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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ACONTECEU EM 2015 E EN 2015 IL EST ARRIVÉ: ORDENAÇÃO DOS
CIRCUNSTANCIAIS TEMPORAIS E ASPECTUAIS NO PORTUGUÊS E NO FRANCÊS
Érika Cristine Ilogti de Sá
2015
ii
ACONTECEU EM 2015 E EN 2015 IL EST ARRIVÉ: ORDENAÇÃO DOS
CIRCUNSTANCIAIS TEMPORAIS E ASPECTUAIS NO PORTUGUÊS E NO FRANCÊS
Érika Cristine Ilogti de Sá
Tese de Doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Linguística da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
quesito para a obtenção do Título de Doutor
em Letras (Linguística).
Orientadora: Profa. Dra Maria Maura da
Conceição Cezario
Co-orientadora: Profa. Dra Maria da
Conceição de Paiva
Rio de Janeiro
Setembro de 2015
iii
ACONTECEU EM 2015 E EN 2015 IL EST ARRIVÉ: ORDENAÇÃO DOS
CIRCUNSTANCIAIS TEMPORAIS E ASPECTUAIS NO PORTUGUÊS E NO FRANCÊS
Érika Cristine Ilogti de Sá
Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezario
Co-orientadora: Professora Doutora Maria da Conceição Auxiliadora de Paiva
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística, Faculdade de
Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística (Letras)
Aprovada por:
________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Maura da Conceição Cezario - UFRJ
________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria da Conceição Auxiliadora de Paiva - UFRJ
________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Luiza Braga – UFRJ
________________________________________________________________
Profa. Dra. Priscilla Mouta Marques - UFRJ
________________________________________________________________
Profa. Dra. Márcia dos Santos Machado Vieira – Vernáculas – UFRJ
________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Jussara Abraçado de Almeida - UFF
________________________________________________________________
Prof. Dr. Roberto de Freitas Junior – UFRJ, suplente
________________________________________________________________
Prof. Dr. Vinicius Maciel de Oliveira – UERJ, suplente
iv
Ilogti de Sá, Érika Cristine.
Aconteceu em 2015 e En 2015 il est arrivé: Ordenação dos Circunstanciais
Temporais e Aspectuais no Português e no Francês / Érika Cristine Ilogti de Sá.
– Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade de Letras, 2015.
xvi, 222 fl.: il.; 34 cm.
Orientador(a): Maria Maura da Conceição Cezario
Tese (doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de PósGraduação
em Linguística, 2015.
Referências Bibliográficas: f. 218-222.
1. Análise Comparativa de duas línguas. 2. Circunstancial temporal e
aspectual. 3. Português e Francês. 4. Ordenação de palavras. 5. Funcionalismo
Norte-Americano. I. Cezario, Maria Maura da Conceição. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em
Linguística. III. Título.
v
Ao meu melhor amigo, ao meu amor, Fernando
Henriques, por me ajudar em cada passo, ser
meu caminho, minha vida.
Aos meus pais, por tudo o que fizeram e fazem
por mim, por serem a minha essência.
.
vi
AGRADECIMENTOS
O que pode acontecer na nossa vida em quatro anos? Uma certa pessoa, no início do
meu doutorado, me disse: “Pode esperar, muita coisa muda em quatro anos” E isso parecia
profecia. Pessoas entraram na minha vida. Pessoas saíram. Perdi entes queridos. Ganhei
entes queridos. Conheci a Europa. Conheci um marido. Fui substituta. Casei. Escrevi uma
tese. Agora, no fim, é difícil conseguir agradecer a tudo o que passei para chegar aqui. E,
sim, agradecer a tudo! Até o que de ruim passou, pois isso me transformou. Hoje, quatro
anos depois, outra pessoa encerra essa jornada.
Quero começar os agradecimentos pela pessoa que “tentou” me avisar que “em
quatro anos muita coisa muda”: minha mãe acadêmica, a Maura. São exatos 13 anos juntas.
Desde o meu primeiro período nesse mundo que era tão afastado de toda a realidade que até
então eu vivia. Obrigada por fazer me apaixonar por linguística desde a minha primeira
aula na Faculdade de Letras, em setembro de 2002. Obrigada ainda por ter sido tão
compreensiva nesse último ano, quando parecia que nada mais daria certo. Obrigada por ter
me levado para a família D&G. Isso transformou minha.
Continuando com as mães acadêmicas, agradeço a uma que me adotou, minha co-
orientadora: Conceição. Nesse doutorado e, principalmente nesses últimos tempos, você foi
muito mais que uma co-orientadora: atenciosa, participativa, carinhosa. Obrigada pelos
conselhos, por estar sempre tão disponível, por me fazer querer entender cada vez mais.
Desculpe não ter sido a melhor, mas foi o melhor que consegui agora.
Ainda no ramo acadêmico, não tenho como não falar da minha marida, Julieta.
Obrigada pelas viagens, pelas broncas, pelos vinhos. Você é o meu par, independentemente
vii
de pesquisa e do rumo que a nossa vida tome. Você é minha madrinha ausente-presente,
sem vestido rosa. Amo lembrar de tudo o que passamos lá em 2011, numa Europa com
moedinhas, com euros sumindo, com sorvetes, escadas, com italianos sendo colocados na
mala pela Natália, com sonhos compartilhados. Aliás, tenho muito orgulho de vocês duas
terem conseguido fazer aquilo que sonhamos lá naqueles cafés. Nat, obrigada simplesmente
por ter me deixado conhecer a pessoa que você é. Simplesmente não trocaria vocês duas,
minhas companheiras preferidas de viagem, por ninguém.
Essa família ainda trouxe mais presentes. Roberto, obrigada por sempre tentar me
animar com o “Vamos à Mocidade?”. Agora eu te pergunto: “Me leva à Mocidade?”.
Karen, minha gema, obrigada por ter sido tão especial comigo. Por sua culpa, hoje, quero
logo voltar a dar aula de Filologia só para poder dividir turmas com você. Deise, admiro
sua competência e sua determinação. Você me ensinou a não desistir. Obrigada!
Aqui, duas pessoas ainda merecem destaque: Dennis e Priscilla. Dennis, você é
aquele tipo de pessoa que acredita na gente mais que nós mesmos. Obrigada por ser esse
entusiasta, por revisar meus textos, pelo “estamos juntos”, “não sofra sozinha”. Às vezes,
de fato, é só isso que precisamos ouvir. Pri, já falei isso antes para você, mas hoje mais do
que nunca repito: quero ser você quando crescer. Você foi minha inspiração, admiro você
hoje muito mais! Obrigada!
A todos os outros amigos do D&G, acreditem, compartilhar essa história com vocês
é muito prazeroso. A cada vez que vejo um aluno de IC entrando, estou revivendo minha
história. Aliás, Matheus, obrigada por me fazer reviver minha animação do início de vida
acadêmica e por me fazer sentir tão especial. Nesses 13 anos de convivência, cada um me
ajudou de alguma forma, e, claro, nunca poderia me esquecer do Mario, não só do Mario
viii
funcionalista, mas daquele que dizia para eu trocar de time, aquele que dizia para eu
comprar um all star, aquele que fazia a gente se sentir importante. A toda família D&G,
meu muito obrigada!
Além dos amigos do D&G, gostaria de agradecer àqueles que fazem parte da
família a qual escolhi, os amigos, Débora e Luciano, Aline e Sérgio, Clara e Renê, Natália
Lemelle, Juju Bessa. Dividir com vocês, nesse período, as angústias, os choros, o
desespero, a ausência, as rezas, foi de uma importância singular. Agora, eu espero poder
retribuir todo o carinho e amor que tiveram.
Esses últimos quatro anos não foram nada fáceis, e agradecer à família que Deus me
deu é pouco. Agradeço aos meus pais, por serem quem são. Ao meu pai, o que mais tem
orgulho de mim, obrigada pelas conversas, por ir me buscar no fundão e até mesmo por
ficar perguntando todo domingo “você não vem almoçar?”, “quer um churrasquinho, aí?”.
Acredite, poder ir comer seu churrasquinho num domingo foi um grande incentivo para
terminar a tese. À minha mãe, por tudo o que passou, que tem passado, e nunca ter
esmorecido. Por receber alta do hospital e na semana seguinte cozinhar feijão para levar
comida para mim. Obrigada por ser a mulher mais forte que conheço no universo, por não
me deixar sozinha nesse barco. Amo vocês demais!
À minha tia Lica, minha madrinha, que, mesmo não entendendo nada que eu faço, é
sempre tão carinhosa e gentil. À minha irmã, aquela que começou a mudar a minha vida no
início do meu doutorado, há pouco mais de quatro anos, me dando o maior presente das
nossas vidas: o Bernardo. Bianca, saber que você se orgulha de mim me faz ter forças para
continuar. Terminar a tese e saber que terei mais tempo para vocês foi um dos meus
ix
maiores incentivos. Bernardo, sua prima-irmã, a tese, chegou! À minha família, o meu mais
profundo agradecimento. Amo vocês!
Há quatro anos, mais uma parte de mim se foi. Minha tia, mãe de criação, nos
deixou, sem avisos. Durante essa tese, sua falta e sua presença foram sentidas a cada
momento. Ser mimada pelas suas comidinhas, ao longo de todo o processo, só me fizeram
ter mais a certeza do quanto havia um espaço vazio em mim. Essa tese é sua, tia Boinha.
Você e minha vó serão para sempre minhas inspirações. Todo o esforço de vocês para que
eu estudasse valeu a pena. Obrigada.
Acreditamos nas razões de Deus, e ele não nos desampara. Há quatro anos, conhecia
o homem da minha vida, em um período conturbado, ele veio como um alento, um amparo,
um presente. Casamos e nada até agora foi fácil. Fernando, saiba que não te decepcionar foi
o maior motivo para eu não desistir. Parece clichê, mas você foi meu cérebro quando eu
não conseguia raciocinar, quando eu queria desistir, quando fiquei sem rumo. Essa tese é
tão sua quanto minha, porque sem você literalmente nada teria acontecido. Obrigada por
viver a tese comigo nos últimos meses, por me ensinar um pouquinho da sua teoria durante
os nossos cafés. Obrigada por ser meu revisor oficial. Obrigada por você ter segurado tudo
isso comigo, para mim. Sem você, eu não conseguiria. Obrigada por ter sido para mim
aquilo que ninguém poderia. Te amo hoje muito mais que antes, se é que é possível. Agora,
podemos viver o casamento, ou, pensar em um pós-doutorado juntos.rs.
Finalmente, agradeço a Deus! Não somente por ter colocado essas pessoas
maravilhosas na minha vida, mas por ter feito com que tudo, no final, desse certo.
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Dentre os grandes és o primeiro!
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RESUMO
ACONTECEU EM 2015 E EN 2015 IL EST ARRIVÉ: ORDENAÇÃO DOS
CIRCUNSTANCIAIS TEMPORAIS E ASPECTUAIS NO PORTUGUÊS E NO
FRANCÊS
Érika Cristine Ilogti de Sá
Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezario
Co-Orientadora: Professsora Doutora Maria da Conceição Auxiliadora de Paiva
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao programa de Pós-Graduação em Linguística,
Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística.
À luz dos pressupostos do funcionalismo norte-americano, este trabalho tem como
principal objetivo fazer uma análise comparativa entre os diferentes usos dos
circunstanciais temporais e aspectuais na escrita do português e do francês. Para isso,
utilizamos um corpus de notícias e editoriais dos jornais O Globo, Folha de São Paulo, Le
Monde e Le Figaro.
Diversos são os fatores que podem motivar a ordenação dos circunstanciais – entre
eles, o tipo de verbo, a representação e a posição do sujeito, o peso do circunstancial, seu
papel semântico, sua função discursiva –, por isso, partimos de uma análise estrutural da
sentença, investigando também a semântica do circunstancial até chegar ao seu papel
discursivo. Dessa forma, pretendemos provar a hipótese de que a ordenação do
circunstancial em início de orações é determinada em primazia por motivações discursivas
e pragmáticas – e não necessariamente por questões mais sintáticas, como o preenchimento
da posição vazia deixada pelo sujeito. Nossa hipótese ganha força ao compararmos as
tendências do português com o francês, já que este possui uma estrutura em que o
preenchimento do sujeito é obrigatório.
Palavras-Chave: análise comparativa de duas línguas, circunstancial temporal e aspectual,
português e francês, ordenação de palavras, Funcionalismo norte-americano.
Rio de Janeiro
Setembro de 2015
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ABSTRACT
ACONTECEU EM 2015 E EN 2015 IL EST ARRIVÉ: ORDENAÇÃO DOS
CIRCUNSTANCIAIS TEMPORAIS E ASPECTUAIS NO PORTUGUÊS E NO
FRANCÊS
Érika Cristine Ilogti de Sá
Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezario
Co-Orientadora: Professsora Doutora Maria da Conceição Auxiliadora de Paiva
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao programa de Pós-Graduação em Linguística,
Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística.
This thesis aims at making a comparative analysis of the different uses of time and
aspectual adverbs in Portuguese and French writing, in the light of North American
functional linguistics. Thus, we used a corpus of news articles and editorials from O
Globo, Folha de São Paulo, Le Monde and Le Figaro.
There are several factors that can motivate the adverbial position: the verb type, the
representation and position of the subject, besides the weight, semantic role and discourse
function of the adverbial. For that reason, we investigated the structure of the sentence, the
semantics of the adverbs and their discourse role. Based on this, we intended to prove the
hypothesis that the position of adverbs in the beginning of clauses is mainly determined by
discourse and pragmatic reasons and not necessarily due to syntactic issues, such as the
filling of the empty position resulting from the absence of the subject in it. Our hypothesis
seems to be plausible when we compare Portuguese to French, since the latter has a
structure in which the subject occurrence is mandatory.
Keywords: Comparative analysis of two languages, Time and aspectual adverbials,
Portuguese and French, Word Order, North American functionalism.
Rio de Janeiro
September, 2015
xiii
RÉSUMÉ
ACONTECEU EM 2015 E EN 2015 IL EST ARRIVÉ: ORDENAÇÃO DOS
CIRCUNSTANCIAIS TEMPORAIS E ASPECTUAIS NO PORTUGUÊS E NO
FRANCÊS
Érika Cristine Ilogti de Sá
Orientadora: Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezario
Co-Orientadora: Professsora Doutora Maria da Conceição Auxiliadora de Paiva
Résumé da Tese de Doutorado submetida ao programa de Pós-Graduação em Linguística,
Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística.
À la lumière des présupposés du fonctionnalisme nord-américain, ce travail a
comme but principal de faire une analyse comparative entre les différents usages des
circonstanciels temporels et aspectuels dans l’écriture du portugais et du français. Pour cela,
nous utilisons un corpus de nouvelles et d’éditoriaux des journaux O Globo, Folha de São
Paulo, Le Monde et Le Figaro.
Il y a plusieurs facteurs qui peuvent motiver l’ordre des circonstanciels – parmi
lesquels le type de verbe, la représentation et la position du sujet, l’importance du
circonstanciel, son rôle sémantique, sa fonction discursive – c’est pourquoi nous partons
d'une analyse structurelle de la proposition, en investiguant aussi la sémantique du
circonstanciel jusqu’au moment d’atteindre son rôle discursif. Nous avons ainsi l'intention
de prouver l'hypothèse que l'ordre du circonstanciel au début de clauses est déterminée en
primauté par des raisons discursives et pragmatique – et pas nécessairement par des
questions plus syntaxiques comme le remplissage de la position vidée par le sujet. Notre
hypothèse se révèle plausible lorsque l'on compare les tendances du portugais avec le
français, puisque celui-ci a une structure dans laquelle le remplissage du sujet est
obligatoire.
Mots-clés: analyse comparative de deux langues, circonstanciel temporel et aspectuel,
portugais et français, ordination de , Fonctionnalisme nord-américain.
Rio de Janeiro
Septembre 2015
xiv
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 17
1. OBJETO DE ESTUDO: O PONTO DE PARTIDA ........................................................ 25 1.1 As locuções adverbiais ............................................................................................... 25 1.2. Les Compléments circonstanciels – complementos circunstanciais em francês ....... 30 1.3. Os circunstanciais de tempo e aspecto ...................................................................... 33
2. ESTUDOS LINGUÍSTICOS ............................................................................................ 38
2.1. A ordenação dos circunstanciais................................................................................ 38 2.1.1. O Papel Semântico ............................................................................................. 38 2.1.2. A função discursiva e as demais motivações para ordenação dos circunstanciais
...................................................................................................................................... 44
2.2. Sobre o Sujeito .......................................................................................................... 54 2.3. Considerações sobre o francês ................................................................................... 58
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ........................................................................................ 63 3.1. Conceitos básicos do funcionalismo norte-americano .............................................. 63
3.2. Gênero Textual e tipo de texto .................................................................................. 71
4. AMOSTRA E METODOLOGIA ..................................................................................... 76
4.1. Amostra ..................................................................................................................... 77
4.2. Metodologia ............................................................................................................... 82
5. ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................. 93 5.1. Ordem da Locução em Relação ao verbo .................................................................. 94
5.1.2. Margens da oração ............................................................................................ 123
5.2. Parâmetros Analisados ............................................................................................ 127 5.2.1. Propriedades estruturais .................................................................................... 128 5.2.2. Propriedades semânticas ................................................................................... 167 5.2.3. Propriedades Discursivo-Pragmáticas .............................................................. 177
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 204
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 214
xv
LISTA DE TABELAS
Tabela 4.1 – Quantidade de dados em cada gênero...................................................83
Tabela 5.1 – Ordenação das locuções......................................................................102
Tabela 5.2 – Ordens com apenas um X no português.............................................107
Tabela 5.3 – Ordens com apenas um X no francês..................................................112
Tabela 5.4 – Ordenações com dois X......................................................................120
Tabela 5.5 – Tipo de verbo X ordem no português.................................................131
Tabela 5.6 – Tipo de verbo X ordem no francês.....................................................133
Tabela 5.7 – Representação do sujeito X ordem no português................................140
Tabela 5.8 – Representação do sujeito X ordem no francês....................................146
Tabela 5.9 – Posição do sujeito X ordem no português ..........................................151
Tabela 5.10 – Posição do sujeito X ordem no francês.............................................154
Tabela 5.11 – Estrutura da locução X ordem no português.....................................159
Tabela 5.12 – Estrutura da locução X ordem no francês.........................................160
Tabela 5.13 – Tamanho da locução X ordem no português....................................163
Tabela 5.14 – Tamanho da locução X ordem no francês.........................................165
Tabela 5.15 – Semântica da locução X ordem no português...................................171
Tabela 5.16 – Semântica da locução X ordem no francês.......................................174
Tabela 5.17 – Papel discursivo da locução X ordem no português.........................188
Tabela 5.18 – Papel discursivo da locução X ordem no francês.............................192
Tabela 5.19 – Gênero Textual X ordem no português.............................................199
Tabela 5.20 – Gênero Textual X ordem no francês.................................................201
16
LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS E ESQUEMA
Esquema 1 – Noções semânticas dos adverbiais.............................................................36
Quadro 4.1 – Distribuição da Amostra............................................................................78
Gráfico 5.1 – Margens e posições mediais das locuções no português.........................124
Gráfico 2 – Margens e posições mediais das locuções no francês................................125
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INTRODUÇÃO
O mundo românico atual reconhece seis línguas nacionais1 com uma mesma
origem. Para esta pesquisa, duas delas são comparadas – a língua portuguesa e a língua
francesa. Suas diferenças, segundo Ilari (2008), são oriundas do processo de queda do
Império Romano e da consequente dialetação do latim vulgar – o francês, inclusive,
desde o século XIII, era a língua que mais se distanciava dessa variedade do latim.
Ainda que, do ponto de vista estrutural, aspectos divergentes entre o português e o
francês sejam evidentes, comparar duas línguas de mesma origem nos possibilita buscar
também pontos de convergência.
Comparamos nessas duas línguas as diferentes possibilidades de ordenação dos
circunstanciais de tempo e aspecto, seguindo uma visão funcionalista. Para nossa
análise, consideramos como circunstanciais de tempo e aspecto válidos apenas as
locuções adverbiais que traziam em si essa noção semântica, conforme Givón (2001)2.
Como veremos no capítulo 1, o termo circunstancial adotado em nossa análise remete
ao fato de o objeto de estudo indicar uma circunstância temporal que, segundo Neves
(2011), pode acoplar o valor aspectual3.
Há muitos estudos sobre a ordenação dos adverbiais em português, sobretudo a
partir da última década do século XX, tais como Ilari et alii (1990); Martelotta (1994);
Castilho (1999); Andrade (2005); Brasil (2005); Paiva (2007, 2008, 2011, 2012); Ilogti
de Sá (2009), que se dedicaram à análise e compreensão dos adverbiais e mostraram a
relevância do aprofundamento do estudo desses elementos, posto que são construções
1 Ilari (2008:213) considera seis línguas românicas nacionais, são elas: o português, o espanhol, o catalão,
o francês, o italiano, o romeno. 2 Os termos locução adverbial temporal / aspectual e circunstancial temporal / aspectual são utilizados ao
longo do trabalho para designar nosso objeto de estudo e a justificativa para o seu emprego se encontra no
capítulo 1. 3 No capítulo 1, veremos que há uma grande dificuldade em se estabelecer a separação entre as noções de
tempo e aspecto.
18
de natureza diversificada, de difícil classificação e que apresentam funções variadas na
língua.
Dando continuidade à pesquisa iniciada por Ilogti de Sá (2009) no Mestrado,
nosso trabalho tem como objetivo investigar os possíveis fatores responsáveis pelas
diferentes posições dos circunstanciais de tempo/aspecto na oração. Procuramos fazer
um estudo dos usos das locuções adverbiais, com o intuito de verificar se as tendências
de ordenação seriam semelhantes e se as estratégias de uso estariam ligadas a possíveis
princípios comunicativos e de organização textuais universais. Além disso, tentamos dar
conta de dois gêneros textuais escritos, utilizando notícias e editoriais de diferentes
jornais, a saber: Folha de São Paulo e O Globo – jornais brasileiros – e Le Fígaro e Le
Monde – jornais franceses.
Ao assumirmos a perspectiva de que o circunstancial temporal e aspectual possui
mobilidade na oração, buscamos ao longo da tese delimitar os possíveis fatores que
motivem as diferentes ordens. Sendo assim, estruturas como as que observamos em (1),
(2), (3) e (4) serviram de base para nossa análise:
(1) Lors de son interrogatoire, le commandant Schettino s’est pourtant targué
d’être un “bon commandant”4. [notícia 4 – Le Monde]
(2) Les deux amant se sont rencontrés em 1996.5 [notícia 11 – Le Figaro]
(3) A Associação de Jornais dos EUA lançará em abril uma campanha
publicitária. [editorial 1 – O Globo]
(4) Ele já conseguiu adiar essa decisão mais uma vez, contando com uma
Suprema Corte outrora manipulável. [notícia 16 – Folha de São Paulo]
4 Durante o seu interrogatório, o comandante Schettino ainda se gabou de ser um "bom comandante". 5 Os dois amantes se reencontraram em 1996.
19
Utilizamos os pressupostos teóricos da corrente funcionalista por julgarmos que
o posicionamento dos circunstanciais possui motivação muito mais discursiva do que
propriamente sintática, distanciando-se das abordagens mais formalistas. Esse
distanciamento ocorre pelo fato de o funcionalismo considerar a linguagem como um
instrumento de interação social e por conceber que a gramática emerge do uso e é
moldada por fatores comunicativos e cognitivos.
Comparamos nossos resultados com as tendências estabelecidas nos estudos
realizados anteriormente, no que diz respeito à função discursiva da locução e com sua
função na sintaxe da oração. Assim, um dos objetivos principais desta tese é contribuir
para o estudo da ordenação de locuções adverbiais e verificar as semelhanças e
diferenças entre as duas línguas românicas com relação ao uso das locuções adverbiais.
No estudo dos circunstanciais temporais, é possível perceber que a referência
temporal não é sua única função, porque eles participam da coesão entre os termos do
discurso, introduzem novos eventos e fazem referências a situações já descritas (cf.
Paiva 2007, 2008; Ilogti de Sá 2009). De acordo com várias pesquisas, sobretudo de
linha formalista, como Duarte (1993, 1995), o português está se tornando uma língua de
sujeito obrigatório. Assim, se deixada vazia, a posição deste sujeito tenderia a ser
ocupada por algum elemento, como, por exemplo, as locuções adverbiais (cf. Kato e
Duarte 2003), para evitar que o verbo inicie a oração. No entanto, alguns trabalhos já
mostraram que, como a posição prototípica das locuções são as margens da oração, a
margem esquerda pode ser preenchida independentemente da presença ou ausência do
sujeito ( Brasil, 2005, Ilogti de Sá, 2009, Paiva 2011, Lessa 2012). Assim, não seria a
ausência formal do sujeito que facilitaria a ocorrência da locução circunstancial na
margem esquerda da oração, mas sim fatores discursivos.
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Com a comparação entre o português e o francês, buscamos evidências para
discutir que a posição da locução está mais relacionada à sua função discursiva do que à
sintaxe da oração, visto que o francês é uma língua de sujeito obrigatório e, mesmo
assim, a posição da locução adverbial varia de acordo com o contexto (como vimos nos
exemplos (1) e (2)). Portanto, analisar uma língua que já tenha passado pelo processo de
mudança no parâmetro do sujeito nulo, como o francês, nos fornece subsídios para
entender o comportamento estrutural dos circunstanciais no português.
Com base nas características observadas em estudos anteriores e em expectativas
apresentadas, pretendemos responder aos seguintes questionamentos:
1) As tendências de ordenação das locuções são iguais no português e no francês? Se
não, por que há as diferenças?
2) Qual o posicionamento da locução adverbial na oração, em cada língua?
3) Quais locuções seriam mais presas ao verbo? Isso é motivado por sua extensão? Ou
pelo tipo de sintagma?
4) As locuções adverbiais preenchem a posição deixada vazia pelo sujeito?
5) Existem posições mais fixas para as locuções adverbiais em função de seu papel
semântico na oração? Se sim, que valores seriam esses?
6) Até que ponto as funções discursivas da locução são importantes no seu
posicionamento na oração? E quais são as funções desempenhadas por elas?
Tais questionamentos nos trouxeram os seguintes objetivos para o estudo
comparativo entre o português e o francês:
21
(a) caracterizar as posições assumidas pelas locuções adverbiais de tempo e aspecto,
apresentando a frequência de ocorrência de cada ordenação;
(b) verificar a relação entre o papel semântico-pragmático das locuções adverbiais e a
posição das mesmas na oração;
(c) investigar a relação entre tamanho e posição da locução;
(d) analisar a relação entre o papel de cada locução no discurso e a sua posição;
(e) observar as locuções na margem esquerda da oração, estabelecendo a relação com a
presença ou ausência de sujeito antes do verbo;
(f) verificar as diferenças e semelhanças de uso de locuções adverbiais temporais e
aspectuais em português e em francês;
(g) investigar o tipo sintático do verbo (transitivo, intransitivo, de ligação) e sua relação
com a posição das locuções;
(h) identificar a influência do gênero e da tipologia textual na ordenação da locução;
(i) identificar as possíveis diferenças na ordenação das locuções iniciadas por
preposição (como “naquela manhã”, “de vez em quando” ou “depuis plus de trente
ans”, por exemplo) e aquelas compostas apenas por sintagma nominal (como “le 3
juillet” ou “muitas vezes”).
Para guiar nossa análise, levantamos as seguintes hipóteses:
(1) as locuções adverbiais temporais e aspectuais devem ter uma posição prototípica na
oração; as locuções tendem a ocupar as margens da oração, pois são estruturas mais
livres, possuem uma função discursiva e podem possuir escopo maior;
22
(2) o valor semântico exercido pela locução deve influenciar na posição que ela ocupa
na frase; por exemplo, esperamos que as locuções com valor dêitico ou localizador
apareçam predominantemente na margem esquerda pelo fato de que podem possuir
alcance de modificação maior, localizando vários estados de coisas;; já aquelas com
valor aspectual tenderiam a ocorrer nas adjacências do verbo, pelo fato de que a própria
categoria de aspecto é mais inerente à predicação;
(3) locuções maiores devem ocorrer na margem direita, no final da oração, já que a
literatura linguística demonstra que essas estruturas seriam mais pesadas e devem
aparecer ao final da sentença para não interromper o fluxo de informações essenciais
(codificadas através do sujeito, do verbo e do complemento ou predicativo), ou seja,
para não quebrar a coesão textual;
(4) as locuções com uma função na macroestrutura do texto, ou seja, com um escopo
maior que a oração, devem aparecer predominantemente na margem esquerda da
oração, estabelecendo ligações entre partes do texto; ao passo que aquelas com uma
função mais restrita à oração, apenas se referindo ao tempo do evento, não devem
aparecer na margem esquerda da oração, ocupando posições mais ligadas ao verbo;
(5) as locuções tendem a aparecer na margem esquerda das orações independentemente
do preenchimento da posição do sujeito ou não; assim, a posição das locuções é
determinada principalmente por sua função discursiva e não por fatores sintáticos;
(6) a posição das locuções adverbiais em francês na margem esquerda da oração deve
ser explicada sobretudo por fatores de ordem discursiva e não por fatores ordem
23
sintática, já que a posição do sujeito estará necessariamente preenchida, exceto quando
está posposto;
(7) a locução adverbial tende a aparecer na margem esquerda da oração,
independentemente da posição do sujeito em orações intransitivas; e tende a aparecer
nas margens com verbos transitivos para não interferir na integração entre o verbo e os
complementos.
(8) em textos mais narrativos, como as notícias, as locuções, principalmente as
localizadoras, apareceriam mais à direita do verbo para verbo para não quebrar o fluxo
narrativo; já os textos mais argumentativos, como os editoriais, tenderiam mais a
posições iniciais para demarcar oposições de ideias;
(9) em francês, as locuções mais presas ao verbo seriam aquelas que aparecem com a
preposição, como, por exemplo, à quatre ans; entre 2000 et 2006.
Procuraremos ainda refutar a hipótese de que a locução tende a se posicionar na
margem esquerda da oração quando o sujeito não estiver presente para ocupar seu
espaço deixado vazio. Para nós, a posição da locução adverbial seria a margem esquerda
sobretudo por fatores discursivos, como a retomada anafórica ou mudança de assunto, e
não por uma questão de mudança do parâmetro do sujeito nulo. Essa nossa hipótese
ganha força ao analisarmos a língua francesa, que já possui em sua estrutura a
obrigatoriedade do sujeito. Neste caso, tentaremos comprovar que, nas duas línguas, a
posição da locução é motivada principalmente pela sua função no discurso. Não
estamos dizendo com isso que fatores estruturais não são relevantes, como, por
24
exemplo, o tamanho da locução. São importantes, mas sozinhos não explicam a
ordenação dessas construções em estudo.
Para tanto, nosso primeiro capítulo trará uma explanação sobre nosso objeto de
estudo; justificaremos o uso do termo circunstancial e ainda discutiremos a noção de
tempo e aspecto. No capítulo seguinte, retomaremos de forma sucinta alguns estudos
linguísticos sobre os circunstanciais temporais e aspectuais. Abordaremos, ainda, a
forma como a noção semântica dos adverbiais temporais e aspectuais é tratada, além de
apresentarmos uma breve explanação de trabalhos sobre a questão do sujeito no
português brasileiro. No terceiro capítulo, apresentaremos os pressupostos teóricos que
norteiam nossa pesquisa. No capítulo 4, detalhamos a metodologia utilizada e alguns
parâmetros empregados em nossa análise. Finalmente, no capítulo 5, apresentaremos as
análises realizadas e, em sequência, as tendências observadas nas locuções.
25
1. OBJETO DE ESTUDO: O PONTO DE PARTIDA
No intuito de apresentar o objeto de análise de nosso trabalho – ordenação de
circunstanciais de tempo e de aspecto no português e no francês escrito – faremos, neste
capítulo, uma breve explanação sobre as suas características estruturais, semânticas e de
ordenação. Para isso, partimos das observações de algumas gramáticas tradicionais
brasileiras e francesas sobre as locuções adverbiais, bem como de algumas discussões
teóricas sobre as noções de tempo e aspecto.
1.1 As locuções adverbiais
A tradição gramatical brasileira atribui às locuções adverbiais o status de
subcategoria dos advérbios simples. Como veremos mais adiante, em função de tal
perspectiva, as gramáticas tradicionais acabam destacando somente dois aspectos dessas
locuções: (a) a sua constituição estrutural, com ênfase na sua realização sob a forma de
SPrep (preposição + elemento nominal), e (b) o seu valor semântico, geralmente, com
base numa listagem dos tipos de adverbiais, exemplificados de forma
descontextualizada.
Cunha (1990) distingue os advérbios a partir do termo ao qual eles se
relacionam. Para o autor, advérbios são palavras que se juntam a verbos – para exprimir
a circunstância em que se desenvolve o processo verbal – e a adjetivos e a outros
advérbios, para intensificar uma qualidade. Rocha Lima (2003) segue o mesmo padrão
de definição, referindo-se aos advérbios como modificadores do verbo, limitando a
apenas os advérbios de intensidade a modificação de adjetivos e outros advérbios.
26
Para ambos os autores, a estrutura da locução adverbial consiste num conjunto
de duas ou mais palavras com valor de advérbio. Segundo Cunha (op.cit.), a regra para a
formação das locuções adverbiais é a associação de uma preposição a um substantivo, a
um adjetivo ou mesmo a um advérbio. Nos exemplos dados pelo autor, a locução
adverbial aparece em estruturas com preposição (em silêncio; de vez em quando) e sem
a preposição (frente a frente; ombro a ombro)6.
O papel da preposição como formador da locução adverbial é apresentado por
Bechara (2009), já que ela seria o elemento responsável por preparar o substantivo para
exercer uma função primariamente diferente da sua: a função de advérbio. Entretanto, o
autor aponta que essa preposição pode não integrar a estrutura da locução adverbial de
tempo e de modo. Um dos exemplos apresentados pelo autor, retomado (1) a seguir,
mostra que a locução esta semana (um SN) é usada, ao invés de nesta semana, na
margem esquerda da sentença:
(1) Esta semana teremos prova. (Bechara 2009:290)
Para nós, uma definição mais abrangente sobre a distinção estrutural entre
advérbio e locução adverbial está em Martelotta (2012:26):
“Há dois aspectos da estrutura dos advérbios que devem ser aqui mencionados. Um
deles diz respeito à distinção entre a noção de advérbio, que focaliza a natureza do
termo como um único vocábulo (hoje, bem, aqui, rapidamente etc.) e o conceito de
sintagma ou locução adverbial, caracterizado pela estrutura sintagmática de algum tipo
(de manhã, na noite passada, todo dia, muitas vezes etc).
Nesse sentido, teríamos, por um lado, aquelas estruturas sintagmáticas, consequentes
da possibilidade de se formar, sobretudo pela junção de preposições com substantivos,
construções de valor adverbial. (...)”
6 Cunha (1990:501).
27
Tendo em vista a questão estrutural, Neves (2011) elenca algumas construções
possíveis para as locuções adverbiais:
(a) preposição + substantivo/adjetivo/advérbio – Ex.: de repente; às vezes; por miúdo.
(b) substantivo quantificado – Ex.: algumas vezes; muitas vezes.
(c) preposição + substantivo quantificado – Ex.: de forma alguma; de modo nenhum.
(d) substantivo + preposição + substantivo – Ex.: via de regra.
(e) substantivo/pronome quantificador + preposição + mesmo substantivo/pronome –
Ex.: passo a passo; pouco a pouco.
(f) preposição + sintagma nominal/pronominal + preposição + sintagma
nominal/pronominal – Ex.: de uma vez por todas; de vez em quando.
(g) preposição + nome/pronome + preposição + mesmo nome/pronome – Ex.: de tempo
em tempo; de quando em quando.
(h) as formas verbais HÁ/FAZ, HAVIA/FAZIA + substantivo quantificado – Ex.: fazia
alguns meses; há dois anos.
Das diferentes possibilidades estruturais listadas pela autora para as locuções
adverbiais, a única que não faz parte de nossa investigação é a (h), pois consideramos
que, por ser uma construção verbal, ela precisaria de uma análise diferenciada das
demais (cf. capítulo 4).
Como vimos, um conjunto de palavras não precisa necessariamente de uma
preposição inicial para funcionar como advérbio. Castilho et alii (2014) afirma que há
uma área cinzenta entre os advérbios propriamente ditos e os adverbiais (sintagmas
nominais e sintagmas preposicionais que assumem funções de advérbios). Os autores
indicam que, no estudo sobre adverbiais, é importante distinguir o que eles chamam de
28
advérbios de constituintes de advérbios de sentença. Os primeiros seriam aqueles que
tomam como escopo um constituinte da sentença; os segundos seriam os que tomam
toda a sentença como escopo7. Os autores confirmaram, a partir de uma série de testes, a
distinção entre esses dois tipos de advérbios: se, por um lado, apenas os advérbios de
constituinte aceitam normalmente operações de focalização, interrogação e clivagem,
por outro, os advérbios “de discurso” – associados à modalidade oral pelos autores.
No que diz respeito à ordenação dos adverbiais, Castilho (op.cit.) resume as
possibilidades em quatro8:
P1: antes da sentença
P2: depois da sentença
P3: entre o sujeito e o verbo da sentença
P4: entre o verbo e o argumento que vem imediatamente depois do verbo.9
Os autores afirmam que, geralmente, o advérbio estará próximo à frase sobre a
qual opera, ou seja, a ordenação do adverbial estará diretamente relacionada ao seu
escopo. No entanto, os próprios autores consideram este apenas um princípio geral, cuja
aplicação gera várias alternativas.
Castilho (2012) faz uma distinção entre os adjuntos adverbiais a partir de seu
escopo. O autor nomeia como adjunto adverbial aqueles que tomam como escopo o
verbo, o adjetivo ou outro advérbio. Já os adjuntos que possuem como um escopo toda a
sentença, predicando-a, são chamados de adjuntos adsentenciais.
7 Escopo aqui é considerado como o alcance de modificação em que um determinado elemento tem na
sentença. 8Castilho et alii (2014:271). 9 A proposta de amálgama das posições (conforme veremos no capítulo 5) dá conta dessas ordens
indicadas por Castilho (2014).
29
A questão da função e da posição dos adverbiais10 pouco é descrita nas
gramáticas tradicionais, que se limitam, na maioria das vezes, a indicar que os advérbios
e as locuções adverbiais têm a função de adjuntos adverbiais e que sua posição
prototípica é a final – embora eles tenham mobilidade sintática. Além disso, a tradição
gramatical brasileira acaba não contemplando de forma satisfatória as funções
discursivas desses termos e as suas diferentes ordenações na oração.
É importante destacar que Rocha Lima (2003) não limita a função do adverbial à
de adjunto. Para ele, o advérbio pode ser considerado um complemento circunstancial
dependendo da oração, ou seja, ele pode fazer parte da estrutura argumental do verbo.
Contudo, os complementos circunstanciais ocorreriam em orações nas quais o verbo é,
tradicionalmente, classificado como intransitivo, como vemos em (2) e (3)11:
(2) Morar em Paquetá.
(3) A guerra durou cem anos.
Para o autor, o verbo intransitivo prototípico encerra em si “a noção predicativa,
dispensando quaisquer complementos” (p.340), ou seja, ele recorta apenas um papel
participante, que se funde com o argumento que desempenha o papel sintático de
sujeito. Conforme observamos em (2) e (3), as locuções em Paquetá e cem anos não
podem ser consideradas apenas termos acessórios nas suas orações, pois se mostram tão
indispensáveis “à construção do verbo quanto, em outros casos, os demais
complementos verbais” (pág. 252). Para o autor, a ocorrência do complemento
circunstancial é possível em virtude da semântica de verbos como morar, ir, durar e
viver, que não recortam participantes tradicionais como o objeto direto e o indireto, mas
10 Adotamos a nomenclatura “adverbiais” em alguns pontos para designar advérbios e locuções adverbiais
como um todo. 11 Cf. Rocha Lima (2003:252).
30
sim circunstâncias necessárias12 à coerência externa do evento. Em outras palavras, os
termos que expressam a noção circunstancial podem se apresentar como um papel
participante do verbo, ou seja, como um de seus complementos.
A flexibilidade de ordenação das locuções adverbiais, podendo ser colocadas no
predicado e ainda nos domínios do sujeito, é justificada por Bechara (op.cit.) devido ao
seu papel na oração. Segundo o autor, como a locução não se prende apenas ao núcleo
verbal, mas também a toda a extensão do conteúdo do predicado, isso lhe permite
mobilidade.
A classificação semântica dos adverbiais está diretamente relacionada à sua
ordenação nas sentenças. Na visão de Cunha (op.cit.), a colocação dos advérbios segue
uma regra básica: os que modificam um adjetivo, um particípio isolado ou outro
advérbio (intensidade) colocam-se antes dele; os que modificam o verbo (modo), depois
dele; e os de tempo e os de lugar podem vir antes ou depois do verbo. Castilho (2012)
sinaliza que Braga e Botelho (1981) já mostraram que os adjuntos adverbiais de tempo e
de frequência se topicalizam mais que os de lugar, modo, quantidade e companhia.
1.2. Les Compléments circonstanciels – complementos circunstanciais em francês
Grevisse (2011) considera que, em francês, o advérbio é uma palavra invariável
a qual pode servir de complemento a um verbo, a um adjetivo e a outro advérbio. O
autor afirma que o advérbio pode ser formado de várias palavras (bientôt; toujours), mas
que, se elas tiverem a escrita separada, são chamadas de locution adverbiale (d’ores et
déjà; en vain; tout à fait).
12 Essas circunstâncias, segundo ao autor, podem vir expressas por: (a) um nome regido por a ou para,
indicando direção (Ir a Roma); (b) um nome com ou sem preposição, exprimindo tempo, ocasião (Viver
muitos anos; E meu suplício durará por meses); ou (c) por nome sem preposição que indique peso, preço,
distância no espaço, no tempo (Envelhecer vinte anos). (pág.252-253)
31
Do ponto de vista semântico, Grevisse (op.cit.) distingue os advérbios em três
grupos principais:
(a) os advérbios de modo (adverbes de manière) - aos quais se somam os advérbios de
intensidade (adverbes de degré) e os advérbios de negação (adverbes de négation);
(b) os advérbios de tempo e lugar (adverbes de temps et lieu);
(c) e os advérbios que marcam uma relação lógica (adverbes marquant une relation
logique).
Os advérbios de aspecto (adverbes d’aspect) são considerados, por ele, muitas
vezes próximos dos adverbes de manière e dos adverbes de temps. Segundo o autor:
“Les adverbes de temps situent les faits dans la durée par rapport au moment de la
parole ou à un autre repère. — Les adverbes d’aspect concernent à la fois le temps et la
manière : ils font intervenir des nuances de soudaineté, de répétition, etc”13 (p. 1004)
Como podemos notar, assim como em português, a noção aspectual do adverbial
na língua francesa se confunde com a noção de tempo, tornando difícil a separação.
