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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ UFPI CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - CCHL MESTRADO EM LETRAS ESTUDOS DA LINGUAGEM MARGARETH VALDIVINO DA LUZ CARVALHO ALUNO: AUTOR (E) (OU) PRODUTOR DE TEXTOS? Uma investigação a partir da escrita de alunos do nono ano do Ensino Fundamental de uma Escola Pública Estadual de Picos PI TERESINA (PI) 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - CCHL

MESTRADO EM LETRAS – ESTUDOS DA LINGUAGEM

MARGARETH VALDIVINO DA LUZ CARVALHO

ALUNO: AUTOR (E) (OU) PRODUTOR DE TEXTOS? Uma investigação a partir

da escrita de alunos do nono ano do Ensino Fundamental de uma Escola

Pública Estadual de Picos – PI

TERESINA (PI)

2015

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MARGARETH VALDIVINO DA LUZ CARVALHO

ALUNO: AUTOR (E) (OU) PRODUTOR DE TEXTOS? Uma investigação a partir

da escrita de alunos do nono ano do Ensino Fundamental de uma Escola

Pública Estadual de Picos – PI

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal do Piauí, área de Estudos de Linguagem como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Letras. Orientação: Profª. Drª. Maria Angélica Freire de Carvalho.

TERESINA (PI) 2015

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FICHA CATALOGRÁFICA

Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí

Biblioteca José Albano de Macêdo

C331a Carvalho, Margareth Valdivino da Luz.

Aluno: autor (e) (ou) produtor de textos? Uma

investigação a partir da escrita de alunos do nono ano do

ensino fundamental de uma escola pública estadual de

Picos-PI / Margareth Valdivino da Luz Carvalho. – 2015.

177 f.

Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal

do Piauí, Teresina, 2015.

Orientador(A): Prof°. Dra. Maria Angélica Freire de

Carvalho.

1.Texto Narrativo. 2. Escrita. 3. Produção

Textual. I. Título.

CDD 410

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MARGARETH VALDIVINO DA LUZ CARVALHO

ALUNO: AUTOR (E) (OU) PRODUTOR DE TEXTOS? Uma investigação a

partir da escrita de alunos do nono ano do Ensino Fundamental de uma Escola

Pública Estadual de Picos – PI

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal do Piauí, área de Estudos de Linguagem, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Letras.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Profª. Drª Maria Angélica Freire de Carvalho

Orientadora (Letras-UFPI)

________________________________________________ Profª. Drª Jauranice Rodrigues Cavalcanti

Examinadora (UFTM)

________________________________________________ Profª. Drª Maria Auxiliadora Ferreira Lima

Examinadora (UFPI)

________________________________________________

Prof. Dr. Francisco Alves Filho

Examinador – suplente (UFPI)

TERESINA (PI) 2015

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AGRADECIMENTOS

Às vezes, as palavras não nos permitem expressar os sentimentos, porque

eles são como espinhos e flores. São de nossos caminhos e se constituem neles.

Pluralizo minhas batalhas, porque sempre foram muitas, e não esta que me é

“única”, mas não a última. Por isso, meus agradecimentos são marcados por

sonhos, que dão sentido a minha vida e me impulsionam para que eu busque o

conhecimento e a sabedoria, contando sempre, com atos de misericórdia.

Hoje, posso afirmar que nada na vida é por acaso; o que somos, o que temos,

o que conquistamos esteve ali à nossa espera, mas para a percepção é preciso que

a coragem desperte, e nós a abracemos como uma benção, porque viver é uma

dádiva atribuída por um Ser supremo, cuja existência jamais poderá ser

questionada. Nele e através Dele, tudo pode ser realizado. Esse Ser sempre me

orientou em caminhos para vencer batalhas, sempre me apresentou muitos anjos, e

que “anjos especiais”! Esses anjos nunca desistiram de mim, porque nessa vida

alguém precisa acreditar na gente, e isso faz a diferença. Como escrever sem citar

nomes? Sinceramente não sei, como escolher a quem citar? Também não sei, mas

sei que são muitos e todos especiais; sendo assim, melhor iniciar por Deus, e a

partir Dele todos os queridos farão parte desse momento de agradecimento, por me

auxiliarem a percorrer uma trilha que nunca imaginei e que me levou à escrita de

uma dissertação de Mestrado! Decidi que citarei os nomes de todas as pessoas que

contribuíram para o meu trabalho. Esta oportunidade pode ser única e ficará

registrada, embora interesse mais a elas e a mim, são agradecimentos, talvez os

mais longos em uma dissertação, porém, para mim, importantes e sinceros:

Ao meu esposo, Carlos, pela compreensão nem sempre visível, mas seu

apoio foi fundamental, aos meus filhos pela alegria, pelas preocupações e pela

alegria de fazer tudo por vocês, porque Bruno um dia será um grande campeão na

sua área; Marcus, sua carreira de jogador será uma grande alegria; Kaylla, minha

princesa Engenheira Civil; meu grande administrador Carlos Eduardo, aquele que

está mais próximo, e pela simplicidade, sempre ajuda mais; meus sobrinhos Nilton

e Ednuza, que tão humildemente me acolheram, meu agradecimento eterno.

Um trabalho sem a participação da família não existe, por isso eles, sempre

eles em primeiro lugar. E aquela família que construímos ao longo de nossa história,

porque um trabalho dessa dimensão não pode ser construído sozinho, requer a

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ajuda daqueles que têm sabedoria, além do conhecimento, porque nesta vida

acadêmica são muitos os conhecimentos, entretanto, partilhar não é privilégio de

muitos. Hoje posso tornar “público” pelo menos para quem ler este trabalho, a

confissão de que foi um trabalho construído com muitos olhares e incentivos

múltiplos: “você vai conseguir!” “você é capaz minha amiga”, são coisas de muitos,

mas de Neto, Elaine e Marli, foi diferente, por isso para eles um agradecimento do

fundo do coração e do início da alma. Essas três pérolas, não são amigos, são filhos

que apareceram na minha vida, assim que pensei em concorrer ao mestrado. Para

vocês, meus filhos de coração, o meu sorriso e um agradecimento que não tem

palavras, porque é uma verdade absoluta, inquestionável!

Para que um trabalho seja de fato realizado é necessário que um

conhecimento seja iniciado, e em parceria; e mais uma vez Deus foi generoso

comigo, permitiu-me ter como orientadora a Professora Angélica, uma pessoa

extremamente generosa, que me acompanhou passo a passo, no fazer e no refazer

desse trabalho; os anjos se multiplicaram na minha vida na figura da professora

“Angélica” e a ela meu eterno agradecimento, pela paciência, pelo carinho, pelo

amor de “mãe”, porque sua dedicação foi equivalente a de uma mãe quando quer

proteger o filho e compreende as suas limitações, você, professora Angélica é muito

especial e, com certeza, esse trabalho é parte de você. Obrigada sempre!

Aos meus amigos e professores do Mestrado, um agradecimento especial,

porque as aulas de cada disciplina foram fundamentais para que o meu processo de

aprendizagem fosse, aos poucos, se desenhando e consolidando o meu objetivo de

finalmente estar inserida num mestrado para aprender, dentre teorias e reflexões,

que um simples gesto de amizade, vale mais do que uma vida inteira de esperas e

promessas; por isso, obrigada Bruna e Jacqueline Dantas.

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Nada te perturbe, nada te amedronte,

tudo passa. Só Deus não muda. A

paciência tudo alcança.

Tereza D’ávila

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A Deus, que por sua supremacia me concedeu o dom da vida, através de uma grande mulher que ao longo de sua breve história não teve acesso à escola, mas tinha a alegria de dizer que tinha uma “ filha professora”, uma mãe solteira que criou onze filhos de forma dura, mas digna: Dona Teresa Valdivino (in memorian); para a senhora, dedico as mais específicas palavras de amor e gratidão por ter me “tirado o direito de brincar” para ir trabalhar na casa dos seus patrões e para que a minha história fosse diferente e foi, obrigada! A minha orientadora Maria Angélica Freire de Carvalho, pela força, confiança e pelo exemplo de ser humano; pelos encontros e orientações que nortearam a minha caminhada no desenrolar desse trabalho, porque só uma pessoa com a simplicidade e a humildade do saber é capaz de compartilhar conhecimentos. A você, professora Angélica, dedico a maior parte deste trabalho. Ao amigo, professor Doutor Vicente Lima Neto, por me acompanhar e acreditar na minha força de vontade, desde a possibilidade de entrada no Mestrado com idas e vindas, a um projeto de um sonho, de uma vida. Pessoas como você só acrescentam coisas boas para o mundo. A minha amiga e filha Marli, porque foi uma pessoa fundamental no processo de aprendizagem.

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RESUMO

Podemos afirmar que, de um modo geral, o trabalho com a prática de textos no Ensino Fundamental tem sido feito a partir de um olhar mais voltado para os aspectos estruturais e gramaticais no texto. Contrariamente a essa postura, Possenti (2009a) aponta que para se considerar um texto escolar como um bom texto é preciso avaliá-lo, também, em sua discursividade, o que indica a possibilidade de o aluno exercer a função-autor mediante um trabalho em que o funcionamento discursivo tenha maior relevância no processo de escrita. Sob este propósito, neste estudo optamos por observar alunos do nono ano do ensino fundamental, por se encontrarem em um segmento escolar de transição. A partir dessa escolha, estabelecemos como objetivo principal do estudo identificar indícios de autoria nas produções textuais de alguns alunos selecionados de uma escola pública da cidade de Picos (PI). Elencamos como objetivo específico verificar marcas textuais-discursivas que contribuíssem para uma inserção do sujeito enunciador de modo que ao se interpor com outras “vozes” na construção de sentidos evidencie um discurso autônomo, que caracterize um estilo. Dentre a literatura que embasou o estudo, fundamentamo-nos na perspectiva dialógica de Bakhtin (2003- 2006-2010), nas contribuições de Possenti (2002, 2009 a, 2009b), Orlandi (1988), que consideram a autoria a partir de uma perspectiva discursiva; Cavalcanti (2010), que define um texto com autoria aquele que produz um efeito de singularidade; Gallo (1992), para quem o texto tem um efeito de fronteira, um dizer que legitima o sujeito, que tem na legitimação o domínio de sua palavra. O corpus de análise constituiu-se de textos, dentre os quais percebemos que, na relação aluno-texto, pouco se identifica uma escrita autônoma, na qual se possa destacar uma expressividade discursiva. Entretanto, observamos que a partir de um trabalho mais efetivo com a prática de escrita o aluno pode exercer a função-autor e construir textos coerentes com indícios de autoria, marcados na sua forma singular de manifestação discursiva. Palavras-chave: Autoria. Sujeito. Escrita. Texto narrativo.

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ABSTRACT

We can say that, in general, working with the practice of texts in primary education has been made from a more focused look at the structural and grammatical aspects of the text. Contrary to this position, Possenti (2009a) points out that to be considered a school text as a good text you need to evaluate it, too, in his discourse, which indicates the possibility of the student perform the function-authored by a job the discursive functioning has more relevance in the writing process. Under this purpose, in this study we chose to observe students from the ninth grade of elementary school, because they are in a school segment transition. From this choice, we have established as the main objective of the study identify authorship evidence in the textual productions of selected students from a public school in the city of Picos (PI). We specify check textual-discursive brands that contribute to an insert of the subject enunciating in his text, in your "voice" to flow as a response in dialogue with other "voices" in the construction of possible directions for your text, highlighting an autonomous and inscricional speech from the point of view of the author. Among the literature that based the study, fundamented in the dialogical perspective of Bakhtin (2003- 2006-2010), the contributions of Possenti (2002, 2009, 2009b), Orlandi (1988), who consider the authorship from a discursive perspective; Cavalcanti (2010), which defines a text authored one that produces a singularity of purpose; Gallo (1992), for whom the text has a border effect, one saying that legitimizes the subject, which has legitimacy in the domain of his word. The analysis corpus consisted of twelve texts, among them realized that the student-text ratio, bit identifies an autonomous writing, in which you can highlight a discursive expressiveness.

Keywords: Author. Subject. Writing. Narrative text.

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RESUMEN

Podemos decir que, en general, el trabajo con la práctica de los textos en la enseñanza primaria se ha hecho a partir de una mirada más centrada en los aspectos estructurales y gramaticales del texto. En contra de esta posición, Possenti (2009a) señala que para ser considerado un texto escolar como un buen texto es necesario evaluar, también, en su discurso, que indica la posibilidad de que el estudiante realice autor función la de un trabajo el funcionamiento discursivo tiene más relevancia en el proceso de escritura. Bajo este propósito, en este estudio se optó por observar a los estudiantes del noveno grado de la escuela primaria, porque están en una transición segmento de la escuela. A partir de esta elección, hemos establecido como el objetivo principal del estudio identificar evidencia la autoría en las producciones textuales de los estudiantes seleccionados de una escuela pública en la ciudad de Picos (PI). Especificamos comprobamos marcas textuales discursiva que contribuyen a una inserción de la enunciación sujeto en su texto, en su "voz" a fluir como una respuesta en el diálogo con otras "voces" en la construcción de posibles direcciones para su texto, destacando un discurso autónomo y inscricional desde el punto de vista del autor. Entre la literatura que basa el estudio, fundamentado en la perspectiva dialógica de Bakhtin (2003- 2006 a 2010), las contribuciones de Possenti (2002, 2009, 2009b), Orlandi (1988), que consideran que la autoría de una perspectiva discursiva; Cavalcanti (2010), que define un autor de un texto que produce una singularidad de propósito; Gallo (1992), para quien el texto tiene un efecto frontera, una palabra que legitima el tema, que tiene legitimidad en el ámbito de su palabra. El corpus de análisis consistió en doce textos, entre ellos se dieron cuenta de que la relación estudiante-texto, poco identifica una escritura autónoma, en los que se puede destacar una expresividad discursiva. Palabras clave: Autor. Asunto. Escribiendo. Texto narrativo

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

DCEs - Diretrizes Curriculares Estaduais

DE - Discurso da Escrita

DO - Discurso da Oralidade

GT - Gramática do Texto

AD - Análise do Discurso

IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

LT - Linguística Textual

PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais

PROEMI - Programa Ensino Médio Inovador

SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica

UESPI - Universidade Estadual do Piauí

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LISTA DE FIGURAS

Imagem 1 - Carlitos foge do cavalo furioso, que o persegue. ................................ 100

Imagem 2 - Carlitos, fugindo do cavalo, entra acidentalmente na jaula do leão. .... 100

Imagem 3 - Carlitos se assusta, ao perceber que entrou na jaula do leão (que ainda

dorme). .................................................................................................................. 101

Imagem 4 - Carlitos tenta abrir a porta, mas acaba se trancando por dentro. ....... 101

Imagem 5 - Carlitos tenta abrir uma segunda porta para sair da jaula. .................. 101

Imagem 6 - Porém, do outro lado da porta, Carlitos se depara com outra fera. Agora

um tigre, e pior, acordado....................................................................................... 102

Imagem 7 - Rapidamente, Carlitos fecha a segunda porta e diante de tamanho susto

quase derruba um recipiente com água para o leão; mas, de forma ágil, consegue

segurá-lo antes de cair no chão, evitando que a fera acorde. ................................ 102

Imagem 8 - Um cachorro aparece e começa a latir, Carlitos evidentemente se

apavora, pois com o barulho o leão pode acordar. ................................................. 102

Imagem 9 - Carlitos pede, implora, enxota, mas o cachorro não sai. Então, ele tenta

expulsá-lo através de chutes. ................................................................................. 103

Imagem 10 - A bailarina aparece. Carlitos então faz um pedido a ela: - “Abra a porta,

rápido!” ................................................................................................................... 103

Imagem 11 - A bailarina, assustada diante da situação, desmaia. ......................... 103

Imagem 12 - O leão finalmente acorda e vai ao encontro de Carlitos, que se recolhe

no canto da jaula, com medo de ser atacado. ........................................................ 104

Imagem 13 - Surpreendentemente, o leão não age, apenas cheira Carlitos e volta a

dormir. Carlitos examina as partes do corpo para conferir se não falta algo e, após,

respira aliviado. ...................................................................................................... 104

Imagem 14 - A bailarina finalmente acorda ............................................................ 104

Imagem 15 - E vai abrir a porta da jaula. ............................................................... 105

Imagem 16 - A bailarina implora pra que Carlitos saia imediatamente da jaula...... 105

Imagem 17 - Carlitos, de forma convencida, tenta impressionar a moça, se

aproximando do leão e mostrando que não tem medo. .......................................... 105

Imagem 18 - Porém, diferente da primeira aproximação, o leão agora tenta atacar

Carlitos que, assustado, imediatamente sai correndo da jaula do leão. ................. 106

Imagem 19 - Carlitos sai correndo e, de tão amedrontado, acaba escalando um dos

postes do circo. ...................................................................................................... 106

Figura 20 - Fragmento 1 - Texto I .......................................................................... 113

Figura 21 - Fragmento 2 - Texto I .......................................................................... 114

Figura 22 – Fragmento 3 - Texto I ......................................................................... 115

Figura 23 – Fragmento 1 – Texto II ........................................................................ 117

Figura 24 – Fragmento 2 - Texto II ........................................................................ 119

Figura 25 – Fragmento 1 - Texto III ....................................................................... 120

Figura 26 – Fragmento 2 – Texto III ....................................................................... 122

Figura 27 – Fragmento 3 – Texto III ....................................................................... 122

Figura 28 – Fragmento 1 – Texto IV ...................................................................... 123

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Figura 29 – Fragmento 2 – Texto IV ...................................................................... 124

Figura 30 - Fragmento 3 – Texto IV ...................................................................... 125

Figura 31 – Fragmento 1 – texto V ........................................................................ 127

Figura 32 – Fragmento 2 – Texto V ....................................................................... 128

Figura 33 – Fragmento 3 – Texto V ....................................................................... 128

Figura 34 – Fragmento 1 – Texto VI ...................................................................... 130

Figura 35 - Fragmento 2 – Texto VI ....................................................................... 131

Figura 36 - Fragmento 3 – Texto VI ....................................................................... 131

Figura 37 – Fragmento 1 – Texto VII ..................................................................... 133

Figura 38 – Fragmento 2 – Texto VII ..................................................................... 134

Figura 39 – Fragmento 3 – Texto VII ..................................................................... 134

Figura 40 – Fragmento 1 – Texto VIII .................................................................... 136

Figura 41 – Fragmento 2 – Texto VIII .................................................................... 138

Figura 42 – Fragmento 1 – Texto IX ...................................................................... 139

Figura 43 – Fragmento 2 – Texto IX ...................................................................... 140

Figura 44 – Fragmento 3 – Texto IX ...................................................................... 141

Figura 45 – Fragmento 1 – Texto X ....................................................................... 142

Figura 46 – Fragmento 2 – Texto X ....................................................................... 143

Figura 47 - Fragmento 3 – Texto X ........................................................................ 143

Figura 48 - Fragmento 4 – Texto X ....................................................................... 143

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 15 CAPÍTULO I - LÍNGUA, LINGUAGEM E TEXTO .................................................... 18

1 CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM E LÍNGUA COMO UMA PRODUÇÃO SOCIAL .. 18

1.1 O texto como unidade dotada de sentido .......................................................... 25

1.2 Discurso e gêneros do discurso ......................................................................... 29

1.3 Um diálogo necessário: texto e discurso ............................................................ 34

CAPÍTULO II - PRODUÇÃO DE TEXTO E ENSINO ............................................... 36

2 A ESCRITA COMO PROCESSO DE INTERAÇÃO ............................................... 36

2.1 Usos de linguagem e escrita .............................................................................. 39

2.2 Produção textual na escola: uma relação com a leitura e a escrita ................... 44

2.3 PCN e texto: uma nova unidade de ensino-aprendizagem ................................ 57

2.4 A interlocução como origem do processo comunicativo ..................................... 62

CAPÍTULO III - AUTORIA: UM OUTRO OLHAR SOBRE O TEXTO ESCRITO ...... 66

3 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO: papel do aluno e do professor ............................ 66

3.1 Relacionando texto/autoria no espaço escolar ................................................... 71

3.2 Textualidade e indícios de autoria: a visão de Beaugrand, Dressler e Possenti . 80

3.3 Fatores que contribuem para os sentidos do texto ............................................ 80

3.4 As diversas vozes presentes no texto: heterogeneidade marcada e não marcada

................................................................................................................................. 82

3.5 Os PCNs e a questão da autoria ........................................................................ 84

3.6 Orlandi e a visão sobre texto e discurso ............................................................. 86

CAPÍTULO IV - DELINEANDO OS RESULTADOS DA PESQUISA: INDÍCIOS DE AUTORIA NAS PRODUÇÕES TEXTUAIS .............................................................. 88

4 PERCURSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA .............................................. 88

4.1 Escolha do local da pesquisa ............................................................................. 89

4.2 Sujeitos da pesquisa .......................................................................................... 91

4.3 Procedimentos para coleta de dados ................................................................. 91

4.4 Atividade em sala de aula .................................................................................. 92

4.5 Procedimentos para análises ............................................................................. 93

CAPÍTULO V - ENSINO E PRODUÇÃO ESCRITA ................................................. 95

5 FILME “O CIRCO” ................................................................................................. 95

5.1 Charlie Chaplin e o icônico Vagabundo .............................................................. 95

5.1.1 “O Circo” ......................................................................................................... 98

5.1.2 A cena na jaula do leão ................................................................................. 100

CAPÍTULO VI - PROPOSTA DE ANÁLISE DE PRODUÇÕES DE ALUNOS ........ 107

6 CONDUÇÃO DA ATIVIDADE OBSERVADA........................................................ 108

6.1 Sujeitos inscritores e sua relação com o texto .................................................. 110

6.1.1 Proposta de análise de produções de alunos ................................................ 110

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6.2 Texto escolar: a autoria na produção do aluno, modos de observar ................. 111

6.3. Sobre as análises ............................................................................................ 144

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 147 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 152 APÊNDICES .......................................................................................................... 158 APÊNDICE A – AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL ................................................. 159 APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......... 160 APÊNDICE C – TERMO DE CONFIDENCIALIDADE ............................................ 163 ANEXOS ................................................................................................................ 164 ANEXO A – TEXTO I: “O Circo” ............................................................................. 165 ANEXO B – TEXTO II: “O Circo” ............................................................................ 166 ANEXO C – TEXTO III: “Charles Chaplin na jaula do leão” .................................... 167 ANEXO D – TEXTO IV: “Loucura no Circo” ............................................................ 168 ANEXO E – TEXTO V: “O Circo da Criatividade” ................................................... 169 ANEXO F – TEXTO VI: “O Circo” ........................................................................... 170 ANEXO G – TEXTO VII: “Super-Heroína por um dia” ............................................ 171 ANEXO H – TEXTO VIII: “A jaula do leão” ............................................................. 172 ANEXO I – TEXTO IX: “O Circo” ............................................................................ 173 ANEXO J – TEXTO X: “O Circo” ............................................................................ 174

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INTRODUÇÃO

A dissertação intitulada: “Aluno: autor (e) (ou) produtor de textos? uma

investigação a partir da escrita de alunos do nono ano do ensino fundamental de

uma escola pública estadual de Picos – PI” foi elaborada a partir da seleção, leitura

e observação de práticas de escrita de alunos do nono ano do ensino fundamental,

integrantes de uma das turmas de uma escola pública de Picos, no interior do

estado do Piauí, a 360 quilômetros da capital, Teresina.

Como o título sugere, investigamos na escrita do aluno do nono ano, o modo

como o sujeito interage com o interlocutor no texto, marcando seu projeto

comunicativo. Para isso, identificamos práticas de textos, no acompanhamento em

uma atividade em sala de aula e comentamos os textos produzidos na aula

observada. Essa investigação partiu do pressuposto de que, se por um lado, a

escola passa por um processo de transformação nas práticas pedagógicas do

professor, por outro lado, o aluno ainda apresenta muita resistência com relação ao

processo da prática com a escrita. Conforme Koch (2014, p. 31):

Se houve tempo em que era comum a existência de comunidades ágrafas, se houve um tempo em que a escrita era de difícil acesso ou uma atividade destinada a alguns poucos privilegiados, na atualidade, a escrita faz parte da nossa vida, seja porque somos constantemente solicitados a produzir textos escritos (bilhete, e-mail, listas de compras, etc, etc.), seja porque somos solicitados a ler textos escritos em diversas situações do dia-a-dia (placas, letreiros, anúncios, embalagens, e-mail, etc, etc.).

Nessa perspectiva, a escrita conduz quase todas as práticas sociais dentro e

fora da escola, portanto, são muitas as possibilidades de apropriar-se dela; e

diferentes objetivos fazem parte dessa prática. Nosso contato com o mundo ocorre

por meio da escrita, ou seja, o aluno escreve; mas que valor é dado a essa escrita

no contexto escolar? O que evidencia no trabalho do professor quanto a legitimidade

da escrita do aluno? De que modo o aluno se posiciona quando se manifesta

discursivamente por meio da escrita?

Questionamentos que sugerem diferentes modos de observação, sobretudo

porque a escrita, como qualquer outro discurso, no contexto escolar é atravessada

pela voz do outro, ou seja, pela voz do professor. Discursos sobre práticas com

textos na escola têm procurado, em muitas situações, legitimar o dizer do aluno, por

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meio de um olhar que não prioriza somente aspectos gramaticais, mas uma

valorização das marcas discursivas que esse aluno utiliza na construção textual.

O estudo concentrou-se na identificação de possíveis indícios de autoria nas

produções textuais de alunos, observando como esses alunos se marcam

discursivamente nos textos, com base nos estudos de Possenti (2002/2009),

Cavalcanti (2010) e outros autores apresentados no corpo do estudo; no entanto,

com um cuidado particular de centrar nossa apreciação nas contribuições da

Linguística Textual para os estudos sobre autoria.

Com a pesquisa, verificamos que a prática escolar convive, ainda, com

posturas metodológicas contraditórias, muitas encaminham a atividade com a escrita

nos moldes em que o aluno escreve uma redação para o professor corrigir,

correspondendo a uma tarefa escolar. São raras as atividades no contexto de ensino

em que o aluno se prontifique a escrever um texto com intenções atribuídas por si

mesmo, é bem comum haver um intuito comunicativo já atribuído pelo professor.

Mesmo a escrita de um bilhete para um colega de turma, uma informação

trocada entre colegas, um convite, uma carta para a professora, podem ser

encontrados tais indícios, embora não façam parte da lista de gêneros comuns no

contexto de ensino, circulam de modo significativo, comunicam e são legítimos,

mostrando a linguagem em sua força ilocucional.

Essa força ilocucional diz respeito a todas as práticas possíveis de inserção

do sujeito no seu universo discursivo consigo e com o outro a partir de escolhas

O estudo em questão está organizado em seis capítulos. No primeiro,

intitulado: “Língua, Linguagem e Texto”, abordamos alguns conceitos de língua,

linguagem e texto. No segundo: “Produção de texto e ensino”, tratamos sobre a

importância do trabalho com o texto em sala de aula, sob diferentes perspectivas.

No terceiro capítulo, “Autoria: um outro olhar sobre o texto escrito”, o texto

traz um apanhado teórico sobre os conceitos de autoria na visão de diferentes

autores que investigam a temática. No quarto capítulo: “Delineando os resultados da

pesquisa: indícios de autoria nas produções textuais”, apresentamos a metodologia

da pesquisa, identificando todas as fases desse processo, até chegarmos aos

resultados, que foram analisados por meio de um diálogo e um cuidado em buscar

interseções entre a Análise do Discurso, de linha francesa, a partir dos estudos de

Michel Pêcheux e da Linguística Textual, seguindo os fundamentos pragmático-

enunciativos.

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Os dados nos levam a verificar que muitos avanços têm ocorrido com relação

ao trabalho do professor; principalmente, tentativas de mudança nas concepções de

ensino. A forma como o aluno conduz a sua escrita, é também um diferencial,

porque esse aluno inserido no processo de ensino e aprendizagem tem se

destacado em outras práticas de escrita fora do contexto escolar, portanto afirmar

que ele não sabe “escrever” constitui, muitas vezes, um equívoco, pois se

observamos sua interação nas práticas diária, constataremos que a escrita faz parte

de sua vida, mesmo informalmente, ainda mais com o advento das tecnologias de

informação. No capítulo V, “Ensino e Produção Escrita”, apresentamos informações

pontuais acerca do filme utilizado na atividade aplicada pela professora. Nessas

informações, constam um pequeno texto sobre o autor Charles Chaplin e partes da

cena do filme “O circo” (1928).

No capítulo VI, “Proposta de análise de produções de alunos”, apresentamos

uma abordagem acerca da condução da atividade observada, a posição dos sujeitos

inscritos e sua relação com a autoria a partir de uma inscrição nos seus modos de

dizer. Ainda neste capítulo, observamos de que forma os alunos se marcaram nos

textos e, se de fato, eles apresentaram indícios de autoria.

Apresentamos, para finalizar, considerações acerca dos textos produzidos,

destacando pontos que indicam um processo de construção textual em que os

alunos demonstram que essa relação do texto com as condições de produção,

representam um referencial na forma com que apresentam o seu discurso.

Apresentamos os anexos e referências que foram utilizadas para subsidiar o estudo.

Os anexos, com os textos que foram coletados, permitem um acompanhamento

detalhado das escritas realizadas. Junto a eles, apresentam-se outros documentos

pertinentes à realização do estudo.

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CAPÍTULO I

LÍNGUA, LINGUAGEM E TEXTO

Este capítulo trata de alguns conceitos de língua, linguagem e texto na visão

da literatura utilizada para subsidiar o tema em discussão. Além disso, trata, no

terceiro item, acerca do discurso como uma forma de tentarmos compreender esse

processo de construção do texto, que pode ocorrer ora pelo viés da Linguística

Textual (LT), ora pelo viés da Análise do Discurso (AD). Defendemos uma

possibilidade maior de integração de teorias, uma vez que a linguagem, na sua

forma mais interativa e real, é o meio mais eficaz de interação social.

1 CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM E LÍNGUA COMO UMA PRODUÇÃO SOCIAL

Antes de tratar de linguagem e língua como uma produção social não há

como deixar de remetermos à Linguística da Enunciação de Émile Benveniste

(1966-1974), que além das importantes contribuições do estruturalismo de F. de

Saussure através do seu Curso de Linguística Geral (1969), os estudos de

Benveniste representaram mais um avanço para os estudos sobre linguagem e

discurso, embora esse autor tenha tratado o discurso sob a perspectiva de um eu

subjetivo interagindo-se com um tu intersubjetivo, diferentemente da noção de

sujeito sócio-histórico de Bakhtin(2006/1981)

A contribuição de E. Benveniste aos estudos sobre linguagem se dá

relacionada à noção de sujeito e linguagem no mundo, como também à questões

relacionadas a quem atribuir a responsabilidade pelas imagens ou representações

construídas nos textos. E seus estudos sobre enunciação ajudaram a responder tais

questões.

O referido autor no texto Da subjetividade da linguagem (1988) nega o caráter

instrumental da linguagem na medida em que rechaça a oposição homem e

linguagem. Para ele o homem se constitui na e pela linguagem, não podendo esta

ser algo exterior aos sujeitos. Tomar a linguagem como instrumento de comunicação

seria uma contradição já que os instrumentos são coisas exteriores aos sujeitos,

algo que não ocorre com a linguagem, pois a mesma é parte constitutiva dos

homens vivendo em sociedade. Os homens se definem falando uns com os outros a

partir dos dispositivos de enunciação, ou seja, a partir desse ”colocar em

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funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (Benveniste, 1989, p.

82). Ato individual porque irrepetível e em uma ação única. Sendo assim a

enunciação é o próprio ato de produzir um enunciado e é através dos enunciados

que se analisam as marcas da enunciação.

Em Beveniste (1989) é o próprio ato da enunciação que proporciona a

comunicação entre os interlocutores do ato comunicativo, isto é, sujeitos que

expressam um eu (subjetivo) que diz eu relacionando-se com um tu (intersubjetivo)

que também propõe um eu subjetivo, em oposição a uma não-pessoa ele durante o

ato enunciativo participante também desse processo, pois quando falamos de ele

também falamos de nós mesmos. Isto quer dizer que no ato enunciativo quando os

sujeitos falam de ele também falam de si porque na relação com o mundo através da

linguagem, as representações serão sempre numa perspectiva de um eu subjetivo.

Percebe-se que os sujeitos da enunciação emanam na instância do discurso

portanto não existindo a priori, ou seja, todo enunciado propõe implícita ou

explicitamente um eu subjetivo, porque todo o funcionamento da linguagem é para

Benveniste um ato subjetivo, ou seja, os homens estão presentes nas línguas que

usam e consequentemente os sujeitos estarão marcados nos seus discursos.

Outro tema que merece ser citado nas contribuições de Benveniste é sua

noção de referência, elemento importante para o desenvolvimento dos estudos

sobre linguagem. Para ele “a „referência‟ da frase é o estado de coisas que a

provoca, a situação de discurso ou de fato a que ela se reporta e que nós não

podemos jamais prever ou fixar” (BENVENISTE, 1989, p. 231). O que significa dizer

que a referência está contida no ato enunciativo, ou seja, é na instância da

enunciação com seus processos de referenciação que as coisas passam a existir na

voz de seus interlocutores (um eu dirigido a um tu que também se dirige a um eu).

Após traçar brevemente as valiosas contribuições de Émily Benveniste aos

estudos sobre linguagem dando ênfase no seu caráter subjetivo, nada mais

pertinente unir tal discussão ao caráter social da linguagem na voz de Bakhtin

(2006/1981).

A linguagem é como uma ação social, além de ser característica fundamental

para que o homem fortaleça os vínculos sociais por meio da interação, subsidiada

por uma constante transformação e posicionamentos para com outras pessoas.

Essa linguagem a que nos referimos neste trabalho é condicionada por inúmeras

possibilidades de uso em diferentes instâncias do mundo social, concreto e

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empírico. Sendo assim, na sua forma mais ampla, ela significa um caminho a ser

percorrido entre o sujeito e o discurso e a sua relação com a representação no e

com o mundo linguístico.

Segundo Preti (2000), desde o nascimento, as pessoas estão cercadas pelos

signos linguísticos, o que dá ao homem o poder de comunicar-se, tornando a língua

o meio mais comum para a comunicação.

Sons, gestos, imagens, diversos e imprevistos, cercam a vida do homem moderno, compondo mensagens de toda a ordem [...] transmitidas pelos mais diferentes canais como a televisão, o cinema, a imprensa, o rádio, o telefone, o telégrafo, os cartazes de propaganda, os desenhos, a música e tantos outros (PRETI, 2000, p. 12).

Independentemente de quais sejam os canais, a língua desempenhará um

papel de grande relevância, tanto na forma oral, quanto na forma escrita. Essa

dinâmica cria (ou recria) novas maneiras de comunicar-se com o mundo.

Consequentemente, a sociedade só existirá, caso a língua exista (PRETI, 2000),

pois esta é a manifestação da vida em sociedade.

O reconhecimento da importância da linguagem na vida social e mesmo a

atribuição de “poder” que lhe é conferida, têm levado desde cedo, muitos estudiosos

a fazerem observações e pesquisas acerca da língua, o que de alguma forma

contribuiu para o surgimento de algumas teorias linguísticas, tais como o

Estruturalismo, o Gerativismo, a Linguística do texto, a Sociolinguística, a

Dialetologia, além das teorias enunciativas, a saber: Análise do discurso e da

Conversação e a Pragmática.

Entender o processo da linguagem e de como ela age no mundo, é

necessário também que compreendamos esse universo que caracteriza o papel

social, o como e quando ela age no contexto das esferas humanas. Por isso, a

linguagem, sobretudo na prática de escrita, tem o papel de inserir o sujeito numa

determinada esfera social, de modo a torná-lo um sujeito de ação nas atividades

discursivas ali existentes. O sujeito da atividade discursiva é o sujeito da língua em

funcionamento, que em diferentes perspectivas, atua socialmente por meio de uma

linguagem em forma de enunciados.

No capítulo 5, „Língua, fala e enunciação‟, de Marxismo e Filosofia da

Linguagem, Bakhtin (2006/1981) nos apresenta uma reflexão acerca da língua

enquanto um sistema, cuja posição se define a partir das condições em que ocorrem

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os processos de interação. O autor, inicialmente se posiciona acerca da seguinte

questão: em que medida um sistema de normas imutáveis – isto é, sistema de

línguas, conforma-se com a realidade? Respondendo a esse questionamento, o

autor afirma que “nenhum dos representantes do objetivismo abstrato confere ao

sistema linguístico, um caráter de realidade eterna” (BAKHTIN, 2006, p. 83). Desse

modo, a língua se constitui a partir de regras criadas e recriadas pelos usuários num

determinado tempo e espaço.

O caráter social da língua permite de alguma forma, estabelecer hipóteses

para o seu funcionamento na fala e na construção dos enunciados. Enunciados que

nos colocam no mundo em posição de locutor e interlocutor, capazes de fazer e

refazer o próprio dizer quando estamos numa relação de interação com o outro.

Para o autor, é a partir do ponto de vista da consciência individual que a

língua se apresenta como sistema de normas rígidas e imutáveis.

Na verdade, se fizermos abstração da consciência individual subjetiva e lançarmos sobre a língua, um olhar verdadeiramente objetivo, um olhar, digamos oblíquo, ou melhor, de cima, não encontraremos nenhum indício de um sistema de normas imutáveis (BAKHTIN, 2006, p.83)

Esse olhar sobre a imutabilidade da língua enfatiza o seu caráter

multifacetado. A língua é esse sistema que evolui de acordo com as necessidades

dos indivíduos que a utilizam. Observá-la sob diferentes aspectos, constitui a base

para compreendermos sua construção passa notoriamente por dois campos: o

sincrônico e o diacrônico, visto o seu processo dinâmico.

Bakhtin (2006, p. 84) acentua que de um ponto de vista objetivo, o sistema

sincrônico não corresponde a nenhum momento efetivo do processo de evolução da

língua, uma vez que “o sistema sincrônico da língua só existe do ponto de vista de

consciência subjetiva do locutor de uma dada comunidade linguística num dado

momento da história”.

O sistema linguístico passa por transformações, pois está inserido na própria

constituição do ser humano. Obviamente, todas as questões a que se refere o

processo evolutivo da língua são relacionadas com a “consciência subjetiva dos

indivíduos que participam da coletividade regida por normas que formam esse

sistema” (BAKHTIN, 2006, p. 84). Essas normas, conforme o autor, variam de

acordo com o grau de coerção que exercem, pela extensão de sua escala social e

pelo grau de significação social.

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Essa língua que descrevemos, a partir de uma posição objetiva e/ou subjetiva

difere também, pela sequência de sua relação com a consciência individual, pois

quando falamos de língua no âmbito do enunciado, nos reportamos ao que o sujeito

enuncia e como enuncia.

Conforme Bakhtin (2006, p. 84), “dizer que a língua, como sistema de normas

imitáveis e incontestáveis, possui uma existência objetiva é cometer um erro. ” Isto

porque, segundo o autor, exprime-se uma relação perfeitamente objetiva quando se

diz que a língua constitui relativamente à consciência individual, um sistema de

normas imutáveis, considerando que este é o modo de existência da língua para

todo membro de uma dada comunidade linguística.

