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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ (UFPI) Núcleo de Referência em Ciências Ambientais do Trópico Ecotonal do Nordeste (TROPEN) Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (MDMA) AGROTÓXICOS : DO USO AOS AGRAVOS À SAÚDE DO TRABALHADOR RURAL DE BOM JESUS-PI JORGENEI DE ALVES DE MORAES TERESINA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

(UFPI)

Núcleo de Referência em Ciências Ambientais do Trópico Ecotonal do Nordeste

(TROPEN)

Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente

(PRODEMA)

Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente

(MDMA)

AGROTÓXICOS : DO USO AOS AGRAVOS À SAÚDE DO TRABALHADOR RURAL DE BOM

JESUS-PI

JORGENEI DE ALVES DE MORAES

TERESINA

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2007 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

Núcleo de Referência em Ciências Ambientais do trópico Ecotonal do Nordeste

(TROPEN)

Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA)

Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente

(MDMA)

JORGENEI DE ALVES DE MORAES

AGROTÓXICOS: DO USO AOS AGRAVOS Á SAÚDE DO TRABALHADOR RURAL DE BOM JESUS-PI

Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piauí (PRODEMA/UFPI/TROPEN) como requisito para obtenção do título de mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Área de Concentração: Desenvolvimento do Trópico Ecotonal do Nordeste. Linha de Pesquisa: Política de Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Orientadora: Profª Drª Maria do Socorro Lira Monteiro

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TERESINA

2007

JORGENEI DE ALVES DE MORAES

AGROTÓXICOS: DO USO AOS AGRAVOS Á SAÚDE DO

TRABALHADOR RURAL DE BOM JESUS-PI

Dissertação aprovada no Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piauí (PRODEMA/UFPI/TROPEN) como requisito para obtenção do título de mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Área de Concentração: Desenvolvimento do Trópico Ecotonal do Nordeste. Linha de Pesquisa: Política de Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Teresina, 13 de junho de 2007

________________________________________________________ Profª Drª Maria do Socorro Lira Monteiro

Universidade Federal do Piauí (PRODEMA/UFPI)

________________________________________________________ Prof Dr Rogério César Pereira de Araújo

Universidade Federal do Ceará (PRODEMA/UFC)

________________________________________________________ Prof. Dr. José Luís Lopes de Araújo

Universidade Federal do Piauí (PRODEMA/UFPI)

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AGRADECIMENTOS

Os anos são degraus. Concluo esta Dissertação na melhor fase de minha vida.

Nesse momento, sinto-me grato a TODOS e, de forma especial, não poderia deixar de

lembrar:

De minha família, que sempre esteve do meu lado, e nela vejo a presença da

Rosário, minha mulher, de minha mãe, Maria Alves, dos meus filhos Kledston, Aristóteles

e Vinícius, além da Gerlene, Katiúscia e Renara, que representam a legião de todos os

meus sobrinhos e sobrinhas.

Agradeço o empenho e a dedicação que tive de minha orientadora, Prof.ª

Socorro Lira, uma das maiores entusiastas que encontrei no curso de Mestrado, sempre me

incentivando a reescrever, sendo imperdoável na correção textual. Graças às suas

exigências extremistas e depois daqueles momentos que dá vontade de jogar tudo para o ar,

posso dizer que valeu a pena.

Estendo os agradecimentos aos colegas da Secretaria Estadual de Saúde, por

intermédio da Diretoria de Vigilância Sanitária / Centro de Referência em Saúde do

Trabalhador (CEREST) que, sob o comando de uma grande figura humana, Tatiana

Chaves, deram-me total apoio neste estudo, que passou a ser uma das plataformas do

referido Centro.

À turma, selecionada no mestrado 2005/2007, uma seleção de pessoas

maravilhosas, composto pela Elida, Bartira, Marcelo Dante, Raimundo, Fátima, Luciana,

Tranvanvan, Nilson, José Carlos e Alessandra.

Aos professores Gerson Alburquerque, Rogério César, Lúcia Rosa e José Luís,

pela presteza em atender bem a todos.

E, por fim, fica a lembrança da nossa equipe de campo e das viagens cheias de

surpresas a Bom Jesus na companhia de Cristiane Miranda, Antônio Kantuário, Eduardo

Pobro, Fabrício Amaral, Cleide Hipólito e Alessandra Hipólito, Vera Regina e Vera

Gaudino.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Classificação toxicológica dos agrotóxicos, segundo a DL50 da faixa nos rótulos das embalagens ....................................................................................................

35

Tabela 2 Relação entre tipos de exposição a agrotóxicos, sinais e sintomas clínicos presentes ................................................................................................................

41

Tabela 3 Distribuição da população estudada em Bom Jesus ............................................. 70

Tabela 4 Distribuição da escolaridade na população estudada em Bom Jesus ..................... 71

Tabela 5 Alterações dos níveis da TGO, TGP e AChE/BChE encontrados nos agricultores dos baixões e das fazendas de soja .........................................................................

94

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Mapa do Estado do Piauí, destacando o município de Bom Jesus ..............61

Figura 2 Distribuição dos agricultores entrevistados quanto ao tipo de relação

de trabalho ...................................................................................................73

Figura 3 Agrotóxicos mais utilizados pelos agricultores de Bom Jesus, segundo

a classificação química ................................................................................85

Figura 4 Realização prévia de avaliação clínica dos casos de contaminação

por agrotóxicos ............................................................................................90

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SIGLAS E ABREVIATURAS

AChE Acetilcolinesterase Eritrocitária

AEPS Anuário Estatístico da Previdência Social

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

BchE Acetilcolinesterase Plasmática

BÜNGE Empresa Multinacional Processadora de Grãos de Soja no Cerrado Piauiense

BASF Empresa Multinacional Fabricante de Agrotóxicos

CAT Comunicação de Acidente do Trabalho

CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social

CENEPI Centro Nacional de Epidemiologia

CEPRO Centro de Pesquisas Econômicas Sociais do Piauí

CEREST Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador

CFM Conselho Federal de Medicina

CNS Conselho Nacional de Saúde

DATASUS Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde

DDE Inseticida Organoclorado Composto por Dicloro-Defenil-Eticloro

DDT Inseticida Organoclorado Composto por Dicloro-Difenil-Tricloroetano

DL50 Dose Letal Suficiente para Matar 50% de um Lote de Animais em Estudo

DORT Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho

EBDC Fungicida Dietilditiocarbamato não Sistêmico

EGF Entrevista Guiada pelos Fatos

EMATER Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural

EPI Equipamento de Proteção Individual

FUNASA Fundação Nacional de Saúde

GAMA GT Enzima Sérica que se Origina Primordialmente do Sistema Hepato Biliar

IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCA Instituto Nacional do Câncer

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

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INPEV Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias

INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

LACEN Laboratório Central do Piauí

LER Lesão por Esforço Repetitivo

LOS Lei de Organização Social

LT´s Limites de Tolerância ao Uso de Agrotóxicos

MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social

MP Ministério Público

MS Ministério da Saúde

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

NOAS Norma Operacional de Assistência à Saúde

NOB Norma Operacional Básica do SUS

NR Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego

NRR Norma Regulamentadora Rural do Ministério do Trabalho e Emprego

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMS Organização Mundial de Saúde

ONG Organização Não-Governamental

OPAS Organização Pan-americana de Saúde

PCP Sais Pentaclorofenol

PEA População Economicamente Ativa

PIAT Programa Integrado de Assistência aos Acidentados do Trabalho

PIB Produto Interno Bruto

PLANFOR Programa Nacional de Educação e Qualificação Profissional na Saúde

PND Programa Nacional de Desenvolvimento

PRONAF Programa Nacional de Agricultura Familiar

RA Receituário Agronômico

SIA/SUS Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS

SAS Secretaria de Assistência Social

SDR Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural

SEDUC Secretaria Estadual de Educação

SEMAR Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis

SESAPI Secretaria Estadual de Saúde do Piauí

SESMT Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho

SINDAG Sindicato dos Produtores de Defensivos Agrícolas

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SINITOX Sistema Nacional de Informações Toxicológicas

SNCR Sistema Nacional de Crédito Rural

SUS Sistema Único de Saúde

T3/T4/ TSH Dosagens de Hormônios da Tireóide

TGO Transaminase Glutâmico Oxalacética

TGP Transaminase Glutâmico Pirúrvico

UESPI Universidade Estadual do Piauí

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UFPI Universidade Federal do Piauí

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RESUMO

Os agrotóxicos estão entre os mais importantes fatores de risco para a saúde dos trabalhadores e para o meio ambiente. Estima-se que cerca de 2,5 a 3 milhões de toneladas de defensivos agrícolas são utilizadas no mundo a cada ano na agricultura, envolvendo um comércio de aproximadamente U$$ 20 bilhões de dólares. No Brasil, o consumo desses produtos encontra-se em franca expansão, sendo responsável por 50% do total de uso na América Latina, fato que coloca a nação brasileira em quarto lugar no ranking dos países consumidores de praguicidas. Reconhece-se que o incremento do uso dessas substâncias no Piauí decorre da expansão da produção de grãos em implementação nos cerrados, em particular, a soja. Dentre os municípios que integram os cerrados piauienses, estuda-se Bom Jesus devido à progressiva incorporação ao processo de modernização agrícola e por ser o único município da região a abrigar uma central de recepção de embalagens vazias de agrotóxicos. Nessa perspectiva, analisam-se os impactos do continuado uso de agrotóxicos à saúde dos trabalhadores rurais, para tanto, caracteriza-se a área de estudo e a população-alvo. Realiza-se uma pesquisa de campo sistematizada com a aplicação de questionários socioepidemiológicos e coletas de amostras de sangue para análise laboratorial. A pesquisa demonstrou evidências de índices positivos de contaminação ocupacional ocorridos por intermédio da percepção do risco, do processo de comunicação, das condições socioeconômicas dos agricultores e ausência de um protocolo de atenção à saúde dos trabalhadores expostos aos agrotóxicos no que se refere à identificação, diagnóstico e tratamento dos casos de contaminação por defensivos agrícolas. Palavras-chave: Agrotóxicos; Meio ambiente; Saúde do trabalhador; Cerrado Piauiense

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ABSTRACT

The agrotoxics are among the most important risk factors for the workers' health and for the environment. They is considered that about 2,5 to 3 million of tons of defensive agricultural they are used in the world every year in the agriculture, involving a trade of approximately U $$20 billion dollars. In Brazil, the consumption of those products is in frank expansion, being responsible for 50% of the use total in Latin Americ, fact that places the Brazilian nation in fourth place in the ranking of the consuming countries of praguicidas. The increase of the use of those substances in Piauí is resulting of the expansion of the production of grains in implementacion in the savannahs, in matter the soy. Among the municipal districts that integrate the savannahs of Piauí, Bom Jesus is studied due to progressive incorporation to the process of agricultural modernization and for being the only municipal district of the area to shelter a headquarters of reception of empty packings of agrotoxics. In that perspective the use of agricultural praguicidas is verified aiming at to analyze the impact of the effects of the exhibition of the same ones to the rural workers' subject of this research health, that it was preceded by extensive bibliographical rising, characterization of the study area and of the population objective and field research systematized with the application of questionnaires sócioepidemiológicos and collections of samples of blood for analysis laboratorial. The study to evidences of positive indexes of occupational contamination happened through the perception of the risk, of the process of the farmers' comunication,of the conditions socio-economics and absence of a protocol of attention to the health of the exposed workers to the agrotoxic in what refers to the identification, diagnosis and treatment of the cases of contamination for defensive agricultural.

Key-words: Agrotoxics; Environment; The worker's health; Savannah Piauiense

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................................... 04

ABSTRACT ..................................................................................................................... 05

LISTA DE FIGURAS ..................................................................................................... 06

LISTA DE TABELAS...................................................................................................... 09

SIGLAS E ABREVIATURAS......................................................................................... 10

1INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 13

1.1 Antecedentes históricos dos agrotóxicos na produção agrícola brasileira............ 14

1.2 Estrutura da dissertação ........................................................................................... 16

2 RISCOS, FATORES DE RISCOS E DANOS............................................................ 18

2.1Teoria do risco ............................................................................................................ 18

2.2 Construção social do risco ........................................................................................ 19

2.3 Os limites do limite da tolerância ............................................................................ 21

2.3.1 Natureza científica dos limites de tolerância ............................................................ 22

2.4 Interpretação contra-hegemônica de riscos, fatores de riscos e danos ................. 26

293 AGROTÓXICOS ....................................................................................................... 293.1 Conceituação de agrotóxicos e contextualização histórica ....................................

3.2 Modernização da agricultura no Brasil e os agravos à saúde do trabalhador provocados pelo uso de agrotóxicos ........................................................................ 31

3.3 Condições de saúde humana: clínica, toxicológica e epidemiológica ............................. 333.4 Classificação toxicológica dos agrotóxicos: princípios ativos ................................ 343.5 Destinação final das embalagens de agrotóxicos .................................................... 42

44 4 ATENÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR NO SUS ...........................................

4.1 Saúde pública e saúde do trabalhador .................................................................... 444.2 Arranjos institucionais para as ações de saúde do trabalhador ............................ 454.3 Financiamento da atenção à saúde do trabalhador e a capacitação de recursos

humanos ...................................................................................................................... 53554.4 Os profissionais de saúde na atenção à saúde dos trabalhadores .........................

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575 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................................. 575.1 Dados secundários...................................................................................................... 575.2 Dados primários..........................................................................................................605.2.1 Processo de análise clínica-laboral........................................................................ 635.2.1.1 Formatação dos questionários.............................................................................

5.3 Caracterização do município de Bom Jesus............................................................. 63

6 AGRAVOS À SAÚDE DOS TRABALHADORES DE BOM JESUS EXPOSTOS AOS AGROTÓXICOS .......................................................................... 69

6.1 Faixa etária e níveis de escolaridade ....................................................................... 696.2 Relações de trabalho entre os agricultores de Bom Jesus....................................... 726.3 Uso de tecnologia ....................................................................................................... 776.3.1 Utilização de agrotóxicos e a consciência do risco ............................................... 786.3.2 Uso de agrotóxicos na agricultura de Bom Jesus ................................................ 796.3.3 Agrotóxicos utilizados na agricultura de Bom Jesus, segundo a classificação

química ................................................................................................................... 856.4 Pesquisa com médicos dos municípios de Bom Jesus e Teresina ......................... 896.5 Análises laboratoriais das amostras coletadas ........................................................ 93

977 CONCLUSÕES .............................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 100107ANEXOS ........................................................................................................................

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1 INTRODUÇÃO

Quase sete anos já se passaram do início do novo milênio e ainda um grande

desafio atinge a humanidade: a produção de alimentos para toda a população. As áreas

agricultáveis estão disputando espaço com a expansão da urbanização e industrialização.

Ademais, identifica-se a erosão e exaustão das terras exploradas com a agricultura. Logo,

esse panorama gestou as condições para incentivar o incremento da produtividade agrícola,

através do cultivo em grandes extensões, alicerçadas no uso progressivo de agrotóxicos.

Assim, além dos praguicidas tornarem-se indispensáveis ao modelo agrícola em

implementação, são um dos principais poluentes químicos em difusão no planeta, devido

às indústrias produtoras e exportadoras situarem-se na Europa e nos Estados Unidos, e os

países em desenvolvimento, em processo de expansão das fronteiras agrícolas, serem os

maiores compradores.

O crescimento da demanda por pesticidas justifica-se por seus ingredientes ativos

possuírem amplo espectro, pois são usados na agricultura e em diferentes situações urbanas

e rurais, como no controle de pragas em jardins, diminuição de insetos, especialmente

cupins e populações de ratos, eliminação de fungos em ambientes fechados, tratamento de

madeiras, armazenamento de grãos e sementes e no combate às endemias e epidemias.

No entanto, a utilização de substâncias visando à erradicação de pragas e doenças

presentes na agricultura não é recente. Civilizações antigas usavam enxofre, arsênico e

calcário no controle de insetos e roedores que destruíam plantações e alimentos

armazenados. De acordo com Garcia (1996), substâncias orgânicas, como a nicotina

extraída do fumo, já eram empregadas.

Em conformidade com Meirelles (1996), o intenso desenvolvimento da indústria

química a partir da II Revolução Industrial de fins do século XIX determinou o incremento

na pesquisa e produção dos produtos agrotóxicos. Porém, a produção em escala industrial

iniciou-se em 1930, ampliando-se na década de 1940 com o surgimento de diversos grupos

químicos. Atualmente, existem pelo menos 3.500 ingredientes ativos de agrotóxicos,

distribuídos em 35.000 diferentes produtos no mercado mundial.

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1.1 Contextualização do uso de agrotóxicos na produção agrícola brasileira

Desde a década de 1950, com a Revolução Verde centrada na introdução de novas

tecnologias, como os agentes químicos, disponibilizados para o controle de doenças,

aumento da produtividade e proteção contra insetos e outras pragas, observaram-se

profundas mudanças no processo de trabalho na agricultura, bem como impactos sobre o

ambiente e a saúde humana. Entretanto, tais mudanças não foram acompanhadas pela

implementação de programas de qualificação da força de trabalho, sobretudo nos países em

desenvolvimento, expondo as comunidades rurais a um conjunto de riscos ainda

desconhecidos.

Dados do Ministério da Agricultura e Abastecimento (2005), estimam que cerca de

2,5 a 3 milhões de toneladas de defensivos agrícolas são utilizados a cada ano na

agricultura, envolvendo um comércio de aproximadamente U$$ 20 bilhões.

De acordo com o Sindicato dos Produtores de Defensivos Agrícolas- SINDAG

(2005), no Brasil o consumo desses produtos encontra-se em franca expansão, sendo

responsável por 50% do total de agrotóxicos usados na América Latina, ocupando, por

conseguinte, o quarto lugar no ranking das nações consumidoras de praguicidas.

Em conformidade com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis – IBAMA (2005), o consumo de agrotóxicos e afins por área plantada

(kg/ha/princípio ativo) na região nordestina está estimado em 3,5 kg, podendo atingir

valores superiores em áreas que apresentam elevada produtividade. Este montante de

praguicida tem a capacidade de gerar significativa carga tóxica ao contatar-se com a

natureza.

A expansão da produção de grãos em implementação nos cerrados piauienses, em

particular a soja, apresenta-se como fator preponderante para o progressivo uso de

pesticidas, haja vista que a venda legal destes produtos no Estado, em 1994, foi de 08

toneladas, e em 2005, atingiu 165 toneladas, representando um crescimento de 2.062%.

Desse total, 65% foram destinados para o cerrado. (SDR, 2005)

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1Dentre os municípios que integram os cerrados piauienses , estudou-se Bom Jesus,

devido à incorporação ao processo de modernização agrícola, que, segundo Martine

(1991), caracteriza-se pelo uso intensivo de máquinas e insumos modernos, pela

introdução de novas tecnologias, método de plantio, tratos culturais e processo de colheita

sofisticado, além de ser o único da região a abrigar uma das duas centrais de recepção de

embalagens vazias de agrotóxicos, já que a outra se localiza em Teresina.

Segundo o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens – INPEV (2005),

somente neste ano a Central de Recepção de Bom Jesus enviou para o referido Instituto

mais de 25 toneladas de embalagens vazias, montante significativo para o primeiro ano de

pleno funcionamento da Central, não obstante representar apenas 40% do total dos

produtos comprados, que foi da ordem de 62,5 toneladas.

A progressiva utilização dessas substâncias, o desconhecimento dos riscos

associados ao seu uso, o conseqüente desrespeito às normas básicas de segurança, a livre

comercialização, a pressão comercial por parte das empresas produtoras e distribuidoras

associados aos problemas sociais do meio rural constituem importantes causas do agravo

dos quadros de contaminação humana e ambiental identificados no Brasil. Acrescentem-se,

ainda, a deficiência da assistência técnica ao homem do campo, a dificuldade de

fiscalização do cumprimento das leis e a transferência da culpa para os trabalhadores pelo

não cumprimento de regras da correta utilização de agrotóxicos. (OLIVEIRA SILVA et

al., 2000)

Conforme o Sistema Nacional de Informações Toxicológicas – SINITOX (2005), a

magnitude desse impacto pode ser depreendida a partir dos dados do Ministério da Saúde,

ao explicitar que em 2005 ocorreram 18.904 casos de intoxicações por agrotóxicos, dos

quais 1.892 (10,25%) foram notificados. Tais dados, entretanto, não refletem a real

dimensão da problemática, uma vez que advêm de Centros de Controle de Intoxicações,

situados em áreas urbanas, inexistentes em várias regiões produtoras importantes ou de

difícil acesso para muitas populações rurais.

Nesse sentido, Farias (2004) demonstrou que os níveis de contaminação

ocupacional por agrotóxicos em áreas rurais brasileiras variam de 3 a 23%. Levando-se em

1 Uruçui, Ribeiro Gonçalves, Baixa Grande do Ribeiro, Santa Filomena, Antônio Almeida, Bertolínea, Landri Sales, Manoel Emídio, Marcos Parente, Corrente, Cristalândia, Barreira do Piauí, Bom Jesus, Crisitino Castro, Gilbués, Monte Alegre do Piauí, Palmeira do Piauí, Currais,Eliseu Martins, Redenção do Gurguéia, Santa Luz, Floriano, Guadalupe, Itaueira e Jerumenha.

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conta que o número de trabalhadores envolvidos com a atividade agropecuária no Brasil,

em 2005, era estimado em 23 milhões, e aplicando-se o menor percentual de

contaminação, tem-se aproximadamente 690.000 indivíduos contaminados e 5.000 mortes

por ano. Além disso, estes números não consideram o impacto indireto resultante da

utilização dessas substâncias químicas. Dessa forma, questiona-se se a moderna produção

de soja nos cerrados piauienses, com o conseqüente uso intensivo de agrotóxicos estaria

causando agravos à saúde dos trabalhadores rurais de Bom Jesus?

A partir dessa problemática, a hipótese deste estudo centra-se em que os agravos à

saúde dos trabalhadores, potencialmente expostos aos agrotóxicos, são decorrentes do

modelo imperativo e cotidiano de seu uso para combater as pragas e doenças da

agricultura, que ameaçam a produção e a produtividade e pela incipiente assistência

institucional, seja à saúde ou à educação.

Com o propósito de constatar a hipótese anunciada, objetivou-se investigar o

impacto do uso de agrotóxicos à saúde dos trabalhadores rurais no município de Bom

Jesus. Para tanto, recorreu-se à Teoria dos Riscos, a fim de internalizar as condições de

geração e a reação dos trabalhadores frente aos riscos e danos no processo de produção,

como também realizou-se uma avaliação clínica/laboratorial e uma pesquisa de campo por

meio de 02 (dois) questionários: o primeiro aplicado em 60 (sessenta) agricultores dos

baixões da Serra do Quilombo assistidos pelo Programa Nacional da Agricultura Familiar

(PRONAF) e 27 (vinte e sete) trabalhadores de 09 (nove) fazendas de soja. O segundo

questionário foi aplicado em 12 (doze) médicos de Bom Jesus e em igual número com

médicos de Teresina, com a finalidade de identificar o nível de familiaridade destes

profissionais com os casos de intoxicação por pesticidas.

Neste sentido, ressalte-se que a importância deste estudo reside no fato de

investigar a vida laboral dos trabalhadores dos cerrados piauienses, em particular de Bom

Jesus, que se encontram rotineiramente expostos aos efeitos dos agroquímicos, cujas

conseqüências para a saúde poderão ser irreversíveis e, que até então não havia sido foco

de análise.

1.2 Estrutura da dissertação

Para melhor compreensão da temática proposta, a dissertação encontra-se

organizada em 07 (sete) capítulos. No capítulo 1 (Introdução), apresentam-se a

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problemática, a hipótese e estruturação da mesma. O segundo explicita o estudo da arte das

categorias de risco, fatores de riscos e danos, evidenciando as principais diferenças

paradigmáticas existentes entre as abordagens tradicionais e as propostas pela

Epidemiologia Social/Epidemiologia Crítica.

O terceiro capítulo versa sobre os agrotóxicos e suas conseqüências para a saúde

humana, além de apresentar a legislação brasileira sobre o uso de defensivos agrícolas com

vistas à análise comparativa entre o que é prescrito por esta e a ação empírica resultante da

pesquisa de campo. O quarto capítulo trata do debate envolvendo a saúde do trabalhador e

sua inter-relação com o Sistema Único de Saúde (SUS)2. O quinto explicita o

procedimento metodológico. O sexto capítulo analisa as condições de exposição aos

agrotóxicos dos trabalhadores rurais do município de Bom Jesus, e o sétimo apresenta as

conclusões obtidas ao longo da execução de toda a investigação.

2 O SUS foi instituído pela Contituição Federal de 1998, constituindo-se no conjunto de ações e serviços de saúde prestados por ógãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais da administração direta e indireta das fundações mantidas pelo poder público do país com a competência, entre outras atribuições, de executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendendo o ambiente de trabalho e participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento. (CF, 1988, art 198 e 200, incisos II,IV, VIII)

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2 RISCOS, FATORES DE RISCOS E DANOS

Demonstra-se neste capítulo que a análise dos riscos, fatores de riscos e danos

centrada num processo de internalidade em relação ao trabalho com o uso de agrotóxicos,

diferentemente da abordagem tradicional, agrega conhecimentos tanto no que se refere à

situação que a produz, à reação dos trabalhadores frente a eles, como também ao melhor

entendimento dos danos à saúde provocados pelo trabalho.

Metodologicamente, dividiu-se este capítulo em itens. O primeiro aborda a

construção social do risco, a partir do enfoque de Beck (1992); o segundo versa sobre os

limites de tolerância e sua natureza científica; e o terceiro expõe a interpretação contra-

hegemônica de riscos, fatores

e danos.

