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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA POLITÉCNICA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA URBANA ALESSANDRA RIBEIRO NOWICKI A CIDADE EM JOGO. O RESULTADO DAS OLIMPÍADAS: RIO DE JANEIRO, CIDADE MARAVILHOSA? Rio de Janeiro 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA POLITÉCNICA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA URBANA

ALESSANDRA RIBEIRO NOWICKI

A CIDADE EM JOGO. O RESULTADO DAS OLIMPÍADAS: RIO DE JANEIRO,

CIDADE MARAVILHOSA?

Rio de Janeiro

2015

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ALESSANDRA RIBEIRO NOWICKI

A CIDADE EM JOGO. O RESULTADO DAS OLIMPÍADAS: RIO DE JANEIRO,

CIDADE MARAVILHOSA?

Trabalho de Conclusão apresentado ao CURSO DE

ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA URBANA, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Especialista em

Engenharia Urbana.

Rio de Janeiro

2015

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Ficha Catalográfica

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola Politécnica.

Curso de Especialização em Engenharia Urbana

A cidade em jogo. O resultado das Olimpíadas: Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa?

Cidade do Rio de Janeiro

por Alessandra Ribeiro Nowicki – Rio de Janeiro, 2015

50 p. Trabalho de Conclusão – 2015

1. Cidade-empresa. 2. Cidade de exceção. 3. Legado

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ALESSANDRA RIBEIRO NOWICKI

A CIDADE EM JOGO. O RESULTADO DAS OLIMPÍADAS: RIO DE JANEIRO,

CIDADE MARAVILHOSA?

Rio de Janeiro

2015

_______________________________________________

Orientador, Prof. Jorge Natal, D. Sc.PEU/UFRJ

_________________________________________________

Coordenador, Prof Rosane Martins Alves, D. Sc. PEU/UFRJ

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

1.1 Considerações Iniciais

1.2 Objetivo

1.3 Justificativa

1.4 Metodologia

1.5 Estrutura do Trabalho

2 POLITICAGEM EM CENA

2.1 Rio de Janeiro sede das Olimpíadas de 2016 – Da euforia à realidade

2.2 Vinte anos de construção do conceito cidade espetáculo

3 CIDADES EM SÉRIE – MODELOS DE URBANIZAÇÃO

3.1 Os Megaeventos, com destaque para o modelo Barcelona, no planejamento estratégico

das cidades.

3.2 A Zona Portuária em foco

3.3 O projeto Porto Maravilha

4 CIDADE EM ALERTA

4.1 Tentativa de Fuga das Cidades Rebeldes

4.2 A virada de jogo

5 CONCLUSÃO

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1. INTRODUÇÃO

1.1 Considerações Iniciais

O trabalho visa compreender como a dinâmica de um local pode ser influenciada pela

presença de megaeventos. Nesse contexto, o Rio de Janeiro foi escolhido como objeto central

de estudo por sediar os Jogos Rio 2016. Algumas cidades foram tomadas como base, como

Barcelona e Boston, por terem elaborado planos políticos, sociais e econômicos que

modificaram a estrutura de espaços já consolidados, sendo replicados como cópias de

modelos de eficiência em diferentes localidades pelo mundo. Esses modelos, todavia,

mostraram-se frágeis ao longo do tempo e ignoraram os diferentes contextos históricos de

cada região.

Foi constatado ainda, um histórico de políticas de gestão de governos implantados, há

mais de vinte anos, na cidade carioca, ambicionando abrigar megaeventos. Os Jogos Pan-

Americanos em 2007, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 foram o resultado

desse projeto. Ao sediar megaeventos, o Rio de Janeiro atraiu um grande volume de empresas

nacionais e multinacionais, que teve efeitos perversos para grande parte da população. A

especulação imobiliária, a gentrificação e o desemprego crescente foram consequência de

anos de mandatos para uma cidade-empresa.

Como legado positivo, a ativação da cidadania na luta pelos direitos iguais pôde ser

vista nas manifestações que ganharam destaque no cenário brasileiro a partir de 2013. As

prisões de líderes de instituições esportivas, em maio de 2015, sinalizam uma mudança na

visão de órgãos inquestionáveis anteriormente como a Fifa e o Comitê Olímpico

Internacional. Por trás dos holofotes olímpicos, os bastidores envolvendo negociações e

verdadeiros cartéis formados passaram a ser mais nítidos para a população, que não têm a

mesma aceitação inicial. Os escândalos de corrupção e o alto índice de desemprego causam

indignação social. O panorama dos jogos está em transformação e as consequências positivas

e negativas são cada vez mais claras. Nesse contexto, novas possibilidades são abertas num

quadro de transformação da situação atual da cidade.

1.2 Objetivo

O trabalho busca abrir discussão sobre o resultado de políticas de gestão urbana que

proporcionam a entrada massiva de capital e investimento para as cidades, deixando-as a

mercê da especulação imobiliária. Os projetos urbanos para abrigar os Jogos Rio 2016 não

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procuraram resolver os principais problemas da cidade como o transporte e a baixa qualidade

de moradia e serviços. Ao traçar um panorama das propostas que estão sendo realizadas para

o Rio de Janeiro, é possível avaliar que as desigualdades sociais continuam a se espalhar

juntamente com os condomínios criados com o Parque Olímpico e o campo de golfe na Barra

da Tijuca.

Ao aproximar a sociedade das questões urbanas, o sentimento de pertencimento torna-

se mais aguçado. As grandes transformações na história dos povos são fruto dos movimentos

populares de massa em reivindicação ao contexto vigente. As manifestações nas ruas pelo

Brasil aparecem como caminho para transformações na gestão política dos governos. A

transparência nas contas das propostas lançadas está sendo cobrada e a força judicial está mais

próxima da população. Já há indícios de novos rumos e esse é o principal objetivo.

1.3 Justificativa

O planejamento urbano deve ser pensado desde a estruturação inicial das cidades,

promovendo espaços de moradia, lazer e trabalho integrados, evitando grandes deslocamentos

diários. No entanto, o que se observa é que grande parte das cidades cresceram

desordenadamente sem um planejamento eficaz. Núcleos de trabalho e centralidades estão

muitas vezes afastados das residências, de modo que as distâncias percorridas são extensas.

Ao sediar um megaevento, algumas cidades têm uma oportunidade de repensar questões

estruturais de fluxo e organização espacial com investimentos nacionais: dos poderes

municipal, estadual e federal, além da esfera internacional.

Ao projetar para as cidades faz-se necessário transitar pelos diversos campos:

histórico, político, social, econômico, de infraestrutura, habitacional, etc. Essa gama de

agentes está entrelaçada e guia a dinâmica dos espaços urbanos e da sociedade. Analisar

criticamente os projetos e investimentos para a cidade carioca é uma forma de pensar

alternativas a curto e longo prazo para enfrentar os problemas diários da urbe. No

planejamento urbano, a cidade juntamente com sua população são os pacientes principais a

quem deve se propor melhorias. As melhorias devem ainda ser vivenciadas por grande parcela

da população. No Rio de Janeiro, uma minoria foi favorecida pelos planos urbanos para as

Olimpíadas de 2016. Os cidadãos perceberam e passaram a protestar. Resta saber quando a

grande maioria da população será assistida.

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1.4 Metodologia de trabalho

O município do Rio de Janeiro, desde 2007 com os Jogos Pan-Americanos, recebeu

eventos em série como ainda a Jornada Mundial da Juventude em 2013, a Copa das

Confederações em 2013, Copa do Mundo de 2014 e, no próximo ano, as Olimpíadas de 2016.

Esses megaeventos foram pontos chave para a elaboração de políticas de governo de

planejamento urbano estratégico. Analisando projetos e proposta em curso para a cidade, uma

ampla rede de debates e fóruns foi alavancada, organizada por pensadores com a participação

popular. Alguns nomes internacionais ainda ganham destaque como críticos a grandes

instituições, ao capitalismo avassalador e as cidades mercadológicas. Dentre importantes

nomes de destaque citados ao longo da narrativa têm-se:

Andrew Jennings: premiado jornalista investigativo escocês e autor do livro “Jogo

sujo, o mundo secreto da Fifa”, entre outros. É, ainda hoje, o único repórter no mundo banido

das coletivas de imprensa da Fifa.

Carlos Vainer: professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e

Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur-UFRJ) e coordenador da Rede de

Observatórios de Conflitos Urbanos e do Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual. É

coorganizador de “A cidade do pensamento único” (Vozes, 2000), dentre outros.

David Harvey: britânico, professor de Antropologia da Pós-Graduação da

Universidade da Cidade de Nova York (The City University of New York),foi professor de

geografia nas Universidades de Johns Hopkins e Oxford. É um dos marxistas mais influentes

da atualidade.

Ermínia Maricato: professora do curso de pós-graduação da Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e professora visitante do

Instituto de Economia da Unicamp. Formulou a proposta do Ministério das Cidades como

ministra adjunta (2003-2005). É coorganizadora de “A cidade do pensamento único” (Vozes,

2000), dentre outros.

Glauco Bienenstein: arquiteto e urbanista pela UFF, mestre em Geografia pelo

Instituto de Geociências da UFRJ, doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo Ippur-

UFRJ, professor associado do Departamento de Arquitetura da Escola de Arquitetura e

Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFF.

Henri Lefebvre: filósofo e sociólogo francês; realizou profundas análises sobre o

marxismo. Escreveu obras em que retrata estudos referentes ao espaço urbano como “O

direito à cidade”, “A revolução urbana”, dentre outras.

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Francesc Muñoz: doutor em Geografia e professor de Geografia Urbana pela

Universidade Autônoma de Barcelona, diretor do Observatório Urbano de Planejamento da

mesma universidade, professor convidado em universidades da França, Itália e Reino Unido.

Jordi Borja: geógrafo planejador espanhol; atua ainda na consultoria de planos

estratégicos para cidades. Chefe do Departamento de Gestão de Cidades e Planejamento

Urbano, professor da Universidade Aberta da Catalunha, diretor do Mestrado em Gestão

Urbana na Universidade Politécnica da Catalunha.

Nelma Gusmão de Oliveira: doutora em Planejamento Urbano e Regional pelo Ippur-

UFRJ, professora adjunta da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e pesquisadora

associada ao Laboratório Estado Trabalho Território e Natureza do Ippur-UFRJ.

Oriol Bohigas: arquiteto e urbanista catalão; doutor em Arquitetura pela Escola

Técnica Superior de Arquitetura de Barcelona (ETSAB); um dos fundadores do Grupo R, em

que promovia as novas tendências arquitetônicas do mundo; criador do estúdio de arquitetura

MBM Arquitectes juntamente com David Mackay; membro do Partido Socialista da

Catalunha; diretor da Escola de Arquitetura de Barcelona. Ganhou prêmios como a Medalha

de Ouro de Arquitetura em 1990, o Prêmio Nacional de Arquitetura em 2006, dentre outros.

Otília Arantes: filosofa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestra em

Filosofia pela Universidade de São Paulo, doutora em Filosofia pela Universite de Paris e

Livre Docência pela Universidade de São Paulo. Ministrou cursos na PUC-SP, na Faculdade

de Arquitetura e Urbanismo e no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.

Presidiu o Centro de Estudos de Arte Contemporânea (1979-1992).

Raquel Rolnik: arquiteta e urbanista, além de professora da FAUUSP. Foi relatora

especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o direito à moradia adequada (2008-

2014).

1.5 Estrutura do Trabalho

Como procedimento metodológico, o estudo inicia com o anúncio do Rio de Janeiro

como sede das Olimpíadas de 2016 com algumas consequências já anunciadas para a

população da cidade. Um descritivo com as políticas urbanas, desde a década de 1990, aponta

uma mesma linha de governo aplicada ao município para a atração de capital externo e

embelezamento da cidade com o intuito de trabalhar a imagem urbana. Ao chamar técnicos

catalães para elaboração de planos estratégicos na cidade carioca, já fica claro a busca pela

aplicação de modelos de planejamento consagrados.

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Após o anúncio dos Jogos Rio 2016, um apanhado de projetos para a cidade é feito de

forma a analisar criticamente às áreas mais assistidas e o público atingido. Uma parcela

significativa da população fica de fora dos principais projetos urbanos. O modelo Barcelona,

então, é apresentado, inicialmente, com seu cunho social e, num momento seguinte, com uma

série de privatizações e especulação imobiliária de áreas estratégicas. Algumas semelhanças

podem ser vistas entre o projeto catalão e o carioca. Ainda no que se refere às propostas

urbanas, a revitalização portuária do Rio de Janeiro segue padrões vivenciados por outras

cidades no mundo como Boston, Baltimore e a própria Barcelona. O que se busca é o enfoque

turístico e cultural de áreas que perderam a função portuária numa mudança de uso do solo do

porto do Rio.

