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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
DÊIXIS E ESQUEMA IMAGÉTICO
AS COORDENADAS ESPACIAIS DOS LOCATIVOS LÁ E ALI
Alexandre Batista da Silva
Rio de Janeiro - RJ
Fevereiro 2018
i
DÊIXIS E ESQUEMA IMAGÉTICO
AS COORDENADAS ESPACIAIS DOS LOCATIVOS LÁ E ALI
Alexandre Batista da Silva
Tese de Doutorado apresentada à banca examinadora e ao
Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Língua
Portuguesa.
Orientadora: Prof.ª Dr. ª Maria Lúcia Leitão de Almeida
Coorientador: Prof. Dr. Diogo Oliveira Ramires Pinheiro
Rio de Janeiro - RJ
Fevereiro 2018
ii
Silva, Alexandre Batista da.
Dêixis e esquema imagético: as coordenadas espaciais dos locativos lá e ali /Alexandre
Batista da Silva. Rio de Janeiro: UFRJ / FL, 2017.
Orientadora: Maria Lúcia Leitão de Almeida.
Coorientador: Diogo Oliveira Ramires Pinheiro. Tese de Doutorado – UFRJ / FL /
Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2017. 109f.
1. Dêixis. 2. Esquema imagético. 3. Cognição. Almeida, Maria Lucia Leitão de; Pinheiro,
Diogo Oliveira Ramires. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras. III. Dêixis e esquema imagético: as coordenadas espaciais dos locativos lá e ali.
iii
DÊIXIS E ESQUEMA IMAGÉTICO
AS COORDENADAS ESPACIAIS DOS LOCATIVOS LÁ E ALI
Alexandre Batista da Silva
Orientador: Profª. Maria Lúcia Leitão de Almeida
Coorientador: Prof. Doutor Diogo Oliveira Ramires Pinheiro
Tese de Doutorado apresentada à banca examinadora e ao Programa de Pós-Graduação
em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________________________________
Profª. Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida- UFRJ. Orientadora.
______________________________________________________________________
Profª. Doutora Sandra Pereira Bernardo – UERJ.
______________________________________________________________________
Prof. Doutor Janderson Luiz Lemos de Souza - UNIFESP
______________________________________________________________________
Prof. Doutor Anderson Salvaterra Magalhães – UNIFESP
______________________________________________________________________
Prof. Doutor André Luiz Faria – UESB
______________________________________________________________________
Prof. Doutor Mauro José Rocha do Nascimento – UFRJ – 1º suplente
______________________________________________________________________
Profª. Doutora Rosangela Nogueira – UERJ. 2º suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro 2018
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço todas as dificuldades que enfrentei; não
fosse por elas, eu não teria saído do lugar. As
facilidades nos impedem de caminhar. Mesmo as
críticas nos auxiliam muito.
Chico Xavier
As dificuldades inerentes à investigação científica são conhecidas por todos que já
passaram pelo processo de construção de uma tese. São elas, entretanto, que tornam a realização
da empreitada mais significativa. Isso ocorre por vários motivos. Um deles é o reconhecimento
de que nunca estamos sozinhos. A escolha do fenômeno a ser investigado, a escrita do
anteprojeto e a preparação para a seleção do programa de doutorado são permeadas por diálogos
intensos que projetam ações, respostas e resultados. Essas conversas acalentam a alma e dão
sustentação para a continuidade do processo. Depois de efetivada a aprovação no programa,
novos diálogos são estabelecidos com outra intencionalidade e fortalecem os estudos,
construindo parâmetros que possibilitam a conclusão dos trabalhos de investigação e publicação
da tese.
No primeiro grupo, estão pessoas preciosas que sempre viram em mim mais do que eu
sou: Alíria Duque, Ana Malfacine, Joanice Vigorito, Jorgete Nonata, Mara Souza,
Olímpia Santos, Roberta Campos, Rosa Carneiro foram pessoas cruciais durante todo o
processo, quando, mesmo sem o saber, incentivaram-me a enfrentar os desafios que esses
quatros anos empunhariam. Incluo também à professora Alcimare Silva Dalbone, colega de
trabalho e amiga, que gentilmente leu e corrigiu meu abstract. Agradeço sinceramente a todas
essas pessoas amigas que alimentaram minha alma antes, durante e agora, depois de escrita a
tese.
v
No segundo grupo, estão os professores e colegas de curso ou de trabalho que
contribuíram imensamente para a realização deste trabalho. Agradeço sinceramente à
professora, amiga e ex-colega de trabalho Ana Poltroniere, hoje merecidamente professora
federal, agradeço imensamente pela doação de importantes materiais em espanhol e francês
sobre Dêixis. São obras estrangeiras raras que me deram um panorama preciso do tratamento
científico desse fenômeno linguístico, sem as quais eu não poderia avançar no meu intento.
Agradeço sinceramente à professora doutora Hanna Jacubowicz Batereó, da
Universidade Aberta de Lisboa. A doutora portuguesa me prestigiou com uma leitura atenta das
ideais iniciais de meu trabalho, dando-me importantes contribuições.
Agradeço sinceramente à professora Marcia Machado, professora de um dos cursos
que fiz durante o doutorado. Sua precisão no tratamento dos dados e orientação na metodologia
de pesquisa foram fundamentais para a construção de minha argumentação nesta tese.
Agradeço sinceramente à professora Maria Eugênia Lamoglia Duarte, cujo rigor
metodológico não exclui a generosidade e doçura nas aulas maravilhosas que tive oportunidade
de participar. Aprendi a ser zeloso com o material de pesquisa e coordenar leitura teórica com
meditação analítica.
Agradeço aos professores Janderson Luiz Lemos de Souza, Departamento de Letras
da UNIFESP e Juliana Scamparini, professora da Faculdade de Letras da UERJ, membros da
banca de qualificação. As contribuições dadas naquela ocasião foram muito importantes para
continuidade de meu trabalho. Agradeço aos professores doutores Anderson Salvaterra
Magalhães, Sandra Bernardo, Rosangela Gomes e Ana Paula Quadros pela prontidão em
aceitar constituir a banca de avaliação desta tese.
Agradeço sinceramente ao professor Paulo Henrique Duque, professor doutor da
faculdade de Letras da UFRN. Muitas de minhas inspirações nasceram da leitura de suas
publicações e livro.
vi
Agradeço ao professor Diogo Pinheiro, professor do programa de Linguística da UFRJ
e meu coorientador. Sua simplicidade comovente permitiu meu acesso nas dúvidas mais
simples com o mesmo deferimento e paciência que me dirigiu nas questões mais complexas.
Agradeço à minha orientadora Maria Lucia Leitão de Almeida. Desde o momento de
minha entrada no programa até o final do doutorado, recebi a atenção adulta e oportuna que
construiu a autonomia necessária e inteligente para a formação de um pesquisador.
Por fim, agradeço e homenageio minha mãe. Muito tempo antes de eu pensar em ser
gente, ela já lutava para criar as condições para que eu um dia fosse. Eis que hoje, depois de
muito trabalho árduo diário, ela pode contemplar seu filho conquistando o título que sempre
desejou.
vii
O espaço absoluto, por sua própria natureza, sem
relação com algo exterior, é sempre semelhante e
imóvel. O espaço relativo é a dimensão móvel ou
a medida do espaço absoluto; nossos sentidos o
determinam por sua posição em relação aos
corpos, sendo muitas vezes confundido com o
espaço imóvel.
Isaac Newton
viii
RESUMO
DÊIXIS E ESQUEMA IMAGÉTICO
AS COORDENADAS ESPACIAIS DOS LOCATIVOS LÁ E ALI
Alexandre Batista da Silva
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Leitão de Almeida
Coorientador: Prof. Dr. Diogo Oliveira Ramires Pinheiro
Resumo de Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.
Esta tese visa à explicação de alternância do uso dos locativos lá e ali em contextos de
uso em que as condições pragmáticas implicam o uso prototípico de tais dêiticos. Mas
especificamente, o intento foi identificar qual a motivação semântico-pragmática que subjaz à
opção do falante por ou outro locativo e descrever o aspecto cognitivo que participa dessa
alternância. A partir do aporte teórico da Linguística Cognitiva e, dentro dela, mais
especificamente a Teoria dos Esquemas Imagéticos (Johnson e Lakoff, 1987) e da Metáfora
Conceptual (Lakoff & Johnson,1980), este trabalho defende que os dêiticos lá e ali ativam
domínios alternativos ao domínio em que estão os indivíduos da situação de comunicação
imediata a partir do grau de envolvimento psicológico do falante com o evento de comunicação.
Para comprovar minha tese, empreendi uma análise dos contextos de uso reais dêiticos em tela.
Os dados de fala espontânea foram retirados do programa televisivo Big Brother Brasil, que
conta com participação de homens e mulheres de diferentes níveis de formação escolar. A
hipótese norteadora do trabalho é que, embora seja semanticamente mantida a ideia de mais
distante e menos distante, os dêiticos lá e ali instruem os ouvintes a como conceptualizar a
distância entre o ground onde estão postos os objetos do evento de comunicação e o ground
onde estão os interlocutores. Dentro dessa perspectiva, a alternância de uso desses dêiticos
indica que o ouvinte deve realizar o que denominarei aqui como zoom espacial em que a
distância é estabelecida não pelos parâmetros de como as coisas estão postas no mundo, mas
pelos parâmetros subjetivos estabelecidos pelo falante. Para evidenciar esse fenômeno, o
procedimento metodológico constou da identificação das situações prototípicas de uso dos
dêiticos lá e ali e identificação de qual esquema imagético está principalmente na base desse
uso. A análise demonstrou que o esquema imagético centro-periferia descreve bem a semântica
dos dêiticos em tela e faz emergir a distância, a acessibilidade e a visibilidade como parâmetros
pragmáticos que determinam o uso de um ou outro locativo. Em contrapartida, os usos não
prototípicos ignoram tais parâmetros e estabelecem critérios subjetivos para o emprego dos dois
itens linguísticos. O resultado foi a constatação de que o dêitico locativo lá expressa um espaço
indeterminado, distante do ground discursivo, ao passo que o dêitico locativo ali expressa um
lugar determinado, dentro do ground discursivo. O estudo também demonstrou que alternância desses locativos é resultado do processo de conceptualização da distância expressa por eles.
Palavras-chave: Dêixis. Esquema Imagético. Cognição
Rio de Janeiro
Fevereiro 2018
ix
ABSTRACT
DEIXIS AND IMAGE SCHEME
THE SPACE COORDINATES OF LOCATIVES THERE AND THERE
Alexandre Batista da Silva
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Leitão de Almeida
Coorientador: Prof. Dr. Diogo Oliveira Ramires Pinheiro
Abstract de Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.
This thesis aims at the explanation of alternation of the use of locative there and there
in contexts of use in which the pragmatic conditions imply the prototypical use of such deictics.
Specifically, the intent was to identify which semantic-pragmatic motivation underlies the
speaker's choice for another locative and to describe the cognitive aspect that participates in
that alternation. From the theoretical contribution of Cognitive Linguistics and, more
specifically, the Theory of Imaging Schemas (Johnson and Lakoff, 1987) and Conceptual
Metaphor (Lakoff & Johnson, 1980), this work argues that deictics there and there activate
domains alternative to the domain in which the individuals are from the situation of immediate
communication from the degree of the speaker's psychological involvement with the
communication event. To prove my thesis, I undertook an analysis of the actual deic contexts
of use on screen. The spontaneous speech data were taken from the Big Brother Brazil television
program, which counts on the participation of men and women from different levels of school
education. The guiding hypothesis of the work is that although the idea of semantics is
semantically maintained, the deictics there and there instruct the listeners how to conceptualize
the distance between the ground where the objects of the communication event are placed and
the ground where the interlocutors are. In this perspective, the alternation of use of these deictics
indicates that the listener must realize what I will call here as a spatial zoom in which distance
is established not by the parameters of how things are put in the world but by the subjective
parameters established by the speaker. To demonstrate this phenomenon, the methodological
procedure consisted of the identification of the prototypical situations of use of the deictic ones
there and there and identification of which imaging scheme is mainly in the base of this use.
The analysis showed that the center-periphery imagery scheme describes well the semantics of
the deictics on the screen and brings distance, accessibility and visibility as the pragmatic
parameters that determine the use of one or another locative. In contrast, non-prototypical uses
ignore such parameters and establish subjective criteria for the use of the two linguistic items.
The result was the realization that the locative deity there expresses an indeterminate space, far
from the discursive ground, whereas the locative deictic expresses a given place within the
discursive ground. The study also showed that alternation of these locative is a result of the
process of conceptualizing the distance expressed by them.
Keywords: Deixis. Image Schemas. Cognition
Rio de Janeiro
Fevereiro 2018
x
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Associação do lá e do ali às pessoas gramaticais. 58
Quadro 2: Grupos de especificações semânticas dos advérbios de lugar. 61
Quadro 3: Locativos argumentais e não argumentais. 62
Quadro 4: Distribuição dos locativos. 69
Quadro 5: Regras de notação utilizadas na pesquisa. 73
Quadro 6: Contextos de uso e determinação de uso dos locativos. 74
Quadro 7: Características das situações que evidenciam o uso do lá e do ali. 93
Quadro 8: Situações hipotéticas para o lá. 101
Quadro 9: Situações hipotéticas para o ali. 101
xi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Quadro semântica da dêixis proposto por Marmaridou. 18
Figura 2: Quadro de semântica prototípica dos locativos lá e ali. 19
Figura 3: Imagem correspondente ao Exemplo 1a. 19
Figura 4: Imagem correspondente ao Exemplo 1b. 20
Figura 5: Imagem correspondente ao Exemplo 2a. 20
Figura 6: Imagem correspondente ao Exemplo 2b. 20
Figura 7: Representação do esquema imagético CONTÊINER. 27
Figura 8: Representação do esquema imagético CONTÊINER inserido em um todo. 28
Figura 9: Representação do ground default estabelecido por Rubba (1996). 38
Figura 10: Peça publicitária da campanha “There’s prese room for more. Adopt”. 43
Figura 11: Diagrama representativo das diferentes situações de subjetividade. 49
Figura 12: Diagrama representativo do uso do aqui, do lá e do ali, de acordo com a proxi. 57
Figura 13: Distância presumida para os locativos lá e ali. 70
Figura 14: Demonstração da possibilidade de alternância para os locativos lá e ali. 70
Figura 15: Esquema dos valores nucleares dos grupos de dêiticos. 71
Figura 16: As três noções de membros principais para a categoria grau de extensão. 77
Figura 17: Representação do ground default dêitico. 79
Figura 18: Diagrama demonstrativo do papel dos locativos lá e ali. 82
Figura 19: Representação da organização perceptual. 83
Figura 20: Representação esquemática da projeção do posicionamento do locutor no
campo espacial. 84
Figura 21: Representação esquemática da projeção do posicionamento do locutor no
campo espacial. 85
xii
Figura 22: Momento em que os Brothers tinham o diálogo do Exemplo 6. 88
Figura 23: Momento em que os Brothers tinham o diálogo do Exemplo 7. 89
Figura 24: Representação do uso do lá. 90
Figura 25: Momento em que os Brothers tinham o diálogo do Exemplo 9. 91
Figura 26: Representação do uso do ali. 92
Figura 27: Gestos de um dos participantes relacionados ao Exemplo 11. 93
Figura 28: Imagem correspondente ao Exemplo 12. 94
Figura 29: Imagem referente ao Exemplo 13. 96
Figura 30: Imagem relacionada ao Exemplo 14. 97
Figura 31: Imagem relacionada ao Exemplo 15. 98
Figura 32: Imagem relacionada ao Exemplo 17. 100
xiii
SUMÁRIO
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO 15
1.1 Delimitação do objeto 17
1.2 Objetivos 21
1.3 Estrutura da tese 21
CAPÍTULO 2
QUADRO TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICO 23
2.1 Os pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva 23
2.2 A expressão de espaço na linguagem 33
2.2.1 A conceptualização da distância: as categorias de Leonard Talmy 36
2.3 A teoria do dos esquemas imagéticos 38
2.4. A dêixis
2.4.1 O que é a dêixis 45
2.4.2 A abordagem clássica da dêixis 53
2.4.3 A abordagem cognitivista da Dêixis 36
CAPÍTULO 3
REVISÃO DA LITERATURA 68
3.1 Entrando na conversa sobre a representação linguística do espaço 69
3.2 Os dêiticos locativos lá e ali nas abordagens gramaticais 70
3.3 Os dêiticos locativos lá e ali nas abordagens de cunho linguístico 74
3.4 Os dêiticos locativos lá e ali na abordagem Semântico-Cognitiva 8
xiv
CAPÍTULO 4
METODOLOGIA 92
4.1 O corpus 92
4.2 Situações comunicativas selecionadas 96
CAPÍTULO 5
A ALTERNÂNCIA DOS DÊITICOS LÁ E ALI NO PORTUGUÊS BRASILEIRO 98
5.1 Os dêiticos lá e ali na representação da distância 75
5.2 Os dêiticos lá e ali e o esquema imagético CENTRO-PERIFERIA 104
5.3 A situação prototípica do locativo lá 111
5.4 A situação prototípica do locativo ali 115
5.5 A situações de alternância do uso do lá 119
5.6 A situações de alternância do uso do ali 124
CONSIDERAÇÕES FINAIS 128
REFERÊNCIAS 130
15
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
Os itens linguísticos lá e ali indicam coordenadas espaciais que expressam a distância
indeterminada entre o lugar onde está o sujeito cognoscente e o lugar onde está o objeto de
atenção da situação de comunicação. Os diferentes compêndios gramaticais de linhagem
tradicional enquadram essas palavras entre os advérbios espaciais e estabelecem para elas,
respectivamente, o traço semântico de mais distante e menos distante. Ocorre que esta distinção
não descreve adequadamente as diferentes possibilidades de uso desses locativos. O emprego
do lá e do ali, na comunicação diária, evidencia que seu uso não está relacionado apenas à mera
indicação de distância, como mostra a cena abaixo.
Cena 01:
Um casal está discutindo num restaurante. O rapaz se levanta para deixar a
mesa.
A moça: Aonde você vai?
O rapaz: Vou ali no banheiro.
A moça: Agora você vai lá no banheiro para fugir da discussão.
Obviamente, pode-se imaginar que o banheiro está dentro do restaurante e as condições
pragmáticas para seu alcance (distância, visibilidade e acessibilidade) também são as mesmas
para os interlocutores. É também possível supor que ambos os interlocutores não tenham a
mínima ideia de onde está o banheiro no restaurante, mas apenas sabem, pela sua experiência
social, que todo restaurante deve ter um banheiro. A cena1 sugere que o emprego das formas
linguísticas lá e ali é muito mais complexo do que apontam os compêndios gramaticais.
O uso apresentado do lá e do ali se insere, de maneira mais ampla, nas discussões sobre
a relação entre linguagem e contexto, em que a dêixis é a evidência maior dessa dependência.
1 O episódio descrito acima se refere a uma discussão que um casal travou em um restaurante onde eu também
estava.
16
Mais especificamente, o problema que se coloca no concernente ao uso dos locativos em tela é
a motivação para a escolha de um e de outro em situações em que as condições contextuais
objetivas sugeririam o emprego prototípico de um em detrimento do outro, mas ocorre
alternância do tipo apresentado na Cena 1.
Os locativos lá e ali codificam um tipo de experiência espacial humana no espaço. A
possibilidade de alternância de emprego entre eles evidencia que fatores como distância,
visibilidade e acessibilidade não são determinantes na escolha de uma ou outra dessas formas
linguísticas. A alternância mostra que seu uso está mais ligado a como o falante conceptualiza
a distância dos objetos de atenção da interação e à tentativa de negociação dessa
conceptualização com seu interlocutor.
Diferentes são os estudos linguísticos que tomam especificamente os locativos lá e ali
no português como objeto de investigação. De maneira geral, há pesquisas no campo da
descrição linguística, como os trabalhos de Pontes (1992), Moura Neves (2000, 2002, 2014) e
Raposo e colegas (2013), e com tendências funcionalistas como de Oliveira (2011) e Oliveira
e Bateréo (2012), que se preocupam com construções gramaticais em que esses locativos estão
envolvidos. Há, ainda, pesquisas que se orientam pelos achados dos estudos da Semântica e da
Pragmática, como Teixeira (2005) e Pereira (2009), que se preocupam com a alternância do uso
e fixam como fator determinante a acessibilidade como condição para a escolha de um ou outro
item linguístico.
Minha pesquisa investirá na tentativa de ampliar a compreensão da alternância do lá e
do ali não-fóricos em contextos de interação face a face com base nos pressupostos teóricos da
Linguística Cognitiva. Para tal empreendimento, serão empregados os modelos teóricos da
Gramática Cognitiva de Langacker (1987, 1991, 1999, 2008) e da Semântica Cognitiva de
Talmy (2000), sobretudo no que concerne ao conceito de perspectivação conceptual. Esses
17
linguistas evidenciam a capacidade de perspectivação como a função central da gramática de
uma língua.
Naturalmente, o objetivo central desta pesquisa está atrelado ao que estes dois modelos
teóricos podem responder: qual a motivação semântico-pragmática que está na base da
alternância do uso do lá e do ali não-fóricos em interação face a face.
1.1 Delimitação do objeto
Um dos princípios mais caros da Linguística Cognitiva é que o significado é resultado
de conceptualização, que consiste na perspectivação de uma entidade ou situação (SILVA e
BATERÉO, 2012). Meu objeto de pesquisa está diretamente ligado a este princípio, uma vez
que investigamos a possibilidade de alternância de emprego dos locativos lá e ali em contextos
de interação face a face. Trata-se de um fenômeno dêitico não prototípico, pois a situação de
uso que interessa a esta tese é aquela em que essas formas linguísticas não fazem referência a
como os objetos estão dispostos no mundo. A abordagem de cunho experiencialista e
cognitivista de Rubba (1996) e Marmaridou (2000) deram à dêixis o tratamento da Linguística
Cognitiva.
Rubba (1996), empenhada na compreensão dos usos não prototípicos dos termos
dêiticos no processo de referência de objetos no espaço, postula a existência de um ground
default, onde estão os interactantes e em relação ao qual são criados grounds alternativos. A
postulação desses últimos explicaria a possibilidade de compreensão dos usos não prototípicos
dos dêiticos. A pesquisadora ilustra seu problema com a seguinte ocorrência do locativo aqui:
[...] ou mesmo quando eu vou para, tipo, uma parte espanhola da cidade, você
sabe, ver tudo em espanhol, e eu digo, bem, você sabe, aqui não é onde eu
pertenço. (RUBBA, 1996).
18
O exemplo mostra o falante se referindo a um lugar onde não está, mas faz referência a
ele como aqui, cujo escopo é o ground alternativo. Para ela, o abandono do ground default e a
criação de outro alternativo torna o emprego coerente para quem partilha da interação.
Entretanto, a autora não explica a alternância do lá e ali nos contextos de uso, pois os casos de
troca não apontam para a criação em de ground alternativo uma vez que não há extrapolação
da situação comunicativa imediata. Para minha tese, interessa a postulação de um ground
default que estabelece as condições pragmáticas para as coordenadas de conceptualização e uso
dos locativos em tela.
A partir da Teoria dos Protótipos de Rosch (1975) e das postulações de Lakoff (1987)
sobre os Modelos Cognitivos Idealizados, Marmaridou (200) buscou superar o tratamento
tradicional da dêixis. A linguista propõe o MCI dêitico, que abarca o ato linguístico de apontar
uma entidade no espaço. Esse ato envolve um falante que direciona a atenção do seu interlocutor
para um objeto presente em num espaço de tempo. Para esse apontamento, é necessário o
estabelecimento de um centro dêitico em torno do qual as coordenadas espaciais são possíveis.
Segundo Fontes e Ferrari (2010) trata-se da noção de egocentricidade. As linguistas brasileiras
apresentam o seguinte quadro semântico da dêixis (Figura 1).
Para as autoras, na base da conceptulização da dêixis, está o esquema imagético
CENTRO versus PERIFERIA em que o centro dêitico fixado a partir do falando. Desse
esquema, é possível a percepção de que os locativos lá e ali estão associados às relações de
Figura 1: Quadro semântico da dêixis proposto por Marmaridou.
Fonte: Fontes e Ferrari (2010).
19
distância x e y. Desse modo, teríamos o seguinte esquema adaptado das autoras (Figura 2):
A ilustração mostra o uso prototípico dos locativos em tela. O evento discursivo,
constituído das entidades inerentes estabelecem fronteiras físicas ou simbólicas que
estabelecem a situação imediata de interlocução. Nesse quadro, o lá está fora de tais limites e o
ali, dentro dele. Todavia, há situações em que o emprego dessas formas linguísticas não
corresponde à expectativa gerada pelas condições do evento de comunicação. Os pares abaixo
mostram exemplos em que a) é a uma situação de uso prototípico e b) é uma situação de uso
não prototípico.
Exemplo 1: Lá
a) Bial: Beleza...deu para entender...então. Alguém corre lá na dispensa e pega
os coletes, por favor. (Os Brothers estão na sala recebendo a instrução).
b) Adrielles: O negão está tomando banho pelado mesmo, rapaz. Olha lá! (os
três Brothers estão no banheiro).
Figura 2: Quadro de semântica prototípica dos locativos lá e ali.
Fonte: Fontes e Ferrari (2010).
Figura 3: Imagem correspondente ao Exemplo 1a.
20
Exemplo 2: Ali
a) Julia: Gente, mas é o Pálio que vai ganhar... é aquele ali...ele falou
...independente do carro que...
b) Mariza: As pessoas se esforçam né. Eu vim de lá com a toalha do líder que
é uma toalha diferente bonita, verde. Vim deixei dobradinha ali bem separada
de todo mundo, menino...quando eu olho tá...quem? Douglas...com a cara...