2.1 Teoria do Risco

O sociólogo alemão Beck (1992), no seu livro intitulado “Sociedade do Risco”, faz

um diagnóstico sobre a sociedade em seus diversos momentos históricos até chegar ao

momento atual (sociedade pós-moderna), em cujo contexto trabalha com a palavra

“riscos”, em suas várias dimensões. Parte-se da idéia de que, em toda a história da

humanidade, os mesmos sempre existiram, porém, em grau e extensão diferentes, posto

que, num primeiro momento, tratava-se de riscos pessoais; num segundo momento, mais

especificamente na sociedade moderna clássica, os riscos atingiram uma proporção maior,

vindo a afetar a coletividade, devendo-se a isso, à falta/deficiência do suprimento de algo,

como, por exemplo, da falta de higienização que propiciava o surgimento de epidemias,

etc; na sociedade pós-moderna o quadro é outro, os riscos com maior extensão atingem a

sociedade, principalmente por excesso de produção industrial, como, por exemplo, o

excesso de poluentes que atingem a camada de ozônio, o meio ambiente como um todo,

comprometendo assim, as gerações contemporâneas e futuras.

O referido autor delimita o enfoque do mundo moderno em dois momentos:

primeira modernidade/industrial, caracterizada por uma sociedade estatal e nacional,

estruturas coletivas, pleno emprego, rápida industrialização, exploração da natureza não

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"visível”, com raízes nas várias revoluções políticas e industriais, a partir do século XVIII

e segunda modernidade ou modernização da modernização ou ainda modernidade

reflexiva, com início a partir do fim do segundo milênio. A denominação reflexiva decorre

do fato de que as premissas, as contradições, os desacertos da fase anterior, devem ser

refletidos e projetados na busca da construção de uma nova sociedade com linhas de

coerência e de continuidade, mais precisamente como produto de uma construção crítico-

dialética.

2.2 Construção social do risco

Na perspectiva proposta, os riscos/fatores de risco e danos são compreendidos

como expressão das tecnologias e equipamentos adotados, do processo de manutenção

desses equipamentos, da organização e da divisão do trabalho e da intervenção dos

trabalhadores nos locais de trabalho, onde freqüentemente se desenvolvem ações de ajustes

nos processos.

Aparentemente, as categorias risco, fatores de risco e danos parecem elementares.

Porém, quando estudadas e aplicadas às condições reais de trabalho, tornam-se bastante

complexas, formando uma construção social, e, como tal, “é o resultado das relações de

forças e dos valores da sociedade na qual se inscreve.” (VOGLI, 1995, p.13)

Dessa forma, ao longo dos tempos, a análise das referidas categorias ocorreu sob

diferentes concepções paradigmáticas. Logo, compreendê-las é fundamental, pois

expressam as distintas maneiras de estudar, pesquisar e intervir sobre o processo saúde e

doença na sua relação com o trabalho.

Assim, de acordo com Covello e Merkhofer (1993, p. 35), risco consiste na

“possibilidade de perda ou dano e a probabilidade de que tal perda ou dano aconteça.” Ou

seja, implica a presença da possibilidade de um dano ocorrer e na probabilidade de

ocorrência de um efeito adverso, isto é, situação ou fator de risco que se referem a “uma

condição ou um conjunto de circunstâncias que tem o potencial de causar um efeito

adverso”.

Portanto, risco é um conceito abstrato, não observável, enquanto fator de risco ou

situação de risco é um conceito concreto, verificável, objetivado e materializado.

Reconhecer os riscos significa identificar, nos locais de trabalho, fatores ou situações com

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potencial de dano. Por conseguinte, avaliar o risco é estimar a probabilidade e a gravidade

do dano. (TRIVELATO, 1997)

Em conformidade com Laurell & Noriega (1989, p. 110), nas abordagens

dominantes, chamadas de tradicionais ou hegemônicas, os riscos/fatores de riscos são

compreendidos como,

[...] elementos isolados entre si e da dinâmica global do processo de trabalho, estando, na maioria das vezes, ligados aos comportamentos dos trabalhadores que insistem em não cumprir os procedimentos estabelecidos. Nessa linha de pensamento, as razões que levam os trabalhadores a adotarem tal conduta, não encontram explicação na realidade cotidiana do trabalho, estando, acima de tudo, relacionadas com questões de natureza pessoal, isto é, buscam guarida nas características psicológicas, educativas, nos problemas familiares, etc.

A partir dessa compreensão, o reconhecimento e a avaliação dos riscos e fatores de

riscos caracterizam-se por um processo sistemático de descrição e quantificação de

substâncias, processos, ações ou eventos perigosos. No processo investigatório, deve-se

estabelecer a fonte do agente de risco, intensidade, freqüência, duração da exposição e o

perfil da população exposta e da relação entre a exposição e as conseqüências para a saúde

e o meio ambiente. Contemporaneamente, novos aspectos foram acrescentados a essa

temática: a observação do trabalho e a necessidade de se considerar a participação dos

trabalhadores nos processos de avaliações de riscos.

Porém, salienta-se que a abordagem tradicional absorve os dois aspectos, sem,

contudo, articulá-los ao processo de trabalho, mantendo, assim, uma atitude de

externalidade em relação às situações concretas de trabalho. Nessa situação, a observação

do trabalho manifesta claramente um caráter fiscalizador, na medida em que busca,

essencialmente, checar o cumprimento dos procedimentos prescritos, resultando em que a

presença dos riscos/fatores de riscos está fundamentalmente relacionada ao não

cumprimento, por parte dos trabalhadores, dos procedimentos técnicos e operacionais

estabelecidos.

Ou seja, não há um processo de interação com os trabalhadores no sentido de se

conhecer e entender as condições específicas sobre as quais laboram, visando atender os

objetivos da produção. Tal compreensão predomina na operacionalização de várias

disciplinas, como Medicina do Trabalho, Saúde Ocupacional, Higiene Industrial,

Engenharia e Segurança do Trabalho, Toxicologia Ocupacional, Epidemiologia

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Ocupacional etc., nas quais o reconhecimento e a análise de riscos nos postos de trabalho

centram-se no estabelecimento de um catálogo de riscos profissionais cientificamente

comprovados. Logo, as doenças causadas pelo trabalho são limitadas àquelas relacionadas

com a presença de riscos químicos, físicos, biológicos ou ergonômicos que, uma vez

identificados e devidamente medidos, são controlados a partir de medidas de engenharia.

2.3 Os limites do limite da tolerância

Ancoradas nas abordagens hegemônicas de risco e fatores de risco, a Toxicologia

Ocupacional e a Higiene Industrial desenvolveram o conceito de dose segura, tendo como

um dos pilares o enunciado de Paracelsus (1493 a 1541): todas as substâncias são

perigosas... a dose certa diferencia o veneno do remédio, que consiste no suporte científico

para a definição do Limite de Tolerância (L.T.) uma vez que, segundo a legislação

brasileira, deve ser compreendido como a concentração ou intensidade máxima ou mínima,

relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causará dano à

saúde do trabalhador, durante a sua vida laboral. (MTE-NR N.º 15, Portaria 3214)

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2005, p. 9), a função dos limites

e possibilidades do L.T. consiste em proteger a saúde dos trabalhadores, haja vista que o

enfoque dominante entende que “os riscos profissionais de caráter físico, químico e

biológico, quando superam os limites de tolerância, são fatores reconhecidos de

enfermidades profissionais.” Esse entendimento manifesta o primeiro questionamento em

relação às funções dos L.T.’s, uma vez que considera que o adoecimento causado pelo

trabalho só surgiria quando tais limites estivessem acima do permitido.

O segundo questionamento assenta-se em que os riscos presentes no trabalho não

devem ser compreendidos de forma estanque, desarticulados da dinâmica cotidiana dos

processos de trabalho, onde, a cada instante, a concentração de uma determinada

substância poderá estar sendo modificada, seja por problemas no processo, por questões

ligadas às matérias-primas ou à ação dos trabalhadores. Destarte, observa-se que nos

espaços concretos de trabalho, o humano e o material coexistem em permanente processo

de interação, isto é, a ação do homem sobre seu objeto de trabalho modifica constante e

dinamicamente sua situação imediata de trabalho e, portanto, o status do risco ao qual está

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exposto. Por conseguinte, infere-se que é exatamente esta variabilidade e suas razões que

não são apreendidas pelas disciplinas mencionadas.

O terceiro questionamento considera que o L.T., devidamente controlado, só

protegerá a saúde dos trabalhadores durante sua vida laboral, expressando uma

inquietação frente aos efeitos crônicos, já que muitas doenças, especialmente cânceres,

surgem após longos períodos de latência como 10, 20 ou mais anos. Dessa forma,

reconhece-se a dificuldade em identificar os perigos para a saúde dos trabalhadores de uma

substância através do L.T, pois seu efeito danoso poderá emergir apenas na condição de

aposentado. (MS, 2005)

Logo, como uma premissa inicial, constata-se que no processo de avaliação de

riscos/fatores de risco, além das análises das condições materiais de trabalho, faz-se

importante a inferência aos executores das tarefas, avaliando as condições fisiológicas,

afetivas, a experiência acumulada em relação à atividade e às situações concretas de

trabalho nas quais estão inseridos.

2.3.1 Natureza científica dos limites de tolerância

Tarlau & Arcuri (1991, p. 102) ao explicitarem a forte influência das indústrias

químicas na determinação dos L.T., no sentido de serem comprometidos e não confiáveis,

consideraram que os limites de tolerância,

[...] não estão baseados puramente em considerações de saúde. Parecem mais refletir os níveis de exposição que se encontram habitualmente na indústria. [...] os ditos L.T.’s representam guias de níveis de contaminação do ar que podem ser alcançados em instalações industriais comuns, e não são certamente de tolerância.

Nessa perspectiva, segundo Sznelwar (1992, p.35), a temática é controversa, haja

vista a discussão desenvolver-se apenas no âmbito da ciência, uma vez que a decisão a

respeito dos valores que serão adotados é política.

Ademais, de acordo com Arcuri & Cardoso (1991, p. 110), as metodologias

empregadas na definição dos L.T.’s são definidas empiricamente, por meio de estudos de

epidemiologia ocupacional e extrapolando para o homem resultado de conhecimentos

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experimentais. Assim, precisa-se refletir sobre a concepção de ciência subjacente às

pesquisas sobre os L.T’s cientificamente conduzidos.

Nesse sentido, ressalta-se que o direcionamento para o ser humano de dados

obtidos em laboratórios, através de pesquisas em animais de experimentação, onde todas as

variáveis analisadas são controladas, é bastante problemático, aliás, para Sznelwar (1992,

p.20),

Não interessa o quanto estes estudos de laboratório foram completos, mas nenhuma substância química terá sido completamente testada no que se refere ao seu potencial tóxico para o homem até que sejam realizados estudos em seres humanos. [...] O organismo humano, especialmente a criança reage de modo muito diferente, mostrando ainda que o ser humano é, em muitos casos, muito mais sensível a um dado praguicida do que o rato e outros animais de laboratório.

O referido autor infere que os L.T.’s têm pouco valor no que se refere à exposição

aos agrotóxicos vivenciadas pelos trabalhadores agrícolas, fazendo-se necessário substituí-

los. Para tanto, adota uma classificação do produto, de acordo com a toxicidade de cada

substância, a partir da DL 350 , associada ao estabelecimento de alguns indicadores

biológicos de exposição4.

Tal circunstância expõe que o fundamental não é apenas se limitar a estabelecer e

fazer respeitar os níveis toleráveis de exposição no ambiente de trabalho, mas considerar os

L.T.’s como referências provisórias, devendo ser constantemente reavaliados em função

tanto do desenvolvimento de novos conhecimentos científicos, como dos avanços nas

relações político-sociais em cada momento histórico. Ademais, ressalte-se a necessidade de

conhecimentos sobre como os riscos/fatores de risco se articulam nas situações reais de

trabalho a respeito do mecanismo de ação do tóxico e de seu metabolismo. Outrossim,

saliente-se que, quanto ao dano à saúde dos trabalhadores, faz-se importante desenvolver e

utilizar métodos sensíveis para mensurar modificações bioquímicas, fisiológicas e

3 A DL50 diz respeito à dose suficiente para matar 50% de um lote de animais em estudo, que é estabelecida em função de cada via de absorção.

4 Rosa & Siqueira (1989) definem indicador biológico de exposição como níveis de advertência da resposta biológica ao agente químico ou níveis de advertência da substância química ou de seus produtos de biotransformação em tecidos, fluidos ou ar exalado de trabalhadores expostos, independentemente da via de introdução.

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histológicas no organismo humano, e que antecedem os sintomas dos quadros clínicos das

intoxicações, sejam os agudos ou os crônicos.

Por conseguinte, o uso dos LT’s somente é eticamente sustentável se contar com a

participação dos potencialmente expostos e se os efeitos monitoráveis forem de alterações

precoces, que permitam o completo reparo dos danos. Caso contrário, não serão

indicadores para fins de monitoramento ou de vigilância voltados à prevenção em saúde,

mas, sim, exames complementares – próprios da clínica e não da saúde pública – para

diagnóstico das patologias decorrentes das exposições aos agentes nocivos ambientais.

(WALDMAN, 1991)

Segundo ainda este autor, para melhor compreensão da problemática, analisam-se

as categorias de vigilância em saúde e monitoramento. A primeira é constituída de três

subsistemas integrados:

• informação para ações de controle – com atribuições de coleta e análise

sistemática de dados relativos a eventos específicos adversos à saúde e/ou respectivos

programas de controle para indicar as medidas imediatas de controle, com fundamento nas

recomendações técnicas disponíveis;

• inteligência epidemiológica – incorpora os conhecimentos científicos e

tecnológicos disponíveis para análise sistemática de informações, a fim de elaborar

recomendações e oferecer as bases técnicas para ações de controle, divulgando-as

amplamente;

• pesquisa – visa desenvolver pesquisas científicas e tecnológicas voltadas à

solução de problemas prioritários e/ou emergentes em saúde pública, identificados nos

demais subsistemas.

Ainda de acordo com o referido autor, a categoria monitoramento ou monitorização

significa procedimentos contínuos de mensuração e análise dos indicadores de saúde e de

riscos ambientais integrados ao sistema de vigilância à saúde, com o objetivo de oferecer

subsídios para aplicação de medidas preventivas, de controle e de avaliação.

Mesmo reconhecendo que os conceitos se completam, segundo Vesel (1987), a

definição de linhas de ação em vigilância da exposição química enfrenta dificuldades e/ou

restrições, pois, por um lado a determinação de um risco aceitável depende dos fatores

capazes de precisar um estado patológico relativo ao ambiente e às dimensões biológicas e

políticas do hospedeiro e, por outro lado, a extrapolação de dados entre espécies não pode

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ocorrer através do coeficiente de segurança, que consiste em simples equação matemática

relacionada ao peso corporal e à taxa metabólica específica, cujo exemplo axiomático é a

Dose Letal (DL50), haja vista que ao configurar-se no principal fundamento da toxicologia

para as práticas de monitoramento de exposição aos produtos químicos, apoiará a

legislação em vigor, manifestando que os Limites de Tolerância estão mais a serviço dos

interesses dos produtores das substâncias do que da prevenção dos expostos.

Para Ayres (1997), essa situação é agravada com a inserção da exposição

combinada e do fato de não considerar a interação que os diversos compostos químicos

podem estabelecer entre si e sistemas biológicos orgânicos, uma vez que tal interação

pode, inclusive, modificar o comportamento tóxico de um determinado produto,

acarretando efeitos diversos sobre a saúde dos trabalhadores expostos.

Em conformidade com essa análise, a OMS (2004, p.6) expõe que,

Os conhecimentos atuais são muito incompletos no que se refere aos efeitos para a saúde produzidos por exposição combinada a vários fatores biológicos, químicos, físicos e psicossociais; até agora existem apenas dados sobre as respostas sinérgicas resultantes da interação dos diversos fatores relacionados com o trabalho.

Já Sznelwar (1992), deixa claro sobre exposição combinada, que a mistura de

agrotóxicos é a situação mais presente na realidade, tanto por causa das impurezas, como

pelo uso simultâneo de várias substâncias.

Segundo Garcia (1996), especificamente no caso da exposição dos agricultores aos

agrotóxicos, a análise da concentração ambiental desses produtos apresenta grandes

dificuldades, dada a variabilidade de situações que envolvem o trabalho agrícola, devido às

atividades não se desenvolverem no mesmo local de trabalho, pois durante a aplicação dos

produtos os trabalhadores deslocam-se por uma determinada área territorial, e ainda pela

presença da ação constante e diversificada de fenômenos naturais (vento, chuva, sol, etc.),

modificando a concentração ambiental da substância. Soma-se a essas circunstâncias o

predomínio da exposição combinada.

Por conseguinte, verificou-se que a natureza científica dos LT’s está diretamente

relacionada à percepção de mercado da indústria química que nem sempre considera

aspectos que envolvem a saúde do trabalhador, logo, somente este fator não pode

constituir-se no marco balizador dos LT´s, que, conforme analisado, apresenta uma

amplitude muito mais significativa.

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2.4 Interpretação contra-hegemônica de riscos, fatores de riscos e danos

No contraponto da concepção hegemônica das categorias riscos/fatores de

risco/danos à saúde dos trabalhadores encontra-se a concepção de determinação social do

processo saúde/doença, surgido no interior da epidemiologia. (MS, 2005)

Sendo assim, de acordo com Czeresnia (1990) as bases da epidemiologia

contemporânea remontam ao século XIX, quando da II Revolução Industrial, onde as

condições de vida e trabalho da população eram bastante precárias, e o paradigma

predominante das doenças era a teoria miasmática, na qual os adoecimentos surgiam como

conseqüências de emanações provenientes do acúmulo de dejetos, presentes em ambientes

pútridos e insalubres.

Porém, no final do século XIX, segundo Barata (2004), são estabelecidas novas

diretrizes teóricas para a epidemiologia, a partir da descoberta do micróbio, possibilitando

o surgimento do princípio da unicausalidade na determinação das doenças. Ou seja, para

cada doença existiria um agente etiológico que deveria ser identificado e combatido,

através de vacinas e/ou produtos químicos.

No entanto, o paradigma da unicausalidade rapidamente mostrou-se insuficiente

para explicar as doenças das populações. Assim, em conformidade com Czeresnia (1990),

no início do século XX, identificou-se o modelo da multicausalidade na determinação das

doenças, enquanto importante fator de construção da epidemiologia crítica/social.

Esse panorama conduziu Breilh (1997) a inferir que nos últimos 100 anos,

predominou na epidemiologia estudos e pesquisas sobre os riscos/fatores de risco

envolvidos no processo saúde/doença das coletividades, centrado no fracionamento e

naturalização da realidade, por um lado e, de uma dicotomia entre o social e o biológico,

por outro. A compreensão desse processo reduz-se às chamadas relações de causalidade

estabelecidas por associações empíricas, de modo que sejam comprovadas por meio de

testes estatísticos.

Entretanto, na década de 1970, no seio da concepção hegemônica da epidemiologia,

ressurge com bastante vigor o interesse pela determinação social do processo saúde/doença

por meio, principalmente, das formulações teóricas de Laurell, & Breilh, ambos vinculados

a escolas latino-americanas. Essa abordagem, denominada de epidemiologia

social/epidemiologia crítica, objetiva romper com os vínculos tradicionais da

epidemiologia, referenciando-se teoricamente ao materialismo científico, na medida em

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‘que se alicerça no princípio de que, tanto a base material como as relações sociais

existentes nos postos de trabalho guardam relação direta com o momento histórico e social

de uma determinada sociedade. Assim, as condições de trabalho sofrem os impactos

diretos de um quadro temporal e espacial bem definidos.

Logo, para Laurell (1989), a análise dos riscos presentes nos locais de trabalho

considera a dinâmica global do processo de trabalho, contrariamente ao modelo tradicional

que a realiza de forma estática e isolada. Ressalta, ainda, que os riscos têm uma

conformação singular, expressando-se de maneira peculiar em cada situação de trabalho,

dependendo das tecnologias empregadas, da organização do trabalho e dos homens, com

seus sonhos, saberes e esperanças. Dessa forma, os danos à saúde provocados pelos

riscos/fatores de riscos presentes nos ambientes de trabalho se manifestariam de maneira

bastante diferente da reconhecida pela medicina tradicional como patologia ou doença.

Sendo assim, a categoria desgaste constitui-se como fundamento para compreensão do

sofrimento biopsíquico na relação com o trabalho, haja vista que,

[...] permite consignar as transformações negativas originadas pela interação dinâmica das cargas, nos processos biopsíquicos humanos [...] pode ser definido então, como a perda de capacidade efetiva e ou potencial, biológica e psíquica. Ou seja, não se refere a algum processo particular isolado, mas sim ao conjunto dos processos biopsíquicos (LAURELL, 1989, p. 115).

A autora salienta, também, que o adoecimento começa antes do surgimento das

manifestações clínicas, daí a dificuldade de observação, mensuração e relacionamento com

o trabalho, enquanto causa do fenômeno em investigação, pois exigiria um novo olhar

médico sobre o adoecimento. Por conseguinte, centra sua análise na dimensão social do

adoecimento dos trabalhadores, no sentido de que é no plano coletivo que os processos de

desgaste assumem significado e visibilidade, uma vez que os mesmos caracterizam as

coletividades humanas e não primariamente os indivíduos.

Já Breilh (1997, p. 98), reafirma a concepção estática e restritiva da noção de risco

e dano ao refletir sobre o perigo de continuar usando tais categorias como um novo

paradigma, cujo desafio é superar as concepções hegemônicas, ou seja, “Non se tracta de

uma cuestión de cambio de términos, sino de la necesidad de cambiar las formas de acción

en el terreno de la salud laboral.”

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Para o referido autor, os conceitos de risco e de dano dificilmente internalizam o

caráter conflitivo e contraditório do trabalho, que não é nem absolutamente destrutivo nem

absolutamente benéfico, na medida em que os aspectos positivos e negativos coexistem e

operam de modo distinto, de acordo com o momento histórico e com a organização dos

trabalhadores. Donde conclui que a abordagem dialética do trabalho provavelmente não

será absorvida pelas práticas hegemônicas das diversas áreas de estudo das doenças

decorrentes do trabalho. Nesse sentido, estabelece como questão nuclear a compreensão do

movimento da unidade biológico-social numa perspectiva dialética, e a concatenação entre

os processos de ordem geral (sociedade), com os da dimensão particular (classes e grupos

constituídos com suas formas de reprodução social) e com a esfera do singular, seria o que

Heller (1987) chamaria de reprodução do privado e dos indivíduos.

Logo, reconhece que a nova epidemiologia incorpora disciplinas como Sociologia,

Antropologia, entre outras, que contribuem para integrar à compreensão da vida individual

o “conocimiento de las contradicciones de la reprodução social das classes, que es el

fundamento para la investigación de los determinantes de la salud”. (BREILH,1997, p.126)

Assim, em substituição à categoria risco/fatores de risco, propõe a utilização das

categorias processos destrutivos e processos favoráveis ou protetores, para referir-se ao

conjunto de determinantes epidemiológicos que condicionam o perfil de saúde e doença

dos trabalhadores, seja no espaço da produção, do consumo ou da cotidianidade.

Portanto, verificou-se que as diversas abordagens do risco, fatores de risco e danos

permeiam enfoques dominantes, tradicionais ou hegemônicos, relacionados ao

comportamento isolado de muitos trabalhadores que, por força do hábito, omissão patronal

e institucional, não cumprem os procedimentos de segurança. Ademais, salientou-se que as

tecnologias são capazes de identificar os Limites de Tolerância que se estabelecem com

índice de segurança da atividade realizada.

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3 AGROTÓXICOS

Este capítulo objetiva contextualizar a inserção dos agrotóxicos no processo de

expansão agrícola brasileira. Para tanto, dividiu-se em 05 (cinco) itens. O primeiro

conceitua e apresenta a retrospectiva histórica do uso dos defensivos. O segundo versa

sobre o processo de modernização da agricultura, relacionando-a aos agravos à saúde do

trabalhador decorrentes do período de exposição aos praguicidas. O terceiro analisa os

efeitos dos pesticidas sob os aspectos clínico, toxicológico e epidemiológico. O quarto

classifica toxicologicamente os defensivos agrícolas, e o quinto aborda o destino final de

embalagens de agrotóxicos.

3.1 Conceituação de agrotóxicos e contextualização histórica

A definição do vocábulo agrotóxico é bastante ampla. Os produtores e

revendedores os denominam de defensivos agrícolas; os ambientalistas, de praguicida ou

pesticida. Em ambos, percebe-se a defesa ou repulsa do termo. Este estudo utilizou as

diferentes nomenclaturas, tendo como suporte legal a Lei Federal nº 9.974/2000, que

conceitua agrotóxicos, como:

• produtos e os componentes de processos físicos, químicos ou biológicos

destinados ao uso nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos

agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas nativas ou implantadas e de outros

ecossistemas, como também em ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade

seja alterar a composição da flora e da fauna, a fim de preservá-la da ação danosa de seres

vivos considerados nocivos;

• substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimula-

dores e inibidores do crescimento.

De acordo com a referida lei, os componentes que fazem parte dos agrotóxicos são

os princípios ativos, os produtos técnicos, as matérias-primas, os ingredientes inertes e

aditivos.

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A utilização de substâncias químicas como forma de controle ou eliminação dos

problemas decorrentes dos ataques de pragas e doenças nas plantas cultivadas e nos

animais de criação pode ser identificada em registros que remontam à Antigüidade

Clássica.

Escrituras gregas e romanas de mais de 3.000 anos já mencionavam o uso de

produtos químicos, como o arsênio, para o controle de insetos. Compostos orgânicos

naturais como a piretrina, obtida das flores de crisântemos (Chrysanthemum sp), eram

utilizados como inseticidas pelos chineses há cerca de 2.000 anos. Povos do deserto

protegiam suas tendas de armazenamento de cereais acrescentando pó de piretro sobre os

grãos ou pendurando feixes dessas flores na entrada das tendas, os quais serviam como

repelentes de moscas e mosquitos.