Uma clara distinção na definição da categoria adverbial pelo autor é a associação
do item à função de complemento de um verbo. Grevisse (op.cit.) separa o
complemento verbal em três tipos: les compléments d’objet (complementos de objeto);
les compléments adverbiaux (complementos adverbiais); et le complément d’agent du
verbe passif (agente da passiva). Esses complementos verbais são o que,
tradicionalmente, a gramática francesa considera como compléments circonstanciels
13 Os advérbios de tempo situam os fatos ao longo do tempo em relação ao momento de discurso ou outro
marco. – Os advérbios de aspecto concernem tanto o tempo quanto a maneira: eles envolvem a
quantidade de nuances, de repetição, etc.
32
(complementos circunstanciais), ou seja, é a função exercida pela classe dos advérbios
(adverbes) na sentença.
Estruturalmente, esses complementos circunstanciais possuem o mesmo
comportamento das locuções adverbiais no português. Em francês, les locutions
adverbiales (locuções adverbiais)14 são extremamente numerosas e são formadas a
partir das seguintes estruturas: Préposition + nom; Préposition + infinitif; Préposition +
adjectif; Préposition + forme verbale + objet; Préposition et adverbe; Syntagmes divers.
Delatour et alii (2004) expõe que a expressão de tempo, em francês, pode ser
assinalada de várias maneiras: por um advérbio, por uma oração subordinada e por
um grupo com preposição + nome. Segundo os autores, advérbios e expressões
diversas exprimem a localização, a duração, a repetição, a sucessão, o hábito, além de
indicarem data, hora, medidas de tempos e periodicidade. Nos exemplos, percebemos o
uso tanto de locuções tipicamente temporais como também aspectuais15:
(a) En ce moment, mes parentes sont em Suisse. (localização no tempo)
(b) Il nous racontait tout le temps les mêmes histoires. (hábito)
(c) Il est né le 5 mai 1985. (data)
Após a explanação a respeito da forma como as locuções adverbiais são tratadas
em português e em francês, trataremos brevemente da noção semântica das locuções de
tempo e de aspecto para delimitarmos o que de fato constituirá como objeto de nosso
estudo: os circunstanciais temporais e aspectuais.
14 O autor salienta que há diferença entre locuções adverbiais e advérbios formados por mais de uma
palavra (adverbes composés). Na realidade, o que ele considera como advérbios de mais de uma palavra
são as que locuções que “resultam de alterações que encontraremos mais ou menos na etimologia” (pág.
965), ou seja, são expressões que já se gramaticalizaram e se tornaram um só elemento, como o
aujourd’hui (= au jour d’hui) ou autrefois (autre + fois). 15 Exemplos de Delatour et alii (2004:261-262).
33
1.3. Os circunstanciais de tempo e aspecto
Nosso objeto de estudo são as ordenações das locuções adverbiais de tempo e de
aspecto. As noções de tempo e de aspecto, segundo Rocha e Lopes (2009), são
dimensões que se entrecruzam, mas que transmitem informações distintas. Tempo trata-
se de uma categoria dêitica, já que sua interpretação se ancora no momento da
enunciação; aspecto indica as fases de constituição do evento, sua duração, seu começo,
seu desenvolvimento e seu fim.
Para Travaglia (1994: 42), o aspecto é uma categoria verbal relacionada ao
TEMPO. O autor esclarece o que, para ele, seria esse “TEMPO”:
(1º) Tempo 1 tempo = é a categoria verbal, relacionada ao presente, ao passado e ao
futuro;
(2º) Tempo 2 tempos flexionais = é a flexão verbal, ou seja, os agrupamentos de
flexões da conjugação verbal;
(3º) Tempo 3 TEMPO = é a ideia geral, abstrata de tempo, sem levar em
consideração sua indicação pelo verbo.
Segundo o autor, a confusão entre as noções de tempo e aspecto ocorre pelo fato
de que ambas vêm da mesma categoria: o TEMPO. Para ele, as duas não se confundem,
pois16:
(a) o tempo situa o momento de ocorrência da situação a que nos referimos em
relação ao momento da fala como anterior (passado), simultâneo (presente)
16 Ver Travaglia (1994:43).
34
ou posterior (futuro) a esse mesmo momento. É uma categoria dêitica, uma
vez que indica o momento da situação relativamente à enunciação. Aqui
temos uma datação;
(b) o aspecto não é uma categoria dêitica, porque se refere à situação em si. São
as diferentes maneiras de ver a constituição interna da situação, sua duração.
Podemos resumir as noções de tempo e aspecto, apresentadas por Travaglia
(1994:43), afirmando que o tempo é “um TEMPO externo à situação” e o aspecto é
“um TEMPO interno à situação”. O autor retoma Verkuyl (1972: 8) e afirma que o
aspecto não pode ser ignorado em nenhuma sentença que contenha advérbios de tempo
(pág. 272). Para ele, o adjunto adverbial pode ser o responsável por toda a noção
aspectual presente na frase. De forma semelhante, Castilho (1967) afirma que os
adjuntos adverbiais envolvidos na noção de aspecto são sempre temporais.
Para nós, a noção temporal e a aspectual das locuções adverbiais não são
excludentes, seguindo a posição de Travaglia. Além disso, assumimos, seguindo
Martelotta (2012: 72), que “as locuções adverbiais são mais ricas na expressão do
aspecto do que os advérbios simples”. As locuções adverbiais, segundo o autor, podem
ser agrupadas em conjuntos que envolvem noções aspectuais: (a) indeterminadas; (b)
iterativas; (c) durativas; (d) delimitativas. No entanto, devido à dificuldade de se
distinguir na prática um advérbio de tempo de um aspectual, alguns autores, como
Givón (2001), preferem tratar ambos como um único grupo: advérbios de tempo e
aspecto.
Neves (2011:256) atenta para a noção de aspecto dentro da categoria de
circunstanciais temporais. A autora afirma que o subgrupamento básico dos advérbios
35
circunstanciais contempla os advérbios de tempo e de lugar, por serem categorias “que
fazem orientação por referência ao falante e ao aqui-agora, que constituem o complexo
modo-temporal que fixa o ponto de referência do evento de fala”.
A autora salienta que, dentro da semântica de tempo, há inegavelmente a noção
aspectual, mesmo com uma oposição entre elas (o tempo possui natureza dêitica e o
aspecto, natureza não dêitica). Para a autora, a circunstância de tempo é a característica
semântica geral dos advérbios de tempo, mas há traços semânticos e aspectuais
vinculados a essa noção de circunstância temporal. As circunstâncias de tempo são:
(a) situação – responde à pergunta “quando?”. Pode ser absoluta ou relativa;
(b) duração – período visto na sua duração. Pode ser fórico ou não fórico17;
(c) frequência – repetição / não repetição de momentos ou períodos. Tais elementos
exprimem aspecto, vinculado a tempo.
No presente trabalho, consideramos circunstanciais temporais e aspectuais as
locuções adverbiais que indicam a noção de tempo ou de aspecto, como nos exemplos18:
(4) No dia 31 de julho , a menina queria estocar chocolate.
(5) Eu precisei de chocolate durante aqueles dias.
(6) A vida mais uma vez será doce com chocolate.
(7) Pendant ses études, elle a mangé beaucoup de chocolat.
(8) Nous serons libres le 18 de septembre.
17 A autora define como fórico o período referido a um momento da enunciação e o não fórico o período
não referido a um momento determinado da enunciação ou do enunciado. (pág.269) 18 As frases simples foram criadas a título de exemplificação.
36
No exemplo (4), temos a locução prototípica – no dia 31de julho –, iniciada por
preposição e com um constituinte calêndrico, tipicamente temporal; em (5), temos uma
locução iniciada por preposição, com valor durativo, ou seja, mais aspectual; e
finalmente, vemos, no exemplo (6), a locução constituída de um SN prototípico da
noção aspectual de reiteração. Os dois exemplos em francês possuem estruturas
diferentes, em (7) o circunstancial pendant ses études é iniciado por uma preposição
tipicamente durativa; já em (8) o circunstancial é um SN (le 18 de septembre) com
noção temporal. Destaque-se o fato de que, nos exemplos citados, os termos destacados
aparecem em diferentes posições (antes e depois do verbo), evidenciando a mobilidade
sintática das locuções adverbiais.
Portanto, as ocorrências de locuções adverbiais como as observadas em (4), (5),
(6) (7) e (8) constituem objetos de análise da nossa pesquisa, pois, baseando-nos em
Neves (op.cit.), consideramos que tempo e aspecto são diferenças semânticas dentro de
um grupo maior chamado Advérbios de tempo, que, por sua vez, são circunstanciais.
Poderíamos esquematizar essa semântica da seguinte forma:
Semântica dos adverbiais
Circunstanciais
Tempo Lugar
Tempo
Aspecto
Outras noções semânticas
Esquema 1: Noções semânticas dos adverbiais
37
Após definirmos, semântica e estruturalmente, nosso objeto de estudo, com base
em diferentes considerações acerca da literatura sobre adverbiais, passaremos para o
capítulo seguinte, que apresenta uma breve (porém necessária) revisão sobre estudos
referentes aos circunstanciais temporais e aspectuais no português e no francês.
38
2. ESTUDOS LINGUÍSTICOS
Inúmeros são os estudos sobre os adverbiais na literatura atual. Daremos aqui
maior destaque àqueles que tratam dos circunstanciais, em particular àqueles que nos
trazem maiores contribuições para a análise das posições das locuções adverbiais de
tempo e de aspecto. Primeiramente, faremos um apanhado geral sobre trabalhos que
focam a questão da semântica e a ordenação dos circunstanciais, em especial aqueles
que dão destaque à sua função discursiva. Após a discussão dos estudos empíricos
acerca da posição dos circunstanciais na oração, abordaremos alguns pontos importantes
sobre a questão do sujeito, que, embora, não seja nosso objeto de análise, possui papel
importante para algumas de nossas hipóteses.
2.1. A ordenação dos circunstanciais
2.1.1. O Papel Semântico
Sob a perspectiva funcional, a ordenação dos circunstanciadores temporais foi o
objeto de estudo de Martelotta (1994), em um corpus constituído de entrevistas19. O
autor considerou como circunstanciadores temporais os advérbios simples, adjuntos
adverbiais, orações adverbiais e operadores argumentativos que expressavam a noção de
tempo.
Como seu objetivo era buscar os diversos fatores discursivos que pudessem
motivar a distribuição desses elementos temporais na sentença, o autor, adaptando uma
19Corpus constituído de entrevistas elaboradas pelo Projeto Projeto do Censo de Variação Linguística,
Competências Básicas do Português e pelo Projeto NURC-RJ (Projeto da Norma Urbana Oral Culta do
Rio de Janeiro).
39
proposta de classificação já utilizada em Martelotta (1986), apresentou cinco tipos de
circunstanciadores, listados a seguir:
(a) Circunstanciadores de tempo determinado – indicam o momento em que ocorre o
evento de forma precisa (como hoje, ontem, semana passada);
(b) circunstanciadores de tempo indeterminado – expressam a noção de que os eventos e
situações perduram no tempo e não em um momento específico (como sempre,
geralmente, nunca);
(c) circunstanciadores iterativos – denotam a frequência com que os eventos não-
específicos ocorrem ao longo do tempo (como às vezes, duas vezes por semana, de vez
em quando);
(d) circunstanciadores de simultaneidade – indicam eventos que ocorrem
concomitantemente (como enquanto isso, ao mesmo tempo);
(e) circunstanciadores delimitativos – delimitam os eventos e as situações, indicando o
início e/ou fim de sua permanência no tempo (como há três anos, até hoje, durante três
meses).
Compartilhamos a opinião de Martelotta (1994), segundo o qual há dentro da
semântica dos circunstanciadores temporais aqueles que indicam a frequência com que
eventos ocorrem ao longo de um tempo, ou seja, os aspectuais. Além disso, o autor
relaciona o tipo de circunstancial ao tipo de discurso no qual o constituinte está inserido
(figura ou fundo em textos narrativos e não-narrativos) e às posições20.
20 Martelotta (op. cit.) organiza os circunstanciadores em seis possibilidades de ordenação, são elas: (i)
antes do verbo, sem a ocorrência de sujeito; (ii) antes do sujeito; (iii) entre o sujeito e o verbo; (iv) após o
verbo, sem a ocorrência de complemento ou predicativo; (v) entre o verbo e o complemento ou
predicativo; e (vi) após o complemento ou predicativo.
40
Os resultados dessa investigação indicam que há uma tendência específica para a
colocação dos circunstanciadores temporais na sentença – tal tendência, segundo os
resultados encontrados, depende da força que a informação expressa pelo circunstancial
assume dentro da estrutura do discurso em que ele ocorre. O circunstanciador tende a
aparecer em posições pré-verbais quando traz informações temporais análogas aos
traços semântico-gramaticais do discurso no qual ocorre21. No entanto, se não há essa
relação semântica, o circunstanciador tende a aparecer nas posições pós-verbais.
Assim, os circunstanciadores de tempo determinado tendem a ocupar posições
pré-verbais em figura narrativa e não-narrativa, uma vez que a força informativa que
assumem nestes contextos os leva a ser topicalizados ou enfatizados. Por sua vez, os
circunstanciadores de tempo indeterminado e os circunstanciadores de simultaneidade
tendem à posição pré-verbal em fundo narrativo e não-narrativo, devido também à força
informativa assumida, que os leva à topicalização ou à ênfase.
Em relação aos circunstanciadores iterativos, há a maior ocorrência nas posições
pré-verbais em fundo narrativo e não-narrativo e em figura não-narrativa, já que esses
tipos de discursos são marcados pelo traço [-específico], estimulando a iteratividade.
Em contraste, os circunstanciadores delimitativos possuem uma mobilidade maior na
oração, visto que apresentam duas características distintas: por um lado, funcionam
como um circunstanciador de tempo determinado (indica o momento específico no qual
se inicia e/ou termina o evento), por outro, apresentam características semântico-
gramaticais típicas de fundo.
A noção semântica da temporalidade também é observada em Ilari (2001), em
seu estudo sobre a expressão linguística de tempo. Nele, o autor aborda, dentre outras
questões, a indicação de tempo expressa pelos adjuntos adverbiais com valor de
21 Martelotta (1994), pág. 201.
41
localização de eventos, de duração interna dos eventos, ou até mesmo para expressar
uma reiteração.
O autor descreve os adjuntos adverbiais que localizam os eventos no tempo
como aqueles que se relacionam aos valores não durativos e não iterativos. Esses
adjuntos respondem à questão “quando?” e podem indicar uma localização mais ou
menos específica de acordo com os momentos apontados. Ilari (op. cit.) explica que o
uso desses adjuntos remete a uma necessidade de ancoragem real, em um tempo
disponível ou não no texto no qual estão inseridos. Ou seja, existem aqueles adjuntos
que possuem uma ancoragem textual endofórica ou exofórica, dependendo da situação à
qual se referem.
A duração interna dos eventos, segundo o autor, pode ser expressa de diversas
maneiras, distintas em três processos: os pontuais, os duráveis com a ideia de “tempo
gasto” ou “tempo empregado” e os duráveis com a ideia de “tempo escoado”. Em
alguns casos, os adjuntos adverbiais associados a essas noções temporais responderiam
à pergunta “em quanto tempo?” ou mesmo “quanto tempo... levou para...?”.
Por último, o autor afirma que a escolha de uma determinada estrutura sintática
resulta numa interpretação reiterativa ou não da sentença, combinada sempre a alguns
outros fatores. Um desses fatores é a presença de certos adjuntos, principalmente
aqueles que se utilizam da noção de “vez”, referindo-se sempre a uma repetição de
eventos de um mesmo tipo (pág. 57). Assim, a ideia de reiteração pode ser percebida
quando se responde à pergunta “Quantas vezes?” e pode vir caracterizada
numericamente ou mesmo através de termos indefinidos.
As definições semânticas apresentadas por Martelotta (1994) e por Ilari (2001)
para as noções temporais dos circunstanciadores e adjuntos servirão de base para
42
classificarmos semanticamente os circunstanciais temporais e aspectuais neste trabalho
e para darmos conta das possíveis ordenações motivadas por suas distinções semânticas.
Outras pesquisas de cunho funcionalista também abordam a questão semântica
das locuções adverbiais temporais e aspectuais. Entre elas, temos Andrade (2005), que
analisou tais locuções em editoriais do Jornal do Brasil, coletados nos anos de 1999,
2003 e 2004, com o objetivo de identificar os possíveis fatores que motivariam a sua
ocorrência em posição pré-verbal ou pós-verbal.
A autora tomou por base os estudos de Martelotta e desenvolveu sua análise de
acordo com a semântica das locuções adverbiais temporais encontradas: localizadoras
(as que localizam o evento no tempo), durativas (expressam a duração de uma situação),
reiterativas (apontam uma repetição de um evento) e simultâneas (indicam dois eventos
que ocorrem concomitantemente). Seus resultados revelaram que as locuções
apresentavam 53% de posições pré-verbais e 47% de posições pós-verbais. O equilíbrio
na distribuição de ambas as ordenações se verificou a princípio pela questão semântica
das locuções.
As locuções com valor localizador e durativo não tiveram preferência por uma
certa posição, pois a diferença percentual entre as duas não se mostrou significativa. As
locuções reiterativas apresentaram-se em maior número na posição pós-verbal (71%) e
as simultâneas mostraram-se mais produtivas na posição pré-verbal (80%).
Em Ilogti de Sá (2009), as locuções adverbiais temporais e aspectuais foram
estudadas sob a ótica do funcionalismo norte-americano em um corpus jornalístico
contemporâneo, buscando as motivações para o seu posicionamento na oração. A
classificação semântica adotada pela autora, baseada em Martelotta (1994) e Ilari
(2001), distinguiu entre locuções que expressam noções dêiticas, durativas, reiterativas,
delimitativas e simultâneas para as locuções adverbiais.
43
No corpus em análise, a autora verificou uma grande quantidade de locuções
com valor dêitico. Ao cruzar esse fator com as posições assumidas pelos circunstanciais,
ela esperava encontrar uma influência do papel semântico da locução com a sua
ordenação. Viu, então, que as dêiticas se posicionaram nas margens das orações. O
mesmo foi observado com relação às delimitativas, ao contrário do esperado, já que a
autora previa o aparecimento das locuções com valor delimitativo mais na margem
esquerda das orações. Já as durativas e as reiterativas ocuparam principalmente a
margem direita da oração, porque são locuções mais aspectuais e normalmente não
possuem a função de retomar informações no discurso anterior.
Ainda com relação à semântica, Ilogti de Sá (op. cit.) conclui que as locuções
reiterativas, por estarem mais próximas cognitivamente ao verbo, ocupam posições
mediais da oração. Quanto às locuções com valor simultâneo, embora poucos dados
tenham sido encontrados, observou-se uma forte tendência a um posicionamento mais
fixo, na margem esquerda da oração.
Uma proposta de um contínuo entre essas classificações semânticas das locuções
listadas em Ilogti de Sá (2009) é apresentada em Machado (2012). A autora, assumindo
que o grupo semântico dessas locuções distingue duas noções (tempo e aspecto)
pertencentes a um valor semântico equivalente (temporais), propõe um contínuo de
modo que, de um lado, estejam as locuções [+temporais; -aspectuais] e, do outro,
locuções [temporais; +aspectuais]. A autora apresenta o seguinte esquema:
Dêiticas > Localizadoras > Simultâneas > Delimitativas > Durativas > Reiterativas
+temporal +aspectual
Em sua análise das locuções adverbiais temporais e aspectuais no português dos
séculos XVIII e XIV, a autora acredita que as locuções mais temporais tendem a ocupar
44
posições à esquerda do verbo, enquanto as locuções mais aspectuais, posições à direita
do verbo. Machado (op. cit.) constata que as ocorrências das locuções à esquerda
parecem ser motivadas mais pela sua deiticidade do que pela sua semântica.
Utilizamos em nossa análise semântica dos circunstanciais temporais e
aspectuais a proposta de contínuo apresentada pela autora, para justificarmos as noções
semânticas de tempo e aspecto dos circunstancias aqui adotadas (cf. capítulo 1).
2.1.2. A função discursiva e as demais motivações para ordenação dos
circunstanciais
Sob uma perspectiva variacionista, Brasil (2005) realizou um estudo
comparativo entre o português do Brasil (PB) e o português de Portugal (PE) sobre a
ordenação de circunstanciais temporais e locativos. Seus resultados trazem importantes
considerações acerca da preferência de ordenação dos constituintes analisados.
A autora utiliza um corpus de língua escrita constituído de 330 textos de jornais
e revistas do português brasileiro e europeu de diferentes gêneros22. Ela pressupõe que
exista uma ordenação preferencial para cada uma das duas classes semânticas analisadas
(ordem não-marcada) e que, por algumas condições divergentes, ou até mesmo por
imposições comunicativas, tal posicionamento é modificado.
Brasil (op. cit.) define, com base em estudos anteriores, que o circunstancial
temporal admite uma variação de ordenação maior que os locativos. Tal diferenciação
ocorreria porque, segundo Paiva (2002), há a possibilidade de o locativo ser um
argumento verbal, o que o fixaria em posição pós-verbal. Os circunstanciais com valor
temporal se dividiriam especialmente nas margens da oração, sendo a margem esquerda
22 Os gêneros considerados por ela foram anúncios, entrevistas, notícias/reportagens e matéria
assinada/artigo de opinião, todos coletados no período de 1999 a 2002.
45
a predominante daqueles com uma função coesiva maior. Com relação à ordenação dos
circunstanciais temporais, Brasil define como posição não-marcada a margem esquerda
e discute os fatores que influenciam o uso numa posição diferente, tais como os de
natureza sintática, semântica e discursiva.
A construção da coesão e coerência textuais foi forte influência para o
posicionamento dos circunstanciais. A posição inicial é ocupada pelo circunstancial
quando ele está relacionado à continuidade ou à retomada de pontos específicos de
informação, assim como quando estabelece uma relação entre determinados pontos do
texto ou mesmo quando indica um foco de contraste. Já a margem direita é ocupada
pelo circunstancial, quando ocorre um acréscimo de informação nova, pois, nesse caso,
o circunstancial aparece apenas para contribuir no desenvolvimento do discurso. Dessa
forma, a autora afirma que os circunstanciais constituem um elemento importante na
articulação tema-rema, tendo em vista que o produtor do texto os utiliza para introduzir
novos referentes ou para se referir a algum referente já mencionado no discurso.
Percebendo a importância dos circunstanciais na organização do discurso, Brasil
(op.cit.) conclui que “as variações posicionais dos circunstanciais, em especial dos
temporais, refletem pressões impostas pela organização linear do texto e pelas
exigências de garantir sua coerência e coesão”. No entanto, tal funcionalidade não
exclui os fatores semântico-lexicais como motivadores para a ruptura da ordem
preferencial do circunstancial. Assim, a autora constatou que os temporais que possuem
uma noção mais relacionada especificamente à constituição interna da predicação do
que com a noção aspectual tendem a ocupar posições adjacentes ao verbo e não as
margens, sendo estes os circunstanciais que menos se apresentam na posição não-
marcada.
46
A respeito do escopo do circunstancial e sua ordenação, ela conclui que, tanto os
locativos quanto os temporais, quando estão associados a todo o discurso, se
posicionam à margem esquerda da oração. Já sua ordenação posposta ao verbo pode ser
verificada quando seu poder de atuação é mais restrito, posicionando-se, nesses casos,
principalmente na margem direita.
Uma de suas hipóteses iniciais era que o circunstancial ocuparia a posição do
sujeito quando este não estivesse presente. No entanto, isso só foi observado no PE e
nas orações em que o sujeito estava ausente. Brasil afirma que a diferença entre as duas
variedades (PB e PE) pode ser explicada por fatores discursivos e sintáticos, mais
especificamente como um reflexo de opções estruturais diferentes no que se refere ao
sujeito nulo. A autora ressalta que nos contextos nos quais o sujeito estava oculto, a
anteposição do circunstancial poderia prejudicar a relação anafórica com o antecedente
do sujeito e talvez a não antecipação do adverbial ocorra para dar prioridade a essa
informação.
O peso do circunstancial foi outro fator relevante na ordenação dos
circunstanciais e, ao verificar a relação entre quantidade de material fonológico e
posição dos circunstanciais o resultado foi o esperado. As posições pós-verbais foram
ocupadas principalmente por circunstanciais maiores, e as pré-verbais pelos de menor
quantidade fônica. Observou-se ainda que as posições mediais eram quase que
exclusivas daqueles que possuem pouco material fonológico, ou até mesmo para os
monossílabos.
Paiva (2007), no seu artigo sobre regularidades e divergências sobre o papel dos
circunstanciais temporais, incluindo as locuções e os adverbiais, nos padrões de
organização do discurso, confronta fala e escrita. A autora se vale do conceito de
marcação, mas mostra que a oposição marcado X não-marcado não seria absoluta, já
47
que a função da modalidade, o tipo de texto e de gênero discursivo podem influenciar na
posição. Portanto, Paiva procura mostrar que podemos traçar paralelos entre as duas
modalidades, mas que, ao nos referirmos à ordem não-marcada e ao contexto de uso,
outros fatores intervêm na ordenação.
A autora define as seguintes possibilidades de posicionamento para os
circunstanciais temporais: margem esquerda da oração (ME), entre o sujeito e o verbo
(PM1), entre o verbo e o objeto (PM2) e margem direita da oração (MD). Após sua
análise comparativa, a autora conclui que a ordem mais frequente, nas duas
modalidades, era a posição à margem esquerda. Essa tendência foi observada tanto na
variação dos advérbios quanto na dos sintagmas preposicionais, o que a levou a afirmar
que essa era a posição não-marcada dos circunstanciais temporais. Ainda no que diz
respeito a um primeiro resultado, outra semelhança encontrada foi a escassez de
circunstanciais ocupando a margem direita da oração.
A autora salienta que os temporais, assim como outros circunstanciais,
desempenham funções no discurso, principalmente a partir de seu escopo de atuação.
Essa função23 poderia ser:
1) Retomada anafórica: o circunstancial retoma informações apresentadas anteriormente
no discurso;
2) Especificação de predicação: o circunstancial atua apenas para situar o evento num
determinado tempo, atuando apenas como circunstanciador;
3) Segmentação tópica: o circunstancial anuncia o início de um novo evento, atuando
em uma transição entre tópicos do discurso;
23 Destaque-se que, em nossa análise da função discursiva do circunstancial temporal e aspectual, nós nos
baseamos nessas funções delimitadas por Paiva (2007).
48
4) Mudança de plano discursivo: o circunstancial estabelece o início de uma nova
unidade discursiva, em uma descontinuidade da temática do evento e sendo uma espécie
de fronteira para o ouvinte;
5) Demarcação de pontos: o circunstancial demarca pontos ou períodos de tempo em
que o evento ocorre;
6) Focalização: o circunstancial introduz uma informação em forma de tópico, ou seja,
uma informação destacada;
7) Contraste: o circunstancial estabelece uma oposição entre duas informações, a
mencionada anteriormente e a nova.
A análise da posição desses circunstanciais e sua função discursiva permite
depreender alguns padrões. No que se refere aos sintagmas preposicionais, a margem
esquerda (não-marcada) é a preferência, nas duas modalidades estudadas, daqueles
circunstanciais que possuem papel anafórico, dos que marcam a descontinuidade
discursiva e dos que indicam um contraste.
As funções discursivas que apresentaram diferentes tendências na fala e na
escrita foram as de especificação de predicação, as que focalizam eventos e as que
demarcam pontos de uma sequência. Naquela, pode-se observar uma oscilação entre as
posições pospostas, sendo que, na fala, houve uma tendência maior ao posicionamento
na margem e, na escrita, a preferência foi pela PM2. Os sintagmas preposicionais que
indicam focalização mostraram uma predominância nas posições pós-verbais, sendo os
dois casos encontrados apenas na escrita: um caso entre o verbo e o objeto e outro na
margem da oração. Por sua vez, no caso dos SPreps temporais que demarcam pontos
diferentes do discurso, observou-se a tendência geral na modalidade oral de
49
circunstanciais aparecerem na posição inicial; na escrita, eles apresentaram uma maior
flexibilidade, já que se ordenaram tanto na margem esquerda quanto na PM2.
Brasil (2005) e Paiva (2007), embora tenham objetos de estudo diferentes24 do
dessa pesquisa, nos fornecem importantes subsídios de comparação, principalmente no
que diz respeito à função discursiva dos sintagmas preposicionais temporais.
Em Ilogti de Sá (2009), as locuções adverbiais temporais e aspectuais foram
analisadas a partir de um corpus de textos jornalísticos de grandes veículos nacionais do
Brasil, considerando a questão da intertextualidade de gêneros proposta por Marcuschi
(2005), ou seja, a ideia de que um gênero pode ser apresentado com função de outro.
A análise desenvolvida permitiu afirmar que as locuções adverbiais tendem a
ocupar as margens da oração, o que estava de acordo com as expectativas iniciais. As
locuções, sobretudo as que expressam tempo, por normalmente situarem um estado de
coisas seja com ancoragem dêitica ou discursiva, poderiam ocupar posições mais
afastadas – de acordo com o Subprincípio Icônico da Integração (cf. Givón 1990),
quanto mais próximos cognitivamente os conteúdos estiverem, mais próximos
sintaticamente eles se posicionarão. No entanto, não foi possível identificar a posição
não-marcada da locução adverbial, pois a diferença entre as margens não foi
significativa, conclusão a que também chegou Brasil (2005), em seu estudo.
A partir da análise dos gêneros textuais, a autora verificou tendências opostas de
ordenação das locuções nas notícias e nos editoriais. Naquelas, a locução ocupou
preferencialmente a margem direita da oração, conforme o previsto em sua hipótese. Na
notícia, o foco não é o tempo e sim o fato narrado, pois há o pressuposto de que ela se
refere a algo que aconteceu naquele dia, ou num tempo próximo, sobretudo por se tratar
de textos on-line, destacando aquilo que está acontecendo no momento. Além disso,
24 Brasil (2005) trabalha com advérbios e SPreps temporais e locativos e, Paiva (2007), com advérbios e
SPreps temporais.
50
nesse gênero, há trechos com cadeias tópicas de orações, o que desfavorece o uso de
locuções em início de oração (margem esquerda). Já nos editoriais, a tendência foi a
ocupação da margem esquerda da oração, sendo o tempo uma informação colocada em
foco, muitas das vezes em partes em que há contrastes de ideias entre frases e
parágrafos.
A análise do papel discursivo da locução foi de significativa importância, pois
explicou que grande parte das posições é motivada pelo papel das locuções na
macroestrutura textual. A partir de uma adaptação das funções propostas por Paiva et
alii (2007, 2008ª, 2008b), Ilogti de Sá (2009) determinou cinco funções (especificação
de coordenadas temporais, anafórica, introdução de subtópico, sequência temporal e
mista) e verificou a sua influência na ordenação das locuções.
Sua expectativa inicial era que as locuções com uma função anafórica, aquelas
que introduziam um subtópico e as que marcavam uma sequência temporal ocupariam
as posições pré-verbais e principalmente a margem esquerda da oração, por terem uma
relação direta com o discurso antecedente. No corpus analisado, tal hipótese foi
comprovada, pois todas ocuparam preferencialmente a margem esquerda da oração.
Aquelas locuções com uma função de circunstanciador, ou seja, as que apenas
indicavam o tempo do evento, ocorreram na margem direita da oração. Esse resultado
deixava claro que essas locuções, por não terem uma relação com o evento descrito
anteriormente, ocupam posições finais, isto é, sem foco e com escopo mais local. Ainda
com relação a essa função, observou-se que elas ocuparam as posições mediais da
oração, ou seja, as posições entre os verbos e seus argumentos foram preenchidas por
locuções que também tinham um escopo mais reduzido.
A autora cruzou ainda o papel discursivo da locução com os gêneros textuais
para saber se havia alguma relevância nesse resultado. Observou que, nos editoriais, as
51
locuções se apresentam apenas com a função de circunstanciador e de introdutor de
subtópico. Nos artigos e nas notícias, a mesma tendência foi verificada, pois a locução
exercia um papel de circunstanciador (predominante em todo o corpus), seguida
daquelas que estavam em orações que introduziam um novo evento.
O tamanho da locução ainda foi verificado com a expectativa de que, quanto
maior o tamanho da locução, maior a tendência de estas aparecerem em posições
marginais, já que assim não interromperiam a coesão entre os constituintes básicos da
oração, evidenciando possíveis restrições dadas pelo princípio da iconicidade.
Lessa (2012) e Soares (2012) apresentam alguns resultados convergentes a essa
pesquisa. A primeira, ao focalizar nos SPreps temporais e locativos em textos
jornalísticos, encontra como padrão de ordenação para os temporais as margens direita e
esquerda em detrimento das posições mediais. Mesma tendência mostrada em Soares
(op.cit.) para as locuções adverbiais temporais estruturadas em em+calêndrico.
Os resultados para a análise da função discursiva exercida pela locução, em
Soares, constataram que as diferentes ordenações se dão devido ao papel das locuções
na macroestrutura. Foi confirmada a hipótese inicial de que as locuções com função de
especificadores temporais tenderiam a ocupar a MD da oração, à medida que essas
locuções apenas situavam o tempo do evento, sem fazer referências às orações
anteriores. Já a ME da sentença, conforme o esperado, foi ocupada por locuções que
desempenhavam funções mais específicas no discurso, como as que introduziam um
novo assunto, faziam contraste com outra referência e demarcavam pontos numa
sequência temporal, ou ainda as que apresentavam mais funções. Machado (2012)
mostra a mesma tendência para os séculos XVIII e XIX.
Os resultados de Lessa (op.cit.) para os SPreps temporais trazem uma
comparação com os locativos. A conclusão da autora foi que estas funções discursivas
52
são inerentes aos temporais e que sua ordenação é definida por tais funções. Em seus
resultados, a ME foi ocupada por SPreps em contextos discursivos mais específicos, ou
seja, quando possuem funções como contraste, focalização ou de segmentação tópica.
Esses dois trabalhos nos dão contribuições importantes acerca da ordenação dos
temporais em detrimento do tipo e da posição do sujeito da sentença. Lessa (op.cit.)
analisa, separadamente, sujeitos nulos de 1ª e 2ª pessoa em relação aos de 3ª pessoa e,
apesar de os resultados mostrarem menos ocorrências de SPreps temporais em ME, em
ambos os casos, os sujeitos nulos de 3ª pessoa são os que mais desfavorecem SPreps
circunstanciais nessa posição.
A autora, explica que os SPreps de tempo e lugar ocupam preferencialmente a
MD em orações com sujeito nulo de 3ª pessoa por tentarem manter a continuidade
referencial entre o sujeito anafórico e o seu antecedente. A MD, nesse caso, garante a
recuperabilidade do referente do sujeito. Seus resultados contradizem a hipótese mais
geral de não deixar a periferia esquerda da oração vazia, evitando o verbo em posição
inicial, mesmo resultado encontrado em Brasil (2005). Essa hipótese só se confirma nas
orações em que o sujeito está posposto. Para a autora, a posição do sujeito parece ser
mais relevante do que a variação entre seu preenchimento ou não preenchimento.
Em Soares (op.cit.), a posposição do sujeito também se mostrou mais relevante
para o preenchimento da ME pela locução do que a elipse do argumento externo –
nesses casos, houve um equilíbrio entre as duas margens. Devido à grande quantidade
de dados encontrados de locuções em ME em estruturas SV, a autora passou a uma
análise mais discursiva e verificou se o sujeito estava em continuidade tópica.
Conforme o esperado, para não quebrar a cadeia tópica, as locuções ocuparam
posições pós-verbais, quando o referente-sujeito estava em continuidade tópica, já que
nesse caso, o tópico da oração era o sujeito. A autora afirmou que outros fatores – como
53
o tamanho pequeno da locução – explicariam a inserção de locuções na ME, nos casos
em que o sujeito estava em uma cadeia tópica, e que, mesmo assim, elas ocuparam essa
posição. Nessa pesquisa, considerou-se que o sujeito não era tópico, quando não havia
sido mencionado em até 2 orações anteriores. Nestes casos, a tendência à ordenação das
locuções na ME foi confirmada, sendo a locução o tópico, pois não havia a quebra da
coesão ou da atenção em relação ao sujeito.
A relação entre a locução temporal e a anteposição e posposição do sujeito
indica, em dados do século XVIII e XIX, uma tendência diferenciada, no que concerne
à posição da locução em orações SV. Machado (2012), em sua investigação sobre as
motivações para ordenação das locuções adverbiais temporais e aspectuais em cartas
pessoais desses séculos, verificou que a posição do sujeito contribui para a ordem das
locuções uma vez que, em estruturas SV e V, as locuções adverbiais temporais e
aspectuais tendem a ocorrer antepostos ao verbo. Nas sentenças em que o sujeito está
em sua posição prototípica (SV), a locução ocorre em MD em 59,6% dos dados,
resultado diferenciado dos estudos com corpus contemporâneo de Brasil (2005), Lessa
(2012) e Soares (2012), nos quais se verificou um equilibro em MD e ME para as
locuções. Já a posposição da locução ocorre principalmente em estruturas VS, por ser
uma estrutura em que o sujeito não é tópico e essa função passa a ser desempenhada
pela locução.
Os resultados dos trabalhos empíricos destacados nessa seção nos fornecem
elementos importantes para nossa análise, no que concerne à verificação da função
discursiva do circunstancial temporal e aspectual – fator essencial na nossa pesquisa – e
à motivação da realização e posição do sujeito na ordem do circunstancial temporal.
Sobre esse último aspecto, veremos na seção a seguir, algumas considerações relevantes
54
para compreendermos nossa hipótese acerca da influência do sujeito na posposição ou
anteposição do circunstancial temporal/aspectual.
2.2. Sobre o Sujeito
Uma de nossas hipóteses envolve a correlação entre o posicionamento da
locução adverbial temporal e aspectual e a forma de realização do sujeito, assim como
sua posição na oração, uma questão já levantada em vários estudos, principalmente
sobre o português brasileiro (PB).
Votre e Naro (1986), em um estudo sobre a ordenação do sujeito, analisaram 400
ocorrências de estruturas VS e a mesma quantidade de orações SV, aproximadamente,
retiradas de dados de fala do português contemporâneo25. O objetivo da análise era
identificar as estratégias discursivas na estruturação linguística dessas orações.
Os pesquisadores apontam para o Princípio de Preservação, relacionado à
estrutura sintática das sentenças. Este princípio prevê que o sujeito ocorre à direita do
verbo se outro elemento, como um objeto ou um adverbial, estiver à esquerda, no intuito
de preservar a estrutura sintagmática.
Entretanto, os próprios autores remetem a questão da topicidade no discurso
como causa verdadeira para as diferenças distribucionais. Para eles, embora a
preservação do peso sintagmático exista, a ocupação de posições à esquerda do verbo se
daria pelo grau maior de tópico, ou seja, o que tivesse traços de menos tópico ocorreria
mais na posição pós-verbal.
25 Compõem o corpus 20 entrevistas do projeto Censo da Variação Linguística no Estado do Rio de
Janeiro.
55
Os estudos de Duarte (199326, 199527) sobre a representação do sujeito
referencial no PB revelaram evidências de que a variedade brasileira estaria se tornando
uma língua de sujeito foneticamente preenchido. Dessa forma, PB estaria passando por
um processo de mudança na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (Chomsky 1981).
Outros trabalhos empíricos baseados no casamento teórico entre o modelo de estudo da
mudança proposto por Weinreich, Labov e Herzog (2006) e a Teoria Gerativa foram
empreendidos28, no intuito de investigar se os diferentes contextos do sujeito não
referencial (classificados como oração sem sujeito pela tradição gramatical) sofreriam
alterações em função da mudança paramétrica em curso atestada por Duarte (op. cit.).
Em linhas gerais, esses trabalhos mostraram que a representação do sujeito não
referencial apresenta efeitos colaterais devido à mudança em curso no PB.
Partindo da ideia de que o PB prefere a forma preenchida do sujeito à forma
nula, Kato e Duarte (2003) defendem que, como no português não há sujeito expletivo
(a exemplo do il do francês e do it do inglês), outros elementos, como os adverbiais por
exemplo, seriam posicionados para a esquerda do verbo, para não permitirem que V
ocupe a posição inicial na oração. Nesses casos, o elemento à esquerda estaria nessa
posição apenas por uma questão sintática.
Spanó (2008), em seu estudo sobre VS no PB e no PE, baseando-se em Spanó
(2002), Coelho (2000), Santos e Duarte (2006), relaciona a presença de elementos à
esquerda do verbo à ordem VS, principalmente com verbos inacusativos. A autora atesta
26 Neste seu estudo diacrônico, Duarte utilizou uma amostra de peças teatrais para verificar a relação entre
a preferência pela forma preenchida do sujeito, crescente principalmente no século XX, e a redução do
paradigma pronominal/flexional verbal no PB. Para a autora, o aumento nos índices de preenchimento do
sujeito à proporção que o paradigma flexional se reduzia ao longo do tempo indica que o PB estaria
deixando de ser uma língua prototipicamente de sujeito nulo para se tornar uma língua de sujeito
preenchido. 27 A amostra utilizada – composta de 12 inquéritos – faz parte do acervo do Projeto NURC – RJ e tem
como base falantes com ensino superior. 28 Sobre as sentenças existenciais com ter e haver, temos Callou e Duarte (2005) e Marins (2013), entre
outros. Sobre a ordem SV/VS, encontramos Spanó (2002, 2008), Santos (2008) e Santos e Soares da Silva
(2012). Sobre os verbos de alçamento, temos Henriques (2008, 2012, 2013).
56
o uso frequente de sintagmas adverbiais e preposicionais de tempo e de lugar na posição
pré-verbal, que seria do sujeito. Segundo Coelho (2000), a posição à esquerda do verbo
inacusativo funcionaria como mais um argumento, tornando esta construção uma ordem
fixa (XVS). A autora exemplifica um caso de elemento à esquerda sendo um sintagma
preposicional com valor temporal, como ilustrado em (a):
(a) “Nestes três anos aconteceu o chamado ‘caso Maddie’. Descobriu-se que a
investigação criminal é fraca.” (PE, edit, 291) (Spanó, 2008:116)
O exemplo dado por Spanó poderia pertencer ao corpus de nossa pesquisa, já
que se trata de uma locução adverbial temporal/aspectual. Para ela, este sintagma estaria
nessa posição principalmente para ocupar o lugar do sujeito, que se encontra posposto
ao verbo. Para nós, essa posição não poderia ser explicada apenas por sua questão
sintática (de argumento externo do verbo)29, como a autora sugere.