Nos capítulos seguintes, é retratado como, diante da série de projetos em execução no

município, o apoio popular modificou. A aceitação inicial para sediar as Olimpíadas, agora dá

lugar às reivindicações pelos direitos sociais. Manifestações populares ganharam força a partir

de 2013. A corrupção de empresas e prisões de líderes de órgãos esportivos abalou a imagem

de grandes instituições. Como consequência desse processo, empresas entraram em crise

financeira e o desemprego é crescente. O legado já começa a ser visto. A população ainda não

lucrou, mas a luta de grupos sociais aponta para uma mudança no cenário político brasileiro.

Por fim, uma conclusão é elaborada em resposta ao legado esperado para a cidade atendendo

a questão central: Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa? O incentivo à participação popular

aparece como grande necessidade para a modificação do cenário constituído.

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2 POLITICAGEM EM CENA

2.1 Rio de Janeiro sede das Olimpíadas de 2016 – Da euforia à realidade

Em uma cerimônia com mais de dez horas de duração e a presença de grandes

autoridades como o presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, em Copenhague

(Dinamarca), o Rio de Janeiro vence a eleição para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Diante

do pretexto de levar as Olimpíadas para um continente onde os jogos são desconhecidos, a

Cidade Maravilhosa com suas belezas naturais é exaltada aos olhos do mundo. As autoridades

políticas brasileiras e líderes do esporte vibram entre abraços acalorados. Parecem já

dimensionar o capital injetado no país.

Enquanto isso, nas areias de Copacabana, uma arena montada pela prefeitura abrigava

uma multidão que via do telão o resultado anunciado. Com shows oferecidos gratuitamente,

os cariocas comemoravam a vitória da cidade frente seus adversários: Chicago, Tóquio e

Madri. A festa, que começara na sexta-feira, iria se estender até o domingo na Arena de

Copacabana. Após três tentativas frustradas para as edições dos jogos de 2004 e 2012, o Rio

de Janeiro vence a candidatura e, enfim, comemora seu feito.

Os cenários são de perfeita comunhão. Autoridades políticas e a multidão de cariocas

em harmonia para colocar a Cidade Maravilhosa na vitrine do mundo. No entanto, cabe a

pergunta: Quem de fato ganha com o evento esportivo? O Comitê Olímpico Internacional

Figura 01: Festa em Copenhague da comissão

Fonte: http://veja.abril.com.br/multimidia/galeria-

fotos/rio-2016/

Acesso em 29/03/2015

Figura 02: Festa na Arena de Copacabana

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/esportes.

Acesso em 29/03/2015

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(COI)1 lucra sem riscos; as empresas envolvidas nas construções e no mercado imobiliário

lucram com riscos reduzidos diante da atuação pública; o Estado ganha prestígio político-

eleitoral e a imensa maioria da população perde, vendo as desigualdades se acentuarem.

A parceria público-privada atua em conjunto para valorizar a imagem da cidade e

atrair investimentos. Segundo o geógrafo britânico, David Harvey (2011, p.16), ao falar do

empreendedorismo urbano afirma que o governo atua de modo a “privatizar os lucros e

socializar os riscos; salvar os bancos e colocar os sacrifícios nas pessoas”, em alusão ao

processo em que o setor público assume os riscos e o setor privado detém os benefícios. O

Estado permite isenções fiscais, fornece subsídios públicos, mão de obra barata, atenua

legislações ambientais para a atuação das empresas privadas. Como resultado desse processo,

a cidade sofre com a especulação imobiliária, as desigualdades sociais e a gentrificação. A

população local é a mais prejudicada, já que precisa buscar novos espaços de moradia cada

vez mais afastados dos locais, onde a infraestrutura é implantada.

No entanto, deve-se lembrar, que o modelo elaborado para o Rio de Janeiro de

políticas urbanas para promoção do município frente o mercado internacional teve início nos

anos 1990. De modo geral, espalhou-se pelas cidades a ideia do urbanismo do espetáculo

como aponta Ermínia Maricato, professora de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Os governos locais afirmavam que

obras de requalificação urbana eram necessárias para tornar as cidades competitivas no

mercado global. Assim, os recursos públicos são injetados em massa para o mercado

imobiliário, enquanto as políticas sociais são deixadas em segundo plano. Nesse contexto,

grandes obras arquitetônicas assinadas por profissionais renomados são construídas como

símbolo do desenvolvimento. O embelezamento do espaço ajuda a compor a imagem bem

sucedida da urbe para as autoridades políticas. Em crítica ao processo vigente, Ermínia

Maricato cita: “não adianta fazer o urbanismo do espetáculo, passando por cima de décadas de

demandas atrasadas”, chamando a atenção para o direcionamento equivocado do capital

investido.

Regressando um pouco na história, já entre os anos 1970 e 1980, observou-se no

mundo, a emergência da globalização neoliberal guiando o novo ideário de planejamento

urbano. A abertura do espaço ao setor imobiliário e os projetos de infraestruturas e serviços

entram em foco. Esse processo é ainda mais nítido nas cidades de capitalismo periférico, que 1 O Comitê Olímpico Internacional é uma organização não-governamental criada em 1894 pelo francês Barão

Coubertin com a finalidade de reinstituir os Jogos Olímpicos realizados na Grécia Antiga. O órgão atualmente é

responsável por administrar e legislar sobre os jogos e são detentores da marca olímpica.

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nunca tiveram a “plenitude” dos direitos sociais. As práticas de desregulamentação,

flexibilização e privatização governam o urbanismo. A professora Ermínia Maricato fala em

mais mercado, menos Estado, ou seja, menos Estado para investimentos em políticas sociais,

mas mais Estado para proteger e sustentar as forças do mercado. A cidade atua como uma

“máquina urbana de produzir renda”. Ela deve conter equipamentos e serviços exigidos pelas

cidades globais e assim competir com elas. Numa mesma linha, Harvey afirma que o declínio

do poder público no controle do fluxo monetário internacional impulsionou a entrada das

grandes empresas privadas numa política que busca maximizar a atratividade local para o

desenvolvimento urbano. O regime de “acumulação flexível”, segundo Harvey, é a marca da

transformação na administração urbana neoliberal.

2.2 Vinte anos de construção do conceito cidade espetáculo

No Rio de Janeiro, desde o primeiro governo do ex-prefeito César Maia (1993-1996),

procurou-se implantar um novo padrão urbano de desenvolvimento. César Maia juntamente

com seu aliado Luiz Paulo Conde, Secretário Municipal de Urbanismo, enfatizavam a ordem

urbana e a gestão financeira eficiente e competitiva da cidade, vista como empresa, para

reverter o quadro da “crise urbana”2 instaurada. Luiz Paulo Conde incentivou o prefeito a

contratar a empresa catalã TUBSA (Tecnologies Urbanas Barcelona S.A.) liderada por Jordi

Borja e Oriol Bohigas3 para elaborar o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro.

Através de intervenções urbanas pretendiam requalificar o espaço público e melhorar a

infraestrutura local. Na política de intervenções urbanas do governo carioca nesse período,

cabe destacar a criação da Linha Amarela como importante obra de infraestrutura. Segundo o

arquiteto Zeca Brandão (2002):

“após um período de total desvalorização do planejamento na década de 1980,

quando muitos projetos urbanos foram concebidos de forma isolada e conduzidos

pelo setor privado, ressurge na década de 1990 o reconhecimento da relevância do

poder público no controle do desenvolvimento urbano. São vários os modelos de

2 Luiz Paulo Conde e César Maia elaboraram um diagnóstico para a o Rio de Janeiro concluindo que a cidade

vivia uma “crise urbana” caracterizada pela ausência de controle do uso do solo; disseminação da violência e

insegurança; ocupação desordenada de alguns locais; degradação do espaço público; esvaziamento sócio-

econômico de determinadas áreas; que justificavam a adoção de um sistema de ações públicas para a cidade

como o Programa Favela-Bairro e Programa Rio-Cidade para recuperação urbana.

3 Jordi Borja e Oriol Bohigas lideram o modelo de planejamento estabelecido em Barcelona para as Olimpíadas

de 1992, símbolo de sucesso pelo mundo.

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planejamento urbano que reivindicam o lugar antes ocupado pelo desacreditado

Plano Diretor. Entre eles, o planejamento estratégico se destaca como um dos mais

difundidos.”

O Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, conhecido como “Rio Sempre Rio”,

foi formulado em 1993 por meio de um consórcio empresarial liderado pela Federação das

Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) e a Associação Comercial do Rio de Janeiro

(ACRJ) com assessoria de técnicos catalães na Direção Executiva do Plano. O consórcio tinha

como desafio transformar a cidade segundo a nova ordem econômica internacional e elevar a

o município ao patamar de cidade global. A nova administração urbana, conforme o arquiteto

Glauco Bienenstein (2001, p.83), procurava “resgatar a centralidade da cidade do Rio de

Janeiro no ideário da urbanização brasileira, cuja posição havia sido perdida e/ou obscurecida

para a cidade de Curitiba (período Jaime Lerner)”. O que se observou, porém, foi um mosaico

de projetos vendidos sem pensar no município como um todo, acarretando o aumento das

desigualdades sócio-espaciais. Bienenstein (2001,p.78) afirmava “no rol dessas parcerias se

inscreveram aquelas iniciativas concentradas no desenvolvimento pontual e, não mais (...)

centradas no território, visando a melhoria das condições de determinado grupo sócio-

geográfico de maior porte.”

Em 1996, a Prefeitura do Rio de Janeiro lançou sua candidatura à sede dos Jogos

Olímpicos de 2004. O evento era visto como grande oportunidade para inserir o município de

vez no mercado mundial contando ainda com o apoio popular. Apesar da série de projetos

urbanísticos em curso, a tentativa de sediar os jogos foi fracassada. Todavia, mesmo com a

frustração gerada, o fato chamou a atenção para a necessidade de priorizar uma estratégia de

marketing urbano. O cidadão deveria ser consumidor, cliente e usuário do espaço. Aqueles

que não podem ser consumidores são excluídos do processo de renovação urbana. O

planejamento da cidade é guiado pela venda de sua imagem. A urbe, para o professor do

Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade do Rio de Janeiro

(Ippur-UFRJ), Carlos Vainer (2000) é “uma mercadoria de luxo, destinada a um grupo de

elite de potenciais compradores: capital internacional, visitantes e usuários solváveis”. A

cultura, o esporte, o patrimônio, através da requalificação urbana são os novos paradigmas de

venda da cidade. Dá-se ênfase na produção e consumo de espetáculos em determinados locais

da cidade.

Passado o mandato de três anos, o Secretário Municipal, Luiz Paulo Conde, contando

com o apoio do ex-prefeito Cesar Maia, vence as eleições para Prefeitura do Rio de Janeiro,

governando a cidade de 1997 a 2000. Em seu comando, defende a ideia da derrubada da

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Perimetral, que, no entanto, só ocorreria anos depois. Por meio das já conhecidas parcerias

entre empresas e Estado, o conceito da cidade global é mantido. Programas como o Favela-

Bairro e Rio-Cidade4 são ratificados atingindo novas áreas de atuação. Com aparente cunho

social, esses programas permitiam, ainda, o controle sobre o espaço e a população; embora,

camufladamente. Os cidadãos e o espaço estavam sobre o inteiro controle de autoridades,

mesmo que a população não notasse.

Ao entrar nas favelas, o governo passa a dominar e gerir um território ao qual não

tinha acesso. Realizar projetos para o espaço das comunidades é uma maneira de centralizar o

poder e manter o controle sobre o solo. A importância do domínio do espaço, que produz as

relações sociais, é percebida nas políticas locais. O filósofo francês Henri Lefebvre (1978,

p.51) escreve: “mesmo quando uma parte do espaço não tem conteúdo, seu controle pode

gerar poder econômico, porque pode ser preenchido com algo produtivo, ou porque pode

precisar ser atravessado por produtores”. Assim, o controle de localidades na cidade é

estratégico seja pela geração de renda ou mesmo como acesso a territórios antes não

conquistados. As favelas, antes renegadas, agora tem o acesso de autoridades, que ainda

ganham apoio popular ao realizar projetos para essas áreas.

Seguindo ainda a mesma linha de pensamento, Cesar Maia volta nas eleições de 2001,

vencendo dois mandatos e assumindo a liderança política até 2008. Em seu novo governo, foi

lançado o Plano Estratégico II5, conhecido agora como “As Cidades da Cidade” com uma

proposta de valorizar o turismo como meio para mover a economia da cidade. Por intermédio

de grandes obras arquitetônicas, além da requalificação urbana do centro e estímulo a nova

centralidade criada na Barra da Tijuca, a cidade atrairia recursos, eventos e turistas. A

requalificação da Zona Portuária, seguindo modelos já estabelecidos em outros países, surge

4 O Programa Favela-Bairro assumia a urbanização das favelas como papel do Estado, cabendo a ele a

regularização fundiária, remoção de moradias em áreas de risco, além da criação de serviços e programas de

geração de renda nas comunidades.