A compreensão do funcionamento da língua num sistema mais abstrato cria

de certa forma, uma possibilidade de adequar à concepção de língua e de sujeito

como essenciais para explicar nossa tomada de posição com relação ao que

significa a língua num sistema tão heterogêneo como é a construção de um

enunciado em determinadas situações da comunicação. Nesse sentido, a questão

suscitada por Bakhtin (2006, p. 85) acerca do que o objetivo abstrato captou com

relação ponto de vista da consciência subjetiva do locutor ao que ele respondeu

negativamente, considerando que o sistema “é uma mera abstração, produzida com

dificuldade por procedimentos cognitivos determinados”.

Enunciados que se produzem e/ou que se reproduzem são assim, reflexos da

própria história dos enunciadores e de suas posições na esfera social na qual estão

inseridos. Acreditamos que a posição de Bakhtin não encerra a discussão sobre o

papel da língua enquanto objeto de interação social, porque na medida em que nos

inserimos num grupo, novas formas de interação também se modificam, tendo em

vista a dinamicidade do processo de interação.

Concordamos com Bakhtin (2006), quando afirma que o locutor se serve da

língua para suas necessidades enunciativas concretas (para o locutor, a construção

da língua está orientada no sentido de enunciação da fala). Essa construção diz

respeito à forma, pois ele utiliza a língua na sua atividade mais concreta. Para ele (o

locutor) o que importa é a figuração da forma linguística num determinado contexto.

Língua e enunciação no sentido da interação constituem a base para a

consciência linguística do sujeito no contexto social. “A consciência linguística e dos

sujeitos falantes não tem o que fazer com a forma linguística enquanto tal, nem

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como a própria língua como tal” (BAKHTIN, 2006, p. 96). A forma como essa língua

age socialmente produz um efeito social entre os indivíduos, isto por que:

Não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial (BAKHTIN, 2006, p. 96).

A consciência linguística estabelece os princípios de entendimento a partir

dos quais podemos reagir quando algo nos é dito e as reações que sentimos diante

determinados enunciados. Segundo Bakhtin (2006, p. 89), “a língua não no seu uso

prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida”.

No que concerne à vida, as palavras são feitas para serem compreendidas. A

consciência do falante estabelece uma relação com o seu cognitivo, porque há uma

relação de verdade entre o que se enuncia e o que se pretende alcançar em termos

de interação, uma vez que “toda enunciação, mesmo na forma mobilizada da escrita,

é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um elo da

cadeia dos atos de fala” (BAKHTIN, 2006, p. 99). Construímos enunciados à medida

que nos projetamos no mundo social e no mundo da língua.

Essa língua, que na sua forma mais elementar cria uma cadeia de ações

sociais, por meio das quais a comunicação concretiza os conflitos e as discussões

que significam o mundo e o sujeito. Somos conduzidos por nossos enunciados, que

surgem a partir de uma inscrição em determinadas situações do mundo social.

Conforme Bakhtin (2006, p. 99) “cada inscrição constitui uma parte inalienável da

ciência ou na literatura ou da vida política”. Por isso, conta com as reações

compreensivas em determinados contextos.

A língua é vista, por um lado, como sendo provida de uma dimensão

imanente, aquela própria do sistema autônomo, como um conjunto de recursos

disponíveis, que pode ser ativada pelos falantes quando estes precisarem. Em

contrapartida, ela também comporta a dimensão do sistema em uso, que é preso a

realidade histórico-social da sociedade, designando, assim, uma língua que, mesmo

na condição de sistema, continua fazendo-se, construindo-se.

Pela dimensão do sistema em uso, a língua perde a condição de sistema de

signos, além de deixar de ser um conjunto de regras ou de frases gramaticais, para

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definir-se como um fenômeno social, como uma prática de atuação interativa,

dependente da cultura de seus usuários.

A linguagem é o suporte e a mediação pela qual tudo passa de um indivíduo a

outro, de uma a outra geração. É o meio pelo qual se criam e se instauram os

valores que dão sentido a todas as coisas, inclusive o próprio homem. Não se pode

reduzir a linguagem ao falar certo ou errado. A interação na e pela linguagem pode

instituir uma relação de autonomia entre os sujeitos, pois essa característica de

comunicar-se usando várias linguagens é única e exclusiva do ser humano.

Conforme Benveniste ([1966]1989, p. 222), “a linguagem significa, que é o seu

caráter primordial, sua vocação original que transcende e explica todas as funções

que ela assegura no meio humano”.

Por seu caráter dialógico, a linguagem nos torna capazes de agir socialmente,

porque das muitas funções que exerce, uma delas torna-se essencial para

concretizar esse “significar”, pois como bem afirma Benveniste ([1966]1989, p. 222),

“a linguagem bem antes de servir para comunicar, ela serve para viver”, e viver em

diferentes contextos, em situações também diversificadas, para significar e situar o

sujeito, enquanto produtor de um enunciado com uma linguagem própria, específica.

Essa linguagem que significa nos é apresentada de diferentes formas.

Formas que são determinadas também, pelas condições de quem produz ou de

como produz uma linguagem, que dependendo da situação na qual está inserida,

gera sentidos diversos. Concordamos com Benveniste ao postular que falar da

linguagem numa perspectiva de significado, não é atribuir qualquer significado ao

que se diz, uma vez que a significação não é qualquer coisa que lhe seja dado como

acréscimo. A linguagem significa, porque ela significa o mundo, mais

especificamente o mundo textual, repleto de discursos prontos para serem

interpretados, por meio de uma leitura, de uma escrita, de uma reescrita.

Para falarmos desses significados, desses sentidos, nos guiaremos por uma

aventura mais significativa, menos complexa, mas com uma carga semântica que

ultrapassa a fronteira da palavra e da frase e que nas mais diversas construções,

nos permite apreender uma série de fatores que incidem sobre o ato de dizer,

quando nos propomos a participar da discussão acerca do que pode ser definido

como texto para contemplar uma proposta de trabalho que envolve a linguagem na

sua forma mais simples, a linguagem do texto escrito.

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Que sentidos são atribuídos ao texto enquanto unidade sociocomunicativa e,

de que forma podemos falar de texto, numa definição que abarque a formação

discursiva e/ou a competência comunicativa de um falante no processo de aquisição

da linguagem? As fronteiras existentes nos diversos conceitos não serão abordadas,

entretanto, o texto como unidade de sentido constitui a base da seção, porque

inicialmente o nosso conceito de texto está inserido no fato de o texto ser esse

artefato linguístico onde os sentidos são (re) construídos, por meio de vozes que se

cruzam, numa cadeia interminável de significados que se alternam.

O texto para nós, é essa possibilidade de ação e agir no mundo, a partir de

um enunciado único, com sentidos múltiplos, perceptíveis no falar, no ler e no ouvir.

Portanto, falar do texto, enquanto unidade de sentido significa criar possibilidades de

compreender como o trabalho com ele pode ser um diferencial no processo de

ensino e aprendizagem.

1.1 O texto como unidade dotada de sentido

Apresentar e/ou discutir conceitos de textos, representa um grande desafio

para um trabalho, cujo tema está voltado para a identificação de marcas de autoria

em textos produzidos por escolares que estão nas etapas finais do Ensino

Fundamental, e, portanto, devem ter desenvolvido competências discursivas no

trabalho com o texto. Ao definirmos um objeto de estudo nos deparamos com

inúmeros conceitos e esses conceitos podem nos situar no que concerne ao

desenvolvimento do que objetivamos construir ao longo de nossa exposição.

Nessa seção, pretendemos apresentar alguns conceitos de textos,

escolhidos a partir de uma literatura mais acessível, tendo em vista que as

pesquisas e as diversas concepções de textos são inúmeras e diversificadas. Por

isso, nos nortearemos por conceitos que atendam ao que pretendemos analisar.

Sabe-se que a comunicação linguística (e a produção discursiva em geral)

não se dá em unidades isoladas, tais como fonemas, morfemas ou palavras soltas,

mas em unidades maiores, ou seja, por textos (MARCUSCHI, 2008). Portanto, é no

texto e por meio dele, que há o processo da interação. Conforme Marcuschi (2008,

p. 72), “o texto é o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras são em geral

definidas por seus vínculos com o mundo no qual ele surge e funciona”. O texto é

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assim, um fenômeno que ultrapassa o nível da palavra e da frase, e muitas vezes,

define a posição do sujeito no mundo social discursivo.

Adotar determinado conceito de texto é algo muito complexo, tendo em vista

a multiplicidade de interpretações possíveis para os vários conceitos existentes.

Conforme Custódio Filho (2011, p. 57), “o conceito é o ponto focal que indica, ao

mesmo tempo, de onde se parte e o que respalda as constatações a que se quer

chegar”. Ou seja, a partir das definições podemos vislumbrar o que de fato,

podemos enxergar com relação ao nosso objeto de estudo.

Concordamos com o autor quando enfatiza o fato de que se por um lado é

difícil estabelecer uma definição exclusiva de texto e que seja suficientemente

completa, por outro lado, é possível perceber recorrências nas definições comuns, o

que nos permite uma compreensão maior da incidência de termos que permeiam os

diversos conceitos no panorama atual dos estudos. Termos como “interação”,

“prática”, “propósito”, “intenção”, “coerência”, “conhecimento” e “contexto”, segundo

Custódio Filho (2011), são expressões que aparecem nas mais diversas definições

de texto, o que de alguma forma, nos faz compreender que o texto funciona a partir

do “quê” e de “como” dizemos algo ao mundo físico, pois como afirma Marcuschi

(2008), o texto é uma (re)construção do mundo e não uma simples refração, isto é,

nos comunicamos e representamos no mundo por meio de textos, sejam verbais e

não-verbais, tendo em vista que a linguagem é esse ir e vir que retrata o mundo

numa visão mais interativa.

Essa unidade comunicativa que chamamos de texto, discursivamente se

amplia à medida que o sujeito insere uma forma nova de se representar no mundo.

Por seu caráter dialógico, a linguagem no texto o torna dinâmico e, portanto,

suscetível de transformações, seja no sentido, seja na forma.

Como afirma Marcuschi (2008), por ser tido como um tecido estruturado,

uma entidade significativa, uma entidade de comunicação e um artefato sócio

histórico, o texto é esse construir ininterrupto de sentidos, que agem culturalmente

de acordo com as condições em que são produzidos e das concepções de língua

que adotamos quando nos referimos ao sujeito, enquanto produtor da linguagem

num determinado texto e num determinado contexto.

Conforme Beaugrand (1997, p. 10) apud Marcuschi (2008, p. 72), “o texto é

um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas”.

Essa definição segundo Marcuschi (2008) envolve uma perspectiva de tudo o que se

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pode tratar com relação à produção textual numa perspectiva, também sócio

discursiva. Entendemos que essa perspectiva discursiva, diz respeito a todo um

processo de interação da ordem do sujeito e da forma como esse sujeito se coloca

no mundo social discursivo.

No contexto interacional, percebemos que um texto é tecido de muitas

possibilidades. Ele não está pronto, porque o seu sentido é construído pelo leitor na

medida em que estabelece uma relação interlocutiva no enunciado que formou um

texto. Um texto é construído com uma determinada função comunicativa, e essa

função diz respeito a um dos aspectos essenciais para a construção de sentido: o

aspecto interacional. Dessa forma, se concebermos o texto sob este aspecto,

compreenderemos que ele é mais que um espaço passível de regras, é um lugar

onde os sentidos são construídos.

Sabemos agora que um texto não é feito de uma linha de palavras a produzir um sentido único, de certa maneira teológica (que seria a “mensagem” do autor-deus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de citações, oriundos de mil focos da cultura (BARTHES, 2004, p. 62).

E como um tecido de citações, produz diferentes efeitos no produtor e no

leitor. Estes efeitos são relacionados com os acontecimentos inerentes à cultura de

quem produziu o texto. Porque esse texto, que hoje conceituamos a partir de uma

situação interativa, na fase inicial das pesquisas, denominada a fase transfrástica,

conforme Koch (2011, p. 23):

[...] era conceituado como uma sequência ou combinação de frases, cuja unidade e coerência seria obtida através da reiteração dos mesmos referentes ou do uso de elementos de relação entre segmentos maiores ou menores do texto.

Nesse contexto, tínhamos um conceito de texto que em nenhuma hipótese

considerava a situação comunicativa, o que de certa forma, distanciava a relação

sujeito discursivo, ou seja, se o contexto comunicativo não era considerado, o papel

do interlocutor era nulo, o que importava era a ação, desconsiderando-se a reação.

Texto e contexto não se cruzavam, tendo em vista o caráter exclusivista da noção de

texto, como estrutura linguística realizada sem a participação de sujeitos ativos.

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Concordamos com a afirmação de Koch (2011), quando ressalta que o

sentido de um texto, qualquer que seja a situação comunicativa, não depende

somente da estrutura textual em si mesma (daí a metáfora do texto com um iceberg).

O que está implícito no texto é o que pode muitas vezes, fazer sentido, uma vez que

o texto apresenta segredos que precisam ser desvendados (KOCH, 2011). Isto

porque o produtor do texto sempre supõe por parte do leitor uma possível

compreensão acerca do que foi produzido. Essa produção de sentido, diz respeito à

unidade significativa que é o texto.

Para a construção desse sentido, faz-se necessário um percurso teórico

acerca das noções de texto, como uma rede de conexões que permitem ao próprio

texto uma definição mais interativa, tendo em vista o caráter coercitivo dos conceitos

existentes, uma vez que o texto, assim como a língua, é heterogêneo no que

concerne à sua constituição e ao seu dizer.

O texto que fala é um texto que retrata a realidade, como afirma Marcuschi

(2008, p. 72): “o texto refrata o mundo na medida em que o reordena e reconstrói”.

Ou seja, nos comunicamos por meio de textos que representam a nossa

competência comunicativa e a forma como escolhemos nos representar

textualmente demonstra também, a nossa competência discursiva.

Falar de competência discursiva é enfatizar também, a competência

sociocomunicativa dos falantes/ouvintes, que de acordo com Koch (2011, p. 53),

“leva-os à detecção do que é adequado ou inadequado em cada uma das práticas

sociais”. Assim, o trabalho e a identificação dos diferentes gêneros que circulam

socialmente podem ser a base para um ensino, cujos objetivos maiores dizem

respeito ao desenvolvimento de habilidades e competências do aluno para exercer

um papel social relevante, não como mero coadjuvante, mas como um ser que age e

transforma de forma consciente, a própria história.

Na seção a seguir, faremos uma abordagem acerca dos gêneros e do

discurso, porque na sociedade em que mudanças formam e transformam

paradigmas, é necessário que a escola (re)veja suas ações e todas as

possibilidades de mudanças, sobretudo com relação à inserção de movimentos de

linguagem que façam a diferença nas práticas pedagógicas e no processo de ensino

e aprendizagem.

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1.2 Discurso e gêneros do discurso

O trabalho com o texto envolve diversos fatores que podem contribuir para

uma compreensão mais significativa do que ele representa no desenvolvimento das

práticas discursivas. Abordaremos a seguir, questões relacionadas aos gêneros do

discurso, tendo como suporte as discussões teóricas de Bakhtin ([1979] 2003) e

Marcuschi (2008). Priorizamos os aspectos relacionados aos gêneros do discurso,

porque entendemos a sua importância na inserção de diferentes textos nas

atividades de produção textual escrita nos ciclos finais do Ensino Fundamental.

Bakhtin ([1979] 2003) contribuiu de forma decisiva para o estudo dos gêneros,

sendo estes de grande relevância para as pesquisas e os estudos linguísticos. O

autor trouxe para a discussão, a importância dos gêneros do cotidiano que não

constituíam objeto de investigação dos linguistas, uma vez que os estudos sobre

gêneros tinham como referência os gêneros literários.

O autor relaciona o uso da linguagem com as atividades humanas e defende

ainda, que o caráter e a forma de uso dessa linguagem é multiforme. Nesse sentido,

os gêneros assumem um caráter infinito, tendo em vista que a cada dia ampliamos o

uso da linguagem para atender às nossas necessidades comunicativas, devido ao

surgimento quase que automático de novos gêneros no espaço virtual.

Desse modo, o autor enumera três elementos essenciais para a

caracterização dos gêneros: “conteúdo temático, estilo e construção composicional”.

Acrescenta ainda que:

Todos esses elementos - o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora tipos estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, [1979] 2003, p. 262).

O conceito de gêneros do discurso apresentado ressalta a relevância do

conteúdo (sobre o que se fala ou sobre o que se escreve), do estilo (como se fala ou

como se escreve) e da forma (como se materializa, quanto à estrutura física do texto

falado e do texto escrito). Ou seja, para dar forma a um texto, o produtor precisa

definir um conteúdo e usar de forma adequada um estilo do gênero discursivo

desejado e/ou solicitado.

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Conforme Bakhtin ([1979] 2003, p. 263), os gêneros se apresentam em dois

grupos: gêneros primários (simples), que se formam nas condições de comunicação

imediata e gêneros discursivos secundários (complexos), predominantes

principalmente, no meio artístico, científico e sociopolítico. Ressalta-se que, no

processo de formação de um gênero secundário, são incorporados e reproduzidos

diversos gêneros primários. Esses, por sua vez, “perdem o vínculo imediato com a

realidade concreta e os enunciados reais alheios”. Sendo assim, os gêneros

primários e secundários estão intrinsecamente ligados e, independentemente de sua

natureza, simples ou complexa, são diversificados, refletindo assim, o uso da

linguagem.

Segundo Bakhtin ([1979] 2003, p. 282), “nós falamos por diversos gêneros

sem suspeitar da sua existência”. No contexto escolar, percebemos a utilização

desses gêneros: os primários, nas conversas informais entre alunos, professores e

demais integrantes da escola; e os secundários nos eventos sociais que ocorrem

dentro da escola (palestras, planejamentos, reuniões pedagógicas, dentre outros).

Vale ressaltar que a escolha do gênero determina também a forma de organização

do nosso discurso, das escolhas lexicais, estruturas gramaticais e construção de

enunciados.

A discussão sobre gêneros proposta por Marcuschi (2008) envolve uma

análise do texto e do discurso considerando, dentre outros aspectos, aqueles de

caráter descritivo da língua, e também os de caráter socioculturais. O conceito de

gêneros defendido pelo autor diz que:

Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas sociais, institucionais e técnicas (MARCUSCHI, 2008, p. 155).

Marcuschi aborda variados temas com relação aos estudos dos gêneros,

estabelecendo teoricamente, a diferença entre tipo textual e gênero, a relação

oralidade e escrita, a influência da mídia e os suportes textuais. Entretanto, as

reflexões feitas pelo autor acerca dos gêneros e do ensino de Língua Portuguesa

são cruciais para que se compreenda que um ensino voltado para o

desenvolvimento das competências de escrita, que tenha como base a exploração

dos gêneros do discurso, pode ser o diferencial nas atividades de produção textual.

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Quanto às tipologias textuais, o trabalho com a produção textual em sala de

aula deve acontecer a partir de uma abordagem dos diversos gêneros que circulam

nas esferas sociais. As formas como os textos se apresentam constituem a base

para que o aluno, desde cedo, consiga escrever de forma autônoma, utilizando para

isso, todas as competências de leitura e escrita adquiridas ao longo de sua vida

escolar.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (1998) sugerem que o ensino

de produção textual, bem como o processo de compreensão dos textos, tenha como

referência os gêneros textuais. Do mesmo modo, Koch (2011, p. 56) enfatiza que “a

situação escolar apresenta uma particularidade: [...] nela o gênero deixa de ser uma

ferramenta de comunicação, passando a ser ao mesmo tempo, objeto de

ensino/aprendizagem”. Segundo Schneuwly & Dolz (2004) apud Koch (2011, p. 56)

há três maneiras de se abordar a produção textual na escola: 1) os gêneros são

“naturalizados”, sua forma não depende das práticas sociais, mas são vistos como

modelos socialmente valorizados de representação do real ou do pensamento; 2) as

ocasiões de produção de textos se multiplicam, na classe, entre classes, entre

escolas-texto livre, correspondência escolar, jornal da classe e murais. Os gêneros

são, portanto, resultado do próprio funcionamento da comunicação escolar; 3) nega-

se a escola como lugar particular de comunicação, ou seja, age-se como se

houvesse continuidade absoluta entre o exterior da escola e o seu interior.

Nessa perspectiva, o trabalho com a produção textual no universo escolar

passa a ser abordado sobre outro viés, isto porque, na grande maioria das

instituições, a concepção de gênero limita-se à produção de texto narrativo,

descritivo e dissertativo, desconsiderando que a produção textual deve ter como

referencial o grande número de gêneros que circulam socialmente.

Essa discussão que envolve o trabalho com os gêneros no universo escolar é

crucial para construirmos e definirmos um ponto de vista acerca do que

compreendemos enquanto texto, discurso e gêneros do discurso. O fato de

trabalharmos também com a produção de texto na escola nos impulsiona a defender

uma postura de que o texto como interação ou como atividade significativa, pode ser

o diferencial naquilo que a escola se propõe a desenvolver, quando decide fazer um

trabalho com base no que é sugerido nos PCNs, com relação ao processo de leitura

e da escrita.

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Porém, ainda vemos na sala de aula a predominância da tipologia narrativa

em relação às demais e pouca variação em relação aos gêneros que se podem

praticar em escrita e compreensão com os alunos. Uma das questões fundamentais

para entendermos a relação entre texto, discurso e gênero, é compreender como de

fato, os conceitos são imbricados e, portanto, podem ser percebidos numa cadeia de

enunciados, em uma determinada situação de interação social. Marcuschi (2008)

fala que não é interessante fazer uma distinção rígida entre texto e discurso,

considerando que a tendência é ver um contínuo entre ambos. A discussão proposta

por Marcuschi (2008) deixa claro que texto e discurso são atividades

complementares da atividade enunciativa. Ele ressalta que o discurso dar-se-ia no

plano do dizer (a enunciação) e o texto no plano da esquematização (a

configuração). E entre ambos está o gênero, como aquele que condiciona a

atividade enunciativa.

Essa relação que se estabelece entre texto, discurso e gênero, nos permite

perceber que no plano linguístico não há como definir as fronteiras que os separam,

uma vez que todas as ações da linguagem são permeadas por um discurso que se

materializa no texto e esse texto está inserido em um determinado gênero.

O surgimento automático de gêneros no espaço virtual amplia as

necessidades de uso da linguagem de forma diversificada, por isso, defendemos

uma concepção de texto que nos permita enxergar essa interação entre o texto, o

discurso e o gênero para compreendermos esse universo de sentidos

(re)construídos na cadeia discursiva que envolve o sujeito e a linguagem. Essa

linguagem representada por um enunciado efetivo. A cadeia discursiva tem início

naquilo que o sujeito se propõe no momento da enunciação.

Pode-se, no entanto, dizer que toda enunciação efetiva, seja qual for a sua forma, contém sempre, com maior ou menor nitidez, a indicação de um acordo ou de um desacordo com alguma coisa. Os contextos não estão simplesmente justapostos, como se fossem indiferentes uns aos outros; encontram-se numa situação de interação e de conflito tenso e ininterrupto (BAKHTIN, 2006, p. 109).

Contextos, interações sociais e discursivas fazem parte de todas as formas de

linguagem das quais o sujeito utiliza para se manter num determinado grupo social,

e isso só é possível porque há uma necessidade de inserção nos grupos, seja da

ordem do texto, seja da ordem do discurso. Apropriamo-nos muitas vezes, de um

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“dizer” que não é nosso, mas que faz parte do universo social no qual estamos

inseridos, por isso, nossa posição enquanto locutor e/ou interlocutor define também,

a nossa forma de ver o mundo e agir socialmente e linguisticamente.

Esse agir, diz respeito ao “como” construímos os nossos enunciados,

conforme nos diz Bakhtin (2006, p. 114): “a enunciação é o produto da interação de

dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor

real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual

pertence o locutor”.

Trazemos para nossa reflexão um conceito de discurso conforme Gallo

(1989), para a qual, o discurso se define como prática linguística de um sujeito em

determinadas condições de produções (sociais, políticas, históricas etc.). Conceito

que consideramos importante, tendo em vista que essas condições de produções

têm a ver com o que o produtor escolhe no momento de realizar uma atividade de

escrita. A autora faz uma importante abordagem acerca do discurso e do texto,

enfatizando que o texto é considerado como o produto de um discurso. E esse

discurso dialoga com todas as possibilidades de utilização da linguagem no âmbito

da produção textual.

Entendemos que a relação entre discurso e gênero diz respeito a toda uma

gama de atividades linguísticas que envolve o sujeito, quando este se apropria da

linguagem, tendo em vista que há infinitas formas de usos na interação do sujeito

com o texto no ato do dizer. Texto que significa e que conduz o ato da enunciação e

do discurso por meio dos inúmeros gêneros que circulam no mundo físico e virtual.

Definimos um objeto de estudo a partir de um diálogo com diversas teorias,

porque embora nos reportemos ao texto, como fazê-lo, sem entendermos que a

materialidade linguística está relacionada ao que é construído na consciência, nas

necessidades de concretização dos atos enunciados num determinado momento e

numa situação específica? A partir de uma possibilidade de integração entre objetos

de estudos diferentes, mas que caminham numa mesma direção faremos uma

pequena abordagem reflexiva acerca do texto e do discurso, porque consideramos

fundamental esse diálogo.

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1.3 Um diálogo necessário: texto e discurso

Considerar o texto como unidade de sentido, pode ser fundamental para

compreendermos a dimensão de uma abordagem quando a proposta maior é

analisar textos escritos, considerando que esses textos não são produzidos no

vazio. Há sujeitos envolvidos, com histórias de vida, com uma posição específica

acerca do seu papel na história da sociedade, por isso, devemos manter um diálogo,

com o que escrevemos (o texto) e com aquilo que intencionamos com o que

escrevemos (o discurso).

Iniciamos com um conceito de texto proposto por Costa Val (2006, p. 03), para

quem “a noção de texto é utilizada para definir a concepção de textualidade”. O

texto se caracteriza por ser uma ocorrência linguística “dotada de unidade

sociocomunicativa semântica e formal”, isto é, o que queremos dizer via texto tem a

ver com a nossa necessidade de nos representarmos no mundo e assim, enunciar

as nossas ideias, o nosso pensar. E assim, o fazemos de forma discursiva.

O discurso é então, essa formalização do nosso dizer, é esse sentido

multiplicado de muitas palavras e frases, formando uma sentença maior, que não é

definida pela extensão, mas pela carga semântica textual. “Toda palavra é sempre

parte de um discurso. E todo discurso se delineia é na relação com outros dizeres

presentes e dizeres que se alojam na memória” (ORLANDI, 2013, p. 43). Essa forma

de discurso só é possível pelo viés do texto, porque nos comunicamos por meio de

textos, ora verbais, ora não-verbais.

Como afirma Orlandi (2013, p. 70), “compreender como um texto funciona,

como ele produz sentidos, é compreendê-lo enquanto objeto linguístico-histórico, é

explicitar como ele realiza a discursividade que o constitui”. Sendo assim, não

podemos falar de texto sem fazermos essa relação entre texto e discurso, sobretudo

no nosso trabalho, tendo em vista que adotaremos o conceito de texto, que a nosso

ver, abarca um pouco de todas as reflexões feitas acerca da linguagem no texto, no

discurso e nos gêneros:

O texto é a unidade de análise afetada pelas condições de produção e é também o lugar da relação com a representação da linguagem: som, letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho. Mas é também, e, sobretudo, espaço significante: lugar de jogo de sentidos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade. Como todo objeto simbólico, ele é objeto de interpretação (ORLANDI, 2013, p. 72).

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Com essa definição, acreditamos que a linguagem é esse construir simbólico

entre o texto e o discurso, pois embora objetos de visões diversificadas, não há

como diferenciá-los, se o que pretendemos analisar é um “dizer” que é materializado

no texto. Texto esse, que sofre mutações positivas em todos os tempos,

principalmente devido, ao caráter dialógico da linguagem no processo de interação

social. Enfatizamos que o conceito de texto que embasará o nosso trabalho,

apresenta essa multiplicidade de sentidos que defenderemos nas análises, ou seja,

texto e discurso não possuem distinção rígida tal como se propõem em algumas

linhas da Análise do discurso quando falam desses dois termos. Ao contrário, são

entendidos como faces interdependentes.

Listamos esse conceito proposto por Orlandi, por entendermos que há muitos

pontos convergentes com a concepção interacional proposta por Koch (2004, p. 32-

33), na qual ela diz que:

Na concepção interacional (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, sujeitos ativos que - dialogicamente - nele se constroem e por ele são construídos. A produção de linguagem constitui atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos que se realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer não apenas a mobilização de um vasto conjunto de saberes (enciclopédia), mas a sua reconstrução e a dos próprios sujeitos - no momento da interação verbal (grifos da autora).

O conjunto de saberes, as práticas sociais, a importância das interações via

texto embutidos no conceito de Koch, nos possibilita enxergar essa relação possível

entre um conceito de texto proposto pela AD e um conceito proposto pela LT.

Entretanto, o nosso objetivo não é discutir a viabilidade ou se é correto ou não usá-

los, mas direcionar o nosso olhar para descobrir que há possibilidades de

trabalharmos de fato com a heterogeneidade da língua e do discurso.

No capítulo a seguir, trataremos da escrita como processo de interação a

partir de uma abordagem interacionista entre a linguagem como prática social e sua

relação com os processos de interlocução.

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CAPÍTULO II

PRODUÇÃO DE TEXTO E ENSINO

2 A ESCRITA COMO PROCESSO DE INTERAÇÃO

A formação de alunos produtores de textos é um processo lento e contínuo.

De acordo com Cavalcanti (2010), a concepção de escrita como um “dom” foi

alimentada durante muito tempo por alguns escritores no campo literário, o que, de

certa forma, afasta a maioria daqueles que acreditam não terem sido agraciados

com o dom iluminado da mágica da escrita. Para a autora, a escola, que é a

instituição responsável para ensino da escrita, durante muito tempo pouco contribuiu

para o desenvolvimento da competência textual do aluno, no que diz respeito a uma

prática de escrita mais contextualizada, e que envolvesse de fato as competências

de escrita necessárias para que que este aluno fosse de fato inserido no processo

de escrita e apresentasse a sua competência textual.

Entendemos essa competência textual como a capacidade de o aluno

demonstrar, nas inúmeras situações de interação social, um desenvolvimento e

domínio oral e escrito, quanto ao uso das práticas de linguagem, adequando essas

modalidades aos diferentes enunciados e aos processos de interação; sendo assim,

é imprescindível que, na escola sejam oportunizadas condições e atividades de

ensino que possibilitem o seu desenvolvimento e aplicação.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (1998, p. 75), “ao

produzir um texto, o autor precisa coordenar uma série de aspectos; o que dizer, a

quem dizer, e como dizer”. Esse „dizer‟ consiste num processo de interação

discursiva entre o locutor e o interlocutor, porque escrever é uma prática que requer

do sujeito uma participação ativa nos diferentes aspectos da construção do texto, o

que significa que ao produzir um texto, o interlocutor atua sobre os fatos de

linguagem produzindo sentidos para outro sujeito, o leitor, que também produzirá

sentidos, a partir do material textual-discursivo que dispõe, atuando também, sobre

ele, identificando elementos expressos em sua materialidade e inferíveis, a partir

dela, entremeando-os para uma construção de sentidos; por isso, produz sentidos

para quem escreve como para aquele que lê.

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Nesse sentido, a escrita é um processo de interação. Geraldi (1997) afirma

que as relações interlocutoras que se empreendem em sala de aula não atendem ao

processo de interação ao que o texto se propõe. Isso pode ser justificado com a

prática que é notada comumente em algumas salas de aula: o que é proposto como

produção textual escrita são atividades para a atribuição de uma nota ou para

preencher o tempo que sobra da aula de “português”; quando não, absurdamente

aplicada como uma repreenda a algum comportamento ou “falha”, “ausência”, pelo

fato de o aluno ter “fugido de” alguma regra escolar, seja no cumprimento de uma

tarefa, seja no desvio de um comportamento adequado ao convívio entre seus

pares.

No sentido de tornar a prática de produção textual uma ação constante e

significativa, com objetivos reconhecidos na vida escolar do aluno, diversos projetos

educativos, oriundos, inclusive, de políticas governamentais1, têm sido implantados,

objetivando uma maior inserção das necessidades de desenvolvimento das

habilidades e capacidades das competências desse aluno.

Nas escolas públicas estaduais, projetos inovadores têm dado um novo rumo

ao processo de ensino, tendo em vista o incentivo a bolsas de estudos e programas

como o Mais Educação2 e o ProEMi3, no caso do ensino médio, que contemplam

atividades de inserção dos alunos em atividades extracurriculares, como tentativas

de melhorar o desempenho, sobretudo, no que se refere às práticas de leitura e

produção textual.

Alguns sistemas brasileiros de avaliação, como a Olimpíada de Língua

Portuguesa, que acontece anualmente, direcionada para os alunos das escolas

públicas, nos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio; e também o

1 Mais informações, disponível em: < http://portal.mec.gov.br/ >.

2 Mais Educação: Programa criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo

Decreto 7.083/10. Constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para a inclusão da

construção da agenda de educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a

jornada escolar nas escolas públicas, para no mínimo 7 horas diárias por meio de atividades optativas

nos macrocampos: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; direitos

humanos em educação, cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso das

mídias; investigação no campo das ciências da natureza e educação econômica.

3 O ProEmi tem como objetivo apoiar e fortalecer o desenvolvimento de propostas curriculares

inovadoras nas escolas de ensino médio, ampliando o tempo dos estudantes nas escolas e buscando

Garantir a formação integral com a inserção de atividades que tornem o currículo mais dinâmico,

atendendo também às expectativas dos estudantes do Ensino Médio e às demandas da sociedade

contemporânea.

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SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), desenvolvido para identificar os

problemas e as diferenças regionais do ensino, resguardados pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN‟s), indicam que é nas séries finais do Ensino

Fundamental que os alunos devem ter desenvolvido habilidades e competências de

leitura e escrita. Portanto, acreditamos que essas habilidades e competências

podem ser observadas nas diferentes formas como o aluno constrói um texto e

como através dele consegue se marcar enquanto um produtor que sabe o que fala,

como fala e para quem fala. Apesar dessas avaliações, o retorno em relação aos

índices de rendimento do aluno não se aproxima muito da realidade no ensino da

escrita na escola. Muito pouco se faz para modificá-la, cabendo ao professor seguir

solitário para atender às exigências de uma educação com qualidade, em que a

leitura e a escrita sejam prioridades.

Pesquisas realizadas em escolas brasileiras, que têm o foco voltado para

questões referentes à leitura e à escrita, como o Sistema de Avaliação da Educação

Básica (SAEB), a Prova Brasil e as Olimpíadas de Língua Portuguesa, as quais

subsidiam o cálculo do Índice da Educação Básica (IDEB), mostram que avanços

significativos têm ocorrido, tanto nos anos iniciais, quanto nos anos finais do Ensino

Fundamental, apesar de termos, ainda, problemas com evasões, repetência e uma

taxa de analfabetismo crescente em alguns estados. De acordo com os resultados

do IDEB, divulgados no último dia cinco de setembro de 2014, houve um avanço nas

séries iniciais e nas séries finais do Ensino Fundamental.

O Piauí superou as metas propostas pelo Ministério da Educação (MEC) para

serem alcançadas em 2013 no ciclo inicial do Ensino Fundamental (de 4º ao 5º ano)

e no ensino médio, igualando a meta do ciclo final do Ensino Fundamental (8º ao 9º

ano).

De acordo com os dados do IDEB (2014), a rede estadual do Ensino

Fundamental II (8º e 9º ano), obteve a nota 3.6 igualando a meta estabelecida (3.6).

No Ensino Fundamental I (4º e 5º ano), a pontuação foi 4.1, alcançando o mesmo

resultado do ano passado, acima da média projetada que é de 3.7. Com relação ao

Ensino Médio, houve um pequeno avanço - 3.0 -, ficando dois décimos acima da

média projetada, que é de 2.8. (Os dados são do Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica (IDEB), divulgados pelo Ministério da Educação (MEC, 2014).

Os dados acima demonstram um pequeno avanço em relação ao processo de

ensino e aprendizagem, sobretudo, no que concerne às tentativas de um trabalho

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ativo na sala de aula, voltado para novos enfoques metodológicos nos aspectos de

leitura e escrita, embora as condições para a concretização desse ensino ainda seja

um longo caminho a ser percorrido.

2.1 Usos de linguagem e escrita

As orientações propostas nos PCNs recomendam que a escola tenha

condições necessárias para que o aluno possa aprender de forma significativa,

principalmente, no caso das atividades de produções textuais, tanto orais quanto

escritas, considerando seu contexto sociocultural e as práticas interativas nas quais

ele se envolve, de modo que o ensino escolar possa atender aos objetivos voltados

para a sua formação enquanto cidadão e que ele possa se posicionar criticamente e

ampliar sua competência comunicativa, o que, certamente, terá reflexo na

construção de seus textos e no posicionamento como sujeito inserido em um

contexto e atuando sobre ele.

Enfim, considerar o papel do aluno como sujeito/produtor e as formas como

produz o seu texto não tem sido o objetivo das aulas dedicadas às produções

textuais escritas. Será mais adequado afirmar que, é mais comum, aulas de redação

acontecerem e continuar sendo realizadas quase sem objetivos definidos. Nessa

perspectiva, fazemos a distinção entre o aluno escrever para a escola, no sentido

de escrever para o professor verificar se ele aprendeu o universo da escrita por ele

ensinado, o que rompe a linha dialógica locutor-interlocutor na concepção interativa

da produção; e não produzir na escola, com o sentido de ver no professor um leitor,

logo, coautor para o seu texto, dialogar com ele e apresentar suas ideias,

considerando-o um possível leitor, dentre tantos outros (GERALDI, 1993).

No primeiro momento, escrevendo o texto para a escola, o aluno escreve a

redação escolar; a preposição “para” já assinala uma ideia de destino, o professor é

simplesmente seu destinatário, a quem entrega mais uma tarefa. E, no segundo

momento, escrevendo o texto na escola, o aluno produz seu texto para leitores

diversos, coautores, é o locutor em dado contexto de produção compartilhando

ideias, interagindo com seu leitor; a projeção de um contexto, localização e a

possibilidade de interação, pertença a, pode ser marcada na preposição “a”.

No contexto de sala de aula, no caso de uma produção sem a determinação

de um professor, ou até mesmo com a indicação do tipo de texto, são muitos

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caminhos para acompanhar o processo de organização de uma materialização do

dizer pelo aluno: a estrutura composicional do texto, o estilo, a adequação do

registro de linguagem a (re)nomeação de elementos textuais-discursivos, o emprego

de elementos dêiticos, etc. Essas escolhas evidenciam um processamento que

demonstra uma ação criativa com e sobre a linguagem e não ao “sopro divino”,

associado ao potencial criativo do sujeito, como diz Minayo (1994, p. 16), mas como

um acaso de ideias surgidas para preencher horários vazios.

