universidade federal do rio de janeiro programa … · brasil/venezuela determinando uma relação...

118
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS NEOLATINAS UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM LETRAS NEOLATINAS O ETHOS EM “LA LÍNEA” DE FRONTEIRA BRASIL/ VENEZUELA: AMBIENTE ECOLINGUÍSTICO E REDES SOCIAIS Maria Ivone Alves da Silva 2012

Upload: trinhkhuong

Post on 10-Dec-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS NEOLATINAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM LETRAS NEOLATINAS

O ETHOS EM “LA LÍNEA” DE FRONTEIRA BRASIL/ VENEZUELA: AMBIENTE

ECOLINGUÍSTICO E REDES SOCIAIS

Maria Ivone Alves da Silva

2012

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

2

O ETHOS EM “LA LÍNEA” DE FRONTEIRA BRASIL/ VENEZUELA: AMBIENTE

ECOLINGUÍSTICO E REDES SOCIAIS

Maria Ivone Alves da Silva

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola). Orientadora: Profª. Dra. Leticia Rebollo Couto Coorientadora: Profª. Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz

Rio de Janeiro Agosto de 2012

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

3

O ETHOS EM “LA LÍNEA” DE FRONTEIRA BRASIL/ VENEZUELA: AMBIENTE

ECOLINGUÍSTICO E REDES SOCIAIS

Maria Ivone Alves da Silva

Orientadora: Profª. Dra. Leticia Rebollo Couto

Coorientadora: Profª. Dra.Maria Odileiz Sousa Cruz

Dissertação de Mestrado submetida ao Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas. Aprovada por: ___________________________________________________ Presidente - Profª Dra. Leticia Rebollo Couto– Orientadora ___________________________________________________ Profª. Dra. Mônica Maria Guimarães Savedra, UFF ___________________________________________________ Prof. Dr. Thomas Daniel Finbow, USP/UFRJ ___________________________________________________ Prof. Dr. Pierre François Georges Guisan, UFRJ, Suplente ___________________________________________________ Prof. Dr. Xoán Carlos Lagares Diez, UFF, Suplente

Rio de Janeiro 2012

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

4

Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)

S586e Alves-da-Silva, Maria Ivone.

O ethos em “la línea” de fronteira Brasil/Venezuela: ambiente ecolinguístico e redes sociais / Maria Ivone Alves da Silva. -- Boa Vista, 2012.

166 f. : il

Orientador: Profa. Dra. Leticia Rebollo Couto. Co-orientador: Profa. Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas.

1 – Fronteira Brasil/Venezuela. 2 – Ecolinguística. 3 –

Ethos. 4 – Contato de línguas. I - Título. II – Couto, Letícia

Rebollo (orientador).

CDU: 800.87

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

5

RESUMO

O ETHOS EM “LA LÍNEA” DE FRONTEIRA BRASIL/ VENEZUELA: AMBIENTE

ECOLINGUÍSTICO E REDES SOCIAIS

Maria Ivone Alves da Silva

Orientadora: Profª Dra. Leticia Rebollo Couto

Coorientadora: Profª Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz

Resumo da Dissertação de Mestrado submetido ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).

Os contatos entre as populações dos dois lados da fronteira Brasil/Venezuela caracterizam um ambiente marcado por fortes relações num espaço-temporal a partir de especificidades de ordem histórica e política, geradoras de um ecossistema linguístico particular. As representações discursivas estão repletas de enunciados que podem expressar os mais variados tipos de sentimentos, partindo-se do princípio de que o discurso do sujeito enunciante traz consigo fragmentos dessa realidade. Assim, é possível a visualização dos diversos níveis de interação que ocorrem entre os sujeitos que vivem nessa fronteira e, por conseguinte um ethos. Uma das preocupações pertinentes que se impõe à reflexão é se a situação de contato linguístico influi na construção do ethos no ambiente de fronteira Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que se estabelecem entre os povos de fronteira. O objetivo geral desta pesquisa é reconhecer o ethos manifesto nas representações discursivas do ambiente ecolinguístico na fronteira Brasil/Venezuela. A análise dos enunciados foi realizada por meio da abordagem do ethos, na perspectiva de Maingueneau (2008). A abordagem do tema fundamenta-se nos elementos da Ecolinguística, vista em Couto (2007, 2009), a qual se apropria como categorias de análise as situações de contato ou migração de indivíduos, grupos de indivíduos e de populações no espaço. A análise é realizada a partir do material linguístico evocado nesse ambiente fronteiriço, levando-se em conta as inter-relações que se estabelecem no território. Nossos principais resultados: o sujeito ora se enuncia como parte integrante da comunidade linguística de Santa Elena de Uairén, ora como parte de um lugar que é comum a brasileiros e venezuelanos - “la línea”, principalmente em função das estruturas das redes sociais que estabelece com brasileiros. Palavras-chave: Fronteira Brasil/Venezuela. Ecolinguística. Ambiente ecolinguístico. Contato de línguas. Ethos.

Rio de Janeiro Agosto de 2012

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

6

RESUMEN

O ETHOS EM “LA LÍNEA” DE FRONTEIRA BRASIL/ VENEZUELA: AMBIENTE

ECOLINGUÍSTICO E REDES SOCIAIS

Maria Ivone Alves da Silva

Orientadora: Profª Dra. Leticia Rebollo Couto

Coorientadora: Profª. Dra. Maria Odileiz Sousa Cruz

Resumen de la Disertación de Maestría sometida al Programa de Pós-

Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte de los requisitos necesarios para obtener el de Mestre en Letras Neolatinas (Estudios Lingüísticos Neolatinos, opción: Lengua Española).

Los contactos entre poblaciones de los dos lados de la frontera Brasil/Venezuela caracterizan um ambiente marcado pro fuertes relaciones em um espacio-temporal a partir de especificidades históricas y políticas, generadoras de um ecosistema lingüístico particular. Las representaciones discursivas están repletas de enunciados que pueden expresar los más variados tipos de sentimientos, a partir de la premisa de que el discurso del sujeto enunciante trae consigo fragmentos de esa realidad. Así, es posible distinguir diversos niveles de interacción que ocurren entre los sujetos que viven en esta frontera y, en consecuencia un ethos. Una de las preocupaciones pertinentes que se impone a la reflexión es si la situación de contacto lingüístico influye o no en la construcción del ethos en el ambiente de frontera Brasil/Venezuela determinando una relación de cercanía, cuya intensidad se considera a partir de los vínculos de relaciones que se establecen entre los pueblos de la frontera. El objetivo general de este trabajo de investigación es reconocer y describir el ethos manifiesto en las representaciones discursivas del ambiente ecolinguístico en la frontera Brasil/Venezuela. El análisis de los enunciados se ha realizado a través del enfoque del ethos en la perspectiva de Maingueneau (2008). El enfoque del tema se fundamenta en los elementos de la Ecolingüística, propuestos por Couto (2007, 2009), para tratar y analizar las situaciones de contacto o de migración de individuos, grupos de individuos y de poblaciones en el espacio. El análisis se realiza a partir del material lingüístico evocado em ese ambiente fronterizo, considerando las interrelaciones que se establecen en el territorio. Nuestros principales resultados: el sujeto se enuncia a veces como como parte integrante de la comunidad lingüística de Santa Elena de Uairén, a veces como parte de um que es común a brasileros y venezuelanos - “la línea”, principalmente en función de las estructuras de las redes sociales que establecen con brasileros. Palabras-clave: Frontera Brasil/Venezuela. Ecolingüística. Ambiente ecolingüístico. Contacto de lenguas. Ethos.

Rio de Janeiro Agosto de 2012

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

7

Dedicatória

Ao homem que me ensinou a sonhar e a seguir sonhando..., Raimundo Inácio.

(in memorian)

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

8

AGRADECIMENTOS

Ao Deus soberano, criador dos céus e da Terra;

Ao meu companheiro, amigo e amado esposo, Oton;

Ao meu maravilhoso filho, Victor Samuel;

Aos meus irmãos: Ceiça, Cirlene, Franço, Rogério, Ocione, Alcimone e Luzia;

Aos meus sobrinhos: Wiglyson, Welglyson, Pâmela, Mylena, Karen, Rodrigo, Symon,

Itallo, Gabriel, Izabella, Mariana, Mateus e Ruan;

Ao meu querido amigo, Augusto;

A minha amiga, Marcela;

Aos meus mestres do Programa de Mestrado Letras Neolatinas - UFRJ/UFRR;

Aos Professores Tomas Finbow e Mônica Savedra pelas excelentes contribuições e

sugestões ao trabalho.

Muito especialmente à Dra. Odileiz e Dra. Leticia.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

9

“Sejas pra mim,

minha outra metade falha;

minha memória esquecida”

(Inácio)

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

10

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mapa do Tratado de Tordesilhas....................................................... 28

Figura 2: Mapa dos limites atuais dos países latino americanos ...................... 30

Figura 3: Mapa Rodoviário do Estado de Roraima............................................. 3334

Figura 4: Mapa Geográfico: Estado Bolívar........................................................ 40

Figura 5: Área urbana de Santa Elena de Uairén ............................................. 44

Figura 6: Tipos de Ethos ................................................................................... 59

Figura 7: Criança/marco geodésico Brasil/Venezuela..................................... 85

Figura 8: Pessoas e veículos em movimento na fronteira Brasil/Venezuela.. 90

Figura 9: Grupo de estudantes brasileiras e venezuelanas ............................ 91

Figura 10: Posto de fiscalização da Receita Federal......................................... 92

Figura 11: Diagrama do ecossistema linguístico “provisional” de contato........ 94

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

11

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Grupos étnicos Brasil/Guiana/Venezuela....................................... 37

Tabela 2: Caracterização do Meio Ambiente da língua................................... 48

Tabela 3: Situações de contato de povos e línguas em determinado território............................................................................................................

52

Tabela 4: Abordagem do ethos...................................................................... 58

Tabela 5: Dados Sociolinguísticos dos sujeitos............................................. 65

Tabela 6: Cena da enunciação- quadro teórico............................................. 71

Tabela 7: Caracterização da cena de enunciação do ecossistema de estudo.............................................................................................................

71

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

12

LISTA DE APÊNDICES

Apêndice 1 – Sujeito enunciador 1- Raquel..................................................... 108

Apêndice 2 – Sujeito enunciador 2- Maria....................................................... 110

Apêndice 3 – Sujeito enunciador 3- Salomão.................................................. 113

Apêndice 4 – Sujeito enunciador 4- Tomé....................................................... 116

Apêndice 5 – Roteiro da entrevista.................................................................. 136119

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

13

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 14

1 CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DOS AMBIENTES FRONTEIRIÇOS ................. 19

1.1FRONTEIRA FLEXÍVEL ENTRE OS POVOS PRIMITIVOS .......................................................................... 19 1.2 CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA DAS FRONTEIRAS ATUAIS....................................................................... 21 1.3 FRONTEIRAS NO ESTADO MODERNO E ESTADO-NAÇÃO .................................................................... 23 1.4 TIPOLOGIA DAS FRONTEIRAS: "FRONTEIRA" E "LIMITE"; “DEMARCAÇÃO E DELIMITAÇÃO" ...................... 24 1.5 FRONTEIRAS LUSO–HISPÂNICAS NA AMÉRICA DO SUL ...................................................................... 26 1.6 PROCESSO DE FORMAÇÃO DA FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA ......................................................... 31

1.6.1 Formação do espaço sócio-histórico na fronteira Brasil/Venezuela: Roraima .................................... 33

1.6.2 Formação do espaço sócio-histórico na fronteira Venezuela/Brasil: o Estado de Bolívar ................... 38

1.7 A FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA: PACARAIMA ............................................................................... 42 1.8 A FRONTEIRA VENEZUELA/BRASIL: SANTA ELENA DE UIARÉN ........................................................... 44

2. ECOSSISTEMAS LINGUÍSTICOS FRONTEIRIÇOS ...................................................................... 46

2.1 MEIO AMBIENTE DA LÍNGUA ............................................................................................................. 46 2.2 CONTATO DE LÍNGUAS: INTERRELAÇÕES E AMBIENTE ....................................................................... 49

3 DISCURSO E ETHOS ........................................................................................................................ 53

3.1 LINGUAGEM, DISCURSO E ETHOS .................................................................................................... 53 3.2 ETHOS: CONCEITOS E TIPOS ........................................................................................................... 55

Fonte: Adaptado de Auchlin apud Maingueneau (2009). ............................................................................. 58

3.2.1 Tipos de ethos ...................................................................................................................................... 58

4 FUNDAMENTOS DA ABORDAGEM E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE .................................. 61

4.1 ABORDAGEM DO TEMA.................................................................................................................... 61 4.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DE ANÁLISE .............................................................................. 64

4.2.1 Os sujeitos enunciadores ..................................................................................................................... 64

4.2.2 A entrevista e convenções de transcrição ............................................................................................ 66

4.2.3 Os enunciados ...................................................................................................................................... 67

4.2.4 Os fatores ecolinguísticos de influência no contato de povos ............................................................. 68

5 ANÁLISE DO ETHOS EM AMBIENTE ECOLINGUÍSTICO FRONTEIRIÇO BRASIL/VENEZUELA

............................................................................................................................................................... 70

5.1 SITUAÇÃO DE CONTATO ENTRE FALANTES NO ECOSSISTEMA LINGUÍSTICO BRASIL/VENEZUELA ........... 70 5.2 CONSTRUÇÃO DO ETHOS DISCURSIVO DO SUJEITO DA FRONTEIRA .................................................... 71

5.2.1Sujeito integrante da comunidade linguística de Santa Elena de Uairén ............................................. 76

5.2.2 Sujeito integrante de um lugar comum a brasileiro e venezuelano ..................................................... 80

5.3 FATORES QUE INFLUENCIAM O CONTATO DE LÍNGUAS: UMA ANÁLISE DA CENA DE ENUNCIAÇÃO ........... 87 5.4 ECOSSISTEMA LINGUÍSTICO “PROVISIONAL”: UMA PROPOSTA ............................................................ 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................. 96

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 102

APÊNDICES ........................................................................................................................................ 106

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

14

INTRODUÇÃO

A configuração das regiões fronteiriças no Continente Americano surge a

partir das necessidades europeias por novos produtos e matérias primas para o

abastecimento do mercado europeu no século XV. As expedições marítimas de

portugueses e espanhois, principalmente, resultaram na conquista das terras

situadas ao sul do continente americano. O resultado dessas expedições e o esforço

pela resolução de conflitos de demarcação territorial é a assinatura do Tratado de

Tordesilhas em 1494.

Esse acordo, determinou que as terras coloniais espanholas e portuguesas

fossem fixadas por meio do princípio de Uti Posseditis, sugerindo que os limites de

cada território fossem definidos e atribuidos para os primeiros ocupantes de

determinada região, desde que essa ocupação pudesse ser devidamente

comprovada. Esse critério possibilitou que Portugal ficasse com o domínio da

Amazônia e a Espanha com o do Rio da Prata e com algumas concessões mútuas

de territórios adjacentes (COUTO, 2009, p. 9-11).

A partir de 1808, os portugueses direcionam sua política expansionista para a

Amazônia com o objetivo de estabelecer limites territoriais seguros para a posse da

foz do rio Amazonas. Contudo, somente em 1822, com a proclamação da

Independência do Brasil, com desenvolvimento da chamada Guerra da

Independência (1823-1824) e com plano externo pelo Tratado de Paz e Aliança de

1825, as fronteiras do novo país são definidas.

As fronteiras interpaíses são consideradas áreas estratégicas pelos estados

nacionais. No caso do Brasil, essa faixa é disciplinada pela Constituição Brasileira,

por meio da Lei 6.634, de 1979, como área indispensável à Segurança Nacional,

contemplando 150 km de largura, paralela à linha divisória terrestre do território

nacional. A faixa que separa o país, de norte a sul, ocupa 27% do território nacional,

significando 23.086 km de fronteiras, sendo que destas 15.719 km são terrestres

compondo o seguinte quadro: a noroeste, a Colômbia (1.644 km); a oeste, o Peru

(2.995 km) e a Bolívia (3.423 km); a sudoeste, o Paraguai (1.365 km) e a Argentina

(1.261 km); ao sul, o Uruguai (1.068); e, ao norte, situam-se as fronteiras com a

Guiana Francesa (730 km), o Suriname (593 km), a República Cooperativa da

Guiana (1.606 km) e a Venezuela (2.199 km) (ALVES, 1998, p. 11-13). Estas

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

15

fronteiras envolvem onze estados brasileiros, dos quais Roraima é um deles,

caracterizado por situações de contato das línguas europeias de colonização entre

as línguas portuguesa, a língua inglesa e língua espanhola.

Remontando ao passado histórico, desde o período colonial até a

contemporaneidade, verifica-se que as diretrizes políticas dos estados nacionais

para as regiões fronteiriças ainda se restringem, em grande parte, aos interesses

de ocupação e defesa estratégica das fronteiras. Contudo, a estratégia na direção

da integração interpaíses com a organização em blocos econômicos e políticos, faz

surgir o interesse pelas culturas regionais e pelas culturas dos povos fronteiriços.

Uma iniciativa de integração dessa natureza está na política brasileira das diretrizes

educacionais, e um dos resultados é a oferta do curso de Língua Portuguesa

como Língua Estrangeira – PLE, pela Universidade Estadual de Roraima, onde foi

realizada esta pesquisa. O curso de PLE é oferecido no campus de Pacaraima,

fronteira com o Município de Santa Elena de Uairén, na Venezuela e foi onde

localizamos os sujeitos que são objeto da nossa pesquisa.

Outra demanda crescente nessa direção de integração está na realização de

pesquisas direcionadas à compreensão do ambiente linguístico em suas diversas

manifestações, a fim de caracterizar os contatos dos povos nos aspectos que

envolvem a língua em relação ao ambiente natural e sócio-histórico. A partir da

compreensão dessa complexidade do ambiente, surge a ideia desta pesquisa de

analisar o discurso do sujeito venezuelano em função de suas experiências de

sua interação com brasileiros. Numa primeira abordagem informal dessa fronteira,

é possível verificar uma diversidade de tipos de comportamento, às vezes, inclusive

agressivos, sobretudo em contextos de interação relacionados ao comércio legal ou

ilegal de gasolina. É o caso de atitudes de autoridades policiais, funcionários e

clientes venezuelanos nas filas de espera dos postos de gasolina em Santa Elena

de Uairén1, onde se multiplicam situações de hostilidade e tensão na relação entre

os participantes brasileiros e venezuelanos dessa interação.

Eu mesma tive a ocasião de crescer numa localidade fronteiriça (Brasil-

Brasiléia/Bolívia-Cobija), o que certamente motivou o meu interesse por este tema

de pesquisa. Na minha experiência pessoal pude perceber que a desigualdade do

valor da moeda, as pequenas trocas não estavam marcadas pela hostilidade, pelo

1 Em Pacaraima (Brasil), município fronteiriço com Santa Elena (Venezuela), não há postos de gasolina.

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

16

menos na minha lembrança ou experiência. As perguntas que ficam e que motivam

esta pesquisa são: por que essa diferença de atitude? Quais as razões

Ecolinguísticas que exercem pressões nesse sentido e diferenciam o ethos boliviano

(do contato Cobija/Brasiléia, que conheci na minha infância) do ethos venezuelano

(do contato Santa Elena de Uairén /Pacaraima), que é nosso atual objeto de

pesquisa?

O reconhecimento da natureza dos fatores que influenciam no resultado das

situações de contato estabelecidas nesses ecossistemas linguísticos é importante

e pode auxiliar a compreender as interações que caracterizam essa situação

específica de contato. Pressupõe-se assim, que a situação de contato exerce

influência recíproca nas relações mantidas e, portanto pode interferir no

posicionamento discursivo da população das regiões fronteiriças. Nessas

circunstâncias, é possível supor que possa haver uma tendência ao surgimento de

uma única comunidade de fala, emergida gradualmente ao longo do processo

histórico da evolução dessa fronteira (COUTO, 2007, p. 17).

Consideramos que nesses ecossistemas linguísticos, as representações

discursivas estão repletas de enunciados que podem expressar os mais variados

tipos de sentimentos de pertencimento e não pertencimento. Partindo do

princípio de que o discurso do sujeito enunciante traz consigo fragmentos dessa

realidade, representada pelo sujeito que vive na fronteira Brasil/Venezuela, é

possível analisar discursivamente os diversos níveis de interação entre os sujeitos

constituídos nessa fronteira. Levamos em conta, para tal análise, em conta conceitos

de Ecolinguística visto em Mufwene (2001); e Couto, (2007, 2009), considerando a

“relação da língua e o meio ambiente”, bem como alguns aspectos metodológicos da

Análise do Discurso.

Na Análise do Discurso, uma das preocupações pertinentes que se impõe à

reflexão neste trabalho é se a situação de contato linguístico influi na construção

do ethos no ambiente de fronteira Brasil/Venezuela. Nesta situação de contato a

relação de proximidade e intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

se estabelecem entre os povos de fronteira. Outra preocupação está em saber se a

compreensão da cena de enunciação, que caracteriza o ethos fronteiriço

Brasil/Venezuela contribui para o entendimento das percepções, sentimentos,

estereótipos e vicissitudes (Maingueneau, 2008), dos povos e do sujeito em

ambientes de fronteira. A análise dos enunciados foi realizada por meio da

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

17

abordagem do Ethos na perspectiva de Maingueneau (2008), para quem o ethos se

constitui em uma dimensão discursiva que faz parte da identidade de um

posicionamento discursivo.

O objetivo desta pesquisa é reconhecer o ethos manifesto nas

representações discursivas do ambiente ecolinguístico na fronteira Brasil/Venezuela,

tendo como objetivos específicos: a) descrever o processo de construção do

ethos discursivo do sujeito da fronteira; b) caracterizar a situação de contato de

povos no ecossistema linguístico Brasil/Venezuela;

Esta pesquisa fundamenta-se nos elementos da Ecolinguística (Couto 2007,

2009), apropriando-se da fundamentação teórica relativa às situações de contato,

especificamente no que diz respeito aos movimentos migratórios e interações de

grupos e indivíduos nos seus deslocamentos entre os territórios. Evoca ainda, os

fatores que influenciam nos resultados desses contatos sejam eles: Quantidade;

Tempo; Intensidade; Atitude; Semelhança/Dessemelhança linguística e Resistência

cultural no contato entre ambos os povos.

A reflexão que se desenvolve está fundamentada também nos pressupostos

teóricos da Análise do Discurso, apontados em Maingueneau (1997, 2008), por

favorecer a análise, principalmente, das circunstâncias e do lugar social em que o

sujeito enuncia. O sujeito falante, quando enuncia, o faz considerando seu contexto

histórico, linguístico e social, mobilizando sua experiência, seu conhecimento e seus

sentimentos na construção de seu ethos, traçando seu ponto de vista sobre o

mundo, em função do espaço que habita. Para tanto, foram selecionados quatro

sujeitos venezuelanos que vivem na fronteira Brasil/Venezuela, que estudam PLE na

Universidade Estadual de Roraima e que estão, portanto, em pleno processo de

relacionamento educacional com brasileiros. Utilizou-se como instrumento de

pesquisa a entrevista livre.

Esta pesquisa está estruturada em cinco capítulos. No primeiro,

contextualizamos a formação das fronteiras e ambientes fronteiriços. No segundo,

conceituamos os ecossistemas lingüísticos fronteiriços e o contato de línguas. No

terceiro capítulo, definimos a partir da Análise do Discurso o conceito de ethos. no

quarto capítulo, apresentamos a abordagem metodológica da pesquisa. E no quinto

capítulo, analisamos o ethos construído no discurso do sujeito da fronteira. E por

último, apresentamos os resultados nas considerações finais desta pesquisa no que

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

18

diz respeito aos nossos objetivos iniciais e na revisão da pertinência do ethos como

metodologia de análise para o estudo de contatos linguísticos.

A partir do conceito de ethos, descrevemos o processo de construção

discursiva da imagem do sujeito da fronteira, contudo não conseguimos caracterizar

a situação de contato de povos no ecossistema linguístico Brasil/Venezuela, sendo

que para tal fez-se necessário introduzirmos o conceito de redes sociais, apontado

como chave metodológica para futuros estudos sociolinguísticos em ambientes

fornteiriços.

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

19

1 CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DOS AMBIENTES

FRONTEIRIÇOS

1.1Fronteira flexível entre os povos primitivos

Uma fronteira por si só não existe já que ela é condicionada pela existência

de povos que a constituíram ao longo do processo histórico de formação dos

estados nacionais. O vocábulo Fronteira deriva-se do antigo latim „fronteria‟, „front‟

ou „frontaria‟ que indicava a parte do território situada „in fronte‟, isto é nas margens.

É assim, precisamente no período entre os séculos XIII e XV que surge a palavra

fronteira na maioria das línguas europeias, não sendo originalmente aplicada a uma

linha e sim a uma área. Na Europa medieval, a zona/região de fronteira era uma

área, ou seja, possuía largura (e não só extensão, como é o caso do limite), visando

cumprir um objetivo de separação e não de contato (MARTIN,1992. p. 21; STEIMA;

MACHADO, 2002 p. 4).

O desenvolvimento dessa concepção política de fronteira surgiu no período

da Alta Idade Média (século VII e VIII) com a constituição dos „marks‟, ou „marches‟

(francês), ou „marcas‟ (espanhol), pelos reis francos, considerados como territórios

especiais, usualmente objeto de projetos de colonização, visando a proteção das

fronteiras do império contra eslavos e outros povos com os quais não queriam

contato. “Cada marca tinha um administrador próprio (os „markgrafs‟, „margraves‟, ou

marqueses), sendo que muitas delas deram origem, mais tarde, a reinos e estados

independentes”. (STEIMA; MACHADO, p. 4 s/d)

Durante o percurso histórico das sociedades, entre os povos ditos primitivos,

ou destas também chamadas sociedades primitivas (sem o aparecimento o

aparecimento do estado, nem da escrita ou a existência de moeda para regular as

transações econômicas), as situações de contato entre os povos poderiam variar

desde “um simples enriquecimento cultural recíproco até a liquidação e o extermínio

de povos e culturas inteiras” (MARTIN 1992, p. 21)

Nessas sociedades há um movimento aparentemente ilimitado, embora na

realidade, elas se situem circunscritas em uma determinada parcela do território,

onde cada grupo pretende defendê-lo de ameaças de outros grupos. A identidade

deste grupo é específica, sendo que a apropriação coletiva do território é ligada

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

20

emblematicamente à extensão do culto religioso, adquirindo a fronteira um sentido

mágico.

Nesse momento as sociedades são caracterizadas pela não-separação entre

propriedade individual e pública, ou seja, a terra que constitui a fonte de riqueza

fundamental é propriedade coletiva, pertencente a toda comunidade. A atividade

produtiva básica é a coleta e só se pratica a agricultura de forma suplementar. O

nomadismo é outra característica importante, embora subordinanda à primeira.

Nesta perspectiva a terra é propriedade comunal, pertencente a todos os indivíduos

apenas enquanto membros da mesma comunidade. “E a entidade comunitária tribal

aparecerá, por sua vez, não como resultado, mas como condição da apropriação

coletiva temporária do solo e de sua utilização” (MARTIN 1992, p. 21-22)

A condição de apropriação coletiva do território, desde os tempos primitivos já

se vinha configurando também a formação de espaços fronteiriços demarcatórios,

pelos menos em termos culturais e religiosos entre sociedades distintas,

enquadrando-se nessa condição as pequenas populações de caçadores que se

utilizam de um vasto território caracterizado por movimento aparentemente ilimitado,

mas que está efetivamente circunscrito a um recinto natural rodeado por

circunscrições semelhantes, onde cada grupo buscará defender seu território,

preservando, além disso, sua identidade cultural e religiosa.

O grupo, antes de considerar-se como parcela de um todo maior, prefere

afirmar sua identidade específica contra o resto do mundo, e como essa apropriação

coletiva do solo se acha ligada a extensão do culto religioso, a fronteira adquire

também um sentido mágico. Esse sentido se prolongará através das civilizações de

pastores, penetrando mesmo nos primeiros impérios (MARTIN 1992, p. 22).

Por outro lado, a partir de estudos antropológicos sobre a geografia política,

houve o rompimento com as teses do „primitivismo‟ das sociedades tribais, e com a

ideia de que os homens primitivos não conheciam as fronteiras-limite lineares,

concebendo somente zonas vinculadas ao território de caça. Conforme descrito a

seguir.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

21

De fato, Stephen Jones (1959) assinala que antropólogos identificaram em várias partes do globo práticas de sociedades tribais não apenas fazendo uso de linhas fronteiriças, mas de demarcação e patrulhamento. A ideia subjacente à tese do primitivismo era dos laços de parentesco como único princípio a gerar a coesão social desses grupos, mas o fato é que mesmo entre os povos antigos o princípio territorial era parte importante da formação de sua identidade, convivendo e disputando com a predominância dos critérios de parentesco ( LOWIE, 1927 apud JONES, 1959, citado em Steiman; Machado, STEIMAN; MACHADO 2002 p. 3).

Não obstante, a fronteira se apresenta extremamente flexível, ou seja, em

virtude dela se caracterizar como propriedade comunal, as comunidades viviam em

constante movimento. As guerras são constantes em decorrência de fatores

econômicos e místicos, embora não estivessem ausentes os contatos de natureza

pacífica e amistosa. São exemplos de comunidades deste tipo a dos tupis do Brasil,

sendo comuns nas cerimônias e rituais de etiqueta preceder a penetração de

indivíduos de uma aldeia no território de outra (MARTIN, 1992. p. 23).

Dessa forma, é possível afirmar que desde os tempos ditos “primitivos" já

havia a questão da delimitação do território, mas voltado à reprodução biológica e

cultural e subsistência do grupo, esta situação é marcada por MARTIN,

Mas isso não se fazia por intermédio de linhas rígidas, muito ao contrário, mas através de zonas mais ou menos fluidas que aceitavam ate certo ponto uma interpenetração. Em contrapartida, esse caráter eminentemente instável das fronteiras fazia com que, em nome de maior proteção, as comunidades, à medida que iam se sedentarizando, ansiassem por habitar territórios mais bem delimitados e menos sujeitos a invasões (MARTIN 1992, p. 23).