Existem documentos que comprovam o uso da verde-paris (acetoarsenito de cobre)

nos Estados Unidos, em 1867 no controle de um coleóptero (Leptinotarsa Dcemlineata

Say) presente na cultura da batatinha.

O primeiro produto inseticida desenvolvido por síntese orgânica, à base de

tiocianato, foi comercializado com o nome de Lethane 384, em 1939, inaugurando a

chamada segunda geração dos agrotóxicos. No mesmo ano, descobriram-se as

propriedades inseticidas do Dicloro-Difenil-Tricoroetano (DDT), composto orgânico

sintetizado que representou um marco revolucionário nas tecnologias até então empregadas

para o combate à pragas. A descoberta teve tamanha repercussão que o pesquisador

responsável foi contemplado com o Prêmio Nobel de fisiologia e medicina, em 1948.

As propriedades inseticidas hexaclorociclohexano (BHC) foram descobertas quase

que simultaneamente, através de pesquisadores franceses e ingleses.A partir daí, vários

produtos biocidas foram desenvolvidos pelas indústrias químicas alemã e americana

durante o período da Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, a indústria química

mundial continuou fabricando produtos sintéticos, resultando em milhares de formulações

comerciais difundidas no mercado internacional de insumos para a agricultura.

No Brasil, os primeiros registros de compostos organoclorados remontam o ano de

1946, com a introdução dos inseticidas sistêmicos e, em 1958, por intermédio dos

antibióticos à base de sais de estreptomicina.

Ao final da década de 1950 e início dos anos de 1960, surgem na comunidade

técnica internacional, os primeiros processos de reavaliação dos problemas de segurança e

eficácia dos agrotóxicos. O despertar para os problemas decorrentes do uso generalizado

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de substâncias químicas para o combate às pragas, em especial o DDT, deveu-se às

denúncias que culminaram com a publicação do livro Silient Spring, da pesquisadora

americana Raquel Carson, em 1962, que ressaltava os riscos crescentes envolvidos na

manutenção dos padrões do uso de agrotóxicos e a necessidade urgente de mudanças em

busca de práticas alternativas de menor impacto ao meio ambiente e à saúde.

Na década de 1960, surgem novos produtos classificados como de terceira geração,

uma forma da indústria química absolver-se das acusações de agressores do meio

ambiente, na medida em que os fabricantes divulgam que estão colocando no mercado

produtos menos tóxicos com formulações à base de semioquímicos e ferormônios, como os

fisiológicos (diflubenzuron), os biológicos e os piretróides. Já nos anos de 1990, o

desenvolvimento da indústria de agrotóxicos centra-se nos conhecimentos de biologia

molecular e engenharia genética.

3.2 Modernização da agricultura no Brasil e os agravos à saúde do trabalhador provocados pelo uso de agrotóxicos

O processo de modernização da agricultura no Brasil iniciado na década de 1960

não ocorreu de forma homogênea em todas as fases do processo produtivo. Na realidade,

concentrou-se na fase de preparo do solo, principalmente através do emprego de tratores e

nos tratos culturais com a introdução dos agroquímicos. Posteriormente, em algumas

regiões do país e em determinadas culturas, introduziram-se novas tecnologias, como a

mecanização do corte e da colheita, além do uso de sementes melhoradas, resultando no

aumento da produtividade da terra, devido à redução de perdas provocadas por pragas e

doenças, e por deficiência no processo de irrigação. (ALVES, 1992)

As políticas de estímulo à modernização agrícola, num primeiro momento

privilegiaram as pequenas propriedades assentadas sob o trabalho familiar, porém foram

relegadas a segundo plano, porque, de acordo com Graziano da Silva (1981), eram

estabelecimentos naturalmente impossibilitados de assumir um comportamento

empresarial (pequenos proprietários, arrendatários, parceiros, ocupantes) voltados para a

produção de alimentos e abastecimento dos mercados urbanos.

Tal mudança de direcionamento político foi acompanhada por grandes alterações

quanto à distribuição dos recursos destinados ao custeio agrícola. Em 1970, as

propriedades com mais de 1000 hectares recebiam cerca de 18% dos recursos do Sistema

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Nacional do Crédito Rural – SNCR, e passaram a receber 22,7% em 1975; já as

propriedades com menos de 100 hectares, que em 1970 percebiam 38% dos recursos,

participaram com 22% em 1975. Ademais, segundo Martine (2004), a partir da década de

1980, ocorreu uma redução do volume de crédito rural subsidiado, aliado à concentração

de recursos para determinados produtos, ocasionando uma maior seletividade dos

beneficiários ao privilegiar as culturas da cana-de-açúcar, trigo, soja, cacau, algodão e

laranja, todas de grande valor comercial, sobretudo no mercado internacional.

A introdução dos agrotóxicos no processo de trabalho dos produtores rurais

remonta ao início dos anos de 1960, através da disseminação do uso de agroquímicos na

pequena produção rural brasileira por intermédio do Instituto de Assistência Técnica e

Extensão Rural -EMATER. No primeiro momento, o eixo do trabalho dos extensionistas

rurais centrava-se na família beneficiada pelo crédito rural supervisionado, cujo

planejamento das atividades era organizado por técnicos deste Instituto. Mas, a partir de

1976, as atividades passam a ser direcionadas para outro foco, qual seja o do produto e da

produtividade, situação que persiste até os dias atuais. (SANTOS, 2006)

Portanto, quando o SNCR começou a reduzir o crédito subsidiado para os pequenos

produtores e, simultaneamente, o Emater reorientou a pequena produção com vistas ao

produto, os referidos produtores já eram consumidores dos insumos agrícolas,

especialmente os agrotóxicos. Ou seja, esses produtos estavam integrados às práticas

produtivas dos pequenos proprietários.

Dados do Ministério da Agricultura e Abastecimento (2005), estimam que nos

primeiros quatro anos do século XXI cerca de 2,5 a 3 milhões de toneladas de defensivos

agrícolas foram utilizados a cada ano na agricultura, envolvendo um comércio de

aproximadamente U$$ 20 bilhões. Porém, de acordo com o Sindicato dos Produtores de

Defensivos Agrícolas – SINDAG (2005), no Brasil, o consumo desses produtos encontra-

se em franca expansão, sendo responsável por 50% do total de agrotóxicos usados na

América Latina, ocupando, por conseguinte, o quarto lugar no ranking das nações

consumidoras de praguicidas.

Em conformidade com o IBAMA (2005), o consumo de agrotóxicos e afins por

área plantada (kg/ha/princípio ativo) na região nordestina está estimado em 3,5 kg,

podendo atingir valores bem superiores em algumas áreas que apresentam elevada

produtividade. Os cerrados piauienses com a produção de grãos, em particular soja,

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utilizam progressivamente os pesticidas, haja vista que a venda legal no Estado, em 1994,

foi de 08 toneladas, e em 2005, atingiu 165 toneladas, representando um crescimento de

2.062%. Desse total, 65% foram destinados para o cerrado. (SDR, 2005)

3.3 Condições de saúde humana: clínica, toxicológica e epidemiológica

Os efeitos para a saúde humana decorrentes da exposição aos agrotóxicos não são

reflexos de uma relação simples e direta entre o produto e a pessoa exposta, mas de

distintos fatores e variáveis, como as características físico-químicas dos produtos

(estabilidade, solubilidade, presença de contaminantes, formulação da apresentação);

toxicidade de cada produto; os indivíduos expostos (idade, sexo, peso, estado nutricional),

e as condições de exposição (freqüência, dose, formas de exposição). (GRISOLIA, 2005)

A avaliação e análise das condições e o tempo de exposição aos produtos químicos

em geral, e aos agrotóxicos em particular, representam um grande desafio aos estudiosos

da relação saúde e trabalho. Assim, freqüência e dose de permanência são duas variáveis

fundamentais na análise da amostragem ao risco, pois não permanecem imutáveis no

cotidiano, uma vez que na concepção da Medicina do Trabalho, da Higiene Industrial ou

da Toxicologia Ocupacional, considera-se o início da exposição, ou seja, o momento no

qual o trabalhador entra em contato direto com os produtos.

Dessa forma, a produção é emblemática, pois geralmente todos os membros da

família se envolvem no processo de trabalho agrícola, tanto nas fazendas de soja, quanto

nos baixões, realizando as mais diversas atividades, o que acarreta uma exposição indireta

ou direta aos agrotóxicos, antes dos mesmos começarem a preparar e/ou aplicar tais

produtos. Destaca-se, outrossim, que grande parte das pequenas unidades produtivas rurais

utilizam, simultaneamente, uma mistura de produtos, muitas vezes com características

químicas e toxicológicas diferentes e, como exposto anteriormente, a ciência tem pouco

conhecimento sobre os efeitos para a saúde provocados pelas exposições combinadas, e

quando estas estão associadas a temperaturas ambientais elevadas ou ao esforço físico. As

duas situações estão presentes na agricultura de Bom Jesus, seja nos baixões ou nas

fazendas de soja.

As vias de absorção dos agrotóxicos no organismo humano são, sobretudo, a

dérmica e a respiratória, podendo, ainda, em escala bem menor, ser a via digestiva. O

índice de ingestão dos agrotóxicos pela derme é o resultado da combinação entre a

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natureza do composto, a condição da pele e fatores externos, como a temperatura. A

aderência será mais rápida e completa para produtos solúveis em água e gordura e sua

intensidade será maior se a pele estiver lesada ou em situações de aumento da circulação

sangüínea, como ocorre quando a temperatura ambiente está elevada e/ou quando o

trabalhador está realizando atividade física.

Segundo Kolluro et al (1996, p.110), uma vez no organismo humano as substâncias

poderão causar quadros de intoxicação aguda ou crônica,

Efeitos agudos resultam de uma exposição singular, geralmente em altas concentrações, durante um curto período, e os efeitos se tornam evidentes em um curto tempo. Efeitos crônicos resultam de contínuas e repetidas exposições em doses baixas e os efeitos podem não se manifestar antes de um longo tempo após a exposição inicial (Tradução de A.C.M.).

Estima-se que ocorram no mundo cerca de três milhões de intoxicações agudas por

agrotóxicos, com 220 mil mortes por ano. Dessas, cerca de 70% estão em países do

chamado terceiro mundo, incidindo sobre trabalhadores que têm contato direto ou indireto

com esses produtos e sobre a população em geral, através da contaminação de alimentos.

(M.S, 2005)

Entre os diversos profissionais que têm contato com os agrotóxicos, destacam-se os

trabalhadores do setor agropecuário, distribuídos em distintas fases do processo produtivo,

como a diluição ou preparação das caldas e a aplicação dos agrotóxicos, como também os

trabalhadores que permanecem nas lavouras durante e após a pulverização. Dessa forma,

os efeitos manifestam-se de forma diferenciada, sendo mais acentuado e sujeito à

intoxicação aguda os trabalhadores que preparam e/ou aplicam agrotóxicos, que se expõem

direta e indiretamente, o que não ocorre com o conjunto dos trabalhadores das

propriedades rurais mais propensos aos efeitos crônicos.

3.4 Classificação toxicológica dos agrotóxicos: princípios ativos

A importância da classificação dos agrotóxicos consiste em conhecer o potencial

tóxico do produto, porque as condições reais de uso, como a mistura de produtos e a

aplicação em períodos quentes, podem modificar a toxicidade de cada substância. A

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classificação distingue-se em três aspectos: quanto aos tipos de organismos que controlam,

à toxidade da(s) substância(s) e ao grupo químico ao qual pertencem. Já inseticidas,

acaricidas, fungicidas, herbicidas, nematicidas, molusquicidas, raticidas, lavicidas,

columbicidas, bactericidas e bacterioestáticos são termos referentes à especificidade do

agrotóxico em relação aos tipos de pragas ou doenças. 5Em relação ao grau de toxicidade , adota-se a preconizada pela OMS, que agrupa

os agrotóxicos em: Ia – extremamente tóxico; Ib – altamente tóxico; II – moderadamente

tóxico e, III – levemente tóxico. No Brasil, assumem-se as classes I, II, III e IV,

diferenciadas por meio da coloração das faixas nos rótulos dos produtos agrotóxicos:

vermelho, amarelo, azul e verde, respectivamente6.

A Tabela 1 apresenta a classificação toxicológica empregada para os agrotóxicos

pela OMS e adotada no país, explicitando a classificação química, conforme as substâncias

abaixo relacionadas:

Tabela 1 – Classificação toxicológica dos agrotóxicos, segundo a DL50 da faixa nos

rótulos das embalagens

DL50 (mg/kg de peso vivo)

Classe Oral Dérmica

I- Extremamente Tóxico 5 ou menos 10 ou menos

II- Altamente Tóxico 5 – 50 10 – 100

III- Medianamente Tóxico 50 – 500 100 – 1000

IV- Pouco Tóxico acima de 500 acima de 1000

Fonte: WHO: IPCS, 2005.

A classe toxicológica I, com rótulo de cor vermelha, integra produtos considerados

extremamente tóxicos para a saúde humana, como o herbicida 2,4 D e o acaricida

Aldicarb. Moraes (1999), ao pesquisar 40 casos no Serviço de Emergência do Hospital

Universitário Antônio Pedro (RJ), com revisão clínica, laboratorial e terapêutica, concluiu

5 A classificação toxicológica dos agrotóxicos baseia-se na DL50 dos produtos. A DL50 diz respeito à dose suficiente para matar 50% de um lote de animais em estudo. Esta dose é estabelecida em função de cada via de absorção.

6 O estabelecimento das cores nos rótulos dos produtos agrotóxicos constitui-se num recurso utilizado pelo governo federal, com o objetivo de prestar informação aos trabalhadores sobre a toxicidade dos produtos.

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que o Aldicarb é o principal agente envolvido nas tentativas de suicídio, sendo relevante

nas intoxicações pediátricas, inclusive entre 1997 e 1999, 385 casos de intoxicações foram

notificados, com 12,46% de óbitos. O Aldicarb, também conhecido por “chumbinho” em

algumas regiões, é proibido no Brasil para uso como raticida, principalmente em áreas

urbanas.

Pertence à classe toxicológica II, com rótulo de cor amarela, o Endosulfan com alto

risco e efeitos agudos e crônicos, pois não dissolve facilmente na água, levando anos para

sua degradação. O uso de produtos com acetaminas e 2,4 D pode levar à formação de

pterígio, uma fina membrana que cobre a córnea. (PINGALI, 2003)

Já a classe toxicológica III, com invólucro de cor azul, é composta de produtos

medianamente tóxicos, principalmente para os organismos aquáticos. Fazem parte desta

Classe alguns inseticidas-acaricidas de contato e ingestão, pertencentes ao grupo químico

dos organosfosforados. A classe toxicológica IV, cor verde, detém o menor potencial

tóxico, por isso exige maior quantidade do produto por aplicação, sendo assim a menos

procurada pelos agricultores que, ao adquirirem um veneno agrícola, desejam que ele seja

eficaz com pouca quantidade.

Os critérios de definição de substâncias tóxicas, para as vias oral e dérmica, bem

como para a inalação de neblinas e pós, baseiam-se em dados de DL50(mg/kg) e

DL (mg/l), respectivamente, conforme analisado anteriormente. 50

Quanto aos componentes ativos, os agrotóxicos dividem-se em:

• organofosforados: são éteres derivados do ácido fosfórico lipossolúvel, não

cumulativos nos organismos e persistem no meio ambiente de uma a 12 semanas,

degradam-se por hidrólise e comumente empregados como inseticida e acaricida;

• carbamatos: éteres do ácido carbâmico, lipossolúveis, pouco solúveis na água.

Por apresentarem maior instabilidade que os organofosforados, são menos persistentes nos

organismos e ao meio ambiente. Empregados como inseticida, fungicida, herbicida e

nematicidas;

• piretróides: são éteres derivados do ácido crisantêmico, não se acumulam no

organismo, apresentam baixa lipossolubilidade e degradam-se rapidamente no meio

ambiente. Empregados geralmente como inseticidas, começaram a ser utilizados mais

intensamente na década de 1980, substituindo os organofosforados no controle de pragas e

doenças agrícolas;

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• organoclorados: possuem estrutura cíclica, orgânica, com cloro na molécula,

lipossolúveis, cumulativos na cadeia alimentar e nos organismos. São altamente

persistentes à degradação ambiental, permanecendo no solo em média de 2 a 5 anos.

Comumente empregados como inseticidas (formicidas e larvicidas), estão proibidos no

Brasil desde 1985 devido aos efeitos cumulativos e à persistência no ambiente, associados

aos graves efeitos sobre a saúde humana7. Vários estudos demonstraram que muitos

produtos pertencentes a esta classe são carcinogênicos.

• dietilditiocarbamatos (EBDC): são muito utilizados na agricultura como

fungicidas não sistêmicos, indicados para uso em cereais, frutas, verduras e legumes, além

de controlarem amplo espectro de fungos, principalmente em regiões quentes e úmidas;

• bipiridilos: sais de paraquat ou diquat, pouco solúveis em compostos orgânicos,

possuem baixa persistência nos organismos e no meio ambiente e são compostos pelos

herbicidas paraquat e diquat;

• ácidos fenoxiacéticos: grupo químico composto pelos herbicidas ácido 2,4 –

dicloro-fenoxiacético (2,4D) e 2,4,5 – triclorofenoxiacético (2,4,5 T), lipossolúveis,

persistem até 30 dias no solo. Alguns subprodutos destes dois ácidos, como a dioxina, além

de serem persistentes no meio ambiente, são os mais empregados entre os herbicidas;

• cloro e nitrofenóis: sais de pentaclorofenol (PCP), são altamente solúveis na

água, possuem elevada persistência no meio ambiente. Apesar do amplo espectro biocida,

são utilizados quase que exclusivamente no tratamento de madeiras contra fungos e cupins.

Assim como os ácidos fenoxiacéticos, apresentam a dioxina como impureza do processo

de produção. Conhecido no Brasil como pó-da-china, está proibido para uso agropecuário

por ser extremamente tóxico tanto, aguda como cronicamente, sendo autorizado apenas

para o tratamento de madeiras em escala comercial.

Todos os inseticidas organofosforados e carbamatos são inibidores da

acetilcolinesterase, importante indicador biológico de exposição, sendo absorvidos por via

7 A Portaria nº 329, do Ministério da Agricultura, de 02 de setembro de 1985, por um lado proibiu a comercialização, o uso e a distribuição, em todo o território nacional, dos produtos agrotóxicos organoclorados, destinados à agropecuária e, por outro lado, estabeleceu as seguintes exceções: usos de iscas formicidas à base de Aldrin e Dodecacloro; uso de cupinicidas à base de Aldrin para emprego em reflorestamento e florestamento; uso em campanhas de saúde pública e o uso emergencial na agricultura, a critério da Secretaria Nacional de Defesa Agropecuária.

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dérmica, respiratória ou oral. Porém, nos primeiros a inibição é mais significativa,

ocasionando intoxicação de maior gravidade.

Os carbamatos e, em especial, os organofosforados, têm ainda particular relevância

pelo volume de sua utilização em várias culturas e pela elevada toxicidade, sendo

responsáveis por cerca de 80% das intoxicações agudas registradas no mundo e os mais

visados para estruturação de programas de vigilância epidemiológica. A análise positiva da

presença destes no sangue dos trabalhadores com suspeita de intoxicação facilita o

diagnóstico, principalmente relacionado com quadros agudos, cujos sinais e sintomas de

intoxicação são similares e estão diretamente associados com os efeitos da elevação do

nível da acetilcolina no organismo, como cefaléia, náusea, vômito, suor e salivação

abundantes, tontura, lacrimejamento, dores e cólicas abdominais, visão turva, tremores

musculares, convulsões, dificuldade respiratória, coma e morte.

Quanto aos efeitos crônicos, é difícil atribuí-los a um único produto, pois envolvem

mistura de várias substâncias, em concentrações e intensidade de aplicações bastante

variáveis. Assim, os problemas de saúde mais freqüentes são neurotoxicidade retardada

(paralisia de nervos motores), desordens de personalidade e psiquiátricas, parkinsonismo,

reflexos diminuídos, redução da concentração, diminuição da memória, depressão,

ansiedade, irritabilidade, polineuropatias, depressão da medula óssea e anemia aplástica,

com possível risco de desenvolvimento subseqüente de leucemia.

Segundo Agapejev et al (1986, p.131) nas intoxicações crônicas, os resultados

neurológicos são mais freqüentes que os sistêmicos, caracterizando-se por grande

variabilidade do quadro clínico com predomínio dos reflexos em nível do sistema nervoso

central, sendo tão ou mais graves que as intoxicações agudas em função das seqüelas que

produzem,

[...] as intoxicações crônicas podem produzir quadros clínicos bastante variados, tanto pelo comprometimento sistêmico, como pela lesão do sistema nervoso, levando à dificuldade diagnóstica da etiologia tóxica, fundamentalmente quando não se valoriza a procedência e a profissão do doente, nem o avanço livre e desenfreado da tecnologia química.

Já os Carbamatos, por provocarem uma inibição temporária da acetilcolinesterase,

cujos efeitos de intoxicação aguda são rapidamente reversíveis (até 24 horas após o

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afastamento da exposição), não apresentam efeitos crônicos, pois são neurotóxicos menos

potentes que os organofosforados.

Lerda e Masiero (1990) ao estudarem 44 trabalhadores rurais expostos direta ou

indiretamente a organofosforados (monocrotofós, parathion, fenitrothión), a herbicida

(glifosato) e a organoclorados (aldrín e endossulfan) e 36 controles8, concluíram que

ocorreu comprometimento da mobilidade de espermas à época da manipulação dos agentes

químicos, quadro que se reverteu diante das precauções adotadas; não observaram

diferenças significativas entre os expostos e não expostos para as variáveis ICH, TGO,

TGP e acetilcolinesterase identificaram progressivo aumento dos eosinófilos9 nos

indivíduos expostos em relação aos não expostos; e, ainda verificaram diminuição de

glóbulos brancos.

Bréga et al. (1998) ao pesquisarem 24 trabalhadores expostos a agrotóxicos e 10

não expostos, inferiram que entre os expostos à dosagem de manganês e da atividade de

acetilcolinesterase foi mais baixa, não obstante o nível de fosfatase alcalina e a freqüência

de aberrações cromossômicas tenham sido significativamente mais elevados, cujos

principais sintomas foram: cefaléia, tontura, fadiga, queixa de dificuldade de digestão,

irritação nos olhos, fasciculação e perda de apetite. Ademais, constatou-se a ausência de

análise sobre os aspectos que envolvem a exposição, registrando-se apenas que os

trabalhadores expostos usavam EPI, como: calças de borracha, botas, luvas, máscara e

chapéu. Ou seja, apesar da proteção individual, os trabalhadores expostos aos agrotóxicos

apresentaram alterações em seu estado de saúde, compatíveis com quadros de intoxicação

aguda.

Saliente-se que os trabalhadores integrantes da pesquisa, preparadores e aplicadores

de agrotóxicos, submeteram-se a exames de hemograma, Transaminase Glutâmico

Oxalacética (TGO), Transaminase Glutâmico Pirúvico (TGP), intercâmbio de cromátides

irmãs (ICH – sensível indicador de mutagênese ambiental) e dosagem de

acetilcolinesterase, organoclorados e organofosforados no sangue periférico e no esperma.

8 Entende-se por controle a equivalência entre trabalhadores que não têm contatos com agrotóxicos e os referencialmente contaminados. Neste caso para haver um parâmetro de não exposição, faz-se nas pessoas o mesmo procedimento de entrevistas, coleta e análise do sangue a fim de que possa haver um contraponto entre expostos ou não.

9 Eosinófilos são leucócitos que se coram pela eosina, cuja designação genérica é caracterizada pela derivação de corantes halogenados.

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Tais exames diagnosticaram o comprometimento da mobilidade de espermas à

época da manipulação dos agentes químicos, quadro que se reverteu diante das precauções

adotadas; não se observou diferença significativa entre os expostos e não expostos para as

variáveis ICH, TGO, TGP e acetilcolinesterase; os eosinófilos aumentaram nos indivíduos

expostos em relação aos não expostos e a diminuição de glóbulos brancos.

Os inseticidas piretróides são compostos neurotóxicos que afetam o sistema

nervoso central, produzindo tremores e convulsões crônicas e o principal efeito sobre a

saúde humana são as alergias, cujos sintomas clínicos predominam na face, caracterizados

por entorpecimento, formigamento, prurido e sensação de queimação. Nos casos mais

graves, identificam-se cefaléia intensa, tonturas, sensação de fadiga, perda da consciência,

fasciculação, cãibras musculares generalizadas e convulsões, podendo afetar, ainda, a

função vital de vários órgãos, causando cirrose, arritmia cardíaca, problemas orgânicos e

funcionais para os olhos.

Grisolia (2005), manifesta preocupação quanto aos efeitos sobre a saúde humana

relacionados à mutagenicidade, carcinogenicidade e teratogenicidade causados pelos

fungicidas Etilenobistidiocarbamatos (EBDC), que são utilizados há mais de 40 anos,

principalmente nas culturas de cereais, frutas, hortaliças e legumes. O referido autor

concorda com a classificação da Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana (US-

EPA), que qualifica os EBDC como carcinógenos do tipo B2 – comprovadamente

carcinogênicos para animais de laboratório e suspeito para o homem. Este efeito é

atribuído principalmente ao Metabólito Etilenotiouréia (ETU), além de salientar a grande

preocupação da comunidade científica internacional com os efeitos dos agrotóxicos sobre o

patrimônio genético das populações, com implicações para o câncer e as malformações

congênitas, ao verificar-se a mutagenicidade em diferentes microorganismos, provocada

pelos produtos: maneb, mancozeb e zineb.