As dificuldades de produção textual escrita, as condições sociais e

pragmáticas em que esses textos são produzidos induzem-nos ao entendimento de

que, no dia a dia em sala de aula, o aluno tem pouco espaço como interlocutor ou,

então, tem em si um modelo de diálogo escolar no qual ele não se vê manifestando

suas ideias.

Esse sujeito que se expressa produzindo textos, seleciona ideias, fatos,

constrói um discurso, e a escola precisa permitir o espaço para a voz desse sujeito

que, às vezes, não se manifesta porque se considera acuado para “escrever”, tem

receio de “escrever errado”, “não sabe usar as palavras certas”, “tem receio de a

professora rir do seu texto”, “não consegue escrever muitas linhas, ou número de

linhas estabelecido”. O que, certamente, não ocorreria e não viria a ser um problema

se, desde as séries iniciais, os alunos tivessem a prática da escrita com as

orientações e as condições necessárias para o desenvolvimento com autonomia.

Sobre essa afinidade com as práticas de linguagem e consequentemente

uma prática de escrita, Cavalcanti (2010) ressalta a importância do momento em que

o produtor avalia o texto produzido, momento em que o escrevente ocupa a posição

de leitor. Ou seja, a formação do sujeito, enquanto produtor de texto está associada

à forma como é conduzida a prática de escrita nas diferentes instâncias de ensino. É

fundamental considerar que distância que se estabelece entre os reais objetivos da

escrita e a forma como ela ocorre no contexto escolar podem ser minimizadas a

partir de uma prática mais voltada para a valorização daquilo que o aluno escreve.

A formação do sujeito produtor passa por um processo de adequação às

regras, de descobertas das convenções e coerções impostas pelo mundo letrado

(CARVALHO, 2002). Dito de outro modo, para que os alunos se tornem sujeitos

escritores e produtores, no sentido de uma escrita autônoma, com relação à

construção de sentidos, é necessário conhecer a escrita, o compromisso de ensino

da escola e o trabalho de criatividade a partir dela. Com isso, será desenvolvida a

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produção numa perspectiva interativa, considerando os níveis de conhecimento do

aluno e sua memória social, de modo que se reconheça no seu texto uma relação de

afinidade com as práticas de linguagem e sentidos em construção, adequando-se a

interações.

Conduzir a aprendizagem a partir do processo de produção textual é uma

forma de sair da passividade no ensino da escrita, quebrando os ciclos de

dificuldades que temos vivido, e motivar nossos alunos a desenvolverem a escrita

comunicativa.

Considero a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua. [...] sobretudo, é porque no texto que a língua-objeto de estudos- se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação [...] (GERALDI, 1997, p. 135).

O ensino de Língua Portuguesa no que concerne às práticas de produção

textual no âmbito da sala de aula ganha contribuições teóricas e metodológicas com

as teorias do texto e do discurso, descritos, por exemplo, na redação dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). As reflexões atuais da Linguística

Textual, também contribuem de modo relevante para o ensino, porque veem o texto

ultrapassando limites da frase, considerando o sujeito e a situação de comunicação

indissociáveis, segundo Koch (2005).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), portanto, sugerem que o

ensino de produção textual, assim como o processo de compreensão dos textos,

seja feito a partir dos gêneros textuais. Para Koch (2014, p. 31), “a escrita é um

trabalho no qual o sujeito tem algo a dizer e o faz sempre em relação a um outro

com um certo propósito”, o qual se organiza em enunciados e gêneros, que

conforme Bakhtin (2003), são eventos textuais criados a partir das necessidades

sociais e históricas dos falantes nas diversas práticas comunicativas, adaptando-se

às situações cotidianas de comunicação.

O ensino de língua pautado no texto representa o diferencial para que o

aluno, na formação para a escrita, desenvolva uma prática que seja significativa

para a sua história na escola e em outras esferas da sociedade. Sabemos que o

aluno enfrenta muitos obstáculos para a aquisição e domínio da escrita, em

decorrência de práticas de escrita descontextualizadas em relação a contextos

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diversos de ensino e aprendizagem e situações e vivências sociais. Para Cavalcanti

(2010), por não conseguir um bom desempenho quando se trata da escrita de textos

de verdade, com significação para o sujeito, aqueles produzidos e que circulam fora

da escola, o aluno acredita que não consegue escrever por uma incapacidade

discursiva.

Em nossa sociedade predomina uma concepção de escrita que reduz a

prática de textos ao domínio de habilidades que não dão conta da complexidade do

ato de escrever, isso porque, segundo Geraldi (1997), a escola não estimula o aluno

a ocupar uma posição de sujeito, atuando com e sobre a linguagem, com autonomia

para expressar-se. As atividades de ensino visam à reprodução de conhecimentos e

não construção, não compreendendo e assim, desconsiderando o locutor, sua

inserção sócio-histórica-cultural e o entorno que o envolve.

Essas reflexões encontradas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)

e nas Diretrizes Curriculares Estaduais (DCEs), os quais primam por um ensino que

priorize os contextos reais, permite à educação brasileira uma descrição-ação-

depuração-descrição, visando a ressignificação no ensino de língua materna, razão

pela qual se investe na formação continuada dos professores, embora de modo

tímido em muitas regiões do Brasil, particularmente em interiores.

Para o currículo de Língua Portuguesa focalizar o texto como objeto de ensino

e, por extensão, selecionar os processos de leitura e escrita como fios condutores

no processo de aprendizagem, foram estabelecidos encaminhamentos: os

conteúdos de ensino são apresentados sob dois eixos, em relação às práticas

discursivas: usos de linguagem e reflexão sobre a língua e a linguagem. No eixo

usos de linguagem, destacam-se aspectos que envolvam o contexto de uso da

língua pelos falantes, caracterizando o caráter enunciativo da linguagem, sua função

comunicativa, ressaltando-se para o ensino os seguintes itens: a historicidade da

linguagem; o contexto de produção dos enunciados; a produção de textos orais e

escritos; o modo como o contexto de produção contribui para a organização do

discurso, ou seja, as tipologias comunicacionais (gêneros e suportes).

Esses eixos nos fazem perceber que competências e habilidades a serem

desenvolvidas assinalam para o emprego da linguagem como prática social, e a

produção de textos escritos deve ser ensinada como um meio para se atender a

várias “demandas sociais [...] considerando as diferentes condições de produção do

discurso” (BRASIL, 1998, p. 32).

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Essas orientações conduzem para o desenvolvimento de competências.

Cavalcanti (2010) ressalta que a competência diz respeito à capacidade de produzir

textos em diferentes gêneros adequados a múltiplas situações. As práticas de escrita

pautadas na atividade mecânica de redação não contribuem para que os alunos se

marquem discursivamente no seu texto. Assim como Cavalcanti (2010), Koch (2011,

p. 53) reafirma que “a competência sociocomunicativa dos falantes/ouvintes leva-os

à detecção do que é adequado ou inadequado em cada uma das práticas sociais”.

Acrescenta ainda que:

A competência textual de um falante permite lhe, ainda, averiguar se em um texto predominam sequências de caráter narrativo, descritivo, expositivo e/ou argumentativo não se torna difícil, na maior parte dos casos, distinguir um horóscopo, de uma anedota ou carta familiar, bem como, por outro lado, um texto real de um texto fabricado, um texto de opinião de um texto predominantemente informativo e assim por diante (KOCH, 2011, p. 53).

Para as autoras, a competência textual está associada às diversas

habilidades de leitura e de escrita que o sujeito pode desenvolver no decorrer de sua

formação e do uso que ele faz da linguagem oral e escrita. Isto porque estamos

falando de uma competência comunicativa plurissignificativa, que conforme Senna e

Carvalho (2015, p. 73):

Para desenvolver a competência comunicativa, é preciso compreender as regras de uso da língua; fazer adequação aos usos de linguagem aos mais variados contextos de comunicação; produzir textos orais e escritos de acordo com o propósito comunicativo; realizar as práticas de linguagem de modo coeso e coerente; articular e criar conteúdo no texto com os recursos dispostos na língua para as mais diversas situações de interação, superando possíveis ruídos de comunicação.

Os discursos mais divulgados atualmente, sobre o ensino de escrita,

advogam que a escola tem o papel de construção de saberes, a partir do acesso a

informações diferenciadas, contextualizadas e eficientes para a formação crítica e

reflexiva do aluno, enquanto sujeito que se (re)constrói num processo contínuo de

desenvolvimento de competências, visando uma prática de leitura para a produção

escrita.

Informações diferenciadas que podem transformar concepções de ensino e

assim, trazer para a prática do professor, possibilidades de mudanças e olhares

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diferenciados para o texto que o aluno produz e o valor de legitimação que ele pode

ter nas relações sociais desse sujeito com o mundo e consigo mesmo.

Este capítulo aborda a temática da produção textual em sala de aula, seus

diversos aspectos e suas peculiaridades. Ademais, analisa essa produção e sua

relação com o processo de escrita e leitura. Também é estudada a percepção da

produção textual a partir dos PCNs.

2.2 Produção textual na escola: uma relação com a leitura e a escrita

Não se nega a individualidade nem a responsabilidade pessoal, mas se afirma que as formas enunciativas e as possibilidades enunciativas não emanam de um indivíduo isolado e sim de um indivíduo numa sociedade e no contexto de uma instituição (MARCUSCHI, 2008, p. 63).

Iniciamos esta seção com alguns conceitos de texto que consideramos

fundamentais para a base teórica do nosso trabalho. Ressaltamos que a nossa

contribuição aos conceitos apresentados são da ordem de uma compreensão ainda

pouco disseminada pela escola. As práticas de leitura e escrita estão entre as

maiores dificuldades de professores e alunos, embora seja crescente a demanda de

cursos de formação continuada dos docentes, investimentos dos governos na

adoção de livros didáticos e, sobretudo, na ampla tentativa de uma adequação das

propostas pedagógicas fundamentadas nos PCNs.

Para falar sobre o texto no ambiente escolar, precisa-se primeiramente

discutir alguns conceitos impertinentes. Fávero e Koch (2000, p. 25) apresentam ao

conceito de texto duas concepções. Primeiramente, o texto é designado em sentido

mais amplo como:

Toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano (uma música, um filme, uma escultura, um poema, etc.), e, se tratando de linguagem verbal, temos o discurso, atividade comunicativa de um sujeito, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (ou pelo locutor e interlocutor, no caso diálogos) e o evento de sua enunciação.

Percebemos que a concepção textual vai além dos escritos previamente

organizados, uma vez que no nosso dia a dia, estamos cercados de manifestações

textuais, que vão além do texto escrito padrão. Numa outra concepção, o texto é

concebido num sentido mais restrito, como podemos observar:

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O texto consiste, então, em qualquer passagem falada ou escrita que forma um todo significativo independente de sua extensão. Trata-se, pois, de um contínuo comunicativo contextual caracterizado pelos fatores de textualidade: contextualização, coesão, coerência, intencionalidade, normatividade, aceitabilidade, situacional idade e intertextualidade (FÁVERO, 1995, p. 07).

Neste sentido, notamos a preocupação com o interlocutor, nos seguintes

aspetos: “quem se fala”, “o que se fala”, “quem fala” e “quem escuta”, pois é no texto

que o sujeito/produtor interage com o interlocutor. Nessa acepção de texto há uma

maior preocupação com a organização interna dos elementos discursivos, aspecto

este que atribui maior importância à organização formal dos enunciados tendo em

vista que:

O texto passa a ser visto como o próprio lugar da interação, e os interlocutores como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e por ele são construídos. A produção de linguagem constitui atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer não apenas a mobilização de saberes, mas, sobretudo, a sua reconstrução no momento da interação verbal (KOCH, 2008, p. 31)

Assim, os textos usados em sala de aula devem ser condizentes com a

realidade dos alunos, bem como adequados às necessidades dos envolvidos no

processo de ensino e de aprendizagem. Pensar no texto como atividade de ensino,

significa uma adequação de posturas, aceitação das limitações de aprendizagens

dos discentes e criação de estratégias que estimulem, criativamente, a produção de

textos com autoria.

Entendemos autoria não no sentido de autor de uma obra, mas como um

texto construído a partir da capacidade discursiva do aluno, ou seja, o texto com

autoria seria um texto que apresenta marcas singulares do universo linguístico do

produtor, um texto coerente, coeso, porém norteado por marcas discursivas próprias

de quem de fato, deseja ou necessita se representar num espaço onde somente

poucos são agraciados e/ou valorizados: o espaço da escrita. Essas marcas podem

ser representadas por: um dizer diferenciado (uma substituição inusitada, uma

representação diferenciada de um gênero, a inserção de elementos como uma

forma de causar ineditismo no texto), esse dizer diferenciado vai evidenciar as

possibilidades de encontrarmos indícios de autoria.

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O texto enquanto unidade de ensino tem sido um grande desafio para o

professor de Língua Portuguesa. Se, por um lado os PCNs orientam para que essa

prática seja uma constante, por outro, há uma resistência em adotá-la, tanto pelo

professor, como pelo aluno. Esse desafio é decorrente de uma prática de ensino de

língua que sempre teve como base a aprendizagem voltada para a fixação de regras

gramaticais, cujo referencial mais significativo era o ensino da gramática normativa,

em que se decoravam as regras que eram utilizadas em exemplos fixos e, que se

alterasse uma palavra, não se sabia mais como fazer.

Considerando as concepções de língua e a inserção do texto como unidade

básica do ensino, há necessidade de se estabelecer uma ponte entre o que se

ensina, como se ensina e o que deve ser ensinado, sobretudo no processo de

ensino da produção de texto como ferramenta para o desenvolvimento das

competências comunicativas do aluno.

O conhecimento das discussões entre as teorias do texto e um ensino de

língua abrange a concepção de língua e a concepção de ensino que o professor de

língua adota nas aulas de Língua Portuguesa. Antunes (2003, p. 20), refletindo sobre

o ensino de língua, tendo o texto como unidade significativa, se expressa nos

seguintes termos:

A escola e em geral, o consenso da sociedade, ainda se ressente das heranças deixadas por uma perspectiva de estudo do fenômeno linguístico cujo objeto de exploração era a língua enquanto conjunto potencial de signos, desvinculada de suas condições de uso e centrada na palavra e na frase isolada. Essa visão de ensino descontextualizada do mundo e das práticas socioculturais têm determinado de alguma forma, um ensino de língua mecânico.

Cavalcanti (2010) acentua que a escola, enquanto instituição responsável

pelo ensino de escrita, pouco contribui para o desenvolvimento da competência

textual do aluno, o que incide sobre o fato de que, embora muito se discuta sobre a

importância da escrita, a busca pela inserção de formas de ensino que priorizem a

produção textual ainda é algo distante das práticas de ensino em sala de aula. Ou

seja, o que se tem na verdade é a escrita da redação mais especificamente nas

séries finais do ensino médio, com o objetivo de levar o aluno a “treinar para a prova

de redação do ENEM".

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Realizamos em sala de aula uma prática de escrita ainda muito fora dos

padrões ideais para um ensino de língua cujos objetivos são voltados para o

desenvolvimento de uma formação discursiva autônoma.

Garcez (2004) enfatiza que o sentido e a construção de um texto só são

perceptíveis mediante uma prática social, de alguma forma o que pode mobilizar ou

levar o sujeito a produzir é a motivação. Nesse sentido, o que leva o aluno de

nossas escolas a escrever tem relação direta com o que ele pretende realizar no

decorrer de sua vida estudantil. Quando Garcez fala dessa produção motivacional,

acreditamos numa possibilidade vislumbrada pelo sujeito de ser inserido numa

esfera diferenciada da sociedade da qual ele faz parte.

Em nossa sociedade, a ideia de escrita ainda é associada ao fato de que só

alguns poucos “privilegiados” conseguem produzir com criatividade e originalidade.

Para Cavalcanti (2010), essa concepção de escrita como “dom” foi alimentada

durante muito tempo por alguns escritores. Discutir essa questão é fundamental para

que se perceba que escrever é um processo de maturação e não uma habilidade

reservada a poucos iluminados por um momento de inspiração. De acordo com a

autora, essa concepção afasta a maioria daqueles que acreditam não serem

agraciados por esse dom.

Podemos inferir que a inspiração disseminada ainda por muitos professores

em sala de aula, está ligada a uma prática de escrita direcionada com objetivos

claros e definidos para que o aluno seja um “ser pelo no seu dizer”, considerando

todos os conhecimentos dos quais ele é detentor, porque, antes de ser aluno, ele é

um sujeito com outras experiências sociais e culturais, as quais podem fazer parte

do seu texto dentro e fora do espaço escolar.

Ainda conforme Cavalcanti (2010, p. 86), “a prática da escrita, e talvez a

chave para o sucesso nessa prática, não depende de fatores mágicos, como

inspiração e dom, mas de muito trabalho, muitas idas e vindas ao texto para

modificações e ajustes”. Ou seja, a produção textual requer por parte do produtor

uma escrita constante e uma volta ao texto para fazer-se autor em diferentes

situações de escrita.

Quando falamos das constantes retomadas textuais, estamos nos inserindo

numa prática de escrita cujo privilégio precisa pertencer a muitos sujeitos, sobretudo

numa sociedade onde há uma busca incessante por respostas e questionamentos

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acerca de respostas que hoje já não são suficientes para abarcarem as

necessidades que surgem no mundo dos “saberes”.

O trabalho com a produção de texto na escola é primordial para que o aluno

desenvolva de forma autônoma seu papel nas relações sociais dentro e fora dela.

Falar em produção textual na escola exige, conforme Geraldi (2006), considerar o

aluno, que de mero aprendiz passa a ser agente desse processo, cujas práticas

mais significativas dependem da forma como estas são abordadas em sala de aula.

Conforme Antunes (2003), o trabalho com a escrita ainda é bastante falho na

escola, acontecendo muitas vezes de forma mecânica e periférica, centrada em

habilidades motoras, puramente gramaticais, perdendo o foco principal do ensino,

que deveria primar pelo desenvolvimento social comunicativo do aluno e não a uma

escrita artificial e inexpressiva, como vem ocorrendo.

Considerando o início de um trabalho com o texto escrito, torna-se necessário

atentar para o fato de que um texto não pode ser visto como uma mera sequência

de frases independentes, que podem ser apresentadas de forma aleatória, mas

como uma forma de interação entre enunciador e enunciatário. A produção de texto

tem acontecido na escola, entretanto, o que se percebe é a ausência de objetivos

que contemplem a língua enquanto ferramenta de práticas sociais. Geraldi (2006, p.

25) afirma que “a produção de textos na escola foge totalmente ao sentido de uso da

língua: os alunos escrevem para o professor (único leitor quando lê os textos). A

situação da língua é, pois, artificial”. Isso implica que as atividades de produção

devem ser redirecionadas de forma a privilegiar a competência discursiva do

produtor. Geraldi (2006) ressalta ainda, que os textos trabalhados em sala de aula

são corriqueiros e cansativos, costumam ser solicitados durante todo o ano letivo:

redação sobre férias, cartinhas de dia das mães, ou pequenos textos juninos,

repetidos ano após ano e em nada contribuem para uma prática de produção

significativa.

Para o autor, o professor deve dispor de estratégias para acrescentar novos

tipos de textos mais relevantes, que chamem a atenção dos alunos para que estes

não se habituem somente a esses tipos de produção, e futuramente venham a sentir

dificuldades nas produções de textos mais complexos. Koch (2014, p. 32)

acrescenta que, apesar da complexidade que envolve a questão da escrita, nos

deparamos com definições tais como: “escrita é inspiração”, “escrita é uma atividade

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para alguns poucos privilegiados” [...]; “escrita é trabalho que requer a utilização de

diversas estratégias da parte do produtor”

E nessa complexidade, a escrita de textos, sobretudo de textos escolares há

tentativas de se considerar que um trabalho com a escrita, envolve a escolha e a

adequação de concepções de texto como um referencial para o desenvolvimento

das competências comunicativas do sujeito que escreve.

Cavalcanti (2010, p. 89), acentua que, se levarmos em conta nossas

experiências, a ideia de escrita como trabalho mostra-se mais adequada, porque se

trata de um conjunto de práticas, de um processo bastante complexo, que em nada

lembra um momento único, do qual resultaria o texto pronto e acabado.

Escrever, para muitos, no sentido de se representar, pode ser muito difícil,

pois a escrita é um processo que tem focos diversificados, sobre os quais incidem

questões que vão desde a produção de uma frase à produção de um texto mais

elaborado. Conforme Koch (2014), a escrita tem foco na língua, no escritor e na

interação. Por isso, é fundamental que no processo de ensino, a prática com a

produção textual seja uma constante nas aulas de Língua Portuguesa.

O uso efetivo da escrita no contexto escolar em situações das mais variadas

possíveis, com objetivos também diversificados, a capacidade leitora do aluno, tem

sido responsabilidade oficial e tradicionalmente atribuída ao professor de Língua

Portuguesa. Segundo os PCNs (1998), para ser considerado competente em Língua

Portuguesa, sobretudo nos aspectos de leitura e escrita, o aluno precisa ler e

escrever de maneira adequada e relevante. Significa dizer que a maior

responsabilidade para que o aluno atinja esse estágio não depende somente de um

professor, mas de todos os envolvidos no processo de aquisição do conhecimento.

Essa escrita adequada pode não ser representativa quando nos referimos a

um processo de construção de saberes, porque num contexto social em que sujeitos

interagem por meio de linguagens variadas, essa escrita também pode ser

diversificada. O que é esse escrever adequado? Esse e outros questionamentos,

muitas vezes não fazem parte das reflexões no processo de formação de leitores e

de quem escreve, porque escrever é um processo contínuo em que assim como

outras atividades, dentro e fora da escola, são elencados valores para que, de fato,

a escrita seja um evento social.

Escrever de maneira “adequada e relevante” pode não ser algo real do ponto

de vista da própria noção de sujeito que age socialmente e discursivamente, de

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acordo com os contextos nos quais está inserido. Na verdade, ser adequado e

relevante constitui uma rigidez formal, o que distancia o sujeito, no caso o aluno, de

sua condição de se desenvolver a partir de uma liberdade de escolhas, até mesmo

do que e como escrever.

Uma das questões que fundamentam essa reflexão é: se um dos objetivos da

escola é desenvolver a competência leitora e a escrita autônoma dos alunos, por

que a maioria desses alunos tem tanta insegurança quando solicitados a

construírem textos escritos? Onde começa essa insegurança? . O texto com o, para

Koch (2014), é um evento sociocomunicativo que ganha existência dentro de um

processo interacional, ou seja, a construção de um texto escrito é o resultado de

inúmeras interações entre os sujeitos no decorrer de sua experiência escolar. Costa

Val (1991) conceitua o texto como uma linguagem em uso, cumprindo uma função

identificável num dado jogo de atuação sociocomunicativa. Esse jogo de sentidos e

de funções tem relação direta com as situações e as condições nas quais eles são

produzidos.

Orlandi (2001, p. 73), no contexto da Análise do Discurso (AD), área do saber

com a qual dialogamos, mas não é o nosso lócus teórico apresentou as

discussões sobre autoria e define texto como unidade de sentido em relação à

situação discursiva, considerando a materialidade do discurso e seus efeitos nas

manifestações concretas. Essas manifestações dizem respeito ao que o sujeito

produz, para quem produz, e em que condições ele produz o seu discurso, em

circunstâncias ideológicas, inclusive.

Ressaltamos que, diferentemente do que ocorre em outras esferas sociais, a

prática da escrita em algumas escolas ainda ocorre de forma burocrática,

desvinculada de qualquer evento social, ou propósito para a escrita, diferente de

uma simples tarefa escolar, pois, basicamente, quando o texto é solicitado, a função

se restringe ao cumprimento de um exercício mecânico proposto pelo livro didático.

Conforme Geraldi (2006, p. 65):

Antes de mais nada, é preciso lembrar que a produção de textos na escola foge ao sentido de uso da língua: os alunos escrevem para o professor (único leitor, quando lê os textos). A situação de emprego da língua é, pois, artificial. Afinal, qual a graça em escrever um texto que não será lido por ninguém ou que será lido, apenas por uma pessoa (que por sinal corrigirá o texto e dará nota para ele).

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A visão de uma prática de texto escrito pautada nas práticas sociais e

associada aos diversos gêneros presentes na vida social do aluno deve fazer parte

de atividades de escrita na escola, isto porque, de acordo com os PCNs (1998), para

que o aluno aprenda a escrever, é preciso estar em contato com diversos textos

escritos, e assim construir textos a partir de situações reais. Interessa-nos então o

questionamento: que processos de escrita o aluno vivencia?

Diante da complexidade sobre as relações comunicativas na sociedade, dos

interesses diversificados, das possibilidades de aprendizagens ofertadas e das

práticas de escrita que o aluno tem contato, a escola vivencia um dilema no sentido

de fazer um trabalho coerente com os objetivos reais do ensino de Língua

Portuguesa e as várias alternativas de linguagem que o aluno vivencia no seu

ambiente social. Koch (2014, p. 32), enfatiza que:

Apesar da complexidade que envolve a questão, não é raro que, em sala de aula, quer em outras situações do dia a dia nos depararmos com definições de escrita, tais como: “escrita é inspiração; escrita é uma atividade para alguns poucos privilegiados (aqueles que nascem com esse dom e se transformam em escritores renomados); escrita é expressão do pensamento no papel ou em outro suporte; escrita é domínio de regras da língua; escrita é trabalho que requer a utilização de diversas estratégias por parte do produtor.

Essas diversas definições de escrita nos fazem acreditar que a forma como a

concebemos no universo da sala de aula podem ser transformadas mediante uma

prática mais voltada para a valorização do aluno enquanto sujeito. Koch (2014)

acrescenta que a escrita não se dissocia do modo pelo qual entendemos a

linguagem, o texto e o sujeito que escreve, tendo em vista que o sujeito produtor é o

dono do seu texto e tem capacidade para escrever, mesmo sem ter consciência dos

processos que envolvem a construção desse texto.

Compreendemos que o objetivo principal do ensino de Língua Portuguesa,

em qualquer nível de ensino, deva ser o de proporcionar o desenvolvimento da

capacidade de expressão da linguagem oral e escrita. Em outras palavras, o ensino

da Língua Portuguesa deve fazer com que o “aluno consiga expressar-se

adequadamente, equacionando problemas, buscando esclarecimentos, organizando

ideias, dando palpites, numa linguagem pessoal, capaz de expressar com clareza e

precisão o seu depoimento a respeito da realidade observada” (GUEDES, 1994, p.

11).

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Nessa comunicação, a linguagem também é vista como uma forma de

interação humana, pois, como afirma Geraldi (1991, p. 43), “através dela o sujeito

que fala pratica ações que não conseguiria praticar a não ser falando. Com ela, o

falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não

preexistem antes da fala”.

Ensinar a ler e a escrever, sob nosso ponto de vista, não deve ser função

específica do professor de Língua Portuguesa. No entanto, tem-se constatado que a

produção escrita dos alunos, especialmente as produções textuais de alunos do

Ensino Fundamental, se situa abaixo da crítica. Muitos são os estudos publicados

que denunciam as falhas no ensino da escrita e apontam as causas do insucesso

dos alunos com relação à dissertação.

Uma pesquisa de extrema importância é a de Pécora, relatada no livro

Problemas de redação, com primeira edição em 1983, que se tornou leitura

obrigatória para quem atua com o ensino e com produção textual. A partir de um

“corpus” de aproximadamente mil e quinhentas dissertações, ele analisa treze tipos

de problemas encontrados nos textos dos alunos de Ensino Médio, como problemas

de acentuação, de pontuação, de ortografia, de norma culta, de emprego lexical, de

incompletude associativa, de emprego de relatores, de emprego de anafóricos,

problemas de redundância, de emprego de noções confusas, de noções de

totalidade indeterminada, de noções semiformalidades e problemas de lugar-

comum. Pécora (1992, p. 117-118) diz que:

Esse bloco de fracasso alerta para o fato de que o efetivo domínio da escrita apenas pode se dar como um desdobramento da práxis linguística e jamais como uma mera assimilação de técnicas e padrões. Para o autor, o conhecimento do que a escrita tem de mais específico exige menos cuidados técnicos, e mesmo pedagógicos, do que os de atualizar uma concepção ética de linguagem. Aponta, assim, o divórcio entre interlocução e as condições de produção da escrita escolar, originando os problemas de redação na escola. Esses problemas a nosso ver são decorrentes de uma série de fatores sociais, econômicos, estruturais que incidem sobre o que ou como esses textos são produzidos.

Referindo-se ao treinamento que o aluno recebe, Pécora (1992, p. 51) diz que

o processo escolar da modalidade escrita tende a confinar a escrita nos limites de

alguns modelos prévios, impermeáveis a usos individualizados e presentes,

distantes do mundo diversificado que faz sentido para o aluno naquele momento do

aprendizado.

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Com relação a esse aprendizado, não podemos deixar de destacar que os

modos de aprendizagem, de uma forma geral, têm a ver com as condições em que

os mesmos são direcionados. Os problemas inerentes vistos, revistos, discutidos e

divulgados podem ser também problemas de interlocução.

Geraldi (1991) aponta o problema da interlocução. Segundo o autor, na escola

existem relações rígidas e definidas: o aluno é obrigado a escrever dentro de

padrões estabelecidos, e o seu texto será julgado e avaliado, e o professor talvez

seja o seu único leitor. Assim, o aluno escreve a partir da imagem que segue a ótica

do professor do que seja uma boa redação e, por isso, recebendo uma boa nota.

Desse modo, a imagem do interlocutor – da escola, do professor – passa a ter

influência no discurso do aluno.

Uma interlocução que pode ser diferenciada se a prática de texto for uma

questão de ação entre o dizer e o como dizer, pois as marcas que referendam o

discurso do sujeito-produtor, chamamos de sujeito-produtor, aquele aluno que

escreve para ser inserido num universo discursivo em que o seu texto seja

referencial de leitura no contexto da sala de aula.

Geraldi (1991), no artigo “Prática da leitura de textos na escola”, afirma que,

na escola, se institui uma atividade linguística artificial. O professor assume papéis

de locutor/interlocutor durante o processo, mas ele não é locutor/interlocutor

efetivamente. Há o falseamento da interlocução, uma vez que os papéis estão

marcados: o professor e a escola ensinam, e o aluno, simplesmente aprende se

puder. Ainda segundo Geraldi (1991, p. 78), “tentar ultrapassar esta artificialidade é

efetivamente tentar assumir-se como „tu‟ da fala do aluno; na dinâmica de trocas do

eu/tu”.

Nessa mesma obra, denunciando as condições de produção de textos na

escola, Faraco (1991), no artigo “As sete pragas do ensino do português”, refere-se

à produção textual como sendo a 3ª praga: redações-tortura. Ele afirma que na

escola, não são criadas condições para o aluno escrever. O processo rotineiro de

orientar a redação, segundo ele, tem sido ou o de dar um título, ou o de deixar o

tema livre, esperando no final da aula o produto suado, continuando a submeter os

alunos à tortura de escrever sem ter ideias. E como consequência disso “os alunos

deixam a escola sem saber redigir, sem ter desenvolvido a capacidade de escrever

(escrever é muito mais que desenhar letras no papel), incapazes de preencher, de

modo inteligível, algumas poucas linhas” (FARACO, 1991, p. 20).

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Ilari (1993), fala sobre a produção escrita e também denuncia a maneira como

a redação é vista na escola. Segundo o autor, o trabalho do professor consiste numa

espécie de terapia: assinala o erro, classifica-o, propõe alternativas corretas e exige

a observância desses itens na próxima redação. No entanto, essa pedagogia é

“estéril”, segundo o autor, resultando de um procedimento em favor da gramática e

contra o ensino da expressão. Para ele, a redação se torna:

Um ajuste de contas: entre o aluno e o professor, ela é, sobretudo, uma oportunidade para verificar que as dificuldades do aluno persistem, a despeito de todos os esforços; para o professor que revê sua prática pedagógica, é sobretudo a tomada de consciência de que essa prática não correlacionou adequadamente meios e fins (ILARI 1993, p. 76).

As dificuldades de leitura e escrita têm sido preocupação de todos os

professores de uma forma geral e, segundo Britto (2003), essa queixa tem se

acentuado na universidade, considerando que, de acordo com os professores, os

alunos ingressam no ensino superior com sérias dificuldades de leitura e escrita, e

uma dessas dificuldades são evidenciadas quando o aluno não consegue produzir

textos acadêmicos.

Sabemos que, embora haja muitos estudos e tentativas de inserir novas

metodologias para que o aluno desenvolva a sua competência leitora e de escrita,

constatamos, assim como Britto (2003), que o debate é importante, entretanto, essa

discussão em torno das metodologias não se mostraram suficientes para saná-las.

O autor não considera como chave do problema os níveis anteriores decorrentes de

desmotivações e métodos ultrapassados, mas toma como objeto de análise os

estudantes de modo geral.

Essa visão hegemônica de análise nos conduz a um entendimento de que o

acesso aos níveis de conhecimentos advindos da leitura e da escrita estão

relacionadas com a falta de um contato mais significativo com essas práticas

discursivas. Se o aluno não consegue produzir, é porque o seu “dizer” ainda não tem

uma constância, ou ele não se sente legitimado para expressar no nível que deve

ser dito esse discurso. Conforme Britto (2003, p. 176),

As dificuldades no trato com o discurso acadêmico não advêm da falta de uma capacidade genérica de redação ou mesmo de leitura, mas sim do modo como estes estudantes interagem e convivem com os objetos da cultura letrada, em particular com as formas de produção do conhecimento formal.

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Nesse contexto, corroboramos com a afirmação do autor, porque o contato do

aluno com as formas de produção escrita é diversificado, porém essa escrita formal

ou esse trato com o texto necessita de uma prática mais ativa, o que normalmente

não ocorre nas esferas do ensino anteriores ao universitário.

Britto (2003) nos apresenta uma ampla abordagem acerca de estudos

relacionados ao tema. Reiteramos com o estudo de Ramires (2002) apud Britto

(2003, p. 176). Para os autores...

As produções textuais dos alunos universitários, sujeitos de sua pesquisa, apresentaram problemas de coesão interna, na falta de coerência nos argumentos apresentados, em problemas com as normas gramaticais da língua padrão, nas cópias de modelos esquemáticos de redação, nas conclusões abruptas ou nos textos sem conclusão e no pouco aprofundamento da temática desenvolvida.

Esses problemas, a nosso ver, estão relacionados com as condições em que

essas redações são produzidas. A falta de uma dinâmica para se ensinar a escrever

redações de fato é um desafio que vai além de uma aula com dicas ou fórmulas

mágicas. Retomamos Cavalcanti (2010), que enfatiza a importância de um trabalho

de idas e vindas ao texto que só é possível mediante uma prática contínua de leitura

e de escrita.

Essa prática não deve ter como referência modelos a serem seguidos

(copiados), como se a competência discursiva fosse algo pronto, mas deve sim,

considerar que as dificuldades de leitura e de escrita fazem parte do processo

natural do aprender a “ser”, do aprender a “dizer”. Sobre isso, Pécora (1984{1980};

[1982]) argumenta que a produção de textos em situação escolar (tanto de Ensino

médio como de nível universitário) careceria de uma interlocução sincera. Para o

autor:

O que levou o aluno a encarar o seu papel em branco não foi nenhuma crença de que ali estava uma chance de dizer, de mostrar, conhecer, divertir, ou seja lá que outra atividade a que se possa atribuir um valor e um empenho pessoal. Pelo contrário, tudo se passa como se a escrita não tivesse nenhuma outra função que não a de ocupar, às duras penas, o espaço que lhe foi reservado (PÉCORA, 1984, p. 68) apud BRITTO (2003, p. 178).

Encontramos nessa constatação um dos problemas norteadores da

dificuldade que o produtor encontra quando necessita escrever algo a alguém e na

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forma inócua de como esse dizer se perde na folha de papel em branco que lhe é

ofertado na sala de aula quando se quer do mesmo a produção de um texto

construído com sentido. A carência de elementos que caracterizem essa redação

como adequada passa por toda uma questão metodológica, mas, acima de tudo, de

adequação e da compreensão do que seja produzir um texto com todas ou pelo

menos com indícios de algumas competências necessárias.

Nessa direção, Britto (2003), num trabalho com alunos do Ensino Médio,

identificou dificuldades do aluno com o texto no próprio contexto escolar. Para ele, o

aluno normalmente se anula enquanto sujeito, moldando sua escrita em torno de um

único interlocutor: a própria escola. Essa postura é compartilhada por muitos

pesquisadores e por quem de fato se identifica com o trabalho com o texto na

perspectiva de uma formação discursiva que desenvolva no aluno a sua postura

crítica. Falamos de postura crítica, porque acreditamos que um dos objetivos do

Ensino de Língua Portuguesa é de desenvolver a competência sociocomunicativa do

aluno, e isso está relacionado com as diferentes formas como ele se posiciona

enquanto produtor de texto.

O que falta para que haja esse encontro do ser com o dizer? Conforme Britto

(2003), embora as explicações decorrentes desses estudos sobre a produção textual

sejam relevantes, não apresentam ou não identificam ainda a causa do problema,

encontramos produções de textos realizadas sob as mesmas condições, porém

apresentando criatividade e consistência nas argumentações, ou seja, o que é

parâmetro para definirmos quais ou que problemas incidem sobre as produções

textuais?

Britto (2003) afirma que há cinco aspectos que chamam a atenção:

1) A análise desenvolvida pelos estudos referidos e pela maioria dos

trabalhos neste campo se restringe fundamentalmente a uma única situação de

prática de escrita - a redação escolar - que, por sua vez, se relaciona apenas à

disciplina de Língua Portuguesa, ignorando as formas relacionadas a outras

modalidades de estudo e de uso da escrita.

2) Houve evidente sobrevalorização da subjetividade e da criatividade, não

se examinando como os sujeitos produtores das redações trabalhariam a escrita em

situações interlocutoras reais, quando, seguindo o raciocínio dos autores, deveria se

manifestar uma produção mais consistente.

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3) Tampouco se explicita o modelo ideal de língua escrita que subjaz à análise

dos textos, assumindo tacitamente um padrão - que não seria a própria redação

escolar - de um bom texto.

4) Também não se consideram as mudanças nos modelos de redação

consequentes das transformações dos modos de produção e circulação da cultura

escrita na sociedade contemporânea, e finalmente.

5) Não se examinam a origem e o tipo de formação intelectual dos

estudantes, tomados como um único grupo.

Consideramos todas as assertivas importantes, entretanto, para o nosso

estudo, comentaremos a primeira por entendermos e sabermos que historicamente

a prática de escrita ocorre somente nas aulas de Língua Portuguesa, como se outras

práticas de leitura e escrita não fizessem parte do aprendizado ou das necessidades

do aluno. Na aquisição da escrita, o trabalho com a produção textual de acordo com

a concepção de ensino e/ou de língua que se adote na escola.

