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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS NEOLATINAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM LETRAS NEOLATINAS
O ETHOS EM “LA LÍNEA” DE FRONTEIRA BRASIL/ VENEZUELA: AMBIENTE
ECOLINGUÍSTICO E REDES SOCIAIS
Maria Ivone Alves da Silva
2012
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O ETHOS EM “LA LÍNEA” DE FRONTEIRA BRASIL/ VENEZUELA: AMBIENTE
ECOLINGUÍSTICO E REDES SOCIAIS
Maria Ivone Alves da Silva
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola). Orientadora: Profª. Dra. Leticia Rebollo Couto Coorientadora: Profª. Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz
Rio de Janeiro Agosto de 2012
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O ETHOS EM “LA LÍNEA” DE FRONTEIRA BRASIL/ VENEZUELA: AMBIENTE
ECOLINGUÍSTICO E REDES SOCIAIS
Maria Ivone Alves da Silva
Orientadora: Profª. Dra. Leticia Rebollo Couto
Coorientadora: Profª. Dra.Maria Odileiz Sousa Cruz
Dissertação de Mestrado submetida ao Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas. Aprovada por: ___________________________________________________ Presidente - Profª Dra. Leticia Rebollo Couto– Orientadora ___________________________________________________ Profª. Dra. Mônica Maria Guimarães Savedra, UFF ___________________________________________________ Prof. Dr. Thomas Daniel Finbow, USP/UFRJ ___________________________________________________ Prof. Dr. Pierre François Georges Guisan, UFRJ, Suplente ___________________________________________________ Prof. Dr. Xoán Carlos Lagares Diez, UFF, Suplente
Rio de Janeiro 2012
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Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)
S586e Alves-da-Silva, Maria Ivone.
O ethos em “la línea” de fronteira Brasil/Venezuela: ambiente ecolinguístico e redes sociais / Maria Ivone Alves da Silva. -- Boa Vista, 2012.
166 f. : il
Orientador: Profa. Dra. Leticia Rebollo Couto. Co-orientador: Profa. Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas.
1 – Fronteira Brasil/Venezuela. 2 – Ecolinguística. 3 –
Ethos. 4 – Contato de línguas. I - Título. II – Couto, Letícia
Rebollo (orientador).
CDU: 800.87
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RESUMO
O ETHOS EM “LA LÍNEA” DE FRONTEIRA BRASIL/ VENEZUELA: AMBIENTE
ECOLINGUÍSTICO E REDES SOCIAIS
Maria Ivone Alves da Silva
Orientadora: Profª Dra. Leticia Rebollo Couto
Coorientadora: Profª Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz
Resumo da Dissertação de Mestrado submetido ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).
Os contatos entre as populações dos dois lados da fronteira Brasil/Venezuela caracterizam um ambiente marcado por fortes relações num espaço-temporal a partir de especificidades de ordem histórica e política, geradoras de um ecossistema linguístico particular. As representações discursivas estão repletas de enunciados que podem expressar os mais variados tipos de sentimentos, partindo-se do princípio de que o discurso do sujeito enunciante traz consigo fragmentos dessa realidade. Assim, é possível a visualização dos diversos níveis de interação que ocorrem entre os sujeitos que vivem nessa fronteira e, por conseguinte um ethos. Uma das preocupações pertinentes que se impõe à reflexão é se a situação de contato linguístico influi na construção do ethos no ambiente de fronteira Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que se estabelecem entre os povos de fronteira. O objetivo geral desta pesquisa é reconhecer o ethos manifesto nas representações discursivas do ambiente ecolinguístico na fronteira Brasil/Venezuela. A análise dos enunciados foi realizada por meio da abordagem do ethos, na perspectiva de Maingueneau (2008). A abordagem do tema fundamenta-se nos elementos da Ecolinguística, vista em Couto (2007, 2009), a qual se apropria como categorias de análise as situações de contato ou migração de indivíduos, grupos de indivíduos e de populações no espaço. A análise é realizada a partir do material linguístico evocado nesse ambiente fronteiriço, levando-se em conta as inter-relações que se estabelecem no território. Nossos principais resultados: o sujeito ora se enuncia como parte integrante da comunidade linguística de Santa Elena de Uairén, ora como parte de um lugar que é comum a brasileiros e venezuelanos - “la línea”, principalmente em função das estruturas das redes sociais que estabelece com brasileiros. Palavras-chave: Fronteira Brasil/Venezuela. Ecolinguística. Ambiente ecolinguístico. Contato de línguas. Ethos.
Rio de Janeiro Agosto de 2012
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RESUMEN
O ETHOS EM “LA LÍNEA” DE FRONTEIRA BRASIL/ VENEZUELA: AMBIENTE
ECOLINGUÍSTICO E REDES SOCIAIS
Maria Ivone Alves da Silva
Orientadora: Profª Dra. Leticia Rebollo Couto
Coorientadora: Profª. Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz
Resumen de la Disertación de Maestría sometida al Programa de Pós-
Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte de los requisitos necesarios para obtener el de Mestre en Letras Neolatinas (Estudios Lingüísticos Neolatinos, opción: Lengua Española).
Los contactos entre poblaciones de los dos lados de la frontera Brasil/Venezuela caracterizan um ambiente marcado pro fuertes relaciones em um espacio-temporal a partir de especificidades históricas y políticas, generadoras de um ecosistema lingüístico particular. Las representaciones discursivas están repletas de enunciados que pueden expresar los más variados tipos de sentimientos, a partir de la premisa de que el discurso del sujeto enunciante trae consigo fragmentos de esa realidad. Así, es posible distinguir diversos niveles de interacción que ocurren entre los sujetos que viven en esta frontera y, en consecuencia un ethos. Una de las preocupaciones pertinentes que se impone a la reflexión es si la situación de contacto lingüístico influye o no en la construcción del ethos en el ambiente de frontera Brasil/Venezuela determinando una relación de cercanía, cuya intensidad se considera a partir de los vínculos de relaciones que se establecen entre los pueblos de la frontera. El objetivo general de este trabajo de investigación es reconocer y describir el ethos manifiesto en las representaciones discursivas del ambiente ecolinguístico en la frontera Brasil/Venezuela. El análisis de los enunciados se ha realizado a través del enfoque del ethos en la perspectiva de Maingueneau (2008). El enfoque del tema se fundamenta en los elementos de la Ecolingüística, propuestos por Couto (2007, 2009), para tratar y analizar las situaciones de contacto o de migración de individuos, grupos de individuos y de poblaciones en el espacio. El análisis se realiza a partir del material lingüístico evocado em ese ambiente fronterizo, considerando las interrelaciones que se establecen en el territorio. Nuestros principales resultados: el sujeto se enuncia a veces como como parte integrante de la comunidad lingüística de Santa Elena de Uairén, a veces como parte de um que es común a brasileros y venezuelanos - “la línea”, principalmente en función de las estructuras de las redes sociales que establecen con brasileros. Palabras-clave: Frontera Brasil/Venezuela. Ecolingüística. Ambiente ecolingüístico. Contacto de lenguas. Ethos.
Rio de Janeiro Agosto de 2012
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Dedicatória
Ao homem que me ensinou a sonhar e a seguir sonhando..., Raimundo Inácio.
(in memorian)
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AGRADECIMENTOS
Ao Deus soberano, criador dos céus e da Terra;
Ao meu companheiro, amigo e amado esposo, Oton;
Ao meu maravilhoso filho, Victor Samuel;
Aos meus irmãos: Ceiça, Cirlene, Franço, Rogério, Ocione, Alcimone e Luzia;
Aos meus sobrinhos: Wiglyson, Welglyson, Pâmela, Mylena, Karen, Rodrigo, Symon,
Itallo, Gabriel, Izabella, Mariana, Mateus e Ruan;
Ao meu querido amigo, Augusto;
A minha amiga, Marcela;
Aos meus mestres do Programa de Mestrado Letras Neolatinas - UFRJ/UFRR;
Aos Professores Tomas Finbow e Mônica Savedra pelas excelentes contribuições e
sugestões ao trabalho.
Muito especialmente à Dra. Odileiz e Dra. Leticia.
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“Sejas pra mim,
minha outra metade falha;
minha memória esquecida”
(Inácio)
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa do Tratado de Tordesilhas....................................................... 28
Figura 2: Mapa dos limites atuais dos países latino americanos ...................... 30
Figura 3: Mapa Rodoviário do Estado de Roraima............................................. 3334
Figura 4: Mapa Geográfico: Estado Bolívar........................................................ 40
Figura 5: Área urbana de Santa Elena de Uairén ............................................. 44
Figura 6: Tipos de Ethos ................................................................................... 59
Figura 7: Criança/marco geodésico Brasil/Venezuela..................................... 85
Figura 8: Pessoas e veículos em movimento na fronteira Brasil/Venezuela.. 90
Figura 9: Grupo de estudantes brasileiras e venezuelanas ............................ 91
Figura 10: Posto de fiscalização da Receita Federal......................................... 92
Figura 11: Diagrama do ecossistema linguístico “provisional” de contato........ 94
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Grupos étnicos Brasil/Guiana/Venezuela....................................... 37
Tabela 2: Caracterização do Meio Ambiente da língua................................... 48
Tabela 3: Situações de contato de povos e línguas em determinado território............................................................................................................
52
Tabela 4: Abordagem do ethos...................................................................... 58
Tabela 5: Dados Sociolinguísticos dos sujeitos............................................. 65
Tabela 6: Cena da enunciação- quadro teórico............................................. 71
Tabela 7: Caracterização da cena de enunciação do ecossistema de estudo.............................................................................................................
71
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LISTA DE APÊNDICES
Apêndice 1 – Sujeito enunciador 1- Raquel..................................................... 108
Apêndice 2 – Sujeito enunciador 2- Maria....................................................... 110
Apêndice 3 – Sujeito enunciador 3- Salomão.................................................. 113
Apêndice 4 – Sujeito enunciador 4- Tomé....................................................... 116
Apêndice 5 – Roteiro da entrevista.................................................................. 136119
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 14
1 CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DOS AMBIENTES FRONTEIRIÇOS ................. 19
1.1FRONTEIRA FLEXÍVEL ENTRE OS POVOS PRIMITIVOS .......................................................................... 19 1.2 CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA DAS FRONTEIRAS ATUAIS....................................................................... 21 1.3 FRONTEIRAS NO ESTADO MODERNO E ESTADO-NAÇÃO .................................................................... 23 1.4 TIPOLOGIA DAS FRONTEIRAS: "FRONTEIRA" E "LIMITE"; “DEMARCAÇÃO E DELIMITAÇÃO" ...................... 24 1.5 FRONTEIRAS LUSO–HISPÂNICAS NA AMÉRICA DO SUL ...................................................................... 26 1.6 PROCESSO DE FORMAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA ......................................................... 31
1.6.1 Formação do espaço sócio-histórico na fronteira Brasil/Venezuela: Roraima .................................... 33
1.6.2 Formação do espaço sócio-histórico na fronteira Venezuela/Brasil: o Estado de Bolívar ................... 38
1.7 A FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA: PACARAIMA ............................................................................... 42 1.8 A FRONTEIRA VENEZUELA/BRASIL: SANTA ELENA DE UIARÉN ........................................................... 44
2. ECOSSISTEMAS LINGUÍSTICOS FRONTEIRIÇOS ...................................................................... 46
2.1 MEIO AMBIENTE DA LÍNGUA ............................................................................................................. 46 2.2 CONTATO DE LÍNGUAS: INTERRELAÇÕES E AMBIENTE ....................................................................... 49
3 DISCURSO E ETHOS ........................................................................................................................ 53
3.1 LINGUAGEM, DISCURSO E ETHOS .................................................................................................... 53 3.2 ETHOS: CONCEITOS E TIPOS ........................................................................................................... 55
Fonte: Adaptado de Auchlin apud Maingueneau (2009). ............................................................................. 58
3.2.1 Tipos de ethos ...................................................................................................................................... 58
4 FUNDAMENTOS DA ABORDAGEM E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE .................................. 61
4.1 ABORDAGEM DO TEMA.................................................................................................................... 61 4.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DE ANÁLISE .............................................................................. 64
4.2.1 Os sujeitos enunciadores ..................................................................................................................... 64
4.2.2 A entrevista e convenções de transcrição ............................................................................................ 66
4.2.3 Os enunciados ...................................................................................................................................... 67
4.2.4 Os fatores ecolinguísticos de influência no contato de povos ............................................................. 68
5 ANÁLISE DO ETHOS EM AMBIENTE ECOLINGUÍSTICO FRONTEIRIÇO BRASIL/VENEZUELA
............................................................................................................................................................... 70
5.1 SITUAÇÃO DE CONTATO ENTRE FALANTES NO ECOSSISTEMA LINGUÍSTICO BRASIL/VENEZUELA ........... 70 5.2 CONSTRUÇÃO DO ETHOS DISCURSIVO DO SUJEITO DA FRONTEIRA .................................................... 71
5.2.1Sujeito integrante da comunidade linguística de Santa Elena de Uairén ............................................. 76
5.2.2 Sujeito integrante de um lugar comum a brasileiro e venezuelano ..................................................... 80
5.3 FATORES QUE INFLUENCIAM O CONTATO DE LÍNGUAS: UMA ANÁLISE DA CENA DE ENUNCIAÇÃO ........... 87 5.4 ECOSSISTEMA LINGUÍSTICO “PROVISIONAL”: UMA PROPOSTA ............................................................ 92
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................. 96
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 102
APÊNDICES ........................................................................................................................................ 106
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INTRODUÇÃO
A configuração das regiões fronteiriças no Continente Americano surge a
partir das necessidades europeias por novos produtos e matérias primas para o
abastecimento do mercado europeu no século XV. As expedições marítimas de
portugueses e espanhois, principalmente, resultaram na conquista das terras
situadas ao sul do continente americano. O resultado dessas expedições e o esforço
pela resolução de conflitos de demarcação territorial é a assinatura do Tratado de
Tordesilhas em 1494.
Esse acordo, determinou que as terras coloniais espanholas e portuguesas
fossem fixadas por meio do princípio de Uti Posseditis, sugerindo que os limites de
cada território fossem definidos e atribuidos para os primeiros ocupantes de
determinada região, desde que essa ocupação pudesse ser devidamente
comprovada. Esse critério possibilitou que Portugal ficasse com o domínio da
Amazônia e a Espanha com o do Rio da Prata e com algumas concessões mútuas
de territórios adjacentes (COUTO, 2009, p. 9-11).
A partir de 1808, os portugueses direcionam sua política expansionista para a
Amazônia com o objetivo de estabelecer limites territoriais seguros para a posse da
foz do rio Amazonas. Contudo, somente em 1822, com a proclamação da
Independência do Brasil, com desenvolvimento da chamada Guerra da
Independência (1823-1824) e com plano externo pelo Tratado de Paz e Aliança de
1825, as fronteiras do novo país são definidas.
As fronteiras interpaíses são consideradas áreas estratégicas pelos estados
nacionais. No caso do Brasil, essa faixa é disciplinada pela Constituição Brasileira,
por meio da Lei 6.634, de 1979, como área indispensável à Segurança Nacional,
contemplando 150 km de largura, paralela à linha divisória terrestre do território
nacional. A faixa que separa o país, de norte a sul, ocupa 27% do território nacional,
significando 23.086 km de fronteiras, sendo que destas 15.719 km são terrestres
compondo o seguinte quadro: a noroeste, a Colômbia (1.644 km); a oeste, o Peru
(2.995 km) e a Bolívia (3.423 km); a sudoeste, o Paraguai (1.365 km) e a Argentina
(1.261 km); ao sul, o Uruguai (1.068); e, ao norte, situam-se as fronteiras com a
Guiana Francesa (730 km), o Suriname (593 km), a República Cooperativa da
Guiana (1.606 km) e a Venezuela (2.199 km) (ALVES, 1998, p. 11-13). Estas
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fronteiras envolvem onze estados brasileiros, dos quais Roraima é um deles,
caracterizado por situações de contato das línguas europeias de colonização entre
as línguas portuguesa, a língua inglesa e língua espanhola.
Remontando ao passado histórico, desde o período colonial até a
contemporaneidade, verifica-se que as diretrizes políticas dos estados nacionais
para as regiões fronteiriças ainda se restringem, em grande parte, aos interesses
de ocupação e defesa estratégica das fronteiras. Contudo, a estratégia na direção
da integração interpaíses com a organização em blocos econômicos e políticos, faz
surgir o interesse pelas culturas regionais e pelas culturas dos povos fronteiriços.
Uma iniciativa de integração dessa natureza está na política brasileira das diretrizes
educacionais, e um dos resultados é a oferta do curso de Língua Portuguesa
como Língua Estrangeira – PLE, pela Universidade Estadual de Roraima, onde foi
realizada esta pesquisa. O curso de PLE é oferecido no campus de Pacaraima,
fronteira com o Município de Santa Elena de Uairén, na Venezuela e foi onde
localizamos os sujeitos que são objeto da nossa pesquisa.
Outra demanda crescente nessa direção de integração está na realização de
pesquisas direcionadas à compreensão do ambiente linguístico em suas diversas
manifestações, a fim de caracterizar os contatos dos povos nos aspectos que
envolvem a língua em relação ao ambiente natural e sócio-histórico. A partir da
compreensão dessa complexidade do ambiente, surge a ideia desta pesquisa de
analisar o discurso do sujeito venezuelano em função de suas experiências de
sua interação com brasileiros. Numa primeira abordagem informal dessa fronteira,
é possível verificar uma diversidade de tipos de comportamento, às vezes, inclusive
agressivos, sobretudo em contextos de interação relacionados ao comércio legal ou
ilegal de gasolina. É o caso de atitudes de autoridades policiais, funcionários e
clientes venezuelanos nas filas de espera dos postos de gasolina em Santa Elena
de Uairén1, onde se multiplicam situações de hostilidade e tensão na relação entre
os participantes brasileiros e venezuelanos dessa interação.
Eu mesma tive a ocasião de crescer numa localidade fronteiriça (Brasil-
Brasiléia/Bolívia-Cobija), o que certamente motivou o meu interesse por este tema
de pesquisa. Na minha experiência pessoal pude perceber que a desigualdade do
valor da moeda, as pequenas trocas não estavam marcadas pela hostilidade, pelo
1 Em Pacaraima (Brasil), município fronteiriço com Santa Elena (Venezuela), não há postos de gasolina.
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menos na minha lembrança ou experiência. As perguntas que ficam e que motivam
esta pesquisa são: por que essa diferença de atitude? Quais as razões
Ecolinguísticas que exercem pressões nesse sentido e diferenciam o ethos boliviano
(do contato Cobija/Brasiléia, que conheci na minha infância) do ethos venezuelano
(do contato Santa Elena de Uairén /Pacaraima), que é nosso atual objeto de
pesquisa?
O reconhecimento da natureza dos fatores que influenciam no resultado das
situações de contato estabelecidas nesses ecossistemas linguísticos é importante
e pode auxiliar a compreender as interações que caracterizam essa situação
específica de contato. Pressupõe-se assim, que a situação de contato exerce
influência recíproca nas relações mantidas e, portanto pode interferir no
posicionamento discursivo da população das regiões fronteiriças. Nessas
circunstâncias, é possível supor que possa haver uma tendência ao surgimento de
uma única comunidade de fala, emergida gradualmente ao longo do processo
histórico da evolução dessa fronteira (COUTO, 2007, p. 17).
Consideramos que nesses ecossistemas linguísticos, as representações
discursivas estão repletas de enunciados que podem expressar os mais variados
tipos de sentimentos de pertencimento e não pertencimento. Partindo do
princípio de que o discurso do sujeito enunciante traz consigo fragmentos dessa
realidade, representada pelo sujeito que vive na fronteira Brasil/Venezuela, é
possível analisar discursivamente os diversos níveis de interação entre os sujeitos
constituídos nessa fronteira. Levamos em conta, para tal análise, em conta conceitos
de Ecolinguística visto em Mufwene (2001); e Couto, (2007, 2009), considerando a
“relação da língua e o meio ambiente”, bem como alguns aspectos metodológicos da
Análise do Discurso.
Na Análise do Discurso, uma das preocupações pertinentes que se impõe à
reflexão neste trabalho é se a situação de contato linguístico influi na construção
do ethos no ambiente de fronteira Brasil/Venezuela. Nesta situação de contato a
relação de proximidade e intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que
se estabelecem entre os povos de fronteira. Outra preocupação está em saber se a
compreensão da cena de enunciação, que caracteriza o ethos fronteiriço
Brasil/Venezuela contribui para o entendimento das percepções, sentimentos,
estereótipos e vicissitudes (Maingueneau, 2008), dos povos e do sujeito em
ambientes de fronteira. A análise dos enunciados foi realizada por meio da
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abordagem do Ethos na perspectiva de Maingueneau (2008), para quem o ethos se
constitui em uma dimensão discursiva que faz parte da identidade de um
posicionamento discursivo.
O objetivo desta pesquisa é reconhecer o ethos manifesto nas
representações discursivas do ambiente ecolinguístico na fronteira Brasil/Venezuela,
tendo como objetivos específicos: a) descrever o processo de construção do
ethos discursivo do sujeito da fronteira; b) caracterizar a situação de contato de
povos no ecossistema linguístico Brasil/Venezuela;
Esta pesquisa fundamenta-se nos elementos da Ecolinguística (Couto 2007,
2009), apropriando-se da fundamentação teórica relativa às situações de contato,
especificamente no que diz respeito aos movimentos migratórios e interações de
grupos e indivíduos nos seus deslocamentos entre os territórios. Evoca ainda, os
fatores que influenciam nos resultados desses contatos sejam eles: Quantidade;
Tempo; Intensidade; Atitude; Semelhança/Dessemelhança linguística e Resistência
cultural no contato entre ambos os povos.
A reflexão que se desenvolve está fundamentada também nos pressupostos
teóricos da Análise do Discurso, apontados em Maingueneau (1997, 2008), por
favorecer a análise, principalmente, das circunstâncias e do lugar social em que o
sujeito enuncia. O sujeito falante, quando enuncia, o faz considerando seu contexto
histórico, linguístico e social, mobilizando sua experiência, seu conhecimento e seus
sentimentos na construção de seu ethos, traçando seu ponto de vista sobre o
mundo, em função do espaço que habita. Para tanto, foram selecionados quatro
sujeitos venezuelanos que vivem na fronteira Brasil/Venezuela, que estudam PLE na
Universidade Estadual de Roraima e que estão, portanto, em pleno processo de
relacionamento educacional com brasileiros. Utilizou-se como instrumento de
pesquisa a entrevista livre.
Esta pesquisa está estruturada em cinco capítulos. No primeiro,
contextualizamos a formação das fronteiras e ambientes fronteiriços. No segundo,
conceituamos os ecossistemas lingüísticos fronteiriços e o contato de línguas. No
terceiro capítulo, definimos a partir da Análise do Discurso o conceito de ethos. no
quarto capítulo, apresentamos a abordagem metodológica da pesquisa. E no quinto
capítulo, analisamos o ethos construído no discurso do sujeito da fronteira. E por
último, apresentamos os resultados nas considerações finais desta pesquisa no que
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diz respeito aos nossos objetivos iniciais e na revisão da pertinência do ethos como
metodologia de análise para o estudo de contatos linguísticos.
A partir do conceito de ethos, descrevemos o processo de construção
discursiva da imagem do sujeito da fronteira, contudo não conseguimos caracterizar
a situação de contato de povos no ecossistema linguístico Brasil/Venezuela, sendo
que para tal fez-se necessário introduzirmos o conceito de redes sociais, apontado
como chave metodológica para futuros estudos sociolinguísticos em ambientes
fornteiriços.
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1 CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DOS AMBIENTES
FRONTEIRIÇOS
1.1Fronteira flexível entre os povos primitivos
Uma fronteira por si só não existe já que ela é condicionada pela existência
de povos que a constituíram ao longo do processo histórico de formação dos
estados nacionais. O vocábulo Fronteira deriva-se do antigo latim „fronteria‟, „front‟
ou „frontaria‟ que indicava a parte do território situada „in fronte‟, isto é nas margens.
É assim, precisamente no período entre os séculos XIII e XV que surge a palavra
fronteira na maioria das línguas europeias, não sendo originalmente aplicada a uma
linha e sim a uma área. Na Europa medieval, a zona/região de fronteira era uma
área, ou seja, possuía largura (e não só extensão, como é o caso do limite), visando
cumprir um objetivo de separação e não de contato (MARTIN,1992. p. 21; STEIMA;
MACHADO, 2002 p. 4).
O desenvolvimento dessa concepção política de fronteira surgiu no período
da Alta Idade Média (século VII e VIII) com a constituição dos „marks‟, ou „marches‟
(francês), ou „marcas‟ (espanhol), pelos reis francos, considerados como territórios
especiais, usualmente objeto de projetos de colonização, visando a proteção das
fronteiras do império contra eslavos e outros povos com os quais não queriam
contato. “Cada marca tinha um administrador próprio (os „markgrafs‟, „margraves‟, ou
marqueses), sendo que muitas delas deram origem, mais tarde, a reinos e estados
independentes”. (STEIMA; MACHADO, p. 4 s/d)
Durante o percurso histórico das sociedades, entre os povos ditos primitivos,
ou destas também chamadas sociedades primitivas (sem o aparecimento o
aparecimento do estado, nem da escrita ou a existência de moeda para regular as
transações econômicas), as situações de contato entre os povos poderiam variar
desde “um simples enriquecimento cultural recíproco até a liquidação e o extermínio
de povos e culturas inteiras” (MARTIN 1992, p. 21)
Nessas sociedades há um movimento aparentemente ilimitado, embora na
realidade, elas se situem circunscritas em uma determinada parcela do território,
onde cada grupo pretende defendê-lo de ameaças de outros grupos. A identidade
deste grupo é específica, sendo que a apropriação coletiva do território é ligada
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emblematicamente à extensão do culto religioso, adquirindo a fronteira um sentido
mágico.
Nesse momento as sociedades são caracterizadas pela não-separação entre
propriedade individual e pública, ou seja, a terra que constitui a fonte de riqueza
fundamental é propriedade coletiva, pertencente a toda comunidade. A atividade
produtiva básica é a coleta e só se pratica a agricultura de forma suplementar. O
nomadismo é outra característica importante, embora subordinanda à primeira.
Nesta perspectiva a terra é propriedade comunal, pertencente a todos os indivíduos
apenas enquanto membros da mesma comunidade. “E a entidade comunitária tribal
aparecerá, por sua vez, não como resultado, mas como condição da apropriação
coletiva temporária do solo e de sua utilização” (MARTIN 1992, p. 21-22)
A condição de apropriação coletiva do território, desde os tempos primitivos já
se vinha configurando também a formação de espaços fronteiriços demarcatórios,
pelos menos em termos culturais e religiosos entre sociedades distintas,
enquadrando-se nessa condição as pequenas populações de caçadores que se
utilizam de um vasto território caracterizado por movimento aparentemente ilimitado,
mas que está efetivamente circunscrito a um recinto natural rodeado por
circunscrições semelhantes, onde cada grupo buscará defender seu território,
preservando, além disso, sua identidade cultural e religiosa.
O grupo, antes de considerar-se como parcela de um todo maior, prefere
afirmar sua identidade específica contra o resto do mundo, e como essa apropriação
coletiva do solo se acha ligada a extensão do culto religioso, a fronteira adquire
também um sentido mágico. Esse sentido se prolongará através das civilizações de
pastores, penetrando mesmo nos primeiros impérios (MARTIN 1992, p. 22).
Por outro lado, a partir de estudos antropológicos sobre a geografia política,
houve o rompimento com as teses do „primitivismo‟ das sociedades tribais, e com a
ideia de que os homens primitivos não conheciam as fronteiras-limite lineares,
concebendo somente zonas vinculadas ao território de caça. Conforme descrito a
seguir.
21
De fato, Stephen Jones (1959) assinala que antropólogos identificaram em várias partes do globo práticas de sociedades tribais não apenas fazendo uso de linhas fronteiriças, mas de demarcação e patrulhamento. A ideia subjacente à tese do primitivismo era dos laços de parentesco como único princípio a gerar a coesão social desses grupos, mas o fato é que mesmo entre os povos antigos o princípio territorial era parte importante da formação de sua identidade, convivendo e disputando com a predominância dos critérios de parentesco ( LOWIE, 1927 apud JONES, 1959, citado em Steiman; Machado, STEIMAN; MACHADO 2002 p. 3).
Não obstante, a fronteira se apresenta extremamente flexível, ou seja, em
virtude dela se caracterizar como propriedade comunal, as comunidades viviam em
constante movimento. As guerras são constantes em decorrência de fatores
econômicos e místicos, embora não estivessem ausentes os contatos de natureza
pacífica e amistosa. São exemplos de comunidades deste tipo a dos tupis do Brasil,
sendo comuns nas cerimônias e rituais de etiqueta preceder a penetração de
indivíduos de uma aldeia no território de outra (MARTIN, 1992. p. 23).
