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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS DE CRIANÇAS COM RETARDO MENTAL E TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO EM UM AMBULATÓRIO UNIVERSITÁRIO DE DISFUNÇÃO NEUROMOTORA NO RIO DE JANEIRO Maria Cristina do Rego Monteiro de Abreu

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS DE CRIANÇAS COM RETARDO MENTAL E TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO

EM UM AMBULATÓRIO UNIVERSITÁRIO DE DISFUNÇÃO NEUROMOTORA NO RIO DE JANEIRO

Maria Cristina do Rego Monteiro de Abreu

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE NÚCLEO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA Mestrado em Saúde Coletiva Epidemiologia e Bioestatística

ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIÓLÓGICOS DE CRIANÇAS COM

RETARDO MENTAL E TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLV IMENTO EM UM AMBULATÓRIO UNIVERSITÁRIO DE DISFUNÇÃO NEUROM OTORA

NO RIO DE JANEIRO

Maria Cristina do Rego Monteiro de Abreu

Dissertação apresentada ao Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva e ao Departamento de Medicina Preventiva da UFRJ como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.

Orientador : Prof. Dr. Roberto de Andrade Medronho Coorientador: Prof. Dr. Francisco B. Assumpção Jr.

Rio de Janeiro Outubro de 2005

ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS DE CRIANÇAS COM RETARDO MENTAL E TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO EM

UM AMBULATÓRIO UNIVERSITÁRIO DE DISFUNÇÃO NEUROMOTORA NO RIO DE JANEIRO

Maria Cristina do Rego Monteiro de Abreu

Dissertação submetida ao Programa de Pós - Graduação em Saúde Coletiva da

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, aprovada pela Banca Examinadora

composta pelos seguintes professores:

______________________________________________________________

Prof. Dr. Roberto de Andrade Medronho – NESC/UFRJ

______________________________________________________________

Profª. Drª. Leticia Legay - NESC/UFRJ

_______________________________________________________________

Prof. Drª. Lucia Abelha - NESC/UFRJ

______________________________________________________________

Prof. Drª. Heloisa Brasil – IPUB/UFRJ.

Rio de Janeiro 2005

SUMÁRIO

Abreu, Maria Cristina do Rego Monteiro de Aspectos clínicos e epidemiológicos de crianças com retardo mental e transtornos invasivos do desenvolvimento em um ambulatório universitário de

disfunção neuromotora no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2005 Artigo - Aspectos clínicos e epidemiológicos de crianças com retardo

mental e transtornos invasivos do desenvolvimento em um ambulatório universitário de disfunção neuromotora no Rio de Janeiro.

Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva ) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Programa de Pós – Graduação em Saúde Coletiva - NESC, 2005. Orientador: Prof. Dr. Roberto de Andrade Medronho Coorientador: Prof. Dr. Francisco B. Assumpção Jr.

1. Autismo 2. Retardo Mental 3. Diagnóstico Precoce – Dissertação. I. Roberto de Andrade Medronho (Orientador). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós – Graduação em Saúde Coletiva. III . Título.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 1

2. JUSTIFICATIVA 15

3. OBJETIVOS 18

3.1 Objetivo Geral 19

3.2 Objetivo Específico 19

4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA 20

ANEXO I 24

ANEXO II – ARTIGO 28

RESUMO 29

ABSTRACT 30

1. INTRODUÇÃO 32

2. MATERIAL E MÉTODOS 38

3. RESULTADOS 41

4. DISCUSSÃO 45

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 52

6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA 54

LISTA DE TABELAS

ARTIGO – ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS DE CRIANÇAS COM RETARDO MENTAL E TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO EM

UM AMBULATÓRIO UNIVERSITÁRIO DE DISFUNÇÃO NEUROMOTORA NO RIO DE JANEIRO.

Tabela 1 - Freqüência, p-valor e a razão de prevalência com IC de 95% das

variáveis sócio-demográficas associadas ao Retardo Mental (RM) e as

variáveis relacionadas aos motivos de encaminhamento para o

ambulatório de disfunção neuromotora associadas ao TID&RM e RM

.

Tabela 2 - Freqüência, p-valor e razão de prevalência com IC de 95% das

variáveis associadas ao Retardo Mental (RM) e ao TID&RM.

Tabela 3 - Freqüência, p-valor e a razão de prevalência com IC de 95% das

variáveis do desenvolvimento associadas aos transtornos de interação

precoce.

LISTA DE ABREVIATURAS

AND Ambulatório de Desenvolvimento Neuropsicomotor

IC Intervalo de confiança

IPPMG Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira

RJ Rio de Janeiro

RM Retardo Mental

RP Razão de Prevalência

TID Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

TID&RM Transtornos Invasivos do Desenvolvimento e Retardo Mental

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

1. INTRODUÇÃO

Definir retardo mental (RM), continua sendo um desafio e um tema polêmico. O

ponto central sempre foi a questão da adaptação dos indivíduos ao meio sócio-cultural. Na

tentativa de ampliar o conceito de RM, duas novas características foram incorporadas: o

início na infância e a incurabilidade (Silva, 1996). Como o diagnóstico permanecia muito

amplo, os estudiosos da época sentiram a necessidade de classificar as pessoas com RM em

dois grupos: RM absoluto, no qual os portadores teriam esse diagnóstico em qualquer

cultura e RM relativo, no qual os portadores dependeriam do meio cultural para terem esse

diagnóstico (Kanner, 1957; Silva, 1996).

Na abordagem atual, através da Classificação Internacional de Doenças-décima

edição (CID-10), foram considerados os seguintes pontos para o diagnóstico de RM: o

funcionamento intelectual (inteligência), a capacidade de se adaptar ao ambiente

(funcionamento adaptativo) e o período de desenvolvimento (tempo).

O funcionamento intelectual é definido através dos testes de inteligência (teste de

Quociente de Inteligência - QI). Os dois testes mais utilizados para avaliação do QI são:

Escala de Inteligência Stanford-Binet e Escala de Inteligência Wecholer para Crianças

(Wisc). Na escala Stanford-Binet o ponto de corte abaixo de 70 sugere RM. Contudo esse

parâmetro por si só não define o RM e precisa estar validado no meio cultural para ser

utilizado (CID-10).

A capacidade de se adaptar ao meio ambiente é definida como a eficiência isto é o

grau com que a pessoa alcança os padrões de independência pessoal e a responsabilidade

social esperada para a sua idade e grupo cultural. A presença de limitações em pelo menos

duas das dez áreas de comportamento adaptativo - comunicação, auto-assistência, vida no

lar, habilidades sociais, uso da comunidade, autodireção, saúde e segurança, funcionamento

acadêmico, lazer e trabalho - caracteriza a incapacidade de se adaptar ao meio ambiente

(Batshaw, 1993).

O período de desenvolvimento é considerado até os dezoito anos.

O diagnóstico aceito atualmente do retardo mental em perspectiva relacional,

considerando a interação da pessoa portadora com o ambiente que a cerca, representou um

avanço na abordagem holística do tema, isto é, a interação do portador de retardo mental

com a cultura local (Akesson, 1986). Essa abordagem holística facilita a visualização da

terapêutica multidisciplinar e potencializa a importância do conhecimento do perfil dessas

crianças no ambiente que as cerca para possibilitar o desenvolvimento produtivo global.

As diversas patologias que compõem o grupo de portadores de RM e as diferentes

manifestações no sistema nervoso central são as responsáveis pela heterogeneidade do grupo.

As manifestações clínicas variam porém as mais comuns que chegam ao pediatra são:

atraso na fala e/ou linguagem, alteração do comportamento ou baixo rendimento escolar

(Vasconcelos, 2004).

Abordaremos aqui a classificação de RM quanto à gravidade das manifestações

clínicas, determinando-se o grau da deficiência mental, conforme a CID-10.

F70 - Retardo Mental Leve (QI entre 50 – 69) – O RM leve é caracterizado por atraso na

compreensão e expressão da linguagem. Condições associadas são encontradas em

proporções variadas e devem ser codificadas independentemente, tais como: autismo,

epilepsia e transtornos de conduta ou incapacidade física.

F71 - Retardo Mental Moderado (QI entre 35 – 49)

A capacidade de simbolizar através da linguagem parece estar mais comprometida, porém

uma proporção de crianças aprende as habilidades básicas para leitura, escrita e cálculo. As

realizações nos cuidados pessoais e habilidades motoras estão retardadas, mas são

adquiridas. Há possibilidades de associação ao autismo infantil e outros Transtornos

Invasivos do Desenvolvimento (TID), epilepsia e outras incapacidades neurológicas e

físicas.

F72 - Retardo Mental Grave (QI entre 20 – 34)

São crianças dependentes, que em sua maioria sofre de um grau marcante de

comprometimento motor e outros déficits associados, indicando a presença de lesão ou

desenvolvimento inadequado do sistema nervoso central.

F73 - Retardo Mental Profundo (QI abaixo de 20)

A compreensão e o uso da linguagem estão limitados ao entendimento de ordens básicas e

pedidos simples. As habilidades visuoespaciais podem ser adquiridas permitindo a criança a

participar de tarefas domésticas. Esse grupo pode estar associado às incapacidades

neurológicas graves, epilepsia, comprometimentos visuais e auditivos e ao TID na sua

forma mais grave (Autismo atípico).

F78 - Outro Retardo Mental (avaliação através do QI está prejudicada por

comprometimentos sensoriais ou físicos)

F79 - Retardo Mental não especificado

Há evidências, mas as informações disponíveis são insuficientes.

O retardo mental pode ser causado por qualquer condição que prejudique o

desenvolvimento cerebral antes, durante ou depois do nascimento. Várias centenas de

causas têm sido descobertas, embora permaneçam indefinidas em aproximadamente 30% a

50% dos casos (Vasconcelos, 2004).

As principais causas no período de gestação são as de origem genética, infecciosa,

toxológica e desnutrição. No período peri-parto as principais causas de RM estão na anóxia,

na prematuridade e no baixo peso do recém-nato. No período pós-parto as principais causas

são infecciosas, toxológicas, deficiência na ingesta alimentar, no traumatismo craniano e na

privação de estimulação.