Na Tabela 2 observa-se a relação entre o tipo de exposição aos agrotóxicos e os

sinais e sintomas verificados.

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Tabela 2 – Relação entre tipos de exposição a agrotóxicos, sinais e sintomas clínicos presentes

EXPOSIÇÃO Única ou por período curto Continuada por longo período

Sinais e hemorragias, hipersensibilidade, teratogênese e morte fetal.

intoxicações agudas: náusea; cefaléia; tontura; vômito; parestesias; fasciculação muscular; desorientação; dificuldade respiratória; coma; morte.

Sintomas

Agudos

Sinais e paresia e paralisia reversíveis; ação neurotóxica retardada irreversível; pancitopenia.

lesão cerebral irreversível; tumores malignos; atrofia testicular; esterilidade masculina; alterações comportamentais; neurites periféricas; dermatites de contato; formação de catarata; atrofia de nervo ótico; lesões hepáticas, etc.

Sintomas

Crônicos

Fonte: Manual de Vigilância da Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, OPAS/OMS, 2006.

A avaliação do nível de contaminação por agrotóxicos é bastante complexa, pois

envolve níveis diferentes de contatos. Segundo Kolluro (1996), a absorção aos pesticidas

pode se dar de forma aguda, ou imediata e crônica ou demorada. Os efeitos agudos

resultam de uma exposição singular, geralmente em altas concentrações, durante um curto

período, e os efeitos se tornam evidentes em um curto tempo. Efeitos crônicos resultam de

contínuas e repetidas exposições em doses baixas e os efeitos podem não se manifestar

antes de um longo tempo, após a exposição inicial.

Esse contexto explicita a importância da classificação toxicológica, devido as

condições reais de uso, a mistura de produtos e a aplicação em períodos quentes modificarem

os graus de toxidade de cada substância. Ademais, constatou-se que dentre os componentes

ativos, os organofosforados e os carbamatos, são os principais agentes inibidores da

acetilcolenesterase, importante indicador biológico de exposição, absorvidos por via

dérmica, respiratória e oral.

Sendo assim, inferiu-se que os efeitos à saúde humana em decorrência da exposição

aos pesticidas, atingem níveis diferentes de contaminação, do agudo ou imediato ao crônico

ou continuado, produzindo quadros clínicos bastantes variados pelo comportamento

sistêmico e pela lesão do sistema nervoso, dificultando o diagnóstico da etiologia tóxica,

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fundamentalmente quando não se valoriza a procedência e a profissão do doente, nem o

avanço livre e desenfreado da tecnologia química.

3.5 Destinação final das embalagens de agrotóxicos

O Brasil é um dos poucos países da América Latina a possuir uma legislação

específica regulamentando a produção, distribuição, uso e destino final das embalagens de

agrotóxicos. (Lei Federal 9.974/2000)

A coordenação e toda logística de recolhimento das embalagens de agrotóxicos está

sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias

(INPEV), cuja função é apoiar e orientar a indústria, distribuidores e agricultores no

cumprimento específico da legislação. O INPEV é mantido pelos fabricantes

multinacionais de produtos químicos, como BASF, RODHIA e outros. O orçamento do

Instituto somente em 2005 foi de R$ 35 milhões, demonstrando a rentabilidade do

empreendimento. Do montante total arrecadado com a venda das embalagens vazias, 35%

são remetidos para as centrais de recebimento localizadas nos Estados, e o restante destina-

se para um fundo rotativo do Instituto.

Todos os meses, o INPEV divulga o levantamento do volume de embalagens

destinadas à reciclagem ou à incineração, o que permite o acompanhamento da devolução

das embalagens vazias em todos os Estados que possuem unidades de recebimento em seu

território. Em 2005, 17.881 toneladas de embalagens foram recolhidas, representando um

crescimento de 28% em relação às 13.933 toneladas devolvidas em 2004. (INPEV, 2005)

Dentre os diversos tipos de embalagens de produtos fitossanitários devolvidos, as

primárias, fabricadas com plásticos super rígidos, representam 675t do total e atingiram um

índice de devolução de 82%. As embalagens secundárias, produzidas em polietileno

semiflexível, compreendem 335t do total devolvido, correspondendo a 21%. Os índices

atuais de devolução colocam o programa brasileiro muito próximo do alcance da liderança

internacional. (INPEV, 2005)

A análise do Relatório INPEV em contraponto com a realidade de Bom Jesus

expressa que não obstante o município abrigar uma Central de Recebimento relativamente

bem estruturada, comumente encontra-se grandes quantidades de embalagens vazias a céu

aberto nas fazendas de soja, em precárias condições de armazenamento. Essa situação

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manifesta uma aparente confusão entre o INPEV e as instâncias federativas sobre as

responsabilidades do recolhimento das embalagens, haja vista que, apesar dos órgãos de

fiscalização do Estado reconhecerem, em conformidade com a Lei 9.974 de 2000, que são

dos entes federativos da União, Estados e Municípios as respectivas competências para

legislarem a respeito da problemática, agindo de forma direta ou de maneira supletiva,

constatam a insuficiência dos instrumentos e de tecnologias necessárias para a realização

do recolhimento. Logo, delegam ao Instituto a responsabilidade de efetivação da atividade

devido ao mesmo possuir a prerrogativa da coordenação e da logística do recolhimento.

Todavia, o INPEV contesta e explicita que a recepção de embalagens vazias dos

agrotóxicos é uma obrigatoriedade do poder público. As conseqüências deste imbróglio é o

acúmulo, ao longo do tempo em Bom Jesus, de milhares de embalagens vazias, pois

somente em 2005 mais de 25t ficaram no campo, segundo dados do próprio Instituto.

Esse panorama expôs que a problemática socioeconômica e ambiental relativa aos

agrotóxicos é grave em todo o mundo, apesar de alguns meios de comunicação os

colocarem como aliados da produção agrícola, no controle de vetores de doenças e em

campanhas de saúde. No entanto, várias e distintas pesquisas ainda não internalizaram a

real dimensão da contaminação em nível global, embora doenças crônicas no ser humano e

alterações na fauna, flora, ecossistemas e qualidade ambiental estejam sendo detectados

com maior incidência. Nesse sentido o grande desafio centra-se em vencer a

desinformação.

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4 ATENÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR NO SUS

Entender o papel dos profissionais de saúde e a rotina de atendimento ao

trabalhador, cuja saúde é impactada pela exposição aos agrotóxicos, é fundamental para a

análise do objeto de estudo desta investigação. Para tanto, dividiu-se este capítulo em

quatro itens, sendo que o primeiro versa sobre a conceituação de saúde pública e saúde do

trabalhador; o segundo aborda os arranjos institucionais para as ações de saúde do

trabalhador; o terceiro item precisa o financiamento da atenção à saúde do trabalhador e a

capacitação de recursos humanos e, por último, interpreta-se o papel dos profissionais de

saúde na atenção aos trabalhadores rurais expostos aos agrotóxicos.

4.1 Saúde pública e saúde do trabalhador

A definição de Saúde Pública, em conformidade com a Organização Mundial de Saúde

(OMS, 2004), assenta-se na aplicação dos conhecimentos da ciência médica, defendidos pelos

epidemiologistas, com o objetivo de impedir a incidência de doença nas populações.

Neste contexto, a saúde do trabalhador constitui uma área da saúde pública que tem

como objeto de estudo a intervenção nas relações entre o trabalho e a saúde e, como objetivos,

a promoção e a proteção da saúde do trabalhador, por meio de ações de vigilância dos riscos

presentes nos ambientes e condições de trabalho, dos agravos à saúde do trabalhador e a

organização e prestação da assistência aos trabalhadores, compreendendo procedimentos de

diagnóstico, tratamento e reabilitação de forma integrada.

A concepção do SUS entende que trabalhadores são todos os homens e mulheres

que exercem atividades para sustento próprio e/ou de seus dependentes, qualquer que seja a

forma de inserção no mercado de trabalho, nos setores formais ou informais da economia.

Ou seja, são todos os que trabalharam ou trabalham como assalariados, domésticos,

avulsos, agricultores, autônomos, servidores públicos, cooperativados e empregadores,

particularmente, de micro e pequenas unidades de produção. São também considerados

trabalhadores os que exercem atividades não remuneradas, como ajuda a membro da

unidade domiciliar com atividade econômica, aprendizes e estagiários e os que estão

temporária ou definitivamente afastados do mercado de trabalho por doença, aposentadoria

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ou desemprego.

Os determinantes da saúde do trabalhador compreendem os condicionantes sociais,

econômicos, tecnológicos e organizacionais responsáveis pelas condições de vida e os

fatores de risco ocupacionais – físicos, químicos, biológicos, mecânicos e os decorrentes

da organização laboral – presentes nos processos de trabalho. Assim, as ações de saúde do

trabalhador centram-se nas mudanças nos processos de trabalho que contemplem as

relações saúde-trabalho em toda a sua complexidade, por meio de uma atuação

multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial.

Nas organizações, os trabalhadores, individual e coletivamente, são considerados

sujeitos e partícipes das ações de saúde, que acrescentam estudo das condições de trabalho,

identificação de mecanismos de intervenção técnica para sua melhoria e adequação/

controle dos serviços de saúde prestados.

Na condição de prática social, as ações de saúde do trabalhador apresentam

dimensões sociais, políticas e técnicas indissociáveis. Como conseqüência, esse campo de

atuação tem interfaces com o sistema produtivo, geração de riqueza, formação e preparo da

força de trabalho, seguridade social e, particularmente, com as questões ambientais, uma

vez que os riscos gerados nos processos produtivos afetam o meio ambiente e a população

em geral.

As políticas de governo para a área de saúde do trabalhador devem definir as

atribuições e competências dos diversos setores envolvidos, incluindo as políticas

econômica, industrial, comercial, agrícola, educacional, ciência e tecnologia, previdência

social, meio ambiente, trabalho e justiça, entre outras. Outrossim, devem articular-se com a

sociedade civil organizada, com atuações sistemáticas, que resultem na garantia de

condições de trabalho dignas, seguras e saudáveis para todos os trabalhadores.

4.2 Arranjos institucionais para as ações de saúde do trabalhador

A execução das ações direcionadas para a saúde do trabalhador é atribuição do

SUS, prescritas na Constituição Federal de 1988, em cuja legislação complementar, Lei nº

9.637/98, define-se o elenco de atividades que se destina, por meio das ações de

Vigilâncias Epidemiológica e Sanitária, à promoção e proteção da saúde do trabalhador, à

recuperação e à reabilitação dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos

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das condições de trabalho. Esse conjunto de atividades encontra-se detalhado nos incisos

de I a VIII, art. 123 da referida Lei, abrangendo:

• assistência ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou portador de doença

profissional e do trabalho;

• participação em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos

potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;

• participação na normatização, fiscalização e controle das condições de produção,

extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, produtos,

máquinas e equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador;

• avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;

• informação ao trabalhador, à entidade sindical e às empresas sobre os riscos de

acidente de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de

fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de

demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;

• participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do

trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;

• revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de

trabalho;

• garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a

interdição de máquina, do setor, o serviço ou de todo o ambiente de trabalho, quando

houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde do trabalhador.

Além da Constituição Federal e da referida lei, outros instrumentos e regulamentos

federais orientam o desenvolvimento das ações nesse campo, entre os quais destacam-se a

Portaria/MS nº 3.120/1998 e a Portaria MS nº. 3.908/1998, que tratam, respectivamente, da

definição de procedimentos básicos para a vigilância em saúde do trabalhador e prestação

de serviços. A operacionalização das atividades deve ocorrer nas instâncias nacional,

estadual e municipal, às quais são atribuídas diferentes responsabilidades e papéis.

Em nível internacional, desde os anos de 1970, documentos da Organização

Mundial de Saúde (OMS, 2005), como a Declaração de Alma Ata e a proposição da

Estratégia de Saúde para Todos, enfatizam a necessidade de proteção e promoção da saúde

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e da segurança no trabalho, mediante a prevenção e o controle dos fatores de risco

presentes nos ambientes de trabalho.

No Brasil, as relações entre trabalho e saúde do trabalhador conformam múltiplas

situações caracterizadas por diferentes estágios de incorporação tecnológica, formas de

organização e gestão, relações e tipo de contrato que se reflete sobre o viver, adoecer e

morrer dos trabalhadores. Essa diversidade de situações de trabalho, padrões de vida e de

adoecimento, acentuada em decorrência das conjunturas política e econômica,

particularmente, com a reestruturação produtiva, em implementação acelerada a partir da

década de 1990, decorrente da adoção de novas tecnologias, métodos gerenciais e

precarização das relações de trabalho, perda de direitos trabalhistas e sociais e legalização

dos trabalhos temporários, cujas conseqüências sobre a saúde do trabalhador são ainda

pouco conhecidas. Ao mesmo tempo, identifica-se o incremento do número de

trabalhadores autônomos e subempregados e a fragilização das organizações sindicais e

das ações de resistência coletiva e/ou individual. (MTE, 2005)

Assim, a terceirização, no contexto da precarização, tem sido acompanhada de

práticas de intensificação do trabalho e/ou aumento da jornada de trabalho, com acúmulo

de funções, maior exposição a fatores de riscos para a saúde, descumprimento de

regulamentos de proteção à saúde e segurança, rebaixamento dos níveis salariais e

crescimento da instabilidade no emprego. Donde se infere que tal contexto está associado à

exclusão social e à deterioração das condições de saúde.

Não obstante a adoção de novas tecnologias e métodos gerenciais facilitar a

intensificação do trabalho que, aliada à instabilidade no emprego modifica o perfil de

adoecimento e sofrimento dos trabalhadores. A redução à exposição de riscos ocupacionais

em determinados ramos de atividade, contribui para tornar o trabalho menos insalubre e

perigoso. Todavia, constata-se que outros riscos são gerados pela elevação da prevalência

de doenças relacionadas ao trabalho, como Lesões por Esforços Repetitivos (LER),

também denominadas de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT),

estresse e a fadiga física e mental. A difusão das tecnologias avançadas na área da química

fina, na indústria nuclear e nas empresas de biotecnologia que operam com organismos

geneticamente modificados, acrescenta novos e complexos problemas para o meio

ambiente e à saúde do país, uma vez que os riscos são ainda pouco conhecidos, sendo,

portanto, de difícil controle.

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência - UNICEF

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(2005), identifica-se uma realidade distinta no trabalho rural, haja vista os trabalhadores

inserir-se em diferentes processos de trabalho, distinguidos na produção familiar em

pequenas propriedades e o extrativismo e nos empreendimentos agroindustriais que se

multiplicam em várias regiões do país. Tradicionalmente, a atividade rural é caracterizada

à margem da legislação brasileira e freqüentemente conta com o trabalho de crianças e

adolescentes. A contratação de mão-de-obra temporária para os períodos da colheita gera o

fenômeno dos trabalhadores bóias-frias, que vivem na periferia das cidades de médio porte

e aproximam os problemas dos trabalhadores rurais aos dos urbanos.

Destarte, questões próprias do campo da Saúde do Trabalhador, como os acidentes

de trabalho, conectam-se intrinsecamente com problemas vividos pelo conjunto da

sociedade brasileira nos grandes centros urbanos, pois as relações entre mortes violentas e

acidentes de trabalho tornam-se cada vez mais estreitas. Ademais, o desemprego crescente

e a ausência de mecanismos de amparo social para os trabalhadores que não conseguem

entrar no mercado de trabalho, contribuem para o aumento da criminalidade e da violência.

As relações entre trabalho e violência apresentam-se sob múltiplos aspectos no

local de trabalho, representadas pelos acidentes e doenças, resultante de relações de

trabalho deterioradas, como o trabalho infantil (UNICEF, 2005); relacionada à exclusão

social, agravada pela ausência ou insuficiência do amparo do Estado, e relativas ao gênero,

como assédio sexual e agressões entre pares, chefias e subordinados.

No cômputo das causas externas, os acidentes de transporte relacionados ao

trabalho, acidentes típicos ou de trajeto, destacam-se pela magnitude das mortes e

incapacidade parcial ou total, permanente ou temporária, envolvendo trabalhadores

urbanos e rurais. Nesta, a precariedade dos meios de transporte, a falta de fiscalização

eficaz e a vulnerabilidade dos trabalhadores contribuem para a ocorrência de grande

número de acidentes de trajeto.

Nesse sentido, explicita-se que o perfil de morbimortalidade dos trabalhadores

caracteriza-se pela coexistência de agravos que têm relação direta com condições de

trabalho específicas, como os acidentes de trabalho típicos e doenças profissionais, cuja

freqüência, surgimento e/ou gravidade são modificadas pelo trabalho e doenças comuns ao

conjunto da população, que não guardam relação etiológica com o trabalho.

Visando subsidiar as ações de diagnóstico, tratamento e vigilância em saúde e

o estabelecimento da relação da doença com o trabalho e das condutas decorrentes, o

Ministério da Saúde (2005), cumprindo a determinação contida no art. 6.2, § 3.2,

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inciso VII, da Lei de Organização Social (LOS), elaborou uma lista de doenças

relacionadas ao trabalho, a qual também foi adotada pelo Ministério da Previdência e

Assistência Social (MPAS), regulamentando o conceito de doença profissional e

adquirida pelas condições em que o trabalho é realizado, segundo prescreve o artigo

20 da Lei Federal nº 8.213/1991.

De acordo com o Ministério da Saúde (2005), a despeito da aprovação de algumas

normas relativas à adequação dos sistemas de informação em saúde e incorporação de

variáveis de interesse da saúde do trabalhador, essas não foram ainda implementadas.

Ressalte-se, outrossim, que as análises da situação de saúde, elaboradas em âmbito

nacional, estadual ou municipal, limitam-se à avaliação do perfil de morbimortalidade da

população em geral, ou de alguns grupos populacionais específicos, mas as informações

disponíveis não permitem a adequada caracterização das condições de saúde em sua

relação com o trabalho, nem o reconhecimento sistemático dos riscos ou o

dimensionamento da população trabalhadora exposta, impedindo, por conseguinte, um

planejamento global de intervenções, uma vez que ainda são isolados os estudos sobre a

situação de saúde de trabalhadores em regiões específicas.

De forma sistemática, estão disponíveis apenas os dados do MPAS (2005), sobre a

ocorrência de acidentes de trabalho e doenças profissionais, notificados por meio da

Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), da população trabalhadora coberta pelo

Seguro Acidente de Trabalho (SAT), que em 2005 correspondeu a 40% da População

Economicamente Ativa (PEA). Estão excluídos dessa estatística os trabalhadores

autônomos, domésticos, funcionários públicos estatutários, subempregados, muitos

trabalhadores rurais, entre outros. Considerando a diminuição, em todos os setores da

economia, do número de postos de trabalho e de trabalhadores inseridos no mercado

formal de trabalho, não existem informações quanto a um significativo contingente de

trabalhadores. Mesmo entre os trabalhadores segurados pelo SAT, dados do Ministério do

Trabalho e Emprego – MTE (2005) expõem níveis de subnotificação bastante elevados.

O MPAS (2004) registrou neste ano 401.254 acidentes de trabalho, distribuídos

entre acidentes típicos (337.373), trajeto (35.284) e doenças do trabalho (28.597).

Distinguindo-se o total de acidentes entre os setores da indústria (46,1%), serviços (45,8%)

e agricultura (8,1%), sendo que 88,3% ocorreram nas regiões Sudeste e Sul, e os demais

(11,7%) nas outras regiões. Entre trabalhadores do sexo masculino, a construção civil é o

principal ramo gerador de acidentes. Dos casos notificados, cerca de 57,6% referem-se à

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faixa etária de até 34 anos de idade.

Desde 1970, o MPAS (2004) registra uma diminuição da incidência e da

mortalidade por acidentes de trabalho no país. Em 1970, 1980, 1990 e 2004 ocorreram 167,

78, 36 e 16 acidentes, em cada grupo de mil trabalhadores segurados pela Previdência

Social, respectivamente. A relação de mortalidade reduziu entre 1970 e 2004, de 31 para

16 por 100 mil trabalhadores segurados. Conseqüentemente, a letalidade mostra-se

ascendente naquele período, crescendo mais de quatro vezes: de 0,18%, em 1970, para

0,84%, em 2004. No entanto, a redução da notificação desses agravos não significa

reconhecer que a realidade está sob controle, pois o aumento da letalidade é o elemento

indicador da gravidade da situação.

Por outro lado, as mudanças na conjuntura social no mundo do trabalho exigem que

a vigilância em saúde do trabalhador direcione a atenção para as situações de trabalho em

condições precárias, incluindo o trabalho autônomo e o mercado informal, nas quais os

acidentes ocupacionais vêm ocorrendo em proporções maiores que entre a parcela dos

trabalhadores inseridos no mercado formal. O conhecimento sobre o que ocorre entre

aqueles trabalhadores é ainda extremamente restrito. (M.S, 2005)

De acordo com Wünsch Filho (2004), o Produto Interno Bruto (PIB) per capita e a

mudança na composição da força de trabalho, mediante o deslocamento da mão-de-obra do

setor secundário para o terciário, são mais importantes para explicar a redução das taxas

anuais de incidência de acidentes, entre 1970 e 2004, do que eventuais medidas de

prevenção adotadas pelo governo ou empresas, haja vista que a incidência de doenças

profissionais, mensuradas com base na concessão de benefícios previdenciários, manteve-

se praticamente inalterada entre 1970 e 1985, em torno de 2 (dois) casos para cada 10 mil

trabalhadores; de 1985 a 1992, apresentou 04 (quatro) casos por 10 mil e, a partir de 1993,

observou-se um crescimento com padrão epidêmico, atingindo 14 (quatorze) casos por 10

mil, em decorrência, principalmente, da LER ou DORT, responsáveis por cerca de 80 a 90%

dos casos de doenças profissionais. O aumento absoluto e relativo da notificação das doenças

profissionais ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), por meio da Comunicação de

Acidente de Trabalho (CAT), em função das ações desenvolvidas nos projetos e programas de

saúde do trabalhador, implantados na rede de serviços de saúde, desde a década de 1980.

Segundo Pastore (2005), apesar do não conhecimento preciso do custo real para o

país, da ocorrência de acidentes e de doenças relacionados ao trabalho, estima-se em

R$12,5 bilhões anuais o custo para as empresas, e em mais de R$ 20 bilhões anuais para os

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contribuintes. Esse exercício, embora incompleto, permite uma avaliação preliminar do

impacto econômico dos agravos relacionados ao trabalho para o conjunto da sociedade.

Contrariando o propósito formal para o qual foram constituídos, os Serviços

Especializados em Saúde e Medicina do Trabalho (SESMT) operam sob a ótica do

empregador, com pouco ou nenhum envolvimento dos trabalhadores na gestão. Nos setores

produtivos mais desenvolvidos, do ponto de vista tecnológico, a competição no mercado

internacional estimula a adoção de políticas de saúde voltadas para a assistência integral do

trabalhador, incluindo programas de ginástica laboral, prática de exercícios físicos e

atividades sócio-comunitárias por exigências de programas de qualidade e certificação.

No âmbito das organizações de trabalhadores, a luta sindical por melhores

condições de vida e trabalho avançou significativamente nos anos de 1980. Entretanto, na

atual conjuntura encontra-se em refluxo em decorrência das políticas econômicas e sociais

que deslocam o eixo das lutas para a manutenção do emprego e redução dos impactos

sobre o poder de compra dos trabalhadores, gerando como conseqüência práticas

diversificadas, atividades assistenciais tradicionais e ações inovadoras e criativas, que

contemplam a saúde de modo integral. Apesar da rede pública de saúde historicamente

prestar serviços aos trabalhadores, um modelo alternativo de atenção à saúde laboral

começou a ser instituído, em meados da década de 1980, com a finalidade de possibilitar

ação gerenciada e sistema de vigilância em saúde de forma participativa denominado de

Programa de Saúde do Trabalhador. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005)

Atualmente, existem no país 190 Programas, Centros de Referência, Serviços,

Núcleos ou Coordenações de Ações de Saúde do Trabalhador, nos estados e municípios,

com graus variados de organização, competências, atribuições, recursos e práticas de

atuação, voltados, principalmente, para os empregados urbanos.

Embora sejam pontuais e díspares, esses Programas e Serviços tiveram o mérito de

desenvolver experiência significativa de atenção especializada à saúde do trabalhador e

metodologia de vigilância, preparar recursos humanos, estabelecer parcerias com os

movimentos social e sindical e com instâncias responsáveis pelas ações de saúde do

trabalhador nos Ministérios do Trabalho e Emprego (MTE), Previdência e Assistência

Social (MPAS) e Ministérios Públicos (MP). Contribuíram, ainda, para a configuração do

atual quadro jurídico-institucional, inserido na Constituição Federal, Lei Orgânica de

Saúde (LOS) e legislação complementar.

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Todavia, em conformidade com o Ministério da Saúde (2005), não obstante a

importância da implantação de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador

(CEREST), estes enfrentam sérias dificuldades, quais sejam:

• necessidade de atender o conjunto dos trabalhadores com uma pequena inserção

na rede SUS, em uma perspectiva de atenção hierarquizada e integral;

• falta de tradição, familiaridade e conhecimento dos profissionais do sistema com

a temática saúde/doença relacionada ao trabalho, configurando uma incapacidade técnica

para o diagnóstico e o estabelecimento da relação das doenças com o trabalho;

• deficiência de recursos materiais para as ações de diagnósticos de equipamentos

para avaliações ambientais e de bibliografia especializada;

• desconhecimento das atribuições do SUS relativas às ações de vigilância dos

ambientes de trabalho no âmbito do SUS e dentre outros setores de governo, e entre os

empregadores;

• ausência de informações adequadas referentes aos agravos à saúde relacionados

ao trabalho nos sistemas de informação em saúde e sobre sua ocorrência na população

trabalhadora no setor informal;

• reduzida participação dos trabalhadores, uma vez que muitos sindicatos

limitam-se, na sua relação com o SUS, à geração de demandas pontuais, que preenchem a

agenda de muitos CEREST’s, resultando na falta de integração construtiva na qual

trabalhadores e técnicos da saúde compreendam a complexidade da saúde do trabalhador

em conjunturas e espaços específicos e, a partir daí, traçar estratégias comuns para superar

as dificuldades;

• indefinição de mecanismos precisos e duradouros para o financiamento de ações

em saúde do trabalhador;

• atribuições concorrentes ou mal definidas entre os diferentes órgãos que atuam

na área.