O Programa Rio-Cidade tinha como principal objetivo a requalificação dos espaços públicos. A recuperação de

ruas, o investimento em obras de saneamento, o tratamento paisagismo com melhoria da iluminação e do

mobiliário urbano auxiliaram na difusão de novas centralidades.

5 O Plano Estratégico II propõe a criação de 12 Planos Estratégicos Regionais diferentes dentro da cidade, que

deveria buscar as peculiaridades de cada área na promoção de projetos de desenvolvimento locais. Dentre as

regiões destacadas estão: Bangu, Barra da Tijuca, Campo Grande, Centro, Grande Méier, Ilha do Governador,

Irajá, Jacarepaguá, Leopoldina, Tijuca/Vila Isabel, Zona Norte e Zona Sul.

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como grande proposta de governo. A tentativa de implantação do Museu Guggenheim6 marca

a busca pelo urbanismo do espetáculo já citado.

Na gestão do segundo mandato de Cesar Maia, o município carioca vence a

candidatura para receber os Jogos Pan-Americanos de 2007. Para sediar o evento, diversos

projetos são lançados como a construção do Estádio Olímpico João Havelange, popularmente

chamado de Engenhão; o Parque Aquático Maria Lenk; o Velódromo; a Arena Olímpica e as

Vilas Olímpicas. Saindo um pouco dos equipamentos esportivos, tem-se a inauguração da

Cidade do Samba e criação da Cidade da Música. Todos esses espaços eram voltados para o

consumo, destacando a imagem do Rio de Janeiro por meio de suas construções grandiosas

como local bom para investir.

Com as instalações esportivas e ampliação de infraestruturas, o Rio de Janeiro disputa

novamente a sede para abrigar as Olimpíadas em 2012, ficando de fora mais uma vez até

vencer em 2006 a concorrência para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Nesse mesmo ano, o

Brasil foi considerado o único candidato apto a sediar a Copa do Mundo de 2014,

compromisso firmado no ano seguinte. Fica clara a busca incessante, refletida em grandes

eventos como os Jogos Pan-Americanos, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, como meio de

atrair investimentos e aplicar o novo urbanismo pregado no mundo. A cidade transformada

em mercadoria é vendida no mundo global. A filósofa Otília Arantes ressalta a importância do

visual da cidade como meio para “uma estetização do poder, da qual o desenho arquitetônico

é um dos instrumentos mais aparatosos” e caminho para a promessa de empregos e negócios

para o ambiente urbano. A cultura passa a ser o grande negócio das cidades.

É válido ainda citar, a criação de uma série de órgãos desde o primeiro mandato de

Cesar Maia e Luiz Paulo Conde como a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAC);

Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SEAE), transformada depois em Secretaria

Especial Rio 2007; o Conselho da Cidade; a Equipe Técnica do Plano Estratégico da Cidade

do Rio de Janeiro; o Instituto Municipal Pereira Passos (IPP); dentre outros. Esses órgãos

contavam com profissionais especializados, o que evitava contestações da população, já que

os profissionais eram visto como pessoas competentes e detentoras do conhecimento para

guiar cada agência criada no governo. A melhor alternativa para o planejamento eficiente só

poderia ser realizada por especialistas, o que elimina o exercício da cidadania. Borja e

6 O Museu Guggenheim era projeto do arquiteto francês Jean Nouvel e iria se localizar na Praça Mauá. Porém, a

proposta não foi à frente. O projeto construído em outros locais como Nova Iorque e Bilbao traria a cidade

carioca o status de modernidade.

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Castells (1997) defendem a importância de um centro urbano de gestão e serviços avançados

como meio de manter o controle nos planos estratégicos através de empresas de

assessoramento a investidores, segurança, centros culturais e de entretenimento.

Passados os governos de Cesar Maia e Luiz Paulo Conde, Eduardo Paes, já antes

Secretário Municipal do Meio Ambiente e sub-prefeito da Barra da Tijuca, assume o poder

com as mesma concepções de projeto de cidade de seus antecessores. Dessa maneira, são

mais de vinte anos de uma concepção de cidade reproduzida para o capitalismo sob a ótica do

comprador e investidor e não do citadino. Esse processo é seletivo e excludente. Os

investimentos não são realizados onde há demanda de transporte e serviços e sim em áreas

que se busca uma valorização imobiliária. O capital é cada vez mais voltado para a população

de alta renda e para os turistas, com serviços concentrados em determinados bairros. Não se

procura ainda melhorar construções existentes e sim, opta-se pela criação de outras

completamente novas. O desperdício é imensurável.

Novos arranjos de poder são realizados entre o institucional e administrativo.

Novamente são criados órgãos como a Secretaria Extraordinária para Grandes Eventos; a

instituição da Autoridade Pública Olímpica reunindo o nível federal, estatal e municipal; a

Empresa Olímpica; os comitês organizadores do Rio de Janeiro. Há uma configuração de um

governo paralelo que age de forma arbitrária em nome da eficiência, em que falta

transparência para a população. A Lei Geral da Copa7 autoriza o consumo de bebida

alcoólica nos estádios em nome de um patrocinador do evento, que atropela a legislação

vigente brasileira. Contratos e compromissos particulares em nome do lucro privado agridem

o Estatuto do Torcedor e o Código de Defesa do Consumidor. Não há controle político e

social diante de uma legislação que pode tudo em prol dos jogos. Os projetos e equipamentos

geram espaços elitistas de forma indiscriminada, acentuados pelo processo intenso de

privatização pregado como necessário.

Grande parte dos investimentos está sendo voltado para a Barra da Tijuca. Apesar de o

Projeto Olímpico propor um zoneamento direcionado a quatro regiões: Barra da Tijuca,

Copacabana, Maracanã e Deodoro, é no primeiro local que estão concentrados a maior parte

de instalações e obras de infraestrutura. O Parque Olímpico, o novo Campo de Golfe, assim

7 Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012, dispõe sobre medidas relativas à Copa das Confederações de 2013, à

Copa do Mundo de 2014 e à Jornada Mundial da Juventude de 2013 realizadas no Brasil, que passam por cima

de legislações antes em vigor como o Estatuto do Torcedor que, por sua vez, considera ilegal a entrada e

permanência nas arenas com “bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática

de atos de violência.”

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como o Parque dos Atletas e Vila dos Atletas estão sendo implantados nessa região. O capital

público para a mobilidade urbana é direcionado ao transporte da Barra. No entanto, a região

conta com apenas 300 mil habitantes, ao passo que o município tem em torno de 6,3 milhões

de moradores, como consta no Censo Demográfico do IBGE 2010. A Baixada Fluminense e

os subúrbios cariocas continuam com transporte ineficiente. O sistema ferroviário se

apresenta em péssimas condições. Os BRTs aparecem como solução para conectar áreas mais

distantes, porém carregam em si problemas de superlotação e não comportam a demanda

diária de passageiros, o que prejudica a eficácia do transporte de massa. Deve-se mencionar

ainda o fato de novamente optar-se por um transporte rodoviário com queima de combustível

fóssil que traz impactos ambientais.

O Parque dos Atletas é considerado a primeira obra concluída dos jogos, localizada em

Jacarepaguá próximo ao Parque Olímpico e a Vila Olímpica, no espaço conhecido como

“Cidade do Rock”, nome dado por abrigar o evento musical Rock in Rio. Durante o período

em que não há os shows, as instalações funcionam como local de entretenimento para a

população. Nas Olimpíadas, a área servirá como lazer para os atletas, que estarão alojados no

terreno em frente, conectados por uma rampa de acesso que será construída entre o parque e a

vila. A Vila dos Atletas ou Vila Olímpica, por sua vez, pretende abrigar cerca de quinze mil

esportistas num complexo com mais de trinta edifícios de gabarito elevado no padrão

imobiliário do bairro. Após o fim dos Jogos 2016, as unidades habitacionais conformarão

condomínios privados a serem vendidos à população de média e alta renda, deixando

novamente, a parcela mais carente excluída do processo.

No Antigo Autódromo de Jacarepaguá, vizinho a esses dois empreendimentos, o

Parque Olímpico constitui um complexo esportivo que receberá a maior parte das

modalidades esportivas. Estimasse um público diário de 120 mil pessoas durante as

Olimpíadas, segundo números divulgados pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Algumas

instalações serão permanentes, como o velódromo e o Centro de Mídia, e outras temporárias

como a Arena do Futuro, que deve ser convertida em escolas, como anunciado pelo governo.

Como objetivo divulgado para o legado da cidade, tem-se o Parque visto com um espaço de

uso diversificado com residências, comércio e lazer. No entanto, para a viabilidade de tal

projeto, é procurado o capital privado como promotor da região, o que embute o lucro

almejado, que apenas pode ser dado pela classe de maior padrão socioeconômico. O Parque

Olímpico, assim, ostenta um milhão de metros quadrados de área entregues a um consórcio

privado para um grande projeto imobiliário numa região, em que o governo faz fortes

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investimentos em infraestrutura e mobilidade. A cidade fica refém da especulação imobiliária

com a privatização de recursos públicos.

Como projeto mais polêmico para a região, a criação do novo campo de golfe gerou

grande discórdia por estar numa Área de Proteção Ambiental (APP) no Parque Municipal

Ecológico de Marapendi. Devido à destruição de parte da área de restinga para sua construção

serão necessárias técnicas de remanejo da vegetação original para outra localidade. Somado a

isso, a crítica se intensifica, pois há já na cidade outros dois campos de golfe que não foram

aproveitados por não conterem os padrões de buracos exigidos para a competição. A lógica

mais provável seria a adaptação dos campos existentes ás regras dos jogos, porém, optou-se

pela criação de outros completamente novos com o intuito de desenvolver nova região da

Barra da Tijuca. Ao redor do campo já está planejado a construção de um projeto imobiliário

com uma série de condomínios. A entrega do patrimônio público e de áreas ambientais às

empresas promovem cada vez mais espaços privados de uso seletivo. O professor Carlos

Vainer fala em entrevista a Viomundo8 sobre as políticas públicas dos governos estaduais:

“Isso é o exemplo de uma operação urbana, isso é o exemplo do que é a democracia direta do

capital, do que é a apropriação da cidade e a privatização dos espaços urbanos”.

Os projetos para a Cidade Maravilhosa são viabilizados pela parceria público-privada

com investimento em infraestrutura, créditos facilitados e muitas vezes cessões de terreno

pelo Estado, enquanto as empresas são responsáveis pela construção de equipamentos. Porém,

essa parceria vai para além do evento esportivo, já que após as Olimpíadas serão vendidas

unidades habitacionais ao mercado imobiliário, além do Estado adotar o regime de concessão

de uso9 para empresas privadas. Além desse fator, são procuradas novas áreas para

implantação de projetos, em especial, na Barra da Tijuca, o que deixa a cidade a mercê da

especulação e exclusão social. Cardoso e Ribeiro (1996, p.33) falam sobre o processo de

gentrificação da Barra como “fenômenos de apartação social, em que certas áreas da cidade

são ocupadas por estratos sociais de alta renda, enquanto os mais pobres são expulsos,

passando a ocupar espaços segregados.”

Carlos Vainer critica ainda o desenvolvimento local isolado. A cidade não pode ser

vista de maneira fragmentada com projetos pontuais. É necessário pensar nas múltiplas

8 A Viomundo é uma mídia digital escrita por jornalistas que se dedicam à produção de conteúdo exclusivo, que

não aparece na mídia corporativa, com a participação de temas sugeridos por internautas.

9 A criação da Lei 8.987/95 dispõe sobre o regime de concessão de uso previstos no art. 175 da Constituição

Federal passando a regulamentar o regime de concessão de serviços públicos para empresas privadas como uma

forma de financiamento para dar velocidade à execução de obras de interesse público.

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escalas e interligar as áreas entre si. Nota-se que, atualmente, os planos para os municípios

são produzidos para um tempo determinado de governo. Assim, a opção por transportes

coletivos como BRS e BRT produzem resultados mais imediatos. A implantação de linhas

diversas de metrô requer um longo período até a sua inauguração. Desse modo, até o início

das Olimpíadas, apenas o prolongamento da Linha 1 do Metrô com 16 km, ligando a Zona Sul

à Barra da Tijuca será realizado. Enquanto que os sistemas de BRSs e BRTs10

se espalham

pela cidade. Soma-se a isso, uma preocupação em atender algumas nucleações específicas

como Zona Sul, Centro e Zona Norte, enquanto parcelas significativas da população precisam

se deslocar até esses núcleos para contarem com trabalho e serviços de qualidade.