Dessa forma, é possível afirmar que desde os tempos ditos “primitivos" já
havia a questão da delimitação do território, mas voltado à reprodução biológica e
cultural e subsistência do grupo, esta situação é marcada por MARTIN,
Mas isso não se fazia por intermédio de linhas rígidas, muito ao contrário, mas através de zonas mais ou menos fluidas que aceitavam ate certo ponto uma interpenetração. Em contrapartida, esse caráter eminentemente instável das fronteiras fazia com que, em nome de maior proteção, as comunidades, à medida que iam se sedentarizando, ansiassem por habitar territórios mais bem delimitados e menos sujeitos a invasões (MARTIN 1992, p. 23).
As pesquisas na área da antropologia corroboram para esse entendimento
identificando em diversas regiões do planeta praticas tribais de definição de linhas
fronteiriças e de demarcação e patrulhamento, onde as relações parentais tinham
uma importância significativa para as relações entre os membros das comunidades
tribais.
1.2 Configuração histórica das fronteiras atuais
A dissolução das comunidades primitivas inicia uma nova fase na
caracterização das fronteiras. Dois fatores contribuíram significativamente para esse
novo momento de contato entre povos: O primeiro deles deve-se a uma melhoria na
produtividade agrícola, que permitia não somente a fixação de povos em regiões de
22
solos férteis, ao mesmo tempo em que surgiam novas atividades e funções mais
especializadas, entre elas a burocracia, os militares, os artesãos, os comerciantes,
além obviamente, dos camponeses. Além deste fator, mas por ele corroborado
aumenta o número de grupos invasores vitoriosos que conquistavam junto com o
território, seus habitantes dando origem a várias formas de trabalho servil. Nessa
fase inicia-se um processo de centralização do poder e de expansão territorial,
descaracterizando a propriedade coletiva da terra. Caracteriza esta fase o império
Chinês, a expansão do império Romano, e a construção do império Inca. Em relação
à caracterização da fronteira, esta era tida como linha estática fortificada e
defensiva, própria dos impérios já expandidos, eram construídas trincheiras em
pontos considerados estratégicos como no caso do império Inca ou muralhas como
as da China (MARTIM, 1992, p. 23).
De acordo com os estudos realizados por Owen Lattimore, geógrafo norte-
americano que estudou as relações entre fronteira e civilização, havia, no caso do
império chinês, toda uma vertente social e cultural subjacente às concepções
políticas de fronteira no sentido de limite de civilização. Ao norte do Império, o intuito
estava em excluir a transposição de povos considerados bárbaros e, portanto não
sendo desejado absorvê-los.
A rigidez perseguida pelos chineses, na interpretação de Lattimore, expressava um desejo de exclusão de povos que eles consideravam bárbaros e não desejavam absorver. Transpor a fronteira não implicava apenas dominar esses povos bárbaros mas dominar o espaço das estepes e da atividade pastoril, uma estrutura considerada, sob todos os aspectos, inferior à chinesa. A muralha da China não só separava duas grandes regiões, mas dois modos de organização espacial: as bacias hidrográficas chinesas, onde se praticava uma agricultura intensiva e irrigada, e as estepes do norte com sua pecuária extensiva (LATTIMORE, 1937, apud STEIMAN; MACHADO, 2002 p. 3-4).
Com relação à caracterização da situação fronteiriça na Idade Média tem-se
que:
A presença romana deixaria marcas indeléveis em toda a Europa. No leste, porém, o império Bizantino acabaria gravitando em torno de problemas asiáticos, ao passo que no oeste as instituições romanas e germânicas iriam lentamente se fundir, fornecendo os fundamentos histórioo-culturais do que hoje normalmente designamos por "Europa Ocidental''. E como é sabido, nesse processo, a igreja Católica cumpriu o papel de agente unificador fundamental, como que compensando a fragmentação política e a pulverização econômica existentes. Desde então, um sentido religioso das fronteiras começou a se separar daquele político-administrativo, o que só se completaria bem mais tarde com o surgimento dos estados modernos (MARTIN 1992, p. 31-32).
23
A característica que marca os princípios originais de fronteira na Europa
medieval, não foi nem os laços de parentesco nem a territorialidade, mas no próprio
sistema feudal, já que ele atribuía aos próprios feudos uma natureza hereditária e
territorial que ia além dos domínios territoriais dos reinos e impérios, abalando, em
linhas gerais, o poder dos reis no sistema de monarquia feudal. Nesse viés, afirma-
se que as “bases desse sistema, assentado nos direitos hereditários e históricos que
tinham prevalecido até então na delimitação de fronteiras foi, assim, gradualmente
sendo rompida pela emergência do estado moderno” (STEIMAN; MACHADO, 2002
p. 4).
1.3 Fronteiras no estado moderno e estado-nação
O advento do estado moderno traz em seu bojo a concepção de fronteira
linear, a qual vai se tornar imprescindível nos processos de definição de limites entre
as sociedades, haja vista a necessidade inicial desse estado em aprofundar os
fundamentos de sua soberania territorial. Essa concepção surge com o
Renascimento, e os progressos alcançados pelas matemáticas, astronomia dos
conhecimentos obtidos com as viagens, permitindo um avanço cartográfico
extraordinário. O avanço da cartografia tornava possível a introdução de traçados
precisos entre soberanias, precisando os limites dos estados nacionais (MARTIN,
1992, p. 35).
Considerada como a primeira concepção geográfica moderna de fronteira,
surge então a "fronteira linear”, reconhecida como prova de que se trata de uma
época com novas noções de espaço e de tempo, sendo a primeira tentativa de
estabelecimento de uma fronteira ocorrida no Novo Mundo, representada pela "linha
de Tordesilhas" que ratificou, por comum acordo dos soberanos de Portugal e
Espanha, a bula papal anterior, na qual Portugal se julgava prejudicado. Assim, em
1494 foi definida uma "linha de demarcação" tendo por base o meridiano
atravessando um ponto a 370 léguas das ilhas de Cabo Verde, garantindo a
Portugal a posse das terras a leste da mesma, e à Espanha as do oeste (MARTIN
1992, p. 36).
Essa concepção moderna de fronteira como limite dos estados nacionais
estabelecendo uma relação entre limite e soberania territorial não foi imediata, pois
na Europa quinhentista, os argumentos que embasavam o poder dos reis sobre o
24
reino eram de tipo feudal e não-nacional. Isto porque no período feudal, como visto,
a característica marcante era a herança dos feudos por indivíduos que estavam
unidos por laços de vassalagem (STEIMAN; MACHADO, 2002, p. 4).
Por outro lado, é dado como consenso considerar o Tratado de Westfália
como marco inicial na constituição de um sistema moderno de fronteiras na Europa
Ocidental, entendendo-se esse conceito de “moderno” a concentração do poder
político cuja base estava representada pelo estado. Começa a se afirmar, assim, o
conceito de estado nação, o qual vai ser responsável pela fixação de limites rígidos
e precisos das fronteiras entre as sociedades (MARTIN, 1992, p. 35).
A igualdade jurídica elevou os Estados ao patamar de únicos atores nas políticas internacionais, eliminando o poder da Igreja nas relações entre os mesmos e conferindo aos mais diversos estados o direito de escolher seu próprio caminho econômico, político ou religioso. Ficou, então, consagrado o modelo da soberania externa absoluta, e iniciou-se uma ordem internacional protagonizada por nações com poder supremo dentro de fronteiras territoriais estabelecidas (PERINI, 2003, p. 2).
A ordem internacional que foi estabelecida com o "Tratado de Westfália data
do século XVII, mais precisamente a 1648, quando foi assinado. Por ele foram
fixados os princípios normativos centrais - territorialidade, soberania, autonomia e
legalidade – configurando um sistema internacional de estados, cujas relações entre
eles ficam submetidas ao direito internacional, desde que cada um o consinta, já que
não há autoridade legal para além do estado capaz de impor obrigações legais a ele
ou a seus cidadãos.
1.4 Tipologia das fronteiras: "fronteira" e "limite"; “demarcação e delimitação"
A literatura que trata da questão de limites e fronteiras interpaíses é rica em
abordagens sobre o significado e as formas de classificação de tipos de fronteiras
separando duas sociedades. A mais conhecida e abordada pelos estudiosos é a que
classifica as fronteiras em naturais e artificiais, discutida durante toda a primeira
metade do século XX.
Para os demarcadores, a "fronteira natural" é aquela onde a linha divisória
acompanha os acidentes naturais, não existindo a presença de marcos assinalados
e colocados pelos homens. A natureza aí é invocada com o objetivo apenas
25
pragmático de facilitar o trabalho de demarcação. Por outro lado, os geógrafos só
consideram "natural" aquela fronteira que se apoia em obstáculos naturais e que
“representam verdadeiras barreiras ao contato entre dois grupos, tal como ocorre
com pântanos, densas florestas, montanhas e desertos. Trata-se, portanto, de faixas
e não de linhas” (MARTIN, 1992, p. 49).
O que parece ser um traço comum a todas as classificações (naturais e
artificiais; boas e más; lineares e zonais; etc) é o intuito de determinar a
superioridade de um determinado conceito de fronteira sobre outros, uma
superioridade claramente relacionada à função que o autor atribui à fronteira. Por
exemplo, as discussões sobre a conveniência dos rios ou das montanhas como
limites entre estados estão relacionadas à função prioritária da fronteira como fator
de assimilação ou fator de defesa, respectivamente (STEIMAN; MACHADO 2002, p.
1).
Fazendo uma revisão bibliográfica sobre a questão das fronteiras
internacionais na primeira metade do século XX, Minghi (1963) coloca que as
classificações e tipologias de fronteira-limite evoluíram do modelo natural-artificial
para outras perspectivas evocando, por exemplo, desde a base física ou
antropogeografia, até chegar àquelas com base na paisagem cultural. Esse autor
coloca também as novas concepções sobre limites e fronteiras que estavam
surgindo voltadas principalmente para o destaque das preferências. Verifica-se,
portanto, que no tocante às similaridades e diferenças existentes entre as
comunidades constituídas sócio-políticamente, existe o limite político, assim como a
zona de fronteira. Isto permite a definição da função, do outro, da importância das
zonas de circulação no que se refere à descrição da intensidade do movimento que
ocorre na fronteira (MINGHI, 1963 apud MACHADO, 2002 p. 2).
Elas representam por assim dizer a primeira tarefa do Estado. Só o estabelecimento de fronteiras relativamente seguras garante o mínimo de tranquilidade coletiva necessária para que o aparelho estatal possa se dedicar a outras atividades, como a construção de estradas e a canalização de recursos para o enriquecimento de regiões pouco desenvolvidas por exemplo. Entendidas dessa maneira, as fronteiras se associam, portanto, ao momento original de formação dos estados, ou se preferir, à fase que corresponderia a sua infância , o que determinará em grande medida o caráter e o futuro dos mesmos. Trata-se aqui evidentemente de um nível de relações horizonte onde está pressuposta a igualdade jurídica entre duas entidades soberanas, o que corresponderia a uma abstração, uma vez que nivela idealmente sociedades na verdade bastante distintas entre si (MARTIN, 1992, p. 51).
26
Em relação a esse aspecto, tem-se que as fronteiras externas são
importantes para a constituição dos estados modernos.
1.5 Fronteiras luso–hispânicas na América do Sul
“Las relaciones de sentido instauran efectos, constituen actores, âmbitos sociales, acontecimientos y la ilusión de um devenir sociohistorico.” (BEHARES, 1996)
A evolução do conhecimento técnico–científico experimentado pelos estados
nacionais facilitou o dinamismo das tecnologias e equipamentos de transportes e
comunicações e aumentou consideravelmente o volume e os movimentos dos
deslocamentos interfronteiriços. Esse processo trouxe à tona a porosidade das
fronteiras nacionais, étnico-culturais e identitárias, permitindo as trocas materiais e
simbólicas, onde se confrontam indivíduos e culturas muito diferentes. Dão-se aí,
relações marcadas por práticas de deslocamento que devem ser percebidas como
constitutivas de significados culturais ao invés de serem apenas uma extensão ou
transferência desses significados.
O espaço fronteiriço entre o Brasil e a Venezuela também vem sendo profundamente impactado em virtude das novas tecnologias de transporte e comunicação intensificando os fluxos transfronteiriços de mercadorias (legais e ilegais), de pessoas (turistas, moradores de fronteiras, imigrantes, trabalhadores migrantes), bem como fluxos imateriais e simbólicos (bilingüismo, portunhol) em que as culturas e as identidades transcendem seu lugar de origem e se hibridizam a ponto de ser cada vez mais difícil identificar suas origens (RODRIGUES 2006, p.197).
A compreensão da origem desse fluxo de relações que hoje se processa no
âmbito fronteiriço Brasil/Venezuela perpassa pelo entendimento da formação das
fronteiras interpaíses na América do Sul, surgidas como resultado do processo
colonizador europeu, no século XVI. Duas nações, principalmente, Espanha e
Portugal são as protagonistas desse processo que resultou na demarcação da
primeira fronteira no continente americano do sul, representada pelo Tratado de
Tordesilhas.
De fato, em 1494, Portugal e Espanha resolvem dividir as terras que
apareciam a cada nova viagem por um meridiano situado a 370 léguas das ilhas do
Cabo Verde. O Papa da época, Alexandre VI, já as havia dividido por uma linha
27
situada a 100 léguas, não aceita por Portugal. E, assim, antes mesmo de existir o
Brasil já possuía uma fronteira, em que pese, ninguém saber com exatidão seus
limites, pois o tratado não especificava sua origem, mas vários autores imaginaram
que seria uma linha geodésica situada entre Belém (PA) e São Luis (MA), no Norte,
e entre Laguna (SC) e a Ilha de São Vicente (SP), no Sul. Cerca de dois terços do
atual território do Brasil estava, portanto, fora da parte portuguesa da linha de
Tordesilhas (FILHO, 2008, p.19).
Nesse contexto do passado colonial na América do Sul tem-se o fundamento
para que os países se emancipassem, apesar das dificuldades surgidas na
interpretação e de demarcação em zonas pouco povoadas e de acesso difícil como
as florestas da Amazônia e os picos da Cordilheira andina. Um movimento que se
destaca e marca a definição da formação das fronteiras, foram as Bandeiras2,
irradiadas a partir de São Paulo no Sul e no Norte por Belém, onde as penetrações e
caminhos se faziam não a pé, mas em canoas, sendo a responsável primeira pela
ocupação da Amazônia (MARTIN, 1992, p. 82; FILHO, 2008, p. 19-20).
No período de vigência do Tratado de Tordesilhas, que somam 256 anos até
o surgimento do Tratado de Madri, em 1750, no Brasil colonial todo um conjunto de
atividades e relações socioeconômicas vão se destacar desde a produção de cana-
de-açúcar e mineração, passando por eventos como a escravidão, missões, cidades
costeiras, micigenação, tudo isso corroborando para várias situações de contato
linguístico entre os lusos brasileiros.
Contudo, essa linha teórica, a Tordesilhas, não dava conta de solucionar o
problema das ocupações ocorridas durante dois séculos e meio de vida colonial,
surgindo assim o Tratado de Madri baseado no princípio do Uti Posseditis como
regulador das disputas de terras entre os hispânicos e lusos.
2 O movimento dos bandeirantes, ou simplesmente bandeiras, foi um movimento iniciado em
meados do século XVII. Considerados os desbravadores do Brasil. os bandeirantes adentravam o país em busca de índios para serem escravizados. Depois que a escravidão de índios deixou de ser usual, ele passaram a procurar no interior do país metais preciosos. Os bandeirantes também capturavam escravos fugitivos que se embrenhavam dentro de matas para formar quilombos. As bandeiras de apresamento, especialmente durante a União Ibérica (1580-1640), e as de prospecção mineral, alargaram o território brasileiro além do meridiano de Tordesillas.
28
Figura 1: Mapa do Tratado de Tordesilhas (Fonte: BRASIL. Seminário: Crises na América do
Sul, 2008)
Esse Tratado (Uti Posseditis), firmado entre D. João V de Portugal e D.
Fernando VI da Espanha, para definir os limites entre as respectivas colônias sul-
americanas sucedeu a Bula Inter Cœtera (1493), o Tratado de Tordesilhas (1494), a
Capitulação de Saragoça (1529), o Tratado Provisional de Lisboa (1681), e o 2º
Tratado de Utrecht (1715). Ele foi negociado pelo conde de Vila Nova de Cerveira,
assessorado pelo brasileiro Alexandre de Gusmão, considerando ainda que o
Tratado de Tordesilhas nunca fora demarcado.
O Tratado de Madrid foi elaborado a partir do Mapa das Cortes e beneficiou
as colônias portuguesas, em detrimento aos direitos espanhois. Esse diploma
consagrou também o princípio do direito privado romano do Uti Possidetis,
disciplinando que a posse de fato à terra, deveria ser de direito de quem a tivesse
possuído em primeiro plano. Por esse Tratado, conjugado com esse princípio
delinea-se os contornos aproximados do Brasil atual.
Pelo Tratado, Portugal entregava a Colônia do Sacramento à Espanha,
recebendo os territórios do Sul, pela linha de Monte Castilhos Grande, as nascentes
29
do rio Ibicuí, as Missões, a margem direita do rio Guaporé e cedendo o território
ocidental do rio Japurá ao rio Amazonas e a navegação do rio Içá; garantindo que
em caso de guerra entre as Coroas de Portugal e da Espanha, na Europa, os seus
vassalos na América do Sul permaneceriam em paz.
A habilidade dos diplomatas portugueses que estabeleceram o princípio do
Uti Possidetis, como base para a divisão territorial colaborou para a vitória
portuguesa. Destaca-se aí a importância da visão diplomática de Rio Branco, contida
no pressuposto básico de que nas negociações territoriais de limites deveria ser
adotado o princípio universal do Uti Posseditis, sustentando que a posse de um
território é definida pela sua ocupação e deveria ser uma referência para o
tratamento das questões territoriais de limites e fronteiras (MACHADO, 1989, p. 5;
FILHO, 2008, p. 37). Foi valendo-se desse princípio que os portugueses, morando e
trabalhando no território, puderam consolidar sua presença no imenso território que
hoje constitui o Brasil.
Pouco a pouco, foi se fixando uma população luso-brasileira na parte
espanhola do continente. Esta ocupação do território é o pilar central do grande
acordo de fronteiras do período colonial de 1750. O motor do acordo foi o santista
Alexandre de Gusmão, influente Secretário de D. João V. Ele percebeu nitidamente
que era melhor ficar com todo o grande oeste do Brasil e ceder aos espanhois à
pequena Colônia de Sacramento, muito valorizada por eles e nunca bem ligada por
terra aos outros núcleos portugueses (FILHO, 2008, p. 20-21).
Deve-se destacar, conforme (Silva, 2001, apud Martin Machado, 1989)
considerando a literatura anglo-saxônica e francesa, observa-se que elas costumam
ignorar a contribuição dos ibéricos na concepção moderna de limites e fronteiras
políticas. Considera que a contribuição dos Mouros na longa e complexa evolução
das fronteiras entre mouros e cristãos na Península Ibérica foi uma fonte de
ensinamento para o trato político da questão.
Esse Tratado, todavia, teve vida efêmera na medida em que as dificuldades
de demarcação, sobretudo no Norte, e as relacionadas à Guerra Guaranítica no Sul
culminaram com sua anulação. Vários fatores contribuíram para esse desfecho:
Dificuldades em delimitar no terreno o Tratado; a incapacidade em ocupar os
territórios das Sete Missões jesuíticas da margem esquerda do Uruguai, devido à
resistência dos índios durante a Guerra Guaranítica; a oposição que o acordo tinha
suscitado no grupo que, com a ascensão de D. José ao trono, tinha ocupado o poder
30
a partir de 1750 em Portugal, tudo isso contribuiu para que o tratado fosse posto em
causa pelo governo do futuro marquês de Pombal, sendo substituído pelo Tratado
de El Pardo, de 1761 onde o governo português, por iniciativa do futuro marquês de
Pombal, aceitou regressar à situação anterior, mantendo a posse da Colônia do
Sacramento e abandonando a intenção de ocupar o território das Missões. A figura
2: Mostra as linhas dos Tratados considerados, bem como os limites atuais dos
países da América do Sul.
Figura 2: Mapa dos limites atuais dos países latino americanos (Fonte: BRASIL. Seminário:
Crises na América do Sul, 2008)
Com a proclamação da Independência, em 1822, o novo estado tinha
fronteiras identificadas ou apenas indicadas nos mapas, a exemplo da área das
Guianas, mas não demarcadas no terreno. Os tratados coloniais, em muitas regiões
eram imprecisos, sobretudo no Oeste e Norte do Brasil, onde havia zonas
desabitadas, algumas completamente desconhecidas. Existiam aí implantados uns
poucos marcos pioneiros, como, por exemplo, o que foi fixado no rio Guaporé e
outro, encontrado no alto rio Negro.
31
1.6 Processo de formação da fronteira Brasil/Venezuela
A formação do espaço sócio-histórico da fronteira Brasil/Venezuela foi se
fazendo ao longo do processo de colonização europeia na America do Sul. Ele
sedimenta um conjunto de traços e características geopolíticas e culturais por que
são refletidas na língua, por exemplo, nos nomes dos rios, de lugares, plantas,
arvores, resultando num ambiente físico que proporciona um espaço de enunciação
rico em representações discursivas e com características peculiares. Existe nesse
ambiente como que, de acordo com Diegues (2001) um tipo de organização social
cujos relacionamentos com o espaço geográfico – a terra, a fauna, a flora – que é
recriado no cotidiano das populações tradicionais, ou não, e que dão significado a
tudo o que acontece entre a esfera humana e a natural. Baseado em Rodrigues
(2006), o estudo dessa região fronteiriça Brasil-Venezuela se dá não somente em
virtude de ser a fronteira um lugar singular de trânsito, mas também de encontros
culturais e de jogos de identidades. Essa percepção da fronteira como lugar de
contato remete à ideia de movimento e de trocas, de relações culturais e linguísticas
o que permite uma compreensão das dinâmicas das migrações sul-americanas e do
processo de integração entre essas duas nações.
O processo de formação da fronteira Brasil/Venezuela é dinamizado
principalmente em face da fusão das coroas portuguesa e espanhola no período de
1580 e 1640. Neste período, os portugueses direcionaram sua penetração para o
interior do continente americano, descobrindo o ouro de Minas Gerais, introduzindo
o boi e a implantação de currais e as bandeiras descendo os rios Tietê, Paraná,
Paraguai e Prata, subindo o Rio Amazonas e seus tributários. Na ocupação do
interior do país houve o encontro com outras nacionalidades, especialmente na
Amazônia, o que levou a determinação de se fundarem fortificações e guarnições
militares em todo o norte e oeste do país (FREITAS, 1991, p. 12).
Na Amazônia brasileira, a colonização portuguesa rumo ao embrião formador
da atual fronteira com a Venezuela surge a partir do Rio Negro e do Rio Branco no
século XVII. Embora outras tentativas de ocupação tivessem ocorrido através dos
holandeses, ingleses e espanhois, neste período, coube efetivamente aos
portugueses a fixação e posse a partir de 1639. O interesse era eminentemente
econômico e centrava-se na pesquisa e extração de uma variedade de matérias
primas como óleos vegetais e animais, couros, especiarias, cravo, canela, cascas
32
preciosas, destinados ao abastecimento do mercado europeu. Objetivava também
essas expedições, o aprisionamento de índios para o trabalho escravo nas fazendas
do Pará e Maranhão.
Diversas cruzadas portuguesas e espanholas provenientes da atual fronteira
brasileira com a Venezuela se fixaram nas terras de Roraima. A Cordilheira dos
Andes, e ao mesmo tempo, o sistema Parima-Guiano serviram como escudo natural
protetor português tanto contra espanhois como contra ingleses, franceses e
holandeses (FREITAS, 1991, p. 14). Mais ainda, o estabelecimento das missões
religiosas Carmelitas e dos Capuccinos e a construção do Forte São Joaquim na
confluência dos Rios Tacutú e Uiraricoera, formadores do Rio Branco, em 1788 e
asseguraram à coroa portuguesa o domínio definitivo da região.
Nesse período de conquistas de territórios se deram os mais variados tipos
de contato nesta região, principalmente com os povos indígenas, com suas
especificidades culturais e linguísticas próprias e seus habitantes seculares. Nessas
circunstâncias, como aponta Couto (2008), houve em paralelo o desenvolvimento de
todo um processo de assimilação forçosa e inevitável à cultura e língua,
principalmente àquelas populações, por conta da força do poderio politico-militar
luso-hispânico na região.
Em se tratando da questão política da fronteira da Venezuela, ela inicialmente
fazia parte da Grã Colômbia, juntamente com Equador e Panamá, iniciando seu
movimento emancipacionista do Reino da Espanha em 1821. Por ocasião da
assinatura do Tratado de Limites e Navegação de 1859 com o Brasil, havia ainda
pendência entre Venezuela e Colômbia sobre as terras a oeste do rio Negro,
resolvida somente em 1891.
Em 1880 as Comissões Mistas iniciaram a demarcação das fronteiras, desde
a nascente do Mimasse até Cerro Cupi, terminando os trabalhos em 1882. Deste
ano até 1884 a Comissão brasileira prosseguiu nos trabalhos de demarcação até ao
Monte Roraima. Mas, a Fronteira Brasil-Venezuela foi definida no Tratado de
Caracas de 1859, e com o Tratado do Rio de Janeiro em 1928.
A linha divisória entre o Brasil e a Venezuela começa no ponto de trijunção
das fronteiras Brasil-Colômbia-Venezuela, no talvegue do rio Negro, e segue por
uma reta de aproximadamente 80 km, no sentido sudeste, até o Salto Huá no canal
de Maturacá, caracterizando a linha geodésica denominada Cucuí-Huá. Do Salto
Huá, segue por uma reta de aproximadamente 12 km, no sentido nordeste, até o
33
Cerro Cupi, sendo esta linha geodésica chamada de Huá-Cupi. Do Cerro Cupi,
segue pelo "divortium aquarum" entre a bacia do Amazonas e do Orinoco, passando
pelo norte do pico da Neblina, ponto mais elevado do Brasil e pelas serras Imeri,
Tapirapecó, Curupira, Urucuzeiro, Parima, Auari. Urutanin e Pacaraima, até o marco
de trijunção das fronteiras Brasil - Venezuela - Guiana, no Monte Roraima,
percorrendo neste trecho mais de 2000 km.
1.6.1 Formação do espaço sócio-histórico na fronteira Brasil/Venezuela:
Roraima
O espaço sócio-histórico de Roraima, na fronteira Brasil/ Venezuela situa-se
no extremo norte do país, reentrando-se parcialmente entre a Venezuela e a
República Cooperativista da Guiana. Roraima contempla 1.922 km de divisas
internacionais, sendo 964 km com a Guiana, a Leste e a Norte; e a Oeste 958 km
com a República Bolivariana da Venezuela.
Roraima possui uma área territorial de 225.116 km2, limitando-se ao Norte
com a Venezuela e a Oeste com o Amazonas e a Venezuela. Em Roraima encontra-
se o ponto mais extremo do Brasil, a nascente do rio Uailã junto ao Monte Caburaí
com 1.456 metros de altitude e nas proximidades do Monte Roraima com 2.875
metros. Apresenta riquezas em recursos naturais, histórico-culturais e linguísticas,
potencialmente aptos para o desenvolvimento de situações de contato de povos das
populações que ali vivem.
Boa Vista, a capital, integra-se à Venezuela ao norte e ao estado do
Amazonas ao sul pela rodovia BR–174, com 997 km de extensão, e com a
República da Guiana à Leste pela Rodovia BR–401, com 125 km de percurso.
Todos os municípios são interligados por rodovias federais (1.512 km), estaduais
(1.576 km) e municipais (1.077 km) formando uma malha viária, com a inclusão das
estradas vicinais de 6.883 km.
34
Figura 3: Mapa Rodoviário Estado de Roraima-Brasil (Fonte: Mapa base: Ministério dos Transportes. http://www.brasil-turismo.com/mapas/roraima.htm)
O processo de ocupação e formação do espaço territorial de Roraima nasce
com as expedições europeias à região do Rio Branco, iniciadas na virada dos
séculos XVII e XVIII, representadas por holandeses, espanhois e portugueses com a
presença de forças militares e religiosas. Coube, porém, aos portugueses a
ocupação efetiva deste espaço amazônico. A determinação para a construção de
uma fortificação nas confluências dos rios Tacutú e Uiraricoera, formadores do Rio
Branco, em 1752 e sua construção efetiva entre 1775 e 1776, com a colonização e o
processo de aldeamentos indígenas concretizam a fixação portuguesa na Região.
A construção da fronteira do futuro estado de Roraima com a Venezuela é
incrementada ainda nesse período com as injunções do Coronel Lobo D‟Almada,
então Governador da Província de São José do Rio Negro que, entre 1787 e 1789,
defendendo a coroa portuguesa orienta para a vinda de colonos europeus e a
35
introdução da pecuária bovina nos extensos campos naturais da região,
considerando ele que “uma das maiores vantagens que se pode tirar do rio Branco
é povoá-lo e colonizar toda esta fronteira com a imensa gente habita as montanhas
do país” (FREITAS, 1991, p.95).