Ademais, presenciam-se dificuldades para a incorporação/articulação das ações de

saúde do trabalhador no âmbito do sistema de saúde, em nível nacional, regional e local,

como Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), Centro Nacional de Epidemiologia

(CENEPI), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Secretaria de Assistência

à Saúde (SAS), Departamento de Informática do SUS (DATASUS) e Instituto Nacional de

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Câncer (INCA), comprometendo a universalidade e a integralidade do atendimento.

Ainda de acordo com o Ministério da Saúde (2005), os Programas de Saúde do

Trabalhador na rede de serviços de saúde concentram-se no modelo assistencial ao

privilegiar as ações de saúde do trabalhador na atenção primária, sob a orientação técnica

dos CEREST e de outras instituições do Sistema de Saúde, que devem garantir uma rede

eficiente de referência e contra-referência, articulada com as ações das vigilâncias

epidemiológica e sanitária, e programas de atenção a grupos específicos, como mulher,

adolescentes, idosos, ou organizados por problemas, além de contemplar:

• capacitação técnica das equipes;

• disponibilidade de instrumentos para o diagnóstico e estabelecimento de nexo

com o trabalho pelos meios propedêuticos necessários;

• recursos materiais para as ações de vigilância em saúde, como suporte laboratorial e

equipamentos para avaliações ambientais;

• disponibilidade de bibliografia especializada;

• mecanismos que corrijam a indefinição e duplicidade de atribuições, tanto no

âmbito do SUS e de outros setores do governo;

• coleta e análise das informações referentes aos agravos à saúde relacionados ao

trabalho nos sistemas de informação em saúde e sobre sua ocorrência na população

trabalhadora no setor informal, não segurada pela Previdência Social;

• definição de mecanismos claros e duradouros para o financiamento das ações em

saúde do trabalhador.

Através deste contexto, verificou-se que as ações de saúde do trabalhador na rede

pública estão sendo desenvolvidas ainda de maneira incipiente pela interposição de

programas assistenciais, que, embora diferentes, têm o propósito de consolidar atividades,

cujas metodologias de vigilância envolvem a capacitação de recursos humanos e o

estabelecimento de parcerias com os movimentos sociais, sindicais e interinstitucionais.

4.3 Financiamento da atenção à saúde do trabalhador e a capacitação de recursos humanos

O financiamento das ações direcionadas à saúde do trabalhador não consta

permanentemente dos orçamentos da União, dos Estados e Municípios. As modalidades de

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financiamento e custeio previstas pela Norma Operacional Básica do SUS (NOB/SUS nº

01/1996), atualizada pela Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS/SUS nº

01/2000) e Portarias Complementares ainda não incluem inúmeras ações desenvolvidas

nem estabelecem parâmetros que permitam dimensionar o custo da vigilância

epidemiológica e sanitária em saúde dos trabalhadores, de forma a complementar a tabela

de procedimentos do Sistema de Informações Ambulatoriais. (SIA/SUS, 2004)

Neste contexto, mecanismos já previstos foram implementados, como a utilização

do Índice de Valorização de Resultados, Programa Integrado de Assistência ao Acidentado

do Trabalho (PIAT) referente às Portarias Interministeriais MPAS/MS n.º 11/1995 e nº

14/1996 e a Portaria/MS nº142/1997, definem o registro dos procedimentos realizados no

atendimento hospitalar de urgência e emergência em casos de acidente de trabalho.

(MPAS, 2004)

Tendo em vista o Seguro por Acidente do Trabalho (SAT) constituir-se em prêmio,

de caráter obrigatório recolhido pelo INSS, correspondente ao valor de 1 a 3% da folha de

pagamento das empresas, de acordo com o grau de risco, poderia consistir numa fonte

importante de custeio de uma atenção diferenciada para os trabalhadores, com ênfase na

prevenção dos acidentes e das doenças relacionadas ao trabalho. Em 2005, a arrecadação

do SAT foi de R$ 10,34 bilhões, sendo superavitário, segundo o Anuário Estatístico da

Previdência Social (AEPS) para a cobertura dos benefícios acidentários previstos na

legislação previdenciária. Embora a quase totalidade da assistência médica, hospitalar e

ambulatorial, para as vítimas dos infortúnios relacionados ao trabalho, inseridos ou não na

economia formal, com ou sem planos privados de saúde, seja realizada pelos serviços da

rede pública de saúde, não há qualquer tipo de repasse de recursos do SAT para o SUS.

(MTE, 2005).

Entre as dificuldades apontadas para uma efetiva implantação das ações de saúde

do trabalhador no sistema de saúde, destaca-se a necessidade de formação e capacitação de

recursos humanos, que deve estar articulada com o Programa Nacional de Educação e

Qualificação Profissional na Saúde (PLANFOR), identificada e priorizada pelo Conselho

Nacional de Saúde (CNS), mediante a Resolução/CNS nº 220/1997. Nesse sentido, deverá

ser implementado o Plano de Formação e Capacitação de Recursos Humanos em Saúde do

Trabalhador para o SUS, considerado de importância estratégica para a prestação de uma

atenção diferenciada aos trabalhadores, pois a ampliação e difusão do conhecimento sobre

as condições de trabalho e suas conseqüências para a saúde do trabalhador devem ser

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estimuladas e apoiadas pelas agências de fomento e realizadas pelo sistema de saúde,

universidades e institutos de pesquisa, em colaboração com outras organizações sociais.

Acompanhando o movimento internacional de Promoção da Saúde, o Ministério da

Saúde, com o apoio da representação da OPAS/OMS no Brasil, procura incorporar em suas

ações as diretrizes estabelecidas nas Conferências de Otawa (Canadá, 1986, Promoção da

Saúde), Adelaide (Austrália, 1988, Políticas Públicas Saudáveis), Sundswall (Suécia, 1991,

Ambientes Saudáveis e Desenvolvimento Sustentável), Bogotá (Colômbia, 1992, Linhas de

Promoção para Países em Desenvolvimento) e Jacarta (Indonésia, 1997, sobre Promoção da

Saúde no Século XXI), visando redirecionar o enfoque assistencialista ao reforçar o papel

das políticas públicas intersetoriais, a participação comunitária e o estímulo à criação de

ambientes e estilos de vida saudáveis.

Essa abordagem vem sendo discutida e implementada paulatinamente, ainda que de

forma circunscrita, no movimento municipal e no debate conceitual e metodológico da

vigilância em saúde. A trajetória da saúde coletiva no país, e da saúde dos trabalhadores

em particular, possui origens históricas e conceituais paralelas às da promoção da saúde,

havendo a necessidade de maior reflexão crítica e capacidade de síntese quanto à efetiva

operacionalização de política voltada para a área, principalmente, no que se refere às ações

intersetoriais e às estratégias de transformação dos processos e ambientes de trabalho.

4.4 Os profissionais de saúde na atenção à saúde dos trabalhadores

Por princípio, a atenção à saúde do trabalhador requer o envolvimento de uma

equipe multiprofissional com enfoque interdisciplinar, na qual os médicos terão que

exercer atribuições específicas, regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina

(CFM), por meio da Resolução/CFM nº 1.488/1998, independentemente da especialidade

ou local de atuação, ou seja, como contratado, assessor, consultor, perito ou perito

médico-judicial ou da previdência social. Segundo o artigo 1º da Resolução, são

atribuições dos profissionais que prestam assistência médica ao trabalhador:

• assistir ao trabalhador, elaborar o prontuário médico e fazer os encaminha-

mentos devidos;

• fornecer atestados e pareceres para o afastamento do trabalho sempre que

preciso, considerando que o repouso, acesso a terapias ou afastamento de determinados

agentes agressivos integram o tratamento;

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• fornecer laudos, pareceres e relatórios de exame médico e dar encaminhamento,

sempre que necessário, para benefício do paciente e dentro dos preceitos éticos, quanto aos

dados de diagnóstico, prognóstico e tempo previsto de tratamento. Quando requerido pelo

paciente, o médico deve disponibilizar todas as informações referentes ao atendimento, em

especial cópia dos exames e prontuário médico.

Esse panorama possibilitou apreender que a atenção à saúde do trabalhador deve

ser procedida de forma sistemática, cujo entendimento passa inicialmente pela

compreensão do conceito de saúde pública e da efetividade dos arranjos institucionais para

promover, igualitariamente, o acesso de todos os trabalhadores aos respectivos serviços de

saúde. Discorreu-se, ainda, sobre os aspectos que geram o financiamento das despesas

decorrentes com a política laboral, depreendendo-se a necessidade permanente de

capacitação de recursos humanos para o atendimento eficaz de forma a possibilitar o

fortalecimento de ações, que solidifiquem o preceito constitucional da atenção à saúde

visando a promoção do bem-estar da classe laboral.

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5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este capítulo trata dos procedimentos adotados para a formatação da metodologia

desenvolvida. Nesse sentido encontra-se dividido em três itens. O primeiro refere-se aos

dados secundários centrado nos levantamentos bibliográfico e documental. O segundo,

aborda o processo de obtenção dos dados primários e, o terceiro caracteriza o município

objeto de análise, Bom Jesus.

5.1 Dados secundários

Em termos metodológicos foram imprescindíveis o estudo bibliográfico e o

levantamento de dados estatísticos para fundamentação das análises laboratoriais e

pesquisa de campo. No que concerne à revisão de literatura, ressaltou-se a teoria do risco,

fatores de riscos e danos, a relevância da análise conceitual e toxicológica dos agrotóxicos

sobre a saúde do trabalhador no SUS. Para a continuidade da construção dos dados

secundários recorreu-se ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), ao Instituto de Assistência

Técnica e Extensão Rural (EMATER), ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e

Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), à Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e

Sociais (CEPRO), às Secretarias Estaduais de Meio Ambiente e Recursos Hídricos

(SEMAR), de Desenvolvimento Rural (SDR) e Saúde (SESAPI) e Ministérios da Saúde,

Trabalho e Emprego.

5.2 Dados primários

A pesquisa de campo foi realizada entre janeiro e junho de 2006, e desenvolvida em

três etapas distintas e complementares:

A primeira etapa do processo de coleta de dados consistiu na visita a várias

unidades produtivas de Bom Jesus, escolhidas de forma aleatória, visando o

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estabelecimento de contato inicial com os agricultores e com os processos produtivos e de

trabalho existentes na produção agrícola.

Como anteriormente enunciado, conforme o DATASUS (2005), do total de 21.182

habitantes do município, 31,2% residem na zona rural, destes, 10% encontram-se nas

fazendas de soja, 70% nos baixões e 20% em pequenas comunidades. Com a finalidade de

definir o universo da pesquisa, realizou-se uma pesquisa exploratória nas fazendas de soja

e nos baixões da Serra do Quilombo, a qual redundou na identificação da amostra aleatória,

contemplando 09 (nove) fazendas, cada qual com 03 (três) agricultores, resultando por

conseguinte em um total de 27 trabalhadores aptos a participarem da pesquisa de campo.

Quanto ao público alvo dos baixões, optou-se pela coleta de dados no Assentamento

Conceição, que é um aglomerado de 300 domicílios mantidos e organizados pelo Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de Bom Jesus, desde 2002, pelo fato de ser uma comunidade

representativa com 39% do total dos habitantes da referida localidade, sendo, portanto, a

maior concentração populacional que utiliza agrotóxicos. (SDR, 2005)

Como já registrado, a avaliação da situação de exposição aos agrotóxicos centrou-

se no estudo do processo e das condições reais de exposição presentes na atividade dos

agricultores. Assim, nesta fase, utilizou-se da observação direta da situação de trabalho, a

partir de uma atitude interativa e da aplicação de questionários (Anexo I), todas realizadas

no e durante o desenvolvimento do trabalho. Ademais, salienta-se que com o

consentimento dos agentes econômicos as entrevistas foram gravadas e, posteriormente,

transcritas de acordo com os critérios do Comitê de Ética da Universidade Federal do Piauí

(Anexo II), as quais constituíram-se em material empírico de análise.

A segunda etapa, realizada entre fevereiro e junho de 2006, tratou da avaliação

clínica e laboratorial de uma amostra não estatística de trabalhadores rurais de Bom Jesus.

Assim 120 (cento e vinte) trabalhadores submeteram-se a exame clínico-laboratorial, os

quais concordaram, voluntariamente, em participar do trabalho desenvolvido, conforme os

critérios do Comitê de Ética em Pesquisa. Deste total, apenas 87, sendo 60 dos baixões e

27 das fazendas de soja participaram das distintas etapas da pesquisa, devido a

sazonalidade da safra agrícola, haja vista a constante rotatividade de pessoal. Não obstante

esta configuração, a amostra permanece ativa, em decorrência do seu caráter qualitativo

demonstrar o perfil estatístico do estudo. (OMS, 2005)

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Nesse sentido, o atendimento clínico dos trabalhadores foi realizado no local,

obedecendo ao protocolo de anamnese clínico-ocupacional padronizado10, com vistas ao

melhor entendimentos das atividades desenvolvidas pelos trabalhadores, explicitar-se-ão os

processos de produção e de trabalho presentes na agricultura de Bom Jesus, como:

• organização do trabalho: identificada pelas relações de trabalho existentes, a

divisão de tarefas, a jornada, a organização temporal e a presença de trabalho familiar;

• tecnologias: consistem nas técnicas utilizadas no processo de produção

agrícola, com destaque para o uso dos agrotóxicos;

• estratégias de utilização dos agrotóxicos: relaciona-se sobre o quê usa,

quando usa, como usa, porquê usa, qual a freqüência e tipo de orientação quanto aos

ciclos de produção dos cultivares de Bom Jesus;

• aprendizagem na atividade agrícola e, particularmente no uso de agrotóxicos:

em relação à assistência técnica, decorrente da história familiar, dos colegas, da própria

vivência e do conhecimento do receituário agronômico;

• estratégias para redução da exposição aos agrotóxicos: utilização de EPI,

observação da direção do vento, escolha de horário para preparação e aplicação dos

pesticidas e tipos de produtos escolhidos, quanto à maior ou menor toxicidade;

• relação entre saúde e meio ambiente: embasado no estudo da história de

intoxicações pregressas e/ou atuais, de sintomas com intoxicações agudas ou crônicas,

de contaminação de animais, dos procedimentos de lavagem dos equipamentos de

aplicação dos agrotóxicos e da destinação das embalagens vazias.

10 O material para os exames complementares foi coletado em Bom Jesus e enviado para o Laboratório Central do Piauí. Foram realizados: exames bioquímicos: proteínas totais e frações, TGO, TGP, Gama GT, fosfatase alcalina, glicemia de jejum, uréia e creatinina; provas de função tireoidiana: dosagens de T3, T4 e TSH; exames hematológicos: hemograma completo, plaquetas e contagem de reticulócitos; exames toxicológicos: dosagem de acetilcolinesterase; pesquisa de resíduos de alguns agrotóxicos organoclorados e avaliação do status imunológico de um grupo de trabalhadores expostos. Todos foram submetidos a exame clínico neurológico; alguns realizaram eletroneuromiografia.

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As entrevistas do processo de comunicação rural e a aplicação dos questionários

embasaram-se no uso histórico dos agrotóxicos e nas informações disponíveis sobre as

substâncias contidas nos rótulos e bulas, cartilhas e folders e outros materiais instrucionais.

Posteriormente, tabulou-se os dados e construiu-se a análise estatística.

Segundo dados do Ministério da Saúde (2005), até o final da década de 1990 o

município era endêmico para a esquistossomose mansônica, que na fase de manifestação

hepática poderá comprometer a função do fígado. Tal situação consiste num aspecto

falciforme em relação à análise dos testes de funcionamento deste órgão, na medida em

que distintas infecções orgânicas de caráter toxicológico podem alterar a função hepática,

daí não se poder associar qualquer alteração no fígado como conseqüência de

contaminação por agrotóxico.

Contudo, com a finalidade de analisar o resultado dos exames laboratoriais

realizados nos 87 trabalhadores, sendo 60 nos baixões, correspondendo a 72,3%, e 27 nas

fazendas de soja da serra do Quilombo, representando 27,7% do universo pesquisado,

referente à avaliação do funcionamento do fígado e níveis da Acetilcolinesterase (AChE),

considerou-se os parâmetros da: Transaminase Glutâmico Oxalacética (TGO),

Transaminase Glutâmico Pirúvico (TGP) e a atividade da Acetilcolinesterase (AChE/

BChE).

Em conformidade com a literatura médica, os exames mais solicitados para

comprovação da diminuição dos níveis da Acetilcolinesterase (AChE) e função hepática

são resultantes da atividade da AChE/BChE, das TGO e TGP, marcadores dos índices de

toxicidade humana por defensivos agrícolas.

Larini (2004), salienta que é comum presenciar nas pessoas expostas aos

praguicidas a elevação e redução dos níveis de transaminases, os quais podem confundir

muitos médicos sem experiência em hepatologia, como também expõe que os portadores

crônicos devem ser examinados mensalmente durante um período de seis meses, para

obtenção de uma média. Além do mais, recomenda-se que os negativados, após o

tratamento, devam medir as transaminases, no mínimo, de três em três meses.

Com vistas a detecção de problemas hepáticos, faz-se mister, inicialmente, realizar

exame de sangue para revelar a presença de certas enzimas, comumente chamadas de

transaminases. Em circunstâncias normais, tais enzimas residem dentro das células do

fígado, mas quando este se encontra com problemas, são lançadas no fluxo sanguíneo. As

transaminases incluem a Aminotransferase de Aspartate (TGO) e a Aminotransferase de

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Alanine (TGP) e catalisam reações químicas nas células, nas quais um grupo de amino é

transferido de uma molécula doadora a uma molécula receptora, derivando-se nas

chamadas trans + aminases.

A gama normal de valores para TGO é de 5 a 40 unidades por litro de soro (a parte

líquida do sangue), e para TGP é de 7 a 56 unidades por litro de soro, sendo que tais

valores dependem do fabricante do teste, logo é necessário sempre verificar quais são os

valores de referência para comparar os resultados. As TGP e TGO são indicadores

sensíveis de dano hepático em diferentes tipos de doenças. No entanto, ressalte-se que

apresentar níveis mais elevados que o normal das enzimas não indica, necessariamente,

uma doença hepática estabelecida, ou seja, pode ser indício de algum problema, ou não.

Para Larini (2004), a interpretação dos níveis superiores de TGO e TGP depende do

quadro clínico geral, daí exigir-se que a análise seja realizada por profissional médico ou

bioquímico com capacidade comprovada em hepatologia.

Para melhor compreensão das alterações dos níveis da acetilcolinesterase

encontradas nos trabalhadores pesquisados, expor-se-ão as formas de atuação da AchE

(eritrocitária) e BChE (plasmática): os Inseticidas Organofosforados (OF) ligam-se ao

centro esterásico da Acetilcolinesterase (AChE), impossibilitando-a de exercer sua função

de hidrolisar o neurotransmissor acetilcolina (a hidrólise transforma a acetilcolina em

colina e ácido acético). Os Inseticidas Carbamatos (CARB) agem de modo semelhante,

mas formam um complexo menos estável com a colinesterase, permitindo a recuperação da

enzima mais rapidamente. A Acetilcolinesterase (AChE) está presente no Sistema Nervoso

Central (SNC), Sistema Nervoso Periférico (SNP) e também nos glóbulos vermelhos do

sangue. A Acetilcolinesterase (AChE) inativa a acetilcolina, sendo responsável pela

transmissão do impulso nervoso no SNC, nas fibras pré-ganglionares, simpáticas e

parassimpáticas e na placa mioneural.

Quando o inseticida inativa a acetilcolinesterase (AChE) sobra mais acetilcolina

para estimular os receptores muscarínicos e nicotínicos. Essa maior estimulação é

responsável pelo quadro colinérgico agudo clínico mais grave e prolongado, caracterizado

como síndrome intermediária. Os Inseticidas Organofosforados são os causadores dos

quadros clínicos mais graves.

Além do quadro colinérgico, conforme Farias (2005), a exposição aguda a alguns

inseticidas inibidores da colinesterase pode conduzir o desenvolvimento de manifestações

neurotóxicas tardias de mecanismo desconhecido. Nesse sentido, explicita-se os diversos

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tipos de manifestações que podem ocorrer em função da exposição aos praguicidas:

• clínicas - os principais sinais e sintomas da intoxicação aguda por inseticidas

inibidores da colinesterase (organofosforados e carbamatos) manifestam-se por crises

colinergéticas agudas;

• muscarínicas - caracterizadas por broncoespasmo (estreitamento dos

brônquios), dificuldade respiratória, aumento de secreção brônquica, cianose (cor

arroxeada nas mucosas e pele), edema pulmonar (líquido nos pulmões), falta de apetite,

náuseas, vômitos, cólicas abdominais, diarréia, incontinência fecal (evacuação não

controlável), dor para evacuar; suor excessivo, salivação, lacrimejamento, pupilas

contraídas, visão borrada, incontinência urinária (urina solta, urina não controlável) e

bradicardia (diminuição dos batimentos cardíacos);

• nicotímicas – cujos sintomas são as fasciculações musculares (pequenas

contrações musculares), câimbras, fraqueza, ausência de reflexos, paralisia muscular,

hipertensão, taquicardia (aumento dos batimentos cardíacos), palidez, pupilas dilatadas;

• sistema nervoso central - apresentam-se por intermédio de inquietação,

instabilidade emocional, dor de cabeça, tremores, sonolência, confusão, linguagem chula,

marcha descoordenada, fraqueza generalizada, coma, convulsões, depressão do centro

respiratório;

• síndrome intermediária - após 24 a 96 horas da exposição ao organofosforado

surge fraqueza ou paralisia muscular dos membros superiores e do pescoço. Outros grupos

musculares também são afetados, inclusive a musculatura respiratória, levando à parada

respiratória. A recuperação acontece no período de 04 a 18 dias;

• polineuropatia tardia – desenvolve-se entre 02 a 04 semanas após a exposição

a inseticidas organofosforados e caracteriza-se por fraqueza muscular dos membros,

câimbras dolorosas, formigamento, reflexos diminuídos e quadro de incoordenação

motora, hipertonia ou espasticidade (aumento acentuado do tônus muscular), reflexos

exageradamente elevados e tremores (síndrome de liberação extrapiramidal). A

recuperação é variável.

A investigação sobre os processos de produção e de trabalho presentes na

agricultura de Bom Jesus e demais atividades desenvolvidas pelos agricultores, com a

finalidade de identificar o impacto do uso de agrotóxicos na saúde dos trabalhadores rurais

do referido município, considerou:

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• organização do trabalho - procurou-se em cada unidade produtiva, seja nas

fazendas de soja ou no assentamento Conceição, apreender o tipo e as características das

relações de trabalho existentes, existência de trabalho familiar, divisão de tarefas, jornada

de trabalho e organização do tempo de trabalho;

• tecnologias - observou-se no processo de produção as técnicas utilizadas na

agricultura, com destaque para o uso dos agrotóxicos;

• manejo do uso de agrotóxicos - o que se usa, quando, como e por que se usa,

qual a freqüência e o tipo de orientação em relação aos ciclos de produção dos vários

produtos cultivados;

• aprendizagem para o trabalho na agricultura - o uso de agrotóxicos na

assistência técnica, aprendizagem familiar com os próprios trabalhadores, oriundos da

vivência e do conhecimento do receituário agronômico;

• estratégias para reduzir a exposição aos defensivos agrícolas - utilização de

Equipamento de Proteção Individual (EPI), observação da direção do vento, escolha de

horário para preparação e aplicação dos agrotóxicos e tipo de produtos escolhidos quanto

ao nível de toxicidade;

• saúde e meio ambiente - a história de intoxicações humanas e em animais, a

presença de sintomas relacionados com intoxicações agudas ou crônicas, os procedimentos

de lavagem dos equipamentos de aplicação dos agrotóxicos e a destinação das embalagens

e dos restos das caldas.

O sangue para os exames foi coletado em Bom Jesus e enviado para o Laboratório

Central (LACEN-PI), Transaminases (TGO/TGP) e para o laboratório de imunorregulação

Adolfo Lutz em São Paulo, especializado em análises bioquímicas de dosagens de

Acetilcolinesterase (AChE/ BChE). A configuração destes exames é fundamental para o

estudo da relação da saúde humana com substâncias químicas, devido às complexas

funções hepáticas e renais encontrarem-se relacionadas com a síntese da maioria das

proteínas plasmáticas, e pelo fato de pertencerem ao metabolismo de importantes órgãos

do corpo humano. Assim, alteração de um ou mais dos parâmetros laboratoriais que

avaliam suas funções podem causar quadros de toxicidade do fígado e dos rins.

Dessa forma, esses parâmetros são analisados em função do gênero e do tipo de

contato direto ou indireto. O primeiro refere-se à situação na qual os trabalhadores

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manuseiam diretamente o produto na atividade de preparo, aplicação, descarte de

embalagens e limpeza do equipamento de aplicação. E o indireto diz respeito à exposição

ambiental e por lavagem do uniforme de trabalho.

