em casa ela ao passar plum plum serrado tinha cana viera ela tirou apanha

uma cana vieira e começou a me dar a me bater [FNC-B-1-M]

Ex.240: em casa ela ao passar plum plum serrado tinha cana viera ela tirou apanha

uma cana vieira e começou a me dar a me bater [FNC-B-1-M]

Ex.241: a bota de ouro eu não sei sinceramente se é bota d‟ouro se é bola de bola

de prata ehh eu penso que tá a se referir ao melhor marcador de Portugal

[FNC-B-2-H]

Ex.242: dalgum [de algum] tou a me lembrar dum que [FNC-B-2-M]

Ex.243: já tive em paris também canárias também tou a me lembrar devagarinho

mas tou tive em canárias [FNC-B-2-M]

Ex.244: INF: mais nobres não há carros e portanto a pessoa devia devia de se

caminhar praí [para aí] [FNC-B-3-M]

Ex.245: e essas tradições deviam de se manter e as pessoas é certo que é um falar

diferente [FNC-B-3-M]

Ex.246: o resto das semilhas qu‟era batatas já não tinha a quase batatas pa ceia e

muitas vezes acabavam por lhe apanhar porque já não havia comer pa todas [FNC-

C-1-M]

Ex.247: L: só a minha amiga ela soltou a mala e ele acabou por se satisfazer só com

a mala [CAC-A-1-M]

Ex.248: L – não há não há tempo para se estar com os filhos acaba por se comprar

um jogo acaba por se comprar uma série de coisas para lhes ocupar o tempo…

[CAC-A-2-M]

Ex.249: L – não há não há tempo para se estar com os filhos acaba por se comprar

um jogo acaba por se comprar uma série de coisas para lhes ocupar o tempo…

[CAC-A-2-M]

Ex.250: L – sim sim sim sim sim acho que sim porque acaba por se estar menos

tempo com as crianças [CAC-A-2-M]

Ex.251: L: ah… portanto também acabamos por nos identificar… nalgumas

nalguns pontos [CAC-A-3-M]

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190

Ex.252: L: exactamente mais fácil até porque deixamos de ser um país fechado

portanto é obvio que isto também acaba por nos trazer algumas facilidades…

[CAC-A-3-M]

Ex.253: quando entramos na União Europeia nos acabámos por nos adaptar mais

facilmente que as pessoas mais velhas [CAC-A-3-M]

Ex.254: L: é é porque não se chegam a conhecer quando acabam de se conhecer

também já acabou o casamento [CAC-B-1-M]

Ex.255: gestos quotidianos que são muito específicos daquela daquela cultura e que

aos poucos vão-se perdendo vão-se perdendo as pessoas acabam por por se

adaptar adaptar a um modelo que a sociedade criou televisão internet [CAC-B-2-H]

Ex.256: deixou várias zonas do nosso território praticamente despovoadas e o

despovoamento de dessas regiões acabam por se perder hábitos antigos e tradições

[CAC-B-2-H]

Ex.257: D: ah e o pai pensa que vai a mãe e acabam por se esquecer [CAC-C-1-M]

Ex.258: as pessoas acabam por se lembrar de mais coisas eu lembro-me de uma

maneira geral [OEI-B-3-M]

Ex.259: mesmo o pai de uma criança hoje em dia hum dá esses exemplos à criança

depois como é que a criança há há de se ir por aí mas isso falta [OEI-A-3-H]

Ex.260: por não haver tanta proximidade com os pais... no contacto... e pronto e se

calhar o :o... a pô/a presença dos pais não ser tão efectiva e acaba por eles se

tornarem tão autónomos [CAC-B-3-H]

Ex.261: uma coisa quase que quase que indissolúvel as pessoas podiam não se

entender ficavam ficavam fechadinhas em casa [OEI-C-A-H]

Ex.262: parece que não tem vontade própria dizem pra fazer não sei quê ele vai

fazer... pode não lhe apetecer mas ele vai vai atrás [CAC-B-3-M]

Dos exemplos aqui apresentados, verifica-se que há somente dois dados em que

ocorre um elemento efetivamente no meio do complexo verbal, o qual não integra o complexo

como um conector interno/preposição; trata-se da presença de “não” interveniente (cf.

exemplos 261 e 262), que atuaria como um proclisador entre as duas formas verbais e

justificaria a posição do clítico superficialmente adjacente a V2 no PE. Ocorre, ainda, um

dado com o pronome pessoal “eles”, mas este se encontra após a preposição “por” integrante

do complexo (cf. exemplos 260), construção que justifica a posição do clítico antes de v2.

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191

Por que não se trataria de uma efetiva próclise a v2 no caso do PE, mas o que se teria

em geral seria genericamente ênclise a v1, mesmo havendo a aparente colocação v1 x cl v2?

Sem se valer das evidências fonéticas que confirmariam que se trata de ênclise ao

elemento anterior no PE, pode-se fazer, em termos morfossintáticos, uma comparação com a

variedade brasileira e constatar que, de todos os dados de complexos verbais no PB, não

houve nenhum dado com a posição v1-cl x v2. Além disso, o elemento interveniente na

posição v1 x cl v2 não se limitava a conectores integrantes dos complexos verbais, mas

diversos elementos que não ocorreram no PE. Na tabela a seguir, há uma comparação dos

elementos integrantes e intervenientes presentes nas variedades brasileira e europeia:

Elementos integrantes e intervenientes nos complexos verbais do PB e PE

CV – PB x PE PB PE

Elementos v1-cl x v2 v1 x cl v2 v1-cl x v2 v1 x cl v2

Preposição a Não 100 % 36% a 57% 3% a 10%

Preposições de e por Não 100% 6% a 13% 72% a 75%

Presença de advérbios Não Até, sempre,

nem, lá, não,

ao menos,

quase, só e

assim

Lá, sempre e

também

Não e eles

(precedido pela

preposição por)

Tabela 27: Elementos integrantes e intervenientes nos complexos verbais no PB e PE e a ordem dos

clíticos em complexos verbais

De acordo com a tabela acima, no PE, verifica-se que há uma preferência pela

colocação v1 x cl v2 quando as preposições não são apenas uma vogal – como a preposição a

–, mas são constituídas de consoantes e vogais – como as preposições de e por. Nos exemplos

acima, verificou-se que com os advérbios lá, sempre e também ocorreu sempre a colocação

v1-cl x v2, bem diferentemente do que ocorreu no PB, no qual essa posição não foi

encontrada e realizou-se sempre próclise a v2, como já foi exposto anteriormente.

Propor que os dados do PE que ocorreram na posição v1 x cl v2 fossem casos

efetivamente proclíticos a v2 não só não se sustenta na presente análise, dada a natureza

particular das ocorrências encontradas no corpus, mas também contrariaria resultados de

todos os trabalhos anteriores. Estes mostram que essa posição é típica do PB, que não realiza

a ênclise a v1, e, munidos de evidências morfossintáticas e/ou prosódicas, também

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192

evidenciam que no PE essa posição do clítico adjacente a v2 é limitada a determinados tipos

de complexos.

Na tabela anterior, como se pode observar, em quase todos os dados o elemento que

se encontra no interior do complexo verbal não é um elemento interveniente do tipo adjunto

adverbial, mas constitui elemento integrantes do complexo, ou seja, trata-se de elementos que

fazem parte do complexo verbal (“de”, “por” e “a”). Assim, embora o clítico não esteja

adjacente a v1, ele está acolhido por esses elementos que funcionariam como proclisadores

nessa variedade e, no caso da colocação v1 x cl v2, integrariam um todo do complexo verbal

(verbo + elemento preposição/conector a ele integrante), sendo considerado, a partir daqui, da

mesma forma como se identificam os casos de ênclise a v1. Desse modo, não se propõe,

efetivamente, uma próclise ao verbo principal na variedade europeia.

Essa interpretação da variedade europeia, a de que ela não realiza a próclise a V2,

também pode ser confirmada com os dois últimos dados particulares já comentados, aqueles

que não possuem os elementos “que”, “de” ou “a” integrantes do complexo, mas apresentam

como elemento realmente interveniente a partícula “não”. Acredita-se que, nesses dados – “as

pessoas podiam não se entender” e “pode não lhe apetecer” –, o pronome apareceu no interior

do complexo depois do vocábulo “não” por exigência semântica, uma vez que, se as frases

fossem “as pessoas não podiam se entender” e “não pode lhe apetecer” não possuiriam

exatamente o mesmo significado que expressam as produzidas pelos informantes. Então,

acredita-se que o “não” foi colocado no interior do complexo para que o sentido desejado pelo

falante fosse transmitido, o de negar o conteúdo especificamente de v2. Assim, até nesses dois

casos não haveria próclise a v2, efetivamente revelada em construções com elementos

intervenientes no PB, mas poderia ser concebida a anteposição do clítico por exigência do

vocábulo “não”, de efeito proclisador já comprovado no PE.

Feitos esses esclarecimentos, concebem-se, a partir daqui, para a análise dos dados

do PE, diferentemente do que se propôs para o PB, as seguintes variantes: próclise a v1 (pré-

cv), ênclise a v1 (que abrange as posições superficiais v1 cl x v2, v1 x cl v2 e v1 (-) cl v2) e

ênclise a v2 (pós-cv), para facilitar a interpretação dos resultados, como se pode observar no

gráfico a seguir:

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193

Gráfico 18: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais

nos complexos verbais do PE

Com a junção das variantes tomadas como enclíticas a v1, verifica-se que essa

posição foi a mais produzida com o total de 256 dados (47%), seguida pela próclise a v1 com

208 dados (38%) e pela ênclise a v2 com 81 dados (15%). Nessa junção, como já foi dito,

além das variantes que não possuem nenhum elemento interveniente e as que possuem o

clítico depois de um elemento integrante, há também os exemplos em que o clítico ocorre

antes de algum elemento, como se verá a seguir.

Assim, ainda em relação à colocação com a presença de algum elemento

interveniente, a posição v1 (-) cl x v2 ocorreu em 68 dados com infinitivo, sendo a maioria

com o complexo “estar a + infinitivo” (31 dados) e com “começar a + infinitivo” (11 dados).

Os outros complexos apareceram da seguinte forma: “por a + infinitivo” (6 dados), “ter

que/de + infinitivo” (4 dados), “ir x + infinitivo” (4 dados), “habituar a + infinitivo” (4

dados), “chegar a + infinitivo” (2 dados), “dar de + infinitivo” (2 dados), “acabar a +

infinitivo” (1 dado), “procurar a + infinitivo” (1 dado), “tentar x + infinitivo” (1 dado) e

“poder x + infinitivo” (1 dado). Abaixo, segue um exemplo de cada tipo de complexo,

respectivamente:

Ex.263: há até algumas regiões do pa do do do país cujo centro ninguém anda de

carro tou-me a lembrar por exemplo d‟óbidos [FNC-B-3-M]

Ex.264: com azeite e vinagre e e sal pôs uma massa depois começou-me a esfregar

os braços e as pernas [FNC-B-1-M]

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PE

38%47%

15%

A variável dependente do PE

Próclise a v1

Ênclise a v1

Ênclise a v2

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Ex.265: e a gente as raparigas e punha-se a dizer qual era a que cortava uã [FNC-C-

1-M]

Ex.266: depois tinha-se sessenta minutos depois ia-se assim por ai abaixo depois

tinha-se que pedir uma hora emprestada [FNC-B-1-M]

Ex.267: que Ela tinha um um pomare e de as laranjas caia no chão a gente ia-se lá

pedir e ela deixava a gente apanh ajuntar [FNC-B-1-M]

Ex.268: eu gostava gostava de brincar também a: prontos prontos depois isso a

pessoa com o tempo habitua-se a fazer outras coisas [CAC-B-1-H]

Ex.269: no fundo aquilo era acompanhar os estudos sempre que eu tinha alguma

dificuldade me... chegaram-me a colocar nalguns explicadores [CAC-B-3-H]

Ex.270: I - é bom ajuda a ter responsabilidades por exemplo dar-lhe de comer ir

com ele à rua acho que sim [OEI-A-1-H]

Ex.271: o casal acho que entram naquela rotina na mesma acabam-se a cansar por

isso é que hoje se vê um casamento dura meia dúzia de anos... [CAC-B-1-M]

Ex.272: I - a tentaram-me sempre mostrar qual era a melhor forma de estar na vida

[OEI-B-2-H]

Ex.273: a partir dai faço a minha vida não como digo não sou de andar muito lá fora

porque se eu pode-se também andar bem [CAC-C-1-M]

Verifica-se, de acordo com os exemplos acima, que a subida de clítico efetivamente

ocorre no PE, tendo em vista os diversos tipos de complexos e de pronomes que apareceram

na posição v1-cl x v2, além da grande quantidade de dados nessa posição (68 ocorrências),

que se somam aos 208 de infinitivo com outros clíticos na adjacência de v1, mas na posição

anterior.