Todavia, a implantação das fazendas oficiais de gado, a evangelização
carmelita e depois com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, não afetaram
de forma mais positiva a situação socioeconômica e político-militar na região. Os
resultados da política de colonização portuguesa aos indígenas somente fez com
que diminuíssem o número de aldeias, e sua migração para as Guianas para
servirem a ingleses e holandeses que lhe eram mais simpáticos, além das
constantes investidas de europeus nos afluentes do rio Branco em 1839. Exceção é
feita às ordens religiosas comandadas pela Igreja Católica, que se expandiram
principalmente a partir dos anos de 1840, culminando com a criação da Paróquia de
Nossa Senhora do Carmo em 1892 e a criação da Prelazia do Rio Branco, em 1909,
dirigida por monges da ordem dos beneditinos até 1948, quando foram substituídos
pelos padres da Consolata.
Nessa fase ainda, o fluxo migratório nordestino para a região do rio Branco, a
partir de 1877, em face da seca naquela região dinamizando a utilização da mão de
obra indígena, tanto no trato dos animais nas fazendas e no seu transporte para
Manaus, são responsáveis por animosidades frequentes entre uns e outros
originando o inicio dos conflitos entre índios e fazendeiros na região. Os índios da
etnia Macuxi, eram considerados ”insolentes e insubordinados, rebeldes à disciplina
da civilização por se recusarem a ensinar sua língua aos brancos” (FREITAS, 1991,
p. 105)
No final do século, em 1890, é criado o Município de Boa Vista, contando o
primeiro Município do futuro estado de Roraima com cerca de 1000 habitantes entre
brancos e mamelucos e uma população indígena da tribo Macuxi com cerca de 4000
indivíduos, sendo a comunidade indígena mais numerosa da região. A migração se
acentua para Roraima a partir de então, com a vinda, principalmente, de nordestinos
e nortistas, fato este motivado também, além das secas constantes do nordeste,
pela emergência da exploração da borracha. A população do rio Branco que era
praticamente insignificante no final do século XIX, passa para 10.500 habitantes em
1940.
36
A criação do território Federal do Rio Branco em 1943, rebatizado em 1962
para Território Federal de Roraima, inicia-se uma nova fase na formação da fronteira
brasileira com a Venezuela. A criação dos territórios é parte da política do governo
federal voltada para a necessidade de povoar as fronteiras brasileiras, como no caso
das questões das fronteiras do Brasil com a França (Amapá); Inglaterra (Rio
Branco); Bolívia (Acre e Rondônia). Na proposta de instauração do território federal,
do presidente Getúlio Vargas, foi considerado vital para o desenvolvimento
econômico da região o povoamento o qual recuperaria e integraria o índio a
sociedade nacional, além de configurar uma estratégia para a integração e a defesa
dessa fronteira que definira o território nacional (OLIVEIRA, 2003, p. 163). Assim, a
figura dos territórios federais dá novo ânimo ao processo de reordenamento e
ocupação das fronteiras brasileiras; em particular no caso de Roraima, o Município
de Boa Vista deixa de pertencer ao Município do Amazonas, assumindo
diretamente, o governo federal, os destinos da vida político-administrativa do futuro
estado.
A partir de então, reinicia-se um intenso fluxo migratório para Roraima
justificado pelos projetos oficiais de colonização do governo federal, na década de
1950, e posteriormente pela abertura dos garimpos de ouro na Serra dos Surucucus
nas décadas de 1980/90 o que é impulsionado pela conclusão da BR 174 ligando
Boa Vista a Manaus em 1977. De 1940 a 1950, a população eleva-se de 10.541
para 18.116 habitantes, intensificando-se de forma acelerada a partir da década de
70, quando esse número passa de 40.885 para 79.159 habitantes em 1980,
atingindo a cifra de 217.583 pessoas em 1991. Em 2000, o Censo do IBGE registrou
324.397 habitantes, concentrando na capital Boa Vista 200.568 habitantes.
Atualmente o estado soma 425.398 habitantes, das quais 284.000 residindo em Boa
Vista, a capital conforme ultimo Censo do IBGE, sendo sua população composta por
24% branca, 4% negra, 61% parda e em torno de 11% de indígenas. Veja-se a
Tabela 1 – Grupos étinicos Brasil/Guiana/Venezuela.
37
Tabela 1: Grupos étnicos Brasil/Guiana/Venezuela
Comunidade Outros Nomes Família
População por Unidade da Federação/País
Brasil - Roraima
Venezuela Guiana
Equatorial Total
Ingaricó Akawaio, kapon Karib 1.271 728 4.000 5.999
Katuenayana*
Karib 133 133
Makuxi Macuxi, Macushi, Pemon
Karib 29.931 83 9.500 39.514
Patamona Ingarikó, Kapon Karib 128 5.500 5.628
Taurepang
Taulipang, Taurepangue, Taulipangue, Pemon
Karib
673 27.157 27.830
Waimiri Atroari**
Kinja, Kiña, Uaimiry, Crichaná
Karib
1.120 1.120
Waiwai*
Karib 2.914 170 3.084
Wapixana
Aruak 7.832 17 6.000 13.849
Yanomami Yanoama, Yanomani, Ianomami
Yanomami
19.338 16.000 35.338
Ye'kuana Yecuana, Maiongong, So'to
Karib 471 6.523 6.994
Total 63.811 50.508 25.170 139.489
* Inclui o Estado do Amazonas e Pará ** Inclui o Estado do Amazonas Fonte: Adaptado de www.socioambiental.org
A população indígena da região fronteiriça do Brasil, ao norte, incluindo a
Guiana e a Venezuela, conforme Tabela 1, soma 139,4 mil habitantes, das mais
diversas etnias e famílias linguísticas. Roraima, Amazonas e Pará somam uma
população de 63.811 índios, representando 45,7% da população total da região
considerada, em contraposição à Venezuela com 50.508 índios, representando
36,2% e a Guiana Equatorial com 25.170 pessoas perfazendo 18,1% da população
indígena total. Demograficamente, a etnia Macuxi é a mais representativa com
39.504 índios, enquanto em termos espaciais são Yanomamis que ocupam a
primeira posição com uma área de 9,4 milhões de hectares na Amazônia, da qual
5,6 milhões estão em Roraima, representando 24,4% do seu território. Com a
demarcação da região da Raposa Serra do Sol, as comunidades indígenas ocupam
47% das terras de um total de 225.000 Km2 que Roraima possui.
38
1.6.2 Formação do espaço sócio-histórico na fronteira Venezuela/Brasil: o
estado de Bolívar
O embrião do processo de ocupação e formação do espaço amazônico da
Venezuela e consequentemente do estado de Bolívar nasce com a ocupação
hispânica na Amazônia venezuelana principalmente a partir do século XVIII, por
quando das expedições de José Solano com o propósito de estabelecer a
demarcação dos territórios que estavam sob a jurisdição das coroas portuguesas e
espanholas. A estratégia de José Solano era fazer cumprir o que havia sido
estabelecido pelos Tratados e construindo fortificações com o propósito de exercer o
controle sobre as embarcações e expedições que chegassem à região,
especialmente as que proviessem das colônias portuguesas ao sul do Brasil, sendo
ele considerado precursor e responsável pelo início da ocupação hispânica na
Amazônia venezuelana (BOADAS, 1983, p. 86-88).
O espaço sócio-histórico na fronteira Venezuela/Brasil, o estado de Bolívar,
inicialmente era parte da Província de New Andalucia, até 1762, quando foi criada a
província de Guayana. Em 1777 foi criada a Capitania Geral da Venezuela da qual
era parte a Amazônia venezuelana, ocupada por José Solano em favor da coroa
espanhola por meio do governo da província da guaiana. Isto significou uma
tentativa de dinamização econômica da regiião com a chegada de colonizadores
espanhois, funcionários administrativos e missões religiosas, embora sem muito
sucesso, haja visto a incompatibilidade da mão-de-obra indígena no auxílio às
atividades produtivas dos espanhois.
Há de se manter a ideia de que com a penetração hispânica se iniciou a estruturação do espaço regional, já que a criação de povoados serviu para organizar as comunicações e troca de mercadorias na região BOADAS,
1983, p. 88)3.
O amazônia venezuelana permaneceu praticamente indiferente às
transformações vivenciadas no restante do país durante a conformação da
república. Sua escassa população não indígena, as dificuldades de acesso e sua
pouca participação na vida econômica do país são algumas das causas pelas quais
3 (...) se ha de matener la ideia de que con a peneración hispánica se inició la estructuración de l
espacio regional, ya que la fundación de poblados sirvió para organizar las comunicaciones y el intercambio de bienes en la región (BOADAS, 1983, p. 88).
39
esta parte do território nacional venezuelano se mantivesse sempre à margem dos
acontecimentos políticos vividos durante o século XIX (BOADAS 1983, p. 91).
Entre 1762 e 1856 a amazônia venezuelana esteve integrado como um canto integrado da Província da Guayana, o Canto Rio Negro, mas foi em 1856 se criou a Provincia do Amazonas. No ano de 1861 o geverno do general Páez anexo a Província do Amazonas à Provincia da Guayana y no ano de 1862 criou-se durante a Revolução Federal Amazonas. Em governos posteriores de Guzmón Blanco e Joaquín Crespo, trocou-se o nome do território por Alto Orinoco e em seguida por Amazonas. (BOADAS
1983, p. 914)
O dinamismo da atividade comercial experimentado durante o século XI,
especialmente nas suas últimas décadas, resultado da atividade mineradora de
caucho, culminou com o fortalecimento e organização da ocupação do território.
Assim, o rio São Fernando de Atabapo, situado no interflúvio Orinoco-Atabapo
juntamente com o rio Guaviare, fazem parte da rede de maior importância para a
navegação fluvial, cuja região se estabeleceu como um dos centros comerciais e
populacionais, adquirindo assim, a categoria de Capital do Território Federal do
Amazonas venezoelano. Paralelamente, o rio Amazonas tem a mesma influência no
lado brasileiro. O comércio crescia em função da presença de exploradores
interesados em produtos para venda no continente europeu.
A amazônia venezuelana é considerada demograficamente uma região de
formação populacional constituida por diversas etnias indigenas que marcaram sua
história durante o período colonial.
A Amazônia venezuelana é uma região indiana do ponto de vista das características étnicas e culturais da maioria da população. No entanto, devemos reconhecer que desde os tempos coloniais foram estabelecidos nessa região a presença de inúmeras pessoas com diferentes comportamentos sociais e culturais da população indígena, chamados de crioulos (BOADAS, 1983, p. 97).
5 (Tradução nossa)
4 Tradução nossa
5 El Amazonas venezuelano es una región indígena desde el punto de vista de la composición étnica
y de las características culturales de la población mayoritaria. Sin emargo, hay que reconocer que desde la época de la colonia han venido instalándose en esta región numerosos personas con rasgos culturales y comportamientos sociales diferentes de los de la población indígena, y quienes se les denomina criollos (BOADAS, 1983, p. 97).
40
Em 1856, de acordo com a Lei de Divisão Territorial, a província de Guayana
consistiria no que atualmente são considerdos os estado de Bolívar, Amazonas e
Delta Amacuro. Em 1864, a Guayana tornou-se um dos estados independentes dos
Estados Unidos da Venezuela e, em 1879, foi transformado em Território Federal do
Amazonas. Em 1881 foi rebatizado com o nome de estado de Bolívar, dividido em
duas seções: Guayana e Apure. Em 1890 uma parte, indicar o nome da Guiana dos
vinte estados da Federação. Ela existe como um estado independente desde 1901,
sua capital é Ciudad Bolivar.
Sua fronteira norte Guárico, Anzoátegui, Monagas e Delta Amacuro a leste
pelo Essequibo da Guiana a oeste do estado de Apure, e ao sul pelo estado do
Amazonas e do Brasil. Está dividido politicamente em 11 municípios: Caroni,
Cedeno, El Callao, Gran Sabana, Heres, Piar, Raul Leoni, Rócio Sifontes, Sucre e
Padre Pedro Chien, conforme figura 4 a seguir:
Figura 4: Mapa Geográfico: Estado Bolívar: Venezuela (Fonte:www.gobierno/venezuela/geografía/estado bolivar)
De acordo com o Censo Indígena da Venezuela, em 1992 havia no estado um
total de 34.977 índios, pertencentes a 18 grupos étnicos, dentre eles os Pemon,
Karina, Eñepa, Piaroa, Yekuana, Yanomami, Guajibo, Arawayo e outros. A
41
densidade da população no estado Bolívar subiu de 3,7 habitantes por km2 em 1990
para 5,4 hab/km2 em 2000, sendo um dos com as mais baixas taxas de ocupação
espacial.
A expansão moderna do estado Bolívar explica a predominância da
população urbana que passou de 41% da população total em 1950 para 89% em
1990. Em 2000 havia uma população urbana de 1,1 milhão de habitantes estimada
para todo o estado de Bolívar, tornando-se a principal cidade da Guayana com
683.360 habitantes, seguido pela capital Ciudad Bolívar com 285.992 habitantes.
Outros centros urbanos são distinguidos como: Upata com 52.550 habitantes;
Caicara do Orinoco com 30.306 habitantes; Tumeremo com 24.188 habitantes;
Guasipati com 19.116 habitantes; Callao com uma população de 11.744 habitantes
e Santa Elena de Uairén com 29.795 habitantes.
O estado de Bolívar possui um relevo caracterizado por paredes escarpadas
e íngremes, elevações com 2.800 metros acima do nível do mar, fazendo parte do
relevo que hoje está na região do estado de Bolívar. No sudeste está o Monte
Roraima com 2.810 m, que serve de fronteira ápice entre Venezuela e Brasil e
Guiana. Riqueza natural explorada em forma de turismo por ambos os povos
fronteiriços, Brasil/Venzuela.
A hidrografia do estado de Bolívar é composta por sete principais bacias
hidrográficas cujos rios, devido às contínuas precipitações representam uma enorme
riqueza e inúmeras cachoeiras, destacando, Orinoco, Cuyuni, Caroni, entre outros.
O sistema hidrográfico é dividido em dois aspectos: composto por rios que
deságuam no Orinoco no sentido Sul-Norte e que levam suas águas para o rio
Cuyuni no oeste para leste. Aproximadamente três quartos do estado são
atravessadas por rios que têm as maiores reservas de água nacionais.
Este recurso no estado é potencialmente ilimitado, a disponibilidade de água
superficial é estimada em 590 milhões de m3 / ano. O enorme fluxo de rios e
numerosas cascatas dá origem a um grande potencial hidrelétrico do Estado,
estimado em 75% da riqueza bruta do país. Para 1990, a produção de energia
hidrelétrica foi 33,214 milhões de quilowatts, que satisfaz a 84,5% do consumo
nacional de eletricidade. Ela é gerada por barragens Raul Leoni, Macagua II, com
uma capacidade de 8.865 milhões de quilowatts e 370.000 kw, respectivamente.
Esse potencial energético proporciona a um estreitamento das relações entre
42
Brasil/Venezuela, a exemplo a acordo estabelecido em torno do Linhão de Guri, que
fornece energia para o estado de Roraima.
Essas terras são reservas produtores de madeira de florestas: Imataca,
Paragua, Caura, cujo objetivo principal é fornecer matéria-prima para a indústria da
madeira, através de planos de manejo sob os critérios do desenvolvimento
sustentável, sem prejuízo de outras funções conservacionistas que executam. As
áreas de proteção ambiental ocupam uma área de floresta de 7.233.750 ha, sendo
que um total de 17,9 milhões de ha de florestas naturais destinadas pelo estado, o
que significa 75% da superfície.
1.7 A fronteira Brasil/Venezuela: Pacaraima
Pacaraima é um espaço localizado ao norte do estado de Roraima, na fronteira
com a Venezuela. A história do município de Pacaraima está ligada à demarcação da
fronteira com a Venezuela pelo Exército, se originando em torno do marco conhecido
como BV-8, portal de entrada para o Brasil a partir daquele país. Oficialmente, a Vila
BV-8, como era conhecida a região onde se localiza Pacaraima, teve seu início a
partir de 1963 e recebeu este nome em alusão ao marco divisor Brasil/Venezuela nº
8. Foi elevada a categoria de Município de Pacaraima pela lei Estadual nº 96, de 17
de outubro de 1995, com terras desmembradas do Município de Boa Vista e sua
instalação ocorreu em 1º de janeiro de 1997, com a posse do primeiro prefeito eleito,
Hiperion de Oliveira. Faz parte do município de Pacaraima a Vila Surumu e trinta e
cinco comunidades indígenas.
Possui uma área territorial de 8.028 km² das quais 7.920 Km² ou 98,81 % são
áreas indígenas. E uma população que cresceu de 6.990 habitantes em 2000 para
10.433 de acordo com o ultimo Censo do IBGE 2010. Faz divisa ao norte com a
Venezuela, ao sul com o município de Boa Vista, a leste com os municípios de
Uiramutã e Normandia e a oeste com o município de Amajarí. É o portão de entrada
da Venezuela para o Brasil. Sua geografia caracteriza-se por suas serras, rios,
cachoeiras, corredeiras, florestas e savanas.
Parte do município de Pacaraima é ocupada pela reserva indígena São
Marcos e Raposa Serra do Sol. Com a homologação da reserva indígena Raposa–
Serra do Sol em área contínua, os vários grupos indígenas ainda reivindicam que
parte da área seja mantida como área rural do município.
43
O embrião que caracteriza o surgimento do Município de Pacaraima ocorre a
partir do ano de 1948 com o lucrativo comércio de venda de gado nos limites do
Brasil com a Venezuela. Não havia estrada alguma, simplesmente uma linha a que
chamavam divisor, pois era o marco divisório entre Brasil/Venezuela. Esse comércio
era feito por pessoas que compravam o gado no ex-Território do Rio Branco e
revendiam na Venezuela, entregando-os em Santa Elena de Uiarén e regiões de
garimpo. Como não havia estrada, o transporte do gado era feito pela mata,
percurso este que levava entre cinco e seis dias para chegar com o rebanho em
Santa Elena de Uiarén. Somente na década de 70 foi aberta a estrada BR-174
fazendo a ligação entre Boa Vista e Venezuela.
Pacaraima está localizada em um vale cercado de montanhas e serras,
possuindo, portanto um clima serrano, bastante ameno. A cobertura vegetal
predominante no município é de savana estépica, com manchas de floresta densa.
O relevo de Pacaraima caracteriza-se por uma superfície plana (50%), relevo
ondulado (40%) e elevações isoladas (10%). O solo do município constitui-se de
latossolo, afloramento rochoso, laterita hidromórfica, latossolo amarelo e solo
hidromórfico cinzento. A hidrografia é composta pelos rios Surumu, Cotingo e
Parimé. A cobertura vegetal é formada por savana estépica, com manchas de
floresta densa. As atividades econômicas predominantes situam-se em torno do
comércio e serviços. Dados do SEBRAE/RR revelam que estão cadastradas 23
empresas formais em Pacaraima, no ramo de mercearia, vestuário, farmácias,
materiais de construção, açougue, comércio de armarinho, comércio varejista de
gás, comércio varejista de artigos importados, papelaria, restaurantes, lanchonetes,
bares, hotéis, venda de passagem terrestre e locadora de vídeo. A atividade
industrial neste município se desenvolve nos ramos de construção civil, panificação
e fabricação de móveis em madeira.
A infra-estrutura de acesso à cidade de Pacaraima se dá pela rodovia federal
BR- 174, pavimentada e em bom estado de conservação. Há serviço regular de linha
de ônibus para o município a partir de Boa Vista, tanto até Pacaraima como até
Santa Elena de Uairén e demais cidades da Venezuela, além de serviços de
transportadores autônomos (Cooperativa de Taxi) que perfazem o percurso
diariamente.
44
1.8 A fronteira Venezuela/Brasil: Santa Elena de Uiarén
Santa Elena de Uairén, uma cidade localizada no sudeste da Venezuela, no
estado Bolívar. Este Município está cerca de 15 km de fronteiras com o Brasil,
defrontando-se com Município de Pacaraima, no estado de Roraima. É a cidade
capital da Gran Sabana, pertencente ao estado de Bolivar. Ele está localizado cerca
de 900 metros acima do nível do mar, em uma planície cercada por planaltos,
conhecido como Tepuyes. Tem uma temperatura média de 21,8° C com uma
população de aproximadamente 29.795 habitantes, dados de 2006.
Figura 5: Área urbana da cidade de Santa Elena de Uairén Fonte: www.gobierno/venezuela/geografía/estado bolivar
Atraído pelo boom de diamantes na região, Lucas Fernández Peña é
considerado o fundador da cidade de Santa Elena, em 16 de setembro de 1923. O
nome da cidade é uma homenagem à sua primeira filha "Elena" de um total de 23
filhos, e Uairén, nome do rio que atravessa a cidade. Lucas Fernández Peña,
farmacêutico, chegou a região na época da ditadura Gomez e durante a real ameaça
de anexação pelos ingleses na Guiana Inglesa (atual República da Guiana). Oito
anos depois chegaram os primeiros missionários capuccinose em 1945, a aldeia foi
elevada à categoria de município.
A Catedral de Santa Elena é um dos principais monumentos históricos da
cidade. Foi construída em meados do século XX, com as pedras que abundam na
área circundante a cidade. A missão de Santa Elena é o centro da atividade
missionária da ordem dos capuccinos franciscanos na localidade.
45
Santa Elena de Uairén foi declarada “puerto libre”6 em 1999, e o processo de
ajuste para esse fim tem sido lento e trabalhoso. Poucos produtos estão acoplados
inteiramente dentro desse regime jurídico do comércio, no entanto, em face da sua
localização fronteira com o Brasil, o tráfego de mercadorias vem sendo dinamizado
fazendo recuperar a economia. Santa Elena de Uairén possui uma rede de comércio
e serviços bastante significativa: há farmácias, restaurantes, telefonia fixa e móvel,
existe supermercados, pizzarias, hotéis com todos os recursos, acampamentos
ecológicos, igrejas e bombas de gasolina, inclusive uma que atende somente a
brasileiros.
6 Zona franca
46
2. ECOSSISTEMAS LINGUÍSTICOS FRONTEIRIÇOS
2.1 Meio ambiente da língua
A Ecologia vem sediando uma série de abordagens científicas desde a sua
criação pelo biólogo alemão Ernst Haeckel na segunda metade do século XIX, mais
especificamente em 1866, na obra “Generelle Morpfologie der organismen” para
designar uma nova área de conhecimento voltado à compreensão que extrapola, já
em muito, a vertente puramente biológica. Segundo Branco (1987, p. 9); Dajos
(1983, p. 13-16) e Couto (2007), a Ecologia está presente nas ciências naturais,
humanas, sociais, políticas, econômicas, na cultura e nas artes, nas filosofias, e
mais recentemente na ecolinguistica.
Partindo do ponto de vista de uma comunidade biológica considerada o
conjunto formado por todos os seres vivos que convivem em um determinado
território, o conceito de Ecologia extrapolou suas origens nas ciências biológicas e
enveredou pelos domínios das ciências humanas e sociais, exatas, bem como nas
artes, no pensamento filosófico e nas tradições, ou seja, em todos os campos dos
saberes humanos.
A strictu sensu o termo vem do grego oikos = casa e logos = estudo, e
sugere o estudo do “lugar onde se vive”, pensado em diversas escalas – do lugar
que moramos à ecosfera – este compartilhado com bilhões de outros seres vivos - e
levando-se em conta toda a diversidade de aspectos materiais, biológicos, humanos
e sociais.
Para esses autores, a Ecologia transbordou os limites da Biologia,
diversificou-se e passou a integrar as mais diversas disciplinas como a Geografia e a
Sociologia, ressaltando a importância das dimensões humana, sócio-política,
psicológica e cultural em sua abordagem. Diferenciou-se, assim, em vários e novos
campos de atividade. Alguns deles encontram-se em estágio avançado de
desenvolvimento teórico, já em outros, a reflexão ainda é embrionária como a
Ecolinguística.
A abordagem teórica da Ecologia abre espaço para múltiplas facetas, da
cósmica à energética, da cultural à psicológica, da Ecologia do ser – do corpo, da
mente, das emoções -, integrando à Psicologia, os processos cognitivos e
emocionais bem como outras Ciências Humanas como a Educação, a Antropologia
47
e a Filosofia. Dessa forma, há dezenas de campos nos quais a Ecologia se
desdobra, cada um deles com um corpo próprio de conhecimentos e de aplicações:
a ambiental, a humana, a da consciência; a Ecologia cultural, a Ecologia do ser; a
Ecologia política, a social; a (BRANCO, 1987, p. 20).
Este último conceito vem ganhando amplitude no campo da Ecologia. Assim,
é definida como o estudo das relações entre língua e meio ambiente. Para Couto
(2007, p. 19) esse conceito é apresentado a partir das ideias de Einar Haugen, tido
como pai da, que define de “ecology of language” e “language ecology” como “o
estudo das interações entre qualquer língua dada e seu meio ambiente”. Neste
aspecto, a autor entende que se deve partir inicialmente da compreensão do
conceito de ecossistema entendido como o conjunto formado pelos seres vivos e
seu meio ambiente considerando as interações ou interrelações que se dão entre os
elementos componentes.
Essa noção de ecossistema remonta inicialmente a Tansley que já em 1935
definia-o como o sistema resultante da integração de todos os fatores vivos e não
vivos do meio ambiente. Na perspectiva de Odum, um sistema ecológico ou
ecossistema é qualquer unidade em que estejam incluídos todos os organismos, ao
que ele denomina de comunidade, esta contida em uma determinada área onde
ocorrem interações no meio físico resultando em um “fluxo de energia definindo
claramente uma estrutura trófica, uma diversidade biótica e um ciclo de matérias”
dentro dele (COUTO 2007, p. 20).
De acordo com Negret (1982 p. 8-9), a institucionalização do conceito de
ecossistema entendido como unidade funcional da natureza, como medida
convencional, veio para facilitar sua investigação e a compreensão da estrutura-
função das complexas interrelações entre as comunidades vivas, considerando
nelas as próprias interações das sociedades humanas com a natureza.
Enquanto isso, Couto (2009) afirma que um ecossistema linguístico é o lugar
onde se insere uma língua e sua fala. Podendo ser reconhecido a partir da
existência um ecossistema linguístico que seria constituído pela língua (L), pela
população que a fala (P) e pelo território (T), o lugar determinado donde ela é falada;
esta totalidade passa a ser chamada de Ecologia Fundamental da Língua (EFL),
também conhecida como comunidade. Se, em destaque for colocada a língua, tem-
se que o povo e o território constituem o seu meio ambiente fundamental da língua.
48
Nessa perspectiva, o meio ambiente da língua compreende, no entendimento
de Sapir apud Couto (2008, p. 28), todo o seu entorno caracterizado por seus
aspectos geográficos, incluindo neste contexto a topografia, o clima, a vegetação, a
fauna, os recursos minerais, bem como a base socioeconômica da vida humana.
Neste sentido, o verdadeiro meio ambiente da língua é a sociedade que a usa como
um de seus códigos (HAUGEN, 1972b, p. 325 apud Couto, 2007, p. 20). Portanto, P
representa a organização social da língua, enquanto que o meio ambiente mental é
a base cognitiva da língua, funcionando na mente do indivíduo. Essas interações
entre os indivíduos ocorrem em um lugar, o território, que representa o ambiente
natural da língua.
Tabela 2: Caracterização do Meio Ambiente da língua
Meio ambiente da língua
Função Resultado Fatores
condicionantes
MA Natural
Proporcionar o Cenário
onde os indivíduos se
vêem juntos
Propicia a interação entre
indivíduos
Existência do espaço
Co-presença no espaço
MA Mental
Enviar e processar mensagens entre os indivíduos
Convergência ou não de meios de expressão
Continuidade de interação entre povos/línguas
Tentativas de comunicação interlinguística
MA Social
Proporcionar a convergência dos meios de expressão
Socialização e formação de uma nova comunidade
Convivência entre os povos/línguas
Processamento das línguas nas mentes dos indivíduos
Fonte: Esquematização da proposta de Couto (2009) para caracterização do Meio Ambiente da Língua
A Tabela 2 apresenta a caracterização sintética do ecossistema linguístico.
Como pode ser observado, no conjunto da totalidade do ecossistema linguístico,
constituído por um povo, um território e uma língua, se inscrevem três ecossistemas
distintos: o meio ambiente social, o meio ambiente mental e o meio ambiente
natural. Cada um deles, respectivamente apresentam suas Funções, Resultados e
Fatores condicionantes, visando compreender o entendimento das interrelações que
ocorrem nesses ecossistemas linguísticos.
49
O território, o espaço físico, em que os sujeitos estão inseridos, influenciam
nas relações de comunicação estabelecidas, tanto na forma quanto no sentido ali
construído. Nesse ponto,
Essas inter-relações, ou interações entre um membro p1 e um membro p2 de P recebem o nome de AIC
7, que Saussure chamou de atos de fala.
Esses AIC se dão em um espaço bem específico do território que a população habita, em condições ambientais também especificas. Cada um deles se insere em uma EIC
8 também específica. Todo ato de interação
comunicativa tem como produto um enunciado (COUTO, 2009, p. 33).