Figura 4: Imagem correspondente ao Exemplo 1b.
Figura 5: Imagem correspondente ao Exemplo 2a.
Figura 6: Imagem correspondente ao Exemplo 2b.
21
Tanto em 1a e 2a encontramos casos de emprego prototípicos do uso do lá e do ali. Em
1a, os interlocutores estão na sala conversamos com o apresentador que virtualmente ocupa o
ambiente com os demais. O lá que aparece no texto se refere a um espaço distante, não visível
e não imediatamente acessível aos interlocutores. O mesmo ocorre em 2a. O locativo ali
corresponde a um espaço próximo, visível e imediatamente acessível aos interlocutores.
Ao contrário, os exemplos 1b e 2b apresentam usos não prototípicos dos locativos em
tela. Em 1b, temos o uso do lá se referindo a um lugar próximo, visível e imediatamente
acessível ao falante. Em 2b, o emprego do ali se refere a um lugar distante, não visível e não
imediatamente acessível pelos interlocutores.
Meu interesse é a compreensão da motivação da alternância.
1.2 Objetivos
Este trabalho se propõe a investigar as coordenadas espaciais instruídas pelos dêiticos
lá e ali no português brasileiro. O objetivo principal é a descrição dos usos não fóricos desses
locativos, em textos orais, para determinar as operações cognitivas na conceptualização do
espaço a eles associada.
Os objetivos específicos são:
▪ Identificar qual a motivação semântico-pragmática que subjaz à opção do falante por
um ou outro locativo lá e ali.
▪ Descrever o aspecto cognitivo que participa de alternância de uso dos locativos lá e
ali.
1.3 Estrutura da tese
Esta tese apresenta um capítulo destinado à revisão da literatura. O objetivo é apresentar
os estudos mais recentes da dêixis. Em seguida, procede-se à apresentação do aporte teórico ao
22
qual se filia este trabalho. Essa etapa é importante porque a Linguística Cognitiva é um campo
teórico que abriga diferentes modelos e teorias. Em capítulo seguinte, apresentam-se as opções
metodológicas. No capítulo 4, apresento sucintamente os modelos teóricos escolhidos para
análise dos dados. No capítulo 5, apresento a descrição dos dados para, em seguida, apresentar
as considerações finais.
23
CAPÍTULO 2
QUADRO TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICO
A construção de significado na linguagem acontece na interação. De fato, diferentes
fatores presentes nas situações de comunicação contribuem na maneira como os participantes
compreendem o que é dito. Sem dúvida, as experiências sociais e linguísticas dos interactantes
são fatores determinantes na compreensão da intencionalidade dos sujeitos envolvidos na
situação comunicativa, o que torna o processo de construção de significado dinâmico e,
sobretudo, singular.
A Linguística Cognitiva, perspectiva sobre a linguagem e a mente diametralmente
oposta à Gramática Gerativa e Semântica Formal, oferece o aparato teórico-metodológico que
possibilidade a descrição do fenômeno da construção do significado linguístico, considerando
todos os aspectos internos e externos do evento de fala. Este capítulo apresentará os conceitos
que balizaram a análise da alternância dos locativos lá e ali, uma vez que ele se insere na
comunicação verbal on line, que exige uma concepção de linguagem e sujeito cognoscente
presentes na Linguística Cognitiva. Na primeira parte, apresentarei, brevemente, os
pressupostos da Linguística Cognitiva. Na segunda parte, apresento os estudos sobre a
expressão de espaço na língua. Na terceira, será apresentada a teoria dos esquemas imagéticos.
2.1 Os pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva
A linguística Cognitiva surge no final dos anos setenta e início dos anos oitenta do
século passado. A pesquisa acadêmica desenvolvida por um pequeno número de pesquisadores,
entre eles Charles Fillmore, George Lakoff, Ronald Langacker e Leonard Talmy, surgiu da
insatisfação com as abordagens formais, especialmente Gramática Generativa e Gramática de
24
Montague, dominantes nas disciplinas de linguística e filosofia daquela década. A debandada
consciente desses importantes linguistas estabeleceu uma agenda que abordasse as questões da
construção de sentido.
De natureza filosófica, como é evidente em Lakoff e Johnson (1987), a Linguística
Cognitiva foi influenciada por teorias e achados das outras ciências cognitivas, particularmente
psicologia cognitiva, e mais recentemente pelas ciências do cérebro, especialmente a
perspectiva interdisciplinar conhecida como neurociência cognitiva. Desse modo, o cisma
desencadeou investigações que colocaram o sujeito que fala como elemento fundamental do
processo de construção de significado. Fortemente atrelada aos estudos da psicologia cognitiva,
a Linguística Cognitiva está em consonância com abordagens funcionais da linguagem e não é
campo teórico único. Pelo contrário, segundo Evans (2006),
é um amplo empreendimento teórico e metodológico, onde reside sua
força. O que fornece a empresa com coerência é o seu conjunto de
primários compromissos e teses centrais. Teorias influentes dentro da
Linguista Cognitiva têm empregado a análise e ferramentas
metodológica com as quais investigam os fenômenos nos quais se
concentram.
Por isso, Geeraerts (2006) afirma que a Linguística Cognitiva tem uma estrutura
flexível. Diferentemente das teorias linguísticas que tendem a ser bastante insulares em que
cada estrutura teórica tende a constituir uma entidade conceitual e sociológica completa em si
mesma, com um número limitado de frentes de estudos compartilhados com outras abordagens,
a Linguística Cognitiva toma a forma de um arquipélago em vez de uma ilha. Para o autor, não
se trata de uma teoria com delimitações claras e objetivas, mas de conjunto de pesquisa
linguística ligado por uma perspectiva compartilhada de linguagem e de sujeito cognoscente,
mas que, ao mesmo tempo, não podem ser reunidos sob a égide de uma teoria bem definida.
25
A Linguística Cognitiva se distingue das ciências da linguagem contemporânea por sua
preocupação central com a investigação da relação entre a linguagem humana, a mente, e
experiência socio-física. Ao fazê-lo, afirma, Evans (2012)
a Linguística Cognitiva tem uma definição clara e determinada. E a esse
respeito, os linguistas cognitivos desenvolveram uma série de teorias
influentes dentro do projeto interdisciplinar da ciência cognitiva que
conscientemente se esforçam para (e se medem contra) a exigência de ser
psicologicamente plausível, dado o que é agora conhecido sobre a mente /
cérebro. (EVANS, 2012)
O princípio básico dessa abordagem é que a linguagem humana constitui os outros
aspectos da cognição. Ferrari (2011) afirma que a Linguística Cognitiva defende a não
modularidade da linguagem. Tal hipótese estabelece uma perspectiva integradora em relação
aos módulos já conhecidos tradicionalmente, da qual emerge duas premissas de que os mesmos
princípios gerais atuam em todos os níveis de análise linguística e que tais princípios devem ser
compatíveis com os conhecimentos disponíveis sobre a mente e o cérebro em disciplinas afins
(cf. Ferrari, 2011).
Essas premissas subscrevem os dois compromissos teóricos da Linguística Cognitiva.
O primeiro é o da busca de generalização. Ligado à primeira premissa, esse compromisso
assume que os mesmos princípios fundamentais organizam os diferentes módulos da
linguagem. O segundo compromisso, ligado à segunda premissa, diz respeito ao caráter
indisciplinar da pesquisa linguística, que busca compatibilizar suas hipóteses com os resultados
das pesquisas de outras Ciências Cognitivas (cf. Ferrari, 2011: 22).
Além dos compromissos, Silva (2010) afirma que a Linguística Cognitiva rejeita o
postulado da autonomia da linguagem presente na teoria linguística moderna. Desse modo, são
abandonados postulados que sustentam as abordagens da linguagem nesse último século, entre
eles, segundo o autor, pode-se citar:
26
a) a dicotomia entre conhecimento semântico ou linguístico e conhecimento enciclopédico
ou extralinguístico;
b) A arbitrariedade do signo linguístico de Saussure;
c) A afirmação da discrição e homogeneidade das categorias linguísticas;
d) A ideia de que a linguagem é gerada por regras lógicas e por traços semânticos
objetivos;
e) A tese chomskyana da autonomia e da não-motivação semântica e conceptual da
sintaxe.
Desse novo tratamento da linguagem, emerge a constatação de que as diferentes línguas
se caracterizam a partir de como a comunidade falante categorizam o mundo. Por outro lado,
as representações que esses mesmos falantes têm do mundo são moldadas pela língua. Assim,
diferente das vertentes linguísticas formais que procuram explicar os padrões linguísticos por
meio das propriedades estruturais internas, a sistematicidade e as funções específicas da
linguagem, a Linguística Cognitiva passou a investigar a relação da estrutura da linguagem com
as diferentes habilidades cognitivas gerais do ser humana.
A língua passar a ser, então, uma espécie de janela que permite o acesso à mente, pois
ela reflete o momo como os seres humanos pensam. Essa abordagem inovadora no estudo da
linguagem e do pensamento emergiu no campo moderno do estudo interdisciplinar conhecido
como Ciência Cognitiva. Segundo Evans (2006)
27
uma importante razão por que os linguistas cognitivos estudam a linguagem
advém da suposição de que a linguagem reflete padrões de pensamento.
Portanto, estudar a linguagem a partir dessa perspectiva é estudar padrões de
conceptualização. A linguagem oferece uma janela para a função cognitiva,
fornecendo insights sobre a natureza, estrutura e organização de pensamentos
e ideias. A maneira mais importante pela qual a linguística cognitiva difere de
outras abordagens ao estudo da linguagem é que a linguagem é presumida
como refletindo certas propriedades fundamentais e características do design
da mente humana. (EVANS, 2006: 08)
O resultado da suposição de que a linguagem reflete o pensamento tem implicações na
metodologia e modelos desenvolvidos dentro do empreendimento Linguístico Cognitivo. Ainda
segundo Evans (2006), um critério importante é a plausibilidade psicológica do modelo. Como
as atividades cotidianas não dispensam o uso da linguagem, ela é uma rica fonte de como se
organiza o pensamento. Nesse sentido, a centralidade do sentido na agenda de estudos da
Linguística demandou a construção de uma teoria que explicasse como o ser humano organiza
o conhecimento e a criação de soluções formais que explicasse os usos linguísticos – sobretudo
os idiomáticos.
Nesse ponto, é importante compreender como a Linguística Cognitiva é uma abordagem
cognitiva dos fenômenos linguísticos, o seja, do que se trata o aspecto cognitivo da Linguística
Cognitiva. A linguagem é tomada como um instrumento para organizar, processar e transmitir
informações, o que revela seu papel basicamente semântico. Diferentemente da abordagem da
linguística chomskiana, que considera a linguagem apenas em termos formais, isto é, como um
conjunto de estruturas e regras formais e sintáticas ou restrições a tais estruturas e regras.
Mesmo assim, a gramática gerativa é também uma concepção cognitiva, que atribui um status
mental à linguagem. Em linguística cognitiva, o termo cognitivo não só sinaliza que a
linguagem é um fenômeno psicologicamente real – e, como resultado disso, é parte das Ciências
Cognitivas –, mas também que o processamento e armazenamento de informações é uma
característica crucial da arquitetura da linguagem. A linguística não considera apenas o
28
conhecimento da linguagem, mas a considera uma forma de conhecimento o que faz com que
seja analisada com foco no significado (cf. Geeraerts, 2006:04)
A linguística cognitiva tem o significado no centro de sua investigação. Ele não é
tomado como reflexo objetivo do mundo exterior ao sujeito, mas é tomado como uma maneira
de moldar esse mundo. Os sujeitos cognoscentes constroem o mundo de uma maneira
particular, ou seja, incorporam uma perspectiva sobre o mundo. Geeraerts (2006) exemplifica
esse processo de construção do significado mostrando como perspectivas espaciais são
expressas linguisticamente como se pode ver na figura abaixo. Para o autor, uma mesma
situação objetiva pode ser interpretada linguisticamente de maneiras diferentes.
A cena representada na figura acima pode ser expressa de duas maneiras, pelo menos, a
saber:
(1) A bicicleta está atrás da casa.
(2) A bicicleta está na frente da casa.
O autor nos convida a pensar, a partir da cena representada acima, em uma situação em que
uma pessoa esteja em pé no jardim atrás de uma casa e queira expressar onde deixou sua
bicicleta. Ela poderia dizer que está atrás da casa e está na frente da casa, como se pode ver no
29
exemplo 1 e 2, respectivamente. Seguindo Geeraerts (2006), a aparente contradição pode ser
explicada se incorporada à análise a possibilidade de que a língua pode expressar diferentes
perspectivas.
Dessa maneira, o exemplo 01 expressa o posicionamento da pessoa que, direciona seu
olhar para o objeto bicicleta, mas que, ao encontrar um obstáculo, o percebe como estando atrás
desse obstáculo, externando essa percepção da realidade na frase do exemplo 01. A percepção
expressa no exemplo 02 assume e a da casa. Segundo o autor, a estrutura de uma casa configura
o que se denomina frente e o que é chamado de fundos. Assim, o conteúdo proposto no exemplo
(2) se constrói a partir da consideração dessa configuração da casa e não levando em conta o
posicionamento do falante. Essa operação de perspectivas múltiplas nem sempre espaciais estão
em toda parte na linguagem. Sobre essa possibilidade, assim se posiciona o linguista
os significados mudam, e há uma boa razão para isso: o significado tem a ver
com moldar o nosso mundo, mas temos que lidar com um mundo em
mudança. Novas experiências e mudanças em nosso ambiente exigem que
adaptemos nossas categorias semânticas às transformações das circunstâncias,
e que deixemos espaço para nuances e casos ligeiramente desviantes.
(GEERAERTS, 2006:)
Fica evidente, portanto, que a estrutura de uma língua pode ser alterada por pressões
extralinguísticas como as experiências que as comunidades linguísticas têm no mundo. Na
medida que o sentido é construído nessa interação com o mundo, plausível imaginar que o
significado não é um módulo independente na mente, mas reflete toda a complexidade humana
nas suas infinitas possibilidades de conexão com o mundo.
Nesse sentido, o significado linguístico não deve ser encaro como um conhecimento
apartado de outras formas de conhecimento. É, na verdade, como encaram os linguistas
cognitivo, enciclopédico e não autônomo dos demais conhecimentos, ou seja, “envolve o
conhecimento do mundo que está integrado com nossas outras capacidades cognitivas”
30
Esse tratamento experiencial do significado apresenta dois aspectos principais que
ajudam a compreender melhor o processo da construção do sentido: o primeiro está ligado ao
fato de o ser humano não ser mente pura, mas encarnada, e o segundo está ligado fato de não
serem apenas entidades biológicas. Sermos mentes encarnadas, ou seja, termos um corpo com
uma determinada constituição física interfere diretamente na forma como a utilizamos a
linguagem. Por exemplo, o fato de termos os olhos na frente da face e com limitação do raio de
visão, interfere na forma como perspectivamos o mundo. Além disso, não sermos apenas
entidades biológicas, mas também entidades com identidade cultural e social faz com que
diferentes línguas incorporarem a experiência histórica e cultural da comunidade de falantes.
Como uma nova abordagem para o estudo da linguagem, a Linguística Cognitiva
concebe a linguagem como uma faceta da cognição e não como um módulo autônomo entre os
sistemas cognitivos, concebido como um conjunto de módulos autônomos. Assim
compreendido, o comportamento linguístico não está apartado de outras habilidades cognitivas
gerais que permitem processos mentais de raciocínio, memória, atenção ou aprendizagem, mas
é parte integrante dela. O corolário dessas premissas é que as estruturas mentais medeiam a
relação do ser humano com o mundo e a linguagem opera na organização das experiências
humanas no mundo.
Além disso, uma semântica formal baseada em condições de verdade é
considerada inadequada para descrever o significado de expressões
linguísticas. Uma razão é que as estruturas semânticas são caracterizadas em
relação aos sistemas de conhecimento cujo escopo é essencialmente aberto. A
segunda é que seu valor reflete não apenas o conteúdo de uma situação
concebida, mas também como esse conteúdo é estruturado e interpretado.
(LANGACKER, 2006, p. 27).
Ao considerar a semântica formal baseada em condições de verdade como inadequada
para descrição do significado das expressões linguísticas, Langacker (2006) apresenta uma das
31
principais premissas que contribui para o desenvolvimento da Linguística Cognitiva: a que o
significado está diretamente atrelado às experiências que o ser humano tem no mundo
psicossocial. Como ele afirma as estruturas semânticas são caracterizadas em relação aos
sistemas de conhecimento, cujo escopo é aberto, pois estão a uma grande possibilidade de
interpretação, uma vez que seu valor reflete não apenas o conteúdo de um projeto situação,
mas também como este conteúdo é estruturado e interpretado.
Assim, o processo de construção de significado está ligado ao processamento cognitivo.
Passar por uma certa experiência mental reside na ocorrência de um certo tipo de atividade
neurológica. A chamada conceptualização pode ser abordada a partir de dois pontos de vista:
ou o fenomenológico ou processual, que é a experiência mental em si mesma ou diz respeito à
atividade de processamento que constitui a construção de significado (cf. Talmy, 2006).
A Semântica Cognitiva concentrou-se no ponto de vista fenomenológico, que é
obviamente mais acessível e passível de investigação por meio de evidências linguísticas.
Quanto ao processamento, ele pode ser estudado em diferentes níveis (tanto funcionais quanto
neurológicos) e por meios tão variados quanto experimento psicolinguístico, pesquisa clínica
(principalmente afasia), imagiologia neurológica e agora mesmo modelagem computacional
(Holmqvist 1993; Regier 1996; Lakoff e Johnson 1999: apêndice). Segundo Talmy (2006),
essas abordagens baseiam-se, entretanto, em caracterizações fenomenológicas para orientação
e como base para interpretar resultados. E apesar do rápido progresso sendo feito, uma
compreensão segura e detalhada de como estruturas linguísticas específicas são implementadas
neurologicamente permanece uma meta de longo prazo.
As conexões especulativas advinda nessa abordagem da construção de significado são
plausíveis. Para Geeraerts (2006), elas podem ser postuladas entre os níveis fenomenológico e
de processamento. Desse modo, a proeminência de entidades concebidas é razoavelmente
atribuída a um alto nível de ativação neural e disseminação da ativação é a base evidente para
32
associação. Assim, há a implicação de fenômenos linguísticos. Além disso, Geeraerts (2006)
sugere que qualquer ordenação conceptual ou acesso mental sequenciado implica uma
serialidade correspondente no processamento que a constitui.
Um grande número de áreas distintas, embora complementares, tem sido foco dos
estudos da linguagem por diferentes linguistas. Considerado por Evans como um sub-bosque
da Linguística Cognitiva, a chamadas abordagens cognitivas da gramática apresentam
importantes resultados. Nesse caminho, pode-se citar a Gramática da Construção, que em fato
representa uma família de teorias relacionadas, incluindo Gramática de Construção Radical e
Gramática Cognitiva desenvolvida por Goldberg e Lakoff, bem como Gramática Cognitiva,
desenvolvido por Langacker e o trabalho de Talmy em a distinção entre sistemas de classe
aberta e fechada da linguagem. (cf. Evans, 2014).
Outra linha de pesquisa importante dentro da Linguística cognitiva são os estudos dos
linguistas que trabalham com a linguagem como meio de estudar aspectos da organização
conceptual e estrutural do conhecimento humana. A chamada Semântica Cognitiva estuda
aspectos da mente, como representação e significado da construção conhecimento. São
exemplos dessa linha de abordagem, a a Teoria dos Espaços Mentais, Teoria da Metáfora
Conceitual, e Conceitual Teoria da Metáfora. Outro ramo refere-se a o estudo dos significados
das palavras, por vezes referido como semântica lexical cognitiva. Exemplos notáveis incluem
o modelo da Polissemia de Princípios, e o trabalho de Geeraerts na semântica do protótipo
diacrônico. estudiosos tentaram integrar o estudo de todas três áreas. Um exemplo recente é a
Teoria do Lexical Conceitos e Modelos Cognitivos. (cf. Evans, 2014)
Uma investigação que pretende descrever a construção do significado linguístico
considerando os sujeitos cognoscentes no processo mesmo em que se desenrola a interação
exige um quadro teórico que ofereça não só construtos teóricos adequados ao que se quer
33
descrever, mas também ofereça uma nova epistemologia que permita uma nova reflexão da
natureza do próprio processo de aquisição do conhecimento humano. Nesse sentido, a
Linguística Cognitiva oferece o instrumental teórico e a epistemologia para a descrição do
fenômeno de alternância dos dêiticos lá e ali no português brasileiro. Nas seções seguintes,
apresentarei em linhas gerais os pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva e as teorias dela
emergentes, que servirão para a análise da alternância dos locativos em tema nesta tese, a saber,
as categorias de noções semânticas de Talmy (2006) e a teoria dos esquemas imagéticos
(Johnson, 1987; Lakoff, 1987).
2.2 A expressão de espaço na linguagem
A investigação sobre a expressão linguística do espaço está atrelada às pesquisas mais
gerais da Linguística Cognitiva. Segundo Zlatev (2007), Lakoff, Langacker e Talmy iniciam
esse tipo de pesquisa motivados pela centralidade e universalidade do espaço na organização
da experiência humana e pela manifestação de padrões semânticos específicos existentes na
linguagem.
Ainda segundo o autor, razão para este estudo é a suposta natureza básica do espaço,
uma vez que há “fortes paralelos entre o espaço e outros domínios semânticos, refletidos no
fato de que as mesmas expressões frequentemente tomam significados espaciais, temporais e
outros mais abstratos, como expressões como daqui até lá, de agora a amanhã, e de mim para
você” (cf. Zlatev,2007).
A língua e a cultura explicitam as representações espaciais na literatura sobre a
referência espacial, a qual se distingue das representações espaciais produzidas por na
experiência perceptiva do espaço. Essa propriedade fundamental permite que os falantes se
dissociem e escolham entre diferentes componentes de referência espacial e expressem outros
34
significados, como, por exemplo, sentidos temporais, causais, argumentativos (cf. Hickmann
e Robert, 2006)
Ainda segundo Hickmann e Robert (2006) outros valores semânticos típicos da língua
aponta que os valores espaciais são básicos ou até puramente espaciais, e os termos espaciais
expressam intrinsecamente muitos outros valores relativos a propriedades funcionais de
entidades. Segundo as autoras
de acordo com essa concepção, o espaço na linguagem não é primitivo, mas
já é o resultado de uma construção baseada em nossa interação com o mundo.
Surgem várias questões. Até que ponto o espaço, como está linguisticamente
codificado, reflete a experiência perceptual e quais aspectos dessa experiência
codificam diferentes linguagens? O espaço constitui uma categoria pura e
primitiva a partir da qual derivam outros significados linguísticos e quais são
os mecanismos que permitem esse processo? (HICKMANN E ROBERT,
2006)
Hickmann e Robert (2006) afirma que nos últimos vinte anos de pesquisa foi possível
verificar grandes variações nos sistemas espaciais entre os idiomas, que dizem respeito, entre
outras, à natureza dos dispositivos linguísticos que expressam informações espaciais, às
distinções particulares que eles codificam e destacam mais e aos sistemas de referência usados
pelos falantes.
Além disso, vários estudos mostram que sistemas linguísticos e culturais
determinam - pelo menos parcialmente - a natureza e acessibilidade cognitiva
da informação que é selecionada pelos falantes. Esta evidência lançou
algumas dúvidas sobre o direito supostamente universal de categorias
espaciais, levantando questões sobre o impacto da categorização linguística
na cognição espacial.
Na Linguística Cognitiva, o estudo do espaço se fundamento na perspectiva que o ponto
de partida da construção locativa é a admissão da hipótese de que a localização de um objeto
35
está relacionada à cena experiencial de continência de uma entidade em um espaço (cf. Pinheiro,
2007). Para Langacker (2004), a noção de localização (e de existência) é sempre relativa a
algum domínio. sendo o espaço default, em particular, o espaço físico no mundo real, que
sempre um domínio mais especificado e delimitado numa região.
A construção locativa prevê duas entidades semânticas correspondentes a papéis
sintáticos. Assim, o padrão locativo apresenta um objeto referencial, um alvo de busca, um
domínio de busca e o trajeto da busca. A identificação desses elementos, além de permitir a
distinção da construção existencial, estabelece como locativa apenas a construção com domínio
de busca com limites definidos em termos de contêiner. O diagrama abaixo, retirada de
Langacker (2004), mostra a construção locativa.
Figura 10
Langacker (2004) afirma que a expressão locativa identifica a região delimitada quando
a entidade pode ser encontrada em relação a um objeto referente, o que servirá de marco espacial
que especifica um domínio de pesquisa (cf, Langacker, 2004:107). O espaço é uma categoria
esquemática do domínio. O tipo de quantidade que existe no espaço é pode ser chamada
"matéria" e, na forma contínua ou discreta, é "massa" ou "objetos" (cf. Talmy, 2006). Essa
36
compreensão da expressão da noção de espaço se mostra importante para esta tese, uma vez
que possibilita a descrição dos locativos lá e ali dentro do esquema apresentado na figura __.
Resta saber como conceptualizamos a noção de distância.