Vale ressaltar que, nos exemplos apresentados, além dos elementos que são

efetivamente integrantes do complexo verbal (a, de e que), há alguns elementos que realmente

são intervenientes, como “lá”, “sempre” e “também”. Nesses exemplos, o clítico ligou-se a

v1 e não apareceu depois desses elementos, como aparece usualmente no PB, confirmando a

proposta de que o clítico no PE se liga efetivamente em ênclise a v1.

Dos 208 dados de infinitivo do PE na posição cl v1 v2, 201 ocorreram com algum

tipo de elemento proclisador e 7 sem esses elementos, sendo um em início absoluto de oração,

como pode ser observado nos exemplos a seguir:

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195

Ex.274: quis a independência bem também foi comprar umas calças de catorze

contos na altura os meus pais não me iam comprar eu também quis para poder

comprar roupa de marca [FNC-A-1-H]

Ex.275: mas não sei talvez sinceramente talvez para o ano voltar a estudar e vamos lá

ver o que se vai dar [FNC-A-1-H]

Ex.176: e por isso aí olho mas eles já se tão a rir porque eles tavam a falar [FNC-B-

3-H]

Ex.277: por ser isse furados à moda antiga porque hoje em dia é túneles [túneis]

porque quando se ia dar um passeio [FNC-C-1-M]

Curiosamente, houve um dado com a variante pré-complexo verbal em início

absoluto de oração e um dado com a variante mesoclítica no verbo auxiliar do complexo

verbal, como se pode verificar abaixo, respectivamente:

Ex.278: INF: em vez de abrirem tantas estradas se deviam abrir era sim creches

para as pessoas mais necessitadas e um lar de idosos [FNC-A-1-H]

Ex.279: L: não eu estou convencido não é assim poder-se-á mudar pode se mas só

se a outra pessoa tiver numa situação que precise de ajuda [CAC-C-2-H]

Provavelmente a colocação em início absoluto de oração se deu por causa do adjunto

adverbial topicalizado, o que, de certa forma, favoreceria a próclise a v1. Além desses

contextos em início absoluto, há mais seis estruturas em que a colocação proclítica a v1

ocorreu, que se encontram a seguir:

Ex.280: o acesso à educação no Brasil ainda não é aquele que seria desejável e que

encontramos na Europa não é? portanto tudo isso se vai reflectir nos

comportamentos [CAC-C-3-H] - Sujeito

Ex.281: I – claro a geração dos meus pais prima-se ainda pela família

independentemente daquilo que se faz fora atenção não são santos nenhuns as

pessoas dessa geração pelo contrário mas hum nessa geração tudo se tem que aturar

não são muitos os casais a divorciarem-se dessa geração [OEI-A-3-M] - Sujeito

Ex.282: L: ou de alguma maneira se consigam juntar é impossível fazer uma

situação dessas calha de vez em quando né [CAC-B-2-M] – Adjunto adverbial

Ex.283: L: não ando a pé na rua portanto logo também ah.. estas questões me podem

passar um bocadinho mais despercebidas [CAC-A-3-M] - Sujeito

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Ex.284: fui pa cama ela quando ia já ela já já tava já tinha passado ui [os] nervos ela

me veio ver que tava isto tudo negro inchado [FNC-B-1-M] – Sujeito

Ex.285: a nível curricular poderia haver outras disciplinas de de civismo acho que

falta muito civismo e cada vez se vem a perder mais o civismo [OEI-A-3-H] –

Adjunto adverbial

Nos dois primeiros exemplos, ocorreu a colocação proclítica, provavelmente por

causa de presença do elemento quantificador tudo e no exemplo 282 por causa da conjunção

ou. No exemplo 283, registra-se a presença de elemento demonstrativo no sujeito; no

penúltimo exemplo, um pronome pessoal no contexto imediatamente anterior ao clítico; no

último exemplo, há orações subordinadas coordenadas entre si. Como se pode observar, em

praticamente todos os casos, há um contexto possível de próclise em questão.

Vale ressaltar, também, que houve dados em que havia a presença de um elemento

proclisador, mas a variante próclise a v1 não foi realizada, como pode ser verificado nos

exemplos abaixo:

Ex.286: INF: como é que é ehh mal eu mehh mehhh êêê nem sequer sei lhe explicar

[FNC-A-1-M]

Ex.287: até estagiar ao millennium bcp e na altura não gostou muito porque eh

simplesmente não gostava que eu fosse lhe ensinar [FNC-A-3-M]

Ex.288: eu disse e eu vou levar uã malha tá cá nada tu tens os joelhos todos esfolados

tua mãe não vai te bater [FNC-B-1-M]

Ex.289: minha mãe foi assim ah rapa lo lugar de me ver a rapariga o que tu foste me

fazer [FNC-B-1-M]

Ex.290: a gente passava era a fazer o nosso enxovalho a bordare a fazeno pon a fazer

ponte cruz e porque tamém ia-se deitar cedo [FNC-C-1-M]

Ex.291: L: eu eu acho que devia-me corrigir em relação a isso [CAC-B-3-M]

Ex.292: mas não há assim nada que me tenha ah traumatizado assim de uma maneira

assim que que possa me lembrar há coisas bem das coisas ( ) sim lembro-me de

muitas coisas [OEI-B-3-M]

Ex.293: eu tenho que pensa nisso mas se eu começo a pensar nisso vou-me embora

querem-me mandar embora vou-me embora dou em louco [OEI-C-1-H]

Ex.294: eu não aproveitava e só e só maçava os outros a dizer ah quero me ir embora

quero me ir embora e eles fartaram-se não é? [OEI-C-3-M]

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É interessante perceber que há variação nos contextos com elementos proclisadores,

de modo que o clítico pode ocorrer antes de v1, depois de v1 e depois de v2 (ainda a ser

descrito). Na tabela a seguir, estão todos os elementos antecedentes que ocorreram com os

complexos verbais no infinitivo do PE:

Elementos antecedentes no infinitivo do PE

CV - PE Próclise a v1 Ênclise a v1 Ênclise a v2

Partículas de negação 73/88 - 83% 9/88 – 10% 6/88 - 7%

Conjunções subordinativas 97/141 - 69% 31/141 - 22% 13/141 - 9%

Preposições 9/12 - 75% 2/12 - 17% 1/12 - 8%

Operadores de foco 17/24 - 71% 6/24 - 25% 1/24 - 4%

Adjuntos adverbiais 2/23 - 9% 17/23 - 74% 4/23 - 17%

Sujeitos 4/86 - 7% 65/86 - 73% 17/86 - 20%

Início absoluto 1/111 – 1% 86/111 – 77% 24/111 – 22%

Complementos preposicionados 0/14 - 0% 12/14 - 83% 2/14 - 17%

Conjunções coordenativas 0/46- 0% 33/46 - 72% 13/46 - 28%

Tabela 28: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo o elemento

antecedente com a forma do verbo principal no infinitivo no PE

Essa posição – enclítica a v1, mas com um elemento proclisador antes do complexo

– não seria uma possível realização de acordo com a gramática de Raposo et alii (2013), pois,

segundo Martins, “Em estruturas completivas infinitivas nas quais a oração infinitiva é

selecionada por certos verbos, e nas perífrases verbais em geral, um pronome átono

complemento do verbo infinitivo pode cliticizar-se, opcionalmente, ao verbo finito” (p. 2288).

Logo após, os autores mostram, dentre vários exemplos, alguns em que há um elemento

proclisador clássico, como a partícula de negação “não”, e mostram que o clítico pode

aparecer antes do complexo (em posição pré-cv) ou depois dele (em posição pós-cv). No

entanto, não há nenhum exemplo como os que foram realizados nos dados da amostra acima,

com ênclise a v1.

A colocação pós-cv ocorreu em 81 dados e somente com o infinitivo. A maioria

deles ocorreu com o complexo verbal “ir + infinitivo” (26 dados), seguido pelo complexo

“estar a + infinitivo” (13 dados), “tentar + infinitivo” (8 dados) e “conseguir + infinitivo” (6

dados). Além desses complexos, também ocorreu a posição pós-complexo verbal com as

seguintes formas de v1: saber, ter (que/de), vir, começar (a), poder, decidir, dever, andar (a),

acabar (por), costumar, continuar (a) e procurar, mas em pouca quantidade, com menos de

três dados em cada caso, na maioria. Assim, ao que parece, o tipo de complexo em si não

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determinaria a colocação pós-complexo verbal, tendo em vista a variabilidade de estruturas

verbais com que essa posição se realizou.

Já em relação ao tipo de clítico, este, sim, influenciaria diretamente a colocação

depois do verbo, uma vez que, dos 81 dados, 47 foram com o clítico acusativo (o (s), a (s)),

seguido pelos pronomes “me” (12 dados), “se” (10 dados), “lhe(s)” (9 dados) e, por último,

“nos” (3 dados). Verifica-se, assim, que o clítico acusativo de terceira pessoa é altamente

produtivo na posição pós-verbal, como se verificou também nas lexias verbais simples. O

comportamento particular desse pronome, ao que tudo indica, relaciona-se à fragilidade

fonética de sua constituição, de apenas uma vogal, o que lhe atribuiria maior grau de

atonicidade. Assim, sua posição enclítica ao infinitivo gera a constituição de uma sílaba CV,

reduzindo sua debilidade fônica.

A seguir, há um exemplo de cada tipo de pronome encontrado na posição enclítica ao

complexo:

Ex.295: eu não vou aos meus filhos fazer não sei quê... e eu vou deixá-los não vou

obrigá-los a ir prá cama e eles vão brincar até quando quiserem [CAC-B-3-M]

Ex.296: D: porque quando ia levantar-me às vezes não me conseguia levantar

[CAC-C-1-M]

Ex.297: até que pronto apareceu o caminho neocatecumenal umas catequisações a

haver lá no bairro depois entraram para comunidade do caminho e e decidiram

casar-se pela igreja [OEI-A-2-H]

Ex.298: L: aquelas tretas todas aquilo é horrível mas é assim eles não têm:m não sei

escapa-lhes as coisas não é? [CAC-B-3-M]

Ex.299: I - fáceis totalmente fáceis mas neste momento há um eu acho também ( )

que o Brasil tem uma força muito grande entre rico e pobre a gente aqui estamos a

aproximar-nos totalmente [OEI-B-1-H]

De acordo com os exemplos acima, verifica-se que, dos cinco exemplos, três

possuem um elemento proclisador clássico antes do complexo, mas, mesmo assim, o que

ocorreu foi a posição pós-cv (exemplos 295, 296 e 298), variação já assumida por Martins (in

Raposo et alii, 2013). Esse caso de variação nos complexos do PE com infinitivo,

independentemente da presença de um proclisador, já foi atestado em outros trabalhos com

dados europeus, como os de Vieira (2011) e Nunes (2014), em outros corpora.

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6.2.1.2.2. Complexos verbais do PE com o verbo principal no gerúndio

Em relação aos complexos com v2 no gerúndio, ocorreram 48 dados, sendo 38 na

posição v1-cl v2 (78%) e dez antes do complexo (22% - cl v1 v2). Assim, em complexos com

o gerúndio, diferentemente do PB, em que só ocorre a próclise a v2, haveria duas posições

possíveis nos dados europeus: a pré-cv, com elementos proclisadores, ou a enclítica a v1, sem

elementos proclisadores e, por vezes, até com eles, configurando mais um contexto de

variação no PE.

Houve somente dois tipos de complexos: “ir + gerúndio” (42 dados) e “estar +

gerúndio” (6 dados). No que diz respeito ao tipo de clítico, somente foram encontrados quatro

tipos: “se” (33 dados), “me” (12 dados), “nos” (2 dados) e “lhe” (1 dado). Dessa forma,

constata-se que o tipo de complexo (“ir + gerúndio”) e de pronome (“se” ou “me”) são os

mais produtivos na colocação com os complexos com gerúndio.