Para a noção de autoria que abordamos no estudo, a segunda questão nos

parece mais instigante, porque leva a reflexão que o sujeito enquanto produtor pode

manifestar de forma singular aquilo que possibilita a sua inserção no mundo

discursivo. Dessa forma, falar de um sujeito que escreve um texto no universo

escolar, mesmo que não tenha a pretensão de se considerar um autor, é importante

que a sua manifestação discursiva, por mais simples que se apresente, tenha um

valor, um sentido, uma vez que o “dizer” de um sujeito o situa num contexto social.

2.3 PCN e texto: uma nova unidade de ensino-aprendizagem

O processo de ensino e aprendizagem com referência às unidades

significativas, tendo o texto como ferramenta indispensável, pode ser uma base para

que a construção e a refacção do mesmo, se constituam como objetos de

concretização do discurso materializado.

Quando falamos da importância dos PCNs enquanto documento norteador

das práticas de linguagem, ressaltamos que essa nova visão de ensino não se

caracteriza como a salvação para um ensino desenvolvido de forma

descontextualizada das práticas e da pouca familiaridade com o texto. Essa nova

unidade básica que é o texto, é bastante explicitada no tópico “Discurso e suas

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condições de produção, gênero e texto”. Inicialmente os PCNs, explicam o que

entendem como um texto:

O produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo significativo, qualquer que seja a sua extensão, é o texto, uma sequência verbal constituída por um conjunto de relações que estabelecem a partir da coesão e da coerência. Em outras palavras, um texto só é um texto quando pode ser compreendido como unidade significativa global. Caso contrário, não passa de um amontoado aleatório de enunciados (BRASIL, 1998, p. 21).

Parece-nos que a concepção de texto explicitada está muito próxima da

concepção de texto da fase da Gramática de Texto (GT) e da Linguística Textual

(LT). Esta por sua vez, aproxima-se da forma como os gramáticos entendiam o texto.

Considero que os gramáticos entendiam texto a partir de seu sentido latino textos: contextura, encadeamento. Ou seja, texto para os gramáticos, tanto os romanos como os que lhes seguiram, consiste em um encadeamento de frases, e a gramática ensina a compor frases bem formadas e a encadeá-las em períodos igualmente bem constituídos (INDURSKY, 2006, p. 38).

Nesse contexto a GT entende texto como unidade de significação, enquanto

que os PCNs, o entendem como um todo significativo. Três conceitos são

formulados na fase da GT, e que Mendes (2013) considera fundamentais. São

centro da LT: textualidade, coesão e coerência. A primeira é intrínseca ao texto e

deve ter sua análise a partir da coesão e da coerência textuais. Conforme a mesma

autora, os PCNs percebem o texto como uma sequência verbal composta por um

conjunto de relações que se estabelecem a partir da coerência e da coesão textual.

As duas concepções estão relacionadas ao “dentro” do texto, mais especificamente

para as relações internas do texto, ou seja, a uma sintaxe textual. Ressaltamos que,

na fase da GT, houve uma mudança da noção de competência textual,

fundamentada na competência linguística de Chomsky.

Assim o que estaria por trás das reflexões acerca dessas relações é o fato de

uma real necessidade de se atribuir ao sujeito um valor específico de uso da

linguagem nas esferas sociais das quais ele faz parte. Referimo-nos a uma esfera

social em decorrência de o falante ideal ser o centro dessas reflexões. Assim,

corroboramos com o que afirma Indursky (2006), o que se leva em conta na

competência textual é um falante ideal, o falante real não é convocado, pois não se

chega à performance textual.

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Compreendemos que a linguagem numa concepção de texto com ênfase na

competência linguística do falante ideal ainda faz parte da ação pedagógica de

muitos professores, sobretudo quando o tema é produção textual e a concepção de

texto que norteia essa prática em sala de aula.

Com relação à concepção de texto apresentada nos PCNs, vincula-se à fase

pragmático-comunicativa. O texto é o produto da ação discursiva dos falantes. “A

ação verbal realiza-se na forma de produção e recepção de textos. Os textos são

resultantes de ações verbais/estruturais ilocucionais, que estão intimamente ligadas

com a estrutura proposicional dos enunciados”. (INDURSKY, 2006, p. 40). No

conceito de texto apresentado pelos PCNs, estariam implícitos os critérios

pragmáticos: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e

intertextualidade. Entendemos, entretanto, que esses critérios ficam de certa forma

“à deriva” devido à importância conferida aos critérios semântico-formais-critérios

constitutivos da textualidade. Importante ressaltar que os critérios de textualidade

são também considerados como fundamentais no processo de construção de

autoria, objeto principal de nosso estudo.

Outras concepções de textos são apresentadas nas discussões propostas

nos PCNs, no entanto todas elas filiadas aos conhecimentos teóricos desenvolvidos

pela LT. Apresentamos a seguir algumas discussões acerca das concepções de

textos considerando que embora haja muita literatura em torno do tema,

entendemos que na perspectiva do texto a forma como o ensino é conduzido nos

permite outras possibilidades de enxergar o texto de formas diferenciadas, tendo em

vista que as condições de ensino em que as práticas de textos ocorrem.

Os PCNs (2008), no tópico “Língua Portuguesa e as diversas áreas”, apontam

a necessidade com rigor de um trabalho associado às diferentes áreas de ensino a

fim de que se formem leitores e usuários competentes da escrita. Afirmam que a

língua, “sistema de representação do mundo”, está presente em todas as áreas do

conhecimento.

A ideia de que se expressar com propriedade oralmente ou por escrito é “coisa para a aula de Língua Portuguesa”, enquanto as demais disciplinas se preocupam com o “conteúdo”, não encontra ressonância nas práticas sociais das diversas ciências. Um texto acadêmico, ou mesmo de divulgação científica, é produzido com rigor e cuidado, para que o enunciador possa orientar o mais possível os processos de leitura do receptor (BRASIL, 1998, p. 31-32).

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A concepção de texto a que nos remete a assertiva acima é da fase

pragmático-comunicativa. Entende-se o texto como unidade pragmática que objetiva

estabelecer comunicação com o seu receptor, o leitor (MENDES, 2013).

Observamos no caso, que aquele que escreve o texto acadêmico, o seu autor,

possui intenções comunicativas apresentadas no texto como instruções. Mendes

(2013, p. 30) afirma que “essas instruções são seguidas por meio das marcas que

se encontram no corpo do texto”. Ou seja, essas marcas levariam o leitor a entender

as intenções comunicativas do autor.

Quando falamos dessa intenção, estamos construindo um sentido

plurissignificativo para os textos produzidos no âmbito escolar, porque o texto como

unidade básica de ensino faz parte da concepção de texto da fase da LT que Koch

chamou de virada cognitiva, e pautado nessa concepção, os PCNs traçaram os

objetivos gerais de Língua Portuguesa, dentre eles “utilizar a linguagem para

estruturar a experiência e explicar a realidade, operando sobre as representações

construídas em várias áreas do conhecimento [...]” (BRASIL, 1998, p. 32).

A utilização da linguagem para estruturar a experiência e explicar a realidade

traduz-se, segundo Mendes (2013), produzir textos. Isso se traduz numa

perspectividade de ensino que rememore a questão discursiva como fator

imprescindível para o desdobramento das competências comunicativas do sujeito

leitor-produtor. Produtor no sentido de produzir textos com autonomia e com autoria

no decorrer de suas práticas de escrita. Porque aqueles que se comunicam

possuem conhecimentos que se encontram representados na memória e que

precisam ser ativados. Portanto caberia à LT o desenvolvimento do objetivo proposto

pelos PCNs, no sentido de explicar como funcionaria a operação sobre as

representações mentais, aponta para esse conceito de texto, mas também aponta

para o conceito de texto da fase da gramática de texto e da fase pragmático-

comunicativa.

No tópico “Objetivos de Ensino”, há diferentes noções de texto. Os PCNs

introduzem a questão trazendo de modo implícito noções características da fase da

gramática de texto e da fase da pragmático-comunicativa.

No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a escola deverá organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do texto lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s);

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destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte)e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do texto operando sobre as dimensões pragmática, semântica e gramatical (BRASIL, 1998, p. 49).

Percebemos aqui que ao delimitar o texto como unidade básica de ensino, os

PCNs buscaram de fato, segundo Mendes (2013), explicitar o que seria texto de

acordo com o posicionamento teórico que estavam adotando basicamente o

posicionamento teórico da LT. Esse caminho percorrido na definição do conceito de

texto, não uniformiza as concepções de texto ou de ensino, mas nos permite fazer

constantemente reflexões acerca do que devemos considerar como texto, uma vez

que vivenciamos mudanças visíveis em todos os campos do conhecimento,

sobretudo no campo da linguagem.

Um olhar sobre o texto e sua constituição enquanto unidade significativa de

sentido e de ensino, e associar esse olhar às diversas representações de escritas

das quais o sujeito se apropria, pode ser um caminho para aperfeiçoar a concepção

de texto enquanto processo de interação.

Sabemos que a fase pragmático-comunicativa é a mais evidente no decorrer

das discussões dos PCNs, mesmo com uma perspectiva de ensino-aprendizagem

sociocognitiva-interacionista. Nessa fase o texto passou a ter mais espaço na

escola, como objeto de ensino-aprendizagem, porém focada na sua superfície, o

que é comprovado em muitos trabalhos de pesquisas, dentre eles, o estudo de Britto

(2003), mencionado em outra seção desse trabalho.

A indicação do texto como unidade básica de ensino, provocou certo

desconforto, considerando que o encaminhamento das práticas pedagógicas deveria

priorizá-la. Entretanto, um questionamento surgido a partir dos PCNs para o ensino

de Língua Portuguesa sob essa perspectiva: como iniciar? Pensamos que esse

questionamento ainda não foi respondido por grande maioria dos professores de

Língua Portuguesa, uma vez que a partir de um saber não tão consistente acerca do

que seja a língua, a linguagem, a procura do associar o conhecimento teórico à

prática é um longo caminho a ser percorrido, porque embora sustentados por teorias

legítimas, documentos pautados em realidades diversas, o trabalho do professor

ainda precisa ser mais consistente na concepção de texto inicial defendida pelos

PCNs.

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A prática de escrita conduz a um processo que circula dinamicamente em

níveis diferenciados de conhecimento. Na seção a seguir, faremos uma discussão

acerca do processo de interlocução na construção do sujeito enquanto ser que

interage discursivamente, considerando que a interlocução faz parte da construção

do sujeito e a inserção das marcas que o identificam enquanto produtor de um dizer

singular, que consideraremos como inerente ao processo de autoria.

2.4 A interlocução como origem do processo comunicativo

A educação brasileira tem avançado bastante com relação à implementação

de políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino, entretanto

alguns pontos negativos ainda predominam no universo escolar, arraigados por uma

postura pautada no comodismo, dentre eles a metodologia de ensino.

A metodologia empregada, os conteúdos selecionados, o trabalho

pedagógico, o relacionamento com os alunos, tudo isso, dependendo de como é

feito, acarreta um resultado bom ou mau no processo educacional e deve ser objeto

de investigação cuidadosa.

O como ensinar não se resolve com propostas simplórias. Implica responder a

uma questão prévia: para que ensinamos o que ensinamos? No caso do ensino da

produção de textos, a resposta ao “para que ensinamos” envolve concepções de

linguagem e de educação. Em relação a isso, Geraldi (1984, p. 42) refere-se a esse

problema nos seguintes termos:

Assim, os conteúdos ensinados, o enfoque que se dá a estes conteúdos, as estratégias de trabalho com os alunos, a bibliografia utilizada, o sistema de avaliação, o relacionamento com os alunos, tudo isto corresponderá, nas nossas atividades concretas de sala de aula, ao caminho por que optamos. Em geral, quando se fala em ensino, uma questão que é prévia - para que ensinamos o que ensinamos? e sua correlata para que as crianças aprendem o que aprendem? - é esquecida em benefício de discussões sobre o como ensinar, o quando ensinar, o que ensinar, etc. Parece-me, no entanto, que a resposta ao “para quê? ” é que dará as diretrizes básicas das respostas às demais questões. Ora, no caso do ensino de língua portuguesa, uma resposta ao “para quê” envolve tanto uma “concepção de linguagem” quanto uma postura relativamente à educação. Uma e outra se fazem presentes na articulação metodológica. Por isso são questões prévias.

São questionamentos que merecem uma discussão mais da ordem do ser do

que a do saber. Tentaremos dar respostas condizentes com a nossa prática, porque

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ela nos fez compreender que ensinamos porque queremos aprender. O nosso saber

não é algo acabado, pronto, mas sim construído paulatinamente, por isso a

importância de estarmos disponíveis para um aprendizado partilhado.

Se por um lado, há a necessidade de aprender para ensinar, por outro, temos

que compreender porque as crianças precisam aprender o que ensinamos. Ensinar

no sentido de uma tomada de postura reflexiva ativa para que o processo de

aprendizagem seja construído com base em práticas reais de uso da linguagem e

essa linguagem possibilite ao aluno um encontro com todas as habilidades e

competências necessárias no que concerne ao processo global de aprendizagem.

Como ensinar e o que ensinar, nos conduz a outras reflexões também relacionadas

ao que entendemos acerca da formação do sujeito inserido num processo de ensino

muito amplo, e ao fazer referência ao processo de ensino, ressaltamos que

concepções de ensino que priorizem o aluno a partir de suas relações com o mundo,

favorecem o aprendizado, sobretudo quando essas relações ocorrem por meio de

um trabalho efetivo com o texto.

Silveira (1991, p. 39) afirma que na década de 80, “o ensino da língua

materna foi sacudido por novas ideias oriundas, principalmente, das instituições

universitárias, e veiculadas em alguns livros básicos e vários cursos de treinamento

para professores”. Colocaram-se em questionamento os métodos, os objetivos e os

conceitos de educação. Houve a renovação dos estudos linguísticos, buscando

ultrapassar os níveis puramente formais da sentença, e uma revisão do ensino

brasileiro em relação ao ensino dos estudos da língua.

No meio universitário, promoveram-se encontros, cursos e debates.

Rediscutiram-se as questões da correção linguística, das práticas da leitura escolar,

das práticas de produção textual e a problemática da gramática escolar. A autora

expõe que se apontou o divórcio entre a interlocução que está na origem do

processo legítimo da escrita na escola e as condições de produção da escrita

escolar, como fonte original das dificuldades de abordagem da „redação‟ na escola.

Assim, a interlocução torna-se ponto central das discussões sobre a escrita

na escola, acontecendo através de um processo de interação na sala de aula que se

concretiza através da linguagem. A linguagem, mais do que favorecer a transmissão

de informações de um emissor a um receptor, deve ser vista como uma forma de

interação entre as pessoas que acontece através da palavra. “A palavra dirige-se a

um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor”. Este interlocutor não

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pode ser abstrato, pois “não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no

sentido próprio nem no sentido figurado” (BAKHTIN, 1981, p. 112).

A palavra existe em função do interlocutor. Segundo o mesmo autor, ela

comporta duas faces:

Ela é determinada tanto por quem fala como por quem ouve, constituindo justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte, servindo de expressão a um em relação ao outro. A palavra é o elo de ligação entre o locutor e o interlocutor, é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor (BAKHTIN, 1981, p. 113).

Isto significa que o discurso ou interlocução é um processo de produção

social de significação. “A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um

sentido ideológico ou vivencial” (BAKTHIN, 1981, p. 95). A interação das vozes ou

perspectivas ideológicas múltiplas são representações sociais na estrutura da

sociedade. Estas determinam a significação real de um enunciado. Por isso, todo o

discurso é ideológico e polêmico. A palavra é o material privilegiado da comunicação

entre as pessoas. Para Bakhtin, a significação não está na palavra, mas é o efeito

da interlocução. Ela tem uma significação, enquanto união entre os interlocutores.

Em relação a isso, o autor afirma:

Na verdade, a significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre os interlocutores, isto é, ela só se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva. A significação não está na palavra nem na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do material de um determinado complexo sonoro. É como uma faísca elétrica que só se produz quando há contato dos dois polos opostos. Aqueles que ignoram o tema (que só é acessível a um ato de compreensão ativa e responsiva) e que, procurando definir o sentido de uma palavra, atingem o seu valor inferior, sempre estável e idêntico a si mesmo, é como se quisessem acender uma lâmpada depois de terem cortado a corrente. Só a corrente da comunicação verbal fornece à palavra a luz da sua significação (BAKHTIN, 1981, p. 12).

Assim, a partir da compreensão da linguagem como um processo de

interlocução, entendemos o ensino da produção textual como a realização de um

processo eminentemente social, um espaço de interação entre professor e aluno,

numa relação interlocutora. Hoje, o professor não pode mais ser aquela figura vista

como uma autoridade a quem se deve obediência e passividade, mas um mediador

que na sua prática busca a participação, a resposta e a proximidade do outro.

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Nesta interação, surge o novo conceito de aluno: um sujeito individual, ativo,

crítico, corresponsável pelo processo educativo, que constrói em parceria com o

professor o seu conhecimento. Professor e aluno caminham juntos num processo

interativo. A esse respeito, Franchi (1990, p. 06) afirma que “no caso da redação, o

interlocutor (o professor) não pode impor-se ao verdadeiro locutor (o aluno), nem

apagar o seu papel ativo. Mas também não pode apagar-se nessa relação

assimétrica, socialmente distinta, que estabelece com seus alunos”. Portanto, o

trabalho de produção de textos acontece numa situação de interlocução entre

professor e aluno, num processo de construção. O professor, atuando como

mediador, torna-se coautor do texto elaborado pelo aluno, numa produção interativa.

Nessa interação, entram a cooperação, a partilha, a negociação e também os

conflitos, necessários à tomada de posição do aluno e também do professor.

O princípio da cooperação incide sobre o fato de que na produção textual o

aluno se coloca enquanto sujeito a partir de uma tomada de decisão acerca do que

irá falar no seu texto, porque mesmo não sendo um autor legítimo no sentido de se

reconhecido, o seu texto é singularmente sua forma de representação, defendemos

aqui uma postura de texto e sujeito representados num dizer que mesmo não sendo

único, pois como afirma Bakhtin, um dizer não é único, o que escutamos nas

conversas do ônibus, nas conferências, nas reuniões escolares, em situações

diversas de interações, já foi falado por alguém. Falamos o que já ouvimos, mas o

nosso falar é singular, porque o que dizemos só nós dizemos desse ou daquele jeito.

O capítulo a seguir trata especificamente das relações entre o texto e a

autoria, considerando que, sob diferentes olhares, a autoria é uma forma singular

com que o sujeito se manifesta no seu dizer, ou seja, escrever com autoria no

âmbito escolar significa na nossa concepção, um marcar discursivamente de uma

forma singular, essa forma singular diz respeito a uma posição linguística discursiva

que faz com que o texto encante ao mesmo tempo em que mediante a primeira

leitura pode parecer um texto comum que foi escrito seguindo uma sequência

determinada.

Essas marcas de autoria que buscamos compreender no nosso trabalho não

é algo espetacular, mas um dizer diferenciado de quem escreve, muitas vezes sem

saber que, no momento da escrita, há um encontro mágico entre um domínio público

da linguagem e uma manifestação individual que cria uma unanimidade linguística

na representação discursiva do sujeito que escreve.

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CAPÍTULO III

AUTORIA: UM OUTRO OLHAR SOBRE O TEXTO ESCRITO

A escrita de textos no contexto escolar tem representado um grande desafio

para professores e alunos, no que concerne às condições de produção e, ao que

supostamente pode ser fundamental para identificar em linhas gerais a função

desses textos fora do contexto escolar. Significa que um olhar diferenciado sobre os

textos, especificamente sobre o sujeito que o produz é oportunizar a esse aluno,

uma formação discursiva mais espontânea e mais coerente do ponto de vista das

relações entre o texto; a linguagem e, de como essa é construída na relação do

sujeito com o outro.

Trataremos neste capítulo das relações que se estabelecem entre as

condições de produção textual e que papel, exerce o professor e o aluno na

construção desse processo, sobretudo quando subvertemos as normas com a

inserção de novos olhares acerca da produção textual escrita, ou que é um texto

quando o nosso olhar se volta para os fenômenos textuais que o diferenciam

enquanto unidade de sentido.

3 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO: papel do aluno e do professor

A produção de texto escrito na escola envolve uma série de fatores que

contribuem de forma crucial para o sucesso ou para o fracasso do aluno enquanto

produtor de textos escritos. Dentre esses fatores, podemos destacar as condições

sociais, físicas, emocionais e culturais do aluno e do professor, além do espaço

escolar. Sabemos que a construção do texto deve ser um processo interativo,

porque escrever é uma prática social, onde se aprende a pensar e assim, agir

socialmente. Porém, esse sujeito que escreve, necessita de condições para que o

seu texto seja concreto e através dele seja possível identificá-lo, seja por uma

palavra, uma frase ou pelo discurso completo.

Construir um texto e dar sentido a ele significa buscar uma resposta plausível

para muitas questões que surgem nas escolhas do que produzir, como produzir, por

que produzir e, sobretudo, para quem produzir. Uma palavra que se fala exige do

outro uma interpretação, um sentido, por isso, Geraldi (1997, p. 178) nos fala que

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“devolver a palavra ao outro, implica querer escutá-lo”. Sendo assim, no processo de

produção textual, a presença do interlocutor/leitor torna-se essencial, pois como

acentua o autor, “a escuta por seu turno, não é uma atitude passiva”, ou seja, na

produção textual, o aluno visualiza um interlocutor e dele espera uma resposta ao

que foi produzido.

A competência textual discursiva diz respeito a uma série de fatores

relacionados com diferentes ações metodológicas, quando uma atividade de

produção textual é realizada em sala de aula. Embora haja a consciência de que o

trabalho com o texto é fundamental para o desenvolvimento das competências

linguístico-discursivas, ainda percebemos na escola um discurso onde predomina a

pouca importância dada ao que o aluno produz.

A atividade de produção textual é um processo de interação ligado também ao

papel social do sujeito enquanto autor/reprodutor, considerando que, por seu caráter

dialógico, a linguagem, conforme Cavalcanti (2010, p. 141), é o lugar de interação

com o outro, lugar de encontro de pontos de vista diferentes e, muitas vezes

antagônicos. Esse encontro de ideias que ora se completam e ora se opõem diz

respeito a uma comunicação recíproca, onde o sujeito ativo exige um interlocutor

também ativo. Para Bakhtin ([1979] 2003, p. 271), toda compreensão da fala viva, do

enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva. Significa dizer que a prática de

produção textual deve ser desenvolvida a partir de um conjunto de interesses

comuns dentro e fora do contexto escolar.

Refletir sobre a emergência de outras práticas de produção de textos na

escola é uma necessidade imperiosa. Para isso, é necessário desviar o ensino do

enfoque de modelos prontos e do discurso alheio para centralizá-lo no processo de

produção do próprio aluno, colocando-o como sujeito construtor de seu discurso.

A produção escrita requer que o autor tenha capacidade de construir um

texto, não demonstrando apenas o domínio das normas específicas da escrita, mas

também que “domine todos os elementos que, no interior da redação, permitam que

ela seja reconhecida como uma totalidade semântica e não como um conjunto

aleatório de fragmentos isolados” (PÉCORA, 1992, p. 59). Essa totalidade semântica

deverá se apresentar como um discurso, isto é, como “manifestação verbal capaz de

se recobrir de um valor intersubjetivo e pragmático: capaz de representar uma ação

entre interlocutores, no interior de uma situação particular de produção” (PÉCORA,

1992, p. 59).

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Qual o sentido, porém, que se atribui à produção? Para Guedes (1994), a

produção escrita não deve ser vista como produção de “boniteza”, mas como

produção de conhecimento, como fruto de um trabalho de produção e transformação

visando um interesse humano. O objetivo, para este autor, é o de desenvolver a

discursividade do aluno. Referindo se à produção de texto, Guedes usa as seguintes

palavras:

Produção de texto expressa a ação de escrever como um trabalho entre outros: cultivar a terra, pastorear cabras, consertar sapatos, dar aulas, apertar parafusos numa linha de montagem ou desapertá-los num ferro velho, engessar pernas quebradas. Não se trata de „compor‟, isto é, de juntar com brilho, nem de „redigir‟, isto é, organizar, mas de „produzir‟, isto é, transformar, mudar, mediante uma ação humana, o estado da natureza com vistas a um interesse humano (GUEDES, 1994, p. 224).

Complementando as ideias dos autores anteriores, Geraldi (1993, p. 194)

afirma que a construção de um texto “só se dá por operações discursivas com as

quais, utilizando-se da língua que é uma sistematização aberta, o locutor faz uma

proposta de compreensão a seu interlocutor”. Construir essa proposta de

compreensão é estabelecer uma relação interlocutiva. O texto, encarado sob este

prisma, é para o autor a base de todo o processo educacional.

Não menos importante é diversificar o olhar sobre as formas de

representações da escrita no contexto escolar, porque, mesmo sendo a base para

todo o processo educacional, continua sendo um “problema” no sentido da falta de

uma prática mais efetiva nas aulas de Língua Portuguesa.

A construção de um texto, no entanto, requer mais que o simples

agrupamento de sentenças em torno de um tema. Para Geraldi (1993, p. 37), há na

escola muita escrita e pouco discurso, e para produzi-lo, é preciso que:

a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razão para dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz (ou, na imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo); e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d).

O aluno só constrói o seu texto, portanto, a partir de suas experiências

anteriores, de sua visão de mundo e, a partir de suas leituras, produz novos

conhecimentos. Para isso é preciso que ele tenha uma razão para fazê-lo. Um

trabalho só se sustenta quando os alunos se sentem envolvidos, encontrando uma

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motivação interna ao próprio trabalho a executar. Nesse trabalho, o aluno deve ter

em mente a presença de seus possíveis interlocutores. Na interlocução, acontece a

troca de experiências, na qual o aluno testa seu texto como autor e como leitor. O

professor, por sua vez, questiona, sugere, testa o texto do aluno como leitor. Torna-

se “coautor” que aponta caminhos possíveis para o aluno dizer o que quer dizer:

Centrar o ensino na produção de texto é tomar a palavra do aluno como indicador dos caminhos que necessariamente deverão ser trilhados no aprofundamento quer da compreensão dos próprios fatos sobre os quais se fala quer dos modos (estratégias) pelos quais se fala (GERALDI, 1993, p.164-165).

O trabalho de produção centrado no aluno e no desenvolvimento da própria

discursividade é que poderá levá-lo a alcançar a maturidade na escrita. Bastos

(1987, p. 45) define o escritor maduro como aquele que é capaz de controlar seu

discurso, tanto no que se refere à escolha vocabular, à construção da frase, quanto

no que diz respeito à fixação de um objetivo, à escolha de discurso que sustente o

objetivo proposto, à conscientização do leitor, à capacidade de argumentação e de

desenvolver raciocínios.

Assim, o que se espera do aluno é que ele construa um questionamento em

torno a uma questão, empregando argumentos consistentes, desenvolvendo

raciocínios, defendendo ideias e opiniões, num discurso significativo, autêntico e

pessoal, que saiba controlar o seu discurso, adequando-o a cada situação e à

construção das frases, mantendo-as numa unidade coerente.

As práticas de produções textuais na escola têm passado por inúmeras

transformações que dizem respeito primeiramente aos objetivos de ensino de língua

portuguesa e às novas tecnologias que exigem do professor e do aluno um

conhecimento maior acerca do papel que cada um exerce na sociedade globalizada.

O discurso do aluno não é mais representado por uma posição passiva,

embora ainda prevaleça em muitas situações o fazer “textual” automatizado, no qual

o aluno ainda produz o “dizer do professor”. Que relações podemos estabelecer

entre o aluno/autor/reprodutor numa perspectiva de autoria? O aluno produz um

texto, entretanto, sua relação com essa produção pode ser considerada uma relação

de escritor ou de produtor? Os traços de linguagem utilizados pelos alunos são

deveras suficientes para colocá-los num patamar de autor? O que pode na sua

relação textual discursiva nomeá-los como escritor?

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Essas questões podem ser discutidas, não sabemos se respondidas, porque

a condição de autor ultrapassa os limites da obra, e a obra a que nos referimos

neste trabalho é representada por um único texto produzido pelo aluno ao longo de

um ano letivo, pois sabemos que, na realidade de nossas escolas, o espaço dado às

produções não é muito significativo, não por culpa dos professores ou dos alunos,

mas por uma série de fatores de ordem estrutural, econômica e, principalmente,

social.

O trabalho na sala de aula deve obedecer a um cronograma, a estrutura física

de nossas escolhas chegam longe de ser adequada para ser realmente um

ambiente aconchegante para facilitar o aprendizado, nossos planejamentos ainda

muito arraigados com relação ao que deve ser ensinado e, sobretudo, nossa

condição de professor que em muitas escolas continua como aquele que embora

tenha papel fundamental, tem que se submeter ao que é determinado por um

sistema que cobre muito e pouco faz para ser diferente. Talvez essa autoria que se

busca/ou que deve ter no texto do aluno, necessite também ocorrer nas nossas

práticas diárias.

As condições para que o trabalho com a prática de escrita ocorra de forma

satisfatória incidem sobre o fato de que devemos ter como unidade básica de

ensino: o texto na sua mais efetiva relação com outras áreas de conhecimentos

dentro e fora da escola. Porque a linguagem é esse aporte que teoricamente se

envereda por diversos olhares, entretanto, sua direção é sempre para a interação

dos sujeitos consigo e com o mundo.

Discutiremos a seguir, acerca das relações entre texto e autoria, considerando

que as diferentes posições do sujeito no texto dependem da forma como este vê e

se coloca no mundo. De que forma a construção de enunciados evidencia a autoria,

porque o texto é essa materialização da linguagem, mas que sujeito é esse que se

representa numa forma discursiva tão peculiar? Que ideia devemos ter do sujeito

que ao escrever rompe com uma proposta de texto, a partir da inserção de

elementos novos como uma expressão inusitada, uma substituição inesperada, uma

palavra que mesmo descontextualizada gera uma noção de sentido, um dizer que

identifica as condições sociais em que esse sujeito está inserido e/ou um texto que

apresenta um discurso que às vezes gera dúvidas se foi o aluno que realmente o

produziu, enfim, marcas textuais são marcas, mas o aluno ao se apropriar de um

discurso pode dar um significado diferenciado para a construção de um “novo dizer”.

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Propomo-nos a discutir um pouco a questão do texto e sua relação com a

autoria a partir de uma contextualização entre LT (Linguística Textual) e AD (Análise

do Discurso), pois entendemos que texto e discurso são entrelaçados com relação

às questões de linguagem. No decorrer de nossa discussão, tentaremos definir um

princípio de autoria, a partir das marcas discursivas possíveis de serem encontradas

nos textos dos alunos e assim, identificar de que forma os indícios de autoria se

apresentam na construção textual que identifique e marque o aluno/produtor como

autor do seu texto.

A discussão sobre autoria relacionada a textos de crianças e jovens ainda é

pouco frequente e inexplorada (FIAD, 2008). Relacionar o conceito de autoria a

textos escritos por crianças e jovens em processo de aquisição da linguagem

escrita, é no mínimo algo que surpreende pela dificuldade de definição do que seja

realmente autoria, quando nos referimos a textos produzidos com o objetivo de

atender a uma exigência pedagógica e não social, como deveria ser essa produção

textual escrita na escola.

Quando falamos de texto e autoria, não nos referimos a textos de autores

consagrados, textos de literatura e até científicos, mas sim, a um texto que é

produzido pelo aluno e, que por muito tempo, era objeto de uma correção pautada

nas formas estabelecidas pela norma culta. Não defendemos aqui que o aluno deve

escrever de qualquer forma, mas sim que sua produção textual tenha como

referencial a sua marca singular de se manifestar, ou seja, não podemos esperar

que todos os alunos escrevam da mesma forma para atender o objetivo determinado

pelo professor.

3.1 Relacionando texto/autoria no espaço escolar

A relação entre texto e autoria no espaço escolar pode ser o ponto de partida

para uma compreensão de alguns elementos textuais-linguísticos utilizados pelos

alunos nas suas produções (redações). A forma como o aluno se marca no seu texto

muitas vezes não é compreendida pelo professor, e isto tem gerado muitas dúvidas

com relação ao processo de construção textual, porque, de alguma forma, o sujeito

produtor tem um discurso, e esse discurso é marcado de forma singular que o

identifica, seja uma palavra, uma frase ou até mesmo o texto completo.

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Segundo Possenti (2002), a noção de autoria deve ser pensada junto às

noções de singularidade e estilo. Para dizer que um texto tem autoria, não é

suficiente que ele seja um texto correto gramaticalmente, nem que seja textualmente

satisfatório, na visão do autor, as marcas de autoria são da ordem do discurso e não

da gramática ou do texto.

Nessa perspectiva a autoria está relacionada com as formas como o sujeito

constrói o seu dizer no texto e o que ele usa como recurso linguístico para marcar a

sua posição enquanto enunciador. Entendemos essas marcas como uma posição

apresentada pelo sujeito quando se apropria de um discurso que se constrói num

momento específico de interação. No contexto escolar, as relações entre texto e

autoria, podem ainda estar em processo de construção porque a concepção que se

tem de autoria também não é definida.

Conforme Cavalcanti (2010), a relação do texto com a autoria é pouco

tematizada no decorrer do percurso escolar, raramente praticada no espaço da

escola. Concordamos com a autora quando ela acentua que, no espaço da escola, a

autoria é estabelecida como “escritor de obra artística, literária ou científica”. A

relação do sujeito com a linguagem no espaço escolar, muitas vezes passa

despercebida, tendo em vista que autoria diz respeito também ao que seja um autor,

e ser autor na escola que temos é algo que não é vislumbrado pelo aluno,

considerando que as atividades de produção textual não são uma prática contínua.

Essa prática deveria ser construída, mediante a inserção das vozes sociais

presentes nos enunciados proferidos pelo sujeito. Os enunciados são discursos que

surgem nas relações sociais, sendo assim, não podemos deixar de falar da

importância das vozes sociais na construção da autoria. Concordamos com Bakhtin

(2003), quando afirma que o discurso individual se forma a partir de uma interação

assídua com os enunciados individuais de outrem, por meio de assimilação. Ou seja,

essa assimilação é o resultado da exposição do tom valorativo que as palavras

carregam.

E dessa forma, é com esse tom valorativo que os sujeitos do discurso

reelaboram e reacentuam seus dizeres. É a concepção dialógica de linguagem que

Bakhtin tanto enfatiza. “O enunciado é pleno de totalidades dialógicas” (BAKHTIN,

2003, p. 298). No decorrer de nossas atividades discursivas, dialogamos com outras

vozes, porque nossa voz não é única, nossos dizeres se diversificam à medida que

incorporamos o dizer do outro na nossa fala, no nosso texto.

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A partir dessa incorporação, atribuímos sentido ao que eventualmente

produzimos em termos de discurso

Com a incorporação desses “dizeres”, novos discursos são construídos com a

mesclagem de vozes, de posições discursivas. Posições que podem significar um

caminho para a autoria, uma vez que se assumem esses dizeres na defesa de

pontos de vistas. Nesse sentido, concordamos com Orlandi (1996, p. 80): “ou seja, a

autoria pressupõe assumir posicionamentos, defender pontos de vista, adquirir um

estilo próprio e saber quais recursos linguísticos são ou menos apropriados em

determinados momentos”. Ressaltamos que estilo aqui, é entendido como a forma

de um determinado enunciado, porque, de acordo com Bakhtin (2003, p. 289), “o

estilo individual do enunciado é determinado principalmente pelo seu aspecto

expressivo”.

Quando falamos em estilo, nos referimos a uma forma diferenciada com a

qual o sujeito se manifesta na construção de seus enunciados. Enunciados que

identificam sua posição discursiva, mediante uma possibilidade de esse sujeito

tornar-se autor, porque se há no enunciado uma forma diferenciada de construção

discursiva, há também uma nova produção de sentido que levará a autoria, pois

conforme apontado por Mittmann (2011, p. 99), a autoria “pode exercer a função de

levar ao ineditismo”. Significa que o sujeito ao enunciar, a partir de um lugar social

produz um efeito de ineditismo, o que segundo Teixeira (2013), a esse efeito, estão

relacionadas às noções de singularidade e estilo. Trata-se, portanto, de verificar

como as questões estão postas e não apenas o que está expresso, além de verificar

nessa forma peculiar a presença do autor. Para a autora, a presença do autor está

relacionada com todas as formas com que o sujeito produz o seu enunciado numa

determinada atividade discursiva.

Conforme Possenti (2002), a noção de autor é pensada a partir da noção de

singularidade e sua aproximação com um estilo, que notadamente pode ser

expresso e identificado nos indícios ou marcas de assunção de autoria. Os

conceitos referentes à autoria têm a ver com os conceitos de locutor e com o de

singularidade, porque ambos fazem parte de um processo discursivo que se renova

em cada enunciação. Locutores/enunciadores constituem-se enquanto tais, em boa

medida por marcarem sua posição em relação ao que dizem e em relação a seus

interlocutores (POSSENTI, 2002, p. 114). Ou seja, a assunção da autoria incide

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sobre o fato de o sujeito anunciar de uma determinada posição e assim, marcar seu

lugar por meio de uma negociação com o leitor.

Para o texto além do texto, o sujeito vai construindo o seu discurso e nesse

discurso diversas relações se estabelecem, dentre elas aquela que é essencial para

o processo da interlocução: a relação de sentido (re)construída por meio de uma

linguagem plurissignificativa. Nesse processo de significação a autoria se faz

necessária, porque ela é o resultado de formas diferenciadas de manifestações

linguísticas na relação texto/discurso.

No texto “Indícios de Autoria” (2002), Possenti nos apresenta importantes

considerações acerca da autoria. Para o autor, os conceitos referentes à autoria têm

a ver com os conceitos de locutor e com o de singularidade (na medida em que, de

algum modo, chama a atenção para uma forma um tanto peculiar de o autor estar

presente no texto). Essa presença do autor é perceptível a partir da identificação de

marcas singulares representativas do produtor, evidenciando naturalmente traços

individuais

Conforme Possenti (2009), embora o conceito de autoria não seja

uniformemente empregado, talvez, nem tenha sido objetivamente definido.

Entendemos que essa autoria está relacionada a todas as formas possíveis de

linguagem com que o sujeito produtor se manifesta, seja por manifestação de

sentido, seja por um posicionamento discursivo-linguístico observados no texto.

Posicionamentos concernentes ao que o sujeito diz e como coloca esse dizer no

processo de interação, no caso de textos escolares, consideramos que a forma

como os alunos se posicionam tem uma estreita relação com as condições em que

os textos são produzidos.

Sobre autoria, Teixeira (2013 p. 13) afirma que “a autoria se constitui nas

produções discursivas relacionando-se ao lugar ao qual o sujeito se manifesta e de

como ele utiliza suas experiências para marcar uma tomada de decisão em um

processo de interpretação em constante movimento”. Esse sujeito que se manifesta

discursivamente está inserido num contexto social que influencia na construção de

um discurso, porque esse discurso é a sua própria representação social.