Ainda no que se refere às centralidades, a expansão da malha urbana para novos

limites com o intuito de desenvolver áreas pouco habitadas, como vem ocorrendo nos projetos

para os Jogos Olímpicos Rio 2016, pode ser problemática. O investimento em áreas menos

densas não resolve o problema da cidade. Priorizar a ocupação de novas fronteiras ao invés de

direcionar o capital para regiões onde já há concentração de pessoas acentuam a exclusão de

grande parte da população, que não detém o direito a uma habitação adequada - dentre outras

´privações´. O modelo de Cidade Compacta com ocupação dos vazios urbanos dentro da

malha existente num processo de adensamento de núcleos estabelecidos se mostrou ao longo

do tempo mais eficiente, como demonstram algumas experiências internacionais.

O arquiteto Richard Rogers em seu livro “Cidade para um pequeno planeta”

apresenta o modelo de Cidade Compacta como ideal para o planejamento urbano moderno.

Comunidades crescem em volta de centros de atividades sociais e comerciais com uma gama

de serviços, localizados em pontos nodais de transporte público. Ao redor dessa nucleação,

moradias são estabelecidas, contando ainda como uma diversidade de atividades públicas e

privadas combinadas a parques e espaços comuns de lazer. A cidade policêntrica abriga

diversos núcleos de vizinhança sustentáveis e com vitalidade, contando com moradia, lazer e

trabalho. Esse conjunto de células é interligado entre si por transportes de massa para

distâncias maiores, enquanto que em seu interior há uma predominância das ruas em favor do

pedestre e da comunidade. Com esse sistema, a questão da mobilidade urbana é eficiente e

menos poluente, assim como o desperdício de tempo em longos trajetos é evitado,

favorecendo a qualidade de vida de seus habitantes.

10

O BRT (Bus Rapid Transit na tradução: Ônibus de Trânsito Rápido) utiliza corredores exclusivos para ônibus

articulados e bi-articulados. O BRS (Bus Rapid Service na tradução: Ônibus de Serviço Rápido) utiliza a própria

via de tráfego de comum, proibindo a circulação de automóveis na mesma sob pena de multa na zona

demarcada.

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Dentro da lógica a cima citada, a diretora-executiva do Instituto de Políticas de

Transporte e Desenvolvimento, Clarisse Linke afirma: “Havia uma expectativa de que fosse

priorizado o modelo de cidade densa e compacta, investindo na região central e na zona norte,

mais populosa, mas optou-se também por continuar a incentivar a expansão para a Barra da

Tijuca e Baixada de Jacarepaguá.” Membros do IAB defendiam, da mesma maneira, que os

Jogos do Rio fossem realizados na região portuária. A criação de habitações no Parque

Olímpico, considerada uma área ainda esparsa, após os jogos não solucionará a péssima

qualidade das moradias das favelas e subúrbios. O direito à moradia adequada com

infraestrutura, serviços, lazer e transporte não atinge a população mais ´carente´ cada vez mais

excluída do sistema. A oportunidade trazida não foi plenamente utilizada. No projeto atual,

novas áreas de desenvolvimentos precisam de infraestrutura para sua efetivação, despendendo

grande volume de capital, sem contar nos prejuízos ambientais causados com a

impermeabilização do solo decorrente da urbanização.

Figura 03: Núcleos compactos

Fonte: Ilustração retirada do livro “Cidades para um pequeno planeta”, Richard Rogers, p. 39.

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3 CIDADES EM SÉRIE – MODELOS DE URBANIZAÇÃO

3.1 Os Megaeventos, com destaque para o modelo Barcelona, no planejamento

estratégico das cidades.

É inegável a abertura que os megaeventos proporcionam à entrada de capital para as

cidades envolvidas. Esse processo teve como ápice o caso de Barcelona. No entanto, desde

1984, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, pode-se observar a forte presença do patrocínio

privado, transformando os Jogos em um negócio extremamente lucrativo. O simbolismo das

Olimpíadas pôde, enfim, ser refletido numa grande marca associada ao evento, como uma

espécie de branding11

. Assim, produtos relacionados às Olimpíadas passam a ser

comercializados em larga escala. A marca contida nos itens nada mais é do que uma

representação visual, uma assinatura relacionada a um conceito que pode ser materializado.

Os mascotes e os logotipos são singulares a cada Jogo Olímpico realizado numa cidade em

um ano específico. Os produtos são vendidos ao público, que movidos pelas paixões pagam

para adquirir os souvenirs que contêm essa marca e representam de certa forma a sua

participação junto ao evento.

Em 1992, o lucro dos negócios trazido pelo evento transbordou o campo do marketing.

Após os Jogos de Barcelona, os megaeventos esportivos passam a ser visto como símbolo

para atração de investimento internacional para a cidade-sede no que se refere ao

planejamento urbano estratégico. Além dos produtos associados, a cidade passa a ser vendida

ao mundo globalizado. Investimentos em infraestrutura e na expansão imobiliária passam a

ser prioridade para o local que receberá os jogos. Novos territórios são almejados para

aplicação do capital excedente e as cidades disputam entre si esse mercado como verdadeiras

empresas à procura do bom negócio. Andrew Jennings, premiado jornalista investigativo

escocês, afirmou que o capital encontrou no esporte uma forma de se legitimar e se camuflar.

Em seus relatos no livro “Brasil em Jogo - O que fica da Copa e das Olimpíadas” (p.55) fala

“quando estamos curtindo o esporte, estamos completamente abertos e vulneráveis. E é assim

que o grande capital gosta que estejamos.”

Em Barcelona, logo que foi feito o anúncio da cidade-sede em 1987, grandes

operações urbanísticas começaram a ser realizadas para um projeto de modernização urbana.

As agências de comunicação tiveram um trabalho árduo em enaltecer o planejamento

estratégico como benfeitoria para toda população. O discurso de mudança era defendido pelos

11

Branding corresponde à construção e gerenciamento de uma marca. Envolve a criação de um logotipo ou

slogan com identidade visual como meio de divulgação de um produto ou empresa.

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catalães como o grande projeto de cidade. Um dos fatores considerados decisivos para o

sucesso dos Jogos Olímpicos foi ter sido assumido por todos como os jogos da cidade e para a

cidade, sendo divulgado internacionalmente na mídia como modelo de planejamento com

amplo apoio popular. A nova imagem de Barcelona a retratava como centro cultural,

comercial e turístico e modelo a ser seguido.

Como ponto favorável à harmonia estabelecida entre governo e grande parte da

população está o momento histórico por que passava o país. Depois de quase quarenta anos de

ditadura franquista12

, as eleições de 1979 nomearam governos de esquerda que adotaram

medidas de forte cunho social. Até mesmo no período de escassez de recursos públicos, os

líderes políticos investiram em projetos de moradia social em áreas já construídas, em que era

necessária apenas a conservação e reutilização de espaços degradados, ao invés da construção

de novos. O geógrafo espanhol Francesc Muñoz (2008) se referia ao momento como “novo

urbanismo democrático”. A reabilitação das periferias e a recuperação do centro histórico

contribuíram para a redução do déficit habitacional, fator que aclamou o apoio popular.

Entre 1980 e 1984, tem-se o arquiteto Oriol Bohigás, Secretário de Urbanismo do

Município de Barcelona, como figura de destaque. Os projetos são realizados para uma escala

pontual nas periferias e centro do território. A política tem enfoque em suprir as carências dos

catalães, propiciando o direito à moradia adequada de uma parcela significativa da população.

Além de habitações em bom estado de conservação e infraestrutura, são implantados

equipamentos de comércio, serviço e lazer nessas localidades. A importância da rua e da

praça como espaço de lazer para o pedestre é reforçada no novo projeto de cidade. Jorji Borja

fala sobre o “espaço cidadão” como o espaço urbanístico, cultural e político, cuja

conformação era de fundamental relevância para a forma da cidade. Oriol Bohigas e Borja

defendem o conceito do espaço público como instrumento para se refazer as cidades e

qualificar as periferias, renovar centros antigos e produzir novas centralidades.

A partir da vitória na disputa pela candidatura das Olimpíadas, os planos lançados pelo

governo passam da escala local dos bairros para a dimensão da cidade em sua forma mais

ampla. Grandes obras de infraestrutura receberam destaque nesse momento. Como importante

obra viária, têm-se os chamados cinturones de ronda, na tradução: contornos viários.

Procurava-se melhorar a mobilidade no espaço através de vias de circulação rápida, formando

anéis viários, que desafogavam o trânsito das áreas centrais. Assim, uma série de espaços 12

O Franquismo foi um regime político ditatorial que vigou na Espanha de 1939 a 1976, tendo como líder o

general Francisco Franco. Tinha como característica marcante a forte repressão aos opositores. Era baseado no

conservadorismo nacional

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novos e outros, agora renovados, eram articulados entre si por um sistema que privilegiava o

transporte privado.

O tratamento da fachada marítima com o objetivo de integrar o mar à cidade

juntamente com a construção de umas das Vilas Olímpicas aparecem como propostas de

grande relevância divulgadas pela mídia. Segundo Francesc Muñoz (2008), o resgate histórico

da ligação da cidade com o mar Mediterrâneo era, enfim, recuperado no novo urbanismo

implantado. Antigos galpões industriais e residências de baixa renda eram substituídos por

equipamentos de comércio e serviços, além de moradias de média e alta renda num complexo

turístico. A abertura da Avenida Diagonal permitia uma integração física e visual da cidade

com o mar. A remodelação da zona portuária dava nova vitalidade à área sucateada. A Vila

Olímpica era erguida num local servido de infraestrutura portuária e ferroviária num solo

central de baixo valor comercial. Seguindo a mesma lógica, as zonas olímpicas ficaram

situadas dentro do perímetro urbano. Vazios urbanos, localizados em especial nas periferias,

davam lugar às novas centralidades.

Por conseguinte, o que pode se observar com o anúncio dos Jogos em Barcelona foi

uma entrada massiva do capital privado junto ao poder público. As antigas políticas de cunho

social não conseguiram mais se sobrepor à presença do setor imobiliário e da construção civil

no mercado de terras. Muñoz (2008) afirma que existia inicialmente “a intenção de manter

uma porcentagem importante das novas construções como edifícios públicos”, porém a

pressão dos incorporadores reduziu drasticamente as previsões embrionárias. Desse modo, o

Figura 04: Avenida Diagonal

Fonte: https://www.flickr.com/photos/jortegafigueiral/3336619912

Acesso em 12/04/2015.

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que se viu na zona portuária foi à expulsão gradativa da população de baixa renda, seja pelo

alto custo ou mesmo pela expropriação para a implantação de vias e equipamentos. Os novos

empreendimentos lançados na área do porto como hotéis, escritórios, centros comerciais

alavancaram o preço dos imóveis, atraindo cada vez mais moradias de alta renda para o

espaço. As habitações a preços acessíveis, antes almejadas no planejamento inicial, não

suportaram as pressões do mercado.

Além das desigualdades sociais, no momento pós-jogos, restava ainda como desafio

ocupar os conhecidos “elefantes brancos”; fazê-los, enfim, ativos. Desse modo, era necessário

gerar movimento na região no momento pós-olimpíadas para que o Centro de Convenções, a

rede hoteleira, o Fórum de las Culturas não se transformassem em espaços ermos. O parque

temático criado com as grandes construções começava a ser questionado. Ficava claro, assim,

o abandono do modelo anterior de conteúdo social frente à promoção imobiliária, o que

acabou culminando no tratamento dos cidadãos como turistas. A cidade cada vez mais

pertencia menos aos catalães. Os projetos para o porto afastavam a população local do espaço

à medida que privatizava gradativamente os usos. A arquiteta Ester Limonad (2005) ironiza

os projetos lançados ao afirmar que o Fórum “dotou a cidade de instalações grandiosas, a

saber: um colossal centro de convenções, um novo porto esportivo, uma nova praia e um par

de ilhas artificiais. Sem dúvida instalações há muito necessitadas pelas classes populares!”

O “Modelo Barcelona” vendido ressaltava a importância da cidade compacta,

densa, com mistura de usos, em que se priorizava construir sobre o construído, refletido na

paisagem urbana diversa. Esse plano resistiu por alguns anos até a invasão massiva das

empresas privadas no espaço da urbe. O plano inicial divulgado pela mídia apresentava já um

conjunto de contradições. É inegável a atração de capital investido na cidade-sede, porém, a

entrada avassaladora do setor privado culmina na criação de espaços cada vez mais

homogêneos e desprovidos de suas raízes históricas. O modelo idealizado, com o passar do

tempo, se mostra frágil até mesmo no seu local de origem, à medida que aumenta as

desigualdades sociais e privilegia classes de maior poder aquisitivo. Muñoz (2008, p.170)

fala que “a paisagem metropolitana vai sendo edificada através de ilhas urbanas homogêneas

ligadas por rotundas, espaços comerciais e postos de gasolina”, refletindo numa perda de

identidade e repetições de formas pela cidade. Todavia, fica claro o lucro obtido pelo

empresariado, assim como a promoção de líderes locais e da imagem da cidade no mundo

pela mídia, cumprindo os objetivos das classes abastadas, em que a população residente sofre

os prejuízos.