Seguem os dez exemplos que estão na posição pré-cv:

Ex.300: eu estimei tanto a minha bonequinha e em dois dias ela tava desfeita sim

tamém me tá lembrando [me lembrando] d‟outra [FNC-C-1-M]

Ex.301: antão fui ter com mê filho à áfrica de sul co mê marido agora ina [ainda] me

tou lembrande de um pormenor [FNC-C-1-M]

Ex.302: nunca faltou ( ) emprego a ninguém... havia emprego com fartura... as

pessoas ainda se ia produzindo ainda se ia criando postos de trabalho [CAC-C-1-H]

Ex.303: nunca faltou ( ) emprego a ninguém... havia emprego com fartura... as

pessoas ainda se ia produzindo ainda se ia criando postos de trabalho [CAC-C-1-H]

Ex.304: o meu marido ia buscar o tapete dos pés da cama que é maior não é punha-o

aqui no chão e eu la ia me e eu la me ia ajoelhando com forme [CAC-C-1-M]

Ex.305: jovens não sabem o que é isso uma folha de: papel selado a: que isso pronto

são coisas que se vão perdendo outras evoluíram [CAC-C-2-H]

Ex.306: estes blocos de tempo de que vão que vão alterando em que as mentalidades

se vão alterando mas dentro do dentro do que era hoje [OEI-A-2-H]

Ex.307: grande parte de de das pessoas que sim pelo menos o núcleo das minhas

amizades acho ah acho que se mantém assim não é? mas o que se ouve falar e – por

outras pessoas que se conhece que se vai conhecendo – acho que cada vez mais as

pessoas [OEI-A-2-M]

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200

Ex.308: há coisas que noto que leva muito tempo para se conseguir uma consulta

hum hum mas também já se vai dizendo que que tem um seguro é que se safa [OEI-

B-2-M]

Ex.309: I- não é? e que nos vai abrindo os horizontes não é? [OEI-C-3-M]

De acordo com os exemplos acima, verifica-se que, nos dados em que ocorreu a

posição pré-cv, havia um elemento proclisador (também, ainda, lá, que e já), o que favoreceu

essa colocação. Nos demais dados, a posição seria sempre no meio do complexo verbal e sem

nenhum elemento interveniente. Abaixo, seguem, curiosamente, três dados em que há a

presença de um elemento proclisador, mas a variante pré-cv não foi realizada:

Ex.310: eu falei que me disseram a mesma coisa... ela a partir daí o que ela me quis

dizer que já ia-se marimbando mais pró Francis/ do Francisco [CAC-B-1-M]

Ex.311: gestos quotidianos que são muito específicos daquela daquela cultura e que

aos poucos vão-se perdendo vão-se perdendo [CAC-B-2-H]

Ex.312: I - há fases a é engraçado eu eu acho que a a história vai-se repetindo

embora de formas diferentes não é? [OEI-B-3-H]

Verifica-se que, na maioria dos dados em que há um elemento proclisador, a variante

pré-cv foi realizada. No entanto, há os três exemplos acima que fogem à regra.

Os dados analisados com o gerúndio confirmam o que Martins (in RAPOSO et alii,

2013) propõe para esse verbo principal, pois, segundo a autora, “nos complexos verbais com

gerúndio (...) os pronomes átonos cliticizam ao verbo finito. Há, portanto, subida do clítico,

diferentemente do que acontece nas estruturas infinitivas, nas quais a subida do clítico

(quando permitida) é opcional” (p. 2291-2292). No entanto, em nenhum momento, a

gramática trata da ênclise a v1 em contextos com atratores e não há nenhum exemplo, dentre

os vários citados pela autora, que se aproxime dos dados acima.

6.2.1.2.3. Complexos verbais do PE com o verbo principal no particípio

Nos complexos com o verbo principal no particípio, houve 49 dados, sendo 28 na

posição cl v1 v2 (56%) e 21 na posição v1-cl v2 (42%), mostrando que, assim como no

gerúndio, há uma colocação binária com as estruturas de v2 no particípio. De todas as

ocorrências, houve somente dois tipos de complexos verbais: “ter + particípio” (41 dados) e

“ser + particípio” (8 dados). Pode-se observar que o tipo de complexo “ter + particípio” é bem

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201

produtivo, pois a grande maioria ocorreu com esse verbo auxiliar. No que diz respeito ao tipo

de clítico, grande parte das ocorrências ocorreu com o pronome “me” (23 dados), seguido

pelo “se” (14 dados), “lhe” (7 dados), “o(s)” (4 dados) e “nos” (1 dado).

Os exemplos a seguir apresentam os clíticos na posição pré-cv, com os pronomes “o

(s)” e “nos” e os complexos do tipo “ser + particípio”, que foram os menos utilizados:

Ex.313: há alteração nos comportamentos nas atitudes nos valores… o que nos tem

colocado questões [CAC-C-3-H]

Ex.314: INF: é evidente que quando as pessoas acordavam e que não os viam lá

ficavam aparafusa ehh apavoradas se alguém os tinha roubado [FNC-C-2-H]

Ex.315: em oração pedi abrandasse as dores e eu pudesse por de pé e ir e ir lá porque

eu nunca o tinha visto [CAC-C-2-M]

Ex.316: já o têm em conta e depois ficavam e repetiam e tal enfim ah mas já alguns o

têm encontrado depois disso [OEI-C-3-M]

Ex.317: a primeira classe é que foi mais complicado porque a professora esteve

doente mas agora tem sido sempre a mesma e é uma excelente professora e graças a

Deus tem-no ajudado imenso [OEI-A-1-M]

Ex.318: que não esteja formado ainda não nomeadamente qualquer criança a-

adquire e e absorve tudo aquilo que lhe foi lhe foi ensinado a quando era miúdo

[OEI-B-2-H]

Ex.319: no meu caso no meu horário tinha no horário horas tinha direcção de turma

não é foi-me imposto não não foi eu que escolhi [CAC-A-3-H]

Ex.320: eu tenho sobre a vida devo muito aos meus pais e a perspectiva também que

tenho da vida em sociedade devo muito a essa educação que me foi dada não só com

os meus pais [CAC-B-2-H]

Ex.321: nunca tive oportunidade de/de partilhar com eles as brincadeiras deles

porque pronto era me vedado esse acesso [CAC-C-2-H]

Ex.322: L: vamos pronto eu/eu por aquilo que eu tenho por aquilo que me é dado

[CAC-C-2-H]

Ex.323: um grupo de pessoas o quão díficil pode ser ehh para responsabilizar as

pessoas para que façam aquilo que lhes é incubido [FNC-A-3-H]

Ex.324: tinha que pedir autorização a mê pai mê pai tava pá [para a] venezuela e

então quande foi falado s‟eu qu‟ria namorar com ele foi-me dito só se mê pai

autorizasse [FNC-C-1-M]

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202

Ex.325: INF: vantagens da profissão uma profissão liberal digamos que eu não tenho

um horário que me é imposto [FNC-C-3-H]

Verifica-se, assim, que, com o particípio, houve mais a colocação pré-cv (28 dados)

por causa da presença de elementos proclisadores. No entanto, quando não há a presença de

nenhum elemento que favoreça essa variante, o que ocorre é a colocação v1-cl v2, como se

pode verificar nos exemplos aqui apresentados. Dessa forma, foram 32 dados com elementos

proclisadores e em 28 houve a ocorrência da colocação proclítica. Vale ressaltar que, somente

nos quatro exemplos abaixo, havia a presença de algum desses elementos proclisadores e a

variante proclítica a v1 não foi realizada.

Ex.326: D: mas pronto acho que tem tem-se degradado aqui a zona do Cacém e

arredores aqui em Sintra [CAC-A-3-H]

Ex.327: pensei que tinha sid [sido] eu que tinha lhe dado um chupuro [FNC-B-1-H]

Ex.328: ao nível do direito do trabalho já tinha algum conhecimento e uma relação

com as leis que tinham me impulsionado para isso [FNC-C-3-H]

Ex.329: também deixou de lá ir abaixo porque a as coisas cá em cima também têm-

se complicado [OEI-C-2-H]

Martins (in RAPOSO et alii, 2013, p. 2293) ressalta que, na colocação dos pronomes

átonos nos complexos com o particípio, haveria a subida de clítico obrigatória, como o disse

para o gerúndio na citação anteriormente apresentada, e isso foi confirmado no presente

trabalho tanto para o gerúndio quanto para o particípio.

Não há na referida gramática, entretanto, qualquer referência ou exemplo que

confirme como natural no PE a colocação dos dados acima, em que o clítico aparece posposto

a v1 mesmo diante de elemento proclisador.

Dessa forma, assim como no gerúndio, haveria duas colocações possíveis com os

verbos principais no particípio: a próclise e a ênclise a v1, sendo aquela favorecida pela

presença de elemento proclisador antes do complexo verbal.

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203

6.2.1.3. Português de São Tomé

A ordem dos clíticos nos Complexos Verbais pela forma de V2: PST

V2 cl v1 v2 v1-cl x v2 v1 (-) cl v2 v1 x cl v2 v1 v2 cl Total

Infinitivo 22 21% 12 11% 33 33% 14 13% 23 22% 104 87%

Gerúndio 2 18% 0 0% 9 82% 0 0% 0 0% 11 9%

Particípio 2 40% 0 0% 3 60% 0 0% 0 0% 5 4%

Total 26 22% 12 10% 45 38% 14 12% 23 18% 120 100%

Tabela 29: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais segundo a

forma do verbo principal no PST

Em São Tomé, foram encontrados 120 dados e a variante mais utilizada foi a interna

ao complexo verbal com 60% dos dados, sendo 38% do tipo v1(-) cl v2, 12% de v1 x cl v2 e

10% de v1-cl x v2. A segunda colocação mais utilizada foi a pré-cv (22%), seguida pela pós-

cv (18%).

Os complexos com v2 no infinitivo (87%) são também os de maior ocorrência no

PST, seguidos pelos formados com gerúndio (9%) e com particípio (4%).

Com o verbo principal no infinitivo, a posição interna ao complexo foi a mais

utilizada, com 33% dos dados sem elemento interveniente; com elemento interveniente,

verificou-se a seguinte distribuição: v1 x cl v2 com 13% e v1-cl x v2 com 11%; aquela

ocorreu, na maioria das vezes, com elementos integrantes no interior do complexo verbal –

como ocorreu no PE – e não com elementos interpostos às formas verbais. A variante pós-cv

ocorreu em 22% das ocorrências e a colocação pré-cv em 21% das ocorrências. O verbo

principal no gerúndio teve apenas onze dados, sendo dois na posição pré-cv (18%) e nove na

posição v1(-) cl v2 (82%). O particípio teve apenas cinco dados, sendo dois na posição pré-cv

(40%) e três na posição v1(-) cl v2 (60%).

6.2.1.3.1. Complexos verbais do PST com o verbo principal no infinitivo

Ressalta-se que, dos quatorze dados com a variante v1 x cl v2, dez são do tipo “ter

que + infinitivo”; quanto aos demais dados, a seguir listados, são três do mesmo informante e

um de uma mulher da mesma faixa etária e do mesmo nível de instrução do indivíduo

anterior.

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204

Ex.330: não sei o que é que estava por detrás das coisas mas, infelizmente, essas

pessoas lá não estavam a se revelar muito simpáticas [ST-A-3-H]

Ex.331: não é que eu não tenha mais para dar, mas eu acho que eu dei o meu

contributo, eu dei o meu contributo, eu estou a me licenciar agora para poder aplicar

[ST-A-3-H]

Ex.332: depois estava a dar entrevista ontem a dizer não sei quê não sei quê que é

culpa de não sei quê. É culpa de quem? Ele é que é culpado. O indivíduo pode até se

exprimir assim, abertamente [ST-A-3-H]

Ex.333: Os mais velhos, esses infelizmente estão a morrer, né, eles que têm mais

conhecimento disso, estão a morrer e não estão a… os jovens hoje em dia não estão

a se interessar que é para aprender essa língua [ST-A-3-M]

Pelos exemplos acima, e tendo em conta que os outros dez dados são com o tipo de

complexo verbal “ter que + infinitivo”, verifica-se que haveria de modo geral, também em

São Tomé, a variante enclítica a v1, como se interpretou para o comportamento do PE, uma

vez que a distribuição das posições é bem parecida com a do PE. No PST, a colocação v1 cl x

v2 ocorreu, principalmente, com a preposição a (33% - 55%) e a posição v1 x cl v2 foi mais

realizada quando os elementos integrantes do complexo verbal eram as preposições de e por

(66% - 70%).