As pesquisas na área da antropologia corroboram para esse entendimento

identificando em diversas regiões do planeta praticas tribais de definição de linhas

fronteiriças e de demarcação e patrulhamento, onde as relações parentais tinham

uma importância significativa para as relações entre os membros das comunidades

tribais.

1.2 Configuração histórica das fronteiras atuais

A dissolução das comunidades primitivas inicia uma nova fase na

caracterização das fronteiras. Dois fatores contribuíram significativamente para esse

novo momento de contato entre povos: O primeiro deles deve-se a uma melhoria na

produtividade agrícola, que permitia não somente a fixação de povos em regiões de

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

22

solos férteis, ao mesmo tempo em que surgiam novas atividades e funções mais

especializadas, entre elas a burocracia, os militares, os artesãos, os comerciantes,

além obviamente, dos camponeses. Além deste fator, mas por ele corroborado

aumenta o número de grupos invasores vitoriosos que conquistavam junto com o

território, seus habitantes dando origem a várias formas de trabalho servil. Nessa

fase inicia-se um processo de centralização do poder e de expansão territorial,

descaracterizando a propriedade coletiva da terra. Caracteriza esta fase o império

Chinês, a expansão do império Romano, e a construção do império Inca. Em relação

à caracterização da fronteira, esta era tida como linha estática fortificada e

defensiva, própria dos impérios já expandidos, eram construídas trincheiras em

pontos considerados estratégicos como no caso do império Inca ou muralhas como

as da China (MARTIM, 1992, p. 23).

De acordo com os estudos realizados por Owen Lattimore, geógrafo norte-

americano que estudou as relações entre fronteira e civilização, havia, no caso do

império chinês, toda uma vertente social e cultural subjacente às concepções

políticas de fronteira no sentido de limite de civilização. Ao norte do Império, o intuito

estava em excluir a transposição de povos considerados bárbaros e, portanto não

sendo desejado absorvê-los.

A rigidez perseguida pelos chineses, na interpretação de Lattimore, expressava um desejo de exclusão de povos que eles consideravam bárbaros e não desejavam absorver. Transpor a fronteira não implicava apenas dominar esses povos bárbaros mas dominar o espaço das estepes e da atividade pastoril, uma estrutura considerada, sob todos os aspectos, inferior à chinesa. A muralha da China não só separava duas grandes regiões, mas dois modos de organização espacial: as bacias hidrográficas chinesas, onde se praticava uma agricultura intensiva e irrigada, e as estepes do norte com sua pecuária extensiva (LATTIMORE, 1937, apud STEIMAN; MACHADO, 2002 p. 3-4).

Com relação à caracterização da situação fronteiriça na Idade Média tem-se

que:

A presença romana deixaria marcas indeléveis em toda a Europa. No leste, porém, o império Bizantino acabaria gravitando em torno de problemas asiáticos, ao passo que no oeste as instituições romanas e germânicas iriam lentamente se fundir, fornecendo os fundamentos histórioo-culturais do que hoje normalmente designamos por "Europa Ocidental''. E como é sabido, nesse processo, a igreja Católica cumpriu o papel de agente unificador fundamental, como que compensando a fragmentação política e a pulverização econômica existentes. Desde então, um sentido religioso das fronteiras começou a se separar daquele político-administrativo, o que só se completaria bem mais tarde com o surgimento dos estados modernos (MARTIN 1992, p. 31-32).

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

23

A característica que marca os princípios originais de fronteira na Europa

medieval, não foi nem os laços de parentesco nem a territorialidade, mas no próprio

sistema feudal, já que ele atribuía aos próprios feudos uma natureza hereditária e

territorial que ia além dos domínios territoriais dos reinos e impérios, abalando, em

linhas gerais, o poder dos reis no sistema de monarquia feudal. Nesse viés, afirma-

se que as “bases desse sistema, assentado nos direitos hereditários e históricos que

tinham prevalecido até então na delimitação de fronteiras foi, assim, gradualmente

sendo rompida pela emergência do estado moderno” (STEIMAN; MACHADO, 2002

p. 4).

1.3 Fronteiras no estado moderno e estado-nação

O advento do estado moderno traz em seu bojo a concepção de fronteira

linear, a qual vai se tornar imprescindível nos processos de definição de limites entre

as sociedades, haja vista a necessidade inicial desse estado em aprofundar os

fundamentos de sua soberania territorial. Essa concepção surge com o

Renascimento, e os progressos alcançados pelas matemáticas, astronomia dos

conhecimentos obtidos com as viagens, permitindo um avanço cartográfico

extraordinário. O avanço da cartografia tornava possível a introdução de traçados

precisos entre soberanias, precisando os limites dos estados nacionais (MARTIN,

1992, p. 35).

Considerada como a primeira concepção geográfica moderna de fronteira,

surge então a "fronteira linear”, reconhecida como prova de que se trata de uma

época com novas noções de espaço e de tempo, sendo a primeira tentativa de

estabelecimento de uma fronteira ocorrida no Novo Mundo, representada pela "linha

de Tordesilhas" que ratificou, por comum acordo dos soberanos de Portugal e

Espanha, a bula papal anterior, na qual Portugal se julgava prejudicado. Assim, em

1494 foi definida uma "linha de demarcação" tendo por base o meridiano

atravessando um ponto a 370 léguas das ilhas de Cabo Verde, garantindo a

Portugal a posse das terras a leste da mesma, e à Espanha as do oeste (MARTIN

1992, p. 36).

Essa concepção moderna de fronteira como limite dos estados nacionais

estabelecendo uma relação entre limite e soberania territorial não foi imediata, pois

na Europa quinhentista, os argumentos que embasavam o poder dos reis sobre o

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

24

reino eram de tipo feudal e não-nacional. Isto porque no período feudal, como visto,

a característica marcante era a herança dos feudos por indivíduos que estavam

unidos por laços de vassalagem (STEIMAN; MACHADO, 2002, p. 4).

Por outro lado, é dado como consenso considerar o Tratado de Westfália

como marco inicial na constituição de um sistema moderno de fronteiras na Europa

Ocidental, entendendo-se esse conceito de “moderno” a concentração do poder

político cuja base estava representada pelo estado. Começa a se afirmar, assim, o

conceito de estado nação, o qual vai ser responsável pela fixação de limites rígidos

e precisos das fronteiras entre as sociedades (MARTIN, 1992, p. 35).

A igualdade jurídica elevou os Estados ao patamar de únicos atores nas políticas internacionais, eliminando o poder da Igreja nas relações entre os mesmos e conferindo aos mais diversos estados o direito de escolher seu próprio caminho econômico, político ou religioso. Ficou, então, consagrado o modelo da soberania externa absoluta, e iniciou-se uma ordem internacional protagonizada por nações com poder supremo dentro de fronteiras territoriais estabelecidas (PERINI, 2003, p. 2).

A ordem internacional que foi estabelecida com o "Tratado de Westfália data

do século XVII, mais precisamente a 1648, quando foi assinado. Por ele foram

fixados os princípios normativos centrais - territorialidade, soberania, autonomia e

legalidade – configurando um sistema internacional de estados, cujas relações entre

eles ficam submetidas ao direito internacional, desde que cada um o consinta, já que

não há autoridade legal para além do estado capaz de impor obrigações legais a ele

ou a seus cidadãos.

1.4 Tipologia das fronteiras: "fronteira" e "limite"; “demarcação e delimitação"

A literatura que trata da questão de limites e fronteiras interpaíses é rica em

abordagens sobre o significado e as formas de classificação de tipos de fronteiras

separando duas sociedades. A mais conhecida e abordada pelos estudiosos é a que

classifica as fronteiras em naturais e artificiais, discutida durante toda a primeira

metade do século XX.

Para os demarcadores, a "fronteira natural" é aquela onde a linha divisória

acompanha os acidentes naturais, não existindo a presença de marcos assinalados

e colocados pelos homens. A natureza aí é invocada com o objetivo apenas

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

25

pragmático de facilitar o trabalho de demarcação. Por outro lado, os geógrafos só

consideram "natural" aquela fronteira que se apoia em obstáculos naturais e que

“representam verdadeiras barreiras ao contato entre dois grupos, tal como ocorre

com pântanos, densas florestas, montanhas e desertos. Trata-se, portanto, de faixas

e não de linhas” (MARTIN, 1992, p. 49).

O que parece ser um traço comum a todas as classificações (naturais e

artificiais; boas e más; lineares e zonais; etc) é o intuito de determinar a

superioridade de um determinado conceito de fronteira sobre outros, uma

superioridade claramente relacionada à função que o autor atribui à fronteira. Por

exemplo, as discussões sobre a conveniência dos rios ou das montanhas como

limites entre estados estão relacionadas à função prioritária da fronteira como fator

de assimilação ou fator de defesa, respectivamente (STEIMAN; MACHADO 2002, p.

1).

Fazendo uma revisão bibliográfica sobre a questão das fronteiras

internacionais na primeira metade do século XX, Minghi (1963) coloca que as

classificações e tipologias de fronteira-limite evoluíram do modelo natural-artificial

para outras perspectivas evocando, por exemplo, desde a base física ou

antropogeografia, até chegar àquelas com base na paisagem cultural. Esse autor

coloca também as novas concepções sobre limites e fronteiras que estavam

surgindo voltadas principalmente para o destaque das preferências. Verifica-se,

portanto, que no tocante às similaridades e diferenças existentes entre as

comunidades constituídas sócio-políticamente, existe o limite político, assim como a

zona de fronteira. Isto permite a definição da função, do outro, da importância das

zonas de circulação no que se refere à descrição da intensidade do movimento que

ocorre na fronteira (MINGHI, 1963 apud MACHADO, 2002 p. 2).

Elas representam por assim dizer a primeira tarefa do Estado. Só o estabelecimento de fronteiras relativamente seguras garante o mínimo de tranquilidade coletiva necessária para que o aparelho estatal possa se dedicar a outras atividades, como a construção de estradas e a canalização de recursos para o enriquecimento de regiões pouco desenvolvidas por exemplo. Entendidas dessa maneira, as fronteiras se associam, portanto, ao momento original de formação dos estados, ou se preferir, à fase que corresponderia a sua infância , o que determinará em grande medida o caráter e o futuro dos mesmos. Trata-se aqui evidentemente de um nível de relações horizonte onde está pressuposta a igualdade jurídica entre duas entidades soberanas, o que corresponderia a uma abstração, uma vez que nivela idealmente sociedades na verdade bastante distintas entre si (MARTIN, 1992, p. 51).

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

26

Em relação a esse aspecto, tem-se que as fronteiras externas são

importantes para a constituição dos estados modernos.

1.5 Fronteiras luso–hispânicas na América do Sul

“Las relaciones de sentido instauran efectos, constituen actores, âmbitos sociales, acontecimientos y la ilusión de um devenir sociohistorico.” (BEHARES, 1996)

A evolução do conhecimento técnico–científico experimentado pelos estados

nacionais facilitou o dinamismo das tecnologias e equipamentos de transportes e

comunicações e aumentou consideravelmente o volume e os movimentos dos

deslocamentos interfronteiriços. Esse processo trouxe à tona a porosidade das

fronteiras nacionais, étnico-culturais e identitárias, permitindo as trocas materiais e

simbólicas, onde se confrontam indivíduos e culturas muito diferentes. Dão-se aí,

relações marcadas por práticas de deslocamento que devem ser percebidas como

constitutivas de significados culturais ao invés de serem apenas uma extensão ou

transferência desses significados.

O espaço fronteiriço entre o Brasil e a Venezuela também vem sendo profundamente impactado em virtude das novas tecnologias de transporte e comunicação intensificando os fluxos transfronteiriços de mercadorias (legais e ilegais), de pessoas (turistas, moradores de fronteiras, imigrantes, trabalhadores migrantes), bem como fluxos imateriais e simbólicos (bilingüismo, portunhol) em que as culturas e as identidades transcendem seu lugar de origem e se hibridizam a ponto de ser cada vez mais difícil identificar suas origens (RODRIGUES 2006, p.197).

A compreensão da origem desse fluxo de relações que hoje se processa no

âmbito fronteiriço Brasil/Venezuela perpassa pelo entendimento da formação das

fronteiras interpaíses na América do Sul, surgidas como resultado do processo

colonizador europeu, no século XVI. Duas nações, principalmente, Espanha e

Portugal são as protagonistas desse processo que resultou na demarcação da

primeira fronteira no continente americano do sul, representada pelo Tratado de

Tordesilhas.

De fato, em 1494, Portugal e Espanha resolvem dividir as terras que

apareciam a cada nova viagem por um meridiano situado a 370 léguas das ilhas do

Cabo Verde. O Papa da época, Alexandre VI, já as havia dividido por uma linha

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

27

situada a 100 léguas, não aceita por Portugal. E, assim, antes mesmo de existir o

Brasil já possuía uma fronteira, em que pese, ninguém saber com exatidão seus

limites, pois o tratado não especificava sua origem, mas vários autores imaginaram

que seria uma linha geodésica situada entre Belém (PA) e São Luis (MA), no Norte,

e entre Laguna (SC) e a Ilha de São Vicente (SP), no Sul. Cerca de dois terços do

atual território do Brasil estava, portanto, fora da parte portuguesa da linha de

Tordesilhas (FILHO, 2008, p.19).

Nesse contexto do passado colonial na América do Sul tem-se o fundamento

para que os países se emancipassem, apesar das dificuldades surgidas na

interpretação e de demarcação em zonas pouco povoadas e de acesso difícil como

as florestas da Amazônia e os picos da Cordilheira andina. Um movimento que se

destaca e marca a definição da formação das fronteiras, foram as Bandeiras2,

irradiadas a partir de São Paulo no Sul e no Norte por Belém, onde as penetrações e

caminhos se faziam não a pé, mas em canoas, sendo a responsável primeira pela

ocupação da Amazônia (MARTIN, 1992, p. 82; FILHO, 2008, p. 19-20).

No período de vigência do Tratado de Tordesilhas, que somam 256 anos até

o surgimento do Tratado de Madri, em 1750, no Brasil colonial todo um conjunto de

atividades e relações socioeconômicas vão se destacar desde a produção de cana-

de-açúcar e mineração, passando por eventos como a escravidão, missões, cidades

costeiras, micigenação, tudo isso corroborando para várias situações de contato

linguístico entre os lusos brasileiros.

Contudo, essa linha teórica, a Tordesilhas, não dava conta de solucionar o

problema das ocupações ocorridas durante dois séculos e meio de vida colonial,

surgindo assim o Tratado de Madri baseado no princípio do Uti Posseditis como

regulador das disputas de terras entre os hispânicos e lusos.

2 O movimento dos bandeirantes, ou simplesmente bandeiras, foi um movimento iniciado em

meados do século XVII. Considerados os desbravadores do Brasil. os bandeirantes adentravam o país em busca de índios para serem escravizados. Depois que a escravidão de índios deixou de ser usual, ele passaram a procurar no interior do país metais preciosos. Os bandeirantes também capturavam escravos fugitivos que se embrenhavam dentro de matas para formar quilombos. As bandeiras de apresamento, especialmente durante a União Ibérica (1580-1640), e as de prospecção mineral, alargaram o território brasileiro além do meridiano de Tordesillas.

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

28

Figura 1: Mapa do Tratado de Tordesilhas (Fonte: BRASIL. Seminário: Crises na América do

Sul, 2008)

Esse Tratado (Uti Posseditis), firmado entre D. João V de Portugal e D.

Fernando VI da Espanha, para definir os limites entre as respectivas colônias sul-

americanas sucedeu a Bula Inter Cœtera (1493), o Tratado de Tordesilhas (1494), a

Capitulação de Saragoça (1529), o Tratado Provisional de Lisboa (1681), e o 2º

Tratado de Utrecht (1715). Ele foi negociado pelo conde de Vila Nova de Cerveira,

assessorado pelo brasileiro Alexandre de Gusmão, considerando ainda que o

Tratado de Tordesilhas nunca fora demarcado.

O Tratado de Madrid foi elaborado a partir do Mapa das Cortes e beneficiou

as colônias portuguesas, em detrimento aos direitos espanhois. Esse diploma

consagrou também o princípio do direito privado romano do Uti Possidetis,

disciplinando que a posse de fato à terra, deveria ser de direito de quem a tivesse

possuído em primeiro plano. Por esse Tratado, conjugado com esse princípio

delinea-se os contornos aproximados do Brasil atual.

Pelo Tratado, Portugal entregava a Colônia do Sacramento à Espanha,

recebendo os territórios do Sul, pela linha de Monte Castilhos Grande, as nascentes

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

29

do rio Ibicuí, as Missões, a margem direita do rio Guaporé e cedendo o território

ocidental do rio Japurá ao rio Amazonas e a navegação do rio Içá; garantindo que

em caso de guerra entre as Coroas de Portugal e da Espanha, na Europa, os seus

vassalos na América do Sul permaneceriam em paz.

A habilidade dos diplomatas portugueses que estabeleceram o princípio do

Uti Possidetis, como base para a divisão territorial colaborou para a vitória

portuguesa. Destaca-se aí a importância da visão diplomática de Rio Branco, contida

no pressuposto básico de que nas negociações territoriais de limites deveria ser

adotado o princípio universal do Uti Posseditis, sustentando que a posse de um

território é definida pela sua ocupação e deveria ser uma referência para o

tratamento das questões territoriais de limites e fronteiras (MACHADO, 1989, p. 5;

FILHO, 2008, p. 37). Foi valendo-se desse princípio que os portugueses, morando e

trabalhando no território, puderam consolidar sua presença no imenso território que

hoje constitui o Brasil.

Pouco a pouco, foi se fixando uma população luso-brasileira na parte

espanhola do continente. Esta ocupação do território é o pilar central do grande

acordo de fronteiras do período colonial de 1750. O motor do acordo foi o santista

Alexandre de Gusmão, influente Secretário de D. João V. Ele percebeu nitidamente

que era melhor ficar com todo o grande oeste do Brasil e ceder aos espanhois à

pequena Colônia de Sacramento, muito valorizada por eles e nunca bem ligada por

terra aos outros núcleos portugueses (FILHO, 2008, p. 20-21).

Deve-se destacar, conforme (Silva, 2001, apud Martin Machado, 1989)

considerando a literatura anglo-saxônica e francesa, observa-se que elas costumam

ignorar a contribuição dos ibéricos na concepção moderna de limites e fronteiras

políticas. Considera que a contribuição dos Mouros na longa e complexa evolução

das fronteiras entre mouros e cristãos na Península Ibérica foi uma fonte de

ensinamento para o trato político da questão.

Esse Tratado, todavia, teve vida efêmera na medida em que as dificuldades

de demarcação, sobretudo no Norte, e as relacionadas à Guerra Guaranítica no Sul

culminaram com sua anulação. Vários fatores contribuíram para esse desfecho:

Dificuldades em delimitar no terreno o Tratado; a incapacidade em ocupar os

territórios das Sete Missões jesuíticas da margem esquerda do Uruguai, devido à

resistência dos índios durante a Guerra Guaranítica; a oposição que o acordo tinha

suscitado no grupo que, com a ascensão de D. José ao trono, tinha ocupado o poder

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

30

a partir de 1750 em Portugal, tudo isso contribuiu para que o tratado fosse posto em

causa pelo governo do futuro marquês de Pombal, sendo substituído pelo Tratado

de El Pardo, de 1761 onde o governo português, por iniciativa do futuro marquês de

Pombal, aceitou regressar à situação anterior, mantendo a posse da Colônia do

Sacramento e abandonando a intenção de ocupar o território das Missões. A figura

2: Mostra as linhas dos Tratados considerados, bem como os limites atuais dos

países da América do Sul.

Figura 2: Mapa dos limites atuais dos países latino americanos (Fonte: BRASIL. Seminário:

Crises na América do Sul, 2008)

Com a proclamação da Independência, em 1822, o novo estado tinha

fronteiras identificadas ou apenas indicadas nos mapas, a exemplo da área das

Guianas, mas não demarcadas no terreno. Os tratados coloniais, em muitas regiões

eram imprecisos, sobretudo no Oeste e Norte do Brasil, onde havia zonas

desabitadas, algumas completamente desconhecidas. Existiam aí implantados uns

poucos marcos pioneiros, como, por exemplo, o que foi fixado no rio Guaporé e

outro, encontrado no alto rio Negro.

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

31

1.6 Processo de formação da fronteira Brasil/Venezuela

A formação do espaço sócio-histórico da fronteira Brasil/Venezuela foi se

fazendo ao longo do processo de colonização europeia na America do Sul. Ele

sedimenta um conjunto de traços e características geopolíticas e culturais por que

são refletidas na língua, por exemplo, nos nomes dos rios, de lugares, plantas,

arvores, resultando num ambiente físico que proporciona um espaço de enunciação

rico em representações discursivas e com características peculiares. Existe nesse

ambiente como que, de acordo com Diegues (2001) um tipo de organização social

cujos relacionamentos com o espaço geográfico – a terra, a fauna, a flora – que é

recriado no cotidiano das populações tradicionais, ou não, e que dão significado a

tudo o que acontece entre a esfera humana e a natural. Baseado em Rodrigues

(2006), o estudo dessa região fronteiriça Brasil-Venezuela se dá não somente em

virtude de ser a fronteira um lugar singular de trânsito, mas também de encontros

culturais e de jogos de identidades. Essa percepção da fronteira como lugar de

contato remete à ideia de movimento e de trocas, de relações culturais e linguísticas

o que permite uma compreensão das dinâmicas das migrações sul-americanas e do

processo de integração entre essas duas nações.

O processo de formação da fronteira Brasil/Venezuela é dinamizado

principalmente em face da fusão das coroas portuguesa e espanhola no período de

1580 e 1640. Neste período, os portugueses direcionaram sua penetração para o

interior do continente americano, descobrindo o ouro de Minas Gerais, introduzindo

o boi e a implantação de currais e as bandeiras descendo os rios Tietê, Paraná,

Paraguai e Prata, subindo o Rio Amazonas e seus tributários. Na ocupação do

interior do país houve o encontro com outras nacionalidades, especialmente na

Amazônia, o que levou a determinação de se fundarem fortificações e guarnições

militares em todo o norte e oeste do país (FREITAS, 1991, p. 12).

Na Amazônia brasileira, a colonização portuguesa rumo ao embrião formador

da atual fronteira com a Venezuela surge a partir do Rio Negro e do Rio Branco no

século XVII. Embora outras tentativas de ocupação tivessem ocorrido através dos

holandeses, ingleses e espanhois, neste período, coube efetivamente aos

portugueses a fixação e posse a partir de 1639. O interesse era eminentemente

econômico e centrava-se na pesquisa e extração de uma variedade de matérias

primas como óleos vegetais e animais, couros, especiarias, cravo, canela, cascas

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

32

preciosas, destinados ao abastecimento do mercado europeu. Objetivava também

essas expedições, o aprisionamento de índios para o trabalho escravo nas fazendas

do Pará e Maranhão.

Diversas cruzadas portuguesas e espanholas provenientes da atual fronteira

brasileira com a Venezuela se fixaram nas terras de Roraima. A Cordilheira dos

Andes, e ao mesmo tempo, o sistema Parima-Guiano serviram como escudo natural

protetor português tanto contra espanhois como contra ingleses, franceses e

holandeses (FREITAS, 1991, p. 14). Mais ainda, o estabelecimento das missões

religiosas Carmelitas e dos Capuccinos e a construção do Forte São Joaquim na

confluência dos Rios Tacutú e Uiraricoera, formadores do Rio Branco, em 1788 e

asseguraram à coroa portuguesa o domínio definitivo da região.

Nesse período de conquistas de territórios se deram os mais variados tipos

de contato nesta região, principalmente com os povos indígenas, com suas

especificidades culturais e linguísticas próprias e seus habitantes seculares. Nessas

circunstâncias, como aponta Couto (2008), houve em paralelo o desenvolvimento de

todo um processo de assimilação forçosa e inevitável à cultura e língua,

principalmente àquelas populações, por conta da força do poderio politico-militar

luso-hispânico na região.

Em se tratando da questão política da fronteira da Venezuela, ela inicialmente

fazia parte da Grã Colômbia, juntamente com Equador e Panamá, iniciando seu

movimento emancipacionista do Reino da Espanha em 1821. Por ocasião da

assinatura do Tratado de Limites e Navegação de 1859 com o Brasil, havia ainda

pendência entre Venezuela e Colômbia sobre as terras a oeste do rio Negro,

resolvida somente em 1891.

Em 1880 as Comissões Mistas iniciaram a demarcação das fronteiras, desde

a nascente do Mimasse até Cerro Cupi, terminando os trabalhos em 1882. Deste

ano até 1884 a Comissão brasileira prosseguiu nos trabalhos de demarcação até ao

Monte Roraima. Mas, a Fronteira Brasil-Venezuela foi definida no Tratado de

Caracas de 1859, e com o Tratado do Rio de Janeiro em 1928.

A linha divisória entre o Brasil e a Venezuela começa no ponto de trijunção

das fronteiras Brasil-Colômbia-Venezuela, no talvegue do rio Negro, e segue por

uma reta de aproximadamente 80 km, no sentido sudeste, até o Salto Huá no canal

de Maturacá, caracterizando a linha geodésica denominada Cucuí-Huá. Do Salto

Huá, segue por uma reta de aproximadamente 12 km, no sentido nordeste, até o

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

33

Cerro Cupi, sendo esta linha geodésica chamada de Huá-Cupi. Do Cerro Cupi,

segue pelo "divortium aquarum" entre a bacia do Amazonas e do Orinoco, passando

pelo norte do pico da Neblina, ponto mais elevado do Brasil e pelas serras Imeri,

Tapirapecó, Curupira, Urucuzeiro, Parima, Auari. Urutanin e Pacaraima, até o marco

de trijunção das fronteiras Brasil - Venezuela - Guiana, no Monte Roraima,

percorrendo neste trecho mais de 2000 km.

1.6.1 Formação do espaço sócio-histórico na fronteira Brasil/Venezuela:

Roraima

O espaço sócio-histórico de Roraima, na fronteira Brasil/ Venezuela situa-se

no extremo norte do país, reentrando-se parcialmente entre a Venezuela e a

República Cooperativista da Guiana. Roraima contempla 1.922 km de divisas

internacionais, sendo 964 km com a Guiana, a Leste e a Norte; e a Oeste 958 km

com a República Bolivariana da Venezuela.

Roraima possui uma área territorial de 225.116 km2, limitando-se ao Norte

com a Venezuela e a Oeste com o Amazonas e a Venezuela. Em Roraima encontra-

se o ponto mais extremo do Brasil, a nascente do rio Uailã junto ao Monte Caburaí

com 1.456 metros de altitude e nas proximidades do Monte Roraima com 2.875

metros. Apresenta riquezas em recursos naturais, histórico-culturais e linguísticas,

potencialmente aptos para o desenvolvimento de situações de contato de povos das

populações que ali vivem.

Boa Vista, a capital, integra-se à Venezuela ao norte e ao estado do

Amazonas ao sul pela rodovia BR–174, com 997 km de extensão, e com a

República da Guiana à Leste pela Rodovia BR–401, com 125 km de percurso.

Todos os municípios são interligados por rodovias federais (1.512 km), estaduais

(1.576 km) e municipais (1.077 km) formando uma malha viária, com a inclusão das

estradas vicinais de 6.883 km.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

34

Figura 3: Mapa Rodoviário Estado de Roraima-Brasil (Fonte: Mapa base: Ministério dos Transportes. http://www.brasil-turismo.com/mapas/roraima.htm)

O processo de ocupação e formação do espaço territorial de Roraima nasce

com as expedições europeias à região do Rio Branco, iniciadas na virada dos

séculos XVII e XVIII, representadas por holandeses, espanhois e portugueses com a

presença de forças militares e religiosas. Coube, porém, aos portugueses a

ocupação efetiva deste espaço amazônico. A determinação para a construção de

uma fortificação nas confluências dos rios Tacutú e Uiraricoera, formadores do Rio

Branco, em 1752 e sua construção efetiva entre 1775 e 1776, com a colonização e o

processo de aldeamentos indígenas concretizam a fixação portuguesa na Região.

A construção da fronteira do futuro estado de Roraima com a Venezuela é

incrementada ainda nesse período com as injunções do Coronel Lobo D‟Almada,

então Governador da Província de São José do Rio Negro que, entre 1787 e 1789,

defendendo a coroa portuguesa orienta para a vinda de colonos europeus e a

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

35

introdução da pecuária bovina nos extensos campos naturais da região,

considerando ele que “uma das maiores vantagens que se pode tirar do rio Branco

é povoá-lo e colonizar toda esta fronteira com a imensa gente habita as montanhas

do país” (FREITAS, 1991, p.95).

Todavia, a implantação das fazendas oficiais de gado, a evangelização

carmelita e depois com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, não afetaram

de forma mais positiva a situação socioeconômica e político-militar na região. Os

resultados da política de colonização portuguesa aos indígenas somente fez com

que diminuíssem o número de aldeias, e sua migração para as Guianas para

servirem a ingleses e holandeses que lhe eram mais simpáticos, além das

constantes investidas de europeus nos afluentes do rio Branco em 1839. Exceção é

feita às ordens religiosas comandadas pela Igreja Católica, que se expandiram

principalmente a partir dos anos de 1840, culminando com a criação da Paróquia de

Nossa Senhora do Carmo em 1892 e a criação da Prelazia do Rio Branco, em 1909,

dirigida por monges da ordem dos beneditinos até 1948, quando foram substituídos

pelos padres da Consolata.