As causas genéticas podem estar associadas à má distribuição cromossômica ou

rearranjos cromossômicos como na Síndrome de Down e na Síndrome do X-Frágil. Podem,

também, estar associadas às alterações em genes específicos como na Síndrome de Prader-

Willi e nas neuroectodermatoses.

A Síndrome de Down ou Trissomia do 21 é a causa mais comum de RM. Sua

incidência aumenta gradualmente com o aumento da idade materna. A prevalência é de

1:800 nascidos vivos. Essa síndrome contribui com aproximadamente 20% dos casos de

RM (Vasconcelos, 2004).

A Síndrome de X-Frágil é a causa hereditária mais comum de RM no sexo

masculino. É a segunda síndrome mais importante sob o ponto de vista de prevalência no

RM, estimada em 1:4000 meninos e 1:6000 meninas. Desses pacientes, 25% apresentam

também o diagnóstico de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) – Autismo

(Vasconcelos, 2004; Assumpção, 2004).

Podemos ainda encontrar desordens genéticas que afetam os indivíduos em nível

metabólico, como no caso da Fenilcetonúria e Hipotireoidismo congênito, facilmente

detectados através do “teste do pezinho”. A reposição hormonal precoce no caso de

hipotireoidismo evita o RM. É possível prevenir também, o RM através da dieta nos erros

inatos do metabolismo (Larson, 2001; Papavasilion et al, 2000). O Hipotireoidismo

congênito (HC) e a Fenilcetonúria (PKU) são as causas mais importantes no nível de

prevenção. No Hipotireoidismo congênito ocorre um RM decorrente da deficiência na

produção ou ação dos Hormônios Tireoidianos, que são imprescindíveis para o

desenvolvimento normal do sistema nervoso. O RM é evitado através da terapia precoce. A

PKU é uma doença autossômica recessiva, causada pela deficiência de uma enzima. É o

erro inato do metabolismo dos aminoácidos mais comumente encontrado clinicamente.

Sem tratamentos, os efeitos hereditários do metabolismo dos aminoácidos quase sempre

resultam em RM ou outras anormalidades do desenvolvimento, devido ao acúmulo

prejudicial de metabólitos. A detecção precoce possibilita o tratamento e a prevenção do

RM.

As causas infecciosas congênitas conhecidas como TORCH (toxoplasmose, sífilis,

rubéola, citomegalovírus e herpes) continuam sendo responsáveis por uma parcela das

crianças com RM, apesar da eficiência das vacinas e outras medidas preventivas. Acredita-

se que a prevalência da rubéola congênita encontra-se em torno de 5 a 6:1000 nascimentos

(Assumpção, 2004).

As causas toxológicas mais importantes são: o consumo de álcool, o fumo, a droga

ilícita e a presença de mercúrio e chumbo no meio ambiente. A Síndrome Alcoólica Fetal

contribui com 8% dos casos de RM (Vasconcelos, 2004).

A anóxia é uma causa importante para RM e sua prevenção depende da posição fetal

no parto, da proporção pélvica-cefálica (PIG e GIG), da duração e tipo de parto, do cordão

umbilical, da placenta e condições do parto. Alguns fatores maternos podem contribuir para

anóxia peri-natal, motivo pelo qual são de extrema importância as consultas de pré-natal e a

qualidade da maternidade. O índice de Apgar no 1º e 5º minuto após o nascimento é

importante parâmetro de avaliação do recém-nato.

Há evidências de forte associação entre baixo peso ao nascer e a morbidade neonatal

e infantil. Um estudo no Estado da Califórnia entre 1987 e 1994, avaliou as características

epidemiológicas e constatou que foi encontrado como valor preditivo o peso ao nascer

menor que 2500 g (Kilsztajn, 2000). Tal associação também foi encontrada em um outro

estudo no Rio de Janeiro reafirmando a importância da observação do peso ao nascer

(Silva, 1996). O baixo peso (recém nascido com menos de 2.500g) e a prematuridade

(gestação com menos de 37 semanas) são causas importantes de RM. No Brasil, a

prevalência de baixo peso e de prematuridade estão relacionadas à carência de

procedimentos rotineiros e básicos na assistência à gestante (Kilsztajn, 2000). O baixo peso

pode estar associado tanto à prematuridade como ao retardo do crescimento intra-uterino.

Porém, ao nascer, o peso do recém-nato varia intensamente com a duração da gestação.

Crianças nascidas pré-termo, que apresentam peso inferior a 2.500g, não são

necessariamente pequenas para a idade gestacional (PIG).

Uma pesquisa em São Paulo, realizada entre 1980 e 2000, analisou quatro variáveis

em função de baixo-peso e/ou pré-termo e concluiu que mães com menos de 20 ou mais de

34 anos, não casadas, com 0 a 7 anos de estudo (fatores de ordem demográfica e psico-

social) e gestando o 1º ou o 4º e mais filhos (fator de ordem obstétrica), devem ser

consideradas categoria de risco para baixo peso e/ou prematuridade (Kilsztajn, 2003).

Nessa mesma pesquisa, o autor analisa que o número de consultas pré-natais está

invariavelmente relacionado à prevalência de baixo peso e/ou prematuridade. A

prematuridade por si só influencia os resultados neonatais. A prematuridade pode ser

espontânea ou eletiva por intercorrências maternas e/ou fetais. A prematuridade eletiva

pode representar 20 a 30% dos partos prematuros e apresentar maior morbidade neonatal.

Apesar do avanço em perinatologia, a prematuridade continua sendo a principal

causa de morbidade neonatal. A taxa do parto prematuro eletivo tem sido cada vez maior,

porém as taxas de mortes peri-natais foram reduzidas. A expectativa atual é a melhora da

qualidade de vida através de estudos que possam reduzir a morbidade (Rades, 2004). Os

cuidados intensivos na fase neonatal avançaram tanto que modificaram os tipos de

patologias mais comuns desse grupo de risco peri-parto.

No pós-parto encontramos as causas infecciosas, toxológicas, de desnutrição

traumática e de privação de estimulação. Nas causas infecciosas, a meningite ocupa um

lugar de destaque no 1º mês de vida. A desnutrição protéico-calórica da mãe parece não

produzir déficit neurológico ou intelectual permanente no feto, porém, os lactentes que

sofreram desnutrição grave apresentam graus variáveis de RM (Vasconcelos, 2004). A

privação de estimulação por abandono ou doença materna pode produzir RM (Ajuriaguerra,

1989).

A prevenção do RM pode ser classificada a nível primário, secundário e terciário. A

prevenção a nível primário envolve as ações que antecedem a condição de RM. A nível

secundário envolve a diminuição da duração do agravo ou reversão dos efeitos da doença e

a nível terciário envolve a melhora da funcionalidade da pessoa afetada, limitando as

conseqüências da patologia (Silva, 2002).

Como exemplo de prevenção primária pode-se apontar o aconselhamento genético,

a vacina de rubéola, a prevenção da poluição de mercúrio (Hg) e de chumbo (Pb), a

nutrição adequada e o acompanhamento médico no pré-natal.

Como prevenção secundária, conta-se com a fototerapia no aumento sérico de

bilirrubina no período neonatal, a dieta nas Doenças Metabólicas Hereditárias, o tratamento

adequado e precoce das doenças infecciosas que causam lesões cerebrais (meningite e

encefalite) e tratamento adequado na prematuridade e no baixo peso.

A prevenção terciária é bastante complexa: o trabalho é feito em equipe

multidisciplinar (psiquiatra, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e outros) com o objetivo de

melhorar o grau de Retardo Mental e promover a inclusão do individuo na sociedade.

Associa-se a prevenção a dois pontos importantes relacionados à etiologia do Retardo

Mental; de um lado, as causas biomédicas, sociais, comportamentais e educacionais e, de

outro, o tempo em que ocorreu o agravo. (Batshaw, 1993; Cohen, 1992; Silva, 2002). A

evolução técnico-cientifica proporcionando exames sofisticados e complexos junto com o

avanço do estudo clínico têm proporcionado uma diferente avaliação e intervenção nas

crianças com risco de Retardo Mental (Silva, 2002).

Apesar desses avanços, ainda se faz necessário mais estudos de levantamento das

populações de risco pré, peri e pós-natais vítimas de infecção congênita, portadores de

doença genética, mães usuárias de drogas, habitantes de regiões poluídas, economicamente

desfavoráveis, prematuridade e outros (Silva, 2002).

Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento – TID são denominados pela

Classificação Internacional das Doenças (CID-10, 1993) a um grupo de crianças com

determinado sinais e sintomas específicos. Essa classificação tem como origem a doença

que foi descrita por Leo Kanner em 1943, a qual recebeu o nome de “Distúrbios Autísticos

do contato Afetivo”, caracterizando-se por autismo extremo, obsessividade, estereotipias e

ecolalia.

Na continuidade de seus estudos, Kanner definiu e denominou tal distúrbio como

“Autismo Infantil Precoce” e caracterizou como uma dificuldade profunda no contato com

as pessoas e um desejo obsessivo de preservar as coisa e as situações. Além disso, observou

uma ligação especial aos objetos, a presença de uma fisionomia inteligente e alterações de

linguagem que se estendiam do mutismo a uma linguagem sem função na comunicação,

refletindo as dificuldades no contato e na comunicação interpessoal (Kanner, 1949). Os

estudos prosseguiram e o Autismo Infantil foi caracterizado como uma psicose, porém

distinta da esquizofrenia infantil (Kanner, 1954). Foi repensado o conceito de Autismo

Infantil e foi feito referências às evidências neurológicas, metabólicas ou cromossômicas.

Foi estabelecida a importância do diagnóstico diferencial sobre portadores de retardo

mental e as crianças sem linguagem (Kanner, 1968).

Entre os psicanalistas, havia o reconhecimento nas crianças autistas de

características qualitativamente diferentes das outras crianças consideradas psicóticas,

porém sem relacioná-las a outras patologias (Klein, 1965; Mahler, 1968; Tustin, 1981).