Para analisar o processo de constituição da autoria e da subjetivação do

sujeito, é necessário que o professor, talvez o único leitor do texto produzido pelo

aluno, amplie o foco de atuação leitora e ultrapasse os limites da gramática e da

textualidade e, assim, defina um parâmetro também para discutir ou enxergar os

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possíveis indícios de autoria nos textos produzidos pelos alunos no ambiente

escolar. Porque um texto produzido a partir da perspectiva da autoria define que

sujeito o produziu e em que contexto social o mesmo está inserido, uma vez que

esse contexto influencia na construção de um dizer, que não é único, mas é singular

no momento em que o autor o enuncia.

Essa autoria ou noção de autoria é defendida por Cavalcanti (2010), como

textos bem-escritos, que produzem efeito de singularidade. Entendemos

singularidade como o sujeito se protagonizando nas relações dialógicas por meio da

interação, ou seja, constituindo-se, de fato, como sujeito enunciador, apresentando

dentre vários o seu (novo) enunciado. Significa que a noção que defendemos está

relacionada com o discurso produzido pelo sujeito, quando este se propõe a uma

forma diferenciada de se manifestar quando e como escreve num determinado

contexto situacional.

Concordamos com Cavalcanti com relação ao efeito de singularidade,

entretanto, acreditamos que na esfera escolar há textos que surpreendem até

mesmo, quando não são bem escritos do ponto de vista da escrita forma.

Aos textos sem autoria, Cavalcanti acrescenta que o efeito linguístico-

discursivo é previsível, o efeito causado no leitor gerado pela expectativa não se

confirma porque todas as informações poderiam ter sido escritas por qualquer

pessoa, ou seja, confirmamos assim que, para a autora, o texto sem autoria não

atende a um dos critérios da textualidade: a informatividade, como essencial para

satisfazer à expectativa de um novo “dizer”.

Esse dizer está relacionado aos diferentes e/ou formas com que o sujeito se

manifesta linguisticamente e discursivamente. Falar de autoria no contexto escolar

significa atribuir um novo sentido ao que é produzido pelo aluno enquanto sujeito de

um discurso que por muito tempo não foi seu. Conforme Lagazzi-Rodrigues (2006),

a relação do texto com a autoria tem sido pouco tematizada durante o percurso

escolar, raramente praticada no espaço da escola. Para a autora, no espaço escolar

a relação com a autoria fica estabelecida e repetida como “qualidade ou condição de

autor” e o autor como “escritor de obra artística, literária ou científica”.

A distância entre o que se produz na escola e sua relação com a autoria, diz

respeito a todo um contexto histórico de escrita pautado num conhecimento

gramatical que ao invés de colocar o sujeito no controle do seu dizer o distanciou de

todas as possibilidades de criação e representação discursiva que o inserisse num

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universo textual em que o seu universo discurso fosse de fato, considerado. O jogo

que se estabelece entre o sujeito e a sua formação discursiva indica um ponto

comum naquilo que Gallo (1989, p. 68) afirma acerca da autoria: “em suma, a

assunção da autoria se dá quando o sujeito se constitui na formação discursiva

dominante de um discurso legitimado (hoje institucional)”. Uma formação discursiva

que dá ao sujeito no contexto escolar, uma autonomia linguística, que só é possível

com práticas de escritas significativas.

A figura do autor, mesmo em textos escolares são a nosso ver, vozes que se

cruzam, enunciados que surgem a partir de relações sociais. Nesse caso, não

podemos deixar de mencionar a importância das vozes sociais na construção da

autoria. Concordamos com Bakhtin (2003), ao afirmar que o discurso individual se

forma e se desenvolve a partir de uma interação assídua com os enunciados

individuais de outrem, por meio de assimilação.

Para além de um enunciado, a formação discursiva se caracteriza pela forma

como o sujeito enuncia e, esse enunciado pode implicitamente representar a

condição social, histórica e cultural desse sujeito no mundo discursivo, tendo em

vista a influência que o contexto cultural exerce sobre o papel da escrita. O sujeito

que produz um texto, o produz sob determinadas condições, portanto “não se pode

observar um texto em si e isolado de seu contexto sociocomunicativo, já que todo

texto é um evento comunicativo numa dada prática social de uso da língua”

(MARCUSCHI, 2001, p. 32).

Dessa forma, para compreendermos um texto é necessário que tenhamos

conhecimento da situação social em que o autor está inserido ou em que condições

se deu essa produção. Sendo assim, o texto é essa ação que norteia a vida social

das pessoas, seja na escola, na família. Em qualquer esfera social, nos interagimos

com o outro por essa atividade sociodiscursiva que representa linguisticamente o

que somos e o que pensamos no mundo, usando para isso, a linguagem na sua

forma mais real.

Os sentidos são construídos, porque o mundo nos permite essa liberdade de

nos manifestar linguisticamente por meio de enunciados que traduzem a percepção

que temos do mundo, tudo é efeito da linguagem, tudo está associado a uma (re)

construção de sentidos, pois segundo Marcuschi (2001, p. 06), “o que se pode dizer

com segurança é que o sentido não é prévio à enunciação e que o sentido se dá

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como um efeito da enunciação.” Dito de outro modo, o sentido conduz toda a ação

discursiva ocorridas em contextos sociais diversos.

Possenti (2002) afirma uma diferença crucial nessa discussão que tem como

referencial os estudos foucaultianos, segundo os quais a questão da autoria está

ligada à tradição, seja literária, seja filosófica, seja a das artes plásticas ou do

cinema, isto é, a autoria corresponde a uma obra, enquanto que, para Possenti

(2013), a autoria tem uma certa relação com quem escreve. Autoria no sentido de

uma representação de defesa dum ponto de vista, narração e descrição com marcas

singulares, possíveis no espaço da sala de aula, se houver uma prática de texto

correspondente às necessidades de interação.

A identificação das marcas de autoria em produções textuais é um indício de

que o processo de construção do texto evidencia traços individuais de cada autor,

seja um autor anônimo ou um autor que se identifique por qualquer marca que lhe é

peculiar. O autor é reconhecido no texto por meio de características, um estilo, ou

através das funções textuais. Sobre essas características apresentadas por Foucault

em uma conferência, Possenti (2013) resume da seguinte forma: a função autor está

ligada ao sistema institucional que determina e articula o universo dos discursos.

Não se exerce uniformemente e da mesma maneira sobre todos os discursos, não é

definida pela atribuição espontânea de um discurso a seu produtor, não remete pura

e simplesmente a um indivíduo real, dando várias posições-sujeitos e classes

diferentes de indivíduos.

Nesse caso, o discurso, ou as formas como o aluno se posiciona no seu texto

podem marcar a sua autoria, não significa que alunos sejam autores, no sentido

concebido originalmente por Foucault, mas assumem a função de autores quando

escolhem os dizeres para o texto e o fazem de um modo que lhe é peculiar. Essa

questão está relacionada com a dialogicidade, um texto que dialoga com outros

textos por meio de elementos discursivos que marcam o sujeito.

Portanto, os critérios e/ou marcas de autoria em textos escolares a nosso ver,

pode ser uma atuação sobre a língua com um propósito específico que contará com

recursos linguísticos e estratégias discursivas: inserção de elementos textuais

discursivos que permitem ao produtor usar sinonímias; as pressuposições

representadas no texto, muitas vezes por marcas da oralidade; a capacidade de

inscrição desse aluno ao escrever um texto narrativo ou descritivo já conhecedor de

sua forma, de sua organização discursiva, etc.

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Conforme Possenti (2013), a opção para propor algum tipo de autoria de

escrevente (ele chama de escreventes autores que não têm obra) diz respeito à

valorização de traços de autoria, ou seja, a manif‟estação de algum tipo de

singularidade, o que ocorre frequentemente em textos escolares. Cada autor ou

escrevente apresenta-se com um estilo característico que os diferencia dos demais.

Afirma ainda que “aluno que faz boas redações é um bom aluno, não um autor”.

Nessa direção, Alves Filho (2005, p. 57), assevera que “se é certo que o produtor do

texto tem grande responsabilidade no processo de construção da autoria; por outro,

esta responsabilidade é coassumida pelo leitor do texto”.

Autoria/texto/leitor são, portanto, elementos essenciais na construção e

circulação social dos enunciados. O que nos faz afirmar, reiterando as ideias do

autor, que o leitor, ou a construção da leitura, é uma parte atuante na relação texto e

projeção de dizer que indicia a função autor.

Para Possenti (2013), autores são escritores em cujos textos podem ser

considerados usualmente, “conscientes”, mesmo assim são atravessados por

características do inconsciente. Construção de enunciados na produção textual não

é suficiente para que o aluno seja escritor, entretanto, o fazer textual constitui fator

primordial para que a função autor se desenvolva gradativamente por meio de

elementos contextuais que o identificam como sujeito discursivo em contextos

sociais diversificados.

A divisão binária entre autor e escritor retomada por Foucault (1969), não dá

conta da autoria, visto que há consequências relevantes, ou seja, não se pode

estabelecer divisão entre autor e pessoa, a relevância entre espaço canônico, isso

ocorre em obras estritamente literárias. A proposta de Maingueneau (2006) de que a

pessoa, o escritor e o inscritor se constituem como a pirâmide do texto enquanto o

resultado de um trabalho norteado pela incidência ou prevalência de um sujeito que

fala, produz para um outro sujeito que participará de forma ativa ou passiva nessa

produção discursiva representa a própria essência do que pode vir a ser

considerado um escritor no mundo da atividade escrita.

Essas noções de sujeito autor ou escritor/inscritor perpassam por uma

possibilidade da formação escritora, ou seja, o processo de criação está associado a

diferentes atividades desenvolvidas no decorrer da vida escolar. O escritor é uma

pessoa, mas o inscritor também produz. Sendo assim, a heterogeneidade de textos

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que circulam na escola pode transformar um aluno em escritor? Ou ele só se tornará

autor se produzir fora do contexto escolar?

Considerando as concepções de textos e o papel do aluno visto sob outro

prisma dentro da esfera escolar, há inúmeras possibilidades de se criar e/ou de se

perceber que transformar o aluno em escritor, significa criar condições adequadas

para que a produção realizada em sala de aula ultrapasse os limites da escola.

A noção de autor, ainda pouco presente nos projetos de trabalho em sala de

aula, ocupa papel central nos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa (1998).

A prática do professor, associada a uma concepção de língua como interação, pode

influenciar na formação desse autor no universo da sala de aula, mesmo

considerando as condições em que ocorre esse processo de construção textual. Há

uma possibilidade de desenvolvermos nos alunos essa capacidade de se manifestar

discursivamente por meio de práticas de escritas que tenham como referencial a

produção de textos em sala de aula a partir de atividades que viabilizem o exercício

da autoria.

Essas atividades, de acordo com Teixeira (2013), dizem respeito ao uso da

língua em situações concretas de uso, ou seja, quando elencarmos objetivos de

ensino de língua que priorizem a valorização do universo linguístico do aluno e as

possibilidades de usá-lo a favor de uma escrita em que os dizeres sejam de fato,

significativos para o mundo social. Certamente, teremos uma escola em que a

prática de linguagem será uma alegria e não uma tortura como o tem sido ao longo

da história do ensino da escrita nas escolas, sobretudo nas séries iniciais.

Uma questão crucial no processo de autoria diz respeito ao que é produzido

para ser lido por um único leitor e aquilo que só terá leitor no momento da produção,

nesse caso, o próprio aluno. As marcas que o caracterizam como sujeito/autor, serão

aquelas constituintes de sua linguagem, seu conhecimento de mundo e as possíveis

oportunidades para que ele se aproxime do produto de seu trabalho: o texto. Na

verdade, essas formas de manifestações discursivas são marcas que indiciam um

movimento na direção da construção de um texto autoral.

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3.2 Textualidade e indícios de autoria: a visão de Beaugrand, Dressler e

Possenti

O processo de produção diz respeito a inúmeros fenômenos da linguagem.

Estudar a autoria em textos escritos é fundamental para que se compreenda os

conceitos de textos e suas funções nas relações interacionais, e também a

textualidade.

Para Costa Val (1999, p. 05), chama-se textualidade o conjunto de

características que fazem com que um texto seja texto, e não apenas uma

sequência de frases. O resultado da textualidade, nesse caso, pode ser a

materialidade textual.

A autora enfatiza que tudo o que temos a expressar para outras pessoas são

textos, podendo ser falado ou escrito. Para textualizarmos, precisamos de diversos

fatores peculiares como imagem mental de cada interpretador, intenções do

produtor, contexto, unidade semântica, etc.

Beaugrand e Dressler (1983) apud Costa Val (1999, p. 05) apontam sete

fatores responsáveis pela textualidade de um discurso qualquer: a coerência e a

coesão, a intencionalidade, aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a

intertextualidade. Todos indistintamente contribuem para a construção da unidade

textual. Por isso, é imprescindível que, no processo de produção textual, o aluno

possa desenvolver o seu texto, tendo como parâmetro a significação no processo de

interação com o interlocutor.

3.3 Fatores que contribuem para os sentidos do texto

A noção de coerência conforme Koch (2014, p. 194), “não se aplica,

isoladamente, ao texto, nem ao autor, nem ao leitor, mas se estabelece na relação

entre esses três elementos”. Dito de outro modo, na atividade de escrita e também

de leitura, a coerência se dá no processo de construção de sentidos que é

constituído na relação autor, texto e leitor. É um processo que se complementa na

interação, tanto no processo de escrita em relação ao conhecimento compartilhado

entre produtor e leitor, quanto na leitura em relação ao conhecimento enciclopédico

do leitor e a atividade inferencial.

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Esse processo constitui a base para que o texto exerça de fato, uma função

de interação entre locutor e interlocutor, portanto, a coerência como fator de

intertextualidade é um dos caminhos para identificarmos indícios de autoria em

textos escolares.

Ressaltamos que a coerência depende dos “olhos” do leitor, porque em

alguns casos, o que pode parecer coerente para uns pode não o ser para outros.

Nessa decisão colabora o nosso conhecimento prévio, seja do assunto, seja dos

interlocutores. Estamos reconhecendo de alguma forma que a coerência é uma

qualidade do texto, mas é também dependente dos interlocutores que a constroem

textualmente. Conforme Alves Filho, (2005, p.35):

A contribuição da Linguística de Texto para o estudo da autoria somente pode ser observada de modo indireto, através dos estudos sobre a

coerência, já que esta [] noção tem sido apontada como de responsabilidade do autor, embora na Linguística de Texto esta responsabilidade seja mais fortemente atribuída ao leitor.

Dessa forma, o que se compreende é que a coerência responsável pela

continuidade dos sentidos do texto, não se apresenta, pois, como mero traço dos

textos, mas como o resultado de uma complexa rede de fatores de ordem linguística,

cognitiva e interacional. Assim diz Marcuschi (1986, p. 40), “a simples justaposição

de eventos e situações em que o texto pode ativar operações que recobrem ou

criam relações de coerência”, um sentido que é (re)criado à medida que ativamos

nossas relações com o mundo.

Assim como a coerência, devemos ter um olhar diferenciado para a coesão,

tendo em vista o texto, também, como estrutura que age socialmente em diferentes

perspectivas e tem em sua constituição em superfície de palavras que se organizam

conforme intuitos comunicativos e, por isso, carregam sentidos múltiplos.

Halliday & Hasan (1976, p. 04), ao estabelecerem que “a coesão ocorre

quando a interpretação de algum elemento no discurso é dependente do outro. Um

pressupõe o outro, no sentido de que não pode ser efetivamente decodificado a não

ser por recurso ao outro”.

Consideram a coesão como parte do sistema de uma língua, embora se trate

de uma relação semântica, ela é realizada - como ocorre com todos os componentes

do sistema semântico - através do sistema léxico-gramatical. Há, portanto, formas de

coesão realizadas através da gramática e outras, através do léxico. Através da

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coesão, pode-se enxergar na superfície textual as possíveis manifestações da

coerência, uma vez que, de acordo com Costa Val (1999, p. 06), “a coesão é a

manifestação linguística da coerência; advém da maneira como os conceitos e

relações subjacentes são expressos na superfície textual”. Conceito já expresso por

Beaugrand & Dressler (1981), ao entenderem que a coesão concerne ao modo

como os componentes da superfície textual, isto é, as palavras e frases que

compõem um texto, encontram-se conectadas entre si numa sequência linear, por

meio de dependências de ordem gramatical.

As relações que se estabelecem no texto, passam por processos que

direcionam a nossa capacidade de interpretação de tudo o que pode ser observado,

ser modificado no e fora do contexto em que o texto foi e/ou é produzido. Nossas

atividades discursivas se relacionam com os enunciados que construímos ao longo

das interações que vivenciamos no meio social do qual fazemos parte ou a qual

somos inseridos. Um texto, não é somente uma unidade significativa de enunciados

que interagem, mas é uma sucessão de vozes que dialogam e assim, formam um

todo de plurissignificações.

3.4 As diversas vozes presentes no texto: heterogeneidade marcada e não

marcada

Vozes que se cruzam e atividades discursivas que movimentam o texto na

esfera sociocomunicativa são ações que conduzem o processo de produção textual.

O dialogismo pode ser entendido como as múltiplas vozes presentes num discurso.

Uma reflexão acerca da abordagem enunciativa e discursiva constitui uma

das bases para a compreensão dos enunciados e dos efeitos destes nas produções

textuais em sala de aula. Falar em heterogeneidade significa atribuir ao sujeito a sua

capacidade de se marcar de forma explícita e implícita num discurso que o

caracteriza ou que o define através de suas vozes representadas por uma

perspectiva de interação que só é possível quando o mesmo enuncia textualmente.

Quando falamos em múltiplas vozes, nos referimos a essa capacidade que o

sujeito possui de (re)construir enunciados e assim demarcar a sua fala, a sua escrita

num universo em que dizer de um jeito pode gerar múltiplas interpretações. Por isso,

falar em múltiplas vozes presentes no discurso, nos remete à noção de

heterogeneidade e sugerem autorias enunciativas que se classificam em locutor,

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enunciador e autor. O locutor é aquele que se apresenta como o eu no discurso, o

enunciador é a perspectiva que esse “eu” constrói e o autor, é a função social que

esse “eu” assume enquanto produtor da linguagem.

A propósito, Authier–Revuz (2004), discute a noção de heterogeneidade

discursiva, ou seja, a presença do outro no discurso. E divide a polifonia em dois

tipos: a heterogeneidade mostrada, ou não mostrada, e a heterogeneidade

constitutiva. Nesta última, há a interferência de vozes implícitas no discurso sem que

o sujeito tenha consciência de onde vem, enquanto que a primeira compreende

vozes explícitas do outro no discurso, sendo subclassificadas em formas não

marcadas (discurso indireto livre, ironia, pastiche, imitação, alusão, antífrase), e

formas marcadas como discurso direto e indireto (aspas, itálico, entonação

específica, comentário, glosa, ajustamento, remissão a outro discurso).

O locutor, ao fazer uso das formas de heterogeneidade mostrada, assinala em

seu discurso o lugar do outro para distanciar ou negar sua presença e acaba

configurando a não unicidade do discurso. Esses processos são fundamentais para

a formação discursiva, ou seja, para as formações discursivas (interdiscursividade)

que promovem a construção de sentidos na interação verbal, a heterogeneidade

representa as vozes sócias que circulam nos discursos.

Conforme Bentes (2010), a produção textual é delimitada a um só tempo pelo

produtor/escritor e pelo ouvinte/leitor. O produtor de um texto delimita suas fronteiras

por meio de um conjunto de ações de natureza sociocognitiva e linguística. Digamos

que o autor do texto é responsável pela significação que este texto vai produzir

como materialidade linguística. Afirma ainda:

Pensar na intenção do autor implica adotar uma perspectiva sociocognitiva para o tratamento dos textos, já que nem sempre é possível ter acesso à intenção real do autor, nem se pode ignorar que esta intenção existe, no mínimo como uma estratégia que é posta em funcionamento nos processos interativos. Ou seja, a intenção, assim como a própria autoria, é operada estrategicamente pelos sujeitos a partir de pistas do discurso e das representações sociais postas em jogo (BENTES, 2010, p. 406).

A autoria envolve assim, um jogo de dizeres e fazeres sustentados em

elementos linguísticos textuais, sobretudo no que se refere aos fatores de

textualidade. O jogo de sentido nas práticas discursivas é bem representado quando

o sujeito discursivo apresenta de forma autônoma o seu domínio de linguagem, o

qual se transforma num discurso ativo responsivo.

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3.5 Os PCNs e a questão da autoria

Um dos objetivos deste trabalho é analisar se há nos textos selecionados

para análise, marcas de singularidade que indiquem movimentos de autoria. Nos

fundamentaremos na noção de autoria proposta por Possenti (2002; 2009), para

avaliação de textos escolares. Antes fazemos uma breve discussão do que dizem os

PCNs (1998b) e as DCEs (2013) sobre autoria nos tópicos que se referem à prática

da escrita e à avaliação de produção textual escrita.

A questão da autoria nos PCNs é muito pouco falada, observamos no tópico

“Produção de Textos Escritos”, que o documento propõe categorias didáticas para

ensinar a produzir textos para que os alunos:

[...] possam construir os padrões da escrita, Apropriando-se das estruturas com posicionais. Do universo temático e estilístico dos autores Que transcrevem, reproduzem, imitam. É por meio da escrita do outro que durante as práticas de produção, cada aluno vai desenvolver seu estilo, suas preferências, tornando suas as palavras do outro (BRASIL, 1998, p. 77).

Percebemos nessas considerações feitas pelo documento, que no trabalho

com a produção escrita, a língua é tomada como um objeto externo ao sujeito e que

por isso pode ser por ele dominado. Nesse caso, o sujeito captaria a língua escrita.

Essa perspectiva diverge do que propõe Britto (2003): para o autor a língua é o meio

privilegiado de interação entre os homens, sendo assim o sujeito é capturado pela

língua escrita. Os PCNs falam sobre o ofício de autor antes de apresentar as

categorias didáticas para o ensino da produção textual.

Entendemos que nos PCNs um autor é um indivíduo que executa uma tarefa:

escrever sua obra. Um autor para realizar essa tarefa conta inclusive com apoio de

vários outros profissionais, o que diferencia do aluno que na maioria das vezes

coordena o fazer de sua escrita sozinho. Podemos crer que há nesse caso, uma

visão empírica do autor: um autor é aquele que produz uma obra, em um texto, no

caso do aluno. Para os PCNs, tanto o processo de redação do texto quanto o de

refacção é tarefa bastante complexa, tendo em vista o fato de que ele os realiza de

forma solitária.

As quatro categorias pedagógicas propostas: transcrição, reprodução,

decalque e texto de autoria na tentativa de reduzir essa complexidade (BRASIL,

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1998, p. 76). Essas categorias representariam níveis de complexidades

diversificados em relação a “o que dizer” e a “como dizer”. Com relação ao texto de

autoria, os PCNs assim se posicionam: “nas atividades de produção que envolvem

autoria ou criação, a tarefa do sujeito torna-se mais complexa, porque precisa

articular ambos os planos: o do conteúdo - o que dizer - e o da expressão - como

dizer” (BRASIL, 1998, p. 76).

Nesse caso, podemos confirmar a ideia de autor como ser empírico que

domina o ato de escrever e, portanto, pode realizá-lo. Acerca das categorias

didáticas, os PCNs destacam ainda, que não se deve estabelecer uma progressão

linear entre elas, pois “é em função do que os alunos precisam aprender que se

selecionam as categorias didáticas mais adequadas” (BRASIL, 1998, p. 77). No

entanto, adverte:

Começa-se e termina-se pela tarefa mais complexa, o texto de autoria do aluno: para poder mapear o que sabe sobre o gênero que está sendo estudado e o que precisa aprender, projetando as ações didáticas necessárias ou para avaliar os efeitos do trabalho realizado (BRASIL, 1998, p. 77).

Percebemos nesse alerta que o texto é denominado de texto de autoria pelo

fato de sua produção ser atribuída ao aluno e por conta do que diz o texto: o texto

seria um dizer singular do aluno, um dizer construído por ele e sobre ele,

representando um saber contínuo.

Esse dizer singular pode ser também compreendido como a única forma de

representação linguística discursiva que faz parte do universo de aprendizagem do

aluno. Essa representação linguística discursiva e operações discursivas são

destacadas por Cavalcanti (2010, p. 101), “como aquelas que envolvem a coesão”.

Essas operações discursivas dizem respeito à relação de retomadas anafóricas e a

produção de textos, o que pode causar um efeito de sentido e até de inversões

discursivas nas atividades de linguagem escrita.

Quando falamos dessas categorias, podemos também destacar que os

elementos de textualidade como a coesão e a coerência são partes da construção

de autoria do aluno quando produz o seu texto. Falaremos desses critérios em uma

outra parte do trabalho, porque consideramos fundamental que tanto a coesão

quanto a coerência possam sim, indicar a competência de escrita do sujeito-autor.

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Com relação aos critérios de avaliação de aprendizagem dos textos escritos,

a questão da autoria não é considerada, nem mesmo do ponto de vista do próprio

documento. Para o processo de avaliação, os critérios baseiam-se nos fundamentos

teóricos da Linguística Textual (LT), as discussões acerca de cada critério deixam

claras que a autoria não é considerada como ponto crucial na aprendizagem da

escrita:

• Redigir textos na modalidade escrita nos gêneros previstos para o ciclo, considerando especificidades das condições de produção. • Escrever textos coerentes e coesos, observando as restrições impostas pelo gênero. • Redigir textos utilizando alguns recursos próprios da produção escrita relativas à paragrafação, pontuação e outros sinais gráficos, em função do projeto textual. • Escrever textos sabendo utilizar os padrões da escrita, observando regularidades linguísticas e ortográficas. • Revisar os próprios textos com o objetivo de aprimorá-los. • Utilizar os conceitos e procedimentos na prática de análise linguística (BRASIL, 1998, p. 97-98).

Percebemos assim, que nos critérios propostos pelos PCNs para a avaliação

de aprendizagem dos textos escritos há uma preocupação maior com a superfície do

texto. A questão da autoria não é lembrada como critério de avaliação. Quando o

documento fala em autoria, pensamos a ideia que deixa entrever ou perceber é de

uma autoria como produção textual do indivíduo, um dizer produzido por ele e sobre

ele.

Esse dizer é representado por um discurso singular do sujeito que escreve e

em que condições esse dizer é produzido. Embora não considerando o dizer como

estilo único, podemos defender a ideia de uma singularidade perceptível somente na

materialidade do discurso, ou seja, no texto.

3.6 Orlandi e a visão sobre texto e discurso

Nossa perspectiva neste trabalho, a partir da Linguística Textual, texto e

discurso são tomados como constituintes tendo em vista que a existência de um

está atrelada ao que pode ser revelado no outro em termos de apresentação

linguística. Ao trabalharmos com definições de língua, linguagem, texto e discurso,

diversos são os caminhos e as teorias. No entanto, o que nos permite tomar a

palavra do outro para construir a nossa visão acerca da compreensão das relações

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que se estabelecem e o que podemos elencar como imprescindíveis desses termos

para o nosso dizer constitui um desafio e uma busca que vai além da visão que

temos do texto ou da língua.

Gallo (1989, p. 22), define discurso “como prática linguística de um sujeito em

determinadas condições de produção (sociais, políticas, históricas, etc.)”. O texto é,

então, considerado como o produto de um discurso. Texto e discurso são assim,

tomados como elementos complementares na cadeia social da linguagem. A

fronteira que demarca a diferença entre ambos só pode ser compreendida mediante

uma prática de leitura e de interpretação do seja um em detrimento do outro.

“Se o discurso é a prática de um sujeito em determinadas condições de

produção, o que o caracteriza (e torna possível uma tipologia) são esses dois

elementos: o sujeito e as condições de produção” (GALLO, 1989, p. 23). A definição

de texto e sua relação com o discurso, não pode ser considerada fora de uma

prática de linguagem em que o sujeito se manifesta conforme as suas condições de

se representar textualmente. Conforme Orlandi (2013, p. 69), “se o texto é a unidade

de análise, só pode sê-lo porque representa uma contrapartida à unidade teórica, o

discurso, definido como efeito de sentidos entre locutores”.

Esse sentido que é construído nas relações entre sujeito, texto e

representações discursivas. O texto pode ser esse fato discursivo do qual nos fala

Orlandi (2013), mas é também a forma de manifestações orais e escritas dos

sujeitos quando estes se propõem a efetivarem os seus dizeres. Texto e discursos

são assim, duas entidades que geram discussões e pontos de vistas diferenciados,

entretanto, nas suas formas mais elementares constituem a base para

compreendermos como a linguagem é complexa se nos determos somente nas

questões teóricas. Porque a língua é essa ação do sujeito no mundo e para o

mundo, quando este diz o que diz, para quem e como o diz e, assim, produzem uma

cadeia de enunciados capazes de mudar as relações por meio da multiplicidade de

interpretações desses enunciados nos discursos.

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CAPÍTULO IV

DELINEANDO OS RESULTADOS DA PESQUISA: INDÍCIOS DE

AUTORIA NAS PRODUÇÕES TEXTUAIS

Este capítulo trata da metodologia e da forma como a pesquisa foi realizada.

Esse trabalho segue alguns procedimentos já adotados por outros pesquisadores do

tema, uma vez que existem muitas pesquisas voltadas para o processo de escrita de

redações em diferentes aspectos.

4 PERCURSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Para a realização do trabalho, percorremos caminhos difíceis, porque

pesquisar sobre a prática de produção textual é envolver-se com uma parte do

ensino que enfrenta muita resistência, que é a própria produção de texto.

Nesse percurso, conduzimos a pesquisa sob um caráter hipotético-dedutivo

no que concerne ao modelo metodológico. Conforme tal modelo, teríamos “o

surgimento, em primeiro do problema e da conjectura, que serão tratados pela

observação e experimentação” (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 72). Mediante isso,

detectou-se, inicialmente, uma problemática. A seguir, elencamos as hipóteses,

dentre as quais: marcas textuais que se constituem como pistas que assinalam o

modo de enunciar do produtor; inscrição composicional e estrutural que expressem

um movimento revelador de autoria, considerando-se as condições socioculturais e

históricas nas quais esses textos foram produzidos. Partindo do pressuposto que

esse movimento indiciário (discricional) de autoria se marca quando a “voz” do

sujeito produtor sobressai autônoma na inter-relação com as demais “vozes”

presentes no discurso, (BAKHTIN, 2003, 347-348).

Devemos destacar que, seguindo os procedimentos do método escolhido

para o desenvolvimento do nosso trabalho, a confirmação ou possíveis refutações

de nossas hipóteses em relação aos textos dar-se-ão a partir dos limites

estabelecidos para a observação.

Quanto à abordagem, a pesquisa possui caráter qualitativo, já que foi feita

uma análise de cunho interpretativo, possibilitando observação, descrição e

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explicação dos dados; para, então, em seguida, propor uma discussão. A escolha

por tal condução se dá pelo fato de que “numa busca qualitativa, preocupamo-nos

menos com a generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da

compreensão de um grupo social”, no caso, o contexto escolar (MINAYO, 1998, p.

102).

Conforme Marconi e Lakatos (2010, p. 269), a metodologia qualitativa

“preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a

complexidade do comportamento humano”. A análise e a interpretação dos dados da

pesquisa podem estar inseridas na perspectiva metodológica qualitativa, por

entender-se que, de alguma forma, textos produzidos em sala de aula são

resultados também de comportamentos dos sujeitos, no caso, dos alunos da escola

pesquisada.

O corpus da pesquisa é composto de dez textos de tipologia narrativo-

descritiva produzidos por estudantes do nono ano do Ensino Fundamental em

situações reais de sala de aula. Os procedimentos de coleta de dados obedeceram

às etapas que serão explicitadas a seguir.

4.1 Escolha do local da pesquisa

O trabalho de pesquisa foi realizado em uma unidade de ensino pública,

localizada na zona urbana da cidade de Picos (PI). A instituição funciona nos três

turnos, com todas as séries da Educação Básica, trabalhando no período diurno com

crianças dos 10 aos 17 anos; e à noite, com as mais diversas faixas etárias. Um

diferencial da escola é o fato de possuir uma sala multifuncional com atendimento

especial para alunos com transtornos globais de aprendizagem, dispondo de

profissionais com habilidades específicas para atender esse público; entretanto, os

alunos que frequentam esse módulo especial de ensino são, em sua maioria,

oriundos de outras escolas.

No decorrer de uma trajetória profissional, muitos questionamentos surgem no

que se refere a algumas práticas em sala de aula, como: Por que em algumas

escolas o trabalho com a escrita produz nos alunos interesse para a construção

constante de textos diversos e em outras, não? Ou por que, mesmo sabendo da

importância de um trabalho efetivo com a escrita, “nós”, professores de Língua

Portuguesa, não conseguimos desenvolver atividades que instiguem nossos alunos

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para uma prática de textos competente em discursos que os representem? Esses

questionamentos nos levaram ao tema do estudo e à escolha de uma realidade de

ensino para ser observada.

A escolha dessa escola está ligada a uma série de razões, porém,

elencaremos aquelas observações que nos levaram a alguns pressupostos: a) os

professores de Língua Portuguesa da referida escola, em especial os professores do

nono ano, aplicam poucas atividades de escrita porque os alunos apresentam muita

resistência à atividade, embora a escola desenvolva, constantemente, projetos

interdisciplinares, voltados para o desenvolvimento sociocultural dos alunos, nos

quais a escrita é fundamental. Mesmo assim, há a desmotivação para a escrita em

sala de aula; b) o trabalho realizado com a escrita em sala de aula ocorre, muitas

vezes, com o único objetivo de atribuir uma nota ou de adicionar um valor à

avaliação mensal e/ou bimestral.

Ressaltamos que, no decorrer do trabalho, foram aplicados textos diversos

em turmas do nono nas quais a observação foi realizada. No entanto, a seleção dos

textos foi feita com textos de uma turma, o critério principal para essa delimitação foi

a limitação do tempo para a produção de uma dissertação de mestrado. Para

atender ao objetivo da pesquisa, portanto, destacamos doze textos dentre os quais

nós tínhamos, sem haver, necessariamente, entre eles critérios de exclusão.

Outro fato que contribuiu para o desenvolvimento da pesquisa foi a

receptividade da direção da escola, da professora e dos alunos que, prontamente,

se dispuseram a colaborar com o estudo.

A professora da turma tem formação em Letras/Português e Letras/Espanhol,

com especialização em Linguística. Exerce também a função de professora

substituta da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).

A Unidade Escolar, aqui citada, é uma escola bem localizada, portanto, de

fácil acesso. Isso influencia o grande número de alunos frequentando as diferentes

modalidades da Educação Básica, considerando que, na maioria das escolas

públicas estaduais de Picos, o número de alunos tem diminuído continuamente, em

particular na zona urbana.

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4.2 Sujeitos da pesquisa

Para a realização do estudo apresentado observamos trinta alunos do nono

ano do Ensino Fundamental II da escola descrita, a partir do método de amostras

aleatórias simples (LAVILLE; DIONNE, 1999) selecionamos dez textos para serem

analisados conforme os objetivos do estudo.

4.3 Procedimentos para coleta de dados

A pesquisa de campo foi realizada por etapas, uma vez que selecionada a

escola, escolhemos a turma do nono ano, por ser um momento crucial na formação

educacional dos sujeitos nessa fase de ensino.

Muitos aspectos cercam o alunado, começando pelo fato de ser uma fase em

que os jovens estão entrando na vida adolescente, e isso implica mudanças

biológicas e comportamentais, assim como o fato de eles estarem encerrando uma

etapa de formação (Ensino Fundamental) e iniciando outra (o Ensino Médio).

Podemos verificar, conforme os PCNs (1998), que é nesse momento que esses

sujeitos estão assumindo uma nova identidade, buscando sua própria autonomia, o

que se reflete tanto na sua linguagem, quanto na forma de enxergarem o mundo.

Inicialmente, nos propusemos a acompanhar como as aulas eram conduzidas

e se havia formas de instigar os alunos a escreverem com mais naturalidade; mas,

vimos que as atividades de escrita ainda estão presas à questão da nota.

Observamos oito aulas de Língua Portuguesa, nas quais foram realizadas diversas

atividades. Porém, aquelas relacionadas à prática de escrita foram esporádicas,

considerando que o objetivo maior era voltado para os conteúdos gramaticais, tendo

em vista que o período de observação coincidiu com a proximidade das datas de

avaliações semestrais.

No decorrer das observações, duas aulas foram essenciais para a

organização do corpus, pois se desenvolveram a partir de atividades de práticas de

escrita. Nessas aulas, a professora planejou e desenvolveu atividades de escritas

diferenciadas: na primeira, trabalhou com um tema livre e na segunda, desenvolveu

a atividade com apoio na exibição de trechos do filme „O Circo‟4 de Charles Chaplin.

4 O CIRCO (The Circus). Charlie Chaplin Produções. 1928. EUA. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=M28IMFrkBgw >. Acesso em: 15 mar. 2015.

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Optamos por escolher textos da atividade com o filme “O circo”, por

considerar que a forma desenvolvida poderia indicar possibilidades de enxergar nos

textos produzidos pelos alunos, indícios de autoria ou pelo menos, tentativas de

movimento autoral. Um texto modelo, apresentado pela professora, nos pareceu

que, sob o ponto de vista da professora, constituiria um referencial para que o aluno

tivesse iniciativa para escrever. Com objetivo de complementar o filme, e “assegurar”

o entendimento do aluno, a professora produziu uma descrição das cenas, o que a

levou a escrever uma narrativa, expondo seu texto para a turma em slide, como um

guia para a produção escrita. A indicação da escrita teve como elemento preliminar

além do filme uma discussão oral, seguida daquele modelo de texto à disposição

dos alunos no recurso audiovisual.

4.4 Atividade em sala de aula

Ao término da exibição de trechos do filme “O Circo”, de Charles Chaplin5, a

professora promoveu uma discussão entre os alunos, acerca dos acontecimentos da

trama. Alguns alunos relataram que o filme era sem graça, outros o avaliaram como

divertido. Muitos tiveram certa resistência em escrever o texto com a proposta de

recontar a história no filme.

Em seguida, a professora apresentou seu texto contendo o trecho exibido, o

qual, segundo ela, foi produzido para “facilitar” a escrita dos alunos. No final da

atividade, os textos foram recolhidos, lidos pela professora, alguns até corrigidos.

Mas dos textos que foram corrigidos pela professora nós não os selecionamos para

a pesquisa.

Após a coleta de dados, fizemos uma leitura atenciosa das produções

entregues pela professora e, por ela autorizada o acompanhamento. Como seria

inviável, em razão do pouco tempo disponível para a realização da pesquisa, seguir

o estudo analisando trinta textos, selecionamos dez, de modo aleatório, para a

seguir verificar se eles atendiam aos objetivos elencados.

5 Ator, diretor, produtor, roteirista, compositor e mímico londrino (1889 – 1977).

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4.5 Procedimentos para análises

Nesta seção, apresentamos uma proposta de análise dos textos a partir de

uma perspectiva de estudo que evidencia uma dimensão fundamental da escrita do

texto, a qual deve ser explorada em sala de aula, a dimensão discursiva. Os

documentos oficiais, PCNs (1998) ressaltam que a competência discursiva do aluno

é desenvolvida mediante uma prática de leitura e escrita e que valorize todas as

suas habilidades sociais e cognitivas frente aos inúmeros desafios que o processo

de aprendizagem exige.