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3.2 A Zona Portuária em foco

O planejamento de Barcelona divulgado pela mídia apresenta uma série de pontos

que não são exclusivos ao seu processo. A importância empregada à revitalização da zona

portuária pode ser vista em diversas outras cidades pelo mundo. Ermínia Maricato (2001) ao

falar em revitalização faz referência às grandes transformações feitas no tecido urbano com

mudança no parcelamento do solo e implantação de uma nova dinâmica imobiliária. O

objetivo principal é recuperar economicamente áreas históricas centrais. Os pioneiros no

tratamento da frente marítima de portos foram os Estados Unidos, com os projetos para

Boston e Baltimore, segundo o geógrafo espanhol Joan Colet Duran (1997). Fato é que se

percebeu o potencial de extensas porções de terra servidas de infraestrutura de transporte e

localização estratégica privilegiada, ociosas pela redução da atividade industrial. Muitos

portos perderam sua capacidade de fluxo de carga e descarga, devido a forte concorrência

com outras potencialidades no mercado. A necessidade de canais extensos para a entrada de

navios de grande calado, assim como a demanda crescente de áreas cada vez maiores para

armazenamento e transporte de contêineres e produtos limitava a eficiência de muitas áreas

portuárias.

No Brasil, as exigências legais das agências reguladoras como a verificação de

documentação para a liberação das cargas retardam o embarque e desembarque dos produtos

nos portos. O “custo com demurrage” é caracterizado por um valor pago por empresas que

demoram a fazer o carregamento ou descarregamento de mercadorias, ultrapassando o seu

tempo de atracação estimado. A despesa representa uma cobrança de um pedágio extra, o que

gera muitas críticas dos infratores. Somado a isso, foram identificados algumas problemáticas

pela Agenda Portos13

no país como a falta de dragagem para retirada de entulhos do mar e

rios, as vias de acesso comprometidas, congestionamento de trens e caminhões, além dos

aspectos gerenciais.

No Estado do Rio de Janeiro, o Porto de Sepetiba ou Porto de Itaguaí é o

responsável por maior movimentação de granéis e carga geral, sendo um dos principais polos

de exportação de minério de ferro do país. Possui ainda grande movimentação de contêineres

e área disponível (retroporto) para utilização de novos terminais. Dessa forma, com o intuito

13

O governo federal brasileiro realizou, por meio da Agenda Portos, um levantamento de aspectos legais,

institucionais e operacionais que comprometiam a atividade portuária em alguns portos do país. Dentre os portos

estudados estão o de Rio Grande(RS), Paranaguá(PR), Vitória(ES), Rio de Janeiro(RJ), Santos(SP), Itajaí(SC),

São Francisco(SC), Sepetiba(RJ), Salvador(BA), Aratu(BA) e Itaqui(MA).

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de aumentar sua capacidade, novos terminais estão sendo negociados por parcerias público-

privadas para o local como: a Sepetiba Tecon (terminal de contêineres); Companhia

Siderúrgica Nacional (terminal de graneis sólidos); Companhia Portuária Baía de Sepetiba

(terminal de minério); Valesul (alumínio). Investimentos em obras de infraestrutura, como a

implantação do Arco Metropolitano14

, são realizados ainda com o objetivo de tornar o porto

mais competitivo. A Companhia Docas do Rio de Janeiro através do Relatório de Gestão

1998 faz referência ao porto como “um hub port do Atlântico Sul, opção estratégica para a

integração do comércio brasileiro à rede dos portos de última geração do mundo”

(CDRJ,1998).

Em contramão, o Porto do Rio de Janeiro apresenta problemas de saturação da

malha urbana adjacente, não tendo área disponível para sua expansão, além da limitação do

transporte viário e dos modais, o que o tornou responsável em especial pelo transporte de

passageiros em detrimento da movimentação de produtos. A grande capacidade da cidade em

atrair turistas faz com que o porto receba um fluxo intenso de pessoas, simbolizado pelos

constantes navios de cruzeiro que atracam na região. No entanto, no que se refere a embarque

e desembarque de carga, a zona portuária carioca sofreu uma mudança de sua função. A perda

da capacidade produtiva vinculada à indústria modificou a relação porto e cidade. Um

crescente número de projetos surge para o embelezamento da região, de modo a intensificar

sua capacidade turística. O objetivo principal é a transformação da paisagem do porto “sem

uso” para um local de produção para o consumo numa reconstrução radical de sua identidade.

O professor Carlos Vainer chama a atenção para o fato de "A discussão está fundada na ideia

de que estas áreas não possuem vitalidade. Na verdade, essas áreas têm uma extraordinária

vitalidade, mas foram, em muitos casos, ocupadas por grupos sociais de baixa renda. O que

está sendo feito é renegar um tipo de vitalidade e recuperar essas áreas para determinados

grupos sociais".

Um fato interessante que valoriza a região é riqueza arquitetônica presente no

Centro do Rio por a cidade ter sido capital nacional por muitos anos. Uma variedade de estilos

é encontrada desde a arquitetura típica colonial portuguesa vista nos sobrados e azulejos até

edificações de estilo parisiense como o Teatro Municipal e a Biblioteca Nacional. O acervo

cultural carioca conta ainda com museus e centros culturais que refletem épocas variadas. O

MAR, Museu de Arte do Rio, em atividade recentemente, é composto por dois edifícios de 14

O Arco Metropolitano é uma via expressa de alta capacidade com 145 km de extensão com o intuito de

desviar o tráfego de veículos, aumentando a eficiência logística. Ele liga os municípios de Itaboraí, Guapimirim,

Magé, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Japeri, Seropédica e Itaguaí.

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perfis heterogêneos interligados: o Palacete Dom João VI, tombado no estilo eclético e a

construção modernista vizinha. A cidade conta ainda com o maior número de museus do país,

segundo o cineasta Sérgio Sá Leitão são 80 no total; detém a Biblioteca Nacional, considerada

pela UNESCO com uma das dez maiores bibliotecas nacionais do mundo; além do Real

Gabinete Português de Leitura, que possui o maior acervo de literatura portuguesa fora do

país ibérico. A diversidade de arquiteturas e espaços de manifestação artística são importantes

diretrizes para tornar a região um polo turístico e cultural no município.

Com seu potencial já apontado, o Rio de Janeiro, cidade turística, esta seguindo o

mesmo caminho de outras localidades baseado em cópia de modelos considerados de sucesso

no que se refere ao embelezamento da região portuária. A arquiteta Lilian Pian (2005), mestre

em Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo

(FAUUSP), afirma que “as cidades que tomaram a frente no processo de recuperação destas

áreas acabaram por forjar procedimentos de planejamento urbano que se tornaram modelos

para as outras, o que demonstra mecanismos de globalização não só da economia, mas

também do pensamento contemporâneo.” Como exemplo primordial, o porto de Boston foi

Figura 05: MAR - Museu de Arte do Rio: dois estilos arquitetônicos interligados por uma cobertura.

Fonte: Foto retirada do Relatório de Gestão 2013 do Museu de Arte do Rio

Acesso em 21/04/2015

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um dos primeiros a passar por um processo de revitalização. A prefeitura da cidade americana

juntamente com a câmara de comércio contrataram consultores renomados como Kevin

Lynch e John Myers, professores do MIT (Massachusetts Institute of Technology), para

propor um plano de integração da cidade com o mar, além da preservação de edificações

históricas. A pretensão era alavancar o turismo por meio de atividades culturais e de lazer,

somado ainda a habitações para as classes de maior renda num amplo espaço de consumo.

O projeto de reestruturação das edificações do Quincy Market e Faneuil Hall,

antigo mercado no centro de Boston, transformou o local num conjunto gastronômico e

comercial no estilo dos conhecidos festival malls, shoppings abertos dos anos 70. O complexo

com restaurantes, bares e lojas atraiu uma grande quantidade de turistas. Em 1980, o local já

recebia cerda de 16 milhões de visitantes por ano. A atração de turistas na frente marítima

americana teve tamanha repercussão, que até mesmo o aquário, New England Aquarium,

inaugurados em 1969, no píer do porto teve que ser transferido para outro local, devido a sua

forte procura e incapacidade da localidade em receber o público crescente. Os planejadores

urbanos Bernard Frieden e Lyanne Sagalyn (1990) apontaram que, durante a construção do

Market Place, os preços dos imóveis subiram 13% em um raio de cinco quadras do

empreendimento, ao passo que no restante da área central, os preços sofreram redução de 16%

em seu valor.

A reforma do mercado foi um importante catalisador de investimentos para região.

Conforme aponta Sieber (1995), o processo de revitalização urbana da cidade pôde manter a

“saúde econômica” local, já que “10% da receita de Boston seja derivadas de atividades

relacionadas ao turismo”. No entanto, reaqueceu o mercado imobiliário local de forma que o

preço dos imóveis alavancou e provocou a expulsão de antigos moradores da área. Desde os

primórdios a renovação urbana provocava a gentrificação pela formação de espaços para um

público exclusivo consumidor e detentor de capital. Fica claro, assim, que a exclusão social

não veio com os grandes eventos. Ela é resultado da especulação imobiliária que se intensifica

com a sua presença e contribui para a piora da qualidade de vida dos trabalhadores em geral.

O capital privado age livremente nos projetos de urbanização das cidades com apoio de

Estados, que não asseguram os direitos de seus moradores.

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Na zona portuária de Baltimore, outra cidade americana a adotar o processo de

revitalização feito em Boston, uma série de equipamentos foram construídos. O geógrafo

Harvey (2000) criticava o discurso da necessidade ininterrupta de cada vez mais aporte

financeiro para grandes empreendimentos. Em seus relatos, Harvey sinaliza para um

investimento realizado de U$150 milhões para construir um centro de convenções, além de

U$50 milhões para criar um grande hotel, U$ 500 milhões para a construção de estádios

esportivos e U$ 5 milhões investidos na estação de metrô localizada em frente ao estádio que

apenas é usada vinte dias ao ano. Arranha-céus foram erguidos na região sobre o slogan: “um

novo estilo de vida urbana” em 1993. O espaço abriga ainda o Aquário Nacional, o Centro de

Ciências de Maryland, o ESPN Zone, dentre outros. Como pode ser observado, a cada projeto

realizado torna-se necessário a elaboração de um novo projeto para que o anterior seja viável,

em sua maioria, por meio de subsídio público. As edificações são levantadas em cadeia

progressiva um solo de valor crescente.

Apesar da forte crítica a essa série de projetos, diversas cidades pelo mundo

continuam seguindo as fórmulas de “sucesso” estabelecidas. Em tempos de competitividade

da globalização atual, sediar um grande evento foi estratégia chave para se ganhar destaque no

comércio urbanístico. Carlos Vainer (2000) afirmava que houve uma transposição de modelo

estratégico do mundo das empresas para o universo urbano. Barcelona trouxe o modelo

americano de revitalização à Europa, tendo como diferencial a identificação popular dos

catalães como o projeto de mudança. Com o objetivo de replicar tais modelos à cidade

carioca, autoridades brasileiras contrataram como consultores para a execução de seu

Figura 06: Conjunto Quincy Market e Faneuil Hall, em Boston

Fonte:http://stevedunwell.photoshelter.com/image/I0000pLCZY82IRhk

Acesso em 21/04/2015

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planejamento urbano, técnicos conhecidos do “Modelo Barcelona”, Jorji Borja e Oriól

Bohigas. Um trabalho de marketing ainda está sendo feito na tentativa de atingir o apoio

popular visto na cidade catalã. Na página online da Prefeitura do Rio de Janeiro, a Empresa

Olímpica Municipal descreve a cidade:

“O Rio de Janeiro será reconhecido, ao longo desta década, como a melhor cidade

do hemisfério sul para se viver, trabalhar e visitar. Atingiremos este objetivo através

do engajamento da sociedade e de profundas transformações no sistema de

transporte, infraestrutura urbana, meio ambiente e desenvolvimento social. Os Jogos

Olímpicos e Para-Olímpicos de 2016 trazem um importante sentido de urgência a

este processo. A Prefeitura, junto com os governos federal e estadual, o COI e os

Comitês Organizadores, trabalha incessantemente para atingir todos os objetivos

estabelecidos, com transparência, qualidade e nos prazos previstos.” (Disponível em:

<http://www.rio.rj.gov.br/web/eom/conheca-a-empresa>).

3.3 O projeto Porto Maravilha

No Rio de Janeiro, o planejamento para a zona portuária recebeu a nomeação de

Projeto Porto Maravilha. Apesar da região não abrigar nenhuma modalidade esportiva durante

as Olimpíadas, tem sido feito um esforço grande para transformar o espaço em um polo

turístico e cultural. A Prefeitura acredita que o Museu de Arte do Rio (MAR) juntamente

como o Museu do Amanhã funcionarão como intervenções âncoras para o sucesso da

revitalização da zona portuária da Cidade Maravilhosa, atraindo um número crescente de

visitantes. O prefeito Eduardo Paes ainda indicou a necessidade de “um equipamento público

desenhado por um arquiteto de renome internacional”. Novamente, o urbanismo do espetáculo

entra na cena carioca.