Após analisar a estrutura VS, o tipo de verbo da oração e os elementos à
esquerda do verbo, os resultados apontados por Spanó (2008) levam-na a concluir que o
PB escrito evitaria o uso do verbo em posição inicial, preferindo utilizar outros
elementos nessa posição, conforme já havia sido apontado na fala por Kato & Duarte
(2003). Ela depreende desse grupo de fatores que a ordem VS estaria relacionada
predominantemente à presença de um elemento à esquerda do verbo, seja ele
monoargumental ou transitivo.
Em um estudo diacrônico de cunho funcionalista sobre a ordem SV e VS em
português, Marques (2012) também verificou a presença do advérbio ou da locução
adverbial na margem esquerda. Em sua análise, poucos foram os casos de adverbial na
29 Segundo a própria Spanó (2008), Fuchs & Fournier (2005), em uma perspectiva funcionalista, creditam
aos elementos locativos e temporais que iniciam as ordens SV e VS no francês uma relação não só
sintática, mas também discursiva e semântica. Este trabalho será visto mais à frente.
57
margem esquerda em sentenças VS e a autora afirma que o sujeito se posiciona mais
frequentemente após o verbo, em orações com item adverbial, do português arcaico ao
século XVIII.
Em sua amostra do século XX, a hipótese de preenchimento da margem
esquerda pelo advérbio em estruturas VS não se confirmou. Para a autora, a presença do
elemento adverbial não influencia de modo determinante a ordenação do sujeito,
diferentemente do que é defendido por outros autores. Marques (op.cit.) postula que os
“sintagmas adverbiais podem ser favorecedores da posposição, mas não os seus
determinadores” (pág. 134), já que, dentre outras justificativas, ela verificou uma
quantidade considerável de sujeitos em posição pós-verbal e adverbial na primeira
posição com papel temático de [+Tópico] e [+Foco], respectivamente.
Dessa forma a autora associa a relação pré ou pós-verbal do sujeito não à
presença de outro termo (como o advérbio ou a locução adverbial), mas sim ao valor
discursivo que o elemento apresenta, que, para ela, pode ser representado pelo alto grau
de informatividade ou por ser um elemento central ou periférico em termos
comunicativos.
Uma de nossas hipóteses relaciona a posição do circunstancial
temporal/aspectual com a presença ou a ausência de sujeito e sua ordem na oração.
Segundo os trabalhos citados nessa seção, o adverbial seria um dos elementos a
preencher a posição do sujeito, quando esse não estivesse em posição prototípica na
oração. No entanto, para nós, a explicação para a posição do circunstancial à margem
esquerda não é motivada por fatores estritamente sintáticas.
Outras evidências contrárias à explicação meramente sintática podes ser vistas
pelo estudo do francês (língua de sujeito obrigatório), que possui geralmente a estrutura
sujeito + verbo. Dessa forma, se, em francês, a posição da locução for
58
predominantemente à margem esquerda (como pretendemos discutir através da análise
de diferentes gêneros do domínio jornalístico), essa seria uma evidência de que o
circunstancial não iniciaria a oração apenas para ocupar a posição vazia do sujeito e sim
por outras razões (como pretendemos discutir nesta tese).
2.3. Considerações sobre o francês
A posição canônica do sujeito no francês, fixada entre os séculos XV e XVII30, é
SV. No entanto, de acordo com Fouchs e Fournier (2003), essa ordem ainda goza de
certa liberdade, pois o sujeito pode aparecer antes ou após o verbo em algumas
configurações, principalmente quando ele ocorre com um constituinte X inicial. Muller
(2007) afirma que um elemento circunstancial, principalmente localizador de espaço-
tempo, no início de uma sentença, pode gerar uma construção inversa do sujeito. Para
Fouchs e Fournier (op.cit.), a estrutura XSV é muito mais recorrente na língua do que a
ordem XVS, portanto, essa posposição aparece como um caso marcado.
As autoras defendem que quatro estruturas sintáticas podem determinar a
posposição do sujeito em francês. Dentre as quatro, uma nos é de especial interesse,
pois traz considerações respeito do circunstancial – objeto de estudo do presente
trabalho –, ao considerá-lo como um dos termos independentes na sentença, ocupando a
posição de X em XSV e XVS.
A partir principalmente de extratos retirados do jornal Le Monde, o artigo
assume quatro parâmetros31 co-textuais para a anteposição e posposição do sujeito. O
primeiro diz respeito à relação sintática entre o elemento X e o verbo. Nesse caso, o X
30 Marchello-Nízia, 1995, p. 104, apud Fouchs e Fournier, 2003. 31 Limitaremos a nossa exposição àqueles parâmetros que nos trarão considerações importantes para os
circunstanciais, nosso objeto de investigação.
59
pode ser um elemento regido pelo verbo (como um objeto) ou um circunstancial
endofrásico ou exofrásico32.
O circunstancial endofrásico é, na verdade, um constituinte satélite do verbo, um
pouco mais integrado ao predicado. Nesses casos, o sujeito pode variar de posição,
dependendo da atuação de outros fatores. O exemplo dado pelas autoras para esse tipo
de construção (cf. pág. 82) é um caso de circunstancial temporal (À neuf heures
arrivèrent les premiers invités. / À neuf heures, les premiers invités arrivèrent33).
Em contrapartida, o circunstancial exofrásico é um constituinte periférico, que
traz de fora sua relação com o predicado34. A presença desse circunstancial iniciando a
oração, segundo Fouchs e Fournier (op.cit.), leva à anteposição do sujeito, ou seja, à
construção XSV (muito recorrente no nosso corpus da língua francesa). Para elas, nesse
caso, a posposição do sujeito é notadamente incompatível com um circunstancial
metadiscursivo, que focaliza uma fonte enunciativa na declaração.
As autoras sinalizam que, quando a sentença é iniciada por um complemento
circunstancial – separado, muitas vezes até por vírgula, e referencialmente autônomo –,
o sujeito não se pospõe ao verbo. Elas consideram, nesses casos, o circunstancial como
uma espécie de enquadramento circunstancial (circonstanciel cadratif), na sequência do
enunciado seguinte, ou seja, ele enquadra uma cena prototipicamente dinâmica. No
interior deste enquadre aberto por X, a relação entre sujeito e o verbo pode ser
construída, seja como uma relação entre tema (S) e rema (V) ou como uma relação
global (S-V).
A ordem XVS ocorre quando o complemento circunstancial é mais integrado ao
predicado. Nesse caso, o termo X, introdutor, tem um papel adicional ao verbo, que não
32 Circonstant endophrastique ou exophrastique. 33 Tradução, na ordem em que aparecem: Às nove horas, chegaram os primeiros convidados. / Às nove
horas, os primeiros convidados chegaram. 34 Charolles (2003) considera esse tipo de circunstancial como um advérbio extrapredicativo, o qual
normalmente funciona como tema ou tópico da sentença
60
lhe confere autonomia referencial, e, portanto, papel de enquadramento. Essa construção
tem X em posição temática, S em posição remática e o verbo aparece como um simples
relator. Já a configuração XSV corresponde a uma autonomização enunciativa
(referencial) do termo introdutor X, a partir da relação predicativa que segue, de modo
que X não participa desta relação (construída como tema-rema entre o sujeito e o verbo
da oração).
A função discursiva do circunstancial em posição inicial tem grande destaque
em pesquisas sobre a anteposição/posposição do sujeito e a posição dos circunstanciais
na senteça. Segundo Charolles (2003), expressões pouco integradas sintaticamente,
figurando na zona pré-verbal, são predestinadas a funcionar como temas ou tópicos.
Nesses casos, quando a expressão adverbial é anteposta, ela funciona como um
extrapredicado (extraprédicatif). Para Fouchs e Fournier (2003), o aparecimento de
localizador espacial ou temporal no início de uma declaração XSV marca a abertura de
um "enquadre discursivo" .(cadre de discours, pág. 96). Em alguns casos, esta abertura
pode corresponder ao encerramento de um quadro anterior (do mesmo nível) ou
constituir a abertura de um sub-quadro mais amplo dentro de uma configuração
precedente. Vejamos os exemplos dados pelas autoras:
(a) En 1960, Paul partit s’installer en Amérique. En 1980, il revint en Europe.
(b) En 1960, Paul partit s’installer en Amérique. Au printemps de cette même année,
ce grand voyageur parcourut les USA. (2003:96)35
Em (a), temos um exemplo de abertura de um novo quadro e o fechamento do
quadro anterior. Por outro lado, em (b), o escopo do circunstancial é maior, pois é um
35 Tradução: (a) Em 1960, Paul foi se instalar nos Estados Unidos. Em 1980 ele voltou para a Europa. (b)
Em 1960, Paul foi se instalar nos Estados Unidos. Na primavera do mesmo ano, este grande viajante
percorreu os EUA
61
exemplo de abertura de um sub-quadro, ou de um novo assunto, subtópico, dentro de
um quadro mais amplo.
Fouchs e Fournier (op.cit.) afirmam que o estudo de corpus atesta esse
enquadramento de X no início dos enunciados com o sujeito anteposto e revela a
complexidade de encadeamento. Elas afirmam que o caso mais simples é o de abertura e
fechamento de quadros, mas há ainda o introdutor de subquadro temporal e múltiplos
outros casos de figurações possíveis. Aqui, o importante é que, nesses casos de
circunstancial extrapredicativo (extrapredicatif), na posição XSV, o adverbial terá
sempre o papel de introdutor de enquadramento discursivo; já o X intrapredicativo
(intrapredicatif), inicial, jamais terá esse papel. Em outras palavras:
quando o X tem função extrapredicativa, ou seja, quando ele possui função além
do predicado, o sujeito obrigatoriamente está anteposto ao verbo, pois ele
funciona como tema;
quando o X tem função intrapredicativa, ou seja, quando ele se relaciona com o
predicado, o sujeito está posposto ao verbo, pois o circunstancial toma o lugar de
tema e transfere a configuração remática para o sujeito.
Dessa forma, os parâmetros co-textuais diferentes, no plano da sintaxe e da
semântica, permitem compreender, no plano discursivo, o enquadramento do termo
inicial X dos enunciados com sujeito anteposto, e ainda a ausência deste papel de
enquadramento funcional dentro dos enunciados XVS. Para Charolles (2003),
contrariamente ao adverbial posposto, que tem tendência de anexação à predicação, os
advérbios antepostos definem um padrão com relação àquela informação vinculada pela
62
parte superior. Esse critério pode ser motivado pelo contexto precedente, que justifica a
dimensão do estado de coisas colocado em cena.
Neste capítulo, retomamos brevemente diferentes estudos, tanto no português
quanto no francês, sobre os circunstanciais temporais e aspectuais. As contribuições
desses trabalhos fornecem evidências que sustentam muitas das hipóteses que buscamos
verificar na nossa análise.
63
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Para esta pesquisa adotamos os pressupostos teóricos do funcionalismo norte-
americano, pois acreditamos que a gramática de uma língua se constitui a partir de seus
usos. A seguir, faremos uma breve explanação sobre os conceitos básicos da corrente
teórica que guia nosso trabalho, além de noções sobre gêneros textuais e tipos de textos,
já que constituem nossa amostra.
3.1. Conceitos básicos do funcionalismo norte-americano
Defendemos a ideia de que as línguas apresentam uma inerente maleabilidade
em seu sistema, em função dos propósitos comunicativos envolvidos em dado espaço
discursivo. Em outras palavras, à semelhança do que afirma Du Bois (1993),
acreditamos que “(...) a gramática é feita à imagem do discurso” (p. 11). Tendo em vista
essa perspectiva, nossa pesquisa é pautada na corrente funcionalista norte-americana, a
qual pressupõe que o conhecimento de mundo e o linguístico estão intimamente
interligados.
A abordagem funcionalista adotada neste trabalho se refere à iniciada na década
de 70 e conta como principais representantes Talmy Givón, Sandra Thompson, Paul
Hopper, Wallace Chafe, dentre outros. A partir de seus estudos, acreditamos não ser
possível compreender o funcionamento da língua sem levar em conta o comportamento
comunicativo dos falantes. Ou seja, não é possível analisar a língua de maneira isolada,
nem a associar apenas a fatores cognitivos, posto que a gramática é resultado de
estratégias desenvolvidas no discurso e a linguagem é uma atividade sociocultural, que
64
reflete as necessidades comunicativas do falante. De acordo com Martelotta et alii
(2011, p.164):
Considerar a gramática como um organismo maleável, que se adapta às
necessidades comunicativas e cognitivas dos falantes, implica reconhecer que a
gramática de qualquer língua exibe padrões morfossintáticos estáveis,
sistematizados pelo uso, ao lado de mecanismos de codificação emergentes.
Em outras palavras, as regras da gramática são modificadas pelo uso (isto é, as
línguas variam e mudam), e, portanto, é necessário observar a língua como ela
é falada. [...]
Ao assumirmos que a língua reflete as necessidades comunicativas, nossa
investigação não considera a diversidade posicional de cada elemento como um fator
arbitrário, como vemos em estudos mais formalistas, mas sim como icônica, ou seja,
motivada por tais questões discursivas. Resumindo: para nós, funcionalistas, a
linguagem tem uma estrutura não-rígida, maleável e sujeita a mudanças, pois essa
estrutura está ligada ao discurso. Este, por sua vez, estaria relacionado às situações reais
de comunicação, já que é através do discurso que as estruturas vão se adaptando e se
modificando para se adequarem ao contexto de uso. Dentre os princípios e as categorias
centrais dessa corrente, dois são essenciais para nossa pesquisa: a iconicidade e a
marcação.
A iconicidade, termo oposto à arbitrariedade, é definida, a princípio, como a
correlação entre a forma – o código linguístico, a expressão – e seu designatum – seu
conteúdo, aquilo que o falante pretende expressar. Dessa forma, partindo de uma visão
original, mais radical, o Princípio de Iconicidade postularia que, para uma forma na
língua, teríamos uma função. Entretanto, estudos sobre variação e mudança linguísticas
constataram a existência de mais de uma forma para uma mesma função, principalmente
por causa de pressões diacrônicas corrosivas (cf. Martelotta, 2011, p. 167), o que gerou
uma reformulação desse princípio.
65
Em sua versão menos radical, o Princípio de Iconicidade, segundo Givón
(1990), relaciona-se a três subprincípios: subprincípio da quantidade, da integração e da
ordenação linear.
O subprincípio da quantidade postula que uma maior quantidade de elementos
linguísticos (morfemas, palavras, sintagmas ou frases) será utilizada se a informação a
ser dada for de grande importância e pouco previsível. Por outro lado, se a informação
for óbvia, haverá uma menor quantidade de elementos linguísticos. Podemos observar,
no exemplo do extrato, a clara aplicação do subprincípio da quantidade:
George Orwell, autor do romance "1984", que retratava a vida
em um Estado totalitário governado por um ditador onisciente,
foi alvo da vigilância dos serviços de segurança britânicos, que
suspeitavam que ele fosse comunista.
O serviço secreto do Reino Unido, o MI5, e a Seção Especial da
Polícia Metropolitana de Londres, encarregada da vigilância
política, mantiveram Orwell sob observação intermitente por 21
anos, segundo um arquivo sigiloso do MI5 sobre o escritor
divulgado ontem pelo Arquivo Nacional britânico.
"Este homem tem opiniões comunistas bem enraizadas", diz um
relatório de 20 de janeiro de 1942. "Ele se veste à maneira
boêmia, tanto no escritório quanto nas horas de lazer."
Orwell atraiu a atenção das autoridades britânicas pela primeira
vez em 1929, segundo seu arquivo no MI5. Ele estava vivendo em
Paris, pesquisando para o livro "Na Pior em Paris e Londres", e
recebeu oferta de trabalho como correspondente do "Workers"
66
Life", um jornal britânico de esquerda. (Folha de São Paulo,
notícias, 05/09/2007)
O sujeito pronominal de 3ª pessoa – contexto de maior resistência ao
preenchimento no português brasileiro (cf., entre outros, Duarte 1993,1995) –, quando é
introduzido pela primeira vez no discurso, precisa ser apresentado através de um SN
pleno. No exemplo anterior, podemos verificar que a primeira menção ao escritor
George Orwell foi codificada por um sintagma nominal grande, inclusive com uma
relativa para apresentar ao leitor sobre quem se tratava a notícia: George Orwell, autor
do romance "1984", que retratava a vida em um Estado totalitário governado por um
ditador onisciente. Este sujeito, explícito na primeira sentença, é retomado algumas
vezes no discurso por estruturas menores – Este homem e depois por seu nome Orwell.
No último parágrafo, o destaque está para a gradação de referencialidade expressa pelo
elemento sujeito em três momentos: primeiro o SN sujeito apresenta o nome do autor,
Orwell, em seguida o retoma com o pronome anafórico – ele – e, na sequência, o sujeito
da forma verbal conseguiu fica elíptico, visto que a informação já é previsível no
discurso.
No que diz respeito ao processo de ordenação das estruturas na cadeia sintática,
temos dois subprincípios relativos à ordenação sequencial: o subprincípio da
integração – ou da relação entre ordem sequencial e topicalidade – e o subprincípio da
ordenação linear.
O subprincípio da integração prevê que, quanto mais próximo cognitivamente o
elemento estiver, mais próximo ele estará na estrutura linguística (e o contrário também
se verifica). Por exemplo, advérbios que modificam intrinsecamente o verbo, como os
de modo, costumam se apresentar bem próximos a ele; em contrapartida, os advérbios
67
de tempo, por serem apenas dêiticos temporais, podem vir mais distantes do verbo.
Observemos o parágrafo a seguir, que ilustra esses comportamentos dos adverbiais:
Até agora, a combinação do policiamento dos usuários e da
visualização dos dados trabalhou bem ao tornar as trapaças
relativamente mínimas. Aqueles que são suspeitos de utilizar suas
contas para tentar enganar o sistema recebem um e-mail de
aviso. O usuário é banido após a segunda violação. (O Globo,
editoriais, 24/01/2007)
No exemplo, temos uma locução adverbial de tempo/aspecto, até agora,
iniciando o período e afastada do verbo da oração. Já o advérbio bem, que indica o
modo como a ação de trabalhar ocorreu, se ordenou imediatamente após a forma verbal
– trabalhou.
O subprincípio da ordenação linear pressupõe que (a) a ordem de um enunciado
demonstra a ordem de importância dada aos fatos pelo falante, pois a informação mais
importante tende a ocupar o primeiro lugar da cadeia sintática ou (b) as informações
tenderiam a aparecer nas orações na ordem que ocorrem no mundo real. Um exemplo
prototípico é a coordenação, que expressa o número e a ordem dos eventos de acordo
com o que é percebido pelo falante ou com o que ele quer expressar. Vejamos um
exemplo de enumeração de ações:
Scarlet Johansson colaborava com a Oxfam desde 2005 e em
2007 se converteu em embaixadora mundial de sua causa. (O
Globo, notícias, 30/01/2014)
68
No exemplo, visualizamos duas orações coordenadas entre si numa sequência de
eventos percebidos pelo emissor. A ordem em que esses eventos são mostrados indica a
sequência na qual eles ocorreram: primeiro, a atriz Scarlet Johansson colaborava com a
instituição beneficente Oxfam, em 2005; depois, com a marcação do tempo enfatizada
pelo posicionamento do circunstancial, em 2007, para o início da oração coordenada, a
atriz se converteu em embaixadora.
Testaremos esses subprincípios ao procurarmos as motivações para as tendências
de ordenação das locuções adverbiais temporais no português e no francês, observando
topicalização (ordenação linear), relação entre tamanho da locução e posição na oração
(quantidade) e proximidade ao verbo (integração).
O Princípio da Marcação, originado em construções binárias na Escola de
Praga, é o outro princípio funcionalista relevante para a pesquisa. Tal princípio prevê
que em determinadas formas binárias a marcação ocorre na estrutura que exibe uma
propriedade ausente na outra, considerada menos marcada na língua. As formas não-
marcadas seriam mais automatizadas pelos usuários, sendo, dessa forma, estruturas mais
corriqueiras e usuais. Givón (1990), para distinguir categorias marcadas e não-
marcadas, propõe um conjunto de critérios, apresentados a seguir:
(1) Complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa e, por
vezes, até maior que a sua correspondente não-marcada;
(2) Distribuição de frequência: a categoria marcada tende a ser menos frequente do
que a não-marcada;
69
(3) Complexidade cognitiva: a categoria marcada requer mais atenção, um esforço
mental maior e o tempo de processamento é mais estendido, o que a faz ser uma
estrutura cognitivamente mais complexa.
Desse modo, uma estrutura não-marcada seria aquela comum ao usuário,
sendo frequentemente empregada no seu dia a dia, o que acarreta um menor esforço
para a sua compreensão. Por outro lado, as estruturas mais marcadas estão diretamente
relacionadas à sua baixa frequência na língua, o que consequentemente leva o usuário a
um esforço mental maior para a assimilação do conteúdo.
Segundo Givón (op. cit.), a iconicidade maior na gramática teria seu reflexo
mais geral quando esses três critérios coincidissem. O autor afirma ainda, levando em
consideração que a marcação é um fenômeno relacionado ao contexto de uso, que uma
determinada estrutura pode ser marcada em um contexto e não em outro. Para ele, é de
extrema importância a questão da frequência de uso de uma dada estrutura, pois é ela
que determina a relação entre a complexidade estrutural e a complexidade cognitiva.
No que diz respeito à complexidade cognitiva, Dryer (1995) defende que a
marcação estaria ligada ao falante e não ao ouvinte, como sugere Givón. A marcação,
para aquele, é uma propriedade de princípios e regras que seriam relevantes para
explicar a escolha de uma estrutura, ao invés de outra, pelo falante. Assim, o autor
propõe o critério do pragmaticamente marcado ou não marcado, inserido em questões
discursivas, independentemente da recorrência daquela construção. Para o autor, uma
ordem é pragmaticamente não marcada quando é utilizada em contextos em que são
anuladas as condições discursivas que exigem ocorrência da ordem marcada, ou seja,
em contextos de neutralização. (cf. Brasil 2005)
70
Outra discussão acerca da marcação é encontrada em Croft (1990), o qual
defende que o conceito de marcação presume uma assimetria relacionada a protótipos, a
hierarquias gramaticais e a universais implicacionais. O autor exemplifica tal conceito
com base na marcação de estruturas no singular e no plural, em que elementos distintos
funcionam como uma mesma forma gramatical: o número.
No entanto, o próprio autor salienta o fato de que a construção mais ou menos
marcada pode ser relativa de acordo com a quantidade de elementos presentes naquele
paradigma. Furtado da Cunha (2003, p. 35) ilustra três estruturas negativas que não se
opõem binariamente na fala, porém constituem um continuum, exibindo graus
diferentes de marcação. A autora aponta, ainda, para a necessidade de adoção de
parâmetros de gradualidade ao se analisar a marcação, uma vez que a língua é fluida.
Em nossa análise sobre os circunstanciais temporais e aspectuais, procuramos
identificar a posição não-marcada do nosso objeto de estudo, tomando como base não
um critério binário, dicotômico, mas, sim, o que seria mais prototípico em termos,
principalmente, de frequência. Além disso, a partir dos nossos resultados, tentamos
compreender as motivações a ocupar uma posição mais marcada na oração.
Nas duas últimas décadas, sobretudo, o funcionalismo foi enriquecido com as
contribuições da Linguística cognitiva. Os pesquisadores têm demonstrado que fatores
cognitivos – como a capacidade humana de categorizar, de fazer analogia, de
compreender intenções nas ações e falas dos outros humanos – são importantes tanto
para explicar as variações de uso da gramática, como a sua mudança. Vêm
demonstrando que a gramática de uma língua é baseada no uso, ganhando forma a partir
do modo como a mente opera e de acordo questões ligadas à frequência de uso. Essa
abordagem – que junta os conhecimentos do funcionalismo clássico com contribuições
71
da Linguística cognitiva – é denominada Usage-Based Linguistics. No Brasil, é
conhecida como Linguística Funcional Centrada no Uso.
Nesta tese, vamos nos basear no Funcionalismo clássico, porque seus conceitos
são suficientes para dar conta dos objetivos aqui propostos. Além disso, a abordagem
mais recente volta-se sobretudo para explicar mudança linguística, que não é foco da
presente tese.
3.2. Gênero Textual e tipo de texto
Bakhtin (1985 apud Hammes 2004) defende que a comunicação verbal só pode
se realizar por meio de algum gênero textual – pressuposto fundamental para a maioria
dos autores que estudam a língua através de seus aspectos enunciativos e discursivos. O
autor define os gêneros como tipos de enunciados, relativamente estáveis, normativos e
necessariamente vinculados a situações típicas da comunicação social – cada gênero,
pois, apresenta necessariamente natureza sócio-ideológica e discursiva diferente. Essa
relação dos gêneros com os enunciados – e não com uma dimensão linguística
desvinculada da atividade social – caracteriza a natureza verbal proposta pelo autor.
Bakhtin enfatiza, ainda, a relação entre a estabilização dos gêneros e a sua
ligação com a atividade humana, já que, para ele, os gêneros são frutos da situação
social de interação típica dentro de uma esfera social. Desse modo, os gêneros seriam
constituídos ao longo da história por novas situações de interação verbal e as mudanças
nos gêneros estariam associadas às mudanças nessas relações sociais.
Porém, para Bakhtin, os gêneros também seriam formas de ação, pois exercem, a
partir do momento em que se estabelecem, um efeito normativo sobre as interações
verbais ou não verbais. Desse modo, para a interação, é necessário tanto o domínio das
72
formas da língua quanto o das formas do discurso, isto é, o domínio dos gêneros do
discurso. Assim, no momento da interação, os gêneros auxiliam o interlocutor no modo
como interpreta e compreende o enunciado e ainda exercem a função de índices de
referência para que o enunciado seja construído, delimitando o autor no processo
discursivo.
Ao adotar as ideias de Bakhtin, Marcuschi (2005) afirma que os gêneros textuais
são uma espécie de ação sócio-discursiva para agir no mundo e que contribuem, para
estabilizar e coordenar a comunicação diária. Para o autor, os gêneros são entidades
comunicativas em que aspectos relativos a funções, ações, propósitos e conteúdos são
predominantes, não sendo, portanto, entidades formais. Os gêneros, para ele, são
fenômenos históricos, relacionados à vida social e cultural, sendo por essa razão eventos
textuais maleáveis e dinâmicos que surgem e se modificam a partir das necessidades e
atividades sócio-culturais. Eles não são caracterizados por questões linguísticas e
estruturais, mas por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais.
As inovações tecnológicas, principalmente na área de comunicação, propiciaram
o aparecimento de um grande número de gêneros textuais no século XX. Dessa forma,
os novos gêneros, com formas discursivas cada vez mais diferenciadas, surgem a partir
dos novos suportes36 tecnológicos para atender às interferências nas atividades
comunicativas do indivíduo. Assim são criados os editoriais, os artigos, as notícias, as
telemensagens, os telefonemas, etc.
A partir da perspectiva de que não existe comunicação verbal que não seja feita
por meio de um gênero, é impossível que tal comunicação ocorra verbalmente sem um
texto. A interação verbal, por essa razão, só existe a partir de algum gênero textual, que,
embora seja constituído a partir de aspectos sócio-comunicativos e funcionais, não tem
36 Locus físico ou virtual onde o texto se apresenta materializado, como o rádio, a televisão, o jornal, a
revista, a internet, etc.
73
a sua forma desprezada, pois, em certos casos, a forma, a função ou até mesmo o
suporte podem determinar o gênero presente.
Algumas distinções entre o tipo de texto e os gêneros textuais se fazem
necessárias, bem como, ainda, algumas características do domínio discursivo, são elas:
1) O tipo textual caracteriza-se mais como sequência linguística do que como a
materialização do texto. Designa a construção teórica definida pela natureza linguística
de sua composição. Temos poucos tipos de texto, pois o conjunto de categorias é
limitado, são eles: a narração, a argumentação, a exposição, a descrição e a injunção.
2) Os gêneros textuais apresentam padrões sócio-comunicativos definidos por
composições objetivos enunciativos, funcionais e estilos concretamente realizados na
integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Eles são a
materialização dos textos que encontramos no nosso dia a dia e entidades empíricas em
situações comunicativas que se expressam em designações diversas, constituindo, em
princípio, listagens abertas. Os gêneros podem ser representados na fala e na escrita de
forma bastante estável, situadas histórica e socialmente. São infinitos os gêneros
existentes, temos como exemple o email, o bilhete, a notícia jornalística, o editorial, a
crônica, a carta etc.
3) O domínio discursivo são as práticas discursivas nas quais identificamos um conjunto
de gêneros textuais, ou seja, são as grandes esferas da atividade humana em que os
textos circulam. São exemplos de domínio discursivo, discurso jornalístico, o discurso
político e o discurso religioso.
74
Para não confundirmos a noção de texto e discurso, cabe ressaltar que o discurso
corresponde àquilo que é produzido pelo texto ao se manifestar e por outro lado, o texto
corresponde aos acontecimentos discursivos para os quais as ações linguísticas, sociais
e cognitivas convergem. Sendo assim, em situações institucionais, sociais, ideológicas e
históricas, o discurso se realiza nos textos.
Um texto normalmente é tipologicamente variado, ou seja, em um único texto,
podemos encontrar um tipo apenas ou até mais. Os tipos de textos têm como principal
característica o fato de se definirem por traços linguísticos predominantes, por uma
sequência, e não por um texto por completo. Um gênero textual é denominado por sua
realização linguística em situações sociais em particular e, não, por sua forma, já que
não podemos defini-lo por propriedades essenciais. Dentro de um gênero há grande
heterogeneidade tipológica. Dessa forma, um gênero pode não ter determinada
característica e, mesmo assim, continuar pertencendo àquele gênero.
Ainda há casos, em que um texto possui uma configuração híbrida, ou seja, se
configura com a presença de dois gêneros textuais. A relação intertextual de
intergêneros caracteriza-se por uma mescla de formas e funções de diferentes gêneros
em um específico. Um convite de casamento escrito como uma história em quadrinhos,
ou uma notícia em formato de poema seriam exemplos da intertextualidade
intergêneros.
Marcuschi indica as seguintes relações entre os gêneros:
Intertextualidade intergêneros = um gênero com a função de outro;
Heterogeneidade tipológica = um gênero com a presença de vários tipos textuais
75
Organizamos nosso corpus a partir da nomenclatura clássica dos gêneros,
designada pelos próprios suportes. Consideramos que os textos possuem a
intertextualidade de intergêneros e principalmente a heterogeneidade tipológica e que
todos fazem parte de um mesmo domínio discursivo: o discurso jornalístico.
Veremos, nos próximos capítulos, se há relação entre os gêneros textuais e a
ordenação do circunstancial na oração.
76
4. AMOSTRA E METODOLOGIA
Com o objetivo principal de comparar as possibilidades de ordenação de
circunstanciais temporais e aspectuais em duas línguas românicas – o português e o
francês –, coletamos e analisamos todas as suas ocorrências em jornais de grande
circulação no Brasil e na França, como O Globo, Folha de São Paulo, Le Monde e Le
Figaro, no período de 2007 a 2015.
Consideramos circunstanciais válidos para nossa pesquisa apenas locuções
adverbiais com valor de tempo e de aspecto, com estrutura de SN ou de SPrep (com ou
sem cabeça. Seguimos a nomenclatura de Neves (2011), que considera dentro da
categoria de circunstanciais temporais também a noção aspectual (cf. capítulo 1).
Assim, dados como os exemplificados de (1) a (4) foram considerados na análise:
(1) Os protestos retornaram já na sexta-feira. [notícia 31 – O Globo]
(2) Vinte minutos depois, a explosão de uma motocicleta a menos de dois quilômetros
dali destruiu carros e matou sete pessoas. [notícia 3 – Folha de São Paulo]
(3) En 2014, Vladimir Poutine a gagné 7,6 millions de roubles, soit 149.000 euros37.
[notícia 12 – Le Figaro]
(4) Tel est le sens des propos que le pape a tenus, lundi 29 juillet, sur les homossexuels
dans l’avion qui le ramenait du Brèsil.38 [editorial 3 – Le Monde]
37 Em 2014, Vladimir Putin ganhou 7,6 milhões de rublos, ou 149.000 euros.
77
Nestes exemplos, as locuções adverbiais podem aparecer em diferentes posições,
ou seja, apresentam mobilidade sintática. Em (1), a locução posiciona-se logo após
outro adverbial – já – e está na margem direita da oração; em (2), o circunstancial está
na margem esquerda, iniciando a sentença, assim como no exemplo (3), em francês. Por
fim, no exemplo (4), o adverbial aparece imediatamente após a forma verbal.
4.1. Amostra
Nossa amostra foi composta por dois gêneros textuais diferentes, de dois jornais
de cada língua: para o português, O Globo e Folha de São Paulo, com circulação no
Brasil, e, para o francês, o Le Monde e o Le Figaro, com circulação na França.
Os jornais O Globo e Folha de São Paulo são veículos de comunicação
nacional. Ambos possuem sua versão digital e a equivalente impressa com circulação no
Brasil. Os jornais franceses Le Monde e Le Figaro também são de circulação nacional,
na França, e são disponibilizados on-line. Todos os jornais são considerados imparciais
pelo próprio veículo, à exceção dos editoriais, que privilegiam as opiniões do próprio
veículo. O público alvo dos jornais é o mesmo, embora o Le Monde, na França, e a
Folha de São Paulo, no Brasil, sejam voltados para um público teoricamente mais
escolarizado. A princípio, esperávamos encontrar diferença no nível de formalidade dos
jornais, mas essa modalidade discursiva se mostrou irrelevante, pois os veículos pouco
variavam.
Os gêneros selecionados foram as notícias e os editoriais, com o objetivo de
verificar se a distinção de tipologia textual prototipicamente associada a esses dois
38 Este é o significado das palavras que o papa realizou proferiu segunda-feira 29 de julho, sobre os
homossexuais no voo que o levava de volta do Brasil.
78
gêneros – a notícia é um gênero narrativo, e o editorial, argumentativo – acarretaria
mudança significativa na ordenação do circunstancial. Os textos foram recolhidos no
período de 2007 a 2015, no próprio site dos veículos de informação e na sua versão
impressa, no caso de alguns jornais brasileiros. O quadro (4.1) indica o número de
textos recolhidos em cada um dos jornais:
Editorial Notícia Total
Francês Le Monde 20 20 40
Le Figaro 20 20 40
Português O Globo 20 20 40
Folha de SP 20 20 40
Quadro 4.1: Distribuição da Amostra
Todas as notícias que compõem nossa amostra foram recolhidas da versão
digital do jornal e possuem uma estrutura próxima ao que de fato conhecemos pelo
gênero notícia (linguagem mais direta, mais objetiva e mais narrativa). Além disso,
todas, tanto as brasileiras quanto as francesas, pertenciam à seção que os veículos
chamam de “Notícias do Mundo”, para manter a mesma temática desenvolvida no texto.
O gênero textual no qual o circunstancial se encontra tem importante relevância
em sua ordenação. Como já exposto no capítulo 3, um consenso sobre a distinção entre
os gêneros está nos objetivos sócio-comunicativos de cada um. Para Marchuschi (2008,
p.156), os gêneros textuais apresentam padrões sócio-comunicativos, mas devemos ter
cuidados para que “não concebamos os gêneros como modelos estanques, nem como
estruturas rígidas, mas como formas culturais e cognitivas de ação social [...]”. O autor
diferencia gênero de tipo textual, indicando a noção de tipo como a sequência
linguística na qual o texto vai se materializar e o gênero como o texto em si, já
materializado no processo comunicativo.
79
Partindo da afirmação de que o gênero textual apresenta as intenções
comunicativas, esperamos que a ordenação do circunstancial seja motivada por esse
objetivo. Sendo assim, partimos de dois gêneros compostos principalmente por tipos de
texto distintos: o gênero notícia, composto basicamente por narração, e o gênero
editorial, composto, em sua maioria, por argumentação e exposição. Em sequência,
alguns exemplos dos dois gêneros, retirados de nossa amostra:
Notícia
A característica principal da notícia é ser um gênero jornalístico em que o
repórter narra fatos que ocorreram há pouco tempo ou naquele mesmo dia. A notícia é
um gênero pretensamente objetivo, marcado por um certo afastamento do locutor e que
privilegia as ações, os eventos e os participantes. Na tradição jornalística, a notícia
responde às perguntas “quem?”, “como?”, “por quê?”, “onde?” e “quando?” logo no
início do texto, no parágrafo chamado lead (ou lide).
(5) O líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, advertiu nesta quinta-feira que
seu país atingirá os interesses americanos no mundo se for atacado.
Em discurso perante comandantes da Força Aérea iraniana divulgado pela televisão,
Khamenei lembrou que "é impossível deixar sem resposta a invasão da nação
iraniana".[...]
A Casa Branca repudiou nesta quinta-feira as ameaças do aiatolá Ali Khamenei, e
afirmou que os Estados Unidos não têm a intenção de entrar em guerra com o Irã.
Khamenei se referiu aos "rumores" de um possível ataque americano contra o Iraque, e
acrescentou que estas questões "não assustam" o Irã, pois não é a primeira vez que o
país é atacado pelos EUA.
80
O líder se mostrou convencido de que "os inimigos não cometerão tal erro, já que
sabem muito bem que desta forma poriam em perigo seus próprios interesses".
No mesmo dia do duro discurso de Khamenei contra os EUA, o Irã testou com sucesso
um míssil terra-mar de alcance de 350 km. O teste foi realizado durante o segundo dia
de manobras aeronavais na região do Golfo, informou a TV estatal. [notícia 1 – o
Globo]
Editorial
O editorial é um gênero textual que tem como objetivo mostrar a opinião do
jornal sobre determinado assunto em pauta no momento, sendo, portanto, um tipo de
texto argumentativo. Geralmente, os editoriais, por representarem a voz do jornal, não
são assinados. Entretanto, tal prática não é realizada pelos jornais franceses. Neles, os
editoriais normalmente possuem uma assinatura, mas se assemelham estruturalmente ao
que no Brasil é reconhecido como este gênero.
(6) Não se pode acusar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de falta
de tenacidade. Ele se agarra ao cargo com rara contumácia.
As desditas do senador tiveram início no final de maio, quando a revista "Veja" afirmou
que ele teve despesas pessoais pagas pelo lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira
Mendes Júnior. O dinheiro bancaria pensão de Mônica Veloso, com quem o senador
tem uma filha.
De lá para cá, a situação do presidente do Senado deteriorou-se. Recorreu à pecuária
para justificar a origem do dinheiro -Gontijo seria só um amigo que repassava o
dinheiro do próprio Renan Calheiros à mãe de sua filha.
81
Os primeiros problemas a respeito dessa versão surgiram quando se verificou que,
para chegar a seu patrimônio declarado, Renan teria de conseguir com seu rebanho
alagoano uma lucratividade bem superior à registrada em regiões mais tradicionais,
como São Paulo e Rio Grande do Sul. Para piorar as coisas para o senador, soube-se
logo a seguir que as notas apresentadas por Renan para sustentar suas afirmações
incluíam recibos com irregularidades e emitidos por empresas de fachada.
Elementos já surrealistas surgiram quando um dos frigoríficos para os quais o senador
teria vendido gado foi assaltado na véspera do dia em que entregaria documentos para
serem periciados pela Polícia Federal. Papéis que interessavam à apuração foram
levados pelos bandidos.
Em paralelo às batalhas em torno da contabilidade rural, surgiram outras denúncias,
também negadas pelo senador. Teria favorecido a cervejaria Schincariol, que comprou
uma fábrica de Olavo Calheiros, irmão de Renan. Teria adquirido, com recurso a
testas-de-ferro, uma rádio e um jornal em Alagoas, no valor de R$ 2,5 milhões. A
história foi confirmada pelo usineiro João Lyra, atual desafeto do presidente do
Senado, que seria sócio do senador na empreitada.
Finalmente, veio a público nesta semana o resultado da perícia da PF. A polícia diz
que os documentos apresentados pelo senador não são suficientes para sustentar a sua
história. Afirma que a papelada apresenta lacunas graves, como a ausência de registro
de despesas de custeio na atividade pecuária. O pagamento de mão-de-obra, por
exemplo, só aparece na movimentação de 2006 e não na dos anos anteriores.
Outros problemas incluem a multiplicação do gado. Em 2004 surgiram cem reses na
criação, sem que haja registro de compra ou de nascimentos. Como os peritos
apontaram um déficit nas contas de 2005, Renan Calheiros aparece agora com um
82
empréstimo de R$ 178 mil tomado à empresa Costa Dourada Veículos. [editorial 11-
Folha de São Paulo]
Nossa intenção em trabalhar com diferentes jornais era buscar distinções no
nível da formalidade, verificando se havia ou não diferença significativa no que diz
respeito ao uso dos circunstanciais em cada um deles. No entanto, uma análise
preliminar sobre o fator nível de formalidade não se mostrou relevante. Embora
tenhamos algumas diferenças estruturais nos gêneros (por exemplo, os editoriais do Le
Monde são assinados e os do O Globo não) e na linguagem utilizada (mesmo com os
quatro jornais possuindo praticamente um mesmo público-alvo), as mesmas tendências
de uso para os circunstanciais temporais e aspectuais foram verificadas.
4.2. Metodologia
Coletamos e codificamos todas as orações em que a locução adverbial de tempo
e aspecto ocorriam, com o objetivo de analisar suas distintas formas de ordenações
destes circunstanciais. Para nós, cada posição assumida pela locução adverbial deve ter
uma função diferente no discurso, o que buscamos identificar. O programa SPSS
(Statistical Package for the Social Sciences), um pacote estatístico desenvolvido para as
ciências sociais, foi utilizado como ferramenta para nos auxiliar na frequência e
cruzamento de fatores.
O total de dados recolhidos em cada um dos jornais é mostrado na tabela (4.1):
83
Tabela (4.1): Quantidade de dados em cada gênero
Jornal notícias editoriais língua total
O Globo 155 135 574 290
Folha de São Paulo 169 115 284
Le Figaro 196 103 669 299
Le Monde 183 187 370
Total 703 540 1243 1243
Selecionamos um total de 1243 dados válidos para análise – 574 para o
português e 669 para o francês. Nesse conjunto de ocorrências, consideramos apenas
aquelas que apresentam valor temporal ou aspectual, descartando os casos em que se
superpunham outros valores, como lugar, modo ou intensidade.
Dessa forma, excluímos dados como os ilustrados a seguir:
Tempo + Lugar
(7) “Este homem tem opiniões comunistas bem enraizadas”, diz um relatório de 20 de
janeiro de 1942. “Ele se veste à maneira boêmia, tanto no escritório quanto nas
horas de lazer.” [notícia – Folha de São Paulo, 05/10/2007]
(8) Voilà ce que nous enseignent les révélations faites par le sonneur d’alarme
américain Edward Snowden et par l’enquête qu’a publiée Le Monde dans son
édition datée du 5 juillet.39 [editorial 13 – Le Monde]
Tempo + Modo
(9) Les Algériens n’ont pas le dorit de savoir quel traitement a subi leur président, s’il
va reprendre son travail à plein temps, brf quel est l’état de santé d’un homme
39 Isto é o que nos ensinam as revelações feitas pelo tocador de alarme americano Edward Snowden e pela
investigação que o Le Monde publicou na sua edição datada de 05 de julho.