Após o surgimento do livro de Ritvo, em 1976, sobre o autismo, ocorre uma

mudança radical na abordagem dessa patologia. Fala-se em um problema de

desenvolvimento de crianças com déficits cognitivos. Ritvo acredita que a síndrome

autística seria decorrente de uma patologia do sistema nervoso central. A partir daí instala-

se a polêmica da psicogenicidade versus organicidade (Assumpção, 1995).

A escola francesa remete o autismo a um defeito de organização ou a uma

desorganização da personalidade - a psicose - e enquadra o autismo dentro desta categoria.

A 9º Classificação Internacional de Doenças (CID-9) também enquadra o autismo dentro

desta mesma linha de pensamento. Nos EUA, através do Diagnostic and Statistical Manual of

Mental Disorders, DSM III - R, a América Psychiatria Association (APA, 1989) classifica o

Autismo Infantil nos Distúrbios Globais de Desenvolvimento das Habilidades de Comunicação

Verbal e não Verbal e da Atividade Imaginativa, numa abordagem descritiva, com sinais e

sintomas comportamentais, bastante diferentes de uma visão psicodinâmica da Escola

Francesa. Nesse momento, o foco predominante da síndrome passa aos aspectos

comportamentais, influenciando a Classificação Internacional de Doenças – CID-10

(Assumpção, 1995).

A CID-10 enquadra o autismo na categoria de Transtornos Invasivos de

Desenvolvimento, caracterizado por quatro critérios: anormalidades qualitativas na

interação social recíproca; anormalidades qualitativas nos padrões de comunicação;

repertório de interesses e atividades restritas, repetitivas e estereotipadas; início antes dos

três anos de idade (CID-10, 1993). Estão incluídos dentro do mesmo diagnóstico: Autismo

Infantil, Autismo Atípico, Síndrome de Rett, Transtornos Desintegrativos, Transtorno de

hiperatividade associado a retardo mental e movimentos estereotipados da Infância e

Síndrome de Asperger. Tal classificação abrange um grupo de grande amplitude, o que

dificulta uma especificidade diagnóstica. Os transtornos Invasivos do Desenvolvimento

podem estar associados a algumas condições médicas como: espamos infantis, rubéola

congênita, esclerose tuberosa, lipoidose cerebral, anomalia da fragilidade do cromossomo

X, retardo mental e outros.

Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento são:

F84 - 0 Autismo Infantil

O diagnóstico preenche os 4 critérios para TID e apresenta freqüentemente o

comprometimento na interação do olhar, nas brincadeiras de faz-de-conta, nos jogos sociais

de imitação e nas resistências de rotina e fobias, além disso também apresentam transtornos

de sono e alimentares e ataques de birra com agressão.

F84 - 1 Autismo Atípico

Este diagnóstico falha em preencher os 4 critérios. Surgem freqüentemente em indivíduos

profundamente retardados e após a idade de 3 anos.

F84 - 2 Síndrome de Rett

É caracterizado por um desenvolvimento inicial aparentemente normal ou quase normal,

seguido por perda total ou parcial das habilidades manuais adquiridas e da fala, junto com

uma desaceleração do crescimento do crânio entre as idades de 7 e 24 meses. Estereotipias

de aperto de mão, hiperventilação e perda dos movimentos propositais da mão são

características particulares.

O desenvolvimento é interrompido nos primeiros 2 ou 3 anos. Ataxia e apraxia do tronco

tendem a desenvolver-se.

F84 - 3 Outro Transtorno Desintegrativo da Infância

É caracterizado por um desenvolvimento aparentemente normal até a idade de pelo menos

2 anos, seguida por uma perda definitiva de habilidades previamente adquiridas,

transformando-se em um quadro típico de autismo.

F84 - 4 Transtorno de hiperatividade associado a retardo mental e movimentos estereotipados.

F84 - 5 Síndrome de Asperger

A síndrome difere do autismo por não haver nenhum atraso ou retardo global no

desenvolvimento cognitivo ou de linguagem.

Apresenta deficiências qualitativas na interação social recíproca e padrões de

comportamento, interesses e atividades restritas, repetitivas e estereotipadas.

F84 - 8 Outros Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

F84 - 9 Transtorno Invasivo do Desenvolvimento não especificado.

Diagnóstico usado na falta de informações adequadas ou achado contraditórios.

O TID é um diagnóstico sindrômico comportamental entre etiologias desconhecidas

e a evolução do desenvolvimento da criança. Os cognitivistas, os desenvolvimentistas e os

psicanalistas apresentam diferentes concepções do TID - autismo. No início os cognitivistas

acreditavam que a evolução do desenvolvimento no autismo, pertencente ao grupo do TID, se

processava com um distúrbio inato que seria caracterizado por déficit na interação social e no

relacionamento com o outro (Gilbert, 1990). Esse pensamento evoluiu para a crença de que a

criança autista apresenta um atraso ou desvio no desenvolvimento da capacidade de

desenvolver uma teoria da mente, ou seja déficit na capacidade inata da meta-representação

(Baron-Cohen, 1992). Esse comprometimento acarreta déficits no comportamento social e

como conseqüência déficit na linguagem (Lampreia, 2004).

Os desenvolvimentistas acreditam que a evolução do desenvolvimento no autismo

processa-se com um distúrbio inato que é caracterizado por prejuízo na afetividade, isto é,

prejuízo da sensibilidade, responsabilidade e expressividade emocional que impossibilita o

desenvolvimento do relacionamento social (Lampreia, 2004). Eles pensam que uma falha na

capacidade expressiva e receptiva transtornaria o processo de intersubjetividade primária

(Trevarthen, 1996), que envolve as primeiras interações face-a-face, mãe-bebê e

conseqüentemente transtornaria, também, o processo de intersubjetividade secundária

(Trevarthen, 1996), que envolve a relação mãe-bebê-objeto. Eles acreditam que é através da

atenção compartilhada, mãe-bebê-objeto, que se desenvolve a capacidade de simbolizar, base

do desenvolvimento da comunicação não verbal e posteriormente verbal (Lampreia, 2004).

Os psicanalistas apresentam dificuldades em utilizar a CID-10 por considerá-la

pouco eficiente na compreensão da diferenciação da psicose infantil e do autismo (Kupfer,

2000). Algumas escolas psicanalíticas fazem uma diferenciação importante entre a psicose

infantil e o autismo e não conseguem uma concordância diagnóstica com os TID da CID-

10. Os psicanalistas lacanianos consideram o autismo diferente da psicose infantil a nível

estrutural e acreditam que no autismo haja falha na função materna e, na psicose, na função

paterna.

É compreendida por função materna, a transformação de um organismo biológico

em um ser humano. Esse processo ocorre através do olhar, dos gestos, das palavras e

outras mensagens. Essa função pode ser desempenhada pela mãe ou por um “cuidador”. O

bebê é constituído em “ser”, junto da mãe, em um cotidiano de pequenas interações diárias.

Quando essa interação por algum motivo começa a falhar, o bebê entra em risco de

adoecer. Essa função esta relacionada, com a capacidade interativa da mãe com aquele bebê

e não, simplesmente, com a presença dela. E a função paterna é tudo aquilo que permite a

criança viver além da relação dual mãe-filho ou pai-filho. É aquilo ou aquele que permite a

entrada da criança no mundo com todo o seu código cultural (Kupfer, 2000). Esses são os

transtornos mais graves em psiquiatria infantil e a sua detecção tardia é extremamente

prejudicial para o êxito de intervenções psiquiátricas. Existe um consenso entre os

pesquisadores de que a doença tem início no período peri-natal, mas a detecção precoce

ainda não acontece (Baron-Cohen, 1992).

O Autismo é uma condição grave que merece um investimento no diagnóstico

precoce apesar de apresentar uma incidência rara 4 a 8 casos em 10.000 crianças. Essa

raridade dificulta o seu estudo (Gilbert et al, 1990). No Reino Unido, a prevalência para

TID é de 15-20 crianças para cada 10.000 (Bosa et al, 2000). No Brasil calcula-se que

existam aproximadamente 600.000 pessoas afetadas pela síndrome do autismo (Associação

Brasileira de Autismo, 1997). O transtorno ocorre em meninos 3 ou 4 vezes mais

freqüentemente que em meninas (CID-10). O Autismo não segue um padrão mendeliano de

herança e, recentemente, surgiram evidências de ter ligação com cromossomo X. Dos

indivíduos com X-Frágil, 30% apresentam espectro autista. A concordância para Autismo

em monozigóticos varia de 36 a 92% (Carvalheira et al, 2004). Cerca de 70 a 85% dos

pacientes com o diagnóstico de TID apresentam, também, o diagnóstico de Retardo Mental

(Assumpção, 1995).

2. JUSTIFICATIVA

2. JUSTIFICATIVA

Essa pesquisa é importante sobre o ponto de vista emocional, econômico e técnico-

científico.

Em nível emocional se justifica ao aumentar o conhecimento dessas patologias para

que haja tratamento precoce e melhora nos tratamentos existentes permitindo, assim,

diminuir o sofrimento das crianças e de suas famílias. A qualificação da equipe de saúde

através de mais informações sobre RM poderá contribuir para a prevenção do RM no nível

secundário e terciário proporcionando a diminuição do número de casos e a redução da

gravidade deles. Além da organização, são importantes a implantação de serviços

especializados nesse tipo de problema e o treinamento do profissional de saúde e educação,

em especial o pediatra e o professor, para que haja a suspeição diagnóstica e o pronto

encaminhamento aos serviços especializados disponíveis na rede de saúde.

No nível econômico, a justificativa está na possibilidade de autonomia e na

produtividade da criança a partir do tratamento precoce e eficaz. A criança doente, quanto

mais grave, mais necessita de “cuidador” e outros gastos com profissionais diversos.