Dessa forma, o arquiteto espanhol Santiago Calatrava foi escolhido para projetar o

Museu do Amanhã sobre o Píer Mauá. As obras estão sendo executadas através de recursos

públicos, enquanto a concepção e desenho ficam a encargo do projetista. O Museu de Arte do

Rio (MAR), da mesma maneira, foi criado por meio da parceria com a Fundação Roberto

Marinho, baseado no currículo de projeções como o Museu do Futebol e da Língua

Portuguesa de São Paulo. A gerência do MAR é realizada pela organização social, Instituto

Odeon. O MAR foi inaugurado em março de 2013 e, em seu primeiro ano, foi elaborado o

Relatório de Gestão 2013. Desde sua abertura foi apontado um número de 328.602 visitantes

nesse ano; além do relatório indicar ainda que 68% dos cariocas afirmaram conhecer o museu

em seu primeiro ano de existência. Hugo Barreto, Secretário Geral da Fundação Roberto

Marinho, discursa que em curto período de existência, o MAR já pertence ao imaginário do

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carioca e ocupa relevante posição, não só no projeto de revitalização da área portuária, mas

como equipamento público na cena cultural do Rio de Janeiro.

Figura 07: Pesquisa da Secretaria Municipal de Cultura sobre o perfil cultural e hábitos na cidade carioca.

Fonte: Gráfico retirado do Relatório de Gestão 2013 do Museu de Arte do Rio, p.19. Pequisa de hábitos culturais dos cariocas

- Instituto Datafolha, Secretaria Municipal de Cultura e J.Leiva Cultura e Esporte

O projeto do Porto Maravilha abrange ainda uma nova reestruturação viária para o

centro do Rio. Algumas mudanças no sistema de vias já podem ser vistas como a demolição

de um trecho de 4,8 km do Elevado da Perimetral para a implantação de um mergulhão e a

criação de uma nova rota conhecida como Binário do Porto. Somados a eles, tem-se um

conjunto de projetos a serem realizados como a construção de 17 km ciclovias, além da

implantação de duas linhas circulares de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), conectando o

porto à Estação Central e à estação Cidade Nova de metrô, assim como criação de passeios

públicos, dentre outros.

Figura 08: Mapa de Mobilidade Urbana do Projeto Porto Maravilha

Fonte: < http://portomaravilha.com.br/web/sup/OperUrbanaApresent.aspx>

Acesso em 26/04/2015

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As obras de infraestrutura planejadas serão financiadas pelo capital oriundo das

negociações dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPAC). Esses

certificados funcionam como títulos cedidos aos empreendedores, que dão direito de

construção em terrenos, onde não eram possíveis tais potenciais pela legislação urbanística

vigente. A Companhia de Desenvolvimento Urbano Regional do Porto do Rio (CDURP),

empresa municipal, fica responsável pelo controle financeiro e emissão do CEPAC. O fato

chama a atenção para a fragilidade da legislação diante dos interesses privados. A Prefeitura

do Rio de Janeiro discursa: “O Plano Diretor é um instrumento legal que propõe uma política

de desenvolvimento urbano e orienta o processo de planejamento do Município. Esta política

tem por objetivo ordenar o desenvolvimento da cidade, garantir seu pleno funcionamento e o

bem estar de seus habitantes.” No entanto, a prefeitura autoriza operações urbanas, passando

por cima do Plano Diretor, que garantia os direitos da população.

O próprio Estatuto da Cidade defende que os planos diretores devem contar com a

participação da população e de associações representativas. A prefeitura deve promover

audiências e consultas públicas ao tomar decisões importantes para a cidade. O Estudo de

Impacto de Vizinhança deve ser exigido na criação de uma grande obra com impacto para a

população local, assim como as Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS) reservam espaços

para moradia popular em trechos urbanos com boa infraestrutura. Esses instrumentos estão

presentes no Estatuto das Cidades e tratam dos direitos sociais. Porém, esse mesmo Estatuto

permite a criação de Operações Urbanas Consorciadas (OUC) que executam planos

urbanísticos em escala quase local, em que o setor privado passa a atuar na implantação de

infraestrutura, nova distribuição de usos, densidades e padrões de acessibilidade15

. O Plano

15

Art. 32 do Estatuto da Cidade – Lei 10257/01- Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá

delimitar área para aplicação de operações consorciadas.

§ 1o Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder

Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores

privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a

valorização ambiental.

§ 2o Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras medidas:

I - a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como

alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente;

II - a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente.

III - a concessão de incentivos a operações urbanas que utilizam tecnologias visando a redução de impactos

ambientais, e que comprovem a utilização, nas construções e uso de edificações urbanas, de tecnologias que

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Diretor passa a não ter validade frente ao Estatuto e as operações urbanas rompem os direitos

dos cidadãos.

O Projeto Porto Maravilha é administrado pelas empresas Odebrecht, OAS e Carioca

Engenharia por meio de um consórcio vencido pelo trio, chamado Operação Urbana

Consorciada do Porto do Rio. Dessa forma, a área passa a ser gerida de maneira diferenciada

do resto da cidade, durante quinze anos, de contrato em vigor. O prefeito Eduardo Paes se

orgulha ao anunciá-la como a maior Parceria Público-Privada do Brasil avaliada em R$7,3

bilhões. Uma região é delimitada e chamada Área de Especial Interesse Urbanístico da Região

do Porto do Rio (AEIU), onde se aplicarão as operações urbanas. Arranha-céus serão erguidos

na cidade num espaço antes ocupado por casarios. Edifícios com até cinquenta pavimentos

poderão ser levantados em determinados trechos em troca de investimento em infraestrutura

urbana na área do porto.

Algumas medidas legislativas foram aprovadas sobre a área como a isenção de

pagamento do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) por dez anos

aos que construírem na zona portuária nos próximos três anos, assim como os que fizerem

obra de recuperação de imóveis, nos mesmo prazo, terão perdão de dívida de IPTU. Esse

conjunto de iniciativas atropelam os proprietários locais, que sofrem pressão sobre seus bens.

As favelas existentes no local como o Morro da Providência tampouco possuem projetos de

incentivo à melhoria de vida de sua população, ficando explícitos os novos padrões

pretendidos para a localidade. Apesar do projeto prevê as empresas que optarem pelo uso

residencial em seus terrenos poderem usufruir de 30% a mais em metros quadrados em

comparação a usos comerciais, esse item não garante a escolha da área com perfil residencial

pelo proprietário. O que se vê em ampla escala é a opção por construções coorporativas,

hoteleiras, dentre outras mais rentáveis. Cópias de modelos anteriores são aplicadas com suas

mesmas problemáticas com disseminação de espaços homogeneizados e descaracterizados. O

próprio Borja (2005) afirma que “o encanto dos anos 1980, o momento mágico de 92, o

consenso ativo que teve o urbanismo de então é hoje passado”, reconhecendo as

consequências vividas por Barcelona no pós-Olimpíadas.

A lógica seguida rompe as particularidades do espaço, reconhecidas por Lefebvre,

sociólogo francês, como resultado do produto social e reflexo do tempo. O capitalismo

programa constantemente os hábitos direcionados para a produção e consumo, gerando uma reduzam os impactos ambientais e economizem recursos naturais, especificadas as modalidades de design e de

obras a serem contempladas. (Incluído pela Lei nº 12.836, de 2013)

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“sociedade burocrática de consumo dirigido” (Lefebvre, 1980, p.47). O espaço moderno passa

a ser padronizado, abstrato pela forma, imagem e estética. Um espaço imposto, distante da

realidade do sujeito que ali vivia. Perde-se a sua essência como reflexo da sociedade, podendo

ser aplicado a qualquer lugar e tempo, desde que seja o espaço do consumo e lucro. Porém,

esse sujeito morador não é mais passivo as transformações; ele toma cada vez mais

consciência da logística perversa do processo. Os movimentos sociais que eram manifestados

no campo, dão fomento agora à crise do urbano com a politização das cidades. Vainer fala “O

Brasil-político se urbanizou e o Brasil-urbano se politizou.”

4 CIDADE EM ALERTA

4.1 Tentativa de Fuga das Cidades Rebeldes

A gama de projetos descritos para a zona portuária, assim como o lançamento de

grandes empreendimentos pela cidade, em especial, na Barra da Tijuca teve que ser

fomentada num cenário de despolitização da cidade. As operações urbanas não foram

discutidas em público e os investimentos foram aplicados onde o governo e as empresas

viram possibilidade de lucro. Segundo Vainer, o processo de privatização é a própria negação

da política e da democracia urbana. A cidade da especulação imobiliária é uma cidade em que

se privatizam recursos públicos e se aprofundam as desigualdades sociais. Castells e Borja

destacam que “dificilmente encontraremos uma resposta positiva se não houver uma liderança

personalizada, e, em muitos casos, a figura dos prefeitos é decisiva.” (1996, p.156). Um

governo forte, personalizado, estável, apolítico para um projeto competitivo que ative o

patriotismo cívico são os pontos fundamentais pregados pelas autoridades como guias de

sucesso do planejamento urbano.

O secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcker afirmou: “Vou dizer algo que é maluco,

mas menos democracia, às vezes, é melhor para se organizar uma Copa do Mundo. Quando

você tem um chefe de Estado forte, que pode decidir, assim como Putin poderá ser em 2018, é

mais fácil para nós, organizadores, do que um país como a Alemanha, onde você precisa

negociar em diferentes níveis." Dessa forma, fica clara a fuga dos grandes eventos em se

instaurarem em territórios conflituosos e com lideranças múltiplas. A cidade que possui lutas

sindicais fortes, protestos, manifestações é inimiga da cidade-empresa e da cidade-negócio. O

Comitê Olímpico optou por fazer os jogos de 2020 em Tóquio, por exemplo, ao invés de

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escolher Madri ou Istambul. Essas duas últimas localidades se viram algumas vezes tomadas

por manifestações nas ruas, o que foi visto como uma ameaça ao evento.

No Rio de Janeiro, observou-se uma estreita relação entre os governos federal,

estadual e municipal independente de suas filiações partidárias nos projetos envolvendo os

Jogos Olímpicos, fato que foi bem visto pelas entidades do COI. A união dos três níveis de

poder teve apoio de grandes corporações nacionais e estrangeiras, além de financiamentos do

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), formando expressivos

cartéis. Somado a esses poderes, as agências e órgãos especiais criados para os jogos passam a

atuar de maneira arbitrária e a “exceção se torna regra”, como prega Nelma Gusmão de

Oliveira, professora e pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e

Regional (Ippur) da UFRJ. As leis podem ser atropeladas pelas novas regras implantadas

pelos comitês com consentimento do governo local. O Regime Diferenciado de Contratações

Públicas16

foi elaborado com o objetivo de facilitar contratações e desenvolvimentos de obras

para cumprir o cronograma de prazos assumidos. No entanto, esse modelo estabelecido

culmina na perda de capacidade de planejamento do Estado, evitando uma visão estratégica

de longo prazo em nome do imediatismo exigido pelas organizações olímpicas.

Em contrapartida, a consolidação de coalizões dominantes entre os três níveis de

governo em parcerias com grandes entidades nacionais e internacionais ativou a reação da

população no Brasil. Novos atores entram, então, em cena de forma inesperada, assustando

autoridades públicas. Desde junho de 2013, milhões de brasileiros têm ido às ruas reclamar do

tão exaltado “padrão Fifa”. Ao invés de estádios e obras grandiosas, a população exige saúde,

educação e transporte digno. Os movimentos iniciaram com o aumento das passagens de

16

A Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011 regulamenta o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC.

Art. 2o O RDC aplica-se exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização:

I - dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida

pela Autoridade Pública Olímpica - APO;

II - da Copa das Confederações da Fedération Internationale de Football Association - FIFA 2013 e da Copa do

Mundo FIFA 2014, definidos em instrumento próprio pelo Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 -

GECOPA, vinculado ao Comitê Gestor da Copa do Mundo FIFA 2014 - CGCOPA; e

III - de obras de infraestrutura e à contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados distantes

até trezentos e cinquenta quilômetros das cidades sedes das competições referidas nos incisos I e II do caput.

Parágrafo único. Nos casos de obras públicas necessárias à realização da Copa das Confederações da FIFA 2013

e da Copa do Mundo FIFA 2014, aplica-se o RDC às obras constantes da matriz de responsabilidade celebrada

entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

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ônibus e ganharam proporções inimagináveis, reivindicando os direitos sociais subjulgados

pelo Estado. A exigência do direito pleno à moradia e serviços de qualidade de forma

igualitária é exposta ao mundo, mesmo que muitas vezes, apenas pelas mídias alternativas e

redes sociais. É interessante ainda mencionar o caráter apartidário que iniciaram os protestos,

sem uma liderança clara, o que dificulta uma tentativa de controle das autoridades. Os

escândalos de corrupção anunciados exacerbaram as manifestações e a imagem da cidade

carioca boa para investir fica sobsuspeita. A ambição para um projeto de cidade internacional

foi tão grande, que as autoridades perderam o controle político e social, devido aos próprios

erros de gerência e corrupção.