2.2.1 A conceptualização da distância: as categorias de Leonard Talmy
Para Talmy (2006), a estrutura cognitiva compreende a estruturação esquemática ou
delineamentos geométricos no espaço ou no tempo ou outro domínio qualitativo que as formas
de classe fechada podem especificar. Para o autor, essas estruturas podem ser expressão por
determinadas classes fechadas de palavras.
formas de classe fechada podem atribuir tal estrutura à totalidade de uma cena
de referência, particionando essa cena em entidades em relacionamentos
particulares, ou em qualquer uma dessas entidades, ou nos caminhos descritos
por tais entidades quando suas inter-relações mudam ao longo do tempo. No
que diz respeito às formas de classe fechada, o sistema configuracional
abrange, assim, a maioria dos aspectos dos esquemas especificados por
adições espaciais ou temporais, conjunções subordinantes, dêiticos,
marcadores de aspecto / tempo, marcadores numéricos e similares. (TALMY,
2006:47)
O Grau de Extensão é uma categoria esquemática que está implícito na dimensão
vertical do arranjo. Segundo Talmy (2006), esta categoria tem três noções de membros
principais, cujos termos são dados na figura abaixo juntamente com representações
esquemáticas das noções para o caso linear. Os itens lexicais referentes aos objetos expressam
especificações quanto ao grau básico de extensão do seu referente, e três exemplos destes para
o caso espacial linear também são mostrados na figura abaixo.
37
Talmy (2006) afirma que um referente lexical é mais basicamente concebido a partir de
um grau particular de extensão. E, por várias especificações gramaticais, induzem uma
mudança e pode ser reconceptualizado em algum outro grau de extensão. O autor exemplifica
essa possibilidade o evento de escalar uma escada, que parece ser basicamente de extensão
linear limitada na dimensão temporal, como pode ser visto no exemplo 01
(1)
a) Ela subiu a escada do navio em dez minutos.
b) Seguindo em frente no curso de treinamento, ela subiu a escada do prédio
exatamente ao meio-dia.
c) Ela continuou subindo cada vez mais alto pela escada enquanto observávamos.
O exemplo 01 mostra como uma mesma situação pode ser expressa com grau de
extensão tempo diferente. Com a preposição em e outras diferentes especificações contextuais,
o evento o deslocamento pode ser esquematizado conceitualmente como um ponto de tempo -
isto é, como sendo ponto de duração. A mudança de extensão cognoscível expressa em 1b
envolve, segundo Talmy (2006), uma operação cognitiva de redução ou, alternativamente,
adoção de uma perspectiva distal. Essa mudança também pode ser conceptualmente
esquematizada como uma extensão ilimitada como resultado do uso de formas verbais com o
sufixo de gerúndio como se pode ver no exemplo 1c.
38
A operação cognitiva de ampliação ou adoção de uma perspectiva proximal pode
ocorrer, portanto. Para Talmy (2006), com essa operação, estabelece-se um ponto de
perspectiva a partir do qual a existência de quaisquer limites exteriores fica fora da vista e
atenção. O referente do evento anterior era contínuo, mas um caso discreto pode exibir as
mesmas mudanças na extensão. Assim, para o autor, tanto as formas gramaticais como as
formas lexicais especificam a localização que um ponto de perspectiva deve ocupar dentro de
uma cena de referência ou sua configuração específica. A literatura linguística inclui muito
trabalho sobre esta questão, especialmente no que diz respeito à dêixis. Sobre isso, Talmy diz
Em sua forma básica, dêixis define a posição do ponto de perspectiva na
localização atual do locutor. Por exemplo, o caminho de um objeto em relação
a algum objeto pode ser adicionalmente caracterizado como se estivesse em
direção ou não ao ponto de vista do falante por formas de classe fechada como
o alemão her e hin, bem como por formas de classe aberta como o inglês ir e
vir.
A dêixis é, como se viu no capítulo referente ao assunto, um fenômeno que está
diretamente ligado à percepção do espaço.
2.3 A teoria dos esquemas imagéticos
Nesta seção discutirei a teoria dos esquemas imagéticos. O objetivo é compreender
como esses esquemas atuam na construção do sentido. Para atingir tal objetivo, focalizarei em
como os esquemas imagéticos interagem ao nível de cenas inteiras, nas quais eles formam
gestalts compostos. Essa maneira de analisar os esquemas imagéticos foi proposta por Kimmel
(2005), a que nos filiamos por compreender que o processo cognitivo de zoon que cunhamos
39
só será melhor descrito se houver a compreensão de que cada evento discursivo tem estruturas
flexíveis e dinâmicas, apesar de conterem elementos estáveis.
Os esquemas de imagem resultam da experiência sensorial e perceptual que o ser
humano constrói na sua interação com mundo. Essa experiência corporificada, segundo
Johnson (1987), dá origem a esquemas de imagem que fundamentam o sistema conceptual
humano. A tese central dessa teoria é que o significado consiste em padrões de conexão neural
integrada com a experiência corporal enquanto interagimos com os objetos ao nosso redor.
Desse modo, os esquemas de imagem são pré-conceituais, porque são padrões recorrentes de
informação sensorial extraídos da experiência sensorial do corpo no mundo e armazenados na
memória como um esquema imagético e originam uma representação conceitual. Desse modo,
os esquemas imagéticos não são conceitos como os outros. São os fundamentos do sistema
conceitual, porque são os primeiros conceitos a surgir na mente humana e, precisamente por se
relacionarem com a experiência sensório-perceptual, são particularmente esquemáticos, por
isso, pré-conceituais. Nas palavras de Gibbs (2005, p. 113), “Os esquemas imagéticos
representam a cola essencial que liga a experiência, o pensamento e a linguagem
incorporados”. Eles são uma explicação elegante para a multiplicidade de significados
linguísticos que a Semântica tradicional não consegue explicar. Como são o resultado de nossa
experiência biológica no mundo, Lakoff e Johnson (1980) sugerem que esses esquemas de
imagem são universais pré-linguísticos de estruturas cognitivas e, por isso, define-os como
representações pré-conceptuais da experiência corporificada humana.
A palavra esquema significa que os esquemas de imagem não são conceitos detalhados.
São abstratos, pois consistem em padrões emergentes de experiências incorporadas repetidas.
Isto significa também que este tipo de experiência surge em conjunto com o nosso
desenvolvimento físico e psicológico durante a primeira infância. Em outras palavras, esquemas
de imagem não são reivindicados como estruturas de conhecimento inatas.
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O termo "imagem" também merece atenção, pois não deve se restringir à percepção
visual. Imagem tem aplicação mais ampla tanto na Psicologia como na Linguística Cognitiva,
nas quais englobam todos os tipos de experiência sensório-perceptual. Desse modo, os
esquemas imagéticos (LAKOFF, 1987; JOHNSON 1987; LAKOFF e TURNER, 1989;
JOHNSON 1987) são versões esquemáticas de imagens. Segundo Iagallo,
eles podem estruturar algo de nossa experiência concreta ou de nossa
experiência emocional via metáfora. Esquemas de imagem são abstratos
porque são esquemáticos (diagramas), mas, do ponto de vista de sua origem,
são concretos porque são produzidos pela interação física de nossos corpos
com o meio ambiente. (IAGALLO, 2015).
A teoria do Esquemas Imagéticos nasce da percepção de que conhecimento humano não
é estático, proposicional e sentencial, mas está, na verdade, fundamentado e estruturado por
padrões construídos a partir de interações perceptivas, ações corporais e manipulações de
objetos (Johnson 1987, 1993; Lakoff 1987, 1990; Talmy 1988). Esses padrões são gestalts
experienciais, que surgem dessas atividade sensório-motora à medida que manipulamos
objetos, nos orientamos espacial e temporalmente e direcionamos nosso foco perceptivo para
vários propósitos (Johnson, 1991).
Os autores da linguística cognitiva apontam a existência de mais duas dezenas de
diferentes esquemas imagético, que podem sofrer várias transformações que aparecem
regularmente no pensamento cotidiano, no raciocínio e na imaginação das pessoas (Johnson,
1987; Lakoff, 1987). Pode-se citar eles as estruturas esquemáticas do organizadas por grupos
41
Espaço cima-baixo, frente-trás, esquerda-direita, longe-perto, centro
periferia, contato
Escala
trajetória
Contêiner contenção, dentro-fora, superfície, cehio-vazio, conteúdo
força equilíbrio, força contrária, compulsão, restrição, habilidade,
bloqueio, atração
Unidade fusão, coleção, divisão, iteração
Multiplicidade parte-todo, ligação, contável- não contável
Identidade combinação, superimposição
existência remoção, espaço delimitado, clico, objeto, processo
Gibbs e Colston (2006) afirmam que os esquemas imagéticos abrangem uma ampla
gama de estruturas experienciais que são difundidas na experiência, têm estrutura interna e
podem ser elaboradas metaforicamente para prover nossa compreensão de domínios mais
abstratos. Nessa busca, diferentes autores empreenderam investigações na Linguística
Cognitiva na tentativa de compreender como esses esquemas imagéticos participam da criação
das formas gramaticais, como o fez Langacker (1987e 1991 ou para na representação do
significado subjacente que relaciona os sentidos aparentemente díspares de preposições como
é o caso de Brugman e Lakoff (1988) e Vandeloise (1993). Pesquisas nessa mesma linha
associaram tais esquemas à motivação de verbo ou das chamadas construções de partículas, tais
como aquelas focadas nas noções “em cima” e fora (Lindner 1983.
42
Assim, esses estudos, entre outros, revelaram que os esquemas imagéticos motivam
aspectos importantes de como pensamos, raciocinamos e imaginamos. Um mesmo esquema de
imagem pode ser instanciado em muitos tipos diferentes de domínios, porque sua estrutura
interna pode ser entendida metaforicamente.
Nosso esquema imagético BALANÇO, por exemplo, é elaborado metaforicamente em
um grande número de domínios abstratos da experiência, como estados psicológicos, relações
jurídicas, sistemas formais (cf. Johnson, 1991). Nos casos de equilíbrio corporal e visual, parece
haver um esquema básico que consiste em um ponto ou eixo em torno do qual as forças e os
pesos devem ser distribuídos de modo a contrabalançar ou equilibrar um ao outro.
A experiência humana de equilíbrio corporal e a percepção de equilíbrio estão ligadas à
compreensão de personalidades equilibradas, visões equilibradas, sistemas equilibrados,
equilíbrio equilibrado, equilíbrio de poder, equilíbrio da justiça e assim por diante. Em cada um
desses exemplos, o conceito mental ou abstrato de equilíbrio é entendido e experimentado em
termos da compreensão física do equilíbrio. Talvez, por isso, pode-se usar a mesma palavra
para todos esses domínios, porque eles são estruturalmente relacionados pelo mesmo tipo de
esquemas imagéticos subjacentes e são elaborados metaforicamente a partir deles.
O esquema imagético denominado CONTÊINER nasce de nossas constantes
experiências ubíquas com recipientes. Como são padrões que emergem de experiências
corporais repetidas e de nossa interação, esses padrões geram estruturas significativas para nós
principalmente no nível de nosso corpo como um todo, não só pela percepção visual, como a
palavra imagem pode sugerir. Pelo contrário, os movimentos através do espaço, a manipulação
de objetos e as interações perceptivas também são fontes de um esquema imagético, o que
evidencia a ligação entre os seres humanos e o mundo que habitam, numa influência mútua.
A representação desse esquema imagético, como se pode notar na figura a seguir (Figura
7), não se parece como nenhuma ideia comum de recipiente. Isso se acontece justamente pelo
43
seu significado esquemático, ou seja, a representação quer indicar sua característica primitiva
apresentando apenas as propriedades que são compartilhadas por toda a categoria conceptual
de CONTÊINER. Como outros esquemas, o esquema imagético CONTÊINER apresenta uma
estrutura interior.
Se considerarmos que o esquema pode ser colocado em um todo que o contextualiza,
teremos uma representação mais ampla (Figura 8).
Se no diagrama do esquema imagético CONTÊINER apresenta uma fronteira
(boundary, Laloff (1987), ou limite Duque e Costa (2012), pode-se supor que esse esquema
está inserido ou faz contado com outro. Daí a representação do diagrama 8. Resta-me explicar
Figura 7: Representação do esquema imagético
CONTÊINER.
44
a natureza do esquema. Johnson (1987) apresenta um exemplo já clássico por ser a descrição
do início de um dia comum para grande parte da sociedade.
Você acorda de um sono profundo e sai das cobertas para o seu quarto. Você
sai gradualmente do seu estado de estupor, deixa as cobertas, veste seu robe,
estica os membros e segue para o banheiro. Olha-se no espelho e vê seu rosto
olhando para você. Depois, abre o armário, tira o creme dental, espreme um
pouco de pasta de dente, coloca a escova de na boca, escova os dentes com
pressa e enxagua a boca. (JOHNSON, 1987, p. 30-31).2
O exemplo apresentado pelo linguístico mostra que a experiência de dentro e fora,
linguisticamente apontada pelas proposições in e out. Para esta tese, interessa a percepção de
que o CONTÊINER não é um esquema apenas relacionado a situação de recipiente físico, como
armário, banheiro ou roupas. Note-se que o pesquisador relaciona como CONTÊINER o sono,
o estupor e o atordoamento. Nossa tarefa nesta tese será explicar como podemos descrever os
limites do esquema imagético quando ele estiver na base de uma ideia de recipiente como os
três últimos citados logo acima.
Na descrição de Johnson (1987), armário é um recipiente com delimitações nítidas que
correspondem ao diagrama tradicional de contêiner: há uma parte interior e outra parte exterior,
delimitadas pelas partes de madeira ou metal que o desenham. Esse armário está dentro do
quarto que, por sua vez, compõe a casa, que está num bairro, numa cidade, etc. Entretanto, o
autor não esclarece como seria a fronteira nos exemplos como sono, por exemplo. Sono, estupor
e atordoamento são estados com graus de letargia diferentes que podem ser delimitados pelo
estado contrário.
Diálogo entre os participantes Thamires, Angélica e Rafael:
2 You wake out of a deep sleep and peer out from beneath covers into your room. You gradually emerge out of your stupor, pull yourself out from under covers, climb into your robe, stretch out your limbs, and walk in a daze out of the bedroom and into the bathroom. You look in the mirror and see your face staring out at you. You reach into the medicine cabinet, take out the toothpaste, squeeze out some toothpaste, put the toothbrush into your mouth, brush your teeth in a hurry, and rinse out your mouth. (JOHNSON, 1987, p. 30-31).
45
Thamires: Vocês preferem que Douglas sai.
Angélica: Pelo jogo é melhor Adriles sair, porque eles estão se unindo. A
questão é desmembrar o grupinho.
Rafael: É melhor Adriles sair.
No diálogo acima, o verbo sair tem como escopo o jogo que apresenta os limites
simbólicos que o delimitam como contêiner. Essa delimitação é dada por uma série de
comportamentos competitivos que caracterizam um jogador. Assim, o emprego do verbo sair
faz sentido.
2.4 A dêixis
Nesta seção, descrevo o fenômeno da dêixis, sobretudo a espacial. Começo
apresentando as várias definições subscritas por linguistas diferentes. Faço isso porque essas
definições fornecem, se não uma revisão detalhada do conceito em termos de suas propriedades
semânticas e pragmática, evidencias de que se trata de um fenômeno que ainda merece muito
atenção dos estudiosos da língua. De partida, na primeira subseção, apresento o que é a dêixis
numa breve captura do que é consensual sobre ela. Na segunda, apresento a abordagem clássica
do fenômeno a partir dos estudos de Bühler, 1950; Benveniste, 1995; Levinson, 2007. Na
terceira, apresento os estudos de linhagem cognitivista da dêixis, considerando os trabalhos de
Rubba, 1996 e Marmaridou, 2000. Termino o capítulo com uma síntese das ideias apresentadas.
2.4.1 O que é a dêixis
A dêixis pode ser considerada um dos principais fenômenos da atividade linguística,
uma vez que acontece exatamente no momento em que o significado se constrói (MACIAS,
46
2004). As investigações sobre a dêixis foram ampliadas com o desenvolvimento da Pragmática
e da Linguística Cognitiva, áreas científicas de estudos da linguagem que tomaram a dêixis
como tema importante da relação língua e contexto.
A palavra dêixis tem, etimologicamente, origem grega e significa o ato de ‘demonstrar’,
‘apontar’, ‘indicar’. Linguisticamente, é expresso pelas categorias gramaticais dos pronomes
pessoais e demonstrativos, tempos verbais, advérbios de tempo e de lugar. Associada ao
momento de fala, a dêixis compreende, de maneira ampla, tudo o que só pode ser compreendido
se levado em conta o contexto do evento de fala. O exemplo 1 mostra o fenômeno
(1) Estou aqui agora, esperando que você vá para lá rapidamente.
Quem é esse “eu”? Onde é esse “aqui”? Quando é esse “agora”? De quem se trata esse
“você? Para onde se deve ir? As respostas a essas perguntas só podem ser encontradas no
contexto onde a frase acontece e faz sentido. O fenômeno da dêixis é a codificação linguística
da categoria de pessoa, tempo, espaço, modalidade e indícios da assimetria social entre os
interlocutores dentro dos limites da interação. Peirce (1955) afirma que a indexicalidade
envolve “a coexistência dinâmica” de um sinal indicial com o seu objeto de referência. Está
normalmente associada a expressões linguísticas que são semanticamente insuficientes para
obter referência sem suporte contextual. Estas expressões têm, portanto, um uso dêitico básico
(apud HORNOIU, 2015).
Fillmore (1971) distingue dois usos das expressões dêiticas: uso gestual e uso simbólico.
Afirma que itens lexicais são empregados de maneira dêitica gestual quando se faz referência
ao monitoramento áudio-visual-tátil físico do evento discursivo, ou seja, trata-se de um
rastreamento permite a devida interpretação. Para o autor, os pronomes demonstrativos e os
pronomes de segunda e de terceira pessoa, quando usados com indicação física do referente
47
(acompanhados da direção do olhar ou levantamento do queixo, por exemplo) são bons exemplo
desse uso, como ilustrado abaixo:
(2) Este é genuíno(a), mas este é uma falsificação.
(3) Ele não é o duque; ele é o mordomo.
O uso simbólico dos termos dêiticos requer, segundo Fillmore (1671), o conhecimento
específico dos parâmetros espácio-temporal básico do evento discursivo, o que compreende os
parâmetros do papel dos participantes, de discurso e sociais. Em (4), (5) e (6) basta o
conhecimento da localização geral dos participantes do evento discursivo e quando o evento
está acontecendo
(4) Esta cidade é realmente bonita.
(5) Vocês todos podem vir comigo se quiserem.
(6) Nós não podemos arcar com férias este ano.
Levinson (2007) afirma que a distinção entre a dêixis gestual e simbólica considerando
que o primeiro tipo exige um monitoramento físico do evento discursivo momento a momento,
enquanto que o uso simbólico referenciam as coordenadas contextuais disponíveis para os
interlocutores participantes antes da enunciação. Voltarei a essa questão na análise dos dados.
Essas tipologias se revelam útil para a análise da alternância dos dêiticos lá e ali e voltarei a
elas no capítulo 4 desta tese. Por ora, vale ressaltar que essas duas tipologias não organizam a
distribuições dos itens lexicais no sistema dêitico.
48
Nas línguas naturais, a dêixis não apresenta sistemas organizados arbitrariamente, mas
está organizada, quase sempre, de numa maneira egocêntrica, as coordenadas para a contração
do sentido das expressões consideradas dêiticas ancoram-se em pontos específicos do ato
comunicativo. Assim, da observação mais direta do fenômeno, esses pontos são, segundo
Macias (2004):
1) A figura central é o orador;
2) O tempo central é aquele em que o orador produz a oralidade;
3) O lugar central é a situação do orador no tempo da oralidade;
4) O centro do discurso é o ponto em que o orador de encontra na produção da sua
oralidade e
5) O centro social é o status do orador par ao qual o status dos destinatários é relativo.
A configuração da dêixis, tal como apresentei acima, coincide com a descrição do
momento de fala nas suas várias relações interacionais. Entretanto, a determinação do que a
noção de dêixis subsume evidencia a problemática de sua conceituação. Como qualquer
conceito, a noção de dêixis envolve diferentes pontos de vista estabelecidos pelos diferentes
termos que nomeiam o fenômeno. É necessário, pois, para a abordagem filosófica do fenômeno
dêitica, descrever exatamente quais e como são os elementos que o conceito cobre.
Segundo Lahud (1979), a designação dêixis foi elevada a termo metalinguístico da teoria
gramatical para designar uma categoria com tantas expressões referenciais de diferentes
naturezas para codificar os diferentes aspectos do evento de fala. Em sua obra A propósito da
noção Dêixis, Michel Lahud apresenta um pequeno inventário terminológico para a noção:
49
1) Indexical symbols, termo associado a Peirce. Traduz-se
habitualmente por signos (ou símbolos) indicadores, símbolos-índices,
ou simplesmente indicadores.
2) Shifters: termo inglês formado a partir dos verbos To shift – mudar,
variar, trocar – introduzido no domínio gramatical por Jespersen.
3) Para Benveniste, o grupo constitutivo da chamada “Linguística da
enunciação”, comum é o uso de expressões tais como indicadores de
subjetividade, índices (ou signos) do discurso, índice (ou signo) da
enunciação, etc.
4) Finamente, Bertrand Russel trata das palavras “cuja denotação é
relativa àquele que fala”, num capítulo sobre “egocentric particulars”.
(Cf. LAHUD, 1979, p. 41).
O inventário terminológico apresentado acima mostra que o termo dêixis (ou o adjetivo
decorrente dele) recobre diferentes aspectos do fenômeno. Ainda segundo Lahud:
Considerando-se que cada um desses termos coloca em evidência um aspecto
particular de um número de signos – justamente aquele que, segundo o ponto
de vista do autor, permite agrupá-lo numa única e mesma classe -, esse breve
inventário terminológico indica bem a situação problemática na qual nos
encontramos: pois a conjunção dos diferentes aspectos assim indicados é, no
mínimo, bastante embaraçosa. (LAHUD, 1979, p. 41).
De fato, essa quantidade de terminologia é muito significativa. A discussão sobre a
dêixis não reside na capacidade referencial dos termos dêiticos, mas na sua função e da inclusão
dos diferentes elementos linguísticos numa única categoria. Não me interessa a discussão sobre
os critérios que permitem a inclusão ou não de determinadas expressões linguísticas na
categoria. Para minha tese, interessa apenas que tais expressões, particularmente as espaciais,
são itens lexicais cuja significação se encontra na sua referencialidade contextual. Resta ainda,
mostrar as subcategorias dêiticas.
Na investigação linguística, há uma espécie de acordo que circunscreve o campo de
atuação dos elementos gramaticais a que fazem referência aos participantes, ao tempo e ao
espaço da interação. Desse modo, tradicionalmente, os itens lexicais com função dêitica são
50
subdivididos, considerando os interlocutores e os eixos de tempo e espaço que conformam o
evento de fala. As subcategorias da dêixis correspondem, portanto, aos pontos do discurso a
que fazem referência: a dêixis de pessoa, de tempo, de lugar, de discurso e a social (ver
Levinson, 2007). Abaixo, apresento, sucintamente, um quatro dos tipos de dêixis baseado nas
definições do Levinson.
Dêixis de pessoa
É a codificação dos participantes do evento discursivo. Os
sistemas pronominais são as manifestações mais evidentes da
pessoa, normalmente, tríplice: primeira, segunda e terceira
pessoa.
Dêixis de tempo
É a codificação do tempo em que ocorre o evento de fala ou a
que a ele faz referência. Os advérbios de tempo e os tempos
verbais são as manifestações mais evidentes dessa marcação.
Dêixis de lugar
É a codificação do lugar ou espaço que especifica a localização
dos objetos relativamente ao centro dêitico da comunicação. Os
advérbios de lugar são as manifestações mais evidentes desse
tipo de dêixis.
Dêixis de discurso
É a codificação de uma alguma parte do discurso que contém
esse enunciado ou ao próprio discurso. Diferentes recursos
linguísticos podem evidenciar esse tipo de dêixis.
Dêixis social
É a codificação dos aspectos das sentenças que refletem,
estabelecem ou são determinados por certas realidades da
situação social em que o ato de fala ocorre e marcam a relação
social estabelecida entre os participantes do discurso.
51
Nesta tese, trataremos da dêixis de lugar ou de espaço que, segundo Lyons (1977), é a
especificação linguística da localização relativamente aos pontos de ancoragem do evento
discursivo. Para o autor, há duas maneiras fazer referência aos objetos no evento comunicativo:
por um lado, pode-se descrevê-los ou nomeá-los e, por outro lado, e localizá-los. A
especificação da localização de um objeto é feita relativamente a outro objeto ou pontos de
referência fixos. Fillmore (1982) descreve a dêixis espacial como aspecto que envolve os locais
onde estão os participantes do ato de comunicação. Para o pesquisar, essa parte da semântica
espacial leva em conta os corpos dos participantes do ato de comunicação como objetos de
referência significativos para especificação espacial.
Para Levinson (2007), a especificação de lugar poder ser feita relativamente aos objetos
ou em relação aos participantes do evento discursivo. Para o autor “Em qualquer um dos casos,
é provável que unidades de medida ou descrições de direção e localização tenham de ser usadas,
e, nesse caso, a dêixis de lugar acaba por interagir de maneira complexas com a organização
não dêitica do espaço” Levinson (2007: 97). Apesar dessa relação da indicação dêitica de lugar
e com a codificação linguística não dêitica de lugar, existem dêiticos de lugar que podem ser
considerados puros, porque sempre indicam lugar, como é o caso dos advérbios de lugar aí, cá,
aqui, ali e lá.