Os valores laboratoriais identificados na pesquisa foram comparados com os do

grupo controle, cuja freqüência de distribuição normal obedece ao padrão expresso na

chamada Curva de Gauss11, representando que 95% da população se encontra dentro dos

limites de normalidade, e que 2,5% estão acima do limite superior de normalidade, e 2,5%

abaixo do limite inferior de normalidade. (LARINI, 2004)

Os resultados da pesquisa de campo foram analisados por meio dos métodos

quantitativos e qualitativos, que segundo (NEVES, 1996) os estudos quantitativos

geralmente procuram seguir um plano previamente estabelecido (baseado em hipóteses

claramente indicadas e variáveis que são objeto de definição operacional), já a pesquisa

qualitativa costuma ser direcionada ao longo de seu desenvolvimento, além disso, não

busca enumerar ou medir eventos e, geralmente, não emprega instrumental estatístico para

análise dos dados; seu foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da

aditada pelo método quantitativo.

A terceira etapa consistiu na pesquisa entre médicos de Bom Jesus e de Teresina

com vistas à investigação da rotina laboral destes profissionais de saúde frente à

identificação, diagnóstico e tratamento dos casos de intoxicação por agrotóxicos. (Anexo

III)

Em Bom Jesus trabalham 12 médicos em regime de plantões no hospital local

mantido pelo governo estadual, os quais também integram a equipe do Programa Saúde da

Família – (PSF), coordenado pela Prefeitura do município. Com vistas a investigação da

rotina laboral destes profissionais, aplicou-se um questionário com perguntas abertas a

todos os médicos do município. Na perspectiva de verificar o conhecimento dos referidos

profissionais em um ambiente mais avançado tecnicamente, selecionou-se, aleatoriamente,

04 hospitais de Teresina, Dirceu Arcoverde, Promorar, Primavera e Buenos Aires, cujas

características são semelhantes aos de Bom Jesus, no sentido de realizar uma análise

11 A denominação curva de Gauss está associada ao matemático alemão Gauss, descobridor da equação matemática que se notabilizou por ser conhecida, também, como curva de erros e acertos em torno de uma determinada média matemática.

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comparativa da rotina dos mesmos no atendimento de trabalhadores que procuravam os

respectivos serviços de saúde contaminados por pesticidas.

5.3 Caracterização do município de Bom Jesus

A importância da explicitação das características sócio-demográficas, climáticas, de

vegetação e solo de Bom Jesus centra-se na necessidade de conhecer a realidade do espaço

territorial onde se insere a pesquisa empírica desta dissertação.

Em conformidade com o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil (2004),

Bom Jesus localiza-se na região sudoeste do Estado, distando aproximadamente 630 km da

capital, Teresina, inserida na Mesorregião do Sudeste Piauiense, Microrregião do Alto

Médio Gurguéia, englobando uma área total de 5.709,10 km², como demonstrado na

Figura 1.

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FONTE: SEMAR – Digitalizado a partir do Mapa de Divisão Municipal do IBGE – Escala: 1:1.000.000, 1997 e Mapa Rodoviário do DER, 1998.

Figura 1 – Mapa do Estado do Piauí, destacando o município de Bom Jesus.

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Em 2005, a população de Bom Jesus era de 21.182 habitantes, sendo 68,8% e 31,2% residentes nas zonas urbana e rural, respectivamente, com densidade demográfica de 2,8 hab/km². (DATASUS, 2005)

A estrutura produtiva, de acordo com os dados do IBGE (2003), é composta de lavouras permanentes e temporárias, cuja produção nesse ano foi de 220 mil unidades de coco-da-baía; 187 mil de laranja, 20 mil de abacaxi, 5.669t de arroz, 1.600t de cana-de-açúcar, 1.600t de feijão, 1.703t de mandioca, 30t de melancia, 28t de castanha de caju, 225t de banana, 2.862t de milho e 49.779t de soja.

Já a estrutura fundiária não se diferencia dos demais municípios do Estado, nos quais predominam as grandes propriedades rurais. Nesse sentido, segundo Araújo (2005), das 706 propriedades catalogadas na SDR, 35,5% possuíam área menor que 10ha, enquanto que 7,5% detinham área superior a 500ha, expressando que vastas extensões de terras, ou seja, 281.023ha, encontravam-se em poder de poucos proprietários e apenas 761ha estavam em mãos de muitos agricultores.

A referida autora assegura que Bom Jesus integra o compartimento regional de relevo, Chapadões do Alto-Médio-Parnaíba, representado pelas serras do Quilombo, Uruçuí e Semitumba. Os solos predominantes são os latossolos amarelo e vermelho-amarelo e a vegetação é composta basicamente por cerrado (campo cerrado e cerradão), mas ocorre, também, caatinga arbórea em menor proporção.

Em conformidade com a SEDUC (2005), neste ano o município apresentava, do universo de 9.320 crianças, 49,9% na faixa etária de cinco a seis anos, 50,1% entre sete e quatorze anos matriculadas no ensino fundamental, e 4,5% da população freqüentavam curso superior. Conta-se ainda com um Núcleo da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e um Campus da Universidade Federal do Piauí. (UFPI)

Bom Jesus possui onze estabelecimentos de saúde, sendo nove públicos e dois particulares. Na rede pública há um hospital que é referência regional para os demais municípios da região, no qual trabalham sete médicos plantonistas em regime de urgência, um ortopedista e seis clínicos gerais. A atenção básica dos serviços de saúde integra quarenta agentes de saúde, seis enfermeiros, cinco médicos, três odontólogos, dois assistentes sociais e dois nutricionistas. Ressalte-se que este montante de profissionais não atende plenamente as recomendações da (OMS, 2006), que estabelece, pelos menos o dobro do número existente, a fim de que possa haver uma melhor resolutividade da atenção básica do serviço prestado. A estrutura de apoio à diagnose e terapia é incipiente, porque os profissionais só dispõem de um aparelho de Raios X de 500mA, um aparelho de ultra-som e um eletrocardiógrafo, donde constata-se que o município não possui laboratório para

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análise de exames mais complexos, como o teste dos níveis da acetilcolinesterase, importante exame complementar para medir o índice de contaminação humana por agrotóxicos. (SESAPI, 2005)

Conforme visto, o processo de modernização da agricultura nos cerrados piauienses deu-se a partir de meados da década de 1980, cujas etapas de incorporação ao sistema moderno, caracterizado pelo uso intensivo de máquinas agrícolas e pesticidas ocorreram pioneiramente em cidades-pólo da região sul piauiense. (ARAÚJO, 2005)

Historicamente, os produtores rurais de Bom Jesus, em geral, já nasceram agricultores, expressando que o contato com os agrotóxicos é precoce e, apesar da forma indireta de contato, essa condição não evita efeitos danosos à saúde dos trabalhadores, pois os sintomas somente podem aparecer após anos de exposição ao agente tóxico, inclusive em situações de pequenas doses diárias. (GRISOLIA, 2005)

No entanto, a investigação e análise das condições de exposição aos agrotóxicos no trabalho e os danos à saúde enfrentam dificuldades em decorrência do não registro pelos trabalhadores dos produtos utilizados, do avanço da tecnologia que freqüentemente lança novos produtos no mercado, das mudanças ambientais, etc.

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6 AGRAVOS À SAÚDE DOS TRABALHADORES DE BOM JESUS EXPOSTOS AOS AGROTÓXICOS

Este capítulo analisa a pesquisa de campo realizada com agricultores e médicos de

Bom Jesus e de Teresina com o objetivo de explicitar que os agravos à saúde dos

trabalhadores potencialmente expostos aos agrotóxicos são decorrentes do modelo

imperativo e cotidiano de seu uso para combater as pragas e doenças que ameaçam a

produção e a produtividade e pela incipiente assistência institucional, seja à saúde ou à

educação. Para tanto, dividiu-se o capítulo em 4 itens: o primeiro discorre sobre a faixa

etária e níveis de escolaridade da população estudada; o segundo versa sobre as relações

de trabalho; o terceiro aborda o uso de modernas tecnologias, particularizando o manuseio

de agrotóxicos, visando correlacionar as estratégias de utilização dos pesticidas às

condições de exposição e os respectivos efeitos sobre a saúde humana. O quarto item

analisa os dados obtidos na pesquisa realizada junto aos profissionais de saúde de Bom

Jesus e de Teresina e, por último, o quinto interpreta os resultados dos exames laboratoriais

do sangue coletado nos agricultores que se prontificaram a participar da pesquisa. (Anexo

IV)

6.1 Faixa etária e níveis de escolaridade

Segundo Grisolia (2005), a relação entre a faixa etária e escolaridade contribui para

o entendimento do processo de contaminação por agrotóxicos à medida que dois

parâmetros configuram e até pontuam os índices de exposição, haja vista constatar-se a

prevalência de adoecimento entre os mais jovens e os de menor escolaridade. Nesse

sentido, a Tabela 03 apresenta o perfil dos 87 trabalhadores pesquisados relativo à faixa

etária.

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Tabela 3 – Distribuição da população estudada em Bom Jesus

BAIXÕES FAZENDA SOJA TOTAL %

< 15 anos 00 00 00 0016 a 19 anos 10 04 14 16,09

20 a 29 anos 19 04 23 26,4730 a 39 anos 14 08 22 25,2840 a 49 anos 11 09 20 22,98

50 a 59 anos 04 02 06 6,8960 anos e mais 02 00 02 2,29TOTAL 60 27 87 100,00

Fonte: Pesquisa de campo realizada em maio de 2006.

A Tabela 03 demonstrou que do total de 87 trabalhadores sob análise, 59,

correspondendo a 67,8%, têm até 39 anos de idade, e que 28, ou seja, 32,2%, possuem

mais de 40 anos, enquanto 9,19% têm mais de 50 anos de idade. Dos 14 trabalhadores

compreendidos na faixa etária dos 16 aos 19 anos, identificou-se que 6,03% começaram a

aplicar agrotóxicos com apenas 16 anos e sem uso de proteção. Os dados evidenciaram que

a mão-de-obra pulverizadora de pesticidas é relativamente jovem e está em pleno vigor da

idade laboral, o que pode comprometer a percepção do risco exercido pelo trabalho.

Este contexto expõe as diferenças temporais de exposição aos pesticidas, pois, se

inicialmente ocorre de forma indireta por meio do plantio e colheita, posteriormente se dá

de maneira direta através da aplicação. Assim, de acordo com Grisolia (2005), o efeito

cumulativo desencadeia processos erosivos de doenças agudas e/ou crônicas.

Dessa forma, a pesquisa manifestou o cenário já demonstrado por Ensberg et al,

apud Sznelwar (1992), que trabalhadores expostos a diversos tipos de agrotóxicos, por um

período superior a quatro anos, apresentam uma prevalência maior de sintomas subjetivos,

ocorrendo, por conseguinte, sobrecarga dos sistemas biológicos, inaceitáveis em termos de

saúde ocupacional.

O nível de escolaridade dos agricultores é fundamental para esta investigação, haja

vista as categorias de risco, fatores de risco e dano estarem diretamente associadas ao

padrão educacional dos trabalhadores de uma determinada localidade.

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Pela Tabela 04 verificou-se que, quanto à escolaridade, 68,9% dos trabalhadores

cursaram até a 4ª série do ensino fundamental, sendo que, desses, 28,7% são analfabetos12.

Tabela 4 – Distribuição da escolaridade na população estudada em Bom Jesus

Nível de escolaridade %

Analfabeto 5 2 28,7 aAté 4 série 5 3 40,2

a aDa 5 à 8 série 0 1 11,5

Ensino médio/técnico/científico 5 0 5,7

Superior 3 0 3,4

Sem informação 9 0 10,5

TOTAL 7 8 100,0

Fonte: Pesquisa de campo realizada em maio de 2006.

Haja vista reconhecer-se que o manuseio de agrotóxicos deve ser realizado por

pessoas que tenham condições de pelo menos ler as indicações contidas nos rótulos dos

produtos, o que não se consegue sem as condições mínimas de interpretação textual,

observou-se que os agricultores não aptos para o laboro é de 68,9%, implicando na

dificuldade da percepção do risco da atividade, uma vez que o mesmo é um conceito

abstrato, não observável. Logo, saber ler e escrever é essencial para os manuseadores de

12 Para Freire (1991), a alfabetização é definida como um processo no qual o indivíduo constrói a gramática e suas variações. Esse processo não se resume apenas na aquisição dessas habilidades mecânicas (codificação e decodificação) do ato de ler, mas na capacidade de interpretar, compreender, criticar, resignificar e produzir conhecimento. Este estudo considerou analfabeto aquele indivíduo que não preenche os referidos requisitos.

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pesticidas, principalmente na percepção da ocorrência de um dano, caso medidas

preventivas não sejam implementadas, pois conhecer as formulações, dosagens corretas,

horários de aplicações e concentração de produtos é fundamental para melhor rotina de uso

dos agrotóxicos. Através da referida Tabela, verificou-se que apenas 5,5% dos

trabalhadores possuem ensino médio e que somente 3,4% são portadores de curso superior,

expressando um componente ativo do fator de risco, que considera imprescindível o

conhecimento técnico do produto para o seu uso correto. Identificou-se, ainda, que 10,5%

dos trabalhadores não quiseram ou não souberam opinar sobre o nível de escolaridade por

se sentirem constrangidos diante dos companheiros. Donde conclui-se que provavelmente

os mesmos integrem a categoria de analfabetos, haja vista o grau de escolaridade

possibilitar status social, fato comprovado pelo ufanismo dos trabalhadores que

pertenciam aos níveis médio e superior.

Ademais, os princípios ativos são passíveis de constantes mutações comerciais,

uma vez que um mesmo produto pode originar diversos tipos, obrigando o agricultor a

escolher corretamente não apenas do ponto de vista econômico, mas da garantia da saúde e

da preservação ambiental. Portanto, o nível de escolaridade do trabalhador é importante na

medida em que a qualificação e o devido treinamento para o uso dos defensivos agrícolas

possibilitam a redução de acidentes. Esse panorama foi constatado nas grandes fazendas de

soja nas quais a rotina de aplicação de defensivos agrícolas era realizada por agrônomos e

técnicos agrícolas, com rigoroso horário de lavagem e troca de equipamentos, observação

da direção dos ventos, concentração dos produtos e observação do período de carência de

cada pesticida.

6.2 Relações de trabalho entre os agricultores de Bom Jesus

Para explicitar a distinção instituída pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)

entre relações de trabalho e relações de emprego, relativa aos contratos estabelecidos,

Martins (2005) assevera que contrato de trabalho envolve qualquer trabalho, autônomo,

avulso, empresário etc., enquanto contrato de emprego diz respeito à relação entre

empregado e empregador e não entre trabalhadores.

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As relações de trabalho e de emprego nas propriedades rurais de Bom Jesus

encontram-se categorizadas em parceria do tipo temporário, autônomo, celetista (CTPS), e

avulsos, como demonstrado na Figura 2.

45%

10%

15%

30%

Autônomo CTPS Temporários Avulsos

Figura 2 – Distribuição dos agricultores quanto ao tipo de relação de trabalho

Fonte: Pesquisa de campo realizada em maio de 2006.

Através da Figura 02 constatou-se que do universo de 87 (oitenta e sete)

trabalhadores pesquisados, apenas 10% têm Carteiras de Trabalho e Previdência Social

(CTPS) assinadas, ou seja, são permanentes, manifestando que a grande maioria está na

informalidade, principalmente no Assentamento Conceição, haja vista predominar a

agricultura de subsistência. Os Celetistas, em conformidade com o artigo 2º da CLT, são

trabalhadores que têm carteira profissional assinada pelo proprietário. Nesta investigação,

eles desenvolvem atividades, especificamente, nas fazendas de soja, no preparo da terra

(sulcar e riscar), plantio, adubação, tratos culturais, colheita, encaixotamento, preparação e

aplicação de agrotóxicos, lavagem de equipamentos de preparação e aplicação,

encarregando-se ainda pela destinação das embalagens. Deste total, 30%,

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preferencialmente os possuidores de habilitação profissional do trânsito, são

responsabilizados pela entrega da produção em locais externos às fazendas. Identificou-se,

ainda, 45% de proprietários, considerados autônomos, que, de acordo com o artigo 2º da

CLT, caracterizam-se por pessoas que contratam ou demitem mão-de-obra, planejam a

safra e comercializam a produção.

Do total de agricultores, 26 (vinte e seis) que corresponde a 29,89%, são

contratados apenas no período do plantio e da colheita da soja, isto é, são temporários. De

acordo com a Lei nº 6.019/1974, o referido contrato pode variar de 01 a 90 dias, permitida

uma única prorrogação.

A pesquisa possibilitou verificar que 30% dos trabalhadores não se encontram

classificados como autônomos, temporários ou celetistas, uma vez que a relação de

trabalho mantida no processo de desenvolvimento das atividades não os enquadra em

nenhuma das situações apontadas. A Lei nº 5.890/1973 define esse tipo de trabalhador

como avulso, que consiste na pessoa física que presta serviço sem vínculo empregatício, de

natureza urbana ou rural, a diversos locais, sindicalizadas ou não. Nas fazendas de soja os

mesmos são responsáveis pelo preparo e aplicação de agrotóxicos. Nesta situação em

particular, o avulso em geral tem conhecimento sobre o conteúdo da substância química

que manuseia e nem sempre adota medida de prevenção quanto a possíveis intoxicações.

Esta constatação deve ser observada como uma pseudoforma de autocontrole que muitos

aplicadores têm sobre si, haja vista muitos se acharem suficientemente experientes e

seguros para relevarem o uso de EPI’s. A diária do trabalhador avulso varia entre R$ 6,00 e

R$ 13,00, em função do horário da tarefa. Se a aplicação de agrotóxicos ocorrer durante a

noite, que é normal no período de plantio, o valor da diária pode atingir a R$ 15,00 com a

inclusão de adicional noturno.

Constatou-se, ainda, que celetistas, autônomos, temporários e avulsos, muitas

vezes, coexistem em uma mesma unidade produtiva, realizando atividades distintas,

portanto, expondo-se de forma também diferente aos agrotóxicos, ou seja, mantêm formas

diferenciadas de relações de trabalho e de emprego.

O emaranhando de possibilidades de relações trabalhistas denuncia o limite dos

estudos e pesquisas que buscam estabelecer relações entre exposição aos agrotóxicos e os

conseqüentes danos à saúde, baseados nos marcos da compreensão hegemônica de

riscos/fatores de riscos. Esta concepção desconsidera a situação real na qual os

riscos/fatores de riscos acontecem no cotidiano de trabalho. Assim, ao privilegiarem

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apenas a atividade de preparar e/ou aplicar os agrotóxicos, norteiam uma dicotomia

superficial da realidade na medida em que no trabalho agrícola, a exposição não se dá

apenas no momento do contato direto. Ademais, num mesmo espaço temporal, os

trabalhadores podem, como constatado em 45% dos agricultores pesquisados, acumular

exposição direta como a ambiental, ou indireta, em função das atividades que

desempenham.

Como a relação de trabalho está diretamente vinculada à tarefa exercida pelo

trabalhador, inferiu-se que a condição de exposição do trabalhador altera-se não somente a

longo prazo, mas muitas vezes num curto espaço de tempo. Assim, uma análise mais

consubstanciada da exposição dos agricultores num determinado momento deve estar

alicerçada nas condições reais de trabalho, para possibilitar melhor compreensão dos

impactos à saúde dos trabalhadores.

A pesquisa explicitou que do total de 60 (sessenta) trabalhadores do Assentamento

Conceição, 90% são produtores familiares, concentrando-se na categoria de pequenos

proprietários, nas quais os membros da família, como filhos e esposas, participam da

produção. O autônomo ou proprietário, além de serem ao mesmo tempo produtores e

gerentes da produção, dividem o trabalho entre os membros da família, de forma que as

esposas e filhos menores realizam atividades consideradas menos pesadas e perigosas,

como semeadura, plantio, tratos culturais, colheita e aplicação de adubos, visto que o

preparo e aplicação de agrotóxicos, aragem e capina são tarefas tipicamente masculinas,

implementadas pelo próprio produtor ou pelos filhos mais velhos. Nessa perspectiva, por

um lado, a investigação não identificou nenhuma mulher aplicando agrotóxicos, porém por

outro lado, reconheceu a exposição indireta aos riscos ao lavarem os uniformes de trabalho

e utensílios dos homens, após o laboro diário.

A preparação dos produtos químicos é fundamental para a exploração agrícola

moderna, na medida em que são geradas as condições propícias para que as culturas

recebam as substâncias que estão necessitando na quantidade recomendada. Por isso, o

trabalhador iniciante mantém contato primeiro com a aplicação de pesticidas e apenas

posteriormente com a sua preparação. Do universo da pesquisa, 30% dos jovens, com

idade entre 18 e 22 anos, não demonstraram interesse em aprender a “arte” de preparar tais

produtos, pois consideraram a atividade perigosa para a saúde devido ao maior contato

com os produtos. Em geral, a presença de crianças menores de 12 anos nas plantações

ocorre apenas quando levam café, água ou refeição, retornando rapidamente para casa.

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Já nas fazendas de soja emprega-se moderna tecnologia no processo de produção,

desde o tratamento de sementes até a colheita, daí necessitarem de pouca mão-de-obra, de

modo que apenas 03 (três) ou 04 (quatro) agricultores são responsáveis diretos pelo

preparo e aplicação dos compostos químicos. Em decorrência do uso de tecnologias, os

tipos e modos de pulverização dos praguicidas variam, podendo ser por meio de aviões

agrícolas ou tratores especiais nas aplicações de grandes áreas. Um implemento colocado

em um trator conhecido por “gafanhotão” aplica 06 mil litros de agrotóxicos em 10 horas,

cobrindo uma área de aproximadamente 300 hectares. Se este mesmo trabalho fosse

realizado por homens com o recurso do pulverizador costal, seriam necessários mais de

300 operários e quase 20 dias de aplicações ininterruptas.

Dessa forma, a produção de grãos, em particular a soja, nos cerrados nordestinos e

piauienses, em especial no município de Bom Jesus, ocorreu com a utilização de

tecnologia moderna concomitante ao processo desordenado de uso e ocupação do solo,

provocando degradação ambiental, uma vez que,

A produção intensiva de grãos desenvolvida nos cerrados nordestinos constitui, efetivamente, um produto da tecnologia moderna, ou seja, a agropecuária nesta região já nasce moderna. Na realidade, os cerrados representam uma conquista da pesquisa agronômica desenvolvida em esfera nacional. De recurso natural herdado, os solos dos cerrados transformaram-se em capital artificialmente produzido, até porque os empresários que se deslocam para o Nordeste já se instalaram empregando métodos modernos de exploração [...]. Entretanto, é impossível esquecer que o uso descoordenado e descontrolado de modernas tecnologias pode provocar degradação ambiental, haja vista que esta pode ocorrer em função do uso que se faz da terra. Sendo assim, a intensidade do uso do solo não deve ultrapassar sua capacidade de suporte, qual seja, sua capacidade produtiva (MONTEIRO, 2002, p. 35).

Esse cenário, associado ao dado evidenciado na pesquisa de que 56% dos

trabalhadores que manuseiam agrotóxicos o fazem de forma improvisada, manifesta que

eles ignoram o comprometimento com a saúde, principalmente quando se encontram na

plenitude do vigor físico, período em que a não utilização de EPI’s foi mais evidenciada.

Outrossim, a investigação demonstrou que a jornada de trabalho é variável em

função das necessidades impostas pelo desenvolvimento das culturas, que começa por

volta das 07:00 horas da manhã, terminando entre 16:00 e 17:00 horas. No período de

colheita, devido ao carregamento de caminhões para a comercialização, o horário é

prorrogado. A jornada semanal é de segunda a sábado, sendo que os domingos são

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reservados para a manutenção das máquinas e, às vezes, para colher e carregar os

caminhões que seguirão para a BÜNGE13. O tempo necessário para o manuseio dos

agrotóxicos depende do tamanho de cada fazenda e da urgência do uso dos produtos,

devido ao aparecimento de praga ou doença.

Ressalte-se que neste ramo de atividade o tempo de produção excede o de trabalho,

visto que a agricultura precisa de um tempo para ação exclusiva das forças da natureza, ou

seja, um tempo de não trabalho, quando ocorre a germinação de sementes e o

desenvolvimento das plantas, etc. Essa circunstância influencia a intensidade da exposição

aos agrotóxicos e, conseqüentemente, contribui para a redução dos riscos à saúde.

Nesse contexto, conclui-se que a relação de trabalho associada à exposição aos

agrotóxicos, repercute de forma significativa na caracterização dos agravos à saúde dos

agricultores, haja vista configurar-se em uma situação que demanda o cumprimento de

metas estabelecidas, quais sejam a de produzirem mais a cada safra, relevando a um

segundo plano a primazia das condições físicas e mentais de cada trabalhador.

6.3 Uso de tecnologia

Através da pesquisa, observou-se que diferentes tipos e níveis de tecnologias são

usadas no processo de trabalho nas fazendas de soja e no Assentamento Conceição. No

agronegócio da soja identificou-se distintas etapas do processo produtivo, distinguidas na

preparação da terra, plantio, tratos culturais, colheita e armazenamento, os quais exigem a

utilização intensiva de modernas técnicas que possibilitem o aumento da produtividade.

Por outro lado, não se presenciou nos plantios do Assentamento Conceição o

escalonamento das referidas etapas, haja vista predominar técnicas tradicionais de

produção, uma vez que apenas 15 pequenos agricultores, ou seja, 17,24% usavam

capinadeira movida por tração animal, enquanto os demais utilizavam capina manual,

realizada à base de enxada.

13 Empresa multinacional instalada em Uruçuí, município próximo a Bom Jesus, responsável pela compra e esmagamento dos grãos de soja de todo o cerrado piauiense.

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Nos baixões, a tecnologia predominante é a do agroquímico, destacando-se os

agrotóxicos. Dessa forma, identificou-se que 22 (vinte e dois) produtores, correspondente a

25,28% do total pesquisado, usam herbicidas no combate às ervas daninhas. No entanto, 38

(trinta e oito) agricultores, ou 43,6% controlam as pragas manualmente, utilizando-se da

mão-de-obra familiar, por ser mais econômico.