Nessa fase ainda, o fluxo migratório nordestino para a região do rio Branco, a

partir de 1877, em face da seca naquela região dinamizando a utilização da mão de

obra indígena, tanto no trato dos animais nas fazendas e no seu transporte para

Manaus, são responsáveis por animosidades frequentes entre uns e outros

originando o inicio dos conflitos entre índios e fazendeiros na região. Os índios da

etnia Macuxi, eram considerados ”insolentes e insubordinados, rebeldes à disciplina

da civilização por se recusarem a ensinar sua língua aos brancos” (FREITAS, 1991,

p. 105)

No final do século, em 1890, é criado o Município de Boa Vista, contando o

primeiro Município do futuro estado de Roraima com cerca de 1000 habitantes entre

brancos e mamelucos e uma população indígena da tribo Macuxi com cerca de 4000

indivíduos, sendo a comunidade indígena mais numerosa da região. A migração se

acentua para Roraima a partir de então, com a vinda, principalmente, de nordestinos

e nortistas, fato este motivado também, além das secas constantes do nordeste,

pela emergência da exploração da borracha. A população do rio Branco que era

praticamente insignificante no final do século XIX, passa para 10.500 habitantes em

1940.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

36

A criação do território Federal do Rio Branco em 1943, rebatizado em 1962

para Território Federal de Roraima, inicia-se uma nova fase na formação da fronteira

brasileira com a Venezuela. A criação dos territórios é parte da política do governo

federal voltada para a necessidade de povoar as fronteiras brasileiras, como no caso

das questões das fronteiras do Brasil com a França (Amapá); Inglaterra (Rio

Branco); Bolívia (Acre e Rondônia). Na proposta de instauração do território federal,

do presidente Getúlio Vargas, foi considerado vital para o desenvolvimento

econômico da região o povoamento o qual recuperaria e integraria o índio a

sociedade nacional, além de configurar uma estratégia para a integração e a defesa

dessa fronteira que definira o território nacional (OLIVEIRA, 2003, p. 163). Assim, a

figura dos territórios federais dá novo ânimo ao processo de reordenamento e

ocupação das fronteiras brasileiras; em particular no caso de Roraima, o Município

de Boa Vista deixa de pertencer ao Município do Amazonas, assumindo

diretamente, o governo federal, os destinos da vida político-administrativa do futuro

estado.

A partir de então, reinicia-se um intenso fluxo migratório para Roraima

justificado pelos projetos oficiais de colonização do governo federal, na década de

1950, e posteriormente pela abertura dos garimpos de ouro na Serra dos Surucucus

nas décadas de 1980/90 o que é impulsionado pela conclusão da BR 174 ligando

Boa Vista a Manaus em 1977. De 1940 a 1950, a população eleva-se de 10.541

para 18.116 habitantes, intensificando-se de forma acelerada a partir da década de

70, quando esse número passa de 40.885 para 79.159 habitantes em 1980,

atingindo a cifra de 217.583 pessoas em 1991. Em 2000, o Censo do IBGE registrou

324.397 habitantes, concentrando na capital Boa Vista 200.568 habitantes.

Atualmente o estado soma 425.398 habitantes, das quais 284.000 residindo em Boa

Vista, a capital conforme ultimo Censo do IBGE, sendo sua população composta por

24% branca, 4% negra, 61% parda e em torno de 11% de indígenas. Veja-se a

Tabela 1 – Grupos étinicos Brasil/Guiana/Venezuela.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

37

Tabela 1: Grupos étnicos Brasil/Guiana/Venezuela

Comunidade Outros Nomes Família

População por Unidade da Federação/País

Brasil - Roraima

Venezuela Guiana

Equatorial Total

Ingaricó Akawaio, kapon Karib 1.271 728 4.000 5.999

Katuenayana*

Karib 133 133

Makuxi Macuxi, Macushi, Pemon

Karib 29.931 83 9.500 39.514

Patamona Ingarikó, Kapon Karib 128 5.500 5.628

Taurepang

Taulipang, Taurepangue, Taulipangue, Pemon

Karib

673 27.157 27.830

Waimiri Atroari**

Kinja, Kiña, Uaimiry, Crichaná

Karib

1.120 1.120

Waiwai*

Karib 2.914 170 3.084

Wapixana

Aruak 7.832 17 6.000 13.849

Yanomami Yanoama, Yanomani, Ianomami

Yanomami

19.338 16.000 35.338

Ye'kuana Yecuana, Maiongong, So'to

Karib 471 6.523 6.994

Total 63.811 50.508 25.170 139.489

* Inclui o Estado do Amazonas e Pará ** Inclui o Estado do Amazonas Fonte: Adaptado de www.socioambiental.org

A população indígena da região fronteiriça do Brasil, ao norte, incluindo a

Guiana e a Venezuela, conforme Tabela 1, soma 139,4 mil habitantes, das mais

diversas etnias e famílias linguísticas. Roraima, Amazonas e Pará somam uma

população de 63.811 índios, representando 45,7% da população total da região

considerada, em contraposição à Venezuela com 50.508 índios, representando

36,2% e a Guiana Equatorial com 25.170 pessoas perfazendo 18,1% da população

indígena total. Demograficamente, a etnia Macuxi é a mais representativa com

39.504 índios, enquanto em termos espaciais são Yanomamis que ocupam a

primeira posição com uma área de 9,4 milhões de hectares na Amazônia, da qual

5,6 milhões estão em Roraima, representando 24,4% do seu território. Com a

demarcação da região da Raposa Serra do Sol, as comunidades indígenas ocupam

47% das terras de um total de 225.000 Km2 que Roraima possui.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

38

1.6.2 Formação do espaço sócio-histórico na fronteira Venezuela/Brasil: o

estado de Bolívar

O embrião do processo de ocupação e formação do espaço amazônico da

Venezuela e consequentemente do estado de Bolívar nasce com a ocupação

hispânica na Amazônia venezuelana principalmente a partir do século XVIII, por

quando das expedições de José Solano com o propósito de estabelecer a

demarcação dos territórios que estavam sob a jurisdição das coroas portuguesas e

espanholas. A estratégia de José Solano era fazer cumprir o que havia sido

estabelecido pelos Tratados e construindo fortificações com o propósito de exercer o

controle sobre as embarcações e expedições que chegassem à região,

especialmente as que proviessem das colônias portuguesas ao sul do Brasil, sendo

ele considerado precursor e responsável pelo início da ocupação hispânica na

Amazônia venezuelana (BOADAS, 1983, p. 86-88).

O espaço sócio-histórico na fronteira Venezuela/Brasil, o estado de Bolívar,

inicialmente era parte da Província de New Andalucia, até 1762, quando foi criada a

província de Guayana. Em 1777 foi criada a Capitania Geral da Venezuela da qual

era parte a Amazônia venezuelana, ocupada por José Solano em favor da coroa

espanhola por meio do governo da província da guaiana. Isto significou uma

tentativa de dinamização econômica da regiião com a chegada de colonizadores

espanhois, funcionários administrativos e missões religiosas, embora sem muito

sucesso, haja visto a incompatibilidade da mão-de-obra indígena no auxílio às

atividades produtivas dos espanhois.

Há de se manter a ideia de que com a penetração hispânica se iniciou a estruturação do espaço regional, já que a criação de povoados serviu para organizar as comunicações e troca de mercadorias na região BOADAS,

1983, p. 88)3.

O amazônia venezuelana permaneceu praticamente indiferente às

transformações vivenciadas no restante do país durante a conformação da

república. Sua escassa população não indígena, as dificuldades de acesso e sua

pouca participação na vida econômica do país são algumas das causas pelas quais

3 (...) se ha de matener la ideia de que con a peneración hispánica se inició la estructuración de l

espacio regional, ya que la fundación de poblados sirvió para organizar las comunicaciones y el intercambio de bienes en la región (BOADAS, 1983, p. 88).

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

39

esta parte do território nacional venezuelano se mantivesse sempre à margem dos

acontecimentos políticos vividos durante o século XIX (BOADAS 1983, p. 91).

Entre 1762 e 1856 a amazônia venezuelana esteve integrado como um canto integrado da Província da Guayana, o Canto Rio Negro, mas foi em 1856 se criou a Provincia do Amazonas. No ano de 1861 o geverno do general Páez anexo a Província do Amazonas à Provincia da Guayana y no ano de 1862 criou-se durante a Revolução Federal Amazonas. Em governos posteriores de Guzmón Blanco e Joaquín Crespo, trocou-se o nome do território por Alto Orinoco e em seguida por Amazonas. (BOADAS

1983, p. 914)

O dinamismo da atividade comercial experimentado durante o século XI,

especialmente nas suas últimas décadas, resultado da atividade mineradora de

caucho, culminou com o fortalecimento e organização da ocupação do território.

Assim, o rio São Fernando de Atabapo, situado no interflúvio Orinoco-Atabapo

juntamente com o rio Guaviare, fazem parte da rede de maior importância para a

navegação fluvial, cuja região se estabeleceu como um dos centros comerciais e

populacionais, adquirindo assim, a categoria de Capital do Território Federal do

Amazonas venezoelano. Paralelamente, o rio Amazonas tem a mesma influência no

lado brasileiro. O comércio crescia em função da presença de exploradores

interesados em produtos para venda no continente europeu.

A amazônia venezuelana é considerada demograficamente uma região de

formação populacional constituida por diversas etnias indigenas que marcaram sua

história durante o período colonial.

A Amazônia venezuelana é uma região indiana do ponto de vista das características étnicas e culturais da maioria da população. No entanto, devemos reconhecer que desde os tempos coloniais foram estabelecidos nessa região a presença de inúmeras pessoas com diferentes comportamentos sociais e culturais da população indígena, chamados de crioulos (BOADAS, 1983, p. 97).

5 (Tradução nossa)

4 Tradução nossa

5 El Amazonas venezuelano es una región indígena desde el punto de vista de la composición étnica

y de las características culturales de la población mayoritaria. Sin emargo, hay que reconocer que desde la época de la colonia han venido instalándose en esta región numerosos personas con rasgos culturales y comportamientos sociales diferentes de los de la población indígena, y quienes se les denomina criollos (BOADAS, 1983, p. 97).

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

40

Em 1856, de acordo com a Lei de Divisão Territorial, a província de Guayana

consistiria no que atualmente são considerdos os estado de Bolívar, Amazonas e

Delta Amacuro. Em 1864, a Guayana tornou-se um dos estados independentes dos

Estados Unidos da Venezuela e, em 1879, foi transformado em Território Federal do

Amazonas. Em 1881 foi rebatizado com o nome de estado de Bolívar, dividido em

duas seções: Guayana e Apure. Em 1890 uma parte, indicar o nome da Guiana dos

vinte estados da Federação. Ela existe como um estado independente desde 1901,

sua capital é Ciudad Bolivar.

Sua fronteira norte Guárico, Anzoátegui, Monagas e Delta Amacuro a leste

pelo Essequibo da Guiana a oeste do estado de Apure, e ao sul pelo estado do

Amazonas e do Brasil. Está dividido politicamente em 11 municípios: Caroni,

Cedeno, El Callao, Gran Sabana, Heres, Piar, Raul Leoni, Rócio Sifontes, Sucre e

Padre Pedro Chien, conforme figura 4 a seguir:

Figura 4: Mapa Geográfico: Estado Bolívar: Venezuela (Fonte:www.gobierno/venezuela/geografía/estado bolivar)

De acordo com o Censo Indígena da Venezuela, em 1992 havia no estado um

total de 34.977 índios, pertencentes a 18 grupos étnicos, dentre eles os Pemon,

Karina, Eñepa, Piaroa, Yekuana, Yanomami, Guajibo, Arawayo e outros. A

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

41

densidade da população no estado Bolívar subiu de 3,7 habitantes por km2 em 1990

para 5,4 hab/km2 em 2000, sendo um dos com as mais baixas taxas de ocupação

espacial.

A expansão moderna do estado Bolívar explica a predominância da

população urbana que passou de 41% da população total em 1950 para 89% em

1990. Em 2000 havia uma população urbana de 1,1 milhão de habitantes estimada

para todo o estado de Bolívar, tornando-se a principal cidade da Guayana com

683.360 habitantes, seguido pela capital Ciudad Bolívar com 285.992 habitantes.

Outros centros urbanos são distinguidos como: Upata com 52.550 habitantes;

Caicara do Orinoco com 30.306 habitantes; Tumeremo com 24.188 habitantes;

Guasipati com 19.116 habitantes; Callao com uma população de 11.744 habitantes

e Santa Elena de Uairén com 29.795 habitantes.

O estado de Bolívar possui um relevo caracterizado por paredes escarpadas

e íngremes, elevações com 2.800 metros acima do nível do mar, fazendo parte do

relevo que hoje está na região do estado de Bolívar. No sudeste está o Monte

Roraima com 2.810 m, que serve de fronteira ápice entre Venezuela e Brasil e

Guiana. Riqueza natural explorada em forma de turismo por ambos os povos

fronteiriços, Brasil/Venzuela.

A hidrografia do estado de Bolívar é composta por sete principais bacias

hidrográficas cujos rios, devido às contínuas precipitações representam uma enorme

riqueza e inúmeras cachoeiras, destacando, Orinoco, Cuyuni, Caroni, entre outros.

O sistema hidrográfico é dividido em dois aspectos: composto por rios que

deságuam no Orinoco no sentido Sul-Norte e que levam suas águas para o rio

Cuyuni no oeste para leste. Aproximadamente três quartos do estado são

atravessadas por rios que têm as maiores reservas de água nacionais.

Este recurso no estado é potencialmente ilimitado, a disponibilidade de água

superficial é estimada em 590 milhões de m3 / ano. O enorme fluxo de rios e

numerosas cascatas dá origem a um grande potencial hidrelétrico do Estado,

estimado em 75% da riqueza bruta do país. Para 1990, a produção de energia

hidrelétrica foi 33,214 milhões de quilowatts, que satisfaz a 84,5% do consumo

nacional de eletricidade. Ela é gerada por barragens Raul Leoni, Macagua II, com

uma capacidade de 8.865 milhões de quilowatts e 370.000 kw, respectivamente.

Esse potencial energético proporciona a um estreitamento das relações entre

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

42

Brasil/Venezuela, a exemplo a acordo estabelecido em torno do Linhão de Guri, que

fornece energia para o estado de Roraima.

Essas terras são reservas produtores de madeira de florestas: Imataca,

Paragua, Caura, cujo objetivo principal é fornecer matéria-prima para a indústria da

madeira, através de planos de manejo sob os critérios do desenvolvimento

sustentável, sem prejuízo de outras funções conservacionistas que executam. As

áreas de proteção ambiental ocupam uma área de floresta de 7.233.750 ha, sendo

que um total de 17,9 milhões de ha de florestas naturais destinadas pelo estado, o

que significa 75% da superfície.

1.7 A fronteira Brasil/Venezuela: Pacaraima

Pacaraima é um espaço localizado ao norte do estado de Roraima, na fronteira

com a Venezuela. A história do município de Pacaraima está ligada à demarcação da

fronteira com a Venezuela pelo Exército, se originando em torno do marco conhecido

como BV-8, portal de entrada para o Brasil a partir daquele país. Oficialmente, a Vila

BV-8, como era conhecida a região onde se localiza Pacaraima, teve seu início a

partir de 1963 e recebeu este nome em alusão ao marco divisor Brasil/Venezuela nº

8. Foi elevada a categoria de Município de Pacaraima pela lei Estadual nº 96, de 17

de outubro de 1995, com terras desmembradas do Município de Boa Vista e sua

instalação ocorreu em 1º de janeiro de 1997, com a posse do primeiro prefeito eleito,

Hiperion de Oliveira. Faz parte do município de Pacaraima a Vila Surumu e trinta e

cinco comunidades indígenas.

Possui uma área territorial de 8.028 km² das quais 7.920 Km² ou 98,81 % são

áreas indígenas. E uma população que cresceu de 6.990 habitantes em 2000 para

10.433 de acordo com o ultimo Censo do IBGE 2010. Faz divisa ao norte com a

Venezuela, ao sul com o município de Boa Vista, a leste com os municípios de

Uiramutã e Normandia e a oeste com o município de Amajarí. É o portão de entrada

da Venezuela para o Brasil. Sua geografia caracteriza-se por suas serras, rios,

cachoeiras, corredeiras, florestas e savanas.

Parte do município de Pacaraima é ocupada pela reserva indígena São

Marcos e Raposa Serra do Sol. Com a homologação da reserva indígena Raposa–

Serra do Sol em área contínua, os vários grupos indígenas ainda reivindicam que

parte da área seja mantida como área rural do município.

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

43

O embrião que caracteriza o surgimento do Município de Pacaraima ocorre a

partir do ano de 1948 com o lucrativo comércio de venda de gado nos limites do

Brasil com a Venezuela. Não havia estrada alguma, simplesmente uma linha a que

chamavam divisor, pois era o marco divisório entre Brasil/Venezuela. Esse comércio

era feito por pessoas que compravam o gado no ex-Território do Rio Branco e

revendiam na Venezuela, entregando-os em Santa Elena de Uiarén e regiões de

garimpo. Como não havia estrada, o transporte do gado era feito pela mata,

percurso este que levava entre cinco e seis dias para chegar com o rebanho em

Santa Elena de Uiarén. Somente na década de 70 foi aberta a estrada BR-174

fazendo a ligação entre Boa Vista e Venezuela.

Pacaraima está localizada em um vale cercado de montanhas e serras,

possuindo, portanto um clima serrano, bastante ameno. A cobertura vegetal

predominante no município é de savana estépica, com manchas de floresta densa.

O relevo de Pacaraima caracteriza-se por uma superfície plana (50%), relevo

ondulado (40%) e elevações isoladas (10%). O solo do município constitui-se de

latossolo, afloramento rochoso, laterita hidromórfica, latossolo amarelo e solo

hidromórfico cinzento. A hidrografia é composta pelos rios Surumu, Cotingo e

Parimé. A cobertura vegetal é formada por savana estépica, com manchas de

floresta densa. As atividades econômicas predominantes situam-se em torno do

comércio e serviços. Dados do SEBRAE/RR revelam que estão cadastradas 23

empresas formais em Pacaraima, no ramo de mercearia, vestuário, farmácias,

materiais de construção, açougue, comércio de armarinho, comércio varejista de

gás, comércio varejista de artigos importados, papelaria, restaurantes, lanchonetes,

bares, hotéis, venda de passagem terrestre e locadora de vídeo. A atividade

industrial neste município se desenvolve nos ramos de construção civil, panificação

e fabricação de móveis em madeira.

A infra-estrutura de acesso à cidade de Pacaraima se dá pela rodovia federal

BR- 174, pavimentada e em bom estado de conservação. Há serviço regular de linha

de ônibus para o município a partir de Boa Vista, tanto até Pacaraima como até

Santa Elena de Uairén e demais cidades da Venezuela, além de serviços de

transportadores autônomos (Cooperativa de Taxi) que perfazem o percurso

diariamente.

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

44

1.8 A fronteira Venezuela/Brasil: Santa Elena de Uiarén

Santa Elena de Uairén, uma cidade localizada no sudeste da Venezuela, no

estado Bolívar. Este Município está cerca de 15 km de fronteiras com o Brasil,

defrontando-se com Município de Pacaraima, no estado de Roraima. É a cidade

capital da Gran Sabana, pertencente ao estado de Bolivar. Ele está localizado cerca

de 900 metros acima do nível do mar, em uma planície cercada por planaltos,

conhecido como Tepuyes. Tem uma temperatura média de 21,8° C com uma

população de aproximadamente 29.795 habitantes, dados de 2006.

Figura 5: Área urbana da cidade de Santa Elena de Uairén Fonte: www.gobierno/venezuela/geografía/estado bolivar

Atraído pelo boom de diamantes na região, Lucas Fernández Peña é

considerado o fundador da cidade de Santa Elena, em 16 de setembro de 1923. O

nome da cidade é uma homenagem à sua primeira filha "Elena" de um total de 23

filhos, e Uairén, nome do rio que atravessa a cidade. Lucas Fernández Peña,

farmacêutico, chegou a região na época da ditadura Gomez e durante a real ameaça

de anexação pelos ingleses na Guiana Inglesa (atual República da Guiana). Oito

anos depois chegaram os primeiros missionários capuccinose em 1945, a aldeia foi

elevada à categoria de município.

A Catedral de Santa Elena é um dos principais monumentos históricos da

cidade. Foi construída em meados do século XX, com as pedras que abundam na

área circundante a cidade. A missão de Santa Elena é o centro da atividade

missionária da ordem dos capuccinos franciscanos na localidade.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

45

Santa Elena de Uairén foi declarada “puerto libre”6 em 1999, e o processo de

ajuste para esse fim tem sido lento e trabalhoso. Poucos produtos estão acoplados

inteiramente dentro desse regime jurídico do comércio, no entanto, em face da sua

localização fronteira com o Brasil, o tráfego de mercadorias vem sendo dinamizado

fazendo recuperar a economia. Santa Elena de Uairén possui uma rede de comércio

e serviços bastante significativa: há farmácias, restaurantes, telefonia fixa e móvel,

existe supermercados, pizzarias, hotéis com todos os recursos, acampamentos

ecológicos, igrejas e bombas de gasolina, inclusive uma que atende somente a

brasileiros.

6 Zona franca

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

46

2. ECOSSISTEMAS LINGUÍSTICOS FRONTEIRIÇOS

2.1 Meio ambiente da língua

A Ecologia vem sediando uma série de abordagens científicas desde a sua

criação pelo biólogo alemão Ernst Haeckel na segunda metade do século XIX, mais

especificamente em 1866, na obra “Generelle Morpfologie der organismen” para

designar uma nova área de conhecimento voltado à compreensão que extrapola, já

em muito, a vertente puramente biológica. Segundo Branco (1987, p. 9); Dajos

(1983, p. 13-16) e Couto (2007), a Ecologia está presente nas ciências naturais,

humanas, sociais, políticas, econômicas, na cultura e nas artes, nas filosofias, e

mais recentemente na ecolinguistica.

Partindo do ponto de vista de uma comunidade biológica considerada o

conjunto formado por todos os seres vivos que convivem em um determinado

território, o conceito de Ecologia extrapolou suas origens nas ciências biológicas e

enveredou pelos domínios das ciências humanas e sociais, exatas, bem como nas

artes, no pensamento filosófico e nas tradições, ou seja, em todos os campos dos

saberes humanos.

A strictu sensu o termo vem do grego oikos = casa e logos = estudo, e

sugere o estudo do “lugar onde se vive”, pensado em diversas escalas – do lugar

que moramos à ecosfera – este compartilhado com bilhões de outros seres vivos - e

levando-se em conta toda a diversidade de aspectos materiais, biológicos, humanos

e sociais.

Para esses autores, a Ecologia transbordou os limites da Biologia,

diversificou-se e passou a integrar as mais diversas disciplinas como a Geografia e a

Sociologia, ressaltando a importância das dimensões humana, sócio-política,

psicológica e cultural em sua abordagem. Diferenciou-se, assim, em vários e novos

campos de atividade. Alguns deles encontram-se em estágio avançado de

desenvolvimento teórico, já em outros, a reflexão ainda é embrionária como a

Ecolinguística.

A abordagem teórica da Ecologia abre espaço para múltiplas facetas, da

cósmica à energética, da cultural à psicológica, da Ecologia do ser – do corpo, da

mente, das emoções -, integrando à Psicologia, os processos cognitivos e

emocionais bem como outras Ciências Humanas como a Educação, a Antropologia

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

47

e a Filosofia. Dessa forma, há dezenas de campos nos quais a Ecologia se

desdobra, cada um deles com um corpo próprio de conhecimentos e de aplicações:

a ambiental, a humana, a da consciência; a Ecologia cultural, a Ecologia do ser; a

Ecologia política, a social; a (BRANCO, 1987, p. 20).

Este último conceito vem ganhando amplitude no campo da Ecologia. Assim,

é definida como o estudo das relações entre língua e meio ambiente. Para Couto

(2007, p. 19) esse conceito é apresentado a partir das ideias de Einar Haugen, tido

como pai da, que define de “ecology of language” e “language ecology” como “o

estudo das interações entre qualquer língua dada e seu meio ambiente”. Neste

aspecto, a autor entende que se deve partir inicialmente da compreensão do

conceito de ecossistema entendido como o conjunto formado pelos seres vivos e

seu meio ambiente considerando as interações ou interrelações que se dão entre os

elementos componentes.

Essa noção de ecossistema remonta inicialmente a Tansley que já em 1935

definia-o como o sistema resultante da integração de todos os fatores vivos e não

vivos do meio ambiente. Na perspectiva de Odum, um sistema ecológico ou

ecossistema é qualquer unidade em que estejam incluídos todos os organismos, ao

que ele denomina de comunidade, esta contida em uma determinada área onde

ocorrem interações no meio físico resultando em um “fluxo de energia definindo

claramente uma estrutura trófica, uma diversidade biótica e um ciclo de matérias”

dentro dele (COUTO 2007, p. 20).

De acordo com Negret (1982 p. 8-9), a institucionalização do conceito de

ecossistema entendido como unidade funcional da natureza, como medida

convencional, veio para facilitar sua investigação e a compreensão da estrutura-

função das complexas interrelações entre as comunidades vivas, considerando

nelas as próprias interações das sociedades humanas com a natureza.

Enquanto isso, Couto (2009) afirma que um ecossistema linguístico é o lugar

onde se insere uma língua e sua fala. Podendo ser reconhecido a partir da

existência um ecossistema linguístico que seria constituído pela língua (L), pela

população que a fala (P) e pelo território (T), o lugar determinado donde ela é falada;

esta totalidade passa a ser chamada de Ecologia Fundamental da Língua (EFL),

também conhecida como comunidade. Se, em destaque for colocada a língua, tem-

se que o povo e o território constituem o seu meio ambiente fundamental da língua.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

48

Nessa perspectiva, o meio ambiente da língua compreende, no entendimento

de Sapir apud Couto (2008, p. 28), todo o seu entorno caracterizado por seus

aspectos geográficos, incluindo neste contexto a topografia, o clima, a vegetação, a

fauna, os recursos minerais, bem como a base socioeconômica da vida humana.

Neste sentido, o verdadeiro meio ambiente da língua é a sociedade que a usa como

um de seus códigos (HAUGEN, 1972b, p. 325 apud Couto, 2007, p. 20). Portanto, P

representa a organização social da língua, enquanto que o meio ambiente mental é

a base cognitiva da língua, funcionando na mente do indivíduo. Essas interações

entre os indivíduos ocorrem em um lugar, o território, que representa o ambiente

natural da língua.

Tabela 2: Caracterização do Meio Ambiente da língua

Meio ambiente da língua

Função Resultado Fatores

condicionantes

MA Natural

Proporcionar o Cenário

onde os indivíduos se

vêem juntos

Propicia a interação entre

indivíduos

Existência do espaço

Co-presença no espaço

MA Mental

Enviar e processar mensagens entre os indivíduos

Convergência ou não de meios de expressão

Continuidade de interação entre povos/línguas

Tentativas de comunicação interlinguística

MA Social

Proporcionar a convergência dos meios de expressão

Socialização e formação de uma nova comunidade

Convivência entre os povos/línguas

Processamento das línguas nas mentes dos indivíduos

Fonte: Esquematização da proposta de Couto (2009) para caracterização do Meio Ambiente da Língua

A Tabela 2 apresenta a caracterização sintética do ecossistema linguístico.

Como pode ser observado, no conjunto da totalidade do ecossistema linguístico,

constituído por um povo, um território e uma língua, se inscrevem três ecossistemas

distintos: o meio ambiente social, o meio ambiente mental e o meio ambiente

natural. Cada um deles, respectivamente apresentam suas Funções, Resultados e

Fatores condicionantes, visando compreender o entendimento das interrelações que

ocorrem nesses ecossistemas linguísticos.

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

49

O território, o espaço físico, em que os sujeitos estão inseridos, influenciam

nas relações de comunicação estabelecidas, tanto na forma quanto no sentido ali

construído. Nesse ponto,

Essas inter-relações, ou interações entre um membro p1 e um membro p2 de P recebem o nome de AIC

7, que Saussure chamou de atos de fala.

Esses AIC se dão em um espaço bem específico do território que a população habita, em condições ambientais também especificas. Cada um deles se insere em uma EIC

8 também específica. Todo ato de interação

comunicativa tem como produto um enunciado (COUTO, 2009, p. 33).

Vale salientar que embora essa interação a que se refere o autor esteja

relacionada a uma interação dentro de um mesmo ecossistema, é possível

considerar que numa situação de contato fronteiriço, essas interações também se

dão entre P (povos), já que estes também interagem permanentemente.

2.2 Contato de Línguas: interrelações e ambiente

As interrelações entre os povos se dão por meio do contato. Em Couto (2009,

p. 51) tem-se que o deslocamento ou migração de indivíduos, grupos de indivíduos e

até populações inteiras no espaço é a base para o contato de línguas. Neste

aspecto, é possível perceber que, dependendo da natureza das situações de

contato, elas irão caracterizar ecossistemas linguísticos específicos, cuja

proximidade espacial irá facilitar a convergência linguística entre eles, sendo o

inverso, a distância espacial, a divergência de línguas. Essas situações de contato

conforme Tabela 3, neste tópico, apresenta a caracterização dos tipos de contato

possíveis entre povos, as especificidades desses contatos e os fatores que

influenciam nos seus resultados.

Com base nesses fundamentos, Couto (2009, p. 50-54) apresenta quatro

tipos de contato: a primeira situação de contato entre povos e línguas, em

determinado território, se dá quando PL1 representando o lado mais forte nos

aspectos: econômicos, políticos e militares, bem como do ponto de vista do

prestígio, recepciona em seu Território PL2, política, econômica e militarmente mais

7 Atos de Interação Comunicativa

8 Ecologia da Interação Comunicativa

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

50

fraco em relação a PL1. Como exemplo, pode-se citar o caso dos japoneses no

Brasil.

O segundo tipo de contato se dá quando é o povo PL1, “mais forte” que se

desloca para o território T2, “Povo mais fraco” como geralmente ocorre nos

processos de colonização, podendo haver outras línguas no território, como é o caso

da fronteira Pacaraima/Santa Elena de Uairén, onde espanhois, portugueses e

ingleses (representando aqui os povos PL1, PL2, Pl3, mais forte) encontraram as

línguas indígenas. O resultado desse contato pode ser a implantação total da língua

e cultura dos colonizadores ou a formação de línguas crioulas9, ou ocorrência do

pidgin10 ou ainda a indigenização.

Na terceira situação de contato, tanto o povo PL1 “mais forte” quanto o povo

PL2 “mais fraco” se deslocam para um terceiro território T3, que não é de nenhuma

das partes, como é o caso de Cabo Verde (crioulo português). O resultado desse

contato é o surgimento de um pidgin e de um crioulo.