Apenas em uma ocorrência, no exemplo 332, em que o elemento interveniente é o

“até” e não um conector/preposição integrante do complexo, ocorre, de forma particular, o

pronome adjacente a v2, configurando uma construção costumeiramente considerada uma

inovação brasileira, a chamada próclise a v2. Com apenas uma ocorrência desse tipo e sem

um estudo específico do comportamento de grande número de dados com o vocábulo “até”

interveniente aos complexos em diversas variedades do Português, seria prematuro afirmar

que o PST se alinha ao PB nesse tipo de construção. No entanto, é digno de nota o registro

dessa ocorrência na amostra são-tomense, em termos qualitativos, mesmo sendo apenas um

dado. Em última análise, essa ocorrência pode sugerir que os informantes são-tomenses

admitam, ainda que raramente, o pronome proclítico a v2, a variante considerada uma

inovação brasileira, sendo, assim, uma particularidade do PST, não verificada na amostra do

presente trabalho em relação ao PE (nem em trabalhos anteriores como os de Vieira (2002) e

Vieira, M. F. (2011)). Caso realmente se confirme ser esse dado natural no PST, aumenta a

confiabilidade da hipótese de que a instabilidade advinda da situação de multilinguismo que

envolve a implementação da Língua Portuguesa em São Tomé, por causa da intensa situação

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de contato linguístico, possa explicar as feições diferenciadas de uma língua transplantada em

relação à língua do colonizador, como também aconteceu no caso do PB.

Dessa forma, tendo como base os exemplos acima e considerando apenas um

exemplo de uma possível próclise a v2, a partir desse momento, também serão consideradas

três variantes para o PST, como ocorreu no PE, sendo próclise a v1, ênclise a v1 e ênclise a

v2, como se pode verificar no gráfico a seguir:

Gráfico 19: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais

nos complexos verbais do PST

Com base no gráfico acima, constata-se que, assim como no PE, a variante enclítica

a v1 foi a mais produtiva nos dados do PST com 59 dados, seguida pela pós-cv, com 23

dados, e pré-cv, com 22 ocorrências.

Em relação à posição específica v1-cl x v2, ainda com a presença de elementos

intervenientes, dos doze dados encontrados, quatro são do complexo verbal “estar a +

infinitivo”, três “ ir a + infinitivo”, dois “por a + infinitivo”, e um de “habituar + infinitivo”,

de “começar a + infinitivo” e de “ter que + infinitivo”. O pronome encontrado nas estruturas

foi somente o “se”, como pode ser observado a seguir:

Ex.334: o estado não deve parar com essa política de pulverização intradomiciliária,

utilização dos mosquiteiros impregnados, porque quando, repare, quando há, está-se

a decorrer esse processo de pulverização intradomiciliária [ST-A-3-M]

Ex.335: o paludismo, o mosquito causador de paludismo quase que não se vê. Depois

de terminar as pulverizações, dois, três, quatro meses começa-se a sentir novamente

o ressurgir dos mosquitos [ST-A-3-M]

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PST

21%

57%

22%

A variável dependente do PST

Próclise a v1

Ênclise a v1

Ênclise a v2

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206

Ex.336: A: nem por isso. Nem por isso. Está-se a complicar cada dia [ST-A-3-M]

Ex.337: A: É, não tem qualquer estatuto. Tal como estão-se a fazer em cabo verde

[ST-A-3-M]

Ex.338: Eu quando estudei no novo sistema, para a xx existir não pode ser uma coisa

de momento. Teria-se52

que educar as pessoas para estarem preparadas [ST-B-2-H]

Ex.339: nosso calulu, vai a cozer, descasca-se crua, descasca-se, vai-se juntamente

com essas folhas xxxx todo, vai-se a cozer [ST-B-2-M]

Ex.340: os meus filhos não entendem nada, assim na brincadeira às vezes eu queria

divertir com eles é que falo, até meus filhos põem-se a rir comigo [ST-B-2-M]

Ex.341: mandou me chamar automaticamente disse ah que eu tinha que trabalhar na

escola porque tava-se a procura de um quadro com capacidade [ST-B-3-H]

Ex.342: depois deita-se isso tudo no peixe depois fica a coser depois vai se a

engrossar com a farinha mandioca... [ST-C-1-M]

Ex.343: L: põe-se na comida... põe-se a refogar muito bem... [ST-C-1-M]

Ex.344: D: e que que se faz para tratar?

L: vai-se A picar [ST-C-1-M]

Ex.345: pode ser sim, na rádio que tal, mensagem passa melhor, sobretudo para

piada porque habituou-se muito a utilizar a nossa língua para fazer-se piada [ST-A-

3-H]

Diferentemente do que ocorreu com o PB – em que o clítico fica usualmente

proclítico a v2 e, no caso do se indeterminador, costumeiramente antes de v1 –, no PST esse

fenômeno, à semelhança do que ocorre na língua do país colonizador, ocorre com alguns tipos

de complexos verbais, tendo sido verificado apenas com o pronome “se”, como os exemplos

acima mostraram.

Em relação aos elementos intervenientes, verifica-se que, assim como no PE, a

maioria é de elementos integrantes do complexo verbal. No entanto, no último exemplo,

haveria um elemento interveniente que é a palavra “muito” e o pronome ocorreu antes dele,

havendo uma ênclise a v1, e não depois, como, provavelmente, ocorreria no PB.

A posição pré-cv ocorreu em 22 dados com o infinitivo. Em relação ao tipo de

complexo verbal, ocorreram 12 com o complexo verbal “poder + infinitivo”, o mais utilizado

com essa posição, seguido pelo “conseguir + infinitivo” (3 dados), “dever + infinitivo” (3

52

Neste exemplo, a variante realizada foi a ênclise ao futuro do pretério e não a mesóclise, confirmando que os

são-tomenses preferem dados enclíticos.

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dados), “ir + infinitivo” (1 dado), “começar + infinitivo” (1 dado), “estar + infinitivo” (1

dado) e “vir + infinitivo” (1 dado). O pronome “se” foi o mais utilizado com 17 ocorrências,

seguido pelo “me” (4 dados) e “nos” (1 dado). Vejam-se alguns exemplos dessa posição

abaixo:

Ex.346: estão a ter muita ambição para as coisas que eles acham que eles não

conseguem ter porque quando se não consegue ter uma coisa você ambiciona

demais [ST-A-1-H] – Dado com interpolação.

Ex.347: as roças estão a conhecer um novo dinamismo, algumas delas, não todas,

né? Não se pode abraçar tudo ao mesmo tempo [ST-A-3-H]

Ex.348: o ano que eu comecei a trabalhar as coisas, talvez as dificuldades, o próprio

professor já se começava a sentir então é uma relação [ST-A-2-H]

Ex.349: por exemplo agora há área a, área b, tem um xis de disciplinas na altura

quando eu estudei, estudava-se dez disciplinas e só se podia passar com duas

deficiências [ST-B-2-M]

Ex.350: então eu tomei um pedaço de tábua, de canoa, daquelas canoa já já partida e

que dava muito bem para se ir remar um bocado [ST-A-1-H]

Vale destacar que a colocação pré-cv não ocorreu em início absoluto e sempre havia

algum elemento proclisador antecedente, como se pode verificar nos exemplos anteriores. No

entanto, assim como no PE, também houve variação com três dos elementos proclisadores

mais habituais: elementos subordinativos (próclise a v1 7/25 – 28%; ênclise a v1 15/25 – 60%

e ênclise a v2 3/25 – 12%), partículas de negação (próclise a v1 10/17 – 59%; ênclise a v1

5/17 – 29% e ênclise a v2 2/17 – 12%) e operadores de foco (próclise a v1 2/7 – 29%; ênclise

a v1 2/7 – 29% e ênclise a v2 3/7 – 42%). Com os demais proclisadores, a colocação

proclítica a v1 foi categórica. Assim, houve contextos em que havia um elemento proclisador,

mas a variante proclítica a v1 não foi realizada, como se pode verificar nos exemplos a seguir:

Ex.351: Eu se estiver a precisar de dois mil dólares para, pronto, só um exemplo,

para editar um disco, o mínimo que possam me dar [ST-A-3-H]

Ex.352: às vezes chega a ser uns cem dólares, eu procuro um apoio e que tal, quem

pode me dar é boa iniciativa [ST-A-3-H]

Ex.353: A: É por isso que maioria parte de pessoas de roça estão a deslocar para

cidade, que aqui consegue-se trabalhar doméstica [ST-B-1-M]

Ex.354: A: Eles não vão me perseguir porque eu não tenho dinheiro. [ST-B-1-M]

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Ex.355: A: é, hhh, eu não vejo agora mas não é pilão, pilão já é para milho, isso tem

outro nome, porque há uma coisa pilão que costuma-se pisar o milho [ST-B-2-M]

Ex.356: LF: às vezes às vezes nota-se: é mais o caso da indisciplina... mmh isso eu

acho que tem um pouco a ver com a casa não é? é que costuma-se dizer que a a a a

dis(x)iplina começa-se/ começa do berço... [ST-B-3-M]

Ex.357: sinta bem é na minha casa origem... é: eu fico fico mesmo antes que venha

me fazer mais confusão a cabeça [ST-B-3-M]

Ex.358: eu gosto da língua mas eu não sei porque mas eu não consegui me

desenvolver muito... [ST-B-3-M]

Ex.359: é frustrante mas pro:ntos é: eu volto um pouco/ eu volto à parte espiritual

como custuma-se dize:r... quando se te:m fé é:... nós com fé nós conseguimos força

[ST-B-3-M]

Ex.360: L: é é... vai-se la/ depois de/ é um fruto depois de ( ) é que vai se lavar...

[ST-C-1-M]

Ex.361: L: muito pouco (vim) naquela altura e ainda fiz quarta classe com meus onze

doze anos (Ainda com classificação de) muito bom naquela altura mas só que não

prossegui na altura porque pai não podia me levar [ST-C-2-H]

Dessa forma, assim como ocorre no PE, a presença de elementos proclisadores

favorece a variante pré-cv, mas, nesses contextos, também ocorreu a colocação pós-cv, como

é atestado em Raposo et alii (2013), e a posição enclítica a v1. Ressalta-se que esta colocação

não foi citada nos exemplos citados por Raposo et alii (2013) com nenhuma das formas do

verbo principal.

A colocação depois do complexo verbal ocorreu em 23 dados com o infinitivo. O

complexo “poder + infinitivo” (6 dados) foi o mais utilizado, mas além dele também ocorreu

essa variante com os verbos “estar + infinitivo” (4 dados), “conseguir + infinitivo” (4 dados),

“ter que + infinitivo” (4 dados), “vir + infinitivo” (2 dados), “dever + infinitivo” (1 dado),

“ficar + infinitivo” (1 dado) e “vir + infinitivo” (1 dado). O pronome mais utilizado foi o

“me” (12 dados), seguido pelos pronomes: “se” (6 dados), “o (s)” (4 dados) e “lhe” (1 dado),

como se pode observar nos exemplos a seguir:

Ex.362: eu não digo que é devido quer dizer… isso também depende da pessoa, a

pessoa também tem que dedicar-se, é assim nosso país [ST-B-2-M]

Ex.363: um líquido porque não havia anestesia nem nada foi desse líquido que

misturaram com qualquer outra coisa que conseguiram anestesiar-me aqui... [ST-C-

3-H]

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Ex.364: eu julgo que… para pessoa… do do meu cariz, a pessoa do meu próprio tipo,

eu acho que devo voltar-me mais para a sociedade [ST-A-3-H]

Ex.365: teve uma audiência, marco mais importante que seja essa audiência eu não

consigo satisfazer-me enquanto ser humano [ST-A-3-H]

Ex.366: se não te:m é claro que não /(ela) não pode manifestar-se né? [ST-B-3-M]

Ex.367: aprendem com muita facilidade... desde que a gente consiga:... a:... dar/ a:/

consiga dar-lhes... dar-lhes a eles uma preparação... [ST-B-3-M]

A posição pós-cv ocorreu com diversos tipos de complexos verbais e com quatro

tipos de pronomes (“me”, “se”, “o(s)” e “lhe”), diferentemente do PB que só registrou a

variante com o pronome acusativo de 3ª pessoa. Além disso, verifica-se que há elementos

proclisadores em diversos dados que realizaram essa posição, como ocorreu no PE, mostrando

que o PST, nessa posição, também é bem parecido com a língua do colonizador e

confirmando o que se diz sobre a colocação dos clíticos pronominais em complexos verbais

na gramática de Raposo et alii (2013): o clítico com o infinitivo pode ocorrer, quando houver

um elemento proclisador, antes do complexo ou depois dele.