A especificidade da exploração agrícola nos baixões expressou-se pelo

aprendizado ocorrer praticamente no núcleo familiar e na comunidade, isto é, o “ofício da

lavoura” é passado de pai para filho, somado à aprendizagem entre os vizinhos. Constatou-

se ainda que a orientação técnica formal, além de ser bastante precária, embora exista no

município um escritório do Emater, é geralmente direcionada para o uso de agrotóxicos,

com a finalidade de combate a pragas e doenças, na fase curativa. Na fase preventiva, os

produtores exercitam a própria experiência e a troca de informações entre eles.

6.3.1 Utilização de agrotóxicos e a consciência do risco

Para a análise da ação dos agrotóxicos, salienta-se a importância de dois aspectos

que são inerentes ao seu manuseio. O primeiro relaciona-se ao conhecimento técnico do

produto, como sintomatologia, Limite de Tolerância e DL50, e o segundo refere-se à

percepção do risco pelo trabalhador ao manipular diferentes produtos químicos. Logo,

considerando tais aspectos, a pesquisa de campo revelou que 48% dos agricultores

mostraram-se receosos em usar as substâncias depois da publicização na mídia do episódio

envolvendo suposta contaminação de trabalhadores, que redundou na morte de 03 (três)

agricultores. (Jornal O DIA, 12/09/2005)

Ademais, com a massificação de denúncias pela Federação dos Trabalhadores da

Agricultura do Piauí (FETAG-PI), o percentual de agricultores apreensivos elevou-se para

95%, do universo de 87 trabalhadores pesquisados. Todavia, a partir da investigação

realizada pela Secretaria Estadual de Saúde do Piauí (SESAPI, 2005), através de estudos

epidemiológicos, este percentual reduziu-se para 85%, manifestando que a consciência de

risco e danos provocados à saúde pela utilização de pesticidas pode gerar incertezas

futuras.

Quanto ao nível de conhecimento dos trabalhadores relativo ao grau de toxicidade

para a saúde humana das substâncias químicas com base no significado das faixas

coloridas que cada produto possui, observou-se que 59% dos trabalhadores reconheceram a

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indicação para cada faixa, ressaltando, inclusive, que a verde é a menos tóxica. Já 41%

perceberam na faixa vermelha a mais agressiva ao meio ambiente, ao trabalhador e ao

consumidor, além de ser a mais cara e a mais forte para as pragas, como também

associaram a caveirinha preta constante nos rótulos dos produtos à idéia de morte.

Não obstante esse reconhecimento, os agricultores manuseiam diariamente

substâncias tóxicas, deixando claro que o grau de toxicidade não se constitui em fator

determinante na escolha das mesmas, pois geralmente usam os produtos com os quais já

têm experiência, ou então os recomendados pelos revendedores dos estabelecimentos

agropecuários. Por conseguinte, não se verificou intenção sobre a necessidade de mudança

do processo de produção, pois a preocupação predominante centra-se no combate das

pragas e doenças com a finalidade de potencializar a safra.

6.3.2 Uso de agrotóxicos na agricultura de Bom Jesus

As pragas e doenças na agricultura ocorridas no município são percebidas sob dois

ângulos. O primeiro, do ponto de vista dos produtores de soja, que utilizam diversos

mecanismos de forma articulada, cuja matéria-prima é o produto químico com o objetivo

de controlar pragas e doenças. Assim, a pesquisa evidenciou que 25% dos referidos

produtores tentaram utilizar inseticidas naturais, mas a grande extensão das áreas plantadas

e a ineficiência dos resultados inviabilizaram tal tentativa. O segundo, possibilitou a

verificação de que 14 (quatorze) agricultores dos baixões (16,09%), ao perceberem os

primeiros sintomas de pragas e doenças, realizavam rodízio de terras e rotação de culturas

e, em alguns casos, a transformação da terra em capoeira14. Mas, atualmente, predomina

uso de pesticidas, já que 83,91% reconhecem que a plantação sem a utilização de

agrotóxicos não é a mais exitosa.

A pesquisa demonstrou ainda a diferenciação quanto ao uso preventivo dos

defensivos agrícolas. Nos baixões, 85% das pulverizações são realizadas a cada 15 dias, e

25% respeitam o prazo de carência do produto. Nas fazendas de soja as aplicações seguem

o rigoroso esquema do fabricante do defensivo, com visitas sistemáticas de técnicos das

multinacionais. Como o cultivo da soja exige elevadas doses de aplicações, qualquer

14 Terreno em que a vegetação foi roçada e/ou queimada para cultivo da terra ou para outro fim. (Dicionário Aurélio, 2004)

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alteração na eficiência do produto é imediatamente comunicada à indústria, que deverá

fazer pesquisas laboratoriais com a molécula do princípio ativo do referido produto a fim

de identificar a extensão do dano causado. Essas circunstâncias expressam a diferenciação

de percepção da eficiência/utilização das substâncias químicas na medida em que,

enquanto os pequenos agricultores dos baixões agem de forma empírica e indutiva, os

grandes produtores internalizam tecnologia moderna.

Contudo, faz-se mister ressaltar que, por um lado, a similitude da exposição e do

conseqüente agravo à saúde dos trabalhadores nas fazendas de soja e Assentamento

Conceição e, por outro lado, que a diferença entre os dois ambientes centra-se no processo

de uso dos agroquímicos, na medida em que os proprietários das fazendas tomam decisões

embasadas no aspecto econômico, sem relacioná-lo com o nível de contaminação do

trabalhador e do ambiente.

Para 59% dos trabalhadores, o combate de novas pragas e/ou doenças requer

mudança nos pesticidas, cuja orientação técnica é realizada por um funcionário de revenda

localizada no município que, em geral, muda o tipo de composição do produto sem o real

conhecimento da área afetada. Para 31% dos agricultores a orientação é prestada pelo

próprio proprietário, e menos freqüentemente (10%), por técnico do Emater. Estes dados

demonstram que a auto-prescrição de defensivos agrícolas é uma prática comum no

município, fato que pode corroborar para a elevação dos níveis de contaminação ambiental,

haja vista o uso desordenado de praguicidas.

Do universo de agricultores pesquisados, 49% alteraram a dose do produto, apesar

dessa estratégia não possuir sustentação técnica, pois nas orientações contidas nos rótulos

e bulas dos agrotóxicos, encontra-se a correta dosagem para o combate à determinada

praga ou doença. 62% relataram associar diferentes produtos, buscando maior economia

nas pulverizações, pois, segundo seus relatos, dessa forma o combate é mais eficiente. Essa

prática, além de danosa ao meio ambiente surte apenas efeitos imediatos, uma vez que o

aumento da resistência de pragas invasoras é cada vez maior.

Ademais, a alteração da dose dos produtos em relação ao uso preventivo ou

curativo dos pesticidas não é uniforme, varia em função da experiência pessoal, do tipo de

cultura, época do ano e a existência de pragas ou doenças, que necessitam de

enfrentamento em determinado momento. Nesse sentido, 89% utilizavam “coquetéis” nas

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15 16 17pulverizações de soja, como a mistura, por exemplo, de Pri-rimor , Carbax , Kumulus

e espalhante. Essa prática, conforme analisado, além de ser bastante nociva à saúde dos

trabalhadores, põe em risco o equilíbrio ecológico do ecossistema local, pois, segundo

Sznelwar (1992), a associação ou o uso alternado de substâncias, assim como o aumento na

concentração das doses, é uma estratégia freqüentemente adotada pelos trabalhadores com

vistas ao combate da resistência a diversos princípios ativos, desenvolvidos pelas pragas.

A despeito desse cenário, a Portaria n.º 107 de 30/04/2004, do MAA (2004),

regulamentou a prática de mistura de agrotóxicos, pois a reconhece como uma técnica

agronômica utilizada mundialmente com êxito, que propicia redução nos custos da

produção, aumenta o espectro de controle de pragas e diminui a contaminação ambiental e

o tempo de exposição do trabalhador rural aos agrotóxicos.

Todavia, faz-se mister ponderar os dois itens da Portaria Ministerial, uma vez que

não considera as possíveis alterações toxicológicas que poderão ocorrer a partir da mistura

dos produtos agrotóxicos, nem os danos para a saúde dos trabalhadores e para o meio

ambiente advindos dessas alterações, sem embargo da orientação da obrigatoriedade de

constar nos rótulos e bulas a recomendação técnica específica para a mistura.

Em Bom Jesus, 100% dos agricultores integrantes da pesquisa preparavam a

quantidade de agrotóxicos em conformidade com o tamanho da área cultivada, ao ar livre,

no cultivo ou próximo a alguma residência. Durante a preparação, a substância é despejada

em balde (quando encontrada na forma de pó), ou em bomba costal (caso dos agricultores

dos baixões, quando na forma líquida), após ser medida em recipientes plásticos próprios

ou pesadas em pequenas balanças. Para a diluição, utiliza-se a água como solvente, cuja

quantidade coincide com a capacidade da bomba costal, que em geral é de 20 litros. Para

homogeneizar o preparo usa-se um bastão de madeira. Em seguida, inicia-se a fase de

aplicação.

Do total de agricultores pesquisados nos baixões, verificou-se que 63% utilizam a

bomba costal manual, apesar de freqüentemente apresentarem vazamentos e interrupções

no bico pulverizador, enquanto 37% realizam aplicações sistemáticas diluindo os produtos

em baldes plásticos de 10 ou 15 litros para, a partir de então, espalharem lâminas de

15 Pi-rimor: inseticida e acaricida, classe toxicológia II, grupo químico dos carbamatos. 16 Carbax: acaricida, classe toxicológica II, é uma associação entre o Dicofol (organoclorado) e o Tetradifon

(clorodifenilsulfona).

17 Kumulus: acaricida e fungicida, classe toxicológica IV, grupo químico dos sulforados.

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inseticidas e/ou fungicidas sobre a lavoura. Além disso, não obstante a pesquisa não

identificar a periodicidade de lavagem dos referidos equipamentos, os agricultores

demonstraram preocupações com o meio ambiente e com a saúde da população ribeirinha.

Nas fazendas de soja e nos baixões, os produtos agrotóxicos, equipamentos de

preparação e aplicação são armazenados em cabanas de palha, mal conservadas,

construídas próximas às plantações. Outro fato constatado foi a guarda de equipamentos e

o descarte de embalagens em áreas próximas ao rio Gurguéia, importante manancial

responsável pelo abastecimento d’água de diversos municípios, inclusive Bom Jesus. Este

dado é muito preocupante, haja vista a possibilidade concreta de contaminação do lençol

freático por resíduos de defensivos agrícolas, cuja acumulação e exposição são capazes de

permanecerem por vários anos no meio ambiente. (GARCIA, 1996)

Outrossim, os trabalhadores das fazendas adotam técnicas de mistura semelhantes

aos dos baixões, mas em quantidades superiores dos produtos com o auxílio de máquinas

agrícolas, uma vez que a grande extensão dos campos agrícolas não permite o uso de

pulverizadores costais. É comum numa fazenda de 10.000 ha plantados de soja utilizar-se

de 06 a 10 mil litros de agrotóxicos/ano, provocando, conseqüentemente, vulnerabilidade

do ecossistema local. Tal panorama deve despertar a sociedade para a busca de alternativas

que possibilitem minimizar o passivo ambiental, senão tal prática pode comprometer a

sustentabilidade do agronegócio brasileiro.

Ressalte-se, ainda, que 45% dos agricultores não usam EPI’s durante as atividades

de carregamento, preparação, como também 55% percebem na atividade de aplicação de

pesticidas um mal apenas para pragas e doenças e que a resistência adquirida pelo

organismo ao longo dos anos elimina os riscos. Este contexto manifesta o disposto na

revisão bibliográfica, quanto a cultura da não percepção dos riscos, fatores de riscos e

danos capazes de acarretar sérios transtornos à saúde dos trabalhadores. Dessa forma,

inferiu-se que 80% dos trabalhadores avulsos contratados utilizavam as mesmas

vestimentas todos os dias de trabalho, ou seja, calças compridas, de tecido fino, rasgadas

ao longo das pernas, camisas de mangas curtas, de tecido leve e abertas, boné e sandálias

de borracha ou descalços. E que somente 20% usavam regularmente botas e lenço para

cobrirem o rosto durante as fases de preparação e aplicação dos praguicidas.

Conforme debatido anteriormente, a cada ciclo de pulverizações deve haver um

Limite de Tolerância (LT’s), que, apesar de bastante criticado, ainda é uma maneira de

mensuração dos níveis de segurança pós-aplicação. Dessa forma, constatou-se que os

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trabalhadores não observam os LT’s, de acordo com a Norma Regulamentadora do M.T.E.

Ademais esta prática, assim como outras configuradas neste estudo, contribui para a

amplitude do processo de exposição direta aos agroquímicos.

Segundo a pesquisa efetivada, 38% dos trabalhadores observam a direção dos

ventos no momento das aplicações, sem no entanto demonstrarem absoluta certeza da

possibilidade ou não de contaminação, o que pode gerar sérias conseqüências, pois a forma

incorreta deste procedimento pode provocar problemas decorrentes da exposição direta,

fato relatado por 62% que tiveram alguns sintomas característicos de contaminações

agudas, como cefaléias, náuseas, tonturas e desmaios generalizados.

Não obstante esse panorama, 100% dos trabalhadores reconhecem a importância do

uso de EPI, principalmente através da leitura dos rótulos dos produtos, porém não o fazem

devido ao custo, ao incômodo e à sensação de sufocamento provocada pela máscara, que,

em última instância, compromete o ritmo de trabalho.

A coleta de dados junto aos trabalhadores dos campos agrícolas dos baixões

evidenciou que os mesmos utilizavam ambas as mãos, sendo uma para movimentar a

alavanca de bombeamento da bomba, e a outra para movimentar a lança de um lado para o

outro com o objetivo de aplicar o produto químico em duas plantas ao mesmo tempo.

No que concerne aos campos de soja, o tratorista conduz um carro-pipa com

aproximadamente 3.500 litros de agrotóxicos, que rapidamente são espalhados pelo

cultivo. Porém, caso ocorra algum problema com a mangueira espalhante, o tratorista terá

de consertá-la mesmo que ocorra o risco de contaminar-se. Seguindo o tratorista,

encontram-se dois trabalhadores responsáveis diretos pela mistura e abastecimento do

carro-pipa. Essa situação é bastante comum nas grandes plantações, principalmente nas

proximidades do controle sazonal de pragas e doenças. Verificou-se ainda que a equipe de

campo nem sempre dispõe de água para beber. Nesse caso, os trabalhadores recorrem à

água servida no carro pipa, armazenada em condições precárias e impróprias para consumo

humano. De acordo com o Ministério da Saúde (2005), esse procedimento poderá

desencadear outros decorrentes da veiculação hídrica, como hepatite e diarréias, por

exemplo.

O exame da pesquisa demonstrou que 100% dos agricultores, após o contato com

os produtos, durante a jornada de trabalho, tomam banho e trocam de roupa e que 47%

tomam leite para “cortar” o veneno, quando retornam às suas residências, o que evidencia

o reconhecimento da toxicidade dos produtos. Tomar leite, para essas pessoas, parece ser a

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melhor maneira de proteção das ingestões orais, sendo assim, estar-se diante da cultura

plena da descontaminação pelo uso do produto, cuja eficácia popular está generalizada no

meio rural. (SDR, 2005)

Outro dado importante observado na pesquisa diz respeito ao destino das

embalagens, uma vez que nos baixões elas são queimadas no meio das lavouras, pelo

próprio produtor, formando uma fumaça densa e escura, enquanto que nas fazendas de soja

encontraram-se centenas de vasilhames espalhados a céu aberto. Embora os agricultores

conheçam a legislação brasileira sobre o descarte de embalagens de agrotóxicos, não a

cumprem sob o argumento de que a responsabilidade do recolhimento é das revendas dos

produtos e dos governos federal, estadual ou municipal. As conseqüências ambientais desta

prática são bastante nefastas para a proteção dos mananciais da região, haja vista o

eminente perigo de contaminação do lençol freático decorrente do derramamento de

pesticidas. Esse contexto motivou ampla discussão no Ministério Público Estadual, que,

por intermédio da Curadoria do Meio Ambiente, pretende instaurar uma ação civil pública

para que o problema do recolhimento das embalagens seja regularizado.

Com base na pesquisa de campo, salienta-se que apesar de 13 (treze) agricultores,

representando 15,5% do total, observarem o prazo de carência do produto aplicado, que

geralmente varia de 05 a 15 dias (Lei nº. 9.974/2000), o restante, ou seja, 84,5%

encontram-se expostos quando não estão diretamente envolvidos na preparação ou

aplicação dos praguicidas. Esse reduzido percentual verificado expressa que tanto nas

fazendas de soja quanto nos baixões, a maioria dos trabalhadores não se preocupa com o

intervalo de segurança imediatamente após as pulverizações, o que pode acarretar sérios

danos à saúde dos mesmos e respectivos familiares. Tal panorama apenas corrobora com o

debate em foco ao reconhecer que no setor rural há uma conjuntura que favorece a não

aceitabilidade das normas e padrões impostos. Destarte, de acordo com o Ministério da

Saúde (2005), as condições estabelecidas pelo modelo agrícola de exportação, dificilmente

este quadro tende a mudar nos próximos 50 anos, visto que os interesses econômicos de

manutenção do sistema serem bastante fortes.

A constatação da ineficiência com a segurança no manuseio das substâncias

químicas conformou um cenário em que os fatores de riscos são uma constante, impegindo

a necessidade de vigilância permanente não apenas de caráter repressor, mas do

estabelecimento de rotinas de atividades de capacitação socioeducativas capazes de

consolidar um processo de mudanças de hábitos e comportamentos.

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6.3.3 Agrotóxicos utilizados na agricultura de Bom Jesus, segundo a classificação química

O recorrente processo de modernização da agricultura em implementação no

município, centrada na elevação da produção e da produtividade da soja, exige o uso

intensivo e cotidiano de agrotóxicos com o objetivo de eliminar as pragas e doenças. Nesse

sentido, faz-se mister analisar a classificação química dos pesticidas utilizados na produção

de grãos, uma vez que está ocorrendo mudança quanto ao tipo de produtos. Justifica-se tal

cenário pela crescente resistência que as pragas estão adquirindo

Sendo assim, verificou-se pela pesquisa de campo que os agrotóxicos mais

utilizados em Bom Jesus têm por componentes ativos os fungicidas e inseticidas

organofosforados, de classes toxicológicas e grupos químicos diversos. Em menor escala,

usam-se inseticidas carbamatos e piretróides, como demonstrado na Figura 03. (SINITOX,

2006)

43%

28%

18%

11%

Organofosforados Carbamatos Piretroides Outros

Figura 3 – Agrotóxicos mais utilizados pelos agricultores de Bom Jesus, segundo a classificação química

Fonte: pesquisa de campo realizada em maio de 2006.

Conforme a Figura 03, 43% dos agricultores preferiram os produtos com

componente ativo organofosforado, pois os mesmos têm ação espectra mais abrangente,

com possibilidade de erradicação das pragas em até 85%, logo na primeira aplicação. A

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preferência embasava-se, também, na presença de antídotos bloqueadores de exposições

humanas diretas que podem ocorrer tanto pelas vias oral, dérmica ou inalatória. (MS, 2005)

A Figura demonstra, ainda, que 28% dos agricultores usavam carbamatos, cuja ação

é muito semelhante a dos organosforados, porém possuírem poucos antídotos e, por isso o

diagnóstico e tratamento nem sempre são precisos.

Do universo pesquisado, 11% dos agricultores usavam produtos alternativos aos

agroquímicos, como substâncias produzidas a partir de componentes naturais, como

esterco e urina bovinos, raízes de ervas do campo, condimentos, etc. Observou-se tal

situação principalmente nos baixões, onde se pratica a agricultura de subsistência.

Ademais, 18% dos trabalhadores utilizavam outros produtos, como espalhante adesivo,

responsáveis pela permanência maior das substâncias na lavoura, os quais referem-se aos

piretróides, que consiste em componente químico intermediário entre os carbamatos e os

organofosforados, cuja ação neutralizadora pós-aplicação inexiste.

A conduta médica administrada, em casos de contaminação, associa-se aos

sintomas apresentados, até o paciente saia do quadro crítico para um menos agressivo. Há

tempo que ambientalistas e estudiosos da temática reivindicam a retirada dos piretróides

das revendas de agrotóxicos, mas a resposta positiva dos mesmos no combate às pragas

fazem-no permanecer sob os mais diversos registros comerciais.

No sentido de expor a gravidade da situação dos preparadores e aplicadores de

defensivos agrícolas, expor-se-á os principais produtos utilizados em Bom Jesus com a

respectiva indicação e classificação toxicológica:

Hamidop – inseticida e acaricida, classe toxicológica I, pertencente ao grupo

químico dos organofosforados, cuja composição é o methamidifós. É usado em uma série

de culturas, entre elas o tomate, o pimentão e a soja. Deve-se evitar misturá-lo com outros

produtos, por ser incompatível com produtos alcalinos, como os cúpricos. Para

pulverização terrestre usa-se barra tratorizada com bicos cônicos, não havendo nenhuma

referência quanto ao uso de bomba costal manual. Inicia-se o tratamento quando as pragas

alcançarem o nível de dano econômico, e deve ser repetido, se necessário, com intervalo de

15 a 20 dias. No caso da soja, a aplicação pode ser suspensa 15 dias antes da colheita.

Deve-se evitar contato com pele e olhos e inalação e aspiração. Os sintomas mais sensíveis

são fraqueza, dor de cabeça, opressão no peito, visão turva, pupilas não reativas, salivação

abundante, suores, náuseas, vômitos, diarréia e cólicas abdominais.

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Folidol ou Folisuper – inseticidas e acaricidas, classe toxicológica I, pertencentes

ao grupo químico dos organofosforados, cuja composição é o parathion methyl. Também

não pode ser misturado com produtos alcalinos, e é indicado para as culturas do pimentão e

tomate. A aplicação é diluída em água, utilizando-se aparelhos manuais costais,

tratorizados ou aeronaves. Inicia-se o tratamento quando aparecerem as primeiras pragas,

podendo ser repetido se necessário a cada 7 (sete) dias, com período de carência é de 15

dias. Não deve ser aplicado nas horas quentes do dia, nem contra nem em dias de muito

vento. Os sintomas mais freqüentes são fraqueza, dor de cabeça, opressão no peito, visão

turva, pupilas não reativas, salivação abundante, suores, náuseas, vômitos, diarréia e

cólicas abdominais.

Carbax – acaricida, classe toxicológica II. Apesar de apenas 5% dos produtores

utilizarem-no, ressalte-se sua importância devido a associação entre o Tetradifon e o

Dicofol, este pertencente ao grupo químico dos organoclorados, que estão proibidos no

Brasil desde 1985. É indicado somente para as culturas de algodão e citros e aplicado

através de equipamentos manuais costais, tratorizados ou aeronaves. Reações adversas:

hiperirritabilidade, convulsões e coma.

Folicur – fungicida, classe toxicológica III, do grupo dos triazóis. A aplicação

terrestre requer pulverizadores de barras, com bicos cônicos (D2), com pressão de 80 a 100

Ib/pol2. Além de indicado para as culturas do feijão e soja, recomenda-se adicionar

espalhante adesivo. O controle das pragas começa por meio de 04 (quatro), com intervalos

sistemáticos a cada 14 (quatorze) dias.

Manzate – fungicida do grupo dos ditiocarbamatos, com classe toxicológica tipo

III, aplicado nas culturas, do tomate, pimentão e feijão-vagem. Na soja, as aplicações

iniciam-se quando a florificação estiver bem definida, repetindo-se a cada 7 ou 10 dias,

com período de carência de 7 dias. No feijão-vagem, as pulverizações podem ser feitas a

partir do 25º dia da germinação com intervalos de 10 dias, num total de 3 a 5

pulverizações. Ademais, deve-se adicionar espalhante adesivo. Considera-se 03(três) dias

como prazo de carência. Os sintomas orgânicos mais comuns são dermatite e irritação das

mucosas; faringite, rinite, laringite, traqueobronquite e conjuntivite.

A análise comparativa entre as orientações técnicas contidas nos rótulos e bulas dos

produtos e os dados obtidos na pesquisa de campo demonstraram que os trabalhadores de

Bom Jesus não conduzem suas práticas agrícolas centradas nas referidas recomendações

quanto à mistura de produtos e uso de substâncias químicas não indicadas para

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determinada cultura, particularmente o Ridomil e o Carbax; a utilização dos produtos está

condicionada ao surgimento dos primeiros indícios de pragas e/ou doenças, não havendo,

portanto, indicação de uso preventivo; a não observação da presença e/ou da entrada de

trabalhadores, sem uso de EPI’s, durante a aplicação e/ou durante o intervalo de segurança;

e, finalmente, a utilização de equipamentos de aplicação não recomendados.

Essa constatação expõe a precariedade da orientação técnica prestada aos

trabalhadores rurais de Bom Jesus quanto ao processo produtivo como todo e,

especificamente, ao manuseio de agrotóxicos, apesar da presença no município de um

escritório do Emater. Nesse sentido, 100% dos agricultores reconheceram a não atuação

desse órgão com relação ao que usar, quando usar, como usar e por que usar agrotóxicos.

Sendo assim, devido à não-assistência técnica pelos órgãos públicos, os produtores

recorrem aos representantes dos fabricantes das substâncias químicas, cujas orientações

limitam-se à identificação de pragas e recomendações de uso de veneno momentaneamente

eficaz, ao invés de considerar as diversas dimensões envolvidas na cadeia produtiva, como

fauna, flora, recursos hídricos, condições socioculturais e de saúde da população.