O quarto tipo de contato se dá quando membros de cada povo e respectivas

línguas (PL1, PL2 e PL3) se deslocam, de vez em quando, ao outro território (T1 ou

T2). O resultado desse contato pode ser o surgimento de pidgins ou cada povo falar

sua própria língua quando se desloca temporariamente, podendo ocorrer também

interações interlinguísticas, ou ainda a convergência linguística. Como exemplo,

tem-se a situação fronteiriça estudada por Couto (2007), no caso de Chui/Chuy,

onde não há separação geográfica visível na fronteira Brasil/Uruguai, a não ser uma

avenida separando dois países fronteiriços. Assim, segundo o autor, este seria um

único ecossistema, mesmo que transicional, entre dois outros ecossistemas maiores,

ou seja, trata-se de uma única comunidade de fala, que usa o portunhol para se

comunicar. Afirma ainda o autor que, “para eles é uma coisa só”, ou seja, quem

mora de um lado não considera o morador do outro lado da avenida como alguém

de “outra” cidade.

Essa caracterização de ecossistema linguístico transicional, situado em

ambiente de fronteira, é pertinente em que suas medidas, ou sua definição como

9 Crioulo e Pidgin: Mescla intracomunidade, isto é de dialetos de uma mesma língua entre si e mescla

intercomunidade, isto é línguas distintas coexistindo e se misturando em uma mesma comunidade.

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

51

objeto de estudo, leva em consideração que sua delimitação e suas dimensões se

configuram como dimensões de conveniência, em que se pode escolher uma

unidade maior ou menor de estudo, ressaltando que neste entendimento, é

importante considerar que não existem ecossistemas fechados.

Na tabela 3, tem-se a caracterização das situações de contato de línguas

apresentada por Couto (2009), conforme se comentou até aqui.

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

52

Fonte: Esquematização da proposta de análise de Couto (2009, p. 49-54) para a sistematização dos tipos de situação de contato.

Tabela 3: Situações de contato de povos e línguas em determinado território

Situação de Contato Características Exemplos Resultados previstos por Couto (2009)

PL1, povo mais forte econômica, política e militarmente e de prestígio recepciona PL2, mais fraco, em seu Território (T1)

Formação de Colônias, Ilhas linguísticas; a médio e longo prazos os imigrantes tenderão a ser assimilados pela sociedade envolvente

Alemães, italianos e japoneses que migraram para o Brasil, onde PL2 representa o Brasil

Lei das Três Gerações; apreensão de uma variedade pidginizada da língua hospedeira; bilinguismo; conhecimento passivo da língua original; resistência cultural.

2ª Situação de Contato Características Exemplos Resultados previstos por Couto (2009)

PL1, Povo mais forte econômica, política e militarmente e de prestígio se desloca para o território T2, mais

fraco.

Existência de outros povos/línguas já instalados em PL2; representa situações de colonialismo;

Conquistadores romanos na Península Ibérica; Portugueses, Ingleses, Espanhois, Franceses e outros na África, Ásia, América, Oceania e Oceano Pacífico;

Resultados os mais diversos possíveis dependendo da Ecologia; Implantação praticamente total da Língua e da Cultura dos conquistadores; Existência de enclaves das línguas autóctones que vão sendo influênciados pela Língua do invasor. No Brasil, os povos indígenas que antes eram senhores da terra, que por serem dizimados, o que restam são línguas esparsas aqui e ali. Formação de Línguas Crioulas. Imposição da Língua do colonizador como língua indigenizada

3ª Situação de Contato Características Exemplos Resultados previstos por Couto (2009)

PL1, Povo mais forte econômica, política e militarmente e de prestígio, quanto PL2, PL3, ... PLN, mais fracos se deslocam para um Terceiro Território, não pertencente a nenhuma

das partes.

Frequentemente este território é uma ilha Cabo Verde (Crioulo português;

a Ilha Maurício (Crioulo Inglês) e as Ilhas Seychelles (Crioulo Francês); Grande parte das Ilhas do Caribe

Surgimento de um Pidgin e de um Crioulo; Quando a Ilha é grande pode acontecer de a Língua do lado PL1 se impor sem crioulizar como o espanhol em Cuba

4ª Situação de Contato Características Exemplos Resultados previstos por Couto (2009)

PL1, Povo mais forte econômica, política e militarmente e de prestígio, se desloca temporária ou sazonalmente para o Território PL2.

Situação característica do final do século XIX e início do Século XX.

Somente os Russos (PL1) se deslocavam para o Norte da Noruega para tocar suas mercadorias por peixe

Surgimento de um Pidgin que passou a ser conhecido por russenorsk (Russo-Noruegues). Este Pidgin recebe o nome alternativo de "eu em tu"

Não há uma situação definida , se ratam de PL2 mais forte do que PL1 ou vice-versa

Realização de expedições comerciais entre povos distantes

Surgimento de língua de contato ( Pidgins)

Situações Fronteiriças, caracterizadas pela existência de acidentes geográficos

Portunhol na fronteira entre Brasil e Uruguai

Cada um dos lados pode falar a própria língua quando se desloca para o Território T adjacente; Quando uma língua tem mais prestígio, esta tende a ser a usada nas interações interlinguísticas O mais comum é haver convergência línguística

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

53

3 DISCURSO E ETHOS

Importa muito para o sucesso da causa que sejam postos favoravelmente à luz costumes, princípios, fatos e gestos, a conduta do orador e de seu cliente; inversamente, em exposição desfavorável o que concerne ao adversário, de modo a inclinar o quanto possível às disposições dos juízes para uma benevolência em relação a si mesmo e àquele que se está defendendo. Ora, o que nos garante a benevolência é a dignidade de nosso caráter, são nossas ações louváveis, a consideração que nossa vida inspira: todas essas coisas fáceis de exaltar quando existem difíceis de fingir quando não existem. Outras qualidades do orador somam-se ao efeito produzido: a doçura da voz, o ar do semblante, a amenidade da fala, a impressão de que, se ele se deixa levar por um ataque inflamado, é contra sua vontade. É muito fácil dar a ver as marcas de um humor dócil, de uma alma generosa, boa, sensível, acolhedora, protegida contra os desejos cobiçosos. Tudo o que indica a lisura, a modéstia, um caráter isento de amargura e de furor, inimigo dos litígios e das controvérsias, atrai a benevolência e indispõe contra os que não têm essas qualidades. (De oratore de Cícero (Livro II, XLII: 182 55 a.C).

3.1 Linguagem, discurso e ethos

A linguagem representa a forma de materialização do discurso. Ela tem sido

estudada de diversas maneiras por diferentes áreas de conhecimento. Enquanto

maneira de compreender o homem em seu meio, ela representa a maneira de

pensar do indivíduo, enquanto ser situado. Dentre essas áreas de conhecimento, a

Análise do Discurso “procura compreender a língua fazendo sentido, enquanto

trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua

história” (ORLANDI, 2009, p. 15).

A Análise do Discurso surge no final da década de 1960, pela obra “Análise

Automática do Discurso”, de Michel Pêcheux, lançada em 1969, representando, na

visão da maioria dos estudiosos, a fundação dessa disciplina. Charaudeau, (2004)

comenta que em relação à totalidade dos enunciados de uma sociedade, -

“apreendida na multiplicidade de seus gêneros” - a Análise do Discurso se torna

objeto de estudo, colocando o discurso como objeto de análise.

Considerando que o discurso evoca uma exterioridade à linguagem: a

ideológica e o social, ela avança diferenciando-se tanto da língua, quanto da fala,

indo alem da transmissão de informação, como um simples ato do dizer, o que

significa que o discurso implica numa exterioridade à língua, encontrando-se no

social e envolvendo questões de natureza não estritamente linguística. Conforme

afirma Orlandi (2009) o discurso visto como objeto sócio-histórico, não pode ser

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

54

analisado apenas como elemento com significado estanque, mas em movimento

dentro de um contexto social em que o indivíduo está inserido. Assim, “o discurso é

o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia,

compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos” (ORLANDI,

2009, p.17).

Nessa perspectiva, o discurso não está desvinculado das condições impostas

pela presença de elementos linguísticos responsáveis pela produção de sentido, ao

tempo em que não estão dissociados da realidade sócio-histórica. Assim, o discurso

é situado como realidade latente, ou seja, visto como “(...) um objeto sócio-histórico

em que o linguístico intervém como pressuposto”, na medida em que “(...) é possível

observar a língua como produtora de sentido no discurso enquanto efeito entre os

locutores".

Nesse contexto “nem o discurso é visto como uma liberdade em ato,

totalmente sem condicionantes linguísticos ou determinações históricas, nem a

língua como totalmente fechada em si mesma, sem falhas ou equívocos (...)”

(ORLANDI, 2009, p. 22).

Um discurso, tal como o produz um sujeito (posicionado etc) é simultaneamente resultado das representações da língua e de um processo histórico específico que fazem com que a sequencia produzida e seu sentido sejam o que são (POSSENTI, 2009, p. 53).

Na visão de Pecheux (1975), não há discurso sem sujeito e não há sujeito

sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a

língua faz sentido. A Análise de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata a

língua, não trata a gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata

do discurso e a palavra discurso etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de

percurso, de correr, por movimento. “O discurso é assim, palavra em movimento,

prática de línguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando”

(ORLANDI 2009, p. 15).

A análise concebe a línguagem como mediação necessária entre o homem e

a realidade natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a

permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem

e a realidade em que ele vive (ORLANDI, 2009, p.15-16). Assim, Pecheux (1969)

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

55

apud Possenti (2009, p.63), concebe “o discurso como uma espécie de encontro

entre um conjunto de condições de produção e de uma língua".

Dessa forma, a primeira coisa a se observar é que a Análise do Discurso não

trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a língua no mundo,

com a maneira de significar com homens falando, considerando a produção de

sentidos enquanto partes de suas vidas, seja enquanto sujeitos, seja enquanto

membros de uma determinada forma de sociedade (POSSENTI, 2009, p.15, p.16)

3.2 Ethos: conceitos e tipos

A reflexão sobre o Ethos, a partir da concepção inicial proposta por Aristóteles

assume uma nova perspectiva, que se antes estava preocupada com a análise do

que era persuasivo para diversos tipos de indivíduos, hoje se volta para

problemáticas relativas ao discurso levando em conta as especificidades do locutor

em relação ao alocutário.

A etimologia ethos, originaria da Grécia antiga, significa “costumes, modo de

ser, caráter” e permite que o co-enunciador crie uma “imagem”, uma “figura” que

represente esse possível “caráter” enunciativo, fundamentado, pela sociedade, em

estereótipos culturais. Na retórica Aristotélica e até a metade do século XVI, ela era

acompanhada da noção de logos e pathos. Estes três conceitos, conforme modelo

de Gibert no século XVIII, serviam para instruir com argumentos (logos), mover as

paixões (pathos) e insinuar com os costumes (ethos). Portanto, é empregado de

duas formas: a primeira designa um tipo de prova que mobiliza tudo o que na

enunciação discursiva contribui para emitir uma imagem do orador destinada ao

auditório, que se refere ao tom de voz, a modulação da fala, escolha das palavras e

dos argumentos, etc, estando ligado à própria enunciação, enquanto na segunda

forma está ligado a um saber extradiscursivo do locutor.

Em Maingueneau (2008, p. 55), embora um novo interesse relativo ao ethos

discursivo tenha surgido depois das obras editadas por Ch. Perelman e de S.

Toulmin, em 1958, foi só nos anos 1980 que o ethos assumiu o primeiro plano.

Objetivamente, foi na França, em 1984 que se começou a explorar o ethos em

termos pragmáticos e discursivos. Para o autor ainda, foi em Ducrot (1984), que se

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

56

integrou o ethos a uma conceituação enunciativa, e mesmo no seu trabalho propõe

uma teoria dentro do quadro da análise do discurso em 1984 e 1987.

Essa noção de ethos, associada antes aos conceitos da retórica de

Aristóteles, atualmente esta noção está ligada à enunciação, pois considera o ethos

como sendo uma noção discursiva, que se constitui por meio do discurso

Maingueneau (1997, 1999, 2005). Segundo ele, “é preciso admitir que a

“encenação” não é uma máscara do real, mas uma de suas formas, estando o real

investido pelo discurso.” (1997, p. 34), sendo a tarefa do analista do discurso

recuperar os vestígios observáveis (MAINGUENEAU, 1996, p. 6), que ora são

deixados nos enunciados produzidos pelo enunciador em seu discurso.

Essa nova dimensão de se trabalhar o ethos evocando a perspectiva do

discurso no sentido da prática ordinária da fala remete à ideia de que ao falar um

locutor provoca no destinatário uma representação de si mesmo. Nesse sentido a

noção de ethos constitui uma dimensão de todo ato de enunciação. Desta forma,

como a palavra não está mais condicionada pelos mesmos dispositivos, considerada

na perspectiva da retórica antiga, como uma disciplina única, ela reverbera

atualmente em diferentes disciplinas teóricas e práticas, que têm interesses distintos

e captam o ethos sob facetas diversas, como no caso da sua abordagem no âmbito

da .

Vê-se que o ethos é distinto dos atributos “reais” do locutor. Embora seja

associado a ele, na medida em que é a fonte da enunciação, é do exterior que o

ethos caracteriza esse locutor. O destinatário atribui a um locutor inscrito no mundo

extradiscursivo traços que são em realidade intradiscursivos, já que são associados

a uma forma de dizer. Mais exatamente, não se trata de traços estritamente

“intradiscursivos “porque (...), também intervêm, em sua elaboração, dados

exteriores à fala propriamente dita (mímicas, trajes...) (MAINGUENEAU, 2008, p.

59)”.

Assim, a noção de ethos constitui uma dimensão de todo ato de enunciação.

E, na sua elaboração deve-se levar em consideração o material linguístico utilizado,

bem como do ambiente em que ele é produzido, já que é com base neles que o

intérprete se baseia para construí-lo. Isto porque na “elaboração do ethos, interagem

fenômenos de ordens muito diversas: os índices sobre os quais se apoia o intérprete

vão desde a escolha do registro da língua e das palavras até o planejamento textual,

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

57

passando pelo ritmo e a modulação” (MAINGUENEAU, 2009, P. 60-61)”. Outra

questão que ele coloca é se:

saber se se deve relacionar o ethos ao material propriamente verbal, atribuir o poder às palavras, ou se se devem integrar a ele elementos como as vestimentas do locutor, seus gestos, e, eventualmente , o conjunto do quadro da comunicação. O problema é mais delicado se considerarmos que o ethos, por natureza, é um comportamento que, enquanto tal, articula verbal e nãoverbal, para provocar no destinatário efeitos que não decorrem apenas das palavras (MAINGUENEAU, 2009, p.61)

Além disso, diz ainda o autor que é preciso considerar que o ethos pode ser

considerado tanto pela ótica do locutor como pela via do destinatário, já que o efeito

que se espera dele pode ser bastante diferente, suscitando a construção de imagens

muito diversas daquelas para as quais foi pensada. Nesta ordem, ele cita o exemplo

de um professor que embora pretendendo posicionar-se como um homem “sério

pode ser percebido como monótono”; “de outra forma “um político que queira

suscitar a imagem de um indivíduo aberto e simpático pode ser percebido como um

demagogo” (MAINGUENEAU, 2009, p.61).

Nessa linha de trabalho, vê-se, conforme Auchlin apud Maingueneau (2009,

p. 51) que o ethos pode ser concebido de várias formas ou tipos de abordagem,

dentre elas podendo se apresentar como:

mais ou menos carnal, concreto ou mais ou menos “abstrato”. Tudo depende, antes de qualquer outra coisa, do modo como se traduz o termo ethos: caráter, retrato moral, imagem, costumes oratórios, feições, ar, tom… Pode-se privilegiar a dimensão visual (“retrato”) ou a musical (“tom”), a psicologia vulgarizada (“caráter”)… – O ethos pode ser concebido como mais ou menos saliente, manifesto, singular VS coletivo, partilhado, implícito e visível. Alguns, como C. Kerbrat - Orecchioni, associam a noção de ethos aos hábitos locucionais partilhados por membros de uma comunidade.

É também pertinente considerar que:

é muito razoável supor que os diferentes comportamentos de uma mesma comunidade obedecem a uma certa coerência profunda e, então, esperar que sua descrição sistemática permita distinguir o “perfil comunicativo”, ou ethos, dessa comunidade (ou seja, a sua maneira de ser e de se comportar e de se apresentar nas interações – mais ou menos caloroso ou frio, próximo ou distante, modesto ou imodesto, “sem constrangimentos” ou respeitoso do território alheio, suscetível ou indiferente à ofensa etc.) (C. KERBRAT-ORECCHIONE; 1996, p. 78 apud MAINGUENEAU, 2008).

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

58

Assim, nessa direção, Mengueneau com base em Auchlin, apresenta-se

alguns fatores que concorrem para a compreensão da concepção de ethos, e modos

como podem ser explorados. A tabela 4 faz então este aporte, conjugando-os com

os princípios a serem considerados na concepção do Ethos.

Tabela 4: Abordagem do ethos

Tipos de ethos

Significado atribuído ao termo

Características Dimensão/características do tipo/sentido/condicionantes

Carnal Caráter, retrato moral, imagem, costumes, oratórios, feições, ar tom, etc.

Concreto ou mais ou menos abstrato

Condicionado ao modo como se traduz o termo ethos

Coletivo Maneira de se de uma comunidade e de se comportar e de se apresentar nas interações – mais ou menos caloroso ou frio, próximo ou distante, modesto ou imodesto, sem constrangimentos, ou respeitoso do território alheio, sucetível ou indiferente à ofensa, etc.

Mais ou menos saliente, manifesto, singular VS coletivo, partilhado, implícito e visível.

Associação da noção de thos aos hábitos locucionais partilhado por membros de uma comunidade; constitui para os locutores que o partilham, um quadro invisível e imperceptível.

Convencional Mais ou menos fixo, convencional VS ousado, singular.

Fonte: Adaptado de Auchlin apud Maingueneau (2009).

3.2.1 Tipos de ethos

A questão do ethos está ligada à da construção da identidade. Cada tomada

da palavra implica, ao mesmo tempo, levar em conta representações que os

parceiros fazem um do outro e a estratégia de fala de um locutor que orienta o

discurso de forma a sugerir, através dele, certa identidade (MAINGUENEAU, 2008,

p. 59-60).

Embora a definição de ethos em Maingueneau esteja associada à

enunciação, o autor afasta-se do quadro da argumentação e leva em conta a

instância subjetiva que se manifesta por meio do discurso como uma “voz”

associada a um “corpo enunciante” que é historicamente especificado. Portanto

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

59

opta, segundo ele, por uma instância mais encarnada do ethos, que recobre além da

dimensão verbal, um conjunto de dimensões físicas e psíquicas associadas ao fiador

pelas representações coletivas (MAINGUENEAU, 2008, p. 64-65).

O ethos de um discurso resulta de uma interação de diversos fatores: ethos pré-discursivo, ethos discursivo (ethos mostrado), mas também de fragmentos do texto em que o enunciador evoca sua própria enunciação (ethos dito): diretamente ou indiretamente, por exemplo, por meio de metáforas ou de alusões a outras cenas de fala (assim, F, Mitterand, em sua Carta a todos os franceses de 1988, comparando sua própria enunciação à fala de um pai de família (MAINGUENEAU 2008, p. 71)

A figura a seguir sintetiza o pensamento de Maingueneau evocando os tipos

de ethos que podem resultar de uma situação discursiva, apontando que o ethos de

um discurso resulta da interação de diversos fatores caracterizando assim:

O Ethos pré-discursivo, ethos discursivo (ethos mostrado), mas também os fragmentos do texto nos quais o enunciador evoca sua própria enunciação (ethos dito) – diretamente (“é um amigo que lhes fala”) ou indiretamente, por meio de metáforas ou de alusões a outras cenas de fala, por exemplo. A distinção entre ethos dito e mostrado se inscreve nos extremos de uma linha contínua, uma vez que é impossível definir uma fronteira nítida entre o “dito” sugerido e o puramente “mostrado” pela enunciação. O ethos efetivo, construído por tal ou qual destinatário, resulta da interação dessas diversas instâncias. As flechas duplas do esquema abaixo indicam que há interação (MAINGUENEAU, 2008, p. 37)

Figura 6: Tipos de ethos (Fonte: MAINGUENEAU 2008, p. 83)

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

60

Assim, o “ethos dito, vai além da referência direta do enunciador a sua própria

pessoa ou sua maneira de enunciar (eu sou um homem simples; eu lhes falo como

um amigo), ele vai “além da figura do fiador ou do antifiador, pode incidir também

sobre um conjunto de uma cena de fala, apresentada como modelo ou antimodelo

na cena do discurso”. Já o ethos efetivo, aquele que, pelo discurso, os co-

enunciadores, em sua diversidade, construirão, resulta assim da interação entre

diversas instâncias, cujo peso varia segundo os discursos. A distinção entre ethos

dito e ethos mostrado inscreve-se nos extremos de uma linha contínua, já que é

impossível definir uma fronteira clara entre o “dito” sugerido e o “mostrado” não

explícito” (MAINGUENEAU, 2008, p. 80).

Neste sentido, o conceito de ethos assume uma importância fundamental no

discurso, pois é através da construção da imagem de si que o enunciador legitima

seu próprio dizer, construindo uma imagem calcada em valores historicamente

aceitos, de acordo com uma situação dada.

Desta forma, “o destinatário identifica o ethos apoiando-se em um conjunto

difuso de representações sociais, avaliadas positiva ou negativamente, de

estereótipos, que a enunciação contribui para reforçar um transformar” (2008, p. 65),

por isto, a noção de estereótipos é importante para a construção do ethos, sendo

parte pregnante da cena de enunciação, com o mesmo estatuto que o vocabulário

ou os modos de difusão que o enunciado implica por seu modo de existência.

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

61

4 FUNDAMENTOS DA ABORDAGEM E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

4.1 Abordagem do tema

A abordagem do tema fundamenta-se nos elementos da , vista em Couto

(2007, 2009), a qual se apropria como categorias de análise as situações de contato

ou migração de indivíduos, grupos de indivíduos e de populações no espaço,

podendo caracterizar a formação de ecossistemas linguísticos específicos como o

que se estabelece na região de fronteira Brasil/Venezuela.

A análise é realizada a partir do material linguístico evocado nesse ambiente

fronteiriço, levando-se em conta as inter-relações que se estabelecem no território

sob a perspectiva da linha francesa da Análise do Discurso, Maingueneau (2008),

que constitui uma dimensão discursiva parte da identidade do sujeito observada em

seu posicionamento discursivo.

Essas representações discursivas que ocorrem no ambiente ecolinguístico da

fronteira Brasil/Venezuela podem resgatar a noção de ethos manifesto, a partir da

ideia que passa a ser retomada a partir dos anos 80 na Análise do Discurso

proposta por Ducrot (1984) e Maingueneau (1984 e 1987). Essa nova dimensão de

se trbalhar o ethos evocando a perspectiva do discurso no sentido da prática

ordinária da fala, remete à ideia de que, ao falar, um locutor provoca no destinatário

uma representação de si mesmo, cuja noção de ethos, constitui uma dimensão de

todo ato de enunciação.

Não se trata de afirmações elogiosas que o orador pode fazer a respeito de sua pessoa no conteúdo de seu discurso, afirmações que correm risco, ao contrário de chocar o auditório, mas da aparência que lhe conferem a cadência, a entonação calorosa ou severa, ou a escolha das palavras, dos argumentos... Em minha terminologia direi que o ethos está associado a L, o locutor enquanto tal e na medida em que é fonte da enunciação que ele se vê revestido de certos caracteres que, em consequência, tornam essa enunciação aceitável ou refutável. (DUCROT, 1984, p. 201)

Dessa forma, “o destinatário identifica o ethos apoiando-se em um conjunto

difuso de representações sociais, avaliadas positiva ou negativamente, de

estereótipos, que a enunciação contribui para reforçar ou transformar”

(MAINGUENEAU, 2008, p. 65). Essa noção de estereótipos pode ser reforçada pelo

entendimento de Labov (1972, apud MONTEIRO, 2000, p. 66) “como formas

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

62

linguísticas socialmente marcadas, etiquetada de maneira ostensiva pela sociedade,

(...), variantes que constituem o patrimônio de um grupo específico e sobre as quais

atuam atitudes e crenças”. Neste aspecto, a noção de estereótipos, “no sentido

comum de imagens congeladas ou opiniões” (MOSCOVICI, 2007, p. 222), é

importante para a construção do ethos, sendo parte pregnante da cena de

enunciação, com o mesmo estatuto que o vocabulário ou os modos de difusão que o

enunciado implica por seu modo de existência. O reconhecimento do ethos do

sujeito de fronteira por meio da Análise do Discurso perpassa assim, por:

colocar o dito em relação ao não dito, o que o sujeito diz em lugar com o que é dito em outro lugar, o que é dito de um modo com o que é dito de outro, procurando ouvir, naquilo que o sujeito diz , aquilo que ele não diz mas que constitui igualmente o sentido de suas palavras (ORLANDI, 2009, p. 59).

Nessa perspectiva, o ambiente ecolinguístico em que o discurso é produzido,

considerando a situação de contato e território, irá influenciar o sentido construído do

discurso, levando em conta sua materialidade histórica. Isto porque as

representações sociais

(...) são sempre complexas e necessariamente inscritas dentro de um „referencial de um pensamento preexistente‟ sempre dependentes, por conseguinte, de sistemas de crença ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e da existência. Elas são, sobretudo, um permanente trabalho social, no e através do discurso, de tal modo que cada novo fenômeno pode sempre ser reincorporado dentro de modelos explicativos e justificativos que são familiares e, consequentemente, aceitáveis (MOSCOVICI, 2007, p. 216).

De outra forma, observa-se que não há representações sociais sem

línguagem, do mesmo modo que sem elas não há sociedade (MOSCOVICI, 2007, p.

219). Neste sentido, para analisar o discurso do sujeito em sociedade torna-se

necessário enxergar a línguagem como instrumento construído na interface da

realidade natural, mental-psicológica e social do homem. “Essa mediação, que é o

discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o

deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive”

(ORLANDI, 2009, p. 15).

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

63

Assim, num determinado ecossistema linguístico, em que se dá a cena do

cotidiano, nesta perspectiva, fica evidente que qualquer sujeito está assim “cercado,

tanto individualmente como coletivamente, por palavras, ideias e imagens que

penetram nossos olhos, nossos ouvidos e nossa mente, quer queiramos quer não e

que nos atingem, sem que saibamos” (MOSCOVICI, 2007, p. 33).

Dessa forma,

Não são os sujeitos físicos nem os seus lugares empíricos como tal, isto é, como estão inscritos na sociedade, e que poderiam se sociologicamente descritos, que funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de projeções são essas projeções que permitem passar das situações empíricas - os lugares dos sujeitos - para as posições dos sujeitos no discurso (ORLANDI, 2009, p. 40).

O indivíduo torna-se sujeito discursivo a partir da/na instância de enunciação.

As cenas de enunciação são instituídas no/pelo discurso, sendo elas: a) A cena

englobante que integra o discurso em um tipo que poderá ser publicitário,

administrativo, filosófico; b) a cena genérica, onde o discurso está associado a um

gênero ou a um subgênero de discurso como o sermão, o editorial; e c) a cenografia,

que é construída pelo próprio texto, sendo a cena de fala que o discurso pressupõe,

para poder ser enunciado, deve ser validado através de sua própria enunciação. São

os conteúdos desenvolvidos pelo discurso que permitem especificar e validar o

ethos, bem como sua cenografia, por meio dos quais esses conteúdos surgem

(MAINGUENEAU, 2008, p. 71).

O sujeito que enuncia encontra-se num lugar discursivo que o legitima e que

lhe atribui uma autoridade vinculada a uma dada posição: uma instância enunciativa.

Para interpretar um discurso é necessário que o co-enunciador identifique o tipo do

discurso, ou seja, a que cena englobante ele corresponde: política, religiosa,

publicitária, jurídica, etc., permitindo coligar a finalidade contratual entre o “EU”,

enunciador, e o “OUTRO”, co-enunciatário. No entanto, caracterizar apenas um

discurso como político, literário, publicitário ou outros, não é suficiente, pois o co-

enunciador é aquele que irá definir os papéis dos parceiros do discurso, o lugar e o

tempo em que se enuncia e a finalidade discursiva, definindo, dessa maneira, as

cenas específicas dos gêneros do discurso (MAINGUENEAU, 2005a, p.86).

Como se pode observar, esta base teórica, fundamentada em Maingueneau

(1997, 2008) favorece a análise, principalmente em relação às circunstâncias e o

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

64

lugar social em que o sujeito enuncia. É neste sentido que se utiliza esta noção, pois

quando o sujeito falante, o falante de fronteira, enuncia sobre seu contexto histórico,

linguístico e social, mobiliza seu conhecimento, emoções, razões e avaliações na

construção de seu ethos, enunciando assim seu ponto de vista sobre o mundo, em

função do seu espaço.

Em síntese, tem-se que por meio da análise do discurso do sujeito da

fronteira, será possível reconhecer o ethos impregnado no ecossistema linguístico

fronteiriço, naquela fronteira específica, cujo sentido linguístico da enunciação deve

emergir por meio do material sócio-histório, sendo este produzido sob a influência

das relações ali estabeblecidas ao longo do contato entre os povos.

4.2 Procedimentos metodológicos de análise

4.2.1 Os sujeitos enunciadores

Em um processo de integração entre os povos na fronteira Brasil/Venezuela,

o governo estadual, por meio da Universidade Estadual de Roraima-UERR,

desenvolve políticas educacionais voltadas para atender uma demanda por cursos

do ensino superior, bem como cursos de extensão. Neste sentido, observando as

especificidades de cada campus e levando em conta a zona fronteiriça em que estão

localizados os campus de Bonfim e Pacaraima, a UERR implantou o curso de

Português como Língua Estrangeira – PLE, nos referidos campi e também em Boa

Vista.

O Projeto Piloto de PLE no Campus de Pacaraima, ofertou quarenta vagas no

semestre 2010.2. Em função do aumento de demanda, a UERR ofereceu em 2011.1

cento e vinte vagas no Campus de Pacaraima e quarenta vagas no Campus de

Bonfim, fronteira Brasil/República Federativa da Guiana.

As aulas são ministradas por monitores acadêmicos do Curso de Letras da

UERR; sendo dois monitores em cada turma, com uma carga horária de quatro

horas semanais, ministradas aos sábados, sendo o curso total de oitenta

horas/aulas.

Nesta pesquisa, é dada ênfase para fronteira Pacaraima/Santa Elena de

Uairén), considerando que no semestre 2011.1 duas turmas estavam em

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

65

andamento, sendo que em uma delas selecionou-se aleatoriamente quatro cursistas

como sujeitos da pesquisa.