Macias (2002), estudou os dêiticos de lugar, estabelecendo uma distinção entre o sentido
descritivo-referencial e o sentido pragmático. Para a autora, este último sentido não está ligado
à realidade a que remetem, mas ao uso que se faz deles no discurso, de modo que a compreensão
desses locativos depende do reconhecimento da função pragmático-comunicativa no contexto
da enunciação. A autora afirma, ainda, que a pluridimensionalidade funcional da linguagem
também deve ser levada em conta, pois esse dêiticos só adquirem sentido no ato da enunciação.
Assim, esses itens linguísticos formam, segundo Macias (2002), um esquema, conforme suas
52
características semânticas em referência a um sistema distal e proximal a partir de um centro
dêitico, conforme mostra a figura___.
Figura __ in Macias (2002)
O esquema mostra que, a partir do centro dêiticos, referido pelos locativos cá e aqui, e
onde está o falante, são estabelecidas as coordenadas de proximal e distal de localização dos
objetos postos na interação de um evento de fala. Essa organização corresponde à situação
canônica de Lyons e será importante para a análise da alternância do lá e do ali, como veremos
mais tarde nesta tese. Nas subseções seguintes, apresento como esse fenômeno vem sendo
tratado ao logo do das últimas décadas. Alerto, entretanto, não se trata de uma apresentação
exaustiva. Meu objetivo é apenas situar meu trabalho na discussão geral da dêixis.
53
2.4.2 A abordagem clássica da dêixis
A intenção desta seção é apresentar um breve resumo da abordagem tradicional da
dêixis. Isso implica o reconhecimento da importância das contribuições desse enquadramento
tanto na descrição mais precisa do que é o fenômeno da dêixis bem como a categorização dos
itens linguísticos relacionados a ele. Desse modo, apresentarei as propriedades de dêixis que
servem de ponto de partida para se aproximar desta operação linguística de modo geral e as
propriedades específicas da dêixis espacial, apontando como sua organização e funcionamento.
Como se viu na seção anterior, a dêixis é um fenômeno que evidencia a relação da língua
com o contexto. Essa natureza tem levado diferentes linguistas a atribuir a dêixis ao campo da
Pragmática. Obviamente, há questionamento quanto a essa exclusividade e há aqueles que
apontam entrelaçamentos do fenômeno com o campo da Semântica. Lahud (1979) afirma que
“Graças ao exame de algumas teorias pronominais clássicas, pudemos apreender com clareza
um primeiro aspecto fundamental da atual noção de dêixis: a saber, e segundo todos os autores
que aqui serão estudados, sua natureza semântica (LAUHUD, 1979:65). Essa perspectiva
trouxe, entretanto, diferentes dificuldades para o tratamento dos itens dêiticos, uma vez que a
multiplicidade da noção de significação é em si mesma um problema a ser tratado.
Acrescida da abordagem semântica, que evidencia as questões existentes entre a
significação e a referência, na segunda metade do século passado, houve um aumento dos
estudos da dêixis e dos usos dos itens linguísticos que os falantes fazem dela. Coube, talvez, à
gramatica histórica e aos estudos no campo da Etimologia o rastreamento do termo dêixis
chegando à noção de apontar, tal como diz raiz grega. A partir dessa descoberta, o termo vem
sendo tido e assumido como correspondente ao gesto de apontar, quando o falante deseja
mostrar um objeto posto na comunicação face a face ao seu interlocutor.
54
2.4.2.1 Karl Bühler
O conceito de dêixis tal como se conhece hoje se deve aos estudos sobre linguagem de
Bühler (1950). O pesquisador alemão desenvolveu uma teoria sobre a linguagem em que o
universo significativo é dividido em dois campos: o simbólico e o mostrativo. O campo
simbólico subsume as expressões ligadas ao ato de nomear, correspondendo a um sem números
de itens lexicais que são, segundo o autor, referências estáveis. Os nomes, por exemplo, dentro
dessa teoria, teriam a capacidade de caracterização de um objeto de modo a apreendê-lo no
próprio fato de nomear. Por outro lado, o campo mostrativo acampa os itens linguísticos que
apontam sem nomear. É o caso dos pronomes demonstrativos, cuja função é limitada ao ato de
apontar objetos, pessoas, eventos, o que é a manifestação da dêixis. Tal estudo foi, portanto,
fundamental para que a compreensão desse fenômeno.
A teoria de Bühler baseia-se no trabalho anterior de Karl Brugmann e outros
pesquisadores neogramáticos que realizaram pesquisas comparativas sobre demonstrativos e
outros dêiticos na família da língua indoeuropea. A pesquisa apontou que os pronomes
demonstrativos apresentam uma fonte histórica que é comum para muitos marcadores
gramaticais, incluindo pronomes pessoais, artigos definidos e vários tipos de sentença
conectivos, entre eles, os pronomes relativos, complementadores, conjunções subordinadas,
conjuntivas advérbios, correlativos, aos quais foi atribuído função de dêiticos espaciais.
Mais especificamente, o autor argumentou que os demonstrativos são como "ponteiros
acústicos" ("lautliche fingerzeige") usados pelos falantes para chamar a atenção do destinatário
para objetos e locais que circunscrevem a situação comunicativa, mas que também podem ser
utilizada para funções internas de linguagem, a base para o seu desenvolvimento em pronomes,
artigos e conjunções.
A partir dessa visão de dêixis e ação verbal, Bühler desenvolveu sua teoria dos dois
campos de apontar e nomear, na qual os demonstrativos e outras expressões dêiticas são
55
analisadas como um dos dois tipos básicos de signos linguísticos. O outro tipo inclui uma classe
muito maior de itens, incluindo substantivos e verbos e todas as outras expressões lexicais, às
quais a Bühler se referia como palavras de nomeação. Palavras dêiticas e palavras de nomeação
são duas estritamente distintas classes de palavras pertencentes a "campos" separados, isto é, o
campo dêitico, que é o contexto físico ou verbal de um evento de fala concreto, e o simbólico
campo, que Bühler definiu como o ambiente semântico, cujas expressões linguísticas
representam o conhecimento lexical.
Os dois campos determinam o significado de expressões linguísticas: o das expressões
dêiticas é determinado por uma referência para apontar e o das expressões simbólicas é
determinado por sua relação com outros itens no conhecimento linguístico do usuário da língua
ou no próprio uso da linguagem, como, por exemplo, lexemas entre outros. Nesse sentido,
dêixis (ou o ato de apontar) e nomear são dois atos separados para os quais a linguagem fornece
dois tipos de signos que são estritamente distintos tanto funcional quanto historicamente. É
interessante dizer que o autor apresenta o que ele chama de o mito da origem dos dêiticos em
que os demonstrativos são acompanhados de gestos dêiticos e que, esse comportamento pode
ser evidência de que a linguagem verbal evolui da comunicação gestual, o que explicaria a
origem dos dêiticos.3 Mito ou não, os dados coletados para essa tese parecem indicar que uma
diferença entre o uso do lá e do ali é que este último pode vir acompanhado do gesto, como
veremos no capítulo de análise dos dados.
Bühler (1934) não postulou a existência de uma classe de marcadores gramatical,
porque, para o linguista, as funções comunicativas dessas palavras estão relacionadas aos
campos dêiticos e simbólicos, de modo que os pronomes, artigos, e outros marcadores
3 Essa afirmação vem dos estudos de Wegener e Brumann, citados pelo autor ao longo do capítulo El campo
mostrativo del linguaje y los demonstrativos. Esse capítulo pode ser encontrado no livro Teoria del linguaje, página
95.
56
gramaticais podem ser incluídos em qualquer um dos campos. Na teoria do pesquisador, as
classes de palavras gramaticais têm importância secundária, porque são relativamente recentes
na língua e apresentam variações entre os diferentes idiomas. A classificação das palavras de
acordo com a suas funções comunicativas, ou seja, a divisão entre dêiticos e símbolos, é mais
importante para a organização global da linguagem (cf. Bühler 1934: 83-6). Assim, Bühler
defendia que marcadores gramaticais são funcionalmente (e diacronicamente) relacionados a
dêiticos e símbolos, ele os incluiu na classe de expressões dêiticas e simbólicas.
Na linguística moderna, as palavras são primeiramente analisadas em termos de sua e
propriedades sintáticas, levando à sua classificação como substantivos, pronomes, e
preposições, que a maioria dos linguistas considera básicas para a análise de o sistema
linguístico. No quadro de Bühler, por outro lado, as classes de palavras gramaticais são apenas
de importância secundária; eles são devido ao histórico relativamente recente desenvolvimentos
e variam entre os idiomas. Primária e mais importante para a organização global da linguagem
é a classificação das palavras de acordo com a suas funções comunicativas, ou seja, a divisão
entre dêiticos e símbolos, que, segundo Bühler, é provável que seja universal e mais antiga do
que a distinção entre categorias gramaticais (cf. Bühler 1934: 83-6). Agora, desde que Bühler
acreditava que marcadores gramaticais são funcionalmente (e diacronicamente) relacionados a
dêiticos e símbolos, ele os incluiu na classe de expressões dêiticas e simbólicas.
De acordo com essa visão, Bühler enfatizou que a noção de dêixis não deve ser
confundida com o do pronome. Embora os demonstrativos sejam frequentemente usados como
pronomes (ou artigos), eles não são pronomes por definição. De fato, Bühler afirmou que "sinais
dêiticos puros" são partículas, ou seja, palavras não flexionadas sem função sintática específica.
Naturalmente, a maioria das expressões dêiticas pertencem a uma classe, são pronomes, artigos
ou conjunções.
57
Bühler argumentou que "dêiticos puros" são partículas e que os pronomes e artigos
demonstrativos são "formas mistas", exibindo características de ambos os campos dêiticos e
simbólicos: de um lado, pronomes demonstrativos / artigos servem para apontar funções como
partículas dêiticas. Argumentou, ainda, que dêiticos puros são partículas e que os pronomes e
artigos demonstrativos são "formas mistas", exibindo características de ambos os campos
dêiticos e simbólicos: de um lado, pronomes demonstrativos e artigos servem para apontar
funções como partículas dêiticas; mas, por outro lado, tais palavras apresentam características
semânticas e morfossintáticas que caracterizá-los como termos simbólicos. Entretanto, os
pronomes, os artigos, e as conjunções perderam o status de dêiticos puros e adotaram novas
funções simbólicas, indicando, por exemplo, gênero e contrastes numéricos ou semântico
relações entre cláusulas. Mesmo assim, de acordo com Bühler todas essas palavras preservaram
sua função de apontar original, que agora está confundida com funções do campo simbólico.
O que é essencial para o desenvolvimento diacrônico dos demonstrativos em morfemas
gramaticais é o surgimento de novos usos dêiticos ou modos de apontar. Em seu uso básico,
expressões dêiticas referem-se a coisas ou eventos na situação em torno do orador e destinatário.
Karl Bühler descreve três tipos de dêixis. Elas são, na verdade, delineadas a partir das
modalidades recorrentemente da literatura sobre o tema:
1. Dêixis indicial. Chamado de dêixis ad oculos ou dêixis exofórica, essa modalidade
acontece quando o contexto comunicativo é partilhado pelos interlocutores de modo
que a referência dêitica pode ser facilmente recuperada. Exemplo: Mas ah, olhe, aqui
está outra também.
2. Dêixis textual, também chamada de dêixis anafórica ou endofórica ou, ainda dêixis
discursiva, acontece quando a expressão dêitica faz referência a um segmento
58
discurso já citado anteriormente, no caso da anáfora, ou posteriormente, no caso da
catáfora. Exemplo: Ora, mas isto, pouca gente lá vai, a Marvão.
3. Dêixis transposta, nomeada por alguns autores como dêixis fantasma ou dêixis
projetada. Esse tipo de dêixis acontece quando a memória dos interlocutores é
invocada para recuperação do dêitico. Exemplo: Morava ali na rua ao pé do outeiro
do lagar, naquela rua como rompe a casa de uma parede (…).
Este último uso está intimamente relacionado com a demonstratio ad oculos. A principal
diferença é que o uso de expressões dêiticas fantasma não envolve a situação de fala física
(como a manifestação ad oculus), mas uma situação imaginária criada pelo discurso em curso.
Em ambos os usos, expressões dêiticas estão ancoradas no centro, que Bühler caracterizou
como o centro de um sistema de coordenadas envolvendo três dimensões: espaço, tempo e
pessoa. Para cada dimensão, há termos dêiticos específicos: aqui e ali, e dêiticos de pessoa,
como os pronomes eu e você s (cf. Bühler 1934: 102). No demonstratio ad óculos, o centro
dêiticos é geralmente associado à localização do locutor no momento da emissão e no uso de
expressões dêiticas fantasmas, o centro é transferido para um imaginário observador no
discurso.
O autor, entretanto, unifica esses três tipos de dêixis de acordo com Bühler (apud
CARVALHO, 1979), que, por seu turno, englobou aquelas três tipologias de dêixis em uma
denominada topomnéstica. Para o autor, o corpo do falante é o centro do que ele chama de
espaço enunciativo. Este ponto de referência para interpretação dêitica. O autor assume também
que esse ponto de referência pode ser outro elemento do evento de fala. Percebe-se, então, que
aí está o embrião para o que se discutirá mais tarde como centro dêitico e as possibilidades de
59
mudança. A partir dessas postulações, o autor estuda os pronomes demonstrativos e pessoais a
fim de compreender seu comportamento no campo mostrativo da linguagem.
2.4.2.2. Émile Benveniste
Émille Benveniste, o linguista de linhagem estruturalista, postulou uma linguística da
enunciação em que aborda a presença do homem na linguagem. Fez estudos bastante detalhados
dos pronomes e tomou a subjetividade como ponto de partida para o estudo da língua. Segundo
a proposta benvenistiana, num evento comunicativo, o falante se apropria da língua ao definir-
se por sujeito do seu discurso. O autor elege o discurso como a realidade em que esses pronomes
fazem referência como marca da presença do sujeito na linguagem.
O linguista afirma que os objetos postos no evento comunicativo giram em torno do
enunciador, a partir do qual é possível a referência discursiva a possibilidade de interpretação
dos elementos dêiticos empregados pelos interlocutores num terminado lugar e tempo. Para
Benveniste, a utilização das formas dêiticas pelo falante que toma a si mesmo como o centro
representam a subjetividade no enunciado. A relação entre pronome e subjetividade reside no
fato de o pronome evidenciar da subjetividade na linguagem, como se pode ler
poremos em evidência a sua relação com o eu definindo-os: aqui e agora
delimitam a instância espacial e temporal coextensiva e contemporânea da
presente instância de discurso que contém eu. Essa série não se limita a aqui
e agora: é acrescida de grande número de temos simples ou complexos que
procedem da mesma relação: hoje, ontem, amanhã, em três dias, etc.
(BENVENISTE, 1995: 279).
Assim, Benveniste encampou um estudo detalhado dos pronomes e, como ponto
fundamental de suas proposições, estabeleceu que os pronomes eu e tu são marcas de
60
subjetividade na linguagem. Tais pronomes apresentam noções distintas relativas aos efeitos da
marca de subjetividade, por um lado, e, por outro lado, mas apresentam traços comuns que os
afastam semanticamente pronome de terceira pessoa ele.
As semelhanças estão ligadas à participação desses pronomes no evento discursivo,
fazendo referência aos interlocutores e à sua reversibilidade, ou seja, os interlocutores podem
trocar entre si os papeis de falante e ouvinte. Essas duas características não são compartilhadas
pelo pronome ele, que é referência a uma pessoa ou objeto não participante imediato no evento
discursivo.
O corolário dessa relação é que os pronomes, na abordagem de Benveniste (1966), são
concebidos como elementos do discurso e não apenas como elementos da língua. Para o
linguista, os itens dêiticos são signos que constituem a enunciação, pois codificam o eu, o tu, o
lugar e o tempo do evento de fala. Embora ele não trate das tipologias da dêixis, Benveniste
contribui com a ampliação dos estudos do fenômeno dêitico. O linguista afirma que os dêiticos
são signo linguísticos que só admitem descrição com referência ao seu emprego pelo falante,
ou seja, não são palavras que podem se descritas a despeito do uso do momento de fala. Desse
modo, o autor reafirma a que os dêiticos revelam a relação entre o enunciado e enunciação.
2.4.2.3 Stephen C. Levinson
Levinson (2007) discute a natureza das expressões dêiticas e sua relação com o contexto.
O autor reconhece que a dêixis, por suas diferentes facetas presentes nas línguas naturais, é
parte essencial da semântica, embora reconheça que há aspectos da dêixis que só podem ser
percebidos no domínio da Pragmática (LEVINSON, 2007, p. 66). O autor apresenta os
diferentes tipos de dêixis a partir dos elementos centrais falante – tempo da fala – e lugar da
fala. Em relação à dêixis de lugar o autor diz que
61
A dêixis de lugar diz respeito à codificação das localizações relativamente à
localização dos participantes do acontecimento discursivo. Provavelmente, a
maioria das línguas gramaticaliza pelo menos uma distinção entre proximal
(ou perto do falante) e distal (ou não proximal, às vezes perto do destinatário),
mas muitas fazem distinção muito mais elaboradas. (LEVINSON, 2007, p. 75,
grifo do autor).
A distinção proximal-distal, que interessa bastante à minha tese, é codificada, segundo
o autor, nos demonstrativos, como este versus aquele ou nos advérbios de lugar, como aqui em
oposição ao lá. Como a Dêixis é organizada de maneira egocêntrica, seus pontos de ancoragem
constituem o centro dêitico configurado pelos elementos do evento comunicativos. A respeito
das diferentes possibilidades de ancoragem encontradas nas línguas naturais, o autor reconhece
também a possibilidade deslocamento desse centro do falante para outros elementos do evento
discursivo.
Levinson (2007) afirma que as expressões dêiticas se referem a unidades linguísticas ou
morfemas para quais o uso dêitico é básico ou central em contraposição às demais expressões
que não podem exercer essa função. Para Lyons, o aspecto central do conceito de dêixis é o que
o linguista chama de situação canônica de enunciação que é basicamente egocêntrica.
Para o autor, "O orador está no ponto zero das coordenadas espaço-temporais do dêitico
contexto ". Tal cena pode ser organizada a partir de dois eixos: um para o tempo e um para
espaço, com o falante no ponto de intersecção. As localizações dos objetos nos enunciados são
relativas ao falante, mas esse centro dêitico muda constantemente, porque os participantes de
um evento comunicativo se alternam no papel de falante e ouvinte. Como o evento de fala é
dinâmico, é possível que o falante relacione locais para alguém ou algo diferente de si mesmo,
considerando o posicionamento do outro, todavia esta mudança de centro dêitico deve ser
especificada discurso.
62
Diante do que se leu nesta seção, a grande contribuição dos estudos clássicos da dêixis
pode ser aferida pela maior precisão da descrição do fenômeno e do reconhecimento como uma
operação linguística que codifica ou gramaticaliza aspectos do entorno dos aspectos físicos e
sociais dos interactantes do evento discursivo, tornando-os assim acessíveis para a interpretação
no memento mesmo da interação. Na próxima seção, apresentarei a abordagem cognitivista da
dêixis.
2.4.3 A abordagem cognitivista da Dêixis
Um aspecto não considerado na abordagem clássica da dêixis é heterogeneidade de
ocorrências do fenômeno dêitico. Essa multiplicidade de manifestação está diretamente ligada
à criatividade humana no uso da linguagem para o atendimento de suas necessidades
comunicativas. Obviamente, o tratamento clássico da dêixis cumpriu o importante papel da sua
descrição e da sua elevação ao status de objeto relevante das investigações linguísticas.
Entretanto, não por deficiência, mas por questão de aparato teórico, essa abordagem não pôde
dar conta das ocorrências não prototípicas da dêixis. Nesta seção, apresentarei o tratamento da
dêixis por duas autoras cognitivistas, a saber, Rubba (1996) e Marmaridou (2000), que partindo
dos pressupostos teóricos e epistemológicos da Linguística Cognitiva, puderam explicar mais
detalhadamente casos não prototípicos da dêixis.
Desenvolvida na efervescência dos anos setenta do século passado pelo linguista Gilles
Fouconnier, a Teoria dos Espaços Mentais, cujo modelo foi apresentado de forma completa no
Mental Spaces: aspectos of meaning construction in natural language, publicado em 1985,
ofereceu explicações consistentes – e elegantes – para problemas linguísticos de referência, mas
notadamente a ambiguidade, que as semânticas formais não conseguiam resolver. A teoria abriu
63
a possibilidade de tratamento para muitos problemas de ordem semântica e pragmática, entre
eles os problemas de interpretação da dêixis.
Jo Rubba (1996) explica a interpretação da referência dêitica que não pode ser
compreendida considerando o evento de fala imediato onde estão os interactantes. Com base na
Teoria dos Espaços Mentais de Fauconnier, associada à noção de Modelo Cognitivo Idealizado,
de Lakoff (1987), a autora desenvolveu a teoria de ground alternativo para explicar ocorrências
como a do exemplo:
Exemplo 2:
─ Eu disse: o que estou fazendo aqui?4
A única possibilidade de compreensão do dêitico aqui é considerar que ele faz referência
a um domínio diferente do ground imediato onde estão os interlocutores. Para a explicação
desse tipo de ocorrência, Rubba lança mão do conceito langackeano de ground, conceito que
diz respeito ao evento discursivo em toda a sua configuração de tempo, espaço e interlocutores.
A partir daí a autora estabelece a existência de um ground alternativo ao ground imediato,
tornando possível a explicação da compreensão do aqui do Exemplo 2. A autora assume que a
noção de Ground Alternativo não é nova. Segundo ela, Fillmore e Talmy já havia intuitivamente
dado o conceito em 1941 e 1986, respectivamente. Para a autora, o
resultado dessas análises por diferentes estudiosos é que o ponto de vista - o
ponto de referência - é deslocado do ground default, que é a situação atual da
fala, e um ground alternativo é adotado e dentro do qual o ponto de referência
de um dêitico dado é localizado. A teoria dos espaços mentais fornece um
conjunto de construções e princípios teóricos que podem ser usados para
descrever esse fenômeno. (RUBBA, 1996, p. 230, tradução minha5).
4 Esse exemplo retirei oportunamente de um relato oral de um aluno de curso preparatório para bombeiros do
Estado do Rio de Janeiro. 5 The upshot of these analyses by differente scholars is that the viewpont - the reference point - is displaced or
shifted away fron the default ground, which is the actual speech situation, and an alternate ground is adopte within
which the reference point for a given deictic is located. Mental space theory provides a set of teroretical constructs
and principles which can be used to describe this phenomenon.
64
A figura abaixo é uma representação do ground default estabelecido por Rubba. A figura
apresenta todos os elementos do evento discursivo em que F é o falante, O é o ouvinte, x e y
indicam a relação de distância, LOC é um espaço específico, t é a informação de tempo e a
esfera é a própria situação de fala que subsume todos esses outros elementos.
Para a autora, o ground alternativo assume todo ou parte do ground default como ponto
de partida do processo de compreensão de uma expressão dêitica em uso não prototípico. É
interessante notar que as propriedades semânticas da dêixis são mantidas no ground alternativo.
Por exemplo, as relações de proximidade e distância são preservadas em consideração a algum
ponto de referência nesse mundo alternativo.
Contudo, Rubba (1996), alerta que os dêiticos têm uma alta flexibilidade de significado,
pois são termos cuja esquematicidade de sentido permitem que se referiram a referentes
diferentes em mesmo evento comunicativo, o que pode dificultar a compreensão do ouvinte
caso este não está muito envolvido no contexto interativo.
Figura 9: Representação do ground default estabelecido por Rubba
(1996).
65
Ao apresentar os fatores para a interpretação dos dêiticos, Rubba (1996, p. 228, tradução
minha) apresenta o seguinte exemplo: “Estou cansada deste lugar”6. A frase dita
inesperadamente por um estudante de pós-graduação que caminha pelo campus da universidade
pode complicar a compreensão do ouvinte que pode interpretar a expressão dêitica deste lugar
que pode, entre outras interpretações, considerar o lugar imediato onde estão passeando ou a
universidade como espaço não desejado e abstrato ou, numa interpretação mais amplo, a cidade
ou país onde estão.
Caberá ao ouvinte buscar a interpretação mais adequada. Rubba (1996), então, descreve
três fatores que estão envolvidos na interpretação das expressões dêiticos, que dada sua
importância, vale a pena a longa citação:
Em muitos casos, se não na maioria, o tema ou domínio do discurso serve para
restringir o campo de candidatos o suficiente para que o ouvinte possa escolher
um deles. Assim, um segundo fator na interpretação de dêiticos é a limitação
de referências de candidatos pelo tópico ou domínio de discussão. Por
exemplo, se o enunciado “Eu estou cansado deste lugar” for proferido no final
de uma discussão longa sobre o departamento dos estudantes, os rigores do
programa de pós-graduação, as indignidades do trabalho de graduação, etc., o
ouvinte ficaria satisfeito em concluir que a universidade como um local
abstrato é o referente que o falante tinha em mente. Se, no entanto, a conversa
anterior está tematiza o clima quente, engarrafamentos, falta geral de eventos
de interesse cultural, e assim por diante, da cidade universitária, o lugar onde
estão os interlocutores é o candidato mais provável como referente adequado.
Com um contexto suficiente, o ouvinte é poupado um bom trabalho ao
encontrar um referente, porque um dos candidatos foi preparado pela conversa
anterior. Um terceiro recurso disponível para a determinação de referentes
adequados é o uso convencional de um dêitico que são conversacionais para
o idioma em questão7. (RUBBA, 1996, p. 229, tradução minha).