Vale salientar que embora essa interação a que se refere o autor esteja
relacionada a uma interação dentro de um mesmo ecossistema, é possível
considerar que numa situação de contato fronteiriço, essas interações também se
dão entre P (povos), já que estes também interagem permanentemente.
2.2 Contato de Línguas: interrelações e ambiente
As interrelações entre os povos se dão por meio do contato. Em Couto (2009,
p. 51) tem-se que o deslocamento ou migração de indivíduos, grupos de indivíduos e
até populações inteiras no espaço é a base para o contato de línguas. Neste
aspecto, é possível perceber que, dependendo da natureza das situações de
contato, elas irão caracterizar ecossistemas linguísticos específicos, cuja
proximidade espacial irá facilitar a convergência linguística entre eles, sendo o
inverso, a distância espacial, a divergência de línguas. Essas situações de contato
conforme Tabela 3, neste tópico, apresenta a caracterização dos tipos de contato
possíveis entre povos, as especificidades desses contatos e os fatores que
influenciam nos seus resultados.
Com base nesses fundamentos, Couto (2009, p. 50-54) apresenta quatro
tipos de contato: a primeira situação de contato entre povos e línguas, em
determinado território, se dá quando PL1 representando o lado mais forte nos
aspectos: econômicos, políticos e militares, bem como do ponto de vista do
prestígio, recepciona em seu Território PL2, política, econômica e militarmente mais
7 Atos de Interação Comunicativa
8 Ecologia da Interação Comunicativa
50
fraco em relação a PL1. Como exemplo, pode-se citar o caso dos japoneses no
Brasil.
O segundo tipo de contato se dá quando é o povo PL1, “mais forte” que se
desloca para o território T2, “Povo mais fraco” como geralmente ocorre nos
processos de colonização, podendo haver outras línguas no território, como é o caso
da fronteira Pacaraima/Santa Elena de Uairén, onde espanhois, portugueses e
ingleses (representando aqui os povos PL1, PL2, Pl3, mais forte) encontraram as
línguas indígenas. O resultado desse contato pode ser a implantação total da língua
e cultura dos colonizadores ou a formação de línguas crioulas9, ou ocorrência do
pidgin10 ou ainda a indigenização.
Na terceira situação de contato, tanto o povo PL1 “mais forte” quanto o povo
PL2 “mais fraco” se deslocam para um terceiro território T3, que não é de nenhuma
das partes, como é o caso de Cabo Verde (crioulo português). O resultado desse
contato é o surgimento de um pidgin e de um crioulo.
O quarto tipo de contato se dá quando membros de cada povo e respectivas
línguas (PL1, PL2 e PL3) se deslocam, de vez em quando, ao outro território (T1 ou
T2). O resultado desse contato pode ser o surgimento de pidgins ou cada povo falar
sua própria língua quando se desloca temporariamente, podendo ocorrer também
interações interlinguísticas, ou ainda a convergência linguística. Como exemplo,
tem-se a situação fronteiriça estudada por Couto (2007), no caso de Chui/Chuy,
onde não há separação geográfica visível na fronteira Brasil/Uruguai, a não ser uma
avenida separando dois países fronteiriços. Assim, segundo o autor, este seria um
único ecossistema, mesmo que transicional, entre dois outros ecossistemas maiores,
ou seja, trata-se de uma única comunidade de fala, que usa o portunhol para se
comunicar. Afirma ainda o autor que, “para eles é uma coisa só”, ou seja, quem
mora de um lado não considera o morador do outro lado da avenida como alguém
de “outra” cidade.
Essa caracterização de ecossistema linguístico transicional, situado em
ambiente de fronteira, é pertinente em que suas medidas, ou sua definição como
9 Crioulo e Pidgin: Mescla intracomunidade, isto é de dialetos de uma mesma língua entre si e mescla
intercomunidade, isto é línguas distintas coexistindo e se misturando em uma mesma comunidade.
51
objeto de estudo, leva em consideração que sua delimitação e suas dimensões se
configuram como dimensões de conveniência, em que se pode escolher uma
unidade maior ou menor de estudo, ressaltando que neste entendimento, é
importante considerar que não existem ecossistemas fechados.
Na tabela 3, tem-se a caracterização das situações de contato de línguas
apresentada por Couto (2009), conforme se comentou até aqui.
52
Fonte: Esquematização da proposta de análise de Couto (2009, p. 49-54) para a sistematização dos tipos de situação de contato.
Tabela 3: Situações de contato de povos e línguas em determinado território
Situação de Contato Características Exemplos Resultados previstos por Couto (2009)
PL1, povo mais forte econômica, política e militarmente e de prestígio recepciona PL2, mais fraco, em seu Território (T1)
Formação de Colônias, Ilhas linguísticas; a médio e longo prazos os imigrantes tenderão a ser assimilados pela sociedade envolvente
Alemães, italianos e japoneses que migraram para o Brasil, onde PL2 representa o Brasil
Lei das Três Gerações; apreensão de uma variedade pidginizada da língua hospedeira; bilinguismo; conhecimento passivo da língua original; resistência cultural.
2ª Situação de Contato Características Exemplos Resultados previstos por Couto (2009)
PL1, Povo mais forte econômica, política e militarmente e de prestígio se desloca para o território T2, mais
fraco.
Existência de outros povos/línguas já instalados em PL2; representa situações de colonialismo;
Conquistadores romanos na Península Ibérica; Portugueses, Ingleses, Espanhois, Franceses e outros na África, Ásia, América, Oceania e Oceano Pacífico;
Resultados os mais diversos possíveis dependendo da Ecologia; Implantação praticamente total da Língua e da Cultura dos conquistadores; Existência de enclaves das línguas autóctones que vão sendo influênciados pela Língua do invasor. No Brasil, os povos indígenas que antes eram senhores da terra, que por serem dizimados, o que restam são línguas esparsas aqui e ali. Formação de Línguas Crioulas. Imposição da Língua do colonizador como língua indigenizada
3ª Situação de Contato Características Exemplos Resultados previstos por Couto (2009)
PL1, Povo mais forte econômica, política e militarmente e de prestígio, quanto PL2, PL3, ... PLN, mais fracos se deslocam para um Terceiro Território, não pertencente a nenhuma
das partes.
Frequentemente este território é uma ilha Cabo Verde (Crioulo português;
a Ilha Maurício (Crioulo Inglês) e as Ilhas Seychelles (Crioulo Francês); Grande parte das Ilhas do Caribe
Surgimento de um Pidgin e de um Crioulo; Quando a Ilha é grande pode acontecer de a Língua do lado PL1 se impor sem crioulizar como o espanhol em Cuba
4ª Situação de Contato Características Exemplos Resultados previstos por Couto (2009)
PL1, Povo mais forte econômica, política e militarmente e de prestígio, se desloca temporária ou sazonalmente para o Território PL2.
Situação característica do final do século XIX e início do Século XX.
Somente os Russos (PL1) se deslocavam para o Norte da Noruega para tocar suas mercadorias por peixe
Surgimento de um Pidgin que passou a ser conhecido por russenorsk (Russo-Noruegues). Este Pidgin recebe o nome alternativo de "eu em tu"
Não há uma situação definida , se ratam de PL2 mais forte do que PL1 ou vice-versa
Realização de expedições comerciais entre povos distantes
Surgimento de língua de contato ( Pidgins)
Situações Fronteiriças, caracterizadas pela existência de acidentes geográficos
Portunhol na fronteira entre Brasil e Uruguai
Cada um dos lados pode falar a própria língua quando se desloca para o Território T adjacente; Quando uma língua tem mais prestígio, esta tende a ser a usada nas interações interlinguísticas O mais comum é haver convergência línguística
53
3 DISCURSO E ETHOS
Importa muito para o sucesso da causa que sejam postos favoravelmente à luz costumes, princípios, fatos e gestos, a conduta do orador e de seu cliente; inversamente, em exposição desfavorável o que concerne ao adversário, de modo a inclinar o quanto possível às disposições dos juízes para uma benevolência em relação a si mesmo e àquele que se está defendendo. Ora, o que nos garante a benevolência é a dignidade de nosso caráter, são nossas ações louváveis, a consideração que nossa vida inspira: todas essas coisas fáceis de exaltar quando existem difíceis de fingir quando não existem. Outras qualidades do orador somam-se ao efeito produzido: a doçura da voz, o ar do semblante, a amenidade da fala, a impressão de que, se ele se deixa levar por um ataque inflamado, é contra sua vontade. É muito fácil dar a ver as marcas de um humor dócil, de uma alma generosa, boa, sensível, acolhedora, protegida contra os desejos cobiçosos. Tudo o que indica a lisura, a modéstia, um caráter isento de amargura e de furor, inimigo dos litígios e das controvérsias, atrai a benevolência e indispõe contra os que não têm essas qualidades. (De oratore de Cícero (Livro II, XLII: 182 55 a.C).
3.1 Linguagem, discurso e ethos
A linguagem representa a forma de materialização do discurso. Ela tem sido
estudada de diversas maneiras por diferentes áreas de conhecimento. Enquanto
maneira de compreender o homem em seu meio, ela representa a maneira de
pensar do indivíduo, enquanto ser situado. Dentre essas áreas de conhecimento, a
Análise do Discurso “procura compreender a língua fazendo sentido, enquanto
trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua
história” (ORLANDI, 2009, p. 15).
A Análise do Discurso surge no final da década de 1960, pela obra “Análise
Automática do Discurso”, de Michel Pêcheux, lançada em 1969, representando, na
visão da maioria dos estudiosos, a fundação dessa disciplina. Charaudeau, (2004)
comenta que em relação à totalidade dos enunciados de uma sociedade, -
“apreendida na multiplicidade de seus gêneros” - a Análise do Discurso se torna
objeto de estudo, colocando o discurso como objeto de análise.
Considerando que o discurso evoca uma exterioridade à linguagem: a
ideológica e o social, ela avança diferenciando-se tanto da língua, quanto da fala,
indo alem da transmissão de informação, como um simples ato do dizer, o que
significa que o discurso implica numa exterioridade à língua, encontrando-se no
social e envolvendo questões de natureza não estritamente linguística. Conforme
afirma Orlandi (2009) o discurso visto como objeto sócio-histórico, não pode ser
54
analisado apenas como elemento com significado estanque, mas em movimento
dentro de um contexto social em que o indivíduo está inserido. Assim, “o discurso é
o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia,
compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos” (ORLANDI,
2009, p.17).
Nessa perspectiva, o discurso não está desvinculado das condições impostas
pela presença de elementos linguísticos responsáveis pela produção de sentido, ao
tempo em que não estão dissociados da realidade sócio-histórica. Assim, o discurso
é situado como realidade latente, ou seja, visto como “(...) um objeto sócio-histórico
em que o linguístico intervém como pressuposto”, na medida em que “(...) é possível
observar a língua como produtora de sentido no discurso enquanto efeito entre os
locutores".
Nesse contexto “nem o discurso é visto como uma liberdade em ato,
totalmente sem condicionantes linguísticos ou determinações históricas, nem a
língua como totalmente fechada em si mesma, sem falhas ou equívocos (...)”
(ORLANDI, 2009, p. 22).
Um discurso, tal como o produz um sujeito (posicionado etc) é simultaneamente resultado das representações da língua e de um processo histórico específico que fazem com que a sequencia produzida e seu sentido sejam o que são (POSSENTI, 2009, p. 53).
Na visão de Pecheux (1975), não há discurso sem sujeito e não há sujeito
sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a
língua faz sentido. A Análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata a
língua, não trata a gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata
do discurso e a palavra discurso etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de
percurso, de correr, por movimento. “O discurso é assim, palavra em movimento,
prática de línguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando”
(ORLANDI 2009, p. 15).
A análise concebe a línguagem como mediação necessária entre o homem e
a realidade natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a
permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem
e a realidade em que ele vive (ORLANDI, 2009, p.15-16). Assim, Pecheux (1969)
55
apud Possenti (2009, p.63), concebe “o discurso como uma espécie de encontro
entre um conjunto de condições de produção e de uma língua".
Dessa forma, a primeira coisa a se observar é que a Análise do Discurso não
trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a língua no mundo,
com a maneira de significar com homens falando, considerando a produção de
sentidos enquanto partes de suas vidas, seja enquanto sujeitos, seja enquanto
membros de uma determinada forma de sociedade (POSSENTI, 2009, p.15, p.16)
3.2 Ethos: conceitos e tipos
A reflexão sobre o Ethos, a partir da concepção inicial proposta por Aristóteles
assume uma nova perspectiva, que se antes estava preocupada com a análise do
que era persuasivo para diversos tipos de indivíduos, hoje se volta para
problemáticas relativas ao discurso levando em conta as especificidades do locutor
em relação ao alocutário.
A etimologia ethos, originaria da Grécia antiga, significa “costumes, modo de
ser, caráter” e permite que o co-enunciador crie uma “imagem”, uma “figura” que
represente esse possível “caráter” enunciativo, fundamentado, pela sociedade, em
estereótipos culturais. Na retórica Aristotélica e até a metade do século XVI, ela era
acompanhada da noção de logos e pathos. Estes três conceitos, conforme modelo
de Gibert no século XVIII, serviam para instruir com argumentos (logos), mover as
paixões (pathos) e insinuar com os costumes (ethos). Portanto, é empregado de
duas formas: a primeira designa um tipo de prova que mobiliza tudo o que na
enunciação discursiva contribui para emitir uma imagem do orador destinada ao
auditório, que se refere ao tom de voz, a modulação da fala, escolha das palavras e
dos argumentos, etc, estando ligado à própria enunciação, enquanto na segunda
forma está ligado a um saber extradiscursivo do locutor.
Em Maingueneau (2008, p. 55), embora um novo interesse relativo ao ethos
discursivo tenha surgido depois das obras editadas por Ch. Perelman e de S.
Toulmin, em 1958, foi só nos anos 1980 que o ethos assumiu o primeiro plano.
Objetivamente, foi na França, em 1984 que se começou a explorar o ethos em
termos pragmáticos e discursivos. Para o autor ainda, foi em Ducrot (1984), que se
56
integrou o ethos a uma conceituação enunciativa, e mesmo no seu trabalho propõe
uma teoria dentro do quadro da análise do discurso em 1984 e 1987.
Essa noção de ethos, associada antes aos conceitos da retórica de
Aristóteles, atualmente esta noção está ligada à enunciação, pois considera o ethos
como sendo uma noção discursiva, que se constitui por meio do discurso
Maingueneau (1997, 1999, 2005). Segundo ele, “é preciso admitir que a
“encenação” não é uma máscara do real, mas uma de suas formas, estando o real
investido pelo discurso.” (1997, p. 34), sendo a tarefa do analista do discurso
recuperar os vestígios observáveis (MAINGUENEAU, 1996, p. 6), que ora são
deixados nos enunciados produzidos pelo enunciador em seu discurso.
Essa nova dimensão de se trabalhar o ethos evocando a perspectiva do
discurso no sentido da prática ordinária da fala remete à ideia de que ao falar um
locutor provoca no destinatário uma representação de si mesmo. Nesse sentido a
noção de ethos constitui uma dimensão de todo ato de enunciação. Desta forma,
como a palavra não está mais condicionada pelos mesmos dispositivos, considerada
na perspectiva da retórica antiga, como uma disciplina única, ela reverbera
atualmente em diferentes disciplinas teóricas e práticas, que têm interesses distintos
e captam o ethos sob facetas diversas, como no caso da sua abordagem no âmbito
da .
Vê-se que o ethos é distinto dos atributos “reais” do locutor. Embora seja
associado a ele, na medida em que é a fonte da enunciação, é do exterior que o
ethos caracteriza esse locutor. O destinatário atribui a um locutor inscrito no mundo
extradiscursivo traços que são em realidade intradiscursivos, já que são associados
a uma forma de dizer. Mais exatamente, não se trata de traços estritamente
“intradiscursivos “porque (...), também intervêm, em sua elaboração, dados
exteriores à fala propriamente dita (mímicas, trajes...) (MAINGUENEAU, 2008, p.
59)”.
Assim, a noção de ethos constitui uma dimensão de todo ato de enunciação.
E, na sua elaboração deve-se levar em consideração o material linguístico utilizado,
bem como do ambiente em que ele é produzido, já que é com base neles que o
intérprete se baseia para construí-lo. Isto porque na “elaboração do ethos, interagem
fenômenos de ordens muito diversas: os índices sobre os quais se apoia o intérprete
vão desde a escolha do registro da língua e das palavras até o planejamento textual,
57
passando pelo ritmo e a modulação” (MAINGUENEAU, 2009, P. 60-61)”. Outra
questão que ele coloca é se:
saber se se deve relacionar o ethos ao material propriamente verbal, atribuir o poder às palavras, ou se se devem integrar a ele elementos como as vestimentas do locutor, seus gestos, e, eventualmente , o conjunto do quadro da comunicação. O problema é mais delicado se considerarmos que o ethos, por natureza, é um comportamento que, enquanto tal, articula verbal e nãoverbal, para provocar no destinatário efeitos que não decorrem apenas das palavras (MAINGUENEAU, 2009, p.61)
Além disso, diz ainda o autor que é preciso considerar que o ethos pode ser
considerado tanto pela ótica do locutor como pela via do destinatário, já que o efeito
que se espera dele pode ser bastante diferente, suscitando a construção de imagens
muito diversas daquelas para as quais foi pensada. Nesta ordem, ele cita o exemplo
de um professor que embora pretendendo posicionar-se como um homem “sério
pode ser percebido como monótono”; “de outra forma “um político que queira
suscitar a imagem de um indivíduo aberto e simpático pode ser percebido como um
demagogo” (MAINGUENEAU, 2009, p.61).
Nessa linha de trabalho, vê-se, conforme Auchlin apud Maingueneau (2009,
p. 51) que o ethos pode ser concebido de várias formas ou tipos de abordagem,
dentre elas podendo se apresentar como:
mais ou menos carnal, concreto ou mais ou menos “abstrato”. Tudo depende, antes de qualquer outra coisa, do modo como se traduz o termo ethos: caráter, retrato moral, imagem, costumes oratórios, feições, ar, tom… Pode-se privilegiar a dimensão visual (“retrato”) ou a musical (“tom”), a psicologia vulgarizada (“caráter”)… – O ethos pode ser concebido como mais ou menos saliente, manifesto, singular VS coletivo, partilhado, implícito e visível. Alguns, como C. Kerbrat - Orecchioni, associam a noção de ethos aos hábitos locucionais partilhados por membros de uma comunidade.
É também pertinente considerar que:
é muito razoável supor que os diferentes comportamentos de uma mesma comunidade obedecem a uma certa coerência profunda e, então, esperar que sua descrição sistemática permita distinguir o “perfil comunicativo”, ou ethos, dessa comunidade (ou seja, a sua maneira de ser e de se comportar e de se apresentar nas interações – mais ou menos caloroso ou frio, próximo ou distante, modesto ou imodesto, “sem constrangimentos” ou respeitoso do território alheio, suscetível ou indiferente à ofensa etc.) (C. KERBRAT-ORECCHIONE; 1996, p. 78 apud MAINGUENEAU, 2008).
58
Assim, nessa direção, Mengueneau com base em Auchlin, apresenta-se
alguns fatores que concorrem para a compreensão da concepção de ethos, e modos
como podem ser explorados. A tabela 4 faz então este aporte, conjugando-os com
os princípios a serem considerados na concepção do Ethos.
Tabela 4: Abordagem do ethos
Tipos de ethos
Significado atribuído ao termo
Características Dimensão/características do tipo/sentido/condicionantes
Carnal Caráter, retrato moral, imagem, costumes, oratórios, feições, ar tom, etc.
Concreto ou mais ou menos abstrato
Condicionado ao modo como se traduz o termo ethos
Coletivo Maneira de se de uma comunidade e de se comportar e de se apresentar nas interações – mais ou menos caloroso ou frio, próximo ou distante, modesto ou imodesto, sem constrangimentos, ou respeitoso do território alheio, sucetível ou indiferente à ofensa, etc.
Mais ou menos saliente, manifesto, singular VS coletivo, partilhado, implícito e visível.
Associação da noção de thos aos hábitos locucionais partilhado por membros de uma comunidade; constitui para os locutores que o partilham, um quadro invisível e imperceptível.
Convencional Mais ou menos fixo, convencional VS ousado, singular.
Fonte: Adaptado de Auchlin apud Maingueneau (2009).
3.2.1 Tipos de ethos
A questão do ethos está ligada à da construção da identidade. Cada tomada
da palavra implica, ao mesmo tempo, levar em conta representações que os
parceiros fazem um do outro e a estratégia de fala de um locutor que orienta o
discurso de forma a sugerir, através dele, certa identidade (MAINGUENEAU, 2008,
p. 59-60).
Embora a definição de ethos em Maingueneau esteja associada à
enunciação, o autor afasta-se do quadro da argumentação e leva em conta a
instância subjetiva que se manifesta por meio do discurso como uma “voz”
associada a um “corpo enunciante” que é historicamente especificado. Portanto
59
opta, segundo ele, por uma instância mais encarnada do ethos, que recobre além da
dimensão verbal, um conjunto de dimensões físicas e psíquicas associadas ao fiador
pelas representações coletivas (MAINGUENEAU, 2008, p. 64-65).
O ethos de um discurso resulta de uma interação de diversos fatores: ethos pré-discursivo, ethos discursivo (ethos mostrado), mas também de fragmentos do texto em que o enunciador evoca sua própria enunciação (ethos dito): diretamente ou indiretamente, por exemplo, por meio de metáforas ou de alusões a outras cenas de fala (assim, F, Mitterand, em sua Carta a todos os franceses de 1988, comparando sua própria enunciação à fala de um pai de família (MAINGUENEAU 2008, p. 71)
A figura a seguir sintetiza o pensamento de Maingueneau evocando os tipos
de ethos que podem resultar de uma situação discursiva, apontando que o ethos de
um discurso resulta da interação de diversos fatores caracterizando assim:
O Ethos pré-discursivo, ethos discursivo (ethos mostrado), mas também os fragmentos do texto nos quais o enunciador evoca sua própria enunciação (ethos dito) – diretamente (“é um amigo que lhes fala”) ou indiretamente, por meio de metáforas ou de alusões a outras cenas de fala, por exemplo. A distinção entre ethos dito e mostrado se inscreve nos extremos de uma linha contínua, uma vez que é impossível definir uma fronteira nítida entre o “dito” sugerido e o puramente “mostrado” pela enunciação. O ethos efetivo, construído por tal ou qual destinatário, resulta da interação dessas diversas instâncias. As flechas duplas do esquema abaixo indicam que há interação (MAINGUENEAU, 2008, p. 37)
Figura 6: Tipos de ethos (Fonte: MAINGUENEAU 2008, p. 83)
60
Assim, o “ethos dito, vai além da referência direta do enunciador a sua própria
pessoa ou sua maneira de enunciar (eu sou um homem simples; eu lhes falo como
um amigo), ele vai “além da figura do fiador ou do antifiador, pode incidir também
sobre um conjunto de uma cena de fala, apresentada como modelo ou antimodelo
na cena do discurso”. Já o ethos efetivo, aquele que, pelo discurso, os co-
enunciadores, em sua diversidade, construirão, resulta assim da interação entre
diversas instâncias, cujo peso varia segundo os discursos. A distinção entre ethos
dito e ethos mostrado inscreve-se nos extremos de uma linha contínua, já que é
impossível definir uma fronteira clara entre o “dito” sugerido e o “mostrado” não
explícito” (MAINGUENEAU, 2008, p. 80).
Neste sentido, o conceito de ethos assume uma importância fundamental no
discurso, pois é através da construção da imagem de si que o enunciador legitima
seu próprio dizer, construindo uma imagem calcada em valores historicamente
aceitos, de acordo com uma situação dada.
Desta forma, “o destinatário identifica o ethos apoiando-se em um conjunto
difuso de representações sociais, avaliadas positiva ou negativamente, de
estereótipos, que a enunciação contribui para reforçar um transformar” (2008, p. 65),
por isto, a noção de estereótipos é importante para a construção do ethos, sendo
parte pregnante da cena de enunciação, com o mesmo estatuto que o vocabulário
ou os modos de difusão que o enunciado implica por seu modo de existência.
61
4 FUNDAMENTOS DA ABORDAGEM E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
4.1 Abordagem do tema
A abordagem do tema fundamenta-se nos elementos da , vista em Couto
(2007, 2009), a qual se apropria como categorias de análise as situações de contato
ou migração de indivíduos, grupos de indivíduos e de populações no espaço,
podendo caracterizar a formação de ecossistemas linguísticos específicos como o
que se estabelece na região de fronteira Brasil/Venezuela.
A análise é realizada a partir do material linguístico evocado nesse ambiente
fronteiriço, levando-se em conta as inter-relações que se estabelecem no território
sob a perspectiva da linha francesa da Análise do Discurso, Maingueneau (2008),
que constitui uma dimensão discursiva parte da identidade do sujeito observada em
seu posicionamento discursivo.
Essas representações discursivas que ocorrem no ambiente ecolinguístico da
fronteira Brasil/Venezuela podem resgatar a noção de ethos manifesto, a partir da
ideia que passa a ser retomada a partir dos anos 80 na Análise do Discurso
proposta por Ducrot (1984) e Maingueneau (1984 e 1987). Essa nova dimensão de
se trbalhar o ethos evocando a perspectiva do discurso no sentido da prática
ordinária da fala, remete à ideia de que, ao falar, um locutor provoca no destinatário
uma representação de si mesmo, cuja noção de ethos, constitui uma dimensão de
todo ato de enunciação.
Não se trata de afirmações elogiosas que o orador pode fazer a respeito de sua pessoa no conteúdo de seu discurso, afirmações que correm risco, ao contrário de chocar o auditório, mas da aparência que lhe conferem a cadência, a entonação calorosa ou severa, ou a escolha das palavras, dos argumentos... Em minha terminologia direi que o ethos está associado a L, o locutor enquanto tal e na medida em que é fonte da enunciação que ele se vê revestido de certos caracteres que, em consequência, tornam essa enunciação aceitável ou refutável. (DUCROT, 1984, p. 201)
Dessa forma, “o destinatário identifica o ethos apoiando-se em um conjunto
difuso de representações sociais, avaliadas positiva ou negativamente, de
estereótipos, que a enunciação contribui para reforçar ou transformar”
(MAINGUENEAU, 2008, p. 65). Essa noção de estereótipos pode ser reforçada pelo
entendimento de Labov (1972, apud MONTEIRO, 2000, p. 66) “como formas
62
linguísticas socialmente marcadas, etiquetada de maneira ostensiva pela sociedade,
(...), variantes que constituem o patrimônio de um grupo específico e sobre as quais
atuam atitudes e crenças”. Neste aspecto, a noção de estereótipos, “no sentido
comum de imagens congeladas ou opiniões” (MOSCOVICI, 2007, p. 222), é
importante para a construção do ethos, sendo parte pregnante da cena de
enunciação, com o mesmo estatuto que o vocabulário ou os modos de difusão que o
enunciado implica por seu modo de existência. O reconhecimento do ethos do
sujeito de fronteira por meio da Análise do Discurso perpassa assim, por:
colocar o dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz em lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que é dito de outro, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz , aquilo que ele não diz mas que constitui igualmente o sentido de suas palavras (ORLANDI, 2009, p. 59).
Nessa perspectiva, o ambiente ecolinguístico em que o discurso é produzido,
considerando a situação de contato e território, irá influenciar o sentido construído do
discurso, levando em conta sua materialidade histórica. Isto porque as
representações sociais
(...) são sempre complexas e necessariamente inscritas dentro de um „referencial de um pensamento preexistente‟ sempre dependentes, por conseguinte, de sistemas de crença ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e da existência. Elas são, sobretudo, um permanente trabalho social, no e através do discurso, de tal modo que cada novo fenômeno pode sempre ser reincorporado dentro de modelos explicativos e justificativos que são familiares e, consequentemente, aceitáveis (MOSCOVICI, 2007, p. 216).
De outra forma, observa-se que não há representações sociais sem
línguagem, do mesmo modo que sem elas não há sociedade (MOSCOVICI, 2007, p.
219). Neste sentido, para analisar o discurso do sujeito em sociedade torna-se
necessário enxergar a línguagem como instrumento construído na interface da
realidade natural, mental-psicológica e social do homem. “Essa mediação, que é o
discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o
deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive”
(ORLANDI, 2009, p. 15).
63
Assim, num determinado ecossistema linguístico, em que se dá a cena do
cotidiano, nesta perspectiva, fica evidente que qualquer sujeito está assim “cercado,
tanto individualmente como coletivamente, por palavras, ideias e imagens que
penetram nossos olhos, nossos ouvidos e nossa mente, quer queiramos quer não e
que nos atingem, sem que saibamos” (MOSCOVICI, 2007, p. 33).
Dessa forma,
Não são os sujeitos físicos nem os seus lugares empíricos como tal, isto é, como estão inscritos na sociedade, e que poderiam se sociologicamente descritos, que funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de projeções são essas projeções que permitem passar das situações empíricas - os lugares dos sujeitos - para as posições dos sujeitos no discurso (ORLANDI, 2009, p. 40).