84
dont le mandat – le troisième consécutif depois 1999 – s’achève em avril 2014.40
[editorial 7 – Le Monde]
Tempo + Intensidade
(10) Sem dinheiro, o time foi armado às pressas com a competição em andamento.
[notícia. Folha de São Paulo, 05/10/2007]
(11) Plus que jamais, l’imigration est um motif d’anxiété dans les sociétés
européennes.41 [editorial 19 – Le Figaro]
Como nosso objetivo é comparar as possibilidades de ordenação dos
circunstanciais temporais / aspectuais no português e no francês, uma característica
essencial para os dados é sua mobilidade sintática dentro da oração. Dessa forma, casos
que não admitiam outro posicionamento, que pertenciam a frases nominais ou que
constituem estruturas fixas foram descartados da análise. Tais ocorrências aparecem
ilustradas, respectivamente, em (12), (13), (14) e (15):
Oração comparativa
(12) As festividades, que incluíram fogos de artifício e salvas de canhão em diferentes
cidades, foram no entanto mais modestas do que em anos passados. [notícia 16
– Folha de São Paulo]
40 Os argelinos não têm o direito de saber qual o tratamento que sofreu seu presidente, se ele vai retomar
seu trabalho a tempo, em suma qual é o estado de saúde de um homem cujo mandato - o terceiro
consecutivo desde 1999 - termina em abril de 2014. 41 Mais do que nunca, a imigração é um motivo de ansiedade nas sociedades europeias.
85
Construção com verbo haver existencial
(13) O dia mais violento na Ucrânia desde que militares pró-russos ocuparam cidades
no leste, há mais de três semanas, terminou com pelo menos 35 mortos em
Odessa e 9 mortos em Slaviansk. [notícia 7 – Folha de São Paulo]
Frase nominal
(14) Et non pas à mi-mandat, après deux années et demie de gâchis, et par um exécutif
exsangue.42 [editorial 24 – Le Figaro]
Estruturas sem mobilidade sintática
(15) La politique étrangère n'a été abordée qu'après 1h30 d'émission.43 [notícia 23 –
Le Figaro]
Também não consideramos dados em que o circunstancial se encontra em uma
oração reduzida. Para nós, esses casos necessitam de uma análise diferenciada. Seguem
alguns exemplos:
Reduzida de particípio
(16) Or, ceux-cil’avaient principalement quitté au profit de François Hollande, a
notamment montré le dernier baromètre Ipsos-Logica Business Consulting por
Le Monde, France Télévisions et Radio France, réalisé le 13 et 14 janvier.44
[notícia 2 – Le Monde]
42 E não a em médio prazo, depois de dois anos e meio de desordem, e por um executivo apático. 43 A política estrangeira só foi abordada após 1h30 de emissão. 44 Ora, estes o tinham deixado, principalmente em favor de François Hollande, mostrou, notadamente, o
último barômetro Ipsos-Logica Business Consulting para o Le Monde, France Télévisions e Radio
France, realizado em 13 e 14 de janeiro.
86
Reduzida de infinitivo
(17) Correm soltas as especulações de que Rowling, que se tornou bilionária com o
sucesso dos livros e filmes de Harry Potter, pode fazer Harry morrer no final do
sétimo livro. (O Globo, editorial, 01/02/2007)
Reduzida de gerúndio
(18) Além disso, o jornal ganhou um “editor de inovação”, responsável por “nada
menos que fazer a redação trabalhar 24 horas por dia, publicando material
exclusivo o tempo todo através da internet”, segundo o editor David Hiller.
[editorial 3 - O Globo]
Os dados com circunstanciais em construções com voz passiva foram
considerados e codificados normalmente. Nos casos de passiva analítica, o
circunstancial foi relacionado à locução verbal e o agente da passiva, quando presente,
foi analisado como um elemento X, conforme o exemplo:
(19) Autor de “1984” e “Revolução dos Bichos”, que cunhou o termo “Big Brother”,
foi espionado [pelo MI5] por 21 anos. [notícia 4 – O Globo]
O circunstancial, em algumas ocorrências no nosso corpus, modificava um
núcleo nominal, sem fazer referência ao verbo da oração. Nesses casos, a mobilidade
sintática ficava comprometida, como no exemplo (20):
87
(20) Frankie Laine, um dos cantores de maior popularidade nos Estados Unidos na
década de 1950, morreu terça aos 93 anos em San Diego (Califórnia), Segundo
informações oficiais. [notícia 10 – O Globo]
No exemplo (20), o circunstancial temporal/aspectual, na década de 1950,
modifica o elemento anterior – maior popularidade –, pertencente ao aposto e não à
estrutura verbal morreu. Nesse caso, o escopo do SPrep fica restrito à nominalização, o
que impede alterar sua posição sintagmática. Qualquer movimento da locução adverbial
implica, necessariamente, um movimento do SN no qual ela está encaixada (Um dos
cantores de maior popularidade nos Estados Unidos na década de 1950, Frankie
Laine, morreu terça aos 93 anos em San Diego (Califórnia), segundo informações
oficiais).
Em alguns casos, ainda, a mudança de posição do circunstancial acarretava uma
mudança no escopo de atuação do mesmo. Vejamos o exemplo:
(21) A última entrada do arquivo, uma anotação anônima, registra sua morte, por
tuberculose, aos 46 anos, em 21 de janeiro de 1950 – um ano após a publicação
de 1984. [notícia 4 – Folha de São Paulo]
Analisando o circunstancial em 21 de janeiro de 1950, percebemos uma
ambiguidade em seu escopo. Na posição em que se encontra, após o outro circunstancial
– aos 46 anos –, não temos plena convicção se essa data se refere à data da morte ou à
de registro dessa morte. Se o circunstancial estivesse adjacente ao verbo, anteposto ou
posposto a ele, não haveria dúvida: a locução estaria ligada ao ato de registrar a morte.
Como um de nossos objetivos é identificar as ordenações prototípicas dos
88
circunstanciais, casos desse tipo também foram descartados, pois a sua mudança de
posição alteraria o termo ao qual o circunstancial estaria vinculado.
Além dos casos já listados, não incluímos os dados presentes nos títulos dos
textos (exemplo (22), por apresentarem sempre uma estrutura fixa para chamar a
atenção do público leitor, e aqueles dados que pertenciam a falas e entrevistas, exemplo
(23). Portanto, só foi considerado o discurso do autor do texto.
(22) Crescimento tende a perdurar este ano [notícia 5 – O Globo]
(23) Achim Steiner, diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Unep), disse que os políticos de cada país tinham de tomar a
dianteira do processo. "Se não houver uma vontade política nas discussões deste
ano, então acho que vamos nos deparar com uma situação de avanços muito
lentos, ou até impossíveis." [notícia 7 – O Globo]
Além disso, cabe ressaltar que não faziam parte de nosso objeto de estudo
estruturas já cristalizadas em francês como um vocábulo apenas, mesmo que sua
tradução equivalesse a uma locução em português (como “quelquefois”, que significa
“algumas vezes”) e orações temporais (como “Quando cheguei, me assustei” ou “Me
assustei ao chegar”). Nosso circunstancial temporal/aspectual corresponde apenas às
locuções adverbiais de tempo e aspecto, com ou sem preposição explícita.
A partir de uma análise empírica, levantamos as seguintes possibilidades de
ordenação para dar conta das diversas posições dos circunstanciais nas duas línguas:
89
Ordenação da locução em relação ao verbo:
Locução adverbial + Verbo (AdvV)
X + Locução adverbial + Verbo (XAdvV)
Locução adverbial + X + Verbo (AdvXV)
X + Locução adverbial + X + Verbo (XAdvXV)
Verbo + X + Locução adverbial (VXAdv)
Verbo + Locução adverbial + X (VAdvX)
Verbo + Locução adverbial (VAdv)
Verbo + X + Locução adverbial + X (VXAdvX)
Verbo auxiliar + Locução adverbial + Verbo Principal (AuxAdvV)
Em alguns momentos da análise, foi necessário fazer um amálgama dessas
posições da seguinte forma:
Margem esquerda (ME)
Margem direita (MD)
Pré-verbais mediais (juntando as posições XAdvV, XAdvXV e AuxAdvV)
Pós-verbais mediais (juntando as posições VAdvX, VXAdvX)
Analisamos o uso destas diferentes possibilidades de ordenação na escrita
jornalística das duas línguas de acordo com diversas propriedades45 estruturais,
semânticas e discursivo-funcionais, listadas:
1- Valor do elemento X
45 Cada um será analisado, explicado e exemplificado no capítulo de análise (capítulo 5)
90
Posições pré-verbais:
Com apenas um X: sujeito; outro adverbial; outra função
Com dois X: sujeito + outro adverbial; outro adverbial + sujeito
Posições pós-verbais:
Com apenas um X: sujeito; complemento verbal; agente da passiva; outra
função; sujeito com complemento verbal
Com dois X: sujeito + agente; agente + sujeito; sujeito + complemento;
complemento + sujeito; sujeito + outras funções; outras
funções + sujeito; complemento + outras funções; outras
funções + complemento; sujeito e complemento + outras
funções; outras funções + sujeito e complemento; outras
funções + outras funções; complemento + complemento.
2- Tipo de verbo
Verbo de Ligação
Verbo Transitivo
Verbo Intransitivo
3- Representação do sujeito
Sujeito expresso, representado por um sintagma
Sujeito oculto
Sujeito representado pelo pronome relativo
Sujeito indeterminado
Sujeito oracional
91
Oração sem sujeito
4- Posição do Sujeito
Sujeito + Verbo (SV)
Verbo + Sujeito (VS)
5- Estrutura da Locução
Sintagma nominal (SN)
Sintagma preposicional (SPrep)
6- Tamanho da Locução
Pequeno – 2 e 3 palavras
Médio – 4 e 5 palavras
Grande – 6 palavras em diante.
7- Semântica da Locução
Localizadora
Delimitativa
Durativa
Reiterativa
Simultânea
8- Função Discursiva
Circunstanciador temporal
Anafórica
92
Introdução de Subtópico
Sequência Temporal
Mista
9- Gênero Textual
Notícia
Editorial
No capítulo a seguir, veremos a análise e os resultados obtidos. Primeiramente,
organizamos as possíveis ordenações do circunstancial (fator 1), fizemos uma descrição
de elementos intervenientes entre ele, o verbo e as margens da oração (fator 2) e depois
um amálgama de posições para visualizarmos a questão das margens (fator 3). Em uma
nova seção, fizemos um cruzamento dessas ordens com fatores estruturais (fatores 4, 5,
6, 7 e 8), semânticos (fator 9) e discursivo-pragmáticos (fatores 10 e 11).
93
5. ANÁLISE DOS DADOS
Este capítulo apresenta a análise dos circunstanciais46 temporais e aspectuais do
português e do francês, encontrados nos 160 textos jornalísticos que compõem a
amostra (conforme exposto no capítulo 3). Analisaremos todos os 1243 dados – 574 do
português e 669 do francês – quantitativa e qualitativamente, à luz dos pressupostos do
funcionalismo norte-americano.
Na primeira seção, apresentaremos (a) uma descrição das posições que os
circunstanciais podem assumir nas orações, com exemplos em cada uma das línguas; (b)
um detalhamento dos elementos que, em algumas posições, são intervenientes ao
circunstancial e ao verbo; e, posteriormente, (c) um amálgama dessas ordenações para
examinarmos com maior precisão47, as margens da oração em que o circunstancial se
encontra.
Na seção seguinte, apresentaremos e cruzaremos com a posição os fatores
discursivos e sintáticos considerados relevantes para a motivação das posições
assumidas pelos circunstanciais na sentença, para que tenhamos uma análise mais
completa dos seus usos.
Ressalto que a seção 5.1 é mais descritiva, para darmos detalhamente as
possibilidades de ordenação das locuções; e a seção 5.2 é mais explicativa, no sentido
de apresentar uma série de parâmetros que precisam ser levados em consideração para
compreensão das escolhas feitas pelos escritos em ambas as línguas com relação à
posição das locuções adverbiais temporais.
46 Estamos utilizando os termos “circunstanciais temporais e aspectuais” e “locuções adverbiais
temporais e aspectuais” para designar a classe de locuções adverbiais de tempo (como estrutura de
sintagma preposicional ou nominal) que funciona como os circunstanciais temporais e aspectuais de mais
de uma palavra. 47 Em alguns casos na seção posterior
94
5.1. Ordem da Locução em Relação ao verbo
Analisamos todos os dados, tanto do francês quanto do português, segundo a
posição do circunstancial em relação ao verbo da oração na qual a locução adverbial se
localizava. Como já exposto, encontramos 574 dados válidos para a análise do
português e 669 para a do francês. A princípio, estabelecemos as seguintes
possibilidades para o posicionamento desses 1243 circunstanciais:
a- Locução adverbial + Verbo (AdvV) 48
(1) [Nesta campanha, tem ficado translúcida a tendência visceral do PT à hegemonia
política] [editorial 05 – O Globo novo]
(2) S'il a rappelé l'opposition de l'Eglise au mariage gay, en prenant soin de ne pas y
insister, il n'a porté aucune condamnation morale des homosexuels, se distinguant de
Benoît XVI, |qui, en 2005, verrouillait les portes des séminaires aux hommes présentant
des "tendances homosexuelles"|. [editorial 03 – Le Monde]
Nesta primeira possibilidade de posição da locução na margem esquerda da
oração, encontramos 29 dados no português (5% do total de 574) e apenas 6 dados no
francês (1% do total de 669 ).
48Cabe aqui ressaltar que a posição do circunstancial foi considerada sempre apenas em relação ao verbo
e à oração à qual ele pertencia. Dessa forma, o circunstancial está na posição inicial (posteriormente essa
posição será uma das incluídas no que chamaremos Margem Esquerda), quando estiver iniciando uma
oração e não apenas o período. Por esse motivo e por uma questão metodológica, nas sentenças em que o
circunstancial está iniciando a oração, mas vem precedido por uma conjunção, pronome relativo ou
qualquer outro elemento conector – como o pronome relativo qui do exemplo (02), – consideramos este
circunstancial na posição inicial da oração, já que ele não poderia vir antes de tal elemento.
95
b- X + Locução adverbial + Verbo (XAdvV)
(3) |A Constituição brasileira, depois das reformas estruturais aprovadas pelo
Congresso no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, passou a permitir |
que qualquer empresa, independentemente da origem de capital, explore a cabotagem,
desde que se instale no país e utilize navios de bandeira nacional. [editorial 12 – O
Globo novo]
(4) L'équipée sauvage de Mohamed Merah, en 2012, aurait dû être le signal d'un
nouveau et durable danger.49 [editorial 07 - Le Figaro]
Nos exemplos (3) e (4), o circunstancial aparece em posição pré-verbal, mas não
está na margem, pois há um elemento X iniciando a oração. No corpus analisado, 9
locuções no português preencheram essa posição (1,5%) e, no francês, 11 locuções (os
mesmos 1,5% do total).
O elemento X50, nessas possibilidades de ordenações, se mostra importante para
conseguirmos observar a posição do circunstancial apenas em relação ao verbo.
Sabemos que é importante descrever qual elemento se coloca ao circunstancial e ao
verbo, no entanto, esse detalhamento do valor do X será visto apenas posteriormente,
nesta seção. Aqui, o importante é destacar que o circunstancial temporal está em
posição medial e pré-verbal na oração.
49 A equipe selvagem de Mohamed Merah, em 2012, deveria ter sido um sinal de nova e duradoura.
ameaça.| 50 Consideramos como X qualquer elemento que não seja o circunstancial em análise ou o verbo da
oração. Nesse momento da análise, desconsideramos se nessa posição haveria mais de uma função como
um X. Dessa forma, o X pode equivaler a um único sintagma ou a mais de um.
96
c- Locução adverbial + X + Verbo (AdvXV)
(5) No passado, já culpou a “elite colombiana” pelo conflito armado. [notícia 05 –
Folha de São Paulo nova]
(6) |Jusqu’à présent, le FMI n’était pas concerné par le deuxième plan d’aide de 130
milliards d’euros| décidé dans la nuit du 26 au 27 octobre par La seule zone euro lors
d’um sommet extraordinaire à Bruxelles.51 [notícia 03 – Le Monde]
A posição AdvXV é outra possibilidade de preenchimento da margem esquerda
pelo circunstancial analisado. Nesse caso, a locução adverbial inicia a oração, mas não
está imediatamente antes do verbo, já que há um elemento X entre a locução e a forma
verbal. No exemplo (5), um advérbio simples – já – é o elemento X inserido entre a
locução e o verbo, por outro lado, em (6), o elemento interveniente é o sujeito da oração
– le FMI52 – e o advérbio de negação – n’. Essa segunda forma de preenchimento da
margem esquerda pela locução foi mais produtiva que a anterior, pois, dos 574 dados do
português, 110 apareceram nessa posição (19%) e, em francês, 187 dos 669 dados
(28%) preencheram a margem esquerda e tiveram um elemento X antes da forma
verbal. Em francês, essa foi a ordenação com a maior quantidade de dados.
51 Até agora, o FMI não tinha sido afetado pelo segundo plano de ajuda de 130 bilhões de euros |
decidido na noite de 26 a 27 de Outubro pela única zona euro por ocasião de uma cimeira extraordinária
em Bruxelas. 52 Cabe ressaltar que a análise da natureza do elemento X será vista mais adiante, nesta seção.
97
d- X + Locução adverbial + X + Verbo (XAdvXV)
(7) Nunca se poderia profetizar, em sã consciência, |que, em um comício da CUT,
braço sindical do partido, no Dia do Trabalho, lideranças petistas seriam variadas| e
impedidas de falar. [editorial 13 – O Globo novo].
(8) Dès 2009, juste après son élection, le président démocrate avait érigé la lutte contre
le réchauffement au premier rang de ses priorités.53 [editorial 19 – Le Monde]
Nesta última posição pré-verbal, verificamos o circunstancial temporal entre
dois elementos X antes da forma verbal. Em francês, a sua produtividade foi um pouco
maior em relação ao português: tivemos 24 locuções em francês (4% de 669 dados) e 11
em português (2% dos 574 dados). Nos dois exemplos (7) e (8), os elementos
intervenientes foram um circunstancial e o sujeito.
e- Verbo + X + Locução adverbial (VXAdv)
(9) “Estamos diante de um problema moral”, disse o número dois da Casa Branca
durante a Presidência de Bill Clinton (1992-2000) [mundo 14 – O Globo]
(10) Les Frères musulmans, |qui avaient récupéré la révolution après la chute du
président Moubarak| et, seule force politique organisée, gagné les premières élections
démocratiques, ont fait, en un an, la preuve de leur incapacité à gouverner. [editorial
14 – Le Monde]
53 A partir de 2009, logo após a sua eleição, o presidente democrata tinha erguido a luta contra o
aquecimento global na vanguarda das suas prioridades.
98
Aqui, a locução adverbial aparece na margem direita da oração, ou seja, no final
da oração, com um elemento X entre ela e a forma verbal. Na tabela (5.1), percebemos
que, no português, essa foi a ordenação predominante pelas locuções, com 184 dados
(32%). Já em francês, essa foi a segunda ordem mais produtiva, com 142 locuções do
total de 669 dados (21%). No exemplo (9), a locução está posicionado após o sujeito
posposto, em uma estrutura muito comum nos textos jornalísticos, a com verbos dicendi
(de elocução). Em tais construções, o complemento do verbo vem em posição inicial,
seguido do verbo, do sujeito posposto e só depois aparece a locução adverbial. Já no
exemplo (10), a estruturação sintática da oração foi a mais prototípica, com o
complemento verbal – la révolution – vindo após o verbo, seguidos da locução
adverbial temporal analisada.
f- Verbo + Locução adverbial + X (VAdvX)54
(11) os executivos |que se reunirão na próxima semana na estação de esqui suíça de
Davos para o encontro do Fórum Econômico Mundial| se beneficiaram de uma
"bonança no estilo (David) Beckham". [editorial 11 – O Globo]
(12) [...]le président du MoDem a reconquis, en un peu plus d’un mois, une partie de
ses électeurs de 2007.55 [notícia 2 – Le Monde]
Nessa posição, o circunstancial ocorre imediatamente após o verbo, mas não está
na margem direita, já que há um elemento X finalizando a oração. Em português, 91
54 Cabe ressaltar que esse elemento X pode conter mais de uma função. 55 [...] presidente do MoDem reconquistou, em pouco mais de um mês, parte de seus eleitores de 2007.
99
dados (16%) apareceram nessa posição, sendo, portanto, a segunda na preferência de
ordenação das locuções. Como podemos observar no exemplo (11), logo após a locução
temporal analisada, há um circunstancial locativo como elemento X. Em francês, 125
locuções (18,5%) apresentaram-se logo após o verbo com um elemento X
posteriormente. Em (12), vemos a presença do circunstancial temporal quebrando a
integração esperada entre a forma verbal – a reconquis – e seu complemento verbal -
une partie de ses électeurs de 2007.
g- Verbo + Locução adverbial (VAdv)
(13) As eleições indiretas,| que devem ocorrer entre 15 de setembro e 15 de outubro,|
significam um dilema. (notícia 16 – Folha de São Paulo)
(14) Depuis son entrée en campagne le 7 décembre, sa progression l’a meme fait
atteindre un niveau d’intentions de vote légèrement supérieur à celui |qu’il avait en
2007|.56 [notícia 2 – Le Monde]
Esta é a segunda possibilidade de ocorrência da locução adverbial na margem
direita da oração. Aqui, ela se posiciona imediatamente após o verbo e finaliza a oração.
No português, 89 locuções apareceram nessa posição (11,7% do total de 574
ocorrências); em francês, 103 dados (5,9% de 669) ordenaram-se logo após o verbo e
finalizaram a oração. Cabe relembrar que consideramos o final da oração em que a
locução se encontra e não o período inteiro. Por essa razão, o exemplo (13) seria um
56 Desde sua entrada na campanha em 7 de dezembro, seu progresso o fez até atingir um nível de
intenções de voto ligeiramente superior ao que | ele tinha em 2007. |
100
caso de margem direita da oração na qual se localiza, mesmo ocorrendo entre uma outra
oração.
h- Verbo + X + Locução adverbial + X (VXAdvX)
(15) |Scorsese|, que nunca ganhou um Oscar, apesar de ter sido indicado cinco vezes, |é
o favorito nesta temporada de prêmios em Hollywood| [editorial 13 – O Globo]
(16) Une réputation qui avait fini d’être entamée par la collision de deux TGV |qui
avait fait 40 morts le 23 juillet 2011 près de Wenzhou, dans l’est du pays, quelques
mois à peine après le limogeage de Liu Zhijun.|57 [notícia 01 – Le Figaro]
Em posição pós-verbal, o circunstancial temporal ainda pode vir entre dois
elementos X, um entre o verbo e a locução e o outro finalizando a oração. Nessa
ordenação, foram encontrados 50 dados em português (8,5%) e 61 em francês (9%). O
circunstancial analisado apareceu, no exemplo em (15), entre o predicativo do sujeito –
o favorito – e uma locução adverbial de lugar – em Hollywood. Entretanto, no exemplo
da língua francesa, em (16), a locução temporal surge após o complemento verbal – 40
morts – e o circunstancial locativo – près de Wenzhou.
i- Verbo auxiliar + Locução adverbial + Verbo Principal (AuxAdvV)
(17) Embora |a política de segurança| para combater a influência do crime organizado
em comunidades conflagradas no Rio |tenha, de imediato, logrado | reduzir a níveis
57 Uma reputação que tinha acabado de ser iniciada pela colisão de dois TGVs | que tinha causado 40
mortes em 23 julho de 2011 perto de Wenzhou, no leste do país, apenas alguns meses após a demissão de
Liu Zhijun.
101
palatáveis os indicadores de criminalidade nas localidades retomadas pelo Estado,
seria ingenuidade atribuir às UPPs os poderes de uma panaceia. [editorial 11 – O
Globo novo]
(18) Ceux-ci ont, entre 2010 et 2011, augmenté de 12,3% (+10,0% entre 2009 et
2010).58 [notícia 5]
Em 11 casos, o circunstancial apareceu inserido em uma locução verbal. Em
francês, houve 10 ocorrências (1,5 % do total) dessa estrutura. Por outro lado, no
português, foi encontrado apenas um dado (0,5% do total) em todo o corpus analisado.
Isso se explica pelo fato de que, para alguns advérbios, esta é uma posição obrigatória,
no caso de perífrase verbal. Posteriormente, ao apresentarmos o amálgama das
ordenações para algumas análises, esta posição será considerada como uma pré-verbal,
já que a locução adverbial aparece imediatamente antes do verbo predicador da locução
verbal.
A tabela (5.1), a seguir, mostra a quantidade de dados de cada uma das posições
em um comparativo das duas línguas em estudo. :
58 Estes, entre 2010 e 2011, aumentaram em 12,3% (+ 10,0% entre 2009 e 2010)
102
Tabela (5.1): Ordenações das locuções
Português Francês
nº % nº %
Pré
-Ver
ba
is AdvV 29 5 6 1
XAdvV 9 1,5 11 1,5
AdvXV 110 19 187 28
XAdvXV 11 2 24 4 P
ós-
ver
ba
is
VXAdv 184 32 142 21
VAdvX 91 16 125 18,5
VAdv 89 15,5 103 15,5
VXAdvX 50 8,5 61 9
AuxAdvV 1 0,5 10 1,5
Total 574 100 669 100
Uma diferença já pode ser notada a partir desta tabela 5.1 no que diz respeito aos
dados das posições dos circunstanciais no português e no francês. No português,
verificamos que a maior quantidade de circunstanciais temporais foi usada na margem
direita da oração com um elemento X entre ela e a forma verbal – 184 locuções, num
total de 574, o que equivale a 32%. Observamos, ainda, que houve uma diferença de 13
pontos percentuais entre essa posição e a segunda ordenação com maior quantidade de
dados no português, a posição pré-verbal AdvXV (19% do total). Tal ordenação foi a
predominante nos textos jornalísticos franceses, ocorrendo em 28% dos dados (187
casos do total de 669).
Em linhas gerais, a tabela mostra uma inversão entre a primeira e a segunda
posição entre o português e o francês, já que 142 locuções francesas (21%) se
posicionaram na margem direita e afastadas do verbo (ordenação VXAdv, a
predominante nos textos brasileiros). Embora a diferença em francês não tenha sido na
103
mesma proporção que a observada em português, percebe-se uma tendência da língua
francesa ao posicionamento do circunstancial temporal para a margem da oração.
Nas demais posições, não houve uma diferença muito significativa entre as duas
línguas analisadas. A posição medial e pós-verbal imediatamente após o verbo
(VAdvX) apareceu em terceiro na preferência das locuções tanto em português, com 91
dados (16%), quanto em francês, com 125 ocorrências (18,5%). Esse elemento X se
apresentou, em muitos casos, como um complemento verbal, o que nos traz um
resultado interessante, que abordaremos posteriormente.
Em seguida, obtivemos, com exatamente a mesma porcentagem no português e
no francês, 15,5% dos circunstanciais em margem direita colados ao verbo (VAdv).
Imediatamente após, com apenas 5 pontos percentuais de diferença entre as duas
línguas, surgem os dados na posição VXAdvX – 8,5% em português (50 dados) e 9%
em francês (61 dados).
As quatro posições menos produtivas nas duas línguas foram pré-verbais –
AdvV, XAdvXV, XAdvV, AuxAdvV. A posição do circunstancial na margem esquerda
imediatamente antes do verbo (AdvV), em português, representa 5% dos dados (29 do
total de 574) e, em francês, essa mesma posição apareceu como a de menor
produtividade, com apenas 1% (6 ocorrências no total de 669). Esses resultados
aparecem em função da restrição sintática do francês a essa ordenação (AdvV) – a
obrigatoriedade de argumento externo explícito nessa língua – além de, em português,
ainda mantermos uma considerável frequência de sujeitos nulos (cf., entre outros,
Duarte 1993, 1995).
Ao compararmos os resultados obtidos nas duas línguas, verificamos, no
português, uma tendência das locuções, a princípio, à posposição em relação ao verbo.
Contudo, em francês, esse circunstancial se mostra mais produtivo antepondo-se a ele,
104
em posição de margem esquerda com um elemento X entre a locução adverbial e o
verbo (AdvXV). Poderíamos, com isso, já sinalizar a relação desse resultado com nossa
hipótese de que a recorrência de Spreps adverbiais na margem esquerda da oração não
pode ser explicada unicamente em termos sintáticos (preenchimento de uma posição
vazia), pois, no francês, o preenchimento do sujeito é obrigatório e, mesmo assim, o
circunstancial tende a aparecer no início.
Para darmos conta desse elemento X interveniente entre o circunstancial e o
verbo ou presente nas margens esquerda e direita da oração, identificamos as seguintes
situações:
Posições com apenas um X
Em posições pré-verbais XAdvV e AdvXV
o sujeito
(19) Em outubro de 2002, [Berlusconi] cometeu uma gafe com Cacciari. [editorial 2 –
O Globo]
o outro adverbial
(20) No passado, [já] culpou a elite colombiana pelo conflito armado [notícia 5 – Folha
de São Paulo]
105
o outra função59
(21) Lors du renversement du régime Moubarak, ["nous avions dit que le changement
ne serait ni facile ni rapide, et qu'il devait s'accompagner d'une série de principes : la
non-violence, le respect des droits universels et la poursuite d'un processus
démocratique de transition"], a rappelé le président américain.60 [notícia 7 – Le
Monde]
(22) Desde 2003, [porém], existe a pressão para contar com os membros da seita.
[notícia 15 – Folha de São Paulo]
Em posições pós-verbais VXAdv e VAdvX
o sujeito
(23) De acordo com a boliviana Felcn (Força Especial de Luta Contra o Narcotráfico),
foram apreendidas no primeiro semestre [382 toneladas de droga -a maior parte
maconha] [notícia 14 – Folha de São Paulo]
(24) Âgé de 73 ans, Ezzat Ibrahim al-Douri, numéro deux sous la dictature bassiste, a
été tué lors d'une opération militaire d'envergure, a annoncé ce vendredi [le
59 Consideramos aqui como outra função qualquer elemento que não fosse o sujeito ou outro adverbial,
como uma outra oração, um aposto, uma conjunção deslocada. Cabe destacar que não foram encontrados
dados, no português brasileiro, em que esse elemento X em posição pré-verbal fosse um complemento do
verbo e, em francês, o único caso foi o do exemplo (21). Nosso objetivo com essa análise era destacar,
principalmente, a relação do sujeito com o circunstancial destacado. 60 No momento da queda do regime de Mubarak, ["nós tínhamos dito que a mudança não seria nem
fácil nem rápida, e que ela devia ser acompanhada por uma série de princípios: a não-violência, o respeito
pelos direitos universais e a busca por um processo democrático de transição "], lembrou o presidente dos
EUA.
106
gouverneur de la province de Salaheddine] à la chaîne de télévision Al Arabya, qui a
diffusé la photo d'un corps ressemblant à celui d'Al-Douri.61 [notícia 26 – Le Fígaro]
o complemento verbal
(25) A Casa Branca repudiou nesta quinta-feira [as ameaças do aiatolá Ali Khamenei.]
[notícia 1 – O Globo]
(26) La BCE tient [sa réunion mensuelle] jeudi 3 avril62. [editorial 24- Le Monde]
o agente da passiva
(27) Shetty é famosa na Índia, especialmente por suas danças sensuais, mas sua
carreira vem sendo ofuscada desde o ano passado [por uma nova geração de estrelas.]
[editorial 10 – O Globo]
(28) Surtout quand une longue habitude du fait du prince a été complétée, depuis plus
d'un siècle, [par un solide usage des privilèges républicains.]63 [editorial 20 – Le
Monde]
61 Com 73 anos, Ezzat Ibrahim al-Douri, número dois sob a ditadura bassista, foi morto durante uma
grande operação militar, anunciou nesta sexta-feira [o governador da província de Salaheddin] no canal
de televisão Al Arabya, que transmitiu uma foto de um corpo semelhante ao de al-Douri. 62 O BCE realiza [sua reunião mensal] quinta - feira, 3 de abril. 63 Especialmente quando um longo costume do ato do príncipe foi concluído, há mais de um século, [por
um forte uso dos privilégios republicanos.]
107
o sujeito / complemento verbal em um mesmo constituinte X
(29) Ele encarna perfeitamente bem este machismo italiano insuportável", declarou
nesta quinta-feira [à AFP] [Valeria Ajovalasit, presidente da Arcidonna, principal
associação de defesa dos direitos das mulheres.] [editorial 2 – O Globo]
o outra função64
(30) Cerca de R$ 250 milhões caíram [nesse sorvedouro só] nos três primeiros meses
do ano. [editorial 8 novo – Folha de São Paulo]
(31) L'épave est «étonnamment intacte» pour un bâtiment ayant passé plus de 60 ans
[sous l'eau.].65 [notícia 25 – Le Figaro]
As tabelas (5.2), do português, e (5.3), do francês, elencam todas as
possibilidades, juntamente com o número de ocorrências para cada valor de X:
64 Consideramos aqui como outra função elementos como outra oração, um aposto, um predicativo, ou
ainda outro adverbial, pois consideramos essencial para nossa análise principalmente a relação entre o
verbo, seu complemento interno, o sujeito e o agente da passiva (para dar conta das orações passivas). As
demais funções foram reunidas para sintetizarmos mais a visualização. 65 O destroço está "surpreendentemente intacto" para uma construção tendo passado mais de 60 anos [sob
a água]
108
Tabela (5.2)66: Ordenações com apenas um X no português
Posições pré-verbais Posições pós-verbais
XAdvV AdvXV VXAdv VAdvX Total P
ré Sujeito N 7 97 - - 104
Adverbial N 1 7 - - 8
Outra função N 1 6 - - 7
Pós
Sujeito N - - 6 10 16
Complemento verbal N - - 99 44 143
Agente da passiva N - - 4 4 8
Outra função N - - 74 31 105
Sujeito + C.Verbal N - - 1 2 3
Total N 9 110 184 91 394
A tabela 5.2 permite verificar que em 97 dos casos, é o sujeito que se mostra
mais produtivo como X, na estrutura AdvV. Além disto, X corresponde a um
constituinte sujeito em 7 casos em que X inicia a oração (XAdvV). Ou seja, nas 119
ocorrências das locuções adverbiais temporais em posição pré-verbal com algum X
(XAdvV e AdvXV), o sujeito aparece em 104 casos (87,5% do total).
Esta tabela fornece outras evidências de que a ordenação da locução adverbial na
margem esquerda da oração não ocorre por questões sintáticas, conforme proposto por
alguns trabalhos. (Kato & Duarte 2003, Spanó, 2008, Henriques, 2013). Segundo
hipótese Kato e Duarte (2003), o adverbial se colocaria na posição inicial quando o
sujeito estivesse oculto, ou fora de sua posição, para que tal espaço não fosse deixado
vazio. Os resultados mostram que, quase na sua totalidade (97 casos), o constituinte (X)
que aparece em AdvXV é um constituinte sujeito, ou seja, o circunstancial está na
posição inicial da oração mesmo com a presença do sujeito antes do verbo (tal
constatação ficará mais claramente exposta através dos fatores analisados na seção
5.2.1.3.
Nas posições pós-verbais (VXAdv e VAdvX), em 16 casos o elemento X
corresponde a um constituinte sujeito. Em português, verificamos que, desses 16 casos,
66 Nesta tabela e na subsequente, preferimos deixar apenas o quantitativo de dados em X, sem o
percentual, para facilitar a percepção das tendências, já que essas tabelas constituem muitas
possibilidades.
109
exatamente metade era constituída de estruturas na voz passiva (7 na voz passiva
analítica e 1 na voz passiva sintética) e a outra metade era de estruturas com verbos de
elocução, presentes maciçamente no gênero notícia, como nos exemplos:
(32) É nesse cenário distante da Primavera Árabe de 2011 que será realizada no fim
deste mês [nova eleição presidencial] [editorial 6 novo – Folha de São Paulo]
(33) O volume de negócios aumentou levemente em 0,6%, a 56,594 bilhões de euros em
2006, contra 56,267 bilhões no ano anterior, informou [um comunicado do grupo]
nesta quarta-feira [notícia 13 – O Globo]
Em (32), temos um exemplo de um circunstancial posicionado logo após a forma
verbal na voz passiva analítica. O elemento X, sujeito, realiza-se na margem direita –
nova eleição presidencial – na posição VAdvX. Desses casos, em apenas um a locução
é posicionada no final da oração, com o sujeito (X) posposto ao verbo (VXAdv).
Já em (33), verificamos uma estrutura que nos parece cristalizada para esse tipo
de construção: a com verbos de elocução. Nessas orações, o complemento do verbo
aparece no início da oração, constituindo a informação dada pelo verbo dicendi no caso
do exemplo (33), O volume de negócios aumentou levemente em 0,6%, a 56,594 bilhões
de euros em 2006, contra 56,267 bilhões no ano anterior. O sujeito – um comunicado
do grupo –, então, pospõe-se ao verbo, seguido do circunstancial temporal analisado.
Cabe destacar que, em português, os dados não nos mostraram uma forte tendência com
relação à possibilidade de o sujeito vir colocado após o verbo (VXAdv) ou vir na
margem direita da oração (VAdvX) – como o elemento X –, pois, dos nossos 8 casos
110
desse tipo, 4 tiveram a locução colada ao verbo e, em 4, a locução veio na margem
direita.
No que concerne aos complementos verbais, confirmaram-se as nossas
expectativas: dos 143 casos em que eles se apresentaram como elemento X, 99 se
mantêm adjacentes ao verbo e a locução adverbial se situa na margem direita da oração.
Confirma-se, assim, o Subprincípio da Integração, proposto por Givón (1990), que
prevê a proximidade entre o verbo e seus argumentos. Observemos o exemplo (34):
(34) Essa conta apresentou [déficit de US$ 717 milhões] no mês de julho. [editorial 9 –
Folha de São Paulo]
No entanto, dados como os do exemplo (35) em seguida em que a locução se fica
adjacente ao verbo são possíveis, embora quebrem a integração entre o verbo e o seu
complemento.
(35) O ministro da saúde, José Gomes Temporão, anunciou na semana passada [uma
verba suplementar de R$ 2 bilhões] para o setor. [editorial 2 – Folha de São Paulo]
No exemplo, o circunstancial temporal na semana passada aparece
imediatamente após a forma verbal – anunciou –, seguidos, só então, pelo objeto direto
uma verba suplementar de R$ 2 bilhões para o setor. No entanto, casos deste tipo são
bem mais raros, com um total de 44 ocorrências.
Ainda com relação às posições pós-verbais, juntamos em “outras funções”
elementos como um predicativo, outro adverbial, ou qualquer outro elemento que não
fosse sujeito, complemento verbal e agente da passiva. Nesse conjunto, há maior
111
recorrência de dados em que X é outro circunstancial, como no exemplo (36), em que a
locução adverbial analisada (nesta semana) ocorre logo após um X com valor de
circunstancial locativo (ao Brasil).
(36) O medicamento chegou [ao Brasil] nesta semana. [notícia 13 nova – Folha de São
Paulo]
Um dos 17 casos particulares em que o X não era um adverbial aparece no
exemplo (37):
(37) Pelas normas vigentes, o mandato de Musharraf é [válido] até o final deste ano.
[notícia 8 – Folha de São Paulo]
Em (37), o circunstancial temporal até o final deste ano aparece na margem
direita, seguindo um predicativo do sujeito - válido. É importante destacar que todos os
casos, nos jornais brasileiros, em que X corresponde a um predicativo do sujeito a
locução adverbial temporal se pospõe a ele.67
Por fim, os 3 dados em que X corresponde a dois constituintes (um constituinte
sujeito e um complemento) são de frases com verbo dicendi, como no exemplo (38):
(38) "Uma oferta de 40 Rafales será apresentada ao governo indiano nos próximos
dias", declarou nesta quarta-feira [à AFP] [Yves Robins, diretor de comunicação do
construtor aeronáutico francês]. [notícia 6 – O Globo]
67 Essa configuração será melhor explorada na página 127.
112
Em seguida, na tabela (5.3), a distribuição para os valores dos elementos
intervenientes entre o circunstancial temporal e aspectual e o verbo nos dados do
francês:
Tabela (5.3)68: Ordenações com apenas um X no francês
Posições pré-verbais Posições pós-verbais
XAdvV AdvXV VXAdv VAdvX
Total
Pré
Sujeito N 11 186 - - 197
Adverbial N 0 0 - -
Outra função N 0 1 - - 1
Pós
Sujeito N - - 11 12 23
Complemento verbal N - - 93 60 153
Agente da passiva N - - 0 2 2
Outra função N - - 37 51 88
Sujeito + C.V. N - - 1 0 1
Total N 11 187 142 125 465
Em francês, encontramos uma grande quantidade de ocorrências em posição
inicial antecedendo o sujeito expresso. Dos 187 dados em posição AdvXV, o elemento
X era o sujeito da oração em 186 casos. Além disso, dos 11 dados em posição pré-
verbal e não inicial, imediatamente antes do verbo (XAdvV), em todos o circunstancial
temporal estava entre o sujeito e a forma verbal, ou seja, o elemento X era o sujeito da
oração. Vejamos os exemplos (39) e (40):
(39) Avant même les morts de lundi, [l’armée] a entrepris d’emprisonner les
dirigeants des Frères.69 [editorial 11 – Le Monde]
68 Nesta tabela, assim como a anterior, preferimos deixar apenas o quantitativo de dados em X, sem o
percentual, para facilitar a percepção das tendências, já que essas tabelas constituem muitas
possibilidades. 69 Antes mesmo das mortes de segunda-feira, [as forças armadas] começou a prender os líderes da
irmandade.
113
(40) [La précédente expérience du pouvoir des généraux égyptien], après la chute de
Moubarak jusqu’à l’investiture de M. Morsi, avait été calamiteuse.70 [editorial 14 – Le
Monde]
No exemplo (39), a locução adverbial Avant même les morts de lundi posiciona-
se no início absoluto da oração, mesmo com o sujeito – l’armée – estando presente em
sua posição prototípica, ou seja, antes da forma verbal – a entrepris. Voltaremos a tratar
da questão do uso de locuções e a presença ou ausência de sujeito na seção 5.2.
Em (40), percebemos uma construção pouco esperada, já que o circunstancial
temporal – après la chute de Moubarak jusqu’à l’investiture de M. Morsi – aparece
entre a forma verbal - avait été – e o sujeito – La precedente expérience du pouvoir des
généraux égyptien.
Ainda com relação às posições pré-verbais em francês, não foram encontrados
dados de outros adverbiais como um elemento X e em apenas um caso (exemplo 41) o
complemento verbal foi o termo interveniente entre o circunstancial e o verbo.