Segundo Orlandi (1988), o conhecimento do aluno é suposto pela escola,

entretanto, a forma como as atividades de ensino são realizadas demonstra uma

relação coercitiva do método de ensino sobre o processo de aprendizagem. A escola

não tem considerado o conhecimento enciclopédico trazido pelo aluno, quando este

vem para o universo escolar.

Optamos por observar, inicialmente, os elementos textuais escolhidos pelos

alunos na escrita e o modo como funcionam discursivamente. A observação seguiu a

perspectiva dialógica, considerando vários discursos entrelaçados: a linguagem do

filme, a narrativa da professora, as vivências do aluno e sua forma de recontar.

Esses discursos em aproximação, contrastes ou como tributários de um “texto

motivador”.

Essa movimentação dialógica foi observada de modo a identificar nos textos

uma expressividade não só do ponto de vista de ação singularizada com os recursos

da língua, mas também da expressividade discursiva, procurando revelar uma

escrita espontânea, em que se nota a existência de um novo enunciado produzidos

a partir do texto proposto. Conforme Bakhtin (2003, p. 348) é “na inter-relação com

as palavras dos outros que se completa o sentido de um novo enunciado” e nesse

processo se determina o estilo que, para esse autor, é a atitude responsiva ativa do

sujeito, ou seja, o sujeito constrói sentidos de sentidos e, nesse jogo de vozes, a

compreensão se integra continuamente.

Essa reflexão do autor nos orienta para uma compreensão de linguagem

integrada: homem, mundo, história, sociedade, sendo constructos indissociáveis,

uma vez que a linguagem permite ao sujeito manter uma relação consigo mesmo e

com o mundo. O contexto demarca essa relação, a partir do uso e da forma como

esse sujeito atribui sentido ao que escreve e como escreve.

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Um texto pode ter muitos sentidos, mas não todos e quaisquer sentidos, e

aquele projetado ou intencionado pelo autor pode ser percebido pelas marcas que o

constituem, pela forma como o produtor se posiciona no seu “dizer”, que não é

único; entretanto, é permeado por marcas de singularidade e por estilos próprios

capazes de unificá-lo como produtor.

A autoria está associada ao que nos referimos como singularidade ou com

estilo próprio, pois na nossa concepção, a autoria é o que pode diferenciar o nosso

olhar sobre o trabalho do aluno, visto que nos moldes tradicionais, as questões de

“certo” e “errado” sempre permearam a escrita do aluno e o trabalho de correção e

avaliação feito pelo professor.

No capítulo a seguir, apresentamos a forma como a professora abordou a

temática do filme e assim, construiu uma estratégia para realizar a atividade de

escrita que culminou no objeto de estudo da pesquisa.

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CAPÍTULO V

ENSINO E PRODUÇÃO ESCRITA

Pensar o texto a partir de uma abordagem enunciativa, significa compreender

em que aspectos esse texto se assemelha com as práticas discursivas. Sendo

assim, o trabalho com o texto em sala de aula, considerando as diferentes formas de

interações as quais o aluno tem contato, significa uma possibilidade de inserção de

novas práticas associadas a diferentes textos que circulam socialmente.

Neste capítulo, faremos uma abordagem acerca do filme utilizado pela

professora em sala de aula. Nessa abordagem, apresentamos um pouco da vida e

obra de um ícone do cinema mundial Charles Chaplin.

5 FILME “O CIRCO”

5.1 Charlie Chaplin e o icônico Vagabundo

Charles Spencer Chaplin nasceu em abril de 1889, em Walworth, subúrbio de

Londres. Originário de uma família de artistas, sendo seu pai, Charles Chaplin, e sua

mãe, Hannah Harriette Hill, artistas do Music Hall londrino. Teve uma infância difícil,

sobretudo após o abandono do pai e os problemas psiquiátricos pelos quais sua

mãe passou. Chegou a morar num abrigo para crianças órfãs, junto de seu irmão

mais velho, enquanto Hannah se recuperava.

A oportunidade de subir aos palcos surgiu ainda criança, quando sua mãe,

muito debilitada, não pode continuar em determinada apresentação. Chaplin então,

aos cinco anos de idade, a substituiu majestosamente, cantando e representando de

acordo com os ensaios que viu da sua mãe (ALVES, 2007).

A partir daí, o jovem Charles começou a frequentar o teatro, local onde pode

demonstrar, pela primeira vez, o seu grande talento para a interpretação. O artista

tirou de sua vivência nos orfanatos e nas ruas, os elementos que utilizaria mais tarde

nos roteiros dos filmes que dirigiu e interpretou. Passou por diversas peças teatrais,

uma companhia de bailarinos, ganhou emprego de comediante em um circo até que

foi contratado pela companhia do acrobata Fred Karno, conhecida na época em toda

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a Europa. Foi lá que desenvolveu suas habilidades em mímica, fazendo enorme

sucesso e logo sendo chamado para compor turnês pela companhia (BITENCOURT

et. al., 2008).

O início da carreira internacional veio com a viagem da Companhia Fred

Karno para se apresentar em Paris e logo depois, uma viagem para os Estados

Unidos. Em meio ao fracasso da turnê pela América, o jovem comediante destacou-

se, recebendo diversos elogios da crítica especializada. Em pouco tempo, entrou em

contato com a companhia de filmes americana Keystone Comedy, assinando pela

primeira vez na carreira, um contrato para ser ator de cinema (SOARES, 2008).

A época era 1914 e o cinema ainda era mudo, com imagens em preto e

branco. Chaplin foi contratado por essa companhia cinematográfica e ficou animado

com o novo palco que lhe esperava. Mas durante alguns dias, ele observara

atentamente e se questionara acerca da adequação ao novo ambiente, pois vinha

do teatro onde o som e os ensaios eram fundamentais. Charles buscou criar uma

nova forma de atuar, algo novo, nunca antes visto até então (BAPTISTA; MARTINS,

2011).

Em seu segundo filme na Keystone, “Corrida de automóveis para meninos”

(1914), criou um personagem que marcaria para sempre a história do cinema: o

“Vagabundo” (mais conhecido nos países de idioma espanhol como “Carlitos”), um

simpático homenzinho, sem condições financeiras, porém de grande dignidade,

trajando grandes sapatos, calça folgada e casaco apertado, um chapéu-coco, bigode

e uma bengala de bambu.

O Vagabundo refletia muito da infância vivida por Charles. A vida das pessoas

no subúrbio londrino proporcionou a inspiração para a criação do personagem e

suas principais características, desde o bigodinho preto ao icônico andar. O

personagem era delicado, melancólico, travesso e valente. Misturava comédia com

drama e todas as pessoas podiam se identificar com ele (SOARES, 2008). Charles

queria tocar as pessoas com aquele personagem. Lourenço (2008, p. 4) explica que:

O vagabundo não tem ilusões, enfrenta o mundo real sem se evadir de suas injustiças, no entanto, nunca perde a esperança e acredita na possibilidade da construção de um futuro melhor, ou seja, apesar de praticamente tudo conspirar contra seu sucesso, acredita na busca pela felicidade, representada pelo símbolo das “estradas” presentes nos finais de um número significativo de seus filmes, tanto nos fazendo questionar o mundo que estamos vivendo, como nos induzindo a pensar outras perspectivas de relações sociais.

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Rapidamente o personagem de Chaplin ganhou a admiração do público. Para

Lourenço (2008, p. 12), “o gestual eminentemente atributivo, o sombreado dos olhos

tristes e negros, a pequenez do corpo, a ingenuidade do sorriso, a melancolia da

máscara, desperta no espectador o desejo de proteger e acalentar o personagem”.

Ao longo dos anos, o personagem foi sendo moldado e ganhando novas

características, incorporando um forte sentimento de contestação social. A partir da

criação do Vagabundo, Chaplin percorreu várias companhias cinematográficas, nas

quais produziu grandes sucessos como, por exemplo, “O Imigrante”. Neste, eram

mostradas a situação social dos imigrantes que chegavam aos Estados Unidos e a

forma desumana como eram tratados (SOARES, 2008).

Em 1918, Chaplin inaugurou o seu próprio estúdio em Hollywood, passando a

ter absolutos direitos autorais sobre seus filmes. Com propriedade total sobre a

criação dos filmes e mais um estúdio a sua disposição, Charles produziu os maiores

sucessos de sua carreira: “O Garoto” (1921), “Em Busca do Ouro” (1925), “O Circo”

(1928), “Tempos Modernos” (1936) e “O Grande Ditador” (1940).

Com mais liberdade criativa e agora dono de suas próprias obras, Chaplin

aprofundou o debate sobre os temas da sociedade moderna em seus filmes. A

postura mais incisiva e desafiadora virou alvo de diversas críticas:

Em 1936, Chaplin apresentou Tempos Modernos, uma sátira à sociedade industrial e ao maquinismo que fez do homem uma simples ferramenta do processo produtivo. Muito criticado, o ator foi acusado de ser simpatizante do comunismo. As perseguições se intensificariam no momento em que preparava o roteiro de O Grande Ditador, uma sátira à figura de Hitler. Agentes diplomáticos alemães e organizações fascistas dos Estados Unidos pressionaram sem sucesso para que o artista desistisse desta produção (SOARES, 2008, p. 14).

As pressões para Chaplin não produzir o filme foram em vão. Dois meses

após o início da Segunda Guerra Mundial, “O Grande Ditador” foi lançado. Nos

filmes de Chaplin, de acordo com Araújo (2011, p. 71),

A linguagem cinematográfica transforma-se em pensamento profético, denunciando as mazelas dos sistemas que teimam em manter o ser humano submisso, curvado às injustiças sociais, ao mesmo tempo em que proclama novos tempos, de justiça, de paz e de liberdade.

Nessa mesma perspectiva, Sanches (2008, p. 16) aponta que:

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Apesar da maneira informal e artística com que Charles Chaplin elaborou as suas crenças, o artista conseguiu ao longo de sua trajetória no cinema [...] reunir argumentos que remontaram às hostilidades e misérias que lhe foram contemporâneas e à necessidade de “humanizar” a sociedade, esta tomada por ele não apenas como um povo, um país, uma cultura ou uma civilização, mas como um conjunto de homens e mulheres heterogêneo e universal.

O distanciamento e uma visão mais crítica em relação à sociedade moderna é

o elemento central da tragicomicidade das obras de Chaplin. Suas obras abordavam

temas de grande relevância no contexto histórico, tais como: a luta de classes,

preconceitos, desigualdade social, exploração do trabalho e política. Nenhum outro

artista do século XX condensou tantas ideias e emoções do homem comum de

forma tão simples, profunda e coberta de significados (LOURENÇO, 2008).

A seguir tratamos de uma das obras primas de Chaplin, o filme “O Circo”,

utilizado pela professora na prática de textos.

5.1.1 “O Circo”

Em “O Circo” de 1928, Charles Chaplin exibe a saga do vagabundo Carlitos, o

simpático homenzinho que em meio a uma perseguição policial pelo roubo de uma

carteira, acaba invadindo por acidente, um espetáculo circense e se apaixonando

pela filha do dono do circo.

Último filme de Chaplin, antes do advento do cinema sonoro, o ator chegou a

receber em 1929, um Oscar honorário pelo filme, em merecimento a sua

versatilidade e genialidade em atuar, escrever, dirigir e produzir. Segundo Siqueira

(2010, p. 01):

Certamente um dos longas mais engraçados da carreira de Charles Chaplin, “O Circo” destaca-se pelas divertidas gags visuais, mas abre espaço também para pequenas reflexões, ainda que de maneira leve e descontraída. A inspiração e o talento deste genial ator e diretor para provocar o riso podem ser comprovados neste divertido filme, que antecedeu aquelas que talvez sejam as maiores obras da carreira deste inglês que marcou a história da sétima arte e da própria humanidade.

Para a Folha de São Paulo (2012, p. 01), “a proximidade entre o humor

circense e a natureza física da comédia burlesca revela bastante das origens do

mítico personagem, cobrindo-o com uma camada a mais de graça”.

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No filme, Carlitos é perseguido por um policial que o acusa de roubar uma

carteira. Acidentalmente, o vagabundo invade um espetáculo circense no meio da

apresentação dos palhaços que há muito não conseguem arrancar uma única risada

da plateia. Porém, a situação muda quando Carlitos, em meio à confusão da

perseguição, faz suas trapalhadas e arranca gargalhadas e aplausos do público, que

sem saber o que de fato acontece, acredita que aquilo é parte do espetáculo. Nesse

momento, o dono do circo, vê no vagabundo uma oportunidade para recuperar o

humor nas apresentações e salvar seu espetáculo da falência.

O vagabundo de Chaplin é encantador e peculiar, conquista todos ao seu

redor, pela sua simplicidade e dignidade:

Charles Chaplin, em seu filme O Circo, reflete sobre a construção dos números de palhaço. Na cena em que outros palhaços tentam ensinar a Carlitos, personagem de Charles Chaplin, como fazer o riso, Carlitos faz tudo errado, sujando todos, inclusive o dono do circo, que o manda ir embora. A beleza deste palhaço está nas suas imperfeições. Ele se torna a estrela principal do circo porque é diferente dos outros palhaços. Os palhaços, nesse filme, reproduzem cenas tradicionais e Carlitos se distingue deles por ter uma lógica individual para a realização de seu trabalho no espetáculo e por trazer consigo elementos próprios e singelos. Não reproduzindo os números tradicionais, os recria com a sua graciosidade e poesia. O ridículo, as dificuldades, a espontaneidade e as falhas são próprias de Carlitos (GOMES, 2007, p. 32).

Carlitos não tem família, amigos, propriedade, nem pátria, vive sempre o

presente, tendo que a todo dia e hora, procurar um abrigo seguro para dormir,

conseguir um prato de comida e fugir das injustiças. Ainda assim, é sempre caridoso

com as outras pessoas, mesmo nas situações mais contraditórias, como na cena em

que prepara sua comida, dispondo de apenas uma fatia de pão, divide com uma

garota igualmente com fome (LOURENÇO, 2008).

Mais tarde, o vagabundo tomaria conhecimento de que aquela é a filha do

dono do circo, a bailarina Merna, castigada de todas as formas pelo pai, e pela qual

ele se apaixonaria ao longo do filme. Um dos pontos altos da trama é justamente a

relação entre o vagabundo e a bailarina, que encontra em Carlitos um amigo

disposto a ajudá-la nos momentos difíceis.

É durante um dos momentos dessa relação que o filme nos proporciona a

cena utilizada pela professora para a atividade em sala de aula com os alunos.

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5.1.2 A cena na jaula do leão

Infelizmente, a professora não exibiu todo o filme em sala de aula.

Acreditamos que a disponibilização do material em sua forma integral seria uma

ótima oportunidade para aplicar atividades diversificadas com mais possibilidades

para investir em práticas de textos que oportunizassem a expressividade dos alunos.

A cena utilizada para a atividade foi um pequeno trecho retirado do filme. Mais

especificamente, a cena do minuto 37:30s ao minuto 40:30s. Na referida cena,

Carlitos é perseguido por um cavalo furioso. Em meio à fuga, o vagabundo acaba,

acidentalmente, adentrando na jaula de um leão. Assustado, ao perceber que está

diante da fera (para sua sorte ela ainda dormia), ele tenta abrir a porta, mas acaba

se trancando ao mexer no ferrolho. Tem início, então, uma divertida cena, cheia de

reviravoltas e momentos de tensão.

As imagens e os diálogos estão disponibilizados logo abaixo, em 19 trechos

separados e descritos com o que ocorre em cada momento:

TRECHO 01

TRECHO 02

Imagem 1 - Carlitos foge do cavalo furioso, que o persegue.

Imagem 2 - Carlitos, fugindo do cavalo, entra acidentalmente na jaula do leão.

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TRECHO 03

TRECHO 04

TRECHO 05

Imagem 3 - Carlitos se assusta, ao perceber que entrou na jaula do leão (que ainda dorme).

Imagem 4 - Carlitos tenta abrir a porta,

mas acaba se trancando por dentro.

Imagem 5 - Carlitos tenta abrir uma segunda porta para sair da jaula.

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TRECHO 06

TRECHO 07

TRECHO 08

Imagem 6 - Porém, do outro lado da porta, Carlitos se depara com outra fera. Agora um tigre, e pior, acordado.

Imagem 7 - Rapidamente, Carlitos fecha a segunda porta e diante de tamanho susto quase derruba um recipiente com água para o leão; mas, de forma ágil, consegue segurá-lo antes de cair no chão, evitando que a fera acorde.

Imagem 8 - Um cachorro aparece e começa a latir, Carlitos evidentemente se apavora, pois com o barulho o leão pode acordar.

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TRECHO 09

TRECHO 10

TRECHO 11

Imagem 9 - Carlitos pede, implora, enxota, mas o cachorro não sai. Então, ele tenta expulsá-lo através de chutes.

Imagem 10 - A bailarina aparece. Carlitos então faz um pedido a ela: - “Abra a porta, rápido!”

Imagem 11 - A bailarina, assustada diante da situação, desmaia.

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TRECHO 12

TRECHO 13

TRECHO 14

Imagem 12 - O leão finalmente acorda e vai ao encontro de Carlitos, que se recolhe no canto da jaula, com medo de ser atacado.

Imagem 13 - Surpreendentemente, o leão não age, apenas cheira Carlitos e volta a dormir. Carlitos examina as partes do corpo para conferir se não falta algo e, após, respira aliviado.

Imagem 14 - A bailarina finalmente acorda

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TRECHO 15

TRECHO 16

TRECHO 17

Imagem 15 - E vai abrir a porta da jaula.

Imagem 16 - A bailarina implora pra que

Carlitos saia imediatamente da jaula

Imagem 17 - Carlitos, de forma convencida,

tenta impressionar a moça, se aproximando

do leão e mostrando que não tem medo.

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TRECHO 18

TRECHO 19

Os 19 trechos apresentados correspondem a pequena parte do filme que foi

utilizada na atividade.

Apresentamos a seguir, o capítulo que aborda o desenvolvimento da segunda

parte da atividade que compreende o desenvolvimento do texto pelos alunos. Na

sequência, analisamos os dez textos selecionados a partir dos que foram

produzidos.

Imagem 18 - Porém, diferente da primeira

aproximação, o leão agora tenta atacar Carlitos

que, assustado, imediatamente sai correndo da

jaula do leão.

Imagem 19 - Carlitos sai correndo e, de tão

amedrontado, acaba escalando um dos postes

do circo.

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CAPÍTULO VI

PROPOSTA DE ANÁLISE DE PRODUÇÕES DE ALUNOS

Para a exposição dos comentários é importante assinalar que os textos dos

alunos derivam de uma proposta didática, como já expusemos, realizada a partir de

um modelo (já descrito e comentado na metodologia) que, no contexto da aula

observada, funcionou como um texto “motivador” produzido pelo professor. Uma

condução didática que nos parece mais uma ilustração de uma postura monolítica

do professor no contexto de ensino. É importante considerar nessa situação,

conforme Franchi (2006, p.50) que:

A criatividade se manifesta pelo modo próprio com que cada um se coloca em relação a seu tema: nos diferentes pontos de vista e perspectivas em que representa os eventos ou processos, organiza os aspectos da realidade que descreve, orienta a argumentação, expressa suas atitudes. É a própria experiência pessoal da realidade que o falante informa num desenho próprio que ele mesmo controla as transparências e a opacidade, o que ilumina, o que sombreia, as máscaras com que a deseja revestir.

Orlandi (1988) ressalva que o conhecimento do aluno é muitas vezes suposto

pela escola, e isso interfere na forma como as atividades de ensino são aplicadas e

“recebidas” pelo professor, demonstrando uma relação coercitiva do método de

ensino sobre o processo de aprendizagem do aluno. Sob essa perspectiva, é

possível afirmar que a escola na maioria das vezes, não tem considerado o

conhecimento enciclopédico do aluno.

Desse modo, há uma distância entre o que a escola propõe como escrita e

aquilo que o aluno produz a partir de seus saberes e suas interações com o

cotidiano. A superação dessa dicotomia pressupõe que o professor esteja ávido por

alternativas metodológicas diante de muitos desafios encontrados na sua prática

com a produção de textos em sala de aula, conforme propõe as orientações dos

PCNs (1998).

Dentre esses desafios, há os que “afetam” tanto alunos quanto professores:

de um lado, há o fato de o professor se encontrar diante de situações que não se

atrelam, exclusivamente, ao ensino da habilidade da escrita, mas a esse ensino com

interferências, isto é, ele precisa lidar com as diferenças em níveis de aprendizagem

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da escrita em um mesmo grupo de alunos, levando em conta a heterogeneidade que

lhes é própria e o contexto sócio-histórico e cultural desses sujeitos.

De outro lado, há os alunos que seguem uma visão de produção escrita

similar a uma tarefa “moldável”, obedecendo a regras, formatos e para a qual, eles

devem ter o domínio da forma e praticar um bom uso da língua. Desse modo, o

funcionamento discursivo no texto, sua constituição e construção fica à margem,

sendo privilegiada apenas a gramática na apresentação do texto, e não no

funcionamento dele.

Essa abordagem mais sistêmica do professor em relação à produção textual

do aluno, tomando esse texto sob o olhar da correção, pontuando-a no domínio ou

não, da gramática nos leva a questionamentos sobre sua atuação como leitor do

texto do seu aluno.

Nessa linha de inscrição enunciativa, passaremos a observar textos

selecionados de alunos do nono ano, conduzindo olhares possíveis para

identificarmos um funcionamento textual-discursivo no dizer do texto, identificando o

aluno como produtor; portanto, como expressivo no seu projeto de dizer que, dentre

escolhas possíveis que a sua língua e o léxico oferecem e possibilitam, faz escolhas

e as articula para seus propósitos comunicativos.

Essa articulação se faz para atender a um objetivo por ele traçado, levando

em conta o que têm em mente, as expectativas de conhecimentos partilhados com o

leitor e o que estabeleceu como leitores possíveis, bem como as apostas em

sentidos que projetou e que está certo que o leitor chegará até elas. Esse produtor

que descrevemos, pode ser o aluno que se encontra nas salas de aula, pois esse

processo faz parte da condução escrita para um texto.

Poderemos ser leitores dos textos dos nossos alunos e buscá-los nas

produções para além de sujeitos que fazem e entregam suas redações ao fim de um

determinado tempo de aula que, muitas vezes, se restringe a cinquenta minutos de

um dia da semana ou mais reduzidos.

6 CONDUÇÃO DA ATIVIDADE OBSERVADA

Os passos planejados pela professora foram fundamentais para que os

objetivos do trabalho fossem atingidos. De acordo com a docente, as produções

representaram um avanço com relação ao processo de construção textual. Para ela

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“não houve fuga ao tema”, isto porque o aluno seguiu todos os passos do que foi

planejado.

As práticas de produções textuais em nossas escolas têm privilegiado, de

alguma forma, a escrita correta como base para definir o texto do aluno como “um

bom texto”. Na verdade, não há um planejamento para a reescrita ou mesmo uma

revisão conjunta do texto, tanto por parte do professor, como por parte do aluno.

Sobre isso, Possenti (2005) argumenta que as práticas de escrita no contexto

escolar determinam que um texto adequado, ou o que se espera de um texto do

aluno, é o que apresenta dois traços essenciais: ser correto e bem escrito. Essa

forma de escrita, seguindo os padrões estritamente gramaticais, ainda é uma

constante nas poucas aulas dedicadas às práticas de escrita em sala de aula.

A seguir apresentamos descrições sobre a atividade aplicada pela professora,

como referência para que possamos nos situar, de um modo geral, no tema e nos

personagens abordados no filme.

Modelo de texto apresentado pela professora

O CIRCO

A cena assistida ocorre em um circo e mostra um homem fugindo de um cavalo bravo e

escondendo-se em uma jaula. Ao entrar, respira aliviado, em seguida, percebe que há um leão

dormindo na jaula, então o homem começa a se assustar e procura sair da cela. Quando tenta

abrir a porta, acidentalmente, acabada trancando-a e passa a ficar com mais medo ainda, olha

em volta e encontra uma portinha, ao abri-la, vê que a porta dá acesso a outra jaula onde há um

tigre bem acordado e bravo, então, o homem volta assustado e sem querer, deixa uma bandeja

de água cair ao chão, mas rapidamente consegue pegá-la para que não faça barulho e acorde o

leão.

Mais uma vez, o homem suspira aliviado, no entanto, por pouco tempo, pois chega um

cachorro vira-lata e late ferozmente para o homem, este, novamente, apavora-se e pede que o

cachorro silencie. Sem sucesso, tenta chutar o cachorro das grades da jaula, e claro, não o

alcança. Nesta hora, surge uma esperança, sua namorada aparece e ao vê-lo em uma situação

complicada, ou seja, seu amado está dentro da jaula do leão, em vez de ajudá-lo, ela fica muito

nervosa e desmaia. Felizmente, ele tem uma boa ideia e da jaula joga água que estava na

bandeja para acertá-la ao chão e tentar acordá-la. Para o maior susto do homem, o leão acorda

e o cheira, o animal não demonstra interesse e retorna ao lugar onde estava dormindo e a partir

daí fica tranquilamente deitado.

O homem acha estranha a situação e, enquanto isso, a mulher acorda e abre a porta.

Chega o momento de o homem medroso fazer-se de corajoso para a namorada e por fim, ele

aproxima-se do leão para mostrar sua coragem, no entanto o leão ruge irritado e o homem sai

correndo da jaula.

Concluindo, a mulher salva seu amado das garras de um leão.

FONTE: Professora de português 9° ano

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6.1 Sujeitos inscritores e sua relação com o texto

6.1.1 Proposta de análise de produções de alunos

Para a exposição dos comentários é importante assinalar que os textos dos

alunos derivam de uma proposta didática, como já expusemos, realizada a partir de

um modelo que é um texto produzido pela professora, sobre o qual não faremos

comentários porque este não é o foco do estudo.

No que contexto da aula observada as produções levadas pela professora (o

trecho do filme e o texto por ela produzido) funcionaram como elementos para

instigar e preparar os alunos para a escrita dos textos.

A escrita do texto descritivo apresentado pela professora nos pareceu uma

condução didática que permite ilustrar mais uma forma de postura monolítica do

professor no contexto de ensino, conforme ressalta Orlandi (1988) o conhecimento

do aluno é, muitas vezes, suposto pela escola, e isso interfere na forma como as

atividades de ensino são realizadas, demonstrando uma relação coercitiva do

método de ensino sobre o processo de aprendizagem do aluno. Sob essa

perspectiva, é possível afirmar que a escola, muitas vezes, não tem considerado o

conhecimento enciclopédico do aluno.

Desse modo, há uma distância entre o que a escola propõe como escrita e

aquilo que o aluno produz a partir de seus saberes e suas interações com o

cotidiano. A superação dessa dicotomia pressupõe que o professor esteja ávido por

alternativas metodológicas diante de muitos desafios encontrados na sua prática

com a produção de textos em sala de aula, conforme propõe as orientações dos

PCNs (1998).

Dentre esses desafios, há os que “afetam” tanto alunos quanto professores:

de um lado, há o fato de o professor se encontrar diante de situações que não se

atrelam, exclusivamente, ao ensino da habilidade da escrita, mas a esse ensino com

interferências, isto é, ele precisa lidar com as diferenças em níveis de aprendizagem

da escrita em um mesmo grupo de alunos, levando em conta a heterogeneidade que

lhes é própria e o contexto sócio-histórico e cultural desses sujeitos.

De outro lado, há os alunos que seguem uma visão de produção escrita

similar a uma tarefa “moldável”, obedecendo a regras, formatos e para a qual, eles

devem ter o domínio da forma e praticar um bom uso da língua. Desse modo, o

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funcionamento discursivo no texto, sua constituição e construção fica à margem,

sendo privilegiada apenas a gramática na apresentação do texto, e não no

funcionamento dele.

Essa abordagem mais sistêmica do professor em relação à produção textual

do aluno, tomando esse texto sob o olhar da correção, pontuando-a no domínio ou

não, da gramática nos leva a questionamentos sobre sua atuação como leitor do

texto do seu aluno.

Nessa linha de inscrição enunciativa, passaremos a observar textos

selecionados de alunos do nono ano, conduzindo olhares possíveis para

observarmos o funcionamento textual-discursivo do dizer no texto, identificando o

aluno como produtor; portanto, como expositor de um projeto de dizer que, dentre

escolhas possíveis que a sua língua e o léxico oferecem e possibilitam, faz escolhas

e as articula para encaminhar o seu dizer no texto.

Essa articulação se faz para atender a um objetivo por ele traçado, levando

em conta o que têm em mente as expectativas de conhecimentos partilhados com o

leitor e o que estabeleceu como leitores possíveis, bem como, as apostas em

sentidos que projetou e que está certo que o leitor chegará até elas. Esse produtor

que descrevemos, pode ser o aluno que se encontra nas salas de aula, pois esse

processo faz parte da condução escrita para um texto.

6.2 Texto escolar: a autoria na produção do aluno, modos de observar

Solange Gallo, em “Discurso da escrita e ensino” (1992), nos apresenta uma

experiência diferenciada acerca da escrita e autoria, enfocando o discurso da

oralidade para o discurso da escrita. Nesse trabalho, ela define o discurso da

oralidade (D.O), como aquele que produz um sentido ambíguo e inacabado,

enquanto o discurso da escrita (D.E), o que produz o sentido de unidade, sendo

legitimado institucionalmente. Conforme Rodrigues (2010, p. 94), “é importante

observar que podemos ter um texto falado e inscrito no discurso da escrita, assim

como um texto escrito inscrito no discurso da oralidade”. No caso, dos textos em

análise, consideramos que devido algumas marcas de autoria serem representadas

por marcas de oralidade inscritas no texto escrito, concordamos com Gallo (1992),

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quando ressalta que a “assunção da autoria”, no sentido que a assumimos aqui,

pode ser possível quando há a passagem do discurso oral para o discurso escrito.

Texto I – O circo (anexo A)

TÍTULO O CIRCO*

1.

2. RAPAIS TINHA UM CAVALO CORRENDO

3. ATRAS DE UM VEIO DO BIGODAO LA

4. NO CIRCO E O VEI ENTRO

5. EM UMA PORTA E LA DENTRO

6. TINHA UM LEAO DORMINDO LA NO

7. CANTO QUANDO ELIE-VIO O LEAO

8. CORREU PARÁ A OUTRA PORTINHA

9. QUE TINHA DO LADO E DO LADO

10. DA PORTA TINHA UM LEOPARDO

11. E QUE VOUTO E QUE TENTO ARRIA

12. A PORTA E NÃO CONCEGUIU SAIR

13. DA GAIOLLA E O LEAO ACORDO E CHORO

14. E QUE DEPOIS VOUTOU A DURMIR

15. COM O MAU XEIRO DO VEIO

16. E A MULHE DELE ESTAVA PROCURANDO

17. ELE DISISPERADA E AXO ELE NA

18. CELA JUNTO COM O LEAO O

19. VEIO XAMO ELA A MULHE

20. DISMAIO E ELE PEGOU A AGUA

21. DO LEAO E JOGO NA MULHE

22. E A MULHE ACORDO E ABRIU

23. A JAULA E FORAM EM BORA.

24. E O VEIO FOI SE AMOSTRAR

25. MECHENDO COM O LEAO E O LEAO

26. CORREU ATRAS DELA E ELE FOI

27. PRA CIMA DO MASTE.

28. *Transcrição do Texto I (Anexo A)

O texto I surpreende pela espontaneidade do discurso do aluno, embora ele

mantenha o título e nesse caso, isso pouco importa para o que é construído

textualmente na narrativa.

O aluno se apresenta no texto como se participasse ativamente dos

acontecimentos, num só fôlego, inicia um relato. Veja que parece não haver

preocupação se o texto será lido pelo professor; na verdade, a construção do texto

reflete a situação de perigo de forma bem real, não existe pausa entre as ações

(esse é um problema linguístico formal, mas não discursivo). Conforme Bakhtin

(2003) apud Alves Filho (2005), todo autor é sempre dramaturgo, pois sua primordial

ação de linguagem consiste em redistribuir as vozes sociais, o que, de certa forma,

acrescenta a sua própria voz num discurso que pode se fragmentar, se construir e

se reconstruir no processo de interação.

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Nesse texto, temos aquilo que Cavalcanti (2010) reitera sobre a produção de

textos, quando afirma que ela não se dá fora de determinadas circunstâncias, que

deve ser considerada por aquele que se propõe a escrever, sendo assim, ter um

tema em mão é muito pouco, para uma prática que demanda uma série de ações

pedagógicas.

Vejamos um fragmento de um texto (texto I) do nosso corpus:

Figura 20 - Fragmento 1 - Texto I

Com esse exemplo, é possível identificar que em “rapais (linha 1), a marca da

oralidade especifica o discurso do aluno. É mais do que uma variedade linguística

diastrática, observamos que a construção desse enunciado dá a impressão de

afinidade entre o suposto leitor e o “autor” do texto; identificamos, pois, uma

inscrição de autoria nessa marca de oralidade. Em outra linha: “um veio do bigodão”

(véi) (linha 2), a apresentação do discurso oral no discurso escrito pode encaminhá-

lo para uma sátira ao personagem; nesse caso, apoiamo-nos no que afirma Orlandi

(1988) no texto: “Nem escritor, nem sujeito: apenas autor”, em que a autora afirma

que a função discursiva autor, ao lado das funções enunciativas de locutor (aquela

pela qual o sujeito se representa como “eu” no discurso) e de enunciador (a

perspectiva que esse “eu” constrói no discurso), é aquela que o “eu” assume

enquanto produtor de linguagem, produtor do seu dizer.

O aluno desse texto apresenta seu dizer dialogando com o texto da

professora, mas fazendo inserções e inovando no estilo jocoso de sua narrativa. Ele

apresenta os elementos descritos, pois eles se passam na cena assistida, mas

insere elementos que marcam sua atuação no dizer, o seu “eu” construindo um texto

para além do previsto. É uma atuação do sujeito-aluno que marca um estilo no

sentido bakhtiniano (2003), isto é, indicia mais do que a expressividade do aluno,

mas também se constitui na expressão da sua relação discursiva sob a qual, na

situação enunciativa, esse aluno atua de modo responsivo ativo, dialogando com

outros discursos que o atravessam em seu contexto e eventos comunicativos.

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No caso do trecho destacado, observamos que o aluno se apoia na sua

experiência de linguagem oral cotidiana para anunciar uma história a ser contada, a

ser relatada como algo imprevisível: “rapais...” como um vocativo abrindo à narrativa,

marcando a presença do leitor no texto.

Esse produtor, através de sua narrativa, (re)conta uma história a partir de um

lugar de reconhecimento, no qual se insere e o define estabelecendo sua visão

contextual a qual lhe permite um desprendimento para distanciar-se do modelo

indicado pela professora, explicitando um modo de (re)contar que revela

conhecimentos socioculturais marcados em seu discurso, a exemplo da conversa

com o leitor, nas marcas de fala, típica de um falar nordestino, particularmente

piauiense; já citadas, como: “véio”, “amostrar6, “derriar”, marcas que identificaremos

em outros trechos do texto.

Figura 21 - Fragmento 2 - Texto I

No texto, observamos que do ponto de vista da linguagem formal, ou daquilo

que compreendamos como um texto adequado no contexto escolar, do ponto de

vista gramatical, por exemplo, muitas inadequações são perceptíveis; sobretudo, na

expectativa que se faz, tendo em vista as matrizes de referência e as competências

para a produção de textos para o ensino de Língua Portuguesa, destacando o nono

ano da educação básica.

Uma característica que consideramos diferenciá-lo dos demais textos que

comentaremos aqui, é a elaboração de uma narrativa “própria”, uma vez que o aluno

descreve e atua sobre a descrição da cena à margem de dois vieses de regulação: o

modelo da professora e o modelo normativo.

Os acontecimentos não são escritos atendendo a vários critérios normativos

como, por exemplo, o recurso da pontuação. Trata-se de um texto construído sem

6

O verbo “amostrar” não se constitui uma forma inadequada, mas não é usual no contexto formal da

língua, mas empregado popularmente. Isso faz com que muitas pessoas o considerem “erro”. No

entanto, mostrar e amostrar têm sua origem na palavra latina monstrare.

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interrupção, o enunciador se propõe a contar um fato tal qual lhe foi apresentado,

característico de um turno contínuo de conversa.

Nota-se que a ausência de pontuação pode não comprometer muito o sentido

do texto, uma vez que o aluno consegue estabelecer uma continuidade na

sequência narrativa. A não pontuação reflete uma influência clara das marcas de

oralidade que, nesse exemplo, funciona como uma inscrição autoral.

Autoria, enquanto um dizer singular na produção discursiva de textos

escolares representa um diferencial na construção desse sujeito no seu universo

linguístico. Conforme Teixeira (2013, p. 13), “a autoria se constitui nas produções

discursivas relacionando-se ao lugar do qual o sujeito se manifesta e de como ele

utiliza suas experiências para marcar uma tomada de posição em um processo de

interpretação em constante movimento”. Movimento que indicia uma posição

discursiva com uma ampla representação do discurso oral. Podemos perceber esse

discurso oral no seguinte trecho “ea mulhe dele estava porcurando ele disisperada”

(linhas, 16, 17).

Figura 22 – Fragmento 3 - Texto I

Temos neste texto, um sujeito que de forma espontânea, demonstra uma

singularidade discursiva, porque enuncia numa posição de total liberdade naquilo

que deseja transmitir. No texto, não temos somente com problemas na construção

da linguagem formal, mas sim, um objeto discursivo que retrata uma nova forma de

ler e perceber esse sujeito enunciador.

Nessa perspectiva, considerar o sujeito autor é verificar como o texto é

produzido, considerando a sua discursividade (CARVALHO, 2002), ou seja, a autoria

pode estar associada à forma como o sujeito conduz o seu dizer em diferentes

situações enunciativas.

No mesmo texto, podemos observar alguns aspectos discursivos bem

diferentes dos demais, como por exemplo, a forma como o personagem Charles

Chaplin é recategorizado “um veio do bigodão” (linha 3). Em nenhum momento essa

descrição foi apresentada por outro aluno. Outro referente novo: “a mulher dele”

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(linha 16), e quando o aluno faz essa referência subtende-se que é esposa.

Entretanto, essa referência não é real, uma vez que a personagem já está em cena,

sendo representada discursivamente por meio de diferentes referentes como já

mencionado.

A substituição de palavras também caracteriza esse sujeito-autor, como

expressões bem características de um universo linguístico bem interiorano “arria”

(arrear, derrubar, deitar), o leão vira leopardo, depois de todo o sufoco ele foi “se

amostrar” (marcas de oralidade), enfim, o texto ortograficamente apresenta muitos

problemas, mas o aluno se marcou discursivamente pela inserção do texto num

quadro histórico, que de alguma forma lhe confere sentido. Carvalho (2001), afirma

que o sentido para o texto pode lhe conferir autoria, no momento em que o sujeito

apresenta seu projeto de dizer e o evidencia de um modo particular, ou seja,

caracterizando sua enunciação, mediante ações discursivas 88 de relações sociais e

culturais e deixando-as prevalecer no texto, dada a nossa imanência histórica como

sujeitos de linguagem.