No ponto de vista técnico-científico, a evolução dos conhecimentos e da tecnologia

aumentou a sobrevida dos bebês prematuros e com transtornos através das Unidades de Terapia

Intensiva (UTI), mas precisa-se, também, aumentar a qualidade de vida desses bebês. Essa

permanência na UTI e outras técnicas modernas, como reprodução assistida, medicina fetal,

terapia com células tronco, transplantes e outros, podem modificar a interação mãe-bebê

alterando o desenvolvimento normal. Precisa-se ter um maior conhecimento sobre esse grupo

para que essas crianças possam ter mais saúde mental e qualidade de vida. Essa nova realidade

nesse novo século tem sido objeto de discussão em vários setores da sociedade. Portanto, as

informações obtidas no ambulatório pesquisado podem contribuir para se juntar a outros

conhecimentos na área de saúde mental, permitindo o aprimoramento da compreensão dos

transtornos mentais e a melhoria das condutas clínicas a serem adotadas.

3. OBJETIVOS

3.1 OBJETIVO GERAL

Descrever o perfil clínico-epidemiológico das crianças encaminhadas ao

Ambulatório de Desenvolvimento Neuropsicomotor (ADN) do Instituto de Puericultura e

Pediatria Martagão Gesteira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPMG/UFRJ),

que foram classificadas com hipótese diagnóstica de Retardo Mental (RM) ou Transtorno

Invasivo do Desenvolvimento com Retardo Mental (TID&RM) no período de 1999 a 2004.

3.2 OBJETIVO ESPECÍFICO

1. Analisar a freqüência das variáveis clínico-epidemiológicas nos dois grupos.

2. Identificar possíveis diferenças na distribuição destas variáveis nos dois grupos.

(Retardo Mental e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento com Retardo Mental ).

3. Analisar possíveis associações entre as variáveis clínico-epidemiológicas e a

presença do diagnóstico em questão.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXO I

INSTRUMENTO PARA A COLETA DE DADOS

Número : ______________________

Data de nascimento : ____/ ____/ ______

Data da entrevista : ____ / ____ / _____

Sexo : M

F

VARIÁVEIS SOCIAIS

Escolaridade: pai ____________________ mãe _______________________

ORIGEM

Idade em que foi encaminhado _____________________

Motivo do encaminhamento ______________________________________

HISTÓRIA GESTACIONAL

01.Idade da mãe: ( ) 15anos ( ) 16-20anos ( ) 21a30anos ( ) 31a35anos ( ) > 35anos

02.Pré-natal: ( ) sem consulta ( ) até 3 consultas ( ) mais de 6 consultas ( ) ignorado

03. Recebeu apoio do pai da criança durante a gestação? ( ) sim ( ) não ( ) ignorado

04. Usou medicação para abortar? ( ) sim ( ) não ( ) ignorado

05. Intercorrências ( ) hemorragia ( ) hipertensão ( ) diabetes ( ) infecção ( ) outros

06. Usou alguma medicação durante a gestação? ( ) Sim ( ) Não ( ) ignorado

07. Usou tabaco ou álcool durante a gestação? ( ) Sim ( ) Não ( ) ignorado

HISTÓRIA DO PARTO

01. Local:( ) Hosp. Universit. ( ) Hosp. Púb. ( ) Clin. Partic. ( ) Residência ( ) Outro

02. Tipo de parto: ( ) normal ( ) fórceps ( ) cesariana ( ) ignorado

03. Tempo de gestação: ( ) termo ( ) pré-termo ( ) pós-termo ( ) ignorado

05. Peso ao nascer: ( ) 1000-2000g ( ) >2000-2500g ( ) >2500g ( ) ignorado

06. Idade gestacional ( ) PIG ( ) AIG ( ) GIG ( ) ignorada

07.Chorou ao nascer: ( ) sim ( ) não ( ) ignorado

08. Circular de cordão: ( ) sim ( ) não ( ) ignorada

09. Foi reanimado? ( ) sim ( ) não ( ) ignorado

10. Internação neonatal: ( ) sim ( ) não ( ) ignorada

11. Icterícia neonatal: ( ) sim ( ) não ( ) ignorado

12. Teste do pezinho. PKU. Erro inato do metabolismo. Hipotireoidismo.

( ) Normal ( ) Não realizado ( ) Aguardando resultado ( ) Ignorado

HISTÓRIA FISIÓLÒGICA

01. Sugou bem nos 3 primeiros dias de vida? ( ) sim ( ) não ( ) ignorado

02. Aleitamento materno exclusivo ( ) Sim ( ) não ( ) Ignorado

03. Aleitamento materno exclusivo (período) ( ) Dias ( ) Meses ( ) Ignorado

04. Transtorno de sono ( ) sim ( ) não ( ) ignorado

HISTÓRIA DO DESENVOLVIMENTO

01. Interage com o olhar com a mãe e/ou outra pessoa? ( ) sim ( ) não ( ) ignorado

02. Sorriso social: ( ) sim idade (até 5 meses) ( ) não idade: ( ) ignorado

03. Interage com adultos? ( ) sim ( ) não ( ) ignorado

04. Brinca com adultos? ( ) sim ( ) não ( ) ignorado

05. Fixou os olhos; acompanhou a movimentação do objeto:

( ) sim Idade (até 5 meses) ( ) não idade: ( ) ignorado

06. Ouviu o chocalho, procurando a fonte sonora?

( ) sim Idade (até 5 meses) ( ) não idade: ( ) ignorado

07. Atraso no desenvolvimento motor: ( ) sim ( ) não ( ) ignorado

08. Agitação motora: ( ) sim ( ) não ( ) Ignorado

09. Atraso na fala: ( ) sim Idade ( > 9 meses) ( ) não ( ) ignorado

ANEXO II

ARTIGO

ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS DE CRIANÇAS COM RETARDO MENTAL E TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO EM

UM AMBULATÓRIO UNIVERSITÁRIO DE DISFUNÇÃO NEUROMOTORA.

Maria Cristina do Rego Monteiro de Abreu1; Roberto de Andrade Medronho1;

Francisco B. Assumpção Jr.2

1Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ

2Faculdade de Medicina da USP

RESUMO

Objetivo : Analisar a freqüência e as possíveis diferenças na distribuição

das variáveis clínico-epidemiológicas e as associações entre essas variáveis em

um grupo de Retardo Mental (RM) e em um grupo de Transtornos Invasivos do

Desenvolvimento com Retardo Mental (TID&RM).

Metodologia : Em um grupo de 258 crianças que foram encaminhadas ao

Ambulatório de Desenvolvimento Neuropsicomotor (ADN) do Instituto de

Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da Universidade Federal do Rio de

Janeiro (IPPMG/UFRJ), entre os anos de 1999 a 2004, foi realizado um estudo

seccional em uma amostra de conveniência com um subgrupo de 82 crianças.

Essas crianças apresentavam hipóteses diagnósticas de RM ou TID&RM. As

variáveis clínico-epidemiológicas (sócio-demográficas, relacionadas às etiologias

do RM, ao desenvolvimento motor, à interação social e ambiental) foram colhidas

nos prontuários das 82 crianças.

Resultado : O grupo estudado apresentou faixa etária variando de um mês

a onze anos de idade, com predominância de menores de 24 meses (64,6%). Foi

observada uma freqüência maior de crianças do sexo masculino (59,8%). A

prematuridade contribuiu para o encaminhamento ao ambulatório especializado

(ADN) numa percentagem de 36,5% das crianças do grupo. O baixo peso

apresentou uma freqüência de 32% das crianças. Ao compararmos o grupo de

crianças com TID&RM com o grupo de RM observamos que as variáveis:

interação com o olhar da mãe, presença do sorriso social, interação com adultos,

capacidade de fixar os olhos e ouvir o chocalho, apresentaram razões de

prevalência significativamente menores que a unidade. E a variável agitação

motora apresentou razão de prevalência significativamente maior que a unidade.

Conclusão : o estudo mostrou que as crianças com RM e TID&RM em sua maioria

são encaminhadas para o tratamento até a idade de 24 meses. O principal motivo

para o encaminhamento nos dois grupos foi o mesmo: o atraso motor. Porém a

idade da criança no momento do encaminhamento mostrou-se mais tardia nos

casos de TID&RM.

O perfil nos grupos se mostrou homogêneo em relação às variáveis sociais e

etiológicas do RM. Mas se mostrou heterogêneo em relação à faixa etária de

encaminhamento ao ambulatório especializado (ADN). As variáveis de

desenvolvimento da interação social e ambiental selecionadas: interação com o

olhar da mãe, presença do sorriso social, interação com adultos, capacidade de

fixar os olhos e ouvir o chocalho mostraram-se heterogêneas nos grupos.

Palavras chave: Retardo Mental; Transtornos Invasiv os do Desenvolvimento;

Diagnóstico precoce; Autismo.

ABSTRACT

Evaluation of clinical and epidemiological factors in patients suffering from Mental

Retardation and Pervasive Developmental Disorders in an outpatients clinic in Rio

de Janeiro.

Purpose: to analyze the frequency, the existence of differences in the distribution

and the association between clinical and epidemiological factors and Mental

Retardation (MR) or Pervasive Developmental Disorders (PDD). Method: In a

sectional study, 82 children from a group of 258 originated from the

neurodevelopment outpatients clinic in the Faculty of Medicine of the Federal

University of Rio de Janeiro, were followed between 1999 and 2004. These 82

children had Mental Retardation (MR) or Pervasive Developmental Disorders

(PDD) as hypothesis for diagnosis condition. Information as: social demographic,

clinical (pre, peri and postpartum conditions) and developmental (related to

interaction and motor aspects) were taken from the patients’records. Results: The

patients’age ranged from one month to 11 years old, showing higher frequency in

patients less than 2 years old (64,6%). There was higher frequency in the male sex

(59,8%). Children born from mothers less than 20 years old and older than 35 were

respectively 23,6% and 8,3%. Prematurely and low birth weight were seen in

36,5% and 32% of the group respectively. Variables as: visual interaction with the

mother, social smile, interaction with adults, gazing something, listening with

attention to a rattle and delayed motor development showed up as protection

factors for PDD with statistical significance. Motor agitation showed prevalence

ratio higher than 1, comparing PDD with the MR group. Conclusion: The study

was concluded with the early detection of MR and PDD&MR of the children with a

hypothesis on a diagnosis caused by delayed motor development.