6.2.1.3.2. Complexos verbais do PST com o verbo principal no gerúndio

Houve somente 11 dados com o verbo principal no gerúndio (11 dados) e eles serão

apresentados a seguir, para que seja feita uma análise dessas construções. Há duas ocorrências

com a variante pré-cv (18%) e nove com a variante enclítica a v1 (82%), respectivamente:

Ex.368: nós temos que: tentar fazer de conta eh olhando um pouco também pra: pra

transformações que se foram dando que se foram dando que é o caso perca de

valores não é? [ST-B-3-M]

Ex.369: nós temos que: tentar fazer de conta eh olhando um pouco também pra: pra

transformações que se foram dando que se foram dando que é o caso perca de

valores não é? [ST-B-3-M]

Ex.370: como as empresas ainda estavam nessa fase ainda de mando, estado

mandava, não sei quê, ainda tinham pequenas condições, mais tarde foram-se

degradando [ST-A-3-M]

Ex.371: então depois disso, de estar refogado acrescenta-se água quente, aquela água

fervida, então com fogo vai-se deixando, vai vendo [ST-B-2-M]

Ex.372: até que as coisas hhh tiverem bem cozidas e daí vai-se vendo o ponto [ST-

B-2-M]

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Ex.373: eu conheci minha mãe com uma coisa assim de madeira, tipo de uma bacia

mas é de madeira, depois com um pau assim vai… uma madeira assim própria vai-se

pisando, então é para acompanhar calulu [ST-B-2-M]

Ex.374: uma vez que fazem aquilo que entendem não trabalham e se não trabalham

não há produção e assim a pobreza vai se agravando portanto [ST-B-3-H]

Ex.375: L: (prepara-se) por no fogo... água ou lume... descasca as bananas e põe...

deixa-se dar um fervidura.... depois tira-se... vai se pisar (no do) pisa-se muito bem...

depois vai se fazendo as bolinhas [ST-C-1-M]

Ex.376: L: é... passa-se a ( ) compra-se o comprimido e vá-se tomando as doses que

mandarem... [ST-C-1-M]

Ex.377: É verdade que em tempos atrás, no período… no período, antes, né hhh,eu

acho que já estou me perdendo um pouco [ST-A-3-H]

Ex.378: a gente ouve um monte de besteira porque não estamos, não está a entender

o que é que está se passando, cada um fala aquilo que ele imagina [ST-A-1-M]

De acordo com os exemplos acima, pode-se observar que só há um exemplo com o

pronome “me” e que todos os outros são com o pronome “se”. Além disso, em relação ao tipo

de complexo verbal, há apenas dois dados com o verbo auxiliar “estar”; os outros nove são

com o verbo “ir”.

Em relação à posição do clítico, verifica-se que há somente dois proclíticos ao

complexo verbal (cf. Exemplos 368 e 369) e nesses dois dados há um elemento proclisador

que é o pronome relativo “que”. No entanto, há outros exemplos com a presença de partícula

proclisadora “que”, mas a posição pré-cv não foi concretizada, mostrando a variação da

colocação dos clíticos pronominais entre próclise ou ênclise a v1 nos complexos verbais

também como se verificou no PE.

6.2.1.3.3. Complexos verbais do PST com o verbo principal no particípio

Ocorreram apenas duas variantes com o particípio também, a proclítica a v1 (40%) e

a enclítica a v1 (60%), como se pode verificar nos cinco dados com o particípio a seguir:

Ex.379: a vida tem sempre altos e baixos momentos, bons e maus momentos, e

falando sobre reportagem eu não estou a ver aqui muitas que me tenham marcado

de forma chocante [ST-A-3-H]

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211

Ex.380: lá ficava oito dias portanto ia assim e como normalmente em missão oficial

de serviço não nos é permitido eh desviar muito [ST-B-3-H]

Ex.381: pra todo povo de forma social para os estudantes como nós não tínhamos

educação e saúde era-nos garantido a cem por cento [ST-B-3-H]

Ex.382: G: Exactamente, tem-se feito algum esforço através da música [ST-A-3-H]

Ex.383: eu acho que tem entrado muitos nigerianos e que não há controlo, eu não

acredito que tem-se feito uma avaliação [ST-B-2-M]

Das cinco ocorrências, três são com o verbo auxiliar “ter” e duas com “ser”. No que

diz respeito aos clíticos, verifica-se que há um exemplo com o pronome “me”, dois com “nos”

e dois com “se”. Há somente dois dados com a variante pré-cv e os dois com elementos

proclisadores clássicos (“que” e “não”), como se pode verificar nos exemplos 379 e 380, mas,

assim como ocorreu com o gerúndio, há um dado em que essa variante poderia ter ocorrido,

mas não foi concretizada, como se pode observar no último exemplo citado.

Acredita-se que esses dados em que há um elemento proclisador e que não ocorre a

variante pré-cv, mas a ênclise a v1, sugerem que a oscilação, que ocorreu nas estruturas de

lexias verbais simples, também ocorre com os pronomes nos complexos verbais, em especial

com os que possuem o verbo principal no gerúndio e particípio.

Constata-se, assim, que a colocação dos clíticos pronominais no PST seria muito

parecida com a língua do colonizador, embora haja um dado que pode ser interpretado como

uma possível próclise a v2 e alguns dados em que não ocorre a posição pré-cv em ambientes

em que há a presença de elemento proclisador. No entanto, nesses casos, apesar de a variante

pré-cv não ter ocorrido, a variante enclítica a v1 está claramente representada, variação cuja

produtividade ainda não se pode medir e ocorre no PE também.

6.2.2. Sistematização dos resultados dos complexos verbais

No gráfico a seguir, será mostrada a variável dependente de cada variedade em

estudo, tendo como base as quatro colocações possíveis e amalgamadas, conforme

justificadas no corpo da análise: próclise a v1, ênclise a v1, próclise a v2 e ênclise a v2:

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212

Gráfico 20: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais

nos complexos verbais do PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)

De acordo com os resultados acima, verifica-se que, assim como nas lexias verbais

simples, a regra de colocação nos complexos verbais do PB não é variável, e sim,

semicategórica (LABOV, 2003), tendo em vista o alto percentual da realização da variante

proclítica a v2 (96%) e a especificidade das construções que não a realizam (sobretudo quanto

ao tipo de clítico: “se” indeterminador para a próclise a v1 e clítico acusativo de 3ª pessoa

para a ênclise a v2). Essa variante pode ser confirmada, conforme se buscou demonstrar em

todo o detalhamento feito nas seções específicas precedentes, pelo fato de não ter ocorrido

nenhum dado com a variante enclítica a v1, o que pode ser atestado nos contextos em que

ocorreu algum elemento no complexo além das formas efetivamente verbais.

No PE, diferentemente do PB, a colocação mais utilizada seria a enclítica a v1, com

50% dos dados, seguida pela proclítica a v1 (37%) e enclítica a v2 (13%). Ressalta-se que a

colocação proclítica a v2 não foi encontrada, como já se discutiu anteriormente. A colocação

pré-cv foi favorecida pela presença de algum elemento proclisador; no entanto, vale ressaltar

que, mesmo com a presença desses elementos, outras posições foram verificadas: a enclítica a

v1 no caso dos complexos com gerúndio e particípio; e a enclítica a v1 ou a v2 no caso dos

complexos com infinitivo.

Quanto à variedade do PST, pode-se constatar, pela similaridade do comportamento

geral demonstrada no gráfico, que ela seria uma variedade bem parecida com a do país

colonizador, uma vez que a variante enclítica a v1 também foi a mais realizada (60%),

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PB PE PST

2%

37

%

22

%

0%

50

%

60

%

96

%

0%

0%2%

13

% 18

%

A variável dependente amalgamada: PB, PE e PST

Próclise a v1

Ênclise a v1

Próclise a v2

Ênclise a v2

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213

seguida pela pré-cv (22%) e pós-cv (18%). Constata-se que até o que não é tendência – como

a variante enclítica a v1 em contextos com proclisadores – também se efetivou nos dados são-

tomenses e, nesse caso, de forma mais produtiva.

Constata-se, assim, que, na amostra referente ao PB, não se verifica variação e a

regra é do tipo semicategórico (Labov, 2003), dado seu perfil quantitativo e qualitativo.

Quanto ao PE e ao PST, verificou-se o comportamento de uma regra variável, mas com

comportamentos particulares a depender da forma de v2. A seguir, serão sistematizadas as

análises segundo a forma do verbo principal.

6.2.2.1. Os resultados dos complexos com infinitivo

Gráfico 21: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no infinitivo do

PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)

De acordo com o gráfico acima, verifica-se que, no PE e no PST, há variação com os

complexos verbais que possuem o verbo principal no infinitivo, uma vez que ocorreram três

variantes nessas variedades do Português, relacionadas aos contextos sintáticos em que se

encontram.

Com o PB, a regra, assim como nas lexias verbais simples e na totalidade dos

complexos verbais, seria semicategórica, pois a grande maioria dos dados ocorreu no interior

dos complexos verbais, totalizando 94% das ocorrências no infinitivo. Na amostra brasileira,

houve somente oito dados na posição pré-cv e, em todos eles, o pronome encontrado foi o

“se” indeterminador. Os tipos de complexos mais utilizados foram: “poder + infinitivo” e

“dever + infinitivo”. Na posição pós-cv, houve somente seis dados e todos com os clíticos

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PB PE PST

3%

38

%

21

%

0%

47

%

57

%

94

%

0%

0%3

% 15

%

22

%

A variável dependente no infinitivo: PB, PE e PST

Próclise a v1

Ênclise a v1

Próclise a v2

Ênclise a v2

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214

acusativos (“o(s)” e “a(s)”). Já a variante proclítica a v2, a maior parte das ocorrências, foi

utilizada, principalmente, com o complexo “ter que + infinitivo” e com os pronomes “se” e

“me”.

Com o PE, a variante próclise a v1 ocorreu sempre quando havia algum elemento

proclisador. No entanto, houve dados em que esses elementos estavam presentes e a

colocação enclítica a v1 e a v2 (esta somente com o v2 no infinitivo) também foram

verificadas. Curiosamente, em início absoluto ocorreu um dado da variante pré-cv nos dados

do PE, ao que tudo indica justificada pelo adjunto adverbial focalizado, o que constitui um

contexto para a próclise. A pós-cv ocorreu, principalmente, com os complexos: “ir +

infinitivo” e “estar a + infinitivo”. Os clíticos utilizados nessa posição foram os acusativos

“o(s)” e “a(s)”, “me” e “se”. Já a variante mais utilizada, que seria a enclítica a v1, foi

produzida em diversos contextos sintáticos, inclusive em complexos que possuíam um

conector interno como “ter que + infinitivo”, “estar a + infinitivo” e “começar a + infinitivo”,

além de se realizarem com os complexos sem nenhum elemento no interior e com diversos

tipos de pronomes e até em contextos com proclisadores antecedentes ao verbo auxiliar.

Na variedade são-tomense, a colocação antes do complexo verbal ocorreu,

preferencialmente, com o complexo “poder + infinitivo” e o pronome “se”. Em todos os

dados havia um elemento proclisador, mas também houve dados em que, mesmo com a

presença desses elementos, o que ocorreu foram as variantes enclíticas a v1 e a v2 (esta

somente com o v2 no infinitivo), como também se concretizou no PE. A posição pós-cv

ocorreu, em especial, com os complexos “poder + infinitivo” e “estar + infinitivo” e os

pronomes “se” e “me”. A variante enclítica a v1 foi utilizada, principalmente, com os

complexos “ter que + infinitivo” e “estar a + infinitivo”, além de também ser bem produtivo o

pronome “se”.

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215

6.2.2.2. Os resultados dos complexos com gerúndio

Gráfico 22: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no gerúndio do

PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)

Com base nos resultados sistematizados no gráfico, verifica-se que, no PB, em

complexos com o verbo principal no gerúndio, a regra não seria variável, nem semicategórica,

mas categórica, uma vez que todos os dados são proclíticos a v2. A variação ocorreria

somente nas variedades do PE e do PST e, curiosamente, com os resultados percentuais bem

parecidos e com a concretização de apenas duas variantes.

Na variedade brasileira, a única variante que se realizou foi a proclítica ao verbo

principal e ocorreu, preferencialmente, com os complexos “estar + gerúndio” e “ficar +

gerúndio” e com os pronomes “se”, “me” e “te”.

Com o PE, não ocorreu a colocação pós-cv, como já era esperado, havendo a subida

obrigatória do clítico. A variante pré-cv ocorreu, em geral, com o complexo “ir + gerúndio” e

o pronome “se”. Em todos os dados havia um elemento proclisador, mas, da mesma forma

que ocorreu com o infinitivo, houve três dados em que, mesmo com a presença desses

elementos, houve a realização da ênclise a v1. Na colocação enclítica ao verbo auxiliar, o

complexo “ir + gerúndio” também foi bem produtivo e os pronomes “se” e “me”.