Os colaboradores desta pesquisa são constituídos por quatro sujeitos

venezuelanos habitantes em Santa Elena de Uairén e alinos do cursp de PLE,

conforme dados sociolingüísticos apresentados na Tabela 5, a seguir:

Tabela 5: Dados Sociolinguísticos dos sujeitos da fronteira

SUJEITO ENUNCIADOR - SE

IDADE SEXO PROFISSÃO

TEMPO NO MUNICIPIO DE SANTA ELENA DE UIARÉN

LÍNGUA DA ENTREVISTA

SE- 1 Raquel11

20 F Serviço Privado-Atendente

20 anos Português

SE-2 Maria 50 F Serviço Público – Turismo

50 anos Português

SE-3 Salomão 55 M Serviço Público – Professor

26 anos Espanhol

SE-4 Tomé 27 M Serviço Privado-Músico 6 meses Espanhol

Fonte: Dados da pesquisa em junho de 2011

A caracterização desses sujeitos se deu com base nos parâmetros

estabelecidos na sociolingüística de Labov (1972), que, para a pesquisa, leva em

consideração as seguintes variáveis: idade, sexo, formação, nível de escolaridade,

profissão, a região de fronteira, a zona de residência e a origem do falante. A estas

variáveis, acrescenta-se o tempo de permanência na fronteira e a língua da

entrevista como significativas para a percepção da construção do ethos destes

enunciadores. Embora o autor volte sua análise linguística para uma noção ampla

de comunidade de fala, as variáveis, aqui apresentadas, servem para caracterizar o

ethos, considerando o discurso ao nível do indivíduo, pois o tratamento do corpus se

dá numa perspectiva dialógica; de ver os indivíduos como sujeitos de seu discurso e

não como objeto de análise ou fonte de dados linguísticos, como afirma Bakhtin

([1959-61] 2003) que considera o dialogismo como constitutivo das pesquisas que

lidam com os indivíduos, como no caso das ciências humanas.

No que se refere à variável idade, os sujeitos encontram-se na faixa etária

entre os 20-30 e 50-55 anos, sendo que cada uma das faixas é constituída por

sujeitos de ambos os sexos. A escolha de pessoas de idades diversificadas foi

11

Os nomes dos moradores da fronteira apresentados, nesta pesquisa, são fictícios.

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

66

intencional, pois como observa Labov (1972), existem diferenças linguísticas em

função do fator idade que pode influênciar no discurso do sujeito, principalmente em

função das relações estabelecidas entre os dois povos.

Quanto à variável profissão, os sujeitos são constituídos por servidores

públicos e privados. Quanto ao nível de formação, observa-se que os dois homens

têm formação superior e que as mulheres ainda estão em processo de formação.

Quanto à variável „tempo de permanência‟, observa-se que os sujeitos vivem na

região fronteiriça entre seis meses e cinquenta anos.

Com relação à decisão pela escolha da língua espanhola/portuguesa como

variáveis, deveu-se ao fato destas representarem a identidade linguística dos

sujeitos, o que deve facilitar o reconhecimento do ethos.

4.2.2 A entrevista e convenções de transcrição

As entrevistas ocorreram no mês de junho de 2011 e foram realizadas nas

instalações da Universidade Estadual de Roraima-UERR, Campus de Pacaraima.

Iniciou-se com a seguinte pergunta que teve como objetivo a provocação de um

discurso livre pelo sujeito: Como é a vida na fronteira? E cuja intenção foi fazer com

que os sujeitos se sentissem à vontade para fazer descrições sobre sua vida

pessoal/profissional/familiar e o contexto sócio-histórico da fronteira. Durante a

entrevista, como é previsto na entrevista livre12, a pesquisadora fez perguntas sobre

temas variados, mas que giravam em torno da vida na fronteira; as relações sociais

de comércio, natureza, amizade e educação e a mobilidade entre os dois países.

Ao término das quatro entrevistas, iniciou-se o processo de transcrição13 dos

dados. Nesta etapa da pesquisa, optou-se por obedecer às orientações de

transcrição utilizada em Benveniste (1998), que estabelece alguns critérios tendo-se

optado pelos seguintes:

(...) = pausas silenciosas percebidas;

/ = repetição esboço de palavras, abandono;

aaa = repetição de letras – alongamento;

hum = pausas sonoras

12

Um roteiro construído após a entrevista está anexado ao trabalho. 13

As entrevistas transcritas estão anexadas a este trabalho.

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

67

Com relação às declarações dos moradores da fronteira nas entrevistas estas

foram transcritas de acordo com os critérios para transcrição da fala espontânea

sugeridos por Bienveniste (1998, p. 39).

Pontuação: nenhuma

Maiúscula: nos nomes próprios e início das entrevistas;

Números escritos por extenso

Pausas silenciosas percebidas

Pausas preenchidas

Alongamentos

Repetições

Nesta transcrição, percebem-se fenômenos constituídos por fala espontânea,

que segundo Benveniste (Bienveniste, 1998, p. 43) é entendida como aquela que

deixa perceptível suas etapas de elaboração, caracterizando-se por idas e vindas,

ensaios léxicos, pré-asserção, uso massivo de incisos, enumerações, listas e

comentários sobre buscas de palavras.

Ressalte-se que embora tenha sido uma entrevista livre, na sua transcrição

não é considerada as superposições, o que denota uma interação regulada por uma

alternância de turno, menos dinâmica, característica do script da entrevista

sociolingüística, gênero no qual a alternância no turno de fala é controlada pelo

entrevistador, ao contrário do que ocorre na conversa espontânea, gênero no qual, a

princípio, não há o controle do turno de fala. As partes percebidas em espanhol

foram transcritas à ortografia do espanhol, e as partes percebidas em português

foram transcritas com a ortografia do português.

4.2.3 Os enunciados

O corpus está composto por quatro textos orais produzidos no discurso do

sujeito do ecossistema linguístico considerado na pesquisa, o qual foi intitulado de:

“A vida na fronteira”, onde a pesquisadora solicitou que o entrevistado contasse

como era a vida na fronteira, fazendo perguntas aleatoriamente ao logo da

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

68

entrevista, com a preocupação em manter estimulados os ânimos dos sujeitos de

forma a que continuassem produzindo oralmente.

A organização do material da pesquisa se deu por meio da coleta de dados

de 41min33s de gravação em áudio das produções orais. As produções individuais

foram de seis a dezesseis minutos, levando-se em conta que a duração dependia do

envolvimento do sujeito durante a entrevista.

4.2.4 Os fatores ecolinguísticos de influência no contato de povos

As situações de contato interlinguístico sinalizam para posicionamentos

discursivos entre povos e línguas. Os posicionamentos discursivos que surgem em

função dos contatos que ocorrem entre povos fronteiriços PL1 e PL2 são de certa

forma, influenciados por um conjunto de fatores considerados facilitadores ou

inibidores das interações linguísticas que podem existir na região. As interações

entre esses povos, brasileiros/venezuelanos, ocorrem nos mais variados níveis.

Assim, optou-se por conhecer esse contato por meio da identificação dos fatores de

influencia nas relações estabelecidas entre os dois povos brasileiros/venezuelanos,

as duas línguas (português/espanhol) e os territórios (Pacaraima/Santa Elena de

Uairén).

Levando em conta que o ambiente linguístico é caraterizado por contatos dos

povos, os aspectos que envolvem a língua em relação ao ambiente natural e sócio-

histórico são parte dessa relação que muitas vezes está presente no discurso do

sujeito considerando os postulados da vistos em Couto (2007), postulando que os

fatores: Intensidade, quantidade, tempo de permanência, resistência cultural

influenciam no resultado do contato entre povos. Colocada a questão desta forma,

verifica-se que, dependendo de como e da forma como incidem esses fatores, os

discursos ou as representações discursivas dos sujeitos irão também variar,

caracterizando as relações, interações e situações de contato linguístico entre

povos.

Baseado em Couto (2009), os fatores que influenciam nos resultados dos

contatos de línguas apresentam-se de diversas maneiras, apontando-se entre eles a

quantidade que diz respeito ao número de pessoas que se inter-relacionam em um

determinado lugar. De acordo com esse autor, dependendo do número de pessoas

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

69

em interações densas poderá acarretar a imposição da língua ou na sua

manutenção. Outro fator é o tempo de permanência no território, que dependendo

do período de sua manutenção, poderá ocorrer uma maior ou menor convergência

linguística e, portanto, em um posicionamento discursivo. Outro fator é a

intensidade de como se estabelece esse contato, fator este relacionado

intimamente à quantidade, ocorrendo de forma concomitante. Um quarto fator são as

atitudes, que, dependendo do comportamento dos povos, se mais ou menos cordial,

poderá ocorrer uma maior ou menor resistência cultural podendo dificultar ou facilitar

a assimilação da língua e culturas. Por fim, a semelhança/dessemelhança

tipológica entre as línguas contatantes é também um fator que pode influir no

resultado do contato em região de fronteira, por se tratar de duas línguas distintas –

português e espanhol – e que apresentam desde semelhanças morfológicas até

sintáticas.

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

70

5 ANÁLISE DO ETHOS EM AMBIENTE ECOLINGUÍSTICO FRONTEIRIÇO

BRASIL/VENEZUELA

5.1 Situação de contato entre falantes no ecossistema linguístico

Brasil/Venezuela

Segundo Couto (2009, p. 49-54) as situações de contato de povos e línguas

em determinado território, podem ser analisadas a partir de quatro situações14. Em

nossa análise e caracterização da fronteira Brasil/Venezuela, identificamos duas

dessas quatro situações de contato. A primeira corresponde ao momento

historicamente marcado pelo processo de colonização iniciado a partir das grandes

navegações, quando os europeus aportaram no continente sul americano no século

XV. Esse contexto corresponde no modelo de Couto (2009, p.52) a uma situação em

que “PL1, o povo mais forte política, econômica e militarmente e de prestígio se

desloca para o território T2, mais fraco”.

Já a segunda situação de contato, é mais contemporânea e se caracteriza

como parte de um processo histórico que culmina com a formação embrionária da

fronteira entre os dois países. Esse segundo contexto corresponde no modelo de

Couto (2009, p. 54) à situação de contato em que “membros de PL1 se deslocam,

termporária ou sazonalmente, para o território de PL2 e/ou membros de PL2 se

deslocam para o território de PL1”. Neste contexto contemporâneo de situação

contato é que se dá a análise desta pesquisa a partir de uma descrição da

construção do ethos discursivo do sujeito da fronteira a fim de caracterizar a situação

de contato de povos no ecossistema linguístico Brasil/Venezuela.

O capítulo de análise está dividido em quatro partes: a primeira 5.1 é esta

introdução. Na segunda parte 5.2, descrevemos, com metodologia da análise do

discurso, a construção do ethos discursivo do sujeito que se posiciona ora como

parte integrante da comunidade linguística de Santa Elena, ora como parte

integrante de um lugar que é comum a brasileiros e venezuelanos, la línea. Na

terceira parte 5.3, caracterizamos o ambiente de “la línea” por meio da influência de

cinco fatores ecolinguísticos: quantidade, intensidade, tempo, atitude e semelhança

entre as línguas. E na quarta e última parte 5.4, apresentamos a proposta do

14

Cf. Tabela 3, página 53

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

71

ecossistema linguístico provisional e a metodologia de análise por redes sociais para

dar conta da situação de contato e dos tipos de interações nessa fronteiriça. Na

leitura das partes desse capítulo a seguir, poderá se ver “claramente” o percurso

desta pesquisa, que parte da noção de ethos e chega à noção de redes sociais

como proposta de análise de contextos fronteiriços, levando em conta a porosidade

e mobilidade das fronteiras.

5.2 Construção do ethos discursivo do sujeito da fronteira

A cena enunciativa diz respeito à dimensão constitutiva do discurso, as

circunstâncias no quadro de enunciação. Para Maingueneau (2008ab) há três cenas

que compõem a cena enunciativa que podem ser verificadas na Tabela 6. A análise

discursiva neste contexto pode ser considerada a partir da cena enunciativa em que

o discurso é produzido, o que Maingueneau denomina de cena englobante, além de

considerar que o discurso pode ser concebido levando-se em consideração seu

destinatário. O autor considera ainda que o contexto em que o discurso é produzido

num espaço-tempo é indissociável da cena enunciativa.

A partir do modelo de Maingueneau é possível conceber, conforme Tabela 7,

que o discurso pode ser considerado como ideológico enquanto cena englobante;

quanto ao gênero do discurso, a entrevista realizada com os informantes enquadra-

se num tipo de cena genérica, e em relação à cenografia tem-se: a cronografia se

Tabela 6: Cena da enunciação- quadro teórico

Cena Englobante Cena Genérica Cenografia

Publicitário Administrativo Filosófico ...

Sermão Editorial

Carta

Cronografia (agora) Topografia (aqui) (indissociáveis)

Fonte: Maingueneau (2008, p. 70)

Tabela 7: Caracterização da cena de enunciação do ecossistema de estudo

Cena Englobante Cena Genérica Cenografia

Ideológico

Entrevista

Cronografia (se revela nas situações de contato)

Topografia (ecossistema linguístico provisional)

Fonte: Adaptação do modelo da cena de enunciação proposto por Maingueneau (2008, p. 70), para a análise do ecissistema da região fronteiriça Brasil/Venezuela, objeto desta pesquisa.

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

72

revela a partir das situações de contato evocadas no discurso do sujeito da fronteira,

e a topografia seria o ecossistema linguístico “provisional”. Vejamos os seguintes

enunciados:

No enunciado, a seguir, Maria evoca a cenografia do período da colonização

da região, momento em que os dois povos “portugueses e espanhois” se encontram

nesse ecossistema.

SE-MARIA: (...) a família dele chegou da Espanha e começou a vida na Venezuela nesse estado/ então quando ele tinha mais ou menos uns vinte e sete anos ele saiu dali meus bisavós morreram e ele estava morando com os tios e depois ele saiu pra buscar não sei aventura da vida e chegou até o estado Bolívar e depois dai ele começou a conhecer muito mais adentro porque nesta época a gente falava da época do ouro e da seringa porque em Venezuela se chama caution e balatá// ele também esteve em Tepequém trabalhando nas minas sacando diamante e ouro ele conheceu muito do Brasil e depois que ele se instalou em Santa Elena de Uiarén / ele teve muita relação com o Brasil quando ele chegou em Santa Elena só estava a bandeira dos ingleses e ele tirou a bandeira dos ingleses e então ele colocou a bandeira da Venezuela pra começar uma nova vida (...)

É trazido pelo discurso de Salomão, o momento atual de contato entre os

povos brasileiro e venezuelano, dando uma situação de interação amigável.

SE-SALOMÃO: (...)a la / a la vida en /en nosotros aquí en comu /como ciudadanos comune el trato entre nosotros é muy cordial brasilero y venezoelano muy verdadero / verdadero eh (...) e si e si / si tien un tiempo una incomodidad otoridad solecitano queee el pase hacia a la ciudad de Boa Vista cuando nos solicitan pasaporte no (...) Entonces nos deciamos cómo que se estamos en una frontera Boa Vista es tan cerca (...) nos piden pasaporte y ahora isso ya estaaa (...) exonerado (...) no simplesmente ya se ya es una solicitu./un permiso (...) no paso (...) porque somo muy /muy cercanos (...)

Dessa forma, são as cenas de vida, da sua cotidianidade, em relação à

representação do discurso envolvendo fatores sociais e econômicos da região

fronteiriça que caracterizam esse discurso, pois “(...) são os conteúdos

desenvolvidos pelo discurso que permitem especificar e validar o ethos, bem como

sua cenografia, e que, por meio dos quais esses conteúdos surgem”

(MAINGUENEAU, 2008, p. 71). Neste aspecto, é a partir deste discurso, que o

analista delimitará sua análise, na medida em que “(...) por meio da sua fala um

locutor ativa no interprete a construção de determinada representação de si mesmo,

pondo em risco seu domínio sobre sua própria fala (MAINGUENEAU, 2008, p. 73).

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

73

Deste modo, “a cena de fala que o discurso pressupõe para poder ser enunciado e

que, por sua vez, deve validar através de sua própria enunciação”.

A história sócioeconômica da região faz parte do ambiente ecolinguístico em

que o indivíduo está inserido, onde acontece essa interação e as circunstâncias em

que ela ocorre, como afirma Couto (2009, p. 18) “é preciso enfatizar os falantes e

aprendizes das línguas em seus respectivos cenários de interação”. Assim, por meio

do discurso desses moradores da fronteira, situado sua cenografia e conhecidos os

fatores sócio-históricos evocados nas entrevistas, poder-se-á perceber o

pensamento desses sujeitos como situados historicamente.

Neste contexto, enquanto a está para explicar os processos de interação

entre a língua e o meio ambiente, e como ocorre essas interações no discurso dos

enunciadores da fronteira, consideradas as partes, como relacionadas ao todo, bem

como o todo relacionado às partes (COUTO, 2008); a Análise do Discurso, ver o

discurso como o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e

ideologia, pois “procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho

simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história”

(ORLANDI, 2009, p. 15).

Com intuito de caracterizar o ethos do sujeito da fronteira, optou-se por

conhecê-lo por meio do estudo de fatores sócio-históricos evocados nos enunciados.

Isto por que, a intensidade do contato está relacionada aos deslocamentos físicos do

povo ou de povos para um território. A partir do momento em que as trocas

comerciais se intensificam (crescimento das visitas e comércios) é que os contatos

se tornam mais diretos, podendo ocorrer contatos regulares com locutores correntes

(MUFWENE, 2001 apud COUTO, 2009). As línguas entram em contato na mente

dos indivíduos que entram em contato num determinado lugar, pois as línguas não

se movem sem população.

Assim, a compreensão da construção do ethos fronteiriço Brasil/Venezuela

leva em conta o conceito de ecossistema, entendido como um ambiente

ecolinguístico e pelo entendimento do conceito de língua na perspectiva da Análise

do Discurso, perpassa também pela construção na cena de enunciação que constitui

o homem e sua história, já que o discurso construído implica uma maneira de dizer

que é também uma maneira de ser. Neste sentido, o viés para analisar o discurso

produzido pelos moradores da fronteira leva em conta a cena enunciativa em que o

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

74

discurso é instituído e o ambiente ecolinguístico evocado nas representações

discursivas desses sujeitos.

Considerando que o ecossistema natural da língua (MA natural) é constituído

por L (Língua) em relação a T (Território) e os membros de P (Povos) entendidos

como corpos físicos, ou seja, a totalidade formada pela língua e o mundo físico, o

analista, com base nas interações dos enunciadores nesse ambiente de fronteira,

caracteriza o ethos construído a partir da representação discursiva desse ambiente

ecolinguístico.

A situação de contato de povo/língua é determinante para a construção do

ethos. Ela é corroborada pelos fatores responsáveis pelos resultados do contato,

conforme apresentado na Tabela 3. Assim, o sujeito quando enuncia, o faz a partir

de um posicionamento. O lugar onde acontecem as interações e as circunstâncias

em que elas se dão é fruto da mobilidade típica dos deslocamentos, migrações, bem

como das situações fronteiriças, cujas relações socioeconômicas, sócio-históricas e

sócioambientais que se estabelecem entre os povos, são frutos das interações que

ocorrem no meio ambiente natural, mental e social numa situação de contato

linguístico, e por consequência pela construção de um ethos que será tanto mais ou

tanto menos aproximado, dependendo da incidência em que ocorram os fatores

responsáveis pelos resultados do contato.

Dependendo do quantum, maior ou menor, for o número de pessoas

(quantidade) determinando esse contato, do tempo de permanência em „la línea‟ de

fronteira, bem como da intensidade em que eles ocorrem, a atitude dos povos em

relação à língua e à cultura, além da semalhança/dessemelhança tipológica da

língua, o discurso do sujeito tenderá a ser mais aproximativo das relações comuns

de convivência entre as comunidades fronteiriças.

Ademais, a incidência desses fatores na situação de contato converge para a

compreensão de um ethos que está relacionado aos comportamentos ou

posicionamentos do sujeito inserido nesse contexto de contato linguístico. Nesta

direção, Maingueneau (1996, p 78) afirma que

“é muito razoável supor que os diferentes comportamentos de uma mesma comunidade obedecem a uma certa coerência profunda e, então, esperar que sua descrição sistemática permita distinguir o “perfil comunicativo”, ou ethos, dessa comunidade mais ou menos caloroso ou frio, próximo ou distante, (...)”.

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

75

Considera-se que o enunciador representado pelo sujeito da fronteira se

manifesta em seu discurso sob várias perspectivas, assumindo um perfil

comunicativo que pode indicar um sentimento de pertencimento ou não-

pertencimento desse “lugar” chamado ecossistema “provisional”, (ALVES-DA-SILVA,

2012), conforme apresentado na Figura 11.

Nessa condição, o ethos pode ser emergido levando-se em consideração

duas perspectivas de análise, que podem dar conta do perfil comunicativo

encontrado no discurso do sujeito da fronteira, cujo objetivo está em perceber o

quantum mais ou menos próximo são os laços que unem ou não as relações

fronteiriças evocadas nos enunciados.

Para efeito de análise, implica dizer que “a maneira de ser de uma

comunidade e de se comportar e de se apresentar nas interações – mais ou menos

caloroso ou frio, próximo ou distante, modesto ou imodesto, “sem constrangimentos”

ou respeitoso do território alheio, suscetível ou indiferente à ofensa etc.) assim o

ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o outro e

poderá ser percebido como mais ou menos saliente, manifesto, singular VS coletivo,

partilhado, implícito e visível. Neste sentido, são apresentadas as duas premissas

básicas vistas como necessárias e suficientes para a construção do ethos discursivo

do sujeito da fronteira:

i. O sujeito enuncia como parte integrante da comunidade linguística de

Santa Elena de Uairén e/ou

ii. O sujeito enuncia como parte integrante de um lugar que é comum a

brasileiro e venezuelano-“la línea”.

Assim, para satisfazer a condição primeira, o sujeito enuncia referindo-se a

um lugar comum – “não-único”, onde ocorrem as interações no nível da

informação/comunicação. Enquanto para a condição segunda, considera-se que o

sujeito ao enunciar-se como parte integrante da comunidade linguística de Santa

Elena de Uairén/Pacaraima, ele o faz a partir de um lugar comum – “único”. Neste

caso, o sujeito reconhece-se como parte integrante dessa totalidade que remete ao

entendimento do significado do ecossistema “provisional”, figura 11.

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

76

5.2.1Sujeito integrante da comunidade linguística de Santa Elena de Uairén

As fronteiras internas que caracterizam os limites entre o Brasil e a Venezuela

não possuem uma definição, se não pelo marcos geodésicos implantados.

Considerando que não existem barreiras físicas como acidentes geográficos

impeditivos de relacionamentos próximos entre os povos dessa fronteira, são áreas

potencialmente de expansão econômica, social e de implantação de línguas e

culturas envolvendo estes povos, como se confirma no discurso de Maria:

SE-MARIA: ele teve muita relação com o Brasil quando ele chegou em Santa Elena só estava a bandeira dos ingleses e ele tirou a bandeira dos ingleses e então ele colocou a bandeira da Venezuela pra começar uma nova vida então ele teve vinte e sete filhos para fundar o povo

Um aspecto muito interessante no recorte acima está na valorização de sua

cultura, pois por meio de um gesto de patriotismo busca como forma de fixação de

sua ideologia construir um segmento do qual é oriundo (Espanha), refletindo num

gesto de colonialismo, que guardadas as suas devidas proporções, reproduz as

ideias da ideologia dominante de um povo sobre o outro. Mas também traz à tona a

ideia de limite.

Vejam-se os seguintes enunciados:

SE-MARIA: eu acho que Venezuela não há aproveitado essa integração com o Brasil pra fazer turismo eu acho que hoje Brasil se esta aproveitando pelo menos o estado de Roraima essa questão de ser um estado fronteiriço eu admiro essa questão porque antigamente quando o Brasil tinha uma mala situação econômica (...)

As relações estabelecidas, principalmente, as comerciais, parecem ser

aproveitadas somente pelo Brasil. Isto se deve ao fato, principalmente, das políticas

econômicas internacionais, o câmbio real x bolívar venezuelano, ao que parece

influênciar nos mais variados níveis, as relações estabelecidas entre os povos. De

fato, as relações sao estabelecidas a partir das necessidades econômicas são

também indicadores de atividade em relação ao outro.

SE-MARIA: eh não é um segredo para os brasileiros a gente aproveitava essa questão e inclusive as gente os brasileiros que trabalhavam lá eles eram maltratados porque não tinha papel a gente explorava a questão de estrangeiro agora a moeda está virada haha (...)

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

77

Maria, enuncia por meio da memória histórica, retomando o momento em que

as relações entre os povos se davam de forma desarmônica, ou seja, o venezuelano

explorava a mão-de-obra barata do brasileiro, pois a situação econômica do Brasil

era hierarquicamente inferior à situação da venezuelana, em meados de 1990. Além

disso, traz à tona um momento posterior, onde a moeda brasileira é mais forte,

situação vigente.

SE-SALOMÃO: eh cuando llegué acá esta era una zona muy deprimida (...) la /la economía fuerte la tenia era Venezuela eh la la economía débil era de Brasil (...) entonces nuestra moneda que es pues el bolívar seiscientos bolívares (...) tenía una fortaleza única (...) entonces todos desplazamos hace a la frontera a comprar (...) ese nuestro centro de de acopia y compra era aquí en Pacaraima (...)

A depender do momento econômico, as trocas se intensificam e se modificam

e se adaptam às novas situações impostas pelas regras econômicas impostas pelo

mercado. O indivíduo da mesma forma busca se adaptar a esse ambiente de

constantes mudanças.

SE-TOMÉ: en poco tiempo que he vivido acá en Santa Elena me ha parecido muy /muy /muy bueno /muy bueno el cambio okey uno se tiene que adaptar y eso (...) acá en la línea muy tranquilo eh la fronteraaa no es mucho el paso que he tenido simplementeeeee en estos seis meses que he vivido acá he notado pues queee son muy /muyy eh (...)

SE-SALOMÃO: actualmente en Santa Elena estan llegando / o ha llegado una série de comerciante de nacionalidaaaad (...) oriental / oriental (...) diolando árabes ... uhun (...) turcos ( ...) chinos (...) y que han estabelecidos centros comerciales bastante importante eh (...) dita el flujo (...) pues que existe deee/ de brasilero / la moneda brasilera es por ahí muy fuerte (...) y eso paraaa / importante pues su economia ha crecido (...) entonces hoy / la cosa se invertió (...) hun (...) hoy en dia el el comércio importante esta en Venezuela para brasilero (...) Venezuela es importante no (... )en Santa Elena como ves han montado un centro comerciale (...) vamos llamar entre comillas no (...) esas zonas de area son mucho mas grande (...) se no centrooo / negocio pues muy grande (...)para ese /ellos dempeñarse (...)

Hoje a situação econômica está invertida, por isso alguns venezuelanos se

sentem como que explorados por brasileiros, principalmente em relação ao câmbio,

conforme se observa no discurso de Salomão.

O processo de adaptação à região e fronteira perpassa pela compreensão e

aceitação das situações impostas pela economia. A não adaptação implica na

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

78

existência de certo “desconforto” que Maria se refere como sendo “maus tratos”, dos

brasileiros em relação aos venezuelanos.

SE-MARIA: então o venezuelano sente que é maltratado mas esse maus tratos não existem como tal realmente não é toda a sociedade que mora em Santa Elena (Pacaraima) só alguns setores que maltratam que aproveitam algumas oportunidades não/ é uma questão de a moeda da Venezuela está muito desvaloada, mas não é culpa do Brasil então eu não posso pretender falar que não eu não compro lá eles estão me maltrando os preços são muito alto o preço é que é a moeda da Venezuela tá muito fraca agora então isso é depreciação (...)

Embora nesse mesmo enunciado, Maria afirme que estes “maus tratos” não

existem, eles parecem fazer parte do imaginário do morador de Santa Elena, de

certa forma esse sujeito se sente afastado desse outro que pensa e age de forma

concorrente. Observa-se que nas duas incidências do pronome “eles”, este se refere

a brasileiros como sendo parte de um grupo que exclui os venezuelanos,

corroborado a isso o enunciador evoca em seu discurso um “a gente” que o inclui no

grupo dos venezuelanos.

SE-MARIA: então agora muitos brasileiros estão passando pra Venezuela então eles precisam de informação eu acho que é interessante que a gente dá informação num português bem fluido bem estudado eu acho que é um pouco desagradável pra algumas pessoas que moram tanto do lado Venezuela e Brasil que as vezes a gente pergunta pra um brasileiro não pode explicar não pode entender e que as vezes um brasileiro pergunta pra um venezuelano não pode explicar um português básico pelo menos não é agradável estamos muito perto um de outro (...)

Os povos estejam perto fisicamente, a língua é um fator de resistência

cultural, motivados pelas relações que possam existir nas interações linguísticas. Os

povos, ainda que ocupando um mesmo lugar, um lugar comum, não o compartilham

em sua plenitude. O enunciador acredita que a integração entre os povos deve se dá

não somente na esfera econômica, mas nas relações sociais, na cultura e, portanto

na língua, sendo este fator de inserção cultural das comunidades no ecossistema

considerado na pesquisa.

SE-MARIA: então não é bom por isso eu acho que a gente deve aprender português aprender espanhol porque a integração não é somente uma questão econômica é social é cultural eu acho que maior vantagem quando a gente está na fronteira a gente pode enriquecer mais a cultura própria porque quando a gente vê uma diferença entre uma cultura e outra pode valorar mais sua cultura sim eu acho que é assim dá mais valor a sua cultura (...)

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

79

SE-MARIA: ele também esteve em Tepequém trabalhando nas minas sacando diamante e ouro ele conheceu muito do Brasil e depois que ele se instalou em Santa Elena de Uiarén / (...)

Como se nota, é possível que tenha havido uma forma de resistência cultural

que o aproximou mais da Venezuela do que do Brasil, assim se fixando em solo

venezuelano, em face de a cultura hispânica lhe ser familiar; além disso, Venezuela

representava a imagem do seu ambiente natural de origem, o que possivelmente

tenha facilitado a sua fixação na Venezuela, no que pese ter visitado outros

ambientes (Tepequém). Todavia, optou por fixar-se em um ambiente mais próximo

de sua cultura, já que descendia de espanhois.