Nas ruas brasileiras, o direito à mobilidade foi constantemente entrelaçado às pautas

das questões urbanas, sendo fortemente aclamado diante de mais um megaevento e da

limpeza social recorrente para a implantação de corredores expressos de ônibus e implantação

de empreendimentos grandiosos. As revoltas populares em torno do transporte coletivo estão

na memória das metrópoles do país. Bondes virados, trens apedrejados, ônibus incendiados

foram alguns símbolos da luta popular. As recentes manifestações de 2013 como o slogan:

“Não é só por 20 centavos” em alusão ao aumento da passagem de ônibus traduzem o ponto

inicial dos protestos, chamando atenção ainda para outras reivindicações como o direito à

saúde e educação de qualidade.

Em 2003, em Salvador, já podia ser vista a luta organizada contra os abusos do

transporte coletivo. A chamada Revolta do Buzu reuniu estudantes em resposta ao aumento da

passagem na capital baiana. Estudantes pulavam os muros das escolas e bloqueavam ruas em

diversos bairros num processo descentralizado. Com a divulgação da mídia e criação de um

documentário sobre o movimento, a revolta ganhou projeção nacional. No ano seguinte, em

Florianópolis, ocorreu a Revolta da Catraca. Por conseguinte, manifestantes ocuparam

terminais e bloquearam a ponte de acesso à ilha, forçando o governo a revogar o aumento da

tarifa de transporte e culminando na base para criação do futuro Movimento do Passe Livre

(MPL); movimento criado em 2005, que visava o passe livre estudantil.

Desse modo, é nítido observar que o sistema de transporte coletivo é ponto nodal do

espaço urbano e fator determinante na qualidade de vida de grande parte dos trabalhadores. O

custo elevado do transporte e as condições precárias da maioria dos ônibus e trens, somados a

elevados períodos gastos no trajeto de viagem entre moradia e trabalho afetam a

produtividade de funcionários em muitas cidades brasileiras. Com baixos salários, a

circulação de pessoas é ainda limitada muitas vezes ao trajeto casa-trabalho. Ermínia Maricato

fala no momento atual de urbanização dos baixos salários com uma mão de obra barata,

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segregada e excluída da cidade legal. A cidade possui seu patrimônio histórico e social com

uma apropriação desigual guiada pela renda imobiliária e localização, que permite ou

bloqueia o acesso ao espaço urbano. Assim, a luta pelo transporte passa a ser uma luta pela

cidade para muitos moradores; uma bandeira pelo direito aos espaços da cidade. O direito

pleno do cidadão engloba transporte, moradia, trabalho, serviços, lazer, saúde, educação em

boas condições para a população, estando fortemente entrelaçados uns aos outros. Quando um

fica defasado, os demais passam a se prejudicar em maior ou menor grau. David Harvey

afirma em seu texto para Cidades Rebeldes, p.34: “O direito à cidade não é um presente. Ele

tem de ser tomado pelo movimento político”.

A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, ao ser nomeada pelo Conselho de Direitos

Humanos da ONU para assumir a relatoria especial sobre o direito à moradia adequada, falou

sobre o número extenso de denúncias recebidas de violação dos direitos de pessoas que

vivenciaram megaeventos. Comunidades da África do Sul, China e Nova Délhi denunciavam

as remoções de suas moradias vinculadas à implantação de infraestrutura e equipamentos

relacionados à Copa do Mundo de 2010 na África do Sul, aos Jogos Olímpicos de Pequim de

2008 e os Jogos Olímpicos da Comunidade Britânica também em 2010. Assim, Raquel

Rolnik decidiu elaborar seu primeiro relatório temático para o Conselho com foco na relação

entre os megaeventos esportivos e o direito à moradia adequada. A arquiteta fala de uma

“financeirização” do processo de produção de moradia e de cidades, movidos pelo mercado

imobiliário e de terras. As operações imobiliárias passam a ser sustentadas pela ideia do

legado e das transformações urbanísticas proporcionadas pelos jogos.

Em países emergentes como o Brasil, a Índia e África do Sul, a população mais

carente sofre efeitos perversos, já que possuem uma grande quantidade de ocupações

irregulares, assentamentos informais e favelas fora do controle regulatório do tecido urbano.

Muitas moradias de baixa renda são autoproduzidas pelos próprios moradores num contrato

de boca sem marco de regulamentação. Assim, ao se realizar grandes projetos urbanos para

essas áreas não “oficiais”, as indenizações passam a ser simbólicas (e, em muitos casos, ela

nem existe) e sua remoção carrega a justificativa de que os moradores passarão a ter

condições permanentes e dignas de moradia. No Brasil, o processo de remoção passa por cima

das leis internacionais sobre o direito à moradia, em que o habitante tem o direito de conhecer

o projeto, participar e expor alternativas, além de ganharem assistência técnica e jurídica no

acompanhamento do caso. O marco internacional determina ainda que um reassentamento

deve, necessariamente, oferecer condições iguais ou melhores do que a anterior, contando

com moradia, transporte e serviços próximos. No entanto, o que se vê são funcionários das

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prefeituras pintando números nas paredes das casas, como delimitação de áreas marcadas para

morrer sem uma conversa clara com as famílias afetadas.

As operações urbanas espalham-se na cidade aliadas aos interesses imobiliários, em

que a exceção em nome do legado justifica expulsões e despejos, promovendo a “limpeza

urbana” em prol de um novo espaço disponível para receber o desenvolvimento e a

infraestrutura. A legislação de exceção passa a gerir a cidade. Nesse cenário, as cidades

podem se endividar acima do permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal nos jogos; assim

as cidades trocam favores e isenções fiscais à Fifa e patrocinadores, passando por cima da

legislação tributária; a Lei Geral da Copa julga os crimes relacionados aos megaeventos;

estrangeiros adquirem vistos na embaixada brasileira apenas com a apresentação de ingressos

para jogos. Essa história se repete nas Olimpíadas. A Fifa e o COI ganham autoridade sobre

os espaços publicitários em um raio de dois quilômetros das áreas de interesse do jogos, de

modo que, todos os ônibus que circularem no entorno dos estádios terão seus espaços

publicitários cedidos com exclusividade à essas entidades. Carlos Vainer em entrevista ao

Jornal A Nova Democracia analisa:

“A cidade de exceção estabelece uma única regra, a regra da terceirização, da

privatização da cidade. No caso do Rio de Janeiro, o mais marcante é a feudalização

da cidade. Cada grupo de interesse recebe um pedaço da cidade que tem seu espaço

urbano privatizado em função dos anseios desse grupo. Isso tem como efeito o

aprofundamento das desigualdades na medida em que os pobres passam a ser

banidos a partir de um processo de limpeza étnica urbana generalizada.”

Os grandes eventos poderiam trazer ganhos sociais se recursos fossem aplicados à

urbanização e qualificação de assentamentos de baixa renda com ainda projetos de mobilidade

que privilegiassem os deslocamentos diários da população residente. Porém, o capital é

restritivo aos setores mais abastados. Por conseguinte, a vitrine para vender cidades, também

se transforma em plataforma para as manifestações. As explosões das manifestações são

fomentadas pela reivindicação ao direito à cidade para a maior parte da população e não para

uma pequena parcela como ocorre atualmente. A história dos povos ensina que as grandes

transformações são fruto de movimentos populares de massa ao enfrentarem as relações de

poder constituídas. Autoridades, cientes desse fato, passam a criminalizar os conflitos sociais

e a taxar ativistas de “vândalos”, considerando-os obstáculos ao desenvolvimento turístico da

cidade na cena mundial. Assim, configura-se cada vez mais um processo de tentativa de

conter a liberdade de expressão e as manifestações.

O principal legado positivo gerado pelos recentes megaeventos parece ter sido a

ativação da cidadania brasileira. Os movimentos sociais colocaram em cena a população que

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exige novos horizontes democráticos e pretende transformar os rumos das cidades. As

manifestações ficaram adormecidas por anos, reaparecendo atualmente com um número

crescente de adeptos em reivindicação pelos direitos à cidade para todos. A própria presidente

Dilma Roussef em discurso no dia 21 de junho de 2013, faz uma espécie de autocrítica ao

afirmar “direito à participação”: ”Essa mensagem direta das ruas é pelo direito de influir nas

decisões de todos os governos, do legislativo e do judiciário.” A construção de um modelo de

cidade-empresa para o Rio de Janeiro começou com a venda de sua imagem com lucros para

o COI, empreiteiros e promoção dos governos. Atualmente, o COI se vê ameaçado e seu

presidente, Juan Antonio Samaranch não possui o apoio de antes; as empresas estão

submersas em dívidas crescentes pelos escândalos de corrupção; o governo perdeu

credibilidade e desemprego é crescente. A população continua sem lucrar, porém, já há

expectativas em relação ao futuro. A escolha do Rio de Janeiro para sediar mais um evento de

grande porte ativou a cidadania na luta pelos seus direitos.

4.2 A virada de jogo

Uma série de investigações passa a apresentar resultados inimagináveis em anos

anteriores. A polícia tinha como política investigar governos, grandes negócios, empresas

privadas; porém organizações esportivas passavam despercebidas. Talvez por mover tantas

paixões nos torcedores a ponto de torná-los vulneráveis ao consumir o esporte. No entanto,

ao serem financiadas por dinheiro público e deterem o poder alcançado, passaram a ser alvo

de exame crítico. É válido lembrar, que o COI e a Fifa já tinham despertado crítica de muitos

estudiosos, que foram calados em seu tempo. No entanto, os escândalos tomaram proporções

tão grandiosas e foram expostos nas mídias alternativas e divulgados nas redes, que as

autoridades não conseguiram mais se esconder. Provas foram recolhidas, fomentando

elaborados dossiês que apontaram grandes medalhões, chefes de entidades, como

articuladores de esquemas de corrupção em cadeias que envolviam diversos países e

empresas. A prisão de membros da Fifa na Suiça veio como marco de uma mudança da visão

de órgãos inquestionáveis anteriormente.

Numa operação surpresa em maio de 2015, policiais suíços, atendendo a um pedido de

cooperação judicial dos EUA, prenderam cartolas da Fifa. Sete dirigentes da América Latina

foram levados de seus hotéis para a delegacia de Zurique para responder a acusações de

corrupção, desvio de verba, dentre outros crimes financeiros. Ainda estão sobinvestigação

possível troca de favores entre autoridades pelo direito da Rússia e Catar de sediar as Copas

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do Mundo de 2018 e 2022, respectivamente. As prisões ocorreram às vésperas da eleição que

colocariam o atual presidente, Joseph Blatter por mais quatro anos no poder. O ex-presidente

da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin esta entre os detidos. Ele já

tinha se envolvido em outros episódios polêmicos, quando, como citação, foi flagrado

colocando uma das medalhas em seu bolso que deveria ser entregue na final da Copa São

Paulo de Futebol Junior. Em junho de 2014, o edifício da CBF na Barra da Tijuca recebeu

uma placa com seu nome que custou cerca de cem milhões de reais. Essa foi retirada assim

que decretaram sua prisão. Além de membros da entidade esportiva, há outros investigados no

esquema de corrupção, como executivos de marketing esportivo, como José Hawilla,

fundador e presidente do grupo Traffic, num total de quatorze réus no processo.

Figura 09: Manchete de jornais nacionais e estrangeiros relatando a corrupção esportiva

Fonte: < http://blogs.band.com.br/marcondesbrito/2015/05/28/marin-superstar-e-manchete-em-todos-os-jornais-

do-mundo/>

Acessado em 11/07/2015

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Andrew Jennings, jornalista escocês, publicou o livro “Um jogo cada vez mais sujo”,

elucidando escândalos no meio esportivo. O jornalista sofreu algumas tentativas de censura ao

expor a Fifa e o COI, como ser proibido de participar de entrevistas coletivas de imprensa,

além de tentarem bloquear nas livrarias as vendas de seu livro, que, no entanto, não foram

suficientes para calar seu trabalho. Antes mesmo da ação policial de maio de 2015,

investigações já denunciavam a máfia no esporte. Jennings passou mais de vinte anos

averiguando ações do COI e Fifa entre os holofotes dos jogos e seus bastidores, numa esfera

de mistura entre o público e privado com personalidades repetidas em cenas de corrupção. A

dupla brasileira Ricardo Teixeira, presidente da CBF por vinte e três anos, e João Havelange,

presidente da Fifa por vinte e quatro, são nomes recorrentes nos relatos do jornalista. O

primeiro apareceu, certa vez na Fifa, com uma maleta com quatrocentos mil dólares em

dinheiro vivo, que até hoje não descobriram de onde vieram. O trabalho de Jennings foi

decisivo para que ambos brasileiros fossem afastados do poder das instituições. Após a saída

de Ricardo Teixeira da CBF, José Maria Marin, um dos réus da ação policial americana,

assumiu o cargo, deixando evidente a linha de gestão passada a cada mandato.