O indivíduo torna-se sujeito discursivo a partir da/na instância de enunciação.
As cenas de enunciação são instituídas no/pelo discurso, sendo elas: a) A cena
englobante que integra o discurso em um tipo que poderá ser publicitário,
administrativo, filosófico; b) a cena genérica, onde o discurso está associado a um
gênero ou a um subgênero de discurso como o sermão, o editorial; e c) a cenografia,
que é construída pelo próprio texto, sendo a cena de fala que o discurso pressupõe,
para poder ser enunciado, deve ser validado através de sua própria enunciação. São
os conteúdos desenvolvidos pelo discurso que permitem especificar e validar o
ethos, bem como sua cenografia, por meio dos quais esses conteúdos surgem
(MAINGUENEAU, 2008, p. 71).
O sujeito que enuncia encontra-se num lugar discursivo que o legitima e que
lhe atribui uma autoridade vinculada a uma dada posição: uma instância enunciativa.
Para interpretar um discurso é necessário que o co-enunciador identifique o tipo do
discurso, ou seja, a que cena englobante ele corresponde: política, religiosa,
publicitária, jurídica, etc., permitindo coligar a finalidade contratual entre o “EU”,
enunciador, e o “OUTRO”, co-enunciatário. No entanto, caracterizar apenas um
discurso como político, literário, publicitário ou outros, não é suficiente, pois o co-
enunciador é aquele que irá definir os papéis dos parceiros do discurso, o lugar e o
tempo em que se enuncia e a finalidade discursiva, definindo, dessa maneira, as
cenas específicas dos gêneros do discurso (MAINGUENEAU, 2005a, p.86).
Como se pode observar, esta base teórica, fundamentada em Maingueneau
(1997, 2008) favorece a análise, principalmente em relação às circunstâncias e o
64
lugar social em que o sujeito enuncia. É neste sentido que se utiliza esta noção, pois
quando o sujeito falante, o falante de fronteira, enuncia sobre seu contexto histórico,
linguístico e social, mobiliza seu conhecimento, emoções, razões e avaliações na
construção de seu ethos, enunciando assim seu ponto de vista sobre o mundo, em
função do seu espaço.
Em síntese, tem-se que por meio da análise do discurso do sujeito da
fronteira, será possível reconhecer o ethos impregnado no ecossistema linguístico
fronteiriço, naquela fronteira específica, cujo sentido linguístico da enunciação deve
emergir por meio do material sócio-histório, sendo este produzido sob a influência
das relações ali estabeblecidas ao longo do contato entre os povos.
4.2 Procedimentos metodológicos de análise
4.2.1 Os sujeitos enunciadores
Em um processo de integração entre os povos na fronteira Brasil/Venezuela,
o governo estadual, por meio da Universidade Estadual de Roraima-UERR,
desenvolve políticas educacionais voltadas para atender uma demanda por cursos
do ensino superior, bem como cursos de extensão. Neste sentido, observando as
especificidades de cada campus e levando em conta a zona fronteiriça em que estão
localizados os campus de Bonfim e Pacaraima, a UERR implantou o curso de
Português como Língua Estrangeira – PLE, nos referidos campi e também em Boa
Vista.
O Projeto Piloto de PLE no Campus de Pacaraima, ofertou quarenta vagas no
semestre 2010.2. Em função do aumento de demanda, a UERR ofereceu em 2011.1
cento e vinte vagas no Campus de Pacaraima e quarenta vagas no Campus de
Bonfim, fronteira Brasil/República Federativa da Guiana.
As aulas são ministradas por monitores acadêmicos do Curso de Letras da
UERR; sendo dois monitores em cada turma, com uma carga horária de quatro
horas semanais, ministradas aos sábados, sendo o curso total de oitenta
horas/aulas.
Nesta pesquisa, é dada ênfase para fronteira Pacaraima/Santa Elena de
Uairén), considerando que no semestre 2011.1 duas turmas estavam em
65
andamento, sendo que em uma delas selecionou-se aleatoriamente quatro cursistas
como sujeitos da pesquisa.
Os colaboradores desta pesquisa são constituídos por quatro sujeitos
venezuelanos habitantes em Santa Elena de Uairén e alinos do cursp de PLE,
conforme dados sociolingüísticos apresentados na Tabela 5, a seguir:
Tabela 5: Dados Sociolinguísticos dos sujeitos da fronteira
SUJEITO ENUNCIADOR - SE
IDADE SEXO PROFISSÃO
TEMPO NO MUNICIPIO DE SANTA ELENA DE UIARÉN
LÍNGUA DA ENTREVISTA
SE- 1 Raquel11
20 F Serviço Privado-Atendente
20 anos Português
SE-2 Maria 50 F Serviço Público – Turismo
50 anos Português
SE-3 Salomão 55 M Serviço Público – Professor
26 anos Espanhol
SE-4 Tomé 27 M Serviço Privado-Músico 6 meses Espanhol
Fonte: Dados da pesquisa em junho de 2011
A caracterização desses sujeitos se deu com base nos parâmetros
estabelecidos na sociolingüística de Labov (1972), que, para a pesquisa, leva em
consideração as seguintes variáveis: idade, sexo, formação, nível de escolaridade,
profissão, a região de fronteira, a zona de residência e a origem do falante. A estas
variáveis, acrescenta-se o tempo de permanência na fronteira e a língua da
entrevista como significativas para a percepção da construção do ethos destes
enunciadores. Embora o autor volte sua análise linguística para uma noção ampla
de comunidade de fala, as variáveis, aqui apresentadas, servem para caracterizar o
ethos, considerando o discurso ao nível do indivíduo, pois o tratamento do corpus se
dá numa perspectiva dialógica; de ver os indivíduos como sujeitos de seu discurso e
não como objeto de análise ou fonte de dados linguísticos, como afirma Bakhtin
([1959-61] 2003) que considera o dialogismo como constitutivo das pesquisas que
lidam com os indivíduos, como no caso das ciências humanas.
No que se refere à variável idade, os sujeitos encontram-se na faixa etária
entre os 20-30 e 50-55 anos, sendo que cada uma das faixas é constituída por
sujeitos de ambos os sexos. A escolha de pessoas de idades diversificadas foi
11
Os nomes dos moradores da fronteira apresentados, nesta pesquisa, são fictícios.
66
intencional, pois como observa Labov (1972), existem diferenças linguísticas em
função do fator idade que pode influênciar no discurso do sujeito, principalmente em
função das relações estabelecidas entre os dois povos.
Quanto à variável profissão, os sujeitos são constituídos por servidores
públicos e privados. Quanto ao nível de formação, observa-se que os dois homens
têm formação superior e que as mulheres ainda estão em processo de formação.
Quanto à variável „tempo de permanência‟, observa-se que os sujeitos vivem na
região fronteiriça entre seis meses e cinquenta anos.
Com relação à decisão pela escolha da língua espanhola/portuguesa como
variáveis, deveu-se ao fato destas representarem a identidade linguística dos
sujeitos, o que deve facilitar o reconhecimento do ethos.
4.2.2 A entrevista e convenções de transcrição
As entrevistas ocorreram no mês de junho de 2011 e foram realizadas nas
instalações da Universidade Estadual de Roraima-UERR, Campus de Pacaraima.
Iniciou-se com a seguinte pergunta que teve como objetivo a provocação de um
discurso livre pelo sujeito: Como é a vida na fronteira? E cuja intenção foi fazer com
que os sujeitos se sentissem à vontade para fazer descrições sobre sua vida
pessoal/profissional/familiar e o contexto sócio-histórico da fronteira. Durante a
entrevista, como é previsto na entrevista livre12, a pesquisadora fez perguntas sobre
temas variados, mas que giravam em torno da vida na fronteira; as relações sociais
de comércio, natureza, amizade e educação e a mobilidade entre os dois países.
Ao término das quatro entrevistas, iniciou-se o processo de transcrição13 dos
dados. Nesta etapa da pesquisa, optou-se por obedecer às orientações de
transcrição utilizada em Benveniste (1998), que estabelece alguns critérios tendo-se
optado pelos seguintes:
(...) = pausas silenciosas percebidas;
/ = repetição esboço de palavras, abandono;
aaa = repetição de letras – alongamento;
hum = pausas sonoras
12
Um roteiro construído após a entrevista está anexado ao trabalho. 13
As entrevistas transcritas estão anexadas a este trabalho.
67
Com relação às declarações dos moradores da fronteira nas entrevistas estas
foram transcritas de acordo com os critérios para transcrição da fala espontânea
sugeridos por Bienveniste (1998, p. 39).
Pontuação: nenhuma
Maiúscula: nos nomes próprios e início das entrevistas;
Números escritos por extenso
Pausas silenciosas percebidas
Pausas preenchidas
Alongamentos
Repetições
Nesta transcrição, percebem-se fenômenos constituídos por fala espontânea,
que segundo Benveniste (Bienveniste, 1998, p. 43) é entendida como aquela que
deixa perceptível suas etapas de elaboração, caracterizando-se por idas e vindas,
ensaios léxicos, pré-asserção, uso massivo de incisos, enumerações, listas e
comentários sobre buscas de palavras.
Ressalte-se que embora tenha sido uma entrevista livre, na sua transcrição
não é considerada as superposições, o que denota uma interação regulada por uma
alternância de turno, menos dinâmica, característica do script da entrevista
sociolingüística, gênero no qual a alternância no turno de fala é controlada pelo
entrevistador, ao contrário do que ocorre na conversa espontânea, gênero no qual, a
princípio, não há o controle do turno de fala. As partes percebidas em espanhol
foram transcritas à ortografia do espanhol, e as partes percebidas em português
foram transcritas com a ortografia do português.
4.2.3 Os enunciados
O corpus está composto por quatro textos orais produzidos no discurso do
sujeito do ecossistema linguístico considerado na pesquisa, o qual foi intitulado de:
“A vida na fronteira”, onde a pesquisadora solicitou que o entrevistado contasse
como era a vida na fronteira, fazendo perguntas aleatoriamente ao logo da
68
entrevista, com a preocupação em manter estimulados os ânimos dos sujeitos de
forma a que continuassem produzindo oralmente.
A organização do material da pesquisa se deu por meio da coleta de dados
de 41min33s de gravação em áudio das produções orais. As produções individuais
foram de seis a dezesseis minutos, levando-se em conta que a duração dependia do
envolvimento do sujeito durante a entrevista.
4.2.4 Os fatores ecolinguísticos de influência no contato de povos
As situações de contato interlinguístico sinalizam para posicionamentos
discursivos entre povos e línguas. Os posicionamentos discursivos que surgem em
função dos contatos que ocorrem entre povos fronteiriços PL1 e PL2 são de certa
forma, influenciados por um conjunto de fatores considerados facilitadores ou
inibidores das interações linguísticas que podem existir na região. As interações
entre esses povos, brasileiros/venezuelanos, ocorrem nos mais variados níveis.
Assim, optou-se por conhecer esse contato por meio da identificação dos fatores de
influencia nas relações estabelecidas entre os dois povos brasileiros/venezuelanos,
as duas línguas (português/espanhol) e os territórios (Pacaraima/Santa Elena de
Uairén).
Levando em conta que o ambiente linguístico é caraterizado por contatos dos
povos, os aspectos que envolvem a língua em relação ao ambiente natural e sócio-
histórico são parte dessa relação que muitas vezes está presente no discurso do
sujeito considerando os postulados da vistos em Couto (2007), postulando que os
fatores: Intensidade, quantidade, tempo de permanência, resistência cultural
influenciam no resultado do contato entre povos. Colocada a questão desta forma,
verifica-se que, dependendo de como e da forma como incidem esses fatores, os
discursos ou as representações discursivas dos sujeitos irão também variar,
caracterizando as relações, interações e situações de contato linguístico entre
povos.
Baseado em Couto (2009), os fatores que influenciam nos resultados dos
contatos de línguas apresentam-se de diversas maneiras, apontando-se entre eles a
quantidade que diz respeito ao número de pessoas que se inter-relacionam em um
determinado lugar. De acordo com esse autor, dependendo do número de pessoas
69
em interações densas poderá acarretar a imposição da língua ou na sua
manutenção. Outro fator é o tempo de permanência no território, que dependendo
do período de sua manutenção, poderá ocorrer uma maior ou menor convergência
linguística e, portanto, em um posicionamento discursivo. Outro fator é a
intensidade de como se estabelece esse contato, fator este relacionado
intimamente à quantidade, ocorrendo de forma concomitante. Um quarto fator são as
atitudes, que, dependendo do comportamento dos povos, se mais ou menos cordial,
poderá ocorrer uma maior ou menor resistência cultural podendo dificultar ou facilitar
a assimilação da língua e culturas. Por fim, a semelhança/dessemelhança
tipológica entre as línguas contatantes é também um fator que pode influir no
resultado do contato em região de fronteira, por se tratar de duas línguas distintas –
português e espanhol – e que apresentam desde semelhanças morfológicas até
sintáticas.
70
5 ANÁLISE DO ETHOS EM AMBIENTE ECOLINGUÍSTICO FRONTEIRIÇO
BRASIL/VENEZUELA
5.1 Situação de contato entre falantes no ecossistema linguístico
Brasil/Venezuela
Segundo Couto (2009, p. 49-54) as situações de contato de povos e línguas
em determinado território, podem ser analisadas a partir de quatro situações14. Em
nossa análise e caracterização da fronteira Brasil/Venezuela, identificamos duas
dessas quatro situações de contato. A primeira corresponde ao momento
historicamente marcado pelo processo de colonização iniciado a partir das grandes
navegações, quando os europeus aportaram no continente sul americano no século
XV. Esse contexto corresponde no modelo de Couto (2009, p.52) a uma situação em
que “PL1, o povo mais forte política, econômica e militarmente e de prestígio se
desloca para o território T2, mais fraco”.
Já a segunda situação de contato, é mais contemporânea e se caracteriza
como parte de um processo histórico que culmina com a formação embrionária da
fronteira entre os dois países. Esse segundo contexto corresponde no modelo de
Couto (2009, p. 54) à situação de contato em que “membros de PL1 se deslocam,
termporária ou sazonalmente, para o território de PL2 e/ou membros de PL2 se
deslocam para o território de PL1”. Neste contexto contemporâneo de situação
contato é que se dá a análise desta pesquisa a partir de uma descrição da
construção do ethos discursivo do sujeito da fronteira a fim de caracterizar a situação
de contato de povos no ecossistema linguístico Brasil/Venezuela.
O capítulo de análise está dividido em quatro partes: a primeira 5.1 é esta
introdução. Na segunda parte 5.2, descrevemos, com metodologia da análise do
discurso, a construção do ethos discursivo do sujeito que se posiciona ora como
parte integrante da comunidade linguística de Santa Elena, ora como parte
integrante de um lugar que é comum a brasileiros e venezuelanos, la línea. Na
terceira parte 5.3, caracterizamos o ambiente de “la línea” por meio da influência de
cinco fatores ecolinguísticos: quantidade, intensidade, tempo, atitude e semelhança
entre as línguas. E na quarta e última parte 5.4, apresentamos a proposta do
14
Cf. Tabela 3, página 53
71
ecossistema linguístico provisional e a metodologia de análise por redes sociais para
dar conta da situação de contato e dos tipos de interações nessa fronteiriça. Na
leitura das partes desse capítulo a seguir, poderá se ver “claramente” o percurso
desta pesquisa, que parte da noção de ethos e chega à noção de redes sociais
como proposta de análise de contextos fronteiriços, levando em conta a porosidade
e mobilidade das fronteiras.
5.2 Construção do ethos discursivo do sujeito da fronteira
A cena enunciativa diz respeito à dimensão constitutiva do discurso, as
circunstâncias no quadro de enunciação. Para Maingueneau (2008ab) há três cenas
que compõem a cena enunciativa que podem ser verificadas na Tabela 6. A análise
discursiva neste contexto pode ser considerada a partir da cena enunciativa em que
o discurso é produzido, o que Maingueneau denomina de cena englobante, além de
considerar que o discurso pode ser concebido levando-se em consideração seu
destinatário. O autor considera ainda que o contexto em que o discurso é produzido
num espaço-tempo é indissociável da cena enunciativa.
A partir do modelo de Maingueneau é possível conceber, conforme Tabela 7,
que o discurso pode ser considerado como ideológico enquanto cena englobante;
quanto ao gênero do discurso, a entrevista realizada com os informantes enquadra-
se num tipo de cena genérica, e em relação à cenografia tem-se: a cronografia se
Tabela 6: Cena da enunciação- quadro teórico
Cena Englobante Cena Genérica Cenografia
Publicitário Administrativo Filosófico ...
Sermão Editorial
Carta
Cronografia (agora) Topografia (aqui) (indissociáveis)
Fonte: Maingueneau (2008, p. 70)
Tabela 7: Caracterização da cena de enunciação do ecossistema de estudo
Cena Englobante Cena Genérica Cenografia
Ideológico
Entrevista
Cronografia (se revela nas situações de contato)
Topografia (ecossistema linguístico provisional)
Fonte: Adaptação do modelo da cena de enunciação proposto por Maingueneau (2008, p. 70), para a análise do ecissistema da região fronteiriça Brasil/Venezuela, objeto desta pesquisa.
72
revela a partir das situações de contato evocadas no discurso do sujeito da fronteira,
e a topografia seria o ecossistema linguístico “provisional”. Vejamos os seguintes
enunciados:
No enunciado, a seguir, Maria evoca a cenografia do período da colonização
da região, momento em que os dois povos “portugueses e espanhois” se encontram
nesse ecossistema.
SE-MARIA: (...) a família dele chegou da Espanha e começou a vida na Venezuela nesse estado/ então quando ele tinha mais ou menos uns vinte e sete anos ele saiu dali meus bisavós morreram e ele estava morando com os tios e depois ele saiu pra buscar não sei aventura da vida e chegou até o estado Bolívar e depois dai ele começou a conhecer muito mais adentro porque nesta época a gente falava da época do ouro e da seringa porque em Venezuela se chama caution e balatá// ele também esteve em Tepequém trabalhando nas minas sacando diamante e ouro ele conheceu muito do Brasil e depois que ele se instalou em Santa Elena de Uiarén / ele teve muita relação com o Brasil quando ele chegou em Santa Elena só estava a bandeira dos ingleses e ele tirou a bandeira dos ingleses e então ele colocou a bandeira da Venezuela pra começar uma nova vida (...)
É trazido pelo discurso de Salomão, o momento atual de contato entre os
povos brasileiro e venezuelano, dando uma situação de interação amigável.
SE-SALOMÃO: (...)a la / a la vida en /en nosotros aquí en comu /como ciudadanos comune el trato entre nosotros é muy cordial brasilero y venezoelano muy verdadero / verdadero eh (...) e si e si / si tien un tiempo una incomodidad otoridad solecitano queee el pase hacia a la ciudad de Boa Vista cuando nos solicitan pasaporte no (...) Entonces nos deciamos cómo que se estamos en una frontera Boa Vista es tan cerca (...) nos piden pasaporte y ahora isso ya estaaa (...) exonerado (...) no simplesmente ya se ya es una solicitu./un permiso (...) no paso (...) porque somo muy /muy cercanos (...)
Dessa forma, são as cenas de vida, da sua cotidianidade, em relação à
representação do discurso envolvendo fatores sociais e econômicos da região
fronteiriça que caracterizam esse discurso, pois “(...) são os conteúdos
desenvolvidos pelo discurso que permitem especificar e validar o ethos, bem como
sua cenografia, e que, por meio dos quais esses conteúdos surgem”
(MAINGUENEAU, 2008, p. 71). Neste aspecto, é a partir deste discurso, que o
analista delimitará sua análise, na medida em que “(...) por meio da sua fala um
locutor ativa no interprete a construção de determinada representação de si mesmo,
pondo em risco seu domínio sobre sua própria fala (MAINGUENEAU, 2008, p. 73).
73
Deste modo, “a cena de fala que o discurso pressupõe para poder ser enunciado e
que, por sua vez, deve validar através de sua própria enunciação”.
A história sócioeconômica da região faz parte do ambiente ecolinguístico em
que o indivíduo está inserido, onde acontece essa interação e as circunstâncias em
que ela ocorre, como afirma Couto (2009, p. 18) “é preciso enfatizar os falantes e
aprendizes das línguas em seus respectivos cenários de interação”. Assim, por meio
do discurso desses moradores da fronteira, situado sua cenografia e conhecidos os
fatores sócio-históricos evocados nas entrevistas, poder-se-á perceber o
pensamento desses sujeitos como situados historicamente.
Neste contexto, enquanto a está para explicar os processos de interação
entre a língua e o meio ambiente, e como ocorre essas interações no discurso dos
enunciadores da fronteira, consideradas as partes, como relacionadas ao todo, bem
como o todo relacionado às partes (COUTO, 2008); a Análise do Discurso, ver o
discurso como o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e
ideologia, pois “procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho
simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história”
(ORLANDI, 2009, p. 15).
Com intuito de caracterizar o ethos do sujeito da fronteira, optou-se por
conhecê-lo por meio do estudo de fatores sócio-históricos evocados nos enunciados.
Isto por que, a intensidade do contato está relacionada aos deslocamentos físicos do
povo ou de povos para um território. A partir do momento em que as trocas
comerciais se intensificam (crescimento das visitas e comércios) é que os contatos
se tornam mais diretos, podendo ocorrer contatos regulares com locutores correntes
(MUFWENE, 2001 apud COUTO, 2009). As línguas entram em contato na mente
dos indivíduos que entram em contato num determinado lugar, pois as línguas não
se movem sem população.
Assim, a compreensão da construção do ethos fronteiriço Brasil/Venezuela
leva em conta o conceito de ecossistema, entendido como um ambiente
ecolinguístico e pelo entendimento do conceito de língua na perspectiva da Análise
do Discurso, perpassa também pela construção na cena de enunciação que constitui
o homem e sua história, já que o discurso construído implica uma maneira de dizer
que é também uma maneira de ser. Neste sentido, o viés para analisar o discurso
produzido pelos moradores da fronteira leva em conta a cena enunciativa em que o
74
discurso é instituído e o ambiente ecolinguístico evocado nas representações
discursivas desses sujeitos.
Considerando que o ecossistema natural da língua (MA natural) é constituído
por L (Língua) em relação a T (Território) e os membros de P (Povos) entendidos
como corpos físicos, ou seja, a totalidade formada pela língua e o mundo físico, o
analista, com base nas interações dos enunciadores nesse ambiente de fronteira,
caracteriza o ethos construído a partir da representação discursiva desse ambiente
ecolinguístico.
A situação de contato de povo/língua é determinante para a construção do
ethos. Ela é corroborada pelos fatores responsáveis pelos resultados do contato,
conforme apresentado na Tabela 3. Assim, o sujeito quando enuncia, o faz a partir
de um posicionamento. O lugar onde acontecem as interações e as circunstâncias
em que elas se dão é fruto da mobilidade típica dos deslocamentos, migrações, bem
como das situações fronteiriças, cujas relações socioeconômicas, sócio-históricas e
sócioambientais que se estabelecem entre os povos, são frutos das interações que
ocorrem no meio ambiente natural, mental e social numa situação de contato
linguístico, e por consequência pela construção de um ethos que será tanto mais ou
tanto menos aproximado, dependendo da incidência em que ocorram os fatores
responsáveis pelos resultados do contato.
Dependendo do quantum, maior ou menor, for o número de pessoas
(quantidade) determinando esse contato, do tempo de permanência em „la línea‟ de
fronteira, bem como da intensidade em que eles ocorrem, a atitude dos povos em
relação à língua e à cultura, além da semalhança/dessemelhança tipológica da
língua, o discurso do sujeito tenderá a ser mais aproximativo das relações comuns
de convivência entre as comunidades fronteiriças.
Ademais, a incidência desses fatores na situação de contato converge para a
compreensão de um ethos que está relacionado aos comportamentos ou
posicionamentos do sujeito inserido nesse contexto de contato linguístico. Nesta
direção, Maingueneau (1996, p 78) afirma que
“é muito razoável supor que os diferentes comportamentos de uma mesma comunidade obedecem a uma certa coerência profunda e, então, esperar que sua descrição sistemática permita distinguir o “perfil comunicativo”, ou ethos, dessa comunidade mais ou menos caloroso ou frio, próximo ou distante, (...)”.
75
Considera-se que o enunciador representado pelo sujeito da fronteira se
manifesta em seu discurso sob várias perspectivas, assumindo um perfil
comunicativo que pode indicar um sentimento de pertencimento ou não-
pertencimento desse “lugar” chamado ecossistema “provisional”, (ALVES-DA-SILVA,
2012), conforme apresentado na Figura 11.
Nessa condição, o ethos pode ser emergido levando-se em consideração
duas perspectivas de análise, que podem dar conta do perfil comunicativo
encontrado no discurso do sujeito da fronteira, cujo objetivo está em perceber o
quantum mais ou menos próximo são os laços que unem ou não as relações
fronteiriças evocadas nos enunciados.
Para efeito de análise, implica dizer que “a maneira de ser de uma
comunidade e de se comportar e de se apresentar nas interações – mais ou menos
caloroso ou frio, próximo ou distante, modesto ou imodesto, “sem constrangimentos”
ou respeitoso do território alheio, suscetível ou indiferente à ofensa etc.) assim o
ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o outro e
poderá ser percebido como mais ou menos saliente, manifesto, singular VS coletivo,
partilhado, implícito e visível. Neste sentido, são apresentadas as duas premissas
básicas vistas como necessárias e suficientes para a construção do ethos discursivo
do sujeito da fronteira:
i. O sujeito enuncia como parte integrante da comunidade linguística de
Santa Elena de Uairén e/ou
ii. O sujeito enuncia como parte integrante de um lugar que é comum a
brasileiro e venezuelano-“la línea”.
Assim, para satisfazer a condição primeira, o sujeito enuncia referindo-se a
um lugar comum – “não-único”, onde ocorrem as interações no nível da
informação/comunicação. Enquanto para a condição segunda, considera-se que o
sujeito ao enunciar-se como parte integrante da comunidade linguística de Santa
Elena de Uairén/Pacaraima, ele o faz a partir de um lugar comum – “único”. Neste
caso, o sujeito reconhece-se como parte integrante dessa totalidade que remete ao
entendimento do significado do ecossistema “provisional”, figura 11.
76
5.2.1Sujeito integrante da comunidade linguística de Santa Elena de Uairén
As fronteiras internas que caracterizam os limites entre o Brasil e a Venezuela
não possuem uma definição, se não pelo marcos geodésicos implantados.
Considerando que não existem barreiras físicas como acidentes geográficos
impeditivos de relacionamentos próximos entre os povos dessa fronteira, são áreas
potencialmente de expansão econômica, social e de implantação de línguas e
culturas envolvendo estes povos, como se confirma no discurso de Maria:
SE-MARIA: ele teve muita relação com o Brasil quando ele chegou em Santa Elena só estava a bandeira dos ingleses e ele tirou a bandeira dos ingleses e então ele colocou a bandeira da Venezuela pra começar uma nova vida então ele teve vinte e sete filhos para fundar o povo
Um aspecto muito interessante no recorte acima está na valorização de sua
cultura, pois por meio de um gesto de patriotismo busca como forma de fixação de
sua ideologia construir um segmento do qual é oriundo (Espanha), refletindo num
gesto de colonialismo, que guardadas as suas devidas proporções, reproduz as
ideias da ideologia dominante de um povo sobre o outro. Mas também traz à tona a
ideia de limite.
Vejam-se os seguintes enunciados:
SE-MARIA: eu acho que Venezuela não há aproveitado essa integração com o Brasil pra fazer turismo eu acho que hoje Brasil se esta aproveitando pelo menos o estado de Roraima essa questão de ser um estado fronteiriço eu admiro essa questão porque antigamente quando o Brasil tinha uma mala situação econômica (...)
As relações estabelecidas, principalmente, as comerciais, parecem ser
aproveitadas somente pelo Brasil. Isto se deve ao fato, principalmente, das políticas
econômicas internacionais, o câmbio real x bolívar venezuelano, ao que parece
influênciar nos mais variados níveis, as relações estabelecidas entre os povos. De
fato, as relações sao estabelecidas a partir das necessidades econômicas são
também indicadores de atividade em relação ao outro.
SE-MARIA: eh não é um segredo para os brasileiros a gente aproveitava essa questão e inclusive as gente os brasileiros que trabalhavam lá eles eram maltratados porque não tinha papel a gente explorava a questão de estrangeiro agora a moeda está virada haha (...)
77
Maria, enuncia por meio da memória histórica, retomando o momento em que
as relações entre os povos se davam de forma desarmônica, ou seja, o venezuelano
explorava a mão-de-obra barata do brasileiro, pois a situação econômica do Brasil
era hierarquicamente inferior à situação da venezuelana, em meados de 1990. Além
disso, traz à tona um momento posterior, onde a moeda brasileira é mais forte,
situação vigente.