Texto II – Circo (anexo B)

TÍTULO O Circo*

1. Um homem que trabalhava em um circo, um dia um,

2. cavalo estava lhe perceguindo e então ele correu e entru em

3. uma porta para tentar fugir do cavalo,mas quando ele ver que

4. ele entrou foi numa jaula de um feroz leão tenta abrir a porta

5. mas acidentalmente ele acaba trancando-à.

6. E então ele viu outra porta e entrou nela tentando achar

7. outra saída mas nessa outra porta estava um tigre muito

8. feroz e acordado ao contario do leão que estava dormindo.

9. E uma bandeja com água cai mas ele rapidamente se-

10. gura para não acordar o feroz leão mas um cachorro surge

11. derrepente e começa a latir e o homem pedi para que o

12. cachorro pare de latir, sem susesso ele tenta chutar o

13. cachorro mas também não consegue

14. Mas existe uma salvação, sua namorada aparece mas

15. ela,assustada com aquilo acaba desmaiando e ele faz de tudo

16. para acordá-la mas em susceso outra vez.

17. O feroz leão acorda e vai até ele, cheira ele mas não gos

18. ta daquilo e volta a dormir dinovo. Então sua namorada

19. acorda e abre para ele sair mas ele para mostrar para a

20. namorada que é corajoso chega perto do leão, e o leão rosna

21. para o homem e ele sai correndo da jaula morrendo de medo.

22. *Transcrição do Texto II (Anexo B)

O texto II é produzido, também, com base no material discursivo do “outro”,

partindo da escrita da professora, identificamos também traços do discurso do aluno,

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expressivos das suas escolhas. Na produção desse novo enunciado, esse aluno

atua sobre o texto e a partir dele, como podemos identificar no trecho (fig. 23) a

seguir.

Figura 23 – Fragmento 1 – Texto II

Nesse trecho o produtor escolhe conduzir o texto contando com um leitor na

pressuposição de uma correlação, por meio de conhecimento partilhado ou

enciclopédico, apresentando na sua narrativa, por exemplo, o personagem “o

Charles Chaplin”.

A partir dessa apresentação percebemos que a condução da narrativa dar-se-

á mediante uma posição de observação do narrador distanciado dos fatos, o que o

torna um autor, na medida em que acentua o seu discurso na construção textual. Se

o texto é a condição para que o sujeito se inscreva no seu discurso, podemos

perceber que essa inscrição determina a relação que vai se estabelecer entre locutor

e interlocutores no processo de construção e/ou de (re)apresentação entre ambos

por meio da linguagem.

Construir um dizer com a escrita a partir da organização do discurso que, em

essência, entrecruza-se com outros discursos é desafiador para o aluno do nono

ano, considerando as condições de produção e as expectativas em torno da

interação com o texto pelo leitor provável (o professor).

Mesmo seguindo o modelo apresentado, e isso fica evidente a partir do título

“O circo”, ao iniciar a história, o aluno rompe com o discurso do outro ao inserir “um

homem que trabalhava” (Linha 1), que significa uma escolha, como alternativa

possível para instaurar o discurso no texto. Conforme Possenti (2009, p. 93), a

“escolha” pode ser entendida como efeito de uma multiplicidade de alternativas

decorrente de concepções de língua como objetos heterogêneos”, ou seja, quando o

sujeito usa uma expressão e não outra, certamente teve a opção da escolha, o que

demonstra sua inserção no discurso do outro.

No trecho “um dia um cavalo estava lhe perceguindo (Linhas 1 e 2),

observamos uma expressão inicial para a sequência enunciativa típica dos contos

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de fadas e também de fábulas, gêneros textuais muito utilizados nas leituras das

séries iniciais, o que representa no texto, um conhecimento enciclopédico assimilado

pelo aluno no decorrer de sua vida escolar. Essa expressão “um dia” nos permite

uma interpretação de que aquela história que ele visualizou na cena apresentada foi

algo muito distante, que aconteceu há muito tempo, traços que o aluno pode ter

observado pelo próprio cenário de ocorrência dos fatos, como a vestimenta dos

personagens, o cinema mudo (os personagens não falam – a comunicação se dá

por gestos, mímica, leitura labial – apesar de haver um fundo musical), as imagens

ainda em preto e branco etc.

Essa inscrição do sujeito no texto é caracterizada pela marca textual que

introduz as ações retratadas no texto-modelo, porém, reorganizadas de forma

diferente. De acordo com Cavalcanti (2010, p. 55), “para o analista, textos com

autoria são aqueles em que é possível apreender a presença de um autor que

realiza um trabalho investindo no como dizer, na construção do texto”.

Esse investimento, a nosso ver, está relacionado com a posição que o sujeito

ocupa quando se responsabiliza por aquilo que produz textualmente. No trecho: “E o

homem pede para que o cachorro” (Linha 11), temos um investimento autoral em

que o autor tenta passar para o leitor um tom de veracidade à história,

personificando o animal. Quando ele usa o verbo “pedir” é como se houvesse um

diálogo entre ambos.

Outro aspecto a ser ressaltado no texto, diz respeito à capacidade de o aluno

investir no emprego da conjunção, “mas” (Linhas: 3, 5, 7, 9, 10, 12, 14, 16, 17 e 19),

o que dá ao texto uma ideia de contradição ou uma história com suspense. Esse

“mas” pode ser caracterizado como um indício de autoria, pois explicita um modo de

expressar uma leitura no texto sobre uma relação concessiva implicitamente e

opositora contrastada na cena: “o personagem fez „isso‟, mas..., deixando clara a

ideia de que há tentativas de ação (algo a ser feito ou feito) e impedimentos (apesar

do que foi feito, não acontecia).

A inserção do, “mas” exerce o papel não só de conector das ideias, mas

também tem no efeito “meta” sua retomada pela coesão recorrencial uma repetição

como se virasse uma sequência nos tempos e fatos na narrativa.

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Figura 24 – Fragmento 2 - Texto II

Há um diálogo com o texto do professor, sobretudo na sequência da forma

como a cena é descrita. Podemos constatar que, embora produzido com base no

texto do professor, o aluno tenta se inserir no dizer do outro por meio de marcas de

seu universo linguístico e conduzindo o texto expressando o seu olhar na cena.

Texto III – Charles Chaplin na Jaula do Leão (anexo C)

TÍTULO Charles Chaplin na Jaula do Leão*

1. Em um belo dia de sol, o jovem Charles foi

2. para andar quando se depara com um

3. cavalo valente que persegue-o querendo dar-lhe

4. um “coice”. Por sorte (Talvez) encontra uma jaula

5. e corre para dentro dela e respira aliviado por pou-

6. co tempo onde logo se depara com um leão,

7. por sorte dormindo e tenta abrir a porta e

8. acaba trancando-a. Logo avista uma portinha

9. e passa por ela. A porta dava acesso a uma

10. outra jaula com um tigre bem acordado e

11. novamente Trancado corre desesperado e encontra

12. uma escada em pé e sobe nela onde fica por

13. bastante tempo. A jaula estava situada para

14. apresentação no circo onde retiram as cortinas

15. e começa o espetáculo. Charles depara com

16. a plateia que ao velo na jaula e o público

17. aplaude-o. Sem opção se torna um doma-

18. dor de tigres, estranho para a plateia

19. mas intrigante. O tigre sai para beber água é

20. na hora que ele desce da escada e abre

21. a jaula, o tigre percebe e ele sai correndo

22. e o tigre junto. A plateia Ri bastante e ele

23. corre e sobe num mastro ( ainda dentro do

24. circo) e quase deslisando vai atravessar até um

25. trampolim (situado longe do Local) vai pela

26. corda bamba onde é momento de aflixão para a

27. plateia e pisa enfalso e cai no elastico que

28. serve para ficar abaixo da corda para evitar

29. cair no chão. O dono do circo vai até ele

30. e o tigre tambem e ele sai correndo onde o

31. tigre segue-o. Charles correu por muito tempo até

32. que o tigre se cansou e voutou a sua jaula.

33. Sorte dele! FIM *Transcrição do Texto III (Anexo C)

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Assumir a autoria significa posicionarmo-nos como criadores, na origem do

“eu dizer”, do “eu fazer”, envolvendo começo, meio, fim, projeção daquilo que

produzimos. Como bem afirma Orlandi (2013), é tornar-se visível ao mundo, é ser

identificável e, ao mesmo tempo, controlável. No entanto, colocar-se na posição do

“seu dizer” não é apenas um gesto de vontade, de querer, de dizer, vai muito mais

além, é na verdade uma prática diante de um processo, que envolve tornar-se

responsável “direto” pelo que produz.

Na figura 25, verificamos com o título “Charles Chaplin na jaula do Leão” que

o produtor nos surpreende por citar o nome de “Chaplin” como seu personagem, em

geral foi nomeado como “o homem”. Fica evidente a demonstração da utilização de

recursos extratextuais, ou seja, do seu conhecimento enciclopédico.

Constatamos pela narração dos fatos que o produtor inclui muitos elementos

em sua narrativa que se mesclam ao texto de influência exposto pela professora. É

uma história, com uso de expressões de contos de fada “Em um belo dia de sol”,

com um enunciador estabelecendo um diálogo bem marcado com seu interlocutor

como, por exemplo, no convite ao leitor para acompanhar “a sorte” do jovem Charles

na jaula do leão, a qual traz uma expectativa em ressalva, (talvez), um jogo com

leitor, como a pergunta “qual será o desfecho? ” E confirmando no final: sorte!

Figura 25 – Fragmento 1 - Texto III

O emprego da expressão “por sorte” (junto a “talvez” entre parênteses) pode

se associar ao interesse do produtor em possibilitar o leitor a fazer inferências

acerca do que irá acontecer. O termo “por sorte” se trata de uma expressão

normalmente utilizada em discursos cotidianos, em situações casuais. O sentido

desses termos em conjunto pode ser decorrente tanto de algo que aconteceu de

fato, ou apenas de possibilidades criadas pelo autor para deixar sua marca de

autoria, dando também alternativas ao leitor para fazer uso das próprias inferências,

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mantendo o possível leitor com a mesma expectativa inicial e com vontade de

prosseguir com a leitura. Esse leitor presumido pode construir no texto sentidos não

previstos, porque os fatos aqui narrados se aproximam de fatos reais.

Podemos dizer que o aluno fez uma apropriação do texto original,

acrescentando-lhe aquilo que lhe pareceu interessante ou conveniente. Não foi uma

reescrita apenas, tal qual a sugerida pela professora. Ele ampliou conteúdos no

texto, acrescentou novos desafios para o personagem, ressaltando o que em sua

opinião atenderia ao propósito comunicativo que estabeleceu a partir da proposta

apresentada; portando-se, assim, como autor no texto. É possível afirmar que se

trata de uma produção a qual se volta aos leitores em geral, não pensando,

unicamente, na figura do professor.

Ao escrever “um belo dia de sol”, o produtor sai do foco previsível de “Era

uma vez” e se mantém no clichê inicial de “contos de fadas” Como em momento

algum ficou evidente que as cenas ocorriam em “um belo dia de sol”, constatamos a

presença de discurso autoral, e não apenas de um discurso copiado ou descrito a

partir de ideias de um texto-base.

Diante disso, inferimos que tal afirmação pode ser atribuída a uma previsão, a

uma expectativa, levando o leitor a pensar que outras possibilidades de

caracterização do clima, no qual ocorria a narrativa, poderia ser diferente como,

poderia chover um tempo depois, por exemplo.

Nesse caso, o autor se projeta, também, como leitor explicitando seu olhar

para além daquele que apresenta o dizer sobre, mas também como um leitor, aquele

que poderá estabelecer inferências diante do que está dito, estabelecendo um

diálogo com o texto. Construindo expectativas, levantando hipóteses, confirmando,

refutando...realizando o processamento leitor mantendo a relação conjunta e

participativa.

A utilização do termo “Sem opção” (Linha 17) parece ser uma estratégia do

autor para manter o leitor atento ao texto, levando-o a pensar nas alternativas

possíveis para o personagem sair daquela situação embaraçosa. Caracteriza-se

como uma forma de instigar o leitor a fazer questionamentos, mantendo a sua

curiosidade, dando voz ao outro. O que nesse caso está relacionada de forma direta

a como dar voz aos outros. Vejamos:

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Figura 26 – Fragmento 2 – Texto III

Ao empregar “sem opção”, o autor oferece ao leitor possibilidades de

inferências em opções para o que se poderia ter a partir da situação retratada.

Na passagem: “Estranho para a plateia, mas intrigante” (Linhas 18 e 19),

verificamos que o autor remete a “mas intrigante” para caracterizar a leitura por ele

realizada através da face das pessoas presentes na plateia.

Figura 27 – Fragmento 3 – Texto III

A visão criada o fez transcrevê-la para manter o leitor na expectativa do que

viria. O autor se responsabiliza pelo que está por vir e objetiva, com isso, prender a

atenção do leitor, o que nos faz pensar em mais um indício de autoria.

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Texto IV – Loucura no circo (anexo D)

TÍTULO Loucura no Circo*

1. Bom um circo , é cheio de alegria e emoção,

2. mas nem um dia é igual a outro, pois a história

3. começa num circo da Inglaterra em 1589, um

4. homem que se chamava John Michael estava provo-

5. -cando um cavalo que estava preso num celeiro

6. próximo a um circo, derrepente John, notou que

7. o celeiro ficou aberto quando ele saiu e oque pode-

8. -ria acontecer? O cavalo que foi provocado por

9. ele saiu correndo atras do pobre John, sabendo

10. não poderia fugir. Do grande cavalo. ele

11. entrou na parte do circo onde ficam as jaulas

12. dos ativos e ferozes animais, sem perceber entrou

13. numa jaula grande de costas, quando virou se

14. deparou com um leão enorme, para sua sorte

15. o animal estava dormindo com muita cautela

16. se aproximou da porta e tentou , sair mais a

17. saída trancou por fora e ele ja , para dar um

18. peripaque de medo, eis que surje uma luz, no

19. fundo da jaula havia outra porta, apavorado ele

20. entrou com tudo e se deparou com outro leão

21. super acordado, voutou depressa e tentou pedir

22. ajuda logo chega sua namorada Maria Elizabeth

23. e não dá uma só palavra só desmaia o

24. homem já para desmaiar também tem uma ideia

25. pega a baçia que está cheia de água para

26. o leão e joga encima de Elizabeth, a coitada

27. acorda atordoada e corre para abrir a porta

28. quando derrepente o leão acorda cheio de fome

29. e corre para devorar John muito agil a mulher

30. abre a porta e o homem sai desesperado e

sobe num poste e fica gritando lá de cima para cham o gincho para tirá-lo de lá. Fim. ( moral: num mecha com quem esta queto pois pode li trazer serias consequências.

*Transcrição do Texto IV (Anexo D)

O produtor do texto “Loucura no circo” envereda pelo discurso da professora,

mas logo no início da narrativa apresenta um novo começo: “Bom um circo é cheio

de alegria e emoção” (Linha 1). Neste trecho podemos dizer que há uma inscrição

do sujeito quando ele pontua, como quem intencionasse dizer “agora irei contar a

minha história”, o termo de realce “Bom” quando ele assume o circo como um lugar

diferente e animado, “um circo” – local de diversão e de alegria.

Figura 28 – Fragmento 1 – Texto IV

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Em: “Mas nem um dia a igual a outro” (Linha 2), uma preparação para o que

contará: uma loucura no circo. O aluno se insere no discurso contando com o saber

partilhado pelo leitor, pressupondo a possibilidade de definir um percurso

diferenciado para o seu “dizer” como também o conhecimento social, um dizer que

não é único, mas que nos apresenta traços pessoais com o propósito de manter

interação com o leitor: “a história começa num Circo da Inglaterra em 1589” (Linha 3)

Ao inserir novos elementos ao discurso do outro, no caso, o texto motivador

(Figura 28), o aluno demonstra um conhecimento de mundo e um conhecimento

enciclopédico que o definem como um possível autor, o “autor” de que trata Possenti

(2009, p. 10), ao destacar que: “pode-se dizer que alguém se torna autor quando

assume (sabendo ou não disso) fundamentalmente algumas atitudes: dar voz a

outros enunciadores, manter distância em relação ao próprio texto, evitar a

mesmice, pelo menos”.

Vozes que se cruzam no interior do texto indicam que o sujeito constrói o seu

texto em diálogos constantes (Figura 29), caracterizados também pela

intertextualidade e por recursos a ela associados. O que é visível em alguns trechos

como, por exemplo (linhas 18 e 19) “...eis que surge uma luz, no fundo da jaula

havia outra porta...”.

Figura 29 – Fragmento 2 – Texto IV

Na passagem “o homem sobe num poste e grita para chamarem o guincho”

(Linha 30), o aluno ultrapassa as linhas numeradas para o texto e enfatiza com a

palavra “fim”, expressão que aparece na cena original exibida na sala de aula. E

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depois desse “fim”, apresenta uma moral para o seu texto, sinalizando com isso

indícios de autoria.

Para Rodrigues (2010, p. 85) “a autoria está ligada ao trabalho com a

equivocidade da linguagem”, e a partir disso podemos inferir que marcas de autoria

estão relacionadas com o jogo que o sujeito faz no interior do texto.

Observamos que o texto (Fig. 29) não foge à proposta da professora, mas há

uma recriação da história com riqueza de detalhes, com o emprego do

conhecimento de mundo associado ao que aluno percebeu na cena exibida.

Comprovada por exemplo em: “num circo na Inglaterra, em 1589” (Linha 3), na qual

o autor insere o leitor num determinado espaço e num tempo de acontecimentos dos

fatos.

Essa reflexão nos remete à ideia de que um texto com autoria é um texto em

que o autor consegue romper com a previsibilidade. E pelos elementos apontados,

comprovamos que o texto acima exemplifica essa atitude. Vejamos o trecho: “Moral:

num mecha com quem esta queto pois pode li trazer sérias consequências” (Linhas

32 a 34).

Identificamos nesse trecho característica típica de um gênero escolar

conhecido do aluno, a fábula. A manifestação desse conhecimento enciclopédico é,

a nosso ver, um indício de autoria, porque evidencia o discurso do aluno em que a

tendência é a busca por um texto com as mesmas características do modelo

apresentado na atividade.

Figura 30 - Fragmento 3 – Texto IV

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Texto V – O circo da criatividade (anexo E)

TÍTULO O Circo da Criatividade*

1. O palhaço atrapalhado corre de um touro bravo, enquanto

2. ele corre do touro tinha uma pedra no caminho e ele tropeçou.

3. O touro vinha rapidamente e pulou direto nele foi quem entrou na jaula

4. quando o touro na jaula o leão acordou e os dois ficaram se

5. encarando até o palhaço lutar na jaula pensando que era o camarim, ai

6. o palhaço vê uma portinha que da acesso a corda bamba do picadeiro

7. e o palhaço pensa se ficar o tigre e o touro mata ele, e se ele for

8. pra corda bamba ele cai e se estabaca no chão, ai ele decidiu ir pra

9. corda bamba no meio da corda bamba ele caiu em cima de um

10. trapezista e quando ele caiu o cachorro e seu dono assustou ele

11. avançou em cima dele ele saiu para o mastro que o levava as nuvens,

12. e quando ele chegou nas nuvens ele o palhaço atrapalhado encontrou

13. sua namorada a palhaça Maria frufru e quando ele contou o que havia

14. acontecido na terra eles se encheram de gargalhadas eles ficaram bem

15. felizes e os dois andaram de mãos dadas no símbolo do amor e por lá

16. ficaram na paz de Jesus

*Transcrição do Texto V (Anexo E)

Ao analisarmos indícios de autoria em produções textuais, faz-se necessário

destacar que o nosso pensamento sobre a expressividade no texto e a constituição

da linguagem nessa atividade comunicativa está intimamente relacionado à

concepção de língua e de texto que adotamos no decorrer de nossa pesquisa.

Conforme Koch (2011, p. 15), “a concepção de língua como interação corresponde à

noção de sujeito como entidade psicossocial, sublinhando-se o caráter ativo dos

sujeitos na produção mesma do social e da interação”. Essa interação é constituída

como um processo que conduz o sujeito a agir de forma ativa na construção de um

dizer singular, proposto a partir de elementos textuais inseridos no seu universo

discursivo. Ainda com Koch (2011, p. 17), “o sentido de um texto é construído na

interação texto-sujeito (ou texto co-enunciadores) e não, algo que preexista a essa

interação”. Nesse sentido, refletir sobre a produção de um texto inclui, também,

identificar os passos para a elaboração na perspectiva de como e para que, onde e

para quem esse texto será produzido: condições de uso, produção e circulação.

Podemos perceber que no texto V, o aluno constrói a sua narrativa, e

consegue demonstrar que o seu texto apresenta indícios de autoria já a partir do

título. O que para a maioria era somente “O circo” (nas produções que compõem o

corpus, dos 10 textos, 07 tinham o “O circo” como título. Neste ponto, ressaltamos

que o texto motivador utilizado na proposta era a este análogo) para ele

representava algo a mais, pois não era um circo comum como os demais, era o

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“Circo da criatividade”. A inserção de um predicativo chama a atenção para o fato de

que no circo acontecem coisas criativas, e essa expressão gera certa expectativa

por parte do leitor, que provavelmente fará uma leitura com o intuito de descobrir

como é esse circo, o que ele traz de diferente, visto que as apresentações circenses

são previsíveis.

Dizer se um texto apresenta ou não indícios de autoria é definir se este

surpreende, seja pela forma como é produzido, seja pela inserção de um elemento

que o torne atrativo ao leitor. No trecho: “corre de um touro bravo” (Linha 1),

constatamos que esse “touro bravo” surgiu da imaginação do autor (chamaremos o

aluno de autor, porque consideramos que no universo escolar, o aluno, ao produzir

um texto, se torna autor, pois se marca discursivamente por meio de um estilo que

lhe é peculiar), trata-se de um elemento substitutivo ao usual, ao esperado. Ao invés

de usar o animal “cavalo”, visto que na cena original de “O circo” o personagem foge

de um cavalo, o aluno em questão se mostrou perspicaz por considerar que a fuga

de um “touro bravo” é mais real do que a fuga de um “cavalo”.

Figura 31 – Fragmento 1 – texto V

Na passagem: “Tinha uma pedra no meio do caminho” (Linha 2), o autor

surpreende novamente pelo provável conhecimento enciclopédico. O que leva um

aluno do nono ano a inserir em um texto, o clássico “Pedra no meio do caminho”? E

que relação ele fez com as ações do texto? Será que essa pedra representa, ao

longo do texto, as dificuldades enfrentadas pelo personagem? Um leitor mais atento

certamente poderia esperar isso, porém a pedra não parece mais do que somente

uma pedra na qual ele tropeçou. Observamos que é um texto que, do ponto de vista

formal, apresenta muitos problemas de organização, mas que do ponto de vista da

criatividade surpreende, sobretudo porque o autor reconta a cena em um único

parágrafo, rompendo com o modelo tradicional ensinado na escola, cujo texto deve

obedecer a uma estrutura padronizada: introdução, desenvolvimento e conclusão.

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Porém, essa produção que ora analisamos, apesar de romper com esse padrão,

ganha em relevância. Relevância esta que está relacionada com aspectos inerentes

ao processo de autoria.

De uma forma geral, o texto está repleto de marcas que singularizam o

discurso criativo do autor: “vê uma portinha que dá acesso a corda bamba do

picadeiro” (Linha 6), “se ficar o tigre e o touro mata ele, e se ele for pra corda bamba

ele cai e se estabaca no chão” (Linha 7 e 8) um diálogo próximo a “se ficar o bicho

pega, se correr o bicho come”. Temos nos trechos em destaque, indícios que

pressupõem uma autoria, que presumem a construção de um enunciado com o

recurso da pressuposição. Conforme Cavalcanti (2010, p.55), “textos com autoria

são, assim, assim, textos bem – escritos, que produzem efeito de singularidade”.

Significa que no universo discursivo do autor há de alguma forma, elementos

textuais que vão além de uma simples exposição de ideias.

Figura 32 – Fragmento 2 – Texto V

Nessa mesma linha de pensamento, Possenti (2009) afirma que é impossível

pensar a noção de autor sem considerar a noção de singularidade. Singularidade

que diz respeito a uma posição discursiva de quem produz um texto e das marcas

que o identificam e o diferenciam como, por exemplo, na capacidade de jogar com a

linguagem mesmo que implicitamente: “e quando ele chegou nas nuvens ele o

palhaço atrapalhado encontrou sua namorada Maria frufru” (Linha 13). Neste trecho,

o autor, implicitamente menciona que o palhaço morreu no momento em que caiu,

mas o leitor só se dá conta do desfecho quando conclui a leitura.

Figura 33 – Fragmento 3 – Texto V

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Não podemos desconsiderar o fato de que o autor do texto deu nome à

apenas um personagem, escrevendo esse nome próprio somente com letra

maiúscula no primeiro nome “Maria frufru”. Entretanto, um nome comum como

“jaula” foi apresentado sempre com maiúscula, o que evidencia um indício de

autoria, pois acreditamos na necessidade do autor de evidenciar, de destacar o que

lhe parecia mais relevante. Concordamos com Possenti (2009), quando ele nos diz

que a questão é como identificar a presença do autor, como distinguir entre os textos

aqueles “com” e aqueles “sem” autoria, ou seja, acreditamos que mais do que

identificar quem é autor, um passo importante é identificador como e em que

condições o texto foi produzido e, nesse caso, o resultado vai depender também da

forma como se deu essa prática da produção textual, especificamente quando se

tratam de textos escolares.

A produção em análise pode ser considerada um texto autoral, tendo em vista

a capacidade de o autor inserir elementos do mundo real e do mundo fictício. Em: “e

quando ele contou o que havia acontecido na terra, eles se encheiram de

gargalhadas” (Linha 14), observamos a riqueza do emprego semântico do verbo

“encher” (“encheiram”), no sentido de demonstrar o sentimento como algo em

quantidade e intensidade que ultrapassam aquilo que é considerado normal, apesar

de, em nenhum momento, comprometer a delicadeza do encontro, porque “os dois

morreram de mãos dadas no símbolo do amor” (Linha 15). Nesse instante, temos a

retomada de um personagem retratado na cena original, mas que no texto aqui em

análise, estava implicitamente morta, visto que o encontro se deu nas nuvens.

Esse autor nos apresentou um texto curto, de 15 (quinze) linhas somente,

mas repleto de densidade discursiva. É, ainda, muito significativo, pois tomou como

base para elaboração uma história contada em três minutos (o vídeo “O circo”).

Acreditamos também que o autor do texto tenha se atentado para o detalhe do

tempo, o que provavelmente influenciou na escrita de seu texto apenas em um

parágrafo corrido, acreditando que não poderia contá-lo em partes porque as ações

foram simultâneas, o que evidencia um traço de singularidade.

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Texto VI – o Circo (anexo F)

*Transcrição do Texto VI (Anexo F)

O texto VI, produzido a partir do material discursivo do “outro”. Nesse caso, a

escrita e a representação linguística e discursiva do professor, há explicitamente

marcas do discurso do aluno na produção do enunciado. A atuação discursiva sobre

o texto e com base na escrita do professor, como podemos identificar no trecho (fig.

34) a seguir, em que o seu produtor escolheu iniciar a sua narrativa a partir da

inserção de um sintagma nominal como forma de definir o sujeito e justificar o

“porquê” de toda a ação que se delineará “o Rapas, Foi ao Circo e foi olhar os

animais”(Linha 1).

Figura 34 – Fragmento 1 – Texto VI

Nesse trecho, o sujeito se marca discursivamente por meio de sua escrita ao

utilizar a vírgula entre o sujeito e seu complemento e enfatizar elementos do texto

marcando-os com maiúsculas, mesmo em se tratando de substantivos comuns. Uma

forma de considerarmos a escrita do texto é compreender também em que

TÍTULO O Circo*

1. O Rapas, Foi ao Circo e foi olhar os animais ao

2. olhar os animais Um Cavalo Correu atráz e ele para

3. se proteger acabou entrando numa Jaula e acabou sendo

4. na Jaula do Leão e ele Quando viu Foi tentar sair da Jaula

5. dormindo ai ele foi tentar sair pela a Janelinha e deu de Cara

6. com um Tigre, e teve que voltar para a Jaula do Leão.

7. Sua namorada ia passando ao lado da Jaula Quando

8. ela viu desmaiou de susto. Ele pegou uma bandeja de água

9. para jogar Nela e acordala foi tendo mais acabou deixando

10. a bandeja cair e ela Acordou e o Leão da jaula também e ele ficou

11. parado num canto e o Leão o Cherou e Não Fez Nada e a sua

12. Namorada abriu a Jaula para ele e Para se mostrar Fortão

13. Pediu a Calma para ele poder Chegar Perto do Leão O Leão

14. Rangiu bem alto e ele Correu, e subiu em um Pé de

15. Coco sua namorada o chamou e ele deceu e o abraçou.

16.

17. Fim

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condições esse texto foi produzido. A marca discursiva do aluno pode ser

identificada na forma como ele representa a sua escrita e o que, de fato, importa é

se há uma relação de sentido entre o que ele escreve para a interação com o leitor.

Este sujeito que enuncia, responsabiliza-se por um dizer e pelas formas como

o representa no mundo textual por meio de enunciados que implicitamente são

construídos a partir de um já dito. As marcas textuais que nos permitem enxergar

nos textos indícios e/ou marcas de autoria estão relacionadas com essa posição

espontânea do aluno que se desprende na forma discursiva, diz um “dizer” que lhe é

peculiar.

Figura 35- Fragmento 2 – Texto VI

Os apagamentos nas inúmeras tentativas de encontrar o termo correto e/ou a

escrita formal (figura 35, linhas 5, 9, 11, 12), nos permite acompanhar um produtor

mais compromissado com seu modo de apresentar o dizer, deixando expressa a

autocorreção. O sujeito busca um dizer que marque a sua singularidade, e quando

falamos de singularidade, corroboramos com a afirmativa de Possenti (2009, p. 112),

de que “locutores/enunciadores se constituem como autores em boa medida por

marcarem sua posição em relação ao que dizem e em relação a seus

interlocutores”. Um dizer que singulariza o autor do texto pode ser definido pelo

cenário criado por ele nas várias tentativas de escrita.

Figura 36 - Fragmento 3 – Texto VI

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Uma marca, uma escolha, um elemento linguístico que diferencia um texto do

outro, pode indicar um possível movimento de autoria, sobretudo, em textos

escolares. De acordo com Cavalcanti (2010, p. 141), “por seu caráter dialógico, a

linguagem é o lugar de interação com o outro, lugar de encontro de pontos de vista

diferentes e, muitas vezes antagônicos”. Desse ponto de vista, é perceptível que o

texto VI (fig. 36), não produz um efeito de sentido que dialogue com o locutor,

porque de alguma forma é previsível, entretanto, quando o autor escreve “fim”, é

como se estivesse aliviado de uma sequência narrativa que pelo menos do ponto de

vista do discurso escrito manifestado não foi muito atrativo.

Texto VII – Super-heroína por um dia (anexo G)

TÍTULO Super - Heroina por um dia*

*Transcrição do Texto VII (Anexo G)

Nossos discursos são versões públicas do mundo, em que a adequação se

dá em termos de negociação pública, ajustes, acordos, desacordos etc., entre os

1. Era uma vez um homem chamado Zequinha, ele trabalhava

2. em um circo, era um palhaço muito famoso e fazia

3. muitas acrobacias no seu circo, um belo dia ele

4. junto com outros palhaços, acrobatas e

5. trapezistas, rezolveram fazer uma apresentação com

6. um leão e um tigre, eles foram a um zoologico

7. Zequinha falou com o dono e o dono concordou

8. eles levaram o leao e o tigre em uma jaula ao

9. chegar Zequinha lembrou de dar a comida para

10. seu jumento trovão que era muito bravo, ele abreu

11. a porta do celeiro e trovão correu atras de zequinha

12. Zequinha sem lugar para se esconder acabou

13. entrando na jaula do leao, por sorte o leao esta-

14. va dormindo, zequinha foi tentar sair e acabou

15. trancando a porta pelo lado de fora ele encontrou

16. uma portinha passou por ela e encontrou um

17. tigre bem acordado ele voltou rapido, ao tentar abrir

18. a porta levou um bebedouro do leao mais o leao

19. só trocou de posição e continuou seu cochilo, mas

20. de repente surge de uma porta um feroz cachorro

21. latindo, zequinha tenatou espantar o cachorro pondo

22. o pé para fora da jaula, mas o cachorro acabou

23. pegando sua bota e rasgando sua calsa e de repente

24. surge a nossa Heroina provando que era

25. a mulher de zequinha, ela quando foi

26. salvar seu amado acabou desmaiando zequinha

27. pegou sua outra bota e jogou na sua amada

28. um do modo salvando mas passou, e de repente o

29. leao acorda mas a Heroina tambem, ela levantou

30. apresadamente e abriu a porta da jaula salvando seu amado.

Eles foram felizes para sempre.

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interlocutores e não numa presumida relação objetiva e direta com um mundo

exterior (MARCUSCHI, 2002). Um texto escrito é uma versão desse mundo

discursivo em que a forma de expressão significa a partir das escolhas que o sujeito

enunciador utiliza para se representar discursivamente.

A enunciação efetiva, conforme Bakhtin (2006, p. 101), “seja qual for a sua

forma, contém sempre, com maior ou menor nitidez, a indicação de um acordo ou de

um desacordo com alguma coisa”. Tudo o que está no contexto enunciativo, tem

uma relação com a produção discursiva, o que vemos e compreendemos no

contexto interacional é o que significa para o locutor e para o interlocutor.

No texto abaixo (fig. 37), produzido também a partir do discurso do outro, ou

seja, o texto da professora, apresentado como modelo, percebemos uma marcação

própria do sujeito enunciador: “era uma vez um homem chamado zequinha” (linha

1). Nesse trecho, se instaura um jogo discursivo em que a presença do discurso do

outro está no conhecimento enciclopédico do autor. Esse: “era uma vez”, faz

referência a um gênero textual escolar muito utilizado em sala de aula: a fábula e a

partir da inserção desses elementos, presentes na memória discursiva do aluno, um

conto se apresenta - “era um palhaço muito famoso” (linha 2), a inserção de um

adjetivo, intensificado pelo advérbio “muito”, dá ao leitor a sensação de que a

história seguirá um curso previsível, ou não?

Figura 37 – Fragmento 1 – Texto VII

A relevância está na forma como o autor se apropria das marcas discursivas

que farão a diferença na construção de sentidos que será percebido a partir do jogo

discursivo com o leitor: “zequinha, circo, leão, tigre zoológico”, elementos que

conferem ao texto um efeito do previsível, mas no contexto enunciativo surge “o

jumento trapos” (linha 10), era tão bravo que correu atrás de Zequinha. Esse

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surgimento confere ao texto um efeito de surpresa e expressividade, enfatizando

que haverá um herói, informação prévia constando na materialidade do texto.

Figura 38 – Fragmento 2 – Texto VII

Para além do texto, um autor conduz a sua narrativa, por meio da inserção de

elementos que o representam singularmente. Podemos afirmar, que do ponto de

vista do discurso, temos indício e/ou efeito de autoria, porque de acordo com Gallo

(2012, p. 55), “é o efeito de um texto que se alinha a um lugar discursivo legitimado,

reconhecível, sem que haja para sua interpretação, necessidade de um contexto

imediato”. Ou seja, o sentido desse texto é construído na medida em que seu autor

conduz a narrativa sem que, para isso tenha que recorrer ao texto modelo. Em: “E

eles foram felizes para sempre” (final da folha), o autor se mostra para o leitor

reescrevendo o final previsível para as histórias de heróis e heroínas, e no final, o

aluno atende a proposta da professora, embora criando atalhos, ele conseguiu dar

um final condizente com a situação de escrita na sala de aula.

Figura 39 – Fragmento 3 – Texto VII

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TEXTO VIII – a Jaula do leão (anexo H)

TÍTULO A Jaula do Leão *

*Transcrição do Texto VIII (Anexo H)

A condição para que se compreenda a dificuldade com que o autor de um

texto escolar se posicione está relacionada com um processo que ultrapassa a

pouca prática com a produção escrita. Situações favoráveis ao processo de

produção de escrita, dizem respeito ao modo como essa prática é conduzida na

escola. No texto VIII (figura 40), o autor se apresenta, ou melhor, apresenta a sua

história.

No trecho: “essa história começa” (linha 1), o autor já se distancia do discurso;

se coloca como um observador. Mantendo distância do texto, ele vai dar voz a

outros elementos discursivos; a noção de tempo dá ao leitor a possibilidade de inferir

que a história começa agora, não é “a cena assistida”, termo usado pela maioria dos

alunos na construção do texto. Essa forma de introdução nos permite observar que o

autor do texto apresenta um elemento discursivo que mesmo não surpreendendo,

mostra um “dizer diferente” com relação a uma marca discursiva.

1. Essa história Começa no Circo Gabriel e sua

2. namorada Fabiana foram ao circo lar viram de

3. tudo ai o Gabriel foi mexer com uma mulher

4. furiosa e acaba entrando na Jaula de um leão

5. dormindo ele ficou Branco de medo ai se desespe

6. rou viu a porta aberta em estado de Choque foi

7. tentar abrir a porta mais a trancou ficou desesperado

8. até a Fabiana chegar ele ficou mais aflita que ele

9. por que pensou que Seu namorado Gabriel fosse morre.

10. Fabiana acaba desmaiano gabriel preocupado com

11. Fabiana andou pra la e pra cá desse Jeito

12. andando aflito, esbarra na vazilha de água Do leão

13. antes que Caisse ele consegue a segurar a vazilha

14. ele foi tenatr acorda a sua namorada Jogando água

15. nela aí um cachorro chamado coriosmente

16. Betovem pelas pessoas do Circo Começou a latir

17. desesperado Gabriel tenta Chutar Betovem mas

18. ele agarra na Sua calça Branca o Cachorro não

19. parava De latir aí aconteceu o pior o leão acor

20. dou Gabriel ficou desesperado o leão o Cheirou

21. mas não teve reasção voltou a Dormir

22. passou quinze minutos Fabiana acordou aí libertou

23. Gabriel e Gabriel para se mostrar corajoso

24. foi tentar pegar no leão o leão acordou. Gabriel

25. correu e se encontrou com a mulher furiosa Gabri

26. el se escondeu em cima Da Jaula do

27. leão ele passou horas lar a ter a mulher furiosa

28. ir embora ele Desceu e pegou da mão

29. de Fabiana e foram embora assitir o espetaculo

30. do Circo

Fím.