Key words: Mental retardation; Pervasive developmen tal disorders; Early

diagnosis; Autism

INTRODUÇÃO

O Retardo Mental (RM) e o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID)

são duas patologias que desafiam a equipe de saúde em função da sua gravidade

e complexidade. As crianças com RM ou TID&RM podem apresentar diversos

níveis de independência e qualidade de vida em função do tratamento precoce.

Essas crianças formam um grupo que requer conhecimento da medicina clínica,

do desenvolvimento infantil e da psicanálise. O resultado desse trabalho

multidisciplinar depende da gravidade e da idade no início do tratamento (Silva,

2000).

Muitos esforços estão sendo feitos em termos de pesquisa em vários setores

como na genética, na radiologia (ressonância magnética), na bioquímica, na

psicanálise, na lingüística e outros, para elucidar as possibilidades terapêuticas

precoces nessas duas patologias. Na França está em curso uma pesquisa

prospectiva cujo objetivo principal é o tratamento precoce de distúrbios da

comunicação no bebê a partir da associação de dois sinais observados por

médicos generalistas ou pediatras. A criança é observada na idade de 4, 9, 12, e

24 meses. Aos 4 e 9 meses é pesquisado se o bebê procura ser olhado pela mãe

ou substituta e se ele procura provocar trocas afetivas com a sua mãe ou

substituta em ausência de solicitações. Aos 12 meses, é aplicado um Questionário

de Desenvolvimento da Comunicação (QDC), elaborado e validado por uma

equipe francesa (Bursztejn et al; Crespin et al, 2005). Aos 24 meses, é aplicado o

CHAT (Checklist for Autism in Toddlers), instrumento elaborado em Londres por

Baron-Cohen no ano de 1995. As equipes médicas dos postos de saúde dos 12

departamentos na França deverão examinar 25.000 bebês, originados de 150.000

nascimentos. Na França, a prevalência da Síndrome Autística é de 10 a 16 em

10.000 (Crespin et al, 2005).

Baseada nessas pesquisas e na necessidade de ampliar o conhecimento

para o diagnóstico precoce das crianças com TID&RM e com RM no nosso meio,

a pesquisadora selecionou no prontuário de um ambulatório de pediatria do

desenvolvimento neuropsicomotor as variáveis relacionadas ao TID&RM e ao RM.

A necessidade de caracterizar os grupos TID&RM e RM conduziu o estudo das

diferenças e associações entre eles. Esses dois grupos muitas vezes se

confundem e a conduta terapêutica fica prejudicada.

Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento e o Retardo Mental são

diagnósticos secundários ao diagnóstico etiológico e que antecedem o

desenvolvimento infanto-juvenil. Isso traz uma característica semelhante aos dois

grupos; uma dificuldade de desenvolver as habilidades infanto-juvenis. Mas

sabemos que mesmo com o diagnóstico etiológico desconhecido como é o caso

do TID&RM e a maioria dos casos de RM, a conduta terapêutica precoce permitirá

um desenvolvimento infanto-juvenil. Esse desenvolvimento é dependente da idade

da criança, da gravidade do caso e da terapêutica. E o tipo de conduta difere sob

alguns aspectos para as crianças com TID&RM e com RM, daí a importância do

estudo dessa diferença através das variáveis mais comuns a esses dois grupos.

Nessa linha de pensamento, buscando aprimorar o conhecimento do RM e

do TID&RM, foram selecionadas para o nosso estudo as seguintes variáveis:

As variáveis relacionadas ao motivo e idade do encaminhamento para o

ADN as quais poderão contribuir com a informação dos sinais e sintomas das

crianças com hipótese de TID&RM e RM relacionados à faixa etária que

motivaram a busca para um tratamento na pediatria e foram conduzidas ao serviço

de saúde mental (Sauvage et al, 1989).

As variáveis sociais – escolaridade da mãe na gestação, idade da mãe no

parto e apoio paterno durante a gestação – que podem influenciar o tempo de

gestação e o peso do recém-nato (Kilsztajn, 2003).

As variáveis que ocorrem no peri-parto – tempo de gestação e peso ao

nascer – que podem influenciar a estrutura somática do recém-nato. As variáveis

sociais e as que ocorrem no peri-parto estão associadas à etiologia do RM (Gesell

et al, 2002).

As outras variáveis que ocorrem no peri-parto - chorou ao nascer e internação

neonatal – podem influenciar a interação mãe-bebê e estão associadas ao

TID&RM (Lebovici, 1983).

As variáveis do desenvolvimento da interação social, da interação

ambiental e do desenvolvimento motor. As variáveis do desenvolvimento da

interação social – interação através do olhar, a presença do sorriso social,

interação com adulto e atraso na fala - podem expressar a dificuldade qualitativa

na interação recíproca, questão fundamental que define o TID&RM na

Classificação Internacional das Doenças Mentais (CID-10). As variáveis do

desenvolvimento da interação ambiental – a capacidade de fixar os olhos e

acompanhar a movimentação dos objetos e ouvir o chocalho procurando a fonte

sonora – podem estar associadas ao TID&RM ou a alguma deficiência física da

criança. Ou seja, a ausência dessas variáveis pode expressar uma falta de

interesse pelo ambiente externo, que pode estar associada ao TID&RM, ou uma

deficiência ou visual ou auditiva ou motora (Gesell et al, 2002). As variáveis do

desenvolvimento motor – atraso no desenvolvimento motor e agitação motora –,

por serem um importante parâmetro no desenvolvimento nos primeiros anos de

vida, estão associadas ao RM e ao TID &RM. No caso do RM, em geral, a criança

pode apresentar um atraso global e no do TID&RM ela pode apresentar alterações

na expressão corporal, principalmente, relacionadas à linguagem (Kupfer, 2000).

Essas variáveis podem trazer informações importantes tanto na análise

individual quanto em grupo. Na análise individual elas podem mostrar a freqüência

de ocorrência na nossa amostra de variáveis importantes como as relacionados

acima. Na análise em conjunto elas podem mostrar em que aspecto o grupo se

diferencia e em que aspecto ele se assemelha tendo como referência variáveis

associadas ao TID&RM e ao RM.

Esse estudo poderá aumentar o conhecimento dessas patologias, contribuir

para a prevenção desses agravos em nível secundário e terciário, proporcionando

a redução da gravidade dos casos de RM e de TID&RM.

Além da possibilidade desse estudo aumentar o conhecimento dessas patologias

são importantes também a implantação de serviços especializados para o RM e o

TID&RM e o treinamento do profissional de saúde e educação, em especial o

pediatra e o professor, para que haja a suspeição diagnóstica, o encaminhamento

aos serviços especializados e uma inclusão escolar e social de fato diminuindo

assim o sofrimento das crianças e de suas famílias.

A OMS estima que 10% da população dos paises em desenvolvimento

sofram de Transtorno Mental, sendo 3 a 5% de RM. Essa patologia é considerada

pela Organização Pan-Americana de Saúde uma questão de saúde pública.

O diagnóstico de RM é definido com base em três critérios: funcionamento

intelectual, significativamente inferior à media - um QI igual ou inferior a 70 - ;

déficits ou comprometimentos concomitantes no funcionamento adaptativo atual

em pelo menos duas das seguintes áreas - comunicação, cuidados pessoais,

habilidades sociais, interpessoais, auto orientação, rendimento escolar, trabalho,

lazer, saúde e segurança - ; início do quadro clínico antes dos 18 anos de idade

(Vasconcelos, 2004). Os testes de QI são mais válidos e confiáveis em crianças

maiores de cinco anos, por isso muitos autores denominam as crianças pequenas

com RM de crianças com atraso do desenvolvimento.

As diversas patologias – Síndrome de Down, do X-Frágil, Alcoólica Fetal e

outras - que compõem o grupo de portadores de RM e as diferentes manifestações

no sistema nervoso central são as responsáveis pela heterogeneidade do grupo de

RM. As manifestações clínicas variam e as mais comuns que chegam ao pediatra

são: atraso na fala e/ou linguagem, alteração do comportamento ou baixo

rendimento escolar (Vasconcelos, 2004).

Quanto à classificação psicométrica, podemos subdividir em RM leve (QI de

50-70) e grave (QI<50) ou em função da etiologia que ocorre no pré-natal,

perinatal ou pós-natal. A classificação quanto ao QI poderá nos auxiliar na

prevenção terciária, ou seja, desenvolver e orientar as crianças nas suas

possibilidades. A classificação etiológica em relação ao parto poderá fornecer

informações para um planejamento em Saúde Pública - prevenção primária - e

reduzir ou reverter efeitos da doença - prevenção secundária (Silva, 2000).

Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) são definidos por

quatro critérios: anormalidades qualitativas na interação social recíproca;

anormalidades qualitativas nos padrões de comunicação; repertório de interesses

e atividades restritas, repetitivas e estereotipadas; início antes dos três anos de

idade [Classificação Internacional das Doenças (CID-10, 1993)]. Estão incluídos

dentro desse mesmo diagnóstico: Autismo Infantil, Autismo Atípico, Síndrome de

Rett, Transtornos Desintegrativos da Infância, Transtorno de hiperatividade

associado a retardo mental e a movimentos estereotipados e Síndrome de

Asperger. Tal classificação abrange um grupo de grande amplitude, o que dificulta

uma especificidade diagnóstica. O TID é um diagnóstico sindrômico

comportamental que precede o desenvolvimento global infantil acarretando um

transtorno no desenvolvimento em todas as áreas.

Os cognitivistas, os desenvolvimentistas e os psicanalistas apresentam

diferentes concepções na gênese do TID, mas a sua etiologia permanece

desconhecida.

No Reino Unido, a prevalência para TID é de 15-20 crianças para cada

10.000 (Bosa et al, 2000). No Brasil, não existe registro de TID, portanto não se

sabe a sua prevalência. O transtorno ocorre em meninos 3 ou 4 vezes mais

freqüentemente que em meninas (CID-10). O Autismo não segue um padrão

mendeliano de herança e, recentemente, surgiram evidências de associações com

cromossomo X.