Corroborado no enunciado:

SE-MARIA: a primeira mulher dele esposa dele foi minha avó se chamava Maria ele mesmo colocou o nome dela porque ela não tinha nome porque os indígenas naquela época não tinham registros então só tinha ali na tribo deles então ele chamou ele de Maria Josefa Peña para que seus filhos levaram o nome dele que era é Fernandes Peña por isso meu pai era Riberto Fernandez Peña porque na Venezuela o primeiro nome é do pai e o segundo sobrenome é da mãe então ele colocou esse nome a ela ela era de uma zona de uma zona triple de onde está Brasil Guiana Inglesa e Venezuela ela era a etnia dela pertencia a essa área ela não falava espanhol falava seu dialeto (...)

Maria acredita que é por meio da escolarização que os povos aprenderão o idioma.

SE-MARIA: eu gosto da língua eu acho que é muito importante na Venezuela eu acho que a gente deveria falar bem o português e no Brasil aqui em Pacaraima deveria falar bem o espanhol porque essa questão tira as barreiras qualquer barreira tira o idioma porque através da língua você pode entender pode adentrar na cultura das outras pessoas porque através da língua a gente pode compreender mais as outras pessoas então eu acho que em Santa Elena a gente estudar melhor o português e Pacaraima melhor o espanhol muitos problemas seriam resolvidos antes de chegar a planos maiores poderia ser muito mais fácil (...)

Crer ainda, que os conflitos existentes entre os povos se dão em função da

falta de conhecimento do idioma, criando uma barreira que de certa forma concorre

negativamente para uma relação mais estreita, portanto, ver a fronteira como lugar

comum, mas não-único, ideia que está presente também no discurso de Salomão:

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

80

SE-MARIA: eu acho que se abre portas porque pelo menos kma gente poderia fazer negócios a relação internacional entre ambos países seria muito melhor porque Brasil poderia utilizar no melhor sentido essa questão com Venezuela e Venezuela poderia usar a questão do idioma com o Brasil no melhor sentido pra progredir pra fazer convênio pra mostrar uma cara diferente pra o mundo que essa fronteira é a melhor trazendo essa questão não? não sei [...] hahaha (...)

Maria acredita que a língua é o “passaporte” para aumentar as relações

comerciais e políticas entre os povos. A língua é vista como determinante no

processo de aproximação dos povos, conforme se percebe também no discurso de

Tomé:

SE-TOMÉ: si fuese un poco más seguido para mí/para mí/para mí /para mí que no viajo tanto hacia acá hacia la línea queeee lo que viajo es poco esteeee lo que me hacía falta es tener más contacto/más contacto con el habla /con el idioma eeeh (...) escuchado todos los días (...) tratar de hablarlo para poder ver (...) asimilar más lo que es el idioma (...)

A ideia de que embora os povos compartilhem mutuamente as oportunidades

de trocas de bens e serviços de ambos os lados da fronteira, nessa situação não

existe equilíbrio permanente nessas relações caracterizando este ambiente como

lugar comum de troca, mas não como lugar único.

5.2.2 Sujeito integrante de um lugar comum a brasileiro e venezuelano

Segundo afirma Couto (2007, p. 160), a abordagem trabalha o ecossistema

do ponto de vista do agrupamento de pessoas que convivem no lugar em suas

interrelações entre si e com o meio ambiente físico, - o território -; em uma

abordagem do ethos nas representações discursivas, do ponto de vista das relações

de fronteira, significa também e antes de tudo, considerar que, em cada universo

fronteiriço, as relações s são permeadas por suas idiossincrasias, seus modos de

pensar e agir, o que faz com que cada ecossistema linguístico seja único. Neste

sentido, em cada lugar limítrofe interpaíses, há tipos e modos de convivência

específicos e únicos caracterizando também um ethos único nas representações

discursivas dos sujeitos nessas fronteiras.

Os seguintes enunciados revelam um sujeito que se considera parte

integrante de uma totalidade de um ecossistema ecolinguístico “provisional”.

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

81

SE-MARIA: vida na fronteira há evoluído muito daqui mais ou menos uns vinte anos pra frente porque Pacaraima só tinha uma rua e a Venezuela tinha também uma rua e alguns cantos conhecidos portanto por brasileiros e venezuelanos (...)

No enunciado anterior, percebe-se um compartilhamento de ideias que as

duas cidades (Santa Elena/Pacaraima) se constroem ao mesmo tempo, como fruto

das mesmas circunstâncias, brasileiros e venezuelanos postos no mesmo nível

semântico no enunciado. Inicia-se um processo de instituição da cena enunciativa

no texto por meio do lugar comum, um lugar conhecido e compartilhado, coletivo.

SE-MARIA: então quando ele tinha mais ou menos uns vinte e sete anos ele

saiu dali meus bisavós morreram e ele estava morando com os tios e depois

ele saiu pra buscar não sei aventura da vida e chegou até o estado

Bolívar e depois dai ele começou a conhecer muito mais adentro

porque nesta época a gente falava da época do ouro e da seringa

porque em Venezuela se chama caution e balatá// (...)

Aqui o enunciador evoca “a gente” como representação da comunidade

venezuelana, porque traz reminiscências de um passado sócio-histórico vinculado

unicamente ao seu ambiente natural, indicando um discurso voltado para

comunidade venezuelana, remetendo ao segundo tipo de contato, pois leva o co-

enunciador ao momento de formação da região.

Levando em conta a afirmativa de Couto quando diz que o que entra em

contato não são línguas, mas povos (2008, p. 50), Mufwene (2001), nesta

perspectiva, considera-se que a Língua é uma espécie parasitária não podendo

existir sem que haja um povo, no caso de uma situação de fronteira, acredita-se

poder considerar que como há uma situação multilíngue – ocorrência de mais de

uma língua: português e o espanhol, além das línguas de origem indígenas - na qual

as línguas estarão em permanente interação, pode-se considerar que nesse

subsistema especifico há relações e interações de povos e línguas nesse ambiente

de fronteira.

SE-MARIA: meu pai aprendeu a falar cinco idiomas indígenas meu pai

também foi membro do primeira comissão de limites de integração do

Brasil e Venezuela eu tenho fotografias que eu poderia passar pra você eu

posso também mostrar Pacaraima a serra de Pacaraima quando não tinha

nenhuma casa (...)

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

82

O enunciador se posiciona a partir de um lugar comum a brasileiros e

venezuelanos, como parte de um momento histórico que se iniciou no período da

colonização. “as histórias estão intimamente ligadas” pelo espaço e pelas relações.

Estas ideias também são corroboradas por Raquel:

SE-RAQUEL: a Venezuela já está pegando o costume de comer feijoada coisa que eles não come mas tem tantas pessoas que tem comércio brasileiro lá restaurante que já os venezuelanos ficam acostumados farinha eles não comem farinha os venezuelanos então lá em santa elena é a região que mais eles comem isso pegam o costume sambar eles gostam de música brasileira e eles gostam muito e tem venezuelanos que pegam daqui e tem brasileiro que eles gostam das musica venezuelanas então a gente pega o costume de cada um né vai juntando tu vai pra outra parte da venezuela e eles não sabem o que é comer feijoada comer uma farinha sabem só com as outras coisas então na fronteira a gente pega o costuma de cada um e a gente vai relacionando com a nossa vida (...)

A mobilidade em função do comércio aproxima as culturas. Assim a cultura

anula a linha imaginária que “separa” os povos. Na sequência, essa ideia é

corroborada no enunciado de Maria.

SE-MARIA: minha família conheceu também a família de Bento Brasil

muitas famílias fundadoras de Boa Vista porque havia muita relação ele

se se trocavam comida eh algumas cosas de trabalho tela pra roupa

então meus tios eles cresceram falando português falando su língua própria

indígena e o espanhol / (...)

A ideia de pertencimento a esse ambiente remonta aos primeiros momentos

de contato entre os povos. O enunciador se posiciona como parte da fronteira, como

um lugar único.

SE-MARIA: eu não falo bem português mas meus tios sim porque eles

passaram toda a vida aqui na fronteira a política não existia agora nos

tempos novos a gente fala de política de coisas diferentes os indígenas

mudaram muitas coisas tantos os indígenas venezuelanos como da parte do

Brasil (...)

O enunciador soma a essa ideia, de parte de um todo, que remete ao

ecossistema linguístico, a noção de espaço “aqui” como sendo o lugar que pode ser

tanto pertencente à venezuelanos como a brasileiros.

Um ecossistema linguístico típico de fronteira deve ser visto como uma

totalidade no sentido de uma existência e convivência conjunta dos componentes

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

83

bióticos (povo e território) e abióticos (língua) dos países. Nesse ecossistema a

realidade é caracterizada por um continuum (COUTO, 2007, p.17) pensado não

como polaridades opostas. Essa não polaridade, segundo Rona (1963, p. 202),

significa que a ideia de continuum indica “que dos lenguas avanzan desde puntos

distintos hasta encontrarse.”

No enunciado seguinte, os termos “brasileiros e venezuelanos” são

evocados como elementos linguísticos idênticos, colocados lado a lado, com mesmo

valor semântico, significando nós/a gente, representando um todo; parecendo

construir um lugar comum para ambos os povos que estão em permanente contato.

SE-MARIA: acho que é a fronteira mais tranqüila e mais é como de diz eh que tem maior relação é a fronteira do Brasil com a Venezuela porque realmente os conflitos que sempre se há apresentados na fronteira não anteriormente não a política há entrado muito na vida política de cada pais atualmente sim porque a política há entrado muito na dentro do dois países anteriormente os conflitos eram resolvidos muito de um jeito mais amigável hoje em dia não a gente vai e a diplomacia não sei que e as leis não sei que e complica muito a situação pero eu acho que na convivência diária os venezuelanos e brasileiros se integram muito bem os conflitos que podem ter são conflitos de vizinhos que a gente briga que a gente briga por alguma coisa que não é importante realmente / (...)

Neste aspecto, a fronteira Brasil/Venezuela é vista como lugar especial,

diferente das “outras fronteiras”- “que têm problemas”. Embora negue a existência

de conflitos, acredita que eles existem em um grau de importância inferior aos

existentes em outras fronteiras, assim, Maria acredita que os conflitos podem ser

resolvidos entre os cidadãos, sem interferência do estado – “as leis não sei que e

complica muito a situação”. Estes conflitos são mais uma auto-afirmação dos

povos enquanto nação do que conflitos entre os cidadãos, mas ainda assim, eles

existem.

SE-MARIA: eu não posso a falar assim de uma forma como se diz eh de uma forma desagradável porque porque eu tenho família Brasil eu tenho família indígena família Venezuela então e difícil quando a gente tem imparcialidade quando a gente tem essa mistura de línguas de países pelo menos eu não pareço muito indígena mas minha irmã parece mais indígena que eu e meu irmão é muito mais então até na família se vê essa mistura de como se chama de raça de coisas (...)

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

84

A consciência das diferenças não traz conflito cultural, “estamos muito

ligados”, “considero este lugar como lugar único”. Para Gumperz (1982b) apud Motta

(2008):

(...) as semelhanças linguísticas e a identidade social do indivíduo são fatores que determinam a existência compartilhada de normas e aspirações comuns de um grupo de uma comunidade de fala que tem sua origem étnica (mesmo com transformações culturais, religiosas e linguísticas) na interação comunicativa de seu grupo, como no caso „a história, as forças econômicas e os próprios processos interativos combinam-se para criar ou eliminar as distâncias sociais‟ (GUMPERZ, 1982a, p. 29 apud SALGADO, p. 164).

SE-MARIA: ah eh eu tenho gente na família que se identifica mais com os indígenas outros com o Brasil outros se identifica mais com a Venezuela não com la questão indígena então com a diversidade dentro da própria família então eu acho que essa diversidade me ajuda a conviver mais com os brasileiro com os indígenas eu não tenho problemas disso (...)

De fato, quando os povos se vêem juntos, interagem e nessa interação

escolhem uma língua para se comunicar ou as duas línguas ao mesmo tempo, ou

ainda, cria-se uma terceira língua para comunicarem-se.

Assim, “a co-presença no espaço leva a interação entre dois ou mais

povos/línguas, que pode levar a um estado de comunhão, que por seu turno, poderá

resultar em comunicação” (COUTO, 2007, p. 162). Ora, se esta realidade pode ser

vislumbrada no contexto das populações de fronteira, como a que ocorre entre o

Brasil e Venezuela, pode-se dizer que essa comunicação “(...) não se trata de

transmissão de informação apenas, pois no funcionamento da línguagem, que põe

em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, tem-se um

complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos não

meramente transmissão de informação” (ORLANDI, 2009, p. 21).

SE-MARIA: eu as vezes não faço diferença quanto a costumes porque é induvidável a influência do pais do outro quando só divide una como se chama uma questão material um mito que se fala não sei como se fala em português que eu estou desse lado sou venezuelano estou deste lado sou brasileiro hahaha

O enunciador acredita que as culturas estão mescladas e que a linha que

divide os territórios nacionais é algo que não pode interferir nas suas inter-relações.

A este respeito, afirma Martin (1992, p. 46), (...) os Estados modernos necessitam de

limites precisos onde possam exercer sua soberania, não sendo suficientes as mais

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

85

ou menos largas faixas de fronteira. Assim, hoje o "limite é reconhecido como linha,

e não pode, portanto ser habitada, ao contrário da "fronteira" que, ocupando uma

faixa constitui uma zona, muitas vezes bastante povoada onde os habitantes de

estados vizinhos podem desenvolver intenso intercâmbio. como afirma Behares

(1996, p. 25), “la frontera como todo lo imaginário solo existe em outra dimension, no

em la de La llamada realidad inmediata”.

SE-MARIA: então eu acho que uma questão de no essa linha ai que divide quando existe uma compreensão de idioma é uma linha imaginária não é uma linha real se a gente pudesse falar bem um idioma a outro seria bem melhor (...)

Figura 7: Criança / marcos geodésicos Brasil/Venezuela Fonte: Arquivo pessoal- jan/2012

Dessas considerações resulta que não há fronteira, no sentido moderno da

palavra, delimitando áreas geográficas supostamente homogêneas do ponto de vista

étnico, cultural, religioso, linguístico. Trata-se antes de um mito moderno, construído

paralelamente à emergência dos estados nacionais, (...) (GUISAN, 2011, p. 135).

Embora os limites geográficos existam, o enunciador não acredita que esta

possa separar os povos. Nessa fronteira, o discurso está permeado pela

intensidade das relações que se estabelecem entre os indivíduos que fazem parte

dos dois ecossistemas (Brasil e Venezuela). Estes ecossistemas se interrelacionam

em um continuum, cujas influências recíprocas que ocorrem, determinam o sentido

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

86

do discurso do sujeito de fronteira que é afetado pelas relações econômicas que se

estabelecem em ambos os lados da linha fronteiriça.

SE-MARIA: minha vida em Santa Elena é muito tranquila porque eu tenho muita família e eu trabalho também com turismo e eu estou fazendo aqui estou na universidade estou me formando como turismóloga já estou por concluir aqui em Pacaraima na universidade estadual daqui do Brasil graças ao Brasil vou ser turismóloga hahaha eu estudei como se chama na Venezuela se chama recursos humanos é relações industriais e administração de empresas a nível técnico

O enunciador considera-se integrado nas comunidades que fazem parte do

ecossistema considerado “provisional”. Neste ponto notando-se um ethos

aproximado, já que os atos comunicacionais convergem para uma integração das

relações.

Martin (1992) aponta a contribuição relativa às discussões sobre a delimitação

de limites fronteiriços, dada pelo geógrafo brasileiro Corrêa da Silva que aborda o

problema de um ângulo diferente do clássico apoiado no trinômio fronteira

natural/linear/espiritual. Para ele, o mais importante é distinguir o aspecto aparente

da fronteira, ou seja, a "fronteira percebida", do aspecto mais profundo e real

representado pela "fronteira consolidada". Assim, para o primeiro caso teríamos o

exemplo de áreas pouco povoadas, em que o traçado das fronteiras se faz com

menos injuncões políticas e maior respeito à natureza. No segundo, trata-se da

fronteira enquanto lugar em que se realizam os contatos com o exterior, isto é, onde

duas comunidades políticas se encontram. Esse lugar em que se selecionam os

contatos possui uma profundidade que varia segundo os obstáculos jurídicos ou

físicos que se opõem à circulação.

Então, o limite aparece como o dado real embora percebido por intermédio da

fronteira. Mas se a fronteira separa duas coisas distintas, o limite é a borda de cada

coisa e a divisa divide uma mesma coisa em duas; ainda resta saber como distinguir

o "nós" e o “eles”, isto é, resta compreender não apenas como se divide o espaço,

mas quem o faz e porquê (MARTIN, p.50).

Nesse ponto, é possível considerar que os limites de um ecossistema de

fronteira são conformados por relações marcadas por influências recíprocas fruto de

todo um contexto sócio-histórico, político e econômico dos países vizinhos que

avançam permanentemente. Com este avanço, surge o ecossistema linguístico

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

87

“provisional”, como substrato dessas relações, onde se mesclam povo, território e

língua neste ambiente ao que podemos definí-lo como um subsistema ecolinguístico

localizado na interface dos dois grandes ecossistemas, representados pela trilogia

povo, língua e território localizado em ambos os lados da fronteira Brasil/Venezuela.

5.3 Fatores que influenciam o contato de línguas: uma análise da cena de enunciação

As situações de contato interlinguístico sinalizam para posicionamentos

discursivos entre povos e línguas. Os posicionamentos discursivos que surgem em

função dos contatos que ocorrem entre povos fronteiriços PL1 e PL2 são de certa

forma, influenciados por um conjunto de fatores considerados facilitadores ou

inibidores das interações linguísticas que podem existir na região. Colocada a

questão desta forma, verifica-se que, dependendo de como e da forma como

incidem estes fatores, os discursos ou as representações discursivas dos sujeitos

irão também variar, caracterizando as relações, interações e situações de contato

linguístico entre povos.

Baseado em Couto (2009), os fatores que influenciam nos resultados dos

contatos de línguas apresentam-se de diversas maneiras, apontando-se entre eles a

quantidade que diz respeito ao número de pessoas que se inter-relacionam em um

determinado lugar. De acordo com esse autor, dependendo do número de pessoas

em interações densas poderá acarretar a imposição da língua ou na sua

manutenção. Outro fator é o tempo de permanência no território, que dependendo

do período de sua manutenção, poderá ocorrer uma maior ou menor convergência

linguística e, portanto, em um posicionamento discursivo. Outro fator é a

intensidade de como se estabelece esse contato, fator este relacionado

intimamente à quantidade, ocorrendo de forma concomitante. Um quarto fator são as

atitudes, que, dependendo do comportamento dos povos, se mais ou menos cordial,

poderá ocorrer uma maior ou menor resistência cultural podendo dificultar ou

faciloitar a assimilação da língua e culturas. Por fim, a semelhança/dessemelhança

tipológica entre as línguas contatantes é também um fator que pode influir no

resultado do contato em região de fronteira, por se tratar de duas línguas distintas –

português e espanhol – e que apresentam desde semelhanças morfológicas até

sintáticas.

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

88

Dessa forma, as situações de contato de línguas, fruto do colonialismo na

região, foram se dando e ao mesmo tempo oportunizando a interação linguística que

só foram possíveis em função do movimento desse conjunto de fatores ora

condicionando, ora possibilitando o surgimento das comunidades da fronteira, com

características específicas.

Como verificado nos enunciados a seguir:

SE- Maria: (...) meu avô foi o fundador de Santa Elena de Uairén e/ ele era filho de espanhois, mas ele morava em um estado da Venezuela chamado Los Chanos Venezuelanos (...) a família dele chegou da Espanha e começou a vida na Venezuela nesse estado (...) SE- Maria: quando ele chegou em Santa Elena só estava a bandeira dos ingleses e ele tirou a bandeira dos ingleses e então ele colocou a bandeira da Venezuela pra começar uma nova vida (...)

SE- Maria: ele também esteve em Tepequém trabalhando nas minas sacando diamante e ouro ele conheceu muito do Brasil e depois que ele se instalou em Santa Elena de Uiarén (...) ele teve muita relação com o Brasil (...)

Essa situação de contato pode ser identificada no discurso de Maria, quando

retoma a história de fundação de Santa Elena evidenciando que o tempo de

permanência e as atitudes tomadas pelos seus antepassados dinamizam todo um

processo que culmina com a formação da comunidade, que como se nota no

comentário de López Morales (1993) “las actitudes solo pueden ser positivas, de

acpitación, y negativas, de rechazo (...) onde “Las creencias están integradas por

um supuesto conocimiento y um componente afectivo y aunque no todas lãs

creencias producen actitudes si conllevan uma toma de posición (LÓPEZ

MORALES, 1993, p. 235, grifo nosso).

O fator quantidade caracteriza as relações que vem ocorrendo na economia

do turismo e comércio blateral na fronteira. O fluxo que ocorre nessa região se

dinamiza principalmente a partir do final das décadas de 80 do século passado.

Segundo o enunciado de Salomão, esse movimento é intenso na busca por atender

as necessidades pessoais e coletivas de ambos os lados da fronteira. Assim, cada

vez mais aumenta o número de indivíduos que se desloca, em função dos atrativos

naturais e das oportunidades de compras face Santa Elena de Uairén se caracterizar

como uma área de livre comércio.

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

89

SE-Salomão: (...) la /la economía fuerte la tenia era Venezuela eh la la economía débil era de Brasil (...) entonces nuestra moneda que es pues el bolívar seiscientos bolívares (...) tenía una fortaleza única (...) entonces todos desplazamos hace a la frontera a comprar (...) ese nuestro centro de de acopia y compra era aquí en Pacaraima (...) eeh con el tiempo fue /esto fue evolucionando (...) la parte económica y hoy por hoy Brasil es la parte fuerte (...) entonces no/ los brasilero o / la o la persona de ciudadania brasilera se translava hacia en Santa Elena y hacer el resto de Venezuela especialmente la Isla de Margarita (...) que eran onde compran (...)

O fator intensidade se dá em função da mobilidade de pessoas, e do fluxo de

bens sendo um dos vetores reponsaveis pela dinamização dos contatos na região

fronteiriça Brasil/Venezuela, refletindo-se esse fator nas relações culturais que são

também ampliadas. “A consolidação de novos hábitos, costumes, alimentação,

vestuário, modo de vida vão sedimentando uma relação que é mesmo fruto da

intensidade do contato que vem ocorrendo entre as duas comunidades fronteiriças”

(ALVES-DA-SILVA, 2012). Observe-se os enunciados de Tomé comprovando

interação intensa existente na região.

SE Tomé: (...) la frecuentan claro más que todo cuandooo están en fiesta en feria están en hum en Brasil (...) más que todo en esa época que tienen vacaciones o es que frecuentan más lo que es la parte de Santa Elena de Uairén en la parte de Venezuela (...) sí hay más personas (...) lo que es turistas o personaaaas que ya sea que yaaa tienen familiares allí (...) sean brasileros sean venezolanos (...) pero más que todo en esa época (...) en esas fechas (...) es que ellos frecuentan más lo que es la parte de/de Venezuela Santa Elena de Uairén (...)

A figura 8, a seguir ilustra de forma significativa o que se passa na fronteira

Brasil/Venezuela, demonstrando atualmente o fluxo do ir e vir e do trânsito de

pessoas na região.

Figura 8: Pessoas e veículos em movimento na fronteira Brasil/Venezuela Fonte: Arquivo pessoal – Janeiro/2012

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

90

Em relação à Semelhança/dessemelhança, nota-se que o contato de

línguas no ambiente familiar proporcionou à Raquel a assimilação do português

como segunda língua, embora o processo de assimilação da escrita seja , segundo

ela um processo mais complexo.

SE - Raquel: Morei toda a minha vida com minha avó (...) ela só falava português eu aprendi a falar, mas a escrever sabe que escrever o português é muito difícil ele tem muitas coisas tem que ter muito acento tem muitas coisas (...) então eu to aqui pra aprender a escrever minha mãe só fala português espanhol mais ou menos (...) minha tia fala espanhol muito meu primo e eu os outros dois pequenos a gente ainda está ensinando eles bem (...) minha vó só fala espanhol quem sabe fala da minha família português é minha prima (...)

Assim, no caso de comunidades bilíngues, esse enunciado reflete que as

semelhanças linguísticas, como a que ocorre entre o português e o espanhol

denotam que ao longo das gerações que há uma tendência permanente à

introjecção da língua do outro nas comunidades fronteiriças, isto fruto da existência

compartilhada de normas e aspirações que, como afirma Gumperz (1982 apud

Borstel, 2009, p. 164), se tornam plurais a esse grupo, cuja “comunidade de fala

que tem sua origem étnica na interação comunicativa de seu grupo, como no caso

„a história, as forças econômicas e os próprios processos interativos combinam-se

para criar ou eliminar as distâncias sociais‟ ”

Dessa forma, pode-se observar nos enunciados discursivos que se seguem,

toda uma ênfase, interesse e familiaridade em relação ao Brasil, ensejando um tipo

de comportamento nos enuciados de Raquel, o qual reflete uma certa relação de

proximidade e intimidade, quando focaliza vínculos de parentesco com pessoas

moradoras do lado brasileiro da fronteira, revelando também um sentimento de

abertura para com as coisas que acontecem - Curso de Psicologia, por exemplo -

no Brasil e as possibilidades de ascensão profissional que a fronteira pode oferecer,

por meio das oportunidades educacionais. Observe-se o enunciado e figura 9

ilustrativa da situação, a seguir:

SE-RAQUEL: Quero estudar pro Brasil (...) eu quero estudar psicologia eu sempre gostei quero estudar sei lá (...) penso em morar pra lá quero conhecer minha família em manaus falta uma parte que ainda eu não conheço viajar conhecer mais o brasil (...)

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

91

Figura 9: Grupo de estudantes brasileiras e venezuelanas da UERR Fonte: Arquivo pessoal – mar/2010

Tem-se ainda que a mobilidade do sujeito nesse ecossistema é comum,

podendo se estender até outros municípios, em busca da satisfação da demanda

por bens e serviços como saúde e educação, lazer etc. Observa-se ainda que, em

relação ao enunciado a seguir, o sujeito da fronteira depende economicamente de

atividades vinculadas de algum modo com ambos os lados que é conformado por

Tomé, como segue:

SE-TOMÉ: hum (...) buscar dar clases también acá en el estado de Paca / estado de Pacaraima / Roraima eeeh ir a la universidade tambíén a ver si hacemos un post-grado (...) estamos en esa / esa via en esaaaaaa hum cómo se dice eh (...) ahhhh se me fue la palabra (...) bueno ehhh (...) que estamos pues en processo de eseee / de ese movimento por ejem/ de estar en la fronteraaaaa /dee estar en Brasil (...) en Boa Vista ya seaaaa (...) exactamente eso (...)

A fronteira pode também, representar a possibilidade de ascensão social, já

que a proximidade e a facilidade do acesso à Ciudad Bolívar e à Boa Vista,

conforme aponta o discurso de Salomão e Maria e a figura 10 a seguir.

SE- SALOMÃO: libre (...) entonces estamos exonerado de lo que son impuestos no (...) entonces (...) esto también es muy económico (...) pero eso tiene una /unas restriciones si no si puede sacar mucha mercancia si nooo lo que esta estipulada por la ley y asi aseñato y quien hace esas regulacione (...) entonces esto también é utilizado tanto por venezoelano como como brasilero (...) como como comércio ilegal y si saca mas de lo que tiene que sacar y eso por supuesto es muy fructífero no (...) de hecho (...) aquí en Venezuela eh una época / una época de tee olando (...)

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

92

Figura 10: Posto de Fiscalização da Receita Federal Brasileira Fonte: Arquivo pessoal – jan/ 2012

SE- MARIA: (...) a gente tem essa mistura de línguas de países pelo menos eu não pareço muito indígena mas minha irmã parece mais indígena que eu e meu irmão é muito mais então até na família se vê essa mistura de como se chama de raça de coisas ah eh eu tenho gente na família que se identifica mais com os indígenas outros com o Brasil outros se identifica mais com a Venezuela não com la questão indígena então com a diversidade dentro da própria família então eu acho que essa diversidade me ajuda a conviver mais com os brasileiro com os indígenas eu não tenho problemas disso (...)

5.4 Ecossistema linguístico “provisional”: uma proposta

As transformações e intercâmbios que ocorrem e mantém em comunicação

permanente diferentes ecossistemas dificultam a determinação dos limites exatos

entre eles. Ora, os povos que se encontram em um espaço ainda não estabelecido

totalmente, circulando entre os dois ecossistemas (Brasil/Venezuela), também ainda

não se encontram estabelecidos e portanto, ainda não definidos. Assim, em face

disso, a delimitação destes ecossistemas, como unidade funcional de investigação, é

ainda puramente convencional, e que vai sendo definido de acordo com a área de

interesses do investigador (NEGRET 1982, p. 8). Diz-se, por exemplo, que um

ecossistema pode ser uma floresta inteira ou pode estar representado por uma

simples bromélia, “em cujo receptáculo formado pelas folhas acumula-se água

permitindo o desenvolvimento de algas fotossintetizantes seguidas de toda uma

complexa fauna de protozoários e microinvertebrados” (BRANCO1987, p. 20). Desse

modo, os tipos desses ecossistemas podem ser considerados como sistemas

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

93

abertos sendo eles influenciados por um conjunto de fatores que são determinantes

dos posicionamentos discursivos dos seus sujeitos.

Embora Couto (2009) tenha entendimento da existência de um ecossistema

linguístico do tipo transicional, como no caso de Chuí/Chuy, também podem ocorrer

outros tipos de contatos de fronteira que não necessariamente se enquadrem

naqueles tipos observados pelo autor. É o caso, por exemplo, de situações

fronteiriças caracterizadas pela não existência de acidentes geográficos

significativos; as línguas falantes são tipologicamente semelhantes; além da

existência de vantagens comparativas em termos comerciais para ambos os povos

da fronteira.

Um exemplo típico desse tipo de ecossistema é o que pode ser encontrado na

interface dos dois lados da fronteira Brasil/Venezuela caracterizando um ambiente

onde se verificam fortes relações de comércio, educação, amizade dentre outros

tipos, construídas no decorrer do processo de formação da fronteira a partir de

especificidades de ordem histórica e política iniciada durante o período em que se

foram fixando as populações nessa região.