(41) Lors du renversement du régime Moubarak, ["nous avions dit que le changement
ne serait ni facile ni rapide, et qu'il devait s'accompagner d'une série de principes : la
non-violence, le respect des droits universels et la poursuite d'un processus
70 [A experiência anterior do poder dos generais egípcios], após a queda de Mubarak até a posse do Sr.
Morsi, tinha sido calamitosa.
114
démocratique de transition"], a rappelé le président américain..71 [notícia 7 – Le
Monde]
No exemplo (4), o circunstancial temporal ocorre na margem esquerda da
oração, posição predominante das locuções em francês, no entanto, o elemento
interveniente entre ele e o verbo não é o sujeito, como na maior parte dos casos e, sim, o
complemento verbal. Cabe perceber que a estrutura em que isso ocorre é a com verbo
dicendi, ou seja, com o verbo de elocução, que nos traz uma estrutura quase
cristalizada, com o objeto em posição pré-verbal e o sujeito transferido para a pós-
verbal. Veremos mais adiante que tal construção ocorre de forma maciça em francês,
assim como foi produtiva em português, e que ela ocasionou o posicionamento da
locução adverbial em posição pós-verbal, juntamente com o sujeito. A exceção está no
exemplo (41), em que o objeto direto era de uma grande extensão, assim como o
circunstancial.
Com relação às posições pós-verbais, praticamente as mesmas tendências do
português foram observadas. Nas ordenações VXAdv e VAdvX, o elemento X
corresponde a um constituinte com função de sujeito em 23 casos, divididos nas duas
posições. Vejamos os exemplos:
(42) La société Canadian Pacific Railway (CP) va faire appel de la mise en demeure du
gouvernement du Québec de payer pour le nettoyage et la décontamination du site de
71 Durante a queda do regime de Mubarak, ["nós tínhamos dito que a mudança não seria nem fácil
nem rápida, e que deveria ser acompanhada por uma série de princípios: a não violência, o respeito pelos
direitos universais e a busca de um processo democrático de transição"], lembrou o presidente americano.
115
Lac Megantic, a indiqué jeudi 15 août [un porte-parole du transporteur ferroviaire].72
[notícia 14 – Le Monde]
(43) Il a appelé le ministère polonais des Affaires étrangères à accorder des visas
gratuits aux Loups de la Nuit, |comme l'avait fait [l'ambassade russe] pour son groupe
pendant 10 ans.73 [notícia 9 – Le Figaro]
Muitos casos de sujeito posposto ao verbo no francês ocorrem devido ao fato de
as construções com verbos dicendi serem praticamente cristalizadas na língua, conforme
ilustrado no exemplo (42). Nesse caso, o sujeito – un porte-parole du transporteur
ferroviaire – aparece como o valor de X em posição pós-verbal, já que o complemento
da forma verbal – a indiqué – se manifesta na forma oracional e é deslocado para o
início da oração – La société Canadian Pacific Railway (CP) va faire appel de la mise
en demeure du gouvernement du Québec de payer pour le nettoyage et la
décontamination du site de Lac Megantic.
Dos 23 dados em francês de X com valor de sujeito na posição pós-verbal,
apenas 5 não possuíam essa estrutura com verbos de elocução. Em português, vimos,
com o exemplo (32), que o valor de X pós-verbal poderia ser de sujeito quando a oração
estivesse na voz passiva. Em francês, o sujeito nessa posição pode encontrar-se na
forma pronominal e imediatamente após o verbo, em alguns casos, devido à construção
prevista nesta língua para uma das possibilidades de interrogativas diretas, tornando-se
um clítico (como estruturas do tipo Que fait-[on] après 2020 ?); ou em outros poucos
72 A Companhia Ferroviária Canadian Pacific (CP) vai recorrer da notificação do Governo do Quebec
para pagar a limpeza e descontaminação do local de Lac Mégantic, indicou quinta-feira 15 de agosto
[um porta-voz da transportadora ferroviária]. 73 Ele chamou o Ministério polonês das Relações Exteriores para conceder vistos gratuitos para aos Lobos
da Noite, | como fizera [a Embaixada da Rússia] para seu grupo por 10 anos.
116
casos como o do exemplo (43), em que o sujeito (l'ambassade russe) apresenta-se após
a forma verbal (avait fait) na oração comparativa.
Encontramos, nas orações em que o circunstancial estava após o verbo, 153
casos nos quais o constituinte X era um complemento verbal. Desses, 93 estavam
imediatamente após o verbo, com a locução adverbial finalizando a oração (VXAdv), e
60 com a locução adverbial entre o verbo e seu complemento (VAdvX). Vejamos os
exemplos:
(44) Ce musulman d'origine tchétchène risque la peine capitale pour les attentats |qui
ont fait [3 morts et 264 blessés] le 15 avril 2013,| lorsque deux bombes ont explosé près
de la ligne d'arrivée du marathon de la ville.74 [notícia 28 – Le Figaro]
(45) Le PS va nous offrir pendant quelques semaines [une de ces petites comédies dont
il a le secret].75 [editorial 3 – Le Figaro]
Assim como ocorreu no português, em francês, nos casos em que o
complemento verbal (seja objeto direto ou indireto) estava presente, o circunstancial
temporal ordenou-se preponderantemente após o argumento verbal, como podemos
visualizar em (44).
No entanto, dos 153 casos em que o valor de X era o complemento do verbo na
posição pós-verbal do circunstancial temporal, 60 estavam na posição VAdvX,
conforme observado no exemplo (45). Não esperávamos tal resultado pois em geral há
uma forte ligação entre o verbo e o complemento. Mas podemos ver que o uso
74 Este muçulmano de origem tchetchena corre o risco de ser condenado à pena de morte pelos atentados |
que fizeram [3 mortos e 264 feridos]em 15 de abril de 2013, | quando duas bombas explodiram perto da
linha de chegada da maratona da cidade. 75 O PS vai nos oferecer por algumas semanas [uma destas pequenas comédias de que ele tem o
segredo].
117
preponderante é VXAdv, sobretudo quando X é objeto (conferir os resultados da tabela
5.3)
Ainda com relação à função do elemento X nas posições pós-verbais, tivemos,
em francês, apenas 2 casos nos quais o circunstancial temporal estava entre a forma
verbal e um agente da passiva e somente 1 dado em que o elemento X corresponde a
dois constituintes, um na função de sujeiro e outro de complemento verbal. Tais casos
podem ser vistos nos exemplos (46) e (47):
(46) En ce 7 décembre 1941, le cuirasser fut touché au petit matin [par quatre torpilles
japonaises] avant de chavirer et de couler avec son équipage.76 [notícia 16 – Le Figaro]
(47) Vous avez l'obligation de réussir", n'a cessé de répéter [François Hollande] [à ses
interlocuteurs tunisiens] tout au long de sa visite d'Etat, jeudi 4 et vendredi 5 juillet.77
[editorial 12 – Le Monde]
Em português, como vimos na tabela (5.2), em 8 casos de X como agente da
passiva, 4 se apresentaram na posição VAdvX e 4 em VXAdv, ou seja, não houve uma
tendência nítida para a posição do circunstancial nessas construções. Já em francês,
poucos foram os casos com o agente da passiva – apenas 2 dados foram encontrados.
No entanto, em ambos, a locução adverbial se colocou entre a perífrase verbal e o
agente da passiva, contrariando a expectativa, já que a integração entre o verbo e seu
agente deveria ser forte. No exemplo (46), vemos a locução adverbial au petit matin
entre a forma verbal – fut touché – e o agente – par quatre torpilles japonaises.
76 Neste 07 de dezembro de 1941, a blindagem foi atingida no início da manhã [por quatro torpedos
japoneses] antes de virar e afundar com sua tripulação. 77 “Vocês tem a obrigação de conseguir”, não parou de repetir [François Hollande] [a seus interlocutores
tunisianos] ao longo de sua visita de Estado, na quinta-feira e sexta-feira 4, 5 de julho.
118
No exemplo em (47), percebemos mais uma vez a estrutura com verbos de
elocução, bastante frequente nos textos jornalísticos. Nesse caso, além do objeto direto
oracional posicionado na margem esquerda da oração, um objeto indireto – à ses
interlocuteurs tunisiens – se apresentou após o sujeito posposto – François Hollande. O
circunstancial, nesse caso, não interrompeu a relação entre o verbo e seus argumentos,
ordenando-se, portanto, na margem direita da oração.
Por fim, o que chamamos, na tabela (5.3), de outras funções resumiu-se a outros
circunstanciais (36 ocorrências) e ao predicativo do sujeito (1 ocorrência). Já na posição
VAdvX, tivemos predicativo em 7 dos 51 dados e 44 de outros adverbiais. Observemos
os exemplos (48) e (49):
(48) Qualifié de « journaliste exceptionnel » par Arthur Sulzberger, Dean Baquet est,
au départ, [un reporter autodidacte].78 [notícia 26 – Le Monde]
(49) La 100e édition du Tour de France s’élance [de Corse], samedi 29 juin.79 [editorial
17 – Le Monde]
O exemplo (48) configura o único caso em que o circunstancial temporal se
posiciona entre a forma verbal – est – e o predicativo do sujeito –
un reporter autodidacte. Nessa construção, percebemos uma tentativa de enfatizar o
circunstancial au depart, deslocando-o para uma posição próxima ao verbo. Em todos
os outros dados em que X, em posições pós-verbais, é um predicativo o circunstancial
temporal segue o predicativo, ou seja, na posição final da oração.
78 Qualificado como "excelente jornalista" por Arthur Sulzberger, Dean Baquet é, de início, [um repórter
autodidata]. 79 A 100ª edição do Tour de France é lançada [da Córsega], sábado 29 de junho.
119
Os demais 81 dados de constituinte X, incluídos em outras funções,
correspondem a outros adverbiais. No exemplo (49), o circunstancial temporal– samedi
29 juin – segue outro circunstancial – de Corse –, no caso, locativo. Esse resultado foi o
único que difere da tendência do português, mostrada na tabela (5.2). Vimos que, em
português, as outras funções se mostravam mais produtivas na posição mais próxima ao
verbo, com a locução adverbial na margem direita, contudo, em francês, essa ordenação
(VXAdv) teve 37 dados, enquanto a posição medial para a locução (VAdvX) se
mostrou mais produtiva com 51 dados.
Há indicações de que, no francês, no caso de outro circunstancial na mesma
oração, o circunstancial temporal tende a se aproximar do verbo, deslocando esse outro
adverbial para a margem direita 80. É provável que essa tendência tenha relação com a
semântica dos circunstanciais analisados, conforme veremos posteriormente (seção
5.2.2.1). O que aqui cabe ressaltar é que, tanto em português quanto em francês, a
presença maciça de circunstanciais de outras noções semânticas (além dos temporais e
aspectuais analisados), pode motivar a ordenação dos circunstanciais temporais.
Em seguida, podemos verificar de uma forma mais breve a posição do
circunstancial temporal ou aspectual em orações onde ocorrem dois constituintes X.
Posições com mais de um X
Nas tabelas, visualizamos quais elementos intervenientes se tornaram
importantes na construção pré-verbal e pós-verbal do circunstancial temporal nas duas
línguas em análise, quando havia a ocorrência de dois elementos X, ou seja, na posição
XAdvXV (pré-verbal) e VXAdvX (pós-verbal):
80 Cf. Paiva (2007, 2008) e Lessa, 2012, sobre sequenciação de diversos circunstanciais.
120
Tabela (5.4)81: Ordenações com dois X Posição pré-verbal Posição pós-verbal
XAdvXV VXAdvX
Português Francês Português Francês
pré
Sujeito + adverbial N 4 9 - -
Adverbial + sujeito N 7 15 - -
pós
Sujeito + outras N - - 2 2
C.V. + outras N - - 19 31
Outras + C.V N - - 2 5
Outras + outras N - - 25 18
CV + CV N - - 2 -
Sujeito/CV + outras N - - - 4
Outras + sujeito/CV N - - - 1
Total N 11 24 50 61
Na análise das orações com dois constituintes X, demos prioridade ao controle
da posição do circunstancial temporal em relação ao sujeito e ao complemento verbal,
ou seja, à questão da quebra, ou não, do fluxo de informação entre o verbo e seus
argumentos interno e externo. Apenas para as posições pré-verbais, consideramos
relevante o outro adverbial por ele estar deslocado de sua posição.
Para as posições pré-verbais, as mesmas tendências de uso foram observadas
para o português e o francês, embora a ordenação (XAdvXV) tenha sido mais produtiva
para o francês (24 dados contra apenas 11 em português). Nessa ordenação, a
configuração que se apresentou na maior parte dos dados, em ambas as línguas, foi a de
primeiro X como locução adverbial e o segundo X como sujeito. O que significa que
dois circunstanciais ficam na margem esquerda da oração.
(50) [Segundo o relatório], entre abril de 2006 e março de 2007, [nenhum crimoso
nazista] foi condenado | e nem mesmo muitas investigações foram iniciadas. [notícia 3
– Folha de São Paulo]
81 Idem à nota 4.
121
(51) [De fait], moins de deux jours après sa nomination à Matignon, [son
gouvernement] a été constitué en temps et en heure.82 [editorial 23 – Le Monde]
Em português, dos 11 dados com dois elementos X, 7 foram de outro adverbial
na posição do primeiro X e o sujeito adjacente ao verbo, como no exemplo (50). Nele, o
circunstancial temporal – entre abril de 2006 e março de 2007 – aparece entre um
circunstancial com valor conformativo (segundo o relatório) e o sujeito da oração
(nenhum criminoso nazista).
Essa mesma configuração ocorre no exemplo (51) do francês. Nele, e em 15
dados dos 24 na posição XAdvXV, o circunstancial temporal (no caso, moins de deux
jours après sa nomination à Matignon) se posiciona entre um adverbial de enunciação
– de fait – e o sujeito – son gouvernement.
A segunda possibilidade para a posição pré-verbal foi aquela em que o
circunstancial temporal se situa entre o sujeito que inicia a oração e é seguido por outro
circunstancial. Essa ordenação, em ambas as línguas, foi menos produtiva do que a
anterior, já que os circunstanciais estariam inseridos entre o sujeito e o verbo,
quebrando, assim, o fluxo de informação – o que não seria previsto no Subprincípio da
Integração (cf. cap 3). Vejamos os exemplos em que isso ocorre:
(52) Seriam decisões obviamente impopulares, e [as primeiras movimentações pela
sucessão presidencial], no ano que vem, [só] agravam o dissenso quanto ao que seria
82 [Na verdade], menos de dois dias após a sua nomeação para Matignon, [seu governo] foi constituído
a tempo e na hora.
122
preciso fazer para resgatar o país de seus graves desequilíbrios. [editorial 13 – Folha
de São Paulo]
(53) Autant [la répression sanglante des partisans de Morsi], lundi matin [devant le
quartier général de la Garde républicaine], doit donner lieu à une enquete, |autant les
appels islamistes à l’insurrection doivent être condamnés.83 [editorial 25 – Le Monde]
Nos jornais brasileiros, essa estruturação da oração ocorreu com advérbios
pequenos, do tipo só, não e já, na segunda posição para o elemento X. Isso pode ser
visto no exemplo (52), em que o circunstancial analisado (no ano que vem) está entre o
sujeito e o advérbio só. Apenas 4 dados apareceram nessa posição, inseridos entre o
verbo e o sujeito, e com mais um adverbial. No entanto, o segundo elemento X possui
uma massa fônica reduzida, o que não dificulta o fluxo de informação entre o sujeito e o
verbo.
Já em francês, essa configuração se apresentou em 9 casos dos 24 nessa posição.
Destes 9 dados, apenas 2 deles foram encontrados no jornal Le Figaro, essas
construções, com mais inserções, nos parecem mais produtivas em uma linguagem mais
rebuscada, menos direta. No exemplo (53), o circunstancial analisado – lundi matin –
aparece entre o sujeito – la répression sanglante des partisans de Morsi – e outro
circunstancial – devant le quartier général de la Garde républicaine. Cabe perceber,
aqui, que tanto o sujeito quanto o adverbial são elementos X de grande extensão e que o
circunstancial lundi matin é um constutuinte pequeno.
83 Tanto [a repressão sangrenta dos partidários de Morsi] na segunda de manhã [na frente da sede da
Guarda Republicana], deve resultar em uma investigação, | como os apelos islâmicos à insurreição devem
ser condenados.
123
Comparando as tabelas (5.3) e (5.4), verificamos que o circunstancial
temporal/aspectual só aparece nessas posições pré-verbais em francês quando um dos
elementos X é o sujeito, já que, na tabela (5.3), foi encontrado somente um dado em que
o elemento X antes de V tem outra função sintática. Dos 197 dados visualizados na
tabela (5.3) em posição pré-verbal com elemento X, 196 tinham o valor de sujeito. Já na
tabela (5.4), 24 dados apresentam o argumento externo do verbo como um dos valores
do X.
5.1.2. Margens da oração
Do que pudemos verificar até o momento, fica clara a predominância das
locuções temporais/aspectuais nas margens da oração em detrimento das posições
internas. Para observamos as margens esquerda e direita, fizemos um reagrupamento
das posições apresentadas e consideramos 4 posições84.
o Margem Esquerda = AdvV ; AdvXV
o Margem Direita = VXAdv ; VAdv
o Posições pré-verbais mediais = XAdvV; XAdvXV; AuxAdvV85
o Posições pós-verbais mediais= VAdvX, VXAdvX
O gráfico (5.1) mostra a distribuição obtida para este reagrupamento:
84 Essa nova organização será utilizada em cruzamentos com alguns fatores que consideramos essenciais
para visualizarmos a questão das margens 85 Considerei aqui a locução inserida entre o auxiliar e o verbo principal como “outras pré-verbais”, pois
levei em consideração o verbo predicador.
124
Gráfico (5.1): Margens e posições mediais das locuções no português
No gráfico (5.1), vemos o resultado do amálgama realizado para verificarmos as
tendências gerais da locução adverbial no que diz respeito às margens da oração.
Conforme o já exposto, juntamos as posições AdvV e AdvXV em margem esquerda
(ME) e as posições VXAdv e VAdv em margem direita (MD). As demais posições
foram divididas em posições pré-verbais mediais (XAdvV, XAdvXV e AuxAdvV) e
posições pós-verbais mediais (VAdvX e VXAdvX).
Como podemos observar a partir do gráfico, há um número maior de ocorrências
de locução adverbial de tempo/aspecto na margem direita, correspondendo a 47% dos
dados considerados para análise. Ainda no gráfico, percebemos que, no português, as
locuções adverbiais ocupam de forma significativamente mais frequente posições pós-
verbais, mas, preferencialmente a margem direita da oração, uma vez que temos 72%
dos casos ocorrendo depois do verbo (somatório da posição MD, com 47%, e da
amálgama das demais posições pós-verbais, com 25%).
125
Vejamos, no exemplo (54), uma locução temporal na posição que, até o
momento, foi a prototípica no português, VXAdv:
(54) Outros dados, como os cortes de pessoal na imprensa, que| aumentaram 88% em
2006,| também são reveladores [editorial 1 – O Globo]
No que diz respeito à posição das locuções adverbiais temporais e aspectuais,
observamos uma distribuição um pouco diferenciada da do português, como mostra o
gráfico (5.2):
Gráfico (5.2): Margens e posições mediais das locuções no francês
Assim como no português, os circunstanciais no francês apareceram
predominantemente nas margens da oração: 65% das locuções iniciam ou finalizam a
126
oração – 29% na margem esquerda e 36% na margem direita. No entanto,
diferentemente do português, em que a tendência de uso das locuções foi
indiscutivelmente a margem direita, em francês, observamos menor intervalo entre as
frequências para cada uma das margens. Embora, nos jornais franceses, a posição
predominante dos circunstanciais tenha sido a posição inicial AdvXV (conferir tabela
5.1), com 28% dos dados, ao amalgamarmos as outras posições, a margem direita obtém
maior índice de ocorrência, de forma semelhante ao constatado para o português. O
trecho (55) exemplifica bastante claramente esta tendência.
(55) Une réputation qui avait fini d’être entamée par la collision de deux TGV |qui
avait fait 40 morts le 23 juillet 2011 près de Wenzhou, dans l’est du pays, quelques
mois à peine après le limogeage de Liu Zhijun.|86 [notícia 1 – Le Figaro]
Em (55), o circunstancial temporal – quelques mois à peine après le limogeage
de Liu Zhijun – finaliza a oração em que se encontra. Essa ordenação específica
(VXAdv) foi a segunda de maior produtividade em francês, com 21% dos 669 dados
válidos. Como veremos na seção 5.2, esta tendência está correlacionada a fatores, como
por exemplo, a extensão da locução.
As posições mediais, tanto em português quanto em francês, foram as menos
produtivasfrequentes, já que nelas os circunstanciais se inserem entre os argumentos do
verbo e quebram a integração entre os elementos. Em linhas gerais, podemos afirmar
que, em ambas as línguas, houve uma preferência pelo posicionamento das locuções em
posições pós-verbais, destacando-se a margem direita da oração, em especial no
português. Mais especificamente, no português, obtivemos 72% (47% MD e 25% de
86 Uma reputação que tinha acabado de ser iniciada pela colisão de dois TGVs | que tinha causado 40
mortes em 23 julho de 2011 perto de Wenzhou, no leste do país, apenas alguns meses após a demissão de
Liu Zhijun.
127
pós-verbais mediais) de circunstanciais pós-verbais do total de 577 dados, contra 64%
(36% MD e 28% de pós-verbais mediais) de circunstanciais pós-verbais do total de 669
dados considerados para a análise.
O resultado mais significativo que esses gráficos nos mostram é que os
circunstanciais temporais, nas duas línguas românicas analisadas, seguem um mesmo
padrão de ordenação, tendo em vista que as mesmas tendências foram encontradas.
Na seção seguinte, verificaremos quais fatores, sintáticos, semânticos e / ou
discursivos, motivam a preferência pelas ordenações. Nossa hipótese é que, quanto
maior o papel discursivo dos circunstanciais, mais o deslocamento ocorrerá.
5.2. Parâmetros Analisados
Nesta seção, apresentamos os resultados dos parâmetros que consideramos
relevantes para explicar as razões pelas quais escritores usam diversas posições em
textos escritos em língua portuguesa e em língua francesa.
Iniciamos nossa discussão pelos parâmetros mais estruturais e concluímos com
fatores discursivo-pragmáticos. Focalizamos primeiro o tipo de verbo da oração, em
sequência, o tipo de sujeito, sua posição, a estrutura do circunstancial, seu tamanho,
e, por fim, a semântica da locução adverbial, seu papel discursivo e o gênero textual
em que ocorre.
128
5.2.1. Propriedades estruturais
5.2.1.1. Tipo de Verbo
Consideramos aqui o tipo sintático do verbo de acordo com a nomenclatura
tradicional da NGB (Norma Gramatical Brasileira) – verbo de ligação, transitivo,
intransitivo –, sempre levando em consideração o contexto em que o circunstancial
temporal está inserido, como mostramos a seguir:
a- verbo de ligação
Em (56), temos a forma verbal seria e em (57) a forma est (v. ser). Nos dois
exemplos, o circunstancial temporal se desloca para a posição pré-verbal.
(56) Mas antes do primeiro protesto, [tudo] era mais fácil, segundo Dhundup . [notícia
7 – Folha de São Paulo]
(57) Officiellement, le bilan après deux jours d'affrontements est d'au moins 623 morts
mais il pourrait encore s'alourdir.87 [notícia 09 – Le Monde]
Em (56), o circunstancial temporal aparece na margem esquerda da oração, não
interferindo na relação entre o sujeito (tudo) e seu elemento caracterizador (fácil),
colocado após o verbo de ligação (era). Já em (57), o circunstancial analisado – après
deux jours d'affrontements – posiciona-se entre o sujeito (le bilan) e a forma verbal
(est). No entanto, neste caso específico, a margem esquerda já está ocupada por outro
87 Oficialmente, o saldo após dois dias de confrontos é de pelo menos 623 mortos, mas ainda poderia
aumentar.
129
adverbial – officiellement – o que pode ter motivado o posicionamento do temporal
mais próximo ao verbo.
b- verbo transitivo
Os verbos transitivos foram os mais frequentes em todo o corpus analisado,
como nos exemplos a seguir:
(58) Na quinta-feira passada, o segundo maior grupo mundial do setor, o Rio Tinto,
divulgou também seus recordes, com lucro líquido de US$ 7,4 bilhões [notícia 5 – O
Globo]
(59) Le ministre de l'Intérieur italien a envoyé lundi une directive aux préfets les
appelant à trouver d'urgence 6.500 places d'hébergement, en particulier dans le nord et
le centre du pays.88 [notícia 13 – Le Figaro]
A expectativa com relação a esses verbos era que o circunstancial temporal não
aparecesse ao lado da forma verbal, pois essa posição é prototipicamente ocupada por
seu(s) complemento(s). Dessa forma, a locução tenderia às margens. Isso ocorre no
exemplo (58), em que o circunstancial analisado - Na quinta-feira passada – aparece na
margem esquerda da oração, deixando a forma verbal (divulgou), transitiva, próxima ao
seu objeto direto (seus recordes). O mesmo não acontece em (59), em que o
circunstancial lundi se posiciona imediatamente após a forma verbal bitransitiva (a
envoyé) e seus complementos (une directive – direto – e aux préfets – indireto).
88 O ministro do interior italiano enviou na segunda-feira, uma diretriz aos governadores os convocando,
urgentemente, a encontrar 6.500 lugares de alojamento, especialmente no norte e no centro do país.
130
c- verbo intransitivo89
Em (60) e (61) a seguir vemos dois exemplos de verbos intransitivos na amostra.
(60) O exército americano afirmou suspeitar |que os atentados aumentariam pouco
antes de setembro. [notícia 15 – Folha de São Paulo]
(61) La veille, une soixantaine avaient défilé au Puy-en-Velay devant la permanence
dum aire Laurent Wauquiez, également ministre de l’enseignement supérieur.90 [notícia
01 – Le Monde]
Em (60), o circunstancial temporal (pouco antes de setembro) posicionou-se
logo após a forma verbal intransitiva – aumentariam –, finalizando a oração. Por outro
lado, em (61), a locução adverbial La veille inicia a oração, mesmo com a forma verbal
intransitiva (défilé) intransitivo. Nesse caso, logo após a forma verbal, aparece outro
adverbial, locativo, au Puy-en-Velay devant la permanence dum aire Laurent Wauquiez.
Segundo Rocha Lima (2003)91, alguns verbos ditos intransitivos pela NGB, em
determinados contextos, selecionam um circunstancial com a mesma importância que
um argumento. O autor considera tais adverbiais, nesses contextos, como complementos
circunstanciais. Nosso objetivo aqui é o de verificar qual a posição prototípica do
89 Segundo Cyrino, Nunes e Pagotto (2009), os inacusativos também podem ser considerados intransitivos
por não apresentarem complemento verbal. No entanto, tais verbos selecionam o seu sujeito como
argumento interno, ocupando uma posição mais comum aos complementos verbais, diferenciando-se dos
intransitivos prototípicos. Sabemos que a observação atenta dos inacusativos costuma ser importante em
análises como a empreendida neste trabalho. Entretanto, dados com esse tipo de verbo intransitivo foram
pouco produtivos no corpus analisado e mantiveram a mesma tendência de uso dos intransitivos padrão.
Diante disso, para efeitos da análise aqui realizada, os verbos intransitivos e os inacusativos são
considerados pertencentes ao mesmo grupo. 90 Na véspera, sessenta tinham desfilado em Puy-en-Velay diante da permanência do prefeito Laurent
Wauquiez, também ministro do ensino superior.
91 Cf. capítulo 1.1
131
circunstancial com verbos intransitivos, se ele se colocaria em posição mais próxima a
ele, ou se deslocaria para a margem esquerda da sentença, por exemplo.
Nas tabelas (5.5) e (5.6), mostramos a distribuição das formas de ordenação
do circunstancial de acordo com cada tipo de verbo, em português e em francês,
respectivamente:
Tabela (5.5): Tipo de verbo X Ordem – no Português
Transitivo Intransitivo Ligação
N % N % N %
Pré
-Ver
ba
is AdvV 7 2 18 8 4 11
XAdvV 5 1,5 3 1,5 1 2,5
AdvXV 75 24 25 11,5 10 27
XAdvXV 6 2 5 2 0 0
Pós-
ver
bais
VXAdv 111 35 56 25,5 17 46
VAdvX 53 17 38 17 0 0
VAdv 28 9 60 27 1 2,5
VXAdvX 29 9 17 7,5 4 11
AuxAdvV 1 0,5 0 0 0 0
Total 315 100 222 100 37 100
Nos 574 dados válidos para a análise, 315 se referem a orações com verbos
transitivos; 222 vinculavam-se a verbos intransitivos; e 37 estavam em orações com
cópula. Desses 315 dados com verbos transitivos, 35% (111 dados) localizaram-se na
margem direita da oração, após o verbo e o elemento X, como no exemplo (62):
(62) As forças de segurança ucranianas estão sob certa confusão desde que
|manifestantes depuseram o presidente pró-russo Viktor Yanukovich, em fevereiro.
[notícia 3 – O Globo]
132
Em (62), vemos o circunstancial temporal, em fevereiro, na margem direita da
oração, após a forma verbal transitiva depuseram e o elemento X, no caso, o objeto
direto (o presidente pró-russo Viktor Yanukovich). Ao recuperarmos a descrição do
valor de X da tabela (5.2), nessa posição VXAdv, percebemos que, dos 184 dados nessa
ordenação, 99 tinham como elemento X o complemento do verbo. Portanto, em 99 dos
111 dados com verbos transitivos na ordenação VXAdv, os circunstanciais temporais
estão finalizando orações após o complemento verbal, ou seja, o elemento interveniente.
Confirma-se, portanto, que o circunstancial temporal tende a não se posicionar entre o
verbo transitivo e o seu complemento.
A segunda posição preferencial da locução quando o verbo é transitivo é a da
margem esquerda com um elemento X entre ela e o verbo. Em 24% dos casos (75
dados), o circunstancial ordenou-se em AdvXV com verbos transitivos. Ou seja, com
verbos transitivos, a locução tende a se posicionar nas margens das orações.
No entanto, logo em seguida, tivemos a posição medial VAdvX, com os verbos
transitivos. Esta ordenação do circunstancial aconteceu em 53 dos 315 dados (17%) de
circunstancial em orações com o tipo de verbo transitivo. Quanto ao valor de X valor de
X, cerca da metade dos dados são de complemento verbal (cf. tabela 5.2). Nesses casos,
o circunstancial está quase sempre inserido entre o verbo e seu complemento verbal.
Esse resultado é inesperado tendo em vista que, nas línguas, em geral o complemento é
muito integrado ao verbo. Acreditando que a ocorrência relativamente alta de
circunstanciais temporais entre o verbo e o complemento deva-se ao fato de estarmos
lidando com um corpus escrito.
Com relação às orações com verbos intransitivos, esperávamos que os
circunstanciais se posicionassem imediatamente após o verbo, o que ocorreu em apenas
27% dos casos (60 das 222 ocorrências). Em 25,5% dos dados (56 ocorrências), as
133
locuções ordenaram-se na margem direita, com um elemento X interveniente (VXAdv)
– posição favorita dos circunstanciais no português, conforme o exemplo.
No que concerne ao verbo de ligação, percebemos uma tendência de os
circunstanciais se posicionarem nas margens, primeiramente a direita (46% em VXAdv)
e depois a esquerda (27% em AdvXV). Esses resultados confirmam nossas expectativas
de que as locuções não tenderiam a posições mais próximas ao verbo, já que, nessas
estruturas, o elemento posterior ao verbo – geralmente o predicativo do sujeito – está
diretamente relacionado ao sujeito da oração. Sendo assim, o circunstancial não
quebraria a integração entre os termos para que não houvesse prejuízo nesta conexão.
Na tabela (5.6), encontramos as tendências de colocação dos circunstanciais
quanto à tipologia verbal, no francês:
Tabela (5.6): Tipo de verbo X Ordem – no Francês
Transitivo Intransitivo Ligação
N % N % N %
Pré
-Ver
bais
AdvV 4 1 1 0,5 1 3
XAdvV 7 1,5 1 0,5 3 8
AdvXV 125 28 48 26 14 39
XAdvXV 19 4 4 2 1 3
Pó
s-v
erb
ais
VXAdv 111 24,5 21 12 10 28
VAdvX 92 20 30 16,5 3 8
VAdv 40 9 62 34 1 3
VXAdvX 44 10 14 8 3 8
AuxAdvV 9 2 1 0,5 0 0
Total 451 100 182 100 36 100
Mais uma vez, a inversão na preferência das locuções em português e em francês
se torna visível. Na tabela (5.6), observamos que, no que tange à construção com o
134
verbo transitivo, 28% dos dados estão relacionados à ordenação AdvXV (estrutura
predominante das locuções temporais/aspectuais do corpus no francês). Observamos um
exemplo dessa construção:
(63) Par le passé, l’Union européenne a sanctionné d’autres massacres, d’autres
dérives autoritaires, | que ce soit au Sri Lanka, au Zimbabwe, em Birmanie ou em
Biélorussie.92 [editorial 1 – Le Monde]
No exemplo (63), o circunstancial (par le passé) inicia a oração com a forma
verbal transitiva a sanctionné (verbo sanctionner no passé composé). Entre a locução e
o verbo, o sujeito (l’Union européenne) é o elemento interveniente, assim como em
todos os outros casos, pois, como já mostramos na tabela (5.3), em ordenações, pré-
verbais no francês, praticamente todos os X que seguem o circunstancial correspondem
à função sujeito.
A preferência pela ordenação pré-verbal, AdvXV, pode apontar uma tendência
de uso, mas que não pode ser tomada como decisiva, já que a diferença para a segunda
configuração estrutural (VXAdv) – que corresponde a 24,4% dos dados – é de 3,5
pontos percentuais. Essa ordenação não inviabiliza nossa hipótese de que se evita inserir
a locução entre o verbo e seus complementos, uma vez que, dos 142 casos dos nossos
circunstanciais temporais/aspectuais nessa posição, o valor de X é complemento verbal
em 93 (cf. tabela 5.3).
Ainda com relação aos verbos transitivos, assim como em português,
encontramos no francês 92 dados (20%) em posição medial e adjacente ao verbo
(VAdvX). Como já exposto em 5.1, na tabela 5.3, dos 125 dados nessa posição, o valor
92 No passado, a União Europeia sancionou outros massacres, outros desvios autoritários, | seja no Sri
Lanka, Zimbábue, na Birmânia ou em Bielorrússia.
135
do elemento X, em 60 casos93, é de complemento verbal e, em 51, tem outra função
(predominantemente adverbial). Da mesma forma que o resultado obtido em português,
essas ocorrências de circunstanciais temporais entre o verbo e o complemento são mais
escassas. Pretendemos, em uma análise futura, comparar a modalidade oral com a
escrita para verificar se essa ordem é ou não característica do tipo de corpus estudado.
Alguns trabalhos, para o português, já mostraram claramente que esta configuração é
mais típica da escrita (Cf. Paiva et alii, 2007)
No que diz respeito às formas intransitivas, o padrão foi o esperado. Dos 182
dados de construções intransitivas, 34% (62 dados) estavam na posição VAdv, 26% (48
dados) na posição AdvXV e 16,5% (30 dados) em VAdvX. Nestes casos, embora o
francês não tenha mantido o padrão do português, tivemos um resultado interessante, já
que as expectativas eram de que a locução aparecesse imediatamente após o verbo, o
que ocorreu em 50,5% dos casos (34% VAdv + 16,5% VAdvX). No entanto, o
deslocamento do circunstancial para a margem esquerda da oração, antecedendo o
sujeito pré-verbal, mesmo com o verbo intransitivo, nos demonstra que tal ordenação da
locução não é motivada pela necessidade de preencher espaços vazios na oração e, sim,
por razões discursivas que discutiremos mais a frente (seção 5.2.3.1) .
Por fim, os circunstanciais das orações com verbos de ligação, em francês,
apresentaram resultados semelhantes aos do português, mas com inversão entre as duas
posições de preferência: 39% das locuções temporais se situam na margem esquerda da
oração (14 dados em AdvXV) e 28% na margem direita (10 ocorrências em VXAdv).
Em português, a posição preferencial foi a VXAdv e a segunda, AdvXV. Entretanto,
confirma-se a predisposição dos temporais nas margens em ambas as línguas, visto que,
dessa forma, o circunstancial não interfere na ligação entre o sujeito e seu predicativo.
93 Esses 60 dados de complemento verbal não coincidem com a quantidade de verbos transitivos, pois
muitos complementos em francês manifestaram-se de forma pronominal e anterior ao verbo.
136
5.2.1.2 Representação do Sujeito
Nosso objetivo com esse parâmetro de análise foi observar o comportamento do
circunstancial temporal e aspectual, principalmente quando o sujeito da oração não
estivesse preenchido. Postulamos algumas possibilidades para o preenchimento ou não
desse sujeito, tanto em português como em francês. Não pudemos determinar os
mesmos tipos de sujeito para as duas línguas, devido às restrições sintáticas do francês.
Para as ocorrências em português, consideramos as seguintes possibilidades:
a) Sujeito expresso, representado por um sintagma nominal94
Dentre os dados analisados, encontramos 422 com o sujeito preenchido por um
sintagma nominal – 73,5% do total de 574 ocorrências, vf, tabela (5.7), a seguir –,
conforme ilustrado nos exemplos a seguir:
(64) [O fabricante automobilístico alemão BMW] aumentou em janeiro as vendas
mundiais das marcas BMW, Mini e Rolls-Royce para 94.276 veículos, 0,5% a mais |
que no mesmo mês do ano anterior. [notícia 8 – O Globo]
(65) Erdogan voltou a apresentar a candidatura de Gül e,| desta vez, [ele] foi eleito.
[editorial 6 – Folha de São Paulo]
Nos dois exemplos, o sujeito aparece preenchido, em sua posição prototípica95,
por sintagmas nominais de naturezas distintas. Em (64), encontramos um sintagma
94 A principio, separamos o sujeito cujo núcleo era um substantivo daquele em que o núcleo era
pronominal. No entanto, por não apresentarem tendências distintas, resolvemos juntá-los.
137
nominal pleno – o fabricante automobilístico alemão BMW –, já em (65), o sujeito é
representado por uma forma pronominal – ele –, retomando a referência
anaforicamente.
Marques (2012), em seu estudo diacrônico sobre a ordenação do sujeito no
português, distinguiu a representação do sujeito com sintagma pleno ou um elemento
pronominal. Em sua análise, a autora verificou que o primeiro apresentava uma
mobilidade sintática maior do que os pronomes. Por outro lado, os elementos
pronominais se concentravam nas posições pré-verbais. Entretanto, sua conclusão foi
que a necessidade de uso do pronome ou de uma massa fônica maior para codificar um
referente estaria relacionada à Informatividade e ao Subprincípio da Quantidade (cf.
capítulo 2), já mencionado anteriormente. Como o foco de nossa pesquisa não é o
sujeito e, sim, em como seu preenchimento pode ou não motivar o posicionamento do
circunstancial temporal, não julgamos necessária essa distinção.
b) sujeito oculto
A forma determinada do sujeito – porém oculta, não expressos na sentença e
retomados seja anaforicamente, seja pela flexão verbal96 – contabilizaram 73 dados do
total de 574 (12,5%). A seguir, em (66), encontramos um exemplo dessa possibilidade
de representação do sujeito:
(66) O grupo que detém o controle do PT parece mesmo decidido a lutar pela
hegemonia, |e, já trabalha para isso desde já. [editorial 5 – O Globo]
95 Analisaremos a posição desse elemento sujeito a seguir, em 4.2.3. 96 A distinção entre o sujeito oculto anafórico e o desinencial foi analisada, mas não se mostrou
significante no nosso corpus, pois as mesmas tendências foram observadas. Por esse motivo, resolvemos
juntá-los em uma única categoria.
138
Em (66), o sujeito da oração em que o circunstancial temporal (desde já) está
inserido é recuperado pelo contexto anterior, mas não é expresso na oração – no
exemplo, o sujeito é O grupo, localizado numa oração anterior. Alguns autores como
Kato e Duarte (2003) e Spanó (2002 e 2008) levantam a hipótese de que, no caso de
sujeito nulo, locuções adverbiais se deslocam para a margem esquerda para evitar que o
verbo ocupe a posição inicial. Neste estudo, acreditamos, no entanto, que esse adverbial
só se deslocará para a margem esquerda por questões discursivas.
c) pronome relativo
O sujeito em forma de pronome relativo se apresentou em 65 dos dados
analisados (11,5% do total). Observemos o exemplo a seguir:
(67) Foram encontrados 123kg de cocaína dentro da aeronave, |[que] havia partido no
dia 18 de Assunção. [notícia 14 – Folha de São Paulo]
Nesses casos, o sujeito está preso sintaticamente por iniciar uma oração relativa,
funcionando, inclusive, como um conector. No exemplo (67), a locução
temporal/aspectual, no dia 18 de Assunção, finaliza a oração em que se encontra.
d) sujeito indeterminado
A indeterminação do sujeito se mostrou pouco produtiva no corpus de jornais
brasileiros, com apenas 3 ocorrências (0,5% do total de dados encontrados).
139
(68) Também há mais notícias em Hong Kong,| onde em 4 de janeiro informou-se sobre
o surgimento do primeiro caso de vírus de gripe aviária em três anos. [ editorial 15 – O
Globo]
Em (68), o circunstancial temporal – em 4 de janeiro – desloca-se à margem
esquerda, em estratégia de indeterminar o sujeito a partir da presença do elemento SE
índice de indeterminação do sujeito.
e) oração sem sujeito
Foram apenas 7 (1% dos dados) os casos em que a oração é considerada
tradicionalmente sem sujeito. A seguir, temos um exemplo dessa possibilidade:
(69) No novo estágio de confiança, houve concessões dos dois lados. [notícia 5 – Folha
de São Paulo]
No exemplo (69), o circunstancial – No novo estágio de confiança – aparece em
margem esquerda na estrutura com a forma verbal impessoal – houve. Esses casos, para
nós, teriam as mesmas tendências das já expostas para o sujeito oculto. Consideramos
os 7 dados separadamente, para comparar essa construção impessoal com a estrutura
expletiva do francês, utilizada nesses casos.
f) sujeito oracional
Destacamos essa representação do sujeito por ser uma estrutura diferenciada das
demais possibilidades. Foram encontrados apenas 4 dados com esse tipo de sujeito no
corpus. A seguir, encontramos um exemplo dessa possibilidade estrutural:
140
(70) [Embarcar na espiral de represálias] é, obviamente, o caminho mais fácil e, neste
caso, até conveniente]. [editorial 10 – O Globo]
No corpus analisado, em todos os casos com esse tipo de sujeito, a oração
encontrava-se posposta ao verbo, como no exemplo (70), em que o sujeito – Embarcar
na espiral de represálias – se posiciona na margem esquerda, seguido imediatamente
pela forma verbal (é). O circunstancial em análise (neste caso) ordena-se após o verbo.