Dos indivíduos com X-Frágil, portanto com RM, 30% apresentam espectro

autista.

Cerca de 70 a 85% dos pacientes com o diagnóstico de TID apresentam,

também, o diagnóstico de Retardo Mental (Assumpção, 1995).

Esse trabalho tem como objetivo aumentar o conhecimento e observar as

diferenças entre os grupos de crianças com RM e TID&RM através das

freqüências e associações das variáveis entre os grupos.

MATERIAL E MÉTODOS

Desenho de estudo

Seccional

Local de estudo

Ambulatório de Desenvolvimento Neuropsicomotor (ADN) do Instituto de

Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) da Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ).

Esse ambulatório faz parte do grupo de ambulatórios de especialidade do IPPMG

que sedia o Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFRJ,

responsável pelo ensino da pediatria no curso de graduação em Medicina. O

ambulatório funciona no molde multidisciplinar onde trabalham três médicos: uma

fisiatra, uma neuropediatra e um pediatra, além de fonoaudiólogas, fisioterapeutas

e uma psicóloga. O objetivo dessa equipe é trabalhar com a disfunção

neuromotora.

O Rio de Janeiro é dividido em áreas programáticas para o atendimento de saúde,

estando o IPPMG localizado na Área de planejamento 3.1. Os ambulatórios do

IPPMG priorizam o atendimento para crianças da área 3.1, porém recebem

também crianças de outras localidades porque é um hospital de referência

universitária e piloto com atendimento secundário e/ou terciário.

3. Tamanho amostral

Das 258 crianças atendidas no ADN, no período de 1994 a 2004, foram

selecionadas pela equipe do ambulatório 82 crianças com a hipótese diagnóstica

de RM e TID&RM, constituindo-se em uma amostra de conveniência. Nesse

grupo, 49 crianças apresentavam clínica sugestiva de RM e as outras 33

apresentavam clínica sugestiva de Autismo, Transtornos Autísticos e RM. As

crianças que apresentavam clínica sugestiva de Autismo e Transtornos autísticos

foram agrupadas como TID. Não foi possível fazer o verdadeiro teste de

confiabilidade diagnóstica, entretanto, para aumentar a confiança no diagnóstico

realizado no ADN, houve um estudo piloto com 29 crianças entre as quais houve

concordância clínica entre o pediatra e a pesquisadora em 28 casos.

Questionário

O instrumento criado para coleta dos dados foi elaborado pela

pesquisadora a partir de uma seleção das variáveis da primeira entrevista semi-

estruturada feita pelo pediatra do setor acrescido de três diferentes variáveis

relacionadas ao desenvolvimento da interação social. Essas variáveis são:

interação com o olhar, interação com o adulto e brincar com adulto. Tanto a

seleção quanto a inclusão das novas variáveis foram selecionadas e incorporadas

a partir dos critérios diagnósticos da CID-10 para RM e TID.

As variáveis referentes ao motivo de encaminhamento e idade de

encaminhamento foram colhidas no pedido do parecer ao ADN para caracterizar

os sinais e sintomas precoces associados a faixa etária no momento da entrada

no ambulatório, ou seja aqueles que motivaram a busca por um tratamento. Os

dados não preenchidos pelo pediatra foram colhidos no prontuário, quando

encontrados.

As variáveis relacionadas à etiologia do RM (variáveis sociais, peso menor

que 2500g e prematuridade) permitem homogeneizar ou não a amostra. E as

relacionadas ao desenvolvimento da interação social, cuja ausência caracteriza o

TID, permitem diferenciar ou não a amostra nos dois grupos.

Análise dos dados

Após a coleta de dados, foi elaborado um banco de dados no programa SPSS

11.0. Foram realizadas análises univariada e bivariada para avaliar possíveis

associações entre os desfechos RM e TID&RM e variáveis. As variáveis

pesquisadas são as seguintes: idade, sexo, motivo do encaminhamento,

escolaridade, idade da mãe no parto, apoio paterno durante a gestação,

freqüências de consultas de pré-natal, intercorrências clínicas na gestação, tipo de

parto, prematuridade, idade gestacional, peso e choro ao nascer, circular de

cordão, reanimação, internação e icterícia. As variáveis com mais de 20% de

ignorados foram excluídas do trabalho e na apresentação dos resultados, foram

excluídos os dados ignorados. Foram utilizados testes para o p-valor e a razão de

prevalência com intervalos de confiança (IC 95%).

RESULTADOS

A faixa etária das 82 crianças no momento do encaminhamento variou de

um mês a onze anos de idade, predominando menores de 24 meses (64,6%). No

grupo com RM 28,6% das crianças são menores que seis meses de idade,

enquanto no grupo TID&RM encontramos 9,1% de crianças na mesma faixa

etária. A razão de prevalência da faixa etária entre crianças com TID&RM e

aquelas com RM é igual a 0,38 com IC 95% de 0,13-1,10 (tabela 1).

O principal motivo de encaminhamento para o ADN foi o atraso no

desenvolvimento neuropsicomotor (57,3%), seguido de hipotonia (12,2%),

prematuridade (12,2%), transtorno na fala (8,5%) e outros (9,8%). Na diferença

entre os grupos, 14,3% das crianças foram encaminhadas pela prematuridade no

grupo de RM e 9,1% das crianças no grupo de TID&RM. O encaminhamento pelo

transtorno de fala prevaleceu no grupo TID&RM com 15,2% das crianças.

Seguindo a tabela 1, na nossa amostra, 59,8% das crianças são do sexo

masculino e 40,2%, do feminino. A freqüência do sexo masculino é maior no grupo

TID&RM, porém não existe diferença significativa na distribuição por sexo entre o

grupo de TID&RM e de RM.

Entre as mães, 37,3% apresentam escolaridade menor que os oito anos de

ensino fundamental. O grupo de RM apresenta um percentual maior de mães com

baixa escolaridade do que o grupo de TID&RM, (43,2% e 30% respectivamente).

Isso, entretanto não é significativo.

Em relação à idade da mãe no parto, a faixa etária predominante é de 21 a

35 anos (68,1%). Entretanto, ressalta-se que 23,6% das mães estão na faixa de

16 a 20 anos e que 8,3% são maiores que 35 anos. A freqüência de mães abaixo

de 20 anos e maiores que 35 anos é maior no grupo de RM do que no grupo do

TID&RM. Não é possível estimar a razão de prevalência devido ao número

reduzido de casos na amostra.

Na amostra, o apoio paterno não se faz presente em 29% dos casos. No

grupo TID&RM, a percentagem de ausência paterna é de 32,1%, e no grupo de

RM é de 26,8% (tabela 1).

INSERIR TABELA 1

A tabela 2 mostra que, em relação ao tipo de parto, predomina a cesária

com 54,5% dos casos. É desconhecido o percentual de cesárias eletivas no grupo.

A freqüência de cesarianas é maior no grupo de RM.

Entre as crianças da amostra, 36,5% nasceram de parto pré-termo

(prematuro). O grupo de RM apresenta mais crianças prematuras do que o grupo

de TID&RM. Por outro lado, o grupo de TID&RM apresenta uma freqüência maior

de crianças pós-termo.

Quanto ao peso, 32,0% das crianças na amostra nasceram com 2.500

gramas ou menos. No grupo de RM, a percentagem de crianças com baixo peso é

de 37%, e no grupo de TID&RM é de 24,1%.

Na variável relacionada à vitalidade neonatal - choro ao nascer -

observamos que, na amostra, 74,6% choraram, 25,4% não choraram. A

freqüência dos bebês que não choraram ao nascer é um pouco maior no grupo de

RM (26,2%).

A história de internação neonatal está presente em 42,5 % dos recém-

natos. As crianças do grupo de RM apresentam uma freqüência de internação

maior que as do grupo de TID&RM. Na amostra, ocorre a presença de icterícia em

33,3% desses bebês.

Essas variáveis não apresentaram uma associação estatisticamente

significativa entre os grupos TID&RM e RM revelando a homogeneidade da

amostra em relação a elas.

INSERIR TABELA 2

A tabela 3 mostra as variáveis relacionadas com o desenvolvimento motor e

da interação social e ambiental nas crianças. No grupo, 30 crianças (40,0%) não

interagiram com o olhar da mãe. As do grupo de RM interagiram mais com o olhar

do que as crianças do grupo de TID&RM. A razão de prevalência é de 0,33 com IC

de 95% de 0,18-0,61.

O sorriso social se apresenta ausente em 18 crianças (25,7%). Essa

variável apresenta uma maior freqüência no grupo de RM. A razão de prevalência

da presença do sorriso social entre os grupos TID&RM e RM é de 0,52 com IC de

95% de 0,32-0,85.

Das 82 crianças, 32 não interagiram com adultos (42,7%). O grupo de RM

apresenta um percentual de 20,5% de crianças que não interagiram com adulto,

bem menor que o grupo de TID&RM, que é de 74,2%. A razão de prevalência na

distribuição dessa variável entre os grupos TID&RM e RM é de 0,26 com IC de

95% de 0,13-0,50.

O atraso na fala ocorre em 85,7% das crianças do grupo, ou seja, 66

crianças. O atraso na fala apresenta uma maior freqüência no grupo de TID&RM

com 93,5% e existe em 80,4% das crianças no grupo de RM.

Na amostra, 24 crianças (33,8%) não conseguiram fixar os olhos para

acompanhar o objeto. O acompanhamento dos objetos pelo bebê é mais freqüente

no grupo de RM com um percentual de 78%, enquanto no grupo de TID&RM esse

percentual é de 50%. A razão de prevalência dessa variável é de 0,51 entre os

grupos TID&RM e RM, com IC de 95% (0,30-0,86).

Das 82 crianças, não conseguiram ouvir o chocalho uma percentagem de

42,3%, ou seja, 30 crianças. No grupo de RM, 31,7% não ouviu o chocalho nem

procurou a fonte sonora e 56,7% não ouviram o chocalho no grupo de TID&RM. A

razão de prevalência é de 0,56 para essa variável entre os grupos TID&RM e RM

com IC de 95% (0,32-0,97).