Dessa forma, de modo contraditório com a própria expectativa dos trabalhadores,

de mostrar resultados pragmáticos, a educação técnica formal participa pouco no saber do

ofício agrícola, haja vista que a base deste saber centra-se, fundamentalmente, na

concepção consuetudinária onde o pai, ou outro membro da família, educam os jovens para

ingressarem no trabalho.

Por conseguinte, infere-se que, não obstante a precariedade das orientações técnicas

aos agricultores de Bom Jesus, elas contribuem para a socialização dos conhecimentos

sobre os riscos para a saúde causados pelos agrotóxicos. Entretanto tal conhecimento

mostra-se fragmentado e insuficiente para provocar mudanças nas condições de uso e

exposição a tais produtos.

Nessa perspectiva, salienta-se a relação direta que deve haver entre o manuseio de

agroquímicos e o conhecimento formal para que haja a atenuação da incidência dos riscos,

fatores de riscos e danos não apenas ao trabalhador, mas à sua família e a população em

geral, plantas e animais, uma vez que o cenário identificado, expôs que o desconhecimento

e o saber popular empírico regem o trabalho no campo, centrado no modelo agrícola

alicerçado no uso de tecnologias modernas. Nesse sentido, o grande desafio imposto a

todos embasa-se em conciliar proteção ambiental com a necessidade do aumento da

produção de alimentos, sem comprometer a saúde dos trabalhadores.

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Esse contexto explicitou que do total de agricultores pesquisados, 21%

reconheceram as bulas e rótulos como os principais meios de informações e orientações

para a utilização de agrotóxicos, 15% creditaram o aprendizado à experiência adquirida

com vizinhos ou familiares, 8% com técnicos agrícolas, 17% somente procuravam o

técnico após tentativas sem sucesso de combater a praga com seu próprio conhecimento, e

apenas 18% conheciam o Receituário Agronômico, enquanto 21% expressaram a não

percepção quanto à estratégia governamental de uso racional e seguro dos pesticidas.

Pelo exposto, inferiu-se que não há um controle rigoroso por parte do agente

fiscalizador, como a Agência Estadual de Defesa Agropecuária (ADAPI), órgão ligado à

Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural, que, em tese, deveria acompanhar o uso,

transporte, comercialização e armazenamento de agrotóxicos. Tampouco há uma

fiscalização da atuação dos profissionais da agronomia, pelo Conselho Regional de

Engenharia e Arquitetura (CREA) quanto ao não uso do Receituário Agronômico e até

quanto à presença de pessoas não habilitadas para prescreverem e comercializarem

agrotóxicos.

6.4 Pesquisa com médicos dos municípios de Bom Jesus e Teresina

A pesquisa realizada junto a 12 médicos de Bom Jesus e 12 de Teresina, no tocante

à situação do serviço de saúde municipal em relação ao atendimento de trabalhadores

rurais potencialmente expostos a agrotóxicos, explicitou que 87% dos médicos não têm

conhecimento do registro de pacientes suspeitos de intoxicações por agrotóxicos nos

hospitais onde trabalham. Donde se conclui que, por um lado, efetivamente, não há

nenhuma ocorrência e, por outro, que os hospitais não contabilizam casos de contaminação

por agrotóxicos. Todavia, tendo em vista o Ministério da Saúde (2005) reconhecer que a

subnotificação é uma rotina em quase 90% dos serviços de saúde do país, optou-se pela

segunda alternativa, haja vista a freqüente ocorrência de casos de contaminação sob as

mais diversas formas. A pesquisa demonstrou que nos Serviços de Arquivos Médicos e

Estatísticas (SAME), de cada unidade de saúde não havia condutas técnico-administrativas

responsáveis pela geração, armazenamento e transmissão de dados sistematicamente.

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Dos 120 prontuários verificados, somente em 5% continham informações

completas sobre o verdadeiro diagnóstico do paciente; nos outros 95% restantes as

informações dos profissionais de saúde eram bastante simplificadas e até ininteligíveis.

A pesquisa evidenciou que 45% dos médicos de Bom Jesus e 55% dos de Teresina

identificavam com certa facilidade a sintomatologia da exposição dos agravos provocados

à saúde do trabalhador, desde que o paciente ou a família deste colabore. A importância

dessa identificação expressa a premência de associar a resposta imediata do diagnóstico

pela prescrição do antídoto adequado, ou seja, 70% do tratamento de contaminação por

agrotóxicos residem no conhecimento do rótulo do produto utilizado. (LARINI, 2004)

Do universo pesquisado, 71% dos profissionais de saúde, tanto da capital quanto de

Bom Jesus, ignoravam a classificação dos pesticidas quanto aos seus componentes

químicos, e 100% não sabiam da relação existente entre os componentes químicos dos

praguicidas e o Receituário Agronômico. Donde se conclui que a formação acadêmica do

médico é essencialmente urbana, fazendo-o alheio à convivência interdisciplinar com os

profissionais da agronomia, por exemplo.

Os dados da pesquisa possibilitam asseverar que em Bom Jesus 55% dos

medicamentos para o atendimento de urgência de pacientes contaminados na fase aguda ou

imediata nem sempre estão disponíveis. Já em Teresina esse percentual diminuiu para

31%. Em ambas situações não há disponibilidade de 100% da medicação necessária e, em

muitos casos, falta até atropina, carvão ativado ou soro fisiológico, que são básicos para

intervenções médicas nos casos de contaminação por praguicidas. Diante dessa

conformação, a experiência do profissional de saúde faz a diferença, uma vez o mesmo

pode agir, em certos casos, apenas clinicamente. A falta material dos recursos é

preocupante não apenas para a resolução de problemas mais simples, mas principalmente

para outros casos, como de diagnóstico e tratamento de contaminação por praguicidas que,

conforme analisado, apresentam formas e fases distintas de surgimento no organismo

humano. A Figura 04 expõe a postura dos médicos sobre a realização de anamneses plenas

nos casos de pacientes contaminados por agrotóxicos

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10%

30%

60%

Fazem avaliação clínicaprévia completaFazem avaliação clínicaprévia incompletaNão Fazem avaliação clínicaprévia

Fazem avaliação clínica prévia completa

Fazem avaliação clínica prévia incompleta

Não fazem avaliação clínica prévia

Figura 4 – Realização prévia de avaliação clínica dos casos de contaminação por agrotóxicos

Fonte: Pesquisa de campo realizada em maio de 2006.

E, por último, conforme apresentado na Figura 04, procurou-se conhecer a atitude

médica frente ao atendimento ambulatorial. A pesquisa revelou que 60% dos profissionais

de Bom Jesus e 40% de Teresina, respectivamente, não fazem nenhuma avaliação clínica

prévia no paciente, como por exemplo, sua história pregressa, contato com pesticidas, uso

de EPIs, tempo de exposição, buscando relacionar a sintomatologia com os efeitos

provocados pelos agrotóxicos, rotina recomendada por todos os Conselhos de Medicina.

No âmbito dos serviços de saúde, o principal instrumento para a investigação das

relações saúde-trabalho-doença e, portanto, para o diagnóstico correto do dano para a

saúde e da relação etiológica com o trabalho, é representado pela anamnese ocupacional,

haja vista integrar a entrevista médica, que compreende a história clínica atual, a

investigação sobre os diversos sistemas ou aparelhos, os antecedentes pessoais e

familiares, a história ocupacional, hábitos e estilo de vida, exame físico e a propedêutica

complementar.

Sendo assim, a análise das condições de exposição a fatores de risco para a saúde,

a partir da entrevista com o paciente/trabalhador, poderá ser complementada por meio da

literatura técnica especializada, observação direta do posto de trabalho, análise ergonômica

da atividade, da descrição dos produtos químicos utilizados no processo de trabalho e da

respectiva ficha toxicológica obtida diretamente dos responsáveis pelo processo, como

encarregados, gerentes, fabricantes de produtos, e junto aos próprios trabalhadores.

Ou seja, dialogar com o trabalhador sobre as impressões e sentimentos em relação

ao trabalho, de como seu corpo reage durante a atividade produtiva e no descanso, é

fundamental para a identificação das relações saúde-trabalho-doença. Na realidade, essa

prática traduz a recomendação do médico italiano Bernardino Ramazzini, em 1700, que

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todos os médicos deveriam perguntar a seus pacientes: qual é a sua profissão?

Por conseguinte, a realização da anamnese ocupacional deve estar incorporada à

entrevista clínica e seguir uma sistematização embasada nas perguntas: o que faz? Como

faz? Quais produtos e instrumentos utilizam? Quanto faz? Onde? Em que condições? Há

quanto tempo? Como se sente e o que pensa sobre o trabalho? Conhece outros

trabalhadores com problemas semelhantes? As ocupações anteriores desempenhadas pelo

trabalhador também devem ser consideradas, particularmente as de longo tempo ou que

envolveram situações de grande risco para a saúde, uma vez que a história ocupacional

pode revelar exposição a uma ação ou fator de risco para a saúde presente no trabalho que,

mesmo na ausência de qualquer manifestação clínica e laboratorial, indica a necessidade de

monitoramento ou vigilância, dada a variabilidade dos períodos de latência requeridos para

o surgimento de uma patologia relacionada ao trabalho.

Em conformidade com a pesquisa realizada, 95% dos médicos de Bom Jesus

desenvolvem atividades no hospital estadual existente no município e no Programa Saúde

da Família (PSF), gerenciado pela Prefeitura; os outros 5% são de localidades distintas.

Comparado a Teresina, este percentual é de 100%, visto que todos moram na capital.

Uma das características dos profissionais de saúde que desenvolvem atividades no interior

do Estado são as residências móveis, devido ao baixo nível salarial, o medico ver-se

obrigado a dar plantões em vários municípios circunvizinhos. Esta prática é maléfica para a

saúde do profissional e muito mais ainda para as comunidades que não podem contar com

um bom atendimento.

Sobre o conhecimento dos profissionais de saúde referente à atuação das

Vigilâncias Epidemiológica e Ambiental, a pesquisa revelou que 68% dos médicos de Bom

Jesus desconhecerem o trabalho desenvolvido pelas Vigilâncias no município, enquanto

32% a consideram insatisfatória na medida em que os coordenadores limitam-se a coletar

apenas números para o preenchimento de relatórios. Em Teresina, obteve-se 39% e 25%,

respectivamente.

O trabalho desempenhado pelas Vigilâncias Ambiental e Epidemiológica em um

município bem estruturado administrativamente é muito importante, por proporcionar o

mapeamento completo das doenças e respectivos vetores, a fim de possibilitar a adoção de

medidas preventivas de manifestações patológicas. A superioridade dos médicos de Bom

Jesus em relação aos de Teresina, relativa ao desconhecimento, refere-se à constatação de

que as Vigilâncias apenas preenchem relatórios, ou seja, se fazem presentes somente para o

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cumprimento de exigências protocolares, cujo critério de indicação dos dirigentes é

político, daí o desinteresse e a desinformação manifestados.

Não saber ou não conhecer a ação das Vigilâncias em Serviço de Saúde é

preocupante, porque expressa a não construção de uma saúde coletiva dentro dos padrões

estabelecidos pelo Ministério da Saúde, que já se pronunciou a respeito por meio da

Portaria nº 777/2004, tornando compulsórias as notificações.

Ademais, 96% dos médicos de Bom Jesus nunca preencheram uma Comunicação

de Acidente de Trabalho (CAT), tampouco orientam os trabalhadores sobre os seus direitos

sociais e trabalhistas. Em Teresina, o percentual reduziu para 84% em função da exigência

para o preenchimento da CAT pelas instituições sociais. Essa configuração manifesta que

os profissionais de saúde de Bom Jesus e de Teresina, limitam-se apenas a atender o

paciente com necessidade básica, ou seja, pratica a medicina curativa por excelência, o que

contrasta com o pensamento de Ramazini, considerado o pai da medicina do trabalho,

cujos ensinamentos remetem o atendimento médico para a forma holística de tratar o

paciente e, conforme visto anteriormente, a socialização do conhecimento deve ser uma

constante, principalmente no meio médico, por ser o objeto permanente de estudo o corpo

humano. Preencher uma CAT é relatar um episódio ocorrido, relacionando-o com o nexo

de causalidade, remetendo o problema para a tomada das devidas providências.

Estabelecer um paralelo entre o atendimento médico prestado em Bom Jesus e

Teresina não teve o propósito de comparar grandezas distintas, mas de analisar as

dimensões dos problemas vividos pelos profissionais em ambientes diversos, rural e

urbano, com a finalidade de questionar-se sobre o que mais interfere na identificação,

diagnóstico e tratamento de contaminação por agrotóxicos no sentido de expor se é a falta

de recursos, a experiência ou a formação acadêmica. A pesquisa evidenciou que os três

aspectos se complementam na medida em que constatou-se que a formação médica é

notadamente urbana e dissociada do meio rural. Que a inexperiência do profissional

médico, fruto de sua desmotivação em busca de uma capacitação permanente ou da pouca

idade à frente de casos concretos, consubstanciada à falta de recursos materiais que lhe

permitam agir com segurança corroboram para a situação identificada.

6.5 Análises laboratoriais das amostras coletadas

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Embasado nessa análise, apresenta-se na Tabela 05 as alterações da TGO/ TGP e

AChE/BChE verificadas em agricultores de Bom Jesus, dos baixões e das fazendas de

soja.

Tabela 5 – Alterações dos níveis da TGO, TGP e AChE/BChE encontrados nos agricultores dos baixões e das fazendas de soja

RESULTADOS (%) VALOR

REFERÊNCIA NORMAIS FAZENDAS BAIXÕES

EXAMES REALIZADOS (≥ VL) DE SOJA (< VL) (VL)

(< VL)

TGO 4,0 a 36 mg/dl 50 (57,47%) 20 (22,98%) 17 (19,55%)

TGP 4,0 a 32mg/dl 61 (70,12%) 18 (20,68%) 08 (9,2%)

Ache Eritocitária (AChE) 6.021 a 9.165 u/l 65 (75,86%) 21 (24,13%) 01 (0,01%)

Ache Plasmática (BchE) 9.000 a 16698 u/l 78 (89,65%) 06 (6,89%) 03 (3,46%)

*Métodos Ellman modificado para AchE e BChE e Reitman E. FRANZEL para TGO/TGP ** Valor de referência: VL

Fonte: pesquisa de campo realizada em maio de 2006.

A Tabela demonstra que os agricultores das fazendas de soja apresentaram

índices bastante expressivos de 22,98% e 20,68%, nos exames de TGO e TGP,

respectivamente. Os exames relativos à AChE Eritocitária despertou a atenção pela

confirmação de contaminação continuada que se materializa na forma crônica,

particularmente para 24,13% dos trabalhadores das fazendas de soja, pois nos baixões

esta possibilidade foi desprezível, haja vista que apenas 0,01% foi alterado.

A opção pela avaliação laboratorial é muito falsiforme para a conclusão diagnóstica

dos casos clínicos de exposição, por reconhecer-se a praticidade da conduta e constata-se

que para vários defensivos agrícolas não existem exames laboratoriais que identifiquem a

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presença de pesticidas, como os piretróides, que são amplamente utilizados na cultura de

soja de Bom Jesus. Donde se conclui que a alteração de 24,13% pode ser muito superior.

No Brasil, a legislação (NR7, NR 31) estabelece que os trabalhadores rurais

devem realizar exames médicos ocupacionais, incluindo a avaliação dos riscos

químicos, como os praguicidas. Para os inseticidas organofosforados e carbamatos,

são exigidas dosagens de colinesterase plasmática e/ou eritrocitária, sendo

considerado como valor de referência a atividade pré-ocupacional. Porém, em 70%

dos casos, principalmente na agricultura familiar, como é o exemplo do Assentamento

Conceição, onde os trabalhadores cresceram e viveram no local de trabalho, é

impossível definir os limites geográficos ou temporais da exposição ocupacional.

A alternativa seria considerar como referência a medida na fase de baixa

exposição. Mas, para algumas culturas, como a soja, o uso de agrotóxicos é

praticamente contínuo. Apesar desse contexto, a determinação da AchE e/ou da

BChE continua sendo, ao lado da determinação da TGO/TGP, o indicador biológico

de escolha para indivíduos expostos aos inseticidas organofosforados e/ou

carbamatos, assim revela a vantagem de viabilizar comparações por ser o marcador de

efeito mais usado em avaliações laboratoriais de exposição aos defensivos agrícolas.

Oliveira (2001) ao analisar a medição da Acetilcolinesterase Plasmática e a

Eritrocitária em 55 agricultores expostos em Magé-RJ constatou que 3,6% dos

exames foram alterados por BChE e 41,8% por Ache. No entanto, utilizando o

mesmo método laboratorial, dois estudos entre 85 fumicultores gaúchos, com

exposição ocupacional intensa e prolongada, não encontraram alterações substanciais.

Dos 285 fumicultores estudados por Etges et a (2002), apenas 2,5%

apresentaram alterações de BChE e nenhum com alterações de AchE.

A pesquisa de Salvi (2003) mediu a colinesterase plasmática de 37

fumicultores e ao mesmo tempo em que não identificou nenhum caso de alterações

laboratoriais, verificou elevada prevalência de problemas psiquiátricos,

principalmente depressão. Nesse sentido, foi descartada a necessidade de outros

parâmetros para monitorar efeitos crônicos de exposição ocupacional aos pesticidas,

que usualmente são leves/moderadas e de longo prazo.

De acordo com Oliveira (2003), a diversidade de resultados laboratoriais reflete as

diferenças importantes relativas ao tempo decorrido entre a exposição e a coleta do exame

(e a possibilidade do efeito rebote da BChE), ou ao critério usado para definir valor de

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referência (média populacional de trabalhadores não expostos) ou ao valor de referência

no próprio agricultor na fase pré-exposição. Ressalta-se que não existe consenso sobre o

ponto de corte para se definir intoxicação a partir dos exames de colinesterase.

Mas, de modo geral, percebeu-se que os fatores associados às intoxicações

constatadas apresentaram características similares, ou seja, as causas de contaminação que

ocorreram foram decorrentes da baixa escolaridade, pouca conscientização dos riscos,

idade precoce, não uso de EPI’s e não observação do prazo de carência ou intervalo de

segurança entre aplicações.

Para grande parte dos agrotóxicos de uso freqüente em Bom Jesus, os inseticidas

peritróides, do grupo dos fungicidas (ditiocarbamatos, sulfato de cobre, captan etc.) e dos

herbicidas (glifosato, paraquat, atrazinas e outros) não existe nenhuma exigência na

legislação.E, embora seja possível realizar alguns exames de monitoramento biológico com

indicadores de dose interna, como a presença de piretróides na urina, carbatil para

carbamatos, alquifosfatos para organofosforados, dosagem de ETU no sangue ou urina

para os ditiocarbamatos, são de difícil acesso devido serem raros os laboratórios que têm

condições tecnológicas de realizá-los, além do elevado custo para a pesquisa de campo.

Ademais a pesquisa realizada em Bom Jesus demonstrou que tanto os trabalhadores

diretamente envolvidos na preparação e/ou aplicação dos agrotóxicos, como os que

realizam outras atividades na lavoura, e, portanto, expostos indiretamente, apresentaram

alterações na saúde, manifestadas essencialmente por redução da atividade da

acetilcolinesterase e por diferenças nas provas de função hepática, marcadores importantes

para a avaliação clínico-laboratorial de contaminação pelos agrotóxicos.

Por conseguinte, infere-se que a análise relativa à saúde humana constatou que as

intoxicações podem persistir no organismo por longos períodos, não sendo identificado

facilmente por simples exames laboratoriais complementares. O olhar médico, a conduta

sistêmica de todos os profissionais de saúde em cada caso concreto, conforme relatado,

serão o diferencial para o exitoso diagnóstico das diferentes formas de contaminação por

agroquímicos.

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7 CONCLUSÕES

Em decorrência da progressiva utilização de agrotóxicos nos cerrados piauienses,

com vista a proporcionar a elevação da produtividade de grãos, em particular a soja,

buscou-se analisar os impactos causados à saúde dos trabalhadores rurais de Bom Jesus,

resultante da exposição aos pesticidas.

Nessa perspectiva, demonstrou-se que tanto os produtores dos baixões

(Assentamento Conceição), quanto das fazendas de soja, em função das diversas tarefas

desempenhadas nas distintas etapas do processo produtivo, expõem-se aos agrotóxicos,

sendo que, nestes, os índices de contaminação foram superiores, fato que corrobora a

hipótese levantada no preâmbulo deste trabalho, qual seja a de considerar que os agravos

decorrentes à saúde dos trabalhadores são frutos de um modelo imperativo e cotidiano de

uso de pesticidas no combate às pragas e doenças, associados à má estruturação dos

serviços de saúde, do uso de tecnologias, da incipiente assistência técnica e dos níveis

baixíssimos de escolaridade, que ainda não disponibilizam os meios necessários capazes de

assistir integralmente o trabalhador rural.

Constatou-se que, embora os agricultores em seu conjunto estejam expostos aos

agrotóxicos, identificou-se grande variabilidade de exposições devido às relações e

organização e divisão do trabalho, tempo de exposição, tipo de cultura e equipamentos

utilizados, horários de aplicação dos agrotóxicos, aspectos climáticos, esforço laboral,

estratégias de utilização e mecanismos de proteção. Tal variabilidade dificulta a análise dos

riscos e dos danos à saúde, principalmente os de caráter crônico.

Neste contexto, acredita-se que a diferença entre práticas e as recomendações nos

rótulos e bulas não podem ser resolvidas somente sob o enfoque da educação formal, haja

vista que a consciência do risco, ainda que precária, existe, construída pela experiência de

vida, pelas relações sociais e orientação técnica institucional formal, ainda que

insuficiente. Ademais, destacou-se que as condições reais de exposição não são tributadas

a problemas de comportamento e atitudes inadequados, mas estão profundamente

relacionadas com as dimensões concretas de trabalho, influenciadas pela política agrícola

nacional.

Assim, tradicionalmente, a assistência ao trabalhador era desenvolvida em

diferentes espaços, com objetivos e práticas distintas, o que dificultava bastante a adoção

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de linhas de ação uniformes. Esse panorama salientou a necessidade de pensar sobre a

humanização do atendimento, conforme consta nas diretrizes do Sistema Único de Saúde

(SUS), que são ignoradas quando se estuda o ambiente rural, que, por si só, traduz o

descompromisso, acentuado pela ineficácia generalizada do aparelho estatal.

Considerando que os profissionais de saúde têm responsabilidades preventivas e

curativas quanto à saúde humana suas ações devem sempre priorizar o caráter

interdisciplinar. No entanto, na prática o que se constatou foi uma lacuna relativa ao

necessário conhecimento médico voltado para os problemas rurais brasileiros,

particularmente de Bom Jesus.

A investigação permitiu inferir que os agricultores do município estabelecem, com

eles e entre eles, e também com a sociedade/consumidores um acordo velado, de natureza

política e econômica, através do qual tem se mantido o ciclo de “uso de agrotóxico com a

venda de produtos com boa qualidade”. Compondo esse acordo, tem-se de um lado, “a

aceitação” dos trabalhadores em relação ao uso de substâncias tóxicas no cotidiano de

trabalho, até o limite do franco adoecimento, em função do imperativo de sobrevivência e

da ausência concreta de outras possibilidades técnicas para o combate de pragas e doenças

presentes na agricultura. E, por outro lado, uma vez realizada a produção, com a devida

qualidade do produto, este será plenamente aceito pelos consumidores, garantido através

do processo de comercialização.

Ademais, ressalte-se que, o uso inadequado, os desvios de uso, os acidentes no

campo e a venda indiscriminada e ilegal durante muitos anos de agrotóxicos têm

comprometido os ecossistemas e a saúde humana. Nesse sentido, deve-se aprofundar a

discussão científica sobre essa face perigosa dos praguicidas com a finalidade de conhecer

verdadeiramente os riscos de uso e debater até que ponto eles aceitáveis.

A agricultura praticada no Brasil há mais de quatro décadas baseou-se nos

princípios da revolução verde, isto é, no aumento contínuo da produtividade com o devido

uso de insumos modernos. Contudo, essa prática apresenta sinais de esgotamento, em

função dos desequilíbrios ecológicos provocados, da exaustão do potencial genético das

plantas cultivadas, da perda de fertilidade e salinidade dos solos, da desertificação, bem

como da expectativa de alteração dos regimes de chuva aumentando o carreamento de

nutrientes das áreas desnudas da agricultura extensiva e da presença do aquecimento

global.

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A conscientização da fragilidade dos ecossistemas e da vulnerabilidade humana à

exposição aos pesticidas continua sendo o grande desafio a ser enfrentado. Os problemas

decorrentes da intensidade de agroquímicos usados nos cerrados piauienses e, em

particular em Bom Jesus demonstraram o imperativo cotidiano de manuseio dos pesticidas

como único meio de combate de pragas e doenças. As atividades educativas que poderiam

servir como atenuantes do processo danoso de contaminação não surtem efeitos positivos

porque são simplórias ou inexistentes e a realidade de trabalho dos profissionais de saúde é

eqüidistante dos problemas de saúde local.

Em face dessas constatações, faz-se mister fortalecer o debate acerca das práticas

agrícolas implementadas no município de Bom Jesus, cujo enfoque principal deve centrar-

se na promoção e proteção do meio ambiente e na saúde do trabalhador, construídas por

meio da vigilância permanente dos riscos presentes nos ambientes e condições de trabalho,

alicerçadas nas dimensões do Desenvolvimento Sustentável.

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ANEXOS

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ANEXO I – Questionário socioambiental aplicado aos trabalhadores de Bom Jesus expostos aos pesticidas.

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ANEXO II – Termo de consentimento livre e esclarecido. Autorização para pesquisa envolvendo seres humanos-Comitê de Ética e Pesquisa – UFPI.

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ANEXO III – Roteiro de avaliação para profissionais de saúde (médicos) de Bom Jesus e Teresina.

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ANEXO IV – Demonstrativo dos resultados das análises laboratoriais.

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