SE-SALOMÃO: eh cuando llegué acá esta era una zona muy deprimida (...) la /la economía fuerte la tenia era Venezuela eh la la economía débil era de Brasil (...) entonces nuestra moneda que es pues el bolívar seiscientos bolívares (...) tenía una fortaleza única (...) entonces todos desplazamos hace a la frontera a comprar (...) ese nuestro centro de de acopia y compra era aquí en Pacaraima (...)
A depender do momento econômico, as trocas se intensificam e se modificam
e se adaptam às novas situações impostas pelas regras econômicas impostas pelo
mercado. O indivíduo da mesma forma busca se adaptar a esse ambiente de
constantes mudanças.
SE-TOMÉ: en poco tiempo que he vivido acá en Santa Elena me ha parecido muy /muy /muy bueno /muy bueno el cambio okey uno se tiene que adaptar y eso (...) acá en la línea muy tranquilo eh la fronteraaa no es mucho el paso que he tenido simplementeeeee en estos seis meses que he vivido acá he notado pues queee son muy /muyy eh (...)
SE-SALOMÃO: actualmente en Santa Elena estan llegando / o ha llegado una série de comerciante de nacionalidaaaad (...) oriental / oriental (...) diolando árabes ... uhun (...) turcos ( ...) chinos (...) y que han estabelecidos centros comerciales bastante importante eh (...) dita el flujo (...) pues que existe deee/ de brasilero / la moneda brasilera es por ahí muy fuerte (...) y eso paraaa / importante pues su economia ha crecido (...) entonces hoy / la cosa se invertió (...) hun (...) hoy en dia el el comércio importante esta en Venezuela para brasilero (...) Venezuela es importante no (... )en Santa Elena como ves han montado un centro comerciale (...) vamos llamar entre comillas no (...) esas zonas de area son mucho mas grande (...) se no centrooo / negocio pues muy grande (...)para ese /ellos dempeñarse (...)
Hoje a situação econômica está invertida, por isso alguns venezuelanos se
sentem como que explorados por brasileiros, principalmente em relação ao câmbio,
conforme se observa no discurso de Salomão.
O processo de adaptação à região e fronteira perpassa pela compreensão e
aceitação das situações impostas pela economia. A não adaptação implica na
78
existência de certo “desconforto” que Maria se refere como sendo “maus tratos”, dos
brasileiros em relação aos venezuelanos.
SE-MARIA: então o venezuelano sente que é maltratado mas esse maus tratos não existem como tal realmente não é toda a sociedade que mora em Santa Elena (Pacaraima) só alguns setores que maltratam que aproveitam algumas oportunidades não/ é uma questão de a moeda da Venezuela está muito desvaloada, mas não é culpa do Brasil então eu não posso pretender falar que não eu não compro lá eles estão me maltrando os preços são muito alto o preço é que é a moeda da Venezuela tá muito fraca agora então isso é depreciação (...)
Embora nesse mesmo enunciado, Maria afirme que estes “maus tratos” não
existem, eles parecem fazer parte do imaginário do morador de Santa Elena, de
certa forma esse sujeito se sente afastado desse outro que pensa e age de forma
concorrente. Observa-se que nas duas incidências do pronome “eles”, este se refere
a brasileiros como sendo parte de um grupo que exclui os venezuelanos,
corroborado a isso o enunciador evoca em seu discurso um “a gente” que o inclui no
grupo dos venezuelanos.
SE-MARIA: então agora muitos brasileiros estão passando pra Venezuela então eles precisam de informação eu acho que é interessante que a gente dá informação num português bem fluido bem estudado eu acho que é um pouco desagradável pra algumas pessoas que moram tanto do lado Venezuela e Brasil que as vezes a gente pergunta pra um brasileiro não pode explicar não pode entender e que as vezes um brasileiro pergunta pra um venezuelano não pode explicar um português básico pelo menos não é agradável estamos muito perto um de outro (...)
Os povos estejam perto fisicamente, a língua é um fator de resistência
cultural, motivados pelas relações que possam existir nas interações linguísticas. Os
povos, ainda que ocupando um mesmo lugar, um lugar comum, não o compartilham
em sua plenitude. O enunciador acredita que a integração entre os povos deve se dá
não somente na esfera econômica, mas nas relações sociais, na cultura e, portanto
na língua, sendo este fator de inserção cultural das comunidades no ecossistema
considerado na pesquisa.
SE-MARIA: então não é bom por isso eu acho que a gente deve aprender português aprender espanhol porque a integração não é somente uma questão econômica é social é cultural eu acho que maior vantagem quando a gente está na fronteira a gente pode enriquecer mais a cultura própria porque quando a gente vê uma diferença entre uma cultura e outra pode valorar mais sua cultura sim eu acho que é assim dá mais valor a sua cultura (...)
79
SE-MARIA: ele também esteve em Tepequém trabalhando nas minas sacando diamante e ouro ele conheceu muito do Brasil e depois que ele se instalou em Santa Elena de Uiarén / (...)
Como se nota, é possível que tenha havido uma forma de resistência cultural
que o aproximou mais da Venezuela do que do Brasil, assim se fixando em solo
venezuelano, em face de a cultura hispânica lhe ser familiar; além disso, Venezuela
representava a imagem do seu ambiente natural de origem, o que possivelmente
tenha facilitado a sua fixação na Venezuela, no que pese ter visitado outros
ambientes (Tepequém). Todavia, optou por fixar-se em um ambiente mais próximo
de sua cultura, já que descendia de espanhois.
Corroborado no enunciado:
SE-MARIA: a primeira mulher dele esposa dele foi minha avó se chamava Maria ele mesmo colocou o nome dela porque ela não tinha nome porque os indígenas naquela época não tinham registros então só tinha ali na tribo deles então ele chamou ele de Maria Josefa Peña para que seus filhos levaram o nome dele que era é Fernandes Peña por isso meu pai era Riberto Fernandez Peña porque na Venezuela o primeiro nome é do pai e o segundo sobrenome é da mãe então ele colocou esse nome a ela ela era de uma zona de uma zona triple de onde está Brasil Guiana Inglesa e Venezuela ela era a etnia dela pertencia a essa área ela não falava espanhol falava seu dialeto (...)
Maria acredita que é por meio da escolarização que os povos aprenderão o idioma.
SE-MARIA: eu gosto da língua eu acho que é muito importante na Venezuela eu acho que a gente deveria falar bem o português e no Brasil aqui em Pacaraima deveria falar bem o espanhol porque essa questão tira as barreiras qualquer barreira tira o idioma porque através da língua você pode entender pode adentrar na cultura das outras pessoas porque através da língua a gente pode compreender mais as outras pessoas então eu acho que em Santa Elena a gente estudar melhor o português e Pacaraima melhor o espanhol muitos problemas seriam resolvidos antes de chegar a planos maiores poderia ser muito mais fácil (...)
Crer ainda, que os conflitos existentes entre os povos se dão em função da
falta de conhecimento do idioma, criando uma barreira que de certa forma concorre
negativamente para uma relação mais estreita, portanto, ver a fronteira como lugar
comum, mas não-único, ideia que está presente também no discurso de Salomão:
80
SE-MARIA: eu acho que se abre portas porque pelo menos kma gente poderia fazer negócios a relação internacional entre ambos países seria muito melhor porque Brasil poderia utilizar no melhor sentido essa questão com Venezuela e Venezuela poderia usar a questão do idioma com o Brasil no melhor sentido pra progredir pra fazer convênio pra mostrar uma cara diferente pra o mundo que essa fronteira é a melhor trazendo essa questão não? não sei [...] hahaha (...)
Maria acredita que a língua é o “passaporte” para aumentar as relações
comerciais e políticas entre os povos. A língua é vista como determinante no
processo de aproximação dos povos, conforme se percebe também no discurso de
Tomé:
SE-TOMÉ: si fuese un poco más seguido para mí/para mí/para mí /para mí que no viajo tanto hacia acá hacia la línea queeee lo que viajo es poco esteeee lo que me hacía falta es tener más contacto/más contacto con el habla /con el idioma eeeh (...) escuchado todos los días (...) tratar de hablarlo para poder ver (...) asimilar más lo que es el idioma (...)
A ideia de que embora os povos compartilhem mutuamente as oportunidades
de trocas de bens e serviços de ambos os lados da fronteira, nessa situação não
existe equilíbrio permanente nessas relações caracterizando este ambiente como
lugar comum de troca, mas não como lugar único.
5.2.2 Sujeito integrante de um lugar comum a brasileiro e venezuelano
Segundo afirma Couto (2007, p. 160), a abordagem trabalha o ecossistema
do ponto de vista do agrupamento de pessoas que convivem no lugar em suas
interrelações entre si e com o meio ambiente físico, - o território -; em uma
abordagem do ethos nas representações discursivas, do ponto de vista das relações
de fronteira, significa também e antes de tudo, considerar que, em cada universo
fronteiriço, as relações s são permeadas por suas idiossincrasias, seus modos de
pensar e agir, o que faz com que cada ecossistema linguístico seja único. Neste
sentido, em cada lugar limítrofe interpaíses, há tipos e modos de convivência
específicos e únicos caracterizando também um ethos único nas representações
discursivas dos sujeitos nessas fronteiras.
Os seguintes enunciados revelam um sujeito que se considera parte
integrante de uma totalidade de um ecossistema ecolinguístico “provisional”.
81
SE-MARIA: vida na fronteira há evoluído muito daqui mais ou menos uns vinte anos pra frente porque Pacaraima só tinha uma rua e a Venezuela tinha também uma rua e alguns cantos conhecidos portanto por brasileiros e venezuelanos (...)
No enunciado anterior, percebe-se um compartilhamento de ideias que as
duas cidades (Santa Elena/Pacaraima) se constroem ao mesmo tempo, como fruto
das mesmas circunstâncias, brasileiros e venezuelanos postos no mesmo nível
semântico no enunciado. Inicia-se um processo de instituição da cena enunciativa
no texto por meio do lugar comum, um lugar conhecido e compartilhado, coletivo.
SE-MARIA: então quando ele tinha mais ou menos uns vinte e sete anos ele
saiu dali meus bisavós morreram e ele estava morando com os tios e depois
ele saiu pra buscar não sei aventura da vida e chegou até o estado
Bolívar e depois dai ele começou a conhecer muito mais adentro
porque nesta época a gente falava da época do ouro e da seringa
porque em Venezuela se chama caution e balatá// (...)
Aqui o enunciador evoca “a gente” como representação da comunidade
venezuelana, porque traz reminiscências de um passado sócio-histórico vinculado
unicamente ao seu ambiente natural, indicando um discurso voltado para
comunidade venezuelana, remetendo ao segundo tipo de contato, pois leva o co-
enunciador ao momento de formação da região.
Levando em conta a afirmativa de Couto quando diz que o que entra em
contato não são línguas, mas povos (2008, p. 50), Mufwene (2001), nesta
perspectiva, considera-se que a Língua é uma espécie parasitária não podendo
existir sem que haja um povo, no caso de uma situação de fronteira, acredita-se
poder considerar que como há uma situação multilíngue – ocorrência de mais de
uma língua: português e o espanhol, além das línguas de origem indígenas - na qual
as línguas estarão em permanente interação, pode-se considerar que nesse
subsistema especifico há relações e interações de povos e línguas nesse ambiente
de fronteira.
SE-MARIA: meu pai aprendeu a falar cinco idiomas indígenas meu pai
também foi membro do primeira comissão de limites de integração do
Brasil e Venezuela eu tenho fotografias que eu poderia passar pra você eu
posso também mostrar Pacaraima a serra de Pacaraima quando não tinha
nenhuma casa (...)
82
O enunciador se posiciona a partir de um lugar comum a brasileiros e
venezuelanos, como parte de um momento histórico que se iniciou no período da
colonização. “as histórias estão intimamente ligadas” pelo espaço e pelas relações.
Estas ideias também são corroboradas por Raquel:
SE-RAQUEL: a Venezuela já está pegando o costume de comer feijoada coisa que eles não come mas tem tantas pessoas que tem comércio brasileiro lá restaurante que já os venezuelanos ficam acostumados farinha eles não comem farinha os venezuelanos então lá em santa elena é a região que mais eles comem isso pegam o costume sambar eles gostam de música brasileira e eles gostam muito e tem venezuelanos que pegam daqui e tem brasileiro que eles gostam das musica venezuelanas então a gente pega o costume de cada um né vai juntando tu vai pra outra parte da venezuela e eles não sabem o que é comer feijoada comer uma farinha sabem só com as outras coisas então na fronteira a gente pega o costuma de cada um e a gente vai relacionando com a nossa vida (...)
A mobilidade em função do comércio aproxima as culturas. Assim a cultura
anula a linha imaginária que “separa” os povos. Na sequência, essa ideia é
corroborada no enunciado de Maria.
SE-MARIA: minha família conheceu também a família de Bento Brasil
muitas famílias fundadoras de Boa Vista porque havia muita relação ele
se se trocavam comida eh algumas cosas de trabalho tela pra roupa
então meus tios eles cresceram falando português falando su língua própria
indígena e o espanhol / (...)
A ideia de pertencimento a esse ambiente remonta aos primeiros momentos
de contato entre os povos. O enunciador se posiciona como parte da fronteira, como
um lugar único.
SE-MARIA: eu não falo bem português mas meus tios sim porque eles
passaram toda a vida aqui na fronteira a política não existia agora nos
tempos novos a gente fala de política de coisas diferentes os indígenas
mudaram muitas coisas tantos os indígenas venezuelanos como da parte do
Brasil (...)
O enunciador soma a essa ideia, de parte de um todo, que remete ao
ecossistema linguístico, a noção de espaço “aqui” como sendo o lugar que pode ser
tanto pertencente à venezuelanos como a brasileiros.
Um ecossistema linguístico típico de fronteira deve ser visto como uma
totalidade no sentido de uma existência e convivência conjunta dos componentes
83
bióticos (povo e território) e abióticos (língua) dos países. Nesse ecossistema a
realidade é caracterizada por um continuum (COUTO, 2007, p.17) pensado não
como polaridades opostas. Essa não polaridade, segundo Rona (1963, p. 202),
significa que a ideia de continuum indica “que dos lenguas avanzan desde puntos
distintos hasta encontrarse.”
No enunciado seguinte, os termos “brasileiros e venezuelanos” são
evocados como elementos linguísticos idênticos, colocados lado a lado, com mesmo
valor semântico, significando nós/a gente, representando um todo; parecendo
construir um lugar comum para ambos os povos que estão em permanente contato.
SE-MARIA: acho que é a fronteira mais tranqüila e mais é como de diz eh que tem maior relação é a fronteira do Brasil com a Venezuela porque realmente os conflitos que sempre se há apresentados na fronteira não anteriormente não a política há entrado muito na vida política de cada pais atualmente sim porque a política há entrado muito na dentro do dois países anteriormente os conflitos eram resolvidos muito de um jeito mais amigável hoje em dia não a gente vai e a diplomacia não sei que e as leis não sei que e complica muito a situação pero eu acho que na convivência diária os venezuelanos e brasileiros se integram muito bem os conflitos que podem ter são conflitos de vizinhos que a gente briga que a gente briga por alguma coisa que não é importante realmente / (...)
Neste aspecto, a fronteira Brasil/Venezuela é vista como lugar especial,
diferente das “outras fronteiras”- “que têm problemas”. Embora negue a existência
de conflitos, acredita que eles existem em um grau de importância inferior aos
existentes em outras fronteiras, assim, Maria acredita que os conflitos podem ser
resolvidos entre os cidadãos, sem interferência do estado – “as leis não sei que e
complica muito a situação”. Estes conflitos são mais uma auto-afirmação dos
povos enquanto nação do que conflitos entre os cidadãos, mas ainda assim, eles
existem.
SE-MARIA: eu não posso a falar assim de uma forma como se diz eh de uma forma desagradável porque porque eu tenho família Brasil eu tenho família indígena família Venezuela então e difícil quando a gente tem imparcialidade quando a gente tem essa mistura de línguas de países pelo menos eu não pareço muito indígena mas minha irmã parece mais indígena que eu e meu irmão é muito mais então até na família se vê essa mistura de como se chama de raça de coisas (...)
84
A consciência das diferenças não traz conflito cultural, “estamos muito
ligados”, “considero este lugar como lugar único”. Para Gumperz (1982b) apud Motta
(2008):
(...) as semelhanças linguísticas e a identidade social do indivíduo são fatores que determinam a existência compartilhada de normas e aspirações comuns de um grupo de uma comunidade de fala que tem sua origem étnica (mesmo com transformações culturais, religiosas e linguísticas) na interação comunicativa de seu grupo, como no caso „a história, as forças econômicas e os próprios processos interativos combinam-se para criar ou eliminar as distâncias sociais‟ (GUMPERZ, 1982a, p. 29 apud SALGADO, p. 164).
SE-MARIA: ah eh eu tenho gente na família que se identifica mais com os indígenas outros com o Brasil outros se identifica mais com a Venezuela não com la questão indígena então com a diversidade dentro da própria família então eu acho que essa diversidade me ajuda a conviver mais com os brasileiro com os indígenas eu não tenho problemas disso (...)
De fato, quando os povos se vêem juntos, interagem e nessa interação
escolhem uma língua para se comunicar ou as duas línguas ao mesmo tempo, ou
ainda, cria-se uma terceira língua para comunicarem-se.
Assim, “a co-presença no espaço leva a interação entre dois ou mais
povos/línguas, que pode levar a um estado de comunhão, que por seu turno, poderá
resultar em comunicação” (COUTO, 2007, p. 162). Ora, se esta realidade pode ser
vislumbrada no contexto das populações de fronteira, como a que ocorre entre o
Brasil e Venezuela, pode-se dizer que essa comunicação “(...) não se trata de
transmissão de informação apenas, pois no funcionamento da línguagem, que põe
em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, tem-se um
complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos não
meramente transmissão de informação” (ORLANDI, 2009, p. 21).
SE-MARIA: eu as vezes não faço diferença quanto a costumes porque é induvidável a influência do pais do outro quando só divide una como se chama uma questão material um mito que se fala não sei como se fala em português que eu estou desse lado sou venezuelano estou deste lado sou brasileiro hahaha
O enunciador acredita que as culturas estão mescladas e que a linha que
divide os territórios nacionais é algo que não pode interferir nas suas inter-relações.
A este respeito, afirma Martin (1992, p. 46), (...) os Estados modernos necessitam de
limites precisos onde possam exercer sua soberania, não sendo suficientes as mais
85
ou menos largas faixas de fronteira. Assim, hoje o "limite é reconhecido como linha,
e não pode, portanto ser habitada, ao contrário da "fronteira" que, ocupando uma
faixa constitui uma zona, muitas vezes bastante povoada onde os habitantes de
estados vizinhos podem desenvolver intenso intercâmbio. como afirma Behares
(1996, p. 25), “la frontera como todo lo imaginário solo existe em outra dimension, no
em la de La llamada realidad inmediata”.
SE-MARIA: então eu acho que uma questão de no essa linha ai que divide quando existe uma compreensão de idioma é uma linha imaginária não é uma linha real se a gente pudesse falar bem um idioma a outro seria bem melhor (...)
Figura 7: Criança / marcos geodésicos Brasil/Venezuela Fonte: Arquivo pessoal- jan/2012
Dessas considerações resulta que não há fronteira, no sentido moderno da
palavra, delimitando áreas geográficas supostamente homogêneas do ponto de vista
étnico, cultural, religioso, linguístico. Trata-se antes de um mito moderno, construído
paralelamente à emergência dos estados nacionais, (...) (GUISAN, 2011, p. 135).
Embora os limites geográficos existam, o enunciador não acredita que esta
possa separar os povos. Nessa fronteira, o discurso está permeado pela
intensidade das relações que se estabelecem entre os indivíduos que fazem parte
dos dois ecossistemas (Brasil e Venezuela). Estes ecossistemas se interrelacionam
em um continuum, cujas influências recíprocas que ocorrem, determinam o sentido
86
do discurso do sujeito de fronteira que é afetado pelas relações econômicas que se
estabelecem em ambos os lados da linha fronteiriça.
SE-MARIA: minha vida em Santa Elena é muito tranquila porque eu tenho muita família e eu trabalho também com turismo e eu estou fazendo aqui estou na universidade estou me formando como turismóloga já estou por concluir aqui em Pacaraima na universidade estadual daqui do Brasil graças ao Brasil vou ser turismóloga hahaha eu estudei como se chama na Venezuela se chama recursos humanos é relações industriais e administração de empresas a nível técnico
O enunciador considera-se integrado nas comunidades que fazem parte do
ecossistema considerado “provisional”. Neste ponto notando-se um ethos
aproximado, já que os atos comunicacionais convergem para uma integração das
relações.
Martin (1992) aponta a contribuição relativa às discussões sobre a delimitação
de limites fronteiriços, dada pelo geógrafo brasileiro Corrêa da Silva que aborda o
problema de um ângulo diferente do clássico apoiado no trinômio fronteira
natural/linear/espiritual. Para ele, o mais importante é distinguir o aspecto aparente
da fronteira, ou seja, a "fronteira percebida", do aspecto mais profundo e real
representado pela "fronteira consolidada". Assim, para o primeiro caso teríamos o
exemplo de áreas pouco povoadas, em que o traçado das fronteiras se faz com
menos injuncões políticas e maior respeito à natureza. No segundo, trata-se da
fronteira enquanto lugar em que se realizam os contatos com o exterior, isto é, onde
duas comunidades políticas se encontram. Esse lugar em que se selecionam os
contatos possui uma profundidade que varia segundo os obstáculos jurídicos ou
físicos que se opõem à circulação.
Então, o limite aparece como o dado real embora percebido por intermédio da
fronteira. Mas se a fronteira separa duas coisas distintas, o limite é a borda de cada
coisa e a divisa divide uma mesma coisa em duas; ainda resta saber como distinguir
o "nós" e o “eles”, isto é, resta compreender não apenas como se divide o espaço,
mas quem o faz e porquê (MARTIN, p.50).
Nesse ponto, é possível considerar que os limites de um ecossistema de
fronteira são conformados por relações marcadas por influências recíprocas fruto de
todo um contexto sócio-histórico, político e econômico dos países vizinhos que
avançam permanentemente. Com este avanço, surge o ecossistema linguístico
87
“provisional”, como substrato dessas relações, onde se mesclam povo, território e
língua neste ambiente ao que podemos definí-lo como um subsistema ecolinguístico
localizado na interface dos dois grandes ecossistemas, representados pela trilogia
povo, língua e território localizado em ambos os lados da fronteira Brasil/Venezuela.
5.3 Fatores que influenciam o contato de línguas: uma análise da cena de enunciação
As situações de contato interlinguístico sinalizam para posicionamentos
discursivos entre povos e línguas. Os posicionamentos discursivos que surgem em
função dos contatos que ocorrem entre povos fronteiriços PL1 e PL2 são de certa
forma, influenciados por um conjunto de fatores considerados facilitadores ou
inibidores das interações linguísticas que podem existir na região. Colocada a
questão desta forma, verifica-se que, dependendo de como e da forma como
incidem estes fatores, os discursos ou as representações discursivas dos sujeitos
irão também variar, caracterizando as relações, interações e situações de contato
linguístico entre povos.
Baseado em Couto (2009), os fatores que influenciam nos resultados dos
contatos de línguas apresentam-se de diversas maneiras, apontando-se entre eles a
quantidade que diz respeito ao número de pessoas que se inter-relacionam em um
determinado lugar. De acordo com esse autor, dependendo do número de pessoas
em interações densas poderá acarretar a imposição da língua ou na sua
manutenção. Outro fator é o tempo de permanência no território, que dependendo
do período de sua manutenção, poderá ocorrer uma maior ou menor convergência
linguística e, portanto, em um posicionamento discursivo. Outro fator é a
intensidade de como se estabelece esse contato, fator este relacionado
intimamente à quantidade, ocorrendo de forma concomitante. Um quarto fator são as
atitudes, que, dependendo do comportamento dos povos, se mais ou menos cordial,
poderá ocorrer uma maior ou menor resistência cultural podendo dificultar ou
faciloitar a assimilação da língua e culturas. Por fim, a semelhança/dessemelhança
tipológica entre as línguas contatantes é também um fator que pode influir no
resultado do contato em região de fronteira, por se tratar de duas línguas distintas –
português e espanhol – e que apresentam desde semelhanças morfológicas até
sintáticas.
88
Dessa forma, as situações de contato de línguas, fruto do colonialismo na
região, foram se dando e ao mesmo tempo oportunizando a interação linguística que
só foram possíveis em função do movimento desse conjunto de fatores ora
condicionando, ora possibilitando o surgimento das comunidades da fronteira, com
características específicas.
Como verificado nos enunciados a seguir:
SE- Maria: (...) meu avô foi o fundador de Santa Elena de Uairén e/ ele era filho de espanhois, mas ele morava em um estado da Venezuela chamado Los Chanos Venezuelanos (...) a família dele chegou da Espanha e começou a vida na Venezuela nesse estado (...) SE- Maria: quando ele chegou em Santa Elena só estava a bandeira dos ingleses e ele tirou a bandeira dos ingleses e então ele colocou a bandeira da Venezuela pra começar uma nova vida (...)
SE- Maria: ele também esteve em Tepequém trabalhando nas minas sacando diamante e ouro ele conheceu muito do Brasil e depois que ele se instalou em Santa Elena de Uiarén (...) ele teve muita relação com o Brasil (...)
Essa situação de contato pode ser identificada no discurso de Maria, quando
retoma a história de fundação de Santa Elena evidenciando que o tempo de
permanência e as atitudes tomadas pelos seus antepassados dinamizam todo um
processo que culmina com a formação da comunidade, que como se nota no
comentário de López Morales (1993) “las actitudes solo pueden ser positivas, de
acpitación, y negativas, de rechazo (...) onde “Las creencias están integradas por
um supuesto conocimiento y um componente afectivo y aunque no todas lãs
creencias producen actitudes si conllevan uma toma de posición (LÓPEZ
MORALES, 1993, p. 235, grifo nosso).
O fator quantidade caracteriza as relações que vem ocorrendo na economia
do turismo e comércio blateral na fronteira. O fluxo que ocorre nessa região se
dinamiza principalmente a partir do final das décadas de 80 do século passado.
Segundo o enunciado de Salomão, esse movimento é intenso na busca por atender
as necessidades pessoais e coletivas de ambos os lados da fronteira. Assim, cada
vez mais aumenta o número de indivíduos que se desloca, em função dos atrativos
naturais e das oportunidades de compras face Santa Elena de Uairén se caracterizar
como uma área de livre comércio.
89
SE-Salomão: (...) la /la economía fuerte la tenia era Venezuela eh la la economía débil era de Brasil (...) entonces nuestra moneda que es pues el bolívar seiscientos bolívares (...) tenía una fortaleza única (...) entonces todos desplazamos hace a la frontera a comprar (...) ese nuestro centro de de acopia y compra era aquí en Pacaraima (...) eeh con el tiempo fue /esto fue evolucionando (...) la parte económica y hoy por hoy Brasil es la parte fuerte (...) entonces no/ los brasilero o / la o la persona de ciudadania brasilera se translava hacia en Santa Elena y hacer el resto de Venezuela especialmente la Isla de Margarita (...) que eran onde compran (...)
O fator intensidade se dá em função da mobilidade de pessoas, e do fluxo de
bens sendo um dos vetores reponsaveis pela dinamização dos contatos na região
fronteiriça Brasil/Venezuela, refletindo-se esse fator nas relações culturais que são
também ampliadas. “A consolidação de novos hábitos, costumes, alimentação,
vestuário, modo de vida vão sedimentando uma relação que é mesmo fruto da
intensidade do contato que vem ocorrendo entre as duas comunidades fronteiriças”
(ALVES-DA-SILVA, 2012). Observe-se os enunciados de Tomé comprovando
interação intensa existente na região.
SE Tomé: (...) la frecuentan claro más que todo cuandooo están en fiesta en feria están en hum en Brasil (...) más que todo en esa época que tienen vacaciones o es que frecuentan más lo que es la parte de Santa Elena de Uairén en la parte de Venezuela (...) sí hay más personas (...) lo que es turistas o personaaaas que ya sea que yaaa tienen familiares allí (...) sean brasileros sean venezolanos (...) pero más que todo en esa época (...) en esas fechas (...) es que ellos frecuentan más lo que es la parte de/de Venezuela Santa Elena de Uairén (...)
A figura 8, a seguir ilustra de forma significativa o que se passa na fronteira
Brasil/Venezuela, demonstrando atualmente o fluxo do ir e vir e do trânsito de
pessoas na região.
Figura 8: Pessoas e veículos em movimento na fronteira Brasil/Venezuela Fonte: Arquivo pessoal – Janeiro/2012
90
Em relação à Semelhança/dessemelhança, nota-se que o contato de
línguas no ambiente familiar proporcionou à Raquel a assimilação do português
como segunda língua, embora o processo de assimilação da escrita seja , segundo
ela um processo mais complexo.