6 O exemplo original é I'm tired of thes place, (RUBA, 1996, p. 228). 7 In many, if not most, cases, the discurses topic or domain serves to narrow the field of candidates enough so that
the hearer can assume one of the candidates. Thus a second factor in the interpretation of deictics is the limitation
of candidate refentes by the discouse topic or domain. So, for example, if the utterance in (2) is uttered toward the
end of a long diatribe against the students' departament, the rigors of graduate program, the indignities of
graduate studant labor, etc., the hearer would feel satisfied in concluding that the university as an abstract
location is the referent that the speaker had in mind. If, however, the preceding conversation concerned the hot
weather, traffic jams, general lack of events of cultural interest, and so on, of the university town, the hearer may
feel town is the most suitable referent. With sufficient context, the hearer is spared a good deal of work in finding
a referente, because one of the candidates has been primed by the foregoing conversation. A third resource
66
Desse modo, o contexto do evento de fala fornece informações suficientes para limitar
a interpretação do dêitico por parte do ouvinte, que passa a ter condições de, apesar das
possibilidades de interpretação, reduzir a lista e escolher o referente mais adequado para a
situação.
No mesmo trato cognitivo, Sophia S. A Marmaridou (2000) dedica o capítulo três de
seu livro Pragmatic Meaning and Cognition à Dêixis. A autora questiona o conceito do
fenômeno e sua tipologia tradicional como não sendo capaz de explicar os casos que se afastam
do ground default. Assim, Marmaridou, retomando o trabalho de Rubba, propõe que existe um
modelo cognitivo idealizado para a dêixis o que explicaria os casos prototípicos.
Apoiada na teoria dos protótipos, inicialmente postulada por Rosch em 1975, e nos
achados teóricos de Lakoff (1987) sobre a noção de Modelo Cognitivo Idealizado (MCI),
Marmaridou propõe novas categorias que ampliam o conceito tradicional de modo a abarcar os
casos menos evidentes de dêixis. Desse modo, a autor apresenta três problemas da análise
tradicional da dêixis:
1) A distinção entre a dêixis de pessoa e a dêixis social. Para Marmaridou, essa
separação é equivocada uma vez que as duas situam o sujeito da fala no evento comunicativo.
2) A não consideração da dêixis de lugar como sendo mais básica que a dêixis de tempo,
que ocorre, na visão da autora, por conceptualização da Dêixis por meio de mapeamentos entre
domínios.
avaliable for the determination of suitable referents is the extended use of deictics that are conversational for the
language in question. (RUBBA, 1996, p. 229).
67
3) A classificação rígida dos itens lexicais e usos dêiticos teriam como efeito a exclusão
de outros itens linguísticos ou usos menos evidentes de dêixis.
A conceptulização da dêixis por meio da noção de um MCI da dêixis explicaria, além
dos casos prototípicos, aqueles casos ambíguos, uma vez que esse modelo estrutura uma
categoria que apresenta um protótipo a partir do qual outros casos podem ser reconhecidos.
Além disso, a autora defende que o esquema imagético CENTRO-PERIFERIA estrutura a
dêixis. Segundo ela, esse esquema se estrutura fundamentalmente pela egocentricidade, pois
todos os tipos de dêixis estão relacionados à tomada do falante como ponto de referência –
centro dêitico - do evento de fala. (Cf. MARMARIDOU, 2000, p. 70).
Como se viu nesta seção, as abordagens cognitivistas das duas autoras apresentadas
acimas ampliaram a compreensão da dêixis, de modo que o fenômeno pôde ser melhor
observado na prática discursiva. É bom notar, entretanto, que a noção de ground alternativo
não explica a alternância dos locativos lá e ali, uma vez que, como veremos no capítulo de
análise dos dados, mesmo na troca de um pelo outro o lugar onde se encontra o objeto da atenção
continua o mesmo. Todavia, oferece a possibilidade de que a alternância é uma faceta da dêixis,
como veremos no capítulo de análise.
68
CAPÍTULO 3
REVISÃO DA LITERATURA
As formas atuais lá e ali da Língua Portuguesa são resultados de um longo processo de
transformações fonéticas, os metaplasmos, das formas latinas ad illac e ad illic,
respectivamente (CAMARA JR., 1975). Apesar de as duas serem formas foneticamente
distintas, elas guardam o mesmo significado de ‘naquele lugar’, especificando um lugar distante
do interlocutor. Entretanto, essa sinonímia aguarda alguma diferenciação no uso linguístico.
Neste capítulo, apresento, em linhas gerais, o tratamento que esses dêiticos receberam em pelo
menos duas vertentes: a da gramática normativa e a da descrição linguística.
Na primeira seção, apresento como a tradição gramatical trata esses locativos. Essa
abordagem é aqui representada pelas gramáticas normativas da língua portuguesa de Almeida
(2005), Azeredo (2008), Cegalla (2008), Rocha Lima (2010), Bechara (2011), Cunha e Cintra
(2013). Como se sabe, a gramática normativa, como a própria especificação do adjetivo já
aponta, não tem como meta principal a descrição do uso linguístico – pelo menos não em todas
as variantes da língua – mas, ao normatizar o uso desses dêiticos na chamada modalidade culta
da Língua Portuguesa, deixa entrever, na prescrição normativa, características importantes da
semântica desses itens linguísticos.
Na segunda seção, é apresentada a abordagem da descrição linguística, aqui
representada pelos estudos de Pontes (1992), Moura Neves (2000, 2002 e 2014) e Raposo e
colegas (2013). Essa abordagem está voltada para a descrição dos usos linguísticos para além
do que se prevê na variante de prestígio da Língua. Dela, poderei extrair, mais especificamente,
as diferentes estratégias de emprego dos locativos lá e ali já identificadas por tais estudos.
Por fim, na terceira seção, apresento a abordagem semântico-pragmática desses
locativos encontrada nas pesquisas de Macias (2008), Teixeira (2005), Pereira (2009) e de
69
Oliveira (2011). Esse tratamento inaugura a percepção de que há processos cognitivos
complexos envolvidos nos usos linguísticos. No concernente ao lá e ao ali, essa abordagem
pode revelar como esses locativos representam a como a Língua Portuguesa gramaticaliza a
noção de espaço.
Assim, além da exposição do tratamento dado aos dêiticos lá e ali na Língua Portuguesa
nas diferentes vertentes de estudos gramaticais e linguísticos, o objetivo mais atrelado à
investigação desta tese é identificar os parâmetros semânticos e pragmáticos que norteiam o
uso desses locativos.
3.1 Entrando na conversa sobre a representação linguística do espaço
A indicação de lugar em língua portuguesa é atualizada em sintagmas preposicionados
[prep. N] ou por itens linguísticos como aqui, acolá, alhures, aí, lá, etc. Tais expressões são
classificadas como advérbios, no caso desses últimos, ou como expressões de valor adverbial,
no caso dos primeiros. Esta classe é definida principalmente por sua incapacidade de flexão de
gênero e número e por tomar como escopo o verbo8 com função de adjunto.
Para fins de delimitação da investigação desta tese, abordarei somente os locativos
expressos por meio de uma só palavra, os quais as gramáticas normativas classificam como
advérbio de lugar e, mais precisamente, perscrutarei apenas o tratamento que as gramáticas
normativas dão aos locativos lá e ali, objetos de minha atenção nesta investigação.
Minha opção se justifica porque os sintagmas preposicionados de caráter locativo
circunscrevem especificações de lugar que os locativos de uma palavra só não conseguem
8 Os chamados advérbios de intensidade podem se relacionar também com o adjetivo ou com o próprio advérbio.
Essa propriedade de natureza distribucional – e também a de natureza semântica – é o que perturba a delimitação
precisa da classe do advérbio como pode imaginar o leitor das gramáticas normativas.
70
expressar, como a indicação de nome de lugar em oposição à informação genérica de locativos
como lá e ali, como se pode observar no Exemplo 1a e 1b:
Exemplo 1:
(a) A minha prima está em São Paulo.
(b) Olha para lá e verá o rapaz sobre o qual te falei.
Como se pode notar, a diferença das duas maneiras de referência é que a indicação de
espaço por meio de palavras como cá, aqui, lá, ali, etc. depende do rastreamento de aspectos
circunstanciais do evento de fala, o que os caracteriza como elementos dêiticos. Uma
abordagem cognitivista dos dêiticos lá e ali no português brasileiro falado demanda a
determinação de categorias não consideradas no tratamento tradicional desses itens linguísticos,
como a possibilidade de alternância de uso de um no lugar onde o outro prototipicamente
deveria ser empregado.
Considerá-los advérbios de lugar que expressam a ideia de mais distante e menos
distante, como normalmente estão registrados nos compêndios gramaticais brasileiros, oblitera
a complexidade dos processos cognitivos arrolados na conceptualização do espaço em
português brasileiro e diz apenas sobre uma parte de sua semântica. Tal abordagem dificulta a
percepção dos fatores pragmáticos que estão na motivação da escolha de um ou de outro
locativo, fatores especialmente importantes para esta investigação.
3.2 Os dêiticos locativos lá e ali nas abordagens gramaticais
Nesta seção, apresentaremos o tratamento que os principais compêndios gramaticais em
circulação nas escolas dão aos locativos. Foram analisadas as gramáticas de Almeida (2005),
Azeredo (2008), Cegalla (2008), Bechara (2009), Lima (2010), Celso e Cunha (2013). O
inventário de itens que semanticamente realizam linguisticamente a noção espacial em língua
71
portuguesa expresso em uma só palavra é relativamente curto. De modo geral, as gramáticas
normativas dispensam pouco espaço para os locativos, citando-os apenas em listas finitas no
Exemplo 2.
aqui, antes, dentro, ali, adiante, fora, acolá, atrás, além, lá, detrás, aquém, cá,
acima, perto, aí, abaixo, onde, aonde, longe, debaixo, algures, defronte,
nenhures.
O efeito dessa apresentação tão sucinta é a ilusão de que todos esses locativos
desempenham o mesmo papel no uso linguístico. Se, por um lado, há concordância nos
diferentes compêndios gramaticais que a subcategoria semântica de lugar pode abarcar todos
os locativos apresentados no Exemplo 2, por outro lado, na gramática descritiva, há ruptura
desse tratamento homogeneizado, quando se reconhece que a indicação do lugar se dá de formas
diferentes. Veremos como se dá isso na seção seguinte.
Consensualmente, os dêiticos locativos lá e ali são inventariados como pertencentes à
subcategoria dos chamados advérbios circunstanciais de lugar. Em Bechara (2009) e Cunha e
Cintra (2013), são indicados numa lista relativamente curta de outros locativos sem
apontamento distintivo de nenhuma natureza no concernente ao seu uso. Bechara (2009) explica
que os aspectos semânticos e funcionais são determinantes para o estudo dos advérbios. Mesmo
assim, só apresenta as subcategorias semânticas e dentre elas a de lugar. É em Bechara que se
pode encontrar a subclassificação dos locativos lá e ali em pronominais demonstrativos sem,
no entanto, explicar as consequências dessa classificação para a análise gramatical. Para o
autor, “O advérbio, pela sua origem e significação, se prende a nomes e ou pronomes, havendo,
por isso, advérbios nominais e pronominais. (BECHARA, 2009, p. 293).
Os compêndios gramaticais assinados por Cegalla (2008) e Rocha Lima (2010)
apresentam uma subseção denominada emprego dos advérbios de lugar. Nessa subseção,
apontam o uso normativo apenas de alguns desses itens da categoria. Esses gramáticos não
72
fazem menção ao uso do lá e do ali, não abordando, portanto, a distinção semântica entre eles.
A não consideração deles aponta para a ideia de que esses locativos não apresentam problemas
no uso.
Almeida (2005) avança um pouco na tentativa de normatizar o emprego dos locativos
em tela.
Aqui, aí e ali são advérbios demonstrativos de lugar, relacionando-se aqui com
a 1ª pessoa (neste lugar), aí com a 2ª (nesse lugar) e ali com a 3ª pessoa
(naquele lugar). Não devemos esquecer-nos de que aqui corresponde ao
demonstrativo este, aí a esse, ali e lá a aquele. Não se deve dizer “Estive em
Paris e vi lá muitas coisas”; o certo é “...vi aí”, portanto o advérbio não se
relaciona coma distância geográfica da cidade visitada, mas com a palavra já
citada... (ALMEIDA, 2005, p. 317, nota 5).
O gramático associa os locativos em tela ao pronome aquele, denotador da 3º pessoa do
discurso, associação também partilhada por Azeredo (2008)9. Está associação indica que tanto
o lá quanto o ali se referem a um lugar distante do evento de fala onde estão situados o falante
e seu ouvinte. Destarte, o gramático modifica o valor semântico genérico de lugar para a
especificação semântica de lugar distante do evento de fala.
Em relação a diferença entre o lá e o ali, Almeida (2005, p. 317) apresenta a diferença
semântica entre os dois locativos na nota seis de sua gramática, onde ele explica que “o lá e o
acolá indicam maior afastamento do que ali”. O gramático dá um passo significativo na
descrição dos itens dêiticos em tela ao mostrar que há uma gradualidade na distância do evento
de fala.
Uma outra abordagem pode ser encontrada num site português de tira-dúvidas sobre
gramática10. No site, há a explicação de que tais locativos são sinônimos e estão associados à
9 Azeredo não apresenta estudo propriamente dito, apenas distribui o lá e ali numa tabela de apresentação dos
pronomes demonstrativos, momento em que associa os locativos ao pronome de terceira pessoa aquele.
(AZEREDO 2008. p. 178). 10 O site foi idealizado pelo jornalista José Mário Costa. Após sua morte é mantido por João Carreira Bom:
http://www.ciberduvidas.com/index.php.
73
expressão naquele lugar, especificando um lugar, afastado do evento de fala, o que está em
consonância com o que o que diz a gramática brasileira. Todavia, o site acrescenta que o
locativo dêitico ali delineia semanticamente uma proximidade maior dos interlocutores ou
mesmo um lugar distante que é visível. O lá, em contrapartida, indica um lugar fora do alcance
da vista. Aparece, então, o critério visibilidade como fator da semântica dos locativos em tela.
Como se pode notar no resumido passeio realizado até aqui, os compêndios de gramática
normativa dedicam pouco espaço para estudo do advérbio. Isso implica a homogeneização do
comportamento semântico dos locativos dêiticos em tela. A maior consequência é a não
distinção dos diferentes usos que se pode fazer dessas palavras. Entretanto, a abordagem
apresentada acima permite a identificação de dois critérios importantes para a análise desses
locativos: o critério distância, que está na base da organização do sistema espacial a partir do
lugar onde estão os interlocutores, e o critério visibilidade, que compõe a semântica dos
locativos lá e ali e pode ser utilizado como fator distintivo na operação cognitiva de escolha de
um e outro. Esse critério será melhor explicado mais adiante nesta tese.
O problema da alternância desses locativos persiste, porquanto a ideia de distância
associada aos dois itens lexicais não apontar parâmetros suficientes para a descrição do
processamento cognitivo de escolha, por parte do falante, de um locativo em detrimento do
outro em um contexto linguístico real. Além disso, a questão mais importante a se observar no
tratamento dado pela tradição gramatical é a visão objetivista dessa distância que subjaz à
análise apresentada. No caso em tela, o lá e o ali correspondem à organização dos objetos no
mundo distante do falante. Tal tratamento não oferece, portanto, parâmetros para a
compreensão da alternância de uso desses locativos.
74
3.3 Os dêiticos locativos lá e ali nas abordagens de cunho linguístico
As abordagens de caráter mais preocupado com descrição da língua portuguesa em uso
apresentam, no concernente aos locativos lá e ali, continuidades com tratamento mais
tradicional do tema. Assim, a subcategorização em locativos exclusivamente de lugar e o
critério distância são mantidos como aspectos relevantes da semântica dos dois itens lexicais.
Contudo, importantes rupturas apontam outras características semânticas que corroboram com
a descrição completa dos dêiticos em tela. Essa segunda abordagem será aqui representada pelos
estudos de Pontes (1992), Moura Neves (2000, 2002 e 2014) e Raposo e colegas (2013).
Eunice Pontes (PONTES, 1992) fez um estudo bem aprofundado da caracterização de
espaço no português brasileiro. De cunhos essencialmente semântico, a autora examina
preposições, advérbios de lugar, demonstrativos e locuções adverbiais e prepositivas que
estejam ligados à codificação do espaço (e também do tempo) pela Língua Portuguesa. A fim
de verificar como são as oposições dos elementos da categoria espaço, a autora diz que deseja
investigar como “o espaço é pensado e organizado.” Para iniciar a discussão, a autora apresenta
os seguintes exemplos:
Exemplo 3:
a) Nasci lá em Minas Gerais.
b) Fui buscar lá no passado minhas lembranças.
Para Pontes, o locativo lá presente na sentença a) é expressão de lugar ao passo que o
em b) ele expressa metaforicamente tempo. Interessa-me, o que ela diz sobre o lá de expressão
espacial.
75
Por exemplo, nas sentenças citadas antes, o advérbio lá indica o espaço
relativo ao lugar do falante. Deduz-se que o falante, na primeira, não está me
Minas Gerais e o este estado fica longe de onde ele está. (PONTES, 1992, p.
8).
Após deslindar problemas de ordem sintática, a autora aponta que o locativo lá expressa
um lugar diferente de onde está o falante, ressaltando novamente o critério distância. A partir
dos advérbios de lugar aqui, aí, ali, lá e cá, a autora conclui que a situação de comunicação é o
ponto de referência para o emprego desses elementos, em que o aqui e cá significam espaço
perto do falante, aí perto do ouvinte, ali um pouco distante do falante e do ouvinte e o lá longe
do falante e do ouvinte.
Nesse ponto, a autora apresenta uma importante contribuição para a descrição dos
locativos lá e ali. Como se viu na primeira seção deste capítulo, a abordagem gramatical
tradicional atribuiu distância aos dois elementos dêiticos sem, contudo, apresentar distinção de
uso entre eles. Ao contrário, Pontes (1992) apresenta a importante característica da semântica
dos dois itens lexicais: longe para o lá e um pouco distante para o ali. Para discutir esse aspecto,
a autora apresenta o Exemplo 4:
a) Lá em Minas gerais o povo é fechado.
b) Onde está o ferro de passar? – Lá no quarto.
c) Aqui/Ali em casa está tudo bem.
d) Aí/Ali em casa está fazendo frio?
O lá presente no exemplo 4a indica uma longa distância em oposição ao lugar onde está
o falante e o ouvinte, ideia que se mantém em 4b, mesmo o quarto estando muito mais perto
que Minas Gerais. Para a autora, para que o uso do ali faça sentido no exemplo 4c e 4d, é
necessário que o falante não esteja em casa, mas perto da casa. O uso do aqui e do aí se opõe
pela proximidade do falante e do ouvinte, respectivamente, ao passo que o ali opõe-se ao aqui
por referir-se a mais perto, outro a menos perto. Para Pontes, “É uma questão de gradação.
Trata-se de um continuum em que a relação de contiguidade é maior com aqui e menor com
76
ali. Está gradação se completa com lá. (Cf. PONTES,1992, p. 13). A representação gráfica
abaixo expressa a ideia da autora:
A distribuição da autora faz sentido, pois respeita o princípio universal de que a uma
língua não oferece duas formas linguísticas para expressar exatamente o mesmo significado.
Pontes admite, ainda, que
é óbvio que as distâncias referidas são todas relativas, porque lá (como aqui,
aí), pode se referir ao quarto distante do falante, mas na mesma casa, ou a
outra cidade, outro país, outro planeta. O que importante é o distanciamento.
O contexto é que condiciona: uma pessoa que está em Belo Horizonte não
pode falar lá (ali, aí) em Belo Horizonte. (PONTES, 1992).
Essa relatividade da distância é uma percepção importante para minha investigação
nesta tese, como se verá no próximo capítulo. A autora apresenta, ainda, a associação desses
elementos dêiticos com as pessoas do discurso. No que diz respeito ao lá e ao ali, a autora
associa à terceira pessoa gramatical, conforme mostra o quadro abaixo.
Quadro 1: Associação do lá e do ali às pessoas gramaticais.
Distância
Pessoa 1ª 2ª 3ª
1 aqui
2 aí
3 ali lá
Figura 12: Diagrama representativo do uso do aqui, do lá e do ali, de acordo com a proximidade
do falante/ouvinte.
77
O quadro acima, construído pela pesquisadora, reflete o que a GT expõe dos locativos
lá e ali (ALMEIDA, 2005). A tabela apresenta grau 1, para o ponto onde estão os interlocutores,
mantendo a diferença de pessoa. O lá e o ali, segundo a autora, se referem à terceira pessoa e
ocupam o grau 3 e 2 de distância dos interlocutores, respectivamente. A autora estabelece, bem
à maneira estruturalista, pares distintivos pelo traço, para usar a palavra dela, de + mais perto
de alguém (1ª ou 2ª pessoas), expressos pelo aqui e aí, e – menos perto de alguém (1ª ou 2ª
pessoas). Da investigação de Eunice Pontes, pode ser retirada a seguinte contribuição para
minha investigação: as características semânticas que especificam a distância. Observo, porém,
que a ideia de gradação ou continuum associada ao uso dos locativos será questionada no
capítulo de análise dos dados.
Neves (2000), em sua volumosa Gramática de Usos do Português, também apresenta
um extenso estudo dos advérbios. A autora afirma que esta classe é heterogênea quanto à função
e, por isso, os divide em duas grandes subclasses: advérbios modificadores, que afetam o
significado do elemento sobre o qual incidem, e os advérbios não-modificadores, que não
afetam o significado do elemento sobre o qual incidem. Tanto um quanto ou outro podem ser
subdivididos em grupos segundo sua natureza e função. Dentro dos advérbios não-
modificadores encontram-se os chamados advérbios circunstanciais de lugar, categoria que
abriga os dêiticos lá e ali.
Neves (2000) diz que lugar é uma categoria dêitica cuja orientação se faz por referência
a quem fala. A autora também associa os locativos lá e ali, como o faz as gramáticas normativas,
à terceira pessoa do discurso, confirmando que a circunstância de lugar está diretamente ligada
ao eixo falante-ouvinte. Segunda a autora,
78
[p]or definição semântica, esses advérbios indicam circunstância,
relacionando-se com o eixo falante/ouvinte. Trata-se de um circunstanciação
ancorada no circuito de comunicação, referida aos participantes do discurso
ou a pontos de referência do texto, numa escala de proximidade espacial.
Assim, em princípio, AQUI indica lugar próximo ao falante (primeira pessoa
do discurso), AÍ indica lugar próximo ao ouvinte (segunda pessoas do
discurso) e Lá indica lugar distante do falante e do ouvinte (terceira pessoa do
discurso). (NEVES, 2000, p. 258).
Como se pode entender a partir da citação acima, a ancoragem da orientação de lugar
no evento de fala estabelece o ponto de referência para o cálculo dessa orientação. Segundo a
pesquisadora, o objeto de atenção da comunicação pode estar dentro do próprio evento de fala
ou fora dele. Ou seja, há um dentro e um fora do evento de fala, em que o dentro é representado
pelos locativos aqui (circunscrevendo o espaço ocupado pelo falante.) e aí (circunscrevendo o
espaço do ouvinte). Como fora do evento de fala é um espaço irrestrito, a distância deve ser
indicada. Daí a associação dos locativos lá e ali à terceira pessoa do discurso localizar sua
referência fora do evento de fala delineando semanticamente a distância. Essa compreensão faz
com que a autora classifique os locativos lá e ali como advérbios pronominais exofóricos.
Neves (2014) afirma que o núcleo central da semântica de um elemento da categoria
circunstancial é uma relação. Essa proposição implica considerar que tais elementos não são
exatamente circunstâncias, mas nomes de uma relação. Do fato de que todos os circunstanciais
operam sobre o espaço e tempo a partir do estabelecimento de relações, emerge o
reconhecimento de que esses itens linguísticos não representam circunstâncias em si mesmos,
mas antes, são expedientes linguísticos que denotam tais relações. Desse modo, os locativos
denotam a relação de um ser ou objeto com o espaço ou tempo.
Nesse sentido, a autora estabelece que a grande variedade de elementos linguísticos que
expressam lugar são evidências de que há a necessidade de distinção dessas relações com um
grau maior de precisão. Para a autora, a “grande variedade de locuções prepositivas que existem
em português se explica pela necessidade de distinguir relações (espaciais) com certo grau de
79
precisão.” (2002, p. 331). Embora a autora faça essa afirmação para explicar a grande variedade
de locuções propositivas, estenderei a observação para a explicação semântica do lá e do ali.
Se esses elementos lexicais informam semanticamente a distância do falante do lugar onde está
o objeto de atenção, há uma relação de distância expressa pelo lá e pelo ali cuja distinção da
relação de proximidade é importante. O comentário de Moura Neves aponta, por um lado, que
há o estabelecimento de graduação de distância no espaço a partir de um ponto de referência,
do qual se pode fazer uso dos locativos lá e ali e, por outro lado, a impossibilidade de precisão
da distância a partir desses locativos, justamente por esse traço generalizante indeterminado de
distância. Nesse ponto, o aspecto semântico de mais distante e menos distante atribuído aos
dêiticos por Pontes (1992) é, de fato, um encaminhamento importante para compreensão do uso
desses itens linguísticos.
A outra característica apresentada por Neves (2014) diz respeito a foricidade desses
locativos. Com essa característica a autora distingue locativos como aqui e cá, expressões de
lugar de uma só palavra que normalmente são chamados de advérbios pela gramatica
tradicional. Segundo a autora, essas palavras indicam por si só a relação espacial desejada pela
operação da foricidade do advérbio. A hipótese da foricidade dos locativos de relação de
proximidade também será significativamente importante para a identificação de qual lugar o
objeto está sendo recuperado pelo locativo.