No PST, como ocorreu no PE, a colocação enclítica ao verbo principal no gerúndio

também não foi realizada. Houve somente onze dados dessa construção; dois ocorreram na

posição antes do complexo verbal e nove depois de v1. Nas duas variantes, o tipo de

complexo mais utilizado foi o “ir + gerúndio” e o pronome “se”. A variante pré-cv ocorreu

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PB PE PST

0%

22

%

18

%

0%

78

%

82

%

10

0%

0%

0%0%

0%

0%

A variável dependente no gerúndio: PB, PE e PST

Próclise a v1

Ênclise a v1

Próclise a v2

Ênclise a v2

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216

quando havia algum elemento proclisador, mas, assim como ocorreu no PE, em alguns dados

em que estavam presentes esses elementos, a colocação realizada foi a enclítica a v1.

6.2.2.3. Os resultados dos complexos com particípio

Gráfico 23: Distribuição geral da ordem dos clíticos pronominais nos complexos verbais no particípio do

PB, PE e PST (fatores intra-CV amalgamados)

Assim como ocorreu nos complexos verbais com o gerúndio, no PB, também não há

variação e a regra é categórica, pois 100% dos dados ocorreram proclíticos a v2. No PE e no

PST, no entanto, houve a variação entre duas variantes ligadas a v1.

Com o PB, os onze dados com o particípio como verbo principal ocorreram com o

complexo “ter + particípio” e a maioria com o pronome “me”.

Já na variedade europeia, houve maior realização da variante pré-cv, seguida pela

enclítica a v1. O tipo de complexo mais utilizado foi o “ter + particípio” e os clíticos “me” e

“se”. Na variante pré-cv, todas as estruturas possuíam algum elemento proclisador antes, mas

também havia estruturas em que, mesmo na presença desses elementos, ocorreu a colocação

enclítica a v1.

No PST, inversamente ao que ocorreu no PE, a variante mais utilizada foi a enclítica

a v1, seguida pela proclítica. No entanto, só ocorreram cinco dados, sendo dois antes e três

depois do verbo auxiliar. Nas duas posições, os complexos utilizados foram: “ter + particípio”

e “ser + particípio”. Na colocação enclítica a v1, os pronomes utilizados foram o “se” e o

“nos”. Já na pré-cv, houve um dado com o pronome “me” e um com o “nos” e nos dois casos

havia um elemento proclisador antes, mas, da mesma forma que ocorreu no PE, havia dados

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PB PE PST

0%

56

%

40

%

0%

42

%

60

%

10

0%

0%

0%0%

0%

0%

A variável dependente no particípio: PB, PE e PST

Próclise a v1

Ênclise a v1

Próclise a v2

Ênclise a v2

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217

em que esses elementos antecediam o complexo verbal e a variante utilizada pelo falante foi a

enclítica a v1.

6.3. O estatuto da ordem dos clíticos nas três variedades da Língua Portuguesa: para a

definição dos parâmetros de colocação

Com base em todos os trabalhos que tratam sobre o tema da colocação pronominal e

nos resultados das lexias verbais simples e dos complexos verbais da presente tese, é possível

refletir sobre a possível interpretação dos resultados quanto ao perfil gramatical de cada

variedade do Português sob análise.

(i) Em relação às lexias verbais simples

O PE apresenta a preferência pela variante enclítica em contextos não marcados, mas

a próclise é a variante mais produtiva nos contextos em há elementos proclisadores, apesar de

essa variante não se concretizar de forma categórica nesses contextos. Não houve nenhum

dado proclítico em início absoluto de oração e de período.

Na língua dos países colonizados, verificam-se dois parâmetros diferentes entre si no

que diz respeito à colocação dos clíticos pronominais nas estruturas com apenas um verbo.

No PB, não há variação e a regra é semicategórica, uma vez que a colocação foi

predominantemente proclítica, independente do ambiente sintático em que o clítico se

encontra. Os poucos dados de ênclise ocorreram só com determinados clíticos e com

estruturas específicas.

Já no PST, a análise mostrou que essa variedade utiliza mais a variante enclítica do

que a proclítica. Destaca-se que a colocação no início absoluto de oração e de período foi

categoricamente enclítica, igual ao PE. Os resultados seguem, em geral, a tendência do PE,

mas não exatamente seguindo as mesmas regras. Assim, não há uma nítida dicotomia entre

elementos proclisadores versus elementos não proclisadores, como ocorre no PE (com certa

variação), mas há forte oscilação na colocação nos mesmos contextos sintáticos. Dessa forma,

no mesmo ambiente, as duas posições são concretizadas. Além disso, a colocação proclítica

ocorreu, por vezes, com elementos antecedentes não considerados proclisadores (como

tipicamente ocorre no PB), como sujeitos e conjunções coordenativas, por exemplo.

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218

(ii) No que diz respeito aos complexos verbais

Nos dados europeus, a próclise a v2 não ocorreu e houve variação nos complexos

formados pelas três formas de verbo principal. Em complexos com infinitivo, ocorreram as

posições: proclítica a v1, ênclítica a v1 e a v2, enquanto, no gerúndio e no particípio, a

variação ocorreu somente com as duas primeiras (próclise ou ênclise a v1).

Em relação à língua dos países colonizados, há tipos de regra específicos para cada

variedade em estudo.

Na amostra brasileira, a colocação enclítica a v1 não foi realizada e, assim como nas

lexias verbais simples, não houve variação, tendo em vista que a próclise a v2 foi categórica

com o gerúndio e o particípio e semicategórica com o infinitivo. Ocorreram poucos dados

com a colocação proclítica a v1 e enclítica a v2, nos complexos com infinitivo, e foram casos

bem específicos com determinados pronomes e estruturas.

No PST, ocorreram as mesmas posições realizadas na língua do colonizador com os

verbos no infinitivo (próclise ou ênclise a v1 e ênclise a v2), gerúndio e particípio (proclítico

ou enclítico a v1), mostrando que nessa variedade também há variação com os três tipos de

verbos principais. O único dado que se mostrou de difícil interpretação, dada sua

particularidade, foi o que contou com a presença do “até” interveniente seguido de clítico,

estrutura cuja explicação merece ser aprofundada em estudos futuros que permitam observar

maior número de dados com complexos verbais em maior diversidade de estruturas.

A partir das particularidades de cada variedade ora apontadas, há que se refletir sobre

a formação da língua nos dois países colonizados:

(i) O Português do Brasil

Na variedade brasileira, país em que os padrões gramaticais já estão sedimentados ou

fixados, verificou-se que, durante todo esse processo de edificação da língua, houve diversos

momentos de variação, como foi possível verificar nos trabalhos de natureza diacrônica (cf.

MARTINS, 1994; PAGOTTO, 1998; MARTINS, 2009; e NUNES, 2014). Assim, no século

XVI, época em que os portugueses chegaram ao Brasil, haveria a realização da variante

proclítica (em todos os contextos, exceto em início absoluto de oração); no século XVII, teria

começado uma mudança nos padrões de colocação pronominal, de modo que PE e PB teriam

tomado rumos diferenciados. Enquanto o PE passou a restringir a variante proclítica aos

contextos com proclisador, o PB continuou utilizando a variante proclítica e até generalizou

seu uso, empregando-a inclusive em início absoluto de oração.

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219

Muito debate já se empreendeu a respeito das motivações para essa alteração

gramatical, dentre as quais avulta a hipótese relacionada aos padrões rítmicos brasileiros, em

oposição aos portugueses, de modo que o clítico pronominal, fonologicamente, seria uma

partícula que se apoiaria, em termos de ligação fonológica, a enunciados tônicos à direita,

enquanto no PE o padrão ocorreria em direção à esquerda (cf. VIEIRA, 2002; CORRÊA,

2012). Essa suposta ligação do PB para a direita fica bem nítida em dois aspectos: (i) no fato

de haver próclise em início absoluto na variedade brasileira e após elementos não

proclisadores; (ii) no caso dos complexos verbais, no fato de haver a próclise a v2.

Dessa forma, de acordo com diversos estudos sobre o tema, o PB teria se

diferenciado do PE porque houve uma redução das vogais átonas no PE (século XVII) e isso

teria feito com que seu ritmo mudasse. Assim, as partículas átonas ficaram mais átonas ainda

e ocorreu a cliticização à esquerda, fazendo com que a ênclise fosse a colocação mais geral e

a próclise ocorresse apenas em contextos com elementos proclisadores53

. No PB, no entanto,

essa redução das vogais átonas não ocorreu e seu ritmo ficou, dessa forma, diferente do

europeu, fazendo com que a cliticização também se diferenciasse e se fortalecesse no padrão à

direita, ao contrário do que ocorreu no continente europeu. Dessa forma, com a cliticização à

direita, a próclise foi generalizada e passou a ocorrer inclusive em início absoluto.

O parâmetro de colocação pronominal brasileiro resultante de todo esse processo

pode ser verificado claramente nos resultados do presente trabalho, que mostrou que não há

variação na modalidade oral, uma vez que a regra se mostrou semicategórica com a

preferência proclítica em todos os contextos na amostra do PB54

.

(ii) O Português de São Tomé

No que se refere à variedade são-tomense, fica claro que os padrões locais da Língua

Portuguesa ainda não estão consolidados. Apesar de muitas pessoas, como os informantes do

presente trabalho, utilizarem o Português como L1 – como se observa nos censos realizados

53

Segundo Martins (1994), essa alteração paramétrica no PE estaria relacionada à chamada categoria sigma.

Nesse nível sintático, haveria inicialmente a regulação da modalidade frasal, negativa ou afirmativa, o que se

correlacionaria a alterações relacionadas a outras opções gramaticais, segundo o aporte da teoria gerativa, e, em

última análise, afetaria a ordem dos clíticos. 54

Sabe-se (cf. MARTINS, 2009; NUNES, 2009; VIEIRA, 2002; MARTINS, 2009; NUNES, 2014 dentre

outros) que, na escrita, porém, há variação, pois a ênclise ainda existe em vários contextos, tendo em vista que

ela ainda segue, apesar de não rigorosamente, os padrões previstos no modelo das gramáticas tradicionais (cf .

Capítulo 2).

Page 220: Universidade Federal do Rio de Janeiro · que te amo muito e sempre vou te amar, minha pequena! Falando em anjo... Deus me abençoou profundamente quando colocou na minha vida

220

no referido país –, há, todavia, o intenso contato com diversas línguas, em especial com um

dos crioulos de base portuguesa, o Forro, que é utilizado pela maioria da população.

Verificou-se que a colocação é basicamente enclítica nessa variedade. Embora a

colocação seja sensível à ação de elementos no contexto antecedente ao clítico, não há a

efetiva polaridade entre elementos proclisadores versus não proclisadores; o que há é uma

tendência à próclise nos contextos com elementos proclisadores (no PE), mas forte oscilação

com a realização das duas variantes nos mesmos contextos sintáticos. Curiosamente, talvez

por essa instabilidade da atuação dos elementos proclisadores, há alguns dados que são bem

parecidos com os brasileiros, pois houve próclise depois de sujeito e de conjunções

coordenativas, por exemplo, mas não ocorreu essa variante em início absoluto de oração e de

período, aproximando o PST do PE e confirmando, dessa forma, a grande instabilidade da

colocação pronominal nas lexias verbias simples (cf. Seção 6.1).

Com os complexos verbais, essa oscilação também ocorre, apesar de ter tido somente

um dado que poderia levar a crer que seria uma colocação proclítica a v2. As posições que

ocorreram na variedade são-tomense foram as mesmas do PE; até os exemplos são parecidos,

uma vez que a colocação pré-cv, embora favorecida pela presença de atratores, nem sempre

se deu nesse contexto, quando o que ocorreu foi a ênclise a v1 (posição não encontrada nem

exemplificada nas gramáticas portuguesas para os contextos com proclisadores).

Essa tendência do PST, em especial nas lexias verbias simples, de seguir o padrão

geral do PE, mas apresentar dados parecidos com os do PB, mostra que o padrão são-tomense

de cliticização ainda não está fixado totalmente, havendo, portanto, oscilações nos mesmos

ambientes sintáticos. Com os complexos verbais, essa variedade já se mostrou mais parecida

com a língua do colonizador, mesmo tendo um único exemplo que pode ser interpretado

como próclise a v2, colocação brasileira.