A Copa do Mundo no Brasil ainda é protagonista no livro do escocês. A venda ilegal

de ingressos ganha capítulos de destaque no exemplar. Jennings afirma: “Conseguir um

ingresso para Copa do Mundo é ganhar na loteria” em menção ao sorteio anunciado aos

torcedores, que segundo ele, esconde um mundo de negócios obscuros e trocas de favores. O

escocês acusa os irmão mexicanos Jaime e Enrique Byrom, acionistas da Match Services e

Match Hospitality, de controlarem a venda de ingressos com acomodações e hospitalidade nas

Copas do Mundo da Fifa para pessoas de seus interesses a preços fora do mercado. A

hospitalidade oferece hospedagem, além translado para o estádio e serviços de comida e

bebida em camarotes com vista privilegiada nas arenas. Em 2006, os Byroms foram flagrados

entregando mais de cinco mil ingressos para o vice-presidente da Fifa, Jack Warner, para que

fossem vendidos no mercado negro. No entanto, o escândalo foi abafado, Warner foi afastado

e os irmãos continuaram a atuar nas copas seguintes. A empresa Match é suspeita ainda de

superfaturamento no preço de diárias de hotéis em doze cidades-sedes no mundial do Brasil.

Porém, os fatos não foram suficientes e o contrato da dupla mexicana perdurará até o ano

2023.

É válido mencionar, a quantidade de nomes e empresas denunciadas pelo jornalista

nas operações. O prefácio de seu livro anuncia: “Agora que este livro está concluído, vamos

aguardar para ver se o FBI vai indiciar os principais membros da família Fifa-Blatter. As

investigações do esquadrão do FBI contra o crime organizado, com sede em Nova York

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começaram em 2010.” Um dossiê lista 175 pagamentos secretos, iniciados em 1989 e

estendidos pelos doze anos seguintes. Nele descreve um montante de 100 milhões de dólares

em propinas e subornos pagos pela ISL (International Sport and Leisure), empresa de

marketing esportivo parceira da Fifa, em troca da exclusividade em contratos de patrocínio e

de direitos de televisão. Os escândalos elucidados por Jennings culminaram na falência da

empresa ISL. No entanto, assim como a máfia esportiva repetia-se mesmo após o anúncio de

um novo nome no comando de grandes órgãos como a CBF e Fifa, nas empresas privadas

ocorria algo similar. No mesmo edifício, na Suíça, em que trabalhavam funcionários da ISL,

foi instalada uma nova companhia de marketing esportivo denominada Infront governada por

Philippe Blatter, sobrinho de Joseph Blatter. Empresa essa que detinha contratos de venda e

transmissão de esportes como a ISL.

A série de fatos descritos chama a atenção para a maneira como o esporte passou a ser

uma ferramenta poderosa de lucro dos mercados. Com um público crescente de

consumidores, passou a abranger uma gama de setores. O Revezamento da Tocha Olímpica17

foi vendido à Coca-Cola. Um tour com a chama olímpica passa por cidades variadas exibindo

na tocha um emblema com a marca de refrigerante. Dentro das arenas onde são realizadas

competições podem ser visualizados painéis com a marca. Apenas aquele refrigerante pode

ser comercializado nos estádios com copos temáticos que viraram itens de colecionadores.

Anúncios na televisão garantem: “A Coca-Cola leva você e 100 amigos para a Copa do

Mundo 2014”. Além da Coca-Cola, patrocinadores como o McDonald´s, Visa, Samsumg e

outros têm suas marcas vinculadas ao evento, além de deterem isenção fiscal por doze meses

através da Lei Geral da Copa. Todas essas empresas podem vender seus produtos e não

pagam impostos para tal.

A máfia no cenário do esporte não é novidade, porém o que aparece como grande

acontecimento é a passagem das denúncias para as comprovações criminosas somadas, em

especial, às prisões de líderes. Há tempos, uma lista repleta de nome com descrições

minuciosas foi levantada e exposta ao mundo. A polícia americana, enfim, dedicou-se a

questão esportiva. A problemática durante muito tempo foi que a Fifa, segundo Andrew

17

A Tocha Olímpica evoca a lenda da qual Prometeu teria roubado o fogo de Zeus para entregar aos mortais.

Nos Jogos Olímpicos da Grécia Antiga, o fogo era mantido acesso enquanto durassem as competições. Nas

Olimpíadas da Era Moderna, o significado foi resgatado nos Jogos Olímpicos de Verão em 1928, sendo

realizado o primeiro revezamento nos jogos de Berlim de 1936. Nas Olimpíadas Rio 2016, o revezamento

integra uma lista de aproximadamente 300 cidades brasileiras pelas quais a tocha passará, considerando valores

históricos, culturais e geográficos.

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Jennings, criou uma maneira de institucionalizar a corrupção global. A Lei Geral da Copa

somada ainda ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas, no Brasil, permitiram que as

federações atuassem à cima das leis locais com aprovação da presidência nacional. Porém, até

quando a máfia esportiva perdurará? Parece que não por muito mais tempo. Passada a fatídica

votação para presidência da Fifa em 2015, acarretando nas prisões anunciadas na Suíça,

autoridades amedrontadas saem cada vez mais de cena. O atual presidente da CBF, Marco

Polo Del Nero, desde o episódio em Zurique, se recusa a sair do Brasil, mesmo quando a

seleção de futebol nacional participa de competições como a Copa América no Chile, além de

jogos amistosos no EUA, dentre outros locais.

5 Conclusão

O espaço é o local da reprodução das relações sociais. Cada espaço é fruto do

relacionamento da sociedade com aquele sítio, determinando, assim, sua especificidade. Nele

se dá o cotidiano carregado dos anseios, dos conflitos, das projeções do futuro num local

aberto que está sempre por concluir. Dentre seus agentes de transformação estão o setor

imobiliário, o governo, as redes de comunicação, as construtoras e os moradores. Em muitos

momentos, os agentes apresentam divergências de interesses, tendo como resultado conflitos e

disputa por forças na cidade numa relação de domínio dos setores detentores do capital sobre

a população carente.

No mundo globalizado, o espaço mercadológico do investimento e busca por lucro

tem sobressaído. Projetos são realizados e justificados pelo retorno financeiro dos

investimentos ao invés de se priorizar os benefícios aos moradores atingidos. O discurso da

modernização aponta para uma ótica única de projeto para o espaço com privatização de

serviços, condomínios e ruas fechadas, lazer direcionado a determinadas camadas, etc.

Lefebvre (2008) conclui “excluir do urbano, grupos, classes, indivíduos implica também

excluí-los da civilização, até mesmo da sociedade.” Dessa maneira, deve-se romper com a

dominação do espaço que prioriza a especulação e buscar uma mudança que questione a

propriedade privada do solo e valorize o espaço público.

Os políticos perceberam a possibilidade de atração de capital através de grandes

eventos e passaram anos de governo na tentativa promoção do Rio de Janeiro como local bom

para investir. Segundo o geógrafo João Rua (2003, p.284) “ o mercado global precisa do lugar

para se concretizar, tanto no que promove, como no que busca no próprio lugar.” Após

inúmeras tentativas, o município irá sediar os Jogos Olímpicos Rio 2016 e o capital injetado

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foi grande. Junto com ele, a valorização imobiliária, a expulsão de camadas populares das

áreas de projeto, o desemprego crescente e disseminação da corrupção. As questões sociais

continuaram a ser resolvidas.

Ao copiar o modelo Barcelona, não foi realizado, no Rio de Janeiro, o processo

inicial ocorrido no país catalão de recuperação de construções do centro histórico para o uso

habitacional. Optou-se pela cópia da Barcelona Olímpica num processo voltado para a cidade-

empresa. O projeto para a zona portuária do Rio de Janeiro ambiciona a valorização

imobiliária da região que inviabilizarão a permanência de camadas populares no centro

histórico. Ao contrário do que ocorreu na Barcelona no começo dos anos 80, no Brasil, a

escolha pela criação de construções novas pelo governo e iniciativas privadas estiveram

sempre em primeiro plano. O discurso de valorização da “primeira locação”, em referência às

moradias nunca habitadas anteriormente, é exaltado em políticas de governo e creditado pela

população como melhor forma de habitação.

O programa Minha Casa Minha Vida ainda prega o discurso que as novas edificações

mantêm ativas as indústrias da construção e geram empregos numa política de dispersão da

malha urbana. Imóveis novos são então, construídos em áreas distantes, onde a infraestrutura

precisa ainda ser levada, despendendo altos custos e impermeabilizando o solo com grande

impacto ambiental. A cidade compacta é deixada de lado nas políticas brasileiras. O tripé

habitação, trabalho e moradia deviam caminhar em conjunto, sem os altos custos de

deslocamento diários de um grande número de trabalhadores. Adquirir uma propriedade

privada não é o suficiente para o direito pleno a moradia. Vivenciar a cidade em sua plenitude

e complexidade com serviços, transporte e lazer próximos às moradias são medidas

fundamentais a serem pensadas para a cidade carioca.

Segundo o Censo Demográfico do IBGE (2000), o déficit habitacional brasileiro é de

cerca de 6,5 milhões. No Brasil, há pelos menos cinco milhões de imóveis urbanos vagos,

segundo o mesmo censo, o que deixa uma solução óbvia a ser seguida. No Rio de Janeiro,

18% dos imóveis vagos estão em áreas urbanas. Há estoques de terras no centro histórico

carioca; em antigas fábricas abandonadas e edificações desocupadas de São Cristóvão; em

terrenos do metrô pela Zona Sul em bairros como Copacabana, Flamengo e Botafogo; etc.

Todavia, é necessário ainda romper com preconceitos da própria sociedade que se opõem a

implantação de habitações populares em áreas valorizadas e conter a pressão do mercado

imobiliário para proporcionar uma sociedade de usos democráticos.

O resgate do espaço como produto das relações sociais sem a lógica perversa da

cidade produto para apenas um público dotado de renda são os pontos fundamentais na luta da

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sociedade moderna. A participação popular deve ser ativa e constante. Isso não significa

reunir algumas associações e apresentar projetos urbanos como ocorre na maioria das vezes

quando se discute o Plano Diretor. Esse tipo de política é usada como publicidade e promoção

de governos para fazer o povo acreditar na participação popular nos projetos. Porém, é a

própria população que deve trazer suas questões, suas propostas e se fazer ativa no meio

social. Mais um megaevento chegou ao Rio de Janeiro e agora é o momento de reavaliar os

resultados atingidos. Os grandes eventos internacionais foram símbolo da criação de espaços

para a reprodução capitalista nos últimos anos. David Harvey (2004,p.315) afirma “a

formulação de regras que sempre constituiu a comunidade tem que ser posta em tensão com a

violação de regras que propicia as transformações revolucionárias.”

O corpo técnico tem que entrar em cena não como os mais capacitados para a

implementação de medidas e sim, com uma linguagem popular de acesso aos cidadãos e

incentivo ao debate. O geógrafo espanhol Horacio Capel (2009) analisa “não podemos fazer

nada a respeito do passado, mas podemos influenciar o futuro, modestamente com a ação

individual, e de forma mais intensa com a ação coletiva. São muitos os futuros possíveis,

porém alguns são preferíveis a outros. Somente haverá um futuro entre os muitos possíveis,

(...) e os cientistas sociais devem ajudar a construí-los.” As Olimpíadas tiveram como

consequência positiva a ampla rede de debates para a cidade em palestras e fóruns de

discussão com participação de importantes líderes de conhecimento já citados na narrativa

como Carlos Vainer, Raquel Rolnik, Ermínia Maricato.

As manifestações desde 2013 foram importante para incentivar a sociedade a

transformar o estado atual da cidade e levá-la a novas possibilidades. Frear os espraiamento

das novas construções e da especulação imobiliária, promover a utilização de vazios urbanos,

incentivar o pequeno comércio, fornecer serviços e lazer para as diversas classes são indícios

de novos rumos. A ativação da cidadania foi feita e o desafio atual é conseguir de fato a

participação popular no planejamento e gestão da cidade. Participar não é apenas opinar, mas

requer vontade de intervir no espaço. No espaço urbano, há diversos grupos com interesses

múltiplos, porém, são justamente as classes mais humildes que estão em maior número e são

vulneráveis, devendo ser priorizadas nos projetos, já que são as menos assistidas. Só por meio

das manifestações e luta de classes as transformações serão possíveis.

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BARROS, Danielle; GUTERMAN, Bruna; CANTO, Bárbara. Produção de Sentido e

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