A pesquisadora aponta que os chamados advérbios de lugar se circunscrevem na oração
como situacionais, de caráter fórico, cuja natureza relacional define suas especificações
semânticas em pelo menos dois grupos, o de relação de interioridade e o de proximidade, aos
quais acrescento o de relação posicional.
80
Quadro 2: Grupos de especificações semânticas dos advérbios de lugar.
Relação Elemento dêitico
interioridade Fora, dentro
posição acima, algures, antes, atrás,
abaixo, aonde, debaixo,
defronte, detrás, nenhures, onde,
proximidade aqui, ali, adiante, acolá, além,
lá, aquém, cá, perto, aí, longe
Além dessa distribuição, pode-se, ainda, subcategorizar esses locativos, levando em
conta a possibilidade de eles desempenharem papel argumental e ou não argumental em relação
a verbos que exigem os chamados complementos circunstanciais.
Observe o Exemplo 5:
a) Os professores estiveram aqui/lá/acolá.
b) *Os professores estiveram adiante/antes/debaixo.
Observe-se que os locativos não argumentais são exatamente aqueles transitivos, se
comparados lá com debaixo, que exige um de quê ou de onde, por exemplo. A partir dessa
consideração, forma-se o seguinte quadro:
Quadro 3: Locativos argumentais e não argumentais.
Papel
Relação Argumental Não argumental
Interioridade - fora, dentro
Posição aonde, onde,
acima, algures, antes, atrás,
abaixo, debaixo, defronte,
detrás, nenhures,
Proximidade aqui, ali, acolá, lá, cá, aí, adiante, acolá, além, aquém,
cá, perto, longe
Nesta tese, interessa-nos os locativos de relação de proximidade. Essa relação é
especialmente importante para minha análise, uma vez que reafirma o aspecto distância como
constituindo a semântica dos dêiticos lá e ali. A possibilidade de compreensão de que a noção
81
de proximidade possa ser conceptualizada, no sentido de depender do grau de subjetividade do
falante observador, pode ser vista no seguinte exceto retirado de Neves (2008):
Comparando-se às outras expressões de que a língua lança mão para indicar
circunstância, verifica-se que eles utilizam uma mesma operação cognitiva,
que consiste em selecionar uma relação cronológica ou espacial e fixar para
essa relação um segundo termo, que é tomado como ponto de referência para
a localização do primeiro. (NEVES, 2008, p. 494).
No excerto, a autora dialoga frontalmente como Gramática Cognitiva de Langacker,
como assume a própria autora no mesmo parágrafo. A consideração de um marco de onde
podem ser calculadas as coordenadas para o estabelecimento do que é próximo ou distante
parece responder adequadamente à operação cognitiva de determinação de lugar. Assim a
contribuição dos estudos de Neves está no fato de ela perceber que os circunstanciais, no meu
caso, mais especificamente o lá e ali estabelecem relação de proximidade (o que está em
consonância com a abordagem tradicional e com Pontes), sem, contudo, atribuir a diferença dos
dois dêiticos a uma gradualidade. A inferência possível é que o julgamento dessa proximidade
se deve ao falante, quando escolhe um ou outro item lexical em um evento discursivo particular.
Para finalizar essa seção, apresento o resultado do trabalho investigativo dos
portugueses Macias (2002), Pereira (2009) e Raposo e colegas (2013a, 2013b), ambos tratando
os locativos lá e ali dentro de suas pesquisas sobre os dêiticos espaciais.
Macias (2002) faz um rastreamento dos dêiticos espaciais em situação de uso, a autora
parte da função pragmática-comunicativa para explicar o uso desses locativos. A autora parte
da associação dos locativos em duas séries cá e lá, por um lado e, por outro, aqui, aí e ali. O
resultado de sua investida é a caracterização dos locativos a partir da intencionalidade dos
falantes. Desse modo, a autora identificou o uso do lá expressando:
82
1) um lugar não determinado, longínquo e vasto, podendo ser vários locais, recobrindo
grande extensão. Este lugar é calculado em oposição ao lugar onde estão os interlocutores.
Exemplo: Sempre faz um frio! Quem anda lá por fora é que sabe.
2) Um lugar “a partir de onde”, veiculando simultaneamente que aquele lugar é o interior
da casa, um interior vago (cozinha, quarto, sala, corredor?). Exemplo: O Rala, de braço bambo
da navalhada que o D. José, em Lovios, lhe mandou à traição, dá sempre uma resposta tora à
mãe, quando já no quinteiro ela lhe recomenta não sei que lá de dentro.
Como se pode notar, a autora atribui ao lá a expressão de um lugar indeterminado ou
pouco delineado com detalhes. A autora afirma que o locativo ali pode substituir sem qualquer
prejuízo de sentido o locativo lá. Entretanto, apresenta situações em que não é possível a troca.
Para a autora
[g]enericamente pensamos poder afirmar que o ali se situa num espaço mais
próximo que lá. Por outro lado, ali parece-nos um espaço mais determinado,
um espaço que se consegue visualizar a partir do local onde se encontra o
locutor. (MACIAS, 2002, p. 25).
A autora apresenta a visibilidade como pertencente à semântica do ali opondo-o também
ao lá pelo seu caráter mais determinado e preciso que este. A autora afirma que o ali sugere um
espaço determinado que todos interpretam da mesma forma, por possuir um grau de
objetividade.
Macias (2002) apresenta uma importante contribuição para minha análise: o lá como
expressão de lugar indeterminado e o ali como expressão de lugar determinado. Essa proposição
foge da análise que estabelece gradualidade de distância e servirá para analisar a alternância no
uso do lá e do ali.
83
Teixeira (2009) assume o tratamento dado por Macias. Todavia, ao analisar as séries
ancoradas no aqui e no cá entorno dos quais são organizados os outros dêiticos de lugar,
compreende que o uso do dêitico aqui
permite, de uma maneira geral, referenciar a situação de objetos mais
próximos e mais acessíveis, face à posição ocupada pelo locutor, mas pode
também delimitar o espaço pertencente ao locutor e ao alocutário. Por outro
lado, designa um espaço demarcável, restrito, que pode coincidir com um
ponto e que se pode apontar, sendo por isso perceptível e acessível. A
utilização de aí aparece normalmente como forma de situar objetos mais
próximos e mais acessíveis relativamente à posição ocupada pelo alocutário;
o uso de ali remete tipicamente para situações espaciais não acessíveis nem à
primeira, nem à segunda pessoas. Na realidade, a noção de espaço sugerida
por estes dêiticos não deve ser interpretada em função da distância, mas sim
em termos de acessibilidade. (TEIXEIRA, 2009, p. 67).
O excerto acima deixa ver que a percepção do espaço expressa pelos dêiticos aqui e aí
demarcam espaços bem demarcados e restritos, cujo parâmetro pragmático é, além do espaço
perceptível ou visível, também acessível. Mas adiante no artigo, o autor conclui que a distância
física não é relevante para determinação do uso dos dêiticos.
Por último, apresento os estudos de Raposo e colegas (2013). Para os autores, esses
advérbios são pro-formas, ou seja,
[...] palavras com um sentido descritivo reduzido, limitado a uma categoria
semântica muito genérica, - nesse caso, ‘lugar’ – o que lhes permite substituir
uma expressão descritivamente mais rica, do tipo semântico apropriado, desde
que o conteúdo dessa expressão possa ser recuperado, quer deiticamente, a
partir do contexto situacional, quer anaforicamente, através de um antecedente
na frase ou na mesma unidade textual. (RAPOSO et al, 2013, p.1617).
Raposo e colegas (2013) incluem esses locativos nos advérbios de valor primitivo
dêitico. Os autores também relacionam o lá e ali aos dois pontos indicados pelos adverbio cá e
aqui. Ao cá ele opõe o lá e ao aqui ele opõe o ali. Esse sistema opositivo, primeiro entre os
84
grupos – cá-lá e aqui-ali - e depois internamente dentro dele, se justificaria porque o advérbio
aqui se refere ao lugar onde está o falante ou perto dele, ao passo que o advérbio cá tem como
centro dêitico apenas o falante.
O grupo encabeçado por cá distingue dois espaços: um em que está o falante ou o que
está imediatamente situado perto dele e outro em que está o objeto de atenção da comunicação,
referido como terceira pessoa ou onde está o ouvinte, que recebe o mesmo tratamento da terceira
pessoa. Esse último espaço, segundo os autores, é referido como lá. O grupo encabeçado por
aqui se refere a um lugar perto do falante, o qual inclui potencialmente o ouvinte. O ali se refere
a um lugar distante dos dois, potencialmente ocupado pelo objeto da atenção da comunicação.
A distinção parece ser produtiva e precisará ser testada. Mas para o momento, é importante
verificar em que medida essa distinção favorece a determinação da semântica do lá e do ali.
Parece que a partir desse quadro ainda não se pode determinar distinção, uma vez que em ambos
os casos o lá e o ali se referem a um espaço distante imprecisamente, no primeiro caso do
falante e no segundo, do falante e do ouvinte.
Entretanto, Raposo e colegas (2013b) nos oferece uma importante observação sobre a
dimensão semântica dimensional denotada por esses locativos. Para os autores, dependendo da
subjetividade do falante, essa diferença apontada entre os dois grupos pode ser neutralizada. O
traço semântico que os autores estabelece como determinante para essa neutralização é espaço
mais restrito e espaço menos restrito, de modo que o a lá estaria associado à ideia de espaço
menos restrito, daí a ideia de mais distante, ao passo que o ali está associado traço espaço mais
restrito, daí a ideia de menos distante. Esse apontamento dos autores favorece enormemente
nossa tentativa de responder a opção necessária para compreender o uso do lá e do ali no
exemplo 1. Voltaremos a isso mais tarde nesta tese.
Raposo (2013a) ainda acrescenta que
85
[p]recisamente devido à imposição de uma interpretação vaga ou
indeterminada de uma expressão dêitica, a sua produção pode ser
acompanhada por um gesto auxiliar como, por exemplo, um ato de apontar,
que ajuda o ouvinte a determinar com a precisão a sua referência. Um ato
gestual deste tipo é muito comum a acompanhar os pronomes pessoais de 3ª
pessoa ou a dêixis espacial. (RAPOSO, 2013a, p. 397).
Aqui, o autor oferece uma importante contribuição para a análise de construções que
envolvam os locativos lá e ali. O caráter complementar do gesto que acompanha o uso do
locativo pode reforça o parâmetro pragmático da visibilidade, uma vez que se aponta o que se
vê. O locativo ali é o que mais susceptível ao gesto de apontar, uma vez que expressa um lugar
não distante do falante, portanto dentro do campo de visão do falante. O exemplo que dado pelo
autor envolve o locativo
Exemplo 6:
a) O livro está ali.
b) Ali onde?
c) (apontando) Ali.
Todavia, o uso do gesto de apontar não é vetado ao lá. Como se verá no capítulo de
análise, no uso alternativo desse locativo, o gesto é frequente, como evidência complementar
de seu uso não prototípico. Raposo (2013b, p. 1617) renomeia os chamados ‘advérbios de
lugar’, designação tradicional, e chama-os de advérbios de localização espacial, distribuindo os
elementos da categoria quatro grandes grupos, a saber:
1. advérbios relacionais + preposição
2. séries de valor dêitico primitivo
3. série de valor indefinido
4. pró-forma relativa interrogativa
O reagrupamento leva em conta a morfologia, a sintaxe e a semântica dos elementos.
As séries de valor dêitico primitivo é a que interessa para esta tese porque subsume os dêiticos
86
lá e ali. A respeito deles, o autor os distribui em duas séries distintas ancoradas, cada uma, nos
locativos aqui, base da série aqui-aí- ali, e cá, base da série cá-lá.
A primeira série (aqui – aí – ali), Raposo explica que “o ali se refere ao lugar ou o
espaço afastado quer do falante quer do ouvinte, potencialmente ocupado por uma terceira
entidade, representada por um pronome de terceira pessoa ou por um sintagma nominal”.
(RAPOSO, 2013b, p. 1617). O autor afirma que centro dêitico da série cá-lá é diferente da outra
série cuja âncora é o aqui. A série cá-lá tem como centro dêitico apenas o falante e estabelece
dois lugares: um onde está o falante e outro afastado do falante, no qual se localiza
potencialmente uma terceira entidade – e possivelmente o ouvinte que é perspectivado de modo
idêntico a uma terceira pessoa11. Interessa notar que na Língua Portuguesa brasileira o uso do
cá é bastante restrito a construções do tipo “vem cá”, “cá entre nós”. Então, essa mudança de
centro dêitico deve ser verificada.
A contribuição mais específica da análise de Raposo e colegas dos dêiticos lá e ali está
no fato de ele os inserir em séries diferentes, ressaltando que há diferença semântica neles, seja
pela noção de relação com a pessoa do discurso seja pela necessidade de apoio complementar
dos gestos.
Para sintetizar o que leu nesta seção, posso dizer que as gramáticas descritivas
consultadas ampliam a descrição dos locativos dêiticos lá e ali. Essa descrição favorece
substancialmente a resposta da pergunta que orienta esta tese. A partir do que se pôde
compreender, tais gramáticas apontam que os locativos dêiticos lá e ali:
a) podem ser associados à terceira pessoa gramatical;
b) opõem-se dentro do sistema cá-aqui;
c) expressam espaço menos restrito e indeterminado, no caso do lá e espaço mais restrito
e determinado, no caso do ali.
11 O autor apresenta um exemplo: Cá na minha casa, as regras são estas; lá na tua casa/ na casa dela as regras são
outras.
87
A abordagem apresentada nesta seção não se afasta fundamentalmente da abordagem
de linhagem tradicional, pois, como se pode perceber, o fator distância é o que define a
semântica dos dois locativos. Todavia, acrescenta o critério visibilidade à semântica dos dois
dêiticos. Na próxima seção, apresentarei as contribuições dos estudos de linhagem cognitivista
para a análise dos locativos em tela.
3.4 Os dêiticos locativos lá e ali na abordagem Semântico-Cognitiva
Nesta seção, apresentaremos uma abordagem dos locativos dêiticos lá e ali que se afasta
substancialmente das abordagens anteriores. Trata-se da abordagem que assenta sua análise na
dimensão cognitiva do uso de tais locativos. Será apresentado o trabalho de Teixeira (2005).
As postulações de Teixeira (2005) rompem com a primazia do fator distância e propõem
o fator acessibilidade como definidor da semântica dos dois locativos. Segundo o autor, o
tratamento de oposição binária cá-lá/aqui-ali não responde satisfatoriamente ao uso desses itens
linguísticos na prática discursiva do português europeu. Para o autor, esse arranjo cria a ilusão
de que lá se opõe claramente ao ali, o que não corresponde às possibilidades de uso efetivo,
uma vez que os dois quadros podem se misturar nos diferentes contextos comunicativo. Nesse
mesmo sentido, o autor questiona a correspondência entre os locativos lá e ali e a terceira pessoa
(PONTES, 1992). Para ele, essa associação também não é uma boa estratégia para a descrição
do uso desses advérbios porque
não se estruturam em função das três pessoas verbais, mas em função da
situacionalidade de LOC e Aloc, o que não é a mesma coisa: as formas
ali/lá/acolá não indicam o espaço da terceira pessoa, mas um espaço não
pertencente quer ao LOC quer ao ALOC.
88
A diferença fundamental da abordagem do autor é que a oposição aí/lá não pode figurar
no mesmo quadro, porque o lá aponta distância menor que aí em diversas situações. A partir
dessa observação, o autor apresenta o quadro abaixo.
Quadro 4: Distribuição dos locativos.
Essa nova distribuição dos locativos do autor rompe com a relação desses itens
linguísticos com as pessoas gramaticais e afirma que não é a distância o fator determinante da
semântica desses itens. Para comprovar esse tratamento, o autor apresenta o seguinte exemplo:
Exemplo 7:
a) Pela janela vejo a neve lá fora, mas sei que aí no Rio de Janeiro está muito
calor.
No exemplo, o autor pretende deixar evidente que a distância presumida pelo locativo
lá é menor que a do locativo aí. Apesar de o fator distância estar envolvido na análise, o
pesquisado evidencia que a distribuição de Pontes (1992) não corresponde ao que se prática do
uso da língua. Desse ponto, ele evolui para a investigação de que fator é definidor da semântica
dos locativos. Para isso, o autor apresenta a seguinte figura seguida de duas frases
correspondentes:
89
a) A bola ficou lá em cima.
b) A bola ficou ali em cima.
Na imagem, o objeto de busca é a bola. Com as duas versões da referência ao lugar onde
está a bola, Teixeira mostra que a possibilidade de alternância não se dá pela distância que o
objeto está no sujeito. Nessa mesma linha, o autor apresenta outra imagem seguida de frases
correspondentes:
d) O João está ali junto à parede.
e) ?O João está lá junto à parede.
f) A Inês está lá em cima, no quarto.
g) ?A Inês está ali em cima, no quarto.
h) A Ana está lá fora.
i) ?A Ana está ali fora.
Figura 13: Distância presumida para os locativos lá e ali.
Figura 14: Demonstração da possibilidade de alternância
para os locativos lá e ali.
90
Desse modo, a distância denotada pelo lá/ali não pode ser o único traço para distinguir
a diferença semântica dos dois locativos. O autor acrescenta como traço mais fundamental para
essa distinção: [acessibilidade]. A distância presumida pelo lá e pelo ali seria igualmente
imprecisa e o traço acessibilidade é que determinaria a escolha por um outro item. Nesse ponto,
entra o fator cognitivo de como o sujeito cognoscente conceptualiza a distância e determina a
acessibilidade ao abjeto de comunicação. Assim, a opção pelo lá ou ali, independente da
distância real denotaria como o falante conceptualiza o acesso ao objeto e não sua distância,
que continuaria sendo vaga.
Teixeira ainda apresenta uma outra diferença entre os dois grupos. Trata-se do valor da
relação posicional LOC-ALOC. Para o autor somente a série aqui/aí/ali se estrutura em função
do eixo falante-ouvinte. Em oposição, a série cá/lá não leva em consideração a posição do
ALOC. Em relação ao acolá, pouco usado no português brasileiro, faz referência a uma situação
espacial de
[espaço não englobando LOC e ALOC], o que, juntamente com o traço de
[+visibilidade] faz com que este marcador seja semanticamente equivalente a
ali. Talvez não seja alheio a este facto o processo diacrónico de formação de
acolá, tido como vindo de eccu illac, ou seja, "eis ali".
O autor reafirma o aspecto visibilidade como constituinte da semântica do ali. A partir
daí, esquematiza os valores nucleares em que assentam os dois grupos de dêiticos espaciais. O
tratamento dado por Teixeira (2005) aos locativos tem a vantagem de acrescentar a
acessibilidade como mais um fator da semântica do lá e do ali. Entretanto, a abordagem, apesar
de se julgar cognitiva, coloca o fator acessibilidade de forma objetivista. Observe-se que nas
imagens o que se vê são obstáculos objetivos que, na hipótese do autor, influencia o falante a
optar por um outro locativo. Isso fere substancialmente o conceito de conceptualização que
norteia o tratamento do problema investigado nesta tese.
91
Figura 15: Esquema dos valores nucleares dos grupos de dêiticos.
92
CAPÍTULO 4
METODOLOGIA
A investigação dos usos dos dêiticos lá e ali envolveu a transcrição, organização e
análise dos dados. A transcrição das ocorrências em que aparecem os locativos em foco se deu
pela audição das gravações do programa BBB, A transcrição incluiu uma extensão textual
suficiente para percepção do emprego dessas formas e de uma descrição mínima da situação
em que estão os interlocutores. Sempre que necessário, foram apresentadas as imagens
correspondentes à situação de comunicação descrita. A intenção foi dar maior suporte para
análise dos dados.
4.1 O corpus
O corpus da pesquisa é constituído por transcrição das ocorrências do uso dos locativos
lá e ali no programa Big Brother Brasil 10 e 15, exibido na Rede Globo de Televisão. Os CD’s
foram adquiridos no site do Mercado Livre e correspondem juntos a mais de cem horas de
filmagens.
O programa Big Brother Brasil, conhecido pela abreviatura BBB, é a versão brasileira
do reality show Big Brother, que teve sua exibição em 29 de janeiro de 2002. Trata-se de um
jogo em que há o confinamento de um número variável de participantes em
uma casa cenográfica os quais ficam sem nenhuma contato com o mundo externo, incluindo
nenhuma comunicação com parentes e amigos ou leitura jornais e ficam excluído também o
uso de qualquer meio para obter informações externas. Eles são escolhidos pela produção do
programa a partir de vídeos de apresentação produzidos pelo próprio candidato, que podem
93
optar por querer ou não entrar na casa e podem também desistir em qualquer momento da
competição.
Os jogadores são acompanhados vinte quatro horas ininterruptas por câmeras
posicionadas por toda a casa. Semanalmente, dois ou três participantes são indicados pelos
companheiros para enfrentar o voto popular no chamado paredão e mais votado é eliminado do
programa. O objetivo do jogo é que o participante possa permanecer na casa até o último dia,
quando o público determinará, também por votação, quem merece legar o prêmio em dinheiro.
No Brasil, o programa é transmitido diariamente no canal aberto da Rede Globo e no
pay-per-view pelo sites Globo Play e Globosat Play, exclusivo para assinantes de televisão a
cabo, além de flashes esporádicos no canal Multishow. O programa, de grande cunho popular,
atingiu o recorde mundial de votação na décima temporada do programa com mais de cento de
cinquenta milhões de votos. Os participantes dos programas estão relacionados no quadro
abaixo. As informações referentes a profissão dos participantes estão de acordo com o momento
em que ingressaram no programa.
Desse modo, os dados utilizados nesta tese são todos da linguagem falada. Como a
interação da casa é essencialmente espontânea, o uso da lá e do ali representam em grande
medida o uso que os falantes da Língua Portuguesa fazem deles.
94
BBB 10
Participante Data de
nascimento Ocupação Origem Resultado
Marcelo Pereira Dourado 29/04/1972 Lutador Porto Alegre, Rio Grande do
Sul
Vencedor em 30 de
março de2010
Fernanda Helena Cardoso 04/12/1981 Dentista São José dos Campos, São
Paulo
2º lugar em 30 de
março de2010
Carlos Eduardo de
Nascimento Parga (Cadu) 04/04/1985
Personal
trainer
Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro
3º lugar em 30 de
março de2010
Eliane Kheireddine (Lia) 15/01/1981 Dançarina São Paulo, São Paulo 14ª eliminada
em 28 de março de2010
Dicesar Ferreira dos Santos 02/01/1966 Maquiador/Dra
g queen São Paulo, São Paulo
13º eliminado em 27 de
março de2010
Anamara Cristiane de Brito
Barreira
13/07/1984 Policial militar Juazeiro, Bahia 12ª eliminada
em 23 de
março de2010
Sérgio Luis de Ramos
Franceschini 25/02/1989
Estudante de
Moda São Paulo, São Paulo
11º eliminado em 21 de
março de2010
Michel Turtchin 13/03/1979 Publicitário São Paulo, São Paulo 10º eliminado
em 16 de março de2010
Eliéser José Ambrósio 12/05/1984 Engenheiro
agrônomo Goioerê, Paraná
9º eliminado em 9 de
março de2010
Cláudia Livia Colucci 28/12/1981 Empresária Ribeirão Preto, São Paulo 8ª eliminada
em 2 de março de2010
Ana Angélica Martins
Marques 01/03/1985 Jornalista Uberlândia, Minas Gerais
7ª eliminada em 23 de
fevereiro de2010
Elenita Gonçalves
Rodrigues 01/03/1979
Doutora em
Linguística Brasília, Distrito Federal
6ª eliminada em 16 de
fevereiro de2010
Uilliam Cardoso Carvalho 01/02/1986 Dançarino São Paulo, São Paulo 5º eliminado
em 9 de
fevereiro de2010
Alex Fernandes Vilanova 08/11/1973 Advogado Suzano, São Paulo 4º eliminado
em 7 de fevereiro de2010
Tessália Serighelli de
Castro 11/04/1987 Publicitária Curitiba, Paraná
3ª eliminada em 2 de
fevereiro de2010
Ana Marcela Santos Pereira
Alves 21/09/1984 Estudante Recife, Pernambuco
2ª eliminada em 26 de
janeiro de2010
Joseane Procasco Guntzell
de Oliveira
10/04/1981 Modelo/Aprese
ntadora Canoas, Rio Grande do Sul
1ª eliminada em 19 de
janeiro de2010
95
BBB 15
Participante Data de
nascimento Ocupação Origem Resultado
Cézar de Lima
Martins 07/11/1984
Estudante
de Direito
Guarapuava, Par
aná
Vencedor
em 7 de abril de 2015
Amanda Djehdian 14/05/1986 Empresária São Paulo, São
Paulo
2º lugar
em 7 de abril de 2015
Fernando Carlos
de Medeiros 17/04/1982
Produtor
cultural
Rio de
Janeiro, Rio de
Janeiro
11º eliminado
em 5 de abril de 2015
Adrilles Reis
Jorge 16/11/1974 Escritor
Belo
Horizonte, Mina
s Gerais
10º eliminado
em 31 de março de 2015
Mariza Maria
Moreira 15/01/1964
Professora
de artes
Recife, Pernamb
uco
9ª eliminada
em 24 de março de 2015
Rafael Selbach
Licks 26/04/1993
Estudante
de
administraç
ão
Canela, Rio
Grande do Sul
8º eliminado
em 17 de março de 2015
Luan Patricio dos
Santos Rosa 30/01/1991
Gerente de
salão de
beleza
Mesquita, Rio
de Janeiro
7º eliminado
em 10 de março de 2015
Tamires Peloso
Peixoto 31/07/1990 Dentista
São Paulo, São
Paulo
Desistente
em 8 de março de 2015
Talita de Araújo
Carvalho 25/03/1992 Aeromoça Goiânia, Goiás
6ª eliminada
em 3 de março de 2015
Angélica Cristina
Ramos de Castro 18/08/1981
Auxiliar de
enfermagem
Embu das
Artes, São Paulo
5ª eliminada
em 24 de
fevereiro de 2015
Aline Gotschalg 09/10/1990 Estudante
de moda
Belo
Horizonte, Mina
s Gerais
4ª eliminada
em 17 de
fevereiro de 2015
Marco Antônio
Marcon 08/01/1980 Teólogo Curitiba, Paraná
3º eliminado
em 10 de
fevereiro de 2015
Douglas Ferreira 17/11/1985 Motoboy São Paulo, São
Paulo
2º eliminado
em 3 de fevereiro de 2015
Francieli Berwang
er Medeiros 12/07/1978
Conciliador
a criminal
Bento
Gonçalves, Rio
Grande do Sul
1ª eliminada
em 27 de janeiro de 2015
96
A escolha do programa se deu devida à necessidade de falas espontâneas em que os
falantes usassem o lá e ali em situações reais de comunicação. Assisti a todas as gravações
incluídas no CD e foram transcritas apenas as ocorrências dos dêiticos em tela, totalizando 213.