Cerca de 94,9% das crianças apresentam atraso no desenvolvimento

motor. No grupo de RM, o atraso no desenvolvimento motor representa um

percentual de 97,9% e no grupo de TID&RM 90,0%.

A variável agitação motora está presente em 21,9% das crianças. Essa

variável é mais comum no grupo de TID&RM, com um percentual de 37,9%,

enquanto que no grupo de RM o percentual é de 11,4%. A razão de prevalência

da agitação motora é de 2,18 entre os grupos TID&RM e RM com IC de 95%

(1,31-3,60).

INSERIR TABELA 3

DISCUSSÃO

A maioria das crianças com hipótese diagnóstica de RM e TID&RM foram

encaminhadas para o ADN com menos de dois anos de idade, o que em nosso

meio indica encaminhamento precoce para tratamento de tais patologias.

Normalmente, as crianças com RM só são diagnosticadas no período escolar (por

volta dos cinco anos) quando começam apresentar transtornos de aprendizagem,

à exceção dos casos de RM grave em que o encaminhamento é precoce. Esse é

um fato conhecido e muitos esforços têm sido feitos pela equipe de saúde mental

em vários países para a detecção e tratamento precoce do RM. O estudo da

evolução do RM em função do tempo em um pais onde há notificação do RM,

observou-se que é comum que exista um período em que as crianças

permanecem sem diagnóstico até alcançarem a idade escolar, principalmente no

RM leve (Baird et al, 1985). Quanto às crianças com TID&RM, apesar delas

apresentarem sinais de transtornos de interação social desde o primeiro ano de

vida, só são encaminhadas ao profissional de saúde mental quando lhes falta a

linguagem verbal, em torno dos três anos; essa já é uma idade tardia para o início

do tratamento. Muitos esforços têm sido feitos para o diagnóstico precoce em

vários paises, mas o diagnóstico é comprometido pela falta de informação nos

postos de saúde, escolas e setores de puericultura, que avaliam o

desenvolvimento motor, intelectual e perceptivo, mas não avaliam a qualidade da

interação social e da linguagem que possibilita o diagnóstico (Baron-Cohen, 1992).

Na diferença entre os grupos, o encaminhamento das crianças com RM foi mais

precoce do que o das crianças com TID&RM. Os casos de RM grave não estão

nesse grupo, portanto não são os responsáveis pela precocidade. Nos dois

grupos, o principal motivo de encaminhamento para o ADN foi o atraso no

desenvolvimento motor, porém em idades diferentes. Não foram realizados testes

que quantificassem ou qualificassem o atraso no desenvolvimento motor nos

grupos TID&RM e RM para explicar a diferença da faixa etária entre eles no

encaminhamento para o ADN. Esse atraso no desenvolvimento motor pode estar

mais evidente no RM e mais associado à expressão corporal no TID&RM. O bebê

sem vontade de interagir socialmente muitas vezes utiliza pouco o seu corpo ou o

utiliza de forma diferente do habitual, essa diferença na utilização corporal pode

evoluir para uma alteração no desenvolvimento motor.

A hipotonia foi o segundo maior motivo para o encaminhamento ao ADN no

grupo de RM. Esse sinal é importante, não só no RM como também no TID.

Muitas patologias podem levar a criança com RM a apresentar hipotonia; no TID, o

bebê apresenta com freqüência alteração no tônus, que é o responsável pelo

diálogo tônico precoce entre a mãe e o bebê (Kupfer, 2000).

O encaminhamento devido a prematuridade foi de 12,2%, entretanto,

encontramos na amostra uma proporção de prematuros de 36,5%. Isso significa

que algumas crianças foram encaminhadas por outros motivos e não pela

prematuridade. Esse resultado sugere um aprofundamento sobre a questão do

encaminhamento do prematuro para o profissional de saúde mental, pois não

sabemos quais foram os outros motivos desses dois terços encaminhados para o

ADN e se ele foi tardio ou não em relação ao terço que foi encaminhado pela

prematuridade. Enfim qual seria o papel da saúde mental junto aos prematuros?

Sabemos que esse grupo tem crescido devido ao avanço técnico-cientifico.

Na amostra, o encaminhamento pelo transtorno de fala foi de 8,5% das

crianças e representou o segundo motivo de encaminhamento para o ADN no

grupo de TID&RM. A percentagem de crianças encaminhadas para o ADN com

transtorno de fala é baixa, isso pode ser explicado pela faixa etária predominante

do grupo que é menor de dois anos de idade, época em que a linguagem verbal

ainda é pouco observada. No RM o atraso da fala acompanha o atraso no

desenvolvimento motor e no TID&RM acompanha o transtorno no

desenvolvimento da interação social, que se traduz muitas vezes por uma falta ou

impossibilidade no desejo de se expressar através da fala. Concluímos assim que

esse transtorno pode ser identificado na evolução das duas patologias mas por

motivos diferentes. Muitas vezes o diagnóstico diferencial se torna difícil porque a

falta de uso da fala pode levar a um atraso no desenvolvimento motor associado

aos fonemas.

Embora em nosso estudo não tenhamos encontrado diferença significativa

na distribuição de sexo do grupo TID&RM em relação ao grupo RM, clinicamente

existe uma diferença que talvez não tenha aparecido em função do tamanho

amostral. Porém, a prevalência maior do sexo masculino no grupo TID&RM pode

ser explicada pelas doenças associadas ao cromossomo X, como o autismo e o X-

frágil.

As variáveis sociais (idade da mãe no parto, escolaridade materna e apoio

paterno) influenciam a gestação e propiciam o nascimento de bebês prematuros e

com peso abaixo de 2500g (variáveis peri-natais). Essas variáveis sociais podem

denotar um grupo de gestante com pouca informação e orientação, o que pode

representar risco para morbidade perinatal. Então, mães com menos de 20 anos,

com baixa escolaridade e sem apoio paterno na gravidez estariam mais expostas

a partos prematuros, bebês de baixo peso e, conseqüentemente, a terem bebês

com RM (Kilsztajn, 2003).

Uma pesquisa em São Paulo, realizada entre 1980 e 2000, que analisou

quatro variáveis em função de baixo-peso e/ou pré-termo, concluiu que mães com

menos de 20 ou mais de 34 anos, não casadas, com 0 a 7 anos de estudo, devem

ser consideradas categoria de risco para baixo peso e/ou prematuridade (Kilsztajn,

2003).

Analisando a diferença de freqüência entre o grupo RM e TID&RM nessas

três variáveis, observa-se que na baixa escolaridade da mãe e na idade materna

abaixo de 20 anos e acima de 35 anos, a freqüência de ocorrência é maior no

grupo RM do que no TID&RM. Confrontando os dados de idade materna com os

dados coletados por Silva (2000), observamos uma freqüência de 26,1% e por

Silva (1997) uma freqüência de 11,7% de mães abaixo de 20 anos com filhos com

RM. Estudos mais específicos poderão elucidar melhor a associação entre a

gravidez abaixo de 20 anos, ou seja, em adolescentes e o RM.

Quanto à variável apoio paterno durante a gestação, a persistência da sua

ausência pode representar uma falta da função paterna e uma deficiência na

entrada do código cultural, isolando a criança do meio sócio-cultural sem a

linguagem verbal (Kupfer, 2000). Mas na nossa amostra essa variável não foi

representativa para os grupos, porque não foi significativa estatisticamente,

influenciando-os de forma homogênea.

Em relação às variáveis perinatais, a prematuridade e o baixo peso foram

mais freqüentes no grupo RM, mas não apresentaram significância estatística. A

prematuridade merece uma atenção especial nesse novo século, porque ela tem

aumentado de forma significativa por causa das cesáreas eletivas, tendendo a

aumentar também a prevalência de RM. As cesáreas eletivas estão associadas ao

RM devido à prematuridade, ao baixo peso ou mesmo a problemas congênitos.

Esse tipo de procedimento junto às unidades de terapia intensiva e os fatores

psico-sociais, como gestação abaixo de 20 anos, têm originado uma nova

população de RM. Apesar do avanço em perinatologia, a prematuridade continua

sendo a principal causa de morbidade neonatal. A taxa do parto prematuro eletivo

tem sido cada vez maior, porém as taxas de mortes peri-natais foram reduzidas, e

a expectativa atual é de uma análise para melhoria da morbidade (Rades, 2004).

As variáveis sociais e perinatais apresentam a sua especificidade, porém

não mostraram diferenças significativas entre os dois grupos. Isso nos leva a

concluir que essas especificidades estão presentes nos dois grupos em

proporções semelhantes, portanto homogeneizaram os grupos.

O índice de Apgar no 1º e 5º minuto após o nascimento é importante

parâmetro de avaliação do recém-nato. A variável, choro ao nascer, que é um dos

indicadores na avaliação do recém-nato, na distribuição entre RM e TID&RM não

foi significativa estatística nem clinicamente. Contudo, na amostra, uma

percentagem das crianças não apresentou o choro, o que representa um dado

importante para o desenvolvimento do bebê. Essa variável relacionada à ausência

de choro no nascimento, ausência do primeiro sinal de vida, “o grito primal”, pode

representar na vida psíquica da mãe transtornos ao desenvolvimento da interação

mãe-bebê, podendo confundir ou contribuir para os transtornos autísticos, portanto

para o diagnóstico de TID&RM. Na diferença entre os grupos, essa variável não foi

importante uma vez que ela está presente em proporções semelhantes.

A separação precoce entre mãe e bebê a partir da internação neonatal

pode significar um transtorno para o desenvolvimento da comunicação entre eles

(Lampreia, 2004). Esse transtorno pode confundir ou contribuir para os transtornos

autísticos, portanto para o diagnóstico de TID&RM. Essa variável, internação

neonatal apresentou uma maior freqüência no grupo de RM e a sua distribuição

entre os grupos não foi significativa. Isso nos mostra a presença homogênea

dessa variável nos dois grupos.