SE - Raquel: Morei toda a minha vida com minha avó (...) ela só falava português eu aprendi a falar, mas a escrever sabe que escrever o português é muito difícil ele tem muitas coisas tem que ter muito acento tem muitas coisas (...) então eu to aqui pra aprender a escrever minha mãe só fala português espanhol mais ou menos (...) minha tia fala espanhol muito meu primo e eu os outros dois pequenos a gente ainda está ensinando eles bem (...) minha vó só fala espanhol quem sabe fala da minha família português é minha prima (...)
Assim, no caso de comunidades bilíngues, esse enunciado reflete que as
semelhanças linguísticas, como a que ocorre entre o português e o espanhol
denotam que ao longo das gerações que há uma tendência permanente à
introjecção da língua do outro nas comunidades fronteiriças, isto fruto da existência
compartilhada de normas e aspirações que, como afirma Gumperz (1982 apud
Borstel, 2009, p. 164), se tornam plurais a esse grupo, cuja “comunidade de fala
que tem sua origem étnica na interação comunicativa de seu grupo, como no caso
„a história, as forças econômicas e os próprios processos interativos combinam-se
para criar ou eliminar as distâncias sociais‟ ”
Dessa forma, pode-se observar nos enunciados discursivos que se seguem,
toda uma ênfase, interesse e familiaridade em relação ao Brasil, ensejando um tipo
de comportamento nos enuciados de Raquel, o qual reflete uma certa relação de
proximidade e intimidade, quando focaliza vínculos de parentesco com pessoas
moradoras do lado brasileiro da fronteira, revelando também um sentimento de
abertura para com as coisas que acontecem - Curso de Psicologia, por exemplo -
no Brasil e as possibilidades de ascensão profissional que a fronteira pode oferecer,
por meio das oportunidades educacionais. Observe-se o enunciado e figura 9
ilustrativa da situação, a seguir:
SE-RAQUEL: Quero estudar pro Brasil (...) eu quero estudar psicologia eu sempre gostei quero estudar sei lá (...) penso em morar pra lá quero conhecer minha família em manaus falta uma parte que ainda eu não conheço viajar conhecer mais o brasil (...)
91
Figura 9: Grupo de estudantes brasileiras e venezuelanas da UERR Fonte: Arquivo pessoal – mar/2010
Tem-se ainda que a mobilidade do sujeito nesse ecossistema é comum,
podendo se estender até outros municípios, em busca da satisfação da demanda
por bens e serviços como saúde e educação, lazer etc. Observa-se ainda que, em
relação ao enunciado a seguir, o sujeito da fronteira depende economicamente de
atividades vinculadas de algum modo com ambos os lados que é conformado por
Tomé, como segue:
SE-TOMÉ: hum (...) buscar dar clases también acá en el estado de Paca / estado de Pacaraima / Roraima eeeh ir a la universidade tambíén a ver si hacemos un post-grado (...) estamos en esa / esa via en esaaaaaa hum cómo se dice eh (...) ahhhh se me fue la palabra (...) bueno ehhh (...) que estamos pues en processo de eseee / de ese movimento por ejem/ de estar en la fronteraaaaa /dee estar en Brasil (...) en Boa Vista ya seaaaa (...) exactamente eso (...)
A fronteira pode também, representar a possibilidade de ascensão social, já
que a proximidade e a facilidade do acesso à Ciudad Bolívar e à Boa Vista,
conforme aponta o discurso de Salomão e Maria e a figura 10 a seguir.
SE- SALOMÃO: libre (...) entonces estamos exonerado de lo que son impuestos no (...) entonces (...) esto también es muy económico (...) pero eso tiene una /unas restriciones si no si puede sacar mucha mercancia si nooo lo que esta estipulada por la ley y asi aseñato y quien hace esas regulacione (...) entonces esto también é utilizado tanto por venezoelano como como brasilero (...) como como comércio ilegal y si saca mas de lo que tiene que sacar y eso por supuesto es muy fructífero no (...) de hecho (...) aquí en Venezuela eh una época / una época de tee olando (...)
92
Figura 10: Posto de Fiscalização da Receita Federal Brasileira Fonte: Arquivo pessoal – jan/ 2012
SE- MARIA: (...) a gente tem essa mistura de línguas de países pelo menos eu não pareço muito indígena mas minha irmã parece mais indígena que eu e meu irmão é muito mais então até na família se vê essa mistura de como se chama de raça de coisas ah eh eu tenho gente na família que se identifica mais com os indígenas outros com o Brasil outros se identifica mais com a Venezuela não com la questão indígena então com a diversidade dentro da própria família então eu acho que essa diversidade me ajuda a conviver mais com os brasileiro com os indígenas eu não tenho problemas disso (...)
5.4 Ecossistema linguístico “provisional”: uma proposta
As transformações e intercâmbios que ocorrem e mantém em comunicação
permanente diferentes ecossistemas dificultam a determinação dos limites exatos
entre eles. Ora, os povos que se encontram em um espaço ainda não estabelecido
totalmente, circulando entre os dois ecossistemas (Brasil/Venezuela), também ainda
não se encontram estabelecidos e portanto, ainda não definidos. Assim, em face
disso, a delimitação destes ecossistemas, como unidade funcional de investigação, é
ainda puramente convencional, e que vai sendo definido de acordo com a área de
interesses do investigador (NEGRET 1982, p. 8). Diz-se, por exemplo, que um
ecossistema pode ser uma floresta inteira ou pode estar representado por uma
simples bromélia, “em cujo receptáculo formado pelas folhas acumula-se água
permitindo o desenvolvimento de algas fotossintetizantes seguidas de toda uma
complexa fauna de protozoários e microinvertebrados” (BRANCO1987, p. 20). Desse
modo, os tipos desses ecossistemas podem ser considerados como sistemas
93
abertos sendo eles influenciados por um conjunto de fatores que são determinantes
dos posicionamentos discursivos dos seus sujeitos.
Embora Couto (2009) tenha entendimento da existência de um ecossistema
linguístico do tipo transicional, como no caso de Chuí/Chuy, também podem ocorrer
outros tipos de contatos de fronteira que não necessariamente se enquadrem
naqueles tipos observados pelo autor. É o caso, por exemplo, de situações
fronteiriças caracterizadas pela não existência de acidentes geográficos
significativos; as línguas falantes são tipologicamente semelhantes; além da
existência de vantagens comparativas em termos comerciais para ambos os povos
da fronteira.
Um exemplo típico desse tipo de ecossistema é o que pode ser encontrado na
interface dos dois lados da fronteira Brasil/Venezuela caracterizando um ambiente
onde se verificam fortes relações de comércio, educação, amizade dentre outros
tipos, construídas no decorrer do processo de formação da fronteira a partir de
especificidades de ordem histórica e política iniciada durante o período em que se
foram fixando as populações nessa região.
Acredita-se assim, ser possível o desenho de um tipo de ecossistema
linguístico particular, situado na confluência dos dois ecossistemas Fundamentais da
Língua EFL1 e EFL2, representados respectivamente pelo Brasil e Venezuela,
envolvendo as comunidades de Santa Elena de Uairén e Pacaraima
especificamente, que, embora guardem suas especificidades e diferenças em virtude
dos modelos de gestão político-administrativa dos países de que fazem parte,
constituem por assim dizer, um único ecossistema que se influenciam mutuamente e
se atendem de forma recíproca, se comunicando através das línguas características
do lugar e que, por princípio poderia ser denominado de ecossistema linguístico
“provisional”. Já que cada um dos lados dessa fronteira se provisiona mutuamente
por meio do atendimento das suas demandas, conforme verificado na figura 11:
Diagrama do Ecossistema Linguístico Provisional de contato Brasil/Venezuela
(ALVES-DA-SILVA, 2012).
A conformação de um ecossistema com base nas características apontadas
caracterizando o Diagrama do Ecossistema Linguístico “provisional” de contato
Brasil/Venezuela, demonstra assim, as relações que se estabelecem entre os dois
ecossistemas, onde, de um lado, tem-se o ecossistema brasileiro e de outro o
94
ecossistema venezuelano, nos ecossistemas de PL2 e PL1 respectivamente,
conforme figura 11 a seguir:
Ecossistema linguístico “Provisional” Brasil/Venezuela: uma proposta
Figura 11: Diagrama do Ecossistema Linguístico Provisional de contato Brasil/Venezuela
(Fonte: Modelo adaptado de Couto 2009)
Esse diagrama demonstra que dependendo do comportamento das forças
econômicas e políticas estabelecidas nesse ecossistema, elas irão afetar de alguma
forma, a situação de contato em “la línea” de fronteira, podendo beneficiar mais ou
menos um ou outro lado, em dado momento. Couto (2009, p. 55) aponta seis fatores
que influenciam no resultado do contato, que podem ser de diferentes naturezas e
classificados como sendo: a quantidade de pessoas em interação; o tempo de
permanência no território; a intensidade do contato; as atitudes de resistência e
não-resistência entre as culturas; a semelhança/dessemelhança tipológica das
línguas em questão, sendo que o todo é afetada pela conjuntura e incidência do
poder político-econômico-militar do estado nação.
ECOSSISTEMA BRASILEIRO
ECOSSISTEMA
VENEZUELANO
T1 e T2
P
L1 L2
FATORES DE INFLUÊNCIA:
QUANTIDADE
INTENSIDADE
TEMPO
ATITUDE
SEMELHANÇA
DESSEMELHANÇA
“La línea” (Pacaraima e Santa Elena de Uairén)
P
LEGENDA P: Povo L1: Língua Portuguesa L2: Língua Espanhola T1: Território venezuelano T2: Território brasileiro
95
Como pode ser verificado, estes ecossistemas encontram-se imbricados,
dando conta do surgimento de um ecossistema constituído por uma totalidade
representada pelos municípios fronteiriços de Pacaraima e Santa Elena de Uairén.
Nesta confluência de interesses de ambos os lados da fronteira, representada por
uma linha imaginária, os povos mantêm relações pessoais e comerciais, sendo que
ali se estabelece, de forma efetiva, uma relação de interesses comuns, como bem
afirma Behares (1996, p. 25) para quem: em que a “la frontera no es una línea que
divide A de B, sino un espacio que contiene C”.
Nesse ponto, é possível considerar que os limites de um ecossistema de
fronteira são conformados por relações marcadas por influências recíprocas, fruto de
todo um contexto (sócio-histórico, político e econômico dos países vizinhos), que
oscila permenentemente com avanços e recuos, sobretudo, econômico,
relacionados ao valor das respectivas moedas nacionais. Desta dinâmica, surge o
ecossistema linguístico “provisional”, como substrato dessas relações, nas quais se
mesclam povo, território e língua num ambiente que podemos definir como um
subsistema ecolinguístico localizado na interface dos dois grandes ecossistemas, o
brasileiro e o venezuelano.
Deste modo, ainda que o ethos de Maria indique uma imagem construída a
partir das relações existentes com brasileiros, esta é calcada em valores que
atravessam as fronteiras geodésicas, dando conta de que a crença de
pertencimento tem relação com os tipos de contatos estabelecidos a partir da
história e das necessidades individuais. Os contatos geram redes individuais, as
redes são estruturadas a partir das necessidades pessoais, dependendo do tipo de
rede se terá um ethos mais próximo ou menos próximo desse ecossistema
Provisional.
Concluimos, portanto, que para caracterizar a situação de contato de povos
no ecossistema linguístico Brasil/Venezuela, faz-se necessário introduzir o conceito
de redes sociais, como sendo a chave metodológica, para futuros estudos
sociolinguísticos em ambientes fronteiriços.
96
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As faixas limítrofes entre dois países, particularmente aquelas que não
apresentam acidentes geográficos ou forças militares obstaculizando uma relação de
vizinhança entre suas populações, conformam espaços de relacionamento das mais
diversas índoles entre seus povos. Embora, normalmente, as regiões fronteiriças do
norte brasileiro configurem-se como locais periféricos, afastados dos centros de
influência política e econômica nacional, há uma peculiar e estreita relação
econômica, social e cultural nesses ambientes. Nesse espaço singular, onde se
misturam falas de diferentes línguas é gerado um ecossistema linguístico instituído
na interface dos dois lados da fronteira Brasil/Venezuela, bem como das fronteiras
regionais e transnacionais relacionadas a etnias e culturas afetadas pelo processo
histórico da colonização.
Esse lugar, onde acontece uma interação e as circunstâncias em que elas se
dão, é fruto da porosidade e mobilidade fronteiriça. As relações socioeconômicas,
sócio-históricas e socioambientais do meio ambiente fronteiriço se estabelecem
entre os povos locais e refletem uma situação de contato cujo ethos será tanto mais
ou tanto menos aproximado, dependendo das relações que marquem estes povos.
Conforme visto em Couto (2009, p. 17), esse ambiente caracteriza-se como uma
totalidade dinâmica e de contornos fluidos, porosos, cujo ethos fronteiriço é mais
concorrente ou divergente de acordo com a proximidade (Maingueneau, 2008) ou
mobilidade entre os povos de fronteira, dependendo das políticas definidas pelos
estados nacionais envolvidos.
Sedimentadas ao longo do processo histórico iniciado no século XV pela
fixação espanhola e portuguesa no continente americano do sul, a região de
fronteira Brasil/Venezuela conforma atualmente sistemas sócioeconômico-culturais
ricos em diversidade linguística. Os contatos entre as populações dos dois lados
dessas fronteiras caracterizam um ambiente marcado por fortes relações de
comércio, educação, amizade entre outros, construídas num espaço-temporal a
partir de especificidades de ordem histórica e política, geradoras de um ecossistema
linguístico particular. Nessas circunstâncias, os diferentes tipos de relações e
interações, que ocorrem entre as comunidades fronteiriças, caracterizam também os
97
discursos dos indivíduos ali inseridos, permitindo a construção de um ethos
específico desses sujeitos que vivem no espaço por eles denominado como „la
línea’.
O agrupamento das comunidades de fala que convivem nesse lugar,
interrelacionando-se entre si e com o meio ambiente físico, sobretudo no território,
de forma antagônica ou não, num movimento de relações dinâmicas e dialéticas,
caracteriza um ambiente ecolinguístico de cada lado da fronteira, que, na visão de
Couto (2009, p. 21) é chamado de Ecossistema Fundamental da Língua (EFL).
Nesse ambiente, constituído pela totalidade formada por um povo, um
território e uma língua, ou seja, o que Couto denomina de comunidade, estão
inseridos três ecossistemas distintos: o meio ambiente social, o meio ambiente
mental e o meio ambiente natural. No caso específico da situação de „la línea‟ de
fronteira, se constata a constituição de um ecossistema no qual os povos
historicamente implicados e suas respectivas línguas convivem em permanente
simbiose, uns se beneficiando do outro, de forma recíproca. Essa propriedade
simbiótica é considerada como fundamental para a compreensão de um ethos
fronteiriço advindo do resultado das relações estabelecidas na região.
Na dinâmica desses ecossistemas linguísticos de fronteira, incide uma série
de fatores que são determinantes das situações de contato de línguas e cujo
resultado é a diversificação linguística que se processa continuamente e que
caracteriza o surgimento e/ou o desaparecimento de uma determinada língua.
Cabe então retomar as perguntas iniciais desta pesquisa, que são duas:
Primeira: A situação de contato linguístico influi na construção do ethos no
ambiente de fronteira Brasil/Venezuela?
Segunda: A compreensão da cena de enunciação contribui para o
entendimento das percepções e sentimentos do sujeito da fronteira?
Para a primeira pergunta, a situação de contato linguístico e a influência na
construção ethos na fronteira Brasil/Venezuela, tem-se que considerar na construção
do ethos cinco fatores de situações de contato apresentados no modelo de Couto
(2009). Observamos, neste caso específico de região fronteiriça, cinco fatores
ecolinguísticos predominantes:
a) Quanto ao fator “quantidade”: há um fluxo constante e cotidiano de
pessoas que se deslocam para um e outro lado da fronteira
98
Brasil/Venezuela com diferentes objetivos de trabalho, estudo, comércio e
lazer;
b) Quanto ao fator “tempo de permanência”: dois momentos caracterizam
este contato. Num primeiro momento, o da empreitada colonial, a chegada
dos europeus na região e as relações que estabeleceram entre si e com
os indígenas. E num segundo momento, o atual, quando se consolidam as
permanentes interações e se estabelecem vínculos de trabalho, amizade e
parentesco. Com relação a trabalho é maior o fluxo de brasileiros que se
instalam e desenvolvem atividades no lado venezuelano do que o inverso.
c) Quanto ao fator “intensidade”: este se dá principalmente, pelas
necessidades de trocas de bens e serviços e em função também das
oportunidades que representa uma região fronteiriça, neste caso o
comércio legal e ilegal de gasolina, os serviços de saúde, os serviços de
educação, as relações familiares, as relações de trabalho.
d) Quanto ao fator “atitude”: as relações quanto à língua e à cultura, podem
ser positivas ou negativas, conforme o momento sócioeconômico de
ambos os lados da fronteira e a oscilação do valor flutuante da moeda;
e) Quanto ao fator “semelhança/dessemelhança linguística”: do ponto de
vista normativo, a crença é que português e espanhol são línguas
diferentes, ao menos em situação de ensino de PLE, situação em que os
venezuelanos consideram que o português é difícil e que deve ser objeto
de estudo e de políticas linguísticas específicas para a região. Embora
sejam duas línguas estrutural e historicamente próximas, a dificuldade
assinalada pelos sujeitos da pesquisa em interações formais (situações
institucionais) e o domínio de questões normativas (situação escolar de
ensino formal) são considerados como fatores de desunião, embora essas
dificuldades não sejam observadas nem registradas em interações
cotidianas pessoais (situações de comércio, família ou lazer).
Os conceitos de ethos e cena de enunciação propostos por Maingueneau
(2008) viabilizaram, num primeiro momento, o desenvolvimento de uma análise em
torno do ethos construído no discurso de sujeitos de fronteira. A partir dessa
abordagem, considera-se que o enunciador não é um ponto de origem estável que
99
se “expressaria” dessa ou daquela maneira, mas se leva em conta um quadro
profundamente interativo, em uma instituição discursiva inscrita numa certa
configuração cultural, que implica papéis e lugares de enunciação legítimos para a
questão do ethos; além de um suporte material e um modo de circulação para o
enunciado na questão da cena de enunciação. Neste sentido, nossa hipótese era a
de que a compreensão da cena de enunciação, que caracteriza o ethos fronteiriço
Brasil/Venezuela contribuiria para o entendimento das percepções, sentimentos,
estereótipos e vicissitudes dos povos e do sujeito em ambientes de fronteira,
hipótese que foi parcialmente confirmada.
Segunda pergunta da pesquisa: A compreensão da cena de enunciação
contribui para o entendimento das percepções e sentimentos do sujeito da fronteira?
A cena de enunciação pode determinar um ethos que é cunhado com as
impressões fruto das interações recíprocas que ocorrem no meio ambiente social, no
meio ambiente mental e o meio ambiente natural desses ecossistemas. Neste
sentido, é possível afirmar que, mesmo nestas circunstâncias, os dados apontam
que, por exemplo, L1 (Português) é mais determinante que L2 (Espanhol) em “la
línea”, dependendo do momento socioeconômico predominante no ecossistema
“provisional”.
O momento sócioeconômico dessa região impulsiona o posicionamento do
sujeito que ora se enuncia como parte integrante da comunidade linguística de
Santa Elena de Uairén, ora como parte integrante de um “lugar que é comum” a
brasileiros e venezuelanos. Quando se enuncia como parte de um “lugar comum”, o
sujeito se apropria do pronome “nós/a gente” e tem como referente “brasileiros e
venezuelanos”, o que parece construir discursivamente um lugar comum para ambos
os povos que estão em permanente contato em “la línea”.
Percebe-se ainda, que os sujeitos da pesquisa, em seu discurso, buscam
justificar os conflitos resultantes das interações entre brasileiros e venezuelanos,
pela crença de que o escasso conhecimento da língua do outro é um dos fatores
impeditivos de um relacionamento mais profícuo entre as comunidades de “la línea”.
No entanto, o que se observa efetivamente é que as questões econômicas têm peso
considerável na determinação das relações entre as comunidades fronteiriças e,
portanto, no próprio discurso. Dessa forma, os conflitos discursivos estão, sob
certas circunstâncias, submetidos ao discurso econômico, envolvendo as duas
100
cidades, que, por sua vez estão na dependência direta das políticas dos estados
nacionais para a região considerada.
Os resultados da análise discursiva apontam para dois momentos de contato
nessa fronteira: o primeiro momento é configurado ainda no momento do avanço das
expedições holandesas, inglesas, e principalmente dos povos ibéricos portugueses
e espanhóis, no início da colonização europeia no continente americano.
Denominou-se no quadro desta pesquisa como PL1 os povos portugueses e PL2 os
povos espanhóis, efetivamente marcados. Os povos europeus mais fortes
econômica, política e militarmente subjugam os povos indígenas, apesar da
diferença numérica das populações e graças à tecnologica militar dos europeus, que
mesmo em menor número se impõem na região. Suas respectivas línguas em
decorrência do poder político e militar tornam-se na região conhecida hoje como
fronteira Brasil/Venezuela, as línguas oficiais dos respectivos países e as variedade
de maior prestígio em detrimento das línguas índigenas, nesta pesquisa, PL3, PL4,
PL5 (Ingaricó, Wapixana, Wai Wai, Pemón ...), de acordo com os sujeitos e redes
sociais implicados em cada situação de contato.
O segundo momento de contato é o verificado nos dias atuais e é
caracterizado pelas interações interlinguísticas que ocorrem entre as comunidades
dos dois lados da fronteira Brasil e Venezuela. São comunidades que se deslocam
de um para outro território fronteiriço, onde PL1 é “mais forte” do que PL2 ou vice-
versa, dependendo da conjuntura econômica predominante desses países. O
contato marca uma forte relação de trocas comerciais em face das demandas de
cada um dos lados da fronteira, alimentando também relações culturais e
interétnicas por uma interação efetiva e rica culturalmente com as comunidades
indígenas.
O contato atual entre esses povos é influenciado principalmente pelo fator
intensidade em função da mobilidade que se dá na região e pelo comércio,
caracterizando o surgimento de um ecossistema específico intitulado Provisional,
porque caracterizado pelo atendimento mútuo de demandas desses povos.
Nesse aspecto, o conceito de redes sociais se apresenta como um
instrumento significativo de análise das relações interacionais que dá conta de
sujeitos mais complexos como, por exemplo, o ego de Maria, cujas relações
familiares e profissionais assinalam para uma rede complexa de interação que vai
101
além da froenteira Brasil/Venezuela, por incluir contatos históricos entre os povos
colonizadores e os colonizados numa síntese identitária singular.
Assim, embora, durante a construção da pesquisa, nos deparamos com os
elementos das redes sociais, que a princípio não aparentavam relevância
significativa, ao longo do desenvolvimento do trabalho verificamos que a abordagem
de redes é fundamental para esclarecer questões sociolinguísticas como:
(...) o conflito entre as tendências opostas, a saber, pressões padronizadas (parte do fenômeno de homogeneização das sociedades modernas) e a manutenção de formas não padrão, como símbolos de identidade de grupo. A análise das motivações subjacentes à difusão dialetal dos imigrantes tangencia essa questão. Contudo, muito mais pesquisa é necessária nessa área (...) Em particular, a manutenção do que temos rotulado de variedades urbanas ou sua evolução rumo ao padrão urbano precisam ser estudadas com ênfase nos processos de focalização dialetal em comunidades estabelecidas há muitas décadas ou até séculos. (BORTONI-RICARDO, Stella Maris, 2011, p. 270)
Mesmo não sendo pretensão deste trabalho, esgotar esse tema, é importante
registrar que as redes sociais podem ser utilizadas no trato das relações entre
indivíduos, pois segundo Milroy (2002, p. 1) “as redes sociais são meios de capturar
as dinâmicas comportamentais de interação de oradores subjacentes de um grupo”,
sendo que o posicionamento do indivíduo se dá em função da contextualização
histórica, social e econômica na qual ele está inserido.
A par disso, considera-se ainda, que os desdobramentos metodológicos de
análise do ethos não foram suficientes para dar conta das relações e/ou interações
neste ambiente fronteiriço, pois todo material discursivo produzido está sob a
influência também das redes sociais individuais estabelecidas ao longo do contato
entre os povos.
102
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106
APÊNDICES
107
APÊNDICE 1 SUJEITO 1: “Raquel” Nacionalidade: Venezuelana Idade: 20 anos Nasceu e vive em Santa Elena de Uairén Duração: 6min55s
Pesquisadora: Como é a vida na vida na fronteira?
S1: Não é muito assim diferente né porque as pessoas (...) eu gosto de viver aqui porque a gente tem a como idade de vir pra cá (...) a gente pode viajar (...) já pela minha família é (...) brasileira por parte de mãe (...) tô tirando a minha nacionalidade já brasileira eu gosto também pelo comércio que eu trabalho lá numa loja então a gente mais que tudo vive dos comércio em santa elena muito brasileiros vão pra lá no final de semana na semana feriado a gente mais que tudo vive né? (...) do comércio se sustenta (...) na verdade aqui é muito frio (...) mas eu gosto de vir pra cá conheço Manaus (...) Boa Vista (...) os brasileiros eh (...) são umas pessoas muitos carinhosas (...) minha mãe é muito carinhosa conheço muita gente então não vejo nada ruim de viver na fronteira só que tem as vezes os pms os policiais venezuelanos que são um pouco muito ruins pros brasileiros (...) então eu fico minha família fica muito braba com isso que eles fazem muitas coisas erradas pros brasileiros (...) então a gente sempre ta defendendo isso (...) porque os brasileiros são muito educados eles ajudam muito os venezuelanos mas tem os policiais brasileiros (venezuelanos) que são muito ruim (...) eu trabalho numa loja no centro que minha tia que é dona é brasileira ela fica muito brava quando acontece essas coisas (...) os policiais venezuelanos são muito ruins com os brasileiros são muito injustos com os brasileiros (...) é o único ruim de lá as pessoas são muito amáveis muito boas atende educada e a gente atende muito bem os brasileiros a gente sempre recebe muito bem as pessoas de lá e aqui a gente quando vai pra Manaus Boa Vista a gente é recebido muito recebido também bem lá não essa de dizer que tu é venezuelano, não a gente é recebido muito bem como estrangeiro só que tem algumas falhas né? Não tem essa que tu é estrangeiro
Pesquisadora: Que tipo de relação existe entre brasileiros e venezuelanos?
S1: O comércio eh/eh turismo vão conhecer hum/hum rios conhecer a savana Roraima
(inteligível) compras (...) festas/ nas festas sempre mantém esse relacionamento a gente
conhece pessoas deferente a cada momento (...) quando eles chegam a gente sai juntos se
fala por telefone por internet (...) e quando eles vão a gente tem esse contato quando a
gente sempre mantém esse contato com os brasileiros isso é o bom deles
Pesquisadora: Onde você estudou?
S1: Estudei na Venezuela estudei até o terceiro ano de educação (...) ainda falta mais para terminar falta mais três anos (...)
Pesquisadora: Por que está estudando Português?
S1: Morei toda a minha vida com minha avó (...) ela só falava português eu aprendi a falar, mas a escrever sabe que escrever o português é muito difícil ele tem muitas coisas tem que ter muito acento tem muitas coisas (...) então eu to aqui pra aprender a escrever minha mãe só fala português espanhol mais ou menos (...) minha tia fala espanhol muito bem (...) minha vó só fala espanhol quem sabe fala da minha família português é minha prima meu primo e eu os outros dois pequenos a gente ainda está ensinando eles
Pesquisadora: PESQ.: O que você pretende pro futuro, após aprender língua portuguesa?
108
S1: Quero estudar pro Brasil (...) eu quero estudar psicologia eu sempre gostei quero estudar sei lá (...) penso em morar pra lá quero conhecer minha família em Manaus falta uma parte que ainda eu não conheço viajar conhecer mais o Brasil
Pesquisadora: Com relação à cultura, brasileiros e venezuelanos se parecem?
S1: A Venezuela já está pegando o costume de comer feijoada coisa que eles não come (...) mas tem tantas pessoas que tem comércio brasileiro lá restaurante que já os venezuelanos ficam acostumados farinha (...) eles não comem farinha os venezuelanos então lá em Santa Elena é a região que mais eles comem isso pegam o costume (...) sambar eles gostam de música brasileira e eles gostam muito e tem venezuelanos que pegam daqui e tem brasileiro que eles gostam das musica venezuelanas então a gente pega o costume de cada um né (...) vai juntando tu vai pra outra parte da venezuela e eles não sabem o que é comer feijoada comer uma farinha sabem só com as outras coisas então na fronteira a gente pega o costuma de cada um e a gente vai relacionando com a nossa vida (...) no dia-dia a gente vai convivendo com isso (...)
Pesquisadora: Com relação à língua, você gosta de Língua Portuguesa?
S1: Gosto, gosto gosto acho muito bonita, muito bonita muito interessante também (...) lá em casa só se fala português minha mãe meus irmãos só canal brasileiro poucas vezes espanhol (...) mais eu gosto muito da língua brasileira
109
APÊNDICE 2 SUJEITO 2: “Maria” Nacionalidade: Venezuelana Idade: 50 anos Vive em Santa Elena de Uairén há 40 anos Duração: 16min06s
Pesquisadora: Como é a vida na fronteira?