Acredita-se assim, ser possível o desenho de um tipo de ecossistema

linguístico particular, situado na confluência dos dois ecossistemas Fundamentais da

Língua EFL1 e EFL2, representados respectivamente pelo Brasil e Venezuela,

envolvendo as comunidades de Santa Elena de Uairén e Pacaraima

especificamente, que, embora guardem suas especificidades e diferenças em virtude

dos modelos de gestão político-administrativa dos países de que fazem parte,

constituem por assim dizer, um único ecossistema que se influenciam mutuamente e

se atendem de forma recíproca, se comunicando através das línguas características

do lugar e que, por princípio poderia ser denominado de ecossistema linguístico

“provisional”. Já que cada um dos lados dessa fronteira se provisiona mutuamente

por meio do atendimento das suas demandas, conforme verificado na figura 11:

Diagrama do Ecossistema Linguístico Provisional de contato Brasil/Venezuela

(ALVES-DA-SILVA, 2012).

A conformação de um ecossistema com base nas características apontadas

caracterizando o Diagrama do Ecossistema Linguístico “provisional” de contato

Brasil/Venezuela, demonstra assim, as relações que se estabelecem entre os dois

ecossistemas, onde, de um lado, tem-se o ecossistema brasileiro e de outro o

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

94

ecossistema venezuelano, nos ecossistemas de PL2 e PL1 respectivamente,

conforme figura 11 a seguir:

Ecossistema linguístico “Provisional” Brasil/Venezuela: uma proposta

Figura 11: Diagrama do Ecossistema Linguístico Provisional de contato Brasil/Venezuela

(Fonte: Modelo adaptado de Couto 2009)

Esse diagrama demonstra que dependendo do comportamento das forças

econômicas e políticas estabelecidas nesse ecossistema, elas irão afetar de alguma

forma, a situação de contato em “la línea” de fronteira, podendo beneficiar mais ou

menos um ou outro lado, em dado momento. Couto (2009, p. 55) aponta seis fatores

que influenciam no resultado do contato, que podem ser de diferentes naturezas e

classificados como sendo: a quantidade de pessoas em interação; o tempo de

permanência no território; a intensidade do contato; as atitudes de resistência e

não-resistência entre as culturas; a semelhança/dessemelhança tipológica das

línguas em questão, sendo que o todo é afetada pela conjuntura e incidência do

poder político-econômico-militar do estado nação.

ECOSSISTEMA BRASILEIRO

ECOSSISTEMA

VENEZUELANO

T1 e T2

P

L1 L2

FATORES DE INFLUÊNCIA:

QUANTIDADE

INTENSIDADE

TEMPO

ATITUDE

SEMELHANÇA

DESSEMELHANÇA

“La línea” (Pacaraima e Santa Elena de Uairén)

P

LEGENDA P: Povo L1: Língua Portuguesa L2: Língua Espanhola T1: Território venezuelano T2: Território brasileiro

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

95

Como pode ser verificado, estes ecossistemas encontram-se imbricados,

dando conta do surgimento de um ecossistema constituído por uma totalidade

representada pelos municípios fronteiriços de Pacaraima e Santa Elena de Uairén.

Nesta confluência de interesses de ambos os lados da fronteira, representada por

uma linha imaginária, os povos mantêm relações pessoais e comerciais, sendo que

ali se estabelece, de forma efetiva, uma relação de interesses comuns, como bem

afirma Behares (1996, p. 25) para quem: em que a “la frontera no es una línea que

divide A de B, sino un espacio que contiene C”.

Nesse ponto, é possível considerar que os limites de um ecossistema de

fronteira são conformados por relações marcadas por influências recíprocas, fruto de

todo um contexto (sócio-histórico, político e econômico dos países vizinhos), que

oscila permenentemente com avanços e recuos, sobretudo, econômico,

relacionados ao valor das respectivas moedas nacionais. Desta dinâmica, surge o

ecossistema linguístico “provisional”, como substrato dessas relações, nas quais se

mesclam povo, território e língua num ambiente que podemos definir como um

subsistema ecolinguístico localizado na interface dos dois grandes ecossistemas, o

brasileiro e o venezuelano.

Deste modo, ainda que o ethos de Maria indique uma imagem construída a

partir das relações existentes com brasileiros, esta é calcada em valores que

atravessam as fronteiras geodésicas, dando conta de que a crença de

pertencimento tem relação com os tipos de contatos estabelecidos a partir da

história e das necessidades individuais. Os contatos geram redes individuais, as

redes são estruturadas a partir das necessidades pessoais, dependendo do tipo de

rede se terá um ethos mais próximo ou menos próximo desse ecossistema

Provisional.

Concluimos, portanto, que para caracterizar a situação de contato de povos

no ecossistema linguístico Brasil/Venezuela, faz-se necessário introduzir o conceito

de redes sociais, como sendo a chave metodológica, para futuros estudos

sociolinguísticos em ambientes fronteiriços.

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

96

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As faixas limítrofes entre dois países, particularmente aquelas que não

apresentam acidentes geográficos ou forças militares obstaculizando uma relação de

vizinhança entre suas populações, conformam espaços de relacionamento das mais

diversas índoles entre seus povos. Embora, normalmente, as regiões fronteiriças do

norte brasileiro configurem-se como locais periféricos, afastados dos centros de

influência política e econômica nacional, há uma peculiar e estreita relação

econômica, social e cultural nesses ambientes. Nesse espaço singular, onde se

misturam falas de diferentes línguas é gerado um ecossistema linguístico instituído

na interface dos dois lados da fronteira Brasil/Venezuela, bem como das fronteiras

regionais e transnacionais relacionadas a etnias e culturas afetadas pelo processo

histórico da colonização.

Esse lugar, onde acontece uma interação e as circunstâncias em que elas se

dão, é fruto da porosidade e mobilidade fronteiriça. As relações socioeconômicas,

sócio-históricas e socioambientais do meio ambiente fronteiriço se estabelecem

entre os povos locais e refletem uma situação de contato cujo ethos será tanto mais

ou tanto menos aproximado, dependendo das relações que marquem estes povos.

Conforme visto em Couto (2009, p. 17), esse ambiente caracteriza-se como uma

totalidade dinâmica e de contornos fluidos, porosos, cujo ethos fronteiriço é mais

concorrente ou divergente de acordo com a proximidade (Maingueneau, 2008) ou

mobilidade entre os povos de fronteira, dependendo das políticas definidas pelos

estados nacionais envolvidos.

Sedimentadas ao longo do processo histórico iniciado no século XV pela

fixação espanhola e portuguesa no continente americano do sul, a região de

fronteira Brasil/Venezuela conforma atualmente sistemas sócioeconômico-culturais

ricos em diversidade linguística. Os contatos entre as populações dos dois lados

dessas fronteiras caracterizam um ambiente marcado por fortes relações de

comércio, educação, amizade entre outros, construídas num espaço-temporal a

partir de especificidades de ordem histórica e política, geradoras de um ecossistema

linguístico particular. Nessas circunstâncias, os diferentes tipos de relações e

interações, que ocorrem entre as comunidades fronteiriças, caracterizam também os

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

97

discursos dos indivíduos ali inseridos, permitindo a construção de um ethos

específico desses sujeitos que vivem no espaço por eles denominado como „la

línea’.

O agrupamento das comunidades de fala que convivem nesse lugar,

interrelacionando-se entre si e com o meio ambiente físico, sobretudo no território,

de forma antagônica ou não, num movimento de relações dinâmicas e dialéticas,

caracteriza um ambiente ecolinguístico de cada lado da fronteira, que, na visão de

Couto (2009, p. 21) é chamado de Ecossistema Fundamental da Língua (EFL).

Nesse ambiente, constituído pela totalidade formada por um povo, um

território e uma língua, ou seja, o que Couto denomina de comunidade, estão

inseridos três ecossistemas distintos: o meio ambiente social, o meio ambiente

mental e o meio ambiente natural. No caso específico da situação de „la línea‟ de

fronteira, se constata a constituição de um ecossistema no qual os povos

historicamente implicados e suas respectivas línguas convivem em permanente

simbiose, uns se beneficiando do outro, de forma recíproca. Essa propriedade

simbiótica é considerada como fundamental para a compreensão de um ethos

fronteiriço advindo do resultado das relações estabelecidas na região.

Na dinâmica desses ecossistemas linguísticos de fronteira, incide uma série

de fatores que são determinantes das situações de contato de línguas e cujo

resultado é a diversificação linguística que se processa continuamente e que

caracteriza o surgimento e/ou o desaparecimento de uma determinada língua.

Cabe então retomar as perguntas iniciais desta pesquisa, que são duas:

Primeira: A situação de contato linguístico influi na construção do ethos no

ambiente de fronteira Brasil/Venezuela?

Segunda: A compreensão da cena de enunciação contribui para o

entendimento das percepções e sentimentos do sujeito da fronteira?

Para a primeira pergunta, a situação de contato linguístico e a influência na

construção ethos na fronteira Brasil/Venezuela, tem-se que considerar na construção

do ethos cinco fatores de situações de contato apresentados no modelo de Couto

(2009). Observamos, neste caso específico de região fronteiriça, cinco fatores

ecolinguísticos predominantes:

a) Quanto ao fator “quantidade”: há um fluxo constante e cotidiano de

pessoas que se deslocam para um e outro lado da fronteira

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

98

Brasil/Venezuela com diferentes objetivos de trabalho, estudo, comércio e

lazer;

b) Quanto ao fator “tempo de permanência”: dois momentos caracterizam

este contato. Num primeiro momento, o da empreitada colonial, a chegada

dos europeus na região e as relações que estabeleceram entre si e com

os indígenas. E num segundo momento, o atual, quando se consolidam as

permanentes interações e se estabelecem vínculos de trabalho, amizade e

parentesco. Com relação a trabalho é maior o fluxo de brasileiros que se

instalam e desenvolvem atividades no lado venezuelano do que o inverso.

c) Quanto ao fator “intensidade”: este se dá principalmente, pelas

necessidades de trocas de bens e serviços e em função também das

oportunidades que representa uma região fronteiriça, neste caso o

comércio legal e ilegal de gasolina, os serviços de saúde, os serviços de

educação, as relações familiares, as relações de trabalho.

d) Quanto ao fator “atitude”: as relações quanto à língua e à cultura, podem

ser positivas ou negativas, conforme o momento sócioeconômico de

ambos os lados da fronteira e a oscilação do valor flutuante da moeda;

e) Quanto ao fator “semelhança/dessemelhança linguística”: do ponto de

vista normativo, a crença é que português e espanhol são línguas

diferentes, ao menos em situação de ensino de PLE, situação em que os

venezuelanos consideram que o português é difícil e que deve ser objeto

de estudo e de políticas linguísticas específicas para a região. Embora

sejam duas línguas estrutural e historicamente próximas, a dificuldade

assinalada pelos sujeitos da pesquisa em interações formais (situações

institucionais) e o domínio de questões normativas (situação escolar de

ensino formal) são considerados como fatores de desunião, embora essas

dificuldades não sejam observadas nem registradas em interações

cotidianas pessoais (situações de comércio, família ou lazer).

Os conceitos de ethos e cena de enunciação propostos por Maingueneau

(2008) viabilizaram, num primeiro momento, o desenvolvimento de uma análise em

torno do ethos construído no discurso de sujeitos de fronteira. A partir dessa

abordagem, considera-se que o enunciador não é um ponto de origem estável que

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

99

se “expressaria” dessa ou daquela maneira, mas se leva em conta um quadro

profundamente interativo, em uma instituição discursiva inscrita numa certa

configuração cultural, que implica papéis e lugares de enunciação legítimos para a

questão do ethos; além de um suporte material e um modo de circulação para o

enunciado na questão da cena de enunciação. Neste sentido, nossa hipótese era a

de que a compreensão da cena de enunciação, que caracteriza o ethos fronteiriço

Brasil/Venezuela contribuiria para o entendimento das percepções, sentimentos,

estereótipos e vicissitudes dos povos e do sujeito em ambientes de fronteira,

hipótese que foi parcialmente confirmada.

Segunda pergunta da pesquisa: A compreensão da cena de enunciação

contribui para o entendimento das percepções e sentimentos do sujeito da fronteira?

A cena de enunciação pode determinar um ethos que é cunhado com as

impressões fruto das interações recíprocas que ocorrem no meio ambiente social, no

meio ambiente mental e o meio ambiente natural desses ecossistemas. Neste

sentido, é possível afirmar que, mesmo nestas circunstâncias, os dados apontam

que, por exemplo, L1 (Português) é mais determinante que L2 (Espanhol) em “la

línea”, dependendo do momento socioeconômico predominante no ecossistema

“provisional”.

O momento sócioeconômico dessa região impulsiona o posicionamento do

sujeito que ora se enuncia como parte integrante da comunidade linguística de

Santa Elena de Uairén, ora como parte integrante de um “lugar que é comum” a

brasileiros e venezuelanos. Quando se enuncia como parte de um “lugar comum”, o

sujeito se apropria do pronome “nós/a gente” e tem como referente “brasileiros e

venezuelanos”, o que parece construir discursivamente um lugar comum para ambos

os povos que estão em permanente contato em “la línea”.

Percebe-se ainda, que os sujeitos da pesquisa, em seu discurso, buscam

justificar os conflitos resultantes das interações entre brasileiros e venezuelanos,

pela crença de que o escasso conhecimento da língua do outro é um dos fatores

impeditivos de um relacionamento mais profícuo entre as comunidades de “la línea”.

No entanto, o que se observa efetivamente é que as questões econômicas têm peso

considerável na determinação das relações entre as comunidades fronteiriças e,

portanto, no próprio discurso. Dessa forma, os conflitos discursivos estão, sob

certas circunstâncias, submetidos ao discurso econômico, envolvendo as duas

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

100

cidades, que, por sua vez estão na dependência direta das políticas dos estados

nacionais para a região considerada.

Os resultados da análise discursiva apontam para dois momentos de contato

nessa fronteira: o primeiro momento é configurado ainda no momento do avanço das

expedições holandesas, inglesas, e principalmente dos povos ibéricos portugueses

e espanhóis, no início da colonização europeia no continente americano.

Denominou-se no quadro desta pesquisa como PL1 os povos portugueses e PL2 os

povos espanhóis, efetivamente marcados. Os povos europeus mais fortes

econômica, política e militarmente subjugam os povos indígenas, apesar da

diferença numérica das populações e graças à tecnologica militar dos europeus, que

mesmo em menor número se impõem na região. Suas respectivas línguas em

decorrência do poder político e militar tornam-se na região conhecida hoje como

fronteira Brasil/Venezuela, as línguas oficiais dos respectivos países e as variedade

de maior prestígio em detrimento das línguas índigenas, nesta pesquisa, PL3, PL4,

PL5 (Ingaricó, Wapixana, Wai Wai, Pemón ...), de acordo com os sujeitos e redes

sociais implicados em cada situação de contato.

O segundo momento de contato é o verificado nos dias atuais e é

caracterizado pelas interações interlinguísticas que ocorrem entre as comunidades

dos dois lados da fronteira Brasil e Venezuela. São comunidades que se deslocam

de um para outro território fronteiriço, onde PL1 é “mais forte” do que PL2 ou vice-

versa, dependendo da conjuntura econômica predominante desses países. O

contato marca uma forte relação de trocas comerciais em face das demandas de

cada um dos lados da fronteira, alimentando também relações culturais e

interétnicas por uma interação efetiva e rica culturalmente com as comunidades

indígenas.

O contato atual entre esses povos é influenciado principalmente pelo fator

intensidade em função da mobilidade que se dá na região e pelo comércio,

caracterizando o surgimento de um ecossistema específico intitulado Provisional,

porque caracterizado pelo atendimento mútuo de demandas desses povos.

Nesse aspecto, o conceito de redes sociais se apresenta como um

instrumento significativo de análise das relações interacionais que dá conta de

sujeitos mais complexos como, por exemplo, o ego de Maria, cujas relações

familiares e profissionais assinalam para uma rede complexa de interação que vai

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

101

além da froenteira Brasil/Venezuela, por incluir contatos históricos entre os povos

colonizadores e os colonizados numa síntese identitária singular.

Assim, embora, durante a construção da pesquisa, nos deparamos com os

elementos das redes sociais, que a princípio não aparentavam relevância

significativa, ao longo do desenvolvimento do trabalho verificamos que a abordagem

de redes é fundamental para esclarecer questões sociolinguísticas como:

(...) o conflito entre as tendências opostas, a saber, pressões padronizadas (parte do fenômeno de homogeneização das sociedades modernas) e a manutenção de formas não padrão, como símbolos de identidade de grupo. A análise das motivações subjacentes à difusão dialetal dos imigrantes tangencia essa questão. Contudo, muito mais pesquisa é necessária nessa área (...) Em particular, a manutenção do que temos rotulado de variedades urbanas ou sua evolução rumo ao padrão urbano precisam ser estudadas com ênfase nos processos de focalização dialetal em comunidades estabelecidas há muitas décadas ou até séculos. (BORTONI-RICARDO, Stella Maris, 2011, p. 270)

Mesmo não sendo pretensão deste trabalho, esgotar esse tema, é importante

registrar que as redes sociais podem ser utilizadas no trato das relações entre

indivíduos, pois segundo Milroy (2002, p. 1) “as redes sociais são meios de capturar

as dinâmicas comportamentais de interação de oradores subjacentes de um grupo”,

sendo que o posicionamento do indivíduo se dá em função da contextualização

histórica, social e econômica na qual ele está inserido.

A par disso, considera-se ainda, que os desdobramentos metodológicos de

análise do ethos não foram suficientes para dar conta das relações e/ou interações

neste ambiente fronteiriço, pois todo material discursivo produzido está sob a

influência também das redes sociais individuais estabelecidas ao longo do contato

entre os povos.

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

102

REFERÊNCIAS

ALVES, Cláudia Lima Esteves (org). Formação do espaço amazônico. CCSG_UFRR-Capes-MEC- Boa Vista, 1998.

ALVES-SILVA, Maria Ivone. A construção do ethos fronteiriço Brasil/Venezuela em ambiente ecolinguístico. Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos Revista Philologus, Ano 17, nº 51, set./dez.2011 – Suplemento. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2011, p. 484-491.

ALVES-SILVA, Maria Ivone. Representações discursivas do ambiente ecolinguístico: O caso da fronteira Brasil/Venezuela. I Encontro Brasileiro de -UNB 2012. http://www.ecolinguistica.com.br/. Acesso em 12 de julho de 2012.

BEHARES, Luis Ernesto (orgs). Fronteiras, Educação, integração. Santa Maria-RS, Pallotti, 1996.

BENVENISTE, Claire Blanche, Estudios lingüísticos sobre la relación entre oralidad y escritura, Barcelona, Gedisa, 1998, 176 pp.

BOADAS, Antonio Rafael. Geografia del amazonas venezolano. Ariel-seix Barral venozelano. Caracas,1983.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Do campo para a cidade: estudo sociolingüístico de migração e redes sociais. São Paulo. Parábola editorial, 2011.

BRANCO, Samuel Murgel. Elementos de ciências do ambiente. 2ª Ed. São Paulo. Ed. Ceterg. 1987. Contexto, 2005. Edições Ltda., 2006.

BRASIL. IBGE. Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/dados_divulgados/index.php?uf=14 Acesso em 05-12-2011.

BRASIL. Ministério dos Transportes. Mapa Base. Disponível em: Http://www.brasil-turismo.com/mapas/roraima.htm acesso em: 26 de dezembro de 2010.

BRASIL. Movimento Bandeirantes. Disponível em:

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/bandeirantes/bandeirantes-1.php. acesso em

08 de abril de 2011.

BRASIL. Seminário: Crises na América do Sul: Lições e Perspectivas. Brasília: Presidência da República, Gabinete de Segurança Institucional, 2008.

CHAMBERS, J.K; TRUDGILL, P.; SCHILLING-ESTES, N. (eds.). The Handbook of Language Variation and Change. London, Routledge, 2006.

COUTO, Hildo Honóriodo. : estudo das relações entre língua e meio ambiente. Brasília. Thessauros. 2007.

COUTO, Hildo Honóriodo. Linguística, Ecologia e . São Paulo. Contexto. 2009.

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

103

COUTO, Jorge. As missões americanas na origem da expulsão da Companhia de Jesus de Portugal e seus domínios ultramarinos. In: A expulsão dos jesuítas dos Domínios Portugueses. 250º aniversário. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2009.

DAJOZ, Roger. Ecologia Geral. Petrópolis-RJ. 4 ed. Vozes, 1983.

DIEGUES JUNIOR, Manuel. Etnias e Culturas no Brasil. Biblioteca do Exército Editora. Rio de Janeiro. 1980.

FILHO, Miguel Jerônimo. Fronteira. Território e territorialidade. 2008. Disponível em http://geopoliticatocolando.blogspot.com.br/2010/04/fronteira-territorio-e-territorialidade.html.Acesso em 22, Abr. 2012.

FREITAS, Aimberê. Geografia e história de Roraima. Manaus: Grafima, 1991.

GUISAN, Pierre. A criação de uma norma-padrão em francês. In. LAGARES, Xoán Carlos. BAGNO, Marcos. (Orgs.): Parábola editorial. São Paulo, 2011.

LABOV, William (1972). Sociolinguistic Patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press. [Padrões Sociolinguísticos. Trad.: Marcos Bagno; Marta Scherre e Caroline Cardoso. São Paulo: Parábola, 2008.]

LÓPEZ MORALES, H. Sociolinguística. Madrid: Gredos, 1993.

LOUZADA, M. S. O. Discurso político, mídias e cenografia: o “jogo de máscaras” nas capas de VEJA. In. CARMELINO, A.C.; PERNAMBUCO, J. E FERREIRA, L.A. (Orgs.) Nos caminhos do texto: atos de leitura. Franca, SP: Editora da UNIFRAN, 2007. p. 169-192. (Coleção Mestrado em Linguística 2).

LOUZADA, M. S. O.; OLIVEIRA, M. R. M. Identidade e Posicionamento Político nas mídias: “Veja, indispensável para o país que queremos ser”. Resumo expandido. ANPOLL2008. Disponível em <http://www.fflch.usp.br:80/dlm/index.htm>. acesso em 22. jan. 2012

MACHADO, Lia Osório. STEIMAN, Rebeca. Limites e fronteiras internacionais: uma discussão histórico-geográfica.Disponível em httP//acd..ufrj.br/retis/index.php/conteudo/autor/lia.../4/.Acesso em 22. Abr. 2012.

MAINGUENEAU, D. A propósito do ethos. In: Motta, A. R. & Salgado, L. (orgs.). Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008

MAINGUENEAU, D. Ethos, cenografia, incorporação. In: Amossy, R. (org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005

MAINGUENEAU, Dominique. Pragmática para o discurso literário. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Tradutor: SILVA, CECILIA P. DE SOUZA E. Editora: CORTEZ, 2005.

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

104

MAINGUENEAU, Dominique. Cenas da Enunciação. Organizado por Sírio Possenti e Maria Cecília Pérez de Sousa-e-Silva, diversos tradutores. Curitiba: Criar Edições, 2006.

MARTIN, André Roberto. Fronteiras e nações. Contexto. São Paulo. 1992

MILROY, Lesley. Defining your space. http://www.stanford.edu/~tylers/notes/papers/Squib_two_social-network.pdf acesso em 22 de julho de 2011.

MILROY, Lesley. Introduction: Mobility, contact and language change – Working with contemporary speech comunities. Journal of Sociolingusitics 6/1, 2002:3-15. University of Michigan.

MOTTA, Ana Raquel, SALGADO, Luciana (orgs). Semântica e Discurso. Uma Crítica a afirmação do óbvio 1ª Ed. São Paulo. Contexto. 2008. PECHEUX, Michel. (1975). Trad. Eni Puccinelli Orlandi Et. AL. 4ª Ed. Unicamp. 2009.

NEGRET, Rafael. Ecossistema: Unidade básica para o planejamento da ocuipação territorial; ecologioa e desnvolvimento. Rio de Janeiro. Ed. FGV, 1982.

OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. A herança dos descaminhos na formação do estado de Roraima. Universidade de São Paulo. São Paulo. Tese de Doutorado. 2003.

ORLANDI, Eni p. Análise do discurso: Princípios e procedimentos. 8ª Ed., Campinas, São Paulo, Pontes, 2009.

PERINI, Raquel Frantantonio. Soberania e o mundo globalizado: conceito de soberania nas varias teorias da atualidade. 2003. Disponível em us.com.br/revista/texto/4325/a-soberania-e-o-mundo-globalizado. Acesso em 22 de setembro de 2011.

POSSENTI, Sírio. Observações sobre interdiscurso. Revista Letras, n. 61, 2009. Especial. CHARAUDEAU, P. (2004b). Dicionário de Análise do Discurso. Contexto. São Paulo.

RODRIGUES, Francilene. Migração transfronteiriça na Venezuela. ESTUDOS AVANÇADOS 20 (57), 2006. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ea/v20n57/a15v2057.pdf. Acesso em 07.Mai.2011.

SAVEDRA, Mônica Maria Guimarães. SALGADO, Ana Cláudia Peters. Sociolinguística no Brasil: uma contribuição dos estudos sobre línguas em/de contato: homenagem ao professor Jurgen Heye (orgs). Rio de Janeiro. 2009.

SOCIOAMBIENTAL (ISA). http://pib.socioambiental.org/pt/c/quadro-geral. Acesso em 20 de março de 2012.

STEIMAN, Rebeca./MACHADO, Lia O. Limites e fronteiras internacionais: uma discussão histórico-geográfica, UFRJ, 2002 (html) (pdf) . Disponível em http://acd.ufrj.br/fronteiras/pesquisa/fronteira/p02avulsos.htm. Acesso em 22. Abr. 2011.

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

105

TARALLO, Fernando. ALKMIN, Tânia. Falares crioulos - línguas em contato. São Paulo,

Ática, (1987, 1-42). In www.books.google.com.br – acesso em 25 de julho de 2011.

Turisticas/trilhas-a-rotas/1878-santa-helena-de-Uairén.html. Disponível em http://www.guiaroraima.com.br/turismo/informacoes. Acesso em 07 de maiode 2010.

VENEZUELA. Mapa estado Bolívar. WWW.gobierno/venezuela/geografía/estado boliva acesso em: 14 de Agosto de 2012.

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

106

APÊNDICES

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

107

APÊNDICE 1 SUJEITO 1: “Raquel” Nacionalidade: Venezuelana Idade: 20 anos Nasceu e vive em Santa Elena de Uairén Duração: 6min55s

Pesquisadora: Como é a vida na vida na fronteira?

S1: Não é muito assim diferente né porque as pessoas (...) eu gosto de viver aqui porque a gente tem a como idade de vir pra cá (...) a gente pode viajar (...) já pela minha família é (...) brasileira por parte de mãe (...) tô tirando a minha nacionalidade já brasileira eu gosto também pelo comércio que eu trabalho lá numa loja então a gente mais que tudo vive dos comércio em santa elena muito brasileiros vão pra lá no final de semana na semana feriado a gente mais que tudo vive né? (...) do comércio se sustenta (...) na verdade aqui é muito frio (...) mas eu gosto de vir pra cá conheço Manaus (...) Boa Vista (...) os brasileiros eh (...) são umas pessoas muitos carinhosas (...) minha mãe é muito carinhosa conheço muita gente então não vejo nada ruim de viver na fronteira só que tem as vezes os pms os policiais venezuelanos que são um pouco muito ruins pros brasileiros (...) então eu fico minha família fica muito braba com isso que eles fazem muitas coisas erradas pros brasileiros (...) então a gente sempre ta defendendo isso (...) porque os brasileiros são muito educados eles ajudam muito os venezuelanos mas tem os policiais brasileiros (venezuelanos) que são muito ruim (...) eu trabalho numa loja no centro que minha tia que é dona é brasileira ela fica muito brava quando acontece essas coisas (...) os policiais venezuelanos são muito ruins com os brasileiros são muito injustos com os brasileiros (...) é o único ruim de lá as pessoas são muito amáveis muito boas atende educada e a gente atende muito bem os brasileiros a gente sempre recebe muito bem as pessoas de lá e aqui a gente quando vai pra Manaus Boa Vista a gente é recebido muito recebido também bem lá não essa de dizer que tu é venezuelano, não a gente é recebido muito bem como estrangeiro só que tem algumas falhas né? Não tem essa que tu é estrangeiro

Pesquisadora: Que tipo de relação existe entre brasileiros e venezuelanos?

S1: O comércio eh/eh turismo vão conhecer hum/hum rios conhecer a savana Roraima

(inteligível) compras (...) festas/ nas festas sempre mantém esse relacionamento a gente

conhece pessoas deferente a cada momento (...) quando eles chegam a gente sai juntos se

fala por telefone por internet (...) e quando eles vão a gente tem esse contato quando a

gente sempre mantém esse contato com os brasileiros isso é o bom deles

Pesquisadora: Onde você estudou?

S1: Estudei na Venezuela estudei até o terceiro ano de educação (...) ainda falta mais para terminar falta mais três anos (...)

Pesquisadora: Por que está estudando Português?

S1: Morei toda a minha vida com minha avó (...) ela só falava português eu aprendi a falar, mas a escrever sabe que escrever o português é muito difícil ele tem muitas coisas tem que ter muito acento tem muitas coisas (...) então eu to aqui pra aprender a escrever minha mãe só fala português espanhol mais ou menos (...) minha tia fala espanhol muito bem (...) minha vó só fala espanhol quem sabe fala da minha família português é minha prima meu primo e eu os outros dois pequenos a gente ainda está ensinando eles

Pesquisadora: PESQ.: O que você pretende pro futuro, após aprender língua portuguesa?

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

108

S1: Quero estudar pro Brasil (...) eu quero estudar psicologia eu sempre gostei quero estudar sei lá (...) penso em morar pra lá quero conhecer minha família em Manaus falta uma parte que ainda eu não conheço viajar conhecer mais o Brasil

Pesquisadora: Com relação à cultura, brasileiros e venezuelanos se parecem?