A transcrição obedeceu às seguintes regras de notação (Quadro 5):
Quadro 5: Regras de notação utilizadas na pesquisa.
... pausa
( ) incompreensão de palavra ou segmento
/ truncamento
[ ] Simultaneidade de vozes
4.2 Situações comunicativas selecionadas
O fenômeno da dêixis é complexo e sua manifestação acontece em diferentes contextos.
Abaixo, apresento os contextos de uso dos locativos e determino aqueles que são considerados
neste trabalho.
97
Quadro 6: Contextos de uso e determinação de uso dos locativos.
01 Uso fórico
Dourado: Boenos Aires é muito bonita...lá é muito bonito
Serginho: Eu quero ir lá para fazer compras...
02 Dêixis com mudança de centro
dêitico
Anamara:Vi num prédio lá... conferir. Todo mundo ali...o
comandante falando prezepada...e eu vi...
(comentando a cena de sexo que ela viu quando andou de
Helicóptero)
Dicesar: Que pega ali a Barra assim... e pela a orla toda.
(comentando o passeio de Helicóptero)
03 Dêixis com lá/ali acompanhado
de designação de lugar posterior
Serginho: Sim sim...se chegar lá nas proximidades do
centro sim
Dicesar: Bicha eu fui ali no mercado...linda por sua conta.
04
Dêixis de lugar inferido pelo
contexto linguístico com
expressão espacial estrita
Carlos: Dava para ter ido dez vezes lá...não era
velocidade... (esse lá corresponde ao lugar onde havia os
quadros para serem pintados)
Eliane: Tinha de decorar três cores ali. (esse ali corresponde
ao lugar do jogo.)
05
Dêixis com lugar inferido pelo
contexto extralinguístico com
expressão espacial estrita
Cadu: quer que eu pegue o antisséptico?
Mara: Vou lá pegar (se referindo ao lugar onde está o
remédio)
Cadu: eu tenho de tirar as coisas do quarto
Anamara: A namorada do Dimmy é aquela ali oh de rosa.
(apontando para uma estátua de sapo no jardim)
Os contextos 1 e 2 foram excluídos dos dados desta tese. A razão dessa exclusão é o
fato de esses usos não envolverem as operações cognitivas que interessam a esta pesquisa. As
situações 3, 4 e 5 correspondem a uma situação em que o centro dêitico é o próprio falante, de
onde se fixa o aqui e o agora da comunicação e, por conseguinte, as coordenadas espaciais dos
locativos, em geral, e, em particular, as referidas pelo lá e ali. São, portanto, os dados requeridos
para esta tese.
98
CAPÍTULO 5
A ALTERNÂNCIA DOS DÊITICOS LÁ E ALI NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Neste capítulo, procederei à análise dos dados sob a perspectiva da Linguística
Cognitiva. Mais especificamente, utilizarei a Teoria dos Esquemas Imagéticos (JOHNSON,
1987; LAKOFF, 1987), a partir da qual descreverei o uso prototípico dos dêiticos lá e ali. Além
disso, utilizarei o aporte teórico da semântica cognitiva de Talmy (2000), que fundamentará a
explicação da alternância de uso dos dêiticos em tela. Minha primeira investida será, na seção
5.1, a descrição do uso prototípico do lá e do ali no português brasileiro. Em seguida, na seção
5.2, analisarei os usos não prototípicos desses dêiticos com o objetivo de identificar a motivação
da alternância.
5.1 Os dêiticos lá e ali na representação da distância
A emergência dos estudos sobre dêixis trouxe para a pesquisa linguística, pelo menos
como possibilidade de objeto de investigação semântica, a contribuição do contexto como parte
importante da construção do significado linguístico. A dêixis foi principalmente tratada no
âmbito da Pragmática (LEVINSON, 2007). Entretanto, a partir dos estudos em cognição, o
fenômeno da relação entre língua e contexto tomaram outros contornos. Os estudos sobre os
Esquemas imagéticos, empreendidos quase simultaneamente por Jonhson e Lakoff em 1987,
sobre Modelo Cognitivo Idealizado (LAKOFF, 1987) e a formulação da Teoria dos Espaços
Mentais de Fauconnier (1994), para ficar só nos dois, foram postulações importantes que
permitiram a análise desse fenômeno pragmático. Os trabalhos de Jô Rubba e Sophia
Marmaridou revelaram aspectos da dêixis alijados dos estudos clássicos sobre o fenômeno. As
99
autoras abriram caminhos para novas pesquisas neste campo de pesquisa, o que permite a
visualização de ocorrências não prototípicas da dêixis, às quais meu trabalho se filia.
Os dêiticos lá e ali, como se viu na revisão bibliográfica, expressem a ideia de distância
do centro dêitico do evento de fala e guardam, respectivamente, o sentido de mais e menos
distante. O desafio, porém, é compreender como é calculada cognitivamente essa distância do
objeto de referência e como é estabelecido quando um ponto está mais ou menos distante do
ponto de referência de onde partem essas coordenadas espaciais.
Os Exemplos 1 e 2 abaixo, retirados do corpus, ilustram o problema inicial.
Exemplo 1:
a) Rafeal: Ah! Vou lá na piscina com certeza! [00:30:38 BBB 15 cd 1]
b) Dicesar: E lá na Guatemala [...]. [00:04:15 BBB10 cd 1]
Exemplo 2:
a) Rafael: Vamos andar. Vamos por ali, oh!
(apontando para o fundo da sala) [00:30:38 BBB15 cd1]
b) Rafael: Tem uma mulher loira ali. Que isso, meu Deus! (Rafael está na
cozinha olhando para área externa onde entra a referida loira) [00:07:50
BBB15 cd1]
O exemplo 1 mostra dois usos do locativo lá fazendo referência a extensões de distância
muito diferentes entre si. Comparando-se 1a e 1b, pode-se perceber que a extensão de distância
do ponto de referência do evento de fala retratado pelo lá nos dois casos é de milhares de
quilômetros de diferença. O mesmo ocorre no exemplo 2, que mostra dois usos do ali também
como referência a distâncias objetivas diferentes. Embora os objetos de atenção estejam
relativamente perto do falante, daí a opção pelo ali, o locativo também expressa extensão de
100
proximidade diferentes em metros nos dois casos. Enquanto em 2a a distância é de menos de
três metros12, em 2b, o ali se refere a uma extensão de espaço muito maior, pois a mulher loira
está fora casa e perto da porta de entrada da área de entrada da casa de confinamento.
A questão que se coloca de início é que a indicação de distância apontada pelo lá e pelo
ali não segue parâmetros objetivos para a determinação do que está distante e qual é essa
distância, pois, nos dois casos, os objetos de atenção se localizam em um espaço, referido pelo
sintagma preposicionado, que está em extensão de distância muito diferentes dos interlocutores.
Os dois exemplos mostram também que o uso dos dois dêiticos não está relacionado a nenhum
tipo de graduação de distância, de modo que o lá pudesse ser empregado a partir de um certo
ponto de distância e o ali a partir de outro. Os usos desses dêiticos nos exemplos 1 e 2
demostram, portanto, que a noção de distância indicada por eles não pode ser explicada em
termos de escala.
Talmy (2000), ao discutir os domínios conceptuais, diz que o primeiro sistema
esquemático que deve ser observado e a conformação de estrutura. Segundo o autor, este
sistema compreende a estruturação esquemática ou delineações geométricas no espaço ou no
tempo ou outro domínio qualitativo que os itens gramaticais de uma classe fechada podem
especificar. Para o autor
As formas de classe fechada podem atribuir essa estrutura a toda uma cena
referente, dividindo essa cena em entidades em relacionamentos particulares
ou em qualquer uma dessas entidades ou nos caminhos descritos por essas
entidades, quando suas inter-relações mudam ao longo do tempo. No que diz
respeito às formas de classe fechada, o sistema racional concomitante engloba
a maioria dos aspectos dos esquemas especificados por adições espaciais ou
temporais, conjunções subordinadas, dêiticas, marcadores de aspecto/tempo,
marcadores de números e similares. (TALMY, 2000, p. 47).
12 Está observação só é possível a partir das imagens.
101
Para o autor, está implícito na dimensão vertical da disposição esquemática apresentada uma
outra categoria esquemática adicional que ele chama de grau de extensão. Esta categoria possui três
noções de membros principais, termos para os quais são dadas na figura abaixo, juntamente com
representações esquemáticas das noções para o caso linear.
Os itens léxicos referentes à matéria ou à ação podem ser considerados para incorporar
especificações quanto ao grau básico de extensão do referente. Talmy apresenta os seguintes
exemplos para ilustrar o fenômeno:
Exemplo 3:
a) Ela subiu a escada de bombeiro em cinco minutos.
b) No treinamento, ela escalou a escada de bombeiro exatamente ao meio-dia.
c) Ela continuava subindo cada vez mais alto na escada de bombeiro enquanto
observávamos.
Embora os exemplos mostram um evento de fala que ressalta a duração do processo de
subir, Talmy (2000) monstra como é organizada cognitivamente o evento de escalar uma
escada: Em 3a, o evento é tomado como uma extensão linear limitada na dimensão temporal.
Em 3b, o deslocamento no tempo é tomado como um ponto limitado na linha do tempo, ou seja,
como sendo um ponto de duração. No entanto, o mesmo processo de subir a escada pode, como
mostra o exemplo 3c, ser conceptualizado como um evento conceitualmente esquematizado
como uma extensão ilimitada.
Talmy (2000) assevera ainda que as formas de classe fechada podem especificar um
ponto de perspectiva. Ele chama essa especificação de distância em perspectiva. As noções
Figura 16: As três noções de membros principais para a categoria grau de extensão.
102
principais desta categoria são um ponto de perspectiva considerado é distal, medial ou proximal
em sua distância relativa a uma entidade considerada. Essa distância de Perspectiva está
correlacionada, segundo o autor, à categoria esquemática de grau de extensão. Na organização
da configuração mais típica da associação proposta pelo autor, “uma perspectiva distal se
correlaciona com um grau de extensão reduzido, uma perspectiva mediana com um grau médio
de extensão e uma perspectiva proximal com um grau de extensão magnificado”.
Talmy (2000) assume que, embora não esteja claro se a distância em perspectiva
necessariamente se correlaciona com o grau de extensão, a frequência da relação pode, com
base na analogia visual, funcionar como um organograma, designando um aspecto, um tamanho
e uma granularidade de um referente. Assim, para o autor, em uma perspectiva distal ocorre
uma correlação conceitual de maior alcance de atenção, tamanho aparente de entidades,
estruturação mais grosseira e menos detalhes ao passo que, com uma perspectiva proximal,
ocorre uma correlação conceitual de menor escopo de atenção, tamanho aparente, estruturação
e maior detalhe. (TALMY, 2000).
Além dessa proposta de análise da expressão de distância proposta por Talmy, usarei
também a proposta de Rubba (1996), que propõe que a interpretação semântica dos dêiticos
deve ser dar pelo acesso do que ela chamou de ground default dêitico, como espaço padrão
onde as relações são estabelecidas a partir de um centro dêitico. Para a análise dos locativos lá
e ali, adaptei a representação do ground default dêitico apresentado por Jo Rubba, como já
adiantei na introdução desta tese.
Figura 17: Representação do ground default dêitico.
Fonte: adaptado de Rubba (1996).
103
A ideia principal é demostrar um padrão de uso desses locativos. Desse modo, o lá
corresponde a um espaço fora do evento discursivo imediato. Nos termos de Langacker, 1990,
o lá está dentro do escopo máximo, expressando um lugar menos determinado, no sentido de
pouco detalhamento. O ali está dentro do evento discurso imediato ou, no escopo mínimo, o
que lhe confere a expressão de um lugar determinado, pois está dentro dos limites
circunstanciais do evento discursivo.
Subsidiado por essa visão, os locativos espaciais especificam o ponto de perspectiva do
falante. Essa categoria se estrutura a partir das noções de ponto de perspectiva distal, medial ou
proximal de uma entidade em relação ao ponto de referência. Essa perspectiva, segundo o autor,
está relacionada à categoria esquemática de grau de extensão, cuja perspectiva distal se
correlaciona ao grau ampliado de extensão, uma perspectiva mediana com um grau médio de
extensão e uma perspectiva proximal com um grau reduzido de extensão, (TALMY, 2000).
Essa operação cognitiva de grau de extensão de um referente na linha do tempo pode
ser associada a como o ser humano organiza sua relação com o espaço e as suas diferentes
possibilidades de estabelecer o que é ou não distante do ponto de referência do evento de fala.
Para o autor, “um referente lexical que talvez seja basicamente concebido como de um
determinado grau de extensão pode, por várias especificações gramaticais que induzem uma
mudança, ser reconceptualizado a partir de algum outro grau de extensão”. (TALMY, 2000, p.
61). Assim, o eu e o aqui coincidem com o centro dêitico, o ali está relacionado a um ponto
distante desse eu e desse aqui, mas ainda dentro espaço do evento de fala, enquanto o lá está
expressa uma extensão de espaço mais distante que o ali, menos detalhada e menos
determinada. Então, a questão de distância indicada pelos dois dêiticos está ligada à perspectiva
de distância. O conceito de perspectiva estabelece que o ponto de vista particular, que constrói
104
o valor semântica das expressões, está inerentemente comprometido com a conceptualização
da distância (LANGACKER, 1990).
Desse modo, uma primeira proposição que posso fazer sobre o emprego desses dois
locativos é que esses indicam uma instrução de como o ouvinte deve construir ou acompanhar
a expressão de distância indicada pelo falante ao escolher um outro locativo. Sobre essa
possibilidade, Langacker (2001) afirma que o falante e o ouvinte coordenam a atenção numa
mesma entidade concebida, o que exige um processo de negociação conjunta.
Analisando os exemplos 1 e 2 desta seção sob luz dos argumentos acima, podem ser
apontadas as seguintes características semânticas dos dêiticos lá e ali:
1) Em termos mais objetivos, o lá indica uma distância maior que o ali. Num contexto
em que os interlocutores acessam o ground default, como na situação de comunicação de 1b, o
falante não usaria o ali no lugar do lá. A alternância seria expressaria um uso marcado,
indicando ou ironia, intimidade com o local ou proteção de face.
2) O traço visibilidade pode ser definidor da opção por um ou outro locativo: o que
difere 1a de 2b é a visibilidade do objeto de atenção. Em 2b, Rafael está vendo a mulher pela
janela, enquanto, em 1ª, a piscina está fora de seu campo de visão, ou seja, ela o falante sabe da
existência da piscina e a localiza num espaço vago, indeterminado.
Nesta seção, procurei demostrar que noção de distância expressa pelos locativos lá e ali
objetiva, como apresentei nos exemplos 1 e 2.
5.2 Os dêiticos lá e ali e o esquema imagético CENTRO-PERIFERIA
A localização de um objeto no espaço é a determinação de um ponto ou região em
relação a outro ponto ou região de referência (LANGAKER, 1987). O linguista exemplifica a
afirmação com o dêitico aqui, que é local cuja “identidade conceitual é dependente de sua
105
posição em relação a um ponto de referência, de modo que outros conceitos de localização
espacial são suficientemente distantes do ponto de referência diferentes do aqui”.
Segundo o autor, esses outros pontos só podem ser identificados em relação ao ponto de
referência, que coincide com o falante (e o ouvinte). O lá e o ali expressam a distância desse
ponto de referência, mas não necessariamente distância objetiva, ou seja, a semântica do lá e
do ali constitui uma percepção do que é mais ou menos distante que precisa ser negociada com
o ouvinte a partir de alguns parâmetros pragmáticos disponíveis no momento do evento
comunicativo (vide exemplos 1 e 2).
Sendo assim, é possível afirmar que as coordenadas partem de um padrão que pode ser
muito descrito pelo esquema imagético CENTRO/PERIFERIA, uma vez que tal esquema está
na base da orientação espacial humana. O diagrama abaixo, adaptado a partir do diagrama do
esquema apresentado por Jonhson (1987), mostra o papel dos dois locativos:
Segundo Johnson, o esquema imagético CENTRO/PERIFERIA apresenta um espaço
perceptual que define um domínio de objetos macroscópicos que residem a diferentes distâncias
do sujeito cognocente. Ainda segundo o autor, do ponto de vista central, o falante pode se
concentrar em diferentes objetos (não necessariamente físicos); assim, a uma certa distância
Figura 18: Diagrama demonstrativo do papel dos locativos lá e ali.
Fonte: adaptado de Johnsin (1997).
106
desse campo perceptivo, nosso mundo desaparece em um horizonte perceptível que não
apresenta mais objetos discretos.
A partir dessa descrição do esquema imagético CENTRO/PERIFERIA, é possível
associar os locativos a um desses domínios correspondentes ao afastamento perceptual do
centro, em que o lá corresponde a um ponto perceptualmente mais distante, menos detalhado,
ao passo que o ali corresponderia a um ponto perceptualmente mais próximo e detalhado desse
centro. Pode-se inferir que, a partir do centro perceptivo, são estabelecidas zonas onde os
objetos são postos para observação dos interlocutores.
Essa proposição pode ser justificada com Johnson (1987) que afirma “quase nunca esse
esquema é experimentado de forma isolada ou autônoma”. O autor diz que ao esquema
CENTRO/PERIFERIA é superposto o esquema CONTÊINER, em que o centro é
experimentado como interno e, a partir disso, é definido o que é externo a ele, segundo os
propósitos, capacidades perceptivas, sistema conceitual e valores em jogo no evento de fala.
Langacker (1987) argumenta que localização é o significado espacial de um ponto que
especifica uma região em relação a uma outra maior. Ao usar a palavra casa que, ao especificar
uma habitação física, o falante evoca também o conceito de quarteirão, bairro, cidade, etc. A
propriedade cognitiva que Langacker quer demonstrar é que a percepção de uma região discreta,
no sentido de mais detalhada, faz referência também a um espaço de referência maior
(LANGACKER, 1987, p. 153). Assim, o diagrama da Figura 19 apresenta essa organização
perceptual:
107
Por isso, a percepção de distância não é escalonar, mas é uma questão de onde o ponto
de vista está concentrado e como o falante constrói a distância dos objetos de referência. Optei
por chamar de Ground máximo e Ground mínimo, inspirado na proposição de Langacker.
Assim, o Ground mínimo no diagrama representa um espaço onde o objeto de referência ainda
pode ser visualizado (cognitivamente) com algum detalhe, ao passo que o Ground máximo
representa uma zona espacial ocupada pelo objeto de atenção fora do ground imediato do
falante, sem detalhamento. O exemplo 4 ilustra o que venho dizendo.
Exemplo 4:
Bial: Talita, então, quando todos forem lá para fora você fica na varanda com
as duas e espera a minha próxima orientação tá, por favor. Olha, por obséquio,
em ordem e em silêncio todos lá para fora. (eles estão na sala) [00:17:40
BBB15 cd1].
Neste exemplo, Pedro Bial, apresentador do programa, dá instrução aos participantes. O
evento comunicativo envolve, nesse exemplo, o apresentador, que está no estúdio da central de
televisão e os participantes, que estão confinados na casa. No texto de instrução, pode-se
perceber que a estrutura da casa é o espaço correspondente ao ground mínimo, constituído pela
informação da varanda como parte da casa. Como ground máximo, há o espaço onde a casa
Figura 19: Representação da organização perceptual.
Fonte: adaptado de Langacker (1987).
108
inteira está localizada, mas não explicitamente focado. A fronteira entre a casa e o espaço onde
está inserida pode ser definida pela varanda onde Talita deve ficar: a varanda faz parte da casa
e o lá corresponde o lugar definido apenas como a não casa ou a um espaço não detalhado, não
determinado.
A representação acima mostra de forma esquemática que o posicionamento do locutor
projeta um campo espacial que se estende até onde sua percepção sensorial pode alcançar.
Assim, ao focalizar a casa no ground mínimo, conforme mostra a linha mais escura do
diagrama, o falante tem em sua mente também que essa casa está localizada em outro espaço
maior que ela. Esse outro espaço é menos detalhado no sentido em que ele é tomado apenas
como referência genérico e às vezes nem explicitado no evento de fala. A oposição entre o
ground mínimo e o ground máximo é contextual. Mas sempre será organizada entre espaços
relacionados diametralmente proporcionais. Por exemplo:
Figura 20: Representação esquemática da projeção do posicionamento do
locutor no campo espacial.
109
Exemplo 5:
Amanda: O Adrielles e Marcos foram dormir lá no quarto da líder.
Francielle: E fê foi dormir no outro.
Amanda: o Fê foi dormir lá no quarto de Nárnia?
(Elas estão em um quarto onde elas dormirão) [00:06: BBB15 cd1].
No exemplo 5, os Brothers estão no quarto, quando Amanda se refere a outro quarto da
casa. O objeto de atenção Fê localiza-se num cômodo da casa, espaço do ground máximo
implicitamente evocado com pela informação quarto de Nárnia. Se o ground mínimo é, como
no exemplo 5 um cômodo de uma casa, o ground máximo será o cômodo ou a própria casa. Se,
por outro lado, o evento discursivo toma o ground do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo,
o ground máximo será outro estado ou o Brasil.
Não se trata, portanto, de um tratamento escalonar da distância, pois não é mensurável
em metros ou alguma medida objetiva, mas está no campo da percepção do falante. Jonhson
(1987) afirma que, ao estabelecer o ponto de vista central, uma pessoa pode concentrar sua
Figura 21: Representação esquemática da projeção do posicionamento do
locutor no campo espacial.
110
atenção em um objeto ou campo perceptual, enquanto examina o mundo. Assim, ainda segundo
o autor, o que é figura ou está no primeiro plano da atenção pode, no instante seguinte, se tornar
fundo, a medida que o sujeito cognoscente vai se movendo perceptivamente no mundo
(JOHNSON, 1987).
Esse movimento da atenção pode estar na base da alternância do uso dos dêiticos
espaciais. O que se pode apreender dessa semântica dos dêiticos lá e ali é que a distância
expressa pelos dêiticos é uma escolha do falante. Essa mudança de extensão do evento é o que
Talmy (2000) descreve a operação cognitiva de redução ou, em alternativa, como a adoção de
uma perspectiva distal. Essa mudança também pode corresponder à aproximação que se trata
da operação proximal. Esse movimento de ampliação ou redução é o que chamo nesta tese de
zoon cognitivo, que é a capacidade de o sujeito aumentar ou diminuir a distância do espaço
ocupado pelo objeto de atenção em relação ao ponto de referência. Isso se dá porque se trata de
uma opção do falante que, ao escolher um ou outro locativo espacial, instrui o ouvinte a
perceber a distância não como ela se dá na realidade das coisas no mundo, mas como o sujeito
cognoscente a interpreta.
Essa indicação está em consonância pela opção de uma semântica não objetivista,
reivindicada como pressuposto fundamental da Linguística Cognitiva. Essa preocupação não
apenas com o conteúdo objetivo de uma unidade lexical que expressa o objeto de
conceptualização evidencia a participação do sujeito na construção do conteúdo.
Para descrever os padrões de uso prototípicos dos dêiticos lá e ali utilizarei a situação
default da dêixis, proposta por Rubba (1996). Em seguida, aplicamos três critérios pragmáticos
encontrados na literatura sobre o uso desses locativos: critérios de distância, apontado por
Pontes (1992), os critérios de acessibilidade e de visibilidade apresentados por Teixeira (2005)
111
e Pereira (2009) para organizar os dados. Como esses pesquisadores não definiram
propriamente seus critérios, estabeleci uma definição que usarei para avaliação das situações
em que o lá e ali aparecem. São elas:
a) Acessibilidade: pode ser definida pelas condições de alcance do objeto de busca pelos
interlocutores. Um objeto de busca será acessível se puder ser alcançado pelas mãos, mais
comumente, ou ainda, de forma menos comum, pelos pés. Ao contrário, será não acessível se
não puder ser alcançado por um desses membros humanos. Em escala maior, a acessibilidade
também pode ser medida pela presença de bloqueio de qualquer natureza.
b) Distância: pode ser definida pelo tempo de deslocamento entre o ground onde estão
os interlocutores e o ground onde está o objeto de busca. Assim, o objeto de busca estará
distante, se o tempo de deslocamento para alcançá-lo for maior, e não distante, se o tempo de
deslocamento for menor.
c) Visibilidade: pode ser definida pelas condições de percepção visual do objeto de
busca. Desse modo, um objeto de busca será visível, se não houver algum bloqueio que
impeça a percepção visual, e não visível, se houver qualquer bloqueio a esta percepção.