Na tabela (5.7), observamos as tendências de ordenação dos circunstanciais
temporais e aspectuais de acordo com o tipo de sujeito de cada oração, no português:
Tabela (5.7): Representação do sujeito X Ordem – no Português
Sintagma Oculto Pronome
Relativo
Sujeito
Indeterm.
Or. sem
sujeito
Sujeito
oracional
N % N % N % N % N % N %
Pré
-Ver
ba
is
AdvV 13 3 6 8 5 7,5 1 33,5 1 14,5 3 75
XAdvV 9 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
AdvXV 103 24,5 5 7 0 0 0 0 2 28,5 0 0
XAdvXV 11 2,5 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Pó
s-v
erb
ais
VXAdv 115 27 30 41 35 54 2 66,5 2 28,5 0 0
VAdvX 75 18 9 12,5 7 11 0 0 0 0 0 0
VAdv 57 13,5 18 24,5 12 18,5 0 0 2 28,5 0 0
VXAdvX 38 9 5 7 6 9 0 0 0 0 1 25
AuxAdvV 1 0,5 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Total 422 100 73 100 65 100 3 100 7 100 4 100
A ordenação do circunstancial temporal/aspectual nas orações com sujeito
representado por um sintagma pleno (422 ocorrências – 73,5%) seguiu categoricamente
as mesmas tendências encontradas nos dados gerais da língua expostos na tabela (5.1)
141
97. A posição preferencial dos circunstanciais foi a margem direita, VXAdv, com 27%
dos dados (115 do total de 422), seguida da posição na margem esquerda, AdvXV, em
24,5% das ocorrências (103 dados). Como vemos, a diferença entre as duas margens foi
de apenas 12 dados, o que não nos permite afirmar se, no português, o circunstancial
tende a posição pré ou pós-verbal quando aparece numa oração com o sujeito
representado por um sintagma pleno. A posição medial com maior produtividade com
esse tipo de sujeito foi a pós-verbal VAdvX, com 75 ocorrências, ou 18% dos dados
totais. Em sequência, vêm a margem direita, sem elemento X, VAdv, com 57 casos
(13,5%), e a ordenação VXAdvX, com 9% dos dados (38 casos).
Esse resultado, devido à grande quantidade de dados com sujeitos preenchidos,
mantiveram os padrões vistos na distribuição das diversas possibilidades de ordenação.
Entretanto era esperada maior recorrência de circunstanciais pospostos, o que não se
confirmou, favorecendo nossa hipótese.
Os resultados relativos às orações com sujeito oculto indicam novamente que a
ordenação do circunstancial temporal/aspectual não pode ser relacionada ao
preenchimento do sujeito. Em nossa amostra, dos 73 casos de sujeito oculto, em 30
(41%) os circunstanciais se situam na margem direita com um X (VXAdv), em 18
(24,5%) na margem direita e adjacentes ao verbo (VAdv) e em apenas 11 dados eles se
deslocaram para a esquerda, posição prototípica do sujeito (6 dados em AdvV e 5 em
AdvXV).
Segundo o Princípio da continuidade tópica ou referencial (Givón 1983. 1995),
quanto maior a previsibilidade de uma informação, menor a necessidade de material
linguístico. Assim, em construções nas quais o sujeito elíptico estiver afastado
significativamente de seu referente, o circunstancial não tenderia a ser anteposto para
97 Cf. seção 5.1.
142
não quebrar a referencialidade entre a forma verbal e a estrutura anterior, já que, para
que esta referência seja retomada corretamente, o referente precisa estar claro no
discurso. Vejamos o exemplo (71):
(71) Bhutto, que vive em Londres desde que foi condenada por corrupção em
1999 [...], disse que irá disputar as eleições parlamentares e que, pelo acordo, o
ditador deixará o comando das Forças Armadas -ela não informou quando. [notícia 8
– Folha de São Paulo]
Observamos que o circunstancial destacado em 1999 se encontra em uma oração
passiva, com o sujeito oculto. Seu referente – Bhutto – está expresso no início da
sentença. Dificilmente, na escrita, o período apareceria como “Bhutto, que vive em
Londres desde que em 1999 foi condenada por corrupção [...]”, com o circunstancial
deslocado para a posposição da forma verbal, pois deixaria a referência do sujeito ainda
mais distante, na cadeia tópica.
O mesmo ocorre nas orações, em que o sujeito se manifesta como um pronome
relativo. Nesses casos, os circunstanciais tendem às posições pós-verbais,
principalmente à margem direita: 35 (54%) dos 65 dados em VXAdv e 12 (18,5%) em
VAdv.
A pouca ocorrência do sujeito indeterminado e da oração sem sujeito na amostra
não nos permite fazer afirmações categóricas sobre as tendências dos circunstanciais
nesses casos. A oração sem sujeito, ou aquela constituída por verbo impessoal,
apresentou-se por 7 vezes e os circunstanciais se distribuíram quase igualitariamente nas
posições predominantes das locuções no português: 2 em VXAdv, 2 em AdvXV, 2 em
VAdv e 1 em AdvV. Já nas orações com sujeito indeterminado, o circunstancial só se
143
deslocou para a margem esquerda em 1 caso de 3 (as outras 2 ocorrências mantiveram-
se na posição não-marcada do circunstancial do português)
Subsequentemente, discutimos a posição do circunstancial de acordo com o
sujeito da oração no francês.
a) sujeito expresso, representado por um sintagma
Encontramos, na amostra analisada, 587 casos em que o circunstancial pertencia
a uma oração com o sujeito representado por um sintagma pleno ou pronominal, o que
equivale a 87,5% do total de 669 dados de francês, como no exemplo a seguir:
(72) Jeudi matin, [les salariés d'Yssingeaux] envisageaient d'occuper l'usine et une
dizaine d'ouvrières parlaient d'une grève de la faim.98 [ notícia 1 – Le Monde]
Assim como em português, nesse caso preferimos juntar as ocorrências de
sujeito com sintagma pleno e pronome, pois verificamos que as tendências de uso dos
circunstanciais seguiam o mesmo padrão nos dois casos. No exemplo (72), o
circunstancial – Jeudi matin – apresenta-se na margem esquerda da oração,
antecedendo o sujeito expresso por um sintagma nominal - les salariés d'Yssingeaux.
b) pronome relativo
O sujeito expresso em forma de pronome relativo foi encontrado em 60 dados
(9% do total).
98 Quinta-feira de manhã, [os funcionários da Yssingeaux] planejavam ocupar a fábrica e uma dezena
de operários falavam de uma greve de fome.
144
(73) La fronde sociale |qui secoue le Brésil depuis trois semaines |continue de laisser
perplexes analystes et hommes politiques.99 [notícia 2 – Le Figaro]
Em (73), a relativa iniciada pelo pronome qui tem em sua sequência a presença
da forma verbal secoue, do objeto direto (le Brésil) e, posteriormente a todos os
elementos envolvidos na construção, o circunstancial fecha a oração – depuis trois
semaines.
c) sujeito expletivo
A obrigatoriedade de preenchimento da função de sujeito no francês requer o
uso do pronome de 3ª pessoa do singular – il – esvaziado semanticamente. Essas
estruturas são equivalentes as nossas orações sem sujeito, em que o verbo é flexionado
na 3ª pessoa do singular, mas sem a presença de um elemento com a função de sujeito.
Essas construções apareceram 10 vezes na amostra, contabilizando apenas 1,5% do total
de dados e são ilustradas a seguir:
(74) [Il] y aurait eu environ 900 morts en mediterranée depuis le début de l'année,
contre moins de 50 pendant la même période en 2014.100 [notícia 13 – Le Monde]
No caso (74), o sujeito expletivo é o pronome il, sem conteúdo semântico. Em
(74), o circunstancial temporal - depuis le début de l'année - surge após elemento X
pós-verbais.
99 A agitação social | que agita o Brasil há três semanas | ainda deixa perplexos analistas e políticos. 100 Teria sido cerca de 900 mortes no Mediterrâneo desde o início do ano, contra menos de 50 durante o
mesmo período em 2014.
145
d) sujeito oculto
Em francês, devido à obrigatoriedade do preenchimento do sujeito, poucos são
os casos em que ele pode vir implícito. Na amostra, encontramos 12 ocorrências (2% do
total) com esse tipo de sujeito – em todos esses dados os circunstanciais se encontravam
em orações coordenadas, conforme vemos em (75):
(75) Elles ont habituellement lieu tous les deux ans |et avaient déjà été annulées en
2011 au moment du renversement de Moubarak.101 [notícia 17 – Le Monde]
Nossa expectativa, nesses casos, era que o circunstancial evitasse a posição
inicial para que, assim, a referencialidade do sujeito não se perdesse. No exemplo (75),
a locução verbal (avaient été annulées) posiciona-se logo após a conjunção aditiva et. A
referência desse sujeito é retomada na oração anterior (elles) e a locução adverbial
temporal em negrito aparece logo após a forma verbal.
Na tabela (5.8), são apresentados os resultados obtidos com o cruzamento desses
tipos de sujeito supracitados e a ordenação dos circunstanciais no francês:
101 Eles ocorrem geralmente a cada dois anos | e já tinham sido canceladas em 2011 no momento da
derrubada de Mubarak.
146
Tabela (5.8): Representação do sujeito X Ordem – no Francês
Sintagma Pronome
Relativo
Expletivo Oculto
N % N % N % N % P
ré-V
erb
ais
AdvV 1 0,5 5 8,5 0 0 0 0
XAdvV 11 2 0 0 0 0 0 0
AdvXV 186 32 0 0 1 10 0 0
XAdvXV 24 4 0 0 0 0 0 0
Pó
s-v
erb
ais
VXAdv 109 19 24 40 3 30 6 50
VAdvX 105 18 17 28 0 0 3 25
VAdv 90 15 8 13 2 20 3 25
VXAdvX 52 8 5 8,5 4 40 0 0
AuxAdvV 9 1,5 1 2 0 0 0 0
Total 587 100 60 100 10 100 12 100
Assim como ocorreu em português, em francês, a grande quantidade de sujeito
representado por um sintagma seguiu a tendência geral de ordenação dos circunstanciais
na língua. A posição predominante foi a AdvXV, com 186 dados do 587 desse tipo de
sujeito (32%), seguida das posições pós-verbais VXAdv, com 109 ocorrências (19%), e
a VAdvX, com 105 (18%). A ordenação da locução na adjacência direita do verbo,
VAdv, ainda contou com 90 dados (15% do total).
Em geral, sujeitos expressos por SN são novos ou disponíveis. Eles não estão em
cadeia tópica. Assim a ocorrência de um circunstanciador numa posição inicial –
ordem predominante em francês – não quebra a sequência tópica a qual o sujeito está
inserido.
O sujeito expresso com um pronome relativo, em francês, contabilizou 9% dos
dados, com 60 ocorrências. Dessas, 40% (24 dados) colocaram-se à margem direita da
oração, na segunda posição mais recorrente em frances, VXAdv. O interessante no que
diz respeito às construções com pronomes relativos na função de sujeito foi que, à
147
exceção de 5 dados na posição inicial (AdvV), todos os outros mantiveram-se à direita
da oração. Conforme já exposto anteriormente e tomando como referência conclusões
de Lessa (2012) em sua análise, tal ordenação assegura a correferencialidade do
pronome relativo, evitando que a locução adverbial interfira na coesão entre o pronome,
o verbo e ainda a referência anterior.
Encontramos no nosso corpus poucas ocorrências de construções com sujeito
expletivo, provavelmente por causa do Domínio Discursivo a que pertencem os textos,
ou seja, textos jornalísticos, com teor informativo mais direto e objetivo. Nossa
expectativa quanto a esses casos era que o circunstancial viesse apenas após o verbo
para não interferir na relação entre esse sujeito sem valor semântico e a forma verbal.
Embora tenhamos poucos dados (tabela 5.8) podemos dizer que hipótese foi
confirmada, pois, dos 10 dados encontrados, 9 se mantiveram pospostos ao verbo.
Por fim, os raros, porém existentes, casos de sujeito oculto em uma língua em
que o preenchimento é obrigatório. Como já citado, a posição de sujeito, em francês,
pode ficar vazia em casos específicos, como em orações coordenadas simétricas. Nesses
casos, seria praticamente impossível, segundo a nossa hipótese, o circunstancial
temporal/aspectual vir em margem esquerda da oração, visto que nessa ordenação ele
poderia interferir na referencialidade entre o sujeito elíptico e seu antecedente. Nos
textos, encontramos 12 dados com esse tipo de sujeito, todos posicionados após o verbo
– 6 em VXAdv, 3 em VAdvX, 3 em VAdv.
Lessa (2012)102, após uma análise minuciosa da relação entre a representação do
sujeito e a ordem do SPrep temporal no português, concluiu que a elipse não favorecia o
aparecimento do circunstancial temporal na ME, contrariando as suas expectativas. A
autora salienta que os sujeitos nulos em 3ª pessoa são os mais desfavorecedores e
102 Cf. capítulo 2
148
justifica tal fato com a questão da coesão entre o termo ocultado e sua referência
anterior. Em seus resultados, consta ainda que, em casos de sujeito indeterminado e
oração sem sujeito, o SPrep temporal se desloca para a margem esquerda quase
categoricamente.
Paredes Silva (1988, 2003) constata que a previsibilidade do referente sujeito se
associa à sua realização. Segundo a autora, quanto maior a relação entre o sujeito e seu
referente, maior a possibilidade de ele ser nulo. Nesses casos, o circunstancial não
tenderia a quebrar essa referencialidade, a cadeia tópica.
Em nossa amostra, o mesmo resultado de Lessa (2012) foi encontrado quanto ao
sujeito nulo e ao posicionamento do circunstancial após o verbo. Nos jornais franceses e
brasileiros, a tendência de colocação da locução na ausência do sujeito é pós-verbal.
Além disto, nos poucos casos em que, no português, a oração era sem sujeito ou
apresentava sujeito indeterminado, o circunstancial também se situou,
predominantemente, à direita do verbo.
Esses resultados, juntamente com os resultados obtidos para posição dos
circunstanciais em orações com o pronome relativo (mais uma vez em ambas as
línguas), demonstram que a questão da correferencialidade entre os termos se mostra
mais eficaz no processo de motivação da ordem do circunstancial do que as questões
sintáticas. Tais resultados corroboram os obtidos por Brasil (2005), quando ela atesta
que a supracitada hipótese de preenchimento do sujeito nulo só se confirma no
Português Europeu e não no PB.
Em seguida, analisamos a correlação entre a ordem do sujeito em relação ao
verbo e o posicionamento do circunstancial temporal/aspectual.
149
5.2.1.3. Posição do Sujeito
No intuito de aprofundar a análise da relação entre a ordem do circunstancial
temporal/aspectual e o elemento sujeito, observamos sua posição em relação ao verbo.
Votre e Naro (1986), em uma visão funcionalista, acreditam que elementos deslocados
para a margem esquerda de uma oração com sujeito posposto acarretam uma
compensação sintagmática. Para verificarmos se tal compensação motiva o
posicionamento do circunstancial temporal/aspectual, estabelecemos as seguintes
estruturas, excluindo aqui, os casos de sujeito como pronome relativo e os casos de
sujeito não preenchido:
a) sujeito-verbo (SV)103
(76) [Os advogados do presidente] afirmaram na terça-feira| que Katsan está decidido
a continuar lutando para demonstrar sua inocência. [editorial 7 – O Globo]
(77) En septembre 2013, [Vladimir Poutine] résumait la position officielle.104 [notícia
30 – Le Monde]
b) verbo-sujeito (VS)
(78) O aquecimento global exigirá um monitoramento mais rigoroso de furacões, tufões
e outros desastres, refletindo nos sistemas instalados para alertar o perigo de tsunamis,
103 Para o português, considerei os casos de sujeito representado por sintagma nominal e os sujeitos
oracionais. Para o francês, considerei os casos de sujeito representado por um sintagma nominal e por
expletivos. 104 Em setembro de 2013, [Vladimir Putin] resumia a posição oficial.
150
|disse na quarta-feira [uma autoridade graduada da Organização das Nações Unidas]
[notícia 3 – O Globo]
(79) Il a appelé le ministère polonais des Affaires étrangères à accorder des visas
gratuits aux Loups de la Nuit, |comme l'avait fait [l'ambassade russe] pour son groupe
pendant 10 ans.105 [notícia 9 – Le Figaro]
Diversos estudos de cunho funcionalista sobre ordem de adverbiais ou ordem do
sujeito já verificaram a relação entre a posição do circunstancial e o ocorrência de
circunstanciais na margem esquerda da oração. (cf. Naro e Votre 1986; Pádua, 1960;
Matos e Silva, 1989) e da atuação de circunstanciais na marcação da ordem VS (cf.
Spanó, 2002, 2008; Santos e Duarte, 2006; Brasil, 2005; Paiva, 2007; Lessa, 2012,
dentre outros)
Em uma análise diacrônica sobre a ordem SV/VS no português, Marques (2012)
constatou que, do Português Arcaico até o século XVIII, havia uma tendência maior de
o sujeito ocupar posições pós-verbais, em construções com itens adverbiais na margem
esquerda. A autora completa, afirmando que tais resultados justificariam a hipótese já
mencionada. Entretanto, a partir do século XIX, a quantidade de orações com sujeito
posposto e item adverbial na margem esquerda diminui, culminando em um resultado,
para o século XX, com pouquíssimos casos como os já citados. Com base nos séculos
XVIII e XIX – momento em que parece ter começado a mudança –, o estudo de
Machado (2012) também mostra uma diferença de poucos pontos percentuais (apenas 2)
do circunstancial temporal analisado por ela na margem esquerda em orações VS.
105 Ele chamou o Ministério polonês das Relações Exteriores para conceder vistos gratuitos para aos
Lobos da Noite, | como fizera [a Embaixada da Rússia] para seu grupo por 10 anos.
151
Entretanto, Lessa (2012) afirma que em sua amostra a variação da posição do
sujeito foi mais importante para a ordenação do circunstancial temporal na margem
esquerda do que o sujeito nulo o que também foi confirmado em Soares (2012) para
SPreps calêndricos dos jornais brasileiros atuais.
Nossa hipótese é que a ordenação do circunstancial temporal não se explica
unicamente por questões sintáticas e, sim, por questões discursivas, correlações do texto
e do contexto em que está inserido.
As tabelas a seguir indicam os resultados do cruzamento entre ordem
amalgamada e a posição do sujeito para o português:
Tabela (5.9): Posição do sujeito X Ordem – no Português
SV VS
N % N %
Pré
-
Ver
bais
ME 99 26 20 44,5
Pré-verbais
mediais 18 5
2 4,5
Pós-
ver
bais
MD 165 43 8 18
Pós-verbais
mediais 99 26
15 33
Total 381 100 45 100
A diferença quantitativa entre as ocorrências de orações SV e VS já era prevista
devido às mudanças que têm ocorrido no português brasileiro quanto à nova marcação
da representação da posição do sujeito106, exposta no capítulo 2. Na amostra analisada,
encontramos 381 dados em orações SV, 45 em VS.
106 Cf. Duarte (1993, 1995, 2007), Kato e Duarte (2003), dentre outros.
152
Para as construções SV, observamos que a margem direita se mostra a mais
recorrente, representando 43% dos casos (165 dos 381 dados). Essa posição, no entanto,
não foi a absoluta, uma vez que houve uma concorrência entre a margem esquerda e as
outras posições pós-verbais, com 26% dos casos em cada ordenação (99 dados em ME e
99 em outras posições pós-verbais mediais).
Esse resultado torna-se interessante, pois, com a presença do sujeito em sua
posição prototípica, o circunstancial deveria tender à posposição, para manter o
equilíbrio sintagmático, segundo o Princípio da Preservação (Votre e Naro 1986). Tal
deslocamento para a posição inicial favorece nossa hipótese de que a margem esquerda
da oração será preenchida pelo circunstancial por questões discursivas, sem relação com
o sujeito, como no exemplo (80):
(80) De lá para cá, [apenas 15 mil vagas] foram criadas, mesmo depois de suspensa a
exigência de interromper demissões. [editorial 3 – Folha de São Paulo]
Os 99 casos (26% das ocorrências) de ME em estrutura SV, ilustrados pelo
exemplo (80), indicam que a hipótese do Equilíbrio sintático (Votre e Naro, 1986) não
pode ser confirmada em todo o corpus, visto que uma quantidade relevante de dados se
deslocou para a esquerda, mesmo com o sujeito em posição prototípica.
Ainda no que tange à ordenação dos circunstanciais em orações SV, a
posposição do circunstancial se destaca, ao somarmos todas as ocorrências em posições
pré e pós-verbais. Nesse caso, teríamos 117 casos pré-verbais (99 + 18), ou seja 31%, e
264 de circunstanciais temporais em posições pós-verbais (165 + 99), contabilizando
69% do total.
153
Nas construções VS, percebemos um equilíbrio maior (dessa vez tanto na
posição predominante quanto no somatório de ordens pré e pós-verbais). Das 45
ocorrências da estrutura VS, o circunstancial se ordenou em posição inicial, margem
esquerda (ME), em 20 casos (44,5%); se manteve em outras posições pós-verbais
mediais por 15 vezes (33%); e ainda se posicionou na margem direita (MD) em 8
orações (18%).
A expectativa, de acordo com a literatura acerca da influência da posição do
sujeito na ordenação do circunstancial, era que ele se deslocasse para a margem
esquerda quando o sujeito não estivesse presente em sua posição inicial. Embora a
diferença percentual tenha sido significativa (11,5 pontos percentuais entre a ME e as
posições pós-verbais mediais), a diferença entre a posição ME e as posições pós-verbais
mediais foi de apenas 5 dados. Tal resultado não nos permite afirmar que a tendência à
anteposição da locução em estruturas VS é categórica, no nosso corpus. Além disso, se
somarmos as posições antepostas e as pospostas, constatamos um equilíbrio total de
ocorrências antes e após o verbo – 22 casos pré-verbais (20 de ME + 2 de posições pré-
verbais mediais) e 23 de pós-verbais (8 de MD + 15 de posições pós-verbais mediais).
Tais resultados quanto à ordenação dos circunstanciais no VS são contrários aos
encontrados tanto em Lessa (2012) quanto em Soares (2012).
Alguns trabalhos na linha funcionalista (como Votre e Naro (1986) e Marques
(2012)) demonstram que há fatores de ordem discursiva que motivam ainda o uso de
VS. Orações desse tipo tendem a ter sujeito com informação nova e verbos
apresentativos e tendem a ser usadas em orações de fundo. Assim, a locução adverbial
fica na posição inicial, numa posição de tópico, servindo muitas vezes para fazer um
contraste com alguma informação já apresentada (cf. seção 5.2.3.1)
154
Em seu artigo sobre a presença de circunstanciais na margem esquerda com
sujeitos antepostos e pospostos, Paiva (2011) afirma que os objetivos discursivos das
configurações XVS e XSV se diferem, pois, na primeira, o circunstancial (X) se
restringe a estabelecer relações com o contexto discursivo anterior (backward tie),
enquanto a segunda possui um escopo mais amplo (forward tie)107, podendo enquadrar
estados de coisas apresentados no discurso anterior ou no discurso subsequente.
Esses resultados evidenciam que a hipótese de deslocamento do circunstancial
para não permitir verbo em posição inicial e a hipótese do equilíbrio sintagmático não
são confirmadas. Embora haja uma tendência de o circunstancial temporal aparecer na
posição inicial (ME – 44,5%), os dados na ordem SV também se deslocam para a
margem esquerda (ME) em 26% dos casos), indicando sentenças com grande peso antes
do verbo. Por essa razão, para nós, os fatores discursivo-pragmáticos e semânticos são
essenciais para entendermos a motivação do preenchimento à esquerda da forma verbal.
Em seguida, são apresentados os resultados da ordenação do circunstancial no
francês em relação à posição do sujeito:
Tabela (5.10): Posição do sujeito X Ordem – no Francês
SV VS
N % N %
Pré
-
Ver
ba
is ME 186 33 2 7
Pré-verbais
mediais 44 7,5
0 0
Pó
s-
ver
ba
is MD 193 34 11 36,5
Pós-verbais
mediais 144 25,5
17 56,5
Total 567 100 30 100
107 Termos retomados de Charolles (2003, 2005) e utilizados por Paiva (2011).
155
A diferença de tendências de ordenação do português para o francês já se
mostrou produtiva na primeira construção observada – a SV. Nela, houve um grande
equilíbrio entre o posicionamento dos circunstanciais em margem esquerda e em
margem direita – 33% (186 ocorrências em ME) e 34% (193 em MD). Conforme já
exposto na seção 5.1 esta distribuição corresponde às nossas expectativas de que o
posicionamento do circunstancial temporal não é resultado da necessidade de preencher
uma posição vazia deixada pelo sujeito (conforme também já exposto por Fuchs e
Fournier (2005). Ver seção 2.3).
Do mesmo modo que fizemos com os dados em português, ao somarmos as
ocorrências em posições pré-verbais e pós-verbais, percebemos a tendência à
posposição da locução, visto que em 230 (40,5%) casos os circunstanciais se
antepunham ao verbo – 186 (33%) dados em ME e 44 (7,5%) em posições pré-verbais
mediais – e em 337 (59,5%) ordenavam-se após a forma verbal – 193 (34%) em MD e
144 (25,5%) em posições pós-verbais mediais.
Se analisarmos segundo a ótica do Princípio de Preservação, a posposição do
circunstancial mantém o equilíbrio dentro da construção. No entanto, em francês, a
margem esquerda da oração, mesmo com o sujeito presente, tem grande produtividade,
o que nos indica resultados próximos aos encontrados por Fouchs e Fournier (2003) e
Charolles (2003), já destacados na seção 2.3. Para nós, essa margem esquerda é ocupada
pelo circunstancial quando este possui um escopo maior de atuação, conforme veremos
em 5.2.3.1.
Dos 30 dados encontrados na construção VS, 17 estiveram em posições pós-
verbais à direita do verbo (56,5%), 11 em margem direita (36,5%) e apenas 2 dados na
margem esquerda (7%). À primeira vista, esse resultado contradiz a hipótese de
156
equilíbrio sintático. Contudo, conforme já exposto na seção 5.1, os casos de sujeito
posposto ao verbo são de estruturas com verbos dicendi ou estruturas fixas de
interrogação, como nos exemplos (81) e (82):
(81) Qu’attendait- [on] en effet après la mise en garde de la Commission européenne
sur le budget 2015 de la France?108 [editorial 6 – Le Figaro]
(82) “Les femmes doivent jouir d’opportunités, de protection et de droits sociaux
égaux”, déclarait [Hassan Rohani] le 8 mars, journée internacionale de la femme, sur
son compte Twitter.109 [notícia 14 – Le Figaro]
Em francês, há diferentes formas de se construir uma frase interrogativa, que
variam de acordo com o registro da língua. Em registros mais formais, ocorre a inversão
do sujeito, que praticamente se cliticiza ao verbo110. Geralmente, tais estruturas são
iniciadas ou pelo próprio verbo ou por um pronome interrogativo. No exemplo (81), a
construção é iniciada por um pronome interrogativo – que – seguido imediatamente pela
forma verbal – attendait – e pelo pronome sujeito – on. Essa estruturação não permite a
inserção do circunstancial e dificulta sua anteposição, pois o foco, nesses casos, é na
inversão V-S para indicar a interrogação.
As outras ocorrências de VS, em francês, em estrutura cristalizada, se deram nas
construções com verbo dicendi, ou verbos de elocução. Segundo Marques (2012:142),
108 O que se esperava, de fato, após a advertência da Comissão Europeia sobre o orçamento de 2015,
da França? 109 "As mulheres devem gozar de oportunidades, proteção e igualdade de direitos sociais", declarou
[Hassan Rohani] 08 de março, dia internacional da Mulher, em sua conta no Twitter. 110 Conferir Nouvelle Grammaire du Français: Cours de Civilisation Française de la Sorbonne (2004).
157
“as cláusulas com verbos dicendi, especificamente, apresentam estruturas que são
cristalizações de estratégias discursivas, sedimentadas em função de sua frequência de
uso em experiências comunicativas prévias, estando, portanto, relacionadas à tradição
discursiva. Tais construções refletem uma estratégia de distanciamento do
falante/escritor em relação ao que está sendo citado, ponto em que reside o foco
sentencial.”.
Sendo assim, o papel informacional do sujeito se torna menos relevante e as
estruturas se fixam, cristalizando-se. Neste caso, a única posição disponível para o
circunstancial temporal/aspectual é a pós-verbal.
A partir dessas duas tabelas, (5.7) e (5.8), temos evidências de que a recorrência
de circunstanciais na margem esquerda da oração não se explica, pelo menos
inteiramente, por razões sintáticas. O efeito mais relevente dos fatores discursivos na
ordenação dos circunstanciais só será visto na seção 5.2.3.1.
Uma indicação de tal conclusão é a anteposição de grande número de dados,
mesmo com a posição do sujeito preenchida pelo próprio, além de, em orações VS, em
português e em francês, a locução se manter posposta ao verbo. Tal tendência também
foi constatada em Brasil (2008) e Marques (2012), mas não corrobora todos os
resultados de Soares (2012) e Lessa (2012), para o grupo de fatores tipo e realização do
sujeito.
A seguir, discutiremos a estrutura da locução adverbial e sua extensão.
5.2.1.4. Estrutura da Locução
Como já exposto nos capítulos 1 e 3 , nosso objeto de estudo são as locuções
com noção de tempo ou tempo/aspecto. Consideramos para análise tanto as prototípicas,
iniciadas por preposição (sintagma preposicional – SPrep), quanto aquelas locuções em
que a preposição não ocorre (sintagma nominal – SN). Além de identificar a estrutura
158
mais recorrente nos jornais brasileiros e franceses, objetivamos verificar se a presença
da preposição favorece maior proximidade do circunstancial em relação ao verbo.
a- sintagma preposicional (Sprep)
(83) As eleições indiretas, |que devem ocorrer entre 15 de setembro e 15 de outubro, |
significam um dilema. [ notícia 16 – Folha de São Paulo]
(84) En une dizaine d'années, c'est la cinquième fois | que la France ne tient pas ses
promesses en matière de discipline budgétaire .111 [editorial 29 – Le Monde]
Como podemos observar, em (83), a preposição entre inicia o circunstancial –
entre 15 de setembro e 15 de outubro –, colocado logo após a forma verbal (devem
ocorrer). No exemplo (84), o circunstancial na margem esquerda da sentença – En une
dizaine d'années – é iniciado pela preposição en.
b- sintagma nominal (SN)112
(85) Poucos anos atrás, uma melhora de classificação de risco do país num contexto de
grande incerteza no mundo das finanças internacionais seria impensável. [editorial 9 –
Folha de São Paulo]
111 Em dez anos, esta é a quinta vez | que a França não cumpre as suas promessas em matéria de
disciplina orçamental.
112 Consideramos como SN tanto os casos em que observamos um Sprep sem cabeça quanto os casos em
que tínhamos um SN propriamente dito.
159
(86) L'assaut donné par les forces de l'ordre, le 14 août, contre les campements de
manifestants pro-Morsi au Caire a déclenché un bain de sang.113 [editorial 01 – Le
Monde]
Em alguns casos, a preposição da locução adverbial temporal/aspectual pode ser
omitida, em (85), a locução adverbial ocorre sem preposição, no entanto, a noção de
circunstância em poucos anos atrás permance. Em francês, os dias semana
normalmente não são preposicionados, como o exemplo no do exemplo (86) – le 14
août – iniciado pelo artigo le.
Na tabela (5.11), verificamos a distribuição na posição dessas duas estruturas de
circunstanciais temporais e aspectuais em português e em francês:
Tabela (5.11): Estrutura da locução X Ordem – no Português
Nominal Preposicional
N % N %
Pré
-Ver
bais
AdvV 3 8 26 5
XAdvV 0 0 9 1,5
AdvXV 9 23 101 19
XAdvXV 1 2,5 10 2
Pó
s-v
erb
ais
VXAdv 5 13 179 33
VAdvX 10 25,5 81 15
VAdv 8 20,5 81 15
VXAdvX 3 7,5 47 9
AuxAdvV 0 0 1 0,5
Total 39 100 535 100
113 O ataque dado pelas forças de ordem, 14 de agosto, contra os acampamentos de manifestantes pró-
Morsi no Cairo desencadeou um banho de sangue.
160
Em português, dos 574 dados, 93% (535) eram constituídos por preposição e
apenas 7% (39) eram sintagmas nominais funcionando como circunstanciais
temporais/aspectuais. Esperávamos, nesse caso, que houvesse mais dados de sintagmas
nominais na margem esquerda e que os sintagmas preposicionais ficassem mais
próximos ao verbo.
Quanto às estruturas nominais, das 39 ocorrências, apenas 12 se posicionaram na
margem esquerda (9 AdvXV e 3 AdvV). Os demais casos seguiram as tendências de
uso dos circunstanciais temporais/aspectuais do português – 10 dados ilustrativos de
VAdvX, 8 de VAdv, 5 de VXAdv, 3 de VXAdvX e somente 1 de XAdvXV.
Diante dos resultados encontrados, mostramos que esse fator estrutural, pelo
menos no português, não se mostrou relevante, principalmente devido ao reduzido
número de ocorrências de circunstancias representados por um SN.
Em francês, a discrepância entre a quantidade de SNs e SPreps encontrada no
corpus não ocorreu no mesmo nível do observado no português, conforme indica a
tabela (5.12):
Tabela (5.12): Estrutura da locução X Ordem – no Francês
Nominal Preposicional
N % N %
Pré
-Ver
ba
is AdvV 3 1 3 1
XAdvV 3 1 8 2
AdvXV 58 25 129 30
XAdvXV 9 4 15 3
Pó
s-v
erb
ais
VXAdv 42 18 100 23
VAdvX 60 26 65 15
VAdv 33 14 70 16
VXAdvX 24 10 37 8,5
AuxAdvV 3 1 7 1,5
Total 235 100 434 100
161
Na tabela (5.12), verificamos que, dos 669 dados recolhidos, em 434 a estrutura
do circunstancial era o sintagma preposicional (65%) e, em 235 ocorrências, uma
estrutura nominal (35%). Nos jornais franceses, o SN com papel circunstanciador se
mostrou mais produtivo do que na outra língua em análise, aparecendo principalmente
em exemplos como o (86), que fazem referências a dias da semana ou do mês (no
exemplo, le 14 août).
A hipótese de que a falta da preposição ocorreria em posição inicial não se
comprovou na língua francesa, pois, dos 235 dados de SN, apenas 58 se deslocaram
para a margem esquerda da oração. Todas as demais ocorrências do circunstancial
temporal se mantiveram em posições à direita do verbo (60 dados em VAdvX, 42 em
VXAdv, 33 em VAdv e 24 em VXAdvX).
A seguir, analisaremos na seção 5.2.1.5 a extensão do circunstancial e sua
influencia na ordenação.
5.2.1.5. Tamanho da Locução
A partir dos subprincípios da ordenação linear – uma informação mais previsível
deve ser colocada em primeiro lugar na oração – e da integração – uma informação não
quebra a integração existente entre elementos cognitivamente relacionados (Givón
1995, 2001), nossa hipótese era de que os circunstanciais maiores se mantivessem nas
margens, principalmente a direita, e de que as posições mediais fossem ocupadas pelos
adverbiais de peso fonético menor. Para verificar a hipótese, consideramos as seguintes
possibilidades para os circunstanciais de tempo/aspecto:
162
a) pequeno 1114, 2 ou 3 palavras
(87) Em abril, terminou frustrada a primeira tentativa do premiê Recep Erdogan de
emplacar Gül – no sistema turco. [editorial 6 – Folha de São Paulo]
(88) C’est dans ce climat de tension que |les Tatars de Crimée commémorent dimanche
les soixante dix ans de leur déportation par Staline, une tragédie| dont la mémpore a
été ravivée après le rattachement em mars de la péninsule ukrainienne à la Russie.115
[notícia 27 – Le Monde]
b) médio 4 ou 5 palavras
(89) Eles praticam diversos exercícios de tempos em tempos no Golfo Pérsico. [notícia
1 – O Globo]
(90) A la suite des violences, l’etat d’urgence a été décrété pour un mois et le couvre-
feu imposé dans la moitié du pays de 19 heures à 6 heures.116 [notícia 19 – Le Monde]
c) grande 6 palavras ou mais
114 Esse circunstancial com apenas uma palavra não consiste em um advérbio simples e, sim, o que a
literatura chama de sintagma preposicional sem cabeça (Ex.: Aconteceu sexta-feira, ao invés de na
sexta-feira). 115 É neste clima de tensão que | os Tatars da Criméia comemoram domingo os setenta anos de sua
deportação por Stalin, uma tragédia | que foi reavivada na memória após a ligação em março da península
ucraniana à Rússia. 116 Após as violências, o estado de emergência foi decretado por um mês e um toque de recolher imposto
em metade do país de 19:00 - 06:00.
163
(91) O mais alto número de vítimas de ataques terroristas em um único dia no Iraque
desde 2003 é o saldo de 202 mortos em 23 de novembro de 2006. [notícia 15 – Folha de
São Paulo]
(92) Depuis plus d’une vingtaine d’années, en effect, c’était la règle, presque le
reflexe.117 [editorial 21 – Le Monde]
Alguns estudos sobre ordem de circunstanciais no português brasileiro já
comprovaram a motivação exercida pelo peso do circunstancial em sua ordenação (cf.
Andrade, 2005; Brasil, 2005; Ilogti de Sá, 2009; Soares, 2012; Lessa, 2012; dentre
outros). Nosso objetivo, como já destacado, era verificar se o tamanho do circunstancial
motivaria sua ordenação mais marginal ou medial. A seguir, veremos as tendências de
ordenação dos circunstanciais de acordo com os fatores discriminados anteriormente:
Tabela (5.13): Tamanho da locução X Ordem – no Português
Pequena Média Grande
N % N % N %
Pré
-Ver
bais
AdvV 23 6 4 3 2 2,5
XAdvV 4 1 3 2 2 2,5
AdvXV 65 18,5 28 19 17 22,5
XAdvXV 3 1 5 3 3 4
Pó
s-v
erb
ais
VXAdv 101 29 54 36 29 38
VAdvX 70 20 13 9 8 10,5
VAdv 52 15 28 19 9 12
VXAdvX 31 9 13 9 6 8
AuxAdvV 1 0,5 0 0 0 0
Total 350 100 148 100 76 100
117 Por mais de vinte anos, com efeito, era a regra, quase o reflexo.
164
A tabela (5.13) demonstra que os circunstanciais com até três palavras são os
mais produtivos, correspondendo a 61% das ocorrências (350 dados) nos jornais
brasileiros analisados.
Correspondendo às nossas expectativas, as posições mediais, principalmente à
direita do verbo, foram preenchidas em grande parte por circunstanciais de menor
extensão. Das 350 locuções adverbiais temporais pequenas, 70 (ou seja, 20% desses
casos) posicionaram-se logo após o verbo em VAdvX e 31 (9%), em VXAdvX.
Entretanto, constatamos, maior percentual desses circunstanciais principalmente na
margem direita da oração – 101 dados (29% do total de 350 para VXAdv) e, a seguir, na
margem esquerda, com 65 (18,5%) em AdvXV. Um resultado interessante, no que
concerne às locuções menos extensas, foi a quantidade de dados em posição inicial, sem
nenhum elemento interveniente, ou seja, a ordem AdvV (ilustrada no exemplo 87). A
propósito, tal ordenação, como podemos observar na tabela (5.12), parece mais
receptiva às locuções pequenas do que aos circunstanciais de tamanhos médio e grande
(com 4 e 2 dados apenas, respectivamente).
As locuções médias mantiveram a tendência geral de se situarem nas margens da
oração. Das 148 ocorrências, 36% (54 dados) posicionaram-se na margem direita, após
um elemento X (VXAdv); 19% (28%) ainda na margem direita, mas imediatamente
após o verbo (VAdv); e os mesmos 19% (28) deslocados para a margem esquerda, antes
de um elemento X (AdvXV). Em posições mediais, os circunstanciais de 4 ou 5
palavras não se mostraram produtivos: dos 148 dados, 3 ocorreram em XAdvV, 5 em
XAdvXV, 13 em VAdvX e 13 em VXAdvX).
Com relação aos circunstanciais considerados grandes, esperávamos que os
mesmos não aparecessem em posições mediais e se mantivessem às margens da oração
para não interferir na relação entre sujeito-verbo ou verbo e complemento (Givón, 1995,
165
2001). O resultado corroborou nossa expectativa, visto que, das 76 ocorrências de
circunstanciais com mais de 6 palavras, 69 permaneceram na posição final ou inicial da
oração – 29 casos (38%) em VXAdv, 19 (17%) em VAdv, 19 (17%) em AdvXV e 2
(2,5%) em AdvV.
Em português, percebemos que o peso dos circunstanciais não possui influência
predominante nas ordenações. Embora percebamos as locuções grandes tendendo a
posições marginais, conforme previsto, estas posições podem ser ocupadas também por
locuções menores. Sendo assim, percebemos que as margens da oração são as mais
recorrentes, independentemente do tamanho do circunstancial, resultado também
encontrado por Soares (2012) em sua análise sobre as locuções adverbiais inicadas pela
preposição em.118
Na tabela (5.14), vemos as tendências de usos dos circunstanciais em francês:
Tabela (5.14): Tamanho da locução X Ordem – no Francês
Pequena Média Grande
N % N % N %
Pré
-Ver
bais
AdvV 6 1,5 0 0 0 0
XAdvV 5 1 3 2 3 2,5
AdvXV 93 23 40 29 54 43,5
XAdvXV 13 3 5 3,5 6 5
Pó
s-v
erb
ais
VXAdv 81 20 33 24 28 22,5
VAdvX 99 24 21 15 5 4
VAdv 64 16 21 15 18 14,5
VXAdvX 38 9,5 13 9,5 10 8
AuxAdvV 7 2 3 2 0 0
Total 406 100 139 100 124 100
118 Ver também Paiva, 2012, sobre questão do peso dos circunstanciais.
166
Em francês, a grande maior dos dados tem até 3 palavras (61% dos dados).
Diferentemente do observado em português, os circunstanciais pequenos, na língua
francesa, apareceram 99 vezes em posição medial logo após o verbo (24% do total de
406), VAdvX, e 93 vezes em posição AdvXV (com 23%), não havendo diferença
significativa entre essas duas posições. Essa competição entre VAdvX e AdvXV ainda
foi seguida da posição VXAdv com 20% do total.