S1: A Venezuela já está pegando o costume de comer feijoada coisa que eles não come (...) mas tem tantas pessoas que tem comércio brasileiro lá restaurante que já os venezuelanos ficam acostumados farinha (...) eles não comem farinha os venezuelanos então lá em Santa Elena é a região que mais eles comem isso pegam o costume (...) sambar eles gostam de música brasileira e eles gostam muito e tem venezuelanos que pegam daqui e tem brasileiro que eles gostam das musica venezuelanas então a gente pega o costume de cada um né (...) vai juntando tu vai pra outra parte da venezuela e eles não sabem o que é comer feijoada comer uma farinha sabem só com as outras coisas então na fronteira a gente pega o costuma de cada um e a gente vai relacionando com a nossa vida (...) no dia-dia a gente vai convivendo com isso (...)

Pesquisadora: Com relação à língua, você gosta de Língua Portuguesa?

S1: Gosto, gosto gosto acho muito bonita, muito bonita muito interessante também (...) lá em casa só se fala português minha mãe meus irmãos só canal brasileiro poucas vezes espanhol (...) mais eu gosto muito da língua brasileira

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

109

APÊNDICE 2 SUJEITO 2: “Maria” Nacionalidade: Venezuelana Idade: 50 anos Vive em Santa Elena de Uairén há 40 anos Duração: 16min06s

Pesquisadora: Como é a vida na fronteira?

S2: A vida na fronteira há evoluído muito daqui mais ou manos uns vinte anos pra frente

porque Pacaraima só tinha uma rua e a Venezuela tinha também uma rua e alguns cantos

conhecidos portanto por brasileiros e venezuelanos (...) meu avô foi o fundador de Santa

Elena de Uairén e/ ele era filho de espanhois mas ele morava em um estado da Venezuela

chamado Los Chanos Venezuelanos (...) a família dele chegou da Espanha e começou a

vida na Venezuela nesse estado (...) então quando ele tinha mais ou menos uns vinte e sete

anos ele saiu dali (...) meus bisavós morreram e ele estava morando com os tios e depois

ele saiu pra buscar não sei aventura da vida e chegou até o estado Bolívar e depois dai ele

começou aaa (...) conhecer muito mais adentro porque nesta época a gente falava da

época do ouro e da seringa (...) porque em Venezuela se chama caution e balata (...) ele

também esteve em Tepequém trabalhando nas minas sacando diamante e ouro (...) ele/ele

conheceu muito do Brasil e depois que ele se instalou em Santa Elena de Uiarén (...) ele

teve muita relação com o Brasil quando ele chegou em Santa Elena só estava a bandeira

dos ingleses (...) e ele tirou a bandeira dos ingleses e então ele colocou a bandeira da

Venezuela pra começar uma nova vida (...) então ele teve vinte e sete filhos para fundar o

povo a primeira mulher dele (...) esposa dele foi minha avó se chamava Maria (...) ele

mesmo colocou o nome dela porque ela não tinha nome (...) porque os indígenas naquela

época não tinham registros então só tinha ali na tribo deles então ele chamou ele de Maria

Josefa Peña (...) para que seus filhos levaram o nome dele que era é Fernandes Peña por

isso meu pai era Riberto Fernandez Peña(...) porque na Venezuela o primeiro nome é do pai

e o segundo sobrenome é da mãe (...) então ele colocou esse nome a ela ela era de uma

zona de uma zona triple de onde está Brasil Guiana Inglesa e Venezuela (...) ela era a etnia

dela pertencia a essa área ela não falava espanhol falava seu dialeto meu pai aprendeu a

falar cinco idiomas indígenas meu pai também foi membro do primeira comissão de limites

de integração do Brasil e Venezuela (...) e/e/eu tenho fotografias que eu poderia passar pra

você eu posso também mostrar Pacaraima a serra de Pacaraima quando não tinha

nenhuma casa (...) minha família conheceu também a família de Bento Brasil muitas famílias

fundadoras de Boa Vista (...) porque havia muita relação ele se/se trocavam comida eh

algumas cosas de trabalho tela pra roupa então meus tios eles cresceram falando português

(...) falando su eh língua própria indígena e o espanhol (...) eu não falo bem português mas

meus tios sim (...) porque eles toda a vida passaram aqui na fronteira (...) é muito

interessante porque a gente convivia como uma família a/a política não existia agora nos

tempos novos a gente fala de política de coisas diferentes os indígenas mudaram muitas

coisas (...) tantos os indígenas venezuelanos como da parte do Brasil ....

PESQ: Como é esse convívio hoje entre, brasileiros e venezuelanos?

acho que é a fronteira mais tranqüila e mais é como de diz eh que tem maior relação é a

fronteira do Brasil (...) com a Venezuela porque realmente os conflitos que sempre se/se há

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

110

apresentados na fronteira não anteriormente não a política há entrado muito na vida política

de cada pais atualmente sim (...) porque a política há entrado muito na dentro do dois países

anteriormente os conflitos eram (...) resolvidos muito de um jeito mais amigável hoy em dia

não (...) a gente vai e a diplomacia não sei que e as leis não sei que e complica muito a

situação pero eu acho que na convivência diária os venezuelanos e brasileiros se integram

muito bem (...) os conflitos que podem ter são conflitos de vizinhos que a gente briga (...)

que a gente briga por alguma coisa que não é importante realmente e/eu não posso a falar

assim de uma forma como se diz eh/eh (...) de uma forma desagradável porque/porque eu

tenho família Brasil eu tenho família indígena família Venezuela então e difícil quando a

gente tem imparcialidade quando a gente tem essa mistura de línguas (...) de países pelo

menos eu (...) não pareço muito indígena mas minha irmã parece mais indígena que eu e

meu irmão é muito mais então até na família se vê essa mistura de (...) como se chama (...)

de raça de coisas ah eh (...) eu tenho gente na família que se identifica mais com os

indígenas outros com o Brasil outros se identifica mais com a Venezuela não? com la

questão indígena (...) então com a diversidade dentro da própria família então eu acho que

essa diversidade me ajuda a conviver mais com os brasileiro com os indígenas (...) eu não

tenho problemas disso....

Pesquisadora: Com relação a língua, você gosta de Língua Portuguesa?

S2: eu gosto da língua eu acho que é muito importante na Venezuela (...) eu acho que a

gente deveria falar bem o português e no Brasil aqui em Pacaraima deveria falar bem o

espanhol porque essa questão tira as barreiras qualquer barreira tira o idioma (...) porque

através da língua você pode entender pode adentrar na cultura das outras pessoas (...)

porque através da língua a gente pode compreender mais as outras pessoas então eu acho

que em Santa Elena a gente estudar melhor o português e Pacaraima melhor o espanhol

muitos problemas seriam resolvidos antes de chegar a planos maiores (...) poderia ser muito

mais fácil (...) eu as vezes não hago ninguna diferença quanto a costumes porque é

induvidável a influência do pais do outro quando só divide una como se chama uma questão

material um mito que se fala (...) não sei como se fala em português (...) que eu estou

desse lado sou venezuelano (...) estou deste lado sou brasileiro hahaha então eu acho que

uma questão de no essa linha aí que divide quando existe uma compreensão de idioma é

uma linha imaginária não é uma linha real (...) se a gente pudesse falar bem um idioma a

outro seria bem melhor

PESQ.: O que você pretende pro futuro, após aprender língua portuguesa?

eu acho que se abre portas porque pelo menos a gente poderia fazer negócios (...) a relação

internacional entre ambos países seria muito melhor porque Brasil poderia utilizar no melhor

sentido essa questão com Venezuela e Venezuela poderia usar a questão do idioma com o

Brasil no melhor sentido pra progredir pra fazer convênio pra mostrar uma cara diferente pra

o mundo que essa fronteira é a melhor trazendo essa questão não? não sei (...) hahaha

PESQ.: O que você faz em Santa Elena de Uairén?

minha vida em Santa Elena é muito tranquila (...) porque eu tenho muita família e eu

trabalho também com turismo (...) e eu estou fazendo aqui estou na universidade estou me

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

111

formando como turismóloga já estou por concluir aqui em Pacaraima na universidade

estadual daqui do Brasil graças ao Brasil vou ser turismóloga (...) hahaha eu estudei como

se chama na Venezuela se chama recursos humanos (...) é (...) relações industriais e

administração de empresas a nível técnico (...) então agora estou estudando turismo porque

eu quero a trabalhar melhorar essa atividade lá no município (...) o turismo porque falta

muito mas eu acho que realmente se Venezuela e Brasil tivessem melhores convênios tanto

de estudos como outros projetos a nível turismos acho que Santa Elena estivesse melhor

que hoy/hoje em dia (...) porque ajuda é importante de ambas fronteiras é importante (...) eu

acho que Venezuela não há aproveitado essa /essa integração com o Brasil pra fazer

turismo (...) eu acho que hoje Brasil se está aproveitando pelo menos o estado de Roraima

(...) essa questão de ser um estado fronteiriço eu admiro essa questão (...) porque

antigamente quando o Brasil tinha uma mala situação econômica eh não é um segredo para

os brasileiros (...) a gente aproveitava essa questão e inclusive a gente os brasileiros que

trabalhavam lá eles eram maltratados (...) porque não tinha papel a gente explorava a

questão de estrangeiro não é? (...) agora a moeda está virada haha (...) então o

venezuelano sente que é/é maltratado mas esse maus tratos não existem como tal (...)

realmente não é toda a sociedade que mora em Santa Elena só alguns setores que

maltratam (...) que aproveitam algumas oportunidades não é uma questão de a moeda da

Venezuela está muito desvaloada (...) mas não é culpa do Brasil (...) então eu não posso

pretender falar que não eu não compro lá eles estão me maltrando tem os preços são muito

alto o preço é que é (...) a moeda da Venezuela tá muito fraca (...) agora então isso é

depreciação então agora muitos brasileiros estão passando pra Venezuela (...)

Pesq.: Você usa a língua portuguesa no seu dia-dia?

então eles precisam de informação eu acho que é interessante que a gente dá informação

num português bem fluido bem estudado (...) eu acho que é um pouco desagradável pra

algumas pessoas que moram tanto do lado Venezuela e Brasil que as vezes a gente

pergunta pra um brasileiro não pode explicar não pode entender e que as vezes um

brasileiro pergunta pra um venezuelano não pode explicar um português básico pelo menos

não é agradável estamos muito perto um de outro então (...) não é bom por isso (...) eu

acho que (...) a gente deve aprender português aprender espanhol porque a integração não

é somente uma questão econômica é social é cultural eu acho que maior vantagem (...)

quando a gente está na fronteira a gente pode enriquecer mais a cultura própria porque

quando a gente vê uma diferença entre uma cultura e outra pode valorar mais sua cultura

sim eu acho que é assim (...) dá mais valor a sua cultura

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

112

APÊNDICE 3: SUJEITO 3 : “Salomão” Nacionalidade: Venezuelana Idade : 55 anos Vive em Santa Elena de Uairén há 26 anos Duração : 10min26s.

Pesquisadora: Você poderia me contar como é a vida na fronteira?

S3: Debe hablar en castellano porqueee (...) soy nuevo en el /el portugués (...) estuve estudiando / lo estoy aprendiendo no (...) yo llegué en frontera hace vente y seis años (...) me dedicava a la educación / educación media (...) ahorita estoy dedicado a la educación superior (...) enseño la parte de estadística matemática física química( ...) son mis área de conocimiento (...)estuve un tiempo desempeñandome en la parte política como consejar al local y aquí (...) e conozco bastante de /de /de este flujo de cual estas interesada (...) eh te voy hacer un resumen mas o meno no (...)

eh cuando llegué acá esta era una zona muy deprimida (...) la /la economía fuerte la tenia era Venezuela eh la la economía débil era de Brasil (...) entonces nuestra moneda que es pues el bolívar seiscientos bolívares (...) tenía una fortaleza única (...) entonces todos desplazamos hace a la frontera a comprar (...) ese nuestro centro de de acopia y compra era aquí en Pacaraima (...) eeh con el tiempo fue /esto fue evolucionando (...) la parte económica y hoy por hoy Brasil es la parte fuerte (...) entonces no/ los brasilero o / la o la persona de ciudadania brasilera se translava hacia en Santa Elena y hacer el resto de Venezuela especialmente la Isla de Margarita (...) que eran onde compran (...)

actualmente en Santa Elena estan llegando / o ha llegado una série de comerciante de nacionalidaaaad (...) oriental / oriental (...) diolando árabes ... uhun (...) turcos ( ...) chinos (...) y que han estabelecidos centros comerciales bastante importante eh (...) dita el flujo (...) pues que existe deee/ de brasilero / la moneda brasilera es por ahí muy fuerte (...) y eso paraaa / importante pues su economia ha crecido (...) entonces hoy / la cosa se invertió (...) hun (...) hoy en dia el el comércio importante esta en Venezuela para brasilero (...) Venezuela es importante no (... )en Santa Elena como ves han montado un centro comerciale (...) vamos llamar entre comillas no (...) esas zonas de area son mucho mas grande (...) se no centrooo / negocio pues muy grande (...)para ese /ellos dempeñarse (...)

en la / la parte deee / hay una parte que siempre me llamó la atención que que eees la la parte de combustible (...) el combustible como sabemos que Brasil no es un pais petrolero (...) entonces para / para ellos es dificil / es muy costozo el combustible (...) Venezuela es uno de los paises en el mundo que tiene el precio de combustible muy bajo / muy barato (...) inclusive para nosotros baratisismo (...)el precio del combustible y para los brasileros por supuesto es sumamente económico (...) eso ha generado un comércio aquí ii/ ilegal que era como llaman o llamaban vulgarmente los talibanes (...) que son las personas que se dedican a vender combustible fuera de /de / del centro “erocition” determinado por la ley para le/vender combustible (...)

esto generó por supuesto una economía muy importante para Venezuela y para brasilero (...) hay ciudadanos / espero que esto no no delate a nadie no (...) simplesmente mencionan a las otoridades (...) esta es la parte investi / investigativa (...) yo soy investigador también y nuestros hermanos jamás (...) solo muy discretamente no(...) ese comércio tambien es muy

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

113

importante para ciudadano brasilero (...) hay muchos que se transladan de la ciudad de Boa Vista hasta aca y lo unico que hacen es llenar su /su carro de combustible full (...) van omentar en Boa Vista y lo venderlo a un precio y(...) acecible muy fructífero para ello (...) pues según las partes yo no sé se se llamaran de nagativo o positiva de/de un comércio ilegal que existe aca (...)eeeh / existe otro tipo de comércio fuerte se que es la parte (...) como /como /como es todo / como Santa Elena de Uairén en el año / el año mil noviciento novienta y se/ sei adelante (...) es un proyecto para aclarar un porto libre (...) eeh en el año dos / mil noviciento novienta y ocho aproximadamente se materializó y hoy en dia es un porto libre (...) entonces estamos exonerado de lo que son impuestos no(...) entonces (...)esto también es muy económico (...) pero eso tiene una /unas restriciones si no si puede sacar mucha mercancia si nooo lo que esta estipulada por la ley y asi aseñato y quien hace esas regulacione (...) entonces esto también é utilizado tanto por venezoelano como como brasilero (...) como como comércio ilegal y si saca mas de lo que tiene que sacar y eso por supuesto es muy fructífero no (...) de hecho (...) aquí en Venezuela eh una época / una época de tee olando (...) ya hace unos seis años aproximadamente que venian muchos ciudadanos dee/venezoelanos de /de otras regiones / de otro pais especialmente por todaaaa verles a olhar (...) a comprar mercancias y se la llevan en grandes cuantidades para ganar (...) sacarles provecho a eso (...) hoy en dia se hace con las bebidas alcolicas no ééé (...) buen (...) eso también lo utilizan mucho los ciudadanooo brasilero como parte de esa economia ... parte de ese movimiento (...)

encuanto la parte turística considero como ciudadano venezoelano que el / el turista brasilero es muy mal tratado (...) eh (...) estafado / podría decir eeeh se aprovechan de /de/ de esta situación para quitar el dinero (...) nuestras otoridades no son respetuozas coon el ciudadano brasilero (...) le faltan mucho respeto (...) eh fue una parte de la idiosincrasia (...) pues la cultura eh / propia venezoelano y nuest / nuestra otoridades (...) lamento decirlo pero es así (...) é como una especie ya de cultura no é (...)dizer que nooo con queee no cae en corrupción e que no estar (...) faz que no le quitan el dinero otro para permitile es que no (...) simplesmente por molestarlo (...) entonces no no estar pues (...)como se si sin alegación o en la cultura en la corrupción (...) pues forma ya de una idiosincrasia (...)considero que brasilero es muy /muy maltratado (...) asi no/no es tratado como debe ser pues (...)debe ser tratado un ciudadano y cualquier ciudadano (...) no indistintamente tem que ser brasilero o no ser brasilero (...) todo ciudadano tiene el derecho a ser respetado no (...)

y/yo cuando/ cuando me toca viajar aun siento esa indiganación (...) no porque meu trayecto de Santa Elena pasa en la Bolívar (...)as veces yo he tenido que dá/atravesar hasta veente alcabalas no (...) y eso tanto me molesto (...)yo/voy (...) me / as veces me pongo en el papel de un turista y debe ser muy incomodo aca a pessoa e todo cuando es estrangero (...) abre las maletas y registren esa impresión (...)son muy incomodo (...)

entonces considero que (...)por esa parte Venezuela no ha crecido (...) no no en el queeee real / el trato al turista (...)y eso queee / y eso de tenemos aquí universidade (...) yo como representante de una universidad para la cual trabajo (...)que esta enseñandooo (...) todo que tiene que ver con el turismo (...) se ha hecho una nueva carrera en tecnologia en turismo (...)eso no / no cala (...) buenooo (...)no llega a la persona (...) nooo falta mucho en Venezuela para que podrá acoplarse (...)pues lo que es una idea eeeh a lo que es una normativa no (...)Venezuela (...)como sabemos sobre todo la gran savana es una región muy velha (...)son naturaleza muy velha y no no sabemos la historia ooo nuestra otoridade no saben aprovechar (...) ellos no saben sacarle el provecho económico que eso tiene (...)as veces es con dolor que se vano otras nacionalidades / sobre todo alemanes vienen para caaa sacan información (...)hacen publicaciones y nosotros duele pañarles (...)en /en cuanto

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

114

a investigación (...) aquí hay investigaciones que se hacen en en ciencias eh in eles se van franceses aaa ucaren espécimenes (...) no so sobre todo ai un espécimen mayor cascabel (...) no serpiente venenosa (...) eh vienen a sacar un un / llevar esa espécimen para su país para hacer los estudi y producir loo/ los venenos y sueros específicos para eso (...) también existe aquí en Venezuela / aquí en la gran zoana ha una biodiversidad eh que é exotica (...) no é yyy endémica de zoana iii /iso se /se apresta ahora en un comércio ilegal (...) isso lo lo vemo aquiii (...) é muy comun lo / lo / uno no le denuncia pero eso no / no llega nenhum y uuu no coo e /correr el riesgo / no meterse en problema (...) mania de ser perseguido (...) no lo que hace tratar que ha se callar (...)

omitir (...)pero porque (...) entonces yo no se hace nada imagina al contrario (...) tener un problema (...) esa é laaa / esa é la parte / la parte que me va servir (...) ah (...)uh en (...) cuanto ah (...)a la / a la vida en /en nosotros aquí en comu /como ciudadanos comune el trato entre nosotros é muy cordial brasilero y venezoelano muy verdadero / verdadero eh (...) e si e si / si tien un tiempo una incomodidad otoridad solecitano queee el pase hacia a la ciudad de Boa Vista cuando nos solicitan pasaporte no (...) Entonces nos deciamos cómo que se estamos en una frontera Boa Vista es tan cerca (...) nos piden pasaporte y ahora isso ya estaaa (...) exonerado (...) no simplesmente ya se ya es una solicitu./un permiso (...) no paso (...) porque somo muy /muy cercanos (...)

entonces (...) eso se deben tratar los ciudadanos brasileros (...) ten una experiencia muy interesante (...) ahorita se estan sacando una cedula (...) brasilera para Venezuela no (...) un convenio que se dice ahora que en venezoela es otra cosa (...) Brasil cumple con las normativas / másVenezuela no cumple con las normativas (...) cuando se firmó ese convenio (...) de intercâmbio de lo / lo que llamó una cedula fronteriza (...) Brasil cumplió (...) y queee / y quedé impresionado con el trato que me dio la / la persona que me atenció (...)la/la policia federal (...) si un trato queee nooo yo /yo pensé que tá en europa (...) pensé queee si na cosa (...) eh (...) me sentiii incomodo por la amabilidad (...) no por laaa / por lo otro no (...) si nooo la maioridad eran ciudada (...) deee / e se tiene (...) una / están preparados para el cargo/ para ese cargo (...) realmente (...) o cargo é servicio (...) eh ser(...) sa(...) sa/ ser/ servidor é eso pues siii respetar a las personas y atender (...) pues realmente (...) porque para eso é é contratado (...)un cargo como tal (...) bueno (...)en cuando volviendo al tema de lo (...) del tal trato aquiii é muy /nosotros somos muy respetuosos (...)por issi mismo somo muy verdadero (...) claro/salvo lo quee tedijen de laaa / del mal trato son generalmente por parte de otoridades nuestras y sobre todo sacandole / bucando dinero (...) ti tee gaaar siii/ teee (...) tu ahorita va a Santa Elena y te dales cuenta generalmente brasilero le abren las maletas (...)lo carro (...) lo revisan no (...) claro (...)ellos tiene un modo operandi (...)no iii eso dependeee (...) también de la ciudad no seee (...) si lo pueden hacer o no puden hacer (...) é una manera deee (...) é judaico (...) botar erro na cultura (...) mas o meno eso (...) una próxima hoy (...) .

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

115

APÊNDICE 4 SUJEITO 4: Tomé Nacionalidade: Venezuelana Idade: 27 anos Vive em Santa Elena de Uairén há dez anos Duração: 8min56s Pesquisadora: Como é a vida na vida na fronteira?

S4: Eu pouco tempo tem vivendo aca (...) em Santa Elena de Uairén (...) eh (...) la//la/la vidaaa no /no /no es mala(...) no es mala (...) se convive eeeees / es como se dice eh ya sendo nuevo/nuevo aca eu tenido muy/muy buenas referencias/muy buenas referencias (...) eh hum estamos aca hacc/fazendo este curso de portugués paraaaaa tener una/una razón mais/mais compenetrada com o que es eh Brasil aca en la fronteira(...) eh

profesionalll (...) eh soy graduado en educação música (...) eh estão fazendo acá também tenemos um/um proyecto(...) acá en Santa Elena do Uairén paraaaa integrar o hacer la creación de un coro/ de un coro acá en Santa Elena de Uairén que me gustaría también (...) traerlo acá a Brasil (...)

en poco tiempo que he vivido acá en Santa Elena me ha parecido muy /muy /muy bueno /muy bueno el cambio okey uno se tiene que adaptar y eso (...) acá en la línea muy tranquilo eh la fronteraaa no es mucho el paso que he tenido simplementeeeee en estos seis meses que he vivido acá he notado pues queee son muy /muyy eh (...) cómo explico (...) acá pues el venezolano es muy/muy bien/muy bien recebido (...) acá en la frontera de Santa Elena deee Santa Elena de Uairén connnn nuestro país hermano Brasil (...) esteee hum (...) qué mas puedo decir eh (...) eeeh no sabría / no sabría / no sabría cómo compenetrarme con esto / con esto que estamos haciendo / este trabajo que estamos ahorita de queee / el curso para extranjeros / nosotros que estamos aprendiendo bastante (...) claro (...) ya no / no esteee (...) todavía no sé hablar muchoo portugués (...) no sé pero estoy tratando las palabras me llegan pero (...) y eso es (...) estoy tratando de lo que es comprender y entender el idioma queeee (...) no es tan fácil / no es tan fácil (...) todos lo ven fácil peroooo tiene su/su/su como todos los /como todo los idiomas tienen su/ su/su grado de complicación (...) y eso (...) tratando y esperando pues deeee (...) en este/en este proceso (...) en nuestra estadia acá de San/ de estar en Santa Elena de Uairén y de estar en frontera con Brasil (...) tener una muy buena relación pues con lo que es / con /con las personas y estar pues de esteee / de este pais por lo menos acá en Pararaima(...) /eeeh (...) es poco tiempo perooo / pero esperamos hum (...) buscar dar clases también acá en el estado de Paca / estado de Pacaraima / Roraima eeeh ir a la universidade tambíén a ver si hacemos un post-grado (...) estamos en esa / esa via en esaaaaaa hum cómo se dice eh (...) ahhhh se me fue la palabra (...) bueno ehhh (...) que estamos pues en processo de eseee / de ese movimento por ejem/ de estar en la fronteraaaaa /dee estar en Brasil (...) en Boa Vista ya seaaaa (...) exactamente eso (...)

Pesquisadora: Como é a relação entre brasileiros e venezuelanos?

S4: El trato es biennn (...) es bueno o sea claro (...) no sé me imagino queee por la/la/la cuestión de no hablar el idioma así comoooo el brasilero o el venezolano eh no se comprenden sería por eso pero yo creo que todos (...) teniendo una buenaaaaa/ una buena educación pues de lo que es (...) hum de las dos hablas (...) ya sea española ya sea la habla eh d/del portugués (...) sería una mejor / sería una mejor compenetración para lo que sería acá en el estado en la frontera (...) lo que sería fronteras de Santa Elena de Uairén con Paracaraima (...) si se tiene una mejor educación por ejemplo (...) con respecto al idioma (...) queeee el brasilero aprenda un poco más el español y elll venezolano aprenda elll (...) portugués (...) eso / eso (...) peroooo del resto lo que es hum (...) la convivencia yo creo que

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

116

es buena / es muy buena la convivência que tienen acá el venezolano con el brasilero eh es buena y bueno seguir adelante pues (...) eso

Pesquisadora: Os brasileiros freqüentam Santa Elena?

S4: Sí la frecuentan claro más que todo cuandooo están en fiesta en feria están en hum en Brasil (...) más que todo en esa época que tienen vacaciones o es que frecuentan más lo que es la parte de Santa Elena de Uairén en la parte de Venezuela (...) sí hay más personas (...) lo que es turistas o personaaaas que ya sea que yaaa tienen familiares allí (...) sean brasileros sean venezolanos (...) pero más que todo en esa época (...) en esas fechas (...) es que ellos frecuentan más lo que es la parte de/de Venezuela Santa Elena de Uairén (...)

Pesquisadora: Os venezuelanos vêem muito ao Brasil?

S4: Vienen] (...) sí vienen mucho bueno por lo menos a esta parte de Pacaraima (...) vienen bastante / vienen bastante (...) ya sean los turistas (...) claro estee também las personas que viven acá en Santa Elena sí/sí/sí veo bastante movimiento hacia acá hacia la línea (...) hacia acaaaa (...) hacia la frontera (...) y ve (...) pero más que todo los turistas/turistas/turistassiempre de/deee es como recíproco (...) de /deee Brasil a Venezuela y de Venezuela a Brasil.

Pesquisadora: Quanto à língua portuguesa, o que é mais difícil?

S4: Con respecto al idioma portugués yo creo que lo más difícil es el habla/el habla de/del idioma /perooo (...) a la vez (...) es difícil (...) no sé por lo menos a mi me pasa es queeee (...) cuando voy a decir alguna palabra (...) alguna cosa (...) eeeh (...) tengo cómo decirla pero no me sale (...) no lo digo (...) sería el habla porqueee de entender uno escuchando poco con paciencia se entiende (...) sí se entiende (...) peroooo a la hora del habla es que se/se complica un poco más (...) entonces eso (...) el idioma (...) del resto

Pesquisadora: Você gosta de português?

S4: Sí peroooo (...) si fuese un poco más seguido para mí/para mí/para mí /para mí que no viajo tanto hacia acá hacia la línea queeee lo que viajo es poco esteeee lo que me hacía falta es tener más contacto/más contacto con el habla /con el idioma eeeh (...) escuchado todos los días (...) tratar de hablarlo para poder ver (...) asimilar más lo que es el idioma (...)

Pesquisadora: PESQ.: O que você pretende pro futuro, após aprender língua portuguesa?

S4: mira mucho (...) para una persona aprender varios idiomas es como queee (...) bueno para mí pues es como queeee sentirme bien (...) pues porqueee (...) no es solo que se de /de/de/del idioma (...) sino que me voy compenetrando con lo que es la cultura (...) eeh con lo que es el/el elll la linguística del idioma (...) sería la história del estado también (...) según (...) se vive compenetrando con eso (...) porque no es simplemente aprenderdo/aprenderdo/aprenderdo (...) sino aprender y aprender del país (...) de sus creencias (...) eso de sus vivencias y de todas esas cosas (...) eso/eso es lo más importante que creo yo en este aspecto de este caso

Pesquisadora: Como é a sua vida em Santa Elena?

S4: ¿Eh? ¿cómo vivo?

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

117

Pesquisadora: Hum/hum

S4: Bueno (...) yo ahoritaaa (...) estamoooooos (...) yo llegué a la casa de/de/de /de mi esposaaaaa de m/ de/ de/de su mamá esteee ya ahorita estamos hum en un proceso de mudanza en una casaaaaa y eso (...) y entonces estamos haciendo los preparativos para eso ¿no? sí yo vivo con mi esposa y (...) por el momento con mi esposa y mi suegra (...) ahorita por el momento peroooo estamos ya en vías deeee cambiar de casa/ de hogar y de vivir con mi esposa

Pesquisadora:

S4: No hay problema

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA … · Brasil/Venezuela determinando uma relação de proximidade, cuja intensidade é condicionada pelos vínculos relacionais que

118

APÊNDICE 5

ROTEIRO DA ENTREVISTA

1) Como é a vida na vida na fronteira?

2) Onde você estudou?

3) Por que está estudando Português?

4) O que você pretende pro futuro, após aprender língua portuguesa?

5) Com relação à cultura, brasileiros e venezuelanos se parecem?

6) Com relação à língua, você gosta de Língua Portuguesa?

7) Que tipo de relação existe entre brasileiros e venezuelanos?

8) Como é esse convívio hoje entre brasileiro e venezuelanos?

9) O que você pretende pro futuro, após aprender língua portuguesa?

10) O que você faz em Santa Elena de Uairén?

11) Você usa a língua portuguesa no seu dia-dia?

12) Os brasileiros freqüentam Santa Elena?

13) Os venezuelanos vêem muito ao Brasil?

14) Quanto à língua portuguesa, o que é mais difícil?

15) Você gosta de português?