Como se pode notar, a presença de bloqueio está presente em dois desses critérios e
poderá estar associado aos diferentes tipos de fronteira físicas ou simbólicas. A análise, que
apresentarei na próxima seção, manipulará esses parâmetros para descrever a situação
prototípica e a não prototípica do uso do lá e do ali.
5.3 A situação prototípica do locativo lá
A semântica do lá, como já vimos na literatura sobre esse locativo, implica distância
tomada como longe do centro dêitico. Segundo a situação default da dêixis, esse locativo ocupa
uma zona espacial fora do evento discursivo imediato. O espaço caracteriza-se pela sua não
112
determinação, ou seja, falta de detalhe ou apenas como opositiva ao espaço onde estão os
interlocutores.
O exemplo 6 mostra três Brothers no quarto conversando, de acordo com a Figura 22:
Exemplo 6:
Thamires: Vocês preferem que Douglas sai
Angélica: Pelo jogo é melhor Adriles sair, porque eles estão se unindo. A
questão é desmembrar o grupinho.
Rafael: É melhor Adriles sair
Thamires: Eu posso falar? Tudo o que a gente conversar lá com Marcos.
Marcos está só com a antena ligada.
Thamires: Ele leva tudo para lá.
Angélica: Claro que leva. [00:15: 55 BBB15 CD1].
O uso do lá nesse diálogo expressa o espaço onde Marcos, objeto de atenção está. Pode
se notar que esse espaço corresponde a algum lugar da casa sem, no entanto, especificar esse
lugar (figura abaixo). Trata-se de um lugar sabido e tido como pertencendo ao ground máximo
Figura 22: Momento em que os Brothers tinham o diálogo
do Exemplo 6.
113
correspondente à casa onde estão confinados os Brothers. As duas ocorrências de lá expressam
uma distância marcada pela não visibilidade e não acessibilidade imediata do lugar onde está
Marcos. Contextualmente, a definição detalhada desse lugar não representa informação
significativa para o conteúdo da conversa.
Exemplo 7:
Fernando: Calma...deixa eu falar. Você não veio aqui por causa dessa garota.
Você não veio aqui por causa disso...você veio aqui por causa dessa
garota...você veio aqui por causa de um milhão e meio. Você se isolou porque
você fica grudadinha com essa garota. Isso me chateou muito. Por isso não
falei nada...eu calei a boca na hora olhando no seu olho porque se eu falasse a
a gente ia brigar feio porque você falou merda nisso. Eu posso falar que eu
quiser aqui. Você não pode opinar pela minha decisão. Entendeu? Então você
falou besteira. Quando eu te levei para lá para conversar, você saiu foi na
mesma hora que acabou você entendeu sim... só que você saiu de lá fazendo
uma furacão aqui mas você havia entendido o porquê do meu voto sim...você
fez de desentendida...ai meu Deus do céu.
Figura 23: Momento em que os Brothers tinham o diálogo
do Exemplo 7.
114
O exemplo 7 mais uma vez mostra o emprego do locativo lá, expressando um lugar
distante do quarto onde estão os interlocutores. Esse lugar referido não está visível nem
acessível aos interlocutores. O lá expressa um lugar sabido na casa, mas indeterminado no
evento de fala. Minha defesa desse emprego do lá tem como base o esquema imagético
CENTRO versus PERIFERIA, que exprime a ideia de indeterminação do que de negação como
se vem afirmando quando se trata de construções gramaticais como “sei lá”. Tal expressão
indica “um saber não determinado, pois sempre depois da expressão, normalmente aparece um
desejo ou julgamento do falante. Essa possibilidade de interpretação do lá explicaria também
o uso desse locativo em construções linguísticas nominais, tais como “uma mulher lá” ou “um
negócio lá” em que o locativo não pode ser substituído pelo advérbio não, mas significa uma
mulher e um negócio qualquer, sem nenhum detalhamento.
A figura a seguir é uma representação do uso do lá. Nela, associo o conhecimento sobre
o esquema imagético CENTRO-PERIFERIA, em que o lá ocupa uma região espacial distante
do centro dêitico no limite de sua capacidade visual, por isso os objetos difusos e sem contornos
específicos.
Vale acentuar que a fronteira de que falo nessa análise nem sempre se trata de
fronteira física, objetiva, como se verá na descrição dos casos de alternância.
Figura 24: Representação do uso do lá.
115
5.4 A situação prototípica do locativo ali
A semântica do pronome locativo ali, como também se viu nas seções anteriores, inclui
os parâmetros distância próxima, acessibilidade e visibilidade. A determinação desses fatores
pode ser verificada pelo uso ordinário desse locativo em situação de comunicação face a face,
em que o estabelecimento do centro dêitico permite visualizar, de alguma forma, que o objeto
de busca está dentro da região delimitada pelo evento discursivo. Dessa forma, meu objetivo
nessa seção é determinar qual é a cena conceptual evocada na mente dos falantes, quando usa
o pronome locativo ali.
Exemplo 8:
Carlos: Deixa ali...Bota na panela ali oh...depois você esquenta...
(Carlos, Dicesar e Anamara estão almoçando. Cadu olha para panela que
está no fogão) [15:05:58 BBB 10 cd 2].
Em Exemplo 8 os interlocutores estão sentados à mesa dentro da cozinha. Assim, o
evento discursivo é delimitado pelas paredes do cômodo. O objeto de busca é uma salada que
Anamara não quer comer. A panela é a microrregião dentro da própria cozinha para onde é
dirigida a atenção do grupo. Como a panela está no fogão dentro da cozinha, percebe-se que o
tempo de deslocamento é curto. Como não há nenhum bloqueio, pode-se dizer que a região da
panela é acessível e visível.
Exemplo 9:
Mariza: Ei, não. Essa toalha é minha...de lá do quarto...eu trouxe para a
piscina.
Douglas: Pega outra ali oh...
Mariza: Não. Essa é minha... que eu tomo banho
Douglas: É que tá toda suja. [12:25:38 BBB15 cd 4].
116
O evento discursivo apresentado no exemplo 9 acontece na área externa da casa. As
delimitações físicas desse ambiente são as paredes da casa e o muro que separa casa do resto
do estúdio da emissora de televisão. O objeto de busca é a toalha, que está sobre uma cadeira
de piscina logo à frente de Douglas. Como se pode perceber, a região onde está a toalha está
localizada dentro do ground do evento discursivo. A distância entre o objeto de busca e Mariza,
a quem Douglas dirige seu comando, é curta. Mariza também pode ver a toalha mostrada por
Douglas. Assim, os fatores distância, acessibilidade e visibilidade podem ser aplicados à cena
inequivocamente.
Exemplo 10
Fernanda: Na hora que o Dourado chegou, eu disse assim “Cadu ganhou”...
Eu tinha certeza que Cadu tinha ganhado na hora que o [Dourado] entrou ali...
(se apontando para porta da sala) mas ai Dourado falou “[Di] ainda está lá
ainda” (se referindo ao local da prova)... como?... como? [41:25:15 BBB10
cd3].
Figura 25: Momento em que os Brothers tinham o diálogo do Exemplo 9.
A toalha referida
por Douglas
117
No Exemplo 10, pode-se ver que o locativo dêitico ali se refere à porta da sala onde
está Fernanda. A porta está dentro do ground mínimo do evento discursivo e é o marco por onde
passou Dourado. Desse modo, a microrregião delimitada pelo ali está perto dos interlocutores,
acessível por eles e dentro de seu campo de visão, por isso com objetos bastante detalhados e
distintos. A figura 26 representa a cena conceptual evocada pelo ali.
Essa semântica do ali explicaria usos do locativo em construções que expressem
precisão como “aquilo ali”. Outro aspecto interessante da semântica desse locativo, notado
pelo visualização das cenas da gravação, é que esse locativo, quando usado no sentido dêitico
indicial, vem normalmente acompanhado de um gesto com a cabeça, lábios ou com o dedo,
como aponta a imagem abaixo num close do exemplo 11.
Exemplo 11:
Mariza: Ei, não. Essa toalha é minha...de lá do quarto...eu trouxe para a
piscina.
Douglas: Pega outra ali oh...
Mariza: Não. Essa é minha... que eu tomo banho
Douglas: é que tá toda suja.
Mariza: Ai, não acredito
Douglas: É que tava ali...eu achei... mas eu pego outra ali no big Brother...ali
Mariza: Limpa?
Douglas: Dentro da sauna...pode pegar...azul...do Big Brother... [00:04:50
BBB10 cd6].
Figura 26: Representação do uso do ali.
118
Além do apontamento o ali pode aparecer, como no exemplo 11, acompanhado por uma
interjeição como reforço para precisão que se pretende com o locativo. Nas situações mostradas
acima, pode-se perceber que o uso do ali está ligado a situações em que a distância proximal,
acessibilidade e visibilidade estão presentes. Pode ser observado também que a ausência de
bloqueio pode fazer parte da escolha do locativo.
Aplicando as noções da categoria esquemática de grau de extensão de Talmy (2000),
posso confirmar a hipótese de que o lá e o ali são usados preferencialmente em situações com
as características:
Quadro 7: Características das situações que evidenciam o uso do lá e do ali.
Uso do lá
- distante
- não acessível
- não visível
Uso do ali
- não distante
- não acessível
- visível
A percepção da delimitação espacial do ground onde estão os interlocutores indica que
as fronteiras reais ou simbólicas podem funcionar como um subcritério da visibilidade. Por
exemplo, em casos em que essa delimitação é mais evidente, a percepção de limites pode
interferir na escolha do locativo. A sobreposição do esquema imagético CONTÊINER ao
Figura 27: Gestos de um dos participantes relacionados
ao Exemplo 11.
119
esquema CENTRO/PERIFERIA pode explicar alguns usos desses locativos. A presença de
fronteiras nítidas é importante e, apesar de não ter desenvolvido, Pereira (2009) considera-o
em sua análise.
5.5 A situações de alternância do uso do lá
As situações em que o uso do locativo lá não corresponde ao uso prototípico apontados
nas seções anteriores devem apresentar, por oposição à situação prototípica, a ausência se não
de todos, de pelo menos um dos fatores pragmáticos distal, acessibilidade e visibilidade. A
análise das situações em que ocorre a alternância observará esses parâmetros. Além disso, me
interessa as motivações que levam à alternância.
Exemplo 12:
Dicesar: (rindo) O Serginho saiu do quarto falando “ué tá chovendo?” Daí eu
vim correndo para pôr a mão para fora.
Dourado: Pegadinha... fez pegadinha contigo...o céu está limpo o céu não tem
nenhuma nuvem...olha a lua...a lua nova... crescente que dizer
Dicesar: Onde?
Dourado: Tu vai subir lá1 ... Sobe e olha para lá2...sobe e olha pra lá2...que
bonito. (lá1 = escada; lá2 = a região do céu onde está a lua) [25:07:50 BBB10
cd2]
A escada lá1
O céu, onde está
a Lua lá2
Figura 28: Imagem correspondente ao Exemplo 12.
120
No exemplo 12, o lá1 corresponde à escada (assinalada na Figura 28). Trata-se de um
espaço não distante, acessível e visível. A escada está dentro da região perceptual dos
interlocutores e pode ser acessada facilmente por Dourado. Todavia, Dourado está dentro da
piscina, região delimitada. Apesar de ser uma região perto da outra onde está a escada, Dourado
opta pelo uso do lá, porque ele toma o objeto de busca, a escada, como estando fora da região
delimitada onde está. Apesar de não constituir uma fronteira típica, as margens da piscina
oferecem condições para separá-la do resto do jardim.
Assim, o lá1 está sendo usando numa situação não prototípica, em que a região do objeto
de busca está perto, acessível e visível. Em lá2, o objeto de busca lua está no céu, região fora
do alcance dos interlocutores. Entretanto, está visível, o que configura uso que se afasta do uso
prototípico. Vale notar que, ao empregar o lá2 Dourado o faz, apontando com o braço para o
ponto do céu onde está a lua que Dicesar tem dificuldade para localizar provavelmente por
alguma questão estrutural da casa em relação ao lugar que ocupa. Como já disse, o gesto
normalmente acompanha mais costumeiramente o locativo ali.
Na situação, o ali não pode ser empregado porque a lua está muito distante e não é
acessível. Então, Dourado emprega o lá por ele atender as duas condições pragmáticas da
semântica do lá, mas quer a precisão do locativo ali, pois a lua é visível. O gesto pode ser um
reforço dessa tentativa de precisar a localização da lua no céu. Esse seria um caso intermédio
de afastamento da prototipicidade do locativo.
O exemplo 13 apresenta uma situação de comunicação em que o uso do locativo se
afasta substancialmente do seu uso prototípico. Os Brothers estão sendo instruídos sobre as
regras da prova da semana em que a equipe vencedora terá direito a certa quantidade de
alimentação. Mariza é uma senhora com poucas habilidades físicas e compõe uma equipe cujos
membros também não creem em sua capacidade. A brother está muito nervosa, então tenta
negociar a sua tarefa no jogo, como mostra o exemplo 13.
121
Exemplo 13:
Narrador: Dada a largada, um pega a bolinha e joga para dentro da gaiola. Lá
dentro em cima de um disco rodando, dois se viram para agarra a bolinha e
jogar para fora...onde outro deve apanhá-la e preencher o alvo de acordo com
as corres. Quem completar primeiro o alvo preenchendo tudo certo aperta o
botão para encerra a prova.
Mariza: Olha...não vou acertar lá não...Não vou acertar lá não...olha só...Para
mim é mais fácil agarra aqui do que jogar lá...
A prova consta do arremesso de uma bola dentro de uma estrutura retangular. A boa
deve passar, entretanto, por um pequeno furo na tela que circunda a estrutura. A ideia é que o
um dos membros dentro da estrutura possa agarra a bola, para garantir os pontos para a equipe.
Como se pode ver na imagem, Mariza está bem próxima da estrutura, de modo que ela está
vendo nitidamente o lugar onde a bola deve passar. O local está perto e é acessível à
participante. No entanto, o medo de não conseguir realizar a prova na posição de arremessadora
pode ter feito Mariza optar pelo zoon cognitivo de afastar o objeto de atenção, abandonando a
configuração objetiva do mundo, adotando uma construção subjetiva da cena.
Como se viu, o ponto de vista objetivo acontece, quando o falante pretende descrever as
Mariza Lá
Figura 29: Imagem referente ao Exemplo 13.
122
configurações do ground discursivo da forma como os seus elementos circunstanciais se
apresentam na realidade. A subjetividade, ao contrário, envolve um sujeito que opta uma visão
pessoal e subjetiva da organização circunstancial do evento de fala, “representando-a no
discurso por meio de recursos linguísticos específicos, tais como dêixis espacial e temporal
explícitas, marcadores explícitos da atitude do falante/redator em relação à proposição e à
estrutura discursiva, entre outros”. (FERRARI, 2015, p. 96).
Exemplo 14:
Adrielles: O negão está tomando banho pelado mesmo, rapaz. Olha lá!
[00:04:18 BBB15 CD 1].
O exemplo 14 mostra uma situação em que Adrieles, Mariza, Fernando e Douglas estão
no banheiro. Douglas, num comportamento inusitado, está tomando banho completamente nu.
Adriles utiliza o locativo lá para se referir ao espaço onde está o companheiro de confinamento.
Obviamente, o espaço do box é próximo, visível, acessível aos Brothers. Todavia,
Adriles pode ter optado pelo lá para demonstrar não participação no comportamento do amigo.
A construção subjetiva da distância pode, então, implicar proteção de face: um homem não
pode olhar diretamente outro homem nu. O grau de afetamento psicológico é grande, de modo
Figura 30: Imagem relacionada ao Exemplo 14.
123
que os parâmetros objetivos são abandonados em nome de um comportamento de não aceitação
da ação do colega.
O exemplo 15, também mostra uma situação em que o locativo lá é empregado fora de
seu uso prototípico. Angélica e Thalita estão deitadas na área externa da casa, observando o
grupo de outros participantes com os quais a Angélica havia brigado na noite anterior. Os dois
grupos estão dentro do campo de visão um do outro.
Exemplo 15:
Thalita: Por que eles têm de ficar ali agora conversando?
Angélica: Porque eles querem ficar lá lambendo o rabo do Marcos. [00:06.45
BBB15 cd 6].
Talita faz uso do ali construindo a cena de maneira objetiva, pois parece reconhecer os
parâmetros que licenciam o uso desse locativo. Angélica, no entanto, emprega o locativo lá
Figura 31: Imagem relacionada ao Exemplo 15.
124
para denotar a mesma cena. O zoon de distância que Angélica realiza está ligado à sua
indisposição com o grupo e sua franca tentativa de dizer que não está próximo deles. O lá é
uma instrução, para que a ouvinte encare seu afastamento psicológico do grupo.
Observou-se, na análise dos exemplos que mostram o uso não esperado do pronome
locativo lá, que os fatores pragmáticos distância, acessibilidade e visibilidade não foram
determinantes para o uso do locativo. De certa forma, o fator distância está presente, pois ele
que é ampliado no zoon cognitivo. Notou-se também que em todos os casos observados, apesar
de os eventos de fala não apresentarem os três parâmetros juntos, há ainda o subcritério de
delimitação física ou psicológica, recortando os exemplos também. No caso da alternância vista
acima, fatores psicológicos como medo, vergonha ou proteção de face estão envolvidos no zoon
de distância que a alternância do lá.
5.6 A situações de alternância do uso do ali
As situações em que o uso do locativo ali não corresponde à sua semântica prototípica
devem apresentar os parâmetros distância, não acessibilidade e não visibilidade. A análise das
situações em que ocorre a alternância observará esses parâmetros.
Exemplo 16:
Dicesar: Não morro de amores por ele...mas passa tudo... ninguém aqui está
protegendo [...] nem eu, nem você e muito menos ele...é que ele é repetente.
Ele foi muito julgado no outro BBB [ ] que ele é nojento...estúpido... ele tem
flash de bondade... mas é tudo para fazer linha...mas para mandar calar a
boca...eu achei que ele ia voar na Maroca ali na sala...ia dá na cara dela.
[00:15:54 BBB10 cd3].
Dicesar: Fiquei com vontade de chorar. Fiquei com vontade de cair ali no chão
e gritar. [00:25:14 BBB10 cd3].
125
No exemplo 16, Dicesar está na cozinha conversando com outra integrante do programa.
O ali tem como referente a sala, outra região diferente do ground mínimo onde estão os
interlocutores, ou seja, um outro ambiente distante, não acessível imediatamente e não visível.
Há uma fronteira nítida que delimita o ambiente da cozinha. Entretanto, o emprego do ali nestas
duas situações realiza o zoon proximal. O licenciamento para o uso do locativo ali no lugar do
lá parece se justificar pelo grande conteúdo emocional com a cena narrada. A construção
subjetiva da distância fica justificada pelo abandono das relações objetivas e coloca os
interlocutores na cena narrada e não no ground imediato do evento.
O exemplo 17 mostra Mariza conversando com Adriles na cozinha da casa. Ela narra,
indignada, o episódio em que Douglas usa sua toalha pessoal. A brother utiliza o ali na narração
da cena.
Exemplo 17:
Mariza: As pessoas se esforçam né. Eu vim de lá com a toalha do líder que é
uma toalha diferente bonita verde...vim deixei dobradinha ali bem separada
de todo mundo, menino...quando eu olho tá...quem? Douglas...com a cara...
Figura 32: Imagem relacionada ao Exemplo 17.
126
O uso do lá corresponde ao seu uso prototípico, uma vez que tem como referente um
espaço fora do ground imediato do evento de fala. Observe que é um espaço indeterminado sem
nenhum detalhamento. O ali se refere ao espaço do jardim onde aconteceu o caso narrado.
Trata-se também de um espaço fora do ground imediato, mas o uso do ali realiza o zoon de
distância proximal. Mariza está envolvida psicologicamente com a cena narrada e o ali se refere
ao espaço onde as ações de desenrolaram. Vale notar também que o lá usado por ela usa faz
referência a este espaço expresso pelo ali, fato que evidencia a relação pragmática entre os dois
locativos mesmo em situação de alternância de um deles.
Exemplo 18:
Rafael: Tem uma mulher loira ali. Que isso, meu Deus!
(Está na cozinha olhando para área de fora perto da piscina).
Em Exemplo 18, Rafael está dentro da cozinha, mas olhando pela janela, visualizando
a área externa da casa. O uso do ali nessa situação aponta para relevância do fator visibilidade.
Apesar de uma delimitação física, as paredes, a visão clara da outra região autoriza o emprego
do ali. Além disso, no pátio há um objeto de desejo de Rafael. O emprego do ali justifica-se,
porque o interesse psicológico de Rafael o aproxima da região onde está o objeto de desejo.
As situações em que o ali não corresponde a sua semântica prototípica envolvem história
narrada em que o locativo expressa o ground dos acontecimentos narrados como acontece nos
exemplos 15 e 17. Além isso, a construção subjetiva do zoon proximal se deve também ao
envolvimento emocional do falante com as ações.
As situações que envolvem afastamento do uso prototípico dos locativos lá e ali não
constituem um sistema gradual. Antes, obedecem a uma série de condições pragmáticas que
definem a escolha de um ou outro locativo.
O problema pode ser posto em termos da identificação dos critérios ou condições de uso
que norteiam a opção por um ou outro locativo e o grau de subjetividade construído pelo falante.
Minha posição é de que a instauração de uma conversa entre dois interlocutores estabelece uma
127
região espacial delimitada pela percepção imediata de objetos ligados ao evento comunicativo
instaurado. Em outras palavras, um diálogo define contornos de percepção imediata
constituindo um esquema de CONTEÇÃO e o falante instrui o ouvinte como ele deve encarar
as relações de distância entre os objetos de atenção e o centro dêitico do evento.
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho me debrucei sobre a alternância dos dêiticos locativos lá e ali no
português brasileiro a partir do referencial teórico da Linguística Cognitiva e, em especial a
Teoria dos Esquemas imagéticos (JONHSON, 1987, LAKOFF, 1987). O fenômeno foi
observado em ocorrências dos dois locativos em fala espontânea, retirados da gravação do BBB
10 e BBB15, programa de televisão exibido pela Rede Globo de Televisão.
Esta tese procurou cumprir principalmente o objetivo central: descrever os usos não-
fóricos em situação de alternância desses locativos. Dele, emergiram dois objetivos específicos:
i) identificar qual a motivação semântico-pragmática que subjaz a opção do falante por um dos
dois locativos e ii) apontar o processo cognitivo que participa da alternância dos locativos em
tela.
Investiguei a literatura sobre os dêiticos. O objetivo foi encontrar os aspectos semânticos
e pragmáticos que definem o uso prototípico desses locativos. A literatura consultada permitiu
o levantamento de três parâmetros: a distância, a visibilidade e a acessibilidade. Passo seguinte,
foi aplicar esses critérios definidores para determinar o padrão de uso. Para analisar os dados,
foi necessário também determinação do ground default da dêixis, o qual encontrei em Rubba
(1996). A autora apresenta a possibilidade de criação de ground alternativo para as ocorrências
dos usos não prototípicos dos locativos.
Em relação a esse aspecto, constatei que a alternância do lá não pode ser descrita a partir
na noção de ground alternativo, pois mesmo no uso não prototípico, ele expressa distância em
relação ao ground onde estão os interlocutores. No caso do ali, há possibilidade de alternância
pela noção de ground alternativo, pois em dois casos pelo menos o ali é empregado em histórias
narradas, expressando o espaço onde se desenrola a ação do evento narrado e não do evento
discursivo. Observei também que alternância não está relacionada a uso de elementos não
129
obviamente dêiticos, como identificou Marmaridou (2000), pois os dois locativos são
primariamente dêiticos locativos.
A partir da categoria de grau de extensão identificada por Talmy (2000), constatei que
a expressão de distância numa língua natural é, antes, de uma expressão objetivo, uma questão
de perspectiva. Assim, os elementos de uma classe fechada, como as dos dêiticos locativos, são
gramaticalizações das experiências de uma comunidade linguística e o uso desses elementos
linguísticos pode ser associado não mais às relações objetivas da disposição dos objetos no
mundo, mas como o falante quer que o ouvinte construa as relações.
De fato, mesmo em situação em que o falante quer construir um discurso observando as
relações objetivas do mundo no concernente à distância dos objetos em relação a si mesmo,
centro dêitico do evento de fala, os locativos lá e ali podem expressar distâncias diferentes
como se viu nos exemplos 1 e 2 do capítulo de análise dos dados. Depois de analisar os
parâmetros semânticos-pragmáticos, constatei que a alternância desses locativos é motivada
pelo grau de subjetividade proposto pelo falante afetado por algum estado emocional (medo,
constrangimento, adesão emocional ao evento narrado), em que os locativos em tela servem de
instrução discursiva de como a distância entre os objetos do mundo deve ser interpretada.
Identifiquei que a operação cognitiva que está atrelado a está alternância é o zoon cognitivo,
operação que permite o distanciamento ou aproximação de um objeto em relação ao centro
dêitico, a partir da conceptualização que o falante constrói do evento discursivo.
Por fim, como substrato da análise empreendida nesta tese, pude constatar o valor de
indeterminação e determinação dos locativos lá e ali respectivamente. Esses valores foram
percebidos na relação desses locativos com a o esquema imagético CENTRO-PERIFERIA, o
qual define os espaços perceptuais onde estão localizados os objetos de atenção. A admissão
desse valor permite uma explicação relevante de construções do tipo “uma mulher lá”, “um
negócio lá”, entre outros, de caráter indeterminado e não negativo.
130
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