S2: A vida na fronteira há evoluído muito daqui mais ou manos uns vinte anos pra frente
porque Pacaraima só tinha uma rua e a Venezuela tinha também uma rua e alguns cantos
conhecidos portanto por brasileiros e venezuelanos (...) meu avô foi o fundador de Santa
Elena de Uairén e/ ele era filho de espanhois mas ele morava em um estado da Venezuela
chamado Los Chanos Venezuelanos (...) a família dele chegou da Espanha e começou a
vida na Venezuela nesse estado (...) então quando ele tinha mais ou menos uns vinte e sete
anos ele saiu dali (...) meus bisavós morreram e ele estava morando com os tios e depois
ele saiu pra buscar não sei aventura da vida e chegou até o estado Bolívar e depois dai ele
começou aaa (...) conhecer muito mais adentro porque nesta época a gente falava da
época do ouro e da seringa (...) porque em Venezuela se chama caution e balata (...) ele
também esteve em Tepequém trabalhando nas minas sacando diamante e ouro (...) ele/ele
conheceu muito do Brasil e depois que ele se instalou em Santa Elena de Uiarén (...) ele
teve muita relação com o Brasil quando ele chegou em Santa Elena só estava a bandeira
dos ingleses (...) e ele tirou a bandeira dos ingleses e então ele colocou a bandeira da
Venezuela pra começar uma nova vida (...) então ele teve vinte e sete filhos para fundar o
povo a primeira mulher dele (...) esposa dele foi minha avó se chamava Maria (...) ele
mesmo colocou o nome dela porque ela não tinha nome (...) porque os indígenas naquela
época não tinham registros então só tinha ali na tribo deles então ele chamou ele de Maria
Josefa Peña (...) para que seus filhos levaram o nome dele que era é Fernandes Peña por
isso meu pai era Riberto Fernandez Peña(...) porque na Venezuela o primeiro nome é do pai
e o segundo sobrenome é da mãe (...) então ele colocou esse nome a ela ela era de uma
zona de uma zona triple de onde está Brasil Guiana Inglesa e Venezuela (...) ela era a etnia
dela pertencia a essa área ela não falava espanhol falava seu dialeto meu pai aprendeu a
falar cinco idiomas indígenas meu pai também foi membro do primeira comissão de limites
de integração do Brasil e Venezuela (...) e/e/eu tenho fotografias que eu poderia passar pra
você eu posso também mostrar Pacaraima a serra de Pacaraima quando não tinha
nenhuma casa (...) minha família conheceu também a família de Bento Brasil muitas famílias
fundadoras de Boa Vista (...) porque havia muita relação ele se/se trocavam comida eh
algumas cosas de trabalho tela pra roupa então meus tios eles cresceram falando português
(...) falando su eh língua própria indígena e o espanhol (...) eu não falo bem português mas
meus tios sim (...) porque eles toda a vida passaram aqui na fronteira (...) é muito
interessante porque a gente convivia como uma família a/a política não existia agora nos
tempos novos a gente fala de política de coisas diferentes os indígenas mudaram muitas
coisas (...) tantos os indígenas venezuelanos como da parte do Brasil ....
PESQ: Como é esse convívio hoje entre, brasileiros e venezuelanos?
acho que é a fronteira mais tranqüila e mais é como de diz eh que tem maior relação é a
fronteira do Brasil (...) com a Venezuela porque realmente os conflitos que sempre se/se há
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apresentados na fronteira não anteriormente não a política há entrado muito na vida política
de cada pais atualmente sim (...) porque a política há entrado muito na dentro do dois países
anteriormente os conflitos eram (...) resolvidos muito de um jeito mais amigável hoy em dia
não (...) a gente vai e a diplomacia não sei que e as leis não sei que e complica muito a
situação pero eu acho que na convivência diária os venezuelanos e brasileiros se integram
muito bem (...) os conflitos que podem ter são conflitos de vizinhos que a gente briga (...)
que a gente briga por alguma coisa que não é importante realmente e/eu não posso a falar
assim de uma forma como se diz eh/eh (...) de uma forma desagradável porque/porque eu
tenho família Brasil eu tenho família indígena família Venezuela então e difícil quando a
gente tem imparcialidade quando a gente tem essa mistura de línguas (...) de países pelo
menos eu (...) não pareço muito indígena mas minha irmã parece mais indígena que eu e
meu irmão é muito mais então até na família se vê essa mistura de (...) como se chama (...)
de raça de coisas ah eh (...) eu tenho gente na família que se identifica mais com os
indígenas outros com o Brasil outros se identifica mais com a Venezuela não? com la
questão indígena (...) então com a diversidade dentro da própria família então eu acho que
essa diversidade me ajuda a conviver mais com os brasileiro com os indígenas (...) eu não
tenho problemas disso....
Pesquisadora: Com relação a língua, você gosta de Língua Portuguesa?
S2: eu gosto da língua eu acho que é muito importante na Venezuela (...) eu acho que a
gente deveria falar bem o português e no Brasil aqui em Pacaraima deveria falar bem o
espanhol porque essa questão tira as barreiras qualquer barreira tira o idioma (...) porque
através da língua você pode entender pode adentrar na cultura das outras pessoas (...)
porque através da língua a gente pode compreender mais as outras pessoas então eu acho
que em Santa Elena a gente estudar melhor o português e Pacaraima melhor o espanhol
muitos problemas seriam resolvidos antes de chegar a planos maiores (...) poderia ser muito
mais fácil (...) eu as vezes não hago ninguna diferença quanto a costumes porque é
induvidável a influência do pais do outro quando só divide una como se chama uma questão
material um mito que se fala (...) não sei como se fala em português (...) que eu estou
desse lado sou venezuelano (...) estou deste lado sou brasileiro hahaha então eu acho que
uma questão de no essa linha aí que divide quando existe uma compreensão de idioma é
uma linha imaginária não é uma linha real (...) se a gente pudesse falar bem um idioma a
outro seria bem melhor
PESQ.: O que você pretende pro futuro, após aprender língua portuguesa?
eu acho que se abre portas porque pelo menos a gente poderia fazer negócios (...) a relação
internacional entre ambos países seria muito melhor porque Brasil poderia utilizar no melhor
sentido essa questão com Venezuela e Venezuela poderia usar a questão do idioma com o
Brasil no melhor sentido pra progredir pra fazer convênio pra mostrar uma cara diferente pra
o mundo que essa fronteira é a melhor trazendo essa questão não? não sei (...) hahaha
PESQ.: O que você faz em Santa Elena de Uairén?
minha vida em Santa Elena é muito tranquila (...) porque eu tenho muita família e eu
trabalho também com turismo (...) e eu estou fazendo aqui estou na universidade estou me
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formando como turismóloga já estou por concluir aqui em Pacaraima na universidade
estadual daqui do Brasil graças ao Brasil vou ser turismóloga (...) hahaha eu estudei como
se chama na Venezuela se chama recursos humanos (...) é (...) relações industriais e
administração de empresas a nível técnico (...) então agora estou estudando turismo porque
eu quero a trabalhar melhorar essa atividade lá no município (...) o turismo porque falta
muito mas eu acho que realmente se Venezuela e Brasil tivessem melhores convênios tanto
de estudos como outros projetos a nível turismos acho que Santa Elena estivesse melhor
que hoy/hoje em dia (...) porque ajuda é importante de ambas fronteiras é importante (...) eu
acho que Venezuela não há aproveitado essa /essa integração com o Brasil pra fazer
turismo (...) eu acho que hoje Brasil se está aproveitando pelo menos o estado de Roraima
(...) essa questão de ser um estado fronteiriço eu admiro essa questão (...) porque
antigamente quando o Brasil tinha uma mala situação econômica eh não é um segredo para
os brasileiros (...) a gente aproveitava essa questão e inclusive a gente os brasileiros que
trabalhavam lá eles eram maltratados (...) porque não tinha papel a gente explorava a
questão de estrangeiro não é? (...) agora a moeda está virada haha (...) então o
venezuelano sente que é/é maltratado mas esse maus tratos não existem como tal (...)
realmente não é toda a sociedade que mora em Santa Elena só alguns setores que
maltratam (...) que aproveitam algumas oportunidades não é uma questão de a moeda da
Venezuela está muito desvaloada (...) mas não é culpa do Brasil (...) então eu não posso
pretender falar que não eu não compro lá eles estão me maltrando tem os preços são muito
alto o preço é que é (...) a moeda da Venezuela tá muito fraca (...) agora então isso é
depreciação então agora muitos brasileiros estão passando pra Venezuela (...)
Pesq.: Você usa a língua portuguesa no seu dia-dia?
então eles precisam de informação eu acho que é interessante que a gente dá informação
num português bem fluido bem estudado (...) eu acho que é um pouco desagradável pra
algumas pessoas que moram tanto do lado Venezuela e Brasil que as vezes a gente
pergunta pra um brasileiro não pode explicar não pode entender e que as vezes um
brasileiro pergunta pra um venezuelano não pode explicar um português básico pelo menos
não é agradável estamos muito perto um de outro então (...) não é bom por isso (...) eu
acho que (...) a gente deve aprender português aprender espanhol porque a integração não
é somente uma questão econômica é social é cultural eu acho que maior vantagem (...)
quando a gente está na fronteira a gente pode enriquecer mais a cultura própria porque
quando a gente vê uma diferença entre uma cultura e outra pode valorar mais sua cultura
sim eu acho que é assim (...) dá mais valor a sua cultura
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APÊNDICE 3: SUJEITO 3 : “Salomão” Nacionalidade: Venezuelana Idade : 55 anos Vive em Santa Elena de Uairén há 26 anos Duração : 10min26s.
Pesquisadora: Você poderia me contar como é a vida na fronteira?
S3: Debe hablar en castellano porqueee (...) soy nuevo en el /el portugués (...) estuve estudiando / lo estoy aprendiendo no (...) yo llegué en frontera hace vente y seis años (...) me dedicava a la educación / educación media (...) ahorita estoy dedicado a la educación superior (...) enseño la parte de estadística matemática física química( ...) son mis área de conocimiento (...)estuve un tiempo desempeñandome en la parte política como consejar al local y aquí (...) e conozco bastante de /de /de este flujo de cual estas interesada (...) eh te voy hacer un resumen mas o meno no (...)
eh cuando llegué acá esta era una zona muy deprimida (...) la /la economía fuerte la tenia era Venezuela eh la la economía débil era de Brasil (...) entonces nuestra moneda que es pues el bolívar seiscientos bolívares (...) tenía una fortaleza única (...) entonces todos desplazamos hace a la frontera a comprar (...) ese nuestro centro de de acopia y compra era aquí en Pacaraima (...) eeh con el tiempo fue /esto fue evolucionando (...) la parte económica y hoy por hoy Brasil es la parte fuerte (...) entonces no/ los brasilero o / la o la persona de ciudadania brasilera se translava hacia en Santa Elena y hacer el resto de Venezuela especialmente la Isla de Margarita (...) que eran onde compran (...)
actualmente en Santa Elena estan llegando / o ha llegado una série de comerciante de nacionalidaaaad (...) oriental / oriental (...) diolando árabes ... uhun (...) turcos ( ...) chinos (...) y que han estabelecidos centros comerciales bastante importante eh (...) dita el flujo (...) pues que existe deee/ de brasilero / la moneda brasilera es por ahí muy fuerte (...) y eso paraaa / importante pues su economia ha crecido (...) entonces hoy / la cosa se invertió (...) hun (...) hoy en dia el el comércio importante esta en Venezuela para brasilero (...) Venezuela es importante no (... )en Santa Elena como ves han montado un centro comerciale (...) vamos llamar entre comillas no (...) esas zonas de area son mucho mas grande (...) se no centrooo / negocio pues muy grande (...)para ese /ellos dempeñarse (...)
en la / la parte deee / hay una parte que siempre me llamó la atención que que eees la la parte de combustible (...) el combustible como sabemos que Brasil no es un pais petrolero (...) entonces para / para ellos es dificil / es muy costozo el combustible (...) Venezuela es uno de los paises en el mundo que tiene el precio de combustible muy bajo / muy barato (...) inclusive para nosotros baratisismo (...)el precio del combustible y para los brasileros por supuesto es sumamente económico (...) eso ha generado un comércio aquí ii/ ilegal que era como llaman o llamaban vulgarmente los talibanes (...) que son las personas que se dedican a vender combustible fuera de /de / del centro “erocition” determinado por la ley para le/vender combustible (...)
esto generó por supuesto una economía muy importante para Venezuela y para brasilero (...) hay ciudadanos / espero que esto no no delate a nadie no (...) simplesmente mencionan a las otoridades (...) esta es la parte investi / investigativa (...) yo soy investigador también y nuestros hermanos jamás (...) solo muy discretamente no(...) ese comércio tambien es muy
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importante para ciudadano brasilero (...) hay muchos que se transladan de la ciudad de Boa Vista hasta aca y lo unico que hacen es llenar su /su carro de combustible full (...) van omentar en Boa Vista y lo venderlo a un precio y(...) acecible muy fructífero para ello (...) pues según las partes yo no sé se se llamaran de nagativo o positiva de/de un comércio ilegal que existe aca (...)eeeh / existe otro tipo de comércio fuerte se que es la parte (...) como /como /como es todo / como Santa Elena de Uairén en el año / el año mil noviciento novienta y se/ sei adelante (...) es un proyecto para aclarar un porto libre (...) eeh en el año dos / mil noviciento novienta y ocho aproximadamente se materializó y hoy en dia es un porto libre (...) entonces estamos exonerado de lo que son impuestos no(...) entonces (...)esto también es muy económico (...) pero eso tiene una /unas restriciones si no si puede sacar mucha mercancia si nooo lo que esta estipulada por la ley y asi aseñato y quien hace esas regulacione (...) entonces esto también é utilizado tanto por venezoelano como como brasilero (...) como como comércio ilegal y si saca mas de lo que tiene que sacar y eso por supuesto es muy fructífero no (...) de hecho (...) aquí en Venezuela eh una época / una época de tee olando (...) ya hace unos seis años aproximadamente que venian muchos ciudadanos dee/venezoelanos de /de otras regiones / de otro pais especialmente por todaaaa verles a olhar (...) a comprar mercancias y se la llevan en grandes cuantidades para ganar (...) sacarles provecho a eso (...) hoy en dia se hace con las bebidas alcolicas no ééé (...) buen (...) eso también lo utilizan mucho los ciudadanooo brasilero como parte de esa economia ... parte de ese movimiento (...)
encuanto la parte turística considero como ciudadano venezoelano que el / el turista brasilero es muy mal tratado (...) eh (...) estafado / podría decir eeeh se aprovechan de /de/ de esta situación para quitar el dinero (...) nuestras otoridades no son respetuozas coon el ciudadano brasilero (...) le faltan mucho respeto (...) eh fue una parte de la idiosincrasia (...) pues la cultura eh / propia venezoelano y nuest / nuestra otoridades (...) lamento decirlo pero es así (...) é como una especie ya de cultura no é (...)dizer que nooo con queee no cae en corrupción e que no estar (...) faz que no le quitan el dinero otro para permitile es que no (...) simplesmente por molestarlo (...) entonces no no estar pues (...)como se si sin alegación o en la cultura en la corrupción (...) pues forma ya de una idiosincrasia (...)considero que brasilero es muy /muy maltratado (...) asi no/no es tratado como debe ser pues (...)debe ser tratado un ciudadano y cualquier ciudadano (...) no indistintamente tem que ser brasilero o no ser brasilero (...) todo ciudadano tiene el derecho a ser respetado no (...)
y/yo cuando/ cuando me toca viajar aun siento esa indiganación (...) no porque meu trayecto de Santa Elena pasa en la Bolívar (...)as veces yo he tenido que dá/atravesar hasta veente alcabalas no (...) y eso tanto me molesto (...)yo/voy (...) me / as veces me pongo en el papel de un turista y debe ser muy incomodo aca a pessoa e todo cuando es estrangero (...) abre las maletas y registren esa impresión (...)son muy incomodo (...)
entonces considero que (...)por esa parte Venezuela no ha crecido (...) no no en el queeee real / el trato al turista (...)y eso queee / y eso de tenemos aquí universidade (...) yo como representante de una universidad para la cual trabajo (...)que esta enseñandooo (...) todo que tiene que ver con el turismo (...) se ha hecho una nueva carrera en tecnologia en turismo (...)eso no / no cala (...) buenooo (...)no llega a la persona (...) nooo falta mucho en Venezuela para que podrá acoplarse (...)pues lo que es una idea eeeh a lo que es una normativa no (...)Venezuela (...)como sabemos sobre todo la gran savana es una región muy velha (...)son naturaleza muy velha y no no sabemos la historia ooo nuestra otoridade no saben aprovechar (...) ellos no saben sacarle el provecho económico que eso tiene (...)as veces es con dolor que se vano otras nacionalidades / sobre todo alemanes vienen para caaa sacan información (...)hacen publicaciones y nosotros duele pañarles (...)en /en cuanto
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a investigación (...) aquí hay investigaciones que se hacen en en ciencias eh in eles se van franceses aaa ucaren espécimenes (...) no so sobre todo ai un espécimen mayor cascabel (...) no serpiente venenosa (...) eh vienen a sacar un un / llevar esa espécimen para su país para hacer los estudi y producir loo/ los venenos y sueros específicos para eso (...) también existe aquí en Venezuela / aquí en la gran zoana ha una biodiversidad eh que é exotica (...) no é yyy endémica de zoana iii /iso se /se apresta ahora en un comércio ilegal (...) isso lo lo vemo aquiii (...) é muy comun lo / lo / uno no le denuncia pero eso no / no llega nenhum y uuu no coo e /correr el riesgo / no meterse en problema (...) mania de ser perseguido (...) no lo que hace tratar que ha se callar (...)
omitir (...)pero porque (...) entonces yo no se hace nada imagina al contrario (...) tener un problema (...) esa é laaa / esa é la parte / la parte que me va servir (...) ah (...)uh en (...) cuanto ah (...)a la / a la vida en /en nosotros aquí en comu /como ciudadanos comune el trato entre nosotros é muy cordial brasilero y venezoelano muy verdadero / verdadero eh (...) e si e si / si tien un tiempo una incomodidad otoridad solecitano queee el pase hacia a la ciudad de Boa Vista cuando nos solicitan pasaporte no (...) Entonces nos deciamos cómo que se estamos en una frontera Boa Vista es tan cerca (...) nos piden pasaporte y ahora isso ya estaaa (...) exonerado (...) no simplesmente ya se ya es una solicitu./un permiso (...) no paso (...) porque somo muy /muy cercanos (...)
entonces (...) eso se deben tratar los ciudadanos brasileros (...) ten una experiencia muy interesante (...) ahorita se estan sacando una cedula (...) brasilera para Venezuela no (...) un convenio que se dice ahora que en venezoela es otra cosa (...) Brasil cumple con las normativas / másVenezuela no cumple con las normativas (...) cuando se firmó ese convenio (...) de intercâmbio de lo / lo que llamó una cedula fronteriza (...) Brasil cumplió (...) y queee / y quedé impresionado con el trato que me dio la / la persona que me atenció (...)la/la policia federal (...) si un trato queee nooo yo /yo pensé que tá en europa (...) pensé queee si na cosa (...) eh (...) me sentiii incomodo por la amabilidad (...) no por laaa / por lo otro no (...) si nooo la maioridad eran ciudada (...) deee / e se tiene (...) una / están preparados para el cargo/ para ese cargo (...) realmente (...) o cargo é servicio (...) eh ser(...) sa(...) sa/ ser/ servidor é eso pues siii respetar a las personas y atender (...) pues realmente (...) porque para eso é é contratado (...)un cargo como tal (...) bueno (...)en cuando volviendo al tema de lo (...) del tal trato aquiii é muy /nosotros somos muy respetuosos (...)por issi mismo somo muy verdadero (...) claro/salvo lo quee tedijen de laaa / del mal trato son generalmente por parte de otoridades nuestras y sobre todo sacandole / bucando dinero (...) ti tee gaaar siii/ teee (...) tu ahorita va a Santa Elena y te dales cuenta generalmente brasilero le abren las maletas (...)lo carro (...) lo revisan no (...) claro (...)ellos tiene un modo operandi (...)no iii eso dependeee (...) también de la ciudad no seee (...) si lo pueden hacer o no puden hacer (...) é una manera deee (...) é judaico (...) botar erro na cultura (...) mas o meno eso (...) una próxima hoy (...) .
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APÊNDICE 4 SUJEITO 4: Tomé Nacionalidade: Venezuelana Idade: 27 anos Vive em Santa Elena de Uairén há dez anos Duração: 8min56s Pesquisadora: Como é a vida na vida na fronteira?
S4: Eu pouco tempo tem vivendo aca (...) em Santa Elena de Uairén (...) eh (...) la//la/la vidaaa no /no /no es mala(...) no es mala (...) se convive eeeees / es como se dice eh ya sendo nuevo/nuevo aca eu tenido muy/muy buenas referencias/muy buenas referencias (...) eh hum estamos aca hacc/fazendo este curso de portugués paraaaaa tener una/una razón mais/mais compenetrada com o que es eh Brasil aca en la fronteira(...) eh
profesionalll (...) eh soy graduado en educação música (...) eh estão fazendo acá também tenemos um/um proyecto(...) acá en Santa Elena do Uairén paraaaa integrar o hacer la creación de un coro/ de un coro acá en Santa Elena de Uairén que me gustaría también (...) traerlo acá a Brasil (...)
en poco tiempo que he vivido acá en Santa Elena me ha parecido muy /muy /muy bueno /muy bueno el cambio okey uno se tiene que adaptar y eso (...) acá en la línea muy tranquilo eh la fronteraaa no es mucho el paso que he tenido simplementeeeee en estos seis meses que he vivido acá he notado pues queee son muy /muyy eh (...) cómo explico (...) acá pues el venezolano es muy/muy bien/muy bien recebido (...) acá en la frontera de Santa Elena deee Santa Elena de Uairén connnn nuestro país hermano Brasil (...) esteee hum (...) qué mas puedo decir eh (...) eeeh no sabría / no sabría / no sabría cómo compenetrarme con esto / con esto que estamos haciendo / este trabajo que estamos ahorita de queee / el curso para extranjeros / nosotros que estamos aprendiendo bastante (...) claro (...) ya no / no esteee (...) todavía no sé hablar muchoo portugués (...) no sé pero estoy tratando las palabras me llegan pero (...) y eso es (...) estoy tratando de lo que es comprender y entender el idioma queeee (...) no es tan fácil / no es tan fácil (...) todos lo ven fácil peroooo tiene su/su/su como todos los /como todo los idiomas tienen su/ su/su grado de complicación (...) y eso (...) tratando y esperando pues deeee (...) en este/en este proceso (...) en nuestra estadia acá de San/ de estar en Santa Elena de Uairén y de estar en frontera con Brasil (...) tener una muy buena relación pues con lo que es / con /con las personas y estar pues de esteee / de este pais por lo menos acá en Pararaima(...) /eeeh (...) es poco tiempo perooo / pero esperamos hum (...) buscar dar clases también acá en el estado de Paca / estado de Pacaraima / Roraima eeeh ir a la universidade tambíén a ver si hacemos un post-grado (...) estamos en esa / esa via en esaaaaaa hum cómo se dice eh (...) ahhhh se me fue la palabra (...) bueno ehhh (...) que estamos pues en processo de eseee / de ese movimento por ejem/ de estar en la fronteraaaaa /dee estar en Brasil (...) en Boa Vista ya seaaaa (...) exactamente eso (...)
Pesquisadora: Como é a relação entre brasileiros e venezuelanos?
S4: El trato es biennn (...) es bueno o sea claro (...) no sé me imagino queee por la/la/la cuestión de no hablar el idioma así comoooo el brasilero o el venezolano eh no se comprenden sería por eso pero yo creo que todos (...) teniendo una buenaaaaa/ una buena educación pues de lo que es (...) hum de las dos hablas (...) ya sea española ya sea la habla eh d/del portugués (...) sería una mejor / sería una mejor compenetración para lo que sería acá en el estado en la frontera (...) lo que sería fronteras de Santa Elena de Uairén con Paracaraima (...) si se tiene una mejor educación por ejemplo (...) con respecto al idioma (...) queeee el brasilero aprenda un poco más el español y elll venezolano aprenda elll (...) portugués (...) eso / eso (...) peroooo del resto lo que es hum (...) la convivencia yo creo que
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es buena / es muy buena la convivência que tienen acá el venezolano con el brasilero eh es buena y bueno seguir adelante pues (...) eso
Pesquisadora: Os brasileiros freqüentam Santa Elena?
S4: Sí la frecuentan claro más que todo cuandooo están en fiesta en feria están en hum en Brasil (...) más que todo en esa época que tienen vacaciones o es que frecuentan más lo que es la parte de Santa Elena de Uairén en la parte de Venezuela (...) sí hay más personas (...) lo que es turistas o personaaaas que ya sea que yaaa tienen familiares allí (...) sean brasileros sean venezolanos (...) pero más que todo en esa época (...) en esas fechas (...) es que ellos frecuentan más lo que es la parte de/de Venezuela Santa Elena de Uairén (...)
Pesquisadora: Os venezuelanos vêem muito ao Brasil?
S4: Vienen] (...) sí vienen mucho bueno por lo menos a esta parte de Pacaraima (...) vienen bastante / vienen bastante (...) ya sean los turistas (...) claro estee também las personas que viven acá en Santa Elena sí/sí/sí veo bastante movimiento hacia acá hacia la línea (...) hacia acaaaa (...) hacia la frontera (...) y ve (...) pero más que todo los turistas/turistas/turistassiempre de/deee es como recíproco (...) de /deee Brasil a Venezuela y de Venezuela a Brasil.
Pesquisadora: Quanto à língua portuguesa, o que é mais difícil?
S4: Con respecto al idioma portugués yo creo que lo más difícil es el habla/el habla de/del idioma /perooo (...) a la vez (...) es difícil (...) no sé por lo menos a mi me pasa es queeee (...) cuando voy a decir alguna palabra (...) alguna cosa (...) eeeh (...) tengo cómo decirla pero no me sale (...) no lo digo (...) sería el habla porqueee de entender uno escuchando poco con paciencia se entiende (...) sí se entiende (...) peroooo a la hora del habla es que se/se complica un poco más (...) entonces eso (...) el idioma (...) del resto
Pesquisadora: Você gosta de português?
S4: Sí peroooo (...) si fuese un poco más seguido para mí/para mí/para mí /para mí que no viajo tanto hacia acá hacia la línea queeee lo que viajo es poco esteeee lo que me hacía falta es tener más contacto/más contacto con el habla /con el idioma eeeh (...) escuchado todos los días (...) tratar de hablarlo para poder ver (...) asimilar más lo que es el idioma (...)
Pesquisadora: PESQ.: O que você pretende pro futuro, após aprender língua portuguesa?
S4: mira mucho (...) para una persona aprender varios idiomas es como queee (...) bueno para mí pues es como queeee sentirme bien (...) pues porqueee (...) no es solo que se de /de/de/del idioma (...) sino que me voy compenetrando con lo que es la cultura (...) eeh con lo que es el/el elll la linguística del idioma (...) sería la história del estado también (...) según (...) se vive compenetrando con eso (...) porque no es simplemente aprenderdo/aprenderdo/aprenderdo (...) sino aprender y aprender del país (...) de sus creencias (...) eso de sus vivencias y de todas esas cosas (...) eso/eso es lo más importante que creo yo en este aspecto de este caso
Pesquisadora: Como é a sua vida em Santa Elena?
S4: ¿Eh? ¿cómo vivo?
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Pesquisadora: Hum/hum
S4: Bueno (...) yo ahoritaaa (...) estamoooooos (...) yo llegué a la casa de/de/de /de mi esposaaaaa de m/ de/ de/de su mamá esteee ya ahorita estamos hum en un proceso de mudanza en una casaaaaa y eso (...) y entonces estamos haciendo los preparativos para eso ¿no? sí yo vivo con mi esposa y (...) por el momento con mi esposa y mi suegra (...) ahorita por el momento peroooo estamos ya en vías deeee cambiar de casa/ de hogar y de vivir con mi esposa
Pesquisadora:
S4: No hay problema
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APÊNDICE 5
ROTEIRO DA ENTREVISTA
1) Como é a vida na vida na fronteira?
2) Onde você estudou?
3) Por que está estudando Português?
4) O que você pretende pro futuro, após aprender língua portuguesa?
5) Com relação à cultura, brasileiros e venezuelanos se parecem?
6) Com relação à língua, você gosta de Língua Portuguesa?
7) Que tipo de relação existe entre brasileiros e venezuelanos?
8) Como é esse convívio hoje entre brasileiro e venezuelanos?
9) O que você pretende pro futuro, após aprender língua portuguesa?
10) O que você faz em Santa Elena de Uairén?
11) Você usa a língua portuguesa no seu dia-dia?
12) Os brasileiros freqüentam Santa Elena?
13) Os venezuelanos vêem muito ao Brasil?
14) Quanto à língua portuguesa, o que é mais difícil?
15) Você gosta de português?