As locuções médias mantiveram a tendência de ordenação padrão descrita na
seção 5.1 para o francês. Das 139 locuções com 4 ou 5 palavras, 29% (40 dados) se
posicionaram na margem esquerda antecedendo um X (posição AdvXV) 24%, (com 33
dados) na margem direita, após um X, em VXAdv; e 15% em cada posição pós verbal,
VAdvX (21 dados) e VAdv (21 dados). Nas posições internas pré-verbais, encontramos
poucas ocorrências, apenas 3 em XAdvV e 5 em XAdvXV.
Quanto aos circunstanciais considerados grandes, assim como em português, a
hipótese é comprovada, já que, dos 129 dados, em 100 os circunstanciais se colocaram
às margens da oração – 54 casos (43,5%) em AdvXV, 28 (22,5%) em VXAdv e 18
(14,5%) em VAdv – evitando-se, dessa forma, a infração do princípio de integração.
Entretanto, à semelhança do que encontramos para o português, não podemos
afirmar que a extensão do circunstancial o motive às margens, pois, independentemente
de seu tamanho (pequeno, médio ou grande), a ordenação com a maior quantidade de
dados foi a margem (apenas as locuções pequenas possuem ampla concorrência a
posições mediais). Em francês, a diferença mais significativa foi a leve tendência à
margem esquerda, como já verificado em outras seções, o que reforça a nossa hipótese
de que o posicionamento do circunstancial na margem esquerda da oração é motivada
por aspectos semântico-discursivos. A seguir, passamos à análise destes aspectos.
167
5.2.2. Propriedades semânticas
A semântica da locução adverbial já se mostrou importante em diversos
trabalhos anteriores, entre eles Martelotta (1994), Ilari (2001), Andrade (2005), Ilogti de
Sá (2009), Soares (2012), Machado (2012). Na próxima subseção, apresentamos os
valores semânticos dos circunstanciais encontrados nos jornais brasileiros e franceses.
5.2.2.1. Semântica da Locução
Nesta pesquisa, consideramos os tipos semânticos já estudados em Ilogti de Sá
(2009), baseados em Martelotta (1994) e em Ilari (2001), por darem conta de algumas
noções aspectuais para as quais esperamos motivações específicas de ordenação. Os
valores considerados formam um continuum semântico que parte do mais temporal
(localizador) para o mais aspectual (reiterativo)119. Os grupos semânticos analisados
foram:
a) Localizador é aquele que situa um evento em um ponto preciso do tempo, atribuindo
maior valor temporal ao circunstancial. Em outras palavras, esse tipo de locução
determina o momento exato do evento descrito.
(93) Em outubro de 2002, Berlusconi cometeu uma gafe com Cacciari, o colega
dinamarquês Anders Rasmussen e Veronica. [O Globo, editorial, 01/02/2007]
119 Cf. capítulo 2, Machado (2012)
168
(94) Or, ce record devrait être battu cette année.120 [editorial 25 – Le Monde]
No exemplo (93), a locução em outubro de 2002 mostra a data precisa em que
Berlusconi cometeu a gafe, e, em (94), o circunstancial temporal cette année (neste ano)
indica quando o recorde deverá ser batido (ce record devrait être battu). Este valor
temporal é o de maior produtividade tanto no português quanto no francês, em todo o
corpus analisado.
b) Reiterativo: expressa uma ação que se repete no tempo, iterativa, corresponde ao
valor aspectual.
(95) No momento, a inércia parece não cobrar preço. No futuro, ele poderá revelar-se,
mais uma vez, muito elevado. [editorial 9 – Folha de São Paulo]
(96) L’armée qui a une longue tradition d’intervention dans la vie publique en Egypte,
se retrouve donc de nouveau au pouvoir au Caire.121 [ editorial 14 – Le Monde]
No exemplo (95), vemos que o circunstancial aspectual mais uma vez indica que
o preço – retomado pelo pronome ele na oração – será revelado novamente em
determinado período de tempo. Em (96), a locução adverbial de nouveau (de novo)
indica que as forças armadas (L’armée) se encontra (se retrouve), mais ume vez, no
poder do Cairo, ou seja, é um evento que ocorreu algumas vezes durante um período de
tempo.
120 Ora, este recorde deveria ser batido este ano.
121 As forças armadas, que têm uma longa tradição de intervenção na vida pública no Egito, encontra-se,
então, de novo no poder no Cairo.
169
c) Durativo: representa o valor aspectual que expressa uma ação duradoura no tempo.
(97) Durante o trimestre, mais 29 mil pessoas assinaram o serviço básico de televisão
a cabo (editorial, O Globo 31/01/2007)
(98) En particulier la France, l’Espagne et l’Italie, |qui n’ont eu de cesse de soutenir
Ben Ali pendant ses vingt-trois ans de règne.122 [editorial 2 – Le Monde]
Nos exemplos (97) e (98), o circunstancial expressa, respectivamente, a duração
do tempo em que houve um grande número de assinaturas de televisão a cabo – durante
o trimestre – e em que o apoio foi dado por França, Espanha e Itália – pendant ses
vingt-trois ans de règne (durante seus vinte e três anos de reinado).
d) Delimitativo: corresponde ao circunstancial que delimita o tempo da ação, seja no
início, no meio ou no fim.
(99) Embora constituam de 60% a 65% da população nacional e hoje detenham o
governo, os xiitas foram reprimidos durante o regime do ditador sunita Saddam
Hussein,| que comandou o país no período de 1979 a 2003. [editorial 11 novo – Folha
de São Paulo]
122 Em especial a França, Espanha e Itália, | que não têm deixado de apoiar Ben Ali durante seus vinte e
três anos de reinado.
170
(100) Depuis son entrée em campagne le 7 décembre, sa progression l’a même fait
atteindre um niveau d’intentions de vote légérement supérieur à celui qu’il avait en
2007.123 [notícia 2 – Le Monde]
No exemplo (99), o circunstancial no período de 1979 a 2003 determina o início
e o fim do evento assinalado anteriormente. Em (100), a locução Depuis son entrée en
campagne le 7 décembre (desde sua entrada na campanha em 7 dezembro), demarca o
início do progresso de aumento nas intenções de voto.
e) Simultâneo: corresponde ao valor em que eventos ocorrem ao mesmo momento. Em
função de seu importante papel coesivo – ligar dois ou mais eventos ocorrendo
simultaneamente – é esperado que as locuções com este valor semântico apresentem
uma posição mais fixa na oração.
(101) Em paralelo, o STF também sancionou medida a respeito dos chamados
embargos declaratórios. [editorial 5 novo – Folha de São Paulo]
(102) Plusieurs personnes hurlent en même temps.124 [notícia 30 – Le Figaro]
Nos dois exemplos apresentados, as locuções em paralelo e en même temps
indicam, respectivamente, que a sanção realizada pelo STF ocorreu de maneira
simultânea ao evento descrito anteriormente e que muitas pessoas efetuavam uma ação
(hurlent) ao mesmo tempo.
123 Desde sua entrada na campanha em 7 de dezembro, seu progresso o fez até atingir um nível de
intenções de voto ligeiramente maior do que era em 2007. 124 Muitas pessoas berram ao mesmo tempo.
171
Nossas expectativas iniciais eram, em relação às duas línguas, (a) que os
circunstanciais com valor temporal (localizadoras) ocupassem mais a margem esquerda
da oração, e (b) que, por outro lado, aqueles com valor mais aspectual (em particular as
locuções reiterativas) estivessem mais presos ao verbo, ocupando, por isso, posições
mediais.
Tabela (5.15): Semântica locução X Ordem – no Português
Reiterativa Durativa Delimitativa Simultânea Localizadora
N % N % N % N % N %
Pré
-Ver
ba
is
AdvV 4 14 2 3 7 5 0 0 16 5
XAdvV 1 3 1 2 3 2 0 0 4 1
AdvXV 2 7 12 20 32 22 3 60 61 18
XAdvXV 0 0 0 0 2 1 0 0 9 3
Pó
s-v
erb
ais
VXAdv 8 27,5 17 29 59 40 1 20 99 29,5
VAdvX 6 20,5 8 13,5 16 11 0 0 61 18
VAdv 4 14 11 19 17 11,5 1 20 56 17
VXAdvX 4 14 8 13,5 11 7,5 0 0 27 8
AuxAdvV 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0,5
Total 29 100 59 100 147 100 5 100 334 100
Nos jornais brasileiros analisados, encontramos 334 ocorrências de
circunstanciais com valor localizador temporal, ou seja, 58% dos 574 dados. Os
circunstanciais com valor delimitativo apresentaram-se como o segundo mais produtivo,
com 26% do total (147 ocorrências). Em sequência, tivemos as locuções durativas,
representando 10% do corpus (59 dados), e as reiterativas, com 5% dos dados (29
dados). O valor simultâneo apareceu em apenas 5 casos, contabilizando apenas 1% do
total.
172
A grande quantidade de dados com valor de localizador nos mostrou como
tendência de ordenação as mesmas posições predominantes em todo o corpus da língua.
Dos 334 dados, 99 (29,5%) se posicionaram na margem direita da oração, após um
elemento X interveniente. Para a margem esquerda, na posição AdvXV, obtivemos
exatamente a mesma quantidade de casos que na posição medial à direita do verbo,
VAdvX. Em ambas as posições, 18% dos circunstanciais eram localizadores (61 dados).
Em seguida, com apenas 5 dados de diferença, aparece a posição ainda pós-verbal
VAdv, com 17% dos casos (56 ocorrências).
Nossa hipótese era que o valor semântico localizador da locução propiciasse o
uso nas margens, em particular na margem esquerda, por localizar imediatamente o
evento descrito. Entretanto, verificamos que a posição prototípica do circunstancial
localizador em português é a margem direita. Ao amalgamarmos algumas ordenações,
percebemos que, dos 334 dados de circunstanciais localizadores, 155 permaneceram na
margem direita do verbo (99 casos em VXAdv e 56 em VAdv) e apenas 77 se situaram
na margem esquerda da oração (61 dados em AdvXV e 16 em AdvV). Esta distribuição
corrobora a já constatada em Ilogti de Sá (2009).
Os circunstanciais delimitativos apareceram em 26% do corpus e sinalizaram
para as mesmas tendências de uso das localizadoras. Do total de 147 dados, 59 (40%)
ordenaram-se à direita do verbo com um elemento X interveniente, VXAdv; 32 (22%)
deslocaram-se à esquerda da oração, em posição AdvXV; 17 (11,5%) na margem direita
imediatamente após o verbo, VAdv; 16 (11%) em posição VAdvX.
Ao amalgamarmos as ordenações com os circunstanciais delimitativos,
percebemos a mesma predileção pela margem direita. Em 147 dados com tais
circunstanciais, 76 estavam na margem direita (59 em VXAdv e 17 em VAdv) – 52%
desse total – e apenas 39 na margem esquerda (32 em AdvXV e 7 em AdvV),
173
representando 26,5%. Verificamos que as locuções delimitativas possuem a mesma
ordenação das localizadoras, portanto, essa distinção semântica não se mostra relevante
para a ordenação dessas locuções.
As locuções adverbiais com valor durativo apresentaram uma produtividade
menor, com 59 ocorrências de 574 dados – 10% do total do português. Entretanto, a
diferença numérica não trouxe alterações nas tendências de uso desses circunstanciais.
Dos 59 casos, 17 (29%) correspondem à margem direita com o X entre os elementos,
VXAdv, e 12 (20%), à posição AdvXV. As demais ordenações pospostas ainda se
mostraram produtivas: em 19% (11 dados) os circunstanciais aparecem na posição
VAdv; em 13,5% (8 dados), na posição VAdvX; e, com a mesma quantidade,
encontramos a ordem VXAdvX.
As locuções adverbiais reiterativas são aquelas consideradas mais aspectuais
dentre todas as semânticas estabelecidas para as locuções. Por ser o aspecto uma
categoria mais inerente ao verbo, esperávamos que esses circunstanciais fossem os mais
propícios a posições mediais. Em todo o corpus, encontramos 29 locuções adverbiais
com esse valor semântico, dentre as quais, ainda mantendo a tendência geral de
ordenação para o português, observamos 8 (27,5%) em posição VXAdv, ou seja, na
margem direita da oração. Nossa expectativa só foi confirmada ao somarmos os casos
de circunstanciais em posições próximas ao verbo. Dessa forma, verificamos a
ocorrência de 15 dados – 6 (20,5%) VAdvX, 4 (14%) AdvV, 4 (14%) VAdv, 1 (3%)
XAdvV.
Com relação aos circunstanciais indicativos de simultaneidade, esperávamos que
aparecessem preferencialmente na margem esquerda da oração, pois possuem um valor
coesivo importante com o discurso antecedente. Em português, dos 5 que possuíam tal
valor semântico (no total de 574 dados gerais), 3 deslocaram-se à esquerda, conforme o
174
previsto. No entanto, pouco podemos afirmar em função da quantidade muito reduzida
de ocorrências.
A análise da semântica dos circunstanciais em português mostra que os padrões
de ordenação destes constituintes são independentes, como já indicado em Ilogti de Sá
(2009). Com uma amostra de dados ampliada/reformulada, percebemos que o papel
semântico dos circunstanciais temporais e aspectuais pouco influencia o deslocamento
dos adverbiais para posições diferentes da margem direita. Apenas os de valor
claramente aspecutal, como os reiterativos, apresentam uma tendência mais nítica de se
posicionarem mais próximos ao verbo.
Veremos em (5.16) que os circunstanciais, em francês, apresentam tendências
diferentes das encontradas no português.
Tabela (5.16): Semântica locução X Ordem – no Francês
Reiterativa Durativa Delimitativa Simultânea Localizadora
N % N % N % N % N %
Pré
-Ver
ba
is
AdvV 0 0 3 2,5 1 0,5 0 0 3 1
XAdvV 0 0 2 1,5 5 2,5 0 0 4 1
AdvXV 7 23 30 26 70 36,5 0 0 80 24
XAdvXV 0 0 1 1 10 5 0 0 13 4
Pó
s-v
erb
ais
VXAdv 4 13 26 23 39 20,5 0 0 73 22
VAdvX 8 27 21 18 19 10 0 0 77 23
VAdv 8 27 20 17,5 26 14 1 0 48 14,5
VXAdvX 2 7 10 9 18 9,5 0 0 31 9,5
AuxAdvV 1 3 2 1,5 3 1,5 0 0 4 1
Total 30 100 114 100 191 100 1 0 333 100
Em francês, assim como em português, o valor semântico mais produtivo foi o
localizador, com 333 dados (50% do total de 669 encontrados no corpus). Em linhas
175
gerais, encontramos na língua francesa uma maior quantidade de locuções com valores
delimitativo e durativo: as primeiras apareceram em 28,5% dos dados (191 casos) e a
segunda, em 17% (114 dados). Locuções de valor aspectual, reiterativo, são
representadas por apenas 30 casos, contabilizando apenas 4% do total. Por fim, só
houve 1 caso de circunstancial simultâneo no corpus, identificado no exemplo (102),
retomado em sequência.
(102) Plusieurs personnes hurlent en même temps.125 [notícia 30 – Le Figaro]
Nossa expectativa inicial era que os circunstanciais localizadores
predominassem na margem esquerda da oração – hipótese não comprovada em
português. Dos 333 dados com esse valor semântico, 80 (24%) deslocaram-se para a
posição AdvXV. Em seguida, destacam-se duas ordens pós-verbais com número
significativo de ocorrências: 77 dados (23%) aparecem em VAdvX e 73 (22%) em
VXAdv.
Estes primeiros resultados apontam uma diferença significativa no que concerne
à comparação entre as duas línguas. Conforme exposto na seção 5.1, esperávamos que,
em francês, língua em que o sujeito é obrigatoriamente preenchido, a quantidade de
circunstanciais em margem esquerda não fosse a preponderante, para não comprometer
o equilíbrio sintagmático em função do peso maior à esquerda do verbo (cf. Votre e
Naro 1986). Entretanto, verificamos que a posição geral predominante do circunstancial
no francês é uma das predominantes para o a locução localizadora, a ordenação AdvXV.
Mesmo que a diferença para a segunda ordenação não tenha sido significativa,
125 Muitas pessoas berram ao mesmo tempo.
176
percebemos que a tendência, nessa língua, ao contrário do português, é a colocação do
temporal no início da oração.
Para os circunstanciais delimitativos, verificamos a mesma tendência à margem
esquerda, e, dessa vez, com uma variação considerável em relação à segunda posição.
Dos 191 dados de locuções adverbiais com valor delimitativo, em 70 (36,5%) elas se
deslocaram para a margem esquerda da oração, posição AdvXV, a preferida pelos
circunstanciais franceses no geral. A diferença para a segunda ordem ocupada pela
locução adverbial foi de 16 pontos percentuais – atestamos 20,5% dos dados (39 casos)
em posição VXAdv. Com relação às delimitativas, a margem direita da oração não é a
preferencial nem quando amalgamamos os dados, pois a margem esquerda aparece 71
vezes (70 AdvXV e 1 AdvV) e a margem direita, 65 (39 VXAdv e 26 VAdv).
Os resultados para os circunstanciais durativos no francês foram mais próximos
às tendências encontradas em português, embora ainda com a preponderância da
margem esquerda da oração. Nas 114 ocorrências de adverbiais com esse valor
semântico, observamos 30 (26%) na ordem AdvXV, seguida da ordem VXAdv, com 26
dados (23%). Outras duas posições pós-verbais ainda sobressaem: VAdvX, com 18%
(21 casos), e VAdv, com 17,5% (20 dados).
Para o circunstancial reiterativo, entretanto, a proximidade em relação ao verbo
aparece mais claramente. Das 30 ocorrências de circunstanciais reiterativos, 16
posicionaram-se imediatamente após o verbo (8 em cada posição VAdvX e VAdv,
contabilizando 27% para cada uma) e 1 apresentou-se entre o auxiliar e o verbo
principal da locução verbal. Não fica excluída, no entanto, uma certa recorrência da
ordem mais produtiva do francês que ocorreu em 7 dados (23% em AdvXV).
O valor semântico da locução mostrou-se de extrema relevância para a
comparação entre as duas línguas. A partir desse fator, percebemos que há uma
177
diferença entre a preferência de ordem no francês e no português. Embora as posições
pós-verbais sejam as mais produtivas, a ordenação predominante da locução adverbial
em francês é a sua anteposição ao sujeito da oração, ou seja, AdvXV, distinguindo-se do
português, no qual verificamos a posição final como prototípica (MD).
Na seção subsequente, discutiremos sobre os fatores discursivos, a partir dos
quais esperamos obter respostas sobre a função dos circunstanciais situados na margem
esquerda da oração.
5.2.3. Propriedades Discursivo-Pragmáticas
Nessa subseção, apresentaremos os fatores de natureza discursiva que
consideramos para a análise da ordenação dos circunstanciais no português e no francês.
Verificamos o papel discursivo desempenhado pela locução adverbial de tempo/aspecto
e o gênero textual no qual os circunstanciais estão inseridos. A partir desses fatores,
concluiremos nossa análise perpassando desde critérios mais sintáticos e semânticos, até
os discursivos, apontados nesta seção.
5.2.3.1. Papel Discursivo
Conforme Paiva (2008), os circunstanciais temporais e aspectuais não têm como
função apenas indicar coordenadas temporais dos eventos descritos. Tais adjuntos
“podem desempenhar diferentes funções na organização do discurso e constituem
instrumentos imprescindíveis no gerenciamento da interação”126 . Para tanto, sua função
na macroestrutura do texto no qual está inserido deve ser analisada, ou seja, devemos
126 Cf. também Van Dijk, 1982; Givón, 1983; Chafe, 1984
178
levar em consideração não só a oração em que o circunstancial se posiciona e, sim, um
contexto maior.
Ilogti de Sá (2009) baseou-se nas funções exercidas pelos circunstanciais,
apresentadas em Paiva (2008) e Brasil (2005)127, para sua na análise no corpus
jornalístico estudado. Na presente pesquisa, retomamos essa reorganização, baseada nos
autores supracitados, para a comparação dos dados em português e francês. As funções
discursivas consideradas foram:
a) Especificação de coordenadas temporais – o circunstancial informa sobre o tempo ou
o aspecto do evento, indicando apenas uma coordenada temporal, sem que se faça
referência a eventos anteriores descritos, ou seja, possui um escopo reduzido.
(103) Decisão recente da Suprema Corte americana validou o referendo |no qual os
eleitores de Michigan baniram, em 2006, o critério racial na admissão às
universidades públicas daquele Estado [editorial novo 3 – Folha de São Paulo]
(104) Les malversations financières reprochées à Liu Zhijun avaient profondément terni
l’image du réseau ferroviaire chinois, dont l’édification rapide forçait jusque-là
l’admiration, bien au-delà des frontières de l’empire du Milieu. Une réputation qui
avait fini d’être entamée par la collision de deux TGV |qui avait fait 40 morts le 23
juillet 2011 près de Wenzhou, dans l’est du pays, quelques mois à peine après le
limogeage de Liu Zhijun.128 [notícia 1 – Le Figaro]
127 A proposta de Paiva, 2007, e Brasil, 2005, estão expostas no capítulo 2. Na nossa pesquisa, nós nos
baseamos nas funções propostas pelas autoras e fizemos algumas adaptações em função dos tipos de
dados que encontramos e quantidade de dados. 128 Os desfalques financeiros alegados à Liu Zhijun tinham danificado, profundamente, a imagem da rede
ferroviária chinesa, cuja construção rápida forçava até então, a admiração muito além das fronteiras do
Império do Meio. Uma reputação que tinha acabado de ser iniciada pela colisão de dois TGVs | que tinha
179
Nos exemplos, os circunstanciais temporais determinam o momento em que o
evento ocorre. Em (103), o circunstancial em 2006 localiza no tempo a ação de banir,
realizada pelos eleitores de Michigan. Em (103), o circunstancial le 23 juillet 2011
indica quando ocorreu o fato de 40 pessoas morrerem após uma colisão. Esses dois
circunstanciais representam uma informação nova no discurso, referente apenas à
oração em que estão inseridos, ou seja, seu escopo é restrito, já que não faz referência
anafórica ou indica uma sequência temporal, por exemplo.
É importante destacar que todas as outras funções se relacionam a essa, uma vez
que todas possuem o papel de circunstanciador temporal. A diferença é que seu segundo
papel vai além de indicar o tempo, devido à sua função coesiva dentro do discurso no
qual está inserido.
b) Retomada anafórica – o circunstancial retoma uma referência temporal já apresentada
no discurso, possuindo um papel coesivo importante.
(105) A expectativa era investir R$ 188 milhões em 2004 e criar 260 mil vagas por ano.
Lula anunciou que seria possível chegar a 500 mil postos.
Oito meses depois, o Primeiro Emprego só tinha levado à contratação de um copeiro
em Salvador. De lá para cá, apenas 15 mil vagas foram criadas, mesmo depois de
suspensa a exigência de interromper demissões. [editorial 3 – Folha de São Paulo]
No exemplo (105), os dois circunstanciais destacados – Oito meses depois e De
lá para cá – estabelecem uma relação anafórica com outros elementos presentes no
feito 40 mortos, em 23 de julho de 2011, perto de Wenzhou, no leste do país, apenas alguns meses após a
demissão de Liu Zhijun.
180
discurso precedente elementos do discurso. No primeiro caso, o sintagma nominal com
função de circunstancial indica o momento em que o primeiro emprego havia levado à
contratação de apenas um copeiro, retomando a informação anterior de que isso ocorreu
oito meses após o anúncio feito por Lula. No segundo caso, além de delimitar o
momento em que as vagas foram criadas, o sintagma preposicional refere-se à situação
descrita antes. Na verdade, nesses dois casos, o circunstancial toma como ponto de
ancoragem o discurso pronunciado por Lula, anteriormente citado. Dessa forma, só
podemos compreender as coordenadas temporais introduzidas pelos circunstanciais a
partir do conhecimento do discurso anterior.
No exemplo (106), verificamos como isso ocorre em francês:
(106) Dimanche, le ton est monté d'un cran entre les deux pays, Riyad accusant
ouvertement Téhéran d'ingérence en exhortant l'Iran à «ne pas aider les activités
criminelles des houthistes contre le régime légitime du Yémen» et à «stopper la
livraison d'armes». Trois jours plus tôt, le chef de la diplomatie américaine avait lui
aussi pointé un doigt accusateur en direction de l'Iran.129 [notícia 6 – Le Figaro]
O circunstancial Trois jours plus tôt (três dias mais tarde) refere-se ao momento
em que o chefe norte-americano acusou o Irã, tomando como ponto de referência
temporal (dimanche) já introduzida no discurso anterior
Não encontramos essa relação coesiva apenas nas funções anafóricas. Ao
introduzirmos um assunto novo, ou quando criamos um subtópico, também percebemos
129 Domingo, o tom subiu de nível entre os dois países, Riyadh acusando abertamente Teerã de
interferência, incitando o Irã a “não ajudar as atividades criminosas de Houthi contra o regime legítimo do
Iêmen” e a “parar a entrega de armas”. Três dias antes, o chefe da diplomacia norte-americana também
tinha apontado um dedo acusador para o Irã.
181
uma ampliação funcional do circunstancial temporal/aspectual, como veremos na
terceira função em seguida.
c) Introdução de subtópico (assunto) – o circunstancial inicia um novo evento, um novo
episódio, um novo assunto, ou um subtópico dentro de um assunto mais geral (cf. Van
Dick, 1982).
(107) Não deixa de ser incômoda a proximidade entre o episódio da semana passada
em que servidores do IBGE ameaçaram entregar os cargos em reação à suspensão da
Pnad Contínua, dando margem a suspeitas de manipulação por parte do governo, e
outra mudança metodológica em preparo pelo respeitado instituto estatístico.
No início de maio o IBGE reformulará a coleta de dados de produção da indústria
para aumentar a quantidade de produtos considerados e empresas entrevistadas. Longe
de sugerir interferência ou partidarização do órgão, desta vez a mudança é bem-vinda
e resultará em mapeamento melhor do setor, que representa quase 15% do PIB.
[editorial 16 – Folha de São Paulo]
No parágrafo inicial, somos apresentados à opinião do editorial sobre o assunto
em pauta – as suspeitas de manipulação do governo. O circunstancial No início de
maio aparece iniciando o parágrafo seguinte, ao termos uma mudança no foco na
argumentação. A partir daí o editor expõe a atitude do órgão IBGE, apresentando a
solução do problema e a opinião do jornal sobre tal atitude. Nesse caso, ocorre um
subtópico, relacionado ao fato anterior, mas com mudança de perspectiva e de
participantes.
182
(108) Les dépouilles appartiennent à des marins et Marines tous embarqués, le jour de
l'attaque, à bord l'USS Oklahoma. En ce 7 décembre 1941, le cuirasser fut touché au
petit matin par quatre torpilles japonaises avant de chavirer et de couler avec son
équipage. Dans les jours suivants, 32 hommes piégés à l'intérieur de l'épave purent être
sauvés. Au total, 429 Américains périrent dans le naufrage. De 1942 à 1944, tous les
corps des victimes furent évacués de l'épave. Mais seules 35 d'entre elles purent être
identifiées. Une fois la guerre terminée, plusieurs tentatives furent lancées pour
identifier les disparus. Mais il a fallu attendre 2003 et la persévérance d'un vétéran,
scandalisé de voir toutes ces tombes anonymes, pour voir l'identification de six
nouveaux corps.
À présent, le Pentagone a décidé de mettre les moyens. Des techniques modernes
d'identification, notamment des tests ADN, seront employées. Une fois identifiés, les
corps seront retournés à leurs proches avant d'être à nouveau inhumés avec les
honneurs militaires. Pour l'heure, le ministère de la Défense reste prudent même si une
grande partie des disparus de l'USS Oklahoma devraient pouvoir être identifiés. Toutes
les familles des victimes ne pourront pas retrouver leur proche, prévient ainsi Robert
Work.130 [notícia 16 – Le Figaro]
130 Os restos pertencem aos marinheiros e fuzileiros navais todos embarcados, no dia do ataque, a bordo
do USS Oklahoma. Neste 07 de dezembro de 1941, a blindagem foi atingida no início da manhã por
quatro torpedos japoneses antes de virar e afundar com sua tripulação. Nos dias seguintes, 32 homens
presos nos destroços foram salvos. No total, 429 americanos morreram no naufrágio. De 1942 a 1944,
todos os corpos das vítimas foram retirados dos destroços. Mas apenas 35 delas puderam ser
identificadas. Uma vez terminada a guerra, várias tentativas foram lançados para identificar os
desaparecidos. Mas foi preciso esperar 2003 e a perseverança de um veterano, chocado ao ver todas essas
sepulturas anônimas, para ver a identificação de seis novos corpos.
Agora, o Pentágono decidiu usar seus meios. Serão utilizadas técnicas modernas de identificação,
incluindo o teste de DNA. Uma vez identificados, os corpos serão devolvidos aos seus entes queridos
antes de serem enterrados com honras militares. Por agora, o Ministério da Defesa é cauteloso, embora
grande parte dos desaparecidos de USS Oklahoma devam ser identificados. Todas as famílias das vítimas
poderão encontrar seu ente querido, e prevê Robert Work.
183
A notícia do exemplo (108) relata o fato de os EUA, 73 anos depois, resolver
sustentar financeiramente a identificação dos mortos do ataque a Pearl Harbor. No
parágrafo anterior ao do circunstancial À présent, há uma breve narrativa do
acontecimento do ataque a um navio de guerra americano e das tentativas subsequentes
de identificação dos soldados mortos. O foco narrativo então muda, quando, o sintagma
preposicional aparece indicando que agora o Pentágono agirá de forma diferente, com
técnicas modernas para a identificação. O circunstancial temporal nesse caso teve o
papel de estabelecer uma fronteira discursiva entre as duas situações narradas – o que
aconteceu no passado e o que será feito a partir de agora –, indicando o início de um
novo episódio e uma quebra da continuidade temática.
A quarta função sinalizada para o circunstancial é comum em textos narrativos,
pois demarca uma sequência temporal, como veremos a seguir:
d) Sequência temporal – o circunstancial demarca pontos de uma sequência temporal,
que se sucedem ao longo de um evento; são marcas linguísticas específicas para
demarcar uma sucessão de acontecimentos dentro de um evento.
(109) Mesmo com a proibição, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
prevê a importação de substâncias ilegais para fins terapêuticos.
A agência se reuniu com a família no dia 15 de abril para orientar sobre a importação,
que deverá ser feita com um formulário detalhando a natureza da substância, um laudo
e uma prescrição médica. O remédio chegou à casa de Fischer no dia 30. [notícia 13
nova – Folha de São Paulo]
184
No exemplo (109), percebemos nitidamente a sequência de ações estabelecidas
na notícia. Primeiramente, houve uma demarcação temporal de quando a agência se
reuniu com a família – no dia 15 de abril. Após essa reunião e a explicação do que
deveria ser feito, a conclusão do evento é apresentada, com a chegada do remédio à
residência, em outra data – no dia 30. Nesse caso, a demarcação de pontos sucessivos
do evento não ocorreu no início da oração, como o esperado, já que há uma relação com
o discurso anterior. No entanto, não podemos descartar os eventos enumerados a partir
de sua localização temporal. O exemplo (110), exemplifica essa função do
circunstancial em francês:
(110) Il s'agit pour le président de la République d'assumer fermement, même aux yeux
d'une majorité qui ne le partage pas, son réformisme. Jusqu'à présent, il ne l'a exprimé
que dans des cercles restreints. Le 23 mai, à Leipzig, devant le SPD, il a salué les
"réformes courageuses" de Gerhard Schröder, soulignant que "le réformisme n'est pas
l'acceptation d'une fatalité mais l'affirmation d'une volonté". Le 11 juin, il a rendu
hommage au "choix du réformisme" de Pierre Mauroy, affirmant que "réformer, ce
n'était pas céder à la réalité, c'était la saisir à la gorge pour la transformer", et aussi
"inscrire la gauche dans la durée".131 [editorial 8 – Le Monde]
No trecho do exemplo (110), observamos uma sequência de ações associadas ao
presidente. A sucessão se inicia com o circunstancial Jusqu'à présent (Até o presente),
indicando que até agora o presidente só exprimiu seu reformismo em círculos restritos.
131 Trata-se, para o Presidente da república, assumir firmemente seu reformismo, mesmo aos olhos de
uma maioria que não concorde com ele. Até agora, ele o manifestou/expressou apenas em círculos
restritos. Em 23 de maio, em Leipzig, diante do SPD, ele cumprimentou pelas "reformas corajosas" de
Gerhard Schröder, enfatizando que "o reformismo não é a aceitação do destino, mas a afirmação de uma
vontade." Em 11 de junho, ele prestou homenagem à "escolha de reformismo" de Pierre Mauroy,
afirmando que "reformar, não era ceder à realidade, mas ???? para transformá-la", e também "inscrever a
esquerda ao longo do tempo. "
185
A partir dessa afirmativa, duas sequências de datas – Le 23 mai e Le 11 juin – são
colocadas para apontar os momentos em que ele fez declarações públicas. Nesse caso,
tivemos uma enumeração, uma marcação de pontos distintos relacionados entre si,
descrevendo ações do sujeito (um evento no dia 23 de maio, outro no dia 11 de junho).
A distinção entre cada uma das funções discursivas dos circunstanciais não é
categórica, pois as fronteiras entre elas não são totalmente excludentes e, em alguns
casos, algumas dessas funções se sobrepõem. A quinta função discursiva, observada,
tenta dar conta dessas ocorrências.
e) mista – o circunstancial retoma uma referência anterior e ao mesmo tempo marca um
novo episódio, associando duas funções: a anafórica e a mudança de assunto.
(111) A Casa Branca repudiou nesta quinta-feira as ameaças do aiatolá Ali Khamenei,
e afirmou que os Estados Unidos não têm a intenção de entrar em guerra com o Irã.
Khamenei se referiu aos "rumores" de um possível ataque americano contra o Iraque, e
acrescentou que estas questões "não assustam" o Irã, pois não é a primeira vez que o
país é atacado pelos EUA.
O líder se mostrou convencido de que "os inimigos não cometerão tal erro, já que
sabem muito bem que desta forma poriam em perigo seus próprios interesses".
No mesmo dia do duro discurso de Khamenei contra os EUA, o Irã testou com sucesso
um míssil terra-mar de alcance de 350 km. O teste foi realizado durante o segundo dia
de manobras aeronavais na região do Golfo, informou a TV estatal. [notícia 1 – O
Globo]
186
No exemplo (111), o circunstancial destacado estabelece clara relação anafórica
com o evento anterior (o duro discurso do líder, apresentado no parágrafo antecedente).
Além dessa função, percebemos a mudança no foco narrativo e a introdução de um
assunto, já que agora a informação em destaque é o teste ocorrido no Irã, até então não
mencionado no discurso.
Em (112), temos um exemplo dessa interseção de funções discursivas em
francês:
(112) Si je reçois le mandat du pays d'être le prochain président, je ne veux être jugé
que sur un seul objectif : (...) est-ce que les jeunes vivront mieux en 2017 qu'en 2012 ?
Je demande à être évalué sur ce seul engagement, sur cette seule vérité, sur cette seule
promesse ! (...) Ce n'est pas un engagement à la légère que je prends. C'est pour
mobiliser toute la nation par rapport à cet enjeu." C'était le 22 janvier 2012 au
Bourget, le candidat François Hollande s'adressait à une jeunesse "trahie", "sacrifiée,
abandonnée, reléguée" et proclamait : "C'est pour la jeunesse de notre pays que je veux
présider la France."
Un mois avant son élection, le 4 avril 2012 à Rennes, M. Hollande avait confirmé cette
"seule priorité " en annonçant qu'"un grand ministère d'Etat consacrera cette
ambition". Mais en lieu et place du "ministère de l'éducation, de la jeunesse, de
l'avenir" promis, le gouvernement s'est retrouvé classiquement et banalement doté, avec
Valérie Fourneyron, d'une ministre des sports... et de la jeunesse. Aujourd'hui, un jeune
de moins de 25 ans sur quatre est au chômage et, selon une étude du cabinet Deloitte,
187
27 % des jeunes diplômés veulent travailler hors de France, contre 15 % en 2012. La
jeunesse reste "sacrifiée, abandonnée, reléguée".132 [editorial 4 – Le Monde]
O editorial do Le Monde tem início com a reprodução de falas do até então
candidato a presidente da República, com uma certa ironia, e finaliza o primeiro
parágrafo nomeando o autor do discurso, relatando um último discurso direto. O
circunstancial temporal Un mois avant son élection, le 4 avril 2012 introduz o
parágrafo em sequência, retomando, através do pronome possessivo son, o termo já
mencionado anteriormente - le candidat François Hollande. Além dessa relação
anafórica do circunstancial, percebemos uma mudança de foco e de plano discursivo:
agora, o editor disserta sobre os eventos, retirando o tom irônico presente no primeiro
parágrafo do editorial.
Nossa expectativa é a de que os circunstanciais com função na macroestrutura
do texto – as locuções anafóricas, as introdutoras de assunto, as indicadoras de
sequência temporal e as mistas – aparecessem predominantemente na margem esquerda
da oração, estabelecendo ligações entre partes do texto. Por outro lado, aquelas com
uma função mais restrita à oração, apenas se referindo ao tempo do evento, tenderiam a
posições pós-verbais, ocupando seja posições mais ligadas ao verbo, seja a margem
direita da oração.
132 Se eu conseguir o mandato do país para ser o próximo presidente, eu só quero ser julgado em um único
objetivo (...) os jovens viverão melhor em 2017 do que em 2012? Desejo ser avaliado exclusivamente
sbre este compromisso, esta única verdade, sobre esta única promessa! (...) Não é um compromisso de
ânimo leve que tomo. É para mobilizar toda a nação em relação a esta questão". Era 22 de janeiro de 2012
em Paris, François Hollande se dirigia a uma juventude "traída", "sacrificada, abandonada, relegada” e
proclamava: "É para a juventude de nosso país que eu quero presidir a França."
Um mês antes de sua eleição, em 4 de abril de 2012 em Rennes, Hollande tinha confirmado esta "única
prioridade", anunciando que "um grande ministério de estado se dedicará a esta ambição”. Mas no lugar
do "Ministério da Educação, da Juventude, do futuro", prometido, o governo encontrou-se clássica e
banalmente dotado, com Valérie Fourneyron, de uma ministra do desporto e ... da juventude. Hoje, um
jovem com menos de 25 em cada quatro está desempregado e, de acordo com um estudo realizado pela
Deloitte, 27% dos diplomados querem trabalhar fora da França, contra 15% em 2012. O jovem
permanece "sacrificado, abandonado, relegado ".
188
Verificaremos a seguir as tendências encontradas nas duas línguas:
Tabela (5.17): Papel discursivo da locução X Ordem – no Português
especificação
de coord.
temp.
anafórica
introdução
de assunto
sequência
temporal
mista
N % N % N % N % N %
Pré
-Ver
ba
is
AdvV 10 2,5 3 5 10 18,5 5 8 1 0
XAdvV 7 2 0 0 0 0 2 3 0 14
AdvXV 31 8 18 33 37 68,5 18 29,5 6 86
XAdvXV 9 2 1 2 0 0 1 1,5 0 0
Pó
s-v
erb
ais
VXAdv 156 39 11 20 3 5,5 14 23 0 0
VAdvX 77 19,5 5 9 3 5,5 6 10 0 0
VAdv 70 17,5 12 22 1 2 6 10 0 0
VXAdvX 36 9 5 9 0 0 9 15 0 0
AuxAdvV 1 0,5 0 0 0 0 0 0 0 0
Total 397 100 55 100 54 100 61 100 7 100
A partir dessa tabela, notamos a grande quantidade de dados com função de
circunstanciador, ou seja indicando uma coordenada temporal. Dos 574 dados em
português, 397 (69%) funcionaram apenas como indicativos de tempo do evento
descrito como um todo (exemplo 103). Dados como os do exemplo (109) foram aqueles
com a segunda maior produtividade nos textos jornalísticos analisados - encontramos 61
ocorrências (11%) de circunstanciais com função de sequência temporal. Com 55 e 54
dados, respectivamente, as locuções com função anafórica (exemplo 105) e de
introdução de assunto (exemplo 107) aparecem em seguida. Por fim, as locuções com
função mista foram as de menor produtividade, com apenas 7 dados no total.
Nossa hipótese era que os circunstanciais com o escopo mais restrito à
predicação se mantivessem em posições à direita do verbo em posições mediais. Os
189
resultados da tabela 16 confirmam essa expectativa, pois, dos 397 dados com função de
circunstanciador temporal, em 156 (39%) as locuções se posicionaram no final da
oração, em posição VXAdv. Ainda à direita, mas adjacente ao verbo, o circunstanciador
temporal apareceu 77 vezes (19,5%) na posição VAdvX e 70 (17,5%) na posição VAdv.
Esta distribuição corrobora resultados já obtidos em Brasil (2005), Paiva (2008), Ilogti
de Sá (2009) e Soares (2012), para o português.
Confirmando nossa hipótese, locuções com a função de indicar coordenadas
temporais muito raramente se posicionaram na margem esquerda da sentença: no total
de 41 casos – 31 vezes (8%) na posição AdvXV e 10 (2,5%) na posição AdvV.
A segunda função mais recorrente na amostra é a de sinalização de uma
sequência temporal. Nossa hipótese (cf. Brasil 2005 e Paiva 2008) era que, por ter uma
relação maior com o contexto anterior, este tipo de locução se posicionasse mais
frequentemente na margem esquerda. A expectativa foi confirmada: em 23 das 61
ocorrências com função de sequência temporal – 18 (29,5%) correspondem à
configuração AdvXV, sendo esta a posição predominante para locuções com essa
função, e 5 (8%) em AdvV. Logo, a função analisada é a motivação para o
posicionamento de 37,5% dos dados para a margem esquerda. A margem direita ainda
foi preenchida por essa locução em 20 orações (14 VXAdv e 6 VAdv), o que não
inviabiliza a hipótese inicial, visto que a margem direita, conforme exposto na seção
5.1, é a posição não marcada para o circunstancial temporal no português,
A função anafórica também possui uma função na macroestrutura textual e seu
papel no discurso de retomar algo já mencionado anteriormente vai além de apenas
indicar o tempo e o aspecto do evento. Os circunstanciais anafóricos tenderam a ocupar
a posição AdvXV – dos 55 dados com essa função, em 18 (33%) as locuções
apareceram em margem esquerda com um elemento X interveniente. Embora esta
190
ordem tenha sido a configuração preferencial das locuções temporais anafóricas,
posições à direita do verbo corresponderam a 60% dos dados encontrados para esse
papel discursivo – 22% (12 casos) VAdv, 20% (11) VXAdv, 9% (5) VXAdv e 9% (5)
VXAdvX. Observemos o exemplo (113) para entendermos esses casos:
(113) O petista acabou renunciando à vice-presidência da Câmara e afirmou que
renunciaria ao mandato, mas recuou logo em seguida [notícia 6 nova – Folha de São
Paulo]
Ao longo da análise dos dados, percebemos que algumas ocorrências de
circunstanciais com função anafórica pertenciam a períodos compostos com orações
coordenadas entre si e elipse do sujeito. Assim como já exposto em 5.2.1.2, em uma
cadeia tópica, o circunstancial raramente quebraria a sequência devido à necessidade de
garantir a recuperabilidade do sujeito, como em (113). No exemplo, o circunstancial,
ainda que mantenha a relação anafórica com o discurso anterior (logo em seguida à
afirmação de renúncia, exposta na oração precedente), pertence a uma oração com
sujeito elíptico, cuja referência se encontra na primeira oração do período. Tal cadeia
tópica reduz a possibilidade de inserção de circunstanciais para manter a referência do
sujeito. (cf. Marques, 2012).