As variáveis relacionadas ao desenvolvimento da criança, no nosso estudo,

mostraram razões de prevalência significativamente menores que a unidade entre

TID&RM e RM. Isso significa que a prevalência dessas variáveis foi menor no

grupo de TID&RM que no de RM.

As variáveis: interação através do olhar, sorriso social e interação com

adultos mostraram uma associação importante nos grupos RM e TID&RM. A

interação do olhar mãe-bebê constitui um dos diálogos mais precoces da criança,

portanto muito importante na avaliação do TID&RM (Lampreia, 2004). O sorriso é

uma interação social que nos mostra o reconhecimento da face humana pelo bebê

(Spitz, 1987). A interação com o adulto, através do brincar compartilhado com

intencionalidade por parte da criança, tem uma expressão importante na

comunicação humana, portanto importante também para quem tem transtornos de

comunicação como as crianças do grupo TID&RM (Bosa, 2002).

A capacidade de fixar os olhos e acompanhar a movimentação dos objetos

e ouvir o chocalho procurando a fonte sonora fazem parte da interação com o

meio ambiente. A ausência dessas variáveis pode expressar uma falta de

interesse pelo ambiente externo, ou uma dificuldade em movimentar a cabeça, ou

uma deficiência visual ou auditiva (Gesell et al, 2002). As distribuições dessas

duas variáveis entre o TID&RM e o RM foram estatisticamente significativas. Isso

caracteriza a heterogeneidade dos grupos em relação as variáveis interacionais

com o ambiente no nosso estudo.

A variável atraso no desenvolvimento motor foi a mais freqüente das

variáveis na nossa amostra. Para distinguir os significados das variáveis

referentes ao desenvolvimento motor nas crianças de RM e de TID&RM, seria

necessária uma avaliação qualitativa ou quantitativa nos dois grupos. Muitas

vezes a dificuldade do atraso motor em crianças do TID&RM está relacionada à

expressão corporal e ao diálogo tônico (Ajuriaguerra et al, 1989).

A variável atraso na fala foi a segunda em freqüência na amostra.

A distribuição dessa variável entre os grupos RM e TID&RM não apresentou

significância estatística. Sabemos que o atraso ou ausência da fala existe tanto no

RM quanto no TID&RM. O estudo sobre o desenvolvimento da fala é bastante

complexo. Alguns teóricos acreditam que ela é um produto final de todo um

processo de desenvolvimento que aconteceu ou não anteriormente. Outros

acreditam em estruturas inatas (Lampreia, 2004).

Os variáveis atrasos no desenvolvimento motor e na fala poderão expressar

o atraso da aquisição motora típica do RM como o sentar, o engatinhar, o andar, o

falar e outros ou poderão representar uma dificuldade no comportamento interativo

social através do corpo e da fala, comum no TID&RM.

Em nosso estudo, a agitação psicomotora foi cerca de duas vezes maior no

grupo de TID&RM em relação ao RM. Embora essa condição varie muito em

função da faixa etária, no autismo infantil encontramos bebês muito calmos em

que a freqüência de agitação aumenta após três anos de idade. A hiperatividade

parece que muitas vezes está relacionada à falta de prazer que se impõe a partir

dos limites da deficiência com o meio ambiente.

CONSIDERAÇOES FINAIS

Esse estudo mostrou que as crianças com hipótese diagnóstica de RM e de

TID&RM foram encaminhadas ao ADN e logo após direcionadas ao serviço de

saúde mental em sua maioria com idade menor que dois anos. Demonstrou

também que o motivo principal do encaminhamento foi o atraso motor.

O perfil dos dois grupos se mostrou homogêneo em relação às variáveis

sociais e etiológicas do RM (do peri-parto e do pós-parto). Porém o perfil desses

mesmos grupos se mostrou heterogêneo em relação à faixa etária de

encaminhamento ao ADN e às variáveis de desenvolvimento da interação social e

ambiental. Isso nos sugere a hipótese de que as cinco variáveis relacionadas ao

desenvolvimento da interação social ou ambiental - Interagir com o olhar do

interlocutor, apresentar o sorriso social, interagir com o adulto, fixar o objeto e

acompanhar com o olhar e ouvir o chocalho e procurar a fonte sonora - possam

sugerir o diagnóstico diferencial entre RM e TID&RM nas crianças com atraso no

desenvolvimento motor.

Propomos novos estudos com essas cinco variáveis que diferenciaram os

grupos a fim de possibilitar ao profissional de saúde um melhor diagnóstico, uma

conduta terapêutica mais adequada e um impacto positivo na evolução do

desenvolvimento das crianças e de suas famílias.

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Tabela 1

Freqüência, p-valor e razão de prevalência com IC de 95% das variáveis sócio-demográficas associadas ao Retardo Mental (RM) e as variáveis relacionadas ao

motivo de encaminhamento para o ambulatório de desenvolvimento neuropsicomotor (ADN) associadas ao TID&RM e RM.

RM (1) TID (2) & RM (1) TOTAL RP (3) IC (4) 95% P (5)

TID&RM / RM

VARIÁVEL n % n % N % Idade de encaminhamento

≤ 6 meses 14 28,6 3 9,1 17 20,7 0,38 0,13-1,10 0,03

> 6 meses 35 71,4 30 90,9 65 79,3

Motivo de encaminhamento

Atraso no desen. Motor 28 57,1 19 57,6 47 57,3

Prematuridade 7 14,3 3 9,1 10 12,2

Hipotonia 8 16,3 2 6,1 10 12,2

Atraso na fala 2 4,1 5 15,2 7 8,5

Outros 4 8,2 4 12,0 8 9,8

Sexo

Feminino 23 46,9 10 30,3 33 40,2 1,55 0,85-2,81 0,10

Masculino 26 53,1 23 69,7 49 59,8

Escolaridade da mãe

< Ensino Fundamental 16 43,2 9 30,0 25 37,3 0,72 0,39-1,31 0,19

≥ Ensino Fundamental 21 56,8 21 70,0 42 62,7

Idade da mãe no parto

≤ 20 anos 12 29,3 5 16,1 17 23,6

- - - > 20 a 35 anos 24 58,5 25 80,7 49 68,1

> 35 anos 5 12,2 1 3,2 6 8,3

Apoio paterno durante a gestação

Sim 30 73,2 19 67,9 49 71,0 0,86 0,47-1,57 0,41

Não 11 26,8 9 32,1 20 29,0

(1) - Retardo Mental (2) - Transtorno Invasivos do Desenvolvimento

(3) - Razão de Prevalência (4) - Intervalo de Confiança

(5) - p-valor

Tabela 2

Freqüência, p-valor e razão de prevalência com IC de 95% das variáveis

associadas ao Retardo Mental (RM) e ao TID&RM.

RM (1) TID (2) & RM (1) TOTAL RP (3) IC (4) 95% P (5)

TID&RM / RM

VARIÁVEL n % n % N %

Tipo de parto

Normal 19 40,4 16 53,3 35 45,5 1,37 0,78-

2,40 0,19

Cesariana 28 59,6 14 46,7 42 54,5

Tempo de gestação

Termo 29 63,0 16 57,1 45 60,8

- - - Pré-termo 17 37,0 10 35,7 27 36,5

Pós-termo 0 0,0 2 7,1 2 2,7

Peso ao nascer

≤ 2500 g 17 37,0 7 24,1 24 32,0 0,68 0,33-1,36 0,18

> 2500 g 29 63,0 22 75,9 51 68,0

Chorou ao nascer

Sim 31 73,8 19 76,0

50 74,6 1,08 0,52-2,40 0,54

Não 11 26,2 06 24,0 17 25,4

Internação neonatal

Sim 21 48,8 10 33,3

31 42,5 0,68 0,37-1,23 0,14

Não 22 51,2 20 66,7 42 57,5

Icterícia neonatal

Sim 18 40,0 7 23,3

25 33,3 0,61 0,30-1,22 0,10

Não 27 60,0 23 76,7 50 66,7

(1) - Retardo Mental (2) - Transtorno Invasivos do Desenvolvimento

(3) - Razão de Prevalência (4) - Intervalo de Confiança

(5) - p-valor

Tabela 3

Freqüência, p-valor e razão de prevalência com IC de 95% das variáveis

associadas aos transtornos de interação precoce.

RM (1) TID (2) & RM (1) TOTAL RP (3) IC (4) 95% P (5)

TID&RM / RM

VARIÁVEL n % n % N %

Interage através do olhar

Sim 35 77,8 10 33,3

45 60,0 0,33 0,18-0,61 0,00

Não 10 22,2 20 66,7 30 40,0

Sorriso social

Sim 34 85,0 18 60,0

52 74,3 0,52 0,32-0,85 0,02

Não 6 15,0 12 40,0 18 25,7

Interage com adultos

Sim 35 79,5 8 25,8

43 57,3 0,26 0,13-0,50 0,00

Não 9 20,5 23 74,2 32 42,7

Atraso na fala

Sim 37 80,4 29 93,5

66 85,7 2,42 0,67-8,71 0,1

Não 9 19,6 2 6,5 11 14,3

Acompanhou objetos, fixando os olhos

Sim 32 78,0 15 50,0

47 66,2 0,51 0,30-0,86 0,01

Não 9 22,0 15 50,0 24 33,8

Ouviu chocalho e procurou a fonte

Sim 28 68,3 13 43,3

41 57,7 0,56 0,32-0,97 0,03

Não 13 31,7 17 56,7 30 42,3

Atraso no desenvolvimento motor

Sim 47 97,9 27 90,0

74 94,9 0,49 0,27-0,92 0,16

Não 1 2,1 3 10,0 4 5,1

Agitação motora

Sim 5 11,4 11 37,9

16 21,9 2,18 1,31-3,60 0,01

Não 39 88,6 18 62,1 57 78,1

(1) - Retardo Mental (2) - Transtorno Invasivos do Desenvolvimento

(3) - Razão de Prevalência (4) - Intervalo de Confiança

(5) - p-valor