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Retomamos aqui, algumas considerações acerca de um estudo de Cavalcanti

(2010) sobre “vazios inadequados”, um exemplo, em que a autora faz uma

abordagem explicativa acerca da produção do gênero resenha. Para a autora, as

práticas de escrita em sala de aula são bastante reduzidas - preferem-se os

exercícios e, um dos grandes problemas é que geralmente, cobra-se do aluno um

conhecimento que ele não tem. Com isso, o aluno se apoia no seu conhecimento de

mundo e na sua experiência de linguagem para se fazer representar em um texto

escrito. Ele acredita que escreve determinado gênero e/ou determinado tipo de

texto, quando na verdade não consegue identificar em que ou como se apoiar para

se marcar discursivamente.

A introdução apresentada pelo autor do texto VIII em análise define que há

pressuposições acerca dos acontecimentos quando faz a mesclagem dos tempos da

enunciação: “Gabriel foi mexer com uma mulher furiosa e acaba entrando na Jaula

de um leão” (linhas, 3 e 4). Percebemos que há uma tentativa de autoria, tendo em

vista que o aluno usa o recurso da pressuposição: “até a Fabiana lá” (linha 8);

“porque pensou que seu namorado Gabriel fosse morrer” (linha 9). Embora não

façamos referência a utilização dos tempos verbais como necessários à coesão e à

coerência, podemos observar que o jogo linguístico utilizado pelo autor do texto não

deixa margem para dizermos que temos um texto sem autoria.

Figura 40 – Fragmento 1 – Texto VIII

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A partir de um posicionamento mais interacional, o sujeito se coloca a serviço

do outro por meio da linguagem. No universo escolar, a produção escrita é este ir e

vir que resulta num processo dialógico que cria espaços para as inúmeras

interpretações daquilo que se diz e de como se diz.

Quando trabalhamos com a linguagem no contexto escolar, nos deparamos

com tantas possibilidades de se dizer a mesma coisa de formas diversificadas, que

essa linguagem passa a ser plurissignificativa nas relações que se estabelecem

entre locutor e interlocutor. A forma como o sujeito produz o seu discurso, determina

muitas vezes, a nossa interpretação de como os elementos poderiam ser inseridos

na construção do texto e, por isso, definir discurso na produção textual do aluno

requer do leitor uma postura mais dinâmica. Trazemos para a nossa análise e

discussão o conceito de discurso e texto proposto por Gallo (1989, p. 22):

Discurso, então, se define como prática linguística de um sujeito em determinadas condições de produção (sociais, políticas, históricas, etc.) O texto é, então, considerado como o produto de um discurso. O texto assim concebido, como o produto, é material, histórico, mas que, no entanto, conserva em si as pistas que remontam à materialidade histórica que está na origem de sua produção, e que são atualizadas pelo sujeito num movimento de reprodução/transformação.

As vozes alheias entremeiam os discursos e assim, surpreendem porque

dialogam com o outro instalando na cadeia discursiva a possibilidade de autoria. No

trecho: “aí um cachorro chamado cariosamente de Betoven” (linha 16), temos a

inserção de um elemento novo, aquele cachorro de todos os textos, agora ganha

uma identidade, um nome; não é um Betoven qualquer, é aquele que

provavelmente, o autor do texto já conhece dos filmes da televisão. Com isso, a

inserção de outras vozes constitui um recurso de instauração da autoria, tendo em

vista, o fato de:

Aquele que aprende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores. Toda sua atividade mental o que se pode chamar o “fundo perceptivo”, é mediatizado para ele pelo discurso interior e é por aí que se opera a junção com o discurso apreendido do exterior. A palavra vai à palavra. (BAKHTIN, 2006, p. 147)

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Figura 41 – Fragmento 2 – Texto VIII

Nesse contexto da palavra do outro, associada a um conhecimento já

adquirido em termos linguísticos e discursivos, produzem um efeito de sentido para

a criação de outras formas de interação. Quando utilizamos a palavra do outro,

estabelecemos um processo de interação, na perspectiva dialógica do

conhecimento.

Um texto que ganha relevância a partir da inserção de um título diferenciado.

Uma história que começa no circo, agora tem um homem que recebeu um nome:

„Gabriel e sua namorada Fabiana‟, que de alguma forma dão à história um desfecho

mais real; as ações não ocorrem com qualquer personagem, porque no discurso

desse sujeito que escreve para o professor, o diferencial está na veracidade dos

fatos, quando aquele “homem“ de a maioria dos textos recebe uma identidade,

percebemos que as categorias linguísticas utilizadas representam uma dinâmica no

movimento de autoria. Há indícios de autoria quando o autor (chamaremos autor,

porque o sujeito escreve e se marca), indica um processo de construção textual

mais livre, mesmo de forma tímida. Um aspecto a ser destacado nesse texto e que

ocorreu em quase todos os textos produzidos é a necessidade de escrever a palavra

“fim”, é como se fosse uma forma de estabelecer uma relação com o cumprimento

da responsabilidade em sala de aula.

Embora haja uma tentativa de um dizer diferenciado, o sujeito produtor ainda

desenvolve as ações do texto com fragmentos do texto modelo. Ressaltamos que as

marcas de autoria que esperamos encontrar nos textos em análises, podem ser

representadas por determinadas expressões, ou até mesmo por uma posição mais

crítica com relação às ações dos personagens. Observamos que o fato de o aluno

nomear os personagens é um indício de que na produção do texto escrito, sobretudo

quando este atende a uma tarefa escolar, há uma necessidade de uma marcação

discursiva seja com relação às marcas textuais como: a inserção de referentes, a

retomada, a substituição como forma de enriquecer o tema e/ou a história.

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Texto IX – o Circo (anexo I)

TÍTULO O Circo *

*Transcrição do Texto IX (Anexo I)

Temos no texto IX, um início bem característico de uma produção que segue

o modelo apresentado pela professora, mas já se mostra autônomo com relação à

inserção de elementos linguísticos. Ao trocar o recurso da sinonímia „bravo‟, por

„enfurecido‟, observamos que na apresentação da descrição há uma manifestação

discursiva diferente, muito embora o aluno siga a sequência do texto “modelo”.

Figura 42 – Fragmento 1 – Texto IX

1. A cena assistida começa, em um Circo onde um

2. homem foge de um cavalo enfurecido. E sem querer ela

3. entra numa jaula onde avia um leão dormindo .

4. Ao tentar sair da jaula, ele sem querer tranca

5. a porta e começa ajuda com um lenço mas não da muito

6. certo e com isso o homem fica completamente nervoso.

7. Com isso o homem continuava dentro da jaula, ao avistar

8. uma pequena porta e abri e da acesso ao outra jaula

9. onde avia um tigre acordado e feroz. Ele volta para a

10. outra jaula.

11. Ao voltar para a jaula do leão ele começa a mexer

12. nas coisas e derruba uma bandeija com água mais ele con

13. segue aparar antes que caise no chão e acordese o leão.

14. Derrepente chega um cachorro valente e com isso

15. começa a lati, o homem nervoso tentar expulsar o cachor

16. ro dali antes que ele acorda-se o leão.

17. O homem começou a pedir, emplorar para que o

18. cachorro parase-se de lati . sua namorada chega e com

19. isso o cachorro vai embora.

20. Sua namorado com medo de perder seu amado desmaia

21. de medo,e com isso o homem começa a jogar água para

22. que ela acorda-se. O leão acorda e rugi bem alto ai a mu

23. lher acorda e abre a porta para seu amado sair, o homem

24. para não se passar de medroso enfrenta o leão.

25. O leão rugi e o homem sai correndo desesperadamente

26. da jaula e sobe em um poste . sua namorada sai correndo

27. atras dele e acha seu amado em cima de um poste ele

28. desce e os dois vão embora dali.

29. Concluindo a namorada salva seu amado e os dois

30. vão embora felizes.

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A construção textual passa por uma ruptura quando ele elenca os

acontecimentos. Ao dividir o texto considerando a sua própria leitura, a descrição do

professor foi apresentada em três parágrafos. O aluno rompeu com o modelo,

quando descreveu a narrativa em oito parágrafos, o que indica um indício de autoria

na forma como posiciona os fatos do texto. Em: “O homem começou a pedir,

implorar para que o cachorro parasse de latir, (linhas 17 e 18), o referente do início

do texto agora é retomado com a inversão do determinante, o que dá certa relação

de afinidade do autor do texto com o seu personagem.

No trecho: “Sua namorada chega e com isso o cachorro vai embora”, (linhas

18 e 19) é como se o aluno marcasse a sua voz enquanto autor, porque em nenhum

momento do vídeo ou do texto da professora, a presença da namorada fosse a

causa para a fuga do cachorro.

Não podemos ignorar que o aluno se anuncia no texto quando muda a própria

sequência enunciativa, e insere gradativamente, elementos linguísticos, que ora

identificam a sua posição discursiva, ora enfatiza o discurso do texto do professor.

Em: “De repente chega um cachorro valente e com isso começa a latir” (linhas 14 e

15), temos aqui outra passagem do texto em que o aluno cria certa expectativa

acerca do que vem pela frente. Com a expressão “de repente”, há uma intervenção

discursiva, cujo resultado é uma ênfase nos perigos que o homem corre no interior

da cela. Há nesse caso, um processo de referenciação, o que indica de acordo com

Koch (2014), um processo que diz respeito às diversas formas de introdução no

texto.

Figura 43 – Fragmento 2 – Texto IX

Certamente a sequência relatada só pode ser compreendida por leitores que

conhecem a cena apresentada. O que observamos na produção textual do aluno, do

nosso ponto de vista é uma tentativa de escrita direcionada a um interlocutor

previsível, “o professor”. Não há no texto marcas explícitas de autoria, mas uma

tentativa de representação de um dizer outrora já discutido.

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Do ponto de vista gramatical, o texto se apresenta sem grandes problemas,

porém essa construção textual com relação a indícios de autoria, confirmando o que

afirma Possenti (2009, p. 114), “um dos indícios de autoria é dar voz aos outros e

esses outros constroem esse sentido por meio de inferência textuais discursivas”. Na

passagem: “Concluindo: a namorada salva o namorado e os vão embora juntos”

(linhas 29 e 30) há um desfecho que se assemelha a uma narração típica de

fábulas, em que o final é sempre uma moral. Essa manifestação das marcas de

outros discursos numa produção escolar evidencia o pouco contato com outras

formas de leitura no contexto escolar.

Figura 44 – Fragmento 3 – Texto IX

Texto X - o Circo (anexo J)

TÍTULO O Circo *

*Transcrição do Texto X (Anexo J)

1. A história contada passa-se em um circo onde um

2. homem está fugindo de um cavalo furioso e acaba entran-

3. do numa jaula de leão,que está silênciosamente dormindo,

4. com cuidado vai até a porta e tenta abrí-la, mas acaba

5. trancando-na, procurando ajuda retira um lenço do bolso

6. e abana-o, mas ninguem aparece, felismente acha uma

7. portinha, chega no local e abre-na. A porta dava

8. acesso a outra jaula com um tigre bem acordado,

9. ao perceber fecha-na rapidamente.

10. Após sair tropeça em uma tabúa e sem querer

11. deixa uma bandeja com água cair, por sorte pega-na

12. rapidamente, respira aliviado, mas não por muito tem-

13. po pois logo após aparece um cachorro latindo, com

14. medo o homem pede para que fisesse silêncio, mas

15. obviamente não silênciou, após tenta chuta-lo

16. e o cachorro agora no seu pé. Neste momento, sua

17. namorada chega e vendo ele nesta situação, desmaia

18. logo o cachorro sai, e tem uma ideia, pega a

19. bandeja com agua e joga-na na mulher e neste momento

20. o leão desperta, desesperado corre para a porta e

21. o leão sege-no e o cheira. O animal não demonstra

22. interesse e volta a dormir, o homem estranha a

23. situação e neste momento a mulher acorda e

24. abre a porta, chega a hora do homem demonstrar

25. coragem chega perto do leão e o animal ruge

26. bravamente e o homem sai correndo e sobe num

27. mastro, sua namorada o segue e para disfarçar,

28. finge estar dançando e em seguida desce e os

29. dois saem do local.

30.

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Iniciamos esta análise observando que o título é o mesmo dado pela

professora e pela maioria dos alunos, entretanto, o diferencial está na forma como o

aluno vai construindo o seu texto. Um texto do ponto de vista da forma, aceitável,

com uma linguagem que permite ao leitor um encontro com o produtor de uma forma

que a história se desenvolve linearmente, porque a cena enunciativa está

representada no dizer do aluno. Observamos que o processo da repetição é utilizado

pelo aluno como um recurso de coesão recorrencial, mesmo esse sujeito autor não

tenha consciência desse recurso linguístico. No trecho “a história contada”, (linha 1),

o autor mantém distância do seu discurso, como locutor. Nesse texto, ele não se

manifesta como um “eu”, não assume um dizer, mas reconta a história mantendo a

sequência apresentada pela professora.

O texto revela certa estabilidade na relação do sujeito enunciador, porque o

aluno teve uma preocupação com o leitor, indicando de alguma forma, um estilo para

contar, apesar de no texto desse aluno não haver ideias recorrentes, o seu estilo

representou um indício de autoria na forma de relatar, “a história contada passa-se

em um circo” (linha 1). Pressupõe-se que essa história é passada, mas no momento

da enunciação, o aluno constrói o discurso a partir de um lugar como um espectador,

pelo menos é a impressão que se tem na leitura inicial.

O texto do aluno é marcado também, pela inserção de elementos textuais

discursivos que enriquecem a história contada. No trecho: “procurando ajuda retira

um lenço do bolso e abana-o, mas ninguém aparece”, (linhas 5 e 6) observamos a

sequência de ações em que o autor não usa o recurso da pontuação, entretanto

mantém a coerência textual ao inserir o elemento de coesão, “mas” (linha 6), que

permite ao leitor inferir sobre os problemas que aquele homem enfrentará na

situação descrita.

Figura 45 – Fragmento 1 – Texto X

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A capacidade de o aluno se inscrever no texto é claramente expressa quando

ele faz uma apresentação daquilo que vai ser relatado. “Neste momento a mulher

acorda e abre a porta”, “chega o momento do homem demonstrar coragem”, (linhas

23 e 24). Vejam que é uma sequência narrativa onde todos os acontecimentos são

simultâneos ao momento da fala, esse aspecto é evidenciado pelo emprego dos

verbos no presente.

Figura 46 – Fragmento 2 – Texto X

Escrever com autoria, significa escrever com autonomia. De acordo com

Cavalcanti ( 2010), as reflexões de Possenti sobre autoria não permitem apenas

“descobrir”, como determinados textos produzem o efeito de singularidade, mas

também observar a produção de outros efeitos, como a imposição de dada leitura,

de uma certa forma de ver e refratar o mundo. Ou seja, essa escrita contendo

indícios de autoria pode ser representada por certas expressões que permitem ao

leitor estabelecer um jogo de sentidos representado por um dizer diferenciado.

Vejamos o trecho a seguir:

Nesse jogo discursivo em que o sujeito se apropria das facetas da língua

para retratar o mundo, palavras e expressões surgem no interior do texto e

Figura 47 - Fragmento 3 – Texto X

Figura 48 - Fragmento 4 – Texto X

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funcionam como modos de interação entre o sujeito e a linguagem. Conforme

Marcuschi (2001, p.3), “nossos discursos se dão como atividades de enunciação em

formações discursivas históricas e sociais, tornando a interação uma matriz de

sentidos”. Nesse sentido, o aluno produz o seu texto mediante uma ação discursiva

que o representa textualmente.

6.3. Sobre as análises

No processo de construção da escrita os alunos se deparam com obstáculos,

mas podem se constituir como autores, desde que entendamos a autoria em uma

visão restrita ao contexto de produção escrita em que os sujeitos estabelecem inter-

relações na construção de sentidos e nessa rede interativa elaborem os dizeres em

um trabalho ativo com e sobre a língua, expressando marcas que assinalem

discursos específicos e denotem uma expressividade discursiva, um estilo.

Dessa forma, podemos inferir que a produção escrita em sala de aula, a

partir de objetivos que levem em conta a capacidade discursiva do aluno, o que ele

tem a dizer e os meios que ele pode empregar para dizer, permite um envolvimento

com a escrita de modo significativo.

As repostas que queremos dos alunos, quando solicitados a realizarem uma

atividade de escrita, têm uma relação direta com a condução feita por nós,

professores, em sala de aula. Nesse sentido, é importante investir em uma ação

pedagógica para um ensino mais colaborativo, voltado para o aluno de modo que ele

desenvolva competências para produções autônomas, como é o fundamental.

Assumir uma postura autoral significa romper com as barreiras da linguagem;

significa vencer a própria resistência na linguagem.

O aluno precisa dominar as competências linguísticas, discursivas e

comunicativas para se manifestar nas diferentes situações na produção de textos

que se vão ampliando a partir do momento em que produzem enunciados e se

posicionam de forma crítica ao escreverem e reescreverem discursos modificáveis,

porque oriundos da constância dialógica inerente à linguagem.

Os alunos como sujeitos têm em natureza a linguagem, por meio da qual

expõem o funcionamento da língua. É nos contextos de produção que se vale de

recursos vários dispostos na língua para construir os eventos comunicativos. Nessa

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construção, o sujeito deixa transparecer esses recursos, marcando sua atuação

como sujeito enunciador, evidenciando a relação interativa sujeito e linguagem.

Nessa relação interativa o aluno se expõe como sujeito enunciador ao

apresentar na produção escrita uma identidade a partir do modo como articula e

expõe as ideias, evidenciando seu estilo.

Quando queremos enxergar o outro, sobretudo na sua forma de dizer, nos

guiamos por um processo de construção, que às vezes não nos permite estabelecer

um parâmetro de compreensão para o que pretendemos referenciar.

No processo de construção da escrita, os alunos desbravam caminhos, se

deparam com obstáculos, mas se constituem como autores, visto que estabelecem

uma relação entre seu discurso e o discurso do outro, ou seja, ao tornar evidente a

sua fala, o aluno sente a necessidade de comprová-la através da fala do outro,

porque assim, pode posicionar-se diante dos acontecimentos que a vida lhe

proporciona.

Dessa forma, podemos inferir que propor a produção escrita em sala de aula,

a partir de uma proposta que considere a capacidade discursiva do aluno, o que ele

tem a dizer e, que meios ele pode utilizar para dizer, permite que o trabalho com a

escrita seja significativo, tendo em vista que as situações favoráveis representam

uma nova forma de atividades com a linguagem.

A palavra que nos falta é aquela que ainda não tivemos coragem de usar; a

palavra que dará sentido a tudo o que desejamos realizar enquanto ser que vive em

sociedade. Se necessitamos falar para sermos compreendidos, nossas palavras

devem ser carregadas de significados explícitos e implícitos, portanto, na sala de

aula, o aluno precisa ser instigado a usar a sua palavra com coragem e firmeza para

construir um discurso que o insira num mundo próprio, porém coletivo.

Ao sugerir a palavra do outro para o seu discurso, é necessário que os alunos

sejam orientados a realizar escolhas que os possibilitem a produzir textos com

autoria; não autoria no sentido do discurso, mas no sentido de produção e condição

social. Ao fazer essas escolhas, o aluno deve no momento da produção textual,

evidenciar que as vozes alheias podem ser suas, porque o seu estilo e sua forma de

dizer é singular, porém, não única.

A autonomia da qual o aluno precisa para se manifestar nas diferentes

situações é concretizada a partir do momento em que produzem enunciados e

nestes, se posicionam de forma crítica ao escreverem e reescreverem um discurso

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modificável, porque é oriundo de muitas vozes, de muitos dizeres. Não se pode

negar que os alunos são autênticos, mesmo quando atendem à proposta de escrita

somente como uma tarefa escolar. Na verdade, essa é a concepção de escola que a

grande maioria dos alunos têm e assim, constroem textos que pouco ou nenhuma

relação com o seu universo.

No universo discursivo do aluno, recursos diferentes foram utilizados como

forma de marcá-los como detentores de um estilo próprio e/ou singular, conforme

assevera Possenti (2009, p.106), “é impossível pensar a noção de autor sem

considerar de alguma forma a noção de singularidade, que por sua vez, não poderia

escapar de uma aproximação-bem-feita- com a questão do estilo”. E nesse sentido,

os alunos produziram textos com autoria à medida em que marcavam o seu “dizer”,

de uma forma surpreendente como foi o caso do texto VII (fig. 36) em que o aluno

escreveu um texto com base no discurso do professor, entretanto, conduziu essa

escrita com um estilo diferenciado, sobretudo pela inovação no próprio título: “A

Jaula Do Leão”.

É importante ressaltar que os textos representaram uma parte significativa de

um estudo com possibilidades de vários olhares, porque foram práticas de escrita

num mesmo contexto de ensino, mas que demonstra a heterogeneidade da

formação discursiva de cada um desses alunos, que atravessados por um discurso

motivador, no caso o texto da professora, foram capazes de criar textos

diferenciados mesmo na estrutura ou na forma.

A observação acerca das produções de escrita dos alunos, indicam que na

realidade há uma resposta a uma proposta apresentada, ou seja, a palavra do aluno

comporta a palavra da professora na forma de expressão. Essa assertiva comporta

o que afirma Orlandi (2003, p.43) que, “toda palavra é sempre parte de um discurso.

E todo discurso se delineia é na relação com outros dizeres presentes e dizeres que

se alojam na memória”.

Quando o aluno diz “a cena assistida ocorre”, texto IX (fig. 38), ele retoma o

discurso da professora, porque o texto motivador apresentou essa introdução,

confirmamos assim que a construção de dizeres tem relação com o dizeres alojados

na memória. E assim, os textos escolares são construídos gradativamente com

referências e referentes próprios do universo discursivo social do aluno e/ou com a

inserção de novos dizeres presentes em outras vozes de uma outra esfera social da

qual ele faz parte.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao delimitarmos como proposta deste trabalho a busca por indícios de autoria

em textos de alunos do nono ano, ou seja, perceber o modo como esses alunos se

expressam discursivamente em seus textos, refletimos sobre o processo de escrita

no contexto de sala de aula na interação aluno (produtor), texto (produção),

professor(leitor), cujo papel do professor como leitor do texto do aluno pode apontar

não só um olhar sobre a composição e a organização estrutural, mas,

fundamentalmente, sobre os sentidos que incidem sobre as formas e o modo como

o sujeito os integra na construção da coerência no seu dizer.

As práticas de leitura e de escrita constituem a base para que a aquisição da

linguagem seja de fato o objetivo da escola, no que concerne às atividades a serem

desenvolvidas em todas as modalidades de ensino. Baseando-se nas reflexões aqui

realizadas de como o aluno pode se manifestar discursivamente; aponta-se que

muito há de ser feito pela escola, em termos de adequação de metodologias para

que o aprendizado, sobretudo da escrita tenha como referência o universo discursivo

do aluno considerando as suas peculiaridades.

A noção de que o sujeito pode ao longo da vida escolar se posicionar como

alguém que sabe o que fala e para quem fala, não cria brechas na forma como se

coloca frente aos desafios impostos pelas circunstâncias sociais, nas quais ele

sempre estará inserido, por um motivo ou outro. Com relação ao que se determina

em termos de aprendizado no mundo da escrita, o aluno é esse sujeito do qual se

espera que alcance a sua autonomia em situações diversas.

O aluno, enquanto autor de um texto é um indivíduo que executa uma tarefa.

Portanto, deve apresentar um domínio discursivo que o conduza na realização

dessa obra, através de marcas singulares de um dizer norteado por recursos

disponíveis na língua e, que devido à falta de um trabalho mais efetivo com a

linguagem, fica à margem do saber desse aluno. Nas atividades de produção

textual, que envolvem a autoria, diversos fatores são considerados e elencados na

escrita, dentre eles, “o como” e “para quem” o aluno escreve.

Com relação ao processo de construção da autoria e que categorias se define

quando o objeto de estudo é encontrá-lo, deve-se ter como parâmetro, o que é

produzido na sala de aula e em que condições essa produção é realizada, nesse

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caso, o discurso pedagógico pode interferir no processo? Para nós, professores, os

maiores desafios dizem respeito à concepção de ensino e de língua que adotamos

na prática e, claro, às condições em que trabalhamos tudo isso, interfere na

manifestação discursiva do aluno.

A reflexão que se faz acerca do ensino de Língua Portuguesa e de sua

relação com a autoria revela que nas produções textuais dos alunos são muitas as

possibilidades de manifestações autorais, ou possíveis indícios de autoria como:

ideias recorrentes, marcas de estilo singular em que o sujeito apresenta uma forma

específica de manifestação linguística. Tudo isso, e muitos outros recursos, são

utilizados pelos alunos, entretanto, às vezes, é desconsiderado pela escola.

Ao escrever um texto, muitos aspectos evidenciam as condições e demarcam

um lugar ocupado pelo sujeito. Esse sujeito, que é um autor, no sentido do seu dizer,

que se apropria de outras vozes para se representar discursivamente e assim,

ocupar um lugar de destaque na sociedade legitimando o seu discurso, mesmo que

seja um discurso recontado, narrado para o outro de um jeito específico. Essas

vozes que atravessam outras vozes se entrecruzam por meio de elementos

linguísticos que se diferenciam no interior do texto que é produzido para um leitor,

que construirá um sentido ou múltiplos sentidos.

No trabalho em foco, o que ficou perceptível, foi a necessidade de um amplo

reconhecimento da capacidade que tem o aluno de se manifestar discursivamente

nas atividades de escrita, sobretudo aquelas que envolvem a função-autor; sim, a

função-autor, porque é isso que deve ser o objetivo das atividades de escrita, no

contexto da sala de aula. As marcas e/ou indícios de autoria foram manifestações

linguísticas que ocorreram nas produções textuais dos alunos, que diante de uma

proposta de escrita com um texto motivador, foram capazes de se colocar como

sujeito do seu dizer em alguns textos.

Fazer parte do processo de ensino-aprendizagem dos alunos do Ensino

Fundamental, nos fez perceber a importância de entender como ocorre a construção

de autoria em textos em produções textuais escritas em ambiente escolar. Foram

inquietações e os questionamentos para descobrir como ocorre o processo autoral

dessa construção que nos fizeram tomar a atitude de pesquisadora para desvendar,

ou pelo menos, tentar descobrir e/ou identificar os sentidos construídos para a

realização da autoria nessas produções, bem como afirma Volochinov (2004, p. 147)

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“é preciso fazer uma análise profunda e aguda da palavra como signo social para

compreender seu funcionamento como instrumento de consciência.

Com base no que observamos, esse aluno escreve e escreve de uma forma

singular, com um estilo que lhe é característico. Conforme Bakhtin (2003, p. 310),

cada texto( como enunciado) é algo individual, único e singular, e nisso reside todo o

seu sentido ( sua intenção em prol da qual ele foi criado). Ao se inscrever num

discurso, o sujeito se manifesta no e para o mundo por meio da linguagem, assim,

realiza atividades discursivas

Com base nas reflexões aqui realizadas, concluímos que muito ainda há de

ser feito pelo aluno em termos de alternativas metodológicas para a produção de

textos, tendo em vista os percursos da pesquisa científica e a preocupação com a

perspectiva de aplicação na relação com a escola básica como, por exemplo, a

intenção do nosso estudo em contribuir para repensar o olhar do professor, na

sugestão de que se invista mais no aluno, principalmente, naquele que já tem uma

maior desenvoltura para expressar-se no seu dizer, mesmo não tendo domínio da

forma. E não chamar a sua atenção somente para a estrutura textual e o emprego

do uso culto da língua.

O professor, no contexto da sala de aula, deve estar amparado por todo um

conhecimento acerca do que deve ser desenvolvido com o aluno, no sentido de uso

adequado da linguagem como construto indispensável para a sua autonomia

enquanto sujeito que age socialmente por meio da linguagem seja ela oral ou

escrita. Falar da autoria em textos de escolares, significa a possibilidade da

condução de um trabalho com a escrita que leve em consideração o papel do aluno

enquanto produtor de um discurso que lhe é único e singular, portanto,

representativo de um dizer.

Ao escrever um texto, muitos aspectos evidenciam as condições e demarcam

um lugar ocupado pelo sujeito. Esse sujeito, que é um autor, no sentido do seu dizer,

que se apropria de outras vozes para se representar discursivamente e assim,

ocupar um lugar de destaque na sociedade legitimando o seu discurso, mesmo que

seja um discurso recontado, narrado para o outro de um jeito específico.

Quando nos referimos a essas vozes, tratamos evidentemente de destacar a

posição de um sujeito que na construção do enunciado, marca também a sua

singularidade

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150

. Essas vozes que, atravessam outras vozes, se entrecruzam por meio de

elementos linguísticos que se diferenciam no interior do texto que é produzido para

um leitor, que construirá um sentido ou múltiplos sentidos.

No trabalho em foco, o que ficou perceptível foi a necessidade de um amplo

reconhecimento da capacidade que tem o aluno de se manifestar discursivamente

nas atividades de escrita, sobretudo aquelas que envolvem a função-autor. Sim, a

função-autor, porque é isso que deve ser o objetivo das atividades de escrita, no

contexto da sala de aula. As marcas e/ou indícios de autoria foram manifestações

linguísticas, a partir das quais, há um projeto maior no dizer desse aluno, ou seja, no

uso que ele faz da linguagem e de como ele constrói o seu enunciado no mundo

discursivo , um mundo externo a todos os aspectos inerentes a uma marca

discursiva.

O diálogo do sujeito com o seu interlocutor por meio de enunciados

construíram e ao mesmo tempo desconstruíram uma noção de autoria na qual nos

apoiamos para as análises dos textos, considerando que a noção de texto proposta

por Possenti (2009 a), desconstrói o conceito de um bom texto que tem vigorado

nas escolas, conceito este que diz: um texto bom é aquele que atende às

exigências gramaticais e/ou textuais da língua culta escrita, o que de certa forma,

acaba por apresentar uma limitação na avaliação textual. Ir além da superfície

textual, significa dar ao aluno, oportunidade de usar a sua competência discursiva

para a sua própria transformação social e cultural.

Considerar o que o aluno tem a dizer e permitir que o mesmo assuma a sua

posição como sujeito que age socialmente por meio das várias linguagens, pode ser

o referencial para que nas aulas dedicadas à produção e à escrita sejam de fato, um

motivo para o aluno assistir aula de Língua Portuguesa com alegria e, assim

produzam textos com marcas autorais, seja pela inserção de um elemento surpresa,

seja pela forma de dizer o dizer do outro de forma diferenciada.

Esse trabalho nos permitiu um contato com outras práticas pedagógicas e

com atividades de escrita diferenciada, pois só o fato de a professora trabalhar com

a perspectiva da narração e/ou descrição da cena de um filme foi algo diferenciado,

considerando que o processo da prática de escrita em sala de aula na maioria das

vezes está relacionada com atividades descontextualizadas. O fato de a professora

utilizar a cena de um filme como recurso didático, foi positivo e ao mesmo tempo,

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contribuiu para que os alunos escrevessem, mesmo aqueles que seguiram o

modelo.

A escola que temos, às vezes não permite um trabalho mais efetivo com a

prática de textos escritos, porque são muitos os fatores que não permitem ao

professor essa dinâmica de inovação, mas aqueles que por algum motivo fazem

atividades diferenciadas, possibilitam aos alunos esse papel de transformar e formar

um discurso com coerência e coesão para ser lido e compreendido.

Pensando sempre em como responder a nossa questão central: identificar

indícios de autoria e, se de fato esse aluno é autor ou produtor, acreditamos que

uma prática de linguagem que o permita se apresentar como um sujeito autônomo

linguisticamente pode ser o diferencial na construção de um texto, seja um texto com

um material discursivo como modelo e/ou aquele em que ele necessitará buscar no

seu conhecimento cognitivo, enciclopédico ou de mundo as bases para a

materialização desse discurso.

Podemos dizer que outras questões surgiram no decorrer desse estudo

quando nas reflexões sobre esse saber tão necessário à vida do aluno, domínio da

escrita, poder ser realizado na escola com a ajuda da família e para um melhor

desenvolvimento em outros segmentos da sociedade. A aprendizagem formal para o

domínio da escrita tem como protagonistas professores e alunos atravessados pela

necessidade de uma transformação de olhares e de comportamentos; por isso,

nosso estudo não se encerra, ele aponta para a importância de um estudo contínuo

sobre o modo de escrever e ensinar a escrever em um espaço escolar onde o texto

e ensino estejam pautados no dialogismo.

Nessa perspectiva dialógica, queremos registrar que nos textos analisados,

há a emergência de uma tomada de decisão sobre como o texto deve ser priorizado

porque o aluno o dizer do aluno é muito mais do que está estampado no papel, a

percepção “real” do seu dizer é muitas vezes implícita, só acompanhada por uma

postura sensível, humana do professor.

Com este trabalho, esperamos contribuir com um projeto de ensino que

envolva o aluno de forma que este se represente discursivamente num diálogo

mútuo com o outro, de modo a desenvolver a competência sociodiscursivas.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

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APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

CURSO DE MESTRADO EM LETRAS

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, de uma

pesquisa. Leia com atenção o que se segue e se tiver alguma dúvida, pergunte ao

responsável pelo estudo. Esta pesquisa está sendo conduzida por Margareth

Valdivino da Luz Carvalho. Após ser informado(a) acerca deste estudo, caso aceite

colaborar com esta investigação, assine ao final deste documento que está em 02

(duas) vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador principal. Em caso de

desistência você pode se informar com o Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Federal do Piauí – UFPI, pelo telefone (86) 3237-2332.

ESCLARECIMENTO SOBRE A PESQUISA

Título do Projeto: ALUNO: AUTOR (E) (OU) PRODUTOR DE TEXTOS? Uma

investigação a partir da escrita de alunos do nono ano do Ensino Fundamental de

uma Escola Pública Estadual de Picos – PI

Pesquisadora Responsável: Profª Drª Maria Angélica Freire de Carvalho.

Pesquisador Principal: Margareth Valdivino da Luz Carvalho

Telefones para Contato: (89) 9914 –8800 ou (89) 8805-0914

DESCRIÇÃO DA PESQUISA COM SEUS OBJETIVOS

Trata-se de uma pesquisa que será realizada através do Programa de Pós-

graduação em nível de Mestrado em Letras da UFPI .O estudo torna-se relevante

porque aborda o papel do aluno como sujeito/autor de textos propostos pelo

professor, e como ele se coloca enquanto produtor desse texto.

Os objetivos da pesquisa são:

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Identificar indícios de autoria nas produções textuais de alguns alunos

selecionados de uma escola pública da cidade de Picos (PI).

Verificar marcas textuais-discursivas que contribuíssem para uma inserção

do sujeito enunciador de modo que ao se interpor com outras “vozes” na

construção de sentidos evidencie um discurso autônomo, que caracterize

um estilo.

INFORMAÇÕES IMPORTANTES

Garantia de acesso

Gostaria de informar que você tem a garantia de acesso em qualquer etapa

do estudo através do contato com os profissionais responsáveis pela pesquisa para

esclarecimento de eventuais dúvidas. Para maiores informações, você poderá entrar

em conato com a pesquisadora Margareth Valdivino da Luz Carvalho pelos telefones

(89) 9914-8800 ou (89) 8805-0914

Em caso de dúvida ou sugestões sobre a ética da pesquisa, entre em contato

com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Piauí,

através do e-mail: [email protected] ou telefone: (86) 3237-2332.

Garantia de Sigilo

Se você aceitar participar deste estudo, seu nome e identidade serão

mantidos em sigilo. A menos que requerido por lei ou por sua solicitação, somente a

pesquisadora e o Comitê de Ética terão acesso a suas informações para verificar as

informações do estudo.

Período de Participação

Ao voluntário(a) fica assegurado o direito de retirar o consentimento a

qualquer tempo sem qualquer prejuízo de continuidade do acompanhamento.

____________________________________________________

ASSINATURA DO PESQUISADOR PRINCIPAL

Eu,________________________________________________________________,

RG__________________________; CPF __________________________________

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162

abaixo assinado, concordo em participar do estudo: ALUNO: AUTOR (E) (OU)

PRODUTOR DE TEXTOS? Uma investigação a partir da escrita de alunos do nono

ano do Ensino Fundamental de uma Escola Pública Estadual de Picos – PI. Fui

claramente informada pela pesquisadora Margareth Valdivino da Luz Carvalho a

respeito da minha participação neste estudo. Ficaram claros para mim quais são os

objetivos do estudo, os procedimentos a serem realizados, as garantias de

confidencialidade e de esclarecimento permanente e, ainda, que minha participação

é isenta de despesas e que poderei retirar o meu consentimento a qualquer

momento, antes ou durante sem penalidade ou prejuízo.

Ciente e de acordo com o que foi anteriormente colocado, aceito participar

desta pesquisa, assinando este consentimento em duas vias, ficando de posse de

uma delas.

Picos(PI), _______ de _______________________ de 2014

___________________________________________________

ASSINATURA DO SUJEITO DA PESQUISA

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APÊNDICE C – TERMO DE CONFIDENCIALIDADE

Título do projeto: ALUNO: AUTOR (E) (OU) PRODUTOR DE TEXTOS? Uma

investigação a partir da escrita de alunos do nono ano do Ensino Fundamental de

uma Escola Pública Estadual de Picos – PI

Pesquisador responsável: Profª Drª Maria Angélica Freire de Carvalho

Pesquisadora Principal: Margareth Valdivino da Luz Carvalho

Instituição/Departamento: Universidade Federal do Piauí/ Centro de Ciências

Humanas e Letras.

Telefone para contato: (89) 9997 – 9117 ou (86) 9946 – 4327

Local da coleta de dados: Escolas Estaduais de Picos-PI.

Os pesquisadores do presente projeto se comprometem a preservar a

privacidade dos voluntários cujos dados serão coletados numa escola estadual de

Picos-PI, por meio de entrevistas e coleta de textos produzidos pelos alunos do

Nono Ano. Concordam, igualmente, que estas informações serão utilizadas única e

exclusivamente para execução do presente projeto. As informações somente

poderão ser divulgadas de forma anônima e serão mantidas sob responsabilidade

da pesquisadora a Srª. Margareth Valdivino da Luz Carvalho, por um período de 02

(dois) anos.

Após este período, os dados serão destruídos.

Picos-PI, .............de ............................de 20......

__________________________________________________ Margareth Valdivino da Luz Carvalho

Mestranda em Letras/UFPI

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ANEXOS

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ANEXO A – TEXTO I: “O Circo”

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ANEXO B – TEXTO II: “O Circo”

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ANEXO C – TEXTO III: “Charles Chaplin na jaula do leão”

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ANEXO D – TEXTO IV: “Loucura no Circo”

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ANEXO E – TEXTO V: “O Circo da Criatividade”

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ANEXO F – TEXTO VI: “O Circo”

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ANEXO G – TEXTO VII: “Super-Heroína por um dia”

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ANEXO H – TEXTO VIII: “A jaula do leão”

Page 175: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ UFPI CENTRO DE … · eles são como espinhos e flores. São de nossos caminhos e se constituem neles. ... sempre me apresentou muitos anjos, e

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ANEXO I – TEXTO IX: “O Circo”

Page 176: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ UFPI CENTRO DE … · eles são como espinhos e flores. São de nossos caminhos e se constituem neles. ... sempre me apresentou muitos anjos, e

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ANEXO J – TEXTO X: “O Circo”