Por outro lado, a função de introdução de assunto ou de contrastes temporais foi
uma das mais produtivas na margem esquerda da oração. De 54 ocorrências de
circunstanciais com essa função, em 37 (68,5%) situam-se na margem esquerda com um
elemento interveniente (AdvXV) e em 10 (18,5%) posicionaram-se na adjacência direita
do verbo (AdvV). Na análise, apenas 6 dados (3 em VXAdv e 3 em VAdvX) se
mantiveram em posições à direita, ou seja, fora da margem esquerda. A nossa hipótese
191
de que o circunstancial com um escopo maior no discurso se desloca para posições
iniciais, mais uma vez, é comprovada com os resultados para queles que introduzem
assuntos.
Por fim, os circunstanciais com mais de um papel discursivo, conforme o
exemplo (111), mantiveram um padrão de ordenação. Em todas as 7 ocorrências dessa
função, o circunstancial se posicionou na margem esquerda - 6 com um elemento X
(AdvXV) e 1 imediatamente antes do verbo (AdvV). Tal resultado nos mostra que,
quanto maior a função discursiva do circunstancial, maior a motivação do
preenchimento da margem esquerda da oração, corroborando nossa hipótese inicial.
Tais resultados para a função discursiva do circunstancial temporal confirmam
tendências já apresentadas em outras pesquisas (cf. Brasil 2005, Paiva 2015, Ilogti de Sá
2009, Lessa 2012, Soares 2012, dentre outras).
A importância das funções discursivas na posição do circunstancial pode ser
atestada igualmente em francês. Fuchs & Fournier (2005), na análise do francês,
atribuem aos circunstanciais em posição inicial, tanto locativos quanto temporais,
função discursiva e semântica específicas. (cf. seção 2.3). Na tabela a seguir,
mostramos a distribuição dos temporais coletados nos jornais franceses de acordo com
as funções já descritas:
192
Tabela (5.18): Papel discursivo da locução X Ordem – no Francês
especificação
de coord.
temp.
anafórica
introdução
de assunto
sequência
temporal
mista
N % N % N % N % N %
Pré
-Ver
ba
is
AdvV 5 1 0 0 1 1 0 0 0 0
XAdvV 8 1,5 3 4 0 0 0 0 0 0
AdvXV 50 10,5 35 50 72 94 17 57 13 100
XAdvXV 18 4 1 1,5 2 3 3 10 0 0
Pó
s-v
erb
ais
VXAdv 125 26 12 17 0 0 5 17 0 0
VAdvX 116 24 8 11,5 1 1 0 0 0 0
VAdv 91 19 7 10 1 1 4 13 0 0
VXAdvX 56 12 4 6 0 0 1 3 0 0
AuxAdvV 10 2 0 0 0 0 0 0 0 0
Total 478 100 70 100 77 100 30 100 13 100
A tabela (5.18) evidencia, assim como a tabela (5.17) para o português, a
predominância de circunstanciais com função de apenas especificar coordenadas
temporais. Dos 669 dados de francês no corpus, 479 (71,5% do total) são de locuções
adverbiais com função de circunstanciadores. A segunda função discursiva que se
mostra produtiva na análise é a de introdução de assuntos, presente em 77 (11,5% do
total) das ocorrências de circunstanciais temporais analisados. Em seguida, encontramos
a anafórica, função discursiva que representa 10,5% dos dados, com 70 ocorrências. A
função indicativa de uma sequência temporal corresponde a 4,5% dos casos de
circunstanciais temporais, com apenas 30 dados. Por último, a função mista apareceu
em 13 dados, contabilizando apenas 2% dos casos.
Já percebemos uma diferença entre o português e o francês nesses primeiros
percentuais de distribuições das funções discursivas. Se, por um lado, o circunstancial
com função de introduzir assunto, em francês, correspondeu a 11,5% do total de dados,
ou seja, é a segunda função mais produtiva na amostra, por outro, em português, essa
193
função foi apenas a quarta mais produtiva, representando somente 9,5% das ocorrências.
Essa distinção pode ser explicada com base na pouca variação quantitativa de dados de
português entre as funções de sequência de temporais (61 dados), anafórica (55) e
introdução de assunto (54). Em francês, de fato, a maior variação se deu na pouca
ocorrência de casos com sequência de temporais, com apenas 30 dados.
A função do circunstancial de apenas dar as coordenadas temporais no discurso
foi a predominante, com 479 ocorrências. Destas, 26%, ou 125 dados, posicionaram-se
na margem direita da sentença com um elemento X (VXAdv). A segunda ordem
ocupada por esse circunstancial foi a colada ao verbo VAdvX, representando 24% desse
total (116 casos). Ainda em posições à direita, a ordem VAdv contabilizou 19% dos
dados, com 91 ocorrências. A posição predominante no quadro geral do francês (cf.
tabela 5.1), AdvXV, foi apenas a 5ª possibilidade de ordenação para a função de
circunstanciador, com 50 dados (10,5%).
A distribuição de dados com essa função, corrobora a nossa hipótese de que este
papel discursivo tenderia a posições mais à direita ou mais próximas ao verbo. Vejamos
o exemplo (114):
(114) La 100e édition du Tour de France s’élance de Corse, samedi 29 juin.133
[editorial 17 – Le Monde]
O circunstancial com função de especificação de coordenadas temporais,
indicativo apenas da data em que o Tour de France partiu, samedi 29 juin (sábado 29
de junho), finaliza a oração, ou seja, na posição preferida pelos circunstanciais que
exercem esse papel no discurso (VXAdv). Tal resultado reforça ainda nossa expectativa
133 A 100ª edição do Tour de France começa na Córsega, sábado 29 de junho.
194
inicial de que a posição à esquerda da oração é ocupada pelo circunstancial devido ao
seu papel discursivo e semântico na sentença. A função na qual o circunstancial possui
um escopo mais reduzido é a única em que a posição inicial, precedendo o sujeito da
oração, não é a principal. A margem esquerda só foi ocupada por essa função discursiva
em 11,5% dos casos (10,5% AdvXV e 1% AdvV), o que não é atestado nas demais
funções.
O circunstancial com a função de introduzir assunto ou contrastar elementos
temporais, a segunda mais produtiva em francês, obteve 94% (72 dados) das suas 77
ocorrências, na posição principal dos circunstanciais do francês, a posição anterior ao
elemento X (sujeito na maioria dos casos), AdvXV, como vemos a seguir:
(115) A force, l'exercice pourrait bientôt procéder de la routine. Mardi, des chasseurs
britanniques ont décollé d'une base écossaise afin intercepter un bombardier russe qui
volait tout près de l'espace aérien britannique. Ce dernier s‘est vu escorter par la Royal
Air Force. Cet épisode est intervenu le même jour que le passage de trois navires de
guerre russes dans la Manche. Une présence certes fréquente depuis ces derniers mois,
mais que le ministère britannique de la Défense a annoncé surveiller étroitement.
Depuis le début de la crise ukrainienne, ces opérations assimilées à des provocations
par les Occidentaux, et dignes de la Guerre froide, se multiplient à proximité de
l'espace aérien communautaire.
En 2014, plus de 400 interceptions de ce type, soit 50 % de plus que l'année précédente,
ont été réalisées par les chasseurs de l'OTAN.134 [notícia 10 – Le Figaro]
134 Com o tempo, o exercício poderia logo provir da rotina. Na terça-feira, caças britânicos decolaram de
uma base escocesa para interceptar um bombardeiro russo que voava perto do espaço aéreo britânico.
Este último foi visto sendo escoltado pela Força Aérea Real. Este episódio ocorreu no mesmo dia que a
passagem de três navios de guerra russos no Canal da Mancha. Uma presença, provavelmente, frequente
nos últimos meses, mas que o Ministério da Defesa britânico anunciou acompanhar de perto.
195
No exemplo (115), o circunstancial en 2014 (em 2014) introduz um assunto em
relação ao que já havia sido descrito. Nos parágrafos anteriores, havia uma espécie de
introdução e explicação sobre o assunto – a guerra fria que ocorre no espaço aéreo. O
circunstancial aparece no parágrafo precedente, indicando um subtópico, na verdade,
dados estatísticos do que havia sido mencionado anteriormente.
A ordenação do circunstancial com valor anafórico também confirma nossas
expectativas. Das 70 ocorrências de locuções temporais e aspectuais com essa função
discursiva, 50%, ou seja, 35 dados, mantiveram-se na posição de preferência do
circunstancial no francês, a ordem AdvXV. Nessa função, outros 44,5% dos dados
distribuíram-se nas demais posições pós-verbais (12 casos em VXAdv, 8 em VAdvX, 7
em VAdv, 4 em VXAdvX), o que sugere a influência de outros elementos discursivos
e/ou sintáticos nessa preferência pela posposição, como no exemplo (116):
(116) Nous sommes en 1997, à Seattle, au nord-ouest des Etats-Unis et Mary Kay
Letourneau est mariée et mère de quatre enfants. Aujourd'hui, tous deux sont mariés
depuis dix ans, ont deux filles et viennent de donner une interview exclusive à la chaîne
ABC.
Les deux amants se sont rencontrés en 1996. Dans l'interview, Mary Kay Letourneau
raconte comment elle s'est rapprochée, à l'époque, de son élève.135 [notícia 11 – Le
Figaro]
Desde o início da crise ucraniana, estas operações tratadas como provocações pelos Ocidentais, e dignas
da Guerra Fria, se multiplicam perto do espaço aéreo comunitário.
Em 2014, mais de 400 interceptações desse tipo, 50% a mais do que no ano anterior, foram realizadas
pelos caças da OTAN. 135 Estamos em 1997, em Seattle, noroeste dos EUA e Mary Kay Letourneau é casada e tem quatro filhos.
Hoje, ambos estão casados há dez anos, têm duas filhas e acabam de dar uma entrevista exclusiva ao
ABC.
196
Em (116), o circunstancial à l'époque (na época) faz clara menção ao discurso
precedente, o momento do reencontro. Entretanto, tal relação anafórica não é suficiente
para situar a locução temporal no início da oração, pois o circunstancial pertence a um
período composto, já iniciado por outro circunstancial – Dans l'interview (durante a
entrevista) –, e finaliza uma oração em que o sujeito pronominal (elle) faz referência ao
sintagma nominal que funciona como sujeito da oração anterior (Mary Kay
Letourneau). Dessa forma, o circunstancial anafórico dificilmente se colocaria em
posição inicial, pois quebraria a cadeia tópica do sujeito (motivação sintática) e tiraria o
foco do circunstancial inicial que delimita a coordenada temporal do fato ocorrido
(motivação discursiva).
As locuções com função de indicar uma sucessão temporal posicionaram-se em
57% do total de 30 ocorrências (17 dados) em posição AdvXV. Por estarem inseridos
em uma sequência de eventos, demarcados por pontos temporais distintos, algumas
vezes em cadeias tópicas, alguns circunstanciais não podem ser deslocados para a
esquerda, pelos mesmos motivos já descritos anteriormente, o que explica a quantidade
de dados relevante em posições à direita do verbo. Vejamos o exemplo (117):
(117) La fronde sociale qui secoue le Brésil depuis trois semaines continue de laisser
perplexes analystes et hommes politiques. Après avoir surpris par sa jeunesse, sa force
et son expansion à tout le pays, c’est désormais la rapidité avec laquelle elle affecte les
opinions politiques qui intrigue.
Début juin, le gouvernement de la présidente Dilma Rousseff était jugé « bon » ou
« excellent » par 57 % de la population, selon l’institut de sondages Datafolha. Cette
Os dois amantes se encontraram em 1996. Na entrevista, Mary Kay Letourneau conta como ela se
aproximou, na época, de seu pupilo.
197
proportion est tombée à 30 % à la fin du mois, soit une chute de 27 points en trois
semaines. Il faut remonter à mars 1990, quand le président Fernando Collor mit en
place un plan congelant tous les avoirs bancaires, pour retrouver un effondrement
similaire.136 [notícia 2 – Le Figaro]
Em (117), o segundo parágrafo tem início com um circunstancial – Début juin
(início de junho) –, que introduz um assunto dentro do assunto geral: apresentar os dados
de pesquisas sobre o governo brasileiro. Os circunstanciais sinalizados a seguir indicam
uma sequência temporal de eventos: à la fin du mois (no final do mês) e en trois
semaines (em três semanas). Todavia, tais sequenciadores não se situam na margem
esquerda da oração, já que o sujeito da oração em que se encontram faz referência ao
discurso anterior (Cette proportion – esta proporção).
Para finalizar, os circunstancias que reúnem duas funções discursivas, os mistos,
assim como em português, apresentaram ordenação categórica na margem esquerda da
oração, com um elemento X entre ele e a forma verbal. Dos 13 dados encontrados,
100% estavam em posição AdvXV, conforme o exemplo (118):
(118) Quand on superpose ces deux images, l'effet est on ne peut plus choquant. Les
salariés de Gad se sont mis en grève dès que le couperet des licenciements est tombé.
Ils ont brûlé des pneus, occupé l'aéroport de Brest, bloqué un pont à Rennes. Ceux de
Lampaul se sont heurtés physiquement à ceux de Josselin (Morbihan), la fermeture du
136 A agitação social que agitou o Brasil por três semanas ainda deixa perplexos analistas e políticos.
Depois de surpreender pela sua juventude, sua força e sua expansão em todo o país, agora é a velocidade
com que ela afeta os pontos de vista políticos que intriga.
No início de junho, o governo da presidente Dilma Rousseff foi julgado "bom" ou "excelente" por 57%
da população, de acordo com o instituto de pesquisas Datafolha. Esta proporção caiu para 30% no final
do mês, ou seja, uma queda de 27 pontos em três semanas. É preciso voltar à março de 1990, quando o
presidente Fernando Collor colocou em prática um plano de congelamento de todas as contas bancárias,
para recuperar um colapso similar.
198
premier site ayant provoqué une surcharge de travail sur le second, sans que la
pérennité de celui-ci soit assurée. Terrible guerre des pauvres.
Au final, un accord est intervenu entre la direction et les syndicats. Il prévoit le
doublement des primes de licenciement, soit 400 euros par année d'ancienneté, c'est-à-
dire cent fois moins que ce que gagne, en moyenne, un joueur professionnel de Ligue 1
en un mois...137 [editorial 34 – Le Monde]
O circunstancial Au final (no final) faz uma retomada do discurso anterior para
introduzir um novo evento: um acordo entre as partes, após a guerra descrita
previamente. O papel discursivo misto, por apresentar duas funções dentro do contexto
de uso e deslocar-se categoricamente para a posição inicial, vem para confirmar nossa
hipótese de que a ordenação do circunstancial temporal na margem esquerda da
sentença é motivada pelo seu papel discursivo.
O papel discursivo em francês se mostrou como o fator de maior relevância para
explicar os deslocamentos à esquerda e preferência pela posição AdvXV da língua,
descritos na seção 5.1 desta análise. Conforme já assinalado principalmente em estudos
de Fuchs e Fournier (2005) e Charolles (2003), dentre outros, a posição à esquerda do
circunstancial em francês, tanto em ordem SV quanto em VS, é motivada por suas
funções discursivas e semânticas.
137 Quando se sobrepõe estas duas imagens, o efeito não poderia ser mais chocante. Funcionários de Gad
entraram em greve desde que o corte nas demissões diminuiu. Eles queimaram pneus, ocuparam o
aeroporto de Brest, bloquearam uma ponte em Rennes. Os de Lampaul se enfrentaram fisicamente com os
de Josselin (Morbihan), tendo o fechamento do primeiro lugar provocado uma sobrecarga de trabalho
sobre o segundo, sem que a durabilidade fosse garantida. Terrível guerra dos pobres.
No final, foi alcançado um acordo entre a administração e os sindicatos. Ele prevê a duplicação das
indenizações por demissões, ou 400 euros por ano de serviço, isto é, cem vezes menos do que o que
ganha, em média, um jogador profissional na Ligue 1 em um mês ...
199
5.2.3.2. Gênero Textual
Nossa hipótese (baseada em resultados já sinalizados em Ilogti de Sá 2009) é
que, no gênero notícia, o circunstancial temporal e aspectual se posicione à direita do
verbo, para não quebrar a sequência de acontecimentos narrados; ao passo que, no
editorial, o cunho mais argumentativo seja favorável a que o circunstancial se situe na
margem esquerda da oração.
Na tabela (5.19), temos os resultados para o português das ocorrências dos
circunstanciais em cada gênero analisado:
Tabela (5.19): Gênero Textual X Ordem – no Português
Notícias Editoriais
N % N %
Pré
-Ver
bais
AdvV 14 4,5 15 6
XAdvV 4 1 5 2
AdvXV 54 17 56 22,5
XAdvXV 4 1 7 3
Pós-
ver
bais
VXAdv 101 31 83 33
VAdvX 62 19 29 11,5
VAdv 54 17 35 14
VXAdvX 31 9,5 19 7,5
AuxAdvV 0 0 1 0,5
Total 324 100 250 100
No total de 574 dados encontrados em português, 324 (56%) são de notícias e
250 (44%), de editoriais. Ainda que haja equivalência no total de textos analisados para
os dois gêneros (60 para cada), as notícias se mostraram como o gênero mais propício
ao aparecimento do circunstancial temporal, talvez por seu cunho narrativo.
200
Nossa expectativa era que o circunstancial temporal não se deslocasse para a
margem esquerda da oração nas notícias a fim de não provocar rupturas do fluxo
narrativo. Dos 324 dados pertencentes a esse gênero, em 101 (31% desse total) as
locuções apareceram na ordenação VXAdv. Outras duas posições pós-verbais foram as
preferencialmente ocupadas pelos circunstanciais: na ordenação VAdvX apareceram 62
dados (19%) e, na VAdv, 54 (17%). A margem esquerda, na posição AdvXV,
corresponde a apenas 17% dos dados (54 ocorrências). Se somarmos as ocorrências em
posições na margem esquerda da oração, contabilizaremos somente 68 casos (54
AdvXV e 14 AdvV) de circunstanciais iniciando a sentença no gênero em questão, ou
seja, apenas 21% desses 324 dados. Tais resultados comprovam nossa hipótese inicial
de que a locução temporal não apareceria à esquerda do verbo no gênero notícia,
corroborando resultados de Paiva (2007), Ilogti de Sá (2009) e Lessa (2012).
Não obtivemos a mesma comprovação no que diz respeito aos editoriais. Para
nós, esse gênero favoreceria o aparecimento dos circunstanciais no início da sentença, já
que o editor faria mais referências a sua argumentação anterior, por exemplo, e o escopo
do circunstancial não se restringiria à predicação verbal. No entanto, dos 250 dados
neste gênero, em 83 (33% desse total) as locuções se mantiveram na margem direita da
oração, na posição prototípica do circunstancial temporal/aspectual no português
(VXAdv). Nossa expectativa era que as locuções temporais predominassem na
ordenação AdvXV, posição predominante por 56 (22,5%) das locuções adverbiais
temporais/aspectuais. Em português, a margem esquerda da oração permaneceu sendo a
segunda opção de ordenação para o circunstancial, indo de encontro às nossas
expectativas e aos resultados obtidos em Ilogti de Sá (2009) e Lessa (2012).
Na amostra de dados de português, os resultados demonstram que a ordem não
marcada do português – a margem direita – só não é a preferencial do circunstancial nos
201
casos em ele possui uma função discursiva mais específica além de coordenar
temporais. O fator gênero textual, apesar de revelar uma quantidade relevante de
locuções adverbiais na margem esquerda nos editoriais, não se mostrou relevante para
explicar o deslocamento do circunstancial temporal/aspectual para o início das
sentenças.
Os resultados para o francês se distinguem dos observados para o português,
como mostra a tabela (5.20):
Tabela (5.20): Gênero Textual X Ordem – no Francês
Notícias Editoriais
N % N %
Pré
-Ver
bais
AdvV 1 0,5 5 2
XAdvV 3 1 8 2,5
AdvXV 97 25,5 90 31
XAdvXV 7 2 17 6
Pós-
ver
bais
VXAdv 88 23 54 18,5
VAdvX 82 21,5 43 15
VAdv 54 14 49 17
VXAdvX 40 10,5 21 7
AuxAdvV 7 2 3 1
Total 379 100 290 100
A partir da tabela (5.19), percebemos que, da mesma forma que em português, a
notícia é o gênero mais propício ao uso do circunstancial temporal. Dos 669 dados de
francês, 379 (57%) são notícias e 290 (43%), editoriais. Cabe relembrar138 que ambos os
gêneros foram recolhidos de duas fontes jornalísticas distintas, mas que aqui foram
reunidas, pois não mostraram diferenças significativas na análise dos dados das duas
línguas.
138 Já exposto no capítulo 4
202
A tabela (5.20) revela um resultado interessante. Ainda que a posição AdvXV
tenha aparecido em maior quantidade no gênero notícia (97 dos 379 dados – 25,5%
desse total), obervamos o predomínio geral das ordenações em que o circunstancial se
encontra à direita do verbo. Em sequência, obtivemos 88 ocorrências (23%) de VXAdv,
82 (21,5%) de VAdvX, 54 (14%) de VAdv e 40 (10,5%) de VXAdvX. Portanto, ao
amalgamarmos as posições na margem direita e as próximas ao verbo, verificamos que,
de fato, os circuntanciais aparecem preferencialmente em posições pós-verbais nas
notícias dos jornais franceses. Os resultados, dessa forma, comprovam nossas
expectativas iniciais.
No entanto, vemos que os casos nos quais o circunstancial se encontra em
posições pré-verbais no gênero notícia representam 31% dos dados. Isso ocorre porque
o francês apresenta uma forte tendência de anteposição do circunstancial ao sujeito, isto
é, margem esquerda da oração principalmente quando o mesmo possui funções dentro
do discurso (cf. Charolles 2003). Nas notícias, a recorrência do circunstancial para a
esquerda pode ser motivada pela necessidade de focalizar imediatamente para o leitor as
coordenadas temporais do evento narrado.
Os dados presentes nos editoriais mostraram uma tendência similar à
apresentada nas notícias. Dos 290 casos de circunstanciais temporais e aspectuais neste
gênero, em 90 (31%) as locuções se deslocaram para a margem esquerda da oração,
corroborando nossa hipótese de que o gênero editorial propiciava o aparecimento de
locuções adverbiais na ME. As posições pospostas ao verbo ainda se mostraram
produtivas, mas a diferença da posiçao principal do circunstancial (AdvXV) para a
segunda posição (VXAdv) foi de mais de 12 pontos percentuais: na ordem VXAdv,
encontramos 54 dados (18,5%) contra 90 (31%) em AdvXV.
203
Esse resultado demonstra a tendência diferenciada do português e do francês no
que concerne ao uso da margem esquerda na escrita jornalística. Em português, essa
posição é preenchida pelo circunstancial em casos muito específicos, ao passo que, em
francês, essa parece ser a posição predominante do circunstancial temporal/aspectual.
Ainda que os resultados apontem para o predomínio dos circunstanciais
temporais e aspectuais à margem direita da oração no português e no francês, quando
amalgamamos todas as posições, encontramos diferenças quanto à ordenação mais
recorrente em cada uma das línguas. Se, por um lado, no português, observamos a
preferência pela ordenação VXAdv (posição pós-verbal), por outro, no francês, a
ordenação preferencial é AdvXV (posição pré-verbal). Conforme demonstram nossos
resultados, esta ordenação na margem esquerda da oração está diretamente relacionada
aos fatores discursivo-pragmático, pois o circunstancial aparece no início da sentença
quando seu escopo é maior que a coordenada temporal. A semântica da locução trouxe
diferenças significativas na comparação entre as duas línguas, pois apenas as locuções
com valor durativo e reiterativo mostraram tendências de uso mais próximas. No
francês, ao contrário do português, observamos nítida inclinação à posição AdvXV,
antecedendo o sujeito. Os fatores mais estruturais, como o tipo de verbo, a realização e a
posição sujeito, a estrutura e a extensão da locução, mostraram-se importantes, mas não
decisivos na ordenação dos circunstanciais, o que corroborou com nossas expectativas
de que o grupo de fatores semântico e discursivo-pragmático são os mais relevantes na
motivação pela margem esquerda pela locução adverbial temporal/aspectual.
204
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho, observamos e analisamos em duas línguas românicas – o
português e o francês – a ordenação dos circunstanciais de tempo e aspecto nas orações,
com base em uma amostra de notícias e editoriais. Alguns pressupostos do
funcionalismo norte-americano, prevê diferentes funções para as diversas possibilidades
de uso das formas linguísticas, serviram como ponto de partida para a nossa análise.
Inicialmente, no capítulo 1, apresentamos nosso objeto de estudo: os
circunstanciais temporais e aspectuais. Ao assumirmos a visão de Givón (2001) e Neves
(2011), defendemos que o termo circunstancial temporal/aspectual refere-se tanto às
locuções adverbiais (preposicionadas ou não) que apresentam a noção semântica de
tempo quanto às que apresentam a noção semântica de aspecto. Diante dessa
perspectiva, encontramos em nossa amostra 1243 dados.
Nesta conclusão da análise realizada, tentaremos responder às questões
propostas anteriormente, na introdução, as quais repetimos aqui:
1) As tendências de ordenação das locuções são iguais no português e no francês? Se
não, por que há as diferenças?
2) Qual o posicionamento da locução adverbial na oração, em cada língua?
3) Quais locuções seriam mais presas ao verbo? Isso é motivado pelo seu tamanho? Ou
por sua estrutura?
4) As locuções adverbiais preenchem a posição deixada vazia pelo sujeito?
5) Existem posições mais fixas para as locuções adverbiais em função de seu papel
semântico na oração? Se sim, que valores seriam esses?
205
6) Até que ponto as funções discursivas da locução são importantes no seu
posicionamento na oração? E quais são as funções desempenhadas por elas?
Como vimos no decorrer da análise, a resposta à nossa primeira questão
implica considerar a importância de diferentes aspectos. O primeiro aspecto associado a
algumas distinções as na ordenação de circunstanciais nas duas línguas envolve
diferenças estruturais no que diz respeito à obrigatoriedade de sujeitos explícitos no
francês. A análise permitiu depreender, no entanto, que fatores semânticos e discursivo-
funcionais influenciam opõem preferenciais de ordenação em uma e outra língua.
As perguntas 2 e 3 relacionam-se à posição prototípica dos circunstanciais na
oração. Para o português, mostramos que a posição predominante foi a VXAdv, com
32% dos casos, seguida da ordem AdvXV, com 19%. Por outro lado, em francês, nos
669 dados, percebemos um equilíbrio maior entre essas duas posições marginais,
tendendo de forma pouco destacada para a esquerda do verbo: 28% estavam em AdvXV
e 21%, em VXAdv. Embora, em francês, essa posição AdvXV tenha mais ocorrência de
dados, no amálgama das ordenações mediais e marginais possíveis, a margem direita se
destaca da margem esquerda (36%MD e 29% ME). As posições mediais de um modo
geral, em ambas as línguas, se mostraram equivalentes nas tendências de uso.
Partindo da noção de marcação proposta por Givón (1990) – para o qual a
estrutura não-marcada seria aquela mais frequente na língua (e, por isso, se mostra ao
interlocutor de maneira mais natural) –, assumimos a perspectiva de que, em ambas as
línguas, a ordem não marcada seria a margem direita, respondendo, assim, à nossa
segunda questão. Em francês, embora tenhamos uma quantidade maior de ocorrências
em posição AdvXV, a predominância, no total de dados, assim como em português, é a
posposição ao verbo – em português, encontramos 72% dos dados pós-verbais; e em
206
francês, 64%. Ao longo dos demais parâmetros analisados, verificamos que a margem
esquerda da sentença, na posição AdvXV, é ocupada pelo circunstancial quando este é
motivado por outros fatores, principalmente de cunho discursivo, tornando-se em
determinados contextos a ordem marcada.
Detalhamos, ao longo da seção 5.1, os constituintes que poderiam aparecer antes
do circunstancial, entre ele e o verbo, ou, ainda, em posições pós-verbais, entre o verbo
e o circunstancial, ou ocupando a margem direita. Verificamos, nesse detalhamento de
elementos intervenientes, que o circunstancial temporal e aspectual poucas vezes
interfere na integração entre o verbo e seus argumentos externo ou interno, não
infringindo o Subprincípio da Integração (cf. Givón 1990), confirmando, assim, o que já
foi mostrado por outros estudos tanto do português como do francês. Constatamos, em
nossa análise, que as posições predominantes para o circunstancial eram as margens da
sentença.
Um fator estrutural relevante para a ordenação das locuções
temporais/aspectuais nas duas línguas é o tipo de verbo. Nossa hipótese era que, em
orações intransitivas, o circunstancial tendesse a aparecer após o verbo, o que foi
confirmado em francês, com a maioria dos dados em posição VAdv, mas,
aparentemente, não se confirma no português, em que se observou concorrências entre
as ordens VXAdv e VAdv. Neste, a ordem VAdv também foi a mais produtiva, mas em
concorrência com a posição VXAdv – constatamos, entretanto, que outro elemento
adverbial assumia o valor de X, nesses casos, o que não inviabiliza nossa hipótese. Por
sua vez, os verbos transitivos nos trouxeram como resultados as tendências gerais das
duas línguas: as margens da oração – em português, a margem direita, na ordem
VXAdv, seguida da margem esquerda, AdvXV; e em francês, a margem esquerda, na
ordem AdvXV, seguida da margem direita VXAdv.
207
Contrariando resultados de estudos anteriores, peso do circunstancial temporal
não se mostrou um fator determinante, nem mesmo para as margens da oração. Os
circunstancias mais extensos (acima de 6 palavras) e os médios (de 4 e 5 palavras)
mantiveram-se na margem da oração, tanto em francês quanto em português. No
português, as locuções adverbiais mantiveram a tendência geral na língua ao final da
clausula, e, em francês, tanto as locuções menores como as mais extensas ocuparam
preferencialmente a posição inicial da oração, em ordem AdvXV. Nossa expectativa era
que os circunstanciais menores (de 2 e 3 palavras) se ordenassem mais em posições
mediais, as quais de fato são ocupadas predominante por eles. Entretanto, esses
circunstanciais com peso menor também ocorreram de forma equivalente nas margens
da sentença.
Nossa hipótese quanto à estrutura da locução adverbial, se SN ou SPrep, também
não encontra confirmação na análise. Esperávamos encontrar locuções com estrutura de
SN mais à margem esquerda e os SPreps, mais ligados ao verbo. O resultado, nas duas
línguas, não foi conclusivo quanto a este fator, visto que encontramos poucos dados
com estrutura nominal e, destes, poucos se deslocaram para a margem esquerda. Dessa
forma, respondendo à terceira questão, a posição da locução em relação ao verbo não
parece ser motivada pelo peso ou pela estrutura da locução, já que o peso se mostra
mais relevante apenas na pouca possibilidade de inserção de grandes circunstanciais em
posições mediais.
Devido à extensa literatura sobre a relação entre a forma de realização do sujeito
e a posição do circunstancial, principalmente na margem esquerda, investigamos se essa
questão estrutural seria determinante para a ordenação do circunstancial
temporal/aspectual. Votre e Naro (1986), a partir da proposta do Princípio de
Preservação, acreditam que haja uma compensação sintagmática com o deslocamento
208
de elementos à esquerda da sentença; Kato e Duarte (2003), por sua vez, acreditam que,
devido à ausência de um pronome expletivo no português, um item adverbial pode se
deslocar para a margem inicial da oração para ocupar a posição vazia deixada pelo
sujeito, não permitindo, dessa forma, que o verbo inicie a sentença.
A análise que fizemos da forma de representação do sujeito assim como da sua
posição em relação ao verbo leva a conclusões interessantes no que se refere ao quarto
questionamento, tanto em português (73,5% do total de dados) quanto em francês
(87,5%), o sujeito representado por um sintagma nominal foi predominante na amostra
e permitiu observarmos nas duas línguas a mesma distribuição dos circunstanciais nas
posições previstas da tabela 5.1. No português, constatamos o predomínio de margem
direita (VXAdv), seguida de margem esquerda (AdvXV); e em francês, o contrário,
primeiro a margem esquerda (AdvXV), seguida muito próxima da margem direita
(VXAdv).
Em oração com sujeito não explícito, ou sujeito oculto, o circunstancial se
manteve em posição pós-verbal em praticamente todas as ocorrências no português e em
todos os poucos casos de sujeito elíptico no francês. De acordo com o Princípio da
continuidade tópica ou referencial (Givón 1983, 1995), quanto maior a previsibilidade
de uma informação, menor a necessidade de material linguístico. Assim, em orações
com sujeito vazio a anteposição do circunstancial pode comprometer a recuperabilidade
do referente sujeito zero, já que, para esta referência ser retomada corretamente, o
referente precisa estar claro no discurso, mantendo sua continuidade referencial.
Em francês, ainda verificamos as poucas ocorrências em que o sujeito era
expletivo, construção pertinente a uma língua em que o preenchimento do sujeito é
obrigatório. Nossa expectativa era que, nesses casos, o circunstancial tendesse à
209
posposição, para não interferir na relação entre o sujeito expletivo e o verbo, o que foi
verificado.
Os resultados para a forma de representação do sujeito foram de extrema
relevância no que diz respeito à ordenação do circunstancial, tendo em vista a grande
ocorrência de dados em margem esquerda, em francês, com a posição do sujeito
preenchida, e a tendência nas duas línguas à posposição da locução em orações com
sujeito oculto. Tais resultados se tornam ainda mais expressivos, principalmente quando
também verificamos a posição do circunstancial temporal/aspectual com as estruturas
SV e VS.
Verificamos que o comportamento do circunstancial temporal/aspectual em
português, em construções SV, mantém seu padrão no geral: o circunstancial tende à
margem direita (43%), seguido pelas ordens pós-verbais mediais e margem esquerda,
com 26% cada. Embora haja uma clara tendência à posposição dos circunstanciais
quando o sujeito inicia a sentença (o que era esperado), uma quantidade não
negligenciável (26%) se posiciona antes do mesmo, na margem esquerda da oração,
indicando a influência de fatores discursivos.
Em francês, a relação entre o circunstancial e a estrutura SV nos trouxe
evidências adicionais claras de que o posicionamento de circunstanciais na margem
esquerda da oração não é regida por fatores sintáticos relacionados ao preenchimento do
sujeito, e sim por aspectos discursivos. Em nossa análise, a locução adverbial apareceu
de forma equivalente na margem esquerda (33%) e na margem direita (34%) em
construções SV, o que nos indica que a posição do circunstancial, em nossos dados, é
inteiramente independente da posição do sujeito.
210
Em português, a princípio a hipótese de preenchimento da posição vazia inicial
em orações com sujeito posposto parece se confirmar, pois 44,5% das locuções
temporais/aspectuais ocuparam a ME da sentença. No entanto, ao somarmos as
ocorrências de circunstanciais antepostos e pospostos ao verbo, verificamos 22 casos de
circunstanciais pré-verbais e 23 de circunstanciais pós-verbais, ou seja, o equilíbrio
sintagmático não é comprovado. Em francês, também não observamos tal equilíbrio,
pois, à exceção de 2 ocorrências em ME, todo os outros casos de circunstanciais em
estruturas VS ocuparam posições pospostas ao verbo.
O valor semântico do circunstancial – foco do nosso quinto questionamento –
se mostrou essencial na comparação entre o português e o francês, pois os resultados
indicaram, com poucas exceções, tendências distintas nas duas línguas. Com base na
proposta de classificação de Martelotta (1994) e Ilari (2001) e do contínuo semântico
apresentando em Machado (2012), verificamos uma sequência semântica que partia de
um valor mais dêitico até o mais aspectual, empregando-a em nossa análise.
O valor mais aspectual do circunstancial, o reiterativo, por ter uma noção
semântica mais intrínseca ao verbo, foi o que, nas duas línguas, mais frequentemente se
situou em posições adjacentes à forma verbal, confirmando tendências já atestadas em
trabalhos anteriores (cf., dentre outros, Martelotta (1994), Ilogti de Sá (2009)).
As locuções com valor localizador em português, corroborando os resultados de
Ilogti de Sá (2009), se posicionam na margem direita. Em francês, verificamos um
equilíbrio entre a margem esquerda (24%), as posições mediais pós-verbais (23%) e a
margem direita (22%). No entanto, se somarmos todas as ocorrências de anteposição e
posposição, verificamos que a posposição é a mais frequente também para o francês. A
distinção entre as duas línguas é que, em francês, o circunstancial, motivado por outros
211
parâmetros, se posiciona mais frequentemente na margem esquerda do que em
português.
As locuções delimitativas, em português, também são mais frequentemente
pospostas ao verbo, situando-se predominantemente na margem direita. Já em francês,
essas mesmas locuções mostraram clara predominância pela margem esquerda.
Além dos reiterativos, outro tipo de locução que apresentou maior similaridade
nas duas línguas foi o durativo. Essas locuções de acordo com a escala semântica, são
mais próximos dos valores aspectuais, motivo pelo qual talvez tragam tendências
similares. Em português, seguindo a tendência geral, a locução durativa predominou na
posição VXAdv (29%), e, em sequência, na margem esquerda AdvXV (20%) e na
margem direita na adjacência do verbo, VAdv (19%), mostrando, mais uma vez, o
predomínio das posições pós-verbais. Em francês, a posposição e a adjacência do verbo
também foram ocupadas pelo circunstancial, mas ainda com quantidade significativa de
locuções na ordem AdvXV (26%) – seguida de 23% em VXAdv, 18% em VXAdvX e
17,5% em VAdv.
Por fim, as locuções com valor de simultaneidade aparentam ser mais rígidas em
seu comportamento, situando-se quase sempre na margem esquerda da sentença.
Andrade (2005) sinalizou para um possível processo de gramaticalização desses
circunstanciais – eles estariam, segundo a autora, se tornando elementos conectores. No
entanto, não conseguimos tirar conclusões sobre tais circunstanciais, pois, em
português, encontramos apenas 5 dados e, em francês, 1.
As tendências destacadas para o valor semântico do circunstancial
temporal/aspectual permitem responder à terceira e quinta questões: quanto mais
aspectual é o circunstancial, maior é a tendência de ele se aproximar do verbo, visto que
o aspecto é uma categoria semântica mais inerente ao verbo.
212
No intuito de buscar subsídios para comprovar a hipótese de que a ordenação do
circunstancial é motivada por seu papel no discurso e não apenas por questões sintáticas
– respondendo, consequentemente, à nossa sexta questão –, analisamos a sua função
discursiva. Baseando-nos em Brasil (2005) e em Paiva (2007, 2008), consideramos que
o circunstancial temporal/aspectual pudesse exercer as seguintes funções: especificação
de coordenadas temporais, retomada anafórica, introdução de assunto, sequência
temporal e mista.
Nossa expectativa maior, dado o referencial teórico adotado, mais forte envolvia
a correlação entre posição das locuções temporais/aspectuais e a função discursiva
destes constituintes. Nossa hipótese era a de que o circunstancial ocuparia a margem
esquerda da sentença quando sua função discursiva tivesse um escopo maior de atuação
do que a própria oração a qual ele iniciava se confirmou em ambas as línguas. A partir
do cruzamento entre as funções desempenhadas pelos circunstanciais e as possíveis
ordens, atestamos uma tendência crosslinguistic, ou seja, inteiramente independente das
diferenças estruturais entre as duas línguas consideradas.
Em português e em francês, circunstanciais com escopo de atuação reduzido, ou
seja, que apenas especificam uma coordenada temporal, tendem à posposição. Em
contrapartida, circunstanciais que desempenham outras funções – seja retomando um
elemento anterior, introduzindo um novo assunto, indicando uma sequência temporal ou
contrastando coordenadas temporais – levam à predominância de ordenação AdvXV ou
AdvV, corroborando o que já foi atestado em outros estudos.
De todos os aspectos que verificamos na nossa análise, a função discursiva se
destaca como a motivação mais regular para as duas línguas, principalmente no que se
refere à margem esquerda da sentença. A locução temporal/aspectual se posiciona à
esquerda do sujeito, iniciando a oração, quando possui escopo mais amplo. Nos casos
213
em que apenas situa temporalmente o predicado verbal, sua posição passa a ser
motivada por outros parâmetros, de ordem semântica ou sintática.
Diante de todos os resultados apresentados, encontramos subsídios para,
finalmente, retornarmos ao primeiro questionamento: As tendências de ordenação das
locuções são iguais no português e no francês? Se não, por que há as diferenças?.
Vimos que, em ambas as línguas, a tendência geral de ordenação do circunstancial é às
margens, principalmente a direita, em detrimento das posições mediais. Contudo, cabe
ressaltar que, em francês, embora no geral a posposição seja predominante, a ordem
AdvXV – com o circunstancial inicial e anterior ao sujeito – é bastante marcada.
Embora as tendências para ambas as línguas tenham mais semelhanças que diferenças,
essas distinções decorrem, em grande parte, de diferenças estruturais que envolvem o
parâmetro do sujeito nulo.
Assim, com essa tese, buscamos contribuir para o estudo contrastivo de duas
línguas românicas tendo em vista os pressupostos teóricos da linha funcionalista, com
análise detalhada da ordenação de locuções adverbiais temporais e aspectuais em textos
escritos contemporâneos. Tratamos da análise de propriedades formais, semânticas e
discursivas para explicar as motivações das diferentes ordenações nas duas línguas e
retomamos uma discussão importante em diferentes linhas da Linguística a respeito da
relação entre presença ou sujeito antes do verbo e posição de adjuntos adverbiais.
Esperamos que a análise contrastiva entre o português e o francês estimule futuros
trabalhos comparativos, no sentido de se verificar o peso de fatores estruturais e
funcionais para a motivação de diferentes ordenações de constituintes da oração.
214
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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contemporâneo. Dissertação de Mestrado em Linguística. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.
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1971.
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Dissertação de mestrado em linguística, UFRJ, 2005.
BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa, curso médio. 5ª ed, São Paulo:
Companhia Editora Nacional., 1963.
BRASIL, A. V. Ordenação de circunstanciais na escrita: um estudo contrastivo entre
PB e PE. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.
BYBEE, J. Language, usage and cognition. Cambridge: Cambridge University Press,
2010.
BYBEE, J.; HOPPER, P. (orgs.) Frequency and the emergence of linguistic structure.
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