Busca-se, então, responder à seguinte questão: De onde vêm essas particularidades

do PST?

Tem-se três hipóteses que poderiam responder a essa questão.

Primeira hipótese: seria com base em motivação de natureza rítmica. Dessa

forma, haveria uma tendência para se cliticizar à direita, assim como no PB, e

isso justificaria o único caso de uma possível próclise a v2 e os dados de próclise

em contextos típicos do PB, como com os sujeitos e conjunções coordenativas,

por exemplo.

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221

Esta não parece ser uma boa hipótese, porque o PST possuiria uma base, no próprio

Forro, que utilizaria os pronomes objetos na posição pós-verbal, como mostrou o trabalho de

Ferraz (1979) e Hagemeijer (2007), teria clíticos fonológicos à esquerda, como propõe o

último autor, e admitiria um ritmo de fala, ao que tudo indica, bem parecido com o do

Português Europeu. Além disso, os resultados da presente pesquisa mostraram que a

tonicidade seria relevante no PST e haveria a tendência de formação de vocábulos

proparoxítonos. Dessa forma, o PST, ao formar vocábulos fonológicos, seguiria a tendência

do PE e preferiria o parâmetro de ligação à esquerda, à palavra anterior, e formaria mais

vocábulos paroxítonos e até proparoxítonos, como foi analisado nas lexias verbais simples e

corroborado pelos complexos verbais, tendo em vista que os dados de São Tomé, de forma

geral, produzem as mesmas colocações que ocorreram no PE, sendo a ênclise a v1 a mais

utilizada.

Vale ressaltar, ainda, o fato de tanto o PE como o PST não terem produzido nenhum

dado proclítico em início absoluto de oração, confirmando, assim, que realmente a ligação

fonológica do PST seria para a esquerda, como no PE. Supõe-se, assim, que o PST teria como

base a colocação enclítica e faria com que ela ocorresse até com as formas paroxítonas e

proparoxítonas, havendo ocorrências de proparoxítonos (“mandaram-me”) e até esdrúxulos

(“ajudávamo-nos”).

Segunda hipótese: todos os tipos de colocações pronominais viriam da influência

direta de um substrato.

Essa também não parece ser uma hipótese, se utilizada individualmente, irrefutável,

tendo em vista que o crioulo mais utilizado em São Tomé é o Forro e, de acordo com Ferraz

(1979) e Hagemeijer (2007), esse crioulo utilizaria os pronomes objetos, geralmente, na

posição pós-verbal. Dessa forma, essa hipótese não se sustentaria, pois há diversas

ocorrências da variante proclítica no PST, inclusive com dados bem parecidos com o PB, que

é predominantemente proclítico.

Terceira hipótese: a oscilação verificada no PST decorre da situação de intenso

contato linguístico causado pelo multilinguismo encontrado em São Tomé.

Acredita-se, de acordo com diversos trabalhos que tratam o tema nesses ambientes

de contato (LUCCHESI et alii, 2009, por exemplo) e na análise feita na presente tese (além da

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222

de Gonçalves, 2009, que – recorde-se – usa parte da amostra estudada no presente trabalho),

que esta seria a hipótese mais plausível. Haveria no PST uma oscilação no comportamento

dos clíticos pronominais motivada possivelmente, em certa medida, pela situação de intenso

contato com diversas línguas. Segundo Gonçalves (2009, p. 22):

a variação entre próclise e ênclise nos mesmos contextos sintácticos é frequente no

Português Oral de S. Tomé. Este facto é típico de uma variedade de língua que,

embora actualmente comece a afirmar-se como língua materna, foi adquirida como

língua segunda. (...) Aquilo que os dados dos clíticos nos mostram é que, muito

provavelmente, o português de S. Tomé constitui uma interlíngua ainda não

fossilizada pelo que a variação nas mesmas estruturas não nos permite caracterizar o

sistema de colocação dos clíticos mas tão-somente descrevê-lo o mais

pormenorizadamente possível procurando entrever aquilo que pode vir a constituir

uma idiossincrasia do seu sistema linguístico.

Assim, essa oscilação presente nos mesmos ambientes sintáticos seria favorecida por

dois fatores: (i) de um lado, as influências para a constituição do PST favoreceriam a opção

pós-verbal, seja pelo contato com o Forro, direta ou indiretamente, seja pelo modelo europeu

de colocação, que apresenta a ênclise como ordem não marcada; e (ii) de outro lado, pelo fato

de ainda não se ter uma variedade são-tomense consolidada, a aquisição do modelo com

efeito proclisador ainda não estaria estabelecida plenamente, de modo que ocorreria ora

próclise, ora ênclise nos mesmos contextos sintáticos.

Acredita-se que, no PST, os dois fatos acima influenciam na posição dos clíticos

pronominais. E, possivelmente, o que ocorreu e está ocorrendo com o PST teria se originado

por causa do intenso contato linguístico ainda existente na região, fazendo com que ela não

seja idêntica à do país colonizador nem à língua do outro país colonizado (PB), pois teria

particularmente, ao lado da influência do Forro e de outras línguas presentes no país, a língua

do colonizador.

Como costuma ocorrer em caso de intenso contato linguístico, o PST adotaria a

ênclise como ordem não marcada e seguiria a maioria dos condicionamentos sintáticos (além

de ritmo possivelmente semelhante) do PE, mas não se submeteria plenamente às mesmas

regras, havendo, assim, uma oscilação, uma instabilidade na utilização dos clíticos

pronominais, típica da influência de situação de multilinguismo. Desse modo, pode-se

conceber que, ao mesmo tempo em que há uma aproximação com o PE, se encontrem

algumas ocorrências consideradas bem típicas do Português do Brasil nos dados são-

tomenses.

Dessa forma, embora as tendências do PST sejam bem próximas ao modelo europeu

de aprendizagem, inclusive nos dados que vão contra a tendência costumeiramente apontada

em gramáticas (como a ênclise a v1 nos dados com proclisadores), há alguns dados bem

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próximos aos brasileiros. Ao que parece, a influência da tendência da utilização dos pronomes

objetos fracos na posição pós-verbal no Forro aliada ao ritmo bem parecido com o europeu

(que favorece até ênclises em vocábulos proparoxítonos) não favorece, ao menos no presente

momento de formação do PST, que os usos proclíticos se ampliem a ponto de atingir o

contexto de início absoluto de oração, em que a ênclise é categórica, como no PE.

Acreditando nessa terceira hipótese do PST, surgiria mais um questionamento:

Considerando o Princípio do Uniformitarismo, o que a história do PST poderia

revelar sobre a formação do PB?

Como no Português do Brasil, na época da formação de suas particularidades, havia

também diversas línguas em contato (cf. Capítulo 4), acredita-se que as características,

sobretudo as relacionadas à instabilidade da formação da nova língua, eram semelhantes às

verificadas na realidade são-tomense. Assim, a formação e a aprendizagem do Português

também podem ter ocorrido em um ambiente de intenso contato linguístico, que, em alguma

medida, teria afetado a ordem dos clíticos. Fica, então, a pergunta: por que o resultado no PB

não foi o mesmo que parece se configurar no PST?

Ao que parece, a situação de multilinguismo no Brasil, poderia, também, ter alguma

influência no que aconteceu com a colocação pronominal no Brasil, ajudando, assim, na

explicação das diferenças entre PB e PE. A próclise, recebida na colonização, teria se fixado

como tendência, seja por possíveis padrões das línguas Bantas aqui faladas – o que o presente

trabalho não pode assegurar, visto que não teve essa influência como objeto de estudo –, seja

pela oscilação natural do comportamento de situações de contato linguístico. Entretanto, as

influências de natureza prosódica, com ritmo para a direita (diferentemente do PST), já

propostas em outros estudos, acarretariam a definição de um parâmetro geral proclítico, até

mesmo para os contextos de início absoluto.

Acredita-se, então, que além das mudanças ocorridas no quadro vocálico, afetando o

ritmo e a cliticização do PE, diferentemente do PB, o fato de ter se generalizado a próclise

para todos os contextos, inclusive em início absoluto de oração, pode ter se iniciado pela

produtiva situação de multilinguismo que havia no Brasil e consequente instabilidade

linguística, como hoje ocorre no PST.

Dessa forma, seguindo o Princípio do Uniformitarismo (LABOV, 2008 [1972]),

como o PST parece ser influenciado pelo multilinguismo existente em São Tomé,

provavelmente, o contato com as diversas línguas na época da implantação do Português no

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Brasil pode ter influenciado a colocação eminentemente proclítica até atingir inclusive o

início absoluto. Assim, a situação de intenso contato linguístico teria influenciado nas

diferenças de utilização dos clíticos em relação ao país colonizador, fazendo com que, assim

como parece que está ocorrendo em São Tomé, no Brasil esse contato com diversas línguas

tivesse influenciado de alguma maneira na colocação dos pronomes. Em diferentes medidas e

direções, motivações sócio-históricas semelhantes podem estar relacionadas ao fato de que os

dois países colonizados se distanciem e utilizem parâmetros de colocação diferentes do país

colonizador.

Para que essa interpretação seja seguramente confirmada, ou não, entende-se ser

necessária uma investigação específica e detalhada, como o fez Ferraz (1979) para o Forro,

das línguas Bantas e outras línguas que existiam no Brasil e que conviveram durante muitos

séculos com a Língua Portuguesa. Assim como ressalta Perini (2007): fica a sugestão de

pesquisa!

Outro caminho para ampliar a reflexão sobre a formação do PB, que se afigura como

de extrema importância, é o estudo do tema em diversas variedades da Língua Portuguesa, em

especial, as que ainda estão em constituição como o Português de São Tomé, de Moçambique,

de Angola, entre outras que podem, direta ou indiretamente, ajudar na compreensão do que

ocorreu no Português utilizado no Brasil.

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7. CONCLUSÃO

Após a análise de dados da modalidade oral encontrados nas lexias verbais simples

(4.277 ocorrências) e nos complexos verbais (1.131 ocorrências) do Português Brasileiro,

Português Europeu e Português de São Tomé, foi possível verificar que cada variedade do

Português analisada apresenta particularidades quanto ao parâmetro de colocação pronominal.

Nas lexias verbais simples, o PB mostrou-se semicategórico, tendo a maioria de seus

dados em contexto proclítico. Os poucos dados de ênclise encontrados foram realizados com

pronomes específicos, com predominância do infinitivo (no caso da ligação com o acusativo

de terceira pessoa), além de constituírem, por vezes, estruturas fixas. Além disso, apenas

alguns informantes empregaram a variante pós-verbal e boa parte dos dados foi produzida por

indivíduos mais velhos e com mais escolaridade.

No PE, a regra foi efetivamente variável e ocorreram as colocações proclítica e

enclítica. A preferência foi pela variante proclítica em ambientes com elementos

proclisadores, mostrando que eles foram bem atuantes nessa variedade; embora seu efeito não

tenha ocorrido de forma categórica, dois grupos de dados foram claramente delimitados: o

referente aos contextos de próclise; outro referente aos contextos de ênclise. Em início

absoluto de oração e de período, a ênclise ocorreu de forma categórica.

Na variedade são-tomense, a posição enclítica em início absoluto de oração/período

também foi categórica, como no PE. Nos demais contextos, a regra foi variável e houve certa

preferência pela colocação enclítica. Entretanto, verificou-se uma oscilação nos mesmos

ambientes sintáticos, o que costuma ser típico de uma língua com intenso contato linguístico e

que ainda não se fossilizou, fazendo com que a próclise e a ênclise se realizassem nos

mesmos contextos.

No que diz respeito aos complexos verbais, mais uma vez o PB mostrou-se

semicategórico com o infinitivo, com a preferência pela variante proclítica a v2, uma

inovação brasileira, de acordo com diversos estudos. Já com os verbos principais no gerúndio

e no particípio, a regra foi categórica com a realização da próclise a v2.

O Português Europeu, em complexos com v2 no infinitivo, realizou uma regra

ternária (próclise ou ênclise a v1 e ênclise a v2), enquanto em complexos com gerúndio e

particípio, a colocação foi binária, ocorrendo o pronome átono antes ou depois de v1.

No PST, a colocação pronominal também se mostrou sensível à forma de v2, uma

vez que, quando o verbo principal estava no infinitivo, a regra foi ternária (proclítica ou

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enclítica a v1 e enclítica a v2) e, com particípio e gerúndio, seria binária (próclise ou ênclise

a v1).

A seguir, as hipóteses primárias da presente investigação serão retomadas e será

verificado se elas se realizaram ou não:

(i) No PE, a colocação seria efetivamente variável em determinados contextos

sintáticos, nos ambientes de lexias verbais simples e nos complexos verbais.

No PB, não há variação nas lexias verbais simples nem nos complexos

verbais, o que configuraria um caso de regra semicategórica. Já no PST, a

variação ocorreria nas lexias verbais simples e nos complexos verbais, mas

não haveria a atuação dos condicionamentos de forma sistemática, como

ocorreria na língua do colonizador.

Essa primeira hipótese geral foi confirmada, pois houve a realização da regra

semicategórica no PB e a regra foi variável no PE e no PST. A investigação revelou,

entretanto, particularidades para além da hipótese geral, visto ter demonstrado em detalhe os

contextos em que efetivamente se dá o efeito proclisador no PE e, ainda, ter revelado que a

colocação pronominal no PST ser bem instável, ocorrendo variação em mesmos ambientes

sintáticos.

(ii) Nas lexias verbais simples, o elemento que antecede o clítico seria o

determinador da colocação no PE, o que não ocorreria de forma expressiva no

PST nem no PB. Nos complexos verbais do PE, com a presença de um

elemento proclisador, haveria o favorecimento da variante pré-CV, mas

ocorreriam também, nesses contextos, dados da ênclise a v2 e ênclise a v1. No

PST, haveria também a colocação pré-CV, mas não seria com um número

expressivo de dados. Já o PB seria uma variedade em que não se teria

efetivamente uma regra variável, mas uma regra semicategórica para os CVs,

com ampla realização da próclise a v2.

A segunda hipótese também se confirmou na amostra analisada, uma vez que o PB

confirmou o estatuto categórico ou semicategórico, a depender do contexto em questão, e os

elementos proclisadores favoreceram a colocação proclítica a v1 tanto no PE como no PST,

sendo que as outras colocações também ococrreram nas duas variedades, e o efeito

proclisador no PST não foi tão forte como o foi no PE.

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(iii) Nas variedades em que se verifica o efeito proclisador, as partículas de

negação, os elementos subordinativos e as palavras QU- seriam os

favorecedores da posição pré-verbal e pré-CV, em especial no PE.

O efeito proclisador dessas partículas foi confirmado no PE, tanto para as lexias

verbais simples como para os complexos verbais. No entanto, houve dados em número

expressivo, nas duas estruturas, em que a colocação proclítica não se realizou. Além disso,

vale destacar o fato de ocorrer ênclise a v1 com a presença desses elementos e essa colocação

não estar descrita nas gramáticas do PE.

(iv) Existiria certa diferença na colocação dos clíticos pronominais, de acordo com

o nível de escolaridade do informante, no PB, mas essa variável não se

mostraria relevante para as outras variedades.

No PB, dado o estatuto não efetivamente variável da regra de colocação pronominal,

não se pôde efetivamente confirmar a hipótese relativa ao peso da escolaridade. Mesmo na

rodada multivariada experimental que se propôs, a ponderação estatística não apontou o efeito

da escolaridade como relevante. Ocorre que o número reduzidíssimo de ênclises não

permitiria aferir com segurança o comportamento por nível de instrução. Com base,

entretanto, na análise qualitativa das ocorrências e na observação do perfil dos informantes

que produziram os dados de colocação pós-verbal, verificou-se ser a faixa etária o grupo de

fatores mais importante: quanto mais idade possuía o informante, mais dados enclíticos ele

produzia. Associado ao grupo de informantes mais velhos, ao que tudo indica, o alto contato

com escolaridade e possíveis experiências de letramento parece reforçar o domínio de

estruturas como a ênclise, o que, sem dúvida, merece aprofundamento em estudos futuros.

Quanto às demais variedades em estudo, a escolaridade realmente não se mostrou

relevante. No caso do PE, entende-se que o não condicionamento de natureza extralinguística

está plenamente justificado pela sistematicidade das regras de colocação pronominal em uso.

No caso do PST, entretanto, repensando a hipótese inicial, deve-se esperar, na realidade, que

escolaridade possa ter efeito sobre o fenômeno, partindo do pressuposto de que, quanto maior

o nível de instrução, maior o uso da Língua Portuguesa e, por conseguinte, maior seria o

domínio do modelo europeu de colocação. Na presente pesquisa, esse efeito poderia ser

indiretamente percebido pela frequência do uso do crioulo. Na realidade, declaram não usar o

Forro exatamente os indivíduos com curso superior.

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(v) Haveria motivação sintática – como a presença de elementos proclisadores –

para a ordem dos clíticos pronominais no PE, variedade do país colonizador,

mas no PST essa motivação não seria sistemática.

No PE, a colocação proclítica foi realizada até um pouco mais que a enclítica por

causa da presença desses elementos proclisadores, mostrando sua importância, mesmo que

não tenha havido efeito categórico. No PST, esses elementos também foram importantes, mas

a atração realmente não foi sistemática, como ocorreu no PE, pois houve a realização das duas

variantes em mesmos contextos, como já se detalhou.

(vi) As diferenças seriam quantitativa e qualitativamente suficientes para que se

postule que haveria uma norma/gramática da colocação pronominal diferente

para cada variedade.

As diferenças entre as três variedades são incontestáveis. Primeiramente, a oposição

mais evidente é a do PB contra PE e PST em conjunto, diferença quantitativa e

qualitativamente comprovada. Nesse sentido, particularizam o primeiro os contextos de início

absoluto de oração – com próclise – e de complexos verbais – com próclise a v2, permitindo

estabelecer a adoção de um parâmetro absolutamente particular para a variedade brasileira.

Em segundo plano, o PST se particulariza das demais variedades por, de um lado, se

assemelhar ao PE, adotando as mesmas variantes nos contextos aqui destacados e aplicando

tendências de uso consoante o efeito proclisador; de outro lado, entretanto, apresenta

quantitativamente uma escala gradual desse efeito e não uma efetiva delimitação dos

contextos de próclise e de ênclise. Ademais, qualitativamente, verificam-se dados de próclise

em contextos que seriam de ênclise na variedade europeia.

Por isso, pode-se afirmar que há evidências para o estabelecimento de

parâmetros/padrões diferentes de colocação dos clíticos pronominais particulares para cada

variedade em estudo.

(vii) A análise contrastiva entre o PB e o PST mostraria que a colocação dos

pronomes átonos ocorreria de forma distinta entre as duas variedades

colonizadas.

Com a análise dos dados, foi possível verificar que o PB é a variedade mais diferente

em relação às outras duas. Além disso, parece que os parâmetros de colocação pronominal

entre as variedades dos países colonizados estão seguindo tendências contrárias. Assim, o PB

generalizou o uso da próclise e o PST, que teria por opção não marcada a ênclise, oscila em

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seu comportamento, adotando-a por variante preferencial mas sem ter ainda fixado esse

parâmetro. Essa diferença, ao que parece, pode ser explicada, de um lado, pela instabilidade

típica da situação de contato linguístico; de outro, pelas tendências locais, em especial as

advindas do Forro, em termos sintáticos e possivelmente fonéticos. Além disso, com base no

Princípio do Uniformitarismo, propõe-se que o que ocorre atualmente com o PST pode ter

ocorrido com o PB (cf. 6.3. O estatuto da ordem dos clíticos nas três variedades da Língua

Portuguesa: para a definição dos parâmetros de colocação), de modo que a mesma

instabilidade teria favorecido a expansão da próclise no PB, a qual atingiu até o contexto de

início absoluto por influências de natureza rítmica.

Logo após a retomada dos principais resultados encontrados e das hipóteses gerais

propostas para a análise das lexias verbais simples e dos complexos verbais das três

variedades da Língua Portuguesa em estudo, podem-se destacar, a título de conclusão,

algumas contribuições que a presente pesquisa ofereceu para a descrição das variedades na

modalidade oral. Dessa forma, com a presente tese, foi possível:

(i) fazer uma análise variacionista, com controle sociolinguístico, na modalidade

oral, pouco explorada nas três variedades em estudo e praticamente não

utilizada nas pesquisas sobre colocação pronominal em PE e PST;

(ii) conhecer um pouco a realidade são-tomense na fala de indivíduos que possuem

como língua materna o Português, cujas feições ainda não apresentam uma

consolidação dessa variedade, tendo em vista o multilinguismo presente na

região;

(iii) expandir conhecimentos acerca da norma de colocação dos clíticos

pronominais referentes às lexias verbais simples e complexos verbais na

modalidade oral do PB, PE e PST;

(iv) verificar que, nas lexias verbais simples e nos complexos verbais, há variação

da ordem no PE e no PST, enquanto no PB a regra se mostra (semi)categórica

tanto nas lexias verbais simples, com preferência pela próclise, quanto nos

complexos verbais, com a grande utilização da colocação proclítica a v2, com

o infinitivo, e a colocação categórica dessa variante com o gerúndio e

particípio;

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(v) descrever, em dados orais contemporâneos, a distribuição das variantes

(próclise, ênclise e mesóclise / proclítica a v1, enclítica a v1/proclítica a v2,

enclítica a v2) nas três variedades;

(vi) identificar, quando a regra se mostrou variável, as variáveis linguísticas e

extralinguísticas que se mostraram relevantes para o condicionamento do

fenômeno, nas lexias verbais simples, e observar se tais elementos também

influenciaram a ordem nos complexos verbais;

(vii) demonstrar que no início absoluto de oração/período não ocorreu a colocação

proclítica, nas lexias verbais simples, do PE e PST, ocorrendo a colocação

enclítica de forma categórica nas estruturas com uma forma verbal e nos

complexos verbais das duas variedades. No PB, em que a regra é

semicategórica, houve índices altíssimos da colocação proclítica em todos os

contextos;

(viii) mostrar o inequívoco efeito proclisador no PE – mesmo que não tenha se

mostrado categórico – e a oscilação com os mesmos elementos no PST,

havendo próclise e ênclise nos mesmos ambientes sintáticos;

(ix) destacar, ainda em relação aos elementos antecedentes, que a variante

proclítica ocorreu, sem dúvida quanto à interpretação estrutural, no PST, nas

lexias verbais simples, com elementos não proclisadores, como sujeitos e

conjunções coordenativas, por exemplo, à semelhança do que ocorre

tipicamente com dados brasileiros;

(x) encontrar, nos complexos verbais, mesmo sendo a colocação proclítica a v1 a

mais utilizada com elementos proclisadores, dados em que, não obstante a

presença desses elementos, a posição realizada foi a enclítica a v1, contexto

não contemplado na descrição do português europeu padrão (MATEUS et alii,

2003 e RAPOSO et alii, 2013);

(xi) demonstrar, ainda com os complexos verbais, que a colocação se deu

diferentemente de acordo com a forma do verbo principal. Com os verbos no

particípio e no gerúndio, houve a realização categórica da próclise a v2 no PB

e a colocação binária no PE e PST, ocorrendo sempre a subida de clítico com

esses verbos principais (próclise ou ênclise a v1). Já com o infinitivo, houve a

regra semicategórica no PB, com a maioria proclítica a v2, e uma regra ternária

para o PE e PST (próclise ou ênclise a v1 e ênclise a v2);

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(xii) discutir quais são as diferenças mais relevantes entre o país colonizador (PE) e

os países colonizados (PB e PST);

(xiii) analisar se essas diferenças são tanto quantitativa quanto qualitativamente

suficientes para que se considere a existência de parâmetros diferenciados por

variedade;

(xiv) com base nos resultados verificados para o PST, discutir questões referentes à

utilização da Língua Portuguesa em ambientes com intenso contato linguístico

e a possibilidade de essa situação influenciar na realização dos parâmetros da

colocação pronominal; e

(xv) de acordo com o Princípio do Uniformitarismo, levantar a hipótese de que,

assim como provavelmente ocorreu no PST, no PB, o contato com diversas

línguas, teria influenciado na colocação pronominal, ajudando a torná-lo

proeminentemente proclítico, o que se estendeu a todos os contextos por

motivos, ao que tudo indica, relacionados ao terceiro parâmetro estabelecido

por Klavans (1985), o da ligação fonológica.

Por fim, acredita-se que, além de ter contribuído para a ampliação do conhecimento

sobre a colocação pronominal em localidades com pouco estudo sociolinguístico (Funchal e

PST), foi possível, com a presente tese, detalhar os padrões da cliticização pronominal na

modalidade oral do PB, PE e PST e mostrar que há particularidades na ligação sintática do

clítico pronominal – parâmetros, por assim dizer – por variedade, havendo, dessa forma, em

termos variacionistas, três normas em relação à ordem dos clíticos pronominais.

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